. . . revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 editorial 1999-2009 Quem diria. Em 1999, nenhum de nós desconfiava que Agulha iria tão longe, que chegaria a tanto em duração, na extensão temporal; na quantidade de títulos, na extensão espacial; e principalmente no alcance, em sua difusão. Fomos consistentes. Os números iniciais de Agulha continuam atuais. Dez anos, mantendo o mesmo projeto inicial: uma revista digital, sítio da web ou conjunto de páginas de Internet, com um formato e um projeto bem específicos, que não mudaram. A fórmula: seriedade, mas sem academicismo; rigor, mas sem pedantismo. Do número 1 até hoje, são publicados ensaios, complementados por entrevistas e artigos; e, em cada número, um artista plástico, cujas obras ilustram a edição toda. Dez a quinze matérias por edição bimestral. Uma publicação mais específica, mais especializada que outras com as quais tem afinidade e mantém intercâmbio. Aberta, porém temática e com propósitos claros. Alguns parâmetros: não recuar diante da complexidade ou densidade; preferir o que está fora das pautas do mundanismo cultural, incluindo os temas “malditos”, a começar pelo sistemático e detalhado exame do surrealismo; empreender o diálogo com as literaturas e toda a produção cultural da América Latina e do mundo hispânico; ao mesmo tempo, entender-se como expressão da lusofonia, da criação em língua portuguesa. Agulha surge ao final de 1999, desde então afinada com um sentido de aproximação de culturas cujas afinidades são incontestáveis e também com uma atenção particular para o inadvertido dentro do ambiente de cada cultura em si. Entendia então que a criação artística circulava com um fluxo não correspondido por sua reflexão crítica. Não se tratava de defesa de uma crítica acadêmica, mas antes de evocar a reflexão no interior da própria criação. Auscultar as veias comunicantes dessa misteriosa operação, tão divina quanto terrena. Não há danos causados por uma vertente racionalista que não possam ser correspondidos pela crença no espontâneo a todo custo. Agulha sempre quis estabelecer um palco confiável para a manifestação dessas vertentes. Mesmo considerando uma presença mais acentuada de temas e colaboradores situados em um ambiente ibero-americano, não nos fechamos de maneira ortodoxa sequer em um plano geográfico. O fato de que recebamos um largo número de material crítico veiculado diretamente a temas ibero-americanos nos gratifica e confirma um caminho essencial a ser reiterado permanentemente. Agulha não surge como um libelo em defesa do Surrealismo ou da condição algo expatriada da cultura ibero-americana, mas antes como um veículo de credibilidade onde tais questões podem ser tratadas com a justiça a que fazem direito. Sem retóricas protecionistas ou rejeições preconceituosas ou mesmo da ordem de interesses comerciais. Será bastante visitar o índice geral dos 67 números até aqui publicados. Em 10 anos de existência da Agulha, os obstáculos podem até haver mudado de nome, porém se mantêm firmes na mesma exigência. Em uma década o mercado financeiro se estabeleceu de tal forma como determinante de toda e qualquer ação e reação que o mundo empalideceu quando se cobra sentido no âmbito político ou cultural. Uma das exigências naturais da Agulha é que nada na crítica que divulgamos e mesmo assinamos ao longo de 10 anos assuma o caráter – se há caráter nisto – de vítima. Se o mundo cair por terra, somos todos responsáveis. Os que fizeram algo a favor ou contra e os que nada fizeram. Tão simples como trocar uma lâmpada na cozinha. Realizada no Brasil, onde residem seus editores, é natural que a revista compreenda melhor o que passa por real na cultura deste país, as identificações de pérolas e porcos a que correspondem os anseios locais. Confirmamos de maneira quando menos curiosa o pouco caso dado à cultura hispano-americana dentro do Brasil, sintoma de provincianismo que nos proíbe dar o salto histórico que somente será possível ante a aceitação do outro que trazemos em nós mesmos. Nenhuma cultura americana, por maior ansiedade cosmopolita que a defina, pode desprezar sua origem índia. Em 1999, estava-se às vésperas do estouro da primeira bolha de Internet. O Google começava a ser cotado como a melhor ferramenta de buscas. Como parecia enorme, e como ainda era incipiente e minoritário o mundo digital, comparado às suas dimensões atuais: a essa cifra inimaginável, de nada menos que um trilhão de páginas que podem ser acessadas através do Google. Conseqüência: leitores de todo lado. Consultas, a toda hora, de pesquisadores. A evidência de que estamos fazendo algo em favor da difusão do conhecimento. Além de romper barreiras de espaço (nosso leitor pode estar em qualquer lugar do mundo) e tempo (o texto publicado em 2000 pode ser acessado e lido do mesmo modo que aquele da última edição – tudo dura, tudo permanece), como a Internet facilitou a cooperação, como promoveu sinergia. Acrescente-se ainda condição bilíngüe da Agulha. Outros meios eletrônicos, devidamente registrados em links nossos, ampliaram seu alcance e circulação: o pioneiro Jornal de Poesia de Soares Feitosa, o TriploV de Maria Estela Guedes, mais recentemente Cronópios de Edson Cruz. E, evidentemente, o efeito sinérgico provocado pelo próprio Google e demais ferramentas de busca: visitas e consultas determinam a posição em suas páginas, o ranking, gerando novas visitas e consultas. Tal crescimento evidencia um grau de interferência que nos leva a observar também o comportamento de outras esferas e a possibilidade de mútua cooperação, para que assim possam atuar conjuntamente uma revista de cultura de circulação na Internet e organismos institucionais com declarado interesse na recuperação e expansão de seu acervo cultural. Editores de Agulha têm viajado por vários países e partes do Brasil, participando de eventos, ao mesmo tempo em que atuando na consultoria, coordenação e/ou curadoria de outros, o que permite ampliar consistência cultural como projeto identificado da revista e sua circulação em termos de leitores de espaços os mais diversos, e não apenas virtuais. Comprova isto o encarte especial que traz a presente edição, dedicado à recente edição, a 8ª, da Bienal Internacional do Livro do Ceará. Internet acelera sobremaneira todos os componentes que caracterizam as sociedades em nosso tempo, o que significa dizer que alimenta maniqueísmos de toda ordem. Como em tudo na vida, gera violência, distorções de poder, fraudes e um sem número de aspectos danosos que são, quer aceites ou não, parte da humanidade. Trata-se de um mecanismo que evidencia o caráter da sociedade que o utiliza. Uma grande janela do espírito humano. Com todos os seus prós e contras. Os editores da Agulha compreendem com rigor o papel que desempenham em tal meio, declaradamente agradecidos pelo carinho com que leitores em toda a parte do mundo têm recebido – e ampliado através de intensa e generosa divulgação – nosso trabalho editorial. Os editores 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial O Centro de Convenções de Fortaleza (Ceará) recebeu, de 12 a 21 de novembro de 2008, a programação da 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará, que contou ainda com destacado espaço físico da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), ampliando, assim, a agenda desse já tradicional evento cearense. Esta bienal é uma iniciativa do Governo do Estado do Ceará, por intermédio da Secretaria da Cultura, Sindlivros e parceria com a RPS Eventos. A curadoria ficou a cargo de Floriano Martins, Karine David e Jorge Pieiro. O tema da 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará foi A aventura cultural da mestiçagem, o qual abrangeu duas comunidades lingüísticas: a portuguesa e a espanhola e, ainda, suas manifestações artísticas e culturais, totalizando 30 países situados em quatro continentes: África, América, Ásia e Europa. A ousadia de tal abrangência deslocou o foco habitual das programações literárias de outros eventos similares, concentrando-se em evocar a multiplicidade de culturas e a condição mestiça de suas raízes. Motivada pelo tema central, a programação da 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará esteve comprometida com a integração das culturas envolvidas, reconhecendo seus hábitos, costumes e literatura, e com a democratização e a mobilização do acesso universal ao livro, à leitura e à produção literária. Foram realizadas atividades baseadas na promoção e geração de conhecimentos destinados ao público. As sessões literárias incluíram palestras, debates, leituras de poemas, encontros especiais, lançamentos de livros, tendo sito esta agenda configurada, por sua vez, a partir do tema central. Os debates contemplaram assuntos como produção e circulação de revistas e suplementos literários, casas de cultura, política cultural dos centros de estudos brasileiros na América Hispânica, movimentos contraculturais, circuito editorial universitário, encontros internacionais de escritores, dentre outros. Já as palestras trataram de aspectos ligados aos fundamentos da mestiçagem, jornalismo cultural e obras literárias, considerando particularidades regionais e continentais dos países envolvidos. Houve uma integração entre segmentos da criação artística, produção cultural e mídia, envolvendo um conjunto de 9 salas permanentes, assim distribuídas: Arena Jovem, Arte Postal & Poesia Visual, Artes e Ofícios, Cordel, Gravuras, Música, Rádio, Revistas e Vídeos. A área de expositores da 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará, considerando a abrangência de seu tema central, contou com um número de expositores também dos países envolvidos, influenciando assim integração entre as literaturas de línguas portuguesa e espanhola. Um diferencial nesse caso foi a criação de um espaço intitulado Ilha dos Continentes, cuja área de 234m² destinou-se a receber editoras estrangeiras que, em geral, não dispõem de condições de participar de eventos internacionais. O grande homenageado desta edição de 2008 da 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará foi o humorista, compositor, dramaturgo, artista plástico, ator e radialista Chico Anysio (Ceará, 1931). Criador de uma extensa galeria de tipos (Professor Raimundo, Coalhada, Azambuja, Bento Carneiro, Gastão, Quem-Quem, Meinha, Zé Tamborim, Justo Veríssimo, Tavares, Pantaleão, Painho etc.), Chico Anysio atua há quatro décadas em teatro e televisão, representando hoje um marco exemplar em nossa tradição humorística. Por ser considerado, também, um notável escritor, a bienal foi palco de lançamento de um novo título seu: 3 casos de polícia. A Agulha destaca aqui seu amplo reconhecimento a este evento, com a criação de um encarte especial em que disponibiliza vários dos textos apresentados nas mesas de debates e palestras. Também incluímos – logo abaixo – um comentário inédito do dramaturgo Oswald Barroso acerca da Bienal. Os editores O CHEIO E O VAZIO: A PROPÓSITO DA BIENAL DO LIVRO Oswald Barroso Uma das críticas que a grande mídia fez à VIII Bienal Internacional do Livro foi a de que ela alternava espaços demasiadamente cheios e espaços demasiadamente vazios. Falou, inclusive, de atividades que não ocorreram por falta de público. Em que pese um número previsível de falhas e críticas outras pertinentes, essa, particularmente, é reveladora da falta de sintonia de setores hegemônicos da mídia brasileira com determinados fenômenos da contemporaneidade. No caso, sua miopia frente às mudanças processadas no campo das comunicações nesse começo de milênio. Pra começar, “é sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar”, como diz uma canção de Gilberto Gil. Em outras palavras, um grande auditório apinhado de gente atraída, seja por estrelas midiáticas, ou por obrigações escolares, pode estar mais vazio que uma pequena sala, onde alguns imensos poetas afro-latino-americanos se encontram pela primeira vez, entre si, e/ou com seus poucos, mas iluminados leitores. Isto porque, quase sempre no grande auditório flui algo já vulgarizado, enquanto na pequena sala, não poucas vezes, está em gestação o inusitado, o novo, portanto. Tenho freqüentado simpósios, encontros, seminários e outros eventos culturais e acadêmicos, assim como teatros e cinemas, ultimamente, e em quase todos eles este fenômeno é recorrente: muitas salas, muitos temas, muita gente espalhada por inúmeros espaços, num mesmo momento ou não, mas sempre, relativamente, poucas pessoas para cada assunto em pauta. Portanto, inúmeras minorias ou, se quiserem, grandes maiorias fragmentadas. Aparentemente, nada de causas comuns, nada de multidões uníssonas, a não serem aquelas promovidas pela grande mídia, no rastro de mega-shows, excessivamente mercantilizados. Apesar do esforço nunca visto, por parte da grande mídia, de controle da informação em plano global, nunca foram tantos os emissores, nem tão numerosas as oportunidades de escolha dadas ao receptor. Perdem audiência as grandes cadeias de televisão (inclusive as novelas) e perdem leitores os grandes jornais. Há o Orkut, os blogs, os sites, há os DVDs e a pirataria incontrolável dos camelôs, há os jornais e revistas eletrônicos, finamente,há um circuito de comunicação de incontáveis vias não revelado pela grande mídia e que foge ao seu poder. Com o avanço tecnológico e a democratização dos multimeios, amplia-se a liberdade de escolha para o cidadão e aparece a possibilidade de uma sintonia mais fina com o que realmente lhe interessa. Foi o que se viu na Bienal, espaços diferenciados e fluxos de pessoas em direção às suas escolhas. Programações dirigidas às poucas maiorias e às muitas minorias. O exercício da liberdade, enfim, com seus riscos, inclusive o de se ofertar um tema que não encontre audiência. Exceção, porém, porque na Bienal, o que se viu foi a oportunidade rara de encontro de literaturas marginalizadas pela grande mídia, mas profundamente sintonizadas com a vida de seus povos. Encontro que, por certo, gestará novos diálogos, alimentando um movimento em curso, pouco visível, aparentemente minoritário, num jogo sempre em andamento, em que a minoria de hoje, pode ser a maioria de amanhã. _________________________________________ OSWALD BARROSO (Brasil). Prêmio Estado do Ceará (1985). Prêmio Estímulo à Dramaturgia (FUNARTE, 1996). Medalha Brasileira Folclorista Emérito, concedida pela Comissão Nacional do Folclore. Poeta, jornalista, ator, folclorista e teatrólogo. Tanto na atividade artística (poesia e teatro), quanto na atividade jornalística (particularmente como repórter do jornal O Povo), e na atividade acadêmica e de pesquisa, tem trabalhado sobre temas relacionados à cultura popular cearense, notadamente, aos movimentos sociais, à religiosidade, ao artesanato, às festas e aos folguedos. Participou como ator, dramaturgo ou encenador, durante 17 anos, entre 1976 e 1993, do Grupo Independente de Teatro Amador (GRITA) e, de 1996 a 2006, da Companhia Boca Rica de Teatro. Contato: [email protected]. sumário 1 antonio bandeira: un árbol verde para el nuevo hombre. floriano martins | jacob klintowitz 2 carta do secretário da cultura do estado do ceará à associação cearense de cinema e vídeo. francisco auto filho 3 crítica de arte: um lugar no modernismo luís estrela de matos 4 cruzeiro seixas: "a minha vida foi brasileiro. uma experiência muito bonita" [entrevista]. vladimiro nunes 5 lezama lima y el surrealismo | primeira parte: andré breton y lezama lima, un acercamiento posible. carlos m. luis 6 lorena pradal y "habitaciones": la piedra como poética y percepción analógica del mundo. martin palacio gamboa 7 los instantes fatales y sus efectos. oscar gonzález 8 los ríos en la poesía chilena: nuevas definiciones ecocéntricas de la poesía épica y lírica. steven f. white 9 luis feito: "la pintura no es una carrera de novedades y modas" [entrevista]. miguel ángel muñoz 10 os espaços do círculo: a distância e o trágico em rosa e proust. leonardo vieira de almeida 11 participação da antropologia na obra de herberto helder. maria estela guedes 12 william blake, poeta e profeta. claudio willer artista convidado william blake [aquarelas e gravuras, texto de jesús david curbelo] banda hispânica visitação galeria de revistas poesia 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial 1 aproximar o distante - do estranho ao familiar, duas experiências: timor leste e guiné-bissau. joana ruas 2 avanços das neurociências para o ensino da leitura. leonor scliar-cabral 3 barroco, surrealismo e miscigenação na américa latina: água de um mesmo rio. luís eustáquio soares 4 de la canela a fortaleza. jotamario arbeláez 5 diálogo con floriano martins: bienal del libro de ceará, un espacio de descubrimiento(s) [entrevista]. gabriel chávez casazola 6 diálogos entre arte postal y poesía visual. francisco "paco" aliseda 7 escritores cearenses contribuem. ana miranda 8 fragmentaciones II. gary daher canedo 9 indigenismo, negritud y mestizaje en la literatura dominicana. manuel mora serrano 10 influencias indígenas en el castellano regional de loreto. alberto chirif 11 inicios del mestizaje cultural en el río de la plata: la argentina, de ruy díaz de guzmán. marta spagnuolo 12 la aventura cultural del mestizaje. grazia ojeda del arco tang 13 la poesía guaraní - desde los cantos míticos a las expresiones de hoy. susy delgado 14 la vanguardia en los años sesenta. sergio mondragón 15 las casas de la cultura en la construcción de la identidad de américa latina. fabián guerrero obando 16 las fronteras como espacios de mestizaje cultural. rosario peyrou 17 las revistas culturales y la integración de nuestra américa. carlos véjar pérez- rubio 18 o centro cultural brasil-república dominicana e os centros de estudos brasileiros (cebs). cristiane grando 19 o poder do autor vivo. maria estela guedes 20 o sertão grego de gerardo mello mourão. gonçalo mello mourão 21 perspectiva internacionalista da literatura cearense. floriano martins 22 vozes subentendidas em sagração do alfabeto. leonor scliar-cabral expediente editores floriano martins & claudio willer projeto gráfico & logomarca floriano martins jornalista responsável soares feitosa jornalista - drt/ce, reg nº 364, 15.05.1964 correspondentes todos os colaboradores artista plástico convidado (gravuras e aquarelas) william blake apoio cultural jornal de poesia traduções éclair antonio almeida filho [inglês, francês ð português] marta spagnuolo [português ð espanhol] gladys mendia [português ð espanhol] floriano martins [espanhol ð português] banco de imagens acervo edições resto do mundo os artigos assinados não refletem necessariamente o pensamento da revista agulha não se responsabiliza pela devolução de material não solicitado todos os direitos reservados © edições resto do mundo escreva para a agulha floriano martins ( [email protected] ) Caixa Postal 52874 - Ag. Aldeota Fortaleza CE 60150-970 Brasil claudio willer ( [email protected] ) Rua Peixoto Gomide 326/124 São Paulo SP 01409-000 Brasil revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 Crónica de vislumbres | Antonio Bandeira: un árbol verde para el nuevo hombre Floriano Martins | Jacob Klintowitz . Bandeira fue un artista iluminado por cuatro soles y que nos dejó una obra en la frontera de varios ríos sumergidos que, hoy, emergen en las principales cuestiones actuales del arte y de la cultura. Visionario, de intensa actividad, su obra está en el umbral, pertenece a su época, pero pocos, como él, construyeron una iconografía tan proyectada en el venir a ser. El es el profeta de las ciudades de luz. Bandeira fertilizó el arte brasilero, a partir de Ceará, creando nuevas vertientes para el arte moderno. El Ceará tiene una tradición cultural rica. De su grupo, a partir del final de la Segunda Guerra Mundial, se destacaron nacionalmente Aldemir Martins, Inimá de Paula y Bandeira. En Europa, junto con Wols, Bandeira fue importante también en la renovación de ideas, a partir de una abstracción lírica, con fuerte pasado figurativo. No apenas la gestualidad de la abstracción, sino la concepción de nuevas formas de marcado pasado figurativo. Lirismo con título, el gesto y la poética verbal. Nadie, como él, proyectó la idea de ciudades contemporáneas hechas de luz. Es una visión anticipadora, pues las ciudades tienden a esto y serán, cada vez más, menos febriles y más conceptuales. La vida humana no como productora, sino como ejercicio del sueño. Antonio Bandeira fue un extraordinario pintor de vida corta, pues murió en una mesa de operación, en París, de una banal intervención en la garganta. Es un artista de la luz, justamente cuando el hombre salía de las tinieblas homicidas. El pintor de la ciudad lírica generadora de ideas, conceptos y de construcción de un nuevo hombre impregnado de intuición estelar. Es significativo esto, una vez que él es oriundo de una región iluminada por el sol, dotada de gran claridad. Y que su vida transcurrió en dos otras ciudades solares, Río de Janeiro y París, la propia ciudad luz. El cuarto sol de su vida era su propia alma, manifestada en una labor sin fin y en la concretización de imágenes únicas que marcan la utopía del siglo veinte. Su arte siempre fue impregnado de un alto lirismo. Pintor poeta. Antonio Bandeira creyó que la tradición pictórica era suficiente para expresar el futuro. No deseó otro vehículo, otro soporte, otro lenguaje que no fuese la pintura y el arte. El artista de la luz. El hombre en la frontera, entre el pasado y el futuro, el abstraccionismo y la figuración. Es una abstracción que nombra! Es, en este sentido, un artista de acentuada tendencia espiritual. La luz en Bandeira es interna, hecha de visiones, y no sabemos, seguidamente, si es día o noche en su pintura. Es un visionario en la mejor tradición del siglo veinte, la de quien percibe la luz como manifestación compleja de la materia y de la metafísica. En él lo espiritual no está personificado en el contorno de la figura humana, sino en la visión. Con la llegada de los años 50, Bandeira, en definitivo, deja atrás figuras y paisajes más expresionistas. Como un alquimista, mezcla paisaje, figura y abstracción en una misma paleta y de allí comienza a expandir una poética firmada esencialmente en el mestizaje. El mismo dirá: Quiero hacer un mundo nuevo, mezclar el cielo con la tierra, decir a los hombres que ellos son todos hermanos en la batalla de las razas, apuntar el paisaje visionario de las grandes masas urbanas; sacar una pintura de la naturaleza que ya fue, que ya se está elaborando, y que todavía va a proseguir. Quiero preparar el terreno para mi humanidad que vendrá después, la humanidad fea que hoy sufre, presentándola con un paisaje digno, un paisaje nuevo, un árbol verde, un ser en germinación. En fin, quiero crear seres que no existen, mezclar, hablar al hombre en un nuevo lenguaje, o no hablar ninguna lengua; enviar un mensaje a los contemplativos. Hasta su muerte, en 1967, son 17 años de cosechas ininterrumpidas, estaciones perennes, desentrañando ciudades de las manchas y sombras del abstraccionismo. Mezcla igualmente sus clasificaciones internas (lírico, binario, geométrico, etc.). Bandeira tiene un sentido extraordinario de lo humano en sí. A tal punto que tamaña generosidad lo conduce a un exceso de donación. Tenía la más plena conciencia de que no se produce gran arte de otra manera. Fue al desgaste de todo. Llevó una vida de lúcida deriva. Antes que la muerte lo sorprendiese garabateó un diario dibujado de lo que vendría a ser un filme autobiográfico. En uno de los cuadros habla de París en un sentido que se aplica a cualquier espanto lúcido vivido con una ciudad: La inmensa ciudad del día y de la noche, entre atormentada y tranquila, próxima y distante –para sufrimiento y alegría nuestra– esa misma ciudad que a veces de tan grande que es vira una pequeña provincia. Fortaleza, Río de Janeiro, París. Las ciudades referenciales de Bandeira, confundidas al punto que constituyan una sola urbe visionaria. Evidencia de una luminosidad que no se detenía ante nada. Todos nos sentimos habitantes de esta humanidad otra que Bandeira evoca con la maestría de sus trazos y colores, sí, pero esencialmente con la convicción de su utopía. Este pintor-poeta nos dio a todos una pequeña quimera que todavía no sabemos crear. El hombre está presente en todos los paisajes de Bandeira, habitante primordial de su utopía: villas, barrios, muelles: ciudades. Sus árboles están plantados en un contexto urbano: la gran ciudad con sus campos quemados. La luz actuando sobre los colores y formas como una crónica de vislumbres. Incluso la selva, el agreste, la marina: poética poblada por su humanidad contemplativa. Bandeira puebla el abstraccionismo, da a él una condición humana antes desconocida. A pesar de la muerte prematura, la intensa obra dejada afirma que no se envolvería con algunas de las tendencias futuras de las artes: no disecaba el color y sí el hombre en su conflictuante condición social; no acumulaba formas o apilaba temas; era esencialmente un cronista de la luz, del vislumbre, de su acción sobre el tiempo, un solitario agrimensor del alma humana. Del que sería un origen visto en Brasil con preconcepto, de un arte narrativo del nordeste, él transformó la historia en un lenguaje situado entre la intuición y la referencia iconográfica. Su rostro fuerte, marcado, la cabeza grande, los ojos negros, es un contraste maravilloso con la delicadeza del tratamiento plástico. Visionarismo. Transposición poética. Esta era la maestría de Bandeira. Floriano Martins (Brasil, 1957) é um dos editores da Agulha. Contato: floriano. [email protected]. Jacob Klintowitz (Brasil, 1941). Jornalista, crítico de arte, escritor, editor de arte, designer editorial. É autor de 90 livros sobre teoria de arte, arte brasileira, ficção e livros de artista. Atualmente dirige o MuBE – Museu Brasileiro de Escultura. Contato: [email protected]. Ensaio traduzido por Gladys Mendia. Contato: mendia. [email protected]. Página ilustrada com obras do artista Antonio Bandeira (Brasil). revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 Carta do Secretário da Cultura do Estado do Ceará à Associação Cearense de Cinema e Vídeo Francisco Auto Filho . Fortaleza, 25 de dezembro de 2008. Ilmo. Sr. Duarte Dias Presidente da ACCV Nesta. Presidente, Senhor A SECULT recebe com satisfação o pronunciamento público da Associação Cearense de Cinema e Vídeo (ACCV), quando propõe, pela primeira vez em sua história e em carta aberta, “estabelecer uma tribuna para o debate democrático e participativo” sobre a política para o setor audiovisual no Ceará. A nossa satisfação se deve, em primeiro lugar, ao fato de que o audiovisual foi o único setor da cultura cearense que deixou de participar da Constituinte Cultural, evento promovido pela SECULT, logo no início da gestão Cid Gomes, para discutir de forma ampla e democrática a elaboração de uma política pública de cultura para o Estado, com a participação não só das entidades culturais, mas de toda sociedade civil organizada do Ceará. Essa ausência voluntária do audiovisual impediu que o novo Governo pudesse inovar nesse setor, como o fez nos outros, já que toda a política cultural executada nesses dois anos teve como referência as decisões tomadas naquele conclave, que contou com a participação de mais de 12 mil pessoas, em 176 Municípios. A nossa satisfação se deve, ainda, ao fato de que, ao propor uma discussão pública, democrática e participativa, a ACCV e os integrantes do setor audiovisual nela associados aceitam submeter ao escrutínio público suas posições políticas e suas reivindicações corporativas. Com esta decisão – esperamos – será possível discutir com a sociedade civil organizada as questões de real interesse público no campo da cultura audiovisual, entre elas a distribuição mais equilibrada dos recursos estatais entre as 10 linguagens previstas pela legislação estadual de cultura, a privatização de eventos e a monopolização dos editais públicos por uns poucos cineastas. Nossa análise da “Carta Aberta da ACCV” toma como fundamento o republicanismo democrático, princípio segundo o qual as políticas públicas têm sua legitimação última no fato de que o seu destinatário final deve ser o próprio povo e não os produtores culturais, já que é o povo quem financia, pela via dos impostos, toda a atividade estatal. Os produtores, embora atores indispensáveis no processo cultural, são parceiros do Estado, quando se trata do uso de dinheiro público, e não destinatários exclusivos. Portanto, o apoio estatal aos seus projetos só se justifica quando eles atendem claramente ao interesse público, este último, num Estado democrático, definido na Constituição e na legislação complementar e ordinária específica. Com base nessa premissa, a SECULT considera pontos positivos da “Carta Aberta da ACCV” os seguintes: • dispor-se a promover congresso anual para discutir publicamente a política do audiovisual e suas relações com o Estado, a sociedade e o mercado. Por isso, o Governo do Estado concedeu os recursos necessários para a realização do primeiro congresso, como a própria ACCV reconhece; • reconhecer a necessidade de se formular um Plano Diretor do Audiovisual Cearense, elaborado com a participação de todos os interessados, tanto os da Capital quanto os do Interior do Estado; • propugnar por uma política pública de audiovisual de caráter transversal, com a inclusão de novas parcerias públicas (prefeituras) e dando prioridade à interiorização das ações e cobrindo toda a cadeia produtiva do setor (formação, produção, exibição, distribuição e preservação de acervos). Mais do que apoiar essas idéias, a SECULT tem adotado medidas concretas na mesma direção. Entre elas, destacamos o apoio financeiro às iniciativas da UFC, Vila das Artes de Fortaleza e ECOA de Sobral, aos festivais anuais de cinema e, por meio do mecanismo do mecenato e do Fundo Estadual de Cultura (FEC), a um grande número de projetos do setor audiovisual. Para se ter uma idéia do volume de recursos envolvidos, vale citar este dado: o Governo anterior aplicou, em quatro anos, oito milhões de reais em editais, destinando 49% desses recursos ao audiovisual; em apenas dois anos, o Governo Cid Gomes aplicou 12 milhões em editais, destinando também 49% do total para o setor. Lamentavelmente, esses pontos positivos da “Carta Aberta da ACCV” são obscurecidos por uma retrógrada visão política e por um diagnóstico de viés corporativo, superficial e equivocado da real situação do audiovisual cearense. Em pleno século XXI, a ACCV ainda permanece presa ao paternalismo estatal. Isso fica evidenciado quando, após lamentar, sem fundamento nos fatos, a falta de apoio público (leia-se mais dinheiro para os produtores), declarar que considera o edital “Ceará de Cinema e Vídeo” o “principal mecanismo de fomento do setor em nosso Estado”. Ora, isso está em flagrante contradição com o que foi dito logo no primeiro parágrafo da Carta, onde se afirma que o audiovisual cearense obteve o “devido reconhecimento da crítica e do público”. O reconhecimento do público se traduz pela elevada freqüência aos pontos de exibição. Por conseguinte, com a remuneração – via ingressos – do capital investido na produção fílmica. Em qualquer parte do mundo onde o cinema teve o devido reconhecimento do público, sua manutenção e lucratividade provêem do mercado e não das verbas oficiais investidas a “fundo perdido”. A reclamação exclusiva por verbas públicas, que é tônica da Carta Aberta, torna-se mais surpreendente se levarmos em conta que o tema do Congresso Cearense de Audiovisual foi precisamente a relação entre “Desenvolvimento e Mercado”. Pergunta-se então: a ACCV não levou em conta o que deliberou o Congresso sobre o tema? Em outras palavras: qual o papel do mercado no desenvolvimento do nosso audiovisual, senão libertar o setor do paternalismo estatal? Essas questões remetem diretamente para as limitações e os equívocos do diagnóstico do audiovisual cearense feito pela Carta Aberta. Dela não consta nem mesmo uma linha sobre as questões suscitadas. Igualmente silencia sobre o mais grave problema do cinema brasileiro – o problema da exibição. Para se ter a idéia da gravidade desse problema, basta examinar as estatísticas deste ano: foram produzidos mais de 80 longas-metragens, ao preço médio de R$ 2,5 milhões por filme, mas o índice de público não chegou a 8% do total. Como escreveu recentemente o cineasta Paulo Pons, há no Brasil uma situação paradoxal: “os produtores, pré-remunerados por seus filmes de milhões financiados a fundo perdido, recebem os privilégios do seu mercado, enquanto a outra ponta, o público, que num país de incentivos fiscais é quem paga a conta, não vê o resultado do seu próprio mecenato”. O diagnóstico da Carta Aberta é prisioneiro do corporativismo ególatra. Limitase a reclamar e reivindicar tudo ao poder público. Em tese, há legitimidade na reivindicação corporativa. No entanto, essa legitimidade cessa quando entra em conflito com o interesse público ou quando, se atendida, afeta diretamente aos interesses legítimos das outras corporações. O setor audiovisual do Ceará registra, em suas relações com o poder público, um grave e recorrente contencioso que a Carta parece não ter coragem de enfrentar. Aliás, não há nela a mais leve autocrítica. No debate público temos, pois, o dever ético de cobrar o rompimento desse silêncio obsequioso entre pares. Esse contencioso pode ser resumido nas seguintes questões: • sabendo-se que os recursos públicos são finitos, como a ACCV propõe resolver o problema do grande desequilíbrio na distribuição dos recursos dos editais entre as 10 linguagens que a lei estadual de cultura preconiza sejam apoiadas? Ao longo dos últimos oito anos, o audiovisual tem recebido sozinho em torno de 49% desses recursos; • considerando que o audiovisual é a única linguagem que tem uma lei nacional de incentivo própria, porque a ACCV insiste em que o Governo estadual seja o seu principal patrocinador, reduzindo assim a possibilidade de ampliação dos recursos para os editais estaduais das outras nove linguagens? Por que a ACCV não centra esforços em capacitar seus quadros para disputar com outros Estados os benefícios da lei nacional do audiovisual? • por que até o momento a ACCV não fez nenhuma crítica a privatização de eventos que antes eram públicos e não combateu o monopólio por uns poucos dos recursos do mecenato estadual? • finalmente, por que, ao invés de defender os produtores que estão inadimplentes com a SECULT, por falta de prestação de contas dos recursos públicos recebidos, não cuida de exortá-los a cumprir a lei, como é dever cívico de toda pessoa física ou jurídica? Essas e outras questões foram discutidas ao longo dos últimos dois anos entre a SECULT, a ACCV e produtores culturais independentes, em sucessivas audiências com o titular da pasta. Nossa intenção até então sempre foi tratálas no espaço da ação bilateral, na tentativa de resolvê-las de forma direta, num diálogo sincero e fraternal. A “Carta Aberta da ACCV” impôs uma alteração de conduta da SECULT, obrigando-nos a comparecer à cena pública para repor a verdade dos fatos e para expor os princípios republicanos e democráticos que informam a política cultural do Governo Cid Gomes. O espírito que preside as relações da SECULT com os produtores culturais cearenses é de colaboração e apoio e não de conflito. Mas isso deve ser feito lastreado nos princípios que norteiam a administração pública no Estado democrático de direitos. Eles estão inscritos no artigo 37 da Constituição federal: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. O Governo Cid Gomes, fiel a esse texto e apoiado na recomendação da Constituição do Estado do Ceará, incluiu um sexto princípio – o da participação popular. Daí porque o primeiro ato da nova gestão da SECULT, no contexto do processo revisional da Carta estadual, aberto pela Assembléia Legislativa, foi convocar a Constituinte Cultural, o maior esforço de mobilização popular já feito na história do Ceará para formular uma autêntica política pública de cultura. Mesmo tendo optado por não participar da Constituinte Cultural, o setor audiovisual, pela sua importância e por seu papel na cultura cearense, recebeu um tratamento destacado do Governo Cid Gomes, como provam os recursos a ele destinados nestes dois anos, muito maior do que nos quatro anos anteriores. Mas não ficou só nisso. Como resultado do diálogo travado com o setor, a SECULT pretende, no próximo ano, contribuir ainda mais para o seu fortalecimento. Nesse sentido já apresentamos, por ocasião de audiência concedida no final deste ano à direção da ACCV, uma pauta para debate, da qual destacamos os seguintes pontos: • criação do Fórum Estado/Sociedade do Audiovisual Cearense, de composição paritária, para discutir todos os problemas e funcionar com lócus da elaboração da política pública para o setor; • conferir ao Museu da Imagem e do Som (MIS) a atribuição de funcionar como sede e secretaria desse Fórum, oferecendo todas as condições materiais e financeiras para o seu regular funcionamento; • retomar a proposta, feita pela SECULT ainda em 2007, de criar espaço na grade da Rede Pública de Televisão do Ceará, para exibição da produção audiovisual local; • criar, no MIS, um Núcleo de Preservação da Memória do Audiovisual Cearense, reunindo os acervos particulares hoje dispersos e sob risco de desaparecimento. Nesse sentido, a SECULT injetará recursos públicos próprios e de fontes nacionais; • instalar, em 2009, 60 cineclubes em 60 Municípios do Ceará. Proposta nesse sentido já foi incluída no Programa Mais Cultura, do Minc, com contrapartida financeira do próprio Estado; • criar selo para o audiovisual no programa editorial da SECULT, para publicação de livros sobre o audiovisual cearense. Nesse sentido, já foi acertada a publicação dos três outros volumes da obra de resgate da história do cinema cearense de autoria do pesquisador Ary Leite; • continuar apoiando os projetos de formação em audiovisual da UFC, Vila das Artes de Fortaleza, ECOA de Sobral e de outras instituições, dentro do Programa Formação em Rede, que atua nas 10 regiões culturais do Estado, com recursos do próprio Tesouro estadual; • investir até 2010 um total de R$ 18 milhões de reais em 100 Pontos de Cultura, em parceria com o Minc, sendo 80 destinados aos Municípios do Interior e 20 ao Município de Fortaleza. Grande parte desses Pontos de Cultura é voltada para o audiovisual. Naturalmente, todas essas propostas serão submetidas ao crivo do Fórum Estado/Sociedade do Audiovisual Cearense, cuja instalação será feita na primeira quinzena de janeiro de 2009. Por fim, queremos manifestar que nossa expectativa em relação ao futuro do audiovisual cearense guarda concordância com a posição formulada pela “Carta Aberta da ACCV”: acreditamos no valor estratégico e no potencial do audiovisual como fator de desenvolvimento econômico e cultural. E temos claro o sentido de urgência na formulação de uma política pública para o setor, baseada na transversalidade das ações, na inclusão de novas parcerias públicas e privadas e na interiorização das ações de formação, produção, exibição, distribuição e preservação da memória do audiovisual cearense. Cordialmente, AUTO FILHO Secretário da Cultura Francisco Auto Filho. Doutor em Filosofia, professor de filosofia e economia política da Universidade Estadual do Ceará. Foi pró-reitor de assuntos estudantis da mesma universidade e consultor da Assembléia Constituinte Estadual e da revisão da Lei Orgânica do município de Fortaleza. Contato: [email protected]. revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 Crítica de arte: um lugar no Modernismo brasileiro Luís Estrela de Matos . Este ensaio tem como eixo central alinhavar alguns elementos da pesquisa que venho realizando sobre o percurso da crítica de arte ao longo da trajetória modernista, desde a famosa Semana de 22 até os anos 50, momento este onde surge a figura do crítico de arte enquanto agente especializado. A partir da década de 50, com a entrada em cena do Concretismo (literário e plástico) a crítica de arte, principalmente nas figuras de Mário Pedrosa e Ferreira Gullar, recebe nova orientação e desvincula-se de certos traços modernistas, traços esses marcados por um excesso de sociologismo e perspectiva fundamentalmente “literária”. Defendemos a idéia de que com a instauração do projeto concretista, nos anos 50, uma nova forma de crítica configura-se. Mais do que isso, ela teve a possibilidade de sintonizar-se com a orientação estética que a vanguarda artística de então imprimiu à arte brasileira. Ocorre nesses anos um frutífero diálogo entre críticos e produtores que terminará por beneficiar a ambos. Pois, se nossa crítica em artes plásticas, até aquele momento, não havia se permitido avançar mais, ousar mesmo, no sentido de produzir instrumentos específicos para uma leitura plástico-formal da cultura visual, a partir do movimento concreto o caminho para um trabalho especializado começará a desenhar-se e talvez até por conta do próprio material estudado (já que agora todos os elementos da obra ressaltavam fortes preocupações formais, e não mais se caracterizavam pela feição social ou ideológica como no Modernismo mais estabilizado de 30/40). A classe artística beneficiou-se igualmente das discussões entre os críticos, uma vez que o que se constata é um raro grau de reflexão dentro do seu próprio mundo, o que se traduz diretamente no caráter experimental de suas pesquisas visuais. Não estamos aqui negando a existência de uma crítica desde, pelo menos, os modernistas de 22. Porém seus instrumentos de análise haviam sido forjados numa bigorna mais literária e quase nada plástica, fato esse que se modificou com o aparecimento do Concretismo. Mário de Andrade, Sérgio Milliet, entre outros críticos daqueles anos, tendem a valorizar os elementos conteudísticos (subjetivos, ideológicos, etc), não destacando, nem aprofundando as questões de ordem formal. Desse modo, terminaram por realizar uma crítica muito mais voltada para a valorização do ser nacional, via programática do Modernismo. Tentando pensar as relações entre crítica e produção artística nos anos anteriores à vanguarda concreta, o crítico Frederico Morais faz a seguinte observação: Nos anos 30/40 a crítica de arte foi mais conservadora, procurando valorizar as qualidades técnicas e artesanais da pintura (meio de expressão dominante), sempre disposta a discutir questões específicas - cor, desenho, assunto - e, com frequência, condenando o excesso de pesquisa ou a criação plástica que se baseava na sociologia, na psicanálise e na ciência (Moraes: 1987, 13). [1] A condenação ao excesso de pesquisa, entenda-se visual, mostrou-se fato mais que corriqueiro nas práticas de uma crítica que procurava, apenas, compatibilizar-se com o desejo de estabilização por parte de alguns artistas, advindo de conquistas alcançadas pela Semana. Os ensaios e livros de Mário de Andrade e Sérgio Milliet revelam essa perspectiva mais serena, de menor inquietação estética. Frederico Morais chega a indagar se a crítica, com tais características, isto é, sintomaticamente pouco teórica e quase nada receptiva às inovações formais, não foi apenas uma consequência direta de uma pintura que permaneceu "equidistante" tanto do academismo da Escola de Belas-Artes quanto do espírito arrogante dos modernistas dos anos 20. Influências mútuas à parte, a questão é que já nos anos 40 alguns indícios de mudança se colocavam à disposição de um olhar mais atento, e, aos poucos, as tendências abstratizantes, ou levemente experimentais, começaram a preparar uma verdadeira revolução no universo da arte, exigindo dos críticos uma maior severidade e posicionamento bem mais definido. Em suma, a um rigor de expressão plástica (a austeridade geométrica da experiência concretista seria o exemplo mais extremado, embora não o único) requeriase, pelo menos, um rigor analítico, uma nova sensibilidade da atitude crítica, desconhecidos até então. Enveredando um pouco pelo contexto pré-concretista é importante tentarmos levantar alguns problemas mais específicos à atuação da crítica em sua concomitância com a afirmação dos valores modernistas. O cenário artístico, marcadamente vinculado à direção que o Modernismo de 22 foi lhe conferindo (caracterizada predominantemente pela defesa de um nacionalismo), enfrentava dificuldades de toda ordem - espaços reduzidos para as artes, carência de um público que se interessasse, de fato, por artes plásticas, além de uma "crítica" exercida em quase sua maioria nos rodapés dos jornais de grande circulação. Na verdade, é essa a herança que os concretos recebem. Porém, e seria injusto não observar, os modernistas também enfrentaram seus problemas, embora não tenham atacado um ponto fulcral (que foi prática corrente nas vanguardas européias): o caráter figurativista da arte ocidental. Nessa questão, realmente, a pintura modernista não produziu uma ruptura com a tradicão academicizante que governava e ditava o comportamento estético do minúsculo público consumidor de arte. Se atentarmos bem, sem muito esforço chegaremos a conclusão que a tradição representacional manteve-se praticamente incólume na trajetória modernista. Esse assunto não esteve em pauta na produção dos modernos, talvez porque aqui, no caso brasileiro, era fundamental uma arte de construção, de fundação (curiosamente como foi a implantação do paradigma máximo da arte do país - o romantismo literário). [2] Aliás, a mitificação de 22, vista sob um olhar crítico, deverá perder cada vez mais de sua excessiva magia; e isto porque, como talvez seja comum em algumas manifestações de vanguarda, suas propostas e arroubos, sua defesa de uma abertura, naqueles anos realmente vital, acabaram por estreitar a própria revolução estética tão defendida então. O crítico Roberto Pontual chega a afirmar que hoje é fato mais do que banal a constatação de que a Semana de 22 não tivera em sua origem a amplitude que a história cultural rapidamente procurou outorgar-lhe. [3] E por Semana de 22, talvez fosse possível compreendermos o período que vai desde a polêmica exposição de Anita Malfatti, em 1917, até a realização mesma do evento, em 1922. Seria infrutífero entrarmos na discussão, já histórica, se foi Malfatti ou Lasar Segall, expondo pela primeira vez em 1913, quem verdadeiramente inaugurou a arte moderna entre nós, do ponto de vista plástico. De qualquer modo, é dentro desse recorte proposto que a possibilidade de se pensar uma arte moderna melhor se vislumbra, pois, a partir da Semana, as preocupações estéticas, de maneira geral, se deslocarão em direção à problemática nacionalista; característica que se confirmará, em sua plenitude, nos anos 30/40. Com isto duas questões podem ser percebidas, e que se inserem num mesmo solo: o aspecto crítico, uma certa corrosividade que sempre marcou a prática das vanguardas, pouco ou quase nada vingou. Por outro lado, a radicalidade de uma revolução formal da produção pictórica (que, de certo modo, se anunciava nas telas mais ousadas de Malfatti) também restou irrealizada. O que se pode notar, com a entrada do Modernismo em seu percurso de tradição (estamos fatalmente presos a tradição do novo, como afirmou Mário Pedrosa), é a estruturação de dois veios principais. De um lado a herança expressionista e cubista nos trabalhos, às vezes monumentais, de Segall e Portinari; de outro, a defesa das lições cézannianas aplicadas pelos artistas do Grupo Santa Helena (1934) e do Núcleo Bernardelli (1931). Apenas para pontuarmos algumas diferenças, vale observar que o Núcleo Bernardelli se funda, no Rio, com a intenção de proporcionar uma renovação ao ensino de artes plásticas que, no caso carioca, encontrava-se dominado pela presença da Escola Nacional de Belas-Artes, reduto de uma mentalidade conservadora e contrária à aventura dos modernistas de 22 (apesar de que alguns laços comecem hoje a ser percebidos entre esses dois percursos). Ainda que os artistas paulistas, por sua vez, não tivessem intenção de formar um grupo, reuniram-se, em momentos diversos, no antigo Palacete Santa Helena. O sentimento de grupo era, em parte, derivado do fato de partilharem de uma mesma origem social e por, além disso, valorizarem os aspectos artesanais e "artísticos" da obra. Mesmo que seja inviável aprofundarmos neste estudo toda uma problemática levantada por Mário de Andrade no que se refere à defesa dos aspectos artesanais da obra de arte, devemos, pelo menos, apontar que em sua ensaística (final dos anos 20 e dos 30 em diante) a questão se mostra de maneira bastante explícita, mas não necessariamente muito clara. Se a famosa, e ainda polêmica, conferência de 1942 (O Movimento Modernista ) é hoje peça fundamental para uma visão mais acurada do que realmente fôra o espírito de 22, também permite que se perceba uma mudança radical de eixo, ou seja, a rotação da defesa de um código mais estruturado em posições francamente estéticas para um código que conseguisse reordenar a produção artística à luz de uma perspectiva mais social. O Movimento Modernista é esse esforço, espécie de síntese do próprio pensamento de Mário de Andrade, cujo delineamento pode ser percebido seja no ensaio O Aleijadinho, de 1928; na aula inaugural na Universidade do Distrito Federal, em 1938, intitulada O Artista e o Artesão; além de em outra conferência, de 1941, sobre o Romantismo Musical. Em O Artista e o Artesão, o escritor paulista critica a situação da arte contemporânea que se caracterizaria por um excesso de experimentalismo. A partir do Renascimento, esclarece ele, a arte foi se dessocializando, aumentando, gradativamente, "o divórcio da técnica com as exigências da matéria", fazendo com que a beleza se tornasse o fim último das artes plásticas, autonomia essa altamente prejudicial ao próprio domínio da arte. Nas palavras de Mário de Andrade: Desde então [Renascimento], e cada vez mais, ela [a beleza] se tornou o objeto principal da pesquisa para o artista, e, por uma conversão natural do conceito, a beleza, pesquisada por si mesma, se tornou essencialmente objetiva e experimental, materialista por excelência, pra não dizer por exclusividade (Andrade: 1963, 20). [4] A beleza, ao longo da história, se desidealiza, torna-se procura, pesquisa, materialidade a ser objetificada na obra de arte. Mário de Andrade reúne dois processos (individualismo e desidealização da arte - apontando para a dificuldade em dizer qual é deduzido a partir do outro) na tentativa de concluir daí o caráter de excessiva pesquisa das artes plásticas, pesquisa por pesquisa, colocando de lado o elemento homem. Por isso o humanismo do autor de Macunaíma reage tão violentamente contra os aspectos da arte contemporânea. Por isso, e é o que nos diz mais respeito neste trabalho, ele aplaude e defende abertamente o "posicionamento estético" do Grupo Santa Helena, bem como do Núcleo Bernardelli. Ainda na aula inaugural O Artista e o Artesão ele destaca o percurso do individualismo em arte, que acabou por culminar: (…) no desbragado experimentalismo contemporâneo, que tanto experimenta objetivamente, com o cubismo e os abstracionistas, como subjetivamente com o expressionismo e os superrealistas (Andrade: 1963, 23). [5] A única esperança de transcender os impasses da arte contemporânea (excesso de experimentalismo), segundo Mário de Andrade, seria a de introduzir a noção de "atitude estética". Através desta abriria-se a possibilidade de conectar novamente a arte com o público, uma vez que as vanguardas, ao apostarem no caráter inovador, experimental, teriam aumentado a distância entre ambos. Restauraria-se assim a famosa função social da arte. Vale mesmo assinalar aqui que ainda nos anos 20 Mário de Andrade já defendia uma linha de posicionamento no sentido muito mais de construção, afastando-se de todos os "ismos" das variações modernistas da arte. Seria suficiente, para nosso caso, lembrar de suas cartas à Manuel Bandeira e à Anita Malfatti. Além de combater essa crescente cisão entre público e arte, o autor de Losango Cáqui chama a atenção para os elementos artesanais envolvidos na feitura da obra. Mas não porque quisesse ressaltar a possibilidade de uma leitura formalista da história da arte. Muito pelo contrário. Sua crítica dirige-se justamente ao excessivo formalismo em arte, que se expressaria através do caráter hiperbólico do subjetivismo artístico. Ao invés de uma "vontade estética", o que domina a produção contemporânea é o culto desenfreado da personalidade artística. E é precisamente nesse tom que Mário de Andrade termina sua aula: criticando a importante exposição do Salão de Maio, realizada em São Paulo, no final dos anos 30.. É realmente curioso notar que a figura mais emblemática de nosso Modernismo tenha saudado com tanto incentivo e louvor as pinturas do Grupo Santa Helena e combatido tão decididamente as tendências abstratizantes da produção internacional. Retornando ao problema do espaço de uma crítica mais cônscia das qualidades plásticas da obra de arte, vale reafirmar que o crítico de arte no Modernismo, dos anos 20, é elemento disperso, trabalhando aqui ou ali, quase sempre oriundo do campo literário; fato que marcaria, em definitivo, o tipo de leitura que poderia fazer do trabalho visual - isto é, transferir procedimentos verbais, literários para o universo das artes plásticas. Os críticos da fase mais assentada do Modernismo, anos 30 e 40, permaneciam em sua condição de autodidatas. Para que se possa ter uma idéia de como se constituía o horizonte de expectativa do papel da crítica, seria oportuno citarmos um trecho da conferência realizada pela pintora Tarsila do Amaral no III Salão de Maio: Em geral, quem comenta as obras de pintura é o intelectual amigo dos pintores (…). Embora inteligente e dotado de boa vontade, isso não basta. Por outro lado, não temos galerias nem museus , nem possuímos grande número de obras célebres. Muitos de nossos escritores que assinam críticas nada lêem sobre pintura, não compram revistas especializadas, nem possuem álbuns. Suas preocupações intelectuais são outras. As artes plásticas são, para eles, "mero passatempo". [grifo nosso] (Amaral: 1991, 78) [6] Nessa conferência a pintora afirma ser Mário de Andrade o melhor de todos os críticos na área musical e também excelente no campo das artes plásticas, embora observe que o autor de Lira Paulistana tinha algumas limitações no que diz respeito especificamente à pintura. É claro que, de certa maneira, podemos entender que essa limitação expressava muito mais a própria perspectiva por onde Mário de Andrade (e a maioria da crítica) olhava, ou seja, seus esforços eram no sentido de valorizar ao máximo as correntes vanguardistas, mas somente aquelas que viessem somar ao projeto de construção de uma arte nacional. O fato é que a pesquisa de uma visualidade intrínseca do fazer artístico esbarrava sempre em motivações, por assim dizer, ideológicas, tanto de artistas como de críticos. Ronaldo Brito, em seu ensaio O Trauma do Moderno , parece compartilhar da mesma opinião de Tarsila do Amaral quanto ao aspecto restrito do "olhar" do poeta. Em suas palavras: Nem Mário, nem Oswald de Andrade tinham visões mais radicais em matéria de artes plásticas. O primeiro manifestava grande entusiasmo pelo cubismo anódino e até regressivo de Andre Lothe (outro dos mestres de Tarsila) e foi um dos grandes arautos da modernidade tão discutível, tão ambígua de Portinari (Brito: 1983, 16). [7] Quer nos parecer que também o crítico Sérgio Milliet não destoava muito dos pressupostos da crítica de então, bem mais voltada a desempenhar uma função legisladora, norteadora, do que em refletir sobre as características intrínsecas das vertentes de vanguarda. Almejando a estabilidade sistêmica do processo modernista, Milliet, ao escrever a introdução do catálogo do III Salão de Maio, afirma que a vitória da orientação estética da Família Artística Paulista refletia o cansaço do público diante dos ‘malabarismos intelectualizantes’ (Milliet: 1991, 41) [8] da arte internacional. Vale lembrar que já no final dos anos 40 e, principalmente em 50 e 60, as tendências abstratas,seja no Informalismo ou nos trajetos construtivos, dominarão a cena artística brasileira. As previsões da crítica não acertaram corretamente o alvo. É claro que havia excessão e aqui cabe assinalar a importância do grande crítico Mário Pedrosa que apoiou a arte abstrata ainda em sua fase de pouca aceitabilidade entre nós. Apenas a título de exemplo podemos registrar o seu longo artigo escrito para o Jornal Correio da Manhã, em 1943, sobre uma exposição de Calder, realizada no Museu deArte Moderna de Nova York. As invenções do artista, seus móbiles, eram ainda pouco conhecidas e mesmo no meio artístico europeu ele passava muito mais por um ser exótico do que por um artista de fato Pedrosa sempre esteve atento para as questões formais e desde sua viagem à Alemanha nos anos 20, quando entrou em contato com as teorias da Gestalt, ele nunca perdeu de vista que uma análise da obra artística precisa levar em conta seus próprios elementos constitutivos. Sua tese Da natureza afetiva da forma na obra de arte, defendida nos anos 40, foi peça fundamental para a afirmação do movimento concretista. O convívio diário com artistas jovens (Ivan Serpa, Almir Mavignier, Hélio Oiticica, entre tantos outros) produziu um instigante clima, onde produção e reflexão mutuamente de complementavam, principalmente entre os artistas paulistas, já que no caso carioca, o Neoconcretismo, as experiências não eram tão marcadas por um posicionamento teórico endurecido. Para finalizar, gostaria de colocar que, de um ponto de vista mais histórico do percurso da crítica entre nós, alguns acontecimentos tiveram realmente grande importância. À criação de museus no final dos anos 40 seguiu-se, em 1951, o Congresso Nacional de Críticos, fato que também coincidiu com a I Bienal de São Paulo. Esse congresso funcionou, segundo o crítico Mário Barata, como uma espécie de conscientização profissional da atividade do crítico, que até então havia sido muito mais expressão de um pensamento literário. Como o próprio Barata esclarece: Foi com a geração de Mário Pedrosa e a minha que surgiu a especialização da crítica, de certa maneira já fora do domínio da literatura. Sérgio Milliet, Mário de Andrade ainda mais, porque atingia a criação, Aníbal Machado e Murilo Mendes mantinham a tradição do homem de cultura literária que se interessa pelas artes visuais (Barata: 1987, 115-116). [9] Esse processo de profissionalização da crítica amadurece juntamente com uma nova arrancada rumo a um sistema artístico minimamente constituído, que começa a se articular, em grande parte, através da criação de museus (Rio de Janeiro e São Paulo), Bienais, assim como de espaços mais específicos dentro dos grandes jornais. Por meio desses esforços as discussões, polêmicas, acertos e desacertos vão tomando maior amplitude e densidade, gerando, inclusive, um maior interesse por parte de um público bem pouco especializado, público esse que, através da mídia, começa a tomar conhecimento dos embates que se travarão entre figurativistas e abstratos, entre os herdeiros da Semana e os novos artistas, defensores ferrenhos, no caso dos concretos, de um código bem mais austero para a produção brasileira. Daqui para a frente a crítica terá que evitar os parâmetros puramente subjetivos (o gosto) e enfrentar a realidade concreta da obra (linha, textura, forma, ritmo, cor, etc). À uma arte que se queria, então, plasmada em estruturas quase matematizáveis deveria corresponder uma crítica de intenção formalista. Em suma, os padrões avaliadores herdados do Modernismo Pós-Semana de 22 se mostravam insuficientes para dar conta da revolução estética em curso nos anos 50 (Concretismo) e 60 (Neoconcretismo). Foi com base nesse estado de coisas que uma nova mentalidade crítica surgiu no contexto artístico, tomando a dianteira, junto às vanguardas, a medida que, por força mesmo das circunstâncias estéticas envolvidas, pôde repensar também seu próprio papel. Críticos como Ferreira Gullar e Mário Pedrosa serão figuras fundamentais no momento de afirmação das vertentes geométricas no Brasil. Uma crítica interessada efetivamente pela produção, dialogando com os artistas de maneira aberta, franca, sem lhes prescrever fórmulas ou mandamentos. Do diálogo produtivo daqueles anos, acabou por se firmar uma das correntes estéticas mais importantes para a oxigenação de uma cultura visual que ficara quase que soterrada durante, pelo menos, quinze anos, a famosa Era Vargas. NOTAS 1. MORAES, Frederico. Anos 30/40. Rio de Janeiro: Funarte, 1987. 2. CÂNDIDO, Antônio. Literatura e sociedade, 7. ed. São Paulo: Nacional, 1985. p. 82. Nesta página há uma reflexão acerca do caráter de formação e do lugar que o Romantismo alcança dentro da cultura brasileira: “os romanticos fundiram a tradição humanista na expressão patriotíca e forneceram deste modo à sociedade do novo Brasil um temário nacionalista e sentimental adequado às suas necessidades de autovalorização. De tal forma que ele transbordou imediatamente dos livros e operou independentemente deles ¾ na canção, no discurso, na citação, na anedota, nas artes plásticas, na onomástica, propriciando a formação de um público incalculável e constituindo possivelmente o maior complexo de influência literária junto ao público, que já houve entre nós”. 3. PONTUAL, Roberto. Entre dois séculos. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, 1987. 4. ANDRADE, Mário de. O baile das quatros artes. São Paulo: Martins, 1963. 5. Ibidem. 6. AMARAL, Tarsila. Apud. ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas décadas de 1930-40. São Paulo: Nobel/EDUSP, 1991. 7. BRITO, Ronaldo. O trauma do moderno. In: TOLIPAN, Sérgio (org.). Sete ensaios sobre o modernismo. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1983. 8. MILLIET, Sérgio. Apud. ZANINI, Walter. Op. cit. 9. BARATA, Mário. In: COCCHIARALE, Fernando e GEIGER, Anna Bella. Abstracionismo geométrico e informal. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1987. Luís Estrela de Matos (Portugal, 1964). Poeta, professor e ensaísta, inédito em livro. Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras do artista William Blake (Inglaterra). revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 Cruzeiro Seixas: "A minha vida foi uma experiência muito bonita" [entrevista] Vladimiro Nunes . Artur Manuel Rodrigues do Cruzeiro Seixas nasceu na Amadora a 3 de Dezembro de 1920. Aos 14 anos, ingressou na Escola de Artes Decorativas António Arroio, onde conheceu Mário Cesariny, com quem militou no Grupo Surrealista de Lisboa e, depois da cisão deste, em 1949, no grupo Os Surrealistas, ao lado de António Maria Lisboa e Mário Henrique Leiria, entre outros. Depois de uma segunda exposição colectiva, em 1950, Cruzeiro Seixas partiu para África, onde permaneceu até 1964. Desde então, e até hoje, perde-se a conta ao número de exposições que fez e que o tornaram um dos artistas portugueses mais celebrados. Tudo porque este homem que pinta – a designação de 'pintor' aborrece-o – não consegue ter a mão quieta: desenha sempre, onde quer que esteja. Sem valorizar muito aquilo que faz – o que terá levado o poeta, desenhador e crítico francês Édouard Jaguer (1924-2006) a chamar-lhe “talento insolente à força de modéstia” -, continua, aos 88 anos, a ser um surrealista convicto e a olhar para o futuro: “Preparemo-nos, pois esta civilização ainda vai durar uns séculos; ainda temos de tornar animais domésticos o elefante, o jacaré, etc., etc…”. [VN] VN Costuma dizer que a pintura é, para si, uma necessidade de certa forma fisiológica. CS Eu não gosto de pintar, são as mãos que mo exigem. Elas trabalham quase completamente sozinhas. Aquilo que faço é uma obrigação, nunca me deu prazer, nunca. Às vezes, no fim, colho a esperança de que a mensagem seja recebida por alguém. Muitas outras tenho querido desistir, mas é bem possível que, ao morrer, ainda esteja a desenhar. VN Não acredita naquilo que faz? CS Não acredito ter a dose de genialidade indispensável a um pintor. Isso de ser genial deve ser um susto. Interesso-me apaixonadamente pela pintura, mas pela dos outros: a de Grünewald, a de Bosch… Às vezes, o que faço parece-me passável, mas vejo-o sempre mais como um depoimento do que como obra de arte. Lá porque pinto chamam-me pintor. Lido mal com isso, porque há outras coisas que faço com igual paixão. VN Estudou na Escola António Arroio, num pequeno edifício por trás do Liceu Camões, em Lisboa. O que guarda desse tempo? CS Nunca aprendi nada com os professores e tenho uma certa vaidade nisso. Eles não gostavam de mim e eu pagava na mesma moeda. Hoje há quem diga que há algum sentido no que desenhei e pintei, mas na António Arroio chumbei três vezes. A verdade é que outros professores chumbaram Teixeira de Pascoaes, Amadeo de Souza-Cardoso, etc., etc. VN Se não aprendeu com os professores, aprendeu com quem? CS Com os colegas. Puseram ao meu lado um rapazinho mulato, o António Pimentel Domingues, que desenhava muitíssimo bem. Foi a olhar para os desenhos dele que aprendi. O António era um tipo extraordinário, único, sem maldade. Uma vez estávamos naquelas brincadeiras de rapazes de 17 anos, empurra para aqui, empurra para ali, e parecia não estar ninguém a ver-nos. Havia uns modelos em gesso encostados à parede, um deles caiu e partiu-se. Pusemos tudo tão direito quanto possível e fugimos. Claro que no dia seguinte fomos chamados ao gabinete do director, o [pintor] Falcão Trigoso, que com os dois em pé defronte dele nos perguntou solenemente - primeiro a mim - qual de nós tinha partido o modelo de gesso. A minha resposta foi que não tinha partido nada, mas o António, muito tranquilamente, disse: 'Fui eu, senhor director'. Ainda hoje sinto uma aflição e uma vergonha enormes quando penso nisso. Como vê, com o António Domingues não aprendi só a desenhar, também aprendi a não mentir. VN Foi ainda na António Arroio que, depois de uma fase neo-realista, encontrou Mário Cesariny e o Surrealismo. CS Acho que o Mário e eu tínhamos uma espécie de paixão, dessas paixões que acontecem aos adolescentes. E talvez excedesse um pouco esse momento. Andávamos sempre juntos, fazíamos esta Lisboa toda a pé. Foi com ele que aprendi que o Homem tem outra dimensão além da física. Em compensação, talvez ele tenha aprendido comigo que também temos uma admirável dimensão física. A vida é, de facto, um escândalo para a razão. VN Fizeram essa aprendizagem numa época pouco propícia, de ditadura. CS A nossa primeira reacção era sermos contra o que passava todos os dias diante dos nossos olhos. Nesse aspecto, a ideia do neo-realismo era a única porta que havia. Já tenho dito diversas vezes que nós reinventamos Dada e até uma espécie de Surrealismo sem André Breton, porque este país era o fim do mundo, nada chegava aqui. O pequeno café Herminius - que é hoje uma agência funerária –, à Almirante Reis [em Lisboa], era o local de eleição – ou, como escreveu o Cesariny, era 'a nossa Suíça, 30 metros abaixo do nível da terra, contra o irrespirável mundo exterior'. Depois lá se foi descobrindo que havia uma ideia chamada Surrealismo. O Risques Pereira, o António Maria Lisboa e o Cesariny conseguiram ir a Paris e trazer na bagagem dois ou três testemunhos de um outro mundo. Naquele tempo, tudo isso eram grandes aventuras, com os seus perigos. Hoje é difícil compreender o que Paris significava: era o centro do mundo, talvez mais importante do que é agora Nova Iorque. Aqui não acontecia nada. No entanto, lembro-me de passar por acaso em São Pedro de Alcântara e ver uma seta que apontava 'Exposição'. Era o S.N.I. – Secretariado Nacional de Informação –, dirigido por António Ferro, que tentava convencer Salazar a aceitar a modernidade. Lá dentro, deparei-me com uma exposição de Amadeo de Souza-Cardoso, que eu então desconhecia completamente. Não é sem emoção que recordo esse primeiro contacto. VN Foi aí que descobriu a pintura. CS De certa maneira, sim. Lá em casa só se falava da pintura do Roque Gameiro, que era das relações dos meus avós. As senhoras ainda não tinham cortado os longos cabelos, mas patinavam num ringue muito chic na Amadora, que na altura era lugar de veraneio… A minha mãe e as filhas de Roque Gameiro divertiamse com a patinagem e com o 'animatógrafo'. Mas esta entrevista alongava-se demasiado se lhe contasse tudo o que, de certa forma, já era 'arte' nos meus cinco anos… Mais tarde, as paisagens e os costumes saíam dos livros de Júlio Dinis. E descobriam-se as extensas praias, então completamente solitárias, onde pousavam os barcos de pesca, perfeitíssimos na sua curvatura e com um grande olho fenício pintado na proa. Havia a máquina de costura, o ferro eléctrico, a máquina de escrever, o automóvel, o telefone, tudo na sua simpática infância. Depois trocou-se a máquina sublime que é a alma por mil maquinarias desnecessárias. Antes delas, a vida tinha outra plenitude… A alguns quilómetros, num café ou na paragem do eléctrico, estavam Artaud, Picasso, Brauner, Buñuel, ou Duchamp, que prometiam um mundo muito diferente deste. VN É um homem de esquerda. Como desenvolveu a sua consciência política? CS Os meus avós, tanto maternos como paternos, eram fervorosos republicanos. Só que a República foi por demais instável e os meus pais, por reacção, eram salazaristas. Mas do Salazar sabem bem os da minha geração: uma ditadura católica, sufocante, que espreitava a cada esquina. A liberdade é o máximo a que devemos aspirar, mas o que é a liberdade sem sensibilidade? E tão indispensável como a liberdade e a sensibilidade é a paixão. Se o ensino existisse de facto, era sobre o conteúdo destas palavras que se devia basear, não sobre um mero diploma para ganhar dinheiro e posição social. Parece-me que não é preciso frequentar escolas de Belas-Artes para criar obras que abram visões ao futuro, mas há quem persista no erro de que só quem passa longos anos pelo ensino superior estará preparado para ter voz nesta civilização. Ora isto é um erro trágico. O mau estado do mundo advém de quê? É evidente que os principais responsáveis são os que passaram pelo tal ensino superior. Ou não há responsáveis? VN Falou em liberdade, sensibilidade e paixão. Não admira que o apelo do Surrealismo vos tenha seduzido. CS Estávamos em 1947, e esse foi o momento em que nos fomos encontrando uns aos outros. O dinheiro não era, como hoje, o objectivo a atingir. Será risível para muita gente, mas tínhamos ou procurávamos ter ideais! E assim cada um ia conquistando a sua própria liberdade. Nunca pedi nada a ninguém, nunca ninguém me deu nada, não tenho nada a agradecer. Queria que o que fiz fosse reflexo do 'automatismo psíquico' preconizado pelos surrealistas. Queria que fosse visível no que fiz a beleza convulsiva que vivi. Como no verso de Herberto Helder: 'Até que Deus é destruído pelo extremo exercício da Beleza'. VN O Artur nasceu na Amadora e por lá viveu… CS Nasci na Amadora, mas só lá vivi até aos cinco anos. A casa onde nasci foi demolida, para indignação da Natália Correia. Lembro-me que havia uma boa pereira no jardim e que o muro confinava com o primeiro ou dos primeiros campos de aviação dos 'malucos das máquinas voadoras'… E lembro-me de uma grande litografia emoldurada: 'Camões lendo Os Lusíadas a D. Sebastião'. Os meus pais eram burgueses com educação esmerada para aqueles tempos, em que a grande distinção eram o piano e o francês. O meu avô era comerciante e tinha uns primos como sócios. Morreu cedo e os tais parentes roubaram o mais que puderam. Não havia dinheiro lá em casa. Mas a quantidade de caixas de espartilhos e de estojos de jóias vazios que ainda encontrei davam a ideia de um certo luxo. O meu pai era empregado de escritório na CP, a minha mãe dava lições de bordados e de rendas para equilibrar o orçamento. Por isso, eu não tinha dinheiro para cinemas, nem sequer para o café. Naturalmente, descobri muito cedo outros interesses. VN Tais como? CS A homossexualidade, por exemplo. Embora os cafés fossem um ponto de encontro a que não se podia fugir, apesar da desconfiança de que na mesa ao lado havia alguém da PIDE… Havia cafés com diversos andares e estava sempre tudo cheio. Alguns até eram muito bem decorados. Eu, quando ia, era arrastado pelo Mário, e sempre com um bocadinho de sacrifício. Era ele que me pagava o café a maior parte das vezes. É que há uma coisa que vocês, hoje, devem ter dificuldade em compreender: por exemplo, ia muita gente à Brasileira que também não tinha dinheiro para o café, era assim, duas filas de cadeiras à volta de uma mesa onde só estavam duas chávenas, porque só dois é que faziam despesa, os outros estavam só ali… Como o meu dinheiro era pouco, mesmo sem ter lido ainda todo o Breton eu preferia, tal como ele, a rua e o excesso dos encontros e desencontros que ela possibilitava. Tudo isto é antiquíssimo, embora tenham passado apenas uns quarenta e tal anos… VN Tempos de grandes encontros… CS Logo seguidos de grandes desencontros, de que todos tivemos a nossa parte de culpa. Lastimo que tenham acontecido, mas reconheço a sua inevitabilidade, ainda que, na maior parte das vezes, os desencontros sejam uma coisa desastrada. Gosto de manter a meu lado aqueles que têm posições opostas às minhas e, no entanto, vi-me envolvido em histórias dessas, tantas vezes injustas… E que também aconteceram com o Grupo de Paris, em que havia gente muito inteligente, tocada pelo génio… Só que eles, em França, tinham gente excepcional que ali acorria de todo o mundo e podiam reinventar o jogo a cada momento. Nós aqui temos possibilidades e sensibilidades muito diferentes, de certa forma únicas. Parece-me de uma grande beleza e coragem que, em 1969, depois da morte de Breton, se tenha dissolvido o Grupo de Paris. Breton tinha escrito que 'a noção de escola, e mesmo de grupo surrealista, é aberrante'. Sempre nos classificámos como anti-grupo. Lamentavelmente, há quem ande aí a brincar com coisas dessas. VN Ainda antes da primeira exposição do Grupo Surrealista de Lisboa, em 1949, dá-se a cisão com António Pedro. CS Nunca tive qualquer tipo de relacionamento com o António Pedro. Lembro-me de o ver subir o Chiado pelas cinco horas, com as suas luvas brancas, mas a pintura dele só por equívoco pode ser colocada ao lado da de António Dacosta. O Mário foi um dos fundadores desse grupo, mas fugiu logo esbaforido. A mãe e as irmãs veraneavam em Moledo do Minho e foi lá, por intermédio de uma notável pianista, a Maria da Graça Amado da Cunha, que conheceu o António Pedro, que ali tinha casa todo o ano. Daquele grupo, quem de facto merecia admiração era o António Dacosta. Quanto a mim, sempre disse, e repito, que aceito mal a designação de intelectual ou artista. Hoje em dia, acho a designação de 'pintor' anacrónica. O simples traço de um desconhecido numa parede pode ser tão carregado de sentido como uma tela saída da mão de um 'artista'. A existência de ateliê é um mito ridículo. Tudo o que desenhei e pintei só precisou de um recanto de mesa qualquer. Evidentemente que se trata de pequenas obras, quase sempre sobre papel, vindas directamente do meu 'não saber', dos meus terrores, do meu amor louco, da minha cegueira. Foi entregue ao Surrealismo que fiz a minha vida, mas, no entanto, parece-me que o Surrealismo não é a última palavra. VN O que é, então? CS É um dos mais fortes contributos à imaginação e à liberdade, mesmo se o que estimulo ao desenhar e pintar é mais a memória do que a imaginação. É urgentíssimo que alguém diga ao poder que a pintura é cada vez menos pintura, mas sim poesia, homenagem quotidiana a Freud, bomba-relógio, marciano, pergunta sem resposta, grito de girafa, impropério, silêncio absoluto, o centro do globo terrestre… VN Depois das exposições d'Os Surrealistas, parte para África, na Marinha Mercante. CS Sou obrigado a dizer que África foi a minha Paris. África é inesquecível, voltava para lá se tivesse uns anos a menos… Saí daqui ao serviço da Marinha Mercante logo depois das nossas exposições - a primeira [em 1949] num amplo primeiro andar entre a Sé e o Aljube, e a segunda [em 1950] na Livraria Bibliófila, que desapareceu, ali à Rua do Mundo… Quando digo que o 'anti-grupo' se desagregou não quero dizer que a chama não continuou viva. Mas agora impressiona-me olhar aquela fotografia onde somos oito e verificar que, embora sendo o mais velho, sou o único que resta! Eu fui para a Marinha Mercante, o Mário Henrique para o Brasil, o António Maria Lisboa morreu. A certa altura, o Cesariny resolveu escrever que eu tinha 'abandonado o Surrealismo'. Fê-lo por excesso de temperamento, por sensacionalismo, por amuo. Depois disso, ainda tivemos vários encontros profícuos. Já não éramos adolescentes, mas adultos. O Mário era o principal elo de ligação, mas viveu grandes épocas em Paris e em Londres. Quando regressei de África [em 1964], todos me procuravam a lamentar-se de que ele tinha arranjado novas relações… VN O que o fez partir à aventura? CS A aventura, mas também a necessidade de ganhar dinheiro, como toda a gente. A vida da Marinha, como simples tripulante, foi dura, mas tudo era novo e apaixonante. Conheci o Portugal ultramarino - uma experiência que me marcou. Estabeleci algum contacto com aquela gente das naus e caravelas. Há muito quem refira a grandeza perdida de Portugal, mas tenho para mim que quando se perde uma grandeza se ganha outra, porque a experiência é sempre uma grandeza, seja ela qual for. VN Em 1952 fixou-se em Angola e pouco depois os seus pais juntaram-se a si. CS África tornou-se uma paixão. Em 1953 tive em Luanda a minha primeira exposição individual, evocando o poeta negro Aimé Césaire, para afirmar a minha oposição ao colonialismo. A mensagem foi compreendida e aceite pelos mais sensíveis. VN Nos primeiros tempos, teve ocupações pouco convencionais: vendeu rádios… CS …Vendi de tudo, trabalhei em seguros, já nem me lembro do que fiz mais - coisas que apareciam na ocasião, como essa… Eram uns radiozinhos da Philips que eu vendia aos nativos a 800 escudos, parece-me. É claro que aquilo era um susto para as autoridades, porque os rádios apanhavam uma frequência do Congo Belga em que um locutor português, contrário à situação, dizia enormidades contra a PIDE. Angola estava dividida em províncias e tinha de se pedir autorização aos governadores. Alguns, quando dizia o que andava a vender, negavam. Outros deixavam, mas no dia seguinte iam apreender os rádios aos desgraçados. VN O Artur gostava de andar pelo mato. CS Gostava da aventura de não haver estradas. E gostava dos rios, que têm sete leitos: percebemos isso quando andamos de avião, mas só o sentimos realmente quando andamos cá por baixo. Porque a impetuosidade das correntes é tão grande que os rios colhem o leito conforme a velocidade a que vão. Às vezes caíam grandes chuvadas, de tal maneira fortes que apagavam o caminho. Ficava-se sem saber por onde ir. Quem se perdesse ali podia morrer, houve casos assim. E as trovoadas… Parecia que os raios convergiam em cima de nós. Imagine um tipo sozinho, no meio do mato, a uma distância formidável desta porcaria de civilização, a passar noites em sanzalas, a maravilha que era… VN Até ter começado o terrorismo. CS Aí, os colonialistas ficaram aterrorizados e organizaram milícias, com receio de que aquela gente dos musseques que cercavam a cidade viesse por aí abaixo. Nada os fazia compreender que a situação era irreversível. Passavam as noites aos tiros em tudo o que mexia. Como nem eu nem o meu pai pertencíamos às tais milícias, um dia vieram bater-nos à porta, a oferecer-nos duas metralhadoras ou lá o que era aquilo. Negueime a aceitar o 'presente', mas compreendi que não podia ficar ali, que era urgente regressar. Só então me apercebi de que, depois de uns 14 anos de África, não tinha sequer dinheiro para as passagens. A percorrer o território em todas as direcções tinha feito uma colecção etnográfica do que era possível salvar da raiva imensa da religião católica e das autoridades administrativas. Foi essa colecção que tive de vender para comprar os bilhetes de avião. São mil pequenas aventuras que me ligam àquele território, àquela gente. Um dia vi um velho coberto de andrajos traçar um círculo na terra vermelha, que se tornou o mais espectacular espaço interior… VN Teve problemas com a polícia política? CS Nada que se pareça com o que outros passaram. Uma autora fez uma recolha nos arquivos da PIDE e descobriu várias referências, mas só fui chamado duas vezes, uma delas por ter pendurado um quadro do Malangatana no Salão de Pintura do Museu de Angola [onde trabalhava]. 'O senhor tem que tirar aquilo, um preto não pode estar num museu'. Claro que não tirei nada, mas também nunca mais me afligiram. VN Quando regressou à metrópole teve um papel importante na Galeria S. Mamede. CS Espero que me compreenda se disser que o que fiz não foi apenas referente a essa galeria, mas ao que define uma galeria, ou seja, o ter como base uma estratégia, uma filosofia, uma posição intelectual. Levei para lá o Cesariny, o Areal, o Júlio, o Jorge Vieira, a Paula Rego, o Carlos Calvet, o Mário Botas, o Raul Perez, entre outros… Ia tentar exposições surrealistas do mais alto nível, mas veio a revolução e, incompreensivelmente para mim, a galeria sofria tais ameaças que foi obrigada a fechar. Ainda expus Henri Michaux e o grupo Cobra… O proprietário abriu uma nova galeria em Madrid e eu fiquei desempregado. Há uma verdade que tiro de tudo isso: quem espera que os políticos lhe dêem liberdade está tramado, porque a liberdade ou está em nós ou não está em parte alguma. A liberdade está no Lautréamont ou numa tela de Cézanne, que por sinal era burguês. Que país é este onde não há um Chirico ou um Manet? Exposto há um Picasso, que ele próprio ofereceu ao Museu do Caramulo! A liberdade não é andar aos gritos pelas ruas, como não é ouvir relatos de futebol todo o dia. A obrigação de um Estado livre não é a estupidificação sistemática. Podemos pôr-nos a pensar o Himalaia é a montanha mais alta do mundo, mas muito maior que o Himalaia é Rimbaud: ‘Notre pâle raison nous cache l'infini’ ['A nossa ténue razão esconde-nos o infinito']. A grandeza é outra coisa, não tem nada que ver com a que medimos nas coisas físicas. VN Na entrevista que deu ao SOL pouco antes de morrer, Cesariny falava com mágoa de se ter perdido a dinâmica de comunicação que havia nos cafés, mesmo em ditadura… CS …Nesse particular, não há comparação possível. Perdeu-se a comunicação. Hoje está implantada uma enorme sensação de vazio. A Fundação Gulbenkian, assim como a Sociedade Nacional de Belas-Artes, parece ter abdicado das suas funções. A pouca actividade cultural que há está estranhamente dispersa. Além disso, como pode ser possível organizar exposições se é infindável a lista dos colaboradores pagos? Evidentemente que se trata de um triste exagero. Também é curioso constatar a multidão que aparece nas inaugurações e que rareia durante o tempo que as exposições estão abertas ao público… Que fazer se os projectos intelectuais e os artistas se deixaram contaminar pelo dinheiro? Vem-me à memória a casa de Almeida Negreiros, a modéstia da sua vida… VN Disse algures que, ao longo da sua vida, já morreu mil vezes. Quer explicar melhor? CS Morre-se quando morrem pessoas que de facto amamos e nos amaram. E há mil formas de amar e de ser amado. Há o vazio deste país e há o vazio do mundo actual. Na minha idade, há muitas recordações de toda a espécie, mas também ainda há inexplicáveis sonhos… E tanta e tanta gente que conheci e que morreu cedo demais, quando eu certamente morro tarde demais o que é incompreensível, pois não sou o mais inteligente nem o mais sensível… Além de que me foi dado fazer muita coisa sozinho, e eu queria ter feito mais coisas com outras pessoas. VN Mas tem tido uma vida cheia. CS Respondo-lhe com palavras do Cesariny: 'Se existe ou existiu ortodoxamente uma pintura surrealista, há que dizer-lhe que Cruzeiro Seixas se inscreve nela pela porta Dada, liberdade'. VN Muita gente pergunta-se se o Artur e o Mário Cesariny se envolveram sentimentalmente. CS Quando nos encontrámos na Escola António Arroio. Aliás, acho que toda a gente tem experiências dessas. Não foi nada com continuidade. Aconteceu uma vez ou duas. Coisas de garotos, sem importância nenhuma. VN E mais tarde, por que não?… CS Em adultos já não dava, até porque passou a haver muitas discordâncias. O Mário era um intelectual. Aliás, era muito mais inteligente e sábio do que eu - isso é evidente. Nunca tive pretensões intelectuais. E não tenho. Só que barafusto perante a vida, barafustarei sempre. VN Guarda algum arrependimento? CS Quem não se arrepende de certas coisas que fez é estúpido. E eu tenho já uma grande margem de arrependimento, porque tive a sorte, ou a pouca sorte, de conhecer pessoas que não eram moeda corrente - eram moeda excepcional. Hoje arrependo-me de não ter acompanhado mais o Mário. Devíamos ter saltado por cima de barreiras, de muitas coisas chatas que aconteceram. É que houve sempre um fio condutor entre nós, mas havia também grandes diferenças. E devíamos ter sabido passar além dessas diferenças. Eu não soube, ele também não. Andámos os dois a bater com a cabeça pelas paredes, a desejarmo-nos muito um ao outro, mas sempre distantes. E, para ser honesto, tenho de dizer uma coisa: fui mais eu que me distanciei do que o Mário. Durante um ano, ele telefonou-me três ou quatro vezes e eu nunca lhe telefonei. Estávamos anos sem nos encontrarmos. Só de vez em quando é que trocávamos ideias por telefone ou por intermédio de outras pessoas, o que foi uma estupidez. Principalmente no último ou nos dois últimos anos de vida, em que o Mário – que sempre teve necessidade de ter uma corte à volta e que lhe dessem atenção ou desatenção – esteve completamente sozinho. VN Foi uma história de amor mal resolvida? CS Com certeza. Mas isso é a inevitabilidade. Se calhar, se voltássemos atrás, voltávamos os dois a fazer o mesmo. Aliás, uns dois ou três meses antes de morrer, o Mário organizou uma homenagem em que reunia os dois mais velhos amigos, o Fernando José Francisco [entretanto falecido] e eu. Apareceu na galeria [Perve, a 2 de Novembro de 2006], houve aquele reencontro e não fomos capazes de nos abrir. Acabou por ser uma coisa um bocado estúpida, que não deu em nada [Cesariny morreu três semanas depois]. VN Imagino que, em ditadura, não fosse tão fácil como é hoje a vivência da homossexualidade. CS Eu não sei como é hoje, porque já estou absolutamente na reforma. Mas, quer dizer… vocês não imaginam… Eu acho que era reacção contra a ditadura e tudo isso. A homossexualidade andava pelas ruas, era uma coisa linda. Para mim, desde o princípio, foi a arma mais terrível contra tudo o que havia à minha volta e com que eu não estava de acordo - chamasse-se ou não fascismo. Era uma atitude de revolta: eu era contra a sociedade como estava organizada através do amor que fazia com este ou com aquele. Era a porta da minha liberdade mais imediata. E por toda a parte aconteciam encontros lindíssimos. VN Essa naturalidade nos encontros não deixa de ser intrigante, porque a ideia comum é a de que, em pleno salazarismo, o ambiente seria adverso. CS As pessoas dirão que era um ambiente adverso. Eu não. Tive sempre imensa sorte, não sei se por saber fazer as coisas, se não… VN O Mário Cesariny, por exemplo, teve problemas com a PIDE durante anos. CS Também é preciso reconhecer que há pessoas que recomplicam as coisas - ou já têm dentro de si uma recomplicação – e que tornam tudo trágico à volta delas. O Mário era um bocado assim. O amor dele era uma coisa trágica… Isso também nos separava muito. VN Voltando atrás, nos termos em que falou há pouco, a homossexualidade aparece sobretudo como uma pulsão libertária… CS …Com certeza. Era uma posição política. Tudo isso estava ligado ao amor que fazia na cama. VN É que parece inconcebível alguém pensar 'Estou revoltado com a situação política, logo, vou tornar-me homossexual'. CS Não foi isso que quis dizer. Nascemos já com qualquer coisa ou a mais ou a menos, isso não garanto. Mas também foi algo que agarrei com ambas as mãos para construir a minha liberdade e reforçar-me enquanto pessoa. E tive muita gente que me amou, fui muito amado sabe? Isso posso dizer agora - quem achar ridículo, que se lixe. Foi uma experiência muito bonita, a da minha vida. Porque a parte sexual era muito grande, mas pelo menos era tão grande como a do amor. Vladimiro Nunes (Portugal, 1977). Jornalista. Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (estudos anglo-portugueses) pela Universidade Nova de Lisboa. Inédito em livro. A presente entrevista foi originalmente publicada na revista Tabu, parte integrante da edição nº 114 do semanário SOL, de 15 de Novembro de 2008. Contacto: [email protected]. revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 Lezama Lima y el surrealismo | Primera parte: André Breton y Lezama Lima, un acercamiento posible Carlos M. Luis . Hacer paralelos conduce al equívoco. Entre otras razones porque pretende forzar la prueba de una semejanza que la misma naturaleza de lo paralelo impide establecer. Pero el acercamiento entre dos poetas del calibre de André Breton y José Lezama Lima es tentador, dada la intensa carga eléctrica que pasa entre ambos. Dejemos pues lo paralelo para acentuar lo posible. Posible en el sentido que Lezama utilizó este término para aventurarse por los predios donde la imaginación se hipostasió en la historia. Breton y Péret también proyectaron hacer algo semejante (1). Posible, también, porque deja abierta la puerta a esas soluciones imaginarias que abriera el Doctor Faustroll de Jarry en su ciencia “Patafísica”. De ahí que dentro de ese campo de posibilidades intentaremos reconstruir –como Lezama le pidió a “Opiano Licario” – lo que allí hubiera podido haber ocurrido. Sólo puedo especular sobre lo que hubiera ocurrido de haber tenido lugar un encuentro entre Breton y Lezama. Posiblemente no se hubiesen comprendido. Algo similar le ocurrió a Breton con Freud, lo cual no impidió por otra parte, que el poeta no mantuviese hasta su muerte, una profunda admiración por el sabio vienés. Y es que a pesar de todo, una corriente magnética pasó entre ambos. Esa misma corriente pudo haberse producido en el encuentro entre ambos poetas. Los dos situaron a la poesía en el centro de sus respectivos sistemas poéticos. Los dos fueron personalidades abarcadoras y hasta cierto punto intolerantes, aunque creo que Breton lo fue más que Lezama. Tanto éste como aquel amaron la ciudad donde vivieron, Paris el uno, La Habana el otro. Breton fue un “flaneur” constante, y Lezama mientras pudo, “habitaba” La Habana en cada uno de sus rincones. Ambos moraron en la misma dirección durante casi toda su vida: 42 Rue Fontaine en Paris y Trocadero 162 en La Habana. Lezama vivía entre las calles Industria y Consulado, las tres con resonancias francesas. Ni a Breton ni a Lezama le gustaban los viajes y así lo confesaron. Pero los dos se trasladaron a México como a un lugar de “elección”. Breton por razones obvias, dado su carácter surrealista, descubrió en México una fuente inagotable de imaginación. Lezama también lo percibió así aunque no corrió las mismas aventuras que Breton experimentara durante su estancia en ese país. El asma o la falta de aire (que terminó con la vida de Breton) los acompañó durante toda su vida. Al autor de “Nadja” como al poeta de “Paradiso”, les gustaba tertulias con sus amigos o discípulos en los cafés, algunos de los cuales tenían nombres evocativos como “La Promenade de Venus” en Paris o el ‘Lluvia de Oro” en La Habana. Finalmente Breton y Lezama fueron buscadores incesantes de lo insólito, y de la sorpresa que acarrea el descubrimiento de algún autor extraño o heterodoxo. Ambos pues estaban unidos por relaciones afectivas con los objetos de sus búsquedas poéticas. Tratemos de ver algunos de estas relaciones desde el punto de vista de la poesía que practicaron o de la concepción del mundo que intentaron elaborar. EL ESTILO El pensamiento de Breton y de Lezama basado en la analogía, no se expresaba bajo un sistema de “ideas claras y distintas”. Había pues una oscuridad que compartían. En las entrevistas que le hicieran, Andre Breton citó un verso de Jean Royere poeta que admiraba: mi poesía es oscura como una azucena, verso que Lezama pudo haber suscrito como parte del modernismo americano. Lezama por su parte, respondió a las preguntas que le hicieron sobre la oscuridad de su estilo: en cierta ocasión me decían que Góngora era un poeta que tornaba oscuras las cosas claras y que yo, por el contrario, era un poeta que tornaba las cosas oscuras claras…Pero esto de oscuridad y claridad ya me va pareciendo trasnochado. Lo que cuenta es lo que Pascal llamó pensée d’arriere es decir, el eterno reverso enigmático, tanto de lo oscuro o lejano, como de lo claro o cercano (2). Los dos poetas crearon sus propios laberintos verbales, el de Lezama de tendencia barroca, mientras que el de Breton se orientaba guiado por sus huellas románticas. Pero Breton y Lezama también gustaron de un gótico misterioso cuna de la alquimia occidental, que el romanticismo elevó a la categoría de lo maravilloso, dimensión que tanto para el Surrealismo como para las Eras Imaginarias constituía la fuente de la poesía. Si examinamos los acercamientos que hicieron a los pintores veremos que tanto el uno como el otro utilizan lo que Sarane Alexandrian en su obra sobre Breton (3) llamó una crítica de la conversión. Lo que buscaba esa crítica no era describir sino descubrir el reverso enigmático de una obra que freciera múltiples posibilidades de interpretación. La pintura pues se les presentaba como un reto al cual se acercaron afectivamente. Breton consignó que ante todo frente a una obra había que amar: lo primero amar. Después ya habrá tiempo de preguntarse sobre lo amado hasta hartarse de no ignorar nada (4). El poeta de “Paradiso” pudo haber recordado leyendo esa frase, la otra de Martí que decía es el amor el que ve, la cual evoca otra dicha en pleno siglo XIII por Ricardo de San Víctor: amare videre est. Dentro de ese contexto, entender o no entender carecen de vigencia en la valorización de una obra artística (5) Lo importante para Lezama (como para Breton), era acercarse a las cosas por apetito y alejarse por repugnancia (6). Ese eros del conocimiento entregaba la llave para que una obra de arte revelase el “reverso enigmático” de sus secretos. La prosa que ambos utilizaron (y que en gran medida aparece en la poesía de ambos) se expresa mediante una proliferación de imágenes. Su rasgo fundamental es que propende acentuar los aspectos que cada uno percibe irradiando de una obra de arte, y la traducción de esos aspectos en analogías poéticas. Julien Gracq en su libro sobre Breton, comenta acerca del choque que existe entre una sintaxis coherente en su prosa y la súbita explosión de imágenes que aparecen en la misma. Con Lezama ocurre algo semejante pero con más desmesura. Su barroquismo lo llevó a enredarse dentro de un estilo que sólo por fulguraciones deja al descubierto su contenido latente. Pero esas fulguraciones suyas no están lejanas de las que Breton nos acostumbra en su obra, cuya opulencia verbal posee resonancias del siglo XVI y XVII francés (Rabelais o Bossuet). LA ANALOGIA COMO FORMA DE CONOCIMIENTO. La analogía fue para Breton la llave que le abría la puerta del conocimiento. Uno de los juegos surrealistas basados en ese principio se llamó “El Uno en el Otro”, el cual partía de la vieja creencia hermética de que “todo está contenido en todo”. Creencia que un filósofo muy admirado por Lezama puso en el centro de sus ideas: Nicolás de Cusa. No creo que Lezama llegó a conocer los resultados de ese juego, pero entre sus respuestas a las preguntas que le hiciera Armando Alvarez Bravo se encuentra la siguiente: Es uno de los misterios de la poesía la relación que hay entre el análogo, o fuerza conectiva de la metáfora, que avanza creando lo que pudiéramos llamar el territorio substantivo de la poesía, con el final de este avance, a través de infinitas analogías, hasta que se encuentra la imagen, que tiene una fuerza regresiva, capaz de cubrir esas substantividad… (7) ¿No fue ese avance a través de infinitas analogías, lo que constituyó precisamente la esencia del juego surrealista? En una entrevista que le hiciera Jean Duché acerca de Fourier, Breton le respondió: …lo que más me cautivó en Fourier, en relación con su descubrimiento de la atracción apasionada, es su deseo de facilitar una interpretación jeroglífica del mundo, basado en la analogía entre las pasiones humanas y los tres reinos de la naturaleza. (8) Lezama llamó todas las asimilaciones posibles que esto obliga a realizar “el esplendor de la asimilación creadora”. Tanto Breton como Lezama fueron incorporando a su paso esa suma de metáforas, que la palabra como les fue facilitando. Para Breton la palabra como es la más exaltante de que disponemos, ya sea pronunciada o callada (9). Lezama dijo por su parte: Para los egipcios el único animal hablador era el gato, decía un como que lograba unir los dos puntos magnéticos de su bigote. Esos dos puntos magnéticos, infinitamente relacionables, están en la raíz del análogo metafórico. (10). Lezama descubría en los enlaces meta fóricos, los puentes de la analogía, los cuales terminaban creando una imagen que reestablece los “contactos primordiales” que Breton creía perdidos. Llámese mística o poética esa analogía rescataba el cuerpo de lo invisible, dándole una forma o una imagen si se quiere. Para rastrear las huellas de esas analogías, habría que seguir de cerca los pasos de una pléyade de autores que a través de los tiempos se pusieron a la búsqueda del “vellocino del oro”. En esa búsqueda personal, solitaria, se encontraron envueltos Breton y Lezama. Lo que los unía era la infinita curiosidad que poseían por esos autores que no siempre gozaron de la anuencia de los poderes establecidos, ya sean civiles o eclesiásticos. Breton nunca llegó (ni tampoco quiso) participar en las loas oficiales, como tampoco en las corrientes de pensamiento que después de la Segunda Guerra Mundial tomaron el poder. Lezama a pesar de los esfuerzos que algunos de sus seguidores han hecho recientemente para incorporarlo al carro de la revolución cubana, fue siempre un ignorado. Su catolicismo era, por otra parte, y en el mejor de los casos, de tendencia herética. En esas coincidencias Lezama y Breton encontraron en los gnósticos, los cabalistas, los alquimistas, en los místicos y hermetistas, una fuente inagotable de riqueza que cada uno utilizó para la elaboración de sus sistemas poéticos. La lista de los representantes de esas tendencias sería interminable y coincidente en muchos casos: Desde Jacob Boheme y el peso que tuvo en el desarrollo del pensamiento romántico alemán, (en Hegel sobre todo), hasta Swedenborg que influyera en el abate Constant (Eliphas Levy) y en Baudelaire, por sólo poner dos ejemplos importantes. Breton y Lezama bebieron de esas mismas fuentes nutriéndose de sus contenidos poéticos. Aunque cada uno sacó de las mismas las conclusiones que se adaptaban a sus respectivas ideas, lo cierto es que esos autores como tantos otros, crearon un vínculo entre los dos. POETICA Y METASIFICA DE LA VENTANA Para ambos, para Breton y Lezama, la ventana representó una apertura que creaba unos “vasos comunicantes” entre lo interior y lo exterior. Lezama me repitió en más de una ocasión (y así lo consignó en una carta que me dirigiera (11), que su sistema era “una metafísica de la ventana”. Podría decirse lo mismo de Breton, aunque sustituyendo “Metáfisica” por ‘Poética”. Pero en realidad para Lezama esa metafísica era una poética, como para Breton la poesía llegó a ser su propia metafísica. Para Vico quien relaciona a Lezama con Breton como veremos, la verdad poética era la verdad metafísica. Ese punto de vista encontró su realización en el pensamiento de los románticos, como más tarde en un Heidegger. En las palabras preliminares al “Surrealismo y la Pintura” Breton confiesa que me resulta imposible considerar un cuadro de otro modo que como una ventana respecto de la cual mi primera preocupación es saber adónde da (12). Por otra parte la imagen automática se le presentó a Breton cuando en un estado de semi-sueño vio a un hombre partido en dos en una ventana. ¿Hacia dónde iba a parar? En varios cuadros de René Magritte titulados ‘La condición humana” tal parece que el paisaje pintado en la tela colocada frente a una ventana, nos cuestiona sobre la existencia del mismo. Breton y Lezama no se contentan con el acertijo que el pintor surrealista propone con su conocido sentido del humor. Ambos a partir de esa apertura, penetran en el paisaje para descubrir las posibles maravillas que esconde. Lo que cada uno descubrió responde a la fe poética que los inspiraba. Como ya he señalado en otras ocasiones en el caso de Breton, según Trotsky, la ventana se abría hacia un “más allá”. Si Breton se defendió en contra de las reservas que le hiciera el revolucionario ruso, Lezama en cambio, las hubiera aceptado con satisfacción. Para el autor de las “Eras Imaginarias” se trataba precisamente de buscar ese “más allá”, que Breton quería encontrar negando su trascendencia. Tendremos, como afirmó, el más allá de nuestras vidas. Si esa dimensión se encontraba dentro de una utopía que Breton nunca se cansó de perseguir, para Lezama se encontraba situada en el fin de las “Eras Imaginarias” o de sus “Imágenes Posibles”: en el triunfo de la vida contra la muerte por la Resurrección. Ese gran final de la historia y la inauguración de la última de las grandes eras, estaba basado en su creencia en lo absurdo de la fe que Tertuliano proclamó, o en lo “imposible posible” que Vico esbozara, y que Lezama adoptó como parte de su sistema poético. Para ambos pues, la ventana poseía más que una representación plástica, siendo un símbolo que les incitó a explorar “los mundos que nos ignoran” que Pascal tanto anheló conocer. CUSA, VICO, LEZAMA, BRETON Guardo aún una viva memoria del día en que alborozado, Lezama me comu-nicó su descubrimiento de Vico. Mi conocimiento del filósofo italiano del siglo XVIII era superficial, pero el interés de Lezama por su obra fue lo suficiente para que me procurara su “Nueva Ciencia”. Su lectura me hizo entender el por qué de su alborozo. Con Nicolás de Cusa ocurrió algo similar aunque ya había leído su “Docta Ignorancia”. Pero Lezama me lo hizo ver bajo la luz de su poesía. Pasando el tiempo até los cabos que podían unir a Lezama con el Surrealismo, y con Breton en particular, a través de una relectura de estos autores. Para comenzar tendría que indicar que no conozco cita alguna de éstos en la obra de Breton, lo cual no significa sin embargo, que no los haya leído. Lo que sí me resulta curioso es que los haya silenciado, sobre todo a Vico quien le pudo haber proveído un sostén teórico para sus ideas. El esfuerzo de Vico de reconstruir la historia de los pueblos a partir de sus mitos como formas universales de la imaginación, tuvo para Lezama un impacto profundo. También lo pudo haber tenido para Breton y ciertamente toda la concepción poética de Benjamin Péret se basa en la misma idea. Vico busca en el mito una sabiduría original y a su vez una forma poética de pensar y actuar. Vico sostenía, por lo tanto, que el lenguaje original era poético y que los eventos históricos que se conocen a través de ese lenguaje, poseen características distintas a la historia que acostumbramos a leer. Esa aproximación suya a la historia, posee un poder de imantación tanto para Lezama (cuyas eras imaginarias las refleja) como para Breton. El autor del “Amor Loco” se esforzó en regresar a tiempos anteriores cuando el lenguaje no se encontraba contaminado por la lógica. Vico concibió en su primera edad, la edad de los dioses, un lenguaje mudo mediante signos u objetos que tenían una relación natural. El lenguaje mudo pasó a formar parte de la imaginería de los alquimistas, mientras que Bretón concibió como pronunciada o callada la palabra cómo que radica en la esencia de la analogía. En el tomo II de su “Nueva Ciencia” Vico nos dice que la sabiduría de los gentiles debió empezar por una metafísica no razonada, ni abstracta… sino sentida e imaginada. La verdad poética se convierte por lo tanto en una ver-dad metafísica. El romanticismo recogió ese punto de vista adoptándolo como suyo. Heidegger pudo decir entonces que la esencia poetizadora del pensamiento preserva el imperio de la verdad del ser, y de ahí Breton lo transformó en su propia creencia. Lezama dice en sus entrevistas que para Vico las primeras leyes se hicieron en forma poética. Pero además, y esto es lo importante, lo que constituye para Lezama el meollo del pensamiento de Vico, es que para este filósofo la materia propia de la poesía es lo imposible creíble frase que Lezama sitúa dentro de su concepción poética así como esta otra de Nicolás de Cusa: por encima de todo discurso racional vemos incomprensiblemente. ¿Acaso no se trata de lo que en última instancia se propone el Surrealismo? Cusa nos dice en otra frase que Lezama no cita, pero que Breton bien pudo haber tenido en cuenta: cualquier cosa es en sí misma todas las cosas. Esa frase no solamente puede situarse como epígrafe del juego “El Uno en el Otro” sino también de la poesía de Lezama. La relación secreta que pasa entre Breton y Lezama vía dos pensadores distantes entre sí como Cusa y Vico, aclara el pensamiento de ambos. Cuando sorprendemos en Vico la siguiente frase: la monarquía asiria nos ha parecido hasta ahora como una rana que nace de pronto bajo una lluvia de estío, creemos que estamos leyendo a Lezama o a una de las analogías de Breton. Cuando indagamos en Cusa sus raíces herméticas, establecemos unas coordenadas imaginarias que lo comunican con ambos poetas. Entre los cuatro pues se establece una atracción apasionada explicable sólo por la poesía que llevaban adentro. Teología, filosofía e imaginación se dan de la mano confirmando la interpretación que Vico hiciera del conocimiento. LOS CONTACTOS PRIMORDIALES A medida que ha ido progresando, la historia fue cortando su cordón umbilical con el tiempo sagrado. En ilo tempore como gusta de repetir Mircea Elia-de, las cosas se sucedían de otro modo. Era la historia mítica donde la poesía se expresaba naturalmente. Esos son los contactos primordiales que ciertos poetas, Breton y Lezama entre ellos, quieren recuperar: el tiempo de los sueños o la arlequinga de los nativos australianos, o la terateia de los griegos, dimensiones ambas que incitan a Breton y a Lezama a penetrar en sus dominios. ¿Utopía? Desde luego que se trata de un intento de lo posible/imposible”, pero de un intento que siempre ha estado en la raíz de la poesía, estudiada por Vico como fuente generatriz de la historia. Lezama nos dice entonces algo que Breton pudo haber suscrito: Con el tiempo nos dice Robert Curtius o un T. S. Eliot, resultará manifiestamente imposible emplear cualquier técnica que no sea la de la ficción (en la valoración de los hechos históricos)… Todo tendrá que ser reconstruido, invencionado (sic) de nuevo, y los viejos mitos, al reaparecer de nuevo, nos ofrecerán sus conjuros y sus enigmas con un rostro desconocido. La ficción de los mitos son nuevos mitos, con nuevos cansancios y terrores (13) Para que esto ocurra hará falta “rehacer el entendimiento humano” como Breton había pedido. Volver entonces mediante la poesía a los comienzos, inoculando la fuerza germinativa de los mitos y los rituales que los acompañan, en el ejercicio de la poesía. En el caso de los surrealistas, el juego les sirvió para crear aunque sea por pocos instantes, un espacio y un tiempo que si no podía ser considerado como sagrado, al menos poseía todas las características de una iniciación. Lezama cuenta por su parte que en la raíz de su formación poética, se encuentra en un acontecimiento que él interpretó como revelador. Jugando una vez con su hermana Eloísa a los “yaquis” ambos vieron maravillados que al tirarlos al azar y caer en el suelo, formaron el rostro de su padre fallecido. Esa visión impactó al poeta, según él mismo cuenta. Poco importa si así ocurrió o no. El caso fue que ambos “vieron” ese rostro como una aparición llena de presagios. ¿En qué sentido entonces se diferenció ese acontecimiento de los que experimentan los primitivos cotidianamente mediante sus rituales? Cualquier interpretación racionalista del asunto no nos llevaría a ninguna parte. La importancia recae pues en lo que se ve y en lo que se deriva de esa visión. A partir de ese hecho comienza la poesía a tejer sus coordenadas que pudieran llevarnos al “punto supremo” o a las “eras imaginarias”. EL MITO DEL ANDROGINO En su ensayo titulado “Du Surrealisme en ses Oeuvres Vives” (14) Breton menciona uno de esos contactos perdidos: El Andrógino Primordial. En ese ensayo Breton insiste en la necesidad de reconstituir el andrógino primordial del que todas las tradiciones nos hablan, a la necesidad de su encarnación, más deseable y tangible que cualquier otra cosa, a través de nosotros. Mircea Eliade cita a Franz Von Baader en su libro “Mephistopheles et la Androgyne”, que seguramente Breton leyó, donde dice que “el andrógino existió en el comienzo y existirá de nuevo al fin de los tiempos (15) Breton escribe su ensayo en 1953 en pleno auge del existencialismo, el estructuralismo y el marxismo de los stalinistas. O sea lo escribe anacrónicamente pensando en el ilo tempore. Fourier que ya se encontraba en el centro de su pensamiento, había dicho que éramos como parcelas de un cuerpo llamado el Planeta que es un ser andrógino. Para el pensamiento mítico como apunta Mircea Eliade (16) el modo de ser particular es precedido por un modo de ser total. La androginia es precisamente considerada como superior a los dos sexos porque encarna la totalidad, y por lo tanto la perfección. El andrógino o hermafrodita era el nombre que los alquimistas le daban a la materia purificada de su piedra, después de la conjunción, llamándolo también Rebis o masculino/femenino de acuerdo con Don Pernety. El andrógino era por lo tanto, la encarnación del “punto supremo” en un cuerpo que concilia la oposición de los contrarios en una participación mística entre ambos sexos. Los fundamentos míticos acerca de la androginia que se encuentran esparcidos en numerosos tratados gnósticos, teológicos y herméticos en general, han sido estudiados por numerosos autores. Mircea Eliade le dedica un estudio exhaustivo en su mencionado “Mephistopheles et L’Androgyne” donde hace un recuento histórico de los mismos. Sin desarrollar todos sus detalles, señalemos algunos vínculos que tienden un puente entre Breton y Lezama. De acuerdo con la tradición cristiana, la androginia estuvo presente desde el instante mismo de la Creación. La separación posterior de los sexos fue vista por numerosos autores como el resultado de la caída. Escoto de Eriúgena por ejemplo así lo afirma, como también afirmó la eventual reintegración de ambos sexos en el día de la resurrección. Esa creencia suya podría haber ocupado un sitio en las “Eras Imaginarias” de Lezama. El Adam terrestre fue en ese sentido andrógino y así lo consignaron tanto los autores gnósticos como los midrashim, donde se afirma que Adam y Eva fueron separados por Dios con un golpe de hacha. Otros textos sin embargo hablan de que Adam era hombre del lado derecho y mujer del izquierdo. La figura hermafrodita aparece ilustrando numerosos textos de los alquimistas con las cuales Breton y Lezama estaban familiarizados. Gnósticos como Simon el Mago, nombraban al espíritu primordial “hombre/mujer” cuya fragmentación posterior sería restaurada a su unidad original por la llegada del Salvador. Otros textos gnósticos como “La Epístola de Eugnostio el Bienaventurado” se refiere a un ser andrógino que emana del Padre. Ese ser posteriormente se une a Sofía produciendo una gran “luz andrógina” que lleva el nombre masculino del Salvador y femenino de Sofía, de donde procede la “Pistis Sofía”. En los comienzos del pensamiento hermético, Hermes Trimegisto le revela a Asclepius que Dios posee los dos sexos. En el “Evangelio de Santo Tomás” leemos que Jesús le comunica a sus discípulos que cuando conviertan los dos seres en uno, lo de adentro como lo de afuera y lo alto como lo bajo, cesaran también de verse como contrarios. Por añadiduría cuando lo masculino y lo femenino se hagan uno sólo, entonces se podrá entrar en el Reino. Esa predicción no se encuentra lejos de lo que Breton anheló desde el principio de su búsqueda utópica de la conciliación de los contrarios. Breton quiéralo o no, se adentra en un terreno sembrado de creencias religiosas, terreno donde Lezama se encuentra más a su gusto. ¿Llegó Lezama tan lejos? En su novela “Paradiso” se teje una trama donde la sexualidad se manifiesta bajo dos aspectos: el heterosexual y el homosexual. Triunfa lo segundo, pero no sin antes ver en la conjunción entre ambos sexos el cumplimiento de un viejo mito que aún se mantiene vivo. Se habla –nos dicecon exceso de la homosexualidad ya desde el punto de vista ético o científico, pero se tiene muy pocas ideas precisas sobre la androginia. El andrógino primitivo que pasa el culto esférico de la totalidad y de la perfección, que pasa al apeiron de los griegos y a la esfera universal de los cristianos…(la esfera) se encuentra también entre los taoístas, con la esencial importancia que le daban a la indistinción sexual del hálito, formando el huevo del Gran Uno, del que brotaron dualizados el cielo y la tierra, todas esas referencias a la androginia en el mundo de los taoístas, de los platónicos y de los gnósticos alejandrinos, la casi totalidad del mundo antiguo, del que apenas sobrenadan vestigios en Havelock Ellis, en el Corydon de Gide y en el mismo Freud, que intentó llevar todas esas cosmologías al empequeñecedor espíritu científico (17) Lezama toca el tema y lo lleva, como Breton, a un plano anacrónico cuando rechaza las interpretaciones científicas, que dominaban el mundo intelectual de su tiempo, como las de Freud o de Havelock Ellis. Ambos pues se sitúan frente a una interpretación lineal de la historia, con el deseo de restaurar sus eslabones perdidos. Cuando ocurra esa restauración, comenzaremos entonces a vivir nuestros hechizos, y el reino de la imagen se entreabre en un tiempo absoluto (18). La gravitación de ese tiempo, con el cual hemos perdido nuestro contacto primordial, los conduce a intentar la restauración poética de ese contacto. El tiempo histórico e irreversible impuesto por el Judeo-Cristianismo, es un horizonte que nunca entrega los medios para alcanzar esa restauración. A Breton y a Lezama no les quedaba otra alternativa sino la de crearse cada uno a su manera, una utopía y una ucronía que pudiesen, en el plano imaginario, servir como el túnel que nos lleve “al país de las maravillas”. Ambos reclaman para sí una poesía que incorpore el lenguaje perdido o el oro del tiempo. La tradición hermética, y la de los alquimistas en particular, les proveyó a los dos una fuente inagotable de mitos y una práctica poética del lenguaje. El ansia de retornar a unas épocas donde el “lenguaje de los pájaros” trasmitía una sabiduría hoy perdida, los impulsó en esa dirección. De acuerdo con Cesia Ziona Hirshbein (19): el poeta (Lezama) recrea a través de la acción dramática (de Paradiso), los ritos de iniciación, las ceremonias de renovación cósmica y las arcaicas aventuras mítico-mágicas en un ansia de eterno retorno al paraíso perdido. En sus conversaciones con Armando Alvarez Bravo, Lezama le confiesa refiriéndose a la revista “Orígenes” que él quería que la poesía que allí apareciera fuera una poesía de vuelta a los conjuros, a los rituales, al ceremonial viviente del hombre primitivo (20). Huizinga nos dice en su “Homo Ludens” que toda poesía antigua es al mismo tiempo culto, diversión, festival, juego de sociedad, proeza artística, encantamiento, iniciación. (21) Esto acerca a Lezama al Surrealismo por dos vías: la primera la de Artaud, cuya concepción del teatro de la crueldad quiso llevar hasta el paroxismo esos conjuros y rituales. La segunda es de orden estético. Los surrealistas estuvieron a la cabeza en señalar la riqueza del llamado arte y pensamiento primitivos. En ese sentido el desarrollo del surrealismo se vio aparejado a la constante incorporación de elementos de unas culturas que han ido siendo obliteradas por el “progreso”. La labor de rescate del Surrealismo de esos elementos, al mismo tiempo que los incorporaban a otras tradiciones como la hermética, produjo un arte y una poesía que influyó a su vez en otras corrientes de vanguardia. Hemos visto en varios ensayos publicados en este libro, cómo la presencia de los surrealistas en la América sirvió como un elemento catalizador para muchos artistas. La exposición titulada “Pollock y el Chamanismo” que tuvo lugar en Paris en el 2008, demostró ese hecho. LEZAMA Y EL SURREALISMO Lo primero que había que aclarar es lo siguiente: Lezama no fue un surrealista. De hecho y por razones que no valen la pena explicar aquí, pero que tienen que ver con su entorno, se refirió a veces al Surrealismo con cierta hostilidad. Pero eso no implica que a pesar de su actitud, el Surrealismo no haya penetrado en su poesía. Por otra parte Lezama leyó la obra de Breton, sobre todo su “Arcane XVII” obra que lo impactó. Un amigo suyo le trajo de Europa el “Arte Mágico” del poeta, que le resultó ser revelador. Lezama y yo comenzamos a traducir para un número de Orígenes que nunca se publicó, el poema de Breton “Los Estados Generales”, por el cual mostró deferencia. Resulta curioso, por otra parte, que cuando conoció a Lorenzo García Vega el primer libro que le recomendó se leyera fueron “Los Cantos de Maldoror” de Lautreamont, obra que como se sabe forma parte del canon surrealista. Existieron pues, contactos con el Surrealismo. Lo que pretendo demostrar a continuación es en qué consistieron esos contactos. En primer lugar un recorrido por la poesía de Lezama revelará que en más de una ocasión, su poesía absorbió el automatismo surrealista y los juegos verbales a los que se dedicaron. En segundo lugar veremos cómo el concepto lezamiano de la “vivencia oblicua”, puede enriquecer el pensamiento surrealista. EL AUTOMATISMO El automatismo fue el nervio central de la poesía surrealista. Breton en más de una ocasión lo expresó así, al mismo tiempo que tomó conciencia de sus limitaciones. A pesar de ello el automatismo brinda la oportunidad de participar en un ritual donde se restituye el pensamiento a su pureza original. A medida que hemos ido estudiando los distintos mitos que pueblan la imaginación surrealista, el concepto de la “edad de oro” aparece como una constante. Para que la poesía formase parte de ese “ceremonial viviente” que el hombre primitivo experimenta, había entonces que recurrir a una expresión que cruzase el puente de lo racional hacia lo imaginario. La practica de la escritura automática pues, adopta los “estados segundos” que los surrealistas admiraron en los primitivos y el lenguaje de los alienados. Sobre estos últimos es necesario aclarar que lejos de contentarse con la disociación que los caracteriza, los surrealistas intentan mediante la escritura una reunificación de las personalidades deslindadas por la demencia. El tema de la conciliación de los opuestos siempre se encuentra presente en el Surrealismo. Más para Lezama no se trataba de recurrir a los mismos procedimientos. Lezama era un aglutinador de otras fuentes. Dentro de un lenguaje que obedecía a estructuras culturales que posiblemente los surrealistas no hubiesen incorporado como suyas, Lezama introdujo como “flashes” instantáneos, frases sacadas del arsenal automático. Esparcidos en los poemas de Lezama (22) aparecen numerosos ejemplos de esa escritura: Su insepulta madera blanda el frío pico del hirviente cisne (PC.13) El día de la lluvia en las arpas engendra cabelleras (PC 62) …animales de canela/rompen en la noche colecciones de porcelana (PC 73) Las invisibles barcas serenizan/la piel de los jardines del estío (PC 80) El incesante vuelco de los carros cargados ahonda el frenesí de los tablones serruchados (PC 132) Los escudos y los rostros legañosos de harina con aretes de punta de maní cruzan sus piernas en un relicario (PC 203) El lagarto separa las piedras pisadas por un caballo con tétano (PC 382) …la tabla de multiplicar bien sabida le abre la puerta al azafrán de plumero (PC 415) Sus manos frías avivan las arañas ebrias, que va a deglutir el maniquí playero (PC 431) JUEGO DE LAS POSIBILIDADES Para los surrealistas el juego constituyó una actividad totalmente desprovista de toda vigilancia “exterior”. Era pues “libre por excelencia” como dijo Breton. Esa libertad les facilitó crear juegos verbales y visuales que forma-ron parte, junto al automatismo, del “fuego central” que cocía la materia prima de su poesía. Lo que se jugaba en el caso del juego de las posibilidades, como en los “cadáveres exquisitos”, era en primer lugar el rompimiento de un causalismo que Breton y Lezama vieron de entrada como enemigos del discurso poético. En segundo lugar las aleaciones infinitas que ambos juegos crean, rompen también con esa lógica causalística que lo somete todo a definiciones fijas. A la famosa frase de Gertrude Stein: una rosa es una rosa es una rosa otro surrealista, Henri Pastoreau, le respondió con el título de uno de sus poemarios: “La Rosa no es una Rosa”. Ese no ser lo que aparenta ser o la superposición de varias imágenes en una sola, que aparece en los “cadáveres exquisitos” o en los collages de Max Ernst, se encuentra presente en la poesía de Lezama. A uno de esos cadáveres exquisitos que los surrealistas publicaron en sus revista: la chiquilla anémica hace ruborizar a los maniquíes encerados, Lezama le puede responder con otro de su propia cosecha: Asi la uva nueva destruye los paisajes morados… El puente que une a ambos podría multiplicarse para ir creando nuevas definiciones que amplían el paisaje surrealista. He aquí algunas muestras de esos juegos verbales que Lezama esparció en su poesía. Si se aleja, recta abeja, el espejo destroza el río mudo (PC 14) Si atraviesa el espejo hierven las aguas que agitan el oído Si se sienta en su borde o en su frente el centurión pulsa en su costado Si declama penetran en la mirada y se fruncen las letras en el sueño (PC 16) Si el surtidor se aísla y las amapolas ruedan, los niños con el costado hundido continuaran rompiendo todos los clavicordios (PC 72) Si despierta un pájaro intercambian sus cabezas los jugadores (PC 277) Si no le escuchan con asombro, la maruga será una colada de plomo (PC 425) CADAVERES EXQUISITOS Así la uva nueva destruye los paisajes morados (PC 112) La lluvia nocturna sueña curvos alfileres persas/en las escamas de chalecos fríos (PC 123) La boca de la carne de nuestras maderas quema las gotas rizadas (PC 147) El caballo que saborea el arsénico, rechaza el polvo de carey (PC 174) De la boca del negro gigante salía un ferrocarril de mamey (PC 268) OTROS EJEMPLOS: BENJAMIN PERET La poesía de Benjamin Péret fue la que se proyectó más libremente sobre el lenguaje surrealista. Otra fue el gran poema épico de Tristan Tzara: “El Hombre Aproximativo”. Para Péret no existían las barreras de la lógica. Imbuído como lo estaba por el pensamiento mágico (al que le dedicara una antología basada en los mitos americanos), la poesía representaba para él una vía para dar a la luz un “ars combinatoria” de metáforas. Esas metáforas iban tejiendo imágenes que a su vez se encarnaban dentro de una narrativa totalmente desprovista de sentido. De un sentido habría que añadir, para un pensamiento acostumbrado a comprender las cosas mediante un determinismo lógico. En el caso de Péret como en Lezama, las cosas ocurren “porque sí” sin tener que dar explicaciones a un lector que asombrado, recorre sus respectivos mundos imaginarios. En los ejemplos siguientes podremos ver cómo de la narrativa lezamiana podemos continuar con la de Peret, como si ambos si hubiesen puesto de acuerdo para crear una sola. Debo añadir que los ejemplos de la obra de Peret fueron tomados al azar. Esto nos indica que sin que los dos se hayan conocido, y es probable que Lezama bajo la influencia de algunos de sus compañeros de ‘Orígenes”, Péret hubiese sido rechazado por éste, una corriente transpoética pasaba entre ambos. LEZAMA El tallo de una rosa se ha encolerizado con las avispas que impedían que su cintura fuese y viniese con las mareas cuando estaba tan tranquila en las graderías de un templo y un marinero llamado por la palabra marea se ha unido a alfileres sin sueño (PC 27) Para qué redondear la nieve de los brazos de la ruina moral/ si los animales tiernos cesan de acudir a la cita de las cuchilladas (PC 79) PÉRET Esa mañana unos pescaditos anaranjados circulaban por la atmósfera. Los cañones de los Inválidos deploraban una vieja enfermedad que hacía crecer iris herrumbrosos entre sus clamores de sus ruedas (23) Porque los adoquines han salido en apretadas filas y amenazan los ríos (24) ¿Se trataría de una lluvia de cepillos de dientes precipitándose sobre las cosechas para reducir el Por ahora es necesario para salvar la cabeza que país a la hambruna… (25) los instrumentos metálicos puedan aturdirse espejando el peligro de la saliva trocada en marisco barnizado por el ácido de los besos indisculpables que la mañana resbala a nuevo Aplastar las tortugas hasta convertirlas en monedero (PC 90) mantequilla (26) Masticar un cangrejo y exhalarlo por la punta de los dedos al tocar el piano (PC 168) Mientras la lluvia contaba sus cabellos/y la sombrilla como un marisco buscaba la resaca lunar (PC 245) y eso nos hace reir/como un melón/como una salchicha/como una tarta de crema… (27) De no ser tú una serpiente de cascabel o de anteojos el aberrojo no habría roído su flauta (28) la lagartija habanera, contenta como una tabla de multiplicar bien sabida, le abre la puerta al azafrán del plumero (PC 417) El surrealismo transita por la obra de Lezama como parte englobante de su sistema poético. Si leemos en un poema temprano de Lezama: Las pamelas tropiezan en las puertas del cine/y los cisnes se han esclavizado voluntariamente para ofrecer un simulacro de espumas (PC 61) penetramos de lleno en su mundo surrealista. Otros poemas como el siguiente: la nube increada nadando en el espejo, o del invisible rostro que mora entre el peine y el lago (PC 85) nos descubre un panorama a lo Magritte, mientras que en este otro: Cuando la escala está en punto el reloj suave gotea es Dalí quien aparece. Uno de sus últimos poemas se titula “Vieja Balada Surrealista” (FRAG.172) En el mismo Lezama maneja su concepción de la causalidad en los siguientes versos: Cuando el riachuelo se llena de coletazos/de serpiente y el piano vuelto de espalda/enseñan sus zapatos que brillan como la noche/cuando se hunde como un sillón desfondado/aunque sus mimbres viejos son juguetes de un niño cabezón/a resguardo de tajada de melón violín/los bailarines dan cabezazos y sudan aserrín/y la medianoche se aburre/como un tablero de ajedrez reclinado en la pizarra. En estos versos aparece de lleno su concepto de la “vivencia oblicua” como parte de su “patafísica”. Lezama concibió entonces la realidad como movida por resortes que no obedecen a las leyes naturales, sino a unas causas y efectos desprovistos de razonamiento. Su “fantástica” para emplear el término que Novalis quiso situar en lugar de la lógica, encamina su poesía hacia otros horizontes donde el surrealismo también quiso llevarla. En ese sentido Lezama le aporta al surrealismo una expresión de pensamiento o una hermenéutica, que contribuye a rehacer el entendimiento humano partiendo de su origen poético. CAUSALIDAD Y VIVENCIA OBLICUA Lezama define la vivencia oblicua de la siguiente manera: la vivencia oblicua es como si un hombre sin saberlo desde luego, al darle la vuelta al conmutador de su cuarto, inaugurase una cascada en el Ontario (29). La vivencia oblicua según él crea su propia causalidad, pues en su sistema intenta destruir la causalidad artistotélica buscando lo incondicionado poético (30) André Breton al tratar el tema del “azar objetivo” habló de las “series causales independientes”. ¿Independientes de qué? Independientes del principio aceptado de derivación de causa y efecto a favor del principio de derivación de lo maravilloso, como lo indica J. H. Matthews acerca de la poesía de Péret. (31) Volviendo a Lezama, este nos dice: la poesía prefiere ser la configuración del azar concurrente… todo azar es una realidad concurrente, está regido por la voracidad del sentido…el azar se empareja con la metáfora, prosigue en la imagen… (32) Como todo lo pensado puede ser imaginado (33) la vivencia oblicua puede actuar como una metáfora entre el espacio A y el espacio B que viene siendo el espacio del encanta-miento y el hechizo… (34) Por esa vía entramos en el mundo de la Patafísica o el de la filosofía del “como si” que Vaihinger elaboró como una percepción de la realidad donde ésta (A) es comparada con algo (B) cuya irrealidad es a su vez admitida. Las soluciones que esa comparación nos plantea crean una cadena de imágenes posibles, no obedientes a las leyes de causa y efecto, produciendo entonces “el efecto mariposa” de la vivencia oblicua. ser. Si lo que tenemos antes nosotros es una realidad atrofiada por siglos de explotación, pasamos entonces de una cultura de la imaginación a una civilización de la misma. La imaginación pues queda regimentada. Las categorías con las cuales trabaja tanto el Surrealismo como Lezama, se enfrentan a ese hecho intentado una utopía o una locura, como Lezama definió su sistema poético. Tanto la utopía como la locura rompen con las conexiones causales, creando las suyas propias, convirtiéndolas como Lezama dijera en “una causalidad de las excepciones”. El surrealismo transitó por esos mismos caminos a despecho de una época que fue marchando por el contrario. A Lezama le ocurrió lo mismo, tocándole vivir en medio de un proceso revolucionario que erigió el marxismo-leninismo más rancio como dogma de fe. ¿Pasó una corriente entre lo que el surrealismo se propuso y Lezama? Creo que sí. Esos puntos de contacto iniciales enriquecen lo que el Surrealismo será y en retrospectiva lo que Lezama llegó a NOTAS 1. En una entrevista que le hiciera José María Valverde para el “Correo Literario” de Madrid, Breton menciona un proyecto de historia universal, escrito en conjunto con Péret, con la finalidad de desenredar el acontecimiento verídico del mito que se apodera de (este) para deformarlo. “Las Eras Imaginarias” pretenden rescatar de la interpretación oficial de la historia, los acontecimientos que allí pudieron haber ocurrido. 2. “Orbita de Lezama Lima”, UNEAC, La Habana, 1966 pag. 29-30 3. Sarane Alexandrian “Andre Breton par lui meme” Editions Le Seuil, Paris. 4.“Main Premiere” en Karel Kupka ‘Un Art A L’Etat Brut” Editions Clairefontaine, Lausanne, 1962 5.“ Orbita” pag. 32. 6. “Orbita” pag. 32 7. “Orbita” pag. 31 8. “André Breton: Puntos de Vista, Manifestaciones” Barral Editores, traduccón de Jordi Marfá, pag. 255 9. “Signo Ascendente” en “La Llave de los Campos”, (traducción Ramón Cuesta) Libros Hiperión, Pamplona, pag. 127 10. “La Cantidad Hechizada”, UNEAC, La Habana, 1970 pag. 443 11. José Lezama Lima “Cartas (1939-1976)”, Editorial Orígenes, Madrid, 1979, pag. 83 12.Andre Breton “Antología” selección y prólogo de Marguerite Bonnet, traducción de Tomás Segovia, Siglo XX, México, 1973 pag. 60 13. “Mitos y Cansancia Clásico” en “La Expresión Americana”, Editorial Universitaria, Chile. 14. En Andre Breton “Manifestes etc” Jean Jacques Pauvert, Paris, 1962, Pag. 353 y sig. 15. Gallimard Editeurs, NRF, Paris, 1962 , pag. 126 16. “Initiations et Societes Secretes” Id. Pag. Gallimard Editeurs Serie Folio-Essais, Paris, pag.70 17. Mephistopheles… ibid. 18. “Paradiso”. UNEAC pag. 354 19. Lezama Lima “A Partir de la Poesía”, en “La Cantidad Hechizada” Pag. 31 y sig. 20. “Las Eras Imaginarias de Lezama Lima” Academia Nacional de Historia, Caracas, 1984, pag. 79 21. “Orbita”, pag. 40 22. “Homo Ludens” Alianza/Emece Madrid, Buenos Aires, Traducción Eugenio Imaz, 1954. pag. 144 23. En “Poesia Completa” Editorial Letras Cubanas, La Habana, 1970 y “Fragmentos a su Imán”, Editorial Lumen Barcelona, 1978 24. “Pulqueria quiere un auto y otros cuentos”, Editorial Vuelta, México, 1994, pag. 44, traducción de Ida Vitale 25. “El Gran Juego”, colección Visor de Poesía Madrid, 1980, Versión de Manuel Alvarez Ortega. 26. “Mueran Los Cabrones y los Campos del Honor” Cuadernos Margina-les, Tusquets, pag. 104, Traducción de Rodolfo Hinostroza. 27. Ver Benjamin Peret en Aldo Pellegrini “Antología de la Poesía Surrealista” Compañía General Fabril, Buenos Aires, 1961 28. Ibid. 29. Ibid. 30. Orbita pag. 41-42 31. Ibid, 38 32. “Mechanics of the Marvelous in the Short Stories of Benjamin Peret” “L’Esprit Createur” Spring 1966. 33. Orbita pag. 17 34. La Cantidad Hechizada pag. 383 Carlos M. Luis (Cuba, 1932). Poeta e artista plástico. Dirigiu em seu país o Museo Cubano. Como ensaísta, publicou Tránsito de la mirada (1991) e El oficio de la mirada (1998). Nos anos 90, já residindo em Paris, publica juntamente com Jorge Camacho Le Bulletin de Liason Surrealiste. Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras do artista William Blake (Inglaterra). revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 Lorena Pradal y "Habitaciones": la piedra como poética y percepción analógica del mundo Martín Palacio Gamboa . No es casual que Habitaciones, la muestra más reciente de Lorena Pradal, haya estado vinculada a la presentación en simultáneo de Estuario, segundo libro de la poeta Marisa Negri, en Toay, provincia de Buenos Aires, durante el mes de noviembre. Por un lado está la amistad de varios años entre la artista gráfica y la escritora; por el otro, la interferencia creciente del fenómeno literario en los procesos de creación que Pradal desarrolla intensamente desde hace ya un buen tiempo. También vale recordar que Toay es el eje de irradiación de dos poetas cuyas grafías comenzaron a despertar un interés cada vez mayor en las nuevas generaciones y que, en el caso específico de Pradal, confluyen en el tratamiento que dan sobre la imagen de la piedra en cuanto punto temático: Olga Orozco (1920-1999) y Juan Carlos Bustriazo (1929). En Orozco, la piedra adquiere una connotación existencial que bordea permanentemente lo mágico: en su condición de orden y modelo arquetípico, es portadora de ideas, fuerzas y energías sutiles que de algún modo en ella se depositan; en Bustriazo, la piedra es sinécdoque y contemplación del paisaje que nos aparta del discurso mudo de los elementos por la que seres y cosas devienen palabra en el tiempo. Su entorno y su contorno dejan de ser un simple límite exterior para convertirse en la existencia como imaginación y en la imaginación como existencia. Y esa convergencia de enfoques en la obra de Pradal es lo que nos interesa desarrollar aquí. Habitaciones es un conjunto de litografías en formato libro de 34 x 29, encuadernado en gabardina negra y con título gofrado en tapa; contiene además de las mencionadas litografías, photoplates y textos en los que se intercalan apartes fragmentos de Vicente Huidobro, Lezama Lima, Miguel Hernández y, especialmente, Louis Aragon la referencia a su obra homónima tampoco es gratuita-. A eso se le agrega el hecho de que el diseño total del libro fue compuesto e impreso por su autora, tratándose en consecuencia de un ejemplar único. El dibujo es protagonista, al igual que los sutiles claroscuros y las texturas. Para eso se vale de la sobreimpresión de matrices distintas, logrando así una superposición y una transparencia tales, que generan nuevos espacios en obras únicas. De hecho, se puede hablar de la existencia de una musicalidad e intimidad propias del libro que acompañan una poética del silencio: cada página es tratada como una nota o ritmo que en su totalidad forman una pieza que exalta la levedad de las piedras, metáforas de lo ausente. A modo de epígrafe, el libro se abre con la siguiente cita: “Por encima de los perfumes solares inmóvil donde la hora tiembla la casa de piedra entre las piedras…” (Louis Aragon). Poniendo en escena esa tensión dialéctica entre la volatilización de la materia y su pesantez, ya se nos anuncia sobre el tratamiento que, en su conjunto, es dibujístico y tridimensional: los espacios son volúmenes y cuerpos; algunas veces se llega a jugar con la ambigüedad al mostrarlos en su condición de cóncavo y convexo. Aparte de eso, el texto va remitiendo a las pre-y-pos figuraciones de un paisaje que nos lleva por los senderos etimológicos que la fosilización del cliché hizo pasar al olvido: “paisaje” deriva de “país” que, en la vieja tradición de la Roma campesina, era el nombre del pago natal, la secreta provincia nativa. Tal regreso deliberado a lo más primigenio es, más que nada, un casi velado intento de virginización de lo mirado, produciendo de ese modo un vuelco a la metafísica. Retrocedo hasta el borde de la piedra donde termina con ojos prestados y solares. Abrir los ojos es romperse por el centro. Retrocedo hasta donde la piedra se cierra, allí donde la piedra se duerme sobre la mesa. (Lezama Lima) Al igual que para Lezama Lima, para Pradal el yo humano sólo puede expresarse como parte simultánea de la cultura y de la naturaleza: por eso son sinónimas en ella las expresiones “el alcance del lenguaje” y “el límite del lenguaje”. La intensidad del alcance es sinónima de la extensidad del límite y el principal transfondo de la existencia de la retórica es que se puede traducir la expresión del paisaje a términos de la expresión del yo. La retórica es la sinonimia posible del objeto que nos es ajeno- y de la concepción -que nos es propia- del objeto. Pensemos en el hecho de que las piedras representadas en Habitaciones instauran un movimiento ascensional de desprendimiento de toda exterioridad alusiva, donde la desintegración del yo autoral en su propio torbellino gráfico no supone un fin, sino su posterior integración en el conjunto total de su obra como idealidad trascendente. La unidad inmanente se hunde en su propia disolución para asimilarse luego en el horizonte de la totalidad como índice trascendental; no se la niega del todo, pero se afirma una unidad distinta superior. A partir de esta perspectiva, es posible detectar en estas litografías un tránsito de las claridades descriptivas a las más imaginativas: Pradal profundiza inicialmente en la objetividad natural para, después, recordar que ella misma es naturaleza. Su proceder, adánico y sustantivo, no incurre en onirismos o ilogicidades, pues siempre conserva una base en el mundo, siempre se conduce por el develamiento de una realidad privilegiada que, de por sí, ya contiene en acto y en potencia una conjunción de realidades aparentemente distantes, gracias a una mimética distorsionada a fuerza de exacerbar una especie de realismo microscópico (no nos olvidemos que el dibujo revela formas a partir de la reproducción gráfica de la piedra): de allí que sea posible la realización de una verdadera síntesis, el poner juntos lo actual y permanente con lo cambiante y mutable, la singularidad material y la universalidad esencial, lo demoníaco y lo teantropofánico. Sobre este punto, la genealogía semiótica sobre el material que Pradal trabaja y no desconoce puede brindarnos un panorama más que revelador. Partiendo de las tradiciones francmasónicas, se dice que en el centro de la base del templo de Jerusalén se colocó la piedra de Jacob que mágicamente siguió al pueblo durante su peregrinaje a tierra santa, de la que brotaba agua de vida que sació su sed en el desierto. Esta piedra es llamada en hebreo shethiyah, o fundamental, y se encuentra, al igual que las cuatro piedras de esquina, a la altura horizontal de la base, pero en su centro, siendo testimonio vivo -como el omphalos de Delfos- de la fuente original de la que brotó la Tradición Primordial cuyo descenso al interior de la tierra esa piedra ejemplifica. Pero ¿de dónde pende la plomada que desde el corazón del cielo señala el centro, en el propio corazón de la tierra? Pende de la estrella polar, de la piedra angular que es un diamante facetado capaz de proyectar su luz a toda la creación, al templo que la refleja y al hombre que, participando de una construcción de tal especie, corona la obra creacional al encontrar y ubicar esa misteriosa piedra cuyo hallazgo le hace retornar al origen del misterio donde descansa su esencia inmutable. Esa piedra angular es idéntica en su simbolismo a la piedra filosofal, objeto de la búsqueda del alquimista. Pero para hallarla es menester descender a lo más bajo y profundo de nuestras interioridades, a los mundos subterráneos de la caverna iniciática, siguiendo la máxima hermética del V.I.T.R.I.O.L. A esa caverna se llega a través de un laberinto -recuérdese la importancia de este tópico- que pierde a los no cualificados y al mismo tiempo guía a los adeptos al interior de esa caverna. Parece ser que la palabra misma 'laberinto' se relaciona a su vez con la palabra 'piedra' (en latín lapis) y que probablemente los laberintos iniciáticos, en sus orígenes, fueran de ese material. Además, la caverna misma es excavada en la roca, y ésta fue -justamente durante la denominada "edad de piedra"santuario y lugar de iniciación de los hombres que a su vez eran llamados "nacidos de la piedra". Al sortear las pruebas laberínticas el candidato visita el interior de la tierra, desciende a los infiernos, muere al mundo profano, y nace por segunda vez, regenerado, recuperando así su Centro y elevándose por el Eje hacia las regiones del verdadero Ser. En el templo cristiano, de base rectangular, el centro no es el punto central del rectángulo, sino el punto central de la base inmóvil de un cubo que al desdoblarse produce el símbolo de la cruz compuesta de seis cuadrados. La piedra fundamental del centro de la base corresponde en el árbol sefirótico a la esfera 9, Yesod, Fundamento, que es la región en la que se produce la iniciación, representada en el Tarot por la lámina XII, "El Colgado". En el cristianismo se asimila a Pedro ("Tú eres Pedro y sobre esa piedra edificaré mi Iglesia"), y no es casual que éste haya sido crucificado cabeza abajo, tal como aparece el personaje de esa lámina, cuya posición invertida indica que el proceso iniciático supone una verdadera ‘conversión’. El iniciado ya no se deja llevar por la corriente del mundo profano sino que marcha contra esa corriente, buscando -en el regreso de su exilio cátaro- sus orígenes más ciertos. De igual manera, esa iniciación también sucede en cuanto el laberinto planimétrico de la obra de Pradal contiene un nudo expresivo susceptible de interpretarse como revelación de una sacralidad cósmica. Lo celestial se confirma como idealidad propia al desplegar una dinámica diferenciadora donde la isocronía de la representación profana es desplazada y el objeto representado adquiere su velo de encantamiento puesto que habla sobre algo que no está aquí, recuperando así un territorio insospechado de transfiguración y coalescencia. En consecuencia, y progresivamente, la conformación de Habitaciones se va asimilando a un templo: es el recinto privilegiado que auspicia una conversación con lo numinoso que no tarda en volverse conversión. Así las cosas, es de observar que uno de los puntos esenciales del trabajo que Pradal realiza es el hallazgo -ya no tan evanescente- de una armonía perdida a partir de una percepción secretamente analógica. En Los hijos del limo, Octavio Paz explica que “la analogía es la ciencia de las correspondencias. Sólo que es una ciencia que no vive sino gracias a las diferencias: precisamente porque esto no es aquello, es posible tender un puente entre esto y aquello. El puente es la palabra como o la palabra es: esto es como aquello, esto es aquello. El puente no suprime la distancia: es una mediación; tampoco anula las diferencias: establece una relación entre términos distintos. La analogía es la metáfora en la que la alteridad se sueña unidad y la diferencia se proyecta ilusoriamente como identidad. Por la analogía, el paisaje confuso de la pluralidad y la heterogeneidad se ordena y se vuelve inteligible: la analogía es la operación por medio de la que, gracias al juego de las semejanzas, aceptamos las diferencias. La analogía no suprime las diferencias: las redime, hace tolerable su existencia [...] La analogía es el recurso de la poesía para enfrentarse a la alteridad”. Además, pensemos que la imagen misma, al ser la manifestación del pensamiento analógico, se descubre como un recurso no sólo propio del arte gráfico y la poesía, sino también de la magia, pues: “Lo específico de la magia consiste en concebir al universo como un todo en el que las partes están unidas por una corriente de secreta simpatía. El todo está animado y cada parte está en comunicación viviente con ese todo [...] De ahí que el objeto mágico sea siempre doble o triple y que alternativamente se cubra o desnude ante nuestros ojos, ofreciéndose como lo nunca visto y lo ya visto. Todo tiene afán de salir de sí mismo y transformarse en su próximo o en su contrario: esta silla puede convertirse en árbol, el árbol en pájaro, el pájaro en muchacha, la muchacha en grano de granada que picotea otro pájaro en el patio de un palacio persa”. Además, “el objeto mágico”, dice Paz, “abre ante nosotros su abismo relampagueante: nos invita a cambiar y a ser otros sin dejar de ser nosotros mismos”. De este modo, pues, magia y arte, imagen poética y analogía se confunden. Esta simpatía universal permite a la obra de Pradal asimilar la existencia de puntos críticos en la escena de su acrilírica, revelándonos una frontera en la que se contaminan mutuamente el caos y la idea de transición de fase, caracterizándose por la no-linealidad y la emergencia. Los signos en la lámina nos van reconstruyendo un conjunto de señales no periódicas, irregulares, unificando a su vez las percepciones macroscópicas y microscópicas de la naturaleza y formulando una imagética directamente basada en la noción de potencia en el sentido aristotélico y de indiferenciación en tanto infinita posibilidad. Ha caído por todas partes desde las estrellas en las piedras de antiguas residencias de antes del hombre por todas partes dispersas una semilla de vida esparcida duerme en la espesura del mundo al borde de los sueños (Louis Aragon) Martín Palacio Gamboa (Uruguay, 1977). Docente de letras e idioma español en el Centro Universitario de Idiomas en la ciudad de Buenos Aires; crítico, poeta y músico. Obras: “Clemente Padín: la disección irónica del Lenguaje” (recopilado en el conjunto de ensayos críticos “Clemente Padín”. Edición 11 del premio Figari, Montevideo, 2006), “Lecciones de Antropofagia” (poesía. Buenos Aires, 2008), “Los Trazos de Pandora. Otras voces, otros territorios. Antología bilingüe de la poesía brasileña contemporánea” (2008). Contacto: [email protected]. Página ilustrada con obras de la artista Lorena Pradal (Argentina). revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 Los instantes fatales y sus efectos Oscar González . 1. DE LA EMBRIAGUEZ Y EL ÉXTASIS I. DE LA EMBRIAGUEZ Y EL ÉXTASIS DEL SOLITARIO Los solitarios se dice que aman la soledad. Ellos no saben bien de que se trata cuando les hablan de ella. Hacen oídos sordos a lo que se pueda decir, donde ellos están, de la soledad. No hay metáfora para ella, es lo que ellos dicen. No, en un sentido estricto más bien insinúan. Los solitarios son insinuadores no voluptuosos. Calman la tempestad en el ellos, porque no les importa quedar mal con los demás. Tienen cuidado de no anunciar sus prevenciones, y son maestros en el arte del Criticón de Gracián. Leen, pero no mucho, porque un libro para ellos no es compañía. Expresan pocas veces su pensamiento; se podría decir que no piensan. No rumian sino hierba de soledad, es su hierba aromática preferida. Cuando les hablan de la soledad, se burlan de ella, ironizan. No quieren perturbarla. Ellos la conocen. Quiero decir, conocen sus sintaxis, conocen su semántica. No tranzan con ella, viven en su trance. Trance de la soledad, en cada uno, como cuando se dicen: Lo amamos todo, pero no podemos comunicarlos. Quedamos en silencio, porque silencio y soledad son más o menos lo mismo. Indecibles ambos. Cuando los domina la melancolía, saben como exorcizarla lenta y sutilmente: la beben a sorbos, como quien se va a suicidar. Beber a sorbos de suicida. Tienen una metódica y una tensión, sorber como Sócrates, aunque no tanto como él, puesto que no son muy afectos a las disquisiciones racionales. No saben que es eso. Tiemblan ante las cenizas de su rostro muerto. Acceden a lo transparente por vía de la inquietud. II. DE LA EMBRIAGUEZ Y EL ÉXTASIS DE LOS SANTOS Precisan bien que es la bondad. Tienen méritos para todo ello. No causan problemas a nadie, porque conocen bien su diferencia. Padecen del sufrimiento del coleccionista de los estados emocionales sublimes e inalcanzables. Prefieren lo inefable, ante cualquier hecho humana. Tienden a emanciparse de sí mismos, de sus cadenas para poder hacer visible la realidad de Dios, como borrachos de Dios, al decir de Spinoza. Celebran sus bodas con el cielo y el infierno, con sus Amantes místicas. No confunden el licor místico con otra bebida que no sea ella. Tienen catadores, poco amplios y expansivos, demasiado intolerantes y nunca interesados por la mixtura. Poseen libros que al leerlos los limpian de toda culpa. Porque la lectura de un libro basta para sanarlos. Expían a Eva cuando se baña desnuda, sin manzana de expulsión del Paraíso —una taberna que ellos conocen y frecuentan, sin decirle a nadie, por su carácter hermético y cabalístico—, en los ratos que ceden a cesar de ser arrebatados por la demencial posición de la carne. Carne y espíritu les son irreconciliables. No tienen para ellos ni paz ni reconciliación. No beben, porque están embebidos en Dios, y su éxtasis que parecería frívolo, es solamente camino trascendental. Tienen clara predilección por la severidad. Tienen alas trémulas, porque mantienen las puertas de sus celdas cerradas. No escuchan sino la voz de Dios. Y su mayor complacencia estriba en leer, porque creen, que también son leídos por libros de revelaciones que leen. III. DE LA EMBRIAGUEZ Y EL ÉXTASIS DE LOS EXCÉNTRICOS ¡OH MI BIEN! ¡Oh mi Belleza¡ ¡Fanfarria atroz donde jamás vacilo! ¡Caballete mágico! ¡Hurra por la obra inaudita y por el cuerpo maravilloso, por la primera vez! Aquello comenzó con el reír de los niños, terminará con él. Ese veneno ha de permanecer en todas nuestras venas, aun cuando, al irse la fanfarria, hayamos vuelto a la vieja desarmonía. Arthur Rimbaud [1] Manifiestan en realidad lo que son, en todo momento. Nunca se excusan, porque son estetas. Y les atraen los mundos raros y extraños. Expresan su emoción sin establecer medidas contrarias a la eclosión del exceso. Tienden a ser manieristas y barrocos, en su estética. El éxtasis para ellos proviene de una secreta cámara donde están todos los sueños en preparación. No lo llaman Taller del Éxtasis, no son demasiado aplicados ni operativos. Toda su práctica es esencialmente intencional: Mostrarse como son. Exhiben su excentricidad de ebrio sin que les importe la censura. No conocen los límites. El excéntrico como el nómada no se perturba por conocer los límites. Es ansioso en su estructura sensible y cruel con el mismo cuando no puede saber el sentido de su elección. Colecciona osamentas. Y su visión es la de quien sabe asimilar una derrota y un triunfo al mismo tiempo. Duda de la certeza del tiempo. Imprime a su vida un estilo en el que el azar es fundacional, por los elementos de aventura que tiene. Y no conoce sino la profundidad de la superficie. Es elemental, no hace tratos con el láudano. Y su enfermedad más recurrente y preciada es el ocio. Orienta sus inquietudes hacia la ciencia de la quiromancia. Discrepa y repele de los lectores del Libro de Té. Hace estudios de los astros, pero en silencio, ni siquiera quienes se atreven a vivir con ellos lo saben. Nadie inquiere nada de lo que hace. Los respetan los pueblos. Bebe solamente vodka. No es un zar, pero lo tiene por condición imperial. Tiene amantes voluptuosas, por aquella efímera e indefinible pasión por la forma excesiva de la carne. Dicen: A aquellas se les derraman las carnes. Es como su tino. Y sus éxtasis se dan en el momento en que ceden a la tentación de la voluptuosidad. IV. DE LA EMBRIAGUEZ Y EL ÉXTASIS DE LOS TRASEÚNTES DE UNA CIUDAD BABILONICA Por el camino los árboles/ Dos lunas para la danza/No tanto sueño como creen las esquinas/ Tus guantes/ tu nieve de cirujano en el armario/Estación/en el país de Lesbos/ Ebrio/rodando por las calles/ Un ojo menos/cicatrices en el rostro/ Mi nariz/en un mar de oscuras agujas/Petirrojos en el patio muertos. Carlos Bedoya [2] Extienden sus redes hacia lo inalcanzable. Y su máxima tensión es fracasar. Observan metódicamente la contaminación de la ciudad. Conocen por la contaminación de su sensibilidad. Idolatran el caos y la turbulencia de las ciudades. Tienen como principio, aquello que dice Baudelaire: No a todos los es dado tomar un baño de multitud: gozar de la muchedumbre es un arte; y sólo puede darse un festín de vitalidad a expensas del género humano aquel a quien nadie un hada insufló en su cama el gusto por el disfraz y la máscara, el odio al domicilio y la pasión por los viajes. Cada vez que mira un parque se convierte en una plaza y viceversa. [3] Y si mira los muslos acreditados de una dama sin cliché, ve como se le amontonan en ellas raras aves sin cabeza hermenéutica. No proponen proyectos que indiquen como ha de construirse la nueva ciudad, y han leído muy bien los proyectos de Bruno Taut, pero saben y son conscientes de que nada de ello podrá interesar al caduco hombre moderno. Incluyen sin incluir. Hace mixturas extrañas con sus licores, que nada tienen que ver con los llamados obscenos cokctails. Experimentan inclinaciones de humillación inclasificable ante el éxtasis. Explican poco de sus pasiones atribuibles al estudio el estoicismo senequiano. Consumen parte de la noche, en una práctica absurda y desconcertante: Mirar a los demás por encima del hombro. No tienen mucho aprecio por las montañas. Escuchan la voz de los muertos, por ello no son bien vistos, en donde abundan y se extiende el exterminio. Esas relaciones son hermosamente prosaicas. Funden su hierro en fábricas de éxtasis. Y experimentan un frenesí incalculable por apoyar las causas pérdidas. Leen Alcohols de Apollinaire. Conservan, por estética, los dientes cariados y los muestran a los transeúntes que no saben que viven en Babilonia. V. DE LA EMBRIAGUEZ Y ÉXTASIS DE LOS ASTRONOMOS Cada vez que ven una constelación, que es para ellos como su el Libro de Horas, cancelan todos sus asuntos cotidianos y se invisten de la autoridad de los ortodoxos de los cielos. No les fastidia. Concretan su sobriedad, es una forma ideal de lo estético. No sucumben fácilmente a los arrebatos, pues su tranquila mirada alrededor de su Anillo de Matrimonio es como la mirada lanzada sobre los Anillos de Saturno. Son inconformes con el beneplácito que existe por la duda. Exponen su Vicio Supremo, sin que ello comporte temor, ya que tiemblan ante el misterio de las estrellas. Y su pose es la del que mira hacia arriba y no al revés. No son excavadores de la tierra sino de los cielos. Raras veces se cansan de someter a examen su amor a los precipicios. Frecuentan los extravíos de los mediosems, en un libro de Michaux que les sirve de punto de apoyo y fortaleza. Lo leen cuando están extenuados de ser ellos mismos. No experimentan sensaciones irrelevantes. Toda su tensión se concentra y radica extasiarse ante lo efímero que es el universo. Tienen desvaríos cuando se ven desnudos. Tienen lentes de azufre. No pontifican pues no conocen todavía a Roma. No tienen animal predilecto, excepto la Estrella de Mar. 2. DEL INSTANTE DE LA LUZ, DE LA LLAMA Y DE LA CLARIDAD De nada vale que hablemos de la luz, de la llama y de la claridad, si no podemos vivirlas. Existir en ellas. Porque ellas son más que nada, inclinaciones obsesivas hacia el sentir las sensaciones. Y hacer de las sensaciones una forma del conocimiento de sí mismo. Y la inclinación obsesiva por el sentir, ha de ser inexorable. Inexorable porque transmite los temblores de lo desconocido, de la muerte. De no ser así, no sentiríamos entonces la muerte, la belleza de la muerte en nosotros. Ya que cuando se está en el momento de la muerte, la luz es de extraordinaria dimensión, de extraña esencia, de exuberante forma. Incitadora, sin duda, por su belleza indecible. Luz de la muerte, rayo de luz en la claridad de la misma y llama que ilumina el camino, como un Bardo Thödol o libro tibetano de los muertos. Camino de la luz, es pues el camino de la claridad y de la llama. El sentir las sensaciones en la vida, es pues creación de una conciencia sobre la vida, que deseamos llevar. Y un conocimiento de lo que sentimos. Ya no sentimos, se nos dice, por eso no hacemos visible el instante de la luz, de la llama y de la claridad como una forma de conocimiento del existir. Y en ello y por ello desesperamos. Dice René Char: “Nuestra Señora de las Luces, que permaneces sola en tu roca (…) Oh, Dama desvanecida, sirvienta del azar, las luces van donde las ve el hambriento.” [4] La luz no es dada para vivirla un instante. El instante poético de la claridad, su más alta expresión de la duración. No dura sino el instante. Desasido de nosotros, el instante se hace claridad. No hablamos claramente sino cuando hablamos poéticamente. Mucho se menciona y se habla de la sombra, como aquello que es, pero que es sin luz. La sombra no tiene luz. Nada puede iluminarla, ni la llama ni la claridad. Ella en sí misma ha muerto a ellas. Y por eso no tiene luz. Ni Dios ni el Demonio la iluminan, siquiera, pero están en ella. Como lo leemos en el fascinante libro de Adalberto Von Chamisso: Peter Schlemihl o el hombre que perdió su sombra. Buscamos la sombra, para volver a perderla. Y la perdemos cuando desaparece el poder de la luz, el incontenible deseo de la claridad. Invocar la sombra sin la luz de la claridad es provocar un desastre a lo visible, a lo real. La hermosa luz barroca ilumina la oscuridad, para hacernos ver la luz de la sombra. Es la sombra la máscara de nuestra tiniebla, de nuestra oscuridad; pero la sombra tiene luz, se descubre es por la luz. Existe es cuando está poseída de la luz del asombro. Asombra es lo que tiene sombra, aquello que no conocíamos antes de que fuera dominado por la sombra. Tiene sombra, la luz, para que pueda ser en su misteriosa totalidad, para que no sea destruida, para que sea invulnerable. La sombra no es turbada por nuestra tentativa irreductible de la claridad, la necesita. Claridad y sombra, se funden entre sí, para instalar lo extraño. Ya que lo extraño es aquí lo conocido; se vive en lo extraño cuando se accede constantemente, en una tensión excesiva, a lo conocido. El sueño no tiene sombra, sino claridad, porque en el sueño lo que vemos son apariciones. Aparecemos en lo sueños. Nadie conoce la sombra en nuestro sueño, porque allí somos una otra realidad. La claridad es la herramienta sensible del artista y hace parte esencial de su experiencia estética. A la obtención de esa claridad ha de ser llevado por el imán de la necesidad de encontrar en él, en su espíritu sensitivo, la luz y la claridad, por medio de la llama. Y su poder de irradiarlas. La luz iluminante es la de la que destruye la oscuridad. Pero la oscuridad también esta relacionada con la luz iluminante. No puede haber luz sin oscuridad. Cuando observamos la llama de una vela, vemos la luz que nos ilumina, porque también nosotros somos esa vela y esa llama. Vela el que desea concentrarse en el conocimiento de sí, en su luminosidad y su oscuridad. La llama de la vela es lo que comunica con el mundo visible, lo ilumina, vaciado y sostenido en el mundo del arte. Y de la misma manera es el poder de llevar la luz y la claridad tanto en uno mismo como en la vela, para hacerse consciente de aquello que le habla, que le indica hacia donde hacer tender su deseo, su intención invulnerable. Como la de ser artista, en Joseph Beuys: “Quiero dar las gracias a mi maestro Wilhelm Lehmbruck. ¿Cómo pudo un hombre, de quien yo recibí una vez en las manos un pequeñísimo fragmento de su obra, y ello incluso como simple fotografía, provocar en mí la decisión irrevocable de dedicarme a la escultura? ¿Cómo, pues, podía enseñarme un muerto algo semejante, determinar algo decisivo para mi vida, porque yo mismo lo había decidido antes de otro modo, como consecuencia de mis búsquedas, dado que me encontraba ya en mitad de unos estudios de ciencias naturales? El caso es que obtuve este librito de forma casual, un librito que estaba sobre una mesa cualquiera, entre otros folletos bastante deshilachados, abrí una página y ví una escultura de Wilhelm Lehmbruck, y de súbito me vino la idea, una intuición: escultura, hacer algo con la escultura. Todo es escultura, me gritaba casi aquella fotografía. Y en ella vi una antorcha, ví una llama, y escuché: “¡Cuidad la llama!”. [5] La luz, la llama y la claridad son instantes, en los que se decide en la formación de un hombre, la conciencia de su deseo de conocimiento, la estructura inviolable de su estética. No son hechos casuales, sino intensamente decisivos, lúcidamente determinantes en ella. NOTAS 1. RIMBAUD, Arthur. Una temporada en el infierno. Las iluminaciones. Carta del vidente. Caracas. Monte Ávila Editores. 1976. Págs. 75. 2. BEDOYA CORREA, Carlos. Pequeña Reina de Espadas. Medellín. Ediciones Unicornio.1985. Pág. 60. 3. BAUDELAIRE, Charles. Poemas en prosa. Bogotá. El Áncora Editores. 1994. Págs. 104. 4. René. Furor y misterio. Barcelona. Visor. 1979. Pág. 137. 5. YS, Joseph. Agradecimiento a Wilhelm Lehmbruck: “!Cuida la llama!”. Bonn. Revista Humboldt. Nro 110. 1993. Pág. 68. Oscar González (Colombia, 1957). Poesia y ensayista. Ha publicado La ciudad soñada (1999) y Pincel de hierba (2001). Pertenece al Comité Editorial de la revista Punto Seguido, donde se publica este ensayo originalmente. La traducción de la carta es de Paula Podesta. Contato: [email protected]. Página ilustrada con obras de William Blake (Inglaterra). revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 Los ríos en la poesía chilena: nuevas definiciones ecocéntricas de la poesía épica y lírica Steven F. White . En términos científicos, los ríos transportan los nutrientes que permiten la vida vegetal, actúan como un sistema de drenaje de la humedad excesiva del paisaje en una determinada cuenca hidrográfica y conectan diferentes ecosistemas. El agua es la única molécula capaz de formar gotas, lo cual explica su capacidad de desplazarse como río. El agua, además, es un indicador de la salud del medio ambiente, y su calidad es un tema de movilización sociopolítica potencial. Según Masaru Emoto en The Hidden Messages in Water, “el agua tiene la capacidad de copiar y memorizar información… Los glaciales de la tierra bien podrían contener millones de años de la historia del planeta. El agua circula por el globo, fluyendo por nuestros cuerpos y diseminándose por todas partes del mundo. Si fuéramos capaces de leer esta información contenida en la memoria del agua leeríamos una historia de proporciones épicas” (Emoto). Para Emoto, este conocimiento inmenso reside precisamente en el agua que constituye cada célula de nuestros cuerpos. De acuerdo con estas ideas, se puede apreciar cómo el agua en su forma más íntima podría prestarse a un entendimiento de algo mucho mayor. Los ríos, que son una presencia constante de la poesía chilena a lo largo de los últimos ochenta años a partir de la obra de Vicente Huidobro (1893-1948), suelen ser un emblema que aparece en diferentes contextos tanto figurativos como literales, algunas veces desconectados del medio ambiente físico, y otras con un vínculo histórico y mítico de fuerte arraigo en un lugar específico de Chile. Un término útil para describir esta conexión íntima con el espacio es la topofilia, definida por Yi-Fu Tuan como “todos los vínculos humanos afectivos con el medio ambiente material” (Tuan). Otra idea clave para entender la relación entre los seres humanos y los lugares que habitan es la del paisaje invisible, que Kent C. Ryden describe como “una capa imperceptible de usos, memorias y significados -o sea, un paisaje invisible de señales terrenales de la imaginación- colocada encima de la superficie geográfica y el mapa de dos dimensiones” (Ryden). Como propongo que se entiendan los ríos de una manera topofílica y también como parte de un paisaje invisible, creo que un enfoque ecocrítico podría servir para iluminar esta corriente de la poesía chilena. Según Cheryll Glotfelty y Harold Fromm en The Ecocriticism Reader: Landmarks in Literary Ecology, “La ecocrítica es el estudio de la relación entre la literatura y el medio ambiente físico….Adopta un acercamiento geocéntrico a los estudios literarios… [y demuestra cómo] la cultura humana se vincula con el mundo físico, afectándolo y, a la vez, siendo afectada por él” (Glotfelty y Fromm xviii-xix). En el presente estudio pretendo investigar hasta qué punto existe en esta poesía una conciencia ecocrítica y si es posible considerarla en relación con la creciente crisis ecológica por medio de la cual lo global se convierte en algo personal y viceversa. A mi modo de ver, este fenómeno se asemeja a la tensión que existe entre las definiciones tradicionales de la poesía épica y la poesía lírica en cuanto a sus parámetros genéricos. Puede que la literatura, desde esta perspectiva, requiera un entendimiento cada vez más multidisciplinar. Por cierto, lo que tienen en común por lo general los métodos analíticos científicos y literarios es su afán de tornar visible lo invisible por medio de la indagación cuidadosa y ética. En términos ideales, los estudios literarios podrían incorporar un nuevo vocabulario para entender mejor la reciprocidad (o su ausencia antropocéntrica) entre los seres humanos y los ríos que forman una parte imprescindible de nuestras vidas. Se podría buscar, a la par, sin que pareciera raro o poco vigente, perspectivas ecocríticas para examinar más a fondo las áreas exorreicas de la hidrografía de Chile que se manifiestan en la poesía chilena. Que quede como un futuro desafío, entonces, tanto para los críticos que estudian la literatura como para los poetas que la producen. Es inevitable, quizás, no contemplar las posibilidades metafóricas tan sugerentes de este tipo de análisis. Por ejemplo, al estudiar los ríos, habría que considerar las orillas de la columna de agua, el sedimento que llevan, y su superficie también. Los ríos, además, forman parte del gran ciclo hidrológico. Son frágiles en su capacidad de absorber todo, hasta las substancias más tóxicas. Los ríos limpian pero, debido a la contaminación industrial, agroindustrial y aguas servidas municipales, envenenan también. Hasta el manto freático, esas aguas subterráneas, acuíferos creados en los macizos montañosos “donde el agua de lluvia se filtra por el suelo hasta estratos inferiores…se encuentran ya contaminados, debido a filtraciones de aguas residuales y agroquímicos” (Amador Berrocal). Sin embargo, el sentido literal de esta realidad innegable y tan dañina que modifica profundamente la salud ecológica del planeta pesa mucho. Por eso, habría que destacar algo esencial: la contaminación del agua afecta también el contenido simbólico posible del emblema del río. Ahora, debido a lo que Lawrence Buell, en Writing for an Endangered World: Literature, Culture and Environment in the U.S. and Beyond, caracteriza como “el discurso tóxico”, los niños no aprenden a contemplar la belleza del río que fluye por el lugar donde viven sino más bien a temerlo. Esta forma de pensar, de hablar y de soñar según Buell es “la ansiedad expresada que emerge de una amenaza percibida de un peligro del medio ambiente debido a una modificación química producida por la humanidad” (Buell). Ahora, este cambio tóxico del agua que constituye los ríos podría percibirse en términos íntimos y también en el contexto de un ámbito global que afecta lo humano y lo más que humano para usar la terminología de David Abram en The Spell of the Sensuous: Perception and Language in a More Than-Human World. En términos estéticos, también se puede ver cómo algo realizado en una escala menor se amplía para abarcar una escala mucho mayor, un poema lírico, por ejemplo, capaz de describir una tragedia de proporciones épicas. Tradicionalmente, el emblema del río, cuando aparece tanto en los poemas épicos como en los poemas líricos, suele sugerir una multiplicidad de connotaciones que abarcan la vida y la muerte, el recuerdo y el olvido, el cambio constante del mundo, la posibilidad de un regreso a la fuente de un dominio paradisíaco, el movimiento en el espacio que corresponde a mudanzas temporales, ritos de purificación, y también viajes repletos de peligro. Los ríos se destacan, por supuesto, en el ámbito vasto, solemne y narrativo de la poesía épica en una gran variedad de obras con un origen oral en diversas lenguas a lo largo de tres milenios que incluyen entre muchas otras, el Maharabhata, La Épica de Gilgamesh, Beowulf, los textos homéricos, las épicas de Virgilio, Dante, Camões, Milton, y relatos indígenas del continente americano como el Popol vuh. También, pero con una preeminencia distinta, los ríos que fluyen e influyen en la simbología de la enorme producción de la poesía lírica (de Safo, Catulo, los trovadores, Jorge Manrique, y del linaje extenso de poetas místicos, metafísicos, barrocos y románticos) ayudan a expresar el mundo monológico de un sujeto ensimismado que, por lo general, excluye al otro (Rajan). Veremos, sin embargo, que la poesía épica y lírica no existen en estados químicamente puros y que la presencia del río en poemas de distintos poetas chilenos contemporáneos (como, por ejemplo, de Oscar Hahn (1938), Juan Luis Martínez (1942-1993), Gonzalo Millán (1947), Raúl Zurita (1951) y otros) sirve para crear fronteras más fluidas entre dos géneros supuestamente distintos y también para expresar ideas que se prestan al análisis ecocrítico -sobre todo en relación con la nueva poesía mapuche y huilliche del sur de Chile. Estos poetas, motivados por un agudo sentido de la historia y también de la espiritualidad, pertenecen, evidentemente, a una tradición chilena, muchas veces iconoclasta, de poetas de generaciones anteriores como Vicente Huidobro, Pablo Neruda (1904-1973), Nicanor Parra (1914), Alberto Rubio (1928-2001) y Gonzalo Rojas (1917) que utilizan la figura del río para afirmar y transformar el género poético en que aparece. Para el poeta aéreo Vicente Huidobro, los ríos representan sitios geográficos fuera del conocimiento humano en un planeta al principio del siglo veinte cada vez más pequeño y domado. Niall Binns destaca “el paralelismo entre el progreso tecnológico moderno y lo que Huidobro veía también como un progreso poético, la superación del realismo -el Hombre-Espejo se convierte en HombreDios, en un proceso que culmina, por supuesto en el propio Huidobro” (Binns). Los ríos en Ecuatorial, por ejemplo, se dirigen hacia una voz lírica omnipotente y mesiánica como si el poeta fuera el único puente de la tierra: “El Amor/En pocos sitios lo he encontrado/Y todos los ríos no explorados/Bajo mis brazos han pasado” (Huidobro). En Altazor los ríos se desbordan, suben como en los poemas posteriores de La vida nueva de Zurita, y no obedecen las leyes naturales sino las nuevas normas inventadas por el poeta creacionista: el río fluye “sin destino como aerolitos al azar” (Huidobro). De hecho, en su manifiesto “Non Serviam”, el poeta rechaza la naturaleza e intenta sustituir su propio mundo: “No he de ser tu esclavo, madre Natura: seré tu amo. Te servirás de mí; está bien. No quiero y no puedo evitarlo; pero yo también me serviré de ti. Yo tendré mis árboles que no serán como los tuyos, tendré mis montañas, tendré mis ríos y mis mares, tendré mi cielo y mis estrellas.” (Huidobro). Lo que predomina en la poesía huidobriana es una tecnofilia, tal como se aprecia en la poesía futurista de Marinetti y tantos otros poetas de la época, o sea, un nuevo intento de conquistar y controlar la naturaleza. ¿Son poemas épicos Ecuatorial y Altazor? Ambos poemas largos poseen algunos de los requisitos de la épica, como, por ejemplo, la alta seriedad, la enorme amplitud, la exuberancia controlada, la omnisciencia de la voz lírica, y la dinámica de un viaje épico de retorno. Según el crítico E. M. W. Tillyard, el texto épico tiene un efecto “córico” a través del cual expresa los sentimientos de un grupo grande de personas que comparten el momento histórico del escritor. La épica, según la define Tillyard, “debe tener fe en el sistema de creencias o modo de vida que presencia” (Tillyard). Para Tillyard, la épica sólo puede existir en una época optimista. ¿Los dos poemas de Huidobro, entonces, en su profunda desilusión, nihilismo y escepticismo, pueden ser poemas épicos aún cuando expresan perfectamente lo que Tillyard caracteriza como una “trágica intensidad (que) coexiste con la conciencia grupal de una época” (Tillyard)? Por otro lado, ¿es posible considerar ambos textos como extendidos poemas líricos, con una forma monológica en que el sujeto excluye a los demás de acuerdo con lo que Northrop Frye, desde un enfoque muy tradicional, caracteriza como una imitación ficticia de una declaración escuchada (Frye)? ¿Al final, son poemas inter- o transgenéricos? No hay respuestas fáciles, pero se podría considerar los textos de Huidobro, sin negar su asombrosa brillantez creacionista, como poemas épicos obsoletos que, por su enfoque exageradamente antropocéntrico, no son capaces de expresar una realidad espacial actual. La poesía de Pablo Neruda, en cambio, se abre a un geocentrismo líquido, sobre todo al principio de su gran poema épico Canto general. ¿De dónde nace este vínculo afectivo con un lugar específico? En sus memorias Confieso que he vivido, Neruda habla de su largo aprendizaje comunicativo con el paisaje chileno como “esa revelación, ese pacto con el espacio” (Neruda). Atribuye la existencia de su libro Veinte poemas de amor y una canción desesperada al río Imperial y su desembocadura (Neruda). Más adelante, cuando Neruda describe su viaje al exilio debido a las amenazas del gobierno de González Videla en Chile al final de la década de los años cincuenta, se detiene en Temuco y el poeta “oía la voz del agua que [le] enseñó a cantar” (Neruda). Neruda considera su reciprocidad con lo más que humano del continente en términos de los ríos. Es decir, le invita al lector a acompañarle por medio del lenguaje figurativo a un entendimiento de cómo su obra mantiene un diálogo con el mundo natural: Mi poesía y mi vida han transcurrido como un río americano, como un torrente de aguas de Chile, nacidas en la profundidad secreta de las montañas australes, dirigiendo sin cesar hacia una salida marina el movimiento de sus corrientes. Mi poesía no rechazó nada de lo que pudo traer en su caudal; aceptó la pasión, desarrolló el misterio, y se abrió paso entre los corazones del pueblo. (Neruda) Cuando Neruda utiliza la figura del río en Canto general, el poeta telúrico tiene propósitos netamente míticos, fundacionales. Cuando invoca los dramatis personae de su vasta obra continental, empieza con los ríos americanos: “Antes de la peluca y la casaca”, dice Neruda en “La Lámpara en la Tierra”, “fueron los ríos, ríos arteriales” (Neruda). Los ríos acuden, nos informa el poeta, para facilitar el comienzo de su poema épico. ¿Cuántos? En su bellísima versión de la creación del mundo, el Orinoco, el Amazonas, el Tequendama y el Bío-Bío corresponden a los cuatro ríos bíblicos de Génesis: el Pisón, el Guijón, el Tigris y el Éufrates. En la Biblia, los ríos emergen del gran océano subterráneo (precisamente donde termina el Canto nerudiano) para luego fluir hacia los cuatro puntos cardinales del mundo histórico conocido. Para Neruda, este mundo histórico prehistórico evidentemente es América: lo demás se convierte simplemente en lo que no se conoce, en lo que no existe fuera del mundo del poema por esas aguas fluviales iniciantes. Su enigmática “amada de los ríos”, una especie de “diosa oscura”, tiene su piel “tatuada por los ríos” que la recorren “como lágrimas vitales”. Hay una convergencia entre lo líquido y lo sólido en un solo gesto fecundo unido a través de un rito matrimonial: el “espeso río de semen verde” (Neruda) de “Material Nupcial” de los poemas líricos por excelencia de Residencia en la tierra se transforma en el Amazonas del paradigmático poema épico Canto general, un río “cargado con esperma verde/como un árbol nupcial” (Neruda). El Orinoco es maternidad, el Amazonas es “padre patriarca”, el Tequendama es un vagabundo solitario como el poeta mismo que aprende su oficio gracias a otro río: Pero háblame, Bío-Bío son tus palabras en mi boca las que resbalan, tú me diste el lenguaje, el canto nocturno mezclado con lluvia y follaje. (Pablo Neruda) En el momento más dramático de “Las alturas de Macchu Picchu,” y al invocar a sus antepasados indígenas, el poeta incorpora a estos espíritus resucitados cuya vitalidad y sabiduría son “como un río de rayos amarillos,/como un río de tigres enterrados” (Neruda). Este poema con sus doce secciones obedece de una manera sumamente condensada una épica tradicional, o sea, se convierte en una épica que existe en el contexto de otra épica mayor que es el Canto general. Sin embargo, es un poema que a la vez cuenta la historia del yo poético de Neruda, un viaje íntimamente personal y subjetivo, un soliloquio del individuo viviendo el cauce y el caudal de la vida en un sitio que lo transforma. El Otro invocado por el poeta aún no llega en el marco del poema. ¿Es un poema lírico, entonces, a punto de convertirse en poema épico? Neruda intenta abarcar ambos géneros literarios al querer convertirse, de una manera vital y regenerativa, en un río de poesía nacional o continental, tal como sucede en su manera de caracterizar otro país en sus memorias: Neruda considera que España es un país seco y pedregoso, tanto así que para el poeta del sur de Chile, “los únicos verdaderos ríos de España son sus poetas; Quevedo con sus aguas verdes y profundas, de espuma negra; Calderón, con sus sílabas que cantan; los cristalinos Argensolas; Góngora, río de rubíes” (Neruda). Tendría que ser así, tal vez, porque (y Zurita lo sabe muy bien) cada río tiene un rostro humano, como dice Neruda más adelante en el Canto al hablar de un pescador colombiano: “Todo es el río, toda vida es río,/y Antonino Bernales era río.” Es así aún cuando muere “asesinado en la venganza” y cae con los brazos abiertos en el “agua madre” del Magdalena (Neruda). Es decir, los ríos nerudianos del Canto general pertenecen sin duda a una topografía humana, como, por ejemplo, cuando los escritores Miguel Otero Silva, Rafael Alberti, González Carbalho, Silvestre Revueltas y Miguel Hernández aparecen en “Los Ríos del Canto” como guardianes de la palabra que cantan en la vida o en la muerte al lado de sus respectivos ríos (Neruda). La poesía nerudiana se define en términos ecocríticos por sus verdades contradictorias coexistentes: es una obra geocéntrica, pero con un enfoque antropocéntrico, lo cual se explica por la ideología comunista que subyace una gran parte de su poesía a partir de su Canto general. El que sigue y amplía la veta nerudiana en la poesía chilena es, precisamente, Raúl Zurita, sobre todo en La vida nueva con toda su delirante y extática energía fluvial. El libro arranca con “Fragmentos”, que intenta establecer un ámbito enorme, una globalización cultural, más bien, por medio de la imagen de los ríos que aparecen en obras tan diversas como la Biblia, el Ramayana, el Popol vuh, el Mahabaratta, la Ilíada, la Odisea, en los poemas de los clásicos romanos y también en un relato mapuche. En “Y Fueron las Aguas”, el poeta quiere canalizar o darle un cauce al río del inconsciente humano. Así se explica su afán de grabar los sueños de los centenarios que viven en las regiones aisladas de los grandes ríos del extremo sur de Chile: los ríos Yelcho, Amarillo, Futaleufú, Michimahuida, y Malito (Zurita). El libro entero, entonces, se puede leer como un producto de las palabras modificadas (a través del cuerpo del poeta-antropólogo) de estos ancianos. En un artículo sobre el héroe épico en Beowulf, Peter F. Fisher dice que hay tres categorías de épica: el primer tipo representa las duras pruebas de una raza o una tribu (como en los libros Mosáicos y los profetas posteriores); el segundo tipo “incluye las pruebas del héroe como la encarnación de su raza y tribu y es, por eso, tribal o nacional en su enfoque” (como en la Maharabhata y la Eneida); y el tercer tipo abarca las épicas individualistas en que el héroe es la figura central y dominante (como en la Ramayana, la Ilíada y Beowulf) (Fisher). Como Zurita casi nunca se aleja del lenguaje bíblico, sobre todo del Antiguo Testamento, no es de sorprender que La vida nueva, si es una épica, se asemeja más al primer tipo de épica según la definición de Fisher. Zurita y sus máscaras líricas cuentan una especie de Génesis de los ríos, Éxodo o migración penosa de los ríos, y Resurrección o ascenso de los ríos y el mar donde desembocan. Si Neruda busca resucitar a los Incas silenciosos y una civilización desaparecida y destrozada por la violencia en “Las alturas de Macchu Picchu”, Zurita hace hablar en La vida nueva a una antigua pero no tan remota forma de vivir (que está en vías de extinción) a través de las narrativas míticas que recoge de los habitantes contemporáneos capaces de sobrevivir quizás a raíz de lo que le cuentan al poeta. De acuerdo con las ideas de Kent C. Ryden, los personajes ribereños que Zurita presenta contribuyen a la formación del conocimiento folclórico, demostrando un dominio (a veces heroico) de “las ásperas condiciones impuestas por el terreno local, cristalizando así la experiencia geográfica local” (Ryden). La vida nueva presenta varios problemas en relación con los dos géneros que nos interesan: los ríos que cantan, que se aman y se hablan en su caída y subida final encuentran su convergencia con los seres humanos a través de los sueños de los que habitan sus orillas. Estos cantos fluviales humanos por un lado son una delegación de parte del poeta de la voz omnisciente que caracteriza la épica. Por otro lado, son monólogos de una serie de máscaras líricas creadas por el poeta como técnica conocida y común del poema lírico a partir de Browning y Pound. Es decir, si el punto central de la unidad de un poema lírico es la llamada vida interior del poeta, ese ambiente interno de la voz lírica de La vida nueva se dispersa y se multiplica según su capacidad de proyectarse y encarnarse en otros seres humanos y figuras de la naturaleza como los ríos y los mares. Los poemas torrenciales y obsesivos de La vida nueva desarrollan su propio lenguaje repetitivo y un gran repertorio de epítetos y stock phrases, características que formaron la base de la investigación pionera de Millman Parry en los años veinte cuando comprobó que los textos épicos homéricos tenían su origen en la tradición oral. Por otro lado, como el sentido narrativo de La vida nueva es un río extremadamente turbio, los poemas en esta obra de Zurita podrían considerarse una serie cantos líricos que al final rechazan la estructura general épica impuesta a la fuerza por el poeta. Cabe preguntarse si La vida nueva es un poema lírico que se desborda o si es un poema épico que consigue, a duras penas, canalizarse. El individuo emerge con frecuencia en esta obra de Zurita, incluso con nombres específicos, pero siempre está al borde de desaparecer en un vacío mitohistórico. En la historia escueta de la humanidad que aparece en el poema lírico-épico “Soliloquio del Individuo” de Nicanor Parra, el individuo mantiene siempre su individualidad y sus cualidades anónimas a la vez. En este poema, el río se asocia con la supervivencia inicial de la especie humana, emblema esencial de las grabaciones aúricas y chamánicas de las cuevas de nuestros antepasados, punto de partida de la construcción de una civilización y una vida que carece de sentido al final, punto, en fin, al que es inútil volver, aún queriendo construir nuestros sueños humanos de nuevo: Después traté de cambiarme a otra roca, Allí grabé figuras, Grabé un río, búfalos, Grabé una serpiente Yo soy el Individuo… Bajé a un valle regado por un río, Allí encontré lo que necesitaba, Encontré un pueblo salvaje, Una tribu, Yo soy el Individuo. (Nicanor Parra) Al definir la antipoesía de Nicanor Parra, Niall Binns habla de su “espíritu anti-bucólico y anti-telúrico” (Binns) en relación con la lírica tradicional. Por eso, Binns señala que hay que entender la ecopoesía parriana de los años ochenta como “una especie de antiantipoesía” (Binns). Pero el poema de Parra que quizás mejor caracteriza una conciencia ecocrítica es “Defensa de Violeta Parra”, en que la hermana del poeta se retrata simultáneamente como un río y también la persona luchadora que sabe navegarlo: En cambio tú Violeta de los Andes Flor de la cordillera de la costa Eres un manantial inagotable De vida humana. Tu corazón se abre cuando quiere Tu voluntad se cierra cuando quiere Y tu salud navega cuando quiere Aguas arriba! (Nicanor Parra) Este poema recuerda la bellísima canción de Violeta Parra (19171967) “Lo que más quiero” donde la personificación del río conlleva una profunda falta de comunicación con la naturaleza que demuestra, a la vez, ese esfuerzo esencial de querer unirse con el mundo más que humano: El río que yo más quiero No se quiere detener, Con el ruido de sus aguas No escucha que tengo sed, No escucha que tengo sed. (Violeta Parra) Es precisamente en las letras de esta canción y otras de Violeta Parra como, por ejemplo, “La Jardinera” y la extraordinaria “Exilada del Sur” (hay una tradición de la música folclórica que se llama “El Cuerpo Repartido”), donde la poeta-cantante define con la mayor claridad posible lo que significan la afectividad topofílica y el ecocentrismo. Si uno combina el humor trágico de Nicanor Parra por medio de su individuo eterno y aburrido que cuenta la historia de la especie humana con la idea de Vicente Huidobro de la manipulación de la naturaleza para los propios fines poéticos del poeta, se entiende mejor la poesía de Juan Luis Martínez, sobre todo el poema “La Geografía” que se puede leer como un juego anti-épico de subvertir la poética de Pablo Neruda en su Canto general con sus casi innumerables coordenadas geográficas: “Aplaste el relieve de Suiza,” nos propone Martínez, “y calcule la superficie así obtenida.” Teóricamente, entonces, la geografía, como principio ordenador, se convierte en algo muy relativo (o sea, no determinante) y sujeto a cualquier hipótesis científica. Suiza, como Chile, “un país que se caracteriza por sus altas montañas”, se deshace de sus cualidades tanto geográficas como poéticas, tal como sucede en el poemaespejo de “La Geografía”, un texto dedicado, por cierto, a Neruda y que afirma que transformar la geografía significa alterar “todo el ritmo de la existencia”. En este caso, Neruda perfectamente podría haber sido como uno de los poetas románticos ingleses si Chile hubiera sido como la Suiza aplastada de Juan Luis Martínez en La nueva novela: “Los ríos que nacían de los heleros de los Alpes, (el Rhin, el Ródano, el Tesino, el Inn) cambiaron su curso y se convirtieron en enormes lagos” (Martínez). De esta manera, Martínez critica el impulso totalizador épico que ha marcado la poesía chilena desde La Araucana de Alonso de Ercilla y Zúñiga y, posteriormente, Silva a la agricultura de la zona tórrida de Andrés Bello. En el conocido poema 68 de La ciudad, Gonzalo Millán intenta cambiar “filmicamente” no sólo las leyes naturales (como Huidobro y Martínez) sino también la historia como fenómeno temporal. El poema demuestra cómo lo imposible se convierte en realidad poética “grabada” en el sentido testimonial colectivo, no individual, para cobrar una vitalidad literaria politizada. Cabe mencionar aquí el concepto de la poesía cívica que también se asocia con la poesía épica: según Lowry Nelson, Jr., la poesía cívica describe el comportamiento de los miembros de una comunidad, los que gobiernan y son gobernados, y además los que tienen una conciencia de su entorno nacional e histórico. En la poesía cívica tradicional y también en la de Millán no se habla de la introspección privada, ni el amor, ni la efusión religiosa, ni la tragedia individual. Este tipo de poesía épica (que, según Nelson, caracteriza la narrativa de la Ilíada) trata la comunidad y la supervivencia comunal en una situación amenazante (Nelson). Millán utiliza la figura kinética del río para configurar la crisis. La corriente que fluye en el poema de Millán es, a la vez, agua y electricidad: El río invierte el curso de su corriente. El agua de las cascadas sube. La gente empieza a caminar retrocediendo. Los caballos caminan hacia atrás. Los militares deshacen lo desfilado. Las balas salen de las carnes. Las balas entran en los cañones. Los oficiales enfundan sus pistolas. La corriente se devuelve por los cables. La corriente penetra por los enchufes. Los torturados dejan de agitarse. (Gonzalo Millán) La ciudad es un largo poema anti-lírico que consigue cierto aliento épico. Con su poética objetivista, Millán niega el lenguaje lírico que caracteriza quizás toda la poesía chilena hasta la década de los setenta y que forma, además, la base de tanto la poesía lírica como también la épica. Por eso, en gran parte, la experiencia de la poesía de Millán es tan profundamente radical. Puede que haya algo exageradamente mecánico en esta poesía de Millán ya que refleja la potencia horrorosa de las nuevas tecnologías a las que se hacen recurso para aplastar la dignidad humana. El emblema del río que aparece en este poema de Millán sobre el golpe militar de 1973 es potencialmente parecido al río que fluye en “Reversible” de Gonzalo Rojas, un poema impulsado por el mismo momento histórico. Un proceso violento y perverso, considerado por ambos poetas como algo en contra de la naturaleza, conjura un mundo en que hay una nueva sensibilidad de lo que puede considerarse normal. En este poema lírico de la ira, Rojas siembra de nuevo las semillas de la épica cuando hace presente un lejano momento de lucha y resistencia heroica: mueran los hambrientos de la patria, vivan los caballeros, como en el cataclismo de la otra aurora cuando los ríos bajaban tintos en sangre de cóndores y Dios era aborigen en el viento volcánico y oceánico que nos hizo hombres torrenciales, sin otra música que la del peligro, con Lautaro delante de sus caballos azules en el fragor de la primavera indomable de un Bío-Bío largo y ancho en la eternidad, abierto a los océanos, contra el hado aciago y el invasor (Gonzalo Rojas) En este poema, Lautaro, héroe épico, establece una alianza en el poema con un río que no es símbolo sino alegoría, fuente de una narrativa que perdura, adaptándose a nuevas realidades y nuevos momentos de la historia. De hecho, el poeta mapuche Leonel Lienlaf (1969) invoca el espíritu de la misma figura heroica y lo asocia con esta agua ceremonial que es el origen de los ríos y la fuente de la resurrección y fuerza de un Lautaro que sabrá seguir su lucha en el presente: Anda cerca de la vertiente bebiendo el agua fresca y grita en las montañas llamando a sus guerreros (Vicuña) Volviendo a “Reversible” de Rojas, el poeta termina el poema destacando la similitud entre los campos de concentración de Buchenwald y Dawson, y, considerando el significado de estos sitios extremadamente inhumanos que nunca deben olvidarse, Rojas nos plantea la siguiente pregunta que se puede relacionar con todos los procesos naturales: -¿Hasta el sol era entonces reversible? (Rojas) César Soto Gómez (1952), en su libro Alto Bio-Bío, pregunta algo más directamente relacionado con una conciencia ecocrítica contemporánea: ¿Qué puede esperarse de un país… que ha contaminado sus ríos históricos (léase Mataquito) con fábricas de celulosa… y extinguido los peces de su Pacífico océano… que ha envuelto en smog su Cordillera de los Andes y a Cristo… y que ha talado su bosque nativo: coigüe, mañío, alerce, lenga magallánica? (Soto) La respuesta que ofrece el poeta es un rotundo “Nada… absolutamente nada”. Soto menciona el Mataquito como un río con una importancia singular en la historia de Chile porque es allí donde murió Lautaro, mientras resistía a los españoles y defendía la tierra que pertenecía a los indígenas contra los valores europeos tan dañinos en términos ecológicos. Este ciclo destructivo se va repitiendo hasta la actualidad. Como señala Tony Clarke y Maude Barlow en su artículo “El desafío ante la privatización del los sistemas de agua en Latinoamérica”, “En Chile, los grupos ecologistas han protestado enérgicamente contra la venta de los sistemas fluviales. Durante el régimen de Pinochet, el 80% de los ríos se vendió al sector privado con el fin de facilitar la utilización del agua para la producción de energía y el consumo agrícola. La compañía española Endesa ha adquirido gran parte de los sistemas fluviales de Chile para desarrollos principalmente hidroeléctricos” (Clarke y Barlow). Uno de estos proyectos, la Represa Hidroeléctrica Ralco ha tenido un efecto en las comunidades indígenas Quepuca Ralco y Ralco Lepoy con sus 90 familias y un total de 500 personas. Según el artículo “Antecedentes del conflicto Represa Hidroeléctrica Ralco en Territorio Mapuche Pewenche”, la represa hidroeléctrica Ralco es la segunda represa construida en la cuenca del Bio Bio después de la primera que se llama Pangue, dos construcciones “que destruyen unos de los ecosistemas más valiosos del planeta, según se indica en el Informe de la Federación Internacional de Ligas de Derechos Humanos, que califica estos proyectos de ‘Ecodesastres’” (Antecedentes). Por cierto, continúa el artículo, “uno de los últimos hechos de enorme gravedad, fue el ocurrido en mayo del 2004, en que las familias pewenche tuvieron la inundación de su cementerio ancestral en Quepuca Ralco” (Antecedentes). David Orr, en su libro Ecological Literacy: Education and the Transition to a Postmodern World asevera lo siguiente a propósito de la importancia de tomar en cuenta las características autóctonas de un lugar preciso: Los lugares son laboratorios de diversidad y complejidad, mezclando funciones sociales y procesos naturales. Un lugar tiene una historia humana y un pasado geológico: forma parte de un ecosistema con una variedad de microsistemas. Es un paisaje con una flora y fauna específicas. Sus habitantes constituyen un orden social, económico y político. (Orr) En este sentido, el artículo de Clarke y Barlow, sin ser obviamente un análisis de crítica literaria, nos ofrece una manera excelente de acercarnos a la nueva poesía mapuche y huilliche del sur de Chile de poetas como Jaime Luis Huenún (1967), Elicura Chihuailaf (1955) y Leonel Lienlaf. Los dos estudiosos dicen que “en el sector del Alto Bio Bío se distinguen cinco ambientes ecológico-productivos”, el primero de los cuales se llama el mallín y consiste en “sectores planos y húmedos, correspondiente a suelos aluviales y dedicadas al pastoreo.” Dicen, además, que, junto con la pampa baja y el bosque nativo, el mallín “corresponde al sector de invernada, el cual está junto al río y en la ladera hidrográfica de la cuenca del Bio Bío. En este sector el pewenche tiene su vivienda permanente, vive con su familia y realiza sus cultivos” (Acercamiento). Podría parecer excesivo seguir citando de este artículo, pero es un buen ejemplo del tipo de trabajo no-literario que ilumina ciertos textos poéticos: El recurso agua (sic) es abundante y de buena calidad ya que no existe contaminación de ningún tipo. Las aguas puras y cristalinas provenientes de los cerros, quebradas o vertientes de escurrimiento superficial, las utilizan para uso doméstico, brebaje de sus animales y riego en los cultivos de huertas y chacras. Esta agua a pesar de proceder en gran medida de propiedad de las comunidades de Quepuca Ralco y Ralco Lepoy, no se encuentran legalmente inscritas (sic) a nombre de sus usuarios, por lo que es calificado como un riego informal, un riego clandestino, por parte de Endesa, los dueños de las aguas. (Acercamiento) El mallín aparece en Ceremonias de Jaime Luis Huenún como una referencia al espacio dedicado al nütram, que el poeta define como “la conversación mapuche que entrelaza retazos de mitos, recetas medicinales e historias de parientes y vecinos vivos y difuntos” (Huenún). Aquí, según Huenún, las palabras indígenas cobran una presencia física justo en la tierra más cercana al río: “Adentro escucho verter las palabras, el mapudungún que se desliza por entre mallines y pedregales” (Huenún). El río también se relaciona en la poesía mapuche con la muerte, tal como lo presenta Elicura Chihuailaf en su poema “Sueño azul”: A veces los guairaos pasaban anunciándonos la enfermedad o la muerte Sufría yo pensando que alguno de los mayores que amaba tendría que encaminarse hacia las orillas del Río de la Lágrimas a llamar al balsero de la muerte para ir a encontrarse con los antepasados y alegrarse en el País Azul (Vicuña) Leonel Lienlaf busca una cierta correspondencia terrestre-celeste en su poema semejante “El río del cielo”: El gran río del cielo se ha dormido a mitad del camino y en sus aguas se refrescan las almas de mis antepasados En el río del cielo se baña la tierra; en sus aguas claras, aguas altas, en una noche constelada, con luna, o en una noche de frío. El río se ha quedado dormido, está descansando, esperando las aguas de nuestras almas. El gran río del cielo duerme y me espera. (Vicuña) Por cierto, hay una versión de este poema en la lengua indígena Mapudungún que se llama “Wenumapu leufü” que también se incluye en la antología Ül: Four Mapuche Poets (Vicuña). El reconocimiento de la diversidad lingüística con sus formas únicas de concebir el mundo también es una característica importante de la ecocrítica, ya que, como señala David Abram, “la escritura, tal como el lenguaje humano, se engendra no sólo en la comunidad humana sino entre la comunidad humana y el paisaje animado: nace del intercambio y contacto entre el mundo humano y más que humano” (Abram). En Ceremonias, Jaime Luis Huenún describe el río y su entorno en una pequeña comunidad mapuche a 18 kilómetros de Temuco como un espacio sagrado, sitio de los ritos funerarios de un carpintero anciano llamado José Llanquilef: Su catafalco va cubierto de crisantemos y de lirios. Nadie lo llora en el cortejo que avanza entre el río y los sembrados de papa y remolacha. (Jaime Luis Huenún) Cabe destacar que este poema, junto con el próximo texto que voy a citar, “Víctor Llanquilef empuja el bote ebrio al Río de las Canoas”, no pertenecen a la sección del libro que se llama “Ceremonia de la muerte” sino a “Ceremonia del regreso”, por todo lo que significa el último viaje de los difuntos de acuerdo con las creencias indígenas: Un coipo nada en el sol y tú te recoges en el agua, silencioso. Son tus orillas el berro y el junco, y la ancha sombra de los sauces el destino de tu sombra bajo el agua. Un pez alza la luz sobre el remanso. El destello es tu espíritu que se hunde en lo profundo nuevamente. (Jaime Luis Huenún) Lo que agrega Huenún en el título de este texto es la referencia al poema famoso de Rimbaud que describe otro viaje escatológico. Si bien no hay una presencia fluvial marcada en el poemario posterior de Huenún Puerto Trakl, es porque el poeta, ante la amenaza de su propia muerte, ya se encuentra en el puerto al borde del mar donde desemboca el río de su vida como creador: Al pie de esta canción mis días levantan sus pequeñas ruinas: un pálido arco iris dando sombra a mi sangre, las palabras que van a dar al río de una poesía inútil, las huellas que dejan mis pies sobre la luz del agua. (Jaime Luis Huenún) Tal como se aprecia en la nueva poesía indígena de Chile, hay una fuerza orgánica en la poesía de Oscar Hahn. Lowry Nelson, Jr. asevera que en la poesía lírica existe “el énfasis romántico en el símbolo y en la analogía orgánica: los símbolos deben ser penetrantes y consistentes; los poemas se parecen más a las plantas en su integridad que a las máquinas con sus partes desmontables” (Nelson). En algunos poemas líricos de Oscar Hahn la lira natural que es el río comienza a contar una narrativa alegórica musicalizada, o sea, las historias de nuestras vidas y muertes colectivas emergen del símbolo conocido en conjunto con todas las otras narrativas fluviales coexistentes en él a través del lenguaje poético. ¿Qué es lo que se transporta, entonces, exactamente, en poemas como “Canción de Blancaflor”, “Fragmentos de Heráclito al estrellarse contra el cielo”, “Un ahogado pensativo a veces desciende”, “O púrpura nevada, o nieve roja”, “Meditación al atardecer”, y “Adán recuerda la fallida destrucción del árbol de la ciencia”? Lo humano y lo más que humano, una confluencia entre el cuerpo y el río: “El alma de Blancaflor/herida flota en el río/en el río del amor” (Hahn), fluye con su muerte desde la Edad Media, recogiendo a la Ofelia de Shakespeare, hasta llegar a nuestra época; “No nos bañamos dos veces en el mismo río,” nos cuenta el poeta, “No entramos dos veces en el mismo cuerpo” (Hahn); “caudaloso de cuerpos pasa el río”, arrastrando tal vez a todos los lectores muertos y vivos que llevan en sí un recuerdo fluido de “Le Bateau Ivre” (Hahn); el río también se lleva el rostro del soldado muerto bajo la mirada de su novia (Hahn); al final, dice Hahn, lo que hay es un inmenso