CRIMINALIDADE E ANÁLISE DE GÊNERO: A MULHER E O CRIME. UM ESTUDO NA PENITENCIÁRIA DE GARANHUNS – PE Ana Maria de Barros Ana Maria de Sá Barreto Maciel Isabelle Ramos Freire Maria Perpétua Dantas Jordão CRIMINALIDADE E ANÁLISE DE GÊNERO: A MULHER E O CRIME. UM ESTUDO NA PENITENCIÁRIA DE GARANHUNS – PE Ana Maria de Barros Profa. da UFPE, Doutora em Ciência Política e Mestre em Educação, Coordenadora do Núcleo de formação Docente - UFPE, Campus do Agreste. Ana Maria de Sá Barreto Maciel Psicóloga, Profa. da ASCES e da FAVIP - Caruaru - PE. Isabelle Ramos Freire Graduada em Direito pela ASCES - Caruaru. PE. Maria Perpétua Dantas Jordão Mestre em Ciência Política, Advogada, Profa. da Faculdade ASCES, Coordenadora do Núcleo Prática Jurídica e do Projeto de Adoção de cidadãos Presos do Curso de Direito da Faculdade ASCES em Caruaru. Sumário I – Introdução; II – Refletindo Sobre a Relação de Gênero; III – Execução Penal e Relação de Gênero; IV - Apresentação dos Resultados obtidos na Penitenciária de Garanhuns – PE; IV – Análise dos Resultados e Notas Conclusivas; Referências. Palavras – Chave Crime – Mulher – Exclusão – Sistema Penitenciário. I - Introdução Nos últimos dez anos temos assistido o crescimento vertiginoso da criminalidade em nosso país, um aspecto tem chamado à atenção de estudiosos no assunto: O aumento considerável do número de mulheres aprisionadas ou acusadas de envolvimento com a criminalidade. Esse fenômeno, no entanto, não vem sendo acompanhado pelas Ciências Sociais no ritmo do seu crescimento. Ainda são insuficientes as informações e os dados sobre esta criminalidade, razão pela qual, desde 2002, iniciamos um grupo de pesquisa na ASCES (Faculdade de Direito de Caruaru) para estudar este fenômeno social crescente, a partir de uma visão multidisciplinar, que prioriza aspectos sócio- jurídico – penais, e da psicologia social. No presente artigo, as pesquisadoras apresentam um primeiro ensaio do conhecimento produzido pelo grupo de pesquisa, enfocando inicialmente a realidade da única unidade prisional feminina do interior do Estado de Pernambuco, verificando como a partir dos dados obtidos podemos compreender melhor a relação entre gênero e crime e a importância dessa temática como objeto de estudo. Partimos da perspectiva da metodologia quali-quantitativa como caminho para a realização do estudo, dada a complexidade do objeto de estudo das ciências humanas e sociais. Nesse percurso nos valemos de instrumentos também da pesquisa quantitativa, não percebendo antagonismo entre as ciências humanas e naturais, mas em função da sua complementaridade. Por mais que possamos utilizar as ferramentas de pesquisa quantitativa, reconhecemos a sua insuficiência para os fenômenos sociais. O rigor das ciências da natureza não se deve, em absoluto, a que elas sejam mais rigorosas e seus métodos mais preciosos. Acontece que o bicho com que lidam é muito doméstico, manso, destituído de imaginação, faz sempre as mesmas coisas, numa rotina enlouquecedora, freqüenta os mesmos lugares. Tanto assim, que é possível prever onde estarão terra, sol, e lua daqui a 100 mil anos [...] É isso que torna tão difícil fazer uma ciência rigorosa do mundo humano. O problema não está nem nas teorias, nem nos métodos, mas na própria natureza do objeto1 . O mundo das relações sociais não é tão previsível como as relações do mundo da natureza, suas leis não são tão visíveis, e não podem ser facilmente mensuradas. À medida que nos relacionamos estabelecemos uma maior complexidade nas interações, e encontramos uma maior dificuldade de prevermos as ações dos sujeitos. A compreensão qualitativa não rejeita a utilização do dado objetivo: visível, quantificável, observável, propõe ir além dele, mergulhar nas tramas, nas teias de relações que enriquecem e oferecem complexidade ao objeto de estudo. A compreensão qualitativa reúne a condição original, o movimento significativo do presente e a intencionalidade em direção ao projeto futuro [...] reconhece o sujeito como autor, sob condições dadas, capaz de retratar e refratar a realidade. Não apenas como sujeito sujeitado, esmagado e reprodutor das estruturas e relações que o produzem e nas que ele produz [...] nossa busca sem fim, nesse processo inacabado, cheio de contradição e solitário, nesse terreno que não tem donos e nem limites, o significado e a intencionalidade são os mesmos da primeira a última linha2 . Os instrumentos de coleta de dados foram: observação participante, questionário, entrevista semi–estruturada e pesquisa documental. A variedade de instrumentos utilizados na coleta de dados possibilitou uma melhor triangulação dos dados, interpondo: entrevistas e documentos, nos permitindo uma visão mais ampla da realidade estudada. Aplicados um total de 35 questionários e 16 entrevistas. A triangulação dos dados consiste na combinação e cruzamento de múltiplos pontos de vistas através do trabalho conjunto de várias pessoas pesquisadas e 1 - ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência. Introdução ao Jogo e as Suas Regras. São Paulo: Loyola, 2000, p.104-105. 