Agulha - Revista de Cultura

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revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
editorial
1999-2009
Quem diria. Em 1999, nenhum de nós desconfiava que
Agulha iria tão longe, que chegaria a tanto em duração, na
extensão temporal; na quantidade de títulos, na extensão
espacial; e principalmente no alcance, em sua difusão.
Fomos consistentes. Os números iniciais de Agulha
continuam atuais. Dez anos, mantendo o mesmo projeto
inicial: uma revista digital, sítio da web ou conjunto de
páginas de Internet, com um formato e um projeto bem
específicos, que não mudaram. A fórmula: seriedade, mas
sem academicismo; rigor, mas sem pedantismo. Do
número 1 até hoje, são publicados ensaios,
complementados por entrevistas e artigos; e, em cada
número, um artista plástico, cujas obras ilustram a edição
toda. Dez a quinze matérias por edição bimestral. Uma
publicação mais específica, mais especializada que outras
com as quais tem afinidade e mantém intercâmbio. Aberta,
porém temática e com propósitos claros. Alguns
parâmetros: não recuar diante da complexidade ou
densidade; preferir o que está fora das pautas do
mundanismo cultural, incluindo os temas “malditos”, a
começar pelo sistemático e detalhado exame do
surrealismo; empreender o diálogo com as literaturas e
toda a produção cultural da América Latina e do mundo
hispânico; ao mesmo tempo, entender-se como expressão
da lusofonia, da criação em língua portuguesa.
Agulha surge ao final de 1999, desde então afinada com
um sentido de aproximação de culturas cujas afinidades são
incontestáveis e também com uma atenção particular para
o inadvertido dentro do ambiente de cada cultura em si.
Entendia então que a criação artística circulava com um
fluxo não correspondido por sua reflexão crítica. Não se
tratava de defesa de uma crítica acadêmica, mas antes de
evocar a reflexão no interior da própria criação. Auscultar
as veias comunicantes dessa misteriosa operação, tão
divina quanto terrena.
Não há danos causados por uma vertente racionalista que
não possam ser correspondidos pela crença no espontâneo
a todo custo. Agulha sempre quis estabelecer um palco
confiável para a manifestação dessas vertentes. Mesmo
considerando uma presença mais acentuada de temas e
colaboradores situados em um ambiente ibero-americano,
não nos fechamos de maneira ortodoxa sequer em um
plano geográfico. O fato de que recebamos um largo
número de material crítico veiculado diretamente a temas
ibero-americanos nos gratifica e confirma um caminho
essencial a ser reiterado permanentemente.
Agulha não surge como um libelo em defesa do
Surrealismo ou da condição algo expatriada da cultura
ibero-americana, mas antes como um veículo de
credibilidade onde tais questões podem ser tratadas com a
justiça a que fazem direito. Sem retóricas protecionistas ou
rejeições preconceituosas ou mesmo da ordem de
interesses comerciais. Será bastante visitar o índice geral
dos 67 números até aqui publicados.
Em 10 anos de existência da Agulha, os obstáculos podem
até haver mudado de nome, porém se mantêm firmes na
mesma exigência. Em uma década o mercado financeiro se
estabeleceu de tal forma como determinante de toda e
qualquer ação e reação que o mundo empalideceu quando
se cobra sentido no âmbito político ou cultural. Uma das
exigências naturais da Agulha é que nada na crítica que
divulgamos e mesmo assinamos ao longo de 10 anos
assuma o caráter – se há caráter nisto – de vítima. Se o
mundo cair por terra, somos todos responsáveis. Os que
fizeram algo a favor ou contra e os que nada fizeram. Tão
simples como trocar uma lâmpada na cozinha.
Realizada no Brasil, onde residem seus editores, é natural
que a revista compreenda melhor o que passa por real na
cultura deste país, as identificações de pérolas e porcos a
que correspondem os anseios locais. Confirmamos de
maneira quando menos curiosa o pouco caso dado à cultura
hispano-americana dentro do Brasil, sintoma de
provincianismo que nos proíbe dar o salto histórico que
somente será possível ante a aceitação do outro que
trazemos em nós mesmos. Nenhuma cultura americana,
por maior ansiedade cosmopolita que a defina, pode
desprezar sua origem índia.
Em 1999, estava-se às vésperas do estouro da primeira
bolha de Internet. O Google começava a ser cotado como a
melhor ferramenta de buscas. Como parecia enorme, e
como ainda era incipiente e minoritário o mundo digital,
comparado às suas dimensões atuais: a essa cifra
inimaginável, de nada menos que um trilhão de páginas
que podem ser acessadas através do Google.
Conseqüência: leitores de todo lado. Consultas, a toda
hora, de pesquisadores. A evidência de que estamos
fazendo algo em favor da difusão do conhecimento.
Além de romper barreiras de espaço (nosso leitor pode
estar em qualquer lugar do mundo) e tempo (o texto
publicado em 2000 pode ser acessado e lido do mesmo
modo que aquele da última edição – tudo dura, tudo
permanece), como a Internet facilitou a cooperação, como
promoveu sinergia. Acrescente-se ainda condição bilíngüe
da Agulha. Outros meios eletrônicos, devidamente
registrados em links nossos, ampliaram seu alcance e
circulação: o pioneiro Jornal de Poesia de Soares Feitosa, o
TriploV de Maria Estela Guedes, mais recentemente
Cronópios de Edson Cruz. E, evidentemente, o efeito
sinérgico provocado pelo próprio Google e demais
ferramentas de busca: visitas e consultas determinam a
posição em suas páginas, o ranking, gerando novas visitas
e consultas.
Tal crescimento evidencia um grau de interferência que nos
leva a observar também o comportamento de outras
esferas e a possibilidade de mútua cooperação, para que
assim possam atuar conjuntamente uma revista de cultura
de circulação na Internet e organismos institucionais com
declarado interesse na recuperação e expansão de seu
acervo cultural. Editores de Agulha têm viajado por vários
países e partes do Brasil, participando de eventos, ao
mesmo tempo em que atuando na consultoria, coordenação
e/ou curadoria de outros, o que permite ampliar
consistência cultural como projeto identificado da revista e
sua circulação em termos de leitores de espaços os mais
diversos, e não apenas virtuais. Comprova isto o encarte
especial que traz a presente edição, dedicado à recente
edição, a 8ª, da Bienal Internacional do Livro do Ceará.
Internet acelera sobremaneira todos os componentes que
caracterizam as sociedades em nosso tempo, o que
significa dizer que alimenta maniqueísmos de toda ordem.
Como em tudo na vida, gera violência, distorções de poder,
fraudes e um sem número de aspectos danosos que são,
quer aceites ou não, parte da humanidade. Trata-se de um
mecanismo que evidencia o caráter da sociedade que o
utiliza. Uma grande janela do espírito humano. Com todos
os seus prós e contras. Os editores da Agulha
compreendem com rigor o papel que desempenham em tal
meio, declaradamente agradecidos pelo carinho com que
leitores em toda a parte do mundo têm recebido – e
ampliado através de intensa e generosa divulgação – nosso
trabalho editorial.
Os editores
8ª bienal internacional do livro do ceará |
encarte especial
O Centro de Convenções de Fortaleza (Ceará) recebeu, de
12 a 21 de novembro de 2008, a programação da 8ª
Bienal Internacional do Livro do Ceará, que contou
ainda com destacado espaço físico da Universidade de
Fortaleza (UNIFOR), ampliando, assim, a agenda desse já
tradicional evento cearense. Esta bienal é uma iniciativa do
Governo do Estado do Ceará, por intermédio da Secretaria
da Cultura, Sindlivros e parceria com a RPS Eventos. A
curadoria ficou a cargo de Floriano Martins, Karine David e
Jorge Pieiro.
O tema da 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará foi A
aventura cultural da mestiçagem, o qual abrangeu duas
comunidades lingüísticas: a portuguesa e a espanhola e,
ainda, suas manifestações artísticas e culturais, totalizando
30 países situados em quatro continentes: África, América,
Ásia e Europa. A ousadia de tal abrangência deslocou o foco
habitual das programações literárias de outros eventos
similares, concentrando-se em evocar a multiplicidade de
culturas e a condição mestiça de suas raízes.
Motivada pelo tema central, a programação da 8ª Bienal
Internacional do Livro do Ceará esteve comprometida com
a integração das culturas envolvidas, reconhecendo seus
hábitos, costumes e literatura, e com a democratização e a
mobilização do acesso universal ao livro, à leitura e à
produção literária. Foram realizadas atividades baseadas na
promoção e geração de conhecimentos destinados ao
público.
As sessões literárias incluíram palestras, debates, leituras
de poemas, encontros especiais, lançamentos de livros,
tendo sito esta agenda configurada, por sua vez, a partir do
tema central. Os debates contemplaram assuntos como
produção e circulação de revistas e suplementos literários,
casas de cultura, política cultural dos centros de estudos
brasileiros na América Hispânica, movimentos
contraculturais, circuito editorial universitário, encontros
internacionais de escritores, dentre outros. Já as palestras
trataram de aspectos ligados aos fundamentos da
mestiçagem, jornalismo cultural e obras literárias,
considerando particularidades regionais e continentais dos
países envolvidos.
Houve uma integração entre segmentos da criação artística,
produção cultural e mídia, envolvendo um conjunto de 9
salas permanentes, assim distribuídas: Arena Jovem, Arte
Postal & Poesia Visual, Artes e Ofícios, Cordel, Gravuras,
Música, Rádio, Revistas e Vídeos. A área de expositores da
8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará, considerando a
abrangência de seu tema central, contou com um número
de expositores também dos países envolvidos,
influenciando assim integração entre as literaturas de
línguas portuguesa e espanhola. Um diferencial nesse caso
foi a criação de um espaço intitulado Ilha dos
Continentes, cuja área de 234m² destinou-se a receber
editoras estrangeiras que, em geral, não dispõem de
condições de participar de eventos internacionais.
O grande homenageado desta edição de 2008 da 8ª Bienal
Internacional do Livro do Ceará foi o humorista,
compositor, dramaturgo, artista plástico, ator e radialista
Chico Anysio (Ceará, 1931). Criador de uma extensa galeria
de tipos (Professor Raimundo, Coalhada, Azambuja, Bento
Carneiro, Gastão, Quem-Quem, Meinha, Zé Tamborim,
Justo Veríssimo, Tavares, Pantaleão, Painho etc.), Chico
Anysio atua há quatro décadas em teatro e televisão,
representando hoje um marco exemplar em nossa tradição
humorística. Por ser considerado, também, um notável
escritor, a bienal foi palco de lançamento de um novo título
seu: 3 casos de polícia.
A Agulha destaca aqui seu amplo reconhecimento a este
evento, com a criação de um encarte especial em que
disponibiliza vários dos textos apresentados nas mesas de
debates e palestras. Também incluímos – logo abaixo – um
comentário inédito do dramaturgo Oswald Barroso acerca
da Bienal.
Os editores
O CHEIO E O VAZIO: A PROPÓSITO DA
BIENAL DO LIVRO
Oswald Barroso
Uma das críticas que a grande mídia fez à VIII Bienal
Internacional do Livro foi a de que ela alternava espaços
demasiadamente cheios e espaços demasiadamente vazios.
Falou, inclusive, de atividades que não ocorreram por falta
de público. Em que pese um número previsível de falhas e
críticas outras pertinentes, essa, particularmente, é
reveladora da falta de sintonia de setores hegemônicos da
mídia brasileira com determinados fenômenos da
contemporaneidade. No caso, sua miopia frente às
mudanças processadas no campo das comunicações nesse
começo de milênio.
Pra começar, “é sempre bom lembrar que um copo vazio
está cheio de ar”, como diz uma canção de Gilberto Gil. Em
outras palavras, um grande auditório apinhado de gente
atraída, seja por estrelas midiáticas, ou por obrigações
escolares, pode estar mais vazio que uma pequena sala,
onde alguns imensos poetas afro-latino-americanos se
encontram pela primeira vez, entre si, e/ou com seus
poucos, mas iluminados leitores. Isto porque, quase
sempre no grande auditório flui algo já vulgarizado,
enquanto na pequena sala, não poucas vezes, está em
gestação o inusitado, o novo, portanto.
Tenho freqüentado simpósios, encontros, seminários e
outros eventos culturais e acadêmicos, assim como teatros
e cinemas, ultimamente, e em quase todos eles este
fenômeno é recorrente: muitas salas, muitos temas, muita
gente espalhada por inúmeros espaços, num mesmo
momento ou não, mas sempre, relativamente, poucas
pessoas para cada assunto em pauta. Portanto, inúmeras
minorias ou, se quiserem, grandes maiorias fragmentadas.
Aparentemente, nada de causas comuns, nada de
multidões uníssonas, a não serem aquelas promovidas pela
grande mídia, no rastro de mega-shows, excessivamente
mercantilizados.
Apesar do esforço nunca visto, por parte da grande mídia,
de controle da informação em plano global, nunca foram
tantos os emissores, nem tão numerosas as oportunidades
de escolha dadas ao receptor. Perdem audiência as grandes
cadeias de televisão (inclusive as novelas) e perdem
leitores os grandes jornais. Há o Orkut, os blogs, os sites,
há os DVDs e a pirataria incontrolável dos camelôs, há os
jornais e revistas eletrônicos, finamente,há um circuito de
comunicação de incontáveis vias não revelado pela grande
mídia e que foge ao seu poder. Com o avanço tecnológico e
a democratização dos multimeios, amplia-se a liberdade de
escolha para o cidadão e aparece a possibilidade de uma
sintonia mais fina com o que realmente lhe interessa.
Foi o que se viu na Bienal, espaços diferenciados e fluxos
de pessoas em direção às suas escolhas. Programações
dirigidas às poucas maiorias e às muitas minorias. O
exercício da liberdade, enfim, com seus riscos, inclusive o
de se ofertar um tema que não encontre audiência.
Exceção, porém, porque na Bienal, o que se viu foi a
oportunidade rara de encontro de literaturas marginalizadas
pela grande mídia, mas profundamente sintonizadas com a
vida de seus povos. Encontro que, por certo, gestará novos
diálogos, alimentando um movimento em curso, pouco
visível, aparentemente minoritário, num jogo sempre em
andamento, em que a minoria de hoje, pode ser a maioria
de amanhã.
_________________________________________
OSWALD BARROSO (Brasil). Prêmio Estado do Ceará
(1985). Prêmio Estímulo à Dramaturgia (FUNARTE, 1996).
Medalha Brasileira Folclorista Emérito, concedida pela
Comissão Nacional do Folclore. Poeta, jornalista, ator,
folclorista e teatrólogo. Tanto na atividade artística (poesia
e teatro), quanto na atividade jornalística (particularmente
como repórter do jornal O Povo), e na atividade acadêmica
e de pesquisa, tem trabalhado sobre temas relacionados à
cultura popular cearense, notadamente, aos movimentos
sociais, à religiosidade, ao artesanato, às festas e aos
folguedos. Participou como ator, dramaturgo ou encenador,
durante 17 anos, entre 1976 e 1993, do Grupo
Independente de Teatro Amador (GRITA) e, de 1996 a
2006, da Companhia Boca Rica de Teatro. Contato:
[email protected].
sumário
1 antonio bandeira: un árbol verde
para el nuevo hombre. floriano martins |
jacob klintowitz
2 carta do secretário da cultura do estado
do ceará à associação cearense de cinema e
vídeo. francisco auto filho
3 crítica de arte: um lugar no modernismo
luís estrela de matos
4 cruzeiro seixas: "a minha vida foi
brasileiro.
uma experiência muito bonita" [entrevista].
vladimiro nunes
5 lezama lima y el surrealismo | primeira
parte: andré breton y lezama lima, un
acercamiento posible. carlos m. luis
6 lorena pradal y "habitaciones": la
piedra como poética y percepción analógica
del mundo. martin palacio gamboa
7 los instantes fatales y sus efectos. oscar
gonzález
8 los ríos en la poesía chilena: nuevas
definiciones ecocéntricas de la poesía épica
y lírica. steven f. white
9 luis feito: "la pintura no es una carrera de
novedades y modas" [entrevista]. miguel ángel
muñoz
10 os espaços do círculo: a distância e o
trágico em rosa e proust.
leonardo
vieira de almeida
11 participação da antropologia na obra de
herberto helder. maria estela guedes
12 william blake, poeta e profeta.
claudio willer
artista convidado william blake [aquarelas
e gravuras, texto de jesús david curbelo]
banda hispânica
visitação galeria de revistas
poesia
8ª bienal internacional do livro do ceará |
encarte especial
1 aproximar o distante - do estranho ao
familiar, duas experiências: timor leste e
guiné-bissau. joana ruas
2 avanços das neurociências para o ensino
da leitura.
leonor scliar-cabral
3 barroco, surrealismo e miscigenação na
américa latina: água de um mesmo rio.
luís
eustáquio soares
4 de la canela a fortaleza. jotamario
arbeláez
5 diálogo con floriano martins: bienal
del libro de ceará, un espacio de
descubrimiento(s) [entrevista]. gabriel
chávez casazola
6 diálogos entre arte postal y poesía visual.
francisco "paco" aliseda
7 escritores cearenses contribuem. ana
miranda
8 fragmentaciones II. gary daher
canedo
9
indigenismo, negritud y mestizaje en la
literatura dominicana.
manuel mora
serrano
10 influencias indígenas en el castellano
regional de loreto.
alberto chirif
11 inicios del mestizaje cultural en el río de
la plata: la argentina, de ruy díaz de
guzmán. marta spagnuolo
12 la aventura cultural del mestizaje.
grazia ojeda del arco tang
13 la poesía guaraní - desde los cantos
míticos a las expresiones de hoy.
susy
delgado
14 la vanguardia en los años sesenta.
sergio mondragón
15 las casas de la cultura en la construcción
de la identidad de américa latina.
fabián
guerrero obando
16
las fronteras como espacios de mestizaje
cultural.
rosario peyrou
17 las revistas culturales y la integración de
nuestra américa.
carlos véjar pérez-
rubio
18 o centro cultural brasil-república
dominicana e os centros de estudos
brasileiros (cebs). cristiane grando
19 o poder do autor vivo. maria estela
guedes
20 o sertão grego de gerardo mello mourão.
gonçalo mello mourão
21 perspectiva internacionalista da
literatura cearense. floriano martins
22 vozes subentendidas em sagração do
alfabeto. leonor scliar-cabral
expediente
editores
floriano martins & claudio willer
projeto gráfico & logomarca
floriano martins
jornalista responsável
soares feitosa
jornalista - drt/ce, reg nº 364, 15.05.1964
correspondentes
todos os colaboradores
artista plástico convidado (gravuras e aquarelas)
william blake
apoio cultural
jornal de poesia
traduções
éclair antonio almeida filho [inglês, francês ð
português]
marta spagnuolo [português ð espanhol]
gladys mendia [português ð espanhol]
floriano martins [espanhol ð português]
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revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
Crónica de vislumbres | Antonio
Bandeira: un árbol verde para el nuevo
hombre
Floriano Martins | Jacob Klintowitz
.
Bandeira fue un artista iluminado por cuatro soles y que nos dejó
una obra en la frontera de varios ríos sumergidos que, hoy,
emergen en las principales cuestiones actuales del arte y de la
cultura.
Visionario, de intensa actividad, su obra está en el umbral,
pertenece a su época, pero pocos, como él, construyeron una
iconografía tan proyectada en el venir a ser. El es el profeta de las
ciudades de luz.
Bandeira fertilizó el arte brasilero, a partir de Ceará, creando nuevas
vertientes para el arte moderno. El Ceará tiene una tradición
cultural rica. De su grupo, a partir del final de la Segunda Guerra
Mundial, se destacaron nacionalmente Aldemir Martins, Inimá de
Paula y Bandeira. En Europa, junto con Wols, Bandeira fue
importante también en la renovación de ideas, a partir de una
abstracción lírica, con fuerte pasado figurativo. No apenas la
gestualidad de la abstracción, sino la concepción de nuevas formas
de marcado pasado figurativo. Lirismo con título, el gesto y la
poética verbal.
Nadie, como él, proyectó la idea de ciudades contemporáneas
hechas de luz. Es una visión anticipadora, pues las ciudades tienden
a esto y serán, cada vez más, menos febriles y más conceptuales.
La vida humana no como productora, sino como ejercicio del sueño.
Antonio Bandeira fue un extraordinario pintor de vida corta, pues
murió en una mesa de operación, en París, de una banal
intervención en la garganta.
Es un artista de la luz, justamente cuando el hombre salía de las
tinieblas homicidas. El pintor de la ciudad lírica generadora de ideas,
conceptos y de construcción de un nuevo hombre impregnado de
intuición estelar. Es significativo esto, una vez que él es oriundo de
una región iluminada por el sol, dotada de gran claridad. Y que su
vida transcurrió en dos otras ciudades solares, Río de Janeiro y
París, la propia ciudad luz. El cuarto sol de su vida era su propia
alma, manifestada en una labor sin fin y en la concretización de
imágenes únicas que marcan la utopía del siglo veinte.
Su arte siempre fue impregnado de un alto lirismo. Pintor poeta.
Antonio Bandeira creyó que la tradición pictórica era suficiente para
expresar el futuro. No deseó otro vehículo, otro soporte, otro
lenguaje que no fuese la pintura y el arte.
El artista de la luz. El
hombre en la
frontera, entre el
pasado y el futuro, el
abstraccionismo y la
figuración. Es una
abstracción que
nombra! Es, en este
sentido, un artista de
acentuada tendencia
espiritual.
La luz en Bandeira es
interna, hecha de
visiones, y no
sabemos,
seguidamente, si es día o noche en su pintura. Es un visionario en la
mejor tradición del siglo veinte, la de quien percibe la luz como
manifestación compleja de la materia y de la metafísica. En él lo
espiritual no está personificado en el contorno de la figura humana,
sino en la visión.
Con la llegada de los años 50, Bandeira, en definitivo, deja atrás
figuras y paisajes más expresionistas. Como un alquimista, mezcla
paisaje, figura y abstracción en una misma paleta y de allí comienza
a expandir una poética firmada esencialmente en el mestizaje. El
mismo dirá:
Quiero hacer un mundo nuevo, mezclar el cielo con la tierra,
decir a los hombres que ellos son todos hermanos en la batalla
de las razas, apuntar el paisaje visionario de las grandes masas
urbanas; sacar una pintura de la naturaleza que ya fue, que ya
se está elaborando, y que todavía va a proseguir. Quiero
preparar el terreno para mi humanidad que vendrá después, la
humanidad fea que hoy sufre, presentándola con un paisaje
digno, un paisaje nuevo, un árbol verde, un ser en germinación.
En fin, quiero crear seres que no existen, mezclar, hablar al
hombre en un nuevo lenguaje, o no hablar ninguna lengua;
enviar un mensaje a los contemplativos.
Hasta su muerte,
en 1967, son 17
años de cosechas
ininterrumpidas,
estaciones
perennes,
desentrañando
ciudades de las
manchas y sombras
del
abstraccionismo.
Mezcla igualmente
sus clasificaciones
internas (lírico,
binario, geométrico,
etc.). Bandeira
tiene un sentido
extraordinario de lo
humano en sí. A tal punto que tamaña generosidad lo conduce a un
exceso de donación. Tenía la más plena conciencia de que no se
produce gran arte de otra manera. Fue al desgaste de todo. Llevó
una vida de lúcida deriva.
Antes que la muerte lo sorprendiese garabateó un diario dibujado de
lo que vendría a ser un filme autobiográfico. En uno de los cuadros
habla de París en un sentido que se aplica a cualquier espanto lúcido
vivido con una ciudad:
La inmensa ciudad del día y de la noche, entre atormentada y
tranquila, próxima y distante –para sufrimiento y alegría
nuestra– esa misma ciudad que a veces de tan grande que es
vira una pequeña provincia.
Fortaleza, Río de Janeiro, París. Las ciudades referenciales de
Bandeira, confundidas al punto que constituyan una sola urbe
visionaria. Evidencia de una luminosidad que no se detenía ante
nada. Todos nos sentimos habitantes de esta humanidad otra que
Bandeira evoca con la maestría de sus trazos y colores, sí, pero
esencialmente con la convicción de su utopía. Este pintor-poeta nos
dio a todos una pequeña quimera que todavía no sabemos crear.
El hombre está presente
en todos los paisajes de
Bandeira, habitante
primordial de su utopía:
villas, barrios, muelles:
ciudades.
Sus árboles están
plantados en un contexto
urbano: la gran ciudad
con sus campos
quemados. La luz
actuando sobre los colores
y formas como una
crónica de vislumbres.
Incluso la selva, el
agreste, la marina:
poética poblada por su
humanidad contemplativa.
Bandeira puebla el
abstraccionismo, da a él
una condición humana antes desconocida. A pesar de la muerte
prematura, la intensa obra dejada afirma que no se envolvería con
algunas de las tendencias futuras de las artes: no disecaba el color
y sí el hombre en su conflictuante condición social; no acumulaba
formas o apilaba temas; era esencialmente un cronista de la luz, del
vislumbre, de su acción sobre el tiempo, un solitario agrimensor del
alma humana.
Del que sería un origen visto en Brasil con preconcepto, de un arte
narrativo del nordeste, él transformó la historia en un lenguaje
situado entre la intuición y la referencia iconográfica. Su rostro
fuerte, marcado, la cabeza grande, los ojos negros, es un contraste
maravilloso con la delicadeza del tratamiento plástico. Visionarismo.
Transposición poética. Esta era la maestría de Bandeira.
Floriano Martins (Brasil, 1957) é um dos editores da Agulha. Contato: floriano.
[email protected]. Jacob Klintowitz (Brasil, 1941). Jornalista, crítico de arte, escritor,
editor de arte, designer editorial. É autor de 90 livros sobre teoria de arte, arte brasileira,
ficção e livros de artista. Atualmente dirige o MuBE – Museu Brasileiro de Escultura.
Contato: [email protected]. Ensaio traduzido por Gladys Mendia. Contato: mendia.
[email protected]. Página ilustrada com obras do artista Antonio Bandeira (Brasil).
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
Carta do Secretário da Cultura do Estado do
Ceará à Associação Cearense de Cinema e
Vídeo
Francisco Auto Filho
.
Fortaleza, 25
de dezembro
de 2008.
Ilmo. Sr.
Duarte Dias
Presidente
da ACCV
Nesta.
Presidente,
Senhor
A SECULT recebe com satisfação o pronunciamento público da Associação
Cearense de Cinema e Vídeo (ACCV), quando propõe, pela primeira vez em
sua história e em carta aberta, “estabelecer uma tribuna para o debate
democrático e participativo” sobre a política para o setor audiovisual no Ceará.
A nossa satisfação se deve, em primeiro lugar, ao fato de que o audiovisual
foi o único setor da cultura cearense que deixou de participar da Constituinte
Cultural, evento promovido pela SECULT, logo no início da gestão Cid Gomes,
para discutir de forma ampla e democrática a elaboração de uma política
pública de cultura para o Estado, com a participação não só das entidades
culturais, mas de toda sociedade civil organizada do Ceará. Essa ausência
voluntária do audiovisual impediu que o novo Governo pudesse inovar nesse
setor, como o fez nos outros, já que toda a política cultural executada nesses
dois anos teve como referência as decisões tomadas naquele conclave, que
contou com a participação de mais de 12 mil pessoas, em 176 Municípios.
A nossa satisfação se
deve, ainda, ao fato de
que, ao propor uma
discussão pública,
democrática e
participativa, a ACCV e os
integrantes do setor
audiovisual nela
associados aceitam
submeter ao escrutínio
público suas posições
políticas e suas
reivindicações
corporativas. Com esta
decisão – esperamos – será possível discutir com a sociedade civil organizada
as questões de real interesse público no campo da cultura audiovisual, entre
elas a distribuição mais equilibrada dos recursos estatais entre as 10
linguagens previstas pela legislação estadual de cultura, a privatização de
eventos e a monopolização dos editais públicos por uns poucos cineastas.
Nossa análise da “Carta Aberta da ACCV” toma como fundamento o
republicanismo democrático, princípio segundo o qual as políticas públicas
têm sua legitimação última no fato de que o seu destinatário final deve ser o
próprio povo e não os produtores culturais, já que é o povo quem financia,
pela via dos impostos, toda a atividade estatal. Os produtores, embora atores
indispensáveis no processo cultural, são parceiros do Estado, quando se trata
do uso de dinheiro público, e não destinatários exclusivos. Portanto, o apoio
estatal aos seus projetos só se justifica quando eles atendem claramente ao
interesse público, este último, num Estado democrático, definido na
Constituição e na legislação complementar e ordinária específica.
Com base nessa premissa, a SECULT considera pontos positivos da “Carta
Aberta da ACCV” os seguintes:
• dispor-se a promover congresso anual para discutir publicamente a política
do audiovisual e suas relações com o Estado, a sociedade e o mercado. Por
isso, o Governo do Estado concedeu os recursos necessários para a realização
do primeiro congresso, como a própria ACCV reconhece;
• reconhecer a necessidade de se formular um Plano Diretor do Audiovisual
Cearense, elaborado com a participação de todos os interessados, tanto os da
Capital quanto os do Interior do Estado;
• propugnar por uma política pública de audiovisual de caráter transversal,
com a inclusão de novas parcerias públicas (prefeituras) e dando prioridade à
interiorização das ações e cobrindo toda a cadeia produtiva do setor
(formação, produção, exibição, distribuição e preservação de acervos).
Mais do que apoiar essas idéias, a SECULT tem adotado medidas concretas na
mesma direção. Entre elas, destacamos o apoio financeiro às iniciativas da
UFC, Vila das Artes de Fortaleza e ECOA de Sobral, aos festivais anuais de
cinema e, por meio do mecanismo do mecenato e do Fundo Estadual de
Cultura (FEC), a um grande número de projetos do setor audiovisual. Para se
ter uma idéia do volume de recursos envolvidos, vale citar este dado: o
Governo anterior aplicou, em quatro anos, oito milhões de reais em editais,
destinando 49% desses recursos ao audiovisual; em apenas dois anos, o
Governo Cid Gomes aplicou 12 milhões em editais, destinando também 49%
do total para o setor.
Lamentavelmente, esses pontos positivos da “Carta Aberta da ACCV” são
obscurecidos por uma retrógrada visão política e por um diagnóstico de viés
corporativo, superficial e equivocado da real situação do audiovisual
cearense.
Em pleno século XXI, a ACCV ainda permanece presa ao paternalismo estatal.
Isso fica evidenciado quando, após lamentar, sem fundamento nos fatos, a
falta de apoio público (leia-se mais dinheiro para os produtores), declarar que
considera o edital “Ceará de Cinema e Vídeo” o “principal mecanismo de
fomento do setor em nosso Estado”. Ora, isso está em flagrante contradição
com o que foi dito logo no primeiro parágrafo da Carta, onde se afirma que o
audiovisual cearense obteve o “devido reconhecimento da crítica e do
público”. O reconhecimento do público se traduz pela elevada freqüência aos
pontos de exibição. Por conseguinte, com a remuneração – via ingressos – do
capital investido na produção fílmica. Em qualquer parte do mundo onde o
cinema teve o devido reconhecimento do público, sua manutenção e
lucratividade provêem do mercado e não das verbas oficiais investidas a
“fundo perdido”. A reclamação exclusiva por verbas públicas, que é tônica da
Carta Aberta, torna-se mais surpreendente se levarmos em conta que o tema
do Congresso Cearense de Audiovisual foi precisamente a relação entre
“Desenvolvimento e Mercado”. Pergunta-se então: a ACCV não levou em
conta o que deliberou o Congresso sobre o tema? Em outras palavras: qual o
papel do mercado no desenvolvimento do nosso audiovisual, senão libertar o
setor do paternalismo estatal?
Essas questões remetem diretamente para as limitações e os equívocos do
diagnóstico do audiovisual cearense feito pela Carta Aberta. Dela não consta
nem mesmo uma linha sobre as questões suscitadas. Igualmente silencia
sobre o mais grave problema do cinema brasileiro – o problema da exibição.
Para se ter a idéia da gravidade desse problema, basta examinar as
estatísticas deste ano: foram produzidos mais de 80 longas-metragens, ao
preço médio de R$ 2,5 milhões por filme, mas o índice de público não chegou
a 8% do total. Como escreveu recentemente o cineasta Paulo Pons, há no
Brasil uma situação paradoxal: “os produtores, pré-remunerados por seus
filmes de milhões financiados a fundo perdido, recebem os privilégios do seu
mercado, enquanto a outra ponta, o público, que num país de incentivos
fiscais é quem paga a conta, não vê o resultado do seu próprio mecenato”.
O diagnóstico da Carta Aberta é prisioneiro do corporativismo ególatra. Limitase a reclamar e reivindicar tudo ao poder público. Em tese, há legitimidade na
reivindicação corporativa. No entanto, essa legitimidade cessa quando entra
em conflito com o interesse público ou quando, se atendida, afeta
diretamente aos interesses legítimos das outras corporações.
O setor audiovisual do Ceará registra, em suas relações com o poder público,
um grave e recorrente contencioso que a Carta parece não ter coragem de
enfrentar. Aliás, não há nela a mais leve autocrítica. No debate público
temos, pois, o dever ético de cobrar o rompimento desse silêncio obsequioso
entre pares.
Esse contencioso pode ser resumido nas seguintes questões:
• sabendo-se que os recursos públicos são finitos, como a ACCV propõe
resolver o problema do grande desequilíbrio na distribuição dos recursos dos
editais entre as 10 linguagens que a lei estadual de cultura preconiza sejam
apoiadas? Ao longo dos últimos oito anos, o audiovisual tem recebido sozinho
em torno de 49% desses recursos;
• considerando que o audiovisual é a única linguagem que tem uma lei
nacional de incentivo própria, porque a ACCV insiste em que o Governo
estadual seja o seu principal patrocinador, reduzindo assim a possibilidade de
ampliação dos recursos para os editais estaduais das outras nove linguagens?
Por que a ACCV não centra esforços em capacitar seus quadros para disputar
com outros Estados os benefícios da lei nacional do audiovisual?
• por que até o momento a ACCV não fez nenhuma crítica a privatização de
eventos que antes eram públicos e não combateu o monopólio por uns
poucos dos recursos do mecenato estadual?
• finalmente, por que, ao invés de defender os produtores que estão
inadimplentes com a SECULT, por falta de prestação de contas dos recursos
públicos recebidos, não cuida de exortá-los a cumprir a lei, como é dever
cívico de toda pessoa física ou jurídica?
Essas e outras questões foram discutidas ao longo dos últimos dois anos
entre a SECULT, a ACCV e produtores culturais independentes, em sucessivas
audiências com o titular da pasta. Nossa intenção até então sempre foi tratálas no espaço da ação bilateral, na tentativa de resolvê-las de forma direta,
num diálogo sincero e fraternal. A “Carta Aberta da ACCV” impôs uma
alteração de conduta da SECULT, obrigando-nos a comparecer à cena pública
para repor a verdade dos fatos e para expor os princípios republicanos e
democráticos que informam a política cultural do Governo Cid Gomes.
O espírito que preside as relações da SECULT com os produtores culturais
cearenses é de colaboração e apoio e não de conflito. Mas isso deve ser feito
lastreado nos princípios que norteiam a administração pública no Estado
democrático de direitos. Eles estão inscritos no artigo 37 da Constituição
federal: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. O
Governo Cid Gomes, fiel a esse texto e apoiado na recomendação da
Constituição do Estado do Ceará, incluiu um sexto princípio – o da
participação popular. Daí porque o primeiro ato da nova gestão da SECULT,
no contexto do processo revisional da Carta estadual, aberto pela Assembléia
Legislativa, foi convocar a Constituinte Cultural, o maior esforço de
mobilização popular já feito na história do Ceará para formular uma autêntica
política pública de cultura.
Mesmo tendo optado por não participar da Constituinte Cultural, o setor
audiovisual, pela sua importância e por seu papel na cultura cearense,
recebeu um tratamento destacado do Governo Cid Gomes, como provam os
recursos a ele destinados nestes dois anos, muito maior do que nos quatro
anos anteriores. Mas não ficou só nisso. Como resultado do diálogo travado
com o setor, a SECULT pretende, no próximo ano, contribuir ainda mais para
o seu fortalecimento. Nesse sentido já apresentamos, por ocasião de
audiência concedida no final deste ano à direção da ACCV, uma pauta para
debate, da qual destacamos os seguintes pontos:
• criação do Fórum Estado/Sociedade do Audiovisual Cearense, de
composição paritária, para discutir todos os problemas e funcionar com lócus
da elaboração da política pública para o setor;
• conferir ao Museu da Imagem e do Som (MIS) a atribuição de funcionar
como sede e secretaria desse Fórum, oferecendo todas as condições materiais
e financeiras para o seu regular funcionamento;
• retomar a proposta, feita pela SECULT ainda em 2007, de criar espaço na
grade da Rede Pública de Televisão do Ceará, para exibição da produção
audiovisual local;
• criar, no MIS, um Núcleo de Preservação da Memória do Audiovisual
Cearense, reunindo os acervos particulares hoje dispersos e sob risco de
desaparecimento. Nesse sentido, a SECULT injetará recursos públicos
próprios e de fontes nacionais;
• instalar, em 2009, 60 cineclubes em 60 Municípios do Ceará. Proposta
nesse sentido já foi incluída no Programa Mais Cultura, do Minc, com
contrapartida financeira do próprio Estado;
• criar selo para o audiovisual no programa editorial da SECULT, para
publicação de livros sobre o audiovisual cearense. Nesse sentido, já foi
acertada a publicação dos três outros volumes da obra de resgate da história
do cinema cearense de autoria do pesquisador Ary Leite;
• continuar apoiando os projetos de formação em audiovisual da UFC, Vila
das Artes de Fortaleza, ECOA de Sobral e de outras instituições, dentro do
Programa Formação em Rede, que atua nas 10 regiões culturais do Estado,
com recursos do próprio Tesouro estadual;
• investir até 2010 um total de R$ 18 milhões de reais em 100 Pontos de
Cultura, em parceria com o Minc, sendo 80 destinados aos Municípios do
Interior e 20 ao Município de Fortaleza. Grande parte desses Pontos de
Cultura é voltada para o audiovisual.
Naturalmente, todas essas propostas serão submetidas ao crivo do Fórum
Estado/Sociedade do Audiovisual Cearense, cuja instalação será feita na
primeira quinzena de janeiro de 2009.
Por fim, queremos manifestar que nossa expectativa em relação ao futuro do
audiovisual cearense guarda concordância com a posição formulada pela
“Carta Aberta da ACCV”: acreditamos no valor estratégico e no potencial do
audiovisual como fator de desenvolvimento econômico e cultural. E temos
claro o sentido de urgência na formulação de uma política pública para o
setor, baseada na transversalidade das ações, na inclusão de novas parcerias
públicas e privadas e na interiorização das ações de formação, produção,
exibição, distribuição e preservação da memória do audiovisual cearense.
Cordialmente,
AUTO FILHO
Secretário da Cultura
Francisco Auto Filho. Doutor em Filosofia, professor de filosofia e economia política da
Universidade Estadual do Ceará. Foi pró-reitor de assuntos estudantis da mesma universidade e
consultor da Assembléia Constituinte Estadual e da revisão da Lei Orgânica do município de
Fortaleza. Contato: [email protected].
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
Crítica de arte: um lugar no
Modernismo brasileiro
Luís Estrela de Matos
.
Este ensaio tem como eixo central alinhavar alguns elementos da
pesquisa que venho realizando sobre o percurso da crítica de arte
ao longo da trajetória modernista, desde a famosa Semana de 22
até os anos 50, momento este onde surge a figura do crítico de
arte enquanto agente especializado. A partir da década de 50,
com a entrada em cena do Concretismo (literário e plástico) a
crítica de arte, principalmente nas figuras de Mário Pedrosa e
Ferreira Gullar, recebe nova orientação e desvincula-se de certos
traços modernistas, traços esses marcados por um excesso de
sociologismo e perspectiva fundamentalmente “literária”.
Defendemos a idéia de que com a instauração do projeto
concretista, nos anos 50, uma nova forma de crítica configura-se.
Mais do que isso, ela teve a possibilidade de sintonizar-se com a
orientação estética que a vanguarda artística de então imprimiu à
arte brasileira. Ocorre nesses anos um frutífero diálogo entre
críticos e produtores que terminará por beneficiar a ambos. Pois,
se nossa crítica em artes plásticas, até aquele momento, não
havia se permitido avançar mais, ousar mesmo, no sentido de
produzir instrumentos específicos para uma leitura plástico-formal
da cultura visual, a partir do movimento concreto o caminho para
um trabalho especializado começará a desenhar-se e talvez até
por conta do próprio material estudado (já que agora todos os
elementos da obra ressaltavam fortes preocupações formais, e
não mais se caracterizavam pela feição social ou ideológica como
no Modernismo mais estabilizado de 30/40). A classe artística
beneficiou-se igualmente das discussões entre os críticos, uma
vez que o que se constata é um raro grau de reflexão dentro do
seu próprio mundo, o que se traduz diretamente no caráter
experimental de suas pesquisas visuais.
Não estamos aqui negando a existência de uma crítica desde,
pelo menos, os modernistas de 22. Porém seus instrumentos de
análise haviam sido forjados numa bigorna mais literária e quase
nada plástica, fato esse que se modificou com o aparecimento do
Concretismo. Mário de Andrade, Sérgio Milliet, entre outros
críticos daqueles anos, tendem a valorizar os elementos
conteudísticos (subjetivos, ideológicos, etc), não destacando, nem
aprofundando as questões de ordem formal. Desse modo,
terminaram por realizar uma crítica muito mais voltada para a
valorização do ser nacional, via programática do Modernismo.
Tentando pensar as relações entre crítica e produção artística nos
anos anteriores à vanguarda concreta, o crítico Frederico Morais
faz a seguinte observação:
Nos anos 30/40 a crítica de arte foi mais conservadora,
procurando valorizar as qualidades técnicas e artesanais da
pintura (meio de expressão dominante), sempre disposta a
discutir questões específicas - cor, desenho, assunto - e, com
frequência, condenando o excesso de pesquisa ou a criação
plástica que se baseava na sociologia, na psicanálise e na
ciência (Moraes: 1987, 13). [1]
A condenação ao excesso de pesquisa, entenda-se visual,
mostrou-se fato mais que corriqueiro nas práticas de uma crítica
que procurava, apenas, compatibilizar-se com o desejo de
estabilização por parte de alguns artistas, advindo de conquistas
alcançadas pela Semana. Os ensaios e livros de Mário de Andrade
e Sérgio Milliet revelam essa perspectiva mais serena, de menor
inquietação estética. Frederico Morais chega a indagar se a crítica,
com tais características, isto é, sintomaticamente pouco teórica e
quase nada receptiva às inovações formais, não foi apenas uma
consequência direta de uma pintura que permaneceu
"equidistante" tanto do academismo da Escola de Belas-Artes
quanto do espírito arrogante dos modernistas dos anos 20.
Influências mútuas à parte, a
questão é que já nos anos 40
alguns indícios de mudança
se colocavam à disposição de
um olhar mais atento, e, aos
poucos, as tendências
abstratizantes, ou levemente
experimentais, começaram a
preparar uma verdadeira
revolução no universo da
arte, exigindo dos críticos
uma maior severidade e
posicionamento bem mais
definido. Em suma, a um
rigor de expressão plástica (a
austeridade geométrica da
experiência concretista seria
o exemplo mais extremado,
embora não o único) requeriase, pelo menos, um rigor
analítico, uma nova
sensibilidade da atitude
crítica, desconhecidos até
então.
Enveredando um pouco pelo contexto pré-concretista é
importante tentarmos levantar alguns problemas mais específicos
à atuação da crítica em sua concomitância com a afirmação dos
valores modernistas. O cenário artístico, marcadamente vinculado
à direção que o Modernismo de 22 foi lhe conferindo
(caracterizada predominantemente pela defesa de um
nacionalismo), enfrentava dificuldades de toda ordem - espaços
reduzidos para as artes, carência de um público que se
interessasse, de fato, por artes plásticas, além de uma "crítica"
exercida em quase sua maioria nos rodapés dos jornais de grande
circulação. Na verdade, é essa a herança que os concretos
recebem. Porém, e seria injusto não observar, os modernistas
também enfrentaram seus problemas, embora não tenham
atacado um ponto fulcral (que foi prática corrente nas vanguardas
européias): o caráter figurativista da arte ocidental. Nessa
questão, realmente, a pintura modernista não produziu uma
ruptura com a tradicão academicizante que governava e ditava o
comportamento estético do minúsculo público consumidor de
arte. Se atentarmos bem, sem muito esforço chegaremos a
conclusão que a tradição representacional manteve-se
praticamente incólume na trajetória modernista. Esse assunto não
esteve em pauta na produção dos modernos, talvez porque aqui,
no caso brasileiro, era fundamental uma arte de construção, de
fundação (curiosamente como foi a implantação do paradigma
máximo da arte do país - o romantismo literário). [2] Aliás, a
mitificação de 22, vista sob um olhar crítico, deverá perder cada
vez mais de sua excessiva magia; e isto porque, como talvez seja
comum em algumas manifestações de vanguarda, suas propostas
e arroubos, sua defesa de uma abertura, naqueles anos
realmente vital, acabaram por estreitar a própria revolução
estética tão defendida então. O crítico Roberto Pontual chega a
afirmar que hoje é fato mais do que banal a constatação de que a
Semana de 22 não tivera em sua origem a amplitude que a
história cultural rapidamente procurou outorgar-lhe. [3]
E por Semana de 22, talvez fosse possível compreendermos o
período que vai desde a polêmica exposição de Anita Malfatti, em
1917, até a realização mesma do evento, em 1922. Seria
infrutífero entrarmos na discussão, já histórica, se foi Malfatti ou
Lasar Segall, expondo pela primeira vez em 1913, quem
verdadeiramente inaugurou a arte moderna entre nós, do ponto
de vista plástico. De qualquer modo, é dentro desse recorte
proposto que a possibilidade de se pensar uma arte moderna
melhor se vislumbra, pois, a partir da Semana, as preocupações
estéticas, de maneira geral, se deslocarão em direção à
problemática nacionalista; característica que se confirmará, em
sua plenitude, nos anos 30/40. Com isto duas questões podem
ser percebidas, e que se inserem num mesmo solo: o aspecto
crítico, uma certa corrosividade que sempre marcou a prática das
vanguardas, pouco ou quase nada vingou. Por outro lado, a
radicalidade de uma revolução formal da produção pictórica (que,
de certo modo, se anunciava nas telas mais ousadas de Malfatti)
também restou irrealizada.
O que se pode notar, com a entrada do Modernismo em seu
percurso de tradição (estamos fatalmente presos a tradição do
novo, como afirmou Mário Pedrosa), é a estruturação de dois
veios principais. De um lado a herança expressionista e cubista
nos trabalhos, às vezes monumentais, de Segall e Portinari; de
outro, a defesa das lições cézannianas aplicadas pelos artistas do
Grupo Santa Helena (1934) e do Núcleo Bernardelli (1931).
Apenas para pontuarmos algumas diferenças, vale observar que o
Núcleo Bernardelli se funda, no Rio, com a intenção de
proporcionar uma renovação ao ensino de artes plásticas que, no
caso carioca, encontrava-se dominado pela presença da Escola
Nacional de Belas-Artes, reduto de uma mentalidade
conservadora e contrária à aventura dos modernistas de 22
(apesar de que alguns laços comecem hoje a ser percebidos entre
esses dois percursos). Ainda que os artistas paulistas, por sua
vez, não tivessem intenção de formar um grupo, reuniram-se, em
momentos diversos, no antigo Palacete Santa Helena. O
sentimento de grupo era, em parte, derivado do fato de
partilharem de uma mesma origem social e por, além disso,
valorizarem os aspectos artesanais e "artísticos" da obra. Mesmo
que seja inviável aprofundarmos neste estudo toda uma
problemática levantada por Mário de Andrade no que se refere à
defesa dos aspectos artesanais da obra de arte, devemos, pelo
menos, apontar que em sua ensaística (final dos anos 20 e dos 30
em diante) a questão se mostra de maneira bastante explícita,
mas não necessariamente muito clara. Se a famosa, e ainda
polêmica, conferência de 1942 (O Movimento Modernista ) é hoje
peça fundamental para uma visão mais acurada do que realmente
fôra o espírito de 22, também permite que se perceba uma
mudança radical de eixo, ou seja, a rotação da defesa de um
código mais estruturado em posições francamente estéticas para
um código que conseguisse reordenar a produção artística à luz
de uma perspectiva mais social. O Movimento Modernista é esse
esforço, espécie de síntese do próprio pensamento de Mário de
Andrade, cujo delineamento pode ser percebido seja no ensaio O
Aleijadinho, de 1928; na aula inaugural na Universidade do
Distrito Federal, em 1938, intitulada O Artista e o Artesão; além
de em outra conferência, de 1941, sobre o Romantismo Musical.
Em O Artista e o
Artesão, o escritor
paulista critica a
situação da arte
contemporânea que se
caracterizaria por um
excesso de
experimentalismo. A
partir do Renascimento,
esclarece ele, a arte foi
se dessocializando,
aumentando,
gradativamente, "o
divórcio da técnica com
as exigências da
matéria", fazendo com
que a beleza se
tornasse o fim último das artes plásticas, autonomia essa
altamente prejudicial ao próprio domínio da arte. Nas palavras de
Mário de Andrade:
Desde então [Renascimento], e cada vez mais, ela [a beleza]
se tornou o objeto principal da pesquisa para o artista, e, por
uma conversão natural do conceito, a beleza, pesquisada por si
mesma, se tornou essencialmente objetiva e experimental,
materialista por excelência, pra não dizer por exclusividade
(Andrade: 1963, 20). [4]
A beleza, ao longo da história, se desidealiza, torna-se procura,
pesquisa, materialidade a ser objetificada na obra de arte. Mário
de Andrade reúne dois processos (individualismo e desidealização
da arte - apontando para a dificuldade em dizer qual é deduzido a
partir do outro) na tentativa de concluir daí o caráter de excessiva
pesquisa das artes plásticas, pesquisa por pesquisa, colocando de
lado o elemento homem. Por isso o humanismo do autor de
Macunaíma reage tão violentamente contra os aspectos da arte
contemporânea. Por isso, e é o que nos diz mais respeito neste
trabalho, ele aplaude e defende abertamente o "posicionamento
estético" do Grupo Santa Helena, bem como do Núcleo
Bernardelli. Ainda na aula inaugural O Artista e o Artesão ele
destaca o percurso do individualismo em arte, que acabou por
culminar:
(…) no desbragado experimentalismo contemporâneo, que
tanto experimenta objetivamente, com o cubismo e os
abstracionistas, como subjetivamente com o expressionismo e
os superrealistas (Andrade: 1963, 23). [5]
A única esperança de transcender os impasses da arte
contemporânea (excesso de experimentalismo), segundo Mário de
Andrade, seria a de introduzir a noção de "atitude estética".
Através desta abriria-se a possibilidade de conectar novamente a
arte com o público, uma vez que as vanguardas, ao apostarem no
caráter inovador, experimental, teriam aumentado a distância
entre ambos. Restauraria-se assim a famosa função social da
arte. Vale mesmo assinalar aqui que ainda nos anos 20 Mário de
Andrade já defendia uma linha de posicionamento no sentido
muito mais de construção, afastando-se de todos os "ismos" das
variações modernistas da arte. Seria suficiente, para nosso caso,
lembrar de suas cartas à Manuel Bandeira e à Anita Malfatti.
Além de combater essa crescente cisão entre público e arte, o
autor de Losango Cáqui chama a atenção para os elementos
artesanais envolvidos na feitura da obra. Mas não porque
quisesse ressaltar a possibilidade de uma leitura formalista da
história da arte. Muito pelo contrário. Sua crítica dirige-se
justamente ao excessivo formalismo em arte, que se expressaria
através do caráter hiperbólico do subjetivismo artístico. Ao invés
de uma "vontade estética", o que domina a produção
contemporânea é o culto desenfreado da personalidade artística.
E é precisamente nesse tom que Mário de Andrade termina sua
aula: criticando a importante exposição do Salão de Maio,
realizada em São Paulo, no final dos anos 30.. É realmente
curioso notar que a figura mais emblemática de nosso
Modernismo tenha saudado com tanto incentivo e louvor as
pinturas do Grupo Santa Helena e combatido tão decididamente
as tendências abstratizantes da produção internacional.
Retornando ao problema do espaço de uma crítica mais cônscia
das qualidades plásticas da obra de arte, vale reafirmar que o
crítico de arte no Modernismo, dos anos 20, é elemento disperso,
trabalhando aqui ou ali, quase sempre oriundo do campo literário;
fato que marcaria, em definitivo, o tipo de leitura que poderia
fazer do trabalho visual - isto é, transferir procedimentos verbais,
literários para o universo das artes plásticas. Os críticos da fase
mais assentada do Modernismo, anos 30 e 40, permaneciam em
sua condição de autodidatas. Para que se possa ter uma idéia de
como se constituía o horizonte de expectativa do papel da crítica,
seria oportuno citarmos um trecho da conferência realizada pela
pintora Tarsila do Amaral no III Salão de Maio:
Em geral, quem
comenta as obras
de pintura é o
intelectual amigo
dos pintores (…).
Embora
inteligente e
dotado de boa
vontade, isso não
basta. Por outro
lado, não temos
galerias nem
museus , nem
possuímos grande
número de obras
célebres. Muitos de nossos escritores que assinam críticas nada
lêem sobre pintura, não compram revistas especializadas, nem
possuem álbuns. Suas preocupações intelectuais são outras. As
artes plásticas são, para eles, "mero passatempo". [grifo
nosso] (Amaral: 1991, 78) [6]
Nessa conferência a pintora afirma ser Mário de Andrade o melhor
de todos os críticos na área musical e também excelente no
campo das artes plásticas, embora observe que o autor de Lira
Paulistana tinha algumas limitações no que diz respeito
especificamente à pintura. É claro que, de certa maneira,
podemos entender que essa limitação expressava muito mais a
própria perspectiva por onde Mário de Andrade (e a maioria da
crítica) olhava, ou seja, seus esforços eram no sentido de
valorizar ao máximo as correntes vanguardistas, mas somente
aquelas que viessem somar ao projeto de construção de uma arte
nacional. O fato é que a pesquisa de uma visualidade intrínseca
do fazer artístico esbarrava sempre em motivações, por assim
dizer, ideológicas, tanto de artistas como de críticos. Ronaldo
Brito, em seu ensaio O Trauma do Moderno , parece compartilhar
da mesma opinião de Tarsila do Amaral quanto ao aspecto
restrito do "olhar" do poeta. Em suas palavras:
Nem Mário, nem Oswald de Andrade tinham visões mais
radicais em matéria de artes plásticas. O primeiro manifestava
grande entusiasmo pelo cubismo anódino e até regressivo de
Andre Lothe (outro dos mestres de Tarsila) e foi um dos
grandes arautos da modernidade tão discutível, tão ambígua
de Portinari (Brito: 1983, 16). [7]
Quer nos parecer que também o crítico Sérgio Milliet não destoava
muito dos pressupostos da crítica de então, bem mais voltada a
desempenhar uma função legisladora, norteadora, do que em
refletir sobre as características intrínsecas das vertentes de
vanguarda. Almejando a estabilidade sistêmica do processo
modernista, Milliet, ao escrever a introdução do catálogo do III
Salão de Maio, afirma que a vitória da orientação estética da Família
Artística Paulista refletia o cansaço do público diante dos
‘malabarismos intelectualizantes’ (Milliet: 1991, 41) [8] da arte
internacional. Vale lembrar que já no final dos anos 40 e,
principalmente em 50 e 60, as tendências abstratas,seja no
Informalismo ou nos trajetos construtivos, dominarão a cena
artística brasileira. As previsões da crítica não acertaram
corretamente o alvo. É claro que havia excessão e aqui cabe
assinalar a importância do grande crítico Mário Pedrosa que apoiou
a arte abstrata ainda em sua fase de pouca aceitabilidade entre nós.
Apenas a título de exemplo podemos registrar o seu longo artigo
escrito para o Jornal Correio da Manhã, em 1943, sobre uma
exposição de Calder, realizada no Museu deArte Moderna de Nova
York. As invenções do artista, seus móbiles, eram ainda pouco
conhecidas e mesmo no meio artístico europeu ele passava muito
mais por um ser exótico do que por um artista de fato
Pedrosa sempre esteve atento para as questões formais e desde
sua viagem à Alemanha nos anos 20, quando entrou em contato
com as teorias da Gestalt, ele nunca perdeu de vista que uma
análise da obra artística precisa levar em conta seus próprios
elementos constitutivos. Sua tese Da natureza afetiva da forma
na obra de arte, defendida nos anos 40, foi peça fundamental
para a afirmação do movimento concretista. O convívio diário com
artistas jovens (Ivan Serpa, Almir Mavignier, Hélio Oiticica, entre
tantos outros) produziu um instigante clima, onde produção e
reflexão mutuamente de complementavam, principalmente entre
os artistas paulistas, já que no caso carioca, o Neoconcretismo, as
experiências não eram tão marcadas por um posicionamento
teórico endurecido.
Para finalizar, gostaria de colocar que, de um ponto de vista mais
histórico do percurso da crítica entre nós, alguns acontecimentos
tiveram realmente grande importância. À criação de museus no
final dos anos 40 seguiu-se, em 1951, o Congresso Nacional de
Críticos, fato que também coincidiu com a I Bienal de São Paulo.
Esse congresso funcionou, segundo o crítico Mário Barata, como
uma espécie de conscientização profissional da atividade do
crítico, que até então havia sido muito mais expressão de um
pensamento literário. Como o próprio Barata esclarece:
Foi com a geração de Mário Pedrosa e a minha que surgiu a
especialização da crítica, de certa maneira já fora do domínio da
literatura. Sérgio Milliet, Mário de Andrade ainda mais, porque
atingia a criação, Aníbal Machado e Murilo Mendes mantinham a
tradição do homem de cultura literária que se interessa pelas
artes visuais (Barata: 1987, 115-116). [9]
Esse processo de
profissionalização da
crítica amadurece
juntamente com
uma nova arrancada
rumo a um sistema
artístico
minimamente
constituído, que
começa a se
articular, em grande
parte, através da
criação de museus
(Rio de Janeiro e
São Paulo), Bienais,
assim como de
espaços mais específicos dentro dos grandes jornais. Por meio
desses esforços as discussões, polêmicas, acertos e desacertos
vão tomando maior amplitude e densidade, gerando, inclusive,
um maior interesse por parte de um público bem pouco
especializado, público esse que, através da mídia, começa a
tomar conhecimento dos embates que se travarão entre
figurativistas e abstratos, entre os herdeiros da Semana e os
novos artistas, defensores ferrenhos, no caso dos concretos, de
um código bem mais austero para a produção brasileira. Daqui
para a frente a crítica terá que evitar os parâmetros puramente
subjetivos (o gosto) e enfrentar a realidade concreta da obra
(linha, textura, forma, ritmo, cor, etc). À uma arte que se queria,
então, plasmada em estruturas quase matematizáveis deveria
corresponder uma crítica de intenção formalista. Em suma, os
padrões avaliadores herdados do Modernismo Pós-Semana de 22
se mostravam insuficientes para dar conta da revolução estética
em curso nos anos 50 (Concretismo) e 60 (Neoconcretismo).
Foi com base nesse estado de coisas que uma nova mentalidade
crítica surgiu no contexto artístico, tomando a dianteira, junto às
vanguardas, a medida que, por força mesmo das circunstâncias
estéticas envolvidas, pôde repensar também seu próprio papel.
Críticos como Ferreira Gullar e Mário Pedrosa serão figuras
fundamentais no momento de afirmação das vertentes geométricas
no Brasil. Uma crítica interessada efetivamente pela produção,
dialogando com os artistas de maneira aberta, franca, sem lhes
prescrever fórmulas ou mandamentos. Do diálogo produtivo
daqueles anos, acabou por se firmar uma das correntes estéticas
mais importantes para a oxigenação de uma cultura visual que
ficara quase que soterrada durante, pelo menos, quinze anos, a
famosa Era Vargas.
NOTAS
1. MORAES, Frederico. Anos 30/40. Rio de Janeiro: Funarte,
1987.
2. CÂNDIDO, Antônio. Literatura e sociedade, 7. ed. São Paulo:
Nacional, 1985. p. 82. Nesta página há uma reflexão acerca do
caráter de formação e do lugar que o Romantismo alcança
dentro da cultura brasileira: “os romanticos fundiram a tradição
humanista na expressão patriotíca e forneceram deste modo à
sociedade do novo Brasil um temário nacionalista e sentimental
adequado às suas necessidades de autovalorização. De tal
forma que ele transbordou imediatamente dos livros e operou
independentemente deles ¾ na canção, no discurso, na citação,
na anedota, nas artes plásticas, na onomástica, propriciando a
formação de um público incalculável e constituindo
possivelmente o maior complexo de influência literária junto ao
público, que já houve entre nós”.
3. PONTUAL, Roberto. Entre dois séculos. Rio de Janeiro: Jornal
do Brasil, 1987.
4. ANDRADE, Mário de. O baile das quatros artes. São Paulo:
Martins, 1963.
5. Ibidem.
6. AMARAL, Tarsila. Apud. ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas
décadas de 1930-40. São Paulo: Nobel/EDUSP, 1991.
7. BRITO, Ronaldo. O trauma do moderno. In: TOLIPAN, Sérgio
(org.). Sete ensaios sobre o modernismo. Rio de Janeiro:
FUNARTE, 1983.
8. MILLIET, Sérgio. Apud. ZANINI, Walter. Op. cit.
9. BARATA, Mário. In: COCCHIARALE, Fernando e GEIGER, Anna
Bella. Abstracionismo geométrico e informal. Rio de Janeiro:
FUNARTE, 1987.
Luís Estrela de Matos (Portugal, 1964). Poeta, professor e ensaísta, inédito em livro.
Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras do artista William
Blake (Inglaterra).
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
Cruzeiro Seixas: "A minha vida foi uma
experiência muito bonita"
[entrevista]
Vladimiro Nunes
.
Artur Manuel Rodrigues do Cruzeiro Seixas nasceu na Amadora
a 3 de Dezembro de 1920. Aos 14 anos, ingressou na Escola de
Artes Decorativas António Arroio, onde conheceu Mário
Cesariny, com quem militou no Grupo Surrealista de Lisboa e,
depois da cisão deste, em 1949, no grupo Os Surrealistas, ao
lado de António Maria Lisboa e Mário Henrique Leiria, entre
outros. Depois de uma segunda exposição colectiva, em 1950,
Cruzeiro Seixas partiu para África, onde permaneceu até 1964.
Desde então, e até hoje, perde-se a conta ao número de
exposições que fez e que o tornaram um dos artistas
portugueses mais celebrados. Tudo porque este homem que
pinta – a designação de 'pintor' aborrece-o – não consegue ter
a mão quieta: desenha sempre, onde quer que esteja. Sem
valorizar muito aquilo que faz – o que terá levado o poeta,
desenhador e crítico francês Édouard Jaguer (1924-2006) a
chamar-lhe “talento insolente à força de modéstia” -, continua,
aos 88 anos, a ser um surrealista convicto e a olhar para o
futuro: “Preparemo-nos, pois esta civilização ainda vai durar
uns séculos; ainda temos de tornar animais domésticos o
elefante, o jacaré, etc., etc…”. [VN]
VN Costuma dizer que a pintura é, para si, uma necessidade de
certa forma fisiológica.
CS Eu não gosto de pintar, são as mãos que mo exigem. Elas
trabalham quase completamente sozinhas. Aquilo que faço é uma
obrigação, nunca me deu prazer, nunca. Às vezes, no fim, colho a
esperança de que a mensagem seja recebida por alguém. Muitas
outras tenho querido desistir, mas é bem possível que, ao morrer,
ainda esteja a desenhar.
VN Não acredita naquilo que faz?
CS Não acredito ter a dose de genialidade indispensável a um
pintor. Isso de ser genial deve ser um susto. Interesso-me
apaixonadamente pela pintura, mas pela dos outros: a de
Grünewald, a de Bosch… Às vezes, o que faço parece-me
passável, mas vejo-o sempre mais como um depoimento do que
como obra de arte. Lá porque pinto chamam-me pintor. Lido mal
com isso, porque há outras coisas que faço com igual paixão.
VN Estudou na Escola António Arroio, num pequeno edifício por
trás do Liceu Camões, em Lisboa. O que guarda desse tempo?
CS Nunca aprendi nada com os professores e tenho uma certa
vaidade nisso. Eles não gostavam de mim e eu pagava na mesma
moeda. Hoje há quem diga que há algum sentido no que desenhei
e pintei, mas na António Arroio chumbei três vezes. A verdade é
que outros professores chumbaram Teixeira de Pascoaes, Amadeo
de Souza-Cardoso, etc., etc.
VN Se não aprendeu com os professores, aprendeu com quem?
CS Com os colegas. Puseram ao meu lado um rapazinho mulato,
o António Pimentel Domingues, que desenhava muitíssimo bem.
Foi a olhar para os desenhos dele que aprendi. O António era um
tipo extraordinário, único, sem maldade. Uma vez estávamos
naquelas brincadeiras de rapazes de 17 anos, empurra para aqui,
empurra para ali, e parecia não estar ninguém a ver-nos. Havia
uns modelos em gesso encostados à parede, um deles caiu e
partiu-se. Pusemos tudo tão direito quanto possível e fugimos.
Claro que no dia seguinte fomos chamados ao gabinete do
director, o [pintor] Falcão Trigoso, que com os dois em pé
defronte dele nos perguntou solenemente - primeiro a mim - qual
de nós tinha partido o modelo de gesso. A minha resposta foi que
não tinha partido nada, mas o António, muito tranquilamente,
disse: 'Fui eu, senhor director'. Ainda hoje sinto uma aflição e
uma vergonha enormes quando penso nisso. Como vê, com o
António Domingues não aprendi só a desenhar, também aprendi a
não mentir.
VN Foi ainda na António
Arroio que, depois de
uma fase neo-realista,
encontrou Mário Cesariny
e o Surrealismo.
CS Acho que o Mário e eu
tínhamos uma espécie de
paixão, dessas paixões
que acontecem aos
adolescentes. E talvez
excedesse um pouco esse
momento. Andávamos
sempre juntos, fazíamos
esta Lisboa toda a pé. Foi
com ele que aprendi que
o Homem tem outra
dimensão além da física.
Em compensação, talvez
ele tenha aprendido
comigo que também
temos uma admirável dimensão física. A vida é, de facto, um
escândalo para a razão.
VN Fizeram essa aprendizagem numa época pouco propícia, de
ditadura.
CS A nossa primeira reacção era sermos contra o que passava
todos os dias diante dos nossos olhos. Nesse aspecto, a ideia do
neo-realismo era a única porta que havia. Já tenho dito diversas
vezes que nós reinventamos Dada e até uma espécie de
Surrealismo sem André Breton, porque este país era o fim do
mundo, nada chegava aqui. O pequeno café Herminius - que é
hoje uma agência funerária –, à Almirante Reis [em Lisboa], era o
local de eleição – ou, como escreveu o Cesariny, era 'a nossa
Suíça, 30 metros abaixo do nível da terra, contra o irrespirável
mundo exterior'. Depois lá se foi descobrindo que havia uma ideia
chamada Surrealismo. O Risques Pereira, o António Maria Lisboa
e o Cesariny conseguiram ir a Paris e trazer na bagagem dois ou
três testemunhos de um outro mundo. Naquele tempo, tudo isso
eram grandes aventuras, com os seus perigos. Hoje é difícil
compreender o que Paris significava: era o centro do mundo,
talvez mais importante do que é agora Nova Iorque. Aqui não
acontecia nada. No entanto, lembro-me de passar por acaso em
São Pedro de Alcântara e ver uma seta que apontava 'Exposição'.
Era o S.N.I. – Secretariado Nacional de Informação –, dirigido por
António Ferro, que tentava convencer Salazar a aceitar a
modernidade. Lá dentro, deparei-me com uma exposição de
Amadeo de Souza-Cardoso, que eu então desconhecia
completamente. Não é sem emoção que recordo esse primeiro
contacto.
VN Foi aí que descobriu a pintura.
CS De certa maneira, sim. Lá em casa só se falava da pintura do
Roque Gameiro, que era das relações dos meus avós. As senhoras
ainda não tinham cortado os longos cabelos, mas patinavam num
ringue muito chic na Amadora, que na altura era lugar de
veraneio… A minha mãe e as filhas de Roque Gameiro divertiamse com a patinagem e com o 'animatógrafo'. Mas esta entrevista
alongava-se demasiado se lhe contasse tudo o que, de certa
forma, já era 'arte' nos meus cinco anos… Mais tarde, as
paisagens e os costumes saíam dos livros de Júlio Dinis. E
descobriam-se as extensas praias, então completamente
solitárias, onde pousavam os barcos de pesca, perfeitíssimos na
sua curvatura e com um grande olho fenício pintado na proa.
Havia a máquina de costura, o ferro eléctrico, a máquina de
escrever, o automóvel, o telefone, tudo na sua simpática infância.
Depois trocou-se a máquina sublime que é a alma por mil
maquinarias desnecessárias. Antes delas, a vida tinha outra
plenitude… A alguns quilómetros, num café ou na paragem do
eléctrico, estavam Artaud, Picasso, Brauner, Buñuel, ou
Duchamp, que prometiam um mundo muito diferente deste.
VN É um homem de esquerda. Como desenvolveu a sua
consciência política?
CS Os meus avós, tanto maternos como paternos, eram
fervorosos republicanos. Só que a República foi por demais
instável e os meus pais, por reacção, eram salazaristas. Mas do
Salazar sabem bem os da minha geração: uma ditadura católica,
sufocante, que espreitava a cada esquina. A liberdade é o máximo
a que devemos aspirar, mas o que é a liberdade sem
sensibilidade? E tão indispensável como a liberdade e a
sensibilidade é a paixão. Se o ensino existisse de facto, era sobre
o conteúdo destas palavras que se devia basear, não sobre um
mero diploma para ganhar dinheiro e posição social. Parece-me
que não é preciso frequentar escolas de Belas-Artes para criar
obras que abram visões ao futuro, mas há quem persista no erro
de que só quem passa longos anos pelo ensino superior estará
preparado para ter voz nesta civilização. Ora isto é um erro
trágico. O mau estado do mundo advém de quê? É evidente que
os principais responsáveis são os que passaram pelo tal ensino
superior. Ou não há responsáveis?
VN Falou em liberdade, sensibilidade e paixão. Não admira que o
apelo do Surrealismo vos tenha seduzido.
CS Estávamos em 1947, e esse foi o momento em que nos fomos
encontrando uns aos outros. O dinheiro não era, como hoje, o
objectivo a atingir. Será risível para muita gente, mas tínhamos
ou procurávamos ter ideais! E assim cada um ia conquistando a
sua própria liberdade. Nunca pedi nada a ninguém, nunca
ninguém me deu nada, não tenho nada a agradecer. Queria que o
que fiz fosse reflexo do 'automatismo psíquico' preconizado pelos
surrealistas. Queria que fosse visível no que fiz a beleza
convulsiva que vivi. Como no verso de Herberto Helder: 'Até que
Deus é destruído pelo extremo exercício da Beleza'.
VN O Artur nasceu na Amadora e por lá viveu…
CS Nasci na Amadora, mas só lá vivi até aos cinco anos. A casa
onde nasci foi demolida, para indignação da Natália Correia.
Lembro-me que havia uma boa pereira no jardim e que o muro
confinava com o primeiro ou dos primeiros campos de aviação dos
'malucos das máquinas voadoras'… E lembro-me de uma grande
litografia emoldurada: 'Camões lendo Os Lusíadas a D. Sebastião'.
Os meus pais eram burgueses com educação esmerada para
aqueles tempos, em que a grande distinção eram o piano e o
francês. O meu avô era comerciante e tinha uns primos como
sócios. Morreu cedo e os tais parentes roubaram o mais que
puderam. Não havia dinheiro lá em casa. Mas a quantidade de
caixas de espartilhos e de estojos de jóias vazios que ainda
encontrei davam a ideia de um certo luxo. O meu pai era
empregado de escritório na CP, a minha mãe dava lições de
bordados e de rendas para equilibrar o orçamento. Por isso, eu
não tinha dinheiro para cinemas, nem sequer para o café.
Naturalmente, descobri muito cedo outros interesses.
VN Tais como?
CS A
homossexualidade,
por exemplo.
Embora os cafés
fossem um ponto de
encontro a que não
se podia fugir,
apesar da
desconfiança de que
na mesa ao lado
havia alguém da
PIDE… Havia cafés
com diversos
andares e estava
sempre tudo cheio. Alguns até eram muito bem decorados. Eu,
quando ia, era arrastado pelo Mário, e sempre com um bocadinho
de sacrifício. Era ele que me pagava o café a maior parte das
vezes. É que há uma coisa que vocês, hoje, devem ter dificuldade
em compreender: por exemplo, ia muita gente à Brasileira que
também não tinha dinheiro para o café, era assim, duas filas de
cadeiras à volta de uma mesa onde só estavam duas chávenas,
porque só dois é que faziam despesa, os outros estavam só ali…
Como o meu dinheiro era pouco, mesmo sem ter lido ainda todo o
Breton eu preferia, tal como ele, a rua e o excesso dos encontros
e desencontros que ela possibilitava. Tudo isto é antiquíssimo,
embora tenham passado apenas uns quarenta e tal anos…
VN Tempos de grandes encontros…
CS Logo seguidos de grandes desencontros, de que todos tivemos
a nossa parte de culpa. Lastimo que tenham acontecido, mas
reconheço a sua inevitabilidade, ainda que, na maior parte das
vezes, os desencontros sejam uma coisa desastrada. Gosto de
manter a meu lado aqueles que têm posições opostas às minhas
e, no entanto, vi-me envolvido em histórias dessas, tantas vezes
injustas… E que também aconteceram com o Grupo de Paris, em
que havia gente muito inteligente, tocada pelo génio… Só que
eles, em França, tinham gente excepcional que ali acorria de todo
o mundo e podiam reinventar o jogo a cada momento. Nós aqui
temos possibilidades e sensibilidades muito diferentes, de certa
forma únicas. Parece-me de uma grande beleza e coragem que,
em 1969, depois da morte de Breton, se tenha dissolvido o Grupo
de Paris. Breton tinha escrito que 'a noção de escola, e mesmo de
grupo surrealista, é aberrante'. Sempre nos classificámos como
anti-grupo. Lamentavelmente, há quem ande aí a brincar com
coisas dessas.
VN Ainda antes da primeira exposição do Grupo Surrealista de
Lisboa, em 1949, dá-se a cisão com António Pedro.
CS Nunca tive qualquer tipo de relacionamento com o António
Pedro. Lembro-me de o ver subir o Chiado pelas cinco horas, com
as suas luvas brancas, mas a pintura dele só por equívoco pode
ser colocada ao lado da de António Dacosta. O Mário foi um dos
fundadores desse grupo, mas fugiu logo esbaforido. A mãe e as
irmãs veraneavam em Moledo do Minho e foi lá, por intermédio de
uma notável pianista, a Maria da Graça Amado da Cunha, que
conheceu o António Pedro, que ali tinha casa todo o ano. Daquele
grupo, quem de facto merecia admiração era o António Dacosta.
Quanto a mim, sempre disse, e repito, que aceito mal a
designação de intelectual ou artista. Hoje em dia, acho a
designação de 'pintor' anacrónica. O simples traço de um
desconhecido numa parede pode ser tão carregado de sentido
como uma tela saída da mão de um 'artista'. A existência de
ateliê é um mito ridículo. Tudo o que desenhei e pintei só precisou
de um recanto de mesa qualquer. Evidentemente que se trata de
pequenas obras, quase sempre sobre papel, vindas directamente
do meu 'não saber', dos meus terrores, do meu amor louco, da
minha cegueira. Foi entregue ao Surrealismo que fiz a minha
vida, mas, no entanto, parece-me que o Surrealismo não é a
última palavra.
VN O que é, então?
CS É um dos mais fortes contributos à imaginação e à liberdade,
mesmo se o que estimulo ao desenhar e pintar é mais a memória
do que a imaginação. É urgentíssimo que alguém diga ao poder
que a pintura é cada vez menos pintura, mas sim poesia,
homenagem quotidiana a Freud, bomba-relógio, marciano,
pergunta sem resposta, grito de girafa, impropério, silêncio
absoluto, o centro do globo terrestre…
VN Depois das exposições d'Os Surrealistas, parte para África, na
Marinha Mercante.
CS Sou obrigado a dizer que África foi a minha Paris. África é
inesquecível, voltava para lá se tivesse uns anos a menos… Saí
daqui ao serviço da Marinha Mercante logo depois das nossas
exposições - a primeira [em 1949] num amplo primeiro andar
entre a Sé e o Aljube, e a segunda [em 1950] na Livraria
Bibliófila, que desapareceu, ali à Rua do Mundo… Quando digo
que o 'anti-grupo' se desagregou não quero dizer que a chama
não continuou viva. Mas agora impressiona-me olhar aquela
fotografia onde somos oito e verificar que, embora sendo o mais
velho, sou o único que resta! Eu fui para a Marinha Mercante, o
Mário Henrique para o Brasil, o António Maria Lisboa morreu. A
certa altura, o Cesariny resolveu escrever que eu tinha
'abandonado o Surrealismo'. Fê-lo por excesso de temperamento,
por sensacionalismo, por amuo. Depois disso, ainda tivemos
vários encontros profícuos. Já não éramos adolescentes, mas
adultos. O Mário era o principal elo de ligação, mas viveu grandes
épocas em Paris e em Londres. Quando regressei de África [em
1964], todos me procuravam a lamentar-se de que ele tinha
arranjado novas relações…
VN O que o fez partir à aventura?
CS A aventura, mas também a necessidade de ganhar dinheiro,
como toda a gente. A vida da Marinha, como simples tripulante,
foi dura, mas tudo era novo e apaixonante. Conheci o Portugal
ultramarino - uma experiência que me marcou. Estabeleci algum
contacto com aquela gente das naus e caravelas. Há muito quem
refira a grandeza perdida de Portugal, mas tenho para mim que
quando se perde uma grandeza se ganha outra, porque a
experiência é sempre uma grandeza, seja ela qual for.
VN Em 1952 fixou-se em Angola e pouco depois os seus pais
juntaram-se a si.
CS África tornou-se uma paixão. Em 1953 tive em Luanda a
minha primeira exposição individual, evocando o poeta negro
Aimé Césaire, para afirmar a minha oposição ao colonialismo. A
mensagem foi compreendida e aceite pelos mais sensíveis.
VN Nos primeiros tempos, teve ocupações pouco convencionais:
vendeu rádios…
CS …Vendi de tudo, trabalhei em seguros, já nem me lembro do
que fiz mais - coisas que apareciam na ocasião, como essa… Eram
uns radiozinhos da Philips que eu vendia aos nativos a 800
escudos, parece-me. É claro que aquilo era um susto para as
autoridades, porque os rádios apanhavam uma frequência do
Congo Belga em que um locutor português, contrário à situação,
dizia enormidades contra a PIDE. Angola estava dividida em
províncias e tinha de se pedir autorização aos governadores.
Alguns, quando dizia o que andava a vender, negavam. Outros
deixavam, mas no dia seguinte iam apreender os rádios aos
desgraçados.
VN O Artur
gostava de andar
pelo mato.
CS Gostava da
aventura de não
haver estradas. E
gostava dos rios,
que têm sete
leitos:
percebemos isso
quando andamos
de avião, mas só
o sentimos
realmente quando
andamos cá por
baixo. Porque a impetuosidade das correntes é tão grande que os
rios colhem o leito conforme a velocidade a que vão. Às vezes
caíam grandes chuvadas, de tal maneira fortes que apagavam o
caminho. Ficava-se sem saber por onde ir. Quem se perdesse ali
podia morrer, houve casos assim. E as trovoadas… Parecia que os
raios convergiam em cima de nós. Imagine um tipo sozinho, no
meio do mato, a uma distância formidável desta porcaria de
civilização, a passar noites em sanzalas, a maravilha que era…
VN Até ter começado o terrorismo.
CS Aí, os colonialistas ficaram aterrorizados e organizaram
milícias, com receio de que aquela gente dos musseques que
cercavam a cidade viesse por aí abaixo. Nada os fazia
compreender que a situação era irreversível. Passavam as noites
aos tiros em tudo o que mexia. Como nem eu nem o meu pai
pertencíamos às tais milícias, um dia vieram bater-nos à porta, a
oferecer-nos duas metralhadoras ou lá o que era aquilo. Negueime a aceitar o 'presente', mas compreendi que não podia ficar ali,
que era urgente regressar. Só então me apercebi de que, depois
de uns 14 anos de África, não tinha sequer dinheiro para as
passagens. A percorrer o território em todas as direcções tinha
feito uma colecção etnográfica do que era possível salvar da raiva
imensa da religião católica e das autoridades administrativas. Foi
essa colecção que tive de vender para comprar os bilhetes de
avião. São mil pequenas aventuras que me ligam àquele
território, àquela gente. Um dia vi um velho coberto de andrajos
traçar um círculo na terra vermelha, que se tornou o mais
espectacular espaço interior…
VN Teve problemas com a polícia política?
CS Nada que se pareça com o que outros passaram. Uma autora
fez uma recolha nos arquivos da PIDE e descobriu várias
referências, mas só fui chamado duas vezes, uma delas por ter
pendurado um quadro do Malangatana no Salão de Pintura do
Museu de Angola [onde trabalhava]. 'O senhor tem que tirar
aquilo, um preto não pode estar num museu'. Claro que não tirei
nada, mas também nunca mais me afligiram.
VN Quando regressou à metrópole teve um papel importante na
Galeria S. Mamede.
CS Espero que me compreenda se disser que o que fiz não foi
apenas referente a essa galeria, mas ao que define uma galeria,
ou seja, o ter como base uma estratégia, uma filosofia, uma
posição intelectual. Levei para lá o Cesariny, o Areal, o Júlio, o
Jorge Vieira, a Paula Rego, o Carlos Calvet, o Mário Botas, o Raul
Perez, entre outros… Ia tentar exposições surrealistas do mais
alto nível, mas veio a revolução e, incompreensivelmente para
mim, a galeria sofria tais ameaças que foi obrigada a fechar.
Ainda expus Henri Michaux e o grupo Cobra… O proprietário abriu
uma nova galeria em Madrid e eu fiquei desempregado. Há uma
verdade que tiro de tudo isso: quem espera que os políticos lhe
dêem liberdade está tramado, porque a liberdade ou está em nós
ou não está em parte alguma. A liberdade está no Lautréamont
ou numa tela de Cézanne, que por sinal era burguês. Que país é
este onde não há um Chirico ou um Manet? Exposto há um
Picasso, que ele próprio ofereceu ao Museu do Caramulo! A
liberdade não é andar aos gritos pelas ruas, como não é ouvir
relatos de futebol todo o dia. A obrigação de um Estado livre não
é a estupidificação sistemática. Podemos pôr-nos a pensar o
Himalaia é a montanha mais alta do mundo, mas muito maior que
o Himalaia é Rimbaud: ‘Notre pâle raison nous cache l'infini’ ['A
nossa ténue razão esconde-nos o infinito']. A grandeza é outra
coisa, não tem nada que ver com a que medimos nas coisas
físicas.
VN Na entrevista que deu ao SOL pouco antes de morrer,
Cesariny falava com mágoa de se ter perdido a dinâmica de
comunicação que havia nos cafés, mesmo em ditadura…
CS …Nesse particular, não há comparação possível. Perdeu-se a
comunicação. Hoje está implantada uma enorme sensação de
vazio. A Fundação Gulbenkian, assim como a Sociedade Nacional
de Belas-Artes, parece ter abdicado das suas funções. A pouca
actividade cultural que há está estranhamente dispersa. Além
disso, como pode ser possível organizar exposições se é infindável
a lista dos colaboradores pagos? Evidentemente que se trata de
um triste exagero. Também é curioso constatar a multidão que
aparece nas inaugurações e que rareia durante o tempo que as
exposições estão abertas ao público… Que fazer se os projectos
intelectuais e os artistas se deixaram contaminar pelo dinheiro?
Vem-me à memória a casa de Almeida Negreiros, a modéstia da
sua vida…
VN Disse algures que, ao longo da sua vida, já morreu mil vezes.
Quer explicar melhor?
CS Morre-se quando morrem pessoas que de facto amamos e nos
amaram. E há mil formas de amar e de ser amado. Há o vazio
deste país e há o vazio do mundo actual. Na minha idade, há
muitas recordações de toda a espécie, mas também ainda há
inexplicáveis sonhos… E tanta e tanta gente que conheci e que
morreu cedo demais, quando eu certamente morro tarde demais o que é incompreensível, pois não sou o mais inteligente nem o
mais sensível… Além de que me foi dado fazer muita coisa
sozinho, e eu queria ter feito mais coisas com outras pessoas.
VN Mas tem tido uma vida cheia.
CS Respondo-lhe com palavras do Cesariny: 'Se existe ou existiu
ortodoxamente uma pintura surrealista, há que dizer-lhe que
Cruzeiro Seixas se inscreve nela pela porta Dada, liberdade'.
VN Muita gente pergunta-se se o Artur e o Mário Cesariny se
envolveram sentimentalmente.
CS Quando nos
encontrámos na
Escola António
Arroio. Aliás, acho
que toda a gente
tem experiências
dessas. Não foi
nada com
continuidade.
Aconteceu uma vez
ou duas. Coisas de
garotos, sem
importância
nenhuma.
VN E mais tarde,
por que não?…
CS Em adultos já não dava, até porque passou a haver muitas
discordâncias. O Mário era um intelectual. Aliás, era muito mais
inteligente e sábio do que eu - isso é evidente. Nunca tive
pretensões intelectuais. E não tenho. Só que barafusto perante a
vida, barafustarei sempre.
VN Guarda algum arrependimento?
CS Quem não se arrepende de certas coisas que fez é estúpido. E
eu tenho já uma grande margem de arrependimento, porque tive
a sorte, ou a pouca sorte, de conhecer pessoas que não eram
moeda corrente - eram moeda excepcional. Hoje arrependo-me
de não ter acompanhado mais o Mário. Devíamos ter saltado por
cima de barreiras, de muitas coisas chatas que aconteceram. É
que houve sempre um fio condutor entre nós, mas havia também
grandes diferenças. E devíamos ter sabido passar além dessas
diferenças. Eu não soube, ele também não. Andámos os dois a
bater com a cabeça pelas paredes, a desejarmo-nos muito um ao
outro, mas sempre distantes. E, para ser honesto, tenho de dizer
uma coisa: fui mais eu que me distanciei do que o Mário. Durante
um ano, ele telefonou-me três ou quatro vezes e eu nunca lhe
telefonei. Estávamos anos sem nos encontrarmos. Só de vez em
quando é que trocávamos ideias por telefone ou por intermédio
de outras pessoas, o que foi uma estupidez. Principalmente no
último ou nos dois últimos anos de vida, em que o Mário – que
sempre teve necessidade de ter uma corte à volta e que lhe
dessem atenção ou desatenção – esteve completamente sozinho.
VN Foi uma história de amor mal resolvida?
CS Com certeza. Mas isso é a inevitabilidade. Se calhar, se
voltássemos atrás, voltávamos os dois a fazer o mesmo. Aliás,
uns dois ou três meses antes de morrer, o Mário organizou uma
homenagem em que reunia os dois mais velhos amigos, o
Fernando José Francisco [entretanto falecido] e eu. Apareceu na
galeria [Perve, a 2 de Novembro de 2006], houve aquele
reencontro e não fomos capazes de nos abrir. Acabou por ser uma
coisa um bocado estúpida, que não deu em nada [Cesariny
morreu três semanas depois].
VN Imagino que, em ditadura, não fosse tão fácil como é hoje a
vivência da homossexualidade.
CS Eu não sei como é hoje, porque já estou absolutamente na
reforma. Mas, quer dizer… vocês não imaginam… Eu acho que era
reacção contra a ditadura e tudo isso. A homossexualidade
andava pelas ruas, era uma coisa linda. Para mim, desde o
princípio, foi a arma mais terrível contra tudo o que havia à minha
volta e com que eu não estava de acordo - chamasse-se ou não
fascismo. Era uma atitude de revolta: eu era contra a sociedade
como estava organizada através do amor que fazia com este ou
com aquele. Era a porta da minha liberdade mais imediata. E por
toda a parte aconteciam encontros lindíssimos.
VN Essa naturalidade nos encontros não deixa de ser intrigante,
porque a ideia comum é a de que, em pleno salazarismo, o
ambiente seria adverso.
CS As pessoas dirão que era um ambiente adverso. Eu não. Tive
sempre imensa sorte, não sei se por saber fazer as coisas, se
não…
VN O Mário Cesariny, por exemplo, teve problemas com a PIDE
durante anos.
CS Também é preciso reconhecer que há pessoas que
recomplicam as coisas - ou já têm dentro de si uma
recomplicação – e que tornam tudo trágico à volta delas. O Mário
era um bocado assim. O amor dele era uma coisa trágica… Isso
também nos separava muito.
VN Voltando atrás, nos termos em que falou há pouco, a
homossexualidade aparece sobretudo como uma pulsão libertária…
CS …Com certeza. Era uma posição política. Tudo isso estava
ligado ao amor que fazia na cama.
VN É que parece inconcebível alguém pensar 'Estou revoltado
com a situação política, logo, vou tornar-me homossexual'.
CS Não foi isso que quis dizer. Nascemos já com qualquer coisa ou a mais ou a menos, isso não garanto. Mas também foi algo
que agarrei com ambas as mãos para construir a minha liberdade
e reforçar-me enquanto pessoa. E tive muita gente que me amou,
fui muito amado sabe? Isso posso dizer agora - quem achar
ridículo, que se lixe. Foi uma experiência muito bonita, a da
minha vida. Porque a parte sexual era muito grande, mas pelo
menos era tão grande como a do amor.
Vladimiro Nunes (Portugal, 1977). Jornalista. Licenciado em Línguas e Literaturas
Modernas (estudos anglo-portugueses) pela Universidade Nova de Lisboa. Inédito em
livro. A presente entrevista foi originalmente publicada na revista Tabu, parte
integrante da edição nº 114 do semanário SOL, de 15 de Novembro de 2008.
Contacto: [email protected].
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
Lezama Lima y el surrealismo | Primera parte: André
Breton y Lezama Lima, un acercamiento posible
Carlos M. Luis
.
Hacer paralelos conduce al
equívoco. Entre otras razones
porque pretende forzar la prueba
de una semejanza que la misma
naturaleza de lo paralelo impide
establecer. Pero el acercamiento
entre dos poetas del calibre de
André Breton y José Lezama Lima
es tentador, dada la intensa carga
eléctrica que pasa entre ambos.
Dejemos pues lo paralelo para
acentuar lo posible. Posible en el
sentido que Lezama utilizó este
término para aventurarse por los
predios donde la imaginación se hipostasió en la historia. Breton y Péret también proyectaron hacer
algo semejante (1). Posible, también, porque deja abierta la puerta a esas soluciones imaginarias
que abriera el Doctor Faustroll de Jarry en su ciencia “Patafísica”. De ahí que dentro de ese campo
de posibilidades intentaremos reconstruir –como Lezama le pidió a “Opiano Licario” – lo que allí
hubiera podido haber ocurrido.
Sólo puedo especular sobre lo que hubiera ocurrido de haber tenido lugar un encuentro entre
Breton y Lezama. Posiblemente no se hubiesen comprendido. Algo similar le ocurrió a Breton con
Freud, lo cual no impidió por otra parte, que el poeta no mantuviese hasta su muerte, una profunda
admiración por el sabio vienés. Y es que a pesar de todo, una corriente magnética pasó entre
ambos. Esa misma corriente pudo haberse producido en el encuentro entre ambos poetas. Los dos
situaron a la poesía en el centro de sus respectivos sistemas poéticos. Los dos fueron
personalidades abarcadoras y hasta cierto punto intolerantes, aunque creo que Breton lo fue más
que Lezama. Tanto éste como aquel amaron la ciudad donde vivieron, Paris el uno, La Habana el
otro. Breton fue un “flaneur” constante, y Lezama mientras pudo, “habitaba” La Habana en cada
uno de sus rincones. Ambos moraron en la misma dirección durante casi toda su vida: 42 Rue
Fontaine en Paris y Trocadero 162 en La Habana. Lezama vivía entre las calles Industria y
Consulado, las tres con resonancias francesas. Ni a Breton ni a Lezama le gustaban los viajes y así
lo confesaron. Pero los dos se trasladaron a México como a un lugar de “elección”. Breton por
razones obvias, dado su carácter surrealista, descubrió en México una fuente inagotable de
imaginación. Lezama también lo percibió así aunque no corrió las mismas aventuras que Breton
experimentara durante su estancia en ese país. El asma o la falta de aire (que terminó con la vida
de Breton) los acompañó durante toda su vida. Al autor de “Nadja” como al poeta de “Paradiso”, les
gustaba tertulias con sus amigos o discípulos en los cafés, algunos de los cuales tenían nombres
evocativos como “La Promenade de Venus” en Paris o el ‘Lluvia de Oro” en La Habana. Finalmente
Breton y Lezama fueron buscadores incesantes de lo insólito, y de la sorpresa que acarrea el
descubrimiento de algún autor extraño o heterodoxo. Ambos pues estaban unidos por relaciones
afectivas con los objetos de sus búsquedas poéticas. Tratemos de ver algunos de estas relaciones
desde el punto de vista de la poesía que practicaron o de la concepción del mundo que intentaron
elaborar.
EL ESTILO
El pensamiento de Breton y de Lezama basado en la analogía, no se expresaba bajo un sistema de
“ideas claras y distintas”. Había pues una oscuridad que compartían. En las entrevistas que le
hicieran, Andre Breton citó un verso de Jean Royere poeta que admiraba: mi poesía es oscura como
una azucena, verso que Lezama pudo haber suscrito como parte del modernismo americano.
Lezama por su parte, respondió a las preguntas que le hicieron sobre la oscuridad de su estilo: en
cierta ocasión me decían que Góngora era un poeta que tornaba oscuras las cosas claras y que yo,
por el contrario, era un poeta que tornaba las cosas oscuras claras…Pero esto de oscuridad y
claridad ya me va pareciendo trasnochado. Lo que cuenta es lo que Pascal llamó pensée d’arriere es
decir, el eterno reverso enigmático, tanto de lo oscuro o lejano, como de lo claro o cercano (2). Los
dos poetas crearon sus propios laberintos verbales, el de Lezama de tendencia barroca, mientras
que el de Breton se orientaba guiado por sus huellas románticas. Pero Breton y Lezama también
gustaron de un gótico misterioso cuna de la alquimia occidental, que el romanticismo elevó a la
categoría de lo maravilloso, dimensión que tanto para el Surrealismo como para las Eras
Imaginarias constituía la fuente de la poesía.
Si examinamos los acercamientos que hicieron a los pintores veremos que tanto el uno como el otro
utilizan lo que Sarane Alexandrian en su obra sobre Breton (3) llamó una crítica de la conversión.
Lo que buscaba esa crítica no era describir sino descubrir el reverso enigmático de una obra que
freciera múltiples posibilidades de interpretación. La pintura pues se les presentaba como un reto al
cual se acercaron afectivamente. Breton consignó que ante todo frente a una obra había que amar:
lo primero amar. Después ya habrá tiempo de preguntarse sobre lo amado hasta hartarse de no
ignorar nada (4). El poeta de “Paradiso” pudo haber recordado leyendo esa frase, la otra de Martí
que decía es el amor el que ve, la cual evoca otra dicha en pleno siglo XIII por Ricardo de San
Víctor: amare videre est. Dentro de ese contexto, entender o no entender carecen de vigencia en la
valorización de una obra artística (5) Lo importante para Lezama (como para Breton), era acercarse
a las cosas por apetito y alejarse por repugnancia (6). Ese eros del conocimiento entregaba la llave
para que una obra de arte revelase el “reverso enigmático” de sus secretos.
La prosa que ambos utilizaron (y que en gran medida aparece en la poesía de ambos) se expresa
mediante una proliferación de imágenes. Su rasgo fundamental es que propende acentuar los
aspectos que cada uno percibe irradiando de una obra de arte, y la traducción de esos aspectos en
analogías poéticas. Julien Gracq en su libro sobre Breton, comenta acerca del choque que existe
entre una sintaxis coherente en su prosa y la súbita explosión de imágenes que aparecen en la
misma. Con Lezama ocurre algo semejante pero con más desmesura. Su barroquismo lo llevó a
enredarse dentro de un estilo que sólo por fulguraciones deja al descubierto su contenido latente.
Pero esas fulguraciones suyas no están lejanas de las que Breton nos acostumbra en su obra, cuya
opulencia verbal posee resonancias del siglo XVI y XVII francés (Rabelais o Bossuet).
LA ANALOGIA COMO FORMA DE CONOCIMIENTO.
La analogía fue para Breton la llave que le abría la puerta del conocimiento. Uno de los juegos
surrealistas basados en ese principio se llamó “El Uno en el Otro”, el cual partía de la vieja creencia
hermética de que “todo está contenido en todo”. Creencia que un filósofo muy admirado por
Lezama puso en el centro de sus ideas: Nicolás de Cusa. No creo que Lezama llegó a conocer los
resultados de ese juego, pero entre sus respuestas a las preguntas que le hiciera Armando Alvarez
Bravo se encuentra la siguiente: Es uno de los misterios de la poesía la relación que hay entre el
análogo, o fuerza conectiva de la metáfora, que avanza creando lo que pudiéramos llamar el
territorio substantivo de la poesía, con el final de este avance, a través de infinitas analogías, hasta
que se encuentra la imagen, que tiene una fuerza regresiva, capaz de cubrir esas substantividad…
(7) ¿No fue ese avance a través de infinitas analogías, lo que constituyó precisamente la esencia
del juego surrealista? En una entrevista que le hiciera Jean Duché acerca de Fourier, Breton le
respondió: …lo que más me cautivó en Fourier, en relación con su descubrimiento de la atracción
apasionada, es su deseo de facilitar una interpretación jeroglífica del mundo, basado en la analogía
entre las pasiones humanas y los tres reinos de la naturaleza. (8) Lezama llamó todas las
asimilaciones posibles que esto obliga a realizar “el esplendor de la asimilación creadora”.
Tanto Breton como Lezama fueron incorporando a su paso esa suma de metáforas, que la palabra
como les fue facilitando. Para Breton la palabra como es la más exaltante de que disponemos, ya
sea pronunciada o callada (9). Lezama dijo por su parte: Para los egipcios el único animal hablador
era el gato, decía un como que lograba unir los dos puntos magnéticos de su bigote. Esos dos
puntos magnéticos, infinitamente relacionables, están en la raíz del análogo metafórico. (10).
Lezama descubría en los enlaces meta fóricos, los puentes de la analogía, los cuales terminaban
creando una imagen que reestablece los “contactos primordiales” que Breton creía perdidos.
Llámese mística o poética esa analogía rescataba el cuerpo de lo invisible, dándole una forma o una
imagen si se quiere.
Para rastrear las huellas de esas analogías, habría que seguir de cerca los pasos de una pléyade de
autores que a través de los tiempos se pusieron a la búsqueda del “vellocino del oro”. En esa
búsqueda personal, solitaria, se encontraron envueltos Breton y Lezama. Lo que los unía era la
infinita curiosidad que poseían por esos autores que no siempre gozaron de la anuencia de los
poderes establecidos, ya sean civiles o eclesiásticos. Breton nunca llegó (ni tampoco quiso)
participar en las loas oficiales, como tampoco en las corrientes de pensamiento que después de la
Segunda Guerra Mundial tomaron el poder. Lezama a pesar de los esfuerzos que algunos de sus
seguidores han hecho recientemente para incorporarlo al carro de la revolución cubana, fue siempre
un ignorado. Su catolicismo era, por otra parte, y en el mejor de los casos, de tendencia herética.
En esas coincidencias Lezama y Breton encontraron en los gnósticos, los cabalistas, los alquimistas,
en los místicos y hermetistas, una fuente inagotable de riqueza que cada uno utilizó para la
elaboración de sus sistemas poéticos. La lista de los representantes de esas tendencias sería
interminable y coincidente en muchos casos: Desde Jacob Boheme y el peso que tuvo en el
desarrollo del pensamiento romántico alemán, (en Hegel sobre todo), hasta Swedenborg que
influyera en el abate Constant (Eliphas Levy) y en Baudelaire, por sólo poner dos ejemplos
importantes. Breton y Lezama bebieron de esas mismas fuentes nutriéndose de sus contenidos
poéticos. Aunque cada uno sacó de las mismas las conclusiones que se adaptaban a sus respectivas
ideas, lo cierto es que esos autores como tantos otros, crearon un vínculo entre los dos.
POETICA Y METASIFICA DE LA VENTANA
Para ambos, para Breton y Lezama, la ventana representó una apertura que creaba unos “vasos
comunicantes” entre lo interior y lo exterior. Lezama me repitió en más de una ocasión (y así lo
consignó en una carta que me dirigiera (11), que su sistema era “una metafísica de la ventana”.
Podría decirse lo mismo de Breton, aunque sustituyendo “Metáfisica” por ‘Poética”. Pero en realidad
para Lezama esa metafísica era una poética, como para Breton la poesía llegó a ser su propia
metafísica. Para Vico quien relaciona a Lezama con Breton como veremos, la verdad poética era la
verdad metafísica. Ese punto de vista encontró su realización en el pensamiento de los románticos,
como más tarde en un Heidegger.
En las palabras preliminares al “Surrealismo y la Pintura”
Breton confiesa que me resulta imposible considerar un
cuadro de otro modo que como una ventana respecto de la
cual mi primera preocupación es saber adónde da (12). Por
otra parte la imagen automática se le presentó a Breton
cuando en un estado de semi-sueño vio a un hombre partido
en dos en una ventana. ¿Hacia dónde iba a parar? En varios
cuadros de René Magritte titulados ‘La condición humana” tal
parece que el paisaje pintado en la tela colocada frente a una
ventana, nos cuestiona sobre la existencia del mismo. Breton
y Lezama no se contentan con el acertijo que el pintor
surrealista propone con su conocido sentido del humor. Ambos
a partir de esa apertura, penetran en el paisaje para descubrir
las posibles maravillas que esconde. Lo que cada uno
descubrió responde a la fe poética que los inspiraba. Como ya
he señalado en otras ocasiones en el caso de Breton, según
Trotsky, la ventana se abría hacia un “más allá”. Si Breton se
defendió en contra de las reservas que le hiciera el
revolucionario ruso, Lezama en cambio, las hubiera aceptado
con satisfacción. Para el autor de las “Eras Imaginarias” se
trataba precisamente de buscar ese “más allá”, que Breton
quería encontrar negando su trascendencia. Tendremos, como
afirmó, el más allá de nuestras vidas. Si esa dimensión se encontraba dentro de una utopía que
Breton nunca se cansó de perseguir, para Lezama se encontraba situada en el fin de las “Eras
Imaginarias” o de sus “Imágenes Posibles”: en el triunfo de la vida contra la muerte por la
Resurrección. Ese gran final de la historia y la inauguración de la última de las grandes eras, estaba
basado en su creencia en lo absurdo de la fe que Tertuliano proclamó, o en lo “imposible posible”
que Vico esbozara, y que Lezama adoptó como parte de su sistema poético. Para ambos pues, la
ventana poseía más que una representación plástica, siendo un símbolo que les incitó a explorar
“los mundos que nos ignoran” que Pascal tanto anheló conocer.
