Agulha - Revista de Cultura

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revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
editorial
Um estranho país chamado Brasil
É possível que em alguma parte do planeta o
cidadão sinta-se sufocado pela irrealidade – esta
é, de certa maneira, a idéia que muitos fazem de
uma sociedade como a estadunidense. Em um
país como o Brasil, por exemplo, o que sufoca a
todos é o excesso de realidade. Não se trata de
fantasia ou ficção – quando muito um efeito ótico
ou uma representação teatral, recursos já quase
sem função. Tudo corresponde em exatidão à
realidade: miséria, corrupção, fraude, privação.
Enfim, vive-se ali em um estado criminal, tudo
perfeitamente embrenhado no imagináriofantoche de sua gente. Onde ficará este país de
que ouvimos falar apenas através da mídia?
No futebol brasileiro é comum observar os
monstros sagrados percorrerem o gramado como
se fosse um mundo só deles. São tão supremos
em sua individualidade que perdem por completo
o senso da partilha. Isto reflete o modelo de
ascensão social no Brasil. A rigor, não é o que
perdemos, mas antes o que jamais tivemos. O
conceito de boa índole é um vírus, da mesma
natureza do bom selvagem. Se acaso é verdade
que a oportunidade faz o ladrão, este é um país
de grandes oportunidades. Gente oriunda de
qualquer classe social, uma vez em condição de
poder, esbanja recalque, realça o sentimento de
exclusão.
Refiro-me ao poder em instância miúda, a que
atinge o cotidiano em facetas múltiplas: o
protocolador de processos em uma repartição
pública, a atendente de serviço de informação por
telefone, o apresentador fortuito de um programa
de televisão. A deliberação da própria vida nas
mãos do rancor, miséria espiritual, que se origina
na falta de comida, saúde, estudo etc. Porém
quem acredita mais nesses ditos de campanha
eleitoral? Golpe fatal da realidade: a descrença
total em qualquer auxílio, retificação ou alívio.
Torna-se a maquinação em verdade, e muito mais
eficaz. Exímia projeção de um artifício: já não
temos nada a perder.
Talvez apenas por um falso apego religioso,
relutância sem princípio, inanição mental, medo
atávico, algo que não nos permita visualizar com
clareza o alvo, uns poucos ainda relutem em
aderir ao novo credo: a realidade é tudo o que
temos. O Ronaldinho fenômeno, o Domingão do
Faustão, a Igreja Universal, o Rock in Rio, o Jornal
Nacional, este editorial, os romances do Paulo
Coelho, nada nos redime. Somos uma sociedade
completamente vitimada pela realidade, cujo
único aspecto inacreditável, porém não fantasioso,
é o fato de que somos todos cúmplices – as
exceções por vezes nem fazem idéia de onde
estão. Com isto, não cabe a ninguém reclamar, e
as indisposições soam como… Pensemos um
pouco.
Em um de seus mais belos poemas, Jorge Luis
Borges conclui dizendo que “essas pessoas, que se
ignoram, estão salvando o mundo”. Trata-se de
uma noção fantástica que o poeta argentino tinha
do senso de justiça, algo inato e incorruptível. A
expressão “salvar o mundo” foi absorvida pela
irrealidade, tornou-se chavão cinematográfico a
refletir prepotência. Neste trâmite, nem mesmo a
poesia foi salva. E a casta intelectual, à qual
pertencem todos os poetas, foi se tornando tão
venal quanto os jogadores de futebol.
Ficamos unicamente com a realidade. Nossas
evocações mágicas ou místicas já nem mais
arbitrárias são, nem conduzem a analogia alguma.
Ídolos caídos, nada mais. Um grande surto de
decepção e a realidade impondo seus méritos.
Mas tudo isto se passa nesse longínquo país
chamado Brasil, que já não sabemos onde fica.
Talvez para o resto do mundo esta seja uma
notícia apenas curiosa. Para nós, brasileiros, tratase do palimpsesto de farsas acumuladas, pele
sobre pele, onde o fundo do poço torna-se
improvável, um truque a mais, uma mágica
circense.
Quem nos livra então da realidade? Não temos
cinema para tanto. Alguns poucos ídolos
aposentados ou gastos pela ganância. Uns
símbolos maltrapilhos, desacreditados por
conveniência. Só nos resta a realidade. O país do
futuro tornou-se um país sem imaginário. Não tem
mais José a quem se dizer: e agora? Não tem
mais ninguém. E está longe, longe de casa e ainda
mais longe da irrealidade.
Os editores
Carta Aberta ao Ministério da Cultura
LEIA - DIVULGUE - PARTICIPE
sumário
1 a audácia do tédio - sobre algumas
raízes profundas do movimento do
orpheu. ricardo daunt
2 acerca de la creación literaria y
artística y su importancia como vía de
conocimiento. adriano corrales arias
3
armando silva carvalho: o texto
não faz nem refaz o mundo
(entrevista). ana marques gastão
4
demônios, paraísos perdidos &
telejornais. josé carlos a. brito
5
diez marcas en la sombra.
benjamin valdivia
6
altino caixeta de castro: do
espanto da palavra e outras
perplexidades (entrevista). maria
esther maciel
7 gerardo chávez: a propósito de un
autorretrato de memoria. carlos
henderson
8
guignard: o sonhador de ouro
preto. carlos perktold
9
gnose, gnosticismo e a poesia e
prosa de hilda hilst. claudio willer.
10 julio cortázar, altermundista algunas reflexiones sobre su
pensamiento social. carlos véjar
pérez-rubio
11 la función o transformación de los
poetas. salomón valderrama cruz
12 la posibilidad de representación
plástica en la obra de federico garcía
lorca. susana giraudo
13 lina zerón en su morada de
mariposas (entrevista). josé geraldo
neres
14 maria teresa horta: corpo solar e
lunar no corpo do texto. ana marques
gastão
15 pedaços da vida nos objetos de
farnese de andrade. mirian de
carvalho
artista convidado
vicente do rego
monteiro (pintura) texto de carlos perktold
resenhas livros da agulha ana hatherly cruzeiro seixas - herberto helder - ivan
junqueira - josé francisco ortiz - magdalena
chocano (por rodolfo häsler) - marco vasques
(por ademir demarchi) - panorama de la
literatura brasileña - patrícia galvão (por adelto
gonçalves) - patrícia guzmán - philippe jaccottet
- sérgio medeiros (por myriam ávila) - sosígenes
costa (por helena parente cunha) - versos
comunicantes II - william blake (por claudio
willer)
música discos da agulha ataualba meirelles carlos malta - fernando moura (por pedro
tinoco) - iso fischer (por etel frota) - luciana
souza (por josé nêumanne pinto) - maogani marimbanda (por floriano martins) - mario
checchetto & alexandre zamith - putumayo
cumplicidade galeria de revistas
expediente
editores
floriano martins & claudio willer
projeto gráfico & logomarca
floriano martins
jornalista responsável
soares feitosa
jornalista - drt/ce, reg nº 364, 15.05.1964
correspondentes
alfonso peña (costa rica)
américo ferrari (peru)
benjamin valdivia (méxico)
bernardo reyes (chile)
carlos m. luis (estados unidos)
eduardo mosches (méxico)
edwin madrid (equador)
francisco morales santos (guatemala)
harold alvarado tenorio (colômbia)
jorge ariel madrazo (argentina)
jorge enrique gonzález pacheco (cuba)
josé ángel leyva (méxico)
josé luis vega (porto rico)
marcos reyes dávila (porto rico)
maría antonieta flores (venezuela)
maria estela guedes (portugal)
mónica saldías (suécia)
rodolfo häsler (espanha)
saúl ibargoyen (méxico)
sonia m. martín (estados unidos)
artista plástico convidado (pintura)
vicente do rego monteiro
apoio cultural
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revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
Brasil
Carta Aberta do Ministério da Cultura
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Vimos, através desta carta aberta, chamar a atenção de
V. Sas. para um aspecto crítico dentro da política de
divulgação da cultura e realidade brasileira no exterior.
Observamos que essa política não aborda a cultura como
um conjunto de diversas expressões artísticas de vários
gêneros, mas a reduz a dois ou três gêneros, como as
artes plásticas e a música. São raros os projetos
envolvendo o gênero literário.
A literatura é uma ponte entre os países, contribuindo
para o melhor entendimento entre as nações, servindo
para ampliar o horizonte de conhecimentos políticos,
sociais, históricos, psicológicos e estéticos, entre outros.
Ela é o gênero artístico que representa o mais amplo e
profundo panorama de uma nação, talvez ao lado do
cinema, mas um filme é, primeiramente, um roteiro
escrito, isto é, um livro; muitos romances foram
filmados, na Europa muitos filmes premiados são
apresentados também em livros. Através da história
fictícia de uma personagem em determinada época,
envolvida com o desenrolar da história de um certo país,
o leitor é transportado para uma outra realidade,
completamente distante e diferente da sua. É pela
literatura que ele passeia, sem sair de casa, pelas
cidades e paisagens de um outro país e vive a realidade
ou o universo metafísico daquela personagem totalmente
distinta de seu mundo. Não só descobrimos as nossas
diferenças, mas também o quanto somos iguais, apesar
da distância e dos costumes desconhecidos. Sendo
assim, é indiscutível que a literatura aproxima, amplia,
renova, revoluciona a mente do leitor, criando novas
formas de pensamentos, ampliando sua visão de mundo
e visão de si mesmo.
Além das tramas envolvendo a psique humana e/ou a
vida empírica do homem e/ou o mundo sócio-político ou
histórico desenrolados no romance e na prosa, a poesia é
a expressão mais sublime de um idioma. Trata-se da
condensação estética do pensamento sob a inspiração
racional ou emocional. A poesia, pela sua raridade, pelo
seu valor estético e lingüístico e pelo seu fundamento,
representa a essência de um idioma. Em todos as línguas
há poesia, é o gênero estético mais antigo da literatura.
No Brasil, a poesia é amplamente desenvolvida,
alcançando dimensões excepcionais. Entretanto, não há
quase nenhum projeto oficial divulgando a poesia com o
objetivo principal de manter a sua tradição e evolução,
de expandir certas tendências ou temáticas. Sem as
indispensáveis oportunidades que propaguem os
trabalhos, as propostas intelectuais dos autores
brasileiros, muitos deles permanecem desconhecidos,
embora apresentem obras de inegável qualidade.
Também os clássicos da literatura brasileira são
esquecidos, não há nenhuma comemoração oficial da
morte de Machado de Assis ou Guimarães Rosa ou Carlos
Drummond de Andrade ou João Cabral de Melo Neto e
outros. São através desses projetos que a cultura é
revivida e enraizada em nossa memória, são esses
programas que despertam novos interesses e renovam
as lembranças fazendo com que nossa cultura se crave
na memória e se firme na tradição.
Ademais, a literatura, assim como as artes plásticas, o
cinema, a música ou a dança é, em muitos países, um
gênero artístico popular, completamente integrado não
só na formação escolar do cidadão, mas também nas
atividades de lazer. Na Europa e nos Estados Unidos,
onde a literatura goza de tradição e qualidade, a leitura é
um hábito corriqueiro cultivado pelas inúmeras
bibliotecas e pelas programações literárias, como
diversos festivais, leituras públicas com a presença dos
autores e discussões na televisão, além das edições de
inúmeras revistas especializadas e dos abrangentes
artigos nos jornais escritos por autores nacionais e
internacionais.
Considerar a literatura como um gênero artístico de difícil
acesso no exterior, devido à língua, não corresponde
mais à realidade de hoje. Com as facilidades criadas pela
internet e pela globalização, o número de tradutores e o
nível perfeccionista das traduções aumentaram, a língua
não é mais um obstáculo difícil de se transpor.
Atualmente, o leitor estrangeiro procura o universo
brasileiro através da leitura e tem muitas dificuldades em
encontrá-la, porque lamentavelmente ela não está
presente nos maiores festivais nem nos menores nem
nos salões literários nem nos salões das embaixadas
brasileiras… simplesmente não está sendo divulgada ao
público estrangeiro. Também os escritores estão
ausentes, muitos se esforçam para conseguir o
financiamento de uma passagem para algum festival,
para o qual foram convidados, e dificilmente são
atendidos.
Por outro lado, é grande a comunidade brasileira em
muitos países europeus, no Japão e nos Estados Unidos.
Esses brasileiros não querem perder a identidade e
naturalmente procuram transmitir sua cultura a seus
descendentes. É também para essa comunidade que a
convivência com literatura brasileira deveria ser
facilitada.
Desta forma, não é a literatura que é de difícil acesso,
não é a língua luso-brasileira que é de difícil acesso, não
é o escritor um ser solitário, esquisito, eremita, não é
devido à falta de interesse dos leitores ou à falta de
verbas que a literatura deixa de ser destacada no
exterior, mas a razão está nos apoios financeiros
insuficientes e nas escassas iniciativas.
Conforme o exposto, acreditamos que essa deficiência é
causada, sobretudo, pela necessidade urgente de maior
incentivo e divulgação nessa área. Ocorre que esse
gênero artístico está sendo praticamente obscurecido
pela política cultural brasileira. Buscamos, através desta
carta aberta, alertar o Ministério da Cultura para essa
lacuna, chamando a atenção para os procedimentos
necessários, em prol da rica e diversificada literatura de
nosso país, exigindo o tratamento que ela merece: sua
valorização e inclusão nos projetos culturais voltados à
divulgação da cultura e realidade brasileira no exterior.
Atenciosamente,
Claudio Willer
[ [email protected] ]
Floriano Martins
[ [email protected] ]
Viviane de Santana Paulo
[ [email protected] ]
Ao
Ministério da Cultura – MinC
Esplanada dos Ministérios, Bloco B, 3º andar
Brasília DF 70068-900 Brasil
Observação: se você tiver interesse em apoiar essa
iniciativa, envie um e-mail para o Ministério da Cultura:
[email protected]
[email protected]
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revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
Sobre algumas raízes profundas do
movimento do Orpheu
Ricardo Daunt
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O ensaio que o leitor da Agulha vai
ler agora é inteiramente extraído de
um intercapítulo de um trabalho
sobre o modernismo português,
intitulado Audácia do tédio.
Panorama estético do Orpheu em
Portugal, que virá a lume em julho
deste ano, pela Landy Editora, de
São Paulo e contará em seu primeiro
volume com um alentado estudo
sobre o movimento, no qual esta
contribuição se insere, e será
acompanhado de mais um volume, apresentado em dois
tomos, contendo as obras pertinentes ao movimento do
Orpheu.
É preciso que se diga ainda que a questão relativa às
raízes profundas do movimento, no contexto da obra
acima mencionada, é uma contribuição até certo ponto
apenas aditiva ao entendimento do Orfismo e longe está
de querer esgotar o assunto, que suscita
desdobramentos de toda ordem.
É de se esperar que o leitor acate de pronto o intento
deste pequeno contributo, que é o de formular
especulações, algumas talvez pouco corriqueiras, sobre a
estesia órfica e seus entroncamentos no âmbito da
tradição literária ocidental.
Pedimos ainda que o leitor adote como perspectiva de
leitura a mesma daquele curioso consulente que abre
uma obra a meio e se põe a lê-la sem a preocupação de
tomar nas mãos a ponta do fio da meada.
O presente ensaio, portanto, começa logo após aquele
ponto imaginário, aqui, mas real no livro que avança
para o prelo, ponto em que o autor acabou de apresentar
uma súmula dos programas e subprogramas de arte do
Orpheu, súmula esta que por seu turno derivou de um
exame minucioso das obras que entendeu órficas.
Especulações adicionais sobre as raízes do
movimento
Após a leitura da súmula dos programas de arte do
Orpheu, uma pergunta, talvez pertinente, talvez absurda,
fica no ar. Parece justo formulá-la: se não tivesse havido
o Simbolismo, teria o movimento do Orpheu realizado o
que realizou? Por ora, não temos nas mãos mais do que
um jogo de adivinhação, já que tal pergunta pressupõe a
possibilidade, mesmo que no campo das meras
abstrações, de suprimir com uma tesoura uma parte da
história das artes, assim rompendo a grande malha que
vai sendo entretecida ao longo do tempo, e a despeito
dele, feita de influências assumidas, descompassos e
vazios, e que se chama tradição.
Mais correto e oportuno seria indagar se as raízes do
movimento do Orpheu contentam-se com os subsídios
primordiais que o simbolismo legou, ou se penetram para
além dele o solo vivo da experiência humana, arrancando
de estratos mais profundos seu alimento.
A imagem das raízes afundando-se no solo logo se
apresenta imprópria. No território da arte - e de toda a
experiência humana - não existe compartimento
estanque. O senso comum de distante e próximo
também não se sustenta, nem o de antigo e novo se
estabelece de uma vez por todas, assentado sobre o fio
do tempo, quando a mera e trivial impressão deixa de
satisfazer ao espírito crítico. Por esse prisma, e passando
em revista a história da arte ocidental, não encontramos
dificuldade de concluir que dado um ponto determinado
da malha da tradição, vale dizer, no ponto - qualquer que
seja ele - em que se identifica um traço estético, ou a
dominante de um programa de arte, ou um mero
estilema, sobre aquele ponto as forças todas resultantes
da complexidade da tessitura da malha exercem alguma
espécie de influência, caso contrário, como explicar a
própria existência e permanência da malha e o sentido de
seus pontos e nós, e a tensão permanente exercida ao
longo dessa invisível rede?
Deverá ser com esse espírito que buscaremos agora
cambiar nossa perspectiva de análise, em busca de novas
e talvez menos evidentes entroncamentos subterrâneos
do movimento do Orpheu.
Para tanto, iremos nos guiar pela mão de dois dos
mentores mais destacados e prolíficos do movimento,
Pessoa e Sá-Carneiro. Dirá o leitor que a escolha é
arbitrária e que o exame do enraizamento da obra órfica
desses autores, a despeito de seu incontestável relevo e
importância para o Orpheu em Portugal, não dá conta da
diversidade do movimento.
Absolutamente de acordo. É de se supor que uma
investigação caso a caso nos levasse mais longe, mas
talvez nos desviasse de nosso objetivo - que não é o de
buscar as fontes onde foram beber os rapazes do Orpheu
em suas trajetórias individuais, nem mesmo o de apontar
as fontes de inspiração que nortearam os passos de SáCarneiro e Pessoa, mas o de compreender como o
movimento do Orpheu se insere na tradição.
Dada uma determinada geração de escritores e poetas,
na obra de quais deles patenteiam-se mais
vigorosamente as questões de sua geração e que dizem
respeito não somente ao fazer literário, como à
manutenção e ruptura da tradição literária? Na obra dos
que com maior amplitude, intensidade e profundidade
embateram-se com a tradição, originando a partir desse
embate obras influenciadoras em seu tempo e
representativas da época ou do movimento específico em
que autores e produto se inseriram.
Não pode restar dúvida de que Pessoa e Sá-Carneiro bem
representam, mentores que foram, o movimento do
Orpheu.
Jules Laforgue (1860-1887) é o ponto de partida de
nosso exame. [1] Nascido em Montevidéu, filho de pais
franceses, deixou seu país de origem na adolescência,
viveu na França e na Alemanha, onde, com o apoio de
Paul Bourget, obteve um posto de leitor junto à
Imperatriz Augusta, em plena corte berlinense. Ali
permaneceu por cinco anos. Foi um período de grande
produção, [2] em que a convivência cortesã e o contato
com a cultura alemã lhe renderiam generosos frutos
intelectuais.
Em sua estada em Berlim, Laforgue visitou por duas
vezes a casa de Schopenhauer, uma de suas influências.
Por essa época, havia tido contato com a filosofia do
inconsciente de Hartmann, que foi sua bíblia e breviário.
[3]
O primeiro contato de Laforgue com o pensamento de
Hartmann deu-se por influência direta de Paul Bourget,
seu primeiro mentor e revisor de seus textos, e foi
decisivo. Hartmann defendia que o princípio último é o
inconsciente; e que tudo é dirigido por essa Fatalidade
universal, inexorável, para onde o homem é arrastado.
Aceitar o destino que nos reserva, entende o filósofo, é a
suprema sabedoria. O encontro de Laforgue com as
idéias de Hartmann geraram no poeta o entendimento de
que havia alcançado a unidade que buscava e as bases
de uma estética fabricada com um tanto da filosofia do
inconsciente, um tanto de Darwin, outro tanto de
Helmholtz, Hegel e Taine. Através do inconsciente, que
se inclina sempre na direção da consciência, busca-se,
como em um espelho que é depurado incessantemente, o
princípio irracional que não é outro coisa senão a própria
vida. Sob a influência dos dois últimos elabora-se uma
estética do devir, que é simultaneamente, graças a
Hartmann, também uma estética do individual e do
efêmero. [4]
Por volta de 1880, debruçava-se sobre o projeto de um
romance autobiográfico, o Raté, uma obra gigantesca,
espécie de dança lúgubre do século XIX, composta por
quatro grandes afrescos, como afirmara o poeta: "a
epopéia da humanidade, a dança macabra dos últimos
tempos do planeta, os três estados da ilusão".[5] Não
teve tempo para levar avante o ambicioso programa.
Entre 1886 e 1887, época em que já se encontrava de
regresso a Paris, Laforgue produziu uma volumosa
correspondência que engloba seus amigos mais
próximos, como Gustave Khan, Charles Ephrussi, seu
primeiro empregador, que era colecionador e historiador
da arte; Charles Henry, interessado no exame da
fisiologia das cores e dos sentidos, e nomes de peso
como Verlaine, em quem reconheceu "misteriosas
afinidades",[6] entre elas, certamente, o erotismo, a
ironia e uma difusa sensibilidade poética; além dos
citados, também com ele se correspondiam Huysmans,
Moréas, Mallarmé, Adam, Vignier, Vielé-Griffin, Stuart
Merrill e outros. [7]
Longe de querermos enveredar pelo exame biográfico do
poeta, interessa-nos ressaltar a peculiaridade de sua
mundividência, que não o encaminhou na direção de uma
fácil e pacífica adesão a essa ou àquela corrente literária.
A multiplicidade de referências, a diversidade de
experiências, inclusive sob o ponto de vista social, aliadas
a uma grande inquietude de espírito contaminaram
integralmente sua obra, que embora receptiva a
influências tomou rumo próprio, extemamente pessoal e
alheio aos modismos da hora.
Obcecado pela necessidade de "fazer o que é original a
qualquer preço", vivendo desenraizadamente, colhendo
experiências aqui e ali, sua obra filtrou de maneira
eloqüente uma percepção fragmentária de um mundo em
agitada transformação, onde sentidos e valores são
despojados de convenções e hierarquias e onde o
absurdo se instala no cotidiano repleto de
incongruências. Amante e ao mesmo tempo misógeno,
denotava um pessimismo schopenhaueriano, a que já
aludimos, do qual amiúde se afastava, estimulado pelo
diletantismo, [8] pela ironia e pelas experiências formais.
Entre elas a criação de neologismos, a elaboração de
locuções mais truculentas, como que provocadas em um
ambiente de frialdade laboratorial. Praticou a prosa e a
poesia; planeou romances, entre eles Moralités
légendaires; [9] experimentou o verso filosófico e
enveredou por uma poética ocupada com desmantelar as
fronteiras entre o sonho e a realidade, entre o poético e o
prosaico, entre o corriqueiro e o sublime. Para tanto
minou impiedosamente os alicerces do discurso poético.
Nesse sentido, a convivência com Edouard Dujardin, o
muitas vezes esquecido inventor do monólogo interior,
com seu romance Les lauriers sont coupés, foi decisivo
para que Laforgue ampliasse as possibilidades e os
ritmos do discurso prosaico e pudesse fazer uso de uma
ferramenta que lhe permitia transportar para o papel
com eficiência os elementos dispersos da linguagem do
sonho e dos sentidos. Seu caminho poético logo o levaria
ao encontro do verso livre.
"Seria inexato atribuir a Vielé-Griffin a invenção do verso
livre. Antes dele, Jules Laforgue, Marie Krysinska e
Gustave Kahn o haviam publicado." [10]
Interessado em percorrer um caminho só seu, dividiu
opiniões quanto a sua filiação ao decadentismo ou ao
simbolismo. Não resta dúvida, contudo, que a par de ser
um influenciador do movimento moderno, os principais
nomes do simbolismo o tem como um de seus
integrantes. Em uma pesquisa sobre a evolução literária,
levada a cabo por Jules Huret em 1891, vários poetas se
pronunciaram acerca de Laforgue. Mallarmé afirmou
nessa ocasião que, juntamente com Vielé-Griffin e
Gustave Kahn, ele faz parte do conjunto dos principais
poetas que contribuíram para o movimento simbólico.
Remy de Gourmont entende que Moralités légendaires
um gênero híbrido, entre a poesia e a prosa, que veio a
lume três meses depois de sua morte, "ficarão como um
dos carros-chefe de seu tempo". Teodor de Wyzewa, a
propósito da mesma obra, assim se manifesta: "conheço
poucos livros, entre todos esses do nosso tempo e de
nossa época, que fornecem como este [Moralités
légendaires] a impressão de uma alma de gênio: e
acredito com efeito que, entre os jovens artistas de sua
geração, somente Laforgue teve gênio".[11]
Mirbeau alude ao puro gênio francês que morreu aos
vinte e sete anos e critica os que se obstinam em apontálo como um decadente, "o que ele não é nem por um
vintém".[12]
E, caminhando em direção ao presente, convém recordar
que T. S.Eliot considera Laforgue um de seus mestres,
inserindo o poeta francês na longa linhagem de poetas
metafísicos. [13]
No número de 31 de agosto de La Republique Française
de 1885, ano da publicação de Complaintes, Laforgue
consegue publicar anônimamente um pequeno texto (que
na verdade é de sua autoria), bastante esclarecedor
acerca da obra sobre a qual nos deteremos mais adiante:
O Senhor Jules Laforgue, que exalta o schopenhauerismo,
excessivamente burguês, aplicando-se na Philosophie de
l'inconscient, de Hartmann, de um misticismo mais amplo e
mais profundo e de um pessimismo menos vulgar, imaginou
retomar, para traduzir suas concepções poéticas, esta velha
forma popular do lamento com métrica ingênua, com refrões
tocantes, que corresponde em música a seu congênero o
realejo. Apressemo-nos a acrescentar que o realejo de
Complaintes que aqui se encontra não tem de popular mais
do que o volteio rítmico e por vezes o velho refrão
emprestado e permanece um instrumento refinado, capaz de
sutis nuances psicológicas, bem como de efeitos bem
recentes no terreno do verso".[14]
Para muitos, no entanto, Sanglot de la Terre é a chave
de sua obra. Sanglot [..] é uma história de uma alma
pouco comum, como asseverou Laforgue, que de um só
golpe ultrapassa a escala humana para se elevar à escala
universal. [15] O coração dorido do poema é o da própria
Terra, que é também o objeto de paixão do sujeito lírico
nela presente.
Seu modo de amar é complexo e de certo modo
incomum, em sua ambivalência constante. Laforgue ama
a vida e despreza a vida, como observou com extrema
propriedade Remy de Gourmont, que em outra passagem
declarou que sua poesia seria a parodia de sua profunda
sensibilidade. Sensibilidade, contudo, que não o conduziu
a experimentar a plenitude do prazer ou o gozo amoroso.
Espécie de Hamlet sem espada, metamorfoseia-se em
Pierrot careteiro, incapaz de encontrar uma saída para
seu conflito com o mundo; e incapaz de aceitar a
possibilidade de o levarem a sério, talvez porque tudo
então se tornasse ainda mais doloroso.
Para os propósitos mais restritos
deste trabalho, e antes que as
semelhanças, inversões de sinal e
desvios premeditados de rota, de
Pessoa e Sá-Carneiro com
respeito a Laforgue - que já
começam a despontar
discretamente em nossas mentes
- nos conduzam muito
apressadamente na direção de
conclusões e analogias entre
estes e Laforgue, definindo
precipitadamente as influências
do poeta francês sobre os dois mentores órficos,
examinemos sem demora alguns aspectos de Les
complaintes.
O lamento, como o próprio poeta asseverou acima, é
uma forma popular antiga. Sua função é a de celebrar
uma perda. A poética de Laforgue, contudo, subverte o
sentido literal do discurso lamentativo, introduzindo a
ironia, e uma escritura que busca a qualquer preço,
inclusive com a perda da tensão lírica, eliminar as
hierarquias poéticas, numa emulação com o caos e o
absurdo do mundo.
Se o infinitivo, do qual Laforgue abusa, "não tem em sim
mesmo uma conotação optativa, sua recorrência o
transforma em um verdadeiro voto, em palavra de
ordem, como lembra Bertrand, e o ponto central reside
na questão amar - ser amado. O verbo amar,
freqüentemente lançado no discurso sem sujeito ou
objeto significa que "o desejo e sua tensão constituem o
foco temático e pragmático de cada lamento".[16]
Em um momento, o sujeito lírico declara que ama tudo,
como nestes versos quase ao final de em "Préludes
autobio- graphiques":
Última crise. Duas semanas errabundas,
Em tudo, sem que meu Anjo Guardião me responda.
Dilema com dois atalhos para o Éden dos Eleitos:
Me deixar absorver meu Eu pelo Absoluto?
Ou então, elixizar o Absoluto em mim-mesmo?
Acabou. Eu amo tudo, amando melhor que Tudo me ama.
Assim, vou flutuando pelas orquestrações submarinas,
Pelos corais, ovas, braços verdes, escrínios,
Na turbilhonante agonia eterna
[…].[17]
A série de lamentos vai sendo ampliada. Assim também a
lista variada de destinatários da mensagem. São figuras
distintas, como Fausto, a lua da província, as puberdades
difíceis, o fim das jornadas, etc.; uma espécie de
itinerário da decepção, em que de um lado se apresenta
aquele que afirma tudo amar, mas que ao cabo
reconhece que não é amado e que nada pode
recompensá-lo e, de outro, a realidade impenitente. [18]
Mas o sujeito lírico não desiste, a despeito de eventuais
autocríticas. Em outro poema o sujeito lírico laforgueano
pergunta-se a propósito: "qui m'aima jamais?" [19]
Também, e à medida que o sujeito lírico insiste em seu
voto de amor a tudo, constatando que nenhum amor
pode recompensar o seu, por vezes recua de seus
propósitos e regressa sobre seus passos para tocar o
núcleo de sua própria dor. Dirá ele em "Complaintes de
Lord Pierrot": "volvemos sobre nós mesmos, como um
faquir",[20] verso que é extremamente emblemático do
homem moderno. "Este efeito-bumerangue, este
movimento giratório do mesmo ao mesmo, ele
[Laforgue] retoma na maioria dos lamentos, como se o
desejo, não mais do que a palavra, não conseguisse
captar o outro e tolhesse sua própria efetivação." [21] O
sentimento de amor termina por sublinhar a ausência do
objeto; o sujeito ama em vão, sem esperança. [22]
Laforgue poderia ter tratado do amor fazendo uso da ode
lamartiniana, por exemplo, subjetivando suas
expectativas, anseios e vontades. Preferiu, ao contrário,
um subgênero que serviu no século XVII a finalidades
satíricas e burlescas, resgatando algumas de suas
características desse período, mas desfocando-o e
desajustando-o a partir da elaboração de novos registros
e recortes temáticos. Com o escopo do lamento,
construiu uma lírica antifrásica, que nem por isso deixa
de tocar a sensibilidade; e para cuja concepção poética
Laforgue reivindicou o nome de empírica.
Quanto mais o sujeito lírico recobre seu discurso de
ironia e distanciamento, mais inapelavelmente ferido e
desacorçoado parece estar (mesmo que imprecisa e
indefinida seja a extensão do dano, e mesmo que se
encontrem escamoteados seus verdadeiros sentimentos).
"Vida ou Nada! escolher. Ah! que disciplina! Não há um
Éden entre essas duas usinas?" [23]
O lamento, tal como é conhecido, introduz sempre a
presença de um outro, que mesmo ausente é o receptor
da mensagem. É por vezes uma comunicação que por
pouco não consegue sequer transbordar do peito, e que
comumente se perde no vazio. Parece uma necessidade
própria do lamento a retomada da problemática humana,
quase sempre inserida na dinâmica amorosa, trazendo à
tona uma crescente frustração - bem como a ênfase, dela
decorrente, e o retorno ao ponto de partida; um retorno
do sujeito de enunciação lírico sobre si mesmo; um
revolver em seguida das próprias pegadas numa
tentativa de acentuar a reivindicação - expediente que o
poeta francês freqüentemente também utilizou.
No caso de Laforgue, a carnadura do sujeito lírico, ao
tangenciar temas dolorosos, encontra-se amiúde
protegida pela carapaça da retórica, que inibe o discurso
solipsista, introduzindo em seu lugar uma sensibilidade
reificada, difusa em toda a extensão da palavra poética,
e ao mesmo tempo carente em cada segmento menor. É
a fórmula que Laforgue desenvolveu e como mestre
dominou para fugir ao pieguismo e ao transbordamento
lírico, assim adulterando, também, o caráter elegíaco do
lamento. Associados a tudo isso, a moeda do humor, que
resgata por vezes um olhar desarmado sobre as coisas
(cuja outra face, quando se lança a moeda no ar, é o
sentimento de desajuste de quem se vê excluído e quer
ser notado), e o riso; o motejo desapiedado, ou
convulsivo, que banaliza o infortúnio, acentua a rebeldia
e a discrepância - e a ironia, que preside os instantes em
que o sujeito lírico laforgueano se posta ao lado de si
mesmo, alterizando-se, e diz coisas, as quais, ele sabe
bem, o mundo banal não dará ouvidos.
O riso laforgueano é um riso apalhaçado, um meio de
disfarce que estilhaça hierarquias quer do discurso lírico,
quer dos referentes sociais ou de classe. é uma proposta
de reavaliação do mito do poeta. O poema abaixo ilustra
um pouco o modo como o poeta francês emprega o
humor, a ironia e revela alguns aspectos nucleares de
sua poética.
Ah! a bela Lua cheia, [24]
Gorda como uma fortuna!
O toque de recolher ao longe soa,
Um passante, senhor adjunto;
Um cravo toca defronte,
Um gato atravessa a praça:
A província que dormita!
Martelando um último acorde,
O piano cerra sua janela,
Que horas devem ser?
Calma Lua, que exílio!
Pode-se dizer: assim seja?
Lua, ó diletante Lua, [25]
Comum a todos os climas,
[…]
Lua feliz, assim tu vês
Àquela hora, o cortejo
De sua viagem de núpcias!
Partiram para a Escócia. [26]
Que armadilha, se, neste inverno,
Ela levasse a sério meus versos!
Lua, vagabunda Lua,
Compatibilizamos interesses e conduta?
Ó ricas noites! eu me suicido,
A província no meu coração!
E a Lua, boa velha,
De algodão nas orelhas. [27]
Ao longo do poema, a Lua é "bela", "cheia" e "gorda",
depois "calma", depois "diletante", depois "vagabunda",
depois "boa velha". Alguém a vê feliz; não é o poeta,
mas a nubente. Num primeiro momento ela tem
qualidades positivas (mesmo sua gordura é bem vista,
porque associada à fortuna), ao término do poema, a Lua
após experimentar o diletantismo é apenas vabagunda e
velha. Mesmo quando ainda calma, já evoca sentimentos
desagradáveis, como o exílio. Mesmo quando bela, não
consegue ser bucólica, porque um burocrático senhor
adjunto caminha debaixo dela ao toque de recolher e sua
presença já é uma crítica social velada. A calmaria da
província, que parece se refletir na Lua, contaminando-a,
devolve uma luz que gera um estado de angústia em que
se afigura o sentimento de exílio do sujeito lírico - ou ao
menos um certo sentir de uma de suas múltiplas e
instáveis vozes ou entonações.
Neste ponto é fundamental observar que essas
alterações bruscas de tom e de sentimento, essas
mudanças de perspectiva tão radicais, como se a
enunciação lírica passasse sub-repticiamente de um
emissor a outro, fazem parte de uma estratégia que
Laforgue adota em seu projeto de despersonalização e
disfarce.
Insistamos sobre o sintagma "província" em outro passo,
justamente onde ocupa, com sua significação vasta, o
coração do sujeito lírico, por intermédio e pelo concurso
de suas "ricas noites". A essa altura, é o suicida que fala,
e o faz como um marginal a tudo isso, cuja vida não
comporta ricas noites, ou o enlevo de guardar na
memória uma província de belas lembranças
sentimentais. Mas é igualmente o sentimento de quem se
dá conta de sua própria exclusão, procurando através da
ironia algum alívio.
Em outro diapasão tange o sujeito de enunciação que
imaginou a noiva (de outro) lendo seus poemas ("que
armadilha"), e sua imaginação vem acompanhada de
sarcasmo, mas também de autocomiseração, quase
como se o contato físico com o objeto poético pudesse
resultar em um comportamento, por parte da mulher
recém-casada, não sancionado pela sociedade. E nesse
caso a armadilha (entendida aqui quer como a
oportunidade de leitura, quer também como a matéria
dos versos) sugere a existência de uma rejeição social do
poeta e de sua poesia.
No que diz respeito ao humor, Laforgue lida com ele de
maneira diferenciada ao longo do poema. No início, à
altura do primeiro dístico, o verso se injeta de um humor
fanfarrão, depois sibilino (como no terceiro dístico), e
discretamente familiar (como no quinto dístico). Esse
humor dilui-se, reaparecendo mesclado a uma ironia
dominante, no último dístico do poema.
O humor, a ironia, a autocompaixão, o escárnio, a crítica,
o ponto de vista, o lugar no hipotético espaço projetado,
o tempo - tudo é extremamente fugaz, descozido,
fraturado. Nenhum sentimento, ou ponto de vista,
persiste o tempo suficiente na enunciação lírica
laforgueana para que se identifique com segurança o
sujeito que o diz sentindo. O mesmo vale para todos os
demais estratos do campo escritural. Não há, na
bricolage de Laforgue, oxigênio suficiente para o sujeito
solipsista respirar.
Acrescente-se ainda que, em socorro da postura
contrária ao solipsismo, acima aludida, surgem na
escritura laforgueana inúmeras personagens, que por
vezes são sujeitos de enunciação, por vezes objeto do
enunciado, como Lord Pierrot, o Cavaleiro-Errante, o
Sábio de Paris, o Anjo incurável.
O Vento, O Tempo e o Espaço são personificados, como a
Lua, acima. Outras personagens legendárias ou
mitológicas comparecem na obra de Laforgue, como Pan,
Antígona, Prometeu, Eva, Nero, Don Quixote e tantas
outras.
A lista é farta, e ao redor de cada uma delas se
estabelecem relações analógicas. Tais relações formam
um tecido de referências e significações que escamoteia
qualquer tentativa quer de isolar uma personagem
central com base apenas na enunciação poética, quer de
tracejar o sujeito lírico. Tal fato ocorre sobretudo em
virtude do jogo dramático - jogo de máscaras, como num
baile carnavalesco -, que perpassa versos e poemas,
inter-relacionando fragmentos de enunciados e
transformando essa rede analógica em um experimento
cósmico-escritural.
Os versos de Laforgue são um convite urgente para
pensarmos o turbilhão da vida, com todas as suas
impossibilidades; são uma convocação para que
avaliemos criticamente o status quo, e por conseguinte
sua leitura pode não ser reconfortadora, porque não
tranqüiliza ou mitiga. Infelizmente, adentrar mais a fundo
a poética do poeta francês não é o propósito deste
trabalho.
Ficarão também em suspenso nossos comentários sobre
os aspectos do obra de Laforgue mais determinantes
para o de-senvolvimento da estética órfica, pois não é
ainda chegado o momento para isso. Duas qualificações,
'metafísica' e 'empírica', assinaladas aqui de passagem, e
atribuídas à obra do poeta francês, merecem não ser
esquecidas. O exame do sentido dessas expressões,
respectivamente no âmbito da poesia européia e no
campo da filosofia e da psicologia deverá nos conduzir na
direção pretendida.
Nosso primeiro passo é compreender o que vem a ser a
poesia metafísica. [28] Antes porém é preciso apartar o
leitor do caminho que eventualmente o conduza a
Andronico de Rodes, que denominou metafísicos os
tratados aristotélicos que sucediam a física, bem como é
necessário, ao menos por ora, deixar de refletir sobre os
fundamentos dos sistemas metafísicos modernos.
Esse termo, no âmbito da poesia, foi inicialmente
utilizado por Dryden em "A discourse concerning the
original and progress of satire" (datado de 1693) e
depois por Johnson no ensaio intitulado "Life of Cowley",
em 1779, quando denominou metafísicos a uma raça
(sic) de poetas surgidos na Inglaterra no início do século
XVII.
Mais tarde, Saintsbury resgata os primeiros trabalhos de
Henri King, Thomas Stanley, Edward Benlowes e William
Chamberlayne em sua obra Minor poets of the Caroline
Period, vinda a lume no início do século XX. [29] Em
1921, Herbert Grierson publica Metaphysical lyrics and
poems of the seventeenth century: Donne to Butler,
abarcando em uma coletânea, além dos poetas
mencionados no título da obra, nomes como Crashaw,
Marvell, Townshend, Lord Herbert, John Cleveland,
Benlowes, ao lado de dezenas de outros nomes que
despontaram nesse período. [30] Em seu trabalho,
Grierson define a poesia metafísica como aquela
"inspirada por uma concepção filosófica do universo e
pelo papel assumido pelo espírito humano no grande
drama da existência".[31] Seus temas, norteados, entre
outros, pelas investigações de Aquino e pela visão de
mundo de Espinoza, desenvolvem-se a partir de
simples experiências havidas na superfície da vida, tristeza e
alegria, esperança e medo, a paz do campo, a azáfama e
agitação das cidades, mas igualmente através de atrevidas
concepções, e das mais profundas intuições, das mais sutis e
complexas classificações e 'pronunciamentos da razão', se
em tudo isso o poeta consegue incluir a sensação, fazendo
desses temas experiências apaixonantes, comunicáveis em
vívida e comovente imagética, em ricas e variadas
harmonias (itálicos nossos). [32]
T. S. Eliot debruçou-se sobre a questão quase toda sua
vida, em artigos como "Reflections on contemporary
poetry" (1917), "John Dryden" (1921) "Andrew Marvell"
(também do mesmo ano) e "Dante" (de 1929), e
mormente em uma série de conferências realizadas em
1926 em Trinity College e em 1933, na The Johns
Hopkins University.
Em linhas gerais, o poeta e conferencista naturalizado
inglês defende a tese de que a poesia metafísica é um
fenômeno cíclico que principia em Dante, no século XIII,
ressurge no XVII com Donne, Marvell, King, Vaughan,
Crashaw e outros; atinge o século XIX, com Baudelaire,
Laforgue, Corbière e Rimbaud e aparece novamente no
século XX, com ele próprio. [33] Tal ressurgimento não
significa, de modo algum, a repetição de um modelo ou
gabarito poético. A cada reaparecimento, a poesia
metafísica adapta-se ao novo tempo, perseguindo uma
trajetória crescente de desintegração do intelecto; é, com
Dante, diversa da praticada por Donne. Mesmo seus
discípulos e seguidores não fazem idêntico uso dela.
Diferentemente se renova com o contributo de Laforgue;
e é distinta em Blaise Cendrars e Eliot, ou James Joyce.
O que vem a ser a poesia metafísica? Na concepção de
Saintsbury os poetas metafísicos são aqueles que
procuram algo além ou adiante da natureza, como
refinamentos do pensamento ou da emoção. [34] A
definição é vaga, instável, como instável é o próprio
território que delimita a presença da poesia metafísica
através dos tempos.
De pronto, e antes de mais nada, é preciso descartar
qualquer relação entre a poesia denominada filosófica,
que designa a produção de poetas que se ocuparam com
exprimir em seus versos um sistema de idéias a serviço
de uma concepção do universo, ou da moral - e a
chamada poesia metafísica.
Os poetas metafísicos não tinham como propósito
elucidar ou refletir sobre filosofia, a despeito da evidente
unidade da obra de Dante, do ângulo filosófico e
religioso. Com efeito, a poesia filosófica tem lugar
quando o poeta manipula em seu trabalho um inteiriço
sistema filosófico. No caso de Dante, havia a filosofia de
Aquino, não resta dúvida, mas o que o torna um poeta
metafísico não é o fato de que Dante lidara com um
sólido substrato filosófico em seu trabalho; em outros
termos não é o fato de o poeta florentino haver nutrido
uma espécie de paixão pela filosofia, que o torna
metafísico, mas sim o fato de haver realizado uma
transformação na maneira de se expressar e viver a
paixão humana por intermédio da filosofia.
Outro aspecto que parece nortear o poeta metafísico em
todas as épocas é o desenvolvido misticismo de seu
trabalho, que em Dante se apóia em Richard e Hugo de
São Vito; Donne e seus discípulos em Ignácio, e Santa
Teresa; e Laforgue em Hartmann e Schopenhauer.
Evidencia-se de imediato que o misticismo do poeta
metafísico não terá sempre o mesmo lastro, intensidade
e direção. Nos três períodos mencionados, os séculos
XIII, XVII e XIX, ocorrem diferenças em termos de
espécie e grau no que diz respeito à penetração da
sensibilidade pelo misticismo.
No século XII, como se sabe, passou a florescer um tipo
de misticismo religioso derivado do sistema teológico de
Tomás de Aquino, que por sua vez decorre de seu exame
do pensamento de Aristóteles. Para Aquino, e isto é de
fundamental importância para se fixar a partir de Dante o
significado da poesia metafísica, a visão divina do
encontro com Deus só poderia ser provocada se o
intelecto analítico estivesse presente e tomasse parte.
[35]
Donne estudou profundamente teologia, aprofundou-se
em Belarmino, conhecia o pensamento de Lutero,
Calvino, Melanchthon e Pedro, o Mártir; familiarizara-se
com diversos comentadores da Igreja Romana, e "tinha a
literatura controversa dos jesuítas na ponta de seus
dedos".[36] Eliot observa que "Donne é, em certo
sentido, parte jesuíta e parte calvinista: atrevo-me a
sugerir que um profundo exame das doutrinas de ambas
as seitas […] atire alguma luz sobre a mente de
Donne".[37]
O misticismo de Laforgue, é inútil repisar, está
impregnado de Hartmann e Schopenhauer. Termos do
agrado de ambos, como "nada", "absoluto",
"inconsciente", perpassam sua obra, conquanto em
Laforgue "exista uma contínua guerra" entre os
sentimentos implicados pelas idéias de schopenhauer, de
tal sorte que o próprio schopenhauerismo acaba por
entrar em colapso. [38] Quer concordemos com Eliot,
quer não, é inimaginável pensar a obra laforgueana
apartando do exame as mencionadas referências
filosóficas do poeta francês.
A poesia metafísica do século XIX e do século XX, como
observa Eliot, deriva "da crença no Bem e no Mal, e
consiste em um consciente e deliberado contraste e
perturbação da moral e do intelecto com o não-moral e
não-intelectual".[39]
A geração de Dante em muitos aspectos recolocou em
termos novos a relação amorosa, e esse fato deriva
muito provavelmente da capacidade de elevação mística
e do substrato filosófico que a alimentou.
Senão vejamos: a mulher provençal era um objeto de
desejo feito de carne, regra geral casada, e rodeada de
pretendentes. Os amantes adúlteros eram fiéis entre si e o casamento não era de modo algum um ninho de
amor. Para amar era preciso, como observou Remy de
Gourmont, "ser casado e amar fora do casamento".[40]
Ao contrário, a escola florentina modifica a concepção do
amor e da moral. O amor adquire todos os caracteres "de
um culto".[41] O foco de atenção não é mais a mulher
em sua integral carnadura, mas a beleza; a paixão da
carne cede lugar à idealização amorosa; o poeta se
compraz em enaltecer e reverenciar o intangível, porque
abandonou o estreito e limitado projeto de tão-somente
possuir.
Não nos enganemos, porém: se é comumente admitido
que o trecento ocupou-se mais da contemplação do
objeto amado do que dos sentimentos e sensações
oriundos dessa união, o que deixou registrado foram os
sentimentos e sensações daquele que comtempla o
amado. Não será isso um passo além?
Nos melhores versos eróticos (sic) de Dante, Guinizelli,
Cavalcanti e Cino, como muito oportunamente observou
Eliot, não se encontra nada em termos de simples
galanteio, ou descritividade objetual; nenhuma tentativa
de exprimir emoções e sensações por elas mesmas, mas
apenas uma tentativa de sugerir beleza e dignidade do
objeto contemplado pela afirmação do efeito daquela
beleza e dignidade sobre o amante em estado
contemplativo. [42]"Quem faz na claridade o ar tremer?"
("Che fa di clarità l'aer tremare!"), indaga o sujeito lírico
em um soneto de Cavalcanti. [43]
O Amor no trecento é um objeto a ser compreendido com
o concurso dos sentidos, mas sobretudo do intelecto, não
o intelecto frio e calculista, mas por uma razão sensível,
sistemática, incansável, que se impõe a tarefa de
estabelecer os limites do que seja o Amor, ao mesmo
tempo em que amplia e distende seus múltiplos
significados, com uma provocativa e inigualável elegância
e equilíbrio, para os quais concorrem uma poderosa e
treinada imaginação e uma especial sensibilidade para
sentir e avaliar:
Pediu-me uma Senhora
fale agora
Dum acidente
geralmente
forte
E de tal porte
que é chamado Amor
Quem ora o nega
prove-o novamente
Mas um presente
entendedor requeiro
Nem espero
de um baixo coração
CONHECIMENTO aberto a esta razão
Se não se apega
a natural sustento
Meu intento não
vai poder provar
Onde ele nasce e quem o faz criar
[…]
NAQUELA PARTE
onde está a memória
Assume estado
toma forma
qual
Na escuridão
diáfano de lume
[…]
Vem da forma visível que se entende
E apreende
no possível intelecto
[…]
Não pode ser no rosto percebido
Ferido
o homem cai branco no alvo
[…]
Se vê de Amor que dessa forma vem
[…]
Voa seguramente vai canção
Aonde queiras tão bem trabalhada
Que tua razão
será sempre louvada
De pessoa que tenha entendimento
Estar com outra não é teu intento (itálicos nossos). [44]
O trecento sustentou uma afirmação nítida da ordem
intelectual, [45] como bem se pode avaliar pela leitura do
poema acima; o seicento, em contrapartida, promoveu
uma clara afirmação da desordem inteletual, que iria se
intensificar cada vez mais, dando lugar mais tarde a uma
degeneração do ouvido, a uma desintegração do intelecto
e a uma separação entre som, imagem e pensamento. O
século XVII dissociou o intelecto e as emoções; a
dissociação do som e do sentido do verso resultou em
uma crueza versificatória que chegou a nossos dias. [46]
Enquanto no século de Donne o substrato intelectual
caótico promoveu um compromisso com a carne, mais do
que uma aceitação dela, e por conseguinte uma
contração do campo de experiência, a vivência amorosa,
traduzida em Vita Nuova, de Dante, apontou para o
caminho da transformação das emoções da adolescência,
ao invés de delas se descartar, amplificando esse mesmo
campo de experiência, [47] como ilustram os versos
abaixo.
Um anjo clama na razão divina,
E diz: 'Senhor, entende-se, no mundo,
Que seja maravilha o que provém
De uma alma tal que até no céu resplende'.
[…]
Minha amada deseja-se no céu:
quero, pois, que saibais sua virtude.
Quem queira gentil dama parecer,
Com ela à rua vá, que, quando passa,
coloca Amor em peito vil um gelo,
Pelo qual todo sentimento morre;
E quem à vista sua resistisse
Se tornaria nobre ou morreria.
[…]
Dela pergunta Amor: 'Coisa mortal,
Como ser pode tão ornada e pura!'
E, após a contemplar, jura consigo
Que Deus fazer entenda maravilha.
Tem ela a cor das perlas, como assenta
À mulher, e não fora de medida:
Ela é quanto bem pode a natureza:
Por seu exemplo o belo se avalia.
[…][48]
A principal característica da poesia metafísica é a de
lograr elevar o sentimento a regiões comumente
alcançadas por intermédio do pensamento abstrato; e de
transportar o pensamento para esferas do sentir. Em
outros termos, o que é ordinariamente apreensível
apenas pelo pensamento torna-se, na poética metafísica,
sensação e o que é sensação, sentimento, transforma-se
em pensamento sem deixar de ser sentimento, sensação.
A poesia metafísica é capaz de fornecer o equivalente
emocional do pensamento sem deixar de ser emoção;
emoção e pensamento fundem-se sem que permaneçam
indistintos, uma vez que sua fusão não dissipa, dissimula
ou elide nenhum dos termos, nem escamoteia nenhum
deles. Quando intelecto e emoção se estimulam
mutuamente ao redor do objeto poético, a imagética
intensifica-se. Os significados são distorcidos,
semelhanças inesperadas são impostas sempre com a
finalidade de produzir um prazer deliberado. Não é
propriamente no âmbito vocabular que tudo isso ocorre,
mas, como bem salienta Eliot, na maneira de frear o
fluxo natural de uma idéia, retardando o desdobrar do
pensamento de modo a extrair dele cada grama de
emoção suspensa. [49] Como no pequeno trecho do
poema abaixo:
Indago, com minha boa-fé, o que tu, e eu
Fizemos, até nos amarmos? Não éramos nós desmamados
então?
Embora sugássemos os prazeres do campo, infantilmente?
Ou ressonávamos nós no covil dos sete dorminhocos?
Assim era: Mas tudo, quaisquer prazeres cogitados
Se alguma vez uma beleza eu vi,
Que desejasse, e tivesse, fora apenas um sonho de ti. [50]
À imagética fortemente realçada pelo retardamento do
fluxo da idéia, tão característica em Donne e presente em
maior ou menor grau nos poetas metafísicos mais fortes,
alia-se uma habilidade única em conferir ao pensamento
"o máximo de valor tanto poético quanto dramático". Em
outros termos, não tanto no âmbito do pensamento, mas
no desenvolvimento dele é que reside a linhagem
metafísica de Donne. [51]
Ainda no âmbito da imagética é preciso que se diga que o
tratamento e as soluções, também aqui, variam de poeta
para poeta e sobretudo de geração para geração. Em
Dante, o uso de imagens obedece na maioria das vezes a
um critério estrito de utilidade. Suas metáforas possuem
uma necessidade racional, como observa Eliot. [52]
Servem elas para fazer aflorar uma determinada e
desejada experiência sensorial. Ao contrário, em Donne o
objetivo se dispersa. O prazer é em parte alcançado pela
incongruência. A "harmonia de dissonâncias"[53] -,
decorrente de um desequilíbrio entre imagem e idéia,
originada por seu turno de uma compulsão por uma
destas, mais do que da descoberta de semelhanças entre
ambas - é o caminho mais dileto e mais em acordo com a
necessidade de exprimir por meio da poesia a noção de
um mundo carente de unidade.
Outro aspecto presente em Donne e nos metafísicos em
geral é o método de abordagem que toma como ponto de
partida o maior em direção ao menor, o central em
direção ao periférico, construindo um percurso do
passional para o reflexivo. [54]
A poesia metafísica contemporânea de Laforgue, e a que
veio em seguida, adotou amiúde esse método, que se
concilia com o desmantelamento da unidade poética na
modernidade e com a crescente deterioração da fronteira
entre o poético e o não-poético e, por conseqüência, com
a superação das posturas e diretrizes românticas.
Mesmo em Donne, o impulso amoroso, passional, é
freqüentemente rompido, dando lugar a um anticlímax de
argumentação, quando não a um exercício de cinismo
bem ao gosto laforgueano. Entende Eliot que a literatura
da desilusão é a literatura da imaturidade, e que nesse
sentido Dante "é mais um homem do mundo do que
Donne".[55] Provavelmente a afirmativa é muito
verdadeira em sua última parte, mas não pelo motivo
alegado por ele. Por certo, nem todos concordariam com
Eliot quando lança a pecha de imaturo sobre o poeta que
desprovido de um modelo redutor que iniba as angústias
próprias ao espírito de sua época testemunha o
esboroamento do mundo circundante, em termos
filosóficos, éticos ou morais. "The waste land", do próprio
Eliot, é prova de que uma mente poética pode
perfeitamente se ocupar do esfacelamento do mundo e
do sentimento de desilusão com semelhante constatação
sem atestar imaturidade. Usar intensamente os materiais
disponíveis é um traço da modernidade, como o próprio
Eliot afirmou em certa passagem, [56] e com certeza a
perplexidade não é um sentimento que o poeta deva
descartar sem certo empobrecimento espiritual.
Continuemos.
O conceptismo, que prevaleceu no barroco, foi
providencial para o desenvolvimento da poesia metafísica
do século XVII, mas é necessário não confundir um e
outro. No conceptismo, a mente, o intelecto, o racionício
debruçam-se sobre a realidade e seus objetos, buscando
apreender-lhes a essência. Nessa tarefa os sentidos são
relegados a plano secundário e alijados ou ao menos
neutralizados, de modo a não corromperem a atividade
da lógica e do raciocínio. A poesia metafísica, como já se
sabe, funde sentidos e intelecto, para revelar aspectos
inesperados ou inalcançados pela mente solitária ou
pelos sentidos desavisados. Contudo é inegável que a
mente treinada no conceptismo e nos artifícios de sua
linguagem concisa e ordenada acaba por adquirir hábitos
mentais que a habilitam à poesia metafísica. [57] É o que
acontece por exemplo com Marvell e Herbert, ambos por
vezes conceptistas, por vezes metafísicos - sendo essa
última característica resultante de uma prática mental,
de um hábito no exercício de associação de idéias; de um
treinamento conceptista, enfim.
Os recursos disponibilizados pelo conceptismo
favoreceram imensamente o verso de Donne,
propiciando, por exemplo, que o poeta alternasse com
êxito sua atenção entre a idéia e o objeto; entre o objeto
e a idéia por ele sugerida, de maneira densa,
surpreendente, mas sem obscurecimento da
compreensão, em um processo que é com certeza
nuclear no âmbito da poesia metafísica, e ao qual Eliot
denominou de "pensamento vagante".[58] É de se
reiterar, em acréscimo, que a dinâmica da poesia
metafísica em Donne - e em outros - não nos oferece
dois fluxos distintos, consecutivos, um de emoções, outro
de conceitos; ou, ainda, um de sentimentos, outro de
pura verborragia, alternativamente ou em seqüência no
verso - cumprindo um desígnio pendularmente retórico.
Mais justo e adequado seria pensar em "caleidoscópio de
sentimentos";[59] ou em um fluxo unitário em que
pensar e sentir estivessem fundidos, sendo o poema um
'objeto' feito dessas intersecções de pensar e sentir, ou
de sentir e pensar.
A excessiva proximidade dos elementos tradutores do
sentir e delatores do pensar favorece outras
características do verso metafísico, que são a
concentração, a compressão, a demolição de
compartimentos e a eliminação de hierarquias. Nessa
trilha, humor e seriedade fundem-se também, como
faces da mesma moeda, como freqüentemente se pode
denunciar em Donne, ou partilham do mesmo momento
enunciativo, com em Laforgue. Ao lado da concentração,
[60] a ampliação é outra característica da poesia
metafísica. Tomando-se por exemplo um conjunto de
imagens combinadas, seu efeito final não será a soma
dos estímulos intermediários, mas uma derivação; uma
ampliação - de tal sorte que se pode constatar que a
sugestão terminal, aquela que permanece como um
persistente eco, após a fruição do enunciado poético, não
se fez notar em nenhuma das imagens apresentadas,
isoladamente, mas é, ainda assim, um resultado da
matemática poética que as adicionou.
Os versos iniciais de um conhecido poema de Donne
parecem ser o epítome do que temos falado nas últimas
páginas. E, ainda, exemplificam bem um postulado
implícito em toda poesia metafísica que é o de que
"absolutamente nada seja inefável; e de que a mais
rarefeita sensação pode ser exata e diligentemente
expressa; [61] inclusive a sugestão da total imobilidade.
O mesmo vale para o mundo das idéias, o território do
pensamento, uma vez que a poesia metafísica é
intelectualizante e não se inibe com desafios e jogos
mentais.
Onde, qual almofada sobre o leito,
Se inchava fértil declive para acamar
A inclinada cabeça da violeta,
Nós nos sentamos, olhar contra olhar;
Nossas mãos firmemente cimentadas
No constante bálsamo que delas brotava;
Nossos olhares enlaçados, e tecendo
Os olhos em um duplo filamento,
De modo a enxertar nossas mãos como agora
Foi o meio de nos fazer um só,
E modelar nos nossos olhos as figuras
A nossa única procriação.
[…]
Como sepulcrais estátuais permanecemos
O tempo todo, em posição idêntica,
E nada dissemos, o dia todo.
[…]
Este êxtase torna incomplexo,
(Nós dissemos) e traduz o que amamos,
Vemos com isso, que não era sexo
O que vemos, não víamos o que se movia:
Mas como as muitas almas contêm
Uma variedade de coisas, não se sabe o quê,
Amor, essa mistura de almas mistura-se de novo,
E faz ambas uma só, com esta e aquela.
[…][62].
Durante o século XIX, com Laforgue, Corbière e inclusive
no século XX, com Eliot e Joyce, verifica-se na poesia
metafísica uma tendência à onipresença do ego, que
parece ser um desdobramento do processo de
desintegração do intelecto, [63] que teve início bem
antes.
Também a reboque da desintegração do intelecto,
parece estar uma característica que, já marcante na
poesia do século XVII, tende a intensificar-se mais tarde,
que é a apropriação no discurso poético de coisas
díspares, dissimilares. Em um mundo distinto daquele de
Dante - em que o espírito humano alcançou enorme
completeza, intensidade, alcance e disparidade -, a
dissimilaridade foi um recurso adotado a partir do século
XVII para articular uma cadeia de pensamentos
disparatados, sobre o novelo estirado do sentir - para
assim capturar o trabalho da mente e das emoções em
um mundo menos harmônico, desprovido de uma
interpretação dominante. [64]
Um poema em prosa de Laforgue, parcialmente impresso
adiante, registra a presença da dissimilariedade, bem
como o processo de desintegração do intelecto
laforgueano, ambos procedimentos atinentes ao estilo
metafísico.
Grande lamento
da cidade de Paris
Prosa branca
Boa gente que me escuta, isto é Paris, Charenton inclusive.
Casa fundada em … para alugar. Medalhas em todas as
exposições e menções. Arrendamento imortal. Depósito no
atacado e no varejo de felicidades sob encomenda.
Fornecedores franqueados com um montão de majestade.
Casa recomendada. Previnem a queda dos cabelos. Em
loterias! Enviadas ao interior. Nada de estação-morta.
Assinaturas. Depósitos sem garantia da humanidade,
aborrecimentos dos grandes como de praxe e de ocasião.
Facilidades de pagamento, mas de dinheiro. Dinheiro, gente
boa!
E cá se abastece, importação e exportação, através de vinte
estações e alfândegas. Que tristes, sob a chuva, os trens de
mercadorias! A vós, deuses, comércio de paramentos,
mobiliário de igreja, decorados para batismos, o culto fica no
terceiro, clientela inefável! Amor, a ti, casas de ouro dos
internatos nas quais os cueiros e farrapos farão o papel de
doces cartões com monogramas, complementos e enxovais
para crianças, somente águas alcalinas reconstituintes, ó
clorose! jóias de serralho, falbalás, bondes, espelhos de
bolso, canções! E no lado oposto, que fazem aí? Trabalha-se,
para que Paris se abasteça…
[…]
Mas a inextirpável elite, de onde? para onde? Casas de
branco: pompas volupciais [sic]; [65] funerárias: esplinuosidades [sic], rancores à la carte. […] E a chuva! três
esfregões diante de uma clarabóia de mansarda. Um cão
ladra para um balão no alto. […] Como as vinte-e-quatro
horas passam depressa para a discreta elite!…
Mas os gritos públicos recomeçam. Aviso importante! O
amortizável declinou, fecha o Panamá. Leilões, peritos. […]
Ainda gritos! Único depósito! Ceias pela centésima parte!
Máquinas cilíndricas Marinoni! Tudo garantido, tudo por
nada! […]
Meses, anos, calendários de segunda mão. E o outono se
grandenluta [sic] no bosque de Boulogne, o inverno gela os
guisados dos pobres nos pratos sem pintura de flores. Maio
purga, a canícula sobre a frívola brisa das praias descora as
custosas toaletes. Depois, como nós existimos na existência
em que se paga à vista, preparam esses senhores corteses
Pompas Fúnebres, autópsias e cortejos saudados sob o velho
Monotopázio [sic] do sol. E a história prossegue sempre
adestrando, rasurando essas Mesas crivadas de lastimosos
idem - ó Falência, vá com qualquer! ó Falência, vá com
qualquer… [66]
Pressente-se acima uma espécie de canto de cisne da
palavra poética, ou, por outra, a presença de um cadáver
de linguagem autopsiado, já destituído de seus traços
anatômicos prováveis, e em que os órgãos internos se
encontram desprovidos de suas características básicas.
Nesse ambiente de derrocada das fronteiras funcionais
do corpo poético, o sujeito de enunciação lírico perde
também os contornos e as balizas a que o leitor está
habituado. O eu do poema não é mais um jorro vocal
brotando de uma mina de energia poética, mas se
encontra plasmado a tudo e a nada. Uma algaravia
perpassa o poema sem que se saiba com segurança se
foi o eu do poema que se manifestou, ou se o poema se
tornou um espaço sonoro para registros alheios, como
uma praça pública por onde sons escoam
simultaneamente, provenientes de diversas origens,
inclusive da voz perdida, solitária, do sujeito lírico do
poema - poema esse que, por força disso, já não parece
mais ser a expressão de um eu poético.
No entanto, ainda o é. O eu laforgueano está em todo
lugar do poema, contrai-se, dilata-se, alteriza-se, anulase, disfarça-se, conforme o caso, mas está lá. Adota uma
aparência de mero condutor das vozes anônimas da
realidade pressentida, como também assume a
expressão crítica do que testemunha, e poreja sutis
indícios de que algo sente para que a palavra exista
como sua manifestação; igualmente, é tão impessoal
quanto um tipógrafo, ironiza a eloqüência do que se
manifesta com alarde, evoca a passagem do tempo, o
câmbio das estações, o clima; marca-os com o ferro em
brasa de uma voz a que o momento não autoriza alçar à
escala da franca dor pessoal. Mas ela está ali, por toda
parte, inclusive na quase impossibilidade de identificação
do sofrimento individual do sujeito lírico, inclusive
quando parece haver silenciado.
O poeta metafísico, e Laforgue é um exemplo disso, não
deixa de lidar com o que se poderia denominar de
sentimentos pessoais (que nada têm a ver com os
sentimentos originados na trajetória de vida da pessoa
civil do poeta, mas que são aqueles sentimentos
expressos no poema, identificados com o sujeito lírico),
porém trata-os como se fossem de outrem. Pode-se dizer
nesse sentido que o poeta metafísico, quer por via desse
expediente, quer pelo concurso febril e determinante do
intelecto sobre a sensibilidade, adota como norma a
estratégia da despersonalização.
No que se refere à temática e ao modo de tratá-la, como
se verifica no poema acima, não há limites. Tudo pode
ser arrolado como expressão poética - e esta é mais uma
característica persistente da poesia metafísica: o alcance,
a amplitude de seu domínio sobre a realidade adjacente
(ou não) -, e tal desenvolvimento pode ter lugar sem
uma razoável preparação, ou evidente seleção e triagem.
Os sentidos treinados do poeta metafísico - sobretudo de
Laforgue - coletam tudo o que há para ser coletado,
operando como um voraz comprador em visita a um
bricabraque em que emoções, memória, impressões e
registros sonoros de várias fontes são mercadorias
igualmente atraentes e necessárias.
Um exame do percurso da poesia metafísica depois do
século XVII, até o XIX, confirmará um recrudescimento
dessa postura acima relatada, resultante que é, também,
da crescente desintegração do intelecto.
A enunciação metafísica de Laforgue reconhece, além do
mais, a absoluta contigüidade e vizinhança de coisas,
pensamentos e sentimentos, por mais disparatados
(como em um bricabraque); tudo está à mão, porque
nada mais - por paradoxal que pareça - é exclusivo,
compartimentado. Tudo pode ser utilizado, reutilizado. O
brado do cauteleiro intercepta uma reflexão sobre a vida
comercial, que intercepta uma reflexão sobre a
sociedade, o dinheiro e o homem, a morte e as estações.
A crise persistente e inamovível que se estabelece no
'lugar' do poema, como em Laforgue se viu - com a
adicional apropriação do prosaico -, como também no
âmbito da voz que dita a expressão poética, são os frutos
mais febris e generosos dessa dissociação intelectual, no
século em que o poeta francês nasceu e morreu.
É forçoso neste ponto deixar por instantes a seara da
poesia e adentrar o terreno da psicologia e da filosofia,
para levarmos esta investigação sobre as raízes menos
evidentes do Orpheu a bom termo. É pois o momento de
entendermos mais profundamente o sentido do adjetivo
empírico, como havíamos prometido páginas atrás.
Nove anos antes do falecimento de Laforgue,
precisamente no início de 1878, Charles Sanders Peirce
escreveu um artigo intitulado "Como tornar claras nossas
idéias". Nele, após salientar que nossas crenças são em
realidade regras de ação, afirmava que para desenvolver
o significado de um pensamento, necessitamos apenas
determinar que conduta ele está apto a provocar: este é
seu único significado.
E o fato tangível na raiz de todas as nossas distinções de
pensamento é que não existe nenhuma que seja tão sutil ao
ponto de não resultar em alguma coisa que não seja senão
uma diferença possível de prática. Para atingir uma clareza
perfeita em nossos pensamentos em relação a um objeto,
pois precisamos apenas considerar quais os efeitos cabíveis
de natureza prática que o objeto pode envolver - que
sensações devemos esperar daí, que reações devemos
preparar. Nossa concepção desses efeitos, seja imediata,
seja remota, é, então, para nós, o todo de nossa concepção
do objeto, na medida em que essa concepção tenha afinal
uma significação positiva.
Esse é o princípio de Peirce, o princípio do pragma- tismo.
[67]
O princípio de Peirce permaneceu como que esquecido
por mais de 20 anos, até que William James o expôs, em
uma conferência sobre religião, na Universidade da
Califórnia em Los Angeles (UCLA), em 1898. Daí em
diante, o pragmatismo passou a ser amplamente
discutido.
"Não há nada de novo absolutamente no método
pragmático", diz Peirce. Sócrates, Aristóteles, Locke,
Berkeley e Hume "fizeram contribuições momentâneas à
verdade por seu intermédio. Shadworth Hodgson insiste
em que as realidades são somente o que sabemos delas"
(em itálico no original). [68]
James adverte contudo que esses precursores do
pragmatismo fizeram uso desse método de modo
parcelar, fragmentário - e que sua aplicação apenas teve
lugar mais tarde, no século XX.
De acordo com o pragmatismo de James, palavras como
"Deus", "matéria", "Razão" não podem ser tomadas como
definitivas. "Tem-se que extrair de cada uma delas "seu
valor de compra prático, pô-las a trabalhar dentro da
corrente de nossa experiência" (itálicos nossos). [69]
Nesse sentido, o método preconizado pelo filósofo é mais
um programa de trabalho do que uma solução e não
propõe ou defende dogmas ou doutrinas. Concorda,
contudo, com o nominalismo, com o utilitarismo e com o
positivismo (no que este tem de recusa a soluções
verbais e a abstrações metafísicas).
Em outras palavras, o método pragmático supõe uma
determinada "atitude de orientação", que é a de "olhar
além das primeiras coisas, dos princípios, das
'categorias', das supostas necessidades; e de procurar
pelas últimas coisas, frutos, conseqüências, fatos" (em
itálico no original). [70]
Como defenderam Schiller e Dewey, a verdade em
nossas idéias significa a mesma coisa que em ciência.
Significa que as idéias, acrescenta James, "tornam-se
verdadeiras na medida em que nos ajudam a manter
relações satisfatórias com outras partes de nossa
experiência" (itálico nosso). [71]
Assim, uma dada opinião nova - para certo indivíduo - é
verdadeira na proporção em que satisfaz seu desejo no
sentido de assimilar essa nova experiência às
suas crenças em estoque […]. A idéia nova que é mais
verdadeira é a que perfaz de modo mais feliz sua função de
satisfazer nossa dupla urgência. Faz-se verdadeira, classificase como verdadeira pela maneira como opera; enxerta-se,
então, no velho corpo da verdade, que se desenvolve. [72]
Para Dewey e Schiller ser verdadeiro quer dizer cumprir
essa função de união de partes prévias da experiência
com partes mais novas. [73] Acolhendo essas
concepções, James observa que "a verdade para nós
[pragmatistas] é simplesmente um nome coletivo para
processos de verificação" (itálicos nossos). [74] Entende
James, também, que a verdade é uma propriedade de
algumas de nossas idéias. Significa seu acordo, como a
falsidade significa seu desacordo. Assim também entende
o filósofo como idéias verdadeiras aquelas que
assimilamos, corroboramos e verificamos - e falsas
aquelas em que isso não se dá. [75]
Em todas as instâncias o pragmatista está atrelado aos
fatos e coisas concretas, o que não o impede de
harmonizar os processos empíricos do pensamento com
os reclamos da religião. James observa: "alguma espécie
de deidade imanente ou panteísta operando nas coisas,
de preferência a operar por sobre elas, é, de qualquer
modo, a espécie recomendada para a nossa imaginação
contemporânea" (o segundo itálico é nosso). [77] E isto é
fácil de explicar: o pragmatista, amante dos fatos, rejeita
a afirmação do Espírito Absoluto (que serve como um
substituto para Deus) como sendo a pressuposição
racional de todas as particularidades de fato, quaisquer
que possam ser elas; entende o pragmatista, e não
poderia ser de outra forma, que tal pressuposição é uma
afirmação de indiferença para com os particulares do
mundo. Ainda: o pragmatismo não alimenta preconceitos
contra a teologia desde que suas idéias tenham algum
valor para a vida concreta. E "o quanto serão verdadeiras
dependerá inteiramente de suas relações com as demais
verdades, que têm, também, de ser reconhecidas" (em
itálico no original). [77]
De outra parte, o
pragmatismo não faz
objeções à abstração, desde
que esta se encaminhe na
direção dos particulares,
produzindo conclusões e
extraindo verdades através
disso. Como afirmou James,
"o pragmatismo está
disposto a tomar tudo […] e
a contar com as experiências mais pessoais", levando em
conta "as experiências místicas, se tiverem
conseqüências práticas". Assim, admitirá um Deus que
habite o âmago do fato privado, se entender que esse é
um lugar provável para encontrar a divindade.
Em suma, o pragmatismo "não tem quaisquer
preconceitos, quaisquer dogmas obstrutivos […]. É
completamente maleável. Acolherá qualquer hipótese,
considerará qualquer evidência".[78]
Os conceitos exarados por William James acerca do
método pragmático levaram-no ao desenvolvimento de
uma outra doutrina filosófica, a que deu nome de
empirismo radical. No prefácio de O significado da
verdade, James afirmou:
o estabelecimento da teoria pragmática da verdade é um
passo de primeira importância no sentido de fazer o
empirismo radical prevalecer. O empirismo radical consiste
primeiro em um postulado, a seguir em um enunciado de
fato e, finalmente, numa conclusão generalizada.
O postulado é que as únicas coisas que são questionáveis
entre filósofos são coisas definíveis em termos da
experiência […]
O enunciado de fato é que relações conjuntivas, assim como
disjuntivas, entre coisas, são simplesmente matérias da
experiência direta particular, nem mais nem menos, do que
as próprias coisas o são.
A conclusão generalizada é que, portanto, as partes da
experiência são relacionadas coerentemente pelas relações
que são também partes da experiência. [79]
O racionalismo entende que nossa experiência é
disjuntiva, descontínua, e que uma ação unificadora
superior atua sobre tudo para que dessa forma o mundo
exista. Confiam, ademais, os racionalistas, em que a
relação entre um objeto e a idéia que busca apreendê-lo
se estabelece fora da experiência temporal possível. No
idealismo essa ação é desempenhada por uma espécie de
testemunha absoluta, que relaciona as coisas entre si,
lançando mão de categorias. Para o pragmatista, o
universo dispensa a existência de uma sustentação transempírica; ao contrário, possui em si uma estrutura
contínua e concatenada. A verdade de uma idéia significa
tão-somente suas operações, não o objeto da idéia, ou
algo em seu interior impossível de ser descrito.
James, também psicólogo, realizou um estudo da mente,
no intuito de definir a consciência, o pensamento e seus
atributos, bem como o papel e a importância das
sensações.
A consciência, desde o dia em que nascemos, é de uma
abundante multiplicidade de objetos e relações, e o que
chamamos sensações simples são os resultados da atenção
discriminativa, elevada freqüentemente a um grau muito
alto".[80]
Comumente existe o entendimento, em psicologia, de
que as sensações são os fatos mentais mais simples do
ser humano. William James rebate essa tese, que gera
por sua vez uma outra atitude equivocada, que é a de
que por entender as sensações dessa forma, a psicologia
acaba por considerá-las em primeiro lugar, ao invés de
atentar para o pensamento.
Pensamento, para James, é toda forma de consciência,
qualquer que seja ela. O filósofo e psicólogo americano
aponta as seguintes características do pensamento: todo
pensamento tende a ser parte de uma consciência
pessoal (onde estão fundados os estados de consciência
com os quais lidamos), em cujo interior esse se encontra
sempre mudando, já que é sensivelmente contínuo. [81]
O pensamento, ainda, lida sempre com objetos que são
independentes de si próprio, procedendo a escolhas e
exclusões de partes desses objetos, também
continuamente. [82]
Os únicos estados de consciência lidados por nós estão
fundados nas consciências pessoais, nas mentes, nos
egos, nos sujeitos (eu e você) particulares concretos.
Nesses termos, o ego pessoal, antes que o pensamento,
poderia ser tratado como o dado imediato em psicologia. O
fato consciente universal não é 'sentimentos e pensamentos
existem', mas 'eu penso' e 'eu sinto'. [83]
Em estados anestésicos profundos, ou sob o estado de
hipnose, foram detectados sentimentos e pensamentos
ocultos; estes, fazem parte de egos pessoais
secundários. Via de regra, esse egos, também
freqüentemente chamados de segunda personalidade,
formam unidades conscientes, têm memórias contínuas e
sua expressão tende para a personalidade dominante; e,
via de regra, também, esses egos secundários são
anormais e resultam, como entende Janet, de uma
partição do ego completo. [84]
Certas respostas a estímulos, em catalépticos e
histéricos, por exemplo, que eram no passado apontadas
como meros reflexos fisiológicos, são na verdade
escoltadas por sentimentos. Janet admite, ainda, que até
mesmo pensamentos estúpidos tendem a desenvolver
memória, [85] de tal sorte que todo pensamento,
qualquer que seja o estado em que ele é gerado,
propende a assumir a forma de consciência pessoal.
Assim também, as expressões rudimentares, oriundas de
transe, por exemplo, são o trabalho de uma parcela
inferior da mente natural do sujeito, posta fora de
controle. [86]
James denomina as sensações de estados de consciência
duradouros de objetos simples, se intensos forem;
imagens, se forem fracos; se os estados de consciência
duradouros forem de objetos complexos, chama-os de
'perceptos', quando intensos; 'conceitos' ou
'pensamentos', quando fracos. "Para as consciências
rápidas temos somente aqueles nomes de 'estados
transitivos' ou 'sentimentos de relações'".[87]
Os estados cerebrais não morrem instantaneamente,
como de há muito se sabe. Uma sucessão de estados
cerebrais é modificada pelo estado inercial anterior,
alterando seu resultado. Se uma sucessão cerebral a foi
excitada, e em seguida b e depois c, a consciência total
presente não será apenas uma resultante de c, como
também das vibrações de a sobre b e de b sobre c. Em
outras palavras teremos uma resultante que se exprimirá
matematicamente pelo processo a exponenciado pelo
processo b, exponenciado, por seu turno, pelo processo
c.
Todas as imagens mentais que nos ocorrem estão
embebidas em um fluxo contínuo, em uma espécie de
"água livre da consciência", no dizer de James. [88] O
valor de tais imagens está contido numa espécie de
auréola que açambarca e acompanha a imagem,
fundindo-se a ela como se a ela pertencesse. A despeito
disso, a imagem escoltada nessa água livre da
consciência (que por seu turno flui e reflui no curso
mental), é ainda a imagem do mesmo objeto, agora
acompanhada do sentido de suas relações, próximas ou
remotas, do eco evanescente de sua origem e do sentido
de uma espécie de plenitude para a qual ela está sendo
conduzida em sua aparição. [89]
A idéia de algo, ou o objeto total, em nossa mente, como
entende James, está sempre presente onde as palavras que traduzem, qualificam ou lembram esse objeto total são assimiladas e entendidas, "não somente antes e
depois que a frase foi falada, mas também enquanto
cada palavra separada é pronunciada".[90] A consciência
da idéia e das palavras (que as traduzem)" são
consubstanciais. Elas são feitas [idéias e palavras] do
mesmo 'estofo da mente' e formam um fluxo
inquebrável".[91]
Um epíteto jameseano resume seu entendimento da
mente humana: "a mente é em cada estágio um teatro
de possibilidades simultâneas" (itálicos nossos). [92] O
exame do teor desse simultaneísmo, bem como a
extensão das relações conjuntivas, sempre presentes, e
sobre as quais já se tratou ligeiramente, leva-nos de
imediato ao empirismo radical de James.
Ao contrário do racionalismo, que enfatiza os universais,
construindo-os antes das partes em sua ordem lógica, o
empirismo "fundamenta a ênfase explanatória na parte,
no elemento, no indivíduo, e trata o todo como uma
coleção e o universal como uma abstração".[93] A
filosofia de James principia, como ele assevera, pelas
partes, tratando o todo como um ser de segunda ordem.
Sua filosofia é em essência "uma filosofia de mosaicos,
uma filosofia de fatos plurais", e que não admite em sua
construção qualquer elemento que não possa ser
diretamente experienciado. [94]
Acresça-se a isso o fato de que enquanto o empirismo
comum sempre demonstrou uma tendência a não levar
em conta as conexões das coisas e a insistir sobretudo
nas disjunções, o empirismo radical de James aceita a
conjunção e a separação, "cada qual com seu valor
evidente. […] [fazendo] justiça completa às relações
conjuntivas", sem tratá-las como os racionalistas o
fazem, ou seja, como se pertencessem a uma ordem
distinta de verdade. [95]
Um dos pontos centrais do empirismo radical é o
seguinte: se admitimos que exista uma única matériaprima no mundo, um único 'estofo', do qual tudo é
composto, e se o denominamos 'experiência pura', [96]
"o conhecer pode ser explicado como uma espécie
particular de relação mútua entre estofos, relação esta
em que partes da experiência pura podem entrar." Faz
parte da experiência pura a própria relação mencionada,
em que um de seus termos é o sujeito, o portador de
conhecimento. [97]
Para os neokantianos, a experiência exerce o papel de
testemunha dos acontecimentos temporais, mas não
toma parte neles, visto que é desprovida de tempo. "Ela
é […] o correlativo lógico de 'conteúdo' em uma
Experiência, cuja peculiaridade é que o fato vem à luz
nela, que a conscientização do conteúdo toma lugar" (em
itálico no original). Para os neokantianos a consciência é
totalmente impessoal. "O 'eu' e suas atividades
pertencem ao conteúdo"; admitem eles "a consciência
como uma necessidade 'epistemológica', mesmo que não
tivéssemos evidência direta de ela estar lá". [98]
No entender de Paul Natorp, a consciência é um
elemento ou momento, ou ainda um fator de uma
experiência de constituição interna dualista em sua
essência, da qual ao se abstrair o conteúdo, ela ficará
revelada. [99] Em outras palavras, admite Natorp que por
intermédio de uma subtração mental se possa separar os
dois fatores envolvidos, conteúdo e consciência,
distinguindo-os suficientemente para saber que são dois.
James refuta essa posição.
A experiência, acredito, não tem tal duplicidade interna; e a
separação dela em conteúdo e consciência não se efetua por
meio de subtração mas por meio de adição - a adição a uma
parte concreta dada da experiência de outros conjuntos de
experiências, em conexão com os quais rigorosamente seu
uso ou função pode ser de dois tipos diferentes (em itálico
no original). [100]
Nartop, para defender seu ponto de vista dualista,
utilizara um paralelismo, tomando como exemplo a
constituição da tinta: também ela possui uma
constituição dual, envolvendo uma massa de contéudo,
na forma de um pigmento em suspensão, e um
mênstruo, que pode ser óleo ou um espessante. O
mênstruo pode ser obtido simplesmente permitindo-se
que o pigmento se deposite; este, por seu turno, pode
ser recuperado depurando a substância espessante, ou o
óleo.
James fez também uso da tinta, em outro paralelismo,
para ilustrar sua rejeição à idéia de Nartop e demonstrar
que a dualidade da experiência ocorre por adição, não
por subtração, como queria Nartop.
Num pote numa loja de tintas, juntamente com outras
tintas, ela serve em sua totalidade como algo vendável.
Espalhada numa tela, com outras tintas ao seu redor, ela
representa, ao contrário, um traço numa pintura e
desempenha uma função espiritual. Dessa mesma maneira,
uma porção não separada da experiência, tomada num
contexto de associados, representa o papel do que conhece,
de um estado da mente, da 'consciência', enquanto num
contexto diferente a mesma porção não separada da
experiência representa a parte de uma coisa conhecida, de
um 'conteúdo' objetivo. Numa palavra, num grupo figura
como um pensamento, em outro grupo como uma coisa. E,
desde que ela possa figurar em ambos os grupos
simultaneamente, temos todo o direito de falar dela como
algo subjetivo e objetivo ao mesmo tempo (itálicos nossos).
[101]
Em outras palavras no ponto em que a experiência se
efetiva interseccionam-se segmentos de contéudo
(objetivo) e de consciência (subjetiva). Nesse ponto
hipotético o pensamento, que é subjetividade, recebe o
influxo da objetividade. Ou vice-versa. O influxo da
objetividade se manifesta quando 'a coisa' surge, e esta
recebe o sopro particular, especial, que lhe confere
subjetividade. Uma paisagem, por exemplo, pode ser
apreendida com a frieza descritiva de um naturista que a
captou pela primeira vez; mas pode ser capturada como
uma forte evocação de uma vivência passada. A
experiência é a intersecção desses vertedouros díspares.
A experiência que tem lugar quando um observador
depara um objeto de seu interesse pode pertencer a
vários pares de associações oriundas cada uma do
cruzamento de um segmento de conteúdo com outro, de
consciência, o que se torna evidente quando nos damos
conta de quantas formas diferentes experienciamos na
presença de algo que nos é familiar, como uma surrada
poltrona, ou uma sala de jantar em que estivemos
inúmeras vezes ao longo de nossa vida. Em ambos os
casos, poltrona e sala de jantar estão ligadas tanto à
biografia pessoal do observador, como à realidade física
exterior, de cunho funcional ou cultural, entre outros.
E isso é válido tanto para os perceptos (do qual já
falamos, e que, não nos custa repetir, são estados de
consciência duradouros intensos de objetos complexos),
como para os conceitos (estados de consciência
duradouros fracos de objetos complexos).
Vejamos o que diz James:
se tomamos […] lembranças ou fantasias conceituais, elas
também são, em sua primeira intenção, simples partes da
experiência pura, e, enquanto tais, são simples aquilos que
atuam num contexto como objetos e em outro contexto
figuram como estados mentais. Tomando-as em sua
primeira intenção, isto é, ignorando sua relação com
possíveis experiências perceptuais com as quais elas podem
estar ligadas, às quais podem conduzir e nas quais podem
terminar, e que, então, elas possam supostamente
'representar', confinamos o problema a um mundo
meramente 'pensado' e não diretamente sentido ou
percebido. Este mundo, assim como o mundo dos perceptos,
nos aparece, em primeiro lugar, como um caos de
experiências, mas se alinha em ordem assim que é traçado.
Verificamos que qualquer parte dele que possamos isolar
como um exemplo está ligada com distintos grupos de
associados, assim como nossas experiências perceptuais o
estão, que estes associados se ligam a ele por diferentes
relações e que um forma a história interior da pessoa,
enquanto o outro atua como um mundo 'objetivo' impessoal,
seja espacial e temporal, seja meramente lógico ou
matemático ou, de outra forma, 'ideal'. [102]
Uma advertência talvez desnecessária, mas útil: "o
caráter de não-eu" das nossas recordações individuais
não implica em que os objetos externos sobre os quais
cada um de nós tem consciência objetivem-se da mesma
maneira para todo indivíduo, haja vista que os objetos
comuns, para os alucinados, são desprovidos de validade
geral. "Não existisse o mundo perceptual para servir
como seu 'redutivo' (…)nosso mundo de pensamento
seria o único mundo, e gozaria realidade completa em
nossa crença." [103]
As conjeturas de James acabam por desembocar naquilo
que ele denominou de 'minha tese', qual seja, a de que a
peculiaridade de nossas experiências (em que as
qualidades conscientes são invocadas comumente para
explicá-la) é melhor discernida por intermédio das
relações entre experiências, ou seja, pela relação de uma
dada experiência com as demais experiências havidas.
Não há, entretanto, nas palavras do filósofo, 'um estofo
geral' do qual a experiência possa ser constituída. De
fato, "existem tantos estofos quantas 'naturezas' nas
coisas experienciadas." [104] Se se indaga do que a
experiência pura se constitui, dir-se-á que "é constituída
de aquilo, exatamente do que parece", ou seja, de uma
infinidade de elementos, como peso, uniformidade,
coloração, espaço, ou de qualquer outra coisa (em itálico
no original). [105]
Um dos principais contributos de William James é seu
exame das relações conjuntivas e o seu posicionamento
na dinâmica da experiência humana.
O significado das relações conjuntivas, sobre as quais
tanto se falou aqui, é corrente, de domínio público.
Relações conjuntivas são, como sabemos, aquelas
designadas por palavras tais como 'perto de', 'com',
'próximo a', e muitas outras. Nossa experiência nos
adverte, também, que as relações (no mundo da
experiência) são de graus diversos de intimidade. A mais
exterior é a que a proximidade de seus termos não leva a
ulteriores conseqüências; é a relação de 'estar com'.
Seguem [como observa James,] as relações de
simultaneidade e intervalo de tempo, depois adjacência de
espaço e distância. Depois destas, acarretando a
possibilidade de muitas interferências, as relações de
similitude e diferença. A seguir, conectando termos em
séries envolvendo mudança, tendência, resistência e a
ordem causal em geral, as relações de atividade.
Finalmente, as relações experienciadas entre termos que
formam estados da mente e que estão imediatamente
conscientes de uma continuar a outra. A organização do Eu
como um sistema de memórias, propósitos, esforços,
satisfações ou desapontamentos é incidental para aquela
que é a mais íntima de todas as relações, cujos termos
parecem, em muitos casos, […] cobrir mutuamente seu ser.
[…] [Mas a] relação conjuntiva que mais dificuldade deu à
filosofia é a transição consciente […] pela qual uma
experiência passa a outra quando ambas pertencem ao
mesmo eu. Acerca dos fatos não existe problema algum.
Minhas experiências e suas experiências estão umas 'com'
as outras de várias maneiras exteriores, mas minhas
experiências passam para outras experiências minhas e as
suas experiências passam para outras experiências suas de
uma maneira em que as suas e as minhas nunca passam
uma para a outra. Em cada uma de nossas histórias, temas
e objetos pessoais, interesses e propósitos são contínuos ou
podem ser contínuos. Histórias pessoais são processos de
mudança no tempo e a mudança em si mesma é uma das
coisas imediatamente experienciadas. 'Mudança', neste caso,
significa transição contínua oposta à transição descontínua.
Mas a transição contínua é uma espécie de relação
conjuntiva; e ser empirista radical significa ater-se
decididamente a essa relação conjuntiva […], este é o ponto
estratégico [106] (em itálico no original).
Embora Eliot tenha dito, em seu ensaio sobre Bradley,
que uma das grandes fraquezas do pragmatismo é a de
que este acaba sendo de nenhuma utilidade, [107]
declarou dois anos depois que a obra mais importante de
James viera a lume, [108] em conferência promovida pela
Harvard Philosophical Society, que a borrasca do
pragmatismo estava tornando o homem a medida de
todas as coisas. [109] Com o passar do tempo, e
sobretudo em sua sistemática prospecção sobre o cíclico
reaparecimento da poesia metafísica ao longo das
épocas, bem como no desenvolvimento de sua tese sobre
a desintegração do intelecto, que correu sempre em
paralelo, e intimamente ligada aos ciclos da poesia
metafísica, parece-nos que Eliot acolheu a filosofia de
James de maneira menos defensiva. [110] E existe ao
menos uma razão para que isso tenha acontecido. É que
o conhecimento das teses centrais do empirismo radical
refinou muito provavelmente a análise de Eliot acerca da
poesia metafísica de todos os tempos.Tal hipótese
justifica-se haja vista que a matéria expressiva que a
lírica da segunda revela (e aqui incluem-se seu método
de construção, o desenvolvimento estrutural-temático, a
engenhosidade empregada, o tratamento formal e
conteudístico, etc.) poderia, sem aparente dificuldade de
adequação - o que não deixa empolgar a curiosidade -,
ser uma conseqüência natural do desenvolvimento das
primeiras, independentemente da cronologia dos
eventos. Se tal hipótese carece de suficiente lastro,
quando se examina a poesia metafísica do trecento,
ganha contudo consistência quando, partindo de Donne,
nos afastamos de seu tempo em direção ao presente.
Com efeito, o pragmatismo e o empirismo radical de
James parecem ter sido construídos a caráter para
subsidiar a poesia metafísica a partir do século XVII.
Em "A nova poesia portuguesa no seu aspecto
psicológico", Pessoa teceu comentários acerca da poesia
dos poetas correligionários de Pascoais, encontrando nela
características muito especiais. Chegou mesmo a
entender a religiosidade expressa nessa poesia como
"uma religiosidade nova, que não se parece com a de
nenhuma outra poesia".[111] Seu arcabouço espiritual
deriva de uma ideação vaga, sutil e complexa. A ideação
vaga é a que tem o que é vago ou indefinido por seu
objeto; sutil é a ideação que traduz uma sensação
simples por outra sensação que a intensifica sem a
alargar; complexa é a ideação "que traduz uma
impressão ou sensação simples por uma expressão que a
complica acrescentando-lhe um elemento explicativo"
que lhe dá novo sentido.
A expressão sutil intensifica, torna mais nítido; a expressão
completa dilata, torna maior. A ideação sutil envolve ou uma
direta intelectualização de uma idéia ou uma direta
emocionalização da emoção: daí o ficarem mais nítidas, a
idéia por mais idéia, a emoção por mais emoção. A ideação
complexa supõe sempre ou uma intelectualização de uma
emoção, ou uma emocionalização de uma idéia: é desta
heterogeneidade que a complexidade lhe vem (em itálico no
original). [112]
A nova poesia portuguesa, a par o fato de se ocupar com
o espírito, com a alma, é também uma poesia ocupada
com a natureza, nela encontrando inspiração. "Por isso
[…] que ela é também uma poesia objetiva".[113] Em
outras palavras, é objetiva por força de apresentar três
características: nitidez ("revelada na forma ideativa do
epigrama"), plasticidade ("fixação expressiva do visto ou
ouvido com exterior") - como por exemplo a poesia grega
e romana, a de Hugo, e a de Cesário Verde; a terceira
característica dessa poesia é a imaginação (no "sentido
de pensar e sentir por imagens"), gerando "rapidez" e
"deslumbramento". Adverte, no entanto, que esse
deslumbramento, em alto grau, quando não surge
consorciado com "elemento de pura espiritualidade"
acaba deixando o que considera ser "uma inquietante
impressão de grandeza oca". Como exemplo disso, cita
Hugo - que a alguns, em vista disso, dá "uma impressão
de máxima grandeza e a outros de uma oca
grandiosidade".
Na poesia portuguesa esse grau máximo de objetividade
ainda não teve lugar; "prova-o ao ouvido o seu
movimento geralmente lento, quando a imaginação
imprime sempre ao verso uma rapidez inignorável [sic]".
[114]
É famosa a seqüência em que Pessoa vislumbra em
futuro próximo o surgimento do grande poeta, o SuperCamões, que irá concretizar uma poesia com o "máximo
equilíbrio da subjetividade e da objetividade".[115] Será
uma poesia metafísica, imaginativa, diz ele, "uma poesia
subjetiva e objetiva, poesia de alma e de natureza",
voltada para a manutenção de uma aparente
contradição, qual seja, a espiritualização da matéria, lado
a lado com a materialização do espírito. [116]
Não seria oportuno rever alguns conceitos, aqui
assinalados, acerca da poesia denominada metafísica?
O engenho metafísico é mais intelectual que verbal, e
deriva de uma mistura peculiar de paixão, pensamento,
sensibilidade e raciocínio (ressalta Grierson). Busca
aprofundar e alargar o campo da experiência, tratando
temas como o amor de maneira pouco convencional
(sobretudo se examinamos a produção de Donne e da
maioria dos poetas elizabetanos), em que a fúria e a
fascinação andam juntas; a poesia metafísica serve-se de
ritmos capazes de expressar a complexidade e
completitude da mente, os fluxos e refluxos do humor
(como em Donne) a instabilidade, quando não a
desarmonia da vida; aproxima freqüentemente o
coloquial e prosaico ao poético, injetando nestes
elementos que escapam à convenção; faz uso de
expedientes sonoros como o eco, agregando
pensamentos e coisas aparentemente remotas, distantes.
A emoção, mais do que as idéias ou pensamentos,
encontra-se na gênese da poesia metafísica, que não
obstante explore as paixões, lida com argumentos muitas
vezes paradoxais, e busca uma imagética cultivada. Não
nos enganemos, contudo; a sensibilidade do poeta
metafísico é perpassada pela ação do intelecto analítico.
A compreensão do amor, e o poema de Cavalcanti, visto
acima, é um belo exemplo, se faz por meio dos sentidos,
mas com o concurso decisivo do intelecto, da razão
sensível, que não despreza os sentidos, antes os utiliza
como bússola a guiar provocativamente o raciocínio pelos
seus meandros, com elegância, equilíbrio e uma
imaginação treinada (Eliot).
A principal característica da poesia metafísica é a de
buscar sempre, ou na maioria das vezes, elevar o
sentimento a regiões comumente visitadas apenas por
intermédio do pensamento abstrato.
Em outros termos, logra transportar o pensamento para
a esfera do sentir, fundindo-os (sentimento e
pensamento) de modo peculiar, já que não permanecem
indistintos. Contudo, a dinâmica da poesia metafísica não
oferece dois fluxos diversos, um de emoções, outro de
conceitos. Antes, um fluxo unitário em que pensar e
sentir estão, como se disse, fundidos, e onde o poema é
um objeto construído a partir das intersecções de pensar
e sentir, ou de sentir e pensar.
Desse vezo derivam semelhanças inesperadas, nascidas
da reciprocidade de estímulos entre a esfera da emoção e
a do intelecto. Deriva também uma imagética
intensificada e se altera o fluxo natural da idéia, de modo
a extrair, do pensamento assim lentamente desdobrado,
o mínimo de emoção existente; como se pensamento e
emoção fossem, simultaneamente, agentes indutores de
um processo químico. Por essa via, logra a poesia
metafísica conferir ao pensamento o máximo de valor
poético e dramático, sobretudo ao explorar o
desequilíbrio entre imagem e idéia, no encalço de
recuperar a noção de um mundo carente de unidade,
como tem sido sua sina desde o século XVII.
