Revista Brasileira de Comércio Exterior, nº 120, julho-setembro/2014, pp. 50-59 propostas de política comercial Burocracia, custos tributários e competitividade Lytha Spíndola A Confederação Nacional da Indústria (CNI) lançou, em 30 de julho de 2014, no evento Diálogo da Indústria com Candidatos à Presidência da República, 42 diferentes estudos contendo propostas para aperfeiçoar o ambiente de negócios, estimular os investimentos e ampliar a competitividade do país. Os estudos apresentam sugestões de ações transformadoras que podem contribuir para a redução dos custos de produção da indústria e incentivar o desenvolvimento da infraestrutura, da inovação e do comércio exterior. A oportuna iniciativa, com vistas a subsidiar o debate sobre os principais temas econômicos no período que antecede as eleições de 2014, faz lembrar a seguinte frase de Paul Krugman, que resume conceito cada vez mais determinante do bom desempenho, tanto da economia interna como da inserção competitiva dos países no mercado global: “A produtividade não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo”. Dentre os mencionados estudos destacam-se aqueles voltados para a modernização e simplificação dos processos e procedimentos tributários e para a redução da burocracia relacionada ao cumprimento dessas obrigações, a exemplo da consolidação da legislação e da melhoria dos serviços prestados ao contribuinte. Acompanhados de propostas concretas, com suas respectivas justificativas, os estudos refletem as principais reivindicações do setor produtivo, na expectativa de que esses importantes temas sejam incorporados ao debate pré-eleitoral e às agendas do futuro governo. O excesso de burocracia onera os custos de produção e reduz a competitividade das empresas, apontam os diversos estudos da CNI. Para mais de 80% dos Lytha Spindola é economista, foi Secretária de Comércio Exterior, SecretáriaExecutiva da CAMEX e Secretária-Adjunta da Receita Federal. 50 RBCE - 120 brasileiros, segundo apontou a Pesquisa CNI-IBOPE Retratos da Sociedade Brasileira: burocracia, de julho de 2013, o Brasil é um país burocrático, e essa burocracia aumenta o preço dos produtos e serviços, desestimula os negócios, favorece a corrupção e a informalidade, além de representar um óbice ao crescimento do país. O combate à burocracia, portanto, tornou-se uma das prioridades do Mapa Estratégico da Indústria, com destaque para a redução de diversas obrigações tributárias ou correlatas, que representam enormes custos para a sociedade sem a equivalente contrapartida para o Estado. BUROCRACIA E CUSTOS A regulamentação governamental exerce um importante papel na dinâmica das atividades econômicas. Para o desenvolvimento do setor privado é essencial contar com um bom ambiente de negócios, com regras claras sobre matérias que afetam os resultados das empresas, com estabilidade e previsibilidade econômica e com segurança jurídica. O excesso de burocracia nos procedimentos governamentais, contudo, é um mal que retira eficiência das organizações, dissipa recursos produtivos e onera a sociedade como um todo, além de ser fonte de profunda injustiça social. Ademais do desperdício de recursos, públicos e privados, e os custos associados à burocracia afetam, principalmente, os menos favorecidos, pois representam uma barreira ao acesso a serviços e ao exercício dos direitos de cidadania. Os entraves burocráticos também afetam o desenvolvimento das atividades produtivas. Normas e procedimentos mais claros, simples e objetivos, coerentes entre si e orientados pela transparência e eficiência econômica, contribuem para o equilíbrio e balanceamento entre as funções de controle e seus respectivos custos e benefícios. Por isso, os excessos de exigências burocráticas devem ser eliminados e a burocracia deve restringir-se aos procedimentos absolutamente necessários. Além de melhorar a qualidade dos serviços públicos prestados à sociedade, a redução da burocracia estimula o investimento produtivo e a geração de renda e empregos no país. A simplificação das normas relacionadas à tributação e aos procedimentos aduaneiros proporcionaria, também, estímulos ao cumprimento dessas obrigações, ao eliminar custos associados ao pagamento de impostos ou à realização de operações de comércio exterior. Diversas medidas podem contribuir para reduzir a burocracia e facilitar o cumprimento das obrigações tributárias e aduaneiras, com efeitos positivos para a economia, em razão da substancial