CUSA, VICO, LEZAMA, BRETON
Guardo aún una viva memoria del día en que alborozado, Lezama me comu-nicó su descubrimiento
de Vico. Mi conocimiento del filósofo italiano del siglo XVIII era superficial, pero el interés de
Lezama por su obra fue lo suficiente para que me procurara su “Nueva Ciencia”. Su lectura me hizo
entender el por qué de su alborozo. Con Nicolás de Cusa ocurrió algo similar aunque ya había leído
su “Docta Ignorancia”. Pero Lezama me lo hizo ver bajo la luz de su poesía. Pasando el tiempo até
los cabos que podían unir a Lezama con el Surrealismo, y con Breton en particular, a través de una
relectura de estos autores. Para comenzar tendría que indicar que no conozco cita alguna de éstos
en la obra de Breton, lo cual no significa sin embargo, que no los haya leído. Lo que sí me resulta
curioso es que los haya silenciado, sobre todo a Vico quien le pudo haber proveído un sostén teórico
para sus ideas.
El esfuerzo de Vico de reconstruir la historia de los pueblos a partir de sus mitos como formas
universales de la imaginación, tuvo para Lezama un impacto profundo. También lo pudo haber
tenido para Breton y ciertamente toda la concepción poética de Benjamin Péret se basa en la misma
idea. Vico busca en el mito una sabiduría original y a su vez una forma poética de pensar y actuar.
Vico sostenía, por lo tanto, que el lenguaje original era poético y que los eventos históricos que se
conocen a través de ese lenguaje, poseen características distintas a la historia que acostumbramos
a leer. Esa aproximación suya a la historia, posee un poder de imantación tanto para Lezama
(cuyas eras imaginarias las refleja) como para Breton. El autor del “Amor Loco” se esforzó en
regresar a tiempos anteriores cuando el lenguaje no se encontraba contaminado por la lógica. Vico
concibió en su primera edad, la edad de los dioses, un lenguaje mudo mediante signos u objetos
que tenían una relación natural. El lenguaje mudo pasó a formar parte de la imaginería de los
alquimistas, mientras que Bretón concibió como pronunciada o callada la palabra cómo que radica
en la esencia de la analogía.
En el tomo II de su “Nueva Ciencia” Vico nos dice que la sabiduría de los gentiles debió empezar
por una metafísica no razonada, ni abstracta… sino sentida e imaginada. La verdad poética se
convierte por lo tanto en una ver-dad metafísica. El romanticismo recogió ese punto de vista
adoptándolo como suyo. Heidegger pudo decir entonces que la esencia poetizadora del pensamiento
preserva el imperio de la verdad del ser, y de ahí Breton lo transformó en su propia creencia.
Lezama dice en sus entrevistas que para Vico las primeras leyes se hicieron en forma poética. Pero
además, y esto es lo importante, lo que constituye para Lezama el meollo del pensamiento de Vico,
es que para este filósofo la materia propia de la poesía es lo imposible creíble frase que Lezama
sitúa dentro de su concepción poética así como esta otra de Nicolás de Cusa: por encima de todo
discurso racional vemos incomprensiblemente. ¿Acaso no se trata de lo que en última instancia se
propone el Surrealismo? Cusa nos dice en otra frase que Lezama no cita, pero que Breton bien pudo
haber tenido en cuenta: cualquier cosa es en sí misma todas las cosas. Esa frase no solamente
puede situarse como epígrafe del juego “El Uno en el Otro” sino también de la poesía de Lezama.
La relación secreta que pasa entre Breton y Lezama vía dos pensadores distantes entre sí como
Cusa y Vico, aclara el pensamiento de ambos. Cuando sorprendemos en Vico la siguiente frase: la
monarquía asiria nos ha parecido hasta ahora como una rana que nace de pronto bajo una lluvia de
estío, creemos que estamos leyendo a Lezama o a una de las analogías de Breton. Cuando
indagamos en Cusa sus raíces herméticas, establecemos unas coordenadas imaginarias que lo
comunican con ambos poetas. Entre los cuatro pues se establece una atracción apasionada
explicable sólo por la poesía que llevaban adentro. Teología, filosofía e imaginación se dan de la
mano confirmando la interpretación que Vico hiciera del conocimiento.
LOS CONTACTOS PRIMORDIALES
A medida que ha ido progresando, la historia fue cortando su cordón umbilical con el tiempo
sagrado. En ilo tempore como gusta de repetir Mircea Elia-de, las cosas se sucedían de otro modo.
Era la historia mítica donde la poesía se expresaba naturalmente. Esos son los contactos
primordiales que ciertos poetas, Breton y Lezama entre ellos, quieren recuperar: el tiempo de los
sueños o la arlequinga de los nativos australianos, o la terateia de los griegos, dimensiones ambas
que incitan a Breton y a Lezama a penetrar en sus dominios. ¿Utopía? Desde luego que se trata de
un intento de lo posible/imposible”, pero de un intento que siempre ha estado en la raíz de la
poesía, estudiada por Vico como fuente generatriz de la historia. Lezama nos dice entonces algo
que Breton pudo haber suscrito: Con el tiempo nos dice Robert Curtius o un T. S. Eliot, resultará
manifiestamente imposible emplear cualquier técnica que no sea la de la ficción (en la valoración de
los hechos históricos)… Todo tendrá que ser reconstruido, invencionado (sic) de nuevo, y los viejos
mitos, al reaparecer de nuevo, nos ofrecerán sus conjuros y sus enigmas con un rostro
desconocido. La ficción de los mitos son nuevos mitos, con nuevos cansancios y terrores (13) Para
que esto ocurra hará falta “rehacer el entendimiento humano” como Breton había pedido. Volver
entonces mediante la poesía a los comienzos, inoculando la fuerza germinativa de los mitos y los
rituales que los acompañan, en el ejercicio de la poesía. En el caso de los surrealistas, el juego les
sirvió para crear aunque sea por pocos instantes, un espacio y un tiempo que si no podía ser
considerado como sagrado, al menos poseía todas las características de una iniciación. Lezama
cuenta por su parte que en la raíz de su formación poética, se encuentra en un acontecimiento que
él interpretó como revelador. Jugando una vez con su hermana Eloísa a los “yaquis” ambos vieron
maravillados que al tirarlos al azar y caer en el suelo, formaron el rostro de su padre fallecido. Esa
visión impactó al poeta, según él mismo cuenta. Poco importa si así ocurrió o no. El caso fue que
ambos “vieron” ese rostro como una aparición llena de presagios. ¿En qué sentido entonces se
diferenció ese acontecimiento de los que experimentan los primitivos cotidianamente mediante sus
rituales? Cualquier interpretación racionalista del asunto no nos llevaría a ninguna parte. La
importancia recae pues en lo que se ve y en lo que se deriva de esa visión. A partir de ese hecho
comienza la poesía a tejer sus coordenadas que pudieran llevarnos al “punto supremo” o a las “eras
imaginarias”.
EL MITO DEL ANDROGINO
En su ensayo titulado “Du Surrealisme en ses Oeuvres Vives” (14) Breton menciona uno de esos
contactos perdidos: El Andrógino Primordial. En ese ensayo Breton insiste en la necesidad de
reconstituir el andrógino primordial del que todas las tradiciones nos hablan, a la necesidad de su
encarnación, más deseable y tangible que cualquier otra cosa, a través de nosotros. Mircea Eliade
cita a Franz Von Baader en su libro “Mephistopheles et la Androgyne”, que seguramente Breton
leyó, donde dice que “el andrógino existió en el comienzo y existirá de nuevo al fin de los tiempos
(15) Breton escribe su ensayo en 1953 en pleno auge del existencialismo, el estructuralismo y el
marxismo de los stalinistas. O sea lo escribe anacrónicamente pensando en el ilo tempore. Fourier
que ya se encontraba en el centro de su pensamiento, había dicho que éramos como parcelas de un
cuerpo llamado el Planeta que es un ser andrógino. Para el pensamiento mítico como apunta Mircea
Eliade (16) el modo de ser particular es precedido por un modo de ser total. La androginia es
precisamente considerada como superior a los dos sexos porque encarna la totalidad, y por lo tanto
la perfección. El andrógino o hermafrodita era el nombre que los alquimistas le daban a la materia
purificada de su piedra, después de la conjunción, llamándolo también Rebis o masculino/femenino
de acuerdo con Don Pernety. El andrógino era por lo tanto, la encarnación del “punto supremo” en
un cuerpo que concilia la oposición de los contrarios en una participación mística entre ambos sexos.
Los fundamentos míticos acerca de la androginia que se encuentran esparcidos en numerosos
tratados gnósticos, teológicos y herméticos en general, han sido estudiados por numerosos autores.
Mircea Eliade le dedica un estudio exhaustivo en su mencionado “Mephistopheles et L’Androgyne”
donde hace un recuento histórico de los mismos. Sin desarrollar todos sus detalles, señalemos
algunos vínculos que tienden un puente entre Breton y Lezama. De acuerdo con la tradición
cristiana, la androginia estuvo presente desde el instante mismo de la Creación. La separación
posterior de los sexos fue vista por numerosos autores como el resultado de la caída. Escoto de
Eriúgena por ejemplo así lo afirma, como también afirmó la eventual reintegración de ambos sexos
en el día de la resurrección. Esa creencia suya podría haber ocupado un sitio en las “Eras
Imaginarias” de Lezama. El Adam terrestre fue en ese sentido andrógino y así lo consignaron tanto
los autores gnósticos como los midrashim, donde se afirma que Adam y Eva fueron separados por
Dios con un golpe de hacha. Otros textos sin embargo hablan de que Adam era hombre del lado
derecho y mujer del izquierdo. La figura hermafrodita aparece ilustrando numerosos textos de los
alquimistas con las cuales Breton y Lezama estaban familiarizados. Gnósticos como Simon el Mago,
nombraban al espíritu primordial “hombre/mujer” cuya fragmentación posterior sería restaurada a
su unidad original por la llegada del Salvador. Otros textos gnósticos como “La Epístola de
Eugnostio el Bienaventurado” se refiere a un ser andrógino que emana del Padre. Ese ser
posteriormente se une a Sofía produciendo una gran “luz andrógina” que lleva el nombre masculino
del Salvador y femenino de Sofía, de donde procede la “Pistis Sofía”. En los comienzos del
pensamiento hermético, Hermes Trimegisto le revela a Asclepius que Dios posee los dos sexos. En
el “Evangelio de Santo Tomás” leemos que Jesús le comunica a sus discípulos que cuando
conviertan los dos seres en uno, lo de adentro como lo de afuera y lo alto como lo bajo, cesaran
también de verse como contrarios. Por añadiduría cuando lo masculino y lo femenino se hagan uno
sólo, entonces se podrá entrar en el Reino. Esa predicción no se encuentra lejos de lo que Breton
anheló desde el principio de su búsqueda utópica de la conciliación de los contrarios. Breton
quiéralo o no, se adentra en un terreno sembrado de creencias religiosas, terreno donde Lezama se
encuentra más a su gusto.
¿Llegó Lezama tan lejos? En su novela “Paradiso” se
teje una trama donde la sexualidad se manifiesta bajo
dos aspectos: el heterosexual y el homosexual.
Triunfa lo segundo, pero no sin antes ver en la
conjunción entre ambos sexos el cumplimiento de un
viejo mito que aún se mantiene vivo. Se habla –nos
dicecon exceso de la homosexualidad ya desde el
punto de vista ético o científico, pero se tiene muy
pocas ideas precisas sobre la androginia. El andrógino
primitivo que pasa el culto esférico de la totalidad y
de la perfección, que pasa al apeiron de los griegos y
a la esfera universal de los cristianos…(la esfera) se
encuentra también entre los taoístas, con la esencial
importancia que le daban a la indistinción sexual del
hálito, formando el huevo del Gran Uno, del que
brotaron dualizados el cielo y la tierra, todas esas
referencias a la androginia en el mundo de los taoístas, de los platónicos y de los gnósticos
alejandrinos, la casi totalidad del mundo antiguo, del que apenas sobrenadan vestigios en Havelock
Ellis, en el Corydon de Gide y en el mismo Freud, que intentó llevar todas esas cosmologías al
empequeñecedor espíritu científico (17) Lezama toca el tema y lo lleva, como Breton, a un plano
anacrónico cuando rechaza las interpretaciones científicas, que dominaban el mundo intelectual de
su tiempo, como las de Freud o de Havelock Ellis. Ambos pues se sitúan frente a una interpretación
lineal de la historia, con el deseo de restaurar sus eslabones perdidos.
Cuando ocurra esa restauración, comenzaremos entonces a vivir nuestros hechizos, y el reino de la
imagen se entreabre en un tiempo absoluto (18). La gravitación de ese tiempo, con el cual hemos
perdido nuestro contacto primordial, los conduce a intentar la restauración poética de ese contacto.
El tiempo histórico e irreversible impuesto por el Judeo-Cristianismo, es un horizonte que nunca
entrega los medios para alcanzar esa restauración. A Breton y a Lezama no les quedaba otra
alternativa sino la de crearse cada uno a su manera, una utopía y una ucronía que pudiesen, en el
plano imaginario, servir como el túnel que nos lleve “al país de las maravillas”. Ambos reclaman
para sí una poesía que incorpore el lenguaje perdido o el oro del tiempo. La tradición hermética, y
la de los alquimistas en particular, les proveyó a los dos una fuente inagotable de mitos y una
práctica poética del lenguaje. El ansia de retornar a unas épocas donde el “lenguaje de los pájaros”
trasmitía una sabiduría hoy perdida, los impulsó en esa dirección. De acuerdo con Cesia Ziona
Hirshbein (19): el poeta (Lezama) recrea a través de la acción dramática (de Paradiso), los ritos de
iniciación, las ceremonias de renovación cósmica y las arcaicas aventuras mítico-mágicas en un
ansia de eterno retorno al paraíso perdido. En sus conversaciones con Armando Alvarez Bravo,
Lezama le confiesa refiriéndose a la revista “Orígenes” que él quería que la poesía que allí
apareciera fuera una poesía de vuelta a los conjuros, a los rituales, al ceremonial viviente del
hombre primitivo (20).
Huizinga nos dice en su “Homo Ludens” que toda poesía antigua es al mismo tiempo culto,
diversión, festival, juego de sociedad, proeza artística, encantamiento, iniciación. (21)
Esto acerca a Lezama al Surrealismo por dos vías: la primera la de Artaud, cuya concepción del
teatro de la crueldad quiso llevar hasta el paroxismo esos conjuros y rituales. La segunda es de
orden estético. Los surrealistas estuvieron a la cabeza en señalar la riqueza del llamado arte y
pensamiento primitivos. En ese sentido el desarrollo del surrealismo se vio aparejado a la constante
incorporación de elementos de unas culturas que han ido siendo obliteradas por el “progreso”. La
labor de rescate del Surrealismo de esos elementos, al mismo tiempo que los incorporaban a otras
tradiciones como la hermética, produjo un arte y una poesía que influyó a su vez en otras
corrientes de vanguardia. Hemos visto en varios ensayos publicados en este libro, cómo la
presencia de los surrealistas en la América sirvió como un elemento catalizador para muchos
artistas. La exposición titulada “Pollock y el Chamanismo” que tuvo lugar en Paris en el 2008,
demostró ese hecho.
LEZAMA Y EL SURREALISMO
Lo primero que había que aclarar es lo siguiente: Lezama no fue un surrealista. De hecho y por
razones que no valen la pena explicar aquí, pero que tienen que ver con su entorno, se refirió a
veces al Surrealismo con cierta hostilidad. Pero eso no implica que a pesar de su actitud, el
Surrealismo no haya penetrado en su poesía. Por otra parte Lezama leyó la obra de Breton, sobre
todo su “Arcane XVII” obra que lo impactó. Un amigo suyo le trajo de Europa el “Arte Mágico” del
poeta, que le resultó ser revelador. Lezama y yo comenzamos a traducir para un número de
Orígenes que nunca se publicó, el poema de Breton “Los Estados Generales”, por el cual mostró
deferencia. Resulta curioso, por otra parte, que cuando conoció a Lorenzo García Vega el primer
libro que le recomendó se leyera fueron “Los Cantos de Maldoror” de Lautreamont, obra que como
se sabe forma parte del canon surrealista. Existieron pues, contactos con el Surrealismo. Lo que
pretendo demostrar a continuación es en qué consistieron esos contactos. En primer lugar un
recorrido por la poesía de Lezama revelará que en más de una ocasión, su poesía absorbió el
automatismo surrealista y los juegos verbales a los que se dedicaron. En segundo lugar veremos
cómo el concepto lezamiano de la “vivencia oblicua”, puede enriquecer el pensamiento surrealista.
EL AUTOMATISMO
El automatismo fue el nervio central de la poesía surrealista. Breton en más de una ocasión lo
expresó así, al mismo tiempo que tomó conciencia de sus limitaciones. A pesar de ello el
automatismo brinda la oportunidad de participar en un ritual donde se restituye el pensamiento a
su pureza original.
A medida que hemos ido estudiando los distintos mitos que pueblan la imaginación surrealista, el
concepto de la “edad de oro” aparece como una constante. Para que la poesía formase parte de ese
“ceremonial viviente” que el hombre primitivo experimenta, había entonces que recurrir a una
expresión que cruzase el puente de lo racional hacia lo imaginario. La practica de la escritura
automática pues, adopta los “estados segundos” que los surrealistas admiraron en los primitivos y
el lenguaje de los alienados. Sobre estos últimos es necesario aclarar que lejos de contentarse con
la disociación que los caracteriza, los surrealistas intentan mediante la escritura una reunificación
de las personalidades deslindadas por la demencia. El tema de la conciliación de los opuestos
siempre se encuentra presente en el Surrealismo. Más para Lezama no se trataba de recurrir a los
mismos procedimientos. Lezama era un aglutinador de otras fuentes. Dentro de un lenguaje que
obedecía a estructuras culturales que posiblemente los surrealistas no hubiesen incorporado como
suyas, Lezama introdujo como “flashes” instantáneos, frases sacadas del arsenal automático.
Esparcidos en los poemas de Lezama (22) aparecen numerosos ejemplos de esa escritura:
Su insepulta madera blanda el frío pico del hirviente cisne (PC.13)
El día de la lluvia en las arpas engendra cabelleras (PC 62)
…animales de canela/rompen en la noche colecciones de porcelana (PC 73)
Las invisibles barcas serenizan/la piel de los jardines del estío (PC 80)
El incesante vuelco de los carros cargados ahonda el frenesí de los tablones
serruchados (PC 132)
Los escudos y los rostros legañosos de harina con aretes de punta de maní cruzan sus piernas en
un relicario (PC 203)
El lagarto separa las piedras pisadas por un caballo con tétano (PC 382)
…la tabla de multiplicar bien sabida le abre la puerta al azafrán de plumero (PC 415)
Sus manos frías avivan las arañas ebrias, que va a deglutir el maniquí playero (PC 431)
JUEGO DE LAS POSIBILIDADES
Para los surrealistas el juego constituyó una actividad totalmente desprovista de toda vigilancia
“exterior”. Era pues “libre por excelencia” como dijo Breton. Esa libertad les facilitó crear juegos
verbales y visuales que forma-ron parte, junto al automatismo, del “fuego central” que cocía la
materia prima de su poesía. Lo que se jugaba en el caso del juego de las posibilidades, como en los
“cadáveres exquisitos”, era en primer lugar el rompimiento de un causalismo que Breton y Lezama
vieron de entrada como enemigos del discurso poético. En segundo lugar las aleaciones infinitas
que ambos juegos crean, rompen también con esa lógica causalística que lo somete todo a
definiciones fijas. A la famosa frase de Gertrude Stein: una rosa es una rosa es una rosa otro
surrealista, Henri Pastoreau, le respondió con el título de uno de sus poemarios: “La Rosa no es una
Rosa”. Ese no ser lo que aparenta ser o la superposición de varias imágenes en una sola, que
aparece en los “cadáveres exquisitos” o en los collages de Max Ernst, se encuentra presente en la
poesía de Lezama. A uno de esos cadáveres exquisitos que los surrealistas publicaron en sus
revista: la chiquilla anémica hace ruborizar a los maniquíes encerados, Lezama le puede responder
con otro de su propia cosecha:
Asi la uva nueva destruye los paisajes morados… El puente que une a ambos podría multiplicarse
para ir creando nuevas definiciones que amplían el paisaje surrealista. He aquí algunas muestras de
esos juegos verbales que Lezama esparció en su poesía.
Si se aleja, recta abeja, el espejo destroza el río mudo (PC 14)
Si atraviesa el espejo hierven las aguas que agitan el oído
Si se sienta en su borde o en su frente el centurión pulsa en su costado
Si declama penetran en la mirada y se fruncen las letras en el sueño (PC 16)
Si el surtidor se aísla y las amapolas ruedan, los niños con el costado hundido continuaran
rompiendo todos los clavicordios (PC 72)
Si despierta un pájaro intercambian sus cabezas los jugadores (PC 277)
Si no le escuchan con asombro, la maruga será una colada de plomo (PC 425)
CADAVERES EXQUISITOS
Así la uva nueva destruye los paisajes morados (PC 112)
La lluvia nocturna sueña curvos alfileres persas/en las
escamas de chalecos fríos (PC 123)
La boca de la carne de nuestras maderas quema las gotas
rizadas (PC 147)
El caballo que saborea el arsénico, rechaza el polvo de carey
(PC 174)
De la boca del negro gigante salía un ferrocarril de mamey
(PC 268)
OTROS EJEMPLOS: BENJAMIN PERET
La poesía de Benjamin Péret fue la que se proyectó más libremente sobre el lenguaje surrealista.
Otra fue el gran poema épico de Tristan Tzara: “El Hombre Aproximativo”. Para Péret no existían las
barreras de la lógica. Imbuído como lo estaba por el pensamiento mágico (al que le dedicara una
antología basada en los mitos americanos), la poesía representaba para él una vía para dar a la luz
un “ars combinatoria” de metáforas. Esas metáforas iban tejiendo imágenes que a su vez se
encarnaban dentro de una narrativa totalmente desprovista de sentido. De un sentido habría que
añadir, para un pensamiento acostumbrado a comprender las cosas mediante un determinismo
lógico. En el caso de Péret como en Lezama, las cosas ocurren “porque sí” sin tener que dar
explicaciones a un lector que asombrado, recorre sus respectivos mundos imaginarios. En los
ejemplos siguientes podremos ver cómo de la narrativa lezamiana podemos continuar con la de
Peret, como si ambos si hubiesen puesto de acuerdo para crear una sola. Debo añadir que los
ejemplos de la obra de Peret fueron tomados al azar. Esto nos indica que sin que los dos se hayan
conocido, y es probable que Lezama bajo la influencia de algunos de sus compañeros de ‘Orígenes”,
Péret hubiese sido rechazado por éste, una corriente transpoética pasaba entre ambos.
LEZAMA
El tallo de una rosa se ha encolerizado con las
avispas que impedían que su cintura fuese y
viniese con las mareas cuando estaba tan
tranquila en las graderías de un templo y un
marinero llamado por la palabra marea se ha
unido a alfileres sin sueño (PC 27)
Para qué redondear la nieve de los brazos de la
ruina moral/ si los animales tiernos cesan de
acudir a la cita de las cuchilladas (PC 79)
PÉRET
Esa mañana unos pescaditos anaranjados
circulaban por la atmósfera. Los cañones de los
Inválidos deploraban una vieja enfermedad que
hacía crecer iris herrumbrosos entre sus clamores
de sus ruedas (23)
Porque los adoquines han salido en apretadas
filas y amenazan los ríos (24)
¿Se trataría de una lluvia de cepillos de dientes
precipitándose sobre las cosechas para reducir el
Por ahora es necesario para salvar la cabeza que país a la hambruna… (25)
los instrumentos metálicos puedan aturdirse
espejando el peligro de la saliva trocada en
marisco barnizado por el ácido de los besos
indisculpables que la mañana resbala a nuevo
Aplastar las tortugas hasta convertirlas en
monedero (PC 90)
mantequilla (26)
Masticar un cangrejo y exhalarlo por la punta de
los dedos al tocar el piano (PC 168)
Mientras la lluvia contaba sus cabellos/y la
sombrilla como un marisco buscaba la resaca
lunar (PC 245)
y eso nos hace reir/como un melón/como una
salchicha/como una tarta de crema… (27)
De no ser tú una serpiente de cascabel o de
anteojos el aberrojo no habría roído su flauta (28)
la lagartija habanera, contenta como una tabla
de multiplicar bien sabida, le abre la puerta al
azafrán del plumero (PC 417)
El surrealismo transita por la obra de Lezama como parte englobante de su sistema poético. Si
leemos en un poema temprano de Lezama: Las pamelas tropiezan en las puertas del cine/y los
cisnes se han esclavizado voluntariamente para ofrecer un simulacro de espumas (PC 61)
penetramos de lleno en su mundo surrealista. Otros poemas como el siguiente: la nube increada
nadando en el espejo, o del invisible rostro que mora entre el peine y el lago (PC 85) nos descubre
un panorama a lo Magritte, mientras que en este otro:
Cuando la escala está en punto el reloj suave gotea es Dalí quien aparece.
Uno de sus últimos poemas se titula “Vieja Balada Surrealista” (FRAG.172)
En el mismo Lezama maneja su concepción de la causalidad en los siguientes versos: Cuando el
riachuelo se llena de coletazos/de serpiente y el piano vuelto de espalda/enseñan sus zapatos que
brillan como la noche/cuando se hunde como un sillón desfondado/aunque sus mimbres viejos son
juguetes de un niño cabezón/a resguardo de tajada de melón violín/los bailarines dan cabezazos y
sudan aserrín/y la medianoche se aburre/como un tablero de ajedrez reclinado en la pizarra. En
estos versos aparece de lleno su concepto de la “vivencia oblicua” como parte de su “patafísica”.
Lezama concibió entonces la realidad como movida por resortes que no obedecen a las leyes
naturales, sino a unas causas y efectos desprovistos de razonamiento. Su “fantástica” para emplear
el término que Novalis quiso situar en lugar de la lógica, encamina su poesía hacia otros horizontes
donde el surrealismo también quiso llevarla. En ese sentido Lezama le aporta al surrealismo una
expresión de pensamiento o una hermenéutica, que contribuye a rehacer el entendimiento humano
partiendo de su origen poético.
CAUSALIDAD Y VIVENCIA OBLICUA
Lezama define la vivencia oblicua de la siguiente manera: la vivencia oblicua es como si un hombre
sin saberlo desde luego, al darle la vuelta al conmutador de su cuarto, inaugurase una cascada en
el Ontario (29). La vivencia oblicua según él crea su propia causalidad, pues en su sistema intenta
destruir la causalidad artistotélica buscando lo incondicionado poético (30) André Breton al tratar el
tema del “azar objetivo” habló de las “series causales independientes”. ¿Independientes de qué?
Independientes del principio aceptado de derivación de causa y efecto a favor del principio de
derivación de lo maravilloso, como lo indica J. H. Matthews acerca de la poesía de Péret. (31)
Volviendo a Lezama, este nos dice: la poesía prefiere ser la configuración del azar concurrente…
todo azar es una realidad concurrente, está regido por la voracidad del sentido…el azar se empareja
con la metáfora, prosigue en la imagen… (32) Como todo lo pensado puede ser imaginado (33) la
vivencia oblicua puede actuar como una metáfora entre el espacio A y el espacio B que viene siendo
el espacio del encanta-miento y el hechizo… (34) Por esa vía entramos en el mundo de la Patafísica
o el de la filosofía del “como si” que Vaihinger elaboró como una percepción de la realidad donde
ésta (A) es comparada con algo (B) cuya irrealidad es a su vez admitida. Las soluciones que esa
comparación nos plantea crean una cadena de imágenes posibles, no obedientes a las leyes de
causa y efecto, produciendo entonces “el efecto mariposa” de la vivencia oblicua.
ser.
Si lo que tenemos antes nosotros es una realidad
atrofiada por siglos de explotación, pasamos entonces de
una cultura de la imaginación a una civilización de la
misma. La imaginación pues queda regimentada. Las
categorías con las cuales trabaja tanto el Surrealismo
como Lezama, se enfrentan a ese hecho intentado una
utopía o una locura, como Lezama definió su sistema
poético. Tanto la utopía como la locura rompen con las
conexiones causales, creando las suyas propias,
convirtiéndolas como Lezama dijera en “una causalidad
de las excepciones”. El surrealismo transitó por esos
mismos caminos a despecho de una época que fue
marchando por el contrario. A Lezama le ocurrió lo
mismo, tocándole vivir en medio de un proceso
revolucionario que erigió el marxismo-leninismo más
rancio como dogma de fe. ¿Pasó una corriente entre lo
que el surrealismo se propuso y Lezama? Creo que sí.
Esos puntos de contacto iniciales enriquecen lo que el
Surrealismo será y en retrospectiva lo que Lezama llegó a
NOTAS
1. En una entrevista que le hiciera José María Valverde para el “Correo Literario” de Madrid,
Breton menciona un proyecto de historia universal, escrito en conjunto con Péret, con la finalidad
de desenredar el acontecimiento verídico del mito que se apodera de (este) para deformarlo. “Las
Eras Imaginarias” pretenden rescatar de la interpretación oficial de la historia, los acontecimientos
que allí pudieron haber ocurrido.
2. “Orbita de Lezama Lima”, UNEAC, La Habana, 1966 pag. 29-30
3. Sarane Alexandrian “Andre Breton par lui meme” Editions Le Seuil, Paris.
4.“Main Premiere” en Karel Kupka ‘Un Art A L’Etat Brut”
Editions Clairefontaine, Lausanne, 1962
5.“ Orbita” pag. 32.
6. “Orbita” pag. 32
7. “Orbita” pag. 31
8. “André Breton: Puntos de Vista, Manifestaciones” Barral Editores, traduccón de Jordi Marfá,
pag. 255
9. “Signo Ascendente” en “La Llave de los Campos”, (traducción Ramón Cuesta) Libros Hiperión,
Pamplona, pag. 127
10. “La Cantidad Hechizada”, UNEAC, La Habana, 1970 pag. 443
11. José Lezama Lima “Cartas (1939-1976)”, Editorial Orígenes, Madrid, 1979, pag. 83
12.Andre Breton “Antología” selección y prólogo de Marguerite Bonnet, traducción de Tomás
Segovia, Siglo XX, México, 1973 pag. 60
13. “Mitos y Cansancia Clásico” en “La Expresión Americana”, Editorial Universitaria, Chile.
14. En Andre Breton “Manifestes etc” Jean Jacques Pauvert, Paris, 1962,
Pag. 353 y sig.
15. Gallimard Editeurs, NRF, Paris, 1962 , pag. 126
16. “Initiations et Societes Secretes” Id. Pag. Gallimard Editeurs Serie Folio-Essais, Paris, pag.70
17. Mephistopheles… ibid.
18. “Paradiso”. UNEAC pag. 354
19. Lezama Lima “A Partir de la Poesía”, en “La Cantidad Hechizada” Pag. 31 y sig.
20. “Las Eras Imaginarias de Lezama Lima” Academia Nacional de Historia, Caracas, 1984, pag. 79
21. “Orbita”, pag. 40
22. “Homo Ludens” Alianza/Emece Madrid, Buenos Aires, Traducción Eugenio Imaz, 1954. pag.
144
23. En “Poesia Completa” Editorial Letras Cubanas, La Habana, 1970 y “Fragmentos a su Imán”,
Editorial Lumen Barcelona, 1978
24. “Pulqueria quiere un auto y otros cuentos”, Editorial Vuelta, México, 1994, pag. 44, traducción
de Ida Vitale
25. “El Gran Juego”, colección Visor de Poesía Madrid, 1980, Versión de Manuel Alvarez Ortega.
26. “Mueran Los Cabrones y los Campos del Honor” Cuadernos Margina-les, Tusquets, pag. 104,
Traducción de Rodolfo Hinostroza.
27. Ver Benjamin Peret en Aldo Pellegrini “Antología de la Poesía Surrealista” Compañía General
Fabril, Buenos Aires, 1961
28. Ibid.
29. Ibid.
30. Orbita pag. 41-42
31. Ibid, 38
32. “Mechanics of the Marvelous in the Short Stories of Benjamin Peret”
“L’Esprit Createur” Spring 1966.
33. Orbita pag. 17
34. La Cantidad Hechizada pag. 383
Carlos M. Luis (Cuba, 1932). Poeta e artista plástico. Dirigiu em seu país o Museo Cubano. Como ensaísta, publicou
Tránsito de la mirada (1991) e El oficio de la mirada (1998). Nos anos 90, já residindo em Paris, publica juntamente
com Jorge Camacho Le Bulletin de Liason Surrealiste. Contato: [email protected]. Página ilustrada com
obras do artista William Blake (Inglaterra).
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
Lorena Pradal y "Habitaciones": la
piedra como poética y percepción
analógica del mundo
Martín Palacio Gamboa
.
No
es
casual que Habitaciones, la muestra más reciente de Lorena Pradal,
haya estado vinculada a la presentación en simultáneo de Estuario,
segundo libro de la poeta Marisa Negri, en Toay, provincia de
Buenos Aires, durante el mes de noviembre. Por un lado está la
amistad de varios años entre la artista gráfica y la escritora; por el
otro, la interferencia creciente del fenómeno literario en los
procesos de creación que Pradal desarrolla intensamente desde hace
ya un buen tiempo. También vale recordar que Toay es el eje de
irradiación de dos poetas cuyas grafías comenzaron a despertar un
interés cada vez mayor en las nuevas generaciones y que, en el
caso específico de Pradal, confluyen en el tratamiento que dan sobre
la imagen de la piedra en cuanto punto temático: Olga Orozco
(1920-1999) y Juan Carlos Bustriazo (1929). En Orozco, la piedra
adquiere una connotación existencial que bordea permanentemente
lo mágico: en su condición de orden y modelo arquetípico, es
portadora de ideas, fuerzas y energías sutiles que de algún modo en
ella se depositan; en Bustriazo, la piedra es sinécdoque y
contemplación del paisaje que nos aparta del discurso mudo de los
elementos por la que seres y cosas devienen palabra en el tiempo.
Su entorno y su contorno dejan de ser un simple límite exterior para
convertirse en la existencia como imaginación y en la imaginación
como existencia. Y esa convergencia de enfoques en la obra de
Pradal es lo que nos interesa desarrollar aquí.
Habitaciones es un conjunto
de litografías en formato libro
de 34 x 29, encuadernado en
gabardina negra y con título
gofrado en tapa; contiene
además de las mencionadas
litografías, photoplates y
textos en los que se intercalan
apartes fragmentos de Vicente
Huidobro, Lezama Lima,
Miguel Hernández y,
especialmente, Louis Aragon la referencia a su obra
homónima tampoco es
gratuita-. A eso se le agrega el
hecho de que el diseño total
del libro fue compuesto e
impreso por su autora,
tratándose en consecuencia de
un ejemplar único. El dibujo es
protagonista, al igual que los
sutiles claroscuros y las texturas. Para eso se vale de la
sobreimpresión de matrices distintas, logrando así una
superposición y una transparencia tales, que generan nuevos
espacios en obras únicas. De hecho, se puede hablar de la
existencia de una musicalidad e intimidad propias del libro que
acompañan una poética del silencio: cada página es tratada como
una nota o ritmo que en su totalidad forman una pieza que exalta la
levedad de las piedras, metáforas de lo ausente.
A modo de epígrafe, el libro se abre con la siguiente cita: “Por
encima de los perfumes solares inmóvil donde la hora tiembla la
casa de piedra entre las piedras…” (Louis Aragon). Poniendo en
escena esa tensión dialéctica entre la volatilización de la materia y
su pesantez, ya se nos anuncia sobre el tratamiento que, en su
conjunto, es dibujístico y tridimensional: los espacios son
volúmenes y cuerpos; algunas veces se llega a jugar con la
ambigüedad al mostrarlos en su condición de cóncavo y convexo.
Aparte de eso, el texto va remitiendo a las pre-y-pos figuraciones de
un paisaje que nos lleva por los senderos etimológicos que la
fosilización del cliché hizo pasar al olvido: “paisaje” deriva de “país”
que, en la vieja tradición de la Roma campesina, era el nombre del
pago natal, la secreta provincia nativa. Tal regreso deliberado a lo
más primigenio es, más que nada, un casi velado intento de
virginización de lo mirado, produciendo de ese modo un vuelco a la
metafísica.
Retrocedo hasta el borde de la piedra
donde termina con ojos prestados y solares.
Abrir los ojos es romperse por el centro.
Retrocedo hasta donde la piedra se cierra,
allí donde la piedra se duerme sobre la mesa.
(Lezama Lima)
Al igual que para
Lezama Lima, para
Pradal el yo humano
sólo puede expresarse
como parte
simultánea de la
cultura y de la
naturaleza: por eso
son sinónimas en ella
las expresiones “el
alcance del lenguaje”
y “el límite del
lenguaje”. La
intensidad del alcance
es sinónima de la
extensidad del límite y
el principal transfondo
de la existencia de la
retórica es que se puede traducir la expresión del paisaje a términos
de la expresión del yo. La retórica es la sinonimia posible del objeto que nos es ajeno- y de la concepción -que nos es propia- del objeto.
Pensemos en el hecho de que las piedras representadas en
Habitaciones instauran un movimiento ascensional de
desprendimiento de toda exterioridad alusiva, donde la
desintegración del yo autoral en su propio torbellino gráfico no
supone un fin, sino su posterior integración en el conjunto total de
su obra como idealidad trascendente. La unidad inmanente se
hunde en su propia disolución para asimilarse luego en el horizonte
de la totalidad como índice trascendental; no se la niega del todo,
pero se afirma una unidad distinta superior. A partir de esta
perspectiva, es posible detectar en estas litografías un tránsito de
las claridades descriptivas a las más imaginativas: Pradal profundiza
inicialmente en la objetividad natural para, después, recordar que
ella misma es naturaleza. Su proceder, adánico y sustantivo, no
incurre en onirismos o ilogicidades, pues siempre conserva una base
en el mundo, siempre se conduce por el develamiento de una
realidad privilegiada que, de por sí, ya contiene en acto y en
potencia una conjunción de realidades aparentemente distantes,
gracias a una mimética distorsionada a fuerza de exacerbar una
especie de realismo microscópico (no nos olvidemos que el dibujo
revela formas a partir de la reproducción gráfica de la piedra): de
allí que sea posible la realización de una verdadera síntesis, el poner
juntos lo actual y permanente con lo cambiante y mutable, la
singularidad material y la universalidad esencial, lo demoníaco y lo
teantropofánico.
Sobre este punto, la genealogía semiótica sobre el material que
Pradal trabaja y no desconoce puede brindarnos un panorama más
que revelador. Partiendo de las tradiciones francmasónicas, se dice
que en el centro de la base del templo de Jerusalén se colocó la
piedra de Jacob que mágicamente siguió al pueblo durante su
peregrinaje a tierra santa, de la que brotaba agua de vida que sació
su sed en el desierto. Esta piedra es llamada en hebreo shethiyah, o
fundamental, y se encuentra, al igual que las cuatro piedras de
esquina, a la altura horizontal de la base, pero en su centro, siendo
testimonio vivo -como el omphalos de Delfos- de la fuente original
de la que brotó la Tradición Primordial cuyo descenso al interior de
la tierra esa piedra ejemplifica. Pero ¿de dónde pende la plomada
que desde el corazón del cielo señala el centro, en el propio corazón
de la tierra? Pende de la estrella polar, de la piedra angular que es
un diamante facetado capaz de proyectar su luz a toda la creación,
al templo que la refleja y al hombre que, participando de una
construcción de tal especie, corona la obra creacional al encontrar y
ubicar esa misteriosa piedra cuyo hallazgo le hace retornar al origen
del misterio donde descansa su esencia inmutable. Esa piedra
angular es idéntica en su simbolismo a la piedra filosofal, objeto de
la búsqueda del alquimista. Pero para hallarla es menester
descender a lo más bajo y profundo de nuestras interioridades, a los
mundos subterráneos de la caverna iniciática, siguiendo la máxima
hermética del V.I.T.R.I.O.L. A esa caverna se llega a través de un
laberinto -recuérdese la importancia de este tópico- que pierde a los
no cualificados y al mismo tiempo guía a los adeptos al interior de
esa caverna. Parece ser que la palabra misma 'laberinto' se
relaciona a su vez con la palabra 'piedra' (en latín lapis) y que
probablemente los laberintos iniciáticos, en sus orígenes, fueran de
ese material. Además, la caverna misma es excavada en la roca, y
ésta fue -justamente durante la denominada "edad de piedra"santuario y lugar de iniciación de los hombres que a su vez eran
llamados "nacidos de la piedra". Al sortear las pruebas laberínticas
el candidato visita el interior de la tierra, desciende a los infiernos,
muere al mundo profano, y nace por segunda vez, regenerado,
recuperando así su Centro y elevándose por el Eje hacia las regiones
del verdadero Ser. En el templo cristiano, de base rectangular, el
centro no es el punto central del rectángulo, sino el punto central de
la base inmóvil de un cubo que al desdoblarse produce el símbolo de
la cruz compuesta de seis cuadrados. La piedra fundamental del
centro de la base corresponde en el árbol sefirótico a la esfera 9,
Yesod, Fundamento, que es la región en la que se produce la
iniciación, representada en el Tarot por la lámina XII, "El Colgado".
En el cristianismo se asimila a Pedro ("Tú eres Pedro y sobre esa
piedra edificaré mi Iglesia"), y no es casual que éste haya sido
crucificado cabeza abajo, tal como aparece el personaje de esa
lámina, cuya posición invertida indica que el proceso iniciático
supone una verdadera ‘conversión’. El iniciado ya no se deja llevar
por la corriente del mundo profano sino que marcha contra esa
corriente, buscando -en el regreso de su exilio cátaro- sus orígenes
más ciertos. De igual manera, esa iniciación también sucede en
cuanto el laberinto planimétrico de la obra de Pradal contiene un
nudo expresivo susceptible de interpretarse como revelación de una
sacralidad cósmica. Lo celestial se confirma como idealidad propia al
desplegar una dinámica diferenciadora donde la isocronía de la
representación profana es desplazada y el objeto representado
adquiere su velo de encantamiento puesto que habla sobre algo que
no está aquí, recuperando así un territorio insospechado de
transfiguración y coalescencia. En consecuencia, y progresivamente,
la conformación de Habitaciones se va asimilando a un templo: es el
recinto privilegiado que auspicia una conversación con lo numinoso
que no tarda en volverse conversión.
Así las cosas, es de
observar que uno
de los puntos
esenciales del
trabajo que Pradal
realiza es el
hallazgo -ya no tan
evanescente- de
una armonía
perdida a partir de
una percepción
secretamente
analógica. En Los
hijos del limo,
Octavio Paz explica
que “la analogía es
la ciencia de las correspondencias. Sólo que es una ciencia que no
vive sino gracias a las diferencias: precisamente porque esto no es
aquello, es posible tender un puente entre esto y aquello. El puente
es la palabra como o la palabra es: esto es como aquello, esto es
aquello. El puente no suprime la distancia: es una mediación;
tampoco anula las diferencias: establece una relación entre
términos distintos. La analogía es la metáfora en la que la alteridad
se sueña unidad y la diferencia se proyecta ilusoriamente como
identidad. Por la analogía, el paisaje confuso de la pluralidad y la
heterogeneidad se ordena y se vuelve inteligible: la analogía es la
operación por medio de la que, gracias al juego de las semejanzas,
aceptamos las diferencias. La analogía no suprime las diferencias:
las redime, hace tolerable su existencia [...] La analogía es el
recurso de la poesía para enfrentarse a la alteridad”. Además,
pensemos que la imagen misma, al ser la manifestación del
pensamiento analógico, se descubre como un recurso no sólo propio
del arte gráfico y la poesía, sino también de la magia, pues: “Lo
específico de la magia consiste en concebir al universo como un
todo en el que las partes están unidas por una corriente de secreta
simpatía. El todo está animado y cada parte está en comunicación
viviente con ese todo [...] De ahí que el objeto mágico sea siempre
doble o triple y que alternativamente se cubra o desnude ante
nuestros ojos, ofreciéndose como lo nunca visto y lo ya visto. Todo
tiene afán de salir de sí mismo y transformarse en su próximo o en
su contrario: esta silla puede convertirse en árbol, el árbol en
pájaro, el pájaro en muchacha, la muchacha en grano de granada
que picotea otro pájaro en el patio de un palacio persa”. Además,
“el objeto mágico”, dice Paz, “abre ante nosotros su abismo
relampagueante: nos invita a cambiar y a ser otros sin dejar de ser
nosotros mismos”. De este modo, pues, magia y arte, imagen
poética y analogía se confunden. Esta simpatía universal permite a
la obra de Pradal asimilar la existencia de puntos críticos en la
escena de su acrilírica, revelándonos una frontera en la que se
contaminan mutuamente el caos y la idea de transición de fase,
caracterizándose por la no-linealidad y la emergencia. Los signos en
la lámina nos van reconstruyendo un conjunto de señales no
periódicas, irregulares, unificando a su vez las percepciones
macroscópicas y microscópicas de la naturaleza y formulando una
imagética directamente basada en la noción de potencia en el
sentido aristotélico y de indiferenciación en tanto infinita posibilidad.
Ha caído por todas partes desde las estrellas en las piedras
de antiguas residencias de antes del hombre por todas partes
dispersas
una semilla de vida esparcida duerme en la espesura del mundo
al borde de los sueños
(Louis Aragon)
Martín Palacio Gamboa (Uruguay, 1977). Docente de letras e idioma español en el Centro
Universitario de Idiomas en la ciudad de Buenos Aires; crítico, poeta y músico. Obras:
“Clemente Padín: la disección irónica del Lenguaje” (recopilado en el conjunto de ensayos
críticos “Clemente Padín”. Edición 11 del premio Figari, Montevideo, 2006), “Lecciones de
Antropofagia” (poesía. Buenos Aires, 2008), “Los Trazos de Pandora. Otras voces, otros
territorios. Antología bilingüe de la poesía brasileña contemporánea” (2008). Contacto:
[email protected]. Página ilustrada con obras de la artista Lorena Pradal
(Argentina).
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
Los instantes fatales y sus efectos
Oscar González
.
1. DE LA EMBRIAGUEZ Y EL ÉXTASIS
I.
DE
LA
EMBRIAGUEZ Y EL ÉXTASIS DEL SOLITARIO
Los solitarios se dice que aman la soledad. Ellos no saben bien de
que se trata cuando les hablan de ella. Hacen oídos sordos a lo que
se pueda decir, donde ellos están, de la soledad. No hay metáfora
para ella, es lo que ellos dicen. No, en un sentido estricto más bien
insinúan. Los solitarios son insinuadores no voluptuosos. Calman la
tempestad en el ellos, porque no les importa quedar mal con los
demás. Tienen cuidado de no anunciar sus prevenciones, y son
maestros en el arte del Criticón de Gracián. Leen, pero no mucho,
porque un libro para ellos no es compañía. Expresan pocas veces su
pensamiento; se podría decir que no piensan. No rumian sino hierba
de soledad, es su hierba aromática preferida. Cuando les hablan de
la soledad, se burlan de ella, ironizan. No quieren perturbarla. Ellos
la conocen. Quiero decir, conocen sus sintaxis, conocen su
semántica.
No tranzan con ella, viven en su trance. Trance de la soledad, en
cada uno, como cuando se dicen: Lo amamos todo, pero no
podemos comunicarlos. Quedamos en silencio, porque silencio y
soledad son más o menos lo mismo. Indecibles ambos. Cuando los
domina la melancolía, saben como exorcizarla lenta y sutilmente: la
beben a sorbos, como quien se va a suicidar. Beber a sorbos de
suicida. Tienen una metódica y una tensión, sorber como Sócrates,
aunque no tanto como él, puesto que no son muy afectos a las
disquisiciones racionales. No saben que es eso. Tiemblan ante las
cenizas de su rostro muerto. Acceden a lo transparente por vía de la
inquietud.
II. DE LA EMBRIAGUEZ Y EL ÉXTASIS DE LOS SANTOS
Precisan bien que es la bondad. Tienen méritos para todo ello. No
causan problemas a nadie, porque conocen bien su diferencia.
Padecen del sufrimiento del coleccionista de los estados emocionales
sublimes e inalcanzables. Prefieren lo inefable, ante cualquier hecho
humana. Tienden a emanciparse de sí mismos, de sus cadenas para
poder hacer visible la realidad de Dios, como borrachos de Dios, al
decir de Spinoza. Celebran sus bodas con el cielo y el infierno, con
sus Amantes místicas. No confunden el licor místico con otra bebida
que no sea ella. Tienen catadores, poco amplios y expansivos,
demasiado intolerantes y nunca interesados por la mixtura. Poseen
libros que al leerlos los limpian de toda culpa. Porque la lectura de
un libro basta para sanarlos.
Expían a Eva cuando se baña desnuda, sin manzana de expulsión
del Paraíso —una taberna que ellos conocen y frecuentan, sin decirle
a nadie, por su carácter hermético y cabalístico—, en los ratos que
ceden a cesar de ser arrebatados por la demencial posición de la
carne. Carne y espíritu les son irreconciliables. No tienen para ellos
ni paz ni reconciliación. No beben, porque están embebidos en Dios,
y su éxtasis que parecería frívolo, es solamente camino
trascendental. Tienen clara predilección por la severidad. Tienen
alas trémulas, porque mantienen las puertas de sus celdas cerradas.
No escuchan sino la voz de Dios. Y su mayor complacencia estriba
en leer, porque creen, que también son leídos por libros de
revelaciones que leen.
III. DE LA EMBRIAGUEZ Y EL ÉXTASIS DE LOS EXCÉNTRICOS
¡OH MI BIEN! ¡Oh mi Belleza¡ ¡Fanfarria atroz donde jamás vacilo!
¡Caballete mágico! ¡Hurra por la obra inaudita y por el cuerpo
maravilloso, por la primera vez! Aquello comenzó con el reír de los
niños, terminará con él. Ese veneno ha de permanecer en todas
nuestras venas, aun cuando, al irse la fanfarria, hayamos vuelto a
la vieja desarmonía.
Arthur Rimbaud [1]
Manifiestan en realidad lo que son, en todo momento. Nunca se
excusan, porque son estetas. Y les atraen los mundos raros y
extraños. Expresan su emoción sin establecer medidas contrarias a
la eclosión del exceso. Tienden a ser manieristas y barrocos, en su
estética. El éxtasis para ellos proviene de una secreta cámara donde
están todos los sueños en preparación. No lo llaman Taller del
Éxtasis, no son demasiado aplicados ni operativos. Toda su práctica
es esencialmente intencional: Mostrarse como son. Exhiben su
excentricidad de ebrio sin que les importe la censura. No conocen
los límites.
El excéntrico como el nómada no se perturba por conocer los
límites. Es ansioso en su estructura sensible y cruel con el mismo
cuando no puede saber el sentido de su elección. Colecciona
osamentas. Y su visión es la de quien sabe asimilar una derrota y un
triunfo al mismo tiempo. Duda de la certeza del tiempo. Imprime a
su vida un estilo en el que el azar es fundacional, por los elementos
de aventura que tiene. Y no conoce sino la profundidad de la
superficie. Es elemental, no hace tratos con el láudano. Y su
enfermedad más recurrente y preciada es el ocio. Orienta sus
inquietudes hacia la ciencia de la quiromancia.
Discrepa y repele de los lectores del Libro de Té. Hace estudios de
los astros, pero en silencio, ni siquiera quienes se atreven a vivir
con ellos lo saben. Nadie inquiere nada de lo que hace. Los respetan
los pueblos. Bebe solamente vodka. No es un zar, pero lo tiene por
condición imperial. Tiene amantes voluptuosas, por aquella efímera
e indefinible pasión por la forma excesiva de la carne. Dicen: A
aquellas se les derraman las carnes. Es como su tino. Y sus éxtasis
se dan en el momento en que ceden a la tentación de la
voluptuosidad.
IV. DE LA EMBRIAGUEZ Y EL ÉXTASIS DE LOS TRASEÚNTES
DE UNA CIUDAD BABILONICA
Por el camino los árboles/ Dos lunas para la danza/No tanto sueño
como creen las esquinas/ Tus guantes/ tu nieve de cirujano en el
armario/Estación/en el país de Lesbos/ Ebrio/rodando por las calles/
Un ojo menos/cicatrices en el rostro/ Mi nariz/en un mar de oscuras
agujas/Petirrojos en el patio muertos.
Carlos Bedoya [2]
Extienden sus
redes hacia lo
inalcanzable. Y
su máxima
tensión es
fracasar.
Observan
metódicamente
la
contaminación
de la ciudad.
Conocen por la
contaminación
de su
sensibilidad. Idolatran el caos y la turbulencia de las ciudades.
Tienen como principio, aquello que dice Baudelaire: No a todos los
es dado tomar un baño de multitud: gozar de la muchedumbre es
un arte; y sólo puede darse un festín de vitalidad a expensas del
género humano aquel a quien nadie un hada insufló en su cama el
gusto por el disfraz y la máscara, el odio al domicilio y la pasión por
los viajes. Cada vez que mira un parque se convierte en una plaza y
viceversa. [3]
Y si mira los muslos acreditados de una dama sin cliché, ve como se
le amontonan en ellas raras aves sin cabeza hermenéutica. No
proponen proyectos que indiquen como ha de construirse la nueva
ciudad, y han leído muy bien los proyectos de Bruno Taut, pero
saben y son conscientes de que nada de ello podrá interesar al
caduco hombre moderno. Incluyen sin incluir. Hace mixturas
extrañas con sus licores, que nada tienen que ver con los llamados
obscenos cokctails. Experimentan inclinaciones de humillación
inclasificable ante el éxtasis.
Explican poco de sus pasiones atribuibles al estudio el estoicismo
senequiano. Consumen parte de la noche, en una práctica absurda y
desconcertante: Mirar a los demás por encima del hombro. No
tienen mucho aprecio por las montañas. Escuchan la voz de los
muertos, por ello no son bien vistos, en donde abundan y se
extiende el exterminio. Esas relaciones son hermosamente
prosaicas. Funden su hierro en fábricas de éxtasis. Y experimentan
un frenesí incalculable por apoyar las causas pérdidas. Leen Alcohols
de Apollinaire. Conservan, por estética, los dientes cariados y los
muestran a los transeúntes que no saben que viven en Babilonia.
V. DE LA EMBRIAGUEZ Y ÉXTASIS DE LOS ASTRONOMOS
Cada vez que ven una constelación, que es para ellos como su el
Libro de Horas, cancelan todos sus asuntos cotidianos y se invisten
de la autoridad de los ortodoxos de los cielos. No les fastidia.
Concretan su sobriedad, es una forma ideal de lo estético. No
sucumben fácilmente a los arrebatos, pues su tranquila mirada
alrededor de su Anillo de Matrimonio es como la mirada lanzada
sobre los Anillos de Saturno.
Son inconformes con el beneplácito que existe por la duda. Exponen
su Vicio Supremo, sin que ello comporte temor, ya que tiemblan
ante el misterio de las estrellas. Y su pose es la del que mira hacia
arriba y no al revés. No son excavadores de la tierra sino de los
cielos. Raras veces se cansan de someter a examen su amor a los
precipicios. Frecuentan los extravíos de los mediosems, en un libro
de Michaux que les sirve de punto de apoyo y fortaleza. Lo leen
cuando están extenuados de ser ellos mismos. No experimentan
sensaciones irrelevantes. Toda su tensión se concentra y radica
extasiarse ante lo efímero que es el universo. Tienen desvaríos
cuando se ven desnudos. Tienen lentes de azufre. No pontifican
pues no conocen todavía a Roma. No tienen animal predilecto,
excepto la Estrella de Mar.
2. DEL INSTANTE DE LA LUZ, DE LA LLAMA Y DE
LA CLARIDAD
De nada vale que hablemos de la luz, de la llama y de la claridad, si
no podemos vivirlas. Existir en ellas. Porque ellas son más que
nada, inclinaciones obsesivas hacia el sentir las sensaciones. Y
hacer de las sensaciones una forma del conocimiento de sí mismo. Y
la inclinación obsesiva por el sentir, ha de ser inexorable. Inexorable
porque transmite los temblores de lo desconocido, de la muerte.
De no ser así, no sentiríamos entonces la muerte, la belleza de la
muerte en nosotros. Ya que cuando se está en el momento de la
muerte, la luz es de extraordinaria dimensión, de extraña esencia,
de exuberante forma. Incitadora, sin duda, por su belleza indecible.
Luz de la muerte, rayo de luz en la claridad de la misma y llama que
ilumina el camino, como un Bardo Thödol o libro tibetano de los
muertos.
Camino de la
luz, es pues el
camino de la
claridad y de la
llama. El sentir
las
sensaciones en
la vida, es
pues creación
de una
conciencia
sobre la vida,
que deseamos
llevar. Y un
conocimiento de lo que sentimos. Ya no sentimos, se nos dice, por
eso no hacemos visible el instante de la luz, de la llama y de la
claridad como una forma de conocimiento del existir. Y en ello y por
ello desesperamos. Dice René Char: “Nuestra Señora de las Luces,
que permaneces sola en tu roca (…) Oh, Dama desvanecida,
sirvienta del azar, las luces van donde las ve el hambriento.” [4] La
luz no es dada para vivirla un instante. El instante poético de la
claridad, su más alta expresión de la duración. No dura sino el
instante. Desasido de nosotros, el instante se hace claridad. No
hablamos claramente sino cuando hablamos poéticamente.
Mucho se menciona y se habla de la sombra, como aquello que es,
pero que es sin luz. La sombra no tiene luz. Nada puede iluminarla,
ni la llama ni la claridad. Ella en sí misma ha muerto a ellas. Y por
eso no tiene luz. Ni Dios ni el Demonio la iluminan, siquiera, pero
están en ella. Como lo leemos en el fascinante libro de Adalberto
Von Chamisso: Peter Schlemihl o el hombre que perdió su sombra.
Buscamos la sombra, para volver a perderla. Y la perdemos cuando
desaparece el poder de la luz, el incontenible deseo de la claridad.
Invocar la sombra sin la luz de la claridad es provocar un desastre a
lo visible, a lo real. La hermosa luz barroca ilumina la oscuridad,
para hacernos ver la luz de la sombra.
Es la sombra la máscara de nuestra tiniebla, de nuestra oscuridad;
pero la sombra tiene luz, se descubre es por la luz. Existe es cuando
está poseída de la luz del asombro. Asombra es lo que tiene
sombra, aquello que no conocíamos antes de que fuera dominado
por la sombra. Tiene sombra, la luz, para que pueda ser en su
misteriosa totalidad, para que no sea destruida, para que sea
invulnerable. La sombra no es turbada por nuestra tentativa
irreductible de la claridad, la necesita.
Claridad y sombra, se funden entre sí, para instalar lo extraño. Ya
que lo extraño es aquí lo conocido; se vive en lo extraño cuando se
accede constantemente, en una tensión excesiva, a lo conocido. El
sueño no tiene sombra, sino claridad, porque en el sueño lo que
vemos son apariciones. Aparecemos en lo sueños. Nadie conoce la
sombra en nuestro sueño, porque allí somos una otra realidad.
La claridad es la herramienta sensible del artista y hace parte
esencial de su experiencia estética. A la obtención de esa claridad
ha de ser llevado por el imán de la necesidad de encontrar en él, en
su espíritu sensitivo, la luz y la claridad, por medio de la llama. Y su
poder de irradiarlas.
La luz iluminante es la de la que destruye la oscuridad. Pero la
oscuridad también esta relacionada con la luz iluminante. No puede
haber luz sin oscuridad. Cuando observamos la llama de una vela,
vemos la luz que nos ilumina, porque también nosotros somos esa
vela y esa llama. Vela el que desea concentrarse en el conocimiento
de sí, en su luminosidad y su oscuridad.
La llama de la vela es lo que comunica con el mundo visible, lo
ilumina, vaciado y sostenido en el mundo del arte. Y de la misma
manera es el poder de llevar la luz y la claridad tanto en uno mismo
como en la vela, para hacerse consciente de aquello que le habla,
que le indica hacia donde hacer tender su deseo, su intención
invulnerable.
Como la de ser
artista, en
Joseph Beuys:
“Quiero dar las
gracias a mi
maestro Wilhelm
Lehmbruck.
¿Cómo pudo un
hombre, de
quien yo recibí
una vez en las
manos un
pequeñísimo
fragmento de su
obra, y ello incluso como simple fotografía, provocar en mí la
decisión irrevocable de dedicarme a la escultura? ¿Cómo, pues,
podía enseñarme un muerto algo semejante, determinar algo
decisivo para mi vida, porque yo mismo lo había decidido antes de
otro modo, como consecuencia de mis búsquedas, dado que me
encontraba ya en mitad de unos estudios de ciencias naturales? El
caso es que obtuve este librito de forma casual, un librito que
estaba sobre una mesa cualquiera, entre otros folletos bastante
deshilachados, abrí una página y ví una escultura de Wilhelm
Lehmbruck, y de súbito me vino la idea, una intuición: escultura,
hacer algo con la escultura. Todo es escultura, me gritaba casi
aquella fotografía. Y en ella vi una antorcha, ví una llama, y
escuché: “¡Cuidad la llama!”. [5]
La luz, la llama y la claridad son instantes, en los que se decide en
la formación de un hombre, la conciencia de su deseo de
conocimiento, la estructura inviolable de su estética. No son hechos
casuales, sino intensamente decisivos, lúcidamente determinantes
en ella.
NOTAS
1. RIMBAUD, Arthur. Una temporada en el infierno. Las
iluminaciones. Carta del vidente. Caracas. Monte Ávila Editores.
1976. Págs. 75.
2. BEDOYA CORREA, Carlos. Pequeña Reina de Espadas. Medellín.
Ediciones Unicornio.1985. Pág. 60.
3. BAUDELAIRE, Charles. Poemas en prosa. Bogotá. El Áncora
Editores. 1994. Págs. 104.
4. René. Furor y misterio. Barcelona. Visor. 1979. Pág. 137.
5. YS, Joseph. Agradecimiento a Wilhelm Lehmbruck: “!Cuida la
llama!”. Bonn. Revista Humboldt. Nro 110. 1993. Pág. 68.
Oscar González (Colombia, 1957). Poesia y ensayista. Ha publicado La ciudad soñada
(1999) y Pincel de hierba (2001). Pertenece al Comité Editorial de la revista Punto
Seguido, donde se publica este ensayo originalmente. La traducción de la carta es de
Paula Podesta. Contato: [email protected]. Página ilustrada con obras de William
Blake (Inglaterra).
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
Los ríos en la poesía chilena: nuevas
definiciones ecocéntricas de la poesía
épica y lírica
Steven F. White
.
En
términos científicos, los ríos transportan los nutrientes que permiten
la vida vegetal, actúan como un sistema de drenaje de la humedad
excesiva del paisaje en una determinada cuenca hidrográfica y
conectan diferentes ecosistemas. El agua es la única molécula capaz
de formar gotas, lo cual explica su capacidad de desplazarse como
río. El agua, además, es un indicador de la salud del medio
ambiente, y su calidad es un tema de movilización sociopolítica
potencial. Según Masaru Emoto en The Hidden Messages in Water,
“el agua tiene la capacidad de copiar y memorizar información… Los
glaciales de la tierra bien podrían contener millones de años de la
historia del planeta. El agua circula por el globo, fluyendo por
nuestros cuerpos y diseminándose por todas partes del mundo. Si
fuéramos capaces de leer esta información contenida en la memoria
del agua leeríamos una historia de proporciones épicas” (Emoto).
Para Emoto, este conocimiento inmenso reside precisamente en el
agua que constituye cada célula de nuestros cuerpos. De acuerdo
con estas ideas, se puede apreciar cómo el agua en su forma más
íntima podría prestarse a un entendimiento de algo mucho mayor.
Los ríos, que son una presencia constante de la poesía chilena a lo
largo de los últimos ochenta años a partir de la obra de Vicente
Huidobro (1893-1948), suelen ser un emblema que aparece en
diferentes contextos tanto figurativos como literales, algunas veces
desconectados del medio ambiente físico, y otras con un vínculo
histórico y mítico de fuerte arraigo en un lugar específico de Chile.
Un término útil para describir esta conexión íntima con el espacio es
la topofilia, definida por Yi-Fu Tuan como “todos los vínculos
humanos afectivos con el medio ambiente material” (Tuan). Otra
idea clave para entender la relación entre los seres humanos y los
lugares que habitan es la del paisaje invisible, que Kent C. Ryden
describe como “una capa imperceptible de usos, memorias y
significados -o sea, un paisaje invisible de señales terrenales de la
imaginación- colocada encima de la superficie geográfica y el mapa
de dos dimensiones” (Ryden). Como propongo que se entiendan los
ríos de una manera topofílica y también como parte de un paisaje
invisible, creo que un enfoque ecocrítico podría servir para iluminar
esta corriente de la poesía chilena. Según Cheryll Glotfelty y Harold
Fromm en The Ecocriticism Reader: Landmarks in Literary Ecology,
“La ecocrítica es el estudio de la relación entre la literatura y el
medio ambiente físico….Adopta un acercamiento geocéntrico a los
estudios literarios… [y demuestra cómo] la cultura humana se
vincula con el mundo físico, afectándolo y, a la vez, siendo afectada
por él” (Glotfelty y Fromm xviii-xix). En el presente estudio
pretendo investigar hasta qué punto existe en esta poesía una
conciencia ecocrítica y si es posible considerarla en relación con la
creciente crisis ecológica por medio de la cual lo global se convierte
en algo personal y viceversa. A mi modo de ver, este fenómeno se
asemeja a la tensión que existe entre las definiciones tradicionales
de la poesía épica y la poesía lírica en cuanto a sus parámetros
genéricos.
Puede que la literatura, desde esta perspectiva, requiera un
entendimiento cada vez más multidisciplinar. Por cierto, lo que
tienen en común por lo general los métodos analíticos científicos y
literarios es su afán de tornar visible lo invisible por medio de la
indagación cuidadosa y ética. En términos ideales, los estudios
literarios podrían incorporar un nuevo vocabulario para entender
mejor la reciprocidad (o su ausencia antropocéntrica) entre los seres
humanos y los ríos que forman una parte imprescindible de nuestras
vidas. Se podría buscar, a la par, sin que pareciera raro o poco
vigente, perspectivas ecocríticas para examinar más a fondo las
áreas exorreicas de la hidrografía de Chile que se manifiestan en la
poesía chilena. Que quede como un futuro desafío, entonces, tanto
para los críticos que estudian la literatura como para los poetas que
la producen.
Es inevitable, quizás, no contemplar las posibilidades metafóricas
tan sugerentes de este tipo de análisis. Por ejemplo, al estudiar los
ríos, habría que considerar las orillas de la columna de agua, el
sedimento que llevan, y su superficie también. Los ríos, además,
forman parte del gran ciclo hidrológico. Son frágiles en su capacidad
de absorber todo, hasta las substancias más tóxicas. Los ríos
limpian pero, debido a la contaminación industrial, agroindustrial y
aguas servidas municipales, envenenan también. Hasta el manto
freático, esas aguas subterráneas, acuíferos creados en los macizos
montañosos “donde el agua de lluvia se filtra por el suelo hasta
estratos inferiores…se encuentran ya contaminados, debido a
filtraciones de aguas residuales y agroquímicos” (Amador Berrocal).
Sin embargo, el sentido literal de esta realidad innegable y tan
dañina que modifica profundamente la salud ecológica del planeta
pesa mucho. Por eso, habría que destacar algo esencial: la
contaminación del agua afecta también el contenido simbólico
posible del emblema del río. Ahora, debido a lo que Lawrence Buell,
en Writing for an Endangered World: Literature, Culture and
Environment in the U.S. and Beyond, caracteriza como “el discurso
tóxico”, los niños no aprenden a contemplar la belleza del río que
fluye por el lugar donde viven sino más bien a temerlo. Esta forma
de pensar, de hablar y de soñar según Buell es “la ansiedad
expresada que emerge de una amenaza percibida de un peligro del
medio ambiente debido a una modificación química producida por la
humanidad” (Buell). Ahora, este cambio tóxico del agua que
constituye los ríos podría percibirse en términos íntimos y también
en el contexto de un ámbito global que afecta lo humano y lo más
que humano para usar la terminología de David Abram en The Spell
of the Sensuous: Perception and Language in a More Than-Human
World. En términos estéticos, también se puede ver cómo algo
realizado en una escala menor se amplía para abarcar una escala
mucho mayor, un poema lírico, por ejemplo, capaz de describir una
tragedia de proporciones épicas.
Tradicionalmente, el emblema del río, cuando aparece tanto en los
poemas épicos como en los poemas líricos, suele sugerir una
multiplicidad de connotaciones que abarcan la vida y la muerte, el
recuerdo y el olvido, el cambio constante del mundo, la posibilidad
de un regreso a la fuente de un dominio paradisíaco, el movimiento
en el espacio que corresponde a mudanzas temporales, ritos de
purificación, y también viajes repletos de peligro. Los ríos se
destacan, por supuesto, en el ámbito vasto, solemne y narrativo de
la poesía épica en una gran variedad de obras con un origen oral en
diversas lenguas a lo largo de tres milenios que incluyen entre
muchas otras, el Maharabhata, La Épica de Gilgamesh, Beowulf, los
textos homéricos, las épicas de Virgilio, Dante, Camões, Milton, y
relatos indígenas del continente americano como el Popol vuh.
También, pero con una preeminencia distinta, los ríos que fluyen e
influyen en la simbología de la enorme producción de la poesía lírica
(de Safo, Catulo, los trovadores, Jorge Manrique, y del linaje
extenso de poetas místicos, metafísicos, barrocos y románticos)
ayudan a expresar el mundo monológico de un sujeto ensimismado
que, por lo general, excluye al otro (Rajan). Veremos, sin embargo,
que la poesía épica y lírica no existen en estados químicamente
puros y que la presencia del río en poemas de distintos poetas
chilenos contemporáneos (como, por ejemplo, de Oscar Hahn
(1938), Juan Luis Martínez (1942-1993), Gonzalo Millán (1947),
Raúl Zurita (1951) y otros) sirve para crear fronteras más fluidas
entre dos géneros supuestamente distintos y también para expresar
ideas que se prestan al análisis ecocrítico -sobre todo en relación
con la nueva poesía mapuche y huilliche del sur de Chile. Estos
poetas, motivados por un agudo sentido de la historia y también de
la espiritualidad, pertenecen, evidentemente, a una tradición
chilena, muchas veces iconoclasta, de poetas de generaciones
anteriores como Vicente Huidobro, Pablo Neruda (1904-1973),
Nicanor Parra (1914), Alberto Rubio (1928-2001) y Gonzalo Rojas
(1917) que utilizan la figura del río para afirmar y transformar el
género poético en que aparece.
Para el poeta aéreo Vicente Huidobro, los ríos representan sitios
geográficos fuera del conocimiento humano en un planeta al
principio del siglo veinte cada vez más pequeño y domado. Niall
Binns destaca “el paralelismo entre el progreso tecnológico moderno
y lo que Huidobro veía también como un progreso poético, la
superación del realismo -el Hombre-Espejo se convierte en HombreDios, en un proceso que culmina, por supuesto en el propio
Huidobro” (Binns). Los ríos en Ecuatorial, por ejemplo, se dirigen
hacia una voz lírica omnipotente y mesiánica como si el poeta fuera
el único puente de la tierra: “El Amor/En pocos sitios lo he
encontrado/Y todos los ríos no explorados/Bajo mis brazos han
pasado” (Huidobro). En Altazor los ríos se desbordan, suben como
en los poemas posteriores de La vida nueva de Zurita, y no
obedecen las leyes naturales sino las nuevas normas inventadas por
el poeta creacionista: el río fluye “sin destino como aerolitos al
azar” (Huidobro). De hecho, en su manifiesto “Non Serviam”, el
poeta rechaza la naturaleza e intenta sustituir su propio mundo: “No
he de ser tu esclavo, madre Natura: seré tu amo. Te servirás de mí;
está bien. No quiero y no puedo evitarlo; pero yo también me
serviré de ti. Yo tendré mis árboles que no serán como los tuyos,
tendré mis montañas, tendré mis ríos y mis mares, tendré mi cielo y
mis estrellas.” (Huidobro). Lo que predomina en la poesía
huidobriana es una tecnofilia, tal como se aprecia en la poesía
futurista de Marinetti y tantos otros poetas de la época, o sea, un
nuevo intento de conquistar y controlar la naturaleza.
¿Son poemas épicos Ecuatorial y Altazor? Ambos poemas largos
poseen algunos de los requisitos de la épica, como, por ejemplo, la
alta seriedad, la enorme amplitud, la exuberancia controlada, la
omnisciencia de la voz lírica, y la dinámica de un viaje épico de
retorno. Según el crítico E. M. W. Tillyard, el texto épico tiene un
efecto “córico” a través del cual expresa los sentimientos de un
grupo grande de personas que comparten el momento histórico del
escritor. La épica, según la define Tillyard, “debe tener fe en el
sistema de creencias o modo de vida que presencia” (Tillyard). Para
Tillyard, la épica sólo puede existir en una época optimista. ¿Los dos
poemas de Huidobro, entonces, en su profunda desilusión, nihilismo
y escepticismo, pueden ser poemas épicos aún cuando expresan
perfectamente lo que Tillyard caracteriza como una “trágica
intensidad (que) coexiste con la conciencia grupal de una
época” (Tillyard)? Por otro lado, ¿es posible considerar ambos textos
como extendidos poemas líricos, con una forma monológica en que
el sujeto excluye a los demás de acuerdo con lo que Northrop Frye,
desde un enfoque muy tradicional, caracteriza como una imitación
ficticia de una declaración escuchada (Frye)? ¿Al final, son poemas
inter- o transgenéricos? No hay respuestas fáciles, pero se podría
considerar los textos de Huidobro, sin negar su asombrosa brillantez
creacionista, como poemas épicos obsoletos que, por su enfoque
exageradamente antropocéntrico, no son capaces de expresar una
realidad espacial actual.
La poesía de Pablo Neruda, en cambio, se abre a un geocentrismo
líquido, sobre todo al principio de su gran poema épico Canto
general. ¿De dónde nace este vínculo afectivo con un lugar
específico? En sus memorias Confieso que he vivido, Neruda habla
de su largo aprendizaje comunicativo con el paisaje chileno como
“esa revelación, ese pacto con el espacio” (Neruda). Atribuye la
existencia de su libro Veinte poemas de amor y una canción
desesperada al río Imperial y su desembocadura (Neruda). Más
adelante, cuando Neruda describe su viaje al exilio debido a las
amenazas del gobierno de González Videla en Chile al final de la
década de los años cincuenta, se detiene en Temuco y el poeta “oía
la voz del agua que [le] enseñó a cantar” (Neruda). Neruda
considera su reciprocidad con lo más que humano del continente en
términos de los ríos. Es decir, le invita al lector a acompañarle por
medio del lenguaje figurativo a un entendimiento de cómo su obra
mantiene un diálogo con el mundo natural:
Mi poesía y mi vida han transcurrido como un río americano,
como un torrente de aguas de Chile, nacidas en la profundidad
secreta de las montañas australes, dirigiendo sin cesar hacia una
salida marina el movimiento de sus corrientes. Mi poesía no
rechazó nada de lo que pudo traer en su caudal; aceptó la
pasión, desarrolló el misterio, y se abrió paso entre los corazones
del pueblo. (Neruda)
Cuando Neruda utiliza la figura del río en Canto general, el poeta
telúrico tiene propósitos netamente míticos, fundacionales. Cuando
invoca los dramatis personae de su vasta obra continental, empieza
con los ríos americanos: “Antes de la peluca y la casaca”, dice
Neruda en “La Lámpara en la Tierra”, “fueron los ríos, ríos
arteriales” (Neruda). Los ríos acuden, nos informa el poeta, para
facilitar el comienzo de su poema épico. ¿Cuántos? En su bellísima
versión de la creación del mundo, el Orinoco, el Amazonas, el
Tequendama y el Bío-Bío corresponden a los cuatro ríos bíblicos de
Génesis: el Pisón, el Guijón, el Tigris y el Éufrates. En la Biblia, los
ríos emergen del gran océano subterráneo (precisamente donde
termina el Canto nerudiano) para luego fluir hacia los cuatro puntos
cardinales del mundo histórico conocido. Para Neruda, este mundo
histórico prehistórico evidentemente es América: lo demás se
convierte simplemente en lo que no se conoce, en lo que no existe
fuera del mundo del poema por esas aguas fluviales iniciantes. Su
enigmática “amada de los ríos”, una especie de “diosa oscura”, tiene
su piel “tatuada por los ríos” que la recorren “como lágrimas
vitales”. Hay una convergencia entre lo líquido y lo sólido en un solo
gesto fecundo unido a través de un rito matrimonial: el “espeso río
de semen verde” (Neruda) de “Material Nupcial” de los poemas
líricos por excelencia de Residencia en la tierra se transforma en el
Amazonas del paradigmático poema épico Canto general, un río
“cargado con esperma verde/como un árbol nupcial” (Neruda). El
Orinoco es maternidad, el Amazonas es “padre patriarca”, el
Tequendama es un vagabundo solitario como el poeta mismo que
aprende su oficio gracias a otro río:
Pero háblame, Bío-Bío
son tus palabras en mi boca
las que resbalan, tú me diste
el lenguaje, el canto nocturno
mezclado con lluvia y follaje.
(Pablo Neruda)
En el momento más dramático de “Las alturas de Macchu Picchu,” y
al invocar a sus antepasados indígenas, el poeta incorpora a estos
espíritus resucitados cuya vitalidad y sabiduría son “como un río de
rayos amarillos,/como un río de tigres enterrados” (Neruda). Este
poema con sus doce secciones obedece de una manera sumamente
condensada una épica tradicional, o sea, se convierte en una épica
que existe en el contexto de otra épica mayor que es el Canto
general. Sin embargo, es un poema que a la vez cuenta la historia
del yo poético de Neruda, un viaje íntimamente personal y
subjetivo, un soliloquio del individuo viviendo el cauce y el caudal de
la vida en un sitio que lo transforma. El Otro invocado por el poeta
aún no llega en el marco del poema. ¿Es un poema lírico, entonces,
a punto de convertirse en poema épico? Neruda intenta abarcar
ambos géneros literarios al querer convertirse, de una manera vital
y regenerativa, en un río de poesía nacional o continental, tal como
sucede en su manera de caracterizar otro país en sus memorias:
Neruda considera que España es un país seco y pedregoso, tanto así
que para el poeta del sur de Chile, “los únicos verdaderos ríos de
España son sus poetas; Quevedo con sus aguas verdes y profundas,
de espuma negra; Calderón, con sus sílabas que cantan; los
cristalinos Argensolas; Góngora, río de rubíes” (Neruda).
Tendría que ser así, tal vez, porque (y Zurita lo sabe muy bien)
cada río tiene un rostro humano, como dice Neruda más adelante en
el Canto al hablar de un pescador colombiano: “Todo es el río, toda
vida es río,/y Antonino Bernales era río.” Es así aún cuando muere
“asesinado en la venganza” y cae con los brazos abiertos en el
“agua madre” del Magdalena (Neruda). Es decir, los ríos nerudianos
del Canto general pertenecen sin duda a una topografía humana,
como, por ejemplo, cuando los escritores Miguel Otero Silva, Rafael
Alberti, González Carbalho, Silvestre Revueltas y Miguel Hernández
aparecen en “Los Ríos del Canto” como guardianes de la palabra
que cantan en la vida o en la muerte al lado de sus respectivos ríos
(Neruda).
La poesía nerudiana se define en términos ecocríticos por sus
verdades contradictorias coexistentes: es una obra geocéntrica,
pero con un enfoque antropocéntrico, lo cual se explica por la
ideología comunista que subyace una gran parte de su poesía a
partir de su Canto general.
El que sigue y amplía la veta nerudiana en la poesía chilena es,
precisamente, Raúl Zurita, sobre todo en La vida nueva con toda su
delirante y extática energía fluvial. El libro arranca con
“Fragmentos”, que intenta establecer un ámbito enorme, una
globalización cultural, más bien, por medio de la imagen de los ríos
que aparecen en obras tan diversas como la Biblia, el Ramayana, el
Popol vuh, el Mahabaratta, la Ilíada, la Odisea, en los poemas de los
clásicos romanos y también en un relato mapuche. En “Y Fueron las
Aguas”, el poeta quiere canalizar o darle un cauce al río del
inconsciente humano. Así se explica su afán de grabar los sueños de
los centenarios que viven en las regiones aisladas de los grandes
ríos del extremo sur de Chile: los ríos Yelcho, Amarillo, Futaleufú,
Michimahuida, y Malito (Zurita). El libro entero, entonces, se puede
leer como un producto de las palabras modificadas (a través del
cuerpo del poeta-antropólogo) de estos ancianos. En un artículo
sobre el héroe épico en Beowulf, Peter F. Fisher dice que hay tres
categorías de épica: el primer tipo representa las duras pruebas de
una raza o una tribu (como en los libros Mosáicos y los profetas
posteriores); el segundo tipo “incluye las pruebas del héroe como la
encarnación de su raza y tribu y es, por eso, tribal o nacional en su
enfoque” (como en la Maharabhata y la Eneida); y el tercer tipo
abarca las épicas individualistas en que el héroe es la figura central
y dominante (como en la Ramayana, la Ilíada y Beowulf) (Fisher).
Como Zurita casi nunca se aleja del lenguaje bíblico, sobre todo del
Antiguo Testamento, no es de sorprender que La vida nueva, si es
una épica, se asemeja más al primer tipo de épica según la
definición de Fisher. Zurita y sus máscaras líricas cuentan una
especie de Génesis de los ríos, Éxodo o migración penosa de los
ríos, y Resurrección o ascenso de los ríos y el mar donde
desembocan. Si Neruda busca resucitar a los Incas silenciosos y una
civilización desaparecida y destrozada por la violencia en “Las
alturas de Macchu Picchu”, Zurita hace hablar en La vida nueva a
una antigua pero no tan remota forma de vivir (que está en vías de
extinción) a través de las narrativas míticas que recoge de los
habitantes contemporáneos capaces de sobrevivir quizás a raíz de lo
que le cuentan al poeta. De acuerdo con las ideas de Kent C. Ryden,
los personajes ribereños que Zurita presenta contribuyen a la
formación del conocimiento folclórico, demostrando un dominio (a
veces heroico) de “las ásperas condiciones impuestas por el terreno
local, cristalizando así la experiencia geográfica local” (Ryden).
La vida nueva presenta varios problemas en relación con los dos
géneros que nos interesan: los ríos que cantan, que se aman y se
hablan en su caída y subida final encuentran su convergencia con
los seres humanos a través de los sueños de los que habitan sus
orillas. Estos cantos fluviales humanos por un lado son una
delegación de parte del poeta de la voz omnisciente que caracteriza
la épica. Por otro lado, son monólogos de una serie de máscaras
líricas creadas por el poeta como técnica conocida y común del
poema lírico a partir de Browning y Pound. Es decir, si el punto
central de la unidad de un poema lírico es la llamada vida interior
del poeta, ese ambiente interno de la voz lírica de La vida nueva se
dispersa y se multiplica según su capacidad de proyectarse y
encarnarse en otros seres humanos y figuras de la naturaleza como
los ríos y los mares. Los poemas torrenciales y obsesivos de La vida
nueva desarrollan su propio lenguaje repetitivo y un gran repertorio
de epítetos y stock phrases, características que formaron la base de
la investigación pionera de Millman Parry en los años veinte cuando
comprobó que los textos épicos homéricos tenían su origen en la
tradición oral. Por otro lado, como el sentido narrativo de La vida
nueva es un río extremadamente turbio, los poemas en esta obra de
Zurita podrían considerarse una serie cantos líricos que al final
rechazan la estructura general épica impuesta a la fuerza por el
poeta. Cabe preguntarse si La vida nueva es un poema lírico que se
desborda o si es un poema épico que consigue, a duras penas,
canalizarse.
El individuo emerge con frecuencia en esta obra de Zurita, incluso
con nombres específicos, pero siempre está al borde de desaparecer
en un vacío mitohistórico. En la historia escueta de la humanidad
que aparece en el poema lírico-épico “Soliloquio del Individuo” de
Nicanor Parra, el individuo mantiene siempre su individualidad y sus
cualidades anónimas a la vez. En este poema, el río se asocia con la
supervivencia inicial de la especie humana, emblema esencial de las
grabaciones aúricas y chamánicas de las cuevas de nuestros
antepasados, punto de partida de la construcción de una civilización
y una vida que carece de sentido al final, punto, en fin, al que es
inútil volver, aún queriendo construir nuestros sueños humanos de
nuevo:
Después traté de cambiarme a otra roca,
Allí grabé figuras,
Grabé un río, búfalos,
Grabé una serpiente
Yo soy el Individuo…
Bajé a un valle regado por un río,
Allí encontré lo que necesitaba,
Encontré un pueblo salvaje,
Una tribu,
Yo soy el Individuo.
(Nicanor Parra)
Al definir la antipoesía de Nicanor Parra, Niall Binns habla de su
“espíritu anti-bucólico y anti-telúrico” (Binns) en relación con la
lírica tradicional. Por eso, Binns señala que hay que entender la
ecopoesía parriana de los años ochenta como “una especie de antiantipoesía” (Binns). Pero el poema de Parra que quizás mejor
caracteriza una conciencia ecocrítica es “Defensa de Violeta Parra”,
en que la hermana del poeta se retrata simultáneamente como un
río y también la persona luchadora que sabe navegarlo:
En cambio tú
Violeta de los Andes
Flor de la cordillera de la costa
Eres un manantial inagotable
De vida humana.
Tu corazón se abre cuando quiere
Tu voluntad se cierra cuando quiere
Y tu salud navega cuando quiere
Aguas arriba!
(Nicanor Parra)
Este poema recuerda la bellísima canción de Violeta Parra (19171967) “Lo que más quiero” donde la personificación del río conlleva
una profunda falta de comunicación con la naturaleza que
demuestra, a la vez, ese esfuerzo esencial de querer unirse con el
mundo más que humano:
El río que yo más quiero
No se quiere detener,
Con el ruido de sus aguas
No escucha que tengo sed,
No escucha que tengo sed.
(Violeta Parra)
Es precisamente en las letras de esta canción y otras de Violeta
Parra como, por ejemplo, “La Jardinera” y la extraordinaria “Exilada
del Sur” (hay una tradición de la música folclórica que se llama “El
Cuerpo Repartido”), donde la poeta-cantante define con la mayor
claridad posible lo que significan la afectividad topofílica y el
ecocentrismo.
Si uno combina el humor trágico de Nicanor Parra por medio de su
individuo eterno y aburrido que cuenta la historia de la especie
humana con la idea de Vicente Huidobro de la manipulación de la
naturaleza para los propios fines poéticos del poeta, se entiende
mejor la poesía de Juan Luis Martínez, sobre todo el poema “La
Geografía” que se puede leer como un juego anti-épico de subvertir
la poética de Pablo Neruda en su Canto general con sus casi
innumerables coordenadas geográficas: “Aplaste el relieve de
Suiza,” nos propone Martínez, “y calcule la superficie así obtenida.”
Teóricamente, entonces, la geografía, como principio ordenador, se
convierte en algo muy relativo (o sea, no determinante) y sujeto a
cualquier hipótesis científica. Suiza, como Chile, “un país que se
caracteriza por sus altas montañas”, se deshace de sus cualidades
tanto geográficas como poéticas, tal como sucede en el poemaespejo de “La Geografía”, un texto dedicado, por cierto, a Neruda y
que afirma que transformar la geografía significa alterar “todo el
ritmo de la existencia”. En este caso, Neruda perfectamente podría
haber sido como uno de los poetas románticos ingleses si Chile
hubiera sido como la Suiza aplastada de Juan Luis Martínez en La
nueva novela: “Los ríos que nacían de los heleros de los Alpes, (el
Rhin, el Ródano, el Tesino, el Inn) cambiaron su curso y se
convirtieron en enormes lagos” (Martínez). De esta manera,
Martínez critica el impulso totalizador épico que ha marcado la
poesía chilena desde La Araucana de Alonso de Ercilla y Zúñiga y,
posteriormente, Silva a la agricultura de la zona tórrida de Andrés
Bello.
En el conocido poema 68 de La ciudad, Gonzalo Millán intenta
cambiar “filmicamente” no sólo las leyes naturales (como Huidobro
y Martínez) sino también la historia como fenómeno temporal. El
poema demuestra cómo lo imposible se convierte en realidad
poética “grabada” en el sentido testimonial colectivo, no individual,
para cobrar una vitalidad literaria politizada. Cabe mencionar aquí el
concepto de la poesía cívica que también se asocia con la poesía
épica: según Lowry Nelson, Jr., la poesía cívica describe el
comportamiento de los miembros de una comunidad, los que
gobiernan y son gobernados, y además los que tienen una
conciencia de su entorno nacional e histórico. En la poesía cívica
tradicional y también en la de Millán no se habla de la introspección
privada, ni el amor, ni la efusión religiosa, ni la tragedia individual.
Este tipo de poesía épica (que, según Nelson, caracteriza la
narrativa de la Ilíada) trata la comunidad y la supervivencia
comunal en una situación amenazante (Nelson). Millán utiliza la
figura kinética del río para configurar la crisis. La corriente que fluye
en el poema de Millán es, a la vez, agua y electricidad:
El río invierte el curso de su corriente.
El agua de las cascadas sube.
La gente empieza a caminar retrocediendo.
Los caballos caminan hacia atrás.
Los militares deshacen lo desfilado.
Las balas salen de las carnes.
Las balas entran en los cañones.
Los oficiales enfundan sus pistolas.
La corriente se devuelve por los cables.
La corriente penetra por los enchufes.
Los torturados dejan de agitarse.
(Gonzalo Millán)
La ciudad es un largo poema anti-lírico que consigue cierto aliento
épico. Con su poética objetivista, Millán niega el lenguaje lírico que
caracteriza quizás toda la poesía chilena hasta la década de los
setenta y que forma, además, la base de tanto la poesía lírica como
también la épica. Por eso, en gran parte, la experiencia de la poesía
de Millán es tan profundamente radical. Puede que haya algo
exageradamente mecánico en esta poesía de Millán ya que refleja la
potencia horrorosa de las nuevas tecnologías a las que se hacen
recurso para aplastar la dignidad humana.
El emblema del río que aparece en este poema de Millán sobre el
golpe militar de 1973 es potencialmente parecido al río que fluye en
“Reversible” de Gonzalo Rojas, un poema impulsado por el mismo
momento histórico. Un proceso violento y perverso, considerado por
ambos poetas como algo en contra de la naturaleza, conjura un
mundo en que hay una nueva sensibilidad de lo que puede
considerarse normal. En este poema lírico de la ira, Rojas siembra
de nuevo las semillas de la épica cuando hace presente un lejano
momento de lucha y resistencia heroica:
mueran los hambrientos
de la patria, vivan los caballeros,
como en el cataclismo de la otra aurora cuando los ríos
bajaban tintos en sangre de cóndores y Dios
era aborigen en el viento volcánico
y oceánico que nos hizo hombres
torrenciales, sin otra música
que la del peligro, con Lautaro
delante de sus caballos azules en el fragor
de la primavera indomable de un Bío-Bío
largo y ancho en la eternidad, abierto a los océanos, contra el
hado aciago
y el invasor
(Gonzalo Rojas)
En este poema, Lautaro, héroe épico, establece una alianza en el
poema con un río que no es símbolo sino alegoría, fuente de una
narrativa que perdura, adaptándose a nuevas realidades y nuevos
momentos de la historia. De hecho, el poeta mapuche Leonel Lienlaf
(1969) invoca el espíritu de la misma figura heroica y lo asocia con
esta agua ceremonial que es el origen de los ríos y la fuente de la
resurrección y fuerza de un Lautaro que sabrá seguir su lucha en el
presente:
Anda cerca de la vertiente
bebiendo el agua fresca
y grita en las montañas
llamando a sus guerreros
(Vicuña)
Volviendo a “Reversible” de Rojas, el poeta termina el poema
destacando la similitud entre los campos de concentración de
Buchenwald y Dawson, y, considerando el significado de estos sitios
extremadamente inhumanos que nunca deben olvidarse, Rojas nos
plantea la siguiente pregunta que se puede relacionar con todos los
procesos naturales:
-¿Hasta el sol
era entonces
reversible?
(Rojas)
César Soto Gómez (1952), en su libro Alto Bio-Bío, pregunta algo
más directamente relacionado con una conciencia ecocrítica
contemporánea:
¿Qué puede esperarse de un país…
que ha contaminado sus ríos históricos
(léase Mataquito)
con fábricas de celulosa…
y extinguido los peces
de su Pacífico océano…
que ha envuelto en smog
su Cordillera de los Andes
y a Cristo…
y que ha talado su bosque nativo:
coigüe, mañío, alerce,
lenga magallánica?
(Soto)
La respuesta que ofrece el poeta es un rotundo “Nada…
absolutamente nada”. Soto menciona el Mataquito como un río con
una importancia singular en la historia de Chile porque es allí donde
murió Lautaro, mientras resistía a los españoles y defendía la tierra
que pertenecía a los indígenas contra los valores europeos tan
dañinos en términos ecológicos.
Este ciclo destructivo se va repitiendo hasta la actualidad. Como
señala Tony Clarke y Maude Barlow en su artículo “El desafío ante la
privatización del los sistemas de agua en Latinoamérica”, “En Chile,
los grupos ecologistas han protestado enérgicamente contra la
venta de los sistemas fluviales. Durante el régimen de Pinochet, el
80% de los ríos se vendió al sector privado con el fin de facilitar la
utilización del agua para la producción de energía y el consumo
agrícola. La compañía española Endesa ha adquirido gran parte de
los sistemas fluviales de Chile para desarrollos principalmente
hidroeléctricos” (Clarke y Barlow). Uno de estos proyectos, la
Represa Hidroeléctrica Ralco ha tenido un efecto en las
comunidades indígenas Quepuca Ralco y Ralco Lepoy con sus 90
familias y un total de 500 personas. Según el artículo “Antecedentes
del conflicto Represa Hidroeléctrica Ralco en Territorio Mapuche
Pewenche”, la represa hidroeléctrica Ralco es la segunda represa
construida en la cuenca del Bio Bio después de la primera que se
llama Pangue, dos construcciones “que destruyen unos de los
ecosistemas más valiosos del planeta, según se indica en el Informe
de la Federación Internacional de Ligas de Derechos Humanos, que
califica estos proyectos de ‘Ecodesastres’” (Antecedentes). Por
cierto, continúa el artículo, “uno de los últimos hechos de enorme
gravedad, fue el ocurrido en mayo del 2004, en que las familias
pewenche tuvieron la inundación de su cementerio ancestral en
Quepuca Ralco” (Antecedentes). David Orr, en su libro Ecological
Literacy: Education and the Transition to a Postmodern World
asevera lo siguiente a propósito de la importancia de tomar en
cuenta las características autóctonas de un lugar preciso:
Los lugares son laboratorios de diversidad y complejidad,
mezclando funciones sociales y procesos naturales. Un lugar
tiene una historia humana y un pasado geológico: forma parte de
un ecosistema con una variedad de microsistemas. Es un paisaje
con una flora y fauna específicas. Sus habitantes constituyen un
orden social, económico y político. (Orr)
En este sentido, el artículo de Clarke y Barlow, sin ser obviamente
un análisis de crítica literaria, nos ofrece una manera excelente de
acercarnos a la nueva poesía mapuche y huilliche del sur de Chile de
poetas como Jaime Luis Huenún (1967), Elicura Chihuailaf (1955) y
Leonel Lienlaf. Los dos estudiosos dicen que “en el sector del Alto
Bio Bío se distinguen cinco ambientes ecológico-productivos”, el
primero de los cuales se llama el mallín y consiste en “sectores
planos y húmedos, correspondiente a suelos aluviales y dedicadas al
pastoreo.” Dicen, además, que, junto con la pampa baja y el bosque
nativo, el mallín “corresponde al sector de invernada, el cual está
junto al río y en la ladera hidrográfica de la cuenca del Bio Bío. En
este sector el pewenche tiene su vivienda permanente, vive con su
familia y realiza sus cultivos” (Acercamiento). Podría parecer
excesivo seguir citando de este artículo, pero es un buen ejemplo
del tipo de trabajo no-literario que ilumina ciertos textos poéticos:
El recurso agua (sic) es abundante y de buena calidad ya que no
existe contaminación de ningún tipo. Las aguas puras y
cristalinas provenientes de los cerros, quebradas o vertientes de
escurrimiento superficial, las utilizan para uso doméstico, brebaje
de sus animales y riego en los cultivos de huertas y chacras. Esta
agua a pesar de proceder en gran medida de propiedad de las
comunidades de Quepuca Ralco y Ralco Lepoy, no se encuentran
legalmente inscritas (sic) a nombre de sus usuarios, por lo que es
calificado como un riego informal, un riego clandestino, por parte
de Endesa, los dueños de las aguas. (Acercamiento)
El mallín aparece en Ceremonias de Jaime Luis Huenún como una
referencia al espacio dedicado al nütram, que el poeta define como
“la conversación mapuche que entrelaza retazos de mitos, recetas
medicinales e historias de parientes y vecinos vivos y
difuntos” (Huenún). Aquí, según Huenún, las palabras indígenas
cobran una presencia física justo en la tierra más cercana al río:
“Adentro escucho verter las palabras, el mapudungún que se desliza
por entre mallines y pedregales” (Huenún).
El río también se relaciona en la poesía mapuche con la muerte, tal
como lo presenta Elicura Chihuailaf en su poema “Sueño azul”:
A veces los guairaos pasaban anunciándonos
la enfermedad o la muerte
Sufría yo pensando que alguno de los
mayores que amaba
tendría que encaminarse hacia las orillas
del Río de la Lágrimas
a llamar al balsero de la muerte
para ir a encontrarse con los antepasados
y alegrarse en el País Azul
(Vicuña)
Leonel Lienlaf busca una cierta correspondencia terrestre-celeste en
su poema semejante “El río del cielo”:
El gran río del cielo
se ha dormido a mitad del camino
y en sus aguas se refrescan
las almas de mis antepasados
En el río del cielo se baña
la tierra;
en sus aguas claras,
aguas altas,
en una noche constelada, con luna,
o en una noche de frío.
El río se ha quedado dormido,
está descansando,
esperando las aguas de nuestras
almas.
El gran río del cielo duerme
y me espera.
(Vicuña)
Por cierto, hay una versión de este poema en la lengua indígena
Mapudungún que se llama “Wenumapu leufü” que también se
incluye en la antología Ül: Four Mapuche Poets (Vicuña). El
reconocimiento de la diversidad lingüística con sus formas únicas de
concebir el mundo también es una característica importante de la
ecocrítica, ya que, como señala David Abram, “la escritura, tal como
el lenguaje humano, se engendra no sólo en la comunidad humana
sino entre la comunidad humana y el paisaje animado: nace del
intercambio y contacto entre el mundo humano y más que
humano” (Abram).
En Ceremonias, Jaime Luis Huenún describe el río y su entorno en
una pequeña comunidad mapuche a 18 kilómetros de Temuco como
un espacio sagrado, sitio de los ritos funerarios de un carpintero
anciano llamado José Llanquilef:
Su catafalco va cubierto
de crisantemos y de lirios.
Nadie lo llora en el cortejo
que avanza entre el río
y los sembrados
de papa y remolacha.
(Jaime Luis Huenún)
Cabe destacar que este poema, junto con el próximo texto que voy
a citar, “Víctor Llanquilef empuja el bote ebrio al Río de las Canoas”,
no pertenecen a la sección del libro que se llama “Ceremonia de la
muerte” sino a “Ceremonia del regreso”, por todo lo que significa el
último viaje de los difuntos de acuerdo con las creencias indígenas:
Un coipo nada en el sol
y tú te recoges en el agua, silencioso.
Son tus orillas el berro y el junco,
y la ancha sombra de los sauces
el destino de tu sombra bajo el agua.
Un pez alza la luz sobre el remanso.
El destello es tu espíritu
que se hunde en lo profundo
nuevamente.
(Jaime Luis Huenún)
Lo que agrega Huenún en el título de este texto es la referencia al
poema famoso de Rimbaud que describe otro viaje escatológico. Si
bien no hay una presencia fluvial marcada en el poemario posterior
de Huenún Puerto Trakl, es porque el poeta, ante la amenaza de su
propia muerte, ya se encuentra en el puerto al borde del mar donde
desemboca el río de su vida como creador:
Al pie de esta canción
mis días levantan sus pequeñas ruinas:
un pálido arco iris dando sombra a mi sangre,
las palabras que van a dar al río
de una poesía inútil,
las huellas que dejan mis pies
sobre la luz del agua.
(Jaime Luis Huenún)
Tal como se aprecia en la nueva poesía indígena de Chile, hay una
fuerza orgánica en la poesía de Oscar Hahn. Lowry Nelson, Jr.
asevera que en la poesía lírica existe “el énfasis romántico en el
símbolo y en la analogía orgánica: los símbolos deben ser
penetrantes y consistentes; los poemas se parecen más a las
plantas en su integridad que a las máquinas con sus partes
desmontables” (Nelson). En algunos poemas líricos de Oscar Hahn
la lira natural que es el río comienza a contar una narrativa
alegórica musicalizada, o sea, las historias de nuestras vidas y
muertes colectivas emergen del símbolo conocido en conjunto con
todas las otras narrativas fluviales coexistentes en él a través del
lenguaje poético. ¿Qué es lo que se transporta, entonces,
exactamente, en poemas como “Canción de Blancaflor”,
“Fragmentos de Heráclito al estrellarse contra el cielo”, “Un ahogado
pensativo a veces desciende”, “O púrpura nevada, o nieve roja”,
“Meditación al atardecer”, y “Adán recuerda la fallida destrucción del
árbol de la ciencia”? Lo humano y lo más que humano, una
confluencia entre el cuerpo y el río: “El alma de Blancaflor/herida
flota en el río/en el río del amor” (Hahn), fluye con su muerte desde
la Edad Media, recogiendo a la Ofelia de Shakespeare, hasta llegar a
nuestra época; “No nos bañamos dos veces en el mismo río,” nos
cuenta el poeta, “No entramos dos veces en el mismo
cuerpo” (Hahn); “caudaloso de cuerpos pasa el río”, arrastrando tal
vez a todos los lectores muertos y vivos que llevan en sí un
recuerdo fluido de “Le Bateau Ivre” (Hahn); el río también se lleva
el rostro del soldado muerto bajo la mirada de su novia (Hahn); al
final, dice Hahn, lo que hay es un inmenso proceso natural cíclico:
Cuando el sol de la muerte
se beba toda el agua de tus ríos
y sus rayos voraces
mortifiquen tu piel y la resequen
el agua de tu cuerpo ascenderá a los cielos
y convertida en sangre
lloverá una vez más sobre los cauces
(Oscar Hahn)
En esta relación hay una especie de rioficación del cuerpo, o una
corporificación del río. Tenemos un vínculo con este río corporal y
este cuerpo fluvial desde el mismo momento de la creación cuando
nos atravesamos, cuando “Caminamos tomados de la mano/y el
gran río cruzamos vengativos/para incendiar los bosques
tentadores” del paraíso terrenal (Hahn). ¿Será que este poema
ostensiblemente lírico de Hahn es nada más que un capítulo
contemporáneo que actualiza la historia épica que narra la Biblia en
Génesis y Apocalipsis?