proceso natural cíclico: Cuando el sol de la muerte se beba toda el agua de tus ríos y sus rayos voraces mortifiquen tu piel y la resequen el agua de tu cuerpo ascenderá a los cielos y convertida en sangre lloverá una vez más sobre los cauces (Oscar Hahn) En esta relación hay una especie de rioficación del cuerpo, o una corporificación del río. Tenemos un vínculo con este río corporal y este cuerpo fluvial desde el mismo momento de la creación cuando nos atravesamos, cuando “Caminamos tomados de la mano/y el gran río cruzamos vengativos/para incendiar los bosques tentadores” del paraíso terrenal (Hahn). ¿Será que este poema ostensiblemente lírico de Hahn es nada más que un capítulo contemporáneo que actualiza la historia épica que narra la Biblia en Génesis y Apocalipsis? En la poesía de Jorge Teillier (1935-1996), los ríos también existen para atravesarlos, pero en este caso por medio de un puente en los eternos viajes por tren que llevan al gran poeta lírico/lárico hacia el sur (ahora para siempre) en ese eje metrópolis/centro-campo/ periferia. El lar que se convierte en los poemas en el verdadero centro espiritual sagrado del poeta y su memoria no es simplemente un lugar constituido por la tierra. El poema cuasi-épico “Crónica del forastero” abre (“Mi rostro quiere recuperar la luz que lo iluminaba/ en el verano traído por la corriente del río”) (Teillier) y termina con poderosas imágenes fluviales: Debo enfrentar de nuevo al río. Busco una moneda. El río ha cambiado de color. Veo sin temor La canoa negra esperando en la orilla. (Jorge Teillier) Niall Binns asevera que “la denuncia ecológica se formula en Teillier a veces de manera superficial, como una protesta irónica contra la contaminación expresada en imágenes de la omnipresente basura, desechos de la sociedad moderna que llegan al mismo corazón del país, al espacio provinciano que el poeta lárico quisiera retener sin mácula” (Binns). Otras veces el poeta demuestra una conciencia de una amenaza más seria pero siempre en relación con el espacio utópico de su niñez. En contraste con la recreación de una perdida Época de Oro (o sea, backward dreaming) de la infancia en la poesía de Teillier, hay una especie de lo que se podría llamar forward dreaming en Título de dominio de Jorge Montealegre (1954) que describe la crecida del Río Mapocho durante los fuertes temporales que definen la marginalidad bajo la dictadura militar. La pérdida de identidad cuando el poeta ve cómo “las cartas/de ciudadanía/quedan rezagadas siguiendo la corriente” se yuxtapone con la proyectada libertad de “un moisés (que) flota hacia la tierra prometida” (Montealegre). Égloga de los cántaros sucios de Oscar Barrientos Bradasic (1974) es un libro realmente notable que se constituye de 21 poemas en los cuales el emblema del río crea un espacio idóneo para contemplar la historia y, a la vez, algunos conocidos problemas filosóficos, como, por ejemplo, en “Heráclito de Éfeso se mira a sí mismo en el Río de las Minas”: No podemos bañarnos dos veces en el mismo río, -según tú- porque nosotros y el río no seremos dos veces el mismo. Tampoco podremos entonces sentir lástima dos veces por el mismo cauce, ni sentir en más de oportunidad única que el río es un país volcado en barro, perdido en el recuerdo de algo más sublime que esto, esa transición que parece el trote de un mamut, esa transición entre lo pérfido y lo absurdo, ese intento que nunca llega al mar. (Oscar Barrientos) Hasta la basura del mundo contemporáneo vertida al agua se presta a una meditación (¿proustiana?) sobre la temporalidad más íntima y personalizada, como ocurre en “La corriente del río se lleva una lata de Coca-Cola”: Es de un color rojo, que el río destiñó entre sus bielas de piedra y arena. Es una gota de sangre que ha perdido la vida de tanto rodar por la corriente. Y yo te veo desde la baranda, latita de aluminio, ya sin aquella coquetería de casa de muñecas, por primera vez derrotada… …porque bebí en mis manos de tu caldo oscuro como quien accede al cáliz del rencor, al país de las maravillas que se nos desintegra día a día. La sonrisa tan generosa comprada en la juguetería de Santa Claus (tus letras estilizadas en la cafetería del colegio) Coca-Cola siempre Coca-Cola, la letanía de tu paraíso perdido, esa cuota de posteridad que el río sepultará en barro. (Oscar Barrientos) Los ríos que hemos experimentado a través de los poemas de estos poetas chilenos del siglo veinte y del período más actual podrían ser emblemas ecocríticos con un valor tanto metafórico como literal en cuanto a su capacidad de conducir narrativas humanas en el viaje hacia la muerte y de crear fronteras líquidas entre la poesía lírica y la poesía épica para que al final los poemas existan en un metagénero que corresponde al mundo entero con sus distintos microsistemas, donde la vida interior humana siempre actúa con la mayor reciprocidad posible con lo más que humano. Aquí, como dice Andrés Fisher (1963) en “Ríos sin discurso o el dis-curso del río”, todo es posible, hasta “la interrupción del flujo; el agua rota en pedazos y la palabra estática, en situación diccionario” (A. Fisher). La naturaleza misma se encargará, tal vez, de deshacerse de lo humano a través de un rito de purificación, como implica Juan Cameron (1947): “Pues el río en la tarde cambia el curso/y todo lo arrojado vuelve a su lugar/lavado por las aguas” (Cameron). Sin embargo, como no podemos escaparnos del desastre ecológico que hemos creado, ¿tendremos que entregarnos a la corriente y seguir las instrucciones de Sergio Mansilla (1958) cuando dice, “Cierra los ojos y navégate sin rumbo sobre esta agua/que viene de ninguna parte y que va a ninguna parte” (Mansilla)? En este espacio genérico “epilírico” que abarca la gran dialéctica entre lo monológico y lo multilógico, los ríos de la poesía chilena pueden desembocar en su fuente, fluir en dos sentidos simultáneamente, tener tres orillas para su caudal inmóvil, o levantarse para correr con las historias de la imaginación poética entre las estrellas. Por otro lado, el río que somos nos permite establecer una identidad ética a través de nuestra capacidad no sólo de crear símbolos, sino de entender literalmente (en términos científicos no exentos de belleza y asombro) los ecosistemas fluviales que nos sostienen, de tejer relaciones recíprocas con el mundo que habitamos tal como sucede con los nuevos límites corporales expansivos en “Durmiendo junto al río” de Alberto Rubio: El río últimamente destellaba: mi sangre enrojecía aquel poniente, y con el vino en aquel día me iba allá del horizonte soñándome mis venas. (Alberto Rubio) Masaru Emoto nos plantea las siguientes inquietudes y desafíos en relación con el agua y el futuro: ¿De dónde vienen nuestras almas? Hemos visto la posibilidad de que vienen de un lugar remoto del universo, llevadas por el agua. Entonces, preguntamos, ¿qué es lo que espera al alma? Como somos de agua misma, algún día todas nuestras memorias de las experiencias en este planeta serán lanzadas al espacio. Y nuestra responsabilidad antes de que suceda esto es transformarnos en agua pura sobre la faz de la tierra. (Emoto) Todos los seres humanos, entonces, con nuestros ríos internos, tendremos quizás la oportunidad de construir una nueva épica a partir del poema lírico de una sola célula humana de agua. Mientras tanto, nos corresponde entender de una manera cabal el discurso tóxico que proviene de una situación cada vez más grave en el mundo que habitamos y que intentamos describir por medio de la palabra escrita. Como señala Jonathan Bate en su libro fundamental The Song of the Earth, “las obras de arte pueden ser estados imaginarios de la naturaleza, ecosistemas imaginarios ideales, y, leyéndolas y habitándolas, se puede comenzar a imaginar cómo sería vivir sobre la tierra de una manera diferente” (Bate). Steven F. White (Estados Unidos, 1955). Poeta, traductor y ensayista. Es traductor de Poeta en Nueva York de García Lorca, también ha realizado antologías bilingües de la poesía de Nicaragua, Chile, Cuba y Brasil. Es el autor de los libros de ensayos críticos La poesía de Nicaragua: diálogos con Francia y los Estados Unidos y El mundo más que humano en la poesía de Pablo Antonio Cuadra: un estudio ecocrítico. También trabajó como co-editor de Ayahuasca Reader y co-autor de Cultura y costumbres de Nicaragua. Como poeta publicó los libros bilingües Fuego que engendra fuego y Escanciador de pócimas. Contacto: [email protected]. Página ilustrada con obras del artista William Blake (Inglaterra). revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 Luis Feito: "La pintura no es una carrera de novedades y modas" [entrevista] Miguel Ángel Muñoz . Madrid. España. Con una gran exposición retrospectiva en el Museo Centro de Arte Reina Sofía, en el 2003, se celebraron los 50 años de trabajo artístico de Luis Feito (Madrid, 1929), condensados en unas 200 obras, agrupadas casi en partes iguales entre pintura y obra en papel. Feito es no sólo uno de los miembros del histórico grupo El Paso, responsable de la restauración del prestigio internacional del arte de vanguardia español tras la guerra civil, sino también uno de los pocos artistas que ha logrado sobrevivir, subjetiva y objetivamente, a esta transición. Premio David Bright en la XXX Bienal de Venecia, Premio de la Primera Bienal de Arte Mediterráneo, en Alejandría; Premio de la UMAM, en la primera Bienal de París; Premio al Mejor Artista, Feria de Arte de Osaka, Japón; Premio Nacional de Arte, España; Premio Tomás Francisco Prieto de grabado, Madrid; Medalla de Oro al Mérito de las Bellas Artes, Madrid; Académico de Número de la Real Academia de Bellas Artes de San Fernando, Madrid. Entre sus múltiples exposiciones destacan: Museo de Hamburgo, 1964; Museo de La Chaux-de-Fonds, Suiza, 1966; XXXI Bienal de Venecia, 1968; Museo de Arte Moderno de Quebec, Canadá, 1969; Galería Antonio Prates, Lisboa, 1996 y 2001; Galería Boulakia, París, 1996; Museo Reina Sofía, Madrid, 2003, entre muchas otras. Feito lleva medio siglo de producción artística ininterrumpida, que ha abarcado todos los materiales, géneros, técnicas y, por supuesto, maneras posibles de entender y apreciar el arte, puesto que una de sus características ha sido la experimentación y la reflexión. [MAM] MAM En su exposición del Museo Reina Sofía y que posteriormente viaje por diversos países de Europa y América, se reunieron cinco décadas de trabajo que abarcaban varias etapas de creación pictórica, ¿qué siente cuando termina una etapa, qué cuando comienza otra? LF Al término, una sensación de vacío. Una gran angustia. Siempre es el mismo pánico, ante el quedarse corto o llegar a donde piensas no poder llegar. Pero son sensaciones que terminas teniendo controladas. La experiencia te dice que si llevas 40 y tantos años con esa angustia, pero siempre pintando, es que la cosa no tiene remedio. Por otra parte, cuando comienzo algo nuevo siento un pánico previo; en esos momentos me duele todo, me siento fatal. La víspera de la vuelta no tengo que pensar en nada, pero cuando ya me meto de lleno en la pintura es pura manifestación, y todas las crisis desaparecen. MAM ¿Qué trata de decir plásticamente cada etapa de su vida artística? LF Creo que la pintura no tiene nada que decir, sino solamente existir. La pintura ha de ser ella misma, no como ilustración de algo. Viene de alguna parte, va hacia algún lugar, pero lo que importa es su cualidad de presencia, la inmanencia del ser. MAM ¿Cree que en esa “evolución” intelectual hay algún tipo de novedad en su lenguaje? LF Rotundamente, no. La pintura no la concibo como una carrera de novedades, ni como un laboratorio de investigación, sino como algo clásico, consecuencia de toda una cadena de acontecimientos anteriores. No me interesa que una obra sea “avanzada” o no, el único criterio válido es la presencia. No tiene la menor importancia que un cuadro sea abstracto o figurativo, sino que diga algo o no diga nada, que tenga dimensión. MAM ¿En lo que menciona se puede encontrar una cierta lógica. ¿Cuál es la suya? LF Se trata de hacer compatible lo incompatible, nada es una cosa. La vida son muchas cosas; no es la sombra o la luz, es todo. Es como el individuo que es una cosa y otra, y otra, y aún más. La pintura es el color, la vibración del color, la intensidad de las masas en relación, armonizado o provocándose. Rothko es el más puro, el que más me interesa, porque no hay formas, porque te capta y te mete dentro de su cadencia, de su misticismo deslumbrante, sin que tengas que agarrarte a nada, que no sea su espiritualidad. Para mí, esa es una lógica de trabajo, y es lo que el espectador encuentra en mi obra de todas las épocas. MAM Cuando en la Bienal de Venecia de 1960, se le concede el Premio David Brinht, la crítica internacional se desborda ante sus trabajos. A partir de entonces, ¿cómo cambio el curso de su obra? LF Si eres un verdadero creador, vas con el fuego sagrado dentro. Todo ayuda, nada cambia. Yo era muy consciente de que aquello no era normal, porque, en mi formación, había vivido junto a pintores muy importantes y sabía que, si llegaba a sobrevivir, a los 50 o los 60 años llegaría, si acaso, la consagración. Cosa que yo, con 30 o más joven, me di cuenta de que eso no podía durar, que era el producto de una euforía. Si pensabas un poco, te dabas cuenta de que esa ola un día u otro pasaría. Lo importante era seguir en mi trabajo, seguir con los pies en la tierra. MAM En su obra hay un claro reflejo del universo zen. Para muchos el sentimiento japonés del vacío, la contemplación del blanco, la poesía, la musicalidad, son elementos primordiales, ¿cómo poder expresar en un cuadro todo este proceso de experiencias? LF De una manera muy simple. Es ese intento de trabajar del modo más directo posible; es decir, que lo que tienes que decir salga de tu interior, sin intervención intelectual. No de todos los estratos sociológicos, culturales, que hay en tu inteligencia, sino de lo que llamamos el lado espiritual. Por eso yo pinto de una cierta manera. Primeramente, pinto por el suelo, y no para que la materia no se caiga, sino porque al estar en determinada posición no veo la totalidad del cuadro; luego no tengo la tentación de que intelectualmente , al ver el cuadro, me diga que aquí tengo que poner esto para estar equilibrado, ,mejor compuesto. Lo que hago es hacer lo que tengo ganas de hacer en el cuadro, directamente, sin ver el resultado. Me sirva o no me sirva, no hay posibilidad de retoque. El cuadro está hecho. Mis cuadros de esas épocas (la blanca, la roja, la negra) están hechos en sesiones, se empiezan y se acaban en una sesión. MAM En sus cuadros parece existir un combate de fuerzas que usted crea pero también destruye. El uso del blanco y del negro es un buen ejemplo, ¿cree que es una tensión constante consigo mismo? LF Sí, siempre hay una dualidad, una tensión, un combate, porque somos una contradicción constante. En mis cuadros, de una manera u otra, a veces hay tendencias que ganan. Siempre existe ese conflicto, y evoluciono con la revelación de ese conflicto. En momentos, en ese combate, hay tendencias que se imponen, como me ha ocurrido hace algunos años con la geometría: el borde de la línea, esa depuración, es la que ha ganado y el gesto ha desaparecido. Me he esforzado en ese camino. Luego, cuando esa etapa se ha agotado, me voy a lo contrario, y vuelve a salir todo la pintura gestual, la geometría ha quedado como una forma fuera más del cuadro, ha salido el mundo anárquico, el caos que está siempre debajo. MAM ¿Considera que la descripción evoca la pintura de acción? LF Sí, ya en los años cincuenta precedía así. Ya entonces echaba la pasta, y las tierras cuando utilizaba tierras, y hacía la mezcla sobre el mismo cuadro. Nunca he utilizado paletas. MAM ¿Qué papel juega en su obra el automatismo? LF Un papel clave. El primer momento es absolutamente automático. Un auténtico guarreo. Generalmente soy inconsistente de lo que hago entonces. Pero no hay que olvidar los pasos previos. La realización del cuadro hay que insistir sobre ello, es el último estadio de un proceso, y ese proceso es tan importante o más que el cuadro en sí. MAM Hablamos de la pintura de acción. En la distancia, ¿cómo ve aquel momento del arte americano, que tanta importancia tuvo para usted y otros artistas de su generación? LF Posiblemente me haya quedado ahí. Esa época sigue siendo completamente vital. Lo que hizo Rothko es un horizonte difícil de superar. Rothko nunca me ha decepcionado, ni su realización, ni su mentalidad, ni su óptica de la pintura. Esteban Vicente, Sam Francis, Newman y gente así; sigo creyendo que después no ha surgido nada más importante. Después se produjo la llegada al arte del mundo de las modas. El tiempo ha fijado todo eso. No lo ha erosionado, sino todo lo contrario. En esa época lo veíamos todo a mano, estaba demasiado cerca, y no le dábamos la importancia que tenía realmente. MAM Menciona las idea de que se a “quedado”, ¿cree que de ahí surge una cierta intemporalidad de su concepción del arte? LF Lo manejo para decir que no me interesan las modas artísticas. El arte actual es cuestión de un acontecimiento mediático. Punto. La clave de lo que se habla y se dice es el acontecimiento mediático; si no, no existe. Miguel Angel Muñoz (México, 1972). Poeta, historiador y crítico de arte. Es autor de los libros de ensayo: La imaginación del instante: signos de José Luis Cuevas (2001), Materia y pintura: aproximaciones a la obra de Albert Ràfols-Casamada (2002), y Travesías (2004). Es director de la revista literaria Tinta Seca. Contacto: [email protected]. Página ilustrada con obras del artista Luis Feito (Espanha). revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 Os espaços do círculo: a distância e o trágico em Rosa e Proust Leonardo Vieira de Almeida . Uma análise do aspecto circular da obra pode levar-nos a aproximar determinados escritores preocupados em fazer dessa questão um fenômeno da própria literatura. Desenho formado por uma linha que podemos acompanhar tanto para diante quanto para trás, o círculo, de fato, consubstancializa diferentes índices do texto literário: o tempo, que pode ser o do leitor, na busca de reduzir os diversos pontos que circundam o espaço das palavras; diverso daquele do escritor e do narrador, para quem o tempo, a ser criado pelo espaço, é quem os reduz no processo de mover-se: uma página preenchida é tributo que se paga ao tempo, aproximação cada vez maior do ponto último, final do livro, “entrada” para o silêncio que se torna via de acesso para um novo despertar. Este desenho do círculo une dois autores aparentemente distantes na construção de seus espaços literários: o sertão de João Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas, pontuado por uma natureza ao mesmo tempo exuberante e árida (o Liso do Sussuarão, a Guararavacã do Guaicuí, as Veredas-Mortas); a França de Marcel Proust, em À la recherche du temps perdu (Combray, Doncières, Balbec). Seus rios, cursos tanto geográficos quanto amorosos e existenciais: o de-Janeiro, lugar de encontro de Riobaldo e o Menino, que dividiu a vida do jagunço atirador em duas partes; o Vivonne, pelo lado de Guermantes, onde o menino Marcel navegava à procura da condessa cuja última sílaba de seu nome, “antes”, se banhava em sua própria luz alaranjada. [1] Espaços que nascem a partir da distância, pois é mediante a memória e a imaginação que se encena a viagem pelos lugares. Viagem esta que, segundo Proust, possibilita “ver o universo com os olhos de cem outros”. [2] Tais olhos, por sinal, não seriam os de seus personagens, ou, ainda, os de seu espírito enquanto leitor? A Recherche abre com as seguintes frases: “Durante muito tempo, costumava deitar-me cedo. Às vezes, mal apagava a vela, meus olhos se fechavam tão depressa que eu nem tinha tempo de pensar: ‘Adormeço’”. [3] É ao espaço do sono que se volta o narrador, para, logo em seguida, dizer: “E, meia hora depois, despertava-me a idéia de que já era tempo de procurar dormir”. [4] Podemos verificar que, nesse início de parágrafo, Proust delineia a imagem de um círculo, cujas linhas, despertar-sono, sonodespertar, são o verso e anverso que permitem à linguagem ser a Aurora do pensamento. O narrador, ao acordar, não distingue com precisão o espaço nem o tempo, tudo é matéria ininteligível que ele se esforça em compor no torvelinho das sensações que o envolvem: “Um homem que dorme, mantém em círculo em torno de si o fio das horas, a ordem dos anos e dos mundos. Ao acordar consulta-os instintivamente e neles verifica num segundo o ponto da terra em que se acha, o tempo que decorreu até despertar; essa ordenação, porém, se pode confundir e romper”. [5] De certo modo, o despertar expõe o narrador a uma tentativa de captar o mundo circundante, universo do qual ele não possui uma clara distinção, que o confunde e rompe a cadeia do espaço e do tempo. É de um ponto “imóvel”, do sono, que Marcel parte para o “acordar”. Ou, de outra forma, não seria da noite para o dia, do silêncio para a escrita? [6] Em Grande Sertão: Veredas é a palavra “Nonada” que desperta a fala do velho fazendeiro Riobaldo. Partícula esta suscitada pelo irromper dos tiros no sertão, que abrem os caminhos da linguagem. Importante notar que, ao contrário de Marcel, Riobaldo não é nenhum homem da alta cultura, mas um ex-jagunço semiletrado que se dirige a uma voz implícita no texto, o “silêncio” do senhor. E a fala de Riobaldo não é propriamente uma fala: “é um texto escrito que encena uma situação de fala”. [7] Assim como Proust, na Recherche, cria um texto escrito que não é propriamente escrito, mas a história de Marcel que, em O tempo redescoberto, descobrirá sua vocação e, por conseguinte, estará apto a escrever o livro. Independentemente da distância que separa a semicultura de Riobaldo e a alta cultura letrada de Marcel, podemos dizer que há um ponto de contato que os une, se o encararmos como viajantes de uma geografia do imaginário e da língua. Ambos partem de uma Aurora do pensamento [8] e atingem, ao “final”, o limiar de uma nova Aurora. Nesse trajeto, há uma distância singular que deve ser percorrida, mas que não chega a um fim último. Sob o signo da distância, Marcel, no início de No caminho de Swann, irá evocar o episódio em que sua mãe, em determinada noite, não sobe ao seu quarto para realizar um gesto afetivo de costume: beijar-lhe o rosto. Georges Poulet, em O espaço proustiano, diz-nos que a distância, para Proust, nunca é um espaço que preenche o vazio, mas ela é “esse vazio”. Por conseguinte, desejar, para o autor, é “tornar um intervalo aparente”. Amar, sob o signo da distância, é ver cada vez mais longe o ser que se ama. Segundo Poulet: “Para Proust, a distância só pode ser trágica”. [9] O episódio do beijo da mãe de Marcel será o eixo irradiador de seu percurso amoroso. Assim a angústia provocada pela distância do objeto de desejo irá se repetir em sua relação com Gilberta, filha de Odette, a qual procurava encontrar, com ansiedade, pelo lado de Méséglise. Esse abismo que se revela como impossibilidade de se alcançar o outro, a aproximação de uma “presença real”, também se revelará nos episódios dos telefonemas de Marcel à sua avó e à Albertine, em Sodoma e Gomorra. A um primeiro momento, escutar a voz da pessoa amada ao telefone é imaginar a ausência vencida. Porém, logo depois, tal fato se mostra ilusório. Para Proust, os lugares estão separados por um espaço trágico: a distância. Mais ainda, é essa mesma distância que suscita a irrupção da dúvida, da desconfiança em relação à pessoa que se ama. Daí que Marcel, para ter a “certeza” de que Albertine não o trai, passará a encerrá-la em sua casa. Movimento que elide o espaço, mas não a distância. Esta será visível até mesmo na mais alta proximidade entre os corpos. À medida que prossegue a Recherche, o narrador vai discernindo que os signos do amor são signos fadados à mentira e ao sofrimento. Numa escala ascensional, Marcel irá experimentar os signos mundanos, amorosos e sensíveis. Por último, a descoberta de sua vocação se dá com a revelação dos signos artísticos. A distância que o narrador precisa atravessar é que o separa do homem mundano e do artista realista, [10] para atingir a essência da arte. [11] Em Grande Sertão: Veredas, por sua vez, há uma distância fundamental com respeito ao objeto amoroso. Riobaldo fala ao senhor de sua amizade por Diadorim, como ele, jagunço no passado. Todo o discurso do velho fazendeiro encontra-se, desse modo, assentado sob o signo da ausência, de um espaço que deve ser preenchido com a lembrança. Espaço sempre distante, nunca apreensível em sua totalidade, que se vai tecendo na sucessão caótica das reminiscências que assaltam o ex-jagunço em sua conversa com o senhor. Mas o que suscita a ressurreição desse corpo de sensações não se deve a um esforço voluntário do narrador, porém, à ação do acaso. Por sinal, o acaso poderia ser visto como uma força catalisadora da narrativa roseana: é justamente por ele que o herói é impulsionado, levado pela corrente do rio heraclítico, também o ricorso viqueano, [12] alcançando sempre uma nova margem distinta daquela que se pensava atingir: “Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto mais em baixo, bem diverso do que em primeiro se pensou”. [13] Nesta passagem, uma vez mais se delineia a hipótese inicial levantada, a de uma Aurora do pensamento. Ou seja, o pensar não se constrói a partir de um caminhar de um ponto de chegada a um ponto de saída, resultando daí uma resposta última. Sua trajetória não é da noite para o dia, mas se situa nesse ponto-limite em que o elemento incompreensível da noite torna-se ao mesmo tempo a ressurreição de uma aurora sempre prestes a romper a duração do silêncio. [14] Como se observa, esse despertar só é possível pelo encontro com a noite e a morte. Diadorim, virgem-guerreira, é figura que emerge à distância, objeto de luto e reverência, que perpassa a fala de Riobaldo. Guimarães Rosa, preocupado com o aspecto musical de seu romance, cria inúmeras palavras com a terminação “-im”, que ecoam o nome enlutado de seu amor: “essezim”, “satanazim”, “canto-clim”. Porém, o trágico que nasce dessa distância insuperável não passa a existir somente depois da morte de Diadorim, pois, como relata Riobaldo, mesmo em vida ele nunca se deixou alcançar fisicamente, permanecendo nessa proximidade longínqua que é o espaço do impossível: “Só de mim era que Diadorim às vezes parecia ter um espevito de desconfiança; de mim, que era o amigo! Mas, essa ocasião, ele estava ali, mais vindo, a meia-mão de mim”. [15] Sem acesso ao amor físico devido ao emblema das vestes jagunças que se estampa em seu corpo feminino, Diadorim só se revela como possibilidade da consumação erótica após a batalha com Hermógenes, na praça do Paredão. A Aurora do amor se consome no círculo da noite, que extingue o enigma do corpo, expondo o tempo não mais como duração de Eros, mas como luto que, por sua vez, não suprime uma nova vivência, a amizade, a Philia que supera a morte e a noite. Diadorim, revelada Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins, foi quem ensinou Riobaldo a ler as “quisquilhas da natureza”, espécie de Beatriz, guia do chefe Urutú-Branco pela selva claro-escura do sertão. Também Marcel, em À la recherche du temps perdu, experimenta a distância trágica com relação ao amor, só que, ao contrário de Riobaldo, ele não adquire, a princípio, uma consciência positiva desta jornada. Se podemos verificar em Grande Sertão: Veredas uma peregrinação do herói em busca de seu desejo amoroso, que o leva a encontrar nas figuras de Diadorim, Nhorinhá e Otacília modos diferenciados de Eros, que nem por isso deixam de interpenetrar-se, [16] na Recherche o caminho leva o herói à constatação de que nem mesmo a amizade é uma “religião” confiável. O amor, por sua vez, se decifra no sofrimento e na mentira. Mas diz Proust: só se ama o que não se possui, só se ama o que nos leva a perseguir o inacessível. Esta última sentença poderia nos abrir um novo caminho, uma nova reflexão que permitiria aproximar mais uma vez o escritor francês e o escritor brasileiro. Se por um lado, a experiência do amor permite a Marcel a descoberta de sua ineficácia no plano das relações humanas, por outro lado, ele descortina nesta palavra um acesso à “positividade” do impossível. Só amamos aquilo que não conhecemos, como também, poderíamos dizer que o amor, uma das figurações possíveis da alegria, nasce de um encontro, experiência do inexplicável. Foi preciso que Marcel experimentasse a angústia do amor pela recusa do beijo de sua mãe, experiência que ele transmite, como numa projeção de círculos concêntricos, aos seus outros objetos de desejo ou amizade: Gilberta, Odette, a avó, Swann, Bergotte, Elstir, Charlus. Albertine, a qual o leva ao paroxismo do ciúme, porto último de seus afetos amorosos, e que, mesmo morta, continua alimentando seu calvário. [17] Porém, é por meio desses encontros quase sempre frustrados que ele irá descobrir a vocação, e para tanto, será necessário que Marcel tenha uma última experiência do acaso, em seu caminho para a matinée Guermantes. Ao tropeçar nas pedras do calçamento, em frente à mansão da Sra. Guermantes, surge, diante do narrador, Veneza, juntamente com todas as sensações daquele dia esquecido. É essa perda, proporcionada pela distância inscrita no tempo, que o faz refletir que “verdadeiros paraísos são os que perdemos”. [18] Só pelo encontro com a noite, com a “morte” dos lugares, e, conseqüentemente, com sua perda, que se torna possível a recuperação do Tempo Perdido. No entanto, não é o tempo pretérito que se recupera, com toda sua “inocência” original, mas a simultaneidade do passado e do presente. É o tempo em estado puro, experiência fora do próprio tempo, em que a desigualdade das pedras no calçamento, o ruído de uma colher no prato, o barulho da água brotando de um cano, o sabor da madeleine fazem o passado permear o presente, a tal ponto que o narrador se torna hesitante, sem saber em quais “tempos” se encontra, pois se depara na região que lhe permite atingir a essência, no qual os esforços da memória voluntária [19] e da inteligência são malogrados. Se Proust concebe um narrador que discute a própria matéria narrativa, o modo de contar, também Guimarães Rosa estabelece, a partir de um jagunço semiletrado, a discussão da categoria romance. O Tatarana, ao se dirigir ao senhor, discorre inúmeras vezes sobre o papel da memória em seu discurso. As lembranças lhe surgem como produto do acaso, unindo o passado e o presente. Por sua vez, se o personagem-escritor Marcel chega à conclusão, na biblioteca dos Guermantes, de que a experiência do tempo puro é a única por meio da qual pode descortinar a essência da arte, espécie de estrela fulgurante ao longo de todas as constelações de sua existência, o livro que deverá escrever (que já é o próprio livro), precisa reunir todos os instantes do tempo redescoberto num único tempo, o das páginas. Riobaldo não é um escritor, mas um contador de estórias o qual reúne, nesse instante que preenche dois silêncios, o que antecede o “Nonada” e o que prossegue à “Travessia”, também a experiência de um tempo redescoberto, tempo do amor, da guerra e do luto: morte dos signos da tradição na noite do Verbo [20] e sua reinvenção, no instante de uma nova Aurora. Dois momentos que, apesar de distantes em seus espaços singulares, obedecem a um mesmo chamado. Nesse sentido, é importante lembrarmos o estudo de Maurice Blanchot em seu O livro por vir, particularmente o capítulo “O canto das sereias”. O episódio em que Ulisses, na Odisséia, tem o encontro com o canto mavioso dessas figuras femininas, é visto pelo escritor francês como uma luta da qual nasceu o que chamamos de romance. Isto porque em todo romance o que está em primeiro plano é uma “navegação prévia”, que leva o herói até o ponto de encontro. O embate com as sereias é o enfretamento com a morte, como se Ulisses adentrasse uma “região-mãe da música”, “único lugar totalmente privado de música, um lugar de aridez e secura onde o silêncio, como o ruído, barrasse, naquele que tivesse toda aquela disposição, toda via de acesso ao canto”. [21] Riobaldo e Marcel são chamados a atender a essa “música”. No primeiro caso, o jagunço adentra as VeredasMortas, lugar de convite ao pacto com a noite; [22] no segundo, o escritor-narrador, dessa espécie de pórtico que é a biblioteca, onde vislumbra o tempo puro, segue para o salão em que ocorre a matinée dos Guermantes. Se as Veredas-Mortas são o lugar da ausência e do silêncio, palco em que Riobaldo aguarda a chegada das máscaras de Lúcifer, o salão dos Guermantes, por sua vez, guarda outro tipo de silêncio, “região da música” que nasce de uma distância ainda insuperável, a dos anos. As máscaras que recebem Marcel na matinée não são fantasias artificiais, mas disfarces orgânicos, erosões dos corpos que, conduzindo à morte, estampam em suas pantomimas um único personagem: o Tempo. Também é o tempo o grande “personagem” que permeia o espaço das Veredas-Mortas. É mediante um controle do tempo que Riobaldo consegue desempossar Zé Bebelo da chefia do bando de jagunços, sagrar-se Urutú-Branco, chefe-guerreiro, ultrapassar o Liso do Sussuarão, vencer os hermógenes. Porém, ao preço de uma perda. No desnudamento do corpo morto de Diadorim lhe é revelada a possibilidade do amor erótico, impossibilidade que fulgura numa nova asserção do tempo. Nos três dias em que se dispõe a contar ao senhor o relato de sua vida, Riobaldo acena os limites de sua navegação: “Mas, o senhor sério tenciona devassar a raso este mar de territórios, para sortimento de conferir o que existe?” [23] O “mar de territórios” não deixa de ser o “mar de estórias” que o personagem deverá atravessar até o limite da noite, o ponto do silêncio, um dos círculos do inferno que são as Veredas-Mortas. Já o limite de Marcel se encontra, também, na região das máscaras de Perséfone: “E, entretanto, assim como os olhos me pareciam fitar de longínquo vitral, o tom fazia-se tristonho, quase súplica, tal a dos mortos da Odisséia”. [24] Em torno deste limite, podemos destacar que João Guimarães Rosa e Marcel Proust, a princípio afastados na construção de seus singulares espaços literários, tocam-se, tendo em vista todas as suas dessemelhanças, em determinado percurso de seus heróis. Riobaldo, ex-jagunço que teve suas primeiras letras na Fazenda do Curralinho; Marcel, o artista que desde a infância busca sua vocação literária - ambos reencenam a aventura de Ulisses. O mapa de sua navegação é o círculo. Círculo do tempo que se abre, a cada distância percorrida, a um recomeço. Ao chegar próximo ao fim de seu relato, Riobaldo diz ao senhor: “Conto o que fui e vi, no levantar do dia, Auroras”. [25] Ao reforçar a pluralidade do despertar ou do contar “Auroras”, talvez o personagem não esteja apontando o caráter específico do seu modo de “sentir-pensar” [26] o relato? Como se a grande conversação que lhe dá corpo exigisse como ponto de partida uma navegação que jamais chegará a um porto final, sob perigo de se ultimar a obra. O encontro com o “canto das sereias” se realiza nessa distância trágica que une, num mesmo tempo e lugar, a chegada e a partida do navegante, ou seja, na travessia. Rosa e Proust dão forma ao infinito da obra, a um corpo por vir. Como diz Marcel, nas últimas páginas da Recherche: Nos grandes livros dessa natureza, há partes apenas esboçadas, que não poderiam ser terminadas, dada a própria amplidão da planta arquitetônica. Muitas catedrais permanecem inacabadas. Longamente nutrimos um livro assim, fortalecemos-lhe os trechos fracos, mas depois é ele que nos engrandece, que assinala nosso túmulo, que o defende do ruído e um pouco do esquecimento. [27] Ou, ainda, Riobaldo, em Grande Sertão: Veredas: “(...) mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as histórias não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior”. [28] Riobaldo e Marcel, navegadores da linguagem, descem ao mais profundo da noite para escutarem o “canto das sereias”. Tarefa da qual não podem sair ilesos. Também como Orfeu, voltar-se para Eurídice é o fim e começo de um relato. O desejo de ambos é o do movimento incessante do círculo. [29] Leonardo Vieira de Almeida (Brasil). Mestre em Literatura Brasileira (UERJ) e Doutorando em Estudos de Literatura Brasileira (PUC-RIO). Autor do livro de contos Os que estão aí (2002), e de contos publicados em diversas revistas e jornais literários. Coautor do livro À roda de Machado de Assis: ficção, crônica e crítica (2006). Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras do artista William Blake (Inglaterra). revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 Participação da antropologia na obra de Herberto Helder Maria Estela Guedes . As minhas garras são sagradas todas as coisas são sagradas Poemas ameríndios, “Canção do urso” (Sioux) Distribua-se o peixe do mar, distribua-se o sável, distribua-se o peixe-serra pequeno, distribua-se o sável pequeno distribua-se o tubarão, distribua-se o pargo. O caminho do peixe, parece que Deus o fez de ouro. (…) Poemas ameríndios, “Canto de solidariedade” (Cunas) Textos alienígenas Desde os seus mais antigos livros, Herberto Helder manifesta interesse pelos discursos étnicos. É o caso de O bebedor nocturno, com primeira edição em 1968, constituído por vinte e dois blocos de poemas oriundos das culturas mais distintas - haikus, poemas esquimós, indonésios, dos peles-vermelhas, do Antigo Egipto, etc.. Salientam-se neste livro alguns textos de proveniência semita, como o “Apocalipse”. Tanto quanto sei, os únicos textos alienígenas de Herberto Helder até agora estudados com alguma extensão foram os de origem bíblica. Vasco António Gonçalves ocupou-se deles na sua tese de mestrado. Sobram centenas de outros a merecerem atenção, concentrados em especial nos livros As Magias, Ouolof e Poemas ameríndios, além de n’ O bebedor nocturno. Os contributos de culturas étnicas não são constituídos só por poemas. Podem ser costumes ou provérbios, como o expresso no título A faca não corta o fogo. Neste livro, figura um poema que não é uma tradução, relativo ao método dos anzadis para solucionarem a impotência ocasional dos homens. A força da mãe é notável nele. Como tive oportunidade já de referir, em "Herberto Helder, obra ao rubro", a presença do pai é quase nula na obra, a das irmãs tem alguma importância, e a figura da mãe é avassaladora, em intensidade, profusão de aparições e máscaras semânticas que assume. Em Herberto Helder, a mãe é toda a força passível de exaltar, por isso tem expressão maior na mulher amada, e na poesia, na língua-mater. Daí que o poema inspirado no costume dos anzadis de recorrerem aos dedos maternos, com o fim de os livrarem da impotência, seja especialmente perturbador. Antes da publicação deste penúltimo livro, com uma parte substancial de inéditos, Herberto Helder passou muitos anos sem nada de novo dar a lume, sofrendo um dos seus episódicos períodos de impotência poética. Embora Herberto Helder seja usualmente apresentado como poeta e tradutor, ele chama versões aos resultados da tradução. A precisão nos termos é necessária, porque, se geralmente traduzir é trair, no caso da poesia tribal levantam-se ainda mais problemas. Os Poemas ameríndios, principal corpus da minha comunicação a este Seminário, não parecem muito antigos. Um deles, relativo aos toltecas, e à vinda de Quetzalcoátl ao mundo, traz a data de 843 d. C.. A generalidade, porém, deve ser posterior à colonização portuguesa, espanhola e inglesa. Os temas envolvidos são numerosos: cerimónias religiosas como a antropofagia ritual, e, pelo contrário, condenação dos sacrifícios humanos, oferta da criança ao Sol, a dança, o namoro, a caça, a doença, o recurso aos feiticeiros. Num dos textos sugere-se a relação incestuosa entre irmãos. Outros refletem os elementos da vida quotidiana e são ricos na enumeração das espécies da flora e da fauna. Se bem que menos abundantes, as espécies da geologia também estão representadas, pelo menos com o ouro e com a obsidiana. Para os índios da América Central e do Sul, entre todos os produtos alimentares, são grandiosos o milho e a farinha. O milho é entronizado, aparece referido como "Deus-maçaroca". Alguns poemas são híbridos, cruzam-se neles elementos culturais de partes distintas do mundo, não só porque são poetas europeus os que traduzem os textos de tribos asiáticas, americanas e africanas, mas também por dificuldades de traduzir nomes de coisas que não existem na cultura da língua tradutora. Os poetas ficam mais atentos ao ritmo e à musicalidade, à poética das relações, do que à fidelidade no transporte de um estrato cultural de uma etnia para outra etnia. No caso da flora e da fauna, acontece então por vezes que ficamos face a algo que funciona mais como jardim botânico ou jardim zoológico do que como um corte do território em que surgiu primariamente o poema, com os seus animais e plantas indígenas. Estranhamos um canto asteca em que o Veado refere o faisão magnífico e se autodesigna como Dois-Coelho, Coelho Ensanguentado (Poemas ameríndios, pág. 42). Numa canção quechua, ainda mais estranho é o verso em que se pede que o "o leão e o lobo/ venham devorarme". Na flora detectamos espécies como as rosas e os cravos, entre os animais domésticos aparecem, ao lado do lama e do búfalo, a ovelha e o porco; entre os selvagens, as pombas brancas podem coabitar com o quetzal. Algures, surge até uma “pega azul”, que é decerto um representante da família Corvidae, mas não da Cyanopica cyanus. Como bem sabemos, habitantes que quase todos fomos do Museu Bocage, e leitores dos trabalhos ornitológicos do Prof. Sacarrão, a pega azul, além da China, só ocupa uma pequena zona mestiça na Europa, metade portuguesa e metade espanhola. É na região de Vila Nova de Foz-Côa que vive a pega azul, onde, para aborrecimento dos indígenas, constitui uma praga. Levantam-se aqui problemas vários, e não só de biogeografia, donde a importância da datação dos textos. É difícil averiguá-la. Se os jesuítas introduziram o gado na América, já os poetas não foram responsáveis pela introdução das outras espécies exóticas no Mundo Novo. Estou certa de que elas apenas foram introduzidas no discurso poético. Lama, tatu e quetzal são nomes conhecidos de animais. Mas nos poemas originais pululam muitas outras espécies, cujos nomes não se conhecem ou não existem nas línguas europeias, e por isso causam embaraço aos tradutores. Daí que talvez existam na América literária mais sabugueiros, loureiros, pegas azuis e raposas do que se esperaria. Bem me recordo dos que buscavam na biblioteca do Museu Bocage os nomes certos para as suas traduções. Foi para resolver problemas tão árduos como estes que Lineu criou o sistema da natureza, com a identificação das espécies fundada no binómio latino. Esclarecendo o que venho a dizer de forma implícita: Herberto Helder não verte directamente os textos incas ou pigmeus para português. Ele trabalha com traduções em línguas europeias familiares. Uma vez que raramente identifica as suas fontes, vamos partir do princípio de que verte do castelhano, do francês e do inglês. Não será ele então o maior responsável pelos fantasiosos ecossistemas criados pela poesia, se bem que estejam no seu temperamento a interculturalidade e a mestiçagem. A língua mestiça Ao verter ou ao traduzir verifica-se uma apropriação da cultura transportada no texto étnico, e seguidamente uma recriação de tais elementos na língua mãe. Quer isto dizer que o resultado é sempre um texto mestiço. Que uma das tendências da poesia herbertiana é a hibridação, já o assinalei por várias vezes, em especial no ensaio “Estes são outros híbridos”. Aliás o próprio autor o reconhece, quando afirma que se cruza com o mundo, no poema de A faca não corta o fogo, em que usa português de Portugal cruzado com português do Brasil. No final deste mesmo livro, no poema “o fogo arrebata-se do gás até à cara, e lavra-a”, Herberto Helder identifica a língua com o sangue para declarar: “sangue denso/ dessa língua mestiça em que tudo está escrito”. O elemento mestiçador é sempre a língua, claro, mas a língua é também um órgão sexual. Vejamos um fragmento do poema acima referido, em que se hibrida a fala do Brasil com a de Portugal, para retratar o relacionamento sexual com uma prostituta brasileira: [...] ¿que se me faz que seja puta? Dizem por i, de gente em gente ¿que é isso: puta? pequena, se fôr às raízes latinas, mas tudo cresceu tamanho, grão de cobre esparzido pelas capitais do corpo: púbis, cabeça, porque você é tão cerrada em sua vida própria, trigo na noite, excessiva beleza terrestre bruxuleando um pouco adentro, que bèsteira de lhe chamar de puta, de pequena, ou mesmo se lhe chame de grande puta, se der o fora • ai dolor! se sabedes novas da minha amiga, socôrro de minha baixa biografia, ai Deus e u é? [...] A mestiçagem linguística, além de luso-brasileira, com penetração no corpo do latim, num termo da sociologia sexual que se situa aliás no cerne da mestiçagem analisável pela Antropologia Biológica, abrange acentuação, pontuação, morfologia e sintaxe, e retoma o português medieval das cantigas de escárnio, de amigo e de amor. A transgressão expõe na mesa uma árvore genealógica. Ela é bastante clara: escritores que subvertam o corpo linguístico, que usem a língua híbrida, que se apropriem de culturas a que outrora se chamava primitivas, que as misturem com o que houver de mais erudito, que não hierarquizem, pelo contrário, que ponham os produtos das culturas alienígenas em pé de igualdade com a indígena, esses escritores costumam ser os das vanguardas europeias do século XX. São aqueles que o Surrealismo, por exemplo, toma para a sua genealogia. Dessa linhagem fazem parte obras excessivas, como Gargântua e Pantagruel, os poemas herméticos e cabalísticos, certa arte étnica, e também a novelística sexualmente transgressora, como a do Marquês de Sade. O elemento mais cru desta genealogia é a transgressão, provavelmente por ter sido traçada por artistas cuja juventude decorreu em contacto directo, nas colónias, com a hierarquização, o racismo, a repressão e a censura próprios do sistema colonial. E o elemento mais cozido, isto para usar os termos consagrados por Lévi-Strauss, será a inocência do artista étnico, aquele traço de infância que está mesmo na base de uma técnica, a do naïf. A estes artistas não é de facto alheia a influência de um antropólogo como LéviStrauss, a garantir, em La pensée sauvage, que não existe um pensamento dos selvagens, sim um pensamento domesticado pelo paradigma dominante, e um pensamento mais rebelde e mais inocente, que se não deixa comprar nem pelo dinheiro nem pela fama, isto para trazer à colação o comportamento de Herberto Helder na sociedade a que pertence. Com a mestiçagem, além de reagirmos à discriminação, fomentamos o diálogo intercultural, susceptível de abrir caminho a novas leituras, quer do poeta, quer dos seus leitores. O poeta, mediante a tradução, participa directamente na cultura a que pertence o poema tribal, apropriando-se dela. Esta apropriação tem consequências intelectuais e estéticas. O contrário foi, durante séculos, a colonização. O povo colonizado era forçado a converterse à religião e cultura europeia. No momento em que o poeta assimila o elemento exótico, hibridando-o com o endótico, está a contrariar a tendência colonialista e simultaneamente a criar algo de novo, no plano artístico. Tal como na mestiçagem biológica, o produto cultural da hibridação exibe sempre caracteres de grande novidade. Parte dos textos tribais foram vertidos de poemas publicados por escritores que viveram nas colónias, caso de Henri Michaux. O título Ouolof provém de uma citação de “Télégramme de Dakar”, poema deste poeta familiar do Surrealismo, como também Herberto Helder. O Surrealismo, como ensinou Alexandrian, fez larga apropriação dos veios sagrados dos textos tribais. No horizonte do interesse pelo texto étnico está acima de tudo a sua dimensão mágica. Isso mesmo documentam os títulos As magias e Ouolof, de Herberto Helder. O termo “Ouolof” designa a língua falada pelos Wollofs, ou jalofos, como escreviam os nossos antigos cronistas: On parle à des décapités les décapités répondent en "ouolof " [Henri Michaux, "Télégramme de Dakar"] Os decapitados falam em jalofo, eis a questão. A questão, está bem de ver, situa-se num plano de sentido muito amplo. No entanto, não existindo debate teológico nem filosófico em Herberto Helder, nem textos do povo Wollof, e nem sequer referências à cultura afro- islâmica, é forçoso perguntar qual a razão deste título. Só a epígrafe com aqueles versos de Michaux alude aos jalofos. Ouolof é um livro constituído por versões de poemas maias e dos poetas Emílio Villa, Jean Cocteau, Marina Tsvetaieva e Malcolm Lowry. O título entendese como desafio: se quem fala jalofo são os decapitados, então o livro de Herberto Helder é mais um Livro dos Mortos, e com isto respondemos de novo à pergunta: o que há no discurso tribal que interessa aos artistas? Entre elementos menores, repito que interessa a questão do sagrado. Ao verter para português textos próprios das liturgias de outros povos, Herberto Helder busca uma ancestralidade cultural, uma parentela que não pertence ao foro do ADN, sim ao da imaginação criadora, ou do sonho, como lhe chama Alexandrian. O “poeta obscuro”, título a que aspira o próprio Herberto Helder ("Meu Deus, faz com que eu seja sempre um poeta obscuro", escreve ele n' Os passos em volta), é uma imagem do xamã, ela estabelece uma árvore genealógica sacerdotal. E tanto isto é assim que, no mais recente dos seus livros, Lapinha do Caseiro, não só declina a autoria em Francisco Ferreira, um seu bisavô santeiro, como num dos poemas que ali publica, junto às fotografias dos santos esculpidos pelo antepassado, garante que se senta a conversar com Deus: palavra, música, martelo uma equação: conversa de ida e volta. Que natureza assume o sujeito lírico para conversar com Deus? Será ele um dos serafins? Um apóstolo? Um feiticeiro? Nem por isso. O poeta afirmara, linhas antes de se sentar para a dita conversa: “eu falo o idioma demoníaco”. revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 William Blake, poeta e profeta Claudio Willer . Quantas boas vias de acesso dos leitores brasileiros à poesia de William Blake. Saiu mais uma tradução de O Casamento do Céu e do Inferno, pela editora Hedra, por Ivo Barroso, que já havia traduzido O Tigre (este poema, classificado como canônico por Harold Bloom, também foi traduzido, entre outros, por José Paulo Paes, Augusto de Campos, Paulo Vizzioli, Alberto Marsicano, e por Mário Alves Coutinho e Leonardo Gonçalves). Voltou à circulação a edição de Blake preparada por Paulo Vizzioli: Poesia e Prosa Selecionadas, agora pela Nova Alexandria. É recente William Blake, O Casamento do Céu e do Inferno e outros escritos, seleção e tradução de Alberto Marsicano, pela L&PM Pocket; versão revista e ampliada de outro Blake por Marsicano, na década de 1980. Continua em circulação O matrimônio do Céu e do Inferno, O livro de Thel, por José Antônio Arantes, da Iluminuras. Outra boa aproximação a Blake, através de Canções da Inocência e da Experiência, por Mário Alves Coutinho e Leonardo Gonçalves, pela Crisálida, de Belo Horizonte. E, pela Nephelibata, de Santa Catarina, sairão traduções de The book of Ahania, The book of Los e The song of Los por Floriano Martins, em meados de 2009. Há exatos 200 anos, em 1809, Blake, precisando de dinheiro, fez uma exposição de suas gravuras, incluindo textos ilustrados. Apenas um crítico, do Spectator, visitou a mostra: escreveu que Blake devia ser objeto de pena, pois era apenas um pobre louco. Gravações – o modo escolhido por Blake para publicar, através de gravuras em cobre, tratadas uma a uma, com ilustrações e os textos – e originais permaneceram jogados, deteriorando-se, até sua descoberta por Dante Gabriel Rossetti e Swimburne, meio século depois da sua morte (em 1827, aos 70 anos), para terem a primeira edição realmente adequada em 1893, graças aos cuidados de William Butler Yeats. Dentre essas edições de Balke – listei as mais recomendáveis – aquela de Marsicano merece interesse por trazer amostras do que Alfred Kazin (organizador do The Portable Blake da Penguin Books), chamou de poemas proféticos, e Keines, que preparou a edição de sua obra completa (Blake, Complete Writings, editado por Geoffrey Keynes, Oxford University Press), chamou de poemas simbólicos: entre outros, os extensos e torrenciais Milton e Jerusalem, e o enorme Vala or The Four Zoas (com 120 páginas na edição Keynes), que Blake não chegou a publicar; foi recuperado décadas após sua morte. Esse repertório do Blake mais complexo, ou menos imediatamente sedutor, será ampliado em breve, com a edição por Floriano Martins, pela Nephelibata. Por algum tempo, houve estranheza diante da diferença, até contradição aparente, entre o Blake tão claro e preciso de O Casamento do Céu e do Inferno, e tão antológico, e não só pelo poema do tigre, das Canções da Inocência e da Experiência, e uma escrita paroxística, transbordante, dos poemas mais extensos. O juízo de valor, em favor das obras mais reduzidas e concisas, contrário aos excessos daquelas mais extensas, foi discutido por Alfred Kazin em The Portable Blake. Da mesma época (década de 1940), o ensaio que inaugurou um novo patamar da crítica blakeana (se não da ensaística literária em geral), Fearful Symmetry – A Study of William Blake de Northrop Frye (Princeton University Press). Mas neste, curiosamente, um viés oposto: empreendendo uma tarefa ciclópica, a interpretação de textos como Vala or The Four Zoas, põe algo de lado O Casamento do Céu e do Inferno. Vê-o como sátira na tradição de Swift e Sterne: O Casamento do Céu e do Inferno pertence à tradição da grande sátira. Se os poemas longos de Blake contribuíram para consolidar sua reputação de louco, isso não impede sua decifração. Por exemplo, deste trecho de Milton: [1] Esta é a Natureza do infinito: Todas as coisas possuem seus próprios Vórtices, e quando um navegante da Eternidade Passa este Vórtice, percebe que ele turbilhonante gira para trás E penetra numa esfera que se engloba a si mesma como o sol, a lua, ou como um firmamento de constelada magnitude Entretanto prossegue em sua maravilhosa trajetória pela terra, Ou como forma humana, um amigo com o qual pode-se compactuar luminosamente a existência. O olho humano, seu Vórtice abarcando, vislumbra o leste & o oeste O norte & o sul, com suas vastas legiões de estrelas O sol surgente e a lua no fulcro do horizonte Os seus milharais e vales de quinhentos alqueires A terra é uma planura infindável, e não como aparece Ao ignóbil transeunte confinado às sombras da lua. O céu é um Vórtice já há muito transpassado; A terra, um Vórtice ainda intocado pelos navegantes da Eternidade. [...] Toda fração de Tempo menor que um pulsar de artéria Equivale a Seis Mil Anos. Pois neste Ciclo é criada a obra do Poeta, e nele os Grandes Eventos do Tempo se iniciam e são concebidos No fulcro de um instante, Pulsação arterial. O céu é uma Tenda Eterna erguida pelos Filhos de Los; E o vasto Espaço que o Homem contempla em sua morada Na cobertura ou jardim no cimo de uma colina De vinte e cinco pés de altura, é seu Universo; [...] Tal é o espaço denominado Terra & tal sua dimensão Enquanto essa falsa aparência que se apresenta ao racionalista Como um Globo rolando através da Vacuidade, é uma decepção de Ulro. E disto nem desconfiam o Telescópio ou o Microscópio; Alteram os parâmetros dos Órgãos do Espectador, deixando intocados os objetos; Pois cada Espaço maior que um Glóbulo vermelho de sangue Humano É visionário e foi pelo martelo de Los criado. E cada espaço menor que um Glóbulo de sangue estende-se Ás larguras da Eternidade, da qual esta terra Vegetal não é senão a mera imagem. O Glóbulo vermelho é o insondável Sol por Los criado, Para mensurar o Tempo & o Espaço aos Mortais a cada manhã. Compare-se com este conciso (e famoso) poema de seu cadernos de notas: Num grão de areia ver um mundo Na flor silvestre a celeste amplidão Segura o infinito em sua mão E a eternidade num segundo. Em uma condensação, Blake proclamaria, em O Casamento do Céu e do Inferno, que Um pensamento abarca a imensidão. A frase equivale a outra, epígrafe dos beats e de experiências com alucinógenos depois de inspirar o título de Huxley, As Portas da Percepção: Se as portas da percepção se desvelassem, cada coisa apareceria ao homem como é, infinita. Pois o homem se enclausurou a tal ponto que apenas consegue enxergar através das estreitas frestas de sua gruta. Nada a estranhar na extensão temporal contida em um glóbulo de sangue, nos patamares de tempo e espaço dos trechos aqui citados de Milton. Alguém capaz de ver um mundo no grão de areia, para quem a eternidade podia caber em um segundo, relatou, em obras como Milton e Jerusalém, como eram o infinito e a eternidade. O paradigma para avaliar os poemas mais complexos de Blake deve ser outro. A propósito dos apócrifos, dos textos apocalípticos dos primeiros séculos a.C. e d.C, Serge Hutin, em Les Gnostiques (Presses Universitaires de France, coleção Qui sais’je?), comenta os motivos pelos quais esse tipo de produção, especialmente aquela dos gnósticos, por muito tempo foi visto com desconfiança ou posto à margem por historiadores positivistas e teólogos racionalistas: Muitos historiadores ainda consideram o gnosticismo como um monumento de sonhos e devaneios bizarros, de incoerências, de mitos estranhos, de fantasmagorias desprovidas de todo interesse filosófico, e que não são, em definitivo, que um ramo particularmente degenerado do inquietante sincretismo religioso do primeiro e segundo século da nossa era. Tais características – ser bizarro, esdrúxulo, um desafio ao racionalismo – também se ajustam a uma sensibilidade moderna: dela fazem parte a valorização do grotesco por românticos, ou do surreal e transgressivo hoje. A qualificação como monumento de sonhos e devaneios bizarros vale para especulações gnósticas e para Jerusalém e Milton de Blake, Aurélia de Nerval, Iluminações de Rimbaud ou Os Cantos de Maldoror de Lautréamont, entre outros que passaram de malditos a cultuados. Foi por perceber isso que André Breton saudou a descoberta das “escrituras” gnósticas de Nag Hammadi em um texto de 1949, Flagrant délit. Declarando-se continuador de uma tradição esotérica na poesia cuja origem estaria no gnosticismo, o surrealista indagou como foi possível a tradição gnóstica conservar-se. Observou que isso não decorria necessariamente da transmissão direta: Será preciso admitir que os poetas sorvem, sem o saber, em um fundo comum a todos os homens, singular pântano cheio de vida onde fermentam e se recompõem sem parar os destroços e os restos das cosmogonias antigas, sem que os progressos da ciência lhes provoquem uma mudança apreciável? E sugeriu [...] um poder de absorção de ordem osmótica e para-sonambúlica dessas concepções tidas, ao olhar racional, por aberrantes. [...] Nessa floresta virgem do espírito, que margeia por todos os lados a região onde o homem conseguiu erguer seus marcos indicadores, continuam a rondar os animais e os monstros, pouco menos inquietantes do que em seu papel apocalíptico. Ao mencionar os animais e os monstros, apenas menos inquietantes do que em seu papel apocalíptico, encontrados entre os destroços e os restos das cosmogonias antigas, Breton lhes atribui valor oposto àquele conferido pelos racionalistas e positivistas. Pelas mesmas razões, já na década de 1930, Georges Bataille, o pensador da transgressão, já havia destacado o caráter perturbador, pelo baixo materialismo, por trazer os fermentos mais impuros, do gnosticismo. A mitologia pessoal de Blake poderia ser interpretada como um sistema de metáforas para referir-se à opressão e à desigualdade; para atacar o sombrio panorama oferecido por uma primeira fase da industrialização, da implantação do mundo burguês, na Inglaterra. Seu monismo panteísta, declarado em O Casamento do Céu e do Inferno, também seria metáfora, porém da superação do status quo e da realização da utopia: outra face, o reverso da moeda. Corroboram essa interpretação as frases em tom triunfal do epílogo de O Casamento do Céu e do Inferno, intitulado Uma Canção de Liberdade: O IMPÉRIO CAIU! E AGORA O LEÃO & O LOBO TERÃO FIM! E seu notório envolvimento com acontecimentos de seu tempo, evidente em poemas como The French Revolution e América. Durante a Revolução Francesa, provocador, ostentava o barrete vermelho dos revolucionários. Mas não basta interpretá-lo como crítico que usava categorias teológicase formulou mitologias na falta daquelas propriamente políticas. Conhecia o repertório político corrente em sua época. As estranhas divindades e cosmogonias não estão em sua poesia apenas pelo valor como alegorias. Expunha mitos enquanto tais, como realidades reveladas. É o que fica claro através de uma passagem como esta, de um de seus derradeiros textos, A Vision of the Last Judgement: O Juízo Final não é Fábula ou Alegoria, porém Visão. Fábula ou Alegoria são uma modalidade totalmente distinta e inferior de Poesia. Visão ou Imaginação é uma Representação do que Eternamente Existe, Real e Insubstituível. [...] Fábula é alegoria, mas o que os Críticos chamam de A Fábula é a própria visão. A Bíblia Hebraica e o Evangelho de Jesus não são Alegoria, porém Eterna Visão ou Imaginação de Tudo que Existe.(em Complete Writings de Blake, na edição Keynes – nas citações dessa edição, a tradução é minha). Poetas preferem ser tomados por seu valor de face, em vez de serem racionalizados. Aquilo de que Blake falou – Urizen, Orc, o vale de Thel, Rintrah, os Zoas, Golgonooza, Palamobrom – era dado como real. Exigiu que o levassem a sério, que o lessem como profeta visionário e não como pensador abstrato. Torna-se inevitável projetar na leitura de Blake sua teoria de opostos, a afirmação de que os contrários movem o mundo: portanto, movem a criação poética. E juízos de valor como este, de O Casamento do Céu e do Inferno: O homem que jamais muda sua opinião é como água estagnada & engendra os répteis da mente. Entender e aceitar seus desafios ao princípio lógico da identidade e não-contradição possibilita examiná-lo como místico, visionário e sonhador, ou poeta do sonho. Há divergências na classificação de Blake como místico. Frye inicia a nota final de Fearful Symmetry com uma advertência: A palavra “místico” nunca trouxe nada senão confusão para o estudo de Blake. Já um especialista em misticismo, Gershom Scholem, deu uma resposta inequívoca: Blake representou o misticismo sem laços com qualquer autoridade religiosa, em companhia de Rimbaud e Whitman, também heréticos luciferianos; pois sua imaginação era estimulada por imagens tradicionais, ou da igreja católica oficial (Rimbaud) ou de origem hermética e espiritualista, subterrânea e esotérica (Blake). [2] Scholem ainda distingue – a propósito de Blake, Rimbaud e Whitman – duas atitudes dos místicos, uma conservadora e outra revolucionária: uma atitude revolucionária é inevitável uma vez que o místico invalida o sentido literal das escrituras sagradas. Místico revolucionário: por isso, um contendor das religiões institucionais, do clero, frontalmente atacado ao longo de toda a sua obra, como nesta passagem de O Casamento do Céu e do Inferno: Os poetas da Antigüidade animaram todos os objetos sensíveis com Deuses ou Gênios, nomeando-os e adornando-os com as propriedades dos bosques, lagos. cidades, nações e tudo o que seus dilatados sentidos podiam perceber. Particularmente, estudaram o Gênio de cada cidade & país, colocando-o sob a égide de sua deidade mental. Até que se formou um sistema, do qual alguns se aproveitaram e escravizaram o vulgo, interpretando e abstraindo as deidades mentais de seus respectivos objetos. Então surgiu o Clero; Elegendo formas de culto dos mitos poéticos. E proclamando, por fim, que assim haviam ordenado os Deuses. Os homens então esqueceram que Todas as deidades residem em seus corações. Vê-lo como místico, e mais, como visionário, encontra respaldo entre outros estudiosos de Blake; e em seu próprio testemunho. É um resumo de sua poética esta passagem de O Casamento do Céu e do Inferno: Os profetas Isaías e Ezequiel jantavam comigo. Perguntei-lhes como se atreviam a afirmar que Deus falava com eles; e se não achavam que isto os tornava malditos & passíveis de perseguição. Isaías respondeu: “Jamais pude ver ou ouvir Deus dentro de uma percepção orgânica e finita; Meus sentidos descobriam o infinito em cada coisa, e como desde então estivesse convicto & recebesse o sinal que a voz da indignação sincera é a voz de Deus, alheio às conseqüências, escrevi. Logo a seguir, outra frase reveladora, em um dito atribuído a Ezequiel: A filosofia do Oriente ensinou os princípios básicos da percepção humana. Que percepção e que visões e audições são essas? Fica evidente pelo trecho citado que, para Blake, equivaliam-se a percepção de algo como experiência subjetiva ou como fato objetivo, exterior ao sujeito. Podem contribuir para a compreensão da poética visionária de Blake algumas observações de Breton publicadas em Le méssage automatique. Nesse texto de 1933, deixando de associar a escrita automática apenas ao inconsciente freudiano, o surrealista citou Myers, o psicólogo experimentalista que pesquisou imagens eidéticas, como os pós-efeitos visuais (quando olhamos fixamente para uma fonte de luz, e esta, alterada, permanece ao fecharmos os olhos). E concluiu com uma afirmação ousada: Toda a experimentação em curso seria de natureza a demonstrar que a percepção e a representação – que para o adulto ordinário parecem opor-se de uma maneira tão radical – não devem ser tidos senão como produtos da dissociação de uma faculdade única, original, da qual a imagem eidética dá conta e da qual se reencontram traços entre os primitivos e as crianças. Aceita essa argumentação, visões e alucinações ganham o estatuto de percepções plenas: o visionário efetivamente vê; ou, no automatismo verbal, de fato ouve. Breton exemplificou com Santa Tereza d’Ávila, ao ver sua cruz de madeira transformar-se em crucifixo de pedras preciosas, e considerar essa visão ao mesmo tempo imaginada e sensorial. O exemplo o levou a uma tirada irônica: Tereza d’Ávila pode passar como alguém que comanda essa linha na qual se situam os médiuns e os poetas. Infelizmente, ainda não passa de uma santa. Felizmente – adotando os critérios de Breton – Blake não foi apenas um santo, porém um poeta. E alguém que teria endossado a afirmação bretoniana de que percepção e representação são a mesma coisa, com o mesmo estatuto de realidade ou o mesmo valor de verdade. Suas visões dos profetas, do irmão falecido, e do restante, correspondiam à faculdade única, original a que se referiria Breton: a superação da dicotomia entre o mundo subjetivo e objetivo, comum aos médiuns e os poetas, e aos místicos. E coerente, se interpretada desse modo, com o monismo de Breton e com o Blake monista: não era o outro lado que se enxergava, pois a separação entre natural e sobrenatural fora superada. Ao sustentar a realidade de suas visões, Blake formulou uma poética do delírio. Considerá-lo louco equivale a depreciá-lo, e seria injusto, por ignorar que Blake concluiu Jerusalém e The Everlasting Gospel no mesmo ano de 1820: um poema exorbitante em matéria de simbolismo, que pode ser classificado como delirante, e outro bem linear, pura argumentação, sem nenhum personagem de sua mitologia particular. Em The Everlasting Gospel, voltou a proclamar sua anti-ortodoxia; por isso, a relativização dos ensinamentos evangélicos: A Visão do Cristo que tu vês É a maior inimiga da minha visão. A tua tem um grande nariz adunco como o teu, A minha tem um nariz redondo como o meu. A tua é a do Amigo da Humanidade; A minha fala em parábolas aos cegos: A tua ama o mesmo mundo que a minha odeia; As portas do teu céu são os portões do meu inferno. Sócrates ensinava o que Meletus Detestava como a mais amarga Maldição de uma Nação, E Caifás era em sua própria Opinião Um benfeitor da Humanidade: Ambos lemos a Bíblia noite e dia, Mas tu lês negro onde eu leio branco. Cada parte do poema começa com uma pergunta: Foi Jesus gentil, ou deu ele Algum sinal de Gentileza? [...] Foi Jesus Humilde? ou deu ele Quaisquer provas de Humildade? [...] Foi Jesus Casto? ou deu ele Quaisquer Lições de Castidade? [...] Ensinou Jesus a dúvida? [...] Foi Jesus Nascido de uma Virgem Pura De Alma estreita & aparência recatada? [3] A resposta é sempre negativa: apoiando-se nos evangelhos, mostra que Jesus Cristo não foi gentil, nem humilde, nem casto, nem nascido de uma virgem. Mas o que sobraria do ensinamento evangélico? Para Blake, apenas o perdão: Não há uma Virtude Moral que Jesus Pregasse que Platão & Cícero não houvessem Pregado antes dele; o que então Jesus Pregou? Perdão dos Pecados. Mas esse perdão, argumentou Blake, sendo uma supressão ou esquecimento, equivale à revogação da Lei mosaica e da idéia de pecado: Pois Virtudes Morais todas começam/ Na Acusação de Pecado. Declarou o pecado contingente a um código, e não ao Pecado Original. Em conseqüência dessa interpretação de Jesus Cristo como supressor da repressão, o moralismo é diabólico: Pois o que é Anticristo senão aqueles/ que contra Pecadores fecham o Céu/ Com grades de Ferro. Se tais textos corrigem a idéia do Blake possesso, em surto, a recíproca, normalizá-lo, também é redutora. Loucura e criação não são incompatíveis: Hölderlin escreveu poemas importantes depois de enlouquecer; e Gérard de Nerval teve crises e surtos que resultaram não só nas experiências de efusão do sonho na vida real relatadas em Aurélia, mas em sonetos de As Quimeras. O romântico francês comentou, ironicamente: Recobrando o que os homens chamam de razão, não deveria eu lamentar tê-la perdido? Interessa a noção de efusão ou transbordamento do sonho de Nerval. Evidentemente, uma coisa é a transcrição de um sonho, ou então o relato de um delírio, e outra sua efusão, que pode resultar em uma epopéia como Vala or The Four Zoas, com suas 120 páginas na edição Keynes, à qual Blake deu o seguinte subtítulo: um SONHO de Nove Noites, intitulando ainda cada uma das suas nove partes como Noite a primeira, Noite a segunda, etc – reproduzindo a valorização romântica do sonho, tão precursora do surrealismo. Não só essa epopéia, como os demais poemas extensos de Blake requerem leitura e interpretação através do que se sabe sobre a “lógica” do sonho. Especialmente sobre um dos mecanismos da formação de símbolos, o deslocamento. No sonho, seria possível um enredo no qual Jesus Cristo comparece, em sua condição de salvador, para tornar-se Lúcifer, e este transformar-se em Jeová, que por sua vez é alguém que conhecemos, e logo é um autor que lemos, e ainda algum personagem inteiramente novo, enquanto também vão mudando a cena e as situações nas quais isso ocorre. Há instabilidade dos símbolos: o mesmo símbolo pode significar muitas coisas distintas, assim como vários símbolos significam a mesma coisa. A instabilidade não é “ilógica”: tanto é que Frye, em Fearful Symmetry, foi capaz de construir um diagrama, em forma de matriz, dando conta dessas mutações em Vala or The Four Zoas. Mas isso não permite dizer que esse poema não fosse delirante: delírios têm lógica; mas é uma lógica própria. Nessa e em outras das obras de Blake, há, não só polissemia, mas um universo que, desconhecendo os princípios lógicos da identidade e nãocontradição, é multidimensional. Assim como no sonho, os símbolos flutuam em sua relação com o que significam. É seu infinito. Nesse infinito, apenas a imaginação seria estável. Matriz da criação, equivale à existência do Adam Cadmon, o homem pleno. Conforme a fala dos Sete Anjos a Satã, em Milton: A Imaginação não é um Estado: é a própria Existência Humana. Afeição ou Amor tornam-se um Estado quando divididos da Imaginação. A Memória é um Estado sempre, & a Razão é um Estado Criado para ser Aniquilado e uma nova razão ser Criada. Tudo o que pode ser Criado pode ser Aniquilado: Formas não podem: O Carvalho é abatido pelo Machado, o Cordeiro cai pela Faca, Mas suas Formas Eternas Existem Para-sempre. Amem. Aleluia! Ou, em Jerusalem: Não sei de nenhuma outra Cristandade e de nenhum outro Evangelho a não ser a liberdade de ambos, corpo & mente, para exercer as Divinas Artes da Imaginação, Imaginação, o Mundo real & eterno do qual este Universo Vegetal não passa de uma sombra fugidia, & no qual viveremos em nossos Corpos Eternos ou Imaginativos quando estes Corpos Mortais Vegetais não mais existirem. Os Apóstolos não conheciam nenhum outro Evangelho. Há uma evidente resposta ao dualismo nessa passagem: a liberdade é de ambos, corpo & mente. Talvez se referisse às doutrinas platônicas ao falar em sombra fugidia neste Universo Vegetal, caído. Mas no centro não está mais o logos impessoal, porém a imaginação, entendida do mesmo modo como a celebravam Coleridge e Wordsworth, bem como Novalis e Baudelaire, que a chamou de rainha das faculdades: uma faculdade evidentemente humana, mas também divina; ou então, correspondente ao divino no humano, que em Blake é o plenamente humano. Para os profetas gnósticos e apocalípticos da Antiguidade tardia, o conhecimento, identificado à salvação, era intransitivo, absoluto; mas a liberdade era transitiva: liberdade para sair do mundo e deixar de existir como indivíduo. Para Blake, o conhecimento era intransitivo, total, e também o era a liberdade. Tanto em sua poesia “simbólica” quanto em O Casamento do Céu e do Inferno, o Paraíso é aqui: pode estar no grão de areia; porém apenas homens e mulheres livres saberão enxergá-lo. E a salvação não é a saída do mundo, mas sua restauração: o novo mundo, anunciado no final de Vala or The Four Zoas: Onde está o Espectro da Profecia? onde o ilusório Fantasma? Partiram: & Urthona se ergue dos arruinados Muros Em toda a sua força antiga para formar a dourada armadura da Ciência Para a Guerra intelectual. A guerra das espadas agora partiu, As escuras Religiões partiram & a doce Ciência reina. Novo mundo; e um mundo arcaico, primordial, no qual, como disse em O Casamento do Céu e do Inferno, A altivez do pavão é a glória de Deus. / A lascívia do bode é a dádiva de Deus. / A fúria do leão é a sabedoria de Deus. / A nudez da mulher é a obra de Deus. Pois tudo o que vive é Sagrado. Ou melhor, tudo o que fosse espontâneo, livre do controle pela razão. Daí outra máxima famosa: O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria. Em seu universalismo místico e poético, Todos os homens são iguais, embora infinitamente vários, Assim (e com a mesma infinita variedade) todos são iguais no Gênio poético. No centro do universo de Blake, no lugar de Deus está o homem. Não o homem mundano, porém o Antropos, equivalente ao universo. Suas epopéias são relatos da perda e reconquista da plenitude. Não buscou o conhecimento abstrato, porém a vida. Não aspirava à salvação, porém à liberdade, entendendo-a como liberdade de criar, e não só como a libertação do mundo dos santos e místicos. NOTAS 1. Na tradução de Alberto Marsicano, assim como as demais citações deste poema. 2. Scholem, Gershom G, On the Kabbalah and its Symbolism, Schockem Books, New York, 1965, pg. 16. 3. Também de Blake, Complete Writings, assim como as citações seguintes. Claudio Willer (Brasil, 1940) é um dos editores da Agulha. William Blake retratado por Thomas Phillips (1770-1845). Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras do artista William Blake (Inglaterra). revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 artista convidado: william blake William Blake: apuntes para tratar de visionar la voz del bardo Jesús David Curbelo . En el penúltimo texto de su volumen The Sacred Wood, T. S. Eliot apunta: “La concentración resultante de una armazón de mitología, teología y filosofía es una de las razones por las que Dante es un clásico y Blake sólo un poeta de genio”. Y lo hace, a pesar de haber escrito, a inicios del mismo párrafo: “Blake estaba dotado con una capacidad considerable para la comprensión de la naturaleza humana, con un apreciable y original sentido del lenguaje y de la música del lenguaje y con el don de una visión alucinada”. [1] Es decir, con aquellas características tendientes a convertir a un poeta en clásico porque aguzan su sentido ontológico, lo obligan al escrutinio lingüístico y sazonan su poesía con una perspicacia cognoscitiva transgresora de las lindes permitidas al lírico de talento. Claro, no debemos olvidar algo: esta consideración casi final del ensayo de Eliot sobre William Blake obedece, ante todo, a un razonamiento de carácter religioso. El anglocatólico autor de Ash Wednesday no estaba listo para tolerarle a Blake la disidencia de la tradición latina y la creación de un universo altamente personal tanto en la filosofía, como en las visiones, en la penetración y en la técnica. Un cosmos expresivo de la peculiar honestidad que, en un mundo tan asustado de ser honesto, se hace mucho más terrible, pues es una honestidad contra la cual la humanidad conspira al resultarle antipática. Según el propio Eliot, la poesía de Blake tiene la antipatía de la alta poesía, de aquella que, por una extraordinaria labor de simplificación, exhibe la enfermedad esencial o la intensidad del alma humana, y cuya honestidad nunca existe sin una gran realización técnica, [2] descubridora de nuevas formas expresivas para el cúmulo de ideas nuevas a través de las cuales el poeta propone una relectura del universo y de la propia poesía. De hecho, la apreciación literaria posterior a Eliot, con Northrop Frye y Harold Bloom a la cabeza, libró una cruzada contra las influencias de la nueva crítica anglocatólica ortodoxa; empresa que dio origen, entre otros, a dos volúmenes capitales en el estudio de la obra del poeta londinense: Fearful Symmetry (1947) y Blake’s Apocalypse (1963), de Frye y Bloom respectivamente, para continuar así una tradición surgida desde Algernon Charles Swinburne (William Blake: A Critical Essay, 1868) y llegada hasta nuestros días, tras pasar por algunas de las mayores inteligencias críticas de la lengua inglesa (William Butler Yeats: Ideas of Good and Evil, 1903; Gilbert Keith Chesterton: William Blake, 1910) y de otras lenguas occidentales (Philippe Soupault: William Blake, 1928; Denis Saurat: Blake y el pensamiento moderno, 1929; Luis Cernuda: “William Blake”). La mayoría de ellos no vacila en colocar a Blake en una escogida tríada de poetas-profetas donde lo acompañan y preceden Dante Alighieri y John Milton, creadores también de complejos sistemas mitopoéticos y filosóficos en los cuales el poeta desempeña un papel preponderante como vector del conocimiento de Dios y de los hombres. Ahora bien, me parece importante discernir el grado de compromiso político presente en Dante y Milton, así como las mayores aspiraciones culturales pragmáticas [3] que los movían a ambos, mientras Blake fue mucho más independiente al no estar tentado por los móviles de la vida política directa ni por el señuelo del éxito literario, como tampoco estaba, en esencia, comprometido con una causa religiosa (el catolicismo de Dante o el puritanismo de Milton) influyente en su lectura del fenómeno Dios hasta hacerla menos flexible y heterodoxa. Esta relativa libertad religiosa y política [4] coloca a Blake en la postura de los autores optantes por la reformulación conceptual, ética y lingüística de su universo y los seres que lo habitan, y ahí se emparienta con Shakespeare en la agudeza cognitiva, la energía lingüística y el poder de invención, tanto como en esa suerte de pasión ontológica por el goce, sintetizado en algunos de sus Proverbios del Infierno: “La exuberancia es belleza” y “El camino del exceso lleva al palacio de la sabiduría”. [5] Es bueno recordar, también, que en la época de Blake, el poeta tiende a un estado de relación panteísta con la naturaleza (patente quizá en sus primeros libros), y la tendencia a trasmutar el dolor y el terror en forma de placer se aprecia en el sadismo y las imágenes diabólicas de buena parte de la llamada agonía romántica; en este período fue muy común la construcción de epopeyas en las cuales los mitos representan estados mentales sicológicos o subjetivos, como puede apreciarse en la segunda parte del Fausto de Goethe, [6] en los Libros proféticos del propio Blake y en los poemas mitológicos de John Keats (Endymion, Lamia, Hyperion) o Percy B. Shelley (Adonais). [7] No obstante, la diferencia de Blake con todos ellos, y con sus predecesores, estriba en el peculiar significado conferido al término visión, luego tan llevado y traído en la ciencia literaria moderna. En A Vision of the Last Judgement, escribió Blake: “Visión o imaginación es representación de lo que existe eterna, real e inalterablemente... La imaginación va rodeada por las hijas de la inspiración” (en oposición a la fábula o alegoría, rodeada por las hijas de la memoria, según acotara Milton repitiendo la creencia griega de las nueve musas). Y sigue Blake: “La naturaleza de la fantasía visionaria o imaginación es bien poco conocida, y la índole eterna y permanente de sus imágenes duraderas se la considera como menos permanente que las cosas de la naturaleza vegetativa o generativa; y sin embargo la encina muere lo mismo que la lechuga, aunque su imagen eterna e individualidad nunca muere, sino que se renueva por medio de la semilla. Del mismo modo la imagen imaginativa vuelve por medio de la semilla del pensamiento contemplativo”. [8] Aquí juega un peso fundamental, a mi juicio, la doble condición de poeta y pintor de la cual gozaba el cantor de la inocencia y de la experiencia, antecesor en años de los imaginistas y de la gran relevancia conferida por ellos al elemento pictórico en la lírica, pues sus poemas están muy concentrados en la imagen visual, y llegan, algunas veces, a funcionar como su propia ilustración. [9] En su ensayo “El simbolismo y la pintura”, W. B. Yeats, cita la siguiente frase de Blake: “Si el espectador pudiera entrar en el interior de una de esas imágenes de su imaginación, acercándose a ellas en el carro de fuego de su pensamiento contemplativo... podría convertir en amiga y compañera suya a una de aquellas imágenes maravillosas, que no cesan de suplicarle que abandone las cosas mortales (como debe hacerlo); entonces sería capaz de ir al encuentro del Señor de los aires, y entonces se sentiría rebosar de felicidad”, y más adelante, vuelve a citarlo: “El mundo de la imaginación es el mundo de la eternidad. Es el seno divino al que todos iremos después de la muerte de este cuerpo vegetativo. El mundo de la imaginación es infinito y eterno, en tanto que el mundo de la generación y de la vegetación es finito y temporal. En aquel mundo eterno existen las realidades eternas de todo, que nosotros vemos reflejadas en el espejo vegetal de la naturaleza. Todas las cosas, en sus formas eternas, están comprendidas en el cuerpo divino del Salvador, el verdadero vino de la eternidad, la imaginación humana”. [10] Quizá por esas peculiaridades el término visión en Blake ha sido recepcionado por la crítica [11] como una fuerza imaginativa, no de la grandeza personal del poeta, sino de algo impersonal y mayor: la visión de un acto decisivo de libertad espiritual, la visión de la re-creación del hombre, la proclamación de un programa para restaurar al ser y abogar por un nuevo tipo de inocencia, la del espíritu humano triunfante sobre la razón. Para Blake, el Iluminismo -el poderío de la razón, escudado en la trinidad profana de Bacon, Newton y Locke (deísmo, cientificismo, racionalismo), a los que se sumaban otros apóstoles de este pensamiento como Descartes, Voltaire y Rousseau- constituía una desviación de la palabra original, traicionada primero por los sacerdotes y después por los filósofos, y su misión consistía en restablecerla mediante la visión. Así, si bien no pudo soportar el tono del deísmo, retuvo, en cambio, mucho de su contenido y hasta buena porción de su lógica, pues arribó a su propio uniformismo, y redujo la religión a un punto en esencia ético: el perdón de los pecados. Fue, además, víctima del primitivismo, tan común al siglo xviii y adoptó un punto de vista negativo de la historia al pensar que todas las obras de la Civilización eran obstructoras de la enorme luz de los tiempos primitivos. Descartes, en sus Meditaciones de prima philosophia había dicho: “Podría parecer extraño que opiniones de peso se encuentren en las obras de los poetas en vez de en las de los filósofos. La razón de esto es que los poetas escribieron movidos por el entusiasmo y la imaginación; hay en nosotros semillas de sabiduría, como hay fuego en el pedernal; los filósofos las sacan por medio de la razón, mientras que los poetas las extraen con su imaginación y por ello brillan más intensamente”. Sin embargo, el mito cartesiano de la conciencia tomó el fuego del pedernal y relegó a los poetas al sitio conceptuado por Blake “la ficción hendida”, con las alternativas de idealismo y materialismo, ambas antipoéticas. Blake, anticartesiano profundo, opuso a la Dióptrica mecanicista cartesiana su teoría personal del Vórtice. Descartes quería salvar los fenómenos por medio de su mito de la extensividad: un cuerpo asumía una forma definida, se movía dentro de un área fija y era dividido dentro de su área; con lo cual conservaba su integridad en un devenir estrictamente limitado. Esto establecía el mundo o la diversidad de sensaciones dadas a los poetas, y de allí parte la visión wordsworthiana, surgiendo desde el encierro hasta el éxtasis impuesto por la reducción que Wordsworth decidió nombrar Imaginación. [12] A pesar de admirar la poesía de William Wordsworth, Blake la impugnó basándose en su horror a la ilusión impuesta, a esa suerte de éxtasis contentivo, para él, de una disminución. De acuerdo con la teoría cartesiana de los vórtices, todo movimiento tenía que ser circular (no habiendo vacío por donde la materia pudiera desplazarse) y toda materia debía ser susceptible de más reducción (no había átomos, por tanto); para Blake, estos eran los movimientos de los molinos de Satanás, que molían en vano en su imposible tarea de reducir los Átomos de la Visión, de suyo indivisibles. En la teoría blakeana de los vórtices, el movimiento circular es una autocontradicción: cuando el poeta se encuentra en el ápice de su propio Vórtice, los círculos cartesianos y newtonianos se disuelven en la llanura de la Visión y no se destaca otra cosa. Blake no deseaba salvar los fenómenos, ni salvar las apariencias; era -y es- un teórico de la salvación de la influencia poética y, con ella, del hombre en su eterna lucha por crecer espiritualmente en un universo regido por un Dios a primera vista justo, pero en el cual subyace un enigma a descifrar: la existencia y muchas veces la preponderancia- del mal. [13] La existencia de esta dicotomía entre bien y mal, manifiesta a lo largo de toda la obra de Blake, obedece sin duda a la fuerte reminiscencia que hay en su poesía, y en su pensamiento poético, del pensamiento gnóstico, y de sus derivados el maniqueísmo y el catarismo de los franceses ubicados en la región de Albi y del Condado de Foix, según refiere Alejo Carpentier al comentar el libro de Denis Saurat acerca de Blake y la filosofía moderna. [14] En efecto, son estrechos los vínculos de Blake con el gnosticismo, [15] pues se acerca a esta doctrina herética por entender la creación como una obra nefasta, no proveniente de la potencia suprema, sino de un Dios caído o demiurgo; por su condenación de la ley mosaica y del judaísmo que Cristo vino a trastocar y no a regenerar; y por la división indefinida de sus personajes en emanaciones. Muchas de las entidades o seres a los cuales su visión poética presta vida (como veremos al abordar sus principales libros proféticos), tienen sus antecedentes metafísicos en Basílides, Valentín o Marción; tal como buena parte de esa vacuidad cosmológica en la cual, según Blake, el hombre yerra y llora, resulta heredada de ese sitio entre la verdad y el sentido que los antiguos gnósticos tildaban kenoma. De la filiación de Blake con el pensamiento de Mani (o Manes, como igual se le conoce) parece dar fe el hecho de que el tajante dualismo del persa subsiste en la suerte de casi-dualismo apreciable en el inglés. La doctrina fundamental del maniqueísmo se basa en una división dualista del universo. En la lucha entre el bien y el mal el ámbito de la luz (espíritu) está gobernado por Dios y el de la oscuridad (problemas) por Satán; estos dos ámbitos, en el origen, estaban totalmente separados, pero a causa de una catástrofe el campo de la oscuridad invadió el de la luz y ambos se mezclaron y se vieron involucrados en una contienda perpetua. La especie humana es un producto, y al tiempo un microcosmos, de esta lid. El cuerpo humano es material, y por lo tanto, perverso; el alma es espiritual, un fragmento de la luz divina, y debe ser redimida del cautiverio que sufre en el mundo dentro del cuerpo. Se logra encontrar el camino de la redención a través del conocimiento del ámbito de la luz, sabiduría impartida por sucesivos mensajeros divinos, como Buda y Jesús, y que termina con Mani. Una vez adquirido este conocimiento, el alma humana puede lograr dominar los deseos carnales, sólo favorables para perpetuar ese encarcelamiento, y consigue así ascender al campo de lo divino. Blake, por su parte, erigió la doctrina del Dios de este mundo, a quien el hombre concede de modo erróneo autoridad, pero que debe ser redimido (no destruido) por el espíritu de Jesús. Blake, además, renunció a la adoración del Dios de los judíos, Príncipe de las Tinieblas, por amor a Cristo, pero a diferencia de los maniqueos, no confirió a Jehová poderes reales. [16] Para Denis Saurat, la única tradición cristiana con la que puede enlazarse el pensamiento de Blake es la cátara, si se considera siempre el catarismo como una categoría espiritual, un modo de ser y de vivir, una constante de la humanidad. Los cátaros sostienen la concepción del Dios malvado o Satán (el Dios del Antiguo Testamento), arrojado del cielo y forjador de este mundo físico donde vivimos, y también del cuerpo del hombre, a quien ha infundido un poco del espíritu del Dios bueno, el venido aquí para encontrarse con el deber de liberar aquellos fragmentos de su espíritu que se hallan prisioneros. Entre Dios y el mundo existen las potencias intemediarias, los Eones, el principal de los cuales es Cristo, redentor de las almas. Al parecer ya desde el siglo xiii el catarismo se había asentado en las clases populares de Londres y Saurat colige que Blake lo conoció de esa fuente, dado su origen en la familia de un modesto comerciante en tejidos. [17] También existen referencias a la vinculación de las doctrinas de Blake con el zoroastrismo y, por él, con el platonismo y el neoplatonismo, mucho más visibles en algunos contemporáneos suyos como Wordsworth, Keats y Shelley. No obstante, prefiero comentar sus relaciones con la Cábala y con la Biblia, a mi juicio de mayor peso dentro de su pensamiento. La presencia bíblica es harto notable en Blake, ostensible en sus poemarios Cantos de inocencia y Cantos de experiencia, aunque luego va moviéndose hacia una completa independencia de ella. Los profetas, [18] sin embargo, sí ejercieron en él una poderosa autoridad, en especial Isaías, Ezequiel y Jeremías, si bien hizo a las claras una interpretación libérrima de ellos, tanto en la letra como en el espíritu. Se conoce que Blake repetía de continuo: “la Biblia es poesía inspirada y ambos testamentos son una derivación del genio poético”, pero igual se maneja que no hacía extensiva esa inspiración a todo el conjunto, sino sólo a la lista swedenborgiana de los libros para ser leídos simbólicamente, a saber: El Pentateuco, Josué, Jueces, los dos Samueles, Salmos, los antedichos profetas, Evangelios y el Apocalipsis. En el caso de la Cábala, Blake parece haber heredado de ella su predilección por las palabras-símbolos, dotadas de poder místico y representantes de una potencia inmaterial. Saurat argumenta que Blake debió conocer la Cábala hebraica, muy difundida en Inglaterra a través de la publicación latina de la Kabbala Denudata, entre 1677 y 1684, y añade como el indicio más notable la inclusión de la llamada “A los judíos” entre los capítulos I y II de Jerusalem, donde hay alusiones evidentes a Adam Kadmon, el primer hombre de los cabalistas. Blake y la Cábala coinciden, en primer término, en la unidad originaria del Hombre y el Universo, representada en la Cábala por Adam Kadmon y en Blake por Albión y por Jesús. [19] Esclarecedor sería, para entender mejor el pensamiento y la poesía de William Blake, establecer sus puntos de contacto con algunos autores anteriores a él y contemporáneos suyos. Con los clásicos griegos y latinos sostuvo una relación de amor-odio, pues si bien en algún momento alaba a Homero, a Virgilio, a Platón y a Cicerón, termina apostrofando contra ellos y llamándolos el Anticristo, figura que había contagiado con su infección a los mayores autores ingleses anteriores a él (Shakespeare y Milton). A pesar de ello, se sintió muy cerca de Sócrates y lo colocó junto a Jesús, estableciendo un cierto paralelismo: “Anito, Meleto y Licón creyeron o pensaron que Sócrates era un hombre muy pernicioso. Lo mismo pensó Caifás de Jesús”. Le molestaba, a pesar de todo, el aspecto moral de ciertos pasajes de Sócrates, cuya culpa finalmente trasladó a Platón como traductor para la posteridad del ideario socrático. Incluso llegó a decir: “Yo fui Sócrates. O una especie de hermano. Debo haber tenido conversaciones con él. También las tuve con Jesucristo. Tengo un oscuro recuerdo de haber estado con los dos”. [20] Con Dante, la correspondencia es asimismo contradictoria: la heterodoxia blakeana está bien distante del catolicismo dantesco (no tan ortodoxo como puede parecer a simple vista, si recordamos que en varias ocasiones Dante reformuló dogmas teológicos y nociones políticas para acomodarlos a su cosmovisión particular). No obstante, Blake fue un fuerte admirador de Dante, al grado de aprender italiano para poder leerlo en el original y conseguir indagar mejor en la esencia de la Divina Comedia, que habría de ilustrar de manera peculiar durante los últimos años de su vida. Esto obedece, de seguro, al detalle de haber observado en él y en su obra la dramática visión de las pasiones humanas y una representación también visionaria de los mundos espirituales, tan familiar con la suya en lo que Eliot denominó una armazón de mitología, teología y filosofía. Asimismo debe haber visto en el italiano un temperamento singular e indomable, como el suyo, que no se resignó sólo a absorber la tradición sino que la sometió hasta hacerla encajar en su propia naturaleza. [21] Para Yeats, sin embargo, Blake y Dante se encuentran en las antípodas pues, para Blake, Dante, en virtud de ser un gran poeta, estaba inspirado por el Espíritu Santo, pero su inspiración se hallaba mezclada con ciertas dosis de una filosofía que el bardo inglés juzgaba mortal y enemiga de las cosas inmortales. Esta filosofía era la de los guerreros, la de los hombres de mundo, la de los clérigos obsesionados con el arte de gobernar y era, de alguna forma, la filosofía de Cristo, quien al descender al mundo estaba obligado a cargar con el mundo. Enfrentándose a tal filosofía, Blake alzaba la de Jesucristo cuando se envolvió en su esencia divina, la de los artistas y los poetas a los que la naturaleza de su profesión enseñó a simpatizar con todas las cosas vivientes. Su ligadura con Milton es igual de paradójica: por un lado lo considera, como veremos en el libro-poema Milton, el símbolo del poeta inspirado, y por otro declara estimarlo en verdad tan sólo por el mérito que confiere a Satán en el Paraíso perdido. Saurat nos advierte, empero, hasta qué punto Blake usó y modificó el material miltoniano en sus textos Los cuatro Zoas y Milton, y menciona los nexos entre el Urizen de Blake y el Satán de Milton: Urizen intenta conquistar el poder supremo, cae, establece su dominio en la tierra sobre todos los hombres mediante la falsedad de la religión, y por fin es vencido por Jesús. Muy similar en verdad, aunque los detalles episódicos y los significados simbólicos atribuidos por Blake a Urizen [22] queden muy lejos del universo del inmenso poeta ciego y de sus ideas acerca del arte. En esa misma dirección antitética se orienta su ligazón con Geoffrey Chaucer, cuyos Cuentos de Canterbury admiraba al punto de ilustrarlos, tras ardua reyerta con algunos pintores y grabadores contemporáneos, [23] en una serie de retratos con sus principales personajes; de ellos, sin embargo, fustigó con dureza a uno de los más atractivos: la comadre de Bath, a quien Blake juzgaba un azote y una plaga, tan útil como un espantapájaros y, por supuesto, poco conveniente para la paz del mundo. Blake ilustró además la obra de algunos poetas antecesores suyos, con Milton a la cabeza, seguido por John Bunyan (El viaje del peregrino), Edward Young (Meditaciones nocturnas), Hugh Blair (La tumba) y los poemas de Thomas Gray. Con otros líricos ingleses como Wordsworth y Pope, Blake fue menos complaciente. Ya vimos su mención, refiriéndose a Wordsworth, de los oscuros molinos de Satanás, debido a su dependencia del pensamiento cartesiano. En el caso de Pope, maestro de William Hayley (poeta de escaso mérito y patrono de Blake por unos años), lo hizo blanco de severos ataques que, de paso, también incluyeron a Hayley, con quien las relaciones de Blake se deterioraron mucho después de algunos trabajos pictóricos que realizara para él. Más cerca estuvo, por el contrario, de otros escritores europeos como Paracelso, Jakob Boehme y Emanuel Swedenborg, quienes sí ejercieron influencia notable en su pensamiento y en su obra poética. Paracelso, discípulo del maniqueísmo, sostenía que en toda cosa creada hay dos cuerpos: el visible y el invisible, teoría resucitada luego por Blake en El matrimonio del Cielo y del Infierno. Pero sin falta fue la doctrina de Paracelso relativa a la Imaginación la más influyente en el creador de “El tigre”. Dentro de las concepciones de Paracelso, la Imaginación logra preeminencia y es capaz de llevar a término la totalidad de las empresas, como mismo propone Blake a lo largo de sus libros, hasta definir toda creación cual el conjunto de imágenes sublimes y divinas tal y como se ven en el Mundo de la Visión. Por último, está la convicción de Paracelso de que la verdad era más una experiencia fructífera de la realidad que un pensamiento abstracto; esta certeza halló amplias resonancias en el espíritu de William Blake. El ascendiente de Jakob Boehme resulta considerable dentro de la producción de Blake, máxime en sus consideraciones acerca del Bien y del Mal, tan presentes en textos como “El tigre” o los “Proverbios del Infierno”. También lo influyó bastante la teoría de los contrarios de Boehme, aunque esta apareciera luego harto modificada tras la inversión prometeica de valores en que Blake la convirtiera. Visto así, la crítica entiende a Blake más un precursor de Nietzsche que un discípulo de Boehme, pues su teosofía supera con creces la teosofía en lo fundamental cristiana que anima las páginas del místico teutón. De entre los muchos libros de Swedenborg, dejaron mayor huella en Blake La sabiduría de los ángeles en relación con el Divino Amor y a la Sabiduría, La sabiduría de los ángeles en relación con la Divina Providencia y La verdadera religión cristiana. Blake simpatizó un tiempo con el movimiento swedenborgiano, pero después terminó rechazando sus ideas y superando su concepción de los estados en el Libro Segundo de su extenso poema Milton. Me parece prudente ahora, luego de estas imprescindibles generalidades para intentar esclarecer un poco las fuentes e influencias operantes en el pensamiento poético del autor, emitir algunas consideraciones alrededor de los principales libros que integran su labor poética. Esta suele dividirse en dos grandes zonas: las primeras poesías (Esbozos poéticos, Cantos de inocencia, Cantos de experiencia y El libro de Thel) y los llamados Libros Proféticos (El matrimonio del Cielo y del Infierno, El primer libro de Urizen, Los cuatro Zoas, Milton, Jerusalem y El Evangelio eterno, por citar los más representativos), zonas a través de las cuales se aprecian bien marcadas diferencias entre las inquietudes conceptuales y estilísticas, crecientes en intensidad filosófica, mitológica y lingüística hasta convertirlo en uno de los mayores poetas de la humanidad. Eso sí, es justo dejar sentado algo: tal Goethe, Hugo, Rimbaud, Darío, Yeats, Neruda, Paz o Ted Hughes, Blake era un poeta con todas las de la ley desde sus cuadernos iniciales, al punto de atreverme a decir que bien podría tener un sitio de honor en la historia poética universal si su producción hubiese concluido con los Cantos de inocencia y de experiencia, volúmenes, por demás, mejor conocidos por el público lector gracias a su mayor difusión o, tal vez, a su menor grado de complejidad simbólica. Blake fue un niño de una inteligencia descomunal y de unas ansias de saber que le acompañaron a lo largo de la vida, a pesar de asistir apenas a la escuela de manera oficial. Su aprendizaje pictórico, poético y hasta de idiomas como el griego, el latín, el hebreo y el italiano, fue casi siempre autodidacto. Así, contando con escasos doce años, escribió los textos más tarde compilados bajo el título de Esbozos poéticos, con una clara intuición de que eran el tímido principio de una larga cadena de autosuperaciones por lo general incomprendidas en su época. En esta colección aún se sienten los ecos de Petrarca, de Shakespeare, de Milton y, encima, de las baladas osiánicas de James Macpherson y de los cantos mitológicos de Thomas Gray. O sea, el clásico ajuste de cuentas con la tradición presentado por los poetas mayores cuando hacen público su desafío en el peculiar campo de justa literario. [24] Estos poemas tuvieron, igual que el resto de los suyos, limitada circulación, pero ya en ellos se aprecia un empleo del paisaje (“To Summer” y “To Spring”) y un manejo del verso (“Song” y “Mad Song”) anunciadores de los hallazgos de sus composiciones inmediatamente posteriores, del mismo modo que la combinación de lo escultural con lo enérgico presente en los poemas dedicados a las cuatro estaciones puede representar un período embrionario de los cuatro aspectos del hombre desarrollados por Blake en su mitología personal: Urthona/ Los (la imaginación), Urizen (la razón), Tharmas (el cuerpo) y Luvah (las pasiones), es decir, los cuatro Zoas dominantes en los textos proféticos. Los Cantos de inocencia, publicados en 1789, ya brindan una admirable madurez. En ellos Blake comienza con el uso de algunos símbolos en los cuales habría de persistir hasta sus libros postreros. Nos habla de la inocencia en su etapa arcádica y lo hace con un júbilo incondicional asociado a una visión en estado primigenio, todavía no aderezada con las limitaciones e iluminaciones que aporta la experiencia del mundo adulto. Entorno palpable, no obstante, en el acecho ejercido sobre el alma infantil aún incontaminada, pero un tanto abrumada por la experiencia; este asedio se puede constatar en poemas como “El niño negro”, “El deshollinador”, “Un sueño” y “Sobre la pena de otro”. En estos poemas pastorales los temas son el amor, el sexo, la educación, la exaltación gozosa de un existir donde inclusive los temores del niño extraviado en el mundo, o la existencia misma con su carga de dolor, hallan bálsamo en el sueño, acto en el cual se revela la asistencia bienhechora de Dios. Stephen Spender ha señalado la importancia de esa mirada infantil que hace a Blake escribir una poesía espontánea muy semejante al habla de los niños. [25] Y, cabría añadir, muy similar al mismo tiempo a las canciones de cuna y a los cantares asociados con los juegos de la niñez pertenecientes al acervo popular. De hecho, para muchos historiadores ingleses de la literatura, Blake representó durante años el poeta de los niños, lo cual resulta equivalente para ellos a reconocerlo el poeta de los más humildes entre los sabios. No es hasta 1794, cuando se publican juntos los Cantos de inocencia y los Cantos de experiencia, que se aprecia el carácter antinómico y a la vez complementario entre ambos cuadernos, donde el bardo pretendía mostrar los dos estados contrarios del alma humana, la inocencia y la experiencia, simbolizadas por el cordero y el tigre, respectivamente. Ahora aparece un Blake denostador, que ve en la realidad circundante un enemigo al cual fustiga en este tomo de sombrías pinturas morales y sociales que cuestionan la esencia de la naturaleza y de la divinidad. A esas alturas, desencantado de la Revolución Francesa y preocupado por la certidumbre de un orbe regido por la ciencia newtoniana y las nieblas provenientes del desarrollo industrial que se enseñorearía del prado inglés y, por si no bastara, del espíritu del hombre inglés, Blake se torna cáustico y polemiza con las convenciones clericales y la moral (“El deshollinador”, “El jardín del amor”, “El pequeño vagabundo”), con la realeza y los vicios de la ciudad moderna (“Londres”) [26]y, por supuesto, con Dios (“Introducción”, “A Tirzah”, [27] “La voz del antiguo bardo”). El flautista se erige en bardo y cambia el tono jovial por la voz profética para hacer a la Tierra un auténtico llamado de salvación que la obligue a reaccionar. [28] Estas diversas tonalidades entre flautista y bardo, ya apuntadas en los símbolos cordero y tigre, se acentúan en otras parejas axialmente opuestas como los dos jueves santos, los dos deshollinadores, los niños perdidos y hallados de una y otra colección, las canciones de cuna y, sobre todo, se evidencian, a un nivel teológico y ontológico, en los poemas “La imagen divina” (Cantos de inocencia) y “La esencia de lo humano” y “Una imagen divina” (Cantos de experiencia), apoteosis del temple hostil y a la par suplementario del bien y del mal. [29] Pasiones humanas estas de las cuales Eliot vislumbró un profundo conocimiento por parte de Blake, quien, a su decir, las representaba en extremo simplificadas, en formas casi abstractas, a modo de ilustración de la eterna lucha del arte contra la educación y de la literatura artística contra el continuo deterioro del lenguaje. [30] Y es en el aspecto lingüístico y métrico donde mejor se resuelve, en la forma, la dicotomía del pensamiento blakeano, pues Blake emplea, en ambos poemarios, una eufonía y una rima casi impecables, aunque subversivas y retozonas en muchas oportunidades, máxime en Cantos de experiencia, donde su repaso poco complaciente resalta aún más debido a ese fondo musical, en apariencia equilibrado, que acompaña a las visiones. El libro de Thel, terminado en 1789, también fue escrito con el simbolismo pastoral de los anteriores. Está lleno de oscuras alusiones donde aparecen y dialogan personajes comunes al universo de los Cantos... como el lirio del valle, una nube, un gusano y un terrón de arcilla. El poema comienza con la divisa de Thel, hija de Serafín que, a diferencia de las demás, se niega a apacentar sus rebaños en gozosa aceptación de su destino e intenta buscar un aire secreto; para ello, interroga por orden a los antedichos moradores del valle de Har y luego, huyendo de esa suerte de paraíso donde habita, pugna por adentrarse en un mundo inferior, en el que, a la postre, siente profunda desazón y añoranza por el paraíso perdido. Clara resonancia edénica y de algún modo miltoniana hay en este viaje de la inocencia a la experiencia que culmina, con posterioridad a una andanada de preguntas acerca del Ser y su destino, en una fuga de vuelta hacia el mundo de la inocencia. La misma divisa de Thel parece anunciarnos el periplo, cuando reza: “¿Acaso el Águila conoce aquello que está en el abismo?