2 - MINAYO, Maria Cecília. O Desafio do Conhecimento. SP: Hucitec, RJ: Abrasco, 2000, p.252 – 254. diversos informantes e diferenciadas técnicas de coleta de dados3. As informações foram registradas através de anotações simultâneas nas entrevistas, não utilizamos o gravador para não constranger as presas. Fotografamos para ilustrar o cotidiano vivenciado, o ambiente, a arquitetura, a limpeza da unidade com a autorização da gerência da unidade prisional4: instalações físicas, organização de celas, laborterapia. Também trabalhamos com questionários aplicados pelos estudantes de Direito da ASCES. Como forma complementar de registro, trabalhamos com o caderno de campo onde registramos nossas impressões cotidianas, as angústias do grupo de trabalho, as dificuldades vivenciadas durante a pesquisa de campo e novas informações não obtidas nos instrumentos definidos para a pesquisa. No dia 29 de Setembro de 2004 trabalhamos durante 10 horas na unidade prisional, agendamos com antecedência. Negociamos com a gerência da unidade prisional, apresentamos teatro com os Grupos da ASCES “O Direito na Rua” e “Projeto de Adoção de Presos”, a idéia era quebrar o gelo e pelo teatro, pela comédia com situações comuns às mulheres, buscar proximidade e distencionar o ambiente. Pela manhã iniciamos os registros: Questionários, entrevistas e anotações no caderno de campo. Almoçamos com as detentas, à tarde assistimos suas apresentações de música e teatro. Concluímos o trabalho completando os questionários, as entrevistas e a pesquisa documental. O resultado da tabulação dos dados do questionário que serviu para coleta de dados sobre o perfil sócio-econômico das presas, poderá ser observado no decorrer deste artigo. Partimos de algumas hipóteses: A mulher criminosa reproduz o mesmo modelo de subordinação 3 encontrado no meio social, as criminosas - Ibdem, p.240. - Que também nos forneceu mapas com população prisional, estatísticas e outros documentos que complementaram nossa análise documental. 4 pernambucanas em sua maioria estão ligadas às práticas dos crimes masculinos e atuaram como comparsas dos seus companheiros, as mulheres criminosas são abandonadas pelos companheiros e pela família após a prática delituosa em função da não – aceitação do seu novo papel social. II. Refletindo Sobre a Relação de Gênero Inúmeros estudos a cerca das relações de gênero vem sendo desenvolvidos pelas diversas áreas das Ciências Sociais, em diversos sentidos: sobre a ocupação da mulher no mercado de trabalho, sua ascensão política, participação em ONGs e Movimentos Sociais, porém ainda são incipientes os estudos interdisciplinares que estabeleçam pontes entre essa intensa participação da mulher na sociedade e suas implicações como praticantes de atos violentos. Na sociedade patriarcal, desde a formação da sociedade de classes, podemos observar a dominação da mulher. ENGELS5 analisa esse processo de dominação a partir da substituição da propriedade coletiva pela propriedade privada, demonstra que na sociedade primitiva o trabalho de todos era valorizado igualmente, as diferenças de sexo e idade não expressavam desigualdades sociais onde o trabalho de todos tinha sua importância para a comunidade. O aumento da produção de excedentes conduz ao desejo do aumento da propriedade que produz a necessidade do aumento da mão-deobra, mas também à garantia da herança aos descendentes consangüíneos contribui decisivamente nos processos de dominação dos homens e das mulheres. Esta garantia se consolida na exigência da virgindade feminina para o casamento como forma de se garantir a herança para os descendentes consangüíneos. 5 - ENGELS, Friederick. A Origem da Família, do Estado e da Propriedade Privada. 5a edição, Civilização Brasileira, RJ, 1979, p. 23 O autor nos oferece algumas pistas, apesar de sua análise ser considerada economicista, porém, nos ajuda a compreender os papéis sociais e sexuais que irão se definindo culturalmente para homens e mulheres em todas as sociedades a partir da consolidação das sociedades de classes. Nesse caminho, também Simone de Beauvoir nos remete a compreensão da dominação econômica da mulher como fator determinante de seu papel socialmente dependente e dominado. Pode-se admitir que a família monogâmica tenha suas estreitas vinculações com a propriedade privada. Ou melhor, com o modo da produção capitalista, sobretudo em seus aspectos reprodutivos. Ou seja, no que tange ao direito de sucessão. Todavia, seria simplificar demais a realidade asseverar que a propriedade privada constitui a fonte exclusiva de inferiorização da mulher na sociedade6. Nesta análise a autora nos diz que a repressão da sexualidade precoce não ocorreu sincronicamente com o estabelecimento da propriedade que caracteriza o patriarcado. Este é mais um ponto de dominação da mulher e da consolidação da desigualdade. No entanto, é preciso considerar as visões religiosas, a exemplo do Cristianismo que contribuíram na formação de um papel de docilidade e pureza da alma feminina, aproximando a idéia de pureza da mãe de Jesus fragilizada na perspectiva tradicional da religião cristã. Hoje nas leituras Mariais feitas por mulheres abrem novas perspectivas de Nossa senhora como uma mulher lutadora, corajosa. No caso da própria teologia da Libertação vista como uma libertadora dos oprimidos, negando á perspectiva de uma Maria submissa. “mas, sabemos que a teologia Marial tradicional, estruturou-se a partir de uma espécie de cooptação de Maria ao projeto de seu filho e de uma obediência em condições à vontade de Deus pai, entendida numa perspectiva patriarcal7. 