redução dos custos e dos tempos consumidos nessas operações. Apesar dos avanços já obtidos, dos quais cabe mencionar a massiva informatização de declarações em nosso país, ainda há muito a fazer nessa área, notadamente para a simplificação de procedimentos, redução dos custos das obrigações acessórias e aperfeiçoamento dos serviços prestados ao contribuinte. Em muitos casos, em particular na esfera das operações aduaneiras, a burocracia é maior em virtude da inexistência de uma clara atribuição de responsabilidades para cada um dos órgãos intervenientes em relação à melhoria do conjunto de procedimentos. Cada órgão exerce as suas competências de forma isolada e independente, sem que haja uma coordenação geral do processo ou qualquer análise de custo-benefício dessas intervenções. Nesse contexto, a eliminação de entraves burocráticos requer não apenas a modernização do arcabouço legal, mas, principalmente, a revisão dos métodos e processos de trabalho e de gestão. A burocracia em excesso também gera custos mais elevados e outras ineficiências, que afetam a qualificação da mão de obra e os ganhos de produtividade na indústria, com reflexos negativos para o conjunto da economia. Recente estudo divulgado pela consultoria Boston Consulting Group (BCG), que analisou os custos de produção dos 25 principais países exportadores do mundo, apurou que o custo de produzir no Brasil é um dos mais altos dentre os países pesquisados, ocupando a 4ª posição de maior custo. Segundo este estudo, o custo da indústria brasileira aumentou 26% em relação ao custo da indústria dos EUA, entre 2004 e 2014. A burocracia excessiva do Brasil é um dos principais componentes deste custo. Daí a importância de avançar nas reformas regulatórias, que modernizem e desburocratizem processos. A simplificação de procedimentos, a eliminação de exigências documentais RBCE - 120 51 A burocracia tributária e aduaneira funciona como fator de inibição da atividade econômica, dificultando o acesso ao mercado externo e o crescimento, principalmente das pequenas e médias empresas, que não conseguem atender a tantas exigências e obrigações desnecessárias, a utilização intensiva de sistemas eletrônicos e de controles baseados em análises de risco, todas estas providências poderão concorrer para a redução da burocracia e dos custos de produção no país. BUROCRACIA E COMPETITIVIDADE No Brasil, o excesso de burocracia combinado com um sistema tributário complexo, de baixa racionalidade, impõe custos adicionais a toda a sociedade, já sobrecarregada pelos inúmeros e elevados tributos, alguns dos quais com incidência cumulativa sobre os demais. Além de elevar os custos das transações, da realização de negócios, de investimentos e de produção, a burocracia magnifica os efeitos da elevada carga tributária sobre a competitividade das empresas do país. Nesse sentido, a excessiva burocracia tributária e aduaneira é, reconhecidamente, um fator de agravamento da baixa competitividade da indústria brasileira. São tantas as exigências burocráticas decorrentes do sistema tributário, e tantas as exceções previstas na legislação que os custos de cumprimento das obrigações tributárias se tornaram excessivamente elevados. A exacerbação de exigências burocráticas, em parte decorrente das frequentes alterações da legislação e da proliferação de normas regulamentadoras, contribuiu para tornar o sistema tributário ainda mais complexo, transformando-o em fonte de insegurança jurídica, que se reflete nas estatísticas do contencioso tributário. Para dar uma ideia da ordem de grandeza desse contencioso, o estoque da 52 RBCE - 120 Dívida Ativa da União (DAU), em 2011, era de R$ 998,7 bilhões; cerca de 90% desse valor têm origem tributária. Apesar dos avanços das administrações tributárias na informatização de documentos e declarações, e dos investimentos realizados em sistemas de tratamento de dados, a burocracia tributária ainda é excessiva em muitas operações, a exemplo dos processos de abertura e baixa de empresas, da apuração e aproveitamento de créditos tributários, do parcelamento de débitos e dos procedimentos necessários à regularização fiscal. São igualmente complexas e onerosas as obrigações tributárias relacionadas a inventário e espólio, à recuperação de indébitos e ao contencioso administrativo-fiscal. A prestação de informações, a escrituração de livros, os sistemas de cadastros e de apuração, cálculo e pagamento dos tributos tampouco escapam dos onerosos