/¿O irás a preguntárselo al Topo?/¿Puede la Sabiduría ser puesta en un cetro de plata?/¿O el Amor en un cáliz dorado?”, dándonos la desigualdad entre la experiencia del animal insignificante y la inocencia del majestuoso, entre las virtudes verdaderas y la inutilidad de su representación. En El libro de Thel aparece por vez primera Luvah explícitamente nombrado como representación de lo erótico, [31] confiriéndole a la lectura mayor complicación simbólica, en tanto remite al arquetipo de la inocencia erótica: un mundo de leyes mágicas o apetecibles donde un héroe juvenil se ufana por obtener el conocimiento mediante la carne y el quebranto de los tabúes morales para terminar hallando el regreso a los orígenes, a la posibilidad de salvación. Curioso resulta también que ya en la escritura de este poema Blake se independiza del metro y la rima tradicionales y se aproxima a un verso libre más ligado al Milton del Paraíso perdido, anunciador de los francos motines promulgados en materia de versificación en la etapa siguiente de su carrera poética. El matrimonio del Cielo y del Infierno, escrito entre 1790 y 1792, es una prueba elocuente de ello: Blake acude al expediente de mezclar los géneros y ubica versos, fragmentos en prosa poética, comentarios de corte casi ensayístico, trozos narrativos y los archiconocidos proverbios, escritos en tono paródico, con un aire irónico y subversivo que se extiende a otras zonas del cuaderno y lo dota de una extrema familiaridad para el lector contemporáneo. Redactado para poner en solfa las ideas de Swedenborg, El matrimonio... supera con creces estas expectativas y se distingue como un texto capital en la producción de Blake. Aquí redefine aquello que la convención de la época entiende por bien y por mal, motivos de la imposibilidad de los hombres para comprenderse y comprender al mundo. Propone la coexistencia de dos males: el mal moral, que no condona jamás, y el mal entendido bajo el nombre otorgado por las religiones a cuanto no sea pasividad y sumisión. Es decir: existe un infierno real y otro aludido irónicamente por el poeta. Pese a ello, no creo justa la lectura satánica que Swinburne le atribuye y prefiero la interpretación de “la voz del diablo” cual una manera mordaz de hablar de sí mismo, alusiva al poeta fustigador de los swedenborgs que aceptan de modo sumiso formas de ver la realidad en verdad negadoras de la fuerza prevaleciente en el universo, Dios. Según tal lógica, Blake coloca a Milton en el bando del Demonio, pues este se había sentido en libertad, como poeta verdadero, para ir más lejos en su indagación del Infierno que en las de los Ángeles y Dios, de seguro bajo el peso de una lectura inhibitoria ajustada a su concepción puritana. En este volumen hace su aparición Rintrah, hijo de Los que personifica la ira y la pasión y representa tendencias asociadas con estas dos actitudes del alma. Según Frye, los hombres de Rintrah son quienes no acatan los valores convencionales, los réprobos, y son revolucionarios o blasfemos, viviendo al margen de la sociedad cuyos cimientos de alguna manera amenazan. En el “Argumento” iniciador del poema, Rintrah podría ser figura de la perversidad, presentada como Moral bajo el símbolo del ángel de las apariciones. Se cree que el nombre deriva del dios Indra, perteneciente al mito védico, donde simboliza la atmósfera, las tormentas, la lluvia y la batalla. Y es precisamente la batalla la señal de los años siguientes en la vida y la obra de William Blake. Alrededor de 1800 abandona Londres y se muda a Felpham, en el condado de Sussex, a una propiedad alquilada para él por William Hayley, a la sazón convertido en su mecenas y su patrón. El mecenazgo y el patronato abortaron en virtud de las excesivas demandas que Hayley parece haberle exigido al grabador bajo su tutela. Por esa época, además, trabaja con intensidad en un ciclo de varios libros-poemas que giran en torno a sucesos históricos o revolucionarios: La Revolución Francesa, Europa: una profecía, América, y otros. La Revolución Americana en 1775 y la Declaración de Independencia de las Trece Colonias en 1783, constituyeron para Blake un ejemplo de la energía renovada rebelándose contra las fuerzas de la Autoridad Autocrática. Blake había conocido a Thomas Paine en 1790, durante el breve período en el cual el filósofo regresó al Reino Unido antes de verse compelido a abandonarlo por su encendida defensa de la Revolución Francesa, y con él compartió su entusiasmo por tales fenómenos políticos y su rechazo a la doble tiranía del sacerdocio y la realeza. [32] La Revolución Francesa, ya lo hemos dicho, fue para el poeta inglés el vestigio de la necesaria revuelta contra la corrupción del Ancien Régime y, una vez más, sus simpatías estuvieron del lado de los revolucionarios. La guerra de Inglaterra con Francia en 1793, y la introducción de férreas leyes de obediencia civil marcaron para Blake otro indicio del poder ejercido sobre el hombre común por la Iglesia y el Estado. Todos los textos del período ofrecen una extraordinaria mezcla de visiones apocalípticas, fervor político, revisiones de la teología cristiana y exploración sicológica, quizá como apoyo y relectura perfectiva de los cataclismos desencadenados en la vida real de América y Europa. América es, a mi modo de ver, el más interesante de estos cuadernos. En él la energía liberadora está personalizada en Orc, el genio mártir que arde en todos los fuegos, en todas las luchas del hombre contra las potencias opresoras. Funciona como antagonista de Urizen -el dios de este mundo- y de sus códigos de moral represiva, y crea un nuevo orden que, quizá, especula Blake, más tarde será a su vez opresor. Los Trece Ángeles (las Trece Colonias) se rebelan abrasados por los fuegos de Orc, los soldados británicos se esconden de sus llamas mortales y de sus visiones apocalípticas. Las huestes de Albión serán consumidas en los fuegos de Orc. El poeta funde lo histórico con un acaecer eterno y propone, desde la visión, un camino espiritual para el hombre. En este libro Albión es identificado con Inglaterra (al igual que en el poema “Un pequeño perdido” de Cantos de experiencia), aunque después, en otros textos proféticos, cambiará de signo para erigirse en el Hombre Eterno, la unidad de los cuatro Zoas en su forma más perfecta. El nombre apunta hacia múltiples fuentes: Alban¸ antiguo topónimo de una altiplanicie escocesa; el galés Alp o Ailpe, alta colina rocosa; el latino Albus, blanco; y Alpa, el padre universal, el mantenedor, la roca alta de la cual brotan las aguas de la vida. También refutando la tiranía, pero en esta ocasión la sexual, aparece otro curioso volumen, escrito en 1803: El viajero mental. Este poema, medido y rimado en cuartetos, ofrece una visión del ciclo de la vida humana, del nacimiento a la muerte y de esta a la resurrección. Tiene dos personajes: una figura masculina y otra femenina que se trasladan en direcciones contrarias, envejeciendo una en tanto la otra rejuvenece, y viceversa. La relación cíclica entre ellos atraviesa cuatro puntos principales: una fase madre-hijo, una fase marido-mujer, una fase padre-hija y una cuarta fase de lo que Blake nombra espectro y emanación. [33] Ahora bien, ninguna de ellas es del todo real: la madre resulta en verdad una nodriza, la mujer yació amarrada para el placer del hombre, la hija es una criatura suplantada y la emanación no emana sino permanece evasiva. La figura masculina encarna a la humanidad (incluye a las mujeres, pues Blake asocia la voluntad femenina a las mujeres únicamente cuando estas dramatizan o remedan la relación anterior en la vida humana). La figura femenina evidencia el medio natural que el hombre somete de modo fraccionario, pero nunca por completo. El devenir de las cuatro fases sugiere una asociación con el ciclo lunar, colocándonos delante de una relectura de la tradición: el ciclo, la hembra un tanto trágica, el viaje hacia regiones casi siempre ignotas, nos recuerdan a Calypso y Circe en Homero, a Venus en Lucrecio, a Dido en Virgilio, a Beatriz en Dante, a Cleopatra en Shakespeare, a Duessa en Spenser y a Eva en Milton, que se desdoblan luego en otros vínculos con la literatura contemporánea, tales como A Vision de Yeats, La diosa blanca de Robert Graves, la dama de las situaciones de La tierra baldía y la Molly Bloom del Ulises, entre otras. Quizá por tal motivo Harold Bloom define la relación hombre-mujer relatada en The Mental Traveller como un remedo de la antagónica concomitancia entre el poeta y la Musa en el raro camino de las influencias poéticas. [34] A pesar del nombre El primer libro de Urizen (1794), este fue el único que Blake escribió bajo tal rótulo. Puede entenderse como una especie de génesis de las pasiones y tendencias del alma humana. Muchas veces semeja una imitación paródica del Génesis bíblico, pues narra el origen de las disposiciones obsesivas del individuo y, a la vez, el brote de las religiones y los sacerdocios. Urizen personifica al intelecto. Tiene poder y magnificencia, pero equivale a la negación de otras formas del ser y el creador de las ideas de “lo santo” y “lo eterno” como separadas y diferenciadas de todo lo que es. También ha instaurado la noción de “gozo sin dolor”. Se erige en buscador de un orden fijo, pétreo, algo correspondiente para Blake con la muerte, con el no-ser. Desde su aparición en Visiones de las hijas de Albión (1793), lo describe como un viejo con barba canosa, celoso y vindicativo, medio cegato mas ansioso por tener el dominio total. Se supone que el nombre deriva del griego orizo, expresivo de los verbos castellanos delimitar y circunscribir; aunque igual convence la hipótesis de entroncarlo con el juego de palabras inglesas your reason, dado el hecho de que la segunda persona despectiva encaja bien con la baja estima de Blake por la razón. [35] Urizen posee una enorme progenie, de la cual destacan los cuatro hijos equivalentes a los elementos: Fuzon (fuego), Grodna (tierra), Tiriel (aire) y Utha (agua). No obstante, termina renegando de ellos y maldiciéndolos, pues entiende su incapacidad para soportar eternamente sus férreas leyes; de esa frustración nace la “Red de la Religión” que aprisionará a los hombres. Para el poeta, estos eventos narrados ocurrieron en la prehistoria ignorada de nuestra alma. Harold Bloom juzga a Urizen una sátira del genio cartesiano, el arquetipo del poeta fuerte afligido por la angustia de la influencia [36] y, al unísono, una protesta blakeana ante el influjo de Milton, cuyo Paraíso perdido satiriza y pone en entredicho en varios pasajes, como mismo sucederá en Los cuatro Zoas. [37] Esa coincidencia obedece a varias causas: ya a partir de este libro la obra de Blake discurre por un cada vez más mayor proceso de introspección, donde los conflictos se vuelven más abismales, hasta el punto de colocarnos, en los textos proféticos siguientes (Los cuatro Zoas, Milton, Jerusalem), en un espacio cósmico interior que el visionario contempla desde sus meditaciones. Asimismo en este volumen juegan papeles importantes otras entidades de profecías anteriores que continuarán su desarrollo en las siguientes: Orc y Los y Enitharmon (sus padres). Los, como hemos visto, es uno de los cuatro Zoas, personificación del tiempo, entidad inmortal surgida de la caída universal, que en Milton asume la forja de la realidad objetiva y se enfrenta a Urizen en Jerusalem. El nombre de Los procede del sol latino, invertido, y alude a la potencia creadora, a los poderes físicos del sol, cuya réplica hallan en Los; también pudiera descender de Logos, pues siendo Cristo la Divina Palabra o Logos, Los sería simplemente una forma abreviada de la palabra griega. Enitharmon es la emanación de Los; podemos leerla como el espacio en la misma medida que leemos a Los como el tiempo; ambos se desdoblan en manifestaciones del fin providencial de la existencia histórica: la regeneración del hombre. El nombre puede derivar de Enion y Tharmas, dos símbolos primordiales en la mitología de Blake, [38] aunque Frye prefiere asociarlo con la astrología (enarithmios: numerada; o anarithmos: innumerable), porque la diosa del Cielo o Espacio se convierte en la base de la estructura mensurable de la realidad natural. [39] Vala fue el título inicial de Los cuatro Zoas, en atención a que Vala, emanación de Luvah, marcaba para Blake la mujer o la belleza física. [40] No obstante, luego de muchas modificaciones, el autor optó por el título hoy conocido, más apropiado a los intereses del volumen. El protagonista de este libro es el Hombre Eterno, o equilibrio entre los cuatro Zoas. Urthona/Los, Urizen, Tharmas y Luvah tienen una analogía con los cuatro elementos ocultos de Paracelso, aunque sus exégetas les confieren múltiples interpretaciones, [41] pero todos coinciden en que son entidades ilustrativas de direcciones o tendencias del alma, hasta el punto de concordar anticipadamente con los cuatro tipos sicológicos enunciados por Jung (Urizen: el intelecto; Tharmas: la sensación; Luvah: el sentimiento; Urthona/Los: la intuición). Después de sucesivas caídas de los Zoas a lo largo del libro, en el capítulo final se arriba al momento de la redención, a la armonía postrera entre los Zoas tras su lucha feroz por el poder; esta visión profética, este “sueño” al decir de Blake, sirve para que el hombre se reencuentre con su razón de ser y su destino. Frye alude en especial a la Novena Noche como un ejemplo del poema de reconocimiento, aquel donde se invierten las asociaciones habituales del sueño y la vigilia, y en el cual la experiencia parece ser una pesadilla y la visión una realidad; añade incluso la peculiaridad de que este es un poema de autorreconocimiento, porque el poeta está implicado en el despertar de la experiencia. [42] Precisamente el tema del libro siguiente, Milton (terminado en 1808), es la función regeneradora de la inspiración y el triunfo de la imaginación del poeta. Ya aquí el alma de Milton, bardo épico inspirador de los valores del pueblo, desciende regenerada del cielo y trata de predicar la verdad, no las leyes morales, como había hecho en vida gracias a la terrenalidad de su puritanismo. A su regreso, halla a la civilización europea al borde de un despeñadero y trata de encauzarla hacia su liberación. El relato se ordena de la forma siguiente: primero se oye la canción del Bardo, que cuenta la caída de Satán, y ha comprendido que, en su arrogancia, comete un error similar al del ángel humillado; luego el Espíritu de Milton retorna a cumplir su auténtica misión como poeta, Milton se trastoca en la inspiración misma y llega hasta Blake; y por último, Milton se reúne con su emanación (Ololon) [43] y se reintegra a su unidad esencial. Por la relevancia de la visión cosmológica de este tomo, se hace necesario discernir el valor simbólico de algunos estados, imprescindibles para abordar su lectura. Tales son los casos de Beulah, Ulro, Golgonooza y Entuthon. Beulah es el refugio de las emanaciones, un país de ilusión al que los hombres arribarán a través del sueño o las visiones, una comarca de descanso poblada por seres femeninos, sus hijas son equiparables a las musas. Pero Beulah no representa la visión perfecta, pues sólo es perfecta la visión edénica o Eternidad, por eso Beulah queda para aquellas mentes incapaces de la más alta visión. Más allá de Beulah se encuentra el abismo y, todavía más distante, Ulro, el no ser, el caos. En Jerusalem veremos cómo los reinos del ser se organizan de modo más claro en Edén o Cielo, Beulah, la Generación [44] y, finalmente, Ulro. Su etimología debe venir de ruler (gobernante) o de rule (regla), siendo el estado natural del hombre que ha nacido espectro y sólo podría regenerarse por medios espirituales, mas por eso mismo suele simbolizar la vida mortal carente de iluminación. Dentro de Ulro, Entuthon actúa como una oscura región, cual desierto donde reina el error y se hallan los símbolos del mundo caído. Y Golgonooza, por último, es la ciudad de Los, el palacio de las artes y refugio de los espíritus que se liberan de Ulro y se precisa construirla y reconstruirla para coadyuvar a la regeneración de los hombres, alcanzando así una clara afinidad con la Nueva Jerusalem del Apocalipsis. Jerusalem fue concebido entre 1804 y 1807, mas no se completó hasta 1818. Su título íntegro -Jerusalem, the Emanation of the Giant Albion- nos enfrenta a las dos unidades centrales del volumen. Albión personifica una nacionalidad, una tradición y un hombre que incorpora pasado, presente y futuro; es más histórico que el Hombre Eterno de Los cuatro Zoas y todo el texto se halla poblado por alusiones bíblicas o referencias históricas concretas (como ciudades de la Inglaterra actual y de la antigua: Londres, York, Verulum, etc.). [45] Albión llegará un día a reunirse con Jerusalem, de quien se separara al inicio de los tiempos, cuando comenzara su caída. Jerusalem, por su parte, encarna a una ciudad y a una mujer, y es la figura mayor de los últimos Libros proféticos. Resulta de origen bíblico: la Jersualem nueva, de la cual dice el Apocalipsis (21, 2): “Y yo, Juan, vi la santa ciudad, la nueva Jerusalem, descender del cielo, de parte de Dios, ataviada como una esposa hermoseada para su esposo”. [46] Es la emanación de Albión, simboliza la capacidad de visión, no tanto del hombre en sí mismo como de la humanidad, es decir, de Albión. O sea, que cuando los poderes visionarios se ejercitan, el género humano está unido, mientras que, en la mortalidad, “estado de sueño” del hombre, este tiene conciencia, no de la identidad espiritual del todo en el Tiempo y en la Eternidad, sino de la diferencia entre los seres y de su “individualidad”. El puesto de Jerusalem lo ocupa, entonces, Vala, su sombra, que indica la tendencia de la mente a disgregar y no a unificar. El poema es, en esencia, cristiano en sus nociones éticas: propone el perdón y la abnegación como actitudes básicas de comportamiento. Pero Blake, obviamente, se aparta de los caminos trillados al sugerir a la inspiración y la ensoñación poéticas como los medios para alcanzar la vida eterna, y no la sumisión a un orden pragmático. En todos estos últimos libros revisados (El primer libro de Urizen, Los cuatro Zoas, Milton y Jerusalem) Blake se decanta por un verso libre que le permita una mayor soltura expresiva, más a tono con su cosmovisión particular y renovadora. Esta elección les confiere un hálito de modernidad mucho más propio de la poesía sucesiva, anunciador de los grandes maestros que, lógico, volvieron a él para reinterpretar sus hallazgos y sus pesquisas. Sin embargo, en los fragmentos de su obra final, El Evangelio eterno, Blake opta por un regreso a la rima y la métrica, quizá emparentando este universo, de algún modo, con el de sus visiones más tempranas. En realidad, este volumen ni siquiera fue ordenado por el poeta, y puede considerarse que nada agrega a lo ya dicho por él hasta el momento. Trabajó en él desde 1818, mas quedó inconcluso a su muerte. Su aspecto más interesante radica en que, en ocasiones, el poema parece ser una reinterpretación de la figura de Cristo: el rebelde, el libertario, que viene a conmover los cimientos del mundo filisteo y farisaico; quien no enseña la humildad ni la castidad, perdona a la adúltera y odia a sus enemigos, pues, para Blake, era la única manera de amar a sus amigos. Amigos que, tratándose de Blake, fueron escasos. No sólo en su vida privada, sino también entre los críticos que coexistieron con él o le sobrevivieron. Wordsworth lo juzgó un pobre demente, aunque con algunas locuras preferibles a la cordura de Lord Byron o Walter Scott, en tanto John Ruskin reconocía la grandeza y profundidad de su mente, mas sin dejar de remarcar su grado de insania. Años después, poetas como Dante Gabriel Rossetti y Swinburne, comenzaron a entender el valor de esta revuelta y dieron pie a una múltiple relectura de Blake que no se ha detenido hasta hoy. Ya desde las aproximaciones de Yeats, el autor fue entendido como uno de los más altos poetas del mundo, miembro de esa cofradía de visionarios, individualistas y revolucionarios gracias a los cuales se ha movido el pensamiento en contra del autoritarismo y la ortodoxia, cualesquiera que estos sean. Su influencia poética se ha hecho sentir en muchos autores de lengua inglesa: Whitman, Dickinson, Kathleen Raine, Eliot, Samuel Beckett, Wallace Stevens, Jim Morrison y, además, en muchísimos poetas y escritores de otras lenguas, dadas la fuerza y originalidad de su pensamiento y de su escritura. Ambas materias encontraron enseguida múltiples exégetas de lujo, como los ya mentados Yeats, Eliot, Frye (de cuyo análisis sobre Blake, Fearful Symmetry, arrancó la idea motriz que daría origen a Anatomía de la crítica, texto fundador de la crítica arquetípica y precursor del estructuralismo) y Bloom (quien aborda la importancia del pensamiento visionario blakeano como eje de buena parte de su teoría acerca de las influencias poéticas). Aparte de hallar, por si no bastara, una larga serie de analistas y traductores en otros idiomas: André Gide, Guiseppe Ungaretti, Pablo Neruda, Xavier Villaurrutia, Gabriel Celaya, Heberto Padilla, Enrique Caracciolo, Soledad Capurro, Agustí Bartra y Cristóbal Serra, entre otros, quienes ayudaron y ayudan al conocimiento y difusión de su obra. Por último, su labor en las artes plásticas, muy marcada por el influjo del suizo Henry Fuseli, aparte de acuñar pautas en disciplinas como el grabado o la ilustración de libros, dejó una visible impronta en los movimiento pictóricos de finales del siglo xix y principios del xx. Los autores del Art Nouveau, por ejemplo, reconocían entre sus antecedentes a William Blake y a los prerrafaelistas (bien influidos por este, sobre todo el antedicho Dante Gabriel Rossetti); mientras que los surrealistas lo reivindican, junto con el italiano Paolo Uccello, como uno de sus antecesores. También es muy notable su ascendiente sobre los aguafuertes en blanco y negro que realizara Paul Klee durante los primeros años de su carrera. El motivo de esta avalancha creo haberlo dejado claro en las páginas anteriores: el bardo apunta hacia la creación de un nuevo orden por medio de la poesía, experiencia de alta consideración para las generaciones posteriores a él, pues ya sabemos que la poesía y el arte contemporáneos han sido siempre partícipes de la exploración antes que de la certidumbre, y pura exploración ontológica constituyen todos los libros de Blake en su conjunto y cada uno por separado; en ellos se eleva una armonía, una correspondencia de valores entre potencias aparentemente opuestas, un devenir de momentos de la energía y del ser, cuyo dinamismo constante convierte esta aventura literaria y artística en una de las más dialécticas e insondables del genio poético universal junto a nombres como Dante, Shakespeare, Milton, Goethe, Baudelaire y Rimbaud, testimonios disímiles, y complementarios, de la Voz del Bardo y su papel en la continua renovación del diálogo entre los hombres y de ellos con Dios. NOTAS 1. Eliot: The Sacred Wood, p. 158. 2. Eliot: op. cit., p. 151. 3. Ver Harold Bloom: El canon occidental, p. 43. [1] Insisto en el término relativa porque Blake, como se sabe, simpatizaba con las ideas de la 4. Revolución Francesa y, en materia filosófico-religiosa, no era del todo ajeno a especulaciones gnósticas, como veremos más adelante. 5. Bloom: El canon..., p. 55. 6. Acerca de las relaciones de Fausto. Segunda parte con las profecías de Blake, leer a H. Bloom: El canon..., pp. 221-222 y 232. Bloom destaca el punto de que las creaciones mitopoéticas de Blake son sistemáticas y están al servicio de su apocalíptica lucha contra la tradición canónica, en tanto las invenciones de Goethe son libres, profundamente festivas, y subsumen la tradición. 7. Ampliar estas ideas en Frye: Anatomía de la crítica, p. 87 y ss. 8. Esta cita y la anterior las hace Luis Cernuda en “William Blake”, ensayo que sirve de prólogo a El matrimonio del Cielo y del Infierno y Cantos de inocencia y de experiencia, p. 18. Este ensayo aparece incluido, además, en el libro del español titulado Pensamiento poético en la lírica inglesa del siglo xix, Editorial Tecnos, Madrid, 1986, pp. 24-34. 9. Es bueno rememorar que Blake ilustró siempre sus poemas -y muchos ajenos- con grabados descollantes por su originalidad pictórica. 10. Consultar a Yeats: Teatro completo y otras obras, pp. 12261227. 11. Frye y Bloom tocan el tema de la visión en Blake en todos los títulos consignados en la Bibliografía. 12. Ver “Prefacio a las Baladas líricas”. 13. Luis Cernuda en op. cit. ofrece una amplia y profunda explicación sobre el tema de la visión en Blake. 14. Ver Alejo Carpentier: “Un ensayo sobre Blake” en Letra y solfa. Literatura. Autores, pp. 177-178. 15. Para ampliar interpretaciones sobre el gnosticismo, sugiero consultar a Nicola Abbagnano: Diccionario de Filosofía, p. 590; Enciclopedia Encarta, 2000 y Cristóbal Serra: Pequeño diccionario de William Blake, pp. 38-39. 16. Cfr. Abbagnano: op. cit., p. 769; Serra: op. cit., pp. 55-56 y Enciclopedia Encarta 2000. 17. Serra: op. cit., pp. 18-19. 18. Para Blake la visión profética era una visión interna, una serie de secuencias basadas sobre una observación amplia que le permite al profeta asegurar que ciertas líneas de conducta conducirán a la degeneración de una raza o a la decadencia de una nación. “Un Profeta es un visionario”, decía, “jamás un Dictador arbitrario”. En el sentido recto, los libros de Blake no fueron profecías convencionales, pues resultaron escritos después de los hechos. Son profecías en el sentido poético, en el sentido de la liberación del hombre a través del conocimiento otorgado por la poesía. Ver Serra, op. cit., pp. 66-68. 19. Sugiero, de modo inexcusable, la lectura del libro de Cristóbal Serra para desentrañar la a veces confusa madeja de conexiones entre Blake, sus entidades y las doctrinas del pensamiento tradicional. Para estos acápites específicos ver pp. 12, 13, 15 y 16. 20. Citado por Cristóbal Serra, pp. 72-73. 21. Bloom: El canon..., p. 94. 22. Urizen: oscuro genio creador del mundo arrancado del seno de la Eternidad. Dios del universo material, iniciador de las ciencias. Uno de los Zoas que representa la razón o el intelecto. En unas ocasiones tiene fuerza positiva, en otras, negativa. 23. Las relaciones de Blake con los pintores de su época fueron tensas, desde sir Joshua Reynolds, director de la Royal Academy, que vertió en ella toda la influencia de un pensamiento considerado por Blake retardador, hasta otros artistas menores con los cuales sostuvo enconadas polémicas causadas casi siempre por la incompresión de estos hacia la producción gráfica de Blake. Salvo, valga aclararlo, con John Flaxman, a quien lo unió una larga y sólida amistad, y con Henry Fuseli, cuya labor apreciaba mucho. 24. Por supuesto, muchos poetas astutos no publican sus libroscanteras porque los desestiman. Editores, críticos y herederos voraces les hacen siempre ese trabajo sucio y nos enseñan tales interioridades. 25. Stephen Spender: The Struggle of the Modern, p. 25. 26. Para un estudio de las múltiples valoraciones de este poema por la academia inglesa y norteamericana, ver el trabajo de Mark Rollings titulado “London”. 27. Este símbolo, aparecido por vez primera en la obra de Blake, es la Naturaleza, la religión natural. Es una entidad hermafrodita que representa la esclavitud del hombre frente a la naturaleza. En Los cuatro Zoas Rahab (la ramera) y Tirzah (la mojigata) son identificadas como hijas de Albión, se oponen activamente a los esfuerzos regeneradores de Los. Serra: op. cit., p. 75. Dentro de este poema, Blake introduce, además, el término Generación que usa siempre en relación con la vida eterna. Serra: op. cit., p. 36. 28. Las disímiles interpretaciones de la figura del Bardo y de los términos “Holy Word” y “Earth” en los Cantos, manejadas entre la crítica literaria anglonorteamericana más reciente, están reseñadas por Mark Rollings en su artículo “‘Introduction’ to Songs of Experience”. 29. Una lectura histórico-crítica de estos tres poemas la ofrece Deborah Noel en su apartado “The Human Abstract”. 30. Eliot: op. cit., p. 153. 31. Al parecer, el nombre deriva del inglés love, pronunciado luve en la antigüedad. Para Frye significa el espíritu de la Generación, el mundo de la vida sexual, y a Orc, que representa su estado caído, lo asocia con la serpiente, también para Blake un símbolo fálico. 32. Se rumora incluso que fue Blake quien salvó la vida a Paine al avisarle de su presunta detención durante los sucesos arriba mentados. Cristóbal Serra, op. cit., p. 65, desmiente tal aseveración y alega que Paine salió de Inglaterra voluntaria y legalmente luego de haber sido nombrado representante por Calais en la Asamblea Nacional Francesa. 33. Emanación: entidad cuyo origen está en la división temporal de una personalidad. Aspecto femenino del alma. Término empleado por los neoplatónicos para indicar proyecciones espirituales de una personalidad. Espectro: fantasma surgido de la desintegración de una personalidad. Parte masculina del alma. Fragmento de una totalidad que a veces ocupa la función de aquella. La emanación es parte integral de una personalidad; el espectro, en cambio, es una sombra, una presencia ominosa. Blake tenía claro que los poderes del espíritu (emanación), no debían ser obstruidos por el espectro (materialista). La reunión de Espectro y Emanación en el Hombre Eterno coincide con la desaparición del fenómeno del sexo, considerado por Blake un conjunto de errores por causa del cual el hombre se ve a sí mismo, y al universo, como distintas entidades físicas. Para salvar las diferencias matrimoniales, la Emanación debe renunciar a su sed de dominio y sacrificar su egoísmo; el Espectro debe matar su identidad y sacrificarse, para ser absorbido por la hermandad que es Jesús. Ver Serra: op. cit., p. 29-30 y 32. 34. Ver Bloom: La angustia de las influencias, p. 74-75 y 92. 35. Serra: op. cit., p.76-77. 36. Bloom: La angustia..., p. 50-53. 37. Idem: p. 176 38. Enión: emanación de Tharmas. Una variante de Demeter que busca a sus hijos perdidos en medio de incesantes lamentaciones. Suele entenderse como la madre de Los y Enitharmon (Serra: p. 31). Tharmas: otro de los Zoas, dios de las aguas. Es la vida vegetativa y el mundo de la sensación. Posee el poder de crear vida, un privilegio negado al hombre caído. Su espectro simboliza el caos. Se sospecha que su etimología proviene de Thammuz o Tammuz, nombre sirio de Adonis (Serra: p. 74). 39. Para Los, ver Serra: op. cit., pp. 51-52. Para Enitharmon, idem, pp. 31-32. 40. Según Frye, citado por Serra (p. 78), Vala viene de los Eddas, donde Vola equivale a la Sibila y su canto profético en la Völuspa (Profecía de la Vidente). 41. Serra: op. cit., p. 80-82. 42. Frye: Anatomía..., pp. 399-400. 43. Ololon: aparece como una niña casta y desciende junto con Milton al mundo adonde se cumple la unión. Así se purifica de la virginidad, que era su mácula. 44. Allí queda por encima de Ulro, estado del error total, mas por debajo de Beulah, que goza del privilegio de la visión iluminadora. 45. Según Frye, la identificación de una Inglaterra ideal con el Edén, apoyada en leyendas de variado tipo, está presente en la literatura inglesa, desde el final de Friar Bacon de Greene hasta el Jerusalem de Blake. Y enumera una larga lista de personajes, libros y autores que incluyen a San Jorge, santo patrono de Inglaterra, la Dama Una de Spenser y muchos otros. Ver Anatomía..., p. 256 y ss. 46. Santa Biblia, p. 1688. Jesús David Curbelo (Cuba, 1965). Poeta, narrador, crítico y traductor literario. Licenciado en Filología. Actualmente labora como Jefe de la Redacción de Poesía en Ediciones Unión, en Ciudad de La Habana. Tradutor de John Donne, William Blake e Dante, dentre outros. Autor de livros como Aprendiendo a callar (poesía, 2005), Otros cuentos de amor, de locura y de muerte (Cuento, 2006), y Cuestiones de agua y tierra (novela, 2008). Este texto sirvió como prólogo al libro de William Blake Cantos de inocencia y Cantos de experiencia¸ traducido por Susana Haug y Jesús David Curbelo (Casa de Letras, Ciudad de La Habana, 2004). William Blake se encuentra retratado por Thomas Phillips (1770-1845). Página ilustrada con obras del artista William Blake (Inglaterra). Contacto: [email protected]. banda hispânica argentina Endereço postal, expediente e equipe bolívia chile honduras méxico nicarágua colômbia panamá costa rica paraguai cuba el salvador equador peru porto rico r. dominicana espanha uruguai guatemala venezuela dossiês antología de la literatura paraguaya (teresa méndezfaith) césar dávila andrade (equador) jorge luis borges (argentina) juan antonio vasco (argentina) . Editorial "Hay cosas mágicas!" Escutei isto da boca de um poeta, o argentino Horacio Salas, na abertura do I Encontro de Poesia Latinoamericano, em Manaus (novembro de 2000), mas o encontro é história de que falo em outra oportunidade. Dou-me conta, sim, das coisas mágicas de que trata o poeta Salas. Inicialmente, num dia não muito distante, do fundo da revolta da orfandade à língua portuguesa, o surgimento do Jornal de Poesia. Em pouco tempo, mais de 2.000 poetas da lusofonia no ar. Depois, a constatação de que o mundo lusófono seria muito pouco. Ibéricos, pois! Navigate, Hiberia! Navigamus. Um dia, Hiberia, era mar, um mar de poente, e me arribei de ti. Assim foi que escrevi em Salomão. Agora, a nova mágica: a ampla navegação ibérica, não apenas lusa, mas ibérica, este mundaréu de mar e chão de 1 bilhão de habitantes irmanados pela fala quase a mesma. E, quem sabe, um dia cheguemos à outra península, Latium, onde tudo, de nossa banda, principiou. O Jornal de Poesia não poderia ter feito escolha melhor para cuidar da Banda Hispânica: o poeta, crítico e tradutor brasileiro Floriano Martins, ele quem iniciou, ainda no papel e tinta, este trabalho que aqui faremos no virtual. Quando toda a intelectualidade brasileira virava as costas a este mundo novo, Floriano era um dos poucos que se correspondia com os poetas da América Latina. O projeto é fazermos a integração inicialmente com os hispânicos do Novo Mundo, tão próximos e inexplicavelmente tão distantes. Dentro de 1 ano queremos ter aqui pelo menos uns 30… 300… 3.000 poetas! Não há limites! Navigare necesse. Estamos apenas iniciando. Se vai crescer? E você tem dúvidas? A proposta inicial do JP era uma meia centena de poetas… Fechamos o 2000 com 2.007! E a Banda Hispânica é muito maior… aguardem. O projeto de Floriano Martins engloba tanto a reflexão crítica sobre os inúmeros poetas hispano-americanos quanto a mostra de sua poesia. A laboriosa equipe da Banda Hispânica é composta exclusivamente pelo tradutor, ensaísta, crítico de literatura, biógrafo e poeta, do Ceará para o mundo, o Floriano Martins. Nem o Jornal de Poesia, nem o seu editor, Soares Feitosa, interferem em nada na Banda Hispânica. Escreva para o Floriano. Soares Feitosa Revistas de cultura são o grande bálsamo propiciador de um diálogo imediato entre leitor e produção cultural. Em alguns momentos funcionam como verdadeiros manifestos de uma geração. Em outros, atuam como uma deusa de mil braços e mil olhos. Em sociedades definhadas por uma cultura monetária, firmam o único elo possível entre dois pólos indispensáveis. Na América Latina assumiram conotações diversas no decorrer do século XX, definindo posições tanto estéticas quanto políticas, segundo as circunstâncias de seu cultivo. A criação de um projeto como Banda Hispânica se aproxima desse universo, podendo ser visto como uma revista eletrônica, não no sentido periódico em que se costuma observar essa aventura editorial, mas no de difusão sistemática de focos de cultura que não habitualmente dialogam entre si. Importa-nos criar uma condição de conhecimento mútuo, saltando fora da corriqueira falácia em defesa de uma identidade cultural. Interessa, isto sim, acentuar a multiplicidade, dando voz às manifestações poéticas relevantes em todos os 19 países que constituem a América Hispânica, não sem incluir a própria Espanha, de radical importância para o desdobramento dessas culturas. Banda Hispânica compartilha a idéia de José Martí de que "conhecer diversas literaturas é a melhor maneira de livrar-se da tirania de algumas delas". O projeto define-se como a criação de um banco de dados permanente enfocando inúmeros aspectos ligados à poesia na América Hispânica e na Espanha. Seu desdobramento não está atrelado a um caráter periódico, mas sim à participação de todos aqueles que tenham contribuições relevantes a apresentar. É nossa idéia criar condições diversas de diálogo, para tanto recuperando textos críticos publicados na imprensa, ao longo de décadas, ao mesmo tempo em que abrigando depoimentos de poetas e críticos, entrevistas, tudo quanto se relacione com a abrangência proposta. Desde já conclamamos a todos os editores de revistas de cultura que nos enviem, por meio eletrônico, textos vinculados ao tema, matérias circuladas em suas publicações, dignas de um acesso permanente, para que somemos esforços no sentido de burilarmos uma grande mesa de diálogo em torno da poesia hispanoamericana. Banda Hispânica será sua permanente revista eletrônica, lugar de encontro com a diversidade cultural de todo um continente. Sendo projeto original do Jornal de Poesia, encontra-se também vinculada à revista Agulha, em um enlace que reforça a idéia de que temos que concentrar forças em torno de projetos que possam contribuir para o enriquecimento e difusão de nossas culturas. Floriano Martins projeto editorial do jornal de poesia editor geral e jornalista responsável soares feitosa coordenação editorial da banda hispânica floriano martins a banda hispânica conta com a ajuda valiosa dos correspondentes alfonso peña (costa rica), alfredo fressia (uruguai), américo ferrari (peru), bernardo reyes (chile), carlos m. luis (uruguai), carlos véjar (méxico), eduardo mosches (méxico), edwin madrid (equador), francisco morales santos (guatemala), harold alvarado tenorio (colômbia), jorge ariel madrazo (argentina), jorge enrique gonzález pacheco (cuba), josé ángel leyva (méxico), josé luis vega (porto rico), david cortés cabán (porto rico) e maría antonieta flores (venezuela) os dados curriculares de todos os poetas constantes da banda hispânica são de responsabilidade dos autores, cabendo unicamente aos mesmos quaisquer solicitações de alterações e atualizações. os poetas hispano-americanos que desejem participar da banda hispânica devem enviar, por meio eletrônico, seus dados curriculares atualizados, seleção de 5 poemas e resposta ao questionário abaixo: 1. ¿Cuáles son tus afinidades estéticas con otros poetas hispanoamericanos? 2. ¿Cuáles son las contribuciones esenciales que existen en la poesía que se hace en tu país que deberían tener repercusión o reconocimiento internacional? 3. ¿Qué impide una existencia de relaciones más estrechas entre los diversos países que conforman Hispanoamérica? exégesis (Porto Rico) [Floriano Martins] três revistas hispano-americanas: Archipiélago (México), Maga (Panamá), Matérika (Costa Rica) [F.M.] revistas hispano-americanas, I: um olho no passado recente [F.M.] revistas hispano-americanas, II: um encontro de duas linguagens [F.M.] triploV (Portugal): diálogo com Maria Estela Guedes [F.M.] rascunho (Brasil): diálogo com Rogério Pereira [Claudio Willer] jornal de poesia (Brasil): diálogo com Soares Feitosa [F.M.] digestivo cultural (Brasil): diálogo com Julio Daio Borges [C.W.] el artefacto literario (Suécia): diálogo com Mónica Saldías [F.M.] Jornal da ABCA (Brasil): diálogo com Alberto Beuttenmüller [F.M.] Fokus in Arte (Brasil): diálogo com André Lamounier [F.M.] Storm (Portugal): diálogo com Helena Vasconcelos [Maria João Cantinho] Babel (Brasil): diálogo com Ademir Damarchi [C.W.] Corner (Estados Unidos): diálogo com Carlota Caulfield [Maria Esther Maciel] Arquitrave (Colombia): diálogo com Harold Alvarado Tenorio [F.M.] Fronteras (Costa Rica): depoimento de Adriano Corrales Arias Salamandra (Espanha): apresentação de Lurdes Martínez Tropel de Luces (Venezuela): diálogo entre Pedro Salima & amigos (Antonio Guerra, Luis Aníbal Velasquez, Mirimarit Parada, Jesús Cedeño y Eduardo Gasca) Iararana (Brasil): diálogo com Aleilton Fonseca [F.M.] Amauta (Peru): ensaio de Carlos Arroyo Reyes Portal de Poesía Contemporánea (Espanha): depoimento de María Martín Arévalo Alforja (México): diálogo com José Vicente Anaya & José Ángel Leyva [F.M.] Capitu (Brasil): diálogo com Edson Cruz [F.M.] Común Presencia (Colombia): diálogo com Gonzalo Márquez Cristo & Amparo Osorio [F.M.] Cult (Brasil): diálogo com marcelo rezende [C.W.] Malabia (Espanha): diálogo com Federico Nogara [F.M.] Vaso Comunicante (México): diálogo com Ludwig Zeller & Susana Wald [F. M.] Matérika (Costa Rica): diálogo com Alfonso Peña & Tomás Saraví [F.M.] Palavreiros (Brasil): diálogo com José Geraldo Neres [C.W.] Piel de Leopardo (Argentina): diálogo com Jorje Lagos Nilsson [F.M.] Blanco Móvil (México) 1. Diálogo com Eduardo Mosches [F.M.] 2. Diálogo com Eduardo Mosches [F.M.] Literatura on line (Brasil): diálogo com Laudemir Guedes Fragoso [Edson Cruz] Suplemento Literário Minas Gerais (Brasil): artigo de José Aloyse Bahia Telescópio (Brasil): diálogo com Everi Rudinei Carrara [C.W.] Alpha (Chile): depoimento de Eduardo Barraza Agulha (Brasil): diálogo entre os editores Decir del agua (Estados Unidos): diálogo entre Reinaldo García-Ramos & Jesús J. Barquet Tsé-tsé (Argentina): diálogo entre Reynaldo Jiménez & Pedro Favaron O Escritor (Brasil) 1. Jornal: diálogo com Erorci Santana [F.M.] 2. Revista: diálogo com Izacyl Guimarães Ferreira [C.W.] Punto Seguido (Colombia) 1. Depoimento de Oscar Jairo González 2. Pacto con la lujuria de la palabra [diálogo com os editores], por Eugenia Sánchez Nieto 3. La revista entrevista [diálogo com os editores], por Lucila Nogueira 4. El arte de abrir agujeros en el agua [por Luiz Fernando Cuartas] Letra Voz (México): carta de su editor, Margarito Palacios Maldonado Caudal (República Dominicana): diálogo entre luís g. ruinsánchez y carlos enrique cabrera La Cabeza del Moro (México) Depoimento de Manuel R. Montes Nova Águia (Portugal) Informe editorial editores da agulha revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial Aproximar o distante - Do estranho ao familiar, duas experiências: Timor Leste e Guiné-Bissau Joana Ruas . Ao abordarmos o problema da identidade do povo timorense, temos de nos reportar a uma continuidade que pertence ao domínio da cultura (antropologia e etnologia) e a uma descontinuidade que é do domínio da história. No que à sua cultura se refere, o povoamento da Oceânia fez-se há 3000 anos AC, quando os habitantes do litoral do sul da China atravessaram o estreito e se instalaram em Taiwan espalhando-se depois pelas Filipinas, Celebes e Timor e de lá para as outras ilhas do arquipélago indonésio. O reino hindubudista de Sriwijaya da dinastia Cailindra que data de 672 deixou vestígios de escrita pâli nas ilhas da Sonda ou Sonda Menor e entre os Batak de Sumatra onde tinha, em Palembang, a capital. Ao longo dos séculos, os juncos chineses provenientes de Fukien e Kwangtung visitavam a ilha de Timor periodicamente aportando ao porto de Suai onde se abasteciam de sândalo. Em 1432, a mando do imperador, o almirante chinês Cheng-Ho, na sua sétima visita às terras habitadas na periferia da China, estabeleceu relações de suserania em Timor sem pretensões de domínio ou de colonialismo. Lifau, cuja palavra significa Mar de Gente, era um porto do Oekussi, situado nas margens da foz da ribeira Lifau e seria outro porto chave na rota do sândalo.O salutífero e cheiroso sândalo como o adjectiva Luís de Camões em Os Lusíadas, era também comerciado em Lifau. Salutífero porque a raíz do sândalo era usada como medicamento e cheiroso porque era queimado nos templos hinduistas e budistas. Segundo as contas dos Jesuítas, por volta do século Vll ou Vlll, chegaram às praias de Lifau, oriundos do reino de Bé Hali, cinco forasteiros: Tá'e Baria, Liulai Sila, Somba'i Sila, Afo'an Sila e Benu Sila, todos irmãos menos o primeiro. Eles dividiram entre si, na melhor concórdia, toda a ilha de Timor. Benu Sila ou Ambenu ligou o seu nome ao território que ficou conhecido como Ambeno. Séculos depois dos Silas, chegaram os portugueses e holandeses. Em terras de Silabão, que quer dizer a terra dos cinco silas ou mandamentos budistas, recordava-se Achoka, o primeiro rei que num edicto histórico proibiu a guerra por a considerar incompatível com a condição humana. Em finais do século XV, o império budista de Madjapahit caiu sob o poder dos maometanos árabes de Marrocos, tendo-se os budistas refugiado nas Ilhas da pequena Sonda ou Sonda Menor como Lombok, Flores, Timor e Ceram onde prevaleciam ainda as religiões arcaicas dos povos autóctones. Estes núcleos de budistas e mais tarde também de cristãos, viveram até finais do século XIX entre estes povos. Em 1511, Afonso de Albuquerque conquista Malaca e ao dominar os estreitos de Malaca, acabou com a talassocracia árabe no Oceano Índico. João de Barros, na sua obra intitulada Ásia, conta que criados por Afonso de Albuquerque com o propósito de estabelecerem uma ponte com as comunidades locais, os casados desligavamse do estatuto de soldados e armavam os seus próprios navios. Estes soldados e navegadores portugueses de Malaca, Goa e Macau, casados com mulheres timorenses, deram origem aos luso-descendentes, então chamados de portugueses negros ou Tupasi. Estes mercadores portugueses que contraíram matrimónio com mulheres da Ilha de Timor, deram origem a numerosas famílias, entre as quais se salientaram os Costa, os Fernandes e os Hornay que viriam a desempenhar ao longo da história de Timor papéis de grande relevo, quer combatendo os corsários holandeses durante o domínio de Portugal pelos Reis de Espanha, quer no longo período que precedeu a instituição do poder civil, no início do século XVIII sob o comando do governador pernambucano António Coelho Guerreiro, que segundo o seu biógrafo, Gregório Pereira Fidalgo, “cometeu feitos dignos de memória desde Pernambuco onde nasceu até à Pérola do Oriente(como ele designava Timor)”.Os Tupasi constituíam uma burguesia ligada ao comércio do sândalo e que falava o português e o Teto no seu dia a dia. O vocábulo Tupasi ou Topasses é oriundo do dravidiano e significa simultaneamente, intérprete e cristão, isto é, alguém que possui a capacidade de estabelecer a comunicação, não só entre povos diferentes como entre grupos religiosos distintos. Quando os Portugueses chegam a Timor, surgem aos olhos dos povos das ilhas da pequena Sonda como aliados capazes de assegurarem, pelo potencial bélico e pela inventividade, a sua defesa. Pela distância a que se achavam, os Tupasi organizaram-se militar e administrativamente do que resultou um permanente conflito de interesses que ao longo dos séculos os opôs à Coroa de Portugal e à Coroa da Holanda. Dois eurasiáticos, António de Hornay e Mateus da Costa eram dois dos concorrentes à liderança. A rivalidade criada para conseguirem a liderança, alastrou aos soldados portugueses, aos comerciantes macaenses, aos desertores holandeses e aos contrabandistas chineses. A administração militar portuguesa só muito tardiamente, em 1912, conseguiu pacificar uma população mestiçada cuja elite quis, ao longo de séculos, tomar as rédeas do comércio do tabaco, do café e do sândalo nas suas mãos e que se habituara a governar um território em que os centros de decisão se achavam a maior parte das vezes, muito distantes: em Goa, Macau, Brasil ou Lisboa. Tendo em conta que apenas uma pequena parte da experiência humana se volve em consciência, a experiência retida sedimenta-se na memória como entidade reconhecível e recordável. Esta sedimentação intersubjectiva torna-se propriedade do “socius” quando objectivada num sistema de símbolos transmissíveis de geração em geração sob a forma de linguagem. Através da linguagem, a experiência adquire a sua dimensão acessível a todos, incorporando-a num amplo corpo de tradições. A língua Teto pertence à grande família austronésiana que vai de Madagáscar a oeste, prolongando-se num grande semicírculo que rodeia metade do globo incluindo a Ilha de Páscoa, a este. Hoje divide-se num ramo oriental e num ramo ocidental. As línguas austronésianas orientais são as dos Melanésios, dos Micronésios e dos Polinésios do Pacífico; as ocidentais são as dos Indonésios, dos habitantes das Filipinas e da Malásia e também dos povos autóctones de Taiwan, do Champa, do Centro-Vietnam, assim como dos Malgaches. A língua Teto recebeu em Timor vários préstamos não só do português como do tupi-guarani que ali chegou na época do império luso-brasileiro. Chegaram ao longo dos séculos à Ilha de Timor várias línguas escritas : o sânscrito e o árabe. Quando o domínio dos mares da região deu ao portugueses o domínio do comércio em todo o sudeste asiático, ali chegou também o alfabeto numa altura em que o português já era uma língua franca não só no arquipélago malaio mas também na Índia, Ceilão, Malaca, Macáçar, Amboino, Ternate e Macau. Os Tupasi não se preocuparam em escrever os feitos da sua vida de comerciantes, o que ficou escrito deve-se aos frades dominicanos que, tendo chegado a Timor depois dos comerciantes, entre 1597 e 1600 ensinaram o português e o latim no seminário de Solor a cerca de 60 alunos.Também os anónimos durubaças que exerciam a função de auxiliares e embarcadiços e que mais tarde formaram uma classe de funcionários, contribuíram para a difusão da língua portuguesa. A presença portuguesa desempenhou um papel na criação de sistemas linguísticos os crioulos de base portuguesa. As línguas crioulas não possuíam na maior parte dos casos, uma tradição escrita e, consequentemente, uma ortografia própria, por se tratar de línguas essencialmente orais. O malaio-português de Batávia e Tugu (descritos por Schuchardt) foram a excepção já que no século XVIII e ao longo do século XIX se publicaram nestes crioulos: dicionários, gramáticas e livros de orações. Toda esta produção destinava-se ao uso de estrangeiros, viajantes, administradores coloniais e missionários. Apenas a literatura religiosa encontrava leitores crioulos, o que pressupunha a alfabetização de alguns estratos desta comunidade crioula o que é confirmado pela publicação, em Colombo, de vários periódicos em língua crioula durante a segunda metade do século XIX. A literacia era excepção e não a regra nas comunidades crioulas. Os holandeses usavam tanto o crioulo português como o malaio e as primeiras gramáticas de crioulo português no sudeste asiático foram compiladas pelos holandeses A causa da libertação de Timor-Leste galvanizou o Portugal democrático sem que, no entanto, nos empenhássemos no conhecimento da sua especificidade e sem nos questionarmos sobre as origens históricas da sua tragédia no longo e complexo processo de formação da sua nacionalidade. A Resistência Timorense não começou em 1974 com a invasão indonésia mas, no que à expansão portuguesa no Oriente diz respeito, essa resistência teve início cerca de cinquenta anos depois da chegada dos primeiros portugueses a Larantuca. No que toca às populações melanésicas como às polinésicas, segundo a análise de Marcel Mauss, as lutas travadas contra a administração colonial deveram-se à despossessão fundiária que se seguiu à chegada dos Europeus, o que constituiu um fenómeno essencial pois o surgimento da propriedade fundiária acarretou uma redistribuição da propriedade lá onde ela era desconhecida. Neste contexto, em 1731, a Casa Real de Bé-Hali que era um bastião do hinduismo, empreendeu, a partir de Suai, a conquista da ilha de Timor, enfrentando ao mesmo tempo o poderio português e holandês. Em contacto com o povo de Timor-Leste, já na sua causa de libertação nacional, compreendi que, como cada um deles, eu era parte de uma almamundo. O episódio que mo revelou passou-se do seguinte modo: preparando uma conferência sobre identidade e luta de libertação nacional, a minha abordagem incidiu sobre os seus poetas que se exprimiram em língua portuguesa. Um desses poetas, Jorge Lautém, mereceu a minha especial atenção não só pelos seus poemas impregnados de uma cultura profundamente oriental, hinduista, mas sobretudo pelo facto de Jorge Lautém ter sido um dos que desapareceu durante a invasão para não mais ser visto. Fiquei com essa dor no coração, a dor pelo seu sofrimento e pela sua morte, pelo seu génio tão precocemente ceifado. Na esperança de ter notícias suas, sempre que me encontrava com timorenses perguntava por ele e obtinha deles esta resposta enigmática: Jorge Lautém é você. Como é normal entre nós, eu desfazia o engano afirmando a minha identidade. Como insistissem, encarei esta atitude como um enigma posto não só à minha inteligência, como ao meu sentimento e à minha cultura. Uma vez, ao lembrar o assassinato de Sebastião Gomes Rangel, um estudante de 18 anos cujo funeral desencadeou o massacre de Santa Cruz, espantou-me que muitos deles me respondessem, o Sebastião sou eu. Como não podia deixar de ser, esta atitude obrigoume a repensar a problemática do Eu tal como a nossa cultura judaico-cristã o vivencia e outra, a de uma identidade plural no plano mais alargado de uma cultura oriental. Para fugirem à neutralidade vazia que caracteriza o homem reduzido pela abjecção à errância, ao exílio, à fome, ao medo e à doença, havia em muitos timorenses uma identidade flutuante em busca de uma ancoragem. Ao absurdo dilaceramento da sua condição de homem espoliado e perseguido, para aceder a uma existência mesmo que por empréstimo, cada um deles respondia vestindo uma identidade refúgio. Havia gente que em busca de uma concretização girava à volta de um centro vital, um centro de atracção onde, numa forma de existir morrendo sem fim, não se anda nem se permanece. Em L’Entretien Infini, a propósito da obra L’Espèce Humain de Robert Antelme, um sobrevivente dos campos de concentração nazis, Maurice Blanchot escreve que “ o homem dos campos de concentração, o deportado, sente toda a sua impotência. Todo o poder humano está fora dele, como está fora dele a existência na primeira pessoa, a soberania individual, a palavra que diz ser. É verdadeiramente como se ele não tivesse outro Eu senão o dos dominadores aos quais está entregue sem apelo, como se o seu próprio Eu, tendo-o abandonado e traído reinasse entre os predominantes deixando-o como uma presença anónima sem palavra e sem dignidade.” Assim, fui confrontada com os horizontes do meu passado histórico enquanto cidadã de um país que dominou Timor-Leste durante cerca de quinhentos anos. O Portugal democrático empenhava-se na libertação do povo de TimorLeste, mas esse povo que lutava com tanta coragem pela causa da sua autodeterminação, esmagado na sua integridade, dependia ainda de um outro poder, de um outro povo e cada um deles de uma outra pessoa. Segundo Claude Lévy-Strauss, produz-se uma crise de identidade quando hábitos seculares desabam, quando modos de vida desaparecem, quando velhas solidariedades se esboroam. Quer a experiência do colonialismo português quer a da integração na Indonésia comportavam ainda vários elementos destruidores impeditivos de se integrarem no fluxo da existência, no seu movimento vivo, numa independência plena que se pudesse exprimir também literariamente. Procurei apreender o que seria viver sem mutilar a memória. Se, eu, era ele, o poeta desaparecido, o Jorge Lautém, restavame acolher a sua memória. Ao ler os escassos poemas que nos legou deparei com uma nítida influência mística oriental que privilegia a descrença num eu autogénico, separado, que acorrenta os homens à vida fenoménica tal como o descreve o Dharma. Em Buda a vida flui e é directa. Todos os métodos budistas visando a obtenção da libertação concentram todos os seus esforços na abolição da crença de um eu, fonte de todas as paixões. Para o adepto das doutrinas de Buda não é possível alcançar o verdadeiro significado das Quatro Verdades Nobres se não se compreender a impersonalidade da existência pois a vida é apenas uma passagem no rio do tempo, fonte de nascimentos e de mortes e de desaparecimento de fenómenos físicos e espirituais. Toda esta filosofia interdita a emergência de um eu permanente. Da confluência entre a condição do homem dada pela cultura ocidental e a ancestral sabedoria oriental, para a cultura timorense, cada humano que morre tem por si uma testemunha que toma sobre os seus ombros a sua memória, não como se fosse apenas uma sombra errante mas como uma presença viva. Afinal, não somos eternos no coração uns dos outros? A Luta é a minha primavera A luta É a minha Primavera Sinfonia de vida O grito estridente dos rios A gargalhada das fontes O cantar das pedras E das rochas O suor das estrelas A linha harmoniosa dum cisne! Ao lermos este poema não podemos deixar de sentir com quanto despojamento se manifesta o despertar de uma energia feita de desprendimento de si e de total entrega. Na sua solidão essencial, há neste homem pronto para o combate a abundância primaveril das grandes forças da natureza: a da água que estridente se solta pelos rios abaixo e a que jorra das fontes. Mais do que fecundar a terra, água é a linguagem da fluidez invadindo o espaço, grito e gargalhada sonorizando as paisagens mudas. O homem que no combate vai suar o suor das estrelas longínquas, está mais perto do céu do que da terra e, inamovível no seu ideal, o seu canto é igual ao das pedras e das rochas. Frescura, clareza e pureza eis o que caracteriza a linguagem do espírito novo para que nasça uma nova vida. Geração sacrificada a um ideal, o cisne dá corpo a uma forma harmoniosa. Seja qual for a cor da sua pele, símbolo de luz, o cisne representa o ideal de brancura e de graça do guerrilheiro no seu combate por uma causa nobre, por um futuro de paz no achamento de uma felicidade terrestre. É sob o lema deste muito justamente célebre poema do querido e saudoso amigo, combatente e poeta, Vasco Cabral, que vos vou falar da minha experiência na Guiné-Bissau onde estive nas zonas libertadas e, posteriormente, trabalhei como jornalista cultural no jornal Nô Pintcha desde o seu primeiro número. Levou-me à Guiné-Bissau uma operação de resgate: o resgate de parte das memórias da minha infância, memórias que a ditadura me roubou ao assassinar em Angola e obrigar ao exílio, adultos e crianças que povoaram a minha vida e os meus afectos.Para lá parti com uma carta endereçada pelo meu querido amigo, o professor Borges Coelho, a Vasco Cabral. É-me impossível recordar a totalidade dos acontecimentos que constituem parte integrante da minha experiência na GuinéBissau e em Timor-Leste. Talvez a parte mais substancial dessas experiências repousem no coração da minha memória. Essas experiências frutificaram em duas obras literárias: A PELE DOS SÉCULOS, no caso da Guiné-Bissau e no caso de Timor-Leste, a obra em três volumes com o título genérico de A PEDRA E A FOLHA cujo primeiro volume A BATALHA DAS LÁGRIMAS acaba de ser editado em Portugal. Apesar destas obras, o que permanece ainda no palimpsesto da memória, deixa-me, como escritora, entre o terror do enorme trabalho que me espera e o encantamento perante um mundo que, afundado nos labirintos do esquecimento, vai saindo para o espaço da criação literária onde cabem tantos e tão diversos mundos, todos regurgitando da vida de quantos homens, mulheres, crianças, árvores, animais e rios se haviam atravessado na minha vida. Uma das razões pela qual decidi escrever A PELE DOS SÈCULOS e A PEDRA E A FOLHA foi a leitura da obra de Marcel Mauss, um dos fundadores, em 1904, do L’Humanité e autor do celebrado Essai sur le don. Marcel Mauss achou já nessa época que era altura do romance dar a povos considerados até então primitivos o rosto humano que lhes fora roubado. Dizem que a palavra Guiné é de origem tuaregue e designa o país dos negros. Data de 1444 a entrada dos primeiros escravos da Guiné em Portugal. Em 1460 António di Noli implanta a cana do açúcar nas ilhas de Cabo Verde. Faltando-lhe a mão de obra, obtém do rei de Portugal permissão para ir filhar negros à Guiné. Enquanto os barcos corriam as costas da Guiné em busca de escravos, a rainha Isabel, a católica, enchia os mercados da Sicília e de Nápoles com escravos mouros e judeus que dali eram encaminhados para os mercados de escravos do norte de África. O mundo árabe absorveu parte deste contingente que lhe chegou dos reinos da Espanha e da Sicília pois esta ilha era então pertença de Aragão. Os judeus foram nas caravanas pelas rotas sarianas do ouro que saíam de Anafé (a actual Casablanca) e Safim. Alguns deles iam como pastores de cabras nas tribos tuaregues enquanto outros foram acolhidos nas tribos mandingas onde os foram assimilando até à sua chegada à Guiné. Em 1492, o rei de Portugal obrigou os judeus que tinham sido expulsos de Castela a abraçar a religião cristã. Inicia-se a distinção entre cristãos velhos e cristãos novos. Muitos destes são enviados para o norte de África, enquanto outros preferiram ficar na condição de escravos. Centenas dos seus filhos menores ser-lhes-ão arrancados à força e enviados para povoar S. Tomé, Cabo Verde, Guiné, Angola, Moçambique e Timor.Os reis católicos, receando a mestiçagem, não queriam consentir na escravatura em terras de Espanha. Deste modo, de 1609 a 1613, os mouros, chamados os marranos do Islão, têm a mesma sorte dos judeus. Álvaro de Caminha, nomeado donatário da ilha de S. Tomé, para lá partiu acompanhado por jovens cristãos novos, escravos negros e degredados para iniciar a colonização da ilha. A cada um dos degredados, para fins de povoamento, foi dada uma escrava. No século XVI havia já na Gâmbia uma aldeia dos Hereges povoada de africanos lusitanizados que seriam os descendentes desses degredados. De 1835 a 1839 há um intenso tráfico negreiro espanhol para Cuba efectuado por armadores e comerciantes cabo-verdianos metidos de permeio, servindo-se a fundo das suas redes de parentes e aliados continentais a partir das suas instalações no Arquipélago dos Bijagós, onde certas ilhas eram verdadeiros pontos de concentração do tráfico de escravos, com o conhecimento das autoridades portuguesas, cúmplices ou impotentes. O decreto de 10 de Dezembro de 1836, abolindo as exportações de escravos em todos os territórios portugueses tanto ao norte como ao sul do equador, não afectam os dois maiores traficantes desta época, o antigo governador da Guiné e coronel de milícias, o metropolitano Joaquim António de Matos e o governador de Bissau, o comerciante Caetano José Nozolini, mestiço cabo-verdiano, marido e sócio de Nhara Aurélia Correia. Nhara era o termo equivalente a um estatuto elevado na burguesia mestiça das feitorias da Grande Guiné. Na ilha de Bolama estava uma das suas feitorias onde trabalhavam centenas de escravos enquanto esperavam pelo embarque. Em Ziguinchor que estava povoada por mestiços luso-africanos, grumetes e escravos, o chefe da feitoria vem de uma família mestiça, os Carvalho Alvarenga, ramo donde virá Honório Pereira Barreto, filho de um cabo-verdiano e de Rosa de Carvalho Alvarenga, a poderosa Rosa de Cacheu. Honório Pereira Barreto, sendo governador da Guiné de 1835 a 1839, o número de escravos libertados nos 55 navios provenientes dali e apresados pelos cruzadores, fixou-se em cerca de 3.929. Em Cacheu, os grumetes, na sua maioria de etnia papel, eram africanos lusitanizados e cristianizados que constituíam, para o colonizador português, um perigo que não era étnico mas social. Viviam nas feitorias portuguesas ou gravitavam na sua periferia em funções de marinheiros, de operários e de pequenos bufarinheiros. Os grumetes tinham um comportamento imprevisível, colocando-se quer do lado dos seus irmãos de etnia quer do lado dos portugueses contra estes.Com o advento da República, juntam-se às elites lusoguineenses e cabo-verdianas mestiças, desempenham um papel político, tornando-se assim em proto-nacionalistas Guineenses. Do legado imaterial dos escravos da Guiné ficaram-nos poemas dos séculos XVII e XVIII na então chamada Língua de Preto. Língua de preto era o linguajar característico dos negros que foi explorado para fins literários burlescos do século XVI a XVIII. Da sua música e das suas canções resta-nos apenas uma Canção de Natal, há pouco descoberta e que havia sido recolhida no século XVII por um missionário anónimo de Coimbra. Sã qui turu zente pleta Sã qui turu zente pleta (hé,hé) Sã qui turu zente pleta de Guiné (hé,hé) Tambor flauta y cassaeta e carcavena sua pé(hé,hé) Vamos fazer uns fessa Vamos fazer uns fessa Ao menino Manué (hé,hé) Com o advento da ditadura do Estado Novo foi proibida toda a actividade político-partidária. No que se referia aos trabalhadores das colónias, logo em 1928 foi promulgado o Código do Trabalho dos Indígenas das Colónias Portuguesas de África. Mantém-se e reforçam-se neste Código a utilização compulsiva da mão de obra em condições de trabalho forçado e de contrato em regime de semi-escravatura. Em toda a África colonizada, as reivindicações dos trabalhadores exprimiam de forma rigorosa o anticolonialismo e o nacionalismo e era igualmente uma forma de rejeitar a dominação económica e portanto a dominação colonial. Em todo o mundo colonizado os sindicatos contribuíram eficazmente para a causa da independência. A guerra colonial, na Guiné-Bissau, teve como causa próxima a greve dos estivadores do cais do Pindjiguiti que em 1959 protestavam contra as condições de trabalho. Nesta greve, ferozmente reprimida, foram mortos 50 grevistas e feridos mais de cem. No plano internacional, os sindicatos, em todo o mundo colonizado, só se afirmaram como actores sociais eficazes a partir da descolonização. Na Guiné-Bissau, adquirida a independência, face às novas realidades políticas e socioeconómicas, os sindicatos são confrontados com os problemas do subdesenvolvimento e com a prioridade da construção do Estado-nação. Conheci a Guiné-Bissau quando a dinâmica da luta de libertação nacional animava ainda as populações das zonas libertadas. Os africanos lutaram para terem acesso ao tempo, ao tempo das nações independentes, ao tempo de uma história própria. Uma luta de libertação não é possível sem consciência nacional que se pode definir como a consciência de pertença a um mesmo povo e consciência dos seus interesses nacionais, enfim, uma vontade comum de se definir enquanto nação. A consciência nacional caracteriza-se pelo seu carácter dinâmico e essencial e para isso necessita de um suporte objectivo para essa vontade - o meio natural comum, uma comunidade de civilização e de cultura, uma comunidade política e uma comunidade económica. Na Guiné-Bissau, com uma população constituída diversas etnias, quase todas participaram no esforço de guerra e esse facto foi um factor de coesão nacional. A geração de poetas que se exprimiu depois da conquista da independência, era ainda criança quando em 1959 começou a luta de libertação desencadeada pelo massacre dos estivadores no cais do Pindjiguiti. A sua poesia escreveu-se em crioulo e em português. Um deles, Agnelo Augusto Regalla, num seu poema intitulado Poema de um assimilado, reconhece em si a herança cultural do colonizador e lamenta o que ficou na penumbra, esse imenso continente chamado Mãe África e dos seus filhos: Samory, Abdelkader, Cabral, Mondlane, Lumumba e Henda, Lutuli e Bem Barka e ainda de Canhe Na N ´Tuguê e Domingos Ramos, heróis guineenses, todos de cultura crioula mas da crioulidade militante dos que se não esqueceram e fugiram à doce melodia dos corás. Morés Djassy no seu Poema da Natureza Africana apela às tradições para que, unindo-se às mensagens da revolução, vençam os séculos que lhes foram roubados. António Soares Lopes Jr. cujo poema Mantenhas dá o título a esta antologia, recorda episódios da luta de libertação e envia mantenhas para quem lutou e luta. Integram a antologia, entre outros, Carlos de Almada autor de Canto Alegre pra N´Dangú e Helder Proença. Muitos deles, como José Carlos Shwartz integraram a luta armada, tendo este poeta sido preso e deportado para a ilha das Galinhas. O primeiro prosador do quotidiano guineense da época colonial foi Fausto Duarte com o seu livro Auá que teve um prefácio de Aquilino Ribeiro. Nos nossos dias, o guineense Carlos Lopes também aborda, em Kaabu, a realidade histórica, societal e cultural do seu país desde épocas remotas e, em Corte Geral, título sugestivo, através de pequenas narrativas, a crise geracional e de liderança instalada na sociedade e que se seguiu aos pais da nação com a progressiva desintegração dos valores e o aprofundamento da penúria bem patentes nos filmes do cineasta guineense Flora Gomes. Álvaro Guerra foi o primeiro escritor português a escrever sobre a guerra colonial em O Disfarce. Também se situam na Guiné-Bissau e durante a guerra colonial, as obras Até Hoje de Álamo Oliveira e Vindimas no Capim de José Brás. Em Classe e Nação, Samir Amin chama a nossa atenção para o desenvolvimento capitalista periférico que favorece as elites urbanas em detrimento do mundo rural e das etnias mercantis. A pequena burguesia de Bissau passou a controlar o aparelho central do estado, sem assegurar a unidade da vida económica da comunidade, isto é, sem desenvolvimento nem circulação de bens que tornassem coesas as populações. Com o golpe contra Luís Cabral, Nino Vieira desfez a aliança da Guiné e de Cabo Verde instituída por Amílcar Cabral. A coluna vertebral dessa aliança era o PAIGC. O golpe de Nino Vieira representou o abandono da vertente marítima pela vertente continental. Com a queda de Luís Cabral, a Guiné, à medida que começa então a ser absorvida pela massa continental que a rodeia, é objecto de novas tensões interétnicas que vão sendo absorvidas através de sucessivos golpes de estado. É de recordar que para uma das etnias majoritárias, os mandingas, um mundo africano ocidental totalmente francês constitui um desequilíbrio pois as campanhas francesas foram, ao longo dos séculos, de liquidação das etnias mais fortes daquele contexto, o que é o caso da etnia mandinga que deve aos franceses o seu declínio histórico. No meio do século XV, Cadamosto e Fernandes diziam que os Mandingas da Gâmbia se consideravam súbditos do Mali.A campanha do governador Songhai, Oumar Kanfari, a partir de 1490 conquistou o Fouta e dirigindo-se para o Niger, anexou Dyara. A mitologia mandinga está impregnada pela figura do herói trágico como se constata na Balada de diu diu. A guerra civil levou ao colapso da nação guineense. O Estado ficou desestruturado e os quadros superiores refugiaram-se em Portugal. Nos golpes de estado, o poder legal, tornado ilegítimo, abandona as populações enquanto o poder ilegal mas tornado legítimo pela adesão das populações, combatendo por elas e em seu nome, tem dificuldade em protegê-las. As populações ficam pulverizadas e, incapazes de vencerem os interesses instalados nas formações partidárias e infiltradas no aparelho de estado, terão tendência para se refugiarem no lar étnico. Houve e há um entrechocar de duas culturas que nas suas linhas fundamentais se opõem. A sociedade animista é horizontal e matrilinear enquanto as sociedades mandingas e fulas, islamizadas, são verticais e patrileneares. Sendo a língua crioula a da luta pela independência, de um modo geral os governantes e líderes políticos falam às populações em crioulo o que significa a sua opção pela mestiçagem cultural e pela coesão das etnias como fundamento da nação. Durante a luta de libertação, havia aquele momento em que nos era possível vislumbrar nalguns homens a pureza dos ideais como se a alma até então oprimida se achasse aliviada e a respirar. Nos países pobres, em que a luta pela afirmação da dignidade humana é tão vital, todos vivem perigosamente. Esta é a raíz da tragédia. Para nós, estas lutas em que morrem milhares de homens não têm sentido. Mas para estes povos, essas lutas significam a sua reivindicação de justiça e afirmação de um sentido desviado. Milhares de vidas são ceifadas, mas quantas mais não morreriam e não morrem em lutas calmas e silenciosas que anunciam que todo o sentido se perdeu? Hoje há uma propensão para a desistência, pior, para a renúncia em participar em actos cívicos na medida em que se sente que se está a participar em algo que está sistematicamente distorcido e desviado do seu sentido inicial o que torna qualquer melhoria inatingível. Em Julho de 1975, quase toda a redacção do Jornal Nô Pintcha foi mobilizada para as festas e cerimónia da proclamação a 5 de Julho da independência de Cabo Verde. O então ministro da Informação, Manuel dos Santos, com base na teoria de Amilcar Cabral, de que “a cultura deve ser utilizada como instrumento de libertação nacional”, enviou-me a Bubaque para acompanhar o comissário e simultaneamente abordar as lendas e mitos Bijagós. O PAIGC tentava restabelecer o diálogo entre o partido no governo e o povo e iniciar um processo civilizatório aglutinando lentamente culturas e línguas muito antigas cujo processo de fusão fora durante cerca de 500 anos interrompido. Deslumbrada, eu via chegar à praia as gentes das ilhas. Vinham em pirogas muito frágeis carregando bois, frutos, cachos de bananas e de dendém. Altivos, altos e fortes, seminus, penteados de tranças, pareciam transportados de um mundo mítico para uma praia de um tempo imemorial. A sua entrada no meu campo de percepção abalava as dimensões do meu mundo temporal. A obtenção da licença para visitarmos a aldeia de Eticoga demorou-nos em Bubaque 2 semanas. Na primeira semana aventurámo-nos a chegar lá mas a meio do percurso o barco parou devido a uma avaria pelo que passámos a noite no mar, olhando as estrelas e ouvindo as canções que o soldado que era a minha segurança pessoal, entoava, à medida que a noite nos encerrava no seu manto de treva e o brilho das estrelas vacilava sobre as nossas cabeças. O estreito espaço do barco era partilhado com o jornalista estagiário do Nô Pintcha e o comissário Armando. Segurandose na arma como a uma estaca, o soldado, manjaco, moço esbelto e desinibido, cantava o Tchilá tchitchilá e canções ao Jaco, o pássaro totem do seu povo. O estagiário era um moço que saía pela primeira vez de Bissau, a sua terra natal. O comissário Armando oriundo do interior da Guiné, fora enviado pelo PAIGC, ainda adolescente, para Moscovo, para estudar ciências políticas. Ao outro dia, avisado pelos pescadores, o dono da pousada, sabendo que eu ia a bordo, mandou a sua lancha buscar-nos. Uma segunda tentativa teve o mesmo resultado mas como partimos de manhã muito cedo, antes do anoitecer, regressámos nas canoas dos pescadores a Bubaque. O comissário Armando acreditou então que, como fora avisado pelo emissário por ele enviado a Eticoga, que sem permissão da comunidade da aldeia não iríamos chegar lá devido aos poderes dos antepassados, seus guardiães. Quando finalmente nos chegou o convite, partimos e, chegados a Orangozinho, seguimos a pé até à aldeia. O caminho pelo bosque é regular, batido a peso dos passos dos que saem da aldeia para o litoral onde têm as canoas de pesca. Naquela longa marcha da praia até à aldeia eu atrasava-me e a cada passo os meus companheiros esperavam-me mais adiante, sentados à sombra de uma árvore e limpando o suor do rosto. Recordei que nas zonas libertadas onde eu tinha estado no ano anterior, embora indo num grupo liderado por uma guerrilheira, eu andava à solta, excepto quando, depois de saírmos de Candjambari, nos internámos na mata seguindo um trilho que bordejava uma vasta zona minada à volta da grande aldeia libertada de Morés. Naquele momento da sua história,os Guineenses, devido à guerra, tinham avançado no tempo, tinham-se tornado nossos contemporâneos. As tradições pareciam desvanecer-se ou alterar-se e eu perguntava-me que povo iria sair daquela guerra, com que qualidades novas e com que defeitos antigos. Chegámos à tardinha a Eticoga. Deram-nos limonada e ao jantar, frango guisado com arroz e leite dormido com mel, uma espécie de iogurte. As casas da aldeia tinha cada uma grandes terrenos à volta muito limpos e bem varridos. Para mim tinham construído uma cabana e dentro dela um estrado de cerca de dois palmos de altura coberto de folhas de milho tapadas com um lençol. Logo pela manhã foi o comício debaixo de uma mangueira, a árvore das palavras da tradição africana, situada no centro da aldeia. Nenhum de nós conhecia a língua mas estava connosco, como intérprete, um caboverdiano, antigo funcionário da administração. O comissário dirigiu-se ao povo que ali estava em peso, dizendo que a guerra acabara, que o PAIGC iria cuidar deles como pai extremoso pois para o bem deles lutara e por eles muitos haviam dado o seu sangue e a sua vida. Quando acabou perguntou se queriam algo do pai PAIGC. Eles gritaram em uníssono: Armas, armas. Fez dó o espanto estampado na cara do comissário que ripostou perguntando para que queriam eles as armas, eles que não tinham lutado contra os portugueses, porque queriam agora armas para lutarem contra os seus irmãos do PAIGC? Que Portugal não estava zangado e a prova estava na presença amiga de uma portuguesa que queria conhecer as histórias que as mães velhas guardavam para as gerações futuras, histórias que se iam guardar nos gravadores assim que se dispusessem a contá-las. Seguiu-se um longo silencio depois do que eles se puseram falando uns com os outros a ponto do comissário se sentar pacientemente até a conversa entre eles acabar. Os Bijagós não possuem uma autoridade central. A solidariedade do grupo é a lei. A lei aqui tem acima de tudo em conta não uma justiça abstracta mas a preservação da segurança do grupo. Quando, finalmente, nos comunicaram a sua decisão, foi para dizerem que as armas se destinavam a afastar os hipopótamos que lhes devastavam os arrozais. Na verdade, o que sucedia era uma espécie de jogo feito para descobrirem o que lhes reservavam as novas autoridades. Eles estudavam a forma como a nova autoridade se comportaria em relação a eles, tentando assim a definição de posições de poder pois a vida, também ali, deseja expandir a sua força. Os povos do arquipélago, agora inseridos na roda do mundo, ensaiavam uma definição da sua situação face ao poder. E a reciprocidade, quanto a eles, só se verificaria se os armassem, porque os antigos administradores impunham-se apenas pela autoridade das armas. Só sentiriam como sendo seu o novo poder se, enquanto grupo, pudessem ter a autoridade que uma arma confere. Era como se dissessem que só haveria paz quando houvesse armas iguais para todos os grupos e povos da nova nação. Eu aguardava com ansiedade o momento em que essas matriarcas me abrissem o grande livro da memória. Gravei a narrativa de três velhas na tabanca de Eticoga na ilha de Orangozinho. O tema foi escolhido pela mais velha que era a pessoa mais respeitada da aldeia e que me recebeu depois de um longo cerimonial na casa dos antepassados. Vestia um saiote de tarrafa e cobria-se com uma manta de tara. A segunda mulher nascera em Orango Grande mas fixara-se há longos anos nesta aldeia. A terceira estava de visita e viera da tabanca de Acanhô. A narrativa das três é complexa porque se reporta a factos históricos de diferentes épocas que foram passando de geração em geração através da tradição oral. O sofrimento do povo é o que a memória do povo regista e passa através dos séculos. Elas, as contadoras, são a palavra, o passado contido no presente e o presente que é futuro do passado. A recolha tal como foi feita foi entregue no Nô Pintcha e uma cópia foi por mim trabalhada literariamente até lhe ser dada a forma poética. Partimos de Orangozinho contentes pois os seus habitantes tinham-se revelado gente paciente e desejosa de nos contentar. Ao despedir-me das moças minhas companheiras, deixei lá o pijama, os sapatos e tudo o que levava na minha bagagem incluindo a mala e os livros. Uma semana depois retribuíram mandando-me frangos, ovos, peixe e bananas.O povo de Orangozinho tinha-me finalmente adoptado. Eu havia elegido a Humanidade como sujeito universal e percebendo que aquela gente sabia de si própria mais do que eu havia julgado apesar da interferência secular do homem branco, eu perguntava-me que parte me reservavam eles na sua mente e no seu coração. Mas compreendi que a resposta não poderia ser individual, a resposta teria de ser colectiva e a partir do momento em que eles tomassem posse da parte que lhes caberia na economia mundo. Na Guiné tive o raro privilégio de assistir ao meu próprio velório entre danças e cantos, numa noite de um claro luar que eu não gozei porque dormia aquilo que se pensava ser o sono da morte. Quando as populações de Bubaque e de Orangozinho souberam que eu tinha sido picada na praia por um animal que os baboleros, chamados ao posto médico, devido ao inchaço da minha perna não tinham sido capazes de identificar que tipo de cobra me mordera, acorreram à pousada e instalaram-se no largo defronte do meu bangaló. Devido à chuva, não era possível trazer até ali um avião e o posto não possuía soro anti-ofídico. Convencidos do meu envenenamento, para que eu não sofresse, enganaram-me dando-me em vez do soro anti-ofídico, uma injecção que me fez dormir profundamente. Quando ao outro dia acordei de manhã, muito cedo, ao abrir a porta do bangaló, ouvi então um imenso Ah e algumas vozes gritando: está viva! Enxerguei então a multidão que se pusera de pé, as máscaras do boi poisadas no chão e um bezerro amarrado ao tronco de uma árvore. Soube que se tinham quotizado para a compra do bezerro que iriam comer nos ritos do meu funeral. Pouco depois já se discutia o que fazer do bezerro. A carência permanente de carne devido a uma dieta essencialmente vegetariana e tendo como base o arroz, leva a que as cerimónias e em especial os velórios sejam uma ocasião preciosa para o restabelecimento das energias. Então, incomodada por os ter decepcionado, pela indelicadeza de não estar morta, resolvi que o bezerro pagá-lo-ia eu para celebrar o facto de estar viva, junto deles e que a festa podia começar. A partir desta experiência, deixei de pensar no meu velório póstumo. Afinal eu já tinha morrido e, a partir deste susto, deixei de pensar onde seria bom morrer para pensar onde seria bom viver, em que recanto da terra ou, simplesmente, no coração do mundo. JOANA RUAS (Portugal, 1945). Jornalista cultural e tradutora no jornal da República da Guiné-Bissau e na Radiodifusão Portuguesa. Ensaísta, poeta e narradora. Graças a seus conhecimentos sobre a realidade sócio-cultural de Timor Leste e da GuinéBissau, dará conferência acerca desses países na Bienal. Em 2009 terá seu primeiro livro publicado no Brasil. Contato: [email protected]. ____________________________________________________ Texto apresentado na mesa "Aproximar o distante - do estranho ao familiar, duas experiências: Timor Leste e Guiné-Bissau" Sala Dolor Barreira - 19 de novembro de 2008 Mediação: José Ángel Leyva (México) revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial Avanço das neurociências para o ensino da leitura Leonor Scliar-Cabral . 1. Introdução É alarmante o número de analfabetos funcionais no Brasil (INAF, 2007; SCLIAR-CABRAL, 2003) e constatamos que os alunos brasileiros têm obtido péssimos escores na avaliação mais importante do mundo sobre competências em linguagem, matemática e ciências (OCDE, 2005; UNESCO, 2007). Por que não aplicamos à alfabetização e ao ensino-aprendizagem da leitura e escrita as conclusões a que chegaram as pesquisas de ponta no assunto, realizadas pelas neurociências (DEHAENE, 2007), pela psicolingüística e pela lingüística? Graças à imagem por ressonância magnética (IRM), à eletroencefalografia (EEG) e à magneto-encefalografia (MEG), podemos rastrear como nosso cérebro trabalha durante a leitura. As principais conclusões de tais pesquisas são de grande valia para repensarmos os métodos de alfabetização e o ensinoaprendizagem da leitura e escrita, além de nos esclarecerem sobre as dificuldades que nossos alunos apresentam, decorrentes de distúrbios de atenção ou da dislexia. A capacidade para aprender a ler e a escrever é exclusiva da espécie humana. Ela se deve, fundamentalmente, aos seguintes fatores de como está estruturado e funciona o sistema nervoso central: 1 – plasticidade dos neurônios para se reciclarem para novas aprendizagens; 2 – dominância e especialização das várias áreas secundárias e terciárias do hemisfério esquerdo para a linguagem verbal; 3 – interconexão entre a região occípito-temporal ventral esquerda e as várias áreas mesmo distantes que processam em paralelo a linguagem verbal, inclusive as que processam a significação; 4 - processamento das variantes recebidas nas áreas primárias, através do emparelhamento com formas invariantes mais abstratas que os neurônios reconhecem; 5 – arquitetura neuronial capaz de processar formas sucessivamente mais abstratas e complexas: a função semiótica. Deter-nos-emos nesse artigo nas principais dificuldades com as quais se defrontam os neurônios da região occípito-temporal ventral esquerda para se reciclarem, num processo de aprendizagem, a fim de associar uma ou duas letras que constituem um grafema, ao respectivo fonema, tendo ambos a função de distinguir significados. Ocorre que, para realizar tal associação, no processo de aprendizagem, o indivíduo deverá desmembrar a sílaba, quando ela for formada por dois, três ou mais segmentos, uma vez que nosso sistema não é silábico e sim alfabético. Eis aí a primeira grande dificuldade com a qual se defronta o alfabetizando, uma vez que, até se alfabetizar, ele percebe a fala como um contínuo e a sílaba como uma unidade indecomponível. É o que veremos a seguir. 2. Desmembrar a sílaba para associar um fonema a um grafema Com efeito, antes de se alfabetizar, o indivíduo percebe a cadeia da fala como um contínuo: não há pausas entre as palavras, como os espaços em branco que as separam na escrita, nem contrastes entre os sons que constituem as sílabas. Primeiro vamos examinar a dificuldade em perceber o contraste entre as unidades que constituem a sílaba e, portanto, em desmembrá-la. Por exemplo, não só as pistas acústicas que definem uma consoante e uma vogal adjacente são interdependentes, como também seus respectivos gestos fonoarticulatórios, em virtude da co-articulação. Faça o seguinte exercício diante do espelho: Pense em pronunciar a palavra pi e, antes de dizê-la, olhe como ficou sua boca. Agora pense em pronunciar a palavra pó e, antes de dizê-la, olhe como ficou sua boca. Embora o fonema inicial seja o mesmo nas duas palavras, isto é, /p/ (que não pode ser realizado isoladamente), quando você pensou em pronunciálo na palavra pi, seus lábios fechados ficaram esticados horizontalmente (isto é, distensos), mas quando pensou em dizer pó, seus lábios fechados fizeram um biquinho (isto é, ficaram arredondados). Isso ocorreu porque o programa motor do cérebro envia os comandos aos músculos do aparelho fonador por unidades silábicas: como a vogal [i] é distensa (tente pronunciá-la na frente do espelho), ao pensar em dizer a palavra pi, os lábios já se preparam, no fenômeno chamado de antecipação; mas a vogal [O] é arredondada e, por isso, ao pensarmos em dizer pó, arredondamos os lábios, isto é fazemos um biquinho. Há outros traços das vogais que vão afetar a articulação do [p] e, portanto, as respectivas pistas acústicas. Por exemplo, em [i], o maxilar inferior vai para frente e puxa o dorso da língua de encontro ao palato duro: essa vogal é chamada de anterior ou menos posterior, fechada e alta (além de distensa), enquanto em [O], o maxilar abaixa e puxa o dorso da língua para trás: a vogal, então, é chamada de posterior, aberta e baixa (além de arredondada). Quando pedimos a um não alfabetizado para dizer quantos sons escuta em casa, ele responde que são dois e não consegue apagar a consoante inicial de uma sílaba. Verifique você mesmo, aplicando o teste abaixo numa criança e num adulto não alfabetizados (observe que primeiro colocamos o teste de apagamento de uma vogal, também uma sílaba, para demonstrar que a pessoa não consegue realizar o teste de supressão da consoante não por não ter compreendido o enunciado, mas sim porque não consegue desmembrar a sílaba). 