En la poesía de Jorge Teillier (1935-1996), los ríos también existen
para atravesarlos, pero en este caso por medio de un puente en los
eternos viajes por tren que llevan al gran poeta lírico/lárico hacia el
sur (ahora para siempre) en ese eje metrópolis/centro-campo/
periferia. El lar que se convierte en los poemas en el verdadero
centro espiritual sagrado del poeta y su memoria no es simplemente
un lugar constituido por la tierra. El poema cuasi-épico “Crónica del
forastero” abre (“Mi rostro quiere recuperar la luz que lo iluminaba/
en el verano traído por la corriente del río”) (Teillier) y termina con
poderosas imágenes fluviales:
Debo enfrentar de nuevo al río.
Busco una moneda.
El río ha cambiado de color.
Veo sin temor
La canoa negra esperando en la orilla.
(Jorge Teillier)
Niall Binns asevera que “la denuncia ecológica se formula en Teillier
a veces de manera superficial, como una protesta irónica contra la
contaminación expresada en imágenes de la omnipresente basura,
desechos de la sociedad moderna que llegan al mismo corazón del
país, al espacio provinciano que el poeta lárico quisiera retener sin
mácula” (Binns). Otras veces el poeta demuestra una conciencia de
una amenaza más seria pero siempre en relación con el espacio
utópico de su niñez.
En contraste con la recreación de una perdida Época de Oro (o sea,
backward dreaming) de la infancia en la poesía de Teillier, hay una
especie de lo que se podría llamar forward dreaming en Título de
dominio de Jorge Montealegre (1954) que describe la crecida del Río
Mapocho durante los fuertes temporales que definen la marginalidad
bajo la dictadura militar. La pérdida de identidad cuando el poeta ve
cómo “las cartas/de ciudadanía/quedan rezagadas siguiendo la
corriente” se yuxtapone con la proyectada libertad de “un moisés
(que) flota hacia la tierra prometida” (Montealegre).
Égloga de los cántaros sucios de Oscar Barrientos Bradasic (1974)
es un libro realmente notable que se constituye de 21 poemas en
los cuales el emblema del río crea un espacio idóneo para
contemplar la historia y, a la vez, algunos conocidos problemas
filosóficos, como, por ejemplo, en “Heráclito de Éfeso se mira a sí
mismo en el Río de las Minas”:
No podemos bañarnos dos veces
en el mismo río,
-según tú- porque nosotros y el río
no seremos dos veces el mismo.
Tampoco podremos entonces
sentir lástima dos veces por el mismo cauce,
ni sentir en más de oportunidad única
que el río es un país
volcado en barro,
perdido en el recuerdo de algo más sublime que esto,
esa transición que parece el trote de un mamut,
esa transición entre lo pérfido y lo absurdo,
ese intento que nunca llega al mar.
(Oscar Barrientos)
Hasta la basura del mundo contemporáneo vertida al agua se presta
a una meditación (¿proustiana?) sobre la temporalidad más íntima y
personalizada, como ocurre en “La corriente del río se lleva una lata
de Coca-Cola”:
Es de un color rojo,
que el río destiñó entre sus bielas de piedra
y arena.
Es una gota de sangre que ha perdido la vida
de tanto rodar por la corriente.
Y yo te veo desde la baranda,
latita de aluminio,
ya sin aquella coquetería de casa de muñecas,
por primera vez derrotada…
…porque bebí en mis manos de tu caldo oscuro
como quien accede al cáliz del rencor,
al país de las maravillas
que se nos desintegra día a día.
La sonrisa tan generosa comprada en la juguetería
de Santa Claus
(tus letras estilizadas en la cafetería del colegio)
Coca-Cola siempre Coca-Cola,
la letanía de tu paraíso perdido,
esa cuota de posteridad
que el río sepultará
en barro.
(Oscar Barrientos)
Los ríos que
hemos
experimentado a
través de los
poemas de estos
poetas chilenos
del siglo veinte y
del período más
actual podrían ser
emblemas
ecocríticos con un
valor tanto
metafórico como
literal en cuanto a
su capacidad de conducir narrativas humanas en el viaje hacia la
muerte y de crear fronteras líquidas entre la poesía lírica y la poesía
épica para que al final los poemas existan en un metagénero que
corresponde al mundo entero con sus distintos microsistemas,
donde la vida interior humana siempre actúa con la mayor
reciprocidad posible con lo más que humano. Aquí, como dice
Andrés Fisher (1963) en “Ríos sin discurso o el dis-curso del río”,
todo es posible, hasta “la interrupción del flujo; el agua rota en
pedazos y la palabra estática, en situación diccionario” (A. Fisher).
La naturaleza misma se encargará, tal vez, de deshacerse de lo
humano a través de un rito de purificación, como implica Juan
Cameron (1947): “Pues el río en la tarde cambia el curso/y todo lo
arrojado vuelve a su lugar/lavado por las aguas” (Cameron). Sin
embargo, como no podemos escaparnos del desastre ecológico que
hemos creado, ¿tendremos que entregarnos a la corriente y seguir
las instrucciones de Sergio Mansilla (1958) cuando dice, “Cierra los
ojos y navégate sin rumbo sobre esta agua/que viene de ninguna
parte y que va a ninguna parte” (Mansilla)? En este espacio
genérico “epilírico” que abarca la gran dialéctica entre lo monológico
y lo multilógico, los ríos de la poesía chilena pueden desembocar en
su fuente, fluir en dos sentidos simultáneamente, tener tres orillas
para su caudal inmóvil, o levantarse para correr con las historias de
la imaginación poética entre las estrellas. Por otro lado, el río que
somos nos permite establecer una identidad ética a través de
nuestra capacidad no sólo de crear símbolos, sino de entender
literalmente (en términos científicos no exentos de belleza y
asombro) los ecosistemas fluviales que nos sostienen, de tejer
relaciones recíprocas con el mundo que habitamos tal como sucede
con los nuevos límites corporales expansivos en “Durmiendo junto al
río” de Alberto Rubio:
El río últimamente destellaba:
mi sangre enrojecía aquel poniente,
y con el vino en aquel día me iba
allá del horizonte soñándome mis venas.
(Alberto Rubio)
Masaru Emoto nos plantea las siguientes inquietudes y desafíos en
relación con el agua y el futuro:
¿De dónde vienen nuestras almas? Hemos visto la posibilidad de
que vienen de un lugar remoto del universo, llevadas por el agua.
Entonces, preguntamos, ¿qué es lo que espera al alma? Como
somos de agua misma, algún día todas nuestras memorias de las
experiencias en este planeta serán lanzadas al espacio. Y nuestra
responsabilidad antes de que suceda esto es transformarnos en
agua pura sobre la faz de la tierra. (Emoto)
Todos los seres humanos, entonces, con nuestros ríos internos,
tendremos quizás la oportunidad de construir una nueva épica a
partir del poema lírico de una sola célula humana de agua. Mientras
tanto, nos corresponde entender de una manera cabal el discurso
tóxico que proviene de una situación cada vez más grave en el
mundo que habitamos y que intentamos describir por medio de la
palabra escrita. Como señala Jonathan Bate en su libro fundamental
The Song of the Earth, “las obras de arte pueden ser estados
imaginarios de la naturaleza, ecosistemas imaginarios ideales, y,
leyéndolas y habitándolas, se puede comenzar a imaginar cómo
sería vivir sobre la tierra de una manera diferente” (Bate).
Steven F. White (Estados Unidos, 1955). Poeta, traductor y ensayista. Es traductor de
Poeta en Nueva York de García Lorca, también ha realizado antologías bilingües de la
poesía de Nicaragua, Chile, Cuba y Brasil. Es el autor de los libros de ensayos críticos La
poesía de Nicaragua: diálogos con Francia y los Estados Unidos y El mundo más que
humano en la poesía de Pablo Antonio Cuadra: un estudio ecocrítico. También trabajó
como co-editor de Ayahuasca Reader y co-autor de Cultura y costumbres de Nicaragua.
Como poeta publicó los libros bilingües Fuego que engendra fuego y Escanciador de
pócimas. Contacto: [email protected]. Página ilustrada con obras del artista William
Blake (Inglaterra).
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fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
Luis Feito: "La pintura no es una
carrera de novedades y modas"
[entrevista]
Miguel Ángel Muñoz
.
Madrid. España. Con una gran exposición retrospectiva en el
Museo Centro de Arte Reina Sofía, en el 2003, se celebraron
los 50 años de trabajo artístico de Luis Feito (Madrid, 1929),
condensados en unas 200 obras, agrupadas casi en partes
iguales entre pintura y obra en papel. Feito es no sólo uno de
los miembros del histórico grupo El Paso, responsable de la
restauración del prestigio internacional del arte de vanguardia
español tras la guerra civil, sino también uno de los pocos
artistas que ha logrado sobrevivir, subjetiva y objetivamente, a
esta transición. Premio David Bright en la XXX Bienal de
Venecia, Premio de la Primera Bienal de Arte Mediterráneo, en
Alejandría; Premio de la UMAM, en la primera Bienal de París;
Premio al Mejor Artista, Feria de Arte de Osaka, Japón; Premio
Nacional de Arte, España; Premio Tomás Francisco Prieto de
grabado, Madrid; Medalla de Oro al Mérito de las Bellas Artes,
Madrid; Académico de Número de la Real Academia de Bellas
Artes de San Fernando, Madrid. Entre sus múltiples
exposiciones destacan: Museo de Hamburgo, 1964; Museo de
La Chaux-de-Fonds, Suiza, 1966; XXXI Bienal de Venecia,
1968; Museo de Arte Moderno de Quebec, Canadá, 1969;
Galería Antonio Prates, Lisboa, 1996 y 2001; Galería Boulakia,
París, 1996; Museo Reina Sofía, Madrid, 2003, entre muchas
otras. Feito lleva medio siglo de producción artística
ininterrumpida, que ha abarcado todos los materiales, géneros,
técnicas y, por supuesto, maneras posibles de entender y
apreciar el arte, puesto que una de sus características ha sido
la experimentación y la reflexión. [MAM]
MAM En su exposición del Museo Reina Sofía y que posteriormente
viaje por diversos países de Europa y América, se reunieron cinco
décadas de trabajo que abarcaban varias etapas de creación
pictórica, ¿qué siente cuando termina una etapa, qué cuando
comienza otra?
LF Al término, una
sensación de vacío.
Una gran angustia.
Siempre es el mismo
pánico, ante el
quedarse corto o
llegar a donde piensas
no poder llegar. Pero
son sensaciones que
terminas teniendo
controladas. La
experiencia te dice
que si llevas 40 y
tantos años con esa
angustia, pero
siempre pintando, es
que la cosa no tiene
remedio. Por otra
parte, cuando comienzo algo nuevo siento un pánico previo; en esos
momentos me duele todo, me siento fatal. La víspera de la vuelta
no tengo que pensar en nada, pero cuando ya me meto de lleno en
la pintura es pura manifestación, y todas las crisis desaparecen.
MAM ¿Qué trata de decir plásticamente cada etapa de su vida
artística?
LF Creo que la pintura no tiene nada que decir, sino solamente
existir. La pintura ha de ser ella misma, no como ilustración de algo.
Viene de alguna parte, va hacia algún lugar, pero lo que importa es
su cualidad de presencia, la inmanencia del ser.
MAM ¿Cree que en esa “evolución” intelectual hay algún tipo de
novedad en su lenguaje?
LF Rotundamente, no. La pintura no la concibo como una carrera de
novedades, ni como un laboratorio de investigación, sino como algo
clásico, consecuencia de toda una cadena de acontecimientos
anteriores. No me interesa que una obra sea “avanzada” o no, el
único criterio válido es la presencia. No tiene la menor importancia
que un cuadro sea abstracto o figurativo, sino que diga algo o no
diga nada, que tenga dimensión.
MAM ¿En lo que menciona se puede encontrar una cierta lógica.
¿Cuál es la suya?
LF Se trata de hacer
compatible lo
incompatible, nada es una
cosa. La vida son muchas
cosas; no es la sombra o
la luz, es todo. Es como el
individuo que es una cosa
y otra, y otra, y aún más.
La pintura es el color, la
vibración del color, la
intensidad de las masas
en relación, armonizado o
provocándose. Rothko es
el más puro, el que más
me interesa, porque no
hay formas, porque te
capta y te mete dentro de
su cadencia, de su
misticismo deslumbrante, sin que tengas que agarrarte a nada, que
no sea su espiritualidad. Para mí, esa es una lógica de trabajo, y es
lo que el espectador encuentra en mi obra de todas las épocas.
MAM Cuando en la Bienal de Venecia de 1960, se le concede el
Premio David Brinht, la crítica internacional se desborda ante sus
trabajos. A partir de entonces, ¿cómo cambio el curso de su obra?
LF Si eres un verdadero creador, vas con el fuego sagrado dentro.
Todo ayuda, nada cambia. Yo era muy consciente de que aquello no
era normal, porque, en mi formación, había vivido junto a pintores
muy importantes y sabía que, si llegaba a sobrevivir, a los 50 o los
60 años llegaría, si acaso, la consagración. Cosa que yo, con 30 o
más joven, me di cuenta de que eso no podía durar, que era el
producto de una euforía. Si pensabas un poco, te dabas cuenta de
que esa ola un día u otro pasaría. Lo importante era seguir en mi
trabajo, seguir con los pies en la tierra.
MAM En su obra hay un claro reflejo del universo zen. Para muchos
el sentimiento japonés del vacío, la contemplación del blanco, la
poesía, la musicalidad, son elementos primordiales, ¿cómo poder
expresar en un cuadro todo este proceso de experiencias?
LF De una manera
muy simple. Es
ese intento de
trabajar del modo
más directo
posible; es decir,
que lo que tienes
que decir salga de
tu interior, sin
intervención
intelectual. No de
todos los estratos
sociológicos,
culturales, que hay
en tu inteligencia,
sino de lo que
llamamos el lado espiritual. Por eso yo pinto de una cierta manera.
Primeramente, pinto por el suelo, y no para que la materia no se
caiga, sino porque al estar en determinada posición no veo la
totalidad del cuadro; luego no tengo la tentación de que
intelectualmente , al ver el cuadro, me diga que aquí tengo que
poner esto para estar equilibrado, ,mejor compuesto. Lo que hago
es hacer lo que tengo ganas de hacer en el cuadro, directamente,
sin ver el resultado. Me sirva o no me sirva, no hay posibilidad de
retoque. El cuadro está hecho. Mis cuadros de esas épocas (la
blanca, la roja, la negra) están hechos en sesiones, se empiezan y
se acaban en una sesión.
MAM En sus cuadros parece existir un combate de fuerzas que
usted crea pero también destruye. El uso del blanco y del negro es
un buen ejemplo, ¿cree que es una tensión constante consigo
mismo?
LF Sí, siempre hay una dualidad, una tensión, un combate, porque
somos una contradicción constante. En mis cuadros, de una manera
u otra, a veces hay tendencias que ganan. Siempre existe ese
conflicto, y evoluciono con la revelación de ese conflicto. En
momentos, en ese combate, hay tendencias que se imponen, como
me ha ocurrido hace algunos años con la geometría: el borde de la
línea, esa depuración, es la que ha ganado y el gesto ha
desaparecido. Me he esforzado en ese camino. Luego, cuando esa
etapa se ha agotado, me voy a lo contrario, y vuelve a salir todo la
pintura gestual, la geometría ha quedado como una forma fuera
más del cuadro, ha salido el mundo anárquico, el caos que está
siempre debajo.
MAM ¿Considera que la descripción evoca la pintura de acción?
LF Sí, ya en los años cincuenta precedía así. Ya entonces echaba la
pasta, y las tierras cuando utilizaba tierras, y hacía la mezcla sobre
el mismo cuadro. Nunca he utilizado paletas.
MAM ¿Qué papel juega en su obra el automatismo?
LF Un papel clave. El primer momento es absolutamente
automático. Un auténtico guarreo. Generalmente soy inconsistente
de lo que hago entonces. Pero no hay que olvidar los pasos previos.
La realización del cuadro hay que insistir sobre ello, es el último
estadio de un proceso, y ese proceso es tan importante o más que
el cuadro en sí.
MAM Hablamos
de la pintura de
acción. En la
distancia,
¿cómo ve aquel
momento del
arte americano,
que tanta
importancia
tuvo para usted
y otros artistas
de su
generación?
LF
Posiblemente me haya quedado ahí. Esa época sigue siendo
completamente vital. Lo que hizo Rothko es un horizonte difícil de
superar. Rothko nunca me ha decepcionado, ni su realización, ni su
mentalidad, ni su óptica de la pintura. Esteban Vicente, Sam
Francis, Newman y gente así; sigo creyendo que después no ha
surgido nada más importante. Después se produjo la llegada al arte
del mundo de las modas. El tiempo ha fijado todo eso. No lo ha
erosionado, sino todo lo contrario. En esa época lo veíamos todo a
mano, estaba demasiado cerca, y no le dábamos la importancia que
tenía realmente.
MAM Menciona las idea de que se a “quedado”, ¿cree que de ahí
surge una cierta intemporalidad de su concepción del arte?
LF Lo manejo para decir que no me interesan las modas artísticas.
El arte actual es cuestión de un acontecimiento mediático. Punto. La
clave de lo que se habla y se dice es el acontecimiento mediático; si
no, no existe.
Miguel Angel Muñoz (México, 1972). Poeta, historiador y crítico de arte. Es autor de
los libros de ensayo: La imaginación del instante: signos de José Luis Cuevas (2001),
Materia y pintura: aproximaciones a la obra de Albert Ràfols-Casamada (2002), y
Travesías (2004). Es director de la revista literaria Tinta Seca. Contacto:
[email protected]. Página ilustrada con obras del artista Luis
Feito (Espanha).
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fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
Os espaços do círculo: a distância e o
trágico em Rosa e Proust
Leonardo Vieira de Almeida
.
Uma análise do aspecto circular da obra pode levar-nos a aproximar
determinados escritores preocupados em fazer dessa questão um
fenômeno da própria literatura. Desenho formado por uma linha que
podemos acompanhar tanto para diante quanto para trás, o círculo,
de fato, consubstancializa diferentes índices do texto literário: o
tempo, que pode ser o do leitor, na busca de reduzir os diversos
pontos que circundam o espaço das palavras; diverso daquele do
escritor e do narrador, para quem o tempo, a ser criado pelo
espaço, é quem os reduz no processo de mover-se: uma página
preenchida é tributo que se paga ao tempo, aproximação cada vez
maior do ponto último, final do livro, “entrada” para o silêncio que
se torna via de acesso para um novo despertar.
Este desenho do círculo une dois autores aparentemente distantes
na construção de seus espaços literários: o sertão de João
Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas, pontuado por uma
natureza ao mesmo tempo exuberante e árida (o Liso do Sussuarão,
a Guararavacã do Guaicuí, as Veredas-Mortas); a França de Marcel
Proust, em À la recherche du temps perdu (Combray, Doncières,
Balbec). Seus rios, cursos tanto geográficos quanto amorosos e
existenciais: o de-Janeiro, lugar de encontro de Riobaldo e o
Menino, que dividiu a vida do jagunço atirador em duas partes; o
Vivonne, pelo lado de Guermantes, onde o menino Marcel navegava
à procura da condessa cuja última sílaba de seu nome, “antes”, se
banhava em sua própria luz alaranjada. [1] Espaços que nascem a
partir da distância, pois é mediante a memória e a imaginação que
se encena a viagem pelos lugares. Viagem esta que, segundo
Proust, possibilita “ver o universo com os olhos de cem outros”. [2]
Tais olhos, por sinal, não seriam os de seus personagens, ou, ainda,
os de seu espírito enquanto leitor?
A Recherche abre com as seguintes frases: “Durante muito tempo,
costumava deitar-me cedo. Às vezes, mal apagava a vela, meus
olhos se fechavam tão depressa que eu nem tinha tempo de pensar:
‘Adormeço’”. [3] É ao espaço do sono que se volta o narrador, para,
logo em seguida, dizer: “E, meia hora depois, despertava-me a idéia
de que já era tempo de procurar dormir”. [4]
Podemos verificar que,
nesse início de
parágrafo, Proust
delineia a imagem de
um círculo, cujas linhas,
despertar-sono, sonodespertar, são o verso
e anverso que
permitem à linguagem
ser a Aurora do
pensamento. O
narrador, ao acordar,
não distingue com
precisão o espaço nem
o tempo, tudo é
matéria ininteligível que
ele se esforça em
compor no torvelinho
das sensações que o envolvem:
“Um homem que dorme, mantém em círculo em torno de si o fio
das horas, a ordem dos anos e dos mundos. Ao acordar consulta-os
instintivamente e neles verifica num segundo o ponto da terra em
que se acha, o tempo que decorreu até despertar; essa ordenação,
porém, se pode confundir e romper”. [5]
De certo modo, o despertar expõe o narrador a uma tentativa de
captar o mundo circundante, universo do qual ele não possui uma
clara distinção, que o confunde e rompe a cadeia do espaço e do
tempo. É de um ponto “imóvel”, do sono, que Marcel parte para o
“acordar”. Ou, de outra forma, não seria da noite para o dia, do
silêncio para a escrita? [6]
Em Grande Sertão: Veredas é a palavra “Nonada” que desperta a
fala do velho fazendeiro Riobaldo. Partícula esta suscitada pelo
irromper dos tiros no sertão, que abrem os caminhos da linguagem.
Importante notar que, ao contrário de Marcel, Riobaldo não é
nenhum homem da alta cultura, mas um ex-jagunço semiletrado
que se dirige a uma voz implícita no texto, o “silêncio” do senhor. E
a fala de Riobaldo não é propriamente uma fala: “é um texto escrito
que encena uma situação de fala”. [7] Assim como Proust, na
Recherche, cria um texto escrito que não é propriamente escrito,
mas a história de Marcel que, em O tempo redescoberto, descobrirá
sua vocação e, por conseguinte, estará apto a escrever o livro.
Independentemente da distância que separa a semicultura de
Riobaldo e a alta cultura letrada de Marcel, podemos dizer que há
um ponto de contato que os une, se o encararmos como viajantes
de uma geografia do imaginário e da língua. Ambos partem de uma
Aurora do pensamento [8] e atingem, ao “final”, o limiar de uma
nova Aurora. Nesse trajeto, há uma distância singular que deve ser
percorrida, mas que não chega a um fim último. Sob o signo da
distância, Marcel, no início de No caminho de Swann, irá evocar o
episódio em que sua mãe, em determinada noite, não sobe ao seu
quarto para realizar um gesto afetivo de costume: beijar-lhe o
rosto. Georges Poulet, em O espaço proustiano, diz-nos que a
distância, para Proust, nunca é um espaço que preenche o vazio,
mas ela é “esse vazio”. Por conseguinte, desejar, para o autor, é
“tornar um intervalo aparente”. Amar, sob o signo da distância, é
ver cada vez mais longe o ser que se ama. Segundo Poulet: “Para
Proust, a distância só pode ser trágica”. [9]
O episódio do beijo da
mãe de Marcel será o eixo
irradiador de seu percurso
amoroso. Assim a
angústia provocada pela
distância do objeto de
desejo irá se repetir em
sua relação com Gilberta,
filha de Odette, a qual
procurava encontrar, com
ansiedade, pelo lado de
Méséglise. Esse abismo
que se revela como
impossibilidade de se
alcançar o outro, a
aproximação de uma
“presença real”, também
se revelará nos episódios
dos telefonemas de Marcel
à sua avó e à Albertine, em Sodoma e Gomorra. A um primeiro
momento, escutar a voz da pessoa amada ao telefone é imaginar a
ausência vencida. Porém, logo depois, tal fato se mostra ilusório.
Para Proust, os lugares estão separados por um espaço trágico: a
distância. Mais ainda, é essa mesma distância que suscita a irrupção
da dúvida, da desconfiança em relação à pessoa que se ama. Daí
que Marcel, para ter a “certeza” de que Albertine não o trai, passará
a encerrá-la em sua casa. Movimento que elide o espaço, mas não a
distância. Esta será visível até mesmo na mais alta proximidade
entre os corpos. À medida que prossegue a Recherche, o narrador
vai discernindo que os signos do amor são signos fadados à mentira
e ao sofrimento. Numa escala ascensional, Marcel irá experimentar
os signos mundanos, amorosos e sensíveis. Por último, a descoberta
de sua vocação se dá com a revelação dos signos artísticos. A
distância que o narrador precisa atravessar é que o separa do
homem mundano e do artista realista, [10] para atingir a essência
da arte. [11]
Em Grande Sertão: Veredas, por sua vez, há uma distância
fundamental com respeito ao objeto amoroso. Riobaldo fala ao
senhor de sua amizade por Diadorim, como ele, jagunço no
passado. Todo o discurso do velho fazendeiro encontra-se, desse
modo, assentado sob o signo da ausência, de um espaço que deve
ser preenchido com a lembrança. Espaço sempre distante, nunca
apreensível em sua totalidade, que se vai tecendo na sucessão
caótica das reminiscências que assaltam o ex-jagunço em sua
conversa com o senhor. Mas o que suscita a ressurreição desse
corpo de sensações não se deve a um esforço voluntário do
narrador, porém, à ação do acaso. Por sinal, o acaso poderia ser
visto como uma força catalisadora da narrativa roseana: é
justamente por ele que o herói é impulsionado, levado pela corrente
do rio heraclítico, também o ricorso viqueano, [12] alcançando
sempre uma nova margem distinta daquela que se pensava atingir:
“Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa;
mas vai dar na outra banda é num ponto mais em baixo, bem
diverso do que em primeiro se pensou”. [13] Nesta passagem, uma
vez mais se delineia a hipótese inicial levantada, a de uma Aurora
do pensamento. Ou seja, o pensar não se constrói a partir de um
caminhar de um ponto de chegada a um ponto de saída, resultando
daí uma resposta última. Sua trajetória não é da noite para o dia,
mas se situa nesse ponto-limite em que o elemento incompreensível
da noite torna-se ao mesmo tempo a ressurreição de uma aurora
sempre prestes a romper a duração do silêncio. [14]
Como se observa, esse despertar só é possível pelo encontro com a
noite e a morte. Diadorim, virgem-guerreira, é figura que emerge à
distância, objeto de luto e reverência, que perpassa a fala de
Riobaldo. Guimarães Rosa, preocupado com o aspecto musical de
seu romance, cria inúmeras palavras com a terminação “-im”, que
ecoam o nome enlutado de seu amor: “essezim”, “satanazim”,
“canto-clim”. Porém, o trágico que nasce dessa distância
insuperável não passa a existir somente depois da morte de
Diadorim, pois, como relata Riobaldo, mesmo em vida ele nunca se
deixou alcançar fisicamente, permanecendo nessa proximidade
longínqua que é o espaço do impossível: “Só de mim era que
Diadorim às vezes parecia ter um espevito de desconfiança; de
mim, que era o amigo! Mas, essa ocasião, ele estava ali, mais
vindo, a meia-mão de mim”. [15] Sem acesso ao amor físico devido
ao emblema das vestes jagunças que se estampa em seu corpo
feminino, Diadorim só se revela como possibilidade da consumação
erótica após a batalha com Hermógenes, na praça do Paredão. A
Aurora do amor se consome no círculo da noite, que extingue o
enigma do corpo, expondo o tempo não mais como duração de
Eros, mas como luto que, por sua vez, não suprime uma nova
vivência, a amizade, a Philia que supera a morte e a noite.
Diadorim, revelada Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins, foi
quem ensinou Riobaldo a ler as “quisquilhas da natureza”, espécie
de Beatriz, guia do chefe Urutú-Branco pela selva claro-escura do
sertão.
Também Marcel, em À la
recherche du temps perdu,
experimenta a distância
trágica com relação ao amor,
só que, ao contrário de
Riobaldo, ele não adquire, a
princípio, uma consciência
positiva desta jornada. Se
podemos verificar em Grande
Sertão: Veredas uma
peregrinação do herói em
busca de seu desejo amoroso,
que o leva a encontrar nas
figuras de Diadorim, Nhorinhá
e Otacília modos diferenciados
de Eros, que nem por isso
deixam de interpenetrar-se,
[16] na Recherche o caminho
leva o herói à constatação de
que nem mesmo a amizade é
uma “religião” confiável. O
amor, por sua vez, se decifra
no sofrimento e na mentira. Mas diz Proust: só se ama o que não se
possui, só se ama o que nos leva a perseguir o inacessível.
Esta última sentença poderia nos abrir um novo caminho, uma nova
reflexão que permitiria aproximar mais uma vez o escritor francês e
o escritor brasileiro. Se por um lado, a experiência do amor permite
a Marcel a descoberta de sua ineficácia no plano das relações
humanas, por outro lado, ele descortina nesta palavra um acesso à
“positividade” do impossível. Só amamos aquilo que não
conhecemos, como também, poderíamos dizer que o amor, uma das
figurações possíveis da alegria, nasce de um encontro, experiência
do inexplicável. Foi preciso que Marcel experimentasse a angústia
do amor pela recusa do beijo de sua mãe, experiência que ele
transmite, como numa projeção de círculos concêntricos, aos seus
outros objetos de desejo ou amizade: Gilberta, Odette, a avó,
Swann, Bergotte, Elstir, Charlus. Albertine, a qual o leva ao
paroxismo do ciúme, porto último de seus afetos amorosos, e que,
mesmo morta, continua alimentando seu calvário. [17] Porém, é
por meio desses encontros quase sempre frustrados que ele irá
descobrir a vocação, e para tanto, será necessário que Marcel tenha
uma última experiência do acaso, em seu caminho para a matinée
Guermantes.
Ao tropeçar nas pedras do calçamento, em frente à mansão da Sra.
Guermantes, surge, diante do narrador, Veneza, juntamente com
todas as sensações daquele dia esquecido. É essa perda,
proporcionada pela distância inscrita no tempo, que o faz refletir
que “verdadeiros paraísos são os que perdemos”. [18] Só pelo
encontro com a noite, com a “morte” dos lugares, e,
conseqüentemente, com sua perda, que se torna possível a
recuperação do Tempo Perdido. No entanto, não é o tempo pretérito
que se recupera, com toda sua “inocência” original, mas a
simultaneidade do passado e do presente. É o tempo em estado
puro, experiência fora do próprio tempo, em que a desigualdade das
pedras no calçamento, o ruído de uma colher no prato, o barulho da
água brotando de um cano, o sabor da madeleine fazem o passado
permear o presente, a tal ponto que o narrador se torna hesitante,
sem saber em quais “tempos” se encontra, pois se depara na região
que lhe permite atingir a essência, no qual os esforços da memória
voluntária [19] e da inteligência são malogrados.
Se Proust concebe um narrador que discute a própria matéria
narrativa, o modo de contar, também Guimarães Rosa estabelece, a
partir de um jagunço semiletrado, a discussão da categoria
romance. O Tatarana, ao se dirigir ao senhor, discorre inúmeras
vezes sobre o papel da memória em seu discurso. As lembranças
lhe surgem como produto do acaso, unindo o passado e o presente.
Por sua vez, se o personagem-escritor Marcel chega à conclusão, na
biblioteca dos Guermantes, de que a experiência do tempo puro é a
única por meio da qual pode descortinar a essência da arte, espécie
de estrela fulgurante ao longo de todas as constelações de sua
existência, o livro que deverá escrever (que já é o próprio livro),
precisa reunir todos os instantes do tempo redescoberto num único
tempo, o das páginas. Riobaldo não é um escritor, mas um contador
de estórias o qual reúne, nesse instante que preenche dois silêncios,
o que antecede o “Nonada” e o que prossegue à “Travessia”,
também a experiência de um tempo redescoberto, tempo do amor,
da guerra e do luto: morte dos signos da tradição na noite do Verbo
[20] e sua reinvenção, no instante de uma nova Aurora.
Dois momentos que, apesar de distantes em seus espaços
singulares, obedecem a um mesmo chamado. Nesse sentido, é
importante lembrarmos o estudo de Maurice Blanchot em seu O
livro por vir, particularmente o capítulo “O canto das sereias”. O
episódio em que Ulisses, na Odisséia, tem o encontro com o canto
mavioso dessas figuras femininas, é visto pelo escritor francês como
uma luta da qual nasceu o que chamamos de romance. Isto porque
em todo romance o que está em primeiro plano é uma “navegação
prévia”, que leva o herói até o ponto de encontro. O embate com as
sereias é o enfretamento com a morte, como se Ulisses adentrasse
uma “região-mãe da música”, “único lugar totalmente privado de
música, um lugar de aridez e secura onde o silêncio, como o ruído,
barrasse, naquele que tivesse toda aquela disposição, toda via de
acesso ao canto”. [21] Riobaldo e Marcel são chamados a atender a
essa “música”. No primeiro caso, o jagunço adentra as VeredasMortas, lugar de convite ao pacto com a noite; [22] no segundo, o
escritor-narrador, dessa espécie de pórtico que é a biblioteca, onde
vislumbra o tempo puro, segue para o salão em que ocorre a
matinée dos Guermantes.
Se as Veredas-Mortas são o
lugar da ausência e do
silêncio, palco em que
Riobaldo aguarda a chegada
das máscaras de Lúcifer, o
salão dos Guermantes, por sua
vez, guarda outro tipo de
silêncio, “região da música”
que nasce de uma distância
ainda insuperável, a dos anos.
As máscaras que recebem
Marcel na matinée não são
fantasias artificiais, mas
disfarces orgânicos, erosões
dos corpos que, conduzindo à
morte, estampam em suas
pantomimas um único
personagem: o Tempo.
Também é o tempo o grande
“personagem” que permeia o espaço das Veredas-Mortas. É
mediante um controle do tempo que Riobaldo consegue
desempossar Zé Bebelo da chefia do bando de jagunços, sagrar-se
Urutú-Branco, chefe-guerreiro, ultrapassar o Liso do Sussuarão,
vencer os hermógenes. Porém, ao preço de uma perda. No
desnudamento do corpo morto de Diadorim lhe é revelada a
possibilidade do amor erótico, impossibilidade que fulgura numa
nova asserção do tempo. Nos três dias em que se dispõe a contar
ao senhor o relato de sua vida, Riobaldo acena os limites de sua
navegação: “Mas, o senhor sério tenciona devassar a raso este mar
de territórios, para sortimento de conferir o que existe?” [23] O
“mar de territórios” não deixa de ser o “mar de estórias” que o
personagem deverá atravessar até o limite da noite, o ponto do
silêncio, um dos círculos do inferno que são as Veredas-Mortas. Já o
limite de Marcel se encontra, também, na região das máscaras de
Perséfone: “E, entretanto, assim como os olhos me pareciam fitar
de longínquo vitral, o tom fazia-se tristonho, quase súplica, tal a dos
mortos da Odisséia”. [24]
Em torno deste limite, podemos destacar que João Guimarães Rosa
e Marcel Proust, a princípio afastados na construção de seus
singulares espaços literários, tocam-se, tendo em vista todas as
suas dessemelhanças, em determinado percurso de seus heróis.
Riobaldo, ex-jagunço que teve suas primeiras letras na Fazenda do
Curralinho; Marcel, o artista que desde a infância busca sua vocação
literária - ambos reencenam a aventura de Ulisses. O mapa de sua
navegação é o círculo. Círculo do tempo que se abre, a cada
distância percorrida, a um recomeço. Ao chegar próximo ao fim de
seu relato, Riobaldo diz ao senhor: “Conto o que fui e vi, no levantar
do dia, Auroras”. [25] Ao reforçar a pluralidade do despertar ou do
contar “Auroras”, talvez o personagem não esteja apontando o
caráter específico do seu modo de “sentir-pensar” [26] o relato?
Como se a grande conversação que lhe dá corpo exigisse como
ponto de partida uma navegação que jamais chegará a um porto
final, sob perigo de se ultimar a obra. O encontro com o “canto das
sereias” se realiza nessa distância trágica que une, num mesmo
tempo e lugar, a chegada e a partida do navegante, ou seja, na
travessia. Rosa e Proust dão forma ao infinito da obra, a um corpo
por vir. Como diz Marcel, nas últimas páginas da Recherche:
Nos grandes livros dessa natureza, há partes apenas esboçadas,
que não poderiam ser terminadas, dada a própria amplidão da
planta arquitetônica. Muitas catedrais permanecem inacabadas.
Longamente nutrimos um livro assim, fortalecemos-lhe os
trechos fracos, mas depois é ele que nos engrandece, que
assinala nosso túmulo, que o defende do ruído e um pouco do
esquecimento. [27]
Ou, ainda, Riobaldo, em Grande Sertão: Veredas: “(...) mais
importante e bonito, do mundo, é isto: que as histórias não estão
sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão
sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior”. [28]
Riobaldo e Marcel, navegadores da linguagem, descem ao mais
profundo da noite para escutarem o “canto das sereias”. Tarefa da
qual não podem sair ilesos. Também como Orfeu, voltar-se para
Eurídice é o fim e começo de um relato. O desejo de ambos é o do
movimento incessante do círculo. [29]
Leonardo Vieira de Almeida (Brasil). Mestre em Literatura Brasileira (UERJ) e
Doutorando em Estudos de Literatura Brasileira (PUC-RIO). Autor do livro de contos Os
que estão aí (2002), e de contos publicados em diversas revistas e jornais literários. Coautor do livro À roda de Machado de Assis: ficção, crônica e crítica (2006). Contato:
[email protected]. Página ilustrada com obras do artista William Blake
(Inglaterra).
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
Participação da antropologia na obra
de Herberto Helder
Maria Estela Guedes
.
As
minhas garras são sagradas
todas as coisas são sagradas
Poemas ameríndios, “Canção do urso” (Sioux)
Distribua-se o peixe do mar,
distribua-se o sável,
distribua-se o peixe-serra pequeno,
distribua-se o sável pequeno
distribua-se o tubarão,
distribua-se o pargo.
O caminho do peixe, parece que Deus o fez de ouro.
(…)
Poemas ameríndios, “Canto de solidariedade” (Cunas)
Textos alienígenas
Desde os seus mais antigos livros, Herberto Helder manifesta
interesse pelos discursos étnicos. É o caso de O bebedor nocturno,
com primeira edição em 1968, constituído por vinte e dois blocos de
poemas oriundos das culturas mais distintas - haikus, poemas
esquimós, indonésios, dos peles-vermelhas, do Antigo Egipto, etc..
Salientam-se neste livro alguns textos de proveniência semita,
como o “Apocalipse”.
Tanto quanto sei, os únicos textos alienígenas de Herberto Helder
até agora estudados com alguma extensão foram os de origem
bíblica. Vasco António Gonçalves ocupou-se deles na sua tese de
mestrado. Sobram centenas de outros a merecerem atenção,
concentrados em especial nos livros As Magias, Ouolof e Poemas
ameríndios, além de n’ O bebedor nocturno.
Os contributos de culturas étnicas não são constituídos só por
poemas. Podem ser costumes ou provérbios, como o expresso no
título A faca não corta o fogo. Neste livro, figura um poema que não
é uma tradução, relativo ao método dos anzadis para solucionarem
a impotência ocasional dos homens. A força da mãe é notável nele.
Como tive oportunidade já de referir, em "Herberto Helder, obra ao
rubro", a presença do pai é quase nula na obra, a das irmãs tem
alguma importância, e a figura da mãe é avassaladora, em
intensidade, profusão de aparições e máscaras semânticas que
assume. Em Herberto Helder, a mãe é toda a força passível de
exaltar, por isso tem expressão maior na mulher amada, e na
poesia, na língua-mater. Daí que o poema inspirado no costume dos
anzadis de recorrerem aos dedos maternos, com o fim de os
livrarem da impotência, seja especialmente perturbador. Antes da
publicação deste penúltimo livro, com uma parte substancial de
inéditos, Herberto Helder passou muitos anos sem nada de novo dar
a lume, sofrendo um dos seus episódicos períodos de impotência
poética.
Embora Herberto Helder seja usualmente apresentado como poeta e
tradutor, ele chama versões aos resultados da tradução. A precisão
nos termos é necessária, porque, se geralmente traduzir é trair, no
caso da poesia tribal levantam-se ainda mais problemas. Os Poemas
ameríndios, principal corpus da minha comunicação a este
Seminário, não parecem muito antigos. Um deles, relativo aos
toltecas, e à vinda de Quetzalcoátl ao mundo, traz a data de 843 d.
C.. A generalidade, porém, deve ser posterior à colonização
portuguesa, espanhola e inglesa. Os temas envolvidos são
numerosos: cerimónias religiosas como a antropofagia ritual, e, pelo
contrário, condenação dos sacrifícios humanos, oferta da criança ao
Sol, a dança, o namoro, a caça, a doença, o recurso aos feiticeiros.
Num dos textos sugere-se a relação incestuosa entre irmãos. Outros
refletem os elementos da vida quotidiana e são ricos na enumeração
das espécies da flora e da fauna. Se bem que menos abundantes, as
espécies da geologia também estão representadas, pelo menos com
o ouro e com a obsidiana.
Para os índios da
América Central e do
Sul, entre todos os
produtos alimentares,
são grandiosos o
milho e a farinha. O
milho é entronizado,
aparece referido como
"Deus-maçaroca".
Alguns poemas são
híbridos, cruzam-se
neles elementos
culturais de partes
distintas do mundo,
não só porque são
poetas europeus os
que traduzem os
textos de tribos asiáticas, americanas e africanas, mas também por
dificuldades de traduzir nomes de coisas que não existem na cultura
da língua tradutora. Os poetas ficam mais atentos ao ritmo e à
musicalidade, à poética das relações, do que à fidelidade no
transporte de um estrato cultural de uma etnia para outra etnia. No
caso da flora e da fauna, acontece então por vezes que ficamos face
a algo que funciona mais como jardim botânico ou jardim zoológico
do que como um corte do território em que surgiu primariamente o
poema, com os seus animais e plantas indígenas. Estranhamos um
canto asteca em que o Veado refere o faisão magnífico e se
autodesigna como Dois-Coelho, Coelho Ensanguentado (Poemas
ameríndios, pág. 42). Numa canção quechua, ainda mais estranho é
o verso em que se pede que o "o leão e o lobo/ venham devorarme".
Na flora detectamos espécies como as rosas e os cravos, entre os
animais domésticos aparecem, ao lado do lama e do búfalo, a
ovelha e o porco; entre os selvagens, as pombas brancas podem
coabitar com o quetzal. Algures, surge até uma “pega azul”, que é
decerto um representante da família Corvidae, mas não da
Cyanopica cyanus. Como bem sabemos, habitantes que quase todos
fomos do Museu Bocage, e leitores dos trabalhos ornitológicos do
Prof. Sacarrão, a pega azul, além da China, só ocupa uma pequena
zona mestiça na Europa, metade portuguesa e metade espanhola. É
na região de Vila Nova de Foz-Côa que vive a pega azul, onde, para
aborrecimento dos indígenas, constitui uma praga.
Levantam-se aqui problemas vários, e não só de biogeografia,
donde a importância da datação dos textos. É difícil averiguá-la. Se
os jesuítas introduziram o gado na América, já os poetas não foram
responsáveis pela introdução das outras espécies exóticas no Mundo
Novo. Estou certa de que elas apenas foram introduzidas no
discurso poético. Lama, tatu e quetzal são nomes conhecidos de
animais. Mas nos poemas originais pululam muitas outras espécies,
cujos nomes não se conhecem ou não existem nas línguas
europeias, e por isso causam embaraço aos tradutores. Daí que
talvez existam na América literária mais sabugueiros, loureiros,
pegas azuis e raposas do que se esperaria. Bem me recordo dos que
buscavam na biblioteca do Museu Bocage os nomes certos para as
suas traduções. Foi para resolver problemas tão árduos como estes
que Lineu criou o sistema da natureza, com a identificação das
espécies fundada no binómio latino.
Esclarecendo o que venho a dizer de forma implícita: Herberto
Helder não verte directamente os textos incas ou pigmeus para
português. Ele trabalha com traduções em línguas europeias
familiares. Uma vez que raramente identifica as suas fontes, vamos
partir do princípio de que verte do castelhano, do francês e do
inglês. Não será ele então o maior responsável pelos fantasiosos
ecossistemas criados pela poesia, se bem que estejam no seu
temperamento a interculturalidade e a mestiçagem.
A língua mestiça
Ao verter ou ao traduzir verifica-se uma apropriação da cultura
transportada no texto étnico, e seguidamente uma recriação de tais
elementos na língua mãe. Quer isto dizer que o resultado é sempre
um texto mestiço. Que uma das tendências da poesia herbertiana é
a hibridação, já o assinalei por várias vezes, em especial no ensaio
“Estes são outros híbridos”. Aliás o próprio autor o reconhece,
quando afirma que se cruza com o mundo, no poema de A faca não
corta o fogo, em que usa português de Portugal cruzado com
português do Brasil. No final deste mesmo livro, no poema “o fogo
arrebata-se do gás até à cara, e lavra-a”, Herberto Helder identifica
a língua com o sangue para declarar: “sangue denso/ dessa língua
mestiça em que tudo está escrito”.
O elemento mestiçador é sempre a língua, claro, mas a língua é
também um órgão sexual. Vejamos um fragmento do poema acima
referido, em que se hibrida a fala do Brasil com a de Portugal, para
retratar o relacionamento sexual com uma prostituta brasileira:
[...] ¿que se me faz que seja
puta? Dizem
por i, de gente
em gente ¿que é isso: puta?
pequena, se fôr às raízes
latinas,
mas tudo cresceu tamanho,
grão de cobre
esparzido pelas capitais do
corpo: púbis, cabeça,
porque você é tão cerrada em
sua vida própria,
trigo na noite,
excessiva beleza terrestre bruxuleando um pouco adentro,
que bèsteira de lhe chamar de puta,
de pequena,
ou mesmo se lhe chame de grande puta,
se der o fora
• ai dolor!
se sabedes novas da minha amiga,
socôrro de minha baixa biografia,
ai Deus e u é?
[...]
A mestiçagem linguística, além de luso-brasileira, com penetração
no corpo do latim, num termo da sociologia sexual que se situa aliás
no cerne da mestiçagem analisável pela Antropologia Biológica,
abrange acentuação, pontuação, morfologia e sintaxe, e retoma o
português medieval das cantigas de escárnio, de amigo e de amor.
A transgressão expõe na mesa uma árvore genealógica. Ela é
bastante clara: escritores que subvertam o corpo linguístico, que
usem a língua híbrida, que se apropriem de culturas a que outrora
se chamava primitivas, que as misturem com o que houver de mais
erudito, que não hierarquizem, pelo contrário, que ponham os
produtos das culturas alienígenas em pé de igualdade com a
indígena, esses escritores costumam ser os das vanguardas
europeias do século XX. São aqueles que o Surrealismo, por
exemplo, toma para a sua genealogia. Dessa linhagem fazem parte
obras excessivas, como Gargântua e Pantagruel, os poemas
herméticos e cabalísticos, certa arte étnica, e também a novelística
sexualmente transgressora, como a do Marquês de Sade. O
elemento mais cru desta genealogia é a transgressão,
provavelmente por ter sido traçada por artistas cuja juventude
decorreu em contacto directo, nas colónias, com a hierarquização, o
racismo, a repressão e a censura próprios do sistema colonial. E o
elemento mais cozido, isto para usar os termos consagrados por
Lévi-Strauss, será a inocência do artista étnico, aquele traço de
infância que está mesmo na base de uma técnica, a do naïf.
A estes artistas não é de
facto alheia a influência de
um antropólogo como LéviStrauss, a garantir, em La
pensée sauvage, que não
existe um pensamento
dos selvagens, sim um
pensamento domesticado
pelo paradigma
dominante, e um
pensamento mais rebelde
e mais inocente, que se
não deixa comprar nem
pelo dinheiro nem pela
fama, isto para trazer à
colação o comportamento
de Herberto Helder na
sociedade a que pertence.
Com a mestiçagem, além de reagirmos à discriminação,
fomentamos o diálogo intercultural, susceptível de abrir caminho a
novas leituras, quer do poeta, quer dos seus leitores. O poeta,
mediante a tradução, participa directamente na cultura a que
pertence o poema tribal, apropriando-se dela. Esta apropriação tem
consequências intelectuais e estéticas. O contrário foi, durante
séculos, a colonização. O povo colonizado era forçado a converterse à religião e cultura europeia. No momento em que o poeta
assimila o elemento exótico, hibridando-o com o endótico, está a
contrariar a tendência colonialista e simultaneamente a criar algo de
novo, no plano artístico. Tal como na mestiçagem biológica, o
produto cultural da hibridação exibe sempre caracteres de grande
novidade.
Parte dos textos tribais foram vertidos de poemas publicados por
escritores que viveram nas colónias, caso de Henri Michaux. O título
Ouolof provém de uma citação de “Télégramme de Dakar”, poema
deste poeta familiar do Surrealismo, como também Herberto Helder.
O Surrealismo, como ensinou Alexandrian, fez larga apropriação dos
veios sagrados dos textos tribais. No horizonte do interesse pelo
texto étnico está acima de tudo a sua dimensão mágica. Isso
mesmo documentam os títulos As magias e Ouolof, de Herberto
Helder. O termo “Ouolof” designa a língua falada pelos Wollofs, ou
jalofos, como escreviam os nossos antigos cronistas:
On parle à des décapités
les décapités répondent en "ouolof "
[Henri Michaux, "Télégramme de Dakar"]
Os decapitados falam em jalofo, eis a questão. A questão, está bem
de ver, situa-se num plano de sentido muito amplo. No entanto, não
existindo debate teológico nem filosófico em Herberto Helder, nem
textos do povo Wollof, e nem sequer referências à cultura afro-
islâmica, é forçoso perguntar qual a razão deste título. Só a epígrafe
com aqueles versos de Michaux alude aos jalofos. Ouolof é um livro
constituído por versões de poemas maias e dos poetas Emílio Villa,
Jean Cocteau, Marina Tsvetaieva e Malcolm Lowry. O título entendese como desafio: se quem fala jalofo são os decapitados, então o
livro de Herberto Helder é mais um Livro dos Mortos, e com isto
respondemos de novo à pergunta: o que há no discurso tribal que
interessa aos artistas? Entre elementos menores, repito que
interessa a questão do sagrado.
Ao verter para português
textos próprios das liturgias de
outros povos, Herberto Helder
busca uma ancestralidade
cultural, uma parentela que
não pertence ao foro do ADN,
sim ao da imaginação criadora,
ou do sonho, como lhe chama
Alexandrian. O “poeta
obscuro”, título a que aspira o
próprio Herberto Helder ("Meu
Deus, faz com que eu seja
sempre um poeta obscuro",
escreve ele n' Os passos em
volta), é uma imagem do
xamã, ela estabelece uma
árvore genealógica sacerdotal.
E tanto isto é assim que, no
mais recente dos seus livros,
Lapinha do Caseiro, não só
declina a autoria em Francisco
Ferreira, um seu bisavô
santeiro, como num dos poemas que ali publica, junto às fotografias
dos santos esculpidos pelo antepassado, garante que se senta
a conversar com Deus: palavra, música, martelo
uma equação: conversa de ida e volta.
Que natureza assume o sujeito lírico para conversar com Deus?
Será ele um dos serafins? Um apóstolo? Um feiticeiro? Nem por
isso. O poeta afirmara, linhas antes de se sentar para a dita
conversa: “eu falo o idioma demoníaco”.
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
William Blake, poeta e profeta
Claudio Willer
.
Quantas boas vias de acesso dos leitores brasileiros à poesia de
William Blake. Saiu mais uma tradução de O Casamento do Céu e
do Inferno, pela editora Hedra, por Ivo Barroso, que já havia
traduzido O Tigre (este poema, classificado como canônico por
Harold Bloom, também foi traduzido, entre outros, por José Paulo
Paes, Augusto de Campos, Paulo Vizzioli, Alberto Marsicano, e por
Mário Alves Coutinho e Leonardo Gonçalves). Voltou à circulação a
edição de Blake preparada por Paulo Vizzioli: Poesia e Prosa
Selecionadas, agora pela Nova Alexandria. É recente William Blake,
O Casamento do Céu e do Inferno e outros escritos, seleção e
tradução de Alberto Marsicano, pela L&PM Pocket; versão revista e
ampliada de outro Blake por Marsicano, na década de 1980.
Continua em circulação O matrimônio do Céu e do Inferno, O livro
de Thel, por José Antônio Arantes, da Iluminuras. Outra boa
aproximação a Blake, através de Canções da Inocência e da
Experiência, por Mário Alves Coutinho e Leonardo Gonçalves, pela
Crisálida, de Belo Horizonte. E, pela Nephelibata, de Santa Catarina,
sairão traduções de The book of Ahania, The book of Los e The song
of Los por Floriano Martins, em meados de 2009.
Há exatos 200 anos, em 1809, Blake, precisando de dinheiro, fez
uma exposição de suas gravuras, incluindo textos ilustrados. Apenas
um crítico, do Spectator, visitou a mostra: escreveu que Blake devia
ser objeto de pena, pois era apenas um pobre louco. Gravações – o
modo escolhido por Blake para publicar, através de gravuras em
cobre, tratadas uma a uma, com ilustrações e os textos – e originais
permaneceram jogados, deteriorando-se, até sua descoberta por
Dante Gabriel Rossetti e Swimburne, meio século depois da sua
morte (em 1827, aos 70 anos), para terem a primeira edição
realmente adequada em 1893, graças aos cuidados de William
Butler Yeats.
Dentre essas edições de Balke – listei as mais recomendáveis –
aquela de Marsicano merece interesse por trazer amostras do que
Alfred Kazin (organizador do The Portable Blake da Penguin Books),
chamou de poemas proféticos, e Keines, que preparou a edição de
sua obra completa (Blake, Complete Writings, editado por Geoffrey
Keynes, Oxford University Press), chamou de poemas simbólicos:
entre outros, os extensos e torrenciais Milton e Jerusalem, e o
enorme Vala or The Four Zoas (com 120 páginas na edição Keynes),
que Blake não chegou a publicar; foi recuperado décadas após sua
morte. Esse repertório do Blake mais complexo, ou menos
imediatamente sedutor, será ampliado em breve, com a edição por
Floriano Martins, pela Nephelibata.
Por algum tempo, houve estranheza diante da diferença, até
contradição aparente, entre o Blake tão claro e preciso de O
Casamento do Céu e do Inferno, e tão antológico, e não só pelo
poema do tigre, das Canções da Inocência e da Experiência, e uma
escrita paroxística, transbordante, dos poemas mais extensos. O
juízo de valor, em favor das obras mais reduzidas e concisas,
contrário aos excessos daquelas mais extensas, foi discutido por
Alfred Kazin em The Portable Blake. Da mesma época (década de
1940), o ensaio que inaugurou um novo patamar da crítica blakeana
(se não da ensaística literária em geral), Fearful Symmetry – A
Study of William Blake de Northrop Frye (Princeton University
Press). Mas neste, curiosamente, um viés oposto: empreendendo
uma tarefa ciclópica, a interpretação de textos como Vala or The
Four Zoas, põe algo de lado O Casamento do Céu e do Inferno. Vê-o
como sátira na tradição de Swift e Sterne: O Casamento do Céu e
do Inferno pertence à tradição da grande sátira.
Se os poemas longos de Blake contribuíram para consolidar sua
reputação de louco, isso não impede sua decifração. Por exemplo,
deste trecho de Milton: [1]
Esta é a Natureza do infinito:
Todas as coisas possuem seus próprios Vórtices, e quando um
navegante da Eternidade
Passa este Vórtice, percebe que ele turbilhonante gira para trás
E penetra numa esfera que se engloba a si mesma como o sol,
a lua, ou como um firmamento de constelada magnitude
Entretanto prossegue em sua maravilhosa trajetória pela terra,
Ou como forma humana, um amigo com o qual pode-se
compactuar luminosamente a existência.
O olho humano, seu Vórtice abarcando, vislumbra o leste & o
oeste
O norte & o sul, com suas vastas legiões de estrelas
O sol surgente e a lua no fulcro do horizonte
Os seus milharais e vales de quinhentos alqueires
A terra é uma planura infindável, e não como aparece
Ao ignóbil transeunte confinado às sombras da lua.
O céu é um Vórtice já há muito transpassado;
A terra, um Vórtice ainda intocado pelos navegantes da
Eternidade. [...]
Toda fração de Tempo menor que um pulsar de artéria
Equivale a Seis Mil Anos.
Pois neste Ciclo é criada a obra do Poeta, e nele os Grandes
Eventos do Tempo se iniciam e são concebidos
No fulcro de um instante, Pulsação arterial.
O céu é uma Tenda Eterna erguida pelos Filhos de Los;
E o vasto Espaço que o Homem contempla em sua morada
Na cobertura ou
jardim no cimo
de uma colina
De vinte e cinco
pés de altura, é
seu Universo;
[...]
Tal é o espaço
denominado
Terra & tal sua
dimensão
Enquanto essa
falsa aparência que se apresenta ao racionalista
Como um Globo rolando através da Vacuidade, é uma
decepção de Ulro.
E disto nem desconfiam o Telescópio ou o Microscópio;
Alteram os parâmetros dos Órgãos do Espectador, deixando
intocados os objetos;
Pois cada Espaço maior que um Glóbulo vermelho de sangue
Humano
É visionário e foi pelo martelo de Los criado.
E cada espaço menor que um Glóbulo de sangue estende-se
Ás larguras da Eternidade, da qual esta terra
Vegetal não é senão a mera imagem.
O Glóbulo vermelho é o insondável Sol por Los criado,
Para mensurar o Tempo & o Espaço aos Mortais a cada manhã.
Compare-se com este conciso (e famoso) poema de seu
cadernos de notas:
Num grão de areia ver um mundo
Na flor silvestre a celeste amplidão
Segura o infinito em sua mão
E a eternidade num segundo.
Em uma condensação, Blake proclamaria, em O Casamento do Céu
e do Inferno, que Um pensamento abarca a imensidão. A frase
equivale a outra, epígrafe dos beats e de experiências com
alucinógenos depois de inspirar o título de Huxley, As Portas da
Percepção: Se as portas da percepção se desvelassem, cada coisa
apareceria ao homem como é, infinita. Pois o homem se
enclausurou a tal ponto que apenas consegue enxergar através das
estreitas frestas de sua gruta.
Nada a estranhar na extensão temporal contida em um glóbulo de
sangue, nos patamares de tempo e espaço dos trechos aqui citados
de Milton. Alguém capaz de ver um mundo no grão de areia, para
quem a eternidade podia caber em um segundo, relatou, em obras
como Milton e Jerusalém, como eram o infinito e a eternidade.
O paradigma para avaliar os poemas mais complexos de Blake
deve ser outro. A propósito dos apócrifos, dos textos apocalípticos
dos primeiros séculos a.C. e d.C, Serge Hutin, em Les Gnostiques
(Presses Universitaires de France, coleção Qui sais’je?), comenta
os motivos pelos quais esse tipo de produção, especialmente
aquela dos gnósticos, por muito tempo foi visto com desconfiança
ou posto à margem por historiadores positivistas e teólogos
racionalistas: Muitos historiadores ainda consideram o
gnosticismo como um monumento de sonhos e devaneios
bizarros, de incoerências, de mitos estranhos, de fantasmagorias
desprovidas de todo interesse filosófico, e que não são, em
definitivo, que um ramo particularmente degenerado do
inquietante sincretismo religioso do primeiro e segundo século da
nossa era.
Tais características – ser bizarro, esdrúxulo, um desafio ao
racionalismo – também se ajustam a uma sensibilidade moderna:
dela fazem parte a valorização do grotesco por românticos, ou do
surreal e transgressivo hoje. A qualificação como monumento de
sonhos e devaneios bizarros vale para especulações gnósticas e
para Jerusalém e Milton de Blake, Aurélia de Nerval, Iluminações
de Rimbaud ou Os Cantos de Maldoror de Lautréamont, entre
outros que passaram de malditos a cultuados.
Foi por perceber isso que André Breton saudou a descoberta das
“escrituras” gnósticas de Nag Hammadi em um texto de 1949,
Flagrant délit. Declarando-se continuador de uma tradição esotérica
na poesia cuja origem estaria no gnosticismo, o surrealista indagou
como foi possível a tradição gnóstica conservar-se. Observou que
isso não decorria necessariamente da transmissão direta: Será
preciso admitir que os poetas sorvem, sem o saber, em um fundo
comum a todos os homens, singular pântano cheio de vida onde
fermentam e se recompõem sem parar os destroços e os restos das
cosmogonias antigas, sem que os progressos da ciência lhes
provoquem uma mudança apreciável? E sugeriu [...] um poder de
absorção de ordem osmótica e para-sonambúlica dessas concepções
tidas, ao olhar racional, por aberrantes. [...] Nessa floresta virgem
do espírito, que margeia por todos os lados a região onde o homem
conseguiu erguer seus marcos indicadores, continuam a rondar os
animais e os monstros, pouco menos inquietantes do que em seu
papel apocalíptico. Ao mencionar os animais e os monstros, apenas
menos inquietantes do que em seu papel apocalíptico, encontrados
entre os destroços e os restos das cosmogonias antigas, Breton lhes
atribui valor oposto àquele conferido pelos racionalistas e
positivistas. Pelas mesmas razões, já na década de 1930, Georges
Bataille, o pensador da transgressão, já havia destacado o caráter
perturbador, pelo baixo materialismo, por trazer os fermentos mais
impuros, do gnosticismo.
A mitologia pessoal de Blake poderia ser interpretada como um
sistema de metáforas para referir-se à opressão e à desigualdade;
para atacar o sombrio panorama oferecido por uma primeira fase da
industrialização, da implantação do mundo burguês, na Inglaterra.
Seu monismo panteísta, declarado em O Casamento do Céu e do
Inferno, também seria metáfora, porém da superação do status quo
e da realização da utopia: outra face, o reverso da moeda.
Corroboram essa interpretação as frases em tom triunfal do epílogo
de O Casamento do Céu e do Inferno, intitulado Uma Canção de
Liberdade: O IMPÉRIO CAIU! E AGORA O LEÃO & O LOBO TERÃO
FIM! E seu notório envolvimento com acontecimentos de seu tempo,
evidente em poemas como The French Revolution e América.
Durante a Revolução Francesa, provocador, ostentava o barrete
vermelho dos revolucionários.
Mas não basta
interpretá-lo como
crítico que usava
categorias
teológicase formulou
mitologias na falta
daquelas
propriamente
políticas. Conhecia o
repertório político
corrente em sua
época. As estranhas
divindades e
cosmogonias não
estão em sua poesia
apenas pelo valor
como alegorias. Expunha mitos enquanto tais, como realidades
reveladas. É o que fica claro através de uma passagem como esta,
de um de seus derradeiros textos, A Vision of the Last Judgement:
O Juízo Final não é Fábula ou Alegoria, porém Visão. Fábula ou
Alegoria são uma modalidade totalmente distinta e inferior de
Poesia. Visão ou Imaginação é uma Representação do que
Eternamente Existe, Real e Insubstituível. [...] Fábula é alegoria,
mas o que os Críticos chamam de A Fábula é a própria visão. A
Bíblia Hebraica e o Evangelho de Jesus não são Alegoria, porém
Eterna Visão ou Imaginação de Tudo que Existe.(em Complete
Writings de Blake, na edição Keynes – nas citações dessa edição, a
tradução é minha).
Poetas preferem ser tomados por seu valor de face, em vez de
serem racionalizados. Aquilo de que Blake falou – Urizen, Orc, o
vale de Thel, Rintrah, os Zoas, Golgonooza, Palamobrom – era dado
como real. Exigiu que o levassem a sério, que o lessem como
profeta visionário e não como pensador abstrato.
Torna-se inevitável projetar na leitura de Blake sua teoria de
opostos, a afirmação de que os contrários movem o mundo:
portanto, movem a criação poética. E juízos de valor como este, de
O Casamento do Céu e do Inferno: O homem que jamais muda sua
opinião é como água estagnada & engendra os répteis da mente.
Entender e aceitar seus desafios ao princípio lógico da identidade e
não-contradição possibilita examiná-lo como místico, visionário e
sonhador, ou poeta do sonho.
Há divergências na classificação de Blake como místico. Frye inicia a
nota final de Fearful Symmetry com uma advertência: A palavra
“místico” nunca trouxe nada senão confusão para o estudo de Blake.
Já um especialista em misticismo, Gershom Scholem, deu uma
resposta inequívoca: Blake representou o misticismo sem laços com
qualquer autoridade religiosa, em companhia de Rimbaud e
Whitman, também heréticos luciferianos; pois sua imaginação era
estimulada por imagens tradicionais, ou da igreja católica oficial
(Rimbaud) ou de origem hermética e espiritualista, subterrânea e
esotérica (Blake). [2]
Scholem ainda distingue – a propósito de Blake, Rimbaud e
Whitman – duas atitudes dos místicos, uma conservadora e outra
revolucionária: uma atitude revolucionária é inevitável uma vez que
o místico invalida o sentido literal das escrituras sagradas. Místico
revolucionário: por isso, um contendor das religiões institucionais,
do clero, frontalmente atacado ao longo de toda a sua obra, como
nesta passagem de O Casamento do Céu e do Inferno:
Os poetas da Antigüidade animaram todos os objetos sensíveis
com Deuses ou Gênios, nomeando-os e adornando-os com as
propriedades dos bosques, lagos. cidades, nações e tudo o que
seus dilatados sentidos podiam perceber.
Particularmente, estudaram o Gênio de cada cidade & país,
colocando-o sob a égide de sua deidade mental.
Até que se formou um sistema, do qual alguns se
aproveitaram e escravizaram o vulgo, interpretando e
abstraindo as deidades mentais de seus respectivos objetos.
Então surgiu o Clero;
Elegendo formas de culto dos mitos poéticos.
E proclamando, por fim, que assim haviam ordenado os
Deuses.
Os homens então esqueceram que Todas as deidades residem
em seus corações.
Vê-lo como místico, e mais, como visionário, encontra respaldo
entre outros estudiosos de Blake; e em seu próprio testemunho. É
um resumo de sua poética esta passagem de O Casamento do Céu
e do Inferno:
Os profetas Isaías e Ezequiel jantavam comigo. Perguntei-lhes
como se atreviam a afirmar que Deus falava com eles; e se não
achavam que isto os tornava malditos & passíveis de
perseguição. Isaías respondeu: “Jamais pude ver ou ouvir Deus
dentro de uma percepção orgânica e finita; Meus sentidos
descobriam o infinito em cada coisa, e como desde então
estivesse convicto & recebesse o sinal que a voz da indignação
sincera é a voz de Deus, alheio às conseqüências, escrevi.
Logo a seguir, outra frase reveladora, em um dito atribuído a
Ezequiel: A filosofia do Oriente ensinou os princípios básicos da
percepção humana.
Que percepção e
que visões e
audições são
essas? Fica
evidente pelo
trecho citado que,
para Blake,
equivaliam-se a
percepção de algo
como experiência
subjetiva ou como
fato objetivo,
exterior ao sujeito.
Podem contribuir
para a
compreensão da
poética visionária de Blake algumas observações de Breton
publicadas em Le méssage automatique. Nesse texto de 1933,
deixando de associar a escrita automática apenas ao inconsciente
freudiano, o surrealista citou Myers, o psicólogo experimentalista
que pesquisou imagens eidéticas, como os pós-efeitos visuais
(quando olhamos fixamente para uma fonte de luz, e esta, alterada,
permanece ao fecharmos os olhos). E concluiu com uma afirmação
ousada: Toda a experimentação em curso seria de natureza a
demonstrar que a percepção e a representação – que para o adulto
ordinário parecem opor-se de uma maneira tão radical – não devem
ser tidos senão como produtos da dissociação de uma faculdade
única, original, da qual a imagem eidética dá conta e da qual se
reencontram traços entre os primitivos e as crianças.
Aceita essa argumentação, visões e alucinações ganham o estatuto
de percepções plenas: o visionário efetivamente vê; ou, no
automatismo verbal, de fato ouve. Breton exemplificou com Santa
Tereza d’Ávila, ao ver sua cruz de madeira transformar-se em
crucifixo de pedras preciosas, e considerar essa visão ao mesmo
tempo imaginada e sensorial. O exemplo o levou a uma tirada
irônica: Tereza d’Ávila pode passar como alguém que comanda essa
linha na qual se situam os médiuns e os poetas. Infelizmente, ainda
não passa de uma santa.
Felizmente – adotando os critérios de Breton – Blake não foi apenas
um santo, porém um poeta. E alguém que teria endossado a
afirmação bretoniana de que percepção e representação são a
mesma coisa, com o mesmo estatuto de realidade ou o mesmo
valor de verdade. Suas visões dos profetas, do irmão falecido, e do
restante, correspondiam à faculdade única, original a que se
referiria Breton: a superação da dicotomia entre o mundo subjetivo
e objetivo, comum aos médiuns e os poetas, e aos místicos. E
coerente, se interpretada desse modo, com o monismo de Breton e
com o Blake monista: não era o outro lado que se enxergava, pois a
separação entre natural e sobrenatural fora superada.
Ao sustentar a realidade de suas visões, Blake formulou uma
poética do delírio. Considerá-lo louco equivale a depreciá-lo, e seria
injusto, por ignorar que Blake concluiu Jerusalém e The Everlasting
Gospel no mesmo ano de 1820: um poema exorbitante em matéria
de simbolismo, que pode ser classificado como delirante, e outro
bem linear, pura argumentação, sem nenhum personagem de sua
mitologia particular. Em The Everlasting Gospel, voltou a proclamar
sua anti-ortodoxia; por isso, a relativização dos ensinamentos
evangélicos:
A Visão do Cristo que tu vês
É a maior inimiga da minha visão.
A tua tem um grande nariz adunco como o teu,
A minha tem um nariz redondo como o meu.
A tua é a do Amigo da Humanidade;
A minha fala em parábolas aos cegos:
A tua ama o mesmo mundo que a minha odeia;
As portas do teu céu são os portões do meu inferno.
Sócrates ensinava o que Meletus
Detestava como a mais amarga Maldição de uma Nação,
E Caifás era em sua própria Opinião
Um benfeitor da Humanidade:
Ambos lemos a Bíblia noite e dia,
Mas tu lês negro onde eu leio branco.
Cada parte do poema começa com uma pergunta:
Foi Jesus gentil, ou deu ele
Algum sinal de Gentileza? [...]
Foi Jesus Humilde? ou deu ele
Quaisquer provas de Humildade? [...]
Foi Jesus Casto? ou deu ele
Quaisquer Lições de Castidade? [...]
Ensinou Jesus a dúvida? [...]
Foi Jesus Nascido de uma Virgem Pura
De Alma estreita & aparência recatada? [3]
A resposta é sempre negativa: apoiando-se nos evangelhos, mostra
que Jesus Cristo não foi gentil, nem humilde, nem casto, nem
nascido de uma virgem. Mas o que sobraria do ensinamento
evangélico? Para Blake, apenas o perdão: Não há uma Virtude Moral
que Jesus Pregasse que Platão & Cícero não houvessem Pregado
antes dele; o que então Jesus Pregou? Perdão dos Pecados.
Mas esse perdão,
argumentou Blake,
sendo uma
supressão ou
esquecimento,
equivale à
revogação da Lei
mosaica e da idéia
de pecado: Pois
Virtudes Morais
todas começam/
Na Acusação de
Pecado. Declarou o
pecado contingente
a um código, e não
ao Pecado Original.
Em conseqüência dessa interpretação de Jesus Cristo como
supressor da repressão, o moralismo é diabólico: Pois o que é
Anticristo senão aqueles/ que contra Pecadores fecham o Céu/ Com
grades de Ferro.
Se tais textos corrigem a idéia do Blake possesso, em surto, a
recíproca, normalizá-lo, também é redutora. Loucura e criação não
são incompatíveis: Hölderlin escreveu poemas importantes depois
de enlouquecer; e Gérard de Nerval teve crises e surtos que
resultaram não só nas experiências de efusão do sonho na vida real
relatadas em Aurélia, mas em sonetos de As Quimeras. O romântico
francês comentou, ironicamente: Recobrando o que os homens
chamam de razão, não deveria eu lamentar tê-la perdido?
Interessa a noção de efusão ou transbordamento do sonho de
Nerval. Evidentemente, uma coisa é a transcrição de um sonho, ou
então o relato de um delírio, e outra sua efusão, que pode resultar
em uma epopéia como Vala or The Four Zoas, com suas 120
páginas na edição Keynes, à qual Blake deu o seguinte subtítulo:
um SONHO de Nove Noites, intitulando ainda cada uma das suas
nove partes como Noite a primeira, Noite a segunda, etc –
reproduzindo a valorização romântica do sonho, tão precursora do
surrealismo.
Não só essa epopéia, como os demais poemas extensos de Blake
requerem leitura e interpretação através do que se sabe sobre a
“lógica” do sonho. Especialmente sobre um dos mecanismos da
formação de símbolos, o deslocamento. No sonho, seria possível um
enredo no qual Jesus Cristo comparece, em sua condição de
salvador, para tornar-se Lúcifer, e este transformar-se em Jeová,
que por sua vez é alguém que conhecemos, e logo é um autor que
lemos, e ainda algum personagem inteiramente novo, enquanto
também vão mudando a cena e as situações nas quais isso ocorre.
Há instabilidade dos símbolos: o mesmo símbolo pode significar
muitas coisas distintas, assim como vários símbolos significam a
mesma coisa. A instabilidade não é “ilógica”: tanto é que Frye, em
Fearful Symmetry, foi capaz de construir um diagrama, em forma
de matriz, dando conta dessas mutações em Vala or The Four Zoas.
Mas isso não permite dizer que esse poema não fosse delirante:
delírios têm lógica; mas é uma lógica própria. Nessa e em outras
das obras de Blake, há, não só polissemia, mas um universo que,
desconhecendo os princípios lógicos da identidade e nãocontradição, é multidimensional. Assim como no sonho, os símbolos
flutuam em sua relação com o que significam. É seu infinito.
Nesse infinito, apenas a imaginação seria estável. Matriz da criação,
equivale à existência do Adam Cadmon, o homem pleno. Conforme
a fala dos Sete Anjos a Satã, em Milton:
A Imaginação não é um Estado: é a própria Existência
Humana.
Afeição ou Amor tornam-se um Estado quando divididos da
Imaginação.
A Memória é um Estado sempre, & a Razão é um Estado
Criado para ser Aniquilado e uma nova razão ser Criada.
Tudo o que pode ser Criado pode ser Aniquilado: Formas não
podem:
O Carvalho é abatido pelo Machado, o Cordeiro cai pela Faca,
Mas suas Formas Eternas Existem Para-sempre. Amem.
Aleluia!
Ou, em Jerusalem:
Não sei de nenhuma outra Cristandade e de nenhum outro
Evangelho a não ser a liberdade de ambos, corpo & mente,
para exercer as Divinas Artes da Imaginação, Imaginação, o
Mundo real & eterno do qual este Universo Vegetal não passa
de uma sombra fugidia, & no qual viveremos em nossos
Corpos Eternos ou Imaginativos quando estes Corpos Mortais
Vegetais não mais existirem. Os Apóstolos não conheciam
nenhum outro Evangelho.
Há uma evidente resposta ao dualismo nessa passagem: a liberdade
é de ambos, corpo & mente. Talvez se referisse às doutrinas
platônicas ao falar em sombra fugidia neste Universo Vegetal, caído.
Mas no centro não está mais o logos impessoal, porém a
imaginação, entendida do mesmo modo como a celebravam
Coleridge e Wordsworth, bem como Novalis e Baudelaire, que a
chamou de rainha das faculdades: uma faculdade evidentemente
humana, mas também divina; ou então, correspondente ao divino
no humano, que em Blake é o plenamente humano. Para os
profetas gnósticos e apocalípticos da Antiguidade tardia, o
conhecimento, identificado à salvação, era intransitivo, absoluto;
mas a liberdade era transitiva: liberdade para sair do mundo e
deixar de existir como indivíduo. Para Blake, o conhecimento era
intransitivo, total, e também o era a liberdade.
Tanto em sua poesia “simbólica” quanto em O Casamento do Céu e
do Inferno, o Paraíso é aqui: pode estar no grão de areia; porém
apenas homens e mulheres livres saberão enxergá-lo. E a salvação
não é a saída do mundo, mas sua restauração: o novo mundo,
anunciado no final de Vala or The Four Zoas:
Onde está o Espectro da Profecia? onde o ilusório Fantasma?
Partiram: & Urthona se ergue dos arruinados Muros
Em toda a sua força antiga para formar a dourada armadura
da Ciência
Para a Guerra intelectual. A guerra das espadas agora partiu,
As escuras Religiões partiram & a doce Ciência reina.
Novo mundo; e um mundo arcaico, primordial, no qual, como disse
em O Casamento do Céu e do Inferno, A altivez do pavão é a glória
de Deus. / A lascívia do bode é a dádiva de Deus. / A fúria do leão é
a sabedoria de Deus. / A nudez da mulher é a obra de Deus. Pois
tudo o que vive é Sagrado. Ou melhor, tudo o que fosse
espontâneo, livre do controle pela razão. Daí outra máxima famosa:
O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria. Em seu
universalismo místico e poético, Todos os homens são iguais,
embora infinitamente vários, Assim (e com a mesma infinita
variedade) todos são iguais no Gênio poético. No centro do universo
de Blake, no lugar de Deus está o homem. Não o homem mundano,
porém o Antropos, equivalente ao universo. Suas epopéias são
relatos da perda e reconquista da plenitude. Não buscou o
conhecimento abstrato, porém a vida. Não aspirava à salvação,
porém à liberdade, entendendo-a como liberdade de criar, e não só
como a libertação do mundo dos santos e místicos.
NOTAS
1. Na tradução de Alberto Marsicano, assim como as demais
citações deste poema.
2. Scholem, Gershom G, On the Kabbalah and its Symbolism,
Schockem Books, New York, 1965, pg. 16.
3. Também de Blake, Complete Writings, assim como as citações
seguintes.
Claudio Willer (Brasil, 1940) é um dos editores da Agulha. William Blake retratado por
Thomas Phillips (1770-1845). Contato: [email protected]. Página ilustrada com
obras do artista William Blake (Inglaterra).
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
artista convidado: william blake
William Blake: apuntes para tratar de
visionar la voz del bardo
Jesús David Curbelo
.
En
el
penúltimo texto de su volumen The Sacred Wood, T. S. Eliot
apunta: “La concentración resultante de una armazón de mitología,
teología y filosofía es una de las razones por las que Dante es un
clásico y Blake sólo un poeta de genio”. Y lo hace, a pesar de haber
escrito, a inicios del mismo párrafo: “Blake estaba dotado con una
capacidad considerable para la comprensión de la naturaleza
humana, con un apreciable y original sentido del lenguaje y de la
música del lenguaje y con el don de una visión alucinada”. [1] Es
decir, con aquellas características tendientes a convertir a un poeta
en clásico porque aguzan su sentido ontológico, lo obligan al
escrutinio lingüístico y sazonan su poesía con una perspicacia
cognoscitiva transgresora de las lindes permitidas al lírico de
talento. Claro, no debemos olvidar algo: esta consideración casi
final del ensayo de Eliot sobre William Blake obedece, ante todo, a
un razonamiento de carácter religioso. El anglocatólico autor de Ash
Wednesday no estaba listo para tolerarle a Blake la disidencia de la
tradición latina y la creación de un universo altamente personal
tanto en la filosofía, como en las visiones, en la penetración y en la
técnica. Un cosmos expresivo de la peculiar honestidad que, en un
mundo tan asustado de ser honesto, se hace mucho más terrible,
pues es una honestidad contra la cual la humanidad conspira al
resultarle antipática. Según el propio Eliot, la poesía de Blake tiene
la antipatía de la alta poesía, de aquella que, por una extraordinaria
labor de simplificación, exhibe la enfermedad esencial o la
intensidad del alma humana, y cuya honestidad nunca existe sin
una gran realización técnica, [2] descubridora de nuevas formas
expresivas para el cúmulo de ideas nuevas a través de las cuales el
poeta propone una relectura del universo y de la propia poesía.
De hecho, la apreciación literaria posterior a Eliot, con Northrop Frye
y Harold Bloom a la cabeza, libró una cruzada contra las influencias
de la nueva crítica anglocatólica ortodoxa; empresa que dio origen,
entre otros, a dos volúmenes capitales en el estudio de la obra del
poeta londinense: Fearful Symmetry (1947) y Blake’s Apocalypse
(1963), de Frye y Bloom respectivamente, para continuar así una
tradición surgida desde Algernon Charles Swinburne (William Blake:
A Critical Essay, 1868) y llegada hasta nuestros días, tras pasar por
algunas de las mayores inteligencias críticas de la lengua inglesa
(William Butler Yeats: Ideas of Good and Evil, 1903; Gilbert Keith
Chesterton: William Blake, 1910) y de otras lenguas occidentales
(Philippe Soupault: William Blake, 1928; Denis Saurat: Blake y el
pensamiento moderno, 1929; Luis Cernuda: “William Blake”). La
mayoría de ellos no vacila en colocar a Blake en una escogida tríada
de poetas-profetas donde lo acompañan y preceden Dante Alighieri
y John Milton, creadores también de complejos sistemas
mitopoéticos y filosóficos en los cuales el poeta desempeña un papel
preponderante como vector del conocimiento de Dios y de los
hombres. Ahora bien, me parece importante discernir el grado de
compromiso político presente en Dante y Milton, así como las
mayores aspiraciones culturales pragmáticas [3] que los movían a
ambos, mientras Blake fue mucho más independiente al no estar
tentado por los móviles de la vida política directa ni por el señuelo
del éxito literario, como tampoco estaba, en esencia, comprometido
con una causa religiosa (el catolicismo de Dante o el puritanismo de
Milton) influyente en su lectura del fenómeno Dios hasta hacerla
menos flexible y heterodoxa.
Esta relativa libertad religiosa y política [4] coloca a Blake en la
postura de los autores optantes por la reformulación conceptual,
ética y lingüística de su universo y los seres que lo habitan, y ahí se
emparienta con Shakespeare en la agudeza cognitiva, la energía
lingüística y el poder de invención, tanto como en esa suerte de
pasión ontológica por el goce, sintetizado en algunos de sus
Proverbios del Infierno: “La exuberancia es belleza” y “El camino del
exceso lleva al palacio de la sabiduría”. [5] Es bueno recordar,
también, que en la época de Blake, el poeta tiende a un estado de
relación panteísta con la naturaleza (patente quizá en sus primeros
libros), y la tendencia a trasmutar el dolor y el terror en forma de
placer se aprecia en el sadismo y las imágenes diabólicas de buena
parte de la llamada agonía romántica; en este período fue muy
común la construcción de epopeyas en las cuales los mitos
representan estados mentales sicológicos o subjetivos, como puede
apreciarse en la segunda parte del Fausto de Goethe, [6] en los
Libros proféticos del propio Blake y en los poemas mitológicos de
John Keats (Endymion, Lamia, Hyperion) o Percy B. Shelley
(Adonais). [7]
No obstante, la diferencia de Blake con todos ellos, y con sus
predecesores, estriba en el peculiar significado conferido al término
visión, luego tan llevado y traído en la ciencia literaria moderna. En
A Vision of the Last Judgement, escribió Blake: “Visión o
imaginación es representación de lo que existe eterna, real e
inalterablemente... La imaginación va rodeada por las hijas de la
inspiración” (en oposición a la fábula o alegoría, rodeada por las
hijas de la memoria, según acotara Milton repitiendo la creencia
griega de las nueve musas). Y sigue Blake: “La naturaleza de la
fantasía visionaria o imaginación es bien poco conocida, y la índole
eterna y permanente de sus imágenes duraderas se la considera
como menos permanente que las cosas de la naturaleza vegetativa
o generativa; y sin embargo la encina muere lo mismo que la
lechuga, aunque su imagen eterna e individualidad nunca muere,
sino que se renueva por medio de la semilla. Del mismo modo la
imagen imaginativa vuelve por medio de la semilla del pensamiento
contemplativo”. [8] Aquí juega un peso fundamental, a mi juicio, la
doble condición de poeta y pintor de la cual gozaba el cantor de la
inocencia y de la experiencia, antecesor en años de los imaginistas y
de la gran relevancia conferida por ellos al elemento pictórico en la
lírica, pues sus poemas están muy concentrados en la imagen
visual, y llegan, algunas veces, a funcionar como su propia
ilustración. [9] En su ensayo “El simbolismo y la pintura”, W. B.
Yeats, cita la siguiente frase de Blake: “Si el espectador pudiera
entrar en el interior de una de esas imágenes de su imaginación,
acercándose a ellas en el carro de fuego de su pensamiento
contemplativo... podría convertir en amiga y compañera suya a una
de aquellas imágenes maravillosas, que no cesan de suplicarle que
abandone las cosas mortales (como debe hacerlo); entonces sería
capaz de ir al encuentro del Señor de los aires, y entonces se
sentiría rebosar de felicidad”, y más adelante, vuelve a citarlo: “El
mundo de la imaginación es el mundo de la eternidad. Es el seno
divino al que todos iremos después de la muerte de este cuerpo
vegetativo. El mundo de la imaginación es infinito y eterno, en tanto
que el mundo de la generación y de la vegetación es finito y
temporal. En aquel mundo eterno existen las realidades eternas de
todo, que nosotros vemos reflejadas en el espejo vegetal de la
naturaleza. Todas las cosas, en sus formas eternas, están
comprendidas en el cuerpo divino del Salvador, el verdadero vino de
la eternidad, la imaginación humana”. [10]
Quizá por esas
peculiaridades el
término visión en Blake
ha sido recepcionado
por la crítica [11] como
una fuerza imaginativa,
no de la grandeza
personal del poeta, sino
de algo impersonal y
mayor: la visión de un
acto decisivo de
libertad espiritual, la
visión de la re-creación
del hombre, la
proclamación de un
programa para
restaurar al ser y abogar por un nuevo tipo de inocencia, la del
espíritu humano triunfante sobre la razón. Para Blake, el Iluminismo
-el poderío de la razón, escudado en la trinidad profana de Bacon,
Newton y Locke (deísmo, cientificismo, racionalismo), a los que se
sumaban otros apóstoles de este pensamiento como Descartes,
Voltaire y Rousseau- constituía una desviación de la palabra
original, traicionada primero por los sacerdotes y después por los
filósofos, y su misión consistía en restablecerla mediante la visión.
Así, si bien no pudo soportar el tono del deísmo, retuvo, en cambio,
mucho de su contenido y hasta buena porción de su lógica, pues
arribó a su propio uniformismo, y redujo la religión a un punto en
esencia ético: el perdón de los pecados. Fue, además, víctima del
primitivismo, tan común al siglo xviii y adoptó un punto de vista
negativo de la historia al pensar que todas las obras de la
Civilización eran obstructoras de la enorme luz de los tiempos
primitivos. Descartes, en sus Meditaciones de prima philosophia
había dicho: “Podría parecer extraño que opiniones de peso se
encuentren en las obras de los poetas en vez de en las de los
filósofos. La razón de esto es que los poetas escribieron movidos por
el entusiasmo y la imaginación; hay en nosotros semillas de
sabiduría, como hay fuego en el pedernal; los filósofos las sacan por
medio de la razón, mientras que los poetas las extraen con su
imaginación y por ello brillan más intensamente”. Sin embargo, el
mito cartesiano de la conciencia tomó el fuego del pedernal y relegó
a los poetas al sitio conceptuado por Blake “la ficción hendida”, con
las alternativas de idealismo y materialismo, ambas antipoéticas.
Blake, anticartesiano profundo, opuso a la Dióptrica mecanicista
cartesiana su teoría personal del Vórtice. Descartes quería salvar los
fenómenos por medio de su mito de la extensividad: un cuerpo
asumía una forma definida, se movía dentro de un área fija y era
dividido dentro de su área; con lo cual conservaba su integridad en
un devenir estrictamente limitado. Esto establecía el mundo o la
diversidad de sensaciones dadas a los poetas, y de allí parte la
visión wordsworthiana, surgiendo desde el encierro hasta el éxtasis
impuesto por la reducción que Wordsworth decidió nombrar
Imaginación. [12] A pesar de admirar la poesía de William
Wordsworth, Blake la impugnó basándose en su horror a la ilusión
impuesta, a esa suerte de éxtasis contentivo, para él, de una
disminución. De acuerdo con la teoría cartesiana de los vórtices,
todo movimiento tenía que ser circular (no habiendo vacío por
donde la materia pudiera desplazarse) y toda materia debía ser
susceptible de más reducción (no había átomos, por tanto); para
Blake, estos eran los movimientos de los molinos de Satanás, que
molían en vano en su imposible tarea de reducir los Átomos de la
Visión, de suyo indivisibles. En la teoría blakeana de los vórtices, el
movimiento circular es una autocontradicción: cuando el poeta se
encuentra en el ápice de su propio Vórtice, los círculos cartesianos y
newtonianos se disuelven en la llanura de la Visión y no se destaca
otra cosa. Blake no deseaba salvar los fenómenos, ni salvar las
apariencias; era -y es- un teórico de la salvación de la influencia
poética y, con ella, del hombre en su eterna lucha por crecer
espiritualmente en un universo regido por un Dios a primera vista
justo, pero en el cual subyace un enigma a descifrar: la existencia y muchas veces la preponderancia- del mal. [13]
La existencia de esta dicotomía entre bien y mal, manifiesta a lo
largo de toda la obra de Blake, obedece sin duda a la fuerte
reminiscencia que hay en su poesía, y en su pensamiento poético,
del pensamiento gnóstico, y de sus derivados el maniqueísmo y el
catarismo de los franceses ubicados en la región de Albi y del
Condado de Foix, según refiere Alejo Carpentier al comentar el libro
de Denis Saurat acerca de Blake y la filosofía moderna. [14] En
efecto, son estrechos los vínculos de Blake con el gnosticismo, [15]
pues se acerca a esta doctrina herética por entender la creación
como una obra nefasta, no proveniente de la potencia suprema,
sino de un Dios caído o demiurgo; por su condenación de la ley
mosaica y del judaísmo que Cristo vino a trastocar y no a
regenerar; y por la división indefinida de sus personajes en
emanaciones. Muchas de las entidades o seres a los cuales su visión
poética presta vida (como veremos al abordar sus principales libros
proféticos), tienen sus antecedentes metafísicos en Basílides,
Valentín o Marción; tal como buena parte de esa vacuidad
cosmológica en la cual, según Blake, el hombre yerra y llora, resulta
heredada de ese sitio entre la verdad y el sentido que los antiguos
gnósticos tildaban kenoma.
De la filiación de Blake con el pensamiento de Mani (o Manes, como
igual se le conoce) parece dar fe el hecho de que el tajante
dualismo del persa subsiste en la suerte de casi-dualismo apreciable
en el inglés. La doctrina fundamental del maniqueísmo se basa en
una división dualista del universo. En la lucha entre el bien y el mal
el ámbito de la luz (espíritu) está gobernado por Dios y el de la
oscuridad (problemas) por Satán; estos dos ámbitos, en el origen,
estaban totalmente separados, pero a causa de una catástrofe el
campo de la oscuridad invadió el de la luz y ambos se mezclaron y
se vieron involucrados en una contienda perpetua. La especie
humana es un producto, y al tiempo un microcosmos, de esta lid. El
cuerpo humano es material, y por lo tanto, perverso; el alma es
espiritual, un fragmento de la luz divina, y debe ser redimida del
cautiverio que sufre en el mundo dentro del cuerpo. Se logra
encontrar el camino de la redención a través del conocimiento del
ámbito de la luz, sabiduría impartida por sucesivos mensajeros
divinos, como Buda y Jesús, y que termina con Mani. Una vez
adquirido este conocimiento, el alma humana puede lograr dominar
los deseos carnales, sólo favorables para perpetuar ese
encarcelamiento, y consigue así ascender al campo de lo divino.
Blake, por su parte, erigió la doctrina del Dios de este mundo, a
quien el hombre concede de modo erróneo autoridad, pero que debe
ser redimido (no destruido) por el espíritu de Jesús. Blake, además,
renunció a la adoración del Dios de los judíos, Príncipe de las
Tinieblas, por amor a Cristo, pero a diferencia de los maniqueos, no
confirió a Jehová poderes reales. [16]
Para Denis Saurat, la única tradición cristiana con la que puede
enlazarse el pensamiento de Blake es la cátara, si se considera
siempre el catarismo como una categoría espiritual, un modo de ser
y de vivir, una constante de la humanidad. Los cátaros sostienen la
concepción del Dios malvado o Satán (el Dios del Antiguo
Testamento), arrojado del cielo y forjador de este mundo físico
donde vivimos, y también del cuerpo del hombre, a quien ha
infundido un poco del espíritu del Dios bueno, el venido aquí para
encontrarse con el deber de liberar aquellos fragmentos de su
espíritu que se hallan prisioneros. Entre Dios y el mundo existen las
potencias intemediarias, los Eones, el principal de los cuales es
Cristo, redentor de las almas. Al parecer ya desde el siglo xiii el
catarismo se había asentado en las clases populares de Londres y
Saurat colige que Blake lo conoció de esa fuente, dado su origen en
la familia de un modesto comerciante en tejidos. [17]
También existen referencias a la vinculación de las doctrinas de
Blake con el zoroastrismo y, por él, con el platonismo y el
neoplatonismo, mucho más visibles en algunos contemporáneos
suyos como Wordsworth, Keats y Shelley. No obstante, prefiero
comentar sus relaciones con la Cábala y con la Biblia, a mi juicio de
mayor peso dentro de su pensamiento. La presencia bíblica es harto
notable en Blake, ostensible en sus poemarios Cantos de inocencia y
Cantos de experiencia, aunque luego va moviéndose hacia una
completa independencia de ella. Los profetas, [18] sin embargo, sí
ejercieron en él una poderosa autoridad, en especial Isaías, Ezequiel
y Jeremías, si bien hizo a las claras una interpretación libérrima de
ellos, tanto en la letra como en el espíritu. Se conoce que Blake
repetía de continuo: “la Biblia es poesía inspirada y ambos
testamentos son una derivación del genio poético”, pero igual se
maneja que no hacía extensiva esa inspiración a todo el conjunto,
sino sólo a la lista swedenborgiana de los libros para ser leídos
simbólicamente, a saber: El Pentateuco, Josué, Jueces, los dos
Samueles, Salmos, los antedichos profetas, Evangelios y el
Apocalipsis. En el caso de la Cábala, Blake parece haber heredado
de ella su predilección por las palabras-símbolos, dotadas de poder
místico y representantes de una potencia inmaterial. Saurat
argumenta que Blake debió conocer la Cábala hebraica, muy
difundida en Inglaterra a través de la publicación latina de la
Kabbala Denudata, entre 1677 y 1684, y añade como el indicio más
notable la inclusión de la llamada “A los judíos” entre los capítulos I
y II de Jerusalem, donde hay alusiones evidentes a Adam Kadmon,
el primer hombre de los cabalistas. Blake y la Cábala coinciden, en
primer término, en la unidad originaria del Hombre y el Universo,
representada en la Cábala por Adam Kadmon y en Blake por Albión
y por Jesús. [19]
Esclarecedor sería, para entender mejor el pensamiento y la poesía
de William Blake, establecer sus puntos de contacto con algunos
autores anteriores a él y contemporáneos suyos. Con los clásicos
griegos y latinos sostuvo una relación de amor-odio, pues si bien en
algún momento alaba a Homero, a Virgilio, a Platón y a Cicerón,
termina apostrofando contra ellos y llamándolos el Anticristo, figura
que había contagiado con su infección a los mayores autores
ingleses anteriores a él (Shakespeare y Milton). A pesar de ello, se
sintió muy cerca de Sócrates y lo colocó junto a Jesús,
estableciendo un cierto paralelismo: “Anito, Meleto y Licón creyeron
o pensaron que Sócrates era un hombre muy pernicioso. Lo mismo
pensó Caifás de Jesús”. Le molestaba, a pesar de todo, el aspecto
moral de ciertos pasajes de Sócrates, cuya culpa finalmente trasladó
a Platón como traductor para la posteridad del ideario socrático.
Incluso llegó a decir: “Yo fui Sócrates. O una especie de hermano.
Debo haber tenido conversaciones con él. También las tuve con
Jesucristo. Tengo un oscuro recuerdo de haber estado con los dos”.
[20]
Con Dante, la correspondencia es asimismo contradictoria: la
heterodoxia blakeana está bien distante del catolicismo dantesco
(no tan ortodoxo como puede parecer a simple vista, si recordamos
que en varias ocasiones Dante reformuló dogmas teológicos y
nociones políticas para acomodarlos a su cosmovisión particular).
No obstante, Blake fue un fuerte admirador de Dante, al grado de
aprender italiano para poder leerlo en el original y conseguir indagar
mejor en la esencia de la Divina Comedia, que habría de ilustrar de
manera peculiar durante los últimos años de su vida. Esto obedece,
de seguro, al detalle de haber observado en él y en su obra la
dramática visión de las pasiones humanas y una representación
también visionaria de los mundos espirituales, tan familiar con la
suya en lo que Eliot denominó una armazón de mitología, teología y
filosofía. Asimismo debe haber visto en el italiano un temperamento
singular e indomable, como el suyo, que no se resignó sólo a
absorber la tradición sino que la sometió hasta hacerla encajar en
su propia naturaleza. [21] Para Yeats, sin embargo, Blake y Dante
se encuentran en las antípodas pues, para Blake, Dante, en virtud
de ser un gran poeta, estaba inspirado por el Espíritu Santo, pero su
inspiración se hallaba mezclada con ciertas dosis de una filosofía
que el bardo inglés juzgaba mortal y enemiga de las cosas
inmortales. Esta filosofía era la de los guerreros, la de los hombres
de mundo, la de los clérigos obsesionados con el arte de gobernar y
era, de alguna forma, la filosofía de Cristo, quien al descender al
mundo estaba obligado a cargar con el mundo. Enfrentándose a tal
filosofía, Blake alzaba la de Jesucristo cuando se envolvió en su
esencia divina, la de los artistas y los poetas a los que la naturaleza
de su profesión enseñó a simpatizar con todas las cosas vivientes.
Su ligadura con Milton es igual de paradójica: por un lado lo
considera, como veremos en el libro-poema Milton, el símbolo del
poeta inspirado, y por otro declara estimarlo en verdad tan sólo por
el mérito que confiere a Satán en el Paraíso perdido. Saurat nos
advierte, empero, hasta qué punto Blake usó y modificó el material
miltoniano en sus textos Los cuatro Zoas y Milton, y menciona los
nexos entre el Urizen de Blake y el Satán de Milton: Urizen intenta
conquistar el poder supremo, cae, establece su dominio en la tierra
sobre todos los hombres mediante la falsedad de la religión, y por
fin es vencido por Jesús. Muy similar en verdad, aunque los detalles
episódicos y los significados simbólicos atribuidos por Blake a Urizen
[22] queden muy lejos del universo del inmenso poeta ciego y de
sus ideas acerca del arte.
En esa misma dirección antitética se orienta su ligazón con Geoffrey
Chaucer, cuyos Cuentos de Canterbury admiraba al punto de
ilustrarlos, tras ardua reyerta con algunos pintores y grabadores
contemporáneos, [23] en una serie de retratos con sus principales
personajes; de ellos, sin embargo, fustigó con dureza a uno de los
más atractivos: la comadre de Bath, a quien Blake juzgaba un azote
y una plaga, tan útil como un espantapájaros y, por supuesto, poco
conveniente para la paz del mundo. Blake ilustró además la obra de
algunos poetas antecesores suyos, con Milton a la cabeza, seguido
por John Bunyan (El viaje del peregrino), Edward Young
(Meditaciones nocturnas), Hugh Blair (La tumba) y los poemas de
Thomas Gray. Con otros líricos ingleses como Wordsworth y Pope,
Blake fue menos complaciente. Ya vimos su mención, refiriéndose a
Wordsworth, de los oscuros molinos de Satanás, debido a su
dependencia del pensamiento cartesiano. En el caso de Pope,
maestro de William Hayley (poeta de escaso mérito y patrono de
Blake por unos años), lo hizo blanco de severos ataques que, de
paso, también incluyeron a Hayley, con quien las relaciones de
Blake se deterioraron mucho después de algunos trabajos pictóricos
que realizara para él.
Más cerca estuvo, por el contrario, de otros escritores europeos
como Paracelso, Jakob Boehme y Emanuel Swedenborg, quienes sí
ejercieron influencia notable en su pensamiento y en su obra
poética. Paracelso, discípulo del maniqueísmo, sostenía que en toda
cosa creada hay dos cuerpos: el visible y el invisible, teoría
resucitada luego por Blake en El matrimonio del Cielo y del Infierno.
Pero sin falta fue la doctrina de Paracelso relativa a la Imaginación
la más influyente en el creador de “El tigre”. Dentro de las
concepciones de Paracelso, la Imaginación logra preeminencia y es
capaz de llevar a término la totalidad de las empresas, como mismo
propone Blake a lo largo de sus libros, hasta definir toda creación
cual el conjunto de imágenes sublimes y divinas tal y como se ven
en el Mundo de la Visión. Por último, está la convicción de Paracelso
de que la verdad era más una experiencia fructífera de la realidad
que un pensamiento abstracto; esta certeza halló amplias
resonancias en el espíritu de William Blake. El ascendiente de Jakob
Boehme resulta considerable dentro de la producción de Blake,
máxime en sus consideraciones acerca del Bien y del Mal, tan
presentes en textos como “El tigre” o los “Proverbios del Infierno”.
También lo influyó bastante la teoría de los contrarios de Boehme,
aunque esta apareciera luego harto modificada tras la inversión
prometeica de valores en que Blake la convirtiera. Visto así, la
crítica entiende a Blake más un precursor de Nietzsche que un
discípulo de Boehme, pues su teosofía supera con creces la teosofía
en lo fundamental cristiana que anima las páginas del místico
teutón. De entre los muchos libros de Swedenborg, dejaron mayor
huella en Blake La sabiduría de los ángeles en relación con el Divino
Amor y a la Sabiduría, La sabiduría de los ángeles en relación con la
Divina Providencia y La verdadera religión cristiana. Blake simpatizó
un tiempo con el movimiento swedenborgiano, pero después
terminó rechazando sus ideas y superando su concepción de los
estados en el Libro Segundo de su extenso poema Milton.
Me parece prudente ahora, luego de estas imprescindibles
generalidades para intentar esclarecer un poco las fuentes e
influencias operantes en el pensamiento poético del autor, emitir
algunas consideraciones alrededor de los principales libros que
integran su labor poética. Esta suele dividirse en dos grandes zonas:
las primeras poesías (Esbozos poéticos, Cantos de inocencia, Cantos
de experiencia y El libro de Thel) y los llamados Libros Proféticos (El
matrimonio del Cielo y del Infierno, El primer libro de Urizen, Los
cuatro Zoas, Milton, Jerusalem y El Evangelio eterno, por citar los
más representativos), zonas a través de las cuales se aprecian bien
marcadas diferencias entre las inquietudes conceptuales y
estilísticas, crecientes en intensidad filosófica, mitológica y
lingüística hasta convertirlo en uno de los mayores poetas de la
humanidad. Eso sí, es justo dejar sentado algo: tal Goethe, Hugo,
Rimbaud, Darío, Yeats, Neruda, Paz o Ted Hughes, Blake era un
poeta con todas las de la ley desde sus cuadernos iniciales, al punto
de atreverme a decir que bien podría tener un sitio de honor en la
historia poética universal si su producción hubiese concluido con los
Cantos de inocencia y de experiencia, volúmenes, por demás, mejor
conocidos por el público lector gracias a su mayor difusión o, tal
vez, a su menor grado de complejidad simbólica.