gravames burocráticos. As compensações, ressarcimentos e restituições, por sua vez, são procedimentos que integram um capítulo à parte no elenco de obrigações burocráticas, com elevados ônus tanto para os contribuintes quanto para o Fisco. A obtenção de certidões e autorizações, a habilitação ou credenciamento para realizar determinadas operações e os requisitos e exigências para o usufruto de regimes especiais e para o gozo de benefícios e incentivos fiscais, muitas vezes essenciais para o contribuinte, também requerem complexos e onerosos trâmites burocráticos. São igualmente burocráticos os procedimentos de consulta sobre interpretação da legislação e sobre classificação de mercadorias. Os serviços de atendimento aos contribuintes e usuários tampouco estão disponíveis em todas as administrações tributárias e o acesso à informação é precário em muito locais. Como consequência, a burocracia tributária e aduaneira funciona como fator de inibição da atividade econômica, dificultando o acesso ao mercado externo e o crescimento, principalmente das pequenas e médias empresas, que não conseguem atender a tantas exigências e obrigações. O peso da burocracia e de seus custos certamente contribui para explicar o reduzido número de empresas exportadoras no Brasil – cerca de 20 mil empresas. Com efeito, um número muito aquém do potencial do país, comparativamente ao padrão de outras economias de porte e de características econômicas semelhantes. No campo das obrigações aduaneiras, o excesso de burocracia e a falta de harmonização das atividades dos diferentes órgãos de controle estão na origem das deficiências e dos elevados custos das transações de comércio exterior. As estatísticas de tempo de liberação de mercadorias e de custos acessórios das operações de importação e exportação colocam o Brasil nos últimos lugares em diferentes indicadores de desempenho dos serviços aduaneiros entre os mais variados países. As dificuldades para atuar no comércio exterior começam antes mesmo da realização das operações, com o cumprimento de excessivas exigências relacionadas à habilitação dos usuários para utilizar os sistemas informatizados, à obtenção de licenças não automáticas para importar ou exportar ou à comprovação do atendimento de requisitos para o enquadramento e fruição de regimes especiais. Como resultado, o Brasil vem apresentando uma persistente piora nos rankings de competitividade, além de ocupar posições preocupantes nos indicadores de comércio exterior. Segundo os resultados do Relatório do Banco Mundial, Doing Business 2014, que mensura e compara os tempos e custos para realizar dez tipos de transações econômicas para uma lista de 189 países, o Brasil ocupou a posição 116 no conjunto das variáveis que contribuem para facilitar a realização de negócios entre os países. Destacam-se, entre as transações avaliadas no estudo do Banco Mundial, o número de procedimentos, o tempo e os custos incorridos, no Brasil, para a abertura de empresas, para o pagamento de impostos e para a realização de importações e exportações. Além de ocupar uma posição comparativamente ruim frente às demais economias em desenvolvimento, entre 2009 e 2013 o Brasil não apresentou qualquer progresso em relação à “fronteira regulatória” mensurada no estudo. O Relatório do Fórum Econômico Mundial, divulgado em setembro de 2013, também indicava queda da participação relativa do Brasil no ranking de competitividade elaborado para 148 países. Segundo este Relatório, a deterioração nas condições macroeconômicas e a falta de avanços significativos nos investimentos em infraestrutura e na simplificação dos marcos regulatórios e tributários fizeram o país perder oito posições no ranking mundial de competitividade, voltando ao 56º lugar – mesma posição que ocupava em 2009. Estes resultados, juntamente com outras pesquisas realizadas por entidades nacionais sobre o desempenho do sistema tributário e aduaneiro do Brasil, confirmam a importância de eliminar entraves e gargalos burocráticos dessas operações, simplificando a legislação e facilitando o cumprimento voluntário e espontâneo das obrigações. Com efeito, a persistência de fatores que elevam os custos internos de produção, a exemplo do excesso de burocracia tributária e aduaneira, retira competitividade das exportações e abre espaço para o aumento das importações, notadamente de produtos manufaturados de maior valor agregado. Os Coeficientes de Abertura Comercial, divulgados pela