6 7 - BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo.Galimard, Paris, 1974, p.72. - GEBARA, Ivone. Conhece-te a Ti Mesma. São Paulo, Edições Paulinas, 1991, p.18. A criminologia positivista nos estudos de Lombroso e Ferrero vamos encontrar a definição das prostitutas como criminosas potenciais, ou nos estudos da escola positivista francesa encontramos a teoria da degeneração, reconhecendo o ambiente e a moralidade como elementos que reforçaram os estereótipos que perseguiram as prostitutas como criminosas, justificando inúmeras perseguições e preconceitos, tornando-as vulneráveis aos tratamentos mais degradantes destinados às mulheres8. A mulher tem tendência ao homicídio passional, movida pelo ciúme e pela vingança. Para ele, essa tendência tem perfeito lugar na mulher prostituta, derivativo criminal das mulheres. A mulher normal, do ponto de vista de Lombroso e Ferrero, é um ser inferior, dada ao instinto e não à inteligência, próxima dos selvagens, malvada por índole. A mulher criminosa é ainda mais inferior, aproxima-se da figura do delinqüente (criminoso nato) que se aproxima do monstro pelos traços físicos de regressão da espécie9. Os estudos de Afrânio Peixoto no Brasil reforçaram os preconceitos das teorias européias: italianas e francesas. No Brasil, reforçadas com o racismo, pela não aceitação da miscigenação. Observaremos um recorte extremamente racista, onde a população negra constituída predominantemente de pessoas pobres serão principalmente vitimadas pela visão determinista da criminologia positivista, para qual a descendência (herança genética) ou o meio ambiente contribuíam de forma determinante para a formação de mentes criminosas. No caso das mulheres, além da descendência, do meio degenerado produzido pela pobreza, se acrescentou ainda os problemas de ordem hormonal que influenciaram e tornariam estas mulheres mais propensas aos atos criminosos10. 8 - Ver, LOMBROSO, Cesare. FERRERO, Guglielmo. La Donna Delinqüente, Prostituta e Normale.Torino: Bocca, 1983, p.65 - 72. 9 - ALMEIDA, Rosimary de O.Mulheres Que Matam. Universo Imaginário do Crime Feminino. Rio de Janeiro – Relumé - Dumará, p. 75. 10 -PEIXOTO, Afrânio, apud. Almeida. Mulheres Que Matam. Universo Imaginário do Crime Feminino. Rio de Janeiro – Relumé - Dumará, p. 45 - 50 Essa pseudo–ciência que durante muito tempo tratou a mulher, fosse criminosa ou não, como um ser desequilibrado, inconstante, mesquinho, incapaz de tomar uma decisão racional sozinha impossibilitou que em algumas áreas ditas como essencialmente masculinas, que mulheres ocupassem cargos de decisão e poder (a exemplo do poder judiciário) só recentemente através dos concursos públicos as mulheres puderam ter acesso aos cargos de decisão. Esta posição excludente demonstra como na História do Brasil de sinhás e mucamas, as mulheres brancas herdam o estigma da visão européia medieval do culto a Virgem Maria. Eram destinadas ao casamento, privadas do sexo com prazer, rainhas do lar e incapazes de compreender as tramas políticas e econômicas da sociedade que se desenvolvem fora do lar, lugar de onde são “rainhas”. As mulheres negras além da condição de escravas eram obrigadas a prestar serviços sexuais aos seus senhores, as mulatas eram vistas como objetos de prazer. Tal comportamento contribuiu decisivamente para a formação de famílias ilegítimas, na maioria das vezes com a complacência das esposas que para manterem seus casamentos faziam vistas grossas para o adultério masculino,11 justificando a dupla moralidade de nossa sociedade. O adultério feminino sempre foi visto como crime grave, justificando em passado recente o assassinato da mulher adúltera como legítima defesa da honra do marido traído12. A partir do século XX o processo de emancipação da mulher se iniciou com a sua independência econômica, sindicalização, controle de natalidade, divórcio, liberação sexual, parceria tecnológica (remédios de controle da natalidade e produção de eletrodomésticos, entre outros). Por outro lado, é importante perceber que tais mudanças dentro do capitalismo se beneficiaram a mulher, estão na 11 - FREIRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala.40a edição, Rio de Janeiro,2000, p.167. - D’ AVILA, NETO. O Autoritarismo e a Mulher: O Jogo da Dominação Macho – Fêmea no Brasil. Rio de Janeiro: Artes e Contos, 1994, p. 37. 12 verdade a serviço do capital. O que nos leva a perceber o quanto a independência feminina se liga a sua independência econômica, política e autonomia na formação de sua vontade, na luta pela consolidação dos seus projetos de vida e de vivência dos seus desejos. A redução do tamanho das famílias importa ao capitalismo por que esta mulher é essencial como mão - de- obra dentro do mercado. A redução da família disponibiliza-a para o trabalho na indústria, no comércio, no setor de serviços a mulher é transformada em assalariada e transferida a condição de consumidora. A mulher criada para ser reprodutora e doméstica tragada da unidade familiar para o mercado formal de trabalho defronta-se com alguns desafios: a sexualidade precoce, grande quantidade de famílias chefiadas por mulheres, o crescimento da violência contra a mulher: violência doméstica, assédio sexual, aumento do número de estupros, discriminação no mercado de trabalho, exclusão social. Sobre esta questão no que se refere ao problema da mulher das camadas populares, observemos a reflexão de GEBARA13: A sociedade capitalista que vivemos, produzindo o desemprego em grande