Blake fue un niño de una inteligencia descomunal y de unas ansias
de saber que le acompañaron a lo largo de la vida, a pesar de asistir
apenas a la escuela de manera oficial. Su aprendizaje pictórico,
poético y hasta de idiomas como el griego, el latín, el hebreo y el
italiano, fue casi siempre autodidacto. Así, contando con escasos
doce años, escribió los textos más tarde compilados bajo el título de
Esbozos poéticos, con una clara intuición de que eran el tímido
principio de una larga cadena de autosuperaciones por lo general
incomprendidas en su época. En esta colección aún se sienten los
ecos de Petrarca, de Shakespeare, de Milton y, encima, de las
baladas osiánicas de James Macpherson y de los cantos mitológicos
de Thomas Gray. O sea, el clásico ajuste de cuentas con la tradición
presentado por los poetas mayores cuando hacen público su desafío
en el peculiar campo de justa literario. [24] Estos poemas tuvieron,
igual que el resto de los suyos, limitada circulación, pero ya en ellos
se aprecia un empleo del paisaje (“To Summer” y “To Spring”) y un
manejo del verso (“Song” y “Mad Song”) anunciadores de los
hallazgos de sus composiciones inmediatamente posteriores, del
mismo modo que la combinación de lo escultural con lo enérgico
presente en los poemas dedicados a las cuatro estaciones puede
representar un período embrionario de los cuatro aspectos del
hombre desarrollados por Blake en su mitología personal: Urthona/
Los (la imaginación), Urizen (la razón), Tharmas (el cuerpo) y Luvah
(las pasiones), es decir, los cuatro Zoas dominantes en los textos
proféticos.
Los Cantos de inocencia, publicados en 1789, ya brindan una
admirable madurez. En ellos Blake comienza con el uso de algunos
símbolos en los cuales habría de persistir hasta sus libros postreros.
Nos habla de la inocencia en su etapa arcádica y lo hace con un
júbilo incondicional asociado a una visión en estado primigenio,
todavía no aderezada con las limitaciones e iluminaciones que
aporta la experiencia del mundo adulto. Entorno palpable, no
obstante, en el acecho ejercido sobre el alma infantil aún
incontaminada, pero un tanto abrumada por la experiencia; este
asedio se puede constatar en poemas como “El niño negro”, “El
deshollinador”, “Un sueño” y “Sobre la pena de otro”. En estos
poemas pastorales los temas son el amor, el sexo, la educación, la
exaltación gozosa de un existir donde inclusive los temores del niño
extraviado en el mundo, o la existencia misma con su carga de
dolor, hallan bálsamo en el sueño, acto en el cual se revela la
asistencia bienhechora de Dios. Stephen Spender ha señalado la
importancia de esa mirada infantil que hace a Blake escribir una
poesía espontánea muy semejante al habla de los niños. [25] Y,
cabría añadir, muy similar al mismo tiempo a las canciones de cuna
y a los cantares asociados con los juegos de la niñez pertenecientes
al acervo popular. De hecho, para muchos historiadores ingleses de
la literatura, Blake representó durante años el poeta de los niños, lo
cual resulta equivalente para ellos a reconocerlo el poeta de los más
humildes entre los sabios.
No es hasta 1794,
cuando se publican
juntos los Cantos de
inocencia y los Cantos
de experiencia, que
se aprecia el carácter
antinómico y a la vez
complementario entre
ambos cuadernos,
donde el bardo
pretendía mostrar los
dos estados
contrarios del alma
humana, la inocencia
y la experiencia,
simbolizadas por el
cordero y el tigre, respectivamente. Ahora aparece un Blake
denostador, que ve en la realidad circundante un enemigo al cual
fustiga en este tomo de sombrías pinturas morales y sociales que
cuestionan la esencia de la naturaleza y de la divinidad. A esas
alturas, desencantado de la Revolución Francesa y preocupado por
la certidumbre de un orbe regido por la ciencia newtoniana y las
nieblas provenientes del desarrollo industrial que se enseñorearía
del prado inglés y, por si no bastara, del espíritu del hombre inglés,
Blake se torna cáustico y polemiza con las convenciones clericales y
la moral (“El deshollinador”, “El jardín del amor”, “El pequeño
vagabundo”), con la realeza y los vicios de la ciudad moderna
(“Londres”) [26]y, por supuesto, con Dios (“Introducción”, “A
Tirzah”, [27] “La voz del antiguo bardo”). El flautista se erige en
bardo y cambia el tono jovial por la voz profética para hacer a la
Tierra un auténtico llamado de salvación que la obligue a reaccionar.
[28] Estas diversas tonalidades entre flautista y bardo, ya
apuntadas en los símbolos cordero y tigre, se acentúan en otras
parejas axialmente opuestas como los dos jueves santos, los dos
deshollinadores, los niños perdidos y hallados de una y otra
colección, las canciones de cuna y, sobre todo, se evidencian, a un
nivel teológico y ontológico, en los poemas “La imagen
divina” (Cantos de inocencia) y “La esencia de lo humano” y “Una
imagen divina” (Cantos de experiencia), apoteosis del temple hostil
y a la par suplementario del bien y del mal. [29] Pasiones humanas
estas de las cuales Eliot vislumbró un profundo conocimiento por
parte de Blake, quien, a su decir, las representaba en extremo
simplificadas, en formas casi abstractas, a modo de ilustración de la
eterna lucha del arte contra la educación y de la literatura artística
contra el continuo deterioro del lenguaje. [30] Y es en el aspecto
lingüístico y métrico donde mejor se resuelve, en la forma, la
dicotomía del pensamiento blakeano, pues Blake emplea, en ambos
poemarios, una eufonía y una rima casi impecables, aunque
subversivas y retozonas en muchas oportunidades, máxime en
Cantos de experiencia, donde su repaso poco complaciente resalta
aún más debido a ese fondo musical, en apariencia equilibrado, que
acompaña a las visiones.
El libro de Thel, terminado en 1789, también fue escrito con el
simbolismo pastoral de los anteriores. Está lleno de oscuras
alusiones donde aparecen y dialogan personajes comunes al
universo de los Cantos... como el lirio del valle, una nube, un
gusano y un terrón de arcilla. El poema comienza con la divisa de
Thel, hija de Serafín que, a diferencia de las demás, se niega a
apacentar sus rebaños en gozosa aceptación de su destino e intenta
buscar un aire secreto; para ello, interroga por orden a los
antedichos moradores del valle de Har y luego, huyendo de esa
suerte de paraíso donde habita, pugna por adentrarse en un mundo
inferior, en el que, a la postre, siente profunda desazón y añoranza
por el paraíso perdido. Clara resonancia edénica y de algún modo
miltoniana hay en este viaje de la inocencia a la experiencia que
culmina, con posterioridad a una andanada de preguntas acerca del
Ser y su destino, en una fuga de vuelta hacia el mundo de la
inocencia. La misma divisa de Thel parece anunciarnos el periplo,
cuando reza: “¿Acaso el Águila conoce aquello que está en el
abismo?/¿O irás a preguntárselo al Topo?/¿Puede la Sabiduría ser
puesta en un cetro de plata?/¿O el Amor en un cáliz dorado?”,
dándonos la desigualdad entre la experiencia del animal
insignificante y la inocencia del majestuoso, entre las virtudes
verdaderas y la inutilidad de su representación. En El libro de Thel
aparece por vez primera Luvah explícitamente nombrado como
representación de lo erótico, [31] confiriéndole a la lectura mayor
complicación simbólica, en tanto remite al arquetipo de la inocencia
erótica: un mundo de leyes mágicas o apetecibles donde un héroe
juvenil se ufana por obtener el conocimiento mediante la carne y el
quebranto de los tabúes morales para terminar hallando el regreso
a los orígenes, a la posibilidad de salvación. Curioso resulta también
que ya en la escritura de este poema Blake se independiza del
metro y la rima tradicionales y se aproxima a un verso libre más
ligado al Milton del Paraíso perdido, anunciador de los francos
motines promulgados en materia de versificación en la etapa
siguiente de su carrera poética.
El matrimonio del Cielo y del Infierno, escrito entre 1790 y 1792, es
una prueba elocuente de ello: Blake acude al expediente de mezclar
los géneros y ubica versos, fragmentos en prosa poética,
comentarios de corte casi ensayístico, trozos narrativos y los
archiconocidos proverbios, escritos en tono paródico, con un aire
irónico y subversivo que se extiende a otras zonas del cuaderno y lo
dota de una extrema familiaridad para el lector contemporáneo.
Redactado para poner en solfa las ideas de Swedenborg, El
matrimonio... supera con creces estas expectativas y se distingue
como un texto capital en la producción de Blake. Aquí redefine
aquello que la convención de la época entiende por bien y por mal,
motivos de la imposibilidad de los hombres para comprenderse y
comprender al mundo. Propone la coexistencia de dos males: el mal
moral, que no condona jamás, y el mal entendido bajo el nombre
otorgado por las religiones a cuanto no sea pasividad y sumisión. Es
decir: existe un infierno real y otro aludido irónicamente por el
poeta. Pese a ello, no creo justa la lectura satánica que Swinburne
le atribuye y prefiero la interpretación de “la voz del diablo” cual
una manera mordaz de hablar de sí mismo, alusiva al poeta
fustigador de los swedenborgs que aceptan de modo sumiso formas
de ver la realidad en verdad negadoras de la fuerza prevaleciente en
el universo, Dios. Según tal lógica, Blake coloca a Milton en el bando
del Demonio, pues este se había sentido en libertad, como poeta
verdadero, para ir más lejos en su indagación del Infierno que en
las de los Ángeles y Dios, de seguro bajo el peso de una lectura
inhibitoria ajustada a su concepción puritana. En este volumen hace
su aparición Rintrah, hijo de Los que personifica la ira y la pasión y
representa tendencias asociadas con estas dos actitudes del alma.
Según Frye, los hombres de Rintrah son quienes no acatan los
valores convencionales, los réprobos, y son revolucionarios o
blasfemos, viviendo al margen de la sociedad cuyos cimientos de
alguna manera amenazan. En el “Argumento” iniciador del poema,
Rintrah podría ser figura de la perversidad, presentada como Moral
bajo el símbolo del ángel de las apariciones. Se cree que el nombre
deriva del dios Indra, perteneciente al mito védico, donde simboliza
la atmósfera, las tormentas, la lluvia y la batalla.
Y es precisamente la batalla la señal de los años siguientes en la
vida y la obra de William Blake. Alrededor de 1800 abandona
Londres y se muda a Felpham, en el condado de Sussex, a una
propiedad alquilada para él por William Hayley, a la sazón
convertido en su mecenas y su patrón. El mecenazgo y el patronato
abortaron en virtud de las excesivas demandas que Hayley parece
haberle exigido al grabador bajo su tutela. Por esa época, además,
trabaja con intensidad en un ciclo de varios libros-poemas que giran
en torno a sucesos históricos o revolucionarios: La Revolución
Francesa, Europa: una profecía, América, y otros. La Revolución
Americana en 1775 y la Declaración de Independencia de las Trece
Colonias en 1783, constituyeron para Blake un ejemplo de la
energía renovada rebelándose contra las fuerzas de la Autoridad
Autocrática. Blake había conocido a Thomas Paine en 1790, durante
el breve período en el cual el filósofo regresó al Reino Unido antes
de verse compelido a abandonarlo por su encendida defensa de la
Revolución Francesa, y con él compartió su entusiasmo por tales
fenómenos políticos y su rechazo a la doble tiranía del sacerdocio y
la realeza. [32] La Revolución Francesa, ya lo hemos dicho, fue
para el poeta inglés el vestigio de la necesaria revuelta contra la
corrupción del Ancien Régime y, una vez más, sus simpatías
estuvieron del lado de los revolucionarios. La guerra de Inglaterra
con Francia en 1793, y la introducción de férreas leyes de
obediencia civil marcaron para Blake otro indicio del poder ejercido
sobre el hombre común por la Iglesia y el Estado. Todos los textos
del período ofrecen una extraordinaria mezcla de visiones
apocalípticas, fervor político, revisiones de la teología cristiana y
exploración sicológica, quizá como apoyo y relectura perfectiva de
los cataclismos desencadenados en la vida real de América y
Europa. América es, a mi modo de ver, el más interesante de estos
cuadernos. En él la energía liberadora está personalizada en Orc, el
genio mártir que arde en todos los fuegos, en todas las luchas del
hombre contra las potencias opresoras. Funciona como antagonista
de Urizen -el dios de este mundo- y de sus códigos de moral
represiva, y crea un nuevo orden que, quizá, especula Blake, más
tarde será a su vez opresor. Los Trece Ángeles (las Trece Colonias)
se rebelan abrasados por los fuegos de Orc, los soldados británicos
se esconden de sus llamas mortales y de sus visiones apocalípticas.
Las huestes de Albión serán consumidas en los fuegos de Orc. El
poeta funde lo histórico con un acaecer eterno y propone, desde la
visión, un camino espiritual para el hombre. En este libro Albión es
identificado con Inglaterra (al igual que en el poema “Un pequeño
perdido” de Cantos de experiencia), aunque después, en otros
textos proféticos, cambiará de signo para erigirse en el Hombre
Eterno, la unidad de los cuatro Zoas en su forma más perfecta. El
nombre apunta hacia múltiples fuentes: Alban¸ antiguo topónimo de
una altiplanicie escocesa; el galés Alp o Ailpe, alta colina rocosa; el
latino Albus, blanco; y Alpa, el padre universal, el mantenedor, la
roca alta de la cual brotan las aguas de la vida.
También refutando la tiranía, pero en esta ocasión la sexual,
aparece otro curioso volumen, escrito en 1803: El viajero mental.
Este poema, medido y rimado en cuartetos, ofrece una visión del
ciclo de la vida humana, del nacimiento a la muerte y de esta a la
resurrección. Tiene dos personajes: una figura masculina y otra
femenina que se trasladan en direcciones contrarias, envejeciendo
una en tanto la otra rejuvenece, y viceversa. La relación cíclica
entre ellos atraviesa cuatro puntos principales: una fase madre-hijo,
una fase marido-mujer, una fase padre-hija y una cuarta fase de lo
que Blake nombra espectro y emanación. [33] Ahora bien, ninguna
de ellas es del todo real: la madre resulta en verdad una nodriza, la
mujer yació amarrada para el placer del hombre, la hija es una
criatura suplantada y la emanación no emana sino permanece
evasiva. La figura masculina encarna a la humanidad (incluye a las
mujeres, pues Blake asocia la voluntad femenina a las mujeres
únicamente cuando estas dramatizan o remedan la relación anterior
en la vida humana). La figura femenina evidencia el medio natural
que el hombre somete de modo fraccionario, pero nunca por
completo. El devenir de las cuatro fases sugiere una asociación con
el ciclo lunar, colocándonos delante de una relectura de la tradición:
el ciclo, la hembra un tanto trágica, el viaje hacia regiones casi
siempre ignotas, nos recuerdan a Calypso y Circe en Homero, a
Venus en Lucrecio, a Dido en Virgilio, a Beatriz en Dante, a
Cleopatra en Shakespeare, a Duessa en Spenser y a Eva en Milton,
que se desdoblan luego en otros vínculos con la literatura
contemporánea, tales como A Vision de Yeats, La diosa blanca de
Robert Graves, la dama de las situaciones de La tierra baldía y la
Molly Bloom del Ulises, entre otras. Quizá por tal motivo Harold
Bloom define la relación hombre-mujer relatada en The Mental
Traveller como un remedo de la antagónica concomitancia entre el
poeta y la Musa en el raro camino de las influencias poéticas. [34]
A pesar del nombre El primer libro de Urizen (1794), este fue el
único que Blake escribió bajo tal rótulo. Puede entenderse como una
especie de génesis de las pasiones y tendencias del alma humana.
Muchas veces semeja una imitación paródica del Génesis bíblico,
pues narra el origen de las disposiciones obsesivas del individuo y, a
la vez, el brote de las religiones y los sacerdocios. Urizen personifica
al intelecto. Tiene poder y magnificencia, pero equivale a la
negación de otras formas del ser y el creador de las ideas de “lo
santo” y “lo eterno” como separadas y diferenciadas de todo lo que
es. También ha instaurado la noción de “gozo sin dolor”. Se erige en
buscador de un orden fijo, pétreo, algo correspondiente para Blake
con la muerte, con el no-ser. Desde su aparición en Visiones de las
hijas de Albión (1793), lo describe como un viejo con barba canosa,
celoso y vindicativo, medio cegato mas ansioso por tener el dominio
total. Se supone que el nombre deriva del griego orizo, expresivo de
los verbos castellanos delimitar y circunscribir; aunque igual
convence la hipótesis de entroncarlo con el juego de palabras
inglesas your reason, dado el hecho de que la segunda persona
despectiva encaja bien con la baja estima de Blake por la razón.
[35] Urizen posee una enorme progenie, de la cual destacan los
cuatro hijos equivalentes a los elementos: Fuzon (fuego), Grodna
(tierra), Tiriel (aire) y Utha (agua). No obstante, termina renegando
de ellos y maldiciéndolos, pues entiende su incapacidad para
soportar eternamente sus férreas leyes; de esa frustración nace la
“Red de la Religión” que aprisionará a los hombres. Para el poeta,
estos eventos narrados ocurrieron en la prehistoria ignorada de
nuestra alma. Harold Bloom juzga a Urizen una sátira del genio
cartesiano, el arquetipo del poeta fuerte afligido por la angustia de
la influencia [36] y, al unísono, una protesta blakeana ante el
influjo de Milton, cuyo Paraíso perdido satiriza y pone en entredicho
en varios pasajes, como mismo sucederá en Los cuatro Zoas. [37]
Esa coincidencia obedece a varias causas: ya a partir de este libro la
obra de Blake discurre por un cada vez más mayor proceso de
introspección, donde los conflictos se vuelven más abismales, hasta
el punto de colocarnos, en los textos proféticos siguientes (Los
cuatro Zoas, Milton, Jerusalem), en un espacio cósmico interior que
el visionario contempla desde sus meditaciones. Asimismo en este
volumen juegan papeles importantes otras entidades de profecías
anteriores que continuarán su desarrollo en las siguientes: Orc y Los
y Enitharmon (sus padres). Los, como hemos visto, es uno de los
cuatro Zoas, personificación del tiempo, entidad inmortal surgida de
la caída universal, que en Milton asume la forja de la realidad
objetiva y se enfrenta a Urizen en Jerusalem. El nombre de Los
procede del sol latino, invertido, y alude a la potencia creadora, a
los poderes físicos del sol, cuya réplica hallan en Los; también
pudiera descender de Logos, pues siendo Cristo la Divina Palabra o
Logos, Los sería simplemente una forma abreviada de la palabra
griega. Enitharmon es la emanación de Los; podemos leerla como el
espacio en la misma medida que leemos a Los como el tiempo;
ambos se desdoblan en manifestaciones del fin providencial de la
existencia histórica: la regeneración del hombre. El nombre puede
derivar de Enion y Tharmas, dos símbolos primordiales en la
mitología de Blake, [38] aunque Frye prefiere asociarlo con la
astrología (enarithmios: numerada; o anarithmos: innumerable),
porque la diosa del Cielo o Espacio se convierte en la base de la
estructura mensurable de la realidad natural. [39]
Vala fue el título inicial de Los cuatro Zoas, en atención a que Vala,
emanación de Luvah, marcaba para Blake la mujer o la belleza
física. [40] No obstante, luego de muchas modificaciones, el autor
optó por el título hoy conocido, más apropiado a los intereses del
volumen. El protagonista de este libro es el Hombre Eterno, o
equilibrio entre los cuatro Zoas. Urthona/Los, Urizen, Tharmas y
Luvah tienen una analogía con los cuatro elementos ocultos de
Paracelso, aunque sus exégetas les confieren múltiples
interpretaciones, [41] pero todos coinciden en que son entidades
ilustrativas de direcciones o tendencias del alma, hasta el punto de
concordar anticipadamente con los cuatro tipos sicológicos
enunciados por Jung (Urizen: el intelecto; Tharmas: la sensación;
Luvah: el sentimiento; Urthona/Los: la intuición). Después de
sucesivas caídas de los Zoas a lo largo del libro, en el capítulo final
se arriba al momento de la redención, a la armonía postrera entre
los Zoas tras su lucha feroz por el poder; esta visión profética, este
“sueño” al decir de Blake, sirve para que el hombre se reencuentre
con su razón de ser y su destino. Frye alude en especial a la Novena
Noche como un ejemplo del poema de reconocimiento, aquel donde
se invierten las asociaciones habituales del sueño y la vigilia, y en el
cual la experiencia parece ser una pesadilla y la visión una realidad;
añade incluso la peculiaridad de que este es un poema de
autorreconocimiento, porque el poeta está implicado en el despertar
de la experiencia. [42]
Precisamente el tema
del libro siguiente,
Milton (terminado en
1808), es la función
regeneradora de la
inspiración y el triunfo
de la imaginación del
poeta. Ya aquí el alma
de Milton, bardo épico
inspirador de los
valores del pueblo,
desciende regenerada
del cielo y trata de
predicar la verdad, no
las leyes morales,
como había hecho en
vida gracias a la terrenalidad de su puritanismo. A su regreso, halla
a la civilización europea al borde de un despeñadero y trata de
encauzarla hacia su liberación. El relato se ordena de la forma
siguiente: primero se oye la canción del Bardo, que cuenta la caída
de Satán, y ha comprendido que, en su arrogancia, comete un error
similar al del ángel humillado; luego el Espíritu de Milton retorna a
cumplir su auténtica misión como poeta, Milton se trastoca en la
inspiración misma y llega hasta Blake; y por último, Milton se reúne
con su emanación (Ololon) [43] y se reintegra a su unidad esencial.
Por la relevancia de la visión cosmológica de este tomo, se hace
necesario discernir el valor simbólico de algunos estados,
imprescindibles para abordar su lectura. Tales son los casos de
Beulah, Ulro, Golgonooza y Entuthon. Beulah es el refugio de las
emanaciones, un país de ilusión al que los hombres arribarán a
través del sueño o las visiones, una comarca de descanso poblada
por seres femeninos, sus hijas son equiparables a las musas. Pero
Beulah no representa la visión perfecta, pues sólo es perfecta la
visión edénica o Eternidad, por eso Beulah queda para aquellas
mentes incapaces de la más alta visión. Más allá de Beulah se
encuentra el abismo y, todavía más distante, Ulro, el no ser, el
caos. En Jerusalem veremos cómo los reinos del ser se organizan de
modo más claro en Edén o Cielo, Beulah, la Generación [44] y,
finalmente, Ulro. Su etimología debe venir de ruler (gobernante) o
de rule (regla), siendo el estado natural del hombre que ha nacido
espectro y sólo podría regenerarse por medios espirituales, mas por
eso mismo suele simbolizar la vida mortal carente de iluminación.
Dentro de Ulro, Entuthon actúa como una oscura región, cual
desierto donde reina el error y se hallan los símbolos del mundo
caído. Y Golgonooza, por último, es la ciudad de Los, el palacio de
las artes y refugio de los espíritus que se liberan de Ulro y se
precisa construirla y reconstruirla para coadyuvar a la regeneración
de los hombres, alcanzando así una clara afinidad con la Nueva
Jerusalem del Apocalipsis.
Jerusalem fue concebido entre 1804 y 1807, mas no se completó
hasta 1818. Su título íntegro -Jerusalem, the Emanation of the
Giant Albion- nos enfrenta a las dos unidades centrales del volumen.
Albión personifica una nacionalidad, una tradición y un hombre que
incorpora pasado, presente y futuro; es más histórico que el
Hombre Eterno de Los cuatro Zoas y todo el texto se halla poblado
por alusiones bíblicas o referencias históricas concretas (como
ciudades de la Inglaterra actual y de la antigua: Londres, York,
Verulum, etc.). [45] Albión llegará un día a reunirse con Jerusalem,
de quien se separara al inicio de los tiempos, cuando comenzara su
caída. Jerusalem, por su parte, encarna a una ciudad y a una mujer,
y es la figura mayor de los últimos Libros proféticos. Resulta de
origen bíblico: la Jersualem nueva, de la cual dice el Apocalipsis (21,
2): “Y yo, Juan, vi la santa ciudad, la nueva Jerusalem, descender
del cielo, de parte de Dios, ataviada como una esposa hermoseada
para su esposo”. [46] Es la emanación de Albión, simboliza la
capacidad de visión, no tanto del hombre en sí mismo como de la
humanidad, es decir, de Albión. O sea, que cuando los poderes
visionarios se ejercitan, el género humano está unido, mientras que,
en la mortalidad, “estado de sueño” del hombre, este tiene
conciencia, no de la identidad espiritual del todo en el Tiempo y en
la Eternidad, sino de la diferencia entre los seres y de su
“individualidad”. El puesto de Jerusalem lo ocupa, entonces, Vala, su
sombra, que indica la tendencia de la mente a disgregar y no a
unificar. El poema es, en esencia, cristiano en sus nociones éticas:
propone el perdón y la abnegación como actitudes básicas de
comportamiento. Pero Blake, obviamente, se aparta de los caminos
trillados al sugerir a la inspiración y la ensoñación poéticas como los
medios para alcanzar la vida eterna, y no la sumisión a un orden
pragmático.
En todos estos últimos libros revisados (El primer libro de Urizen,
Los cuatro Zoas, Milton y Jerusalem) Blake se decanta por un verso
libre que le permita una mayor soltura expresiva, más a tono con su
cosmovisión particular y renovadora. Esta elección les confiere un
hálito de modernidad mucho más propio de la poesía sucesiva,
anunciador de los grandes maestros que, lógico, volvieron a él para
reinterpretar sus hallazgos y sus pesquisas. Sin embargo, en los
fragmentos de su obra final, El Evangelio eterno, Blake opta por un
regreso a la rima y la métrica, quizá emparentando este universo,
de algún modo, con el de sus visiones más tempranas. En realidad,
este volumen ni siquiera fue ordenado por el poeta, y puede
considerarse que nada agrega a lo ya dicho por él hasta el
momento. Trabajó en él desde 1818, mas quedó inconcluso a su
muerte. Su aspecto más interesante radica en que, en ocasiones, el
poema parece ser una reinterpretación de la figura de Cristo: el
rebelde, el libertario, que viene a conmover los cimientos del mundo
filisteo y farisaico; quien no enseña la humildad ni la castidad,
perdona a la adúltera y odia a sus enemigos, pues, para Blake, era
la única manera de amar a sus amigos.
Amigos que, tratándose de Blake, fueron escasos. No sólo en su
vida privada, sino también entre los críticos que coexistieron con él
o le sobrevivieron. Wordsworth lo juzgó un pobre demente, aunque
con algunas locuras preferibles a la cordura de Lord Byron o Walter
Scott, en tanto John Ruskin reconocía la grandeza y profundidad de
su mente, mas sin dejar de remarcar su grado de insania. Años
después, poetas como Dante Gabriel Rossetti y Swinburne,
comenzaron a entender el valor de esta revuelta y dieron pie a una
múltiple relectura de Blake que no se ha detenido hasta hoy. Ya
desde las aproximaciones de Yeats, el autor fue entendido como uno
de los más altos poetas del mundo, miembro de esa cofradía de
visionarios, individualistas y revolucionarios gracias a los cuales se
ha movido el pensamiento en contra del autoritarismo y la
ortodoxia, cualesquiera que estos sean. Su influencia poética se ha
hecho sentir en muchos autores de lengua inglesa: Whitman,
Dickinson, Kathleen Raine, Eliot, Samuel Beckett, Wallace Stevens,
Jim Morrison y, además, en muchísimos poetas y escritores de otras
lenguas, dadas la fuerza y originalidad de su pensamiento y de su
escritura.
Ambas materias encontraron
enseguida múltiples exégetas
de lujo, como los ya mentados
Yeats, Eliot, Frye (de cuyo
análisis sobre Blake, Fearful
Symmetry, arrancó la idea
motriz que daría origen a
Anatomía de la crítica, texto
fundador de la crítica
arquetípica y precursor del
estructuralismo) y Bloom
(quien aborda la importancia
del pensamiento visionario
blakeano como eje de buena
parte de su teoría acerca de
las influencias poéticas).
Aparte de hallar, por si no
bastara, una larga serie de
analistas y traductores en
otros idiomas: André Gide,
Guiseppe Ungaretti, Pablo
Neruda, Xavier Villaurrutia,
Gabriel Celaya, Heberto Padilla, Enrique Caracciolo, Soledad
Capurro, Agustí Bartra y Cristóbal Serra, entre otros, quienes
ayudaron y ayudan al conocimiento y difusión de su obra. Por
último, su labor en las artes plásticas, muy marcada por el influjo
del suizo Henry Fuseli, aparte de acuñar pautas en disciplinas como
el grabado o la ilustración de libros, dejó una visible impronta en los
movimiento pictóricos de finales del siglo xix y principios del xx. Los
autores del Art Nouveau, por ejemplo, reconocían entre sus
antecedentes a William Blake y a los prerrafaelistas (bien influidos
por este, sobre todo el antedicho Dante Gabriel Rossetti); mientras
que los surrealistas lo reivindican, junto con el italiano Paolo
Uccello, como uno de sus antecesores. También es muy notable su
ascendiente sobre los aguafuertes en blanco y negro que realizara
Paul Klee durante los primeros años de su carrera.
El motivo de esta avalancha creo haberlo dejado claro en las
páginas anteriores: el bardo apunta hacia la creación de un nuevo
orden por medio de la poesía, experiencia de alta consideración
para las generaciones posteriores a él, pues ya sabemos que la
poesía y el arte contemporáneos han sido siempre partícipes de la
exploración antes que de la certidumbre, y pura exploración
ontológica constituyen todos los libros de Blake en su conjunto y
cada uno por separado; en ellos se eleva una armonía, una
correspondencia de valores entre potencias aparentemente
opuestas, un devenir de momentos de la energía y del ser, cuyo
dinamismo constante convierte esta aventura literaria y artística en
una de las más dialécticas e insondables del genio poético universal
junto a nombres como Dante, Shakespeare, Milton, Goethe,
Baudelaire y Rimbaud, testimonios disímiles, y complementarios, de
la Voz del Bardo y su papel en la continua renovación del diálogo
entre los hombres y de ellos con Dios.
NOTAS
1. Eliot: The Sacred Wood, p. 158.
2. Eliot: op. cit., p. 151.
3. Ver Harold Bloom: El canon occidental, p. 43.
[1]
Insisto en el término relativa porque Blake, como se sabe,
simpatizaba con las ideas de la 4. Revolución Francesa y, en
materia filosófico-religiosa, no era del todo ajeno a especulaciones
gnósticas, como veremos más adelante.
5. Bloom: El canon..., p. 55.
6. Acerca de las relaciones de Fausto. Segunda parte con las
profecías de Blake, leer a H. Bloom: El canon..., pp. 221-222 y
232. Bloom destaca el punto de que las creaciones mitopoéticas
de Blake son sistemáticas y están al servicio de su apocalíptica
lucha contra la tradición canónica, en tanto las invenciones de
Goethe son libres, profundamente festivas, y subsumen la
tradición.
7. Ampliar estas ideas en Frye: Anatomía de la crítica, p. 87 y ss.
8. Esta cita y la anterior las hace Luis Cernuda en “William Blake”,
ensayo que sirve de prólogo a El matrimonio del Cielo y del
Infierno y Cantos de inocencia y de experiencia, p. 18. Este
ensayo aparece incluido, además, en el libro del español titulado
Pensamiento poético en la lírica inglesa del siglo xix, Editorial
Tecnos, Madrid, 1986, pp. 24-34.
9. Es bueno rememorar que Blake ilustró siempre sus poemas -y
muchos ajenos- con grabados descollantes por su originalidad
pictórica.
10. Consultar a Yeats: Teatro completo y otras obras, pp. 12261227.
11. Frye y Bloom tocan el tema de la visión en Blake en todos los
títulos consignados en la Bibliografía.
12. Ver “Prefacio a las Baladas líricas”.
13. Luis Cernuda en op. cit. ofrece una amplia y profunda
explicación sobre el tema de la visión en Blake.
14. Ver Alejo Carpentier: “Un ensayo sobre Blake” en Letra y
solfa. Literatura. Autores, pp. 177-178.
15. Para ampliar interpretaciones sobre el gnosticismo, sugiero
consultar a Nicola Abbagnano: Diccionario de Filosofía, p. 590;
Enciclopedia Encarta, 2000 y Cristóbal Serra: Pequeño diccionario
de William Blake, pp. 38-39.
16. Cfr. Abbagnano: op. cit., p. 769; Serra: op. cit., pp. 55-56 y
Enciclopedia Encarta 2000.
17. Serra: op. cit., pp. 18-19.
18. Para Blake la visión profética era una visión interna, una serie
de secuencias basadas sobre una observación amplia que le
permite al profeta asegurar que ciertas líneas de conducta
conducirán a la degeneración de una raza o a la decadencia de
una nación. “Un Profeta es un visionario”, decía, “jamás un
Dictador arbitrario”. En el sentido recto, los libros de Blake no
fueron profecías convencionales, pues resultaron escritos después
de los hechos. Son profecías en el sentido poético, en el sentido
de la liberación del hombre a través del conocimiento otorgado
por la poesía. Ver Serra, op. cit., pp. 66-68.
19. Sugiero, de modo inexcusable, la lectura del libro de Cristóbal
Serra para desentrañar la a veces confusa madeja de conexiones
entre Blake, sus entidades y las doctrinas del pensamiento
tradicional. Para estos acápites específicos ver pp. 12, 13, 15 y 16.
20. Citado por Cristóbal Serra, pp. 72-73.
21. Bloom: El canon..., p. 94.
22. Urizen: oscuro genio creador del mundo arrancado del seno
de la Eternidad. Dios del universo material, iniciador de las
ciencias. Uno de los Zoas que representa la razón o el intelecto.
En unas ocasiones tiene fuerza positiva, en otras, negativa.
23. Las relaciones de Blake con los pintores de su época fueron
tensas, desde sir Joshua Reynolds, director de la Royal Academy,
que vertió en ella toda la influencia de un pensamiento
considerado por Blake retardador, hasta otros artistas menores
con los cuales sostuvo enconadas polémicas causadas casi
siempre por la incompresión de estos hacia la producción gráfica
de Blake. Salvo, valga aclararlo, con John Flaxman, a quien lo
unió una larga y sólida amistad, y con Henry Fuseli, cuya labor
apreciaba mucho.
24. Por supuesto, muchos poetas astutos no publican sus libroscanteras porque los desestiman. Editores, críticos y herederos
voraces les hacen siempre ese trabajo sucio y nos enseñan tales
interioridades.
25. Stephen Spender: The Struggle of the Modern, p. 25.
26. Para un estudio de las múltiples valoraciones de este poema
por la academia inglesa y norteamericana, ver el trabajo de Mark
Rollings titulado “London”.
27. Este símbolo, aparecido por vez primera en la obra de Blake,
es la Naturaleza, la religión natural. Es una entidad hermafrodita
que representa la esclavitud del hombre frente a la naturaleza. En
Los cuatro Zoas Rahab (la ramera) y Tirzah (la mojigata) son
identificadas como hijas de Albión, se oponen activamente a los
esfuerzos regeneradores de Los. Serra: op. cit., p. 75. Dentro de
este poema, Blake introduce, además, el término Generación que
usa siempre en relación con la vida eterna. Serra: op. cit., p. 36.
28. Las disímiles interpretaciones de la figura del Bardo y de los
términos “Holy Word” y “Earth” en los Cantos, manejadas entre la
crítica literaria anglonorteamericana más reciente, están
reseñadas por Mark Rollings en su artículo “‘Introduction’ to
Songs of Experience”.
29. Una lectura histórico-crítica de estos tres poemas la ofrece
Deborah Noel en su apartado “The Human Abstract”.
30. Eliot: op. cit., p. 153.
31. Al parecer, el nombre deriva del inglés love, pronunciado luve
en la antigüedad. Para Frye significa el espíritu de la Generación,
el mundo de la vida sexual, y a Orc, que representa su estado
caído, lo asocia con la serpiente, también para Blake un símbolo
fálico.
32. Se rumora incluso que fue Blake quien salvó la vida a Paine al
avisarle de su presunta detención durante los sucesos arriba
mentados. Cristóbal Serra, op. cit., p. 65, desmiente tal
aseveración y alega que Paine salió de Inglaterra voluntaria y
legalmente luego de haber sido nombrado representante por
Calais en la Asamblea Nacional Francesa.
33. Emanación: entidad cuyo origen está en la división temporal
de una personalidad. Aspecto femenino del alma. Término
empleado por los neoplatónicos para indicar proyecciones
espirituales de una personalidad. Espectro: fantasma surgido de
la desintegración de una personalidad. Parte masculina del alma.
Fragmento de una totalidad que a veces ocupa la función de
aquella. La emanación es parte integral de una personalidad; el
espectro, en cambio, es una sombra, una presencia ominosa.
Blake tenía claro que los poderes del espíritu (emanación), no
debían ser obstruidos por el espectro (materialista). La reunión de
Espectro y Emanación en el Hombre Eterno coincide con la
desaparición del fenómeno del sexo, considerado por Blake un
conjunto de errores por causa del cual el hombre se ve a sí
mismo, y al universo, como distintas entidades físicas. Para salvar
las diferencias matrimoniales, la Emanación debe renunciar a su
sed de dominio y sacrificar su egoísmo; el Espectro debe matar su
identidad y sacrificarse, para ser absorbido por la hermandad que
es Jesús. Ver Serra: op. cit., p. 29-30 y 32.
34. Ver Bloom: La angustia de las influencias, p. 74-75 y 92.
35. Serra: op. cit., p.76-77.
36. Bloom: La angustia..., p. 50-53.
37. Idem: p. 176
38. Enión: emanación de Tharmas. Una variante de Demeter que
busca a sus hijos perdidos en medio de incesantes lamentaciones.
Suele entenderse como la madre de Los y Enitharmon (Serra: p.
31). Tharmas: otro de los Zoas, dios de las aguas. Es la vida
vegetativa y el mundo de la sensación. Posee el poder de crear
vida, un privilegio negado al hombre caído. Su espectro simboliza
el caos. Se sospecha que su etimología proviene de Thammuz o
Tammuz, nombre sirio de Adonis (Serra: p. 74).
39. Para Los, ver Serra: op. cit., pp. 51-52. Para Enitharmon,
idem, pp. 31-32.
40. Según Frye, citado por Serra (p. 78), Vala viene de los Eddas,
donde Vola equivale a la Sibila y su canto profético en la Völuspa
(Profecía de la Vidente).
41. Serra: op. cit., p. 80-82.
42. Frye: Anatomía..., pp. 399-400.
43. Ololon: aparece como una niña casta y desciende junto con
Milton al mundo adonde se cumple la unión. Así se purifica de la
virginidad, que era su mácula.
44. Allí queda por encima de Ulro, estado del error total, mas por
debajo de Beulah, que goza del privilegio de la visión iluminadora.
45. Según Frye, la identificación de una Inglaterra ideal con el
Edén, apoyada en leyendas de variado tipo, está presente en la
literatura inglesa, desde el final de Friar Bacon de Greene hasta el
Jerusalem de Blake. Y enumera una larga lista de personajes,
libros y autores que incluyen a San Jorge, santo patrono de
Inglaterra, la Dama Una de Spenser y muchos otros. Ver
Anatomía..., p. 256 y ss.
46. Santa Biblia, p. 1688.
Jesús David Curbelo (Cuba, 1965). Poeta, narrador, crítico y traductor literario.
Licenciado en Filología. Actualmente labora como Jefe de la Redacción de Poesía en
Ediciones Unión, en Ciudad de La Habana. Tradutor de John Donne, William Blake e
Dante, dentre outros. Autor de livros como Aprendiendo a callar (poesía, 2005), Otros
cuentos de amor, de locura y de muerte (Cuento, 2006), y Cuestiones de agua y tierra
(novela, 2008). Este texto sirvió como prólogo al libro de William Blake Cantos de
inocencia y Cantos de experiencia¸ traducido por Susana Haug y Jesús David Curbelo
(Casa de Letras, Ciudad de La Habana, 2004). William Blake se encuentra retratado por
Thomas Phillips (1770-1845). Página ilustrada con obras del artista William Blake
(Inglaterra). Contacto: [email protected].
banda hispânica
argentina
Endereço postal,
expediente e equipe
bolívia
chile
honduras
méxico
nicarágua
colômbia
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costa rica
paraguai
cuba
el salvador
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porto rico
r.
dominicana
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uruguai
guatemala
venezuela
dossiês
antología de la literatura
paraguaya (teresa méndezfaith)
césar dávila andrade (equador)
jorge luis borges (argentina)
juan antonio vasco (argentina)
.
Editorial
"Hay cosas mágicas!" Escutei isto da boca de
um poeta, o argentino Horacio Salas, na
abertura do I Encontro de Poesia Latinoamericano, em Manaus (novembro de 2000),
mas o encontro é história de que falo em outra
oportunidade. Dou-me conta, sim, das coisas
mágicas de que trata o poeta Salas.
Inicialmente, num dia não muito distante, do
fundo da revolta da orfandade à língua
portuguesa, o surgimento do Jornal de
Poesia. Em pouco tempo, mais de 2.000
poetas da lusofonia no ar. Depois, a
constatação de que o mundo lusófono seria
muito pouco. Ibéricos, pois!
Navigate,
Hiberia!
Navigamus.
Um dia,
Hiberia,
era mar,
um mar de
poente,
e me
arribei de
ti.
Assim foi que escrevi em Salomão. Agora, a
nova mágica: a ampla navegação ibérica, não
apenas lusa, mas ibérica, este mundaréu de
mar e chão de 1 bilhão de habitantes
irmanados pela fala quase a mesma. E, quem
sabe, um dia cheguemos à outra península,
Latium, onde tudo, de nossa banda, principiou.
O Jornal de Poesia não poderia ter feito
escolha melhor para cuidar da Banda
Hispânica: o poeta, crítico e tradutor
brasileiro Floriano Martins, ele quem iniciou,
ainda no papel e tinta, este trabalho que aqui
faremos no virtual. Quando toda a
intelectualidade brasileira virava as costas a
este mundo novo, Floriano era um dos poucos
que se correspondia com os poetas da América
Latina.
O projeto é fazermos a integração inicialmente
com os hispânicos do Novo Mundo, tão
próximos e inexplicavelmente tão distantes.
Dentro de 1 ano queremos ter aqui pelo menos
uns 30… 300… 3.000 poetas! Não há limites!
Navigare necesse.
Estamos apenas iniciando. Se vai crescer? E
você tem dúvidas?
A proposta inicial do JP era uma meia centena
de poetas… Fechamos o 2000 com 2.007! E a
Banda Hispânica é muito maior… aguardem.
O projeto de Floriano Martins engloba tanto a
reflexão crítica sobre os inúmeros poetas
hispano-americanos quanto a mostra de sua
poesia.
A laboriosa equipe da Banda Hispânica é
composta exclusivamente pelo tradutor,
ensaísta, crítico de literatura, biógrafo e poeta,
do Ceará para o mundo, o Floriano Martins.
Nem o Jornal de Poesia, nem o seu editor,
Soares Feitosa, interferem em nada na Banda
Hispânica. Escreva para o Floriano.
Soares Feitosa
Revistas de cultura são o grande bálsamo
propiciador de um diálogo imediato entre
leitor e produção cultural. Em alguns
momentos funcionam como verdadeiros
manifestos de uma geração. Em outros,
atuam como uma deusa de mil braços e mil
olhos. Em sociedades definhadas por uma
cultura monetária, firmam o único elo
possível entre dois pólos indispensáveis. Na
América Latina assumiram conotações
diversas no decorrer do século XX, definindo
posições tanto estéticas quanto políticas,
segundo as circunstâncias de seu cultivo.
A criação de um projeto como Banda
Hispânica se aproxima desse universo,
podendo ser visto como uma revista
eletrônica, não no sentido periódico em que
se costuma observar essa aventura editorial,
mas no de difusão sistemática de focos de
cultura que não habitualmente dialogam
entre si. Importa-nos criar uma condição de
conhecimento mútuo, saltando fora da
corriqueira falácia em defesa de uma
identidade cultural. Interessa, isto sim,
acentuar a multiplicidade, dando voz às
manifestações poéticas relevantes em todos
os 19 países que constituem a América
Hispânica, não sem incluir a própria Espanha,
de radical importância para o desdobramento
dessas culturas.
Banda Hispânica compartilha a idéia de José
Martí de que "conhecer diversas literaturas é
a melhor maneira de livrar-se da tirania de
algumas delas". O projeto define-se como a
criação de um banco de dados permanente
enfocando inúmeros aspectos ligados à poesia
na América Hispânica e na Espanha. Seu
desdobramento não está atrelado a um
caráter periódico, mas sim à participação de
todos aqueles que tenham contribuições
relevantes a apresentar.
É nossa idéia criar condições diversas de
diálogo, para tanto recuperando textos
críticos publicados na imprensa, ao longo de
décadas, ao mesmo tempo em que abrigando
depoimentos de poetas e críticos, entrevistas,
tudo quanto se relacione com a abrangência
proposta. Desde já conclamamos a todos os
editores de revistas de cultura que nos
enviem, por meio eletrônico, textos
vinculados ao tema, matérias circuladas em
suas publicações, dignas de um acesso
permanente, para que somemos esforços no
sentido de burilarmos uma grande mesa de
diálogo em torno da poesia hispanoamericana.
Banda Hispânica será sua permanente
revista eletrônica, lugar de encontro com a
diversidade cultural de todo um continente.
Sendo projeto original do Jornal de Poesia,
encontra-se também vinculada à revista
Agulha, em um enlace que reforça a idéia de
que temos que concentrar forças em torno de
projetos que possam contribuir para o
enriquecimento e difusão de nossas culturas.
Floriano Martins
projeto editorial do jornal de poesia
editor geral e jornalista responsável
soares feitosa
coordenação editorial da banda
hispânica
floriano martins
a
banda hispânica conta com a ajuda
valiosa dos correspondentes alfonso
peña (costa rica), alfredo fressia
(uruguai), américo ferrari (peru),
bernardo reyes (chile), carlos m. luis
(uruguai), carlos véjar (méxico),
eduardo mosches (méxico), edwin
madrid (equador), francisco morales
santos (guatemala), harold alvarado
tenorio (colômbia), jorge ariel madrazo
(argentina), jorge enrique gonzález
pacheco (cuba), josé ángel leyva
(méxico), josé luis vega (porto rico),
david cortés cabán (porto rico) e maría
antonieta flores (venezuela)
os dados curriculares de todos os poetas
constantes da banda hispânica são
de responsabilidade dos autores,
cabendo unicamente aos mesmos
quaisquer solicitações de alterações e
atualizações.
os poetas hispano-americanos que
desejem participar da banda
hispânica devem enviar, por meio
eletrônico, seus dados curriculares
atualizados, seleção de 5 poemas e
resposta ao questionário abaixo:
1. ¿Cuáles son tus afinidades estéticas con
otros poetas hispanoamericanos?
2. ¿Cuáles son las contribuciones esenciales
que existen en la poesía que se hace en tu
país que deberían tener repercusión o
reconocimiento internacional?
3. ¿Qué impide una existencia de relaciones
más estrechas entre los diversos países que
conforman Hispanoamérica?
exégesis (Porto Rico) [Floriano Martins]
três revistas hispano-americanas: Archipiélago (México), Maga (Panamá),
Matérika (Costa Rica) [F.M.]
revistas hispano-americanas, I: um olho no passado recente [F.M.]
revistas hispano-americanas, II: um encontro de duas linguagens [F.M.]
triploV (Portugal): diálogo com Maria Estela Guedes [F.M.]
rascunho (Brasil): diálogo com Rogério Pereira [Claudio Willer]
jornal de poesia (Brasil): diálogo com Soares Feitosa [F.M.]
digestivo cultural (Brasil): diálogo com Julio Daio Borges [C.W.]
el artefacto literario (Suécia): diálogo com Mónica Saldías [F.M.]
Jornal da ABCA (Brasil): diálogo com Alberto Beuttenmüller [F.M.]
Fokus in Arte (Brasil): diálogo com André Lamounier [F.M.]
Storm (Portugal): diálogo com Helena Vasconcelos [Maria João Cantinho]
Babel (Brasil): diálogo com Ademir Damarchi [C.W.]
Corner (Estados Unidos): diálogo com Carlota Caulfield [Maria Esther Maciel]
Arquitrave (Colombia): diálogo com Harold Alvarado Tenorio [F.M.]
Fronteras (Costa Rica): depoimento de Adriano Corrales Arias
Salamandra (Espanha): apresentação de Lurdes Martínez
Tropel de Luces (Venezuela): diálogo entre Pedro Salima & amigos (Antonio
Guerra, Luis Aníbal Velasquez, Mirimarit Parada, Jesús Cedeño y Eduardo
Gasca)
Iararana (Brasil): diálogo com Aleilton Fonseca [F.M.]
Amauta (Peru): ensaio de Carlos Arroyo Reyes
Portal de Poesía Contemporánea (Espanha): depoimento de María Martín
Arévalo
Alforja (México): diálogo com José Vicente Anaya & José Ángel Leyva [F.M.]
Capitu (Brasil): diálogo com Edson Cruz [F.M.]
Común Presencia (Colombia): diálogo com Gonzalo Márquez Cristo &
Amparo Osorio [F.M.]
Cult (Brasil): diálogo com marcelo rezende [C.W.]
Malabia (Espanha): diálogo com Federico Nogara [F.M.]
Vaso Comunicante (México): diálogo com Ludwig Zeller & Susana Wald [F.
M.]
Matérika (Costa Rica): diálogo com Alfonso Peña & Tomás Saraví [F.M.]
Palavreiros (Brasil): diálogo com José Geraldo Neres [C.W.]
Piel de Leopardo (Argentina): diálogo com Jorje Lagos Nilsson [F.M.]
Blanco Móvil (México)
1. Diálogo com Eduardo Mosches [F.M.]
2. Diálogo com Eduardo Mosches [F.M.]
Literatura on line (Brasil): diálogo com Laudemir Guedes Fragoso [Edson
Cruz]
Suplemento Literário Minas Gerais (Brasil): artigo de José Aloyse Bahia
Telescópio (Brasil): diálogo com Everi Rudinei Carrara [C.W.]
Alpha (Chile): depoimento de Eduardo Barraza
Agulha (Brasil): diálogo entre os editores
Decir del agua (Estados Unidos): diálogo entre Reinaldo García-Ramos &
Jesús J. Barquet
Tsé-tsé (Argentina): diálogo entre Reynaldo Jiménez & Pedro Favaron
O Escritor (Brasil)
1. Jornal: diálogo com Erorci Santana [F.M.]
2. Revista: diálogo com Izacyl Guimarães Ferreira [C.W.]
Punto Seguido (Colombia)
1. Depoimento de Oscar Jairo González
2. Pacto con la lujuria de la palabra [diálogo com os editores], por Eugenia
Sánchez Nieto
3. La revista entrevista [diálogo com os editores], por Lucila Nogueira
4. El arte de abrir agujeros en el agua [por Luiz Fernando Cuartas]
Letra Voz (México): carta de su editor, Margarito Palacios Maldonado
Caudal (República Dominicana): diálogo entre luís g. ruinsánchez y carlos
enrique cabrera
La Cabeza del Moro (México) Depoimento de Manuel R. Montes
Nova Águia (Portugal) Informe editorial
editores da agulha
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
Aproximar o distante - Do estranho
ao familiar, duas experiências: Timor
Leste e Guiné-Bissau
Joana Ruas
.
Ao abordarmos o problema da identidade do povo timorense,
temos de nos reportar a uma continuidade que pertence ao
domínio da cultura (antropologia e etnologia) e a uma
descontinuidade que é do domínio da história. No que à sua
cultura se refere, o povoamento da Oceânia fez-se há 3000
anos AC, quando os habitantes do litoral do sul da China
atravessaram o estreito e se instalaram em Taiwan
espalhando-se depois pelas Filipinas, Celebes e Timor e de lá
para as outras ilhas do arquipélago indonésio. O reino hindubudista de Sriwijaya da dinastia Cailindra que data de 672
deixou vestígios de escrita pâli nas ilhas da Sonda ou Sonda
Menor e entre os Batak de Sumatra onde tinha, em
Palembang, a capital. Ao longo dos séculos, os juncos chineses
provenientes de Fukien e Kwangtung visitavam a ilha de Timor
periodicamente aportando ao porto de Suai onde se
abasteciam de sândalo. Em 1432, a mando do imperador, o
almirante chinês Cheng-Ho, na sua sétima visita às terras
habitadas na periferia da China, estabeleceu relações de
suserania em Timor sem pretensões de domínio ou de
colonialismo.
Lifau, cuja palavra significa Mar de Gente, era um porto do
Oekussi, situado nas margens da foz da ribeira Lifau e seria
outro porto chave na rota do sândalo.O salutífero e cheiroso
sândalo como o adjectiva Luís de Camões em Os Lusíadas, era
também comerciado em Lifau. Salutífero porque a raíz do
sândalo era usada como medicamento e cheiroso porque era
queimado nos templos hinduistas e budistas. Segundo as
contas dos Jesuítas, por volta do século Vll ou Vlll, chegaram
às praias de Lifau, oriundos do reino de Bé Hali, cinco
forasteiros: Tá'e Baria, Liulai Sila, Somba'i Sila, Afo'an Sila e
Benu Sila, todos irmãos menos o primeiro. Eles dividiram entre
si, na melhor concórdia, toda a ilha de Timor. Benu Sila ou
Ambenu ligou o seu nome ao território que ficou conhecido
como Ambeno. Séculos depois dos Silas, chegaram os
portugueses e holandeses. Em terras de Silabão, que quer
dizer a terra dos cinco silas ou mandamentos budistas,
recordava-se Achoka, o primeiro rei que num edicto histórico
proibiu a guerra por a considerar incompatível com a condição
humana.
Em finais do século XV, o império budista de Madjapahit caiu
sob o poder dos maometanos árabes de Marrocos, tendo-se os
budistas refugiado nas Ilhas da pequena Sonda ou Sonda
Menor como Lombok, Flores, Timor e Ceram onde prevaleciam
ainda as religiões arcaicas dos povos autóctones. Estes
núcleos de budistas e mais tarde também de cristãos, viveram
até finais do século XIX entre estes povos. Em 1511, Afonso
de Albuquerque conquista Malaca e ao dominar os estreitos de
Malaca, acabou com a talassocracia árabe no Oceano Índico.
João de Barros, na sua obra intitulada Ásia, conta que criados
por Afonso de Albuquerque com o propósito de estabelecerem
uma ponte com as comunidades locais, os casados desligavamse do estatuto de soldados e armavam os seus próprios
navios. Estes soldados e navegadores portugueses de Malaca,
Goa e Macau, casados com mulheres timorenses, deram
origem aos luso-descendentes, então chamados de
portugueses negros ou Tupasi. Estes mercadores portugueses
que contraíram matrimónio com mulheres da Ilha de Timor,
deram origem a numerosas famílias, entre as quais se
salientaram os Costa, os Fernandes e os Hornay que viriam a
desempenhar ao longo da história de Timor papéis de grande
relevo, quer combatendo os corsários holandeses durante o
domínio de Portugal pelos Reis de Espanha, quer no longo
período que precedeu a instituição do poder civil, no início do
século XVIII sob o comando do governador pernambucano
António Coelho Guerreiro, que segundo o seu biógrafo,
Gregório Pereira Fidalgo, “cometeu feitos dignos de memória
desde Pernambuco onde nasceu até à Pérola do Oriente(como
ele designava Timor)”.Os Tupasi constituíam uma burguesia
ligada ao comércio do sândalo e que falava o português e o
Teto no seu dia a dia. O vocábulo Tupasi ou Topasses é
oriundo do dravidiano e significa simultaneamente, intérprete
e cristão, isto é, alguém que possui a capacidade de
estabelecer a comunicação, não só entre povos diferentes
como entre grupos religiosos distintos. Quando os Portugueses
chegam a Timor, surgem aos olhos dos povos das ilhas da
pequena Sonda como aliados capazes de assegurarem, pelo
potencial bélico e pela inventividade, a sua defesa. Pela
distância a que se achavam, os Tupasi organizaram-se militar
e administrativamente do que resultou um permanente conflito
de interesses que ao longo dos séculos os opôs à Coroa de
Portugal e à Coroa da Holanda. Dois eurasiáticos, António de
Hornay e Mateus da Costa eram dois dos concorrentes à
liderança. A rivalidade criada para conseguirem a liderança,
alastrou aos soldados portugueses, aos comerciantes
macaenses, aos desertores holandeses e aos contrabandistas
chineses. A administração militar portuguesa só muito
tardiamente, em 1912, conseguiu pacificar uma população
mestiçada cuja elite quis, ao longo de séculos, tomar as
rédeas do comércio do tabaco, do café e do sândalo nas suas
mãos e que se habituara a governar um território em que os
centros de decisão se achavam a maior parte das vezes, muito
distantes: em Goa, Macau, Brasil ou Lisboa.
Tendo em conta que apenas uma pequena parte da
experiência humana se volve em consciência, a experiência
retida sedimenta-se na memória como entidade reconhecível e
recordável. Esta sedimentação intersubjectiva torna-se
propriedade do “socius” quando objectivada num sistema de
símbolos transmissíveis de geração em geração sob a forma
de linguagem. Através da linguagem, a experiência adquire a
sua dimensão acessível a todos, incorporando-a num amplo
corpo de tradições. A língua Teto pertence à grande família
austronésiana que vai de Madagáscar a oeste, prolongando-se
num grande semicírculo que rodeia metade do globo incluindo
a Ilha de Páscoa, a este. Hoje divide-se num ramo oriental e
num ramo ocidental. As línguas austronésianas orientais são
as dos Melanésios, dos Micronésios e dos Polinésios do
Pacífico; as ocidentais são as dos Indonésios, dos habitantes
das Filipinas e da Malásia e também dos povos autóctones de
Taiwan, do Champa, do Centro-Vietnam, assim como dos
Malgaches. A língua Teto recebeu em Timor vários préstamos
não só do português como do tupi-guarani que ali chegou na
época do império luso-brasileiro.
Chegaram ao longo dos séculos à Ilha de Timor várias línguas
escritas : o sânscrito e o
árabe. Quando o domínio
dos mares da região deu
ao portugueses o domínio
do comércio em todo o
sudeste asiático, ali
chegou também o alfabeto
numa altura em que o
português já era uma
língua franca não só no
arquipélago malaio mas
também na Índia, Ceilão,
Malaca, Macáçar,
Amboino, Ternate e
Macau. Os Tupasi não se
preocuparam em escrever
os feitos da sua vida de
comerciantes, o que ficou
escrito deve-se aos frades
dominicanos que, tendo
chegado a Timor depois
dos comerciantes, entre
1597 e 1600 ensinaram o
português e o latim no seminário de Solor a cerca de 60
alunos.Também os anónimos durubaças que exerciam a
função de auxiliares e embarcadiços e que mais tarde
formaram uma classe de funcionários, contribuíram para a
difusão da língua portuguesa. A presença portuguesa
desempenhou um papel na criação de sistemas linguísticos os crioulos de base portuguesa. As línguas crioulas não
possuíam na maior parte dos casos, uma tradição escrita e,
consequentemente, uma ortografia própria, por se tratar de
línguas essencialmente orais. O malaio-português de Batávia e
Tugu (descritos por Schuchardt) foram a excepção já que no
século XVIII e ao longo do século XIX se publicaram nestes
crioulos: dicionários, gramáticas e livros de orações. Toda esta
produção destinava-se ao uso de estrangeiros, viajantes,
administradores coloniais e missionários. Apenas a literatura
religiosa encontrava leitores crioulos, o que pressupunha a
alfabetização de alguns estratos desta comunidade crioula o
que é confirmado pela publicação, em Colombo, de vários
periódicos em língua crioula durante a segunda metade do
século XIX. A literacia era excepção e não a regra nas
comunidades crioulas. Os holandeses usavam tanto o crioulo
português como o malaio e as primeiras gramáticas de crioulo
português no sudeste asiático foram compiladas pelos
holandeses
A causa da libertação de Timor-Leste galvanizou o Portugal
democrático sem que, no entanto, nos empenhássemos no
conhecimento da sua especificidade e sem nos questionarmos
sobre as origens históricas da sua tragédia no longo e
complexo processo de formação da sua nacionalidade. A
Resistência Timorense não começou em 1974 com a invasão
indonésia mas, no que à expansão portuguesa no Oriente diz
respeito, essa resistência teve início cerca de cinquenta anos
depois da chegada dos primeiros portugueses a Larantuca. No
que toca às populações melanésicas como às polinésicas,
segundo a análise de Marcel Mauss, as lutas travadas contra a
administração colonial deveram-se à despossessão fundiária
que se seguiu à chegada dos Europeus, o que constituiu um
fenómeno essencial pois o surgimento da propriedade
fundiária acarretou uma redistribuição da propriedade lá onde
ela era desconhecida. Neste contexto, em 1731, a Casa Real
de Bé-Hali que era um bastião do hinduismo, empreendeu, a
partir de Suai, a conquista da ilha de Timor, enfrentando ao
mesmo tempo o poderio português e holandês.
Em contacto com o povo de Timor-Leste, já na sua causa de
libertação nacional, compreendi que, como cada um deles, eu
era parte de uma almamundo. O episódio que mo revelou
passou-se do seguinte modo: preparando uma conferência
sobre identidade e luta de libertação nacional, a minha
abordagem incidiu sobre os seus poetas que se exprimiram em
língua portuguesa. Um desses poetas, Jorge Lautém, mereceu
a minha especial atenção não só pelos seus poemas
impregnados de uma cultura profundamente oriental,
hinduista, mas sobretudo pelo facto de Jorge Lautém ter sido
um dos que desapareceu durante a invasão para não mais ser
visto. Fiquei com essa dor no coração, a dor pelo seu
sofrimento e pela sua morte, pelo seu génio tão precocemente
ceifado. Na esperança de ter notícias suas, sempre que me
encontrava com timorenses perguntava por ele e obtinha deles
esta resposta enigmática: Jorge Lautém é você. Como é
normal entre nós, eu desfazia o engano afirmando a minha
identidade. Como insistissem, encarei esta atitude como um
enigma posto não só à minha inteligência, como ao meu
sentimento e à minha cultura. Uma vez, ao lembrar o
assassinato de Sebastião Gomes Rangel, um estudante de 18
anos cujo funeral desencadeou o massacre de Santa Cruz,
espantou-me que muitos deles me respondessem, o Sebastião
sou eu. Como não podia deixar de ser, esta atitude obrigoume a repensar a problemática do Eu tal como a nossa cultura
judaico-cristã o vivencia e outra, a de uma identidade plural
no plano mais alargado de uma cultura oriental. Para fugirem
à neutralidade vazia que caracteriza o homem reduzido pela
abjecção à errância, ao exílio, à fome, ao medo e à doença,
havia em muitos timorenses uma identidade flutuante em
busca de uma ancoragem. Ao absurdo dilaceramento da sua
condição de homem espoliado e perseguido, para aceder a
uma existência mesmo que por empréstimo, cada um deles
respondia vestindo uma identidade refúgio. Havia gente que
em busca de uma concretização girava à volta de um centro
vital, um centro de atracção onde, numa forma de existir
morrendo sem fim, não se anda nem se permanece. Em
L’Entretien Infini, a propósito da obra L’Espèce Humain de
Robert Antelme, um sobrevivente dos campos de concentração
nazis, Maurice Blanchot escreve que “ o homem dos campos
de concentração, o deportado, sente toda a sua impotência.
Todo o poder humano está fora dele, como está fora dele a
existência na primeira pessoa, a soberania individual, a
palavra que diz ser. É verdadeiramente como se ele não
tivesse outro Eu senão o dos dominadores aos quais está
entregue sem apelo, como se o seu próprio Eu, tendo-o
abandonado e traído reinasse entre os predominantes
deixando-o como uma presença anónima sem palavra e sem
dignidade.” Assim, fui confrontada com os horizontes do meu
passado histórico enquanto cidadã de um país que dominou
Timor-Leste durante cerca de quinhentos anos. O Portugal
democrático empenhava-se na libertação do povo de TimorLeste, mas esse povo que lutava com tanta coragem pela
causa da sua autodeterminação, esmagado na sua integridade,
dependia ainda de um outro poder, de um outro povo e cada
um deles de uma outra pessoa. Segundo Claude Lévy-Strauss,
produz-se uma crise de identidade quando hábitos seculares
desabam, quando modos de vida desaparecem, quando velhas
solidariedades se esboroam. Quer a experiência do
colonialismo português quer a da integração na Indonésia
comportavam ainda vários elementos destruidores impeditivos
de se integrarem no fluxo da existência, no seu movimento
vivo, numa independência plena que se pudesse exprimir
também literariamente.
Procurei apreender o que seria viver sem mutilar a memória.
Se, eu, era ele, o poeta desaparecido, o Jorge Lautém, restavame acolher a sua memória. Ao ler os escassos poemas que nos
legou deparei com uma nítida influência mística oriental que
privilegia a descrença num eu autogénico, separado, que
acorrenta os homens à vida fenoménica tal como o descreve o
Dharma. Em Buda a vida flui e é directa. Todos os métodos
budistas visando a obtenção da libertação concentram todos
os seus esforços na abolição da crença de um eu, fonte de
todas as paixões. Para o adepto das doutrinas de Buda não é
possível alcançar o verdadeiro significado das Quatro Verdades
Nobres se não se compreender a impersonalidade da
existência pois a vida é apenas uma passagem no rio do
tempo, fonte de nascimentos e de mortes e de
desaparecimento de fenómenos físicos e espirituais. Toda esta
filosofia interdita a emergência de um eu permanente. Da
confluência entre a condição do homem dada pela cultura
ocidental e a ancestral sabedoria oriental, para a cultura
timorense, cada humano que morre tem por si uma
testemunha que toma sobre os seus ombros a sua memória,
não como se fosse apenas uma sombra errante mas como
uma presença viva. Afinal, não somos eternos no coração uns
dos outros?
A Luta é a minha primavera
A luta
É a minha
Primavera
Sinfonia de vida
O grito estridente dos rios
A gargalhada das fontes
O cantar das pedras
E das rochas
O suor das estrelas
A linha harmoniosa dum cisne!
Ao lermos este poema não podemos deixar de sentir com
quanto despojamento se manifesta o despertar de uma
energia feita de desprendimento de si e de total entrega. Na
sua solidão essencial, há neste homem pronto para o combate
a abundância primaveril das grandes forças da natureza: a da
água que estridente se solta pelos rios abaixo e a que jorra
das fontes. Mais do que fecundar a terra, água é a linguagem
da fluidez invadindo o espaço, grito e gargalhada sonorizando
as paisagens mudas. O homem que no combate vai suar o
suor das estrelas longínquas, está mais perto do céu do que da
terra e, inamovível no seu ideal, o seu canto é igual ao das
pedras e das rochas. Frescura, clareza e pureza eis o que
caracteriza a linguagem do espírito novo para que nasça uma
nova vida. Geração sacrificada a um ideal, o cisne dá corpo a
uma forma harmoniosa. Seja qual for a cor da sua pele,
símbolo de luz, o cisne representa o ideal de brancura e de
graça do guerrilheiro no seu combate por uma causa nobre,
por um futuro de paz no achamento de uma felicidade
terrestre.
É sob o lema deste muito justamente célebre poema do
querido e saudoso amigo, combatente e poeta, Vasco Cabral,
que vos vou falar da minha experiência na Guiné-Bissau onde
estive nas zonas libertadas e, posteriormente, trabalhei como
jornalista cultural no jornal Nô Pintcha desde o seu primeiro
número. Levou-me à Guiné-Bissau uma operação de resgate:
o resgate de parte das memórias da minha infância, memórias
que a ditadura me roubou ao assassinar em Angola e obrigar
ao exílio, adultos e crianças que povoaram a minha vida e os
meus afectos.Para lá parti com uma carta endereçada pelo
meu querido amigo, o professor Borges Coelho, a Vasco Cabral.
É-me impossível recordar a totalidade dos acontecimentos que
constituem parte integrante da minha experiência na GuinéBissau e em Timor-Leste. Talvez a parte mais substancial
dessas experiências repousem no coração da minha memória.
Essas experiências frutificaram em duas obras literárias: A
PELE DOS SÉCULOS, no caso da Guiné-Bissau e no caso de
Timor-Leste, a obra em três volumes com o título genérico de
A PEDRA E A FOLHA cujo primeiro volume A BATALHA DAS
LÁGRIMAS acaba de ser editado em Portugal. Apesar destas
obras, o que permanece ainda no palimpsesto da memória,
deixa-me, como escritora, entre o terror do enorme trabalho
que me espera e o encantamento perante um mundo que,
afundado nos labirintos do esquecimento, vai saindo para o
espaço da criação literária onde cabem tantos e tão diversos
mundos, todos regurgitando da vida de quantos homens,
mulheres, crianças, árvores, animais e rios se haviam
atravessado na minha vida.
Uma das razões pela qual decidi escrever A PELE DOS
SÈCULOS e A PEDRA E A FOLHA foi a leitura da obra de Marcel
Mauss, um dos fundadores, em 1904, do L’Humanité e autor
do celebrado Essai sur le don. Marcel Mauss achou já nessa
época que era altura do romance dar a povos considerados até
então primitivos o rosto humano que lhes fora roubado.
Dizem que a palavra
Guiné é de origem
tuaregue e designa o país
dos negros. Data de 1444
a entrada dos primeiros
escravos da Guiné em
Portugal. Em 1460 António
di Noli implanta a cana do
açúcar nas ilhas de Cabo
Verde. Faltando-lhe a mão
de obra, obtém do rei de
Portugal permissão para ir
filhar negros à Guiné.
Enquanto os barcos
corriam as costas da
Guiné em busca de
escravos, a rainha Isabel,
a católica, enchia os
mercados da Sicília e de
Nápoles com escravos
mouros e judeus que dali
eram encaminhados para os mercados de escravos do norte de
África. O mundo árabe absorveu parte deste contingente que
lhe chegou dos reinos da Espanha e da Sicília pois
esta ilha era então pertença de Aragão. Os judeus foram nas
caravanas pelas rotas sarianas do ouro que saíam de Anafé (a
actual Casablanca) e Safim. Alguns deles iam como pastores
de cabras nas tribos tuaregues enquanto outros foram
acolhidos nas tribos mandingas onde os foram assimilando até
à sua chegada à Guiné. Em 1492, o rei de Portugal obrigou os
judeus que tinham sido expulsos de Castela a abraçar a
religião cristã. Inicia-se a distinção entre cristãos velhos e
cristãos novos. Muitos destes são enviados para o norte de
África, enquanto outros preferiram ficar na condição de
escravos. Centenas dos seus filhos menores ser-lhes-ão
arrancados à força e enviados para povoar S. Tomé, Cabo
Verde, Guiné, Angola, Moçambique e Timor.Os reis católicos,
receando a mestiçagem, não queriam consentir na escravatura
em terras de Espanha. Deste modo, de 1609 a 1613, os
mouros, chamados os marranos do Islão, têm a mesma sorte
dos judeus.
Álvaro de Caminha, nomeado donatário da ilha de S. Tomé,
para lá partiu acompanhado por jovens cristãos novos,
escravos negros e degredados para iniciar a colonização da
ilha. A cada um dos degredados, para fins de povoamento, foi
dada uma escrava. No século XVI havia já na Gâmbia uma
aldeia dos Hereges povoada de africanos lusitanizados que
seriam os descendentes desses degredados. De 1835 a 1839
há um intenso tráfico negreiro espanhol para Cuba efectuado
por armadores e comerciantes cabo-verdianos metidos de
permeio, servindo-se a fundo das suas redes de parentes e
aliados continentais a partir das suas instalações no
Arquipélago dos Bijagós, onde certas ilhas eram verdadeiros
pontos de concentração do tráfico de escravos, com o
conhecimento das autoridades portuguesas, cúmplices ou
impotentes.
O decreto de 10 de Dezembro de 1836, abolindo as
exportações de escravos em todos os territórios portugueses
tanto ao norte como ao sul do equador, não afectam os dois
maiores traficantes desta época, o antigo governador da Guiné
e coronel de milícias, o metropolitano Joaquim António de
Matos e o governador de Bissau, o comerciante Caetano José
Nozolini, mestiço cabo-verdiano, marido e sócio de Nhara
Aurélia Correia. Nhara era o termo equivalente a um estatuto
elevado na burguesia mestiça das feitorias da Grande Guiné.
Na ilha de Bolama estava uma das suas feitorias onde
trabalhavam centenas de escravos enquanto esperavam pelo
embarque. Em Ziguinchor que estava povoada por mestiços
luso-africanos, grumetes e escravos, o chefe da feitoria vem
de uma família mestiça, os Carvalho Alvarenga, ramo donde
virá Honório Pereira Barreto, filho de um cabo-verdiano e de
Rosa de Carvalho Alvarenga, a poderosa Rosa de Cacheu.
Honório Pereira Barreto, sendo governador da Guiné de 1835 a
1839, o número de escravos libertados nos 55 navios
provenientes dali e apresados pelos cruzadores, fixou-se em
cerca de 3.929.
Em Cacheu, os grumetes, na sua maioria de etnia papel, eram
africanos lusitanizados e cristianizados que constituíam, para o
colonizador português, um perigo que não era étnico mas
social. Viviam nas feitorias portuguesas ou gravitavam na sua
periferia em funções de marinheiros, de operários e de
pequenos bufarinheiros. Os grumetes tinham um
comportamento imprevisível, colocando-se quer do lado dos
seus irmãos de etnia quer do lado dos portugueses contra
estes.Com o advento da República, juntam-se às elites lusoguineenses e cabo-verdianas mestiças, desempenham um
papel político, tornando-se assim em proto-nacionalistas
Guineenses.
Do legado imaterial dos escravos da Guiné ficaram-nos
poemas dos séculos XVII e XVIII na então chamada Língua de
Preto. Língua de preto era o linguajar característico dos negros
que foi explorado para fins literários burlescos do século XVI a
XVIII. Da sua música e das suas canções resta-nos apenas
uma Canção de Natal, há pouco descoberta e que havia sido
recolhida no século XVII por um missionário anónimo de
Coimbra.
Sã qui turu zente pleta
Sã qui turu zente pleta (hé,hé)
Sã qui turu zente pleta de Guiné (hé,hé)
Tambor flauta y cassaeta e carcavena sua pé(hé,hé)
Vamos fazer uns fessa
Vamos fazer uns fessa
Ao menino Manué (hé,hé)
Com o advento da ditadura do Estado Novo foi proibida toda a
actividade político-partidária. No que se referia aos
trabalhadores das colónias, logo em 1928 foi promulgado o
Código do Trabalho dos Indígenas das Colónias Portuguesas de
África. Mantém-se e reforçam-se neste Código a utilização
compulsiva da mão de obra em condições de trabalho forçado
e de contrato em regime de semi-escravatura.
Em toda a África colonizada, as reivindicações dos
trabalhadores exprimiam de forma rigorosa o anticolonialismo
e o nacionalismo e era igualmente uma forma de rejeitar a
dominação económica e portanto a dominação colonial. Em
todo o mundo colonizado os sindicatos contribuíram
eficazmente para a causa da independência. A guerra colonial,
na Guiné-Bissau, teve como causa próxima a greve dos
estivadores do cais do Pindjiguiti que em 1959 protestavam
contra as condições de trabalho. Nesta greve, ferozmente
reprimida, foram mortos 50 grevistas e feridos mais de cem.
No plano internacional, os sindicatos, em todo o mundo
colonizado, só se afirmaram como actores sociais eficazes a
partir da descolonização. Na Guiné-Bissau, adquirida a
independência, face às novas realidades políticas e socioeconómicas, os sindicatos são confrontados com os problemas
do subdesenvolvimento e com a prioridade da construção do
Estado-nação.
Conheci a Guiné-Bissau
quando a dinâmica da luta
de libertação nacional
animava ainda as
populações das zonas
libertadas. Os africanos
lutaram para terem acesso
ao tempo, ao tempo das
nações independentes, ao
tempo de uma história
própria. Uma luta de
libertação não é possível
sem consciência nacional
que se pode definir como
a consciência de pertença
a um mesmo povo e
consciência dos seus
interesses nacionais,
enfim, uma vontade
comum de se definir
enquanto nação. A
consciência nacional
caracteriza-se pelo seu carácter dinâmico e essencial e para
isso necessita de um suporte objectivo para essa vontade - o
meio natural comum, uma comunidade de civilização e de
cultura, uma comunidade política e uma comunidade
económica. Na Guiné-Bissau, com uma população constituída
diversas etnias, quase todas participaram no esforço de guerra
e esse facto foi um factor de coesão nacional.
A geração de poetas que se exprimiu depois da conquista da
independência, era ainda criança quando em 1959 começou a
luta de libertação desencadeada pelo massacre dos
estivadores no cais do Pindjiguiti. A sua poesia escreveu-se em
crioulo e em português. Um deles, Agnelo Augusto Regalla,
num seu poema intitulado Poema de um assimilado, reconhece
em si a herança cultural do colonizador e lamenta o que ficou
na penumbra, esse imenso continente chamado Mãe África e
dos seus filhos: Samory, Abdelkader, Cabral, Mondlane,
Lumumba e Henda, Lutuli e Bem Barka e ainda de Canhe Na N
´Tuguê e Domingos Ramos, heróis guineenses, todos de
cultura crioula mas da crioulidade militante dos que se não
esqueceram e fugiram à doce melodia dos corás. Morés Djassy
no seu Poema da Natureza Africana apela às tradições para
que, unindo-se às mensagens da revolução, vençam os
séculos que lhes foram roubados. António Soares Lopes Jr.
cujo poema Mantenhas dá o título a esta antologia, recorda
episódios da luta de libertação e envia mantenhas para quem
lutou e luta. Integram a antologia, entre outros, Carlos de
Almada autor de Canto Alegre pra N´Dangú e Helder Proença.
Muitos deles, como José Carlos Shwartz integraram a luta
armada, tendo este poeta sido preso e deportado para a ilha
das Galinhas. O primeiro prosador do quotidiano guineense da
época colonial foi Fausto Duarte com o seu livro Auá que teve
um prefácio de Aquilino Ribeiro. Nos nossos dias, o guineense
Carlos Lopes também aborda, em Kaabu, a realidade histórica,
societal e cultural do seu país desde épocas remotas e, em
Corte Geral, título sugestivo, através de pequenas narrativas,
a crise geracional e de liderança instalada na sociedade e que
se seguiu aos pais da nação com a progressiva desintegração
dos valores e o aprofundamento da penúria bem patentes nos
filmes do cineasta guineense Flora Gomes. Álvaro Guerra foi o
primeiro escritor português a escrever sobre a guerra colonial
em O Disfarce. Também se situam na Guiné-Bissau e durante
a guerra colonial, as obras Até Hoje de Álamo Oliveira e
Vindimas no Capim de José Brás.
Em Classe e Nação, Samir Amin chama a nossa atenção para o
desenvolvimento capitalista periférico que favorece as elites
urbanas em detrimento do mundo rural e das etnias
mercantis. A pequena burguesia de Bissau passou a controlar
o aparelho central do estado, sem assegurar a unidade da vida
económica da comunidade, isto é, sem desenvolvimento nem
circulação de bens que tornassem coesas as populações.
Com o golpe contra Luís Cabral, Nino Vieira desfez a aliança da
Guiné e de Cabo Verde instituída por Amílcar Cabral. A coluna
vertebral dessa aliança era o PAIGC. O golpe de Nino Vieira
representou o abandono da vertente marítima pela vertente
continental. Com a queda de Luís Cabral, a Guiné, à medida
que começa então a ser absorvida pela massa continental que
a rodeia, é objecto de novas tensões interétnicas que vão
sendo absorvidas através de sucessivos golpes de estado. É de
recordar que para uma das etnias majoritárias, os mandingas,
um mundo africano ocidental totalmente francês constitui um
desequilíbrio pois as campanhas francesas foram, ao longo dos
séculos, de liquidação das etnias mais fortes daquele contexto,
o que é o caso da etnia mandinga que deve aos franceses o
seu declínio histórico. No meio do século XV, Cadamosto e
Fernandes diziam que os Mandingas da Gâmbia se
consideravam súbditos do Mali.A campanha do governador
Songhai, Oumar Kanfari, a partir de 1490 conquistou o Fouta e
dirigindo-se para o Niger, anexou Dyara. A mitologia mandinga
está impregnada pela figura do herói trágico como se constata
na Balada de diu diu.
A guerra civil levou ao colapso da nação guineense. O Estado
ficou desestruturado e os quadros superiores refugiaram-se
em Portugal. Nos golpes de estado, o poder legal, tornado
ilegítimo, abandona as populações enquanto o poder ilegal
mas tornado legítimo pela adesão das populações,
combatendo por elas e em seu nome, tem dificuldade em
protegê-las. As populações ficam pulverizadas e, incapazes de
vencerem os interesses instalados nas formações partidárias e
infiltradas no aparelho de estado, terão tendência para se
refugiarem no lar étnico. Houve e há um entrechocar de duas
culturas que nas suas linhas fundamentais se opõem. A
sociedade animista é horizontal e matrilinear enquanto as
sociedades mandingas e fulas, islamizadas, são verticais e
patrileneares.
Sendo a língua crioula a da luta pela independência, de um
modo geral os governantes e líderes políticos falam às
populações em crioulo o que significa a sua opção pela
mestiçagem cultural e pela coesão das etnias como
fundamento da nação. Durante a luta de libertação, havia
aquele momento em que nos era possível vislumbrar nalguns
homens a pureza dos ideais como se a alma até então
oprimida se achasse aliviada e a respirar. Nos países pobres,
em que a luta pela afirmação da dignidade humana é tão vital,
todos vivem perigosamente. Esta é a raíz da tragédia. Para
nós, estas lutas em que morrem milhares de homens não têm
sentido. Mas para estes povos, essas lutas significam a sua
reivindicação de justiça e afirmação de um sentido desviado.
Milhares de vidas são ceifadas, mas quantas mais não
morreriam e não morrem em lutas calmas e silenciosas que
anunciam que todo o sentido se perdeu? Hoje há uma
propensão para a desistência, pior, para a renúncia em
participar em actos cívicos na medida em que se sente que se
está a participar em algo que está sistematicamente distorcido
e desviado do seu sentido inicial o que torna qualquer melhoria
inatingível.
Em Julho de 1975, quase toda a redacção do Jornal Nô Pintcha
foi mobilizada para as festas e cerimónia da proclamação a 5
de Julho da independência de Cabo Verde. O então ministro da
Informação, Manuel dos Santos, com base na teoria de
Amilcar Cabral, de que “a cultura deve ser utilizada como
instrumento de libertação nacional”, enviou-me a Bubaque
para acompanhar o comissário e simultaneamente abordar as
lendas e mitos Bijagós. O PAIGC tentava restabelecer o
diálogo entre o partido no governo e o povo e iniciar um
processo civilizatório aglutinando lentamente culturas e línguas
muito antigas cujo processo de fusão fora durante cerca de
500 anos interrompido.
Deslumbrada, eu via chegar à praia as gentes das ilhas.
Vinham em pirogas muito frágeis carregando bois, frutos,
cachos de bananas e de dendém. Altivos, altos e fortes,
seminus, penteados de tranças, pareciam transportados de um
mundo mítico para uma praia de um tempo imemorial. A sua
entrada no meu campo de percepção abalava as dimensões do
meu mundo temporal. A obtenção da licença para visitarmos a
aldeia de Eticoga demorou-nos em Bubaque 2 semanas. Na
primeira semana aventurámo-nos a chegar lá mas a meio do
percurso o barco parou devido a uma avaria pelo que
passámos a noite no mar, olhando as estrelas e ouvindo as
canções que o soldado que era a minha segurança pessoal,
entoava, à medida que a noite nos encerrava no seu manto de
treva e o brilho das estrelas vacilava sobre as nossas cabeças.
O estreito espaço do barco era partilhado com o jornalista
estagiário do Nô Pintcha e o comissário Armando. Segurandose na arma como a uma estaca, o soldado, manjaco, moço
esbelto e desinibido, cantava o Tchilá tchitchilá e canções ao
Jaco, o pássaro totem do seu povo. O estagiário era um moço
que saía pela primeira vez de Bissau, a sua terra natal. O
comissário Armando oriundo do interior da Guiné, fora enviado
pelo PAIGC, ainda adolescente, para Moscovo, para estudar
ciências políticas. Ao outro dia, avisado pelos pescadores, o
dono da pousada, sabendo que eu ia a bordo, mandou a sua
lancha buscar-nos. Uma segunda tentativa teve o mesmo
resultado mas como partimos de manhã muito cedo, antes do
anoitecer, regressámos nas canoas dos pescadores a Bubaque.
O comissário Armando acreditou então que, como fora avisado
pelo emissário por ele enviado a Eticoga, que sem permissão
da comunidade da aldeia não iríamos chegar lá devido aos
poderes dos antepassados, seus guardiães. Quando finalmente
nos chegou o convite, partimos e, chegados a Orangozinho,
seguimos a pé até à aldeia. O caminho pelo bosque é regular,
batido a peso dos passos dos que saem da aldeia para o litoral
onde têm as canoas de pesca. Naquela longa marcha da praia
até à aldeia eu atrasava-me e a cada passo os meus
companheiros esperavam-me mais adiante, sentados à
sombra de uma árvore e limpando o suor do rosto. Recordei
que nas zonas libertadas onde eu tinha estado no ano anterior,
embora indo num grupo liderado por uma guerrilheira, eu
andava à solta, excepto quando, depois de saírmos de
Candjambari, nos internámos na mata seguindo um trilho que
bordejava uma vasta zona minada à volta da grande aldeia
libertada de Morés. Naquele momento da sua história,os
Guineenses, devido à guerra, tinham avançado no tempo,
tinham-se tornado nossos contemporâneos. As tradições
pareciam desvanecer-se ou alterar-se e eu perguntava-me que
povo iria sair daquela guerra, com que qualidades novas e com
que defeitos antigos.
Chegámos à tardinha a Eticoga. Deram-nos limonada e ao
jantar, frango guisado com arroz e leite dormido com mel,
uma espécie de iogurte. As casas da aldeia tinha cada uma
grandes terrenos à volta muito limpos e bem varridos. Para
mim tinham construído uma cabana e dentro dela um estrado
de cerca de dois palmos de altura coberto de folhas de milho
tapadas com um lençol.
Logo pela manhã foi o
comício debaixo de uma
mangueira, a árvore das
palavras da tradição
africana, situada no centro
da aldeia. Nenhum de nós
conhecia a língua mas
estava connosco, como
intérprete, um caboverdiano, antigo
funcionário da
administração. O
comissário dirigiu-se ao
povo que ali estava em
peso, dizendo que a
guerra acabara, que o
PAIGC iria cuidar deles
como pai extremoso pois
para o bem deles lutara e
por eles muitos haviam
dado o seu sangue e a sua
vida. Quando acabou
perguntou se queriam algo do pai PAIGC. Eles gritaram em
uníssono: Armas, armas. Fez dó o espanto estampado na cara
do comissário que ripostou perguntando para que queriam eles
as armas, eles que não tinham lutado contra os portugueses,
porque queriam agora armas para lutarem contra os seus
irmãos do PAIGC? Que Portugal não estava zangado e a prova
estava na presença amiga de uma portuguesa que queria
conhecer as histórias que as mães velhas guardavam para as
gerações futuras, histórias que se iam guardar nos gravadores
assim que se dispusessem a contá-las. Seguiu-se um longo
silencio depois do que eles se puseram falando uns com os
outros a ponto do comissário se sentar pacientemente até a
conversa entre eles acabar. Os Bijagós não possuem uma
autoridade central. A solidariedade do grupo é a lei. A lei aqui
tem acima de tudo em conta não uma justiça abstracta mas a
preservação da segurança do grupo. Quando, finalmente, nos
comunicaram a sua decisão, foi para dizerem que as armas se
destinavam a afastar os hipopótamos que lhes devastavam os
arrozais. Na verdade, o que sucedia era uma espécie de jogo
feito para descobrirem o que lhes reservavam as novas
autoridades. Eles estudavam a forma como a nova autoridade
se comportaria em relação a eles, tentando assim a definição
de posições de poder pois a vida, também ali, deseja expandir
a sua força. Os povos do arquipélago, agora inseridos na roda
do mundo, ensaiavam uma definição da sua situação face ao
poder. E a reciprocidade, quanto a eles, só se verificaria se os
armassem, porque os antigos administradores impunham-se
apenas pela autoridade das armas. Só sentiriam como sendo
seu o novo poder se, enquanto grupo, pudessem ter a
autoridade que uma arma confere. Era como se dissessem que
só haveria paz quando houvesse armas iguais para todos os
grupos e povos da nova nação.
Eu aguardava com ansiedade o momento em que essas
matriarcas me abrissem o grande livro da memória. Gravei a
narrativa de três velhas na tabanca de Eticoga na ilha de
Orangozinho. O tema foi escolhido pela mais velha que era a
pessoa mais respeitada da aldeia e que me recebeu depois de
um longo cerimonial na casa dos antepassados. Vestia um
saiote de tarrafa e cobria-se com uma manta de tara. A
segunda mulher nascera em Orango Grande mas fixara-se há
longos anos nesta aldeia. A terceira estava de visita e viera da
tabanca de Acanhô. A narrativa das três é complexa porque se
reporta a factos históricos de diferentes épocas que foram
passando de geração em geração através da tradição oral. O
sofrimento do povo é o que a memória do povo regista e passa
através dos séculos. Elas, as contadoras, são a palavra, o
passado contido no presente e o presente que é futuro do
passado. A recolha tal como foi feita foi entregue no Nô
Pintcha e uma cópia foi por mim trabalhada literariamente até
lhe ser dada a forma poética.
Partimos de Orangozinho contentes pois os seus habitantes
tinham-se revelado gente paciente e desejosa de nos
contentar. Ao despedir-me das moças minhas companheiras,
deixei lá o pijama, os sapatos e tudo o que levava na minha
bagagem incluindo a mala e os livros. Uma semana depois
retribuíram mandando-me frangos, ovos, peixe e bananas.O
povo de Orangozinho tinha-me finalmente adoptado.
Eu havia elegido a Humanidade como sujeito universal e
percebendo que aquela gente sabia de si própria mais do que
eu havia julgado apesar da interferência secular do homem
branco, eu perguntava-me que parte me reservavam eles na
sua mente e no seu coração. Mas compreendi que a resposta
não poderia ser individual, a resposta teria de ser colectiva e a
partir do momento em que eles tomassem posse da parte que
lhes caberia na economia mundo.
Na Guiné tive o raro privilégio de assistir ao meu próprio
velório entre danças e cantos, numa noite de um claro luar
que eu não gozei porque dormia aquilo que se pensava ser o
sono da morte. Quando as populações de Bubaque e de
Orangozinho souberam que eu tinha sido picada na praia por
um animal que os baboleros, chamados ao posto médico,
devido ao inchaço da minha perna não tinham sido capazes de
identificar que tipo de cobra me mordera, acorreram à
pousada e instalaram-se no largo defronte do meu bangaló.
Devido à chuva, não era possível trazer até ali um avião e o
posto não possuía soro anti-ofídico. Convencidos do meu
envenenamento, para que eu não sofresse, enganaram-me
dando-me em vez do soro anti-ofídico, uma injecção que me
fez dormir profundamente. Quando ao outro dia acordei de
manhã, muito cedo, ao abrir a porta do bangaló, ouvi então
um imenso Ah e algumas vozes gritando: está viva! Enxerguei
então a multidão que se pusera de pé, as máscaras do boi
poisadas no chão e um bezerro amarrado ao tronco de uma
árvore. Soube que se tinham quotizado para a compra do
bezerro que iriam comer nos ritos do meu funeral. Pouco
depois já se discutia o que fazer do bezerro. A carência
permanente de carne devido a uma dieta essencialmente
vegetariana e tendo como base o arroz, leva a que as
cerimónias e em especial os velórios sejam uma ocasião
preciosa para o restabelecimento das energias. Então,
incomodada por os ter decepcionado, pela indelicadeza de não
estar morta, resolvi que o bezerro pagá-lo-ia eu para celebrar
o facto de estar viva, junto deles e que a festa podia começar.
A partir desta experiência, deixei de pensar no meu velório
póstumo. Afinal eu já tinha morrido e, a partir deste susto,
deixei de pensar onde seria bom morrer para pensar onde
seria bom viver, em que recanto da terra ou, simplesmente,
no coração do mundo.
JOANA RUAS (Portugal, 1945). Jornalista cultural e tradutora no jornal da República
da Guiné-Bissau e na Radiodifusão Portuguesa. Ensaísta, poeta e narradora. Graças a
seus conhecimentos sobre a realidade sócio-cultural de Timor Leste e da GuinéBissau, dará conferência acerca desses países na Bienal. Em 2009 terá seu primeiro
livro publicado no Brasil. Contato: [email protected].
____________________________________________________
Texto apresentado na mesa "Aproximar o distante - do estranho ao familiar,
duas experiências: Timor Leste e Guiné-Bissau"
Sala Dolor Barreira - 19 de novembro de 2008
Mediação: José Ángel Leyva (México)
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
Avanço das neurociências para o
ensino da leitura
Leonor Scliar-Cabral
.
1. Introdução
É alarmante o número de analfabetos funcionais no Brasil (INAF,
2007; SCLIAR-CABRAL, 2003) e constatamos que os alunos
brasileiros têm obtido péssimos escores na avaliação mais
importante do mundo sobre competências em linguagem,
matemática e ciências (OCDE, 2005; UNESCO, 2007). Por que
não aplicamos à alfabetização e ao ensino-aprendizagem da
leitura e escrita as conclusões a que chegaram as pesquisas de
ponta no assunto, realizadas pelas neurociências (DEHAENE,
2007), pela psicolingüística e pela lingüística?
Graças à imagem por ressonância magnética (IRM), à
eletroencefalografia (EEG) e à magneto-encefalografia (MEG),
podemos rastrear como nosso cérebro trabalha durante a leitura.
As principais conclusões de tais pesquisas são de grande valia
para repensarmos os métodos de alfabetização e o ensinoaprendizagem da leitura e escrita, além de nos esclarecerem
sobre as dificuldades que nossos alunos apresentam,
decorrentes de distúrbios de atenção ou da dislexia.
A capacidade para aprender a ler e a escrever é exclusiva da
espécie humana. Ela se deve, fundamentalmente, aos seguintes
fatores de como está estruturado e funciona o sistema nervoso
central:
1 – plasticidade dos neurônios para se reciclarem para novas
aprendizagens;
2 – dominância e especialização das várias áreas secundárias e
terciárias do hemisfério esquerdo para a linguagem verbal;
3 – interconexão entre a região occípito-temporal ventral
esquerda e as várias áreas mesmo distantes que processam em
paralelo a linguagem verbal, inclusive as que processam a
significação;
4 - processamento das variantes recebidas nas áreas primárias,
através do emparelhamento com formas invariantes mais
abstratas que os neurônios reconhecem;
5 – arquitetura neuronial capaz de processar formas
sucessivamente mais abstratas e complexas: a função semiótica.
Deter-nos-emos nesse artigo nas principais dificuldades com as
quais se defrontam os neurônios da região occípito-temporal
ventral esquerda para se reciclarem, num processo de
aprendizagem, a fim de associar uma ou duas letras que
constituem um grafema, ao respectivo fonema, tendo ambos a
função de distinguir significados.
Ocorre que, para realizar tal associação, no processo de
aprendizagem, o indivíduo deverá desmembrar a sílaba, quando
ela for formada por dois, três ou mais segmentos, uma vez que
nosso sistema não é silábico e sim alfabético. Eis aí a primeira
grande dificuldade com a qual se defronta o alfabetizando, uma
vez que, até se alfabetizar, ele percebe a fala como um contínuo
e a sílaba como uma unidade indecomponível. É o que veremos
a seguir.
2. Desmembrar a sílaba para associar um fonema a um
grafema
Com efeito, antes de se alfabetizar, o indivíduo percebe a cadeia
da fala como um contínuo: não há pausas entre as palavras,
como os espaços em branco que as separam na escrita, nem
contrastes entre os sons que constituem as sílabas.
Primeiro vamos examinar a dificuldade em perceber o contraste
entre as unidades que constituem a sílaba e, portanto, em
desmembrá-la.
Por exemplo, não só as pistas acústicas que definem uma
consoante e uma vogal adjacente são interdependentes, como
também seus respectivos gestos fonoarticulatórios, em virtude
da co-articulação. Faça o seguinte exercício diante do espelho:
Pense em pronunciar a palavra pi e, antes de dizê-la, olhe como
ficou sua boca.
Agora pense em pronunciar a palavra pó e, antes de dizê-la, olhe
como ficou sua boca.
Embora o fonema inicial
seja o mesmo nas duas
palavras, isto é, /p/ (que
não pode ser realizado
isoladamente), quando
você pensou em pronunciálo na palavra pi, seus lábios
fechados ficaram esticados
horizontalmente (isto é,
distensos), mas quando
pensou em dizer pó, seus
lábios fechados fizeram um
biquinho (isto é, ficaram
arredondados). Isso
ocorreu porque o programa
motor do cérebro envia os
comandos aos músculos do
aparelho fonador por
unidades silábicas: como a
vogal [i] é distensa (tente
pronunciá-la na frente do
espelho), ao pensar em dizer a palavra pi, os lábios já se
preparam, no fenômeno chamado de antecipação; mas a vogal
[O] é arredondada e, por isso, ao pensarmos em dizer pó,
arredondamos os lábios, isto é fazemos um biquinho.
Há outros traços das vogais que vão afetar a articulação do [p]
e, portanto, as respectivas pistas acústicas. Por exemplo, em [i],
o maxilar inferior vai para frente e puxa o dorso da língua de
encontro ao palato duro: essa vogal é chamada de anterior ou
menos posterior, fechada e alta (além de distensa), enquanto
em [O], o maxilar abaixa e puxa o dorso da língua para trás: a
vogal, então, é chamada de posterior, aberta e baixa (além de
arredondada).
Quando pedimos a um não alfabetizado para dizer quantos sons
escuta em casa, ele responde que são dois e não consegue
apagar a consoante inicial de uma sílaba. Verifique você mesmo,
aplicando o teste abaixo numa criança e num adulto não
alfabetizados (observe que primeiro colocamos o teste de
apagamento de uma vogal, também uma sílaba, para
demonstrar que a pessoa não consegue realizar o teste de
supressão da consoante não por não ter compreendido o
enunciado, mas sim porque não consegue desmembrar a sílaba).
2.1 Consciência fonológica
Cabe, em primeiro lugar, definir o que vem a ser consciência
fonológica e, se tal consciência é sobre unidades fonêmicas, o
estatuto de tais unidades.
A consciência metalingüística e a consciência fonológica na qual
ela se insere decorrem, de o ser humano poder se debruçar
sobre um objeto, no caso, a linguagem, de forma consciente,
utilizando uma linguagem. No caso particular da consciência
fonológica, o objeto sobre o qual nos debruçamos
conscientemente são os fonemas, e a linguagem utilizada é o
alfabeto.
Portanto, uma primeira distinção a ser feita é entre
conhecimento para o uso, não consciente, dos fonemas de uma
língua, que todo o falante-ouvinte nativo tem, independente ou
não de ser alfabetizado, pois utiliza com propriedade, quer
quando escuta, quer quando fala, a diferença entre /´bala/ e /
´mala/, e o conhecimento consciente dos fonemas, ou
consciência fonológica que se desenvolve lado a lado com a
aprendizagem do sistema alfabético da respectiva língua.
Se o objeto da consciência fonológica é o fonema, é preciso
também ter claro o conceito de fonema, pois muitos confundem
fonema com som, ou colocam dentro do objeto da consciência
fonológica outras capacidades de lidar com os sons.
Então, o que é o fonema? A definição clássica de fonema,
estabelecida pelo lingüista R. Jakobson, é: O fonema é um feixe
de traços distintivos.
Vamos clarear ponto por ponto, o que está implícito nessa
definição:
- O fonema tem uma função distintiva, isto é, serve para
distinguir um significado básico de outro, como no já citado
exemplo de /´bala/ e /´mala/. Veja bem, o fonema não tem
significado: serve para distinguir significados. Quer dizer que /b/
e /m/ não significam nada, mas trocando um pelo outro no
contexto /´_ala/, o significado se altera.
- Se você observar bem, vai notar (e agora vou mencionar os
traços que constituem os dois fonemas) que:
1º traço: ambos são consoantes [+cons];
2º traço: /b/ é [+obstruinte], isto é, uma oclusiva, pois há um
obstáculo à saída do ar pelo trato vocal e /m/ é [-obstruinte],
uma vez que o ar sai pelas narinas, sem encontrar obstáculo;
3º traço: /b/ não é continuo [-cont], e sim momentâneo, isto é,
não pode perdurar na prolação (e, por isso, não pode ser
produzido isoladamente) enquanto /m/ é [+cont], pois pode
perdurar na prolação;
4º traço:/m/ é [+nasal], pois as moléculas de ar ressoam nas
fossas nasais, enquanto /b/ é [-nasal], pois as moléculas de ar
só ressoam no trato bucal;
5º traço: em ambos as pregas vocais vibram, por isso, são
sonoros [+son], embora esse traço seja redundante nas
consoantes nasais;
6º traço: ambos são anteriores, [+ant], pois são articulados na
parte mais anterior do trato vocal;
7º traço: ambos não são coronais, [-cor], pois não são
articulados com a coroa da língua contra os alvéolos ou parte
anterior do palato duro.
Conforme se pode verificar, a diferença entre /b/ e /m/ não é in
totum e sim apenas entre os traços [+obstruinte], [-cont], [nasal] de /b/ contra [-obstruinte], [+cont] e [+nasal] de /m/.
O feixe de traços de /b/ é constituído de [+cons], [+obstruinte],
[-cont], [+son], [+ant] e [-cor]. Ele se diferencia de /p/, apenas
porque esse fonema é [-son] e de /d/, apenas porque esse é
[+cor].
- Por que o fonema não é som? Porque o fonema é uma entidade
psíquica: assim como não podemos colocar uma cadeira dentro
de nossa cabeça, as moléculas de ar que se comprimem e
rarefazem para produzir as ondas acústicas também não podem
entrar dentro de nossa cabeça. Lembra-se do conceito de
invariância da lingüística? Pois bem, o fonema é um feixe de
traços invariantes, de natureza abstrata, que são reconhecidos
por sua função de distinguir significados, permitindo que as
pessoas se comuniquem através da linguagem verbal. Não
importa como as pessoas pronunciem o terceiro segmento que
aparece na palavra carta, pois o som que o carioca produz só
tem de parecido com o que um gaúcho de Bagé diz no fato de
ambos serem consoantes, e só! MAS O FONEMA É O MESMO!
