Cancro da trompa de Falópio 26

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Fernando Mota
1. INTRODUÇÃO
O carcinoma da trompa de Falópio é uma
das neoplasias ginecológicas mais raras,
representando menos de 1% de todos os
cancros do aparelho genital feminino1. A
raridade do tumor exclui a possibilidade de
realização de estudos clínicos randomizados
mas, em contrapartida, impõe a necessidade
de criação de uma base de dados oncológica
centralizada fidedigna.
A histologia e o comportamento biológico
do carcinoma da trompa são similares ao do
carcinoma do ovário, pelo que a avaliação
e a terapêutica destes tumores é essencialmente a mesma.
Os carcinomas da trompa de Falópio são habitualmente tumores secundários, resultado
da disseminação tubar de cancros primitivos
do ovário, endométrio, tracto gastrointesti-
nal, mama ou peritoneu, por ordem decrescente de frequência.
A etiopatogenia do carcinoma da trompa
permanece obscura. Contudo, foi demonstrado que mulheres com mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 têm um risco considerável de desenvolverem carcinoma da trompa2.
As mulheres com carcinoma da trompa deveriam, pois, ser submetidas a testes genéticos para identificar mutações em BRCA1
e BRCA2 e deveriam ser informadas sobre o
maior risco que os seus familiares têm de vir a
desenvolver cancro da mama e do ovário.
2. HISTOPATOLOGIA
A maioria dos cancros primitivos da trompa
é de origem epitelial, predominantemente
do tipo seroso papilar (Fig. 1).
Figura 1. Carcinoma seroso intraepitelial da trompa de Falópio. Secção transversal da trompa mostrando focalmente transformação neoplásica do epitélio tubar, com atipia
citológica marcada e estratificação,
sem invasão do estroma.
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26 Cancro da trompa de Falópio
3. DIAGNÓSTICO E ESTADIAMENTO
Os cancros da trompa são usualmente diagnosticados entre os 55 e os 65 anos, apresentando as doentes uma idade média de
61 anos3. A sua incidência aumenta com o
avançar da idade.
3.1. SINAIS E SINTOMAS
A tríade clássica de sinais e sintomas associada a cancro da trompa inclui: corrimento vaginal aquoso (conhecido por hydrops tubae
profluens), dor pélvica e massa anexial. Tipicamente, surge dor pélvica, do tipo cólica,
aliviada pela expulsão intermitente de leucorreia amarelada e aquosa profusa. Contudo, esta tríade sintomática só é encontrada
em menos de 15% das doentes4.
O corrimento vaginal ou as metrorragias são
as queixas habituais, referidas por mais de
50% das pacientes com cancro da trompa.
Mulheres peri ou pós-menopáusicas com
corrimento vaginal atípico, mais ou menos
aquoso e rebelde à terapêutica, deveriam
ser estudadas para afastar a possibilidade
de cancro oculto da trompa. Dor ou des-
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conforto pélvico são também referidos por
muitas pacientes.
O carcinoma primitivo da trompa é, por vezes, um achado insuspeitado numa peça
operatória de histerectomia total e anexectomia bilateral.
3.2. EXAME CLÍNICO, EXAMES AUXILIARES DE
DIAGNÓSTICO E EXAMES PRÉTERAPÊUTICOS
O exame ginecológico pode detectar uma
massa pélvica em aproximadamente 60%
das doentes. Recorde-se, contudo, que na
avaliação pré-operatória de uma massa anexial é muito difícil distinguir entre origem tubar ou ovárica. A ascite é habitual na doença
tumoral avançada.
Uma citologia esfoliativa do colo do útero
mostrando células atípicas do tipo glandular,
na presença de histeroscopia e curetagem
endocervical e endometrial negativas, sugere a possibilidade de cancro da trompa5.
A ecografia pélvica, coadjuvada pela TC abdomino-pélvica, é um precioso meio complementar de diagnóstico perante a suspeição de um tumor da trompa, bem como
ambos constituem indispensáveis exames
complementares pré-terapêuticos para avaliação da extensão tumoral, permitindo fazer
um melhor planeamento do tratamento.
O marcador tumoral CA 125 deve ser requisitado aquando da avaliação pré-terapêutica
de um carcinoma anexial.
3.3. VIAS DE DISSEMINAÇÃO
Os cancros da trompa disseminam-se de maneira semelhante aos carcinomas epiteliais
do ovário, ou seja, principalmente por esfoliação de células tumorais que se implantam
por toda a cavidade peritoneal. Estes implantes peritoneais podem ocorrer na presença
de trompas aparentemente intactas.