O método metafísico toma como ponto de partida, como
vimos, o maior em direção ao menor, o central na
direção do que é periférico, construindo um percurso do
passional ao reflexivo, argumentativo. O lastro
conceptista da poesia metafísica é o que permite tal
desenvolvimento (que é chamado de pensamento
vagante).
A proximidade dos elementos que traduzem o sentir e o
pensar, na poesia metafísica, favorecerá a concentração,
a vizinhança de temperamentos e posturas distintas
(como o humor, a ironia e a seriedade) e a ampliação do
efeito imagético do poema. No verso metafísico a mais
rarefeita sensação pode ser exata e diligentemente
expressa.
A contigüidade de tais elementos indicados acima
favorece a ruptura da hierarquia entre os componentes
funcionais do poema, dando chance ao surgimento de
dissociações intelectuais, e oportunidade para a
manifestação de um ego onipresente (Eliot, Laforgue), e,
ainda, permitindo associações livres, de coisas por
conseguinte díspares (em vista da adoção da
similaridade), além da fabricação de neologismos, de
mots-valise (Laforgue) - que operam como um alerta que
acusa o desmoronamento das fronteiras funcionais do
corpo poético. Ao lado disso tudo, a despersonalização
(como estratégia poética), e o indiciamento da situação
de crise com respeito ao 'lugar' do poema.
Resta alguma dúvida de que as características que
Pessoa atribuiu à poesia metafísica praticada pelos
colaboradores de A Águia pouco diferem dos traços
imputados aos poetas metafísicos ao longo do tempo,
embora o artigo pessoano não tivesse, a bem da
verdade, como meta, destrinçar o verso metafísico, mas,
ao contrário, rebatizá-lo com o nome de panteísmo
transcendental para assim desviar as suspeitas que
recairiam sobre ele próprio, acusando em momento
talvez inoportuno as influências metafísicas em sua obra?
Emocionalização da idéia, intelectualização da emoção,
ideação vaga, complexidade, etc. são atributos
fundamentais da poesia metafísica. Estão presentes em
maior ou menor grau em Donne, Crashaw, Pascoais,
Baudelaire, Laforque.
Adotar a sensibilidade como pedra de toque da arte,
tornando-a instrumento da inteligência, é um dos pontos
fulcrais da poesia metafísica. Em "Apontamentos para
uma estética não-aristotélica", o poeta português (que
atribui o texto a seu heterônimo Álvaro de Campos)
afirma que a sensibilidade é toda a vida da arte; que
toda a arte parte da sensibilidade e nela se baseia; que a
arte
subordina tudo à sua sensibilidade, converte tudo em
substância da sensibilidade, para assim, tornando a sua
sensibilidade abstrata como a inteligência (sem deixar de ser
sensibilidade), emissora como a vontade (sem que seja por
isso vontade), se tornar um foco emissor abstrato sensível
[…][117] (em itálico no original).
Em outra passagem, defende uma fundamental postura
metafísica, a de que a arte deve partir do geral (maior)
na direção do particular (menor); "é o geral que deve ser
particularizado, o humano que se deve pessoalizar, o
'exterior' que se deve tornar 'interior'".[118] Isto sem
falar nos inúmeros apontamentos sobre arte moderna,
orfismo, sensacionismo, etc.
Sabe-se que na altura em que Pessoa escreveu suas
coloborações para a revista A Águia, não poderia ter
manuseado a antologia de Herbert Grierson sobre a
poesia metafísica inglesa do século XVII, simplesmente
porque a referida coletânea, já mencionada, veio a lume
nove anos depois; por motivo idêntico, não teria lido o
último volume da obra Minor poets of the Caroline Period,
de George Saintsbury, que só saiu em 1921, mas
provavelmente tinha conhecimento de que Johnson
referira-se no Lives of the poets [119] a alguns nomes da
escola de Donne de maneira muito peculiar - e, mais
ainda, tivera Pessoa contato direto, provavelmente já em
seus anos de liceu em Durban, com essa matriz poética
que coincidentemente foi também decisiva leitura para T.
S. Eliot, como este, aliás, em diversos momentos - e
diferentemente do poeta português -, reconheceu
publicamente. [120]
Será possível considerar a hipótese de que a menção,
feita por Pessoa, da existência de uma lírica com as
características por ele apontadas (e que são,
inegavelmente, de ordem metafísica) nos versos de
Pascoais, Beirão, Junqueiro e Cortesão, depois do que
acabamos de analisar, nada tenha a ver com a estética
de poetas como Donne, Crashaw, Marvell, Cowley,
Aurelian Townshend e Edward Benlowes? Certo que não.
Se por um lado é também forçoso concordar que os
poetas portugueses mencionados por Pessoa de fato se
constituem na primeira geração de poetas metafísicos de
Portugal (e esta é mais uma contribuição pessoana,
embora velada), o que não exclui, logo se verá, a
possibilidade de encontrarmos um solitário poeta
português metafísico de outra geração, anterior, é
inegável que ao anunciar a chegada vindoura de um
Super-Camões, que iria com grande imaginação pensar e
sentir por imagens, conferindo à poesia daquele país um
grau de objetividade jamais alcançado por ela,
aprimorando e completando aquele trabalho encetado
por Pascoais, Cortesão, Junqueiro e Beirão, Fernando
Pessoa não apenas deixou claro para a posteridade que o
lugar do Super-Camões seria seu (e foi), como também
se autodenominou metafísico sem dizê-lo.
Se o leitor quiser, antes de prosseguirmos, realizar
algumas investigações adicionais por conta própria,
nessa linha tenuemente tracejada por Fernando Pessoa,
examine o ensaio "The metaphysical poets",[121] ou
ainda este outro, "Andrew Marvell".[122] Em seguida,
proceda ao exame de "Elegia do amor" de Pascoais, ou
de "O sonho", de Beirão, seguindo a trela estirada pelo
poeta português; evidentemente não deve deixar de reler
seus artigos publicados nA Águia. Desemboque
imediatamente a seguir no interseccionismo pessoano e
tome por exemplo os versos do primeiro poema de
"Chuva oblíqua". Volte ao século XVII e leia, digamos,
"Twicknam Garden", de Donne, ou "On a drop of dew",
de Marvell.
Depois disso, o leitor poderá concordar com Pessoa que a
raiz da estesia do transcendentalismo panteísta - e em
grande parte a que assiduamente subsidiou certa
vertente órfica da obra poética pessoana - alimenta-se da
seiva dos metafísicos, e, tanto quanto nós, ficará
intrigado pelo fato de Fernando Pessoa jamais ter
exposto à luz do dia sua grande fonte de inspiração. Ao
contrário, tem-se a impressão de que planeou ocultá-la.
Argumentará o leitor que isso não é de todo verdade, que
não há ocultamento algum, posto que a influência da
poesia inglesa em Pessoa é evidente e indiscutível. Ele foi
educado sob os auspícios do mundo colonial britânico;
seu primeiro poema foi escrito em inglês e suas últimas
palavras que já sem fala, no leito de morte, transpôs
para o papel, foram estas: "I know not what tomorrow
will bring".
Ademais, Pessoa produziu vasta obra em língua inglesa.
Os "35 sonnets" foram congeminados em 1913 ou 1912,
e publicados em 1918. "Antinous", de 1915,
"Inscriptions" (cuja fatura é de 1920) e "Epithalamium",
de 1913, compõem respectivamente, English poems I, II
e III - e prestam notável tributo àquele idioma; e em
1920, publicou o poema "Meantime" na prestigiosa
revista inglesa The Athenaeum, no número que veio a
lume a 30 de janeiro daquele ano.
Outro argumento sobre a franqueza pessoana quando se
trata de expor seu profundo débito para com a cultura
inglesa é o fato de Fernando Pessoa, em sua carreira
literária, jamais haver desistido de se apresentar como
poeta inglês, vindo a publicar, em Portugal, Na
Contemporânea de março de 1923, em seu número 9, o
poema "Spell".
"Antinous", acrescentará o leitor, não apenas é escrito
em inglês como amolda-se ao esteticismo britânico, a
despeito de conservar certa dicção da poesia romântica
inglesa, como assevera Jorge de Sena. [123] Se não se
deve descartar o fato de que em Portugal poemas longos
como esse não eram novidade, haja vista Junqueiro,
Gomes Leal, Eugênio de Castro e Pascoaes, é inegável
que a tradição inglesa oferecia "uma massa triunfal de
poemas longos da mais vária espécie"[124] que o atraiu
para submeter seu estro à prova.
Sabe-se que o epitalâmio, de origem grega, é uma
canção nupcial, como Dionísio de Halicarnasso registra
em sua Retórica. Os latinos fizeram uso dele, adaptandoo à tradição das festas fesceninas (em que à época das
colheitas, homens adolescentes cantavam versos
obscenos). Tal costume teve lugar também em festas
matrimoniais e entre os romanos (quando então os
versos fesceninos vieram a corresponder ao que na
Grécia se denominava himenaios, ou cântico
processional, que nada mais era do que um cortejo de
vozes que acompanhava os nubentes até a soleira da
alcova, atirando-lhes gracejos indecentes). Tanto a
origem grega, mais cultivada, quanto a romana
desembarcaram na Renascença. Pessoa optou pela
alternativa fescenina, mas não tirou de vista o fato de
que John Donne e Ben Jonson também foram adeptos do
epitalâmio.
Os sonetos ingleses de Pessoa, se por um lado revelam
que a matriz das rimas é a do correlato shakespeariano,
a sintaxe, fato que não escapou a Jorge de Sena, é
metafísica, [125] portanto o argumento de que o poeta
português escamoteou a influência metafísica em sua
poesia não pode se sustentar, objetará o leitor. Se de
fato tinha Pessoa o intento de fazer desaparecer as
pegadas de seu trajeto de aprendizagem metafísica,
bastaria deixar de publicar seus poemas ingleses.
Não é bem assim: a poesia metafísica inglesa a que Sena
se refere na introdução aos Poemas ingleses é, não há
dúvida, aquela justamente praticada pela geração de
Donne, uma vez que Fernando Pessoa em seus versos
ingleses apenas se limitara, de modo algo esquemático e
artificial, a experimentar, anacronicamente, aquilo que
Donne e seguidores já haviam realizado no século XVII.
[126] No entanto, a herança metafísica, com todo seu
lastro de degenerescência intelectual, que Pessoa fez
aportar, com suas colaborações, paralelamente, ao
movimento do Orpheu, não é de modo algum aquela que
transpira (por mero exercício, digamos, diletante) de
seus poemas ingleses, nem mesmo a que, já sendo
efetivamente metafísica, Pascoaes, Cortesão e Beirão
praticaram, mas uma outra poesia metafísica, uma
poesia metafísica em estágio ulterior de desintegração do
intelecto, como foi a de Laforgue com relação a de
Crashaw. Como foi a de Donne com relação a de Dante.
E sobre esse ressurgimento da poesia metafísica em
Pessoa o poeta não disse uma só palavra.
Por conseguinte, é de se inferir, dentre muitas outras
coisas, que a referida 'absoluta originalidade' e
concepção de mundo inteiramente portuguesa, que
Pessoa alegara certa feita possuirem os
transcendentalistas panteístas, é uma cortina de fumaça
a escamotear o legado metafísico transcultural atuante
naqueles, bem como nele próprio.
Assistido e inspirado, em seu percurso órfico - e não
apenas nele -, pelas cíclicas aparições da poesia
metafísica ao longo da história, Pessoa incorporou
também o pragmatismo e o empirismo radical de James,
não somente para entender melhor a estesia metafísica,
como fizemos nós, e certamente Eliot, como para planear
seus passos no movimento do Orpheu.
À época em que Pessoa escrevia seus primeiros esboços
sobre o sensacionismo (quer na acepção de sinônimo de
orfismo, quer como interferência tópica no poema, quer
como um dos termos de um programa de arte derivado),
o sucedentismo, o interseccionismo, etc., já o
sensacionalismo de James, ao lado (no interior, na
verdade) de sua cosmovisão empírico-radical, aqui
sinteticamente apresentada, se haviam difundido na
Europa, inicialmente através dos países de língua inglesa.
Daí não poderem ser tratadas como frutos do acaso as
incidências do pragmatismo e do empirismo radical na
obra pessoana. O pragmatismo valoriza a experiência, a
esfera dos sentidos, a capacidade de coleta de dados,
com o posterior equacionamento destes no âmbito da
consciência, como vimos. O mesmo se dá com a
programática órfica ("a verdadeira arte moderna tem de
[…] acumular dentro de si todas as partes do
mundo").[127] Assim, defende o empirismo a prática de
ir além das primeiras revelações, procurando sempre
pelas últimas conseqüências, buscando tal desiderato
pelo encaminhamento de processos intelectuais na
direção dos particulares, como quer também a poesia
metafísica, o paulismo, o simultaneísmo órfico e o
interseccionismo.
Para James as idéias tornam-se verdadeiras quando
ajudam a manter relações satisfatórias com outras partes
de nossa experiência. A verdade de uma idéia significa
tão-somente, como vimos, suas operações, não o objeto
da idéia.
Nesse contingenciamento, por assim dizer da verdade,
pela negação da verdade absoluta, se empenha a
'estética do fingimento pessoano' (o hipercriticismo
fingido órfico), aqueles programas de arte voltados para
a exploração da fragmentação do sujeito lírico, bem
como de sua polivalência, além de todas as práticas
poéticas em que se afiguram atitudes mentais que
espelham uma adesão à despersonalização. Um
programa de arte como o interseccionismo seria
inteiramente desbaratado caso viesse a admitir um
sentido para a verdade distinto do que o pensamento de
James promove.
O pragmatismo, segundo James, não tem preconceitos,
nem defende dogmas, adotando uma postura de
completa maleabilidade face a outras formas de pensar.
Não por acaso, a proposta inaugural da revista Orpheu,
que examinamos detidamente, condena preconceitos e
defende uma abertura para propostas estéticas de todos
os quadrantes.
Pensamento, para James, é toda forma de consciência; e
todo pensamento tende a ser parte de uma consciência
pessoal, em cujo interior esse se encontra sempre
mudando, já que é sensivelmente contínuo. O
simultaneísmo órfico e o interseccionismo manejam, em
seus diferentes campos de ação, o plástico e o da
palavra, respectivamente, esses conceitos.
Na esteira de Peirce, o pragmatismo entende que
crenças são regras de ação e que o significado de um
pensamento deriva da conduta que ele está apto a
provocar. Tem-se que extrair de palavras como "Deus",
"razão", "matéria" seu valor de compra prático; fazê-las,
diz James, trabalhar dentro da corrente da nossa
experiência. Pessoa entende que "Deus" é apenas uma
palavra, um valor estético, que pode vir a sugerir
mistério, mas que não serve a objetivo moral ou
qualquer outro. Sua defesa do panteísmo, também ela
encontra eco no pragmatismo de James, que recomenda
por seu turno, como religião, alguma espécie de deidade
imanente ou panteísta operando nas coisas
preferivelmente a operar por sobre elas. A defesa da
interpenetração do espírito e da matéria, à qual Pessoa
atribui aos sensacionistas de modo geral também não é
postura que destoe do pensamento de James.
Cada novo estado cerebral, segundo James, é modificado
pelo estado inercial anterior ao estímulo - e todas as
imagens mentais estão embebidas em um fluxo cerebral
contínuo. Da mesma forma, o pensamento é contínuo e
os únicos estados de consciência com os quais lidamos
estão fundados nas consciências pessoais.
Para o filósofo americano, como vimos, o fato consciente
universal não é 'sentimentos e pensamentos existem,
mas 'eu penso' e 'eu sinto'. A valorização sem
precedentes da sensação no método de James; o
entendimento de que existe uma linha inquebrável que
vai da sensação ao pensamento; que parte da sensação
ou da imagem, ganhando complexidade (se tornando
percepto) numa escala de intensidade que oscila entre o
pensar e o conceituar - que é a noção, enfim, de fluxo
contínuo de nossas imagens -, tais entendimentos são
também postulados do interseccionismo e do
simultaneísmo órfico. Ainda: o empirismo radical ao
valorizar os elementos conjuntivos da experiência, as
conexões entre as coisas, como vimos, acaba por dar
franco respaldo aos processos interseccionistas e
simultaneístas órficos.
Seria possível conceber-se estes últimos, por exemplo,
extirpando deles sua vocação para as relações contínuas,
para a mútua contaminação funcional entre as possíveis
partes de um todo; para a percepção de um espaço sem
ruptura, em que qualquer elemento interfere no todo e
em que o todo é uma realidade puramente intelectual?
Seria possível pensar o interseccionismo sem o
processamento de estados de alma-paisagens, cuja
existência depende integralmente de uma convergência
de contínuos estados mentais; cuja manifestação,
puramente intelectual, por sua vez, só admite a
sucessividade entrecruzada de acontecimentos mentais
simultâneos, sob estímulos múltiplos e variados?
Certamente não. Nem mesmo no que diz respeito ao
paulismo (que apenas contempla a sucessividade de
estados de alma-paisagens).
A mente é em cada estágio um teatro de possibilidades
simultâneas, como afirmou textualmente o filósofo
americano - e é justamente em busca de capturar
pintando ou poetizando essa peculiridade de nossa vida
mental, digamos assim, que o simultaneísmo órfico e o
interseccionismo encontram sua razão de ser. A
peculiaridade de nossas experiências será sempre melhor
discernida por intermédio das relações entre elas. O
empirismo sabe disso, os adeptos do interseccionismo
também.
E, por último, a nomenclatura da grande maioria dos
programas congeminados no Orpheu está intimamente
ligada às propostas do empirismo radical e do
pragmatismo, como o sensacionismo (sensacionalismo,
para James), o interseccionismo e o simultaneísmo, cada
um destes últimos originados das noções defendidas por
James com respeito ao processo cerebral, às relações
conjuntivas, aos sentimentos de relações, etc.
E com tudo isso que se disse nestas últimas páginas
concorda o poeta metafísico, quer seja ele da geração de
Donne, quer seja da geração de Laforgue, quer seja da
geração do Orpheu.
É contudo inadiável assinalar ainda que o sensacionismo
foi também a pedra de toque do simbolista idealista
Remy de Gourmont. Sua defesa da primazia das
sensações parece ter sido também muito importante para
que Pessoa desenvolvesse seus conceitos acerca da arte
moderna em geral - bem como para que planeasse os
rumos mais consistentes das poéticas órficas, que gestou
e estimulou como mentor do Orpheu. Com efeito, em Le
problème du style Gourmont dirá textualmente: "os
sentidos são a única porta de entrada para tudo o que
vive no interior da mente […]. A sensação é a base de
tudo, da vida moral e intelectual como também da vida
física".[128] "Nada existe, não existe a realidade, mas
apenas sensações", responderá Fernando Pessoa,
fazendo coro com o autor francês. [129] E com o próprio
Mario de Sá-Carneiro, que talvez tenha sido o
responsável pela importação das idéias de Gourmont em
Portugal.
A essa altura, o leitor muito justamente indagará: eram
os pares de Pessoa todos eles leitores assíduos de James,
Gourmont e dos poetas metafísicos ingleses?
Certamente que não. Cada integrante do grupo órfico
português absorveu tais influências de modo distinto.
Souza-Cardoso, por exemplo, que oscilou entre o
cubismo e o simultaneísmo órfico, foi contaminado por
Delaunay, Cendrars e Apollinaire (ambos metafísicos,
também). Esse triunvirato foi em grande parte, como
vimos, responsável pela formulação do simultaneísmo
orfico.
Pessoa consorciou o pragmatismo e o empirismo radical
com a poesia metafísica. Como poeta forte que era - para
utilizar um estilema de Harold Bloom - o mentor do
orfismo apropriou-se de um vasto legado que a tradição
colocou à disposição. No que diz respeito ao Orpheu - e
sempre estaremos procurando permanecer nos limites de
sua participação nesse movimento, Pessoa recebeu
infusões de Whitman (que foram de intimorato apego à
vida, com seus ritmos e sua exuberância, seus versos de
métrica irregular, adequados à respiração prosaica; com
suas aliterações e anáforas, além de outros recursos
reiterativos que amplificam a vibração da voz poética)
[130] e de Laforgue, através de Sá-Carneiro, ou por
causa dele (ambos em sua "Ode triunfal", sobretudo),
[131] infusões essas fingidamente exploradas pelo
heterônimo Álvaro de Campos.
Definidor do interseccionismo (o inventor fora SáCarneiro, como já sabemos), Pessoa concebeu e batizou
o paulismo (1914), cujos neologismos e construção por
vezes especiosa advêm diretamente de seu contato com
a poesia inédita de seu amigo Sá-Carneiro (que
preparava, a essa altura, Dispersão), bem como, outra
vez, de Laforgue (mentor dos dois últimos). Em outras
palavras: Laforgue influenciou diretamente Sá-Carneiro e
Pessoa, que se deixou influenciar tanto pelo poeta
francês quanto pela releitura que Mário realizara a partir
dele, em seus tempos de Sorbonne (1912) - mas não
pour cause.
Alem das notórias e declaradas influências de Cesário
Verde na obra de Fernando Pessoa - merecem referência
as de Beirão, Pascoaes, e de outros colaboradores de A
Águia.
Cesário, contudo, por ser o primeiro poeta metafísico, e
por ter sua obra mantido um diálogo duradouro e intenso
com Pessoa, Almada-Negreiros, Sá-Carneiro dentre
outros, é um nome que merece ser examinado mais
detidamente.
Em sua curtíssima carreira de poeta, Cesário Verde
chamou sempre nossa atenção acerca da assiduidade
com que comparece, desde seu início até o final, no
papel de eu lírico, um homo viator, que faz da
deambulação pelas ruas seu projeto testemunhal e seu
estado de ser poético. [132]
Situemos rapidamente o poeta no tempo. Em 1874,
Cesário Verde publicaria o poema "Esplêndida", seu
primeiro exemplar de lira deambulatória. Em 1875, no
ano seguinte, "Deslumbramentos", "Frígida", "Desastre";
em 1876, "A débil"; em 1877, "Num bairro moderno";
em 1878, "Noites gélidas"; no ano seguinte, "Manhãs
brumosas", "Cristalizações", "Noite fechada" e "Em
petiz". "O sentimento dum ocidental" viria em 1880. Seis
anos depois o poeta faleceria. Além desses poemas,
todos os outros, publicados postumamente, oferecem
situações de passagem a um observador transeunte que
delas se alimenta.
Ao dirigir seu olhar para as ruas, promovendo a
presença, como se disse, de um sujeito lírico que
vivencia e traduz suas impressões no momento em que
estas o mobilizam, tansformando o poema, em termos
lógico-estruturais, em uma vivência-aqui-e-agora,
Cesário vai muito além de uma mera colagem
impressionista de roteiros mundanos.
Tributário evidente de Baudelaire, cujos versos leu e
releu, injetou em sua obra, em diversos momentos,
situações e elementos extraídos de poemas como "À une
passante" ,"La chevelure"[133], "À une mendiante
rousse"[134], "Le soleil" (que inspirou a humanização do
sol em "Num bairro moderno") 'Le vin des chiffonniers"
[135] dentre outros. [136] Contudo, Cesário Verde não se
limitou a reproduzir temas e ritmos baudelaireanos, como
diversas vezes apressadamente a crítica concluiu. A
apropriação cesarina como aqui relatada, fazendo o novo
a partir de combinações, transgressões e derivações
arbitrárias, é um atributo - mais um - que faz de Cesário
um precursor da modernidade.
Sua personalidade cinemática, ao incorporar à dinâmica
de seus versos o acervo baudelaireano, logrou oferecer,
ao surpreendido leitor lusitano de sua época, versos de
precisa lapidação, em que intercedem, de maneira
original em seu meio poético, o raciocínio, a sensibilidade
e a imaginação. A fusão entre pensamento e emoção
alcançada por Cesário e seu estro imaginativo
extremamente refinado, fazem dele um metafísico - o
primeiro em Portugal, como já afirmamos. Poemas como
"Cristalizações", "Num bairro moderno" e "O sentimento
dum ocidental" são marcantes exemplos de como o
intelecto, a capacidade extrema de observação e o olhar
sensível caminham juntos, combinando, como quer a
poesia metafísica, o reflexivo com a sensibilidade e a
emoção extremadas.
Detenhamo-nos rapidamente em alguns trechos de "Num
bairro moderno".
Já no primeiro quinteto desse poema encontramos uma
espécie de ritual cinematográfico, em que o observador,
de um ponto qualquer da rua, explora, em lentos
movimentos de aproximação, os "planos" que aquele
bairro moderno oferece.
Paulatinamente, o processo evolui em busca de localizar
os arranjos particulares, os detalhes, os efeitos óticos da
luz (segundo quinteto), obedecendo, já aqui, ao
postulado metafísico que busca os particulares em lanços
estudados, nos quais transparece o papel exercido pelo
intelecto que seletivamente coleta elementos da
realidade circundante.
Dez horas da manhã; os transparentes
Matizam uma casa apalaçada;
Pelos jardins estancam-se as nascentes,
E fere a vista, com brancuras quentes,
A larga rua macadamizada.
Rez-de-chaussée repousam sossegados,
Abriram-se, nalguns, as persianas,
E dum ou doutro, em quartos estucados,
Ou entre a rama dos papéis pintados,
Reluzem, num almoço, as porcelanas.
Como é saudável ter o seu conchego,
E a sua vida fácil! Eu descia,
Sem muita pressa, para o meu emprego,
Aonde agora quase sempre chego
Com as tonturas duma apoplexia.
O método de composição, a associação muitas vezes
inesperada ou incomum de adjetivos e o
desenvolvimento da 'cena', em que, a exemplo do que
acontece nos versos acima, constatamos - prática
corriqueira cesarina - a contigüidade entre o comentário,
a observação e a confidência, tais procedimentos
caracterizam alguns dos inúmeros atributos metafísicos
da estesia do poeta. Leia-se também os versos que
seguem.
E rota, pequenina, azafamada,
Notei de costas uma rapariga,
Que no xadrez marmóreo duma escada,
Como um retalho de horta aglomerada,
Pousara, ajoelhada, a sua giga.
E eu, apesar do sol, examinei-a:
Pôs-se de pé; ressoam-lhe os tamancos;
E abre-se-lhe o algodão azul da meia,
Se ela se curva, esguedelhada, feia,
E pendurando os seus bracinhos brancos.
É de se notar aí a presença freqüente da aditiva,
acusando a ação persistente de uma mente catalogadora,
que se desdobra em todas as direções, com vistas a
ulteriormente decifrar o objeto de interesse do sujeito de
enunciação poético e de modo a reter, pelo arrolamento
cumulativo de impressões, a emoção gerada. Aqui,
novamente, constatamos que Cesário se comporta como
um poeta metafísico.
Em benefício de harmonizar a sonoridade do verso mas,
sobretudo, em virtude da necessidade de explorar ao
máximo tanto a dissimilaridade, quanto a proximidade de
elementos que traduzem o pensar e o sentir
(favorecendo a concentração da emoção), Cesário utilizase constantemente de inversões, hipérbatos e hipálages
de maneira análoga àquela que o conceptista se serve - e
que foi determinante para a poesia da geração de Donne,
Crashaw e outros.
O nominalismo é outro traço marcante em Cesário, cujo
intelecto, empírico por natureza, acusa forte preocupação
com registros do dia-a-dia, que atestam seu
entendimento de que a poesia pode se ocupar de coisas
menos inefáveis. Eis aqui novamente outro parentesco da
poética cesarina com a metafísica: a apropriação do
prosaico pelo poema.
O quinteto abaixo bem ilustra nossa assertiva,
exemplificando, ademais, de modo saliente e com grande
economia de recursos, sua vocação a crítico do status
quo.
Do patamar responde-lhe um criado:
"Se te convém, despacha; não converses.
Eu não dou mais." E muito descansado,
Atira um cobre lívido, oxidado,
Que vem bater nas faces duns alperces
[…][137].
O olhar poético de Cesário em movimento constante
pelas ruas de Lisboa registra, em inúmeras
oportunidades, a realidade crua do cotidiano. Varinas e
calceteiros ("Cristalizações")[138] invadem o reduto da
poesia, tornados matéria de um lirismo, a exemplo do
que ocorre em Baudelaire, que não faz concessões ao
que parece apropriado dizer, dizendo contudo o que não
sendo virtualmente poético assim se torna, pelo manejo
apropriado e refinado de imagens e sons, bem como por
um arranjo poético que escapa ao convite da banalidade.
Seus versos não sugerem jamais uma poesia de
gabinete, em que o silêncio de paredes forradas permite
ao poeta engajar-se em rimas perfeitas, elaboradas
placidamente com o objetivo de alcançar um receituário
prévio de harmonia e equilíbrio. Ao contrário, seu
objetivo é o de capturar um mundo dinâmico, em crise e
em transformação. Sendo sua lírica, por conseguinte,
também ela, produto dos sentidos de um homem
moderno vivenciando quer a diversidade de sons da
cidade cosmopolita em que trabalha; quer o caos
presente em seu contingente humano; quer a dúvida
face ao rumo e ao destino da sociedade em que vive,
bem como face ao seu próprio.
A crueza da voz poética cesarina, muitas vezes
incompreendida, associada a elementos prosaicos,
procedimentos normalmente descartados pelos poetas de
seu tempo - ao lado de sua releitura da tradição
simbolista, são alguns dos principais legados do poeta ao
movimento do Orpheu (bem como à poesia metafísica).
Seu lirismo deambulatório, explorando as ruas de Lisboa,
colado à dinâmica da vida, foi determinante para que o
Orpheu avançasse adiante, superando as propostas e a
temática da geração que o antecedeu.
Sá-Carneiro absorveu a herança metafísica consumindo-a
em grandes e sôfregos goles a partir de Laforgue - e, em
menor escala, de Baudelaire. Cesário, ainda Cesário,
ofereceu a Mário um caminho temático; forneceu-lhe,
ainda, subsídios para que lograsse explorar a sintaxe
sensacionista - e o ensinou a olhar intensamente o
mundo ao redor.
Com sua desesperada energia renovadora e com a
paroxística alternância dos binômios aceitação-rejeição,
êxtase-abulia; aqui-alhures, eu-outro, inteirofragmentado, já presente em seus primeiros trabalhos,
Mário foi provavelmente o poeta português que mais
intensamente dialogou com a obra laforgueana. Também,
ao lado de Almada-Negreiros, Souza-Cardoso e SantaRita Pintor, foi dentre seus pares órficos um dos que mais
se deixou contaminar pelas propostas da vanguarda
européia. Certamente, nessa linha, "Manucure" é o
melhor exemplo que nos deixa Mário da fusão da herança
laforgueana [139] com o futurismo e o sensacionismo.
Antes de concluir, parece adequado determo-nos um
pouco nessa questão, ainda mais agora que vimos de
examinar "Lamento da cidade de Paris". Colocar lado a
lado certos aspectos de ambos os poemas oferece-se
como o caminho mais seguro.
Tanto o lamento de
Laforgue quanto o
poema de Sá-Carneiro
estribam-se na
exploração intensiva do
coloquialismo. E se
Paris é o destinatário
do lamento francês, há
fortes indícios que
também seja a metrópole de "Manucure".
O francês toma posse do reclame que a grande capital
despeja. A estesia de seu poema, bem como de parte de
sua obra prenunciam, com décadas de antecedência, o
advento do futurismo, com todos os seus
desdobramentos; Sá-Carneiro faz também uso de
elementos pertinentes à publicidade - e, mais que isso,
abre espaço em seus versos para que estes se tornem
passivos suportes de propaganda, interrompendo
diversas vezes o fluxo da voz poética, para assim realçar
a impessoalidade e o poder de dominação da sociedade
de consumo de massa. O brado futurista se ouve
nitidamente por todo o poema de Sá-Carneiro. As
máquinas de imprensa Marinoni ("Machines cylindriques
Marinoni", no poema de Laforgue) [140], presentes em
Sá-Carneiro, são um dos diversos índices do mundo
moderno, presentes no poema, já que lhes cabe a tarefa
de tornar possível a célere reprodução da informação.
Em Laforgue, as máquinas Marinoni transformam-se elas
próprias em objetos de consumo, ofertados no pregão da
rua. É preciso ter a máquina, para disseminar mensagens
de consumo pelo mundo. Mário explora o papel da
imprensa de modo mais radical. O linotipo Marinoni está
lá, cuspindo letras e formatos; marcas comerciais e
jornais do mundo inteiro, com sua "beleza alfabética
pura" - sinônimo da vertigem da velocidade; mas
"Manucure" leva às últimas consequências - inclusive sob
o ponto de vista gráfico - as implicações das máquinas
modernas de imprensa sobre o cotidiano. Essa realidade
acaba por contaminar inteiramente o poema que se torna
um espaço público em que se afixam cartazes.
Em Mário, toda a energia e diversidade do viver moderno
estão, como o sujeito lírico de seu poema afirma, "no ar",
como se tudo fizesse parte de um movimento incessante,
planetário, que seus versos acusam sem cessar; não
bastasse isso, tudo é refletido e multiplicado através de
espelhos. Beleza estranha para o sujeito lírico, uma vez
que toda essa beleza parece-lhe ao mesmo tempo
inatingível - provavelmente porque inadequada à real
dimensão humana. "Então rolo de mim por uma escada
abaixo..", dirá o eu do poema, desconsolado - mas logo
adiante, repentinamente possesso, "aos pinotes" (o
sujeito poético já agora desprovido do que lhe é mais
pessoal e intransferível, ou seja, a consciência de sua
linguagem), emitirá sons de máquina, numa negação
paroxística de sua humanidade, dando um fecho ao
poema - pela total impossibilidade de o eu poético
recuperar sua capacidade de enunciação.
Há um custo alto para toda essa vertigem e todo esse
dinamismo e voracidade de hélices, máquinas e
consumo, como se vê; e a supressão da individualidade
parece ser um dos componentes mais onerantes desse
custo. Mário de Sá-Carneiro sabe-o.
No poema de Laforgue também tem lugar uma
constatação semelhante: a de que sob a carapaça voraz
de uma sociedade egoísta e de mente estreita "existimos
na existência em que se paga à vista", não havendo
possibilidade para o sonho individual. Está por
conseguinte instalado um conflito insolúvel, que tem
lugar tanto no poema de um quanto no de outro.
Todo o lamento parisiense, ademais, insiste em nos
recordar também que a unidade entre espírito e razão,
entre pensar e sentir, entre querer e obter não é mais
possível. E que o desequilíbrio entre esses pares é
inevitável. Será também nessa direção que os versos de
"Manucure" se inclinarão, desmantelando-se em
incompreensível ruído.
Com Mário de Sá-Carneiro, a desintegração intelectual
ganha mais intensidade do que em seu predecessor
Laforgue, comprovando uma tendência da poesia
metafísica que achamos desnecessário repisar.
Especular pode ser um exercício intérmino e quase
tirânico da vontade empenhada. Ficaremos por aqui, com
a certeza de que nossas hipóteses poderiam nos levar
mais longe - e por caminhos que não foram aqui
explorados. Mas também com a certeza de que este
trabalho forneceu mais alguns subsídios esclarecedores
sobre a precursividade órfica. Tal como a geração de
Donne, os integrantes da geração de Orpheu
responderam à tradição, em geral, e à convocação
metafísica, em especial, cada um a seu modo; cada um
com diferente intensidade; e cada resposta foi
condicionada pelo peso e dimensões da bagagem com a
qual apearam às portas do movimento. Obviedade à
parte, nada, não obstante, nos impede de chamar a
geração de Orpheu de última geração metafísica de
Portugal.
Se somos autorizados a afirmar que no curso da
convivência, do intercâmbio literário e de opinião o
movimento órfico produziu, enquanto conjunto de
manifestações individuais, digamos, uma espécie de
força motriz, geradora, que acabou por condicionar o
sentido geral e o perfil da revista, essa força de
renovação disseminou-se - e não há como ser de outro
modo - a partir de um núcleo difusor e aglutinador - e
nesse centro de muda força convocatória acomodaram-se
aqueles mentores que exerceram, quer na dinâmica da
revista, quer com suas incessantes buscas pela
superação vanguardista de seu tempo, papel de fato
incansável, decisivo e determinante. Todos sabemos
quais foram seus nomes.
NOTAS
1)
Inúmeras reflexões, bem como diversos trechos utilizados deste ensaio
foram extraídos de nosso trabalho T. S. Eliot e Fernando Pessoa: diálogos de
New Haven. Landy, São Paulo, 2004.
2)
Les complaintes são editados em 1885 e L'imitation de Notre-Dame la
Lune em 1886.
3)
Cf. RICHARD, Noël - Profils symbolistes. Paris, Nizet, 1978, p. 168.
4)
Cf. MICHAUD, Guy - Messages poétiques du Symbolisme, Paris, Nizet,
1947, p. 304-5.
5)
Ibid., p. 301.
6)
Cf. RICHARD, Noël - Profils symbolistes. Paris, Nizet, 1978, p. 167.
7)
Cf. Bertrand, Jean-Pierre . "Présentation". In: LAFORGUE, Jules. Les
complaintes. Paris, Flammarion, 1997, p. 13-4.
8)
Inspirado em Bourget, que aparentemente colaborou também para injetar
em Laforgue o cosmopolitismo e a anglo- mania.
9)
A personagem dessa obra, vestida de negro, caminhando de um modo
arrastado, mas correto, como Laforgue a descreveu, assemelha-se muito a ele
próprio, quando, sem dinheiro, mal vestido, cheio já de amargor, vivia nos seus
20 anos na Rue Berthollet. Cf. MICHAUD, Guy - op. cit., p. 300.
10)
Richard, Noël - op. cit., p. 280.
11) Cotado da obra Nos maîtres, de Wyzewa, por RICHARD, Noël - op. cit., p.
188.
12)
Cf. HURET, Jules apud Bertrand, Jean-Pierre - op. cit., p. 8.
13)
Falaremos sobre a poesia metafísica mais adiante.
14)
Cf. Bertrand, Jean-Pierre - Op. cit., p. 34.
15)
Cf. Michaud, Guy - Op. cit., p. 301
16)
BERTRAND, Jean-Pierre - Op. cit., p. 22.
17) No original: "Dernière crise. Deux semaines errabundes, / En tout, sans
que mon Ange Gardien me réponde. / Dilemme à deux sentiers vers l'Eden des
Élus: / Me laisser éponger mon Moi par l'Absolu? / Ou bien élixirer l'Absolu em
moi-même? / C'est passé. J'aime tout, aimant mieux que Tout m'aime. / Donc
Je m'en vais flottant aux orgues sous-marins, / Par les coraux, les oeufs, les
bras verts, les écrins, / Dans la tourbillonnante éternelle agonie / […]" Jules
Laforgue, op. cit., p. 48.
18)
Cf. BERTRAND, Jean-Pierre - Op. cit., p. 22.
19) "Qui m'aima jamais? Je m'entête / Sur ce refrain bien impuissant, / Sans
songer que je suis bien bête / De me faire du mauvais sang". Tradução: "Quem
alguma vez me amara? Eu teimo / sobre este refrão bem impotente, / Sem
sonhar que sou bem idiota / Por agir assim impropriamente". "Complaintes des
Débats mélancoliques et littéraires". Ibid., p. 142.
20)
Ibid., p. 100.
21)
Cf. BERTRAND, Jean Pierre - Op. cit., p. 22-3.
22)
Loc. cit.
23) LAFORGUE, Jules - "Complaintes des voix sous le figuier boudhique". Em
sua: op. cit., p. 57.
24)
Em maiúscula no original.
25) Esse dilentatismo emprestado à lua é postura filosófica vanguardista típica
dos anos de 1880, cuja paternidade Bourget se auto-atribui.
26) Segundo consta, alusão do autor a certa amiga, uma dama de honra da
imperatriz Augusta, que de fato viajou para a Escócia em núpcias.
27) No original: "Ah! la belle pleine Lune, / Grosse comme une fortune! // La
retraite sonne au loin, / Un passant, monsieur l'adjoint: // Un clavecin joue en
face, / Un chat traverse la place: // La province qui s'endort! / Plaquant un
dernier accord, //Le piano clôt sa fenêtre, / Quelle heure peut-il bien être? //
Calme Lune, quel exil! / Faut-il dire: ainsi soit-il? // Lune, ô dilettante Lune, à
tous les climats commune, // […] // Lune heureuse! ainsi tu vois, / À cette
heure, le convoi // De son voyage de noce! / Ils sont partis pur l'Écosse. // Quel
panneau, si, cet hiver, / elle eût pris au mot mes vers! //Lune, vagabonde Lune,
/ Faisons cause et moeurs communes? // Ô riches nuits! je me meurs, / La
province dans le coeur! // Et la lune a, bonne vieille, / Du coton dans les
oreilles". Cf. LAFORGUE, Jules - "Complainte de la Lune en province". Em sua:
op. cit., p. 77-8.
28) Sugerimos ao leitor que compulse também o ensaio intitulado "Eliot,
Pessoa e a tradição da poesia metafísica", incluído em nossa op. cit., p. 87-183.
29) SAINTSBURY, George - Minor poets of the Caroline Period. General
introduction. Oxford, Clarendon Press, 1905, 1906 e 1921, respectivamente v
1, 2 e 3.
30) GRIERSON, Herbert - Metaphysical lyrics and poems of the seventeenth
century. Donne to Butler. Selected and edited, with an essay, by Herbet J. C.
Grierson. Oxford, Clarendon Press, 1921. O texto compulsado é uma
reimpressão dessa primeira edição, datada de 1928.
31)
GRIERSON, Herbert - "Introduction". Em sua: op. cit., p. XIII.
32)
Ibid., p. XIII.
33) Cf. ELIOT, T. S. - The varieties of metaphysical poetry. Edited and
introduced by Ronald Schuchard. San Diego, A Harvest Book, 1996. (first
Harvest edition). Passim.
34)
Cf. ibid., p. 252.
35) Essa concepção, encontradiça na geração dos pares de Dante,
desapareceria no século XIV, com Eckhardt e seus seguidores, que entronariam
nos altares da mente humana o Deus abissal.
36)
Cf. ibid., p. 258 et passim.
37)
Cf. ibid., p. 149.
38)
Cf. ibid., p. 216.
39)
Cf. ibid., p. 211.
40)
Cf. Gourmont apud ELIOT, T. S. - Op. cit., p. 253.
41)
cf. ibid., p. 254.
42)
cf. ibid., p. 107-8.
43) CAVALCANTI, Guido, apud ELIOT, T. S. - Op. cit., p. 107. No original, Eliot
transcreveu erradamente o verso, segundo o editor Schuchard.. Aqui o trecho
se imprime tal como coletado pelo editor. Cf. nota de rodapé da mesma página.
44) CAVALCANTI, Guido - "Donna mi priegha". In: POUND, Ezra. Abc da
literatura. trad. bras., 3. ed., São Paulo, Cultrix, 1977, p. 188-92.
45) Como qualidades a serem destacadas na poesia italiana do século XIII
estão a organização intelectual e emocional. Cf. ELIOT, T. S., op. cit., p. 228.
46)
Cf. Ibid., p. 174-6.
47)
Cf. Ibid. p. 119-20.
48) ALIGHIERI, Dante - "Vida Nova". In: Os pensadores. Trad. bras., São
Paulo, Abril, 1973 (v. 8), p. 167-8.
49)
Cf. ELIOT, T.S. - Op. cit., p. 85-6.
50) DONNE, John - "The Good-morrow". Em sua: Poems and prose. New York,
Knopf, [1955], p. 13. No original: "I wonder by my troth, what thou, and I /
Did, till we lov'd? were we not wean'd till then? / But suck'd on countrey
pleasures, childishly? / Or snorted we in the seaven sleepers den? / T'was so:
But this, all pleasures fancies bee / If ever any beauty I did see, / Which I
desir'd, and got, t'was but a dreame of thee". Eliot transcreveu o mesmo trecho
do poema, modernizando-o, mas deixa passar uma gralha (no quinto verso,
"fancies be." por "fancies bee". Cf. ELIOT, T. S., op. cit., p. 85.
51)
Cf. ibid., p. 87.
52)
Cf. ibid., p. 121.
53)
Cf. ibid., p. 120.
54)
Cf. ibid., p. 126.
55)
Cf. ibid., p. 128.
56) Cf. ELIOT, T. S. - "Ulysses, order and myth". Em sua: Selected prose of T.
S. Eliot. Edited with an introduction by Frank Kermode. New York, Harcourt,
Brace, [1988]. (The centenary edition: 1888-1988), passim.
57)
Cf. ELIOT, T. S. - Op. cit., p. 138.
58)
Ibid., p. 147.
59)
Ibid., p. 148.
60) Que comparece por exemplo neste solitário verso de Herbert: "Finalmente
ouvi um roto ruído e risadas". Sendo que o qualificativo 'roto' designa sua
procedência: o ruído fora produzido, adverte adiante o poema, por pessoas
maltrapilhas, rotas, ladrões e assassinos. Tal qualificativo também dá a
entender que o ruído é abusivo, escabroso, quase descontrolado. No original:
"At length I heard a ragged noise and mirth". HERBERT, George, apud ELIOT, T.
S. - Op. cit., p. 199. Esta frase, "'ragged noise and mirth', fornece-nos, em
quatro palavras, a descrição da cena que Herbert nos quer oferecer". Ibid., p.
199.
61)
Ibid., p. 200.
62) Cf. DONNE, John - "The extasie". Em sua: op. cit., p. 53-5. No original:
"Where, like a pillow on a bed, / A Pregnant banke swel'd up, to rest /The
violets reclining head, / Sat we two, one anothers best; Our hands were firmely
cimented / With a fast balme, which thence did spring, / Our eye-beames
twisted, and did thred / Our eyes, upon one double string, / So to'entergraft our
hands, as yet / Was all the meanes to make us one, And pictures in our eyes to
get / Was all our propagation. […]/ Wee like sepulchrall statues lay, / All day,
the same our postures were, / And wee said nothing, all the day. […] / This
Extasie doth unperplex / Wee see by this, it was not sexe / wee see, we saw
not what did move: / But as all severall soules containe / Mixture of things,
they know not what, / Love, these mixt soules, doth mixe againe, /And makes
both one, each this and that. / […]". Exemplo de como o poeta buscava superar
a dicotomia entre carne e espírito, esse poema - de amor contemplativo, mas
não apenas, é, também, ipso facto, paradigma de como sua postura poética e
moral buscava justificar e convalidar o amor carnal (uma vez que este é, em
seu entendimento, rota obrigatória para a realização, no plano espiritual, de
uma integração de almas).
63) "Até onde sei, essa desintegração significa simplesmente uma deterioração
progressiva da poesia, em um aspecto ou outro, desde o décimo-terceiro
século. Se eu estiver certo acerca da poesia, essa deterioração é provavelmente
um dos aspectos de uma deterioração geral". ELIOT, T. S. -- Op. cit., p. 227.
64) Com efeito, a teoria da poesia metafísica de Eliot "implica [também ] em
uma teoria da história das crenças, na qual o século XIII, o século XVII e o
século XIX, todos ocupam seu lugar no (..) processo de desintegração". Ibid., p.
220.
65) Como em outras passagens desse lamento - e de sua obra -, Laforgue cria
uma nova palavra, no caso fruto da contração entre 'volúpia' e 'nupcial'. Suas
mots-valise são uma espécie de dessacralização do signo poético - e, sob o
ponto de vista da prática social, um meio de protestar contra o status da língua
e sua subserviência aos ditames do costume e da ordem. São, pois, também,
um repelão nos referentes culturais em cujo âmbito a prática poética tem lugar.
66) No original, comparece como título: "GRANDE COMPLAINTE de la Ville de
Paris - Prose Blanche". O trecho acima traduzido corresponde ao que segue:
"Bonne gens qui m'écoutes, c'est Paris, Charenton compris. Maison fondée en …
à louer. Médailles à toutes les expositions et des mentions. Bail immortel.
Chantiers en gros et en détail de bonheurs sur mesure. Fournisseurs brevetés
d'un tas de majestés. Maison recommandée. Prévient la chute des cheveux. En
loteries! Envoie en province. Pas de morte-saison. Abonnements. Dépôt, sans
garantie de l'humanité, des ennuis les plus comme il faut et d'occasion. Facilités
de paiement, mais de l'argent. De l'argent, bonne gens!
Et ça se ravitaille, import et export, par vingt gares et douanes. Que tristes,
sous la pluie, les trains de marchandise! À vous, dieux, chasublerie,
ameublements d'église, dragées pour baptêmes, le culte est au troisième,
clientèle inneffable! Amour, à toi, des maisons d'or aux hospices dont les langes
et les loques feront le papier des billets doux à monogrammes, trousseaux et
layettes, seules eaux alcalines reconstituantes, ô chlorose! bijoux de sérail,
falbalas, tramways, miroirs de poches, romances! Et à l'antipode, qu"y fait-on?
Ça travaille, pour que Paris se ravitaille…
[…]
Mais l'inextirpable élite, d'où? pour où? Maisons de blanc: pompes voluptiales;
maisons de deuil, spleenuosités, rancoeurs à la carte […] Et la pluie! trois
torchons à une claire-voie de mansarde. Un chien aboie à um ballon là-haut.
[…] Que les vingt-quatre heures vont vite à la discrète élite!…
Mais ces cris publics reprennent. Avis important! l'Amortissable a flléchi, ferme
le Panama. Enchères, experts.[…] Encore des cris! Seul dépôt soupers de
centième! Machines cuylindriques Marinoni! Tout garanti, tout pour rien! […]
Des mois, les ans, calendriers d'occasion. Et l'automne s'engrandeuille au bois de Boulogne, l'hiver
gèle les fricots de pauvres aux assiettes sans fleurs peintes. Mai purge, la canicule aux brise frivoles
de plages fane les toilettes coûteuses. Puis, comme nous existons dans l"existence où l'on paie
comptant, s'ammènent ces messieurs courtois des Pompes Funèbres, autopsies et convois salués sous
la vieille Monotopaze du soleil. Et l'histoire va toujours dressant, raturant ses Tables criblées de
piteux idem, - ô Bilan, va quelconque!, ô Bilan, va quelconque…" Cf. LAFORGUE, Jules - "Grande
complainte de la ville de Paris". Em sua: op. cit., p. 135-7.
67) JAMES, William -"Pragmatismo". In: Os pensadores. Trad. bras., São
Paulo, Abril, 1974. (v. XL), p. 10.
68)
Ibid., p. 11.
69)
Ibid., p. 12.
70)
Ibid., p. 13.
71)
Ibid., p. 14.
72)
Ibid., p. 16.
73)
Cf. loc. cit.
74)
Ibid., p. 30.
75) Cf. JAMES, William - "Prefácio do autor para O significado da verdade". In:
Os pensadores. op. cit., p. 42. A questão do significado da verdade está no
centro do embate entre os pragmatistas e seus opositores. A diferença,
segundo James, é que quando os primeiros falam da verdade, discutem idéias e
sua operacionalidade, ao passo que os antipragmatistas, quando falam da
verdade, estão discorrendo a respeito dos objetos. Cf. ibid., p. 43.
76) Id. -"Pragmatismo". In: Os pensadores Op. cit., p. 18. James foi
influenciado por Bardley, daí que o panteísmo que defende seja idealista. Para o
filósofo inglês as relações entre as coisas não são meros acréscimos à essência
destas, mas constituem sua própria essência. O idealismo de James é também
objetivo, assim acatando que não há diferença essencial entre objeto e sujeito,
já que ambos são uma forma na qual o todo se manifesta.
77)
Ibid., p. 19.
78)
Ibid., p. 22.
79) Id. - "Prefácio do autor para O significado da verdade". In: Os pensadores.
op. cit., p. 43-4.
80) JAMES, William - "O fluxo do pensamento [capítulo de Princípios de
Psicologia]". In: Os pensadores. Op. cit., p. 49.
81) Mas o quê significa isso? Primeiro, que mesmo quando ocorre um intervalo
temporal a consciência, ao término dele, sente como se o intervalo estivesse
ligado à noção anterior a ele, como outra parte do mesmo ego; segundo, que
as mudanças que têm lugar de um momento para outro na qualidade da
consciência jamais são abruptas. Cf. ibid., p. 58.
82)
Cf. ibid., p. 49-50 et passim.
83)
Ibid., p. 50.
84) Janet examinando uma paciente sonâmbula anestésica, de nome Lucie,
constatou que quando sua atenção era absorvida por uma conversação com
outrem, sua mão anestésica ouvia e respondia a questões, como a seguir: 'Você
ouve?' perguntou-lhe Janet. 'Não', respondeu ela. 'Mas para responder você
deve ouvir.' 'Sim, é quase isso.' 'Então como você consegue?' indaga Janet. 'Eu
não sei.' 'Deve existir alguém que me ouve', insiste ele. 'Sim.' 'Quem?' 'Outra
pessoa que não Lucie', ela respondeu.' "Ah! outra pessoa. Podemos saber seu
nome?' 'Não', ela disse. 'Sim, será mais conveniente'. 'Bem, Adrienne, então'.
Uma vez batizada com um nome forjado, a personagem subsconsciente se
expandiu e exibiu melhor seus traços psicológicos, como testemunhou Janet. Cf.
ibid., p. 51. Não ocorre por hipótese, ao leitor, o diálogo das veladoras no
poema dramático "O marinheiro", de Pessoa?
85)
Cf. ibid., p. 53.
86)
Cf. ibid., p. 52-3 et passim.
87) Cf. ibid., p. 65. James cita o filósofo Laromiguière na passagem adiante,
que vem bem a propósito: "Não existe ninguém cuja inteligência não abraça
simultaneamente muitas idéias, mais ou menos distintas, mais ou menos
confusas. Ora, quando temos muitas idéias ao mesmo tempo, uma sensação
peculiar cresce em nós, a sensação de relação, ou sensação-relação (sentimentrapport). Vê-se imediatamene que essas sensações-relações, resultando da
proximidade de idéias, devem ser infinitamente mais numerosas do que as
sensações-sensações (sentiments-sensations) ou [do que] as sensações, que
temos da ação de nossas faculdades. O mais insignificante conhecimento da
teoria matemática das combinações provará isto … Idéias de relação se
originam em sensações de relação. Elas são o efeito de nossa compraração de
sensações e de nosso raciocínio sobre elas" (em itálico, no original).
Laromiguière apud JAMES, William, loc. cit.
88)
Cf. ibid., p. 71.
89)
Terá passado pela mente do leitor o paulismo?
90)
Cf. JAMES, William - Op. cit., p. 91
91)
Cf. loc. cit.
92)
Ibid., p. 96.
93) JAMES, William -"Ensaios em empirismo radical". In: Os pensadores. Op.
cit., p. 116.
94)
Cf. ibid., p. 117.
95)
Cf. ibid., p. 117-8.
96) Mas o que vem a ser experiência pura? James define-a como "o campo
instantâneo do presente, em todos os tempos". Ibid., p. 109.
97)
Cf. ibid., p. 102.
98)
Cf. loc. cit.
99)
Cf. NATORP, Paul, apud JAMES, William - Op. cit., p. 103.
100) Ibid., p. 104.
101) Ibid., p. 104.
102) Ibid., p. 106.
103) Cf. ibid., p. 108.
104) Cf. ibid., p. 110.
105) Loc. cit.
106) Cf. ibid., p. 117-8.
107) Cf. ELIOT, T. S. - "Francis Herbert Bradley". Em sua: Selected prose of T. S.
Eliot. Op. cit., p. 204.
108) Essays in radical empiricism foi impresso em 1912.
109) Cf. Schuchard, Ronald. - "Editor's introduction". In: ELIOT, T. S. The
varieties of metaphysical poetry. Op. cit., p. 49.
110) Nas conferências de Eliot sobre a poesia metafísica James ressurge
inúmeras vezes, inclusive assinalando seu contributo para a compreensão das
relações conjuntivas. "Construída sobre filosofias empiristas anteriores, nas
quais todo conhecimento é em última instância derivado de impressões
disparatadas de reflexões e sensações, James declarou em seu Essays in
Radical Empiricism (1912) que todo conhecimento deriva das relações
conjuntivas da 'pura experiência', nome que ele confere ao 'campo instantâneo
do presente', fluxo imediato de vida o qual fornece o material para nossas
reflexões posteriores […]". Ao examinar, nessas mesmas conferências, a
paráfrase poética de Crashaw ao Vexila Regis de Fortunatus, que por sua vez foi
composto para a consagração de uma igreja em Poitiers (França), no séc. VI,
eliot afirma acerca do poema ulterior: "observe 'o ninho de amores', a 'torrente
amorosa', o noivado entre a água e o sangue, a relação pessoal do Senhor e do
devoto. E observe (sic) a tendência para uma seqüência de emoções, cada uma
em uma imagem separada, ao invés de [encontrá-las] em uma estrutura
[encapsulada] de emoção. Posto que é a tendência do sensacionalismo fazer
seguir uma impressão após outra, ao invés de construir uma dentro da outra; o
que nos leva ao Empirismo Radical de William James" (em itálico no original).
Cf. ELIOT. T. S. - The varieties of metaphysical poetry. Op. cit., p. 169-70.
111) PESSOA, Fernando - "A nova poesia portuguesa no seu aspecto
psicológico". Em sua: Obras em prosa. Org., introd. e notas de Cleonice
Berardinelli. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1993 (Biblioteca Luso-Brasileira; série
portuguesa), passim.
112) Cf. Ibid., p. 382-3.
113) Cf. loc. cit.
114) Cf. ibid., p. 384-5.
115) Cf. ibid., p. 386, et passim.
116) Cf. loc. cit.
117) Cf. PESSOA, Fernando - "Apontamentos para uma estética nãoaristotélica". Em sua: Páginas de doutrina estética e de teoria e crítica literárias.
Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado
Coelho. Ática, Lisboa, s.d., p. 159, et passim. Também: CAMPOS, Álvaro de Apontamentos para uma estética não-aristotélica I. Athena. Lisboa, v. 1
(3):113-5, dez/1924; e, do mesmo: Apontamentos para uma estética nãoaristotélica II. Athena. Lisboa, V. 1 (4): 157-160, jan/1925.
118) Ibid., p. 152.
119) JOHNSON, Samuel - Lives of the poets. The lives of the most eminent
English poets: with critical observations on their works. London, T. Longman,
1794. (4 v).
120) Aqui, por exemplo: "penso que se escrevi bem sobre os poetas metafísicos,
foi porque foram poetas que me inspiraram. E se sou apontado por haver tido
qualquer influência em promover um interesse mais amplo a respeito deles, foi
simplesmente porque nenhum outro poeta anteriormente foi tão profundamente
influenciado por eles quanto eu fui". ELIOT, T. S. - "To criticize the critic", Em
sua: To criticize the critic and other writings. New York, Farrar, Straus and
Giroux, [1965], p. 22.
121) ELIOT, T. S. -"The metaphysical poets". Em sua: Selected prose of T. s.
eliot. Op. cit., p. 59-67.
122) Id., "Andrew Marvell". Em sua: op. cit., p. 161-71.
123) SENA, Jorge de - "Introdução geral". In: PESSOA, Fernando - Poemas
ingleses (obras completas de Fernando Pessoa). Lisboa, Ática, [c. 1972], (col.
'Poesia', v. 2), p. 69.
124) Ibid., p. 50.
125) Cf. ibid., p. 78.
126) Maria da Encarnação Monteiro parece ter encontrado nos sonetos ingleses
de Pessoa, tal como seu conterrâneo, algo cujo nome, contudo, ela parece
desconhecer, mas que, como já sabemos, trata-se justamente da sintaxe
metafísica que Sena apontou. Diz ela: "a verdade é que aquilo que em
Shakespeare e em certo setor da poesia isabelina […] é instrumento de
expressar, por meio de argúcias do pensamento, as complexidades do sentir,
reveste-se no poeta português de diverso significado, dado que abandona a
esfera do sentimento ou parte da sensação para penetrar e se expandir
largamente no mundo das idéias" (itálicos nossos). MONTEIRO, Maria da
Encarnação apud SENA, Jorge de, loc. cit. Talvez Encarnação Monteiro tenha se
deixado influenciar pela carta de Pessoa a Cortes-rodrigues, de 1914, na qual
alude a uma adaptação moderna que fizera de uns sonetos de Shakespeare nos
quais localizara uma complexidade que o atraíra. Tal adaptação tratava-se
muito certamente dos "35 sonnets" - e a complexidade a que Pessoa se sentiu
atraído a modernizar havia sido vertida na poesia de Donne e de seus pares
metafísicos, antes de Pessoa empolgá-la.
127) PESSOA, Fernando - "O que quer Orpheu?" Em sua: Obras em prosa. Op.
cit, p. 408.
128) Gourmont, Remy de, apud ALLAN, Mowbray - T. S. Eliot's impersonal theory
of poetry. Lewisburg, Buckewell University Press, [ 1975], p. 38-9.
129) PESSOA, Fernando -"Sensacionismo". Em sua: Obras em prosa. Op. cit., p. 441. Seus
apontamentos, inúmeros, acerca do sensacionismo, bem como sobre o
movimento do Orpheu, localizáveis na mesma obra, reafirmam de maneira
indiscutível a importância do pensamento de Gourmont em Pessoa.
130) Ademais, Pessoa pronunciou-se acerca das influências de Walt Whitman de
modo incontestável: "De aqui de Portugal, todas as épocas no meu cérebro, /
Saúdo-te, Walt, saúdo-te meu irmão em Universo, […] / Sou dos teus, tu bem
sabes, e compreendo-te e amo-te, / […] / E conforme tu sentiste tudo, sinto
tudo, e cá estamos de mãos dadas, / De mãos dadas, Walt, de mãos dadas,
dançando o universo na alma […]". Cf. PESSOA, Fernando - "Saudação a Walt
Whitman". Em sua: Obra poética. Org. introd. e notas de Maria Aliete Galhoz. 2.
ed., Rio de Janeiro, Aguilar, 1965, p. 336. Em nosso ensaio intitulado "Eliot,
Pessoa e a tradição metafísica", p. 87-183, op. cit., a influência de Whitman em
Pessoa é mais detidamente analisada. Nesse exame apontamos, em Pessoa, "o
progressivo domínio do pólo negativo da vivência individual", o que o afasta da
rota percorrida pelo mestre americano. Cf. Ibidem., p. 144.
131) Um interessante paralelismo: Laforgue utiliza do lamento (Les
complaintes) subvertendo suas características, nele injetando uma lírica
antifrásica, a ironia e o distanciamento. Pessoa serve-se da ode, subvertendo-a
a seu modo, também: extirpa dela o cantar pacífico e monódico que sempre a
caracterizou, orquestrando-a para a execução de uma sinfonia disparatada
("Ode triunfal") e apagando dela seus traços solenes e graves - e realizando,
ademais, uma ode canhestra que é um contraponto evidente ao lamento
(também canhestro) de Laforgue. "Ode marítima", igualmente sinfônica, mas
sem euforia e arroubos, traduz, em sua abertura uma inversão inicial de sinal
dos versos iniciais de "O sentimento dum ocidental", de Cesário Verde - e
evidencia - não somente por isso - o peso que Pessoa atribui à influência de
Cesário Verde em sua obra, e não somente na dele.
132) A propósito da lírica de deambulação de Cesário Verde, pode o leitor
examinar nossa tese Cesário Verde: um trapeiro nos caminhos do mundo (tese
de doutoramento, policopiada). São Paulo, Departamento de Letras Clássicas e
Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, 1992. Esse trabalho foi revisto posteriormente,
recebendo novo título: Cesário Verde: um poeta no meio-fio do paraíso (estudo
literário), que será publicado em 2005.
133) Cesário inspirou-se nesse poema francês para cunhar "Meridional". Vide
VERDE, Cesário - Obra completa de Cesário Verde. Op. cit., p. 40 et sqs.
134) Referimo-nos aqui, mais precisamente, ao poema "A débil", de
CesárioVerde, em que é introduzida uma presença feminina que, inicialmente
entrevista pelo sujeito do poema através de uma porta envidraçada de um café,
ganha sua atenção, pela simplicidade, pureza e naturalidade. Tal personagem é
inspirada em parte em "À une mendiante rousse", enquanto o motivo do poema
cesarino foi cunhado a partir de "À une passante", cuja personagem feminina
inspirou por seu turno "Deslumbramentos". Nesse poema, a personagem,
Milady, atrai os olhares e o interesse de um sujeito lírico transeunte por meio
de outros atributos: o de mulher fatal. Cf. ibid., passim.
135) Que auxiliou o poeta português a compor a cidade noturna de "O
sentimento dum ocidental", bem como serviu como referência, com seu velho
burgo de labirintos lodosos, sob a opaca reverberação dos lampiões de uma rua
de Paris, para que Cesário antepusesse a tudo isso seu reverso português: o
bairro moderno e pacífico, coado de sol, presente em "Num bairro moderno".
136) Vide BAUDELAIRE, Charles - Oeuvres, Paris, Gallimard, 1931-2 (Pléiade), 2
v.
137) VERDE, Cesário - "Num bairro moderno". Em sua: Obra completa de
Cesário Verde. Op. cit., p. 67 et segs.
138) Fazemos estampar em seguida o primeiro e terceiro quintetos do poema:
"Faz frio. Mas, depois duns dias de aguaceiros, / Vibra uma imensa claridade
nua. / De cócoras, em linha os calceteiros, / Com lentidão, terrosos e
grosseiros, Calcam de lado a lado a longa rua. // […] Em pé e perna, dando aos
rins que marcha agita, / Disseminadas, gritam as peixeiras; / Luzem, aquecem
na manhã bonita, / Uns barracões de gente pobrezita / E uns quintalórios
velhos com parreiras." VERDE, Cesário - "Cristalizações". Em sua: op. cit., p. 845.
139) "Toda a minha sensibilidade / Se ofende com este dia que há de ter
cantores / Entre os amigos com quem ando às vezes - / Trigueiros, naturais, e
bigodes fartos - / Que escrevem, mas têm partido político / E assistem a
congressos republicanos, / Vão às mulheres, gostam de vinho tinto, / De peros
ou de sardinhas fritas…" Nestes versos inaugurais de "Manucure", já
examinado, pode agora o leitor reconhecer a ironia crítica Laforgueana, o olhar
cesarino sobre o cotidiano - e fronteiriço, cozido a tudo isto, o evidente
desencanto oriundo do paradoxo da ternura vazia.
140) "Manucure" deixa patente para quem quer ver que Sá-Carneiro
pretendera, também, homenagear Laforgue, transladando para seu universo
referências extraídas cuidadosamente da família lexical laforgueana,
reimplantando-as em seu sistema poético com desenvoltura e naturalidade - e
tracejando evidentes paralelismos entre sua crise cosmopolita e a do autor
francês. Para isso nada melhor do que um paradigma da modernidade: a
máquina de imprensa.
Ricardo Daunt (Brasil, 1950). Romancista e ensaísta. Autor de livros
como Manuário de Vidal (1981), Anacrusa (2004), e T. S. Eliot e
Fernando Pessoa: diálogos de New Haven (2004). Contato:
[email protected]. Página ilustrada com obras do artista Vicente do
Rego Monteiro.
revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
Acerca de la creación literaria y artística y
su importancia como vía de conocimiento
Adriano Corrales Arias
.
La creación literaria y artística es
fruto de dos complejos y tensos
momentos, características o
espacios, en la condición
sociohistórica del creador: su
desajuste con el mundo, su
disconformidad, su insatisfacción, su
disgusto, es decir su “no estar”
estando, lo que explica su rebeldía o
su autoexilio; y las ansias de
inmortalidad (entendiendo esta
palabra no en su acepción religiosa
sino en la comprensión amplia y
terrenal; como diría Cervantes: dejar
huellas), su decir no pensando
solamente en los contemporáneos sino en la posteridad,
ése inútil intento por trascender nuestra propia y
prosaica muerte.
Por supuesto, no dejo de lado las capacidades creadoras
del artista o escritor. Sus características emocionales,
psicológicas e intelectuales, eso que conocemos como
inteligencia, sensibilidad y talento; además de esa
especie de “llamado” a la creación. Ciertamente hay una
especie de predisposición a crear en el artista y escritor
(que prefiero llamar Poeta, porque así se llamó en un
principio y su tarea es crear poesía independientemente
de la forma que adopte) en tanto “necesidad de decir”,
que se le impone, como vocación u oficio, cuando
realmente la asume. Y la asume con lucidez cuando
posee los instrumentos precisos para hacerlo, además de
la labor y la disciplina que implican el hacerse de un
lenguaje y un estilo. Precisamente me interesa insistir en
esa “necesidad de decir”.
Hecha la digresión aclaratoria, regreso a ello: El primer
momento, característica o espacio, el Poeta (que
entiendo en extensión como intelectual, el perfecto
intelectual que trasciende las “rejillas” de la ratio
occidental) lo expresa básicamente de dos formas: la
crítica visceral, ácida, profunda y lúcida de su realidad,
concentrando sus dardos en lo que lo hace sentirse
desajustado, insatisfecho e incómodo (la avaricia, la
usura, la injusticia, la violencia, el terror, el absurdo, el
racismo, la estulticia, y un largo etcétera.); y/o
rescatando lo más tangiblemente humano, lo
representativo de ese margen de humanidad que nos
permite aún diseñar sueños y utopías, lo
perfectiblemente propio de la condición humana (la
solidaridad, la ternura, la tolerancia, el equilibrio, la
armonía, la opción por los excluidos y el afán de lucha
con y por los demás, la misma creación estética, etc.).
Debo decir que entre esas dos formas de expresión
coexisten diversas maneras de enfrentarse a la creación,
las cuales podrían considerarse como intermedias, o
derivativas, de las mismas: el arte por el arte, la evasión,
la nostalgia de la naturaleza, lo fantástico, ¿la
abstracción?, ¿la ciencia ficción?, etc. Pero de la elección
de aquéllas dos grandes formas, o de sus maneras
intermedias o derivadas, se seguirá, fundamentalmente,
la aparición de los diferentes géneros artísticos y
literarios, así como las múltiples posturas existenciales,
ideológicas y conceptuales de sus creadores.
Ahora bien, superando, o tratando de
superar, el amplio y a veces inútil
debate posmoderno al interior de la
filosofía y de amplios sectores de la
cultura – especialmente en lo referido
a la metafísica- , o lo que se ha
denominado como crisis del
humanismo; además de los tópicos
de la docencia académica y de la
complacencia mercadotécnica en la
crítica literaria y artística; estoy
convencido que el arte y la literatura
(entendida esta última como arte en
su máxima aspiración: poesía:
lenguaje que no copia al mundo al que se refiere sino
que abre “otro mundo” que igual nos permite mirar y
entender, de alguna manera, “el nuestro”) son,
prácticamente, la única vía para comprender e
interpretar “el mundo” y sus pulsaciones más humanas
que son las espirituales; es decir, la emocionalidad de
una cultura, una etnia, un conglomerado humano, una
época. Me apoyo en el francés Paul Ricoeur:, “La función
principal de la obra poética, al modificar nuestra visión
habitual de las cosas y enseñarnos a ver el mundo de
otro modo, consiste también en modificar nuestro modo
usual de conocernos a nosotros mismos, en
transformarnos a imagen y semejanza del mundo abierto
por la palabra poética (Ricoeur, Teoría de la
Interpretación, S.XXI, 1999a: 57). Probablemente por
eso el arte está más cercano a la religión, al mito, a la
magia, que es de donde finalmente procede.
Las interpretaciones históricas, políticas,
socioeconómicas, antropológicas, psicoanalíticas,
estéticas, incluso semióticas o sociocríticas, filosóficas en
general, por su instrumental o metodología racionales o
racionalistas, con ese afán de cientificidad y pertinencia
epistemológica que arrastran, además de la casi
infalibilidad apoyada en las certezas de su propia mirada,
no han profundizado, hasta ahora, en esas pulsaciones,
tan depuradamente, como lo han hecho el arte y la
literatura, desechando peyorativamente el mito y los
arquetipos. De hecho, los planteamientos de la estética y
las teorías literarias y del arte no serían posibles, o
carecerían de sentido, sin la misma práctica literaria y
artística.
Son precisamente esas pulsaciones, individuales y
colectivas, las que definen en última instancia, la
identidad del individuo y de su comunidad, contrario a lo
que han venido sustentando el racionalismo y la
metafísica. Es desde aquéllas que nos replanteamos el
ser y el estar en la cultura y con los demás. Dicho de otro
modo, es esa corriente, que es la energía vital de un
pueblo, la que nos posibilita comunicamos y modelar
nuestro ser en correspondencia con la otredad. Por eso
no es casual que el Pragmatismo del filosofo
norteamericano Richard Rorty busque en la literatura las
fuentes de la ética colectiva y de la moral individual. Para
las culturas periféricas de nuestros países, esta claridad
meridiana acerca de nuestro movimiento vital, es de
suma importancia para sabernos otros en la globalizante
y excluyente cultura occidental.
Otros significa ser nosotros, es decir, individuos y
pueblos excluidos por el capital simbólico de occidente,
actualmente administrado por la guerrerista enseña
imperial del norte, que nos mira como su traspatio y su
mercado inmediatos, jamás como posibles interlocutores.
Por ello, para buscarnos debemos abandonar sus
espejos, es decir, sus maneras de “hacer arte y filosofía”.
Es hora de volvernos hacia nosotros mismos, sin perder
la mirada periférica, para bucear en nuestra rica y plural
creación artístico / literaria, desde donde debemos
revelarnos como posibilidad de cambio a través del
aumento de la imaginación y de la intensidad compartida
en el viaje por la proyección estética.
Revelación significa tomar
conciencia, por vez primera, del
respeto que nos debemos a
nosotros mismos ante los demás,
los otros, que, para nuestro
caso, son los pueblos y etnias
explotados y separados por el
capital, quienes habremos de
fraguar las alternativas para
reinterpretar (¿desconstruir?) la Historia, interviniendo en
la transformación de nuestro entorno vital, amenazado
por el consumismo ciego de un sistema planetario que se
devora a sí mismo. En otras palabras, se trata de
comprender el hecho estético como un espacio sagrado y
soberano (en el sentido que le da Georges Bataille a
estos dos términos) de intersubjetividades que dialogan,
sustentadas por el plano de la comprensión y la
solidaridad antropocósmica.
Y así como nuestra tradición intelectual no cuenta con la
rigidez y amplitud de los grandes sistemas filosóficos de
occidente, es decir europeos, habremos de constatar que
la historia de nuestro pensamiento está en las obras de
los creadores artísticos y de los escritores, nuestros
Poetas, además de los intelectuales forjadores de
proyectos utópicos. Por eso la reflexión periférica debe
centrarse en las pulsaciones espirituales y emocionales
(lo que Bataille llama el ser de la intimidad dedicado a la
creación de valores no utilitarios, lo sagrado y soberano
referido al quiebre de la producción que esclaviza al ser
humano) de nuestros pueblos que, ya es tiempo de
reconocerlo, no solamente tienen Historia sino Prehistoria
(precolombina) como bien lo subraya el erudito
costarricense Luis Ferrero.
Es urgente, entonces, acudir a las literaturas y artes
indígenas, a esas maravillas de la poesía náhuatl, por
ejemplo, con joyas tales como las del poeta príncipe
Netzahualcoyotl, pero, obviamente, sin descuidar las
tradiciones de otras culturas como la china, la
mesopotámica, la egipcia, etc., así como el ancho
espectro greco-latino y judeo-cristiano conocido
presuntuosamente como civilización occidental. Ese
acudir debe hacerse holísticamente, despojándonos de
antro y logocentrismos, y armados de una “arqueología”
que exhume las discontinuidades y las exclusiones a
partir de una hermenéutica que reconsidere los diversos
legados artísticos y culturales de la humanidad, así como
la órbita y sus influencias en el cronotopo de su
posibilidad.
Pero entonces habremos de regresar al principio: la
reconsideración del artista como Poeta: intelectual
apertrechado de una inteligencia, talento, voluntad y
sensibilidad especiales para investigar en su entorno
desde otra perspectiva, hurgando en los depósitos
socioculturales y psicológicos menos frecuentados por la
ciencia, esas pulsaciones espirituales y emocionales
invisibilizadas que no han podido describirse ni
clasificarse en las taxonomías de la Episteme (postardo)moderna. Para ello habrá de efectuarse una
revolución epistemológica, o una ruptura en el archivo
del conocimiento occidental (que es el que nos domina
con su mirada panóptica y su disciplina económica de la
vigilancia y el castigo), de tal manera que la creación
artística y literaria ocupen el sitio que les corresponde,
así como quienes se ocupan de ello: los hacedores de
obras artísticas y literarias.
Estoy hablando, se entiende,
de otro mundo posible, de la
necesaria utopía que los
llamados posmodernistas han
tratado de descontruir.
Porque, siguiendo a Bataille, si
el ser humano es el ser que
crea sentido, el Poeta sería el
creador de sentido por excelencia y por ello el “fabulador”
(en el sentido de imaginar tramas y argumentos;
recuérdese que la razón condena a la fábula, y por ello al
fabulátor, definiéndola como “acción artificiosa con que
se encubre o disimula una verdad”) más importante de la
utopía. El mundo de la creación artístico-literaria es el
mundo propicio de la utopía pues, precisamente, genera
otras verdades más allá de la Verdad que se encierra en
la razón práctica o instrumental, sea, de la virtualidad
real y de la producción/explotación/consumo que
enajenan. En otras palabras, el arte y la literatura son el
otro mundo posible.
Pero, en ese otro mundo posible ¿habría también
artistas? Esos complejos y tensos momentos,
características o espacios, de insatisfacción y de ansias
de inmortalidad, ¿serán necesariamente una condición
humana permanente - más allá de los contextos
socioculturales, políticos y económicos - que debe
expresarse con acuciosidad? ¿En el terreno de la Utopía
también se precisará de la Poesía? Claro que sí: el Poeta
será el ciudadano común en una sociedad liberada ya de
la cadena humillante de la producción y el consumo, pero
no por insatisfacción, tedio o ansias de inmortalidad, sino
porque la necesidad de comunicación solidaria
antropocósmica será tal que su estado “natural” será el
estético. Podrá, como planteó Foucault, concebirse a sí
mismo como una obra de arte.
Sin embargo, mientras no convengamos en que el arte,
incluida de una vez por todas la literatura, sea la Poesía,
es la vía de conocimiento más “íntima”, es decir, integral,
que tiene el hombre a su disposición, y el Poeta el
intelectual más orgánico que podamos concebir, no
podremos responder a esas dramáticas, aparentemente
tautológicas, cuestiones. Porque el conocimiento, es
decir, la Utopía, solamente encuentra sustento en el
ancho y polisémico terreno de la Poesía.
Adriano Corrales Arias (Costa Rica, 1958). Poeta, novelista y editor. Dirige la revista
Fronteras. Ha publicado: La suerte del Andariego (Poesía, 1999), Poesía de fin de siglo:
Nicaragua-Costa Rica (Antología, 2000, coantologador), y Balalaika en clave de son
(Novela, 2005). Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras do artista
Vicente do Rego Monteiro (Brasil).
revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
Armando Silva Carvalho: o texto não faz
nem refaz o mundo
(entrevista)
Ana Marques Gastão
.
Este é um livro “olhando com Fiama”,
mas não só. Parte da literatura para
a vida. Dir-se-ia um poliedro onde
cabem as respirações do viver e da
natureza, do desejo e do
desencontro, os afectos, da família
também, do envelhecimento e da
morte, de um certo apaziguamento
metafísico. Obra vigilante no uso da
linguagem que escuta e para isso
deita fora o lamento, vivendo das
coisas poucas na certeza de que tudo
declina nas águas da memória.
Armando Silva Carvalho (n. 1938), é poeta, ficcionista,
tradutor. Revelado em 1965 com Lírica Consumível
(Revelação APE), publicou livros como Armas Brancas
(1977), Técnicas de Engate (1979), Sentimento de um
Acidental (1981), Alexandre Bissexto (1983), Canis Dei
(1995), Prémio Pen Clube ex-aequo, Obra Poética (1998)
e Lisboas (2000), Prémio Luís Miguel Nava. Em prosa,
romance ou conto, escreveu, entre outros, Em Nome da
Mãe (1994), O Homem que sabia a mar (2001), Prémio
Fernando Namora, e Elena e as Mãos dos Homens
(2004). [AMG]
AMG – O poema inaugural de “Sol a Sol” define a ternura
e a admiração entre dois grandes poetas: Fiama Hasse
Pais Brandão e Armando Silva Carvalho. O “ser-se
criança um do outro” na amizade transformou-se em
matéria de um livro, matéria simples, porque límpida,
cristalina no uso da linguagem, mas densa no conteúdo.
Esta obra não é, no entanto, uma escrita a quatro mãos?
ASC – Não somos pianistas, nem eu nem a Fiama. Isto
no sentido da exibição em público, do concerto
programado. Eu tinha à minha frente uma pauta, a
escrita da Fiama, com os seus dizeres, que partiam duma
poética filosófica e desembocavam no mais primitivo
franciscanismo. O caso de crianças um do outro, com
toda a carga de ternura que encerra, não vai muito além
do literário. Convivi com a Fiama em tempos já antigos,
faculdades, política. Depois fomos envelhecendo: ela no
seu quadro clínico que os deuses não resolvem, eu com
todas as paredes da razão a darem-me música de
câmara. A última vez que a vi ela já não me viu.
AMG – Duas crianças a caminho da escrita, jogando às
escondidas, duas “bocas escassas”, duas falas, a de
Fiama pensante, a de Armando Silva Carvalho puxada
pela nora, pelo “animal do sexo. Um encontro em livro
para falar do mundo?
ASC – Os encontros nos livros são os melhores
encontros. Não azedam o diálogo, as falas não se
atropelam. Trouxe para dentro dos textos duas infâncias
opostas. A minha vinha do campo: do sol a sol dos
jornaleiros, da rude relação com a subsistência, do sexo
à pressa entre matas e moitas. A da Fiama, julgo eu, foi
mais de êxtase, num jardim perto do mar, com a
descoberta da vida após a leitura dos mitos.
AMG – Um encontro que poderia não ter acontecido,
ambos “discípulos de um deus embriagado”?
ASC – Se nos tivéssemos visto em crianças, tenho a
certeza que não daríamos um pelo outro. Estas crianças
de agora e no texto, são liberdades dum terreno poético
onde todos nós gostaríamos de jogar, a fazer de conta. E
o deus embriagado é o deus dos versos, um pouco
irresponsável e muito presumido a interpretar o mundo.
AMG – E onde fica a humanidade do relacionamento
entre amigos/poetas, que está com certeza na sua
memória? O atropelo é vida, não literatura…
ASC – As relações na vida não
são as relações na escrita.
Quando você escreve uma
carta de amor, como poeta
que é, está já a trair a relação
humana, pois a escrita é
totalitária e só reflecte o que
mais de si quer expor e
esconder em termos
literários. Assim o outro, o
amigo, não é atropelado no texto nem o próprio autor, e
aquilo a que chama humanidade no relacionamento pode
ter até, mesmo na traição, uma dignidade que supera os
acasos de humor do amor e da amizade ao vivo.
AMG – Jogo de encaixe, de vozes, aberto a diversos
registos poéticos, à intertextualidade, à citação (não só
Fiama passa por este livro), “Sol a Sol” é uma obra da
exaltação do mínimo. O vasto mundo capta-se nas coisas
poucas. Assim se lima a vida?
ASC – Ninguém lima vida, a vida é que nos lima, nos
lixa, desculpe lá a grossura do verbo. Mundo vasto
mundo, já disse o outro que não se chamava Raimundo.
Sabe, as rimas são o meu fraco, e também a facilidade
nas aliterações. Se não me tivessem mandado estudar,
provavelmente devia ter ficado poeta popular, de rima
certa, e redondilha a saltar da ponta do lápis. A exaltação
do mínimo em termos de polifonia foi um arrojo meu que
os poemas podem suportar. Cantar com a voz dos outros
misturada, faz com que no sintamos menos sós, e faz
com que a nossa mesquinhez se disfarce sobre a capa
das irmandades electivas. E Fiama é uma criatura poética
que merece ser exaltada, no mínimo como no máximo.
AMG – AMG – O livro, na sua heterogeneidade, incorpora
as respirações do viver, da natureza. Faz corpo com o
mundo, não o “mundo quedo” de Fiama, mas o que se
paga com o corpo no abismo de uma imagem de amor.
Nunca alcançamos?
ASC – Há gente que gosta de alcançar, seja a hipotética
perfeição, seja o consenso do mundo, que no fundo é
uma forma de fama. Eu apenas pretendo pagar o que
julgo ter-me sido concedido como um direito. Direito ao
amor, ou melhor, à imagem do amor. Direito ao pensar e
ao sentir o mundo em que vivemos. Se acaso isso for
interpretado como um caminhar ao lado ou dentro do
mundo, eu ficarei bem com a minha consciência. Tudo
isso tem um preço enorme, é claro. E as palavras deste
livro estão aí para quem queira lê-las naturalmente. A
exposição pública só se salva se for a tentativa dum
equilíbrio instável junto daquilo a que chama o abismo.
AMG – Em vários momentos do livro, fala-se do amor
como construção, imaginação. Vêem-se os seres vivos
desaparecer da superfície do texto, porque se
transformam em escrita. Escrita e vida fundem-se como?
ASC – Quero que fique bem definido que não embarco
nada nessas teorias da transubstanciação do texto com
que alguma gente anda por aí a incensar certas escritas
de forma obstinada e religiosa. O texto não faz nem refaz
o mundo. Quando muito pode fazer surgir um mundo de
fulgor que, obviamente, nunca vai além do texto que o
segrega. A vida é a vida, a palavra é palavra. A fusão da
vida pela palavra é uma forma indirecta de viver, e até
pode ser que seja mais rica de sensações. Não é por
meio do mais fascinante tecido poético que o texto se faz
mundo em totalidade majestática e intemporal. E não
saindo do texto, do meu, se os seres desaparecem nele é
porque já começaram a desaparecer duma forma de vida
que não corresponde à minha noção de vida humana, em
termos amorosos ou éticos. Tudo é menos e tudo é mais
daquilo que é, escreveu Paul Celan.
AMG – Esta selecção de poemas também é “pensativa”,
na medida em que reflecte sobre grandes temas da
literatura, como o amor, o envelhecimento ou a morte.
Concorda?
ASC – Quando se bate no poeta porque ele pensa, e
muita gente neste país gosta da lírica do derrame ou da
paisagem interior ensopada em lágrimas refinadíssimas,
é preciso ter os flancos protegidos e para isso nada
melhor que ter um pouco de “cabeça” nos lugares mais
sensíveis do texto. Ora os grandes temas da literatura
sempre foram, em primeiro e último lugar, a vida
travestida dos sujeitos que a produzem. Vladimir
Nabokov, um senhor que de modesto tinha pouco, dizia
que tinha à sua volta, sobre ele, dentro dele, as
ferramentas da sua escrita, com um brilho tão acerado
como os instrumentos enfiados nos bolsos e nas dobras
dum fato-macaco magnificamente rebuscado dum
mecânico.
AMG – Nada que não condiga
com a sua escrita/vida…
ASC – Sim, claro, com a idade
que tenho, com a vida que levo e
vejo os outros levarem à minha
volta, a frase a cheirar a operário
na boca do aristocrata homem
das borboletas, é uma boa
resposta para os temas do
envelhecimento, meu e do
mundo, do meu mundo. Como
dizem os nossos políticos, deixemme trabalhar com as minhas ferramentas nos grandes e
pequenos temas da literatura através da vida que melhor
conheço, a minha.
AMG – Em “Sol a Sol” acolhem-se os dias vividos no
desencontro, no declínio, sente-se o desfolhar da
memória. Caminha-se como no escuro?
ASC – Mal de nós se o sol não surgisse em plena noite.
Mesmo quando se tem o amor todo para devastar, e o
tempo é ainda um conceito que não se liga aos dias e
muito menos ao corpo.
AMG – Impõe-se, em “Sol a Sol” uma liquidez espiritual,
a da “oração à planta mais humilde”?
ASC – Eu quando digo natureza não penso nas litografias
românticas dos poentes, nem sequer nos programas
lúdicos da Discovery. Penso na consciência humana e no
seu habitat. Penso nos botânicos, nos zoólogos e noutras
criaturas que estudam o planeta e a vida nele, já que
Deus parece apostado em levar por diante um qualquer
apocalipse tecnológico. Ao falar religiosamente das
plantas estou a admirar aquele viver num silêncio
infatigável, sem a agressividade pela sobrevivência dos
outros seres.
AMG – Que relação estabelece entre “Canis dei” e “Sol a
Sol”, na perspectiva de uma metafísica? No primeiro
respirava-se a música de deus no ar da peste, no
segundo a matéria de deus deita-se a seu lado no lençol?
Necessidade da tal “noite calma”?
ASC – Considero a ideia de Deus uma aquisição pessoal
assumida em Canis Dei. Neste meu último livro tento ir
mais longe e seguir as margens duma sensibilidade mais
apaziguada por certas visões ou percepções, no meio das
catedrais tecnológicas do massacre. Mas a calma da noite
será sempre uma aparência mística.
AMG – No fundo, há sempre, em toda a sua obra poética,
a busca de um lar…
ASC – O lar seria evidentemente uma natureza melhor
assumida e que nos levasse à lei da família dos afectos,
dos clãs, dos ciclos do ser.
AMG – Espreita, embora muito discretamente, a sua
dimensão ético-política neste livro. A escrita, a sua, não
poderá deixar de passar por aí?
ASC – Quando escrevo não deixo de ser um cidadão da
vida. E não gosto muito de ouvir os que afirmam o
contrário ou assumem uma posição de indiferença
absoluta ou até desprezo pelos movimentos do corpo
cívico, o que não tem nada a ver com arregimentações
partidárias. A literatura, se quiser continuar, não pode
ficar parada e pasmada na palavra pela palavra, nem cair
nas mãos do negócio.
AMG – Este é o livro de um poeta
experiente que consegue
encontrar na escrita aquilo que
Kant chama prazer
desinteressado?
ASC – Os prazeres
desinteressados só devem existir
na cabeça do filósofo.
Ao escrever este livro, a minha
experiência repetiu-me o mesmo
estado de dúvida perante o texto
e também certos tiques
hedonistas sempre que limpo as
palavras depois dum banho mais
ou menos revelador. Como na câmara escura, é preciso
ter os olhos habituados aos trabalhos de parto.
AMG – O epíteto de sarcástico tem ocultado a sua mais
relevante característica, o lirismo, lirismo crítico como já
lhe chamei. Que é, afinal, o canto lírico para si?
ASC – Fiquemo-nos pela sua definição que aceito com
agrado. Mas ocorrem-me ainda palavras como vigilância,
pudor, uma certa visão do comum da terra, algumas
noções de justiça, dignidade, e por que não de
fraternidade. Para mim, o canto lírico é aquele cuja
fragilidade subjectiva se sustenta também da respiração
dos outros, numa terra pouco a pouco irrespirável.
Ana Marques Gastão (Portugal, 1962). Poeta, crítica literária e redatora
cultural do Diário de Notícias, de Lisboa. Autora de livros como Terra sem
mãe (2000), A definição da noite (2003) e Nós/Nudos (2004). A
fotografia do poeta está assinada por José Carlos Carvalho. Contato:
[email protected]. Página ilustrada com obras do artista Vicente do Rego
Monteiro (Brasil).
revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
Demônios, paraísos perdidos & telejornais
José Carlos A. Brito
.
Ao surgir o poema de Floriano
Martins, “Jornal nacional”,
coincidentemente eu estava
tecendo idéias sobre o papel de
representação da notícia –
como forma massificada a
atingir a sociedade nos dias de
hoje – comparando-a, sócioanaliticamente, diríamos, com
outras formas do mundo antigo, como é o caso da
tragédia grega ou poemas épicos que misturavam arte
com a notícia, representada e refletida. Mas é de indagarse: o que haveria de comum entre as duas? Diria: o
prazer do espetáculo que, inclusive, com relação à
“verdade dos fatos” pode ser re-imaginado. A mensagem
comunicativa, ao ser lida (ouvida ou assistida) pode
provocar, no receptor, atitudes opostas em relação ao
objetivo desejado por quem dirige a comunicação. No
momento em que recebi o poema de Floriano, decidi
“utilizá-lo” para completar o texto sobre o tema, fazendo
essa analogia que não deixa de ter uma certa sincronia.
Vejamos o poema:
Jornal Nacional Quando um penitente investe contra ele
próprio / é para livrar-se não exatamente de uma
tentação externa, / mas sim do inferno que há em si
mesmo. / O homem é fruto do que cria em sua mente. /
Na realidade, o mundo é bem mais simples. / A
exploração do desejo é que dá ensejo a esses monstros
tão hábeis. / E nossa idéia de catástrofe adora ver o eixo
deslocado, / de um dia para outro, em um telejornal
qualquer. / Vítimas aqui ou acolá, mas sempre vítimas. /
As vítimas não são reais. Apenas o telejornal é real.
[Floriano Martins]
A tragédia grega, ao ser representada na atualidade é
apenas uma peça teatral, mas, de certa forma significava
para a civilização da época o que para nós, hoje, é a
mídia eletrônica de massas, acrescida da imprensa feita
de jornais e revistas (e em outra escala dos livros e
filmes); o mesmo acontecia com os poemas épicos, a
exemplo da Ilíada e da Odisséia, entre outros.
Obviamente naquele tempo havia outras formas práticas
de comunicação da mensagem que foram assimiladas
também pelo teatro, em personagens na forma de
mensageiros e narradores. Com a diferença que a
tragédia e os poemas cantados ao som da lira, como
arte, incorporavam-se a certo âmbito psicológico de
profundidade, pois eram cercados por um complexo de
idéias e pensamentos que traduziam a alma do ser
humano da época e suas necessidades ligadas ao
espírito. Se pudéssemos chamar a isso expressão de uma
verdade, onde a vida imaginária (dos arquétipos) fundese com a obra, essa “verdade” aparecia plena de
vitalidade na forma trágica da representação. Por tal
motivo, a tragédia cumpria várias funções, além de
avançar a religiosidade; contribuía para a estruturação
das relações de poder e até sua contestação, pois ali
estavam fixados esses movimentos. Não seria exagero
afirmar que qualquer sociedade necessita da arte, da
poesia, da literatura, porque só através delas consegue
entender os conflitos, os dilemas e tragédias individuais,
que dão consistência e significado à personalidade social.
Mas como somente alguns produzem as formas
artísticas, a tal nível, todos podem vivenciá-las ao assistir
as expressões mais acabadas da arte, e confrontá-las, no
dia a dia, com sua própria realidade pessoal. E até, a
partir disso, encontrar possibilidades próprias de criar.
Diríamos que, numa comparação à primeira vista, a
mídia atual apresenta uma máscara de outro tipo, na
comparação com os dramas anteriores: hoje assistimos a
uma trágica voracidade, no mundo, muito mais
acentuada e revestida pelos símbolos mórbidos da
propaganda. E a morbidez é dada pelo predomínio do
mercantil destrutivo, que se impõe às formas espirituais
de preservação e exerce o aniquilamento irracional de
cunho patológico. Mas, claro, se o mercado dirige a ação,
os símbolos representativos desse desequilíbrio nem
sempre terão conseqüências mórbidas, porque ao tratarse de símbolos, por estes serem autônomos, poderão
tomar uma forma diametralmente oposta, transformada
pelo poder criativo dos espectadores. E nisso está a
essência do prazer, inerente à forma representativa e
que fala à alma do espectador, mal ou bem… a
exploração do desejo é que dá ensejo a esses monstros
tão hábeis… como diria o poeta.
A tragédia grega (e supostamente a comédia) foi a
grande ficção de massas para re-viver, através da
representação, uma certa mentira da realidade, que não
seria mentira no sentido de contrário da verdade, mas na
forma de imaginação criativa, por ser a negação da
suposta verdade do real. E essa imaginação, recriada,
torna-se necessária para rever a vida através da
repetição representada. Tal fenômeno está bem próximo
à cultura televisiva, que é a leitura protegida (releitura)
da sociedade sobre seus próprios medos. E proteção
contra o sentimento de medo (ou de culpa?) ancestral,
que o ser humano carrega, como arquétipo de uma
imagem primordial, já incorporada “geneticamente” à sua
psicologia individual, por intermédio da coletiva. Ou a
representação – que na sociedade moderna se dá pelos
meios de comunicação de massa – como experiência
para exorcizar esse medo, através de figuras vivenciadas
da re-apresentação; e nos versos… quando um penitente
investe contra ele próprio / é para livrar-se não
exatamente de uma tentação externa, / mas sim do
inferno que há em si mesmo… diríamos que o poder
investe com formas que “tranqüilizariam” o individuo
para aceitar a obediência e reprimir o instinto de
contestação, engolindo-o para dentro do inferno do si
mesmo. Portanto, o reverso da moeda é que ele acumula
ali – nas repressões embutidas no inconsciente? – o
material criativo, e explosivo, das futuras manifestações.
Trata-se de um sentido de fazer criativo o arquétipo
demoníaco que habita esse inferno de riquezas
acumuladas (Vejam-se obras poéticas de Willian Blake,
ou “Paraíso Perdido” de John Milton, por exemplo). E o
poder sempre atribuirá a um ente “maléfico” a
criatividade rebelde que o questione com profundidade.
Assim, poderíamos dizer que
nas cenas de tragédia (em
qualquer tempo histórico) há
sempre a reprodução do
primitivo assassinato do
Grande Pai da horda primitiva
(ver Freud, Ferenczi etc.) –
que oprimia e tiranizava os
filhos e as mulheres de seu
domínio – e num
determinado momento era assassinado pelos filhos
rebelados. Mas por ser ele, além de chefe e tirano, o
Grande Pai, existirá nesse simbolismo, constante
reprodução do inevitável arrependimento posterior (que
em Floriano pode encontrar-se também no… inferno que
há em si mesmo?) que será reproduzido e, portanto
representado, isto é, devolvido ao consciente, no
processo totêmico das tribos, que sacrificam e imolam
símbolos, ou signos (como animais, etc.), depois de tê-
los adorado; e além de emitir a representação desse
assassinato, exorcizam-se dele, também por processos
que viram arte, através de explorações do desejo, que
utilizam, habilmente, os mais variados monstros: as
figuras dos bisontes em desenhos pré-históricos,
encontradas nas cavernas, por acaso não seriam uma
imagem adorada aos animais (arrependimento) que eles
matavam? E também uma forma de exorcizar-se desse
“crime”? Não esqueçamos que a atual mídia globalizada
exerce sobre os espectadores uma influência de adesão
equivalente a uma fé religiosa, revestida de modernidade
e até verdade científica. E suas imagens, não terão uma
função equivalente? Mas, ao mesmo tempo, isso na alma
funciona dinamicamente: provocará sempre seu
contraponto, através das oposições da psique, nada
científicas.