2.1 Consciência fonológica Cabe, em primeiro lugar, definir o que vem a ser consciência fonológica e, se tal consciência é sobre unidades fonêmicas, o estatuto de tais unidades. A consciência metalingüística e a consciência fonológica na qual ela se insere decorrem, de o ser humano poder se debruçar sobre um objeto, no caso, a linguagem, de forma consciente, utilizando uma linguagem. No caso particular da consciência fonológica, o objeto sobre o qual nos debruçamos conscientemente são os fonemas, e a linguagem utilizada é o alfabeto. Portanto, uma primeira distinção a ser feita é entre conhecimento para o uso, não consciente, dos fonemas de uma língua, que todo o falante-ouvinte nativo tem, independente ou não de ser alfabetizado, pois utiliza com propriedade, quer quando escuta, quer quando fala, a diferença entre /´bala/ e / ´mala/, e o conhecimento consciente dos fonemas, ou consciência fonológica que se desenvolve lado a lado com a aprendizagem do sistema alfabético da respectiva língua. Se o objeto da consciência fonológica é o fonema, é preciso também ter claro o conceito de fonema, pois muitos confundem fonema com som, ou colocam dentro do objeto da consciência fonológica outras capacidades de lidar com os sons. Então, o que é o fonema? A definição clássica de fonema, estabelecida pelo lingüista R. Jakobson, é: O fonema é um feixe de traços distintivos. Vamos clarear ponto por ponto, o que está implícito nessa definição: - O fonema tem uma função distintiva, isto é, serve para distinguir um significado básico de outro, como no já citado exemplo de /´bala/ e /´mala/. Veja bem, o fonema não tem significado: serve para distinguir significados. Quer dizer que /b/ e /m/ não significam nada, mas trocando um pelo outro no contexto /´_ala/, o significado se altera. - Se você observar bem, vai notar (e agora vou mencionar os traços que constituem os dois fonemas) que: 1º traço: ambos são consoantes [+cons]; 2º traço: /b/ é [+obstruinte], isto é, uma oclusiva, pois há um obstáculo à saída do ar pelo trato vocal e /m/ é [-obstruinte], uma vez que o ar sai pelas narinas, sem encontrar obstáculo; 3º traço: /b/ não é continuo [-cont], e sim momentâneo, isto é, não pode perdurar na prolação (e, por isso, não pode ser produzido isoladamente) enquanto /m/ é [+cont], pois pode perdurar na prolação; 4º traço:/m/ é [+nasal], pois as moléculas de ar ressoam nas fossas nasais, enquanto /b/ é [-nasal], pois as moléculas de ar só ressoam no trato bucal; 5º traço: em ambos as pregas vocais vibram, por isso, são sonoros [+son], embora esse traço seja redundante nas consoantes nasais; 6º traço: ambos são anteriores, [+ant], pois são articulados na parte mais anterior do trato vocal; 7º traço: ambos não são coronais, [-cor], pois não são articulados com a coroa da língua contra os alvéolos ou parte anterior do palato duro. Conforme se pode verificar, a diferença entre /b/ e /m/ não é in totum e sim apenas entre os traços [+obstruinte], [-cont], [nasal] de /b/ contra [-obstruinte], [+cont] e [+nasal] de /m/. O feixe de traços de /b/ é constituído de [+cons], [+obstruinte], [-cont], [+son], [+ant] e [-cor]. Ele se diferencia de /p/, apenas porque esse fonema é [-son] e de /d/, apenas porque esse é [+cor]. - Por que o fonema não é som? Porque o fonema é uma entidade psíquica: assim como não podemos colocar uma cadeira dentro de nossa cabeça, as moléculas de ar que se comprimem e rarefazem para produzir as ondas acústicas também não podem entrar dentro de nossa cabeça. Lembra-se do conceito de invariância da lingüística? Pois bem, o fonema é um feixe de traços invariantes, de natureza abstrata, que são reconhecidos por sua função de distinguir significados, permitindo que as pessoas se comuniquem através da linguagem verbal. Não importa como as pessoas pronunciem o terceiro segmento que aparece na palavra carta, pois o som que o carioca produz só tem de parecido com o que um gaúcho de Bagé diz no fato de ambos serem consoantes, e só! MAS O FONEMA É O MESMO! Quando o bebê nasce, os neurônios das áreas primárias são sensíveis para discriminar as diferenças categoriais entre quaisquer sons que possam existir em qualquer língua, mas obviamente, não se trata de fonemas, pelas seguintes razões: 1ª – conforme explicamos acima, o fonema serve para distinguir significados. Ora, ao nascer, o bebê ainda não está com as conexões neurais estabelecidas com as áreas que processam as significações básicas, nem tão pouco teve experiência suficiente com a variedade lingüística materna, para reorganizar as pautas acústicas pertinentes a tal variedade. São precisos alguns meses para que se estabeleçam conexões entre as várias regiões do sistema nervoso central, pois “certas áreas associativas específicas e não específicas do córtex, bem como as conexões axônicas que as ligam”, jogam um papel principal nos aspectos semânticos da linguagem receptiva e produtiva, em particular, o lóbulo parietal inferior (LECOURS 1983, p.184). Conforme se pode depreender, o fato de o infante ser capaz de, após condicionamento, dar respostas diferenciadas a estímulos categoriais, no chamado paradigma HAS (high-amplitude sucking, EIMAS et al. 1971, p. 303-306), ou de ser capaz de emitir uma gama bastante rica de sons (inarticulados), não significa, no primeiro caso, que ele já esteja demonstrando qualquer tipo de consciência fonêmica, ou, no segundo, que ele já esteja produzindo gestos fonoarticulatórios de uma língua qualquer. Decorrem destas evidências muitas implicações para o que se considera pertinente no desenvolvimento da consciência fonológica: - o desenvolvimento da consciência fonológica pode ajudar o alfabetizando a vencer a dificuldade em segmentar a sílaba; - tal desenvolvimento depende do domínio gradativo do sistema alfabético, pois, para desenvolver a consciência fonológica, o indivíduo necessita de uma linguagem e essa linguagem é o alfabeto; - não se deve confundir consciência fonológica com habilidades para discriminar diferenças entre sons, pois o fonema é uma entidade que tem a função de distinguir as significações básicas. Em virtude das grandes confusões que circulam nos livros didáticos, inclusive das séries iniciais, daremos algumas explicações sobre a sílaba e os encontros vocálicos no PB. 2.2 A sílaba e os encontros vocálicos no PB A sílaba no PB é uma unidade constituída obrigatoriamente por uma e apenas uma vogal (o centro silábico) que pode vir acompanhada em suas margens à esquerda (o aclive) e à direita (o declive) por uma ou mais consoantes. O movimento do trato vocal é de um fechamento para uma abertura e da abertura maior para o fechamento. Como não temos letras específicas para representar os grafemas semivocálicos, ocorrem muitas confusões em sua identificação, agravadas pelo fato de as semivogais praticamente só se diferenciarem de suas homorgânicas vogais por serem mais breves e por sua função na sílaba: sempre são margem e nunca centro silábico. Sendo assim, a estratégia para identificar se a letra representa uma vogal ou uma semivogal consiste em aplicar o princípio: tantas sílabas, tantas vogais (lembre que a semivogal nunca pode receber o maior acento de intensidade). Cabe chamar a atenção para um grave erro constatado em livros didáticos e em provas de concurso que consiste em confundir separação silábica com normas de translineação. O que são normas de translineação? São normas que dizem como deveremos separar as partes de uma palavra, quando não há mais espaço na linha e devemos continuá-la na linha seguinte. Essas normas, totalmente arbitrárias, mandam separar, por exemplo, dígrafos, que não são outra coisa senão um só grafema! Assim, segundo essas normas, deve-se separar car- na palavra carro e continuar ro na linha seguinte, ou consde consciência, colocando ciência na linha seguinte. Ora, isto não tem nada a ver com separação silábica! As duas sílabas de carro, na escrita são ca e rro à /´ka/ /Ru/. Revisemos os encontros vocálicos: - HIATO é o encontro de duas vogais, portanto, em sílabas separadas. Ex.: caí à /ka´i/ (duas sílabas, duas vogais). - DITONGO é o encontro de uma vogal e de uma semivogal na mesma sílaba. Ex.: cai à /´kaj/ (uma sílaba, uma vogal). Os ditongos podem ser: - decrescentes (considerados perfeitos, porque não podem ser desmanchados), isto é, o trato vocal decresce, porque a semivogal vem depois da vogal. Observe que a semivogal pode estar codificada de várias formas e que as letras i ou u não estão representando vogais. Exs.: dei, tem, têm, tens, perdeu, mau, mal, mais, mães, tonéis, lençóis, mão, choram. - crescentes (também chamados de imperfeitos, porque podem ser desmanchados, transformando-se em hiato: trata-se de uma variante livre e, por isso, questões que versem sobre sua identificação só podem cair em prova quando contemplarem a possibilidade das duas variantes). Exs.: cálcio à /´kalsju/ (duas sílabas) ou /´kalsiu/ (três sílabas); Tiago à /´tjagu/ (duas sílabas) ou /ti´agu/ (três sílabas); cueca à /´kwEka/ (duas sílabas) ou /ku´Eka/ (três sílabas). - orais (o centro vocálico é uma vogal oral, arrastando, portanto, a semivogal), como nos já citados exs. perdeu, mau, mal, mais. - nasais (o centro vocálico é uma vogal nasal, arrastando, portanto, a semivogal), como nos já citados exs. tem, têm, tens, mães, mão, choram. - abertos (o centro vocálico é uma vogal baixa, obrigatoriamente oral). Exs.: céu, tonéis, dói, cai. Observe que, pelo Novo Acordo Ortográfico, se os ditongos abertos /Ej/ e /Oj/ figurarem em vocábulos paroxítonos, isto é, se não estiverem no final do vocábulo (monossílabos tônicos ou oxítonos), não levam acento gráfico, como no nome de pessoa Leia (que agora passa a se confundir com a 1ª e 3ª pessoas do singular do presente do subjuntivo do verbo ler). Esse acordo ortográfico, definitivamente, significa um retrocesso que só interessa às editoras que saíram na frente, publicando dicionários e livros didáticos para faturar. Uma das únicas dificuldades para a atribuição dos valores aos grafemas no PB era, exatamente, a que dizia respeito aos grafemas e e o, que a antiga regra de acentuação gráfica dos ditongos abertos /Ej/ e /Oj/ atenuava, pois valia em qualquer posição no vocábulo. Voltaremos ao assunto quando tratarmos da ambissilabicidade. - fechados (o centro vocálico é uma vogal [-baixa], isto é, /i/, / e/, /u/, /o/ e todas as vogais nasalizadas, inclusive /ã/, que se realiza como fechada. - TRITONGO é o encontro de uma vogal entre duas semivogais na mesma sílaba (continua valendo a estratégia, tantas sílabas, tantas vogais). Exs.: aguei, magoei, Nonoai. Como a primeira parte do tritongo é crescente, já vimos que pode ser desmanchada e o ditongo se transforma em hiato, portanto é uma variante livre. Aguei à /a´gwuej/ (duas sílabas, duas vogais), ou à /agu´ej/ (três sílabas, três vogais). Alguns encontros vocálicos difíceis de identificar - quando o centro silábico for a vogal /i/ ou /u/, conforme os casos a seguir: navio à /na´viu/: nesse caso, a melhor solução é tratar o encontro como hiato, conforme o similar em Maria. Se io fosse ditongo, teria que ser obrigatoriamente decrescente, porque o acento de intensidade maior cai no i e, em conseqüência, o encontro não poderia ser desmanchado, o que não é o caso. - Ambissilabicidade O que é ambissilabicidade? É quando a parte inicial de um som é a margem direita de uma sílaba (declive) e a parte final dele é a margem esquerda da sílaba seguinte. Lembra quando explicamos que a sílaba vai do fechamento para a abertura e dessa para o fechamento? Pois bem, tomemos o vocábulo bóia e acompanhe seus movimentos, olhando-se no espelho: começa com os lábios fechados em bico [b], cujo fechamento se rompe com o maxilar inferior vindo para baixo, arrastando a língua até atingir o máximo de abertura necessária para produzir o centro silábico [O]; a seguir, o maxilar inferior vai subindo, arrastando o dorso da língua de encontro à parte interna da arcada dentária e do céu da boca, enquanto os lábios se distendem, decrescendo a abertura para produzir a metade da semivogal [j] até o máximo de seu fechamento (temos então um ditongo decrescente), o qual, sem interrupção começa a se abrir, com o maxilar inferior voltando para baixo e arrastando consigo a língua, até atingir o máximo de abertura para realizar o [a] (temos então um ditongo crescente). Como vemos então, dinamicamente, temos primeiro um ditongo decrescente que, gradativamente, vai se transformando em ditongo decrescente, encontro esse não contemplado pela NGB. Seguramente temos em bóia duas vogais, portanto, duas sílabas. Mesmo que alguns autores prefiram analisar em tais ocorrências primeiro um ditongo decrescente, seguido de uma vogal, esse encontro não é consignado pela NGB. 3. A segmentação das palavras Conforme asseveramos, antes da aprendizagem da leitura e da escrita, o indivíduo processa a cadeia da fala como um contínuo. Além da não percepção dos contrastes entre as unidades que compõem a sílaba, conforme examinado em 2., uma outra grande dificuldade é identificar as palavras tais como estão separadas por espaços em branco no sistema escrito. Vamos assinalar três grandes dificuldades aí envolvidas: a percepção dos vocábulos átonos, também chamados de clíticos; o fato de os vocábulos átonos não apresentarem significações com contrapartida referencial concreta e a reanálise silábica, quando um vocábulo termina por consoante e o seguinte inicia por vogal, fenômeno conhecido como sândi externo, ou juntura externa fechada. 3.1 a percepção dos vocábulos átonos, também chamados de clíticos Vocábulos átonos são aqueles que, na cadeia da fala, não possuem o acento de intensidade mais forte. Em geral, são monossílabos e coincidem com classes gramaticais como os artigos e grande parte dos pronomes, preposições e conjunções. Em virtude de serem átonos, dependem fonologicamente no PB do vocábulo seguinte (com exceção dos pronomes oblíquos que podem ocupar a posição enclítica ou mesoclítica). Todos os substantivos, verbos, adjetivos e advérbios possuem uma sílaba com o acento de intensidade mais forte e, por isso, os vocábulos átonos neles ficam pendurados. Por isso, quando colocamos um vocábulo átono no final da frase, ele não tem onde se apoiar e deixa de ser átono, passando a sujeitar-se às regras de acentuação gráfica, como no exemplo: Queres me dizer por quê? Temos nessa frase dois vocábulos átonos, me e por, o primeiro se apoiou no verbo dizer e o segundo no vocábulo quê, que deixou de ser átono e passou a ser um monossílabo tônico terminado em e, portanto, recebendo o acento circunflexo. Por isso, a regra de ouro de atribuição do acento de intensidade durante a leitura, a primeira a ser ensinada, por contemplar os vocábulos mais freqüentes do PB (com exceção dos átonos, que apresentam maior freqüência de uso), deve ser: Se os substantivos, verbos, adjetivos ou advérbios tiverem duas ou mais sílabas e terminarem pelas letras e, a, ou o, seguidas ou não de s, e NÃO tiverem nenhum acento gráfico, LEIAM-SE COMO PAROXÍTONOS. Entende-se, pois, por que, ao substantivarmos qualquer vocábulo átono, na metalinguagem, ele deixa de sê-lo. Por exemplo: O dê é uma preposição. Já deu para perceber a importância de trabalharmos desde a Educação Infantil com a percepção das distinções entre sílabas mais fortes e mais fracas num vocábulo. 3.2 Os vocábulos átonos não apresentam significações com contrapartida referencial concreta Uma outra grande dificuldade para o alfabetizando em perceber os vocábulos átonos como separados decorre do fato de eles não terem contrapartida referencial concreta, isto é, eles têm significação puramente gramatical ou outras funções, mas não carregam o que J. Mattoso Câmara Jr. denominou de significação externa. Por isso, devemos ser engenhosos em ajudar a criança a identificar tais vocábulos. Veremos, por exemplo, que, para ajudar a criança a identificar os artigos indefinidos e definidos, é trabalhar com narrativas ficcionais, demonstrando que o artigo indefinido serve para introduzir a informação nova, enquanto o definido é usado para a informação conhecida. Poderemos trabalhar com atividades que lhes permitam verificar as preposições, trabalhando com procedência, direção para, estáticos, companhia, e assim por diante. 3.3 a percepção dos vocábulos átonos, também chamados de clíticos Quando um vocábulo termina por consoante e o seguinte começa por vogal, ou quando os dois fonemas são idênticos, ocorre a reanálise silábica, tornando opacas a fronteiras entre as palavras. Separe, por exemplo, lendo em voz alta as sílabas da frase os ouvidos. Você notará que há uma contradição entre o que está escrito, com um espaço em branco separando os de olhos e o que você disse /u – zow -´vi – duS/ (observe que a realização do último segmento depende da variedade sociolingüística de quem está lendo). Observe, também, que ficou totalmente opaco o morfema de plural que passou para o início da palavra seguinte, o que não é a sua posição na língua portuguesa! Além disso, na posição intervocálica, ele é realizado como sonoro. Por esse motivo, é possível que a criança, quando vem à escola, tenha em seu léxico mental, ao invés de olhos, zoio; ao invés de orelhas, zoreia, e, ao invés de unhas, zunha. Tudo isso terá que ser refeito no processo de alfabetização. 3.4 Reconhecimento dos traços que diferenciam as letras ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz A utilização de uns poucos traços articulados para formar uma letra, de modo a diferenciá-la das demais, se insere nos princípios que governam o processamento dos sistemas verbais, que passo a explicar. Quanto mais baixo o nível de processamento, tanto mais ele deverá ser automatizado durante a aprendizagem e, portanto, menor o número de traços que compõem o paradigma (lista dos traços que são utilizados) e de cada feixe (no caso, uma dada letra), para não sobrecarregar a memória. Os traços mais elementares que constituem as letras são as retas e as curvas, cujo reconhecimento, em suas formas invariantes, não é privilégio da espécie humana. Porém, o que caracteriza a utilização dessas formas invariantes na estruturação de um sistema alfabético é o desdobramento em pequenas diferenças, o modo como se articulam e o acréscimo de outros traços diferenciais, que são: a relação com uma linha real ou imaginária (somente nas minúsculas), a direção para cima ou para baixo, e para a direita ou para a esquerda (esse último, o mais complexo dos traços que diferenciam as letras entre si, pois vai de encontro à programação natural dos neurônios para buscar a simetria na informação visual). Em cada nível, as unidades do nível anterior vão sendo estruturadas numa ordem de complexidade e quantidade crescente: a primeira ordem é a dos traços articulados simultaneamente e não em cadeia, para formar cada letra, cuja função é a de realizar um grafema; a segunda ordem é a do grafema, associado ao fonema que representa e constituído de uma ou duas letras, cuja função é distinguir a significação básica das unidades puramente gramaticais ou que se referem à significação externa; a terceira ordem é a das unidades cuja função é referenciar a significação puramente gramatical ou externa; a quarta ordem é a das frases, com função nominal, verbal ou preposicional; a quinta ordem é a das orações, cuja função é proposicionar; a sexta ordem é a dos períodos, cuja função é articular as proposições e a sétima ou última ordem é a do texto, cuja função é articular as idéias, de modo coerente, em torno de uma unidade temática. No momento estamos tratando das dificuldades com as quais o alfabetizando se defronta para aprender a primeira ordem, a dos traços que se articulam para formar as letras. Algumas letras são formadas por um só traço, como é o caso de I, C e O maiúsculos, e de l, c e o minúsculos. Já mencionamos que os traços mais elementares que constituem as letras são as retas e as curvas, que se desdobram em pequenas diferenças que são: - posição da reta: vertical, horizontal ou inclinada. Por ex., na letra E, observamos uma reta vertical e três horizontais, enquanto na letra V, observamos duas retas inclinadas; - tamanho da reta. Você pode notar que os traços horizontais são sempre menores que os verticais (sempre do mesmo tamanho, numa mesma fonte). Compare, por exemplo, esses tamanhos nas letras E, F, H, L e T. - relações entre os traços numa mesma letra. As relações podem ser entre retas (em qualquer das posições), entre curvas ou mistas, variando o local onde os traços menores se colocam em relação ao eixo principal e quantos são. Assim, a única diferença entre E e F está no fato de E ter um traço horizontal a mais na base, e de ambos se diferenciarem de L porque esse só possui um traço horizontal na base. Já na letra T, o traço vertical tange bem ao meio o traço horizontal que está no topo, enquanto no H, é o traço horizontal que liga no meio as duas retas paralelas. Observe, pois, que essas cinco letras maiúsculas articulam exatamente os mesmos traços, diferenciando-se apenas pelas relações que estabelecem entre si: L T F E H. Um exemplo de relação entre curvas encontramos na letra maiúscula S e minúscula s, mas, como se pode observar, essa letra, além das grandes dificuldades do grafema por apresentar valores fonológicos diferentes, conforme o contexto gráfico, possui uma dificuldade ainda maior, pelo fato do duplo espelhamento da curva c de cima para baixo e da esquerda para a direita. Voltaremos a tratar desse impasse. O que ocorre mais são as relações mistas. Uma pequena curva articulada com o traço vertical (na verdade, seu prolongamento), ou o inverso, aparece em letras maiúsculas e minúsculas, como G, J, a, e, f, g, h, j, m, n, r, t e u. Uma outra articulação mista ocorre entre a curva c e a reta, acrescida de uma das dificuldades maiores no reconhecimento das letras que é a direção para a direita ou para esquerda, e para cima ou para baixo (espelhamento) conforme as letras: B, D, P e R, nas maiúsculas, e b, d, p e q, nas minúsculas. - direção para a direita ou para esquerda, e para cima ou para baixo (espelhamento): deixamos para o final o que constitui a maior dificuldade para o reconhecimento das letras, ou seja, a diferença entre a direção do traço para a esquerda ou para a direita e, em menor escala, a diferença entre o traço de cima para baixo ou o inverso: o espelhamento. Como já afirmado várias vezes, a percepção dessa diferença vai de encontro à programação natural dos neurônios para buscar a simetria na informação visual, daí a grande dificuldade de aprendizagem. Essa diferença é a única que existe entre os seguintes pares: b/ d, p/q (diferença para a direita ou para a esquerda) e entre M/ W, n/u (diferença de cima para baixo ou o inverso) e, em menor grau, entre A/V, S/Z, a/e, s/z e f/j. 4. Variedades sociolingüísticas Em virtude da mobilidade social, o professor se defrontará com alunos provenientes das mais diferentes regiões do país, ou, mesmo na mesma cidade, com alunos provenientes de ambientes socioculturais muito distintos. Portanto, é necessário ter em mente que o código escrito se caracteriza por um estado de inércia maior se comparado com as mudanças diacrônicas mais rápidas que ocorrem nos sistemas orais. A variação sociolingüística não afeta as letras que constituem o código escrito, o qual deverá abarcar todas as variantes fonéticas de uma dada língua falada. Uma vez que as línguas das quais cada sistema alfabético é dependente mudam mais rapidamente do que sua contrapartida escrita, algumas relações fonêmico-grafêmicas passam a ser cada vez mais opacas com o passar do tempo e somente as regras de derivação morfológica ficam produtivas para algumas famílias de palavras; neste caso, um léxico mental ortográfico precisa ser fixado de memória, o que torna de novo o sistema antieconômico. Não significa, contudo, que por esta razão estes radicais devam ser ensinados fornecendo os nomes de suas letras constituintes. Assim que a grafia dos radicais básicos que estão em desacordo com as regras grafêmico-fonológicas é aprendida, são globalmente relacionados ao léxico mental fonológico. Uma das principais razões pelas quais a discrepância entre o sistema oral e o escrito é tão profunda nos países desenvolvidos é devida ao poder das editoras e seus respectivos lobbies. Temos um exemplo bem recente, com a nova reforma ortográfica, que só beneficiou as editoras que saíram na frente com seus dicionários e livros didáticos. É necessário acrescentar que, tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento, existe uma discrepância adicional entre as diferentes variedades sociolingüísticas orais. Embora não exista correspondência biunívoca entre qualquer das variedades sociolingüísticas e a norma escrita, a distância é certamente maior se examinarmos as variedades que são consideradas como não tendo prestígio: em geral, os professores não estão preparados tanto para o encaminhamento das disparidades sociolingüísticas individuais, quanto para estar atentos às diferenças fonético-fonológicas e morfológicas relacionadas com o sistema alfabético adotado como única norma. Não significa, contudo, que estejamos aderindo às idéias naîves de Bernard Shaw em favor tanto de uma escrita fonética ou de uma miraculosa transformação de qualquer “My fair lady": a diversidade sociolingüística oral é um fato inquestionável em contraposição a um código escrito único para uma dada língua. O que seria aconselhável a fim de reduzir as conseqüências de tais discrepâncias é: 1) a adaptação periódica e gradual dos sistemas ortográficos às mudanças diacrônicas que ocorrem no sistema oral; 2) uma atitude ideológica positiva por parte dos professores para com as variedades sociolingüísticas que diferem das supostas normas de prestígio; 3) professores bem formados, particularmente nas primeiras séries do primeiro grau, que possam descobrir a forma individual falada pelos estudantes a fim de que, em conjunto, construam as regras adequadas de correspondência fonológico-grafêmicas. Neste artigo, começamos por alertar o leitor para a grande incidência de analfabetismo funcional no Brasil e para a necessidade de buscar um embasamento científico para enfrentar tal problema, com apoio nas recentes descobertas das neurociências, da psicolingüística e da lingüística. Centramos a discussão nas dificuldades com as quais se defronta o alfabetizando, a saber, desmembrar a sílaba para associar um fonema a um grafema, o problema da segmentação das palavras e a questão da percepção dos vocábulos átonos, também chamados de clíticos, as dificuldades semânticas e a reanálise silábica, bem como a questão das variedades sociolingüísticas. São esses os pontos que fundamentam a elaboração do material pedagógico, que será disponibilizado a partir de 2009, da proposta Alfabetização: aprendizagem neuronial para as práticas sociais da leitura e escrita dentro do Projeto Ler & Ser: prevenindo o analfabetismo funcional. LEONOR SCLIAR-CABRAL (Brasil, 1929). Doutora em Lingüística pela Universidade de São Paulo, Professora Emerita e titular concursada aposentada pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-doutorada pela Universidade de Montréal. Foi eleita em julho de 1991 em Congresso realizado na Univ. de Toronto, Presidente da International Society of Applied Psycholinguistics, ISAPL, reeleita para mais um mandato na Universidade de Bolonha/Cessena e é atualmente Presidente de Honra. Foi presidente da União Brasileira de Escritores em Santa Catarina (1995-1997) e presidiu a Associação Brasileira de Lingüística (ABRALIN), no biênio 1997-1999. Ultimamente vem se dedicando à prevenção ao analfabetismo funcional, com a proposta do método: Alfabetização: aprendizagem neuronial para as práticas sociais de leitura e escrita. Contato: [email protected]. ____________________________________________________ Texto apresentado na mesa "Avanço das neurociências para o ensino da leitura" Sala Milton Dias - 13 de novembro de 2008 Mediação: Lourdinha Leite Barbosa (Brasil) revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial Barroco, surrealismo e miscigenação na América Latina: água de um mesmo rio Luis Eustáquio Soares . 1. Os influxos sócio-culturais do problematismo americano No seu ensaio “Útima Tule” (REYS, Última Tule, p. 36), Alfonso Reys apresentou uma diacronia dos conteúdos utópicos, baseando-se em documentos egípcios, na imaginação dos estóicos gregos, nas lendas medievais de remotas ilhas, nas profecias de Rámon Lull e nos poemas renascentistas . Essa linha milenar e diacrônica de utopias de terras maravilhosas povoou a imaginação dos primeiros cronistas que descreveram a fauna e a flora das terras latino-americanas recém–descobertas. Com Reys, parto do argumento de que existe, na história das civilizações, uma larga tradição utópica e que essa vai muito além da Europa medieval ou renascentista; da Europa dos tempos da expansão colonizadora. É uma tradição que veio sendo gestada por diferentes civilizações, no Ocidente e no Oriente. Essa tradição utópica foi instituindo uma rede de informações imaginárias que se transformou num verdadeiro legado configurador de uma visão antecipada da diferença e da alteridade. Esse legado utópico do modo de conceber a diferença aportou na Idade Média européia, sobretudo quando os povos islâmicos invadiram a Península Ibérica e proporcionaram, não sem violência, o advento de uma sociedade pluriétnica e pluricultural, através do cruzamento/estranhamento entre as culturas islâmicas, judaicas e cristãs. Nesse sentido, o espaço da Península Ibérica medieval veio a ser o local onde a tradição utópica oriental incorporou-se ao imaginário do europeu, particularmente ao imaginário do espanhol e do português, os quais eram e são os povos da referida Península Ibérica. Essa tradição utópica pressupõe necessariamente que o paraíso só é possível num tempo intangível. O desejo de habitar nesse paraíso utópico faz com que o homem pense em recomeçar uma nova humanidade. Tendo em vista essas considerações, duas premissas emergem. A primeira erige-se da idéia de que o recomeço existe apenas sob a perspectiva de quem detém o imaginário utópico, porque só quer recomeçar aquele que está fora do espaço do começo. Nesse sentido, o paraíso imaginado é o local do começo e quem o alcança vai recomeçar. A segunda premissa, por sua vez, deriva da primeira e se caracteriza pelo fato de que o desejo do recomeço resulta de uma experiência civilizatória restritiva, implicando, portanto, uma nova experiência humana e social. Com a “descoberta” e colonização da América, espanhóis e portugueses projetaram , no espaço geográfico latino-americano, a idéia utópica de que a América Latina era o começo e que, portanto, nela, eles iriam recomeçar uma nova experiência civilizatória. Aconteceu, porém, que os colonizadores utilizaram o legado utópico do paraíso e do começo mais como discurso propagandístico do que como possibilidade real de instaurarem, na América Latina, o local concreto do re/começo de uma nova civilização européia. Assim, espanhóis e portugueses e os colonizadores, de modo geral, preferiram saquear as riquezas “paradisíacas”, transportando-as para o continente europeu. O ouro da América Latina, símbolo reluzente do paraíso, foi levado para a Europa com o propósito “utópico” de se injetar, na esgotada e paradoxalmente incipiente civilização européia, a força fáustica do começo, a qual teria o propósito, também “utópico”, de transformar o continente europeu em era do re/ começo. Nesse ponto emerge, como vontade colonizadora, o que Murena chamou de injúria fundacional (MURENA, 1958, p. 31-49). Esta teria ocorrido quando o colonizador violou as culturas autóctones, estuprando as mulheres índias. A violação da índia americana resultou no nascimento do mestiço, o qual seria a encarnação do pecado da impureza étnica. A injúria fundacional seria traduzida de outra forma por Octavio Paz, através do conceito de “soledad” (PAZ,1964, p. 141-143). Segunda a concepção de Octavio Paz, o mexicano e o latinoamericano (por extensão) experimentaram a solidão de uma angústia existencial resultante da violação étnico-cultural a que foram submetidos pelos colonizadores. Darei, neste ensaio, o nome de fundação barroca ao advento contraditório da injúria fundacional latino-americana. E contraditório porque marcado pelo estupro da mulher índia, pelo colonizador, sem deixar de incorporar ou fazer-se como acontecimento étnico-civilizacional propício a reescrever a dramaturgia milenar do messianismo utópico, sob signo do recomeço da aventura do encontro dos povos. Nesse sentido, a fundação barroca, como fundação da mestiçagem étnico-cultural, da “soledad” latino-americana, instituiu-se quando houve a rejeição da miscigenação, o que fez, através da bastardia do mestiço, emergir a consciência agônica de ser outro, o latino-americano. Surgimo-nos, portanto, como perturbada e sisífica consciência de alteridade, quando fomos injuriados, no duplo sentido do estupro e da bastardia, porque, nesse contexto, o mestiço é o desterritorializado, étnico e culturalmente falando, por não ser nem índio e nem branco. O mestiço, portanto, constitui aquele que, sob o ponto de vista da colonização, deve viver sua existência como dilema irresolúvel. Nesse momento, estamos diante daquilo que o poeta cubano José Lezama Lima chamou de problematismo americano (LIMA, 1957, p.222), que nada mais é do que a incorporação de uma auto-imagem injuriada e edipianamente problemática, por sofrer, o latino-americano, a orfandade de uma filiação inferiorizada, recusada, colonizada. Buscar ser aceito pelo pai colonizador certamente é o pior caminho, pois enquanto o latino-americano não canibalizar, ruminar e descolonizar-se, continuará reproduzindo a sua miscigenação como injúria e problema. 2. José Lezama Lima e D’Ors: o Barroco como constante cultural Eugenio D’ors (.1964,p. 71-119) considerou o Barroco e o Classicismo como fenômenos de expressão estética atemporais e como constantes artísticas que se intercambiam durante toda história da humanidade. O Barroco é, para D’ors, uma constante artística porque sua forma contraditória, irregular, imperfeita e inacabada, é transhistórica, como o é o encontro dos povos, a miscigenação, signos de uma outra constância: a de que somos sempre, como humanos, herdeiros de uma longa e inacabada história comum, embora marcadamente violenta e injuriosa, porque de opressores e oprimidos, porque miscigenada de violação e submissão, sem deixar de ser, em potência, utópica e visionária, por inscrever-nos no campo aberto das ilimitadas possibilidades inscritas, e sempre no rés-do-chão do mundo, no encontro de povos e de culturas. Para Lezama Lima (1957), o Barroco constituiu-se como um fenômeno que se manifesta como índice de crises e mudanças significativas de paradigmas sócioculturais. Com base no poeta cubano, portanto, o Barroco detém características estéticas que podem recrudescer conforme o contexto histórico. A injúria fundacional desfechou uma crise de ordem antropológica, histórica e ideológica tanto por parte do colonizador quanto por parte do colonizado. Ambos, colonizador e colonizado, tenderam a conceber a miscigenação fundacional como sinal da impureza étnico-cultural. Essa impureza constitui o traço, em devir, da herança cultural barroca na América Latina, para o bem e para o mal. Com Lezama Lima (1957) mais que um movimento de ContraReforma, como o definiu Weisbach (1942), o Barroco latinoamericano constituiu-se como índice da contraconquista colonial, uma vez que combina tensamente elementos de culturas diversas, instaurando a miscigenação barroca como potência utópica de uma humanidade de e para o comum. No entanto, sob o ponto de vista do problematismo latinoamericano, a miscigenação étnico-cultural barroca constitui o marco histórico de nosso eterno, e edípico, estado de crise identitária. 3. A expressão America: o mito de Popol Vuh O mito de Popol Vuh (popol: comunidade; vuh: livro) é o livro sagrado da civilização maya-quiché, narrando, cosmogonicamente, suas pulsações inconscientes originais através de quatro idades sucessivas. A primeira refere-se à criação dos animais; a segunda reporta-se à criação do homem de barro; a terceira refere-se à criação do homem de madeira e a quarta diz respeito à criação do homem de milho. Deter-me-ei, neste ensaio, entretanto, em uma passagem da narrativa mítica em que os heróis Hunapú (divindade solar masculina) e Ixbalanqué (divindade lunar feminina) lutam contra os Senhores de Xibalbá. Acompanhando a interpretação de José Lezama Lima, em A expressão americana (1957), no quadro geral dessa alegoria, os heróis Hunapú e Ixbalanqué representam o latino-americano. Os senhores de Xibalbá representam o colonizador. O horizonte de deslocamento do maniqueísmo bem contra mal, Hunapú e Ixbalanqué versus os Senhores de Xibalbá, inscreve-se no tempo em que os primeiros conseguem superar o trauma da injúria fundacional por meio da incorporação antropofágica dos segundos. Ao incorporarem as técnicas e os procedimentos dos senhores de Xibalbá, os heróis Hunapú e Ixbalanqué conseguem finalmente vencer o problematismo americano, superando assim os limites impostos pela injúria fundacional. Sempre tendo como referência a leitura de A expressão americana, de José Lezama Lima, destaco o seguinte fragmento do mencionado texto lezâmico: Lo primero que nos desperta em Popol Vuh es el predomínio del espíritu del mal, los señores de Xibalbá vem rodar los msundos afianzándose su poderio y su terrible dominio de la naturaleza. Impasibles contemplan el fracaso de cuantas traetas se establecen para echar a rodar sus mandato, que parece estar implacablemente por encima de la naturaleza y de los animales más sutiles. (La expresión americana, p.221.) Representando, metaforicamente, questões relativas ao problematismo americano, o espírito surge do e no momento em que ainda se testemunha o predomínio dos Senhores de Xibalbá, dos colonizadores. Os modelos étnico-culturais, que nos legaram os colonizadores, “ven rodar los mundos”, estabelecendo o domínio injurioso da natureza e dos autóctones, o outro que aqui já vivia. Supõe-se que as tentativas de superação do problematismo americano resultem em fracasso precisamente porque ainda não foi possível amadurecer a percepção de que somente através da incorporação miscigenada do colonizador que a alteridade barroco-mestiça conseguirá superar o problematismo e , por conseguintes, o domínio ideológico dos referidos modelos étnico-culturais. Para Lezama Lima, o mito de Popol Vuh aponta para o caminho da superação do problematismo através da simbologia que se desprende de suas alegóricas representações da relação colonizador/colonizado: La simbólica que se desprende del Popol Vuh parece como si fuese a colmar el problematismo americano. A calmar, a veces, pues de la expresión aparecen lentos, errantes e somnolientos. Antes del en otras lo exaspera. Mientras el espíritu del mal señores, los dones aurgimiento del hombre, le preocupan los alimentos de su incorporación. Parece como si preludiase la dificultad americana de extraer jugo de sus circunstancias. Busca uma equivalência: que el hombre qu e surgirá será igual que sus comidas. Parece sentar u n apotegma de desconfianza: primero, los alimientos; después, el hombre. (…) Es evidente, por lo demás, que las viandas serán presentadas com el adobo conveniente: el rocio del aire y la humedad subterránea. (LIMA, 1988, p. 222). A simbólica que se desprende do mito parece evocar que a alteridade latino-americana, como toda alteridade, necessita conscientizar-se sobre a forma de sua diferença. Lezama Lima, no fragmento acima, alegoriza o embate entre o colonizador e o colonizado, mostrando que os traços que definiram a diferença latino-americana se inscrevem no difícil dialeto de perdas e ganhos. No mito de Popol Vuh, a resistência do colonizado ocorre, paradoxalmente, através da aparente submissão ao colonizador. A luta entre colonizado e colonizador, no mito, não se trava abertamente. Aparentemente, o colonizado está sendo, monologicamente, massacrado pelo difícil e impositivo processo de aculturação. A reação do colonizado se faz em silêncio, através de uma dissimulada fome em relação às técnicas e aos valores do colonizador. Deixando-se miscigenar, o colonizado se transforma em simulacro do colonizador. A forma mestiço-barroca vai, então, subterraneamente, ruminando e canibalizando o saber/fazer-se do colonizador. Em “Las imágenes posibles” (1948), Lezama Lima mostra que o latino-americano dissimula a fome pela cultura e pelo saber do colonizador: “Tenemos que fingir hambre, cuando robemos los frutos, y Hambre fingida. ¿ Y es eso lo que nos queda a los americanos?”(LIMA, p. 321). É fingindo fome, ruminando antropofagicamente tudo que diz respeito ao outro (colonizador), que a forma mestiço-barroca se plantará no ar e deslocará, de forma barroca e miscigenada, o problematismo americano. A alteridade latino-americana se define na sua eterna indefinição como forma aberta. Essa expressividade barroca, no sentido de ser transcultural e bastarda, é aquela que se alimenta de eras imaginárias de culturas e de etnias, transformando-as em fator de miscigenação poético-barroca de outra “era imaginária: a latino-americana. Entretanto, a expressividade latino-americana vai surgindo como “lenta concessão temorosa”, conforme se lê no texto abaixo: (…) La expresividad surge como u na lenta concesión temerosa, que em cualquier momento puede ser rebanada com impiedad. Surgen los animales em las primeras páginas de “Popol Vuh”, pero se muestran inertes, fieles como las rocas al declive que las gravito. Son ciegos, insensibles, desordenados y desconcertados tropezones. Los dioses, com incomprensible irritación, se empeñen en que digan nombres y entonen sus alabanzas. Habia que buscar el aliento, la palabra, el insuflado espíritu, y aqui surge ya el problematismo, logran la palabra em uma nueva criatura, pero pagando el precio de su cuerpo, “los muñecos”, dice el poema, “no pudían permanecer em pie” porque se desmoronaban, deshaciéndose em água”. Los muñecos al fin hablan, pero carecen de conciencia y de sentido, reeplazan la arcilla por la madera, pero entonces faltaba, ay, el ciniza, y de nuevo, el água de los comienzos. Surgida la nueva criatura, es ahora la naturaleza irritada, incontenible, la que presenta el perfil de su cutillo. (LIMA, 1988, P. 222). Ir surgindo vagarosamente significa ir se fazendo, expressivamente, da injúria fundacional, uma vez que a fundação da injúria implicou um processo de aculturação forçada do autóctone. Nesse sentido, a expressividade poético-barroca latino-americana precisa superar os elementos culturais que caracterizam o latino-americano. Depois da injúria fundacional, não há mais como nutrir qualquer forma de esperança com a possibilidade de uma civilização ocidental-européia. No fragmento acima, os animais que surgem como manifestação do primeiro homem, no mito de Popol Vuh, são, para Lezama Lima, signos da cultura européia e, nesse sentido, representam a fidelidade aos modelos de etnia se de cultura que apareceram com a chegada do colonizador. Ser fiel ao modelo, para o ensaísta cubano, é estar cego, insensível, desordenado, desconcertado e trôpego. Também não adianta ser boneco de barro, porque, muito embora o boneco de barro seja a representação corpórea do miscigenado, falta-lhe a consciência, ou inconsciência, das implicações desnorteadoras e violentas resultantes do processo colonizador. Para Lezama Lima, na sua alegorização do mito de Popol Vuh, também não se supera o problematismo americano se transformando em boneco de madeira, porque este último não tem coração. Nesse sentido, não é suficiente ter consciência da miscigenação. Torna-se necessário ter, além da consciência, o sentimento, em devir, de uma alteridade miscigenada que se constrói a partir da transfiguração antropofágica dos modelos eurocêntricos, desterritorializando-os e ao mesmo tempo transformando-os em referências mestiçodialógicas advindas de uma herança cultural comum, sem metafísica colonizadora, porque não mais apenas européia. 4. O Senhor Barroco e as coordenadas poéticas de seus seguidores No complexo sistema poético de José Lezama Lima, a vida e a produção artística de alguns latino-americanos constituem a representação encarnada da era imaginária latino-americana. O poeta cubano dá o nome de “coordenadas poéticas” à interrelação entre biografia e realização artística. Para além de qualquer biografismo rasteiro, interpretar biografias como imagens poéticas, formas alcançadas, constitui o mesmo que dizer que a poesia não pode ser interpretada apenas no âmbito da historiografia literária. Nesse caso, com as coordenadas poéticas, o que o poeta cubano propõe é uma concepção mais ampla de intertextualidade. Se estamos, como autores e/ou especialistas em literatura, acostumados a pensar a tradição literária a partir de grupos ou de movimentos e da rede de intercâmbios entre gerações diversas, lezamicamente falando há algo que precede aos poetas e aos movimentos literários e suas conseqüentes obras, a saber: o diálogo, em devir utópico-formal, com o nervo exposto pelos acontecimentos que instauraram uma era imaginária. Esta última, a era imaginária, constitui o desdobramento e o acúmulo de histórias outras. Nesse sentido, uma era imaginária é sempre um acúmulo de outras, pressionando as bordas de seu presente histórico. A era imaginária latino-americana é a que acumula as utopias milenares de uma história humana comum. Nesse sentido é que poderíamos dizer que a miscigenação étnico-cultural não apenas a representa, mas, antes de tudo, a apresenta, uma vez que o comum utópico tem na miscigenação étnico-cultural a encarnação de uma humanidade da mistura, do encontro e da cooperação, em oposição àquela da segregação, do elitismo, da expropriação simbólico-material das riquezas, que sempre são comumente produzidas. É nesse sentido que, para Lezama Lima, constitui uma verdadeira aberração pensar e produzir literatura tendo em vista a historiografia literária e seus movimentos. O poeta está no mundo. Mais do que o resultado do diálogo com seus pares, a potência de sua criação adquire consistência histórico-cultural se expressa os desafios de sua era imaginária. Não existe, é claro, uma única forma de tocar no rés-do-chão de sua era imaginária. De qualquer forma, por mais diversificada que seja, a potência criadora nunca é abstração ou transcendência, mas imanência, diálogo criador com os fechamentos e aberturas expressivas de uma época dada. Eis porque as coordenadas poéticas constituem uma forma de ancorar a poesia na dramaturgia de algumas vidas exemplares. E exemplares não porque sejam harmônicas, exceção ao comum ou ideais de ego, mas porque expressaram, biograficamente, e não sem contradição e sofrimento, a era imaginária que lhe coube viver, realizando poiesis em vida. Lezama Lima, em La expresión americana, aciona os dispositivos poético-hermenêuticos do seu sujeito metafórico, que nada mais é do que um interpretante poético-cultural ou o poeta utilizando as coordenadas poéticas com o propósito de detectar, interpretar e valorar os momentos em que uma era imaginária é expressa, por biografias históricas, ficcionais, poemas, acontecimentos e/ ou artefatos culturais diversos. Não esperemos, entretanto, que tais biografias sejam as da história oficial. Pelo contrário, são biografias ignoradas pelas narrativas vencedoras. No segundo capítulo, nesse sentido, de La expresión americana, o sujeito metafórico analisa algumas biografias artísticas do século do Barroco latino-americano, XVII e XVIII. Assim fazendo, transforma-o em divisor de águas de nossa História cultural. Para o poeta cubano, o Barroco historiográfico constitui o período em que as manifestações culturais da alteridade latino-americana se inscrevem como expressão agônica de nossa era imaginária, sendo, portanto, um período que concentra as referências mais expansivas, porque demanda futuros, na e da história cultural da América Latina. Não é circunstancial, nesse sentido, que o Barroco é personalizado, em La expresión americana, recebendo o nome de o Senhor Barroco, conforme se pode depreender no fragmento abaixo: Ese americano señor barroco, auténtico primer instalado en lo nuestro, em su granja, canonjía o casa de buen regalo, pobreza que dilata los placeres de la inteligência, aparece cuando ya se han alejado del tumulto de la conquista y la parcelación del paisaje del colonizador.(LIMA, 1988, p. 230). Analisando o fragmento acima, para Lezama Lima, o Barroco historiográfico marcou uma fase em que a alteridade latinoamericana começou a se refazer do “tumulto de la conquista y la parcelación del paisaje del colonizador”. Depois da fase violenta da injúria fundacional, o Barroco mestiço-cultural foi a primeira manifestação cultural latino-americana que se fez como possibilidade expressiva para algumas biografias que potenciaram as coordenadas poéticas de nossa era imaginária. 5. O Senhor Barroco: índio Kondori e Aleijadinho Para alcançar a transposição mestiço-barroca das antinomias culturais, advindas da injúria fundacional, Lezama introduz a idéia de que há uma tensão e um plutonismo no Barroco latinoamericano, conforme o fragmento: “ Nuestra apreciación del barroco americano estará destinada a precisar: primero, hay uma tensión en el barroco; segundo, un plutonismo, fuego originario que rompe los fragmentos y los unifica. (LIMA, 1988, p. 227). Para Lezama Lima, a resistência contracolonizadora se dá através da conquista da forma. Como a alteridade latino-americana é representada pela miscigenação étnico-cultural barroca, a conquista da forma significa transformar a injúria fundacional em traço desafiador da era imaginária latino-americana. Sob o ponto de vista do sujeito metafórico lezâmico, o índio Kondori e o Aleijadinho são as coordenadas poéticas por excelência, no período do Barroco, da conquista, ou da contraconquista, da forma de nossa alteridade. A propósito, diz Lezama Lima: La gran hazaña del barroco americano, em verdad que aun ni siquiera igualada en nuestros dias, es la del quéchua Kondori, llamado el índio kondori. (…) el índio Kondori logra insertar los símbolos incaicos de sol y luna, de abstractass elaboraciones, de sirenas incaicas, de grandes ángeles cuyos rostros de índios reflejan la desoslación de la explotación minera. (…) Yan em Aleijadinho su triunfo es incontestable, pues puede oponerses los moldales estilísticoss de su época, imponiéndoles los suyos y luchar hasta el último momento com la Ananké, con un destino torvo, que lo irrita para engrandencerlo, que lo desfigura en tal forma que solo le permite estar com su obra que va inundando la ciudad de Ouro Preto. (LIMA, 1988, p.243). O índio Kondori e o Aleijadinho são aqueles que alcançaram a forma étnico-barroca e miscigenada, uma vez que, conforme se deduz na passagem acima, ambos lograram barrocamente miscigenar a linguagem de suas produções artísticas. Ambos introduziram alegorias de nosso drama barroco de colonizados nas representações ideológicas e metafísicas da cultura do colonizador; ambos alcançaram a forma prometéica e miscigenada de uma nova era imaginária e, portanto, representam a resistência contracolonizadora de uma arte que resiste miscigenando. O quéchua Kondori adquiriu a forma da alteridade barrocomiscigenada porque inseriu os símbolos incaicos do sol e da lua nas representações culturais dos colonizadores, formando esculturas em cujos rostos indígenas se vêem a desolação e a angústia do tumulto da injúria fundacional, instituída pela exploração do trabalho forçado indígena nas minas de prata do Peru. Ao inserir as simbólicas de sua cultura nas formas culturais herdadas, o peruano índio Kondori representou a contra-conquista através da miscigenação étnico-cultural. Quanto ao brasileiro Aleijadinho, Lezama Lima transforma a sua doença, a lepra, na adversidade alegórica de uma cultura colonizada, mas que resiste através de esculturas e Igrejas de Ouro Preto, representativas do Barroco de contraconquista. A forma alcançada por Aleijadinho constitui a “grande lepra” do barroco da miscigenação étnico-cultural latino-americano. Para Lezama, a arte alcançada por Aleijadinho representa a culminação do barroco historiográfico latino-americano, sob o signo das coordenadas poéticas, tal que representa também um momento culminante de nossa era imaginária étnico-cultural, conforme se depreende do trecho: “El arte de Aleijadinho representa la cuminación del barroco americano, la union en una forma grandiosa de lo hispánico com las culturas africanas” (LIMA, 1988, p. 245). O barroco historiográfico latino-americano atingiu, através de Aleijadinho e também através do índio Kondori, a forma em devir da alteridade mestiço-barroca. A arte de Aleijadinho e a do índio Kondori representam o potens de nossa era imaginária, porque esses artistas escreveram suas alteridades através da tensão e do plutonismo barrocos, apontando para os dois principais pontos de fricção de nossa era imaginária: o hispano-incaico, ou indígena, e o hispano-negróide, conforme podemos detectar no seguinte fragmento: Vemos así que el señor barroco, a quien hemos llamado auténtico primer instalado en lo nuestro, participa, vigila y cuida las dos grandes s´sintesiss que está em la raiz del barroco americano, la hispanoincaica y la hispanonegroide. (LIMA, 1988, p.245). Para Lezama Lima, o pequeno índio Kondori alcançou a síntese do hispânico com o incaico, através da miscigenação hispano com o indígena. A arte do índio Kondori representa a superação da injúria fundacional a que a colonização hispânica submeteu as culturas indígenas latino-americanas. Por sua vez, Aleijadinho representou a grande síntese do hispânico com o negro, “su madre era uma negra esclava. Su padre un arquitecto português” (LIMA, 1988, p. 245). O Senhor Barroco latino-americano, desse modo, encontrou, com Kondori e Aleijadinho, o Eros relacionável que tecerá a linha do enfoque de nossa alteridade, que é nossa sendo de todos, miscigenadamente. A partir de ambos, a forma de nossa expressão alcançou, em diálogo inter-alteridades, o estatuto da tribo do mito de Popol Vuh. Partindo mesmo dos influxos e desajustes inscritos na violência da injúria fundacional, a mesma que se inscreve, como marca de Caim, no rosto das injustiças étnicas, de gênero, econômicas, culturais, epistemológicas, surgidas dessa guerra civil planetária que tem sido a história humana, os dois artistas produziram uma arte que se transformou em linguagem de resistência contracolonizadora, legando, assim, para os séculos seguintes, a tocha prometéica da vivência oblíqua de nossa miscigenação étnico-cultural. Suas coordenadas poético-barrocas esboçaram, em devir, a era imaginária com a qual, de um modo ou de outro, havemos de nos expressar, em cada vivo presente histórico, no lúdico, tenso e plutônico movimento de superação metamórfica da injúria fundacional de sermos filhos bastardos, ou outros para o mesmo, num mundo que é tudo é nosso, sendo, como a poesia, água de todos e de ninguém. 6. Barroco, miscigenação e Surrealismo como devires trans-históricos Antes de apresentar uma definição dos fluxos e refluxos miscigenados do Surrealismo, na América Latina, conecto os argumentos anteriores, principalmente aqueles ligados ao conceito lezâmico de era imaginária e coordenadas poéticas, com a concepção de ideologia e de sujeito de Louis Althusser (1980), a saber: a] A ideologia é uma representação da relação imaginária dos indivíduos com as suas condições reais de existência” (ALTHUSSER, 1980, p. 79); b] Na acepção corrente do termo, sujeito significa 1) uma subjetividade livre: um centro de iniciativas, autor e responsável por seus atos;2) um ser subjugado, submetido a uma autoridade superior, desprovido de liberdade, a não ser a de livremente aceitar a sua submissão.(…) Os sujeitos se constituem pela sua sujeição. Por isso é que “caminham” por si mesmos (ALTHUSSER, 1980, p.97, 98). Conceituarei, invertendo os dados do acaso, o Surrealismo como a possibilidade de uma linguagem-mundo tal que, nela, por ela e através dela haja um corte epistêmico ideológico entre a relação imaginária do sujeito com as suas condições reais de existência, o que equivale a dizer que, com o Surrealismo, e sempre como possibilidade, sujeito e mundo se colapsam através de um inconsciente que, resistindo assujeitar-se, fazer-se sujeito pelo dispositivo da sujeição, transmuda-se em inconsciente cosmológico, no qual e através do qual, cada sujeito, como mônada, é o mundo inteiro, uno e múltiplo, para além e aquém da dimensão humana. Nesse plano, o da não sujeição de um sujeito que são mundossujeitos, estes não caminham por si mesmos, pois trazem em si a orquestração polifônica de muitos outros mundos, no passado, no presente e no futuro; assim como muitos outros mundos existidos, existindo, a existir; assim como outros indefinidos não existidos, não existindo e a não existir. De qualquer forma, ser mundos, como sujeitos não assujeitados, por não caminharem por si mesmos, é antes de tudo partir de mundos, mas não dos mundos e suas condições reais de existência, mas de mundos e suas condições irreais de existência. Logo de mundos recusados, rejeitados, inviabilizados, inverossímeis. Assim, se vivemos ou somos o acúmulo de histórias inviabilizadas, irreais e inverossímeis, é porque, com Benjamin, somos frutos de uma longa tradição dos oprimidos, a qual “(…) nos ensina que o estado de exceção” em que vivemos é na verdade a regra geral (BANJAMIN, 1994, p. 226). É nesse sentido que afirmo que as condições irreais de existência da linguagem surrealista é aquela que visceralmente parte dos desafios de superação metamórfica da injúria fundacional, pois esta última não apenas inscreve os bastidores da tragédia que tem marcado as civilizações humanas, a de instituir o estado de exceção, que nada mais é que o estado de violação do direito de vida dos povos, mas também, como conseqüência, ainda que refratária, nunca linear, é a que esboça a carne viva da era imaginária de cada época histórica, donde podemos inferir que o Surrealismo, expressando o inconsciente ideológico dessa ou daquela injúria fundacional, lança-se como horizonte de possibilidade expressiva para toda e qualquer era imaginária. Desse modo, penso o surrealismo como uma constante expressiva trans-histórica, pois, assim como o Barroco, na versão de Eugenio D’ors (1964), constitui uma constante artística trans-histórica, por razões semelhantes o surrealismo igualmente constitui. São elas, as razões: a] Toda injúria fundacional constitui uma forma de submeter, via estupro (literal e/ou alegórico) povos e biodiversidades, em função dessa guerra civil planetária que tem sido a história humana (Barroco e Surrealismo partem sempre do epicentro, em cada época histórica, de injúrias fundacionais); b] Se toda e qualquer injúria fundacional é um fato histórico que marca e demarca a emergência violacional do encontro de povos, é porque institui também o horizonte das condições reais e imaginárias da miscigenação (condições aptas para serem expressas, como sujeitos não assujeitados, via Barroco e Surrealismo); c] A miscigenação é trans-histórica, uma vez que grupos humanos, ao colonizar povos, culturas e tecnologias, só podem fazê-lo ao preço de miscigenar-se, condição inevitável pelo simples motivo do intercâmbio comercial, cultural, étnico e tecnológico que subjaz todo e qualquer encontro entre povos (Novamente Barroco e Surrealismo são constantes, ainda que inconstantes, expressivas das relações imaginárias implicadas visceralmente no face a face do encontro dos povos; d] Por constituir-se como linguagem do conflito, da contradição, da errância, da plutônica mistura entre o transcendental e o imanente, do céu e da terra, da alma e do corpo, o Barroco é trans-histórico, logo miscigenado, porque sua expressão, independente do suporte, se icônico, gráfico, oral, é a própria imprópria mistura alquímica de povos e culturas; e] O mesmo raciocínio pode ser usado para o Surrealismo. Diferentemente do Barroco, entretanto, mais que expressar a mistura plutonicamente, o Surrealismo expressa o inconsciente que emerge da e pela mistura; logo do e pelo encontro violacional entre povos e culturas, propondo, via onírica imaginação, sua superação; f] Por tudo que foi dito, Barroco e Surrealismo são miscigenadamente trans-históricos, simultâneos e complementares, donde podemos concluir que, como possibilidades expressivas – sempre independente do suporte comunicacional – Barroco e Surrealismo são co-presentes em cada momento civilizacional de encontro de povos; em cada, portanto, emergência de injúrias fundacionais; Na América Latina, nesse sentido, o Surrealismo não tem data. Não começa antes ou depois do surrealismo francês, da Revista Littérature (1919), com Breton, Louis Aragon e Philippe Soupault, ou do Manifesto Surrealista (1924) de Breton e seus companheiros. E não tem data porque a América Latina emerge, como continente e cultura, do acontecer de uma injúria fundacional, a que surge do encontro de povos europeus, ameríndios, africanos, asiáticos. Sendo, entretanto, trans-histórico, o Surrealismo é tecido e entretecido por acúmulos de tempos-sujeitos inviabilizados, “irreais” e inverossímeis, se tivermos como referência o ponto de vista do violador. Por isso mesmo, mais que herdeiro da era imaginária barroco-mestiça que constitui o advento históricoviolacional latino-americano, o Surrealismo se inscreve, como copresença, nas coordenadas poético-biográficas ancoradas no coração da arte do índio Kondori e de Aleijadinho. Desse modo, mais que aterrissar em movimentos e grupos, como o de Aldo Pellegrini, da Argentina, que em 1926 acionou os dispositivos estéticos para criar o primeiro grupo surrealista em língua castelhana, e o primeiro do continente americano, ou mais que pontuar a presença de grupos ou de autores em cada país da América Latina, é preciso perguntar se o nosso Surrealismo, agora pensando sob o ponto de vista dos artistas que o expressaram, alcançou a forma de nossa era imaginária barrocomestiça, contribuindo para o desmonte, no seu fundo e no seu raso, da máquina de fabricar esquecimento e recalque, que é a injúria fundacional acionada, como acontecimento transhistórico, pelo estupro da primeira mulher índia latino-americana, assim como pela presença do primeiro escravo negro em nossas terras. Nesse sentido, ao tratarmos de Surrealismo latino-americano, nem dependência subserviente e pouco criativa e nem independência criativa é o que nos toca, a meu juízo, analisar, pois o que conta e contará é a potência milenar da miscigenação, como era imaginária do desejo de superação dos dramas e tragédias de injúrias fundacionais. É essa potência milenar miscigenada que considero importante buscar, por exemplo, na criação da revista Qué (1928), do grupo surrealista argentino, liderado por Aldo Pellegrini, ou, entrando na década de 40, na revista Tropiques, da Martinica, assim como na revista La poesia Sorprendida,da República Dominicana; ou ainda nas biografias poéticas de poetas como César Moro e Adolfo Westphalen, ambos do Peru, na de Juan Sánchez Peláez, da Venezuela, de Aimé Cesaire, da Martinica, Magloire-SaintAude, do Haiti; ou, no campo das artes plásticas, na do chileno Roberto Matta, do cubano Wilfredo Lam, do brasileiro Flávio de Carvalho; ou em poemas, narrativas, grupos e manifestos. É por isso mesmo que pouco importa saber a data de nascimento do Surrealismo estético-cultural do século XX latino-americano. Por outro lado, na nossa relação com o Surrealismo francês e/ou europeu, mais que procurar polêmicas e anedotários sobre poetas e grupos que se subordinaram, ou não, ao modelo europeu, me parece mesmo importante é analisar quais poetas e grupos europeus foram surrealistas no sentido deste ensaio, convergente, penso, com o argumento benjaminiano de que o Surrealismo foi o último instantâneo da inteligência européia, pois ouso interpretar o ensaio de Walter Benjamin (1985, p. 2135) como uma proposição de liberação, via inconsciente, de toda e qualquer injúria fundacional, razão suficiente para toda inteligência incisiva, transgressora, onírico-utópica, surrealista. Quais poetas europeus, portanto, como num instantâneo de inteligência, expressaram/desterritorializaram esta outra injúria fundacional, que nos toca a todos, europeus, mas também latinoamericanos, norte-americanos, africanos, asiáticos, a saber: a injúria fundacional que significou a emergência da modernidade, principalmente tendo em vista a Segunda Revolução Industrial, que impôs, via estupro, um paradigma civilizacional para todo os habitantes da terra, humanos e não humanos, miscigenando-nos a todos. É a era imaginária, inscrita como potência utópica, dessa miscigenação planetária, advinda da injúria fundacional que implicou a expansão da modernidade euro-ocidental, violando, colonizando e saqueando a biodiversidade de todo o planeta, que nos cabe analisar se tem sido esboçada pela intensidade inconsciente da linguagem surrealista do século XX, assim como seu horizonte de expectativa para o século XXI. Mas isso fica para outra oportunidade. LUIS EUSTÁQUIO SOARES (Brasil, 1966). Nascido em Minas Gerais, reside hoje em Vitória, onde é Professor Adjunto de Teoria da Literatura, na Universidade Federal do Espírito Santo. Poeta, tradutor e ensaísta. Contato: [email protected]. ____________________________________________________ Texto apresentado na mesa "Barroco, surrealismo e miscigenação na América latina: água de um mesmo rio" Sala Dolor Barreira - 18 de novembro de 2008 Mediação: Jorge Ariel Madrazo (Argentina) revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial De la Canela a Fortaleza Jotamario Arbeláez . Cuándo se iba a imaginar André Breton que después de 84 años de postular el surrealismo por sobre el espinazo peludo de Dada, para que el espíritu alerta con pantalones de concurso cerrara la puerta a la desasosegante razón del hombre con una llave de judo, un poeta entre 200 millones de brasileños, Floriano Martins, de Fortaleza, echaría sobre sus hombros la tarea de impedir que se afecte el ecosistema lírico, y así mantener vigentes esas especies mágico-oníricas y paranoico-anárquicas que, si no se cuidan de la tala indiscriminada y del cultivo del virus academicus, entrarían en vía de extinción, tales el surrealismo y el dadaísmo, amén de la patafísica e los teatros del absurdo y de la crueldad, el futurismo, el creacionismo, el ultraísmo, y demás ismos que constituyen la verdadera vanguardia, porque lo que fue la vanguardia política hace tiempos que quedó atrás. Cuenta para ello Floriano con un arma blanca implacable como es la revista Agulha, que se traduce por aguja, sobre la que los poetas del mundo libres de vendas hemos clavado los ojos. En ella recoge todo lo que se ha dicho, redicho y desdicho acerca de las palabras en libertad y el espíritu en danza sobre las arenas movedizas del sueño y del inconsciente. Recoge poemas y manifiestos de todos quienes hemos sobrevivido a la muerte de las ideologías y a la quiebra de los valores, por cuanto siempre consideramos a las ideologías como enfermedades de la idea y ya estábamos en quiebra cuando los valores no habían caído. Publicó en Monte Ávila recientemente y lanzó en Caracas Un nuevo continente, antología del surrealismo en la poesía de nuestra América, donde tuvo la atinada bondad de incluirme, a cambio de quienes ahora se han declarado mis enemigos. Como ahora está encargado de la coordinación de la 8ª Bienal Internacional del Libro de Ceará, por todo lo anterior y por haber merecido el Premio Internacional de Poesía ‘Chino’ Valera Mora, he sido invitado con todos los honores que ello conlleva. Ya culminamos en Colombia las celebraciones de los 50 años del dadaísmo y ahora comienzan las mismas en las alturas. Y aquí vamos, en un avión de LAM, sobrevolando la selva amazónica, con impecable guayabera y sombrero y botas de explorador en primera clase. Extraigo de la mochila al azar un libro para leer y me sale El país de la canela, de William Ospina. Le hinco el diente mientras saboreo una caipirinha. Es un libro maravilloso. La odisea del grupo comandado por Orellana, que después de construir una precaria barcaza zarpa desde casi el nacimiento del Amazonas, mientras Pizarro y su gente esperan a que regresen con provisiones, pero ellos se dejan llevar por la corriente de la aventura durante más de ocho meses, en busca del país de la canela, que un indio les ha señalado que queda por esos sitios, pero es un engaño más de los aborígenes, como lo hicieron señalándole a Ponce de León la fuente de la Juventud en Florida, propiciando que se volviera viejo y loco buscándola. Edgar Collazos –que sabe de barcos y de novelas- me había dicho que después del capítulo 24 era algo así como La Eneida. Leo el libro deslumbrado durante 16 horas seguidas, surcando el cielo que cobija el territorio que ellos descubrieron desde las orillas del río deseando a las amazonas. La aeromoza anuncia, en el momento en que los expedicionarios conquistadores arriban en sus barcazas a la desembocadura del Amazonas, que estamos a punto de aterrizar en el aeropuerto Pinto Martins. Floriano ha despachado a una espectacular garota a recibir al ‘Chino’ Valera Mora, y ella ha corrido, como si le dijeran “Vaya y recoge al Príncipe de Asturias o al Reina Sofía”. Al bajar del avión veo sobre sus senos una pequeña pancarta de la Bienal, y un nombre escrito con su lápiz de labios: ‘Chino’ Valera Mora. É você? Sí, le contesto, y tomándola del brazo, le digo, y me acabo de ganar el premio Jotamario de poesía. JOTAMARIO ARBELÁEZ (Colombia, 1940). Nome emblemático no ambiente da contracultura, por sua decisiva presença como um dos fundadores do movimento nadaísta em seu país. Essencialmente poeta, autodidata e declarado anti-acadêmico. Recebeu prêmios de destaque nacional e internacional, entre os quais se incluem a ordem do Congresso de Colômbia e o Prêmio Internacional de Poesia Victor Valera Mora. Contato: [email protected]. ____________________________________________________ Texto apresentado no debate "Reflexões sobre uma 2ª vanguarda na América Latina" Sala Herman Lima - 19 de novembro de 2008 Mesa composta por Jotamario Arbeláez (Colombia) | Sergio Mondragón (México) | Mediação: Claudio Willer (Brasil) revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial Diálogo con Floriano Martins: Bienal del Libro de Ceará, un espacio de descubrimiento(s) Gabriel Chávez Casazola . Además de ser uno de los más importantes poetas contemporáneos de Brasil y el continente, Floriano Martins (1957) ha dedicado parte de su vida al estudio de la poesía hispanoamericana, en particular en su vertiente surrealista, contando con varias traducciones, antologías y ediciones críticas en su haber. También hace ya varios años que desde su revista Agulha promueve el re-conocimiento y encuentro de literaturas y autores de diversas naciones, tendiendo unos puentes que este pasado noviembre han sido decisivamente apuntalados en la Bienal Internacional del Libro de Ceará, en Fortaleza, de la que es curador. Fue al cierre de la Bienal, a la que tuve el agrado de ser invitado junto a otros dos escritores bolivianos –Gary Daher y Ramón Rocha Monroy, que no pudo acudir a la cita– y a casi ciento cincuenta autores de otros países, desde el Portugal hasta Cabo Verde y de México a la Argentina, cuando, periodista a deshoras, dialogué con Floriano Martins sobre este singular encuentro literario y sus alrededores. [GCC] GCC La Bienal del Libro de Ceará, en Fortaleza, ha llegado ya a cumplir 8 versiones. Este año el tema ha sido “La aventura cultural del mestizaje”. ¿Cuáles fueron los motivos que te llevaron, como curador, a elegir este tema-eje y a 'mestizar', en un mismo evento, a más de un centenar de escritores e intelectuales de casi todos los países de habla española y portuguesa? ¿Ha cumplido esta versión de la Bienal esos objetivos en función de los cuales fue organizada? FM Un motivo simple y directo: la completa ausencia de diálogo entre las culturas y las literaturas en el ámbito de los dos idiomas nombrados. Lo propio si pensamos en términos de mercado editorial, donde inclusive ni cabe el término “diálogo”; hay un silencio, una falta de atención por la cultura del otro, lo que naturalmente nos fragiliza bajo todos los aspectos. La 8ª Bienal Internacional del Libro de Ceará era un espacio precioso y oportuno para reaccionar, y cumplimos la función primordial de llamar la atención para esta urgencia. GCC Aunque próximos por la geografía y la herencia cultural que, en cierta medida, nos es común, los escritores de países de habla española no conocemos mucho del trabajo de los de habla portuguesa. Pienso, sobre todo, en los autores de la mayoría de países sudamericanos en relación a los del Brasil, y viceversa. ¿A qué crees que se deba y cómo puede salvarse esa distancia, considerando además que tú has traducido al portugués a varios escritores hispano-hablantes? FM Existe un aislamiento recíproco también dentro de la propia comunidad lingüística. La manera de salvar esa distancia es luchar contra la arrogancia de nuestros gobiernos y de buena parte de nuestros intelectuales, cómodamente centrados en sus intereses particulares, desprovistos de cualquier sentido de solidaridad, incluso estratégico. La historia da claras pistas de los resultados de esa ceguera egolátrica. Es preciso crear y estimular proyectos comunes, alianzas culturales. A veces concluyo -y lamento- que luchamos más contra la falta de sensibilidad de la propia clase intelectual que contra cualquier otro aspecto. GCC La mayor parte de los escritores invitados a la Bienal de este año fueron poetas. ¿'Para qué poetas en tiempos de penuria', recordando a Hölderlin, y para qué reunirlos? ¿Hasta qué punto es posible y necesaria una ecumene de la poesía, como la que promueves desde diversos espacios? FM En general, los poetas asumen una agenda más amplia de actividades ligadas directa e indirectamente a la escritura. Son directores de revistas, ensayistas, traductores, ocupan cargos en instituciones culturales, etc. Recuerdo una frase del argentino Enrique Molina que decía que el surrealismo es una especie de humanismo poético. Entonces se trata justamente de recuperar ese humanismo poético, escenario que naturalmente se encuentra abierto a los narradores. Si una cosa es necesaria no cabe preocuparse por si será posible. Hay que tornarla posible. Y es lo que estamos haciendo, al lado de parceiros desparramados por diversos países, los parceiros de Agulha - Revista de Cultura. GCC La apuesta de convocar a la Bienal a autores conocidos en sus respectivas naciones, pero poco o nada entre los lectores brasileños, fue arriesgada. ¿Cómo evalúas la respuesta de los lectores de tu país? ¿Se habrá provocado un mayor interés por descubrir a los autores de habla hispana, por leerlos, traducirlos y editarlos? FM Todavía es imposible responder, pues el tema exige cierto distanciamiento. Comencemos por la reacción de la prensa. De alguna manera, fue sorprendente, porque fuimos contra todo lo que defienden los manuales de redacción del periodismo cultural. No le dimos “anzuelo” a la prensa. Todo lo que la Bienal presentó fue en la más completa contramano. Y aun a pesar de eso, los medios simpatizaron con nuestra agenda, los invitados fueron entrevistados y hasta las críticas fueron, en general, pertinentes. Todo esto ayuda a despertar intereses, a motivar un nuevo tipo de lector que antes no encontraba un punto de identificación con sus deseos literarios. Y creo que la Bienal fue un inestimable punto de partida para un cambio de comportamiento de varios componentes, que ahora podrán disponer de un dato fundamental: el lector requiere más atención y menos repetición. GCC Otro rasgo peculiar de la Bienal fue reunir en torno a mesas comunes a escritores, editores (de revistas y libros) y científicos sociales, para dialogar sobre diversos aspectos relacionados al mestizaje desde sus respectivas miradas. ¿Estás satisfecho con el resultado de esta poco usual experiencia? FM Estoy plenamente satisfecho con el resultado de la Bienal si pensamos que se trata de un inicio, de una acción de gobierno que puede convertirse en una política cultural consistente. De hecho, no puede haber aislamiento entre los elementos que mencionas, los escritores no conformamos un mundo aparte. La academia también debe mostrar un nuevo rostro, activo y solidario con los problemas de la sociedad que la sustenta. El estado actual en que nuestro mundo se encuentra es responsabilidad de todos. Y no se trata de retórica, sino de un hecho. GCC ¿Qué perspectivas y desafíos deja esta Bienal hacia el futuro inmediato? FM Es preciso avanzar mucho, por eso creo que esta Bienal esencialmente indica un camino coherente y viable. Corresponderá al Gobierno del Estado de Ceará darle continuidad, corregir eventuales fallos y, sobre todo, comprender que el ambiente de una Bienal no se puede reducir a simples zonas de entretenimiento. Creo que el paso siguiente se dará en la dirección de recuperar el espacio que la cultura popular perdió en aras de la cultura de masas. Por ahí seguiremos avanzando. GCC Finalmente, no puedo dejar de interrogarte sobre la literatura boliviana, y en particular sobre la poesía de mi país. ¿Qué se conoce de ella en el Brasil? ¿Qué iniciativas podrían apuntalarse para que ésta tenga una mayor divulgación en su nación y, a la vez, para que de este lado accedamos a los autores brasileños con menor dificultad que hasta ahora? FM Pues bien, cuando se piensa en la grandeza poética de un Jaime Saenz, encontramos un absurdo que en el Brasil este poeta sea desconocido hasta por nuestros escritores. Lo que antes era motivado apenas por una presunción, ese falso prejuicio que siempre llevó a los intelectuales brasileños a sentirse superiores a sus pares de la América hispana, ahora tiene como agregado una interferencia de la agenda política, confundiendo tramas ideológicas y perspectivas culturales. Hace algunos años entrevisté al poeta Eduardo Mitre y en esa ocasión abordamos muchos aspectos de la lírica boliviana. Además de Saenz, son también desconocidos para nosotros poetas como Gustavo Medinaceli, Julio de la Vega, Edmundo Camargo, Pedro Shimose, Jesús Urzagasti, etc. Una lástima completa que sólo podrá ser corregida gracias a un acuerdo mutuo, a una iniciativa conjunta de componentes situados en nuestros dos países. O sea, estamos de vuelta al principio del ecumenismo evocado por ti hace poco, un ecumenismo entre poetas, un humanismo poético. GABRIEL CHÁVEZ CASAZOLA (Bolivia, 1972). Diretor do Festival Internacional da Cultura, em seu país, em 2006 recebeu uma medalha outorgada pelo governo boliviano como reconhecimento por seu trabalho como produtor cultural. É também poeta, ensaísta e jornalista, e como tal ganhou o Prêmio Nacional de Ensaio Jornalístico, além de que uma reportagem sua (“Primavera tóxica”) recebeu o Biodiversity Reporting Award de Conservação Internacional, da Federação Internacional de Jornalistas Ambientais. Contato: [email protected]. ____________________________________________________ Entrevista originalmente publicada en el suplemento cultural Brújula, del periódico boliviano El Deber, deciembre de 2008. revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial Diálogos entre Arte Postal y Poesía Visual Francisco "Paco" Aliseda . El arte postal, mail art, o arte correo se articula como un procedimiento de intercambio de la producción artística que se inicia a principios de los años 60 del siglo pasado. El precedente es Ray Johnson que, en 1962 funda la 1ª escuela de arte por correspondencia llamada “New York Correspondence School”. La distribución de obras es realizada por el servicio internacional de correos. Existen reglas no escritas de Mail art como la ausencia de censura, la libertad de procedimientos artísticos y la reciprocidad. El intercambio de obras de los autores permite no sólo el conocimiento sino el reconocimiento y la consideración del hecho artístico. Al no existir dinero por medio se configura una red de intercambio de carácter “horizontal”. Si se edita un catálogo, todos los autores participantes aparecerían en el, y cada autor recibiría el catálogo por correo. El Arte postal abre un enorme pastel artístico, natural y rápido que pronto adquiere un ámbito Internacional: las exposiciones se multiplican; aparecen nuevos promotores, convocatorias y encuentros; series de obras originales se publican en “revistas de ensamblaje” (tanto de soporte plano como con presencia de objetos). Y se proporcionan herramientas sencillas que permiten el intercambio, y, por tanto, el conocimiento, artístico y literario. En España en la década de los 60 la poesía experimental tiene el carácter de “Neovanguardia”, está comunicada con autores experimentales de fuera del País y también, utiliza las posibilidades de “intercambio” que proporciona el arte postal. Así de una forma autónoma y voluntarista por parte de los autores se comienza a utilizar técnica de autogestión alejada de la cultura dominante. En España, en los años 80, se produce, conforme los instrumentos democráticos se ponen en funcionamiento, un apasionado deseo de conocer las formas artísticas en boga de aquellos momentos: el aumento de publicaciones, eventos y exposiciones, así lo demuestra. Se asiste a una necesidad de situarse en una posición de conocimiento artístico más amplio. Pero en estos presupuestos generales de la cultura la poesía experimental no tiene gran enganche. Es por eso que las técnicas del Mail Art, para la distribución y reconocimiento del trabajo artístico son utilizadas con eficacia: Hay pocos autores de poesía experimental que no sean, al mismo tiempo promotores de proyectos y ediciones. La revista Veneno es hija de esta pequeña historia: Desde 1983 engalza con los movimientos poéticos y editoriales del momento. Desde 2005 como revista del Centro de Poesía Visual de España en Peñarroya-Pueblonuevo Córdoba, sigue dando a conocer esta forma de arte menos convencional, pero cada vez más conocida, que es la Poesía Visual. A lo largo de 25 años y 308 autores, ha mostrado desde un planteamiento independiente, las obras de poetas de creadores de aquí y de allá. La presencia de Veneno y el Centro de Poesía Visual en “La aventura cultural del mestizaje”, título de la 8ª Bienal del libro de Ceará (Brasil), en Fortaleza, capital del Estado de Ceará, justifica este texto, con el que se participó en el debate, “Diálogos entre Arte Postal y Poesía Visual, debate integrado por Clemente Padín (Uruguay), Fernando Aguiar (Portugal), Paulo Bruscky (Brasil) y Francisco Aliseda (España) y que tuvo lugar en la Sala Hernan Lima de la Universidad de Fortaleza (UNIFOR) el 19 de noviembre de 2008. FRANCISCO “PACO” ALISEDA (Espanha, 1957). Coordenador do Centro de Poesia Visual de Córdoba. Artista plástico, poeta e editor. Dirige o Centro de Documentação e Estudo da Poesia Visual Espanhola, assim como as revistas Veneno e Grisú. Curador permanente do Encontro de Poesia Visual. Contato: centrodepoesiavisual@hotmail. com. revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial Escritores cearenses contribuem Ana Miranda . É um prazer estar aqui com vocês, na Bienal do Livro do Ceará, para conversarmos sobre literatura, ao lado dessa escritora lindíssima, de talento magistral, com uma formação sólida e uma temática inovadora, que é a Tércia Montenegro. Também ao lado do nosso mestre da poesia cearense e autor de obra sobre Gregório de Matos, o poeta Adriano Espínola. E de Eleuda de Carvalho, que transcende em muito sua função de jornalista cultural, sendo uma das mais preparadas, atentas e perceptivas pensadoras de nossas questões literárias. Propuseram-me que falasse sobre a presença de escritores cearenses na literatura brasileira. Logo pensei no nome que exerceu maior influência em nossa história literária, não apenas por sua obra ficcional, mas por sua atuação como intelectual, e não apenas entre os escritores cearenses, mas dentre todos os escritores brasileiros. Talvez não haja nenhum autor literário que tenha exercido tanta influência na literatura brasileira. Falo de José de Alencar, durante o Romantismo no século 19. Vou tentar descrever de modo resumido e claro esse momento literário. Vogava no Brasil um Arcadismo decadente, em suas últimas luzes. Era uma poesia pastoral, que ainda expressava a travessia entre civilização e primitivismo, porém forjada nos moldes da tradição clássica. “Os Sátiros saltando por entre as verdes parras… dríades… o carro de Faetonte…” A literatura que se escrevia aqui, antes do Romantismo, era distante da realidade brasileira, para um leitor compreender nossa poesia era preciso ser conhecedor da mitologia greco-romana. Vou citar um exemplo paradigmático, um trecho de um poema de José Joaquim Lisboa: “Íxion co’a roda parou, / Não sobe Sísifo ao monte, / Descansa o velho Caronte, / O abutre a Tício deixou”. Interessante observar que o fragmento do poema marca uma interrupção no movimento de alguns mitos gregos. Havia, entre nós, a herança do alto período arcádico, quando surgiram as poesias de SantaRita Durão e de Basílio da Gama já com uma intenção nacionalista, tendo como tema a experiência brasileira, incluindo o mundo indígena, mas ainda atadas aos cânones eruditos europeus. O declínio do Arcadismo prenunciava uma nova literatura. Diz, no Parnaso Lusitano, Almeida Garret, falando dos poetas e escritores brasileiros: “…a educação européia apagou-lhes o espírito nacional: parece que se receiam de mostrar americanos…” (e falando de Tomás Antonio Gonzaga) “…quisera eu que em vez de nos debuxar no Brasil cenas da Arcádia, quadros inteiramente europeus, pintasse os seus painéis com as cores do país onde as situou”. Comentários assim, revelam que surgia um sentimento de expressão local, buscando o brasileirismo como elemento diferenciador. O Brasil acabava de se separar de Portugal, era então um país livre, que almejava encontrar sua expressão própria, formar o rosto da sua nacionalidade. E à literatura, que possuía profunda conexão com o comportamento e o pensamento dos habitantes de nosso país, caberia criar essa face brasileira. Em 1836, época do despertar das nacionalidades em todo o mundo ocidental, após as guerras napoleônicas, o Romantismo florescia na Europa, quando aconteceu no Brasil um esforço intencional de mudança literária. Brasileiros em Paris aderiram ao Romantismo europeu, traduzindo-o a nossas ânsias. Expressaram inicialmente o sentimento romântico por meio de uma revista, Niterói, que era escrita e publicada na França, e enviada ao Brasil. Ali, por exemplo, o poeta Gonçalves de Magalhães criticou nossos autores que “olvidaram as simples imagens que uma natureza virgem com tanta profusão lhes oferecia”. O poeta Araújo Porto Alegre escreveu um documento precioso que constituiu um ponto de partida para o Romantismo brasileiro, dando como exemplo um pequeno e discreto poema de sua autoria. Era um período de proletarização, politização, urbanização, decorrentes da Revolução Industrial e das lutas sociais. Preconizava-se o Sentimento para substituir o Racionalismo dos clássicos. Segundo o crítico Antonio Candido, o Romantismo procura relevar aquilo que é pessoal e intransferível, o eu sensível, a contemplação do eu, a evocação da morte, o sofrimento. Os escritores românticos falam de maneira íntima, como se fizessem confidências, o que dá a sensação de sinceridade, franqueza, alma aberta, espontaneidade das emoções, estão os românticos entregues às aventuras individualistas e inconformadas. Os crimes, os vícios, os desvios de conduta são tratados como expressões próprias aos seres humanos, tanto quanto a virtude. Almejavam, nossos escritores românticos, uma linguagem mais simples, direta, local, sem uso das alegorias clássicas tão distantes da nossa realidade. Buscavam ressonâncias entre natureza e espírito, “que convidam o indivíduo a banhar-se numa atmosfera de mistério e, valorizando o significado de seus modos de perceber e sentir, a exprimir-se com maior abandono, por meio” da meditação, da reflexão. A ênfase do romântico é na experiência estritamente pessoal. Surge um tipo de emoção chamada de “o vago n’alma”. Mas, no Brasil, o Romantismo era, ainda mais, a tomada de consciência nacional, a luta pela autonomia literária, e mais um corte na separação entre Brasil e Portugal, um movimento de independência não apenas política, porém mais profunda. Apregoavam nossos pensadores que o Brasil tinha tradição literária própria, era preciso desenvolver os elementos nacionais dessa tradição, e para isso deveria ser criada uma nova literatura adequada a um país independente e jovem. Se a literatura é um fenômeno histórico que exprime um espírito nacional, ela deve desvelar esse espírito. Para isso, era necessário descrever-se costumes, paisagens, fatos, sentimentos carregados de sentido nacional, libertar-se do jugo da literatura clássica, abstrata, reflexiva, dominada pelas características da experiência européia, de introversão, dissimulação; em troca, adotaríamos a extroversão dos habitantes de um país quente, caloroso, telúrico, riquíssimo de folclore, repleto de matas, cores, luz, tudo “grande, sólido e sublime”. Esse desejo de celebração e construção da pátria provocou intenso debate entre escritores, poetas, pensadores. Para uns, a literatura brasileira deveria ser o Indianismo, pois a vida indígena existia em nosso país antes da chegada do europeu, e nos legara um tesouro de lendas, mitos, e todo o mundo selvagem que a floresta representava, sem nada semelhante em qualquer outro lugar do mundo. O Indianismo não seria apenas a criação de um passado mítico e lendário, mas de um passado histórico, que daria dignidade e força a nosso ser. Os mitos indígenas deveriam ser comparados em magnitude aos mitos da Antiguidade clássica. Para outros, nosso espelho seria algo mais vago, universal, mas que nos exprimisse, e também ao sentimento de libertação que culminava naquele momento. Os comentários floresciam aqui e ali, com intensidade. Macedo Soares, por exemplo, escreveu que se deveria “despir andrajos e falsos atavios, compreender a natureza, compenetrar-se do espírito da religião, das leis e da história, dar vida às reminiscências do passado, eis a tarefa do poeta, eis os requisitos da nacionalidade da literatura”. Era preciso cultuar uma literatura que pudesse ser compreendida, com temas brasileiros, era preciso cantar nossa terra, e a ela se entregar. José de Alencar apareceu nesse período, aliado ao Indianismo de Gonçalves Dias, que era chamado de escola Americana, no sentido de não-européia. Mas Alencar também se debruçou sobre as narrativas do interior do Ceará, recolhendo rapsódias sertanejas, com a intenção específica de elevá-las a mitos que rivalizassem com os europeus, no que enfrentou críticas severas por parte de elitistas e tradicionalistas. O jovem advogado e jornalista cearense declarou-se inimigo do lusismo em nossa literatura, introduziu o romance de temática indígena, e abriu uma nova era literária para nossa prosa de ficção, “nessa esfera sua ação foi profunda e não poderá ser apagada”, conforme palavras de Silvio Romero. Foi Alencar quem levou ao mais fundo estágio o esforço romântico de construção do romance brasileiro, com uma brilhante percepção de que não bastava o tema nacional, mas principalmente a linguagem, a expressão própria, e bateu-se pela escrita independente: “Nós, os escritores nacionais, se quisermos ser entendidos de nosso povo, havemos de falar-lhe em sua língua com os termos ou locuções que ele entende, e que lhe traduzem os usos e sentimentos”. José de Alencar não deixava escapar uma oportunidade para reforçar suas idéias. Segundo Raymundo Magalhães Jr., o escritor cearense vivia dominado pela preocupação de “exumar fatos heróicos e de construir um passado, glorioso, venerável, ou edificante”, para o jovem Brasil, sempre em busca de uma linguagem adequada às narrativas históricas dos tempos coloniais. E inaugurou o romance indianista, com O guarani. Em 1857 começou a publicação desse romance-folhetim no jornal Diário do Rio de Janeiro. Com sua grande capacidade de fabulação, sua encantadora linguagem, sua força de conteúdo histórico e social, Alencar magnetizou os leitores, que disputavam os exemplares do jornal, ávidos por ambientes e temas brasileiros, também impregnados pelo espírito romântico. Estavam fatigados dos romances-folhetins de autores europeus. O guarani foi um grande momento na tenra vida literária brasileira, é onde “aparece melhor o trabalho de visualização artística, compondo uma atmosfera de cores, formas e brilhos para celebrar a poesia da vida americana.” Dele escreveu Antonio Candido, ser “um largo sorvo de fantasia, que realiza talvez com maior eficiência a literatura nacional, americana, que a opinião literária não cessava de pedir a Gonçalves de Magalhães”. O promissor poeta Gonçalves de Magalhães, culto, preparado, brilhante declamador, fizera uma importante tentativa com a publicação da Confederação dos tamoios, infelizmente fracassada, por não atingir uma naturalidade, espontaneidade, uma qualidade literária de que nossa literatura já era capaz, como já o provava, por exemplo, Gonçalves Dias com sua obra poética. Após uma famosa polêmica em torno do poema de Gonçalves de Magalhães, Alencar amadureceu suas idéias e partiu para criar a obra brasileira que a sociedade almejava, e o fez com mestria, desde O guarani até a obra-prima Iracema, passando por romances sertanejos ou urbanos que registravam nossos costumes interioranos ou da renovada Corte. Visitou, com sua obra, de forma planejada e intencional, diversas épocas e regiões brasileiras, buscando um primoroso estilo de narrar. Seu pioneirismo e sua vida atribulada, entre a literatura, a política e o jornalismo, tiveram um preço, que aparece nos seus livros em forma de falta de unidade, pressa, ansiedade, uma oscilação na qualidade das obras, mas Alencar encontrou o “caminho das pedras”, realizou um refinamento que pressagiava Machado de Assis, o qual, para com seu amigo, demonstrava afinidade e reconhecimento. Dotado de um senso magistral do grandioso e do épico, Alencar é o grande artista criador do romance brasileiro. Ficou na história da literatura brasileira como o maior representante de nossa ficção romântica, e o que mais lucidamente realizou, do ponto de vista estético e literário, os ideais populares e nacionalistas do Romantismo. Foi ele quem elaborou para todos nós, seus descendentes literários, o arcabouço ideológico e temático, formal e estilístico, do romance brasileiro, e sua vertente literária, que culmina com a obra sertaneja, brasilianista e universal de Guimarães Rosa, permanece até os dias de hoje. Além disso, Alencar foi o criador da crônica como gênero literário. Quando o jovem advogado recém-formado chegou ao Rio de Janeiro, foi convocado por Francisco Otaviano para ser folhetinista do Correio Mercantil. Os folhetinistas eram jornalistas com texto mais elevado, de qualidade literária, que tinham como tarefa o comentário dos acontecimentos dos últimos dias, conforme modelo da crônica tradicional. Com seu texto primoroso e uma leveza nos comentários, Alencar exerceu seu trabalho em uma coluna de imenso sucesso na sociedade, “Ao correr da pena”. Eram um embrião da crônica, mas ainda presas ao intuito do espaço que ocupavam no jornal. Quando passou a dirigir o Diário do Rio de Janeiro, passou a escrever as chamadas “Folhas Soltas”, textos do mais puro devaneio, livres de intenção, pessoais, e de qualidade literária. Essas são as primeiras crônicas, que deram origem ao novo gênero literário brasileiro. E se não tivesse morrido tão precocemente, e pudesse ter terminado um romance em progresso, Ex-homem, que poderia ter sido pioneiro do realismo no Brasil. Pediu-me Floriano que falasse sobre minha obra, de seu lugar dentro da ficção brasileira. Vejo minha obra entre dois marcos, Boca do Inferno e Desmundo. A primeira fase é a da paixão da descoberta, e de aprendizagem, quando, por dez anos, trabalhei para dominar as técnicas de construção de um romance clássico, com uma estruturação disciplinada, a fim de posteriormente me libertar dessas regras e encontrar minha expressão pessoal. Em meu primeiro romance estabeleci as linhas mestras de meu trabalho, do ponto de vista do motivo central, que é a questão do exílio humano em seu sentido maior, com a ocorrência do erro transformador (o roubo do anel do alcaide) que acende as chamas da narrativa interna. Estabeleci meu interesse pelas fontes lingüísticas, para um trabalho de recriação literária fundado na intertextualidade, na poesia, e na afetividade pela preservação de nosso tesouro literário nacional, fazendo-o renascer sob outra pena. Disso, jamais pude, nem desejei, me libertar. Em Desmundo, iniciei uma série de romances de vozes femininas, narradas na primeira pessoa, sem, no entanto, abandonar as questões de nossa história literária, que tanto me fascinam. Libertei-me do formato clássico de narrativa, interiorizando a fala de meu narrador por meio de pensamentos de meus personagens narradores. A trama passou a ter um lugar secundário, e o trabalho narrativo atingiu o estado que eu desejava, de tornarem-se a linguagem e a língua o próprio tema central do romance, predominando sobre todos os outros aspectos. Em Desmundo, consegui atingir o refinamento e a desenvoltura que almejava, tudo o que eu vinha bordando pelo avesso se revelou numa flor dos ventos composta de prosa, poesia, desenho, e todas as minhas experiências de vida. É difícil sabermos na flagrância da obra o seu lugar histórico, e para o próprio autor é quase impossível conceber e medir a sua importância. O mais seguro é ser desconfiado e reticente. Recorro aos recortes de jornais que possuo em minhas pastas. O romance Boca do Inferno, publicado em 1989, foi designado, em texto escrito por Roberto Pompeu de Toledo, na época editor geral do JB, como “o ingresso do Brasil num gênero – o do moderno romance histórico – imposto ao redor do mundo por penas como a do italiano Umberto Eco e da belga Magueritte Yourcenar, do americano Gore Vidal e do português José Saramago”. A escritora Tércia Montenegro me fez uma pergunta a respeito: “Quando o livro foi publicado, coincidentemente, na mesma época, foram lançados outros títulos brasileiros de teor histórico. Você atribui isso a uma coincidência histórica ou a uma convergência estética? Respondi: Na verdade, saíram livros assim em diversos países, o que amplifica o caso. Acho mais provável uma convergência estética, entre as duas possibilidades. A literatura nunca é dissociada de seu tempo, os livros acontecem em conjunto, como se houvesse uma força de pensamento unívoco que se desdobra em todos os lugares, e os escritores são tocados por esses movimentos. Somos prisioneiros de nosso tempo, de nossa sociedade, e de nosso ser, tudo isso determina o que vamos escrever. Logo após a publicação do romance, escreveu professor Antonio Dimas que Boca do Inferno seria “a retomada do romance histórico brasileiro, com a conseqüente reconstrução mítica de um passado distante e brumoso, e o revigoramento de uma forma narrativa que andava se satisfazendo no experimentalismo indulgente”. “Boca do Inferno “organiza-se de modo consistente” e ali pode encontrar prazer tanto “o leitor imediatista” como “aquele que está em busca de um relato mais refinado no qual se incluem pepitas históricas, estilísticas, e léxicas, mesmo que esta aglomeração estudada suscite horror nestes tempos de pauperismo”. Sobre a linguagem, diz Antonio Dimas que “o trabalho meticuloso é o delírio verbal e descritivo que cumpre uma função estética: a de representar a face tumultuada daquela sociedade, dificilmente apreensível por meio do vocábulo unívoco e seco”. Os aspectos de estrutura e de linguagem talvez sejam os mais importantes no surgimento desse romance. Também, Boca do Inferno surge num momento semelhante ao do Romantismo, no século 19, no qual se gerou o chamado romance histórico, em que o processo de destruição de culturas acelera o desejo de sua preservação. Ele é da mesma forma a expressão do desejo de consolidação de uma nação, com o fortalecimento de suas raízes e origens. Boca do Inferno reintroduz uma forma narrativa ligada à do romance clássico, no entanto, pós-moderno. O memorialismo é tido como território feminino na literatura, espera-se da mulher uma obra fundada na lembrança de quem reside em mundos subjetivos e protegidos, do lar, da fantasia, dos sentimentos, enquanto ao homem, historicamente em movimento, a caçar, a guerrear, a trabalhar fora de sua casa, caberia uma escrita mais ampla e socializada. Boca do Inferno enfrentou essa limitação, e comporta-se como livro de memória social, sem perder a subjetividade que é expressa na construção lingüística e emocional. Se acaso marcou alguma mudança no comportamento literário de sua época, só a posteridade poderá revelar. A importância histórica de um autor, ou obra, é relacionada às mudanças que provocou. Sobre Desmundo, publicado sete anos depois de Boca do Inferno, o professor Wander de Melo Miranda escreveu que o livro abre caminhos em uma selva de signos. “Daí a originalidade do romance na cena brasileira atual, ao constituir-se como uma versão feminina da colonização e, ao mesmo tempo, superar os limites do fato histórico a que remete.” O livro luta na esfera da linguagem “de quem narra buscando na selva dos signos a trilha de rotas e enredos alternativos. O desejo de algo que lhe escapa e foge torna-se a meta a ser atingida, algo que não consegue nunca alcançar e só se apreende, de passagem, na urgência de narrar”. Desmundo, conforme o professor Miranda, seria “um modo peculiar de apropriação dos primeiros relatos epistolares das terras brasílicas, por meio da destituição da força elocutória masculina que conferia a esses relatos o poder de uma verdade inconteste.” Para mim, foi o encontro com uma originalidade, tanto no sentido de aproximação ainda maior de minhas origens, pois há a possibilidade de minha família ser da mesma genealogia da do padre Manuel da Nóbrega, como pela relação mais próxima com a cultura indígena, característica formadora de minha terra natal. Em Desmundo consegui equacionar todos os dilemas importantes de minha obra, e considero esse romance o início de uma fase mais pessoal, ousada, mais madura, enfim. Reconheço em minha obra, a partir de Desmundo, uma grande solidão, e não sei se tenho seguidores. Também é de Tércia Montenegro a pergunta sobre esse assunto: “Você é referência para as novas gerações da literatura. Como se sente com essa responsabilidade?” Respondi: Bem, graças a Deus não sou a única referência, mas toda a minha geração é referência para os da nova geração, é normal que seja assim, como os de gerações anteriores foram referência para mim, claro, alguns mais fortes, como Guimarães Rosa, ou José de Alencar, de quem me sinto familiar. Espero que os jovens aprendam comigo que cada um deve ser fiel a si mesmo, e ter a coragem de ser ele mesmo, e se guiar pelas indicações da própria alma, das próprias necessidades interiores, e de seu tempo. ANA MIRANDA (Brasil, 1951). Colabora desde 1998 com a revista Caros amigos, e desde agosto de 2004 escreve crônicas no Correio Braziliense. Foi escritora visitante na Universidade de Stanford em 1996, e faz palestras e leituras em universidades (Berkeley, Yale, Darthmouth, Universidade de Roma, etc.) e outras instituições (Instituto Moreira Salles, SESC, Centro Cultural Banco do Brasil, etc.). Romancista com amplo reconhecimento nacional. Contato: [email protected]. ____________________________________________________ Texto apresentado no debate "Contribuição cearense à literatura brasileira" Sala Herman Lima - 17 de novembro de 2008 Mesa composta por Ana Miranda (Brasil) | Adriano Espínola (Brasil) | Tércia Montenegro (Brasil) | Mediação: Eleuda de Carvalho (Brasil) revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial Fragmentaciones II Gary Daher Canedo . Si me dieran a elegir, yo elegiría esta salud de saber que estamos muy enfermos Juan Gelman Al abrir este ensayo, no puedo dejar de recordar las palabras de Umberto Eco sobre la reflexión de los acontecimientos que suceden: "La función intelectual se ejerce siempre con adelanto (sobre lo que podría suceder) o con retraso (sobre lo que ha sucedido); raramente sobre lo que está sucediendo, por razones de ritmo, porque los acontecimientos son siempre más rápidos y acuciantes que la reflexión sobre los acontecimientos", [1] Sin embargo, el mismo ritmo del que habla Eco ha cambiado, si bien es cierto que la velocidad de los acontecimientos apuran a la reflexión, también debemos admitir que la historia ha ampliado su papel: ya no es aquella que se refiere solamente a sucesos lejanos, clausurados, cerrados; sino que, precisamente, a causa de la aceleración de los procesos, la historia está siendo construida mientras sucede, es decir nos va entregando etapas a velocidad de Schumacher, que se levantan como esclusas de un enorme canal que va a unir el pasado y el futuro: El canal de la contemporaneidad. A propósito de estos hechos intelectuales, no vale, pues, nos dicen los actores de los medios, la excusa de la mala pintura que pueda resultar de nuestro acontecer, ya que actualmente no utilizamos para ello a los pintores realistas, ni siquiera la máquina fotográfica que requiere un proceso químico adicional para devolvernos la imagen, hoy se habla de las cámaras digitales que atrapan el instante y lo muestran inmediatamente en el monitor de video, o lo imprimen en una barata impresora de colores. Es decir que tal como nos aclara Régis Debray "La ecuación de la era visual es algo así como: lo visible = lo real = lo verdadero. He aquí la idolatría revistada (y sin duda redefinida)" [2] Esta aparente encrucijada en la que, por un lado se plantea que la función intelectual es muy difícil de ejecutarse sobre los acontecimientos que suceden y, por el otro, donde los analistas de los medios nos dicen totalmente lo contrario, a despecho de la crítica mordaz de los primeros, se presentaría como un camino sin salida. Sin embargo, ante la idolatría de la imagen visual capturada, almacenada y aceptada, despertando de la molicie de la dificultad que el ritmo de los tiempos levanta debemos oponer la acción del retrato, queriendo decir con esto que se hace necesario desarrollar la interpretación que podemos capturar de nuestra realidad, aun a costa de renunciar a la perspectiva del color. ¿Y cuál es la técnica que nos permite alcanzar a grandes rasgos la realidad con nuestra propia mano en estas circunstancias? Sin duda es el dibujo: ese trazado que permite la aproximación a los cuerpos y a los hechos, no con la jugosa materia de