CNI, apontaram o incremento da participação dos produtos estrangeiros no consumo nacional de bens industrializados. Em consequência, o aumento da penetração de importados não ocorreu em virtude de maior abertura da economia, o que seria saudável, mas em razão do encarecimento do produto nacional frente ao produto estrangeiro, resultante dos maiores custos internos. Estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revela que, em um ranking de 53 países, RBCE - 120 53 o Brasil ocupa a antepenúltima posição no índice de inserção nas cadeias globais de valor, estimado em apenas 33%. Aumentar a competitividade da indústria, portanto, é essencial para ampliar a participação brasileira nas etapas daquelas cadeias produtivas que geram mais riquezas para os países. Nesse sentido, a inserção mais competitiva do país nas cadeias globais depende da realização de reformas para reduzir a complexidade e o custo de cumprimento das obrigações tributárias e aduaneiras. Diversos impostos e contribuições que incidem sobre bens de capital e outros insumos empregados na produção não são recuperados ou levam muitos anos para serem aproveitados ou ressarcidos. mecanismos em vigor por um modelo de bases correntes, automatizado e informatizado, que dê maior segurança e previsibilidade, tanto para o Fisco quanto para o exportador. O acúmulo de tributos sobre o investimento não se justifica, uma vez que a tributação deve se concentrar sobre os bens finais. Além de desestimular o investimento e a geração de empregos, a tributação dos bens intermediários onera a produção e compromete a competitividade do produto nacional. A proposta visa eliminar a enorme burocracia e as incertezas relacionadas aos procedimentos de devolução e ressarcimento de créditos de exportação e, dessa forma, ampliar a competitividade dos produtos brasileiros no mercado externo. Em todas as situações mencionadas, o excesso de exigências e de procedimentos burocráticos onera o sistema produtivo e impõe custos desnecessários à sociedade, tanto para os cidadãos quanto para o Estado. Assim, reduzir o peso da burocracia é fundamental para eliminar entraves ao investimento, para aumentar a produtividade da economia e para ampliar a competitividade do país. Assim, a exemplo do tratamento tributário dispensado ao investimento em todo o mundo, propõe-se a completa desoneração dos bens classificados no ativo imobilizado, com o aproveitamento imediato e integral dos créditos relativos ao Programa de Integração Social/ Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP), à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Drawback, na legislação brasileira, é a denominação das operações de importação de insumos, componentes, partes e peças, dentre outros bens, que foram ou serão empregados na produção de mercadorias exportadas ou a exportar. PROPOSTAS PARA REDUZIR A BUROCRACIA Diversas propostas de desburocratização tributária e aduaneira foram apresentadas, pela CNI, aos candidatos à Presidência da República. Sem esgotar o tema ou eleger aquelas mais relevantes, algumas dessas propostas são descritas a seguir, de forma resumida e a título de ilustração. Desoneração de investimentos Em contraposição à generalizada prática internacional, o Brasil ainda tributa os investimentos. 54 RBCE - 120 Ressarcimento de créditos acumulados na exportação O modelo atual de devolução de créditos acumulados na exportação é muito complexo, burocrático e pouco eficaz, acarretando atrasos no ressarcimento dos valores que não podem ser compensados automaticamente na contabilidade das empresas exportadoras. Com o objetivo de simplificar a compensação e o aproveitamento dos créditos legítimos, decorrentes de exportação, propõe-se a substituição dos Drawback financeiro Embora a expressão drawback seja inadequada para descrever tais operações, as normas em vigor contemplam três modalidades, que são, em tese, equivalentes – drawback suspensão, drawback isenção e drawback restituição. A diferença entre elas reside no momento em que ocorre a desoneração dos insumos aplicados na produção dos bens exportados; se quando de sua aquisição ou depois da exportação do bem final. A legislação em vigor, contudo, prevê que a comprovação das operações de drawback, será feita com base na relação dos insumos adquiridos e empregados na produção destinada ao mercado externo. Por isso, a regularização e baixa dos compromissos de drawback ainda é muito burocrática, pois depende da prova da efetiva