Os cultos de orgia ao deus Dionísio e Baco, associando
festas desregradas, de prazer e rebeldia – sobretudo a
histeria (libertação) feminina – a símbolos de suplício,
sado-masoquismo, morte e sacrifícios, eram algo
expressivamente demonstrativo da representação do
júbilo, pela morte do tirano (exploração do desejo?) e
arrependimento através dessas representações, como
forma de castigo (por ter cometido o crime contra o
pai?). E a mídia atual, bem surtida nas imagens de
violência, iria, de uma certa maneira ao encontro da
satisfação dionisíaca, que os adoradores (expectadores)
já recebem como pacote fechado? Se é assim,
poderíamos pensar que a autêntica função do prazer
libertino é apoderada por um golpe psicológico dessa
mesma mídia, que transforma o “penitente” em
prisioneiro a um sistema de venda de produtos. É curioso
que alguns evangélicos, de radicalismo caricatural,
proíbam seus adeptos de assistir televisão, atribuindo-lhe
manifestação demoníaca; e para eles esse meio
eletrônico, nada mais é do que uma forte concorrência no
oficio.
A mídia dos meios de comunicação, de hoje em dia, com
suas novelas ou noticiários (nesse ponto ambos possuem
a mesma função) é o engano necessário para rever a
vida. A mentira (reinvenção imaginativa) dos poemas
épicos de Ulisses; a Odisséia e a Ilíada (noticiário da
guerra de Tróia) são a fantasia do poema e soam como
um equivalente aos nossos noticiários sobre guerras
programadas pelo poderio da cultura hegemônica (ou das
potências dominantes do mundo) na atualidade moderna.
Em princípio, os noticiários se apresentam como a única
verdade, contrapondo-se a um sentido ficcional que o
espectador possa imaginar; mas essa aparente verdade é
apenas a ficção quando ideologizada por uma idéia de
domínio, se entendermos essa ficção no sentido da
modificação do fato em função da idéia pré-dominante de
quem o emite. Mas, também, ao compreender como
verdade tal reapresentação cultural da realidade, na
forma da criação de uma nova ação potencial, teremos
uma realidade reformulada na subjetividade do
espectador; algo como diriam os versos… as vítimas não
são reais… apenas o telejornal é real… o que abre a
possibilidade ao espectador de também inventar outro
real, o seu, pelo processo de entender (no
inconsciente=imaginação?) essa dicotomia implícita no
noticiário da televisão (ou meios de comunicação de
massa), se entendermos por isso a divisão do conceito na
tensão entre pólos opostos: a emissão passiva do
noticiário ao encontro da recepção ativa do expectador.
Tratar-se-ia de uma reflexão através da representação,
quando o espectador define o novo conceito cultural, ou
consciência cultural, assimilada sobre o fato acontecido e
ou também sobre sua versão oficial. E nesse sentido, o
espetáculo do absurdo é a única realidade, porque, ao
expor-se o acontecimento, através da representação, a
nova realidade passa a ser apropriada no espetáculo. O
absurdo representado passa a ser realidade própria,
reconstruída. E qualquer tentativa de explicação “lógica”
que exclua os efeitos da magia, poderá resultar
incompreensível ao cientista que analisa o fenômeno. Por
exemplo, seria como se durante a guerra fria um
noticiário anti-comunista, emitido pelas potências
ocidentais, transformasse seus expectadores, da mesma
“família” ideológica, em comunistas convictos (pela única
influência desse noticiário), justamente promovendo o
efeito contrário ao objetivo pretendido; e o mesmo se
dando com a emissão de notícias comunistas que resultase na formação de anti-comunistas por simples recusa e
oposição à “verdade” do estado coletivo. Por acaso, isso
não seria também como está no poema… um penitente…
(quando)… investe contra ele próprio… para livrar-se não
exatamente de uma tentação externa… mas sim do
inferno que há em si mesmo? Isto é, colocar para fora o
sentimento reprimido de rebeldia? Obvio, neste caso, é
de compreender-se o inferno do si próprio como acúmulo
dos fatores rebeldes, que se manifestam na primeira
oportunidade contra símbolos do poder, ou sua
representação direta.
Portanto, os resultados dos mesmos acontecimentos
serão diferentes ao passarem pela “interpretação” do
inconsciente, que por isso o classificamos como vida
imaginária real. O inferno interno é o caldo de magia –
aquecido pelo fogo da imaginação – que cada um possui,
mas ninguém conhece muito bem, e que pode levar a
conseqüências imprevisíveis, ditadas pela psique
individual, esta associada a muitos arquétipos do
coletivo. Cada “expectador” pode gerar um novo fato, e
uma nova realidade, preenchida de um conceito vivo (o
conceito vivo que se reproduz por si mesmo é o
símbolo); uma ação refeita por atores e espectadores, ou
um significado da produção do… si mesmo, pois… o
homem é fruto do que cria em sua mente… na realidade,
o mundo é bem mais simples… claro, o mundo é mais
simples se fosse só a notícia, mas não é, porque possui o
complicador do inferno potencialmente criativo do
expectador; e ele é feito de muita tragédia.
Tratando de resultados, é muito importante saber que só
seria possível aproximar-se do prazer através do “real
em representação”, porque os primeiros “gozos” nunca
são próprios, isto é, os acontecimentos sempre são mais
rápidos do que a possibilidade dos sentidos em apreendêlos (mesmo no caso de uma relação sexual, ela só terá
os maiores efeitos a longo prazo). A sensibilidade é mais
lenta, e trabalha com a possibilidade de re-estabelecer os
acontecimentos, para, de forma mais planejada, sentir o
prazer ao revivê-los. E essa “releitura” é criação. E é,
sobretudo, a essência que a motiva. Nesse caso, a
saudade, fenômeno de vivência pessoal e emocional
muito acentuado, pode ser considerada uma reinvenção
do acontecido com representação de desejos, alegrias ou
tristezas, por longo período de vida. É tentador pensar
que as insuficiências do processo representativo
estabelecem certas formas de vivenciar a saudade. Ela
estaria diretamente ligada às “impossibilidades”
(imaginarias?) da representação, da mesma forma que
as satisfações estariam próximas à capacidade de
representar, revivendo situações, que compensariam
certo vazio deixado pela saudade. Portanto, a saudade
está no âmbito do inferno, que provoca a formação de
novas imagens, quer dizer, a criação, e enquanto sua
natureza não for inteiramente compreendida, será
símbolo, mas se for elucidada, passará a ser signo,
distintivo, por referir-se a algo conhecido.
A mídia eletrônica estabelece possibilidades de
representação global, ou uma certa compensação falsa
ao que não poderíamos legitimamente criar como
equivalente imaginativo do si próprio. E nesse sentido, a
mídia fornece instrumentos para o imaginário da cultura
vivenciada, e estabelece elementos de unidade coletiva
(o que a fortaleceria como totem, por transferência
coletiva?). Isso não quer dizer que a cultura de massas
seja o determinante no comportamento das pessoas,
individualmente ou por grupos de afinidades familiares,
amorosas, de ligações econômicas, políticas ou de
qualquer tipo de proximidade afetiva específica. A cultura
global, da representação de vivências (ou
acontecimentos) determina também uma cultura de
comportamentos coletivos, de onde derivam e se
estabelecem, por sua vez, formas de pensar e agir
individuais. E, por tratar-se de coerções coletivas sobre o
indivíduo, sempre estaremos a ponto de transgredi-las. A
insatisfação pessoal (em arte como em emoção) é germe
da futura revolta dos irmãos (social) contra o pai
opressor no sentido da repetição desse arquétipo.
As atitudes cotidianas – de indivíduos ou pequenos
grupos – são determinadas por maior aceitação às
formas do espetáculo comum ou de maior oposição a ele,
que, neste caso, podem estabelecer outras formas mais
alternativas de vivência representativa. E dessa maneira,
a rejeição, a rebeldia são também uma representação da
atitude oposta à tirania do pai da horda primitiva, não
exatamente como uma verdade histórica determinada,
mas como essência de toda a vida familiar e de relações,
desde o início dos seres humanos no mundo, tendo em
vista o processo biológico de nascer, crescer, ser
autônomo, dominar, fecundar e gerar, acompanhados
por luta de sobrevivência. Nesse sentido, os arquétipos
da repetição histórica milenar são sedimentos “genéticos”
de um mecanismo vivo de criação, também transferido
ao social. E existe um elemento central que estimula,
tanto os fenômenos de criação, como os de repressão: a
libido, ou sentimento de prazer. De passagem, diríamos,
que da revolta contra o “pai” nasce o regime dos filhos
(homens e mulheres), solidários por um período, até
voltarem a reproduzir o domínio. Neste caso particular,
existe o elemento especial do matriarcado, cujos
aspectos de retorno, nos dias de hoje, marcaria um
grande movimento de caráter “conspirativo”, a partir da
“função secundária” (como diria J. Hillman). Mas esse
assunto, por sua natural complexidade exigiria uma
reflexão mais completa, a ser feita separadamente.
Ainda sobre este aspecto, do prazer na representação,
não poderíamos deixar de citar uma passagem histórica:
o poeta John Milton, nascido na Inglaterra em 1608,
religioso e puritano, mas de espírito rebelde e libertário,
aliou-se à revolução liderada por Oliver Cromwel, do
parlamento democrático contra a monarquia – que
enforcou o rei Carlos I e derrubou o poder dos bispos
católicos. O poeta Milton pese sua religiosidade militante,
não aceitava a hierarquia eclesiástica, divergia, também,
dos próprios puritanos, por ter ele idéias renascentistas
relativas à liberdade do homem em decidir sobre seu
destino, sem depender de graça divina para salvar-se ou
condenar-se. Ao escrever o “Paraíso Perdido”, sua grande
obra poética, Milton re-elabora a história bíblica,
mostrando um demônio (o filho rebelado de Deus-Pai)
que se revolta contra o destino de ter perdido a guerra
frente aos anjos celestiais (os outros irmãos que ficaram
do lado do pai). Corajosamente, esse demônio, filho
renegado de Deus, derrotado e já habitando as trevas,
viaja pelo cosmo desconhecido, enfrenta seus perigos
(influência também das idéias cósmicas de Galileu Galilei,
que enfrentou a Igreja) e invade o paraíso divino, que
Deus havia criado na Terra, como verdade absolutista.
Note-se que esse desafio de Satã opta pelo não
enfrentamento armado, mas por um golpe psicológico (e
vingativo?) contra o pai opressor, revestido de êxito, ao
final. O heróico líder é carismaticamente apoiado por
seus exércitos de demônios, que permanecem à espera
da libertação, no inferno. O plano desse demônio consiste
em revelar a Adão e Eva o segredo de uma outra vida,
que lhes era negada pela cúpula do céu. Mas aí, Satã
(como Milton o chama) não só representa a vingança,
mas a libertação. O poeta Milton, nesta obra, mostra
também que Adão e Eva não foram enganados e levados
ao pecado libertário por ingenuidade, mas tiveram em
suas mãos o poder de opção, e livremente escolheram
esse caminho por vontade própria, quando poderiam
decidir pelo outro, se quisessem. E é este um dos
aspectos da representação a que nos referimos: a
diferença entre o estado de realidade (bíblica) da
sociedade da época e a representação rebelde, feita por
John Milton, do mesmo fato. Somente, devido a tal
caráter inovador “Paraíso Perdido” adquire verdadeiro
potencial de grande poesia; de outra forma seria um
poema sem maior significado, provavelmente esquecido
nos dias hoje.
Outro fato, em decorrência disso,
está relacionado às idéias sobre
teatro, forma que os puritanos
ingleses, após terem derrotado a
monarquia, condenaram e
proibiram em todo o país, porque
consideravam erro introduzir no
palco violência, sangue, mortes,
sofrimentos físicos,
característicos dos dramas de
Shakespeare. Portanto, o próprio
puritanismo da época é a prova
que atesta onde reside a essencialidade do gozo
representativo, ao dedicarem rigorosa repressão a essa
forma de dramaticidade “libertina” – como assim era
chamada – e ao atingir diretamente o teatro, vetavam
uma forma de prazer. John Milton não concordava com a
puritana proibição do teatro, por tratá-lo, ele mesmo,
como um bom instrumento educativo, e apresentou,
como justificativa, o modelo da tragédia grega, que
substituía a ação do acontecimento pela narração da
violência, esta feita por coro ou mensageiros. Milton com
essa atitude dúbia revelava a mesma repressão ao
prazer, por condenar a ação viva, mesmo aceitando o
resto da teatralidade ao estilo grego. E, diga-se de
passagem, que os próprios puritanos, ao tomar o poder,
não escaparam à tentação de guilhotinar,
desnecessariamente, o rei Carlos I, em espetáculo
público diante da multidão londrina, e exibir às massas a
cabeça decepada e sanguinolenta do infeliz monarca. E é
bom citar, que se a narração da violência se dá no caso
do teatro grego, não é o mesmo no poema homérico,
como a Ilíada, onde as cenas de sangue são descritas, e
os massacres são relatados em vivos detalhes.
Os chamados acontecimentos da realidade (guerras,
atentados, catástrofes, novelas, romances, comédias,
entretenimentos, etc.) apresentam-se como material
inicial para a função da reprogramação por intermédio
das representações do corpo, pois, não há representação
sem a presença do corpo. E não podemos esquecer: tudo
o que é representado em noticiários, mesmo muito
recentes, ou exibidos ao vivo pela televisão, passa a não
ser mais realidade em frações de segundo, após sua
apresentação. Seria algo parecido, como se a “tragédia
teatral grega” estivesse em andamento no momento do
“acontecer” do fato que dá origem à ficção; isso,
naturalmente, não seria tecnicamente possível à época
dos gregos. Porém, o fenômeno de representar para o
imaginário aquilo que já foi, equivaleria ao sentido da
mídia televisiva de nosso tempo, que o faz em prazos
infinitamente mais curtos. Se as cenas de horror, de
violência, de traições, provocam prazer no ato da
representação teatral, determinando o nível da qualidade
artística não pela morte em si, mas pela representação
bem elaborada das cenas de morte – ou sua capacidade
de provocar emoções – assim também, os diversos
prazeres recriam-se, fabricam-se e se consomem, nesses
atos representados pelos espetáculos com tecnologia
moderna. Mas, o que seria exatamente o prazer, nesse
caso?
Pensamos que hoje só seria possível encontrar uma
explicação desse fenômeno no elemento psicológico que
permanece vivo em nosso inconsciente; aquele das
figuras ancestrais, fixadas através de vivências de
milhares de anos pré-históricos em nossa gênese de
hábitos comportamentais, e que se referem às ações
repetitivas do comportamento humano nas hordas
primitivas, como já nos referimos, onde o poder estava
no grande chefe e pai (trata-se de conceitos no âmbito
da psicologia dos arquétipos). Obviamente que a
“repetição” sempre incorpora criações novas. No mito
encarnado no imaginário, o pai oprimia e reprimia e até
matava e castrava os filhos, porém num determinado
momento seria vencido, destituído e morto, para instalarse o regime solidário dos irmãos. Por sua vez, segue-se a
fase do arrependimento, que significa a retomada do
regime antigo, a reação, ou a regressão, após o período
revolucionário. Não se trata de estabelecer o exemplo,
como verdade histórica que a ciência comprovaria nos
mínimos detalhes. Está aí apenas a essência de atitudes
que determinam a psicologia individual e coletiva, com
mil variadas formas de expressão, e adaptadas às
condições sociais de cada época; e que traduzem, em
arte, os ciclos dessa relação humana, permanentemente
recriada no mundo. E o prazer é o eco dessa energia
psicológica que vivifica tal movimento, tanto para
avançar, como na hora do recuar. Ocorre-nos de associar
essas idéias aos versos do poema citado… nossa idéia de
catástrofe adora ver o eixo deslocado… de um dia para
outro, em um telejornal qualquer… vítimas aqui ou acolá,
mas sempre vítimas.
A tragédia do atentado terrorista do famoso 11 de
setembro, provocada pela explosão das duas torres
gêmeas em Nova York, produziu dor às vítimas no ato do
acontecer, mas a sua representação – repetida milhares
de vezes pelas televisões do mundo inteiro – provocou o
mesmo apreço, em qualidade de espetáculo, que
suscitaria uma boa cena de massacre, representada em
uma grande ópera, por exemplo, ou em peça de teatro,
cinema, etc. A descoberta, em seu esconderijo, de
Sadam Hussein, ex-presidente destituído do Iraque – que
os americanos simbolizaram como resposta drástica ao
atentado de Nova York – e preso portando no rosto barba
de humilde profeta, num buraco debaixo da terra, tanto
poderia causar júbilo a seus inimigos como sentimento de
compadecimento e solidariedade de uma boa parte da
opinião pública local e mundial (uma pelo pai já
destituído, outra pela ressurreição do mesmo?) por ter
sido fruto de um país invadido, com a desculpa de
procurarem armas de destruição em massa que nunca se
acharam. Para reverter o espetáculo a favor dos
vencedores, a representação tentará favorecer a quem
dirige os meios e, provavelmente, procurará compensar a
humilhação da representação anterior, das torres
explodidas. Mas é inevitável que os espectadores sempre
encontrarão formas diferentes, ou mesmo opostas, de
recriar o espetáculo no seu inferno interno.
Tanto se falou mal de Che Guevara, que apenas esse fato
o transformou em mito ou símbolo, sem necessidade de
uma contra-informação da esquerda, por exemplo. Os
sentimentos de prazer encontram-se próximos às
reproduções da realidade recriada, e a mídia não
consegue dominar a parte do mundo que escapa ás suas
imagens culturais, correspondentes a uma consciência
oficial de “realidade”. Se a mídia quer provocar horror ao
mostrar uma tragédia pela TV, poderá provocar
satisfação por mecanismos acionados do inconsciente
coletivo, na maior parte dos expectadores. Por exemplo,
no desejo simbólico da destruição de um poder, cujo
arquétipo cultural pode representar um consenso de
opressão generalizada. E será sempre preciso criar a
imagem representativa de um culpado e impingir-lhe um
arquétipo demoníaco, e humilhá-lo devidamente diante
das câmeras de televisão do mundo, para que o pai
traído possa obter dos assistentes uma compensação
teatralizada da culpa dos filhos. Mas os arquétipos do
inconsciente coletivo também podem apelar ao Daimon,
para daí extrair outras conclusões. Nesse sentido a
imaginação vira energia de realidade e a representação
pode ser matéria prima dessa nova re-elaboração,
qualquer que seja. E neste caso, uma obra de arte ou
uma revolução se equivalem.
Vale citar um exemplo do que seria o “arrependimento”,
frente a um pai absolutista deposto, em que os “filhos”
pedem a volta do monarca. O teólogo e biblista chileno
Paulo Richard, ao analisar de forma crítica a eleição do
papa Bento XVI, e para ilustrar como um tradicionalista
da ala conservadora da Igreja Católica é feito papa,
confirmando o aspecto da “volta” ou permanência do pai
opressor, diz o seguinte: “…É paradigmático o fato bíblico
no primeiro livro de Samuel, Cap. 8, onde o povo pede a
Samuel um rei. Depois de 200 anos que o povo estava
vivendo feliz sem um rei, sem templo e sem exército
permanente. Pese a explicação de Samuel de todo o
negativo que representa ter um rei, ele não consegue
demover o povo em sua insistência. Nasce, assim, a
monarquia em Israel, que durará mais de 400 anos e que
será, salvo poucas exceções, uma experiência negativa e
fortemente criticada pelos profetas.”
Se o desfrute (poder da sensibilidade em apreender o
acontecimento) é o principal objetivo para onde se move
a atividade artística, e essa atividade é a reprodução
programada e representada da ação – onde houve a
essência do acontecer primordial, no momento em que
ainda não era possível apreendê-lo totalmente – então as
representações são as verdadeiras ações do prazer com a
possibilidade de completar a apreensão. Isso, por serem,
as representações, a perseguição consciente produzida
para conquistar prioritariamente o prazer, mesmo que
retratem uma tragédia.
Não podemos esquecer, no entanto, que também
existem formas abstratas de representar o existente, que
não se assemelham à representação “realista” do ato,
provavelmente porque teriam sido re-elaboradas em
planos do inconsciente coletivo ou individual, muito
profundo, e retomadas por processos mais subjetivos.
Isso vem a confirmar que todos os acontecimentos se reelaboram, uma ou infinitas vezes, com a representação
ou, antes dela, em sonhos, ou em outros aspectos do
imaginário. Daí o surrealismo? E poucos são os
acontecimentos novos que não possuam encadeamento
com os anteriores, fazendo supor que tudo seja uma
questão total e permanente de representação. Sendo que
as representações mórbidas são estáticas, em si, e as
vivas criam sempre algo novo, a cada vez. Mas a
mórbida pode deixar de ser estática, quando captada por
elemento estranho (alheio) que possui um Daimon vivo
para recriá-la.
E assim, da mesma forma que as sensações de amor e
ódio se renovam por uma constante retomada subjetiva
dos acontecimentos, o prazer resulta num elemento
complexo que não se satisfaz apenas com um tipo de
teatralização do bem, porque o mundo do inconsciente,
ao habitar cada pessoa, não se sujeita a versões
unilaterais do conceito dominante, seja através de que
espetáculo for, pois, se no dizer da poesia… o homem é
fruto do que produz em sua mente… e isto significa algo
bem mais complexo do que a aparência (ou tentação)
exterior, ele não pode ser reduzido à simplicidade do
mundo aparente, que dogmatiza, de forma unilateral, os
conceitos de amor e ódio, de bem e mal, conforme as
conveniências da tirania de turno.
No entanto, existe uma importante diferença entre
expectador da mídia e agente de criação. A maioria dos
indivíduos é formada por expectadores dos meios de
comunicação, e participam mais intensamente ou menos,
conforme o posicionamento dos meios; por exemplo,
mais quando se trata de competições esportivas em que
se estabelece uma cultura de disputa e ligação emocional
em relação às equipes que representam os antagonismos
e transportam isso para a vida individual e cotidiana do
espectador. Esse mecanismo, por diversos motivos, é
estendido às disputas políticas ou eleitorais, às religiões
ou enredos de novelas, entre tantas outras formas. No
entanto, o noticiário, de maneira geral, é hoje o
instrumento unificado que determina um certo padrão
universal sobre a representação, e direciona o senso
comum em relação à massa de expectadores da mídia.
Seria algo parecido ao que foram, como dissemos, as
tragédias gregas para a cultura helênica; algo assim
como os poemas épicos, o simbolismo das guerras, a
defesa dos grupos e nações, etc. O poeta Floriano
Martins, nos assinala, em comentário posterior referente
ao citado poema “Jornal Nacional”, o seguinte:
“…acho que esta idéia da
representação é sempre
fascinante, pois sua ação é
de uma ambigüidade atroz.
Não digo propriamente o
prazer da representação,
mas antes o fluxo e refluxo
da representação. A mídia
mais tratou de perverter a
representação do que lhe
dar uma nova interpretação. E como resultado dessa
perversão a arte, que era representação em um sentido
passou a ser em outro.”
No mundo contemporâneo, ao refletir sobre arte, teatro,
literatura, música, pintura, escultura, ou na poesia
contida dentro dessas obras, devemos considerar que
essas atividades estão restritas a grupos reduzidos de
criadores; justamente, aqueles que não se conformam
em ser, simplesmente, expectadores da cultura de
representação pré-dominante.
No entanto, as formas “secundárias”, acessíveis aos
artistas são uma recriação ficcional na mesma linha da
busca de prazer (no sentido de fluxo e refluxo), através
da reinvenção imaginativa da realidade. O acesso coletivo
a essas formas (criador, além de expectador) é ainda
bastante reduzido, devido principalmente ao impacto
mágico da tecnologia da mídia eletrônica, que fica ao
alcance dos lares mais simples e das pessoas mais
pobres e que ofusca qualquer forma de representação
autêntica. É por isso que, através do cinema os artistas
“alternativos”, quando conseguem determinadas
“brechas”, liberam esses conteúdos a um círculo maior
de pessoas. Isso se dá pelo mesmo processo de
utilização da imagem em movimento, que tanto fascina o
espectador, por ter a capacidade mágica de aproximar tal
mensagem à forma de seus sonhos, imagens
“cinematográficas” milenarmente reproduzidas ao dormir,
durante toda a metade de vida de qualquer ser humano.
E essas imagens, dos sonhos, conseqüentemente,
habitam o mundo do inconsciente, individual e coletivo,
onde se manifestam os desejos reprimidos por um
mecanismo muito similar ao das imagens de cinema. Daí,
também, a mídia oficial, tentará sempre, apoderar-se
dessa tecnologia (quando em mãos dos alternativos) por
sua mania prioritária de reproduzir a mercadoria,
induzindo-nos à loucura mercadológica do consumo
inútil. Isso nos lembra alguns exemplos significativos a
título de ilustração, vejamos: os americanos não se
conformaram em divulgar o belo filme do diretor
espanhol Pedro Almodovar “Mulheres à Beira de Um
Ataque de Nervos”; e decidiram comprar os direitos e o
refilmaram para o mercado americano; o mesmo
aconteceu com o impressionante, belo e muito premiado
filme mexicano “El Matador” (ou “El Mariache” não me
recordo bem), de diretor alternativo latino-americano,
realizado com recursos familiares (dois mil e quinhentos
dólares se não me engano), e que foi refeito numa
produção Hollwoodiana, para esse mesmo mercado,
tendo no papel principal o ator, já bem “americanizado”,
Antonio Banderas que por ironia era um antigo
colaborador “alternativo” de Almodóvar.
Portanto, a massa de expectadores do consumo teve
acesso às facilidades da informação “fantástica”,
praticando um pulo relativamente mágico: do difícil e
deficiente aprendizado da escrita e da leitura, saltaram
para o deslumbramento do desconhecido e do
“maravilhoso” oferecido quase de “graça” por aqueles
que monopolizam os meios de comunicação eletrônica.
Se isto nos parece pouco, trata-se de um instrumento
equivalente ao cavalo, à roda e à arma de fogo que, por
desconhecimento, surpreenderam as civilizações Astecas,
Maias e Incas, roubando-lhe os deuses, ao substituí-los
pelo poder “mágico” dos colonizadores europeus. Os
pouquíssimos soldados agressores somente tinham, de
superior, cavalos e armas de fogo. E assim, civilizações
inteiras, socialmente mais avançadas do que os países da
Europa, através desses fatores “mágicos”, foram
rendidas ao domínio e massacre dos invasores, que, para
tal façanha criminosa usaram poucos homens e, em
muitos casos, nem deram um só disparo. Por acaso, esse
exemplo, não estaria muito próximo à atual destruição da
natureza feita com a complacência das massas
imobilizadas pelas “maravilhas” da tecnologia? Que lhes é
apresentada nos sonhos re-produzidos, em imagens reapropriadas pelo “pai” opressor?
Na Grécia antiga, as tragédias serviam para consolidação
da estrutura de poder, mas também para pensar e criar
nova cultura, enfim, rebelar-se, e reproduzir a existência
cultural e espiritual daqueles seres. A cultura da criação
representativa, quando em contraposição à mídia, existe
hoje em muito maior grau do que aparece exposto.
Bastaria que tivéssemos meios de saber sobre os
milhares grupos de folclore, de música popular; outro
tanto de artesãos e, na literatura, a popularização
habitual de escrever poesias, além dos contadores de
histórias, como é hábito entre inumeráveis indivíduos em
todos os países do mundo, ou o surpreendente
movimento Hip Hop de origem marginal, por exemplo.
Isso significa, antes de tudo, uma forma de superar o
estágio passivo de simples espectadores e, de alguma
forma, reproduzir a realidade, reinventando-a, através da
reflexão ficcional e da fantasia libertadora.
O exercício do amor é quase uma mentira, como pode
ser um conto, um romance, um poema, mas é uma das
poucas representações da realidade de alcance comum e
com possibilidade de prazer especial individualizado,
incluindo a paixão, a tragédia, a emoção intensa, o
ciúme, o júbilo, a saudade, o re-encontro, o estado de
melancolia, o de alegria, etc. Ele existe em vários tipos
de situações, inclusive na criação simbólica. Viver o amor
em estado de arquétipo significa prolongá-lo na arte ou
na criação poética em geral, no misticismo, nas
amizades, ou mesmo nas ações gratuitas de
solidariedade; isso como produção de libido, ou do fazer
alma, que interfere na produção de energia para recriar
um mundo repleto de imagens (conscientes e
imaginárias). Significaria erguer a própria alma vital, em
direção a um resultado artístico ou simplesmente na
produção de uma emoção.
Se o amor pode ser a criação sofisticada a nível pessoal,
ao alcance de qualquer individuo, é um bem que não
implica custos, além da própria energia mobilizada
(refeita e aumentada pela troca) e nem requer muito
investimento em aprendizado. Por outro lado, não é tão
fácil vivenciar sua representação, pois, o espetáculo
dominante que o consumo forçado nos oferece,
desintegra a capacidade pessoal de exercitar a
representação do amar. E é por isso que esse inédito e
muito antigo sentimento oferece um conteúdo artístico
incomparável. Porém exige uma energia criativa de alta
sensibilidade, como fogo inicial para acendê-lo (e libertálo da mesmice do senso comum) porque, uma vez aceso,
com a ajuda do outro, propagar-se é de sua própria
autonomia (autonomia do símbolo). Para amar e usar
essa matéria prima na poesia, no conteúdo das artes ou
das simples emoções, existem barreiras que incutem o
antes é necessário comprar, fabricar e produzir
inutilidades, confundindo os conceitos de desejo pessoal
– os arquétipo da realização – e embaralhando os
caminhos que perturbam o natural fluxo da libido, e
causam confusão a Psique, essa princesa que nos habita.
Re-apropriar-se dos sentimentos do si mesmo (imagens
do inconsciente apropriadas pela consciência na
realização do eu), por ser uma função
incomparavelmente mais ampla do que o grande ego –
por abrangê-lo, indo mais além – requer tempo, reflexão,
pensamento e uma estratégia de auto-estima, a partir de
processos extremamente simples, inadmissíveis pela
sociedade de consumo, mas descobertos na própria
criação, através da escrita ou da palavra inventada, por
via de uma imagem interna. E amar, às vezes pode
provocar tudo isso: a re-apropriação do desejo que
conseguimos não deixar alienar-se no produto externo.
Neste caso, produto, é a transformação em objeto, que
se faz através da destruição da natureza (a do entorno e
a íntima) quando seria possível transformar o objeto
natural, por intermédio da imaginação viva, sem destruir
a energia indispensável para fazê-lo. Isso é a poesia. Que
nem precisa ser escrita, mas sempre sentida. Também
essa forma possui uma imagem no arquétipo do
matriarcado, símbolo que significa algo mais do que o
simples feminino, mesmo que este seja a base, porém
abrangido pelo anterior, numa misteriosa amplitude.
José Carlos A. Brito (Brasil, 1947). Poeta e articulista. Autor de livros
como O Nascimento do Mundo, Poemas do Amor Quebrado, e Romance
de Meiga e Sátiro. Contato: [email protected]. Página
ilustrada com obras do artista Vicente do Rego Monteiro (Brasil).
revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
Diez marcas en la sombra
Benjamin Valdivia
.
Si alguien me preguntara cuáles
son los diez poemas del siglo
veinte que más han tenido
influencia en mí o en mi obra, no
sabría qué responder. Primero,
porque serán, sin duda, más de
diez. Luego, porque en veces la
influencia se ejerce más por el
estilo o por la obra total de un
determinado autor. Y también
porque, de hecho, toda obra es
una red que se conduce por las
influencias más inesperadas.
No obstante, sin mentir demasiado, agruparía una
decena como se buscan diez marcas en la sombra:
presencias, ecos, rescoldos, vestigios. Me gustaría
señalar mejor mis poemas favoritos del siglo XIX, en no
pocas ocasiones más intensos, versátiles, audaces y
melodiosos que muchos del siglo posterior. En ese caso
deberían aparecer “El desdichado” (Nerval), “El albatros”
(Baudelaire), el primero de “Los cantos de Maldoror”
(Lautréamont), el “Idilio salvaje” (Othón), “Silencio”
(Poe) y otros de esa corte. Pero puestos a anotar los del
siglo XX, sin que ello nos pueda llevar a un orden de
ningún sentido, lo pondría así:
1. “Los grandes capitanes”. Este poema del argentino
Jorge Leónidas Escudero sólo lo conozco de oído, dicho
que me fue por Hugo de Sanctis una vez que
caminábamos por la calle de Alonso, en Guanajuato.
Aunque luego entablé correspondencia con Escudero, e
incluso le presenté mi versión de memoria sobre su
poema, sólo me dijo lo siguiente: algunas palabras no
encuentran su acomodo. Y nunca lo vi ni escrito ni
impreso, ni Escudero lo mencionó cuando preparé la
antología de sus versos que se publicó en México en el
año 1992 o 93. Entre las frases impresionantes que
contiene ese poema hay ésta: “Las grandes
construcciones y las grandes destrucciones vienen por un
nudo con seso de golondrina, o por un corazón capaz de
ser vela y de girar los huesos en redondo para clavarlos
de punta en el mar”. Un poema grande.
2. “Viento Zonda”. De Hugo de Sanctis, es un poema
que también aprendí de oídas por el propio autor y luego
lo tuve impreso en su libro Prontuario en el sol (de
1965). La audacia de sus imágenes y la sencillez de su
discurso producen el centelleo de dos pedernales
contradictorios enfrentados sobre la chispa de una sola
luz. El poema comienza diciendo: “Anoche me pasó un
perro oblicuo por la mente. / Ladraba los desórdenes de
agosto / y tan imposiblemente me miraba / que no supe
contenerme / y eché a llorar la enormidad desde los
huesos.” Muy pocas veces se logra esa síntesis a la par
tan cotidiana y triste cuanto jubilosa y trascendental.
Personalmente me llama la atención este poema, aunque
lo mejor de la poesía de De Sanctis se encuentra en su
libro Canción al prójimo, todavía inédito a pesar de haber
obtenido el premio Aguascalientes en 1983 (el único libro
del Premio Nacional de Poesía, en México, que no se
atrevieron a publicar los editores ni los organizadores y
que motivó cambios drásticos en la convocatoria de dicho
premio desde 1984).
3. El canto XI de la sección
“Alturas de Macchu Picchu” en el
Canto general de Neruda. Es una
composición aérea y sólida en la
cual el poeta muestra todo su
magisterio de versificador en
potentes endecasílabos de rima
semiasonante alternada, dentro
del mismo tono oratorio que
define esa porción del libro, pero
simultáneamente urdido en el
encadenamiento de imágenes
deslumbrantes y dinámicas en las cuales se equilibra
todo el arte de la poesía: ritmo y sentido, imagen y
concepto, implicación y presencia, instante y continuidad.
En especial se llega, luego de hablar de los oficios de la
tierra (“albañil del andamio desafiado: / aguador de las
lágrimas andinas: / joyero de los dedos machacados: /
agricultor temblando en la semilla: / alfarero en tu greda
derramado: “) a señalar el furor de la historia: “como un
río de rayos amarillos, / como un río de tigres
enterrados”. Las aliteraciones de la erre resultan
resplandecientes.
4. Dylan Thomas, el ebrio malogrado, tiene un poemacredo titulado “En mi oficio, mi arte taciturno”; y en él
sostiene la terrible verdad de que el poema es para los
amantes (quienes, por cierto, no hacen caso del arte sino
del texto), y “no para el hombre altivo aparte de la
furiosa luna”. La densidad de su expresión es seductora.
Ya publiqué mi versión en español de este poema.
5. “La unión libre” es quizás el poema más famoso de
André Bretón y uno de los suyos que más me gusta, pues
al seguir la guía del cuerpo como tópico del lirismo hace
descubrimientos que en su concatenación pasan por
todos los registros surrealistas: la fusión de los distantes,
el humor negro, la ensoñación, la imaginación, la
crueldad, el automatismo, lo insólito. Desde la cabeza
hasta los pies, el cuerpo femenino se convierte en una
panoplia de estupefacciones. El pelo: “Mi mujer de
cabellera de fuego de madera”; la cintura: “Mi mujer de
talle de nutria entre los dientes del tigre”; la lengua: “con
lengua de ámbar y de cristal frotados”; los ojos: “Mi
mujer de ojos de bosque siempre bajo el hacha”.
6. El primer poema del libro Enemigo rumor, de Lezama
Lima, que se llama “Ah, que tú escapes”. Ese poema, un
muy alto momento del idioma español, trata de definir la
cubanidad, según comentó el autor en una lectura
pública. Para mí define más bien el espíritu de lo fugitivo,
de aquello que está frente a nosotros en su plenitud y
luego huye: la vida, el amor, el tiempo, el mundo. Es la
revelación de ese instante “cuando en una misma agua
discursiva / se bañan el inmóvil paisaje y los animales
más finos”. Pero es una nostalgia no de lo que pasó sino
de que nada de eso que pasó haya dejado su huella
visible, “pues el viento, el viento gracioso, / se extiende
como un gato para dejarse definir”.
7. En los Poemas humanos, de
César Vallejo, se encuentra el
discurso tan compasivo cuanto
lastimero del poema “Me viene,
hay días, una gana ubérrima”. Y
todo cuanto hay humano y todo
lo íntimo y el júbilo de ser y de
pertenecer, la gracia de compartir
y esperar, la ráfaga de todos los
sentimientos nobles (aunque
melancólicos) se da cita en ese
mensaje llevado hasta “el borde
célebre de la violencia o lleno de
pecho el corazón”. Vallejo
dispone las cosas para auxiliar “al bueno a ser su poquillo
de malo” y situarse “a la diestra del zurdo” y “lavarle al
cojo el pie”. Pero la mejor celebración y venganza entre
todo lo bueno de la vida lo cifra el poeta en esta frase:
“ponerle un pajarillo al malvado en plena nuca”. Por
muchos años he buscado esos pajarillos para colocarlos
donde ha de corresponder.
8. Borges escribió un par de sonetos con el título de “El
ajedrez”. Los parangones de vida y juego los lleva a
fronteras inusitadas. Sólo para hacernos comprender la
vastedad de la trama en los infinitos reflejos en los que
un universo no es sino el polvo de otro universo mayor.
Tras darle carácter a las piezas y haber puesto a los
jugadores “en su grave rincón”, conduce todo hacia el
hombre; y luego hacia la divinidad. Las piezas no saben
que son gobernadas por “un rigor adamantino”. Pero el
hombre está en otro tablero “de negras noches y de
blancos días”. El juego de las piezas, el del hombre y el
de Dios son uno mismo: “Dios mueve al jugador, éste la
pieza; / ¿qué Dios, detrás de Dios, la trama empieza...?”
9. Este poema de Archibald MacLeish, que traduzco así:
PSIQUE CON LA LINTERNA
El amor, que es el misterio más difícil,
busca de cada joven una respuesta
y más de los más ardientes y más hermosos —
El amor es un pájaro en un puño:
atraparlo lo esconde, mirarlo es dejarlo ir.
Girará desatado si levantas demasiado un dedo.
Se quedará si lo cubres —se quedará, mas ignoto e
invisible.
Guárdalo para siempre con el puño cerrado
o déjalo volar
cantando en fervor de sol y en la canción desvanecido.
No hay respuesta otra para este misterio.
10. Imprescindible, y tal vez al
inicio de todos, el Canto II del
extenso poema Altazor, de
Vicente Huidobro. Un incendio en
una gota, un océano en una sola
flama. Todas las delicias y las
memorias y las temperaturas de
la vida de todos los enamorados
se llevan a la cumbre del universo
donde se arrojan “esas lanzas de
luz entre planetas”. Allí está la
amada: “eres el ruido de una
calle populosa llena de admiración”. “Al irte dejas una
estrella en tu sitio”. Y el gran tema de la muerte de la
joven amada se plantea como una terrible posibilidad: “Si
tú murieras / Las estrellas a pesar de su lámpara
encendida / Perderían el camino / ¿Qué sería del
universo?”.
Benjamin Valdivia (México, 1960). Ha publicado poesía, novela, cuento,
teatro, ensayo y traducciones (del inglés, francés, portugués, italiano,
alemán y latín) en diversos medios mexicanos y extranjeros. Es autor de
treinta libros en diferentes géneros, por los que ha recibido distinciones
nacionales e internacionales. Lo que se publica ahora es un capítulo de su
libro Eros y Quimeras – Visiones sobre Sade, Paz, Nerval y otros.
Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras do
artista Vicente do Rego Monteiro (Brasil).
revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
Altino Caixeta de Castro: do espanto da
palavra e outras perplexidades
(entrevista)
Maria Esther Maciel
.
A história de um poeta é também a
de suas perplexidades. E se uso a
palavra perplexidades é por pensar
nos vários sentidos que ela deflagra,
como espanto, assombro,
emaranhamento das certezas, dúvida,
enredamento, irresolução e
sinuosidade de caminhos, todos eles
configurando-se como elementos
também intrínsecos ao processo de
criação poética. Borges externou essa
consciência da perplexidade em uma
breve conferência que fez sobre “o enigma da poesia”, ao
dizer que diante de cada página em branco que
encontrava tinha de redescobrir a literatura para si
mesmo. Drummond vislumbrou na clareza e na claridade
o mesmo enigma. Já Pessoa converteu sua perplexidade
em um processo intrincado de ficcionalização do eu e do
próprio ato de criação, correspondendo, assim, aos
sentidos da palavra latina “perplexio, onis” (perplexão),
que apontam, curiosamente, para “fingimento,
dissimulação, refolho, dobra.
O poeta mineiro Altino Caixeta de Castro (Patos de
Minas, 1916-1996), autor de Cidadela da rosa –
confissão da flor (1980), Diário da Rosa Errância e
Prosoemas (1989) e Sementes de sol (2004), ao também
explorar as inquietudes do poeta perplexo diante de
tudo, optou pela palavra espanto, construindo a partir
dela toda uma poética. Não por acaso designou o poeta
de “pastor do espanto” e forjou a partir dessa imagem
sua própria persona poética. Mas não se ateve apenas à
dimensão filosófica, existencial, da idéia de espanto – à
qual associou todo um referencial ontológico de feição
heideggeriana, mas redimensionou-a pela força da
imaginação e nela imprimiu um traço lúdico, advindo do
sentido de “maravilhamento” que a própria palavra
espanto contém. Espantar-se é também maravilhar-se
diante de algo. E esse algo para o “pastor” Altino Caixeta
é a linguagem e todas as suas potencialidades de jogo. E
o que é o maravilhar-se senão o deixar-se seduzir? Na
poesia altiniana a sedução do poeta pelas palavras é
explícita e se faz ver não apenas na forma como brinca
com elas e delas se faz brinquedo, como também no
processo de erotização do fazer poético. Uma espécie de
libido scribendi perpassa o ato de criação do poeta,
seduzido que sempre esteve pela força corporal, tátil,
sonora, visual da escritura. Isso se dá a ver de maneira
explícita no poema “A palavra ousada”, do livro Cidadela
da rosa – com fissão da flor, onde se lê:
que coisa mais misteriosa é a palavra,
principalmente, o substantivo movido
pelo verbo. eu posso dizer: eu moro
nos subúrbios soberbos de uberaba. eu
moro nos subúrbios soberbos de teu
umbigo. eu moro nos subúrbios soberbos
de teus ombros. eu moro nos subúrbios
soberbos dos teus lábios. entretanto,
eu não moro, mas eu ouso dizer: que
coisa mais misteriosa é minha prosa
movida pelo moinho de vento soberbo de
teu verbo.
Altino sabe que as palavras podem deflagrar realidades
imprevistas, fingir um mundo que não existe senão
apenas dentro delas ou partir delas. Como Pessoa, sua
perplexidade se “irresolve” na consciência de que é
possível tanto sentir com a imaginação quanto escrever
pelos sentidos o que a razão não entende. Mas seu
pastoreio é menos o ato de conduzir e/ou vigiar a
linguagem – como fazem os pastores de cabras e ovelhas
– do que o ato de pastorejá-la, uma vez que o verbo
“pastorejar”, relacionado ao pastorear, aponta sobretudo
para a ação de fazer a corte, cortejar.
A entrevista que se segue, gravada no início de 1990, na
casa do poeta em Patos de Minas, traz em viva voz esse
espanto – transfigurado em “maravilhamento” – de Altino
Caixeta de Castro diante da poesia. Nela, ele fala de sua
descoberta do verso, do pastoreio das cabras e das
palavras, da rosa como metáfora do poema, da beleza,
da mulher, do artesanato da forma e do “transe”
necessário ao fazer da escritura. Com humor e erudição,
cita poetas, filósofos e críticos de vários tempos e
tradições, declama versos seus e alheios, brinca e se
deslumbra com suas próprias perplexidades de poeta.
[M.E.M.]
MEM – Como se deu para você a descoberta da poesia?
ACC – Minha história de poeta é muito triste, pois
descobri a poesia no pessimismo existencial de Augusto
de Anjos. Quando eu era criança, de cabeça raspada e
pés descalços, vivendo na fazenda Campo da Onça,
decorei, pela primeira vez, um poema que vi em um
almanaque. Era aquele soneto de Augusto dos Anjos, que
diz assim: “…o homem que é triste/Para todos os séculos
existe/ E nunca mais seu pesar se apaga!” Eu tinha entre
7 e 9 anos de idade. Ou melhor, não tinha idade. Creio
que daí venham certos ressaibos – filosóficos, talvez – da
poesia de Augusto dos Anjos em minha poesia.
MEM – Mas você continua sendo um poeta sem idade,
por trazer todos os tempos possíveis (e impossíveis) em
sua poesia…
ACC – Uma vez fiz para uma menina um verso de
circunstância – isso, antes que o Manuel Bandeira
colocasse em voga a idéia do poeta de circunstância –
que dizia assim: “Eu não preciso do tempo / porque sou
eterno / Necessito apenas / dos mínimos espaços / que
demoram / entre mim e seus braços”. Meu destempos,
meus dez tempos são minha eternidade provisória.
MEM – Sem dúvida, o signo mais recorrente em sua
poesia é a palavra rosa. Como você explicaria esse
signo?
ACC – Como dizia Gertrude Stein, uma rosa é uma rosa é
uma rosa. É bastante interessante esse poema, porque
nele a poetisa toca uma questão da semiologia moderna.
Ela antecipa o livro O sistema dos objetos, de Jean
Baudrillard. Ela, sem querer, fez uma semiologia do
objeto rosa. Aliás, a rosa é o arquétipo da coisa, como
diz o Borges. Borges, na verdade, buscou essa imagem
em Crátilo, personagem de Platão. Tanto é que tenho um
poema em que rimo “rosa” com “coisa”. Uma semi-rima
sutilíssima, nunca usada nem pela Cecília Meireles ou
pelo Guilherme de Almeida, que era um mestre das semirimas.
MEM – A rosa seria, em sua obra, uma metáfora do
poema e uma metonímia da prosa?
ACC – Pode ser. Mas quando a rosa me chegou, eu não
pensei nisso. Só muitos anos depois é que soube dessa
parolagem. Minha mãe plantava rosas em torno de nossa
casa. E minha poética é muito ligada à minha mãe. Acho
que por causa dela fiquei muito impregnado pelo sentido
da rosa. A vida inteira. Mais tarde descobri que a rosa
era um símbolo difícil, mesmo para a poética. Descobri,
mais teimei no símbolo.
A rosa tem também uma dimensão filosófica, de feição
heideggeriana, em seus poemas, apontando para a
imagem da “morada do ser”. E mesmo mística, se
pensarmos na idéia da mandala que se faz presente no
livro Cidadela da Rosa: com fissão da flor.
Isso me lembra um poema que está no livro O diário da
rosa errância: “Mandá-la para Vênus./ Mandá-la para
Eros./ Mandá-la para Deus./Mandala do mistério.” Mas é
verdade, a minha rosa é metafísica. Mas a imagem da
“morada” eu debito a Gaston Bachelard, que escreveu
aquele livro lindo, A poética do espaço. Coloquei muitas
moradas em minha poética, metaforizei várias vezes a
morada dentro de meus poemas. E a rosa ficou sendo a
morada essencial. Já Heidegger foi o filósofo-poeta que
mais influenciou minha concepção da poesia moderna.
Para ele, o “poeta é o pastor do ser” e a poesia é “a
realização do ser pela palavra”. Isso me chamou muito a
atenção. Tanto é que meu primeiro livro ia se chamar
Pastor de sonhos – isso, trinta ou quarenta anos atrás.
MEM – E por que você optou pela imagem do “pastor do
espanto” para definir o trabalho do poeta?
ACC – É o mesmo pastoreio. Na
minha poesia, como eu disse,
minha mãe é sempre a presença
essencial. Coisa que os críticos
em geral não percebem. Aliás,
em se tratando de crítica, prefiro
aquela que é feita pelos poetascríticos. Como Eliot e Pound. Eles
são melhores do que os outros,
pois conseguem surpreender
muito mais a poesia dos poetas. Mas como eu estava
dizendo, minha mãe tinha, na fazenda, um rebanho de
carneiros que eram dela. E meu pastoralismo passou por
minha mãe antes de chegar aos meus poemas e antes
que eu descobrisse Heidegger e seu pastoreio do ser.
Tenho uma “Coroa de sonetos para uma cabra”, ou seja,
catorze sonetos sobre a cabra, que não era cabra na
verdade, mas uma metáfora. Não sei se você sabe, mas
nasci de 7 meses e minha mãe não tinha leite, ainda não
estava ainda preparada “galacticamente” (risos). E assim
tive que ser amamentado por uma bela cabrita – uma
mulher morena-escura, quase negra. Sequei o leite da
cabrita. (risos) Aí minha mãe arranjou uma cabra de
verdade para mim. Mamei, literalmente, nessa cabra, aos
2 ou 3 anos de idade. Tudo isso ficou impregnado na
minha lembrança, no meu sensorialismo: os carneiros de
minha mãe, que ela mandava tosquiar para tecer a lã, a
cabrita morena que me amamentou quando nasci e a
cabra de verdade que veio depois.
MEM – Realmente, as imagens relacionadas a essas
reminiscências sensoriais estão muito presentes na sua
poética. As cabras, os carneiros, os pastos, o leite, os
seios, a boca, o beijo, o ato de mamar são recorrências
explícitas. Algo da ordem da oralidade, no sentido
psicanalítico do termo, não? Se bem que a oralidade, do
ponto de vista lingüístico, também é uma das linhas de
força de sua poética.
ACC – Isso está no meu poema “Soneto em limbos”:
Mamar na luz que vem das nebulosas,/Dar pojo no
mistério das estrelas,/Depois lamber os úberes redondos/
Da ovelha fulva ou ser lambido em limbos. Aí eu já
estava “adulterizado” e usei as leituras que eu tinha da
psicanálise de Freud. Aliás, não sei se você já reparou,
mas esse é um soneto branco, sem rimas. Só tem
ressonâncias internas. Como fazem os ingleses. Os
poetas ingleses quase não rimam nas pontas. E não
rimar nas pontas torna, muitas vezes, o poema mais
bonito, pela força das aliterações e sonoridades internas.
E por falar em psicanálise, costumo citar com freqüência
um fragmento de Lacan – “o inconsciente é o discurso
do Outro” – que, de certa forma, influenciou o primeiro
poema do Cidadela da Rosa, intitulado “Discurso”. Os
críticos costumam elogiar esse poema. Affonso Romano
de Sant’Anna, por exemplo, que é um bom poeta e
escreveu um livro sobre Drummond, ficou surpreso
porque eu dediquei o “Discurso” a Michel Foucault,
Roland Barthes e Julia Kristeva. Um caipira do interior de
Minas escrevendo uma dedicatória pedante aos grandes
nomes da filosofia contemporânea! – ele deve ter
pensado. Na verdade, escrevi esse poema em um espaço
em branco de um livro de Foucault. Os críticos gostaram,
ficaram impressionados.
MEM – O que você pensa sobre esses críticos e filósofos
franceses?
ACC – Já li muito da literatura francesa. Sobretudo
Sartre, Baudelaire e Camus. Acho inclusive que o
pessimismo artificial que tenho, que não é o de Augusto
dos Anjos, ao contrário do que pensam, foi muito
influenciado pela filosofia de Sartre, mais do que pela
obra de Camus. Tenho um poema no livro A cidadela da
rosa, mais ou menos inspirado no pessimismo sartreano.
Aliás, nessa minha sonetilha houve um erro tipográfico e
o verso ficou melhor. Mas não foi o erro de Malherbe.
Você sabe qual foi o erro de Malherbe? Minha filha chamase Roselle. Malherbe, poeta francês do século XVI,
escreveu mais ou menos isto: “rosa, ela viveu o que
vivem as rosas… o espaço de uma manhã”. Mas o
tipógrafo errou na grafia. Ao invés de “Et Rose, elle”,
colocou “Et Rosaelle. Ficou mais bonito. Esse foi o nome
que dei à minha filha, Roselle. No dia de batizar minha
filha, consultei o Grand Larousse e vi que “roselle” era
um pássaro canoro existente na França. E minha filha
gosta muito do nome. Mas voltando à sua pergunta,
fiquei muito deslumbrado com a escritura de Barthes,
quando li pela primeira vez o livro Fragmentos de um
discurso amoroso. Muito do Diário da rosa errância está
ali. Bebi no prazer do texto. Barthes era um poeta, um
grande poeta da escritura. Você sabia que ele morreu
atropelado porque atravessava a rua distraído, lendo o
Cidadela da rosa? (risos). Já o Foucault não era poeta,
mas escrevia muito bem. Li As palavras e as coisas umas
três vezes quando morava em Brasília.
MEM – Você tem uma habilidade impressionante para
lidar com as palavras. Ou melhor, uma volúpia pelas
palavras e suas múltiplas possibilidades sonoras, visuais
e semânticas…
ACC – Eu tenho e sempre tive uma volúpia pela palavra.
Geralmente, ela me seduz primeiro pela sonoridade. O
som de uma palavra sempre me leva a outras palavras
que me levam a outras pela força dos ecos, das
paronomásias, das assonâncias, das ressonâncias. E
muitas vezes ou mais de uma vez, uma palavra me
desviou da métrica. No meu livro deve ter no máximo
uns cinco versos alexandrinos, porque eu sempre me
dediquei mais aos decassílabos. E meus decassílabos são
– perdoe a modéstia – muito bem feitos, com cesura e
tudo mais. Só tenho um verso decassílabo feito para
minha mãe que não pude corrigir. É um endecassílabo:
Única mulher que quero ver no céu. Tudo por causa da
palavra única. Eu poderia ter colocado “Prima mulher”,
mas não encaixava. E eu queria mesmo era “única”, não
apenas porque era o vocábulo que dizia mais
precisamente o que eu queria dizer, mas pela beleza do
proparoxítono.
MEM – Você é um poeta que ama a beleza e que faz dela
o tema privilegiado de vários poemas. O que é o belo
para você?
ACC – O que sempre me encanta na vida e na poesia é a
mulher. Nela está a beleza que me sensibiliza. A beleza
que me estremece. Veja o “Soneto do Belo”, que
dediquei a um amigo meu que é cirurgião plástico em
Belo Horizonte e a quem chamei de “o esteta da plástica
impossível”, pois ele tenta construir artificialmente a
beleza que já existe na mulher. O poema diz assim: Da
essência da beleza me alimento, / De seu mistério
sempre me estremeço, / como poeta, às vezes,
reconheço / que a beleza é maior que o pensamento.
Nesse soneto eu roubei um pouquinho de Schiller. Penso
que a paródia é grosseira, mas paráfrase é aceitável, é
boa. E todos os poetas parafraseiam. Os poetas não
criam, nós imitamos no inventado. Quem cria é Deus,
que tira do nada.
MEM – É exatamente isso que atravessa aquele seu
poema “Por que vim”, no qual você afirma: “Não vim
para dizer. Se cheguei tarde / não vim para dizer./
Cheguei tarde porque tudo está falado.” A consciência de
que cabe ao poeta inventar no inventado.
ACC – É, e você replicou esse poema em um poema
muito bonito que dedicou a mim em seu livro Dos
haveres do corpo. Mas eu nunca estive de acordo com
você, poetisa. Aliás, prefiro chamar as mulheres de
poetisas. Acho machismo chamar uma mulher de
poeta….
MEM – Hoje eu talvez não
fizesse mais aquela réplica,
por entender melhor agora
o seu poema… Mas
continuemos nossa
conversa: você já
incursionou alguma vez no
romance? O exercício da
narrativa o atrai?
ACC – Nunca gostei de romance. Gosto de fazer o antiromance. Quando eu morava em Brasília escrevi umas 70
páginas de um anti-romance que intitulei Cibernéias,
uma parafernália da prosa, tudo empolado. Eu empolo a
linguagem, as personagens, as minhas referências
culturais, tudo. Um texto completamente barroco. Outro
dia eu li o romance O nome da rosa, de Umberto Eco.
Também uma parafernália, só que uma parafernália
semiótica. Fiquei interessado no livro por causa da minha
temática da rosa e por já conhecer Umberto Eco como
crítico. E foi uma surpresa ver que ele é também um
grande romancista. Tanto o é que as primeiras páginas
de O nome da rosa – e isso foi observado no mundo
inteiro – não agradam aos leitores de romance. Isso
acontece com Os sertões de Euclides da Cunha. Umas
quinze páginas que são uma beleza e uma prova de fogo
para o leitor. No caso do livro do Umberto Eco, as
primeiras páginas são melhores que o romance inteiro,
porque nelas o romance ainda não começou (risos).
MEM – Voltando à poesia, qual é a sua concepção do
fazer poético? Para você, a criação poética é um trabalho
de transpiração, de inspiração, de respiração ou de
transe? Ou é tudo isso ao mesmo tempo?
ACC – Acho que poesia é fazer. A própria etimologia da
palavra diz isso. Mas o fazer poético tem também essa
coisa grande, misteriosa, que é o transe. Que está lá no
Fedro de Platão: o daimon. O poeta é um “daimoniado”.
Um diabo no meio do redemoinho, como diz o Guimarães
Rosa. Aliás, o Guimarães Rosa é também um grande
poeta. O Grande Sertão Veredas, para mim, não é só um
romance. É também um poema épico magnífico. Nele o
daimon não está separado do fazer, do artesanato. Penso
que todo poeta deve superar o artesão. Mas o artesanato
é sempre importante. João Cabral, por exemplo, o poeta
da “Educação pela pedra”, lavra o poema. Eu o comparo
a Francis Ponge. Ele lavra o poema-objeto. Ele vai além
da semiótica de Peirce. E ele consegue ultrapassar o
artesão, mesmo que não admita isso. O poeta que não
supera o artesão não é poeta. Existe aquela história do
sujeito que estava lavrando tanto a pedra para construir
uma estátua, usando com tanto vigor o camartelo e o
cinzel, que a pedra virou pó. O poeta que acredita no
artesanato puro e continua enxugando o poema corre o
risco de transformar em pó a poesia. Alguns poetas de
hoje, que fazem o culto do poema enxuto, concreto, têm,
a meu ver, um quê de parnasianos. Por outro lado, acho
que eles têm o lado lúdico do trocadilho, do
desmembramento do vocábulo, que me agrada muito.
Mas a filosofia deles está um pouco para aquilo que o
Bilac coloca naquele soneto, que diz: “Quero que a
estrofe cristalina, /Dobrada ao jeito/ Do ourives, saia da
oficina/ Sem um defeito.” São versos de uma grande
modernidade, não acha? Um culto da forma, tal como se
vê hoje. Mas antes dele, Álvares de Azevedo, poeta
romântico que morreu muito moço, já escrevera: “Se a
estátua não saiu como pretendo/Quebro-a mas nunca
seu metal emendo.” Mentira dele, pois ele emendava
sim. Mas foi um grande poeta.
MEM – E a idéia de que o silêncio seria o espaço por
excelência da poesia?
ACC – É, essa idéia é boa. É o que chamei de “zero
absurdo”. Mas você não pode eliminar o som da poesia, a
letra, a forma. O silêncio faz parte das palavras.
MEM – Qual é, para você, o papel da crítica de poesia?
ACC – Sempre fui desconfiado dos críticos. Tanto, que eu
não quis para meu livro uma apresentação. E poderia ter
pedido um prefácio ao Oswaldino Marques, aquele poeta
que mora em Brasília e que escreveu um estudo sobre a
poesia de Cassiano Ricardo. Mas preferi escrever o meu
próprio exórdio, o “Topos exordial do inédito”. Prefiro eu
mesmo fazer minha autocrítica. Como eu já disse, em se
tratando de crítica, prefiro a crítica feita pelos poetas. Foi
o T.S. Eliot que deu o grande golpe na crítica acadêmica
com o seu New Criticism.
MEM – Você acredita, como Octavio Paz, que a poesia
moderna está sob o signo da “paixão crítica”?
ACC – Um poeta invejável, o Octavio Paz. Eu o conheci
pessoalmente, fazendo uma conferência sobre poesia em
Brasília. Mas sabe o que aconteceu comigo? Não tolerei a
conferência dele, pois ele só falava coisas que eu já
sabia. (risos) Saí no meio. Isso aconteceu também com
uma conferência do Hernâni Cidade, sobre Fernando
Pessoa. Ele começou a falar da vida particular do Pessoa.
Eu, que estava esperando uma conferência sobre os
aspectos filosóficos de Pessoa, sobretudo o seu
existencialismo, preferi ir embora. Mas acho que o que
realmente marca a poesia moderna é a estranheza, não a
crítica. O poeta moderno é um estranho na e à
sociedade. Octavio Paz tratou disso melhor do que
ninguém.
MEM – Vamos falar um pouco sobre o Diário da rosa
errância e prosoemas? O que o levou a escrever um livro
de prosa poética?
ACC – Nada me levou ao livro. Foi tudo circunstancial. Eu
nem sabia que tinha escrito esse livro, sinceramente.
Acho que eu o escrevi em uma semana, em Belo
Horizonte, em 1985. Do jeito que eu sempre gostei de
escrever: nas páginas brancas de um livro. No caso, um
livro de Roland Barthes. Depois passei a limpo. Minha
mulher, Alfa, e Roselle, minha filha jornalista, que
adoram adular os meus neurônios, me estimularam a
publicar o livro. Resolvi entregar também para minha
filha a série de 200 prosoemas intitulada “A minha
deslumbrada”, para ela selecionar alguns. Ela selecionou
93. E engraçado você ter dito, um dia, que esses textos
tinham algo do surrealismo. Eu já tinha, naturalmente,
lido André Breton nessa época. Mas meu surrealismo no
livro foi inconsciente. O que me inspirou mesmo – e aqui
me refiro aos Prosoemas, que estão no final do livro – foi
o trabalho dos pintores italianos, em especial de Fra
Angelico, Leonardo da Vinci e Michelangelo. El Greco
também me influenciou. Já no Diário da rosa errância,
retomo a temática da rosa. Mas fiz aí uma coisa que
nunca tinha feito antes: escrevi textos em prosa com
frases curtas, concisas, nas quais a palavra vai puxando
a palavra. Lembro que minha filha me falou: pai, esse
livro está muito erótico! E respondi que não tinha
importância, porque meu erotismo não tem “pornéia”
(risos).
MEM – Mas a sua poesia é
essencialmente erótica,
mesmo em Cidadela da Rosa.
É uma poesia que, além de
ter uma volúpia pela palavra e
de explorar as múltiplas
possibilidades sensoriais,
corporais da linguagem,
aborda, com freqüência, uma
temática voltada para o amor, o corpo, a mulher.
ACC – Pois é. Tenho um soneto em versos alexandrinos,
chamado “Perpétua”. Todo simbolista. E o que me levou
a escrever o poema foi exatamente a palavra “Perpétua”,
que me seduziu. Sou um seduzido pelas palavras. São
elas que me erotizam no poema.
MEM – Como você vê a poesia contemporânea no Brasil?
ACC – Não vejo nada. Além de João Cabral, não existe
nenhum grande poeta no Brasil hoje.
MEM – Você poderia falar um pouco sobre sua formação?
É realmente impressionante a sua erudição, a sua
história de leituras nos mais variados campos do saber.
ACC – Sou um autodidata no campo das Letras. Cursei
Farmácia e Bioquímica, mas não fiz nenhum curso na
área de Humanidades. No meu tempo, tudo era mais
limitado. Não havia as escolas de Filosofia que existem
hoje. Talvez eu devesse ter escolhido o Direito, que é
mais próximo da Literatura. Mas eu sempre li de tudo. Só
não li muitos romances. Apenas alguns clássicos. Li muita
Geografia, Filosofia, Química, História, Biologia. Os livros
de ciências são tão importantes para a poesia quanto os
de literatura. Goethe, por exemplo, era um cientista. Ele
escreveu uma tese sobre as cores e pôs muito da
sabedoria científica dentro dos seus versos. Eu não quero
me comparar a Goethe, pois é impossível fazer uma
comparação dessas, mas eu coloquei muito de minha
sabedoria esparsa, vinda do campo das ciências, dentro
de meus poemas. Sem querer, sem saber.
Inconscientemente. Aquele poema mesmo, o “Discurso”,
que está na Cidadela, foi escrito dentro do livro
Arqueologia do Saber, do Michel Foucault. A arqueologia
me atrai até hoje.
MEM – Mas você é um arqueólogo das palavras, que sabe
“escavar o palimpsesto do que te resta”…
ACC – Pode ser. Mas para meter a pá no entulho do sexo
para desenterrar ninhos… (risos)
MEM – Você é também um poeta que ama as mulheres,
que elege musas para seus poemas. O que tem a dizer
sobre isso?
ACC – Vinícius de Moraes dizia: As feias que me
perdoem, mas a beleza é fundamental. Mas não é bem
assim. Às vezes basta que uma mulher tenha um belo
nome. Ou uma pinta no nariz. Ou olhos de cabrita
assustada, no espanto de ser. Ou mágoas de Flor-Bela. A
mulher é necessária ao poeta. Ela é – vou usar aqui um
neologismo – uma “ademarragem” para o poema. Mas a
química, a filosofia, a física, a arte também são. A mulher
não é a única musa do poeta. Uma vez fiz uns versos
inspirados na poesia surrealista de Murilo Mendes, que
dizem mais ou menos assim: os carneiros esgrimam o
enigma dos chifres / as mulheres esgrimam o enigma das
lágrimas. Aliás, tenho em um caderno várias frases
surrealistas que fui anotando aos poucos. Uma delas é: A
tua simpatia (de pathos) passeia primaveras em meu
rosto. A outra: Atingido de azul, trapaceio com as
palavras a claridade de um anjo. E tem uma outra, que
fiz para uma menina de 17 anos, que me mostrou uns
poemas que havia escrito: Anjo isósceles, com inspiração
para agarrar o azul. Foi daí que tirei para o meu futuro
livro o título Inspiração para agarrar o azul. Um livro que
talvez eu nunca escreva, mas que já existe.
Maria Esther Maciel (Brasil, 1963). Poeta, ensaísta. Autora de livros como
A lição do fogo (1998), A memória das coisas (2004) e O livro de Zenóbia
(2004). Entrevista originalmente publicada na revista Alpha (Patos de
Minas, UNIPAM, 2002). Contato: [email protected]. Página
ilustrada com obras do artista Vicente do Rego Monteiro (Brasil).
revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
Gerardo Chávez: a propósito de un
autorretrato de memoria
(entrevista)
Carlos Henderson
.
A Gerardo Chávez hace veinte
años la Galeria degli Ufizzi de
Florencia, le pidió un autorretrato
como antes le había pedido a un
número restringido de grandes
maestros, por ejemplo, a Francis
Bacon. Recién lo ha entregado. El
renombrado pintor dice: he
buscado que mi autorretrato no
sea una reproducción que tenga
ver con el parecido, he buscado
expresar mi mundo interior.
Admiración, empatía trasuntan
estas líneas. [C.H.]
CH – Sé que hace buen tiempo la Galeria degli Ufizzi de
Florencia estuvo reclamando tu autorretrato que
últimamente has envíado. ¿Podrías decirnos por qué has
tardado en entregarlo. Más aún si fuiste escogido entre
los pintores contemporáneos importantes?
GC – Yo creo que para mí es un honor que hayan
solicitado mi participación. En el primer momento que
recibí la noticia hace más o menos veinte años, cuando
expuse en Lima en el Museo de Arte Italiano, me pidieron
que colaborara entregando un autorretrato a la Galeria
degli Ufizzi de Florencia, pero lo tomé como una broma
muy curiosa y no le hice caso. Pasó el tiempo, se me
volvió a contactar, entonces comprendí que la cosa era
seria.
CH – ¿Qué pintores han sido invitados?
GC – Estoy enterado que se está haciendo una colección
de artistas del mundo del siglo veinte con autorretratos.
Donde figuran dos o tres artistas por país. Tengo la
impresión que la galeria degli Ufizzi quiere dar testimonio
de estos pintores contemporáneos. Yo no sabría decirte
qué otro pintor peruano ha sido invitado o seleccionado.
CH – Quisiera que nos des nombres de los que sepas que
ya han entregado.
GC – Matta, Guayasamín y Seguí, por Argentina.
CH – Bacon, ¿crees que esté? Porque él hizo muchos
autorretratos.
GC – Seguramente, seguramente. Yo creo que el francés
Balthus también está. En fin, yo creo que es una
selección de prestigio. Muy importante, muy importante.
Para mí, resulta como un premio.
CH – Ahora te pido que nos describas el autorretrato.
Pero antes te haré una pregunta, digamos, de fondo,
¿ese autorretrato tiene el cometido de romper con tu
formación académica, con tus maestros primeros:
Rembrandt, Goya, Delacroix, Ingres?
GC – Antes del autorrretrato, con fondo negro, hubo
otras tentativas. Hice otros en que me miraba al espejo.
Trataba de hacerme parecido. Estaba muy ganado por
lograr el parecido. El parecido tiene un impedimento que
no deja ver la parte interna de uno. Lo que me llevó a
hacer varios esbozos, varios estudios para apartarme de
la academia. En realidad me es muy difícil apartarme de
las proporciones. Mi formación totalmente clásica me
impide romper con ellas. Sin embargo por ahí pensé que
después de esos estudios, de esos bocetos yo podía
hacerme un autorretrato de memoria. Pensando en mí,
pero ya sin mirarme al espejo. Bueno, de ahí nace la idea
de hacer un autorretrato que escapa por ejemplo –ya
visto como forma— a la forma de la cabeza, que se
escapa del cuadro. Entonces yo elimino la parte superior
del cuadro. Se ve el pelo blanco y la luz se transforma en
una especie de nácar, de color blanco elaborado pero que
en realidad ya se está viendo como pintura.
CH – El color nácar a la izquierda…
GC – Así es. Así es. Y la sombra
al lado derecho que me permite
justamente jugar con la
parte grotesca del personaje. O
sea yo he tratado que en esa
parte oscura aparezca entre luz y
entre sombra una nariz super
ancha, unos ojos medio chinos,
enrabiados, unos pómulos
salientes, fuertes. Pero todo esto
en una penumbra que permite
tratar de entregar el misterio del
personaje retratado. Entonces
estoy describiendo ese autorretrato paralelamente como
forma, como color y como misterio porque estoy creando
una atmósfera exagerada, grotesca que va a permitir
sentirlo como cuadro. Ya no como representación del
parecido. Del parecido de Gerardo Chávez sino a través
de esa forma verlo más como la intención de hacer un
cuadro. Así es como llego a pintarme con un fondo
negro…
CH – Pero el negro está matizado, entretejido de color…
GC – Cuando yo hablo de un color, por lo menos como lo
elaboro, sería un color oscuro con tendencia a ser negro,
¿no es cierto? Pero en el fondo es oscuro porque yo
trabajo con carmines, con verdes y esto produce
sencillamente un tono oscuro que se dice negro.
CH – ¿Y ese rojo?
GC – Ese rojo es un pañuelo que siempre he llevado. Yo
me ponía una nota de color para alegrarme o para verme
mejor. No sé, en algo me alumbraba esa nota de color. Si
no era un negro, un azul. Bueno, hablando un poco de
esas formas… hago las manos que están en movimiento.
Están como tratando de integrarse al mundo de las
formas que yo siempre realizo en mis cuadros. O sea que
he deformado esos dedos y les he dado un movimiento
que
tiene que ver mucho con lo que yo trabajo. Con lo que
trato de hacer. Vemos dedos…
CH – Hay que decirle al lector que el expectador ve
cuatro manos…
GC – No. No necesariamente, pueden ser seis. Lo que
pasa es que esa transparencia crea un movimiento. Hace
parecer que yo he querido cruzar los brazos o que he
querido dejar esas manos sobre una varilla roja. Esa
varilla está allí para darle una nota fuerte de color. No,
no. Creo yo que el espectador tiene que recibirlo, sentirlo
como un cuadro. Ya no como Gerardo Chávez, ni los ojos
azules que tengo… a veces cuando estoy mirando el mar.
CH – Se puede resumir diciendo que has querido romper
con una serie de cánones académicos, de entregar el
universo interno del personaje. ¿Podrías ampliar lo que
acabo de manifestar?
GC – No. Yo creo que
aparentemente parece
complejo.Por eso a la parte
interna la denominas universo
interno. No; no. La parte
interna es lo que uno dice y
hace cotidianamente. Es la
parte interna lo que nos
moviliza permanentemente.
Yo creo que la parte interna
de un artista es lo que nos permite tratar de acercarnos a
la verdad íntegramente, puramente. No; no está demás
que yo te describa el cuadro porque eso es exactamente
como querer describirte a ti el por qué de un cuadro. Y
eso ¿no es cierto?, no tiene sentido. Más bien trata de
sentirlo. Y trata de entrar en él . De verlo como una obra
de un anónimo más. Pero percibiendo la calidad y el
sentimiento puesto en esa obra. Y eso es magia. Es
magia. Lo que moviliza al espectador.
CH – De acuerdo. Pero me parece que aquí hay algo
contradictorio. Tu intención, me parece, es romper con tu
formación académica, ¿no es cierto? Pero el lado derecho
del cuadro es color nácar, el lado izquierdo es oscuro. Te
pregunto, ¿no hay allí un claro oscuro? Muy propio del
siglo XVII.
GC – Rembrandt como padre del clarooscuro lo ha
expresado a través de sus obras perfectamente, pero no
es mi caso. El clarooscuro del que tú hablas venía
acompañado también del parecido. Y había el color de la
piel. Sin embargo aquí no, aquí se ha transformado un
color blanco. Un color blanco que tiene una luz como si
hubiese llegado del interior. ¿Te das cuenta? Yo he
utilizado la imaginación. Simplemente he querido ver
claro y oscuro. Sin pretensión de ser un continuador de
un movimiento de hace cinco siglos.
CH – Por cierto, no continuador. Tal vez, ¿destructor?
GC – Este cuadro tienes que verlo como un color ya no
como luz. Ver un color que es luminoso, naturalmente.
Nosotros no podemos romper con el academismo. Existe,
está con uno. Lo que tratamos es de dar una versión
mucho más libre. Uno tiene un esqueleto formado que es
muy difícil romperlo. Por eso no es mi inquietud romper
el academismo, o hacerlo que no exista. La verdad es
que yo quisiera, más bien, que se mantenga esa especie
de clasicismo del cual yo dependo. Pero que la obra
internamente le entregue un impulso al espectador por la
inquietud misma que ella nos proporciona. Quiero decir
que cuando tú ves, por ejemplo, esa parte oscura de ese
personaje, yo me disfrazo un poco de monstruo, ¿no es
cierto?; yo estoy desproporcionando la anatomía. Y al
mismo tiempo como que le estoy poniendo
transparencias, un velo, una cortina, una manpara para
que a través de todo ello podamos ver ese otro ser que
tenemos dentro. En nosotros. Así como tenemos un
poquito de Dios, tenemos un poquito del Diablo. ¿Has
reparado en que los dos comienzan con una d?
CH – Muy intersante. No es mi fiuerte la cuestión
sicológica y menos la teológica, sin embargo te
preguntaría, ¿ todos tenemos un poco de diablo
–comencemos por lo más probable-– y un poco de dios,
un poco de monstruo y un poco de ángel?
GC – Me parece que sí. Cuando esto no mantiene su
equilibrio, y ese poco de uno y ese poco del otro falta,
hay la deformación y se establece una serie de injusticias
y desequilibrios y guerras y cosas por el estilo. Se
desequilibra el ser en su manera de pensar y de actuar.
CH – ¿Tu crees que la felicidad del hombre está en su
armonía interior?
GC – En principio sí. Yo pienso que eso nos da una
estabilidad. No el conformismo sino una estabilidad que
nos permite jugar con ella, actuar libremente, tener una
conciencia entre comillas tranquila. Pero, caramba,
objetiva que te lleve a hacer cosas… a ser optimista…
CH – Aquello de hacer
cosas y ser optimista
pertenece a la cultura
occidental, no a la
oriental, la que tú sin
mencionarla la aludías..
GC – Efectivamente.
CH – La paz consigo
mismo, la quietud
interior… ¿Tú tratas de
hacer una conjunción de esas dos visiones del mundo?
GC – No. Yo lo que trato, mira, es de estar frente a la
vida. De tocar la vida con cualquiera de las herramientas:
con mi pintura, con mi dibujo. Si puedo yo conjugar lo
uno y lo otro, la paz interior y el actuar, el hacer cosas,
en la medida de mis posibles, es a condición
que mi comportamiento sea recto.
CH – No hemos hablado de tu técnica pictórica…
GC – La técnica es lo que tú vives, lo que tú realizas…
Uno no deja de ser un instrumento, siempre. Uno siente
que detrás de uno mismo hay algo que parece superior.
CH – ¿Te parece que tú tratas de entregar una respuesta
a este mundo que se pregunta y se pregunta y no deja
de preguntarse adónde vamos?
GC – Honestamente, la pintura para mí es una
herramienta. Es una profesión que me permite
cuestionarme… la vocación interna está
permanentemente cuestionándose. Pero dándole cabida
al bienestar del ser. Sin eliminar la duda. Lo importante,
sin embargo, para mí es sanar el hombre, para que este
pueda ser lo más íntegro posible.
CH – ¿Sanar el hombre?
GC – Yo. Para comenzar.
Carlos Henderson (Peru, 1940). Poeta e tradutor. Autor de livros como En
el pasado venías numerosa como un río (1980), El ojo de la piedra.
Antología personal (1965-1990) (1991), e Vers la phrase infinie, Alès,
L’attentive [Triptyque manuscrit bilingue. Version française de Bernard
Noël] (2000). Contato: [email protected]. Página
ilustrada com obras do artista Gerardo Chávez (Peru).
revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
Guignard: o sonhador de Ouro Preto
Carlos Perktold
.
O mês de junho de 1962 foi
difícil para Geraldo Andrada,
chefe do Cerimonial do
Palácio da Liberdade, no
governo de Magalhães Pinto,
em Minas. Seu velho amigo,
Alberto da Veiga Guignard,
um dos maiores artistas
brasileiros do século XX,
teve novo surto diabético e
estava internado no Hospital
São Lucas, em Belo
Horizonte. Cabia a ele dar
duplo amparo ao pintor, que
estava aqui desde 1944 a
convite de JK: pessoal, por
dever de mútua amizade, e
oficial por recomendação do
governador. Guignard ter alterações diabéticas não era
novidade entre seus amigos e seus médicos, Drs. Manoel
Borrotchin e Santiago Americano Freire. Ele mantinha
cuidados com sua saúde mas, às vezes, perdia o controle
e comia uma quantidade exagerada de arroz-doce, sua
grande paixão culinária, que adicionado à arteriosclerose
e ao alcoolismo, o devoravam aos poucos. Pensava-se,
então, que seria apenas uma crise e esta, por definição,
passageira. Mas não foi assim e uma semana depois de
sua internação, falecia por deficiência cardiorrespiratória
o artista que se imortalizou nas telas de uma Ouro Preto
que se confundia com sua pessoa, tão grande era a
intimidade entre eles.
Passados os momentos difíceis da perda dolorosa, todo o
Cerimonial se movimenta para receber na capela do
Palácio o corpo do artista querido. Findas as exéquias, o
mestre é levado para Ouro Preto, por sua própria
escolha. Com sua morte, começa uma trajetória de
valorização de sua obra que ele imaginava ocorrer
apenas em 2062, cem anos após sua morte.
Alberto da Veiga Guignard não é somente o nome de um
artista insubstituível. É o primeiro verso de uma saga
pessoal ainda não escrita. Ela começa em 25 de fevereiro
de 1896, em Nova Friburgo (RJ), onde nasce o menino
com defeito congênito e termina com a morte do artista
no dia 26 de junho de 1962. O lábio leporino dificulta a
ingestão de alimentos e a respiração do infante,
causando profunda angústia na jovem mãe. Ela,
impotente, via a dificuldade do filho em aprender a se
alimentar para sobreviver. Essa deformidade marca sua
forma de se colocar no mundo para sempre.
Filhos com defeitos congênitos
aprendem a se ver e o horror que
causam através do olhar
materno, que funciona como um
espelho. É provável que Dona
Leonor tenha demorado algum
tempo para elaborar no seu
psiquismo o defeito do filho, a
aceitá-lo e a amá-lo. Seria
desumano exigir dela uma atitude
diferente porque, no imaginário
de todos os pais, os filhos nascem
saudáveis e perfeitos. Desumano,
também, seria exigir do filho que não se sentisse no
mundo como um convidado inadequado em função da
sua diferença. O mundo pregou-lhe uma peça, fazendo-o
sofredor de algo que o fez desigual para sempre. Ele
sente a falta, o vazio na alma, que é sublimado para a
pintura, tão logo ele pode executá-la e entendem-no
como jovem talentoso. Se a natureza não lhe deu a
capacidade de respirar e deglutir como os outros,
compensou-o com a habilidade para olhar e ver, como
artista, a natureza, a paisagem, as cidades, as pessoas.
Essa habilidade é o tempero necessário para desenvolver
a dádiva recebida dos deuses para desenhar e pintar.
Com dificuldades financeiras, o pai morre num “acidente”
com arma de fogo, quando Alberto era ainda muito
jovem. Angustiante é a vida de filhos de pai suicida. Este
episódio abre um vácuo emocional na vida deles,
impossível de ser coberto. E é com o peso da dupla carga
emocional do problema congênito e da morte do pai em
circunstâncias tão trágicas, que nosso mestre segue para
a Europa com a mãe e o detestado padrasto. Lá, este
liquida com o que restava do dinheiro da viúva, a
mostrar como o mundo podia ser irônico: Guignard passa
da experiência de pai morto por dificuldades financeiras
e, em seguida, a de ter padrasto perdulário. O dinheiro é,
desde sempre, uma dificuldade a mais desse viajante da
vida com bagagem cheia de falta, ausência e vácuo. O
restante de sua permanência na Europa ainda precisa ser
melhor descoberto e relatado, mas sabe-se por biografias
dele, escritas por Frederico Morais, Lélia Coelho Frota,
Ivone Luzia Vieira e por depoimentos de amigos, que o
mestre viveu em Munique, onde, com disciplina
germânica, aprendeu as técnicas do desenho e da
pintura. Ali expôs pela primeira vez. Roma e Florença
foram suas amantes de sempre. Paris foi outra presença
amiga onde dividiu quarto com Fernand Léger de quem
recebeu, com dedicatória, dois óleos lindíssimos
pertencentes ao acervo de conhecida coleção belohorizontina. Tudo isso, antes de se mudar de vez para o
Brasil.
Guignard vai sentir ao longo da vida outra falta: a de
constituir a sua própria família. A tentativa de existência
dela começa com um casamento de curta duração com
Ana Döring e continua com amores mineiros como
Amalita e Celina Ferreira. Conta a lenda que ele foi
abandonado pela mulher meses depois do casamento,
com o casal ainda em lua-de-mel. Ela, musicista, não
deve ter suportado a voz com pouca sonoridade do
marido e a constante dificuldade dele para se alimentar.
Mesmo abandonado, ele sente a fundo a morte dela,
anos depois. A falência do casamento fica registrada
como mais um ardil da sua vida. É possível que os
deuses tenham feito um acordo com ele: enquanto
mortal, terás uma vida difícil; depois de morto, serás
imortal.
Pode-se levar um tempo enorme
nas intermináveis pesquisas
sobre sua biografia; o resultado
delas será a descoberta do
mesmo mistério que se repete
em suas obras. Nestas, é o
enigma interminável que
procuramos decifrar cada vez que
miramos seus quadros, na
esperança de que, dessa vez, o
solucionaremos. Inútil,
esperamos uma resposta da tela,
quando ela apenas faz a
pergunta, a demonstrar que a
resposta está na sensibilidade de cada um. É um jogo de
espelho sedutor e de intrigante lirismo. Sua pintura
contém a influência do pintor Dufy, a quem ele
considerava seu mestre. Dele herdou a coragem do uso
das cores e do pincel fino, privilégio de quem conhece a
técnica do desenho. Desenvolveu a transparência, sua
marca registrada, e a deixou como parte de seu legado
intelectual a um grupo de alunos que se utilizam dela até
hoje: Yara Tupinambá, Sara Ávila e Maria Helena Andrés.
Tinha ainda a singularidade do estilo inconfundível do
desenho, feito com lápis de grafite duro.
Ouro Preto, uma constante em sua obra a partir de 1944,
marca-o para sempre. Ambos têm a sorte de terem se
encontrado várias vezes do seu alto, em frias manhãs
cheias de névoas que vão, aos poucos e em frente a seus
olhos, despindo-se pela diluição, expondo a beleza de
suas montanhas, casas e igrejas que surgem como se
flutuassem do espaço mágico. A cena é eletrizante e a
paixão, fulminante. Guignard cai de amores pela cidade e
pela suave luz, a qual, refletida pelas montanhas,
reverencia o barroco puro. E ela, reconhecendo a
grandeza dele, aceita, cheia de gratidão, aquele que
estava a seus pés e que mostraria sua beleza ao mundo,
acolhendo-o para sempre. Ela se entrega e ele torna-se
seu dono. Guignard pinta suas “imaginantes” ou
“imaginárias” paisagens de Ouro Preto, como as chamou
Lélia Frota, hoje, uma consagrada referência poética. Mas
não se imagine que essas paisagens surgiram de sua
fantasia de artista. Elas estão lá nesse momento,
concretas, objetivas e esperançosas como uma
adolescente apaixonada, esperando pela volta do poeta
que as imortalizou; no mesmo local onde, um dia, se
conheceram e se amaram. Se o leitor tiver a paciência de
um fantasma, poderá ficar de tocaia no lugar onde ele
pintava e presenciar, numa dessas arrefecidas
madrugadas de inverno, o idílio entre o velho artista que
volta, flutuando numa nuvem de suas paisagens soprada
por zéfiro e emoldurado por guirlandas de querubins,
para a repetição do encontro imortal do gênio com a
natureza.
Seus retratos, um tema que merece teses de doutorado, são um capítulo à
parte de sua carreira. A força e a comovente simplicidade deles podem
ser comprovadas no retrato do garoto Rodrigo Assunção Gontijo.
Conhecedor das dificuldades da técnica do desenho, da qual era um
mestre absoluto, tinha consciência de que o retrato era a “arte mais
difícil”. É nele que o artista se projeta e convence o público do seu
talento. É um Midas moderno que, tocando, vira esplendor, ternura e
arte, Guignard brilhava até mesmo nas encomendas dos retratos
objetivos. Naqueles subjetivos, como no retrato de Geraldo Andrada (“O
Príncipe Orsini”), demonstrou toda sua afeição de amigo e o talento de
artista definitivo, fazendo dele uma iconografia de sua pintura. Naqueles
de meninas ou mulheres adultas, mostra como era galante associando-as
às flores colocadas nos cabelos ou na roupa, como se elas, sendo
mensageiras da sua posteridade, devessem se lembrar de que, para ele,
elas seriam sempre “minhas flores”. Fazia algumas exceções. No retrato
de Celina Ferreira pintou o Parque Municipal de Belo Horizonte no
fundo da tela, como se dissesse que dela, ele esperava mais que ser uma
flor na vida dele. Deixava em cada tela apenas uma leve camada de
tinta, suficiente para mostrar a grandeza do artista e tudo que ele queria
dizer do modelo. Nos retratos de crianças, fazia questão de retratá-las
com a simplicidade do infante que sabe pouco do mundo. Pinta-as com
olhos ingênuos, de quem imagina ser o mundo apenas o que é visto
objetivamente, projetando-se num jogo de espelhos entre modelo e
artista.
Sara Ávila se lembra da
recomendação fundamental do
professor Guignard a seus alunos
nas aulas de desenho:
“Aprendam a ver, procurem
tatear o objeto e a paisagem com
os olhos, usem todos os seus
sentidos, muita atenção nas
linhas”. Chama a atenção de
todos para os detalhes de cada
coisa, demonstrando como o
somatório deles faz o conjunto
brilhar, marcando, em si
mesmos, a presença de Deus. Lições simples são difíceis
de ser elaboradas, porque há uma condensação de
ensinamentos que requer experiência, pertinácia e muito
trabalho para ser compreendida e aproveitada. Apenas
com a lenta elaboração do conteúdo de cada lição,
adicionada à maturidade pessoal, entende-se a dimensão
das palavras de lentes inesquecíveis. O ensino maior do
professor Guignard foi a liberdade de deixar criar. Ele
acreditava que, se os alunos são talentosos e aprendem
as técnicas do desenho, da pintura e da aquarela, serão
reconhecidos e valorizados.
Guignard foi um mestre altruísta, privilégio de professor
sem medo de concorrência futura; por isso nunca
escondeu conhecimento. Os alunos de mestres com esse
perfil ganham ainda mais quando se colocam em lugares
de humildade, reconhecendo que, sem ela, não há
aprendizagem. Ser aluno deles é estar preparado para
recebê-los como mensageiros dos deuses. Se o aluno
percebe a dimensão do que é ensinado e da importância
do lente, aprende a desenvolver o olhar e a ver com seus
olhos aquilo que o mestre vê com os dele. Assim, ganha
anos de experiência em pouquíssimo tempo. É um raro
privilégio encontrar juntos os dois elementos desse
processo, porque, na nossa cultura, o conhecimento é
adquirido ainda pelo método mais difícil: a dura
experiência pessoal. Jovens e tolos, despreparados e
ingênuos, acreditamos pouco nos mestres definitivos de
nossas vidas.
Guignard nasceu diferente; diferença que contribuiu para
criar um estilo único de desenhar e pintar. Suas criações
constituem-se numa das mais brilhantes da pintura
brasileira. Ao morrer deixou, para seus amigos, saudade
eterna; para o Brasil, um acervo que faz dele um artista
definitivo e imortal.
Carlos Perktold (Brasil, 1943). Ensaísta e crítico de arte. Autor de Ensaios
de pintura e de psicanálise (2003). Tem presença dupla nesta edição da
Agulha, sendo também o responsável pelo ensaio de apresentação do
artista convidado, Vicente do Rego Monteiro. Contato:
[email protected]. Página ilustrada com obras do artista Alberto
da Veiga Guignard (Brasil).
revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
Gnose, gnosticismo e a poesia e prosa de
Hilda Hilst
Claudio Willer
.
Havia prometido – a mim, a
leitores de Agulha, a
apreciadores da poesia de Hilda
Hilst – prosseguir o que foi
exposto em Amavisse, de Hilda
Hilst: pacto com o hermético,
publicado em Agulha # 43.
Especialmente, ampliar o exame
da presença do gnosticismo em
sua obra.
Lembrando: Amavisse, de Hilda
Hilst: pacto com o hermético é a
transcrição de um artigo
publicado em 1990 no Jornal do Brasil. Desde então,
muita água rolou. Pesquisei mais o gnosticismo, e
preparo uma monografia ou capítulo de algo sobre essa
doutrina. Hilda Hilst publicou outros livros importantes,
depois de Amavisse. A bibliografia sobre ela cresceu.
Retornei em algumas ocasiões à sua poesia – a mais
recente, em uma palestra para um ciclo no SESC,
organizado por Beatriz Azevedo, em março deste 2005.
É preciso, antes de mais nada, deixar claro o seguinte:
blasfêmias, religiosidade herética, misticismo pessoal,
afinidade com gnosticismo, com sistemas filosóficoreligiosos do oriente, budismo e hinduísmo, com outras
doutrinas, hermetismo inclusive, e com poetas-místicos
cristãos – tudo isso, já observado pela própria Hilda Hilst
ou por comentaristas, é inseparável de sua densidade, de
sua dimensão propriamente metafísica e ao mesmo
tempo transgressiva.
Contudo, o que a torna uma grande poeta é, em primeira
instância, a capacidade de criar imagens poéticas através
da aproximação de realidades distantes. Por exemplo, ao
enxergar (aqui citando Amavisse, na edição de Massao
Ohno de 1989, toda anotada por mim – esses poemas
foram republicados em Do Desejo, editora Pontes, 1992,
e pela Globo, em suas obras completas) Os ponteiros de
anil no esguio das águas. Ao dizer que uma mulher
dentro dela tinha o rosto de uns rios, e a viu no roxo das
ciladas. Ao criar títulos como Rútilo Nada. Ou ao falar de
Um peixe raro de asas/ As águas altas/ Um aguado de
malva/ Sonhando o Nada, em Da Morte. Odes Mínimas
(Ed. Globo, 2001). E, no vertiginoso Cantares (Ed. Globo,
2001), ao descrever Um cemitério de pombas/ Sob as
águas/ E águas-vivas na cinza.// Ósseas e lassas sobras/
Da minha e da tua vida.
Essas imagens rompem com o discursivo, com o
prosaico. Seguem o pensamento analógico, a lógica do
sonho que desconhece os princípios da identidade e nãocontradição – O que restou de nós decifrado nos sonhos,
como diz em Amavisse –, da alucinação e da loucura:
estendi-me ao lado da loucura/ Porque quis ouvir o
vermelho do bronze.
Deixando de lado esses componentes do valor poético,
interpretações filosófico-religiosas podem ser redutoras.
Mas isso não impede a identificação, como o fiz no ensaio
anterior, do Deus em passagens de Amavisse – como
Que vertigem, Pai./ Pueril e devasso/ No furor da tua
víscera/ Trituras a cada dia/ Meu exíguo espaço ou em
Deus, um cavalo de ferro/ Colado á futilidade das alturas
– a Ialdabaoth, o Demiurgo gnóstico.
Essa visão de Deus acentua-se, chega a um paroxismo,
em outras das obras de Hilda, especialmente, de sua
prosa, em A Obscena Senhora D (cito da edição Massao
Ohno – Roswitha Kempf de 1982):
olha Hillé a face de Deus
onde onde?
olha o abismo e vê
eu vejo nada
E em Estar sendo, ter sido (Nankin, 1997), seu último
livro, um vigoroso testamento literário: as coisas que o
Criador faz. deve rir sem parar das coisas que constrói.
[…] Aqui estou eu, eu Vittorio, Hillé, Bruma-Apolonio e
outros. eu de novo escoiceando com ternura e assombro
também Aquele: o Guardião do mundo.
São representações de Deus que correspondem àquela
de Georges Bataille, autor lido por Hilda (citado em
passagens de sua obra, inclusive em uma epígrafe de
Amavisse), em sua exacerbada crítica ao
antropomorfismo e ao idealismo:
Deus saboreia-se, diz Eckhart. É possível, mas o que ele
saboreia parece-me que é o ódio que ele tem de si
mesmo, ao qual nenhum, cá na Terra, pode ser
comparado […] O que, no fundo, priva o homem de toda
possibilidade de falar de Deus é que, no pensamento
humano, Deus torna-se necessariamente conforme ao
homem, na medida em que o homem é cansado, faminto
de sono e de paz. […] Deus não encontra repouso em
nada e não se sacia com nada. Cada existência está
ameaçada, já está no nada da Sua insaciabilidade. E
assim como Ele não pode se acalmar, Deus não pode
saber (o saber é repouso). […] Ele só conhece o seu
nada, e por isto Ele é, profundamente, ateu: Ele cessaria
tão logo de ser deus (só haveria, no lugar da Sua horrível
ausência, uma presença imbecil, abobalhada, se Ele se
visse como tal). (a citação é de Bataille, A experiência
interior, Editora Ática, São Paulo, 1992)
Conforme observa Eliane Robert de Moraes, especialista
em Bataille, em ensaio sobre Hilda Hilst (no Cadernos de
Literatura Brasileira – Hilda Hilst do Instituto Moreira
Salles): Não por acaso, o alvo primeiro dessa violência
[contra o ideal, belo e inatingível] será o mesmo Deus
que antes habitava a Idéia e sustentava a ilusão do Todo
– esse equivalente algébrico e abstrato das vãs
promessas de salvação. Ou, como resume Leo Gilson
Ribeiro (também no Cadernos do IMS): Durante certo
período de tempo, Deus lhe apareceu como o Baal de
Brecht, monstruoso, sádico.
É um Deus gnóstico. Os adeptos do gnosticismo não
apenas atribuírem a criação e regência do mundo a um
Demiurgo, “pequeno deus”, de segunda ordem – nisso
acompanhando Platão – mas descreverem esse
cosmocrator, regente do mundo – chamado de
Ialdabaoth, Samael ou Saclas – como cego, orgulhoso,
arrogante, prepotente e obtuso. Conforme A realidade
dos Governantes, uma das “escrituras gnósticas” da
Antiguidade (publicada em As Escrituras Gnósticas de
Bentley Layton, ed. Loyola):
Abrindo os olhos, ele [Ialdabaoth, engendrado pela fé e
sabedoria, ou seja, Pistis Sophia] viu uma vasta
quantidade de matéria sem limite; e ele se tornou
arrogante, dizendo: “Eu é que sou deus, e não há
nenhum além de mim.” […] Este governante, por ser
andrógino, fez para si mesmo um vasto reino, uma
extensão sem limite. E ele pensou em criar filhos para si
mesmo, e criou para si mesmo sete filhos andróginos
exatamente como o pai deles. E ele disse a seus filhos:
‘Eu é que sou o deus da totalidade.
Para o historiador das religiões Henri-Georges Puech
(autor de de En quête de la Gnose, Gallimard, 1978),
gnosticismo é reflexão sobre o mal, buscando entendê-lo
e descrever sua origem. Conferiu-lhe estatuto ontológico
e dimensão cósmica:
O firmamento, os corpos celestes, especialmente os
planetas que presidem ao Destino, à Fatalidade, são
seres maus ou a sede de Entidades inferiores, tais como
o Demiurgo e os anjos criadores, ou Dominadores
demoníacos, com formas bestiais: os “Arcontes”. Em uma
palavra, o universo visível, de divino que era, torna-se
diabólico. O homem nele sufoca, como em uma prisão, e,
longe de ser manifestação do verdadeiro Deus, traz a
marca de sua enfermidade ou de seu malefício congênito:
nele não se reencontra nada, a não ser a mão de um Ser
decaído ou perverso.
Jean Doresse, outro estudioso importante do
gnosticismo, expõe a crença comum a uma diversidade
de cultos gnósticos, ao que consta fundados por Simão o
Mago, e que competiram com o cristianismo entre os
séculos I e V d. C (para em seguida reaparecerem como
maniqueístas, bogomilos e cátaros):
[…] a Lei de Moisés é má, pois não havia sido o Deus
supremo, porém certos anjos os que haviam criado o
mundo inferior. São talvez essas mesmas doutrinas as
que se ocultam no prólogo do Evangelho de João (o
mesmo João cujo Apocalipse evidencia uma grande
cólera contra as seitas), cujas definições refutam
implicitamente, ponto por ponto, o ensinamento de que o
mundo de modo algum é obra do Deus Supremo: a luz se
viu atacada pelas trevas, o Logos não assumiu a carne
mais que em aparência, vindo a este mundo só para
certos eleitos ou privilegiados. (Doresse, La Gnosis, em
Puech, Henri-Charles, org. Historia de las religiones,
editora Siglo XXI, Madrid, 1979)
Conforme observou Octavio Paz em A dupla chama –
Amor e Erotismo (Editora Siciliano, 1994), a propósito
dos cátaros, gnósticos e maniqueístas tardios da
Provença medieval, …o dualismo é nossa resposta
espontânea aos horrores e às injustiças da Terra. Deus
não pode ser o criador de um mundo sujeito ao acidente,
ao tempo, à dor e à morte; só um demônio pode ter
criado uma terra manchada de sangue e regida pela
injustiça.