escala, diminuindo as condições humanas de vida, provocou também uma profunda crise de identidade do homem e reforçou a imagem doméstica da mulher. Alegramo-nos então que muitas vezes, sobretudo entre os empobrecidos, a mulher cumpre não só seu papel de mulher, mas também assume a tarefa de ser o “homem da casa”. Ela fica com os filhos e com a responsabilidade de mantê-los e educá-los14. A análise da autora busca evidenciar a ampliação das responsabilidades femininas no capitalismo em relação à mulher pobre, ressalta a necessidade de se compreender que esse novo papel, não deverá se construir sobre a destruição da imagem do homem, ou como situação de martírio. Ao contrário, ao acumular 13 14 -GEBARA, Ivone, Conhece-te a ti mesma. São Paulo, Edições Paulinas, 1991, p. 34. - GEBARA, Ivone, Conhece-te a ti mesma. São Paulo, Edições Paulinas, 1991, p.36. estas responsabilidades esta nova mulher mostra-se mais autônoma, mais cidadã. No que diz respeito à mulher criminosa, predominantemente são mães, oriundas de famílias pobres, com baixo nível de escolarização, a maior parte delas são réus primárias, encontram-se com o Estado no Sistema Penitenciário, em suas trajetórias de vida foram vitimizadas pela pobreza e pela desigualdade social. A globalização e o neoliberalismo trazem outros aspectos de mudanças para a mulher contemporânea, qualificação profissional é uma delas, modelos de administração centrados nas características femininas. Também joga a mulher em maiores disputas por espaço e poder no campo da política e do mercado de trabalho como no ambiente familiar. Tal realidade se evidencia nos campos do mercado onde as mulheres, principalmente das camadas médias e dominantes se situam. Espaço onde não encontramos nem as mulheres pobres nem as prisioneiras. E sim as mulheres que podem freqüentar universidades, acessar os códigos das novas tecnologias. Estão distantes da realidade imediata da mulher pobre, sem escolarização semi-analfabeta, como é o caso específico das mulheres criminosas que lotam as unidades prisionais em Pernambuco ou das pessoas, independente de sexo, situados na linha da miséria. Nesse sentido, toda discussão em torno do papel da mulher na sociedade, seja do seu papel social, sexual ou no mundo do crime, deve tomar como ponto de partida seu processo de dominação social, fato que também se reproduzirá no mundo do crime, espaço onde além de criminosas, essas mulheres também são vitimizadas. III – Execução Penal e Relação de Gênero Assim como nos processos de natureza cível ou trabalhista, nos processos criminais a fase de execução penal tem início com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. A fase de execução penal de penas cumpridas por apenados ou apenadas segue a mesma legislação: Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal – LEP). Segundo a LEP na Execução da pena da mulher, em seu Art. 83 – O estabelecimento penal, conforme sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços a dar assistência, educação, recreação e prática esportiva. § 1º - Haverá instalação destinada a estágio de estudantes universitários. § 2- Os estabelecimentos penais destinados às mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam amamentar os filhos. Por força da Lei 9.046/ 95 foi acrescentado o parágrafo segundo ao Art. 83 da LEP, cumprindo determinação da Constituição Federal de 1988 (Art 5º, L) “Às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período da amamentação”. Segundo o Art.8 da LEP – O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Parágrafo único: São requisitos básicos da unidade celular: a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração; b) área mínima de seis metros quadrados. Em seu Art. 89 – Além dos requisitos no artigo anterior, a penitenciária de mulheres poderá ser dotada de seção para gestante e parturiente e de creche com a finalidade de assistir ao menor desamparado cuja responsável esteja presa. É necessário realizar um novo olhar sobre a execução penal feminina, levando-se em conta o aumento da população carcerária. Anteriormente as apenadas caracterizavam-se por sanções leves e por uma permanência rápida no Sistema Prisional. Hoje, a maioria das presas cumpre pena por crime hediondo, com a Lei 8.072/90 a porta para a liberdade ficou bem mais distante15. Hoje as mulheres são co-autoras de crimes violentos, geralmente praticados pelos companheiros, ou são autoras 15 - Lei de Crimes Hediondos. de crimes como tráfico de drogas, tendo comumente uma história de romance como pano de fundo16. De acordo com dados do Ministério da Justiça17, número de mulheres condenadas à prisão no Brasil cresceu 29,5% de janeiro a novembro, passando de 5.075 para 6576, e ainda há 3.683 mulheres presas em cadeias, esperando julgamento. O tráfico de drogas é hoje o principal motivo da prisão de mulheres. Também no Sistema Penitenciário observamos significativas e inquietantes relações de gênero que demonstram que mulheres se encontram em desvantagem em relação aos homens encarcerados. Se tomarmos o exemplo do Estado de Pernambuco, uma vez por semana as penitenciárias abrem seus portões às companheiras dos detentos para o encontro conjugal18. Uma vez por mês há o pernoite de sábado para o domingo. Nas colônias penais femininas quase nenhuma presa têm encontro conjugal (a maioria não consegue cumprir as exigências) e não existe o pernoite. Nos domingos são realizadas as visitas dos familiares e amigos nas penitenciárias. As filas são intermináveis e a visita só termina no final da tarde. Nas colônias penais femininas também ocorre a visitação aos domingos. Mas, devido a situação de abandono das encarceradas poucos são os parentes que aparecem e quase nenhum companheiro da época da liberdade. Algumas presas que têm companheiro fixo em outra unidade prisional conseguem uma vez por mês serem beneficiadas com o encontro conjugal. Em todo Sistema Penitenciário de Pernambuco há apenas três casais nesta situação. A conclusão que se poderia chegar é que o cárcere é incompatível com a manutenção da vida conjugal e familiar da mulher criminosa. 