sus carnes, sino con la frontera correcta de sus nervaduras. Se trata pues de intensificar el momento reflexivo sobre los puntos descollantes y evidentes, pero haciendo precisamente lo contrario a lo que realiza el analista mediático, inmerso en el bosque, se trata de reflexionar mientras se camina, desdoblándose: el cuerpo en el jardín, y el alma fuera del bosque, observando atentamente para dibujar como ese cuerpo tan suyo camina por los senderos que se bifurcan. He ahí el desafío del hombre que ha asomado su nariz al siglo XXI. El hombre contemporáneo Uno de los dibujos más importantes de estos tiempos es aquél que nos muestra al hombre contemporáneo ya no más animal racional pergeñado como soberano del siglo XX, sino más bien como un animal psicológico, inserto en el mar de las emociones que la tecnología ha configurado como su nueva realidad. Y este animal psicológico se enfrenta hoy con la batalla de siempre: su otredad; solamente que esta nueva otredad es dual: si virtual, incorporada; si real, inasible, lejana. Pues, mientras que el conocimiento moderno de principios del siglo XX, aspiraba, como muy lúcidamente escribió José Vasconcelos, a ser lo otro, pero no a distancia y separadamente, sino en nosotros mismos. Este proceso se ha dualizado. En tanto que la realidad nos aleja más y más del otro, la virtualidad lo ha deformado para hacernos creer que lo incorpora. Esa la tragedia del hombre contemporáneo. Así, observamos al hombre contemporáneo frente a la televisión ante la que, armado de un aparato de control remoto, va compulsivamente asistiendo a escenas de un teatro permanente de variedades. Otro momento, con el reproductor de discos de video, pasa películas amontonadas sin discriminación, una tras otra. También, sentado ante la computadora como si de ella dependieran las respuestas, gasta horas navegando por la Internet, revistando datos y más datos, irreflexivamente, y cuando la cantidad de estos lo atora se traslada a la zona roja de La Red, alocado con el sexo o apostando a las loterías, después que en algún momento, enviciado ya, ha intentado tomar contacto con otro virtual practicando sexo por escrito en las habitaciones promiscuas y hasta grotescas del chat. Y también están los juegos electrónicos en los que el hombre contemporáneo se hace comandante de muñecos virtuales, mientras es interrumpido sin cesar por un teléfono celular, aparentemente, único enlace con el afuera. Es decir, un universo de humo. Nunca la fantasía fue tan real, ni el mundo tan virtual. En la calle deambula, atrapado en su planeta electrónico es un sonámbulo de la tecnología. De esta manera, el hombre contemporáneo, está en reversa de la comunicación. Aislado, rota la cercanía, su sociabilidad se ve seriamente afectada, de modo que los pocos túneles que restan se reducen a la euforia de la masa, que sucede en el estadio de fútbol, los privilegiados, o a los grupos de asistentes al partido por televisión, los más. Sin olvidar, claro, la discoteca, el bar; pero la comunicación social cercana, íntima, de tertulia, se ha agotado, y sucede muy esporádicamente. La familia es una fotografía, una sala de efigies ensimismadas. También, en estas aglomeraciones, que no sociedades, contemporáneas, van desapareciendo las verbenas, la reunión de la comunidad en los parques públicos, la fiesta como celebración comunitaria. Y alguien me dirá. ¿Dónde pace este animal psicológico, este ejemplar contemporáneo? Pues es en las colmenas de la urbe, encerrado entre las cinco paredes de su irrealidad. Al otro lado, claro está, y ésta es, efectivamente, la radiografía de Latinoamérica, el campesino pobre, que en millones puebla las comarcas de nuestro continente, y que ciertamente es el que ha quedado más lejos de los avances de la tecnología. Allí, en la profundidad del campo, no hay ni siquiera energía eléctrica. ¿En qué estado de la otredad queda este campesino ante el hombre contemporáneo? ¿Es esta una otredad trivalente? No. Este campesino, para el hombre contemporáneo no es la otredad, es, simplemente, la periferia, la escoria que necesita eliminar de su ángulo visual. Si el encuentro entre europeos e indoamericanos en el siglo XVI fue brutal, si las distancias, entonces, fueron enormes, debido a la lejanía cultural de los otros; hoy por hoy, se puede hablar ya no de distancias, sino de universos en dimensiones separadas. Así, gradualmente, entre estos dos extremos, se encuentra el hombre latinoamericano: una dispersión sociológica aparentemente insostenible. El derrumbe del Estado-Nación La definición de la Enciclopedia Británica, nos advierte que la nación ha sido definida como una comunidad natural de hombres, reunidos en un mismo territorio, poseyendo en común el origen, las costumbres y la lengua, y conscientes de esos hechos. Tal definición, que sintetiza el consenso de la mayoría de los especialistas, engloba los elementos esenciales de la constitución de la nacionalidad: tradición común de cultura, origen y raza (factores objetivos), y la conciencia del grupo humano de que esos elementos comunitarios están presentes (factor subjetivo). El segundo factor es preponderante y fundamental para la existencia de la nación: el que une a sus miembros, más que la identidad de idioma o la convivencia en un mismo territorio, es el vínculo puramente moral o psicológico representado por un destino común, forjado en las gestas históricas de la formación de la nacionalidad. Sin embargo, a causa de la tecnología y, especialmente debido a la televisión, la percepción subjetiva de la sensación de nación se ha transformado. Así, los miembros de las naciones van descubriendo dos geografías que se levantan como un iceberg invertido: Por una parte el mundo exterior, que hasta ese momento era un mal esbozo de narraciones, leyendas y mitos, se presenta en imagen, haciendo de esta manera que el otro que habita las naciones del exterior, semejante, ya no parezca tan extranjero. Y de la otra parte, en la nación, hacia adentro, ante la mirada hacia los otros miembros de la nación, aquellos que habían permanecido ocultos en el transcurso de los días de la cotidianidad, de repente, aparecen llenando las pantallas de los televisores, entonces se descubre que una gran cantidad de estos miembros de la propia nación, son extraños, diferentes ante uno y entre ellos se los advierte grupos humanos que semejan islas. La nación se ha transformado en un archipiélago inescrutable. Entonces sucede el primer resquebrajamiento del Estado-Nación, una rasgadura que nace desde las mismas entrañas de su ser. Mientras esto sucede en el interior, el poder financiero internacional “conquista territorios y derriba fronteras, y lo consigue haciendo la guerra, una nueva guerra. Una de las bajas de esta guerra es el mercado nacional, base fundamental del Estado-Nación.” [2] Convirtiendo al Estado-Nación en un supermercado de bienes importados, o lo que es más bien, en nuestros países, un mercado persa del contrabando, donde el Estado-Nación ni siquiera recibe el pedacillo del impuesto. Entonces, en el megamercado de la globalización, el Estado-Nación “se redefine como una empresa más, los gobernantes como gerentes de ventas y los ejércitos y policías como cuerpos de vigilancia”. [3] Así que la acepción de nación que anteriormente nombramos, especialmente en su factor subjetivo, desaparece. Y dentro de lo múltiples departamentos de esta nueva empresa, se abre uno enorme, “los despreciados”, que contiene, en número, a la mayor parte de sus miembros: los necesarios innecesarios. Esta contradicción que representa a los pobres, los ignorantes, los sucios. Y que, según los esquemas de la nueva empresa son innecesarios, porque no están preparados para cumplir ninguno de los roles que la eficiencia determina. Pero que son necesarios para suplir los requerimientos de comodidad (llámese labores domésticas, limpieza de alcantarillas, lustrado de zapatos, trabajos destinados a ujieres, guardianes y otros) de los miembros mejor dotados de la nación. Entonces se intenta construir el hábitat de ese departamento en el lugar menos visible; no obstante, como este propósito no puede ser alcanzado, se produce la demanda social a causa de la convivencia, hoy por hoy, evidente. En este sentido, sucede el fenómeno del aumento de la explotación, por una parte, y del desempleo, por otra; afectando, ya no solamente a aquel departamento de la Empresa-Nación que hemos llamado “los despreciados”, sino también a la clase media baja, que enceguecida por la mentira publicitaria, ha apostado a la educación profesional de sus hijos, como supuesta salida a sus magros ingresos, sin tomar en cuenta que las transnacionales a fin de elevar al máximo su efectividad, prefieren utilizar a los profesionales antiguos (es decir extranjeros) antes que especializar a los locales. Y se desata la época de las grandes migraciones: millones de personas al destierro, afincándose en los suburbios de las metrópolis imperiales. Así, para la globalización, que en ningún momento fue concebida como modelo económico, sino más bien como un marco regulador de las relaciones económicas internacionales, los desequilibrios económicos son causas de la intervención en el mercado; por tanto, debe eliminarse la posición suprema del Estado respecto de éste y hacerlo garante de la acción irrestricta de las fuerzas de la oferta y demanda. Entonces, esta globalización que demanda la liberalización de normas para el dinero que fluye en diferentes sentidos a través del mapa internacional, ha hecho del sistema financiero el señor del proceso. Esta penetración mundial de capital conlleva a una competencia internacional de acceso a mercados, permitiendo el desarrollo y la expansión ilimitada de las empresas transnacionales por todo el mundo, mismas que a la vez cuentan con el respaldo incondicional de sus respectivos Estados Nacionales. Dicho en palabras precisas, de los Estados Unidos de Norteamérica, que es donde se cobijan la mayoría de estas transnacionales. Es precisamente en este último país, que se han sucedido hechos de gran trascendencia: estamos hablando del ataque terrorista del 11 de septiembre de 2001. De manera que, aprovechadas las condiciones, el Estado-Nación más poderoso del mundo, en apoyo de las empresas transnacionales, ha creado pretextos de intervención. Esta estrategia ha ido evolucionando, desde la época de la Guerra Fría, cuando el pretexto se llamaba lucha contra el comunismo. Y que, luego, una vez caído el muro de Berlín, se transforma en la llamada lucha contra el narcotráfico, permitiendo la ingerencia y la presión de los Estados Unidos en los diferentes países, convocándolos bajo esa bandera, considerada la batalla, como una lucha mundial. Estos pretextos han generado guerras de baja intensidad en nuestro continente, permitiendo la intervención extranjera en los países involucrados, que por una u otra razón, en menor o mayor medida, han sido todos. Ahora bien, a partir del 11 de septiembre, ante la “amenaza terrorista”, los recursos bélicos han entrado en una etapa sin control, y han convertido la guerra de baja intensidad en una potencial guerra directa, como ha sido el caso de Afganistán, puesto como ejemplo para que el mundo tiemble y el poder del intervencionista sea definitivamente mayor. Sin embargo, este proceso ha sufrido un retraso, eso está claro, gracias al error de visión del emperador, que no sabía del campo minado que representa la otredad no asimilada. Estalló en sus narices la resistencia civil, guerrillera. Nos referimos a la lamentable destrucción e invasión de Irak, un fracaso en todo campo, ni victoria ni derrota, sólo destrucción. En el ínterin, esta debilidad del imperio, ocupado en labores insostenibles fuera de casa, ha permitido una ventana para los movimientos políticos sustentados ideológicamente en los modelos socialistas del siglo XX. Así, en Sudamérica se ha levantado una seguidilla de gobiernos con discursos nacionalistas. Sin embargo, una lectura rápida de los acontecimientos nos devela que nadie estaba preparado y que la circunstancia no hace al proceso. De manera tal que en lugar de fortalecer los Estados-Nación, los discursos y acciones revanchistas y los programas demagógicos han generado una crisis interna tal que cada uno de ellos es proclive a la fragmentación y ha sembrado la semilla de la discordia, pasto fácil para el imperio cuando suceda su recuperación. A partir de esos procesos, se habrá conseguido la redefinición del poder y de la política, ansiada por el imperio y sus aliados, visando colocar al mercado como figura hegemónica que rige todos los aspectos de la vida humana en todas partes. Así que, el hecho de que los gobiernos se llenen de delincuentes, el hecho de que el sistema financiero obligue a los Estados-Nación a modificar sustancialmente sus leyes en un chantaje sin precedentes, el hecho de que los territorios se desintegren, el hecho de que los grupos humanos que conforman el Estado-Nación se descubran diferentes, el hecho de que los gobernantes del Estado se transformen en vendedores, la dolorosa visión de que los objetivos supremos del Estado-Nación establecidos durante las gestas de la formación de la nacionalidad, cuales son la libertad, la satisfacción de las necesidades de todos sus miembros, la gloria de la nación, hayan desaparecido, nos hacen concluir que el EstadoNación clásico, tradicional está a punto de ser derrumbado. Y, cosa terrible, no se vaya a creer que ese derrumbe, a causa de las acciones de protesta y otras manifestaciones populares, vaya a favorecer a los miembros del departamento de los despreciados, no. Ese derrumbe irá a favorecer definitivamente a las transnacionales, y estratégicamente a la hegemonía mundial del Estado-Nación más poderoso del mundo, es decir, de los Estados Unidos de Norteamérica. En este escenario, los movimientos indigenistas, que se han levantado como respuesta, no podrán enfrentar los terribles vientos, si no elaboran una política de verdadera integración del continente, entendido como mestizo y no discriminado en indios y blancos, con propuestas de guetos, reductos históricos de las separaciones. ¿Hasta cuando esperaremos el nacimiento de la patria latinoamericana, o al menos sudamericana? ¿Lograremos desatar el nudo gordiano llamado Bolivia, corazón que guarda en sí el secreto de la integración sudamericana? ¿Se ha comprendido que el tema boliviano, no es un tema boliviano sino latinoamericano, o más cercanamente sudamericano? La hora de los cambios exige precisión, inteligencia y reflexión. He ahí el convite. La nueva condición de la pobreza Contando con los impresionantes aportes de la tecnología, la publicidad ha rebasado todos los límites del anuncio comercial propiamente dicho. Se hace publicidad en todo el espectro de los medios. El mundo ideal está marcado por las y los top models, por la construcción insustancial del arquetipo de los lectores de noticias, por el actor de cine que vive en apartamentos que serían imposibles de soñar para un habitante de las villas miseria. Hasta el amor se ha reducido a este propósito, de manera que ya nadie puede estar muy conforme con la pareja que le ha tocado, pues, en fin de cuentas, emerge del mundo real: granitos, arrugas, grasitas aquí y allá, cabello descuidado y mal peinado, gordos y gordas, esmirriados, casi esqueléticos, vejez prematura, voces destempladas, toscas o toscos, muy lejos del modelo. De forma que los bienes materiales e inmateriales que se nos incitan a alcanzar nunca estuvieron tan lejos de la mayoría de las personas. Tal y como señala John Berger en una frase sin duda memorable: "La pobreza de nuestro siglo es incomparable con ninguna otra. No es, como lo fuera alguna vez, el resultado natural de la escasez, sino de un conjunto de prioridades impuestas por los ricos al resto del mundo." [4] ¿Cómo enfrentar la pobreza del mundo si el abismo que hemos creado es insondable? Ese modelo virtual de maniquís, de casas con alberca, llenas con una infinidad de aparatos destinados a la comodidad y a la inutilidad, automóviles con lujo, suntuosos, que deben ser desechados año tras año por la presión del mercado y la competencia de la imagen. La imagen, que hemos transformado en la riqueza más grande que alguien pueda poseer en este siglo que comienza. ¿Qué mayor pobreza entonces que en este pujar de la imagen, los despreciados deban sostener una que para el marketing se ha convertido en lo detestado, en la insoportabilidad de una imagen desgraciada? Transformada el hambre, ésta ha trascendido la carencia del pan, de la hortaliza, de la carne, para convertirse en la ausencia brutal de uno mismo que se imagina posible en lo virtual de las pantallas de la televisión. Literatura y fragmentación Si un hombre contemporáneo se animase a realizar un ensayo al respecto, las preguntas se sucederían ¿En un mundo forzado por la virtualidad, conviene a la literatura sumar todavía más fantasía virtual? ¿En una población en que la verdad ha sido tergiversada, fragmentada, traicionada, conviene mantener la mentira como base de la novela? ¿En un planeta que se encuentra inmerso en la oscuridad, es dable continuar con versos que hablen de la depresión, de la decadencia, del horror de la existencia? ¿En una humanidad descaradamente promiscua, es estético continuar hablando de sexo explícito, implícito, piel, y otros erotismos que lo único que hacen es abundar con más y más del queso rancio? ¿Qué papel juega entonces la literatura en este mundo de otros (Alii mundi)? ¿Cuál la comunicación, el diálogo, a través de un lenguaje que ocupa una lengua en la que no nos fue dado expresar lo que internamente nos mueve, tal y como afirmó Hugo von Hofmannsthal en su Carta de Lord Chandos?: “Sentí, con certidumbre no exenta de dolor, que ni el año próximo, ni el siguiente, en ninguno de los años de mi vida, volvería a escribir ningún libro, fuera en latín, fuera en inglés, y ello por una razón extraña y penosa. Quiero decir que la lengua en la que quizá me fuese dado no sólo escribir sino también pensar no es el latín ni el inglés ni el italiano ni el español, sino una lengua de la que me hablan las cosas mudas y en la cual deberé tal vez un día, desde el fondo de mi tumba, justificarme ante un juez desconocido.” [5] Parecería, entonces, que la literatura debería refugiarse en trincheras totalmente definidas. Y ese el lenguaje de las cosas mudas: la objetividad subrayada. Desplazar al observador, abandonar el mundo del que habla desde sí y para sí. Entonces el observador será exactamente ese desdoblado que mirará el mundo, con el cuerpo del propio autor incluido, en un escenario que se mira desde afuera, observar y auto observarse, sin ningún sentimiento, sin ningún pensamiento, sin ninguna acción. Liberado de quejas, sentimientos de derrota, y más excesos de virtualidad y erotismo, la literatura debería levantarse limpia y objetiva. Y si alguien se esfuerza en la fantasía, esta debería ser tal que sea totalmente novedosa en creación de mundos, tal que sea alegórica de la cotidianidad. ¿No habrá un espíritu valiente? En este universo de espejo hecho astillas, una mano venero surgirá seguramente desde la montaña del siglo XXI. Allí no sería arriesgado afirmar que, dada la eterna dualidad romanticismo clasicismo, la vertiente de movimientos espirituales – que en gran medida se han instalado por todas partessacudirá el mundo literario. No sería aventurado vislumbrar que durante este siglo, primeramente los movimientos poéticos y, posteriormente, la literatura toda vayan a delinearse y circunscribirse alrededor de los movimientos espirituales, reacción natural a tanta debacle. Ahora mismo, en este encuentro de la “VIII Bienal Internacional do Livro do Ceará”, descubrimos la tesis de Claudio Willer [6] que nos muestra que el gnosticismo habría sido la religión de la literatura. Y con esta tesis nos trae el dibujo de varios críticos de peso, entre ellos Harold Bloom y Northrop Frye, que habrían navegado en esas esferas, aproximando entonces sus ensayos bajo esa luz. Es decir, las venas más revolucionarias de la literatura y su moderna crítica estarían signadas con la sangre de experiencias y miradas metafísicas. Finalmente, todo hace presumir que en este siglo de destape, correrá también el avatar de la apertura para el mundo literario, siendo posible entonces que en él se incluya el hecho de que el gnosticismo hasta ahora encubierto sea usado de manera directa, explícita, provocadora y sin disfraces en la literatura de los años por venir. Quede pues esta afirmación como riesgo y esperanza. NOTAS 1. Umberto Eco. "Cinco escritos morales". Ed. Lumen. Traducción Helena Lozano Miralles. p. 29 2. Régis Debray. Croire, Voir, Faire". Ed. Odile Jacob. París 1999, P. 200. 3. Subcomandante Marcos: “La derecha intelectual y el fascismo liberal”, Internet. 4. John Berger. "Cada vez que decimos adiós". Ediciones de la flor. Argentina, 1997. P. 278-279. 5. Hugo von Hofmannsthal, “Carta de Lord Chandos”, citada por Jesús Urzagasti. Revista Hipótesis No. 3, 1977. 6. Claudio Willer “Um obscuro encanto: Gnose, Gnosticismo, e poesia moderna”, tesis de doctorado, Sao Pablo, diciembre de 2007. GARY DAHER CANEDO (Bolivia, 1956). Prêmio Nacional de Crítica Literária da Associação de Jornalistas de La Paz, é expressiva sua atividade jornalística no que diz respeito à difusão da literatura latino-americana, com destaque à literatura brasileira. Nos anos 90 assinava uma coluna no jornal Hoy, da capital boliviana, intitulada “Poesia brasileira atual”. Poeta, narrador e tradutor. Fundou e dirigiu o suplemento literário El Pabellón del Vacío, que circulava semanalmente no jornal Opinión, de Cochabamba. Contato: [email protected]. ____________________________________________________ Texto apresentado no debate "Literatura contemporânea: globalização e identidade cultural" Sala Herman Lima - 19 de novembro de 2008 Mesa composta por Eduardo Langagne (México) | Rodrigo Petronio (Brasil) | Gary Daher Canedo (Bolívia) | Mediação: Norberto Codina (Cuba) revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial Indigenismo, negritud y mestizaje en la literatura dominicana Manuel Mora Serrano . ANTECEDENTES ÉTNICOS Las razas aborígenes en lo que es la isla Española (hoy compartida por dos países independientes: República Dominicana y Haití), el primero ostensiblemente mestizo y el segundo orgullosamente proclamado como la pionera República Negra de América, tienen, como es natural, antecedentes comunes. La isla de Haití fue cedida a la corona española por el Papa (que se creía amo del mundo) al ocurrir la invasión europea capitaneada por Cristóbal Colón (‘desgraciado almirante’ como lo llamara Rubén Darío por vivir y morir equivocado totalmente de rumbo y lugar), fue nombrada La Española, estaba poblada por diversas tribus, la mayoría de ascendencia arauaca, dividida principalmente en taínos y caribes, mezclados con ciguayos procedentes de las islas del Atlántico. A los negros los trajeron del África Occidental desde los inicios del siglo XVI. Los primeros llegaron en 1502. Y luego Isabel la Católica dio permiso en 1503 para que los indígenas fuesen esclavizados si se oponían con las armas en las manos contra la Iglesia. En 1510 Fernando el Católico autorizó el transporte de cincuenta negros de los mejores y más fuertes disponibles para trabajar en las minas de la isla. Los indios fueron exterminados por distintos medios: Abrumados por trabajos en las minas, por extrañas enfermedades traídas de Europa y por los malos tratos de sus nuevos amos que determinaron que muchos se suicidaran en masa antes que vivir en la opresión y aceptar a otros dioses. Los negros los sustituyeron en los trabajos pesados bajo el sistema de esclavitud, como parte del comercio más infame que jamás tuvo la humanidad y como solían alzarse por no soportar las humillaciones y las torturas a los que eran sometidos en nombre de Dios por los blancos ambiciosos, fueron llamados cimarrones. Los negros en principio eran todos masculinos, de modo que las primeras relaciones sexuales fueron con las nativas indígenas o mestizas. En la literatura dominicana no se registran estas pasiones ni hay cuentos o novelas que narren estas situaciones, a pesar del episodio de Higuemota la hija de Anacaona casada con Guevara que se narra en la novela ‘Enriquillo’. Las narraciones novelescass fueron prohibidas durante la era colonial en las nuevas tierras por Decreto Real, ya que se pensaba que podían influir en el carácter de los nativos. De ahí que su ausencia pudiera justificarse, pero no hay explicación posible para que no surgiera poemas y dramas nacionales que contara y cantaran las relaciones intra-raciales durante el barroco, sobre todo porque el esplendor de la literatura española podía llegar a cualquier rincón de sus dominios si recordamos que era, precisamente, el llamado Siglo de Oro Tirso de Molina, una de las figuras estelares del teatro ibero, vivió en Santo Domingo y declaró que había mucha afición por la poesía. Y aún en el romanticismo, pocos poetas de la ya República Dominicana (proclamada así al separarse de Haití), creyeron relevante escribir romances o décimas y hasta pequeñas obras de teatro y relatos cortos como los hermanos Alejandro y Xavier Angulo Guridi que habían vivido en Cuba, hasta que apareció José Joaquín Pérez (1845-1900), que es el primer poeta criollo que enfocó directamente, no sólo el tema indigenista, hasta el extremo de que sus Fantasías Indígenas se considera su mejor obra y le dieron prestigio de pionero, alentando a los poetas a cantarle a la criolla de cutis de canela, es decir, a la mulata y dejó un poema a una negra de la cual exalta su belleza, y se refiere tambié a los negros y a quien él llama “el nuevo indígena” americano, que es el criollo producto de esos cruces raciales. Precisamente, hablando de este mestizajae, los territorios invadidos por España tienen tal diversidad porque el pueblo ibero era a su vez una mezcla racial como ningún otro en Europa si pensamos que eran descendientes de árabes y judíos, de godos y visigodos, romanos, celtas, etc., de ahí que un cóctel de razas en los postreros años del siglo XVI y los primeros del XVII se fue produciendo en la isla, hasta el extremo de que por razones religiosas, la parte oriental fue abandonada en lo que se han llamado ‘Las Devastaciones’, y finalmente fue ocupada por colonos holandeses y franceses que fundaron una próspera colonia que demandaba mano de obra esclava en abundancia, dando lugar a que se convirtieran en mayoría abrumadora y tomando conciencia de sus fuerzas frente a los abusos, se rebelaron y mataron a los blancos proclamando su independencia en esa forma revolucionaria como la República de Haití en 1804, antes que cualquier otra posesión europea en América,. En su constitución declararon que la isla era única e indivisible de acuerdo con la colonia francesa proclamada por Toussaint Louverture, como había sido antes de la llegada de los blancos. Temerosos de que blancos imperialistas ocuparan la parte oriental, se sintieron con derecho de invadirla desde 1822 hasta el 27 de febrero de 1844, fecha en la cual ocurrió la Separación al proclamarse la independencia de la República Dominicana, siendo la primera que lo hacía de otro país americano y no de Europa. Cedida de nuevo a España en 1863, se restauró la libertad en 1865, con ayuda haitiana. Desde entonces, con todos sus avatares, desaparecidos los indígenas, quedaron los negros y los blancos mezclados de tal forma, que hoy por hoy constituimos la primera república mulata de América. Este hecho ha provocado reacciones racistas porque la minoría blanca ha poseído tradicionalmente las riquezas y el poder político; aunque un negro puro como Ulises Heureaux ostentó el poder con mano dura y mulatos como Santana, Báez, Luperón, Ramón Cáceres, Trujillo, Balaguer y ahora Leonel Fernández, han ejercido el gobierno y han tenido liderazgos en las masas, sólo otro negro puro también hijo de haitianos como Lilís, José Francisco Peña Gómez, fue un líder seguido y admirado por las masas, aunque no pudo gobernar a pesar de que en unas elecciones masivamente se votó por él. En un país así, a pesar de sus contradicciones, lo más lógico es que se pensara en una temprana y masiva poesía indigenista o negrista. Pero no fue así a pesar del romanticismo, la ideología dominante, tan proclive a ello. Este movimiento, en su vertiente progresista del positivismo produjo los primeros poetas nacionales al final del siglo XIX, influenciados revolucionariametne por los puertorriqueños Eugenio María de Hostos y Román Baldioroty de Castro. Con ellos el socialismo positivista asomó su cabeza. Toda ideología nueva trae consigo transformaciones culturales y éstas se reflejan en el género dominante, que en Santo Domingo era la poesía, ocurriendo lo previsible. Los tres poetas más importantes, llamados Dioses Mayores: José Joaquín Pérez, Salomé Ureña de Henríquez (madre de los escritores Pedro, Max y Camila Henríquez Ureña) y Gastón Fernando Deligne, fueron sensibles al tema indigenista, al canto al progreso y a los humildes. El primero publicó sus Fantasías Indígenas en 1877, contra los españoles invasores y en defensa los pobladores originales. Los otros dos escribieron poemas alusivos. La segunda a Anacaona, uno de los poemas más extensos de nuestra literatura y el segundo a Mairení. Sin embargo, sólo el primero se refirió, como dijimos, tanto a una negra como unos negros y mulatos siempre a su favor. EL INDIGENISMO DOMINICANO Sorpresivamente, fueron autores blancos (podría circular en las venas de ellos algo de sangre negra como en todo dominicano real), los primeros en referirse al tema indigenista. La novela más importante del indigenismo antillano, ‘Enriquillo’ de Manuel de Jesús Galván, y ’Las Fantasías Indígenas’ de José Joaquín Pérez, ambos oriundos de la capital de la República, constituyen las obras más difundidas de ese primer “ismo” criollo. Lo de ‘Enriquillo’ desborda nuestra temática. Hablaremos de las ‘Fantasías Indígenas’. Se trata del primer libro de poemas publicado por un dominicano en el país y es curioso que se tratara realmente de un volumen homogéneo, es decir, con una misma temática. Aun hoy, nuestros poetas editan, en su mayoría, colecciones de poemas, pero no el esfuerzo y la concentración total que precisa una temática única. En ese sentido José Joaquín Pérez editó en 1877 en Santo Domingo el primer libro de versos de autor nacional, sino el primero que tenía esa característica de acuerdo con el título: Fantasías Indígenas: Episodios i Leyendas de la Época de la Conquista i la Colonización de Quisqueya. Se le ha comparado al Tabaré de José Zorrilla de San Martín, pero la obra del uruguayo data del 1886 y no creemos que conociera la del dominicano aparecido nueve años antes. Es un texto variado, con diversos cantos dedicados a personajes históricos o literarios como la Vaganiona de Washington Irving, compuesto con diversas medidas y rimas, que concluye con una pequeña novela lírica en prosa: Flor de Palma, en la cual narra los amores desgraciados de la india Catalina (personaje histórico que fue capturada en el Segundo Viaje en una isla el Caribe), con el cacique Guacanagarix, (acusado de traidor ya que fue tan amable con los extranjeros que a ese sentimiento de amistad del criollo con los visitantes se ha llamado Complejo de Guacanagarix), con la intervención de Anacaona y de Caonabo. En los poemas se destaca el amor a los indígenas, y su derecho a la libertad y se condenan los actos vandálicos de los españoles. De todos los países americanos, quizás sea en República Dominicana donde se le rinda un culto fervoroso a sus pobladores indígenas. Sobre todo en la santería criolla donde seres como Anacaona, Caonabo, Enriquillo, etc., suelen poseer a los practicantes del vudú dominicano, como en el nivel popular donde veneran a los indígenas como gentes superiores, generosos, inteligentes, capaces de curar enfermedades, etc.. que de algún modo mágico han permanecido vivos, escondidos en el fondo de los ríos profundos. Esto ha creado mitologías como el culto a la India de los Charcos, una hermosa mujer que sale las noches de luna llena a peinar sus cabellos con un peine de oro para atraer a sus amantes. Cuando a un dominicano se le dice que tiene rasgos indígenas, se siente muy orgulloso. Anotamos este hecho en el tema de las etnias, porque en otros países donde hay indígenas, ocurre todo lo contrario. Otro personaje mestizo importante, ligado a los indígenas es la Ciguapa, que se supone mezcla de negro e india, una diminuta mujer con los pies al revés como el Curipira brasileiro que ha inspirado leyendas en prosa y novelas. Sin embargo, en nuestra poesía, aparte de las Fantasías, y de los poemas de Salomé y Deligne, el indio ha sido apenas una referencia. Contrario es el caso de los cimarrones, llamado marrones en Haití, con la mitificación de algunos héroes como Lemba y Diego de Ocampo. NEGRITUD EN EL ROMANTICISMO Con los negros ha ocurrido diferente a lo que sucede con los indios. Para mucha gente, sobre todo en los niveles económicos más altos, el dominicano siente complejos de la negritud. Se avergüenza de su color oscuro, de sus labios gruesos, de su pelo crespo. Ha inventado colores y matices inexistentes: el mulato es “indio”, el negro es “moreno”. Si hablamos de alguien que es de un color pardo, decimos que es “color canela” o “indio claro”, “indio lavado”. He escuchado a personas decir que nunca han tenido relaciones sexuales con una negra. Les he dicho sencillamente: “De lo que te has perdido”. Por eso quizás, el color de la piel no ha sido para nuestros poetas lo más relevante, salvo algunas excepciones. La primera es la del dominicano avecinado en Cuba, Francisco Muñoz del Monte (Santiago de los Caballeros, Santo Domingo-1800, Madrid-1868) con su archifamoso poema ‘La Mulata’ (Habana, 1845), donde esta mezcla racial aparece revestida de cierta crueldad. Contrario a lo que sucede en Santo Domingo donde los mulatos han alternado desde el Poder y fuera de él en todos los niveles sociales y salvo algún hecho aislado, nunca hubo lugares (excepto ciertos clubes cerrados), donde los negros no pudieran entrar. En Cuba hubo un racismo feroz comparable sólo al norteamericano, sobre todo porque los mulatos eran puros, hijos de negras y blancos (aunque es justo señalar que también hubo titanes de bronce y sirenas de ébano). Veamos algunas estrofas de este ya histórico poema: LA MULATA Mulata! ¿será tu nombre injuria, oprobio o refrán? ¡No sé! Sólo sé que al hombre tu nombre es un talismán. Tu nombre es tu vanagloria en vez de ser tu baldón; que ser mulata es tu gloria, ser mulata es tu blasón. Ser mulata es ser candela, ser mulata es imitar en el mirar la gacela, la leona en el amar. Elástica culebra, hambrienta boa, la mulata a su víctima sujeta, lo oprime, estrecha, estruja, enreda, aprieta, y chupa y lame, y muerde en su furor. Y destrenzado el pelo de azabache, febril el pecho y la mirada hosca, retuerce el espinazo, el cuerpo enrosca y los brazos le clava en derredor. Y sus piernas como alas de serpiente en líneas curvas, perpendiculares, parabólicas, rectas, circulares, suben y bajan en continua acción. Y crujen sus elásticas caderas, y tocados de inmenso magnetismo, cada ojo revela un hondo abismo de apetito, de rabia y de pasión. Y su delgada y mórbida cintura agitada de internas convulsiones, en mil secretas circunvalaciones se tuerce cual reptil que nos va a herir. Y y y y crece, y crece la embriaguez en tanto, crece el suspirar, y la lid crece, la víctima muerde y se estremece, agoniza, y sin duda va a expirar. ¡Piedad, por Dios, piedad! No es piedra el hombre, el placer tiene un límite marcado, oprobio y confusión al desgraciado que salva las barreras del placer. No lo provoques más, Circe insaciable, la muerte vela en tu flexible lecho, y en el horno candente de tu pecho se enrosca la serpiente del dolor. ¡No más, por dios, no más! No es piedra el hombre. No hay más que un ser de bronce: la mulata. Plegaria inútil. Ella goza y mata, abre y cierra la tumba a su querer. Cuando al son de la lúgubre campana a la fosa su víctima desciende, la cruel mulata su cigarro enciende, y a inmolar va otro hombre a su placer. Por el tratamiento final, no hay bondad ni gracia alguna en la mulata que no sea lo insaciable del sexo. NEGRAS EN LA POESÍA DOMINICANA DEL ROMANTICISMO Y DEL MODERNISMO Aunque tradicionalmente ni el español ni el blanco criollo tuvieron reparos raciales en tener contactos sexuales con negras, aparentemente sí la hubo entre las mujeres arias y los negros puros. Las mezclas han sido de tal magnitud que si uno se detiene en una calle populosa de cualquier ciudad, diría como un africano que nos visitó: “Nunca vi a África más hermosa que en las calles de Santo Domingo”, que no deja de ser un elogio maravilloso que mortificaría a más de un estúpido racista nacional. Pues bien, hubo reacciones, como dijimos, cuando uno de nuestros más grandes poetas románticos, el principal para quien les habla, el citado José Joaquín Pérez, además de uno de los más hermosos poemas escritos a una negra durante el siglo XIX, ‘A Etnaí’ (1883), que hemos supuesto anagrama de ‘etnia’, rompe con siglos de ignorancia racial de nuestras raíces étnicas. He aquí el poema completo: A ETNAÍ ¿Qué si es bella Etnaí? No lo es acaso el violado clavel, al que no igualan el nítido jazmín, el blanco lirio, y ni aún el mismo nardo le aventaja? Y ¿quién es Etnaí? Joven oriunda de las salvajes tribus africanas nacida en el Maniel. Graciosa perla que en belleza compite con la garza. De abierto tulipán el tinte negro su rostro de azabache esmalta, y asoma tras la risa de sus labios de ricas perlas, primorosa sarta. Verdad que sus cabellos no se extienden en luengos rizos por ebúrnea espalda; la cabeza orgullosa, ostenta altiva bucles rizados por candente lava. En la curva turgente de su seno los dos globos artísticos resaltan cual en las negras sombras de la noche las radiaciones de la Vía Láctea. No es la bella Etnaí tímida corza, humilde oveja, ni paloma mansa, ¡sino altiva leona de Numidia y de Guinea indómita jirafa! Se suele deleitar la joven india oyendo el dulce susurrar del aura, y la linda trigueña se enamora del erguido penacho de la palma; mientras que sólo a mi Etnaí conmueven el ciclón que los árboles desgaja, el turbulento mar que brama airado y el trueno que retumba en la montaña. Y…¿me ama Etnaí? Cuando sus ojos se fijan en los míos, cuando estalla en súbita explosión su amor sublime… ¡a incógnita región vuela mi alma! No contienen sus besos el almíbar que en blanda cera las abejas labran, sino el flúido eléctrico que enciende del cráter de un volcán hirviente lava. ¿Comprendéis a Etnaí? No es la criolla sierva del hombre y del amante esclava, ¡es la reina de Saba que domina al más sabio de todos los mortales! [1883] Uno de los poetas modernistas dominicanos, J. Furcy Pichardo, miembro de una distinguida familia, cuando más tarde (1915), veintidós años después de Etnaí, vuelve a cantarle a otra: LA NEGRA Su hablar es todo allegros su belleza negra y rara... ¡Hay diamantes muy negros en el carbón de su cara! Su carne es dura. Y es fino con cierto corte lupino su perfil original... Sabe amar amor obscuro, mezcla de llanto y puro con algo intenso y bestial. Aquí, como vemos, se conforma describiendo físicamente a la negra y no ahonda como Pérez en el alma y los sentimientos, sino que la retrata sólo como un animal sensual que como ser humano apenas sirve para saciar la sexualidad. Los demás modernistas dominicanos no vieron en la mujer negra un motivo del cantar. Aún los vanguardistas criollos, tan apegados a lo nacional, la ignoraron. De estos solo Moreno Jimenes en su estampa del Haitiano, a su modo pobre, a su modo rico y una mujer negra y mártir, denotan que en el país hay tal mestizaje y tantos negros. EL CRIOLLISMO Y LA CRIOLLA DE CUTIS DE CANELA Los poetas dominicanos, aún los más rebeldes, los criollistas, siguieron otra normativa señalada precisamente por José Joaquín Pérez en su poema De América de 1896, que fue una reacción, violenta si se quiere, contra el modernismo exotista de Rubén Darío, al dedicarlo “A un modernista exótico”, que entre otras cosas anuncia todo un programa nacionalista, aunque limitado al mestizaje y no a la negritud como tal. Por la trascendencia que este poema tuvo en la poesía dominicana y en el movimiento vanguardista nuestro, lo copiamos in extenso: DE AMÉRICA A un modernista exótico Pues háblame del mundo que conozco, de mis flores silvestres, de mis selvas, y deja para el viejo mundo, lotos, clemátidas, orquídeas, crisantemos. Ponme en contacto con la pompa virgen de esta monumental naturaleza, de formas y colores y matices que el arte no profana ni supera. Píntame a golpes de la luz del trópico a la criolla del cutis de canela que el beso perennal y voluptuoso del sol en el cenit colora y quema. Descríbeme torrentes y montañas, cuanto con vida vigorosa alienta en la fértil región americana: ¡en nuestra hermosa, exuberante zona! No estudies en los libros, sino en ese gran libro que el Creador aquí escribiera, que los granos magníficos contiene del más sublime, original poema. El siglo XX como era de esperarse, tendría a modernistas y criollistas engarzados en una lucha de fondo, no de forma (la mayoría de los últimos continuaron escribiendo sonetos y poemas rimados y medidos, aunque siguiendo el dogma de Rubén Darío en La canción de los pinos: “¿Quién que es no es romántico?/ y el que no lo sea, que se ahorque de un pino y será lo mejor”), por nuevas temáticas y expresiones, produciendo, naturalmente, al gran poeta satírico popular, a Juan Antonio Alix, un maestro repentista de la décima, que se burló descaradamente de los racistas blancos criollos en muchas de sus producciones, especialmente en una donde le habla a alguien que presumía de blanco, le decía que tenía el negro detrás de la oreja. Expresión que constantemente se recuerda a mucha gente que niega su parentela racial. En el criollismo que canta a la “criolla de cutis de canela”, es decir, a la mulata que no se nombra así, sino como trigueña, del pardo color del trigo o el ridículo mote de india clara, está Arturo Pellerano Castro, llamado el Byron dominicano, que en sus Criollas, para que no hubiera duda de que seguía el postulado de José Joaquín, le canta así a la trigueña: A TI A. Pellerano Castro, Byron Yo quisiera mi vida ser burro, ser burro de carga, y llevarte, en mi lomo, a la fuente, en busca del agua, con que riega tu madre el conuco, con que tú mi trigueña te bañas Yo quisiera mi vida, ser burro, ser burro de carga, y llevar, al mercado, tus frutos, y traer, para ti, dentro el árgana, el vestido que ciña tu cuerpo, el pañuelo que cubra tu espalda, el rosario de cuentas de vidrio con Cristo de plata, que cual rojo collar de cerezas rodee tu garganta... yo quisiera, mi vida, ser burro, ser burro de carga... Las princesas azules de los modernistas eran de sangre azul burguesa, ya que en América no había casas reinantes en el siglo 20 ni nobleza alguna. Los aristócratas de la banca y el comercio o de las haciendas agrarias o ganaderas, al fin ocupaban el lugar que la Revolución Francesa les dejaba frente al vacío de la aristocracia de sangre. Y como las uniones seguían dándose en las altas esferas entre arios, tercerones y cuarterones, porque ya no había oficialmente ‘limpieza de sangre’, pero si de color y de pelo; nada de grifos en sociedad ni advenedizos mulatos, a menos que alcanzaran títulos universitarios o extraordinarias riquezas, pasaportes legítimos a los ascensos sociales para pertenecer a los “clubes de primera” y naturalmente, estas mujeres de ojos azules o esmeraldas, de largas y lacias cabelleras, hijas de extranjeros o de criollos blancos, eran las musas ideales, porque los poetas anhelaban subir también como las enredaderas a los balcones de las Julietas, por la escalera de sus endecasílabos, de ahí la profusión de poemas a las cabelleras, a los ojos garzos, a los labios finos, de los poetas modernistas criollos. LOS NEGROS CRIOLLOS DE JOSÉ JOAQUÍN PÉREZ También señalamos que José Joaquín Pérez no se conformó con el indigenismo y el canto a la negra. También exaltó a los mulatos y negros criollos. Daremos ejemplos de ambos. El primero fue titulado “Cocolito” COCOLITO La tierra que contiene los despojos de aquella raza indómita y bravía dio su crudo color a este señor nuevo que tres años no cuenta todavía. En los ojos relámpagos de águila surgiendo en ellos, cual de selva oscura, y el cabello con rizos que se enlazan para formar caótica espesura. La frente alza con el aire adusto hacia el cielo, y sus músculos fornidos parecen hechos en un torno hercúleo para ahogar, estrechando, a los vencidos. No corre, vuela, y sin fatiga alcanza al más ligero can en la carrera; es un niño titán que hacer prodigios de tiempos mitológicos espera. ¡Y ese tiempo vendrá cuando en América no se quiera que un palmo sólo oprima la planta audaz de aventureros déspotas que bien se están en su nativo clima! Es una bravía reacción nacionalista contra los opresores exóticos. Y respecto al nuevo hombre americano, no importa la mezcla racial que tenga, existe este otro poema: NUEVO INDÍGENA Brilla en su frente, de sus ojos brota, caldea sus labios y en sus venas arde, con ímpetu de rabia vengadora, el fuego de la raza de sus padres. Hay veces que sus manos se levantan en la actitud de quien luchar intenta; y algo, cual sombra de un dolor que exalta, sus nobles rasgos de titán revelan. Con los rayos de un foco que deslumbra presta el sol tropical a sus contornos reflejos de la fértil tierra oscura que hollando va con varonil aplomo. Ese es el vencedor, el dueño, el árbitro de esta inmensa región americana, donde un trono hasta el cielo levantada le brindan en las cumbres sus montañas. Ese es Guatimozín, es Moctezuma, es Hatuey, es Caonabo, es Enriquillo, es el que lleva toda un alma ruda evocada del fondo de un abismo. Y al encarnarla se transforma y crece, porque a la injusta iniquidad antigua se une la nueva iniquidad, que extiende su insaciable, su impúdica codicia. ¡Ese es el de la gloria de Ayacucho: el que en México un trono vil sepulta; el que nos dio de Capotillo el triunfo; el que su nombre inmortaliza en Cuba! Y Europa, la vetusta madre estéril, que el vigor de otra savia necesita, sin más fe en sus conquistas, ¡caerá débil, ante ese nuevo gladiador vencida! LAS VANGUARDIAS Y LAS ETNIAS Todo eso se mantuvo hasta que aparecieron los auténticos vanguardistas, los que rompieron con el lenguaje cortesano y convivieron con el pueblo llano y le cantaron a los negros trabajadores, a las negras y mulatas criollas. Sin embargo, ningún poeta por rebelde que fuera, se había dedicado a escribirle un libro a los negros. LOS NEGROS EN LA POESÍA DE MANUEL DEL CABRAL El primero fue Manuel del Cabral en sus 20 poemas negros, donde hay todavía burlas. Del Cabral es ario, como eran arios muchos de los poetas que escribieron poemas negroides y negristas. En Trópico Picadrero de 1942, Manuel del Cabral, que ya ha vivido en el cono Sur, donde ha sido diplomático, sobre todo en Buenos Aires, presenta la muestra de protesta social más importante referente al negro nuestro: TRÓPICO PICADRERO Hombres negros pican sobre piedras blancas, tienen en sus picos enredado el sol. Y como si a ratos se exprimieran algo... lloran sus espaldas gotas de charol. Hombres de voz blanca, su piel negra lavan, la lavan con perlas de terco sudor. Rompen la alcancía salvaje del monte, y cavan la tierra, pero al hombre no. De las piedras salta, cuando pica el pico, picadillo fatuo de menudo sol, que se apaga y vuelve cuando vuelve el pico como si en las piedras reventara Dios. Dentro de una gota de sudor se mete la mañana enorme —pero grande no— Saltan de los cráneos de las piedras chispas que los pensamientos de las piedras son. Y los hombres negros cantan cuando pican como si ablandaran las piedras su voz. Mas los hombres cavan, y no acaban nunca... cavan la cantera: la de su dolor. Contra la inocencia de las piedras blancas los haitianos pican, bajo un sol de ron. Los negros que erizan de chispas las piedras son noches que rompen pedazos de sol. Hoy buscando el oro de la tierra encuentran el oro más alto, porque su filón es aquel del día que pone en los picos astillas de estrellas, como si estuvieran sobre la montaña picoteando a Dios. LA VOZ DE LOS INMIGRANTES Aunque todos los negros de América eran inmigrantes de África, el término no se les aplicaba. Ya porque llegaran forzados por la esclavitud, ya porque eligieran esta tierra como los que vinieron desde Estados Unidos de Norteamérica a instalarse en Samaná en 1825. Sin embargo, hubo otra inmigración cuando ya la esclavitud real no existía. Fueron los cortadores de caña. Los haitianos, nuestros vecinos no se han considerado nunca como “inmigrantes” aunque sí como extranjeros. Estos epítetos se han reservado para los negros ingleses, pertenecientes a esas islas colonizadas por Inglaterra principalmente, que llegaban para trabajar en los ingenios, no sólo para cortar cañas, porque muchos eran obreros calificados, especialmente mecánicos y conductores de trenes. Un viejo epíteto de los años de dominación haitiana se reservó a estos trabajadores: Cocolos. Una forma despectiva de llamar a una especie de negros (no como se dice que es porque venían de Tortola. El término aparece en una crónica de 1845 cuando no había inmigraciones negras en esta parte de la isla). Aunque tenemos excelentes escritores surgidos de esa inmigración en particular, ya mezclados con criollas, ya con “ingleses” puros, sólo uno de ellos ha dedicado un canto que se ha convertido en un himno. Se trata de Los Inmigrantes de Norberto James Rawlings, cuyos apellidos denotan las raíces albiónicas. Si una imagen tiene valor de mil palabras, este poema es revelador total de lo que decimos y con ellos concluimos nuestro estudio de ese aspecto de la negritud. LOS INMIGRANTES Aún no se ha escrito la historia de su congoja. Su viejo dolor unido al nuestro. No tuvieron tiempo -de niñospara asir entre sus dedos los múltiples colores de las mariposas atar en la mirada los paisajes del archipiélago conocer el canto húmedo de los ríos. No tuvieron tiempo de decir: –Esta tierra es nuestra. Juntaremos colores. Haremos bandera. La defenderemos. Hubo un tiempo –no lo conocí– en que la caña los millones y la provincia de nombre indígena de salobre y húmedo apellido tenían música propia y desde los más remotos lugares llegaban los danzantes. Por la caña. Por la mar. Por el raíl ondulante y frío muchos quedaron atrapados. Tras la alegre fuga de otros quedó el simple sonido del apellido adulterado difícil de pronunciar la vetusta ciudad el polvoriento barrio cayéndose sin ruido la pereza lastimosa del caballo de coche el apaleado joven requiriendo la tibieza de su patria verdadera. Los que quedan. Estos. Los de borrosa sonrisa lengua perezosa para hilvanar los sonidos de nuestro idioma son la segura raíz de mi estirpe vieja roca donde crece y arde furioso el odio antiguo a la corona a la mar a esta horrible oscuridad plagada de monstruos. Óyeme viejo Willy cochero fiel enamorado de la masonería. Óyeme tú George Jones ciclista infatigable. John Thomas predicador. Whinston Broodie maestro. Prudy Ferdinand trompetista. Cyril Chalanger ferrocarrilero. Aubrey James químico. Violeta Stephen soprano. Chico Conton pelotero. Vengo con todos los viejos tambores arcos flechas espadas y hachas de madera pintadas a todo color ataviado de la multicolor vestimenta de "Primo" el Guloya-Enfermero. Vengo a escribir vuestros nombres junto al de los sencillos ofrendaros esta Patria mía y vuestra porque os la ganáis junto a nosotros en la brega diaria por el pan y la paz por la luz y el amor. Porque cada día que pasa cada día que cae sobre vuestra fatigada sal de obreros construimos la luz que nos deseáis aseguramos la posibilidad del canto para todos. LA MULATA POR EXCELENCIA DE HERNÁNDEZ FRANCO En cuanto a los mulatos, el gran poema nuestro es Yelidá de Tomás Hernández Franco. Tanto Tomás como Francisco Domínguez Charro dedicaron poemas al Capitán Pancho, Gran Capitán de Goletas, personaje popular del muelle de San Pedro de Macorís y Manuel del Cabral a los mulatos criollos, sin embargo, el equivalente a un himno racial de la isla, ya que la acción se desarrolla totalmente en territorio haitiano, es el poema de Tomás. Como es muy extenso, veamos sólo algunos versos y con ello concluiremos nuestra charla sobre las etnias en la poesía dominicana, no sin mencionar otros nombres cuyas obras son significativas: Chery Jimenes Rivera nacido accidentalmente en Haití, ario criollo, es autor de La Haitianita Divariosa; Juan Sànchez Lamouth, mulato que a sí mismo se llamaba negro latino; Juan José Ayuso, autor de un libro de la negritud. Bienaventurados los cimarrones y Ramón Francisco con La Patria Montonera, entre los más relevantes. He aquí a YELIDA: Un antes Erick el muchacho noruego que tenía alma de fiord y corazón de niebla apenas sospechaba en su larga vagancia de horizontes la boreal estirpe de la sangre que le cantaba caminos en las sienes En el más largo mes del año había nacido en la pesquera choza de brea y redes salpicada casi por las olas parido estaba entre el milagro del mar y el sol de medianoche de padre ausente naufragado nadador ya de algas profundas y arenas sorprendidas de escamas y de agallas y de aletas Era el quinto hijo para el mar nacido Erick creció en su idioma de anzuelo y de corriente fuerza de remo y sencillez de espuma como todos los muchachos de la playa mitad Tritón y mitad Ángel Pero Erick no sabía nada de eso –pulso de viento y terquedad de proa– aprendió los nombres de los peces de las puntas y cabos la oración del canal y la bahía a los quince años conocía mil golfos y sin contar el ya remoto y salobre seno de la madre ni un solo pensamiento de noruega le había caminado entre las cejas rubias Otro antes Esta no es la historia de Erick al fin y al cabo que a los treinta años ya no era marinero y vendía arenques noruegos en su tienda de Fort Liberté mientras la esposa de Erick madam Suquí rezaba a Legbá y a Ogún por su hombre blanco rezaba en la catedral por su hombre rubio Madam Suquí había sido antes mamuasel Suquiete virgen suelta por el muelle del pueblo hecha de medianoche a toda hora con hielo y filo de menguante turbio grumete hembra del burdel anclado calcinada cerámica con alma de fuente himen preservado por el amuleto de mamaluá Clarise eficaz por años a la sombra del ombligo profundo Erick amó a Suquiete entre accesos de fiebre escalofríos y palideces y tomaba quinina en grandes tragos de tafiá para sacarse de la carne a la muchacha negra para ahuyentarla de su cabeza rubia para que de los brazos y el cuerpo se le fuera aquel pulido y agrio olor de bronce vivo y de jungla borracha para poder pensar en su playa noruega con las barcas volteadas como ballenas muertas Pero Suquiete lo amaba demasiado porque era blanco y rubio y cambió el amuleto de mamaluá Clarise por el corazón de una gallina negra que Erick bebió en viernes bajo la luna llena con su tafiá y su quinina y muy pronto los casó el obispo francés mientras en la montaña el papaluá Luipié cantaba el canto de la Guinea y bebía la sangre de un chivato blanco En la noche sudada de fiebres y marismas Erick sin sueño marinero varado sobre la carne fría y nocturna de Suquí fue dejando su estirpe sucia de hematozoarios y nostalgias en el vientre de humus fértil de su esposa de tierra y Erick murió un buen día entre Jesucristo y Damballá-Oueddó apagado el pulso de viento del velero perdido en el sargazo su alma sin brújula voló para Noruega donde todavía le quedaba el recuerdo de un pié de mujer blanca que hacía frágiles huellas en la arena mojada Un después Y así vino al mundo Yelidá en un vagido de gato tierno mientras se soltaba la leche blanca de los senos negros de Suquí alegre de todos sus dientes y de su forma rota por el regalo del marido rubio y Yelidá estaba inerme entre los trapos con su torpeza jugosa de raíz y de sueño pero empezó a crecer con lentitud de espiga negra un día sí y un día no blanca los otros nombre de vodú y apellido de kaes lengua de zetas corazón de ice-berg vientre de llama hoja de alga flotando en el instinto nórdico viento preso en el subsuelo de la noche con fogatas y lejana llamada sorda para el rito Los otros sólo tuvieron la sospecha de un peligro cercano mientras Suquí descendía su alma por los caminos de noche de su entraña y engordaba en su alegría de matriz de misterio ternura de polen en su hija de llama para cuyo destino no tuvieron respuesta el gallo y la lechuza ni sabían nada el más sabio ni el más viejo Los peces lo sabían y la noche y la selva y la luna y el tiempo de calor y el tiempo de frío y el alma de garra del pantano y el dios que enmaraña las raíces y las empuja fuera de la tierra y el macho y hembra que en los cementerios enciende fuegos verdes sobre el vientre helado de los muertos y el que está en la garganta de los perros lejanos y el del miedo con sus mil pies y su cabeza cortada Y ésta quiere ser la historia de Yelidá al fin y al cabo Tacto de clave flanco sonoro al simple peso de la mirada paladar de fiera cuerpo de eterna juventud de serpiente nuevo para cada luna nueva completa para siempre como el mito hermafrodita en el principio del mundo cuando descuartizaron a los dioses enigma subterráneo de la resina y del ámbar pacto roto de la costilla de oro traición hembra del tiempo libertada Otro después Con alma de araña para el macho cómplice del espasmo Yelidá por el propio camino de su vientre asesina del viento perdido entre los dientes de la gruta ahí se estaba vegetal y ardiente en húmeda humedad de hongo y de liquen caliente como todo lo caliente cosa de hoja podrida fermentada en penumbra tiempo y luna hecha de filtro y de palabra rara en el agua del charco con su verde y su larva y su ala a medio nacer y su andar de meteoro Yelidá deshojada a sí y a no por éxtasis de blanco y frenesí de negro profunda hacia la tierra y alta hacia el cielo en secreto de surcos y en misterio de llamas Final Será difícil escribir la historia de Yelidá un día cualquiera Y, de este modo creemos haber demostrado que nuestros poetas, tardíamente, es verdad, se han preocupado por cantarle a los negros, a las mulatas y a los indígenas y lo hicieron los mejores. MANUEL MORA SERRANO (República Dominicana, 1933). Trabalha junto à Secretaria Nacional de Cultura como conferencista e debatedor em diversos lugares do país e no exterior. Atualmente mantém contrato com este órgão para conclusão de várias obras de pesquisa, dentre elas uma História da Literatura Dominicana e Americana. Jornalista, narrador, poeta e ensaísta. Esteve no Ceará em 2008 participando de um encontro iberoamericano de produtores culturais que serviu de base para a criação conceitual da Bienal. Contato: [email protected]. ____________________________________________________ Texto apresentado na mesa "Indigenismo, negritude e mestiçagem na literatura dominicana" Sala Dolor Barreira - 20 de novembro de 2008 Mediação: José Geraldo Neres (Brasil) revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial Influencias indígenas en el castellano regional de Loreto Alberto Chirif . Intr El castellano hablado en gran parte de la Amazonía peruana es probablemente uno de los castellanos regionales más ricos y diversificados del país, y encierra un particular atractivo para los foráneos que lo escuchan con la distancia y objetividad que les permite establecer comparaciones con los de otras regiones y destacar su valor expresivo. Ese castellano es producto de antiguos y complejos procesos de intercambio entre sociedades de diversas regiones, algunas de las cuales forman parte del Perú actual y otras de países vecinos. En otras palabras, sin este flujo continuo de influencias recíprocas, la lengua y otras creaciones culturales no serían lo que hoy son. No obstante estos procesos de gran dinamismo, en el Perú la historia oficial enseña que existen tres regiones geográficas (costa, sierra y selva) y que, dentro de ellas, residen (o residieron en el caso de algunas que ya fueron barridas de la faz de la tierra) sociedades indígenas cerradas en sí mismas. Se trata de una geografía y de una historia separada en espacios estancos. Esta visión, elaborada sobre todo desde una mirada urbana y dominante, encuentra, desde el punto de vista de sus gestores, su confirmación empírica cuando constatan que, en efecto, existen dificultades de comunicación entre localidades que carecen de infraestructura vial y de transporte. No obstante, estas dificultades no son absolutas como se pretende y tienen que ver más bien con un estilo de desarrollo que ha impuesto necesidades de comunicación de una determinada manera, pero que no corresponden a la realidad de otros momentos históricos. Así, hoy día sabemos de redes de intercambio que conectaban pueblos indígenas situados en lugares muy alejados entre sí. La presencia de motivos y materiales amazónicos en sociedades preincaicas e incaicas de los Andes y de la costa son indicadores de estos contactos. El mismo tipo de influencias se observa en la otra dirección, a través de determinadas técnicas, como el tejido, muy desarrolladas en sociedades amazónicas próximas a los Andes; o la presencia de instrumentos musicales, o de utensilios de piedra en la llanura amazónica que no ofrece este material; o de divinidades compartidas entre sociedades de estas dos grandes regiones, como el sol. Al respecto, un equipo del Centro Nacional de Investigaciones Científica (CNRS, por sus siglas en francés), de Francia, ha realizado y publicado importantes investigaciones. Hallazgos de granos de achiote (Bixa orellana) procedente de los bosques amazónicos en sitios arqueológicos de los Andes, dan testimonio de estos contactos interregionales, que se remontan a una antigüedad de 7000-6000 a.C. En un periodo situado entre de 5000-4000 a.C., en la cuenca de Ayacucho, “…están presentes el ají, el achiote, la lúcuma y la coca de origen selvático al mismo tiempo que las calabazas de origen costero”. La lúcuma y el maní, que es también de origen amazónico, aparecen en la costa en el periodo situado entre 3900-2000 a.C. y la yuca, en el cuarto milenio (Renard-Casevitz et al 1988 I: 19). El mismo equipo de estudios realizó investigaciones sobre las relaciones de los pobladores de diferentes regiones en el sur del Ecuador. Según Taylor: “Resulta pues claro que no se puede tratar la prehistoria de la región ecuatorial sin tener en cuenta los desarrollos culturales del piedemonte y de la hylea amazónicos; desde el Formativo [3500 a 500 a.C.], son múltiples las relaciones que unen las poblaciones costeñas, selváticas y montañosas, y la historia de las civilizaciones que han florecido en las grandes zonas ecológicas remite a la evidencia [de] a procesos [sic] de integración complejos y multiformes entre tradiciones selváticas, andinas y costeñas”. (cf. Renard-Casevitz et al 1988 II: 34) Un conocimiento que recién comienza a abrirse a la luz es el del origen de muchos pueblos hoy conocidos como amazónicos, pero que en algún momento de su historia estuvieron en otras regiones. Una investigación llevada a cabo por el colega Richard Smith, con el concurso de sabios indígenas, sitúa el origen de los antepasados del pueblo Yanesha en las islas frente a la costa de Lima. Desde allí, durante el estudio, ellos hicieron el recorrido que siguieron sus ancestros para asentarse en Oxapampa y Villa Rica, al otro lado de los Andes, en la vertiente amazónica, que constituyó su territorio tradicional hasta que fueron forzados por la colonización a desplazarse más hacia el noreste, a ríos tributarios del Ucayali. Una prueba no exenta de valor poético de que el viaje de los ancestros constituye una riqueza auténtica de ese pueblo, es el conocimiento que los mencionados sabios demostraron al nombrar en su propia lengua los diferentes elementos del paisajes (nevados, cochas, cerros, ríos) y referir los hechos primordiales asociados a ellos. Como se puede ver, la globalización no es una creación reciente ni occidental, sino algo que se practica desde hace muchos siglos. La gran diferencia es que ahora el mayor volumen de la circulación está compuesto por diversas formas de chatarra (mentiras de políticos, productos de mass media, comida, gustos y mal gusto), mientras que antes el intercambio correspondía sobre todo a instrumentos, ideas y conocimientos. El aislamiento de los pueblos indígenas es, por el contrario, una consecuencia del sistema colonial implantado por la Conquista y continuado por la República, como también lo es la reducción a la categoría de minoría étnica de pueblos que, además de numerosos, fueron antiguamente soberanos. Hoy, en cambio, se considera que se trata de características inmutables de los pueblos indígenas, sin tener en consideración que ellas son producto de la usurpación de sus territorios, de su sometimiento a condiciones laborales regidas por el autoritarismo y, en muchos casos, la esclavitud, de las epidemias que diezmaron su población, de las destrucción de sus propios conocimientos y tecnologías y, en fin, de un proceso de “civilización armada” ejecutado de manera brutal. Transcurridos cinco siglos de dominación y de frustración de los antiguos procesos de globalización que permitieron el intercambio entre las antiguas civilizaciones indígenas, hoy día nuevos procesos, apoyados por vías y medios de comunicación, principalmente al servicio de agresivas dinámicas económicas que buscan poner en valor los recursos de la región, han vuelto a poner en contacto zonas que habían quedado aisladas. Mediante esta “globalización interna” se han transmitido tanto elementos culturales (en especial, los referidos a la culinaria y a las festividades), como los problemas derivados de la destrucción del medio ambiente y de la contaminación. El quechua en el castellano regional La lengua con mayor peso en la formación del castellano de gran parte de la región amazónica peruana es el quechua. Sobre la estructura base de castellano y quechua se han adicionado otras lenguas con diferente grado de influencia, la principal de éstas son la de origen tupí. Es verdad que para una comprensión más completa del tema necesitaría ahora exponer sobre las modificaciones mismas del castellano, pero eso sería apartarme del tema central de este debate, que trata sobre influencia indígenas en la cultura actual. Sobre la influencia del quechua en el castellano quiero decir que ésta no se limita a la región amazónica peruana, sino que ha ingresado también al castellano de otras regiones del Perú y al de otros países, sean o no andinos. Aunque no se trata de una influencia decisiva, el quechua está incluso presente en el portugués brasileño. En una rápida revisión del diccionario de Buarque de Holanda (1980) me encuentro con tres palabras de origen quechua incorporadas al portugués brasileño: chacra (campo cultivado), cancha (terreno plano) y charque (carne seca y salada). En la Amazonía peruana la influencia del quechua es particularmente fuerte en las regiones de Loreto, Ucayali, San Martín y Amazonas, y en algunas de ellas es anterior a la Colonia, época en la que los jesuitas hicieron un esfuerzo por tratar de difundir su uso como lengua franca de Maynas, a fin de facilitar su tarea evangelizadora. En la región de Loreto basta mirar el mapa para darse cuenta de que las zonas donde el quechua ha arraigado están ubicadas a lo largo de ríos que tienen su origen en Ecuador, es decir, en áreas ocupadas por población que tiene esa lengua como principal medio de comunicación. De noreste a suroeste ellos son: Putumayo, Napo, Tigre y Pastaza. La población indígena de esos ríos, que originalmente pertenecía a diversas tradiciones culturales, ha sido homogenizada lingüísticamente por el quechua, a consecuencia del flujo de población que ha circulado por esos corredores fluviales. La época del auge de explotación de gomas, que se inicia en la segunda mitad del siglo XIX, parece haber culminado este proceso de expansión del quechua. En el caso de la región de San Martín, la población de habla quechua se concentra en dos provincias (Lamas y Tabalosos). El origen de esta lengua en esas zonas es también anterior a la Colonia y parece estar relacionada con la presencia de los Incas que conquistaron la vecina Chachapoyas durante la segunda mitad del siglo XV. La influencia de los Incas en la zona del Huallaga también es puesta de manifiesto por la extensa red de caminos antiguos, que más tarde fueron usados por la expedición de Ursúa y Lope de Aguirre, en el siglo XVI, en búsqueda de El Dorado. [1] Los estudios lingüísticos indican que las características del quechua de San Martín son semejantes al de Chachapoyas. En este sentido, el quechua en la antigua región de Maynas ha tenido dos vías de entrada: por un lado, por los ríos que descienden la Cordillera desde Ecuador hacia el Perú y, por otro, desde San Martín, a raíz de las migraciones de pobladores de esta zona hacia el bajo Amazonas durante la época del caucho, que es también la del poblamiento de Loreto. La presencia del quechua en el habla amazónica se presenta de varias maneras. Una es a través de la incorporación directa de palabras quechuas: ayahuasca (planta alucinógena -yagé en Brasil-), chiri (frío), yacu (agua) capi (maní), ucchu (ají), pucacuro (hormiga colorada), Chullachaqui (“pies desiguales”, personaje mitológico de los bosques –corresponde al curupira en Brasil-), cususapa (de cusu, tos, y el aumentativo sapa: persona afectada por fuerte tos), cachi (sal), allpacuru (de allpa, tierra, y curu, gusano: tipo de gusano de tierra); angocaspi (de ango, duro, y caspi, palo: árbol de madera dura), y muchas más. No obstante, también se encuentra en palabras combinadas con castellano: buchisapa (de buche y el aumentativo sapa: “panzón”); avispa uma (de uma, cabeza; designa a una persona con el cabello crespo o ensortijado); ushpa gallo (ushpa, gris, cenizo; gallo cenizo –usada para designar a alguien canoso y de cierta edad-); capasapa, literalmente “capa grande”, que alude a una persona importante; platasapa (de plata y el aumentativo, para calificar a alguien adinerado); capuruna (de capo y runa – hombre- que alude a alguien notable); huarmi lluvia (literalmente “lluvia de mujer”, para referirse a esas precipitaciones no muy fuertes pero sí duraderas y fastidiosas); lagarto caspi (palo o árbol parecido al lagarto); bolsa uya (alguien de cara –uya- arrugada “como bolsa”); casha barba (literalmente “barba con espinas o espinosa”, es decir, barba hirsuta); caucho curo (alude a un gusano –curo- que habita los árboles de caucho); sachavaca (vaca silvestre o del monte: tapir o anta); tabla siqui (literalmente alguien con el “culo –siquicomo tabla”); huarmi manda (hombre dominado por su mujer – huarmi-), y así muchas más. Existen por último un sinnúmero de palabras quechuas derivadas siguiendo la lógica del castellano. Así, marcana (cargar) da origen a amarcar; chimpay a chimbar (cruzar el río); chanka (pierna) a changados (pareja con las piernas entrecruzadas); chapuy (mezclar) a chapear y chapo (bebida); chupa (porción de cabellos) a chobear (tirar a alguien de los cabellos); supi (cuesco) a supitero (pedorro); llulla (mentira) a llullampero; minq’a (trabajo colectivo) a minga y minguero (persona que participa en dicho trabajo); y ñahui (ojo) a ñahuinchear (mirar, observar), entre otras. Es preciso aclarar que esta composición de vocablos nuevos a partir de la fusión de una palabra del castellano y otra del quechua o de la derivación de palabras de esta lengua siguiendo la lógica del castellano, es un aporte del castellano regional amazónico. Dicho de otra manera, si bien estas combinaciones de palabras serán entendidas por quechua-hablantes de los Andes, no se conocen en el quechua de esta región. Lo mismo sucede con muchas de las palabras puramente quechuas, pero que corresponden a una realidad cultural amazónica, desconocida en el mundo de los Andes, como algunas de las ya mencionadas: pucacuro, Chullachaqui, angocaspi y allpacuro. Se trata así de un quechua reelaborado para adaptarse a la realidad geográfica y cultural de la región, y también a la necesidad de que esta lengua responda a las exigencias expresivas de la sociedad que la produce. Es común encontrar la repetición de palabras para acentuar un efecto, que puede ser de significado o simplemente onomatopéyico. Esta repetición se da ya sea que se trate de palabras sólo en quechua o sólo en castellano o que combinen las dos lenguas. Así, en el caso del quechua: chulla chulla sería limpio limpio (muy limpio) y miski miski, dulce dulce. En el caso del castellano, llevo llevo designa un tipo de vehículo que transporta pasajeros y peke peke alude a la onomatopeya de un tipo de motor estacionario adaptado para el impulsar canoas. Por ultimo, susto manchari es una expresión en la que las dos palabras indican lo mismo, una en castellano y otra en quechua: susto. Fonética Una característica del castellano regional también heredada del quechua tiene que ver con la fonética. De esta manera, palabras de otras lenguas han sido recompuestas y dotadas de la fonética que las hace parecer al quechua. Por ejemplo, palabras como huacapú (tipo de árbol de madera dura) y huasaí (una palmera), que al oírlas dan la falsa sensación de tener origen quechua, provienen en realizad del tupí: açapú y açaí, ya que de quechua sólo tienen el sonido. Por otro lado, sólo en el castellano regional amazónico del Perú se encuentra el fonema /sh/, que está presente en algunas variedades del quechua, específicamente la de Ancash (zona central del Perú) y la quiteña. [2] Dicho fonema se encuentra tanto en posición inicial como intermedia. Algunos ejemplos del primer caso: shacapa (manojo de hojas secas o ramas que los shamanes agitan en el aire cuando cantan), shambo (variedad de aguaje –buriti en Brasil, del tupí mburi’ti-, fruto de una palmera regional), shamiro (loro pequeño), shapaja y shebón (tipos de palmera), Shapra y Shipibo (nombres de pueblos indígenas), shapshico (personaje mitológico del monte), shapumba (helecho invasor), shicshi (comezón, escozor), shinela (tipo de calzado), shirui (pez) y sho, sho, sho (voz onomatopéyica para ahuyentar a las aves domésticas) En algunos casos, este fonema cumple también la función de apropiarse de palabras foráneas imprimiéndoles la fonética del castellano regional amazónico y, al mismo tiempo, endulzándola al oído del oyente. Esta apropiación puede ser de palabras de origen quechua, como sonqo (corazón), que ha devenido en shungo. Pero también se da en el caso de palabras de origen portugués (algunas con influencia del tupí), como xaruto (cigarro), se convierte en el castellano regional en sharuto; xerete (enamorador) da origen a sheretero; xeretar a sheretear (cortejar); cheiro (olor) a shero; chibe (del tupí xi’bé) a shibé y xicra (también del tupí: bolsa de fibra vegetal) a shicra. Algunos ejemplos del fonema en posición intermedia son: cushma (tipo de vestimenta usada por algunos pueblos indígenas), patarashca (forma de preparar pescado asado envolviéndolo en hojas de bijao), posheco (término del quechua que designa una persona pálida), Ashaninka y Yanesha (nombres de pueblos indígenas), añashúa (pez), pandisho (fruto del árbol de pan), tamshi (tipo de bejuco), ishanga (tipo de ortiga), besheco (ternero), bebeshos (bebe) y bolansho (persona con la cabeza pelada, calva). Tupí El tronco lingüístico Tupí ha estado representado en la Amazonía peruana por cuatro lenguas: kukama, kukamiria (muy similares entre sí), omagua y yurimagua. Estas dos últimas han desaparecido por completo. Las dos primeras, en cambio, aunque no son usadas para la comunicación cotidiana, sí se conservan en espacios reducidos, compuestos especialmente por las personas de más edad y de algunos jóvenes que han aprendido de ellas. En la actualidad existe un movimiento social, con influencia no sólo en comunidades sino también en el medio urbano de ciudades como Nauta, que impulsa la recuperación del kukama como segunda lengua. Las palabras de origen tupí del castellano regional se refieren principalmente a la flora y fauna. Así, tenemos acarahuazú (de acará, pez), arazá (de ara’sá, árbol y su fruto), aradú (de ara’bu, masa preparada de fariña y huevo de la tortuga taricaya –de taraka’yá-), beshú (de mbe’yu, especie de cazabe), casho o cashu (cajú en Brasil, de aka’yu, árbol y su fruto, conocido también en Perú como marañón), copaíba (de kupa iwa, árbol maderable), copoasú (de kupua’su, árbol y su fruto) y muchas otras más. Lo que resulta difícil es señalar si estas palabras han entrado al castellano regional directamente de las lenguas tupí habladas en el Perú o a través del portugués de Brasil, que también las ha incorporado a su habla, ya que los pueblos de este tronco lingüístico son numerosos en ese país. Otras lenguas Estoy seguro que una investigación detenida llevaría a descubrir otras influencias en el castellano regional amazónico del Perú, no sólo en lo que se refiere al léxico, sino también a formas de expresión y construcción lingüística. Mi hipótesis es que la forma verbal pasiva en que se expresa el posesivo es influencia de alguna lengua indígena: “De Pedro su esposa” o “de Juana su tía”, por ejemplo. Pero hay que comprobarla. Y esto último que voy a anotar se sale del tema, porque se refiere a la influencia del portugués, en especial, del hablado en Brasil, en el castellano amazónico peruano y no a una lengua indígena. Lo hago como anotación al margen, sólo para indicar las dinámicas a las que me refería al inicio de estas líneas, que en este caso se definen por la presencia de inmigrantes portugueses en Loreto y, sobre todo, brasileños, además del tránsito obligado de los barcos que comunican a Loreto con Brasil y otros países del Atlántico desde el siglo XIX. Algunas de las palabras del portugués encontradas en el castellano regional son: defumar, someter a humo los jebes líquidos de origen vegetal con el fin de endurecerlos; fariña (de farinha), harina de yuca tostada; bucilar (de fuzilar), tronar y también parpadear los ojos; cabaciña (de cabaça y cabacinha), globo de jebe lleno de aguas que se arrojaba a la gente en carnavales; cashuera o cashuela (de cachoeira), catarata o rápido en el río; machadito (de machadinho), pequeño cuchillo para sangrar árboles; pacote, paquete; shiringa (de seringa, jeringa), árbol productor de goma; bico, que en portugués nombra el pico de las aves, es posiblemente el origen del nombre de un tipo de pan que se vende en Iquitos de forma alargada, como un pico; y tishela (de tejela), pequeño recipiente en el que se recibe el látex que fluye de árboles llamados genéricamente como “caucho”. Es un trabajo pendiente investigar otras influencias lingüísticas en el castellano regional amazónico del Perú, no sólo en lo que respecta al léxico, sino también a la sintaxis. NOTAS 1. Agradezco a mi colega. Françoise Barbira Freedman, que ha realizado importantes investigaciones entre el pueblo Lamista, las precisiones sobre la antigüedad del quechua en San Martín. 2. El lingüista y quechuólogo Fernando García, quien generosamente colabora conmigo para definir vocablos del quechua presentes en el castellano amazónico, así como para otras precisiones referidas a esa lengua, me indica que el fonema /sh/ está presente en algunas variedades del quechua. Específicamente me menciona la de Ancash y la variedad quiteña, presente en el Perú en varios de los ríos que se originan en Ecuador. ALBERTO CHIRIF (Peru, 1943). Há 40 anos sua vida está centrada em temas amazônicos, especialmente aqueles que dizem respeito aos direitos coletivos dos povos indígenas. Antropólogo e escritor. Dirige o Programa Integral de Desenvolvimento e Conservação Pacaya Samiria. Representa no Paraguai a Nouvelle Planète, instituição suíça que apóia projetos no Peru e outros países sul-americanos. Contato: [email protected]. ____________________________________________________ Texto apresentado no debate "A presença indígena na cultura latinoamericana contemporânea" Sala Dolor Barreira - 21 de novembro de 2008 Mesa composta por Alberto Chirif (Peru) | Eduardo Puente (Equador) | Gabriel Chávez (Bolívia) | Mediação: Carlos F. Bellé (Brasil) revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial Inicios del mestizaje cultural en el Río de la Plata: La Argentina, de Ruy Díaz de Guzmán Marta Spagnuolo . Puesto que vamos a hablar del Río de la Plata, conviene aclarar a qué territorio correspondía esa denominación en tiempos de la conquista y de la colonia. Lo que finalmente fue el Virreinato del Río de la Plata, creado a fines del siglo XVIII (1776), abarcaba lo que hoy son cuatro países: Argentina, Uruguay, Paraguay y Bolivia. No obstante, en los inicios de la conquista no era zona tan claramente delimitada. Gran parte de Bolivia, Chile, el Noroeste, el Oeste y el Centro de la Argentina –Córdoba inclusive– fueron poblados por las corrientes que bajaban del Perú. En cambio, fue directamente por el Atlántico que se colonizó la región comprendida por el Este argentino, el Uruguay y el Paraguay, cuya puerta de entrada es el ancho estuario del Río de la Plata, sobre el cual actualmente están, en una y otra banda, las ciudades de Montevideo y Buenos Aires. Esa vasta zona litoral era, entonces, el Río de la Plata. Y, de manera sinónima, “la Argentina”, “la tierra de la plata”, término derivado del latín argentum (plata), que finalmente designó al que hoy es mi país. Nombre irónico, por cierto, visto en perspectiva. Porque lo que menos encontraron los españoles allí fue la plata, el oro, los metales preciosos, en fin, que ambicionaban. Ya este famoso río les había costado grandes afanes. Entre ellos, la trágica muerte de su descubridor, Juan Díaz de Solís, quien, viéndolo tan ancho, lo bautizó Mar Dulce (1516). Quizá muchos recuerden cómo terminó sus días Solís, quien, junto con algunos de sus tripulantes hizo un desembarco en costas uruguayas, donde fueron flechados por los charrúas, a quienes sirvieron de banquete. Así lo cuenta Jorge Luis Borges, por ejemplo, en su popular poema “Fundación mítica de Buenos Aires”; allí alude al color barroso amarillento de las aguas del Río de la Plata, donde va a parar todo lo que arrojan las selvas brasileñas y chaqueñas, por el cual Lugones lo había llamado “el gran río color de león”. Borges, que en sus primeros poemas usó muchos argentinismos, habla de la “corriente zaina”, porque así, “zainos”, llamamos nosotros al caballo de ese pelaje, y porque “zaino” significa también “solapado, traicionero”, como lo son las aguas de ese río, a cuya vera, como dijimos, fue comido el pobre Juan Díaz de Solís. La metáfora del río como un caballo se prolonga luego en la palabra “azulejo”, ya que el pelo de ese caballo es blanco, con un poco de negro, y el color que resulta es casi azul. ¿Y fue por este río de sueñera y de barro que las proas vinieron a fundarme la patria? Irían a los tumbos los barquitos pintados entre los camalotes de la corriente zaina. Pensando bien la cosa, supondremos que el río era azulejo entonces como oriundo del cielo con su estrellita roja para marcar el sitio en que ayunó Juan Díaz y los indios comieron. Sin embargo, esta seña nefasta y otras expediciones fracasadas no arredraron a los españoles. Pues la fábula se iba acrecentando con la imaginación del El Dorado, la Ciudad de los Césares, las enormes riquezas que aquí se encontrarían, y el Mar Dulce ya comenzaba a llamarse Río de la Plata. Fábulas justificadas, por otra parte, pues hay que recordar que ya para 1520 Cortés había llegado a México, y Pizarro al Perú en 1532. De modo que de esta euforia se alimentó la expedición de don Pedro de Mendoza, que poco después llegaría al Río de la Plata, en 1536. Tantas eran las esperanzas, las ilusiones, la seguridad, casi, de repetir aquí los éxitos de Cortés y de Pizarro, que incluso fue distinto el elemento humano reclutado para esta nueva aventura. En efecto, Pedro de Mendoza era un noble de alto linaje, de gran prestigio militar, y él mismo y algunos de los hidalgos que lo acompañaban financiaron la expedición, en la que Mendoza ya venía con título de gobernador otorgado por la corona. Uno de los mejores narradores argentinos del siglo XX, Manuel Mujica Lainez, escribió un bello libro de cuentos, titulado Misteriosa Buenos Aires. En uno de ellos recrea la tragedia de la primera fundación de Buenos Aires por Pedro de Mendoza en 1536, y haciendo referencia a la tripulación pretenciosa que las naves traían, dice: España no envió a las Indias armada con tanta hidalguía como la que fondeó en el Río de la Plata. Todos se las daban de duques. En los puentes y en las cámaras departían como si estuvieran en palacios. Cómo sería de grande el optimismo de estos hombres que Mendoza, al fundar la ciudad, la llamó Santa María del Buen Ayre. Malos serían, sin embargo, los aires que sobre ellos se abatirían. En efecto, para entender la manera particular y rápida como se inició el mestizaje racial y cultural en el Río de la Plata, hay que hacer hincapié en que el signo de la conquista del Río de la Plata fue el desencanto. Fue un choque tremendo, algo que los españoles no se imaginaron ni en sueños. Ni plata, ni oro, ni ciudades maravillosas como México-Tenochtitlán, ni portentosas como el Cuzco imperial de los Incas. Sólo una llanura interminable, un horizonte sin límites, pura tierra y yuyos, en especial el duro cardo; ni siquiera frutos comestibles ni, menos aún, cultivos, poblada como estaba de indios que vivían de la caza y de la pesca, pronto hostiles y en seguida belicosos. Encerrados en un cerco de estacas, sitiados y atacados constantemente por los aborígenes, consumiendo primero lo que les quedaba del ganado que habían traído –vacas y caballos, la mayor parte dispersados, que, al multiplicarse con el tiempo, originaron el principal sustento económico de mi país –, saliendo a veces en busca de alimentos con peligro de no volver, llegando a comer sus propias heces y hasta al canibalismo en los cuerpos de los compañeros muertos por el indio o por el hambre, así se sostuvieron algunos hasta cuatro años en ese miserable fuerte, en tanto otros buscaban salida hacia el norte, remontando el río Paraná. (De estos, vayamos teniendo en cuenta que la única columna que logra llegar al Paraguay es la que finalmente quedará al mando de Domingo Martínez de Irala.) Don Pedro de Mendoza sobrevive al hambre y regresa rumbo a España, pero muere en alta mar, ya carcomido por su vieja enfermedad, la sífilis o morbo gálico, como se le llamaba entonces. Ante tanta calamidad, surge en la gente el convencimiento de que se trata de un castigo divino por un pecado original con que habría nacido Buenos Aires. Este castigo habría sido la consecuencia de un hecho criminal ocurrido durante el viaje, en un desembarco que hicieron en las costas del Brasil. Entre los oficiales de la expedición venía Osorio, hombre gallardo, simpático a las huestes. Según cuentan las crónicas, despertó la envidia de otros cuatro capitanes –Ayolas, Luján, Medrano y Salazar–, que lo acusaron de burlarse de don Pedro de Mendoza y de tener intenciones de traicionarlo y hacerse con el mando al llegar al Río de la Plata. Por ese motivo, Mendoza, ofuscado, ordenó prender a Osorio y darle muerte. Fue un verdadero asesinato, ejecutado por los cuatro capitanes, que lo apuñalaron con saña. Esto impresionó mucho a la tripulación, no sólo por la estima de que gozaba Osorio, sino porque lo mataron sin darle oportunidad de confesarse, lo cual, para un cristiano, era un crimen doblemente horrendo. El hecho originó la primera composición literaria escrita en el Río de la Plata. No todavía por un criollo sino por un español, un fraile, Luis de Miranda, que había logrado llegar al Paraguay con Irala. Allí cuenta el hambre, la antropofagia, y presenta a Buenos Aires como una manceba traicionera que ya ha matado seis maridos. Esto, en alusión a seis de los principales capitanes: Osorio; tres de que los que lo asesinaron; Diego de Mendoza, hermano de don Pedro, muerto por los indios; y el propio don Pedro, como dije, muerto antes de llegar a España. El rudo pero impactante poema se titula Romance elegíaco, y este es un fragmento [1]: En las partes del Poniente es el Río de la Plata conquista la más ingrata a su señor. Desleal y sin temor enemiga de marido que manceba siempre ha sido que no alabo. Cual los principios el cabo, aquesto ha tenido cierto que seis maridos ha muerto la Señora: Y comenzó la traidora tan a ciegas y siniestre que luego mató al maestre que venía. Juan Osorio se decía el valiente capitán. Fueron Ayolas, Luján, y Medrano, Salazar por cuya mano tanto mal nos sucedió. ……………………… Trabajos, hambres y afanes nunca nos faltó en la tierra, y así nos hizo la guerra la crüel. Frontera de San Gabriel a do se fizo el asiento; allí fue el enterramiento del armada. Jamás fue cosa pensada y cuando no nos catamos de dos mil, aun no quedamos en doscientos. Por lo malos tratamientos muchos buenos acabaron y otros los indios mataron en un punto. Lo que más que aquesto junto nos causó ruina tamaña fue la hambre más estraña que se vio; la ración que allí se dio de farina y de bizcocho, fueron seis onzas u ocho mal pesadas. Las vïandas más usadas eran cardos y raíces y a hallarlas no eran felices todas veces. El estiércol y las heces que algunos no digerían muchos tristes las comían que era espanto. Allegó la cosa a tanto que, como en Jerusalén, la carne de hombre también la comieron. Las cosas que allí se vieron no se han visto en escritura, comer la propia asadura de su hermano. ¡Oh jüicio soberano que notó nuestra avaricia y vio la recta justicia que allí obraste! ………………………… Pocos fueron o ninguno que no se viese citado, sentenciado y emplazado de la muerte. ………………………… Los que quedaban, gritando Decían: nuestro general ha causado aqueste mal, que no ha sabido gobernarse, y ha venido aquesta necesidad. Causa fue su enfermedad, que si tuviera más fuerzas y más pudiera, no nos viéramos a puntos de vernos así trasuntos a la muerte. Mudemos tan triste suerte dando Dios un buen marido sabio, fuerte y atrevido a la viuda. El buen marido sería, finalmente, Juan de Garay, quien muchos años después, bajando de la Asunción, fundará Buenos Aires por segunda vez en 1580. Entre tanto, como dije, Domingo Martínez de Irala había llegado al Paraguay, que así se convirtió en el centro de la conquista del Río de la Plata, con capital en Asunción. La fuerza de carácter y, sobre todo, el sentido común de Irala, van a permitir un rápido y fecundo mestizaje, al que contribuyó la índole de los guaraníes, pueblo laborioso y agricultor. Irala, casi hasta su vejez, siguió intentando expediciones en busca de las riquezas nunca halladas. (En realidad, cuando se dio cuenta de que la tierra de la plata de la que se tenía noticia era el Perú, se encontró con que allá ya todo tenía dueños). Pero, entre tanto, comprendió que el único modo de sostenerse, de no abandonar la empresa, era quedarse en el Paraguay y organizar allí un núcleo social de supervivencia. Y que la forma de hacerlo era poblar la tierra, poblarla con familias más o menos constituidas, que le tomaran el gusto a la querencia; sembrarla, como hacían los guaraníes, con los productos autóctonos –mandioca, yerba mate, tabaco, etc.