Por isso, gnósticos certamente subscreveriam a visão de
mundo expressa com veemência na Ode a Walt Whitman
de García Lorca (transcrevo da Obra Poética Completa de
García Lorca, tradução de William Agel de Melo, Martins
Fontes – UEB, Brasília, 1989):
Agonia, agonia, sonho, fermento e sonho.
Este é o mundo, amigo, agonia, agonia.
Os mortos se decompõem sob o relógio das cidades,
a guerra passa chorando com um milhão de ratas grises,
os ricos dão a suas queridas
pequenos moribundos iluminados,
e a vida não é nobre, nem boa, nem sagrada.
Ou então, as referências ao
mundo, ao corpo e a Deus em A
Obscena Senhora D e Estar
sendo, ter sido.
Mas o gnosticismo não se resume
à postulação de um mundo
intrinsecamente mau,
corrompido, por conseguinte
criado e regido por um Deus
mau. Nisso interagindo com o
hermetismo de Alexandria, seu
contemporâneo, gnosticismo é a
doutrina religiosa do
conhecimento. Layton, no já
citado As Escrituras Gnósticas, identifica gnosis a um
entendimento não-discursivo. Puech diz o mesmo (em En
quête de la Gnose):
Conhecimento ou reconhecimento de si, revelação de si
mesmo a si mesmo, a gnose é, portanto,
simultaneamente o conhecimento de todo o universo,
visível e invisível, da estrutura e do devir do mundo
divino assim como do mundo físico. […] O conhecimento
de si implica redenção de si, assim como aquele do
universo implica os meios de se libertar do mundo e
dominá-lo.
Esse especialista observa que gnosis é palavra transitiva,
que supõe um genitivo. É sempre conhecimento de algo:
daí o uso do termo pelo gnosticismo ser estranho. Sugere
identidade com o divino, a esfera superior, os mistérios,
e também consigo mesmo, com a própria alma, com a
centelha de luz que permanece no ser humano:
O que é, com efeito, a gnose senão – como significa seu nome grego,
gnosis – “conhecimento”, ou seja, conhecimento no sentido absoluto do
termo, ou, mais precisamente, um conhecimento que é, em primeiro
lugar, conhecimento simultâneo e recíproco de si mesmo em Deus e de
Deus em si mesmo, que permite àquele que possui esse conhecimento,
o “gnóstico”, salvar-se, assegurando-lhe que pode ser salvo, que o será
e que inclusive já o é?
A perfeição gnóstica é uma reintegração, nisso
assemelhando-se a doutrinas orientais; em primeira
instância, ao budismo e hinduísmo. Trata-se de um
conhecimento que não apenas eleva, mas salva,
permitindo que o eleito venha a livrar-se deste mundo.
Conforme o Zöstrianos, outra das ‘escrituras gnósticas’
(transcrito em As Escrituras Gnósticas de Layton), a
pessoa que se salva é a que procura compreender e,
assim, descobrir a si mesma e ao intelecto. Novamente
citando Doresse (no já citado Historia de las religiones):
Conhecer-se é, com efeito, reconhecer-se, reencontrar e
recuperar o verdadeiro “eu”, anteriormente obnubilado
pela ignorância e pela inconsciência a que a fusão com o
corpo e a matéria submete o homem: a gnosis é em
realidade uma epignosis, um “reconhecimento”, uma
rememoração de si mesmo.’
Gnose é, por isso, um conhecimento que se confunde
com seu objeto, como se as categorias do ser e conhecer
fossem uma só. Isso fica claro através desta citação do
Evangelho do Apóstolo Tomé (também em As Escrituras
Gnósticas de Layton), expressão de um cristianismo
oriental, herético e hermético, afim ao gnosticismo:
As pessoas não podem ver coisa alguma no reino real, a
menos que se tornem essa mesma coisa. No reino da
verdade, não é como os seres humanos no mundo, que
vêem o sol sem ser o sol, e vêem o céu e a terra e assim
por diante sem ser eles. Antes, se você viu qualquer
coisa lá, você se tornou aquela coisa: se você viu o
espírito, você se tornou o espírito; se você viu o ungido
(Cristo), você se tornou o ungido (Cristo); se você viu o
[pai, você] se tornará o pai. Assim, [aqui] (no mundo)
você vê tudo e não [vê] a si mesmo. Mas lá, você vê a si
mesmo; pois você se torna o que você vê.’
É possível observar, através dessas sinopses, uma
diferença fundamental do gnosticismo com relação à
doutrina cristã: a salvação não é mais conseqüência das
ações e da fé, mas do conhecimento. E mais: a
valorização gnóstica do conhecimento equivale a uma
divergência frontal com a ortodoxia cristã, como
argumenta outra importante estudiosa do assunto, Elaine
Pagels (em As Origens de Satanás, Ediouro, Rio de
Janeiro, 1996):
Os cristãos, diz Tertuliano, citando Paulo, deveriam,
todos, falar e pensar as mesmas coisas. Quem quer que
se afaste do consenso era, por definição, um herege,
porque, como observa ele, a palavra grega traduzida
como “heresia” (hairesis) significa literalmente “opção”.
Logo, o “herege” era um indivíduo que faz uma opção.
[…] Tertuliano, porém, reafirma que fazer opções era um
mal, porque elas destroem a unidade do grupo. A fim de
erradicar a heresia, continua, os líderes da Igreja em
hipótese alguma deviam permitir que as pessoas
fizessem perguntas, porque as perguntas é que as
tornam heréticas – acima de tudo, aquelas como as
seguintes: de onde vem o mal? Por que o mal é
permitido? Qual a origem dos seres humanos? Tertuliano
quer colocar um ponto final nessas questões e impor a
todos os crentes a mesma regula fidei, ”regra da fé”, ou
crença. […] O verdadeiro cristão, diz Tertuliano, apenas
resolveu nada saber … que divirja da fé.’
Em sua tentativa de superar a antinomia entre sujeito e
objeto, no gnosticismo a iluminação coexistiu com a
reflexão. Ligou-se, sob esse aspecto, à alquimia e ao
hermetismo de Alexandria, do Corpus Hermetico, seu
contemporâneo. Podem ser-lhe afins tendências
modernas que propõe a síntese ou integração de várias
modalidades de saber, a exemplo do holismo, do
conhecimento amplo pregado por Edgard Morin. Gnose
ainda equivale a um conhecimento secreto, iniciático, do
âmbito dos eleitos: os descendentes de Set, o terceiro
filho de Adão, que detêm o constato com o Espírito.
Distinguem-se dos psíquicos ou crentes, que podem ter
acesso à gnose através do aprendizado e disciplina, ou
seja, de uma iniciação, e dos somáticos ou hílicos,
alheios à dimensão espiritual. Possivelmente, a vertente
esotérica, secreta, do gnosticismo, influenciada pelo
cristianismo oriental dos seguidores dos evangelhos
atribuídos a Tomé, acentuou-se à medida que foi sendo
pressionado e combatido pelo cristianismo ortodoxo,
transformado em religião oficial e imperial no século IV d.
C.
Pode-se, por isso, associar gnosticismo à inquietação
intelectual, ao inconformismo e insatisfação diante do
mundo, e à conseqüente vontade de superá-lo ou
transcendê-lo. Sob este aspecto, William Blake
representa uma reaparição do gnosticismo na poesia,
conforme observado por Pagels, Bloom, Hoeller, e outros
estudiosos. Um exemplo seriam as passagens de The
Everlasting Gospel, com sua exaltação da experiência
individual (traduzo de The poems of William Blake,
Oxford University Press, 1960):
A Visão do Cristo que tu vês
É a maior inimiga da minha visão.
A tua tem um grande nariz adunco como o teu,
A minha tem um nariz redondo como o meu.
A tua é a do Amigo da Humanidade;
A minha fala em parábolas aos cegos.
A tua odeia o mesmo mundo que a minha odeia;
As portas do teu céu são os portões do meu inferno.
[…]
Ambos lemos a Bíblia noite e dia,
Mas tu lês negro onde eu leio branco.
Daí – desse ímpeto rebelde no gnosticismo – a
importância que lhe é atribuída, entre outros, por André
Breton. No ensaio Flagrant délit (em La clé des champs,
Le livre de Poche, 1979) o surrealista, a propósito da
descoberta dos papiros gnósticos de Nag Hammadi,
textos em copta encontrados no Egito a partir de 1945,
apresenta-se como continuador de uma tradição cuja
origem estaria no gnosticismo:
Sabe-se, com efeito, que os gnósticos estão na origem
da tradição esotérica que consta como tendo sido
transmitida até nós, não sem se reduzir e degradar
parcialmente ao correr dos séculos. (Os Templários
teriam recebido seus preceitos na Ásia, na época das
primeiras cruzadas, de um resto de maniqueus que lá
encontraram). Ora, é notável que, sem haverem de
modo algum combinado isso, todos os críticos
verdadeiramente qualificados de nosso tempo foram
levados a estabelecer que os poetas cuja influência se
mostra hoje a mais vivaz, cuja ação sobre a sensibilidade
moderna mais se faz sentir (Hugo, Nerval, Baudelaire,
Rimbaud, Lautréamont, Mallarmé, Jarry), foram mais ou
menos marcados por essa tradição. Não, é certo, que se
deva tê-los por “iniciados” no sentido pleno do termo,
mas os uns e os outros pelo menos foram submetidos
fortemente a sua atração e nunca deixaram de
testemunhar-lhe a maior deferência.
Algo semelhante é observado por Susan Sontag no
prefácio para a edição norte-americana de Artaud
(Antonin Artaud, Selected Writings, Farrar, Strauss and
Giroux, 1976, publicado no Brasil em Sob o signo de
Saturno, L&PM, 1986):
Artaud perambulou no labirinto de um tipo específico de
sensibilidade religiosa, a gnóstica. (centrais ao
mitraísmo, ao maniqueísmo, ao zoroastrismo, ao
budismo tântrico, mas empurradas para as margens
heréticas do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, as
perenes temáticas gnósticas aparecem nas diferentes
religiões com diferentes terminologias, mas com certos
traços comuns). […] O pensamento de Artaud reproduz a
maioria dos temas gnósticos. […] Como os alquimistas,
obcecados com o problema da matéria nos termos
classicamente gnósticos, procuraram métodos para
transformar uma espécie de matéria em outra (mais
elevada e espiritualizada), Artaud procurou criar uma
arena alquímica que operasse na carne tanto quanto no
espírito.’
Alexandrian, em História da Filosofia Oculta (Edições 70,
Lisboa, s/d), atribui-lhe o mesmo alcance: O espírito da
Gnose subsistiu até nossos dias, afirma. E acrescenta:
Todos os grandes filósofos ocultos foram, de uma forma
ou de outra, continuadores dos gnósticos, sem que
necessariamente lhes utilizassem o vocabulário e os
temas, e sem se preocuparem permanentemente com
Pleroma, com os Eons ou com o Demiurgo.
Pelas mesmas razões, Alexandre Roob, em Alquimia &
Misticismo – O Museu Hermético (Taschen, Lisboa, 1997)
também situa o gnosticismo na origem da tradição
mágica e mística ocidental, da qual faz parte a alquimia.
Observa que procedimentos mágicos são uma tentativa
de superar o abismo entre o pleroma, a plenitude
espiritual do mundo de luz divino, e o kenoma, o vazio
material do mundo das manifestações terrenas. […] As
repercussões da consciência gnóstica sobre a vida
intelectual européia são de tal modo vastas e
onipresentes que se torna difícil avaliar sua dimensão: o
homem do corpus hermeticus, dotado de poderes
criadores divinos, funde-se com a imagem do homem
renascentista, que começa a libertar-se das cadeias do
cosmos medieval, estratificado, para se deslocar na
direção do centro do universo.
O cosmo gnóstico foi povoado por um sem-número de
entidades e categorias cujos nomes parecem ser
ressonâncias de línguas arcaicas da Mesopotâmia, do
grego e do hebraico, em um sincretismo que suscitou
comentários de Georges Bataille, em Le bas matérialisme
et la gnose (no Volume I de suas Oeuvres Completes, ed.
Gallimard), acentuando o que essa doutrina tem de
perturbador, ou seja, subversivo:
A gnose, com efeito, antes e depois da predicação cristã,
e de um modo quase bestial, quaisquer que tenham sido
seus desenvolvimentos metafísicos, introduziu na
ideologia greco-romana os fermentos os mais impuros;
emprestava de toda parte à tradição egípcia, ao dualismo
persa, à heterodoxia judaico-oriental, os elementos os
menos conformes à ordem estabelecida; acrescentavalhes seus próprios sonhos, exprimindo com clareza
algumas obsessões monstruosas; não se repugnava, na
prática religiosa, com as formas mais baixas (por isso,
inquietantes) da magia e da astrologia gregas ou assíriocaldaicas; e ao mesmo tempo utilizava, porém talvez
mais exatamente comprometia, a nascente teologia cristã
e a metafísica helenística.
O autor de A Literatura e o Mal acentuou, ainda, a
separação entre gnosticismo, cristianismo, e o monismo
da filosofia helenística. Insistiu que gnosticismo é uma
doutrina autônoma, e não uma heresia ou derivação do
cristianismo, como pretendem muitos de seus
estudiosos:
[…] o neoplatonismo e o cristianismo não devem ser
procurados na origem da gnose, cujo fundamento é
mesmo o dualismo zoroastriano. Dualismo por vezes
desfigurado, sem dúvida na seqüência de influências
cristãs ou filosóficas, mas dualismo profundo e, ao menos
em seu desenvolvimento específico, não emasculado por
uma adaptação ás necessidades sociais, como no caso da
religião iraniana. […] Praticamente, é possível dar como
um leitmotiv da gnose a concepção da matéria como um
princípio ativo tendo sua existência eterna autônoma,
que é aquela das trevas (que não seriam a ausência de
luz, porém os arcontes monstruosos revelados por essa
ausência), aquela do mal (que não seria a ausência do
bem, mas uma ação criadora). Essa concepção era
perfeitamente incompatível com o princípio mesmo do
espírito helênico, profundamente monista e cuja
tendência dominante dava a matéria e o mal como
degradações de princípios superiores.
A conexão Bataille – gnosticismo é comentada por Eliane
Robert Moraes, em O Corpo Impossível (O corpo
impossível: a decomposição da figura humana, de
Lautréamont a Bataille, Iluminuras – FAPESP, 2002), a
propósito dos abraxas, do registro iconográfico do
gnosticismo feito de imagens que sobreviveram a seus
textos, resistindo à destruição:
As concepções gnósticas do início da era cristã propõem
uma subversão dos ideais da antigüidade greco-romana
ao introduzir em seu discurso “os fermentos mais
impuros”, substituindo as formas elevadas pelas figuras
mais baixas. Por recusarem a linearidade e a
homogeneidade próprias das representações acadêmicas,
as imagens polimorfas da gnose provocam intensas
“desordens filosóficas”, o que por certo está na origem de
sua desqualificação enquanto “pensamento decadente”.
Ora, o leitmotiv do gnosticismo seria justamente “a
concepção da matéria como um princípio tendo existência
eterna autônoma”: ao contrário da filosofia tradicional,
que lhe atribui um papel passivo, a gnose confere à
matéria um estatuto novo, até então reservado à idéia.
Portanto, nada de extravagante em enxergar gnosticismo
em Hilda Hilst. Equivale a situá-la em uma tradição ou
linhagem de poetas. E de magos e visionários como, na
Renascença, Giordano Bruno ou John Dee, com seus
projetos de um saber amplo, unificando ciência e magia.
A valorização ou sacralização gnóstica do conhecimento é
evidente, por exemplo, neste belo poema, o VI da série
Poemas aos homens do nosso tempo, publicado em
Júbilo, memória, noviciado da paixão (Editora Globo,
2001), que transcrevo na íntegra:
Tudo vive em mim. Tudo se entranha
Na minha tumultuada vida. E porisso
Não te enganas, homem, meu irmão,
Quando dizes na noite, que só a mim me vejo.
Vendo-me a mim, a ti. E a esses que passam
Nas manhãs, carregados de medo, de pobreza,
O olhar aguado, todos eles em mim,
Porque o poeta é irmão do escondido das gentes
Descobre além da aparência, é antes de tudo
Livre, e porisso conhece. Quando o poeta fala
Fala do seu quarto, não fala do palanque,
Não está no comício, não deseja riqueza
Não barganha, sabe que o ouro é sangue
Tem os olhos no espírito do homem
No possível infinito. Sabe de cada um
A própria fome. E porque é assim, eu te peço:
Escuta-me. Olha-me. Enquanto vive um poeta
O homem está vivo.
Hilda equipara o poeta ao eleito
gnóstico. Associa liberdade e
conhecimento, transformando os dois
termos em um par, de tal forma que
um implica o outro: o poeta é […]
Livre, e porisso conhece. Conhecer é
ser livre, e vice-versa. Mas o que é
esse conhecer? É descobrir além da
aparência, diz ela. Trata-se,
portanto, de um conhecimento
iniciático, esotérico. E qual é o objeto
desse conhecimento? É o escondido
das gentes, o espírito do homem, um
possível infinito. Algo oculto no
íntimo de cada um, revelado pelo
poeta. A poeta confunde ou, antes, funde o objeto do
conhecimento e aquele que conhece, a percepção e o
percebido: Quando dizes na noite, que só a mim me
vejo./ Vendo-me a mim, a ti. E a esses que passa. Saber
enxergar-se é enxergar os outros – e vice-versa. Quer a
superação da dualidade entre sujeito e objeto, lembrando
o trecho citado acima do Evangelho de Tomé, e também
o que sugeriu Baudelaire em A Arte Filosófica: O que é a
arte pura segundo a concepção moderna? É criar a magia
sugestiva que contenha ao mesmo tempo o objeto e o
sujeito, o mundo exterior ao artista e o próprio artista. (a
citação é de Charles Baudelaire – Poesia e Prosa,
organizado por Ivo Barroso, Editora Nova Aguilar, Rio de
Janeiro, 1996).
É possível não apenas identificar uma expressão gnóstica
na escrita de Hilda Hilst, mas também uma atitude
gnóstica, evidente em sua vida: notoriamente agitada
antes de recolher-se à Casa do Sol nas imediações de
Campinas, em 1963, manifesta a vontade de conhecer e
experimentar; de conhecer pela experiência. Assim
também seu interesse não apenas por filosofia, por
religiões (em Estar sendo, ter sido, relata como adquirira
o Baghavad Ghita ainda adolescente de um livreiro
perplexo), mas pela ciência. Daí sua amizade e diálogo
com físicos como ninguém menos que Mário Schemberg
e César Lattes, comentada no já citado Cadernos do IMS,
por Carlos Vogt. E suas próprias experiências no campo
de uma parafísica (a parafísica está para a física assim
como a parapsicologia está para a psicologia), com as
gravações de “vozes dos mortos”, que tiveram tanta
repercussão (também comentadas no Cadernos do IMS).
E a amplidão de sua criação, abrangendo poesia, prosa,
teatro e artes visuais, pois criar é conhecer, através da
exploração do novo.
Retornemos ao escondido nas gentes, e revelado pelo
poeta, conforme o poema transcrito acima. Em
passagens de Hilda, especialmente em Amavisse, há uma
luz interior, que corresponde a uma dimensão oculta da
pessoa: o poeta preexiste, entre a luz e o sem-nome.
Algo foi esquecido, desaprendido: Ai, Luz que permanece
no meu corpo e cara:/ Como foi que desaprendi de ser
humana?. Há um avesso, um oco fulgente num todo
escancarado, que é da altura de dentro. Só pode ser
descrito Na minha língua esquecida, e captado através da
iluminação e arrebatamento que equivalem à loucura: E
do ouro que sai/ Da garganta dos loucos, o que há de
ser?
O encontro com a luz é o resultado de uma viagem, em
um luminoso barco subterrâneo: As barcas afundadas.
Cintilantes/ sob o rio. E é assim o poema. Cintilante/ e
obscura barca ardendo sob as águas.
Esses dois temas em Hilda Hilst, da luz interior revelada
e da viagem rumo à luz, são topoi do gnosticismo. Nas
escrituras gnósticas, há duas modalidades de relatos. Um
deles, o da Queda, acidente cósmico e teológico que se
confunde com a criação e com a absorção da luz pelas
trevas. Outro, de uma ascensão, da salvação ou
reintegração, sempre individual. Ambas, alegoricamente,
são viagens. Em alguns textos, como no Hino da Pérola,
a viagem é de ida e volta, representando a queda no
mundo e a ascensão ao Pleroma. Em outros, como no
Poimandres do Corpus Hermético, é apenas ascendente.
É a tópica gnóstica das viagens: o batismo, a julgar pela
leitura do Zôstrianos, é uma viagem através de águas
celestiais ou cósmicas, a bordo de uma grande nuvem
luminosa, rumo à gnose. (as escrituras gnósticas aqui
mencionadas estão na compilação de Layton, já citada)
Mas essa tópica reproduz algo muito arcaico. Os xamãs,
conforme examinado por Eliade e tantos outros, também
viajavam: a aquisição de seus poderes era precedida pela
ida e volta ao reino subterrâneo, ultrapassando a barreira
da morte – o mesmo tipo de viagem relatada no mito de
Orfeu, patrono dos poetas e dos mistérios iniciáticos
gregos, embora em outro contexto, aquele do resgate da
mulher amada. Ou não? Ou, alegoricamente, reencontrar
Eurídice não equivale a um encontro de almas, a um
reencontro com a luz?
Assim, vê-se que viagens iniciáticas e salvadoras estão
ligadas a um mito, não apenas gnóstico, porém arcaico:
o das duas almas, ou da centelha de luz. Nele, um grão
da luz, simbolizando o princípio criador e o
conhecimento, permaneceria no ser humano. Coexistiria
com uma alma adventícia, falsa, introduzida pelo
Demiurgo. O encontro de luzes, da nossa alma
verdadeira com a instância primeira, equivale à gnose. E
o resultado da aquisição ou conquista da gnose é a
libertação da fatalidade astral, da regência do destino e
das características humanas pela abóbada celestial,
possibilitando o contato com o Espírito, a centelha divina,
distinta da alma adventícia.
O mito das duas almas viria a produzir frutos literários. É
o tema das duplas identidades e divisões do Eu: o duplo
romântico, o Doppelgänger, e seus derivados, como o
William Wilson de Poe; e, com mais propriedade, as
proclamações do Eu sou um outro, de Gérard de Nerval e
do Eu é um outro da Carta do Vidente de Rimbaud. Há,
em Lautréamont, uma negação dessa segunda
identidade, ou recusa a admitir um “eu” imposto por
Deus, aparentando contradizer ou negar a proclamação
de Rimbaud, porém mais coerente ainda com o
pensamento gnóstico.
Esse mito parece, se não universal, pelo menos ser
amplamente difundido. Está em outros relatos sobre a
origem da humanidade, como aquele do confronto dos
titãs com Dionísio. Abel Jeannière (em Lire Platon,
Aubier, Paris, 1990) ao tratar dos mistérios órficos e
dionisíacos na origem do pitagorismo, precedendo a
filosofia platônica, comenta a destruição de Dionísio –
equivalente a Zagreus, sua versão iraniana, ou Hades,
deus dos mortos –, devorado pelos Titãs, os primeiros
habitantes da Terra:
Zagreus-Dionísio imolado ressuscita enquanto Dionísio
vivo, esse “estranho estrangeiro” à vontade em todo
lugar sobre a terra. Quanto aos homens, eles nascem das
cinzas dos Titãs fulminados. […] Misturadas à terra, as
cinzas dos Titãs dão nascimento aos homens. Ora, os
Titãs acabavam de devorar a carne de Zagreus-Dionísio;
uma parcela do divino está, portanto, presente em cada
homem. Nenhum homem nasce sobre a terra sem que,
nele, uma faísca divina não aspire a juntar-se à
divindade, e essa faísca divina que nos constitui no mais
profundo de nós, devemo-la ao martírio de Zagreus.
Em Presságios do Milênio: Anjos, Sonhos, Imortalidade
(Objetiva, 1996), Harold Bloom faz a mesma prospecção
do mito gnóstico da centelha de luz ou alma verdadeira.
Citando E. R. Dodds em The Greeks and the Irrational,
trata da profecia extática na religião de Apolo (anterior
na Grécia ao culto a Dionísio e ao orfismo), associando-a
a um xamanismo grego,
…cuja influência Dodds centra na
distinção entre a psique ou alma
e um “eu” oculto, a princípio
também chamado de psique, mas
que foi aos poucos sendo
chamado de pneuma (“alento”),
ou daimon. […] O eu oculto era
de origem divina, ao contrário da
alma, que para os gregos se
achava muito à vontade no
corpo; o mesmo não se dava com
o novo eu dos xamãs, importado
para a Grécia da Trácia, ao norte, e, portanto, em última
análise, da bárbara Sicília, para onde asiáticos centrais
haviam descido. Daí, conforme Bloom, o antigo
surgimento do gnosticismo a partir do xamanismo,
sobretudo do eu oculto ou mágico xamanista.
Em matéria de dualismo gnóstico, haveria mais a ser
observado em Hilda Hilst. Por exemplo, sua persona,
protagonista de Estar sendo, ter sido, de A obscena
Senha D, de Amavisse, ora ser Hilé, ora Samsara. As
duas expressões se equivalem: em grego ou em
sânscrito, designam o mundo degradado, este mundo, o
kenoma, antagônico com relação ao Pleroma, a
perfeição.
Isso não significa que ela fosse adepta, seguidora de
alguma doutrina, gnóstica ou outra das muitas a que
pode ser associada, especialmente hinduísmo e budismo.
Poetas redescobrem ou reinventam doutrinas e
interpretações do cosmo, conforme constatou Mallarmé,
ao dizer, a propósito de suas visões do Nada e do
Absoluto, que, sem estudá-lo, havia recriado o budismo.
Também Breton, em seu comentário sobre gnosticismo
na poesia romântica e moderna (no já citado Flagrant
délit), supôs que houvesse sincronia entre os antigos
gnósticos e os poetas modernos: Será preciso admitir
que os poetas sorvem, sem o saber, em um fundo
comum a todos os homens, singular pântano cheio de
vida onde fermentam e se recompõem sem parar os
destroços e os restos das cosmogonias antigas, sem que
os progressos da ciência lhes provoquem uma mudança
apreciável?
Diante da reaparição de traços de uma doutrina arcaica,
Breton sugeriu, com belas metáforas, … um poder de
absorção de ordem osmótica e para-sonambúlica dessas
concepções tidas, ao olhar racional, por aberrantes. […]
Nessa floresta virgem do espírito, que margeia por todos
os lados a região onde o homem conseguiu erguer seus
marcos indicadores, continuam a rondar os animais e os
monstros, apenas menos inquietantes do que em seu
papel apocalíptico. São os mesmos animais e monstros
que circulam pelas páginas de Hilda Hilst, que criou um
bestiário pessoal e inconfundível (e o realizou, com sua
matilha de cães na Casa do Sol).
Também Jorge Luis Borges observou essa sincronia, em
Novas Inquirições: Há, na história da filosofia, doutrinas,
provavelmente falsas, que exerceram um obscuro
encanto sobre a imaginação dos homens. A doutrina
platônica e pitagórica do trânsito da alma por vários
corpos, a doutrina gnóstica segundo a qual o mundo é
obra de um deus hostil e rudimentar. Repare-se na finura
de estilo de Borges, ao falar em doutrinas provavelmente
falsas – ou seja, que poderiam ser verdadeiras.
Poetas não são ideólogos e doutrinadores, repito. Assim
como é possível mostrar na poesia de Hilda Hilst as
referências ao Demiurgo e o dualismo gnóstico, também
se pode recortar trechos que demonstrariam o contrário:
um monismo, a síntese, não pela anulação do mundo e
transcendência através do conhecimento, como quer o
gnosticismo, porém pela via da realização amorosa.
Inúmeros comentaristas (dos mais recentes, José Carlos
A. Brito, em Eros e psique no encontro de si mesmo na
poesia de Hilda Hilst, em Agulha 45) já se detiveram na
Hilda lírica e apaixonada, que, em um misticismo do
corpo, vê a união amorosa, e não o ascetismo, como via
para a transcendência. Entre inúmeros outros lugares da
sua obra, isso transparece nos versos que encerram o
aqui já citado Cantares.
Poeira, cinzas
Ainda assim
Amorosa de ti
Hei de ser eu inteira
[…]
Amorosa de ti
Vida é o meu nome. E poeta
Sem morte no sobrenome.
O modo como lirismo e obscenidade se alternam na obra
de Hilda Hilst – a obscenidade, de modo mais evidente na
prosa, inclusive a que ela declarou ser “pornográfica”, e o
elevado lirismo em boa parte de sua poesia –
corresponde a dois movimentos, não antagônicos, porém
complementares, sinérgicos e simultâneos: foi sublime
em Cantares, e ao mesmo tempo escatológica em A
obscena Senhora D, ambos do início da década de 1980.
Pode-se ligá-la a um ramo do gnosticismo, o famoso
gnosticismo dissoluto, que tem semelhanças com o
tantrismo oriental. É a doutrina segundo a qual, para
superar a roda do Carma, a sucessão de reencarnações,
é preciso viver plenamente a vida, em todos os seus
aspectos e possibilidades. Para esclarecer sobre
gnosticismo dissoluto, esta passagem de Jules Monnerot,
em La poésie moderne et le sacré (Gallimard, 1945):
Essas confrarias [dos antigos gnósticos] levam tão longe
quanto possível a transgressão dos mandamentos
cristãos prescrevendo castidade e continência. Chegariam
com freqüência até a transformar as transgressões em
outras tantas obrigações rituais. Que o misticismo não
exclui por natureza a sensualidade, os mais antigos
mistérios o testemunharam irrecusavelmente, não sendo
de espantar que uma época na qual floresceu o
materialismo mágico lhes demande ensinamentos, nem
que uma especulação filosófica desembaraçada de todo
contrapeso celeste se alie de maneira tão humana ao
deboche ritualizado.
Portanto, o encratismo, ascetismo, abstenção total, e a
licenciosidade seriam faces da mesma moeda. Ambos,
expressões da vontade de tomar o contrapé da criação,
como diz Monnerot, contrariando o Demiurgo e suas leis.
Sem dúvida, Hilda Hilst fez isso. Passagens de sua obra –
em Amavisse, a declaração de que o poeta habita nas
ardências, e mais, o poeta habita/ O campo de
estalagens da loucura, e sua crítica à repressão e ao
ascetismo, Ó senhora, porque mora na morte/ aquele
que procura Deus na austeridade – permitem associá-la,
como já o fiz em Amavisse, de Hilda Hilst: pacto com o
hermético, à famosa máxima de William Blake, em O
Casamento do Céu e do Inferno: O caminho do excesso
leva ao palácio da sabedoria. Ou a uma projeção direta
da recomendação do desregramento dos sentidos de
Rimbaud.
Mas pode-se, também, observar ambivalência nessa
dualidade lirismo-obscenidade. Insisto: poetas não
precisam ser ideólogos ortodoxos. Sob a regência do
pensamento analógico, para eles, em lugar do isto ou
aquilo, existe o isto e aquilo.
Ambivalência já foi vista como qualidade importante em
outros poetas – por exemplo, em Baudelaire (por
Auerbach e outros de seus estudiosos). É possível ler
Baudelaire de ponta a ponta, desde os primeiros poemas
de As Flores do Mal, da década de 1840, passando por A
Tampa e outros textos blasfematórios, até seus escritos
finais, como a crítica a Os Miseráveis, como poeta e
pensador gnóstico. Pode-se interpretar o célebre A
Carniça e outros poemas “realistas” como retrato ou
metáfora do mundo degradado, sob a tutela dos Arcontes
e do Demiurgo. E, também, as passagens em que, desde
Ao Leitor, de As Flores do Mal, é dito que inferno e
mundo são equivalentes, e o verdadeiro inferno é este
mundo em que vivemos, algo reiterado no Crepúsculo
Vespertino de O Spleen de Paris – Pequenos poemas em
prosa: … eu posso, quando o vento sopra lá de cima,
acalentar o meu atônito pensamento com esta imitação
das harmonias do Inferno. (do já citado Baudelaire Poesia e Prosa). E, especialmente, em uma passagem
como esta, dos Escritos Íntimos:
Em que consiste a queda?
Se é a unidade feita dualidade, então foi Deus quem caiu.
Ou, posto em outros termos, não será a criação a própria
queda de Deus?
A polaridade aguda, a intensa vivência de antinomias,
dotadas de peso ontológico, impulsionaram sua
criatividade e estão na base de suas idéias e intuições.
Ivan Junqueira, em seu prefácio para As Flores do Mal
(na edição citada de Baudelaire – Poesia e Prosa),
comenta a religião particular de Baudelaire,
estabelecendo um estranho gnosticismo neopagão e
maniqueísta em que Lúcifer ocupa todos os altares.
No entanto, contrasta com seu maniqueísmo a idéia das
correspondências, de fundo místico e de um hermetismo
pronunciadamente monista, que inaugurou uma poética.
No soneto Correspondências, A natureza é um templo no
qual se ouvem ecos de uma harmonia, de uma
vertiginosa e lúgubre unidade. São as mesmas
correspondências presentes na poesia de Hilda, em
trechos como o aqui citado, de Amavisse, em que ela
quis ouvir o vermelho do bronze; ou em deitei-me como
quem sabe o Tempo e o vermelho:/ Brevidade de um
passo no passeio, e no restante de sua riquíssima
imagética.
Principalmente – e assim como em Hilda Hilst – o
gnosticismo de Baudelaire coexiste com o esteticismo, o
culto ao belo, e o lirismo da exaltação do corpo feminino
e do mundo, como A uma Dama Crioula, Perfume Exótico
e A Bela Nau; ou seu correlato entre os poemas em prosa
do Spleen de Paris, o Convite à Viagem. O Baudelaire
lírico e apaixonado corresponde, portanto, a uma das
dimensões de sua obra múltipla e complexa; em outra,
se expressa o pessimista, o crítico radical, através de
blasfêmias de fundo gnóstico.
Até onde poderiam ir esses paralelos, aproximando Hilda
Hilst de autores tão distintos entre si sob outros aspectos
quanto Blake, Baudelaire, Breton, apresentando o
pensamento gnóstico como ponte, elo ou fio condutor?
Adverti, ao longo deste ensaio, quanto ao risco do
reducionismo. Mas, através de doutrinas herméticas,
arcaicas, esotéricas, pode-se enriquecer os estudos
comparados e, por extensão, a crítica e interpretação de
obras literárias. Esta parece ser a opinião, a meu ver
ousada, até revolucionária, de Harold Bloom. Em
Presságios do Milênio, não apenas examina gnose de um
modo erudito, mas declara-se gnóstico.
Independentemente da aceitação de sua teoria da
influência, ou do modo como tentou configurar um
cânone, ele alça a discussão da gnose e gnosticismo em
literatura a um novo patamar. Insiste em seu caráter
universal (nisso coincidindo com as idéias de
sensibilidade religiosa de Sontag e atitude religiosa de
Doresse, já mencionadas), associando-o ao xamanismo
arcaico:
Um eu mais velho e que é a melhor parte de nós, um eu
divino e mágico: essa crença xamanista, que também
chamamos de órfica, me parece a origem de todo
gnosticismo – judaico, cristão ou islâmico – do
gnosticismo secular, alexandrino, chamado Corpus
Hermeticus, que se tornou a base de Bruno e outros
mistagogos do Renascimento italiano. O xamanismo é
universal, e isso talvez explique o curioso universalismo
do que os crentes normativos de todas as eras chamam
de “heresia gnóstica”. (em Presságios do Milênio: Anjos,
Sonhos, Imortalidade)
Em Poesia e Repressão, Bloom vai mais longe. Comenta
os poetas, muitos dos quais foram implicitamente
gnósticos, embora explicitamente mais misteriosos ainda,
e afirma que tanto gnosticismo quanto Cabala podem ser
instrumentos, mais efetivos que modelos e paradigmas
correntes na teoria literária, de interpretação. Referindose a um dos ramos do gnosticismo, a gnose de Valentino,
diz que: A doutrina valentiniana da criação presta-se ao
meu propósito revisionário, que consiste em adotar um
modelo interpretativo mais próximo da postura e da
linguagem da poesia “moderna” ou pós-iluminista do que
foram os modelos filosoficamente orientados. (em Poesia
e Repressão – O Revisionismo de Blake a Stevens,
Imago, 1994, assim como a citação a seguir)
Ao tratar da Cabala, também desafia paradigmas e
teorias literárias: Toda leitura é tradução, e todas as
tentativas de comunicar uma leitura parecem provocar
uma redução, talvez inevitável. A utilização adequada de
qualquer paradigma crítico deveria diminuir os perigos do
reducionismo; entretanto, quase todos os paradigmas
são, em si mesmos, redutivos. A teologia negativa,
mesmo quando beira a teosofia, parece-me a “disciplina”
apropriada para as incursões dos críticos literários
revisionários na sua incessante busca por outras
metáforas para o ato de ler, bem mais do que a
lingüística estruturalista ou o raciocínio por negação da
filosofia continental.
Aceito isso, adotada essa perspectiva, certamente
chocante para as mentes mais cientificistas e positivistas,
então haverá muito, ainda, a ser examinado na obra de
Hilda Hilst, e de tantos outros poetas inquietos, rebeldes,
e, acima de tudo, densos e talentosos.
Claudio Willer (Brasil, 1940) é um dos editores da Agulha. Contato:
[email protected]. Página ilustrada com obras do artista Vicente do
Rego Monteiro (Brasil).
revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
Julio Cortázar, altermundista: algunas
reflexiones sobre su pensamiento social
Carlos Véjar Pérez-Rubio
.
En un trabajo
que tituló
“Algunos
aspectos del
cuento”,
publicado
primero en el
núm. 60 de la
revista Casa de
las Américas
(julio 1970) y
posteriormente en el libro Literatura y Arte Nuevo en
Cuba, [1] Julio Cortázar expresa algunas ideas centrales
del pensamiento social que desarrollará consistentemente
a lo largo de su fecunda vida. Hablando de la Cuba
revolucionaria, dice por ejemplo: “Es aquí donde me
gustaría aplicar concretamente lo que he dicho en un
terreno más abstracto. El entusiasmo y la buena voluntad
no bastan por sí solos, como tampoco basta el oficio de
escritor por sí solo para escribir los cuentos que fijen
literariamente (es decir, en la admiración colectiva, en la
memoria de un pueblo) la grandeza de esta Revolución
en marcha. Aquí, más que en ninguna otra parte, se
requiere hoy una fusión total de estas dos fuerzas, la del
hombre plenamente comprometido con su realidad
nacional y mundial, y la del escritor lúcidamente seguro
de su oficio. En ese sentido no hay engaño posible. Por
más veterano, por más experto que sea un cuentista, si
le falta una motivación entrañable, si sus cuentos no
nacen de una profunda vivencia, su obra no irá más allá
del mero ejercicio estético. Pero lo contrario será aún
peor, porque de nada valen el fervor, la voluntad de
comunicar un mensaje, si se carece de los instrumentos
expresivos, estilísticos, que hacen posible esta
comunicación. En este momento estamos tocando el
punto crucial de la cuestión. Yo creo, y lo digo después
de haber pesado largamente todos los elementos que
entran en juego, que escribir para una revolución, que
escribir dentro de una revolución, que escribir
revolucionariamente, no significa, como creen muchos,
escribir obligadamente acerca de la revolución misma.
Por mi parte, creo que el escritor revolucionario es aquel
en quien se fusionan indisolublemente la conciencia de su
libre compromiso individual y colectivo, con esa otra
soberana libertad cultural que confiere el pleno dominio
de su oficio. Si ese escritor, responsable y lúcido, decide
escribir literatura fantástica, o psicológica, o vuelta hacia
el pasado, su acto es un acto de libertad dentro de la
revolución, y por eso es también un acto revolucionario
aunque sus cuentos no se ocupen de las formas
individuales o colectivas que adopta la revolución.
Contrariamente al estrecho criterio de muchos que
confunden literatura con pedagogía, literatura con
enseñanza, literatura con adoctrinamiento ideológico, un
escritor revolucionario tiene todo el derecho de dirigirse a
un lector mucho más complejo, mucho más exigente en
materia espiritual de lo que imaginan los escritores y los
críticos improvisados por las circunstancias y convencidos
de que su mundo personal es el único mundo existente,
de que las preocupaciones del momento son las únicas
preocupaciones válidas. […] Y pensemos que a un
escritor no se le juzga solamente por el tema de sus
cuentos o sus novelas, sino por su presencia viva en el
seno de la colectividad, por el hecho de que el
compromiso total de su persona es una garantía
indesmentible de la verdad y de la necesidad de su obra,
por más ajena que ésta pueda aparecer a las
circunstancias del momento. Esta obra no es ajena a la
revolución porque no sea accesible a todo el mundo. Al
contrario, prueba que existe un vasto sector de lectores
potenciales que, en un cierto sentido, están mucho más
separados que el escritor de las metas finales de la
revolución, de esas metas de cultura, de libertad, de
pleno goce de la condición humana que los cubanos se
han fijado para admiración de todos los que los aman y
los comprenden. Cuanto más alto apunten los escritores
que han nacido para eso, más altas serán las metas
finales del pueblo al que pertenecen.”
Julio Cortázar había nacido en Bruselas, de padres
argentinos, el 26 de agosto de 1914, justo cuando recién
iniciaba la Primera Guerra Mundial. En 1918, al terminar
la contienda, regresa con sus padres a la Argentina y se
instalan en Banfield (provincia de Buenos Aires), donde
transcurre su infancia, animada por lecturas de Julio
Verne (en La vuelta al día en ochenta mundos le rendirá
un lúdico homenaje) y El tesoro de la juventud, entre
tantos otros libros indispensables para los niños de la
época. Al término del bachillerato, se decide por la
docencia y cursa las carreras del Magisterio y de Letras.
Muy joven fue maestro rural en las pequeñas poblaciones
de la provincia de Buenos Aires, Bolívar y Chivilcoy, en
donde lee ávidamente, escribe en algunas revistas
literarias y aprovecha para perfeccionar el conocimiento
de los idiomas, que lo llevará a obtener el título de
Traductor Público Nacional, oficio que le dará de comer
años después en París, como traductor de la UNESCO.
Luego de esa estancia en la pampa se instala en
Mendoza, al pie de la cordillera de los Andes, en donde
puede enseñar al fin lo que le gusta, literatura, y
aprovecha para ampliar sus relaciones sociales, cultivar
una rica correspondencia y depurar radicalmente su estilo
de escribir. Poco tiempo después, en 1945, hay una
intervención fascista en la Universidad de Cuyo que lo
obliga a renunciar y regresar a Buenos Aires, en donde
trabaja como gerente de la Cámara del Libro hasta 1949.
De ese periodo de su vida, que duró siete años, dice el
mismo Cortázar: “Entre los años del 37 y el 44, viví
completamente aislado y solitario. Resolví ese problema,
si se puede llamar resolverlo, gracias a una cuestión de
temperamento. Siempre fui muy metido para dentro.
Vivía en pequeñas ciudades donde había muy poca gente
interesante, prácticamente nadie. Me pasaba el día en mi
habitación del hotel o en la pensión donde vivía, leyendo
y estudiando. Eso me fue útil y al mismo tiempo
peligroso. Fue útil en la medida en que devoré millares
de libros. Toda la información libresca que puedo tener la
fundé en esos años. También escribí bastante, aunque
publicaba muy poco. Fue una época peligrosa en el
sentido de que me quitó una buena dosis de experiencia
de vida y hasta de vitalidad.” [2]
Clavada la mirada allende el Atlántico, decidido a ampliar
sus horizontes y emprender la gran aventura de su vida,
se va a París en 1951 con una beca de corta duración, a
cuyo término, y después de intentar algunos oficios
pintorescos, consigue trabajo como traductor en la
UNESCO. Esto le permite radicarse permanentemente en
la capital francesa, de la que sólo hará en adelante
visitas esporádicas a la Argentina. Ese mismo año de su
partida deja publicado en Buenos Aires su primer libro de
relatos, Bestiario, en el que ya se encuentran maduros
los atributos de su oficio literario.
El París de posguerra con que se encuentra, y en el que
se sumergirá hasta lo más profundo, está marcado por la
austeridad económica y la tensión política y social propias
de un país que había visto destrozadas muchas de sus
estructuras morales y productivas por el conflicto bélico.
Un país que, no bien terminada la Segunda Guerra
Mundial, se veía involucrado en una cruenta lucha por
mantener intacto su imperio de ultramar ante las
amenazas del proceso de descolonización desatado por
los pueblos nativos. La guerra de Indochina está en la
boca de todos y hace discutir apasionadamente en los
diarios y en los cafés del Barrio Latino y Montparnasse a
la intelectualidad de la época, que emerge desconcertada
de los años negros sin encontrar todavía el camino de la
luz. Es el París cosmopolita de siempre, claro, pero ahora
sumido en el debate del existencialismo y los temores de
la guerra fría y la amenaza atómica. Y de la debacle: la
derrota del colonialismo francés comienza en 1954 en
Dien-bien-phu y termina en 1958 en Argel, lo que
propiciará el regreso al poder del general Charles de
Gaulle. El París del jazz de Charlie Parker y de los cantos
melancólicos de Yves Montand y Juliette Greco.
Inmerso todo el tiempo que le queda libre de sus
responsabilidades con la UNESCO en la creación literaria,
y luego de un segundo libro de relatos -Las armas
secretas (1959)-, Cortázar publica en 1960 su primera
novela, Los premios, una obra maestra que contiene ya
las claves originales de su mundo intelectual, fantástico y
poético. En ella revela su capacidad de subversión con
respecto a la definición de la realidad en la que está
inmerso, de la que alguna vez escribe: “La auténtica
realidad es mucho más que «el contexto socio-histórico y
político», la realidad soy yo y setecientos millones de
chinos, un dentista peruano y toda la población
latinoamericana, Óscar Collazos y Australia, es decir el
hombre y los hombres, cada hombre y todos los
hombres, el hombre agonista, el hombre en la espiral
histórica, el hombre sapiens y el hombre faber y el
hombre ludens, el erotismo y la responsabilidad social, el
trabajo fecundo y el ocio fecundo; y por eso una
literatura que merezca su nombre es aquella que incide
en el hombre desde todos los ángulos (y no por
pertenecer al tercer mundo solamente o principalmente
en el ángulo sociopolítico), que lo exalta, lo incita, lo
cambia, lo justifica, lo saca de sus casillas, lo hace más
realidad, más hombre, como Homero hizo más reales, es
decir, más hombres, a los griegos, y como Martí y Vallejo
y Borges hicieron más reales, es decir más hombres, a
los latinoamericanos.” [3]
“Toda esta realidad en vísperas de manifestarse -escribe
Carlos Fuentes- era la realidad revolucionaria de
Cortázar. Sus posturas políticas y su arte poético se
configuran en una convicción y ésta es que la
imaginación, el arte, la forma estética, son
revolucionarias, destruyen las convenciones muertas, nos
enseñan a mirar, pensar o sentir de nuevo”. [4]
Al momento del triunfo de
los revolucionarios cubanos y
la caída de Batista, el 1° de
enero de 1959, Julio
Cortázar es ya un hombre de
45 años, aunque para
quienes lo conocieron en esa
época aparentaba ser mucho
menor, tanto en el aspecto
físico como en el carácter y la manera de ser. En 1962
viaja por primera vez a Cuba, como jurado del Premio
Casa de las Américas, en donde conocerá de cerca el
proceso revolucionario, experiencia que lo marcará
profundamente y que lo llevará a escribir años después:
“Cuba ha sido un camino de Damasco sin conflicto
visible, pues veo ahora que andaba hace tiempo a mi
manera por ese camino”. [5] ¿La conversión? En cierto
sentido sí, aunque no se partía de cero. La sensibilidad,
la capacidad de percepción, la sólida cultura adquirida a
pulso, los diferentes escenarios en que se desarrollaba su
existencia, le permitían comprender cabalmente la
problemática social de su tiempo, aun cuando estuviera
inmerso en la literatura (o quizás por ello mismo). Y
tomar partido.
Ese mismo año de 1962, su pensamiento social queda
plasmado juguetonamente en su nuevo libro, Historias de
cronopios y de famas, escrito según él “para luchar
contra el pragmatismo y la horrible tendencia a la
consecución de fines útiles”. Un manual de ética
disfrazada por el humor y la ternura en el que se
caracteriza-caricaturiza ingeniosamente a la sociedad
contemporánea, que pronto se convertirá en un mito de
la literatura latinoamericana. “Cuando los cronopios
cantan sus canciones preferidas, se entusiasman de tal
manera que con frecuencia se dejan atropellar por
camiones y ciclistas, se caen por la ventana, y pierden lo
que llevaban en los bolsillos y hasta la cuenta de los
días… Cuando un cronopio canta, las esperanzas y los
famas acuden a escucharlo aunque no comprenden
mucho su arrebato y en general se muestran algo
escandalizados” [6]
Y es que en el mundo de Cortázar, el juego tiene un
papel fundamental. Un juego de paradojas y de ironías.
La actividad lúdica le sirve a los personajes de sus obras
para escapar a la inseguridad, al temor ante un mundo
absurdo e incomprensible en el que los peligros acechan
a la vuelta de la esquina, y para burlarse de ellos y de la
solemnidad con que suelen ser tratados. Y junto a la
noción del juego, está presente también en sus
creaciones la de la libertad, como en Rayuela -un juego
de niños, por cierto-, la más ambiciosa de sus obras,
contranovela de lectura variable y de indudable carácter
autobiográfico que se publicará un año después, en 1963,
y que representa para la prosa española lo que el Ulises
de Joyce para la inglesa. En ella Cortázar identifica su
sentido de la condición del hombre con su sentido de la
condición del artista y denuncia exasperadamente la
inautenticidad de la vida humana en ese mundo que le ha
tocado vivir. Dice Oliveira, el personaje central y alterego del autor: “El problema está en aprender su unidad
(la de la vida) sin ser un héroe, sin ser un santo, sin ser
un criminal, sin ser un campeón de box, sin ser un
prohombre, sin ser un pastor. Aprehender la unidad en
plena pluralidad, que la unidad fuera como el vértice de
un torbellino y no la sedimentación de matecito lavado y
frío.”
Hasta finales de los años sesenta, Cortázar escribirá
cinco libros más, entre los que destaca 62 Modelo para
armar -surgido de la interminable propuesta de Rayuela-,
en el que toca los límites de lo narrativo y advierte de
inicio que “no serán pocos los lectores que advertirán
aquí diversas transgresiones a la convención literaria”.
Libro que la crítica recibe desconcertada, sin saber por
donde agarrar ese clavo ardiente que el autor argentino
pone en sus manos.
La pobreza y la desigualdad social,
los contrastes tercermundistas, las
miserias morales y materiales del
subdesarrollo, le horrorizan para
entonces cada vez más. De ello
habla en una carta que le escribe a
su amigo Julio Silva desde Nueva
Delhi, fechada el 20 de febrero de
1968: “Sí señor; por mi boca habla
la India (…) Hay momentos en que
se tiene la impresión de que no queda ninguna
esperanza. Basta caminar una hora por la vieja Delhi,
mezclado con una muchedumbre miserable y
maravillosamente bella al mismo tiempo, y sentirte
asediado por nubes de niños tan parecidos a los tuyos, a
todos los niños del mundo, sólo que enfermos y flacos y
golpeándose el estómago con una mano mientras te
tienden la otra con la frase que es como el leit motiv de
todo el oriente: limosna, señor, limosna. Por ejemplo, un
artículo que acabo de leer prueba que el precio de un
hotel de primera clase por una habitación, equivale,
diariamente, a la suma con la que seiscientas familias
indias podrían alimentarse también diariamente. A
nosotros nos dan noventa rupias de per diem, es decir,
que recibimos diariamente para vivir una suma mayor de
lo que gana un barrendero por mes, y así sucesivamente.
Te señalo de paso que la mayoría de los traductores
encuentran que noventa rupias diarias no alcanzan para
nada. Y han protestado ya varias veces. En casa de
Octavio Paz hay cinco criados: desde el vallet hasta el
barrendero, y es una de las casas de residentes
extranjeros donde hay menos criados, pues se habla de
otras donde hay veinte […] Todo eso es parte del horror,
y me mancha el viaje, la vida y el aire.” [7]
Podemos advertir en las líneas anteriores de qué manera
impacta la realidad social de ese tercer mundo
hambriento, degradado y miserable, a sus sentimientos y
a sus pensamientos, haciéndolo asumir posiciones
políticas cada vez más comprometidas. Un tercer mundo
que se agita y organiza, encontrando respuestas
solidarias y contestatarias en el corazón de los mismos
centros de poder. Son los tiempos de la descolonización
en África, en Asia y en América, de las cruentas luchas
de liberación en Argel y en Vietnam, en Angola, en
Kenya, en el Congo y Mozambique, por citar sólo unos
cuantos países. Y de la búsqueda desesperada de
alternativas para construir un mundo mejor.
El año de 1968 tendrá un hondo significado en la vida de
Cortázar. Es el año del incidente prefabricado del golfo de
Tonkin y la escalada brutal de la guerra de Vietnam por
las fuerzas estadounidenses, que lo llevará a integrar el
Tribunal Russell junto a Jean Paul Sartre y otros
intelectuales comprometidos, para juzgar los crímenes de
guerra del imperio. El año de los movimientos
estudiantiles en el mundo, detonados por la Revolución
de Mayo en París, con la que Julio se solidarizará
repartiendo panfletos y discutiendo ideas como un
estudiante libertario más. El año del poder negro, Stokely
Carmichael, Ángela Davies, Martin Luther King, los
cantos de Joan Baez en la Universidad de Berkeley, en
donde enseña Marcuse, y la matanza de estudiantes
mexicanos el 2 de octubre en Tlatelolco. El año de la
invasión de Checoslovaquia por las tropas soviéticas y
sus aliados del Pacto de Varsovia. “Teníamos todas las
respuestas, pero nos cambiaron las preguntas”, decía el
graffiti en un muro del Barrio Latino.
Mario Vargas Llosa, su compañero de trabajo y aventuras
en el París de aquel entonces, atribuye un cambio
extraordinario en Cortázar debido al Mayo francés del 68,
un cambio debido más a la ética que a la ideología, a la
que siempre fue un tanto alérgico. “Se le vio entonces,
en esos días tumultuosos, en las barricadas de París,
repartiendo hojas volanderas de su invención, y
confundido con los estudiantes que querían llevar «la
imaginación al poder». Tenía cincuenta y cuatro años.
Los dieciséis que le faltaba vivir sería el escritor
comprometido con el socialismo, el defensor de Cuba y
Nicaragua, el firmante de manifiestos y el habitué de
congresos revolucionarios que fue hasta su muerte”. [8]
En 1970, Julio Cortázar viaja a Chile para asistir a la
toma de posesión de Salvador Allende, que inaugura la
vía democrática hacia el socialismo. Todo es esperanza
en aquel momento histórico para América Latina. El canto
de Violeta Parra y Víctor Jara resuena jubiloso en las
alamedas de Santiago. Tres años después, el derrumbe,
la debacle, el retroceso de la rueda de la historia. Cuando
el golpe de estado del general Augusto Pinochet acaba
con el gobierno de la Unidad Popular y con la vida del
Presidente, el 11 de septiembre de 1973, Cortázar pasa a
ser uno de los más activos denunciantes de la trágica
situación chilena. Son los tiempos de la represión, el
miedo y las oleadas de exiliados.
Poco después, al instaurarse la dictadura militar en su
propia patria, a mediados de los años setenta, escribe
desolado desde París las siguientes palabras: “La
Argentina está cerrada para mí, sine die, y por primera
vez en mi vida me siento exiliado y me duele. Antes vivía
aquí porque me daba la gana, pero ahora, si los
franceses se obstinan en negarme la doble nacionalidad y
los gorilas de allá no me renuevan el pasaporte, andá a
saber en qué circuito me tocará ingresar. No tiene otra
importancia que la personal, claro, pero hace diez años
hubiera sido totalmente impensable.” [9]
Aunque no era estrictamente la
primera vez que se sentía así. En
una carta que le había enviado en
1967 a Roberto Fernández
Retamar, en respuesta a una
encuesta sobre la “Situación del
intelectual latinoamericano”,
Cortázar se revelaba como un
escritor en “auto-exilio”, que
tiene que defender su compromiso con las luchas
políticas latinoamericanas frente a la propia ausencia de
su país. En esa misma carta, que reprodujo
posteriormente en Último round, muestra la comprensión
que tenía ya de la complejidad de su tarea como escritor
y la responsabilidad social que ella demandaba: “No creo
como pude creerlo en otro tiempo que la literatura de
mera creación imaginativa baste para sentir que me he
cumplido como escritor, puesto que mi noción de esa
literatura ha cambiado y contiene en sí el conflicto entre
la realización individual como la entendía el humanismo y
la realización colectiva como la entiende el socialismo,
conflicto que alcanza su expresión más desgarradora en
el Marat Sade de Peter Weiss. Jamás escribiré
expresamente para nadie, minorías o mayorías, y la
repercusión que tengan mis libros será siempre un
fenómeno accesorio y ajeno a mi tarea; y sin embargo
hoy sé que escribo para, que hay intencionalidad que
apunta a esa esperanza de un lector en el que reside ya
la semilla del hombre futuro”.
Es indudable la deuda que Cortázar tiene con el
surrealismo, que él mismo proclama en diversas
ocasiones. En 1949, por ejemplo, escribe en la revista
Realidad: “El vasto experimento surrealista me parece la
más alta empresa del hombre contemporáneo como
previsión y tentativa de un humanismo integrado. A su
vez, la actitud surrealista (que tiende a la liquidación de
géneros y especies) tiñe toda creación de carácter verbal
y plástico, incorporándola a su movimiento de afirmación
irracional.” [10] Habrá que recordar además que el
epígrafe de Rayuela es el fragmento de una carta a André
Breton, aquel que dijo que “para los surrealistas el
hombre es un soñador definitivo”. Y no cabe duda que
también exploró en los vericuetos del existencialismo Kierkegaard, Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus…, cuyas tesis hacían furor en los cafés del Boulevard de
Saint Germain en los años cincuenta, para encontrar su
camino. Son los temas de la angustia y la desolación tan
vigentes en la Europa de posguerra, que él abordará con
su visión de hombre del Cono Sur. Los últimos versos de
su poema Negro el 10, dicen: “Empieza por no ser. Por
ser no. El Caos es negro./ Como es negra la nada.”
Según el escritor y crítico literario argentino Saúl
Yurkievich, uno de sus amigos más cercanos, con quien
compartiera en París tiempos buenos y malos, es en su
última novela, Libro de Manuel, publicada en Buenos
Aires en 1973 y con la que obtuvo en Francia el Premio
Medicis en 1974, en donde el pensamiento social de
Cortázar se plasma sin embargo de manera más clara y
convincente. Dice Yurkievich: “Por primera vez, en Libro
de Manuel, Cortázar busca la convergencia del
compromiso político y la escritura libérrima. Mediante
una textura multiforme, hiperactiva, intenta mancomunar
la chispa, lo ocurrente y lo erótico con lo histórico, lo
ético y lo ideológico directamente explicitados. El
divertimento alterna con la documentación, la fantasía
con el alegato, la quimera con el aleccionamiento. El
Libro de Manuel consigna una realidad latinoamericana
pesada, oprimente, represiva, imperiosa: subdesarrollo,
colonialismo, gorilato, movimientos de liberación,
rebelión juvenil, guerrilla, todo transcripto y testimoniado
literalmente. La macrorrealidad colectiva, la grávida
(como la represión militar con tortura sistemática de alta
tecnología) se entrama inextricablemente con la
intrarrealidad subjetiva (vicisitudes íntimas, ilusiones,
alienación, nudos, fantasmas, sombras, locuras,
desmesuras). La escritura suele ser rapsódica y el
arranque es un sueño […] Cortázar marca con este libro
la peculiar, la poco ortodoxa tesitura de su compromiso
político. A la vez, la gravitación de nuestra injusta y
apremiante historia colectiva lo obligará a reconsiderar
los socialismos reales. Y tratará de aceptar las coacciones
de la realpolitik, el constreñimiento del mundo
pragmático. Adecuará su inveterado inconformismo al
cerco de las condiciones empobrecedoras, al
sojuzgamiento y la expoliación de nuestras sociedades. Y
militará a favor de las tentativas de cambio, pero
tratando de desprejuiciarlas, de desentumecerlas, de
infundirles amplitud imaginativa e inspiración utópica.”
[11]
Julio Cortázar. El gran cronopio. Intelectual militante de
la modernidad latinoamericana y universal desde las
trincheras de la literatura. Escritor lúdico comprometido
con la realidad social y sus agudas contradicciones y sus
vertiginosas transformaciones. Creador situado ética,
estética y políticamente en posiciones de vanguardia.
Hombre que buscó siempre la verdad. Julio Cortázar,
altermundista.
NOTAS
1. Barnet, Benedetti, Carpentier, Cortázar y otros, Literatura y Arte
Nuevo en Cuba, Editorial Estela, Barcelona, 1971.
2. Harss, Luis, “Julio Cortázar o la cachetada metafísica”, en Los
nuestros, Editorial Sudamericana, Buenos Aires, 1966, pp. 262-262.
3. Ver Alain Sicard, “Julio Cortázar, entre lo fantástico y humano”, en
Luisa Valenzuela, Bella Jozef, Alain Sicard, Julio Cortázar desde tres
perspectivas, UNAM, UdeG, FCE, México, 2002, pp. 79-80.
4. Carlos Fuentes, “Veinte años sin Julio”, en Revista de la Universidad
de México, Nueva Época, Núm. 1, Marzo 2004, p. 11.
5. Carta a Jean Thiercelin, 2 de febrero de 1968, en Julio Cortázar,
Cartas, Alfaguara, Biblioteca Cortázar, Argentina, 2000, p. 1225.
6. Julio Cortázar, Historias de cronopios y de famas, Alfaguara, México,
1990, p. 122.
7. En Otra flor amarilla. Homenaje a Julio Cortázar, UNAM - UdeG FCE, México, 2002, pp. 17-18.
8. Mario Vargas Llosa, “La trompeta de Deyá”, Prólogo al libro Cortázar,
Cuentos completos / 1, Alfaguara, Madrid, 1994, p. 21.
9. Carta a Ortega, Saignon, 1976, en “Julio Cortázar entre todos los
juegos”, Revista de la Universidad de México, Nueva Época, Núm. 1,
Marzo 2004.
10. Ver Bella Jozef, “Julio Cortázar. La metafísica del tango o más allá
de la realidad”, en Luisa Valenzuela, Bella Jozef, Alain Sicard, Julio
Cortázar desde tres perspectivas, UNAM, UdeG, FCE, México, 2002, p.
42.
11. Saúl Yurkievich, “Introducción general”, Julio Cortázar, Obras
Completas I, Cuentos, Círculo de Lectores - Galaxia Gutenberg,
Barcelona, 2003.
Carlos Véjar Pérez-Rubio (México, 1943). Escritor, director general de
Archipiélago. Revista Cultural de Nuestra América. Ha publicado los
siguientes libros: Y el perro ladra y la luna enfría. Fernando Salinas:
diseño, ambiente y esperanza (1994), Plaza Cuicuilco y otros cuentos de
variada intención (2001), y Utopía de cristal (2003). Contato:
[email protected]. Página ilustrada com obras do artista
Vicente do Rego Monteiro (Brasil).
revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
La función o transformación de los poetas
Salomón Valderrama Cruz
.
La flor amarga que es figura esbelta
Está pariendo a su hijo el esperpento
Aquel que erigirá en el propio llanto
La flor que será la materia muerta
de las flores negras
¿Existe algún papel para los poetas
en la actualidad? Me refiero, no a la
acción de escribir y exponer un
mundo íntimo en la hoja en blanco
o en el ordenador vacío, sino al
papel de cambiar y ordenar la
realidad, la nueva realidad, la
posible realidad. La que
indefectiblemente nos sumerge o
conduce a la reducción de recursos
necesarios para sostener la vida
(todas las variantes posibles de las
plantas) como la conocemos y concebimos: nuestra vida.
O, en paralelo, para sostener el equilibrio vital (el ciclo de
interrelaciones), se encarga, la naturaleza sabia tiene
que extinguir alguna forma viva (especie cuyos recursos
carecen de espacio, de espaciotiempo) para que
radicalmente no se extingan cuatro o dos o tres. La
misma realidad (realidad = naturaleza) que asume el rol
de transformar los organismos (evolución = adaptación =
mutación) para los nuevos ambientes (biotopos) más
hostiles, más inhóspitos para las otras especies no
partícipes de la transformación; a veces radical (una gran
explosión) o a mejor cuantía y adaptabilidad, proceso
paulatino y lacerado (deseo o función eutanasia). Pero,
claro, es algo que no es nuevo sino que viene copulado a
nosotros desde la primera vez que un hombre definió o
remarcó el espacio o territorio que podía habitar, tal o,
esa especie.
El principio de los, aparentemente,
inofensivos corrales. Corral para las
vacas, las ovejas, corral para los
cerdos... corral, reserva natural o
parques ecológicos, corral o prisión
para los criminales, corral u hoguera
para los herejes; corral, bloqueo
económico o exilio para los
opositores; corral, medios de
comunicación (paneles, revistas,
periódicos, radio,
televisión, teléfono, internet...) o bombardeo constante
de estupidez mecanicoreflejo o reflejomecánico
(condicionamiento = necesidad repetida y asumida
verdadera). Entonces, ¿cuál es la función de los poetas?
¿Asumir lo inevitable y proseguir la senda de los
microprocesadores, de las ingentes metrópolis
automatizadas, del futuro y ya deducido mundo que
prosigue: biotopos = biorobots (ínfimos, pequeños,
grandes, ingentes naves estelares donde se vivirá y
vivirán las futuras sociedades), humanoides (entes, cosas
que asumirán funciones de preparación y reparación de
los contextos o mundos donde está o irá el nuevo
hombre...) Es que está todo evidente: la manera como
en estado y estatus desesperado se consumen y crean
los nuevos medios y formas de alimentación. Sólo
haciendo una analogía de primaria se puede comprender
qué va a suceder cuando el planeta azul esté como China
o India; pienso que así como ellos, desesperados, por
que lo están, sino porqué tan barato la mano de obra, y
su producción en sí (a pesar de la calidad). La deducción
de esto es que el hombre, por algo, está realizando
investigaciones en otros planetas. Claro, no es secreto
que en un futuro, no tan lejano, únicamente podrán
gobernar aquellos que controlen los medios vitales (agua,
vegetales, animales, energía solar o semejante en celdas
de retroalimentación...), los agentes naturales que
permiten la vida y a su vez son los que más peligro
corren de contaminarse, de volverse simple y ordinaria
tierra (estéril = muerta). Esta es la razón por la cual
empresas del mundo entero están en la pugna por lo
último en tecnología genética (sincrónica y diacrónica).
Acelerar el proceso de producción
(un crecimiento óptimo en el
menor tiempo posible) y mejorar
la calidad del producto (hacerlo
inmune a los agentes patológicos
y abarcar lo más posible en
volumen y beneficio). Es que las
poblaciones así lo exigen; parece
ser que, a pesar de todo
(guerras, epidemias y catástrofes
naturales), más son los que nacen que los que mueren.
Sino cómo nos explicamos el, monstruo, total de la
población mundial (en algunos lugares más densa que en
otros). Así tenemos cebollas y papas que superan el
kilogramo, manzanas y plátanos que ya no se malogran,
lana y algodón de color rojo o verde (naturales o, mejor
dicho, modificados)... Aves que crecen en 45, 30, veinte
días solamente (dos kilogramos y a la mesa y al
estómago y a la sangre y al ciclo alterado); y se está
investigando para que este espaciotiempo, todavía
extenso, se reduzca a su mínima expresión. No me
extrañaría que en un tiempo, no previsto, se conciban
aves en un instante (como si atravesaran puertas, en el
tiempo, de su normal desarrollo y estabilidad). Todo por
propulsión genética (los motores del presentefuturo).
Pero no es todo y solamente la necesidad de alimentar
más rápido sino que está la, un poco olvidada y vital,
necesidad (implícita) de poder morir más rápido. Por
supuesto, es lo más lógico; un ente viviente al que se le
altera su ciclo vital (natural) de desarrollo óptimo,
también se le modifica su ciclo de muerte óptima. ¿Qué
arrastrará esto? ya lo sabremos, o ya lo sabrán los
especialistas en alteración y aliteración genética (si es
que no lo saben ya, los filosofobiólogos o biofilósofos).
Yo, puede proponer, que en un ciclo de óptimo
desarrollo, implica, un consumo de una cadena de
desarrollos, también, óptimos (aclarando que, en
realidad, con el matematismo de la genética nunca se
sabe). Pero, qué pasa con un consumo de una cadena
alterada (crecimiento forzado y raudo), acaso, no será
posible, también, asumir en la cadena más grande (el
que aproveche ese alimento) una alteración irreversible
en su óptimo desarrollo; algo así como que,
paulatinamente, su aprovechamiento y crecimiento,
también, sean más rápidos y así una vida más corta. Lo
que estaría, directamente, afectándonos a nivel genético
y masivamente, desapercibido, hasta que será tarde. Es,
singularmente, una hipótesis que puedo elaborar de tan
gigantesco y muy complejo mundo. Al mismo nivel y con
igual particularidad, me pregunto y cavilo sobre este
mundo enigmático de las computadotas y el internet
(universointernet); siempre me sorprende la posibilidad
de almacenar y trasladar tanta información junta de un
lugar a otro (a veces me parece infinita). Pero pienso y
veo que no es cierto, sino que todo radica en la
contrariedad, paradoja, de que (un posible), en un
instante la capacidad binaria del símbolo se pierda o
simplemente cambie por sí misma (en el lenguaje de las
computadoras) a otro código; a una especie de lenguaje,
todavía, no viable de interpretar.
Para ser directos, la posibilidad
de esta red cerrada o cíclica de
conjugar un virus de tal manera
que ningún programa de
traducción funcionara. ¿Qué sería
del hombre moderno? Sólo de
pensar me causa pánico, ya que,
si bien, yo no soy o no sería el
afectado directamente, sí lo sería
en vía indirecta; ya que estoy tan
acostumbrado como cualquier
hombre moderno. Aunque hay
algo que me salva o nos salva;
ese callado, fiel y verdadera
puerta de lo infinito que es el libro. Sí, el libro que se
vuelve joya cuando las explosiones llegan y expanden su
poder electromagnético. El libro en todas sus
posibilidades y formas: el libro conjugado en un papiro o
pared egipcia, el libro depositado en tocapus o quipus
incas, el libro o semiótica de los tatuajes o simple y
hermoso libro de la Biblioteca del Congreso de
Washington. Aunque en la realidad, o modo de vida
diaria, en el año 2005 todos, o casi todos, consumimos
alimentos modificados genéticamente en vías directas
(por los genes) o indirectas (por los agentes que se usan
para cultivarlos). Además, todo esto surgió de una de
tantas charlas con mi hermano, quien propone: El asunto
de las guerras, no obstante parezca descabellado, es algo
que tiene que ver con la naturaleza. Sí, me refiero a que
la sabia, madre, naturaleza crea estas guerras para
controlar la población mundial; y no como dicen por ahí,
para vender armas y aniquilar al enemigo. Bueno, cierro
así por que éste es un artículo poético, aunque
desborden los límites absurdos o no tanto; esto, creo,
más discutible que todo lo anterior, ya que se opondría a
pensadores tan geniales como Schopenhauer o
Nietzsche, a ya saber, esto es para otro artículo.
Salomón Valderrama Cruz (Perú, 1979). Poeta. Autor de Encrucijada
(2002), y Anemómetro (2003). Contato:
[email protected]. Página ilustrada com obras do artista
Vicente do Rego Monteiro (Brasil).
revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
La posibilidad de representación plástica
en la obra de Federico García Lorca
Susana Giraudo
.
Parece una incongruencia
detenerse el tema de la
presencia de la pintura y el
dibujo en la obra de Federico
García Lorca, pero es
insoslayable hacerlo, teniendo
en cuenta que el propio
Federico apelaba a ella en
afán por alcanzar el clímax de
su fuerza expresiva.
Así como en muchas oportunidades hemos podido
comprobar que existieron pintores dedicados a escribir
(Leonardo con sus Máximas Filosóficas y Morales y Van
Gogh con sus bellísimas Cartas a Theo), hay también,
pero tal vez en mayor cantidad de casos, escritores
puestos a pintar.
Podemos descifrar los hombrecillos patéticos de Kafka,
explorar los tenebrosos castillos de Victor Hugo y
completar de este modo una variada secuencia de logros
y fracasos de escritores que pintan.
Una mención aparte merecen William Blake o Rossetti,
que han sido talentosisimos poetas y magníficos pintores.
Es posible, de la misma manera, rescatar los nombres de
Hardy, Carlota Brönte, Carroll, Rimbaud (garabateando
feroces criaturas en los espacios en blanco de sus libros)
y porqué no, atisbar a un sorprendente Baudelaire,
pergeñando retratos de sus contemporáneos y también
en su famoso y logradísimo autorretrato, admirado por
su enorme de dramatismo.
Ya en nuestro siglo, Hesse fue autor de exquisitas
acuarelas, Jean Cocteau inventaba su poesía plástica y
Alberti sus liricografias. También en nuestro país,
tenemos ejemplos innumerables de pintores que escriben
y escritores que pintan. El más sorprendente y cercano
en el tiempo es Ernesto Sábato, del que podríamos decir
que en sus espectros sombríos, presencias veladas y
espíritus sin paz, muestra su toda memoria encendida en
denuncia. Sábato, abandona la exactitud, obscena prisión
de portaobjetos y de formulas, para enfrascarse en los
verdes y oscuros fantasmas de su propia vida y de su
propia muerte.
Todo este, para algunos, tal vez innecesario introito,
puede conducirnos o mejor dicho centrarnos en Federico
Garcia Lorca. Recordemos que no pocas fueron las veces
en que acompañó sus poesías, cartas y piezas teatrales
con dibujos al parecer infantiles, pero que en realidad, a
los ojos de un entendido, son gráciles y nítidos, con la
solidez que solo otorga una personalidad madura y
genial.
Casi tendríamos que decir que es imposible imaginar o
considerar la obra pictórica de Lorca, sin su obra escrita.
Al igual que Alberti y nuestro Mujica Lainez, la suya es
una creación visual consustanciada con sus escritos, casi
como aquellos orientales- japoneses y chinos- que hacen
de texto y trazo un solo hecho estético.
Alguna vez, Garcia Lorca lo confiesa abiertamente :
"Cuando un asunto es demasiado largo o tiene
poéticamente una emoción manida, lo resuelvo con los
lápices. Esto me alegra y divierte de manera
extraordinaria".
En su momento, llega a exponer en una famosa galería
de Barcelona. En aquel momento, algunos críticos fueron
con el poeta tiernamente feroces : "Ha obtenido un éxito
de simpatía" decían. Y Sebastián Gasch, su amigo,
reaccionó defendiéndolo a gritos : " ¡Dibujos de Garcia
Lorca en las Galerías Dalmau! ¡Que los burócratas del
arte, que los miedosos, que los sedentarios pasen de
largo!"
Hoy, setenta años después de aquella exposición, los
dibujos de Lorca relucen con sus colores pastel, su
ingenuidad casi perversa y su doméstica e intima
temática. Poesía y teatro lorqueanos están colmados de
imágenes sugerentes de las que el mismo no pudo
sustraerse.
¿Quien no ve con nitidez los colores y las imágenes
oníricas en el Romance sonámbulo, La casada infiel,
Preciosa y el aire? Son tan explícitas sus figuras y sus
metáforas que parecieran que el poeta tiene un pincel en
una mano y en la otra una paleta de colores dramáticos y
únicos.
Trescientas rosas morenas
lleva su pechera blanca
Recrear esta imagen seria
casi una profanación.
Lorca siempre se presenta
ante nuestros ojos como un
poeta lírico, pero ya en los
años iniciales de su carrera,
nos encontramos con
tentativas dramáticas tales
como “El maleficio de la
mariposa".
Paralelo al desarrollo de su lírica, su potente y rica
personalidad lleva adelante una obra de autor dramático
que es la mas importante y auténticamente poética del
nuevo teatro español.
No puede hablarse de un Federico Garcia Lorca poeta
dramático o lírico como de entidades distintas, ya que, a
través de toda su obra, se impone la impresión de una
unidad absoluta en cuanto a concepción de la vida y el
modo de trasmitirla artísticamente.
Garcia Lorca es un caso único de desbordante vitalidad
poética y dramática , plásticamente multiforme, pero
rectilínea. Este andaluz ejemplar circula por sus
canciones, por sus cándidos dibujos y por sus obras de
teatro, con intensidades y plenitudes distintas en cuanto
a la realización, pero con el mismo empuje de entera
unidad humana. Es por eso que, al hablar de lo
dramático en él, no habría necesidad de recorrer su
teatro, porque antes de ello se puede, desde sus
primeros libros de poesía, sentir su violenta palpitación
dramática.
El mismo Lorca poeta, no deja solo al dramaturgo y es
así como lo larga al ruedo munido de un colorido
personal y único. Todos sus dramas son explícitamente
descriptos y de tal manera representables que de pronto
sorprende con una obra descarnada y extraña como lo es
El publico.
En ella, un Lorca que podriamos llamar nuevo, distinto,
decide mostrar en un casi co-relato con Poeta en Nueva
York, una crispada y soterrada característica de su
personalidad. Y lo hace recurriendo a símbolos y códigos
no tan claros, sino dirigidos a ese publico que, como
mirándose a un espejo, se verá (en algunos casos)
representado en sus mas intimas y reprimidas
sensaciones.
Lorca no lo dice con palabras, pero el lector de El publico
puede ver un rojo de sangre que llevado a la tela debiera
ser elaborado minuciosamente, solo pensando en el
drama de Federico, en su pasión, su pudor, su
complejidad personal que rezuma enjundioso y
desafiante dramatismo.
Federico dibuja con palabras sus cuadros y ofrece figuras
plásticamente representables por una paleta altamente
descriptiva:
Una, cubierta de pámpanos rojos
toca una flauta sentada sobre un capitel.
Otra, cubierta de cascabeles dorados, danza
en el centro de la escena.
El dialogo entre las dos figuras
arroja imágenes visuales crudas y
coloridas. Cada tramo de la obra
va marcando con los matices del
lenguaje, un color, una imágen,
una intensidad. Es imposible así,
ignorar los pasos plásticamente
aprovechables del transcurrir de
la obra.
Tal vez, como en ninguna otra,
en El publico, lo descriptivo de los
cuadros, las figuras y los
sentimientos, se muestran para un pintor prevenido, en
cada rincón y en cada situación, de maneta tal que no
puedan ser pasados por alto.
Como toda obra surrealista, uno cree ver sobrevolar
sobre ella al ángel y a la musa, mezclados con el cuerpo
de boxeador del poeta y con sus ojos vívidos e
iluminados.
Andre Breton, abogaba en esos tiempos de Lorca, por la
escritura automática, por la expresión espontánea y sin
inhibiciones, fuera del control de la razón. Y aquí es
donde debe aparecer la inspiración plástica, obediente a
estas consignas con las que en El publico insita casi
violentamente.
Con respecto a esto, Lorca le dice a Sebastián Gash
"!Ojo, ojo! No es surrealismo, es una tremenda lógica
poética". Y a pesar de esta aclaración, es difícil encontrar
en esta obra imágenes de una plasticidad coherente. Al
igual que Bosh en El jardín de las delicias, en El publico el
pintor podría encontrar composiciones de autentica
pesadilla. Los mensajes desesperados y llenos de
violencia, mal podrían inspirar una obra plásticamente
considerada realista.
Es evidente que la obra del Bosco y de Goya, debieron
dejar una honda huella en Lorca, dado el interés que este
sentía por la pintura. En Los desastres de la guerra y Los
caprichos , hallamos implacables escenas de la
inhumanidad del hombre para con el hombre y es en
ellos que se nos muestra la realidad escondida bajo la
mascara humana, aspecto este íntimamente relacionado
con algunos de los temas de El publico.
El mismo Dalí, con su método critico-paranoico, por
medio del cual llega a pintar los sueños y las imágenes
inconscientes manteniendo el control de lo que estaba
haciendo, ejerce sobre Lorca un impacto visual que se
acrisola con la estrecha amistad que los une. Amistad
que, por otra parte, es aun hoy motivo de análisis por
parte de los estudiosos de la obra de ambos artistas.
Dali pinta La persistencia de la memoria, El nacimiento
de los deseos líquidos, Suave construcción con judías
cocidas, Premonición de la guerra civil y Sueño, en
perfecta coherencia con el teatro dramático-surrealista
de su intimo amigo Federico,
Otro tema que Lorca desarrolla en El publico y que
plásticamente es mas difícil de plasmar es el del amor.
Aunque en esta parte de la obra el hace frecuentes
referencias a Romeo y Julieta de Shakespeare, sin
embargo, el carácter fortuito del amor como lo trata
Lorca, esta mas ligado a Sueño de una noche de verano
del mismo Shakespeare.
Lorca opinaba que el amor, que nada tiene que ver con la
voluntad de las personas, se da en todos los niveles y
con la misma intensidad, ya sea entre hombre y mujer,
como entre dos hombres o entre dos seres cualquiera.
Aquí podemos destacar una extraña analogía de
conceptos con los poetas y sabios persas Rumi y Shams
de Tabriz, fundadores en el siglo XII del llamado
movimiento Sufi.
Los temas principales de El
publico ya habían sido
enunciados, en su mayoría, en la
primera producción poética y
dramática de Lorca y seguirían
siendo los temas dominantes de
su obra posterior. Pero el tema
del amor homosexual, aunque
latente en la primera producción
lorquiana, no pasaría a primer
plano hasta su estancia en Nueva
York.
Federico deja asomar con fuerza,
en poemas como Oda a Walt
Whitman, el mas oscuro punto de
su personalidad y es en ese momento en que trabaja
arduamente en su obra El publico. Otros poetas dejan
transparentar este tema de la homosexualidad, pero
Lorca consideraba, sobre todo en Whitman, que era la
personificación del hombre viril, del hombre en busca del
amor puro y total, a alguien que no podía compararse
con personas de cierta ambiguedad. Aquí, en este punto,
es donde vuelve a aparecer la extraña similitud de
conceptos con Rumi Y Shams de Tabriz.
Lorca sufre la impiedad de su propia mirada puesta sobre
si mismo y estos ejemplos del tema del amor frustrado
en el hombre, encuentran una expresión mucho mas
fuerte e incluso mucho mas trágica en los personajes de
esta obra, como son el Director y los tres Hombres, que
buscan infructuosamente y no encuentran el objeto de su
búsqueda.
Es aquí donde vuelven a aparecer imágenes que, llevadas
a la expresión plástica, serian de un dramatismo crudo y
para nada surrealista. Pero cuando junto al Director
aparecen los cuatro caballos blancos, el tema va
mutando de matiz y el símbolo de los caballos blancos
(que aquí es la pasión), bien podría campear sobre un
fondo rojo con un toque de magenta que lo convertirían
en un tono particular y único. Siempre de acuerdo a una
visión muy subjetiva y personal de la obra.
La presencia del biombo y su juego entre lo falso y lo
verdadero, también nos ofrece material valioso para el
desarrollo de una serie. Las escenas, de una crudeza y
una violencia inusitadas, son perfectamente
representables. Es el momento en que debiera aparecer
un juego de colores que recorriera la gama de los azules,
pasando por los rojos hasta desembocar el dramatismo
del violeta, sin olvidar algún trazo indispensable de negro
brillante.
Todo esto, que podemos señalar en Ruina Romana y que
nos inspira en forma y colorido es, en definitiva, lo
mismo que encontramos en el acto quinto, donde el
desnudo rojo y el rico despliegue de personajes nos
llevarían a un análisis similar.
Es inenarrable la serie de obras que, de acto en acto van
insinuándose para nacer, si se quiere, de una paleta
inspirada en los sentimientos llevados al color y luego a
la imagen. Desde el comienzo hasta el fin de El publico
se puede demostrar que, mas allá del drama narrado con
palabras, develando la mas profunda e intima de las
facetas de la personalidad lorquiana, esta obra no solo
es perfectamente representable teatralmente hablando,
sino que, trasladada a las artes plásticas encontraría una
inesperada representatividad maravillosa y
complementaria.
Susana Giraud (Argentina, 1947). Poeta e artista plástica. Autora de
Trazo y poema (1988), La luna en fuegos del final de Noviembre (1998),
e La armonía de las desarmonías (2001). Contato:
[email protected]. Página ilustrada com obras do artista Vicente
do Rego Monteiro (Brasil).
revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
Lina Zerón en su morada de mariposas
(entrevistas)
José Geraldo Neres
.
Lina Zerón es una poetisa intensa e inmensa, una mujer
poeta de muy altos relieves que ha empezado a florecer
en los principios del siglo XXI.
Otto-Raúl González
Palabras de poeta… cataratas
en el alma regadas en las venas
de la tierra, en las albas
montañas, flotando sobre
azules aguas, viviendo en
frondosos bosques, forjando
caminos en las extensas
planicies de la alma.
¿Qué hay detrás del
silencio?¿Cuántas palabras
bastan para formar un muro transparente contra el
olvido? ¿Miel o amargura? “áspero fruto mi vientre/ fuego
somos/ mariposas se suicidan/ cuerpos de luz/ sombras
somos/ un insecto que nace en las mañanas y muere por
la tarde entre tus muslos soy/ amuleto / turbulenta
agua/ lámpara que guía a los ciegos soy. / somos raíces
cálidas de la tierra”. (fragmentos del poema “Antes de
amarnos”, de Lina Zerón).
¿Que palabras quieres ocultar? ¿Quién podrá ver con
estos ojos de niebla cuando me atropella el llanto? ¡Cada
gota es un grito de silencios!
Rompí las cadenas, los arraigos, extraje lo sonido de los
vientos de la humedad de las rocas. Hueles a música. En
el mustio dolor de los abismos, fluye el hambre de mi
piel, caricias, gotas, juegos borrascosos del placer. !Hoy
te ofrezco el maná, lluvia, ventanas asidas de luz, camino
fértil sin cenizas, fuego azul que se consume! !Hoy
quisiera arrancarme el alma! ¿Miel o amargura? Lo difícil
es mudar de piel. Lo más difícil es arrancar raíces, mi
alma y mi cuerpo no son más míos.
Ahora bebo el agua amarga de amargo olvido, y pretendo
detener el tiempo – una boca de piedra calcinada – la
pasión del cuerpo en pecho descansa, la espera del
amante humedece el vientre… ¿Sentimiento femenino? El
ser de otro es relativo. Pétalos fecundaron en las manos,
viento. Agua espesa.
Todo anidó en los ojos, consumación de la luz, voy
tambaleante hacia el nuevo encuentro. Traté de apresar
con la punta de los dedos el sonido de mi piel el recuerdo
de tu imagen, con mi lengua el sabor de tus besos, pero
sólo pude sentir el hueco dejado por el olvido.
Palabras de poeta… Fui semilla de sol plantada en la
tierra parida por un tornado de agua entre polvo estelar y
alarido de colores. Palabras de mujer, totalidad…
tormento que se consume en sí misma, río, sombra,
caminos de fuego sobre agua, emociones, amores
entretejidos en su alma, tornasol de sensaciones
cubiertos por piel de mujer. “Estrellas de mar mi cuerpo;
/ tu olor, orgía de aromas sacudiendo la noche; / tu voz,
serenata de piel cosechada a fuego lento, /tu joven
cuerpo, galopando mi capitulado vientre”. (fragmentos
del poema “Serenata de piel”, de Lina Zerón).
Mujer que duerme en la jaula con los leones al ponerse el
sol. Soy libre por decisión propia, camino lodoso, oscuro,
la lluvia me ahoga, me atrapa la hierba. Vivo en un país
tan grande que todo queda lejos: la educación, la
comida, la vivienda. Tan extenso es mi país que la
justicia no alcanza para todos. Y por la patria viste yacer
tantos muertos en las calles, las tumbas empolvadas de
tu gente, y aprenderán a calentarse el corazón tan sólo
de recuerdos de una patria que nunca volverán a
mirar. ¡Olhos: crepúsculo de outono, céu sereno, cristal
de estrelas de fogo!
¿Dónde quedó la historia, el verde paisaje, la sapiencia
del cosmos, nuestra sangre milenaria? ¿Qué hay detrás
del silencio?¿Cuántas palabras bastan para formar un
muro transparente contra el olvido? ¿Miel o amargura?
En la tentativa de revelar un primer velo o asistir el vuelo
de la poesía que se hace "mariposa" – que no se prende
a las bellezas momentáneas – pero dialogando con todas
las máscaras de nuestro cotidiano. Un diálogo teniendo
como guía el libro Los colores del tiempo, que reúne
parte importante de la obra de Lina Zerón (México,
1959). Así recorto imágenes – un mosaico compuesto de
palabras– en la tentativa de una breve presentación de
esta poeta. [JGN]
JGN – Poeta errante, editora, periodista cultural, lo hay
que decir de Lina Zerón, en las palabras de Lina?
LZ – Soy una mujer que se
enfrenta a sus miedos, con
muchas pequeñas metas, que
acepta y vence retos, que vive al
máximo cada día, que transfigura
vivencias del exterior y lo mezcla
con las internas para gestar su
poesía, que defino como pasión,
viviencia y conocimientos. Me
atemoriza la mediocridad, la
envidia, los celos, el arrivismo.
Soy una mujer comprometida con
la realidad social del mundo en todos los aspectos, social,
político, cultural que busca que mi voz permeé de los
círculos literarios a las más profundas raíces de la
sociedad. Mi compromiso con el mundo de la cultura es
difundir a todos los autores que pueda, sobre todo a
aquellos que no son protegidos del sistema
gubernamental, los poetas como yo que trabajan para
vivir y viven para escribir. Soy poeta desde que recuerdo,
primero declamando poemas de otros, luego escribiendo
la propia. Mi poesía es lírica, por lo tanto el sujeto poético
soy yo misma. Abordo aspectos que me determinan, pero
no busco o pretendo psicoanalizarme, hacer poesía es
quebrantar el orden del lenguaje. Yo me he preocupado
por enfrentar mis propios fantasmas, mis propias
percepciones. Ahora me preocupa más la sonoridad y la
imagen. Pero antes que nada, entregar mi ser más
profundo. De manera correcta, si, pero que todos la
entiendan.
JGN – Visitando su página personal
www.linazeron.com podemos tener acceso a algunas
de sus entrevistas: Aitana Alberti, Ernesto Cardenal,
Floriano Martins, Mario Benedetti, Otto Raúl González, y
muchos otros. ¿Podría decir un poco más sobre sus
actividades de periodista cultural?
LZ – En mi labor de periodista cultural a parte de mostrar
la obra de un poeta o escritor busco presentar al ser
humano con la finalidad de que el lector lo ubique en el
mundo cotidiano en aspectos que le son afines y
comunes. Difundo también poesía, cada 15 días aparece
una columna en El Financiero que se llama la Furia del
Pez, sobre poesía, son selecciones de varios autores,
trato sobre todo de publicar a los contemporáneos que no
a los más famosos. Fue una actividad que se dió por
azar, sin proponérmelo y que disfruto enormemente. El
editor de cultura del Financiero, Victor Roura, conoció mi
trayectoria poética y mi obra, me invitó a participar como
colaboradora haciendo selecciones de poesía, luego Hugo
Gutiérrez Vega, me invitó a colaborar realizando
entrevistas en El Semanal de la Jornada y Miguel
Barberena en el Excelsior, es algo mágico para mi todo lo
que sucede a raíz de mi poesía, me invitan a leer mi obra
en otros países, a colaborar en periódicos, a pertenecer a
los comités organizadores de Festivales de Poesía, a ser
jurado en certámenes, y muchas otras cosas que van
haciendo mi almanaque de recuerdos.
JGN – En febrero pasado estuvimos en el “1° Festival
Internacional de Poesía, de la ciudad de Granada,
Nicaragua”. En aquella atmósfera colonial pudimos
disfrutar, conocer, dialogar con una buena fracción de la
poesía contemporánea latinoamericana. Me gustaría que
usted hablara sobre este festival, y también del X
“Festival Internacional de Poesía, de La Habana, Cuba”.
¿Cual es la importancia de estas manifestaciones
literarias? ¿Lo que representa esa movilización de
poetas? ¿Cuáles los más importantes encuentros
literarios de su país? En su punto de vista cual y como
sería un encuentro poético ideal.
LZ – Lo más importante de todo Festival de Escritores,
poetas, hacedores de cultura o arte es encontrarse con
sus pares, conocer lo que se está escribiendo en este
momento, aquí y ahora, dejar a los muertos en paz,
recordarlos pero descubrir lo que gesta nuestro agitado
mundo.
El Festival de Granada fue muy bien organizado, en una
ciudad hermosa como Granada, Nicaragua, con asistencia
de importantes poetas ya reconocidos, con trayectoria y
también con poetas contemporáneos, y sobre todo el
contacto con el público me pareció muy bueno. Una
organización casi impecable.
El Festival de La Habana destaca de otros Festivales, el
compromiso de los poetas ante la problemática mundial,
preservar el medio ambiente, manifiestos por la paz,
adentrarnos en su realidad social, no solamente el ir a
escuchar poesía y convivir entre poetas.
Los Encuentros o Festivales más importantes del país son
los sustentados por el gobierno ya que se les otorga a las
instituciones de cultura recursos económicos para poder
invitar poetas de muchos países, pagándoles aviones,
hospedaje y alimentos y en algunos casos, honorarios y
estos son: Poetas del Mundo Latino, en Morelia,
Michoacán. La Feria del Libro de Guadalajara y el Zócalo
de México, y el Encuentro de Tamaulipas. Pero en todo el
país, en diferentes fechas del año existen Encuentros o
Festivales que merecen mucho la pena tanto por el
esfuerzo de los organizadores como de los poetas que
llegan a los mismos, entre ellos están: El Festival de
Salvatierra, Guanajuato que se realiza en febrero. El
Encuentro de poetas de Zamora, Michoacán, que se
realiza en el mes de junio. El Encuentro de Cd. Juárez
que se realiza en mayo. El Encuentro de poetas del caribe
en Playa del Carmen, Quintana Roo, que se lleva a cabo
en el mes de octubre y el Encuentro de Mujeres poetas
en el país de las nubes en la mixteca oaxaqueña en el
mes de noviembre. Hay más, muchos más, pero a estoy
yo he asistido.
Un Festival ideal de poesía sería
aquel donde se conviviera con la
gente de la ciudad, del pueblo,
los de a pié, dando lecturas a
plaza abierta, en los mercados,
las cárceles, con estudiantes de
universidades y bachilleratos,
pero siempre atentos a la calidad
de la poesía que se va a exponer
porque cualquier obra artística
termina su círculo cuando se
muestra a la sociedad y esta
debe ser algo bien hecho, escrito, elaborado, no
cualquiera es poeta, eso lo decide el público, los lectores
pero también la crítica especializada, debe haber una
selección previa y un número limitado de buenos poetas
extranjeros como nacionales y una excelente logística
que lleve a buen término un Festival y la publicación de
las memorias del Encuentro, con poesía de los
participantes, fotos, anécdotas y se le pudiera dar algo
de honorarios a los autores, aunque fuera significativo.
JGN – En una respuesta anterior (número 2) usted
demuestra una preocupación con la divulgación de
nuevos autores “trato sobre todo de publicar a los
contemporáneos que no a los más famosos”; me gustaría
saber lo que se está haciendo en su país con relación la
poesía, literatura de los jóvenes autores; ¿existe algún
incentivo? ¿premios que posibiliten la esos jóvenes se
dediquen totalmente la literatura? ¿o eso es una utopía o
territorio de pocos privilegiados?
LZ – En México existen becas y premios para jóvenes
creadores, por parte del Conseja Nacional para la Cultura
y las Artes, (CONACULTA), también por parte de
universidades de distintos Estados. Todo el año abren
certámenes para menores de 30 años y otorgan becas y
no todos premios son otorgados mañosamente. En los
medios de difusión escrita como periódico, revistas,
suplementos dominicales de periódicos prestigiados es
muy raro que promuevan los valores nuevos, esto se
maneja más bien por amiguismo, el Periódico el
Financiero en su sección cultural se escapa a esto ya que
aquí se da cabida a todos. Los Festivales de poesía que
organizan en México, los que son sustentados por el
gobierno, se les da prioridad a los poetas extranjeros y
los mexicanos que van son siempre los mismos, poetas
ya con mucho prestigio o amigos de los organizadores, y
eso lo he visto en todo el mundo porque yo como
extranjera en tierra ajena son elogiosamente bien
recibida, y ahí se cumple el adagio: “nadie es profeta en
su propia tierra”.
JGN – Recientemente aconteció un evento literario en la
ciudad de São Paulo, que dentro de sus temáticas fueron
discutidas la poesía y literatura femenina. El
cuestionamiento fue amplio y bien interesante. Creo que
no existe sexo en la literatura, existe sí la buena
literatura y la mala literatura; donde el sexo u opción
sexual no importa, importa sólo la calidad literaria. ¿Lo
que usted tiene a decir sobre esa cuestión? En México
existe un festival literario de mujeres escritoras; ¿cual la
motivación para realizarse ese evento y lo que él
representa?
LZ – En los albores del siglo XXI donde la sociedad tiende
a ser una y el ser humano a no ser juzgado por razones
de raza, religión o sexo, tenemos que huir de mantener
distinciones que más que ayudar, molestan e interfieren;
somos una sola humanidad y la única literatura posible
es aquella que parte de todos nosotros indistintamente
del qué género que seamos. No es que los hombres
puedan escribir una literatura femenina o la mujer una
masculina, sucede que la literatura femenina o masculina
no existe: lo que existen son mujeres y hombres que
escriben y realizan obras maestras, de las que todos,
hombres y mujeres, disfrutamos.