16 - Realidade também observada na Penitenciária de Garanhuns em entrevistas com as detentas. - DEPEN - Ministério da Justiça, 2005. 18 - Também conhecida como visita Íntima. 17 Em Pernambuco encontramos duas colônias penais femininas: A Colônia Penal do Recife, localizada em Engenho do Meio em Recife, com capacidade para 154 detentas regime fechado e semi– aberto, com população Carcerária de 325 detentas. Possui uma mulher como gerente, as visitas ocorrem aos domingos das 8 às 12h e das 14 às 17h, possui dois assessores jurídicos, três agentes de saúde, dois médicos e sete técnicos de nível superior. Na Colônia Penal de Garanhuns (Região Agreste) o regime é fechado, com capacidade para 48 detentas, abriga 93, possui uma mulher como gerente. As visitas ocorrem aos domingos das 8 às 12h e das 14 às 17h. Possui um assessor um jurídico, seis agentes de saúde e um médico. São precárias condições arquitetônicas das prisões femininas em Pernambuco, ao contrário do que consta na LEP, as prisões femininas do nosso Estado, não têm instalações adequadas para proporcionar as presas: lazer, prática de esportes, recreação ou alguma atividade laboral. Nas penitenciarias femininas é quase inexistente a existência das atividades culturais, esportivas, educacionais e de lazer. Este tipo de atividade é mais comum em penitenciárias masculinas. Algumas justificativas fundamentam-se na dificuldade de acesso físico às unidades, ou na falsa idéia de que a mulher não daria muita importância ao conteúdo destas atividades. O acesso a laborterapia é também mais limitada nas unidades prisionais femininas, restringindo-se à concessão de algumas presas ou ao artesanato feito pelas presas nas celas ou no pátio da prisão. Na colônia Penal Bom Pastor pode se verificar a presença de maquinário doado por empresas onde são confeccionadas etiquetas e peças de roupas. A falta de investimento do Estado em Laborterapia também dificulta a remissão de pena das apenadas. Tais realidades desumanizantes fazem das prisioneiras vítimas de violações de direitos, de forma desleal e degradante e a prisão como um modelo muito mais punitivo e vingativo do que ressocializador. IV -Apresentação dos Resultados da Pesquisa na Penitenciária Feminina de Garanhuns - PE De acordo com os questionários aplicados a média de idade das presas de Penitenciária de Garanhuns-PE é a seguinte: 37% das presas e encontram entre a faixa etária de 20 a 30 anos; 23% de 30 a 40 anos; 20% de 18 a 20 anos; 20% de 40 a 50anos. O que demonstra certo equilíbrio entre as várias faixas de idade. Sendo a maior surpresa encontrar na faixa de 40 a 50 anos um número de 20% na medida em que, a expectativa de gênero aponta para que nessa faixa de idade às mulheres já se encontrassem em uma fase mais tranqüila e menos aventureira no que diz respeito à prática criminal. Sobre o tempo em que já se encontram na unidade prisional responderam da seguinte forma: 77% das detentas estão na prisão a menos de um ano, 17% de 1 a 2 anos, apenas 6% de 3 a 5 anos. O que demonstra o crescimento do envolvimento das mulheres do interior de Pernambuco com crime. São mulheres de todas as faixas de idade e de diversas cidades do Estado de Pernambuco e de outros estados. Como a sexualidade é um tema tabu, mesmo sabendo do quanto este dado poderia ser respondido superficialmente, arriscamos conversar com elas sobre opção sexual, em função do confinamento e também em função da dificuldade de garantir a visita íntima às mulheres aprisionadas, 76% das prisioneiras se declararam heterossexuais, 18% se declararam homossexuais e apenas 6% delas se declararam bissexuais. Perguntadas sobre o seu grau de instrução responderam: 57% responderam que fizeram o Ensino Fundamental Incompleto (antigo primeiro grau); 26% das presas declararam ser analfabetas, 14% declaram ter o Ensino Fundamental Completo (antigo primeiro grau), apenas 3% declararam ter o Ensino Médio Incompleto. Não entrevistamos nenhuma que declarasse ter completado o Ensino Médio, nem o Ensino superior. Como no país inteiro, a baixa escolaridade é um dos graves problemas de acesso à cidadania das prisioneiras. Entre as que estudaram perguntamos qual o tipo de escola que freqüentaram, as prisioneiras declararam que 86% haviam estudado em escolas públicas e apenas 14% freqüentaram instituições privadas. Em relação ao Estado Civil 51% das presas se declararam solteiras; 37% outros, 6% se declararam casadas e 6% se declararam viúvas. Número que revela o crescimento da participação de mulheres solteiras na prática de crimes, alterando o perfil daquelas que anteriormente entravam no crime como comparsas de maridos, companheiros e amantes. No entanto, das que se declararam