utilização, no produto exportado, de cada insumo listado no Ato Concessório do Drawback. Uma vez que a contagem de itens individualizados em nada contribui para a eficácia dos controles que visam aferir a correta aplicação dos insumos nos produtos exportados, propõe-se que os controles das operações de drawback sejam feitos com base no fluxo financeiro dessas operações. Além de mais efetiva, tal sistemática — que considera a matriz insumo-produto e os fluxos financeiros respectivos — permitirá a desburocratização dos procedimentos de autorização, comprovação e baixa do regime, tornando-os menos onerosos e, ao mesmo tempo mais seguros, inteligentes e automatizados. Processo de consulta tributária A consulta tributária, desde sua origem, teve por objetivo permitir que os contribuintes pudessem esclarecer, perante a administração tributária, dúvidas quanto à correta aplicação da legislação. Desta forma, a partir da apresentação da consulta, nenhum procedimento fiscal pode ser instaurado contra o consulente, relativamente ao fato objeto da consulta, resguardando e protegendo o contribuinte de eventual ação fiscal sobre a mesma matéria ou fato. As Soluções de Consulta, contudo, levam muito tempo para serem emitidas, período no qual o contribuinte fica sem orientação sobre como proceder, além de sujeito a autuações fiscais. Para assegurar que os objetivos do instituto da consulta tributária sejam efetivamente alcançados, propõe-se que as respostas à consulta sejam expedidas em prazo razoável, considerando não somente as necessidades do Fisco, mas, também e principalmente, os direitos do contribuinte. Preços de transferência A legislação de preços de transferência ainda é muito complexa e requer conhecimento técnico especializado por parte das empresas. Trata-se, em síntese, da apuração dos preços praticados nas operações de exportação ou importação entre empresas vinculadas, para evitar o sub ou superfaturamento nessas operações. A simplificação das regras de apuração e controle dos preços de transferência, contudo, é uma demanda antiga e legítima do setor empresarial brasileiro. Propõe-se, portanto, que a atual forma de apuração do preço de transferência, produto a produto, para centenas ou milhares de itens, possa ser substituída, à opção do contribuinte, pela apuração agregada do conjunto de produtos sujeitos à mesma margem de lucro estabelecida para o método de apuração do preço de transferência. Dessa forma, a metodologia em vigor, que apresenta elevadíssimo grau de complexidade e é extremamente onerosa, poderá ser substancialmente simplificada, beneficiando, em especial, empresas de menor porte que não contam com o apoio de profissionais especializados na matéria. Desoneração da folha de pagamento A desoneração da folha de pagamentos, assim denominada a substituição da base da contribuição do empregador à previdência social ― que deixou de ser a folha de salários e passou a ser a receita bruta da empresa ― foi recentemente prorrogada, sine die, para um conjunto de setores e atividades econômicas. Tendo em conta que as receitas de exportação podem ser excluídas da base da contribuição sobre a receita bruta, o que não ocorre na hipótese de incidência sobre a folha de pagamentos, a desoneração das exportações só é assegurada para as empresas e setores incluídos no novo regime. Para os demais setores da economia, no entanto, a referida contribuição continua a incidir sobre a folha de salários, onerando indevidamente as exportações. Essa diferenciação, além de injusta, aumenta a burocracia dos controles, que visam impedir desvios e planejamentos tributários, gerando elevados riscos e custos tanto para o Estado quanto para os contribuintes. A proposta, então, é que a opção pelo pagamento da contribuição com base na receita bruta seja opcional e estendida a todos os contribuintes. Redução de multas por infrações fiscais Os elevados patamares das multas em vigor inviabilizam o RBCE - 120 55 Um dos grandes desafios do Brasil para consolidar-se no comércio internacional é a redução de custos administrativos das operações aduaneiras pagamento dos débitos tributários em atraso, ainda que por razões não dolosas. Como o objetivo principal das penalidades é desestimular a inadimplência e a sonegação de tributos, a imposição de multas muito elevadas mostra-se contraditória, uma vez que inviabiliza o pagamento dos débitos. De nada adianta impor multas pesadas e depois perdoá-las integral ou quase integralmente