Quando o bebê nasce, os neurônios das áreas primárias são
sensíveis para discriminar as diferenças categoriais entre
quaisquer sons que possam existir em qualquer língua, mas
obviamente, não se trata de fonemas, pelas seguintes razões:
1ª – conforme explicamos acima, o fonema serve para distinguir
significados. Ora, ao nascer, o bebê ainda não está com as
conexões neurais estabelecidas com as áreas que processam as
significações básicas, nem tão pouco teve experiência suficiente
com a variedade lingüística materna, para reorganizar as pautas
acústicas pertinentes a tal variedade. São precisos alguns meses
para que se estabeleçam conexões entre as várias regiões do
sistema nervoso central, pois “certas áreas associativas
específicas e não específicas do córtex, bem como as conexões
axônicas que as ligam”, jogam um papel principal nos aspectos
semânticos da linguagem receptiva e produtiva, em particular, o
lóbulo parietal inferior (LECOURS 1983, p.184).
Conforme se pode depreender, o fato de o infante ser capaz de,
após condicionamento, dar respostas diferenciadas a estímulos
categoriais, no chamado paradigma HAS (high-amplitude
sucking, EIMAS et al. 1971, p. 303-306), ou de ser capaz de
emitir uma gama bastante rica de sons (inarticulados), não
significa, no primeiro caso, que ele já esteja demonstrando
qualquer tipo de consciência fonêmica, ou, no segundo, que ele
já esteja produzindo gestos fonoarticulatórios de uma língua
qualquer.
Decorrem destas evidências muitas implicações para o que se
considera pertinente no desenvolvimento da consciência
fonológica:
- o desenvolvimento da consciência fonológica pode ajudar o
alfabetizando a vencer a dificuldade em segmentar a sílaba;
- tal desenvolvimento depende do domínio gradativo do sistema
alfabético, pois, para desenvolver a consciência fonológica, o
indivíduo necessita de uma linguagem e essa linguagem é o
alfabeto;
- não se deve confundir consciência fonológica com habilidades
para discriminar diferenças entre sons, pois o fonema é uma
entidade que tem a função de distinguir as significações básicas.
Em virtude das grandes confusões que circulam nos livros
didáticos, inclusive das séries iniciais, daremos algumas
explicações sobre a sílaba e os encontros vocálicos no PB.
2.2 A sílaba e os
encontros vocálicos no
PB
A sílaba no PB é uma
unidade constituída
obrigatoriamente por uma
e apenas uma vogal (o
centro silábico) que pode
vir acompanhada em suas
margens à esquerda (o
aclive) e à direita (o
declive) por uma ou mais
consoantes. O movimento
do trato vocal é de um
fechamento para uma
abertura e da abertura
maior para o fechamento.
Como não temos letras
específicas para
representar os grafemas
semivocálicos, ocorrem muitas confusões em sua identificação,
agravadas pelo fato de as semivogais praticamente só se
diferenciarem de suas homorgânicas vogais por serem mais
breves e por sua função na sílaba: sempre são margem e nunca
centro silábico.
Sendo assim, a estratégia para identificar se a letra representa
uma vogal ou uma semivogal consiste em aplicar o princípio:
tantas sílabas, tantas vogais (lembre que a semivogal nunca
pode receber o maior acento de intensidade).
Cabe chamar a atenção para um grave erro constatado em livros
didáticos e em provas de concurso que consiste em confundir
separação silábica com normas de translineação.
O que são normas de translineação? São normas que dizem
como deveremos separar as partes de uma palavra, quando não
há mais espaço na linha e devemos continuá-la na linha
seguinte. Essas normas, totalmente arbitrárias, mandam
separar, por exemplo, dígrafos, que não são outra coisa senão
um só grafema! Assim, segundo essas normas, deve-se separar
car- na palavra carro e continuar ro na linha seguinte, ou consde consciência, colocando ciência na linha seguinte. Ora, isto
não tem nada a ver com separação silábica! As duas sílabas de
carro, na escrita são ca e rro à /´ka/ /Ru/.
Revisemos os encontros vocálicos:
- HIATO é o encontro de duas vogais, portanto, em sílabas
separadas. Ex.: caí à /ka´i/ (duas sílabas, duas vogais).
- DITONGO é o encontro de uma vogal e de uma semivogal na
mesma sílaba. Ex.: cai à /´kaj/ (uma sílaba, uma vogal).
Os ditongos podem ser:
- decrescentes (considerados perfeitos, porque não podem ser
desmanchados), isto é, o trato vocal decresce, porque a
semivogal vem depois da vogal. Observe que a semivogal pode
estar codificada de várias formas e que as letras i ou u não estão
representando vogais. Exs.: dei, tem, têm, tens, perdeu, mau,
mal, mais, mães, tonéis, lençóis, mão, choram.
- crescentes (também chamados de imperfeitos, porque podem
ser desmanchados, transformando-se em hiato: trata-se de uma
variante livre e, por isso, questões que versem sobre sua
identificação só podem cair em prova quando contemplarem a
possibilidade das duas variantes). Exs.: cálcio à /´kalsju/ (duas
sílabas) ou /´kalsiu/ (três sílabas); Tiago à /´tjagu/ (duas
sílabas) ou /ti´agu/ (três sílabas); cueca à /´kwEka/ (duas
sílabas) ou /ku´Eka/ (três sílabas).
- orais (o centro vocálico é uma vogal oral, arrastando, portanto,
a semivogal), como nos já citados exs. perdeu, mau, mal, mais.
- nasais (o centro vocálico é uma vogal nasal, arrastando,
portanto, a semivogal), como nos já citados exs. tem, têm, tens,
mães, mão, choram.
- abertos (o centro vocálico é uma vogal baixa, obrigatoriamente
oral). Exs.: céu, tonéis, dói, cai. Observe que, pelo Novo Acordo
Ortográfico, se os ditongos abertos /Ej/ e /Oj/ figurarem em
vocábulos paroxítonos, isto é, se não estiverem no final do
vocábulo (monossílabos tônicos ou oxítonos), não levam acento
gráfico, como no nome de pessoa Leia (que agora passa a se
confundir com a 1ª e 3ª pessoas do singular do presente do
subjuntivo do verbo ler). Esse acordo ortográfico,
definitivamente, significa um retrocesso que só interessa às
editoras que saíram na frente, publicando dicionários e livros
didáticos para faturar. Uma das únicas dificuldades para a
atribuição dos valores aos grafemas no PB era, exatamente, a
que dizia respeito aos grafemas e e o, que a antiga regra de
acentuação gráfica dos ditongos abertos /Ej/ e /Oj/ atenuava,
pois valia em qualquer posição no vocábulo. Voltaremos ao
assunto quando tratarmos da ambissilabicidade.
- fechados (o centro vocálico é uma vogal [-baixa], isto é, /i/, /
e/, /u/, /o/ e todas as vogais nasalizadas, inclusive /ã/, que se
realiza como fechada.
- TRITONGO é o encontro de uma vogal entre duas semivogais
na mesma sílaba (continua valendo a estratégia, tantas sílabas,
tantas vogais). Exs.: aguei, magoei, Nonoai.
Como a primeira parte do tritongo é crescente, já vimos que
pode ser desmanchada e o ditongo se transforma em hiato,
portanto é uma variante livre. Aguei à /a´gwuej/ (duas sílabas,
duas vogais), ou à /agu´ej/ (três sílabas, três vogais).
Alguns encontros vocálicos difíceis de identificar
- quando o centro silábico for a vogal /i/ ou /u/, conforme os
casos a seguir:
navio à /na´viu/: nesse caso, a melhor solução é tratar o
encontro como hiato, conforme o similar em Maria. Se io fosse
ditongo, teria que ser obrigatoriamente decrescente, porque o
acento de intensidade maior cai no i e, em conseqüência, o
encontro não poderia ser desmanchado, o que não é o caso.
- Ambissilabicidade
O que é ambissilabicidade? É quando a parte inicial de um som é
a margem direita de uma sílaba (declive) e a parte final dele é a
margem esquerda da sílaba seguinte. Lembra quando
explicamos que a sílaba vai do fechamento para a abertura e
dessa para o fechamento? Pois bem, tomemos o vocábulo bóia e
acompanhe seus movimentos, olhando-se no espelho: começa
com os lábios fechados em bico [b], cujo fechamento se rompe
com o maxilar inferior vindo para baixo, arrastando a língua até
atingir o máximo de abertura necessária para produzir o centro
silábico [O]; a seguir, o maxilar inferior vai subindo, arrastando
o dorso da língua de encontro à parte interna da arcada dentária
e do céu da boca, enquanto os lábios se distendem, decrescendo
a abertura para produzir a metade da semivogal [j] até o
máximo de seu fechamento (temos então um ditongo
decrescente), o qual, sem interrupção começa a se abrir, com o
maxilar inferior voltando para baixo e arrastando consigo a
língua, até atingir o máximo de abertura para realizar o [a]
(temos então um ditongo crescente).
Como vemos então, dinamicamente, temos primeiro um ditongo
decrescente que, gradativamente, vai se transformando em
ditongo decrescente, encontro esse não contemplado pela NGB.
Seguramente temos em bóia duas vogais, portanto, duas
sílabas. Mesmo que alguns autores prefiram analisar em tais
ocorrências primeiro um ditongo decrescente, seguido de uma
vogal, esse encontro não é consignado pela NGB.
3. A segmentação das palavras
Conforme asseveramos, antes da aprendizagem da leitura e da
escrita, o indivíduo processa a cadeia da fala como um contínuo.
Além da não percepção dos contrastes entre as unidades que
compõem a sílaba, conforme examinado em 2., uma outra
grande dificuldade é identificar as palavras tais como estão
separadas por espaços em branco no sistema escrito. Vamos
assinalar três grandes dificuldades aí envolvidas: a percepção
dos vocábulos átonos, também chamados de clíticos; o fato de
os vocábulos átonos não apresentarem significações com
contrapartida referencial concreta e a reanálise silábica, quando
um vocábulo termina por consoante e o seguinte inicia por vogal,
fenômeno conhecido como sândi externo, ou juntura externa
fechada.
3.1 a percepção dos
vocábulos átonos,
também chamados de
clíticos
Vocábulos átonos são
aqueles que, na cadeia da
fala, não possuem o acento
de intensidade mais forte.
Em geral, são monossílabos
e coincidem com classes
gramaticais como os
artigos e grande parte dos
pronomes, preposições e
conjunções.
Em virtude de serem
átonos, dependem
fonologicamente no PB do
vocábulo seguinte (com
exceção dos pronomes oblíquos que podem ocupar a posição
enclítica ou mesoclítica). Todos os substantivos, verbos,
adjetivos e advérbios possuem uma sílaba com o acento de
intensidade mais forte e, por isso, os vocábulos átonos neles
ficam pendurados. Por isso, quando colocamos um vocábulo
átono no final da frase, ele não tem onde se apoiar e deixa de
ser átono, passando a sujeitar-se às regras de acentuação
gráfica, como no exemplo: Queres me dizer por quê? Temos
nessa frase dois vocábulos átonos, me e por, o primeiro se
apoiou no verbo dizer e o segundo no vocábulo quê, que deixou
de ser átono e passou a ser um monossílabo tônico terminado
em e, portanto, recebendo o acento circunflexo.
Por isso, a regra de ouro de atribuição do acento de intensidade
durante a leitura, a primeira a ser ensinada, por contemplar os
vocábulos mais freqüentes do PB (com exceção dos átonos, que
apresentam maior freqüência de uso), deve ser:
Se os substantivos, verbos, adjetivos ou advérbios tiverem duas
ou mais sílabas e terminarem pelas letras e, a, ou o, seguidas ou
não de s, e NÃO tiverem nenhum acento gráfico, LEIAM-SE
COMO PAROXÍTONOS.
Entende-se, pois, por que, ao substantivarmos qualquer
vocábulo átono, na metalinguagem, ele deixa de sê-lo. Por
exemplo: O dê é uma preposição.
Já deu para perceber a importância de trabalharmos desde a
Educação Infantil com a percepção das distinções entre sílabas
mais fortes e mais fracas num vocábulo.
3.2 Os vocábulos átonos não apresentam significações
com contrapartida referencial concreta
Uma outra grande dificuldade para o alfabetizando em perceber
os vocábulos átonos como separados decorre do fato de eles não
terem contrapartida referencial concreta, isto é, eles têm
significação puramente gramatical ou outras funções, mas não
carregam o que J. Mattoso Câmara Jr. denominou de significação
externa. Por isso, devemos ser engenhosos em ajudar a criança
a identificar tais vocábulos.
Veremos, por exemplo, que, para ajudar a criança a identificar
os artigos indefinidos e definidos, é trabalhar com narrativas
ficcionais, demonstrando que o artigo indefinido serve para
introduzir a informação nova, enquanto o definido é usado para
a informação conhecida. Poderemos trabalhar com atividades
que lhes permitam verificar as preposições, trabalhando com
procedência, direção para, estáticos, companhia, e assim por
diante.
3.3 a percepção dos vocábulos átonos, também chamados
de clíticos
Quando um vocábulo termina por consoante e o seguinte
começa por vogal, ou quando os dois fonemas são idênticos,
ocorre a reanálise silábica, tornando opacas a fronteiras entre as
palavras. Separe, por exemplo, lendo em voz alta as sílabas da
frase os ouvidos.
Você notará que há uma contradição entre o que está escrito,
com um espaço em branco separando os de olhos e o que você
disse /u – zow -´vi – duS/ (observe que a realização do último
segmento depende da variedade sociolingüística de quem está
lendo). Observe, também, que ficou totalmente opaco o
morfema de plural que passou para o início da palavra seguinte,
o que não é a sua posição na língua portuguesa! Além disso, na
posição intervocálica, ele é realizado como sonoro.
Por esse motivo, é possível que a criança, quando vem à escola,
tenha em seu léxico mental, ao invés de olhos, zoio; ao invés de
orelhas, zoreia, e, ao invés de unhas, zunha. Tudo isso terá que
ser refeito no processo de alfabetização.
3.4 Reconhecimento dos traços que diferenciam as letras
ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ
abcdefghijklmnopqrstuvwxyz
A utilização de uns poucos traços articulados para formar uma
letra, de modo a diferenciá-la das demais, se insere nos
princípios que governam o processamento dos sistemas verbais,
que passo a explicar.
Quanto mais baixo o nível de processamento, tanto mais ele
deverá ser automatizado durante a aprendizagem e, portanto,
menor o número de traços que compõem o paradigma (lista dos
traços que são utilizados) e de cada feixe (no caso, uma dada
letra), para não sobrecarregar a memória.
Os traços mais elementares que constituem as letras são as
retas e as curvas, cujo reconhecimento, em suas formas
invariantes, não é privilégio da espécie humana. Porém, o que
caracteriza a utilização dessas formas invariantes na
estruturação de um sistema alfabético é o desdobramento em
pequenas diferenças, o modo como se articulam e o acréscimo
de outros traços diferenciais, que são: a relação com uma linha
real ou imaginária (somente nas minúsculas), a direção para
cima ou para baixo, e para a direita ou para a esquerda (esse
último, o mais complexo dos traços que diferenciam as letras
entre si, pois vai de encontro à programação natural dos
neurônios para buscar a simetria na informação visual).
Em cada nível, as unidades do nível anterior vão sendo
estruturadas numa ordem de complexidade e quantidade
crescente: a primeira ordem é a dos traços articulados
simultaneamente e não em cadeia, para formar cada letra, cuja
função é a de realizar um grafema; a segunda ordem é a do
grafema, associado ao fonema que representa e constituído de
uma ou duas letras, cuja função é distinguir a significação básica
das unidades puramente gramaticais ou que se referem à
significação externa; a terceira ordem é a das unidades cuja
função é referenciar a significação puramente gramatical ou
externa; a quarta ordem é a das frases, com função nominal,
verbal ou preposicional; a quinta ordem é a das orações, cuja
função é proposicionar; a sexta ordem é a dos períodos, cuja
função é articular as proposições e a sétima ou última ordem é a
do texto, cuja função é articular as idéias, de modo coerente, em
torno de uma unidade temática.
No momento estamos tratando das dificuldades com as quais o
alfabetizando se defronta para aprender a primeira ordem, a dos
traços que se articulam para formar as letras.
Algumas letras são formadas por um só traço, como é o caso de
I, C e O maiúsculos, e de l, c e o minúsculos.
Já mencionamos que os traços mais elementares que constituem
as letras são as retas e as curvas, que se desdobram em
pequenas diferenças que são:
- posição da reta: vertical, horizontal ou inclinada. Por ex., na
letra E, observamos uma reta vertical e três horizontais,
enquanto na letra V, observamos duas retas inclinadas;
- tamanho da reta. Você pode notar que os traços horizontais
são sempre menores que os verticais (sempre do mesmo
tamanho, numa mesma fonte). Compare, por exemplo, esses
tamanhos nas letras E, F, H, L e T.
- relações entre os traços numa mesma letra. As relações podem
ser entre retas (em qualquer das posições), entre curvas ou
mistas, variando o local onde os traços menores se colocam em
relação ao eixo principal e quantos são. Assim, a única diferença
entre E e F está no fato de E ter um traço horizontal a mais na
base, e de ambos se diferenciarem de L porque esse só possui
um traço horizontal na base. Já na letra T, o traço vertical tange
bem ao meio o traço horizontal que está no topo, enquanto no
H, é o traço horizontal que liga no meio as duas retas paralelas.
Observe, pois, que essas cinco letras maiúsculas articulam
exatamente os mesmos traços, diferenciando-se apenas pelas
relações que estabelecem entre si: L T F E H.
Um exemplo de relação entre curvas encontramos na letra
maiúscula S e minúscula s, mas, como se pode observar, essa
letra, além das grandes dificuldades do grafema por apresentar
valores fonológicos diferentes, conforme o contexto gráfico,
possui uma dificuldade ainda maior, pelo fato do duplo
espelhamento da curva c de cima para baixo e da esquerda para
a direita. Voltaremos a tratar desse impasse.
O que ocorre mais são as relações mistas. Uma pequena curva
articulada com o traço vertical (na verdade, seu prolongamento),
ou o inverso, aparece em letras maiúsculas e minúsculas, como
G, J, a, e, f, g, h, j, m, n, r, t e u. Uma outra articulação mista
ocorre entre a curva c e a reta, acrescida de uma das
dificuldades maiores no reconhecimento das letras que é a
direção para a direita ou para esquerda, e para cima ou para
baixo (espelhamento) conforme as letras: B, D, P e R, nas
maiúsculas, e b, d, p e q, nas minúsculas.
- direção para a direita ou para esquerda, e para cima ou para
baixo (espelhamento): deixamos para o final o que constitui a
maior dificuldade para o reconhecimento das letras, ou seja, a
diferença entre a direção do traço para a esquerda ou para a
direita e, em menor escala, a diferença entre o traço de cima
para baixo ou o inverso: o espelhamento. Como já afirmado
várias vezes, a percepção dessa diferença vai de encontro à
programação natural dos neurônios para buscar a simetria na
informação visual, daí a grande dificuldade de aprendizagem.
Essa diferença é a única que existe entre os seguintes pares: b/
d, p/q (diferença para a direita ou para a esquerda) e entre M/
W, n/u (diferença de cima para baixo ou o inverso) e, em menor
grau, entre A/V, S/Z, a/e, s/z e f/j.
4. Variedades sociolingüísticas
Em virtude da mobilidade social, o professor se defrontará com
alunos provenientes das mais diferentes regiões do país, ou,
mesmo na mesma cidade, com alunos provenientes de
ambientes socioculturais muito distintos. Portanto, é necessário
ter em mente que o código escrito se caracteriza por um estado
de inércia maior se comparado com as mudanças diacrônicas
mais rápidas que ocorrem nos sistemas orais. A variação
sociolingüística não afeta as letras que constituem o código
escrito, o qual deverá abarcar todas as variantes fonéticas de
uma dada língua falada.
Uma vez que as línguas das quais cada sistema alfabético é
dependente mudam mais rapidamente do que sua contrapartida
escrita, algumas relações fonêmico-grafêmicas passam a ser
cada vez mais opacas com o passar do tempo e somente as
regras de derivação morfológica ficam produtivas para algumas
famílias de palavras; neste caso, um léxico mental ortográfico
precisa ser fixado de memória, o que torna de novo o sistema
antieconômico. Não significa, contudo, que por esta razão estes
radicais devam ser ensinados fornecendo os nomes de suas
letras constituintes. Assim que a grafia dos radicais básicos que
estão em desacordo com as regras grafêmico-fonológicas é
aprendida, são globalmente relacionados ao léxico mental
fonológico.
Uma das principais razões pelas quais a discrepância entre o
sistema oral e o escrito é tão profunda nos países desenvolvidos
é devida ao poder das editoras e seus respectivos lobbies. Temos
um exemplo bem recente, com a nova reforma ortográfica, que
só beneficiou as editoras que saíram na frente com seus
dicionários e livros didáticos. É necessário acrescentar que, tanto
nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento,
existe uma discrepância adicional entre as diferentes variedades
sociolingüísticas orais. Embora não exista correspondência
biunívoca entre qualquer das variedades sociolingüísticas e a
norma escrita, a distância é certamente maior se examinarmos
as variedades que são consideradas como não tendo prestígio:
em geral, os professores não estão preparados tanto para o
encaminhamento das disparidades sociolingüísticas individuais,
quanto para estar atentos às diferenças fonético-fonológicas e
morfológicas relacionadas com o sistema alfabético adotado
como única norma. Não significa, contudo, que estejamos
aderindo às idéias naîves de Bernard Shaw em favor tanto de
uma escrita fonética ou de uma miraculosa transformação de
qualquer “My fair lady": a diversidade sociolingüística oral é um
fato inquestionável em contraposição a um código escrito único
para uma dada língua.
O que seria aconselhável a fim de reduzir as conseqüências de
tais discrepâncias é: 1) a adaptação periódica e gradual dos
sistemas ortográficos às mudanças diacrônicas que ocorrem no
sistema oral; 2) uma atitude ideológica positiva por parte dos
professores para com as variedades sociolingüísticas que diferem
das supostas normas de prestígio; 3) professores bem formados,
particularmente nas primeiras séries do primeiro grau, que
possam descobrir a forma individual falada pelos estudantes a
fim de que, em conjunto, construam as regras adequadas de
correspondência fonológico-grafêmicas.
Neste artigo, começamos por alertar o leitor para a grande
incidência de analfabetismo funcional no Brasil e para a
necessidade de buscar um embasamento científico para
enfrentar tal problema, com apoio nas recentes descobertas das
neurociências, da psicolingüística e da lingüística. Centramos a
discussão nas dificuldades com as quais se defronta o
alfabetizando, a saber, desmembrar a sílaba para associar um
fonema a um grafema, o problema da segmentação das palavras
e a questão da percepção dos vocábulos átonos, também
chamados de clíticos, as dificuldades semânticas e a reanálise
silábica, bem como a questão das variedades sociolingüísticas.
São esses os pontos que fundamentam a elaboração do material
pedagógico, que será disponibilizado a partir de 2009, da
proposta Alfabetização: aprendizagem neuronial para as práticas
sociais da leitura e escrita dentro do Projeto Ler & Ser:
prevenindo o analfabetismo funcional.
LEONOR SCLIAR-CABRAL (Brasil, 1929). Doutora em Lingüística pela Universidade de
São Paulo, Professora Emerita e titular concursada aposentada pela Universidade Federal
de Santa Catarina. Pós-doutorada pela Universidade de Montréal. Foi eleita em julho de
1991 em Congresso realizado na Univ. de Toronto, Presidente da International Society of
Applied Psycholinguistics, ISAPL, reeleita para mais um mandato na Universidade de
Bolonha/Cessena e é atualmente Presidente de Honra. Foi presidente da União Brasileira
de Escritores em Santa Catarina (1995-1997) e presidiu a Associação Brasileira de
Lingüística (ABRALIN), no biênio 1997-1999. Ultimamente vem se dedicando à prevenção
ao analfabetismo funcional, com a proposta do método: Alfabetização: aprendizagem
neuronial para as práticas sociais de leitura e escrita. Contato: [email protected].
____________________________________________________
Texto apresentado na mesa "Avanço das neurociências para o ensino da
leitura"
Sala Milton Dias - 13 de novembro de 2008
Mediação: Lourdinha Leite Barbosa (Brasil)
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
Barroco, surrealismo e miscigenação
na América Latina: água de um
mesmo rio
Luis Eustáquio Soares
.
1. Os influxos sócio-culturais do problematismo americano
No seu ensaio “Útima Tule” (REYS, Última Tule, p. 36), Alfonso
Reys apresentou uma diacronia dos conteúdos utópicos,
baseando-se em documentos egípcios, na imaginação dos
estóicos gregos, nas lendas medievais de remotas ilhas, nas
profecias de Rámon Lull e nos poemas renascentistas . Essa linha
milenar e diacrônica de utopias de terras maravilhosas povoou a
imaginação dos primeiros cronistas que descreveram a fauna e a
flora das terras latino-americanas recém–descobertas.
Com Reys, parto do argumento de que existe, na história das
civilizações, uma larga tradição utópica e que essa vai muito
além da Europa medieval ou renascentista; da Europa dos
tempos da expansão colonizadora. É uma tradição que veio
sendo gestada por diferentes civilizações, no Ocidente e no
Oriente. Essa tradição utópica foi instituindo uma rede de
informações imaginárias que se transformou num verdadeiro
legado configurador de uma visão antecipada da diferença e da
alteridade.
Esse legado utópico do modo de conceber a diferença aportou na
Idade Média européia, sobretudo quando os povos islâmicos
invadiram a Península Ibérica e proporcionaram, não sem
violência, o advento de uma sociedade pluriétnica e pluricultural,
através do cruzamento/estranhamento entre as culturas
islâmicas, judaicas e cristãs.
Nesse sentido, o espaço da Península Ibérica medieval veio a ser
o local onde a tradição utópica oriental incorporou-se ao
imaginário do europeu, particularmente ao imaginário do
espanhol e do português, os quais eram e são os povos da
referida Península Ibérica.
Essa tradição utópica pressupõe necessariamente que o paraíso
só é possível num tempo intangível. O desejo de habitar nesse
paraíso utópico faz com que o homem pense em recomeçar uma
nova humanidade.
Tendo em vista essas considerações, duas premissas emergem.
A primeira erige-se da idéia de que o recomeço existe apenas
sob a perspectiva de quem detém o imaginário utópico, porque
só quer recomeçar aquele que está fora do espaço do começo.
Nesse sentido, o paraíso imaginado é o local do começo e quem
o alcança vai recomeçar. A segunda premissa, por sua vez,
deriva da primeira e se caracteriza pelo fato de que o desejo do
recomeço resulta de uma experiência civilizatória restritiva,
implicando, portanto, uma nova experiência humana e social.
Com a “descoberta” e colonização da América, espanhóis e
portugueses projetaram , no espaço geográfico latino-americano,
a idéia utópica de que a América Latina era o começo e que,
portanto, nela, eles iriam recomeçar uma nova experiência
civilizatória.
Aconteceu, porém, que os colonizadores utilizaram o legado
utópico do paraíso e do começo mais como discurso
propagandístico do que como possibilidade real de instaurarem,
na América Latina, o local concreto do re/começo de uma nova
civilização européia. Assim, espanhóis e portugueses e os
colonizadores, de modo geral, preferiram saquear as riquezas
“paradisíacas”, transportando-as para o continente europeu. O
ouro da América Latina, símbolo reluzente do paraíso, foi levado
para a Europa com o propósito “utópico” de se injetar, na
esgotada e paradoxalmente incipiente civilização européia, a
força fáustica do começo, a qual teria o propósito, também
“utópico”, de transformar o continente europeu em era do re/
começo.
Nesse ponto emerge, como vontade colonizadora, o que Murena
chamou de injúria fundacional (MURENA, 1958, p. 31-49). Esta
teria ocorrido quando o colonizador violou as culturas
autóctones, estuprando as mulheres índias. A violação da índia
americana resultou no nascimento do mestiço, o qual seria a
encarnação do pecado da impureza étnica.
A injúria fundacional seria traduzida de outra forma por Octavio
Paz, através do conceito de “soledad” (PAZ,1964, p. 141-143).
Segunda a concepção de Octavio Paz, o mexicano e o latinoamericano (por extensão) experimentaram a solidão de uma
angústia existencial resultante da violação étnico-cultural a que
foram submetidos pelos colonizadores.
Darei, neste ensaio, o nome de fundação barroca ao advento
contraditório da injúria fundacional latino-americana. E
contraditório porque marcado pelo estupro da mulher índia, pelo
colonizador, sem deixar de incorporar ou fazer-se como
acontecimento étnico-civilizacional propício a reescrever a
dramaturgia milenar do messianismo utópico, sob signo do recomeço da aventura do encontro dos povos.
Nesse sentido, a fundação barroca, como fundação da
mestiçagem étnico-cultural, da “soledad” latino-americana,
instituiu-se quando houve a rejeição da miscigenação, o que fez,
através da bastardia do mestiço, emergir a consciência agônica
de ser outro, o latino-americano.
Surgimo-nos, portanto, como perturbada e sisífica consciência de
alteridade, quando fomos injuriados, no duplo sentido do estupro
e da bastardia, porque, nesse contexto, o mestiço é o
desterritorializado, étnico e culturalmente falando, por não ser
nem índio e nem branco.
O mestiço, portanto, constitui aquele que, sob o ponto de vista
da colonização, deve viver sua existência como dilema
irresolúvel. Nesse momento, estamos diante daquilo que o poeta
cubano José Lezama Lima chamou de problematismo americano
(LIMA, 1957, p.222), que nada mais é do que a incorporação de
uma auto-imagem injuriada e edipianamente problemática, por
sofrer, o latino-americano, a orfandade de uma filiação
inferiorizada, recusada, colonizada.
Buscar ser aceito pelo pai colonizador certamente é o pior
caminho, pois enquanto o latino-americano não canibalizar,
ruminar e descolonizar-se, continuará reproduzindo a sua
miscigenação como injúria e problema.
2. José Lezama Lima e D’Ors: o Barroco como constante
cultural
Eugenio D’ors (.1964,p. 71-119) considerou o Barroco e o
Classicismo como fenômenos de expressão estética atemporais e
como constantes artísticas que se intercambiam durante toda
história da humanidade.
O Barroco é, para D’ors, uma constante artística porque sua
forma contraditória, irregular, imperfeita e inacabada, é transhistórica, como o é o encontro dos povos, a miscigenação, signos
de uma outra constância: a de que somos sempre, como
humanos, herdeiros de uma longa e inacabada história comum,
embora marcadamente violenta e injuriosa, porque de
opressores e oprimidos, porque miscigenada de violação e
submissão, sem deixar de ser, em potência, utópica e visionária,
por inscrever-nos no campo aberto das ilimitadas possibilidades
inscritas, e sempre no rés-do-chão do mundo, no encontro de
povos e de culturas.
Para Lezama Lima
(1957), o Barroco
constituiu-se como
um fenômeno que
se manifesta como
índice de crises e
mudanças
significativas de
paradigmas sócioculturais. Com
base no poeta
cubano, portanto,
o Barroco detém
características
estéticas que
podem recrudescer
conforme o
contexto histórico.
A injúria fundacional desfechou uma crise de ordem
antropológica, histórica e ideológica tanto por parte do
colonizador quanto por parte do colonizado. Ambos, colonizador
e colonizado, tenderam a conceber a miscigenação fundacional
como sinal da impureza étnico-cultural. Essa impureza constitui o
traço, em devir, da herança cultural barroca na América Latina,
para o bem e para o mal.
Com Lezama Lima (1957) mais que um movimento de ContraReforma, como o definiu Weisbach (1942), o Barroco latinoamericano constituiu-se como índice da contraconquista colonial,
uma vez que combina tensamente elementos de culturas
diversas, instaurando a miscigenação barroca como potência
utópica de uma humanidade de e para o comum.
No entanto, sob o ponto de vista do problematismo latinoamericano, a miscigenação étnico-cultural barroca constitui o
marco histórico de nosso eterno, e edípico, estado de crise
identitária.
3. A expressão America: o mito de Popol Vuh
O mito de Popol Vuh (popol: comunidade; vuh: livro) é o livro
sagrado da civilização maya-quiché, narrando,
cosmogonicamente, suas pulsações inconscientes originais
através de quatro idades sucessivas. A primeira refere-se à
criação dos animais; a segunda reporta-se à criação do homem
de barro; a terceira refere-se à criação do homem de madeira e
a quarta diz respeito à criação do homem de milho.
Deter-me-ei, neste ensaio, entretanto, em uma passagem da
narrativa mítica em que os heróis Hunapú (divindade solar
masculina) e Ixbalanqué (divindade lunar feminina) lutam contra
os Senhores de Xibalbá.
Acompanhando a interpretação de José Lezama Lima, em A
expressão americana (1957), no quadro geral dessa alegoria, os
heróis Hunapú e Ixbalanqué representam o latino-americano. Os
senhores de Xibalbá representam o colonizador. O horizonte de
deslocamento do maniqueísmo bem contra mal, Hunapú e
Ixbalanqué versus os Senhores de Xibalbá, inscreve-se no tempo
em que os primeiros conseguem superar o trauma da injúria
fundacional por meio da incorporação antropofágica dos
segundos.
Ao incorporarem as técnicas e os procedimentos dos senhores de
Xibalbá, os heróis Hunapú e Ixbalanqué conseguem finalmente
vencer o problematismo americano, superando assim os limites
impostos pela injúria fundacional.
Sempre tendo como referência a leitura de A expressão
americana, de José Lezama Lima, destaco o seguinte fragmento
do mencionado texto lezâmico:
Lo primero que nos desperta em Popol Vuh es el predomínio
del espíritu del mal, los señores de Xibalbá vem rodar los
msundos afianzándose su poderio y su terrible dominio de la
naturaleza. Impasibles contemplan el fracaso de cuantas
traetas se establecen para echar a rodar sus mandato, que
parece estar implacablemente por encima de la naturaleza y
de los animales más sutiles. (La expresión americana, p.221.)
Representando, metaforicamente, questões relativas ao
problematismo americano, o espírito surge do e no momento em
que ainda se testemunha o predomínio dos Senhores de Xibalbá,
dos colonizadores. Os modelos étnico-culturais, que nos legaram
os colonizadores, “ven rodar los mundos”, estabelecendo o
domínio injurioso da natureza e dos autóctones, o outro que aqui
já vivia. Supõe-se que as tentativas de superação do
problematismo americano resultem em fracasso precisamente
porque ainda não foi possível amadurecer a percepção de que
somente através da incorporação miscigenada do colonizador
que a alteridade barroco-mestiça conseguirá superar o
problematismo e , por conseguintes, o domínio ideológico dos
referidos modelos étnico-culturais.
Para Lezama Lima, o mito de Popol Vuh aponta para o caminho
da superação do problematismo através da simbologia que se
desprende de suas alegóricas representações da relação
colonizador/colonizado:
La simbólica que se desprende del Popol Vuh parece como si
fuese a colmar el problematismo americano. A calmar, a
veces, pues de la expresión aparecen lentos, errantes e
somnolientos. Antes del en otras lo exaspera. Mientras el
espíritu del mal señores, los dones aurgimiento del hombre, le
preocupan los alimentos de su incorporación. Parece como si
preludiase la dificultad americana de extraer jugo de sus
circunstancias. Busca uma equivalência: que el hombre qu e
surgirá será igual que sus comidas. Parece sentar u n
apotegma de desconfianza: primero, los alimientos; después,
el hombre. (…) Es evidente, por lo demás, que las viandas
serán presentadas com el adobo conveniente: el rocio del aire
y la humedad subterránea. (LIMA, 1988, p. 222).
A simbólica que se desprende do mito parece evocar que a
alteridade latino-americana, como toda alteridade, necessita
conscientizar-se sobre a forma de sua diferença. Lezama Lima,
no fragmento acima, alegoriza o embate entre o colonizador e o
colonizado, mostrando que os traços que definiram a diferença
latino-americana se inscrevem no difícil dialeto de perdas e
ganhos.
No mito de Popol Vuh, a resistência do colonizado ocorre,
paradoxalmente, através da aparente submissão ao colonizador.
A luta entre colonizado e colonizador, no mito, não se trava
abertamente. Aparentemente, o colonizado está sendo,
monologicamente, massacrado pelo difícil e impositivo processo
de aculturação. A reação do colonizado se faz em silêncio,
através de uma dissimulada fome em relação às técnicas e aos
valores do colonizador. Deixando-se miscigenar, o colonizado se
transforma em simulacro do colonizador.
A forma mestiço-barroca vai, então, subterraneamente,
ruminando e canibalizando o saber/fazer-se do colonizador.
Em “Las imágenes posibles” (1948), Lezama Lima mostra que o
latino-americano dissimula a fome pela cultura e pelo saber do
colonizador: “Tenemos que fingir hambre, cuando robemos los
frutos, y Hambre fingida. ¿ Y es eso lo que nos queda a los
americanos?”(LIMA, p. 321). É fingindo fome, ruminando
antropofagicamente tudo que diz respeito ao outro (colonizador),
que a forma mestiço-barroca se plantará no ar e deslocará, de
forma barroca e miscigenada, o problematismo americano.
A alteridade latino-americana se define na sua eterna indefinição
como forma aberta. Essa expressividade barroca, no sentido de
ser transcultural e bastarda, é aquela que se alimenta de eras
imaginárias de culturas e de etnias, transformando-as em fator
de miscigenação poético-barroca de outra “era imaginária: a
latino-americana.
Entretanto, a expressividade latino-americana vai surgindo como
“lenta concessão temorosa”, conforme se lê no texto abaixo:
(…) La expresividad surge como u na lenta concesión
temerosa, que em cualquier momento puede ser rebanada
com impiedad. Surgen los animales em las primeras páginas
de “Popol Vuh”, pero se muestran inertes, fieles como las
rocas al declive que las gravito. Son ciegos, insensibles,
desordenados y desconcertados tropezones. Los dioses, com
incomprensible irritación, se empeñen en que digan nombres y
entonen sus alabanzas. Habia que buscar el aliento, la palabra,
el insuflado espíritu, y aqui surge ya el problematismo, logran
la palabra em uma nueva criatura, pero pagando el precio de
su cuerpo, “los muñecos”, dice el poema, “no pudían
permanecer em pie” porque se desmoronaban, deshaciéndose
em água”. Los muñecos al fin hablan, pero carecen de
conciencia y de sentido, reeplazan la arcilla por la madera,
pero entonces faltaba, ay, el ciniza, y de nuevo, el água de los
comienzos. Surgida la nueva criatura, es ahora la naturaleza
irritada, incontenible, la que presenta el perfil de su cutillo.
(LIMA, 1988, P. 222).
Ir surgindo vagarosamente significa ir se fazendo,
expressivamente, da injúria fundacional, uma vez que a fundação
da injúria implicou um processo de aculturação forçada do
autóctone. Nesse sentido, a expressividade poético-barroca
latino-americana precisa superar os elementos culturais que
caracterizam o latino-americano. Depois da injúria fundacional,
não há mais como nutrir qualquer forma de esperança com a
possibilidade de uma civilização ocidental-européia.
No fragmento acima, os animais que surgem como manifestação
do primeiro homem, no mito de Popol Vuh, são, para Lezama
Lima, signos da cultura européia e, nesse sentido, representam a
fidelidade aos modelos de etnia se de cultura que apareceram
com a chegada do colonizador. Ser fiel ao modelo, para o
ensaísta cubano, é estar cego, insensível, desordenado,
desconcertado e trôpego.
Também não adianta ser boneco de barro, porque, muito embora
o boneco de barro seja a representação corpórea do
miscigenado, falta-lhe a consciência, ou inconsciência, das
implicações desnorteadoras e violentas resultantes do processo
colonizador.
Para Lezama
Lima, na sua
alegorização do
mito de Popol
Vuh, também
não se supera
o
problematismo
americano se
transformando
em boneco de
madeira,
porque este
último não tem
coração. Nesse
sentido, não é
suficiente ter consciência da miscigenação. Torna-se necessário
ter, além da consciência, o sentimento, em devir, de uma
alteridade miscigenada que se constrói a partir da transfiguração
antropofágica dos modelos eurocêntricos, desterritorializando-os
e ao mesmo tempo transformando-os em referências mestiçodialógicas advindas de uma herança cultural comum, sem
metafísica colonizadora, porque não mais apenas européia.
4. O Senhor Barroco e as coordenadas poéticas de seus
seguidores
No complexo sistema poético de José Lezama Lima, a vida e a
produção artística de alguns latino-americanos constituem a
representação encarnada da era imaginária latino-americana.
O poeta cubano dá o nome de “coordenadas poéticas” à interrelação entre biografia e realização artística. Para além de
qualquer biografismo rasteiro, interpretar biografias como
imagens poéticas, formas alcançadas, constitui o mesmo que
dizer que a poesia não pode ser interpretada apenas no âmbito
da historiografia literária.
Nesse caso, com as coordenadas poéticas, o que o poeta cubano
propõe é uma concepção mais ampla de intertextualidade. Se
estamos, como autores e/ou especialistas em literatura,
acostumados a pensar a tradição literária a partir de grupos ou
de movimentos e da rede de intercâmbios entre gerações
diversas, lezamicamente falando há algo que precede aos poetas
e aos movimentos literários e suas conseqüentes obras, a saber:
o diálogo, em devir utópico-formal, com o nervo exposto pelos
acontecimentos que instauraram uma era imaginária.
Esta última, a era imaginária, constitui o desdobramento e o
acúmulo de histórias outras. Nesse sentido, uma era imaginária é
sempre um acúmulo de outras, pressionando as bordas de seu
presente histórico.
A era imaginária latino-americana é a que acumula as utopias
milenares de uma história humana comum. Nesse sentido é que
poderíamos dizer que a miscigenação étnico-cultural não apenas
a representa, mas, antes de tudo, a apresenta, uma vez que o
comum utópico tem na miscigenação étnico-cultural a
encarnação de uma humanidade da mistura, do encontro e da
cooperação, em oposição àquela da segregação, do elitismo, da
expropriação simbólico-material das riquezas, que sempre são
comumente produzidas.
É nesse sentido que, para Lezama Lima, constitui uma
verdadeira aberração pensar e produzir literatura tendo em vista
a historiografia literária e seus movimentos. O poeta está no
mundo. Mais do que o resultado do diálogo com seus pares, a
potência de sua criação adquire consistência histórico-cultural se
expressa os desafios de sua era imaginária. Não existe, é claro,
uma única forma de tocar no rés-do-chão de sua era imaginária.
De qualquer forma, por mais diversificada que seja, a potência
criadora nunca é abstração ou transcendência, mas imanência,
diálogo criador com os fechamentos e aberturas expressivas de
uma época dada.
Eis porque as coordenadas poéticas constituem uma forma de
ancorar a poesia na dramaturgia de algumas vidas exemplares. E
exemplares não porque sejam harmônicas, exceção ao comum
ou ideais de ego, mas porque expressaram, biograficamente, e
não sem contradição e sofrimento, a era imaginária que lhe
coube viver, realizando poiesis em vida.
Lezama Lima, em La expresión americana, aciona os dispositivos
poético-hermenêuticos do seu sujeito metafórico, que nada mais
é do que um interpretante poético-cultural ou o poeta utilizando
as coordenadas poéticas com o propósito de detectar, interpretar
e valorar os momentos em que uma era imaginária é expressa,
por biografias históricas, ficcionais, poemas, acontecimentos e/
ou artefatos culturais diversos.
Não esperemos, entretanto, que tais biografias sejam as da
história oficial. Pelo contrário, são biografias ignoradas pelas
narrativas vencedoras.
No segundo capítulo, nesse sentido, de La expresión americana,
o sujeito metafórico analisa algumas biografias artísticas do
século do Barroco latino-americano, XVII e XVIII. Assim fazendo,
transforma-o em divisor de águas de nossa História cultural.
Para o poeta cubano, o Barroco historiográfico constitui o período
em que as manifestações culturais da alteridade latino-americana
se inscrevem como expressão agônica de nossa era imaginária,
sendo, portanto, um período que concentra as referências mais
expansivas, porque demanda futuros, na e da história cultural da
América Latina.
Não é circunstancial, nesse sentido, que o Barroco é
personalizado, em La expresión americana, recebendo o nome de
o Senhor Barroco, conforme se pode depreender no fragmento
abaixo:
Ese americano señor barroco, auténtico primer instalado en lo
nuestro, em su granja, canonjía o casa de buen regalo,
pobreza que dilata los placeres de la inteligência, aparece
cuando ya se han alejado del tumulto de la conquista y la
parcelación del paisaje del colonizador.(LIMA, 1988, p. 230).
Analisando o fragmento acima, para Lezama Lima, o Barroco
historiográfico marcou uma fase em que a alteridade latinoamericana começou a se refazer do “tumulto de la conquista y la
parcelación del paisaje del colonizador”. Depois da fase violenta
da injúria fundacional, o Barroco mestiço-cultural foi a primeira
manifestação cultural latino-americana que se fez como
possibilidade expressiva para algumas biografias que
potenciaram as coordenadas poéticas de nossa era imaginária.
5. O Senhor Barroco: índio Kondori e Aleijadinho
Para alcançar a transposição mestiço-barroca das antinomias
culturais, advindas da injúria fundacional, Lezama introduz a
idéia de que há uma tensão e um plutonismo no Barroco latinoamericano, conforme o fragmento: “ Nuestra apreciación del
barroco americano estará destinada a precisar: primero, hay
uma tensión en el barroco; segundo, un plutonismo, fuego
originario que rompe los fragmentos y los unifica. (LIMA, 1988,
p. 227).
Para Lezama Lima, a resistência contracolonizadora se dá através
da conquista da forma. Como a alteridade latino-americana é
representada pela miscigenação étnico-cultural barroca, a
conquista da forma significa transformar a injúria fundacional em
traço desafiador da era imaginária latino-americana.
Sob o ponto de vista do sujeito metafórico lezâmico, o índio
Kondori e o Aleijadinho são as coordenadas poéticas por
excelência, no período do Barroco, da conquista, ou da contraconquista, da forma de nossa alteridade.
A propósito, diz Lezama Lima:
La gran hazaña del barroco americano, em verdad que aun ni
siquiera igualada en nuestros dias, es la del quéchua Kondori,
llamado el índio kondori. (…) el índio Kondori logra insertar los
símbolos incaicos de sol y luna, de abstractass elaboraciones,
de sirenas incaicas, de grandes ángeles cuyos rostros de
índios reflejan la desoslación de la explotación minera. (…)
Yan em Aleijadinho su triunfo es incontestable, pues puede
oponerses los moldales estilísticoss de su época,
imponiéndoles los suyos y luchar hasta el último momento
com la Ananké, con un destino torvo, que lo irrita para
engrandencerlo, que lo desfigura en tal forma que solo le
permite estar com su obra que va inundando la ciudad de
Ouro Preto. (LIMA, 1988, p.243).
O índio Kondori e o Aleijadinho são aqueles que alcançaram a
forma étnico-barroca e miscigenada, uma vez que, conforme se
deduz na passagem acima, ambos lograram barrocamente
miscigenar a linguagem de suas produções artísticas. Ambos
introduziram alegorias de nosso drama barroco de colonizados
nas representações ideológicas e metafísicas da cultura do
colonizador; ambos alcançaram a forma prometéica e
miscigenada de uma nova era imaginária e, portanto,
representam a resistência contracolonizadora de uma arte que
resiste miscigenando.
O quéchua
Kondori adquiriu a
forma da
alteridade barrocomiscigenada
porque inseriu os
símbolos incaicos
do sol e da lua
nas
representações
culturais dos
colonizadores,
formando
esculturas em
cujos rostos
indígenas se
vêem a desolação
e a angústia do
tumulto da injúria fundacional, instituída pela exploração do
trabalho forçado indígena nas minas de prata do Peru. Ao inserir
as simbólicas de sua cultura nas formas culturais herdadas, o
peruano índio Kondori representou a contra-conquista através da
miscigenação étnico-cultural.
Quanto ao brasileiro Aleijadinho, Lezama Lima transforma a sua
doença, a lepra, na adversidade alegórica de uma cultura
colonizada, mas que resiste através de esculturas e Igrejas de
Ouro Preto, representativas do Barroco de contraconquista. A
forma alcançada por Aleijadinho constitui a “grande lepra” do
barroco da miscigenação étnico-cultural latino-americano.
Para Lezama, a arte alcançada por Aleijadinho representa a
culminação do barroco historiográfico latino-americano, sob o
signo das coordenadas poéticas, tal que representa também um
momento culminante de nossa era imaginária étnico-cultural,
conforme se depreende do trecho: “El arte de Aleijadinho
representa la cuminación del barroco americano, la union en una
forma grandiosa de lo hispánico com las culturas
africanas” (LIMA, 1988, p. 245).
O barroco historiográfico latino-americano atingiu, através de
Aleijadinho e também através do índio Kondori, a forma em devir
da alteridade mestiço-barroca. A arte de Aleijadinho e a do índio
Kondori representam o potens de nossa era imaginária, porque
esses artistas escreveram suas alteridades através da tensão e
do plutonismo barrocos, apontando para os dois principais pontos
de fricção de nossa era imaginária: o hispano-incaico, ou
indígena, e o hispano-negróide, conforme podemos detectar no
seguinte fragmento:
Vemos así que el señor barroco, a quien hemos llamado
auténtico primer instalado en lo nuestro, participa, vigila y
cuida las dos grandes s´sintesiss que está em la raiz del
barroco americano, la hispanoincaica y la hispanonegroide.
(LIMA, 1988, p.245).
Para Lezama Lima, o pequeno índio Kondori alcançou a síntese
do hispânico com o incaico, através da miscigenação hispano
com o indígena. A arte do índio Kondori representa a superação
da injúria fundacional a que a colonização hispânica submeteu as
culturas indígenas latino-americanas. Por sua vez, Aleijadinho
representou a grande síntese do hispânico com o negro, “su
madre era uma negra esclava. Su padre un arquitecto
português” (LIMA, 1988, p. 245).
O Senhor Barroco latino-americano, desse modo, encontrou, com
Kondori e Aleijadinho, o Eros relacionável que tecerá a linha do
enfoque de nossa alteridade, que é nossa sendo de todos,
miscigenadamente. A partir de ambos, a forma de nossa
expressão alcançou, em diálogo inter-alteridades, o estatuto da
tribo do mito de Popol Vuh.
Partindo mesmo dos influxos e desajustes inscritos na violência
da injúria fundacional, a mesma que se inscreve, como marca de
Caim, no rosto das injustiças étnicas, de gênero, econômicas,
culturais, epistemológicas, surgidas dessa guerra civil planetária
que tem sido a história humana, os dois artistas produziram uma
arte que se transformou em linguagem de resistência
contracolonizadora, legando, assim, para os séculos seguintes, a
tocha prometéica da vivência oblíqua de nossa miscigenação
étnico-cultural.
Suas coordenadas poético-barrocas esboçaram, em devir, a era
imaginária com a qual, de um modo ou de outro, havemos de
nos expressar, em cada vivo presente histórico, no lúdico, tenso
e plutônico movimento de superação metamórfica da injúria
fundacional de sermos filhos bastardos, ou outros para o mesmo,
num mundo que é tudo é nosso, sendo, como a poesia, água de
todos e de ninguém.
6. Barroco, miscigenação e Surrealismo como devires
trans-históricos
Antes de apresentar uma definição dos fluxos e refluxos
miscigenados do Surrealismo, na América Latina, conecto os
argumentos anteriores, principalmente aqueles ligados ao
conceito lezâmico de era imaginária e coordenadas poéticas, com
a concepção de ideologia e de sujeito de Louis Althusser (1980),
a saber:
a] A ideologia é uma representação da relação imaginária dos
indivíduos com as suas condições reais de
existência” (ALTHUSSER, 1980, p. 79);
b] Na acepção corrente do termo, sujeito significa 1) uma
subjetividade livre: um centro de iniciativas, autor e responsável
por seus atos;2) um ser subjugado, submetido a uma autoridade
superior, desprovido de liberdade, a não ser a de livremente
aceitar a sua submissão.(…) Os sujeitos se constituem pela sua
sujeição. Por isso é que “caminham” por si mesmos
(ALTHUSSER, 1980, p.97, 98).
Conceituarei, invertendo os dados do acaso, o Surrealismo como
a possibilidade de uma linguagem-mundo tal que, nela, por ela e
através dela haja um corte epistêmico ideológico entre a relação
imaginária do sujeito com as suas condições reais de existência,
o que equivale a dizer que, com o Surrealismo, e sempre como
possibilidade, sujeito e mundo se colapsam através de um
inconsciente que, resistindo assujeitar-se, fazer-se sujeito pelo
dispositivo da sujeição, transmuda-se em inconsciente
cosmológico, no qual e através do qual, cada sujeito, como
mônada, é o mundo inteiro, uno e múltiplo, para além e aquém
da dimensão humana.
Nesse plano, o da não sujeição de um sujeito que são mundossujeitos, estes não caminham por si mesmos, pois trazem em si
a orquestração polifônica de muitos outros mundos, no passado,
no presente e no futuro; assim como muitos outros mundos
existidos, existindo, a existir; assim como outros indefinidos não
existidos, não existindo e a não existir.
De qualquer forma, ser mundos, como sujeitos não assujeitados,
por não caminharem por si mesmos, é antes de tudo partir de
mundos, mas não dos mundos e suas condições reais de
existência, mas de mundos e suas condições irreais de
existência. Logo de mundos recusados, rejeitados, inviabilizados,
inverossímeis.
Assim, se vivemos ou somos o acúmulo de histórias
inviabilizadas, irreais e inverossímeis, é porque, com Benjamin,
somos frutos de uma longa tradição dos oprimidos, a qual “(…)
nos ensina que o estado de exceção” em que vivemos é na
verdade a regra geral (BANJAMIN, 1994, p. 226).
É nesse sentido que afirmo que as condições irreais de existência
da linguagem surrealista é aquela que visceralmente parte dos
desafios de superação metamórfica da injúria fundacional, pois
esta última não apenas inscreve os bastidores da tragédia que
tem marcado as civilizações humanas, a de instituir o estado de
exceção, que nada mais é que o estado de violação do direito de
vida dos povos, mas também, como conseqüência, ainda que
refratária, nunca linear, é a que esboça a carne viva da era
imaginária de cada época histórica, donde podemos inferir que o
Surrealismo, expressando o inconsciente ideológico dessa ou
daquela injúria fundacional, lança-se como horizonte de
possibilidade expressiva para toda e qualquer era imaginária.
Desse modo, penso o surrealismo como uma constante
expressiva trans-histórica, pois, assim como o Barroco, na
versão de Eugenio D’ors (1964), constitui uma constante artística
trans-histórica, por razões semelhantes o surrealismo igualmente
constitui.
São elas, as
razões:
a] Toda injúria
fundacional
constitui uma
forma de
submeter, via
estupro (literal
e/ou alegórico)
povos e
biodiversidades,
em função
dessa guerra
civil planetária
que tem sido a
história humana (Barroco e Surrealismo partem sempre do
epicentro, em cada época histórica, de injúrias fundacionais);
b] Se toda e qualquer injúria fundacional é um fato histórico que
marca e demarca a emergência violacional do encontro de povos,
é porque institui também o horizonte das condições reais e
imaginárias da miscigenação (condições aptas para serem
expressas, como sujeitos não assujeitados, via Barroco e
Surrealismo);
c] A miscigenação é trans-histórica, uma vez que grupos
humanos, ao colonizar povos, culturas e tecnologias, só podem
fazê-lo ao preço de miscigenar-se, condição inevitável pelo
simples motivo do intercâmbio comercial, cultural, étnico e
tecnológico que subjaz todo e qualquer encontro entre povos
(Novamente Barroco e Surrealismo são constantes, ainda que
inconstantes, expressivas das relações imaginárias implicadas
visceralmente no face a face do encontro dos povos;
d] Por constituir-se como linguagem do conflito, da contradição,
da errância, da plutônica mistura entre o transcendental e o
imanente, do céu e da terra, da alma e do corpo, o Barroco é
trans-histórico, logo miscigenado, porque sua expressão,
independente do suporte, se icônico, gráfico, oral, é a própria
imprópria mistura alquímica de povos e culturas;
e] O mesmo raciocínio pode ser usado para o Surrealismo.
Diferentemente do Barroco, entretanto, mais que expressar a
mistura plutonicamente, o Surrealismo expressa o inconsciente
que emerge da e pela mistura; logo do e pelo encontro
violacional entre povos e culturas, propondo, via onírica
imaginação, sua superação;
f] Por tudo que foi dito, Barroco e Surrealismo são
miscigenadamente trans-históricos, simultâneos e
complementares, donde podemos concluir que, como
possibilidades expressivas – sempre independente do suporte
comunicacional – Barroco e Surrealismo são co-presentes em
cada momento civilizacional de encontro de povos; em cada,
portanto, emergência de injúrias fundacionais;
Na América Latina, nesse sentido, o Surrealismo não tem data.
Não começa antes ou depois do surrealismo francês, da Revista
Littérature (1919), com Breton, Louis Aragon e Philippe
Soupault, ou do Manifesto Surrealista (1924) de Breton e seus
companheiros. E não tem data porque a América Latina emerge,
como continente e cultura, do acontecer de uma injúria
fundacional, a que surge do encontro de povos europeus,
ameríndios, africanos, asiáticos.
Sendo, entretanto, trans-histórico, o Surrealismo é tecido e
entretecido por acúmulos de tempos-sujeitos inviabilizados,
“irreais” e inverossímeis, se tivermos como referência o ponto de
vista do violador. Por isso mesmo, mais que herdeiro da era
imaginária barroco-mestiça que constitui o advento históricoviolacional latino-americano, o Surrealismo se inscreve, como copresença, nas coordenadas poético-biográficas ancoradas no
coração da arte do índio Kondori e de Aleijadinho.
Desse modo, mais que aterrissar em movimentos e grupos,
como o de Aldo Pellegrini, da Argentina, que em 1926 acionou os
dispositivos estéticos para criar o primeiro grupo surrealista em
língua castelhana, e o primeiro do continente americano, ou mais
que pontuar a presença de grupos ou de autores em cada país da
América Latina, é preciso perguntar se o nosso Surrealismo,
agora pensando sob o ponto de vista dos artistas que o
expressaram, alcançou a forma de nossa era imaginária barrocomestiça, contribuindo para o desmonte, no seu fundo e no seu
raso, da máquina de fabricar esquecimento e recalque, que é a
injúria fundacional acionada, como acontecimento transhistórico, pelo estupro da primeira mulher índia latino-americana,
assim como pela presença do primeiro escravo negro em nossas
terras.
Nesse sentido, ao tratarmos de Surrealismo latino-americano,
nem dependência subserviente e pouco criativa e nem
independência criativa é o que nos toca, a meu juízo, analisar,
pois o que conta e contará é a potência milenar da miscigenação,
como era imaginária do desejo de superação dos dramas e
tragédias de injúrias fundacionais.
É essa potência milenar miscigenada que considero importante
buscar, por exemplo, na criação da revista Qué (1928), do grupo
surrealista argentino, liderado por Aldo Pellegrini, ou, entrando
na década de 40, na revista Tropiques, da Martinica, assim como
na revista La poesia Sorprendida,da República Dominicana; ou
ainda nas biografias poéticas de poetas como César Moro e
Adolfo Westphalen, ambos do Peru, na de Juan Sánchez Peláez,
da Venezuela, de Aimé Cesaire, da Martinica, Magloire-SaintAude, do Haiti; ou, no campo das artes plásticas, na do chileno
Roberto Matta, do cubano Wilfredo Lam, do brasileiro Flávio de
Carvalho; ou em poemas, narrativas, grupos e manifestos.
É por isso mesmo que pouco importa saber a data de nascimento
do Surrealismo estético-cultural do século XX latino-americano.
Por outro lado, na nossa relação com o Surrealismo francês e/ou
europeu, mais que procurar polêmicas e anedotários sobre
poetas e grupos que se subordinaram, ou não, ao modelo
europeu, me parece mesmo importante é analisar quais poetas e
grupos europeus foram surrealistas no sentido deste ensaio,
convergente, penso, com o argumento benjaminiano de que o
Surrealismo foi o último instantâneo da inteligência européia,
pois ouso interpretar o ensaio de Walter Benjamin (1985, p. 2135) como uma proposição de liberação, via inconsciente, de toda
e qualquer injúria fundacional, razão suficiente para toda
inteligência incisiva, transgressora, onírico-utópica, surrealista.
Quais poetas europeus, portanto, como num instantâneo de
inteligência, expressaram/desterritorializaram esta outra injúria
fundacional, que nos toca a todos, europeus, mas também latinoamericanos, norte-americanos, africanos, asiáticos, a saber: a
injúria fundacional que significou a emergência da modernidade,
principalmente tendo em vista a Segunda Revolução Industrial,
que impôs, via estupro, um paradigma civilizacional para todo os
habitantes da terra, humanos e não humanos, miscigenando-nos
a todos.
É a era imaginária, inscrita como potência utópica, dessa
miscigenação planetária, advinda da injúria fundacional que
implicou a expansão da modernidade euro-ocidental, violando,
colonizando e saqueando a biodiversidade de todo o planeta, que
nos cabe analisar se tem sido esboçada pela intensidade
inconsciente da linguagem surrealista do século XX, assim como
seu horizonte de expectativa para o século XXI.
Mas isso fica para outra oportunidade.
LUIS EUSTÁQUIO SOARES (Brasil, 1966). Nascido em Minas Gerais, reside hoje em
Vitória, onde é Professor Adjunto de Teoria da Literatura, na Universidade Federal do
Espírito Santo. Poeta, tradutor e ensaísta. Contato: [email protected].
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Texto apresentado na mesa "Barroco, surrealismo e miscigenação na América
latina: água de um mesmo rio"
Sala Dolor Barreira - 18 de novembro de 2008
Mediação: Jorge Ariel Madrazo (Argentina)
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
De la Canela a Fortaleza
Jotamario Arbeláez
.
Cuándo se iba a imaginar André Breton que después de 84 años
de postular el surrealismo por sobre el espinazo peludo de Dada,
para que el espíritu alerta con pantalones de concurso cerrara la
puerta a la desasosegante razón del hombre con una llave de
judo, un poeta entre 200 millones de brasileños, Floriano
Martins, de Fortaleza, echaría sobre sus hombros la tarea de
impedir que se afecte el ecosistema lírico, y así mantener
vigentes esas especies mágico-oníricas y paranoico-anárquicas
que, si no se cuidan de la tala indiscriminada y del cultivo del
virus academicus, entrarían en vía de extinción, tales el
surrealismo y el dadaísmo, amén de la patafísica e los teatros
del absurdo y de la crueldad, el futurismo, el creacionismo, el
ultraísmo, y demás ismos que constituyen la verdadera
vanguardia, porque lo que fue la vanguardia política hace
tiempos que quedó atrás.
Cuenta para ello Floriano con un arma blanca implacable como
es la revista Agulha, que se traduce por aguja, sobre la que los
poetas del mundo libres de vendas hemos clavado los ojos. En
ella recoge todo lo que se ha dicho, redicho y desdicho acerca de
las palabras en libertad y el espíritu en danza sobre las arenas
movedizas del sueño y del inconsciente. Recoge poemas y
manifiestos de todos quienes hemos sobrevivido a la muerte de
las ideologías y a la quiebra de los valores, por cuanto siempre
consideramos a las ideologías como enfermedades de la idea y
ya estábamos en quiebra cuando los valores no habían caído.
Publicó en Monte Ávila recientemente y lanzó en Caracas Un
nuevo continente, antología del surrealismo en la poesía de
nuestra América, donde tuvo la atinada bondad de incluirme, a
cambio de quienes ahora se han declarado mis enemigos. Como
ahora está encargado de la coordinación de la 8ª Bienal
Internacional del Libro de Ceará, por todo lo anterior y por haber
merecido el Premio Internacional de Poesía ‘Chino’ Valera Mora,
he sido invitado con todos los honores que ello conlleva. Ya
culminamos en Colombia las celebraciones de los 50 años del
dadaísmo y ahora comienzan las mismas en las alturas.
Y aquí vamos, en un avión
de LAM, sobrevolando la
selva amazónica, con
impecable guayabera y
sombrero y botas de
explorador en primera
clase. Extraigo de la
mochila al azar un libro
para leer y me sale El país
de la canela, de William
Ospina. Le hinco el diente
mientras saboreo una
caipirinha.
Es un libro maravilloso. La
odisea del grupo
comandado por Orellana,
que después de construir
una precaria barcaza zarpa
desde casi el nacimiento
del Amazonas, mientras
Pizarro y su gente esperan a que regresen con provisiones, pero
ellos se dejan llevar por la corriente de la aventura durante más
de ocho meses, en busca del país de la canela, que un indio les
ha señalado que queda por esos sitios, pero es un engaño más
de los aborígenes, como lo hicieron señalándole a Ponce de León
la fuente de la Juventud en Florida, propiciando que se volviera
viejo y loco buscándola. Edgar Collazos –que sabe de barcos y
de novelas- me había dicho que después del capítulo 24 era algo
así como La Eneida. Leo el libro deslumbrado durante 16 horas
seguidas, surcando el cielo que cobija el territorio que ellos
descubrieron desde las orillas del río deseando a las amazonas.
La aeromoza anuncia, en el momento en que los expedicionarios
conquistadores arriban en sus barcazas a la desembocadura del
Amazonas, que estamos a punto de aterrizar en el aeropuerto
Pinto Martins. Floriano ha despachado a una espectacular garota
a recibir al ‘Chino’ Valera Mora, y ella ha corrido, como si le
dijeran “Vaya y recoge al Príncipe de Asturias o al Reina Sofía”.
Al bajar del avión veo sobre sus senos una pequeña pancarta de
la Bienal, y un nombre escrito con su lápiz de labios: ‘Chino’
Valera Mora. É você? Sí, le contesto, y tomándola del brazo, le
digo, y me acabo de ganar el premio Jotamario de poesía.
JOTAMARIO ARBELÁEZ (Colombia, 1940). Nome emblemático no ambiente da
contracultura, por sua decisiva presença como um dos fundadores do movimento
nadaísta em seu país. Essencialmente poeta, autodidata e declarado anti-acadêmico.
Recebeu prêmios de destaque nacional e internacional, entre os quais se incluem a
ordem do Congresso de Colômbia e o Prêmio Internacional de Poesia Victor Valera Mora.
Contato: [email protected].
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Texto apresentado no debate "Reflexões sobre uma 2ª vanguarda na América
Latina"
Sala Herman Lima - 19 de novembro de 2008
Mesa composta por
Jotamario Arbeláez (Colombia) | Sergio Mondragón (México) | Mediação:
Claudio Willer (Brasil)
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
Diálogo con Floriano Martins: Bienal
del Libro de Ceará, un espacio de
descubrimiento(s)
Gabriel Chávez Casazola
.
Además de ser uno de los más importantes poetas
contemporáneos de Brasil y el continente, Floriano Martins
(1957) ha dedicado parte de su vida al estudio de la poesía
hispanoamericana, en particular en su vertiente surrealista,
contando con varias traducciones, antologías y ediciones
críticas en su haber. También hace ya varios años que desde
su revista Agulha promueve el re-conocimiento y encuentro de
literaturas y autores de diversas naciones, tendiendo unos
puentes que este pasado noviembre han sido decisivamente
apuntalados en la Bienal Internacional del Libro de Ceará, en
Fortaleza, de la que es curador. Fue al cierre de la Bienal, a la
que tuve el agrado de ser invitado junto a otros dos escritores
bolivianos –Gary Daher y Ramón Rocha Monroy, que no pudo
acudir a la cita– y a casi ciento cincuenta autores de otros
países, desde el Portugal hasta Cabo Verde y de México a la
Argentina, cuando, periodista a deshoras, dialogué con Floriano
Martins sobre este singular encuentro literario y sus
alrededores. [GCC]
GCC La Bienal del Libro de Ceará, en Fortaleza, ha llegado ya a
cumplir 8 versiones. Este año el tema ha sido “La aventura
cultural del mestizaje”. ¿Cuáles fueron los motivos que te llevaron,
como curador, a elegir este tema-eje y a 'mestizar', en un mismo
evento, a más de un centenar de escritores e intelectuales de casi
todos los países de habla española y portuguesa? ¿Ha cumplido
esta versión de la Bienal esos objetivos en función de los cuales
fue organizada?
FM Un motivo simple y directo: la completa ausencia de diálogo
entre las culturas y las literaturas en el ámbito de los dos idiomas
nombrados. Lo propio si pensamos en términos de mercado
editorial, donde inclusive ni cabe el término “diálogo”; hay un
silencio, una falta de atención por la cultura del otro, lo que
naturalmente nos fragiliza bajo todos los aspectos. La 8ª Bienal
Internacional del Libro de Ceará era un espacio precioso y
oportuno para reaccionar, y cumplimos la función primordial de
llamar la atención para esta urgencia.
GCC Aunque
próximos por la
geografía y la
herencia cultural que,
en cierta medida, nos
es común, los
escritores de países
de habla española no
conocemos mucho del
trabajo de los de
habla portuguesa.
Pienso, sobre todo, en
los autores de la
mayoría de países
sudamericanos en
relación a los del
Brasil, y viceversa. ¿A
qué crees que se deba y cómo puede salvarse esa distancia,
considerando además que tú has traducido al portugués a varios
escritores hispano-hablantes?
FM Existe un aislamiento recíproco también dentro de la propia
comunidad lingüística. La manera de salvar esa distancia es luchar
contra la arrogancia de nuestros gobiernos y de buena parte de
nuestros intelectuales, cómodamente centrados en sus intereses
particulares, desprovistos de cualquier sentido de solidaridad,
incluso estratégico. La historia da claras pistas de los resultados
de esa ceguera egolátrica. Es preciso crear y estimular proyectos
comunes, alianzas culturales. A veces concluyo -y lamento- que
luchamos más contra la falta de sensibilidad de la propia clase
intelectual que contra cualquier otro aspecto.
GCC La mayor parte de los escritores invitados a la Bienal de este
año fueron poetas. ¿'Para qué poetas en tiempos de penuria',
recordando a Hölderlin, y para qué reunirlos? ¿Hasta qué punto es
posible y necesaria una ecumene de la poesía, como la que
promueves desde diversos espacios?
FM En general, los poetas asumen una agenda más amplia de
actividades ligadas directa e indirectamente a la escritura. Son
directores de revistas, ensayistas, traductores, ocupan cargos en
instituciones culturales, etc. Recuerdo una frase del argentino
Enrique Molina que decía que el surrealismo es una especie de
humanismo poético. Entonces se trata justamente de recuperar
ese humanismo poético, escenario que naturalmente se encuentra
abierto a los narradores. Si una cosa es necesaria no cabe
preocuparse por si será posible. Hay que tornarla posible. Y es lo
que estamos haciendo, al lado de parceiros desparramados por
diversos países, los parceiros de Agulha - Revista de Cultura.
GCC La apuesta de convocar a la Bienal a autores conocidos en
sus respectivas naciones, pero poco o nada entre los lectores
brasileños, fue arriesgada. ¿Cómo evalúas la respuesta de los
lectores de tu país? ¿Se habrá provocado un mayor interés por
descubrir a los autores de habla hispana, por leerlos, traducirlos y
editarlos?
FM Todavía es imposible responder, pues el tema exige cierto
distanciamiento. Comencemos por la reacción de la prensa. De
alguna manera, fue sorprendente, porque fuimos contra todo lo
que defienden los manuales de redacción del periodismo cultural.
No le dimos “anzuelo” a la prensa. Todo lo que la Bienal presentó
fue en la más completa contramano. Y aun a pesar de eso, los
medios simpatizaron con nuestra agenda, los invitados fueron
entrevistados y hasta las críticas fueron, en general, pertinentes.
Todo esto ayuda a despertar intereses, a motivar un nuevo tipo de
lector que antes no encontraba un punto de identificación con sus
deseos literarios. Y creo que la Bienal fue un inestimable punto de
partida para un cambio de comportamiento de varios
componentes, que ahora podrán disponer de un dato
fundamental: el lector requiere más atención y menos repetición.
GCC Otro rasgo peculiar de
la Bienal fue reunir en torno
a mesas comunes a
escritores, editores (de
revistas y libros) y científicos
sociales, para dialogar sobre
diversos aspectos
relacionados al mestizaje
desde sus respectivas
miradas. ¿Estás satisfecho
con el resultado de esta poco
usual experiencia?
FM Estoy plenamente
satisfecho con el resultado
de la Bienal si pensamos que
se trata de un inicio, de una
acción de gobierno que
puede convertirse en una
política cultural consistente.
De hecho, no puede haber
aislamiento entre los
elementos que mencionas,
los escritores no
conformamos un mundo aparte. La academia también debe
mostrar un nuevo rostro, activo y solidario con los problemas de la
sociedad que la sustenta. El estado actual en que nuestro mundo
se encuentra es responsabilidad de todos. Y no se trata de
retórica, sino de un hecho.
GCC ¿Qué perspectivas y desafíos deja esta Bienal hacia el futuro
inmediato?
FM Es preciso avanzar mucho, por eso creo que esta Bienal
esencialmente indica un camino coherente y viable. Corresponderá
al Gobierno del Estado de Ceará darle continuidad, corregir
eventuales fallos y, sobre todo, comprender que el ambiente de
una Bienal no se puede reducir a simples zonas de
entretenimiento. Creo que el paso siguiente se dará en la dirección
de recuperar el espacio que la cultura popular perdió en aras de la
cultura de masas. Por ahí seguiremos avanzando.
GCC Finalmente, no puedo dejar de interrogarte sobre la literatura
boliviana, y en particular sobre la poesía de mi país. ¿Qué se
conoce de ella en el Brasil? ¿Qué iniciativas podrían apuntalarse
para que ésta tenga una mayor divulgación en su nación y, a la
vez, para que de este lado accedamos a los autores brasileños con
menor dificultad que hasta ahora?
FM Pues bien, cuando se piensa en la grandeza poética de un
Jaime Saenz, encontramos un absurdo que en el Brasil este poeta
sea desconocido hasta por nuestros escritores. Lo que antes era
motivado apenas por una presunción, ese falso prejuicio que
siempre llevó a los intelectuales brasileños a sentirse superiores a
sus pares de la América hispana, ahora tiene como agregado una
interferencia de la agenda política, confundiendo tramas
ideológicas y perspectivas culturales. Hace algunos años entrevisté
al poeta Eduardo Mitre y en esa ocasión abordamos muchos
aspectos de la lírica boliviana. Además de Saenz, son también
desconocidos para nosotros poetas como Gustavo Medinaceli, Julio
de la Vega, Edmundo Camargo, Pedro Shimose, Jesús Urzagasti,
etc. Una lástima completa que sólo podrá ser corregida gracias a
un acuerdo mutuo, a una iniciativa conjunta de componentes
situados en nuestros dos países. O sea, estamos de vuelta al
principio del ecumenismo evocado por ti hace poco, un
ecumenismo entre poetas, un humanismo poético.
GABRIEL CHÁVEZ CASAZOLA (Bolivia, 1972). Diretor do Festival Internacional da
Cultura, em seu país, em 2006 recebeu uma medalha outorgada pelo governo boliviano
como reconhecimento por seu trabalho como produtor cultural. É também poeta, ensaísta
e jornalista, e como tal ganhou o Prêmio Nacional de Ensaio Jornalístico, além de que uma
reportagem sua (“Primavera tóxica”) recebeu o Biodiversity Reporting Award de
Conservação Internacional, da Federação Internacional de Jornalistas Ambientais.
Contato: [email protected].
____________________________________________________
Entrevista originalmente publicada en el suplemento cultural Brújula, del
periódico boliviano El Deber, deciembre de 2008.
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
Diálogos entre Arte Postal y Poesía
Visual
Francisco "Paco" Aliseda
.
El arte postal, mail art, o arte correo se articula como un
procedimiento de intercambio de la producción artística que se
inicia a principios de los años 60 del siglo pasado.
El precedente es Ray Johnson que, en 1962 funda la 1ª escuela
de arte por correspondencia llamada “New York Correspondence
School”.
La distribución de obras es realizada por el servicio internacional
de correos. Existen reglas no escritas de Mail art como la
ausencia de censura, la libertad de procedimientos artísticos y la
reciprocidad. El intercambio de obras de los autores permite no
sólo el conocimiento sino el reconocimiento y la consideración del
hecho artístico.
Al no existir dinero
por medio se
configura una red
de intercambio de
carácter
“horizontal”. Si se
edita un catálogo,
todos los autores
participantes
aparecerían en el,
y cada autor
recibiría el
catálogo por
correo.
El Arte postal abre
un enorme pastel artístico, natural y rápido que pronto adquiere
un ámbito Internacional: las exposiciones se multiplican;
aparecen nuevos promotores, convocatorias y encuentros; series
de obras originales se publican en “revistas de
ensamblaje” (tanto de soporte plano como con presencia de
objetos). Y se proporcionan herramientas sencillas que permiten
el intercambio, y, por tanto, el conocimiento, artístico y literario.
En España en la década de los 60 la poesía experimental tiene el
carácter de “Neovanguardia”, está comunicada con autores
experimentales de fuera del País y también, utiliza las
posibilidades de “intercambio” que proporciona el arte postal. Así
de una forma autónoma y voluntarista por parte de los autores
se comienza a utilizar técnica de autogestión alejada de la
cultura dominante.
En España, en
los años 80, se
produce,
conforme los
instrumentos
democráticos se
ponen en
funcionamiento,
un apasionado
deseo de
conocer las
formas artísticas
en boga de
aquellos
momentos: el
aumento de
publicaciones, eventos y exposiciones, así lo demuestra. Se
asiste a una necesidad de situarse en una posición de
conocimiento artístico más amplio. Pero en estos presupuestos
generales de la cultura la poesía experimental no tiene gran
enganche.
Es por eso que las técnicas del Mail Art, para la distribución y
reconocimiento del trabajo artístico son utilizadas con eficacia:
Hay pocos autores de poesía experimental que no sean, al
mismo tiempo promotores de proyectos y ediciones.
La revista Veneno es hija de esta pequeña historia: Desde 1983
engalza con los movimientos poéticos y editoriales del momento.
Desde 2005 como revista del Centro de Poesía Visual de España
en Peñarroya-Pueblonuevo Córdoba, sigue dando a conocer esta
forma de arte menos convencional, pero cada vez más conocida,
que es la Poesía Visual.
A lo largo de 25 años y 308 autores, ha mostrado desde un
planteamiento independiente, las obras de poetas de creadores
de aquí y de allá.
La presencia de Veneno y el Centro de Poesía Visual en “La
aventura cultural del mestizaje”, título de la 8ª Bienal del libro
de Ceará (Brasil), en Fortaleza, capital del Estado de Ceará,
justifica este texto, con el que se participó en el debate,
“Diálogos entre Arte Postal y Poesía Visual, debate integrado por
Clemente Padín (Uruguay), Fernando Aguiar (Portugal), Paulo
Bruscky (Brasil) y Francisco Aliseda (España) y que tuvo lugar en
la Sala Hernan Lima de la Universidad de Fortaleza (UNIFOR) el
19 de noviembre de 2008.
FRANCISCO “PACO” ALISEDA (Espanha, 1957). Coordenador do Centro de Poesia
Visual de Córdoba. Artista plástico, poeta e editor. Dirige o Centro de Documentação e
Estudo da Poesia Visual Espanhola, assim como as revistas Veneno e Grisú. Curador
permanente do Encontro de Poesia Visual. Contato: centrodepoesiavisual@hotmail.
com.
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
Escritores cearenses contribuem
Ana Miranda
.
É um prazer estar aqui com vocês, na Bienal do Livro do Ceará,
para conversarmos sobre literatura, ao lado dessa escritora
lindíssima, de talento magistral, com uma formação sólida e uma
temática inovadora, que é a Tércia Montenegro. Também ao lado
do nosso mestre da poesia cearense e autor de obra sobre
Gregório de Matos, o poeta Adriano Espínola. E de Eleuda de
Carvalho, que transcende em muito sua função de jornalista
cultural, sendo uma das mais preparadas, atentas e perceptivas
pensadoras de nossas questões literárias. Propuseram-me que
falasse sobre a presença de escritores cearenses na literatura
brasileira. Logo pensei no nome que exerceu maior influência em
nossa história literária, não apenas por sua obra ficcional, mas
por sua atuação como intelectual, e não apenas entre os
escritores cearenses, mas dentre todos os escritores brasileiros.
Talvez não haja nenhum autor literário que tenha exercido tanta
influência na literatura brasileira. Falo de José de Alencar,
durante o Romantismo no século 19.
Vou tentar descrever de modo resumido e claro esse momento
literário. Vogava no Brasil um Arcadismo decadente, em suas
últimas luzes. Era uma poesia pastoral, que ainda expressava a
travessia entre civilização e primitivismo, porém forjada nos
moldes da tradição clássica. “Os Sátiros saltando por entre as
verdes parras… dríades… o carro de Faetonte…” A literatura que
se escrevia aqui, antes do Romantismo, era distante da realidade
brasileira, para um leitor compreender nossa poesia era preciso
ser conhecedor da mitologia greco-romana. Vou citar um
exemplo paradigmático, um trecho de um poema de José
Joaquim Lisboa: “Íxion co’a roda parou, / Não sobe Sísifo ao
monte, / Descansa o velho Caronte, / O abutre a Tício deixou”.
Interessante observar que o fragmento do poema marca uma
interrupção no movimento de alguns mitos gregos.
Havia,
entre
nós, a
herança
do alto
período
arcádico,
quando
surgiram
as
poesias
de
SantaRita
Durão e
de
Basílio da Gama já com uma intenção nacionalista, tendo como
tema a experiência brasileira, incluindo o mundo indígena, mas
ainda atadas aos cânones eruditos europeus. O declínio do
Arcadismo prenunciava uma nova literatura. Diz, no Parnaso
Lusitano, Almeida Garret, falando dos poetas e escritores
brasileiros: “…a educação européia apagou-lhes o espírito
nacional: parece que se receiam de mostrar americanos…” (e
falando de Tomás Antonio Gonzaga) “…quisera eu que em vez de
nos debuxar no Brasil cenas da Arcádia, quadros inteiramente
europeus, pintasse os seus painéis com as cores do país onde as
situou”. Comentários assim, revelam que surgia um sentimento
de expressão local, buscando o brasileirismo como elemento
diferenciador. O Brasil acabava de se separar de Portugal, era
então um país livre, que almejava encontrar sua expressão
própria, formar o rosto da sua nacionalidade. E à literatura, que
possuía profunda conexão com o comportamento e o
pensamento dos habitantes de nosso país, caberia criar essa face
brasileira.
Em 1836, época do despertar das nacionalidades em todo o
mundo ocidental, após as guerras napoleônicas, o Romantismo
florescia na Europa, quando aconteceu no Brasil um esforço
intencional de mudança literária. Brasileiros em Paris aderiram
ao Romantismo europeu, traduzindo-o a nossas ânsias.
Expressaram inicialmente o sentimento romântico por meio de
uma revista, Niterói, que era escrita e publicada na França, e
enviada ao Brasil. Ali, por exemplo, o poeta Gonçalves de
Magalhães criticou nossos autores que “olvidaram as simples
imagens que uma natureza virgem com tanta profusão lhes
oferecia”. O poeta Araújo Porto Alegre escreveu um documento
precioso que constituiu um ponto de partida para o Romantismo
brasileiro, dando como exemplo um pequeno e discreto poema
de sua autoria. Era um período de proletarização, politização,
urbanização, decorrentes da Revolução Industrial e das lutas
sociais. Preconizava-se o Sentimento para substituir o
Racionalismo dos clássicos.
Segundo o crítico Antonio Candido, o Romantismo procura
relevar aquilo que é pessoal e intransferível, o eu sensível, a
contemplação do eu, a evocação da morte, o sofrimento. Os
escritores românticos falam de maneira íntima, como se fizessem
confidências, o que dá a sensação de sinceridade, franqueza,
alma aberta, espontaneidade das emoções, estão os românticos
entregues às aventuras individualistas e inconformadas. Os
crimes, os vícios, os desvios de conduta são tratados como
expressões próprias aos seres humanos, tanto quanto a virtude.
Almejavam, nossos escritores românticos, uma linguagem mais
simples, direta, local, sem uso das alegorias clássicas tão
distantes da nossa realidade. Buscavam ressonâncias entre
natureza e espírito, “que convidam o indivíduo a banhar-se numa
atmosfera de mistério e, valorizando o significado de seus modos
de perceber e sentir, a exprimir-se com maior abandono, por
meio” da meditação, da reflexão. A ênfase do romântico é na
experiência estritamente pessoal. Surge um tipo de emoção
chamada de “o vago n’alma”. Mas, no Brasil, o Romantismo era,
ainda mais, a tomada de consciência nacional, a luta pela
autonomia literária, e mais um corte na separação entre Brasil e
Portugal, um movimento de independência não apenas política,
porém mais profunda. Apregoavam nossos pensadores que o
Brasil tinha tradição literária própria, era preciso desenvolver os
elementos nacionais dessa tradição, e para isso deveria ser
criada uma nova literatura adequada a um país independente e
jovem. Se a literatura é um fenômeno histórico que exprime um
espírito nacional, ela deve desvelar esse espírito. Para isso, era
necessário descrever-se costumes, paisagens, fatos, sentimentos
carregados de sentido nacional, libertar-se do jugo da literatura
clássica, abstrata, reflexiva, dominada pelas características da
experiência européia, de introversão, dissimulação; em troca,
adotaríamos a extroversão dos habitantes de um país quente,
caloroso, telúrico, riquíssimo de folclore, repleto de matas, cores,
luz, tudo “grande, sólido e sublime”.
Esse desejo de celebração e construção da pátria provocou
intenso debate entre escritores, poetas, pensadores. Para uns, a
literatura brasileira deveria ser o Indianismo, pois a vida indígena
existia em nosso país antes da chegada do europeu, e nos legara
um tesouro de lendas, mitos, e todo o mundo selvagem que a
floresta representava, sem nada semelhante em qualquer outro
lugar do mundo. O Indianismo não seria apenas a criação de um
passado mítico e lendário, mas de um passado histórico, que
daria dignidade e força a nosso ser. Os mitos indígenas deveriam
ser comparados em magnitude aos mitos da Antiguidade
clássica. Para outros, nosso espelho seria algo mais vago,
universal, mas que nos exprimisse, e também ao sentimento de
libertação que culminava naquele momento. Os comentários
floresciam aqui e ali, com intensidade. Macedo Soares, por
exemplo, escreveu que se deveria “despir andrajos e falsos
atavios, compreender a natureza, compenetrar-se do espírito da
religião, das leis e da história, dar vida às reminiscências do
passado, eis a tarefa do poeta, eis os requisitos da nacionalidade
da literatura”. Era preciso cultuar uma literatura que pudesse ser
compreendida, com temas brasileiros, era preciso cantar nossa
terra, e a ela se entregar.
José de Alencar
apareceu nesse
período, aliado ao
Indianismo de
Gonçalves Dias, que
era chamado de escola
Americana, no sentido
de não-européia. Mas
Alencar também se
debruçou sobre as
narrativas do interior
do Ceará, recolhendo
rapsódias sertanejas,
com a intenção
específica de elevá-las
a mitos que
rivalizassem com os
europeus, no que
enfrentou críticas
severas por parte de elitistas e tradicionalistas. O jovem
advogado e jornalista cearense declarou-se inimigo do lusismo
em nossa literatura, introduziu o romance de temática indígena,
e abriu uma nova era literária para nossa prosa de ficção, “nessa
esfera sua ação foi profunda e não poderá ser apagada”,
conforme palavras de Silvio Romero. Foi Alencar quem levou ao
mais fundo estágio o esforço romântico de construção do
romance brasileiro, com uma brilhante percepção de que não
bastava o tema nacional, mas principalmente a linguagem, a
expressão própria, e bateu-se pela escrita independente: “Nós,
os escritores nacionais, se quisermos ser entendidos de nosso
povo, havemos de falar-lhe em sua língua com os termos ou
locuções que ele entende, e que lhe traduzem os usos e
sentimentos”.
José de Alencar não deixava escapar uma oportunidade para
reforçar suas idéias. Segundo Raymundo Magalhães Jr., o
escritor cearense vivia dominado pela preocupação de “exumar
fatos heróicos e de construir um passado, glorioso, venerável, ou
edificante”, para o jovem Brasil, sempre em busca de uma
linguagem adequada às narrativas históricas dos tempos
coloniais. E inaugurou o romance indianista, com O guarani. Em
1857 começou a publicação desse romance-folhetim no jornal
Diário do Rio de Janeiro. Com sua grande capacidade de
fabulação, sua encantadora linguagem, sua força de conteúdo
histórico e social, Alencar magnetizou os leitores, que
disputavam os exemplares do jornal, ávidos por ambientes e
temas brasileiros, também impregnados pelo espírito romântico.
Estavam fatigados dos romances-folhetins de autores europeus.
O guarani foi um grande momento na tenra vida literária
brasileira, é onde “aparece melhor o trabalho de visualização
artística, compondo uma atmosfera de cores, formas e brilhos
para celebrar a poesia da vida americana.” Dele escreveu
Antonio Candido, ser “um largo sorvo de fantasia, que realiza
talvez com maior eficiência a literatura nacional, americana, que
a opinião literária não cessava de pedir a Gonçalves de
Magalhães”. O promissor poeta Gonçalves de Magalhães, culto,
preparado, brilhante declamador, fizera uma importante
tentativa com a publicação da Confederação dos tamoios,
infelizmente fracassada, por não atingir uma naturalidade,
espontaneidade, uma qualidade literária de que nossa literatura
já era capaz, como já o provava, por exemplo, Gonçalves Dias
com sua obra poética. Após uma famosa polêmica em torno do
poema de Gonçalves de Magalhães, Alencar amadureceu suas
idéias e partiu para criar a obra brasileira que a sociedade
almejava, e o fez com mestria, desde O guarani até a obra-prima
Iracema, passando por romances sertanejos ou urbanos que
registravam nossos costumes interioranos ou da renovada Corte.
Visitou, com sua obra, de forma planejada e intencional, diversas
épocas e regiões brasileiras, buscando um primoroso estilo de
narrar. Seu pioneirismo e sua vida atribulada, entre a literatura,
a política e o jornalismo, tiveram um preço, que aparece nos
seus livros em forma de falta de unidade, pressa, ansiedade,
uma oscilação na qualidade das obras, mas Alencar encontrou o
“caminho das pedras”, realizou um refinamento que pressagiava
Machado de Assis, o qual, para com seu amigo, demonstrava
afinidade e reconhecimento. Dotado de um senso magistral do
grandioso e do épico, Alencar é o grande artista criador do
romance brasileiro. Ficou na história da literatura brasileira como
o maior representante de nossa ficção romântica, e o que mais
lucidamente realizou, do ponto de vista estético e literário, os
ideais populares e nacionalistas do Romantismo. Foi ele quem
elaborou para todos nós, seus descendentes literários, o
arcabouço ideológico e temático, formal e estilístico, do romance
brasileiro, e sua vertente literária, que culmina com a obra
sertaneja, brasilianista e universal de Guimarães Rosa,
permanece até os dias de hoje.
Além disso, Alencar foi o criador da crônica como gênero
literário. Quando o jovem advogado recém-formado chegou ao
Rio de Janeiro, foi convocado por Francisco Otaviano para ser
folhetinista do Correio Mercantil. Os folhetinistas eram jornalistas
com texto mais elevado, de qualidade literária, que tinham como
tarefa o comentário dos acontecimentos dos últimos dias,
conforme modelo da crônica tradicional. Com seu texto
primoroso e uma leveza nos comentários, Alencar exerceu seu
trabalho em uma coluna de imenso sucesso na sociedade, “Ao
correr da pena”. Eram um embrião da crônica, mas ainda presas
ao intuito do espaço que ocupavam no jornal. Quando passou a
dirigir o Diário do Rio de Janeiro, passou a escrever as chamadas
“Folhas Soltas”, textos do mais puro devaneio, livres de intenção,
pessoais, e de qualidade literária. Essas são as primeiras
crônicas, que deram origem ao novo gênero literário brasileiro. E
se não tivesse morrido tão precocemente, e pudesse ter
terminado um romance em progresso, Ex-homem, que poderia
ter sido pioneiro do realismo no Brasil.
Pediu-me Floriano que falasse sobre minha obra, de seu lugar
dentro da ficção brasileira. Vejo minha obra entre dois marcos,
Boca do Inferno e Desmundo. A primeira fase é a da paixão da
descoberta, e de aprendizagem, quando, por dez anos, trabalhei
para dominar as técnicas de construção de um romance clássico,
com uma estruturação disciplinada, a fim de posteriormente me
libertar dessas regras e encontrar minha expressão pessoal. Em
meu primeiro romance estabeleci as linhas mestras de meu
trabalho, do ponto de vista do motivo central, que é a questão do
exílio humano em seu sentido maior, com a ocorrência do erro
transformador (o roubo do anel do alcaide) que acende as
chamas da narrativa interna. Estabeleci meu interesse pelas
fontes lingüísticas, para um trabalho de recriação literária
fundado na intertextualidade, na poesia, e na afetividade pela
preservação de nosso tesouro literário nacional, fazendo-o
renascer sob outra pena. Disso, jamais pude, nem desejei, me
libertar.
Em Desmundo, iniciei uma série de romances de vozes
femininas, narradas na primeira pessoa, sem, no entanto,
abandonar as questões de nossa história literária, que tanto me
fascinam. Libertei-me do formato clássico de narrativa,
interiorizando a fala de meu narrador por meio de pensamentos
de meus personagens narradores. A trama passou a ter um lugar
secundário, e o trabalho narrativo atingiu o estado que eu
desejava, de tornarem-se a linguagem e a língua o próprio tema
central do romance, predominando sobre todos os outros
aspectos. Em Desmundo, consegui atingir o refinamento e a
desenvoltura que almejava, tudo o que eu vinha bordando pelo
avesso se revelou numa flor dos ventos composta de prosa,
poesia, desenho, e todas as minhas experiências de vida.
É difícil sabermos na flagrância da obra o seu lugar histórico, e
para o próprio autor é quase impossível conceber e medir a sua
importância. O mais seguro é ser desconfiado e reticente.
Recorro aos recortes de jornais que possuo em minhas pastas. O
romance Boca do Inferno, publicado em 1989, foi designado, em
texto escrito por Roberto Pompeu de Toledo, na época editor
geral do JB, como “o ingresso do Brasil num gênero – o do
moderno romance histórico – imposto ao redor do mundo por
penas como a do italiano Umberto Eco e da belga Magueritte
Yourcenar, do americano Gore Vidal e do português José
Saramago”. A escritora Tércia Montenegro me fez uma pergunta
a respeito: “Quando o livro foi publicado, coincidentemente, na
mesma época, foram lançados outros títulos brasileiros de teor
histórico. Você atribui isso a uma coincidência histórica ou a uma
convergência estética? Respondi: Na verdade, saíram livros
assim em diversos países, o que amplifica o caso. Acho mais
provável uma convergência estética, entre as duas
possibilidades. A literatura nunca é dissociada de seu tempo, os
livros acontecem em conjunto, como se houvesse uma força de
pensamento unívoco que se desdobra em todos os lugares, e os
escritores são tocados por esses movimentos. Somos prisioneiros
de nosso tempo, de nossa sociedade, e de nosso ser, tudo isso
determina o que vamos escrever.
Logo após a publicação do romance, escreveu professor Antonio
Dimas que Boca do Inferno seria “a retomada do romance
histórico brasileiro, com a conseqüente reconstrução mítica de
um passado distante e brumoso, e o revigoramento de uma
forma narrativa que andava se satisfazendo no experimentalismo
indulgente”. “Boca do Inferno “organiza-se de modo consistente”
e ali pode encontrar prazer tanto “o leitor imediatista” como
“aquele que está em busca de um relato mais refinado no qual se
incluem pepitas históricas, estilísticas, e léxicas, mesmo que esta
aglomeração estudada suscite horror nestes tempos de
pauperismo”. Sobre a linguagem, diz Antonio Dimas que “o
trabalho meticuloso é o delírio verbal e descritivo que cumpre
uma função estética: a de representar a face tumultuada daquela
sociedade, dificilmente apreensível por meio do vocábulo unívoco
e seco”. Os aspectos de estrutura e de linguagem talvez sejam
os mais importantes no surgimento desse romance. Também,
Boca do Inferno surge num momento semelhante ao do
Romantismo, no século 19, no qual se gerou o chamado romance
histórico, em que o processo de destruição de culturas acelera o
desejo de sua preservação. Ele é da mesma forma a expressão
do desejo de consolidação de uma nação, com o fortalecimento
de suas raízes e origens. Boca do Inferno reintroduz uma forma
narrativa ligada à do romance clássico, no entanto, pós-moderno.
O
memorialismo
é tido como
território
feminino na
literatura,
espera-se da
mulher uma
obra fundada
na lembrança
de quem
reside em
mundos
subjetivos e
protegidos,
do lar, da
fantasia, dos sentimentos, enquanto ao homem, historicamente
em movimento, a caçar, a guerrear, a trabalhar fora de sua casa,
caberia uma escrita mais ampla e socializada. Boca do Inferno
enfrentou essa limitação, e comporta-se como livro de memória
social, sem perder a subjetividade que é expressa na construção
lingüística e emocional. Se acaso marcou alguma mudança no
comportamento literário de sua época, só a posteridade poderá
revelar. A importância histórica de um autor, ou obra, é
relacionada às mudanças que provocou.
Sobre Desmundo, publicado sete anos depois de Boca do Inferno,
o professor Wander de Melo Miranda escreveu que o livro abre
caminhos em uma selva de signos. “Daí a originalidade do
romance na cena brasileira atual, ao constituir-se como uma
versão feminina da colonização e, ao mesmo tempo, superar os
limites do fato histórico a que remete.” O livro luta na esfera da
linguagem “de quem narra buscando na selva dos signos a trilha
de rotas e enredos alternativos. O desejo de algo que lhe escapa
e foge torna-se a meta a ser atingida, algo que não consegue
nunca alcançar e só se apreende, de passagem, na urgência de
narrar”. Desmundo, conforme o professor Miranda, seria “um
modo peculiar de apropriação dos primeiros relatos epistolares
das terras brasílicas, por meio da destituição da força elocutória
masculina que conferia a esses relatos o poder de uma verdade
inconteste.” Para mim, foi o encontro com uma originalidade,
tanto no sentido de aproximação ainda maior de minhas origens,
pois há a possibilidade de minha família ser da mesma
genealogia da do padre Manuel da Nóbrega, como pela relação
mais próxima com a cultura indígena, característica formadora de
minha terra natal. Em Desmundo consegui equacionar todos os
dilemas importantes de minha obra, e considero esse romance o
início de uma fase mais pessoal, ousada, mais madura, enfim.
Reconheço em minha obra, a partir de Desmundo, uma grande
solidão, e não sei se tenho seguidores. Também é de Tércia
Montenegro a pergunta sobre esse assunto: “Você é referência
para as novas gerações da literatura. Como se sente com essa
responsabilidade?” Respondi: Bem, graças a Deus não sou a
única referência, mas toda a minha geração é referência para os
da nova geração, é normal que seja assim, como os de gerações
anteriores foram referência para mim, claro, alguns mais fortes,
como Guimarães Rosa, ou José de Alencar, de quem me sinto
familiar. Espero que os jovens aprendam comigo que cada um
deve ser fiel a si mesmo, e ter a coragem de ser ele mesmo, e se
guiar pelas indicações da própria alma, das próprias
necessidades interiores, e de seu tempo.
ANA MIRANDA (Brasil, 1951). Colabora desde 1998 com a revista Caros amigos, e
desde agosto de 2004 escreve crônicas no Correio Braziliense. Foi escritora visitante na
Universidade de Stanford em 1996, e faz palestras e leituras em universidades (Berkeley,
Yale, Darthmouth, Universidade de Roma, etc.) e outras instituições (Instituto Moreira
Salles, SESC, Centro Cultural Banco do Brasil, etc.). Romancista com amplo
reconhecimento nacional. Contato: [email protected].
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Texto apresentado no debate "Contribuição cearense à literatura brasileira"
Sala Herman Lima - 17 de novembro de 2008
Mesa composta por
Ana Miranda (Brasil) | Adriano Espínola (Brasil) | Tércia Montenegro (Brasil)
| Mediação: Eleuda de Carvalho (Brasil)
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
Fragmentaciones II
Gary Daher Canedo
.
Si me dieran a elegir, yo elegiría
esta salud de saber que estamos muy enfermos
Juan Gelman
Al
abrir este ensayo, no puedo dejar de recordar las palabras de
Umberto Eco sobre la reflexión de los acontecimientos que
suceden: "La función intelectual se ejerce siempre con adelanto
(sobre lo que podría suceder) o con retraso (sobre lo que ha
sucedido); raramente sobre lo que está sucediendo, por razones
de ritmo, porque los acontecimientos son siempre más rápidos y
acuciantes que la reflexión sobre los acontecimientos", [1] Sin
embargo, el mismo ritmo del que habla Eco ha cambiado, si bien
es cierto que la velocidad de los acontecimientos apuran a la
reflexión, también debemos admitir que la historia ha ampliado su
papel: ya no es aquella que se refiere solamente a sucesos
lejanos, clausurados, cerrados; sino que, precisamente, a causa de
la aceleración de los procesos, la historia está siendo construida
mientras sucede, es decir nos va entregando etapas a velocidad de
Schumacher, que se levantan como esclusas de un enorme canal
que va a unir el pasado y el futuro: El canal de la
contemporaneidad. A propósito de estos hechos intelectuales, no
vale, pues, nos dicen los actores de los medios, la excusa de la
mala pintura que pueda resultar de nuestro acontecer, ya que
actualmente no utilizamos para ello a los pintores realistas, ni
siquiera la máquina fotográfica que requiere un proceso químico
adicional para devolvernos la imagen, hoy se habla de las cámaras
digitales que atrapan el instante y lo muestran inmediatamente en
el monitor de video, o lo imprimen en una barata impresora de
colores. Es decir que tal como nos aclara Régis Debray "La
ecuación de la era visual es algo así como: lo visible = lo real = lo
verdadero. He aquí la idolatría revistada (y sin duda
redefinida)" [2] Esta aparente encrucijada en la que, por un lado
se plantea que la función intelectual es muy difícil de ejecutarse
sobre los acontecimientos que suceden y, por el otro, donde los
analistas de los medios nos dicen totalmente lo contrario, a
despecho de la crítica mordaz de los primeros, se presentaría
como un camino sin salida. Sin embargo, ante la idolatría de la
imagen visual capturada, almacenada y aceptada, despertando de
la molicie de la dificultad que el ritmo de los tiempos levanta
debemos oponer la acción del retrato, queriendo decir con esto
que se hace necesario desarrollar la interpretación que podemos
capturar de nuestra realidad, aun a costa de renunciar a la
perspectiva del color. ¿Y cuál es la técnica que nos permite
alcanzar a grandes rasgos la realidad con nuestra propia mano en
estas circunstancias? Sin duda es el dibujo: ese trazado que
permite la aproximación a los cuerpos y a los hechos, no con la
jugosa materia de sus carnes, sino con la frontera correcta de sus
nervaduras. Se trata pues de intensificar el momento reflexivo
sobre los puntos descollantes y evidentes, pero haciendo
precisamente lo contrario a lo que realiza el analista mediático,
inmerso en el bosque, se trata de reflexionar mientras se camina,
desdoblándose: el cuerpo en el jardín, y el alma fuera del bosque,
observando atentamente para dibujar como ese cuerpo tan suyo
camina por los senderos que se bifurcan. He ahí el desafío del
hombre que ha asomado su nariz al siglo XXI.