-; otros introducidos desde el Brasil –como el arroz y la caña de azúcar–, y criar ganado y otras especies de animales domésticos. Para ello la única vía posible era el mestizaje. Mediante alianzas con los aborígenes, Irala impulsó el mestizaje de sus hombres con las mujeres nativas, en uniones bendecidas por la Iglesia. (Sin que ello signifique que no se valiera de las encomiendas de indios obligados a trabajar la tierra). Él mismo dio el ejemplo, aunque no tan respetuoso de las leyes eclesiásticas, pues tuvo en su lecho nada menos que nueve mujeres indias, no ocasionales, sino en franca poligamia. Irala, que era un verdadero caudillo, resistió todas las sediciones internas entre españoles que pretendían quitarle el poder y aun a enviados de España que pretendían destituirlo. De ellos, el más ilustre fue el legendario Álvar Núñez Cabeza de Vaca (el noble que se había cubierto de gloria en las campañas de Italia; el sobreviviente de la expedición a la Florida, que estuvo cautivo entre los indios norteamericanos; el que descubrió las cataratas del Iguazú durante su ida hacia Asunción). El caso es que el poderoso Álvar Núñez terminó encadenado y deportado de vuelta a España. Pero quedaban en el Paraguay muchos partidarios de Alvar Núñez. Irala, entonces, usó nuevamente el mestizaje, esta vez como arma política. Les perdonó la vida a los más conspicuos capitanes alvaristas y les otorgó altos puestos, a cambio de que se casaran con sus hijas; es decir, con las hijas mestizas que Irala hubo en sus mujeres indias. Más fuerte se hizo así el vasco, constituyendo una verdadera yernocracia. Uno de los más destacados capitanes que se atrajo Irala de este modo fue Alonso Riquelme de Guzmán, nada menos que sobrino de Álvar Núñez. Del matrimonio legítimo del español don Alonso y de Úrsula Irala, nació, en Asunción, el primer escritor criollo del Río de la Plata. Su nombre: Ruy Díaz de Guzmán. Observemos, entonces, que este Ruy Díaz de Guzmán era nieto de Irala, sobrino nieto de Alvar Núñez y, a la vez, el hijo de una mestiza americana. El libro que escribió Ruy Díaz fue una historia. La primera historia del descubrimiento, conquista y población del Río de la Plata. Se sabe que concluyó su obra en 1612. Nunca fue publicada en su tiempo. Pero circulaba en copias manuscritas, bien conocidas durante todo el período colonial, y consultadas y citadas por historiadores que le siguieron. Algunos copistas, para distinguirla de un poema impreso y escrito por un español, titulado La Argentina [2], terminaron llamándola La Argentina manuscrita. La primera publicación de uno de los códices fue hecha en Buenos Aires mucho más tarde, en 1835. Desde entonces la obra suscitó muchas lecturas; entre ellas, en épocas de efervescencia nacionalista, algunas que han acusado a Ruy Díaz de mostrarse más favorable a los españoles que a los americanos, de no nombrar más que una vez a su madre mestiza Úrsula y nunca a su abuela india Leonor; y otras que han destacado el elogio que en uno de los capítulos hace de los indios “amigos”, de los mestizos, y, en especial, de las mujeres mestizas, lo cual han interpretado como un homenaje indirecto a su madre. Como sea, es indudable que, como historia, el texto está escrito desde el punto de vista de un hombre orgulloso de su linaje español, e interesado en destacar las empresas militares de sus propios antepasados familiares. Y eso era algo lógico en la posición de Ruy Díaz. De ahí que la comparación que muchos hacen con el Inca Garcilaso de la Vega no sea la correcta. Son situaciones muy distintas. El Inca Garcilaso, a pesar de ser hijo de una palla de estirpe real y de haber recibido una excelente educación libresca, fue un mestizo bastardo, de madre repudiada por una española, desarraigado en España, donde vivió desde los veinte años su vida de hombre de letras, en obsesiva búsqueda de reconocimiento del nombre y de la herencia paterna jamás conseguidos. En su grandiosos Comentarios Reales y en su Historia General del Perú, escritos y publicados en España, no hay conciliación posible. La obra del Inca, en esencia elegíaca, tiene por eje la comparación entre la capacidad civilizadora de los incas con respecto a los pueblos indios por ellos sojuzgados, y la de los españoles en relación con los incas. Comparación que siempre resulta en desmedro de los segundos – depredadores más que civilizadores–, y en la consecuente idealización del pasado incaico, al que le atribuye la perfección. Ruy Diaz, en cambio, no fue educado en las humanidades y las letras, sino, como hijo legítimo de un español, para matar y morir por España. Vecino principal de Asunción, arraigado a su comunidad, distinguido y valiente capitán, fundador de ciudades, gozó tanto de los derechos y la posición propia de los hidalgos españoles, como cumplió con heroísmo sus obligaciones de soldado. Cuando, muerto su abuelo Irala –y su propio padre, en la más absoluta pobreza–, y el viejo orden fue reemplazado por su enemigo Hernandarias, Ruy Díaz sufrió reveses políticos, prisión y exilio. Justamente desde su exilio en ciudades del Río de la Plata y Tucumán escribió el libro del que nos estamos ocupando, que, en principio, no pretende más que ser una ruda historia de acontecimientos. Sin embargo, hay en la historia de Ruy Díaz dos episodios de carácter literario, que bien pueden leerse de otra manera. Uno de ellos está considerado como el precursor del indianismo en la América hispana: es el de Lucía Miranda, al cual no me referiré, por tratarse del más conocido, analizado, e incluso reelaborado una y otra vez por la literatura posterior. El otro es el episodio de la Maldonada, cuya heroína es una mujer así llamada, posiblemente por feminización del apellido Maldonado. Y se sitúa, justamente, en aquella parte de la historia que se ocupa de la primera fundación de Buenos Aires por don Pedro de Mendoza. Como ustedes verán, el relato se basa en un milenario motivo narrativo, que, poco más o menos, podría enunciarse: Hombre que ayuda una vez a un animal. Agradecimiento del animal que se manifiesta cuando, a su vez, el hombre necesita ayuda, cuyo arquetipo es Androcles y el León, recogido por Aulio Gelio en sus Noches áticas. Pero, al leerlo, irán descubriendo variantes muy significativas. El cuento está repartido en dos capítulos, de los que sólo leeré lo que hace al episodio de la Maldonada: …En este tiempo padecían en Buenos aires cruel hambre, porque faltándoles totalmente la ración, comían sapos, culebras y las carnes podridas que hallaban en los campos, de tal manera, que los excrementos de los unos comían los otros, viniendo á tanto estremo la hambre como en tiempo que Tito y Vespasiano tuvieron cercada á Jerusalen: comieron carne humana; así le sucedió á esa mísera jente, porque los vivos se sustentaban de la carne de los que morían, y aun de los ahorcados por justicia, sin dejarle mas de los huesos, y tal véz hubo hermano que sacó la asadura y entrañas á otro que estaba muerto para sustentarse con ella. Finalmente murió casi toda la jente, donde sucedió que una mujer española, no pudiendo sobrellevar tan grande necesidad, fue constreñida á salirse del real, é irse á los indios, para poder sustentar la vida; y tomando la costa arriba llegó cerca de la Punta Gorda en el monte grande, y por ser ya tarde, buscó adonde albergarse, y topando con una cueva que hacía barranca de la misma costa, entró en ella, y repentinamente topó con una fiera leona que estaba en doloroso parto, que vista por la aflijida mujer quedó esta muerta y desmayada, y volviendo en sí, se tendía, á sus pies con humildad. La leona que vió la presa, acometió a hacerla pedazos; pero usando de su real naturaleza, se apiadó de ella, y desechando la ferocidad y furia con que la había acometido, con muestras halagüeñas llegó así á la que ya hacía poco caso de su vida, y ella, cobrando algún aliento, la ayudó en el parto en que actualmente estaba, y venido á luz parió dos leoncillos; en cuya compañía estuvo algunos días sustentada con la leona con la carne que traía de los animales; con que quedó bien agradecida del hospedaje, por el oficio de comadre que usó; y acaeció que un día corriendo los indios aquella costa, toparon con ella una mañana al tiempo que salía a la playa á satisfacer la sed en el río donde la sorprendieron y llevaron á su pueblo, tomándole uno de ellos por mujer, de cuyo suceso y de lo demás que pasó, haré relación adelante. (Cap. XII). [Irala, después que fundó un fuerte en Asunción, volvió] para el de Buenos Aires á dar cuenta á don Pedro del efecto de su expedición; y llegado á su destino halló que se había ido á España, y que el teniente que había dejado, estaba malquisto con los soldados por ser de condición áspera, y muy riguroso, tanto que por una lechuga cortó á uno las orejas, y á otro afrentó por un rábano, tratando á los demás con la misma crueldad, de que todos estaban con gran desconsuelo, y también por haber sobrevenido al pueblo una furiosa plaga de leones, tigres y onzas, que los comían saliendo del fuerte; de tal manera que era necesario una compañía de jente, para que pudiesen salir á sus ordinarias necesidades. En este tiempo sucedió una cosa admirable, que por serlo la diré, y fue que habiendo salido a correr la tierra un capitán en aquellos pueblos comarcanos, halló en uno de ellos, y trajo a aquella mujer española que hice mención arriba, que por la hambre se fue a poder de los indios. Así que [el teniente] Francisco Ruiz Galán la vio ordenó á que fuese echada á las fieras, para que la despedazasen y comiesen; y puesto en ejecución su mandato, llevaron a la pobre mujer, la ataron muy bien á un árbol, y la dejaron como una legua fuera del pueblo, donde acudieron aquella noche á la presa gran número de fieras para devorarla, y entre ellas vino la leona á quien esta mujer había ayudado en el parto, y habiéndola conocido, la defendió de las demás que allí estaban, y querían despedazarla. Quedándose en su compañía, la guardó aquella noche, el otro día y la noche siguiente, hasta que al tercero fueron allá unos soldados por órden de su capitán á ver el efecto que había surtido dejar allí aquella mujer; y hallándola viva, y la leona á sus pies con sus dos leoncillos, que sin acometerlas se apartó algún tanto dando lugar á que llegasen; quedaron admirados del instinto y humanidad de aquella fiera. Desatada la mujer por los soldados la llevaron consigo, quedando la leona dando muy fieros bramidos, mostrando sentimiento y soledad de su bienhechora, y haciendo ver por otra parte su real ánimo y gratitud, y la humanidad que no tuvieron los hombres. De esta manera quedó libre la que ofrecieron á la muerte echándola á las fieras. Esta mujer yo conocí, y la llamaban la Maldonada, que más bien se le podía llamar Biendonada; pues por este suceso se ve no haber merecido el castigo á que le espusieron, pues la necesidad había sido causa á que desamparase á los suyos, y se metiese entre aquellos bárbaros. Algunos atribuyen esta sentencia tan rigorosa al capitán Alvarado, y no á Francisco Ruiz, más cualquiera que haya sido, el caso sucedió como queda dicho, y no carece de crueldad casi inaudita. (Cap. XIII) Según mi interpretación, el relato de la Maldonada alegoriza la alianza de dos mundos mediante el mestizaje racial y cultural, y lo hace con una modernidad sorprendente. Bien es cierto que esa visión temprana no era posible en México o en el Perú, donde ninguna de las dos entidades en pugna –ambas, la española, por un lado, y la azteca y la incaica por el otro, con una fuerte tradición cultural – estaba dispuesta a resignar valores preexistentes. Y que en cambio se hizo necesaria en el Río de la Plata, esto es, en otro medio en que los valores (en especial los europeos) debieron ser revisados para adaptarlos a una nueva realidad acuciante. De lo cual, más que una alegoría, resultaría, en un primer nivel simbólico del texto de Ruy Díaz, una parábola de la acción del abuelo Irala. Pero, como bien sabemos, durante la conquista, lo “naturalmente” admitido era la cópula del hombre blanco con la mujer india. Y aquí tenemos lo contrario: una mujer española dispuesta a unirse a los aborígenes. Pues, de hecho, la Maldonada, al huir del fuerte, sabe que su pasaporte al mundo indio no puede ser otro que el sexo. El autor, en primera persona, asume la defensa de la mujer, diciendo que no merecía el castigo, “pues la necesidad había sido causa á que desamparase á los suyos, y se metiese entre aquellos bárbaros”. Desde este punto de vista, seguimos estando, en cierto modo, en la defensa del mestizaje puramente racial, impulsado por el hambre. En el nivel literal del texto, el acto de la Maldonada se presenta como la elección razonada de una mente práctica, que, rechazando lo repugnante instintivo para sobrevivir (la ingestión de alimañas, carne podrida, excrementos o la antropofagia), prefiere correr el riesgo de hallar otra manera más “humana”, digamos, de mantenerse con vida. Pero el castigo que le impone el teniente español es de otro orden. Más que la “inmoralidad sexual” de la Maldonada, lo que se quiere castigar es su condición de tránsfuga, es decir, el “haber desamparado a los suyos”, el haberse “pasado” al enemigo. Y este valor al que se apegan los españoles en el siglo XVI no es distinto, sino el mismo que perdura o al menos perduró en la civilización occidental del siglo XX. Que entre los rudos conquistadores el castigo para la tránsfuga fuera echarla a las fieras “para que la matasen y la devorasen”, mientras que en Francia fuera el rape y el escarnio público para las mujeres que durante la ocupación nazi fueron amantes de oficiales y soldados alemanes, no cambia el fondo de la cuestión. De allí que el perdón que obtiene la Maldonada, ajustado aparentemente al modelo originario de Androcles y el león en cuanto a la causa– el impacto que el prodigio produce en quien tiene el poder de otorgarlo–, opera en el texto de manera muy distinta. Exige desechar completamente un valor ético arraigado en lo universal. No es lo mismo perdonarle la vida a un esclavo fugitivo, como lo era Androcles, que a un miembro del cuerpo social que se pase al enemigo. Esta audaz vuelta de tuerca que Ruy Díaz da al relato es, a mi modo de ver, y lo repito, de una modernidad inaudita. Fruto sin duda de una intuición de Ruy Díaz, despertada quizá por una actitud polémica ante el fracaso del viejo orden que lo desplazaba, el relato no racionaliza el lado “grave” de la transgresión de la Maldonada, sino que disculpa a la mujer apelando a sentimientos de “humanidad” (los que tuvo la leona y no tuvieron los hombres). Al correr así el centro de la cuestión hacia la relación entre la Maldonada y la leona, el texto deja aparecer la alegoría. En efecto, ya no se trata de una propuesta puramente racial, de “mezcla de sangres”, sino de una colaboración, de un mestizaje cultural que apunta al futuro. Pues observen ustedes que el principal signo de la fusión no es el acoplamiento de la española con el indio, que es un hecho de orden mediato; es decir, consecuencia de que “algunos días estuvo sustentada de la leona con la carne que traía de los animales”, de otro modo no hubiera estado viva cuando la sorprenden los indios. La fusión que aquí aparece como literal en la cópula hombre-mujer, se ha dado antes en el texto, de manera simbólica. La española, sin saberlo, invade la caverna de la leona. La fiera se apiada de la mujer antes de necesitar su ayuda. Como la Maldonada, ha superado lo instintivo. Y, lo más fuertemente significativo, las misionadas como protagonistas de esa alianza son dos hembras, mancomunadas en el acto inmemorial y privativo de las hembras de dar a luz, de asegurar, en suma, la continuidad de las especies. Así, las dos hembras se convierten en co-madres. Si la leona representa a la naturaleza del Plata, tiene “real naturaleza”: está a la altura del papel asignado supuestamente por Dios a los reyes para interpretar sus designios. Es capaz de sentir piedad por la mujer desmayada y hambrienta, a quien alimenta; gratitud; nostalgia cuando deben separarse; “real ánimo” para defenderla del resto de las fieras hostiles; y, finalmente, “la humanidad que no tuvieron los hombres, los hombres españoles, atados a inflexibles principios. Y si la Maldonada es España, pero no la España ultramarina sino la España hambrienta afincada en el Río de la Plata, la más maldonada de todas las Indias, que ya habían retratado, como testigos, Luis de Miranda y Ulrico Schmidel, ¿qué ofrece a cambio de que la Leona-Naturaleza le perdone la vida y la alimente? Ayudarla en un “doloroso parto”, a dar a luz un mundo nuevo, que ya no es ni la Europa del Renacimiento ni la América india. Como toda alegoría, esta es didáctica. La España miserable estragada por el hambre en el Río de la Plata sólo podrá salvarse cuando, una vez que aprenda a aceptar que esto no es México ni el Perú, que el tesoro que ha hallado no es la plata ni el oro sino la propia tierra –cuyos yuyos serían el mejor pasto para el ganado–, se tienda entonces a los pies de esta tierra biendonada “con humildad”, como la Maldonada a los pies de la leona, y la ayude a parir el futuro de sus dos leoncillos: Buenos Aires y Montevideo (la Argentina litoral y el Uruguay). Ella, entonces, usando de la piedad, el ánimo, la gratitud a que la obliga su “real naturaleza”, la sustentará con carne allí, junto al agua que contribuirá a la supervivencia. En efecto, es de este modo como se iniciará, en el Río de la Plata (mucho antes que, con la inmigración, se expandiera la agricultura), una verdadera cultura mestiza: la llamada “cultura del cuero”, proveniente de aquel ganado traído por don Pedro de Mendoza, que, en estado salvaje, se multiplicó hasta lo inverosímil. Durante el siglo XVI, fue desde Asunción, llamada “madre de ciudades, desde donde se pobló el actual litoral argentino. Cuando Hernandarias y Garay comienzan la colonización hacia el sur, se fundan centros urbanos importantes como Santa Fe y se refunda Buenos Aires; y esas corrientes trajeron miles de pobladores mestizos. Tanto los habitantes de las pampas, cuyo paradigma es el gaucho, como la verdadera “aristocracia” criolla primitiva difícilmente no fuera mestiza por algún lado. El hecho de que hoy, en la región del Río de la Plata, predominen los “blancos”, y de que, tomando como referencia a la ciudad de Buenos Aires, se suela insistir en que la Argentina está como “fuera” de América latina, tiene que ver con el desarrollo posterior de esta zona debido al enorme caudal inmigratorio europeo recibido desde el siglo XIX (que de todos modos, en gran parte, se mezcló con los antiguos mestizos). Explicar ese complicado proceso histórico excede el tema de esta breve charla. Pero, al menos, espero haber contribuido a aclarar que, contra lo que comúnmente se cree, no sólo el noroeste, la región andina en general y el centro de la Argentina son frutos del mestizaje racial y cultural, sino también Buenos Aires y toda su zona de influencia. En suma: que la Argentina, por donde se la mire, no sea originariamente un país tanto o más mestizo que otros de América latina, es un mito. NOTAS 1. Tanto en la transcripción del poema de Luis de Miranda, como en la de los fragmentos de la Argentina Manuscrita, de Ruy Díaz de Guzmán, se ha respetado la grafía propia de la época. 2. Del clérigo Martín del Barco Centenera. Publicado en Lisboa, en 1602. MARTA SPAGNUOLO (Argentina, 1942). Destacada estudiosa da obra de Machado de Assis e Jorge Luis Borges. Escritora, jornalista e tradutora. Traduziu autores brasileiros, a exemplo de Lêdo Ivo e Floriano Martins, para editoras no México e na Venezuela. É autora de uma infinidade de textos sobre temas literários e lingüísticos para diversos órgãos de imprensa na Argentina e em outros países. Contato: martaspag@hotmail. com. __________________________________________________ Texto apresentado na mesa "Inícios da mestiçagem cultural no Rio da Prata: La Argentina, de Ruy Díaz de Guzmán" Sala Dolor Barreira - 20 de novembro de 2008 Mediação: Luís Eustáquio Soares (Brasil) revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial La aventura cultural del mestizaje Grazia Ojeda del Arco Tang . Quisiera, en primer lugar, celebrar la iniciativa de la presente Bienal de Libro de Fortaleza, pues, el tema propuesto: “La aventura cultural del mestizaje” se inspira en la urgente necesidad de reflexionar sobre un tópico que nos concierne a todos, más allá de la diversidad de nuestras nacionalidades. Es la hora de dejar de lado todo interés mezquino para recoger el desafío de la exaltante realidad de nuestro continente: buscar las vías que nos unan, respetando nuestras identidades y particularidades culturales, lingüísticas, sociales, y superar con inteligencia e imaginación cualquier propósito hegemonista. Quien les habla y desea compartir sus ideas sobre la presente inquietud, viene del Perú, es decir: desde las culturas milenarias que florecieron en los andes que vertebran nuestra geografía, de la tierra de los Incas, y del cielo que vio nacer a nuestro más insigne poeta: César Vallejo, y de aquel universo andino, que marcara con el fuego redentor de la escritura a nuestro narrador y símbolo del Perú contemporáneo: José María Arguedas. Es además muy grato para mí, iniciar esta exposición refiriéndome a quien simbólicamente es el primer mestizo de América Latina: El Inca Garcilaso de la Vega. La Literatura Latinoamericana celebra el próximo año, 2009, los 400 años de la 1ª Edición de un libro excepcional en nuestra literatura: “Los Comentarios Reales” del Inca Garcilaso de la Vega, editado en una célebre imprenta de Lisboa en 1609. El Inca Garcilaso, hijo de un capitán español: Sebastián Vargas de la Vega y de una ñusta perteneciente a la panaca real de los incas, Isabel Chimpu Ocllo surge del encuentro de estos dos mundos y se convierte en el príncipe de las letras y la cultura del mestizaje, verbaliza su concepción del mundo a la luz de una mirada renacentista, y nos ofrece un conmovedor y desgarrador testimonio, en una lengua como el español cercana a su padre venido de Europa y un sentimiento enriquecido por la lengua quechua heredado de su noble madre que de este modo lo vincula al universo mágico y mítico de a los Andes del Tahuantinsuyo. Quiero rememorar la imagen histórica del Inca Garcilaso de la Vega, resaltando a quien dejó escrita una frase que, hoy, ante este magno auditorio, me place recordar: “Prenda de dos mundo tengo yo”, como un homenaje a la próxima celebración de los 400 años de la primera edición de los Comentarios Reales, fecha en que el universo académico y literario hispanoamericano festejará la prueba feliz de un sincretismo que empieza a cristalizarse en nuestro continente. Con esta imagen garcilaciana quisiera abrir el día de hoy, esta exposición para compartir con ustedes, mis certidumbres y mis inquietudes sobre La aventura cultural del mestizaje. Pero antes, para precisar mejor aún mi enfoque antropológico, déjeme decirles que, si el 2009 celebraremos la primera edición de los Comentarios Reales, no podemos dejar de lado, como científicos sociales, que dentro de dos años, el 2010, todos nuestros países estarán celebrando el Bicentenario del inicio de nuestra Emancipación Política. Estamos en vísperas de celebrar 200 años de vida republicana: una historia común desde México hasta Chile, una historia que nos hermana aun más y que nos impone la tarea de hacer un balance, de preguntarnos que fue de nuestros proyectos, de nuestras oportunidades perdidas, nuestras utopías, para poner de relieve los aportes culturales que nuestro continente ha hecho al mundo contemporáneo, aportes que resultan imprescindibles para la evolución y perfeccionamiento de la condición humana. Hace 200 años nos independizamos de España y de Portugal, y hoy, curiosamente, para decirlo de alguna manera, hacemos esfuerzos, tanto a nivel oficial como intelectual y artístico, para renovar nuestros contactos con aquellos países, pero, obviamente, en el marco de condiciones históricas muy diferentes. A partir del siglo XX, más precisamente desde 1910, con la Revolución Mexicana, el mestizaje se extiende por todo el continente dando lugar a que pasen a ser minoría social los blancos que detentaban los beneficios del poder, me refiero a la vieja oligarquía, y por otro lado, ocurre lo mismo con las poblaciones indígenas de nuestro continente. El siglo XX ha sido, por lo tanto, el marco histórico en el cual el mestizaje ha ganado un espacio que a la fecha sigue siendo un tema preferente de nuestra agenda intelectual. Estamos empezando el siglo XXI con una población mestiza abrumadoramente mayoritaria y esa población mestiza ha cristalizado un sincretismo cultural que se enriquece con los aportes de Europa, Asia, África dando lugar a un crisol de culturas lo que podemos decir en otras palabras, la diversidad cultural, sin dejar de lado el aporte de las culturas indígenas que aún subsisten en minoría. En América Latina se da un hecho prodigioso: los pueblos viven en tiempos históricos distintos; en las urbes cosmopolitas o las megalópolis, como Sao Paulo, Buenos Aires, Río, Santiago y Lima podría decirse que estamos viviendo en una época postmoderna en donde las conquistas de la ciencia y la tecnología alivian el vértigo de la vida contemporánea. No podemos decir lo mismo de sociedades andinas que se levantan a 4,000 metros sobre el nivel del mar o en los pueblos milenarios que se encuentran en la hoya amazónica que desarrollan su cosmovisión en una especial relación con la naturaleza. A nuestro entender, uno de los factores que ejerce su poderío en América Latina es la colonialidad. Un colonialismo que todavía subsiste y se perfila como una prolongación de occidente, somos un continente periférico, un satélite cultural de occidente con nuestra propia idiosincrasia y personalidad. América Latina se convierte así es un escenario de des/ encuentros permanentes e insólitos en la que se mezclan el mundo cognitivo, las experiencias cotidianas, y nuestra apreciada memoria histórica, tan valorada por Eduardo Galeano en sus búsquedas infatigables por encontrar nuestros signos comunitarios. Las fronteras que dividen nuestros países son ficticias, son fronteras imaginarias. Una Convención política las establece, porque nuestros pueblos lamentablemente no se han desarrollado de manera orgánica, entrelazándose entre ellos, sino de manera particular y eso precisamente constituye su diversidad: la fuerza de no haber sucumbido al poder colonizador establecido, sabiendo rescatar elementos de su riqueza cultural ancestral, y su debilidad por no encontrar un continente orgánicamente fortalecido sino fragmentado. Uno de los aportes de esta Bienal precisamente es el dialogo que se esta abriendo para descubrirnos y conocernos estableciendo alianzas hacia horizontes comunes. Estamos física y geográficamente tan cercanos, pero culturalmente tan lejanos que nos desconocemos unos de otros y esta situación, por el bien de nuestros pueblos debe revertirse. Ese en nuestro desafío actual. En este último medio siglo, en nuestro continente, se han dado a conocer estudios que ahora bien podemos considerar paradigmáticos sobre la transculturación, el sincretismo cultural vigente en nuestra América. El aporte espléndido de Octavio Paz en su “Laberinto de la Soledad”, “La Ciudad letrada” del uruguayo Angel Rama, pasando por el Calibán, del gran poeta Roberto Fernández Retamar, que nos ilumina con sus versos desde Cuba. , así como el aporte de Darcy Ribeiro quién en su libro “América y Civilización” enriquece la teoría antropológica para explicarnos el proceso del mestizaje. Darcy Ribeiro señala que en nuestro continente hay Pueblos-Testimonio: los andinos y mesoamericanos, cuyas nacionalidades han preservado sus lenguas, sus ritos tradicionales, su visión del mundo; PueblosNuevos: los de Brasil, Chile y las Antillas, en donde los rezagos de las culturas precolombinas se fusionaron con la europea, la africana e incluso la asiática. Y Pueblos-Transplantados, como Argentina y Uruguay. Es decir, estamos ante sujetos sociales de un país nuevo (como ustedes), donde hace uso de la palabra una mujer que se enraíza con las culturas milenarias de nuestra América. Todos estos trabajos no fortalecen y enriquecen desde una mirada sin concesiones y a la vez integradora donde se recogen las diferentes voces y testimonios de todos los aportes de las diferentes culturas e identidades. Siguiendo las huellas de estas lecturas maestras queremos plantear algunas reflexiones sobre el mestizaje cultural y su influencia en la sociedad latinoamericana. La idea del mestizaje como un elemento fundacional en las sociedades del nuevo mundo, permite el encuentro de culturas como dice García Canclini: la mezclan los colonizadores españoles y portugueses, ingleses y franceses con indígenas americanos a los cuales se añadieron los esclavos trasladados desde África y posteriormente los chinos y japoneses venidos del continente asiático, que generan fusiones raciales o étnicas, mezclas interculturales, sincretismo de creencias religiosas que desde la antropología y las ciencias sociales son estudiadas como procesos de hibridación desde una nueva mirada que permite plantear nuevas formas de convivencia multicultural y moderna. Por tanto una primera reflexión nos lleva a entender que en Nuestra América debemos trascender la noción de un mestizaje biológico que ahora es insuficiente para pasar a un mestizaje de dimensión cultural que nos demanda asimismo, ampliar el concepto de Estado-Nación por el de Estados-multinacionales, donde confluyan ideas, formas de pensamientos, ritos sociales, hábitos de las sociedades indígenas y mestizas a fin de propiciar una política inclusiva y tolerante. La noción de mestizaje en el contexto actual del mercado global, donde confluyen migraciones, conflictos de identidades y lucha de intereses, se ha convertido en noción controvertida. En las ciencias sociales y en el pensamiento político y democrático se centra actualmente la discusión, en la dimensión cultural de las interrelaciones que se dan en las diferentes identidades. En la antropología, los estudios culturales y en las políticas se plantean el diseño de formas de convivencia multicultural moderna inclusiva. Ejemplo claro son las flamantes Constituciones de Bolivia y Ecuador, sin negar los avances en el mismo sentido de Venezuela. La nueva Constitución de Bolivia nos habla ya de descolonizar, de refundar Bolivia, de reconocer el multiculturalismo, y la plurinacionalidad, de los derechos colectivos comunitarios. El concepto de hibridación señala Néstor García Canclini, consiste en “procesos socioculturales en los que estructuras ó prácticas discretas, que existían en forma separada, se combinan para generar nuevas estructuras, objetos y prácticas”. En el Cusco, por ejemplo, en el siglo XVIII se dio una feliz combinación del estilo barroco europeo con la imaginería indígena, dando lugar a lo que hoy se llama, en la Pintura, la escuela Cusqueña, también conocida como el barroco andino. Otro ejemplo moderno de hibridación es el tema de la música, en el género denominado chicha, se da una fusión del huayno andino con la música tropical del Caribe, primordialmente en el Perú. Las interacciones culturales son hoy muy intensas, gracias al proceso globalizador, se redefinen las investigaciones incorporando nuevos conceptos, mezclas interculturales fusiones raciales y étnicas, sincretismo de creencias producto del mestizaje, se interrelaciona “lo tradicional y lo moderno, lo culto y lo popular, lo artesanal y lo industrial, lo escrito, lo visual y lo mediático”. Es importante resaltar también como los estudios sobre hibridación modifican el modo de hablar, establecen nuevas categorías y trabajan otras temáticas sobre: identidad, cultura, diferencia, desigualdad, multiculturalidad, educación intercultural, dando cuenta sobre “pares binarios organizados de manera muchas veces conflictiva en las ciencias sociales: tradición / modernidad, norte / sur, local / global”, lo que hace muchas veces que los modelos identitarios de nuestras propias realidades se complejicen. A estos aciertos, senâlados por García Canclini, deberíamos agregar el aporte de Arturo Escobar (1988) quien señala que podemos entender que “Las culturas ya no están constreñidas, limitadas y localizadas sino profundamente desterritorializadas y sujetas a múltiples hidibridaciones”. Las ciencias sociales apuntan certeramente cuando sostienen que las tensiones entre tradición y modernidad son fuente de conflicto, pero también de creatividad y de fusiones entre lo global y lo local. Así la globalización viene generando nuevos mestizajes culturales entre elementos locales y transnacionales. Más todavía ciertas tradiciones locales se deslocalizan y se esparcen por el mundo. Es importante señalar cómo los procesos a nivel local no son ajenos al contexto de la globalización y se establece la “capacidad de funcionar como unidad en tiempo real a escala planetaria”. La globalización como un fenómeno objetivo no depende de nuestro modo de pensar o sentir y nos afecta independientemente de nuestra situación económica o geográfica como hecho definitivo e irreversible. La mundialización de la economía es una de las causas de la globalización pero no la única. Recientes estudios señalan también que el proceso global se presenta además como un estado de ánimo, un cambio cultural y de mentalidad, como una posibilidad de que surja una nueva sociedad. Este fenómeno afecta también no solo a nuestra organización social, económica o política, sino también a nuestros principios, valores, creencias y en general a todas aquellas cosmovisiones que han sido referencias paradigmáticas de nuestra forma de ver y entender el mundo. Podemos imaginar entonces una sociedad de futuro donde el mestizaje no sea producto de una acción desgarradora, como aquella que afectara tanto históricamente a los primeros mestizos, como lo hemos recordado al señalar el desgarramiento existencial del Inca Garcilaso de la Vega. Muchas aguas han pasado bajo el puente de nuestra historia continental, y el concepto del mestizaje hay que entenderlo ahora, como bien señala José Pérez Tapia (1999-2000), sino una aventura cultural humanizadora de encuentros y diálogos interculturales -que nos permitan construir una sociedad auténticamente democrática e inclusiva-, uno de esos espacios en donde a partir de una educación democrática e intercultural se pueda empezar a generar consensos de dialogo e intercambio. Mientras subsista las contradicciones, tensiones, conflictos entre Estado-Nación, en algunos países como el Perú, Bolivia, Ecuador, por ejemplo, que da lugar a una no integración total, subsistirán barreras para la Integración regional y más aún continental. Hay, pues, una doble tarea: impulsar la integración dialéctica, creativa, del estado-nación a un estado nación multicultural en algunos países nuestros y, al mismo tiempo, insistir en una política de integración plena de todos nuestros países. Es por todo esto que yo celebro esta Bienal que nos permite compartir con ustedes, desde los Andes y América Latina diversas miradas que nos impulsan a forjar un Proyecto continental, respetando nuestra individualidad nuestros rasgos particulares, con una mirada amplia e integradora, incluyente, que nos lleve a formular una propuesta inclusiva, donde todos los logros artísticos, culturales, artesanales que actualmente pasan desapercibidos en nuestros países y que paradójicamente son valorados en Europa y los EEUU sean revalorados por nosotros mismos. Hace más de 100 años el poeta y ensayista cubano José Martí uno de los grandes visionarios de nuestra América señalo: Bienvenidas las culturas que vienen de Europa, pero que estas no nos hagan perder nuestras raíces culturales: “el árbol será europeo, pero las raíces serán indígenas” Nuestro más entrañable narrador del mundo andino, José María Arguedas cuando recibe el premio Inca Garcilaso de la Vega en 1968 en su discurso de agradecimiento expresó que él era el resultado de un mestizaje social y cultural, artístico, en el que señala que en el Perú podían vivir gozosamente todas las patrias y todas las sangres. “Yo no soy un aculturado; yo soy un peruano que orgullosamente, como un demonio feliz habla en cristiano y en indio, en español y en quechua”. El sentimiento que nos llevamos de esta Bienal es el de la esperanza de los pueblos, esperanza que debe transitar a la acción, a experimentar la fuerza y el vigor colectivo que debe de traducirse en una acción política de propuesta, vigilancia y exigencia a los gobiernos en los compromisos que permitan avanzar a un continente más nuestro. Nuestras fronteras deberían estar abiertas a un diálogo creativo, enriquecedor, permanente, si Europa ha sido capaz de postergar todas sus diferencias para dar paso a la Unión Europea, ¿por qué no pensar que en un futuro no lejano podamos nosotros integrar una comunidad de naciones latinoamericanas? No aceptemos que a nombre de una política neoliberal a ultranza se mantenga la acción depredadora de nuestros territorios y se pongan en venta nuestros derechos. Aspiremos a una nueva institucionalidad y tratamiento de la Agenda Sudamericana de Naciones que recoja las voces, las visiones y el protagonismo en el proceso de construcción de un sueño colectivo con dignidad y soberanía. Es de esperar para un futuro inmediato que nuestros países recogiendo las lecciones de nuestra historia continental propicien una política inclusiva con Brasil, que las lenguas no nos separen, que las peculiaridades de cada país no sean barreras infranqueables. Busquemos lo que nos concierta. Y juntos forjemos un continente próspero y unido, así nos lo reclaman las generaciones futuras de las comunidades que pueblan la amazonía, los andes, las costas que son bañadas por dos océanos. Todos estos proyectos de cambio parecieran ser un sueño o una utopía por cumplir. Sin embargo, confiamos como lo dijimos al inicio de nuestra exposición, que podrían transformarse en una ardiente realidad. Es una tarea de todos y sabemos que lo lograremos, porque como dijo José María Arguedas: “Todas las sangres, nos alientan.” Todas las patrias sostienen nuestros sueños”, y permítanme, para finalizar mi exposición, compartir con ustedes un verso del poeta peruano César Vallejo que suena hoy día como una hermosa consigna que nos desafía ante la historia: “Hay hermanos, muchísimo que hacer.” GRAZIA OJEDA DEL ARCO TANG (Peru, 1956). Integra a Equipe de Assessoria Acadêmica do Ministério da Mulher e Desenvolvimento Social. Antropóloga, com especialização em diversidade cultural e interculturalidade. Sobre este tema tem percorrido alguns países europeus e americanos a dar conferência. Contato: [email protected]. ____________________________________________________ Texto apresentado na mesa "Mestiçagem cultural e sua influência na sociedade latino-americana" Sala Herman Lima - 21 de novembro de 2008 Mediação: Nicolau Saião (Portugal) revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial La poesía guaraní - desde los cantos míticos a las expresiones de hoy Susy Delgado . La literatura escrita en guaraní es un tema rodeado de nutridas polémicas, como todo lo que se relaciona con esta lengua que ha llegado a los primeros tramos del tercer milenio con una vitalidad asombrosa pero también con signos claros de una antigua discriminación. Esta literatura dio sus primeras señales ya los primeros tiempos de la colonia y hoy existe con muestras indudables, pero todavía hay quienes preguntan o directamente cuestionan por qué escribir en guaraní, recordando su condición original de lengua ágrafa y su situación actual dentro de la cual persiste la inacabable discusión sobre su escritura. Puntualicemos brevemente los principales aspectos de esa situación, recordando que el guaraní tiene el status de lengua oficial en igualdad de condiciones con el castellano desde 1992, y que la Reforma Educativa empezó a implementar un Plan de Educación Bilingüe en 1994, hechos que constituyeron reparaciones históricas, pero que no fueron honrados suficientemente en los hechos. La oficialidad no pasó nunca de ser simbólica, ya que hasta el presente el estado paraguayo no funciona en esta lengua, y la Reforma Educativa, el único terreno en el cual se trabajó de hecho por la dignificación del guaraní, se ha venido desarrollando con más rechazos que adhesiones. Luego de sucesivas revisiones y correcciones, en los últimos años el Ministerio de Educación dio libertad a las escuelas para que eligieran entre la modalidad guaraní hablante y la del castellano hablante para el inicio del proceso educativo y el resultado ha sido la disminución drástica de instituciones que asumen la primera forma. En estas condiciones, la pretendida bilingüización aparece todavía como una meta lejana y no es extraño que el guaraní sea descifrado en la lectura por muy pocos, uno de los cuestionamientos que esgrimen quienes ponen en entredicho la validez de la literatura escrita en esta lengua. Con un 86% de hablantes en todo el país, el guaraní no accede sin embargo hasta el presente a ciertos niveles de uso que la proyecten como una lengua del futuro. Este es el panorama que enfrentan las autoridades que han asumido el gobierno el pasado agosto, quienes manifestaron su firme intención de revertir esta situación y ubicar al guaraní en el lugar que se merece como lengua que ha marcado profundamente el carácter y la cultura de los paraguayos. Y en esa intención se inscriben algunas primeras tareas, como el apoyo a la promulgación de una Ley de Lenguas y un Convenio entre la Secretaría Nacional de Cultura y la Secretaría de la Función Pública para ofrecer cursos de Guaraní a los funcionarios públicos. Pero esta es una labor que está en sus inicios y que naturalmente no puede dar todavía sus frutos. Por ahora, en esta contextualización que pretendemos hacer para la literatura guaraní de las últimas décadas, hay que decir que por encima de condiciones no muy favorables, esta literatura guaraní ha dado y sigue dando muestras de vitalidad, ha hecho como en cualquier lengua, su propio proceso de paso de la oralidad a la escritura y viene haciendo su camino, con sus esplendores y vacilaciones. Dentro de esa literatura, la poesía es el género más cultivado y la misma ha recogido y reflejado la impronta española en un extenso periodo, alcanzando su máximo esplendor con la poesía popular de las primeras décadas del siglo XX. En una nueva etapa, denominada por algunos especialistas de la “poesía guaraní moderna”, ella empezó a bucear en otros surcos y herencias. Yo ofrezco aquí una aproximación al gran legado de los cantos míticos y su influencia en la poesía guaraní de las últimas décadas. Haciendo un poco de historia, debemos mencionar en primer lugar el largo periodo de desconocimiento que pesó sobre los cantos míticos y sobre todas las demás expresiones culturales de los guaraní, hasta hace pocas décadas, en el Paraguay. Enmarcadas en una cultura ágrafa, recelosa de la escritura según lo testimonian las crónicas antiguas y señales más cercanas en el tiempo, estas expresiones se mantuvieron en un gran secreto que bien pudo responder a una estrategia de resistencia ante la profunda discriminación que se les impuso desde la llegada de los españoles a la región. Y podemos recordar aquí algunos de los hallazgos fundamentales que abrieron camino al postergado conocimiento de la poesía indígena guaraní: el del antropólogo alemán Kurt Unkel (18331945), quien recogió los textos míticos de los apapokúva-guaraní y los publicó en Berlín en 1914, bajo el título de Los mitos de la creación y destrucción del mundo como fundamento de la religión de los Apapokúva-Guaraní, y el de León Cadogan (1899-1973), quien recogió los cantos míticos de los mbyá guaraní del Guairá y los volcó en varios libros, el más importante de los cuales es el Ayvu Rapyta (El fundamento de la palabra), considerado el libro sagrado de este pueblo. Kurt Unkel, que había llegado al Paraguay a principios del siglo XX, interesado en la etnia de los apapokúva-guaraní que ocupaban la región fronteriza entre Paraguay y Brasil, y luego de un periodo de acercamiento cuidadoso, se convenció de que solo “convirtiéndose” en un apapokúva podría acceder a sus secretos, conquistó finalmente la confianza de los indígenas y logró que éstos lo bautizaran con el nombre de Nimuendaju, “El que crea su propio asiento”. Ya visto y tratado como un hermano espiritual de los indígenas, el antropólogo fue develando poco a poco las claves de la admirable cosmogonía guaraní que guardaban los apapokúva, en cuyo centro se ubica el sagrado valor de la palabra. Tal como lo señala Graciela Chamorro (31), Nimuendaju fue “el primero en informar la persistencia de la palabra indígena, hablando desde dentro de la experiencia religiosa”. En el libro Los mitos de la creación y destrucción del mundo como fundamento de la religión de los Apapokúva-Guaraní, Unkel volcó no solamente la concepción guaraní sobre el principio y la creación del mundo, sobre la existencia de un Dios creador y la compleja cosmogonía en que el mismo se inserta, sino que develó el valor central de esta cultura, el ñe’ë, la palabra, la que llega a los chamanes en el sueño para nombrar a las personas, y al hacerlo, otorgarles el ser. Al decir de Bartomeu Meliá, Nimuendaju devela con estos mitos fundadores una “religión de la palabra”. En Paraguay, el desconocimiento de estos cantos míticos se prolongó todavía algunas décadas, ya que se conoció una traducción de este libro, editada en San Pablo por Juan Francisco Recalde, con una pequeña tirada de 100 ejemplares, recién en 1944. Reflexionando sobre aquel largo secreto, dice Rubén Bareiro Saguier (22): “Ante la agresividad reductora, la palabra religiosa, depositaria ancestral de la identidad, símbolo y clave de la supervivencia de la comunidad, se vuelve esotérica, y no se revela sino a quien ha sido aceptado e integrado como miembro del ‘asiento de los fogones’”. Nimuendaju lo había logrado, abriendo camino a los investigadores que siguieron buceando en ella, entre los cuales es considerado fundamental el aporte de León Cadogan. Cadogan, paraguayo de ascendientes australianos, antropólogo autodidacta, realizó largas y profundas investigaciones con los mbyá-guaraní del Guairá, de quienes llegó a recoger a partir de la década del 40, un amplio y variado conjunto de textos míticos, considerado por los especialistas como el corpus más importante de textos orales de los guaraní. En una experiencia similar a la de Unkel, invirtió un buen tiempo en ganarse la confianza de los indígenas y finalmente, luego de un hecho circunstancial en el cual intercedió para la liberación de un mbyá preso, los indígenas le revelaron sus cantos secretos. Cumpliendo el mismo ritual vivido por Nimuendaju, los mbyá bautizaron previamente a Cadogan como “Tupã kuchuvi veve” (Dios torbellino que vuela), y luego le descubrieron la existencia de los “Ñe'e Porã Tenonde”, Las Primeras Palabras Hermosas. Resumiendo la gran labor de Cadogan, hay que decir que el investigador logró, al cabo de una tarea de muchos años, la recopilación y transcripción del más importante conjunto de cantos que guardan los mitos de la religión mbyá-guaraní. Una parte de esos textos reunió en el estudio titulado Las tradiciones religiosas de los indios Jeguaká Tenondé Porängué i del Guairá, comúnmente llamados Mbyá, Mbyá apyteré o Ka’ynguá, publicado en 1946 por la Revista de la Sociedad científica del Paraguay. Luego, aquellos textos iniciales se vieron engrosados por otros nuevos, todos los cuales se reunieron en el libro Ayvu Rapyta (El Fundamento de la Palabra), en 1959 y en Yvyra Ñe'ery (Fluye del árbol la palabra) en 1970. Entre todos ellos, el Ayvu Rapyta se destacó nítidamente, instalándose junto a los grandes textos sagrados de otros pueblos antiguos de América, como el Popol Vuh de los mayas. El complejo y deslumbrante universo mítico de los guaraníes se había develado por completo. Con un gran celo por la fidelidad a la palabra escuchada, Cadogan volcó textualmente en la escritura aquellos cantos, y con una actitud consecuente, señaló en su prólogo como “los verdaderos autores del trabajo” a los indígenas que le habían revelado dichos cantos: los caciques Pablo Vera y Che’íro, al mayor Francisco (Chico’i), y a los indígenas Kachirito, Tomás Benítez, Cirilo, Higinio y Mario Higinio, de diferentes lugares del Guairá. El Ayvu Rapyta, ese texto que alguien consideró equiparable a la mejor poesía del mundo, es un extenso canto en que se relata la creación del mundo y que se inicia refiriendo sobre la existencia originaria de Maino'i, el colibrí maravilloso. Dicen los primeros versos del Capítulo I de Ayvu Rapyta, con traducción del propio Cadogan: Ñande Ru Papa Tenonde/ gueterã ombojera/ pytû ymágui/ Yvára pypyte/ apyka apu'a'i/ pytû yma mbytére/ oguerojera (Nuestro Padre Ultimo-último Primero,/ para su propio cuerpo creó/ de las tinieblas primigenias./ Las divinas plantas de los pies,/ el pequeño asiento redondo,/ en medio de las tinieblas primigenias,/ los creó, en el curso de su evolución). El Ayvu Rapyta se compone de 19 capítulos, dedicando los cuatro primeros al génesis mbyá-guaraní, en los cuales se relata el origen de los dioses, la creación del fundamento de la palabra y asimismo la del fundamento del amor comunitario, del mundo y de los hombres. Estos textos eran conocidos solo por los Jeguakáva Tenonde Porangue i, los adornados elegidos, por el alto significado que les otorgaban los indígenas. A los mismos siguen otros cantos de importancia secundaria, referidos a diversos aspectos de la vida cotidiana, y oraciones para acompañar determinados rituales, que guardan normas y consejos para la vida. En estos cantos se despliega en toda su riqueza, el pensamiento mítico guaraní, todo su complejo universo religioso y filosófico, que gira en torno al valor central de la palabra. Un breve fragmento del capítulo especial dedicado a la creación de la palabra dice así: Ñamandu Ru Ete tenondegua/ oyvára peteîgui,/ oyvárapy mba'ekuaágui/ okuaarávyma/ tataendy, tatachina ogueromoñemoña./ Oãmy vyma,/ oyvárapy mba'ekuaágui,/ okuaararávyma/ ayvu rapytarã i oikuaa ojeupe./ Oyvárapy mba'ekuaágui,/ okuaararávyma,/ ayvu rapyta oguerojera,/ ogueroyvára Ñande Ru. (El verdadero Padre Ñamandu, el primero,/ de una porción de su propia divinidad,/ de la sabiduría contenida en su propia divinidad,/ y en virtud de su sabiduría creadora/ hizo que se engendrasen llamas y tenue neblina./ Habiéndose erguido/ de la sabiduría contenida en su propia divinidad,/ y en virtud de su sabiduría creadora,/ creó nuestro Padre el fundamento del lenguaje humano/ e hizo que formara parte de su propia divinidad.). El Ayvu Rapyta se erigió en un verdadero hito dentro de lo que algunos hoy denominan la poesía de los guaraní. Pero en esta tarea de develar la palabra de estos indígenas no podemos olvidar tampoco los aportes de otros investigadores como Egon Schaden, Pierre Clastres, Marcial Samaniego, Branislava Susnik, Bartomeu Meliá, Miguel Chase Sardi, Guillermo Sequera, Carlos Martínez Gamba y José Zanardini. De acuerdo con la concepción guaraní, la palabra es canto, danza y oración para comunicarse con los dioses. El ser guaraní se identifica profundamente con la palabra y ésta marca el rasgo esencial del hombre, desde el momento en que éste es engendrado. En el acto de unión amorosa, el padre comunica la palabra soñada a la madre, que queda preñada de esta palabra. El ser humano es, por lo tanto, una encarnación de la palabra. Y esta palabra es instrumento de perfección, a través de la cual, el guaraní se hace más sabio y más hombre, y alcanzar finalmente, su mayor prestigio. La virtud más alta del guaraní está en su capacidad de concebir y expresar el Ñe’• porã, la palabra hermosa. “Los guaraníes no solo son ‘señores de la palabra’ como ya notaron conquistadores y misioneros, sino que ellos se saben palabra” dice Bartomeu Meliá. En Paraguay, cuando se habla de poesía indígena, se alude a estos cantos míticos que todavía sobreviven en la voz de los chamanes, en las ceremonias que marcan el calendario de la religiosidad guaraní. Heredera de una lengua ágrafa y de una cultura fuertemente sostenida en la oralidad, es fácil notar que ella ha sobrevivido alejada del concepto occidental de poesía, que se apoya firmemente en la escritura. Pero también hay que observar que superando una larga discusión sobre la naturaleza y la denominación de las expresiones culturales como éstas, la mayoría de los especialistas coinciden hoy en calificarlas como “poesía indígena”. Delicia Villagra (45) opina que “no se trata de que la noción de ‘literario’ sea asimilada, ipso facto, a la escritura” y que “escritura y oratura no se oponen”. Y en Paraguay –agrego- cuando se habla de poesía guaraní, se suele ampliar el significado a las expresiones de los poetas mestizos, por el singular fenómeno lingüístico que se ha dado en el país, con una lengua que pese a toda la discriminación y proscripción que se ha ejercido sobre ella, ha sobrevivido con una asombrosa vitalidad, al punto de que hoy, a cinco siglos de la llegada de los españoles, es hablada por la gran mayoría de los paraguayos. ¿Cómo ha influido esa palabra hermosa de los indígenas en la poesía guaraní mestiza, una vez que ésta dejó de ser secreta? Luego de un largo periodo en que esta influencia fue poco notoria o inexistente por los motivos mencionados, la misma empezó a dar sus claras señales en la segunda mitad del siglo XX, con los primeros ejemplos de la denominada poesía moderna en guaraní. Una época marcada por la dictadura stronista que impuso una atmósfera liberticida en todos los órdenes, que persiguió y proscribió las voces de muchos importantes escritores paraguayos, fue el marco paradójico de este nacimiento. En esta atmósfera, recordemos, la poesía se erigió como la voz de la resistencia, para decir la angustia y la indignación de un pueblo. Y esta poesía se expresó muchas veces a su modo raigal: en guaraní. Por lo tanto, en este clima de signos contrarios –mientras la dictadura actuaba como mordaza, la revelación de la palabra guaraní lo hacía como aliento- emergió la nueva poesía guaraní, una poesía que se proyecta desde la recuperación de los valores fundamentales de la cultura guaraní, empezando por el de la propia lengua. Caído el régimen stronista, el guaraní obtuvo como dijéramos antes, su reconocimiento como Lengua Oficial en la nueva Constitución de 1992, y ha venido avanzando desde allí en otros terrenos de su recuperación. La poesía guaraní ha venido caminando a la par y se ha erigido, antes que nada, en expresión de la revalorización de la palabra. Profundizando la recuperación de la lengua, esta poesía ha empezado a rescatar otros valores centrales de la cultura guaraní como los de la tierra y la naturaleza, la libertad, la solidaridad y la equidad social. ¿Y cuáles son los nombres de esta nueva poesía? Ida Talavera, poeta bilingüe nacida en 1912, es considerada por algunos como la fundadora de la poesía moderna en guaraní. Con un solo poemario publicado -Esto de andar, Péndulo, 1966-, ella dio a conocer sus poemas en diversas publicaciones de la época, entre los cuales se contaban numerosos textos en guaraní. En sus textos, la poeta alterna formas clásicas no demasiado ortodoxas con el verso libre, y le da un nuevo acento a la poesía social paraguaya, que tuvo muchos cultores en las últimas décadas, como en ese poema sugestivamente titulado Purahéi pyahu Canto nuevo (Krivoshein de Canese, Acosta Alcaraz, 172), que dice: Yma asyetéma, che ryke’ykuéra,/ tyryryhápe jaiko mayma,/ tekotev•ma ñande ojoykére/ ñahenonde’a ko’•ju rape. (Hace tánto tiempo, hermanos míos,/ que vivimos todos arrastrándonos,/ es necesario que uno junto al otro/ enfrentemos el camino del alba). El canto a la tierra y a la voz genuina que de ella surge fue un tema recogido por poetas como Carlos Federico Abente, autor de Ñemity (Teresa Méndez Faith, 51-52), verdadero himno de la resistencia paraguaya en los años de la dictadura, cuyos primeros versos dicen: Jahypýi ko yvy tome’• hi’a/ ñamboapy ko sapukái/ yvytu vevére ñahendu iñe’•/ ñande kóga purahéi. (Reguemos la tierra, que nos dé sus frutos,/ extendamos este grito/ escuchemos su voz volando en el viento/ canción de nuestro sembradío). En 1989 sobrevino en Paraguay el golpe de estado que marcó el fin de una época. Precisamente en ese año, un poeta que conoció las más duras persecuciones del régimen stronista, Félix de Guarania, expresaba en su poema titulado ¡Pehendu che ñe'e! (Escuchen mi palabra) del libro Tojevy kuarahy (Que vuelva el sol, 27), la esperanza de la palabra liberada, instalándose en una reivindicación directa de la palabra guaraní: Péina ápe/ aheja che ñe’•./ Toveve/ toipykúi/ tekove rape... (He aquí/ que dejo mi voz./ Que vuele/ que emprenda/ el camino de la vida...) Carlos Martínez Gamba, poeta que obtuvo el primer Premio Nacional de Literatura concedido a un escritor de lengua guaraní en el 2003, asume sin complejos lo que hoy es definido como el “guaraní paraguayo”, un guaraní que sobrevive con abundantes préstamos del castellano, y cultiva una variada temática, desde aquellos anclados en la mitología y la sabiduría indígena y popular. Los versos que rescatamos aquí corresponden al poema Guyra Compuéhto (Compuesto de los pájaros), de su libro Guyraretã (Patria de los pájaros, 29), donde el poeta compone un delicioso canto a la naturaleza: Ypajere rembe'ype/ guyra kuéra oñombyaty;/ Kuarahy Mimby santo'ára/ tuichaite ojerohory./ Oguãhêma Alonsito/ Chiripepe ha Yryvu;/ ityvyta ñuvait•/ oúvo Ñakurut• (A orillas de Ypajere/ los pájaros se reúnen/ es el santo de la garza/ lo que mucho se celebra./ ya se acerca el alonsito,/ el loro y también el cuervo;/ y tiene las cejas juntas/ el búho que está llegando). El tema ecológico está presente asimismo en muchos de los poetas que aquí mencionamos, con un claro tono de lamento por las graves lesiones que se hacen a la naturaleza, como en los poemas de Mauro Lugo, perteneciente a la más nueva camada de escritores de lengua guaraní, que en su poema Hendy potaite (Está por encenderse, 43), dice: Hakuvy añandu/ yvy,/ yvytu,/ ysyry./ Hakuvéma katu,/ hakuvéma voi./ Ha hakúgui avei/ ikã,/ ipiru,/ omano,/ oparei/ yvyra. (Siento entibiarse/ la tierra,/ el viento,/ el río./ Ya está más caliente,/ más caliente aún./ Y por el calor/ se seca,/ se agrieta,/ muere,/ se acaba sin más/ el árbol). Y buscando las huellas de la sensibilidad guaraní no podemos olvidar el erotismo, surco que ha encontrado una inquietante y exquisita voz en Lilian Sosa, poeta inédita hasta hoy, cuando al fin anuncia la publicación de su primer libro. Uno de los poemas de esta autora, extraído de la antología Poesía Guaraní de Rubén Bareiro Saguier y Villagra Marsal (162), dice en sus primeros versos: Amo che pytasã guive/ repoñy che apére:/ ñehetã pa’úme/ rejupi mbeguekatumi/ ha pe tape ku’áre/ repyta sapy’aite/ jasy ka’aguy raity kupépe/ remono’õ eirete. (Allá, desde mis talones/ reptas sobre mi piel./ entre besos/ subes, muy despacito/ y en la cintura del camino/ te detienes un momento,/ y en los bordes del nido de la luna selvática/ recoges la miel). Uno de los poetas contemporáneos que mejor ha expresado la herencia guaraní es Zenón Bogado Rolón, tempranamente fallecido a los 53 años, quien mostró claramente esa huella a lo largo de sus cuatro libros. Con un guaraní de admirable riqueza, Bogado elabora su poesía sobre la fuente directa de aquellos cantos, invocando al dios Ñamandú y a sus deidades, lamentándose por la destrucción de los antiguos bosques sagrados, recreando la utopía del Yvy Marae’ÿ. Uno de los poemas de su último libro Ayvu pumbasy, titulado Ka’aguy jejuka (Muerte de la selva, 345), dice: Ka’aguy jejuka rovy•,/ Ka’aguy rypy’•,/ Ka’aguy pyrusu;/ Jasy rova ári guive/ Nde resa añoite omimbi. (Muerte azul de la selva,/ selva espesa,/ selva profunda; desde la faz de la luna/ solo tus ojos brillan) Y que termina clamando: ¡Che Ru Avatupã!/ Tamói ñe’ä keguýpe/ eroha’ãmona vokói/ ko’eju tenondegua. (¡Mi Padre Avatupä!/ te ruego que reveles/ al sueño del shamán Tamói/ el amanecer del futuro). El autor que a mi entender, mejor representa la revalorización de la palabra, en el sentido original de aquella palabra-alma de los guaraní, es Gregorio Gómez Centurión, poeta de extracción campesina, que ha trabajado y convivido con los indígenas durante muchos años. De sus textos, que reflejan su gran compenetración con el pensamiento guaraní, escogemos unos versos de su poema Ñe’ë – Palabra, del libro del mismo título (59), que ilustran la calidad de su reflexión poética en este tema: Ñe’ë ndaha’éi tyapu rei/ ñe’ë ko hete, ijuru, hesa,/ ñe’ë ikorasö, hi’äga, ipyapy,/ Upéicha rupi ñe’ë jahecha/ ñe’ëre añete japokokuaa/ ñe’ë ndaha’éi pararä rei. (La palabra no es un ruido vano/ la palabra tiene cuerpo, boca, ojos,/ tiene corazón, alma y coraje/ por eso es que vemos que a la palabra/ a esa verdadera, se puede tocarla,/ la palabra no es un sonido vano). La nueva poesía guaraní incluye los nombres de otros poetas como Miguel Angel Meza, Lino Trinidad, Wilfrido Acosta, Ramón Silva, Feliciano Acosta, Rodolfo Dami y Alberto Luna. Quien les ofrece este panorama ha hecho su propia elaboración de la huella guaraní en algunos de sus libros, especialmente en Ayvu membyre, una especie de viaje onírico en busca de la palabra. En este breve muestrario hemos querido esbozar las grandes líneas de la influencia indígena en la poesía guaraní mestiza que se ha dado a conocer en las últimas décadas. En el aspecto formal, los poetas de lengua guaraní de estos tiempos van superando paulatinamente los modelos clásicos españoles que dejaron su marca indudable en la poesía de las décadas anteriores. Con el aliento de la revalorización paulatina de la lengua, estos poetas van dibujando una nueva poesía, hurgando en la musicalidad y el ritmo, la plasticidad y la densidad de la propia lengua. A nuestro modo de ver, la búsqueda de su palabra es la búsqueda de su lengua, forma que no solo acarrea en sí misma un contenido de alto valor histórico-cultural, sino que se abre admirablemente a la posibilidad de decir los temas más vigentes de nuestro tiempo. Y si bien esta poesía no salvará el canto profundo del chamán, amenazado y cercado por las topadoras, es la búsqueda terca de aquel Ayvu, aquella palabra que todavía late en su memoria, como puerta del ser en plenitud y en libertad. SUSY DELGADO (Paraguai, 1949). Prêmio Rádio França Internacional e Prêmio Municipal de Literatura. Jornalista, narradora e poeta bilíngüe (espanhol e guarani). Fundou e dirige a revista Takuapu. Organizou uma destacada antologia de literatura paraguaia e tem publicado livros também na área de literatura infantil. Contato: [email protected]. ____________________________________________________ Texto apresentado na mesa "Língua e cultura guarani" Sala Dolor Barreira - 18 de novembro de 2008 Mediação: Camilo Prado (Brasil) revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial La vanguardia en los años sesenta Sergio Mondragón . ¿Una segunda vanguardia en América Latina en los años sesenta? ¿Reaparición de la corriente poética vanguardista que se dio en las lenguas latinoamericanas a principios del siglo XX, se ocultó más tarde durante algunos años, y brotó de nuevo con ímpetu renovado en esa década espléndida y terrible? He aquí una hipótesis adicional: la existencia de una vanguardia permanente en el arte literario, asociada a una tradición de la ruptura, generadora y recipiente de las novedades y las metamorfosis de las formas escritas, aquello que implica el abandono de las convenciones anteriores, reverberaciones del idioma que en su perenne movilidad nos recuerda siempre que el evento central de la vida y el arte literario es el perpetuo cambio, algo que en la historia de la poesía en lengua española dio principio en el momento mismo del nacimiento de las lenguas romances. La década de los años sesenta fue en varios de nuestros países protagonista de una ruptura de los valores artísticos, sociales, morales y políticos. Una ruptura que se venía gestando y expresando desde años anteriores. Un aire fresco y nuevo en la forma de sentir. Una revolución de las formas, que es lo mismo que decir: una renovación de los contenidos. La década extendía su ramillete de acontecimientos magníficos y atroces: la guerra de Vietnam y el movimiento pacifista internacional; la revolución cubana, que tendió desde el primer día una aureola de esperanza sobre América Latina, donde muchos países padecían sangrientas dictaduras militares, golpes de estado y feroces gobiernos oligárquicos. El espíritu de la época se expresaba en la búsqueda del cambio de estructuras, y eso explica la intensa experimentación que se dio, el entusiasmo, la novedad y la rebelión en todos los ámbitos de la sociedad, el cuerpo, el pensamiento y el arte. Es entonces que se da la toma de estafeta y reaparece con fuerza la corriente poética de las lecciones que había impulsado la vanguardia de principios de siglo, personificada señaladamente en Vicente Huidobro, Mario de Andrade, Oswaldo de Andrade, José Juan Tablada y ultraístas y estridentistas, entre otros. Es también el tiempo en que se da a conocer el boom y se lanza una nueva literatura latinoamericana. México era en los años sesenta centro de atracción y cruce de migraciones de escritores y poetas que viajaban de países de América del Sur hacia el norte, y de los Estados Unidos hacia el sur. En esos años ocurre la llegada a México de varios poetas de la generación beat, algunos de ellos visitantes frecuentes del país y otros que se quedaron a residir allí por largas temporadas, entre ellos Allan Ginsberg, Philip Lamantia y Lawrence Ferlinghetti, los cuales, al mismo tiempo que otros poetas norteamericanos como los que conformaban el grupo “Black Mountain College” y los de la escuela de Nueva York, se alejaban de Elliot y Pound, con una actitud vital distinta frente a la escritura, y mediante el uso de un lenguaje diferente al de aquellos maestros; ahora estos jóvenes poetas propiciaban y se beneficiaban de la intervención del azar en el poema “portador de una energía”, hablaban de versos “proyectivos” o “abiertos”, en tanto que en México se teorizaba sobre la “fuerza enlazadora del lenguaje”, “obra abierta” versus “obra cerrada”, y se veía al poema como un “campo de experimentación”. A México llegaron para quedarse y escribir allí Alvaro Mutis y Gabriel García Márquez, al lado de Juan Rulfo y Carlos Fuentes, que no escribían ya como sus antecesores pero se empeñaban, como los nuevos poetas latinoamericanos, en la construcción de otra estética, en muchos aspectos inspirada en las lecciones que habían dejado las vanguardias anteriores. En Brasil, Colombia, Argentina, Cuba, Venezuela, Ecuador, Uruguay, Chile, Nicaragua, Perú, en todas partes surgía desde mediados de los años cincuenta una poesía distinta, ya plenamente inspirada por la modernidad, que se apartaba de la que se había hecho anteriormente y se alejaba de la prosodia, la retórica y las formas fijas que la habían sustentado hasta ese momento, a pesar de la irrupción -o interrupción- que había protagonizado la vanguardia. También llegaron a residir en México el poeta nicaragüense Ernesto Cardenal y la chilena Raquel Jodorowsky, mientras se daba entre todos los poetas y países un intenso intercambio epistolar, algo que Jodorowsky llamó “circulación sanguínea de poesía”, mientras Cardenal escribía que “la verdadera Unión Panamericana era la de los poetas, y no la otra, la OEA”. Proliferaban en México y en el continente entero las revistas y los grupos literarios como Eco contemporáneo, El techo de la ballena, Ventana, Pucuna, Tzántzicos, Nadaístas, y el movimiento concreto de Brasil, que, aunque no representaba a toda la nueva poesía brasileña, sí era una parte de la vanguardia de esa poesía y proponía y exploraba una sintaxis visual apoyada en el ideograma y la analogía, en lugar del principio lógicodiscursivo del verso tradicional. Además, de Brasil llegaba a todas partes para acompañar el proceso de la escritura, la cadencia del bossa-nova, mientras los beats llevaban con ellos hacia México las novedades del jazz y sus revistas y libros ilustrados con pintura abstracto-expresionista. Como un hecho significativo, en 1964 se celebró en la ciudad de México, convocado por las revistas Eco contemporáneo, de Buenos Aires, y El corno emplumado, de México, un encuentro de poetas y escritores llegados de todo el continente -un eco, quizá, de la Semana de Arte Moderno que se llevó a cabo en Brasil en 1922-, al cual asistió más de un centenar de escritores y poetas para hablar de la renovación, el cambio, la agitación poética. ¿Pero cuál era la herencia que había dejado la vanguardia? En primer lugar, una atmósfera de libertad, la reivindicación del derecho a experimentar y escribir exactamente como lo demandara el momento mismo de la escritura del poema; el abandono de la traba de la rima; el cultivo de la asonancia, y en ocasiones de la angulosidad y la asimetría, herencia del cubismo y el abstraccionismo; el empleo del verso libre: para todo lo cual habían quedado como soportes teóricos, entre otros, las reflexiones de Mario de Andrade en el “prefacio interesantísimo” a su libro “Paulicea Desvairada”, en torno al tránsito de las formas fijas a las irregulares, y los versos melódicos horizontales frente al “acorde arpejado” de lo que llamó “verso armónico”, todo lo cual apunta, aunque sin que él lo haya dicho así, a la participación del lector en la configuración y significado del poema, lo que es una de las característica principales de la poesía y la prosa que se escriben en la segunda mitad del siglo XX. En suma, ahora se confirmaba y asimilaba aquel legado y se proyectaba la novedad fulgurante de otra estética ya plenamente inspirada por la modernidad, explorando y practicando la que es hoy la vertiente más viva y frecuentada por nuestros poetas: ritmo acentual, verso libre, tono y cadencia de la conversación (o de las conversaciones), irregularidad silábica, estrófica y tipográfica, puntuación libre también, todo lo cual ha ampliado enormemente desde entonces las posibilidades de la significación. Trazos artísticos que han seguido explorando muchos de los poetas que escriben en las lenguas latinoamericanas desde entonces y hasta el presente. La ruptura de las formas poéticas quedó ampliamente documentada en las revistas y antologías de los años sesenta, pero esta tradición de la ruptura bautizada así por Octavio Paz en 1966- no fue algo nacido con las vanguardias ni con lo que las siguió, ya plenamente asumida y consolidada la modernidad. Tampoco ha llegado a su fin, como muchos lo han afirmado equivocadamente, así como se equivocaron los pensaron que el surrealismo era ya cosa del pasado. La tradición de la ruptura es inagotable porque su energía es producto de la dinámica del lenguaje, que en su inevitable movilidad construye y destruye perennemente las formas poéticas. Los antecedentes de esta creación-destrucción del lenguaje pueden verse, en la poesía en lengua castellana, y para poner algunos ejemplos, en la obra del nicaragüense Rubén Darío, que como se sabe revitalizó nuestra poesía con sus innovaciones; y aun más allá, en San Juan de la Cruz, autor del primer caligrama de nuestra lengua, un poema en verso libre que es también un dibujo y está escrito en líneas verticales, de abajo hacia arriba; y en los experimentos de Garcilaso de la Vega, que al tiempo que llevaba a la cumbre el verso endecasílabo -el cual fue en su momento una ruptura con la poética castellana del siglo XV- realizaba intentos de versos de irregularidad silábica, que no fueron apreciados positivamente ni por el gran crítico americano Pedro Henríquez Ureña, ni por el gran maestro español Marcelino Menéndez y Pelayo, que los llamaron, respectivamente, “desaciertos” y “versos mal acentuados”; y todavía más atrás, en el siglo XIII, en que el Arcipreste de Hita no duda en dislocar su discurso poético para dar cabida en su “Libro de buen amor” a una multiplicidad de formas que inauguran la angulosidad y la asimetría, nada menos que en el contexto ortodoxo y rígido del “mester de clerecía”. Y nuestras lenguas mismas, ¿no nacen inaugurando esta tradición de la ruptura al conformarse desprendiéndose del latín medieval y creando de inmediato la forma de versificar silábica y acentual, que seguimos empleando hasta hoy, y que desplazaba a la otra, cuantitativa, que usaban los poetas latinos medievales? Aquel gesto íntimo de desafección y repudio hacia una concepción del mundo que se había derrumbado -la del Imperio Romano de Occidente- fue también una postura de temple vanguardista que no escapó al desdén de la asamblea de los doctos al comienzo; pero fue asimismo el embrión remoto y rimado -otra ruptura en su tiempo, la invención de la rima- de un renacimiento que habría de ser fundamento de nuestras lenguas hasta el presente. Para finalizar: ¿Hay o no una tradición de la ruptura permanente? ¿Se dio una segunda vanguardia en América Latina en los años sesenta? SERGIO MONDRAGÓN (México, 1935). Fundador e editor da lendária revista El Corno Emplumado, uma das mais expressivas representantes da 2ª vanguarda latinoamericana, nos anos 1960. Poeta, editor e jornalista, com amplo conhecimento de literatura japonesa, tendo inclusive editado, no México, uma antologia de poesia japonesa moderna. É um dos diretores da Revista de Literatura Mexicana Contemporânea. Contato: [email protected]. ____________________________________________________ Texto apresentado no debate "Reflexões sobre uma 2ª vanguarda na América Latina: anos 60" Sala Herman Lima - 19 de novembro de 2008 Mesa composta por Sergio Mondragón (México) | Jotamario Arbeláez (Colombia) | Mediação: Claudio Willer (Brasil) revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial Las Casas de la Cultura en la construcción de la identidad de América Latina Fabián Guerrero Obando . En Cultura y Casas, la primera parte de su disertación, Fabián Guerrero Obando empezó por situar las condiciones bajo las cuales se creó la CCE: “Benjamín Carrión -dijo- creó la Casa de la Cultura Ecuatoriana en 1944, después del desastre nacional debido al desmembramiento territorial provocado un año antes por un conflicto militar con el Perú, para crear, precisamente, una identidad nacional, para que nuestros compatriotas recuperaran la confianza en sí mismos y en su propio futuro. Su Teoría de la nación pequeña no es más que un llamado a los ecuatorianos para formar una gran patria de cultura. Recordando -continuó- la metáfora toynbeana de El árbol podado y tomando los ejemplos de pueblos como los de Israel y Grecia, Benjamín Carrión trató de persuadir a los ecuatorianos de que la grandeza nacional no dependía de la extensión territorial, de la riqueza económica ni de la fuerza militar, sino de la cultura.” A continuación, el poeta realizó un análisis de la situación actual, a fin de demostrar la validez de instituciones como la Casa de la Cultura Ecuatoriana: “Los tiempos han cambiado desde que Benjamín Carrión planteó su Teoría de la Nación Pequeña; los índices de analfabetismo en Ecuador ya no son tan altos; el pensamiento clerical ya no se impone a rajatabla y pierde en las urnas ante el proyecto presidencialista de nueva Constitución; el paternalismo cultural se desvanece ante las iniciativas privadas; la pluriculturalidad ha sido asumida y los ecuatorianos ya no somos vistos, desde el determinismo geográfico, como los ‘tropicales’ condenados al retraso en todos los campos. Al contrario, París ya no es el centro del mundo cultural, y América Latina adquiere cada vez más personalidad. Lo que definitivamente no ha cambiado -puntualizó-, es el rol fundamental de la Casa de la Cultura: cobijar a sus pintores, escultores, poetas, narradores, bailarines, teatreros. Cobijar en suma a sus artistas y, por consiguiente, tampoco ha cambiado el lugar que ocupa el arte como elemento fortalecedor de la identidad cultural nacional.” Concluida su contextualización, Fabián Guerrero aseguro: “Hoy por hoy , no hay en mi país, Ecuador, un solo intelectual que no haya acuñado su propia opinión sobre cultura; los sociólogos la definen como al grupo de rasgos que, vengan de donde vengan, definen a una nación; los antropólogos vinculados a los movimientos afro e indígena la ven como al conjunto de rasgos que diferencian a un grupo de otro, y los artistas, entre ellos los escritores, insistimos en verla como manifestaciones del espíritu. Y todos, absolutamente todos, tenemos algo de razón. Así las cosas, la cultura continúa concentrándose en la Casas de la Cultura y entidades culturales, en las manifestaciones del espíritu.” La segunda parte de la conferencia de Fabián Guerrero se denominó Identidad y Letras. En esta, el poeta quiteño empezó por citar a los pensadores de la teoría crítica de la comunicación para asegurar que cuando hablamos de cultura hablamos de identidad. Parafraseó a continuación Enrique Alducín, catedrático de la UNAM, para dejar sentado que en la época de globalización, todas las culturas, especialmente las dominantes, irrumpen en nuestros hogares a través de los medios de comunicación. “Irrupción que ha creado -dijo-fuertes imaginarios culturales en los habitantes de nuestras naciones.” Para sustentar lo dicho, Guerrero citó al comunicólogo colombiano Jesús Martín Barbero. “… la cultura viva de la gente -señalóno está hecha solo de diferencias de lo que viene de fuera, sino también de búsqueda, de integración de lo que de lo feo”. viene de fuera de su mundo, y lo ‘propio’ es aquello que la gente produce pero también aquello que, venga de donde venga, forma parte de la vida de los pueblos, de lo bueno y de lo malo, de lo lindo y Inmediatamente después sin embargo, puntualizó que compartía también el criterio del escritor y periodista argentino Jorge Lanata, según el cual, nadie puede formar parte del mundo, sin formar antes parte de su casa. Apoyándose en estas citas, Fabián Guerrero aseguró: “En la Casa de la Cultura, a través de la difusión y fortalecimiento del arte plástico, el cine y la literatura nacionales, intentamos clarificar la identidad de los ecuatorianos, de demostrar, por ejemplo, que no formamos parte de una sola Patria, de la patria indígena, de la patria rural, de la patria urbana, de la patria campesina, de la patria de los arrabales y de los barrios populares. Y a través de productos culturales tratamos de arrojar luces sobre el ser nacional, lo cual es importante si consideramos que al igual que muchos otros países de Latinoamérica, nos hemos pasado toda nuestra vida histórica tratando de ser como los norteamericanos o los europeos.” “Sobre esto -prosiguió-, el ya citado Jorge Lanata ha dicho: ‘… siempre supimos que no somos norteamericanos, aunque lo intentamos, y nos llenamos la boca soñando en un porvenir hispanoamericano, pero blanco y lo más europeo que pudiera salirnos. Por eso esta búsqueda del Yo en el país de Nadie se parece a una pesadilla siempre interrumpida: generales que se avergüenzan de su propia tropa, el país ficticia por decreto al país real, argentinos (o ecuatorianos) creyendo que somos los que queremos ser, la verdadera identidad caminando dos pasos atrás o dos adelante, pero siempre en otro sitio’.” A continuación, Guerrero manifestó que para arrojar luces sobre el ser nacional, para fortalecer la identidad del ecuatoriano de nuestro tiempo, la CCE ha creado, desde la Dirección de Publicaciones varias colecciones editoriales que constituyen un entramado de universos, que juntos conforman un mosaico de los que somos y de lo que queremos ser. “La CCE -puntualizó -ha fortalecido la identidad nacional mediante colecciones que recuperan la profundidad y trascendencia lírica de aquellas letras que hasta hace poco permanecían atrapadas en el descrédito, el anonimato o el olvido, pero también aquellas que, pese a pertenecer a los poetas vivos más importantes del Ecuador, apenas llegaban a escasas aulas de colegios y universidades recomendados por maestros y maestras que aman lo nuestro. Y como la identidad -continuó hablando de la fundamental labor de la Casa de Carrión- se construye a partir de lo que hemos sido, de las buenas y malas experiencias que nos deja la historia, no solo hemos abierto, a través de la Sección de Historia y Geografía, una colección de investigaciones orientada a fortalecer la identidad nacional, sino también a través de la Biblioteca mínima del Bicentenario, colección que contribuye a un conocimiento integral de lo nuestro mediante recuperación de obras inéditas o poco difundidas de esta épica construcción de la nacionalidad ecuatoriana, todavía en pleno desenvolvimiento. Y tenemos una colección, Ideas liebres, orientada a difundir el pensamiento que se produce en cada una de las regiones del país, recuperar las voces y miradas más sugestivas del pensamiento nacional contemporáneo, porque no de otra forma podremos construir una identidad. Y como la nación esta hecha no solo del discurso oficial, sino también del que se produce en los márgenes, hemos creado colecciones que reivindica las voces que habitan nuestras calles y plazas y que por lo general están fuera de la institución literaria.” Todas las colecciones -advirtió el poeta- tienen un propósito fundamental: “Fortalecer la identidad de la nación ecuatoriana, pues hay algo que siempre repito a mis estudiantes en la Facultad de Comunicación Social de la Universidad Central del Ecuador, la literatura; sus personajes, muchas veces son más reales que los seres humanos de las diversas épocas de la historia ¿O alguien recuerda, por citar solo un ejemplo, un ruso verdadero de la época de Roskolnikov, el personaje de Dostoievski?” La Casa en los ojos de afuera, tituló Fabián Guerrero a la tercera parte de su ponencia. “Sesenta y cuatro años cumple la Casa de la Cultura Ecuatoriana. Por más que ha habido regímenes ominosos no ha desaparecido, y es que su razón de ser está imbricada a la esencia de nuestra nacionalidad”, cito a Marco Antonio Rodríguez, el presidente de la Casa, para inmediatamente después realizar una suerte de inventario de los que constituye la institución a la que representa: “La CCE ha estimulado el desarrollo de un pensamiento auténticamente nacional no solo a través de libros, sino también a través de campañas orientadas a internacionalizar la obra de los grandes escritores y artistas visuales; publicaciones y secciones académicas que impulsan la ciencia, la tecnología, la filosofía, la historia y las ciencias jurídicas; veintiún Núcleos provinciales dedicados a fortalecer y difundir el trabajo de los hombres y mujeres de cultura de cada uno de los rincones de la patria; un techo que guarece a todo aquel que busque un espacio cálido para sus propuestas; talleres, revistas y concursos que estimulan la creación literaria; un Área dedicada al desarrollo de la mujer y la familia a través de la práctica de la danza y la pintura; proyectos como ‘Esta Casa sí camina’, ‘El festival del pasillo’ y ‘Domingos en familia’ que constituyen espacios de iniciación para los artistas, fortalecen ls rica cultura popular y unen a la familia en torno a la música; museos que preservan la memoria musical y plástica del Ecuador; una Cinemateca comprometida con la educación audiovisual de nuestro pueblo; y exposiciones de artes plásticas en las que hallan espacio artistas consagrados pero también aquellos que con sus propuestas casi artesanales moldean el Ecuador día tras día. Especial atención -añadiómerecen los proyectos institucionales ‘El poeta y su voz’ y ‘El narrador en su tinta’. El primero acerca la poesía al pueblo a través de las voces de sus autores, y el segundo reúne a los narradores y narradoras ecuatorianos que letra a letra han testimoniado la condición del Ser Humano y sus circunstancias cotidianas, y arrojado luces sobre la identidad cultural ecuatoriano de nuestro tiempo.” De lo dicho por Guerrero se desprende que la Casa de la Cultura Ecuatoriana Benjamín Carrión ha sido, desde su fundación, el espacio desde el cual repensar la Patria, y que es y seguirá siendo una de las instituciones culturales emblemáticas a lo largo y a lo ancho de nuestra América y del mundo. “Para quien conozca un poco la historia espiritual y política del Ecuador -continuó Guerrero-, la Casa de la Cultura representa mucho más que una mera institución importante, que un establecimiento de derecho público de afortunada concepción. Es ella, ante todo, esencialmente, una síntesis, una elaboración nacional, una resultante histórica. Es la vocación propia de lo ecuatoriano. Es el mensaje existencial de lo ecuatoriano, una muestra excelsa de integración nacional…” Y concluyó su ponencia con una sentida frase: “Para quienes trabajamos en la CCE, la cultura es el bien común de cada pueblo; expresión de su dignidad, libertad y creatividad, factor de paz, desarrollo social, recurso de identidad, antídoto, el más eficiente y eficaz, para oponerse a regionalismos, racismos, xenofobias, elitismos y dogmatismos.” FABIÁN GUERRERO OBANDO (Equador, 1959). Diretor de Publicações e Coordenador Nacional da Casa da Cultura Equatoriana Benjamin Carrión. Seu currículo inclui uma gestão como presidente da Sociedade Equatoriana de Escritores. Poeta e ensaísta, dirige atualmente a revista La Casa. Contato: [email protected]. ____________________________________________________ Texto apresentado no debate "Contribuição das Casas de Cultura para a integração da América Latina" Sala Herman Lima - 15 de novembro de 2008 Mesa composta por Fabián Guerrero Obando (Equador) | Jorge Fornet (Cuba) | Wilmar Silva (Brasil) | Mediação: Roberto Galvão (Brasil) revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial Las fronteras como espacios de mestizaje cultural Rosario Peyrou . La aventura cultural del mestizaje, es el tema central de esta Bienal Internacional do Livro de Ceará. Una aventura que involucra tiempos y espacios, historias y geografías, desplazamientos y fronteras. Es el signo de los tiempos pero es, desde siempre, el signo de este continente. Los latinoamericanos vivimos en un continente mestizo, formado por pueblos originarios y pueblos nuevos hechos a la mezcla de lo indígena, lo africano, lo asiático y lo europeo en diversas medidas. Pero si nuestra historia está signada por esa mistura que se manifiesta en nuestra música, nuestra literatura, nuestro arte y nuestras tradiciones populares, también está hecha de imposiciones y de límites, de aislamientos y violencias, de búsquedas y frustraciones. Las propias fronteras latinoamericanas son signos de esa historia. Puestas artificialmente por el colonizador, las fronteras en América Latina no se hicieron en función de los pueblos y las culturas sino de intereses políticos. Quinientos años después se han conformado nacionalidades, identidades que justifican a posteriori la existencia de esos estados, pero en un principio no fueron más que barreras artificiales hechas por decisiones administrativas. El Uruguay, de donde provengo, es un ejemplo claro de esto que digo. Poblado por diversas tribus de charrúas, chanás y guenoas y por pueblos pertenecientes a la amplia faja tupí guaraní, fue parte del Virreinato del Río de la Plata durante la colonia, de las Provincias Unidas del Sur durante la Independencia, fue escenario de las interminables luchas entre España y Portugal por los límites de las posesiones imperiales, fue provincia Cisplatina de Portugal (1821), pasó a manos del Imperio de Brasil en 1824, y terminó convirtiéndose en República independiente, bajo los oficios de Inglaterra, que necesitaba por razones comerciales, impedir que Argentina y Brasil dominaran en exclusividad el estuario del Río de la Plata. En mi país, en broma, decimos a veces que el Uruguay debió llamarse “Ponsombylandia”, por el nombre del diplomático inglés que negoció nuestra conversión en un estado independiente, contrariando la vocación artiguista y los años de lucha popular para ser parte de una confederación de provincias del Sur. Lo cierto es que la nostalgia del origen pre-colonial, el sentimiento de haber sido manipulados y arrasados por las potencias extranjeras está presente en el pensamiento latinoamericano desde muy temprano. En ningún otro espacio es tan evidente esa historia como en la cuestión del nombre del subcontinente. El intento de definir su identidad, siempre puesta en entredicho, a través del nombre, tiene mucho de drama. Dice Arturo Ardao a propósito de esa búsqueda identitaria que “No saber cómo llamarse es algo más que no saber cómo se es; es no saber quién se es”. Un resumen del problema del nombre resulta bien ilustrativo. Llamado inicialmente Indias occidentales, ese enorme territorio recién conquistado pasó a llamarse “América” a partir de 1507 en las cartas geográficas. Un nombre curioso: le fue puesto por Martin Waldseemuller, un profesor de cartografía alemán en homenaje a Américo Vespucci, un navegante y hombre de negocios italiano, el primero en advertir que se trataba de un nuevo continente. Para los protagonistas de la emancipación, la cuestión estuvo condicionada por el vínculo colonial. De América para todo el continente se pasó a América española, y a Iberoamérica, incorporando la presencia portuguesa oficializada desde el Tratado de Tordesillas. Y existió también el intento de llamarlo Colombia, nombre que, inicialmente propuesto por Miranda, intentó infructuosamente luego aplicarse a todo el mundo iberoamericano. Después de 1823, establecida la denominación de la Colombia actual, la idea de la Gran Colombia se desvanece en forma definitiva. Y será justamente “América Latina”, como definición étnico-cultural impulsada por los franceses, el nombre que prevalecerá hasta hoy, sin dejar por eso de tener cuestionamientos por su marcado carácter eurocéntrico. Es evidente que el nombre “América Latina” deja de lado a los pueblos originarios y al fuerte componente africano. En la década del veinte el peruano Victor Haya de la Torre creyó saldar esa deuda con la expresión Indo América, y ese nombre ha vuelto a proponerse este mismo año por el presidente Chávez de Venezuela. De todos modos no puede dejar de considerarse que esa denominación pasa por alto los diversos contingentes migratorios y, si hilamos más fino, también es cierto que el término indios es el resultado de un error, el de los españoles al haber creído que habían hallado un camino alternativo a las Indias. En realidad, como se ha dicho, los indios nunca han existido en América si no es en la imaginación del europeo. La permanencia hasta hoy de esa discusión nominativa es síntoma inequívoco de ese malestar identitario que ha caracterizado a nuestras culturas desde la colonia. En todo caso, si el nombre ha sido una imposición, también lo han sido nuestras lenguas, el español, el portugués, y en menor medida el francés, que pasaron a ser las lenguas del continente y a formar parte, ahora de modo indisoluble, de nuestras identidades. Aún más que las fronteras físicas, las lenguas de la colonización signaron nuestras culturas, y pusieron otro obstáculo a la siempre utópica integración cultural latinoamericana. Si el camino del diálogo cultural en la América Hispánica ha sido siempre dificultoso, y en general signado por la mediación de las metrópolis, Brasil, que ocupa la mitad de América del Sur, y comparte fronteras con todos los países menos Ecuador y Chile, tiene además la fuerte barrera de la lengua. Eso explica que su desarrollo cultural estuvo desde los orígenes referido más a las metrópolis europeas (particularmente Francia), y más recientemente incluso a Estados Unidos, que al resto del subcontinente. Esa tendencia empezó a ser revisada a partir de los años sesenta. Antonio Candido resumía en 1981 los rasgos comunes de nuestros países con el Brasil: el haber sido colonizados por las dos monarquías de la península ibérica, con afinidades notorias entre sí; el haber conocido el monocultivo y la esclavitud como régimen de trabajo; el fenómeno del mestizaje; el haber producido una élite de criollos que utilizó la independencia en beneficio propio. A eso agregaba la influencia de la cultura francesa durante el siglo XIX, el crecimiento acelerado de las ciudades en el siglo XX con su consecuencia de masas miserables y marginadas; y haber sufrido el capitalismo depredador de las multinacionales junto a la fuerte influencia cultural de Estados Unidos desde los medios masivos. Y se preguntaba si eso permitiría, a pesar de la diferencia de lenguas, hablar de una literatura latinoamericana. [1] La historia de los contactos culturales entre Hispanoamérica y Brasil es una historia plagada de incomprensiones, pero también de encuentros. Porque finalmente, las fronteras son barreras, pero también puentes, lugares de pasaje, sitios de intercambio, oportunidad de enriquecimiento, cuando no de libertad (y eso lo saben bien los perseguidos políticos de uno y otro lado). Y vale la pena recordar, especialmente en un ámbito que busca fortalecer esos vínculos, la historia de esos intentos de diálogo y de integración que tienen como protagonistas a brasileños y latinoamericanos. Nombres como los de Alfonso Reyes, Pedro Henríquez Ureña, Mario de Andrade, Ángel Rama, Emir Rodríguez Monegal, Antonio Candido, Roberto Fernández Retamar, Vinicius de Moraes, Darcy Ribeiro, y muchos otros son inseparables de ese lento proceso de mutuo descubrimiento. Los acercamientos, los esfuerzos por encontrar un lenguaje común, no pueden separarse, claro está, de los avatares del gran proyecto del “latinoamericanismo”, esa idea integradora que estaba presente en la discusión sobre el nombre del continente, y tiene sus antecedentes en Bolívar y Miranda. Nombres como los de Torres Caicedo, José Martí, José E. Rodó, José Ingenieros, Manuel Ugarte, José Vasconcelos, Roque Saenz Peña, Carlos Quijano, entre muchos otros, contribuyeron en gran forma a la expansión del sentimiento latinoamericanista y al desarrollo ideológico y político de ese proyecto común, enfrentado al expansionismo económico, político y cultural de la América del Norte. Y me perdonarán ahora que reduzca el foco de mi mirada para centrarla en el Río de la Plata, y más específicamente en el Uruguay, para ver el contexto en el cual se formaron algunos de los protagonistas regionales de esta historia de las fronteras culturales con Brasil. Y para eso hay que hablar de Marcha y de Carlos Quijano. El Semanario uruguayo Marcha (que se publicó entre 1939 y 1974) no solo fue crucial en el Río de la Plata, sino que tuvo dimensión continental en tanto reunió a una serie de intelectuales de primer orden de todo el continente. Allí colaboraron figuras como Julio Cortázar, Miguel Ángel Asturias, Darcy Ribeiro, José Miguel Oviedo, Raúl Zavaleta Mercado, Gregorio Selser, Augusto Céspedes, José Emilio Pacheco y un larguísimo etcétera. Formado en el latinoamericanismo de los años veinte, Quijano estaba convencido de que la cultura es el elemento clave en la conformación de una identidad nacional y continental, por eso dio en las páginas de su semanario político un importante espacio a la difusión y el análisis de la producción cultural del continente. Tuvo, al frente de sus páginas literarias, a dos figuras particularmente interesadas en el Brasil: Emir Rodríguez Monegal, que había vivido en su adolescencia en Rio de Janeiro, y estaba familiarizado con la lengua y la literatura brasileña y especialmente Ángel Rama, para quien la visión integradora de la cultura latinoamericana fue el objetivo fundamental de su tarea crítica y ensayística. En ese sentido ha dicho José Emilio Pacheco: “A Marcha y a Rama les debemos en gran medida nuestra idea actual de la literatura latinoamericana en una parte del mundo en que los libros, aunque escritos en el mismo idioma, rara vez circulan de un país a otro si no se publican en la antigua metrópoli”. El crítico uruguayo Pablo Rocca ha estudiado con minucia el contacto de estos dos ensayistas –Angel Rama y Emir Rodríguez Monegal– con el Brasil, y su papel en la difusión de la cultura brasileña en América Latina. [2] Hay que decir que la década de Rama al frente de Marcha (19591968) coincidió con un fenómeno que habría de marcar a toda una generación: el triunfo de la Revolución Cubana. Es el momento solar del sueño utópico de la “patria grande” que sería barrido con las dictaduras de los años 70 y luego con el mundo posmoderno y globalizado que siguió a la caída del socialismo real a comienzos de los 90. Fue sin duda un momento de máximo optimismo que coincidió con la aparición de una generación de narradores latinoamericanos que pusieron la literatura del continente en la primera línea de la atención crítica mundial, crearon y ensancharon un público para la producción literaria latinoamericana, y alentaron la idea de la llegada a la edad adulta de nuestra cultura. Las novelas de García Márquez, Guimaraes Rosa, Vargas Llosa, Carlos Fuentes, Juan Rulfo, Julio Cortázar, Juan Carlos Onetti, José Donoso, y una larga serie de otros nombres que se movieron alrededor del “boom”, establecieron un diálogo cultural intercontinental, y con el apoyo de críticos como Ángel Rama, Antonio Candido, Antonio Cornejo Polar o Roberto Fernández Retamar, contribuyeron a consolidar la idea de una literatura latinoamericana, más allá de las regionalizaciones imperantes. En los años sesenta hubo dos intelectuales brasileños que jugaron un papel de primer orden en la reflexión uruguaya sobre la identidad latinoamericana: Antonio Candido y Darcy Ribeiro. Este último llegaría exiliado al Uruguay luego del golpe militar de 1964, y tendría un papel importante, desde la Universidad y desde Marcha, para establecer vasos comunicantes y viabilizar una visión antropológica que enriquecería la discusión sobre nuestros destinos. Pero el intercambio había empezado antes. La relación entre Antonio Candido y Angel Rama, como ha documentado Pablo Rocca, puede considerarse clave en la reflexión cultural latinoamericana de esos años. En 1960 Candido llegó a Montevideo invitado por la Universidad de la República, y allí conoció a Ángel Rama, que ocupaba desde hacía un año la dirección de la sección literaria de Marcha, desde donde trabajaría con entusiasmo para mejorar el mutuo conocimiento de la cultura del continente. En ese esfuerzo por establecer relaciones personales y editoriales con quienes se dedicaban al oficio literario, Brasil seguía siendo una asignatura pendiente. Antonio Candido venía a dar un curso en la Universidad de la República y Ángel lo entrevistó para su página del semanario Marcha. A partir de allí comenzó un intercambio que enriquecería la obra de ambos críticos, pero sobre todo, estrecharía las relaciones personales e institucionales en el ámbito de la literatura latinoamericana. Rama tomó de Candido el concepto de “sistema literario” que sería de particular utilidad en su elaboración teórica futura, y sobre todo emprendió una labor de investigación sobre las relaciones entre una y otra literatura, sobre el regionalismo, el papel de las vanguardias, y los grandes escritores de esa novelística moderna que Candido llamó suprarregionalismo y Rama terminó por denominar literatura de la transculturación. Pero sobre todo, la riqueza de la literatura del Brasil fascinó a Rama al punto de dedicarle buena parte de sus esfuerzos de sus últimos años en Venezuela y Estados Unidos. En una carta a Antonio Candido del 23 de enero de 1983 se lamenta: “¡Quién pudiera tener 800 años para leer toda la literatura brasileña” Ese entusiasmo se reflejó sobre todo en la tarea editorial más importante que se ha hecho en América Latina hacia una visión continental del acervo literario: la Biblioteca Ayacucho, que Ángel Rama dirigió en su exilio de Venezuela en los años 70, y que nació con motivo de la conmemoración del sesquicentenario de la Batalla de Ayacucho, que había consagrado la independencia de América. Es un plan de quinientos volúmenes que recogen las obras más importantes de la cultura latinoamericana desde sus orígenes precolombinos en diversos campos disciplinarios: literatura, antropología, filosofía, pensamiento político. En ese proyecto original una tercera parte estuvo dedicada a la literatura del Brasil. Y como era lógico en el momento de construir el plan general de la obra, Antonio Candido fue una de las figuras convocadas por Rama. El proyecto de la Ayacucho resultó una expresión material de ese esfuerzo que recorría el continente desde la Revolución Cubana: la necesidad del estudio de la producción intelectual latinoamericana como clave en la interrogación sobre América Latina, y sobre todo, en función de su proyección de futuro. La propia Cuba jugó un papel importante en ese entramado de relaciones interculturales. Así, la Casa de las Américas incluyó a las literatura brasileña y del Caribe en su prestigioso concurso, y en los encuentros de escritores la presencia del Brasil fue una constante. Las revistas se dedicaron a traducir y publicar la producción de la otra zona lingüistica del continente, y la edición independiente hispanoamericana de los sesenta y setenta empezó a incluir la producción brasileña en sus catálogos. El duro período de las dictaduras militares de la década del 70 en el sur del continente, produjo, como se sabe, una labor de demolición cultural en todos los órdenes, e interrumpió un proceso integrador que había crecido al amparo de un proyecto político que ahora parecía derrotado. Desde su doloroso exilio, Ángel Rama seguía trabajando en los que serían sus proyectos mayores, La Ciudad Letrada y Transculturación narrativa en América Latina. Seguirá escribiéndose con Antonio Candido y en 1980 participará de una reunión en la Universidad de Campinas donde se proyectó una historia de la literatura latinoamericana que nunca llegaría a realizarse. De esa visita, anota en su Diario después de quejarse de la frialdad burocrática de los medios académicos de Estados Unidos, donde vive desde 1979. “No sentí eso en Campinas: quizás porque el equipo es joven, porque tiene la gracia brasileña, porque cuando se reúnen lo primero que hacen es arrollar la alfombra para bailar, porque ponen pasión y juegan su vida en lo que dicen. El hecho de que me reconocieran como uno de su raza corresponde a este reconocimiento que yo hice de ellos. Las euménides Ligia Fagundes Telles y Hilda vinieron a decirme después de mi intervención en el panel: “Vocé e differente! Vocé nao e profesor!” Y agrega: “Ver a Antonio Candido en ese jardín de sus bellos e hijos e hijas, es comprender cabalmente lo que ha hecho su vocación, ese abandono de las ciencias sociales por la belleza y esa pasión política que en él sostiene el edificio entero del entendimiento con la suprema cautela y donosura de un “mineiro”. [3] Han pasado ya veintiocho años de esa visita de Rama a Campinas y el mundo ha cambiado tanto que todo esto que cuento parece algo lejanísimo. La globalización, los cambios tecnológicos en las comunicaciones, el crecimiento de las multinacionales de la industria cultural, nos enfrentan a un panorama que parece muy diferente del augural de los años 60. La balcanización entre nuestros países se ha agudizado, y cada vez dependemos más de los sellos europeos para conocer lo que se produce en nuestro continente. Son en general los editores españoles, por ejemplo, los que deciden qué literatura sale de las fronteras nacionales, y qué literatura se traduce. A su vez, a nivel universitario, es la academia norteamericana la que ha impuesto una agenda de estudios latinoamericanos según unos parámetros que muchas veces nos resultan ajenos. Los 60 y 70 –de una manera similar a la década vanguardista del 20– fueron un período optimista respecto del futuro latinoamericano, y ese optimismo se reflejó en el acento puesto en los rasgos comunes. Pero ya en 1980, en un Coloquio del Centro Woodrow Wilson denominado Literatura y Mercado, que reunió un nutrido grupo de intelectuales latinoamericanos de primera línea, se preguntaba: “¿Hay una realidad única adecuadamente representada por la denominación Latinoamérica o hay muchas realidades dispares cuyas peculiaridades son neutralizadas por la etiqueta continental?” En tiempos de globalización, de forzada homogenización a través de los medios de comunicación, una forma de resistencia ha sido acentuar la diversidad, lo plural, lo específicamente local, lo que no necesariamente debería desviarnos de la conciencia de nuestros rasgos comunes. Podría decirse que la producción cultural latinoamericana de los últimos veinte años está tensada por esos dos polos: la cultura que signa la vida urbana en las sociedades posmodernas, reforzada por las tecnologías de la comunicación, y el reconocimiento de las particularidades locales, de los acentos particulares, de las tradiciones específicas, desde la lengua hasta la música y las artes visuales. De modo que mientras se expande la cultura de masas desde los centros de poder internacionales, hay un movimiento de resistencia que empieza a valorar lo local y sus especificidades. El caso uruguayo es bastante representativo de esa situación: por las dimensiones geográficas y de población Uruguay se había visto siempre a sí mismo, en el imaginario colectivo, como un país homogéneo, democrático y especialmente integrado. Un país más bien europeo, que se llamaba a sí mismo “La Suiza de América”. La dictadura militar de 1973-1985, quebró esos mitos nacionales y nos enfrentó con un espejo diferente: por debajo de esa piel imaginaria, éramos un país recorrido por diferencias y desigualdades que habían sido ocultadas desde la institución escolar. El caso de la frontera con Brasil es especialmente interesante, porque había sido negado con especial dedicación por parte de gobiernos y educadores. El Uruguay tuvo una relación ambivalente con Brasil. De gran cercanía y de contradicciones, de atracción y desconfianza. Para entenderlo hay que tener en cuenta la historia, vinculada al Brasil desde sus albores: Colonia del Sacramento, la segunda ciudad más antigua del país, fue fundada por Portugal para establecer un mojón fronterizo en su enfrentamiento de límites coloniales con España; después del primer movimiento independentista el país sufrió primero la ocupación portuguesa y luego la brasileña (18171924). También ocurrió la anexión por parte de Brasil de buena parte del territorio de la antigua Banda Oriental, y en 1865 la alianza del gobierno brasileño con el General Venancio Flores, rebelde contra la autoridad legítima y sitiador de Paysandú. Esa alianza tuvo como consecuencia la intervención del Uruguay en la Guerra de la Triple Alianza contra el Paraguay, que es uno de los pecados nacionales y tal vez la culpa colectiva más extendida en la sociedad uruguaya. Pero esa historia más o menos turbulenta dejó un número importante de familias brasileñas establecidas en el Norte uruguayo, y la existencia de un fenómeno lingüístico al que vale la pena atender: en toda la frontera norte se habla un dialecto del portugués que llamamos “portuñol”. Por otra parte, más por intervenciones personales que institucionales, en Uruguay se conocieron bastante temprano algunos clásicos brasileños, como Machado de Assis y Lima Barreto. Y hubo, antes de 1960, ciertos autores muy leídos, como Monteiro Lobato en la década del 30 y el 40, o Jorge Amado después de 1950. También visitantes ilustres que dejaron su huella: Vinicius de Moraes diplomático en Montevideo durante algunos años, y el contacto de intelectuales como Cecilia Meireles, o Mário de Andrade con escritores locales. En los 60 el exilio de un intelectual como Darcy Ribeiro, y la tarea de Ángel Rama entre otros, abrieron un camino de interés por el Brasil, abonado por el enorme auge de la música brasileña. Precisamente, fue en el terreno de la música y la poesía en donde se vio desde la década del 60 una cierta influencia brasileña en la cultura uruguaya. Pero es al finalizar las dictaduras militares cuando aparecerán un par de fenómenos nuevos en la literatura uruguaya vinculados a la frontera. Por un lado los exilios políticos establecieron puentes, “traducciones”, influencias. Y, más allá de los exilios, la revalorización de lo estrictamente local impulsó la aparición de lo que me atrevería a llamar una literatura “de frontera”, con manifestaciones diversas, y que se da a uno y otro lado de los límites nacionales. El fenómeno es muy interesante porque traspasa las fronteras no solo en relación a los asuntos, sino y eso es lo más novedoso, en cuanto a las lenguas. Exiliado desde 1974 en Brasil, Alfredo Fressia por ejemplo, ha escrito uno de sus libros Rua Aurora, directamente en portugués. Pero en su caso, el exilio en Brasil es una experiencia raigal y por tanto parte importante de su reflexión poética en torno a las fronteras, en toda su dimensión simbólica. (Frontera móvil se llama uno de sus libros, que alude a esa condición doble de uruguayo/brasileño). Alfredo es además, uno de los intelectuales empeñados en establecer puentes: ha traducido a Ferreira Gullar, a Cecilia Meireles, a Ana Cristina Cesar, a Donizete Galvão, y durante veinte años se ha dedicado a difundir la literatura brasileña en la prensa uruguaya. En otros casos es el relevamiento del pasado fronterizo lo que ha sostenido la obra de escritores uruguayos y brasileños. La historia política tanto de Río Grande del Sur como del Uruguay, es también la historia de las huidas y exilios a través de la frontera, y esto casi no había aparecido en la literatura hasta años recientes. Ahora, un muy interesante escritor y director cinematográfico riograndense, Tabajara Ruas, centra parte de su obra narrativa en la historia de las sublevaciones farroupilhas y las incursiones en territorio uruguayo, en novelas como Netto perde sua alma (2001) o esa crónica novelada que es A cabeça de Gumersindo Saraiva (1997), escrita en colaboración con Elmar Bones. Se trata de un mundo violento con fuertes características propias, donde las fronteras se vuelven imprecisas, se diluyen en las pasiones políticas y las ambiciones personales. Pero Ruas no es solo un novelista histórico: ya fuera de ese registro, ambienta la más admirable de sus novelas, –Perseguição e cerco a Juvêncio Gutierrez, que cuenta una historia de iniciación adolescente– en la frontera entre Brasil, Argentina y Uruguay, en un territorio cultural que integran tres pequeñas ciudades: Uruguaiana, Paso de los Libres y Paso de los Toros. En la obra de Tabajara Ruas la frontera adquiere una inevitable condición simbólica: es, para el niño que narra Perseguiçao.. .el límite que separa su mundo familiar con la aventura romántica y la épica. Vale añadir que casi toda la obra de Tabajara Ruas ha sido traducida al castellano por Banda Oriental, una editorial independiente que ha incluido un número importante de escritores brasileños en el catálogo de su Club del Libro. Entre estos está Aldyr Garcia Schlee, un caso interesante de escritor fronterizo: nacido en Jaguarao en la frontera misma con Uruguay, Garcia Schlee que curiosamente fue en 1953 el diseñador de la actual camiseta de la sección brasileña de fútbol, escribe tanto en castellano como en portugués, y sus temas giran en torno a ese cruce de historia y cultura. El día que el Papa fue a Melo, una novela breve, fue escrita directamente en castellano y publicada antes en Uruguay que en Brasil. Actualmente está por publicar Don Frutos, una novela sobre el discutido caudillo y primer presidente uruguayo Fructuoso Rivera, que vivió un largo exilio en Rio de Janeiro. A su vez, en Uruguay, uno de los más originales narradores contemporáneos, Mario Delgado Aparain ha dedicado parte de su obra narrativa (el libro Causa de buena muerte, 1982) a la creación de un mundo de imaginación tomado de los relatos orales de esclavos venidos del Brasil durante el siglo XIX y conservados en la tradición oral de la frontera. También una de sus novelas, No robarás las botas de los muertos (2002) rebasa los límites del género histórico para recrear con los fueros imaginativos de la literatura un episodio de importancia regional: el sitio a la ciudad de Paysandú por tropas uruguayas y brasileñas, que sirvió de antesala de la guerra del Paraguay. Por su parte, toda la obra poética de Elder Silva (1955), originario de Salto, cerca de la frontera norte, funda poéticamente un espacio donde la frontera aparece como ámbito vivido, de cielos abiertos y de identidades mezcladas, y también como metáfora que adquiere una dimensión personal y colectiva. La frontera se confunde con el lugar de la libertad y de los sueños, como la Passárgada de Manuel Bandeira, pero es también el contacto con la lengua portuguesa y todo lo que ella viabiliza en materia de cultura. Toda una sección de su último libro titulado significativamente La frontera será como un tenue campo de manzanillas está escrita en portugués. Hay que recordar que en algunos tramos de los límites entre Uruguay y Brasil, la frontera es una calle que une dos ciudades que funcionan en la vida diaria como una sola. La gente comparte familias, amistades, vinculaciones comerciales, costumbres. Allí se habla un dialecto del portugués, que llamamos “portuñol”. Reprimido en la escuela pública uruguaya durante mucho tiempo, después de la recuperación democrática ha pasado a ser estudiado en sus variantes por investigadores universitarios, y además desde hace algunos años, en las escuelas de la frontera se enseñan las dos lenguas. El portuñol como tal, ha aparecido exclusivamente en algún caso aislado como Agustín Bisio, un poeta de los años 40, o, con más frecuencia, en letras de canciones populares. Algunas expresiones fronterizas o directamente portuguesas aparecen en las letras para canción de un poeta como Washington Benavides, uno de los nombres mayores de la literatura uruguaya, y tal vez uno de los más profundos conocedores de la poesía brasileña en el país. Oriundo de Tacuarembó, en el Norte uruguayo, Benavides ha sido el maestro de dos generaciones de poetas, lo que explica el temprano conocimiento de la obra de los concretistas brasileños en autores como Eduardo Milán o Victor Cunha. Vayan estos pocos nombres a modo de ejemplo de la aparición en la literatura de un espacio resultado del mestizaje cultural. Una literatura análoga probablemente exista en otros países latinoamericanos fronterizos con Brasil, lo que sería bienvenido en un mundo cada vez más globalizado y borrador de identidades. Junto a ese lento proceso que crece por impulsos locales con la naturalidad de una planta, se agregan los valiosos esfuerzos individuales de personas como Floriano Martins y su revista Agulha, y de encuentros como éste, que permiten crear puentes para nuestro mutuo conocimiento. Un conocimiento que nos enriquece y nos ayuda resistir a un mundo para el que paradójicamente, la desaparición de las fronteras no es sinónimo de encuentro sino la reducción a una cultura única y globalizada. NOTAS 1. Antonio Candido. “El papel del Brasil en la nueva narrativa”, en Más allá del boom. Literatura y mercado, Marcha Editores, México, 1981. 