em programas de anistia fiscal. Além disso, as penalidades hoje em vigor foram estabelecidas em época de inflação muito alta, não mais se justificando em um ambiente de estabilidade da moeda nacional. RBCE - 120 Estas vedações não se justificam nos dias atuais, uma vez que os ajustes na contabilidade governamental podem ser realizados diretamente nos sistemas de compensação já existentes. Com efeito, as restrições à compensação geram apenas mais trabalho, burocracia e custos, tanto para o Fisco quanto para os contribuintes. Propõe-se, portanto, a redução das multas a patamares compatíveis e suficientes para penalizar aqueles contribuintes que atrasam ou sonegam tributos, sem inviabilizar o pagamento dos tributos devidos. Ressalte-se que a proposta visa aperfeiçoar as normas sobre a matéria, para estabelecer um patamar de multas razoável e compatível com a realidade econômica atual e com os níveis das taxas de juros em vigor, de forma a eliminar o prêmio da inadimplência e desestimular a opção pelo não pagamento dos tributos. Por isso, propõe-se o aperfeiçoamento das regras de compensação e aproveitamento automático de créditos tributários legítimos, sob a responsabilidade do contribuinte, autorizando que a compensação possa ser realizada contra débitos previdenciários. Aproveitamento de créditos tributários acumulados Propõe-se, portanto, a consolidação dessas contribuições em uma única contribuição, reduzindo substancialmente as obrigações acessórias relativas à apuração, declaração, pagamento e controle dessas contribuições. A legislação em vigor autoriza a compensação dos créditos acumulados, relativos a tributos e contribuições, com débitos próprios, referentes a quaisquer tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB). 56 São vedadas, contudo, a compensação com débitos relativos a impostos e contribuições incidentes nas operações de comércio exterior ou relativos às contribuições previdenciárias, além da proibição da transferência dos créditos acumulados a terceiros. Unificação do PIS e da Cofins não cumulativos Embora sejam contribuições distintas, o PIS e a Cofins têm muito em comum, e poderiam ser unificadas com significativos ganhos para os contribuintes e para o Estado. A grande economia de recursos e a eliminação de obrigações acessórias justificam a unificação dessas contribuições, uma vez que as legislações que as regem são convergentes e poderão ser facilmente adaptadas para que a apuração e a cobrança sejam realizadas de forma integrada. Destaque-se que as fiscalizações dessas duas contribuições já são feitas de forma integrada e que a unificação proposta não afeta a atual destinação dos recursos arrecadados. Simplificação da abertura e baixa de empresas A burocracia dos procedimentos de abertura e baixa de empresas no Brasil é frequentemente apontada como exemplo de ineficiência, complexidade administrativa e morosidade dos serviços públicos. Há excesso de exigências e falta sincronização das ações dos diversos órgãos intervenientes, o que torna o processo oneroso e pouco transparente. permitir o nascimento e a regularização das empresas de menor porte. Ampliação do despacho aduaneiro expresso (Linha Azul) Um dos grandes desafios do Brasil para consolidar-se no comércio internacional é a redução de custos administrativos das operações aduaneiras, conforme demonstrado na pesquisa CNI de 2014 sobre entraves às exportações brasileiras. Para isso, é essencial a eliminação dos entraves burocráticos atuais, de forma a ampliar a previsibilidade no embarque e desembarque de mercadorias e, consequentemente, reduzir o tempo de despacho e desembaraço nas operações de comércio exterior. Com o objetivo de estimular o empreendedorismo, propõe-se o estabelecimento de critérios, procedimentos e prazos, a serem observados pelos diferentes órgãos que intervêm no processo, para a implantação de sistemas integrados e para a harmonização das exigências documentais em todo o país. Propõe-se, portanto, a adoção de medidas que ampliem o acesso ao regime da Linha Azul para empresas de baixo risco, inclusive para pequenas e médias empresas que operam de forma regular no comércio exterior, o que certamente contribuirá para a maior fluidez do comércio exterior lícito e, ao mesmo tempo, para a redução das fraudes e desvios associados à excessiva burocracia dessas operações. Da mesma forma, propõe-se que sejam abolidas as obrigações de apresentação de documentos e cópias em duplicidade e