Respecto a los Festivales de mujeres hay 2 en México. El
Encuentro de Mujeres Poetas en el País de las Nubes es
uno de ellos, el otro es el Festival de mujeres poetas en
Chihuahua, el primero, curiosamente lo organiza un
hombre auxiliado por mujeres y la comunidad de los
pueblos. Este Encuentro del país de las nubes recibe cada
año más de 50 poetas de muchos lugares del mundo,
sobre todo Centro y Sudamérica, en sus inicios lo más
importante era la convivencia con las etnias de las
comunidades indígenas de la mixteca, más eso se ha
perdido por el afán de leer en Bellas Artes en la Cd. De
México, es una tristeza que el organizador haya incluido
la clausura en el Palacio de Bellas Artes como un premio
a las poetas asistentes, porque así lo toman, a muchas
no les importa la convivencia, la importancia de llevarles
a las etnias cultura, su poesía, como leer en Bellas Artes,
llevan incluso vestidos de gala para este último evento, y
todo el tiempo lo que las motiva es la lectura de clausura
en el Distrito Federal. Si bien, es un punto de reunión
para que muchas de nosotras nos conozcamos, también
es para dar un poco de nosotras a las etnias, yo colaboré
en el comité organizador de 2001 al 2004 pero el año
pasado me sentí muy decepcionada al ver cómo se
manejaba la situación de “portarse bien” en las etnias
para poder leer en Bellas Artes, vi la angustia de muchas
compañeras poetas porque no leerían ahí, se quejaron
incluso conmigo de que el organizador principal les haya
dicho que no leerían en ese recinto si llegaban tarde o no
asistían a los compromisos en la mixteca, al ver esto me
pregunte ¿cuál era el motivo principal para que las
poetas quisieran venir a este Encuentro, ¿convivir con las
etnias o leer en Bellas Artes? Para luego poder presumirlo
en sus vitae. No dejo de alabar y agradecer todo lo que
los organizadores de las distintas etnias nos dan, todo lo
que preparan, los anfitriones piensan en todo para recibir
a las poetas en sus casas, los niños bailan, cantan, leen
su poesía para nosotras y nos escuchan con atención y
cariño, eso, es lo mejor de todo el Encuentro, poder
convivir con los niños en sus escuelas, ser recibidas por
las amas de casa o maestras, en sus casas, leer para el
pueblo, no la lectura en Bellas Artes que se convirtió en
el toque chic de atracción para venir a México.
Del otro, del Encuentro en
Chihuahua, no puedo opinar
porque no he asistido. Al que
estuve invitada fue al Encuentro
de Escritoras “Inés Arredondo” en
la Cd. De Guadalajara el año
pasado y nos reunimos 123
escritoras de muchos países, si
bien la logística no fue lo mejor,
la convivencia entre nosotras, el
conocer lo que se está
escribiendo en España, Estados
Unidos, Centro y Sudamérica,
etc. fue muy rico, conocí muy buenas escritoras y todas
regresamos a nuestras casas dispuestas a reunirnos el
año entrante en Vigo, España que será el próximo
Encuentro pero a mi, en verdad, prefiero los Encuentros
mixtos, donde pueda uno escuchar voces masculinas,
poesía gestada desde las entrañas de los varones, lo que
tienen que decir, y de nosotras las mujeres. Es lo ideal,
los encuentros sin género, el departir todos sin distinción
de raza, religión o género.
JGN – Recuerdo varias conversaciones literarias que
tuvimos en la ciudad de Granada, una en particular era la
preocupación acerca de la vulgaridad que se presenta
como “poesía erótica”. Un lugar que el explícito toma
cuenta y no hay espacio para seducción. Pienso siempre
en la seducción de la palabra como quien presencia una
danza de los siete velos y antes aunque la música
termine está totalmente poseído por “Eros”. Me gustaría
su opinión ¿podría destacar actualmente un poeta y una
poeta que trabaja con esa temática?
LZ – La poesía erótica es inmensa y pertenece a todas las
naciones y épocas. Esculpir o pintar es lo mismo,
desnudar y vestir el cuerpo con todos sus sentidos
inmersos y ese carácter sensual, de comprobación del
cuerpo a través de los sentidos puede trascender al
amor, cuya comprobación estaría sujeta solamente al
lenguaje y las palabras con el contacto mas profundo con
el mundo.
El erotismo es a su vez la raíz del hombre y la clave de
su extraño destino sobre la tierra. El lenguaje y las
palabras son el contacto más profundo con el mundo. Es
una pulsión que mueve al universo, por lo que el poeta
defiende la vida. Ama la vida pero debe ser plasmada con
un lenguaje poético delicado, con metáforas, imágenes.
La vulgaridad y pornografía que se quede para la
narrativa que puede incluírlas sin ningún problema y está
bien justificada.
No puedo darte nombres en específico de poetas en
poesía erótica, conozco muchos que la escriben muy bien
pero, que al igual que yo, hacen otro tipo de poesía, de
tinte social, feminista, filosófica, de diversas temáticas.
Por nombrar a alguien te diré que Mairym Cruz-Bernal de
Puerto Rico y Gaspar Aguilera de México, escriben una
exquicita poesía erótica pero podría darte muchísimos
nombres más y me siento traidora por no incluir por lo
menos 10 nombres.
JGN – ¿Cual su afinidad con la poesía brasileña? ¿Existe
divulgación de esa poesía en su país?
LZ – Mi afinidad con la poesía brasileña podría decir que
me viene por la sangre caliente que nos identifica. Yo
conocí la poesía brasileña cuando era muy pequeña a
través de las canciones de Elis Regina y Antonio Carlos
Jobin, entre otros, tendría yo unos 8 años, más tarde, me
di a la tarea de investigar que se estaba haciendo en
Brasil pero me costaba muchísimo trabajo porque casi no
había literatura brasileña en México traducida al español
y por lo tanto tampoco se vendían libros en portugués,
con el devenir de la tecnología es que se han ido
abriendo paso nuestros compañeros de habla portuguesa
en territorio castellano y yo he tomado como reto ir
aprendiendo el idioma, y creo que tanta obligación
tenemos los unos como los otros de este continente de
hablar ambas lenguas, así como se impone el inglés, ya
que todos somos latinoamericanos.
JGN – Llegamos al momento final de nuestra entrevista.
Sé que podríamos abordar muchas otras cuestiones, mas
encuentro que ya tenemos un buen material; no para
revelar totalmente, sólo para hacer caer un primer velo,
para conocer algo de su poética y de su visión del
mundo. Gracias Lina por ese momento.
José Geraldo Neres (Brasil, 1966). Poeta, ensaísta e tradutor. Inédito em
livro. Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras do
artista Vicente do Rego Monteiro (Brasil).
revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
Maria Teresa Horta: corpo solar e lunar no
corpo do texto
Ana Marques Gastão
.
Duas palavras bastariam para
introduzir o leitor na obra de
Maria Teresa Horta. São elas
corpo e mulher. Mas seria
dizer pouco, embora também
haja “pouco” no excesso que
constitui a sua escrita, no
sentido da sábia utilização do
mínimo, do pormenor, na
desmesura do gesto,
frondoso, que leva o poema ao Outro. É seu um corpo
erotizado, pele sobre a pele, onde a própria nudez se diz
tecido, cintilância, seda-sede, dobra irreverente, que não
aceita a passividade das lisuras no uso de uma voz
feminina, de uma “mulher doente de afagos.” É seu um
corpo alucinatório, rondando por vezes a litania, na
imposição de uma experiência orgânica, lunar na ficção,
solar na poesia.
Como em Fulgor (1):
Tacteio à minha
volta
e é só fulgor
Tento deslumbrar
o sol que cega
Demoro-me demasiado
no calor
Para a minha sede
Nenhuma água chega
A escrita da poetisa de Minha Senhora de Mim (1971)
tem sexo, por se encontrar próxima da historicamente
determinada vida das mulheres - ao nível da experiência
interior, corporal, social e cultural -, pelas temáticas
abordadas, pelo seu universo existencial, pelos aspectos
da linguagem e da construção poética ou narrativa,
consoante o registo em que a autora se move. E depois
há ainda o outro corpo, o corpo da linguagem, uma body
writing, a corporização do texto, no qual a exaltação dos
sentidos é voraz, dolente, vertiginosa, na continuidade
entre elementos diversos, como o mundo real e o
imaginário, a ferida e o espanto, a sombra e o fogo.
Enumera-se assim o lugar do desejo, que não deixa de
ser, no sentido barthiano, o lugar da escrita (2), como se
viajássemos dentro de uma cantabile ária, expressa a
partir de um dentro - a experiência, vivência do verso - e
não apenas do que é exteriormente perceptível:
Escreve a poetisa em Segredo (3):
Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça
nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa
deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço
Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar
nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar
Este poema contém em si, na
sua estratégia de
insubordinação, um lastro de
verdade na revelação de uma
obra transgressora que, desde
a década de 60, mergulha,
solitária, os pulsos no espaço
gelado e cortante que separa
a luz da escuridão, ousando
enveredar por um território
directa ou indirectamente vedado, ao longo da história da
literatura, às mulheres, ou pelo menos estigmatizado: a
escrita erótica. Consciente da dantiana perda da
“inteligência do amor”, a autora de Jardim de Inverno (4)
constrói um dicionário sentimental e do corpo - de que é
exemplo, o livro Educação Sentimental (5), em resposta
a Flaubert -, na acepção de uma desordem e de uma
inversão dos papéis tradicionalmente atribuídos ao
masculino e ao feminino. E fá-lo no rasto do primitivo
lirismo português e das cantigas de amigo e de amor.
As “directrizes”, não programáticas, da poesia de Maria
Teresa Horta são pelo menos duas: actualizar o passado
literário, o cantar à antiga em que a “persona” lírica é a
amiga medieval ou a pastora quinhentista,
recuperando/renovando a malha de um tecido
tradicional; e, na vontade fatigada, subverter o
pensamento de claustro característico da solidão
feminina, criando um discurso avesso ao brando, e, no
entanto, cálido, rigoroso e musical, na imaginação e no
invento da paixão, na ameaça da solidão de onde emerge
o fascínio. O sujeito poético profere, pois, um discurso de
ruptura, desabrido, que, na fase inicial, dir-se-ia marcado
pela imagem surrealizante, cortante, enxuta, laminar, de
que é exemplo o seu Poema de Insubordinação incluido
em Tatuagem (6), certamente um dos mais
emblemáticos do Grupo Poesia 61, a que pertenceu ao
lado de Fiama Hasse Pais Brandão, Luiza Neto Jorge,
Gastão Cruz e Casimiro de Brito:
(…)
Preto
sem submissão
palavra de relevo agudo
nas ruas
Preto
De água de vento de pássaro
de pénis
de agudamente preto
de demasiado
como um cardo submerso
de som
Preto de saliva na ogiva
dos lábios (...)
Mas, em Maria Teresa Horta, o
corpo, inconformista, tão
rebelde como dócil, não
representa, apenas, e por si só,
a expansão, o canto, o êxtase,
dir-se-ia esvaziamento e
revolta de quem não cumpre as
regras, na consciência da
relatividade de que padece o
relacionamento intersubjectivo.
Poesia límpida, mas de uma limpidez fracturada, povoada
de fissuras, a da autora de Destino, que desvenda
também - na permanência de um desejo que revém à
terra mãe, à origem, ao acto fundador da criação -, os
mitos do amor impeditivo, irrealizado. Poesia escrita num
tempo interior que é simultaneamente vertigem,
destruição e ruína: “Onde está a outra que de mim/é já
de mim/o mais amargo fel?” (7)
Escrever é, portanto, um acto do corpo, sendo a escrita
simultaneamente fundação do mundo, “cristal do tempo”,
para Maria Teresa Horta, autora que jamais poderá ser
arredada da criação, com Maria Isabel Barreno e Maria
Velho da Costa, desse livro claramente feminista (ao
contrário da restante obra da escritora de Ema): as
Novas Cartas Portuguesas, publicadas debaixo de fogo,
em 1971 (8). A obra teve um destino previsível:
imediatamente retirada de circulação, levou as três
Marias a tribunal onde foram condenadas por atentado
ao pudor e pornografia. Mas não só uma leitura políticosocial deverá acompanhar este texto a três vozes que
denuncia a opressão da mulher no domínio privado e
público, estamos perante um documento literário único e
inovador, até pelo seu carácter híbrido e fragmentário,
no qual coabitam vários registos: epistolar, poema em
verso ou prosa, diálogo, etc.
E ainda o corpo no corpo da ficção de Maria Teresa Horta.
Entre outros romances, novelas, contos, destacam-se
Ambas as Mãos sobre o Corpo (9), dominado por um
intimismo lânguido, onírico, pelo prazer sensual do texto;
Ema, livro convulsivo, pálido de morte, terrífico (10) e A
Paixão Segundo Constança H. (11), cruamente tecido,
por entre as asas dos anjos, no laceramento da loucura
feminina, da paixão, da traição, no eclipse de um Eu
devastado. Certo que a poetisa esquece mais facilmente
a ficcionista do que a ficcionista esquece a poetisa. Mas
nenhuma deixa para trás o corpo, nem a precipitação
intensiva no desatino das sensações ou a viagem
psicanalítica, o texto deslizando, lento, ritmado, na
circularidade da lágrima, do prazer, do medo, da loucura.
A loucura feminina... Obsessiva, a escrita romanesca da
autora de Cristina (12) vive de encruzilhadas dialécticas:
palavra/corpo, solidão/espera, esquecimento/medo,
amor/morte.
Se a poesia de Maria Teresa Horta é vital, a ficção dir-seia mortal. Existe o escuro e nele a matéria da escrita.
Corpo, desejo, dor, amor, separação, abandono,
violência, homicídio, loucura, indiferença... Eis alguns dos
habitantes do seu universo, regido por um alfabeto
marcado pelo império da palavra sobre a frase. Palavrasclarão, cintilações reveladas numa obra romanesca
fragmentária e, por isso, singular, expressão de
totalidades em redução, tendo como personagens
mulheres que falam do mundo como se vivessem dentro
de um livro em monólogos gritantes, lentos, mordidos,
ardidos, mulheres acolhidas em paisagens líquidas,
indefinidas, povoadas de emoções, desconcertos e
inconformações à sombra de um tão pouco amor.
Os romances de Maria Teresa Horta são narrativas ao
arrepio da convencionalidade, tão frágeis quanto
mortíferos, obsessivos na sua luminescência feminina e
nocturna. Tudo se ilumina da sombra, de uma
obscuridade essencial, distinta da meramente verbal, no
adensamento das atmosferas plúmbeas, adequadas ao
estilhaçamento, à perda do ser. É a noite, na acepção de
Blanchot (13), a vingar neste universo; a possibilidade da
escrita, procura tacteante, espaço de mergulho, meio de
conhecimento - na sua simplicidade aparente -, dentro da
matéria escura, do que dói.
A escrita de ficcional de Maria
Teresa Horta é a glória do vazio e
do nada como em Marguerite
Duras, texto de “olhos para
dentro” como em Clarice
Lispector (14). Dir-se-ia que
parte da oposição entre um
dentro e um fora, nascendo da
impossibilidade de conter um
“coração aceso”, da circularidade
da metáfora erótica, surgindo a
quase auto-destruição do excesso
de ausência, caótica, desértica.
Será a poesia a preencher esse
negrume na avidez ou na
libertação do canto, no desatino e
no excesso, no desassossego e na vitalidade desatada,
no mar revolto, no grito de água, na fusão jubilatória
entre o corpo tangível e o corpo textual, ambos
entrelaçados e empenhados na recuperação do mundo. O
corpo, sempre o corpo, como lugar do voo, de anjos
luzentes, recortados no escuro, sobrevoando a dor. Um
tanto púrpura, um tanto azul...
NOTAS
1. “Fulgor” in Só de Amor, de Maria Teresa Horta, Gótica,
1992. 2. Roland Barthes, Le Plaisir du Texte, Paris,
Éditions du Seuil, Oeuvres Complètes, Tome IV, 19721976.
3. “Segredo” in Minha Senhora de Mim, Gótica, de Maria
Teresa Horta, 2001 (5ª edição).
4. Maria Teresa Horta, Jardim de Inverno, Lisboa,
Guimarães Editora, 1966.
5. Maria Teresa Horta, Educação Sentimental, Lisboa, A
Comuna, 1975.
6. Tatuagem in Poesia 61,1961.
7. O Mais Amargo Fel in Destino, de Maria Teresa Horta,
Lisboa, Gótica, 1997.
8. Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria
Velho da Costa, Novas Cartas Portuguesas, Lisboa, Dom
Quixote, 2001 (8ª edição).
9. Maria Teresa Horta, Ambas as Mãos sobre o Corpo,
Lisboa, Publicações Europa-América, 1979 (3ª edição).
10. Maria Teresa Horta, Ema, Lisboa, Edições Rolim,
1984.
11. Maria Teresa Horta, A Paixão Segundo Constança H.,
Lisboa, Círculo de Leitores, 1995.
12. Maria Teresa Horta, Cristina, Lisboa, Edições Rolim,
1985.
13. Maurice Blanchot, L’Espace Litteráire, Paris,
Gallimard, 1955.
14. Clarice Lispector, Para Não Esquecer, São Paulo,
Siciliano, 1992 (4ª edição).
Ana Marques Gastão (Portugal, 1962). Poeta, crítica literária e redatora
cultural do Diário de Notícias, de Lisboa. Autora de livros como Terra sem
mãe (2000), A definição da noite (2003) e Nós/Nudos (2004). A
fotografia do poeta está assinada por José Carlos Carvalho. Contato:
[email protected]. Página ilustrada com obras do artista Vicente do Rego
Monteiro (Brasil).
revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
Pedaços da vida nos objetos de Farnese de
Andrade
Mirian de Carvalho
.
Aberta de 1 fevereiro a 10 de abril
deste ano de 2005 no CCBB/RJ, a
mostra de Objetos de Farnese de
Andrade seguiu para São Paulo em
maio. Nos trabalhos expostos,
segundo observação nossa, o
visitante pode distinguir três núcleos
temáticos, reunindo objetos por
analogias técnico-imagísticas. De
acordo com esta “leitura”, tais
núcleos poderiam denominar-se:
Clausuras do Céu e da Terra; Águas Fechadas; e Elos
Relacionais. Das Clausuras do Céu e da Terra constam
oratórios, móveis, caixas, e peças similares – quase
todas de madeira – envolvendo fragmentos de objetos,
ou objetos inteiros, de cunho profano e/ou sagrado.
Nesse núcleo se insere o Auto-Retrato de múltiplas
imagens, agregando paisagens e peças que o integram à
memória da família, da infância, e do lugar de origem.
Lugar que não se atém à cidade natal. Lugar que se inicia
na anterioridade das águas. E, rememorando visão
simbólica dos oceanos e/ou do líquido aminiótico,
chegamos aos objetos que nos conduziram ao nome
Águas Fechadas. Presos em águas densas – verdadeiras
redomas compactas de resina –, encontram-se, tal como
nos outros núcleos, inúmeros fragmentos e coisas
inteiras de cunho profano – parte e todo – que se
reúnem a imagens sacras.
Enquanto nos dois
primeiros núcleos desta
nossa ordenação dos
Objetos, ou seja, em
Clausuras do Céu e da
Terra e em Águas
Fechadas, há um sentido de
fechamento,
respectivamente como
abrigo e placenta, nos Elos
Relacionais os trabalhos
não sugerem relação entre
continente e conteúdo,
posto que a ordem do todo
e da parte não implica
envoltório: trata-se de
montagens a céu (ou limbo) aberto. Mas esses elos –
nem abertos nem fechados – estabelecem vínculos
mnemônicos e imagísticos com os trabalhos dos outros
núcleos. Expostos à luz do espaço físico, eles exercem
fascínio de enigmática travessia aos demais objetos, e,
simbolicamente, interligam fechamento e abertura nos
espaços desses objetos, em meandros que encarnam
entre-espaços e entre-tempos. Limite. E linha de
passagem. Em sendo o espaço luminoso seu único
“invólucro” – um envoltório virtual –, os Elos Relacionais
estão presentes nos outros trabalhos da mostra, através
de simbolismo que abrange fragmento e completude –
reunidos pela ambigüidade e pela ambivalência – nos
dois outros núcleos. Nos Elos Relacionais se insere
referência a Morandi, bem como se inserem outras
menções ao mundo da arte, realizando passagem da
realidade objetiva à realidade sensível no plano artístico.
Desfazendo vínculos relativos à concepção do tempo e do
espaço do mundo, os Elos Relacionais atuam como
vínculo entre o tempo e o espaço quiméricos, intrínsecos
aos objetos como um todo, cuja nomenclatura
igualmente abrange o onírico.
Tal como ocorre com o
nome Viemos do Mar,
atribuído pelo artista a
alguns objetos, certos
títulos se repetem em
trabalhos diversos, como
por exemplo: Ser,
Pensamento, Anunciação, e
ainda o ambíguo Sem
Título. Por meio de vínculos
verbais, tal repetição
intensifica sentidos íntimos
nessa rede de objetos, que
se configuram pela reunião
do fragmentar e da unidade
– observando-se que, no conjunto, a unidade ganha valor
e função de fragmento. Porém, observe-se, guardando
relação íntima com o fantástico e o misterioso, nos
Objetos de Farnese desaparece a cisão entre parte e
todo. Entre sagrado e profano. Cria-se uma realidade de
ordem estética. Uma realidade regida pelos princípios da
imaginação. Nesse encontro do “todo” e da “parte” em
busca de outros sentidos, pressentimos a presença do
humano. Pressentimos fôlego. Respiração. Nessa
ambiência onírica, insurge-se um corpo fragmentar. Ou
seja, a plenitude do corpo se revela na instância do
fragmento. Corpo lúdico. Corpo telúrico. Corpo d’água.
Corpo sagrado. E, dentre tantos outros, corpo humano.
E, se “viemos do mar”, tal como quer o artista no núcleo
por nós denominado Águas Fechadas, esse mar nos
trouxe às prisões da terra. E ao inatingível céu. Então,
resta-nos o jogo das marés. Resta-nos brincar de
chegada e partida – ao silêncio das águas endurecidas.
Ao silêncio do envoltório de madeira. Ao silêncio da
placenta d’água. Ou da transparência do vidro. Ou ao
solilóquio do imaginário. “Para não morrermos pela
verdade”, resta-nos o jogo ambíguo da arte.
Sem reivindicar originalidade, posto que não é nossa a
idéia, observe-se que se revela nítida a memória do
brinquedo nos Objetos de Farnese. No percurso da
mostra, o visitante é convidado a “brincar” com o
fragmento, para se apossar – ou perder o todo. Ou jogar
com o todo – mar, terra, céu, corpo, e demais
circunscrições dos paraísos perdidos – para reunir ou
desmembrar as partes. Caminhando pelo universo dos
objetos, o andarilho se vê impelido a brincar com o
brinquedo, realizando no ato lúdico a atuação da criança,
tentando agregar imagens, experiências e sentimentos
diversos e caóticos. Prazer e medo. Amor e ódio. Vida e
Morte. No entreato dessas tensões, tudo se desfaz e
refaz. E se desfaz. Ao curso da brincadeira, o visitante se
recorda de que um dia arrancou as rodas dos carrinhos.
E os olhos dos bichos de pelúcia. No entreato dessas
tensões, voltando ao tempo atual, a criança veste as
bonecas, e as leva para dormir. Mas a criança também
empurra os olhos das bonecas pra dentro da órbita.
Arranca braço. Perna. Cabeça. E, sem querer, derruba no
chão as prateiras da casa – e se diverte com cacos de
espelho, com estilhaços da louça e pedaços das
estatuetas quebradas. Doce infância dos fragmentos.
Doce infância da “vida que jamais conseguiu acreditar na
morte”. E da morte que persegue a vida. E, de modo
lúdico e / ou em ato de mórbida candura, a criança tenta
sempre re-arrumar, a seu modo, pedaços do que se foi –
partes dispersas. Lacunas, a seu redor. Ignorando o todo
e a parte.
Bonecas e coisas em
frangalhos. Olho por caixa.
Braço por perna. Bolas de
vidro no lugar dos olhos.
Paisagens e fotos
imemoriais. Gamela.
Concha. Pedaços de
móveis. Utensílios e
pessoas de cabeça para
baixo. Genitália explícita ou
sugerida. Ex-votos. Homem
por santo. Santo por
homem. Que adulto não se
faz criança, diante do
desmembramento – lúdico
e sádico – do todo, e da
reunião dos fragmentos,
nos Objetos de Farnese? Ou, ante a memória da casa,
dos cantos da sala, das vasilhas, dos móveis, e da
inexorável ordem que a vida impõe? Que adulto não se
faz criança, tentando romper a clausura das águas e de
outros “espaços” ensimesmados? Ou, tentando adivinhar
“frestas no eu que sobrou da véspera? À neutralidade do
tempo – tudo são fragmentos que tentamos juntar. E
juntamos. Mas tudo são fragmentos. Disse um filósofo
que “a única realidade do tempo é o instante”. Inexorável
parte. Fugidio tempo que vive a morrer. E nascer.
Fragmento envolto no instante, o corpo. Brinquedo. E
jogo. Dádiva. E ruptura.
“O anel que tu me deste era vidro e se quebrou”.
Mas dos pedaços da vida construímos nosso mundo.
Mirian de Carvalho (Brasil). Doutora em Filosofia, professora de Estética
da UFRJ, membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte e da
Associação Internacional de Críticos de Arte. Autora de A escultura de
Valdir Rocha (2004). Contato: [email protected]. Página ilustrada
com obras do artista Farnese de Andrade (Brasil).
revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
artista convidado: vicente do rego monteiro
Vicente do Rego Monteiro: presentes
retinianos
Carlos Perktold
.
Houve época em que as
ideologias políticas eram
divididas entre direita e
esquerda e esta
procurava convencer a
todos de que a causa da
miséria humana era a
injustiça social. O Muro
de Berlin caiu e, com
ele, as idéias
totalitárias. A teoria marxista, que julgávamos capaz de
modificar o mundo, virou história. O arrastão desumano
chamado neoliberalismo chegou, levando as ilusões
políticas de muitos e abriu caminho para os traficantes,
as drogas e os seus usuários, que provocaram e explicam
todas as violências e a falta de humanismo, hoje
generalizados. Quando a esquerda acenava para a
esperança da supressão daquela injustiça, muitos
intelectuais se abrigavam no Partido Comunista no qual
permaneceram até 1956. Neste ano, em célebre
discurso, o então Primeiro Ministro da ex-União Soviética,
Nikita Kruschev, denunciou os horrendos crimes de
Stalin. A partir de então, não foram poucos os escritores,
artistas, poetas, atores, pintores e jornalistas que
deixaram o Partidão, perplexos com as denúncias.
Historicamente, começa aí a derrocada do marxismo.
Enquanto esses intelectuais permaneceram no Partido,
sempre se mantiveram também em posições
privilegiadas nas editoras, editorias e em postos de
governo, decidindo os rumos de publicações em livros ou
artigos em jornais, exposições, encaminhamento de
artistas e os prêmios nas artes plásticas, formando a
opinião pública. Os integrantes do Partidão jamais
apoiaram pessoas sem talento, mas, por interferência
emocional e política, em ocasiões nas quais deveriam
prevalecer o engenho do artista e a beleza das obras,
deixaram e/ou não permitiram que se premiassem
artistas talentosos e importantes. Aluisio Valle, pintor
fluminense de Paraíba do Sul, era “de direita” e, por isso,
até hoje suas belas marinhas continuam desvalorizadas
no incompreensível mercado de arte.
Assim também aconteceu com o
pernambucano Vicente do Rego
Monteiro, vítima da maior
injustiça artística nacional
produzida pela esquerda, que
nunca permitiu que ele brilhasse
o tanto que merecia. Vicente
pagou tão caro pela sua opção
política que, em 1963, quando já
era artista consagrado desde os
anos 1920 na Europa, não
conseguia vender seus quadros
no Brasil. Apesar da vontade e do
esforço de muitos a sua bagagem artística não foi
enterrada consigo, quando faleceu há trinta e cinco anos,
porque o seu talento e a sua originalidade venceram
todas as injustas resistências contra ele opostas.
A grande tragédia biográfica de Rego Monteiro é que ele
viveu na época em que o marxismo imperava nos meios
culturais e ele insistia em ser de direita. Mais do que isso.
Era monarquista. Jamais abriu mão de suas convicções
anacrônicas e cometia o sacrilégio político de escrever
manifestos a favor daquilo em que acreditava e, num
pequeno prelo manual criado por ele mesmo e no qual
imprimia também suas monotipias, tirava centenas de
cópias dos panfletos e os distribuía nas ruas de Recife,
irritando e provocando o ódio de todos. Foi o grande azar
de Vicente. Foi a má sorte do Brasil. Este é o registro
histórico lamentável para a esquerda que não teve a
grandeza de separar o ideólogo do artista. Vale insistir:
os esquerdistas não concordavam com as suas idéias
políticas ultraconservadoras, detalhe que é tabu
biográfico. Na maioria dos textos sobre a sua vida, esse
assunto aparece como um diáfano pano de fundo. E é
também tabu histórico a ojeriza que a esquerda lhe
devotava.
É oportuno registrar que, passados os melhores tempos
de sua vida em Paris, no meio do mais efervescente
vanguardismo – de 1922 a 1932 e de 1947 a 1957, além
do período de 1960 a 1964 – teve a sua obra reconhecida
e projetada na capital francesa, participando de
importantes exposições. No Brasil, ocupou posição de
realce no movimento modernista, tendo apresentando
dez quadros na Semana de Arte Moderna. Na ocasião,
Graça Aranha afirmou: “a remodelação da Estética no
Brasil é iniciada na música de Villa Lobos, na escultura
de Brecheret e na pintura de Di Cavalcanti, Anita Malfatti
e Vicente do Rego Monteiro”.
Em 1930, Rego Monteiro trouxe a Escola de Paris com
vários de seus integrantes para expor trabalhos em
Recife, São Paulo e Rio. Picasso estava entre os
expositores e os dois tinham convivência na Europa. A
exposição foi um fracasso nas três cidades porque o
modernismo só seria aceito no Brasil a partir de 1950,
mas é possível que parte daquele malogro se deva ao
nome Rego Monteiro envolvido na promoção. Seis anos
depois, ele insistia na sua autodestrutividade e chamava
os trabalhos do artista espanhol de “oportunista,
especulativo, anárquico e de esquerda”, provocando
novas inimizades e rompendo com parte dos cubistas
parisienses.
Em 1963, Vicente foi recusado
para expor na Bienal de São
Paulo, aos 64 anos de idade,
quando era artista mais do que
consagrado, além de haver
participado, desde os 14 anos, do
célebre Salon des Indépendants,
da Semana de Arte Moderna de
1922 e tinha curriculum tão
importante que incluía quadros
adquiridos pelo Museu Jeu de
Paume de Paris, hoje expostos no
Centro Georges Pompidou.
A recusa comprova que o
pernambucano não aprendia com
o passado, insistia numa escola
ideológica ultrapassada e, por
isso, não mudava o seu futuro no
Brasil. São esses os motivos de sua ausência na lista dos
artistas escolhidos para o Prêmio de Viagem ao Exterior,
garantido pelo Salão Nacional. Qualidade nunca lhe faltou
para recebê-lo. Vicente ganhou, ao longo de sua vida,
apenas dois prêmios estaduais de pintura em concursos
secundários. Morto em 1970, é hora de esquecermos a
sua ideologia e louvá-lo naquilo que teve de melhor:
pintor e poeta.
Como pintor Vicente começa cedo, incentivado pela mãe
e trilhando o caminho natural dos talentosos: o
aprendizado da técnica do desenho aprimorado, a
simplicidade do traço até chegar na segurança de, com
três ou quatro linhas, sugerir uma figura humana;
pintura de retratos, paisagens, naturezas-mortas e
abstratos. É possível que Rego Monteiro seja o mais
original dos pintores brasileiros, cujo ingresso definitivo
na pintura ocorre em 1922, aos vinte e três anos de
idade. Nessa ocasião, assimila o cubismo e o adiciona ao
barroco colonial, representado pela quase permanente
simetria de suas composições, resultando numa
extraordinária forma, surgida através dos matizes
inspirados na arte indígena e na cerâmica marajoara.
Todo este conjunto de detalhes formou o belo, estranho
e misterioso escorço nas composições equilibradas,
provocador de imediata paixão pictórica, um presente
para as retinas. Sua técnica apuradíssima resultava
também em trabalhos imaculados, tão marcante era a
sua limpeza. Mas não é somente a forma que encanta o
espectador. Com freqüência seus quadros representam
temas religiosos, e apenas Raimundo de Oliveira ganha
dele neste conteúdo: são cenas bíblicas, crucificações,
via sacra, santa ceia, animais e muitas figuras humanas.
Surpreendentemente para um monarquista, há uma
preocupação social quando pinta operários, vaqueiros e
pessoas em trabalhos duros e humildes, calceteiros,
cambiteiros, carroceiros ou aguardenteiros.
Em lúcida síntese, Flávio de
Aquino escreveu que “Vicente do
Rego Monteiro criou um estilo
inconfundível e coerente, partindo
de três influências principais: a
arte indígena de Marajó, a art
déco e o cubismo estilizado, com
certa semelhança ao de Léger”.
Vale dizer, sua arte soube
conciliar a plasticidade, a
harmonia e o lirismo da forma,
adquiridos pela experiência
francesa com o ritmo inspirado na
primitiva decoração indígena, que
ele tão profundamente estudou.
Na década de 1960, seu atelier foi invadido por
extremistas em Brasília e, com dificuldades financeiras,
pinta e expõe a sua confissão autobiográfica na tela
“Solidão”, sentimento ou estado de quem havia
percorrido um caminho brilhante e se sentia isolado
frente a um país cujos compatriotas ainda o
desvalorizavam.
Suas poesias foram escritas na maturidade da vida e lhe
serviram como um temporário descanso da pintura,
tornando-se um refúgio intelectual do artista.
Ganhou os prêmios de poesia “Mandat des Poètes”, em
1955 e o "Guillaume Apollinaire”, em 1960, ambos na
França, país que nunca lhe perguntou pelas suas
preferências políticas. A análise delas pode ser
comprovada no belo livro Vicente do Rego Monteiro, um
brasileiro da França (Editora Mackenzie, 2004) no qual a
escritora paulista Maria Luiza Guarnieri Atik expõe com
delicadeza e sensibilidade a beleza de seus versos.
Mas não foram essas suas únicas atividades. Vicente foi
figurinista, jornalista, diagramador, costureiro, mecânico
e piloto de corridas automobilísticas, dançarino, editor,
tipógrafo, fazendeiro e tradutor. Foi casado com francesa
e teve mansão em Montparnasse, mas quando morou em
Recife, durante a Segunda Guerra Mundial, negligenciou
as leis do país que o adotara e não pagou os impostos da
bela residência, obrigação cumprida pelo inquilino
parisiense. Terminada a guerra, este reivindicou e
conseguiu na justiça a posse da propriedade, pagando
uma ninharia como indenização para o casal.
Artistas, poetas, escritores ou intelectuais talentosos de
direita sempre foram incômodos porque sabemos que o
que é bom fica e, respaldo pelo radicalismo político que
um dia termina, chega o momento em que a inevitável
pergunta, contida no título do livro de Affonso Romano
de Sant´Anna sobre o poeta e também direitista, é feita:
O que fazer com Erza Pound? Parafraseando o poeta
mineiro, o que fazer com Rego Monteiro? No caso do
pernambucano é a hora em que ante tanta misteriosa
beleza e originalidade de suas obras a resposta é:
garantir-lhe a imortalidade.
Carlos Perktold (Brasil, 1943). Ensaísta e crítico de arte. Autor de Ensaios
de pintura e de psicanálise (2003). Integra o Círculo Psicanalítico de
Minas Gerais e as Associações Brasileira e Internacional de Críticos de
Arte (ABCA e AICA). Contato: [email protected]. Página
ilustrada com obras do artista Vicente do Rego Monteiro (Brasil).
revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
livros da agulha
1. A idade da escrita e outros poemas, de Ana Hatherly
[organização e prefácio a cargo de Floriano Martins]. Escrituras
Editora. São Paulo. 2005. Contato:
[email protected].
"A obra de Ana Hatherly", explica Floriano Martins, "mostra que
sua voragem investigativa define-se pela criação de entidades e
que não busca senão a visceralidade da escrita". A poeta
defende que sua obra pretende mostrar o grafismo da escrita
ocidental, posta em confronto com a escrita oriental e que, para
mostrar as suas modulações, teve de a tornar ilegível. Como ela
mesma a define, "A Idade da escrita é a minha idade, mas
também é a idade da escrita no sentido de, como se diz, a
Idade da Pedra, a Idade do Bronze: corresponde a uma era, a um eon, mas
também a um sentimento do fim de uma era".
Doutorada em Literaturas Hispânicas na Universidade da Califórnia, em Berkeley
(Porto, 1929), catedrática da Universidade Nova de Lisboa e especialista do barroco,
Ana Hatherly - que lançou recentemente O Pavão Negro (Assírio & Alvim) e
Itinerários (Quasi) –, investiga, há mais de 40 anos, o conceito de escrita, nas suas
diversas formas: é poeta, pintora, ficcionista, realizadora, ensaísta, integrando-se
na corrente experimentalista dos anos 60. Abriu-se, todavia, a outros caminhos. O
Mestre (1963), Eros Frenético (1968), Anagramático (1970), Tisanas (1977), são
obras únicas da literatura portuguesa, bem como é singular a sua exploração da
visualidade do texto.” [da entrevista cedida a Ana Marques Gastão, constante na
antologia].
2. Homenagem à realidade, de Cruzeiro Seixas [organização
e prefácio a cargo de Floriano Martins]. Escrituras Editora. São
Paulo. 2005. Contato: [email protected].
"A obra de Cruzeiro Seixas", explica Floriano Martins no prefácio
desta edição, "está ligada intrinsecamente ao Surrealismo, a
esta 'vida de imaginação', a este 'certo poder de repulsa e de
obstinação'. Trata-se de uma poética de provocação de si
mesma, de desafiar-se ao chafurdar no lodaçal da própria
existência, desafiar-se a mostrar onde se ocultam o mistério e o
erotismo que anunciam as imagens que saltam magicamente de
seus versos".
Nas palavras do poeta Cruzeiro Seixas: "Sei que sou uma figura que fica no limiar
das coisas. Para lhes não quebrar o encanto! Conheço os meus limites; este limiar é
a minha mais longa viagem. E pergunto: haverá algo para além do limiar das
coisas? […] Nunca chamei sobre mim outro peso de responsabilidade que não este,
de me reconhecer como um erro, o que já não é pouco para as minhas forças. Erros
meus, mas erros que são a minha própria obra.
Homenagem à realidade traz, ainda, cartas de Cruzeiro Seixas a Floriano Martins.
Cruzeiro Seixas nasceu em 1920, em Portugal. Pintor respeitado na Europa,
predominantemente surrealista, viajou por vários anos pelo continente africano,
chegando a morar em Angola, onde escreve seus primeiros poemas, em 1952.
Promoveu exposições na Alemanha, Bélgica, Brasil, Canadá, Espanha, Estados
Unidos, França, Holanda, Inglaterra, México e Portugal. Em 1999, doa a totalidade
da sua coleção à Fundação Cupertino de Miranda – Centro de Estudos do
Surrealismo. Colabora nas revistas surrealistas Brumes Blondes (Holanda), La
Tortue-Lièvre (Canadá), Derrame (Chile) e nas francesas Infosurr, Phases e
Ellebore.
3. Os passos em volta, de Herberto Helder. Azougue Editorial.
São Paulo. 2005.
Herberto Helder, considerado um dos maiores poetas
portugueses deste século, chega ao Brasil com um dos seus
mais singulares trabalhos. Neste mês, a Azougue Editorial lança
Os passos em volta, considerado um clássico da literatura
portuguesa contemporânea. A obra é uma reunião de pequenas
narrativas, muitas delas numa linguagem que se aproxima da
prosa poética. Os contos refletem a busca do autor por um
olhar em relação ao mundo, o que torna o livro mais pessoal do
que autobiográfico.
No ano de seu lançamento em Portugal, 1963, a obra foi imediatamente vista como
transgressora. Situada na tênue linha entre prosa e poesia, a primeira tentativa
como contista permanece, até hoje, como um caso único na literatura portuguesa.
Sua técnica narrativa e linguagem ainda são consideradas vanguardistas. A
transgressão da gramática e o aparente fluxo de pensamentos ou a livre associação
de idéias são, na verdade, fruto de um trabalho consciente de um dos maiores
artesãos da língua portuguesa. A evidente influência surrealista é bagagem da
ligação, embora efêmera, de Helder com o grupo do Café Gelo, na Lisboa de 1950,
do qual também faziam parte escritores como Mário Cesariny e Luiz Pacheco.
A tentativa de desconstrução da realidade pode ser encontrada em diversos textos
de Os passos em volta. Em Teoria das cores, o autor relata a experiência de um
pintor que, ao tentar reproduzir as cores de um peixe na tela, percebe que o animal
está sofrendo uma mutação: “o problema do artista era que, obrigado a interromper
o quadro onde estava a chegar o vermelho do peixe, não sabia que fazer da cor
preta que ele agora lhe ensinava”. Assim como o pintor do conto, Helder prefere
transcrever a sua realidade, sob o seu ponto de vista, ao invés de tentar entender
um mundo em constante processo de mutação.
Nascido em 23 de novembro de 1930, Herberto Helder Luís Bernardes de Oliveira é
natural da Ilha da Madeira. Aos 15 anos, foi estudar em Lisboa, onde vive
atualmente.
Não é tarefa muito fácil se destacar na terra de Fernando Pessoa e José Saramago.
Mas, Herberto Helder tem seu talento reconhecido e, agora, também pode ser
comprovado pelos brasileiros. Ele é possivelmente o mais original e importante
poeta vivo de Portugal, tendo estreado com o livro A colher na boca, em 1958. Mais
recentemente, em 1994, publicou Do mundo, obra pela qual recebeu o Prêmio
Pessoa. Entretanto, devido ao seu comportamento recluso, preferiu não receber a
homenagem. Além disso, também recusou uma premiação do Pen-club de Portugal,
em 1982, pelo livro "A cabeça entre as mãos" e, em 2000, foi poeta-homenageado
no Salon du Livre da França, mas também não compareceu. Pelo estilo de vida
discreto e pela intensidade de sua obra, Herberto Helder é considerado por muitos
críticos o “poeta mítico” da atualidade portuguesa.
4. Ensaios escolhidos & Poesia reunida, de Ivan Junqueira.
3 volumes. A Girafa Editora. São Paulo. 2005.
A poesia de Ivan Junqueira aparece neste livro reunida não de
forma integral, mas sim como coletânea que resgata muito do
que ficou de fora de edições anteriores, além de poemas
inéditos de sua produção recente. É o próprio autor quem
garante, para alegria dos amantes da poesia, que sua produção
permanece incompleta, visto que ele pretende continuar a criar
seus poemas e produzi-los até que seja possível.
Não bastassem a excelência poética e a ótima notícia do autor,
Poesia reunida ainda contempla o leitor com uma importante
Fortuna crítica sobre Junqueira, com mais de trinta textos
assinados por Tite de Lemos, Antonio Carlos Secchin, Wilson Martins, Dinah Silveira
de Queiroz, entre outros importantes nomes da literatura e da crítica nacionais.
O livro se completa com uma ampla e útil bibliografia do autor, revelando-se assim
uma obra de referência para todos aqueles que buscam no poeta, ensaísta, crítico e
tradutor os caminhos para a vivência daquilo que ele considera a mais difícil,
complexa e misteriosa manifestação do espírito humano: a poesia.
Ivan Junqueira é enfático ao dizer que seu ensaísmo, produzido desde a década de
1960, em nada tem a ver com "a crítica literária de um teórico e, muito menos, de
um scholar, e sim de um poeta que pretendeu decifrar outros poetas". É assim que,
de certa forma, ele retoma uma tradição da crítica brasileira de autores que partem
da sua própria produção para penetrar o difícil, complexo e misterioso mundo da
poesia.
Essa sua liberdade diante da literatura o ampara no ofício de crítico e o liberta de
toda doutrina determinante de uma escola ou tendência estética em voga,
autorizando-o a mergulhar com propriedade na produção poética de grandes
autores, tendo somente estes como seus mestres no aprendizado da literatura.
Os estudos que compõem Ensaios escolhidos: De poesia e poetas, além de alguns
textos de sua produção mais recente e outros reelaborados para melhor apreensão
dos autores e suas obras, apresentam parte significativa da produção crítica de Ivan
Junqueira, tendo como alvo a poesia tanto de autores de língua portuguesa como
estrangeira, com destaque para seus memoráveis ensaios sobre a poética de
Baudelaire e Manuel Bandeira.
O mesmo olhar fino e arguto lançado por Ivan Junqueira para a poesia é neste livro
redirecionado para o mundo sem horizontes limitantes da prosa de ficção. E é com o
mesmo cuidado e carinho aprendidos dos mestres poetas que o crítico desvenda ao
leitor particularidades dessa prosa infinita que recria pela linguagem o mundo e
suas histórias e verdades.
O convívio amoroso do crítico com a prosa de ficção vem revelar particularidades de
consagrados autores nacionais e estrangeiros, criando um saboroso roteiro de
viagem pela ternura de Aníbal Machado, pela alegoria e pelo memorialismo de Per
Johns sem falar no inconfundível e mal-disfarçado romantismo de Stendhal.
Em Ensaios escolhidos: Da prosa de ficção, do ensaísmo e da crítica literária, o
autor apresenta uma leitura que perscruta com propriedade e refinamento a
produção ensaística de consagrados nomes da crítica literária nacional e
internacional, como Eliot, Franklin de Oliveira, José Veríssimo e Davi Arriguci Jr.
5. Vocales de ceniza, de José Francisco Ortiz. Venezuela.
2005.
Dos textos, un mismo ciclo. Vías paralelas, la cotidianidad y su
vuelta de mirada para encontrar la memoria urbana, el tránsito
real y sostenido del mundo visible, su representación, y, luego,
el mito con sus vértigos, lo cual supone a un “iluso y
sospechoso de herejía de los iluminados”, apostilla que nos
hemos ganado los poetas, grabada por la Inquisición a nuestro
San Juan de la Cruz
Es todo cuanto como autor puedo señalar. Fatalmente, la
escritura sigue siendo un estado problemático de la lengua: es
un asunto dialógico. Y toda explicación unilateral borra las
proximidades y las anula. El lector, incluso el lector desprevenido, que se acerca a
las palabras, es marcado por ellas instantáneamente, él no lo sabe; no comprende
por qué aparecen visitas inopinadas en sus sueños. Vuelve en las mañanas a ver las
cosas como la naturaleza las ha ofrecido siempre, sin desgaste, enseñoreándose
sobre la perspectiva, y, sin embargo, su mirada ya no es la misma, y la vida
comienza a dar volteretas entre recuerdos difusos. Este es su primer y definitivo
encuentro con la poesía.
Sin embargo, quisiera alentar (como hacemos los amigos con la confianza que nos
dan las circunstancias, aquella ante la cuales nos prevenía Horacio: “Mientras
hablamos habrá huido, envidioso, el tiempo. Goza el hoy; mínimamente fiable es el
mañana”) desde las pocas convicciones con las cuales nos saluda el siglo XXI, el
fervor por la vida, ante los espejos negros de la noche, un punto de luz será
suficiente para un nuevo amanecer.
Leucónoe pudo haber vivido la expectación del Carpe Diem. No estamos seguros,
como tampoco nosotros de haberlo cumplido en estas seis décadas de existencia.
Séneca marcó con gran estilo la inconveniencia de esperar una avanzada edad para
comenzar el disfrute de la vida. En fin, ante una existencia noblemente transitada,
las gorduras y vinos de una vida placentera no la encorvan ni la arredran.
Estos poemas que hoy compartimos necesitan, por lo menos, informar su mensura,
no sus razones que no las tienen.
Vocales de ceniza son acopios citadinos de conversas con variada gente con la cual
me he topado en los caminos. Son frases sueltas, epítetos, silencios que han venido
acechándome; incluso, sonidos imprevistos, olores, intuiciones que no han querido
mudarse y persisten como signos lacrados en la memoria, y, aunque parezca
ingenuo por el lugar común de escuchar a los pájaros, debo confesar que me
agradan sus conversas. Puedo creer que nuestras cuerdas vocales, tuvieron sus
primeros maestros en esos seres alados y, por qué no decirlo, tantos libros que se
han quedado conmigo a lo largo de los años, impertérritos, ajenos a las veleidades y
al acoso de los días, siempre como un bálsamo fluyente cubriéndome con amorosa
constancia.
La canción de Pirra es una imagen muy lejana, que a ratos desde su opacidad emite
destellos para no dejarse acallar por la razón. La mitología nos dice que los dioses
decidieron exterminar a los hombres por causa de sus irremediables conductas
disolutas y heréticas, costumbres sólo reservadas a los dioses. Eso ocurrió en la
edad de bronce. Un diluvio (parecido al de Noé) limpió a la tierra. Sólo se salvaron
Deucalión y Pirra, gracias a la expedita atención de Epimeteo, padre de aquel, y a la
inteligencia de Pirra que pidió a Deucalión ofrecer un sacrificio a los dioses. Agradó
tanto a Zeus esta ofrenda que les permitió vivir y formar una nueva humanidad.
Tomarían piedras de los caminos para lanzarlas sobre sus hombros hacia atrás. Las
piedras que lanzaba Pirra, se convertían en mujeres, las de Deucalión, en hombres.
¿Qué queda de esos griegos, en el alma de los hombres y mujeres de nuestro
tiempo?
Se dice, no sin cierta verdad proporcional a su locura, que los poetas (incluso los
más prosaicos) tienden a cifrar sus versos, en una especie de criptografía
ineluctable para ellos mismos; pues bien, la certeza nos lleva a un sentido inverso:
los poetas no cifran, se descifran. Y como toda traducción es una traición; incluso la
que proviene de las imágenes, sufre de la precariedad connatural a lo humano, ser
huidiza y azarosa.
El mundo, los mundos posibles contestamos, sólo acaece en la intuición del lector.
Si esto fuera así, en los presentes textos, agradecería a Horacio su arte poética, y al
lector, por supuesto, el haberme hecho destinatario de sus voces.
[José Francisco Ortiz]
6. Contra el ensimismamiento (partituras), de Magdalena
Chocano. Barcelona. 2005.
Estamos ante una nueva publicación de Magdalena Chocano,
poeta limeña residente en Barcelona desde hace ya algunos
años, y una de las voces, desde la aparición en Lima de Poesía
a ciencia incierta en 1983, más interesantes y sólidas de la
nueva poesía peruana. Magdalena Chocano representa un caso
muy frecuente en la poesía latinoamericana desde comienzos
del s. XX, es decir, encarna la figura del poeta que nace y se
forma en un lugar y vive y se nutre en otro, lejano, y ese
puente que persona y obra tienden entre diferentes tradiciones
y sensibilidades, esa manera envidiable de incorporación y
acercamiento, tiene como resultado en este caso una mirada
rica, transgresora, atrevida y hasta me atrevería a decir que limpia y nueva sobre a
la hora de buscar una vía personal de expresión. Quizá sea ésta una de las razones
por las que la poesía latinoamericana contemporánea encierre tantas miradas
diferentes, tantos poetas responsables de una visión no compartida, única, alejada
de tendencias, aunque deudoras, en la mejor forma, de las tradiciones que les
preceden. Todo esto lo expongo pues a mi parecer la poeta aquí mencionada recoge
en su corta e intensa obra lo mejor de esa ya clásica situación. Chocano es una
poeta solitaria, su obra, bebiendo en sus orígenes de la poesía francesa desde el XIX
hasta las vanguardias y de la norteamericana e inglesa, se une de manera
espléndida a una larga lista de excelentes primeras figuras peruanas que hacen de
ese país una reserva de la mejor creación actual. No hay más que adentrarse en el
rico panorama peruano para encontrar poetas excelentes, poetas que si se mira, no
comparten apenas presupuestos, si no es la excelencia en su trabajo.
"Contra el ensimismamiento" ya desde su título apuesta por una poesía depurada,
que va al centro de la emoción mediante una severa depuración de toda facilidad.
La poeta investiga por el camino difícil, el más desolador, el menos complaciente, a
veces permitiendo que el ensimismamiento haga su efecto descubridor, y se nota
que cuando nos acercamos a momentos en que la palabra o el concepto se adentran
por la senda sublime, de inmediato la línea se tuerce, buscando siempre el
alejamiento, el retiro, la enorme distancia que exige el placer como verdadero arte,
sentido, vida vivida.
Esta atención suprema, esa tensión nerviosa, diría, produce la rara certeza de estar
ante la obra de un creador auténtico. Todo responde a una verdad necesaria, nada
sobra, nada falta, y el poema encierra la emoción pequeña de las grandes
ocasiones.
Esta atmósfera arqueológica casi, atemporal, detenida, donde se inserta el
pensamiento como un arañazo del ser, como un accidente liviano, y que a la vez
separa a cada ser de su semejante. Esta atmósfera visionaria se va expresando
siempre por los límites del lenguaje, llevando el sentido y el poder de nombramiento
hasta los extremos hasta poderse comparar con el poder de la profecía. El lenguaje
crea y descubre lo oculto dentro de nuestro espíritu, saca a la luz lo que queda bajo
el peso de lo cotidiano, el peso de los actos y el fondo del pensamiento racional para
sacar a la luz lo que brilla como esquirlas, como una brasa, y que es el verdadero
secreto del gozo, lo sorprendente, que se nos revela. Magdalena Chocano, cuando
escribe: "cuerpo / ceniza mía ya acaecida / y mientras tanto / el alfabeto solemne
como un río desbordándose hacia el crepúsculo" se adelanta a los acontecimientos,
nos hace sentir el poder liberador de la palabra, por lo tanto, hurga y se trata con
los misterios destellantes de la poesía.
[Rodolfo Häsler]
7. Elegias Urbanas, de Marco Vasques. Santa Catarina. 2005.
As Elegias Urbanas de Marco Vasques buscam recuperar
contemporaneamente um lirismo hoje ausente, que é próprio
dessa forma poética, marcada pelo tom de lamento triste, e
que foi muito explorada no Brasil no pós Segunda Guerra
Mundial, principalmente por poetas como Cecília Meireles e
Murilo Mendes, inspirados na repercussão fabulosa obtida por
Rilke com sua obra poética e principalmente com as Elegias de
Duíno. O tom apocalíptico característico nesses
poetas ainda ecoa de forma sutil nestas Elegias Urbanas,
assim como uma bomba atômica, envergonhada, é certo;
porém o que mais resplandece nelas, e é esse seu maior acerto, é o registro
desencantado mas ao mesmo onírico e surreal da vivência urbana contemporânea.
Ressalta uma das elegias que “o perfume da última bomba atômica/ cometeu
suicídio por sentir vergonha”, notícia que deveria ser comemorada não fosse a
anestesia absurda e nauseabunda que se pressente e expressa na alteridade dessa
voz poética. É nela que se constata que o sentimento apocalíptico subsiste de forma
pulverizada em todos os humanos, “carregando armas/ nos portamalas// e a
bagagem que nos sobra/ são metais agudo asfalto/ faixas prédios advertências/
placas ossos vozes e verbos/ que ressoam no ouvido”. Nas elegias de Vasques
evidencia-se que o potencial de destruição do humano se miniaturizou e se
pulverizou, resultando num sujeito cindido e agônico que busca uma univocidade,
constatada possível somente através da linguagem. Solidão, miséria, vazio, falta de
sentido para a vida, o amor controlado pela assepsia dos laboratórios e a sombra do
suicídio rescendem dos poemas denotando o que é contemporaneamente a
existência urbana nas grandes cidades. A vida urbana, em sua rotina, padece
amputada de experiências e de ritos que lhe dêem sentido, situação que causa
anestesiamento e o espanto de se descobrir “ainda a respirar”, após apalpar-se a
face no espelho e auscultar-se num estetoscópio. Em lugar do homem o que há é
um espantalho oco e as Elegias Urbanas de Marco Vasques, em sua vitalizante
negatividade, vão contra a
barbárie e assinalam a única positividade possível à arte, epigrafada por Maiakóvski
num dos seus poemas: “Que a terra gema em sua mole indolência:/ Não viole o
verde das minhas primaveras/ Mostrando os dentes, rirei ao sol com
insolência:/ No asfalto liso hei de rolar as rimas veras!” Nesse cenário, portanto,
essas elegias são uma afirmação de uma experiência sensível, recuperada na
poesia, a se colocar contra o estado de coisas que submete o humano à coisificação
e à numeração desde sempre rotineiras. Plangentes, essas elegias expõem a
finitude como uma onipresença desanestesiante – “o cemitério é aqui e ali/ na
estrada rua casa/ retrato na parede foto/ lembrança objeto guardado/ beijo abraço
noite de sexo” - e foram escritas para lembrar que a vida está ao alcance da mão de
cada um, à flor da pele.
[Ademir Demarchi]
8. Panorama de la literatura brasileña [org. Carlos
Gazzera]. Ediciones Recovecos. 2005.
Hasta no hace mucho tiempo atrás, la informa-ción referida a
la literatura brasilera era tan escasa y restringida en nuestro
medio, que cualquier estudio que quisiera realizarse sobre ella
debía partir de dos premi-sas fundamentales: la primera, la de
luchar contra esa visión folclórica e inexacta que solemos tener
en argentina de ese país: Brasil, el país del “carnaval” y la
dolce vitta. La otra --más ideológica, quizá--, la que se nos
machacó en los años de la dictadura con autores propios de
color local y el típico tropicalismo del Boom latinoamericano:
de José Mauro de Vasconcelos a Jorge Amado.
Sin duda, en estas miradas se infiere la reductora visión de "turista" que suele traer
el argentino de las playas de aquél país. Brasil es un cosmografía cuya diversidad,
complejidad y densidad disuelven cualquier intento de acercamiento rápido. Por eso,
nuestro recorrido a modo de un verdadero panorama sobre la literatura de Brasil
intenta sobreponerse a la mirada turística, somera, despojada de todo rigor. ¿Cómo
abordar lo inconmensurable? ¿Sobre qué poeta, sobre qué narrador, sobre qué
autor fijar la mirada? ¿Sobre los más canónicos, o los desconocidos? ¿Quién,
quiénes son canónicos en Argentina? ¿Quién quienes son desconocidos?
Cualquiera fueran las respuestas a estos interrogantes, al realizar este panorama
enfrentamos el riesgo de dar respuestas inapropiadas, incompletas. La impropiedad
radica en no ver que en un panorama de este tipo no se puede abarcarlo todo. En
función de estas premisas generales, y de sus implicancias particulares, decidimos
que era necesario que este panorama fuera el resultado de un cruce entre la mirada
de especialistas académicos y periodistas, donde el ensayo y el reportaje se
conjugan para presentar autores, voces y obras de una literatura, tan extensa como
la vastedad de su territorio. Sin embargo, allí no termina nuestro proceso de
mestizaje: también hemos intentado conjugar las voces de aquí y de allá. En este
panorama participan académicos y periodistas brasileros, pero también académicos,
traductores y periodistas de nuestro país. Es un intento de hacer dialogar del lado
de allá y del lado de acá, las voces de la gente que hace, piensa y siente la
literatura.
Este primer Panorama de la Colección Literaturas de Ediciones Recovecos dedicado
a una literatura de Latinoamérica no vería hoy la luz sino se hubieran involucrado
amigos de Argentina y de Brasil, sino hubiera surgido de ambas márgenes una
genuina generosidad y una tenaz paciencia hasta su edición. Estoy seguro que como
todo trabajo en el campo de la difusión este panorama tiene ausencias y faltas, pero
creo que fue hecho con la intención de difundir, de dar a conocer al un público lector
de del interior del país no sólo las voces de la literatura contemporánea sino su
trazo histórico, su tradición, sus herencias. Como lo podrán apreciar, no hemos
puesto ni una sola línea de Rubem Fonseca, uno de los autores más populares del
Brasil, galardonado el año pasado con el Premio Rómulo Gallegos y reconocido en
todo el mundo como uno de los escritores más interesantes de la literatura brasilera
contemporánea. Tampoco hay, una sola línea sobre quien fuera uno de los poetas
más importantes de los últimos 30 años, Haroldo de Campos, muerto menos de un
año atrás. Ellos no necesitaban –estamos convencidos-- de nuestro espacio;
nuestras páginas no le agregan ni le quitan nada a sus excepcionales obras. En
contra partida sí, –creemos--, nuestro panorama le lleva a nuestros lectores una
amplia información sobre esa maravillosa literatura brasilera que es algo más que
una inmensa estepa verdeamarela.
[Carlos Gazzera]
9. Croquis de Pagu e outros momentos felizes que
foram devorados reunidos, de Lúcia Maria Teixeira
Furlani. Editora Cortez/ Editora Unisanta. São Paulo.
2004.
A professora Lúcia Maria Teixeira Furlani é, hoje, a
maior especialista na obra e na vida de Patrícia Galvão
(1910-1962), a Pagu, musa do Movimento
Antropofágico, que foi casada com Oswald de Andrade
(1890-1954) e Geraldo Ferraz (1905-1979). Depois de lançar em 1999 Pagu –
Patrícia Galvão: livre na imaginação, no espaço e no tempo (São Paulo, Editora
Unisanta), que já está em quinta edição, publicou em 2004 Croquis de Pagu e
outros momentos felizes que foram devorados reunidos (São Paulo, Editora
Cortez/Editora da Unisanta) em que organizou desenhos produzidos pela artista
entre 1929 e 1930.
Além disso, desde 18 de maio, por iniciativa da autora, está no ar o site
www.pagu.com.br que reúne artigos, poemas, dados biográficos, trechos de livros e
muitas fotografias de Pagu. Também foi lançado nesse dia, na Universidade Santa
Cecília (Unisanta), em Santos, o Centro de Estudos Pagu que tem por objetivo
resgatar a memória de Patrícia Galvão, além de preservar e difundir a cultura
brasileira.
Organizado por Lúcia Teixeira com a colaboração de Rudá de Andrade, filho de Pagu
com Oswald de Andrade, e da jornalista Leda Rita Cintra Ferraz, Croquis de Pagu
tem prefácio do jornalista e crítico de livros e cinema Geraldo Galvão Ferraz, filho da
homenageada com Geraldo Ferraz.
No prefácio, Galvão Ferraz diz que a mãe foi “trágica sobretudo, mas foi engraçada,
palhaça até”. E lembra que ela foi, também, “militante, intelectual, feminista, filha,
mãe, mulher, amante, amiga, inimiga, política, romântica, doce, pimenta, gimtônica com limão, flor e espinho, irreverente, desbocada, lírica e expressiva”.
Já para a organizadora, Patrícia Galvão, sem fazer carreira artística, foi “uma
personalidade rara, rebelde e inovadora na vida, na arte e na cultura, em todos
estes domínios: jornalismo, poesia, romance, desenho, crítica de artes, política
militante, dissidência política”.
O livro reúne 22 desenhos do Caderno de Croquis de Pagu, a maioria dos quais
possui legendas do próprio punho da artista. Traz também o Álbum de Pagu,
produção pertencente ao mesmo período do Caderno, quando ela emergiu no
Modernismo, mais precisamente na Antropofagia, sob a influência de Oswald e da
pintora Tarsila do Amaral. O movimento da Antropofagia, alegoricamente, baseavase no exemplo dos índios caetés que devoraram o padre português Pero Fernandes
Sardinha, primeiro bispo do Brasil, no litoral de Alagoas em 1556, depois de um
naufrágio, para argumentar que o intelectual brasileiro deveria, primeiro, digerir as
idéias européias para, depois, produzir suas próprias criações. Seu veículo de
expressão foi a Revista da Antropofagia, de 1929.
Os desenhos do Caderno de Croquis de Pagu, um tanto ingênuos, ficaram
guardados por 75 anos com o filho de Patrícia Galvão, Rudá de Andrade que, em
2001, dirigiu com Marcelo Tassara um documentário baseado no livro Pagu — livre
na imaginação, no espaço e no tempo, de Lúcia Teixeira, e, por isso, com o mesmo
título. Já os desenhos do Álbum de Pagu haviam sido publicados por Augusto de
Campos em Pagu: vida-obra (São Paulo, Brasiliense, 1982).
Patrícia Rehder Galvão, nascida em São João da Boa Vista, interior do Estado de São
Paulo, foi jornalista, escritora, animadora cultural e militante política. Como
jornalista, trabalhou no Diário da Noite, A Fanfulla, Diário de S.Paulo, Correio da
Manhã, A Tribuna, de Santos, e Agência France Presse, em São Paulo.
Publicou os romances Parque Industrial (edição da autora, 1933), sob o pseudônimo
Mara Lobo, considerado o primeiro romance proletário brasileiro, e A Famosa
Revista (Americ-Edit, 1945), em colaboração com Geraldo Ferraz. Parque Industrial
foi publicado nos Estados Unidos em tradução de Kenneth David Jackson em 1994
pela Editora da University of Nebraska Press.
Seus contos policiais, escritos sob o pseudônimo King Shelter e publicados
originalmente na revista Detective, dirigida pelo dramaturgo Nelson Rodrigues
(1912-1980), foram reunidos em Safra Macabra (Livraria José Olympio Editora,
1998). Em 1950, candidata a deputada estadual pelo Partido Socialista Brasileiro,
sem ter sido eleita, publicou em edição própria Verdade & Liberdade, panfleto de
propaganda política em que denuncia os totalitarismos comunista e fascista,
defendendo um socialismo democrático.
Como animadora cultural, revelou e traduziu grandes autores até então inéditos no
Brasil como James Joyce, Eugène Ionesco, Arrabal e Octavio Paz. Teve um trabalho
marcante como incentivadora do teatro amador, especialmente em Santos.
Finalmente, como ativista política e membro do Partido Comunista Brasileiro,
combateu a ditadura de Getúlio Vargas, o que lhe valeu 23 prisões. Depois, deu a
volta ao mundo, sozinha, como correspondente de jornais. De passagem pela China,
obteve as primeiras sementes de soja que foram introduzidas no Brasil. Ao visitar
Moscou, desiludiu-se com o comunismo soviético, rompeu com o PCB, passando a
defender um socialismo de linha trotskista.
Lúcia Teixeira reproduz em seu livro um trecho do panfleto Verdade & Liberdade em
que Pagu diz: “(...) Dos vinte aos trinta anos, eu tinha obedecido às ordens do
Partido. Assinara declarações que haviam entregue, para assinar sem ler (...). Mas,
não haviam conseguido destruir a personalidade que transitoriamente submeteram.
E o ideal ruiu, na Rússia, diante da infância miserável das sarjetas, os pés descalços
e os olhos agudos de fome. Em Moscou, um grande hotel de luxo para os altos
burocratas. Na rua, as crianças mortas de fome: era o regime comunista...”
O apelido Pagu foi-lhe dado pelo poeta modernista Raul Bopp (1898-1984), autor de
Cobra Norato, que imaginou que seu nome fosse Patrícia Goulart. Mas ela mesmo
inventou muitos pseudônimos para si, como Zazá, Gim, Solange Sohl, Mara Lobo,
Pat, Pit e Leonie.
O cinema brasileiro já homenageou Pagu várias vezes: além do documentário de
Rudá de Andrade, há o filme Eternamente Pagu, dirigido por Norma Benguell, no
qual ela foi interpretada por Carla Camurati. Patrícia Galvão aparece também no
filme O Homem do Pau Brasil, de Joaquim Pedro de Andrade, e foi tema do
documentário Eh, Pagu!, Eh!, de Ivo Branco.
Lúcia Teixeira lembra ainda que os anos de prisão, tortura e perseguição deixaram
muitas marcas em Pagu, o que a levou a tentar o suicídio duas vezes — a primeira,
em 1949, quando deu um tiro na cabeça, na casa do artista Flávio de Carvalho, em
São Paulo; e a segunda, em setembro de 1962, quando, diagnosticada com câncer
nos pulmões, foi a Paris submeter-se à cirurgia no Hospital Laennec. Com o fracasso
da operação, “ao antever o sofrimento e a morte iminentes, atira no próprio peito”,
escreve a autora. “Mais uma vez sobrevive”. Retornou, então, para Santos, onde
morre em dezembro.
Doutora e mestre em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica
(PUC), de São Paulo, Lúcia Maria Teixeira Furlani é diretora-presidente do Instituto
Superior de Educação Santa Cecília, que mantém a Universidade Santa Cecília.
Publicou também A claridade da noite — os alunos do ensino superior particular
noturno (Cortez, 2001), Autoridade do professor: meta, mito ou nada disso?
(Cortez, 2004) e Fruto proibido — um olhar sobre a mulher (Pioneira/Unisanta,
1992).
Ainda dentro de um espontâneo processo de redescoberta de Pagu, a Ediouro, do
Rio de Janeiro, acaba de lançar Paixão Pagu — uma autobiografia precoce de
Patrícia Galvão, texto autobiográfico e originalmente uma carta escrita pela autora
ao marido Geraldo Ferraz em fins de 1940. Pagu fala de suas relações com pais e
irmãos, de seu casamento com Oswald de Andrade, de sua militância política e de
seus encontros com Luís Carlos Prestes, Jorge Luís Borges, Eduardo Mallea, Raul
Bopp, Guilherme de Almeida e outros. O volume traz ainda textos de Rudá de
Andrade, Geraldo Galvão Ferraz, Kenneth David Jackson, cronologia e fotos.
[Adelto Gonçalves]
10. Con el ala alta, de Patricia Guzmán. Editorial El otro El
mismo. Venezuela. 2004.
¿Cómo explicarnos la poesía de Patricia Guzmán? ¿Cómo
aproximarnos a este lenguaje cuya sensibilidad nos señala la
agonía y la luz que nos alcanza hasta ir sacudiendo lo más
recóndito de nuestro ser? ¿Cómo buscar una explicación
racional a las cosas del espíritu? No de la carne, ni del cuerpo
que queda en sombría espera, sino del espíritu que se resiste
abrazado a un cielo más alto y luminoso como en aquellos
versos del [dulce] San Juan de la Cruz: “Quedéme y olvidéme, /
el rostro recliné sobre el amado, / cesó todo, y dejéme, /
dejando mi cuidado, / entre las azucenas olvidado”. He aquí la
inspiración iluminadora. Yo no rehuyo de este ímpetu que va
filtrando –guiado por esas misteriosas razones del alma- las experiencias más
hondas y conmovedoras del espíritu. Mis ojos buscan en la confidencia de estas
palabras ese cielo que resplandece hasta revelarnos la presencia del ángel y de un
cuerpo a que asciende y resucita transformado por una experiencia que es la
esencia misma de la vida. Traspasando los límites de todo lo que aflige, la poeta
superpone a la imagen de la muerte la plenitud del espíritu y la profundidad del
amor. Y en esa profundidad la presencia trágica de la muerte se estrella contra una
voluntad que rechaza todo signo de conmiseración. Pues la poesía de Patricia
Guzmán es como un asidero que la libra de la peor agonía, de aquélla que nace del
espíritu. Su poesía configura el paisaje donde habita su alma, y su alma no conoce
más voz que la del ángel, y sus ojos no avizoran más cielos que la luz que triunfa
rescatando el cuerpo de la agonía que lo consume. Ya muy elocuentemente lo ha
señalado el poeta y crítico Luis Alberto Crespo: “…la obra poética de Patricia
Guzmán se nos da como una experiencia iniciática desde el cuerpo hasta su aura,
no sólo ya durante la averiguación de un vaticinio de ángel -o esposo o amada o lo
deseado y deseante- sino en la observancia de una religión de amor, celebrada en
los sentidos, así en la vida como en la muerte…” Ciertamente, “en la observancia de
una religión del amor” que nos sobrecoge y nos acerca también a una experiencia
desgarradora que nos conduce a zonas más recónditas de la vida. Así vamos por
los espacios de esta poesía, como guíados por una voz que se alza sobre los
misterios del sufrimiento y con renovado ímpetu nos dice: “Reclamo mi cuerpo /
entre tanta sordera / tanta lengua en lo oscuro” (p.19); y, más adelante: “Voy a
matar mi animal / levantarme crecida” (p. 25). Y ese levantarse, alzarse por
encima de la agonía es lo que le otorga un sentido místico y vertical a esta
experiencia que trasciende el dolor que flagela el cuerpo para intuir, dentro de su
propia interioridad, la realidad que le afli[j]e y la llama que purifica. Será por eso
que percibimos en el ángel y el pájaro símbolos portadores de la brevedad y,
también, de la infinitud de la vida. El título mismo del libro, Con el ala alta, sugiere
la fragilidad y la esencia del ser encarnada en la sutil imagen de un pájaro. Símbolo
que se reitera y se intercala con la figura del ángel. Ambos son signos centrales y
unificadores de esta experiencia. Pero ya, desde el primer libro (De mí, lo oscuro),
el pájaro despliega sus alas como insinuando un sentimiento que produce una
dolorosa sensación: “Todo se llena de pájaros / untado de un canto / que no me
pertenece / que crece / entre otros” (p.26), nos dice el hablante. Y luego la imagen
se intensifica: “Pájaro revuelto / de miedo / de duda / saltó / dio tumbos dentro de
mí / que lo suelte / que hago queja / Hago mi costumbre” (p.36). Hay que imaginar
la relación que establece la imagen del pájaro y cómo ésta se corresponde con otros
símbolos. Hay que situarse en el centro mismo de esa imagen que nos transmite la
más dolorosa experiencia de una voluntad que persiste estremecida. Pero yo,
querido lector, no busco interpretar los recursos expresivos que con sutil destreza
se despliegan a través de esta poesía. Si bien es verdad que toda poesía va
dándonos sus claves en la lectura. En ésta la persistente presencia del pájaro y del
ángel se manifiestan como símbolos mayores a través de todo el libro. Hay otros
sugeridores de una diversidad de interpretaciones, pero el ángel persiste como
esencia unificadora. Su presencia consiste en eliminar toda inseguridad, todo
desasosiego. Su huella queda transfigurada en el hablante poético, en el rumor de
un sufrimiento que se transluce en amorosa serenidad: “Yo me quiero ir al país del
ángel / Yo quiero saber de qué se alimenta / Yo quiero limpiar su casa / El ángel no
habla / El ángel canta para mí si los pájaros y mis hermanas se callan…” (p. 80).
Este es un lenguaje que rompe nuestra concepción de la realidad y nos hace sentir
el triunfante esfuerzo de quien ha salido del dolor transfigurado. Para mí, este es el
gran tema [principal] del libro. No la formulación de una poética de lo que aniquila
sino de lo que trasciende y transforma todas las cosas, incluyendo los misteriosos
caminos de la muerte. Es dentro de esta hondura de pensamientos que deseo
contemplar la actitud del hablante. Asomarme en el discurrir de este lenguaje a la
triunfante exaltación del espíritu. Pues la poesía de Patricia Guzmán surge de lo más
íntimo de esa enigmática y compleja realidad que la sostiene sobre la superficie
misma de sus versos.
De esa conciencia de lo perecedero, de la fragilidad de la vida ante la muerte, es
donde se afirma su voluntad y se alza su voz estremecida para revelarnos lo que
hay de profundo y trascendente en el ser humano.
No es ésta una estética del dolor, sino un lenguaje que logra la armonía de lo
inaccesible, de lo imperecedero. He aquí el paisaje de una voz que fluye hasta tocar
las inefables zonas del espíritu. En él aparece el esposo como una presencia
amortiguadora del dolor: “A menudo mi esposo me recuerda mis méritos como para
/ que me duela menos despertar” (p.125). Así el esposo se convierte también en el
protagonista silencioso de una realidad a la que responde amorosamente. Su actitud
siempre imprime una sensación de seguridad en el hablante poético. Claro que su
presencia no alude sólo al esposo terrenal sino también al ideal de unión perfecta
como observamos en el poema de San Juan de la Cruz y en el libro Cantar de los
cantares (que hace alusión a la iglesia como la amada): “El esposo tiene siempre
más de dos alas / Debajo de ésta / nazco cada día / Debajo de ésta / me alimento /
Debajo de ésta / me pongo el collar de perlas” (128).
La poeta traza la dimensión de su mundo fiel a un sentimiento que refleja su
experiencia como una necesidad mística. Este lenguaje pone a prueba la interioridad
de su universo poético y la visión que fortalece su espíritu. Me parece que esa
imagen edénica que antecede los últimos versos del libro nos motiva a meditar
nuestra presencia en el universo y la altura de nuestra humanidad: “…para que de
El Edén surja un río / que riegue el jardín / para que el río se transforme / en cuatro
cursos de agua / y el hombre se transforme / en un ser vivo” (173).
Pocos libros en la poesía contemporánea muestran esta lucha interior, esta
vigilancia del espíritu que sobrepasa todo entendimiento. Con el ala alta parece ser
una respuesta al escepticismo de las sociedades contemporáneas. De ahí que este
lenguaje deje de lado todo signo de conmiseración para descubrirnos la visión de
una poeta que sin ignorar el dolor, y sin doblegarse a sus padecimientos, nos revela
un sentido más alto, más luminoso, más humano de la vida.
[David Cortés Cabán]
11. Cuaderno de verdor, de Philippe Jaccottet [traducción de
Rafael-José Díaz]. Bartlebly Editores. 2005. Madrid. Contato:
[email protected].
Philippe Jaccottet, uno de los poetas actuales más importante
en lengua francesa, nació en Moudon (Suiza) en 1925. Después
de cursar estudios de letras en Lausana, vivió durante algunos
años en París como colaborador de la editorial Mermod. En 1953
se casa con la pintora Anne-Marie Haesler y se instala en
Grignan, en el valle francés del Drôme, donde vive desde
entonces. En ese mismo año de 1953 aparece su primer libro de
poemas, L’Effraie et autres poèmes, al que han seguido
L’ignorant (poèmes 1952-1956), Airs (poèmes 1961-1964), À la
lumière d’hiver y Pensées sous les nuages. Sus últimos libros, Cahier de verdure,
Après beaucoup d’années y Et, néanmoins, combinan la prosa y el verso, algo que
también caracteriza a su actividad diarística: La semaison (carnets 1954-1979), La
nouvelle semaison (carnets 1980-1994) y Carnets 1995-1998. Philippe Jaccottet es
asimismo autor de prosas poéticas o semiensayísticas (recogidas en libros como
Éléments d’un songe, Paisajes avec figures absentes, La promenade sous les arbres
o Notes du ravin), notas de viaje (Cristal et fumée) y del relato L’obscurité. Algunas
anotaciones antiguas, a medio camino entre el ensayo breve y la anotación
diarísticas, han sido reunidas recientemente por el poeta en Observations et autres
notes anciennes (1947-1962). También ha sido importante su labor como crítico y
ensayista, de la que dan testimonio L’entretien des Muses, Une transaction secrète,
Écrits pour papier journal, Gustave Roud y Rilke par lui-même. Especialmente
celebrada ha sido su labor traductora, de la que cabe detacar sus versiones de
Homero, Góngora, Hölderlin, Rilke, Musil, Ungaretti y Mandelstam, algunas de las
cuales han sido recogidas recientemente en D'une lyre à cinq cordes. Traductions de
Philippe Jaccottet 1946-1995.
12. Alongamento, de Sérgio Medeiros. Ateliê Editorial São
Paulo. 2005.
Aqueles que já estão acostumados com uma certa
homogeneidade que a poesia brasileira de melhor extração vem
assumindo já há algum tempo, acolherão com interesse o novo
livro de poemas de Sérgio Medeiros, Alongamento. Já no
anterior, Mais ou menos do que dois (Iluminuras, 2001), Sérgio
surgira com uma nota estranha, desconhecida e incômoda, uma
atmosfera “marienbadiana”, propositalmente rarefeita e sem
chaves. Tradutor de Lewis Carroll, o poeta acredita na
atualidade do nonsense como instrumento poético e de
investigação do mundo. Em duas ocasiões em sua obra, Carroll
fala exemplarmente de chaves: no primeiro capítulo de Alice no país das
maravilhas, em que a menina tenta abrir a porta para o jardim, mas está ou
pequena demais para alcançar a chave sobre a mesa ou grande demais para passar
pela porta minúscula. A chave acaba se mostrando inútil, pois Alice escapa da toca
do coelho por outros meios, que permanecem inexplicados. Outras chaves
aparecem em Sílvia e Bruno, nas mãos do jardineiro louco, responsável pelo portão
que dá passagem para o mundo das fadas. Apesar de ter apenas uma chave grande
o suficiente para a fechadura do portão, o jardineiro insiste em experimentar todas
as outras primeiro.
Também não é com a chave insipidamente correta que devemos tentar buscar a
entrada para a poesia de Sérgio Medeiros. Melhor é escorregar para ela por meios
menos controlados, como Alice para fora da toca, deixando intactas, impenetráveis,
todas as portas, mas permeáveis os mundos que elas separam. O desenho na capa
de Alongamento, de autoria do próprio Sérgio, já representa, com traços abertos e
autônomos, um corpo que escorregou para a água e não se afogará sem antes
descrever um balé cheio de voluntarismo.
O livro contém poemas/textos produzidos de 2004 a 2000, assim, em percurso
inverso, começando com uma segunda versão à qual se segue a primeira versão do
poema-título. Pode-se dividir o volume em duas partes: a primeira é um elogio à
visão, ao primado dos olhos, cujos músculos se pretende alongar, passando do
infinitamente distante ao infinitamente próximo (como a Alice que cresce e encolhe
numerosas vezes durante suas aventuras), mas substituindo ao foco monológico e
preciso a visão do jardineiro louco que nunca presencia uma cena inconteste, e sim
um transformar disso naquilo sem referência fixa. A segunda parte tem um acento
predominantemente musical (Sérgio Medeiros é um grande apreciador da música
contemporânea) e performático. Une as duas partes o uso tanto de olhos como da
audição como instrumentos táteis: “mal consigo ver: ouço – a areia úmida”.
A série de instantâneos em frases mais ou menos articuladas, conforme o caso, tem
no inusitado e na concisão a sua força: “a água desabotoa”, “a água bate contra o
til duro”. Seus símiles, estranhamente, não perdem com a irreconciliabilidade dos
termos seu impacto de verdade revelada: “como unha lixada, o barco afunda em si
mesmo”; “- a nuvem que mais se alça também se esfarela como coisa pisoteada
uma vez;”. A percepção é ao mesmo tempo aguda e distorcida, no sentido de que
seu ponto de fuga se encontra fora do enquadramento: é uma percepção de
semivigília, uma percepção ao despertar, quando nada ainda se encaixou no
corriqueiro (como na consciência recém-desperta do Marcel, de Proust, em que se
entrecruzam vários quartos antes que ele possa decidir em qual deles acordou).
O treinamento do olhar, de forma alguma parte essencial de nossa tradição poética,
que em seus melhores momentos se esmerou no treinamento do ouvido, vem se
tornando, nas últimas décadas, uma preocupação da atual geração de poetas
brasileiros. Vejo a origem dessa preocupação na atenção com que esses poetas
lêem a poesia americana moderna, a qual, fundada sobre um longo hábito literário
inglês da observação, tem na fanopéia sua expressão característica. Certamente, a
apreciação da poesia chinesa exerce também grande influência nesse sentido, mas,
ainda aqui, muitas vezes via tradução inglesa. Ezra Pound já usava, no ABC, a
metáfora do homem cuja visão alcançava um maior espectro do que a dos demais
para caracterizar o poeta. Não se trata apenas de “ver com olhos novos”, mas de se
deleitar sensualmente no visto, desfazer-se da subjetividade no objeto: é-se o que
se vê.
Na função de “vedor”, em que tem como antecessor o já citado Jardineiro Louco de
Carroll, Sérgio se retira do enquadramento para deixar brilhar uma certa autosuficiência altiva das coisas que, zombando da confiança dos humanos em sua
natureza estática, estão, com o auxílio do vento e das alterações de luz,
constantemente em movimento e mudança: “a baía/ puxa a luminosidade/ como
uma coberta/ que encolhe/ na água/ – não se agasalha/ nunca/ inteira”. Se em
alguns momentos essa percepção orquestral da paisagem parece resvalar para a
“bela imagem”, que, como a bela melodia, corre o risco de apenas provocar o
aplauso da platéia, o poeta, menino experimental, nunca perde a consciência de que
está lidando com letras sobre papel. Com gosto tipográfico, arranja o texto sobre a
página, confere títulos, subtítulos e parênteses, faz farto uso de sinais como barras,
asteriscos, reticências, til, colchetes, como para lembrar ao leitor o estatuto de
composição (no sentido de linotipia) do poema. Esse recurso, com ser talvez
desconfortável para o olhar acomodado, tem como conseqüência adiar a entrega
hedônica do leitor às impressões recolhidas. As duas formas de visualidade da
escrita – a evocativa e a concreta – convivem, rivalizam, dialogam ou brigam,
tornando a leitura mais rica em cada caso.
A seção final do livro, intitulada (darwinianamente?) “O Passo do Macaco”, coloca
literalmente em cena uma outra forma de obliteração da subjetividade no texto
poético, explorando o aparato teatral (sonoplastia, instruções e objetos de cena,
maquinário, divisões em atos) aliado a uma apresentação mais propriamente
cinematográfica da seqüência dramática ou dramático/performática. As diversas
seqüências são classificadas como dança folclórica, réquiem, opereta, balé e
pantomima. Trata-se, em cada caso, de um espetáculo total, no qual se dá a
personagens, texto, rubricas, som, cenário e platéia igual participação, com
predominância apenas do ritmo, que envolve e rege todas as outras instâncias.
Interpõe-se à sua eventual encenação uma série de instruções impossíveis: um
barítono sem voz “imita o miado de uma gata parda famélica que acabou de dar
cria” ou “o som de uma enxurrada de ossos enchendo uma sepultura vazia”, “O mar
deitado de bruços volta a si molemente na praia, calado”, uma mulher, “à medida
que for adquirindo vivacidade, também exibirá uma consistência mais quebradiça” e
por fim, feito múmia, se esfarelará de vez. A habilidade com que o autor consegue
compor uma multiplicidade de elementos insensatos, surrealistas e nonsênsicos de
forma a lhes dar um sentido – na acepção da Física, não da Semântica – é
demonstrativa da qualidade do seu trabalho poético – na acepção etimológica do
termo.
É fácil concordar com o autor quando ele diz preferir, entre as várias peças d’ “O
Passo do Macaco”, a pantomima “As Costas de...”, que fecha o volume. A
peça/poema, que tem como personagem única uma sereia e como cenário o fundo
do mar, começa com a advertência de que “No primeiro e no segundo atos, a
audiência – um público pequeno – só terá acesso AO FUNDO DO MAR
indiretamente”, explicação que parece satisfazer uma impecável lógica carrolliana,
que suporia no leitor a expectativa de um palco literalmente imerso na água e a
platéia diretamente colocada diante dele. A explicação, porém, não é tão ociosa
como poderia parecer a princípio, pois, de fato, “No terceiro e último ato, a
audiência finalmente irá ao FUNDO”. Assistimos, a seguir, a uma seqüência de três
atos classificados como “erótico (sic)”, “mais erótico que o anterior (sic)” e
“extremamente erótico (sic)”, postulando-se, assim, a existência de um transcritor
que, de uma distância crítica, “edita” o texto recebido. Distância e proximidade,
como no poema “Alongamento”, são os dois fatores em jogo na pantomima. Desta
vez, no entanto, não se trata de mensurações, mas da contraposição de elementos
do cotidiano e outros fantásticos, provenientes do imaginário literário ou mitológico.
A atualização de metáforas se insere no âmbito de uma ação corriqueira como jogar
uma camisa na cesta de roupa suja ou abrir o registro do chuveiro. O atrito entre
gestos tão cotidianos que deles nem nos damos conta e situações inusitadas como o
afundamento do público parece se resolver na busca frustrada por um significado
arcano e irrecuperável, soterrado sob a inexorabilidade do dia-a-dia. Não é,
entretanto, a profundidade, mas a nota irônica que wins the day, pois o público, ao
fim da peça, entra literalmente pelo cano.
As observações que reúno aqui a respeito de Alongamento representam apenas
impressões de viagem pelo texto de Sérgio Medeiros. Dificilmente serão as mesmas
em novas incursões desta e de outros viajantes. Este é um livro que provoca o leitor
de muitas maneiras diferentes, oferecendo à leitura sempre um novo interesse e
excluindo de vez só uma sensação: a de déja vu.
[Myriam Ávila]
13. O triunfo de Sosígenes Costa (estudos, depoimentos e
antologia) [org. Cyro de Mattos & Aleilton Fonseca]. Editora
UEFS/Editora da EUSC. Bahia. 2004.
Guardar na memória a lembrança dos grandes nomes que já
não mais fazem parte do inventário dos vivos é um modo de
preservar a seiva que os nutriu, na esperança de também servir
de alimento às novas gerações. No ano de 2001, nós, baianos,
fizemos questão de comemorar os cem anos de nascimento do
poeta de Belmonte, o mago das imagens feéricas, o inventor de
castelos e paisagens multicromáticas, o vate das origens míticas
de sua terra, Sosígenes Costa. Esta comemoração, embora
praticamente limitada à sua Bahia natal, se reveste de maior significado, por ter
sido o poeta pouco reconhecido enquanto viveu e longamente esquecido após a
morte, em 1967.
Em boa hora os escritores Cyro de Mattos e Aleilton Fonseca, ligados à mesma zona
cacaueira do poeta, decidiram organizar O Triunfo de Sosígenes Costa que, por
certo, contribuirá para a divulgação de um dos maiores nomes da literatura
brasileira de todos os tempos.
As autoras e os autores desses bem elaborados ensaios são reconhecidos escritores
e/ou professores baianos, cujos mini-currículos precedem os respectivos textos.
Entre os indiscutíveis méritos do volume, avulta o de integrar o movimento de
resgate da grandeza de um verdadeiro artista da palavra que, até o seu centenário,
em 2001, possuía apenas dois livros de estudo sobre sua riquíssima produção, o de
José Paulo Paes, Pavão parlenda paraíso (1977) e o de Gerana Damulakis,
Sosígenes Costa - o poeta grego da Bahia (1996).
Em 2001, ano do centenário do poeta, novos esforços foram desenvolvidos para
trazer sua obra à tona. A Fundação Cultural de Ilhéus, então dirigida pelo escritor
Hélio Pólvora, fez-lhe várias homenagens, organizou um seminário na Associação
Comercial de Ilhéus e apoiou edições importantes, como Crônicas & poemas
recolhidos, organizado por Gilfrancisco Santos, e o CD Antologia Poética de
Sosígenes Costa, com 28 poemas selecionados por Gerana Damulakis e Hélio
Pólvora, com introdução deste último. A Fundaci apoiou também a edição da Obra
poética completa do autor belmontino, realizada através do Conselho Estadual de
Cultura/Secretaria de Cultura e Turismo da Bahia, sob a direção de Waldir Freitas
Oliveira. Pólvora organizou ainda o livro A Sosígenes, com Afeto, com textos de
vários ensaístas e poetas. Na ocasião, a Academia de Letras da Bahia promoveu um
curso em homenagem ao poeta, e a revista Iararana dedicou inteiramente a ele a
sua ediçãon° 7. Mais recentemente, em 2004, Florisvaldo Mattos publicou o ensaio
Travessia de oásis. A sensualidade na poesia de Sosígenes Costa, ampliando as
abordagens temáticas. Agora, esta coletânea reúne vários estudos que fizeram
parte das comemorações do centenário do poeta, contribuindo para a divulgação de
parte de sua fortuna crítica.
O Triunfo de Sosígenes Costa está dividido em três partes distintas, das quais farei
um breve resumo: os ensaios críticos, os depoimentos e a antologia.
Heitor Brasileiro Filho fala de vários dados biográficos do poeta de Belmonte, como
sua chegada a Ilhéus em 1926, onde foi aprovado em concurso para telegrafista e,
paralelamente, passou a exercer a função de escriturário da Associação Comercial
de Ilhéus, da qual só saiu aposentado, em 1953. Há também referências aos
companheiros de juventude de Sosígenes que pertenciam à "antiacademia" dos
Rebeldes, fundada a fim de criar uma nova era literária. Entre os Rebeldes, figuram
Jorge Amado, Édison Carneiro, Dias da Costa, com quem Sosígenes, apesar do
temperamento reservado, manteve correspondência.
Hélio Pólvora enfatiza aspectos referentes à Academia dos Rebeldes que, apesar de
ter surgido com idéias demolidoras, reagiu contra os exageros inovadores da turma
de São Paulo e Rio de Janeiro. Recentemente descobriram-se crônicas de Sosígenes,
entre as quais as que, em 1928, criticam ou ridicularizam as tendências futuristas,
como a de 21 de março: “A poesia moderna é toda assim, disparatada. Escangalhase a métrica sem dó, remete-se ao bom-senso uma patada e compara-se a lua ao
pão-de-ló”. Todavia, entre as citações de crônicas arroladas neste ensaio, verifica-se
que SC nem sempre é radical: “Do futurismo de quem tem talento, eu gosto”,
afirma em 1 de outubro de 1928.
Gerana Damulakis se refere aos vários caminhos de uma obra de pluralidade
reconhecida. É a autora de um dos dois mencionados livros básicos dos estudos
sobre o poeta, Sosígenes Costa - o poeta grego da Bahia, bastante citado pelos
autores do presente volume. Gerana optou por conjugar dois de seus trabalhos,
“Castelão de mitos” (presente em cada poema) e “Sosígenes Costa e o Barroco”.
A ensaísta menciona também a presença dos heróis e dos episódios da Bíblia, da
mitologia antiga, da História, do recurso aos arquétipos para a elaboração de
metáforas onde se envolvem reis e deuses.
As misturas de temas diversos, até mesmo os disparates provocados pelas rimas
difíceis ou despropositadas, também atuam para manter ou aumentar o interesse
pelo processo mental do poeta que associa, por exemplo, o pavão vermelho do
soneto homônimo, com um correspondente como o sentimento de alegria.
Cyro de Mattos destaca “nesse poeta de pavões e dragões, vinho e aroma, a
vertente negra” expressa em vários poemas, alguns deles mais longos, como
“Iemanjá”, de 769 versos. É oportuno lembrar que o elegante sonetista de gosto
clássico e classicizante e de rica imagética suntuosa, com explícita preferência pela
metrificação e pela rima, também sabe instrumentalizar-se com registro popular na
saga cacaueira glorificadora do índio e nos poemas de inspiração afro-brasileira, em
que recorre ao verso-livre e à linguagem coloquial pontilhada de expressões típicas.
Cyro associa a vertente afro-brasileira de Sosígenes às criações de Castro Alves,
Jorge de Lima e Ascenço Ferreira e defende a questão da legitimidade do tema
abordado por escritores de diversa origem étnica, desde que exista uma real “fusão
afetiva que é transposta pela imaginação e/ou vivência para o significante e
significado do discurso”.
Ruy Póvoas faz uma apreciação do estudo realizado por Cyro de Mattos, a propósito
do filão afro-brasileiro da poesia de Sosígenes Costa, concentrando-se na linguagem
herdada dos escravos e que o poeta soube utilizar com tanta maestria. Póvoas
destaca a exploração da musicalidade, “da sonoridade através de arranjos
lexemáticos e sintáticos” e revela como Sosígenes manuseava com desenvoltura e
segundo as exigências estilísticas do poema, o nagô ou a língua de Angola, o que
atesta a familiaridade do poeta com a vida e as práticas religiosas dos terreiros de
candomblé.
A partir da explicação dos vocábulos e da análise de versos e fragmentos escritos
nesses dialetos, o autor enfatiza os recursos sonoros e musicais explorados por SC,
além de fazer referências aos cultos, rituais e costumes do povo africano. No final,
ele acrescenta um glossário que servirá de subsídio para possíveis esclarecimentos.
Aleilton Fonseca trata inicialmente de questões relativas ao caráter reducionista do
cânone literário, procurando explicar o lugar discreto ocupado pelo poeta em relação
ao panorama da poesia brasileira do seu tempo. Provavelmente o culto excessivo de
SC pelos modelos clássicos, superados na época áurea do nosso modernismo, teria
contribuído para que seu nome não figurasse entre os astros de primeira grandeza
seus contemporâneos.
Aleilton, através da fundamentação teórica baseada na categoria da visibilidade, via
Ítalo Calvino, volta sua atenção principalmente para a poética visual e condena as
classificações que pretendem enquadrar SC na estreiteza de algum ismo, ora como
parnasiano ou simbolista, ora modernista. “Estes rótulos só se aplicam
adjetivamente a procedimentos parciais de sua poética, mas não têm força
substantiva quando aplicados unitariamente”. Em resumo, graças à obra
multifacetada e à inventividade, SC é um moderno, em toda a extensão da palavra.
Florisvaldo Mattos focaliza sobretudo a dimensão cromática de SC que “lhe confere
singularidade capaz de se tornar um diferencial no seu processo criativo”. Apesar
dessa ênfase nas cores e na “apoteose visual” em Sosígenes, Florisvaldo chama a
atenção para os demais sentidos, tantas vezes recaindo no jogo sinestésico ou no
privilegiar das sensações olfativas. Para o ensaísta, o requintado gosto do poeta de
Belmonte e algumas de suas referências irônicas poderiam levar a supor que ele
fosse contrário às novas tendências poéticas, mas, na verdade, o que ele não
aceitava eram os exageros da vertente futurista. Basta que se recorde o
nacionalismo da “epopéia cabocla” Iararana. “O modernismo em Sosígenes Costa,
de brilhante, tornou-se fosfóreo”.
Jorge de Souza Araújo, em alusão à variedade de tons de SC, comenta sobre a
ourivesaria de sua dicção metrificada e rimada, sobre seus ataques às
modernosidades da Semana de 22, o que não impediu o tom prosaico de
composições despojadas dos luxos imagéticos. Araújo, a propósito do romance
surrealista de Jorge de Lima, O Anjo, aponta como o poeta baiano aceitava a
recomendação do poeta alagoano no tocante ao destino do homem que nasceu para
contemplar e, só por castigo, luta e trabalha, mostrando-se Sosígenes avaro dessa
contemplação.
Seu fabulário e expressionismo verbais fundem o tosco da fala corriqueira com o
refinamento aristocrático e classista, a opulência verbal com a singularidade do
mito, o ocidente e o oriente, o contingente e o estelar, a mitologia
cabocla/mestiça/afro-nordestina, mais o universalismo de impressões temáticas
absolutamente originais. Tudo é Sosígenes como o Jorge de Lima de Invenção de
Orfeu.
Maria de Fátima Berenice da Cruz comenta o poema “Case comigo, Mariá”,
reacendendo “a discussão em torno do conceito de poesia e da função desta como
difusora da cultura de um povo”. Todavia, faz-se necessário analisar o referido
poema, enfocando o escritor como aquele que soube, em seu tempo, articular
elementos da cultura popular com os mitos da criação do universo, com a teoria dos
nomes, e até com conceitos contemporâneos que nos falam de ausência de
fronteiras entre as culturas.
O poema institui o mito da criação poética, contextualizando-o no imaginário
popular brasileiro, povoado de reis e rainhas: Não sabes que o mar é casado / com
a filha do rei? Comparecem no poema outros mitos, como o das Sereias, o do peixe
que, mais tarde, casa-se com Maria. Segundo a autora, SC revive e reatualiza
sempre o mito do texto literário que se “caracteriza por sua incompletude no
instante em que a leitura se renova”.
Cid Seixas focaliza outros aspectos de Iararana, poema que inaugura a temática
cacaueira e que, apesar de figurar ao lado das outras obras nativistas, ainda não
recebeu o destaque reivindicado pelos mais recentes estudos revisionistas do poeta.