solteiras, 50% acompanharam os seus namorados na prática de delitos. Cidade da origem da prisão Cidade Arcoverde – PE Betânia- PE Bezerros – PE Bom Conselho – PE Buíque – PE Caruaru – PE Campina Grande – PB Guarulhos – SP Natal – RN Patos – PB Pesqueira – PE Recife –PE Rio de Janeiro – RJ São Caetano – PE Serra Talhada – PE Taquaritinga – PE Toritama – PE Total 05 01 02 02 01 10 01 01 01 01 03 02 01 01 01 01 01 35 Pessoas com as quais residiam Morava sozinha Com Companheiro Com Companheiro e filhos Apenas com os filhos Outros Naturalidade Cidade Angra dos Reis Arcoverde – PE Alagoinha – PE Betânia- PE Bezerros – PE Brejo da Madre de Deus Bom Conselho – PE Caruaru – PE Campina Grande – PB Camucim – PE Ibimirim – PE Itaiba – PE Jaboatão – PE Natal – RN Patos – PB Pesqueira – PE Recife –PE São Caetano – PE Toritama – PE Total 01 02 11 05 16 35 Total 01 02 01 01 01 01 01 07 01 01 01 01 01 04 01 03 05 01 01 35 Observamos entre as entrevistadas o recorte de classe e exclusão, buscamos perguntá-las sobre a situação social e econômica das suas famílias antes da prisão. Sobre as pessoas que trabalhavam em casa antes da prisão fizeram a seguinte declaração: 57% afirmaram que todos na família trabalhavam, faziam bicos, se viravam para manter o sustento da família, 31% das presas declararam que apenas uma pessoa da família trabalhava, 6% afirmaram que nenhuma pessoa; 6% outros. Perguntamos se a prisioneira era portadora de algum tipo de doença antes da prisão, elas responderam: 80% não e apenas 20% sim. No entanto, após a prisão, afirma serem doentes hoje, 65% não, 37% sim. O que demonstra que 17% adoeceram após da prisão. Das presas doentes, apenas 34% afirmaram está realizando tratamento médico e 66% não declararam está fazendo tratamento médico. Situação que demonstra o quanto o problema de atendimento à saúde da mulher é um problema grave em todo o sistema penitenciário e Garanhuns não foge à regra. As prisioneiras foram questionadas sobre a existência de pessoas na sua família envolvidas no mundo do crime, responderam da seguinte forma: 60% não e 40% sim. Para verificar se havia presença de tensão familiar e violência doméstica nas suas casas, e nas relações familiares, perguntamos se havia envolvimento pessoal ou dos seus familiares em situações de brigas e declararam que 54% sim e apenas 46% não. Também foi perguntado se haviam sofrido situações de maus-tratos em suas família e declararam: 60% não e 40% sim. Foi perguntado se na comunidade ou na família, alguém havia sido preso, 60% responderam não e 40% responderam que sim. No entanto, ao perguntarmos se na sua comunidade ou na família, conheciam alguém que estivesse preso, 71% responderam que sim e 29% responderam que não. Podemos observar a presença de vários fatores de vulnerabilidade ao crime, na comunidade, nos ambientes e na exclusão social em que se encontram. Perguntadas se tinham alguma religião, 86% responderam que sim e 14% responderam que não, fato importante, na medida em que a religião ajuda a prisioneira a ter esperança e vislumbrar alguma chance de retomar a vida após a prisão. Ao mesmo tempo em que a religião diminui o sentimento de revolta e vingança e contribui para a segurança de qualquer unidade prisional, na medida em que o preso que tem alguma crença religiosa é tranqüilo e ajuda na pacificação dos companheiros (as). Crime Cometido Total Droga 12 Roubo 09 Estelionato 02 Homicídio 03 Furto 04 Tráfico 16 Outros 03 Pelo quadro acima, podemos observar o crescimento da criminalidade feminina se caracterizando pela relação com o tráfico ou com o consumo de drogas, padrão que segue o perfil nacional. Questionadas se haviam sofrido algum tipo de violência após a prisão, responderam: 54% não, 46% sim. Como a prisão fica numa área muito distante da cidade, além da característica de abandono que marca a vida das mulheres presas, perguntamos se elas recebiam visitas de familiares ou de amigos, situação que demonstra o abandono em que se encontram: 54% declararam não receber visitas e 46% responderam que recebiam visitas. Das prisioneiras entrevistadas 83% não tinham encontros conjugais e 17% afirmaram tê-los. Além do abandono da família ocorre o abandono do marido, companheiro ou namorado. Perguntamos alguém na sua família consumia álcool, fazia uso medicação controlada, ou de algum tipo de droga: 57% declararam que sim e 43% não. Dados que aproximamse daqueles referentes ao convívio com a violência e a criminalidade. Ainda sobre vícios, perguntamos se haviam membros da família que faziam uso de cigarros, 54% declararam que sim e 46% declararam que não. Sobre a vida na prisão, perguntamos se tinham bom relacionamento com as companheiras presas, agentes Penitenciários (as) e com gerência da unidade, responderam: 91% afirmaram ter bom relacionamento e 9% relataram não ter um bom relacionamento. Das presas entrevistadas 69% desenvolvem algum tipo de atividade laboral e 31% não desenvolve nenhuma atividade. Observamos uma relação respeitosa entre as prisioneiras e a administração, podemos realizar o trabalho sem a vigilância dos agentes ou da direção, usamos o teatro para nos comunicar sobre os assuntos e apenas as prisioneiras que se sentiram à vontade participaram das entrevistas e responderam aos questionários. Assistimos sua apresentação de teatro, almoçamos, lanchamos, passamos um dia inteiro na unidade prisional, onde verificamos as