outras exigências redundantes ou burocráticas, dando fé às declarações dos contribuintes. O objetivo é preservr os controles necessários, sem impor ônus excessivos aos empreendedores do país, especialmente para O objetivo é simplificar os controles sobre as operações e operadores com histórico de atuação regular, facilitando suas operações, que deverão sofrer o mínimo de intervenções da fiscalização. Em contrapartida, os limitados recursos da fiscalização poderão ser redirecionados para os contribuintes e operadores de maior risco. A proposta de ampliação da Linha Azul, a partir da flexibilização de exigências e da integração de todos os órgãos fiscalizadores e intervenientes, portanto, está em sintonia com a evolução dos procedimentos aduaneiros mais modernos adotados no resto mundo, que buscam facilitar e simplificar a execução dos controles para os operadores de menor risco, concentrando esforços na fiscalização das operações de maior risco. Despacho consolidado de exportação Os procedimentos exigidos para o registro de exportações são repetidos a cada operação, como se cada transação fosse independente. Esta visão unitária, em contraposição a uma abordagem de fluxo, multiplica as exigências burocráticas do processo. O cumprimento de todas as formalidades junto aos órgãos intervenientes e à RFB, que se materializam na entrega de cópias de documentos, na entrada dos mesmos dados a cada operação, agrega custos que poderiam ser eliminados, sem prejuízo do exercício dos controles administrativos necessários. Propõe-se, portanto, disciplinar a possibilidade de consolidação das informações relativas a várias operações de exportação em uma única Declaração de Exportação, para empresas previamente habilitadas. Tal procedimento propiciará maior agilidade das exportações e a redução de custos pela eliminação de diversas obrigações burocráticas. RBCE - 120 57 A utilização de documentos em papel é responsável por diversos entraves burocráticos, que se refletem nos elevados custos e tempos das operações de importação e exportação no Brasil Despacho antecipado de importação Segundo as normas em vigor, os procedimentos de registro da declaração de importação só podem ser iniciados após a descarga das mercadorias nos pátios ou armazéns dos portos e aeroportos. Este procedimento anacrônico e desatualizado não se coaduna com as modernas práticas de análise de risco adotadas pelas administrações aduaneiras mais eficientes em todo o mundo. Além de muito burocrático, o procedimento adotado no Brasil aumenta o tempo e os custos das operações de importação, sem qualquer contrapartida positiva para o exercício dos controles. Em consequência, aumentam os custos dos insumos e dos produtos finais importados, com efeitos danosos sobre a competitividade das empresas brasileiras e da produção nacional. Assim sendo, a antecipação do registro, para momento anterior à chegada da carga ao país, permitirá o aperfeiçoamento dos controles e a realização tempestiva das análises de risco das mercadorias, com a imediata liberação das cargas não selecionadas para inspeção. Com isso, evita-se a retenção de mercadorias sem interesse fiscal em pátios e recintos alfandegados de zona primária, desobstruindo espaços e eliminando o acúmulo de carga nesses locais. A realização da parametrização e a seleção de mercadorias para inspeção em momento anterior à chegada das cargas ao país são práticas internacionalmente adotadas e recomendadas como medidas de facilitação de comércio 58 RBCE - 120 e de melhoria da execução dos controles governamentais. Estas simples providências poderão eliminar diversas rotinas e procedimentos burocráticos que atualmente oneram o comércio exterior brasileiro. Centrais de atendimento aduaneiro A criação de canais formais de comunicação entre a administração aduaneira, demais órgãos intervenientes e os usuários do comércio exterior é fundamental para reduzir a insegurança na aplicação das normas e estimular o seu cumprimento voluntário pelos contribuintes que operam nessas atividades. Sem prejuízo dos serviços prestados pelas Centrais de Atendimento aos Contribuintes (CAC), que em algumas localidades também têm por função orientar e solucionar questões relacionadas com o comércio exterior, propõe-se a institucionalização de canais permanentes de cooperação e diálogo sobre temas aduaneiros, tarifários e não tarifários, visando ao aperfeiçoamento dos procedimentos, à facilitação do comércio legítimo e à redução dos