El hombre contemporáneo
Uno de los dibujos más importantes de estos tiempos es aquél que
nos muestra al hombre contemporáneo ya no más animal racional
pergeñado como soberano del siglo XX, sino más bien como un
animal psicológico, inserto en el mar de las emociones que la
tecnología ha configurado como su nueva realidad. Y este animal
psicológico se enfrenta hoy con la batalla de siempre: su otredad;
solamente que esta nueva otredad es dual: si virtual, incorporada;
si real, inasible, lejana.
Pues, mientras que el conocimiento moderno de principios del siglo
XX, aspiraba, como muy lúcidamente escribió José Vasconcelos, a
ser lo otro, pero no a distancia y separadamente, sino en nosotros
mismos. Este proceso se ha dualizado. En tanto que la realidad nos
aleja más y más del otro, la virtualidad lo ha deformado para
hacernos creer que lo incorpora. Esa la tragedia del hombre
contemporáneo.
Así, observamos al hombre contemporáneo frente a la televisión
ante la que, armado de un aparato de control remoto, va
compulsivamente asistiendo a escenas de un teatro permanente
de variedades. Otro momento, con el reproductor de discos de
video, pasa películas amontonadas sin discriminación, una tras
otra. También, sentado ante la computadora como si de ella
dependieran las respuestas, gasta horas navegando por la
Internet, revistando datos y más datos, irreflexivamente, y cuando
la cantidad de estos lo atora se traslada a la zona roja de La Red,
alocado con el sexo o apostando a las loterías, después que en
algún momento, enviciado ya, ha intentado tomar contacto con
otro virtual practicando sexo por escrito en las habitaciones
promiscuas y hasta grotescas del chat. Y también están los juegos
electrónicos en los que el hombre contemporáneo se hace
comandante de muñecos virtuales, mientras es interrumpido sin
cesar por un teléfono celular, aparentemente, único enlace con el
afuera. Es decir, un universo de humo. Nunca la fantasía fue tan
real, ni el mundo tan virtual. En la calle deambula, atrapado en su
planeta electrónico es un sonámbulo de la tecnología.
De esta manera, el hombre contemporáneo, está en reversa de la
comunicación. Aislado, rota la cercanía, su sociabilidad se ve
seriamente afectada, de modo que los pocos túneles que restan se
reducen a la euforia de la masa, que sucede en el estadio de
fútbol, los privilegiados, o a los grupos de asistentes al partido por
televisión, los más. Sin olvidar, claro, la discoteca, el bar; pero la
comunicación social cercana, íntima, de tertulia, se ha agotado, y
sucede muy esporádicamente. La familia es una fotografía, una
sala de efigies ensimismadas. También, en estas aglomeraciones,
que no sociedades, contemporáneas, van desapareciendo las
verbenas, la reunión de la comunidad en los parques públicos, la
fiesta como celebración comunitaria.
Y alguien me dirá. ¿Dónde pace este animal psicológico, este
ejemplar contemporáneo? Pues es en las colmenas de la urbe,
encerrado entre las cinco paredes de su irrealidad. Al otro lado,
claro está, y ésta es, efectivamente, la radiografía de
Latinoamérica, el campesino pobre, que en millones puebla las
comarcas de nuestro continente, y que ciertamente es el que ha
quedado más lejos de los avances de la tecnología. Allí, en la
profundidad del campo, no hay ni siquiera energía eléctrica. ¿En
qué estado de la otredad queda este campesino ante el hombre
contemporáneo? ¿Es esta una otredad trivalente? No. Este
campesino, para el hombre contemporáneo no es la otredad, es,
simplemente, la periferia, la escoria que necesita eliminar de su
ángulo visual. Si el encuentro entre europeos e indoamericanos en
el siglo XVI fue brutal, si las distancias, entonces, fueron enormes,
debido a la lejanía cultural de los otros; hoy por hoy, se puede
hablar ya no de distancias, sino de universos en dimensiones
separadas. Así, gradualmente, entre estos dos extremos, se
encuentra el hombre latinoamericano: una dispersión sociológica
aparentemente insostenible.
El derrumbe del Estado-Nación
La definición de la Enciclopedia Británica, nos advierte que la
nación ha sido definida como una comunidad natural de hombres,
reunidos en un mismo territorio, poseyendo en común el origen,
las costumbres y la lengua, y conscientes de esos hechos. Tal
definición, que sintetiza el consenso de la mayoría de los
especialistas, engloba los elementos esenciales de la constitución
de la nacionalidad: tradición común de cultura, origen y raza
(factores objetivos), y la conciencia del grupo humano de que esos
elementos comunitarios están presentes (factor subjetivo). El
segundo factor es preponderante y fundamental para la existencia
de la nación: el que une a sus miembros, más que la identidad de
idioma o la convivencia en un mismo territorio, es el vínculo
puramente moral o psicológico representado por un destino
común, forjado en las gestas históricas de la formación de la
nacionalidad.
Sin embargo, a causa de la tecnología y, especialmente debido a la
televisión, la percepción subjetiva de la sensación de nación se ha
transformado. Así, los miembros de las naciones van descubriendo
dos geografías que se levantan como un iceberg invertido: Por una
parte el mundo exterior, que hasta ese momento era un mal
esbozo de narraciones, leyendas y mitos, se presenta en imagen,
haciendo de esta manera que el otro que habita las naciones del
exterior, semejante, ya no parezca tan extranjero. Y de la otra
parte, en la nación, hacia adentro, ante la mirada hacia los otros
miembros de la nación, aquellos que habían permanecido ocultos
en el transcurso de los días de la cotidianidad, de repente,
aparecen llenando las pantallas de los televisores, entonces se
descubre que una gran cantidad de estos miembros de la propia
nación, son extraños, diferentes ante uno y entre ellos se los
advierte grupos humanos que semejan islas. La nación se ha
transformado en un archipiélago inescrutable. Entonces sucede el
primer resquebrajamiento del Estado-Nación, una rasgadura que
nace desde las mismas entrañas de su ser.
Mientras esto sucede en el interior, el poder financiero
internacional “conquista territorios y derriba fronteras, y lo
consigue haciendo la guerra, una nueva guerra. Una de las bajas
de esta guerra es el mercado nacional, base fundamental del
Estado-Nación.” [2] Convirtiendo al Estado-Nación en un
supermercado de bienes importados, o lo que es más bien, en
nuestros países, un mercado persa del contrabando, donde el
Estado-Nación ni siquiera recibe el pedacillo del impuesto.
Entonces, en el megamercado de la globalización, el Estado-Nación
“se redefine como una empresa más, los gobernantes como
gerentes de ventas y los ejércitos y policías como cuerpos de
vigilancia”. [3] Así que la acepción de nación que anteriormente
nombramos, especialmente en su factor subjetivo, desaparece. Y
dentro de lo múltiples departamentos de esta nueva empresa, se
abre uno enorme, “los despreciados”, que contiene, en número, a
la mayor parte de sus miembros: los necesarios innecesarios. Esta
contradicción que representa a los pobres, los ignorantes, los
sucios. Y que, según los esquemas de la nueva empresa son
innecesarios, porque no están preparados para cumplir ninguno de
los roles que la eficiencia determina. Pero que son necesarios para
suplir los requerimientos de comodidad (llámese labores
domésticas, limpieza de alcantarillas, lustrado de zapatos, trabajos
destinados a ujieres, guardianes y otros) de los miembros mejor
dotados de la nación. Entonces se intenta construir el hábitat de
ese departamento en el lugar menos visible; no obstante, como
este propósito no puede ser alcanzado, se produce la demanda
social a causa de la convivencia, hoy por hoy, evidente.
En este sentido, sucede el
fenómeno del aumento de la
explotación, por una parte, y
del desempleo, por otra;
afectando, ya no solamente a
aquel departamento de la
Empresa-Nación que hemos
llamado “los despreciados”,
sino también a la clase media
baja, que enceguecida por la
mentira publicitaria, ha
apostado a la educación
profesional de sus hijos,
como supuesta salida a sus
magros ingresos, sin tomar
en cuenta que las
transnacionales a fin de
elevar al máximo su
efectividad, prefieren utilizar
a los profesionales antiguos
(es decir extranjeros) antes
que especializar a los locales.
Y se desata la época de las grandes migraciones: millones de
personas al destierro, afincándose en los suburbios de las
metrópolis imperiales.
Así, para la globalización, que en ningún momento fue concebida
como modelo económico, sino más bien como un marco regulador
de las relaciones económicas internacionales, los desequilibrios
económicos son causas de la intervención en el mercado; por
tanto, debe eliminarse la posición suprema del Estado respecto de
éste y hacerlo garante de la acción irrestricta de las fuerzas de la
oferta y demanda.
Entonces, esta globalización que demanda la liberalización de
normas para el dinero que fluye en diferentes sentidos a través del
mapa internacional, ha hecho del sistema financiero el señor del
proceso. Esta penetración mundial de capital conlleva a una
competencia internacional de acceso a mercados, permitiendo el
desarrollo y la expansión ilimitada de las empresas transnacionales
por todo el mundo, mismas que a la vez cuentan con el respaldo
incondicional de sus respectivos Estados Nacionales. Dicho en
palabras precisas, de los Estados Unidos de Norteamérica, que es
donde se cobijan la mayoría de estas transnacionales.
Es precisamente en este último país, que se han sucedido hechos
de gran trascendencia: estamos hablando del ataque terrorista del
11 de septiembre de 2001. De manera que, aprovechadas las
condiciones, el Estado-Nación más poderoso del mundo, en apoyo
de las empresas transnacionales, ha creado pretextos de
intervención. Esta estrategia ha ido evolucionando, desde la época
de la Guerra Fría, cuando el pretexto se llamaba lucha contra el
comunismo. Y que, luego, una vez caído el muro de Berlín, se
transforma en la llamada lucha contra el narcotráfico, permitiendo
la ingerencia y la presión de los Estados Unidos en los diferentes
países, convocándolos bajo esa bandera, considerada la batalla,
como una lucha mundial. Estos pretextos han generado guerras de
baja intensidad en nuestro continente, permitiendo la intervención
extranjera en los países involucrados, que por una u otra razón, en
menor o mayor medida, han sido todos. Ahora bien, a partir del 11
de septiembre, ante la “amenaza terrorista”, los recursos bélicos
han entrado en una etapa sin control, y han convertido la guerra
de baja intensidad en una potencial guerra directa, como ha sido el
caso de Afganistán, puesto como ejemplo para que el mundo
tiemble y el poder del intervencionista sea definitivamente mayor.
Sin embargo, este proceso ha sufrido un retraso, eso está claro,
gracias al error de visión del emperador, que no sabía del campo
minado que representa la otredad no asimilada. Estalló en sus
narices la resistencia civil, guerrillera. Nos referimos a la
lamentable destrucción e invasión de Irak, un fracaso en todo
campo, ni victoria ni derrota, sólo destrucción.
En el ínterin, esta debilidad del imperio, ocupado en labores
insostenibles fuera de casa, ha permitido una ventana para los
movimientos políticos sustentados ideológicamente en los modelos
socialistas del siglo XX. Así, en Sudamérica se ha levantado una
seguidilla de gobiernos con discursos nacionalistas. Sin embargo,
una lectura rápida de los acontecimientos nos devela que nadie
estaba preparado y que la circunstancia no hace al proceso. De
manera tal que en lugar de fortalecer los Estados-Nación, los
discursos y acciones revanchistas y los programas demagógicos
han generado una crisis interna tal que cada uno de ellos es
proclive a la fragmentación y ha sembrado la semilla de la
discordia, pasto fácil para el imperio cuando suceda su
recuperación.
A partir de esos procesos, se habrá conseguido la redefinición del
poder y de la política, ansiada por el imperio y sus aliados, visando
colocar al mercado como figura hegemónica que rige todos los
aspectos de la vida humana en todas partes.
Así que, el hecho de que los gobiernos se llenen de delincuentes, el
hecho de que el sistema financiero obligue a los Estados-Nación a
modificar sustancialmente sus leyes en un chantaje sin
precedentes, el hecho de que los territorios se desintegren, el
hecho de que los grupos humanos que conforman el Estado-Nación
se descubran diferentes, el hecho de que los gobernantes del
Estado se transformen en vendedores, la dolorosa visión de que
los objetivos supremos del Estado-Nación establecidos durante las
gestas de la formación de la nacionalidad, cuales son la libertad, la
satisfacción de las necesidades de todos sus miembros, la gloria de
la nación, hayan desaparecido, nos hacen concluir que el EstadoNación clásico, tradicional está a punto de ser derrumbado. Y, cosa
terrible, no se vaya a creer que ese derrumbe, a causa de las
acciones de protesta y otras manifestaciones populares, vaya a
favorecer a los miembros del departamento de los despreciados,
no. Ese derrumbe irá a favorecer definitivamente a las
transnacionales, y estratégicamente a la hegemonía mundial del
Estado-Nación más poderoso del mundo, es decir, de los Estados
Unidos de Norteamérica.
En este escenario, los movimientos indigenistas, que se han
levantado como respuesta, no podrán enfrentar los terribles
vientos, si no elaboran una política de verdadera integración del
continente, entendido como mestizo y no discriminado en indios y
blancos, con propuestas de guetos, reductos históricos de las
separaciones. ¿Hasta cuando esperaremos el nacimiento de la
patria latinoamericana, o al menos sudamericana? ¿Lograremos
desatar el nudo gordiano llamado Bolivia, corazón que guarda en sí
el secreto de la integración sudamericana? ¿Se ha comprendido
que el tema boliviano, no es un tema boliviano sino
latinoamericano, o más cercanamente sudamericano? La hora de
los cambios exige precisión, inteligencia y reflexión. He ahí el
convite.
La nueva condición de la pobreza
Contando con los impresionantes aportes de la tecnología, la
publicidad ha rebasado todos los límites del anuncio comercial
propiamente dicho. Se hace publicidad en todo el espectro de los
medios. El mundo ideal está marcado por las y los top models, por
la construcción insustancial del arquetipo de los lectores de
noticias, por el actor de cine que vive en apartamentos que serían
imposibles de soñar para un habitante de las villas miseria. Hasta
el amor se ha reducido a este propósito, de manera que ya nadie
puede estar muy conforme con la pareja que le ha tocado, pues,
en fin de cuentas, emerge del mundo real: granitos, arrugas,
grasitas aquí y allá, cabello descuidado y mal peinado, gordos y
gordas, esmirriados, casi esqueléticos, vejez prematura, voces
destempladas, toscas o toscos, muy lejos del modelo.
De forma que los bienes materiales e inmateriales que se nos
incitan a alcanzar nunca estuvieron tan lejos de la mayoría de las
personas. Tal y como señala John Berger en una frase sin duda
memorable: "La pobreza de nuestro siglo es incomparable con
ninguna otra. No es, como lo fuera alguna vez, el resultado natural
de la escasez, sino de un conjunto de prioridades impuestas por
los ricos al resto del mundo." [4]
¿Cómo enfrentar la pobreza del mundo si el abismo que hemos
creado es insondable? Ese modelo virtual de maniquís, de casas
con alberca, llenas con una infinidad de aparatos destinados a la
comodidad y a la inutilidad, automóviles con lujo, suntuosos, que
deben ser desechados año tras año por la presión del mercado y la
competencia de la imagen. La imagen, que hemos transformado
en la riqueza más grande que alguien pueda poseer en este siglo
que comienza. ¿Qué mayor pobreza entonces que en este pujar de
la imagen, los despreciados deban sostener una que para el
marketing se ha convertido en lo detestado, en la insoportabilidad
de una imagen desgraciada?
Transformada el hambre, ésta ha trascendido la carencia del pan,
de la hortaliza, de la carne, para convertirse en la ausencia brutal
de uno mismo que se imagina posible en lo virtual de las pantallas
de la televisión.
Literatura y fragmentación
Si un hombre contemporáneo se animase a realizar un ensayo al
respecto, las preguntas se sucederían ¿En un mundo forzado por la
virtualidad, conviene a la literatura sumar todavía más fantasía
virtual? ¿En una población en que la verdad ha sido tergiversada,
fragmentada, traicionada, conviene mantener la mentira como
base de la novela? ¿En un planeta que se encuentra inmerso en la
oscuridad, es dable continuar con versos que hablen de la
depresión, de la decadencia, del horror de la existencia? ¿En una
humanidad descaradamente promiscua, es estético continuar
hablando de sexo explícito, implícito, piel, y otros erotismos que lo
único que hacen es abundar con más y más del queso rancio?
¿Qué papel juega entonces la literatura en este mundo de otros
(Alii mundi)? ¿Cuál la comunicación, el diálogo, a través de un
lenguaje que ocupa una lengua en la que no nos fue dado expresar
lo que internamente nos mueve, tal y como afirmó Hugo von
Hofmannsthal en su Carta de Lord Chandos?: “Sentí, con
certidumbre no exenta de dolor, que ni el año próximo, ni el
siguiente, en ninguno de los años de mi vida, volvería a escribir
ningún libro, fuera en latín, fuera en inglés, y ello por una razón
extraña y penosa. Quiero decir que la lengua en la que quizá me
fuese dado no sólo escribir sino también pensar no es el latín ni el
inglés ni el italiano ni el español, sino una lengua de la que me
hablan las cosas mudas y en la cual deberé tal vez un día, desde el
fondo de mi tumba, justificarme ante un juez desconocido.” [5]
Parecería, entonces, que la literatura debería refugiarse en
trincheras totalmente definidas. Y ese el lenguaje de las cosas
mudas: la objetividad subrayada. Desplazar al observador,
abandonar el mundo del que habla desde sí y para sí. Entonces el
observador será exactamente ese desdoblado que mirará el
mundo, con el cuerpo del propio autor incluido, en un escenario
que se mira desde afuera, observar y auto observarse, sin ningún
sentimiento, sin ningún pensamiento, sin ninguna acción. Liberado
de quejas, sentimientos de derrota, y más excesos de virtualidad y
erotismo, la literatura debería levantarse limpia y objetiva.
Y si alguien se esfuerza en la
fantasía, esta debería ser tal
que sea totalmente novedosa
en creación de mundos, tal
que sea alegórica de la
cotidianidad. ¿No habrá un
espíritu valiente?
En este universo de espejo
hecho astillas, una mano
venero surgirá seguramente
desde la montaña del siglo
XXI. Allí no sería arriesgado
afirmar que, dada la eterna
dualidad romanticismo
clasicismo, la vertiente de
movimientos espirituales –
que en gran medida se han
instalado por todas partessacudirá el mundo literario.
No sería aventurado
vislumbrar que durante este siglo, primeramente los movimientos
poéticos y, posteriormente, la literatura toda vayan a delinearse y
circunscribirse alrededor de los movimientos espirituales, reacción
natural a tanta debacle.
Ahora mismo, en este encuentro de la “VIII Bienal Internacional do
Livro do Ceará”, descubrimos la tesis de Claudio Willer [6] que nos
muestra que el gnosticismo habría sido la religión de la literatura.
Y con esta tesis nos trae el dibujo de varios críticos de peso, entre
ellos Harold Bloom y Northrop Frye, que habrían navegado en esas
esferas, aproximando entonces sus ensayos bajo esa luz. Es decir,
las venas más revolucionarias de la literatura y su moderna crítica
estarían signadas con la sangre de experiencias y miradas
metafísicas.
Finalmente, todo hace presumir que en este siglo de destape,
correrá también el avatar de la apertura para el mundo literario,
siendo posible entonces que en él se incluya el hecho de que el
gnosticismo hasta ahora encubierto sea usado de manera directa,
explícita, provocadora y sin disfraces en la literatura de los años
por venir. Quede pues esta afirmación como riesgo y esperanza.
NOTAS
1. Umberto Eco. "Cinco escritos morales". Ed. Lumen.
Traducción Helena Lozano Miralles. p. 29
2. Régis Debray. Croire, Voir, Faire". Ed. Odile Jacob. París 1999,
P. 200.
3. Subcomandante Marcos: “La derecha intelectual y el
fascismo liberal”, Internet.
4. John Berger. "Cada vez que decimos adiós". Ediciones de la
flor. Argentina, 1997. P. 278-279.
5. Hugo von Hofmannsthal, “Carta de Lord Chandos”, citada
por Jesús Urzagasti. Revista Hipótesis No. 3, 1977.
6. Claudio Willer “Um obscuro encanto: Gnose, Gnosticismo, e
poesia moderna”, tesis de doctorado, Sao Pablo, diciembre de
2007.
GARY DAHER CANEDO (Bolivia, 1956). Prêmio Nacional de Crítica Literária da
Associação de Jornalistas de La Paz, é expressiva sua atividade jornalística no que diz
respeito à difusão da literatura latino-americana, com destaque à literatura brasileira.
Nos anos 90 assinava uma coluna no jornal Hoy, da capital boliviana, intitulada “Poesia
brasileira atual”. Poeta, narrador e tradutor. Fundou e dirigiu o suplemento literário El
Pabellón del Vacío, que circulava semanalmente no jornal Opinión, de Cochabamba.
Contato: [email protected].
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Texto apresentado no debate "Literatura contemporânea: globalização e
identidade cultural"
Sala Herman Lima - 19 de novembro de 2008
Mesa composta por
Eduardo Langagne (México) | Rodrigo Petronio (Brasil) | Gary Daher Canedo
(Bolívia) | Mediação: Norberto Codina (Cuba)
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
Indigenismo, negritud y mestizaje en
la literatura dominicana
Manuel Mora Serrano
.
ANTECEDENTES ÉTNICOS
Las razas aborígenes en lo que es la isla Española (hoy compartida
por dos países independientes: República Dominicana y Haití), el
primero ostensiblemente mestizo y el segundo orgullosamente
proclamado como la pionera República Negra de América, tienen,
como es natural, antecedentes comunes.
La isla de Haití fue cedida a la corona española por el Papa (que se
creía amo del mundo) al ocurrir la invasión europea capitaneada por
Cristóbal Colón (‘desgraciado almirante’ como lo llamara Rubén
Darío por vivir y morir equivocado totalmente de rumbo y lugar),
fue nombrada La Española, estaba poblada por diversas tribus, la
mayoría de ascendencia arauaca, dividida principalmente en taínos y
caribes, mezclados con ciguayos procedentes de las islas del
Atlántico.
A los negros los trajeron del África Occidental desde los inicios del
siglo XVI. Los primeros llegaron en 1502. Y luego Isabel la Católica
dio permiso en 1503 para que los indígenas fuesen esclavizados si
se oponían con las armas en las manos contra la Iglesia. En 1510
Fernando el Católico autorizó el transporte de cincuenta negros de
los mejores y más fuertes disponibles para trabajar en las minas de
la isla. Los indios fueron exterminados por distintos medios:
Abrumados por trabajos en las minas, por extrañas enfermedades
traídas de Europa y por los malos tratos de sus nuevos amos que
determinaron que muchos se suicidaran en masa antes que vivir en
la opresión y aceptar a otros dioses. Los negros los sustituyeron en
los trabajos pesados bajo el sistema de esclavitud, como parte del
comercio más infame que jamás tuvo la humanidad y como solían
alzarse por no soportar las humillaciones y las torturas a los que
eran sometidos en nombre de Dios por los blancos ambiciosos,
fueron llamados cimarrones.
Los negros en principio eran todos masculinos, de modo que las
primeras relaciones sexuales fueron con las nativas indígenas o
mestizas. En la literatura dominicana no se registran estas pasiones
ni hay cuentos o novelas que narren estas situaciones, a pesar del
episodio de Higuemota la hija de Anacaona casada con Guevara que
se narra en la novela ‘Enriquillo’.
Las narraciones novelescass fueron prohibidas durante la era
colonial en las nuevas tierras por Decreto Real, ya que se pensaba
que podían influir en el carácter de los nativos. De ahí que su
ausencia pudiera justificarse, pero no hay explicación posible para
que no surgiera poemas y dramas nacionales que contara y
cantaran las relaciones intra-raciales durante el barroco, sobre todo
porque el esplendor de la literatura española podía llegar a cualquier
rincón de sus dominios si recordamos que era, precisamente, el
llamado Siglo de Oro Tirso de Molina, una de las figuras estelares
del teatro ibero, vivió en Santo Domingo y declaró que había mucha
afición por la poesía.
Y aún en el romanticismo, pocos poetas de la ya República
Dominicana (proclamada así al separarse de Haití), creyeron
relevante escribir romances o décimas y hasta pequeñas obras de
teatro y relatos cortos como los hermanos Alejandro y Xavier Angulo
Guridi que habían vivido en Cuba, hasta que apareció José Joaquín
Pérez (1845-1900), que es el primer poeta criollo que enfocó
directamente, no sólo el tema indigenista, hasta el extremo de que
sus Fantasías Indígenas se considera su mejor obra y le dieron
prestigio de pionero, alentando a los poetas a cantarle a la criolla de
cutis de canela, es decir, a la mulata y dejó un poema a una negra
de la cual exalta su belleza, y se refiere tambié a los negros y a
quien él llama “el nuevo indígena” americano, que es el criollo
producto de esos cruces raciales.
Precisamente, hablando de este mestizajae, los territorios invadidos
por España tienen tal diversidad porque el pueblo ibero era a su vez
una mezcla racial como ningún otro en Europa si pensamos que eran
descendientes de árabes y judíos, de godos y visigodos, romanos,
celtas, etc., de ahí que un cóctel de razas en los postreros años del
siglo XVI y los primeros del XVII se fue produciendo en la isla, hasta
el extremo de que por razones religiosas, la parte oriental fue
abandonada en lo que se han llamado ‘Las Devastaciones’, y
finalmente fue ocupada por colonos holandeses y franceses que
fundaron una próspera colonia que demandaba mano de obra
esclava en abundancia, dando lugar a que se convirtieran en
mayoría abrumadora y tomando conciencia de sus fuerzas frente a
los abusos, se rebelaron y mataron a los blancos proclamando su
independencia en esa forma revolucionaria como la República de
Haití en 1804, antes que cualquier otra posesión europea en
América,.
En su constitución declararon que la isla era única e indivisible de
acuerdo con la colonia francesa proclamada por Toussaint
Louverture, como había sido antes de la llegada de los blancos.
Temerosos de que blancos imperialistas ocuparan la parte oriental,
se sintieron con derecho de invadirla desde 1822 hasta el 27 de
febrero de 1844, fecha en la cual ocurrió la Separación al
proclamarse la independencia de la República Dominicana, siendo la
primera que lo hacía de otro país americano y no de Europa.
Cedida de nuevo a España en 1863, se restauró la libertad en 1865,
con ayuda haitiana. Desde entonces, con todos sus avatares,
desaparecidos los indígenas, quedaron los negros y los blancos
mezclados de tal forma, que hoy por hoy constituimos la primera
república mulata de América.
Este hecho ha provocado reacciones racistas porque la minoría
blanca ha poseído tradicionalmente las riquezas y el poder político;
aunque un negro puro como Ulises Heureaux ostentó el poder con
mano dura y mulatos como Santana, Báez, Luperón, Ramón
Cáceres, Trujillo, Balaguer y ahora Leonel Fernández, han ejercido el
gobierno y han tenido liderazgos en las masas, sólo otro negro puro
también hijo de haitianos como Lilís, José Francisco Peña Gómez,
fue un líder seguido y admirado por las masas, aunque no pudo
gobernar a pesar de que en unas elecciones masivamente se votó
por él.
En un país así,
a pesar de sus
contradicciones,
lo más lógico es
que se pensara
en una
temprana y
masiva poesía
indigenista o
negrista. Pero
no fue así a
pesar del
romanticismo,
la ideología
dominante, tan proclive a ello.
Este movimiento, en su vertiente progresista del positivismo produjo
los primeros poetas nacionales al final del siglo XIX, influenciados
revolucionariametne por los puertorriqueños Eugenio María de
Hostos y Román Baldioroty de Castro. Con ellos el socialismo
positivista asomó su cabeza.
Toda ideología nueva trae consigo transformaciones culturales y
éstas se reflejan en el género dominante, que en Santo Domingo era
la poesía, ocurriendo lo previsible. Los tres poetas más importantes,
llamados Dioses Mayores: José Joaquín Pérez, Salomé Ureña de
Henríquez (madre de los escritores Pedro, Max y Camila Henríquez
Ureña) y Gastón Fernando Deligne, fueron sensibles al tema
indigenista, al canto al progreso y a los humildes. El primero publicó
sus Fantasías Indígenas en 1877, contra los españoles invasores y
en defensa los pobladores originales. Los otros dos escribieron
poemas alusivos. La segunda a Anacaona, uno de los poemas más
extensos de nuestra literatura y el segundo a Mairení.
Sin embargo, sólo el primero se refirió, como dijimos, tanto a una
negra como unos negros y mulatos siempre a su favor.
EL INDIGENISMO DOMINICANO
Sorpresivamente, fueron autores blancos (podría circular en las
venas de ellos algo de sangre negra como en todo dominicano real),
los primeros en referirse al tema indigenista. La novela más
importante del indigenismo antillano, ‘Enriquillo’ de Manuel de Jesús
Galván, y ’Las Fantasías Indígenas’ de José Joaquín Pérez, ambos
oriundos de la capital de la República, constituyen las obras más
difundidas de ese primer “ismo” criollo. Lo de ‘Enriquillo’ desborda
nuestra temática. Hablaremos de las ‘Fantasías Indígenas’.
Se trata del primer libro de poemas publicado por un dominicano en
el país y es curioso que se tratara realmente de un volumen
homogéneo, es decir, con una misma temática. Aun hoy, nuestros
poetas editan, en su mayoría, colecciones de poemas, pero no el
esfuerzo y la concentración total que precisa una temática única. En
ese sentido José Joaquín Pérez editó en 1877 en Santo Domingo el
primer libro de versos de autor nacional, sino el primero que tenía
esa característica de acuerdo con el título: Fantasías Indígenas:
Episodios i Leyendas de la Época de la Conquista i la Colonización de
Quisqueya.
Se le ha comparado al Tabaré de José Zorrilla de San Martín, pero la
obra del uruguayo data del 1886 y no creemos que conociera la del
dominicano aparecido nueve años antes.
Es un texto variado, con diversos cantos dedicados a personajes
históricos o literarios como la Vaganiona de Washington Irving,
compuesto con diversas medidas y rimas, que concluye con una
pequeña novela lírica en prosa: Flor de Palma, en la cual narra los
amores desgraciados de la india Catalina (personaje histórico que
fue capturada en el Segundo Viaje en una isla el Caribe), con el
cacique Guacanagarix, (acusado de traidor ya que fue tan amable
con los extranjeros que a ese sentimiento de amistad del criollo con
los visitantes se ha llamado Complejo de Guacanagarix), con la
intervención de Anacaona y de Caonabo.
En los poemas se destaca el amor a los indígenas, y su derecho a la
libertad y se condenan los actos vandálicos de los españoles. De
todos los países americanos, quizás sea en República Dominicana
donde se le rinda un culto fervoroso a sus pobladores indígenas.
Sobre todo en la santería criolla donde seres como Anacaona,
Caonabo, Enriquillo, etc., suelen poseer a los practicantes del vudú
dominicano, como en el nivel popular donde veneran a los indígenas
como gentes superiores, generosos, inteligentes, capaces de curar
enfermedades, etc.. que de algún modo mágico han permanecido
vivos, escondidos en el fondo de los ríos profundos.
Esto ha creado mitologías como el culto a la India de los Charcos,
una hermosa mujer que sale las noches de luna llena a peinar sus
cabellos con un peine de oro para atraer a sus amantes.
Cuando a un dominicano se le dice que tiene rasgos indígenas, se
siente muy orgulloso. Anotamos este hecho en el tema de las etnias,
porque en otros países donde hay indígenas, ocurre todo lo contrario.
Otro personaje mestizo importante, ligado a los indígenas es la
Ciguapa, que se supone mezcla de negro e india, una diminuta
mujer con los pies al revés como el Curipira brasileiro que ha
inspirado leyendas en prosa y novelas.
Sin embargo, en nuestra poesía, aparte de las Fantasías, y de los
poemas de Salomé y Deligne, el indio ha sido apenas una
referencia. Contrario es el caso de los cimarrones, llamado marrones
en Haití, con la mitificación de algunos héroes como Lemba y Diego
de Ocampo.
NEGRITUD EN EL ROMANTICISMO
Con los negros ha ocurrido diferente a lo que sucede con los indios.
Para mucha gente, sobre todo en los niveles económicos más altos,
el dominicano siente complejos de la negritud. Se avergüenza de su
color oscuro, de sus labios gruesos, de su pelo crespo. Ha inventado
colores y matices inexistentes: el mulato es “indio”, el negro es
“moreno”. Si hablamos de alguien que es de un color pardo,
decimos que es “color canela” o “indio claro”, “indio lavado”. He
escuchado a personas decir que nunca han tenido relaciones
sexuales con una negra. Les he dicho sencillamente: “De lo que te
has perdido”.
Por eso quizás, el color de la piel no ha sido para nuestros poetas lo
más relevante, salvo algunas excepciones. La primera es la del
dominicano avecinado en Cuba, Francisco Muñoz del Monte
(Santiago de los Caballeros, Santo Domingo-1800, Madrid-1868)
con su archifamoso poema ‘La Mulata’ (Habana, 1845), donde esta
mezcla racial aparece revestida de cierta crueldad.
Contrario a lo que sucede en Santo Domingo donde los mulatos han
alternado desde el Poder y fuera de él en todos los niveles sociales y
salvo algún hecho aislado, nunca hubo lugares (excepto ciertos
clubes cerrados), donde los negros no pudieran entrar. En Cuba
hubo un racismo feroz comparable sólo al norteamericano, sobre
todo porque los mulatos eran puros, hijos de negras y blancos
(aunque es justo señalar que también hubo titanes de bronce y
sirenas de ébano).
Veamos algunas estrofas de este ya histórico poema:
LA MULATA
Mulata! ¿será tu nombre
injuria, oprobio o refrán?
¡No sé! Sólo sé que al hombre
tu nombre es un talismán.
Tu nombre es tu vanagloria
en vez de ser tu baldón;
que ser mulata es tu gloria,
ser mulata es tu blasón.
Ser mulata es ser candela,
ser mulata es imitar
en el mirar la gacela,
la leona en el amar.
Elástica culebra, hambrienta boa,
la mulata a su víctima sujeta,
lo oprime, estrecha, estruja, enreda, aprieta,
y chupa y lame, y muerde en su furor.
Y destrenzado el pelo de azabache,
febril el pecho y la mirada hosca,
retuerce el espinazo, el cuerpo enrosca
y los brazos le clava en derredor.
Y sus piernas como alas de serpiente
en líneas curvas, perpendiculares,
parabólicas, rectas, circulares,
suben y bajan en continua acción.
Y crujen sus elásticas caderas,
y tocados de inmenso magnetismo,
cada ojo revela un hondo abismo
de apetito, de rabia y de pasión.
Y su delgada y mórbida cintura
agitada de internas convulsiones,
en mil secretas circunvalaciones
se tuerce cual reptil que nos va a herir.
Y
y
y
y
crece, y crece la embriaguez en tanto,
crece el suspirar, y la lid crece,
la víctima muerde y se estremece,
agoniza, y sin duda va a expirar.
¡Piedad, por Dios, piedad!
No es piedra el hombre,
el placer tiene un límite marcado,
oprobio y confusión al desgraciado
que salva las barreras del placer.
No lo provoques más, Circe insaciable,
la muerte vela en tu flexible lecho,
y en el horno candente de tu pecho
se enrosca la serpiente del dolor.
¡No más, por dios, no más! No es piedra el hombre.
No hay más que un ser de bronce: la mulata.
Plegaria inútil. Ella goza y mata,
abre y cierra la tumba a su querer.
Cuando al son de la lúgubre campana
a la fosa su víctima desciende,
la cruel mulata su cigarro enciende,
y a inmolar va otro hombre a su placer.
Por el tratamiento final, no hay bondad ni gracia alguna en la
mulata que no sea lo insaciable del sexo.
NEGRAS EN LA POESÍA DOMINICANA DEL ROMANTICISMO Y
DEL MODERNISMO
Aunque tradicionalmente ni el
español ni el blanco criollo
tuvieron reparos raciales en
tener contactos sexuales con
negras, aparentemente sí la
hubo entre las mujeres arias y
los negros puros. Las mezclas
han sido de tal magnitud que
si uno se detiene en una calle
populosa de cualquier ciudad,
diría como un africano que nos
visitó: “Nunca vi a África más
hermosa que en las calles de
Santo Domingo”, que no deja
de ser un elogio maravilloso
que mortificaría a más de un
estúpido racista nacional.
Pues bien, hubo reacciones,
como dijimos, cuando uno de
nuestros más grandes poetas
románticos, el principal para
quien les habla, el citado José
Joaquín Pérez, además de uno
de los más hermosos poemas escritos a una negra durante el siglo
XIX, ‘A Etnaí’ (1883), que hemos supuesto anagrama de ‘etnia’,
rompe con siglos de ignorancia racial de nuestras raíces étnicas. He
aquí el poema completo:
A ETNAÍ
¿Qué si es bella Etnaí? No lo es acaso
el violado clavel, al que no igualan
el nítido jazmín, el blanco lirio,
y ni aún el mismo nardo le aventaja?
Y ¿quién es Etnaí? Joven oriunda
de las salvajes tribus africanas
nacida en el Maniel. Graciosa perla
que en belleza compite con la garza.
De abierto tulipán el tinte negro
su rostro de azabache esmalta,
y asoma tras la risa de sus labios
de ricas perlas, primorosa sarta.
Verdad que sus cabellos no se extienden
en luengos rizos por ebúrnea espalda;
la cabeza orgullosa, ostenta altiva
bucles rizados por candente lava.
En la curva turgente de su seno
los dos globos artísticos resaltan
cual en las negras sombras de la noche
las radiaciones de la Vía Láctea.
No es la bella Etnaí tímida corza,
humilde oveja, ni paloma mansa,
¡sino altiva leona de Numidia
y de Guinea indómita jirafa!
Se suele deleitar la joven india
oyendo el dulce susurrar del aura,
y la linda trigueña se enamora
del erguido penacho de la palma;
mientras que sólo a mi Etnaí conmueven
el ciclón que los árboles desgaja,
el turbulento mar que brama airado
y el trueno que retumba en la montaña.
Y…¿me ama Etnaí? Cuando sus ojos
se fijan en los míos, cuando estalla
en súbita explosión su amor sublime…
¡a incógnita región vuela mi alma!
No contienen sus besos el almíbar
que en blanda cera las abejas labran,
sino el flúido eléctrico que enciende
del cráter de un volcán hirviente lava.
¿Comprendéis a Etnaí? No es la criolla
sierva del hombre y del amante esclava,
¡es la reina de Saba que domina
al más sabio de todos los mortales!
[1883]
Uno de los poetas modernistas dominicanos, J. Furcy Pichardo,
miembro de una distinguida familia, cuando más tarde (1915),
veintidós años después de Etnaí, vuelve a cantarle a otra:
LA NEGRA
Su hablar es todo allegros
su belleza negra y rara...
¡Hay diamantes muy negros
en el carbón de su cara!
Su carne es dura.
Y es fino
con cierto corte lupino
su perfil original...
Sabe amar
amor obscuro,
mezcla de llanto y puro
con algo intenso y bestial.
Aquí, como vemos, se conforma describiendo físicamente a la negra
y no ahonda como Pérez en el alma y los sentimientos, sino que la
retrata sólo como un animal sensual que como ser humano apenas
sirve para saciar la sexualidad.
Los demás modernistas dominicanos no vieron en la mujer negra un
motivo del cantar. Aún los vanguardistas criollos, tan apegados a lo
nacional, la ignoraron. De estos solo Moreno Jimenes en su estampa
del Haitiano, a su modo pobre, a su modo rico y una mujer negra y
mártir, denotan que en el país hay tal mestizaje y tantos negros.
EL CRIOLLISMO Y LA CRIOLLA DE CUTIS DE CANELA
Los poetas dominicanos, aún los más rebeldes, los criollistas,
siguieron otra normativa señalada precisamente por José Joaquín
Pérez en su poema De América de 1896, que fue una reacción,
violenta si se quiere, contra el modernismo exotista de Rubén Darío,
al dedicarlo “A un modernista exótico”, que entre otras cosas
anuncia todo un programa nacionalista, aunque limitado al mestizaje
y no a la negritud como tal. Por la trascendencia que este poema
tuvo en la poesía dominicana y en el movimiento vanguardista
nuestro, lo copiamos in extenso:
DE AMÉRICA
A un modernista exótico
Pues háblame del mundo que conozco,
de mis flores silvestres, de mis selvas,
y deja para el viejo mundo, lotos,
clemátidas, orquídeas, crisantemos.
Ponme en contacto con la pompa virgen
de esta monumental naturaleza,
de formas y colores y matices
que el arte no profana ni supera.
Píntame a golpes de la luz del trópico
a la criolla del cutis de canela
que el beso perennal y voluptuoso
del sol en el cenit colora y quema.
Descríbeme torrentes y montañas,
cuanto con vida vigorosa alienta
en la fértil región americana:
¡en nuestra hermosa, exuberante zona!
No estudies en los libros, sino en ese
gran libro que el Creador aquí escribiera,
que los granos magníficos contiene
del más sublime, original poema.
El siglo XX como era de esperarse, tendría a modernistas y
criollistas engarzados en una lucha de fondo, no de forma (la
mayoría de los últimos continuaron escribiendo sonetos y poemas
rimados y medidos, aunque siguiendo el dogma de Rubén Darío en
La canción de los pinos: “¿Quién que es no es romántico?/ y el que
no lo sea, que se ahorque de un pino y será lo mejor”), por nuevas
temáticas y expresiones, produciendo, naturalmente, al gran poeta
satírico popular, a Juan Antonio Alix, un maestro repentista de la
décima, que se burló descaradamente de los racistas blancos criollos
en muchas de sus producciones, especialmente en una donde le
habla a alguien que presumía de blanco, le decía que tenía el negro
detrás de la oreja. Expresión que constantemente se recuerda a
mucha gente que niega su parentela racial.
En el criollismo que canta a la “criolla de cutis de canela”, es decir, a
la mulata que no se nombra así, sino como trigueña, del pardo color
del trigo o el ridículo mote de india clara, está Arturo Pellerano
Castro, llamado el Byron dominicano, que en sus Criollas, para que
no hubiera duda de que seguía el postulado de José Joaquín, le
canta así a la trigueña:
A TI
A. Pellerano Castro, Byron
Yo quisiera mi vida ser burro,
ser burro de carga,
y llevarte, en mi lomo, a la fuente,
en busca del agua,
con que riega tu madre el conuco,
con que tú mi trigueña te bañas
Yo quisiera mi vida, ser burro,
ser burro de carga,
y llevar, al mercado, tus frutos,
y traer, para ti, dentro el árgana,
el vestido que ciña tu cuerpo,
el pañuelo que cubra tu espalda,
el rosario de cuentas de vidrio
con Cristo de plata,
que cual rojo collar de cerezas
rodee tu garganta...
yo quisiera, mi vida, ser burro,
ser burro de carga...
Las princesas azules de los modernistas eran de sangre azul
burguesa, ya que en América no había casas reinantes en el siglo 20
ni nobleza alguna. Los aristócratas de la banca y el comercio o de
las haciendas agrarias o ganaderas, al fin ocupaban el lugar que la
Revolución Francesa les dejaba frente al vacío de la aristocracia de
sangre. Y como las uniones seguían dándose en las altas esferas
entre arios, tercerones y cuarterones, porque ya no había
oficialmente ‘limpieza de sangre’, pero si de color y de pelo; nada de
grifos en sociedad ni advenedizos mulatos, a menos que alcanzaran
títulos universitarios o extraordinarias riquezas, pasaportes legítimos
a los ascensos sociales para pertenecer a los “clubes de primera” y
naturalmente, estas mujeres de ojos azules o esmeraldas, de largas
y lacias cabelleras, hijas de extranjeros o de criollos blancos, eran
las musas ideales, porque los poetas anhelaban subir también como
las enredaderas a los balcones de las Julietas, por la escalera de sus
endecasílabos, de ahí la profusión de poemas a las cabelleras, a los
ojos garzos, a los labios finos, de los poetas modernistas criollos.
LOS NEGROS CRIOLLOS DE JOSÉ JOAQUÍN PÉREZ
También señalamos que José Joaquín Pérez no se conformó con el
indigenismo y el canto a la negra. También exaltó a los mulatos y
negros criollos. Daremos ejemplos de ambos. El primero fue titulado
“Cocolito”
COCOLITO
La tierra que contiene los despojos
de aquella raza indómita y bravía
dio su crudo color a este señor nuevo
que tres años no cuenta todavía.
En los ojos relámpagos de águila
surgiendo en ellos, cual de selva oscura,
y el cabello con rizos que se enlazan
para formar caótica espesura.
La frente alza con el aire adusto
hacia el cielo, y sus músculos fornidos
parecen hechos en un torno hercúleo
para ahogar, estrechando, a los vencidos.
No corre, vuela, y sin fatiga alcanza
al más ligero can en la carrera;
es un niño titán que hacer prodigios
de tiempos mitológicos espera.
¡Y ese tiempo vendrá cuando en América
no se quiera que un palmo sólo oprima
la planta audaz de aventureros déspotas
que bien se están en su nativo clima!
Es una bravía reacción nacionalista contra los opresores exóticos. Y
respecto al nuevo hombre americano, no importa la mezcla racial
que tenga, existe este otro poema:
NUEVO INDÍGENA
Brilla en su frente, de sus ojos brota,
caldea sus labios y en sus venas arde,
con ímpetu de rabia vengadora,
el fuego de la raza de sus padres.
Hay veces que sus manos se levantan
en la actitud de quien luchar intenta;
y algo, cual sombra de un dolor que exalta,
sus nobles rasgos de titán revelan.
Con los rayos de un foco que deslumbra
presta el sol tropical a sus contornos
reflejos de la fértil tierra oscura
que hollando va con varonil aplomo.
Ese es el vencedor, el dueño, el árbitro
de esta inmensa región americana,
donde un trono hasta el cielo levantada
le brindan en las cumbres sus montañas.
Ese es Guatimozín, es Moctezuma,
es Hatuey, es Caonabo, es Enriquillo,
es el que lleva toda un alma ruda
evocada del fondo de un abismo.
Y al encarnarla se transforma y crece,
porque a la injusta iniquidad antigua
se une la nueva iniquidad, que extiende
su insaciable, su impúdica codicia.
¡Ese es el de la gloria de Ayacucho:
el que en México un trono vil sepulta;
el que nos dio de Capotillo el triunfo;
el que su nombre inmortaliza en Cuba!
Y Europa, la vetusta madre estéril,
que el vigor de otra savia necesita,
sin más fe en sus conquistas, ¡caerá débil,
ante ese nuevo gladiador vencida!
LAS VANGUARDIAS Y LAS ETNIAS
Todo eso se mantuvo
hasta que aparecieron los
auténticos vanguardistas,
los que rompieron con el
lenguaje cortesano y
convivieron con el pueblo
llano y le cantaron a los
negros trabajadores, a las
negras y mulatas criollas.
Sin embargo, ningún
poeta por rebelde que
fuera, se había dedicado a
escribirle un libro a los
negros.
LOS NEGROS EN LA
POESÍA DE MANUEL
DEL CABRAL
El primero fue Manuel del Cabral en sus 20 poemas negros, donde
hay todavía burlas. Del Cabral es ario, como eran arios muchos de
los poetas que escribieron poemas negroides y negristas.
En Trópico Picadrero de 1942, Manuel del Cabral, que ya ha vivido
en el cono Sur, donde ha sido diplomático, sobre todo en Buenos
Aires, presenta la muestra de protesta social más importante
referente al negro nuestro:
TRÓPICO PICADRERO
Hombres negros pican sobre piedras blancas,
tienen en sus picos enredado el sol.
Y como si a ratos se exprimieran algo...
lloran sus espaldas gotas de charol.
Hombres de voz blanca, su piel negra lavan,
la lavan con perlas de terco sudor.
Rompen la alcancía salvaje del monte,
y cavan la tierra, pero al hombre no.
De las piedras salta, cuando pica el pico,
picadillo fatuo de menudo sol,
que se apaga y vuelve cuando vuelve el pico
como si en las piedras reventara Dios.
Dentro de una gota de sudor se mete
la mañana enorme —pero grande no—
Saltan de los cráneos de las piedras chispas
que los pensamientos de las piedras son.
Y los hombres negros cantan cuando pican
como si ablandaran las piedras su voz.
Mas los hombres cavan, y no acaban nunca...
cavan la cantera: la de su dolor.
Contra la inocencia de las piedras blancas
los haitianos pican, bajo un sol de ron.
Los negros que erizan de chispas las piedras
son noches que rompen pedazos de sol.
Hoy buscando el oro de la tierra encuentran
el oro más alto, porque su filón
es aquel del día que pone en los picos
astillas de estrellas, como si estuvieran
sobre la montaña picoteando a Dios.
LA VOZ DE LOS INMIGRANTES
Aunque todos los negros de América eran inmigrantes de África, el
término no se les aplicaba. Ya porque llegaran forzados por la
esclavitud, ya porque eligieran esta tierra como los que vinieron
desde Estados Unidos de Norteamérica a instalarse en Samaná en
1825. Sin embargo, hubo otra inmigración cuando ya la esclavitud
real no existía. Fueron los cortadores de caña. Los haitianos,
nuestros vecinos no se han considerado nunca como “inmigrantes”
aunque sí como extranjeros. Estos epítetos se han reservado para
los negros ingleses, pertenecientes a esas islas colonizadas por
Inglaterra principalmente, que llegaban para trabajar en los
ingenios, no sólo para cortar cañas, porque muchos eran obreros
calificados, especialmente mecánicos y conductores de trenes. Un
viejo epíteto de los años de dominación haitiana se reservó a estos
trabajadores: Cocolos. Una forma despectiva de llamar a una
especie de negros (no como se dice que es porque venían de
Tortola. El término aparece en una crónica de 1845 cuando no había
inmigraciones negras en esta parte de la isla).
Aunque tenemos excelentes escritores surgidos de esa inmigración
en particular, ya mezclados con criollas, ya con “ingleses” puros,
sólo uno de ellos ha dedicado un canto que se ha convertido en un
himno. Se trata de Los Inmigrantes de Norberto James Rawlings,
cuyos apellidos denotan las raíces albiónicas.
Si una imagen tiene valor de mil palabras, este poema es revelador
total de lo que decimos y con ellos concluimos nuestro estudio de
ese aspecto de la negritud.
LOS INMIGRANTES
Aún no se ha escrito
la historia de su congoja.
Su viejo dolor unido al nuestro.
No tuvieron tiempo
-de niñospara asir entre sus dedos
los múltiples colores de las mariposas
atar en la mirada los paisajes del archipiélago
conocer el canto húmedo de los ríos.
No tuvieron tiempo de decir:
–Esta tierra es nuestra.
Juntaremos colores.
Haremos bandera.
La defenderemos.
Hubo un tiempo
–no lo conocí–
en que la caña
los millones
y la provincia de nombre indígena
de salobre y húmedo apellido
tenían música propia
y desde los más remotos lugares
llegaban los danzantes.
Por la caña.
Por la mar.
Por el raíl ondulante y frío
muchos quedaron atrapados.
Tras la alegre fuga de otros
quedó el simple sonido del apellido adulterado
difícil de pronunciar
la vetusta ciudad
el polvoriento barrio
cayéndose sin ruido
la pereza lastimosa del caballo de coche
el apaleado joven
requiriendo
la tibieza de su patria verdadera.
Los que quedan. Estos.
Los de borrosa sonrisa
lengua perezosa
para hilvanar los sonidos de nuestro idioma
son
la segura raíz de mi estirpe
vieja roca
donde crece y arde furioso
el odio antiguo a la corona
a la mar
a esta horrible oscuridad
plagada de monstruos.
Óyeme viejo Willy cochero
fiel enamorado de la masonería.
Óyeme tú George Jones
ciclista infatigable.
John Thomas predicador.
Whinston Broodie maestro.
Prudy Ferdinand trompetista.
Cyril Chalanger ferrocarrilero.
Aubrey James químico.
Violeta Stephen soprano.
Chico Conton pelotero.
Vengo con todos los viejos tambores
arcos flechas
espadas y hachas de madera
pintadas a todo color
ataviado
de la multicolor vestimenta de "Primo"
el Guloya-Enfermero.
Vengo a escribir vuestros nombres
junto al de los sencillos
ofrendaros
esta Patria mía y vuestra
porque os la ganáis
junto a nosotros
en la brega diaria
por el pan y la paz
por la luz y el amor.
Porque cada día que pasa
cada día que cae
sobre vuestra fatigada sal de obreros
construimos
la luz que nos deseáis
aseguramos
la posibilidad del canto
para todos.
LA MULATA POR EXCELENCIA DE HERNÁNDEZ FRANCO
En cuanto a los mulatos, el gran poema nuestro es Yelidá de Tomás
Hernández Franco. Tanto Tomás como Francisco Domínguez Charro
dedicaron poemas al Capitán Pancho, Gran Capitán de Goletas,
personaje popular del muelle de San Pedro de Macorís y Manuel del
Cabral a los mulatos criollos, sin embargo, el equivalente a un
himno racial de la isla, ya que la acción se desarrolla totalmente en
territorio haitiano, es el poema de Tomás.
Como es muy extenso, veamos sólo algunos versos y con ello
concluiremos nuestra charla sobre las etnias en la poesía
dominicana, no sin mencionar otros nombres cuyas obras son
significativas: Chery Jimenes Rivera nacido accidentalmente en
Haití, ario criollo, es autor de La Haitianita Divariosa; Juan Sànchez
Lamouth, mulato que a sí mismo se llamaba negro latino; Juan José
Ayuso, autor de un libro de la negritud. Bienaventurados los
cimarrones y Ramón Francisco con La Patria Montonera, entre los
más relevantes.
He aquí a YELIDA:
Un antes
Erick el muchacho noruego que tenía
alma de fiord y corazón de niebla
apenas sospechaba en su larga vagancia de
horizontes
la boreal estirpe de la sangre que le cantaba caminos en las sienes
En el más largo mes del año había nacido
en la pesquera choza de brea y redes salpicada casi por las olas
parido estaba entre el milagro del mar y el sol de medianoche
de padre ausente naufragado
nadador ya de algas profundas y arenas sorprendidas
de escamas y de agallas y de aletas
Era el quinto hijo para el mar nacido
Erick creció en su idioma de anzuelo y de corriente
fuerza de remo y sencillez de espuma
como todos los muchachos de la playa
mitad Tritón y mitad Ángel
Pero Erick no sabía nada de eso
–pulso de viento y terquedad de proa–
aprendió los nombres de los peces de las puntas y cabos
la oración del canal y la bahía
a los quince años conocía mil golfos
y sin contar el ya remoto y salobre seno de la madre
ni un solo pensamiento de noruega
le había caminado entre las cejas rubias
Otro antes
Esta no es la historia de Erick al fin y al cabo
que a los treinta años ya no era marinero
y vendía arenques noruegos en su tienda de Fort Liberté
mientras la esposa de Erick madam Suquí
rezaba a Legbá y a Ogún por su hombre blanco
rezaba en la catedral por su hombre rubio
Madam Suquí había sido antes mamuasel Suquiete
virgen suelta por el muelle del pueblo
hecha de medianoche a toda hora
con hielo y filo de menguante turbio
grumete hembra del burdel anclado
calcinada cerámica con alma de fuente
himen preservado por el amuleto de mamaluá Clarise
eficaz por años a la sombra del ombligo profundo
Erick amó a Suquiete entre accesos de fiebre
escalofríos y palideces y tomaba quinina en grandes tragos de
tafiá
para sacarse de la carne a la muchacha negra
para ahuyentarla de su cabeza rubia
para que de los brazos y el cuerpo se le fuera
aquel pulido y agrio olor de bronce vivo y de jungla borracha
para poder pensar en su playa noruega con las barcas volteadas
como ballenas muertas
Pero Suquiete lo amaba demasiado porque era blanco y rubio
y cambió el amuleto de mamaluá Clarise
por el corazón de una gallina negra
que Erick bebió en viernes bajo la luna llena con su tafiá y su
quinina
y muy pronto los casó el obispo francés
mientras en la montaña el papaluá Luipié
cantaba el canto de la Guinea y bebía la sangre de un chivato
blanco
En la noche sudada de fiebres y marismas
Erick sin sueño marinero varado sobre la carne fría y nocturna de
Suquí
fue dejando su estirpe sucia de hematozoarios y nostalgias
en el vientre de humus fértil de su esposa de tierra
y Erick murió un buen día entre Jesucristo y Damballá-Oueddó
apagado el pulso de viento del velero perdido en el sargazo
su alma sin brújula voló para Noruega
donde todavía le quedaba el recuerdo
de un pié de mujer blanca que hacía frágiles huellas en la arena
mojada
Un después
Y así vino al mundo Yelidá en un vagido de gato tierno
mientras se soltaba la leche blanca de los senos negros de Suquí
alegre de todos sus dientes y de su forma rota
por el regalo del marido rubio
y Yelidá estaba inerme entre los trapos
con su torpeza jugosa de raíz y de sueño
pero empezó a crecer con lentitud de espiga
negra un día sí y un día no
blanca los otros
nombre de vodú y apellido de kaes
lengua de zetas
corazón de ice-berg
vientre de llama
hoja de alga flotando en el instinto
nórdico viento preso en el subsuelo de la noche
con fogatas y lejana llamada sorda para el rito
Los otros sólo tuvieron la sospecha de un peligro cercano
mientras Suquí descendía su alma por los caminos de noche de
su entraña
y engordaba en su alegría de matriz de misterio
ternura de polen en su hija de llama
para cuyo destino no tuvieron respuesta el gallo y la lechuza
ni sabían nada el más sabio ni el más viejo
Los peces lo sabían y la noche y la selva y la luna y el tiempo de
calor
y el tiempo de frío
y el alma de garra del pantano
y el dios que enmaraña las raíces y las empuja fuera de la tierra
y el macho y hembra que en los cementerios
enciende fuegos verdes sobre el vientre helado de los muertos
y el que está en la garganta de los perros lejanos
y el del miedo con sus mil pies y su cabeza cortada
Y ésta quiere ser la historia de Yelidá al fin y al cabo
Tacto de clave
flanco sonoro al simple peso de la mirada
paladar de fiera
cuerpo de eterna juventud de serpiente nuevo para cada luna
nueva
completa para siempre como el mito
hermafrodita en el principio del mundo
cuando descuartizaron a los dioses
enigma subterráneo de la resina y del ámbar
pacto roto de la costilla de oro
traición hembra del tiempo libertada
Otro después
Con alma de araña para el macho cómplice del espasmo
Yelidá por el propio camino de su vientre
asesina del viento perdido entre los dientes de la gruta
ahí se estaba vegetal y ardiente
en húmeda humedad de hongo y de liquen
caliente como todo lo caliente
cosa de hoja podrida fermentada en penumbra tiempo y luna
hecha de filtro y de palabra rara
en el agua del charco con su verde y su larva
y su ala a medio nacer y su andar de meteoro
Yelidá deshojada a sí y a no
por éxtasis de blanco y frenesí de negro
profunda hacia la tierra y alta hacia el cielo
en secreto de surcos y en misterio de llamas
Final
Será difícil escribir la historia de Yelidá un día cualquiera
Y, de este modo creemos haber demostrado que nuestros poetas,
tardíamente, es verdad, se han preocupado por cantarle a los
negros, a las mulatas y a los indígenas y lo hicieron los mejores.
MANUEL MORA SERRANO (República Dominicana, 1933). Trabalha junto à Secretaria
Nacional de Cultura como conferencista e debatedor em diversos lugares do país e no
exterior. Atualmente mantém contrato com este órgão para conclusão de várias obras de
pesquisa, dentre elas uma História da Literatura Dominicana e Americana. Jornalista,
narrador, poeta e ensaísta. Esteve no Ceará em 2008 participando de um encontro iberoamericano de produtores culturais que serviu de base para a criação conceitual da Bienal.
Contato: [email protected].
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Texto apresentado na mesa "Indigenismo, negritude e mestiçagem na literatura
dominicana"
Sala Dolor Barreira - 20 de novembro de 2008
Mediação: José Geraldo Neres (Brasil)
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
Influencias indígenas en el
castellano regional de Loreto
Alberto Chirif
.
Intr
El castellano hablado en gran parte de la Amazonía peruana es
probablemente uno de los castellanos regionales más ricos y
diversificados del país, y encierra un particular atractivo para los
foráneos que lo escuchan con la distancia y objetividad que les
permite establecer comparaciones con los de otras regiones y
destacar su valor expresivo. Ese castellano es producto de
antiguos y complejos procesos de intercambio entre sociedades
de diversas regiones, algunas de las cuales forman parte del
Perú actual y otras de países vecinos. En otras palabras, sin este
flujo continuo de influencias recíprocas, la lengua y otras
creaciones culturales no serían lo que hoy son.
No obstante estos procesos de gran dinamismo, en el Perú la
historia oficial enseña que existen tres regiones geográficas
(costa, sierra y selva) y que, dentro de ellas, residen (o
residieron en el caso de algunas que ya fueron barridas de la faz
de la tierra) sociedades indígenas cerradas en sí mismas. Se
trata de una geografía y de una historia separada en espacios
estancos. Esta visión, elaborada sobre todo desde una mirada
urbana y dominante, encuentra, desde el punto de vista de sus
gestores, su confirmación empírica cuando constatan que, en
efecto, existen dificultades de comunicación entre localidades
que carecen de infraestructura vial y de transporte.
No obstante, estas dificultades no son absolutas como se
pretende y tienen que ver más bien con un estilo de desarrollo
que ha impuesto necesidades de comunicación de una
determinada manera, pero que no corresponden a la realidad de
otros momentos históricos.
Así, hoy día sabemos de redes de intercambio que conectaban
pueblos indígenas situados en lugares muy alejados entre sí. La
presencia de motivos y materiales amazónicos en sociedades
preincaicas e incaicas de los Andes y de la costa son indicadores
de estos contactos. El mismo tipo de influencias se observa en la
otra dirección, a través de determinadas técnicas, como el
tejido, muy desarrolladas en sociedades amazónicas próximas a
los Andes; o la presencia de instrumentos musicales, o de
utensilios de piedra en la llanura amazónica que no ofrece este
material; o de divinidades compartidas entre sociedades de estas
dos grandes regiones, como el sol.
Al respecto, un equipo del Centro Nacional de Investigaciones
Científica (CNRS, por sus siglas en francés), de Francia, ha
realizado y publicado importantes investigaciones. Hallazgos de
granos de achiote (Bixa orellana) procedente de los bosques
amazónicos en sitios arqueológicos de los Andes, dan testimonio
de estos contactos interregionales, que se remontan a una
antigüedad de 7000-6000 a.C. En un periodo situado entre de
5000-4000 a.C., en la cuenca de Ayacucho, “…están presentes el
ají, el achiote, la lúcuma y la coca de origen selvático al mismo
tiempo que las calabazas de origen costero”. La lúcuma y el
maní, que es también de origen amazónico, aparecen en la costa
en el periodo situado entre 3900-2000 a.C. y la yuca, en el
cuarto milenio (Renard-Casevitz et al 1988 I: 19).
El mismo equipo de
estudios realizó
investigaciones sobre las
relaciones de los
pobladores de diferentes
regiones en el sur del
Ecuador. Según Taylor:
“Resulta pues claro que no
se puede tratar la
prehistoria de la región
ecuatorial sin tener en
cuenta los desarrollos
culturales del piedemonte y
de la hylea amazónicos;
desde el Formativo [3500 a
500 a.C.], son múltiples las
relaciones que unen las
poblaciones costeñas,
selváticas y montañosas, y
la historia de las
civilizaciones que han
florecido en las grandes
zonas ecológicas remite a la evidencia [de] a procesos [sic] de
integración complejos y multiformes entre tradiciones selváticas,
andinas y costeñas”. (cf. Renard-Casevitz et al 1988 II: 34)
Un conocimiento que recién comienza a abrirse a la luz es el del
origen de muchos pueblos hoy conocidos como amazónicos, pero
que en algún momento de su historia estuvieron en otras
regiones. Una investigación llevada a cabo por el colega Richard
Smith, con el concurso de sabios indígenas, sitúa el origen de los
antepasados del pueblo Yanesha en las islas frente a la costa de
Lima. Desde allí, durante el estudio, ellos hicieron el recorrido
que siguieron sus ancestros para asentarse en Oxapampa y Villa
Rica, al otro lado de los Andes, en la vertiente amazónica, que
constituyó su territorio tradicional hasta que fueron forzados por
la colonización a desplazarse más hacia el noreste, a ríos
tributarios del Ucayali. Una prueba no exenta de valor poético de
que el viaje de los ancestros constituye una riqueza auténtica de
ese pueblo, es el conocimiento que los mencionados sabios
demostraron al nombrar en su propia lengua los diferentes
elementos del paisajes (nevados, cochas, cerros, ríos) y referir
los hechos primordiales asociados a ellos.
Como se puede ver, la globalización no es una creación reciente
ni occidental, sino algo que se practica desde hace muchos
siglos. La gran diferencia es que ahora el mayor volumen de la
circulación está compuesto por diversas formas de chatarra
(mentiras de políticos, productos de mass media, comida, gustos
y mal gusto), mientras que antes el intercambio correspondía
sobre todo a instrumentos, ideas y conocimientos.
El aislamiento de los pueblos indígenas es, por el contrario, una
consecuencia del sistema colonial implantado por la Conquista y
continuado por la República, como también lo es la reducción a
la categoría de minoría étnica de pueblos que, además de
numerosos, fueron antiguamente soberanos. Hoy, en cambio, se
considera que se trata de características inmutables de los
pueblos indígenas, sin tener en consideración que ellas son
producto de la usurpación de sus territorios, de su sometimiento
a condiciones laborales regidas por el autoritarismo y, en
muchos casos, la esclavitud, de las epidemias que diezmaron su
población, de las destrucción de sus propios conocimientos y
tecnologías y, en fin, de un proceso de “civilización armada”
ejecutado de manera brutal.
Transcurridos cinco siglos de dominación y de frustración de los
antiguos procesos de globalización que permitieron el
intercambio entre las antiguas civilizaciones indígenas, hoy día
nuevos procesos, apoyados por vías y medios de comunicación,
principalmente al servicio de agresivas dinámicas económicas
que buscan poner en valor los recursos de la región, han vuelto
a poner en contacto zonas que habían quedado aisladas.
Mediante esta “globalización interna” se han transmitido tanto
elementos culturales (en especial, los referidos a la culinaria y a
las festividades), como los problemas derivados de la
destrucción del medio ambiente y de la contaminación.
El quechua en el castellano regional
La lengua con mayor peso en la formación del castellano de gran
parte de la región amazónica peruana es el quechua. Sobre la
estructura base de castellano y quechua se han adicionado otras
lenguas con diferente grado de influencia, la principal de éstas
son la de origen tupí. Es verdad que para una comprensión más
completa del tema necesitaría ahora exponer sobre las
modificaciones mismas del castellano, pero eso sería apartarme
del tema central de este debate, que trata sobre influencia
indígenas en la cultura actual.
Sobre la influencia del quechua en el castellano quiero decir que
ésta no se limita a la región amazónica peruana, sino que ha
ingresado también al castellano de otras regiones del Perú y al
de otros países, sean o no andinos. Aunque no se trata de una
influencia decisiva, el quechua está incluso presente en el
portugués brasileño. En una rápida revisión del diccionario de
Buarque de Holanda (1980) me encuentro con tres palabras de
origen quechua incorporadas al portugués brasileño: chacra
(campo cultivado), cancha (terreno plano) y charque (carne seca
y salada).
En la
Amazonía peruana la influencia del quechua es particularmente
fuerte en las regiones de Loreto, Ucayali, San Martín y
Amazonas, y en algunas de ellas es anterior a la Colonia, época
en la que los jesuitas hicieron un esfuerzo por tratar de difundir
su uso como lengua franca de Maynas, a fin de facilitar su tarea
evangelizadora.
En la región de Loreto basta mirar el mapa para darse cuenta de
que las zonas donde el quechua ha arraigado están ubicadas a lo
largo de ríos que tienen su origen en Ecuador, es decir, en áreas
ocupadas por población que tiene esa lengua como principal
medio de comunicación. De noreste a suroeste ellos son:
Putumayo, Napo, Tigre y Pastaza. La población indígena de esos
ríos, que originalmente pertenecía a diversas tradiciones
culturales, ha sido homogenizada lingüísticamente por el
quechua, a consecuencia del flujo de población que ha circulado
por esos corredores fluviales. La época del auge de explotación
de gomas, que se inicia en la segunda mitad del siglo XIX,
parece haber culminado este proceso de expansión del quechua.
En el caso de la región de San Martín, la población de habla
quechua se concentra en dos provincias (Lamas y Tabalosos). El
origen de esta lengua en esas zonas es también anterior a la
Colonia y parece estar relacionada con la presencia de los Incas
que conquistaron la vecina Chachapoyas durante la segunda
mitad del siglo XV. La influencia de los Incas en la zona del
Huallaga también es puesta de manifiesto por la extensa red de
caminos antiguos, que más tarde fueron usados por la
expedición de Ursúa y Lope de Aguirre, en el siglo XVI, en
búsqueda de El Dorado. [1] Los estudios lingüísticos indican que
las características del quechua de San Martín son semejantes al
de Chachapoyas.
En este sentido, el quechua en la antigua región de Maynas ha
tenido dos vías de entrada: por un lado, por los ríos que
descienden la Cordillera desde Ecuador hacia el Perú y, por otro,
desde San Martín, a raíz de las migraciones de pobladores de
esta zona hacia el bajo Amazonas durante la época del caucho,
que es también la del poblamiento de Loreto.
La presencia del quechua en el habla amazónica se presenta de
varias maneras. Una es a través de la incorporación directa de
palabras quechuas: ayahuasca (planta alucinógena -yagé en
Brasil-), chiri (frío), yacu (agua) capi (maní), ucchu (ají),
pucacuro (hormiga colorada), Chullachaqui (“pies desiguales”,
personaje mitológico de los bosques –corresponde al curupira en
Brasil-), cususapa (de cusu, tos, y el aumentativo sapa: persona
afectada por fuerte tos), cachi (sal), allpacuru (de allpa, tierra, y
curu, gusano: tipo de gusano de tierra); angocaspi (de ango,
duro, y caspi, palo: árbol de madera dura), y muchas más.
No obstante, también se encuentra en palabras combinadas con
castellano: buchisapa (de buche y el aumentativo sapa:
“panzón”); avispa uma (de uma, cabeza; designa a una persona
con el cabello crespo o ensortijado); ushpa gallo (ushpa, gris,
cenizo; gallo cenizo –usada para designar a alguien canoso y de
cierta edad-); capasapa, literalmente “capa grande”, que alude a
una persona importante; platasapa (de plata y el aumentativo,
para calificar a alguien adinerado); capuruna (de capo y runa –
hombre- que alude a alguien notable); huarmi lluvia
(literalmente “lluvia de mujer”, para referirse a esas
precipitaciones no muy fuertes pero sí duraderas y fastidiosas);
lagarto caspi (palo o árbol parecido al lagarto); bolsa uya
(alguien de cara –uya- arrugada “como bolsa”); casha barba
(literalmente “barba con espinas o espinosa”, es decir, barba
hirsuta); caucho curo (alude a un gusano –curo- que habita los
árboles de caucho); sachavaca (vaca silvestre o del monte: tapir
o anta); tabla siqui (literalmente alguien con el “culo –siquicomo tabla”); huarmi manda (hombre dominado por su mujer –
huarmi-), y así muchas más.
Existen por último un
sinnúmero de palabras
quechuas derivadas
siguiendo la lógica del
castellano. Así, marcana
(cargar) da origen a
amarcar; chimpay a
chimbar (cruzar el río);
chanka (pierna) a
changados (pareja con las
piernas entrecruzadas);
chapuy (mezclar) a
chapear y chapo (bebida);
chupa (porción de cabellos)
a chobear (tirar a alguien
de los cabellos); supi
(cuesco) a supitero
(pedorro); llulla (mentira) a
llullampero; minq’a
(trabajo colectivo) a minga
y minguero (persona que
participa en dicho trabajo);
y ñahui (ojo) a ñahuinchear
(mirar, observar), entre
otras.
Es preciso aclarar que esta composición de vocablos nuevos a
partir de la fusión de una palabra del castellano y otra del
quechua o de la derivación de palabras de esta lengua siguiendo
la lógica del castellano, es un aporte del castellano regional
amazónico. Dicho de otra manera, si bien estas combinaciones
de palabras serán entendidas por quechua-hablantes de los
Andes, no se conocen en el quechua de esta región. Lo mismo
sucede con muchas de las palabras puramente quechuas, pero
que corresponden a una realidad cultural amazónica,
desconocida en el mundo de los Andes, como algunas de las ya
mencionadas: pucacuro, Chullachaqui, angocaspi y allpacuro.
Se trata así de un quechua reelaborado para adaptarse a la
realidad geográfica y cultural de la región, y también a la
necesidad de que esta lengua responda a las exigencias
expresivas de la sociedad que la produce. Es común encontrar la
repetición de palabras para acentuar un efecto, que puede ser
de significado o simplemente onomatopéyico. Esta repetición se
da ya sea que se trate de palabras sólo en quechua o sólo en
castellano o que combinen las dos lenguas. Así, en el caso del
quechua: chulla chulla sería limpio limpio (muy limpio) y miski
miski, dulce dulce. En el caso del castellano, llevo llevo designa
un tipo de vehículo que transporta pasajeros y peke peke alude a
la onomatopeya de un tipo de motor estacionario adaptado para
el impulsar canoas. Por ultimo, susto manchari es una expresión
en la que las dos palabras indican lo mismo, una en castellano y
otra en quechua: susto.
Fonética
Una característica del castellano regional también heredada del
quechua tiene que ver con la fonética. De esta manera, palabras
de otras lenguas han sido recompuestas y dotadas de la fonética
que las hace parecer al quechua. Por ejemplo, palabras como
huacapú (tipo de árbol de madera dura) y huasaí (una palmera),
que al oírlas dan la falsa sensación de tener origen quechua,
provienen en realizad del tupí: açapú y açaí, ya que de quechua
sólo tienen el sonido.
Por otro lado, sólo en el castellano regional amazónico del Perú
se encuentra el fonema /sh/, que está presente en algunas
variedades del quechua, específicamente la de Ancash (zona
central del Perú) y la quiteña. [2] Dicho fonema se encuentra
tanto en posición inicial como intermedia. Algunos ejemplos del
primer caso: shacapa (manojo de hojas secas o ramas que los
shamanes agitan en el aire cuando cantan), shambo (variedad
de aguaje –buriti en Brasil, del tupí mburi’ti-, fruto de una
palmera regional), shamiro (loro pequeño), shapaja y shebón
(tipos de palmera), Shapra y Shipibo (nombres de pueblos
indígenas), shapshico (personaje mitológico del monte),
shapumba (helecho invasor), shicshi (comezón, escozor), shinela
(tipo de calzado), shirui (pez) y sho, sho, sho (voz
onomatopéyica para ahuyentar a las aves domésticas)
En algunos casos, este fonema cumple también la función de
apropiarse de palabras foráneas imprimiéndoles la fonética del
castellano regional amazónico y, al mismo tiempo, endulzándola
al oído del oyente. Esta apropiación puede ser de palabras de
origen quechua, como sonqo (corazón), que ha devenido en
shungo. Pero también se da en el caso de palabras de origen
portugués (algunas con influencia del tupí), como xaruto
(cigarro), se convierte en el castellano regional en sharuto;
xerete (enamorador) da origen a sheretero; xeretar a sheretear
(cortejar); cheiro (olor) a shero; chibe (del tupí xi’bé) a shibé y
xicra (también del tupí: bolsa de fibra vegetal) a shicra.
Algunos ejemplos del fonema en posición intermedia son:
cushma (tipo de vestimenta usada por algunos pueblos
indígenas), patarashca (forma de preparar pescado asado
envolviéndolo en hojas de bijao), posheco (término del quechua
que designa una persona pálida), Ashaninka y Yanesha (nombres
de pueblos indígenas), añashúa (pez), pandisho (fruto del árbol
de pan), tamshi (tipo de bejuco), ishanga (tipo de ortiga),
besheco (ternero), bebeshos (bebe) y bolansho (persona con la
cabeza pelada, calva).
Tupí
El tronco lingüístico Tupí ha estado representado en la Amazonía
peruana por cuatro lenguas: kukama, kukamiria (muy similares
entre sí), omagua y yurimagua. Estas dos últimas han
desaparecido por completo. Las dos primeras, en cambio,
aunque no son usadas para la comunicación cotidiana, sí se
conservan en espacios reducidos, compuestos especialmente por
las personas de más edad y de algunos jóvenes que han
aprendido de ellas. En la actualidad existe un movimiento social,
con influencia no sólo en comunidades sino también en el medio
urbano de ciudades como Nauta, que impulsa la recuperación del
kukama como segunda lengua.
Las palabras de origen tupí del castellano regional se refieren
principalmente a la flora y fauna. Así, tenemos acarahuazú (de
acará, pez), arazá (de ara’sá, árbol y su fruto), aradú (de ara’bu,
masa preparada de fariña y huevo de la tortuga taricaya –de
taraka’yá-), beshú (de mbe’yu, especie de cazabe), casho o
cashu (cajú en Brasil, de aka’yu, árbol y su fruto, conocido
también en Perú como marañón), copaíba (de kupa iwa, árbol
maderable), copoasú (de kupua’su, árbol y su fruto) y muchas
otras más.
Lo que resulta difícil es señalar si estas palabras han entrado al
castellano regional directamente de las lenguas tupí habladas en
el Perú o a través del portugués de Brasil, que también las ha
incorporado a su habla, ya que los pueblos de este tronco
lingüístico son numerosos en ese país.
Otras lenguas
Estoy seguro que una investigación detenida llevaría a descubrir
otras influencias en el castellano regional amazónico del Perú, no
sólo en lo que se refiere al léxico, sino también a formas de
expresión y construcción lingüística. Mi hipótesis es que la forma
verbal pasiva en que se expresa el posesivo es influencia de
alguna lengua indígena: “De Pedro su esposa” o “de Juana su
tía”, por ejemplo. Pero hay que comprobarla.
Y esto último que voy a anotar se sale del tema, porque se
refiere a la influencia del portugués, en especial, del hablado en
Brasil, en el castellano amazónico peruano y no a una lengua
indígena. Lo hago como anotación al margen, sólo para indicar
las dinámicas a las que me refería al inicio de estas líneas, que
en este caso se definen por la presencia de inmigrantes
portugueses en Loreto y, sobre todo, brasileños, además del
tránsito obligado de los barcos que comunican a Loreto con
Brasil y otros países del Atlántico desde el siglo XIX.
Algunas de las palabras del portugués encontradas en el
castellano regional son: defumar, someter a humo los jebes
líquidos de origen vegetal con el fin de endurecerlos; fariña (de
farinha), harina de yuca tostada; bucilar (de fuzilar), tronar y
también parpadear los ojos; cabaciña (de cabaça y cabacinha),
globo de jebe lleno de aguas que se arrojaba a la gente en
carnavales; cashuera o cashuela (de cachoeira), catarata o
rápido en el río; machadito (de machadinho), pequeño cuchillo
para sangrar árboles; pacote, paquete; shiringa (de seringa,
jeringa), árbol productor de goma; bico, que en portugués
nombra el pico de las aves, es posiblemente el origen del
nombre de un tipo de pan que se vende en Iquitos de forma
alargada, como un pico; y tishela (de tejela), pequeño recipiente
en el que se recibe el látex que fluye de árboles llamados
genéricamente como “caucho”.
Es un trabajo pendiente investigar otras influencias lingüísticas
en el castellano regional amazónico del Perú, no sólo en lo que
respecta al léxico, sino también a la sintaxis.
NOTAS
1. Agradezco a mi colega. Françoise Barbira Freedman, que
ha realizado importantes investigaciones entre el pueblo
Lamista, las precisiones sobre la antigüedad del quechua en
San Martín.
2. El lingüista y quechuólogo Fernando García, quien
generosamente colabora conmigo para definir vocablos del
quechua presentes en el castellano amazónico, así como
para otras precisiones referidas a esa lengua, me indica que
el fonema /sh/ está presente en algunas variedades del
quechua. Específicamente me menciona la de Ancash y la
variedad quiteña, presente en el Perú en varios de los ríos
que se originan en Ecuador.
ALBERTO CHIRIF (Peru, 1943). Há 40 anos sua vida está centrada em temas
amazônicos, especialmente aqueles que dizem respeito aos direitos coletivos dos
povos indígenas. Antropólogo e escritor. Dirige o Programa Integral de
Desenvolvimento e Conservação Pacaya Samiria. Representa no Paraguai a Nouvelle
Planète, instituição suíça que apóia projetos no Peru e outros países sul-americanos.
Contato: [email protected].
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Texto apresentado no debate "A presença indígena na cultura latinoamericana contemporânea"
Sala Dolor Barreira - 21 de novembro de 2008
Mesa composta por
Alberto Chirif (Peru) | Eduardo Puente (Equador) | Gabriel Chávez
(Bolívia) | Mediação: Carlos F. Bellé (Brasil)
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
Inicios del mestizaje cultural en el
Río de la Plata: La Argentina, de Ruy
Díaz de Guzmán
Marta Spagnuolo
.
Puesto que vamos a hablar del Río de la Plata, conviene aclarar
a qué territorio correspondía esa denominación en tiempos de la
conquista y de la colonia. Lo que finalmente fue el Virreinato del
Río de la Plata, creado a fines del siglo XVIII (1776), abarcaba lo
que hoy son cuatro países: Argentina, Uruguay, Paraguay y
Bolivia. No obstante, en los inicios de la conquista no era zona
tan claramente delimitada. Gran parte de Bolivia, Chile, el
Noroeste, el Oeste y el Centro de la Argentina –Córdoba
inclusive– fueron poblados por las corrientes que bajaban del
Perú. En cambio, fue directamente por el Atlántico que se
colonizó la región comprendida por el Este argentino, el Uruguay
y el Paraguay, cuya puerta de entrada es el ancho estuario del
Río de la Plata, sobre el cual actualmente están, en una y otra
banda, las ciudades de Montevideo y Buenos Aires. Esa vasta
zona litoral era, entonces, el Río de la Plata. Y, de manera
sinónima, “la Argentina”, “la tierra de la plata”, término derivado
del latín argentum (plata), que finalmente designó al que hoy es
mi país.
Nombre irónico, por cierto, visto en perspectiva. Porque lo que
menos encontraron los españoles allí fue la plata, el oro, los
metales preciosos, en fin, que ambicionaban. Ya este famoso río
les había costado grandes afanes. Entre ellos, la trágica muerte
de su descubridor, Juan Díaz de Solís, quien, viéndolo tan ancho,
lo bautizó Mar Dulce (1516). Quizá muchos recuerden cómo
terminó sus días Solís, quien, junto con algunos de sus
tripulantes hizo un desembarco en costas uruguayas, donde
fueron flechados por los charrúas, a quienes sirvieron de
banquete. Así lo cuenta Jorge Luis Borges, por ejemplo, en su
popular poema “Fundación mítica de Buenos Aires”; allí alude al
color barroso amarillento de las aguas del Río de la Plata, donde
va a parar todo lo que arrojan las selvas brasileñas y chaqueñas,
por el cual Lugones lo había llamado “el gran río color de león”.
Borges, que en sus primeros poemas usó muchos argentinismos,
habla de la “corriente zaina”, porque así, “zainos”, llamamos
nosotros al caballo de ese pelaje, y porque “zaino” significa
también “solapado, traicionero”, como lo son las aguas de ese
río, a cuya vera, como dijimos, fue comido el pobre Juan Díaz
de Solís. La metáfora del río como un caballo se prolonga luego
en la palabra “azulejo”, ya que el pelo de ese caballo es blanco,
con un poco de negro, y el color que resulta es casi azul.
¿Y fue por este río de sueñera y de barro
que las proas vinieron a fundarme la patria?
Irían a los tumbos los barquitos pintados
entre los camalotes de la corriente zaina.
Pensando bien la cosa, supondremos que el río
era azulejo entonces como oriundo del cielo
con su estrellita roja para marcar el sitio
en que ayunó Juan Díaz y los indios comieron.
Sin embargo, esta seña nefasta y otras expediciones fracasadas
no arredraron a los españoles. Pues la fábula se iba
acrecentando con la imaginación del El Dorado, la Ciudad de los
Césares, las enormes riquezas que aquí se encontrarían, y el Mar
Dulce ya comenzaba a llamarse Río de la Plata. Fábulas
justificadas, por otra parte, pues hay que recordar que ya para
1520 Cortés había llegado a México, y Pizarro al Perú en 1532.
De modo que de esta euforia se alimentó la expedición de don
Pedro de Mendoza, que poco después llegaría al Río de la Plata,
en 1536. Tantas eran las esperanzas, las ilusiones, la seguridad,
casi, de repetir aquí los éxitos de Cortés y de Pizarro, que incluso
fue distinto el elemento humano reclutado para esta nueva
aventura. En efecto, Pedro de Mendoza era un noble de alto
linaje, de gran prestigio militar, y él mismo y algunos de los
hidalgos que lo acompañaban financiaron la expedición, en la
que Mendoza ya venía con título de gobernador otorgado por la
corona.
Uno de los mejores narradores argentinos del siglo XX, Manuel
Mujica Lainez, escribió un bello libro de cuentos, titulado
Misteriosa Buenos Aires. En uno de ellos recrea la tragedia de la
primera fundación de Buenos Aires por Pedro de Mendoza en
1536, y haciendo referencia a la tripulación pretenciosa que las
naves traían, dice:
España no envió a las Indias armada con tanta hidalguía como
la que fondeó en el Río de la Plata. Todos se las daban de
duques. En los puentes y en las cámaras departían como si
estuvieran en palacios.
Cómo sería de grande el optimismo de estos hombres que
Mendoza, al fundar la ciudad, la llamó Santa María del Buen
Ayre. Malos serían, sin embargo, los aires que sobre ellos se
abatirían. En efecto, para entender la manera particular y rápida
como se inició el mestizaje racial y cultural en el Río de la Plata,
hay que hacer hincapié en que el signo de la conquista del Río de
la Plata fue el desencanto. Fue un choque tremendo, algo que los
españoles no se imaginaron ni en sueños. Ni plata, ni oro, ni
ciudades maravillosas como México-Tenochtitlán, ni portentosas
como el Cuzco imperial de los Incas. Sólo una llanura
interminable, un horizonte sin límites, pura tierra y yuyos, en
especial el duro cardo; ni siquiera frutos comestibles ni, menos
aún, cultivos, poblada como estaba de indios que vivían de la
caza y de la pesca, pronto hostiles y en seguida belicosos.
Encerrados en un cerco de estacas, sitiados y atacados
constantemente por los aborígenes, consumiendo primero lo que
les quedaba del ganado que habían traído –vacas y caballos, la
mayor parte dispersados, que, al multiplicarse con el tiempo,
originaron el principal sustento económico de mi país –, saliendo
a veces en busca de alimentos con peligro de no volver, llegando
a comer sus propias heces y hasta al canibalismo en los cuerpos
de los compañeros muertos por el indio o por el hambre, así se
sostuvieron algunos hasta cuatro años en ese miserable fuerte,
en tanto otros buscaban salida hacia el norte, remontando el río
Paraná. (De estos, vayamos teniendo en cuenta que la única
columna que logra llegar al Paraguay es la que finalmente
quedará al mando de Domingo Martínez de Irala.) Don Pedro de
Mendoza sobrevive al hambre y regresa rumbo a España, pero
muere en alta mar, ya carcomido por su vieja enfermedad, la
sífilis o morbo gálico, como se le llamaba entonces.
Ante tanta calamidad,
surge en la gente el
convencimiento de que
se trata de un castigo
divino por un pecado
original con que habría
nacido Buenos Aires.
Este castigo habría
sido la consecuencia de
un hecho criminal
ocurrido durante el
viaje, en un
desembarco que
hicieron en las costas
del Brasil. Entre los
oficiales de la
expedición venía
Osorio, hombre
gallardo, simpático a
las huestes. Según
cuentan las crónicas, despertó la envidia de otros cuatro
capitanes –Ayolas, Luján, Medrano y Salazar–, que lo acusaron
de burlarse de don Pedro de Mendoza y de tener intenciones de
traicionarlo y hacerse con el mando al llegar al Río de la Plata.
Por ese motivo, Mendoza, ofuscado, ordenó prender a Osorio y
darle muerte. Fue un verdadero asesinato, ejecutado por los
cuatro capitanes, que lo apuñalaron con saña. Esto impresionó
mucho a la tripulación, no sólo por la estima de que gozaba
Osorio, sino porque lo mataron sin darle oportunidad de
confesarse, lo cual, para un cristiano, era un crimen doblemente
horrendo.
El hecho originó la primera composición literaria escrita en el Río
de la Plata. No todavía por un criollo sino por un español, un
fraile, Luis de Miranda, que había logrado llegar al Paraguay con
Irala. Allí cuenta el hambre, la antropofagia, y presenta a Buenos
Aires como una manceba traicionera que ya ha matado seis
maridos. Esto, en alusión a seis de los principales capitanes:
Osorio; tres de que los que lo asesinaron; Diego de Mendoza,
hermano de don Pedro, muerto por los indios; y el propio don
Pedro, como dije, muerto antes de llegar a España. El rudo pero
impactante poema se titula Romance elegíaco, y este es un
fragmento [1]:
En las partes del Poniente
es el Río de la Plata
conquista la más ingrata
a su señor.
Desleal y sin temor
enemiga de marido
que manceba siempre ha sido
que no alabo.
Cual los principios el cabo,
aquesto ha tenido cierto
que seis maridos ha muerto
la Señora:
Y comenzó la traidora
tan a ciegas y siniestre
que luego mató al maestre
que venía.
Juan Osorio se decía
el valiente capitán.
Fueron Ayolas, Luján,
y Medrano,
Salazar por cuya mano
tanto mal nos sucedió.
………………………
Trabajos, hambres y afanes
nunca nos faltó en la tierra,
y así nos hizo la guerra
la crüel.
Frontera de San Gabriel
a do se fizo el asiento;
allí fue el enterramiento
del armada.
Jamás fue cosa pensada
y cuando no nos catamos
de dos mil, aun no quedamos
en doscientos.
Por lo malos tratamientos
muchos buenos acabaron
y otros los indios mataron
en un punto.
Lo que más que aquesto junto
nos causó ruina tamaña
fue la hambre más estraña
que se vio;
la ración que allí se dio
de farina y de bizcocho,
fueron seis onzas u ocho
mal pesadas.
Las vïandas más usadas
eran cardos y raíces
y a hallarlas no eran felices
todas veces.
El estiércol y las heces
que algunos no digerían
muchos tristes las comían
que era espanto.
Allegó la cosa a tanto
que, como en Jerusalén,
la carne de hombre también
la comieron.
Las cosas que allí se vieron
no se han visto en escritura,
comer la propia asadura
de su hermano.
¡Oh jüicio soberano
que notó nuestra avaricia
y vio la recta justicia
que allí obraste!
…………………………
Pocos fueron o ninguno
que no se viese citado,
sentenciado y emplazado
de la muerte.
…………………………
Los que quedaban, gritando
Decían: nuestro general
ha causado aqueste mal,
que no ha sabido
gobernarse, y ha venido
aquesta necesidad.
Causa fue su enfermedad,
que si tuviera
más fuerzas y más pudiera,
no nos viéramos a puntos
de vernos así trasuntos
a la muerte.
Mudemos tan triste suerte
dando Dios un buen marido
sabio, fuerte y atrevido
a la viuda.
El buen marido sería, finalmente, Juan de Garay, quien muchos
años después, bajando de la Asunción, fundará Buenos Aires por
segunda vez en 1580.
Entre tanto, como dije,
Domingo Martínez de Irala
había llegado al Paraguay,
que así se convirtió en el
centro de la conquista del
Río de la Plata, con capital
en Asunción. La fuerza de
carácter y, sobre todo, el
sentido común de Irala,
van a permitir un rápido y
fecundo mestizaje, al que
contribuyó la índole de los
guaraníes, pueblo laborioso
y agricultor. Irala, casi
hasta su vejez, siguió
intentando expediciones en
busca de las riquezas
nunca halladas. (En
realidad, cuando se dio
cuenta de que la tierra de
la plata de la que se tenía
noticia era el Perú, se
encontró con que allá ya
todo tenía dueños). Pero, entre tanto, comprendió que el único
modo de sostenerse, de no abandonar la empresa, era quedarse
en el Paraguay y organizar allí un núcleo social de supervivencia.
Y que la forma de hacerlo era poblar la tierra, poblarla con
familias más o menos constituidas, que le tomaran el gusto a la
querencia; sembrarla, como hacían los guaraníes, con los
productos autóctonos –mandioca, yerba mate, tabaco, etc.-;
otros introducidos desde el Brasil –como el arroz y la caña de
azúcar–, y criar ganado y otras especies de animales
domésticos. Para ello la única vía posible era el mestizaje.
Mediante alianzas con los aborígenes, Irala impulsó el mestizaje
de sus hombres con las mujeres nativas, en uniones bendecidas
por la Iglesia. (Sin que ello signifique que no se valiera de las
encomiendas de indios obligados a trabajar la tierra). Él mismo
dio el ejemplo, aunque no tan respetuoso de las leyes
eclesiásticas, pues tuvo en su lecho nada menos que nueve
mujeres indias, no ocasionales, sino en franca poligamia.
Irala, que era un verdadero caudillo, resistió todas las sediciones
internas entre españoles que pretendían quitarle el poder y aun
a enviados de España que pretendían destituirlo. De ellos, el más
ilustre fue el legendario Álvar Núñez Cabeza de Vaca (el noble
que se había cubierto de gloria en las campañas de Italia; el
sobreviviente de la expedición a la Florida, que estuvo cautivo
entre los indios norteamericanos; el que descubrió las cataratas
del Iguazú durante su ida hacia Asunción). El caso es que el
poderoso Álvar Núñez terminó encadenado y deportado de
vuelta a España. Pero quedaban en el Paraguay muchos
partidarios de Alvar Núñez. Irala, entonces, usó nuevamente el
mestizaje, esta vez como arma política. Les perdonó la vida a los
más conspicuos capitanes alvaristas y les otorgó altos puestos, a
cambio de que se casaran con sus hijas; es decir, con las hijas
mestizas que Irala hubo en sus mujeres indias. Más fuerte se
hizo así el vasco, constituyendo una verdadera yernocracia.
Uno de los más destacados capitanes que se atrajo Irala de este
modo fue Alonso Riquelme de Guzmán, nada menos que sobrino
de Álvar Núñez. Del matrimonio legítimo del español don Alonso
y de Úrsula Irala, nació, en Asunción, el primer escritor criollo
del Río de la Plata. Su nombre: Ruy Díaz de Guzmán.
Observemos, entonces, que este Ruy Díaz de Guzmán era nieto
de Irala, sobrino nieto de Alvar Núñez y, a la vez, el hijo de una
mestiza americana.
El libro que escribió Ruy Díaz fue una historia. La primera
historia del descubrimiento, conquista y población del Río de la
Plata. Se sabe que concluyó su obra en 1612. Nunca fue
publicada en su tiempo. Pero circulaba en copias manuscritas,
bien conocidas durante todo el período colonial, y consultadas y
citadas por historiadores que le siguieron. Algunos copistas, para
distinguirla de un poema impreso y escrito por un español,
titulado La Argentina [2], terminaron llamándola La Argentina
manuscrita. La primera publicación de uno de los códices fue
hecha en Buenos Aires mucho más tarde, en 1835. Desde
entonces la obra suscitó muchas lecturas; entre ellas, en épocas
de efervescencia nacionalista, algunas que han acusado a Ruy
Díaz de mostrarse más favorable a los españoles que a los
americanos, de no nombrar más que una vez a su madre
mestiza Úrsula y nunca a su abuela india Leonor; y otras que
han destacado el elogio que en uno de los capítulos hace de los
indios “amigos”, de los mestizos, y, en especial, de las mujeres
mestizas, lo cual han interpretado como un homenaje indirecto a
su madre.
Como sea,
es indudable
que, como
historia, el
texto está
escrito
desde el
punto de
vista de un
hombre
orgulloso de
su linaje
español, e
interesado
en destacar
las
empresas militares de sus propios antepasados familiares. Y eso
era algo lógico en la posición de Ruy Díaz. De ahí que la
comparación que muchos hacen con el Inca Garcilaso de la Vega
no sea la correcta. Son situaciones muy distintas. El Inca
Garcilaso, a pesar de ser hijo de una palla de estirpe real y de
haber recibido una excelente educación libresca, fue un mestizo
bastardo, de madre repudiada por una española, desarraigado
en España, donde vivió desde los veinte años su vida de hombre
de letras, en obsesiva búsqueda de reconocimiento del nombre y
de la herencia paterna jamás conseguidos. En su grandiosos
Comentarios Reales y en su Historia General del Perú, escritos y
publicados en España, no hay conciliación posible. La obra del
Inca, en esencia elegíaca, tiene por eje la comparación entre la
capacidad civilizadora de los incas con respecto a los pueblos
indios por ellos sojuzgados, y la de los españoles en relación con
los incas. Comparación que siempre resulta en desmedro de los
segundos – depredadores más que civilizadores–, y en la
consecuente idealización del pasado incaico, al que le atribuye la
perfección.
Ruy Diaz, en cambio, no fue educado en las humanidades y las
letras, sino, como hijo legítimo de un español, para matar y
morir por España. Vecino principal de Asunción, arraigado a su
comunidad, distinguido y valiente capitán, fundador de ciudades,
gozó tanto de los derechos y la posición propia de los hidalgos
españoles, como cumplió con heroísmo sus obligaciones de
soldado. Cuando, muerto su abuelo Irala –y su propio padre, en
la más absoluta pobreza–, y el viejo orden fue reemplazado por
su enemigo Hernandarias, Ruy Díaz sufrió reveses políticos,
prisión y exilio. Justamente desde su exilio en ciudades del Río
de la Plata y Tucumán escribió el libro del que nos estamos
ocupando, que, en principio, no pretende más que ser una ruda
historia de acontecimientos.
Sin embargo, hay en la historia de Ruy Díaz dos episodios de
carácter literario, que bien pueden leerse de otra manera.
Uno de ellos está considerado como el precursor del indianismo
en la América hispana: es el de Lucía Miranda, al cual no me
referiré, por tratarse del más conocido, analizado, e incluso
reelaborado una y otra vez por la literatura posterior.
El otro es el episodio de la Maldonada, cuya heroína es una
mujer así llamada, posiblemente por feminización del apellido
Maldonado. Y se sitúa, justamente, en aquella parte de la
historia que se ocupa de la primera fundación de Buenos Aires
por don Pedro de Mendoza.
Como ustedes verán, el relato se basa en un milenario motivo
narrativo, que, poco más o menos, podría enunciarse: Hombre
que ayuda una vez a un animal. Agradecimiento del animal que
se manifiesta cuando, a su vez, el hombre necesita ayuda, cuyo
arquetipo es Androcles y el León, recogido por Aulio Gelio en sus
Noches áticas. Pero, al leerlo, irán descubriendo variantes muy
significativas. El cuento está repartido en dos capítulos, de los
que sólo leeré lo que hace al episodio de la Maldonada:
…En este tiempo padecían en Buenos aires cruel hambre,
porque faltándoles totalmente la ración, comían sapos,
culebras y las carnes podridas que hallaban en los campos, de
tal manera, que los excrementos de los unos comían los
otros, viniendo á tanto estremo la hambre como en tiempo
que Tito y Vespasiano tuvieron cercada á Jerusalen: comieron
carne humana; así le sucedió á esa mísera jente, porque los
vivos se sustentaban de la carne de los que morían, y aun de
los ahorcados por justicia, sin dejarle mas de los huesos, y tal
véz hubo hermano que sacó la asadura y entrañas á otro que
estaba muerto para sustentarse con ella. Finalmente murió
casi toda la jente, donde sucedió que una mujer española, no
pudiendo sobrellevar tan grande necesidad, fue constreñida á
salirse del real, é irse á los indios, para poder sustentar la
vida; y tomando la costa arriba llegó cerca de la Punta Gorda
en el monte grande, y por ser ya tarde, buscó adonde
albergarse, y topando con una cueva que hacía barranca de la
misma costa, entró en ella, y repentinamente topó con una
fiera leona que estaba en doloroso parto, que vista por la
aflijida mujer quedó esta muerta y desmayada, y volviendo en
sí, se tendía, á sus pies con humildad. La leona que vió la
presa, acometió a hacerla pedazos; pero usando de su real
naturaleza, se apiadó de ella, y desechando la ferocidad y
furia con que la había acometido, con muestras halagüeñas
llegó así á la que ya hacía poco caso de su vida, y ella,
cobrando algún aliento, la ayudó en el parto en que
actualmente estaba, y venido á luz parió dos leoncillos; en
cuya compañía estuvo algunos días sustentada con la leona
con la carne que traía de los animales; con que quedó bien
agradecida del hospedaje, por el oficio de comadre que usó; y
acaeció que un día corriendo los indios aquella costa, toparon
con ella una mañana al tiempo que salía a la playa á
satisfacer la sed en el río donde la sorprendieron y llevaron á
su pueblo, tomándole uno de ellos por mujer, de cuyo suceso
y de lo demás que pasó, haré relación adelante. (Cap. XII).