Cid Seixas discute a diferença entre os ideais do grupo modernista de São Paulo e
Rio de Janeiro impregnados das ressonâncias europeizantes que haviam importado,
em contraste com os jovens baianos da Academia dos Rebeldes em defesa das
tradições nacionais e locais vistas e sentidas de dentro, ao invés do olhar que
buscava o lado exótico do primitivo e que já havia encantado os viajantes. Cid
também discute a posição de José Paulo Paes que, em 1979, apresentou ao público
o poema de Sosígenes e seu estudo, sustentando a “idéia recorrente de que o texto
do poeta da roça está marcado por um caráter anacrônico”, uma vez que foi
concluído só em 1933.
Embora Iararana e Cobra Norato sejam consideradas epopéias modernas, o poema
de Raul Bopp continua sendo alvo de maiores deferências, enquanto estudiosos
baianos procuram fazer justiça ao criador do mito mestiço em meio às matas
primitivas do Brasil.
Celina Scheinowitz dedica-se a uma análise minuciosa do longo poema épico
Iararana, que apresenta um mito de origem para o cacau e alegoriza a formação
étnico-cultural da região, ao sul da Bahia. Acusado de se manter alheio ao
movimento modernista, com esse poema Sosígenes adere às novas tendências
nacionalistas, através da glorificação do herói indígena em detrimento do invasor
português e do escravo africano. Celina chama a atenção para o uso de inúmeros
termos relacionados à terra dos índios, com seus costumes, lendas, mitos,
crendices, fala, o que contribui para a criação do clima nativista.
Celina realiza exaustivo e paciente levantamento dos termos relacionados com a
flora e a fauna regionais, expressões idiomáticas, conectivos marcadores da
conversação, interjeições, além de aspectos ligados à pronúncia e à morfossintaxe,
destacando ainda traços estilísticos. O ensaio se conclui com a reafirmação de
Iararana “em posição de destaque no panteão do Modernismo brasileiro, ao lado de
Macunaíma, de Cobra Norato, ou de Martim Cererê”.
Marcos Aurélio Souza concentra sua análise na visão anticolonialista de Iararana,
flagrando o lado violento da ação colonizadora presente no poema. Para Marcos
Aurélio, a crítica ao colonizador feita por SC, não deve ser entendida nos moldes de
ingênua xenofobia ou tentativa de retornar a uma pureza racial cabocla, conforme
sugerira José Paulo Paes. O longo poema acena, simbolicamente, para o
(re)estabelecimento daquilo que pode ser chamado de uma época áurea, o que não
é, todavia, uma tentativa de retorno ao período pré-colonial. Isso porque a defesa
do discurso sosigenesiano é pelo hibridismo e não pela crença ingênua de
reconstrução de um mundo puramente indígena. Sob essa ótica, ao invés de
epígono do modernismo, SC deve ser considerado precursor de uma nova visão da
história, bem diversa das magnanimidades oficialmente narradas, segundo a
ideologia do colonizador.
A segunda parte de O Triunfo de Sosígenes Costa consta de depoimentos: do amigo
de sempre, Jorge Amado, no ensejo da publicação da nova edição revista e
ampliada da Obra poética e do livro de José Paulo Paes, Pavão parlenda paraíso,
primeiro estudo de conjunto da obra do poeta baiano. O segundo depoimento é de
Waldir Freitas Oliveira que lamenta o pouco conhecimento que se tem do poeta, de
sua vida, seus estudos, sua correspondência e publica uma carta que SC havia
dirigido a Clóvis Moura. A carta demonstra que Sosígenes não concordara com a
crítica que Clóvis Moura lhe fizera, a respeito de sua “falta de experiência de luta ou
de um passado revolucionário”. O poeta argumenta que “a intenção, nesse caso,
redimiria a insuficiência”. Também discorda da afirmação de que só se pode fazer
literatura revolucionária através de uma visão marxista dos fatos: “Não me
considero possuidor desta qualidade eminente. E por isso lhe envio um exemplo de
minha poesia e nela poderá V. constatar o que afirmo”.
Em seu depoimento, James Amado, referindo-se à poesia como destino, narra
poeticamente a versão mítica de SC sobre as origens do cacau, transformado em
riqueza para os recém-criados grapiúnas, gente nova e “livre de crimes antigos”.
James fala da atividade do poeta como telegrafista e do seu gosto pela vida
solitária, mas preenchida de flores raras e pássaros, que recebiam seus cuidados.
Neste depoimento também temos notícia de seu desempenho de pianista que
executava músicas no piano de meia-cauda, alternando peças clássicas e populares.
James transcreve um poema de Sosígenes, em que ele revela sua simpatia por
Freud e Marx e pela quebra das hierarquias.
Zélia Gattai declara sua admiração pelo poeta, amigo de Jorge e depois também
dela. E assim o define: “Pessoa discreta, calado, sempre bem posto, Sosígenes
preferia ouvir, prestar atenção e sorrir em vez de participar de grandes papos e
gargalhadas”. Zélia transcreve o “Bilhete começado pelo boa-noite”, enviado por SC
a uma dona de pensão. Um dia eu contei a Sosígenes que o líamos em voz alta, nos
momentos de lazer.
Na terceira parte, os organizadores incluíram uma antologia, onde os leitores podem
deleitar-se com os poemas mais representativos da obra sosigenesiana. Cyro de
Mattos e Aleilton Fonseca estão de parabéns pela iniciativa de homenagear
Sosígenes Costa, o mago que transformava a pálida realidade corriqueira em
suntuosidades principescas, mas também sabia trocar os requintes do vocabulário
áulico pela simplicidade dos falares regionais, os faustos da realeza pelos fascínios
dos mitos afro-brasileiros ou indígenas. De parabéns estamos todos nós, brasileiras
e brasileiros, por termos cada vez mais acesso às revelações do poeta sabedor de
fulgores estelares e dureza de chão, conhecedor de espinhos do mato e cintilares de
pavões.
[Helena Parente Cunha]
14. Versos Comunicantes II (Poetas entrevistan a poetas
iberoamericanos) [org. José Ángel Leyva]. Ediciones Alforja y
UAM. México. 2005.
“No hay muerte posible para la poesía”, afirmaba Eugenio
Montale en su discurso ante la Academia Sueca, en diciembre
de 1975, cuando ya los anuncios milenaristas campeaban sobre
el ocaso del siglo XX y la caída de paradigmas era tan
estrepitosa como la sucesión de acontecimientos mundiales
inesperados y asombrosos. No habrá muerte para la poesía al
menos mientras el hombre viva y se interrogue, indague,
cuestione a sus semejantes y descrea de la eternidad. No habrá
defunción en tanto haya razones para dudar de las certezas y la palabra se renueve
y crezca, renazca de los vestigios de su propia naturaleza, asuma la caducidad de
sus formas y mantenga fidelidad al cambio, al origen, al sentimiento. La poesía, al
fin y al cabo, no existe sin la emoción del nombre, no de lo que se encuentra, sino
de lo que se busca. Cada hallazgo es el inicio de una nueva exploración en el
tiempo. Sed y deseo, rebelión y sosiego, orden y caos, fuego y cenizas,
conocimiento e ignorancia empujan la palabra hacia la poesía, hacia la alteridad de
lo banal y lo divino. ¿Cómo puede acabar entonces lo que denomina el misterio, lo
que significa, lo que da vida al vacío, aquello que hace tan íntima como universal la
vivencia de una persona, el despertar y el sueño de la humanidad, de nuestra
humanidad?
Pero la amenaza de extinción tiene un movimiento pendular sobre la poesía en la
medida que la estupidez y la banalidad avanzan sobre la historia y la cultura. La
demencia del poder cobra víctimas sin calcular el precio letal no sólo para las
víctimas sino para los opresores, los invasores, los verdugos, los magnates. Nadie
escapa a las consecuencias de la barbarie tecnológica ni al saqueo de la memoria.
Nadie queda exento de las furias de la naturaleza, de los efectos radiactivos, de la
contaminación, de la capacidad destructiva de la llamada civilización moderna. El fin
del hombre es el fin de la poesía, de la conciencia, de la palabra, del significado. Y
hay momentos en que esos fines del mundo son visibles, al menos de una forma
parcial. Se viven desde dentro o desde fuera y quedan como testimonios de esa
posibilidad de lo absoluto. Para mucha gente el mundo y la poesía terminaron
cuando, por ejemplo, los nazis intentaron podar el árbol de la vida para obtener un
fruto ario y ser los dueños del planeta, o cuando Stalin se dio a la tarea de purgar al
mundo de ideas diferentes a las suyas, o cuando los militares en América Latina
torturaron y desaparecieron a quienes nombraban el futuro de manera distinta. No
pueden quedar sin palabras las imágenes del ejército invasor con su utilería de
poder y sus consignas de libertad y democracia sobre las ruinas de la vieja Bagdad,
en el saqueo de su pasado. ¿Tendrían porvenir Las mil y una noches? Si la poesía
aún nos conmueve, entonces su lugar en el mundo está asegurado, porque el dolor
y el gozo, la belleza y la vida son motivos y motores para intentar nombrar el ser,
para aspirar a ser.
La poesía aún trae, como los ángeles, mensajes de un ayer remoto o inmediato. No
son quizás los hombres reales, los individuos específicos, quienes trascienden los
siglos, sino los personajes envueltos en su aspecto mítico representando el paso de
su gente por la historia, los sucesos, la fuerza del acontecimiento, su marca
indeleble en la conciencia. Arquetipos, diría Mircea Eliade para referirse a la
presencia de una memoria colectiva, popular, imaginativa, mitológica, ahistórica. La
muerte suele ser el inicio del mito. Tal vez por ello Dante Alighieri incorporó su
nombre en La Divina Comedia, sabiendo que el autor, el hombre real, histórico, es
pasto del olvido. En cambio el Dante que desciende a los infiernos guiado por la
claridad del ingenio y el saber de sus maestros, de las luminarias del tiempo, de la
palabra, se vacuna contra la caducidad y la amnesia. De otro modo lo argumenta
Fernando Pessoa --y lo pone en función con sus heterónimos-- cuando señala en su
Erostratus que son muy escasos los libros que resisten la acumulación de los siglos
y representan la urdimbre emocional y mental de una sociedad determinada o de un
momento. La poesía da cuenta de esa intimidad, del peso de la tragedia, del
significado de la felicidad, del canto de los deseos. El escritor a menudo se reduce al
papel de testigo, al de cronista de la imaginación, a la expresión profunda del
sentimiento o a la desnudez formal de la palabra, al hecho del espanto, a la
ocurrencia de lo imprevisto, pero pocas veces habla de sus reflexiones, de sus
hallazgos, de su viaje, de su historia personal y sus contextos. Quizás porque teme
ser desvirtuado, descolocado de su espejo. Como decía Borges, inventado por un
interlocutor que no es él mismo. Tampoco por un crítico que no conversa con la
obra sino que la clasifica y la interpreta, más bien por un lector que pregunta y
escribe, al tiempo que edita las respuestas, y sin proponérselo da lugar a un
personaje, a un relato donde se filtra el mito.
José Saramago ha hecho su gran novela, La muerte de Ricardo Reis, a partir de la
muerte física de Fernando Pessoa y el arribo a Lisboa de su heterónimo Ricardo
Reis, quien regresa de Brasil, como los elefantes blancos, a vivir el final de su
existencia en su tierra de origen. Ambos personajes, ambos heterónimos, se
interrogan y se descubren ante un lector que no ignora que se halla frente a dos
fantasmas, uno que permanece activo durante los nueve meses que tiene después
de fallecer y otro que vive los últimos nueve meses antes de desaparecer de la
realidad. Ese, me parece, es el gran descubrimiento del novelista y la clave para
recrear la esencia de un poeta como Pessoa, pero es quizás la misma o semejante
dualidad que vive el poeta común, cuando escribe y cuando sale a las calles o
retorna a la rutina familiar. José Ribamar Ferreira, por ejemplo, no es el mismo que
el poeta brasileño Ferreira Gullar, no obstante que ambos ocupan el mismo cuerpo.
Para José Ribamar la banalidad no necesariamente se convierte en poesía, pero
Ferreira tiene la capacidad de hacer que lo banal ascienda por el lenguaje al nivel de
la poesía. La clave está entonces en ese diálogo de dualidades, porque el poeta
entrevistador no es en ese momento un poeta, sino simplemente un hombre que
interroga, indaga, explora en los terrenos de otro hombre poeta que no habla como
poeta, sino como representante de la obra y quizás a ratos como declarante y
responsable de una biografía. Ambos ocupan sus lugares y asumen sus papeles, uno
pregunta y el otro contesta asumiendo que es el poeta el que habla, pero bajo el
entendido de que el poeta lo es sólo cuando escribe, cuando crea, repitiendo sin
cesar las mismas preocupaciones humanas de la historia, más comprometido a
decirlo de formas diferentes, o como nos recuerda Rubén Bonifaz Nuño, De otro
modo lo mismo. Así, el que responde lo hace desde su perspectiva de primer crítico
de su obra y conocedor del proceso escritural, pero lo hace también como poseedor
de una memoria, testigo y actor de un periodo de la historia, relator de las causas y
los efectos que empujan al hombre a transformar la banalidad en materia poética, a
verbalizar el tiempo y a inventar la eternidad que, bien lo sabemos, no existe.
Un libro de entrevistas con poetas no es un volumen de creación, es simplemente
una caja de curiosidades que vuelca sus contenidos en el momento que la abrimos.
Una caja de Pandora si se quiere. Versos conversos en el momento de la
transferencia y juego de deseos, reconocimiento de los tramos que anda el individuo
y fases de su realidad y su mitología, de su vida y de su obra. Bien lo dice el poeta
Marco Antonio Campos, quien posee larga experiencia en el oficio de entrevistar, no
se trata de un género literario, ni de una pieza crítica, basta con conocer la obra
antes de interrogar, de enterarse un poco sobre la trayectoria del poeta, de conocer
algo sobre su vida, trazar una guía para el cuestionario y estar alerta, desde un
segundo plano, a cualquier pista que ofrezca el entrevistado para conducirlo a
ciertos espacios de reflexión y memoria que nos lleven al descubrimiento del autor
frente a su propio asombro. Entre poetas, a veces nos leemos las manos. El lector
mismo percibirá cuándo una pregunta es la señal de un hallazgo, o por lo menos de
feliz extrañeza para el entrevistado. El poeta que entrevista en realidad está
persiguiendo y es perseguido por su propia curiosidad, atiende a un anhelo, a una
necesidad de escuchar la afirmación o la negación de sus conjeturas sobre la obra o,
quizás, en el mejor de los casos pero no el más frecuente, hallar que la persona es
congruente con sus palabras, sobre todo con las escritas. Lo dice mejor Ezra Pound
en El arte de la poesía: “Las artes nos dan los mejores datos para determinar qué
clase de criatura es el hombre. Como nuestro tratamiento del hombre se debe
determinar por nuestro conocimiento o nuestra concepción de lo que es el hombre,
las artes proporcionan datos para la ética.”
No se trata de curarse en salud, pero cada entrevista pretende sobre todo acercar al
lector a la obra poética. Estas conversaciones ofrecen vías de acceso más amplias,
más despejadas hacia el poema. La anécdota y la reflexión son útiles en la medida
en que señalizan el camino, pero de ninguna manera sustituyen el criterio del lector,
su encuentro con los versos. La poesía habla por sí sola. En este segundo volumen
de Versos Comunicantes reunimos a grupos de poetas pertenecientes a las
generaciones que irrumpieron en Iberomérica en la segunda mitad del siglo XX, con
sus voces anhelantes de cambios, en una centuria caracterizada justamente por
eso, por la convulsiva rapidez de las transformaciones. Tributarios de las
vanguardias son, muchos de ellos, iniciadores de búsquedas o miembros de
fenómenos literarios en sus respectivos países, eruditos o traductores, difusores de
la poesía escrita en lenguas y geografías distantes en tiempo y en espacio,
promotores de lectura y el arte editorial, luchadores incansables o sosegados
rebeldes en tiempos de “paz”, reconocidos por sus premios o desconocidos por sus
obras, cada cual va respondiendo al conocimiento o la ignorancia del otro.
Lo que en definitiva estaba planeado para cerrarse en dos volúmenes se ha
extendido imperiosamente a tres. Sabemos, y lo repetimos, hay grandes poetas no
incluidos en esta muestra, algunos por las dificultades para conseguir una entrevista
hecha por un poeta que sea lo suficientemente interesante para ser incorporada,
otras por la dificultad para entrevistar a personajes que tiene por principio no
conceder entrevistas. Nada nos justifica, eso es definitivo. Ni siquiera la respuesta
de algún escritor inflamado por la pedantería que, luego de insinuar su ausencia en
el primer volumen, se niega a ser entrevistado porque afirma está ahíto de
responder a cuestionarios sobre su trabajo poético, “algunos de verdadera
profundidad”. En México, tales reacciones pueden resultar extrañas mas no
inexplicables y comunes. La herencia de nuestra relación con el poder, la de los
intelectuales en general, y la de esa perniciosa cerrazón en capillas y círculos
autorreferenciales nos condenan a la escasa generosidad con nuestro entorno, y a la
apertura servil con lo de fuera. Nada bueno nos deja ignorar o ningunear la voluntad
doméstica, la dignidad de casa.
No obstante, este segundo volumen muestra la voluntad de ofrecer acercamientos a
la poesía iberoamericana a través del oficio periodístico y editorial, a través de las
propias versiones de sus protagonistas y sus poemas. Países y poetas quedarán sin
representación en este esfuerzo por saber algo más de la poesía escrita en español
y en portugués en los últimos cincuenta o sesenta años, sobre todo con entrevistas
a escritores aún vivos en el momento de publicarlas o recientemente fallecidos. Esos
vacíos deberán ser cubiertos de uno u otro modo. El tercer volumen intentará algo
en ese sentido, pero de antemano reconozco su insuficiencia. No sólo en México,
sino en el resto de los países hay grandes ausencias. En México, porque los poetas
nacidos en los años cuarenta conforman un amplio grupo de vigorosas propuestas y
en esta serie decidí privilegiar a los poetas vivos nacidos en los años treinta --no
ocurre lo mismo cuando se trata de otros países, pues incluyo poetas menores de
cincuenta años--. Del primer grupo ya figuran algunos; otros que estaban
considerados, como lo dije, están exhaustos de preguntas. Del segundo grupo, el de
los años treinta, lamento sobre todo no contar con entrevistas a José Emilio Pacheco
y Gabriel Zaid. Con José Emilio, debo confesarlo, tengo entrevistas que son largas
conversaciones directas o telefónicas, pero en un plano informal, no autorizado. La
conversación es un arte de Pacheco, con su prodigiosa memoria y su insistente
humildad que de tanto justificarse despliega fascinantes caminos a su persona y a
su mundo borboteante de erudición. Sé que el joven escritor Ricardo Venegas
prepara una antología de entrevistas con poetas mexicanos nacidos en los años
cincuenta. En cuanto al panorama latinoamericano se nos escapan algunas regiones
de Centroamérica y de Sudamérica, como es el caso de Costa Rica y Paraguay.
Hacia Portugal hemos hecho una aproximación y contamos con la enorme presencia
de António Ramos Rosa, Nuno Júdice, Rosa Alice Branco (volumen tres) y Manuel
António Pina, mas extrañamos a una figura como Herberto Helder. Brasil queda bien
representado, pero es un país con una larga y rica tradición poética que
inevitablemente nos deja un vasto territorio literario por descubrir. Insisto, no
justifico las ausencias, las lamento.
¿Cómo puede entonces pensarse en la muerte de la poesía justamente cuando
visualizamos un campo tan ignorado como difícil de abarcar? En estos enfoques
panorámicos de la poesía iberoamericana podemos constatar la inutilidad de las
banderas vanguardistas, el silencio de movimientos emergentes que pregonen
rupturas o anuncien estéticas inaugurales, al tiempo que escuchamos las
palpitaciones contundentes de una poesía madura, de búsqueda, sí, pero sin la
escandalosa rigidez del pensamiento, sin la pretensión excluyente del pasado o el
anuncio de una sola vía para la novedad y el misterio, sin dejar de lado la herencia
iluminadora de un siglo que marcó pautas, destruyó y construyó discursos con
técnicas y herramientas capaces de abrir la mente y hacer visible lo que se mira
pero no se ve, sin minimizar el inconsciente ni entronizar su automatismo, sin
regatear un ápice a la inconformidad y sus aportes. Textos y contextos que
transcurren entre afanes de libertad y rebeldía, entre manifestaciones y apego a las
razones que apartan a la poesía y a los poetas más allá de la consigna, más allá de
la premonición y el augurio, del anuncio, del futuro, de la represión y la causa, más
allá, como deseaba Pound, de toda babosa emoción. La poesía conversa.
[José Ángel Leyva]
15. Canções da Inocência e da Experiência de William
Blake [tradução, prefácio e notas de Mário Alves Coutinho e
Leonardo Gonçalves]. Crisálida. Belo Horizonte. 2005.
Desde o pioneiro Escritos de William Blake, preparado por
Alberto Marsicano para a L&PM, apareceram outras edições
brasileiras de sua obra. Mas ainda é pouco, diante da riqueza e
complexidade desse poeta-profeta, messiânico, arcaico, e ao
mesmo tempo atual, um precursor do Romantismo que passou
a ser efetivamente lido a partir do Simbolismo. Por isso, é
oportuna esta tradução dos seus Songs, ocasião para leitura ou
releitura do Tigre e tantas outras de suas peças famosas.
Discípulo notório de Swedenborg e Jacob Boehme, Blake acrescentou-lhes um
panteísmo e uma visão pagã de mundo. Para Elaine Pagels, em seu livro sobre
evangelhos gnósticos, William Blake, observando esses retratos distintos de Jesus
que aparecem no Novo Testamento, tomou o partido daquele que os gnósticos
preferiam, no lugar da “visão de Cristo que vêem todos os homens”. Em apoio, cita
trechos de The Everlasting Gospel, com sua relativização da percepção do Cristo:
Ambos lemos a Bíblia noite e dia,/ Mas tu lês negro onde eu leio branco.
Mas Blake foi, mais que gnóstico, um criador de mitologias pessoais. Povoou o
universo de divindades. Todas, é claro, alegorias. Demiurgos ou arcontes não
faltam, em sua crítica à religião patriarcal. Um deles é Nobodaddy, o Pai-Ninguém,
chamado de Pai do Ciúme que, silencioso e invisível, se esconde entre as nuvens, e
cujas palavras e leis, interditando o fruto proibido, são escuridão e obscuridade.
(cito da edição da The Oxford University Press dos poemas de Blake – tradução
minha) Outro, Urizen, homófono de Your reason, You reason, ou Our reason. Em O
Livro de Urizen, é o Demônio que engendrou a Eternidade descrita como Estranha,
estéril, escura e execrável.
É como se O Livro de Urizen fosse uma combinação do Gênesis com o Apocalipse,
na descrição dos embates do ensandecido Urizen com outros princípios criadores, o
Eterno Profeta e Los, divindade primeira, derrotada, não antes de gerar Orc, o ser
humano, de Enitharmon. Urizen por sua vez engendra contínuas aberrações: Thirel,
Utha, Godna, Fuzon. Do pranto de Urizen nasce uma rede de lágrimas, a Rede da
Religião, que por sua vez gera o esquecimento, a separação entre a esfera humana
e divina. A visão de mundo desse poema é terrível: a vida transcorre sob a égide da
morte:/ O Boi geme no matadouro/ O cão no frio umbral. (O Livro de Urizen foi
traduzido por Alberto Marsicano em Escritos de William Blake, L&PM). Há mais
personagens equivalentes aos arcontes do gnosticismo. Por exemplo, em Milton:
Tudo tem seu Guardião, cada Momento, Minuto, Hora, Dia, Mês & Ano. […] Os
Guardiões são Anjos da Providência em perpétua Vigília. E, em uma proliferação
apocalíptica, em The Book of Los e The Four Zoas, entre outros de seus livros.
Contudo, há um limite para a associação do gnosticismo pessimista a Blake; e esse
limite é traçado por aquela parte da sua obra que o tornou um autor cultuado por
místicos modernos, pelos beat e pela contracultura: O Casamento do Céu e do
Inferno, as Canções da Inocência e Experiência e um de seus textos especificamente
teológicos, All Religions are One. Nelas, proclama a alegria de viver. Expressa a
crença em uma síntese – o casamento do céu e do inferno, a reconciliação de Deus
e Satanás, da razão e do prazer – através da experiência poética. Declara
expressamente o monismo ao afirmar a unidade de corpo e espírito: o Corpo ou
Forma Exterior do Homem é derivado do Gênio Poético, em All Religions are One.
Argumenta na direção contrária à negação gnóstica do corpo, nas passagens
famosas de O Casamento do Céu e do Inferno: Energia é a única força vital e
emana do Corpo. A Razão é a fronteira ou o perímetro circunférico da Energia./
Energia é a Eterna Delícia. Panteísta, em O Casamento do Céu e do Inferno celebrou
o mundo como coisa sagrada, e não como criação equivocada de um demiurgo
rancoroso. Adamita, proclamou a inocência original da Humanidade e, ainda, a
regência do mundo e da própria religião pelo Gênio Poético, equivalente ao Espírito
da Profecia e ao pneuma, à energia primeira.
Uma interpretação para essa aparente oscilação em Blake, de um gnosticismo
pessimista para um panteísmo otimista, pode ser dada à luz do seu pensamento
político. Nesta nova edição brasileira das Canções, seus tradutores e prefaciadores,
Mário Alves Coutinho e Leonardo Gonçalves, acentuam essa dimensão política e
sugerem o Blake repórter, pela crítica social expressa em poemas como aqueles
sobre os meninos limpadores de chaminés, explorados por seus empregadores:
Ingênuo, místico, romântico (Blake é tido como um dos precursores do
Romantismo): não seria mais apropriado dizer que Blake era um observador (talvez
um repórter) extremamente realista, testemunhando e anotando as conseqüências
e práticas da revolução industrial? Não seria ele, ao contrário de um louco, um
narrador extremamente confiável dos horrores da implantação do capitalismo no
primeiro país capitalista, a Inglaterra?
Por isso, afirmam, Blake …realizou poesia de altíssimo nível, mas foi também um
magnífico repórter e historiador de sua importantíssima época histórica. Todas as
mudanças, horrores e belezas estão lá registradas. […] Além do mais, Blake foi um
ardente republicano, apoiando as revoluções francesa e americana (foi processado
por seus “escritos sediciosos”, mas não chegou a ser penalizado devido a eles): na
verdade, seu comportamento era anarquista e revolucionário, e confrontou em
quase todos os momentos e quase todas as circunstâncias o crescente império
inglês, como mostra David E. Erdman em Blake, Prophet Against Empire.
Ainda observam que… Seus escritos [de Blake] são anteriores a qualquer ideologia
surgida na modernidade (anarquismo, socialismo, comunismo), seus livros
proféticos têm muito a ver com aqueles deixados pelos profetas do Velho
Testamento, que lutavam e esbravejavam contra a corrupção dos costumes do
povo.
De fato, Blake precede, cronologicamente, até mesmo fundadores do socialismo
utópico como Godwin e Fourier. Portanto, faltando-lhe um vocabulário propriamente
político, de doutrinas que viram a ser formuladas ou que ainda estavam em
preparação, utilizou categorias teológicas para fazer crítica social. Politizou
liricamente o gnosticismo e o hermetismo, e os projetou na descrição da realidade
que o cercava. Tomou emprestadas categorias e vocabulário dessas doutrinas, para
descrever o mundo.
Por isso, foi simultaneamente arcaico, homem de seu tempo e inovador. Canções da
Inocência e da Experiência é onde se encontram essas três dimensões. Pela
qualidade da tradução e da edição, o leitor terá uma boa oportunidade para
acompanhar o percurso desse repórter místico, e perceber o alcance e atualidade da
sua rebeldia e aguda sensibilidade.
[Claudio Willer]
Livros para Agulha deverão ser enviados aos editores, nos endereços a seguir:
Floriano Martins - Caixa Postal 52874 Ag. Aldeota - Fortaleza CE 60150-970 Brasil
Claudio Willer - Rua Peixoto Gomide 326/124 - São Paulo SP 01409-000
revista de cultura # 46
fortaleza, são paulo - julho de 2005
discos da agulha
1. Trégua do absurdo, de Ataualba Meirelles. Produzido,
arranjado e dirigido por Ataualba Meirelles. Pelourinho
Discos. Salvador, Bahia. Contato:
[email protected]. 2004.
Depois de 23 anos de carreira como músico, Ataualba
Meirelles lança pelo selo Pelourinho Discos, um disco de
música instrumental bastante original, que mostra algo
diferenciado no mercado de jazz e música instrumental brasileira. O CD levou
dois anos sendo gravado no Virtual Studio em Salvador, conferindo a cada faixa
um tratamento especial, tanto na composição quanto no arranjo. As músicas
misturam ritmos brasileiros e jazz, com música indefinível trazendo um pouco
do serialismo da música contemporânea, para o universo da música
instrumental brasileira, o que torna o CD algo único no mercado. Todas as
músicas são de autoria de Ataualba, que também assina os arranjos.
Atuando profissionalmente como músico desde 1982 (baixista, arranjador e
compositor), Ataualba foi um dos compositores mais originais durante os anos
80 e 90, dirigindo e arranjando diversos CDs de artistas locais e nacionais como
Margareth Menezes, Gerônimo, Nana Meirelles, Xangai, Fábio Paes, Edil
Pacheco, Batatinha. Recebeu vários prêmios da imprensa como arranjador e
compositor, além de criar trilhas para cinema, Teatro e TV, inclusive em Luanda
(Angola).
2. Carlos Malta & Pife Muderno, de Carlos Malta. Rob
Digital. Rio de Janeiro. Contato:
[email protected].
O segundo CD do multi-instrumentista carioca Carlos Malta
vem despertando reações apaixonadas desde sua
apresentação no Free Jazz Festival de 97. Carlos Malta, o
virtuoso dos sopros,faz uma releitura contemporanea das
bandas de pifano, viajando pelas raizes nordestinas com
uma fluência que entusiasmou músicos de peso como Alceu Valença. O grupo
conta ainda com a flautista Andrea Ernst-Dias e a percussão de Marcos Suzano,
Oscar Bolão e Durval Pereira, e executa um repertório que tem Luiz Gonzaga,
João do Vale, Edu Lobo, Caetano Veloso e Hermeto Pascoal, além do próprio
Malta. Na faixa "O Canto da Ema", Lenine participa com um vocal inspirado e o
grupo Pedro Luis e a Parede dá o toque de modernidade em Barrigada.
3. Do bom e do melhor, de Fernando Moura. Rob Digital.
Rio de Janeiro. 2003. Contato:
[email protected].
O nome do CD é Do Bom e do Melhor. A capa, que ostenta
um prosaico caroço de feijão e as cores verde e amarelo,
sugere um bocado sobre a receita brasileira e saborosa
guardada na caixinha. Lá dentro tem Aquarela do Brasil,
tem a jobiniana Chovendo na Roseira, tem o clarinete bem
temperado de Paulo Moura. Mexendo as panelas (e o piano, os teclados, os
arranjos...) está o músico Fernando Moura. Do Bom e do Melhor, seu novo
trabalho solo, leva a tradição da música brasileira àquela viagem sem fronteiras
que só a mais nova tecnologia pode proporcionar.
Ao disco. Compositor, músico e arranjador requisitado, Fernando Moura volta e
meia troca a rotina de trabalho duro em seu estúdio para tocar um projeto bem
pessoal. Foi assim com o ótimo Cinema Tocado, de 1992. É assim, agora, com
Do Bom e do Melhor. São 10 faixas, a começar por Aquarela do Brasil, do
centenário Ary Barroso. ?É o nosso hino nacional?, explica. Na versão de
Fernando Moura, o hino ganha intervenções deliciosas de Armandinho
(bandolim) e Roberto Marques (trombone) ? além do dono da festa, ao piano.
Paulo, de Fernando e Paulo Moura, traz o mestre dos sopros num vôo jazzístico
sobre a empolgante linha de baixo de Jamil Joanes. A terceira faixa do disco,
King?s Cross, é composição dele. Começa só com piano, sem pressa, e vai
sendo puxada para o alto pelos sopros de Nilton Rodrigues (trompete e
flueglhorn), Juarez Araújo (sax tenor), Roberto Marques (trombone) e
Humberto Araújo (sax tenor). Chega lá em cima mesmo, e lá fica, para a
alegria de quem está ouvindo, quando entra em cena a percussão de Marcos
Suzano, Jovi e Beto Cazes.
Aqui cabem parênteses. Fernando Moura deu-se à pachorra de convocar uma
turma de amigos talentosos, nomes freqüentes nos créditos dos bons discos e
shows do ramo, por uma causa nobre. ?Tudo, hoje, caminha para a tecnologia,
a música inclusive. Mas tecnologia não substitui talento. Com os dois juntos
chega-se a lugares inesperados?, acredita o músico. Fecha parênteses e lá vem
música. O disco segue rodando com o samba que pulsa ao fundo da linguagem
eletrônica de Batam (Fernando Moura e Nilo Romero). Depois, com os climas
sugeridos por Jardim das Delícias e Alegria do Amor, criações de origens bem
distintas. A primeira gravação de Jardim das Delícias, lá se vão 17 anos,
marcou o início de uma fértil parceria musical entre Fernando e o percussionista
Marcos Suzano. Alegria do Amor, que aqui ganhou um belo piano, foi composta
para a trilha de uma novela japonesa ? um dos muitos trabalhos da usina
sonora em que Fernando Moura transformou seu estúdio.
A seção dos clássicos, que começou com Aquarela do Brasil, continua.
Chovendo na Roseira, de São Tom Jobim, ganha arranjo novo e lindo, além da
surpresa dos versos cantados em japonês por Miyazawa Kazufumi. A versão de
Oração ao Tempo, criada para a peça Mais Uma Vez Amor, com Marcos
Palmeira e Luana Piovani, foi aprovada pelo autor do original, Caetano Veloso.
O CD ainda abriga Saudades de Bangu, tributo a Hermeto Pascoal com um pé
na tradição de Radamés Gnatalli. Nela, o piano de Fernando Moura ganha a
companhia de Carlos Malta (sopros), Henrique Cazes (cavaquinho), Ronaldo
Diamante (baixo), João Castilho (violão) e um conjunto de cordas. Mais cordas
eruditas, as do renomado Quarteto Bessler, se juntam ao arranjo sacolejante
de Lapa Tonight, música que chamou a atenção do DJ americano Smash. ?Ele
quer gravar um remix de Lapa Tonight para o selo Blue Note. Disse que é
?obviamente um hit dançante ?, conta.
Os que não ligam o nome à música devem estranhar. Quem é esse cara? Por
que tanta gente boa foi até o estúdio tocar com ele? Bom, Fernando Moura
exercita há 20 anos o dom da onipresença musical. Já fez trilha sonora para
filme do trapalhão Didi, programas de rádio e TV, tocou com Chuck Berry,
quando o pai do rock esteve por aqui no Free Jazz Festival, com George Martin,
em uma histórica visita do produtor dos Beatles ao Rio, e acompanhou uma
constelação de artistas nacionais. Para responder com simplicidade, pode-se
dizer que ele é o músico dos músicos. Aquele colega respeitado entre seus
pares que, quando decidiu mostrar a cara mais uma vez, ganhou a pronta
solidariedade de muitas feras, algumas citadas acima. Agora, com Do Bom e do
Melhor, ele é nosso também.
[Pedro Tinoco]
4. Camera Pop, de Iso Fischer. Produção Musical de
Vicente Ribeiro. Curitiba, Paraná. 1999. Contato:
[email protected].
Iso Fischer estudou piano desde os 11 anos de idade,
mas se considera um autodidata em música, pois desde
muito cedo tendeu a eleger seus próprios caminhos.
Compõe sem parar, milita, conquista espaços para a classe dos músicos. Com
seu grupo “Iso Fischer e amigos”, divide palco com significativos nomes: Almir
Satter, Geraldo Espíndola, Paulo Simões, Guilherme Rondon. Em 1984, Nana
Caymmi grava “Isso e Aquilo”, parceria sua com Guilherme Rondon,
considerada, por júri de notáveis da Revista Playboy, a melhor canção popular
brasileira daquele ano.
Comprometido com a música popular brasileira, inspirado arranjador de vozes,
tem uma participação de ponta no movimento que resulta em uma mudança na
linguagem do canto coral popular brasileiro (seu arranjo para “Trem do
Pantanal”, de Paulo Simões/Geraldo Roca é, ainda hoje, um “hit” do canto
coral).
Por estas e outras, é presença constante na imprensa de Campo Grande. Fala
em canto cênico, em dança e voz em espaços abertos. Da música que nasce –
brasileiramente – do corpo e do movimento. Música, dança e vida.
Em 1999, com 47 anos de vida, cerca de duzentas canções compostas, Iso
Fischer lança seu CD Camera Pop. Seu primeiro disco, apenas uma pontinha
visível desse iceberg musical.
Gravado no estúdio Trilhas Urbanas, entre janeiro e junho deste ano, com um
repertório de treze canções que fluem, com admirável precisão e leveza, entre
o camerístico e o pop, transitando pela melhor música popular brasileira, este
disco é uma celebração ao talento, à diversidade e à maturidade artística do
compositor. Uma verdadeira festa da colheita.
Iso define assim este trabalho: “... um projeto que pretende expor, num
pequeno espaço, a idéia do que possa ter sido um trabalho de composição de
30 anos. Não é fácil, principalmente se se levar em conta que meu jeito de
compor escolhe várias direções.... O que interessa mesmo, é que você ouça,
curta e absorva essa pluralidade da forma mais harmônica que puder. Espero
que possa se divertir e se encantar...”
Encanta-se quem ouve as canções de Iso. Seguimos nos encantando todos nós,
os participantes desse parto.
Vicente Ribeiro, que fez direção de estúdio e produção musical. Beto Meira, o
produtor executivo. Jubal Sérgio Dohms, com seu encarte “o encontro das
artes”, um belíssimo projeto gráfico, um capítulo à parte nesta benfazeja
história.
E toda a troupe de músicos, parceiros, cantores e amigos de Iso, que
aceitaram, sem pestanejar, o seu convite para essa celebração.
Afinal,...
...essa é a festa, malandro!
[Etel Frota]
5. Duos II, de Luciana Souza. Nossoestúdio. São Paulo.
2005. Contato: [email protected].
Neste instante em que está lançando Duos II, a paulistana
Luciana Souza acaba de ganhar numa categoria e participar
em outra o prêmio mais cobiçado entre os músicos de jazz
no mundo: foi escolhida como a melhor cantora e ainda
teve relevante participação no album Concert in garden, de
sua colega e amiga Maria Schneider. A importância desse
prêmio não deve ser avaliada pela recompensa financeira nem pelo brilho do
troféu, mas por ser outorgado por um colegiado formado pelos 450 membros
da Associação dos Jornalistas de Jazz dos EUA.
Ser premiada em Nova York, onde mora, não é uma novidade para a paulistana
de 38 anos, filha do baiano Walter Santos e da carioca Tereza Sousa. Seu CD
The poems of Elizabeth Bishop and other songs, pelo selo alternativo Sunny
Side, ficou em quinto lugar no ranking de melhores lançamentos jazz e pop do
crítico Ben Ratliff, do New York Times, em 2000. No ano seguinte, ela voltou a
comparecer na prestigiosa lista com o primeiro desta série, o Brazilian Duos, no
qual interpretou, acompanhada por violonistas de primeiro time, entre os quais
o pai, clássicos da MPB, principalmente da Bossa Nova. E chegou à final do
Grammy por Brazilian Duos e pelo penúltimo CD, North & South. Entre os dois
Duos, Luciana deu vazão à paixão à primeira vista que experimentou pelo
poeta chileno Pablo Neruda, de que musicou poemas vertidos para o inglês.
Gravado em São Paulo no Nossoestúdio, de propriedade de seus pais, que hoje
produzem principalmente jingles, Luciana retomou em seu sexto CD a fórmula
do primeiro Duos. Acompanhada por dois dos quatro violonistas do projeto
anterior, Romero Lubambo e Marco Pereira, ela introduziu outros dois virtuoses
do instrumento, Swami Júnior e Guilherme Monteiro.
Com o timbre, o balanço e a afinação privilegiados com que presenteou o
público que lotou a Sala São Paulo no fim do ano, na companhia da Orquestra
Sinfônica do Estado de São Paulo (regida por Roberto Minczuk) e da Banda
Mantiqueira, num espetáculo inesquecível, ela passeia com intimidade incrível
da dolência de clássicos como Modinha (da dupla Tom Jobim e Vinicius de
Moraes) à brejeirice moleca de Chorinho pra ele (de seu padrinho, o
multiinstrumentista alagoano Hermeto Paschoal).
Duos, o primeiro, já era uma pérola sem jaça. Este segundo vai além, pois ao
extraordinário domínio técnico adquirido na Unicamp, onde lecionou, e lapidado
no Berklee College of Music, e no Conservatório New England (em Boston), nos
quais estudou, e à sensibilidade aperfeiçoada da genética, ela acrescentou a
dura vivência de uma profissional da música nos palcos e estúdios. Abrindo o
CD com Sai dessa (de Nathan Marques e Ana Terra) e o encerrando com Você
(de Walter Santos e Teresa Souza), ela passa por Paulinho da Viola, Nelson
Cavaquinho, Francis Hime, Chico Buarque, Caetano Veloso e por uma canção
dela, entre outros autores, com intimidade, mas sem displicência. Como os
craques da bola, ela trata o tímpano do ouvinte com intimidade, mas sem
displicência, com humildade, mas também com noção da própria grandeza.
[José Nêumanne Pinto]
6. Maogani, de Maogani – Quarteto de Violões. Rob
Digital. Rio de Janeiro. 1997. Contato:
[email protected].
Integrado por Carlos Chaves, Marcos Alves, Paulo Aragão e
Sérgio Valdeos, músicos de formação erudita e popular, o
Quarteto de Violões Maogani concilia várias tendências
musicais com sonoridade, técnica e sensibilidade. Após se
apresentar em vários espaços cariocas como Rio Jazz Club,
Casa de Cultura Laura Alvim, Sérgio Porto, MIS e Teatro Rival (convidado de
Leila Pinheiro), o grupo sentiu-se maduro para lançar seu primeiro disco. O CD
espelha a forte influência da música brasileira, jazzística e latino-americana no
quarteto, que explora ao máximo as riquezas do violão. Participam do disco:
Guinga (que os descobriu em uma escola de música), Leila Pinheiro, Zé
Nogueira, Jane Duboc e Célia Vaz. O repertório abrange autores brasileiros
consagrados como Garoto, Baden Powell e P.C. Pinheiro, Edu Lobo e Egberto
Gismonti, inclui inéditas de Guinga, Mario Adnet, Marco Pereira e faixas de
Carlos Zaire, Piana e Manzi.
7. Tente descobrir, de Marimbanda. Estúdio Ararena.
Fortaleza, Ceartá. 2005. Contato:
[email protected].
Em sua estréia em disco (2001), o quarteto Marimbanda
já apresentava uma tal integridade sonora em seus
arranjos e composições que punham em dúvida essa
condição de estreante. A rigor, seus integrantes seguiam
a trilha de uma substanciosa formação musical e, ali
reunidos, davam provas de uma afinidade mágica entre si. Dar continuidade a
essa magia costuma ser desafio maior, e agora temos este segundo CD, de
sugestivo título – Tente descobrir – que é ao mesmo tempo descoberta e
reencontro. A exemplo do primeiro, tanto cultivam uma tradição musical
quanto lhe imprimem uma leitura particularíssima que confirma sua vibrante
atualidade. Ainda que prefiram o epíteto de música instrumental brasileira, o
que fazem é jazz do mais intenso, considerando os desdobramentos dessa
música. A criação artística é um processo perene de incorporação de gêneros,
técnicas, estilos etc., onde não cabem reducionismos de espécie alguma,
incluindo as mais sutis manifestações regionalistas e/ou nacionalistas. Em meio
a isto a Marimbanda chama para si uma atenção em especial: o fato de ter em
seu baterista, Luizinho Duarte, o principal compositor. Faz afluir uma tradição
onde se destacam nomes como o estadunidense Max Roach, o finlandês Edward
Vesala e o brasileiro Pascoal Meirelles, músicos onde a versatilidade criadora
extrapola um âmbito apenas rítmico e alcança verdadeira sofisticação melódica.
Composições como Momento difícil, Manhã e Pra te dizer algo assim,
seguramente incluem a Luizinho Duarte entre seus pares mais talentosos.
Apesar dessa destacada peculiaridade da Marimbanda, não se trata de grupo
centrado em seu baterista, mas antes de um afortunado quarteto em que
dialogam com intensa musicalidade seus integrantes. O flautista Heriberto
Porto tem uma trajetória fascinante, pela ponte que traça entre música erudita
e popular, com acento na improvisação – em face de seus estudos na Bélgica
que resultaram na gravação de dois Cd’s neste país. Pianista e acordeonista,
Ítalo Almeida é também compositor e neste Tente descobrir comparece com
três peças importantes, Babi, Panorâmica e Frevo agoniado. E coube a Miquéias
dos Santos a delicada tarefa de substituir o baixista Jr. Primata na formação
original do quarteto, aspecto que possui de delicado apenas essa inevitável
observação, uma vez que também ele é um músico extraordinário e – o mais
importante – completamente afinado com o ambicioso projeto da Marimbanda.
São todos músicos que atuam em áreas distintas e complementares, mas cujo
encontro revela um acento especial que não se trata, como disse a crítica –
entre entusiástica e irresponsável - quando da aparição do CD de estréia do
grupo, de algo impressionante na música instrumental brasileira. Evidente que
atravessamos um período conturbado onde a técnica não está a serviço da
originalidade, mas antes de uma pasteurização de conceitos e estilos, ocasião
em que afloram de maneira bastante sedutora os jargões nacionalistas nos
moldes de uma macumba para turista. Muito da música instrumental que se faz
no Brasil está valiosamente fora desse circuito levianamente atrativo, e
poderíamos aqui fazer referência a músicos como Paulo Gusmão, Humberto
Araújo e Henrique Cazes. Desnecessário seria remeter a uma tradição que
conta com gente como Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal e Paulo Moura.
Contudo, é de tamanho interesse a manutenção da ignorância que a todo
instante um crítico tem que gesticular didaticamente. Marimbanda inclui-se já
em um universo bastante sólido e lamentavelmente pouco difundido entre nós.
Este Tente descobrir é quando menos sinal de uma tal integridade sonora que
nos incita mesmo a tentar descobrir o que se passa conosco, ou seja, por que
essa música nos toca tanto e ao mesmo tempo não a compreendemos como
parte ativa de nossa vida. Reconhecê-la como nossa não seria dar seqüência a
nacionalismos tacanhos, mas antes se decidir a fazer parte do mundo.
Marimbanda faz parte do mundo. Cabe a nós tentar descobrir como entrar
nesse mundo.
[Floriano Martins]
8. Encontro das águas, de Mário Checchetto e Alexandre
Zamith. Zabumba Records. São Paulo. 2002. Contato:
[email protected].
Mário Checchetto no saxofone e Alexandre Zamith ao
piano interpretam um repertório formado prioritariamente
por composições próprias, que se harmonizam com a
proposta musical do duo: conciliar algumas características
idiomáticas da música popular brasileira com a
improvisação jazzística e explorar possibilidades oferecidas pela música erudita
contemporânea. Os dois intérpretes combinam sólidas formações teóricas, com
passagem pelo erudito, com uma grande vivência musical, para exibir um
trabalho elaborado e maduro.As exceções ao repertório autoral são as
composições Maracatu de Egberto Gismonti e Retrato em Branco e Preto de
Tom Jobim e Chico Buarque.
9. PUTUMAYO WORLD MUSIC
Eleita pela revista Downbeat como o selo número 1 do gênero, a Putumayo
World Music sabe como ninguém fazer da música o maior veículo de integração
cultural do mundo. Combinando o tradicional ao contemporâneo e acolhendo a
diversidade musical dos diferentes cantos do globo, a Putumayo inova e faz jus
ao termo World Music, oferecendo a você a genuína música do mundo. Não há
fronteiras que resistam às melodias e à variedade de ritmos da Putumayo
World Music. Do blues norte-americano até os sons exóticos do Oriente Médio e
da África, passando por toda a riqueza da música latina e pelos diferentes
povos da Europa, a Putumayo World Music é a estrada certa para quem quer
participar de uma jornada sobre os trilhos da música do mundo. Apresentamos
a seguir três discos do selo:
I. MALI
.
1. Moussa Diallo
Maninda
2. Habib Koité and
Bamada Kanawa
3. Idrissa Soumaoro
Ouili Ka Bo
4. Tinariwen
Amassakoul ‘N’
Ténéré
5. Ramatou Diakité
Gembi
6. Kélétigui Diabaté
Koulandian
7. Tom Diakité Fala
8. Boubacar Traoré
Kanou
II. SOUTH PACIFIC
ISLANDS
1. Te Vaka Luliana
2. Matato’a Mana
Ma’Ohi
3. Te Vaka Sei Ma Le
Losa
4. Telek Abebe
5. Te Vaka Haloa
Olohega
6. OK! Ryos Nengone
Nodegu
7. Whirimako Black
Wahine Whakairo
8. Te Vaka Nukukehe
9. O-shen Siasi
10. OK! Ryos Co Era
So
III. SAHARA LOUNGE
.
1. Sharif Shiraz
2. Nabiha Yazbeck
Astahel
3. Bahia El Idrissi Arhil
4. Maya Nasri Khallini
Biljao
5. Dahmane El
Harrachi Ya Rayah
6. Soap Kills Dub4me
7. Nickodemus feat.
Carol C. Cleopatra in
New York
8. Yasser Habeeb
Elama
9. Ilhan Ersahin Fly
10. Jasmon feat.
9. Issa Bagayogo
Bana
10. Mamou Sidibé
Bassa Kele
11. Habib Koité and
Bamada Saramaya
(Live)
11. Gurejele Watolea
Mohammed Mounir
Hanina
11. Justin Adams
Desert Road
12. Toufic Farroukh
feat. Yasmine
Hamdam Lili S’en Fout
Discos para Agulha deverão ser enviados aos editores, nos endereços a seguir:
Floriano Martins - Caixa Postal 52874 Ag. Aldeota - Fortaleza CE 60150-970 Brasil
Claudio Willer - Rua Peixoto Gomide 326/124 - São Paulo SP 01409-000
.
galeria de revistas
.
exégesis (Porto Rico) [Floriano Martins]
três revistas hispano-americanas:
Archipiélago (México), Maga (Panamá),
Matérika (Costa Rica) [F.M.]
revistas hispano-americanas, I: um olho no
passado recente [F.M.]
revistas hispano-americanas, II: um encontro
de duas linguagens [F.M.]
triplov (Portugal): diálogo com Maria Estela
Guedes [F.M.]
rascunho (Brasil): diálogo com Rogério
Pereira [Claudio Willer]
blanco móvil 1 (México): diálogo com Eduardo
Mosches [F.M.]
jornal de poesia (Brasil): diálogo com Soares
Feitosa [F.M.]
digestivo cultural (Brasil): diálogo com Julio
Daio Borges [C.W.]
el artefacto literario (Suécia): diálogo com
Mónica Saldías [F.M.]
Jornal da ABCA (Brasil): diálogo com Alberto
Beuttenmüller [F.M.]
O Escritor (Brasil): diálogo com Erorci Santana
[F.M.]
Fokus in Arte (Brasil): diálogo com André
Lamounier [F.M.]
Storm (Portugal): diálogo com Helena
Vasconcelos [Maria João Cantinho]
Punto Seguido (Colombia): depoimento de
Oscar Jairo González
Babel (Brasil): diálogo com Ademir Damarchi
[C.W.]
Corner (Estados Unidos): diálogo com Carlota
Caulfield [Maria Esther Maciel]
Arquitrave (Colombia): diálogo com Harold
Alvarado Tenorio [F.M.]
Fronteras (Costa Rica): depoimento de
Adriano Corrales Arias
Salamandra (Espanha): apresentação de
Lurdes Martínez
Tropel de Luces (Venezuela): diálogo entre
Pedro Salima & amigos (Antonio Guerra, Luis
Aníbal Velasquez, Mirimarit Parada, Jesús
Cedeño y Eduardo Gasca)
Iararana (Brasil): diálogo com Aleilton
Fonseca [F.M.]
Amauta (Peru): ensaio de Carlos Arroyo Reyes
Portal de Poesía Contemporánea (Espanha):
depoimento de maría martín arévalo
Alforja (México): diálogo com José Vicente
Anaya & José Ángel Leyva [F.M.]
Capitu (Brasil): diálogo com Edson Cruz [F.M.]
Común Presencia (Colombia): diálogo com
Gonzalo Márquez Cristo & Amparo Osorio
[F.M.]
Cult (Brasil): diálogo com marcelo rezende
[C.W.]
Malabia (Espanha): diálogo com Federico
Nogara [F.M.]
Vaso Comunicante (México): diálogo com
Ludwig Zeller & Susana Wald [F.M.]
Matérika (Costa Rica): diálogo com Alfonso
Peña & Tomás Saraví [F.M.]
Palavreiros (Brasil): diálogo com José Geraldo
Neres [C.W.]
Piel de Leopardo (Argentina): diálogo com
Jorje Lagos Nilsson [F.M.]
Blanco Móvil 2 (México): diálogo com Eduardo
Mosches [F.M.]
Literatura on line (Brasil): diálogo com
Laudemir Guedes Fragoso [Edson Cruz]
Suplemento Literário Minas Gerais (Brasil):
artigo de José Aloyse Bahia
Telescópio (Brasil): diálogo com Everi Rudinei
Carrara [C.W.]
Alpha (Chile): depoimento de Eduardo Barraza
editores da agulha
.
revistas em destaque
.
..
exégesis (porto rico)
Ao traduzir alguns ensaios de José Luis Vega
(Três entradas para Porto Rico, Fund. Memorial da
América Latina, São Paulo, 2000), observei que a
realidade política e cultural de Porto Rico possui
um radical de violência, cujo marco é o despejar
de forças militares estadunidenses em suas praias,
em 1898. Até hoje o país não existe como tal, e
sofre as adversidades da colonização em seu
cotidiano – imposição de cidadania estadunidense,
recrutamento militar, ameaça de distorção do
próprio idioma nas escolas, cerceamento dos
direitos políticos etc. Em meio a tudo isto, impressiona a condição de
resistência cultural daquele povo.
Talvez tenhamos perversamente nos acostumado àquela situação,
sendo raro que uma voz de eco internacional repercuta sua indignação.
No entanto, as principais vozes internas, em Porto Rico, estão sempre
alertas e atuantes, e graças a elas uma cultura se produz e se
individua, ao longo dos tempos, quando menos intrigando aqueles que
pensem o contrário. O próprio José Luis Vega, ao fundar a revista
Ventana, nos anos 70, logo em seu segundo número alertava: "Os
artistas e escritores porto-riquenhos de hoje devem ter um
compromisso moral, um pacto digital, com a libertação de nosso povo",
ao mesmo tempo em que lembrava que "esse pacto não pode nem
deve significar a míngua da qualidade artística de sua obra; pelo
contrário, deve significar a superação constante de sua obra e de si
mesmo como indivíduo".
Politicamente Porto Rico é um fantasma. Não existindo como nação,
tampouco existe como célula estadunidense. Sua cultura, no entanto,
firmou-se e afirmou-se, podendo contar com uma leitura consistente no
tocante aos inúmeros desdobramentos desde o Modernismo até os dias
de hoje. Em cada uma das etapas vencidas por essas instâncias
estéticas, encontramos vozes importantes (sobretudo na literatura e
nas artes plásticas) destacando-se naquela região. Como costuma
ocorrer em diversas instâncias, é de suma importância a presença de
revistas de cultura, que calibram as relações entre criação e produção.
Dentre as que alcançaram destaque na trajetória cultural portoriquenha, cito Ventana, Guajana, Mester e Zona: carga y descarga, que
desempenham destacado papel nos anos 60 e 70.
Nas duas últimas décadas, podemos pensar tanto em Mairena quanto
em Exégesis. A primeira, criada e dirigida por Manuel de la Puebla, há
poucos meses encerrou um ciclo de 20 anos de existência, fechando
suas páginas e propiciando o surgimento de outra publicação, Julia
–homenagem a Julia de Burgos, uma das máximas expressões literárias
daquele país. Já Exégesis, surgiu em 1986, animada por um grupo de
intelectuais vinculados ao Colégio Universitário de Humacao, tendo à
frente Andrés Candelario. Desde o princípio, havia entre eles o poeta
Marcos Reyes Dávila, que viria a dirigir a revista em 1990, mantendo-se
no cargo até hoje, exceto por uma curta passagem de Carmen Alverio e
Rogelio Ruiz Gómez, no período de 1994/95.
Tendo sido concebida como veículo de expressão pública das atividades
intelectuais da referida intelectualidade, Exégesis, no entanto, não se
fechou àquele mundo acadêmico, desde cedo compreendendo que "o
crescimento intelectual só é alcançado no plano bidirecional do diálogo"
– no dizer justamente de Marcos Reyes Dávila –, ao mesmo tempo em
que seu corpo editorial buscava uma perspectiva de expansão editorial
que não se viabilizaria caso reflexão e investigação de cunho científico
não se aliassem à criatividade intelectual e artística.
Assim é que Exégesis, desde o princípio, mostrou-se visceralmente
comprometida em romper o muro que separa academia e cultura. E o
fez com base em um rígido critério tripartido, que permite igualdade de
espaço para autores da instituição que a publica, do país e do exterior,
em momento algum limitada essa participação a vínculo acadêmico.
Logo nos perguntamos como se viabiliza um projeto desses, e seu
diretor nos informa que Exégesis tem recebido "o auxílio espontâneo de
toda a comunidade acadêmica". Compreendida como um bem comum,
deve ser zelada por todos. A este respeito, segue afirmando Reyes
Dávila que "as revistas são tanto instrumentos de expressão e
divulgação como o são de projeção e promoção", de maneira que "estão
sempre articuladas a partir de circunstâncias invariavelmente diferentes
que as definem".
Partindo inicialmente para ousada aposta em manter correspondência
com outros países, logo Exégesis teria suas páginas marradas pela
presença de nomes como Elvio Romero, Ernesto Cardenal, Floriano
Martins, Isabel Allende, Jorge Rodríguez Padrón, José Donoso, José
Roberto Cea, Manuel del Cabral, ao mesmo tempo em que aí
estabelecia um diálogo que viria a propiciar a difusão, no exterior,
daqueles nomes essenciais da cultura porto-riquenha. Compreensão
bidirecional do diálogo, algo bem distante do mero jogo de troca de
favores que se enraizou na cultura brasileira. Graças a essa atitude
despojada – admirável lição para o resto da América Latina –, uma
pequena comunidade acadêmica tem conseguido dialogar com o
mundo. Exégesis hoje se encontra inteiramente disponível na Internet,
ao mesmo tempo em que segue recebendo pedidos de assinaturas de
vários países, o que prova, além do mais, que as mídias são conjuntivas
e não disjuntivas.
Vale ainda citar as lúcidas palavras de seu diretor, Marcos Reyes Dávila:
"Cremos em Exégesis que o peso posto sobre uma noção fátua e
flatulenta da incerteza é um lastre, uma rémora, um freio e um
retrocesso histórico a formas análogas à da torre de marfim modernista
de finais do século XIX. Cremos que a reflexão e compreensão da
realidade não se robustece em um meio inativo, porque a reflexão
resulta fenomenologia, elucubração de imagens vácuas, placebo inerte
e desnutridor – como o observou Marinello –, além de galã ou vedete –
conforme seja o caso – que se esgota na figuração retórica."
As revistas chegam à nossa mesa de maneira diversa. É possível que
não percebamos além daquele número que folheamos. No entanto,
carregam em si toda uma história, espelhos preciosos da cultura de um
país. Nos habituamos, por alguma perversão quase irreversível, a
estabelecer padrões de cultura. A telenovela no Brasil, nos Estados
Unidos e no México, por exemplo, é um recorte magnífico de uma
aparentemente distinta forma de decadência cultural nos três países.
Outro exemplo: o Uruguai vive hoje, em sua imprensa diária, o
fantasma da contenção de despesas, que rouba fôlego da área menos
importante à vida útil de uma empresa. Qual? A cultura. A imprensa no
Brasil já se curvou a todas as exigências de mercado – na verdade,
ajudou a fundar todas elas. Por que misturo os assuntos? Porque o
fluxo de capital, de alguma maneira, acabou nos convencendo que o
homem não é mais o lobo do homem, mas sim o agiota do homem.
Floriano Martins
Exégesis. Revista del Colegio Universitario de Humacao, UPR. Diretor:
Marcos Reyes Dávila ([email protected]). Acesso virtual:
http://cuhwww.upr.clu.edu/exégesis. 2.000 exemplares, formato
21,5x28 cm, 100 páginas, periodicidade quadrimestral.
Matéria gentilmente cedida pelo jornal O Escritor, da UBE - União Brasileira de Escritores.
.
revistas em destaque
.
..
três revistas hispanoamericanas: archipiélago,
maga, matérika
1
Investimentos na produção cultural tendem a crescer ou
diminuir de acordo com o influxo de nomes envolvidos ou
com a solidez das propostas apresentadas? Predileção por
aquelas produções com maior potencial de visibilidade
definiria o assunto? A questão giraria unicamente em torno
do estratégico lobby? Essas indagações me vêm à tona quando penso
nas razões da rara circulação de revistas de cultura no Brasil.
Rigorosamente não temos tradição alguma nessa área de produção
cultural. Se penso no aspecto da credibilidade, logo me pergunto o que
leva o Banco Santander Mexicano a investir em uma publicação naquele
país. O próprio estado mexicano, através do IMSS – equivalente de
nosso INSS –, com alguma freqüência patrocina revistas de cultura.
Igualmente contribuem as universidades, privadas ou não. Caberia
então pensar no impedimento de circulação de informação e reflexão
cultural, no Brasil, através desse veículo de comunicação.
Em 1997 a UNESCO deu respaldo cultural à revista Archipiélago, do
México, considerando-a importante instrumento de integração cultural
latino-americana. O fato coincidia com o segundo aniversário da
publicação, e seu diretor, Carlos Véjar Pérez-Rubio, sentia orgulho ao
dizer que Archipiélago se trata de "uma publicação nascida no México
em 1995 como expressão de um vasto projeto cultural que tem o
propósito de contribuir para a unidade dos povos da América Latina e
do Caribe, incluindo as comunidades de origem hispana residentes em
países como Estados Unidos e Canadá". É bem verdade que a revista
surgiu em 1992, quando teve o número zero publicado, e desde aquele
momento buscou articulação entre os vários países estabelecidos como
meta, até finalmente definir uma política de ação e conta hoje com 31
números publicados, rigorosamente dentro de uma circulação bimestral.
Carlos Véjar nos informa um pouco mais: "O projeto Archipiélago e sua
revista tem se apresentado até aqui em importantes eventos culturais
realizados em Barbados, Bolívia, Costa Rica, Cuba, El Salvador,
Espanha, Estados Unidos, França, México, Porto Rico, República
Dominicana e Venezuela. Sua proposta de articular uma rede de centros
culturais onde se possa desenvolver o movimento cultural integrador,
intitulada Casas de Nossa América, tem sido recebida com grande
interesse e várias instituições se manifestaram dispostas a apoiá-la."
Archipiélago surge não isoladamente como uma revista de cultura, mas
antes como um sólido projeto de integração cultural, que envolve tanto
a criação de um programa editorial como o fluxo de navegação, a
circulação pelos vários países, troca de idéias etc.
A revista em si tem desempenhado um duplo e importante papel, o de
informar acerca de produções culturais em praticamente toda a América
e discutir mais detidamente aspectos essenciais à compreensão dessa
realidade. Tanto encontramos abordagens genéricas – a dimensão
cultural da globalização, a cosmovisão centro-americana – como
específicas – estudos sobre a obra de inúmeros artistas, ao lado de
ensaios fotográficos, poemas, entrevistas etc., abrangendo um universo
amplo de criação e crítica.
Some-se a isso a realização de encontros que propiciam a discussão em
torno de perspectivas culturais envolvendo o continente de fala
hispânica e suas relações complexas. Naturalmente que o Brasil poderia
participar desse importante projeto não fosse tão leviana a concepção
de si mesma que define nossa cultura. A complexa leitura que nos cabe
acerca de uma unidade latino-americana é assunto tratado com
diversidade e freqüência em Archipiélago, o que permite compreender
melhor a trama que envolve matizes culturais que se aproximam e se
distanciam entre si. Haverá aspectos de ordem política ou econômica
separando o Brasil da América Hispânica? Como aplicar a estatística em
nossa condição irmanada de terceiro mundo? O idioma definirá o
panorama cultural? Naturalmente não se pode aqui falar em unidade
perdida. Quando menos o assunto seria da ordem de uma falha
estratégica, de uma veleidade cultural.
As páginas de Archipiélago estão tomadas de discussão dessa ordem,
buscando elucidações e ambientação prática para o tema. Ao mesmo
tempo, em momento algum se deixa de considerar a criação artística,
reproduzindo obras plásticas e versos, sempre cuidando de não se
tornar refém dos nomes recorrentes, buscando uma cumplicidade de
pauta entre o conhecido e o desconhecido, papel fundamental que deve
desempenhar um editor em qualquer circunstância.
Archipiélago bem poderia encontrar entre nós uma correlação de
interesses com a revista Nossa América, da Fundação Memorial da
América Latina. Não resta dúvida que há um aspecto aproximativo,
quase confluente, na leitura de pauta de ambas publicações. E logo
ressurgem as inquietações: por que não abraçamos uma causa –
qualquer uma – com veemência? Com que gratuita indiferença ou
superioridade observamos os hispano-americanos? E o que impede uma
produção consistente que permita a circulação sistemática de Nossa
América? Romper isolamentos provocados pela presunção talvez seja
um bom estopim.
2
Ao contrário do México, onde se pode contar com uma larga tradição na
circulação de revistas culturais, no Panamá o que encontramos é um
território bastante inóspito, onde a atividade intelectual carece de
condições diversas de produção e difusão, não havendo editoras e
sendo bastante reduzido o número de livrarias. Em meio a este quadro,
torna-se ainda mais abnegado o esforço do poeta e prosador Enrique
Jaramillo Levi em manter funcionando a revista Maga, criada por ele há
quase duas décadas.
Em conversa com ele, revela-se a origem da revista: "Maga nasce em
fevereiro de 1984, o mês em que morre esse grande escritor argentino,
Julio Cortázar. Seu nome tem dois significados: é uma homenagem a
ele pelo personagem de La Maga em seu famoso romance Rayuela; mas
também esta revista é, e tem sido desde o princípio, uma verdadeira
maga da cultura literária no Panamá, pela dificuldade que significa fazer
cultura neste país, ter estímulos, receber apoio econômico, inclusive ter
leitores fiéis ou permanentes… é como tirar coelhos de cartola e lenços
das mangas, embora seja muito mais difícil, porque vivemos ainda a
fazer malabarismos e aparentes mágicas para seguir adiante sem cair o
nível de qualidade gráfica e de conteúdos, sem deixar-se vencer pelos
numerosos obstáculos."
Maga tem representado um papel fundamental na cultura panamenha,
sobretudo no que diz respeito à literatura e à reflexão crítica sobre
cultura e sociedade. "Espaço aberto à criatividade literária e à análise
crítica", como ressalta Jaramillo Levi, em sua página receberam
acolhida generosa tanto escritores já conhecidos como também tem
sido palco de estréia de muitos deles, mostrando-se igualmente aberta
ao dialogar com a cultura de outros países.
Pergunto-lhe então como tem funcionado Maga durante tantos anos:
"Maga já morreu duas vezes, e por duas vezes ressuscitou. Sempre por
motivos econômicos. Suas três etapas são: 1984-1987; 1990-1993;
1996 até o presente. Agora é uma co-edição entre a Fundação Cultural
Signos, que presido, e a Universidade Tecnológica do Panamá, onde sou
coordenador de difusão cultural. Mas estamos entrando uma vez mais
em uma etapa difícil. Há uma forte contração econômica no país e os
empresários estão fechados no apoio à cultura (nunca fizeram muito
por ela), de maneira que no momento estamos circulando sem
anunciantes."
- O que representa esta Fundação no âmbito da cultura panamenha?
"A Fundação Cultural Signos nasce em abril de 1997 como uma
alternativa à indiferença e incapacidade dos governos de turno para
implementar uma política editorial coerente e sólida que contribua para
tirar do anonimato um número considerável e crescente de novos
escritores panamenhos que, já a princípio da década de 90, têm
material literário de uma qualidade mais que decorosa e, além do mais,
desejos de dá-la a conhecer como um primeiro passo para seu
desenvolvimento intelectual e humano."
- Além da função editorial e da co-produção da revista Maga, o que
mais tem realizado?
"Como complemento às iniciativas editoriais desta Fundação, também
propusemos, desde o princípio, duas outras, igualmente importantes
para a formação de novos escritores de talento: a docência – criação de
seminários, oficinas literárias, conferências e mesas-redondas com
temas afins à literatura, organização de encontros de escritores e
lançamento de livros – e a criação de incentivos literários específicos."
Nos 45 números até aqui publicados, a revista Maga é o mais sólido
veículo de difusão da literatura no Panamá. Deveria haver um esforço
conjunto de toda a parcela da sociedade panamenha que lida com
cultura, no sentido de não se permitir a extinção desse empenho
estóico de Jaramillo Levi, pelo notável estímulo à criação literária em
que se converteu. Fato é que as duas entidades que a mantêm hoje são
responsáveis pela produção majoritária de livros no país. E Maga é a
câmara de eco de toda essa produção. Eventuais discrepâncias devem
ser consideradas em aberto, e levadas a público, o que só reforçará o
panorama cultural no Panamá.
3
Quaisquer dificuldades apontadas até aqui em nada justificam a inação
e a má aplicação de recursos. Em muitos países a condição é quase
inteiramente nula no que diz respeito à produção de uma revista de
cultura. Em outros simplesmente o obstáculo radica em uma sutil
manifestação da usura, o inconciliável ego daqueles que detêm
situações decisivas de poder (qualquer poder).
Vem da Costa Rica um exemplo de desprendimento e compreensão da
realidade dada. O contista Alfonso Peña, hoje ao lado do poeta
Guillermo Fernández, edita a revista Matérika. Com apenas três
números publicados, a revista já afirma uma ousadia estética, ao somar
obra gráfica e literária em um objeto que se destaca pela contundência
plástica e intelectual.
A cada edição é convidado um artista plástico, que a ilustra
completamente. Os dois primeiros números foram ilustrados pelos
artistas costarriquenhos Mario Maffioli e Hernán Arévalo, enquanto que
o terceiro esteve a cargo do brasileiro Eduardo Eloy. Em suas páginas já
foram publicados escritores como Saúl Ibargoyen, Alfonso Chase, Mario
Camacho, e inclusive uma larga apresentação de poetas brasileiros,
incluindo Claudio Willer, Dora Ferreira da Silva e José Santiago Naud,
dentre outros.
Contudo, o que importa aqui destacar é a antecedência deste projeto,
cujo primeiro momento encontramos ainda nos anos 80, quando o
mesmo Alfonso Peña cria a revista Andrómeda, aventura originária que
circulou em duas dezenas de números e propiciou um diálogo
entranhável entre escritores e artistas na Costa Rica e diversos outros
países. Diante de impedimentos corriqueiros, a revista acabou deixando
de existir. Nos anos 90 surgiria um segundo momento, desta vez em
forma de jornal, cujo nome era International Graphiti, também com
circulação de mais de 10 números.
Em todos estes momentos esteve sempre presente a determinação de
Alfonso Peña pelo estímulo ao diálogo como maneira decisiva de se
fazer uma determinada cultura compreender-se a si mesma, vindo
então a afirmar-se como tal. O registro de marca Andrómeda hoje foi
convertido em uma galeria de arte que igualmente desempenha funções
editoriais, por onde se publica a revista Matérika.
O que melhor caracteriza uma defesa estética de Matérika é a abertura
para um diálogo internacional, talvez medida de um cosmopolitismo
que encontramos em San José, mas sobretudo uma compreensão de
que os governos em nossos países, na América Latina, já são
suficientemente responsáveis por toda forma de isolamento. Sendo uma
afirmação de pluralidade, Matérika é igualmente uma afirmação da
cultura costarriquenha.
Ao lado da revista, confirmando o projeto inaugural de Alfonso Peña,
que reúne nomes de peso na cultura daquele país, consolida-se galeria
de arte, produtora de vídeos e editora, permitindo um raio de ação mais
amplo e consequentemente um diálogo mais consistente.
Floriano Martins
Archipiélago. Revista Cultural de Nuestra América. Diretor general:
Carlos Véjar Pérez-Rubio. Av. Baja California 349, Colonia Condesa,
México DF 06170 México. Acesso virtual:
http://www.archipielago.com.mx. Endereço eletrônico:
[email protected]. 4.000 exemplares, 90 páginas,
periodicidade bimestral.
Maga. Revista Panameña de Cultura. Editor: Enrique Jaramillo Levi.
Apartado Postal 10276 Panamá, 4 Panamá. Acesso virtual:
http://www.utp.ac.pa/revistas/maga_actual.htm. Endereço
eletrônico: [email protected]. 1.000 exemplares, 80 páginas,
periodicidade quadrimestral.
Matérika. Editores: Alfonso Peña e Guillermo Fernández. Apartado
Postal # 159-1002, Paseo de los Estudiantes, San José, Costa Rica.
Acesso virtual: http://www.zurqui.com/crinfocus/and/art.html.
Endereço eletrônico: [email protected]. 2.000 exemplares, 80
páginas, periodicidade trimestral.
Matéria gentilmente cedida pelo jornal O Escritor, da UBE - União Brasileiras de Escritores.
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revistas em destaque
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revistas hispanoamericanas, I: um olho no
passado recente
São duas as circunstâncias básicas que norteiam a criação
de uma revista literária: concentram em suas páginas os
postulados estéticos de um determinado movimento ou
escola, ou então se realizam na simples difusão eclética de
textos. Os dois casos são perfeitamente corretos desde que
o editorial defina e assuma a tendência escolhida.
Mais recentemente as revistas se inclinam pela segunda opção, o que
nos leva a uma aparente digressão: o que há por trás da reduzida
ocorrência de movimentos literários ao longo das últimas décadas, hoje
praticamente extintos? Entre os muitos valores que perdemos
encontram-se o da palavra dada e o de compartilhar interesses. De
todas as formas o homem foi levado a isolar-se em si mesmo e a não
encontrar mais significado em honrar princípios e compromissos. Isto se
deu de maneira tão simples que é um absurdo que tenhamos caído em
artifício tão pouco engenhoso.
E qual foi este astuto mecanismo? Isolar imagens, conceitos,
significados, ecos. Tudo passa a ter sentido isoladamente, esdrúxula
falácia, como se tivéssemos um homem aqui, uma cadeira ali e uma
revista mais à frente. À medida em que ganha terreno esta falácia,
deixamos de nos ver. Desacreditamos na idéia compartilhada e nos
tornamos vassalos de uma auto-suficiência inóspita.
Muitas vezes sem que nos apercebamos, comemoramos mais o
surgimento de uma nova revista do que o marco de uma outra haver
chegado a seu número 100. Este número para nós soa como um
escândalo. Como algo pode durar tanto? Esta é a heresia pós-moderna:
que algo dure mais que um instante. Então deveríamos queimar na
fogueira do esquecimento um equatoriano chamado Fredo Arias de la
Canal, por haver publicado no mês passado o número 424 da revista
Norte, que edita no México desde 1929. Trata-se verdadeiramente de
um escândalo e não pode aqui ser tomado como base para a nossa
conversa.
Contudo, podemos pensar no esforço do paraguaio Marcos Reyes Dávila
que há mais de uma década edita em Porto Rico a revista Exégesis,
mesmo país em que Manuel de la Puebla dirigiu, por 18 anos, a revista
Mairena. E quase duas décadas levou Octavio Paz envolvido com a
direção da revista Vuelta, por ele fundada. Há mais de dez anos o
argentino Eduardo Mosches edita no México a revista Blanco Móvil e
também há mais de um decênio Luis Alberto Crespo dirige na Venezuela
a revista Imagen.
Quando se fala hoje no nome do venezuelano Juan Liscano fatalmente o
vinculamos ao largo período em que esteve à frente da revista Zona
Franca, uma das mais importantes de seu país. Mais recentemente não
se pode deixar de mencionar os esforços de Juan Riquelme ou Gonzalo
Márquez Cristo, que se encontram à frente da venezuelana Babel e da
colombiana Común Presencia. São muitos países e a referência a todos
seria obviamente infrutífera, quando menos cansativa.
Tenho me referido antes ao diretor do que à revista em si. Isto se dá
porque intencionalmente citei revistas que pertencem àquela segunda
instância inicialmente tratada, ou seja, que não se encontram
diretamente vinculadas a um movimento ou a uma escola literária. Não
quer dizer que não tenham um conselho executivo, a compartilhar
idéias. Mas sabemos que é forte e decisiva a presença do diretor, ao
mesmo tempo em que ali estão definidas linhas editoriais desvinculadas
desta ou aquela tendência estética.
São revistas que buscam uma medula a partir da abrangência. E o
fazem por uma razão muito simples: entendem que representam, cada
uma para seu país e seu tempo, o importante papel de catalisador de
tudo o que se passa à volta delas, em todo o mundo, em termos de
valores literários. Nenhuma das revistas até aqui mencionadas pôs em
confronto aspectos regionais, políticos, etnográficos ou quaisquer outras
formas de eventual reducionismo cultural. Isto quer dizer que souberam
reconhecer igual importância a uma expressão local e outra oriunda do
exterior.
Encontro em algumas revistas hispano-americanas uma relevância do
texto e uma despreocupação com a insustentável contagem de páginas,
linhas ou caracteres exigida em outras instâncias. Não raro
encontramos edições inteiras dedicadas a um único autor, ou mesmo
um largo espaço destinado ao diálogo sobre determinada circunstância
literária. Exemplos temos na venezuelana Babel, que ocasionalmente
surge com edição inteira destinada à revisão crítica de alguns dos
principais movimentos ou grupos decisivos à história da literatura em
seu país; assim como as revistas Auditorium, da República Dominicana,
ou Lotería, do Panamá, costumam realizar homenagens, que tomam
toda uma edição, a seus principais escritores.
Surge aqui um outro aspecto a ser destacado. Estas duas últimas
revistas pertencem ao Estado, a exemplo da mexicana Fronteras e
tantas outras mais, ou seja, são iniciativas de uma instância
governamental. Mesmo assim, alcançam isenção suficiente para avaliar
a trajetória estética de determinado autor sem prejuízo de ordem
alguma. O aspecto a destacar seria a propriedade do Estado entender
que não pode interferir no substrato da cultura que orienta a tradição
de uma zona por ele administrada apenas circunstancialmente. Em
outras palavras: nenhum governo, qualquer que seja a apetência
política do mesmo, deve interferir no desdobramento estético de uma
cultura.
Mas não nos esqueçamos daquela outra circunstância que norteia a
criação de uma revista literária: o vínculo a movimentos, escolas,
tendências. Em nome desta ligadura importantes revistas foram criadas
na América Hispânica. Vou me referir a cinco delas em particular
apenas para não tornar-me mais impertinente ou enjoativo que o
devido. A cubana Orígenes, a mexicana Contemporáneos, a argentina
Poesía Buenos Aires, a colombiana Mito e a chilena Mandrágora.
Exceção feita a esta última, que trazia manifesta uma defesa do
Surrealismo, as demais foram súmulas da efervescência cultural que
lhes demarcava a existência.
Todas estiveram vinculadas a um grupo. E surgiram como um ideal
comum, ou seja, como a fonte possível de um diálogo, o que se pode
fazer brotar a partir da convivência de idéias. Neste sentido, creio que
são as mais importantes revistas surgidas na América Hispânica. É
curioso que nenhum historiador se deteve a estudá-las conjuntamente.
Mais grave ainda: a fortuna crítica de algumas delas foi arregimentada
pelos próprios diretores, não despertando até hoje a merecida atenção
por parte de estudiosos do assunto.
A mexicana Contemporáneos foi fundada em 1929 graças a um frutífero
diálogo entre poetas como Jaime Torres Bodet e Xavier Villaurrutia.
Jaime havia viajado a Cuba, onde tomara conhecimento de uma outra
publicação, a polêmica Revista de Avance (1927-1930). Entendiam
então que o prestígio internacional alcançado por algumas publicações
européias poderiam se repetir a partir do México, desde que a aventura
possuísse uma definição estética e fosse bem apresentada. Surgia
assim revista e grupo, definindo uma das mais consistentes gerações
em toda a América Hispânica.
No Chile, dez anos depois, quando já surgira o grupo Mandrágora, que
tinha entre seus articuladores Braulio Arenas e Enrique Gómez-Correa,
ao final de 1938 resolveram criar a revista homônima, dando seqüência
a um projeto editorial proposto pelo grupo. Por sete números editaram
então a revista Mandrágora.
Em 1944, o cubano José Lezama Lima funda a revista Orígenes,
juntamente com o crítico José Rodríguez Feo. A inquietude de Lezama
já o levara a fundar três outras revistas: Verbum, em 1937, da qual
saíram três números; Espuela de plata, em 1939, que alcançaria a
marca de seis números editados; e Nadie parecía, com Angel Gaztelu,
em 1942, que chegaria ao décimo número. Segundo o próprio Lezama,
a raiz dessas publicações foi a amizade, o diálogo freqüente e o respeito
mútuo pelas opiniões peculiares. O nome da revista acabou confundindose com o de toda uma geração de escritores e artistas plásticos.
Orígenes alcançou a marca de 40 números, durando até 1955.
O grupo de intelectuais arregimentado por Raúl Gustavo Aguirre na
Buenos Aires de 1950 insurgia-se contra toda forma de ortodoxia, ao
mesmo tempo em que refutava ingerências acadêmicas no mundo da
criação literária. Assim surgia Poesía-Buenos Aires, que por dez anos se
manteve em franca atividade. A revista possuía textos programáticos, o
que lhe dava um caráter de movimento.
Em seu decorrer, ali próximo, em Bogotá, Jorge Gaitán Durán e
Hernando Valencia Goelkel propunham um arrojado plano de
desdobramento cultural. Pode-se dizer que a formação do grupo Mito,
que logo sustentaria a publicação de uma revista homônima que
atingiria a circulação de 25 números, foi o acontecimento mais
marcante em toda a cultura colombiana, tanto pela dimensão estética
quanto pela interferência no plano político. Esta é a geração de Alvaro
Mutis e Gabriel García Márquez, os dois mais conhecidos dos brasileiros.
Estas revistas tinham uma raiz comum: o entendimento de que cabe ao
poeta zelar pela firmeza da cultura. A partir desta frase tão simples
surge uma curiosidade: qual o limite de uma cultura? Até onde a minha
orelha supura por má influência da cultura alheia ou me embriago
glorioso sobre os restos de uma cultura dizimada por mim? Parece que
não entendemos mais a ação da rosa dos ventos sobre o território da
cultura. A defesa de uma expressão artística não pode estar vinculada a
uma ramificação estética, mas o contrário jamais será dispensável. Não
importa o quanto Velázquez era barroco, mas sim o quanto que o
barroco espanhol foi expresso a partir da obra de Velázquez. Este
deslocamento indevido tem sido a raiz de grande parte do prejuízo que
hoje resulta de um inventário da produção artística em nosso tempo.
De volta às revistas, hoje raridades só encontradas em coleções
especializadas, como vimos, à frente delas estiveram alguns dos mais
destacados poetas hispano-americanos deste século: José Lezama
Lima, Xavier Villaurrutia, Raúl Gustavo Aguirre, Jorge Gaitán Durán e
Enrique Gómez-Correa.
Mas não as tenhamos aqui como casos isolados. No áureo período das
vanguardas surgiu um verdadeiro enxame de revistas, algumas das
quais com amplo destaque, a exemplo da peruana Las Moradas, dirigida
por César Moro e Emilio Adolfo Westphalen, ou a argentina Ciclo, que
trazia Enrique Molina e Aldo Pellegrini à frente.
O que nos cabe aqui, além do informe geral, é compreender que as
revistas literárias não se apartam de um leque de plumas sagradas da
atividade humana na terra. O que isto quer dizer? Que não fazemos
revistas e fazemos cadeiras e fazemos amor, como aspectos isolados de
uma mesma natureza humana. Somente a estultice crê em uma gaveta
desorganizada combinando com paz de espírito. O que isto quer dizer?
Que revistas literárias não são anfetaminas ou jogos de guerra. Como
somos dados à fraude, sempre levamos o meio para cama e o tratamos
como fim.
O que isto quer dizer? Que o empecilho real na edição de uma revista
não é seu aspecto financeiro, mas antes o caráter da iniciativa. Mesmo
diante da dificuldade financeira, o que se tem que discutir é como
validar meios. Embora seja imenso o abismo procriado pelo equívoco
entre os valores da fé e a fé em valores, a verdade é que o homem não
é nada senão aquilo em que acredita. As revistas literárias nada são a
não ser uma das formas de crença do homem nos valores humanos.
Floriano Martins
Matéria gentilmente cedida pelo jornal O Escritor, da UBE - União Brasileiras de Escritores.
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revistas em destaque
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revistas hispanoamericanas, II: um
encontro de duas
linguagens
Já por três números seguidos tenho comentado aqui em O
Escritor a respeito de importantes revistas literárias e de
cultura existentes na América Hispânica. Reitero que o
trabalho que seguem realizando os diretores dessas
publicações assume um peso extraordinário - e talvez único quando o assunto em pauta é o relacionamento das inúmeras culturas
que constituem o continente americano. Mais curioso ainda é observar
que, em grande parte, esses editores são poetas, ou seja, uma vez
mais a poesia situada como uma ponte erguida acima de todas as
eventuais dispersões, impedindo o homem de realizar-se em sua
plenitude.
Já havia comentado aqui nestas páginas sobre a revista mexicana
Alforja, mas agora devo mencioná-la uma vez mais, apenas para
registrar que a edição # 19 desta notável publicação dedicou a
totalidade de suas 170 páginas à poesia brasileira, ali incluindo mais de
40 poetas de distintas gerações e tendências. Também uma outra
revista já destacada nesta série de artigos, Archipiélago, prepara-se
agora para a circulação de uma edição especial dedicada à cultura
brasileira. Em função do lançamento de Alforja, em maio passado,
estive no México, e ali pude conversar com os editores de ambas
publicações, o que naturalmente reforçou nossa cumplicidade no
sentido de se buscar uma interação entre nossas culturas.
Nessa ocasião, pude ainda encontrar-me com Eduardo Mosches, editor
de uma terceira revista, Blanco Móvil que, por duas vezes (anos 80 e
90) dedicou números especiais à poesia e à prosa no Brasil. Com todos
eles conversei e pude sentir o carinho imenso que têm por nossa
cultura, um profundo e, por vezes, excessivo respeito. E justifica-se o
excessivo justamente pelo que nos falta de perceber a própria
importância do que fazemos, sem falar no fato de que o empenho dos
mexicanos, por exemplo, em buscar um diálogo com a cultura brasileira
não é compensado por nós em momento algum.
A partir da conversa que tive com Eduardo Mosches, de Blanco Móvil,
surgiu-me a idéia de sistematizar uma enquete para as páginas de O
Escritor, algo que nos permitisse uma leitura mais dinâmica desse jogo
mútuo de conquistas e obstáculos que temos que enfrentar os editores
de revistas. Parti de quatro indagações básicas, a respeito da origem,
concepção editorial, relações com publicações similares e com a
imprensa de uma maneira geral. Uma outra perspectiva a ser
acrescentada aqui é o surgimento de revistas virtuais ou de publicações
que circulam, utilizando os dois meios, impresso e virtual. O Brasil tem
uma dificuldade, bastante coerente com nossa política de alheamento,
de perceber a importância crucial de fazer circular bens de cultura pela
Web. Esta é uma etapa da contemporaneidade em que apenas a
marginalidade cultural lhe há compreendido os mecanismos de ação.
Nem mesmo as agências de publicidade ou os godmakers que
comandam as campanhas eleitorais perceberam ainda a importância do
veículo.
Observemos, por exemplo, em uma Argentina que vive hoje uma
situação bastante reveladora dessa ausência de diálogo entre culturas
latino-americanas, como funciona o grupo Paginadigital, de circulação
apenas virtual, mas com uma penetração extraordinária dentro e fora
do país. Ao conversar com seu diretor, Pablo Castro, me disse que "o
crescimento de Paginadigital superou nossas expectativas e tem se
diversificado bem além do que havíamos planejado no princípio,
estando atualmente com um volume de 3.500 visitas diárias e um total
superior a um milhão de visitas desde a data de criação do site, ao final
de 1999". Paginadigital é um veículo de circulação de textos que lhes
são remetidos por outras publicações. Me disse ainda Pablo que o site
foi criado "basicamente como um meio solidário para unir idéias e
forças para resistir à desumanização do sistema capitalista e liberal
atual".
Esta compreensão de uma atuação política, sem descaracterizar o
conteúdo estético veiculado, lhe dá uma solidez extraordinária.
Paginadigital tem sido um valioso veículo de informação acerca das
atividades culturais dentro e fora da Argentina. Penso nisto quando, na
conversa com Eduardo Mosches, da mexicana Blanco Móvil, ele me diz
que "as relações com as revistas do continente, lamentavelmente, são
poucas, e espero que através de vocês possamos abrir nossa
comunicação e participação em outras revistas". Ora, esse isolamento
deve ser rompido em suas duas margens. É curioso que Mosches me
diga isto, porque justamente a Blanco Móvil tem sido revista a dedicar
seguidamente edições especiais à literatura de vários países, incluindo
os latino-americanos.
Conheçamos um pouco mais de Blanco Móvil. Nos diz Mosches: "A
revista nasce em 1985, como publicação de uma livraria foro, que é a
Gandhi. Logo no princípio é de um tamanho pequeno, como um folheto
teatral, de 24 páginas, com uma seção central dedicada a um escritor.
A relação com a livraria durou até 1988, momento em que nos
separamos dessa empresa e nos tornamos independentes. Já havíamos
modificado o formato, já se encontrava no tamanho carta. A partir da
independência realizamos uma mudança de capa e ampliação do
volume, chegando a 56 páginas. A capa passava a ser a cores. Foi difícil
esse processo de independência, mas pouco a pouco obtivemos certa
estabilidade econômica, que tornou possível, nos melhores momentos,
uma circulação de quatro números por ano."
Em seguida lhe indaguei a respeito de um balanço possível entre o
buscado e o alcançado, ao que me respondeu: "A concepção editorial
era a de apresentar o afazer literário de setores menos conhecidos, seja
em âmbito nacional ou internacional. Com isto se quer dizer que a
intenção era a de apresentar escritores de qualquer parte, que não
necessariamente formem parte do aparato e presença editorial
internacional. Não há excessivo interesse em mostrar os que já são
conhecidos, mas sim aqueles que vão concretizando suas apostas
literárias em cada país, inclusive o México. Por outro lado, buscamos
temas que não são tão recorrentes. A partir daí podemos dar exemplo
nos números dedicados a Utopia e Literatura, Poetas e Narradores
Catalãos, Literatura Danesa, Boliviana, Filosofia e Literatura, Literatura
Indígena no México e na América Latina. Angola, Israel, enfim, nos
aproximamos de múltiplos segmentos e aspectos da literatura, sem nos
tornarmos seguidores dos boom literários. Além do que há um marcado
interesse em apresentar a produção poéticas das gerações mais
jovens."
E logo falamos sobre as recepções na imprensa do trabalho magnífico
que vem realizado: "Ao longo dos 17 anos de existência de Blanco
Móvil, tivemos, no geral, uma boa acolhida da imprensa e diversos
meios de comunicação. A primeira etapa era de enviar a revista aos
jornalistas relacionados com o meio literário e cultural, mas percebemos
que isto não era suficiente. Portanto, se decidiu realizar uma ou duas
apresentações públicas com a aparição de cada novo número. Esses
lançamentos eram realizados com um caráter interdisciplinário, uma
vez que deles participavam, além de alguns autores incluídos na edição,
um par de atores que lêem os textos literários, poemas e contos, e a
noite se completa com a apresentação de algum músico. Isto há gerado
um apoio maior por parte da imprensa, rádio e televisão, através de
crônicas, entrevistas ou simplesmente notas de informação."
Como disse anteriormente, esse primeiro diálogo com Eduardo Mosches
me levou a sistematizar uma conversa mais detida com editores de
várias revistas. Algumas delas são frutos de um convívio pessoal, cujo
componente mais importante é a realização de projetos comuns.
Exemplo disto foi a maneira com que me recebeu na Costa Rica o editor
de Fronteras, Adriano Corrales. Ali podemos planejar umas tantas ações
que começamos a concretizar em termos de aproximação de nossas
culturas. Porém ladeio aqui seu depoimento do que me enviou por meio
eletrônico o chileno Omar Lara, editor da revista Trilce. Julgo
importante destacar o trabalho de ambas, a costarriquenha
inteiramente patrocinada por uma universidade, enquanto que a chilena
sem apoio institucional de espécie alguma. Não as situo aqui como
ações contrapostas, mas antes como uma referência a distintas
maneiras de se produzir algo consistente.
Vejamos o que nos diz primeiramente Adriano Corrales: "A revista
Fronteras nasceu como um projeto de extensão cultural de um
departamento do Instituto Tecnológico da Costa Rica (ITCR), no ano de
1994. Seu primeiro objetivo foi converter-se em um espaço editorial
para dar a conhecer as distintas investigações que vinham realizando
nossos professores no que respeita ao âmbito das culturas populares.
Até o presente foram publicados 9 números semestrais. Porém, na
medida em que se foi desenvolvendo o projeto (a partir do terceiro
número), fomos nos inteirando da existência de um vazio em relação a
revistas culturais que mantivessem um perfil intermediário entre a
revista especializada e a revista popular, formato que perseguíamos
desde o princípio. Assim é que, além da ênfase antropológica, histórica
e sociológica, fomos abrindo espaço para outros aspectos, tais como a
literatura e a arte em geral. Por outro lado, começamos a receber
colaborações de distintos países latino-americanos onde,
imprevisivelmente, a revista foi chegando graças à ação de amigos e
colaboradores."
Indaguei a Adriano como a revista sobrevive: "Fronteras hoje se
financia basicamente com a verba do ITCR e com a venda de
exemplares, mas estamos abrindo a venda de publicidade como uma
colaboração e apoio a este projeto editorial. Ela é distribuída em várias
livrarias de San José, Heredia, Ciudad Quesada e Cartago. Mas também
pode ser encontrada em Bibliotecas, Centros Culturais e Salas de
Teatro. E as assinaturas estão franqueadas segundo anúncio no próprio
expediente da revista."
E agora nos fala o chileno Omar Lara, editor de Trilce: " A revista
nasceu paralelamente ao grupo de poesia Trilce, em março de 1964,
em Valdivia (Chile). Até 1973, quando praticamente toda a nossa
geração desapareceu do mapa literário chileno, a revista publicou 16
números, com uma regularidade muito irregular. Ocorre que a revista
era um de nossos afãs, não o único. Nos anos 1965 e 1967
organizamos os primeiros encontros da Jovem Poesia Chilena, em
Valdivia. Também foram publicados alguns livros individuais de
membros do grupo e nos sentíamos bem envolvidos com os
movimentos sócio-políticos daquele momento."
E como seguiu a revista, que novos rumos tomou?
"Depois, no exílio em Madrid, publicamos três números, entre 1981 e
1983. De volta ao Chile, já em Concepción, reiniciamos a publicação
dentro do que chamamos de uma Terceira Época. E nisto seguimos
empenhados até hoje. Uma vez que não temos auspício institucional
nossa freqüência é imprevisível. Quis torná-la quadrimestral, mas a
realidade nos impõe uma circulação semestral. Mesmo ciente de que
defenderei até onde possa essa periodicidade, não tenho nenhuma
garantia quanto a isto. Trilce tem sido apresentada diretamente em
países como Peru, Equador, Espanha, Alemanha, Argentina, e através
de amigos em vários outros: Estados Unidos, México, Uruguai, Portugal.
A rigor, a revista é uma revista de amigos, o que não está mal,
certamente. Temos muitos leais entusiastas, generosos amigos.
Sempre pensei em Trilce como uma publicação propiciadora de
diálogos. Tenho consciência de que em vários momentos fomos uma
janela através das qual muitos poetas e leitores em geral puderam
conferir as ocorrências poéticas de outros lugares, através de
entrevistas, poemas, traduções, correspondência etc."
As duas possibilidades de condução de um processo editorial permitem
aclarar que em nada se justifica a inércia encontrada no Brasil. Dentro
ou fora do que nos habituamos a chamar de "sistema", apenas
reagimos e mesmo assim com um ar paranóico (presunçoso) que pouco
ou nada constrói. A seguir incluímos a montagem em dez blocos de um
auto-retrato da revista Lote, argentina, desenhado por seu editor,
Fernando Peirone:
"1 - Tipo de material que publica.
- Em traços gerais se poderia dizer que é uma revista de crítica cultural
e política.
2 O rol das revistas culturais na Argentina.
- O papel das revistas culturais, que na Argentina têm uma grande
tradição, é o de dar circulação a um saber e um agir que não se movem
no mundo oficial, o papel de introduzir debates e traduções que
habitualmente não são manuseados nos círculos comerciais, o de
proporcionar ferramentas alternativas para a abordagem do público (e
do privado), o de dar a conhecer as expressões artísticas e culturais
novas, diferentes.
3 A qual público se dirige?
- Dirige-se a um público heterogêneo. A invenção dos convênios revistas para repartir entre sócios, clientes etc. - como forma de
distribuição, nos possibilitou que a revista não dependa das vendas e
que em menos de dez dias esteja completamente distribuída, em mãos
de jovens, velhos, empresários, professores, intelectuais etc.,
obrigando àqueles que participam conosco a rever sua linguagem e
suas maneiras de dizer; o mesmo ocorre com os leitores que, ao recebêla, se dão conta que é uma revista que - no pólo oposto do videoclip demanda tempo daquele que se disponha a lê-la. Este sistema de
distribuição ingressa na revista em uma paisagem que de outra maneira
- se dependesse exclusivamente da venda - não chegaria.
4 Como se relacionam com a realidade?
- Não nos relacionamos com a atual nos tempos de imediatismo que
exiege um diário, mas sim com a distância e a implicação necessária
para discorrer criticamente sobre a época que nos tocou viver.
5 Lote é lida por gente jovem?
- Sim. A revista tem um suplemento jovem de educação cooperativa
que chega gratuitamente (subvencionado por distintas cooperativas do
sul de Santa Fe) aos terceiros e quartos anos das escolas secundárias,
provocando debates e sendo utilizado como material complementar de
estudo.
6 Busca consagrados ou busca descobrir vozes novas?
- Em Lote participam consagrados em meio a um coro de vozes
anônimas - como a daqueles que fazemos a revista - e politonais que
lhe dão um perfil diferente, do interior, não dando ouvidos aos
mandatos portenhos de correção cultural.
7 E esses jovens buscam algo distinto do que procuram os de gerações
passadas?