A extensão tumoral directa aos órgãos
adjacentes é também possível. Em aproximadamente 80% das pacientes com doença
avançada, as metástases estão circunscritas à
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A distinção entre carcinoma primitivo da
trompa e carcinoma metastático do ovário é,
por vezes, difícil. Como consequência, muitos tumores disseminados da trompa são
diagnosticados como carcinomas do ovário
ou do peritoneu. Existem, contudo, dois critérios que ajudam a esclarecer o diagnóstico
diferencial: a massa tumoral dominante localiza-se na trompa e cresce a partir do seu
lúmen e existe evidência histológica de transição entre carcinoma in situ e carcinoma invasivo no epitélio tubar.
Macroscopicamente, a trompa tumoral está
habitualmente dilatada simulando um salpinge. Cancros bilaterais da trompa são encontrados em 40 a 50% dos casos e representarão
tumores síncronos, ao invés de disseminação
metastática para a trompa contralateral.
Aproximadamente 27% das doentes são
diagnosticadas com doença no estádio I,
24% no estádio II, 41% no estádio III e, finalmente, 8% têm doença no estádio IV3.
3.4 ESTADIAMENTO
O tratamento do carcinoma da trompa de
Falópio é idêntico ao recomendado para o
carcinoma epitelial do ovário. É necessária
a laparotomia exploradora para remover o
tumor primitivo e as suas metástases, bem
como para estadiar a doença. Como terapêutica complementar, dita adjuvante, utiliza-se habitualmente a associação citotóxica
de paclitaxel e carboplatina.
O estadiamento do carcinoma da trompa,
de acordo com a FIGO (Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia)3,
baseia-se nos achados cirúrgicos obtidos
durante a laparotomia e é idêntico ao
definido para o carcinoma epitelial do ovário (Quadro 1).
4. TRATAMENTO
Quadro 1. Classificação cirúrgica do carcinoma da trompa de Falópio (FIGO, 1997)
Estádio
Características tumorais
0
Carcinoma in situ (limitado à mucosa tubar)
I
Tumor limitado às trompas
IA
Tumor limitado a uma trompa; ausência de tumor na serosa tubar
IB
Tumor limitado a ambas as trompas; ausência de tumor na serosa tubar
IC
Tumor limitado a uma ou a ambas as trompas com: tumor na serosa tubar e/ou células
neoplásicas na ascite ou no lavado peritoneal
II
O tumor envolve uma ou ambas as trompas com extensão pélvica
IIA
Extensão e/ou implantes no útero e/ou ovário
IIB
IIC
Extensão a outras estruturas pélvicas
Tumor no estádio IIA ou IIB com: tumor na serosa tubar e/ou células neoplásicas na ascite ou no
lavado peritoneal
III
O tumor interessa uma ou ambas as trompas com metástases peritoneais confirmadas fora da
pélvis e/ou metástases ganglionares
IIIA
Metástases peritoneais microscópicas para além da pélvis
IIIB
Metástases peritoneais macroscópicas fora da pélvis a 2 cm na sua maior dimensão
IIIC
Metástases peritoneais fora da pélvis> 2 cm na maior dimensão e/ou metástases nos gânglios
regionais ou inguinais
IV
Metástases à distância (metástases peritoneais excluídas)
Metástases na cápsula hepática correspondem ao estádio III e metástases no parênquima hepático representam estádio IV.
Para poder ser considerado como estádio IV, o derrame pleural deverá ter uma citologia positiva.
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cavidade peritoneal aquando do diagnóstico6.
As trompas de Falópio possuem uma pujante rede linfática, o que condiciona uma
frequente disseminação tumoral para os
gânglios pélvicos e para-aórticos, mesmo
nos estádios iniciais, e que é superior à encontrada para o cancro do ovário7.
A cirurgia é a terapêutica primária recomendada e deve ser realizada por médicos
com treino em ginecologia oncológica. Na
ausência de contra-indicação cirúrgica e/ou
de critérios de irressecabilidade tumoral, a
laparotomia exploradora constitui a abordagem inicial do cancro da trompa. É fundamental para o diagnóstico, estadiamento e
tratamento. Os princípios e os métodos da
terapêutica cirúrgica no cancro tubar são
idênticos aos empregues para o carcinoma
epitelial do ovário, ou seja:
— Incisão mediana, infra, para e supra-umbilical.
— Colheita de líquido presente no fundode-saco de Douglas para exame citológico ou citologia do lavado peritoneal
(~ 300 ml de soro fisiológico).
— Toda a cavidade peritoneal é explorada
(inspecção e palpação), diafragma, intestino em toda a sua extensão e órgãos abdominais incluídos.