2. Pablo Rocca. Ángel Rama, Emir Rodríguez Monegal y el Brasil: Dos caras de un proyecto latinoamericano, Banda Oriental, Montevideo, 2006. 3. Ángel Rama. Diario 1974-1983. Editorial Trilce, Montevideo, 2001. ROSARIO PEYROU (Uruguai, 1948). Entre 1983 e 1990 dirigiu a página de cultura do semanário La Democracia, e desde 1989 é membro da equipe editorial de El País Cultural. Jornalista e crítica literária. Assessora literária das Ediciones Trilce. Juntamente com Pablo Rocca, realizou pesquisa e entrevistas que serviram de base para o filme Idea, dirigido por Mario Jacob e dedicado à poeta uruguaia Idea Vilariño. Contato: [email protected]. ____________________________________________________ Texto apresentado na mesa "A fronteira como espaço de integração cultural" Sala Herman Lima - 15 de novembro de 2008 Mediação: Regina Ribeiro (Brasil) revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial Las revistas culturales y la integración de nuestra América Carlos Véjar Pérez-Rubio . Cuando hablábamos hacia fines de 1991 de la necesidad de crear en México una revista cultural independiente, de intensa vocación latinoamericana, en la que se expresaran libremente el pensamiento, la memoria y la creación científica, artística y literaria de la región, estábamos convencidos del importante papel que juega la cultura en la integración de Nuestra América. Varios propósitos acompañaban a esta utopía. Partiendo de la necesidad de conocernos, como primera premisa para integrarnos, la revista en ciernes debería servir de puente entre las diversas manifestaciones culturales latinoamericanas. Debería registrar además los cambios que estaban ocurriendo en ese terreno, como la desaparición paulatina de las fronteras disciplinarias, para elaborar una propuesta imaginativa, crítica, que facilitara nuestra inserción en un presente y un futuro que debieran brindar mejores expectativas materiales y espirituales a nuestros pueblos. En realidad, más allá de una revista, lo que se gestaba entonces era un proyecto cultural: el proyecto Archipiélago. Pronto quedarían definidas las bases conceptuales. El objetivo principal de este proyecto sería coadyuvar a la integración de América Latina y el Caribe activando en sus territorios, y aún más allá, en latitudes ajenas donde habitan comunidades de origen latinoamericano y caribeño, como Estados Unidos, Canadá y Europa, un movimiento cultural que reafirmara la identidad y el orgullo de ser de sus pobladores. Acorde con el devenir histórico de la región, tendería también puentes a España y Portugal, y a la idea de Iberoamérica que de ello dimana. Iniciado el proceso, surgió de inmediato la necesidad de profundizar en el tema. Era imprescindible investigar al menos algunas revistas latinoamericanas de tiempos pasados y adentrarnos en las que pudiéramos conseguir de nuestro tiempo, preferentemente independientes y pluriculturales. No nos detendríamos mucho en aquellas de divulgación de temas generales y noticias coyunturales, que cubrían la cultura solamente en alguna de sus secciones, aún si fueran tan importantes como las legendarias cubanas Bohemia y Carteles, o las mexicanas Siempre y Proceso. Ni en aquellas centradas en temas de política y economía (o en algún campo específico de la cultura). Sabíamos por otra parte que las revistas culturales se creaban generalmente por grupos de intelectuales que comulgaban con una misma idea y unos mismos objetivos, matices de más o de menos. Grupos en buena medida generacionales las más de las veces, que con frecuencia derivaban en capillas, sectas o argollas, posición que rechazamos tajantemente. Nosotros, por el contrario, constituiríamos un nogrupo, una red, la red cultural de Nuestra América. La sociedad que conformamos 19 amigos de diferentes disciplinas y nacionalidades a principios de 1992 habría de tener un nombre a propósito: Confluencia. En agosto de ese año publicamos en México el número 0 de la revista que habría de ser la carta de presentación del proyecto: Archipiélago. Revista Cultural de Nuestra América, edición que fue presentada en la Casa de las Américas, de La Habana; y en el Museo Nacional de Etnografía y Folklore, de La Paz, Bolivia. El número 1 lo publicamos tres años después, en mayo de 1995, cuando la red la conformaban ya 407 intelectuales de todos los rincones de la patria grande. Ahora estamos en el número 62 y desconocemos la cifra precisa de amigos que componen la red de Archipiélago, que se ha venido tejiendo desde entonces en las más variadas latitudes. Más cerradas algunas, más abiertas e incluyentes otras; académicas o de divulgación; institucionales o independientes; comerciales o utópicas; económicamente solventes o de apurada subsistencia; cristianas (salen cuando dios quiere) o de publicación regular; artesanales o formales; suplementos culturales de diarios de circulación nacional o modestas ediciones provincianas; de gran tiraje o de alcance limitado; impresas o virtuales; en papel o en la red electrónica… Al avanzar en el análisis advertimos que, no obstante sus diferencias, todas las revistas culturales latinoamericanas habían jugado un papel en el desarrollo cultural y la integración de nuestros pueblos. Y eran incontables. Sin pretender emular a Saramago con Todos los nombres, pasamos revista a algunas de las más significativas, que habrían de alentarnos en nuestros propósitos. Muchos mitos se derrumbaron entonces ante nuestros ojos. Veamos: • Revista Americana (1909-1919). Revista brasileña, cuyo principal responsable fue Artur Guimarães de Araújo Jorge. Sus propósitos, expuestos por la Redacción en su número 1, publicado en octubre de 1909 en Rio de Janeiro, Brasil, eran entre otros los siguientes: “…divulgar las diversas manifestaciones espirituales de América y seguir al mismo tiempo, paralelamente, el trazado superior de su evolución político-económica”, ser “como un trazo de unión entre las figuras representativas de la intelectualidad de esta parte del mundo”. En sus diez años de vida acogió contribuciones de grandes nombres del mundo intelectual brasileño y latinoamericano, como Rio Branco, Joaquim Tabuco, Euclides da Cunha, Oliveira Lima, Ramón Cárcano, José Ingenieros y Rubén Darío. • Cuba Contemporánea (1913-1927). Revista cubana dirigida por Carlos de Velasco, quien estuvo al frente hasta su muerte en 1920, siendo sucedido como director por Mario Guiral. El primer número fijaba el derrotero: “Las páginas de Cuba Contemporánea quedan abiertas a todas las orientaciones del espíritu moderno, sin otra limitación que la impuesta por el respeto a las opiniones ajenas, a las personas y a la sociedad, sin más requisito que el exigido por las reglas del buen decir: he ahí nuestro programa”. La relación de escritores y figuras de la intelectualidad que allí estamparon su firma es voluminosa y significativa. Algunos nombres: Max Henríquez Ureña, Alfonso Hernández Catá, Jorge Mañach, Dulce María Borrero, José Antonio Fernández de Castro, José María Chacón y Calvo, Carlos Loveira, Emilio Roig de Leuchsenring, Manuel Sanguily y Juan Marinello, entre otros. • Repertorio Americano (19191958). Revista de Costa Rica, dirigida y editada por Joaquín García Monge. Estaba inspirada en la de similar nombre, publicada por una Sociedad de Americanos en Londres el siglo anterior •Repertorio Americano (18261827)•, cuyos principales animadores fueron Andrés Bello y Juan García del Río. Dicho en las propias palabras de su editor, “las revistas sirven para que en ellas la generación pensante o ilustrada de un país o de un continente diga lo que piensa y sienta acerca de las múltiples incitaciones de la vida. Para ello ha de haber libertad, tolerancia y la inevitable acción y reacción de los pareceres que en las revistas se dan cita”. En ella aparecieron artículos de Gabriela Mistral, Pablo Neruda, Victoria Ocampo, Teresa de la Parra, Alfonso Reyes y José Vasconcelos, entre muchos otros. En cuanto a costarricenses, pueden citarse a Carlos Luis Fallas, Max Jiménez, Julián Marchena, Eunice Odio, Lilia Ramos y Moisés Vincenzi. • México Moderno (1920-1923). Revista mexicana dirigida sucesivamente por Enrique González Martínez, Manuel Toussaint y Agustín Loera y Chávez, que contaba entre sus colaboradores a Genaro Estrada, Jaime Torres Bodet, Vicente Lombardo Toledano, Pedro Henríquez Ureña, Rafael H. Valle, Alfonso Reyes, Manuel M. Ponce, Ezequiel A. Chávez, Manuel Gómez Morín, Carlos Lazo y Daniel Cosío Villegas. Es interesante destacar la nota publicada en su edición número 8 (1° de marzo de 1921), con el título “Las más interesantes Revistas de Hispano-América”, que se enlistan a continuación: Nosotros. Directores: Alfredo A Bianchi y Roberto E. Giusti. Publicación mensual argentina, con la más seria colaboración de los escritores de habla española. Revista de Filosofía. Director: José Ingenieros. Publicación bimestral de cultura, ciencias y educación. Buenos Aires. Cuba contemporánea. Director: Carlos de Velasco. Revista mensual que manifiesta el esfuerzo vigoroso de los intelectuales cubanos. Patria. Director: Carlos Manuel Novoa. Revista mensual de literatura, artes, ciencias y actualidades. Guayaquil, Ecuador. Nuestra América. Director: E. Stefanini. Revista mensual de difusión cultural americana, publicada en Buenos Aires, con selecto e interesante material de escritores latino-americanos. Orto. Director: Juan F. Sariol. Revista semanal ilustrada, de ciencias, arte y letras, editada en Manzanillo, Cuba. Hebe. Directores: Ernesto Morales y Arturo Lagorio. Revista Mensual de Literatura y Arte. Buenos Aires. Actualidades. Director: Francisco R. González. Revista mensual ilustrada, literaria, humorística e instructiva. San Salvador C. A. Lecturas. Editorial Tor. Curiosa Revista-Guía del buen lector, publicada en Buenos Aires, conteniendo nutridos e interesantes informes del movimiento editorial americano y notas bibliográficas ilustradas. La Federación. Director: Federico Alvarado F. Diario Democrático Independiente. Guatemala. América Latina. Directores: Benjamín Barrios y Ventura García Calderón. Revista mensual parisiense, publicada en español, con notas gráficas mundiales, artículos literarios, artísticos e informativos, con las mejores firmas y conteniendo secciones de interés para todos los públicos. Bellísimas ilustraciones. Juventud. Director: Refugio León Lira. Órgano de la Asociación de estudiantes potosinos. La única revista literaria de ese estado. Cuasimodo. Director: Nemesio Canales. Magazine interamericano de información mundial, afirmación de ideas renovadoras y aquilatación de los valores intelectuales predominantes en España y América, publicado en Panamá. Omega. Director: G. Jiménez Herrera. Revista de ciencias y letras. Tamboril, Provincia de Santiago, República Dominicana. Armonía social. Revista mensual. León, Gto., México. • Amauta (1926-1930). Revista peruana, publicada en Lima por José Carlos Mariátegui, voz contestataria de los nuevos tiempos y las nuevas generaciones. En la presentación de su número 1 (septiembre de 1926), se decía: “El objetivo de esta revista es el de plantear, esclarecer y conocer los problemas peruanos desde puntos de vista doctrinarios y científicos. Pero consideraremos al Perú dentro del panorama del mundo. Estudiaremos todos los grandes movimientos de renovación políticos, filosóficos, artísticos, literarios, científicos. Todo lo humano es nuestro. Esta revista vinculará a los hombres nuevos del Perú, primero con los otros pueblos de América, en seguida con los de otros pueblos del mundo”. En sus páginas publicaron, junto a los intelectuales peruanos, personajes como Romain Rolland y Marinetti, Jorge Luis Borges y Juan Antonio Mella, Miguel de Unamuno y André Breton, Lenin y Freud. • revista de avance (1927-1930). Así, con minúsculas, nació esta revista cubana, órgano de la vanguardia que logró integrar a la mayoría de los intelectuales de la “segunda generación republicana”. Sus primeros editores fueron Alejo Carpentier, Martín Casanovas, Francisco Ichaso, Jorge Mañach y Juan Marinello. Entre los colaboradores más asiduos figuraron Agustín Acosta, Emilio Ballagas, Regino E. Boti, Mariano Brull, José María Chacón y Calvo, Alfonso Hernández Catá, Fernando Ortiz, Félix Pita Rodríguez, Regino Pedroso, Raúl Roa y Enrique José Varona. También aparecieron trabajos de destacados intelectuales extranjeros. Esta publicación desempeñó un importante papel en lo concerniente a la divulgación de la música y las artes plásticas, siendo ilustradas sus páginas por destacados pintores cubanos, como Carlos Enríquez y Víctor Manuel. • Contemporáneos (1928-1931). Revista mexicana, una de las más influyentes en su momento. No sólo acogió en sus páginas las plumas de la vanguardia europea, sino que también divulgó la obra de los autores hispanoamericanos que serían parte fundamental de la escena cultural del siglo XX. El grupo de jóvenes intelectuales mexicanos que se agruparon en torno a esta revista, se encargó de difundir muchas de las innovaciones del arte y la cultura en la sociedad mexicana. No existió un programa definido o un manifiesto generacional, aunque sí era evidente que todos aquellos que publicaron en ella compartían un afán por modernizar no sólo la literatura, sino una buena parte de los aspectos más significativos de la cultura. Entre los miembros destacados del grupo se contaban Salvador Novo, Xavier Villaurrutia, José Gorostiza, Carlos Pellicer, Bernardo de Montellano, Jaime Torres Bodet y Gilberto Owen. • Sur (1931-1970). Revista argentina, fundada y dirigida por Victoria Ocampo y publicada en Buenos Aires, que permitió a los intelectuales rioplatenses conocer y relacionarse con la vida cultural de Europa y Estados Unidos. La revista, en la que se podía hablar de cualquier tema, tuvo entre sus colaboradores a figuras como Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares, José Bianco, Waldo Frank, Walter Gropius y Alfonso Reyes. Como secretarios de redacción participaron Guillermo de Torre, José Bianco, Jorge Luis Borges, Raimundo Lida, Ernesto Sábato, María Luisa Bastos y Enrique Pezón. En su primer número, Drieu La Rochelle expresa lo siguiente: “Una revista es un grupo de hombres que se juntan en su juventud y que dicen juntos lo que piensan juntos. No es bueno que se reúnan demasiado pronto, si son demasiado jóvenes no tienen todavía nada que decir. Tampoco es bueno que se reúnan demasiado tarde. Una vez que han dicho lo que tenían en común deben separarse. Sin lo cual el grupo humano se convierte en una revista en el sentido literario de la palabra, donde no se hace más que repetir lo que ya se dijo otras veces…” Julio Cortázar y Gabriel García Márquez reconocieron alguna vez la relevancia de Sur en su formación; y Gabriela Mistral sostuvo que Victoria Ocampo y su revista cambiaron la lectura en varios países del hemisferio, pese a las críticas de elitista y europeizante que se le hicieron en su momento. Se publicaron 360 volúmenes en las casi cuatro décadas que apareció publicada. • Marcha (1939-1974). Revista emblemática uruguaya dirigida por Carlos Quijano, cuya posición izquierdista y su proyección extra-uruguaya la convirtió en un importante órgano de opinión de la América Latina progresista. Esto hizo que la conciencia latinoamericanista traspasara el mero cliché y se convirtiera en práctica intelectual y política. Al cumplir veinte años el semanario, su director escribió: “Alguna vez dijimos que Marcha aspiraba a ser un diálogo con sus lectores. Nos agradaría saber que así fue y así será. Que fuimos capaces de mantener ese diálogo; que seremos capaces de continuarlo.” La columna cultural de esta revista estuvo a cargo de escritores como Juan Carlos Onetti, Emir Rodríguez Monegal, Ángel Rama, Jorge Ruffinelli, Heber Raviolo y entre sus colaboradores se contaron distinguidos intelectuales de la región, como Miguel Ángel Asturias, Arturo Ardao, Jorge Luis Borges, Carlos Martínez Moreno, Carlos Real de Azúa, Gregorio Selser, René Zavaleta, Augusto Céspedes, Eduardo Galeano, Mario Benedetti, Rodolfo Walsh y el mismo Che Guevara. Después de la clausura de Marcha durante la dictadura, en 1974, Quijano padeció la cárcel y después el exilio en México, en donde murió. • Cuadernos Americanos (1942-2008). Revista fundada por un grupo de intelectuales españoles exiliados en México y mexicanos, encabezados por Jesús Silva Herzog, que decidieron enfrentar los problemas que planteaba la cultura, en especial en América. Son incontables los intelectuales latinoamericanos, españoles e incluso de otras nacionalidades que han colaborado en ella a lo largo de más de seis décadas de existencia, abordando diversos tópicos. Destacan entre sus editores Jesús Silva Herzog, Manuel S. Garrido y Leopoldo Zea; y entre sus colaboradores de diversas épocas, Alfonso Reyes, Daniel Cosío Villegas, Mario de la Cueva, Ernesto Cardenal, Fernando Aínsa, Edgar Montiel, Tomás Calvo Buezas, Theotonio dos Santos, Gerard Pierre-Charles, Roberto Fernández Retamar, Miguel Rojas Mix, Pablo González Casanova, Miguel León Portilla, Jaime Labastida, Gustavo Vargas Martínez, Horacio Cerutti, Ricardo Melgar, Estela Morales, Liliana Weinberg, Adalberto Santana, Regina Crespo, Jesús Serna y Patricia Galeana. La primera época de la revista abarca del número 1 (1942) hasta el número 261 (1984); la segunda época va del número 262 (1985) hasta el número 265 (1986); y la nueva época, a cargo de Zea hasta su fallecimiento en el año 2004, comienza en el número 1 (1987). Actualmente la publicación es editada por la UNAM, a través del Centro de Investigaciones sobre América Latina y el Caribe CIALC. • El Hijo Pródigo (1943-1946). Revista mexicana, comenzó a editarse cuando habían desaparecido otras vinculadas al exilio español, como Taller, Romance o España Peregrina. El americanismo edénico, inducido por el aparente hundimiento cultural europeo derivado de la guerra y por aquella lógica apocalíptica que se esgrimía con tanta contundencia como ingenuidad, sonaba en otras revistas poco acorde con las inquietudes reales de los intelectuales mexicanos. Así, para responder a este sentimiento, surgió esta revista, impulsada por Xavier Villaurrutia, Samuel Ramos, Alí Chumacero y Octavio Paz, entre otros, bajo la dirección de Octavio G. Barreda. • Orígenes (1944-1954). Revista cubana, dirigida por José Lezama Lima y José Rodríguez Feo. Entre sus editores se encontraban Mariano Rodríguez y Alfredo Lozano. Desde el número 34 se separa de la publicación Rodríguez Feo, quien creó la revista Ciclón, junto con Virgilio Piñera. El consejo de colaboración estaba integrado por Eliseo Diego, Fina García Marruz, Ángel Gaztelu, Julián Orbón, Octavio Smith y Cintio Vitier. Lezama narra así su surgimiento: “Nos conocíamos Ángel Gaztelu, Guy Pérez Cisneros, Gastón Baquero, Virgilio Piñera, Justo Rodríguez Santos, y el momento era propicio para hacer revistas. Casi todos los escritores jóvenes tenían el mismo desenvolvimiento, y en sus revistas está la verdadera historia del espíritu. No me imaginaba que lo que andando el tiempo se convirtiera en lo que fue, hubiese surgido con notoria indiferencia. Era el espíritu venciendo una coraza de dificultades. (...) La raíz de Verbum, de Espuela de Plata, de Nadie Parecía, de Orígenes fue la amistad, el trato frecuente, la conversación, el paseo inteligente. Estábamos muy al lado de los pintores Lozano, Mariano, Portocarrero, y de los músicos, Ardévol, primero, Julián Orbón, después. Esta amistad estaba por encima de hacer o no hacer revistas, porque las revistas fueron desapareciendo y la amistad ha subsistido (...) Pero en la raíz del grupo de pintores, músicos, escritores, estaba implícita la tendencia a la universalidad de la cultura, a la búsqueda de nuestro paisaje...” • Letras del Ecuador (1945-1954 / 1954-2008). Revista ecuatoriana, órgano oficial de la Casa de la Cultura Ecuatoriana fundada por Benjamín Carrión, su primer presidente, en 1944. En 1945 este destacado intelectual lojano publicó la revista bajo la dirección de su sobrino Alejandro Carrión, en la que colaboraron notables intelectuales latinoamericanos y de otras latitudes, junto a ecuatorianos como Demetrio Aguilera Malta, Agustín Cueva, Jorge Enrique Adoum, César Dávila, Miguel Donoso Pareja, Jorge Icaza, Carlos Calderón Chico, Eliécer Cárdenas, Jorge Carrera Andrade, Abdón Ubidia, Iván Egüez y Raúl Pérez Torres, entre muchos otros. La primera época de Letras del Ecuador, que se acreditó pronto en los medios culturales de América Latina, terminó en 1954, pero en su nueva época es publicada hasta la fecha, siendo su director actual Julio Pazos Barrera. • Casa de las Américas (1960-2008). Revista cubana fundada en 1960 por Haydee Santamaría como órgano de la institución homónima que la propia Haydee había fundado el año anterior y dirigía. Es una de las publicaciones periódicas de su tipo que más larga vida y mayor trascendencia ha logrado en la región, a cuya cultura ha dedicado una especial atención, así como a sus nexos con el resto del planeta. A lo largo del tiempo la han distinguido colaboradores de primera línea, tanto de América Latina y el Caribe como de otras partes del mundo. Mencionemos algunos: Julio Cortázar, Alejo Carpentier, Gabriel García Márquez, Mario Benedetti, Carlos Fuentes, Mario Vargas Llosa, Ezequiel Martínez Estrada, Eduardo Galeano, Roque Dalton, Darcy Ribeiro, Tito Monterroso, Mayra Montero, Luisa Campuzano, Ambrosio Fornet, Alfredo Bryce Echenique, Iván Junqueira, Edmundo Desnoes, Juan Bruce-Novoa, Aimé Césaire, Pablo Armando Fernández, Sergio Pitol, Miguel Bonasso, Antonio Martorell, Alonso Aguilar Monteverde, Renato Prada Oropeza, Santiago García, Raúl Vallejo, Gonzalo Rojas, Ariel Dorfman, Poli Délano, Roberto Segre, Noamh Chomsky, Edouard Glissant, Norman Girvan... Al fallecimiento de Haydee, en 1980, la Casa de las Américas fue presidida por Mariano Rodríguez (19801986) y Roberto Fernández Retamar (1986 a la fecha), quien funge también como director de la revista. • Plural (1971-1976 / 1977-1994). Revista mexicana, publicada por el diario Excélsior, con dos épocas bien definidas y diferenciadas. Fue fundada y dirigida por Octavio Paz en 1971, con el apoyo del periodista Julio Scherer, entonces director de Excélsior, quien, según Paz, “nos propuso la publicación de una revista literaria, en el sentido amplio de la palabra literatura: invención verbal y reflexión sobre esa invención, creación de otros mundos y crítica de este mundo”. Paz reunió en torno a la revista un consejo de redacción integrado por narradores o poetas como Salvador Elizondo, Tomás Segovia, Alejandro Rossi, Juan García Ponce, José de la Colina y Gabriel Zaid. La publicación registró en su primera época la firma de agudos críticos de política o de cultura como Daniel Cosío Villegas, Ossip Maldestam, Joseph Bodsky y Charles Fourer, y de narradores latinoamericanos como Adolfo Bioy Casares y Manuel Puig, entre otros. En 1976, luego de un conflicto de la directiva de Excélsior con el presidente de México, Luis Echeverría, que causó la salida del diario de un importante grupo de colaboradores encabezados por Scherer (varios de los cuales habrían de fundar pronto la revista Proceso), Paz y sus amigos abandonaron Plural, que ya iba en el número 58, para fundar la revista Vuelta, con similares características aunque más beligerante y selectiva ideológica y culturalmente. Poco después comienza la segunda época de Plural, publicada por el renovado Excélsior, a cuyo frente estuvieron hasta 1982 Jaime Labastida y Roberto Rodríguez Baños, quedando a partir de este año como director solamente Labastida. En esta etapa, que se extenderá 17 años, Plural será más abierta, incluyente y pluricultural, más alineada con las causas progresistas y la integración de América Latina y el Caribe, en donde llegará a ser ampliamente reconocida. Colaborarán en ella destacados intelectuales de diversas latitudes, como Jorge Boccanera, Saúl Ibargoyen, Eduardo Casar, Federico Álvarez, Juan Gelman, Rodolfo Alonso, Efraín Huerta, Telma Nava, Francisco Zendejas, Carlos Montemayor, Lazlo Moussong, Gabriel Vargas Lozano, Francesca Gargallo, Raquel Tibol, Lisandro Otero, Horacio Salas, Nils Castro, Enrique Jaramillo Levi, Hernán Lavín Cerda, Felipe Garrido, Eduardo Langagne, Federico Patán, María Elena Aura, Eduardo García Aguilar, Óscar Oliva y Juan Bañuelos, entre otros. • Araucaria (1978-1989). Revista chilena, dirigida en el exilio por Volodia Teitelboim. Su redacción funcionó hasta 1984 en París, año en el cual se trasladó a Madrid. El éxodo masivo de artistas o intelectuales que provocó el golpe de estado pinochetista de septiembre de 1973, dio origen a un fenómeno extremadamente amplio y vigoroso: la cultura chilena del exilio. Nunca la proyección de este país alcanzó como entonces resonancia planetaria semejante, con la obra desarrollada en una treintena de países por cineastas, músicos, pintores, escritores, académicos y cuadros calificados en los más diversos campos de la producción cultural. Aunque se publicaron muchas revistas en ese tiempo, la de mayor significación fue sin duda Araucaria, por la amplitud de los temas tratados, así como por la calidad e interés de sus artículos, el prestigio y representatividad de quienes colaboraban en sus páginas y el atractivo de su presentación. Publicada regularmente durante sus doce años de existencia, llegó a ser un objeto cultural de referencia obligatoria entre los chilenos de la diáspora y numerosos latinoamericanos. • Nossa América (1989-2008). Revista brasileña, órgano del Memorial da América Latina de São Paulo, dirigida por Milton Eric Nepomuceno. Esta institución fue creada en 1989 como un espacio para reunir las diversas manifestaciones artísticas y culturales de la región y promover con ello la identidad e integración de Nuestra América. La revista, creada con un alto nivel editorial y gráfico, se ha convertido en una de las publicaciones más importantes del continente. En su consejo editorial, presidido por Alfredo Bosi, participan distinguidos intelectuales latinoamericanos, como Antônio Callado, Augusto Roa Bastos, Ernesto Cardenal, Ernesto Sábato, Eduardo Galeano y Oscar Niemeyer, entre otros, siendo la editora ejecutiva Leonor Amarante. Y entre quienes han colaborado en sus páginas encontramos a Thiago de Mello, Antonio Candido, Nicolás Guillén, Julio Cortázar, Eduardo Carranza, Flor Garduño, Dacio Galvão, María Bonomi, Sebastião Salgado, Paulo Mendes da Rocha, Carlos Guilherme Mota, Fernando Birri, Juan Carlos Onetti, Fernando Botero, Paulo Mendes da Rocha y Regina Meyer, por sólo citar algunos nombres ampliamente reconocidos en sus respectivos campos de acción. Copados cada vez más por el internet, las página web y los blogs, fuimos conociendo en el transcurso del tiempo otras revistas culturales latinoamericanas que llamaron nuestra atención, existentes unas y desaparecidas otras, con varias de las cuales establecimos incluso vínculos, dadas las afinidades que encontrábamos. Enlistemos algunas: Las cubanas Revolución y cultura, dirigida en 1991 por Romualdo Santos; La Gaceta de la UNEAC, dirigida por Norberto Codina hasta la fecha; Temas, dirigida cuando la conocimos por Rafael Carralero y, actualmente, por Rafael Hernández; Contracorriente, dirigida por Enrique Ubieta; y Oralidad, órgano de la oficina cultural de la UNESCO para América Latina y el Caribe con sede en La Habana, cuyo editor es Víctor Marín. Las argentinas Francachela, fundada en Chile por Carlos Aránguiz y publicada posteriormente en Buenos Aires bajo la dirección de José Kameniecki y, actualmente, Norma Pérez Martín; Nómada, dirigida por Jorge Boccanera; y las míticas Martín Fierro (1904-1919), Claridad (1927-1941), que dirigió Antonio Zamora, y Crisis, una vitrina de lo mejor de la literatura, el arte y la cultura popular de América Latina, fundada en 1974 en Buenos Aires por Eduardo Galeano, exiliado temporalmente en la ciudad porteña. La guatemalteca Revista de Guatemala (1945-1948 / 1951-1953), dirigida por Luis Cardoza y Aragón, exiliado posteriormente en México. Las costarricenses Semanario Universidad, que dirige Laura Martínez Quezada; Tópicos del humanismo, cuyo editor es Gerardo César Hurtado; e Imago, en cuya edición colaboraba Laura Fuentes Belgrave. Las bolivianas Signo. Cuadernos de Cultura Boliviana, dirigida por Carlos Coello; y Cultural, Revista de la Fundación Cultural del Banco Central de Bolivia, dirigida por Alberto K. Bailey. Las brasileñas Eco 21, dirigida por René Capriles; Cult. Revista Brasileira de Cultura; Letras e Artes, órgano de la Academia de Artes y Letras do Nordeste, dirigida por su presidente, Alexandre Santos; y Agulha, esta última virtual, dirigida por Floriano Martins y Claudio Willer desde Fortaleza y São Paulo, respectivamente. Las colombianas Desarrollo Indoamericano, dirigida por José Consuegra Higgins; Número, animada por intelectuales como Juan Gustavo Cobo Borda y William Ospina; y las virtuales Rampa, dirigida por Rubén López Rodrigué; y Arquitrave, dirigida por Harold Alvarado Tenorio. La dominicana Caudal, dirigida por Carlos Cabrera. La ecuatoriana Anaconda, dirigida y editada por Macshori Ruales. Las puertorriqueñas Exégesis, dirigida por Marcos Reyes Dávila; El Cuervo, dirigida por Alberto Martínez-Márquez y Judith Diez Herencia; y Hóminis. Las venezolanas Ateneo de los Teques, dirigida por Emilcen Rivera; Humania del Sur, de la Universidad de los Andes; y El cuervo, esta última virtual, dirigida por María Antonieta Flores. La uruguaya Brecha, dirigida por Guillermo Waksman, en donde colabora Ana Inés Larre. Las chilenas Rocinante, de Faride Zerán, considerada en su momento como “la mejor revista cultural” por el Círculo de Críticos de Arte de Chile, lamentablemente desaparecida en 2005; y Punto Final, fundada en 1965 y dirigida por Manuel Cabieses hasta la fecha (fue suspendida entre 1973 y 1989, durante la dictadura, cuando su director vivió en el exilio y la clandestinidad). En cuanto a las revistas mexicanas, mencionemos Amerística, dirigida por el colombiano Gustavo Vargas Martínez, lamentablemente fallecido hace tres años; la Casa Grande, dirigida por el también colombiano Mario Rey; El entrevero, dirigida por el uruguayo Edgar Paz (todos ellos residentes en México); Revista de la Universidad, dirigida por Ignacio Solares y publicada por la Coordinación de Difusión Cultural de la UNAM; Latinoamérica, dirigida por Adalberto Santana y publicada por el CIALC-UNAM; Casa del tiempo, dirigida por Daniel Toledo Belrán, y Topodrilo, cuyo editor actual es Antulio Sánchez, ambas de la UAM; La palabra y el hombre, de la Universidad Veracruzana, fundada por Sergio Galindo y dirigida actualmente por Mario Muñoz; Contrapunto, publicada por la Editora de Gobierno de Veracruz, cuyo editor es Félix Báez Jorge; Dialéctica, de la BUAP, dirigida por Gabriel Vargas Lozano; Blanco Móvil, dirigida por Eduardo Mosches; Alforja, dirigida por José Ángel Leyva; Memoria, dirigida por Héctor Díaz Polanco; Nexos, dirigida en sucesivos periodos por Héctor Aguilar Camín, Rafael Pérez Gay y José Woldenberg; y Letras libres, fundada y dirigida por Enrique Krauze. Mención aparte merecen finalmente las revistas realizadas por migrantes latinoamericanos en diversas latitudes, cuyo valor es encomiable. Algunos ejemplos son los siguientes: Arenas Blancas, de la Universidad de Nuevo México en Las Cruces, empeñada en promover la cultura chicana y acercar a las comunidades latinas de Estados Unidos a sus lugares de origen; Vericuetos, dirigida por el colombiano Efer Arocha, en la que participan numerosos latinoamericanos residentes en París, edición bilingüe cuyo logotipo fue diseñado por el artista plástico mexicano Jesús González Tonantzin; La porte des poetes, edición también bilingüe de los latinoamericanos residentes en París, cuyo director fundador es el escritor chileno Luis del Río-Donoso; Espaces Latinos, publicada en francés por los latinoamericanos residentes en la ciudad francesa de Lyon y dirigida por Januario Espinosa; Guaraguau, revista independiente fundada en 1996 en la Universidad Autónoma de Barcelona, dirigida por Mario Campaña, que trata sobre la cultura latinoamericana en el sentido más amplio; y Mapalé, revista de Artes y Letras de la comunidad latinoamericana residente en Canadá, dirigida en Ottawa por Silvia Alfaro. No cabe duda, a todas ellas mucho les debe la cultura latinoamericana y caribeña y la consecuente integración de nuestros pueblos. En Archipiélago sabemos reconocerlo. Y valorarlo. CARLOS VÉJAR PÉREZ-RUBIO (México, 1943). Dirige a revista Archipiélago, através da qual vem promovendo um forte diálogo de integração continental. Doutor em Estudos Latino-americanos, editor e narrador. Contato: [email protected]. ____________________________________________________ Texto apresentado na mesa "Revistas de cultura e integralção da América Latina" Sala Milton Dias - 15 de novembro de 2008 Mediação: Lira Neto (Brasil) revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial O Centro Cultural Brasil-República Dominicana e os Centros de Estudos Brasileiros (CEBs) Cristiane Grando . Desde setembro de 2008, os Centros de Estudos Brasileiros (CEBs) passaram a ser chamados Centros Culturais. De acordo com instruções enviadas pelo Ministério das Relações Exteriores, “tradicionalmente os Centros de Estudos Brasileiros (CEBs) focalizavam prioritariamente suas atividades no ensino da língua portuguesa. Ao longo dos últimos anos, essas atividades têm-se intensificado e expandido passando a abarcar também a divulgação da cultura brasileira nas suas diversas manifestações. A denominação ‘Centro de Estudos’ deixou, assim, de alcançar conceitualmente a ampla esfera de atuação dessas unidades. Hoje os CEBs oferecem sessões de cinema, exibições de dança e capoeira, encontros gastronômicos, mostras de artes plásticas, cênicas e fotografia, e concertos musicais, muito além da promoção da língua portuguesa. Ademais, promovem a divulgação de manifestações artísticas e culturais locais, tendo se transformado em genuínos centros culturais. Justifica-se, assim, fazer refletir em sua denominação essa nova realidade. A partir de agora, os CEBs passarão a intitular-se ‘Centro Cultural BrasilXXX (nome do país)’.” Esses Centros Culturais, os antigos CEBs, funcionam em inúmeros países, entre eles: na Alemanha, Argentina, Bolívia, Cabo Verde, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, Guiana, Guiné Bissau, Haiti, Itália (em Roma e Milão), México, Moçambique, Nicarágua, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Uruguai e Venezuela. Além das aulas de língua portuguesa, o CEB ou Centro Cultural Brasil aplica o CELPE-Bras, “o Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros, desenvolvido e outorgado pelo Ministério da Educação (MEC), aplicado no Brasil e em outros países com o apoio do Ministério das Relações Exteriores (MRE). O CELPE-Bras é o único certificado brasileiro de proficiência em português como língua estrangeira reconhecido oficialmente. Internacionalmente, é aceito em firmas e instituições de ensino como comprovação de competência na língua portuguesa e, no Brasil, é exigido pelas universidades para ingresso em cursos de graduação e em programas de pós-graduação.” Mais informações e inscrições: www.mec.gov.br/sesu/celpe e www.ceb-barcelona.org, outubro de 2008. Os cursos de língua portuguesa em São Domingos vêm sendo oferecidos pela Embaixada do Brasil na Escuela Primaria República del Brasil e na Universidad Autónoma de Santo Domingo (UASD) desde a década de 1980, o que será ampliado com a criação do Centro Cultural Brasil – República Dominicana pela Embaixada do Brasil com o apoio do Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores. O Centro é formado pela Biblioteca Hilda Hilst, salas para conferências e aulas (Salas Manuel Bandeira, Clarice Lispector e Carlos Drummond de Andrade), para oficinas e exposições de artes plásticas e fotografia (Salas Tarsila do Amaral e Sebastião Salgado, Ateliê de Criatividade Guimarães Rosa), para projeção de filmes (Sala Glauber Rocha), além da Cozinha Adélia Prado, para aulas de culinária, e de outros espaços que podem ser utilizados para reuniões e eventos culturais como o Espaço Villa-Lobos, Espaço Chico Buarque, Sala João Cabral de Melo Neto, Espaço Cecília Meireles, Sala Anita Malfatti, Jardim Vinicius de Moraes e Café Machado de Assis. Nesse ano de 2008, comemora-se o centenário da morte do escritor brasileiro considerado o maior expoente de todos os tempos da literatura nacional: Machado de Assis. Em 19 de setembro de 2007, foi publicado no Diário Oficial da União a Lei nº 11.522, que institui 2008 como o Ano Nacional Machado de Assis, assinada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e por Gilberto Gil, ministro da Cultura naquela ocasião. O Centro Cultural Brasil – República Dominicana oferecerá cursos de Língua Portuguesa e Cultura Brasileira, de I a V, além de cursos temáticos que serão organizados de acordo com as necessidades dos estudantes e as propostas de professores. Pretende-se desenvolver atividades semanais como Cinema na 4ª-feira e Voz e violão: noite de poesia e música brasileira. Nesse projeto, os participantes poderão ler poemas e cantar em português, de forma espontânea, em apresentações individuais ou em grupo. Voz e violão é um projeto que será desenvolvido ao ar livre, no Jardim Vinicius de Moraes. Com o objetivo de que os estudantes pratiquem a língua portuguesa como parte da vida diária, o Centro Cultural oferecerá várias atividades permanentes. As atividades culturais esporádicas previstas envolvem, sobretudo, a cultura brasileira e dominicana. Para 2009, estão programadas: participar, com diversas atividades culturais, nos 15 dias da Feria Internacional del Libro de Santo Domingo, sendo o Brasil país homenageado; sediar noites de trovas do I Juegos Florales del Caribe, promovido pela União Brasileira de Trovadores (UBT) e organizado pelo poeta dominicano Claudio Garibaldy Martínez, evento que contará com apresentações de trovas em português e espanhol; organizar exposição de fotógrafos brasileiros com o objetivo de participar do IV Photoimagen em setembro, mês da fotografia em São Domingos. Na Biblioteca Hilda Hilst, há o Espaço Monteiro Lobato, dedicado às crianças, com livros, revistas e gibis, onde haverá atividades como contar histórias e cantar em português. Pretende-se também oferecer aulas de artes plásticas, artesanato e culinária em português, utilizando material didático/teórico publicado em língua portuguesa. Um calendário comemorativo de feriados nacionais brasileiros e festas tradicionais está sendo desenvolvido, para que se promovam atividades culturais nas principais datas. Ao organizar festas em países estrangeiros, deve-se tomar o cuidado de não transformá-las, pois migram de seu contexto original para o de outra cultura. É claro que algumas adaptações às vezes são necessárias, mas é preciso ter senso crítico no momento de realizá-las. Essa é também uma das preocupações do Café Machado de Assis, coordenado por Ivone e Sergio Lisboa, que aspira a ser uma cafeteria que veicule a cultura e culinária brasileira. O Centro Cultural Brasil deseja apoiar eventos culturais que são realizados em São Domingos há alguns anos. As festas juninas, por exemplo, organizadas por funcionários da Embaixada do Brasil e pela empresa brasileira Odebrecht; as aulas de capoeira, oferecidas por dois professores brasileiros. Conhecendo a vida cotidiana da República Dominicana e Brasil, notase que há realidades semelhantes, especialmente em ambientes escolares. A partir dessa experiência, acredito que é importante cultivar, nos espaços educativos e culturais, valores como: a pontualidade, a criatividade, a limpeza e organização do ambiente de trabalho e de estudo, a reciclagem e o não-desperdício, o trabalho em equipe, o silêncio, promovendo campanhas, em português e espanhol, a fim de evitar ruídos perto da biblioteca e das salas de aula, durante a projeção de filmes, apresentações teatrais e de música. É importante desenvolver campanhas para diminuir o uso de celular durante aulas e eventos culturais, assim como para contribuir para que se diminuam os ruídos no dia-a-dia, como o excesso do uso de buzinas, podendo se ampliar para uma campanha de respeito ao pedestre e aos sinais de trânsito. Como projeto educativo e entidade governamental, pretende-se valorizar o potencial e desejo de aprender de professores e artistas iniciantes, assim como valorizar o trabalho e as obras de grandes artistas e intelectuais, promovendo a sua difusão através de publicações, produção de audiovisuais, exposições e conferências. Segundo o cantor e compositor Joan Manuel Serrat, “a situação que vivemos é só a ponta do iceberg da crise que vive esta sociedade; chegou-se a isto pela falta de valores e porque fomos muito permissivos.” [1] Nesse sentido se expressa muito bem a jornalista dominicana Ebony Lafontaine quando diz que “se nos detivéssemos para observar objetivamente o panorama nacional do ponto de vista de como nos relacionamos uns com os outros, poderíamos dar-nos conta de que nossas relações humanas andam mal, em via de deterioração e agravando os problemas que nos afligem como nação. […] Introduzir mudanças na forma de comportarmo-nos com o outro não significa deixar de lado nossa personalidade; ao contrário, a fortalece. Essa fortaleza reflete-se em nossas emoções, equilíbrio pessoal e em uma relação interpessoal efetiva.” [2] Ter um site com textos, material informativo sobre as aulas e programação cultural, publicados em português e espanhol, é um dos serviços que se pretende oferecer em breve. Inicialmente utilizamos para difusão dos eventos culturais convite impresso, email e o Blog Dominico-Brasilero, criado pelo professor Sergio Lisboa em maio de 2008 (http://dominico-brasilero.blogspot. com). Mais que interesse por conhecer a cultura brasileira, nota-se amor pelo Brasil, pelos brasileiros e por nossa cultura nos olhos de muitos dominicanos quando falam de nosso país. No contato diário com inúmeros dominicanos, especialmente durante a Feria Internacional del Libro de Santo Domingo, nas edições de 2007 e 2008, descobri esse amor pelo Brasil quando os dominicanos falavam de nossas novelas, do samba e do carnaval do Rio de Janeiro, da diversidade cultural, da extensão e belezas naturais, do cinema e da música brasileira, do futebol, do Cristo Redentor e da Amazônia. Na República Dominicana, o contato com notícias e música do Brasil é quase diário, nos jornais e restaurantes; também nas ruas, ao ver pessoas com camisetas, bolsas ou acessório que apresentam a bandeira do Brasil ou o nosso verdeamarelo. É impressionante a quantidade de dominicanos que afirmam que seu sonho é conhecer o Brasil antes de morrer. Nesse espírito de cultivar o amor entre os povos, o Centro Cultural Brasil – República Dominicana planeja apoiar a “Associação Amigos de Brasil”, projeto proposto pelos escritores dominicanos Manuel Mora Serrano e Alexis Gomes Rosa, que também participam dessa Bienal Internacional do Livro do Ceará. Vale notar que temos recebido constantemente apoio de artistas, intelectuais e amigos vinculados a diversas modalidades artísticas. Sem enumerar todas, gostaria de citar a Dirección Regional y Provincial de San Juan de la Maguana, o Grupo Photoimagen, o Centro Cultural Eduardo León Jimenes, o Centro Cultural de España, a Arbaje y Chueke S.A. – Arquitetura, Construção e Paisagismo, a Cámara de Comercio DominicoBrasileña, Artes: revista especializada en arte caribeño, Cariforum: revista cultural del Caribe, País Cultural: revista de la Secretaría de Estado de Cultura de la República Dominicana, Angel Ortega, Avelino Stanley, Basilio Belliard, Isaac Chueke, Ivelisse Russo, José Luis Terrero, Juan Miguel Bautista, Kelvin Suero, Carolina Escudero, Lucrecia Cieza, Marisol Cuevas, Noé Zayas, Radamés Polanco, Roberto Amodio, Sergio e Maria Cecilia Abreu de Araujo Vasconcellos, Teo Terrero, além de vários programas de rádio e televisão, apresentados por Raquel y José (Besos y Abrazos), Gustavo Hernández, Francisca Ramírez, Xiomara Domínguez, Olga Vásquez, Geraldino Caminero e Lisette Cruz Campillo, entre outros. Vale ressaltar o apoio dos primeiros patrocinadores: as construtoras Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez, as empresas Brahma e Nestlé. No Brasil, as primeiras parcerias desenvolvidas com o Centro Cultural realizaram-se através da troca incessante de informações com o curador dessa Bienal Internacional do Livro do Ceará, Floriano Martins, e através da doação de um grande número de CDs produzidos pelo Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”, de Tatuí-SP. O Centro Cultural Brasil – República Dominicana tem como um dos objetivos valorizar a cultura local, propondo espaço para exposição e apresentação de artistas dominicanos no próprio centro e facilitando a comunicação entre esses artistas e intelectuais com instituições culturais do Brasil. Nessa linha de trabalho, pretendese estimular o diálogo e integração dos dois países – não somente no universo artístico, mas também no mundo acadêmico, facilitando o fluxo de informações entre artistas e estudantes dos dois países que buscam vagas em universidades ou bolsas de estudo em cursos de graduação e pós-graduação. De acordo com o Instituto Cultural Brasileiro na Alemanha, “todo trabalho cultural assume, automaticamente, um importante papel na formação da imagem do país. Mais do que a divulgação de mensagens pré-formuladas, é, no entanto, o diálogo cultural que irá construir a imagem multifacetada do país. Esta será uma imagem muito mais convincente porque ‘descoberta’ pelos interessados e não simplesmente a eles ‘servida’. Distorções decorrentes dos fatos não terem sido colocados nos seus devidos contextos, por falta de conhecimento ou erro de informação, poderão ser corrigidas de maneira duradoura neste diálogo.” www.icbra-berlin.de, outubro de 2008. Aí reside a importância de um trabalho educativo desenvolvido a longo prazo nos CEBs, especialmente na América Latina, onde o intercâmbio cultural com o Brasil é muito grande, por razões geográficas e econômicas. “Nos países latino-americanos, […] a presença de uma entidade cultural brasileira é tão forte, que em algumas cidades o Instituto Brasileiro [CEB ou Centro Cultural Brasil] chega a ser um dos principais centros culturais do local.” (www.icbra-berlin.de, outubro de 2008). Para quem trabalha com educação e cultura em países estrangeiros, a tradução ganha maior relevância. Os CEBs têm assumido importante papel na difusão da literatura e da cultura brasileira não somente através dos cursos de língua portuguesa e promoção de eventos culturais, mas também através da publicação de livros traduzidos. Em alguns casos, as publicações são bilíngues, especialmente quando se trata de poesia: antologias poéticas e livros de poemas dedicados a um autor específico. Na República Dominicana, cada vez aumenta o público que busca textos de literatura brasileira traduzidos, especialmente nesse momento em que se prepara uma feira internacional de livros dedicada ao Brasil. Segundo Ubiratan Brasil, “Enquanto os Estados Unidos assumem o primeiro posto entre os países que mais estudam a literatura brasileira, a Alemanha reserva meros 7% de seu imenso mercado editorial para a tradução de livros de escritores do Brasil. As constatações, entre outras também surpreendentes, fazem parte das primeiras conclusões obtidas pelo projeto Conexões, mapeamento internacional da literatura brasileira promovido pelo Itaú Cultural. […] Escritores tradicionais, é claro, continuam puxando a fila, garantindo a presença permanente da literatura brasileira nos estudos e pesquisas estrangeiros. Mas, entre nomes esperados (como Jorge Amado, João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Rubem Fonseca), surgem outros que mesmo no Brasil já não têm a mesma repercussão. […] A tímida ação governamental também é lembrada pelos pesquisadores consultados. Todos são unânimes em apontar a necessidade de se implantar um plano que facilite a tradução de obras nacionais para diversas línguas. E a divulgação dos livros exige um projeto mais elaborado - para eles, o Brasil deveria considerar o Instituto do Livro e o Instituto Camões em Portugal como modelos a serem seguidos. […] ‘A presença da literatura brasileira no exterior é superior ao que usualmente imaginamos’, comenta [o gerente do Núcleo de Diálogos do Itaú Cultural, Claudiney José] Ferreira. ‘E há um grande interesse pela escrita contemporânea - os clássicos decerto são estudados, mas os brasilianistas demonstram cada vez mais preocupação com o aqui e agora da literatura brasileira.’" BRASIL, Ubiratan. In: O Estado de São Paulo. São Paulo. Segunda-Feira, 03 de novembro de 2008, www.estadao.com. br/estadaodehoje/20081103/not_imp271428,0.php. Gostaria de registrar minha gratidão a todos os que defendem a importância da leitura e publicação de livros como meio de difusão cultural, especialmente aos tradutores e diretores dos CEBs que organizaram, editaram e difundiram inúmeros livros de literatura brasileira. Um agradecimento especial ao Embaixador Paulo Cesar Meira de Vasconcellos, Diretor-Geral do Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores, ao Embaixador do Brasil em São Domingos Ronaldo Edgar Dunlop, ao Ministro Osvaldo Pizzá e ao Assistente de Chancelaria Jucilton Salazar Pereira, pelo apoio e trabalho intenso durante a criação do Centro Cultural Brasil – República Dominicana. Um agradecimento especial também ao curador da Bienal Internacional do Livro do Ceará, Floriano Martins, por ter criado esse espaço de diálogo entre CEBs de vários países, diminuindo a distância entre todos nós. NOTAS 1. “La situación que vivimos es solo la punta del iceberg de la crisis que vive esta sociedad, se ha llegado a esto por la falta de valores, y hemos sido muy permisivos”. BALBUENA, Moisés. “Serrat: ‘Todavía me falta mucho por contar’”. In: Hoy. Santo Domingo, 19 de outubro de 2008, p.1C. 2, “Si nos detenemos a observar objetivamente el panorama nacional desde el punto de vista de cómo nos relacionamos los unos con los otros, podríamos darnos cuenta de que nuestras relaciones humanas andan mal, en vía de deterioro y agudizando los problemas que nos aquejan como nación. […] Introducir cambios en nuestra forma de comportarnos con el otro, no significa dejar de lado nuestra personalidad, por el contrario, la fortalece. Esa fortaleza, se refleja en nuestras emociones, equilibrio personal y en una relación interpersonal efectiva.” LAFONTAINE, Ebony. “Salud Interior: Respuestas al desamor.” In: Hoy Salud. Santo Domingo, 19 de outubro de 2008, p.8. CRISTIANE GRANDO (Brasil, 1974). Professora convidada de Língua Portuguesa e Cultura Brasileira na Universidade Autônoma de Santo Domingo (UASD) desde fevereiro de 2007. Diretora-fundadora do espaço cultural Jardim das Artes (Cerquilho-SP, Brasil, 2004) e do Centro Cultural Brasil – República Dominicana (Santo Domingo, 2008). Poeta, tradutora e ensaísta. Estudiosa da obra de Hilda Hilst. Contato: [email protected]. br. ____________________________________________________ Texto apresentado no debate "Política cultural dos Centros de Estudos Brasileiros na América Hispânica" Sala Dolor Barreira - 16 de novembro de 2008 Mesa composta por Cristiane Grando (CEB República Dominicana) | Elisa Lopes (CEB Chile) | Mediação: Marco Lucchesi (Brasil) revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial O poder do autor vivo Maria Estela Guedes . Uma das principais tendências na cultura da Internet é o estímulo à tomada de consciência individual. O discurso da Rede enuncia-se na primeira pessoa: eu, Maria Estela Guedes, sou webmaster de um portal criador e difusor de ciência e cultura com larga audiência. Por esse motivo me convidaram a falar-vos do que sei, convite que me honra e muito agradeço à organização da 8ª Bienal, e muito em especial a Floriano Martins e ao Governo do Estado do Ceará. É também pelo fato de o TriploV ser um site conceituado, sobretudo no Brasil, onde temos a maior audiência, que ouso falar-vos de assuntos que domino mal. Porém há quem os domine ainda pior: certos autores portugueses estão ausentes do TriploV porque ainda não chegaram à era informática. Alguns deles nem sequer passaram pela idade da máquina de escrever. Posto este desabafo, avancemos. Trouxe-vos dois assuntos da cibercultura, ciente de que a maior parte de vós não os conhece. Aprenderemos falando disso e experimentando em casa segundo o método da tentativa e erro, pois são muito importantes. E eis segunda tendência da cibercultura: a Internet estimula-nos a aprender, fazendo, e a experimentar sem receio do erro. O primeiro assunto é o Alexa (1), um programa de estatística que revela ao interessado qual a posição do seu site nos rankings de acessos. O segundo, ligado ao primeiro, diz respeito à Wayback Machine (2). Como o nome indica, tratase de uma máquina do tempo, especializada em viajar para trás. Internet Archive Wayback Machine é o nome completo de um website, gerido por uma instituição não governamental sem fins lucrativos, que suga os nossos sítios, cuspindo as imagens. Só lhe interessam os textos. Periodicamente, a máquina passa pela Agulha ou pelo TriploV e leva o sítio inteirinho. Meses depois volta a passar e torna a levar o sítio inteirinho. Não corrige o velho com o novo. Acumula versões. À soma das várias fases de desenvolvimento de um organismo damos o nome de ontogénese. Do mesmo modo, ao conjunto de versões armazenadas no Archive podemos chamar a sitiogénese da Agulha ou do TriploV. Desnecessário dizer que esta máquina se localiza nos Estados Unidos da América (Presídio, em San Francisco) e que não só ninguém nos pede autorização para chupar os sites até às tripas, como ninguém nos dá conhecimento do fato. Desnecessário igualmente dizer que, querendo reclamar, não lograremos grande sucesso. Vejamos pois a coisa no seu lado bom: esta instituição declara o objetivo de preservar a memória da cultura que existe na Internet. Nós, escritores, temos um problema, o da durabilidade do suporte da obra, e eu, pessoalmente, sofria bastante com ele, antes da descoberta do Archive: a quem deixar o TriploV, quando morresse? Quem iria pegar nele, já não digo para o manter em actualização permanente, mas para o conservar como a pequena biblioteca que é? Caros amigos, companheiros de artes e letras: a Wayback Machine, traduzindo literalmente, é uma máquina de marcha atrás. Mas bem sabemos que traduzir é trair. Na verdade, com ela fica assegurado o transporte das nossas obras para o futuro. Não nos preocupemos com o testamento, a nossa obra em linha já ganhou diversos herdeiros, o Archive é só um deles. Mais direi: a Wayback Machine é um dispositivo que garante a nossa perenidade. Vamos agora ao Alexa. “A Alexa”, diz Henrique Costa Pereira, no feminino, “é uma empresa da Amazon que funciona como um buscador da web e também permite que você tenha acesso as estatísticas de qualquer site já indexado por eles com um mínimo de 10 mil visitantes por mês geralmente. Ou seja, se seu site tem poucos visitantes, é provável que eles não tenham indexado você. A Alexa inclusive relaciona suas estatísticas com outros sites e te informa que as pessoas que te visitam também visitam o site x ou y.” (3). Em suma, se tivermos um mínimo de dez mil visitantes por mês, o Alexa presta-nos vários tipos de informação, entre eles: - a nossa posição no ranking mundial; - a nossa posição no ranking do nosso país; - a nossa posição no ranking de cada um dos países em que o nosso site tem audiência. Por exemplo, no dia em que coligi as informações constantes no quadro “Lugar de alguns websites no ranking mundial de visitantes”, Brasil, Portugal e Angola eram os três países de maior audiência do TriploV. Repito: no dia em que coligi os dados, porque eles variam muito. Podem variar milhares de pontos num mês, mas não nos assustemos: não é o nosso site que está a afundar-se ou a subir ao céu, trata-se da variação natural nesse organismo vivo que é a Internet. Pelo blog do Google ficamos a saber que nele estão registados à volta de um bilião europeu de endereços (URLs), o que equivale a um trilhão americano. No nosso quadro vamos lidar com posições sobretudo na faixa dos mil e dos milhões, o que, no máximo, significa um número seguido de seis zeros. O trilhão americano conta 12 zeros. É pois um trilhão de endereços que regista o Google, em artigo que pretende avaliar o quão grande ele é: “1 trillion (as in 1,000,000,000,000) unique URLs on the web at once!” (4). Não é um trilhão de sites, sim de endereços. A Wayback Machine lida com websites, é ela que informa quantos indexou, e já sabemos que só conta aqueles que perfazem ao menos 10.000 máquinas visitantes por mês: “Browse through 85 billion web pages archived from 1996 to a few months ago” (5). É portanto entre 85 bilhões de sites que nos encontramos, querendo isto dizer que não contamos com a maior parte, constituída por websites não indexados. Neste areal de infinitas areias, onde não se esperaria poder achar uma agulha, é possível não só achar a Agulha – Revista de Cultura (6) – dirigida pelos queridos amigos Floriano Martins e Claudio Willer –, como saber qual a sua posição relativamente a publicações congéneres como o TriploV, a Storm Magazine ou a Cronópios: ela vai à frente. O Jornal de Poesia (7), de Soares Feitosa, ainda está melhor posicionado. Quadro: Lugar de alguns websites no ranking mundial de visitantes. Falo de congéneres, mas realmente estes sítios culturais pouco têm em comum, por isso é ocioso olharmos uns para os outros de cima para baixo ou de baixo para cima. O que nos liga, creio, é o facto de nenhum de nós ser um sítio estatal. Somos particulares, e, enquanto particulares e privados, é que julgo ser bem interessante estabelecer comparação com o lugar ocupado por revistas universitárias, por bibliotecas nacionais, por fundações e sociedades, sejam elas portuguesas, brasileiras ou inglesas. Fica demonstrado que vamos à frente de muitos deles, o que de um lado justifica um beberete de congratulações, e de outro um arrepio de susto: como é possível que a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro tenha menos impacto na Rede que a Agulha? Como é possível que a Biblioteca Nacional de Lisboa tenha menos impacto na Rede que o TriploV? Porque é que isto acontece? Porque é que o privado e amador recebe mais visitas que o website governamental, feito por profissionais? Meus caros amigos, penso que isso se deve ao poder do autor vivo. É ele que clica. Clicam os nossos colaboradores. Clicam os aspirantes a autor, nas universidades e noutras escolas. Clicam aqueles que nem são autores nem aspirantes a isso, mas nos reconhecem no ciberespaço, nos estimam, e se sentem felizes por poderem conversar com os autores vivos e ler o que eles acabam de pôr em linha. Clicam os nossos companheiros de artes e letras que vêm até nós oferecer o conteúdo dos seus blogues, cientes de que a união nos dá poder. É o poder do autor vivo que catapulta estes sítios para posições em que os matematicamente mais próximos não são os blogues, as publicações congéneres, as revistas e institutos universitários, sim grandes instituições como o Instituto Miguel Cervantes, a Fundação Calouste Gulbenkian, ou a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro e em Lisboa. Note-se que sítios de ciência como a Sociedade Portuguesa de Herpetologia e a BTO (British Trust for Ornithology), instituições dedicadas à zoologia que achei por bem incluir no quadro, para satisfação de Miss Pimb, colaboradora do TriploV que se dedica a observar a Natureza, vão muito longe de nós, na faixa dos milhões. Primeira conclusão: dado o impacto na Internet, os nossos sítios devem considerar-se estabelecimentos de cultura merecedores da atenção dos governos, quando lha solicitarmos. Afinal desempenhamos um papel na difusão da língua portuguesa, das literaturas e das artes dos nossos países, mais eficaz e penetrante do que o desempenhado por organismos expressamente criados pelos governos para esse efeito. Segunda conclusão: não é culturalmente revolucionário podermos prestar estas informações? O Alexa fornece dados a quem puser na sua caixa de pesquisa o endereço do website cujo potencial queira investigar. Ficou patente na minha intervenção que não há segredo quanto ao desempenho na Internet. Qualquer pessoa, gratuitamente, pode informar-se sobre o tráfego e outros dados técnicos de qualquer website. Não existe possibilidade de mentir. Última conclusão: acabou também, com a nova cultura da Rede, o princípio de que o segredo é a alma do negócio. Não, meus amigos: nós, que somos tudo menos negociantes, devemos apresentar os resultados do Alexa às grandes empresas ou às instituições do Governo, quando precisarmos de financiamento para os nossos projectos, pois esses resultados são muito mais atraentes para os patrocinadores do que as benesses envolvidas na Lei do Mecenato. No quadro "Lugar de alguns websites no ranking mundial", está errado o lugar da Colóquio/Letras, porque é um subdomínio do website da Fundação Calouste Gulbenkian. O Alexa não dá resultados de subdomínios, só do servidor em que estão alojados. No caso, o número do lugar corresponde ao website da Fundação Calouste Gulbenkian. Há talvez um ano, certos periódicos portugueses, como o Diário de Notícias, encontravam-se próximos, ou mesmo abaixo, do lugar do TriploV. Hoje, parecem muito à frente, mas o lugar que o Alexa lhes atribui não é o seu. Os jornais foram agora alojados em grandes portais como o Clix e o Sapo, de modo que deixámos de saber qual o seu lugar no ranking mundial. Quando o pedimos ao Alexa, o resultado diz respeito ao Sapo ou ao Clix. Com blogs que parecem estar extraordinariamente bem colocados, como o "Nós por cá", acontece o mesmo: o resultado fornecido pelo Alexa diz respeito ao servidor em que estão alojados. No caso do nós por cá, o domínio é <ig.com.br>. URLS DE REFERÊNCIA (1) Alexa: www.alexa.com (2) Internet Archive Wayback Machine: www.archive.org/index. php (3) Henrique Costa Pereira, Estatísticas # 3 - Alexaholic. O Alexa turbinado. In: http://revolucao.etc.br/archives/estatisticas-3alexaholic-o-alexa-turbinado (Consultado a 29.10.2008). (4) We knew the web was big… In: http://googleblog.blogspot. com/2008/07/we-knew-web-was-big.html. (5) www.archive.org/web/web.php (6) www.revista.agulha.nom.br (7) www.jornaldepoesia.jor.br/poesia.html MARIA ESTELA GUEDES (Portugal, 1947). Membro da Associação Portuguesa de Escritores (APE), do Instituto S. Tomás de Aquino (ISTA), e do Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa (CICTSUL). Dramaturga, poeta, ensaísta e editora. Fundou e dirige o TriploV, um dos sítios web de mais expressiva visitação em língua portuguesa. Mantém acordo de cooperação literária entre o TriploV e a Agulha – Revista de Cultura, dirigida por Claudio Willer e Floriano Martins, para efeito de divulgação da cultura de seus países na Net. Contato: [email protected]. ____________________________________________________ Texto apresentado no debate "Cultura da Internet & Cultura na Internet" Sala Herman Lima - 20 de novembro de 2008 Mesa composta por Edson Cruz (Brasil) | José Ángel Leyva (México) | Maria Estela Guedes (Portugal) | Mediação: Claudio Willer (Brasil) revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial O Sertão grego de Gerardo Mello Mourão Gonçalo Mello Mourão . Quero, em primeiro lugar, agradecer duplamente aos organizadores desta mesa-redonda: pelo fato de a terem programado e por terem chamado a participar dela o Carlos Mourão, aqui a meu lado. Poucos poderiam falar melhor aqui da obra deste ipueirense que foi Gerardo Mello Mourão. Em segundo lugar, quero agradecer por ter sido convidado a esta extraordinária VIII Bienal do Livro do Ceará, em Fortaleza. Faço estes agradecimentos aqui na pessoa da Adriana Botelho, a quem tanto devo pelo amor que tem à obra de meu pai. Mas quero, também, e publicamente, repetir o que em privado já disse aos que me convidaram: não sei se eu caibo aqui. Na verdade, o que esta audiência pode esperar que um filho diga de seu pai? Ou, pior ainda: o que pode um filho dizer de seu pai que aqui, nestas circunstâncias, interesse? Pois, na verdade, estamos aqui para falar de aspectos literários da obra de meu pai. De fato, não de meu pai, mas do poeta Gerardo Mello Mourão. Que era meu pai. Posso trazer uns testemunhos familiares, dizer, por exemplo, que meu pai gostava de uma rede, que ia à missa aos domingos, que tomava café sem açúcar, que escrevia a qualquer hora do dia ou da noite e em qualquer lugar. Poderia elencar uns poetas de que gostava e de que me ensinou a gostar, ou de outros que desprezava. Poderia falar da memória prodigiosa que tinha, das centenas e centenas de versos que sabia de cor em uma dezena de línguas que lia, escrevia e falava; e não só de versos, pois eu mesmo o ouvi recitar uma vez ou outra, por exemplo, trechos inteiros de Cícero ou da Bíblia, mas também alguns dos primeiros capítulos de Iracema. Iracema… Lembro dele contar como decorou trechos e trechos de Iracema ainda pequeno, antes mesmo de aprender a ler, apenas ouvindo a leitura que sua mãe lhe fazia. E talvez com Iracema eu possa tentar falar um pouco dum tema desta mesa-redonda que me foi tão felizmente sugerido pelos organizadores: "O sertão grego de Gerardo Mello Mourão". O que é Sertão e o que é Grego? Bem, em se tratando da obra de meu pai, eu diria que o Sertão é o que é grego e que Grego é o sertão. Aparentemente, é uma tautologia. Mas é e não é. Em primeiro lugar, quase toda boa poesia é tautológica, repete o que foi dito, de outras maneiras. Por exemplo - e vou dar um exemplo bem radical - o próprio Marinetti, um dos maiores poetas fundadores da Europa e da modernidade, ao gritar alto e bom som, há exatos cem anos atrás, no Manifesto Futurista: "Matemos o luar!", ou ao afirmar que "um automóvel de corrida é mais belo que a Vitória de Samotrácia", o que buscava era maneiras novas de proclamar aquela vontade de poder do homem sobre a natureza e sobre o passado, que já encontramos em Homero, por exemplo, na cena de Aquiles combatendo contra o rio Escamandro. É ruim toda poesia que procura ser diferente sem ter consciência de ser tautológica. É a capacidade tautológica da boa arte, aliás, que fundamenta uma cultura. Mas tudo isto, como gostava de dizer meu pai, é uma outra história. O Sertão de meu pai é novo porque é tautológico, porque é, como com muita felicidade propuseram os organizadores deste encontro, Grego. Não é um sertão inventado - como certos sertões literários malogrados - nem é um sertão descoberto - como os que depois se perdem. É um sertão que é. Como o Deus da Bíblia, que é o que é. Aliás, um Deus tautológico. O mundo é grande, mas o sertão é maior. O Grego é muito maior que a Grécia que nós conhecemos. Ambos, na verdade, o sertão e o grego, não têm limites, porque ambos existem naquela dimensão estranha - estranha e tautológica - que é a dimensão de si mesmos. Toda noção que se limita a si própria é infinita; isto, aparentemente, é um paradoxo, mas mais adiante vou falar de paradoxos. A Grécia, quando é sertão, é infinita e o Sertão, quando é Grécia, também. Está claro que não me refiro aqui à Grécia geográfica ou histórica, nem ao Sertão geográfico ou sociológico - Deus nos guarde, aliás, dos sertões sociológicos. Estou falando daquela Grécia que está no Sertão e daquele Sertão que é grego. Meu pai diz, nuns versos de um poema mais recente, intitulado Epitáfio 3, o seguinte: …Ipueiras, informantes informam, é um distrito - arrabalde talvez, de Tróia onde jazem ruínas da comarca do Ipu e da capitania do Siarah Grande e diz também, um pouco mais adiante: Nada houve nem antes nem depois… Antes de Tróia ou depois de Tróia, antes ou depois daquela comarca do Ipu na capitania do Siarah Grande. A Grécia foi nossa aurora, nossa efervescência e nossa sepultura. Somos o que fomos ali pois dali guardamos o que ainda temos de perene: o espanto de existir, o conhecimento ontológico de nossa ignorância transcendental. Nem Platão nem Aristóteles sabiam, por exemplo, que o sangue circulava, que a terra girava em torno do sol, que os ventos parece que não são mandados pelos deuses, que os micróbios existem, que não é Posseidon quem sacode as ondas do mar; não sabiam nada disto. Mas até hoje discutimos e pensamos em torno do que eles pensaram, não de seu pensamento científico, mas do que pensaram sobre nossa existência, sobre nossa passagem pela terra, sobre o que criamos. Sobre o que fomos, o que somos e o que seremos. Vivemos hoje ainda dentro do que pensavam Platão e Aristóteles e os outros. O poeta Apollinaire, no começo do século XX, expressou magistralmente isto tudo em um verso, em que se perguntava: "et toi, mon coeur, pourquoi bats tu?" - e você, por que bate, coração? Esse espanto, que faz perguntar ao coração por que bate e que fica sem resposta, testifica, ao mesmo tempo, que bate o coração e o poeta, então, canta, simplesmente, o bater do coração, canta o bater da vida. A vida que começa, a vida que floresce e a vida que se acaba. A vida que é sempre nova nesta repetição. A Grécia no sertão de meu pai é isto, é esta revelação da vida viva através da pergunta sem resposta sempre repetida: et toi, mon coeur, pourquoi bats tu? A Grécia não tem respostas. Nem o Sertão. Ambos têm vida. Ambos são origem de vida. E ambos têm morte e perplexidade. Meu pai não canta a Grécia nem a exalta, mas a reconhece e a repete no canto auroral do Sertão. O Sertão é a repetição da Grécia e a Grécia, na obra de meu pai, é a repetição do Sertão. Ambos são o espaço fundamental e o tempo fundamental. E o fundamental, o que fundamenta, não tem antes nem depois: cria-se a si próprio e os muitos depois que vêm a seguir é que o têm como seu antes. O Sertão é Grego, na obra de meu pai, porque é fundador. Sertão, em português, é uma palavra antiga, mais antiga que o Brasil. Sua origem etimológica parece ser controversa e significava, nos primórdios da língua, algo como espaços indômitos ainda desconhecidos do interior das terras. Podemos até ir mais longe e dizer que significava lugar sem história ou, o que talvez fosse mais preciso, lugar à espera da história. Um dos primeiros cronistas do Brasil, Gabriel Soares de Souza, em certas passagens de seu livro diz, sobre o rio Doce, na Bahia, que "pelo sertão deste rio há muito pau-brasil" e também, sobre o rio São Francisco, diz que "pelo seu sertão dizem haver serras de ouro e prata". O sertão desconhecido dos rios! Este é o sertão que os rios dos versos de meu pai fecundam. É o sertão maior daquilo que é tocado pela primeira vez e que, neste contacto, cria a memória do que virá depois. É o mesmo rio passando sempre pelo mesmo sertão. Sempre pela mesma Grécia. E, nesse sentido, sertão não é apenas o sertão dos Inhamuns, mas é, também, o sertão do Pampa e da Amazônia, é o sertão urbano do Rio de Janeiro e de São Paulo e de todo o vasto mundo da Nicarágua à China, onde a aventura humana é a ebulição de um encontro ou de uma perda e por onde meu pai viveu sua peripécia. O sertão da poesia de meu pai é como um gole de cachaça: o bom é o gosto que fica na boca e na garganta depois que se engole. O sertão é o que o verso consegue guardar. Ou, dito de outra forma, o sertão não existe, existem os versos e, neles, o sertão. Mas porque existe nos versos, permanece; e, de fato, existe. Mas eu comecei falando disto tudo por causa da evocação de Iracema. Não a virgem dos lábios de mel e cabelos mais negros que a asa da graúna e de talhe de palmeira, mas o livro Iracema. Muito esquematicamente, pois todos nós o conhecemos, todo o Brasil o conhece, o que o livro conta é uma história de encontro, luta, amor, vida, morte e esperança, no sertão, num sertão que se fundava, num sertão que nascia mítico e que assim permaneceu. Além, muito além daquela serra que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Nasceu no século XVI, nasceu em 1865, nasceu ontem e nascerá amanhã. As serras ainda azulam, ainda buscam ser o céu, no horizonte. Além delas, ainda o sertão. O sertão onde José de Alencar plantou a criação do mundo, a criação do Brasil. Nesse sentido, Iracema é o primeiro romance épico da literatura brasileira. Depois de tudo o que eu disse antes, posso dizer que Iracema é o primeiro romance grego de nossa literatura; grego, porque fundador. Grego como é grego o sertão na obra de meu pai. Meu pai admirava a Bíblia como obra literária - e aqui trago um testemunho filial - tanto como a respeitava como revelação divina. E procurando emular aquela revelação, alguns de seus cantos do livro O País dos Mourões ele começou com a expressão evangélica "In illo tempore", naquele tempo. Qual tempo? Todos e nenhum: aquele. O tempo em que se fundava alguma coisa. O Sertão da poesia de meu pai é grego não porque nele ou nela existam formas clássicas, belezas eternas, proporções áureas; é grego porque tanto o sertão quanto a poesia fundam alguma coisa. E esta coisa não é o novo mas o de sempre, o que se repete, a Grécia tautológica que ainda nos cria e nos provoca e que ainda nos resgata e nos leva à perdição, que nos dá esperança e que nos desespera. Naquele sertão e naquela poesia estão o perene e o passageiro; mas ali, o passageiro é que é o perene, porque só ele cria lembrança. Só nos lembramos daquilo que passou, só o que passou fica: o que não fica é o que pode estar sempre. É um paradoxo, mas é de paradoxos que se faz, também, a boa poesia e é de paradoxos que se faz o conhecimento. O sertão da poesia de meu pai é este paradoxo do passado que é presente porque fundador. Aquele passado que é o presente de Iracema. É extraordinário, quanto a isto, o começo do primeiro canto daquele seu livro O País dos Mourões, onde ele começa dizendo que à esquerda e à direita iam caindo seu pai, seus avós, seus bisavós, seus tios e seus primos e todos caíram, mas, de repente, ele lança a constatação maravilhosa e trágica e diz: Apalpa, meu amor, meu rosto apalpa, não tombei: sou eu. Como venho dos mortos nem eu sei, mas sei que na partilha me tocou a herança de sobreviver; vou devorando a terra com meus olhos que a terra não comeu, a terra que comeu tantos olhos e da qual os meus hoje se nutrem. Como é tautológica e paradoxal, a boa poesia é sempre, também, ressurreição. Como diz meu pai neste trecho que li, ele, poeta, veio dos mortos. Ressurgiu. Pois, na verdade, o que nasce morre, mas só ressuscita aquilo que morreu. O Sertão da poesia de meu pai é a ressurreição da Grécia. Não a ressurreição de Apolo ou de Tróia mas a ressurreição do tempo fundador. Mais do que o tempo, dos gestos fundadores. Ele diz, em seu livro "Rastro de Apolo", o seguinte: … e ali o amor é morte e a morte o estratagema da ressurreição. Não é uma poesia de evocação, é um estratagema de ressurreição, é uma poesia de criação. E porque é de criação, esta criação tem que se dar, também, ao nível da linguagem poética. Nesse sentido, é grega, também, a linguagem de meu pai. Não porque use termos gregos ou sintaxes gregas, não porque semeie, aqui e ali, palavras em grego, mas porque trata de manifestar-se através das expressões mais puras da língua. Trata de conceder às palavras uma força e um significado que estão dentro delas mesmas, trata de procurar ressuscitar as tautologias paradoxais contidas no âmago da palavra. Retomando uma noção a que me referi atrás, aquela sobre Deus de que ele é o que é, também as palavras, para a poesia de meu pai, são o que são. Não são palavras inventadas, não são sintaxes inventadas que se perdem fora de si mesmas como em outras obras malogradas. O que suas palavras são é o que ele tira delas; o que elas são é a metáfora que elas contêm em si mesmas e que só o poeta tira delas, porque só o poeta pode devolver a elas o que delas tira. E é esta devolução, esta espécie de re-incorporação morfológica que dá vida nova a uma palavra velha, que ressuscita a palavra e, ao ressuscitar a palavra, ressuscita um mundo. A Grécia ressurge sempre e ressurgiu no sertão da poesia de meu pai. E eu estou certo de que este sertão, que meu pai ressuscitou em sua poesia, também ressurgirá sempre, pois o que se funda em poesia morre e ressuscita sempre. E encerro com uma frase de meu pai, que com freqüência dizia: "eu não posso provar nada; mas eu sei". Muito obrigado. GONÇALO MOURÃO (Brasil, 1950). Embaixador, poeta e ensaísta. Atualmente é o Diretor do Departamento da América Central e Caribe, do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília. Serviu nas Embaixadas do Brasil em Roma, Argel, Londres, Assunção, Paris e Lisboa. Foi Vice-Diretor do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Contato: [email protected]. ____________________________________________________ Texto apresentado no debate "O sertão de Gerardo Mello Mourão" Sala Herman Lima - 17 de novembro de 2008 Mesa composta por Gonçalo Mello Mourão (Brasil) | Carlos Mourão (Brasil) | Mediação: Adriana Botelho (Brasil) revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial Perspectiva internacionalista da literatura cearense Floriano Martins . Creio que a perspectiva internacionalista evocada pelo tema aqui proposto nos leva a pensar acerca do funcionamento de uma política cultural do Estado. A ausência de um mecanismo desta natureza, em defesa do patrimônio artístico brasileiro, tem sido uma preocupação sempre isolada de alguns gestores culturais, artistas e intelectuais. Áreas da criação que dão mais visibilidade encontram melhor oportunidade, porém não de forma sistemática ou de relevância crítica. Também o Estado opera de maneira oportunista em geral sensibilizando-se por uma agenda de efemérides. Evidente que sempre que falo em Estado aqui eu me refiro à esfera nacional. O escritor brasileiro, de uma maneira geral, está (sempre esteve) por conta própria, de tal forma que nossa literatura sequer deve ser pensada como um ingrediente do patrimônio cultural brasileiro. Sua internacionalização – que não é tanta ao ponto de corresponder à sua grandeza – se deu quase sempre por esforços movidos pelos próprios escritores e, em grande parte, por seus tradutores. Foi graças a Curt Meyer-Clason que João Guimarães Rosa teve a quase totalidade de sua obra publicada na Alemanha. Há também o caso em que a literatura brasileira se difunde no exterior por interesse da política cultural de um outro país, que reconhece sua qualidade e a exigência natural de que a mesma integre um catálogo editorial internacional. Um exemplo que se pode mencionar aqui é o da Fundación Biblioteca Ayacucho, na Venezuela, que tem publicado mais de duas dezenas de autores brasileiros, em obras críticas que abrangem poesia, crônica, conto, romance, filosofia, sociologia e crítica literária. Ali estão autores como Darcy Ribeiro, Sérgio Buarque de Holanda, Machado de Assis, Jorge Amado, José Lins do Rego, Oswald de Andrade. Há dois anos fui convidado para preparar aquela que seria a primeira edição bilíngüe desta já plenamente consolidada coleção, um volume crítico dedicado à poesia de Carlos Drummond de Andrade. Enquanto preparava este livro, confirmei que Drummond é o poeta brasileiro mais publicado no exterior. É também o mais publicado em espanhol, embora tenham se passado mais de três décadas desde a última edição de um livro seu neste idioma. Drummond volta então à circulação em âmbito espanhol por conta do reconhecimento de uma grande casa editorial venezuelana. No entanto, o livro até este momento não saiu. E aqui entra um outro ingrediente que não é particularidade brasileira, porém nos confunde a todos. O livro não saiu porque a guarda dos direitos autorais de Drummond está em mãos de um neto advogado que reside em Buenos Aires e que… Bom, não nos cabe aqui discutir os dividendos que familiares cobram pela memória dos seus mortos. O caso é que temos um forte agregado à ausência de política cultural do Estado em relação à difusão internacional de nosso patrimônio literário. Passemos a página. Para entender melhor o que digo a respeito do tema, gostaria aqui de mencionar um outro exemplo. Desde 2004 o governo português disponibiliza uma verba anual para editoras brasileiras interessadas em publicar autores não somente de Portugal, mas também da África Portuguesa. Graças a este convênio dezenas de autores portugueses foram já publicados no Brasil. A Escrituras Editora, de São Paulo, chegou a criar uma coleção, de nome Ponte Velha, que atende a este notável empenho do Estado, no caso o governo português, no que diz respeito ao que efetivamente se deve chamar de política cultural. Ao meu lado encontra-se o editor Raimundo Gadelha, que certamente terá muito a comentar. Não há no Brasil um correspondente a este tipo de ação cultural? A Biblioteca Nacional possui um programa de apoio à tradução de autores brasileiros para o espanhol? Em 2006 a revista Agulha divulgou o regulamento para editoras em vários países de língua espanhola. Os casos que manifestaram interesse não foram atendidos. O que nos leva a mais um ingrediente, o da ação política interferindo nos destinos da cultura. Recapitulando temos que o Estado ausenta-se, o acaso insiste, os herdeiros cobram lucros impensáveis, o acaso insiste, o Estado se deixa manipular por sua política de costumes, o acaso insiste. E nesta ciranda encontra-se entregue o destino da literatura brasileira em seu imperativo de internacionalização. Bom, eu sei que a mesa pede que nossa conversa se dê em torno da literatura cearense. Como estamos em uma Bienal que trata da perspectiva internacional em torno dos idiomas português e espanhol, entendo que deveríamos ambientar a literatura cearense dentro do espectro que já mencionei, buscando referências à mesma na extensão editorial desses dois idiomas. Podemos começar por uma pergunta: quais escritores cearenses se encontram publicados em português e espanhol, em Portugal, na América Hispânica, na África Portuguesa? Podemos refazer a pergunta, para nos dar mais garantias de observar um aspecto seguinte: temos escritores que possuam expressão nacional, que sejam responsáveis por alterações significativas no panorama estético da literatura no Brasil, que tenham dado contribuição consistente a esta literatura? Imagino que nomes como os de José de Alencar, Rodolfo Teófilo, Rachel de Queiroz, Herman Lima, Moreira Campos, Oliveira Paiva, Gerardo Mello Mourão, Fran Martins, Francisco Carvalho seriam naturalmente lembrados por qualquer um de vocês. Há outros, evidente. Poderia aqui evocar um dos momentos de grande força expressiva cultural do Ceará, a criação e atuação do grupo CLÃ, que publicou a mais longeva (e consistente) revista de que se tem referência na historiografia dos movimentos literários em todo o país. Há nomes que se tornaram referências toponímicas para nós, sem que tenhamos dado por conta de sua importância cultural. Outros que desconhecemos sua naturalidade, ou seja, que os temos como famosos sem sabermos que são cearenses. Outros ainda que de alguma maneira são rejeitados como cearenses pelo simples fato de que residiram fora daqui grande parte de sua vida. Entre eles encontramos nomes como Farias Brito, Américo Facó, Luiz Severiano Ribeiro. O Ceará é naturalmente um lugar de passagem. Há uma deformidade no caráter cultural do país como um todo, desde sua colonização, que nos empurra para uma central magnética que atende pelo que chamamos de eixo Rio/São Paulo. Aí se concentra, por exemplo, o que há de mais expressivo em termos de mercado editorial no país. Um mercado que se assemelha mais a um atacadão, que tropeça nas próprias pernas, que atira a esmo sem meta ou princípio. A situação de miséria intelectual esplêndida do Estado não pode ir além dessas referências que anoto. Não defendo que o artista, escritor, intelectual, deva esperar pelo Estado. Nem mesmo que deva cobrar do Estado uma ação que seja. O Estado em si é uma entidade autista, alheia aos problemas reais do ambiente em que atua. Cabe a um escritor, a um artista, a um intelectual observar as lacunas na atuação do Estado e sugerir soluções para tanto. Estamos aqui presentes em uma Bienal que imagino possa atender ao estímulo de se buscar novas formas de parcerias editoriais. Há convidados que já vêm trabalhando em comum acordo em prol da divulgação da literatura de nossos países. Envolver escritores cearenses em tal processo é um mérito desta Bienal. É pouco, porém é um princípio. Aqui poderemos pensar, em um futuro próximo, na fundação de uma ação que possa ser identificada como uma política cultural do Governo do Estado do Ceará. Há uma verdadeira ação pioneira que se assemelha àquele evento magnífico do compositor Alberto Nepomuceno, na primeira década do século passado, ao trazer para o Brasil um conjunto de orquestras e regentes que aqui estiveram pela primeira vez e, sobretudo, regeram as primeiras obras de autores como Beethoven, Brahms e outros mais. Eu entendo que hoje o Ceará poderá buscar uma condição avançada em termos de política cultural. As oportunidades poderão ser ajustadas ao longo desses dias de realização da Bienal, ou anotadas para futuras conversas. Nosso parentesco inquestionável com a realidade cultural com todos os povos de línguas portuguesa e espanhola definirá melhor do que qualquer outro aspecto a necessidade de um diálogo mais efetivo. E a oportunidade, pois esta é mesmo uma oportunidade e tanto. Oportunidade para que intelectuais cearenses apresentem ao Estado um projeto de compreensão, recuperação e fomento de nosso patrimônio literário. Oportunidade para que o Estado crie mecanismos para o pronto atendimento dessas eventuais propostas. Caso elas não existam, pode ainda o Estado compreender por si só que possui uma parcela expressiva de responsabilidade. E se acaso o Estado também não se integrar, ainda podemos, sim, sempre podemos, apelar para o acaso. Eu sempre costumo brincar a sério dizendo que o cinema brasileiro deve muito ao Estado e não corresponde esteticamente em nada. O Estado, por sua vez, deve muito à literatura brasileira, de maneira que deve agora politicamente corresponder à mesma. Mas não esqueçamos em momento algum: se não houver iniciativa do Estado jamais poderemos utilizar esta lacuna como justificativa aceitável ou razão suficiente para nossa inação. Obrigado. FLORIANO MARTINS (Brasil, 1957). Um dos editores da Agulha. Curador da 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará. Contato: [email protected]. ____________________________________________________ Texto apresentado no debate "Literatura cearense - Uma perspectiva internacionalista" Sala Dolor Barreira - 21 de novembro de 2008 Mesa composta por Ângela Gutiérrez (Brasil) | Floriano Martins (Brasil) | Raimundo Gadelha (Brasil) | Mediação: Eleuda de Carvalho (Brasil) revista de cultura # 67 fortaleza, são paulo - janeiro/fevereiro de 2009 8ª bienal internacional do livro do ceará | encarte especial Vozes subentendidas em Sagração do Alfabeto Leonor Scliar-Cabral . Em Sagração do alfabeto quis prestar meu tributo a um dos maiores feitos do homem na construção do saber: a invenção do alfabeto. A trajetória para o registro escrito da experiência desenvolve um lento percurso desde a fase predominantemente pictográfica (a tradução mimética da realidade do mundo), ou seja, a escrita das coisas, passando pela predominância dos ideogramas, caracterizados pelas metáforas e metonímias, até chegar à escrita fonográfica quando uma ou mais letras representam uma sílaba ou um fonema. Deve-se esclarecer que alguns sistemas hieroglíficos e ideográficos incorporaram signos fonográficos com a finalidade de distinguir a mesma representação quando tinha diferentes significados. Um mesmo sistema de escrita pode utilizar fontes ou scripts diferentes, como nos alfabetos grego, cirílico, latino, gótico, hebraico ou árabe. Tais alfabetos, pois, podem ser aplicados a línguas diferentes. O que condiciona os valores das letras de um dado alfabeto numa língua determinada são as convenções ortográficas. Na verdade, os precursores da escrita se encontram na Mesopotâmia e no Egito. No primeiro caso, trata-se de pedrinhas ou pequenos blocos de barro, com registros, em geral, para contabilizar e coincidem com os pictogramas sumérios. Enquanto a escrita cuneiforme foi utilizada no início primordialmente para o registro de nomes e quantidades, necessário para as transações comerciais, a egípcia está vinculada às inscrições nos templos, com caráter sagrado. Os signos fonográficos no sistema egípcio, que serão reutilizados pelos judeus no Monte Sinai, são consonantais. Procurei, nesta série de 22 sonetos, homenagear o elo perdido entre os hieróglifos e o alfabeto fenício, isto é, a escrita protosinaítica, cujo documento mais antigo, em torno de 1.400 a.C., é uma pequena esfinge de arenito dedicada à deusa Hathor (pesquisas recentes revelaram a existência de exemplos mais antigos de escrita semelhante, encontrada no Egito Central, datada ao redor de 1800 a.C). A esfinge foi descoberta pelo arqueólogo F. W. M. Petrie em 1905, no planalto de Serabit-elKhadem, no Monte Sinai, e decifrada em 1916 por A. H. Gardiner: ele constatou que a escrita era acronímica, servindo cada hieróglifo para o registro do primeiro som da palavra. Cada hieróglifo correspondia a uma palavra iniciada por aquele som que ele passou a representar. Assim, o som correspondente a [b] era representado pelo hieróglifo de casa à bayit, do qual deriva o nome da letra beit. A escrita acronímica é registrada no primeiro soneto “Alef”: Ao som inaugural de uma palavra imprimirás a letra como um selo. Nos 22 sonetos trabalho com vários aspectos da evolução do alfabeto. Ressalto, inúmeras vezes, o processo metonímico, que consiste em tomar a parte pelo todo do hieróglifo, até se chegar a poucos traços abstratos que se articulam entre si, às vezes, a uma só linha, como são exemplo os quatro versos do soneto “He”, no qual o hieróglifo do homem rezando se reduz a três linha paralelas contra uma vertical (E), depois de eliminadas a cabeça e o corpo: Cravaram a navalha e suprimiram a cabeça e o corpo ajoelhado. … O vertical agora é horizontal, três traços paralelos numa haste Na fixação dos traços abstratos, observa-se uma tensão entre retas e curvas, ora predominando umas, ora as outras, como no soneto “Beit”: Braços em rotação, lento processo das retas na procura de outras vias até se recurvarem, seios guias, abrigo de outros símbolos impressos, Por outro lado, assinalo a característica dos sistemas alfabéticos em que as letras representam as consoantes e, com a contribuição dos gregos, passam a representar também as vogais. O poder que a mesma letra tem de representar vários sons vem expresso nos quatro versos do soneto “Shin”, de onde sai a letra “S”: Os silvos todos une o traço parco e sobre o pergaminho grava o marco, resumo dos zumbidos estridentes ou dos surdos sussurros sós, silentes. Um exemplo da representação das vogais pelos gregos se encontra no soneto “Beit”: Abóbada celeste, em seu colo, em íntimo convívio, às consoantes, eternizando as falas em aninho, reúnem-se as vozes dominantes. Metáfora continuada da contribuição dos gregos é o contraste entre a cosmovisão judaica monoteísta, voltada a um D’us que não pode ser mencionado: só o que a pupila vê, o inacessível e sua infinita tela descartados. (soneto “Zayin”) e a cosmovisão helênica, pagã e terrena, como no soneto “He”: que selam o registro umbilical da voz em solo grego: consoantes e vogais costuradas em contraste nas cirandas infindas das bacantes. A disseminação do alfabeto realizada pelos fenícios, a partir de Biblos, particularmente em suas navegações pelo Mar Mediterrâneo, é um dos leit-motivs, como em “Guimel”: Inconformada ou perseguida, irrompes transformada, cruzando o Mare Nostrum, ou em Záyin”: Durante sete luas pelo obscuro mar, a quilha fenícia o reversível traçado vacilante e inseguro vai semeando com os dedos espalmados: Mas, acima de tudo, estão subjacentes as diferenças entre o oral e o escrito, e o ditado latino verba volant, scripta manent (a fala voa, o escrito permanece) costura o texto, como no soneto “Caf”: Matriz multiplicada em tênues veias, libélulas tremulam e semeiam o pólen das canções, o som dos bardos para impedir que morram deslembrados e para sempre tecem sua teia. que o vento leva ao túmulo calado onde jazem no limbo do segredo. ALEF Com ímpeto os chifres rompem ígneos os enigmas do tempo enquanto o escriba sobre o papiro virgem reaviva Milagre contra o tempo, contra o alado murmúrio ou bramido, versos ditos do fundo da memória os vaticínios: Carregarás na areia teus desígnios para que a voz divina sobreviva além do mar rompido à deriva, cravando a ferro e fogo teus domínios. Ao som inaugural de uma palavra imprimirás a letra como um selo. A parte evoca o todo e o elo lavra as frases e a história com que narras como D’us te exortou em seu apelo de fixares eternas as amarras. Leonor Scliar-Cabral [do livro Sagração do Alfabeto] ALEF Con ímpetu los cuernos rompen ígneos Los enigmas del tiempo que el escriba Sobre el papiro virgen reaviva De honda memoria los vaticinios: Cargarás en la arena tus designios Con que la voz divina sobreviva Más allá del mar roto a la deriva Clavando a hierro y fuego los dominios. Al son inaugural de una palabra Imprimirás la letra como un sello. La parte evoca al todo, anillos labran Las frases y la historia con que narras Como Dios te exhortó en su llamado De fijar para siempre las amarras. [Trad.: Walter Costa] ALEPH Rompent ignées les cornes impétueux, Les grands secrets du temps et le scribe Sur le papyrus vierge réavive Du fonds de la mémoire desseins et voeux. Sur le sable tu emmèneras ton destin pieux Pour que la voix divine survive Au-delà de la mer à la dérive Enfonçant tes domaines par fers et feux Au son inaugural de l’écriture, Tu imprimeras la lettre, celui qui scelles. La partie evoque le tout et en culpture Polit’histoire et phrases que tu narres Comme Japhet t’exorta en son appel De fixer d’éternelles ammarres. [Trad.: Marie-Hélène Torres] ALEF Horns rise up with force, igneous, aglow, to burst apart the mysteries of time, while a scribe revives prophecies divine on pure papyrus, salvaged long ago. You’ll carry through the sands your great design so that the holy voice will always be alive, beyond the wild sundered sea, as you your realm with sword and flame define. Each word’s initial sound will henceforth be inscribed by you, a letter like a seal. The part calls forth the whole and so the script turns into sentences and tales which now depict how G-d called out, encouraging your zeal to fix your ties for all eternity. [Trad.: Alexis Levitin] ••••••••• ••••• •••••••• ••••••••-•••••••• ••••• •••••••• •••• ••••••••••• •••••••••• ••••••• ••••••• ••••••••, ••••••• ••••••••• ••• •••••• ••••••••••• ••••••••• •••••••• ••••••••••••• •••••••••• •••••••••: ••••••• •••••••••••• •••••• ••••••••••• •••••• ••••••• ••••••••• •••• ••••••••• •••• ••••••• •••••• ••••••••••, •••••••• ••••••• ••••••••• •••••••••••••. •••••• •••••••• •••••••••• •••• ••••••• ••••••• ••• •••• •••••• •••••• ••••••. ••••••• ••••••••••• ••••••••• ••••••••• ••••••••••••••• •••••••••• ••• •••••••••• •••••• ••••••••••• ••••• ••• ••••••••• ••• ••••••••• ••••••• •••• ••••••••••. [Trad.: Naama Silverman Forner] LEONOR SCLIAR-CABRAL (Brasil, 1929). Doutora em Lingüística pela Universidade de São Paulo, Professora Emerita e titular concursada aposentada pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-doutorada pela Universidade de Montréal. Foi eleita em julho de 1991 em Congresso realizado na Univ. de Toronto, Presidente da International Society of Applied Psycholinguistics, ISAPL, reeleita para mais um mandato na Universidade de Bolonha/Cessena e é atualmente Presidente de Honra. Foi presidente da União Brasileira de Escritores em Santa Catarina (1995-1997) e presidiu a Associação Brasileira de Lingüística (ABRALIN), no biênio 1997-1999. Ultimamente vem se dedicando à prevenção ao analfabetismo funcional, com a proposta do método: Alfabetização: aprendizagem neuronial para as práticas sociais de leitura e escrita. Contato: [email protected]. ____________________________________________________ Texto apresentado no debate "Tradução: mercado editorial e perspectiva acadêmica" Sala Herman Lima - 15 de novembro de 2008 Mesa composta por Andityas Soares de Moura (Brasil) | Leonor Scliar-Cabral (Brasil) | Marco Lucchesi (Brasil) | Mediação: Camilo Prado (Brasil)