- Sim, há um conceito diferente do que é cultura. Não lhes interessa
tanto a praxis social do pensamento quanto a possibilidade de aplicá-lo
a uma qualidade de vida mais digna. Embora menos comprometida
politicamente - no sentido tradicional do termo -, a juventude edifica
seus entornos com modelos políticos explícitos, tolerantes, abertos, à
medida de um mundo que sonham e não conseguem trasladar além de
seus grupos de origem. Este é um pouco o padecimento que lhes obriga
a pos-modernidade.
8 Lote promove polêmicas, debate, intercâmbio de idéias?
- Permanentemente. Em cada número se questiona o status quo e são
liberadas salvas de pensamento crítico.
9 Em um passado não muito para trás, os escritores reconhecidos
colaboravam neste tipo de publicações. Com reagem hoje?
- São reticentes, estão em seu lugar e pouco lhes dá que as revistas
culturais dediquem-se à difusão de seus trabalhos. Menos ainda lhes
importam ler manuscritos de novos escritores. Existe, no entanto, uma
tradição que se conserva viva e ativa, participando em cada um desses
empreendimentos. Grande parte dos colaboradores de Lote pertencem
a essa casta de descastados.
10 Há uma disputa entre as versões impressa e virtual?
- Até o momento não. Nossa revista tem uma página web desde o
número inaugural, onde são publicadas as matérias mais importantes
de cada número e, se temos uma acentuada visita diária ela quase
sempre corresponde a leitores estrangeiros - porque lhes resulta mais
fácil e menos custoso visitar a revista na tela do que assinar a versão
impressa. Mas são, até o momento, públicos diferentes."
Esta conversa com Fernando Peirone, editor de Lote, é bastante
revelador de uma série de aspectos que seguiremos tocando nos
próximos artigos. O que estamos propondo aqui, nas páginas de O
Escritor, não tem caráter conclusivo, mas antes arregimentador de um
diálogo essencial entre editores de revistas em âmbito continental.
Fujamos das relações de bairro ou quadrilhas, e busquemos a
representação mais substanciosa de uma cultura. A realidade
constituída de uma nação não se encontra definida por seus políticos ou
economistas, mas antes por aquela fatia empenhada, sob diversos
enfoques, na formação e identificação de um caráter cultural.
Floriano Martins
Lote. Diretor: Fernando Peirone ([email protected]).
Pellegrini 560 - Benado Tuerto - Santa Fe (2600) Argentina
Trilce. Diretor: Omar Lara ([email protected]). Casilla 2501 Concepción, Chile
Blanco Móvil. Diretor: Eduardo Mosches
([email protected]). Apartado Postal 21-063 México DF
(04000) México
Página Digital. Diretor: Pablo Castro ([email protected]).
http://www.paginadigital.org (Buenos Aires, Argentina)
Fronteras. Diretor: Adriano Corrales
([email protected]). Apartado Postal 223-4400 - Ciudad
Quesada - Costa Rica
Matéria gentilmente cedida pelo jornal O Escritor, da UBE - União Brasileiras de Escritores.
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revistas em destaque
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triplov (portugal)
diálogo entre editores: maria
estela guedes & floriano martins
A revista TriploV é hoje, ao lado de duas
outras, Ciberkioski e Storm Magazine, os
veículos virtuais mais substanciosos na
imprensa cultural portuguesa. É projeto da
Agulha firmar cumplicidade com revistas
em vários países, diálogo que já se
estabelece de outras maneiras, a exemplo
da seção «Resto do Mundo», que assino
para o jornal O Escritor, da União
Brasileira de Escritores. Neste encontro de dois editores, com a
portuguesa Maria Estela Guedes, damos a conhecer os meandros de
nossa aventura editorial, permitindo ao leitor conhecer um pouco mais
de ambas publicações. [F.M.]
- Como nasceu o TriploV, perguntas tu? Tinha obrigatoriamente
de sair do ovo, dada a crise da edição em papel: em Portugal há só
meia dúzia de escritores que vivem da escrita. Eu nem pretendia viver
da escrita, queria apenas ter um editor que não cobrasse pela edição…
De outra parte, o livro e as revistas em papel têm tiragem
limitadíssima. O TriploV, num ano, criou-nos um público ávido, e isso é
reconfortante, é bom saber que a leitura não morreu, as pessoas
querem mesmo ler, enriquecer-se, partilhar conhecimentos, trocar
colaborações, e isso um pouco em toda a parte do mundo, mas em
especial no Brasil. Esse foi o meu desafio aos outros responsáveis pelo
site, José Augusto Mourão, Maria Alzira Brum Lemos e Magno Urbano:
«Vamos reconquistar o Brasil!» E acho que estamos a conseguir… É
claro que tive de aprender a lidar com o PC de outro modo, mas
ESTELA
felizmente o Magno Urbano, nosso operador de sistema, tem tido a
paciência de me ensinar. E tirei uns cursos on-line. Mas ainda falta
muito para estar apta. Sabes tu, Floriano, aqui só eu é que mexo no
site, tenho de fazer tudo, desde compôr o texto até pô-lo no ar. Como é
com a Agulha? Tens alguns conhecimentos avançados de informática e
criação de webpage ou a revista é entregue a profissionais?
- A Agulha é dirigida por mim e o Claudio Willer, isto em
termos de definição de pauta. Mesmo residindo a 3 mil quilômetros de
distância um do outro (São Paulo e Fortaleza), nos falamos diariamente
e assim afinamos este e outros projetos nossos. Em termos de
designer, a revista é toda feita por mim, da idealização ao acabamento.
Ao final, no momento de atualização de sistema junto ao provedor,
contamos com a terceira fatia de nossa cumplicidade, o Soares Feitosa,
que dirige o Jornal de Poesia, onde a Agulha está ancorada. Os três
somos escritores e tivemos que aprender todos os meandros dessa
complexa atividade de editor, o que inclui ainda a parte de contatos e
difusão. Evidente que a circulação virtual tem maior abrangência que a
impressa, mesmo considerando o reduzido percentual de utilização de
Internet em um país como o Brasil. Contudo, é ainda impossível se
pensar em um veículo como a Agulha em termos empresariais,
alcançando condições básicas como o pagamento de matérias. Somos
todos, incluindo nossos colaboradores, uns abnegados dispostos ao
trabalho intelectual sem remuneração, o que seria impossível em uma
publicação impressa. Mas veja: quando começamos a fazer a Agulha,
sentimos uma necessidade de estabelecer uma rede bem ampla de
contatos, daí que criamos a «Galeria de Revistas», onde reproduzimos
capa e link de revistas em várias partes do mundo. Neste sentido, como
se relaciona o TriploV em Portugal? E não quero aqui restringir-me
apenas a veículos virtuais.
FLORIANO
- Olha, Floriano, eu não tenho tempo para tudo. A difusão inicial
do TriploV foi feita pelo Magno Urbano aos motores de busca, eu
mando de vez em quando a newsletter do site, «Ser Espacial», a umas
mil pessoas, e nada mais. O feedback em Portugal tem sido bom, saiu
um artigo de João Barrento no "Público" muito favorável ao site, o
«Jornal de Lamego» descobriu-me no ciberespaço, quando em tantos
anos de tarimba os meus conterrâneos não me tinham descoberto em
centenas de números de jornal, nem na rádio, nem na televisão.
Algumas revistas virtuais e sites têm referido o TriploV, como a
«Storm-Magazine», e também retribuo links, mas o principal retorno do
investimento é o programa de estatística: num ano, temos vindo a subir
da dezena para os milhares de visualizações de página por dia, etc.. Eu
não estou interessada em ampliar muito os contactos internos; a
audiência, sim. Muitos colaboradores significam muitas páginas para
pôr no ar e já agora começo a não ter capacidade de resposta. A ideia é
manter poucos contactos, mas escolhidos e diversificados no planisfério,
e investir no ensaísmo de todo o género. A poesia, devo dizer-te, é o
sector menos lido do TriploV, e no capítulo da ciberarte, que era a
minha grande motivação, o desastre é total: não aparecem
ESTELA
colaboradores, as minhas próprias experiências ainda mal começaram
porque há outras prioridades, e antes de começar eu devia ter
aprendido o que ainda não sei: a trabalhar com o Photoshop e o Image
Ready. Não sei o que se passa convosco, mas por aqui sinto imensa
dificuldade em fazer com que os cibernautas leiam poesia, e não posso
sequer chamá-los através das metatags porque não há nada específico
para pôr nos campos description e keywords - a poesia não tem pontos
de referência, forçar com palavras-chave do tipo «cerejas», «beijos» ou
«mar» é enganar quem procura saber como cultivar cerejeiras, onde
encontrar um site pornográfico ou a tabela das marés; de qualquer
modo, os termos são tão extensos que o poema não apareceria nos
primeiros lugares dos motores de busca, a quem pesquisa. A poesia não
tem referentes, pelo menos a mais despojada, a não historicista. O
dossier «Herberto Helder» é muito lido porque as pessoas já conhecem
o poeta e nas caixas de pesquisa dos motores de busca escrevem
«Herberto Helder». Uma estreia absoluta como a Tília Ramos não tem
pesquisa possível, só será descoberta por quem entrar pela página
principal, e esse público é minoritário.
- Certa vez uma revista virtual no Rio de Janeiro nos
procurou empenhada em fazer uma matéria sobre a Agulha. Este
rigorosamente é um caso único. Temos estabelecido com outras
publicações virtuais, em vários países, uma permuta de links. Além
disso há uma barreira entre veículos impressos e virtuais, ao menos no
Brasil. Ainda não perceberam o que há de complementaridade entre
eles. Um ponto de cegueira só lhes permite entender uma inexistente
condição de concorrência. Hoje a Agulha conta com um mailing de
mais de 60 mil endereços, é nossa mala ativa e raramente recebemos
pedido de exclusão. Nós circulamos na extensão de dois idiomas:
português e espanhol, com um buscado equilíbrio entre ambos,
contando ainda com um expressivo reforço de outro site que coordeno,
a Banda Hispânica, este último um banco de dados sobre a poesia de
língua espanhola. Isto dá à revista uma expressiva visibilidade,
inclusive envolvendo uma ativa cumplicidade de correspondentes em
dezenas de países. Nossa opção pelo ensaísmo em grande parte definiuse pela ausência de uma reflexão mais substanciosa sobre temas
ligados à arte e à cultura no Brasil. De uma maneira geral, a poesia que
se publica entre nós, nos veículos de imprensa, é um verdadeiro festim
de epígonos, textos com artifícios poéticos desgastados que se repetem
à exaustão. Mas independente disto, em muito me atrai essa
característica de arte de exceção - ou ausência de referentes, como
dizes - da poesia. Há uma lista inesgotável de grandes poetas que
enfrentaram - e enfrentarão sempre - esse obstáculo de veiculação de
suas obras. É natural que os estreantes comam a fatia maior desse pão
amassado pelo Diabo, o que não quer dizer que não devamos, editores,
estar atentos ao trabalho deles. Um outro aspecto que começa a
proliferar, Estela, é o surgimento de editoras virtuais. Nós mesmos na
Agulha, durante alguns meses, experimentamos a publicação de uma
série de e-books, projeto com grande receptividade junto aos leitores
mas que lamentavelmente foi abortado ao perdermos nosso parceiro
FLORIANO
em tal empresa.
- Vou contar em segredo, s.f.f. não divulgues por aí: o site
nasceu poeticamente falido, e eu preciso de dinheiro, a informática
devora o meu ordenado. Sou eu que estou a suportar todas as
despesas e são muitas. Ainda não me dispus a pedir subsídio, e agora o
Governo português também está teso… Não pago direitos de autor, mas
também não exijo dinheiro para editar… Já fiz uma experiência de
carrinho de compras, falhou porque era preciso eu montar uma
empresa de e-commerce, passar facturas… Ora eu não tenho tempo
nem para escrever os meus versos, quanto mais para redigir nessa
língua bárbara dos algarismos! Contar, só histórias. Uma das ideias era
a dos e-books e cheguei a verter para pdf o livro Francisco Newton,
que soma já muitas leituras. Outra ideia, aliás sugerida pelo Magno
Urbano, é a de vender todo o site em CD. Esta ideia é fabulosa porque
eu actualizo-o quase todos os dias e então podíamos vender uns 200
TriploVs diferentes por ano… Estou na disposição de alinhar numa
qualquer hipótese rentável, se só tiver de dar material, meu e dos
colaboradores do site… E como só dou isso, não peço metade dos
lucros, apenas uma percentagem compatível… Há uns quatro ou cinco
livros no TriploV, alguns inéditos, outros esgotados, e de qualquer
modo tudo o que é impresso em livro é inédito à escala do planeta. Eu
deixei de me ralar com ineditismos, publico o que acho instrutivo, bom
e conveniente. Também deixei de me ralar com esse fantasma do
roubo, os escritores não publicam na Internet porque há muitos
ladrões!… Venham os ladrões, aprecio quem me rouba, é porque leu e
adorou! E fora com esses vírus Nimda dos que só vêem montras e é
quando saem a passear ao domingo!
ESTELA
- Na verdade enfrentamos os mesmos obstáculos,
excetuando o fato de que a Agulha, se não gera lucro, também não
gera despesa, isto do ponto de vista financeiro. Claro que há um
investimento imenso de tempo. Tanto eu quanto o Willer temos outra
atividade, ainda que ambientada em uma mesma perspectiva editorial.
Agora, o ineditismo assume uma proporção algo falaciosa, cabendo aí
observar apenas o aspecto ético da reprodução de textos já publicados,
ou seja, solicitação de autorização, referência de fontes, etc.. Ensaios
reproduzidos de livros ou mesmo de outras revistas habitualmente
conquistam novos leitores, pois ampliamos o raio de circulação dos
mesmos. O roubo é inevitável e inestimável, além do que está colado à
pele do conceito de propriedade privada. Não cabe generalizar, mas
antes verificar de quais inúmeras maneiras ele vem sendo praticado algumas delas bastante aceitas por nossas sociedades. Agora, como
tens conduzido o TriploV em termos de orientação de pauta?
Editorialmente, há algum tema ou abordagem que desperte mais
interesse teu? Penso na coincidência existente entre tua revista e a
«VVV» editada nos anos 40 por Breton, Duchamp e Ernst, nos Estados
Unidos, ou seja, haveria aí alguma coincidência também com os ideais
surrealistas?
FLORIANO
- Eu republico muito, com autorização, e textos de séculos
transactos, porque preciso. As pessoas tratam o TriploV como revista,
mas não é. Estou a fazer um depósito, e há bases de dados no site,
para os meus trabalhos em História do naturalismo. Isso recorda-me
que estudo a língua das gralhas, língua das aves ou língua de ponta nos
textos científicos. A Agulha não é de costura… Na ponta da língua tem
pimenta, pelo menos… O meu vínculo mais forte é com o modernismo
português e descendentes, e mais indirectamente com o surrealismo,
aliás agrada-me que estabeleçam essa relação, é legítima. Uma das
pessoas mais importantes para mim, porque me rasgou horizontes e
deitou por terra preconceitos, o Ernesto de Sousa, cineasta que fez o
filme português dar o salto do cinema de pátio para o novo cinema,
mas foi também artista de multimédia, homem que despoletou o
florescimento da vanguarda em Portugal, etc., criou, comigo e com o
Fernando Camecelha, um grupo, o VVV, de cuja actividade artística
resultaram festas e as caixas Pipxou - há imagens e informação no
directório dele. Dediquei-lhe o site, e quando tive de escolher um nome,
lembrei-me do VVV, pensando: vou continuar a nossa obra, apesar de o
Ernesto já ter morrido. «VVV» também quer dizer Ego sum Via et
Veritas et Vita, segundo a interpretação esotérica de outro cineasta,
António de Macedo. Nós pronunciamos triplov, à russa, e o meu
contributo para o alargamento do campo semântico do nome foi o ovo
alquímico, o «triplovo», como o Magno Urbano designa o logotipo que
criou. O elo de ligação entre todos os movimentos da modernidade é a
agulha, que também se exprime no Morra o Dantas, morra! Pim!, de
Almada Negreiros. Sempre estive nessa onda de guerra ao
convencional. Quanto a definição de pauta, ou programação, recordo
que Breton fala do acaso feliz. Pois bem, a única pauta do TriploV é
esse acaso luminoso, como este de estarmos agora aqui sem o termos
premeditado. Nunca me envolveria em nenhum projecto editorial que
implicasse programação e periodicidade rígida, porque isso é inviável no
perímetro da minha acção. Parte dos nossos conteúdos, o segundo mais
aliciante de todos, é constituído pelas comunicações ao Colóquio
Internacional Discursos e Práticas Alquímicas. Os participantes não
entregam os trabalhos. Por isso criar uma revista dentro do TriploV,
como era desejo do José Augusto Mourão, por exemplo, está fora dos
meus propósitos. Prefiro que o site seja tratado equivocadamente como
revista, porque a classificação pode vir a ser útil para fins de patrocínio.
Além disso, deixar o triplovo a chocar durante um mês ou mais, para só
em data certa ver os pintos a bater as asas, não se acomoda ao meu
sistema nervoso. Quando aparece um novo pinto, lanço-o
imediatamente no céu.
ESTELA
- E está perfeito que seja assim, mais abrangente o tríplice V
do que no caso de Breton, onde aliava o V da Vitória ao Voto no
sentido de energia vital ou Volta «a um mundo habitável e imaginável».
E cabe bem a lembrança ao Almada e seu manifesto, ele que soube ver
bem o valor intrínseco da antecipação a tudo. Admirável Almada que
vivia a lembrar o essencial que é a poesia fazer «nascer asas em Nós».
Pode-se dizer de Agulha que seja uma revista, tem estrutura e
FLORIANO
perspectiva estética que atende ao objeto. Ao contrário, o que faço na
Banda Hispânica deve ser visto como um banco de dados, uma fonte
virtual de consultas acerca da poesia de língua espanhola. Tua
referência à pimenta («pelo menos»), eu a entendo como uma aguda
visão crítica que se alimenta dessa entrega ao outro, de buscar a
integridade das coisas. De buscar a verdade em vida e em toda a vida.
É exatamente o que estamos fazendo aqui, neste nosso breve diálogo
inicial, quando aproximamos nossos projetos editoriais, Agulha e
TriploV.
Lisboa, Fortaleza. Outubro de 2002.
Maria Estela Guedes (Lamego, 1947). Tem colaborado em quase todos
os mais importantes jornais portugueses, na rádio e na televisão. Em
1987 foi levado à cena um espectáculo multimédia da sua autoria, O
lagarto âmbar, na Fundação Calouste Gulbenkian. Entre os seus livros,
encontram-se: Herberto Helder, poeta Obscuro (1979), Crime no Museu
de Philosophia Natural (1984) e À Sombra de Orpheu (1990). Dirige a
revista TriploV (www.triplov.com). Contato: [email protected].
.
.
revistas em destaque
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..
rascunho (brasil)
diálogo entre editores: rogério
pereira & claudio willer
Jornalismo literário pode ser apaixonante? Não,
responderão os leitores de suplementos de nossos
grandes jornais, frios, burocráticos, universitários
em excesso. Sim, responderão os leitores de
Rascunho, publicado em Curitiba, Paraná, a julgar
pela seção de cartas desses leitores, estuante,
prolífica, com adesões entusiásticas e protestos
indignados referentes aos ensaios e resenhas nele
publicadas. Rascunho já ultrapassa trinta edições
em três anos de existência. Lembra bastante o
que se publicava há vinte anos no Brasil, no tempo da imprensa
alternativa e da assimilação da sua contribuição pela grande imprensa.
Isto, lembrar o que outrora já foi feito, é uma qualidade, e não um
defeito desse periódico; é um dos motivos para muita gente o
considerar o melhor jornal literário brasileiro, neste momento. E,
conforme pode ser entrevisto na conversa com ele, preparada para esta
Agulha, o que seu editor, Rogério Pereira, tem de combativo,
idiossincrático, voluntarista, está diretamente relacionado a esse bom
resultado. [C. W.]
- Você não veio do nada, ou de algum vazio
interplanterário. Já fazia jornalismo antes, não é? Conte algo sobre suas
origens e procedência. Apresente-se.
CLAUDIO WILLER
- Tenho 29 anos (beirando os 30), os pés rumam
para o altar, com a bela Cristiane. Cheguei em Curitiba, aos 6 anos,
vindo do sudoeste de Santa Catarina (meus pais eram pequenos
ROGÉRIO PEREIRA
agricultores). Dedico-me ao jornalismo há muito tempo. Aos 13 anos, já
era office-boy da Gazeta Mercantil, em Curitiba. Antes disso, fui
vendedor de flores em frente a um cemitério (muito poético, por sinal),
fabriquei móveis e matei muito passarinho nos matagais de Curitiba.
Trabalhei durante oito anos na Gazeta Mercantil. Cursei Filosofia e
Jornalismo. Comecei a trabalhar como repórter em 1996. A partir daí,
embrenhei-me por várias redações. Fiz campanhas políticas (Lerner,
Taniguchi e, recentemente, Beto Richa). Ganhei algum dinheiro, fiz as
malas em 1999 e fui fazer pós-graduação em jornalismo político em
Madrid. Voltei a Curitiba. Dirigi um jornal popular (o Primeira Hora). E
cá estou agora a matar sabiás.
- E como é que surgiu essa idéia de fazer Rascunho?
Você já tinha essa intenção, de fazer um suplemento literário, faz
tempo, ou foi algo que aconteceu assim, de repente, num estalo, em
um ímpeto de inspiração, em uma mesa de bar?
CLAUDIO WILLER
- Quando voltei da Espanha, no começo de 2000, fui
trabalhar como assessor de imprensa na Prefeitura de Curitiba, um
mausoléu repleto de teias de aranha. Lá, ficava a tecer matérias sobre
ruas asfaltadas, praças inauguradas etc. Então, resolvi escrever uma
coluna de resenhas/críticas literárias no Jornal do Estado, em Curitiba,
todas as segundas-feiras. Ah! Esqueci de dizer que além dos sabiás,
sempre me dediquei à leitura e à escrita (na escola, vendia resenhas
dos livros e redações para os alunos mais vagabundos; às vezes, o
pagamento era em dinheiro, outras, em lanche). Depois de algum
tempo com a coluna semanal, na "tranqüilidade" do serviço público,
resolvi juntar um bando de malucos e criar o Rascunho, pois nunca
gostei muito dos suplementos existentes. Juntamo-nos na mesa de um
bar: apresentei a idéia, fiz o projeto gráfico (em parceria com o
jornalista Fabrício Binder), e apresentei ao Jornal do Estado. Depois,
muitas noites de insônia e café a cada edição mensal.
ROGÉRIO PEREIRA
- Você partiu de alguma reflexão crítica sobre o
jornalismo literário atual, uma intenção de preencher um espaço vazio,
cobrir uma lacuna, algo assim?
CLAUDIO WILLER
ROGÉRIO PEREIRA - Isso pesou muito, mas a vontade de fazer um bom
jornal literário pesou mais. Nunca concordei muito com o tom
conciliatório dos suplementos literários, sempre jogando a sujeira para
baixo do tapete. Considero os suplementos um grande salão de baile de
confraternização, um passa a mão na cabeça do outro. Pura bajulação.
Falta a discussão, o apego à polêmica. As idéias opostas são sempre
bem-vindas. É claro que a responsabilidade deve estar implícita. O que
se vê por aí é um bando de compadres a tomar chá no fim da tarde. Os
suplementos literários dos grandes jornais são o quintal para um
churrasco literário, com carne de segunda e muita lengalenga.
CLAUDIO WILLER
- E esses colaboradores, esse grupo tão diversificado,
como você os achou? Você procurou ou escolheu a dedo gente disposta
a escrever de modo passional, veementemente contra ou a favor algum
texto ou autor?
- Para começar o Rascunho, chamei jornalistas (todos
bons amigos) em quem confiava muito: Paulo Polzonoff Jr., Adriano
Koehler, Paulo Krauss, Andrea Ribeiro, Alessandro Martins, Eduardo
Ferreira, Jeferson de Souza, entre outros. Precisavam ser bem amigos
mesmo, pois não receberiam (e até hoje não recebem) um centavo
furado para escrever resenhas/críticas/entrevistas para um jornal
literário chamado Rascunho, que até agora não foi passado a limpo.
Com o tempo (não sejamos modestos: o Rascunho cresceu, ganhou
vida, melhorou muito. Passou de oito para 16 páginas), muitos outros
nomes foram se juntando, pois acreditaram no projeto: José Castello,
Fernando Monteiro, Nelson de Oliveira, Álvaro Alves de Faria, Fabrício
Carpinejar, entre tantos outros. São colaboradores fiéis e de suma
importância. Sem eles, o Rascunho seria apenas um sonho. Ninguém
ganha nada, mas se diverte um bocado. Acho. Todos os meses,
aparecem novos colaboradores. Conseguimos criar um grande canal de
discussão literária, e, assim, as pessoas sentem-se motivadas a
participar, apesar de o pagamento ser um "muito obrigado" por e-mail
ou telefone. E nessa tropa, sempre há espaço para novos
colaboradores.
ROGÉRIO PEREIRA
- Quem teve a idéia de cotejar matérias pró e contra
algum autor ou obra? Continuarão, esses exercícios de pluralismo?
CLAUDIO WILLER
- Criar um jornal para ser morno e insosso como
tantos outros estava fora dos planos. Sempre fui a favor da polêmica. O
primeiro grande "cacete" foi no Décio Pignatari, com o texto "50 anos
de enganação", escrito em parceria com o Paulo Polzonoff Jr. Aí, o
Rascunho deixou claro o seu "desprezo" pela poesia concreta. Mas,
mesmo assim, abrimos espaço para os amantes concretistas. O
Rascunho é um barco furado que teima em não afundar. Portanto,
sempre cabe mais um. Depois, veio o texto sobre o Valêncio Xavier:
"Equívoco", novamente assinado por mim e pelo Paulo. Acho que somos
os "grandes" polemistas: ele mandou bala no Scliar e no Loyola. Eu
escrevi um texto polêmico sobre o Marcelo Mirisola, que sonhou que era
escritor e até hoje continua acreditando. O Rascunho tem essa
característica polêmica, mas sempre com muita dose de humor e
responsabilidade. O pluralismo vai imperar até o fim, até os últimos
dias.
ROGÉRIO PEREIRA
- Suplementos culturais e jornalismo literário têm
história, grandes antecedentes - Suplemento do Estadão, o do JB, etc.
É possível especificar relações de Rascunho com esses antecedentes,
comentar algum que tenha influenciado ou servido como referência?
CLAUDIO WILLER
ROGÉRIO PEREIRA
- Acho que não sofremos influência de nenhum
suplemento das "antigas". Até mesmo porque não conheci nenhum
deles no dia-a-dia. É claro que conheço a história dos grandes
suplementos culturais, mas a minha idéia era fazer um jornal que
valorizasse o texto, em contraponto à frugalidade, rapidez e concisão
do jornalismo em geral. Adoro ver uma página do Rascunho cheia de
letras, de idéias, de discussão. Meu lema: entre o texto e a ilustração,
mate a ilustração. Questão de gosto. É claro que às vezes exagero na
dose, mas a overdose rascunheira é benéfica à saúde.
- E de lá de fora, publicações de outros países,
mencionaria alguma?
CLAUDIO WILLER
- Morei na Espanha e conheço muito bem a imprensa
espanhola, em especial o El País, que mantém o excelente suplemento
literário Babelia. Lá, o texto é valorizado e as idéias são amplamente
discutidas. Até acho que tenha me influenciado de alguma maneira. Mas
não sou um grande conhecedor do jornalismo feito em outros países.
Conheço-o como qualquer navegador de Internet. Clico aqui e ali e vou
descobrindo coisas.
ROGÉRIO PEREIRA
- Com relação ao presente, ao momento atual: você
faria comentários sobre os suplementos, periódicos literários e revistas
atuais?
CLAUDIO WILLER
ROGÉRIO PEREIRA - Como te disse, não acompanho os suplementos e
revistas de outros países, a não ser o El País, uma paixão irresponsável.
- Que tal lhe parece o atual crescimento, quando não
proliferação de revistas de poesia e periódicos literários? Teria
destaques, comentário sobre algum deles?
CLAUDIO WILLER
- Recebo uma grande quantidade de jornais e revistas
literárias/poesia. Há coisa muito boa, como o Suplemento de Minas
Gerais e a revista Continente, de Pernambuco. Também gosto muito da
Bravo!, apesar de seu pedantismo almofadinha. A Cult não está entre
as minhas preferências, mas às vezes acerta a mão. De um modo geral,
acho que há um grave problema nos projetos considerados
"independentes", principalmente em relação às revistas de poesia. Aqui
em Curitiba, existia uma revista, que era um emaranhado de coisas,
muitas vezes sem pé nem cabeça, para agradar a certos grupinhos de
amiguinhos (assim no diminutivo). Há várias publicações editadas por
grupinhos. Esse tipo de iniciativa me parece a masturbação do elefante
com o avestruz (Que fique bem claro, nada contra os poetas
fundadores; alguns muito bons, por sinal). Mas algumas revistas
servem de muralha para atacar outros grupos ou preservar "idéias"
consideradas indissolúveis. São, na verdade, frágeis fortalezas. E isso
acontece em São Paulo, no Rio de Janeiro (com o grupinho dos cariocas
da gema), em Brasília, em Garanhuns, em Jaboatão dos Guararapes, no
ROGÉRIO PEREIRA
fim do mundo. O problema é a falta de abertura: a quem pertence ao
grupinho, loas; aos demais, pedras no sapato molhado. Assim não há
discussão, não há avanço, não se dilata a consciência (como diz
Fernando Monteiro). Revistas e jornais precisam ter abertura, uma
janela para se respirar. Caso contrário, todos morrem asfixiados no
ocre cheiro dos corpos putrefatos.
- Já estava em seu projeto originário ser tão polêmico
assim, ter uma seção com tantas cartas de leitor pró ou contra alguma
matéria? Você tem uma vocação de incendiário, iconoclasta ou
polemista? Enfurecer gaúchos, isso o agrada especialmente?
CLAUDIO WILLER
- Meu esporte preferido é enfurecer o vizinho,
jogando pedras no telhado em dia de chuva. A polêmica é necessária. A
polenta sem molho é massa sem graça. Os leitores participam porque
sentem a necessidade da discussão, de expor idéias, de criticar, de
reclamar. Tudo isso faz muito bem à cultura. É triste quando se vai
fechar a edição e há poucas cartas nos ofendendo, falando que somos
imbecis, terroristas etc. Somos terroristas para o bem de alguns e
desgraça de outros. Se pudesse, faria um incêndio a cada dia. Ainda
mais aqui em Curitiba que é frio à beça. Temo uma invasão gaúcha,
mas os arames de Curitiba hão de agüentar.
ROGÉRIO PEREIRA
- Como é viver, trabalhar e publicar algo em Curitiba?
Como você se relaciona com o ambiente literário local? É verdade que
Curitiba é uma cidade provinciana? O mito e a realidade têm
correspondência?
CLAUDIO WILLER
- Curitiba é a sonolência do morto. Viver em Curitiba
é uma maravilha. Não acontece nada, não ocorre nada, a não ser as
mortes nos botecos da periferia. Curitiba é a capital da arrogância, da
classe média alta de parca visão, das meninas encostadas no muro à
espera do marido, do vampiro solitário sem um pescoço para desfrutar.
Não há discussão literária nessa terra. O Rascunho não é conhecido e,
tampouco, reconhecido. Somos um holograma. Mesmo assim, Curitiba
tem vários bons escritores: Jamil Snege, Cristovão Tezza, Roberto
Gomes, Miguel Sanches Neto, Manoel Carlos Karam, José Castello,
Dalton Trevisan, e mais uma meia dúzia. Mas não há vida literária,
discussão etc. Cada um em sua toca. É o jeito curitibano. Eu mesmo
sou assim, mas da minha toca mando alguns mísseis.
ROGÉRIO PEREIRA
- O que você gostou mais de publicar em Rascunho,
qual matéria ou quais lhe proporcionaram especial prazer por ter podido
fazê-las saírem?
CLAUDIO WILLER
ROGÉRIO PEREIRA - Há várias. Sou suspeito em falar, pois vivo a lamber
a cria. Mas acho que as matérias polêmicas (em relação a Décio
Pignatari, Valêncio Xavier, Scliar, Mirisola, Augusto de Campos, entre
outras) foram as mais prazerosas, pelo liberdade com que foram
escritas. É claro que grandes entrevistas também prazerosas, como a
com José Saramago. Também é sempre uma alegria muito grande
publicar inéditos de grandes escritores, como aconteceu com Dalton
Trevisan e Lygia Fagundes Telles. O bom desse Rascunho é que sou eu
quem decide o que será publicado. Até hoje, não censurei nenhuma
matéria. Minha vocação para censor do DOPS está adormecida.
- E o futuro? Quais serão os próximos passos? Há
planos de expansão, haverá crescimento de Rascunho? Quantitativo,
qualitativo ou ambos? Algo deverá ou deveria mudar?
CLAUDIO WILLER
- Acho que o próximo ano será decisivo para o
Rascunho. Hoje, o Rascunho é enviado para 3 mil pessoas em todo o
Brasil, por meio de uma parceria com a Imprensa Oficial do Paraná.
Com o novo governo de Roberto Requião, não sei se tal parceria será
renovada. Hoje, o jornal não tem condições de arcar com despesas de
correio. Será a morte do Rascunho, caso ele circule apenas em Curitiba
e região. Mas por outro lado, vamos entrar com um projeto de apoio da
lei de incentivo à cultura. Aí, a sobrevida será maior. A intenção é
ampliar o número de páginas de 16 para 24. E também aumentar o
número de "assinantes" do jornal. Uma alternativa para capitalizar o
Rascunho é criar uma carteira de assinantes pagantes. Hoje, todos
recebem gratuitamente o jornal. Talvez seja a hora de pedir uma
contrapartida dos leitores. De resto, é continuar ateando fogo e
chateando alguns gaúchos.
ROGÉRIO PEREIRA
- Para terminar, faça alguns comentários interessantes
e simpáticos sobre periodismo eletrônico em geral e Agulha em
especial. Aliás, a propósito, conexão ibero-americana nunca o
interessou especialmente? E conexão lusófona?
CLAUDIO WILLER
ROGÉRIO PEREIRA - O jornalismo eletrônico é importante para facilitar
as discussões. Ainda não sei de sua capacidade para discussões de
grande fôlego. Mas não há dúvida da importância que tem. Agulha é
uma prova disso. Sempre com temas interessantes e textos com
qualidade, longe da superficialidade tão característica à Internet. Nunca
me interessou a conexão ibero-americana e lusófona, pois acho que o
Rascunho tem muito chão a percorrer no Brasil. Ainda vamos quebrar
muitas vidraças e matar muitos sabiás.
São Paulo, Curitiba. Outubro de 2002.
Rogério Pereira é jornalista. Rascunho é publicação mensal da Editora Letras & Livros.
Rua Filastro Nunes Pires 175 Curitiba PR 82010-300 Brasil. É encartado no Jornal do
Estado do Paraná, mas tem distribuição complementar e pode ser solicitado envio
gratuito diretamente ao editor. Contato: [email protected]
.
revistas em destaque
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blanco móvil (méxico)
diálogo entre editores: eduardo
mosches & floriano martins
Eduardo Mosches nace en 1944, mexicano de
origen argentino. Estudió Ciencias Políticas en
Berlín y Cinematografìa en la Ciudad de México,
en la UNAM. Trabajó varios años de obrero
agrícola en un kibutz en Israel, más tarde, como
impresor y en producciones cinematográficas. Fue
maestro universitario en Ciencias de la
Comunicación y laboró como promotor cultural en
la Casa del Lago de la UNAM. Ha realizado
traducciones del alemàn y del portugués. Fue
director del Foro Cultural Gandhi, y editor en
Folios Ediciones, Nueva Imagen y Plaza y Valdés.
Es director y fundador de la revista literaria
Blanco Móvil, desde 1985 y director editorial de la revista,
especializada en derechos humanos, La memoria y el parteaguas.
Actualmente es Coordinador del área de publicaciones de la Universidad
de la Ciudad de México. Ha publicado diversos libros de poesìa, entre
los que se encuentran Los lentes y Marx, Los tiempos mezquinos,
Cuando las pieles riman, Viaje a través de los etcéteras y Como el mar
que nos habita. Desde hace años imparte talleres literarios en diversos
estados del país. Ha publicado en periódicos y revistas en México,
Estados Unidos, Israel, Brasil, Chile, Argentina, entre otros. Ha recibido
el premio de poesía Anita Pompa de Trujillo, Sonora, 1995. Fue
premiado como editor literario por el Instituto de Bellas Artes (1993) y
por el Fondo para la Cultura y las Artes (1993 y 1994).
FM - Eduardo, és argentino de nascimento. Desde quando e por quais
razões foste morar no México?
EM - Vivo en México desde 1976. Mi llegada a la Ciudad de México fue
fruto de la casualidad, una mezcla de amistad y microcontrabando. Mi
pasaje fue pagado por la madre de una amiga mexicana con la
condición de que trajese dos maletas llenas de ropa nueva para ser
vendida en México. La calidad de la ropa era muy buena y los precios
relativos para el México de esos años muy económico. Por esas razones
llegué, la política de la supervivencia a la latinoamericana. El porque me
quedé fue diferente. Estando todavía en México, se da el golpe de
Estado en la Argentina por parte de la Junta Militar, ese hecho me hace
reflexionar sobre mi regreso, puesto que en esos años militaba en la
izquierda trotskista y había sido detenido dos veces. Sentí que no debía
regresar en esos momentos. Así inició mi larga estancia y asentamiento
en México.
FM - E em que circunstâncias nasceu o projeto editorial de Blanco
Móvil?
EM - El proyecto de la revista nace en el ámbito de una librería, la
Gandhi en la Ciudad de México, como una especie de boletín literario
bibliográfico de la librería. El tamaño era como el de un libro de
bolsillos. La idea era la de dedicar cada número de la misma a un
escritor/ra. Aparece el número cero en julio de 1985, dedicado a Julio
Cortazar. Y en los primeros 14 números los creadores que aparecieron,
con todo y una somera presentación, fueron desde Augusto Roa Bastos,
Camilo José Cela, Juan Rulfo, Agustín Yañez, Claude Simón, José
Revueltas, Elena Poniatowska, Felisberto Hernandez, Nadine Gordimer y
Luis Cardoza y Aragón. Ya en estos iniciáticos intentos ya se notaba la
vena de aventurarse en los recovecos literarios, que se aventuraban
mas allá de lo mexicano, pero incluyéndolo.
Debo decir que esta tendencia en esos momentos en México, era
diferenciadora. La mayor parte de las revistas literarias abrevaban en
sus propias fuentes, se editaban a sí mismo o a los amigos y conocidos.
La gran diferenciada sería Vuelta, aunque ya su perfil literario se estaba
desvaneciendo, para convergir más hacia el ensayo político o filosófico.
Por nuestra parte, se daba el intento de abrir ventanas poco conocidas.
Quizá, mi propio periplo personal, el de ya haber vivido en cuatro
países, en diferentes continentes, cierto aromilla objetivo del exilio, me
hacia inclinarme por acercarme a tejidos literarios mas allá de lo
nacional, tanto mexicano como argentino (esto lo digo por mis
origenes) y tampoco, cerrarme al ámbito de lo latinoamericano, por
esto del pensamiento bolivariano y socialista, que era fuerte su
influencia en esos años…
En fin, es posible decir, que desde esos muy humildes inicios la visión
de relación con y hacia la creación literaria internacional siempre estuvo
presente, aunque fuese inconcientemente, no conceptualizado desde su
inicio, pero así se dió.
Creo que así fueron los inicios en la revista Blanco Móvil.
FM - Quer dizer que Blanco Móvil antecede toda essa espécie de boom
de revistas literárias e de cultura surgidas no México e que viria a
tornar este país possivelmente o maior celeiro de publicações dessa
ordem em toda a América Latina?
EM - De cierta forma sí, puesto que llevamos ya algo más de 17 años
galopando en las planicies literarias. Da un gusto sobrevivir y continuar
más o menos rozagante, aún a pesar de las penurias, angustias y
apretones que implica llegar a conseguir el dinero para pagar la edición.
Esa es otra aventura en el proceso de existencia de una revista
independiente.
Por otro lado, creo que es magnífico que en México se de esa presencia
de varios centenares de revistas literarias y culturales a lo largo del
territorio nacional. Es una muestra de la búsqueda de expresar la
pluralidad y hasta el ánimo democrático, en un país que recién se está
iniciando en una concepción y actitud democrática, o sea la aceptación
de la pluralidad de pensamiento.
FM - E fora do México, com quais outras publicações similares vocês
mantinham contato?
EM - Lamentablememte tenemos poco contacto con revistas en el
exterior. Fuera de esta excelente relación y constante realación con
Agulha, es poca y esporádica, por ejemplo, con Atlántica en España y
Periódico de Poesía en Argentina. Espero que se pueda abrir un nuevo
sendero y a través de esta relación con ustedes podamos llegar a
contactar otras revistas. Para crear una especie de internacional de
revistas alternativas y literarias. Formar un bloque activo ante la
estupidez de los gobernantes en la mayor parte de los países. En
nuestro continente, quiero decir la única figura de gobernante
esperanzador es la de Lula en Brasil. Lo demás da lástima, por su
mediocridad en parte y por inclinación al servilismo ante los Estados
Unidos por otra. Bueno, adelante con la literatura y la cultura.
FM - Eu acho no mínimo curioso que Blanco Móvil ressinta-se da falta
de um diálogo mais amplo com publicações similares em outros países,
justamente quando ela cumpre o digno papel de levar ao leitor
mexicano o mais expressivo da literatura desses países. Todos
deveríamos ter para contigo um largo gesto de gratidão. Crês que o
assunto é pura e simples da ordem de uma ausência de
reconhecimento, ou haveria aí em pauta algum outro componente?
EM - Quizá, una actitud personal, cierta timidez, de ampliar mis
contactos hacia el exterior. Aunque quizá, y tu pregunta me ha hecho
meditar, los correspondientes representativos de otros países no han
demostrado una acertada actitud solidaria, de colaboración, de
participación, en fin, quizá de reconocimiento. Valdrán más los
proyectos propios, los celos profesionales, que la difusión de la propia
literatura, de la ampliación hacia el exterior y hacia otros lectores? Es
posible que el ánimo de la propiedad privada, de la pertenencia, esté
más internalizado en muchos editores y en los escritores, que una
actitud socialmente abierta, gregaria. Socializante.
FM - E como é o relacionamento com a imprensa, dentro e fora do
México?
EM - En méxico ya se ha dado un cierto reconocimiento. La persistencia
de tantos años ha servido para esto, que los medios reconozcan este
trabajo. En el exterior ha tenido algo de presencia, muy diminuta, en
España - España, especialmente Cataluña -, en Estados Unidos, gracias
a la presencia de mi padre como periodista en Washington en la prensa
en español, en fin, sólo en parte se reconoce.
FM - Blanco Móvil tem projetos de vir a circular também na Internet?
Qual relevância este veículo de difusão virtual representa hoje para a
cultura mexicana?
EM - Sólo se da el deseo, estamos en proyecto de crear una pagina
Web. No estoy muy empapado, inmerso en los aconteceres de difusión
virtual. Siento que es importante, pero me siento en mi interior todavía
muy guttenberiano.
FM - Quais os planos futuros da Blanco Móvil?
EM - Para el próximo año tenemos en preparación números sobre la
literatura de Belice, ciencia ficción latinoamericana, literatura
contemporánea de Portugal y cerrando con cuentistas canadienses, de
lengua inglesa.
FM - E como são possíveis essas edições? Contas com apoio financeiro
de algumas instituições dos países contemplados?
EM - Es parte de la aventura literario editorial. Sobre Belice, por
ejemplo, una amiga escritora muy cercana, Francesca Gargallo, conoce
ese país desde hace muchos años y nos dijimos: vamos a hacer un
número sobre la cultura y literatura; por ahí aparece un apoyo, pero no
es seguro. Sería magnífico tenerlo. En el caso de los portugueses,
nuevamente se pensó primero en el proyecto y no pensamos ante todo
en el apoyo, por otro lado, con los canadienses, ahí si hay una
posibilidad amplia de obtener apoyo por parte del país, en fin, la
aventura de navegar por, con y hacia la literatura es realmente
apasionante. Es lo importante, sin desechar para la nada la necesidad,
hecho sustancial de esta sociedad, que todo producto es mercancía y
debe pagarse. Y también es una aventura y reto, poder encontrar el
apoyo económico para que cada número de la revista pueda estar en
manos del futuro lector. Además, es parte de la amistad hacia los
amigos escritores, el reencuentro a través de la revista.
Fortaleza, México - novembro de 2002.
Blanco Móvil.
Criada e dirigida por Eduardo Mosches. Apartado Postal 21063 México DF 04000 México. contato:
[email protected].
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revistas em destaque
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jornal de poesia (brasil)
diálogo entre editores: soares
feitosa & floriano martins
FM - O que exatamente te levou a criar o Jornal de Poesia?
SF - Em 1996, a Internet aqui no Brasil era uma realidade muito
distante. A surpresa de praticamente nada haver em língua portuguesa.
Para suprir esse problema, é que resolvi inventar o Jornal de Poesia.
Inicialmente, pensei no nome Armazém de Poesia, porque, a rigor o JP
não é um jornal, no sentido estrito de notícias novas substituindo
notícias velhas. Não, no JP as
primeiras páginas ainda estão lá,
intactas. A escolha do nome "jornal",
pensamento meu na época, daria
mais força de divulgação... Valeu,
sim. É ponto de encontro de muitos
pesquisadores, jovens, estudantes,
velhos e saudosistas. Recebo muitas
cartas. Respondo-as todas.
FM - Como se deu todo o processo de criação?
SF - Foi pei-pei!, que isto de criar, na minha cabeça, não comporta
muita estrumação. Como se fora um fiat daqueles do Senhor Deus dos
Exércitos... Faça-se o JP! Pronto, está feito, taqui o bichim, bem
feitim, bem bonitim. Claro que deu uma trabalheira dos diabos. Equipe
e dinheiro. Era uma época em que eu ainda não havia quebrado, de
modo que contratei quatro operadores, comigo cinco, e metemos o pau.
O sacrifício (e prazer!) de digitar tudo. Eu mesmo digitei o Navio
Negreiro e muito de Pessoa. Depois veio a quebra dos açougues,
comigo dentro, também quebrado. Os operadores reduziram-se a dois;
depois a um, finalmente nenhum. Hoje, até já "desquebrei", mas não
voltei a contratar ninguém, mesmo porque a proposta inicial do JP, com
o tempo deixou de ter maior urgência. Já não há aquela "orfandade", há
sites e sites na Internet afora. Digamos, a necessidade de recuperar
coisas descuidadas, autores perdidos, mortos, não mais editados. Aos
novos, sugiro-lhes que façam eles mesmos suas pages. Coloco link e
me poupo da trabalheira. Nesse meio tempo, surgiu a Usina de Letras,
com um programa interativo, o autor vai escrevendo, e o bichocomputador aprontando tudo... Encaminho o pessoal para lá; tem dado
muito certo. Houve um tempo, de plena liseira, em que cogitei cobrar
uma colaboração mínima. Poucos toparam, é certo, mas foi muito
oportuna: ajudou a pagar os operadores. Por falar em operadores,
qualquer dia destes abro-lhes uma página de agradecimento: Jurandir,
Alisson, Marcone, Massa, Rosemberg e mais dois cujo nome a velhice
me atrapalha agora. Não, hoje não há mais cobrança alguma.
FM - A criação de um site tão amplo implica em uma manutenção algo
complexa. De que maneira ela vem sendo realizada?
SF - Inicialmente, a equipe. Era um tempo de Bahia, de muitas
saudades até, contei com a colaboração do provedor E-net, um
canadense (Christian), um japonês (Raul), uns caras finíssimos. E veja,
naquele tempo, era tudo muito caro. Pois eles hospedaram o JP sem
nada me cobrar. Depois, quando vim embora para Fortaleza, a Secrel,
através do Messias, um cara também gente finíssima, deu-me todo o
apoio. Posso dizer, resumindo a conversa, que da parte dos provedores,
inicialmente a E-net, de Salvador, depois a Secrel, daqui, Fortaleza, o
apoio tem sido absoluto. Hoje, eu-xozim é que faço tudo. Inclusive a
atualização diária da página. Claro que tudo isto me toma um tempo
danado. Aposentei-me, mas tanjo um escritório de advocacia tributária,
de manhã, de tarde e de noite... Se você me perguntar de onde tiro
tempo, responderei que sou um lobisomem, corro as sete partes do
mundo de noite e, de manhã bem cedo, sou o primeiro que chega ao
escritório, o último que sai, com escuro... a tempo só de virar
lobisomem do JP outra vez. Mais nada.
FM - Como deve proceder aquele poeta que queira participar do Jornal
de Poesia?
SF - Hoje encaminho a turma para a Usina de Letras:
http://www.usinadeletras.com.br/. Como eu disse, é tudo muito
fácil e gratuito. Depois, o poeta me passa o endereço e então coloco o
link no JP. Mas há a estimadíssima figura do cupinchato. Claro que
meus amigos não hão-de ficar na chuva. Homenageio-os, pois. Hoje
mesmo coloquei a página do Dimas Macedo sobre o poeta Alcides Pinto,
cupinchíssimos, meus e seus. Se deu trabalho? Mas eu é que fico
devendo o favor a eles...
FM - E no caso de instituições, editoras, fundações, que acaso queiram
estabelecer algum tipo de parceria, ou mesmo enviar-te sugestões de
novos autores a serem incluídos, como tens reagido a esse tipo de
diálogo?
SF - Em aberto! Estou só aguardando. Mas quem disse?! Vamos ver se
aparece algum doido. Gastar dinheiro do próprio bolso para um
empreendimento como o JP não é coisa fácil de encontrar.
FM - Hoje o Jornal de Poesia é site indicado pelo Instituto Camões,
em Portugal. Como se deu tal conexão?
SF - O JP hoje é referência mundial em literatura, sobretudo na
lusofonia. Faço questão de não colocar contadores na página. Os
amigos, penalizados e generosos, sempre dirão que é pouco; os
inimigos, de inveja, que é mentira... De modo que prefiro desconfiar
que é lido, bastante lido. O pior é quando vou fazer uma pesquisa sobre
um assunto qualquer; volta e meia, caio no JP. Uma chatice, uma
desmoralização, claro que é, achar aqui em meus pés o que busco tão
longe... Espio no espelho, tomo um gole d’água... Se fumasse acenderia
um; se bebesse emborcaria goela abaixo uma lapada de aguardente.
FM - Quais outras relações tem conseguido estabelecer o Jornal de
Poesia, nacional e internacionalmente?
SF - Ah, como tem sido gratificante! Esta semana apareceu no
escritório um amigo do JP, brasileiro de Pacoti, Ceará, morando em
Bufalo, Colorado, há uns 50 anos. Foi festão! Ainda nos começos, Bahia,
apareceu por lá um luso-canadense, Vasco, desviando roteiro só para
conhecer o editor do JP. A festa? Sou inteiramente a favor.
FM - Sendo reconhecido como o site mais abrangente sobre o tema, o
Jornal de Poesia chama a atenção por ser atividade privada e fruto
basicamente do trabalho de uma única pessoa. Institucionalmente o
país não conta com algo similar, independente da extensão ou
complexidade do projeto. Alguma vez foste procurado, seja pelo MinC
ou mesmo por uma secretaria de cultura local, municipal ou estadual?
SF - Tenho pensando seriamente nisto. Mas, o tempo que vou gastar
para correr atrás de um político, melhor corrê-lo atrás de um cliente do
escritório... Assim tem sido. Não, por enquanto não vou atrás deles
não.
FM - Qual papel poderia acaso desempenhar a Internet no
estabelecimento de laços culturais entre o Brasil e a América Hispânica?
SF - Bom, a grande notícia do JP foi a chegada de Floriano Martins
como responsável pelo intercâmbio hispânico. De um projeto
inicialmente só luso, podemos dizer que o JP é ibérico, a ampla
navegação de Espanha e Portugal. Realmente tem sido um verdadeiro
absurdo darmos as costas aos hispânicos, que têm uma literatura tão
rica. A escolha não poderia ter sido melhor, justamente aquele que,
também sozinho, fazia, via correio, esse intercâmbio. Não há limites!
Por outra, a hospedagem da Agulha dentro do JP é apenas o
coroamento daquele ditado nordestino: Quanto mais cabras, mais
cabritos. E bons cabritos, diga-se de passagem.
FM - Como se mantém hoje o Jornal de Poesia em termos de suporte
e difusão?
SF - Apenas no boca-a-boca. O JP está nos buscadores de toda a orbe,
desde o Cadê, Brasil, ao mundial www.google.com. Claro que quanto
mais divulgado, melhor. É hora de passar um mail-geral sobre as
novidades, pelo menos as do mês. Vamos pensar nisto.
Fortaleza, dezembro de 2002
Jornal de Poesia. Criado e dirigido por Soares Feitosa. Endereço:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/.
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revistas em destaque
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digestivo cultural (brasil)
diálogo entre editores: julio
daio borges & claudio willer
Em Agulha já foi comentado, várias vezes, o risco representado pela
concentração e pelo crescimento dos monopólios de comunicação,
especialmente para o Brasil, país cuja legislação é frouxa, tornando-o
uma preferência eletiva de aventuras irresponsáveis e
empreendimentos temerários (bastando observar o que se passa, neste
país, com a televisão paga, a cabo, com as redes de TV, e com a
telefonia, inclusive em sua intervenção na transmissão pela Internet).
Nesse contexto, é um motivo de satisfação apresentar Julio Daio Borges
do Digestivo Cultural, www.digestivocultural.com e
www.digestivocultural.com/blog/. É o típico free-lancer de si
mesmo, capaz de levar a bom termo um projeto pessoal, em um
empreendimento que conta com toda a simpatia de Agulha.
CW - Depois da saída de cena de no. - entre outros projetos - o foco de
uma entrevista sobre o Digestivo Cultural forçosamente acaba incidindo
na questão da viabilidade. E, em uma publicação híbrida como o
Digestivo, com algo de newsletter, de periódico eletrônico, e de ecommerce, também sobre sua identidade. Antes de qualquer outra
coisa, um pouco de biografia: de onde emergiu Julio Daio Borges, o que
fazia antes, em resumo, quem é você? Em especial, antes do Digestivo,
seu campo de atuação era mais o jornalismo impresso, marketing,
informática?
JDB - Sou engenheiro por formação. Estou ligado
aos computadores desde os onze anos de idade. E
às letras, desde os dezessete. Mantive sempre
essa dualidade. De 1996 até 2001, trabalhei em
bancos, consultorias e empresas de
telecomunicação. O lado engenheiro prevaleceu
nessa época. Mas eu nunca parei de escrever.
Montei um site pessoal (jdborges.com.br, em
1999) e o Digestivo Cultural
(Digestivocultural.com, em 2000). No entanto, foi
só em meados de 2001 que o jornalista emergiu,
e subjugou o engenheiro. (Quer dizer, em termos:
para estruturar o Digestivo, eu precisei muito da
minha "expertise" de engenheiro.)
CW - Examinando tudo o que você apresenta, fica-se com a impressão
de que é simples manter à tona um periódico eletrônico. Basta
trabalhar 26 horas por dia. É isso mesmo?
JDB - Considero uma profissão de fé. Um verdadeiro ato de heroísmo.
Trabalhar com cultura no Brasil. Ainda é aquele negócio da cereja no
bolo. Quando você fala sério, é considerado chato, difícil, prolixo.
Quando você faz piada, acaba atraindo um leitor ou outro, mas corre o
risco de se repetir e cair no entretenimento puro e simples. Na Internet,
mais ainda. Já reparou que nós somos os "filhos do jornalismo
impresso" falando para os "filhos da televisão"? O diálogo parece
impossível (e é), mas, ainda assim, existe (embora pouca gente queria
investir nisso).
CW - Dê algumas coordenadas cronológicas: quando foi que você
começou a pensar em fazer um informativo, jornal ou boletim,
eletrônico? Como surgiu a idéia? Digestivo? De onde saiu esse título?
Anglicismo, é? De digest, um sumário ou condensação de informações?
JDB - O Digestivo propriamente dito surgiu em setembro de 2000. Eu
estava tentando resolver esse enigma: por um lado, o desejo de
escrever e seguir carreira em jornalismo; por outro, a Internet se
abrindo como um mar de possibilidades. Então pensei num formato
relativamente breve, falando de cultura, num sentido utilitarista e, ao
mesmo tempo, crítico. O nome vem daí. É contraditório, na verdade.
Mas é também simpático e as pessoas, em geral, apreciam. Eu queria
que o Digestivo - como boletim - fosse auto-sustentável e, portanto, me
direcionei a um público mais amplo. Não queria apenas os iniciados,
nem só os especialistas.
CW - Quais as razões da escolha do segmento cultura, e não economia
e/ou política, ou negócios em geral, por exemplo? Em tese, dariam mais
Ibope. Aliás, é cultura, ou cultura e variedades?
JDB - Por que "cultura"? É o mesmo que me perguntar por que "azul" e
não "vermelho". Simplesmente porque me pareceu o caminho mais
natural. Nunca me vi editando um semanário sobre economia ou
política. Fora que o efêmero não me atrai. A informação, a notícia.
Prefiro a análise, a reflexão. Admiro os repórteres, claro, mas sempre
preferi o lado mais autoral do jornalismo. O subjetivo invés do objetivo.
Sem dizer que economia e política não são assuntos que eu domino (ou
que tenho pretensão de dominar). Sobre cultura dar pouco Ibope, não
concordo. Basta pensar em três dos colunistas mais populares no
Brasil: Diogo Mainardi, que "mexe com cultura"; José Simão, que
escreve na Ilustrada; e Luis Fernando Verissimo, que escreve no
Caderno 2.
CW - Quanto tempo levou, entre definir as principais características do
Digestivo, e pô-lo no ar? Houve modelos, veículos nos quais se
inspirou?
JDB - O Digestivo Cultural, como ele é hoje - falo do site como um todo , resultou de um trabalho de mais de dois anos. Como eu disse, a
minha referência e a dos Colunistas era fundamentalmente a imprensa
escrita. A partir disso, a idéia foi dinamizar alguns processos
aproveitando as facilidades da internet. Em termos de publicação, por
exemplo: cada um hoje publica, controla e modifica o seu texto
automaticamente. Em termos de interatividade, outro exemplo: por
meio de fóruns, e-mails, número de acessos, lista dos mais lidos, etc.
Foi um grande aprendizado - e continua sendo. Algumas idéias
mirabolantes se revelaram inúteis; outras, nem tanto, produziram
resultados surpreendentes.
CW - Quando o Digestivo Cultural foi lançado, há pouco mais de dois
anos, as expectativas sobre o crescimento de veículos eletrônicos eram
outras. Hoje, reverteram-se. Havia uma previsão, talvez apocalíptica,
de substituição total ou parcial do jornalismo impresso pelo eletrônico,
que não se cumpriu. Você não acha que está pisando em um campo
minado? Você chegou a fazer uma análise crítica de outros projetos, a
diagnosticar onde falharam?
JDB - Quando o Digestivo apareceu, a Internet já claudicava (estamos
falando do final de 2000). Quando chamei os Colunistas, e decidi
implementar a revista eletrônica (início de 2001), ninguém pensava em
faturar milhões. Queríamos fazer barulho, mostrar um trabalho digno
de nota, provar que havia novos talentos não contemplados pela
imprensa, agitar o meio, derrubar alguns paradigmas, etc. Nesse
sentido, diria que conseguimos. Óbvio que, em outros tempos, o
conteúdo do Digestivo seria remunerado por um portal - e, quem sabe,
poderíamos viver disso (o que não acontece hoje). Sobre a análise
crítica de outros sites, ela é feita constantemente e nos ensina muito.
CW - Quando, nos informativos sobre o Digestivo Cultural, você declara
viabilidade econômica, o que isso significa? Cobertura de custos de
manutenção, ou que dá para viver bem disso? Quanto por cento da sua
receita é diretamente ligada ao Digestivo (anunciantes, patrocinadores,
assinantes), e às vendas ou à prestação de serviços, do tipo construção
de sites? (isso, mesmo considerando a óbvia sinergia entre ambos, que
um puxa o outro, que a circulação do Digestivo o fortalece em
prestação de serviços e vice-versa).
JDB - Quando falo em viabilidade econômica, falo em custos muito
baixos se compararmos o Digestivo a uma publicação equivalente em
papel. Como a estrutura já está montada, não há quase manutenção.
Fora que o site e as facilidades que a internet proporciona eliminam
uma porção de intermediários. Há basicamente a redação, para se
remunerar - o que é, convenhamos, a parte menos onerosa de uma
revista ou de um jornal. Quanto às receitas, o grosso vem do ecommerce (no entanto, muito longe daquilo que você está imaginando).
Já a publicidade em internet foi praticamente banida - ficando restrita
aos grandes portais (às vezes, nem isso). E a parte de serviços vai
crescendo aos poucos, embora tenha sofrido um baque com a
desaceleração geral da mídia.
CW - O Digestivo Cultural apresenta textos e informação, mas também
bastante e-commerce. Em parte, não seria um Submarino terceirizado?
(ou seja, assumindo funções de que Submarino desistiu, diretamente,
como sua própria revista)
JDB - A pergunta é interessante. Sérgio Buarque de Holanda tentou
introduzir Weber no Brasil, mas tudo indica que não foi feliz. Aqui,
ganhar dinheiro ainda é pecado. Entre a intelectualidade, então, pecado
mortal. Assim, se um "site de cultura" se propõe a faturar alguns
trocados com os produtos que gratuitamente divulga, logo é tachado de
"vendido" ou de "mercenário". O que existe entre o Digestivo Cultural e
o Submarino é uma relação de parceria comum, e nada mais. Acontece
que nos pareceu lógico oferecer a facilidade de se adquirir livros, CDs e
DVDs via internet, através do nosso site, e receber uma comissão por
isso. Os intelectuais brasileiros precisam perder esse preconceito. Quem
sabe abandonando o voto de pobreza e pensando em soluções
comercialmente mais viáveis. Teríamos, inclusive, publicações
financeiramente mais saudáveis.
CW - O que lhe deu maior prazer publicar, lhe provocou maior
satisfação? Do Digestivo atual, o que lhe agrada mais? Fale um pouco
mais sobre a contribuição propriamente cultural do Digestivo, o que ele
acrescenta, além de possibilitar acesso a mais informações via net e,
portanto, dar sua contribuição para a democratização da informação.
JDB - Não vou falar de um texto ou outro, porque cometeria certamente
alguma injustiça com algum colaborador. O que me orgulha mais é
termos construído, a partir do zero, um periódico que hoje é referência
em termos de jornalismo cultural, tanto dentro quanto fora da Internet.
Veja bem: eu sou praticamente um "outsider", não venho de nenhum
jornal, nunca tive ligações na grande imprensa, entrei como novato
nesse negócio. A maioria dos Colunistas também (começaram como
eu). De repente, recebemos elogios do Millôr Fernandes, felicitações do
Mino Carta. Depois uma citação honrosa do Sérgio Augusto, uma
indicação do Ruy Castro. Uma menção do Daniel Piza, uma
consideração do Sérgio Dávila, um voto de confiança do Luís Antônio
Giron. Por fim, as mensagens do Diogo Mainardi, da Ana Maria Bahiana,
o apoio da Sonia Nolasco. Tudo isso não é mera coincidência e eu não
acredito que aconteça por acaso. Em termos de reconhecimento,
ninguém acreditou que chegaríamos tão longe. Nem nós mesmos.
Pessoalmente, acredito que nem ninguém mais chegue. É o tipo de
coisa que não acontece duas vezes.
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revistas em destaque
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el artefacto literario
(suécia)
diálogo entre editores: mónica
saldías & floriano martins
FM - Como situar a atividade cultural de uma uruguaia que vai residir
na Suécia e ali acaba projeto editorial de difusão da literatura iberoamericana?
MS - Mi propia condición de poeta es sin duda y en
primer lugar lo que me lleva a la concreción de un
proyecto editorial como El Artefacto Literario, pero
también sin temor a equivocarme puede decir que
es mi propia situación de distancia geográfica y
psicológica del sitio de mis origenes lo que da, o
busca dar, desde el primer momento un contenido
especial a El Artefacto Literario: la búsqueda de
perspectivas de tiempo y espacio, la
contextualización de calidades literarias
independientemente de la pertenencia a tal o cual
grupo, la apuesta por una trascendencia literaria que no depende de
quién escribe sino de lo que se escribe.
Lo que escribimos es apenas una gota en un inmenso mar, y estoy
convencida de que si pudieramos de verdad comprender esto de
corazón, de una forma totalizadora… si pudieramos comprender cuál es
nuestro lugar en una perspectiva realmente abarcadora de tiempo y
espacio podríamos también ser mejores creadores, sin estar demasiado
ocupados y preocupados por la difusión y promoción de nombres, y más
atentos a la difusión de calidad. Si no hay calidad entonces no hay nada
para difundir. Y si como creadores tenemos la inmensa dicha de
alcanzar una trascendencia literaria de tal envergadura que dentro de
dos mil años las gentes integren nuestros versos en su vida cotidiana
poco importa cuál ha sido nuestro nombre. Son estos al menos algunos
de los ingredientes que impulsan y renuevan El Artefacto Literario,
como proyecto editorial.
FM - E em quais circunstâncias consegues concretizar as bases desse
projeto editorial? Indago como ele se estrutura e quais as tuas
condições de trabalho.
MS - De ninguna forma es posible hablar de una única circunstancia o
de varias circunstancias que se dan en un solo y único momento. Las
circunstancias y las bases que dan nacimiento y van estructurando un
proyecto editorial se van dando de a poco, paso a paso e incluso de
manera intuitiva. En un primer momento y durante algunos meses El
Artefacto Literario fue un espacio que incluía distintos géneros: no solo
poesía sino también prosa y dramaturgia. Poco a poco el proyecto
editorial se fue abriendo, concretando y limitando a la poesía. Así se
han ido construyendo las bases; poco a poco, pero siempre desde la
idea principal: la difusión de literatura de calidad. Y como la gran
mayoría de los proyectos culturales El Artefacto Literario ha sido desde
el comienzo y sigue siendo un proyecto altruista, que permanece y
crece a partir del esfuerzo editorial. Esas son las "condiciones de
trabajo": inversión personal en lo económico y en tiempo de trabajo.
FM - Em que exatamente baseou-se a definição pela poesia, e não pela
prosa ou a dramaturgia?
MS - Creo que es importante apostar por un decantamiento paulatino
de uno de los géneros, aunque por supuesto que en muchos casos es
imposible establecer las fronteras entre uno y otro. No digo que sea
imposible llevar adelante un proyecto de calidad que ampare diferentes
géneros, pero sí creo que es una tarea imposible cuando una
publicación no cuenta con medios ni humanos ni económicos como para
enfocar en varios ámbitos y no correr el riesgo de entrar en un proceso
de pérdida de calidad literaria. Mi tiempo es tremendamente reducido y
en ese sentido creo que lo mejor que puedo hacer como editora es
buscar focalizar, y elegir un campo, en este caso la poesía. Si la revista
tuviera medios económicos entonces también podría contar con
recursos humanos que permitieran una propuesta más amplia. Sin
embargo, este es apenas uno de los aspectos en cuanto a por qué
poesía y no prosa o dramaturgia. Si El Artefacto Literario recibiera en
algún momento apoyo económico de algún tipo tampoco que implicara
la posibilidad de disponer de recursos humanos creo que continuaría
optando por la poesía. Dar un perfil y limitar los campos siempre es
necesario e incluso deseable.
FM - El Artefacto Literario possui algum apoio institucional? Como é
mantido o projeto editorial?
MS - Como mencioné ya en algunas de las preguntas anteriores El
Artefacto Literario no cuenta con ningún apoyo económico. En Suecia
muchas actividades o proyectos culturales reciben -aunque no siempreapoyo de organismos culturales estatales, pero no es así cuando se
trata de medios digitales.
Por otra parte está claro que por definición y por la propia característica
de un medio y otro -digital y de papel-, una propuesta digital implica
costos menores que una publicación de papel. Esta última debe contar
con gastos de impresión, de papel, de encuadernación y ni hablar luego
del costo de distribución y marketing. Los medios digitales ofrecen en
ese sentido una posibilidad muy diferente: los costos se reducen en
comparación enormemente y las posibilidades de difusión se
multiplican. Claro que siempre de todas formas es necesario asumir
costos fijos y en la medida en que la revista va creciendo se necesitan
medios económicos sobre todo para el desarrollo del proyecto editorial.
FM - Há intercâmbios com outras publicações similares? De que
maneira vem sendo feita a difusão de El Artefacto Literario?
MS - La difusión de un medio digital se realiza, en primer lugar, por vía
digital. En este sentido y luego de un año y medio de vida he podido
comprobar como editora que la revista ha hecho caminos impensables y
ha llegado a gran cantidad de lectores. Semanalmente recibo
enormidad de cartas postales y e-mails desde todo el continente
latinoamericano; de países europeos como España, Portugal, Italia,
Suiza, Alemania, Inglaterra, Noruega, Dinamarca y por supuesto
Suecia; de Angola, Mozambique, Sudáfrica. No hay semana que no me
llegue por correo postal algún libro de poesía, y de la misma forma
material por vía digital. Por otra parte, y de manera natural, la
conformación de un consejo editorial ha llevado también a una difusión
importante de la revista. El apoyo que de manera permanente ofrecen a
la revista poetas como José Kozer, Reynaldo Jiménez y Saúl Ibargoyen
Islas es de gran valor para El Artefacto Literario. El aporte que el joven
peruano José Ignacio Padilla también de manera permanente ha dado y
da a la revista ha sido por ejemplo fundamental para la difusión de El
Artefacto Literario en el Perú, entre poetas de calidad de este país y no
menos entre el público lector. De alguna manera todos los miembros
del consejo editorial, cada uno de manera diferente han significado un
apoyo valioso para la continuación y maduración de la revista. Cuando
se trata de publicaciones similares creo que aún estamos en los
comienzos. Creo que un intercambio natural que se ha dado es el apoyo
mutuo entre la revista cultural Agulha, de la cual tú mismo eres editor,
y El Artefacto Literario. Otros intercambios y/o cooperaciones se están
gestando en muchas direcciones, geográficamente en lo interno y hacia
afuera.
FM - Muitos leitores da Agulha indagam quando teremos uma edição
em papel. Confesso que já não tenho essa possibilidade como uma
meta, interessando bem mais a ampliação de circulação no meio digital.
Acaso El Artefacto Literario tem planos para futuras edições impressas?
MS – Creo que en el reclamo de tantos lectores siempre hay un fondo
de sabiduría muy sana, porque es indudable que el medio digital ni ha
sustituido ni sustituirá la magia del papel, así como los mensajes
electrónicos no sustituirán la carta postal ni la tarjeta rústica. Si bien es
imposible saber y predecir qué sucederá en dos mil años, lo cierto es
que a esta altura probablemente el ser humano cuenta, en su relación
con el papel, con una afinidad casi genética. En cuanto a El Artefacto
Literario por el momento no tengo planes de ediciones impresas, pero
tampoco cierro las puertas a esa posibilidad. Creo que especialmente se
trata de problemas de recursos económicos y humanos para que esta
tarea pueda ser posible. De todas formas pienso que ante la posibilidad
de elegir alguna via impresa probablemente lo que más ayudaría a la
poesía de calidad sería la opción por el libro impreso. Esta es una
posibilidad que la revista viene madurando en realidad ya desde los
comienzos, pero para esto es fundamental contar con una
infraestructura mínima y una financiación económica que haga posible
la cobertura de los gastos, cosa que al menos por el momento no
resulta posible.
FM - Como tens sentido a reação dos leitores? Quais os indicativos que
mais se destacam nas inúmeras cartas que certamente deves receber?
MS - Me resulta difícil sintetizar en pocas palabras la reacción de los
lectores, porque en el mar de cartas encuentro cosas muy diferentes.
Desde autores realmente de calidad pero desconocidos o muy poco
conocidos que valoran enormemente la tarea editorial que El Artefacto
Literario ha emprendido hasta autores ya establecidos que luego de
haber visto mucho y tal vez demasiado en esto del quehacer literario,
perciben este proyecto editorial como algo fuera de lo común dado el
abanico de propuestas estéticas diferentes. No pocos lectores se
sorprenden buenamente, por ejemplo, por la sobriedad del diseño
gráfico de la revista, pero en especial se sorprenden de que yo en mi
calidad de poeta no incluya en mi revista una sección mía, con mis
propios poemas; es decir, aplauden y saludan el hecho de que no use
mi proyecto editorial para promover mi propia poesía. Yo siempre
respondo que en realidad no ha sido lo que me ha movido en lo
personal a concretar un proyecto editorial. Y en este sentido vuelvo al
tema que te mencionaba al principio: la perspectiva individual y
colectiva, en tiempo y espacio. Creo que mi mayor preocupación como
poeta y como editora (entre otras cosas) es la de intentar comprender
cuál es nuestro rol como seres humanos y en nuestro quehacer, sea
cual sea, en una perspectiva histórica; aquí, allí, en este tiempo en el
que nos ha tocado vivir. Y estoy convencida de que esa perspectiva, o
al menos el atisbo de esa perspectiva, no es posible de alcanzar desde
los éxitos circunstanciales, o reconocimientos que con la mejor de las
intenciones vienen de voces amigas. Los éxitos o reconocimientos
circunstanciales son por supuesto estímulos humanamente necesarios,
pero en el fondo no son más que espejismos de algo que puede no ser
muy real en una perspectiva de tiempo y espacio. Probablemente allí
nos asiste en especial la pregunta que creo todos deberíamos hacernos
y responder con total sinceridad (al menos ante nosotros mismos): qué
es lo que buscamos con nuestra escritura? Qué buscamos con la
difusión de nuestros versos?
FM - Para encerrar, qual a periodicidade de atualização de El Artefacto
Literario, em que se baseia a definição de pauta da revista e quais
novas perspectivas imaginas para ela neste 2003?
MS - Actualmente y desde ya hace un par de meses El Artefacto
Literario se ha planteado una periodicidad de tres o cuatro números al
año, con ciertas variaciones dependiendo de las posibilidades. En este
sentido creo que hay que ser lo más flexible posible, pero sin despistar
al lector. Un medio como el digital a veces nos propone casi el vértigo
de la frecuencia a extremos algo alarmantes. Es cierto que es necesaria
una dinámica diferente a la que exige una publicación impresa pero
pienso que de ninguna manera la frecuencia ha de estar por delante de
la calidad y del rigor en el trabajo editorial. La periodicidad de tres o
cuatro números al año permite una planificación y una selección más
rigurosas, y una maduración de la idea detrás de cada número que
ayuda enormemente a no perder de vista el objetivo principal. Es en
este contexto y en este ánimo donde se definen las pautas de la revista.
Este seguirá siendo en lo fundamental el camino a recorrer durante el
próximo 2003, y seguramente habrá también buenas sorpresas.
Entrevista realizada em dezembro de 2002.
La revista digital de poesía El Artefacto Literario nace en Suecia en
agosto del 2001, bajo la dirección editorial de Mónica Saldías.
Consejo Editorial: José Kozer, Víctor Sosa, Reynaldo Jiménez, Saúl
Ibargoyen Islas, Floriano Martins, Eduardo Espina, José Ignacio Padilla,
Claudio Daniel.
Dirección electrónica: http://go.to/artefacto
E-mail: [email protected]
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revistas em destaque
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jornal da abca (brasil)
diálogo entre editores: alberto
beuttenmüller & floriano
martins
FM - O Jornal da ABCA inicia atividades em setembro de 2001, após
uma gestão anterior em que a entidade contava com outra publicação,
o Jornal da Crítica. Quais os traços essenciais que distinguem um
periódico do outro?
AB - O primeiro traço foi de divergência editorial.
O Jornal da Crítica não identificava a Associação
Brasileira de Críticos de Arte nem demonstrava
identidade com qualquer tipo de crítica. De quê
crítica se tratava? De música, de teatro, de artes
visuais? Além disso, todo jornalista sabe que há
um formato de jornal que já é clássico. Este foi
outro fator negativo do JC. Pelo formato, o JC era
mais uma news letter ou um boletim do que um
jornal, o JC assumiu o formato desses tipos de
periódicos, com fotos pequenas, pequenas
manchetes e mini-colunas.
FM - Com periodicidade aparentemente semestral, é possível observar,
nos três números até aqui publicados, uma melhor definição editorial,
sobretudo no que diz respeito à presença de matérias e informações,
que extrapolam a órbita enfadonha e viciada dos dois centros
hegemônicos, Rio e São Paulo. Como tem sido possível articular uma
pauta mais abrangente a partir dos diversos segmentos da ABCA em
todo o país?
AB - A periodicidade é fato importante em um jornal de grande
circulação, mas na ABCA temos um jornal de críticos específicos,
voltados para as artes visuais de seus Estados de origem. Temos
críticos espalhados por todo o Brasil, não seria justo privilegiar apenas o
eixo do Sul Maravilha. Temos hoje atividades no Nordeste, como a
Bienal do Ceará, do Museu de Arte Moderna da Bahia, do Instituto
Joaquim Nabuco do Recife, tanto quanto a Bienal do Mercosul, de Porto
Alegre e a Bienal de São Paulo. Como editor, procuro cobrir todas as
regiões. Um jornal deve ser democrático e o Brasil é um país
continental; há enorme dificuldade de saber o que se passa longe do
eixo Rio - São Paulo, que sempre recebeu cobertura total da grande
imprensa. Somos um jornal alternativo em todos os sentidos, um
periódico mais de ensaios que de notícias e de reportagem, mas gosto
de sempre editar entrevistas com personalidades do setor de arte
visual. O Jornal da Crítica privilegiava notas internacionais, o Jornal da
ABCA quer ver o país unido e respeitado como um todo, só depois
olhamos para os fatos internacionais de importância. O editor desenha
o jornal durante meses, a colher aqui e ali os fatos mais relevantes e
variados. Como não é um jornal feito somente por jornalistas, ele tem
mesmo um aspecto incomum, talvez insólito, mas já tem uma
diagramação própria, tem um rosto.
FM - Por outro lado, dada a conexão existente entre ABCA e AICA, de
que maneira a publicação de um jornal que represente a entidade
brasileira tem encontrado chances de um diálogo mais intenso com
seus pares em outros países?
AB - A AICA está dividida. Antes, o presidente ficava em Paris, sede da
entidade; agora a presidência permanece em seu país de origem, ou
pelo menos era assim até bem pouco tempo. Nós temos
correspondentes na França, Itália, Alemanha, atentos aos fatos mais
importantes da Europa. Prefiro um texto vindo de lá a copiar notas de
jornais estrangeiros. Nós da América Latina somos vistos com restrições
pela inteligência européia da mesma forma que pelos Estados Unidos.
Entretanto, elogiaram o jornal. Nós temos de provar que somos
superiores a essas questiúnculas. Por outro lado, eu não elogiaria a
news letter da AICA, falta-lhe um caráter próprio, para dizer o mínimo.
FM - Não me parece que tenhamos que provar nada exceto a nós
mesmos, sendo este um dos dilemas centrais da cultura brasileira: a
baixa auto-estima. Mas como se relaciona então a direção do jornal
com os críticos latino-americanos de uma maneira geral? Há outras
publicações desta natureza na América Latina ou, a exemplo, da AICA,
tudo se resume a mera circulação de news letter?
AB - A América Latina é formada de países que sofrem a História e não
de países que fazem a História. A globalização serviu, pelo menos, para
que isso ficasse claro. Eu criei a Bienal Latino-Americana em 1978, para
unir a AL muito antes do atual Mercosul, mas os doutores da USP Aracy
Amaral e Walter Zanini convidaram os críticos e historiadores da AL
para um conclave cuja decisão já estava tomada, ou seja, acabar com a
Bienal Latino-Americana. Não perceberam que os demais países não
queriam reforçar a liderança do Brasil. A primeira edição tinha caráter
antropológico, daí o tema Mitos e Magia, um dos cernes da Arte na AL.
Era para melhor nos conhecermos e partir para projetos exclusivos e
sair dos vícios da Bienal Internacional, na qual havia uma espécie de
acordo, no qual só os grandes venciam. Para ter-se uma idéia, de 1951
até 1977, ou seja, em 25 anos de existência da Bienal de São Paulo, só
a Argentina ganhou o Grande Prêmio, em 1977, quando eu era curador;
ano em que o Conselho de Arte e Cultura resolveu terminar com os
prêmios, já que não se tratava de atletismo, mas, sim, de cultura. Não
há como discutir um prêmio entre pintura e escultura, são coisas
distintas. Como saber o que é melhor entre vídeo e instalação? Os
críticos da América Latina sobrevivem a duras penas, não recebem os
altos salários dos países que fazem a História. Por isso, o interesse
pessoal é maior do que o interesse cultural. Há muito pouco
intercâmbio entre as Nações da AL. Os críticos da América Espanhola,
quando escrevem livros, deixam o Brasil de fora, porque desconhecem
a arte que se faz aqui. Com tantas bienais no Brasil isso talvez mude.
Nós estamos dando exemplo: a AICA devia ter um jornal e uma revista
on-line, mas não fazem nem um nem outro. A divisão da AICA na AL,
criada há cerca de cinco anos, sumiu como por encanto, sob a
presidência de Horacio Saffons, da Argentina. O nosso representante
nessa Divisão Latino-Americana nem fez um relatório sobre as
atividades dessa entidade fantasmática. Há muito que fazer e poucos
que querem realizar algo nos nossos Tristes Trópicos, como dizia Levy
Strauss.
FM - Como se dá a circulação/distribuição do Jornal da ABCA, nacional e
internacionalmente?
AB - Infelizmente, de forma aleatória. Não há ainda uma distribuição
correta e muita gente, por isso, nem sabe da existência do jornal. A
ABCA tem problemas de verbas e de verbo. Não há dinheiro e somos
poucos colaboradores no jornal.
FM - No editorial do número 3 do Jornal da ABCA mencionas certa
dificuldade no envio de matérias para o fechamento de pauta no sentido
de uma maior abrangência dos críticos vinculados à entidade em todo o
território nacional. A que atribuis essa participação ainda reduzida dos
críticos em todo o país?
AB - Falta de interesse. Quando há interesse na matéria, o texto chega
rápido. Se não há interesse pessoal, jamais virá. Há certo pessimismo
de minha parte, mas é uma avaliação correta. Há associados que
enviam pesquisa em andamento, para mostrar que estão a pesquisar,
assim, recebem créditos junto aos seus amigos. Outros reaproveitam
matérias que já saíram em jornal, não têm amor pela associação.
Nesses casos eu não edito. Vou criar normas de redação e enviar para
todos. A primeira regra é a de que a matéria deve ter interesse
nacional, caso contrário não sai. Aumentou o número de colaboradores.
Os associados estão interessados no Jornal da ABCA porque ele vem
sendo elogiado. Eu agradeço, pois faço tudo sozinho, sem a ajuda de
nenhum associado, apesar de que há uma comissão editorial. Assim é a
América Latina, assim é o Brasil.
FM - Como entendes a importância da Internet na reflexão e difusão de
bens culturais e artísticos? Acaso a ABCA já não começa a ressentir-se
de uma ausência de circulação através da Internet? Há planos para a
criação de um site da entidade? Quais fatores determinam a
inexistência de atuação nesse veículo?
AB - Quando assumi a editoria do jornal, chamei a atenção para este
fato: o jornal escrito depende de uma boa circulação e esta de verba.
Propus, de início, uma revista on-line, pois a circulação já não seria
problema, mas a diretoria, da qual não faço parte, entendeu que não
poderíamos ficar sem o jornal impresso, pois já era uma conquista da
ABCA. Eu insisti que deveríamos, então, fazer ambos. A revista on-line
ainda vai demorar, mas creio que sairá em 2003.
FM - Por último te deixo a tribuna livre, para o comentário de algo que
acaso tenhamos esquecido de abordar.
AB - Gostaria de pedir aos colegas da ABCA cooperação. Sei que fazer
cultura em um país que não se importa com ela, é difícil, mas temos de
acreditar no futuro do país. A ABCA precisa fazer algo pela comunidade,
já que foi esta mesma comunidade que pagou os estudos universitários
da maioria dos associados. Este jornal precisa percorrer escolas,
universidades, museus e bienais. Precisamos crer na ABCA e,
principalmente, em nós próprios.
Entrevista realizada em dezembro de 2002.
O Jornal da ABCA (Associação Brasileira de Críticos de Arte) surge em
São Paulo em setembro de 2001, dirigido pelo crítico Alberto
Beuttenmüller.
E-mail: [email protected]
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revistas em destaque
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o escritor (brasil)
diálogo entre editores: erorci
santana & floriano martins
O poeta e jornalista mineiro Erorci
Santana tem se destacado
sobremaneira pela direção do jornal O
Escritor, da União Brasileira de
Escritores, tarefa que divide com Ieda
Estergilda de Abreu e que requer um
tato especial considerando que as
entidades de classe costumam ser
lugares onde todos se sentem no direito
de reclamar de algo enquanto que
praticamente ninguém se dispõe a ajudar. Erorci tem
publicado alguns livros de poesia, dentre os quais
Carnavras (1986), Concertos para Rancor (1993) e
Maravilta e outros cantares (2002). A seguir, uma
conversa rápida em que nos conta algo a respeito dos
meandros editoriais no tocante ao jornal O Escritor. [F. M.]
FM - Desde quando se publica O Escritor?
ES - O Escritor foi criado em janeiro de 1980, quando o
número zero foi lançado junto com a candidatura do
poeta Péricles Prade à presidência da UBE. A pauta
consistiu em um debate com escritores, do qual
participou Jamil Almansur Haddad.
FM - O que tens acrescentado à pauta essencial do jornal
desde que assumiste a direção?
ES - Assumi a edição do jornal a partir do número 81,
lançado em julho de 1997, após a morte de Henrique L.
Alves, que o editava, com a percepção adequada de
tratar-se de um jornal realizado por uma agremiação de
escritores e que, portanto, mais que estender-se ao que
é universal deveria espelhar o que era doméstico, minha
preucupação inicial foi melhorar a projeto gráfico da
publicação, cuja precariedade era evidente. Num segundo
momento, procurei ampliar o corpo de colaboradores
voluntários, à duras penas, pois a escassez de articulistas
qualificados, que se proponham a trabalhar
graciosamente, é o principal problema a ser resolvido
para que existam publicações literárias no país, pois é
sabido que os cofres estão fechados para o financiamento
do jornalismo cultural. Em data mais recente, em ação
conjunta com o diretor da publicação e presidente da
UBE, o poeta Claudio Willer, logramos a formação de um
Conselho Editorial ativo e a participação da escritora Ieda
Estergilda de Abreu na co-edição. A ampliação do leque
de pessoas envolvidas na discussão e produção do jornal
(ainda que não possamos fazer isso em tempo integral,
pois precisamos lidar com outros ofícios para sobreviver)
viabilizará uma pauta mais consistente.
FM - Há um abismo intrigante entre os associados da UBE
e os colaboradores do jornal. A que atribuis isto?
ES - Reflitamos sobre o gosto amargo de nossa condição.
O exercício da literatura no Brasil é árduo, sem o mínimo
incentivo ou apoio. Quantos escritores potenciais não se
diluem nessa sociedade tecnocrática e retrógada? A
maioria dos escritores (assim chamados porque
comprovaram essa condição com a mínima escrita)
associados à UBE são latentes, embrionários. Ingressam
na entidade em busca de apoio logístico e social. Querem
alguém que leia e comente seus rudimentos literários,
diga-lhes que estão em bom caminho e que não estão
sozinhos nessa tresloucada aventura.
Há os bons escritores nas fileiras da UBE, sim, veteranos
e assentados, gente que poderia, se tivesse boa vontade,
agregar-se à essa plataforma de manobras coletivas em
torno do fenômeno literário, serem transformados em
agentes da difusão e da discussão dessa produção. Mas
escritores, mercê de juízos de valor agregados ao seu
ofício e à sua personalidade é um ser pouco inclinado a
expandir-se à esfera coletiva, romper seu casulo. Viciamse em demarcar posição destacada e individual.
Escritores fingem ouvir escritores, com freqüência fingem
a condição de aprendizes quando são orgulhosos e
arrogantes. De modo que a existência de agremiações de
escritores fundadas na suposta necessidade da defesa de
interesses comuns chega a ser uma traição de intenções
individuais. O escritor vive o dilema entre o individual e o
coletivo, na incerteza que se faz entre a pujança do ser e
a eventual necessidade de alinhamento para sobreviver.
Associa-se às UBEs e dá o assunto por resolvido. São
poucos os que se lançam ao trabalho abnegado pela
classe. Mas a dimensão da luta do escritor no mundo
hoje é pra não morrer à míngua, é a da própria
sobrevivência do prestígio da ficção, garantir o leitor do
futuro num sistema que parece apostar impiedosamente
na imbecilização da espécie.
Respondendo à pergunta, colaboradores graciosos têm
mesmo que ser capturados à laço.
FM - Qual recepção crítica o jornal tem encontrado,
dentro e fora dos muros da entidade?
ES - Melhorou bastante. Os leitores têm elogiado o
conteúdo e a apresentação. E precisamos acreditar e
trabalhar pensando na progressão qualitativa, fugir
sempre do engessamento diversificando os temas e os
membros do corpo de colaboradores.
FM - Considerando a existência de uma grande limitação
de espaço para a manifestação de obra e pensamento do
escritor brasileiro em nossa imprensa, não interessaria a
O Escritor buscar um projeto editorial mais ousado,
através de uma lei de incentivo, algo assim?
ES - Interessa, sim, e é da ordem do dia esse
pensamento. Precisamos trabalhar para que isso
aconteça. Mas um grande jornal de debate da causa do
escritor e da literatura, plural e aberto, deveria vir na
esteira do fortalecimento da representação política da
classe, com a criação de uma federação de escritores,
ampliação de seu poder de intervenção na distribuição
dos recursos, na implantação de projetos nacionais de
incentivo à produção literária e de edição de obras dos
autores brasileiros, de barateamento da produção e
distribuição do livro, de projetos de sedução e formação
de leitores. Lembra-me que a UBE recebeu do INSS um
casarão em comodato na Rua Marquës de Paranaguá,
124, em São Paulo e até agora não conseguiu os
recursos financeiros necessários para promover o
restauro. A maior agremiação de escritores do país
sequer têm uma sede social e isso é no mínimo
deplorável.
Jornal O Escritor. Órgão da UBE - União Brasileira de Escritores.
Editores: Erorci Santana e Ieda Estergilda de Abreu. Rua Barão de
Itapetininga 262 Sala 326 São Paulo SP 01042-447. Acesso eletrônico:
www.ube.org.br. Contato: [email protected].
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revistas em destaque
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fokus in arte (brasil)
diálogo entre editores: andré
lamounier & floriano martins
André Lamounier é músico profissional,
Professor, Arranjador, Produtor Musical,
Compositor de um estilo próprio com
mais de 400 composições, destacando-se
inúmeras peças para piano popular e
clássico, canto popular e lírico, ballets,
oratório e peças sinfônicas. Também
autor de musicais com estilo
“Broadway/Hollywood” e Diretor
Presidente/Fundador da Editora Fokus in
Arte.
FM - Como surge Fokus in Arte e o que
lhe justifica o nome?
AL - Fokus significa enfocar em alemão. “Enfocar a arte” é
a tradução do nome de nossa revista.
A Arte está em toda parte, em tudo que fazemos. Seja no
dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, no cinema, estamos
em constante processo de criação do mundo e de nós
mesmos. Nosso propósito é levar ao leitor esta visão:
Somos protagonistas de nossa história e vivemos
construindo o que amanhã denominarão como Arte.
Partindo do princípio de que os personagens de ontem, que criaram e
recriaram nosso jeito de ver o mundo, de ler, ver as horas; inventaram a
roda, o automóvel, a tecnologia; descobriram a música, a pintura, a dança
e a poesia; desenharam o que viam, descobriram a fotografia; enfim, em
tudo a ARTE estava presente e fora criada pelo homem que foi ontem
igual a mim e a você. Hoje, somos os artistas que estamos inventando e
criando o amanhã. Queremos, através da Revista Fokus in Arte, registrar
estes personagens que estão criando uma nova etapa da História de nossa
Humanidade, ao mesmo tempo, que levar ao leitor a possibilidade dele
entender o que nos cerca e permitir que ele também registre suas
conquistas, seus desejos e suas verdades.
FM - No editorial do segundo número se fala em
“variedade, entretenimento e muita informação” como
uma preocupação básica da revista. Que tratamento é
dado ali ao conceito de “entretenimento” em um projeto
editorial que centra seu foco na arte?
AL - Muito bom! A arte quando é vivida em seu dia-dia,
transparece em tudo que fazemos. Desta forma, o
entretenimento, é focado como uma vertente do “fazer a
arte”. Assim como um trabalho pode ser considerado um
lazer, se este for um projeto de realização e sonho
profissional. Matérias como a que encabeça o segundo
número, “Swing – Uma explosão de Prazer” fazem parte
da editoria de Comportamento. No entanto, podem divertir
além de informar o leitor para que ele compreenda melhor
o mundo atual. Cada ser humano é único, próprio e
individual e percebe o mundo de maneira diferente e
também individual. Aí está a arte. O que para uma pessoa
é informação, para outra pode ser apenas uma leitura de
entretenimento. Porém, dentro deste processo, colocamos
à disposição do leitor um aprendizado lúdico onde a
cultura é propagada e onde a arte passa a ser vista de
maneira natural e instantânea.
FM - Como te parecem que se relacionam hoje no Brasil as
mídias impressa e virtual?
AL - A mídia impressa ao meu ver, ainda tem a
possibilidade de propagar matérias mais longas e prolixas
enquanto as informações dos noticiários virtuais se
restringem a “pílulas” de notícias. Nestas pílulas, o leitor
direciona sua pesquisa numa rede própria de
conhecimento e muitas vezes ele pode até chegar a
informações mais profundas do que aquela encontrada
pronta na mídia impressa. Porém, vivemos em ritmo
alucinado de produção onde o capital é a vedete dos dias
atuais.
Neste processo, o leitor ansioso por dados enxutos, vê na
mídia impressa a idéia pronta e completa enquanto as
pílulas da Internet se tornam superficiais a primeira vista.
Mesmo que superficiais estes dados virtuais podem
atender as necessidades do leitor mais afoito por tempo e
capital e, sem ocasião para continuar sua pesquisa ele
pare nos primeiros informes encontrados no mundo virtual
e dê como finalizada sua rede de sabedoria, embora o
consumo de elementos encontrados não contribua tanto
para seu capital intelectual.
Há assim, dois lados da moeda. De um, a informação mais profunda,
porém, aquele que necessita de maior pesquisa (Internet).De outro, a
mídia Impressa, a ciência completa, entretanto, sem interatividade. Neste
novo mundo que se desenha, as duas mídias, em minha opinião, tem a
somar e subtrair para nossos leitores. Mais uma vez depende de cada ser
humano – próprio, único e individual – escolher que rede (ou redes) de
conhecimento deseja escolher para seu crescimento próprio.
FM - Como vocês têm sentido o retorno do trabalho que
estão realizando?
AL - Ainda é muito cedo, estamos firmando nossa marca
neste diversificado mercado. No entanto, já pudemos
perceber, nestas primeiras edições, que o público está
pronto para coisas novas, feitas com carinho,
independência e preocupada com o aprendizado mais
intelectual, menos consumista. Nossos leitores têm
encontrado um espaço para expor sua visão do mundo,
sua arte, seu jeito de viver, muitas vezes vetado por
publicações que se preocupam apenas por aquilo que
vende, mesmo que não seja interessante para a vida de
quem lê. Desta forma, estamos recebendo e-mails, cartas
e telefonemas de jovens, intelectuais, artistas e
universitários que vêem nosso veículo como um
instrumento vanguardista, uma arma para a formação de
opinião culta, artística e engajada na política do mundo
atual.
FM - Quando fizemos, Adriano Espínola e eu, a revista Xilo
(1999) - impressa e de circulação nacional em bancas
(projeto lamentavelmente abortado em seu número
inaugural por ingerência do grupo empresarial que nos
contratou como editores) - também constatamos, de
imediato, essa expectativa do leitor por um tratamento
não mais viciado em relação a arte e cultura. Sigo
defendendo, desde então, que há que romper essa
barreira do lugar-comum que não é determinada em
isolado pelo mercado, mas sobretudo é fruto de uma
conivência da parte de quem faz cultura neste país. O que
pensas a respeito?
AL - Penso que nosso povo - musical, inteligente, curioso
e essencialmente alegre - está sempre apto a conhecer
tudo que é novo e a descobrir o que aqui se cria. É
obrigação de todos aqueles que possuem algum veículo de
comunicação, criar espaço para a difusão de nossa cultura
tão farta. A liberdade de expressão seja ela através da
música, da dança, das artes plásticas ou da literatura deve
ser respeitada, pois falam diretamente do coração de
quem cria, seu jeito de pensar, de agir e de compor a
Humanidade para aquele que o consome - parte inerente
do dia-a-dia, já que caracteriza aquele que registra em
sua memória a criação e sua evolução. Infelizmente, hoje
em dia a aquisição da arte e sua divulgação estão
acopladas ao consumo exagerado do mundo capitalista
impedindo um olhar para a arte pura e simples. O giro
rápido de capital e a aceleração do ritmo cotidiano fazem
com que muitos veículos de comunicação prefiram a
divulgação do lucro certo e rápido ao invés de propagarem
quem realmente está fazendo história em nossa Cultura e
em nossa Arte.
FM - Gostaria ainda de observar que acho uma grande
lição a que transmites aos intelectuais deste país, que seja
justamente um músico a preocupar-se de maneira tão
substanciosa com a difusão e reflexão em torno de nossa
cultura. Nossos escritores, por exemplo, caíram no ardil da
especialização, de tal forma que hoje podem melhor ser
entendidos como autistas do que como artistas. A Agulha
te recebe, assim, com imenso carinho e respeito. A
palavra final é tua.
AL - Agradeço à Agulha, mas considero vocês,
merecedores de tais elogios. A Agulha sempre foi um
espaço aberto para artistas de diferentes vertentes e
precursor no que tange a liberdade de criação e sua
propagação. Como músico, quero resgatar a beleza da
música pura sem ser nostálgico ou copiar estilos. Afinal,
vivemos em um novo mundo delineado pela tecnologia
avançada, pela Globalização e pelo exaltar da Publicidade.
No entanto, continuamos seres que pensam, que sentem,
que refletem e principalmente que criam... Resgatar a
criação (não me refiro à criatividade, mas a criação como
algo mais profundo) aliada ao desenvolvimento da
atualidade e a liberdade de expressão são, para mim, um
desafio extremamente prazeroso. Em minhas
composições, pretendo resgatar a sensibilidade melódica,
a estrutura complexa dos grandes mestres da Música
Mundial, a Tecnologia de nosso tempo, a Alegria dos
musicais, a naturalidade e a liberdade em encarar o
mundo como ele se desenha para nós e a leitura de nossa
história. Enfim, quero mostrar ao mundo que o ‘hoje’ pode
ser mais culto sem ser chato, pode ser mais sensível sem
ser “piegas”, pode ser complexo, fino e bonito sem ser
caro. Desejo, através da Revista Fokus in Arte propagar
que, assim como eu, muitos artistas, intelectuais e
pessoas comuns anseiam por escrever nossa história e
assinalar para o mundo quem somos - um povo
preocupado com a preservação de nossa obra e com o
ambiente em que vivemos. Um povo que deseja registrar
o jeito com que enfrentamos nossas angústias (naturais
do ser humano), a maneira como avançamos nossas
tecnologias e o modo como buscamos a felicidade para
que futuramente nossos netos possam ter orgulho de seus
antepassados.