[Irala, después que fundó un fuerte en Asunción, volvió] para
el de Buenos Aires á dar cuenta á don Pedro del efecto de su
expedición; y llegado á su destino halló que se había ido á
España, y que el teniente que había dejado, estaba malquisto
con los soldados por ser de condición áspera, y muy riguroso,
tanto que por una lechuga cortó á uno las orejas, y á otro
afrentó por un rábano, tratando á los demás con la misma
crueldad, de que todos estaban con gran desconsuelo, y
también por haber sobrevenido al pueblo una furiosa plaga de
leones, tigres y onzas, que los comían saliendo del fuerte; de
tal manera que era necesario una compañía de jente, para
que pudiesen salir á sus ordinarias necesidades. En este
tiempo sucedió una cosa admirable, que por serlo la diré, y
fue que habiendo salido a correr la tierra un capitán en
aquellos pueblos comarcanos, halló en uno de ellos, y trajo a
aquella mujer española que hice mención arriba, que por la
hambre se fue a poder de los indios. Así que [el teniente]
Francisco Ruiz Galán la vio ordenó á que fuese echada á las
fieras, para que la despedazasen y comiesen; y puesto en
ejecución su mandato, llevaron a la pobre mujer, la ataron
muy bien á un árbol, y la dejaron como una legua fuera del
pueblo, donde acudieron aquella noche á la presa gran
número de fieras para devorarla, y entre ellas vino la leona á
quien esta mujer había ayudado en el parto, y habiéndola
conocido, la defendió de las demás que allí estaban, y querían
despedazarla. Quedándose en su compañía, la guardó aquella
noche, el otro día y la noche siguiente, hasta que al tercero
fueron allá unos soldados por órden de su capitán á ver el
efecto que había surtido dejar allí aquella mujer; y hallándola
viva, y la leona á sus pies con sus dos leoncillos, que sin
acometerlas se apartó algún tanto dando lugar á que
llegasen; quedaron admirados del instinto y humanidad de
aquella fiera. Desatada la mujer por los soldados la llevaron
consigo, quedando la leona dando muy fieros bramidos,
mostrando sentimiento y soledad de su bienhechora, y
haciendo ver por otra parte su real ánimo y gratitud, y la
humanidad que no tuvieron los hombres. De esta manera
quedó libre la que ofrecieron á la muerte echándola á las
fieras. Esta mujer yo conocí, y la llamaban la Maldonada, que
más bien se le podía llamar Biendonada; pues por este suceso
se ve no haber merecido el castigo á que le espusieron, pues
la necesidad había sido causa á que desamparase á los suyos,
y se metiese entre aquellos bárbaros. Algunos atribuyen esta
sentencia tan rigorosa al capitán Alvarado, y no á Francisco
Ruiz, más cualquiera que haya sido, el caso sucedió como
queda dicho, y no carece de crueldad casi inaudita. (Cap. XIII)
Según mi interpretación, el relato de la Maldonada alegoriza la
alianza de dos mundos mediante el mestizaje racial y cultural, y
lo hace con una modernidad sorprendente. Bien es cierto que
esa visión temprana no era posible en México o en el Perú,
donde ninguna de las dos entidades en pugna –ambas, la
española, por un lado, y la azteca y la incaica por el otro, con
una fuerte tradición cultural – estaba dispuesta a resignar
valores preexistentes. Y que en cambio se hizo necesaria en el
Río de la Plata, esto es, en otro medio en que los valores (en
especial los europeos) debieron ser revisados para adaptarlos a
una nueva realidad acuciante. De lo cual, más que una alegoría,
resultaría, en un primer nivel simbólico del texto de Ruy Díaz,
una parábola de la acción del abuelo Irala.
Pero, como bien sabemos, durante la conquista, lo
“naturalmente” admitido era la cópula del hombre blanco con la
mujer india. Y aquí tenemos lo contrario: una mujer española
dispuesta a unirse a los aborígenes. Pues, de hecho, la
Maldonada, al huir del fuerte, sabe que su pasaporte al mundo
indio no puede ser otro que el sexo. El autor, en primera
persona, asume la defensa de la mujer, diciendo que no merecía
el castigo, “pues la necesidad había sido causa á que
desamparase á los suyos, y se metiese entre aquellos bárbaros”.
Desde este punto de vista, seguimos estando, en cierto modo,
en la defensa del mestizaje puramente racial, impulsado por el
hambre. En el nivel literal del texto, el acto de la Maldonada se
presenta como la elección razonada de una mente práctica, que,
rechazando lo repugnante instintivo para sobrevivir (la ingestión
de alimañas, carne podrida, excrementos o la antropofagia),
prefiere correr el riesgo de hallar otra manera más “humana”,
digamos, de mantenerse con vida.
Pero el castigo que le impone el teniente español es de otro
orden. Más que la “inmoralidad sexual” de la Maldonada, lo que
se quiere castigar es su condición de tránsfuga, es decir, el
“haber desamparado a los suyos”, el haberse “pasado” al
enemigo. Y este valor al que se apegan los españoles en el siglo
XVI no es distinto, sino el mismo que perdura o al menos
perduró en la civilización occidental del siglo XX. Que entre los
rudos conquistadores el castigo para la tránsfuga fuera echarla a
las fieras “para que la matasen y la devorasen”, mientras que
en Francia fuera el rape y el escarnio público para las mujeres
que durante la ocupación nazi fueron amantes de oficiales y
soldados alemanes, no cambia el fondo de la cuestión. De allí
que el perdón que obtiene la Maldonada, ajustado
aparentemente al modelo originario de Androcles y el león en
cuanto a la causa– el impacto que el prodigio produce en quien
tiene el poder de otorgarlo–, opera en el texto de manera muy
distinta. Exige desechar completamente un valor ético arraigado
en lo universal. No es lo mismo perdonarle la vida a un esclavo
fugitivo, como lo era Androcles, que a un miembro del cuerpo
social que se pase al enemigo. Esta audaz vuelta de tuerca que
Ruy Díaz da al relato es, a mi modo de ver, y lo repito, de una
modernidad inaudita.
Fruto sin duda de una
intuición de Ruy Díaz,
despertada quizá por
una actitud polémica
ante el fracaso del
viejo orden que lo
desplazaba, el relato
no racionaliza el lado
“grave” de la
transgresión de la
Maldonada, sino que
disculpa a la mujer
apelando a
sentimientos de
“humanidad” (los que
tuvo la leona y no
tuvieron los hombres).
Al correr así el centro
de la cuestión hacia la
relación entre la Maldonada y la leona, el texto deja aparecer la
alegoría.
En efecto, ya no se trata de una propuesta puramente racial, de
“mezcla de sangres”, sino de una colaboración, de un mestizaje
cultural que apunta al futuro. Pues observen ustedes que el
principal signo de la fusión no es el acoplamiento de la española
con el indio, que es un hecho de orden mediato; es decir,
consecuencia de que “algunos días estuvo sustentada de la leona
con la carne que traía de los animales”, de otro modo no hubiera
estado viva cuando la sorprenden los indios. La fusión que aquí
aparece como literal en la cópula hombre-mujer, se ha dado
antes en el texto, de manera simbólica.
La española, sin saberlo, invade la caverna de la leona. La fiera
se apiada de la mujer antes de necesitar su ayuda. Como la
Maldonada, ha superado lo instintivo. Y, lo más fuertemente
significativo, las misionadas como protagonistas de esa alianza
son dos hembras, mancomunadas en el acto inmemorial y
privativo de las hembras de dar a luz, de asegurar, en suma, la
continuidad de las especies. Así, las dos hembras se convierten
en co-madres.
Si la leona representa a la naturaleza del Plata, tiene “real
naturaleza”: está a la altura del papel asignado supuestamente
por Dios a los reyes para interpretar sus designios. Es capaz de
sentir piedad por la mujer desmayada y hambrienta, a quien
alimenta; gratitud; nostalgia cuando deben separarse; “real
ánimo” para defenderla del resto de las fieras hostiles; y,
finalmente, “la humanidad que no tuvieron los hombres, los
hombres españoles, atados a inflexibles principios.
Y si la Maldonada es España, pero no la España ultramarina sino
la España hambrienta afincada en el Río de la Plata, la más
maldonada de todas las Indias, que ya habían retratado, como
testigos, Luis de Miranda y Ulrico Schmidel, ¿qué ofrece a
cambio de que la Leona-Naturaleza le perdone la vida y la
alimente? Ayudarla en un “doloroso parto”, a dar a luz un mundo
nuevo, que ya no es ni la Europa del Renacimiento ni la América
india. Como toda alegoría, esta es didáctica. La España
miserable estragada por el hambre en el Río de la Plata sólo
podrá salvarse cuando, una vez que aprenda a aceptar que
esto no es México ni el Perú, que el tesoro que ha hallado no es
la plata ni el oro sino la propia tierra –cuyos yuyos serían el
mejor pasto para el ganado–, se tienda entonces a los pies de
esta tierra biendonada “con humildad”, como la Maldonada a los
pies de la leona, y la ayude a parir el futuro de sus dos
leoncillos: Buenos Aires y Montevideo (la Argentina litoral y el
Uruguay). Ella, entonces, usando de la piedad, el ánimo, la
gratitud a que la obliga su “real naturaleza”, la sustentará con
carne allí, junto al agua que contribuirá a la supervivencia.
En efecto, es de este modo como se iniciará, en el Río de la Plata
(mucho antes que, con la inmigración, se expandiera la
agricultura), una verdadera cultura mestiza: la llamada “cultura
del cuero”, proveniente de aquel ganado traído por don Pedro de
Mendoza, que, en estado salvaje, se multiplicó hasta lo
inverosímil. Durante el siglo XVI, fue desde Asunción, llamada
“madre de ciudades, desde donde se pobló el actual litoral
argentino. Cuando Hernandarias y Garay comienzan la
colonización hacia el sur, se fundan centros urbanos importantes
como Santa Fe y se refunda Buenos Aires; y esas corrientes
trajeron miles de pobladores mestizos. Tanto los habitantes de
las pampas, cuyo paradigma es el gaucho, como la verdadera
“aristocracia” criolla primitiva difícilmente no fuera mestiza por
algún lado. El hecho de que hoy, en la región del Río de la Plata,
predominen los “blancos”, y de que, tomando como referencia a
la ciudad de Buenos Aires, se suela insistir en que la Argentina
está como “fuera” de América latina, tiene que ver con el
desarrollo posterior de esta zona debido al enorme caudal
inmigratorio europeo recibido desde el siglo XIX (que de todos
modos, en gran parte, se mezcló con los antiguos mestizos).
Explicar ese complicado proceso histórico excede el tema de esta
breve charla. Pero, al menos, espero haber contribuido a aclarar
que, contra lo que comúnmente se cree, no sólo el noroeste, la
región andina en general y el centro de la Argentina son frutos
del mestizaje racial y cultural, sino también Buenos Aires y toda
su zona de influencia. En suma: que la Argentina, por donde se
la mire, no sea originariamente un país tanto o más mestizo que
otros de América latina, es un mito.
NOTAS
1. Tanto en la transcripción del poema de Luis de Miranda, como
en la de los fragmentos de la Argentina Manuscrita, de Ruy Díaz
de Guzmán, se ha respetado la grafía propia de la época.
2. Del clérigo Martín del Barco Centenera. Publicado en Lisboa,
en 1602.
MARTA SPAGNUOLO (Argentina, 1942). Destacada estudiosa da obra de Machado de
Assis e Jorge Luis Borges. Escritora, jornalista e tradutora. Traduziu autores brasileiros, a
exemplo de Lêdo Ivo e Floriano Martins, para editoras no México e na Venezuela. É
autora de uma infinidade de textos sobre temas literários e lingüísticos para diversos
órgãos de imprensa na Argentina e em outros países. Contato: martaspag@hotmail.
com.
__________________________________________________
Texto apresentado na mesa "Inícios da mestiçagem cultural no Rio da Prata:
La Argentina, de Ruy Díaz de Guzmán"
Sala Dolor Barreira - 20 de novembro de 2008
Mediação: Luís Eustáquio Soares (Brasil)
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
La aventura cultural del mestizaje
Grazia Ojeda del Arco Tang
.
Quisiera, en primer lugar, celebrar la iniciativa de la presente
Bienal de Libro de Fortaleza, pues, el tema propuesto: “La
aventura cultural del mestizaje” se inspira en la urgente
necesidad de reflexionar sobre un tópico que nos concierne a
todos, más allá de la diversidad de nuestras nacionalidades. Es
la hora de dejar de lado todo interés mezquino para recoger el
desafío de la exaltante realidad de nuestro continente: buscar las
vías que nos unan, respetando nuestras identidades y
particularidades culturales, lingüísticas, sociales, y superar con
inteligencia e imaginación cualquier propósito hegemonista.
Quien les habla y desea compartir sus ideas sobre la presente
inquietud, viene del Perú, es decir: desde las culturas milenarias
que florecieron en los andes que vertebran nuestra geografía, de
la tierra de los Incas, y del cielo que vio nacer a nuestro más
insigne poeta: César Vallejo, y de aquel universo andino, que
marcara con el fuego redentor de la escritura a nuestro narrador
y símbolo del Perú contemporáneo: José María Arguedas.
Es además muy grato para mí, iniciar esta exposición
refiriéndome a quien simbólicamente es el primer mestizo de
América Latina: El Inca Garcilaso de la Vega. La Literatura
Latinoamericana celebra el próximo año, 2009, los 400 años de
la 1ª Edición de un libro excepcional en nuestra literatura: “Los
Comentarios Reales” del Inca Garcilaso de la Vega, editado en
una célebre imprenta de Lisboa en 1609.
El Inca Garcilaso, hijo de un capitán español: Sebastián Vargas
de la Vega y de una ñusta perteneciente a la panaca real de los
incas, Isabel Chimpu Ocllo surge del encuentro de estos dos
mundos y se convierte en el príncipe de las letras y la cultura del
mestizaje, verbaliza su concepción del mundo a la luz de una
mirada renacentista, y nos ofrece un conmovedor y desgarrador
testimonio, en una lengua como el español cercana a su padre
venido de Europa y un sentimiento enriquecido por la lengua
quechua heredado de su noble madre que de este modo lo
vincula al universo mágico y mítico de a los Andes del
Tahuantinsuyo.
Quiero rememorar la
imagen histórica del Inca
Garcilaso de la Vega,
resaltando a quien dejó
escrita una frase que, hoy,
ante este magno auditorio,
me place recordar: “Prenda
de dos mundo tengo yo”,
como un homenaje a la
próxima celebración de los
400 años de la primera
edición de los Comentarios
Reales, fecha en que el
universo académico y
literario hispanoamericano
festejará la prueba feliz de
un sincretismo que
empieza a cristalizarse en
nuestro continente.
Con esta imagen
garcilaciana quisiera abrir
el día de hoy, esta
exposición para compartir
con ustedes, mis certidumbres y mis inquietudes sobre La
aventura cultural del mestizaje.
Pero antes, para precisar mejor aún mi enfoque antropológico,
déjeme decirles que, si el 2009 celebraremos la primera edición
de los Comentarios Reales, no podemos dejar de lado, como
científicos sociales, que dentro de dos años, el 2010, todos
nuestros países estarán celebrando el Bicentenario del inicio de
nuestra Emancipación Política. Estamos en vísperas de celebrar
200 años de vida republicana: una historia común desde México
hasta Chile, una historia que nos hermana aun más y que nos
impone la tarea de hacer un balance, de preguntarnos que fue
de nuestros proyectos, de nuestras oportunidades perdidas,
nuestras utopías, para poner de relieve los aportes culturales
que nuestro continente ha hecho al mundo contemporáneo,
aportes que resultan imprescindibles para la evolución y
perfeccionamiento de la condición humana. Hace 200 años nos
independizamos de España y de Portugal, y hoy, curiosamente,
para decirlo de alguna manera, hacemos esfuerzos, tanto a nivel
oficial como intelectual y artístico, para renovar nuestros
contactos con aquellos países, pero, obviamente, en el marco de
condiciones históricas muy diferentes.
A partir del siglo XX, más precisamente desde 1910, con la
Revolución Mexicana, el mestizaje se extiende por todo el
continente dando lugar a que pasen a ser minoría social los
blancos que detentaban los beneficios del poder, me refiero a la
vieja oligarquía, y por otro lado, ocurre lo mismo con las
poblaciones indígenas de nuestro continente. El siglo XX ha sido,
por lo tanto, el marco histórico en el cual el mestizaje ha ganado
un espacio que a la fecha sigue siendo un tema preferente de
nuestra agenda intelectual.
Estamos empezando el siglo XXI con una población mestiza
abrumadoramente mayoritaria y esa población mestiza ha
cristalizado un sincretismo cultural que se enriquece con los
aportes de Europa, Asia, África dando lugar a un crisol de
culturas lo que podemos decir en otras palabras, la diversidad
cultural, sin dejar de lado el aporte de las culturas indígenas que
aún subsisten en minoría.
En América Latina se da un hecho prodigioso: los pueblos viven
en tiempos históricos distintos; en las urbes cosmopolitas o las
megalópolis, como Sao Paulo, Buenos Aires, Río, Santiago y
Lima podría decirse que estamos viviendo en una época
postmoderna en donde las conquistas de la ciencia y la
tecnología alivian el vértigo de la vida contemporánea. No
podemos decir lo mismo de sociedades andinas que se levantan
a 4,000 metros sobre el nivel del mar o en los pueblos
milenarios que se encuentran en la hoya amazónica que
desarrollan su cosmovisión en una especial relación con la
naturaleza.
A nuestro entender, uno de
los factores que ejerce su
poderío en América Latina
es la colonialidad. Un
colonialismo que todavía
subsiste y se perfila como
una prolongación de
occidente, somos un
continente periférico, un
satélite cultural de
occidente con nuestra
propia idiosincrasia y
personalidad. América
Latina se convierte así es
un escenario de des/
encuentros permanentes e
insólitos en la que se
mezclan el mundo
cognitivo, las experiencias
cotidianas, y nuestra
apreciada memoria
histórica, tan valorada por
Eduardo Galeano en sus
búsquedas infatigables por
encontrar nuestros signos
comunitarios. Las fronteras que dividen nuestros países son
ficticias, son fronteras imaginarias. Una Convención política las
establece, porque nuestros pueblos lamentablemente no se han
desarrollado de manera orgánica, entrelazándose entre ellos,
sino de manera particular y eso precisamente constituye su
diversidad: la fuerza de no haber sucumbido al poder colonizador
establecido, sabiendo rescatar elementos de su riqueza cultural
ancestral, y su debilidad por no encontrar un continente
orgánicamente fortalecido sino fragmentado. Uno de los aportes
de esta Bienal precisamente es el dialogo que se esta abriendo
para descubrirnos y conocernos estableciendo alianzas hacia
horizontes comunes. Estamos física y geográficamente tan
cercanos, pero culturalmente tan lejanos que nos desconocemos
unos de otros y esta situación, por el bien de nuestros pueblos
debe revertirse. Ese en nuestro desafío actual.
En este último medio siglo, en nuestro continente, se han dado a
conocer estudios que ahora bien podemos considerar
paradigmáticos sobre la transculturación, el sincretismo cultural
vigente en nuestra América. El aporte espléndido de Octavio Paz
en su “Laberinto de la Soledad”, “La Ciudad letrada” del
uruguayo Angel Rama, pasando por el Calibán, del gran poeta
Roberto Fernández Retamar, que nos ilumina con sus versos
desde Cuba. , así como el aporte de Darcy Ribeiro quién en su
libro “América y Civilización” enriquece la teoría antropológica
para explicarnos el proceso del mestizaje. Darcy Ribeiro señala
que en nuestro continente hay Pueblos-Testimonio: los andinos y
mesoamericanos, cuyas nacionalidades han preservado sus
lenguas, sus ritos tradicionales, su visión del mundo; PueblosNuevos: los de Brasil, Chile y las Antillas, en donde los rezagos
de las culturas precolombinas se fusionaron con la europea, la
africana e incluso la asiática. Y Pueblos-Transplantados, como
Argentina y Uruguay. Es decir, estamos ante sujetos sociales de
un país nuevo (como ustedes), donde hace uso de la palabra una
mujer que se enraíza con las culturas milenarias de nuestra
América.
Todos estos trabajos no fortalecen y enriquecen desde una
mirada sin concesiones y a la vez integradora donde se recogen
las diferentes voces y testimonios de todos los aportes de las
diferentes culturas e identidades.
Siguiendo las huellas de estas lecturas maestras queremos
plantear algunas reflexiones sobre el mestizaje cultural y su
influencia en la sociedad latinoamericana.
La idea del mestizaje
como un elemento
fundacional en las
sociedades del nuevo
mundo, permite el
encuentro de culturas
como dice García
Canclini: la mezclan los
colonizadores
españoles y
portugueses, ingleses
y franceses con
indígenas americanos a
los cuales se añadieron
los esclavos
trasladados desde
África y posteriormente
los chinos y japoneses
venidos del continente
asiático, que generan fusiones raciales o étnicas, mezclas
interculturales, sincretismo de creencias religiosas que desde la
antropología y las ciencias sociales son estudiadas como
procesos de hibridación desde una nueva mirada que permite
plantear nuevas formas de convivencia multicultural y moderna.
Por tanto una primera reflexión nos lleva a entender que en
Nuestra América debemos trascender la noción de un mestizaje
biológico que ahora es insuficiente para pasar a un mestizaje de
dimensión cultural que nos demanda asimismo, ampliar el
concepto de Estado-Nación por el de Estados-multinacionales,
donde confluyan ideas, formas de pensamientos, ritos sociales,
hábitos de las sociedades indígenas y mestizas a fin de propiciar
una política inclusiva y tolerante. La noción de mestizaje en el
contexto actual del mercado global, donde confluyen
migraciones, conflictos de identidades y lucha de intereses, se ha
convertido en noción controvertida. En las ciencias sociales y en
el pensamiento político y democrático se centra actualmente la
discusión, en la dimensión cultural de las interrelaciones que se
dan en las diferentes identidades. En la antropología, los
estudios culturales y en las políticas se plantean el diseño de
formas de convivencia multicultural moderna inclusiva. Ejemplo
claro son las flamantes Constituciones de Bolivia y Ecuador, sin
negar los avances en el mismo sentido de Venezuela. La nueva
Constitución de Bolivia nos habla ya de descolonizar, de refundar
Bolivia, de reconocer el multiculturalismo, y la plurinacionalidad,
de los derechos colectivos comunitarios.
El concepto de hibridación señala Néstor García Canclini, consiste
en “procesos socioculturales en los que estructuras ó prácticas
discretas, que existían en forma separada, se combinan para
generar nuevas estructuras, objetos y prácticas”. En el Cusco,
por ejemplo, en el siglo XVIII se dio una feliz combinación del
estilo barroco europeo con la imaginería indígena, dando lugar a
lo que hoy se llama, en la Pintura, la escuela Cusqueña, también
conocida como el barroco andino. Otro ejemplo moderno de
hibridación es el tema de la música, en el género denominado
chicha, se da una fusión del huayno andino con la música
tropical del Caribe, primordialmente en el Perú.
Las interacciones culturales son hoy muy intensas, gracias al
proceso globalizador, se redefinen las investigaciones
incorporando nuevos conceptos, mezclas interculturales fusiones
raciales y étnicas, sincretismo de creencias producto del
mestizaje, se interrelaciona “lo tradicional y lo moderno, lo culto
y lo popular, lo artesanal y lo industrial, lo escrito, lo visual y lo
mediático”. Es importante resaltar también como los estudios
sobre hibridación modifican el modo de hablar, establecen
nuevas categorías y trabajan otras temáticas sobre: identidad,
cultura, diferencia, desigualdad, multiculturalidad, educación
intercultural, dando cuenta sobre “pares binarios organizados de
manera muchas veces conflictiva en las ciencias sociales:
tradición / modernidad, norte / sur, local / global”, lo que hace
muchas veces que los modelos identitarios de nuestras propias
realidades se complejicen.
A estos aciertos, senâlados por García Canclini, deberíamos
agregar el aporte de Arturo Escobar (1988) quien señala que
podemos entender que “Las culturas ya no están constreñidas,
limitadas y localizadas sino profundamente desterritorializadas y
sujetas a múltiples hidibridaciones”.
Las ciencias sociales apuntan certeramente cuando sostienen
que las tensiones entre tradición y modernidad son fuente de
conflicto, pero también de creatividad y de fusiones entre lo
global y lo local. Así la globalización viene generando nuevos
mestizajes culturales entre elementos locales y transnacionales.
Más todavía ciertas tradiciones locales se deslocalizan y se
esparcen por el mundo. Es importante señalar cómo los procesos
a nivel local no son ajenos al contexto de la globalización y se
establece la “capacidad de funcionar como unidad en tiempo real
a escala planetaria”. La globalización como un fenómeno objetivo
no depende de nuestro modo de pensar o sentir y nos afecta
independientemente de nuestra situación económica o
geográfica como hecho definitivo e irreversible. La
mundialización de la economía es una de las causas de la
globalización pero no la única.
Recientes
estudios
señalan
también
que el
proceso
global
se
presenta
además
como
un
estado
de
ánimo,
un
cambio cultural y de mentalidad, como una posibilidad de que
surja una nueva sociedad. Este fenómeno afecta también no solo
a nuestra organización social, económica o política, sino también
a nuestros principios, valores, creencias y en general a todas
aquellas cosmovisiones que han sido referencias paradigmáticas
de nuestra forma de ver y entender el mundo.
Podemos imaginar entonces una sociedad de futuro donde el
mestizaje no sea producto de una acción desgarradora, como
aquella que afectara tanto históricamente a los primeros
mestizos, como lo hemos recordado al señalar el desgarramiento
existencial del Inca Garcilaso de la Vega. Muchas aguas han
pasado bajo el puente de nuestra historia continental, y el
concepto del mestizaje hay que entenderlo ahora, como bien
señala José Pérez Tapia (1999-2000), sino una aventura cultural
humanizadora de encuentros y diálogos interculturales -que nos
permitan construir una sociedad auténticamente democrática e
inclusiva-, uno de esos espacios en donde a partir de una
educación democrática e intercultural se pueda empezar a
generar consensos de dialogo e intercambio.
Mientras subsista las contradicciones, tensiones, conflictos entre
Estado-Nación, en algunos países como el Perú, Bolivia, Ecuador,
por ejemplo, que da lugar a una no integración total, subsistirán
barreras para la Integración regional y más aún continental.
Hay, pues, una doble tarea: impulsar la integración dialéctica,
creativa, del estado-nación a un estado nación multicultural en
algunos países nuestros y, al mismo tiempo, insistir en una
política de integración plena de todos nuestros países.
Es por todo esto que yo celebro esta Bienal que nos permite
compartir con ustedes, desde los Andes y América Latina
diversas miradas que nos impulsan a forjar un Proyecto
continental, respetando nuestra individualidad nuestros rasgos
particulares, con una mirada amplia e integradora, incluyente,
que nos lleve a formular una propuesta inclusiva, donde todos
los logros artísticos, culturales, artesanales que actualmente
pasan desapercibidos en nuestros países y que paradójicamente
son valorados en Europa y los EEUU sean revalorados por
nosotros mismos.
Hace más de 100 años el poeta y ensayista cubano José Martí
uno de los grandes visionarios de nuestra América señalo:
Bienvenidas las culturas que vienen de Europa, pero que estas
no nos hagan perder nuestras raíces culturales: “el árbol será
europeo, pero las raíces serán indígenas”
Nuestro más entrañable narrador del mundo andino, José María
Arguedas cuando recibe el premio Inca Garcilaso de la Vega en
1968 en su discurso de agradecimiento expresó que él era el
resultado de un mestizaje social y cultural, artístico, en el que
señala que en el Perú podían vivir gozosamente todas las patrias
y todas las sangres. “Yo no soy un aculturado; yo soy un
peruano que orgullosamente, como un demonio feliz habla en
cristiano y en indio, en español y en quechua”.
El sentimiento que nos llevamos de esta Bienal es el de la
esperanza de los pueblos, esperanza que debe transitar a la
acción, a experimentar la fuerza y el vigor colectivo que debe de
traducirse en una acción política de propuesta, vigilancia y
exigencia a los gobiernos en los compromisos que permitan
avanzar a un continente más nuestro.
Nuestras fronteras deberían estar abiertas a un diálogo creativo,
enriquecedor, permanente, si Europa ha sido capaz de postergar
todas sus diferencias para dar paso a la Unión Europea, ¿por qué
no pensar que en un futuro no lejano podamos nosotros integrar
una comunidad de naciones latinoamericanas? No aceptemos
que a nombre de una política neoliberal a ultranza se mantenga
la acción depredadora de nuestros territorios y se pongan en
venta nuestros derechos. Aspiremos a una nueva
institucionalidad y tratamiento de la Agenda Sudamericana de
Naciones que recoja las voces, las visiones y el protagonismo en
el proceso de construcción de un sueño colectivo con dignidad y
soberanía.
Es de esperar para un futuro inmediato que nuestros países
recogiendo las lecciones de nuestra historia continental propicien
una política inclusiva con Brasil, que las lenguas no nos separen,
que las peculiaridades de cada país no sean barreras
infranqueables. Busquemos lo que nos concierta. Y juntos
forjemos un continente próspero y unido, así nos lo reclaman las
generaciones futuras de las comunidades que pueblan la
amazonía, los andes, las costas que son bañadas por dos
océanos. Todos estos proyectos de cambio parecieran ser un
sueño o una utopía por cumplir. Sin embargo, confiamos como lo
dijimos al inicio de nuestra exposición, que podrían
transformarse en una ardiente realidad. Es una tarea de todos y
sabemos que lo lograremos, porque como dijo José María
Arguedas: “Todas las sangres, nos alientan.” Todas las patrias
sostienen nuestros sueños”, y permítanme, para finalizar mi
exposición, compartir con ustedes un verso del poeta peruano
César Vallejo que suena hoy día como una hermosa consigna
que nos desafía ante la historia: “Hay hermanos, muchísimo que
hacer.”
GRAZIA OJEDA DEL ARCO TANG (Peru, 1956). Integra a Equipe de Assessoria
Acadêmica do Ministério da Mulher e Desenvolvimento Social. Antropóloga, com
especialização em diversidade cultural e interculturalidade. Sobre este tema tem
percorrido alguns países europeus e americanos a dar conferência. Contato:
[email protected].
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Texto apresentado na mesa "Mestiçagem cultural e sua influência na
sociedade latino-americana"
Sala Herman Lima - 21 de novembro de 2008
Mediação: Nicolau Saião (Portugal)
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
La poesía guaraní - desde los cantos
míticos a las expresiones de hoy
Susy Delgado
.
La literatura escrita en guaraní es un tema rodeado de nutridas
polémicas, como todo lo que se relaciona con esta lengua que ha
llegado a los primeros tramos del tercer milenio con una vitalidad
asombrosa pero también con signos claros de una antigua
discriminación. Esta literatura dio sus primeras señales ya los
primeros tiempos de la colonia y hoy existe con muestras
indudables, pero todavía hay quienes preguntan o directamente
cuestionan por qué escribir en guaraní, recordando su condición
original de lengua ágrafa y su situación actual dentro de la cual
persiste la inacabable discusión sobre su escritura.
Puntualicemos brevemente los principales aspectos de esa
situación, recordando que el guaraní tiene el status de lengua
oficial en igualdad de condiciones con el castellano desde 1992, y
que la Reforma Educativa empezó a implementar un Plan de
Educación Bilingüe en 1994, hechos que constituyeron
reparaciones históricas, pero que no fueron honrados
suficientemente en los hechos. La oficialidad no pasó nunca de
ser simbólica, ya que hasta el presente el estado paraguayo no
funciona en esta lengua, y la Reforma Educativa, el único terreno
en el cual se trabajó de hecho por la dignificación del guaraní, se
ha venido desarrollando con más rechazos que adhesiones. Luego
de sucesivas revisiones y correcciones, en los últimos años el
Ministerio de Educación dio libertad a las escuelas para que
eligieran entre la modalidad guaraní hablante y la del castellano
hablante para el inicio del proceso educativo y el resultado ha
sido la disminución drástica de instituciones que asumen la
primera forma. En estas condiciones, la pretendida bilingüización
aparece todavía como una meta lejana y no es extraño que el
guaraní sea descifrado en la lectura por muy pocos, uno de los
cuestionamientos que esgrimen quienes ponen en entredicho la
validez de la literatura escrita en esta lengua. Con un 86% de
hablantes en todo el país, el guaraní no accede sin embargo hasta
el presente a ciertos niveles de uso que la proyecten como una
lengua del futuro.
Este es el panorama que enfrentan las autoridades que han
asumido el gobierno el pasado agosto, quienes manifestaron su
firme intención de revertir esta situación y ubicar al guaraní en el
lugar que se merece como lengua que ha marcado
profundamente el carácter y la cultura de los paraguayos. Y en
esa intención se inscriben algunas primeras tareas, como el
apoyo a la promulgación de una Ley de Lenguas y un Convenio
entre la Secretaría Nacional de Cultura y la Secretaría de la
Función Pública para ofrecer cursos de Guaraní a los funcionarios
públicos. Pero esta es una labor que está en sus inicios y que
naturalmente no puede dar todavía sus frutos. Por ahora, en esta
contextualización que pretendemos hacer para la literatura
guaraní de las últimas décadas, hay que decir que por encima de
condiciones no muy favorables, esta literatura guaraní ha dado y
sigue dando muestras de vitalidad, ha hecho como en cualquier
lengua, su propio proceso de paso de la oralidad a la escritura y
viene haciendo su camino, con sus esplendores y vacilaciones.
Dentro de esa literatura, la poesía es el género más cultivado y la
misma ha recogido y reflejado la impronta española en un
extenso periodo, alcanzando su máximo esplendor con la poesía
popular de las primeras décadas del siglo XX. En una nueva
etapa, denominada por algunos especialistas de la “poesía
guaraní moderna”, ella empezó a bucear en otros surcos y
herencias. Yo ofrezco aquí una aproximación al gran legado de los
cantos míticos y su influencia en la poesía guaraní de las últimas
décadas.
Haciendo un poco de
historia, debemos
mencionar en primer
lugar el largo periodo
de desconocimiento
que pesó sobre los
cantos míticos y sobre
todas las demás
expresiones culturales
de los guaraní, hasta
hace pocas décadas,
en el Paraguay.
Enmarcadas en una
cultura ágrafa,
recelosa de la
escritura según lo
testimonian las
crónicas antiguas y
señales más cercanas en el tiempo, estas expresiones se
mantuvieron en un gran secreto que bien pudo responder a una
estrategia de resistencia ante la profunda discriminación que se
les impuso desde la llegada de los españoles a la región.
Y podemos recordar aquí algunos de los hallazgos fundamentales
que abrieron camino al postergado conocimiento de la poesía
indígena guaraní: el del antropólogo alemán Kurt Unkel (18331945), quien recogió los textos míticos de los apapokúva-guaraní
y los publicó en Berlín en 1914, bajo el título de Los mitos de la
creación y destrucción del mundo como fundamento de la religión
de los Apapokúva-Guaraní, y el de León Cadogan (1899-1973),
quien recogió los cantos míticos de los mbyá guaraní del Guairá y
los volcó en varios libros, el más importante de los cuales es el
Ayvu Rapyta (El fundamento de la palabra), considerado el libro
sagrado de este pueblo.
Kurt Unkel, que había llegado al Paraguay a principios del siglo
XX, interesado en la etnia de los apapokúva-guaraní que
ocupaban la región fronteriza entre Paraguay y Brasil, y luego de
un periodo de acercamiento cuidadoso, se convenció de que solo
“convirtiéndose” en un apapokúva podría acceder a sus secretos,
conquistó finalmente la confianza de los indígenas y logró que
éstos lo bautizaran con el nombre de Nimuendaju, “El que crea su
propio asiento”. Ya visto y tratado como un hermano espiritual de
los indígenas, el antropólogo fue develando poco a poco las claves
de la admirable cosmogonía guaraní que guardaban los
apapokúva, en cuyo centro se ubica el sagrado valor de la
palabra. Tal como lo señala Graciela Chamorro (31), Nimuendaju
fue “el primero en informar la persistencia de la palabra indígena,
hablando desde dentro de la experiencia religiosa”.
En el libro Los mitos de la creación y destrucción del mundo como
fundamento de la religión de los Apapokúva-Guaraní, Unkel volcó
no solamente la concepción guaraní sobre el principio y la
creación del mundo, sobre la existencia de un Dios creador y la
compleja cosmogonía en que el mismo se inserta, sino que develó
el valor central de esta cultura, el ñe’ë, la palabra, la que llega a
los chamanes en el sueño para nombrar a las personas, y al
hacerlo, otorgarles el ser. Al decir de Bartomeu Meliá,
Nimuendaju devela con estos mitos fundadores una “religión de la
palabra”.
En Paraguay, el desconocimiento de estos cantos míticos se
prolongó todavía algunas décadas, ya que se conoció una
traducción de este libro, editada en San Pablo por Juan Francisco
Recalde, con una pequeña tirada de 100 ejemplares, recién en
1944.
Reflexionando sobre aquel largo secreto, dice Rubén Bareiro
Saguier (22): “Ante la agresividad reductora, la palabra religiosa,
depositaria ancestral de la identidad, símbolo y clave de la
supervivencia de la comunidad, se vuelve esotérica, y no se
revela sino a quien ha sido aceptado e integrado como miembro
del ‘asiento de los fogones’”. Nimuendaju lo había logrado,
abriendo camino a los investigadores que siguieron buceando en
ella, entre los cuales es considerado fundamental el aporte de
León Cadogan.
Cadogan, paraguayo de ascendientes australianos, antropólogo
autodidacta, realizó largas y profundas investigaciones con los
mbyá-guaraní del Guairá, de quienes llegó a recoger a partir de la
década del 40, un amplio y variado conjunto de textos míticos,
considerado por los especialistas como el corpus más importante
de textos orales de los guaraní.
En una experiencia similar a la de Unkel, invirtió un buen tiempo
en ganarse la confianza de los indígenas y finalmente, luego de
un hecho circunstancial en el cual intercedió para la liberación de
un mbyá preso, los indígenas le revelaron sus cantos secretos.
Cumpliendo el mismo ritual vivido por Nimuendaju, los mbyá
bautizaron previamente a Cadogan como “Tupã kuchuvi
veve” (Dios torbellino que vuela), y luego le descubrieron la
existencia de los “Ñe'e Porã Tenonde”, Las Primeras Palabras
Hermosas.
Resumiendo la gran labor de Cadogan, hay que decir que el
investigador logró, al cabo de una tarea de muchos años, la
recopilación y transcripción del más importante conjunto de
cantos que guardan los mitos de la religión mbyá-guaraní. Una
parte de esos textos reunió en el estudio titulado Las tradiciones
religiosas de los indios Jeguaká Tenondé Porängué i del Guairá,
comúnmente llamados Mbyá, Mbyá apyteré o Ka’ynguá, publicado
en 1946 por la Revista de la Sociedad científica del Paraguay.
Luego, aquellos textos iniciales se vieron engrosados por otros
nuevos, todos los cuales se reunieron en el libro Ayvu Rapyta (El
Fundamento de la Palabra), en 1959 y en Yvyra Ñe'ery (Fluye del
árbol la palabra) en 1970. Entre todos ellos, el Ayvu Rapyta se
destacó nítidamente, instalándose junto a los grandes textos
sagrados de otros pueblos antiguos de América, como el Popol
Vuh de los mayas. El complejo y deslumbrante universo mítico de
los guaraníes se había develado por completo.
Con un gran celo por la fidelidad a la palabra escuchada, Cadogan
volcó textualmente en la escritura aquellos cantos, y con una
actitud consecuente, señaló en su prólogo como “los verdaderos
autores del trabajo” a los indígenas que le habían revelado dichos
cantos: los caciques Pablo Vera y Che’íro, al mayor Francisco
(Chico’i), y a los indígenas Kachirito, Tomás Benítez, Cirilo,
Higinio y Mario Higinio, de diferentes lugares del Guairá.
El Ayvu Rapyta, ese texto que alguien consideró equiparable a la
mejor poesía del mundo, es un extenso canto en que se relata la
creación del mundo y que se inicia refiriendo sobre la existencia
originaria de Maino'i, el colibrí maravilloso. Dicen los primeros
versos del Capítulo I de Ayvu Rapyta, con traducción del propio
Cadogan:
Ñande Ru Papa Tenonde/ gueterã ombojera/ pytû ymágui/
Yvára pypyte/ apyka apu'a'i/ pytû yma mbytére/ oguerojera
(Nuestro Padre Ultimo-último Primero,/ para su propio cuerpo
creó/ de las tinieblas primigenias./ Las divinas plantas de los
pies,/ el pequeño asiento redondo,/ en medio de las tinieblas
primigenias,/ los creó, en el curso de su evolución).
El Ayvu Rapyta se compone
de 19 capítulos, dedicando
los cuatro primeros al
génesis mbyá-guaraní, en
los cuales se relata el origen
de los dioses, la creación del
fundamento de la palabra y
asimismo la del fundamento
del amor comunitario, del
mundo y de los hombres.
Estos textos eran conocidos
solo por los Jeguakáva
Tenonde Porangue i, los
adornados elegidos, por el
alto significado que les
otorgaban los indígenas. A
los mismos siguen otros
cantos de importancia
secundaria, referidos a
diversos aspectos de la vida
cotidiana, y oraciones para
acompañar determinados
rituales, que guardan normas y consejos para la vida. En estos
cantos se despliega en toda su riqueza, el pensamiento mítico
guaraní, todo su complejo universo religioso y filosófico, que gira
en torno al valor central de la palabra. Un breve fragmento del
capítulo especial dedicado a la creación de la palabra dice así:
Ñamandu Ru Ete tenondegua/ oyvára peteîgui,/ oyvárapy
mba'ekuaágui/ okuaarávyma/ tataendy, tatachina
ogueromoñemoña./ Oãmy vyma,/ oyvárapy mba'ekuaágui,/
okuaararávyma/ ayvu rapytarã i oikuaa ojeupe./ Oyvárapy
mba'ekuaágui,/ okuaararávyma,/ ayvu rapyta oguerojera,/
ogueroyvára Ñande Ru.
(El verdadero Padre Ñamandu, el primero,/ de una porción de
su propia divinidad,/ de la sabiduría contenida en su propia
divinidad,/ y en virtud de su sabiduría creadora/ hizo que se
engendrasen llamas y tenue neblina./ Habiéndose erguido/ de
la sabiduría contenida en su propia divinidad,/ y en virtud de
su sabiduría creadora,/ creó nuestro Padre el fundamento del
lenguaje humano/ e hizo que formara parte de su propia
divinidad.).
El Ayvu Rapyta se erigió en un verdadero hito dentro de lo que
algunos hoy denominan la poesía de los guaraní. Pero en esta
tarea de develar la palabra de estos indígenas no podemos
olvidar tampoco los aportes de otros investigadores como Egon
Schaden, Pierre Clastres, Marcial Samaniego, Branislava Susnik,
Bartomeu Meliá, Miguel Chase Sardi, Guillermo Sequera, Carlos
Martínez Gamba y José Zanardini.
De acuerdo con la concepción guaraní, la palabra es canto, danza
y oración para comunicarse con los dioses. El ser guaraní se
identifica profundamente con la palabra y ésta marca el rasgo
esencial del hombre, desde el momento en que éste es
engendrado. En el acto de unión amorosa, el padre comunica la
palabra soñada a la madre, que queda preñada de esta palabra.
El ser humano es, por lo tanto, una encarnación de la palabra. Y
esta palabra es instrumento de perfección, a través de la cual, el
guaraní se hace más sabio y más hombre, y alcanzar finalmente,
su mayor prestigio. La virtud más alta del guaraní está en su
capacidad de concebir y expresar el Ñe’• porã, la palabra
hermosa. “Los guaraníes no solo son ‘señores de la palabra’ como
ya notaron conquistadores y misioneros, sino que ellos se saben
palabra” dice Bartomeu Meliá.
En Paraguay, cuando se habla de poesía indígena, se alude a
estos cantos míticos que todavía sobreviven en la voz de los
chamanes, en las ceremonias que marcan el calendario de la
religiosidad guaraní. Heredera de una lengua ágrafa y de una
cultura fuertemente sostenida en la oralidad, es fácil notar que
ella ha sobrevivido alejada del concepto occidental de poesía, que
se apoya firmemente en la escritura. Pero también hay que
observar que superando una larga discusión sobre la naturaleza y
la denominación de las expresiones culturales como éstas, la
mayoría de los especialistas coinciden hoy en calificarlas como
“poesía indígena”. Delicia Villagra (45) opina que “no se trata de
que la noción de ‘literario’ sea asimilada, ipso facto, a la
escritura” y que “escritura y oratura no se oponen”. Y en
Paraguay –agrego- cuando se habla de poesía guaraní, se suele
ampliar el significado a las expresiones de los poetas mestizos,
por el singular fenómeno lingüístico que se ha dado en el país,
con una lengua que pese a toda la discriminación y proscripción
que se ha ejercido sobre ella, ha sobrevivido con una asombrosa
vitalidad, al punto de que hoy, a cinco siglos de la llegada de los
españoles, es hablada por la gran mayoría de los paraguayos.
¿Cómo ha influido esa palabra hermosa de los indígenas en la
poesía guaraní mestiza, una vez que ésta dejó de ser secreta?
Luego de un largo periodo en que esta influencia fue poco notoria
o inexistente por los motivos mencionados, la misma empezó a
dar sus claras señales en la segunda mitad del siglo XX, con los
primeros ejemplos de la denominada poesía moderna en guaraní.
Una época marcada por la dictadura stronista que impuso una
atmósfera liberticida en todos los órdenes, que persiguió y
proscribió las voces de muchos importantes escritores
paraguayos, fue el marco paradójico de este nacimiento. En esta
atmósfera, recordemos, la poesía se erigió como la voz de la
resistencia, para decir la angustia y la indignación de un pueblo. Y
esta poesía se expresó muchas veces a su modo raigal: en
guaraní.
Por lo tanto, en este clima de signos contrarios –mientras la
dictadura actuaba como mordaza, la revelación de la palabra
guaraní lo hacía como aliento- emergió la nueva poesía guaraní,
una poesía que se proyecta desde la recuperación de los valores
fundamentales de la cultura guaraní, empezando por el de la
propia lengua. Caído el régimen stronista, el guaraní obtuvo como
dijéramos antes, su reconocimiento como Lengua Oficial en la
nueva Constitución de 1992, y ha venido avanzando desde allí en
otros terrenos de su recuperación. La poesía guaraní ha venido
caminando a la par y se ha erigido, antes que nada, en expresión
de la revalorización de la palabra. Profundizando la recuperación
de la lengua, esta poesía ha empezado a rescatar otros valores
centrales de la cultura guaraní como los de la tierra y la
naturaleza, la libertad, la solidaridad y la equidad social.
¿Y cuáles son los nombres de esta nueva poesía? Ida Talavera,
poeta bilingüe nacida en 1912, es considerada por algunos como
la fundadora de la poesía moderna en guaraní. Con un solo
poemario publicado -Esto de andar, Péndulo, 1966-, ella dio a
conocer sus poemas en diversas publicaciones de la época, entre
los cuales se contaban numerosos textos en guaraní. En sus
textos, la poeta alterna formas clásicas no demasiado ortodoxas
con el verso libre, y le da un nuevo acento a la poesía social
paraguaya, que tuvo muchos cultores en las últimas décadas,
como en ese poema sugestivamente titulado Purahéi pyahu Canto nuevo (Krivoshein de Canese, Acosta Alcaraz, 172), que
dice:
Yma asyetéma, che ryke’ykuéra,/ tyryryhápe jaiko mayma,/
tekotev•ma ñande ojoykére/ ñahenonde’a ko’•ju rape.
(Hace tánto tiempo, hermanos míos,/ que vivimos todos
arrastrándonos,/ es necesario que uno junto al otro/
enfrentemos el camino del alba).
El canto a la tierra y a la voz genuina que de ella surge fue un
tema recogido por poetas como Carlos Federico Abente, autor de
Ñemity (Teresa Méndez Faith, 51-52), verdadero himno de la
resistencia paraguaya en los años de la dictadura, cuyos primeros
versos dicen:
Jahypýi ko yvy tome’• hi’a/ ñamboapy ko sapukái/ yvytu
vevére ñahendu iñe’•/ ñande kóga purahéi.
(Reguemos la tierra, que nos dé sus frutos,/ extendamos este
grito/ escuchemos su voz volando en el viento/ canción de
nuestro sembradío).
En 1989 sobrevino en Paraguay el golpe de estado que marcó el
fin de una época. Precisamente en ese año, un poeta que conoció
las más duras persecuciones del régimen stronista, Félix de
Guarania, expresaba en su poema titulado ¡Pehendu che ñe'e!
(Escuchen mi palabra) del libro Tojevy kuarahy (Que vuelva el
sol, 27), la esperanza de la palabra liberada, instalándose en una
reivindicación directa de la palabra guaraní:
Péina ápe/ aheja che ñe’•./ Toveve/ toipykúi/ tekove rape...
(He aquí/ que dejo mi voz./ Que vuele/ que emprenda/ el
camino de la vida...)
Carlos Martínez Gamba, poeta que obtuvo el primer Premio
Nacional de Literatura concedido a un escritor de lengua guaraní
en el 2003, asume sin complejos lo que hoy es definido como el
“guaraní paraguayo”, un guaraní que sobrevive con abundantes
préstamos del castellano, y cultiva una variada temática, desde
aquellos anclados en la mitología y la sabiduría indígena y
popular.
Los versos que rescatamos aquí corresponden al poema Guyra
Compuéhto (Compuesto de los pájaros), de su libro Guyraretã
(Patria de los pájaros, 29), donde el poeta compone un delicioso
canto a la naturaleza:
Ypajere rembe'ype/ guyra kuéra oñombyaty;/ Kuarahy Mimby
santo'ára/ tuichaite ojerohory./ Oguãhêma Alonsito/ Chiripepe ha
Yryvu;/ ityvyta ñuvait•/ oúvo Ñakurut•
(A orillas de Ypajere/ los pájaros se reúnen/ es el santo de la
garza/ lo que mucho se celebra./ ya se acerca el alonsito,/ el loro
y también el cuervo;/ y tiene las cejas juntas/ el búho que está
llegando).
El tema ecológico está
presente asimismo en
muchos de los poetas
que aquí mencionamos,
con un claro tono de
lamento por las graves
lesiones que se hacen a
la naturaleza, como en
los poemas de Mauro
Lugo, perteneciente a la
más nueva camada de
escritores de lengua
guaraní, que en su
poema Hendy potaite
(Está por encenderse,
43), dice:
Hakuvy añandu/ yvy,/
yvytu,/ ysyry./
Hakuvéma katu,/
hakuvéma voi./ Ha hakúgui avei/ ikã,/ ipiru,/ omano,/ oparei/
yvyra.
(Siento entibiarse/ la tierra,/ el viento,/ el río./ Ya está más
caliente,/ más caliente aún./ Y por el calor/ se seca,/ se
agrieta,/ muere,/ se acaba sin más/ el árbol).
Y buscando las huellas de la sensibilidad guaraní no podemos
olvidar el erotismo, surco que ha encontrado una inquietante y
exquisita voz en Lilian Sosa, poeta inédita hasta hoy, cuando al
fin anuncia la publicación de su primer libro. Uno de los poemas
de esta autora, extraído de la antología Poesía Guaraní de Rubén
Bareiro Saguier y Villagra Marsal (162), dice en sus primeros
versos:
Amo che pytasã guive/ repoñy che apére:/ ñehetã pa’úme/
rejupi mbeguekatumi/ ha pe tape ku’áre/ repyta sapy’aite/
jasy ka’aguy raity kupépe/ remono’õ eirete.
(Allá, desde mis talones/ reptas sobre mi piel./ entre besos/
subes, muy despacito/ y en la cintura del camino/ te detienes
un momento,/ y en los bordes del nido de la luna selvática/
recoges la miel).
Uno de los poetas contemporáneos que mejor ha expresado la
herencia guaraní es Zenón Bogado Rolón, tempranamente
fallecido a los 53 años, quien mostró claramente esa huella a lo
largo de sus cuatro libros. Con un guaraní de admirable riqueza,
Bogado elabora su poesía sobre la fuente directa de aquellos
cantos, invocando al dios Ñamandú y a sus deidades,
lamentándose por la destrucción de los antiguos bosques
sagrados, recreando la utopía del Yvy Marae’ÿ.
Uno de los poemas de su último libro Ayvu pumbasy, titulado
Ka’aguy jejuka (Muerte de la selva, 345), dice:
Ka’aguy jejuka rovy•,/ Ka’aguy rypy’•,/ Ka’aguy pyrusu;/ Jasy
rova ári guive/ Nde resa añoite omimbi.
(Muerte azul de la selva,/ selva espesa,/ selva profunda; desde
la faz de la luna/ solo tus ojos brillan)
Y que termina clamando:
¡Che Ru Avatupã!/ Tamói ñe’ä keguýpe/ eroha’ãmona vokói/
ko’eju tenondegua.
(¡Mi Padre Avatupä!/ te ruego que reveles/ al sueño del
shamán Tamói/ el amanecer del futuro).
El autor que a mi entender, mejor representa la revalorización de
la palabra, en el sentido original de aquella palabra-alma de los
guaraní, es Gregorio Gómez Centurión, poeta de extracción
campesina, que ha trabajado y convivido con los indígenas
durante muchos años. De sus textos, que reflejan su gran
compenetración con el pensamiento guaraní, escogemos unos
versos de su poema Ñe’ë – Palabra, del libro del mismo título
(59), que ilustran la calidad de su reflexión poética en este tema:
Ñe’ë ndaha’éi tyapu rei/ ñe’ë ko hete, ijuru, hesa,/ ñe’ë
ikorasö, hi’äga, ipyapy,/
Upéicha rupi ñe’ë jahecha/ ñe’ëre añete japokokuaa/ ñe’ë
ndaha’éi pararä rei.
(La palabra no es un ruido vano/ la palabra tiene cuerpo, boca,
ojos,/ tiene corazón, alma y coraje/ por eso es que vemos que
a la palabra/ a esa verdadera, se puede tocarla,/ la palabra no
es un sonido vano).
La nueva poesía guaraní incluye los nombres de otros poetas
como Miguel Angel Meza, Lino Trinidad, Wilfrido Acosta, Ramón
Silva, Feliciano Acosta, Rodolfo Dami y Alberto Luna. Quien les
ofrece este panorama ha hecho su propia elaboración de la huella
guaraní en algunos de sus libros, especialmente en Ayvu
membyre, una especie de viaje onírico en busca de la palabra.
En este breve muestrario hemos querido esbozar las grandes
líneas de la influencia indígena en la poesía guaraní mestiza que
se ha dado a conocer en las últimas décadas. En el aspecto
formal, los poetas de lengua guaraní de estos tiempos van
superando paulatinamente los modelos clásicos españoles que
dejaron su marca indudable en la poesía de las décadas
anteriores. Con el aliento de la revalorización paulatina de la
lengua, estos poetas van dibujando una nueva poesía, hurgando
en la musicalidad y el ritmo, la plasticidad y la densidad de la
propia lengua. A nuestro modo de ver, la búsqueda de su palabra
es la búsqueda de su lengua, forma que no solo acarrea en sí
misma un contenido de alto valor histórico-cultural, sino que se
abre admirablemente a la posibilidad de decir los temas más
vigentes de nuestro tiempo. Y si bien esta poesía no salvará el
canto profundo del chamán, amenazado y cercado por las
topadoras, es la búsqueda terca de aquel Ayvu, aquella palabra
que todavía late en su memoria, como puerta del ser en plenitud
y en libertad.
SUSY DELGADO (Paraguai, 1949). Prêmio Rádio França Internacional e Prêmio Municipal
de Literatura. Jornalista, narradora e poeta bilíngüe (espanhol e guarani). Fundou e dirige
a revista Takuapu. Organizou uma destacada antologia de literatura paraguaia e tem
publicado livros também na área de literatura infantil. Contato: [email protected].
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Texto apresentado na mesa "Língua e cultura guarani"
Sala Dolor Barreira - 18 de novembro de 2008
Mediação: Camilo Prado (Brasil)
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
La vanguardia en los años sesenta
Sergio Mondragón
.
¿Una segunda vanguardia en América Latina en los años
sesenta? ¿Reaparición de la corriente poética vanguardista que
se dio en las lenguas latinoamericanas a principios del siglo XX,
se ocultó más tarde durante algunos años, y brotó de nuevo con
ímpetu renovado en esa década espléndida y terrible? He aquí
una hipótesis adicional: la existencia de una vanguardia
permanente en el arte literario, asociada a una tradición de la
ruptura, generadora y recipiente de las novedades y las
metamorfosis de las formas escritas, aquello que implica el
abandono de las convenciones anteriores, reverberaciones del
idioma que en su perenne movilidad nos recuerda siempre que el
evento central de la vida y el arte literario es el perpetuo
cambio, algo que en la historia de la poesía en lengua española
dio principio en el momento mismo del nacimiento de las lenguas
romances.
La década de los años sesenta fue en varios de nuestros países
protagonista de una ruptura de los valores artísticos, sociales,
morales y políticos. Una ruptura que se venía gestando y
expresando desde años anteriores. Un aire fresco y nuevo en la
forma de sentir. Una revolución de las formas, que es lo mismo
que decir: una renovación de los contenidos. La década extendía
su ramillete de acontecimientos magníficos y atroces: la guerra
de Vietnam y el movimiento pacifista internacional; la revolución
cubana, que tendió desde el primer día una aureola de
esperanza sobre América Latina, donde muchos países padecían
sangrientas dictaduras militares, golpes de estado y feroces
gobiernos oligárquicos. El espíritu de la época se expresaba en la
búsqueda del cambio de estructuras, y eso explica la intensa
experimentación que se dio, el entusiasmo, la novedad y la
rebelión en todos los ámbitos de la sociedad, el cuerpo, el
pensamiento y el arte. Es entonces que se da la toma de
estafeta y reaparece con fuerza la corriente poética de las
lecciones que había impulsado la vanguardia de principios de
siglo, personificada señaladamente en Vicente Huidobro, Mario
de Andrade, Oswaldo de Andrade, José Juan Tablada y ultraístas
y estridentistas, entre otros. Es también el tiempo en que se da
a conocer el boom y se lanza una nueva literatura
latinoamericana.
México era en los años sesenta centro de atracción y cruce de
migraciones de escritores y poetas que viajaban de países de
América del Sur hacia el norte, y de los Estados Unidos hacia el
sur. En esos años ocurre la llegada a México de varios poetas de
la generación beat, algunos de ellos visitantes frecuentes del
país y otros que se quedaron a residir allí por largas temporadas,
entre ellos Allan Ginsberg, Philip Lamantia y Lawrence
Ferlinghetti, los cuales, al mismo tiempo que otros poetas
norteamericanos como los que conformaban el grupo “Black
Mountain College” y los de la escuela de Nueva York, se alejaban
de Elliot y Pound, con una actitud vital distinta frente a la
escritura, y mediante el uso de un lenguaje diferente al de
aquellos maestros; ahora estos jóvenes poetas propiciaban y se
beneficiaban de la intervención del azar en el poema “portador
de una energía”, hablaban de versos “proyectivos” o “abiertos”,
en tanto que en México se teorizaba sobre la “fuerza enlazadora
del lenguaje”, “obra abierta” versus “obra cerrada”, y se veía al
poema como un “campo de experimentación”. A México llegaron
para quedarse y escribir allí Alvaro Mutis y Gabriel García
Márquez, al lado de Juan Rulfo y Carlos Fuentes, que no
escribían ya como sus antecesores pero se empeñaban, como los
nuevos poetas latinoamericanos, en la construcción de otra
estética, en muchos aspectos inspirada en las lecciones que
habían dejado las vanguardias anteriores. En Brasil, Colombia,
Argentina, Cuba, Venezuela, Ecuador, Uruguay, Chile, Nicaragua,
Perú, en todas partes surgía desde mediados de los años
cincuenta una poesía distinta, ya plenamente inspirada por la
modernidad, que se apartaba de la que se había hecho
anteriormente y se alejaba de la prosodia, la retórica y las
formas fijas que la habían sustentado hasta ese momento, a
pesar de la irrupción -o interrupción- que había protagonizado la
vanguardia. También llegaron a residir en México el poeta
nicaragüense Ernesto Cardenal y la chilena Raquel Jodorowsky,
mientras se daba entre todos los poetas y países un intenso
intercambio epistolar, algo que Jodorowsky llamó “circulación
sanguínea de poesía”, mientras Cardenal escribía que “la
verdadera Unión Panamericana era la de los poetas, y no la otra,
la OEA”. Proliferaban en México y en el continente entero las
revistas y los grupos literarios como Eco contemporáneo, El
techo de la ballena, Ventana, Pucuna, Tzántzicos, Nadaístas, y el
movimiento concreto de Brasil, que, aunque no representaba a
toda la nueva poesía brasileña, sí era una parte de la vanguardia
de esa poesía y proponía y exploraba una sintaxis visual apoyada
en el ideograma y la analogía, en lugar del principio lógicodiscursivo del verso tradicional. Además, de Brasil llegaba a
todas partes para acompañar el proceso de la escritura, la
cadencia del bossa-nova, mientras los beats llevaban con ellos
hacia México las novedades del jazz y sus revistas y libros
ilustrados con pintura abstracto-expresionista. Como un hecho
significativo, en 1964 se celebró en la ciudad de México,
convocado por las revistas Eco contemporáneo, de Buenos Aires,
y El corno emplumado, de México, un encuentro de poetas y
escritores llegados de todo el continente -un eco, quizá, de la
Semana de Arte Moderno que se llevó a cabo en Brasil en 1922-,
al cual asistió más de un centenar de escritores y poetas para
hablar de la renovación, el cambio, la agitación poética.
¿Pero cuál era la herencia
que había dejado la
vanguardia? En primer
lugar, una atmósfera de
libertad, la reivindicación
del derecho a experimentar
y escribir exactamente
como lo demandara el
momento mismo de la
escritura del poema; el
abandono de la traba de la
rima; el cultivo de la
asonancia, y en ocasiones
de la angulosidad y la
asimetría, herencia del
cubismo y el
abstraccionismo; el empleo
del verso libre: para todo lo
cual habían quedado como
soportes teóricos, entre
otros, las reflexiones de
Mario de Andrade en el
“prefacio interesantísimo” a su libro “Paulicea Desvairada”, en
torno al tránsito de las formas fijas a las irregulares, y los versos
melódicos horizontales frente al “acorde arpejado” de lo que
llamó “verso armónico”, todo lo cual apunta, aunque sin que él lo
haya dicho así, a la participación del lector en la configuración y
significado del poema, lo que es una de las característica
principales de la poesía y la prosa que se escriben en la segunda
mitad del siglo XX. En suma, ahora se confirmaba y asimilaba
aquel legado y se proyectaba la novedad fulgurante de otra
estética ya plenamente inspirada por la modernidad, explorando
y practicando la que es hoy la vertiente más viva y frecuentada
por nuestros poetas: ritmo acentual, verso libre, tono y cadencia
de la conversación (o de las conversaciones), irregularidad
silábica, estrófica y tipográfica, puntuación libre también, todo lo
cual ha ampliado enormemente desde entonces las posibilidades
de la significación. Trazos artísticos que han seguido explorando
muchos de los poetas que escriben en las lenguas
latinoamericanas desde entonces y hasta el presente.
La ruptura de las
formas poéticas
quedó
ampliamente
documentada en
las revistas y
antologías de los
años sesenta,
pero esta
tradición de la
ruptura bautizada así por
Octavio Paz en
1966- no fue algo
nacido con las
vanguardias ni
con lo que las siguió, ya plenamente asumida y consolidada la
modernidad. Tampoco ha llegado a su fin, como muchos lo han
afirmado equivocadamente, así como se equivocaron los
pensaron que el surrealismo era ya cosa del pasado. La tradición
de la ruptura es inagotable porque su energía es producto de la
dinámica del lenguaje, que en su inevitable movilidad construye
y destruye perennemente las formas poéticas. Los antecedentes
de esta creación-destrucción del lenguaje pueden verse, en la
poesía en lengua castellana, y para poner algunos ejemplos, en
la obra del nicaragüense Rubén Darío, que como se sabe
revitalizó nuestra poesía con sus innovaciones; y aun más allá,
en San Juan de la Cruz, autor del primer caligrama de nuestra
lengua, un poema en verso libre que es también un dibujo y está
escrito en líneas verticales, de abajo hacia arriba; y en los
experimentos de Garcilaso de la Vega, que al tiempo que llevaba
a la cumbre el verso endecasílabo -el cual fue en su momento
una ruptura con la poética castellana del siglo XV- realizaba
intentos de versos de irregularidad silábica, que no fueron
apreciados positivamente ni por el gran crítico americano Pedro
Henríquez Ureña, ni por el gran maestro español Marcelino
Menéndez y Pelayo, que los llamaron, respectivamente,
“desaciertos” y “versos mal acentuados”; y todavía más atrás,
en el siglo XIII, en que el Arcipreste de Hita no duda en dislocar
su discurso poético para dar cabida en su “Libro de buen amor” a
una multiplicidad de formas que inauguran la angulosidad y la
asimetría, nada menos que en el contexto ortodoxo y rígido del
“mester de clerecía”. Y nuestras lenguas mismas, ¿no nacen
inaugurando esta tradición de la ruptura al conformarse
desprendiéndose del latín medieval y creando de inmediato la
forma de versificar silábica y acentual, que seguimos empleando
hasta hoy, y que desplazaba a la otra, cuantitativa, que usaban
los poetas latinos medievales? Aquel gesto íntimo de desafección
y repudio hacia una concepción del mundo que se había
derrumbado -la del Imperio Romano de Occidente- fue también
una postura de temple vanguardista que no escapó al desdén de
la asamblea de los doctos al comienzo; pero fue asimismo el
embrión remoto y rimado -otra ruptura en su tiempo, la
invención de la rima- de un renacimiento que habría de ser
fundamento de nuestras lenguas hasta el presente.
Para finalizar: ¿Hay o no una tradición de la ruptura
permanente? ¿Se dio una segunda vanguardia en América Latina
en los años sesenta?
SERGIO MONDRAGÓN (México, 1935). Fundador e editor da lendária revista El Corno
Emplumado, uma das mais expressivas representantes da 2ª vanguarda latinoamericana, nos anos 1960. Poeta, editor e jornalista, com amplo conhecimento de
literatura japonesa, tendo inclusive editado, no México, uma antologia de poesia
japonesa moderna. É um dos diretores da Revista de Literatura Mexicana
Contemporânea. Contato: [email protected].
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Texto apresentado no debate "Reflexões sobre uma 2ª vanguarda na América
Latina: anos 60"
Sala Herman Lima - 19 de novembro de 2008
Mesa composta por
Sergio Mondragón (México) | Jotamario Arbeláez (Colombia) | Mediação:
Claudio Willer (Brasil)
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
Las Casas de la Cultura en la
construcción de la identidad de
América Latina
Fabián Guerrero Obando
.
En Cultura y Casas, la primera parte de su disertación, Fabián
Guerrero Obando empezó por situar las condiciones bajo las
cuales se creó la CCE: “Benjamín Carrión -dijo- creó la Casa de la
Cultura Ecuatoriana en 1944, después del desastre nacional
debido al desmembramiento territorial provocado un año antes
por un conflicto militar con el Perú, para crear, precisamente, una
identidad nacional, para que nuestros compatriotas recuperaran la
confianza en sí mismos y en su propio futuro. Su Teoría de la
nación pequeña no es más que un llamado a los ecuatorianos para
formar una gran patria de cultura.
Recordando -continuó- la metáfora toynbeana de El árbol podado
y tomando los ejemplos de pueblos como los de Israel y Grecia,
Benjamín Carrión trató de persuadir a los ecuatorianos de que la
grandeza nacional no dependía de la extensión territorial, de la
riqueza económica ni de la fuerza militar, sino de la cultura.”
A continuación, el poeta realizó un análisis de la situación actual, a
fin de demostrar la validez de instituciones como la Casa de la
Cultura Ecuatoriana: “Los tiempos han cambiado desde que
Benjamín Carrión planteó su Teoría de la Nación Pequeña; los
índices de analfabetismo en Ecuador ya no son tan altos; el
pensamiento clerical ya no se impone a rajatabla y pierde en las
urnas ante el proyecto presidencialista de nueva Constitución; el
paternalismo cultural se desvanece ante las iniciativas privadas; la
pluriculturalidad ha sido asumida y los ecuatorianos ya no somos
vistos, desde el determinismo geográfico, como los ‘tropicales’
condenados al retraso en todos los campos. Al contrario, París ya
no es el centro del mundo cultural, y América Latina adquiere cada
vez más personalidad.
Lo que definitivamente no ha cambiado -puntualizó-, es el rol
fundamental de la Casa de la Cultura: cobijar a sus pintores,
escultores, poetas, narradores, bailarines, teatreros. Cobijar en
suma a sus artistas y, por consiguiente, tampoco ha cambiado el
lugar que ocupa el arte como elemento fortalecedor de la
identidad cultural nacional.”
Concluida su contextualización, Fabián Guerrero aseguro: “Hoy
por hoy , no hay en mi país, Ecuador, un solo intelectual que no
haya acuñado su propia opinión sobre cultura; los sociólogos la
definen como al grupo de rasgos que, vengan de donde vengan,
definen a una nación; los antropólogos vinculados a los
movimientos afro e indígena la ven como al conjunto de rasgos
que diferencian a un grupo de otro, y los artistas, entre ellos los
escritores, insistimos en verla como manifestaciones del espíritu. Y
todos, absolutamente todos, tenemos algo de razón. Así las cosas,
la cultura continúa concentrándose en la Casas de la Cultura y
entidades culturales, en las manifestaciones del espíritu.”
La segunda parte de la conferencia de Fabián Guerrero se
denominó Identidad y Letras. En esta, el poeta quiteño empezó
por citar a los pensadores de la teoría crítica de la comunicación
para asegurar que cuando hablamos de cultura hablamos de
identidad.
Parafraseó a continuación Enrique Alducín, catedrático de la
UNAM, para dejar sentado que en la época de globalización, todas
las culturas, especialmente las dominantes, irrumpen en nuestros
hogares a través de los medios de comunicación. “Irrupción que
ha creado -dijo-fuertes imaginarios culturales en los habitantes de
nuestras naciones.”
Para sustentar lo dicho,
Guerrero citó al
comunicólogo
colombiano Jesús Martín
Barbero. “… la cultura
viva de la gente -señalóno está hecha solo de
diferencias de lo que
viene de fuera, sino
también de búsqueda,
de integración de lo que
de lo feo”.
viene de fuera de su
mundo, y lo ‘propio’ es
aquello que la gente
produce pero también
aquello que, venga de
donde venga, forma
parte de la vida de los
pueblos, de lo bueno y
de lo malo, de lo lindo y
Inmediatamente después sin embargo, puntualizó que compartía
también el criterio del escritor y periodista argentino Jorge Lanata,
según el cual, nadie puede formar parte del mundo, sin formar
antes parte de su casa.
Apoyándose en estas citas, Fabián Guerrero aseguró: “En la Casa
de la Cultura, a través de la difusión y fortalecimiento del arte
plástico, el cine y la literatura nacionales, intentamos clarificar la
identidad de los ecuatorianos, de demostrar, por ejemplo, que no
formamos parte de una sola Patria, de la patria indígena, de la
patria rural, de la patria urbana, de la patria campesina, de la
patria de los arrabales y de los barrios populares. Y a través de
productos culturales tratamos de arrojar luces sobre el ser
nacional, lo cual es importante si consideramos que al igual que
muchos otros países de Latinoamérica, nos hemos pasado toda
nuestra vida histórica tratando de ser como los norteamericanos o
los europeos.”
“Sobre esto -prosiguió-, el ya citado Jorge Lanata ha dicho: ‘…
siempre supimos que no somos norteamericanos, aunque lo
intentamos, y nos llenamos la boca soñando en un porvenir
hispanoamericano, pero blanco y lo más europeo que pudiera
salirnos. Por eso esta búsqueda del Yo en el país de Nadie se
parece a una pesadilla siempre interrumpida: generales que se
avergüenzan de su propia tropa, el país ficticia por decreto al país
real, argentinos (o ecuatorianos) creyendo que somos los que
queremos ser, la verdadera identidad caminando dos pasos atrás
o dos adelante, pero siempre en otro sitio’.”
A
continuación,
Guerrero
manifestó
que para
arrojar luces
sobre el ser
nacional,
para
fortalecer la
identidad del
ecuatoriano
de nuestro
tiempo, la
CCE ha creado, desde la Dirección de Publicaciones varias
colecciones editoriales que constituyen un entramado de
universos, que juntos conforman un mosaico de los que somos y
de lo que queremos ser. “La CCE -puntualizó -ha fortalecido la
identidad nacional mediante colecciones que recuperan la
profundidad y trascendencia lírica de aquellas letras que hasta
hace poco permanecían atrapadas en el descrédito, el anonimato o
el olvido, pero también aquellas que, pese a pertenecer a los
poetas vivos más importantes del Ecuador, apenas llegaban a
escasas aulas de colegios y universidades recomendados por
maestros y maestras que aman lo nuestro.
Y como la identidad -continuó hablando de la fundamental labor
de la Casa de Carrión- se construye a partir de lo que hemos sido,
de las buenas y malas experiencias que nos deja la historia, no
solo hemos abierto, a través de la Sección de Historia y Geografía,
una colección de investigaciones orientada a fortalecer la identidad
nacional, sino también a través de la Biblioteca mínima del
Bicentenario, colección que contribuye a un conocimiento integral
de lo nuestro mediante recuperación de obras inéditas o poco
difundidas de esta épica construcción de la nacionalidad
ecuatoriana, todavía en pleno desenvolvimiento. Y tenemos una
colección, Ideas liebres, orientada a difundir el pensamiento que
se produce en cada una de las regiones del país, recuperar las
voces y miradas más sugestivas del pensamiento nacional
contemporáneo, porque no de otra forma podremos construir una
identidad.
Y como la nación esta hecha no solo del discurso oficial, sino
también del que se produce en los márgenes, hemos creado
colecciones que reivindica las voces que habitan nuestras calles y
plazas y que por lo general están fuera de la institución literaria.”
Todas las colecciones -advirtió el poeta- tienen un propósito
fundamental: “Fortalecer la identidad de la nación ecuatoriana,
pues hay algo que siempre repito a mis estudiantes en la Facultad
de Comunicación Social de la Universidad Central del Ecuador, la
literatura; sus personajes, muchas veces son más reales que los
seres humanos de las diversas épocas de la historia ¿O alguien
recuerda, por citar solo un ejemplo, un ruso verdadero de la época
de Roskolnikov, el personaje de Dostoievski?”
La Casa en los ojos de afuera, tituló Fabián Guerrero a la tercera
parte de su ponencia.
“Sesenta y cuatro años cumple la Casa de la Cultura Ecuatoriana.
Por más que ha habido regímenes ominosos no ha desaparecido, y
es que su razón de ser está imbricada a la esencia de nuestra
nacionalidad”, cito a Marco Antonio Rodríguez, el presidente de la
Casa, para inmediatamente después realizar una suerte de
inventario de los que constituye la institución a la que representa:
“La CCE ha estimulado el desarrollo de un pensamiento
auténticamente nacional no solo a través de libros, sino también a
través de campañas orientadas a internacionalizar la obra de los
grandes escritores y artistas visuales; publicaciones y secciones
académicas que impulsan la ciencia, la tecnología, la filosofía, la
historia y las ciencias jurídicas; veintiún Núcleos provinciales
dedicados a fortalecer y difundir el trabajo de los hombres y
mujeres de cultura de cada uno de los rincones de la patria; un
techo que guarece a todo aquel que busque un espacio cálido para
sus propuestas; talleres, revistas y concursos que estimulan la
creación literaria; un Área dedicada al desarrollo de la mujer y la
familia a través de la práctica de la danza y la pintura; proyectos
como ‘Esta Casa sí camina’, ‘El festival del pasillo’ y ‘Domingos en
familia’ que constituyen espacios de iniciación para los artistas,
fortalecen ls rica cultura popular y unen a la familia en torno a la
música; museos que preservan la memoria musical y plástica del
Ecuador; una Cinemateca comprometida con la educación
audiovisual de nuestro pueblo; y exposiciones de artes plásticas
en las que hallan espacio artistas consagrados pero también
aquellos que con sus propuestas casi artesanales moldean el
Ecuador día tras día.
Especial atención -añadiómerecen los proyectos
institucionales ‘El poeta y su
voz’ y ‘El narrador en su
tinta’. El primero acerca la
poesía al pueblo a través de
las voces de sus autores, y el
segundo reúne a los
narradores y narradoras
ecuatorianos que letra a
letra han testimoniado la
condición del Ser Humano y
sus circunstancias
cotidianas, y arrojado luces
sobre la identidad cultural
ecuatoriano de nuestro
tiempo.”
De lo dicho por Guerrero se
desprende que la Casa de la
Cultura Ecuatoriana
Benjamín Carrión ha sido,
desde su fundación, el espacio desde el cual repensar la Patria, y
que es y seguirá siendo una de las instituciones culturales
emblemáticas a lo largo y a lo ancho de nuestra América y del
mundo.
“Para quien conozca un poco la historia espiritual y política del
Ecuador
-continuó Guerrero-, la Casa de la Cultura representa
mucho más que una mera institución importante, que un
establecimiento de derecho público de afortunada concepción. Es
ella, ante todo, esencialmente, una síntesis, una elaboración
nacional, una resultante histórica. Es la vocación propia de lo
ecuatoriano. Es el mensaje existencial de lo ecuatoriano, una
muestra excelsa de integración nacional…”
Y concluyó su ponencia con una sentida frase: “Para quienes
trabajamos en la CCE, la cultura es el bien común de cada pueblo;
expresión de su dignidad, libertad y creatividad, factor de paz,
desarrollo social, recurso de identidad, antídoto, el más eficiente y
eficaz, para oponerse a regionalismos, racismos, xenofobias,
elitismos y dogmatismos.”
FABIÁN GUERRERO OBANDO (Equador, 1959). Diretor de Publicações e Coordenador
Nacional da Casa da Cultura Equatoriana Benjamin Carrión. Seu currículo inclui uma
gestão como presidente da Sociedade Equatoriana de Escritores. Poeta e ensaísta, dirige
atualmente a revista La Casa. Contato: [email protected].
____________________________________________________
Texto apresentado no debate "Contribuição das Casas de Cultura para a
integração da América Latina"
Sala Herman Lima - 15 de novembro de 2008
Mesa composta por
Fabián Guerrero Obando (Equador) | Jorge Fornet (Cuba) | Wilmar Silva
(Brasil) | Mediação: Roberto Galvão (Brasil)
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
Las fronteras como espacios de
mestizaje cultural
Rosario Peyrou
.
La
aventura cultural del mestizaje, es el tema central de esta Bienal
Internacional do Livro de Ceará. Una aventura que involucra
tiempos y espacios, historias y geografías, desplazamientos y
fronteras. Es el signo de los tiempos pero es, desde siempre, el
signo de este continente. Los latinoamericanos vivimos en un
continente mestizo, formado por pueblos originarios y pueblos
nuevos hechos a la mezcla de lo indígena, lo africano, lo asiático y
lo europeo en diversas medidas. Pero si nuestra historia está
signada por esa mistura que se manifiesta en nuestra música,
nuestra literatura, nuestro arte y nuestras tradiciones populares,
también está hecha de imposiciones y de límites, de aislamientos y
violencias, de búsquedas y frustraciones.
Las propias fronteras latinoamericanas son signos de esa historia.
Puestas artificialmente por el colonizador, las fronteras en América
Latina no se hicieron en función de los pueblos y las culturas sino
de intereses políticos. Quinientos años después se han conformado
nacionalidades, identidades que justifican a posteriori la existencia
de esos estados, pero en un principio no fueron más que barreras
artificiales hechas por decisiones administrativas.
El Uruguay, de donde provengo, es un ejemplo claro de esto que
digo. Poblado por diversas tribus de charrúas, chanás y guenoas y
por pueblos pertenecientes a la amplia faja tupí guaraní, fue parte
del Virreinato del Río de la Plata durante la colonia, de las
Provincias Unidas del Sur durante la Independencia, fue escenario
de las interminables luchas entre España y Portugal por los límites
de las posesiones imperiales, fue provincia Cisplatina de Portugal
(1821), pasó a manos del Imperio de Brasil en 1824, y terminó
convirtiéndose en República independiente, bajo los oficios de
Inglaterra, que necesitaba por razones comerciales, impedir que
Argentina y Brasil dominaran en exclusividad el estuario del Río de
la Plata. En mi país, en broma, decimos a veces que el Uruguay
debió llamarse “Ponsombylandia”, por el nombre del diplomático
inglés que negoció nuestra conversión en un estado independiente,
contrariando la vocación artiguista y los años de lucha popular para
ser parte de una confederación de provincias del Sur.
Lo cierto es que la nostalgia del origen pre-colonial, el sentimiento
de haber sido manipulados y arrasados por las potencias
extranjeras está presente en el pensamiento latinoamericano desde
muy temprano. En ningún otro espacio es tan evidente esa historia
como en la cuestión del nombre del subcontinente. El intento de
definir su identidad, siempre puesta en entredicho, a través del
nombre, tiene mucho de drama. Dice Arturo Ardao a propósito de
esa búsqueda identitaria que “No saber cómo llamarse es algo más
que no saber cómo se es; es no saber quién se es”.
Un resumen
del problema
del nombre
resulta bien
ilustrativo.
Llamado
inicialmente
Indias
occidentales,
ese enorme
territorio
recién
conquistado
pasó a
llamarse “América” a partir de 1507 en las cartas geográficas. Un
nombre curioso: le fue puesto por Martin Waldseemuller, un
profesor de cartografía alemán en homenaje a Américo Vespucci,
un navegante y hombre de negocios italiano, el primero en advertir
que se trataba de un nuevo continente.
Para los protagonistas de la emancipación, la cuestión estuvo
condicionada por el vínculo colonial. De América para todo el
continente se pasó a América española, y a Iberoamérica,
incorporando la presencia portuguesa oficializada desde el Tratado
de Tordesillas. Y existió también el intento de llamarlo Colombia,
nombre que, inicialmente propuesto por Miranda, intentó
infructuosamente luego aplicarse a todo el mundo iberoamericano.
Después de 1823, establecida la denominación de la Colombia
actual, la idea de la Gran Colombia se desvanece en forma
definitiva. Y será justamente “América Latina”, como definición
étnico-cultural impulsada por los franceses, el nombre que
prevalecerá hasta hoy, sin dejar por eso de tener cuestionamientos
por su marcado carácter eurocéntrico. Es evidente que el nombre
“América Latina” deja de lado a los pueblos originarios y al fuerte
componente africano. En la década del veinte el peruano Victor
Haya de la Torre creyó saldar esa deuda con la expresión Indo
América, y ese nombre ha vuelto a proponerse este mismo año por
el presidente Chávez de Venezuela. De todos modos no puede
dejar de considerarse que esa denominación pasa por alto los
diversos contingentes migratorios y, si hilamos más fino, también
es cierto que el término indios es el resultado de un error, el de los
españoles al haber creído que habían hallado un camino alternativo
a las Indias. En realidad, como se ha dicho, los indios nunca han
existido en América si no es en la imaginación del europeo. La
permanencia hasta hoy de esa discusión nominativa es síntoma
inequívoco de ese malestar identitario que ha caracterizado a
nuestras culturas desde la colonia.
En todo caso, si el nombre ha sido una imposición, también lo han
sido nuestras lenguas, el español, el portugués, y en menor
medida el francés, que pasaron a ser las lenguas del continente y a
formar parte, ahora de modo indisoluble, de nuestras identidades.
Aún más que las fronteras físicas, las lenguas de la colonización
signaron nuestras culturas, y pusieron otro obstáculo a la siempre
utópica integración cultural latinoamericana. Si el camino del
diálogo cultural en la América Hispánica ha sido siempre dificultoso,
y en general signado por la mediación de las metrópolis, Brasil,
que ocupa la mitad de América del Sur, y comparte fronteras con
todos los países menos Ecuador y Chile, tiene además la fuerte
barrera de la lengua. Eso explica que su desarrollo cultural estuvo
desde los orígenes referido más a las metrópolis europeas
(particularmente Francia), y más recientemente incluso a Estados
Unidos, que al resto del subcontinente.
Esa tendencia empezó a ser revisada a partir de los años sesenta.
Antonio Candido resumía en 1981 los rasgos comunes de nuestros
países con el Brasil: el haber sido colonizados por las dos
monarquías de la península ibérica, con afinidades notorias entre
sí; el haber conocido el monocultivo y la esclavitud como régimen
de trabajo; el fenómeno del mestizaje; el haber producido una élite
de criollos que utilizó la independencia en beneficio propio. A eso
agregaba la influencia de la cultura francesa durante el siglo XIX, el
crecimiento acelerado de las ciudades en el siglo XX con su
consecuencia de masas miserables y marginadas; y haber sufrido
el capitalismo depredador de las multinacionales junto a la fuerte
influencia cultural de Estados Unidos desde los medios masivos. Y
se preguntaba si eso permitiría, a pesar de la diferencia de
lenguas, hablar de una literatura latinoamericana. [1]
La historia de los contactos culturales entre Hispanoamérica y
Brasil es una historia plagada de incomprensiones, pero también de
encuentros. Porque finalmente, las fronteras son barreras, pero
también puentes, lugares de pasaje, sitios de intercambio,
oportunidad de enriquecimiento, cuando no de libertad (y eso lo
saben bien los perseguidos políticos de uno y otro lado). Y vale la
pena recordar, especialmente en un ámbito que busca fortalecer
esos vínculos, la historia de esos intentos de diálogo y de
integración que tienen como protagonistas a brasileños y
latinoamericanos. Nombres como los de Alfonso Reyes, Pedro
Henríquez Ureña, Mario de Andrade, Ángel Rama, Emir Rodríguez
Monegal, Antonio Candido, Roberto Fernández Retamar, Vinicius de
Moraes, Darcy Ribeiro, y muchos otros son inseparables de ese
lento proceso de mutuo descubrimiento.
Los acercamientos, los esfuerzos por encontrar un lenguaje común,
no pueden separarse, claro está, de los avatares del gran proyecto
del “latinoamericanismo”, esa idea integradora que estaba presente
en la discusión sobre el nombre del continente, y tiene sus
antecedentes en Bolívar y Miranda. Nombres como los de Torres
Caicedo, José Martí, José E. Rodó, José Ingenieros, Manuel Ugarte,
José Vasconcelos, Roque Saenz Peña, Carlos Quijano, entre
muchos otros, contribuyeron en gran forma a la expansión del
sentimiento latinoamericanista y al desarrollo ideológico y político
de ese proyecto común, enfrentado al expansionismo económico,
político y cultural de la América del Norte.
Y me
perdonarán
ahora que
reduzca el foco
de mi mirada
para centrarla
en el Río de la
Plata, y más
específicamente
en el Uruguay,
para ver el
contexto en el
cual se
formaron
algunos de los protagonistas regionales de esta historia de las
fronteras culturales con Brasil. Y para eso hay que hablar de
Marcha y de Carlos Quijano. El Semanario uruguayo Marcha (que
se publicó entre 1939 y 1974) no solo fue crucial en el Río de la
Plata, sino que tuvo dimensión continental en tanto reunió a una
serie de intelectuales de primer orden de todo el continente. Allí
colaboraron figuras como Julio Cortázar, Miguel Ángel Asturias,
Darcy Ribeiro, José Miguel Oviedo, Raúl Zavaleta Mercado,
Gregorio Selser, Augusto Céspedes, José Emilio Pacheco y un
larguísimo etcétera.
Formado en el latinoamericanismo de los años veinte, Quijano
estaba convencido de que la cultura es el elemento clave en la
conformación de una identidad nacional y continental, por eso dio
en las páginas de su semanario político un importante espacio a la
difusión y el análisis de la producción cultural del continente. Tuvo,
al frente de sus páginas literarias, a dos figuras particularmente
interesadas en el Brasil: Emir Rodríguez Monegal, que había vivido
en su adolescencia en Rio de Janeiro, y estaba familiarizado con la
lengua y la literatura brasileña y especialmente Ángel Rama, para
quien la visión integradora de la cultura latinoamericana fue el
objetivo fundamental de su tarea crítica y ensayística. En ese
sentido ha dicho José Emilio Pacheco: “A Marcha y a Rama les
debemos en gran medida nuestra idea actual de la literatura
latinoamericana en una parte del mundo en que los libros, aunque
escritos en el mismo idioma, rara vez circulan de un país a otro si
no se publican en la antigua metrópoli”.
El crítico uruguayo Pablo Rocca ha estudiado con minucia el
contacto de estos dos ensayistas –Angel Rama y Emir Rodríguez
Monegal– con el Brasil, y su papel en la difusión de la cultura
brasileña en América Latina. [2]
Hay que decir que la década de Rama al frente de Marcha (19591968) coincidió con un fenómeno que habría de marcar a toda una
generación: el triunfo de la Revolución Cubana. Es el momento
solar del sueño utópico de la “patria grande” que sería barrido con
las dictaduras de los años 70 y luego con el mundo posmoderno y
globalizado que siguió a la caída del socialismo real a comienzos de
los 90. Fue sin duda un momento de máximo optimismo que
coincidió con la aparición de una generación de narradores
latinoamericanos que pusieron la literatura del continente en la
primera línea de la atención crítica mundial, crearon y ensancharon
un público para la producción literaria latinoamericana, y alentaron
la idea de la llegada a la edad adulta de nuestra cultura. Las
novelas de García Márquez, Guimaraes Rosa, Vargas Llosa, Carlos
Fuentes, Juan Rulfo, Julio Cortázar, Juan Carlos Onetti, José
Donoso, y una larga serie de otros nombres que se movieron
alrededor del “boom”, establecieron un diálogo cultural
intercontinental, y con el apoyo de críticos como Ángel Rama,
Antonio Candido, Antonio Cornejo Polar o Roberto Fernández
Retamar, contribuyeron a consolidar la idea de una literatura
latinoamericana, más allá de las regionalizaciones imperantes.
En los años sesenta hubo dos intelectuales brasileños que jugaron
un papel de primer orden en la reflexión uruguaya sobre la
identidad latinoamericana: Antonio Candido y Darcy Ribeiro. Este
último llegaría exiliado al Uruguay luego del golpe militar de 1964,
y tendría un papel importante, desde la Universidad y desde
Marcha, para establecer vasos comunicantes y viabilizar una visión
antropológica que enriquecería la discusión sobre nuestros
destinos. Pero el intercambio había empezado antes.
La relación entre Antonio Candido y Angel Rama, como ha
documentado Pablo Rocca, puede considerarse clave en la reflexión
cultural latinoamericana de esos años. En 1960 Candido llegó a
Montevideo invitado por la Universidad de la República, y allí
conoció a Ángel Rama, que ocupaba desde hacía un año la
dirección de la sección literaria de Marcha, desde donde trabajaría
con entusiasmo para mejorar el mutuo conocimiento de la cultura
del continente. En ese esfuerzo por establecer relaciones
personales y editoriales con quienes se dedicaban al oficio literario,
Brasil seguía siendo una asignatura pendiente.
Antonio Candido venía a dar un curso en la Universidad de la
República y Ángel lo entrevistó para su página del semanario
Marcha. A partir de allí comenzó un intercambio que enriquecería la
obra de ambos críticos, pero sobre todo, estrecharía las relaciones
personales e institucionales en el ámbito de la literatura
latinoamericana. Rama tomó de Candido el concepto de “sistema
literario” que sería de particular utilidad en su elaboración teórica
futura, y sobre todo emprendió una labor de investigación sobre las
relaciones entre una y otra literatura, sobre el regionalismo, el
papel de las vanguardias, y los grandes escritores de esa
novelística moderna que Candido llamó suprarregionalismo y Rama
terminó por denominar literatura de la transculturación. Pero sobre
todo, la riqueza de la literatura del Brasil fascinó a Rama al punto
de dedicarle buena parte de sus esfuerzos de sus últimos años en
Venezuela y Estados Unidos. En una carta a Antonio Candido del 23
de enero de 1983 se lamenta: “¡Quién pudiera tener 800 años para
leer toda la literatura brasileña”
Ese entusiasmo se reflejó sobre todo en la tarea editorial más
importante que se ha hecho en América Latina hacia una visión
continental del acervo literario: la Biblioteca Ayacucho, que Ángel
Rama dirigió en su exilio de Venezuela en los años 70, y que nació
con motivo de la conmemoración del sesquicentenario de la Batalla
de Ayacucho, que había consagrado la independencia de América.
Es un plan de quinientos volúmenes que recogen las obras más
importantes de la cultura latinoamericana desde sus orígenes
precolombinos en diversos campos disciplinarios: literatura,
antropología, filosofía, pensamiento político. En ese proyecto
original una tercera parte estuvo dedicada a la literatura del Brasil.
Y como era lógico en el momento de construir el plan general de la
obra, Antonio Candido fue una de las figuras convocadas por Rama.
El proyecto de la Ayacucho resultó una expresión material de ese
esfuerzo que recorría el continente desde la Revolución Cubana: la
necesidad del estudio de la producción intelectual latinoamericana
como clave en la interrogación sobre América Latina, y sobre todo,
en función de su proyección de futuro. La propia Cuba jugó un
papel importante en ese entramado de relaciones interculturales.
Así, la Casa de las Américas incluyó a las literatura brasileña y del
Caribe en su prestigioso concurso, y en los encuentros de
escritores la presencia del Brasil fue una constante. Las revistas se
dedicaron a traducir y publicar la producción de la otra zona
lingüistica del continente, y la edición independiente
hispanoamericana de los sesenta y setenta empezó a incluir la
producción brasileña en sus catálogos.
El duro período
de las
dictaduras
militares de la
década del 70
en el sur del
continente,
produjo, como
se sabe, una
labor de
demolición
cultural en
todos los
órdenes, e
interrumpió un
proceso
integrador que había crecido al amparo de un proyecto político que
ahora parecía derrotado. Desde su doloroso exilio, Ángel Rama
seguía trabajando en los que serían sus proyectos mayores, La
Ciudad Letrada y Transculturación narrativa en América Latina.
Seguirá escribiéndose con Antonio Candido y en 1980 participará
de una reunión en la Universidad de Campinas donde se proyectó
una historia de la literatura latinoamericana que nunca llegaría a
realizarse. De esa visita, anota en su Diario después de quejarse
de la frialdad burocrática de los medios académicos de Estados
Unidos, donde vive desde 1979. “No sentí eso en Campinas: quizás
porque el equipo es joven, porque tiene la gracia brasileña, porque
cuando se reúnen lo primero que hacen es arrollar la alfombra para
bailar, porque ponen pasión y juegan su vida en lo que dicen. El
hecho de que me reconocieran como uno de su raza corresponde a
este reconocimiento que yo hice de ellos. Las euménides Ligia
Fagundes Telles y Hilda vinieron a decirme después de mi
intervención en el panel: “Vocé e differente! Vocé nao e profesor!”
Y agrega: “Ver a Antonio Candido en ese jardín de sus bellos e
hijos e hijas, es comprender cabalmente lo que ha hecho su
vocación, ese abandono de las ciencias sociales por la belleza y esa
pasión política que en él sostiene el edificio entero del
entendimiento con la suprema cautela y donosura de un “mineiro”.
[3]
Han pasado ya veintiocho años de esa visita de Rama a Campinas
y el mundo ha cambiado tanto que todo esto que cuento parece
algo lejanísimo. La globalización, los cambios tecnológicos en las
comunicaciones, el crecimiento de las multinacionales de la
industria cultural, nos enfrentan a un panorama que parece muy
diferente del augural de los años 60. La balcanización entre
nuestros países se ha agudizado, y cada vez dependemos más de
los sellos europeos para conocer lo que se produce en nuestro
continente. Son en general los editores españoles, por ejemplo, los
que deciden qué literatura sale de las fronteras nacionales, y qué
literatura se traduce. A su vez, a nivel universitario, es la academia
norteamericana la que ha impuesto una agenda de estudios
latinoamericanos según unos parámetros que muchas veces nos
resultan ajenos.
Los 60 y 70 –de una manera similar a la década vanguardista del
20– fueron un período optimista respecto del futuro
latinoamericano, y ese optimismo se reflejó en el acento puesto en
los rasgos comunes. Pero ya en 1980, en un Coloquio del Centro
Woodrow Wilson denominado Literatura y Mercado, que reunió un
nutrido grupo de intelectuales latinoamericanos de primera línea,
se preguntaba: “¿Hay una realidad única adecuadamente
representada por la denominación Latinoamérica o hay muchas
realidades dispares cuyas peculiaridades son neutralizadas por la
etiqueta continental?” En tiempos de globalización, de forzada
homogenización a través de los medios de comunicación, una
forma de resistencia ha sido acentuar la diversidad, lo plural, lo
específicamente local, lo que no necesariamente debería
desviarnos de la conciencia de nuestros rasgos comunes. Podría
decirse que la producción cultural latinoamericana de los últimos
veinte años está tensada por esos dos polos: la cultura que signa la
vida urbana en las sociedades posmodernas, reforzada por las
tecnologías de la comunicación, y el reconocimiento de las
particularidades locales, de los acentos particulares, de las
tradiciones específicas, desde la lengua hasta la música y las artes
visuales.
De modo que mientras se expande la cultura de masas desde los
centros de poder internacionales, hay un movimiento de resistencia
que empieza a valorar lo local y sus especificidades.
El caso uruguayo es bastante representativo de esa situación: por
las dimensiones geográficas y de población Uruguay se había visto
siempre a sí mismo, en el imaginario colectivo, como un país
homogéneo, democrático y especialmente integrado. Un país más
bien europeo, que se llamaba a sí mismo “La Suiza de América”. La
dictadura militar de 1973-1985, quebró esos mitos nacionales y
nos enfrentó con un espejo diferente: por debajo de esa piel
imaginaria, éramos un país recorrido por diferencias y
desigualdades que habían sido ocultadas desde la institución
escolar. El caso de la frontera con Brasil es especialmente
interesante, porque había sido negado con especial dedicación por
parte de gobiernos y educadores.
El Uruguay tuvo una relación ambivalente con Brasil. De gran
cercanía y de contradicciones, de atracción y desconfianza. Para
entenderlo hay que tener en cuenta la historia, vinculada al Brasil
desde sus albores: Colonia del Sacramento, la segunda ciudad más
antigua del país, fue fundada por Portugal para establecer un
mojón fronterizo en su enfrentamiento de límites coloniales con
España; después del primer movimiento independentista el país
sufrió primero la ocupación portuguesa y luego la brasileña (18171924). También ocurrió la anexión por parte de Brasil de buena
parte del territorio de la antigua Banda Oriental, y en 1865 la
alianza del gobierno brasileño con el General Venancio Flores,
rebelde contra la autoridad legítima y sitiador de Paysandú. Esa
alianza tuvo como consecuencia la intervención del Uruguay en la
Guerra de la Triple Alianza contra el Paraguay, que es uno de los
pecados nacionales y tal vez la culpa colectiva más extendida en la
sociedad uruguaya.
Pero esa historia más o menos turbulenta dejó un número
importante de familias brasileñas establecidas en el Norte
uruguayo, y la existencia de un fenómeno lingüístico al que vale la
pena atender: en toda la frontera norte se habla un dialecto del
portugués que llamamos “portuñol”.
Por otra parte, más por intervenciones personales que
institucionales, en Uruguay se conocieron bastante temprano
algunos clásicos brasileños, como Machado de Assis y Lima
Barreto. Y hubo, antes de 1960, ciertos autores muy leídos, como
Monteiro Lobato en la década del 30 y el 40, o Jorge Amado
después de 1950. También visitantes ilustres que dejaron su
huella: Vinicius de Moraes diplomático en Montevideo durante
algunos años, y el contacto de intelectuales como Cecilia Meireles,
o Mário de Andrade con escritores locales. En los 60 el exilio de un
intelectual como Darcy Ribeiro, y la tarea de Ángel Rama entre
otros, abrieron un camino de interés por el Brasil, abonado por el
enorme auge de la música brasileña. Precisamente, fue en el
terreno de la música y la poesía en donde se vio desde la década
del 60 una cierta influencia brasileña en la cultura uruguaya.
Pero es al finalizar las dictaduras militares cuando aparecerán un
par de fenómenos nuevos en la literatura uruguaya vinculados a la
frontera. Por un lado los exilios políticos establecieron puentes,
“traducciones”, influencias. Y, más allá de los exilios, la
revalorización de lo estrictamente local impulsó la aparición de lo
que me atrevería a llamar una literatura “de frontera”, con
manifestaciones diversas, y que se da a uno y otro lado de los
límites nacionales. El fenómeno es muy interesante porque
traspasa las fronteras no solo en relación a los asuntos, sino y eso
es lo más novedoso, en cuanto a las lenguas. Exiliado desde 1974
en Brasil, Alfredo Fressia por ejemplo, ha escrito uno de sus libros
Rua Aurora, directamente en portugués. Pero en su caso, el exilio
en Brasil es una experiencia raigal y por tanto parte importante de
su reflexión poética en torno a las fronteras, en toda su dimensión
simbólica. (Frontera móvil se llama uno de sus libros, que alude a
esa condición doble de uruguayo/brasileño). Alfredo es además,
uno de los intelectuales empeñados en establecer puentes: ha
traducido a Ferreira Gullar, a Cecilia Meireles, a Ana Cristina Cesar,
a Donizete Galvão, y durante veinte años se ha dedicado a difundir
la literatura brasileña en la prensa uruguaya.
En otros casos es el
relevamiento del pasado
fronterizo lo que ha sostenido
la obra de escritores
uruguayos y brasileños. La
historia política tanto de Río
Grande del Sur como del
Uruguay, es también la
historia de las huidas y exilios
a través de la frontera, y esto
casi no había aparecido en la
literatura hasta años
recientes. Ahora, un muy
interesante escritor y director
cinematográfico
riograndense, Tabajara Ruas,
centra parte de su obra
narrativa en la historia de las
sublevaciones farroupilhas y
las incursiones en territorio
uruguayo, en novelas como
Netto perde sua alma (2001)
o esa crónica novelada que es A cabeça de Gumersindo Saraiva
(1997), escrita en colaboración con Elmar Bones. Se trata de un
mundo violento con fuertes características propias, donde las
fronteras se vuelven imprecisas, se diluyen en las pasiones
políticas y las ambiciones personales. Pero Ruas no es solo un
novelista histórico: ya fuera de ese registro, ambienta la más
admirable de sus novelas, –Perseguição e cerco a Juvêncio
Gutierrez, que cuenta una historia de iniciación adolescente– en la
frontera entre Brasil, Argentina y Uruguay, en un territorio cultural
que integran tres pequeñas ciudades: Uruguaiana, Paso de los
Libres y Paso de los Toros. En la obra de Tabajara Ruas la frontera
adquiere una inevitable condición simbólica: es, para el niño que
narra Perseguiçao.. .el límite que separa su mundo familiar con la
aventura romántica y la épica. Vale añadir que casi toda la obra de
Tabajara Ruas ha sido traducida al castellano por Banda Oriental,
una editorial independiente que ha incluido un número importante
de escritores brasileños en el catálogo de su Club del Libro.
Entre estos está Aldyr Garcia Schlee, un caso interesante de
escritor fronterizo: nacido en Jaguarao en la frontera misma con
Uruguay, Garcia Schlee que curiosamente fue en 1953 el diseñador
de la actual camiseta de la sección brasileña de fútbol, escribe
tanto en castellano como en portugués, y sus temas giran en torno
a ese cruce de historia y cultura. El día que el Papa fue a Melo, una
novela breve, fue escrita directamente en castellano y publicada
antes en Uruguay que en Brasil. Actualmente está por publicar Don
Frutos, una novela sobre el discutido caudillo y primer presidente
uruguayo Fructuoso Rivera, que vivió un largo exilio en Rio de
Janeiro.
A su vez, en Uruguay, uno de los más originales narradores
contemporáneos, Mario Delgado Aparain ha dedicado parte de su
obra narrativa (el libro Causa de buena muerte, 1982) a la creación
de un mundo de imaginación tomado de los relatos orales de
esclavos venidos del Brasil durante el siglo XIX y conservados en la
tradición oral de la frontera. También una de sus novelas, No
robarás las botas de los muertos (2002) rebasa los límites del
género histórico para recrear con los fueros imaginativos de la
literatura un episodio de importancia regional: el sitio a la ciudad
de Paysandú por tropas uruguayas y brasileñas, que sirvió de
antesala de la guerra del Paraguay.