limitações do espaço físico e um calor humano confortante das prisioneiras e dos profissionais daquela prisão. Na medida em que já conhecíamos outras prisões, não sentimos nenhum clima de tensão ou dificuldade dos profissionais de segurança, situação que enfrentamos em outras unidades prisionais do Estado. V - Análise dos Resultados e Notas conclusivas O perfil detectado na pesquisa na Colônia penal de Garanhuns não se diferencia muito do perfil da mulher presa encontrada nos dados do Ministério da Justiça, disponibilizados pelo DEPEN. São mulheres Jovens, mais da metade delas se encontram entre dezoito e trinta anos de idade, são de famílias muito pobres, são em esmagadora maioria oriundas de cidades do interior de Pernambuco. Identificam-se como católicas ou protestantes. Envolveram-se no mundo do crime por influência das amizades, do companheiro, das bebidas, das drogas, por engano, por falta de emprego, por dificuldades financeiras e dívidas. Apresentam quadros de tristeza e depressão por se sentirem abandonadas. Estudaram pouco, conviveram em ambientes pobres e conheceram de perto a violência doméstica e do bairro. São oriundas de famílias trabalhadoras que rejeitam a sua condição de criminosa. Em geral se envergonham da sua condição, uma das razões do abandono. Sonham com trabalho remunerado na prisão, com cursos de profissionalização: cabeleireira, bijuterias e artesanato. A grande maioria sugere que se faça uma quadra de esportes para elas recrearem, jogarem e fazerem educação física. Elas sugerem ainda, mais computadores para aprenderem a lidar com eles. Revelam a necessidade de aumentar os materiais de limpeza pessoal como papel higiênico, sabonete, pasta, absorventes etc. Ainda sugerem que seja diminuído o tempo de seis meses para se ter o encontro conjugal, relato de uma das poucas detentas que revelaram ter companheiro ou namorado. Elas dizem que ao sair da prisão irão trabalhar, negociar, ajudar a família e os filhos, reconstruir a vida e voltar a estudar. Observamos as Condições Físicas do prédio: No que tange as estruturas físicas da penitenciária feminina de Garanhuns verificamos uma precariedade enorme principalmente porque a mesma foi elaborada para permitir uma capacidade de 44 detentas, sendo seis pessoas por cela. No entanto a penitenciária tem uma superlotação que vai de 10 a 16 presas por cela aproximadamente, suportando um total de 98 detentas. Nas celas existem infiltrações, e os banheiros são pequenos para a quantidade de pessoas que ali se abrigam. Quase não tem espaço para o lazer, pois a penitenciária é pequena, tendo apenas um único corredor “a céu aberto” que serve tanto para o espaço de lazer como para servir a alimentação das presas. O local, porém, é arejado e bem iluminado. As celas, por sua vez, se encontram nas laterais deste corredor. Não só as celas, o pátio que é o corredor a céu aberto, todo o espaço é bem reduzido, a penitenciária é toda adaptada com pequenas salas para a administração e para o ambulatório, estas por sua vez, são muito organizadas e possuem os devidos materiais para o trabalho. Podemos perceber a ausência de tensão e conflito entre as presidiárias, o corpo de funcionários e a gerência. Apesar do ambiente inóspito os recursos humanos qualificados e comprometidos que atuam na unidade em nenhum momento deixaram transparecer qualquer neurose sobre as questões de segurança, podemos trabalhar sem nenhum tipo de ingerência dos funcionários ou da direção no nosso trabalho, sem nenhum clima de tensão. As denúncias recebidas das presas pelos estudantes, se referiam ao acesso a Justiça, a família e a oferta de trabalho dentro da prisão. A sala de atividade laboral possui três máquinas de costura e um computador, algumas carteiras escolares e lá, se aprende a fazer tricô, crochê, tapeçaria e outras atividades. Há também uma pequena biblioteca com livros e revistas de acesso às presas e uma sala de estudos. No final do corredor há ainda uma cela disciplinar. Há também um quarto com banheiro para a visita conjugal que por sinal, é muito organizado, limpo e todo ornamentado para acolher os casais que estão com todos os exames em dia e já estão juntos a aproximadamente seis meses. No entanto, é pouquíssima a sua rotatividade em função do abandono das detentas pelos companheiros ou maridos após a sua prisão. A cozinha é bem pequena, mas equipada, limpa e organizada. O tamanho é limitado e por isso, é motivo de queixa por parte das detentas. Elas prepararam nossa refeição, vale salientar o capricho e a limpeza de todos os ambientes, sem nenhum cheiro desagradável. Mesmo com o tamanho diminuto das celas, verificamos boas condições de higiene das mesmas. A limpeza é predominante em todos os ambientes, no entanto vale salientar que há celas mais arrumadas que outras e com odores melhores. Nas condições ambientais observamos que as camas são feitas de cimento batido acomodadas por colchões e materiais de limpeza e de uso pessoal, colocados em prateleiras ou fixados nas paredes laterais. As celas têm quatro camas de cimento, as outras presas “excedentes” dormem amontoadas em pequenos colchões. As celas são bastante enfeitadas com mensagens de motivação geralmente voltadas para Deus ou para seus companheiros apresentando riscos e desenhos pelas paredes. Há também muitos ursinhos de pelúcia das detentas enfeitando quase todas as celas. O pátio, apesar de pequeno, é