custos de transação e dos riscos de fraudes. Gestão de riscos no comércio exterior A adoção de uma eficiente gestão de riscos é essencial para garantir o equilíbrio entre o controle e a facilitação de comércio. É sabido que a carência de recursos e o crescente volume de comércio externo inviabilizam a verificação de todas as cargas, ou mesmo de um grande volume delas. No Brasil, apesar dos avanços observados na gestão do comércio exterior, ainda persistem práticas burocráticas e discricionárias na seleção e na fiscalização das operações aduaneiras por parte de alguns órgãos de controle. Há, portanto, um enorme espaço para avanços nessa matéria, mediante, por exemplo, a adoção de medidas de reconhecimento mútuo de controles, a eliminação de exigências documentais, a realização de controles a priori ou a posteriori, o compartilhamento de bases de dados e a integração de sistemas informatizados, com evidentes vantagens para o setor público e para os agentes privados. A redução da burocracia na gestão dessas operações poderá representar enorme economia de recursos, bem como a redução de riscos e o aumento da eficiência e efetividade dos controles. Recomenda-se, desse modo, a introdução de aperfeiçoamentos no processo de gestão das operações de comércio exterior, com o uso obrigatório e intensivo de sistemas inteligentes nas inspeções de cargas, de modo a facilitar o comércio legítimo e, ao mesmo tempo, fortalecer o combate às fraudes. Informatização dos documentos exigidos na importação e na exportação A crescente utilização de meios eletrônicos e de recursos de informática, como instrumentos de simplificação das operações aduaneiras e de fortalecimento dos controles sobre o comércio ilegal, é uma realidade em todo o mundo. No entanto, alguns órgãos do governo brasileiro ainda exigem a apresentação de documentos em forma impressa, mesmo daqueles que já foram informatizados. Outros órgãos ainda não informatizaram alguns de seus documentos. A utilização de documentos em papel é responsável por diversos entraves burocráticos, que se refletem nos elevados custos e tempos das operações de importação e exportação no Brasil. Tendo em vista que o sistema geral de registro e controle das operações de comércio exterior é informatizado, propõe-se a aceitação de cópia digitalizada da fatura comercial e de outros documentos emitidos por empresas sediadas no exterior, mantendo-se o original em poder do declarante para posterior averiguação, caso seja necessário. Garantia global para cobertura de múltiplas operações A exigência de garantias para a realização de determinadas operações aduaneiras é estabelecida caso a caso, o que burocratiza e cria embaraços à realização de tais operações. A gestão dessas garantias, por sua vez, também onera as administrações aduaneiras, que despendem tempo e recursos com essas atividades. Dessa forma, sugere-se a permissão para que os operadores contumazes possam constituir instrumento de garantia global, para uso em distintas situações e operações na área aduaneira, reduzindo custos e desburocratizando a utilização das garantias. Exportação com base na Nota Fiscal Eletrônica A Nota Fiscal eletrônica (NFe) pode ser o documento único exigido nas operações de exportação mais simples, que não requeiram a apresentação de documentos de financiamento ou outros exigidos por órgãos anuentes. Tendo em vista a automatização dos controles e a utilização de sistemas informatizados para a emissão da NFe, a realização de exportações com base neste documento representará uma enorme simplificação dos procedimentos adotados atualmente nas exportações, com ganhos efetivos para os exportadores brasileiros. A medida se alinha à crescente utilização de soluções tecnológicas para o acesso, em tempo real e com segurança, aos documentos comerciais e contábeis emitidos pelas empresas, não apenas mediante a utilização da NFe, mas também da implementação do sistema público de escrituração contábil digital (SPED). A exportação com lastro na NFe também se alinha à tendência verificada nas boas práticas internacionais que recomendam a utilização, sempre que possível, dos próprios documentos comerciais como a base dos controles tarifários e não tarifários, eliminando, com isso, a possibilidade de falsificação de documentos e as inconsistências entre os dados fornecidos pelos operadores. Desse modo, propõe-se que seja autorizado o uso da NFe como documento exclusivo nas operações de exportação. RBCE - 120 59