Por su parte, toda la obra poética de Elder Silva (1955), originario
de Salto, cerca de la frontera norte, funda poéticamente un espacio
donde la frontera aparece como ámbito vivido, de cielos abiertos y
de identidades mezcladas, y también como metáfora que adquiere
una dimensión personal y colectiva. La frontera se confunde con el
lugar de la libertad y de los sueños, como la Passárgada de Manuel
Bandeira, pero es también el contacto con la lengua portuguesa y
todo lo que ella viabiliza en materia de cultura. Toda una sección
de su último libro titulado significativamente La frontera será como
un tenue campo de manzanillas está escrita en portugués.
Hay que recordar que en algunos tramos de los límites entre
Uruguay y Brasil, la frontera es una calle que une dos ciudades que
funcionan en la vida diaria como una sola. La gente comparte
familias, amistades, vinculaciones comerciales, costumbres. Allí se
habla un dialecto del portugués, que llamamos “portuñol”.
Reprimido en la escuela pública uruguaya durante mucho tiempo,
después de la recuperación democrática ha pasado a ser estudiado
en sus variantes por investigadores universitarios, y además desde
hace algunos años, en las escuelas de la frontera se enseñan las
dos lenguas. El portuñol como tal, ha aparecido exclusivamente en
algún caso aislado como Agustín Bisio, un poeta de los años 40, o,
con más frecuencia, en letras de canciones populares. Algunas
expresiones fronterizas o directamente portuguesas aparecen en
las letras para canción de un poeta como Washington Benavides,
uno de los nombres mayores de la literatura uruguaya, y tal vez
uno de los más profundos conocedores de la poesía brasileña en el
país. Oriundo de Tacuarembó, en el Norte uruguayo, Benavides ha
sido el maestro de dos generaciones de poetas, lo que explica el
temprano conocimiento de la obra de los concretistas brasileños en
autores como Eduardo Milán o Victor Cunha.
Vayan estos pocos nombres a modo de ejemplo de la aparición en
la literatura de un espacio resultado del mestizaje cultural. Una
literatura análoga probablemente exista en otros países
latinoamericanos fronterizos con Brasil, lo que sería bienvenido en
un mundo cada vez más globalizado y borrador de identidades.
Junto a ese lento proceso que crece por impulsos locales con la
naturalidad de una planta, se agregan los valiosos esfuerzos
individuales de personas como Floriano Martins y su revista
Agulha, y de encuentros como éste, que permiten crear puentes
para nuestro mutuo conocimiento. Un conocimiento que nos
enriquece y nos ayuda resistir a un mundo para el que
paradójicamente, la desaparición de las fronteras no es sinónimo
de encuentro sino la reducción a una cultura única y globalizada.
NOTAS
1. Antonio Candido. “El papel del Brasil en la nueva narrativa”,
en Más allá del boom. Literatura y mercado, Marcha Editores,
México, 1981.
2. Pablo Rocca. Ángel Rama, Emir Rodríguez Monegal y el Brasil:
Dos caras de un proyecto latinoamericano, Banda Oriental,
Montevideo, 2006.
3. Ángel Rama. Diario 1974-1983. Editorial Trilce, Montevideo,
2001.
ROSARIO PEYROU (Uruguai, 1948). Entre 1983 e 1990 dirigiu a página de cultura do
semanário La Democracia, e desde 1989 é membro da equipe editorial de El País Cultural.
Jornalista e crítica literária. Assessora literária das Ediciones Trilce. Juntamente com Pablo
Rocca, realizou pesquisa e entrevistas que serviram de base para o filme Idea, dirigido por
Mario Jacob e dedicado à poeta uruguaia Idea Vilariño. Contato: [email protected].
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Texto apresentado na mesa "A fronteira como espaço de integração cultural"
Sala Herman Lima - 15 de novembro de 2008
Mediação: Regina Ribeiro (Brasil)
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
Las revistas culturales y la
integración de nuestra América
Carlos Véjar Pérez-Rubio
.
Cuando hablábamos hacia fines de 1991 de la necesidad de crear
en México una revista cultural independiente, de intensa
vocación latinoamericana, en la que se expresaran libremente el
pensamiento, la memoria y la creación científica, artística y
literaria de la región, estábamos convencidos del importante
papel que juega la cultura en la integración de Nuestra América.
Varios propósitos acompañaban a esta utopía. Partiendo de la
necesidad de conocernos, como primera premisa para
integrarnos, la revista en ciernes debería servir de puente entre
las diversas manifestaciones culturales latinoamericanas.
Debería registrar además los cambios que estaban ocurriendo en
ese terreno, como la desaparición paulatina de las fronteras
disciplinarias, para elaborar una propuesta imaginativa, crítica,
que facilitara nuestra inserción en un presente y un futuro que
debieran brindar mejores expectativas materiales y espirituales a
nuestros pueblos. En realidad, más allá de una revista, lo que se
gestaba entonces era un proyecto cultural: el proyecto
Archipiélago.
Pronto quedarían definidas las bases conceptuales. El objetivo
principal de este proyecto sería coadyuvar a la integración de
América Latina y el Caribe activando en sus territorios, y aún
más allá, en latitudes ajenas donde habitan comunidades de
origen latinoamericano y caribeño, como Estados Unidos, Canadá
y Europa, un movimiento cultural que reafirmara la identidad y
el orgullo de ser de sus pobladores. Acorde con el devenir
histórico de la región, tendería también puentes a España y
Portugal, y a la idea de Iberoamérica que de ello dimana.
Iniciado el proceso, surgió de inmediato la necesidad de
profundizar en el tema. Era imprescindible investigar al menos
algunas revistas latinoamericanas de tiempos pasados y
adentrarnos en las que pudiéramos conseguir de nuestro tiempo,
preferentemente independientes y pluriculturales. No nos
detendríamos mucho en aquellas de divulgación de temas
generales y noticias coyunturales, que cubrían la cultura
solamente en alguna de sus secciones, aún si fueran tan
importantes como las legendarias cubanas Bohemia y Carteles, o
las mexicanas Siempre y Proceso. Ni en aquellas centradas en
temas de política y economía (o en algún campo específico de la
cultura). Sabíamos por otra parte que las revistas culturales se
creaban generalmente por grupos de intelectuales que
comulgaban con una misma idea y unos mismos objetivos,
matices de más o de menos. Grupos en buena medida
generacionales las más de las veces, que con frecuencia
derivaban en capillas, sectas o argollas, posición que rechazamos
tajantemente. Nosotros, por el contrario, constituiríamos un nogrupo, una red, la red cultural de Nuestra América. La sociedad
que conformamos 19 amigos de diferentes disciplinas y
nacionalidades a principios de 1992 habría de tener un nombre a
propósito: Confluencia. En agosto de ese año publicamos en
México el número 0 de la revista que habría de ser la carta de
presentación del proyecto: Archipiélago. Revista Cultural de
Nuestra América, edición que fue presentada en la Casa de las
Américas, de La Habana; y en el Museo Nacional de Etnografía y
Folklore, de La Paz, Bolivia. El número 1 lo publicamos tres años
después, en mayo de 1995, cuando la red la conformaban ya
407 intelectuales de todos los rincones de la patria grande.
Ahora estamos en el número 62 y desconocemos la cifra precisa
de amigos que componen la red de Archipiélago, que se ha
venido tejiendo desde entonces en las más variadas latitudes.
Más cerradas algunas, más abiertas e incluyentes otras;
académicas o de divulgación; institucionales o independientes;
comerciales o utópicas; económicamente solventes o de apurada
subsistencia; cristianas (salen cuando dios quiere) o de
publicación regular; artesanales o formales; suplementos
culturales de diarios de circulación nacional o modestas ediciones
provincianas; de gran tiraje o de alcance limitado; impresas o
virtuales; en papel o en la red electrónica… Al avanzar en el
análisis advertimos que, no obstante sus diferencias, todas las
revistas culturales latinoamericanas habían jugado un papel en el
desarrollo cultural y la integración de nuestros pueblos. Y eran
incontables. Sin pretender emular a Saramago con Todos los
nombres, pasamos revista a algunas de las más significativas,
que habrían de alentarnos en nuestros propósitos. Muchos mitos
se derrumbaron entonces ante nuestros ojos. Veamos:
• Revista Americana (1909-1919). Revista brasileña, cuyo
principal responsable fue Artur Guimarães de Araújo Jorge. Sus
propósitos, expuestos por la Redacción en su número 1,
publicado en octubre de 1909 en Rio de Janeiro, Brasil, eran
entre otros los siguientes: “…divulgar las diversas
manifestaciones espirituales de América y seguir al mismo
tiempo, paralelamente, el trazado superior de su evolución
político-económica”, ser “como un trazo de unión entre las
figuras representativas de la intelectualidad de esta parte del
mundo”. En sus diez años de vida acogió contribuciones de
grandes nombres del mundo intelectual brasileño y
latinoamericano, como Rio Branco, Joaquim Tabuco, Euclides da
Cunha, Oliveira Lima, Ramón Cárcano, José Ingenieros y Rubén
Darío.
• Cuba Contemporánea (1913-1927). Revista cubana dirigida por
Carlos de Velasco, quien estuvo al frente hasta su muerte en
1920, siendo sucedido como director por Mario Guiral. El primer
número fijaba el derrotero: “Las páginas de Cuba
Contemporánea quedan abiertas a todas las orientaciones del
espíritu moderno, sin otra limitación que la impuesta por el
respeto a las opiniones ajenas, a las personas y a la sociedad,
sin más requisito que el exigido por las reglas del buen decir: he
ahí nuestro programa”. La relación de escritores y figuras de la
intelectualidad que allí estamparon su firma es voluminosa y
significativa. Algunos nombres: Max Henríquez Ureña, Alfonso
Hernández Catá, Jorge Mañach, Dulce María Borrero, José
Antonio Fernández de Castro, José María Chacón y Calvo, Carlos
Loveira, Emilio Roig de Leuchsenring, Manuel Sanguily y Juan
Marinello, entre otros.
• Repertorio
Americano (19191958). Revista de
Costa Rica, dirigida y
editada por Joaquín
García Monge. Estaba
inspirada en la de
similar nombre,
publicada por una
Sociedad de
Americanos en
Londres el siglo
anterior •Repertorio
Americano (18261827)•, cuyos
principales
animadores fueron
Andrés Bello y Juan
García del Río. Dicho en las propias palabras de su editor, “las
revistas sirven para que en ellas la generación pensante o
ilustrada de un país o de un continente diga lo que piensa y
sienta acerca de las múltiples incitaciones de la vida. Para ello ha
de haber libertad, tolerancia y la inevitable acción y reacción de
los pareceres que en las revistas se dan cita”. En ella
aparecieron artículos de Gabriela Mistral, Pablo Neruda, Victoria
Ocampo, Teresa de la Parra, Alfonso Reyes y José Vasconcelos,
entre muchos otros. En cuanto a costarricenses, pueden citarse a
Carlos Luis Fallas, Max Jiménez, Julián Marchena, Eunice Odio,
Lilia Ramos y Moisés Vincenzi.
• México Moderno (1920-1923). Revista mexicana dirigida
sucesivamente por Enrique González Martínez, Manuel Toussaint
y Agustín Loera y Chávez, que contaba entre sus colaboradores
a Genaro Estrada, Jaime Torres Bodet, Vicente Lombardo
Toledano, Pedro Henríquez Ureña, Rafael H. Valle, Alfonso
Reyes, Manuel M. Ponce, Ezequiel A. Chávez, Manuel Gómez
Morín, Carlos Lazo y Daniel Cosío Villegas. Es interesante
destacar la nota publicada en su edición número 8 (1° de marzo
de 1921), con el título “Las más interesantes Revistas de
Hispano-América”, que se enlistan a continuación:
Nosotros. Directores: Alfredo A Bianchi y Roberto E. Giusti.
Publicación mensual argentina, con la más seria colaboración
de los escritores de habla española.
Revista de Filosofía. Director: José Ingenieros. Publicación
bimestral de cultura, ciencias y educación. Buenos Aires.
Cuba contemporánea. Director: Carlos de Velasco. Revista
mensual que manifiesta el esfuerzo vigoroso de los
intelectuales cubanos.
Patria. Director: Carlos Manuel Novoa. Revista mensual de
literatura, artes, ciencias y actualidades. Guayaquil, Ecuador.
Nuestra América. Director: E. Stefanini. Revista mensual de
difusión cultural americana, publicada en Buenos Aires, con
selecto e interesante material de escritores latino-americanos.
Orto. Director: Juan F. Sariol. Revista semanal ilustrada, de
ciencias, arte y letras, editada en Manzanillo, Cuba.
Hebe. Directores: Ernesto Morales y Arturo Lagorio. Revista
Mensual de Literatura y Arte. Buenos Aires.
Actualidades. Director: Francisco R. González. Revista
mensual ilustrada, literaria, humorística e instructiva. San
Salvador C. A.
Lecturas. Editorial Tor. Curiosa Revista-Guía del buen lector,
publicada en Buenos Aires, conteniendo nutridos e
interesantes informes del movimiento editorial americano y
notas bibliográficas ilustradas.
La Federación. Director: Federico Alvarado F. Diario
Democrático Independiente. Guatemala.
América Latina. Directores: Benjamín Barrios y Ventura García
Calderón. Revista mensual parisiense, publicada en español,
con notas gráficas mundiales, artículos literarios, artísticos e
informativos, con las mejores firmas y conteniendo secciones
de interés para todos los públicos. Bellísimas ilustraciones.
Juventud. Director: Refugio León Lira. Órgano de la Asociación
de estudiantes potosinos. La única revista literaria de ese
estado.
Cuasimodo. Director: Nemesio Canales. Magazine
interamericano de información mundial, afirmación de ideas
renovadoras y aquilatación de los valores intelectuales
predominantes en España y América, publicado en Panamá.
Omega. Director: G. Jiménez Herrera. Revista de ciencias y
letras. Tamboril, Provincia de Santiago, República Dominicana.
Armonía social. Revista mensual. León, Gto., México.
• Amauta (1926-1930). Revista peruana, publicada en Lima por
José Carlos Mariátegui, voz contestataria de los nuevos tiempos
y las nuevas generaciones. En la presentación de su número 1
(septiembre de 1926), se decía: “El objetivo de esta revista es el
de plantear, esclarecer y conocer los problemas peruanos desde
puntos de vista doctrinarios y científicos. Pero consideraremos al
Perú dentro del panorama del mundo. Estudiaremos todos los
grandes movimientos de renovación políticos, filosóficos,
artísticos, literarios, científicos. Todo lo humano es nuestro. Esta
revista vinculará a los hombres nuevos del Perú, primero con los
otros pueblos de América, en seguida con los de otros pueblos
del mundo”. En sus páginas publicaron, junto a los intelectuales
peruanos, personajes como Romain Rolland y Marinetti, Jorge
Luis Borges y Juan Antonio Mella, Miguel de Unamuno y André
Breton, Lenin y Freud.
• revista de avance (1927-1930). Así, con minúsculas, nació esta
revista cubana, órgano de la vanguardia que logró integrar a la
mayoría de los intelectuales de la “segunda generación
republicana”. Sus primeros editores fueron Alejo Carpentier,
Martín Casanovas, Francisco Ichaso, Jorge Mañach y Juan
Marinello. Entre los colaboradores más asiduos figuraron Agustín
Acosta, Emilio Ballagas, Regino E. Boti, Mariano Brull, José María
Chacón y Calvo, Alfonso Hernández Catá, Fernando Ortiz, Félix
Pita Rodríguez, Regino Pedroso, Raúl Roa y Enrique José Varona.
También aparecieron trabajos de destacados intelectuales
extranjeros. Esta publicación desempeñó un importante papel en
lo concerniente a la divulgación de la música y las artes
plásticas, siendo ilustradas sus páginas por destacados pintores
cubanos, como Carlos Enríquez y Víctor Manuel.
• Contemporáneos (1928-1931). Revista mexicana, una de las
más influyentes en su momento. No sólo acogió en sus páginas
las plumas de la vanguardia europea, sino que también divulgó
la obra de los autores hispanoamericanos que serían parte
fundamental de la escena cultural del siglo XX. El grupo de
jóvenes intelectuales mexicanos que se agruparon en torno a
esta revista, se encargó de difundir muchas de las innovaciones
del arte y la cultura en la sociedad mexicana. No existió un
programa definido o un manifiesto generacional, aunque sí era
evidente que todos aquellos que publicaron en ella compartían
un afán por modernizar no sólo la literatura, sino una buena
parte de los aspectos más significativos de la cultura. Entre los
miembros destacados del grupo se contaban Salvador Novo,
Xavier Villaurrutia, José Gorostiza, Carlos Pellicer, Bernardo de
Montellano, Jaime Torres Bodet y Gilberto Owen.
• Sur (1931-1970).
Revista argentina,
fundada y dirigida por
Victoria Ocampo y
publicada en Buenos
Aires, que permitió a
los intelectuales
rioplatenses conocer y
relacionarse con la
vida cultural de Europa
y Estados Unidos. La
revista, en la que se
podía hablar de
cualquier tema, tuvo
entre sus
colaboradores a figuras
como Jorge Luis
Borges, Adolfo Bioy
Casares, José Bianco,
Waldo Frank, Walter
Gropius y Alfonso Reyes. Como secretarios de redacción
participaron Guillermo de Torre, José Bianco, Jorge Luis Borges,
Raimundo Lida, Ernesto Sábato, María Luisa Bastos y Enrique
Pezón. En su primer número, Drieu La Rochelle expresa lo
siguiente: “Una revista es un grupo de hombres que se juntan en
su juventud y que dicen juntos lo que piensan juntos. No es
bueno que se reúnan demasiado pronto, si son demasiado
jóvenes no tienen todavía nada que decir. Tampoco es bueno
que se reúnan demasiado tarde. Una vez que han dicho lo que
tenían en común deben separarse. Sin lo cual el grupo humano
se convierte en una revista en el sentido literario de la palabra,
donde no se hace más que repetir lo que ya se dijo otras
veces…” Julio Cortázar y Gabriel García Márquez reconocieron
alguna vez la relevancia de Sur en su formación; y Gabriela
Mistral sostuvo que Victoria Ocampo y su revista cambiaron la
lectura en varios países del hemisferio, pese a las críticas de
elitista y europeizante que se le hicieron en su momento. Se
publicaron 360 volúmenes en las casi cuatro décadas que
apareció publicada.
• Marcha (1939-1974). Revista emblemática uruguaya dirigida
por Carlos Quijano, cuya posición izquierdista y su proyección
extra-uruguaya la convirtió en un importante órgano de opinión
de la América Latina progresista. Esto hizo que la conciencia
latinoamericanista traspasara el mero cliché y se convirtiera en
práctica intelectual y política. Al cumplir veinte años el
semanario, su director escribió: “Alguna vez dijimos que Marcha
aspiraba a ser un diálogo con sus lectores. Nos agradaría saber
que así fue y así será. Que fuimos capaces de mantener ese
diálogo; que seremos capaces de continuarlo.” La columna
cultural de esta revista estuvo a cargo de escritores como Juan
Carlos Onetti, Emir Rodríguez Monegal, Ángel Rama, Jorge
Ruffinelli, Heber Raviolo y entre sus colaboradores se contaron
distinguidos intelectuales de la región, como Miguel Ángel
Asturias, Arturo Ardao, Jorge Luis Borges, Carlos Martínez
Moreno, Carlos Real de Azúa, Gregorio Selser, René Zavaleta,
Augusto Céspedes, Eduardo Galeano, Mario Benedetti, Rodolfo
Walsh y el mismo Che Guevara. Después de la clausura de
Marcha durante la dictadura, en 1974, Quijano padeció la cárcel
y después el exilio en México, en donde murió.
• Cuadernos Americanos (1942-2008). Revista fundada por un
grupo de intelectuales españoles exiliados en México y
mexicanos, encabezados por Jesús Silva Herzog, que decidieron
enfrentar los problemas que planteaba la cultura, en especial en
América. Son incontables los intelectuales latinoamericanos,
españoles e incluso de otras nacionalidades que han colaborado
en ella a lo largo de más de seis décadas de existencia,
abordando diversos tópicos. Destacan entre sus editores Jesús
Silva Herzog, Manuel S. Garrido y Leopoldo Zea; y entre sus
colaboradores de diversas épocas, Alfonso Reyes, Daniel Cosío
Villegas, Mario de la Cueva, Ernesto Cardenal, Fernando Aínsa,
Edgar Montiel, Tomás Calvo Buezas, Theotonio dos Santos,
Gerard Pierre-Charles, Roberto Fernández Retamar, Miguel Rojas
Mix, Pablo González Casanova, Miguel León Portilla, Jaime
Labastida, Gustavo Vargas Martínez, Horacio Cerutti, Ricardo
Melgar, Estela Morales, Liliana Weinberg, Adalberto Santana,
Regina Crespo, Jesús Serna y Patricia Galeana. La primera época
de la revista abarca del número 1 (1942) hasta el número 261
(1984); la segunda época va del número 262 (1985) hasta el
número 265 (1986); y la nueva época, a cargo de Zea hasta su
fallecimiento en el año 2004, comienza en el número 1 (1987).
Actualmente la publicación es editada por la UNAM, a través del
Centro de Investigaciones sobre América Latina y el Caribe CIALC.
• El Hijo Pródigo (1943-1946). Revista mexicana, comenzó a
editarse cuando habían desaparecido otras vinculadas al exilio
español, como Taller, Romance o España Peregrina. El
americanismo edénico, inducido por el aparente hundimiento
cultural europeo derivado de la guerra y por aquella lógica
apocalíptica que se esgrimía con tanta contundencia como
ingenuidad, sonaba en otras revistas poco acorde con las
inquietudes reales de los intelectuales mexicanos. Así, para
responder a este sentimiento, surgió esta revista, impulsada por
Xavier Villaurrutia, Samuel Ramos, Alí Chumacero y Octavio Paz,
entre otros, bajo la dirección de Octavio G. Barreda.
• Orígenes (1944-1954). Revista cubana, dirigida por José
Lezama Lima y José Rodríguez Feo. Entre sus editores se
encontraban Mariano Rodríguez y Alfredo Lozano. Desde el
número 34 se separa de la publicación Rodríguez Feo, quien creó
la revista Ciclón, junto con Virgilio Piñera. El consejo de
colaboración estaba integrado por Eliseo Diego, Fina García
Marruz, Ángel Gaztelu, Julián Orbón, Octavio Smith y Cintio
Vitier. Lezama narra así su surgimiento: “Nos conocíamos Ángel
Gaztelu, Guy Pérez Cisneros, Gastón Baquero, Virgilio Piñera,
Justo Rodríguez Santos, y el momento era propicio para hacer
revistas. Casi todos los escritores jóvenes tenían el mismo
desenvolvimiento, y en sus revistas está la verdadera historia del
espíritu. No me imaginaba que lo que andando el tiempo se
convirtiera en lo que fue, hubiese surgido con notoria
indiferencia. Era el espíritu venciendo una coraza de dificultades.
(...) La raíz de Verbum, de Espuela de Plata, de Nadie Parecía,
de Orígenes fue la amistad, el trato frecuente, la conversación,
el paseo inteligente. Estábamos muy al lado de los pintores
Lozano, Mariano, Portocarrero, y de los músicos, Ardévol,
primero, Julián Orbón, después. Esta amistad estaba por encima
de hacer o no hacer revistas, porque las revistas fueron
desapareciendo y la amistad ha subsistido (...) Pero en la raíz
del grupo de pintores, músicos, escritores, estaba implícita la
tendencia a la universalidad de la cultura, a la búsqueda de
nuestro paisaje...”
• Letras del Ecuador (1945-1954 / 1954-2008). Revista
ecuatoriana, órgano oficial de la Casa de la Cultura Ecuatoriana
fundada por Benjamín Carrión, su primer presidente, en 1944.
En 1945 este destacado intelectual lojano publicó la revista bajo
la dirección de su sobrino Alejandro Carrión, en la que
colaboraron notables intelectuales latinoamericanos y de otras
latitudes, junto a ecuatorianos como Demetrio Aguilera Malta,
Agustín Cueva, Jorge Enrique Adoum, César Dávila, Miguel
Donoso Pareja, Jorge Icaza, Carlos Calderón Chico, Eliécer
Cárdenas, Jorge Carrera Andrade, Abdón Ubidia, Iván Egüez y
Raúl Pérez Torres, entre muchos otros. La primera época de
Letras del Ecuador, que se acreditó pronto en los medios
culturales de América Latina, terminó en 1954, pero en su nueva
época es publicada hasta la fecha, siendo su director actual Julio
Pazos Barrera.
• Casa de las Américas
(1960-2008). Revista
cubana fundada en 1960
por Haydee Santamaría
como órgano de la
institución homónima que
la propia Haydee había
fundado el año anterior y
dirigía. Es una de las
publicaciones periódicas de
su tipo que más larga vida
y mayor trascendencia ha
logrado en la región, a
cuya cultura ha dedicado
una especial atención, así
como a sus nexos con el
resto del planeta. A lo largo
del tiempo la han
distinguido colaboradores
de primera línea, tanto de
América Latina y el Caribe
como de otras partes del
mundo. Mencionemos
algunos: Julio Cortázar,
Alejo Carpentier, Gabriel
García Márquez, Mario Benedetti, Carlos Fuentes, Mario Vargas
Llosa, Ezequiel Martínez Estrada, Eduardo Galeano, Roque
Dalton, Darcy Ribeiro, Tito Monterroso, Mayra Montero, Luisa
Campuzano, Ambrosio Fornet, Alfredo Bryce Echenique, Iván
Junqueira, Edmundo Desnoes, Juan Bruce-Novoa, Aimé Césaire,
Pablo Armando Fernández, Sergio Pitol, Miguel Bonasso, Antonio
Martorell, Alonso Aguilar Monteverde, Renato Prada Oropeza,
Santiago García, Raúl Vallejo, Gonzalo Rojas, Ariel Dorfman, Poli
Délano, Roberto Segre, Noamh Chomsky, Edouard Glissant,
Norman Girvan... Al fallecimiento de Haydee, en 1980, la Casa
de las Américas fue presidida por Mariano Rodríguez (19801986) y Roberto Fernández Retamar (1986 a la fecha), quien
funge también como director de la revista.
• Plural (1971-1976 / 1977-1994). Revista mexicana, publicada
por el diario Excélsior, con dos épocas bien definidas y
diferenciadas. Fue fundada y dirigida por Octavio Paz en 1971,
con el apoyo del periodista Julio Scherer, entonces director de
Excélsior, quien, según Paz, “nos propuso la publicación de una
revista literaria, en el sentido amplio de la palabra literatura:
invención verbal y reflexión sobre esa invención, creación de
otros mundos y crítica de este mundo”. Paz reunió en torno a la
revista un consejo de redacción integrado por narradores o
poetas como Salvador Elizondo, Tomás Segovia, Alejandro Rossi,
Juan García Ponce, José de la Colina y Gabriel Zaid. La
publicación registró en su primera época la firma de agudos
críticos de política o de cultura como Daniel Cosío Villegas, Ossip
Maldestam, Joseph Bodsky y Charles Fourer, y de narradores
latinoamericanos como Adolfo Bioy Casares y Manuel Puig, entre
otros. En 1976, luego de un conflicto de la directiva de Excélsior
con el presidente de México, Luis Echeverría, que causó la salida
del diario de un importante grupo de colaboradores encabezados
por Scherer (varios de los cuales habrían de fundar pronto la
revista Proceso), Paz y sus amigos abandonaron Plural, que ya
iba en el número 58, para fundar la revista Vuelta, con similares
características aunque más beligerante y selectiva ideológica y
culturalmente. Poco después comienza la segunda época de
Plural, publicada por el renovado Excélsior, a cuyo frente
estuvieron hasta 1982 Jaime Labastida y Roberto Rodríguez
Baños, quedando a partir de este año como director solamente
Labastida. En esta etapa, que se extenderá 17 años, Plural será
más abierta, incluyente y pluricultural, más alineada con las
causas progresistas y la integración de América Latina y el
Caribe, en donde llegará a ser ampliamente reconocida.
Colaborarán en ella destacados intelectuales de diversas
latitudes, como Jorge Boccanera, Saúl Ibargoyen, Eduardo
Casar, Federico Álvarez, Juan Gelman, Rodolfo Alonso, Efraín
Huerta, Telma Nava, Francisco Zendejas, Carlos Montemayor,
Lazlo Moussong, Gabriel Vargas Lozano, Francesca Gargallo,
Raquel Tibol, Lisandro Otero, Horacio Salas, Nils Castro, Enrique
Jaramillo Levi, Hernán Lavín Cerda, Felipe Garrido, Eduardo
Langagne, Federico Patán, María Elena Aura, Eduardo García
Aguilar, Óscar Oliva y Juan Bañuelos, entre otros.
• Araucaria (1978-1989). Revista chilena, dirigida en el exilio por
Volodia Teitelboim. Su redacción funcionó hasta 1984 en París,
año en el cual se trasladó a Madrid. El éxodo masivo de artistas
o intelectuales que provocó el golpe de estado pinochetista de
septiembre de 1973, dio origen a un fenómeno extremadamente
amplio y vigoroso: la cultura chilena del exilio. Nunca la
proyección de este país alcanzó como entonces resonancia
planetaria semejante, con la obra desarrollada en una treintena
de países por cineastas, músicos, pintores, escritores,
académicos y cuadros calificados en los más diversos campos de
la producción cultural. Aunque se publicaron muchas revistas en
ese tiempo, la de mayor significación fue sin duda Araucaria, por
la amplitud de los temas tratados, así como por la calidad e
interés de sus artículos, el prestigio y representatividad de
quienes colaboraban en sus páginas y el atractivo de su
presentación. Publicada regularmente durante sus doce años de
existencia, llegó a ser un objeto cultural de referencia obligatoria
entre los chilenos de la diáspora y numerosos latinoamericanos.
• Nossa América (1989-2008). Revista brasileña, órgano del
Memorial da América Latina de São Paulo, dirigida por Milton Eric
Nepomuceno. Esta institución fue creada en 1989 como un
espacio para reunir las diversas manifestaciones artísticas y
culturales de la región y promover con ello la identidad e
integración de Nuestra América. La revista, creada con un alto
nivel editorial y gráfico, se ha convertido en una de las
publicaciones más importantes del continente. En su consejo
editorial, presidido por Alfredo Bosi, participan distinguidos
intelectuales latinoamericanos, como Antônio Callado, Augusto
Roa Bastos, Ernesto Cardenal, Ernesto Sábato, Eduardo Galeano
y Oscar Niemeyer, entre otros, siendo la editora ejecutiva Leonor
Amarante. Y entre quienes han colaborado en sus páginas
encontramos a Thiago de Mello, Antonio Candido, Nicolás
Guillén, Julio Cortázar, Eduardo Carranza, Flor Garduño, Dacio
Galvão, María Bonomi, Sebastião Salgado, Paulo Mendes da
Rocha, Carlos Guilherme Mota, Fernando Birri, Juan Carlos
Onetti, Fernando Botero, Paulo Mendes da Rocha y Regina
Meyer, por sólo citar algunos nombres ampliamente reconocidos
en sus respectivos campos de acción.
Copados cada vez más por el internet, las página web y los
blogs, fuimos conociendo en el transcurso del tiempo otras
revistas culturales latinoamericanas que llamaron nuestra
atención, existentes unas y desaparecidas otras, con varias de
las cuales establecimos incluso vínculos, dadas las afinidades
que encontrábamos. Enlistemos algunas:
Las cubanas Revolución y cultura, dirigida en 1991 por
Romualdo Santos; La Gaceta de la UNEAC, dirigida por
Norberto Codina hasta la fecha; Temas, dirigida cuando la
conocimos por Rafael Carralero y, actualmente, por Rafael
Hernández; Contracorriente, dirigida por Enrique Ubieta; y
Oralidad, órgano de la oficina cultural de la UNESCO para
América Latina y el Caribe con sede en La Habana, cuyo editor
es Víctor Marín. Las argentinas Francachela, fundada en Chile
por Carlos Aránguiz y publicada posteriormente en Buenos
Aires bajo la dirección de José Kameniecki y, actualmente,
Norma Pérez Martín; Nómada, dirigida por Jorge Boccanera; y
las míticas Martín Fierro (1904-1919), Claridad (1927-1941),
que dirigió Antonio Zamora, y Crisis, una vitrina de lo mejor
de la literatura, el arte y la cultura popular de América Latina,
fundada en 1974 en Buenos Aires por Eduardo Galeano,
exiliado temporalmente en la ciudad porteña. La guatemalteca
Revista de Guatemala (1945-1948 / 1951-1953), dirigida por
Luis Cardoza y Aragón, exiliado posteriormente en México.
Las costarricenses Semanario Universidad, que dirige Laura
Martínez Quezada; Tópicos del humanismo, cuyo editor es
Gerardo César Hurtado; e Imago, en cuya edición colaboraba
Laura Fuentes Belgrave. Las bolivianas Signo. Cuadernos de
Cultura Boliviana, dirigida por Carlos Coello; y Cultural,
Revista de la Fundación Cultural del Banco Central de Bolivia,
dirigida por Alberto K. Bailey. Las brasileñas Eco 21, dirigida
por René Capriles; Cult. Revista Brasileira de Cultura; Letras e
Artes, órgano de la Academia de Artes y Letras do Nordeste,
dirigida por su presidente, Alexandre Santos; y Agulha, esta
última virtual, dirigida por Floriano Martins y Claudio Willer
desde Fortaleza y São Paulo, respectivamente. Las
colombianas Desarrollo Indoamericano, dirigida por José
Consuegra Higgins; Número, animada por intelectuales como
Juan Gustavo Cobo Borda y William Ospina; y las virtuales
Rampa, dirigida por Rubén López Rodrigué; y Arquitrave,
dirigida por Harold Alvarado Tenorio. La dominicana Caudal,
dirigida por Carlos Cabrera. La ecuatoriana Anaconda, dirigida
y editada por Macshori Ruales. Las puertorriqueñas Exégesis,
dirigida por Marcos Reyes Dávila; El Cuervo, dirigida por
Alberto Martínez-Márquez y Judith Diez Herencia; y Hóminis.
Las venezolanas Ateneo de los Teques, dirigida por Emilcen
Rivera; Humania del Sur, de la Universidad de los Andes; y El
cuervo, esta última virtual, dirigida por María Antonieta
Flores. La uruguaya Brecha, dirigida por Guillermo Waksman,
en donde colabora Ana Inés Larre. Las chilenas Rocinante, de
Faride Zerán, considerada en su momento como “la mejor
revista cultural” por el Círculo de Críticos de Arte de Chile,
lamentablemente desaparecida en 2005; y Punto Final,
fundada en 1965 y dirigida por Manuel Cabieses hasta la
fecha (fue suspendida entre 1973 y 1989, durante la
dictadura, cuando su director vivió en el exilio y la
clandestinidad).
En cuanto a las
revistas mexicanas,
mencionemos
Amerística, dirigida por
el colombiano Gustavo
Vargas Martínez,
lamentablemente
fallecido hace tres
años; la Casa Grande,
dirigida por el también
colombiano Mario Rey;
El entrevero, dirigida
por el uruguayo Edgar
Paz (todos ellos
residentes en México);
Revista de la
Universidad, dirigida
por Ignacio Solares y
publicada por la
Coordinación de
Difusión Cultural de la UNAM; Latinoamérica, dirigida por
Adalberto Santana y publicada por el CIALC-UNAM; Casa del
tiempo, dirigida por Daniel Toledo Belrán, y Topodrilo, cuyo
editor actual es Antulio Sánchez, ambas de la UAM; La palabra y
el hombre, de la Universidad Veracruzana, fundada por Sergio
Galindo y dirigida actualmente por Mario Muñoz; Contrapunto,
publicada por la Editora de Gobierno de Veracruz, cuyo editor es
Félix Báez Jorge; Dialéctica, de la BUAP, dirigida por Gabriel
Vargas Lozano; Blanco Móvil, dirigida por Eduardo Mosches;
Alforja, dirigida por José Ángel Leyva; Memoria, dirigida por
Héctor Díaz Polanco; Nexos, dirigida en sucesivos periodos por
Héctor Aguilar Camín, Rafael Pérez Gay y José Woldenberg; y
Letras libres, fundada y dirigida por Enrique Krauze.
Mención aparte merecen finalmente las revistas realizadas por
migrantes latinoamericanos en diversas latitudes, cuyo valor es
encomiable. Algunos ejemplos son los siguientes: Arenas
Blancas, de la Universidad de Nuevo México en Las Cruces,
empeñada en promover la cultura chicana y acercar a las
comunidades latinas de Estados Unidos a sus lugares de origen;
Vericuetos, dirigida por el colombiano Efer Arocha, en la que
participan numerosos latinoamericanos residentes en París,
edición bilingüe cuyo logotipo fue diseñado por el artista plástico
mexicano Jesús González Tonantzin; La porte des poetes, edición
también bilingüe de los latinoamericanos residentes en París,
cuyo director fundador es el escritor chileno Luis del Río-Donoso;
Espaces Latinos, publicada en francés por los latinoamericanos
residentes en la ciudad francesa de Lyon y dirigida por Januario
Espinosa; Guaraguau, revista independiente fundada en 1996 en
la Universidad Autónoma de Barcelona, dirigida por Mario
Campaña, que trata sobre la cultura latinoamericana en el
sentido más amplio; y Mapalé, revista de Artes y Letras de la
comunidad latinoamericana residente en Canadá, dirigida en
Ottawa por Silvia Alfaro.
No cabe duda, a todas ellas mucho les debe la cultura
latinoamericana y caribeña y la consecuente integración de
nuestros pueblos. En Archipiélago sabemos reconocerlo. Y
valorarlo.
CARLOS VÉJAR PÉREZ-RUBIO (México, 1943). Dirige a revista Archipiélago, através da
qual vem promovendo um forte diálogo de integração continental. Doutor em Estudos
Latino-americanos, editor e narrador. Contato: [email protected].
____________________________________________________
Texto apresentado na mesa "Revistas de cultura e integralção da América
Latina"
Sala Milton Dias - 15 de novembro de 2008
Mediação: Lira Neto (Brasil)
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
O Centro Cultural Brasil-República
Dominicana e os Centros de Estudos
Brasileiros (CEBs)
Cristiane Grando
.
Desde setembro de 2008, os Centros de Estudos Brasileiros
(CEBs) passaram a ser chamados Centros Culturais. De acordo
com instruções enviadas pelo Ministério das Relações Exteriores,
“tradicionalmente os Centros de Estudos Brasileiros (CEBs)
focalizavam prioritariamente suas atividades no ensino da língua
portuguesa. Ao longo dos últimos anos, essas atividades têm-se
intensificado e expandido passando a abarcar também a
divulgação da cultura brasileira nas suas diversas manifestações.
A denominação ‘Centro de Estudos’ deixou, assim, de alcançar
conceitualmente a ampla esfera de atuação dessas unidades.
Hoje os CEBs oferecem sessões de cinema, exibições de dança e
capoeira, encontros gastronômicos, mostras de artes plásticas,
cênicas e fotografia, e concertos musicais, muito além da
promoção da língua portuguesa. Ademais, promovem a
divulgação de manifestações artísticas e culturais locais, tendo se
transformado em genuínos centros culturais. Justifica-se, assim,
fazer refletir em sua denominação essa nova realidade. A partir
de agora, os CEBs passarão a intitular-se ‘Centro Cultural BrasilXXX (nome do país)’.”
Esses Centros Culturais, os antigos CEBs, funcionam em
inúmeros países, entre eles: na Alemanha, Argentina, Bolívia,
Cabo Verde, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador,
Espanha, Estados Unidos, Finlândia, Guiana, Guiné Bissau, Haiti,
Itália (em Roma e Milão), México, Moçambique, Nicarágua,
Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Uruguai e
Venezuela.
Além das aulas de língua portuguesa, o CEB ou Centro Cultural
Brasil aplica o CELPE-Bras,
“o Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para
Estrangeiros, desenvolvido e outorgado pelo Ministério da
Educação (MEC), aplicado no Brasil e em outros países com o
apoio do Ministério das Relações Exteriores (MRE). O CELPE-Bras
é o único certificado brasileiro de proficiência em português como
língua estrangeira reconhecido oficialmente. Internacionalmente,
é aceito em firmas e instituições de ensino como comprovação de
competência na língua portuguesa e, no Brasil, é exigido pelas
universidades para ingresso em cursos de graduação e em
programas de pós-graduação.”
Mais informações e inscrições: www.mec.gov.br/sesu/celpe e
www.ceb-barcelona.org, outubro de 2008.
Os cursos de língua
portuguesa em São
Domingos vêm sendo
oferecidos pela
Embaixada do Brasil na
Escuela Primaria
República del Brasil e
na Universidad
Autónoma de Santo
Domingo (UASD) desde
a década de 1980, o
que será ampliado com
a criação do Centro
Cultural Brasil –
República Dominicana
pela Embaixada do
Brasil com o apoio do
Departamento Cultural
do Ministério das Relações Exteriores. O Centro é formado pela
Biblioteca Hilda Hilst, salas para conferências e aulas (Salas
Manuel Bandeira, Clarice Lispector e Carlos Drummond de
Andrade), para oficinas e exposições de artes plásticas e
fotografia (Salas Tarsila do Amaral e Sebastião Salgado, Ateliê de
Criatividade Guimarães Rosa), para projeção de filmes (Sala
Glauber Rocha), além da Cozinha Adélia Prado, para aulas de
culinária, e de outros espaços que podem ser utilizados para
reuniões e eventos culturais como o Espaço Villa-Lobos, Espaço
Chico Buarque, Sala João Cabral de Melo Neto, Espaço Cecília
Meireles, Sala Anita Malfatti, Jardim Vinicius de Moraes e Café
Machado de Assis. Nesse ano de 2008, comemora-se o
centenário da morte do escritor brasileiro considerado o maior
expoente de todos os tempos da literatura nacional: Machado de
Assis. Em 19 de setembro de 2007, foi publicado no Diário Oficial
da União a Lei nº 11.522, que institui 2008 como o Ano Nacional
Machado de Assis, assinada pelo presidente da República, Luiz
Inácio Lula da Silva, e por Gilberto Gil, ministro da Cultura
naquela ocasião.
O Centro Cultural Brasil – República Dominicana oferecerá cursos
de Língua Portuguesa e Cultura Brasileira, de I a V, além de
cursos temáticos que serão organizados de acordo com as
necessidades dos estudantes e as propostas de professores.
Pretende-se desenvolver atividades semanais como Cinema na
4ª-feira e Voz e violão: noite de poesia e música brasileira. Nesse
projeto, os participantes poderão ler poemas e cantar em
português, de forma espontânea, em apresentações individuais
ou em grupo. Voz e violão é um projeto que será desenvolvido ao
ar livre, no Jardim Vinicius de Moraes. Com o objetivo de que os
estudantes pratiquem a língua portuguesa como parte da vida
diária, o Centro Cultural oferecerá várias atividades permanentes.
As atividades culturais esporádicas previstas envolvem,
sobretudo, a cultura brasileira e dominicana. Para 2009, estão
programadas: participar, com diversas atividades culturais, nos
15 dias da Feria Internacional del Libro de Santo Domingo, sendo
o Brasil país homenageado; sediar noites de trovas do I Juegos
Florales del Caribe, promovido pela União Brasileira de
Trovadores (UBT) e organizado pelo poeta dominicano Claudio
Garibaldy Martínez, evento que contará com apresentações de
trovas em português e espanhol; organizar exposição de
fotógrafos brasileiros com o objetivo de participar do IV
Photoimagen em setembro, mês da fotografia em São Domingos.
Na Biblioteca Hilda Hilst, há o Espaço Monteiro Lobato, dedicado
às crianças, com livros, revistas e gibis, onde haverá atividades
como contar histórias e cantar em português. Pretende-se
também oferecer aulas de artes plásticas, artesanato e culinária
em português, utilizando material didático/teórico publicado em
língua portuguesa.
Um calendário comemorativo de feriados nacionais brasileiros e
festas tradicionais está sendo desenvolvido, para que se
promovam atividades culturais nas principais datas. Ao organizar
festas em países estrangeiros, deve-se tomar o cuidado de não
transformá-las, pois migram de seu contexto original para o de
outra cultura. É claro que algumas adaptações às vezes são
necessárias, mas é preciso ter senso crítico no momento de
realizá-las. Essa é também uma das preocupações do Café
Machado de Assis, coordenado por Ivone e Sergio Lisboa, que
aspira a ser uma cafeteria que veicule a cultura e culinária
brasileira.
O Centro Cultural Brasil deseja apoiar eventos culturais que são
realizados em São Domingos há alguns anos. As festas juninas,
por exemplo, organizadas por funcionários da Embaixada do
Brasil e pela empresa brasileira Odebrecht; as aulas de capoeira,
oferecidas por dois professores brasileiros.
Conhecendo a vida
cotidiana da República
Dominicana e Brasil, notase que há realidades
semelhantes, especialmente
em ambientes escolares. A
partir dessa experiência,
acredito que é importante
cultivar, nos espaços
educativos e culturais,
valores como: a
pontualidade, a criatividade,
a limpeza e organização do
ambiente de trabalho e de
estudo, a reciclagem e o
não-desperdício, o trabalho
em equipe, o silêncio,
promovendo campanhas,
em português e espanhol, a
fim de evitar ruídos perto da biblioteca e das salas de aula,
durante a projeção de filmes, apresentações teatrais e de música.
É importante desenvolver campanhas para diminuir o uso de
celular durante aulas e eventos culturais, assim como para
contribuir para que se diminuam os ruídos no dia-a-dia, como o
excesso do uso de buzinas, podendo se ampliar para uma
campanha de respeito ao pedestre e aos sinais de trânsito. Como
projeto educativo e entidade governamental, pretende-se
valorizar o potencial e desejo de aprender de professores e
artistas iniciantes, assim como valorizar o trabalho e as obras de
grandes artistas e intelectuais, promovendo a sua difusão através
de publicações, produção de audiovisuais, exposições e
conferências. Segundo o cantor e compositor Joan Manuel Serrat,
“a situação que vivemos é só a ponta do iceberg da crise que
vive esta sociedade; chegou-se a isto pela falta de valores e
porque fomos muito permissivos.” [1] Nesse sentido se expressa
muito bem a jornalista dominicana Ebony Lafontaine quando diz
que
“se nos detivéssemos para observar objetivamente o panorama
nacional do ponto de vista de como nos relacionamos uns com os
outros, poderíamos dar-nos conta de que nossas relações
humanas andam mal, em via de deterioração e agravando os
problemas que nos afligem como nação. […] Introduzir mudanças
na forma de comportarmo-nos com o outro não significa deixar
de lado nossa personalidade; ao contrário, a fortalece. Essa
fortaleza reflete-se em nossas emoções, equilíbrio pessoal e em
uma relação interpessoal efetiva.” [2]
Ter um site com textos, material informativo sobre as aulas e
programação cultural, publicados em português e espanhol, é um
dos serviços que se pretende oferecer em breve. Inicialmente
utilizamos para difusão dos eventos culturais convite impresso, email e o Blog Dominico-Brasilero, criado pelo professor Sergio
Lisboa em maio de 2008 (http://dominico-brasilero.blogspot.
com).
Mais que interesse por conhecer a cultura brasileira, nota-se
amor pelo Brasil, pelos brasileiros e por nossa cultura nos olhos
de muitos dominicanos quando falam de nosso país. No contato
diário com inúmeros dominicanos, especialmente durante a Feria
Internacional del Libro de Santo Domingo, nas edições de 2007 e
2008, descobri esse amor pelo Brasil quando os dominicanos
falavam de nossas novelas, do samba e do carnaval do Rio de
Janeiro, da diversidade cultural, da extensão e belezas naturais,
do cinema e da música brasileira, do futebol, do Cristo Redentor
e da Amazônia. Na República Dominicana, o contato com notícias
e música do Brasil é quase diário, nos jornais e restaurantes;
também nas ruas, ao ver pessoas com camisetas, bolsas ou
acessório que apresentam a bandeira do Brasil ou o nosso verdeamarelo. É impressionante a quantidade de dominicanos que
afirmam que seu sonho é conhecer o Brasil antes de morrer.
Nesse espírito de cultivar o amor entre os povos, o Centro
Cultural Brasil – República Dominicana planeja apoiar a
“Associação Amigos de Brasil”, projeto proposto pelos escritores
dominicanos Manuel Mora Serrano e Alexis Gomes Rosa, que
também participam dessa Bienal Internacional do Livro do Ceará.
Vale notar que temos recebido constantemente apoio de artistas,
intelectuais e amigos vinculados a diversas modalidades
artísticas. Sem enumerar todas, gostaria de citar a Dirección
Regional y Provincial de San Juan de la Maguana, o Grupo
Photoimagen, o Centro Cultural Eduardo León Jimenes, o Centro
Cultural de España, a Arbaje y Chueke S.A. – Arquitetura,
Construção e Paisagismo, a Cámara de Comercio DominicoBrasileña, Artes: revista especializada en arte caribeño,
Cariforum: revista cultural del Caribe, País Cultural: revista de la
Secretaría de Estado de Cultura de la República Dominicana,
Angel Ortega, Avelino Stanley, Basilio Belliard, Isaac Chueke,
Ivelisse Russo, José Luis Terrero, Juan Miguel Bautista, Kelvin
Suero, Carolina Escudero, Lucrecia Cieza, Marisol Cuevas, Noé
Zayas, Radamés Polanco, Roberto Amodio, Sergio e Maria Cecilia
Abreu de Araujo Vasconcellos, Teo Terrero, além de vários
programas de rádio e televisão, apresentados por Raquel y José
(Besos y Abrazos), Gustavo Hernández, Francisca Ramírez,
Xiomara Domínguez, Olga Vásquez, Geraldino Caminero e Lisette
Cruz Campillo, entre outros. Vale ressaltar o apoio dos primeiros
patrocinadores: as construtoras Norberto Odebrecht e Andrade
Gutierrez, as empresas Brahma e Nestlé. No Brasil, as primeiras
parcerias desenvolvidas com o Centro Cultural realizaram-se
através da troca incessante de informações com o curador dessa
Bienal Internacional do Livro do Ceará, Floriano Martins, e
através da doação de um grande número de CDs produzidos pelo
Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”, de
Tatuí-SP.
O Centro
Cultural
Brasil –
República
Dominicana
tem como
um dos
objetivos
valorizar a
cultura
local,
propondo
espaço
para
exposição
e
apresentação de artistas dominicanos no próprio centro e
facilitando a comunicação entre esses artistas e intelectuais com
instituições culturais do Brasil. Nessa linha de trabalho, pretendese estimular o diálogo e integração dos dois países – não
somente no universo artístico, mas também no mundo
acadêmico, facilitando o fluxo de informações entre artistas e
estudantes dos dois países que buscam vagas em universidades
ou bolsas de estudo em cursos de graduação e pós-graduação.
De acordo com o Instituto Cultural Brasileiro na Alemanha,
“todo trabalho cultural assume, automaticamente, um importante
papel na formação da imagem do país. Mais do que a divulgação
de mensagens pré-formuladas, é, no entanto, o diálogo cultural
que irá construir a imagem multifacetada do país. Esta será uma
imagem muito mais convincente porque ‘descoberta’ pelos
interessados e não simplesmente a eles ‘servida’. Distorções
decorrentes dos fatos não terem sido colocados nos seus devidos
contextos, por falta de conhecimento ou erro de informação,
poderão ser corrigidas de maneira duradoura neste diálogo.”
www.icbra-berlin.de, outubro de 2008.
Aí reside a importância de um trabalho educativo desenvolvido a
longo prazo nos CEBs, especialmente na América Latina, onde o
intercâmbio cultural com o Brasil é muito grande, por razões
geográficas e econômicas. “Nos países latino-americanos, […] a
presença de uma entidade cultural brasileira é tão forte, que em
algumas cidades o Instituto Brasileiro [CEB ou Centro Cultural
Brasil] chega a ser um dos principais centros culturais do
local.” (www.icbra-berlin.de, outubro de 2008).
Para quem trabalha com educação e cultura em países
estrangeiros, a tradução ganha maior relevância. Os CEBs têm
assumido importante papel na difusão da literatura e da cultura
brasileira não somente através dos cursos de língua portuguesa e
promoção de eventos culturais, mas também através da
publicação de livros traduzidos. Em alguns casos, as publicações
são bilíngues, especialmente quando se trata de poesia:
antologias poéticas e livros de poemas dedicados a um autor
específico. Na República Dominicana, cada vez aumenta o público
que busca textos de literatura brasileira traduzidos,
especialmente nesse momento em que se prepara uma feira
internacional de livros dedicada ao Brasil. Segundo Ubiratan
Brasil,
“Enquanto os Estados Unidos assumem o primeiro posto entre os
países que mais estudam a literatura brasileira, a Alemanha
reserva meros 7% de seu imenso mercado editorial para a
tradução de livros de escritores do Brasil. As constatações, entre
outras também surpreendentes, fazem parte das primeiras
conclusões obtidas pelo projeto Conexões, mapeamento
internacional da literatura brasileira promovido pelo Itaú Cultural.
[…] Escritores tradicionais, é claro, continuam puxando a fila,
garantindo a presença permanente da literatura brasileira nos
estudos e pesquisas estrangeiros. Mas, entre nomes esperados
(como Jorge Amado, João Cabral de Melo Neto, Carlos
Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Rubem Fonseca),
surgem outros que mesmo no Brasil já não têm a mesma
repercussão. […] A tímida ação governamental também é
lembrada pelos pesquisadores consultados. Todos são unânimes
em apontar a necessidade de se implantar um plano que facilite a
tradução de obras nacionais para diversas línguas. E a divulgação
dos livros exige um projeto mais elaborado - para eles, o Brasil
deveria considerar o Instituto do Livro e o Instituto Camões em
Portugal como modelos a serem seguidos. […] ‘A presença da
literatura brasileira no exterior é superior ao que usualmente
imaginamos’, comenta [o gerente do Núcleo de Diálogos do Itaú
Cultural, Claudiney José] Ferreira. ‘E há um grande interesse pela
escrita contemporânea - os clássicos decerto são estudados, mas
os brasilianistas demonstram cada vez mais preocupação com o
aqui e agora da literatura brasileira.’"
BRASIL, Ubiratan. In: O Estado de São Paulo. São Paulo.
Segunda-Feira, 03 de novembro de 2008, www.estadao.com.
br/estadaodehoje/20081103/not_imp271428,0.php.
Gostaria de
registrar minha
gratidão a todos
os que defendem a
importância da
leitura e
publicação de
livros como meio
de difusão
cultural,
especialmente aos
tradutores e
diretores dos CEBs
que organizaram,
editaram e
difundiram
inúmeros livros de literatura brasileira. Um agradecimento
especial ao Embaixador Paulo Cesar Meira de Vasconcellos,
Diretor-Geral do Departamento Cultural do Ministério das
Relações Exteriores, ao Embaixador do Brasil em São Domingos
Ronaldo Edgar Dunlop, ao Ministro Osvaldo Pizzá e ao Assistente
de Chancelaria Jucilton Salazar Pereira, pelo apoio e trabalho
intenso durante a criação do Centro Cultural Brasil – República
Dominicana. Um agradecimento especial também ao curador da
Bienal Internacional do Livro do Ceará, Floriano Martins, por ter
criado esse espaço de diálogo entre CEBs de vários países,
diminuindo a distância entre todos nós.
NOTAS
1. “La situación que vivimos es solo la punta del iceberg de la
crisis que vive esta sociedad, se ha llegado a esto por la falta
de valores, y hemos sido muy permisivos”. BALBUENA, Moisés.
“Serrat: ‘Todavía me falta mucho por contar’”. In: Hoy. Santo
Domingo, 19 de outubro de 2008, p.1C.
2, “Si nos detenemos a observar objetivamente el panorama
nacional desde el punto de vista de cómo nos relacionamos los
unos con los otros, podríamos darnos cuenta de que nuestras
relaciones humanas andan mal, en vía de deterioro
y agudizando los problemas que nos aquejan como nación. […]
Introducir cambios en nuestra forma de comportarnos con el
otro, no significa dejar de lado nuestra personalidad, por el
contrario, la fortalece. Esa fortaleza, se refleja en nuestras
emociones, equilibrio personal y en una relación interpersonal
efectiva.” LAFONTAINE, Ebony. “Salud Interior: Respuestas al
desamor.” In: Hoy Salud. Santo Domingo, 19 de outubro de
2008, p.8.
CRISTIANE GRANDO (Brasil, 1974). Professora convidada de Língua Portuguesa e
Cultura Brasileira na Universidade Autônoma de Santo Domingo (UASD) desde fevereiro
de 2007. Diretora-fundadora do espaço cultural Jardim das Artes (Cerquilho-SP, Brasil,
2004) e do Centro Cultural Brasil – República Dominicana (Santo Domingo, 2008). Poeta,
tradutora e ensaísta. Estudiosa da obra de Hilda Hilst. Contato: [email protected].
br.
____________________________________________________
Texto apresentado no debate "Política cultural dos Centros de Estudos
Brasileiros na América Hispânica"
Sala Dolor Barreira - 16 de novembro de 2008
Mesa composta por
Cristiane Grando (CEB República Dominicana) | Elisa Lopes (CEB Chile) |
Mediação: Marco Lucchesi (Brasil)
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
O poder do autor vivo
Maria Estela Guedes
.
Uma das principais tendências na cultura da Internet é o estímulo à
tomada de consciência individual. O discurso da Rede enuncia-se na
primeira pessoa: eu, Maria Estela Guedes, sou webmaster de um
portal criador e difusor de ciência e cultura com larga audiência. Por
esse motivo me convidaram a falar-vos do que sei, convite que me
honra e muito agradeço à organização da 8ª Bienal, e muito em
especial a Floriano Martins e ao Governo do Estado do Ceará.
É também pelo fato de o TriploV ser um site conceituado, sobretudo
no Brasil, onde temos a maior audiência, que ouso falar-vos de
assuntos que domino mal. Porém há quem os domine ainda pior:
certos autores portugueses estão ausentes do TriploV porque ainda
não chegaram à era informática. Alguns deles nem sequer passaram
pela idade da máquina de escrever.
Posto este desabafo, avancemos. Trouxe-vos dois assuntos da
cibercultura, ciente de que a maior parte de vós não os conhece.
Aprenderemos falando disso e experimentando em casa segundo o
método da tentativa e erro, pois são muito importantes. E eis
segunda tendência da cibercultura: a Internet estimula-nos a
aprender, fazendo, e a experimentar sem receio do erro.
O primeiro assunto é o Alexa (1), um programa de estatística que
revela ao interessado qual a posição do seu site nos rankings de
acessos.
O segundo, ligado ao
primeiro, diz respeito à
Wayback Machine (2).
Como o nome indica, tratase de uma máquina do
tempo, especializada em
viajar para trás.
Internet Archive Wayback
Machine é o nome
completo de um website,
gerido por uma instituição
não governamental sem
fins lucrativos, que suga
os nossos sítios, cuspindo
as imagens. Só lhe
interessam os textos.
Periodicamente, a
máquina passa pela
Agulha ou pelo TriploV e leva o sítio inteirinho. Meses depois volta a
passar e torna a levar o sítio inteirinho. Não corrige o velho com o
novo. Acumula versões. À soma das várias fases de
desenvolvimento de um organismo damos o nome de ontogénese.
Do mesmo modo, ao conjunto de versões armazenadas no Archive
podemos chamar a sitiogénese da Agulha ou do TriploV.
Desnecessário dizer que esta máquina se localiza nos Estados
Unidos da América (Presídio, em San Francisco) e que não só
ninguém nos pede autorização para chupar os sites até às tripas,
como ninguém nos dá conhecimento do fato. Desnecessário
igualmente dizer que, querendo reclamar, não lograremos grande
sucesso. Vejamos pois a coisa no seu lado bom: esta instituição
declara o objetivo de preservar a memória da cultura que existe na
Internet. Nós, escritores, temos um problema, o da durabilidade do
suporte da obra, e eu, pessoalmente, sofria bastante com ele, antes
da descoberta do Archive: a quem deixar o TriploV, quando
morresse? Quem iria pegar nele, já não digo para o manter em
actualização permanente, mas para o conservar como a pequena
biblioteca que é?
Caros amigos, companheiros de artes e letras: a Wayback Machine,
traduzindo literalmente, é uma máquina de marcha atrás. Mas bem
sabemos que traduzir é trair. Na verdade, com ela fica assegurado o
transporte das nossas obras para o futuro. Não nos preocupemos
com o testamento, a nossa obra em linha já ganhou diversos
herdeiros, o Archive é só um deles. Mais direi: a Wayback Machine é
um dispositivo que garante a nossa perenidade.
Vamos agora ao Alexa.
“A Alexa”, diz Henrique Costa Pereira, no feminino, “é uma empresa
da Amazon que funciona como um buscador da web e também
permite que você tenha acesso as estatísticas de qualquer site já
indexado por eles com um mínimo de 10 mil visitantes por mês
geralmente. Ou seja, se seu site tem poucos visitantes, é provável
que eles não tenham indexado você. A Alexa inclusive relaciona
suas estatísticas com outros sites e te informa que as pessoas que
te visitam também visitam o site x ou y.” (3).
Em suma, se tivermos um mínimo de dez mil visitantes por mês, o
Alexa presta-nos vários tipos de informação, entre eles:
- a nossa posição no ranking mundial;
- a nossa posição no ranking do nosso país;
- a nossa posição no ranking de cada um dos países em que o nosso
site tem audiência.
Por
exemplo,
no dia em
que coligi
as
informações
constantes
no quadro
“Lugar de
alguns
websites no
ranking
mundial de
visitantes”,
Brasil,
Portugal e
Angola eram os três países de maior audiência do TriploV. Repito:
no dia em que coligi os dados, porque eles variam muito. Podem
variar milhares de pontos num mês, mas não nos assustemos: não
é o nosso site que está a afundar-se ou a subir ao céu, trata-se da
variação natural nesse organismo vivo que é a Internet.
Pelo blog do Google ficamos a saber que nele estão registados à
volta de um bilião europeu de endereços (URLs), o que equivale a
um trilhão americano. No nosso quadro vamos lidar com posições
sobretudo na faixa dos mil e dos milhões, o que, no máximo,
significa um número seguido de seis zeros. O trilhão americano
conta 12 zeros. É pois um trilhão de endereços que regista o
Google, em artigo que pretende avaliar o quão grande ele é: “1
trillion (as in 1,000,000,000,000) unique URLs on the web at
once!” (4). Não é um trilhão de sites, sim de endereços. A Wayback
Machine lida com websites, é ela que informa quantos indexou, e já
sabemos que só conta aqueles que perfazem ao menos 10.000
máquinas visitantes por mês: “Browse through 85 billion web pages
archived from 1996 to a few months ago” (5). É portanto entre 85
bilhões de sites que nos encontramos, querendo isto dizer que não
contamos com a maior parte, constituída por websites não
indexados.
Neste areal de infinitas areias, onde não se esperaria poder achar
uma agulha, é possível não só achar a Agulha – Revista de Cultura
(6) – dirigida pelos queridos amigos Floriano Martins e Claudio
Willer –, como saber qual a sua posição relativamente a publicações
congéneres como o TriploV, a Storm Magazine ou a Cronópios: ela
vai à frente. O Jornal de Poesia (7), de Soares Feitosa, ainda está
melhor posicionado.
Quadro: Lugar de alguns websites no ranking mundial de visitantes.
Falo de congéneres, mas realmente estes sítios culturais pouco têm
em comum, por isso é ocioso olharmos uns para os outros de cima
para baixo ou de baixo para cima. O que nos liga, creio, é o facto de
nenhum de nós ser um sítio estatal. Somos particulares, e,
enquanto particulares e privados, é que julgo ser bem interessante
estabelecer comparação com o lugar ocupado por revistas
universitárias, por bibliotecas nacionais, por fundações e
sociedades, sejam elas portuguesas, brasileiras ou inglesas. Fica
demonstrado que vamos à frente de muitos deles, o que de um lado
justifica um beberete de congratulações, e de outro um arrepio de
susto: como é possível que a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
tenha menos impacto na Rede que a Agulha? Como é possível que a
Biblioteca Nacional de Lisboa tenha menos impacto na Rede que o
TriploV?
Porque é que isto
acontece? Porque é
que o privado e
amador recebe mais
visitas que o website
governamental, feito
por profissionais?
Meus caros amigos,
penso que isso se
deve ao poder do
autor vivo. É ele que
clica. Clicam os
nossos
colaboradores.
Clicam os aspirantes a autor, nas universidades e noutras escolas.
Clicam aqueles que nem são autores nem aspirantes a isso, mas
nos reconhecem no ciberespaço, nos estimam, e se sentem felizes
por poderem conversar com os autores vivos e ler o que eles
acabam de pôr em linha. Clicam os nossos companheiros de artes e
letras que vêm até nós oferecer o conteúdo dos seus blogues,
cientes de que a união nos dá poder.
É o poder do autor vivo que catapulta estes sítios para posições em
que os matematicamente mais próximos não são os blogues, as
publicações congéneres, as revistas e institutos universitários, sim
grandes instituições como o Instituto Miguel Cervantes, a Fundação
Calouste Gulbenkian, ou a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro e
em Lisboa. Note-se que sítios de ciência como a Sociedade
Portuguesa de Herpetologia e a BTO (British Trust for Ornithology),
instituições dedicadas à zoologia que achei por bem incluir no
quadro, para satisfação de Miss Pimb, colaboradora do TriploV que
se dedica a observar a Natureza, vão muito longe de nós, na faixa
dos milhões.
Primeira conclusão: dado o impacto na Internet, os nossos sítios
devem considerar-se estabelecimentos de cultura merecedores da
atenção dos governos, quando lha solicitarmos. Afinal
desempenhamos um papel na difusão da língua portuguesa, das
literaturas e das artes dos nossos países, mais eficaz e penetrante
do que o desempenhado por organismos expressamente criados
pelos governos para esse efeito.
Segunda conclusão: não é culturalmente revolucionário podermos
prestar estas informações? O Alexa fornece dados a quem puser na
sua caixa de pesquisa o endereço do website cujo potencial queira
investigar. Ficou patente na minha intervenção que não há segredo
quanto ao desempenho na Internet. Qualquer pessoa,
gratuitamente, pode informar-se sobre o tráfego e outros dados
técnicos de qualquer website. Não existe possibilidade de mentir.
Última conclusão: acabou também, com a nova cultura da Rede, o
princípio de que o segredo é a alma do negócio. Não, meus amigos:
nós, que somos tudo menos negociantes, devemos apresentar os
resultados do Alexa às grandes empresas ou às instituições do
Governo, quando precisarmos de financiamento para os nossos
projectos, pois esses resultados são muito mais atraentes para os
patrocinadores do que as benesses envolvidas na Lei do Mecenato.
No quadro "Lugar de
alguns websites no
ranking mundial",
está errado o lugar
da Colóquio/Letras,
porque é um
subdomínio do
website da Fundação
Calouste Gulbenkian.
O Alexa não dá
resultados de
subdomínios, só do
servidor em que
estão alojados. No
caso, o número do
lugar corresponde ao
website da Fundação
Calouste Gulbenkian.
Há talvez um ano, certos periódicos portugueses, como o Diário de
Notícias, encontravam-se próximos, ou mesmo abaixo, do lugar do
TriploV. Hoje, parecem muito à frente, mas o lugar que o Alexa lhes
atribui não é o seu. Os jornais foram agora alojados em grandes
portais como o Clix e o Sapo, de modo que deixámos de saber qual
o seu lugar no ranking mundial. Quando o pedimos ao Alexa, o
resultado diz respeito ao Sapo ou ao Clix. Com blogs que parecem
estar extraordinariamente bem colocados, como o "Nós por cá",
acontece o mesmo: o resultado fornecido pelo Alexa diz respeito ao
servidor em que estão alojados. No caso do nós por cá, o domínio é
<ig.com.br>.
URLS DE REFERÊNCIA
(1) Alexa: www.alexa.com
(2) Internet Archive Wayback Machine: www.archive.org/index.
php
(3) Henrique Costa Pereira, Estatísticas # 3 - Alexaholic. O Alexa
turbinado.
In: http://revolucao.etc.br/archives/estatisticas-3alexaholic-o-alexa-turbinado (Consultado a 29.10.2008).
(4) We knew the web was big… In: http://googleblog.blogspot.
com/2008/07/we-knew-web-was-big.html.
(5) www.archive.org/web/web.php
(6) www.revista.agulha.nom.br
(7) www.jornaldepoesia.jor.br/poesia.html
MARIA ESTELA GUEDES (Portugal, 1947). Membro da Associação Portuguesa de Escritores
(APE), do Instituto S. Tomás de Aquino (ISTA), e do Centro Interdisciplinar de Ciência,
Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa (CICTSUL). Dramaturga, poeta, ensaísta
e editora. Fundou e dirige o TriploV, um dos sítios web de mais expressiva visitação em
língua portuguesa. Mantém acordo de cooperação literária entre o TriploV e a Agulha –
Revista de Cultura, dirigida por Claudio Willer e Floriano Martins, para efeito de divulgação
da cultura de seus países na Net. Contato: [email protected].
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Texto apresentado no debate "Cultura da Internet & Cultura na Internet"
Sala Herman Lima - 20 de novembro de 2008
Mesa composta por
Edson Cruz (Brasil) | José Ángel Leyva (México) | Maria Estela Guedes
(Portugal) | Mediação: Claudio Willer (Brasil)
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
O Sertão grego de Gerardo Mello
Mourão
Gonçalo Mello Mourão
.
Quero, em primeiro lugar, agradecer duplamente aos
organizadores desta mesa-redonda: pelo fato de a terem
programado e por terem chamado a participar dela o Carlos
Mourão, aqui a meu lado. Poucos poderiam falar melhor aqui
da obra deste ipueirense que foi Gerardo Mello Mourão.
Em segundo lugar, quero agradecer por ter sido convidado a
esta extraordinária VIII Bienal do Livro do Ceará, em
Fortaleza. Faço estes agradecimentos aqui na pessoa da
Adriana Botelho, a quem tanto devo pelo amor que tem à obra
de meu pai. Mas quero, também, e publicamente, repetir o
que em privado já disse aos que me convidaram: não sei se eu
caibo aqui. Na verdade, o que esta audiência pode esperar que
um filho diga de seu pai? Ou, pior ainda: o que pode um filho
dizer de seu pai que aqui, nestas circunstâncias, interesse?
Pois, na verdade, estamos aqui para falar de aspectos
literários da obra de meu pai. De fato, não de meu pai, mas do
poeta Gerardo Mello Mourão. Que era meu pai.
Posso trazer uns testemunhos familiares, dizer, por exemplo,
que meu pai gostava de uma rede, que ia à missa aos
domingos, que tomava café sem açúcar, que escrevia a
qualquer hora do dia ou da noite e em qualquer lugar.
Poderia elencar uns poetas de que gostava e de que me
ensinou a gostar, ou de outros que desprezava. Poderia falar
da memória prodigiosa que tinha, das centenas e centenas de
versos que sabia de cor em uma dezena de línguas que lia,
escrevia e falava; e não só de versos, pois eu mesmo o ouvi
recitar uma vez ou outra, por exemplo, trechos inteiros de
Cícero ou da Bíblia, mas também alguns dos primeiros
capítulos de Iracema.
Iracema…
Lembro
dele
contar
como
decorou
trechos e
trechos de
Iracema
ainda
pequeno,
antes
mesmo de
aprender a
ler,
apenas
ouvindo a
leitura que sua mãe lhe fazia. E talvez com Iracema eu possa
tentar falar um pouco dum tema desta mesa-redonda que me
foi tão felizmente sugerido pelos organizadores: "O sertão
grego de Gerardo Mello Mourão".
O que é Sertão e o que é Grego?
Bem, em se tratando da obra de meu pai, eu diria que o Sertão
é o que é grego e que Grego é o sertão. Aparentemente, é uma
tautologia. Mas é e não é. Em primeiro lugar, quase toda boa
poesia é tautológica, repete o que foi dito, de outras maneiras.
Por exemplo - e vou dar um exemplo bem radical - o próprio
Marinetti, um dos maiores poetas fundadores da Europa e da
modernidade, ao gritar alto e bom som, há exatos cem anos
atrás, no Manifesto Futurista: "Matemos o luar!", ou ao afirmar
que "um automóvel de corrida é mais belo que a Vitória de
Samotrácia", o que buscava era maneiras novas de proclamar
aquela vontade de poder do homem sobre a natureza e sobre o
passado, que já encontramos em Homero, por exemplo, na cena
de Aquiles combatendo contra o rio Escamandro. É ruim toda
poesia que procura ser diferente sem ter consciência de ser
tautológica. É a capacidade tautológica da boa arte, aliás, que
fundamenta uma cultura. Mas tudo isto, como gostava de dizer
meu pai, é uma outra história.
O Sertão de meu pai é novo porque é tautológico, porque é,
como com muita felicidade propuseram os organizadores deste
encontro, Grego.
Não é um sertão inventado - como certos sertões literários
malogrados - nem é um sertão descoberto - como os que depois
se perdem. É um sertão que é. Como o Deus da Bíblia, que é o
que é. Aliás, um Deus tautológico.
O mundo é grande, mas o sertão é maior. O Grego é muito
maior que a Grécia que nós conhecemos. Ambos, na verdade, o
sertão e o grego, não têm limites, porque ambos existem
naquela dimensão estranha - estranha e tautológica - que é a
dimensão de si mesmos. Toda noção que se limita a si própria é
infinita; isto, aparentemente, é um paradoxo, mas mais adiante
vou falar de paradoxos. A Grécia, quando é sertão, é infinita e o
Sertão, quando é Grécia, também.
Está claro que não me refiro aqui à Grécia geográfica ou
histórica, nem ao Sertão geográfico ou sociológico - Deus nos
guarde, aliás, dos sertões sociológicos. Estou falando daquela
Grécia que está no Sertão e daquele Sertão que é grego.
Meu pai diz, nuns versos de um poema mais recente, intitulado
Epitáfio 3, o seguinte:
…Ipueiras, informantes informam,
é um distrito - arrabalde talvez,
de Tróia onde jazem
ruínas da comarca do Ipu e da capitania do Siarah Grande
e diz também, um pouco mais adiante:
Nada houve
nem antes nem depois…
Antes de Tróia ou depois de Tróia, antes ou depois daquela
comarca do Ipu na capitania do Siarah Grande.
A Grécia foi nossa aurora, nossa efervescência e nossa
sepultura. Somos o que fomos ali pois dali guardamos o que
ainda temos de perene: o espanto de existir, o conhecimento
ontológico de nossa ignorância transcendental.
Nem Platão nem
Aristóteles sabiam, por
exemplo, que o sangue
circulava, que a terra
girava em torno do sol,
que os ventos parece
que não são mandados
pelos deuses, que os
micróbios existem, que
não é Posseidon quem
sacode as ondas do
mar; não sabiam nada
disto. Mas até hoje
discutimos e pensamos
em torno do que eles
pensaram, não de seu
pensamento científico,
mas do que pensaram
sobre nossa existência,
sobre nossa passagem pela terra, sobre o que criamos. Sobre o
que fomos, o que somos e o que seremos.
Vivemos hoje ainda dentro do que pensavam Platão e Aristóteles
e os outros. O poeta Apollinaire, no começo do século XX,
expressou magistralmente isto tudo em um verso, em que se
perguntava: "et toi, mon coeur, pourquoi bats tu?" - e você, por
que bate, coração?
Esse espanto, que faz perguntar ao coração por que bate e que
fica sem resposta, testifica, ao mesmo tempo, que bate o
coração e o poeta, então, canta, simplesmente, o bater do
coração, canta o bater da vida. A vida que começa, a vida que
floresce e a vida que se acaba. A vida que é sempre nova nesta
repetição.
A Grécia no sertão de meu pai é isto, é esta revelação da vida
viva através da pergunta sem resposta sempre repetida: et toi,
mon coeur, pourquoi bats tu?
A Grécia não tem respostas.
Nem o Sertão.
Ambos têm vida. Ambos são origem de vida. E ambos têm morte
e perplexidade.
Meu pai não canta a Grécia nem a exalta, mas a reconhece e a
repete no canto auroral do Sertão. O Sertão é a repetição da
Grécia e a Grécia, na obra de meu pai, é a repetição do Sertão.
Ambos são o espaço fundamental e o tempo fundamental. E o
fundamental, o que fundamenta, não tem antes nem depois:
cria-se a si próprio e os muitos depois que vêm a seguir é que o
têm como seu antes.
O Sertão é Grego, na obra de meu pai, porque é fundador.
Sertão, em português, é uma palavra antiga, mais antiga que o
Brasil. Sua origem etimológica parece ser controversa e
significava, nos primórdios da língua, algo como espaços
indômitos ainda desconhecidos do interior das terras. Podemos
até ir mais longe e dizer que significava lugar sem história ou, o
que talvez fosse mais preciso, lugar à espera da história.
Um dos primeiros cronistas do Brasil, Gabriel Soares de Souza,
em certas passagens de seu livro diz, sobre o rio Doce, na Bahia,
que "pelo sertão deste rio há muito pau-brasil" e também, sobre
o rio São Francisco, diz que "pelo seu sertão dizem haver serras
de ouro e prata". O sertão desconhecido dos rios! Este é o sertão
que os rios dos versos de meu pai fecundam. É o sertão maior
daquilo que é tocado pela primeira vez e que, neste contacto,
cria a memória do que virá depois. É o mesmo rio passando
sempre pelo mesmo sertão. Sempre pela mesma Grécia.
E, nesse sentido, sertão
não é apenas o sertão dos
Inhamuns, mas é, também,
o sertão do Pampa e da
Amazônia, é o sertão
urbano do Rio de Janeiro e
de São Paulo e de todo o
vasto mundo da Nicarágua
à China, onde a aventura
humana é a ebulição de um
encontro ou de uma perda
e por onde meu pai viveu
sua peripécia.
O sertão da poesia de meu
pai é como um gole de
cachaça: o bom é o gosto
que fica na boca e na
garganta depois que se
engole. O sertão é o que o
verso consegue guardar.
Ou, dito de outra forma, o
sertão não existe, existem os versos e, neles, o sertão. Mas
porque existe nos versos, permanece; e, de fato, existe.
Mas eu comecei falando disto tudo por causa da evocação de
Iracema. Não a virgem dos lábios de mel e cabelos mais negros
que a asa da graúna e de talhe de palmeira, mas o livro Iracema.
Muito esquematicamente, pois todos nós o conhecemos, todo o
Brasil o conhece, o que o livro conta é uma história de encontro,
luta, amor, vida, morte e esperança, no sertão, num sertão que
se fundava, num sertão que nascia mítico e que assim
permaneceu. Além, muito além daquela serra que ainda azula no
horizonte, nasceu Iracema. Nasceu no século XVI, nasceu em
1865, nasceu ontem e nascerá amanhã. As serras ainda azulam,
ainda buscam ser o céu, no horizonte. Além delas, ainda o
sertão. O sertão onde José de Alencar plantou a criação do
mundo, a criação do Brasil. Nesse sentido, Iracema é o primeiro
romance épico da literatura brasileira.
Depois de tudo o que eu disse antes, posso dizer que Iracema é
o primeiro romance grego de nossa literatura; grego, porque
fundador. Grego como é grego o sertão na obra de meu pai.
Meu pai admirava a Bíblia como obra literária - e aqui trago um
testemunho filial - tanto como a respeitava como revelação
divina. E procurando emular aquela revelação, alguns de seus
cantos do livro O País dos Mourões ele começou com a expressão
evangélica "In illo tempore", naquele tempo. Qual tempo? Todos
e nenhum: aquele. O tempo em que se fundava alguma coisa.
O Sertão da poesia de meu pai é grego não porque nele ou nela
existam formas clássicas, belezas eternas, proporções áureas; é
grego porque tanto o sertão quanto a poesia fundam alguma
coisa. E esta coisa não é o novo mas o de sempre, o que se
repete, a Grécia tautológica que ainda nos cria e nos provoca e
que ainda nos resgata e nos leva à perdição, que nos dá
esperança e que nos desespera. Naquele sertão e naquela poesia
estão o perene e o passageiro; mas ali, o passageiro é que é o
perene, porque só ele cria lembrança. Só nos lembramos daquilo
que passou, só o que passou fica: o que não fica é o que pode
estar sempre. É um paradoxo, mas é de paradoxos que se faz,
também, a boa poesia e é de paradoxos que se faz o
conhecimento.
O sertão da poesia de meu pai é este paradoxo do passado que é
presente porque fundador. Aquele passado que é o presente de
Iracema. É extraordinário, quanto a isto, o começo do primeiro
canto daquele seu livro O País dos Mourões, onde ele começa
dizendo que à esquerda e à direita iam caindo seu pai, seus
avós, seus bisavós, seus tios e seus primos e todos caíram, mas,
de repente, ele lança a constatação maravilhosa e trágica e diz:
Apalpa, meu amor, meu rosto apalpa,
não tombei:
sou eu.
Como venho dos mortos nem eu sei,
mas sei que na partilha me tocou
a herança de sobreviver;
vou devorando a terra com meus olhos
que a terra não comeu, a terra
que comeu tantos olhos e da qual
os meus hoje se nutrem.
Como é tautológica e paradoxal, a boa poesia é sempre,
também, ressurreição. Como diz meu pai neste trecho que li,
ele, poeta, veio dos mortos. Ressurgiu. Pois, na verdade, o que
nasce morre, mas só ressuscita aquilo que morreu.
O Sertão da poesia de meu
pai é a ressurreição da
Grécia. Não a ressurreição
de Apolo ou de Tróia mas a
ressurreição do tempo
fundador. Mais do que o
tempo, dos gestos
fundadores.
Ele diz, em seu livro
"Rastro de Apolo", o
seguinte:
… e ali
o amor é morte e a morte
o estratagema da
ressurreição.
Não é uma poesia de
evocação, é um
estratagema de
ressurreição, é uma poesia de criação. E porque é de criação,
esta criação tem que se dar, também, ao nível da linguagem
poética. Nesse sentido, é grega, também, a linguagem de meu
pai. Não porque use termos gregos ou sintaxes gregas, não
porque semeie, aqui e ali, palavras em grego, mas porque trata
de manifestar-se através das expressões mais puras da língua.
Trata de conceder às palavras uma força e um significado que
estão dentro delas mesmas, trata de procurar ressuscitar as
tautologias paradoxais contidas no âmago da palavra.
Retomando uma noção a que me referi atrás, aquela sobre Deus
de que ele é o que é, também as palavras, para a poesia de meu
pai, são o que são. Não são palavras inventadas, não são
sintaxes inventadas que se perdem fora de si mesmas como em
outras obras malogradas. O que suas palavras são é o que ele
tira delas; o que elas são é a metáfora que elas contêm em si
mesmas e que só o poeta tira delas, porque só o poeta pode
devolver a elas o que delas tira. E é esta devolução, esta espécie
de re-incorporação morfológica que dá vida nova a uma palavra
velha, que ressuscita a palavra e, ao ressuscitar a palavra,
ressuscita um mundo.
A Grécia ressurge sempre e ressurgiu no sertão da poesia de
meu pai. E eu estou certo de que este sertão, que meu pai
ressuscitou em sua poesia, também ressurgirá sempre, pois o
que se funda em poesia morre e ressuscita sempre.
E encerro com uma frase de meu pai, que com freqüência dizia:
"eu não posso provar nada; mas eu sei".
Muito obrigado.
GONÇALO MOURÃO (Brasil, 1950). Embaixador, poeta e ensaísta. Atualmente é o
Diretor do Departamento da América Central e Caribe, do Ministério das Relações
Exteriores, em Brasília. Serviu nas Embaixadas do Brasil em Roma, Argel, Londres,
Assunção, Paris e Lisboa. Foi Vice-Diretor do Instituto Rio Branco, do Ministério das
Relações Exteriores. Contato: [email protected].
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Texto apresentado no debate "O sertão de Gerardo Mello Mourão"
Sala Herman Lima - 17 de novembro de 2008
Mesa composta por
Gonçalo Mello Mourão (Brasil) | Carlos Mourão (Brasil) | Mediação: Adriana
Botelho (Brasil)
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
Perspectiva internacionalista da
literatura cearense
Floriano Martins
.
Creio que a perspectiva internacionalista evocada pelo tema aqui
proposto nos leva a pensar acerca do funcionamento de uma
política cultural do Estado. A ausência de um mecanismo desta
natureza, em defesa do patrimônio artístico brasileiro, tem sido
uma preocupação sempre isolada de alguns gestores culturais,
artistas e intelectuais. Áreas da criação que dão mais visibilidade
encontram melhor oportunidade, porém não de forma
sistemática ou de relevância crítica. Também o Estado opera de
maneira oportunista em geral sensibilizando-se por uma agenda
de efemérides.
Evidente que sempre que falo em Estado aqui eu me refiro à
esfera nacional.
O escritor brasileiro, de uma maneira geral, está (sempre
esteve) por conta própria, de tal forma que nossa literatura
sequer deve ser pensada como um ingrediente do patrimônio
cultural brasileiro. Sua internacionalização – que não é tanta ao
ponto de corresponder à sua grandeza – se deu quase sempre
por esforços movidos pelos próprios escritores e, em grande
parte, por seus tradutores. Foi graças a Curt Meyer-Clason que
João Guimarães Rosa teve a quase totalidade de sua obra
publicada na Alemanha. Há também o caso em que a literatura
brasileira se difunde no exterior por interesse da política cultural
de um outro país, que reconhece sua qualidade e a exigência
natural de que a mesma integre um catálogo editorial
internacional. Um exemplo que se pode mencionar aqui é o da
Fundación Biblioteca Ayacucho, na Venezuela, que tem publicado
mais de duas dezenas de autores brasileiros, em obras críticas
que abrangem poesia, crônica, conto, romance, filosofia,
sociologia e crítica literária. Ali estão autores como Darcy
Ribeiro, Sérgio Buarque de Holanda, Machado de Assis, Jorge
Amado, José Lins do Rego, Oswald de Andrade.
Há dois anos fui convidado para preparar aquela que seria a
primeira edição bilíngüe desta já plenamente consolidada
coleção, um volume crítico dedicado à poesia de Carlos
Drummond de Andrade. Enquanto preparava este livro, confirmei
que Drummond é o poeta brasileiro mais publicado no exterior. É
também o mais publicado em espanhol, embora tenham se
passado mais de três décadas desde a última edição de um livro
seu neste idioma. Drummond volta então à circulação em âmbito
espanhol por conta do reconhecimento de uma grande casa
editorial venezuelana. No entanto, o livro até este momento não
saiu. E aqui entra um outro ingrediente que não é
particularidade brasileira, porém nos confunde a todos. O livro
não saiu porque a guarda dos direitos autorais de Drummond
está em mãos de um neto advogado que reside em Buenos Aires
e que… Bom, não nos cabe aqui discutir os dividendos que
familiares cobram pela memória dos seus mortos. O caso é que
temos um forte agregado à ausência de política cultural do
Estado em relação à difusão internacional de nosso patrimônio
literário.
Passemos a página.
Para entender melhor o que digo a respeito do tema, gostaria
aqui de mencionar um outro exemplo. Desde 2004 o governo
português disponibiliza uma verba anual para editoras brasileiras
interessadas em publicar autores não somente de Portugal, mas
também da África Portuguesa. Graças a este convênio dezenas
de autores portugueses foram já publicados no Brasil. A
Escrituras Editora, de São Paulo, chegou a criar uma coleção, de
nome Ponte Velha, que atende a este notável empenho do
Estado, no caso o governo português, no que diz respeito ao que
efetivamente se deve chamar de política cultural. Ao meu lado
encontra-se o editor Raimundo Gadelha, que certamente terá
muito a comentar.
Não há no Brasil um correspondente a este tipo de ação cultural?
A Biblioteca Nacional possui um programa de apoio à tradução
de autores brasileiros para o espanhol? Em 2006 a revista
Agulha divulgou o regulamento para editoras em vários países
de língua espanhola. Os casos que manifestaram interesse não
foram atendidos. O que nos leva a mais um ingrediente, o da
ação política interferindo nos destinos da cultura. Recapitulando
temos que o Estado ausenta-se, o acaso insiste, os herdeiros
cobram lucros impensáveis, o acaso insiste, o Estado se deixa
manipular por sua política de costumes, o acaso insiste. E nesta
ciranda encontra-se entregue o destino da literatura brasileira
em seu imperativo de internacionalização.
Bom, eu sei que a mesa pede que nossa conversa se dê em
torno da literatura cearense.
Como estamos em uma Bienal que trata da perspectiva
internacional em torno dos idiomas português e espanhol,
entendo que deveríamos ambientar a literatura cearense dentro
do espectro que já mencionei, buscando referências à mesma na
extensão editorial desses dois idiomas. Podemos começar por
uma pergunta: quais escritores cearenses se encontram
publicados em português e espanhol, em Portugal, na América
Hispânica, na África Portuguesa? Podemos refazer a pergunta,
para nos dar mais garantias de observar um aspecto seguinte:
temos escritores que possuam expressão nacional, que sejam
responsáveis por alterações significativas no panorama estético
da literatura no Brasil, que tenham dado contribuição consistente
a esta literatura? Imagino que nomes como os de José de
Alencar, Rodolfo Teófilo, Rachel de Queiroz, Herman Lima,
Moreira Campos, Oliveira Paiva, Gerardo Mello Mourão, Fran
Martins, Francisco Carvalho seriam naturalmente lembrados por
qualquer um de vocês.
Há outros, evidente.
Poderia aqui evocar um dos momentos de grande força
expressiva cultural do Ceará, a criação e atuação do grupo CLÃ,
que publicou a mais longeva (e consistente) revista de que se
tem referência na historiografia dos movimentos literários em
todo o país. Há nomes que se tornaram referências toponímicas
para nós, sem que tenhamos dado por conta de sua importância
cultural. Outros que desconhecemos sua naturalidade, ou seja,
que os temos como famosos sem sabermos que são cearenses.
Outros ainda que de alguma maneira são rejeitados como
cearenses pelo simples fato de que residiram fora daqui grande
parte de sua vida. Entre eles encontramos nomes como Farias
Brito, Américo Facó, Luiz Severiano Ribeiro.
O Ceará é naturalmente um lugar de passagem. Há uma
deformidade no caráter cultural do país como um todo, desde
sua colonização, que nos empurra para uma central magnética
que atende pelo que chamamos de eixo Rio/São Paulo. Aí se
concentra, por exemplo, o que há de mais expressivo em termos
de mercado editorial no país. Um mercado que se assemelha
mais a um atacadão, que tropeça nas próprias pernas, que atira
a esmo sem meta ou princípio. A situação de miséria intelectual
esplêndida do Estado não pode ir além dessas referências que
anoto.
Não defendo que o artista,
escritor, intelectual, deva
esperar pelo Estado. Nem
mesmo que deva cobrar do
Estado uma ação que seja.
O Estado em si é uma
entidade autista, alheia aos
problemas reais do
ambiente em que atua.
Cabe a um escritor, a um
artista, a um intelectual
observar as lacunas na
atuação do Estado e sugerir
soluções para tanto.
Estamos aqui presentes em
uma Bienal que imagino
possa atender ao estímulo
de se buscar novas formas
de parcerias editoriais. Há
convidados que já vêm
trabalhando em comum acordo em prol da divulgação da
literatura de nossos países. Envolver escritores cearenses em tal
processo é um mérito desta Bienal. É pouco, porém é um
princípio. Aqui poderemos pensar, em um futuro próximo, na
fundação de uma ação que possa ser identificada como uma
política cultural do Governo do Estado do Ceará.
Há uma verdadeira ação pioneira que se assemelha àquele
evento magnífico do compositor Alberto Nepomuceno, na
primeira década do século passado, ao trazer para o Brasil um
conjunto de orquestras e regentes que aqui estiveram pela
primeira vez e, sobretudo, regeram as primeiras obras de
autores como Beethoven, Brahms e outros mais. Eu entendo que
hoje o Ceará poderá buscar uma condição avançada em termos
de política cultural. As oportunidades poderão ser ajustadas ao
longo desses dias de realização da Bienal, ou anotadas para
futuras conversas. Nosso parentesco inquestionável com a
realidade cultural com todos os povos de línguas portuguesa e
espanhola definirá melhor do que qualquer outro aspecto a
necessidade de um diálogo mais efetivo. E a oportunidade, pois
esta é mesmo uma oportunidade e tanto. Oportunidade para que
intelectuais cearenses apresentem ao Estado um projeto de
compreensão, recuperação e fomento de nosso patrimônio
literário. Oportunidade para que o Estado crie mecanismos para
o pronto atendimento dessas eventuais propostas. Caso elas não
existam, pode ainda o Estado compreender por si só que possui
uma parcela expressiva de responsabilidade. E se acaso o Estado
também não se integrar, ainda podemos, sim, sempre podemos,
apelar para o acaso.
Eu sempre costumo brincar a sério dizendo que o cinema
brasileiro deve muito ao Estado e não corresponde esteticamente
em nada. O Estado, por sua vez, deve muito à literatura
brasileira, de maneira que deve agora politicamente
corresponder à mesma. Mas não esqueçamos em momento
algum: se não houver iniciativa do Estado jamais poderemos
utilizar esta lacuna como justificativa aceitável ou razão
suficiente para nossa inação.
Obrigado.
FLORIANO MARTINS (Brasil, 1957). Um dos editores da Agulha. Curador da 8ª Bienal
Internacional do Livro do Ceará. Contato: [email protected].
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Texto apresentado no debate "Literatura cearense - Uma perspectiva
internacionalista"
Sala Dolor Barreira - 21 de novembro de 2008
Mesa composta por
Ângela Gutiérrez (Brasil) | Floriano Martins (Brasil) | Raimundo Gadelha
(Brasil) | Mediação: Eleuda de Carvalho (Brasil)
revista de cultura # 67
fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009
8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte
especial
Vozes subentendidas em Sagração do
Alfabeto
Leonor Scliar-Cabral
.
Em Sagração do alfabeto quis prestar meu tributo a um dos
maiores feitos do homem na construção do saber: a invenção do
alfabeto. A trajetória para o registro escrito da experiência
desenvolve um lento percurso desde a fase predominantemente
pictográfica (a tradução mimética da realidade do mundo), ou
seja, a escrita das coisas, passando pela predominância dos
ideogramas, caracterizados pelas metáforas e metonímias, até
chegar à escrita fonográfica quando uma ou mais letras
representam uma sílaba ou um fonema.
Deve-se esclarecer que alguns sistemas hieroglíficos e
ideográficos incorporaram signos fonográficos com a finalidade
de distinguir a mesma representação quando tinha diferentes
significados.
Um mesmo sistema de escrita pode utilizar fontes ou scripts
diferentes, como nos alfabetos grego, cirílico, latino, gótico,
hebraico ou árabe. Tais alfabetos, pois, podem ser aplicados a
línguas diferentes. O que condiciona os valores das letras de um
dado alfabeto numa língua determinada são as convenções
ortográficas.
Na verdade, os precursores da escrita se encontram na
Mesopotâmia e no Egito. No primeiro caso, trata-se de pedrinhas
ou pequenos blocos de barro, com registros, em geral, para
contabilizar e coincidem com os pictogramas sumérios. Enquanto
a escrita cuneiforme foi utilizada no início primordialmente para
o registro de nomes e quantidades, necessário para as
transações comerciais, a egípcia está vinculada às inscrições nos
templos, com caráter sagrado. Os signos fonográficos no sistema
egípcio, que serão reutilizados pelos judeus no Monte Sinai, são
consonantais.
Procurei, nesta série de 22 sonetos, homenagear o elo perdido
entre os hieróglifos e o alfabeto fenício, isto é, a escrita protosinaítica, cujo documento mais antigo, em torno de 1.400 a.C.,
é uma pequena esfinge de arenito dedicada à deusa Hathor
(pesquisas recentes revelaram a existência de exemplos mais
antigos de escrita semelhante, encontrada no Egito Central,
datada ao redor de 1800 a.C). A esfinge foi descoberta pelo
arqueólogo F. W. M. Petrie em 1905, no planalto de Serabit-elKhadem, no Monte Sinai, e decifrada em 1916 por A. H.
Gardiner: ele constatou que a escrita era acronímica, servindo
cada hieróglifo para o registro do primeiro som da palavra. Cada
hieróglifo correspondia a uma palavra iniciada por aquele som
que ele passou a representar. Assim, o som correspondente a
[b] era representado pelo hieróglifo de casa à bayit, do qual
deriva o nome da letra beit. A escrita acronímica é registrada no
primeiro soneto “Alef”:
Ao som inaugural de uma palavra
imprimirás a letra como um selo.
Nos 22 sonetos trabalho
com vários aspectos da
evolução do alfabeto.
Ressalto, inúmeras vezes,
o processo metonímico,
que consiste em tomar a
parte pelo todo do
hieróglifo, até se chegar a
poucos traços abstratos
que se articulam entre si,
às vezes, a uma só linha,
como são exemplo os
quatro versos do soneto
“He”, no qual o hieróglifo
do homem rezando se
reduz a três linha paralelas
contra uma vertical (E),
depois de eliminadas a
cabeça e o corpo:
Cravaram a navalha e
suprimiram
a cabeça e o corpo ajoelhado.
…
O vertical agora é horizontal,
três traços paralelos numa haste
Na fixação dos traços abstratos, observa-se uma tensão entre
retas e curvas, ora predominando umas, ora as outras, como no
soneto “Beit”:
Braços em rotação, lento processo
das retas na procura de outras vias
até se recurvarem, seios guias,
abrigo de outros símbolos impressos,
Por outro lado, assinalo a característica dos sistemas alfabéticos
em que as letras representam as consoantes e, com a
contribuição dos gregos, passam a representar também as
vogais. O poder que a mesma letra tem de representar vários
sons vem expresso nos quatro versos do soneto “Shin”, de onde
sai a letra “S”:
Os silvos todos une o traço parco
e sobre o pergaminho grava o marco,
resumo dos zumbidos estridentes
ou dos surdos sussurros sós, silentes.
Um exemplo da representação das vogais pelos gregos se
encontra no soneto “Beit”:
Abóbada celeste, em seu colo,
em íntimo convívio, às consoantes,
eternizando as falas em aninho,
reúnem-se as vozes dominantes.
Metáfora continuada da contribuição dos gregos é o contraste
entre a cosmovisão judaica monoteísta, voltada a um D’us que
não pode ser mencionado:
só o que a pupila vê, o inacessível
e sua infinita tela descartados.
(soneto “Zayin”)
e a cosmovisão helênica, pagã e terrena, como no soneto “He”:
que selam o registro umbilical
da voz em solo grego: consoantes
e vogais costuradas em contraste
nas cirandas infindas das bacantes.
A disseminação do alfabeto realizada pelos fenícios, a partir de
Biblos, particularmente em suas navegações pelo Mar
Mediterrâneo, é um dos leit-motivs, como em “Guimel”:
Inconformada
ou perseguida, irrompes transformada,
cruzando o Mare Nostrum,
ou em Záyin”:
Durante sete luas pelo obscuro
mar, a quilha fenícia o reversível
traçado vacilante e inseguro
vai semeando com os dedos espalmados:
Mas, acima de tudo, estão subjacentes as diferenças entre o oral
e o escrito, e o ditado latino verba volant, scripta manent (a fala
voa, o escrito permanece) costura o texto, como no soneto “Caf”:
Matriz multiplicada
em tênues veias,
libélulas tremulam e
semeiam
o pólen das
canções, o som dos
bardos
para impedir que
morram
deslembrados
e para sempre
tecem sua teia.
que o vento leva ao túmulo calado
onde jazem no limbo do segredo.
ALEF
Com ímpeto os chifres rompem ígneos
os enigmas do tempo enquanto o escriba
sobre o papiro virgem reaviva
Milagre contra o
tempo, contra o
alado
murmúrio ou
bramido, versos
ditos
do fundo da memória os vaticínios:
Carregarás na areia teus desígnios
para que a voz divina sobreviva
além do mar rompido à deriva,
cravando a ferro e fogo teus domínios.
Ao som inaugural de uma palavra
imprimirás a letra como um selo.
A parte evoca o todo e o elo lavra
as frases e a história com que narras
como D’us te exortou em seu apelo
de fixares eternas as amarras.
Leonor Scliar-Cabral [do livro Sagração do Alfabeto]
ALEF
Con ímpetu los cuernos rompen ígneos
Los enigmas del tiempo que el escriba
Sobre el papiro virgen reaviva
De honda memoria los vaticinios:
Cargarás en la arena tus designios
Con que la voz divina sobreviva
Más allá del mar roto a la deriva
Clavando a hierro y fuego los dominios.
Al son inaugural de una palabra
Imprimirás la letra como un sello.
La parte evoca al todo, anillos labran
Las frases y la historia con que narras
Como Dios te exhortó en su llamado
De fijar para siempre las amarras.
[Trad.: Walter Costa]
ALEPH
Rompent ignées les cornes impétueux,
Les grands secrets du temps et le scribe
Sur le papyrus vierge réavive
Du fonds de la mémoire desseins et voeux.
Sur le sable tu emmèneras ton destin pieux
Pour que la voix divine survive
Au-delà de la mer à la dérive
Enfonçant tes domaines par fers et feux
Au son inaugural de l’écriture,
Tu imprimeras la lettre, celui qui scelles.
La partie evoque le tout et en culpture
Polit’histoire et phrases que tu narres
Comme Japhet t’exorta en son appel
De fixer d’éternelles ammarres.
[Trad.: Marie-Hélène Torres]
ALEF
Horns rise up with force, igneous, aglow,
to burst apart the mysteries of time,
while a scribe revives prophecies divine
on pure papyrus, salvaged long ago.
You’ll carry through the sands your great design
so that the holy voice will always be
alive, beyond the wild sundered sea,
as you your realm with sword and flame define.
Each word’s initial sound will henceforth be
inscribed by you, a letter like a seal.
The part calls forth the whole and so the script
turns into sentences and tales which now depict
how G-d called out, encouraging your zeal
to fix your ties for all eternity.
[Trad.: Alexis Levitin]
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[Trad.: Naama Silverman Forner]
LEONOR SCLIAR-CABRAL (Brasil, 1929). Doutora em Lingüística pela Universidade de
São Paulo, Professora Emerita e titular concursada aposentada pela Universidade Federal
de Santa Catarina. Pós-doutorada pela Universidade de Montréal. Foi eleita em julho de
1991 em Congresso realizado na Univ. de Toronto, Presidente da International Society of
Applied Psycholinguistics, ISAPL, reeleita para mais um mandato na Universidade de
Bolonha/Cessena e é atualmente Presidente de Honra. Foi presidente da União Brasileira
de Escritores em Santa Catarina (1995-1997) e presidiu a Associação Brasileira de
Lingüística (ABRALIN), no biênio 1997-1999. Ultimamente vem se dedicando à prevenção
ao analfabetismo funcional, com a proposta do método: Alfabetização: aprendizagem
neuronial para as práticas sociais de leitura e escrita. Contato: [email protected].
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Texto apresentado no debate "Tradução: mercado editorial e perspectiva
acadêmica"
Sala Herman Lima - 15 de novembro de 2008
Mesa composta por
Andityas Soares de Moura (Brasil) | Leonor Scliar-Cabral (Brasil) | Marco
Lucchesi (Brasil) | Mediação: Camilo Prado (Brasil)
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