limpo com mesas e cadeiras na área coberta, lixeiros, algumas plantas e cartolinas nas paredes com mensagens de fé. A predominância da cor da pele das detentas é a cor morena e morena clara, com estatura mediana, aparentando ter de 50 a 70kg e usam roupas e sandálias populares. A cor de seus cabelos predomina o castanho escuro, algumas usam o cabelo preso e outras usam o cabelo solto. Há, porém aquelas que conservam o cabelo bem curtinho aparentando uma forma masculina, essas usam toucas, bonés e tatuagens e não pintam suas unhas, diferentemente da outra grande maioria das detentas que pintam suas unhas e mantêm cabelos femininos. No momento há quatro casais que se assumem como homossexuais na penitenciária. Na penitenciária existe uma escola de alfabetização que não funciona. Há também uma enfermaria, uma assistência médica, odontológica, psicológica e assistência social, estas funcionam com atendimentos regulares durante o mês. Há também missas e cultos durante a semana, respeitando a individualidade religiosa de cada detenta. Ainda tem a visita íntima uma vez por mês, onde as detentas contam com um programam de prevenção de DST/AIDS e Gravidez. Há ainda a visita de familiares quinzenalmente para aquelas que os familiares moram perto da localidade. Esse é um motivo de muita queixa por parte das detentas, a falta de assistência familiar. No mais, as condições físicas e mentais das detentas são boas, apenas aparentando aspectos e discurso ansioso, umas são tranqüilas, outras desconfiadas e agitadas. Outro aspecto comum identificado nos dados do DEPEN o sistema penitenciário aprofunda os quadros doentios trazidos pelos reclusos e cria novas doenças. No caso das detentas de Garanhuns quadros de tristeza e depressão por solidão e abandono. São comuns as reclamações sobre o andamento dos processos. Verificamos esse problema levantado na literatura consultada e nas dúvidas contidas na perguntas feitas pela detentas aos estudantes do Curso de Direito e a Professora de Direito Penal do grupo de pesquisa. As mulheres pobres são, geralmente, indiciadas, presas, processadas e julgadas, sem um acompanhamento jurídico coeso, pois, muitas vezes, a defesa a que todos tem direito, conforme a lei brasileira, é proporcionada de forma insuficiente pelo Estado19. É preciso reconhecer a relação da mulher com o crime como uma relação de gênero, pois, a mulher criminosa rompe com o modelo cultural e social que foi moldado para ela, como se quisesse ocupar o lugar “valente” e “viril” do homem. Esse desmonte se pode observar no número cada vez maior de mulheres recrutadas pelo crime organizado, a criminalidade lhe oferece uma visibilidade que ela dificilmente teria na vida comum de dona de casa. Um aspecto importante é que quanto mais próxima dos crimes femininos tradicionais, onde reagem ao marido violento e perseguidor, mais próximas estão da sensibilidade do público para situação, ou abrandamento da pena. No entanto, quanto mais se distanciam deste perfil, mais se aproximam dos crimes masculinos. Nesse caso, são demonstradas como monstruosas perante a opinião pública. No mundo do crime, a conduta da mulher é julgada também pelo estereótipo, ou melhor, pela aceitação e reprodução da conduta que a sociedade definiu para ela, há uma expectativa sexual e social para a 19 - ALMEIDA, Rosemary de O. Mulheres Que Matam. Universo Imaginário do Crime Feminino. Rio de Janeiro – Relumé - Dumará, p.17. mulher, quanto mais distante ela se põe desta expectativa de gênero, mais discriminada ela se torna20. Essa expectativa de Gênero será cobrada pela sociedade e se refletirá no quantitativo da pena, facilitando ou não que os pedidos dos advogados na Execução Penal sejam ou não atendidos. É importante aqui ressaltar que o crime feminino além se constituir em uma relação de gênero é também marcado pela relação de classe. Mulheres das classes médias também cometem crimes, estão envolvidas em homicídios, tráfico de drogas, escândalos financeiros, seqüestros, entre outros. Em nossa visita à unidade prisional percebemos o quanto o sistema de Justiça não consegue chegar nesses grupos. O que faz também da prisão feminina em nosso país, um espaço de repressão social para mestiços, negros e pobres. VI - Referências ALMEIDA, Rosemary de O. Mulheres Que Matam. Universo Imaginário do Crime Feminino. Rio de Janeiro – Relumé - Dumará, 2001. ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência. Introdução ao Jogo e as Suas Regras. São Paulo: Loyola, 2000. BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo.Galimard, Paris, 1974. D’AVILA NETO, Maria Inácia. O Autoritarismo e a Mulher. O Jogo da Dominação Macho – Fêmea no Brasil. Rio de Janeiro: Artes e Contos, 1994. DEPEN – Ministério da Justiça – 2005. ENGELS, Friederick. A Origem da Família, do Estado e da Propriedade Privada. 5a edição, Civilização Brasileira, RJ, 1979. FREIRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. 40a edição, Rio de Janeiro, 2000. GEBARA, Ivone, Conhece-te a ti mesma. São Paulo, Edições Paulinas, 1991. 20 - PERROT, Michele. História dos Excluídos, Escravos e Prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 76. Lei Nº. 7.210/84 (Lei de Execução Penal – LEP). MINAYO, Maria Cecília. O Desafio do Conhecimento. SP: Hucitec, RJ: Abrasco, 2000. PERROT, Michele. História dos Excluídos, Escravos e Prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.