4.1.1. DOENÇA APARENTEMENTE
LIMITADA À PÉLVIS
— Massas tumorais aparentemente confinadas à(s) trompa(s) são removidas intactas
e enviadas para estudo extemporâneo.
— Citologia das cúpulas diafragmáticas por
raspagem ou, em alternativa, biopsia.
— Biopsias de todas as lesões suspeitas ou
em zonas de aderências. Biopsias múltiplas, em zonas aparentemente sãs, a
nível do fundo-de-saco de Douglas, peritoneu vesical, goteiras parieto-cólicas,
mesentério do intestino delgado e mesocólon.
— Omentectomia infracólica.
— Apendicectomia obrigatória nos tumores mucinosos.
— Linfadenectomia pélvica e para-aórtica sistemática interessando os gânglios
obturadores, ilíacos internos, externos e
primitivos, e aórticos, idealmente até às
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artérias renais. Esta atitude tem impacto
na sobrevivência8.
— Histerectomia total e anexectomia bilateral.
— Descrição minuciosa dos achados operatórios e da doença residual (localização e
tamanho).
4.1.2. DOENÇA AVANÇADA
— Líquido ascítico aspirado.
— Inspecção e palpação de toda a cavidade peritoneal para avaliar a extensão
tumoral.
— O máximo esforço cirúrgico é a regra. Tipicamente são realizadas histerectomia
total e anexectomia bilateral, omentectomia total e remoção da doença metastática das superfícies peritoneais e
intestino. As ressecções intestinais são
justificadas se detectada lesão estenosante/oclusiva ou se a doença residual
for ausente ou mínima no final da intervenção.
— Mesmo na presença de doença disseminada, onde uma cirurgia de redução
óptima se considere inexequível é, habitualmente, possível e desejável remover
o tumor primitivo e/ou o omental cake
– massa tumoral em que está transformado o omento.
— Na doença irressecável é colhida uma
biopsia e encerrado o abdómen.
É sugestivo que o máximo esforço cirúrgico
seja recompensado com um aumento das
taxas de sobrevivência9.
4.2. QUIMIOTERAPIA
Os agentes citotóxicos mais activos no carcinoma da trompa são os taxanos e os derivados da platina, como acontece para o
carcinoma epitelial do ovário. Foram documentadas respostas completas, no carcinoma tubar, com a associação cisplatina e paclitaxel9. Portanto, a quimioterapia adjuvante
recomendada – realizada com fins curativos
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4.1. CIRURGIA
4.3. RADIOTERAPIA
A radioterapia não está indicada no tratamento primário ou adjuvante do cancro da
trompa. A sua toxicidade imediata e tardia é
inaceitável. Pode ser usada, raramente, com
fins paliativos em doença localizada e sintomática (ex. massa pélvica).
5. PROGNÓSTICO
O estádio FIGO do tumor bem como a profundidade da invasão da parede tubar são
importantes factores de prognóstico. É
sugestivo que o grau de diferenciação da
neoplasia e a permeação dos espaços linfovasculares tenham também significado
prognóstico12.
As doentes com carcinoma epitelial da trompa têm uma sobrevivência global aos cinco
anos que ronda os 56%. Este valor é superior ao documentado para o cancro epitelial
do ovário, o que poderá ser explicado pelo
diagnóstico mais precoce do carcinoma tubar. Enquanto aproximadamente 75% dos
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cancros do ovário são diagnosticados em
estádios avançados pela ausência de sintomatologia específica, o corrimento vaginal
aquoso e as metrorragias – numa mulher
peri ou pós-menopáusica – são sinais de
alerta, podendo conduzir ao diagnóstico
de carcinoma da trompa. De facto, 51% dos
carcinomas tubares são diagnosticados nos
estádios iniciais I e II 3.
A sobrevivência aos cinco anos para os carcinomas da trompa no estádio I é de 81%, 67%
para o estádio II, 41% para o estádio III e 33%
para as doentes no estádio IV3.
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após a cirurgia – compreende a associação
de um derivado da platina (habitualmente a
carboplatina) e o paclitaxel. Contudo, o benefício desta terapêutica adjuvante não foi
demonstrado nos estádios iniciais do cancro
da trompa, em ensaios clínicos prospectivos,
dada a raridade da doença.
No carcinoma da trompa recidivante ou
na doença persistente, a quimioterapia é
a terapêutica habitualmente recomendada. É sugestivo que as drogas activas para
o cancro epitelial recidivante do ovário o
sejam também para os carcinomas tubares.
Nestas circunstâncias têm sido prescritos,
tipicamente em monoterapia e, habitualmente, de modo sequencial: docetaxel, topotecam, doxorrubicina lipossómica, gemcitabina e etoposido oral10,11.
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