Revista Fokus in Arte
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jornal de poesia
triplov
alô música
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revistas em destaque
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storm magazine (portugal)
diálogo entre helena
vasconcelos & maria joão
cantinho
MJC - Quase dois anos após o
aparecimento da Storm Magazine, um
evento cultural bem significativo no
universo virtual português, qual o
balanço que fazes dessa aventura?
Porque sentiste a necessidade de criar
um “espaço” virtual, neste meio em
que o virtual é tão desvalorizado, face
à imprensa?
HV - A Storm Magazine tem bases
totalmente idealistas o que quer dizer
que são, também, em parte, irrealistas.
Mas esse detalhe não me preocupa. Os factos aí estão :
uma publicação que se tem mantido sempre on-line, a
excelência dos textos e das imagens – não posso permitirme ser modesta – os contactos, as amizades, as
cumplicidades que se estabelecem. Pode haver colapsos
nas estradas virtuais, chuvas ácidas de vírus perversos,
muitas horas em frente ao monitor, nenhum provento
material. Mas que diabo! Ter uma revista a funcionar na
Net com muitos milhares de leitores dá muito gozo.
Há vinte anos que escrevo para jornais e revistas. A minha
formação tem-me permitido expressar ideias sobre a
cultura em geral, a literatura e as artes plásticas em
particular. Já escrevi também sobre problemas sociais,
sobre moda, sobre viagens a lugares distantes, sobre
sexo, sobre cidades, sobre a vida, em suma. Tenho tido
sorte. Mas, ao longo destes anos, também percebi que há
muita gente que não tem as mesmas oportunidades que
eu. Viver num local como Lisboa, que é um centro de
cultura, ajuda muito. Mas... e os outros? Os que estão
longe, isolados, os que não têm “contactos”, não vão às
festas do momento, não conhecem esta ou aquela figura
que naturalmente lhes pode “abrir portas”?
Na Storm, as portas estão abertas às pessoas, em todo o
mundo, que queiram participar. Imaginei a Storm assim.
Eu e os meus amigos, em Portugal, no Brasil e no resto do
planeta – sim, temos leitores nos cinco continentes –
podemos, neste espaço virtual, publicar textos, exprimir
opiniões, trocar impressões uns com os outros. Orientamonos pelos nossos gostos e interesses. Faço questão de me
guiar pela ausência de preconceitos e pela busca da
qualidade e de uma espécie de “iluminação” que a cultura
dá de mão beijada, naturalmente. Tudo isto só é possível
em clima de paz e entendimento. Na Net não há fronteiras
físicas nem barreiras discriminatórias. Não creio que haja
maior liberdade do que esta.
Quanto à questão contida na pergunta e relacionada com
a “desvalorização do virtual pela imprensa”, suponho que
essa desvalorização não existe. Qualquer publicação em
suporte tradicional que se preze tem, também, o seu
contraponto virtual. O que quer dizer que sentem a
necessidade de se “virtualizarem”. Tenho uma relação
sentimental, romântica, apaixonada, com os livros, com as
revistas, com os jornais. Ler em suporte papel continua a
ser um prazer absoluto. Mas também acho que se publica
em demasia e que, por contraste, a reflexão e a crítica são
escassas e muito limitadas. Por isso, a Storm publica um
pouco de tudo. Parece-me bem, não achas?
MJC - A imagem da Storm, neste momento em que tu
confessas um dos objectivos fundamentais, é a procura de
uma cultura virada para a comunicação e para essa
“iluminação” que, naturalmente, só pode nascer de uma
visão despreconceituosa da realidade. Onde a cultura
nasce da confluência e do confronto crítico. É essa a visão
que tens da cultura? E parece-te ser essa o exemplo da
cultura portuguesa? Repara que me refiro, não apenas à
arte, mas também à literatura...
HV - Acho que não sei bem o que é a Cultura num sentido
lato, ainda continuo à procura; é uma busca incessante,
como no amor, como na amizade. Só sei que é um
projecto de vida. É o que nos faz sermos únicos porque dá
ímpeto e vigor ao pensamento, despoleta emoções. Acho
que cultura não é sabermos tudo, é procurarmos
compreender. Isto pode parecer pretencioso mas não sei
explicar melhor. A Cultura, como a que tento veicular
através da Storm, não é uma coisa abstracta, é algo que
todos construímos, (ou destruímos) a cada momento.
Quanto ao que chamas cultura portuguesa só sei que o
nosso país está cheio de pessoas extraordinárias em todas
as áreas das artes, da literatura, do pensamento, da
ciência. Temos a vantagem de sermos um país muito
antigo, muito cosmopolita, simultaneamente europeu e
virado para a imensidão do oceano. Só quem não quer é
que não tira partido desses factores. Felizmente vejo cada
vez mais intelectuais, escritores, artistas, cientistas a
pensarem pela sua própria cabeça e a agirem com mais
eficácia, contrariando a tendência para o queixume – que
não é apanágio exclusivo do meio cultural português.
Curiosamente, é nas grandes cidades, onde existem mais
meios, que se concentra um maior número de “vencidos
da cultura”. Tenho muito pouca simpatia por quem
proclama que “tudo é muito difícil”, que este é um “país de
incultos” mas não levanta um dedo para mudar o estado
das coisas.
MJC – A tua experiência e convívio com artistas plásticos
deu-te uma visão, não apenas da literatura, como da
cultura em geral, diferente? O facto de não teres sido
criada em Portugal deu-te uma outra perspectiva e uma
consciencialização da cultura como diversidade? Gostava
que me falasses dessa experiência, da tua infãncia e
adolescência e no modo como isso influiu na tua formação.
Como é que era chegar a Portugal nos teus 18, 20 anos?
HV - Tive a sorte de ter crescido sujeita às boas radiações,
por um lado da Literatura – o meu pai deixava-me (e até
me incentivava a) ler tudo – e , por outro, do efeito
directo de culturas muito diversificadas. Li muito nova
Homero, Platão, Montaigne, sem perceber nada. Mas
alguma coisa ficou. Devorei Conrad, Melville, Dickens,
Faulkner, Kafka, Mann e , naturalmente, Dostoievsky,
Tolstoy. Nunca tive grande inclinação para literatura
infantil e juvenil, embora tivesse passado por um ou dois
anos – quando começei a interessar-me pelas incríveis
mudanças que estavam a acontecer no meu corpo – em
que li coisas mais “leves” (Colette, as irmãs Brontë,
Somerset Maugham) porque não me concentrava nada e
só pensava em namoros e coisas assim. Mas, para além
dos livros e de gostar de desporto (fazia natação de
competição) e de andar à pancada com rapazes vivi em
lugares (na Índia e em África) onde as pessoas me
comunicaram uma cultura oral e visual fortíssima. Por
isso, houve sempre o lado “estudioso” ligado aos livros e
um lado dos “sentidos”, ligado ao mundo e às pessoas que
me rodeavam. Para mim, Portugal não existia, era o lugar
onde viviam umas pessoas muito antigas, os meus avós.
Vinha a Portugal regularmente, nas férias grandes para ir
à praia – horrível, fria, enevoada – e passar uns dias no
campo, por altura das vindimas. Quando fui obrigada a vir
para ficar – para a universidade – passei um tempo
sinistro. Experimentei pela primeira vez o inverno, o olhar
fechado das pessoas, o cinzento chumbo do ambiente. E é
preciso não esquecer que eu entrei para a Faculdade ainda
com 16 anos. E vim sózinha, de África. Parecia-me que,
aqui, não havia nada que me interessasse. É claro que me
meti em todas as revoluções que me passaram diante do
nariz: a estudantil (muito animada), a sexual (muito
excitante), a política (muito empolgante); a social (muito
frustrante), a cultural (muito diversificada). Não perdia
sessões de cine-clubes, o cinema era o grande veículo de
conhecimento e de conscencialização, antes de 1974.
Portugal era um país absolutamente chato com meia dúzia
de pessoas geniais. Eu fui à procura delas e deixei-me
ficar, a observar.
Quanto ao meu contacto com as artes plásticas foi
posterior quando conheci o Julião (exactamente em 1974)
e fui viver com ele. Mas, entretanto, já tinha corrido a
Europa à boleia, só para ver Museus.
MJC – Não metas já o Julião, porque quero pegar nessas
vivências e explorarmos/avaliarmos o peso da revolução.
Conta-me como influiu toda essa loucura, essas revoluções
várias, ao nível da tua formação. Sentes que elas te
marcaram definitivamente? Como? Que cicatrizes deixou
essa época na tua geração?
HV - Sex, drugs and rock n’ roll. Foi tudo muito e MUITO
bom. Agora, que já se passaram uns anos, vejo tudo isso
como um tempo muito breve, muito “explosivo” cujos
estilhaços ainda conservo no meu corpo como pedaços de
cristal ou luzes fosforecentes. Mas não me parece que
tenha sido “loucura”. Louca da vida fico eu, agora, quando
vejo muita gente a andar de um lado para o outro sem
paixões, sem experiências, sem desejos intensos. Fico
sempre espantada quando deparo com pessoas
inteligentes a “guardarem-se”, a retrairem-se para não
correrem o perigo de estarem vivas. Não vá o Diabo tecêlas... Fico abismada quando percebo que essas mesmas
pessoas boas e inteligentes acham que podem evitar o
sofrimento e atravessar este mundo sem um arranhão,
agarradas aos seus carros, às suas casas, aos seus “bens”.
É claro que tudo isso é muito bom, eu também gosto e
defendo acerrimamente o direito à felicidade. Mas creio
que não me estou a contradizer.É interessante passar por
revoluções, correr perigos, sofrer, ser-se deixada por
amantes, ver ideais desfeitos, ser-se traída e poder
sobreviver para o contar. Ah! E fazer revistas de cultura
na internet onde, curiosamente, encontro pessoas e não
avatares de catálogo de jogos de computador.
MJC - Achas que essas vivências deram mais
responsabilidade aos intelectuais e artistas da época?
HV - Não sei. Terás de perguntar aos intelectuais e aos
artistas. Não sou nem uma coisa, nem outra.
MJC - Depois começou a tua relação com o meio artístico.
Qual foi a tua formação nesse campo e como foi a tua
experiência de crítica de arte?
HV - A minha relação com o meio artístico, como dizes não
teve um começo. Sempre tive esse fascínio por aquilo que
sai das mãos das pessoas como se viesse directamente de
um lugar qualquer, misterioso e fantástico. Em criança, o
meu pai mostrava-me as imagens dos grandes artistas em
livros sumptuosos e à noite, quando fugia do meu quarto
para me juntar a quem vivia nos anexos – os “criados” –
observava o que eles faziam num pedaço de madeira com
um canivete ou os “brinquedos” que construíam e me
ofereciam a partir de um cordel, de um trapo, de um fio
eléctrico – pássaros, bicicletas, pessoas, barcos, formas
abstractas - e sentia a mesma emoção. Eu nunca soube
fazer nada assim.
Mais tarde, na faculdade, a Literatura não era suficiente.
Quando passei a ver obras de arte “ao vivo” e não em
reproduções, tive um choque. Tive ataques de choro e
riso, tremuras incontroláveis e paralisias que duravam
eternidades perante coisas que vi. Ainda hoje sou assim:
não consigo controlar esta reacção absolutamente
romântica e nada “fashionable”. E li sobre o Pater, o
Ruskin, o Berenson – é claro que não tinha as obras deles,
as propriamente ditas – mas arranjei o Gombrich que me
ensinou muito, embora a sua “História de Arte” tivesse
parado muito atrás, no tempo. (Curiosamente, estou
agora a ler o livro dele sobre “Primitive Art”, que é
bastante interessante).E, é claro, havia o Herbert Read e
o seu “The Meaning of Art” que me parecia tão “moderno”!
E depois, encontrei o Julião e tudo deu uma reviravolta
estonteante...
MJC - Paixão e conhecimento, tudo em simultâneo?
Foram anos intensos, esses que viveste? Talvez seja bom
lembrar a “revolução artística” que irrompeu nesses anos
em Portugal, ainda fresquinho da revolução?
HV - Sabes, acho que as revoluções são “feitas” por
pessoas com motivos muito práticos – ter o que comer,
receber melhores salários, fazer pagar caro aos que
usaram o poder de forma abusiva – e são “seguidas” por
pessoas cujo motivo principal é o sexo. Não há nada mais
sexy do que uma revolução. Imagina o que é isso
acontecer quando se tem vinte anos, como era o meu caso
e o do Julião! Imagina o que é duas pessoas encontraremse num momento daqueles em que tudo palpitava e
estava vivo e descobrirem que tinham os mesmos
interesses, as mesmas paixões! É claro que, como nós
havia muitas outras pessoas, mais velhas – mais receosas ou mais novas – “mais inconscientes”. É natural que, logo
após o Abril de 1974 se tenham criado imediatamente
movimentos e correntes, umas mais conservadoras,
outras totalmente vanguardistas. Quanto a nós, não
estávamos preocupados com etiquetas, como deves
calcular. Conto isto muita vezes mas não me posso
esquecer: conheci o Julião porque o meu namorado da
altura me disse que mo ía apresentar – eram (são) muito
amigos – acrescentando que eu de certeza ía ficar melhor
com o Julião “porque eu era maluca demais para ele” ( o
meu namorado que deixou rapidamente de o ser). É
evidente que este termo “maluca” era um elogio e até
hoje o sinto como tal. E ser-se doida era fazer o que eu e
o Julião fazíamos: amar intensamente. Sabes, ele é que
me ensinou a olhar a arte. Eu estava cheia de Literatura
até aos ossos. O Julião agarrava em mim e levava-me
para a zona do porto e ficávamos horas a olhar para os
guindastes e principalmente para aqueles contentores
enormes a brilharem como prata com aquele canelado
regular, macio, despojado e imponente. E ele dizia-me.
“isto é tão bom como um Donald Judd, um Walter de
Maria, um Richard Serra!” E eu ficava com cara de parva:
“Espera aí, e os Tiepolo, os MichelAngelo, os Rembrant, os
Goya, os Grecco, os Breughel?”.E ele ria-se e dizia, “Pois,
isso já está tudo feito. E agora?”
Por isso, convíviamos todos em alegre fricção, os que
guardavam a reverência ao passado e os que sabiam que
ele, o passado, existia mas... já estavam noutra.
Procurávamos o que mais nos interessava, o que nos
arrebatava, onde quer que estivesse. Viajávamos, líamos,
íamos a exposições, passávamos noites inteiras a discutir
com os amigos. Não havia barreiras, íamos ao encontro de
quem quisessemos. Ainda conheci o Almada (Negreiros)
um velhinho mirrado e havia o “guru” que era o Ernesto
de Sousa, um verdadeiro revolucionário, uma figura
romântica que nos falava de “body –art”, “land-art” , “mailart”. Mas devo dizer que o Julião e o Fernando (Calhau)
eram uma espécie de discípulos que nenhum mestre quer.
Aprendiam demasiado depressa, sempre muito à frente
dos acontecimentos. Já estavam, cada um à sua maneira,
a anos-luz de tudo o resto.
Acho que não tinhamos medo de nada.
MJC – Parece-me que essa última frase te revela...Tu
permaneceste uma aventureira. Porque não seguiste uma
cómoda, embora laboriosa, vida académica, já que te
interessava tanto a arte e a literatura?
HV - A via académica nunca me seduziu, embora essa seja
uma opção para muitas pessoas cujo trabalho valorizo
grandemente. Para mim não dava, nunca deu. Talvez seja
uma falha, no meu carácter, esta maneira de ter de estar
absorvida, “arrebatada” por tudo aquilo que me proponho
fazer. De contrário, mal entro na rotina – uma imagem
que eu sempre associei à vida académica – sinto-me a
morrer. Não estou para aqui a dizer que sou capaz de
levar uma existência sempre ultra excitante mas pelo
menos, evito a passividade e o conformismo. Sempre que
posso. É a minha disciplina.
Talvez seja interessante recordar que com o 25 de Abril de
74, deu-se em Portugal um fenómeno semelhante, talvez,
ao que está a acontecer agora no Brasil. Isto é, artistas e
intelectuais que eram vistos como “outcasts” pelo regime
anterior, foram chamados para ocupar cargos públicos e
para intervir política e socialmente. Creio que essa é que
foi a verdadeira revolução. Subitamente, tinhamos os
Gilberto Gil de Portugal com poder para mudar o estado de
coisas. E foi o que fizeram, uns melhor e outros pior. Mas
creio que o balanço possível, hoje em dia, é muitíssimo
positivo. É um pormenor muito esquecido ou até mesmo
ignorado. O Julião, por exemplo, foi para a Secretaria de
Estado da Cultura e durante o pouco tempo que lá esteve
– largou o cargo, alguns anos mais tarde, para se dedicar
só à arte – organizou eventos extraordinários e trouxe a
Portugal gente que nem sabia onde o nosso país ficava, no
mapa. Ele tinha os conhecimentos e o instinto natural para
saber quem era quem e o que era preciso fazer para dar
um murro certeiro na estagnação em que viveramos.
Acompanhei todo esse processo e participei activa e
directamente – com muitas outras pessoas,
evidentemente – em acontecimentos que marcaram a
história artística de Portugal, como, por exemplo, a
Alternativa Zero do Ernesto de Sousa, as Bienais de
Desenho e, mais tarde o Depois do Modernismo, com o
Luis Serpa.
MJC – E houve também essa abertura fantástica para a
introdução da arte pós-moderna, que essa geração
protagonizou, talvez entre todas a mais eufórica aventura.
Achas que a mentalidade dessa época mudou realmente,
relativamente à arte e à cultura? Lembro-me da euforia
que causaram um Lyotard, um Gianni Vattimo, trazidos a
Portugal e que enchiam as salas dos auditórios...
HV - Creio não ser capaz de estar à altura para dar uma
visão tão panorâmica como desejas. Só gostava de
lembrar que a segunda metade dos anos setenta passouse em tempo de “arte conceptual” que deve ter sido o
tempo mais romântico da história da arte. Tudo porque o
que contava era a ideia, a emoção criada. As “peças” eram
todas efémeras, destrutíveis, lixo. As referências eram
evidentemente o Joseph Beuys – com a sua história de
piloto de guerra abatido e salvo da morte por ter sido
recolhido e envolto em gordura e peles), Duchamp, como
santo patrono. (O “Urinol” – é uma peça tão poética e
sensual!) Mas imagina que havia um qualquer cataclismo e
se perdiam os museus, os livros de História de Arte, as
referências “intelectuais”. O urinol, os trenós do Beuys
acabariam, provavelmentem numa lixeira. Este conceito
de morte imediata da obra de arte será talvez a derradeira
tentativa de contrariar a ideia que o artista tem da
permanência , da imortalidade. Claro que houve peças de
arte conceptual que ainda permanecem e permanecerão. E
o mais curioso é que nos ferozes economicistas anos
oitenta, estes artistas são absorvidos pelo sistema – a
“arte povera” passa a ser arte rica – e acaba-se a
inocência. E, é claro, houve o famoso “regresso à pintura”.
Ao fim e ao cabo os museus e os coleccionadores estavam
a ficar fartos de ter objectos que estavam a perder o
brilho, a atravancarem as salas...
MJC - Mais tarde houve a tua entrada no meio literário,
com o livro de contos Não há horas para nada. Como foi
essa primeira experiência, a tua recepção?
HV - Não foi uma “entrada no meio literário” nem nunca
pensei nisso. Sempre escrevi, o livro foi um acidente de
percurso e não teve sucesso algum. Certamente não me
forneceu qualquer passaporte para a “cena literária” que
não estava interessada em mim. E eu nem sabia bem o
que era essa “irmandade” restrita. Eu costumo dizer que
falhei completamente com o meu livro: os contos eram
suposto ser, por um lado, uma crítica divertida a certos
tiques da sociedade de então e, ao mesmo tempo, uma
tentativa séria de eu “treinar” uma determinada forma
narrativa. Pois bem: os críticos riram-se do meu esforço e
não acharam graça nenhuma ao que eu achava cómico.
Não sei bem porquê!!! É verdade que eu passava a vida a
viajar – trabalhava nos aviões – e, quando não estava a
trabalhar, estava na mesma a apanhar aviões para ir a
festas, a jantares, a inaugurações nos quatro cantos do
mundo. Em minha casa também havia sempre gente,
passavam-se semanas, meses, em que havia pelo menos
uma dúzia de pessoas para jantar. Era muito divertido,
muito louco, muito estimulante, muito cansativo. Eu
escrevia nos intervalos, a correr, em pedaços de papel dos
museus e dos hotéis. Só me lembrava do Raymond Carver
– passe a comparação – que nunca escreveu um romance
porque nunca teve tempo, tinha de escrever nos intervalos
do trabalho. Coitado, morreu quando ficou famoso. Eu
nunca fiquei famosa e ainda cá estou... por enquanto.
Nessa altura não conhecia escritores e os que conhecia
não me interessavam, à parte o (António) Lobo Antunes.
O problema não era dos escritores, era meu. Fui criada e
educada no universo da literatura anglo-saxónica. A
literatura portuguesa, muito influenciada pela francesa,
não conseguia prender a minha atenção. Achava tudo
muito centrado no umbigo de cada um, muito discursivo,
muito misógino, muito preconceituoso, muito circunscrito,
muito fechado, muito bairrista. Claro que, no que diz
respeito aos franceses, havia a Duras – que eu devorava –
e, noutra área, o Roland Barthes, o Philippe Sollers, o
Michel Foucault, cuja “Histoire de la folie à l’âge classique”
me interessou muitíssimo. Mas eram leituras
complementares, importantes, sim, mas não definitivas.
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revistas em destaque
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punto seguido (colombia):
depoimento de oscar jairo
gonzález
Punto Seguido se inicia en 1979, cuando
concurren en una misma obsesión y en un
mismo sentido, en la ciudad de Medellín -que
llamamos Med-yin- los poetas John Sosa, Luis
Fernando Cuartas y Jesús Rubén Pasos. Toda
su visión se relaciona -cantidad relacionable,
como la llama Lezama Lima- y se hace desde
una mezcla de las lecturas que ellos hacen de
Rimbaud, Lautreámont, Baudelaire, Vallejo,
Huidobro, Genet, Gaitán Durán, Trakl, Celan;
con lo que ellos conciben y realizan como una
forma de hacer la revolución, de crear y causar
en el mundo las formas nuevas y los nuevos
ideales, por la vía entonces del sueño, lo inconsciente, lo real, lo ideal, la
rebeldía y la irreverencia. Es pues, todo esto una mezcla escandalosa y
crítica sobre el mundo, sobre nuestra realidad y sobre lo que se hace en
la ciudad. Intentos y tentativas de dar a “conocer” lo que se estaba
haciendo aquí, sin mediaciones de nada y sin apoyo de nadie, que hoy
todavía se mantiene intacto para con ello mantener siempre una postura
crítica y sin adhesiones inconedicionales a nada.
El principio y el hilo conductor entonces es el de la libertad, de lo que
Stefan Baciu, llamaba lúcidamente: “Palabras en libertad”. Entonces
desde allí, la revista ha sido y será, sin duda, un medio de catharsis, de
exploración y de aventura contra todo lo establecido y contra la
impostura y la imposición de estilos y estéticas literarias academicisitas,
retóricas, realistas y anacrónicas. Formas nuevas para mundos nuevos,
por lo cual se práctica de manera totalitaria, si así podemos hablar, aquel
principio baudelairiano: “Id al fondo de lo desconocido, para hallar lo
nuevo”.
En ese sentido y en esa perspectiva una de las inquietudes principales
que se intentan resolver aquí, es también la manera de hallar y halonar
hilos conductores de nuestra tradición americana, de instalarnos en una
“historia de la sensibilidad”, para decirlo con Raymond Klibansky, y esta
no podría hacerse sino no sabemos lo que hacemos. Entonces ella misma
ha creado esos hilos de comunicación, que son más que nada de nuestra
comunidad americana. Y por eso mismo entonces, no solamente da a
conocer lo que se hace aquí en la ciudad, sino también lo que se hace en
nuestra América y en el mundo, mucho antes de que se hablara de la
Globalización y de otras mentiras, como la de “ciudadanos del mundo”, o
cosas así.
De allí pues, que aquí se han hecho visibles poetas y escritores de todo el
mundo, se ha dado cabida a movimientos insólitos, se ha escuchado la
otra voz, la de los outsider, de los “anónimos”, de los nuevos, de los que
no pueden ser escuchados. O sea, que se propuso en su principio ser
Internacional, cosa que hasta el momento se ha realizado y se ha
concretado maravillosamente. Desde Suecia hasta Canadá, de Rumania
hasta Francia, de Estados Unidos -el nuestro- hasta Chile, de México
hasta Panamá, se ha construido una “red” de relaciones que le han dado
una forma y una estructura muy concreta a la revista.
Lo que se ha hecho también desde la contradicción y como
contradictores, y lo que se ha hecho con poetas de todo el mundo y con
movimientos poéticos que han alcanzado también la proyección del sol de
su trayecto, de su, para decirlo con Paul Eluard: “andadura poética”.
Movimientos y poetas libertarios y libertinos: Pizarnik, Orozco, Eunice
Odio, Breton, Enrique Molina, Pelleqrini, Ceselli, Reznicek, Aquirre, Gilbert
Lecomte, René Daumal, César Moro, Emilio Adolfo Westphalen, Díaz
Casanueva, Goméz-Correa, Cáceres, Braulio Arenas y así. Entonces, es
demostrativo que ese trayecto se ha hecho en la tensión del temblor que
proporciona y provoca el encuentro con lo desconocido, en nuestro
bosque de símbolos. Lo simbólico y lo real se han hallado siempre en
tensión, esa es nuestra temperatura y nuestro temperamento. Y no
solamente se han incluido poetas, sino también músicos -Caqe, Hendrix,
Morrison, Joplin, Satie- y lo mismo el teatro, y en el mismo orden de lo
sensible y lo místico, lo hermético y lo surreal y nuestro sentido de la
justicia y de la protesta contra la mediocridad y las masacres, porque la
condenación, la censura y la muerte se hallan aquí, se hablan en ella.
También habla de la desaparición, el exilio, el extermino y la exclusión,
porque siempre ha sido este también un hilo que nos tensiona y nos
reclama.
O sea, hay en ella invocación y reclamo, la invocación a los dioses de
nuestra tradición y a nuestros dioses -La Diosa Blanca, Robert Graves- y
el reclamo a los hombres. Hay que reclamar y protestar ante los hombres
e invocar a los dioses. De esa manera podemos decir, que la revista
desde su principio y en sus principios ha mantenido contra cualquier
intromisión, condicionamiento y coherción sea la que sea, proviniere de
donde provienere, una total libertad para hacerse con lo que ha querido y
con los ha querido, o sea, aquellos que hablan del sentido de su
búsqueda y de su experiencia, por eso es muy ecléctica y muy
heterodoxa. Ni expresionismo, ni surrealismo, ni dadaísmo, ni nadaísmo,
ni estridentismo, sino que por medio de ella se exploran y se explotan,
hacen para decirlo de otra manera, explosión e implosión estéticas muy
diversas y muy diferentes, que como por azar y causalidad van
encontrando su similitud, su semejanza en el poder incantatorio de la
imaqen, de la imaqinación. El poder, es el poder de la imaqinación y la
experiencia real es la experiencia de la videncia, de lo visionario, como lo
llama Rosamel del Valle. Todo es pues, un comienzo, todo se halla
siempre en el comienzo.
Lo que continúo.
Tras esta momento inicial, de mezcla del ideal-real poético y del idealreal de la rebeldía, que se lee en los números iniciales de la revista,
comienzan a participar a intervenir: Raúl Henao, Carlos Bedoya, Oscar
González y Wilson Franck. Y nos reunímos desde 1986, todos los Lunes a
las 7 de la noche, en el bar de Don Lao, a hablar de los proyectos y de la
forma que llevará un próximo número. Es en ese bar donde la soñamos,
la construimos y la hacemos. Queremos decir, la revista siempre se esta
haciendo en cada uno de nosotros, ella se forma en cada uno y eso es lo
que te hace hablar y decir hacia donde queremos ir y con quienes
queremos hacerlo. Ello provoca y suscita controversia, contradicciones y
hasta imposiciones, pero se obedece cuando se ha alcanzando el
consenso, si podemos llamarlo así. Yo diría más bien: cuando la
contradicción se hace más tensamente irresoluble e irrenconciliable.
Mientras esto ocurría yo estaba haciendo una revista que llamé “cantidad
hechizada”, de la cual entre 1986 y 1989 hice solamente tres números,
dadas las condiciones económicas y los problemas que en ese orden se
dieron, lo cual obstaculizaron el poder continuar haciéndola y
construyéndola. Quería hacer una revista más universal, con más
elementos heterodoxos y eso fue importante, al menos así lo dicen aquí,
a los pocos que escucho. Ahí me le medí a una cosa totalmente rara y
extraña, una combinación, un intento de ars combinandi -Raimundo Lulioentre lo Uno y lo Otro, Oriente y Occidente. Y lo mismo lo que el medio
académico de la ciudad daba y hacía, no porque yo lo fuera y que nunca
lo he sido, no obstante lo esté en este momento de la vida -¿y de la
muerte?-; entonces hubo, para mayor herejía, profesores de filosofía que no lo eran a la manera clásica y formal-, y eso hizo mayor
concrección del intento de abordarlos en otra dimensión y en otras
posturas, en los intersticios como los llamaba Ernst Bloch. Era buscar en
ellos tesis que nos interesaban sobre Beckett, Artaud, Kafka, Dostoiveski,
Kleist, etc. Después te hablaré un poco más de eso, porque lo que nos
interesa es Punto Seguido.
De la misma manera, ya se publicaba Prometeo, más hacia la tendencia
de izquierda, pero que son promovidos a través de un libro que hizo y
determino en su totalidad el poeta Juan Manuel Roca y se título:
Disidencia del Limbo. Todos estos poetas, excluyendo a Eduardo Pelaéz,
Carlos Bedoya continuaron en lo que hoy es Prometeo. Ya también con
las disidencias de Caro y otros, que proyectaron de otra manera: Tras la
sombra y no tras la boca del hambre y la necesidad, como lo han hecho
otros, de los que después hablaremos, que han equivocado -¿o no? la vía
que habían iniciado y de la que hablaban con incandescente intolerancia
y con quemante verdad. La necesidad económica y el deseo del nombre o
del éxito les han hecho cambiar de decisión y de destino. Uno no tiene
sino que hacer su destino, que en esencia, lo que Heinrich von Kleist,
fundía hermosamente con el carácter. Destino y carácter. Eso es otro
tema, porque yo no “historiador” de nada y menos de la azarosa vida y
muerte de mis contemporáneos. “Los contemporáneos” son mexicanos.
Desde allí se constituyó pues, como un nuevo momento de la revista, en
donde la visión se extendió y se dimensiono, ya no era tanto la rebeldía,
la cantidad de irreverencia que se necesitaba y se requería, sino más
bien una tensión medida y contenida de lo que se quería hacer. Entonces
se llevo a cabo, con muchas contradicciones y muchas disidencias
momentáneas, la realización de otros números, lo cual ocurre hacia
mediados de 1998. Allí se involucran entonces con mayor visión pintores
y fotográfos -Serqio González, Yamile Bedoya, Tony Pusey, Jorqe
Camacho, Paul Delvaux y Juan Fernando Ospina, por no mencionarlos
sino a ellos, que se van a relacionar con los “collages” que para entonces
solo hacia y maravillosamente Luis Fernando Cuartas. Todo esto cambió
y se llevó entonces el hilo sin Ariadna, hacia otro momentum que
fortaleció lo que se llevaba hasta allí. -En este momento me acaba de
llamar Luis Fernando y le he dicho que te hable un poco también él sobre
esto. Es el azar objetivo, son las 9 y20 de la mañana: unas pocas
tórtolas, una piscina, unos árboles, un poco de frío constituyen mi
porción de paisaje: el sucederse o la vida. Recuerda el ensayo que hiciste
sobre Enrique Molina, en ese devenir de este otro momentum, o instante
de revelación.
Eso es lo que ha movido la revista hasta aquí. Lo tenemos hoy, ya con
otro momentum que es el de la intervención de Gabriel Jaime Caro y
Eduardo Pelaéz, que se involucraron hacia 1976 en una experiencia
también maravillosa que se llamo Siglótica, y que Caro continúo en
Nueva York, cuando se instalo allí y que se llamo Realidad aparte, donde
tú has participado. Ese nuevo momentum, ha comenzado ahora con el
número 42, que próximamente tendrás. Observa como se dan las cosas,
los que una vez no estuvieron y no pudieron estar en la comunidad y los
que después de hacer sus propios viajes, viajeros de su sombra para
decirlo al hilo de Nietzsche, de nuevo retornan al principio, lo cual indica
que nunca abandonaron y huyeron de la verdad y de la esencia de su
experiencia poética. La poesía es lo que es esencial y lo que importa, lo
demás, son, sin duda los poetas.
Punto Seguido, ha sido pues una experiencia y una búsqueda entre la
realidad y la irrealidad, el sueño y la visión, la revolución y la rebeldía,
contra el arribismo y la mediocridad, contra toda adhesión y adherencia,
contra el formalismo y la vacuidad de la retórica. Esa ha sido su prueba y
su condena, pero de la misma manera su liberación y su libertad.No ha
cedido nunca a la extorsión ni a la mediocridad de nuestro medio.
Punto Seguido
Diretores: John Sosa D., Luis Fernando Cuartas,
Carlos Bedoya, Óscar González
Apartado Aereo 11059 - Medellín - Colombia
1.000 exemplares, formato carta, 32 páginas,
periodicidade bimestral
.
jornal de poesia
triplov
alô música
.
revistas em destaque
..
babel (brasil)
diálogo entre editores: ademir
demarchi & claudio willer
CW - Conte algo sobre suas origens e procedência,
inclusive sobre sua vida itinerante, de múltiplas
residências e procedências. Apresente-se. Já havia feito
periodismo literário antes de Babel?
AD - Nasci em Maringá, no norte do
Paraná, cidade relativamente nova pois
tem apenas 56 anos de fundação –
quase nasci com ela pois estou com 43
anos. Maringá foi criada de forma
planejada a partir de loteamento feito
por ingleses e julgo ser sua
característica principal a belíssima
arborização que chega a fazer túneis
verdes em várias ruas ou nas amplas
avenidas tomadas por ipês roxos e
amarelos e sibipirunas, entre outras espécies. E há
também uma catedral de 125 metros de altura, cônica,
inspirada no Sputnik pelo bispo que a construiu, um
símbolo fálico do poderio econômico daquela região de
muita gente rude, inculta e gananciosa que, por isso,
muito odiei. Vivi lá 25 anos, até me formar em
letras/francês na universidade estadual local, que era paga
– eu trabalhava durante o dia e estudava à noite indo de
bicicleta dum lado pro outro. Foi um tempo muito
interessante de formação sentimental, política e cultural.
Iniciei na militância cultural fazendo cineclubismo, levando
à frente um movimento iniciado por ex-militantes da
esquerda, do PCBR, que caíram, alguns torturados e que
encontravam nisso uma forma de resistência mantendo o
silêncio quanto à política. Mas não durou muito isso pois
naquele momento a militânica política era mais atraente.
Sendo assim logo entrei para uma célula de uma
organização trotskista, a OSI - Organização Socialista
Internacionalista, mais conhecida por sua tendência
estudantil, a Libelu, iniciada em Maringá pelo esforço do
Luis Gushiken, atual ministro de Lula, que tinha lá um
trabalho a ser feito por causa de um incipiente movimento
sindical bancário de oposição. Fundamos o PT lá ao mesmo
tempo em que começava a ser discutido no ABC e o
legalizamos andando de porta em porta nos fins de
semana, almoçando pão com mortadela e tubaína para
fazer as filiações que o governo dos militares exigia como
dificuldade para a criação do que então se acreditava ser
um partido operário. Cheguei a ser candidato a deputado
estadual nas eleições de 1982, cumprindo outra exigência
para sua implantação. A candidatura era formal pois o que
nos interessava era garantir o registro partidário e ganhar
os diretórios estudantis da universidade, com aquelas
chapas hoje impensáveis, como Solidariedade ou Outras
Palavras – para marcar diferença com os estalinistas dos
dois PCs. Esse movimento redundou em invasões de
restaurante e reitoria e em queima de carnês, que levaram
a uma conquista importante no Paraná: hoje as
universidades estaduais são gratuitas e há uma
alternância no poder – aqueles que se formaram nessa
experiência hoje governam a cidade pela primeira vez pelo
PT. Mas em 1985 me cansei da militância política e
considerei esgotada por toda a vida a quota de tempo
gasto em reuniões e fui-me embora da cidade. Morei um
ano em Curitiba com a poupança que fizera em Maringá
trabalhando seis anos em um escritório de contabilidade,
onde era responsável pelo setor de pessoal de umas cem
microempresas, e em outro de engenharia. Em Curitiba
fiquei vagabundeando e vendo 3 filmes por dia nos
espaços da Fundação Cutural e da Cinemateca. Cheguei a
publicar com uma turma de alunos da Filosofia da
Universidade Federal um jornalzinho escrachado, o
Bundão, em que ironizávamos a mediocridade cultural de
Curitiba e aquele cenário fake nacional em que se chorava
a morte do Tancredo Neves. Fiquei nessa vida até arrumar
emprego em Florianópolis, onde fui dirigir o setor de
revisão do já finado O Estado, por 2 anos e meio,
levemente interrompido para fazer uma viagem à Líbia,
ainda por conta da ex-militância política – foi um passeio
interessante ver os restos de fuselagem das bombas que
Reagan jogou sobre a casa de Kadafi, sobre sua cama
redonda que nos lembrava as de motel, o ódio que os
muçulmanos já cultivavam aos norte-americanos desde
criancinha, tal como vimos nas escolas com estudantes
que mal sabiam escrever gritando palavras de ordem de
ódio a Reagan; lá, olhando para o Mediterrâneo com um
espanto admirado, de onde vinha um vento que sibilava
pelas frestas do Hotel Bab El Bahar, passei o natal e o ano
novo mais esquisito da minha vida. Em Floripa ainda fiz
mestrado em literatura brasileira na UFSC estudando
periódicos literários e depois vim morar em Santos-SP,
seguindo minha mulher que veio trabalhar na prefeitura
local. Tivemos um filho e concorri num concurso público a
uma única e disputada vaga para a função de Redator na
Câmara Municipal de São Vicente e passei, sendo desse
trabalho que ganho a vida há mais de uma década.
Durante esse tempo fiz doutorado em literatura brasileira
na USP e experimentei dar aulas para ver se me afinava
com essa atividade. Logo desisti diante da inviabilidade de
ter dois desgastantes empregos e um projeto como o da
Babel se iniciando e exigindo cada vez mais tempo.
CW - Como é que surgiu a idéia de fazer Babel? Você já
tinha essa intenção, de fazer uma revista, faz tempo, ou
foi algo que aconteceu assim de repente num estalo em
um ímpeto de inspiração?
AD - A militância cultural de certa forma sempre esteve
presente em minha vida, do cineclubismo à publicação de
folhetos de poesia ou jornais estudantis, mas nada tão
expressivo, foi acúmulo de experiência apenas. Na pósgraduação mantive esse interesse analisando vários
periódicos ou suplementos como Letras & Artes (1947-53),
Autores e Livros (1937-53), Pensamento da América
(1937-53) (estes três do jornal A Manhã, do Rio); a
Revista Americana (circa 1900 a 1925), e li várias das
revistas dos modernistas, assim como me formei
intelectualmente lendo O Pasquim, Versus, Opinião,
Movimento, Revista da Civilização Brasileira e outros. Mas
a Babel surgiu num dado momento em que, com a
possibilidade da troca de e-mails, algumas amizades que
estavam dispersas puderam se intensificar com uma troca
mais viva e constante gerando discussões e a necessidade
de um veículo que permitisse participar do debate de
idéias e fundamentalmente estimulasse a reflexão e a
escrita quebrando a sensação de isolamento e de falta de
acesso aos veículos existentes.
CW - Foi você, ou foram você e seus parceiros, Marco
Aurélio, Mauro, Susana? Desde o início, o projeto teve
caráter coletivo? Qual o papel ou função de cada um?
AD - Sempre me correspondi com o Cremasco e o Mauro,
em virtude da amizade que fizemos – o Cremasco foi
colega na universidade e em folhetos de poesia que
fazíamos, assim como o Mauro, que morava e estudava
em Floripa, mas que só vim a conhecer depois que fui
morar em Curitiba - ele fazia cinema, muito inspirado em
Glauber Rocha, e escrevia em jornais e também em
revistas que ele mesmo publicava, com uma postura
constestadora que muito me agradava – chegamos, eu e
Mauro, a discutir a publicação de uma revista, que teve
um número apenas; passaram-se uns anos em que que
todos ficamos equidistantes até que, com a possibilidade
do e-mail, basicamente houve um reinício de conversa
entre eu e cada um deles e logo isso se tornou um grupo e
formou-se uma cozinha de discussão entre nós três, daí a
idéia, incentivada por eles, de editarmos uma revista.
Relutei mais de um ano porque não acreditava muito que
isso fosse dar certo devido à absoluta heterogeneidade de
idéias entre nós. A idéia por fim se impôs sobre as
diferenças e decidimos que a revista devia ser aberta e
não se caracterizar como sendo de um grupinho, como em
geral é o que acontece, devendo se diferenciar por refletir
a cena contemporânea com ecletismo de vozes,
publicando alguns consagrados e muitos novos que
julgássemos interessantes. Para viabilizar isso acertamos
que, dado o caráter aberto da revista, convidaríamos
várias pessoas para participar. Dos que convidamos
apenas a Susana abraçou a causa e alguns outros se
tornaram com o tempo colaboradores eventuais. Somouse a nós o Amir Brito Cadôr, de Santos, que agora mora
em Campinas, onde estuda Artes Plásticas, e faz a edição
gráfica da revista; e também o Paulo de Toledo, que mora
em Santos e é redator de propaganda, tem dado apoio.
Ela é deficitária, ou seja: pagamos do nosso bolso
rachando as despesas, à exceção do primeiro número que
foi pago graças a um patrocínio conseguido pelo Mauro, de
uma rede de supermercados, e que possibilitou um
arranque inicial importante. Quanto à função de cada um,
dividimos tarefas conforme nossas possibilidades; em
geral cada um tem suas leituras e traduções e sugere o
que gostaria de ver publicado. O Mauro tem feito uma
espécie de relações públicas com estrangeiros, enquanto
eu dou mais atenção aos escritores locais, a Susana faz
uma ponte na universidade, o Marco e o Amir são livres
atiradores. Vamos discutindo uma pauta que vai se
formando e fechamos a edição buscando alguns ganchos
que dêem a ela um rosto. Com a falta de grana as edições
têm se tornado anuais, o que dispersa demais a discussão,
mas possibilita que cada um use o tempo em suas
próprias reflexões, afinal editar uma revista toma um
tempo danado pois há dezenas e dezenas de pessoas
querendo publicar, saber o que achamos de seus textos e
ler isso, selecionar, traduzir, responder... toma muito
tempo, um tempo que tem que ser encontrado entre o
trabalho pra ganhar a vida e a família.
CW - A propósito, como é fazer revista com um corpo de
editores translocal, cada um morando em um lugar
diferente? Sem a informatização e a net, isso seria
possível?
AD - Moro em Santos, o Mauro e a Susana em
Florianópolis e o Marco e o Amir em Campinas. A
discussão vai se dando aos poucos por e-mail, até fechar a
edição. Já nos encontramos várias vezes e eu
pessoalmente os vejo com regularidade maior – já houve
um debate intenso em grupo mas essa possibilidade se
esgotou e creio não ser mais possível dada a diferença de
pensamento entre todos; desse modo, tenho sido o fiel da
balança coordenando a continuidade da revista, com 5
edições publicadas e a sexta em andamento – o que não
quer dizer que não tenha tido desavenças com os outros
editores – tive e as superamos, creio que porque já
éramos muito amigos bem antes de começar essa cozinha
que tem sido a revista. Com certeza fazer uma revista
como a Babel seria muito mais difícil, talvez impossível,
sem a internet e a fazemos com certa obstinação porque é
uma referência importante, um estímulo que alimenta o
trabalho de cada um.
CW - Você partiu de alguma reflexão crítica sobre o
jornalismo literário atual, uma intenção de preencher um
espaço vazio, cobrir uma lacuna, algo assim?
AD - Discutimos muito isso pois achávamos que lá por
1998 a 2000, quando começamos a pensar na Babel,
havia creio que apenas a Inimigo Rumor, muito
circunscrita a um grupo do Rio, que considerávamos
fechada, e a Medusa, de outro grupo do Paraná, com
pouco espaço, a Cult, sem espaço naquele momento e
mais comercial; havia o SL-MG, e a Dimensão. O fato é
que não era fácil ser aceito nesse clubinhos – todos
enviamos poemas a vários e não deu liga; nunca fomos
dados a lobby, de insistir até dar em alguma coisa. Diante
disso concluímos que o cenário precisava de uma revista
mais aberta, que mostrasse de forma mais ampla e crítica
a riqueza da produção contemporânea, tida por nós como
uma Babel multifacetada que não cabia mais em caixas de
ferramentas tão específicas como era o caso da Inimigo
publicando de certa forma apenas herdeiros do
modernismo e a Medusa não muito interessada em novos
desconhecidos. Era o que achávamos naquele momento.
Há uma diversidade maior de publicações hoje - Inimigo
Rumor, Sibila, Coyote, Sebastião, Rodapé, Etc, Cacto,
Rascunho, Ácaro, SL-MG, Iararana, O Escritor,
Salamandra/Camaleoa, Ponto Doc, Gazua, Cult além das
inúmeras eletrônicas e blogs que já parecem apontar a
revolução do celular, um homem, um celular – um
homem, um site…
CW - Admitida uma divisão de Babel em setores - inéditos
de autores brasileiros, traduções, artigos e resenhas,
entrevistas e depoimentos -, qual deles está mais bem
resolvido?
AD - Penso que a publicação de poesia brasileira
contemporânea está bem resolvida e sempre abrangente,
tendo alcançado um bom resultado na edição 5, a qual,
somada às anteriores, dá um painel interessante do
cenário nesta década 00; os depoimentos e entrevistas
também têm sido pontos fortes na revista, assim como as
traduções de estrangeiros contemporâneos que até
poderia ser mais ampla se tivéssemos mais espaço, no
que poderíamos reforçar ainda mais a idéia de Babel, pois
o contato facilitado com estrangeiros hoje é algo concreto
também – temos feito algum trabalho especificamente
com argentinos, mas há contatos com norte-americanos,
portugueses, franceses e escoceses. Há pouco espaço,
porém, para resenhas e críticas, sendo impossível
resenhar ou criticar tudo que sai publicado.
CW - Continuarão os debates, provocações e exercícios de
pluralismo em Babel? Há uma intenção deliberada de
procurar matérias e entrevistados que possam gerar
polêmica, de Waly Salomão a Raúl Antelo?
AD - Trata-se de um diferencial interessante e temos
buscado isso pois o que se vê em geral nas publicações
são apenas entrevistas mornas, mais empenhadas em
conhecer o escritor ou ressaltar o seu mais recente
trabalho, fato que nem por isso as torna desinteressantes,
mas pensamos que a revista deveria ter essa
peculiaridade, provocar e abrir espaço para quem quer
dizer o que normalmente não se diz. Temos tido boa
receptividade pois as entrevistas ou depoimentos de Waly
Salomão, Paulo Franchetti, Glauco Mattoso, Raúl Antelo e
Daniel Muxica têm esse diferencial de sair do lugarcomum. Mas há também entrevistas interessantes como
as de Luiz Nazário e Milton Hatoum e uma que considero
histórica pela sua abrangência e objetividade, com Boris
Schnaiderman.
CW - O que você gostou mais de publicar em Babel, quais
matérias e autores lhe proporcionaram especial prazer por
ter podido fazê-los saírem?
AD - O depoimento de Waly Salomão foi um, não só por
ser incomum uma vez que ele nunca foi dado a entrevistas
ou testemunhos como o que saiu em Babel, o que está
bem evidenciado lá. Foi um momento de sinergia
interessante, em que ele interagiu com as pessoas e o
ambiente e falou do seu trabalho e de outros. Gosto dessa
interatividade que a entrevista permite, por isso elas são
algo que me deram prazer fazer na revista. Mas não é só
isso. Não consegui, por exemplo, um depoimento do
Sérgio Rubens Sossélla, um escritor algo obsessivo que
mora no interior do Paraná e já publicou cerca de 300
livros de forma artesanal. Passei uma tarde tomando café
e conversando com ele em sua biblioteca em Paranavaí
enquanto ele fumava pequenos charutos e esse foi um
prazer que não pude dividir com ninguém porque tive que
desligar o gravador. Mas daí saiu uma amizade e uma
troca e ele passou a ser uma espécie de colaborador da
Babel pois seus textos têm sido publicados nela com
regularidade. Ou seja: o trabalho com a revista tem
possibilitado encontros, trocas, conhecimento e permitido
que não se fique no isolamento que pode levar à
estagnação. A publicação da revista levou também à
elaboração de um outro trabalho que julgo importante,
que foi o convite da Imprensa Oficial do Paraná, através
do crítico Miguel Sanches Neto, para elaborar uma
antologia que resultou no livro Passagens – Antologia de
poetas contemporâneos do Paraná, com 28 escritores, que
fiz buscando fazer um balanço da produção desses poetas
e também para expor alguns problemas, não de todos,
mas comum naquele Estado, como a sombra do Leminski
e a praga do haicai. Fora essa interatividade, há o prazer
de publicar novos autores ou que estejam subvalorizados
ou desconhecidos, mas que são interessantes, como Jairo
Batista Pereira, que ganhou um impulso positivo depois de
sair em Passagens – publicou um livro pela Editora Medusa
e teve uma seleção de poemas na Coyote, assim como
Marcelo Ariel, um poeta humilde de Cubatão que saiu em
Babel e depois na Cult e tem, com isso, obtido uma
valorização que talvez não conseguisse facilmente. Mas há
outros casos, como ter publicado poemas de Milton
Hatoum, uma entrevista com Boris Schnaiderman bem
interessante, e a possibilidade de fazer um mapeamento
da produção contemporânea diferente das outras revistas,
mas que a elas se soma.
CW - E o que falta fazer, o que precisa melhorar?
AD - O problema fundamental de uma revista como Babel
é o de como pagá-la. Já tentamos via projeto pela Lei
Rouanet mas não conseguimos captar dinheiro. Vamos
tentar novamente. Outro problema é que geralmente os
textos estão um tanto expremidos mas precisam sair
naquele espaço e naquele orçamento. Se tivéssemos
melhores condições os textos poderiam ser valorizados,
respirar melhor na revista, poderíamos melhorar a
apresentação gráfica com ilustrações que sempre
estiveram subutilizadas porque o que mais importa é o
texto e sobretudo há necessidade de aumentar o número
de páginas para pelo menos umas 180 por edição, cuja
regularidade ideal seria a semestral e não anual como
ocorre atualmente. Em termos de conteúdo, a leitura
crítica de livros e reflexões sobre poética mereceriam mais
espaço.
CW - Tiragem de algumas centenas de exemplares - isso é
inserção na elite cultural ou contingência? Há chances de
crescimento?
AD - Certamente que é contingência pois simplesmente
não existe um sistema de distribuição no Brasil que
possibilite a existência de pequenas publicações. Ou se
está ancorado numa editora que tem um catálogo e cuida
disso (como Inimigo Rumor e Sibila) ou se está fora do
mercado, mesmo porque é impraticável ficar enviando
revistas a várias livrarias e ficar administrando isso,
quando o mais importante para os poetas que se reúnem
em torno de revistas é escrever, publicar e circular seu
trabalho entre os leitores ou os que estão envolvidos com
essa atividade. Com patrocínio, no entanto, fica mais fácil,
como é o exemplo das revistas Medusa e Coyote que, sem
precisar se preocupar com seu custo (financiadas por leis
de patrocínio municipal respectivamente em Curitiba e
Londrina, possibilitando também uma tiragem maior para
distribuição), conseguiram distribuição via Editora
Iluminuras. No caso de Babel, em que praticamente a
custeamos com nossos recursos, não é possível uma
tiragem maior que 400 exemplares. Porém, com essa
tiragem atingimos nosso objetivo, que é fazer a revista
circular entre um número significativo de escritores no
país e fora dele. Ou seja, por falta de recursos a revista
acaba confinada a essa elite que você menciona mas o que
importa é que ela exista e circule pelo menos entre esse
conjunto de leitores, o que já considero uma proeza neste
país de triste miséria cultural em que nem com uma lei de
incentivo que prevê resgate de 100% do total investido
em livro se encontre empresário disposto ao patrocínio. De
minha parte não me encanto com a falácia iluminista, ou
populista, de “formar leitores”, de sair de porta em porta
vendendo esse peixe, daí que quando decidimos fazer a
revista um pré-requisito foi o compromisso de dividirmos
as despesas quando não se conseguisse patrocínio e,
resolvendo a questão da distribuição, enviá-la às pessoas
mais atuantes na área.
CW - Que lhe parece o aumento, quando não proliferação
de revistas de poesia e periódicos literários? Teria
destaques, positivos ou negativos, comentário sobre
alguns deles ?
AD - Temos hoje cerca de 10 revistas impressas dedicadas
à poesia no Brasil (Inimigo Rumor, Poesia Sempre, A
Cigarra, Azougue, Babel, Sebastião, Cacto, Sibila, Coyote
e Etc; Lagartixa e Gazua, só de poemas, e outras como
Cult, Rodapé, Teresa, Ácaro, Iararana, Calibán e
Literatura, ou jornais que a ela dedicam espaço como
Rascunho, SL/MG, O Escritor – e acho importante
mencionar também a revista Medusa, que embora tenha
se extinguido após 10 edições, de certa forma faz parte
desse cenário, também ocupado em parte por Dimensão,
graças à legião de um homem só que é o Guido
Bilharinho), o que é um número insignificante para um
país imenso como o nosso, em que a quantidade de
leitores é irrisória e de compradores menor ainda. Por
outro lado, essas publicações praticamente dão conta do
registro do que há de significativo no país
contemporaneamente e, como uma rede, umas se
somando às outras, há interligações com escritores de
outros países também. Logicamente, considerando-se que
nessa economia sem sistema literário ter 10 revistas feitas
por poetas, além dessas outras mais amplas em conteúdo,
é um acontecimento, pois várias surgiram motivadas pela
necessidade de ampliar o espaço sempre insuficiente para
acomodar novos escritores. São publicações muito
diferentes umas das outras, algumas mais importantes,
outras menos - pelo conteúdo que estampam, mas prefiro
lê-las no conjunto, de onde se extrai uma riqueza de
leituras, traduções e experiências que vão do regionalismo
desproblematizado, passando pelo esforço de continuidade
da herança modernista, e até mesmo pelo impulso pop e
contracultural vindo dos anos 60/70, que se atualiza pelo
vigor acrescentado por novos meios como a internet, sites
e blogues. Acho particularmente interessante a
experiência ocorrida com Inimigo Rumor, a mais antiga,
com 14 edições, que, depois de 10 edições, o que já é um
fato a se comemorar, passou a ser co-editada com um
grupo de Portugal, criando-se um novo influxo à sua
existência, trazendo às páginas um calor de debate que
antes não era comum, porque muito circunspecta. Na
edição 12, por exemplo, um ensaio de Marjorie Perloff
sobre como se resenha poesia nos EUA, traduzido pelos
portugueses, abriu um debate muito relevante,
perfeitamente apropriado ao Brasil, que repercutiu na
edição seguinte e teve na Cacto também uma resposta. A
herança modernista às vezes é um fardo que extrapola
dos poemas e chega a dar a ela uma aparência acadêmica,
universitária, no que acaba por ser um ótimo contraponto
para as outras revistas, mais irreverentes, que apostam
mais no risco e não estão tão preocupadas com “a obra”,
“a biografia” e outras cenouras idealizantes. Poesia
Sempre, além de estar presa aos humores oficialescos,
tem tido uma história um tanto beletrista, de e com
fiducidade na ABL, mais para uma literatura acomodada,
no que Calibán se parece com ela, assim como Literatura e
Iararana que, além disso, em doses diferenciadas,
apresentam também características regionalistas,
desproblematizadas, que as confinam. Acho muito boa
também a Sibila – num primeiro momento pareceu girar
demais em torno de Regis Bonvicino, mas cresceu em
conteúdo e seu olhar para a literatura e arte norteamericanas, contra, por exemplo, uma Inimigo Rumor
européia, é enriquecedor para nosso cenário. O
investimento de Sebastião, assim como Rodapé, em
análises das obras dos poetas em atuação é fundamental
para quem está escrevendo agora (é importante frisar isso
porque em geral faz-se isso na academia, nas
universidades, mas em geral em relação a obras que
chegaram ao ponto final da morte do escritor). Com duas
edições, considero a experiência de Sebastião, além de
inédita, interessantíssima por nos dar de forma específica
os modos de se ler os poetas contemporâneos e seus
métodos, por eles mesmos. A Cacto, com duas edições,
parece percorrer o caminho da primeira fase da Inimigo
Rumor, marcada até no formato pela circunspecção e com
ótimo investimento em poemas e reflexão sobre poéticas
brasileiras, com interesse pela geração que deu base para
a Inimigo Rumor, afinidade afinal registrada no editorial do
primeiro número. Já a Coyote, colocada ao lado dessas
revistas todas, a Babel inclusive, causa um choque pelo
tratamento visual dado ao texto, com o luxo de ter
designers gráficos, os poetas Marcos Losnak e o também
editor Joca Reiners Terron – cujo ótimo trabalho na editora
Ciência do Acidente é um capítulo à parte nesse cenário; a
poesia não é o único interesse na Coyote, pois o que a
ordena é um conceito de cultura que expande a idéia de
texto e assimila todas as manifestações artísticas, da
poesia à história em quadrinhos, semioticamente; essa
distinção em relação às outras publicações me parece
explicável pelo fato de que seus editores são jornalistas,
ou formados nessa área, possibilitando essa outra forma
de fazer uma publicação, experiência que se verificou
também na revista Medusa, embora lá a tônica visual
fosse nas artes plásticas. É interessante nessas duas a
postura contracultural e a predileção pela cultura beat. Na
nova revista Etc o trato visual é também um diferencial,
menos contaminado que na Coyote, e com exuberância
para o texto, orientada pelo interesse em “literatura &
arte”. Porém o que mais me chama a atenção em todas
essas publicações, o que é comum nelas, é a atenção que
têm dado a escritores latino-americanos - cubanos,
mexicanos e outros, mas sobretudo argentinos, mantendo
um interesse que sempre foi marcante em nossa cultura –
um dos objetivos apregoados pela Etc é o de ser uma
revista “do Brasil para as Américas”, ou algo assim,
conforme vi num informe, tal como muitas revistas já
fizeram no Brasil. Quanto à Cult, acho importante seu
papel de formadora de leitores por ser uma revista
distribuída em bancas, com outro formato – nesse sentido
também é valioso o espaço nela chamado Radar, dividido
em Gaveta de Guardados e Criação, dedicados a textos
inéditos e a novos escritores, além do que eventualmente
ela cobre com esforço o que se escreve e publica de
interessante por muitas pequenas editoras que não
existem para as grandes publicações, procurando ousar,
como na recente edição dedicada a Paulo Coelho,
resenhando sua obra e dedicando uma crítica demolidora
ao mais recente livro dele – ou indo entrevistar um autor
que ninguém quer saber, como é o caso de Mário Chamie,
ainda que meio que se desculpando por o estar
entrevistando. Finalmente, caberia uma nota ao Rascunho,
que julgo importante pelo espaço que dedica à resenha do
que se publica no mercado, variando em qualidade, mas
com cobertura que nenhum jornal mais se digna fazer; é
valioso o espaço que dá a poemas, traduções e a
entrevistas que podem ser consideradas históricas pelo
tamanho e amplitude – veja-se uma feita com Luis Vilela
ou outra com Bernardo Carvalho, entre várias outras. Seu
cacoete, porém, é um certo encanto com o opinionismo
que teve em Paulo Francis seu modelo – aquele da
“metralhadora giratória”, que parece encantar
particularmente o Polzonoff. É um jornal feito por
jornalistas – leitores -, ou seja, sob esse aspecto, de fora
do meio, pois não fiquei sabendo ainda de pretensões
literárias deles. A postura que muitos consideram belicista,
de diatribe, comprovada em artigos contra o Marcelo
Mirisola, o Sebastião Uchoa Leite e agora o Arnaldo
Antunes, prefiro ver como irreverência e acho mesmo que
eles têm a vocação de serem o Casseta & Planeta literário
nesse cenário – há um senso de humor divertido naqueles
comentários. Todas as publicações são sérias – ou
circunspectas - demais, salvo uma ponta de ironia na
Coyote e a irreverência da Ácaro – que por exemplo tem
um suplemento chamado Menas! - Suplemento de
Domingo, para gozar o Mais! da Folha e o Jornal do Brasil.
Essa postura das publicações é uma expressão sintomática
do próprio meio, que às vezes parece um pasto, tantas as
vacas sagradas – ou elefantes.. – que não podem ser
abatidas por nenhum tipo de crítica que logo se parte para
a ignorância (Mirisola quis esmurrar o editor do Rascunho
num bar) ou se motiva abaixo-assinados e movimentos
em defesa da moral e dos bons costumes das letras – há
uma contradição aí - ou tijolaços ensaísticos como os que
se sucederam em defesa do Elefante e da poesia de Chico
Alvim – que acho deliciosa (ocorridos na Folha,
particularmente no Mais! e no Jornal de Resenhas, por
Roberto Schwarz, assim como em outros veículos após
crítica feita no Estadão por Paulo Franchetti.) Trata-se, em
verdade, de um meio muito apaixonado, de aficcionados, o
que é superlegal, em que o percentual de egos blindados
por metro quadrado é muito alto, daí ser possível entender
por que essa poesia que se diz nada valer motiva tanta
raiva, como a exposta no debate circulado pela rede,
havido entre os ex-editores da Medusa e agora entre os
editores da Etc. Mas a poesia passa ao largo, como num
poema: “Vai-se/ passa por uma coluna/ e outra/ não olha/
dobra um vidro/ a última pilastra/ desaparece” – e aí está.
CW - Como é isso, reportando-me a conversas nossas e
depoimentos seus, da concentração de novas publicações
literárias na região Sul-Sudeste? Isso tem lógica, alguma
explicação?
AD - A maioria estão em São Paulo e Rio de Janeiro por
serem naturalmente as grandes metrópoles do país e
reunirem condições para isso. Mas é realmente um fato
curioso que haja uma efervescência delas, principalmente
no Paraná, onde hoje temos a Coyote (com 5 edições), a
Etc (com 2), a Babel (com 5 e a sexta em preparo –
embora não seja feita lá, ela tem quatro editores nascidos
no PR e com fortes vínculos locais), além da recente e
extinta Medusa (10 edições), do Radar (2 edições, pela
Imprensa Oficial do PR) - certamente lastreadas numa
tradição marcada pelas mais importantes que são:
Joaquim, publicada por Dalton Trevisan nos anos 1946-8
(recentemente reeditada integralmente tal como era, pela
Imprensa Oficial do PR), Nicolau, tablóide publicado nos
anos 80 por Wilson Bueno, Raposa, tablóide publicado por
Miran nos anos 80, Ran (publicada em Londrina pelos
editores da Coyote, nos anos 80) e até mesmo a
estupenda revista Gráfica, a mais importante, creio, da
América Latina, na área de artes gráficas/arte (mais de 40
edições, ainda circulando, editada por Miran – há uma
edição especial nas bancas, publicada pela Escala).
Ou seja, pode-se sugerir que essa tradição seja
disseminante pois é impossível fazer uma publicação de
qualidade no Paraná desconhecendo a riqueza dessas
outras que são exemplares na forma como se colocaram
em seu tempo, sem se afundar no regionalismo e no
bairrismo mediocratizante e dialogando com o melhor que
se fazia no país e fora dele.
O Paraná é um Estado de colonização recente – veja-se o
caso do hoje rico norte do Estado em que há cidades como
Londrina e Maringá, que têm cerca de 50 anos de
fundação - a literatura produzida no Paraná esteve sempre
circunscrita a Curitiba, por ser capital e por estar integrada
de forma sistêmica à vida nacional, enquanto que o
interior do Estado, de colonização incipiente, cujas maiores
cidades têm poucas décadas de existência, somente
começou a ter escritores e vida cultural muito
recentemente. Muitas dessas publicações têm sido feitas
por escritores oriundos desse velho oeste (o poeta
Sossélla tem grande prazer em se imaginar um pistoleiro
em seus poemas, tributário do cinema clássico mas
também dessa vida no interior), que hoje é uma região de
grandes cidades industrializadas, em que a pobreza não é
tão evidente quanto em outros locais, embora exista, e
que tem produzido artistas e escritores cuja obra é
marcada pela crítica social e política e pela irreverência:
Cambé, Arrigo Barnabé, Domingos Pellegrini Jr, Wilson
Bueno, Itamar Assumpção, Laerte, entre tantos outros,
aos quais se somam os das novas gerações.
No Rio Grande do Sul curiosamente não têm havido – pelo
menos que eu saiba – revistas como essas comentadas
aqui, embora lá haja um importantíssimo e muito peculiar
mercado editorial que tem vida própria, com escritores,
editoras e o que é mais incrível, leitores. Há, claro, o
Eduardo Sterzi, que é gaúcho, mora em São Paulo e coedita com o Tarso de Melo a Cacto, fato esse que não quer
dizer nada naquela revista. Já em Santa Catarina há várias
editoras que surgiram nos últimos anos ou década e têm
publicado poesia, como a Semprelo, depois transformada
em Letras Contemporâneas, cujo editor é o Fábio
Brüggemann, ou a Letradágua, do Joel Gehlen, atualmente
fazendo um trabalho mais importante que a Semprelo ao
publicar poesia. No entanto lá também não têm havido
revistas, embora haja um movimento no sentido de mudar
isso, cuja tentativa importante foi a Linguarudos,
publicada por Dennis Radünz e Joel Gehlen no final de
2000, mas que não teve continuidade, embora tenham a
intenção de retomá-la este ano, o que seria um fato
importante, tendo em vista que as publicações lá
existentes que se dedicam à literatura e às artes, salvo
uma ou outra exceção na universidade (Cadernos de
Tradução, Travessia, Boletim do Nelic), são oficiais e
inócuas e enterradas no bairrismo. A título de fait divers,
como em Florianópolis moram dois dos editores da Babel,
ela já foi chamada de catarinense nos jornais locais,
segundo essa forma de pensar e apropriar das culturas
locais, que é muito forte fora dos grandes centros mais
urbanizados São Paulo e Rio, o que considero um
problema pois é engessante do pensamento ao cair no
regionalismo estéril, muitas vezes rural, sem
problematização, reforçado pelas falácias da globalização.
CW - Para terminar, faça comentários sobre periodismo
eletrônico em geral e Agulha em especial. Aliás, a
propósito, conexão ibero-americana o tem interessado? E
conexão lusófona?
AD - A Internet de fato proporcionou uma revolução de
comunicação pois as mais diversas e impensáveis revistas
estão às nossas mãos no mundo todo, o que é um
problema, pois mal damos conta de lermos os livros e
publicações impressas. Mas não poderia ser diferente, pois
é muito mais simples e econômico fazer uma revista
eletrônica que uma impressa, além do que o público que
se atinge é infinitamente maior – o trabalho de contatos
com o público e escritores e sua elaboração é o mesmo, a
diferença fundamental está na sua finalização e circulação.
Essa nova realidade exige versatilidade de leitura, seleção
e compreensão de ainda mais línguas e linguagens, o que
é desafiador e estimulante pois está havendo uma
intensificação de criatividade com a proliferação de meios.
Escreve hoje para a gaveta quem quer, não por imposição
– ainda que se possa encontrar gente que escreve à mão
por impossibilidade econômica, social e política de acesso
a um computador, conforme vi recentemente em Cubatão.
Tenho acompanhado o trabalho de alguns sites e revistas
eletrônicas, muitos de forma esparsa, caso dos
portugueses, de língua espanhola e outros. No Brasil leio
regularmente a Agulha, na qual já tive ensaio publicado,
com alguns ganchos em outras revistas amigáveis como o
TriploV, acompanho a Tanto, a Weblivros e sempre dou
uma olhada em outras publicações. Ou seja, tenho uma
relação de leitor com esse meio uma vez que não me
interessei em participar dele criando um site, um blogue
ou uma revista eletrônica, ainda que temos pensado em
disponibilizar as edições da Babel na rede. Sei que há aí
um terreno imenso de possibilidades a se explorar, porém
falta tempo para isso e tem sido divertido essa
excrescência que é fazer uma revista impressa, o que, por
enquanto, tem nos bastado. No caso da Agulha, gosto da
interatividade que há nela, o tratamento gráfico é
primoroso e as seções “galeria de revistas” ou “revistas
em destaque” são de uma importância de registro histórico
incomum, assim como o conteúdo, com particular
destaque para o material sobre surrealismo, investindo
num campo pouco valorizado no Brasil. Por fim, a porta de
entrada que se abre para o mundo hispânico nela com
links para outras publicações é instigante, estendendo um
trabalho do Floriano Martins com essas publicações que já
tive oportunidade de ver exposto.
[diálogo realizado em julho de 2003]
Babel
Revista de poesia, tradução e crítica
Editor: Ademir Demarchi
Co-editores: Marco Aurélio Cremasco, Mauro
Faccioni Filho e Susana Scramim
Redação: Rua Almirante Barroso 54/33 Campo
Grande
Santos 11075-440 Brasil
Contato: [email protected]
.
.
revistas em destaque
..
corner (estados unidos)
diálogo entre carlota caulfield &
maria esther maciel
Carlota Caulfield é uma poeta afeita
à diversidade. Cubana, de
ascendência irlandesa, nasceu em
Havana, em 1953. Viveu em várias
cidades européias e norteamericanas e atualmente leciona
literatura espanhola e latinoamericana no Mills College de
Oakland, California. Em diálogo com
as poéticas de vanguarda e com
várias tradições do passado, como a
arte renascentista, o barroco
hispânico, a literatura greco-latina e o ocultismo medieval,
ela vem construindo uma obra poética marcada pela
experimentação de formas, pela ousadia temática, pela
exuberância da linguagem e por uma erudição altamente
criativa. É autora dos livros: Fanaim (1984), Oscuridad
divina (1985 & 1987), A veces me llamo
infancia/Sometimes I call myself childhood (1985), El
tiempo es una mujer que espera (1986), 34th Street &
other poems (1987), Angel Dust/Polvo de Angel/Polvere
D'Angelo (1990), Visual Games for Words & Sounds.
Hyperpoems for the Macintosh (1993), Libro de los XXXIX
escalones/Libro dei XXXIX gradini (1995), Estrofas de
papel, barro y tinta (1995), A las puertas del papel con
amoroso fuego (1996), Book of XXXIX steps, a poetry
game of discovery and imagination. Hyperpoems for the
Macintosh – CDROM (1999), Quincunce (2001),
Autorretrato en ojo ajeno (2001), At the Paper Gates with
Burning Desire (2001) e Movimientos metálicos para
juguetes abandonados (2003). Recebeu vários prêmios
literários, dentre eles o Prêmio Internacional "Ultimo
Novecento" (Italia, 1988), o Prêmio Internacional
"Riccardo Marchi-Torre di Calafuria" (Italia, 1995) e o
Primeiro Prêmio de Poesia Hispano-americana "Dulce
María Loynaz" (Espanha, 2002) além de mençõs honrosas
no "Premio Plural" (México, 1992), no Premio Internacional
"Federico García Lorca" (Estados Unidos-España, 1994) e
no “Latino Literature Prize”, do Instituto de Escritores
Latino-americanos de New York, em 1997. É também
editora da revista eletrônica Corner
(http://www.cornermag.org), publicação inteiramente
dedicada às vanguardas internacionais e latinoamericanas. Na entrevista que se segue, Carlota Caulfield
fala sobre a pluralidade temática e formal de seu trabalho,
seus trânsitos em várias tradições, a experiência do exílio
e as vozes femininas da poesia cubana contemporânea.
[M.E.M.]
MEM - Pode-se dizer que a sua poesia, ao manter um
diálogo criativo com diferentes campos do saber, é um
convite sempre instigante ao exercício da pluralidade.
Você não circunscreve sua palavra ao espaço apenas da
literatura, mas busca na filosofia, nas ciências ocultas, nas
artes plásticas e visuais, nas tecnologias contemporâneas
e na história muitos elementos para o seu processo de
criação. Você poderia falar um pouco sobre essas
interseções de sua poesia com outras áreas?
CC - Minha poesia é um coro de muitas vozes, uma pele
com múltiplas tatuagens. Severo Sarduy definiu sua
escritura como travestismo, metamorfoses contínuas,
referências a outras culturas, mescla de idiomas, múltiplos
registros de vozes, enfim muitos gestos. Estas idéias de
Sarduy me seduzem e se aplicam perfeitamente à minha
poesia. Com registros diferentes, minha poesia celebra
muitos gestos.
Na primavera de 1997, a revista norte-americana ANQ
editou um número especial dedicado à influência da poesia
norte-americana na obra de escritores hispânicos. Edward
Stanton, o editor desse número, convidou-me para
colaborar. Eu não queria escrever um ensaio tradicional,
pois isso não iria responder à minha verdadeira relação
com a literatura norte-americana. Ou talvez deva dizer,
em meu caso, a cultura norte-americana. Ocorreu-me um
ensaio bastante livre, à maneira de uma colagem, a que
dei o título de “From Mickey Mouse to Jack Foley; Chorus
with Multiple Tattoos” (De Mickey a Jack Foley. Coro com
múltiplas tatuagens). Digo que nesse ensaio apareceram
muitos autores, músicos e personagens de cartoons... me
fascina o que disse John Cage sobre as influências em
suas composições, esse “Here Comes Eveybody” que o
compositor norte-americano tomou emprestado do
Finnegans Wake de James Joyce. Assim que meu HERE
COMES EVERYBODY inclui Mickey Mouse, o Gato Félix,
Super Pipo (Goofy), Edgar Allan Poe, T.S. Eliot, Ezra
Pound, Henry Miller, Anaïs Nin, Anne Sexton, Mina Loy,
Isaac Bashevis Singer, Autor desconhecido, Louis
Armstrong, Billie Holiday... para citar apenas alguns dos
convidados à festa. Creio que meu pai, Francis Caulfield,
foi quem me iniciou nessa dança de vozes. Não só
alimentando meu apetite com certos clássicos da literatura
norte-americana, mas também com a música.
Talvez tudo venha de minha extraordinária paixão pelos
dicionários. Meu grande tesouro quando eu tinha 7 anos
era um Larousse ilustrado que eu protegia com intensa
paixão. Também descobri na curiosa biblioteca de nossa
casa um livro sobre Paracelso. Assim começou minha
paixão pelos alquimistas. Anos mais tarde, em 1981,
quando vivia em Zurique, não apenas me deleitei
enormemente passeando pelos portais em que Paracelso
havia pisado, como também pude consultar alguns
tratados originais de alquimia na Biblioteca Central da
cidade. Se você for ao meu Libro de los XXXIX escalones,
um dos poemários mais “tatuados” de minha obra, vai
encontrar muitas referências à alquimia, à pintura – em
particular a surrealista (o livro está dedicado à pintora
Remedios Varo) – e ao autobiográfico. Além das edições
limitadas desse livro (uma em espanhol-inglês, publicada
em Los Angeles; e a outra, em espanhol-italiano,
publicada em São Francisco-Veneza,), o Libro de los
XXXIX escalones saiu também em formato CD-Rom, em
1999, com o subtítulo: “ a poetry game for discovery and
imagination”, pela InteliBooks, na Califórnia. O formato
multimídia é quase ideal para o tipo de poesia que gosto
de fazer, um tipo de poesia hipertextual. O mais
importante desses poemas eletrônicos é que são
interativos. Cada ação do "leitor" -- clicar uma tecla,
apertar um botão eletrônico no mouse, etc.-- gera uma
reação do poema. Textos que estavam ocultos se mostram
ou adquirem vida própria e algumas vezes são
acompanhados de música e sons. De fato, grande parte do
livro está oculta à primeira vista e depende da curiosidade
do leitor descobrir esses aspectos de hipertextualidade e
intertextualidade latentes nos poemas. Meus trinta e nove
poemas dialogam com a pintura renascentista, a poesia
sufí, a alquimia, o misticismo judeu, a vanguarda e minhas
memórias pessoais, tanto escritas como fotográficas. O
livro foi criado como homenagem ao labirinto da
imaginação e aos meus gatos, em particular a Amach,
felino adivinho com poderes de parapsicologia, um total
mestre Zen, que morreu em setembro do ano 2001.
O teatro e a performance também influenciaram minha
obra, mas acho melhor não entrar nesse tema, porque
ainda há outras perguntas pelo caminho.
MEM - Um outro aspecto de seu trabalho poético é o
experimentalismo. Você tem buscado sempre novas
configurações de linguagem para seus textos, sobretudo
no campo das tecnologias contemporâneas. Como você
definiria sua relação com as estéticas de vanguarda?
CC - No que se refere ao experimentalismo, cito como
exemplo de uma de minhas primeiras aventuras no
computador o disquete Visual Games for Words & Sounds.
Em 1993, desenhei com Servando González esse livro
eletrônico de hiperpoemas, aos quais chamei collaged
poems, termo do poeta norte-americano Jack Foley. Esse
livro experimental foi pensado como uma homenagem à
vanguarda internacional e ao misticismo. Há poemas na
linha DADA que jogam com idéias budistas, referências à
literatura espanhola medieval e a Joyce. Neles, Cage volta
a ser uma presencia importante, assim como a música do
compositor norte-americano Alvin Curran. Há poemas em
inglês, alemão, espanhol e italiano. Os poemas ainda
fazem uma homenagem à dança moderna (eu havia
assistido a uma oficina de dança com uma aluna de Alvin
Alley e me sentia inspirada) e, como sempre, trazem
também o autobiográfico. Desse modo, viajei por
diferentes temas e experiências que estão muito
relacionadas com minha vida. Foi muito divertido criar
esses jogos visuais, que hoje já são parte do passado.
Impossível vê-los nos novos computadores. Talvez
possamos falar de uma arte efêmera de computador. Meus
collaged poems foram um produto típico de nosso tempo,
onde tudo padece de una rápida condição de perecimento.
Poderíamos seguir falando de experimentação por muito
tempo. Sou uma apaixonada pela vanguarda, tanto a
européia quanto a hispano-americana, e desde o ano de
1994 tenho estado muito atenta ao que acontece na
poesia experimental catalã. Passei longas temporadas em
Barcelona e pude participar do movimento catalão de
poesia experimental. Entre meus bons amigos catalães
estão alguns poetas visuais como Xavier Canals. Barcelona
foi, desde 1890, um centro importante de poesia
experimental (pensemos nos caligramas de Antoni Bori i
Fontestá e nos caligramas e poemas visuais de Josep
María Junoy y J.V. Foix), e é hoje em dia um dos centros
mais dinâmicos de poesia experimental do mundo. Você
encontra na Catalunha um movimento de polipoesia que
tem uma grande força. O termo poesia experimental, no
caso, reúne muitas tendências: poesia visual, poesia
concreta, poesia objeto, poesia sonora, poesia fonética,
poesia vídeo, poesia ação. Alguns dos poetas mais
conhecidos são Joan Brossa e Guillem Viladot. Outros
poetas inovadores são Xavier Sabater, Carles Hac Mor,
Esther Xargay, Enric Casassas, Albert Subirats, Bartomeu
Ferrando, Pere Sousa, Josep M. Calleja e Eduard Escoffet.
Eu mencionaria ainda meu trabalho como editora de
Corner, revista eletrônica dedicada a la vanguarda
(http//www.cornermag.org). Corner nasceu graças ao meu
interesse pela poesia visual catalã e ao grande estímulo de
Xavier Canals e do fotógrafo Teresa Hereu. O primeiro
número do outono de 1998 foi dedicado à vanguarda
catalã, e nela os leitores podem ler uma entrevista chave
de Canals com Brossa. No ano de 1999, participei com
Corner na exposição Poesía visual catalana, organizada
por Calleja e Canals, que foi inaugurada em 1999 no
Centro de Arte de Santa M. Essa exposição também
poderia ter sido intitulada Here Comes Everybody from
Cataluña, já que estavam também presentes Ramon Llull
com algumas de suas “figuras combinatórias”. Como você
pode ver, sempre trato de estar em companhia dos
experimentalistas.
MEM - Você mencionou agora há pouco a presença do
trabalho da artista Remedios Varo em um de seus livros e
acaba de confessar sua paixão pelas vanguardas. Daí a
inevitável questão: qual é a importância do surrealismo
para a sua poesia?
CC - Esta pergunta me leva ao ano de 1995, quando
ganhei na Itália o prêmio Riccardo Marchi por uma coleção
de três poemas em espanhol e italiano (traduzidos por
Pietro Civitareale). Chamou-me a atenção o fato de a
comissão julgadora ter considerado o “Para Cornelius” um
texto surrealista. A verdade é que, quando o escrevi não
pensei na poesia surrealista, mas na música experimental
norte-americana e inglesa, que escutei ao escrevê-los.
Não creio que minha poesia tenha muito do surrealismo.
Nela há muitas presenças. Diferentes críticos a chamaram
de confessional, pós-moderna, etc. A verdade é que eu
adoraria ser mais surrealista. Me fascinam alguns poemas
surrealistas de amor escritos por Louis Aragon, René Char,
Robert Desnos, Paul Eluard, Joyce Mansour, Alice Paalen,
Benjamin Péret, assim como as receitas de Remedios Varo
para quem quer ter sonhos eróticos.
MEM - Um dos aspectos que mais me chamaram a atenção
em seu livro A las puertas del papel con amoroso fuego é
o uso de estratégias ficcionais. Você cria cartas apócrifas
de personagens históricos e literários, reinventa essas
personagens e forja relações amorosas entre elas. Essa
prática do artifício, da encenação de subjetividades
fictícias, que aponta inegavelmente para os escritos de
Fernando Pessoa e Borges, não tem sido muito explorada
pela poesia contemporânea, mas permanece no campo da
narrativa de ficção. Eu gostaria que você discorresse um
pouco sobre a presença dessas estratégias em sua poesia.
CC - O poeta e crítico Jack Foley disse uma vez que eu era
una poeta-arqueóloga. Embora eu deteste qualquer tipo
de classificação, essa denominação me encantou. Durante
minha adolescência eu quis ser, além de ser alquimista,
atriz; e depois, mais que arqueóloga, antropóloga. Mas ao
final, o que estudei na Universidade de Habana foi
Historia, para depois dedicar-me à literatura, nos Estados
Unidos. Daí talvez me venha essa paixão por rastrear, por
descobrir marcas deixadas por outros, em particular por
outras mulheres.
A las puertas del papel con amoroso fuego é um livro que
se inspira em parte nas Heróidas de Ovidio. Uma de
minhas leituras preferidas de todos os tempos foi A arte
de amar, de Ovidio. Como você se lembra, nesse livro o
poeta convida à leitura de Anacreonte, Safo, Menandro,
Propércio, Tíbulo, Virgílio, e outros poetas clássicos. Ele
também convoca as “estudantes” para ler seus Amores e
as Heróidas, sobretudo porque o segundo livro é um
gênero novo do qual se considera inventor (Ignotum hoc
aliis ille novavit opus). Bem, Ovídio, contrariamente a
outros poetas (veja o caso de Propércio, que fala de sua
dívida poética com Calímaco) não se declara herdeiro de
nenhum outro poeta na criação de suas Heróidas. Isso é
certo, se bem que já existiam as elegias latinas, como as
de Propércio, que falam sobretudo do poeta como amante.
Entretanto, o que faz Ovídio em suas Heroides epistolae é
totalmente revolucionário. Ele explora os detalhes das
histórias de suas famosas heroínas (Medéia, Ariadna,
Fedra...) e as transforma em amantes modernas,
especialistas na arte da retórica, com personalidades
muito definidas, distintas umas das outras.
Digo que sou uma discípula moderna de Ovídio, a ele devo
minha inspiração para o poemário A las puertas... Como
nas Heróidas, meus poemas têm o eco do famoso odi et
amo de Catulo (outro de meus mestres). Minhas heroínas,
como a Fedra de Ovídio, falam da escrita como uma
paixão que domina todo tabu, toda modéstia, conseguindo
o que o discurso oral torna impossível. O livro começa com
um verso de Safo que diz: “y rota / calla la lengua,
mientras la mano escribe”. A las puertas... está composto
de 37 cartas de mulheres conhecidas e desconhecidas. Há
nelas uma espécie de “tragédia lúdica” que aprecio muito,
já que o amor é precisamente isso.
Devo retomar o fio de tua pergunta e responder que sim,
que reinvento essas personagens de muitas maneiras
diferentes, embora eu celebre muito de suas vozes reais. É
possível encontrar no livro um gênero epistolar peculiar
através dessa prática do artifício a que você se refere. O
leitor se depara com referências a cartas existentes de
mulheres famosas (Lucrecia Borgia, Isadora Duncan, Rosa
Luxemburgo, Carolina Lamb, Flora Tristán, Gertrudis
Gómez de Avellaneda) que se confundem (apesar dos
embustes que uso muitas vezes para distinguir os textos
reais dos imaginários) com minhas próprias invenções e
fantasias. Entre essas mulheres não podia faltar a famosa
Sóror Mariana de Alcoforado, aquela monja portuguesa do
século XVII, cujas cartas causaram grande tumulto, e que
mais tarde inspiraram um texto chave na historia do
feminismo português: as Novas cartas portuguesas (Livro
das três Marias) de 1971, obra escrita por Maria Isabel
Barreño, Maria Teresa Horta ee Maria Velho da Costa,
considerada uma obra-prima e censurada quase de
imediato pelo governo português.
Você menciona Pessoa e Borges, os grandes mestres da
ficção. Interesso-me sobetudo pelas máscaras líricas, daí
que a heteronímia e as ideologias estéticas de Pessoa
sempre tenham me seduzido. Embora tudo já esteja nos
poetas malditos, esse “ser el otro que es uno mismo para
ser además ‘je suis plusieurs’”. Nas ficções de Borges há
uma consciência irônica de armadilhas e abismos, que me
inspira. Definitivamente, sou partidária do sujeito múltiplo.
Meu poemário Oscuridad divina é outro jogo de máscaras.
É um livro de 1985, data em que me inicio no “eu sou
outras”, mas não com mulheres reais da história, mas com
deusas da mitologia universal, muitas delas pouco
conhecidas.
Tanto Oscuridad divina quanto A las puertas navegaram
com boa sorte no mundo literário, com prêmios e várias
edições em diferentes idiomas. A editora InteliBooks
publicou, em outubro de 2001, uma edição bilíngüe
(español/inglês) de A las puertas... Já Oscuridad foi
publicado na Itália em 1990, alguns anos depois de que
receber o Premio “Ultimo Novecento” de Poesia.
MEM - Ainda com relação à questão do jogo de
subjetividades, como você explicaria o paradoxo do título
de seu último livro, Autorretrato en ojo ajeno? Seria mais
um exercício de “otredad”?
CC - Você torna a me colocar no olho alheio... a refletir
sobre meus olhares. A verdade é que esta é uma pergunta
difícil, mas tentarei respondê-la.
A abetura do livro é a chave de muitos poemas do
mesmo. Optei por colocar nela um de meus quadros
favoritos, que está no Kunsthistoriches Museum, de Viena,
e se chama Autoritratto nello specchio convesso, de
Francesco Mazzola, conhecido como Parmigianino (15031540). Comecei a escrever os poemas desse livro
precisamente em Viena, depois de uma visita de mais de
três horas ao meu amado quadro. O livro está dividido em
duas partes: En un espejo convexo e Tríptico de furias.
Pessoa aparece mencionado em um dos poemas, que se
intitula “Desde una ventana de San Francisco”.
Mas voltemos ao quadro em que Parmigianino olha o que
o olha em um exercício de “otredad”, com um certo
desafio irônico. Meu livro é esse olhar-me e descobrir-me
em um jogo de sombras chinesas: “Hasta el eje sediento
de mi centro / no existe ningún espejo claro”. Em meus
poemas o sujeito poético usa um disfarce para não ser
descoberto de todo, mas também o tira para ser
descoberto. Autorretrat... é ao mesmo tempo um livro de
poesia erótica e uma homenagem à pintura.
MEM - Quais são os seus “livros de cabeceira”? E em que
intensidade os autores que você ama interferem em seu
próprio processo criativo?
CC - Meus livros de cabeceira são muito variados. O
Oráculo manual y arte de prudencia, de Baltasar Gracián,
me ajuda a sobreviver dia a dia, e a não morrer presa nas
intrigas e no caos do mundo. Outra de minhas bíblias é Il
Grande Lupo Alberto, um livro dedicado ao famoso e
simpático lobo italiano criado por Silver. Este é um livro
em quadrinhos que me faz feliz. Outros livros que têm me
acompanhado durante muito tempo são Zen in the Art of
Archery, de Eugen Herrigel; uma antologia de poesia
irlandesa; um livrinho de haikais; uma tradução para o
inglês da poesia completa de Catulo; Open Closed Open,
antologia da poesia de Yehuda Amichai; De umbral a
umbral, de Paul Celan; Variaciones sobre el pájaro y la red
con La piedra y el centro, ensaios de José Angel Valente; a
correspondência entre Maiakovski e Lili Brik, bem como a
de Kurt Weill com Lotte Lenya. Também El pulso de las
cosas, antologia poética de Henri Michaux, e La casa de
cartón, de Martín Adán.
Eu diria que Valente, Celan y Amichai me ensinam a ser
poeta. Há outros autores que me apaixonam, entre eles
Trakl, mas prefiro não seguir acrescentando nomes à lista,
já que teria que ir à Idade de Ouro espanhola e à poesia
italiana.
MEM - Como você avalia, em termos gerais, a poesia
latino-americana de hoje? Quais seriam as principais
linhas de força da produção poética de nosso continente?
CC - A poesia latino-americana que mais conheço é a
mexicana. Sempre me interessei muito pela geração dos
Contemporâneos, em particular José Gorostiza e Gilberto
Owen (latino-americano-irlandés como eu). Também fui,
há muitos anos, uma leitora voraz de Octavio Paz. Dos
poetas mais jovens, digamos dos nascidos depois dos anos
quarenta, tenho alguns favoritos: Francisco Hernández,
Coral Bracho, David Huerta, Elva Macías,Gloria Gervitz,
Pura López Colomé e Eduardo Milán, entre outros.
Do Brasil: Cecília Meireles, Adélia Prado e Maria Esther
Maciel. Nos últimos meses tenho lido Floriano Martins. Da
poesia argentina conheço bem a obra de Alejandra
Pizarnik e Luisa Futoransky.
A segunda parte de tua pergunta me obrigaria a assumir o
papel de crítico literário e, além disso, não creio que
conheça o suficiente de poesia latino-americana para
respondê-la.
A única coisa que posso comentar é que encontro na
poesia latino-americana muita ousadia iluminadora. Há
poetas que me surpreendem constantemente com suas
explorações da linguagem, em seu dizer barrocosurrealista, em seu equilíbrio e sua desmesura.
MEM - Você poderia falar um pouco sobre a poesia cubana
feita nos Estados Unidos? Como você trabalha a questão
do exílio em sua própria poética?
CC - Da poesia cubana escrita em espanhol nos Estados
Unidos a que mais me interessa é a escrita por mulheres,
com a exceção da poesia de José Kozer e Jesús J. Barquet.
Tenho me dedicado ao estudo crítico da obra de Juana
Rosa Pita e Magali Alabau. Na poesia de Pita há muita
inovação idiomática e uma linguagem coloquial que me
atraem. Encontramos em sua obra uma grande
insatisfação com a história oficial, e ela, com grande
ousadia, a reescreve através do mito. Suas propostas
inovadoras estão bem representadas em Viajes de
Penélope y Crónicas del Caribe. Já Magali Alabau é uma
das poetas cubanas mais transgressoras da atualidade.
Sua poesia é herdeira de sua experiência cênica, já que a
poeta se dedicou durante vários anos (tanto em Cuba
quanto em Nova York) ao teatro, como atriz e diretora. Me
interessa também em Alabau a sua reescritura audaciosa
dos mitos clássicos a partir de uma posição feminista. Isto
vemos sobretudo na sua Electra, Clitemnestra. Mas seus
livros La extremaunción diaria e Ras é que se destacam
como obras essenciais para se entender a realidade
alienante e insuficiente que rodeia o escritor exilado. A
cidade de Nova York é o espaço principal onde a poeta
conduz seus enfrentamentos humanos/sua busca do ser.
Alabau transtorna os pontos de referência do considerado
“normal” e cria dimensões espantosas a partir do olhar do
sujeito poético insatisfeito, um sujeito que se vale do
paradoxo, da ironia e do humor negro para ler a cidade e
a casa/corpo, a partir de zonas de excentricidade.
Também me interessa muito o tema da violência nessa
poesia.
Outras poetas relevantes são Maya Islas, Alina Galliano y
Lourdes Gil. Publiquei dois livros dedicados às poetas
cubanas da diáspora: Web of Memories, Interviews with
Five Cuban Women Poets e Voces viajeras, que é uma
antologia voltada para o tema da peregrinação e da
viagem em poetas cubanas. Nela incluo também outras
poetas que não vivem nos Estados Unidos.
Meu primeiro livro, 34th Street and other poems, escrito
em Nova York nos anos oitenta, pode ser inserido, em
parte, dentro do espaço da poesia cubana da diáspora,
quanto ao tema da nostalgia. É um livro dedicado à minha
mãe e que narra poeticamente muitas de minhas
experiências na cidade de Nova York. Não com o
dilaceramento que encontramos na poesia de Alabau, mas
com um olhar crítico, e até certo ponto harmonioso, de um
sujeito poético em viagem de descoberta e de
rememoração da infância. Cheguei a Nova York, saída de
Zürich, em 1981, e embora minha vida não tenha sido um
paraíso do ponto de vista material, Nova York foi meu
espaço cosmopolita de iniciação como poeta, uma
moderna urbe que me enriqueceu culturalmente.
O resto de minha obra deixa para trás essas referências do
exílio, até o Libro de los XXXIX escalones, no qual
regresso a Havana e a Zürich, e sobretudo à minha
meninice. Mas, agora, através de jogos alquímicos e
leituras de quadros surrealistas. Jesús J. Barquet, um dos
críticos que com maior argúcia estudou minha poesia,
disse que grande parte de minha obra resulta excêntrica
dentro da poesia cubana do exílio, mas ao mesmo tempo
trata de encontrar traços do cubano em minha poesia a
todo custo, como um bom detetive. Barquet disse que
meus malabarismos e exotismos não foram nunca alheios
à poesia cubana, e menciona Julián del Casal e José
Lezama Lima. O livro de Barquet, Escrituras poéticas de
una nación: Dulce María Loynaz, Juana Rosa Pita y Carlota
Caulfield, publicado em Havana pelas Edições Unión em
1999, é uma boa fonte para os leitores que se interessem
em rastrear minha identidade cubana. Definitivamente,
não me interessa defender nenhuma identidade em
particular, talvez a única que me atreva a defender seja a
de poeta.
Corner
Revista eletrônica
http://www.cornermag.org
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revistas em destaque
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arquitrave (colombia)
diálogo entre harold alvarado
tenorio & floriano martins
FM - ¿Cómo y porque surgió la
idea de hacer una revista como
Arquitrave?
HAT - En Colombia hay muy pocas
revistas dedicadas en exclusivo a
la poesía. Las mejores sin duda
fueron las que hicieron durante los
años setentas Elkin Restrepo, José
Manuel Arango y Luis Fernando
Macías en Medellín. Pero las otras que han existido pecan
gravemente por ser instrumentos de envanecimiento, celebran
en exclusivo a sus directores y colaboradores. Arquitrave quiere
romper esa tradición, publica sólo textos inéditos y circula entre
suscriptores, garantizando su independencia de los poderes
culturales nacionales que son funestos en el caso colombiano.
FM - ¿Puede una revista sobrevivir sólo de suscripciones?
HAT - He tratado de que Arquitrave sobreviva solo de sus
suscriptores y hasta el momento lo he logrado. No se si en el
futuro pueda hacerlo. De allí que extreme la campaña de
suscripciones. A pesar de no tener apoyo oficial ni privado
algunas entidades culturales nacionales e internacionales me
ayudan con la compra de varias suscripciones. Eso sucede por
ejemplo con la Biblioteca Luis Ángel Arango o con el Instituto
Iberoamericano de Berlín, por citar dos casos solamente. Espero
poder contar con mas apoyo en el futuro.
FM - ¿Tiene un comité de redacción Arquitrave?
HAT - No, yo hago todo el trabajo de recolección y selección de
textos, como hago todo el trabajo de diagramación e impresión.
Lo único que no hago es el refilado, pero también me ocupo del
envío postal. De manera tal que estoy dedicado en exclusivo a
esa pequeña aventura.
FM - ¿Como elige los textos?
HAT - Trato de equilibrar cada número no con mis gustos sino
con los niveles de calidad de los textos que logro recoger. Y que
me envían los poetas. En cada número hago un pequeño
homenaje a un poeta vivo o muerto, y publicó poetas de todas
las partes que puedo.
FM - ¿Y de Brasil?
HAT - Trato de poner un poeta del Brasil en cada edición, pero es
difícil. Los traductores, los buenos traductores no abundan.
Ahora por ejemplo estoy preparando un homenaje a Alberto da
Costa e Silva, uno de los poetas brasileños mas queridos en
Colombia, donde fue embajador. Pero en general no mes es fácil
esa labor de difundir una poesía tan importante como la
brasileña y tan desconocida entre nosotros. Seguiré insistiendo.
FM - ¿Que ayuda necesita entonces?
HAT - Que los poetas se comuniquen conmigo y que me ayuden
a difundir la revista, tanto la impresa como la virtual. Le ruego
poner aquí mis direcciones: www.arquitrave.com y
[email protected] para que me escriban.
Arquitrave, revista colombiana de poesía publicada, impresa y
virtual, en Bogotá, por el poeta Harold Alvarado Tenorio, ha
cumplido sus primeros dos años de vida. El nombre de la revista
parece ser un homenaje al poeta español Jaime Gil de Biedma.
Uno de sus poemas de los años sesenta se titulaba precisamente
El arquitrabe, una suerte de metáfora de los impedimentos y
prohibiciones sociales y eróticos que padecía el poeta bajo el
franquismo.
Arquitrave se publica cada dos meses y difunde la poesía de
todos los tiempos, en especial, la que se escribe en nuestra
lengua. A la fecha ha realizado, entre otros viarios, homenajes a
poetas como el habanero Gastón Baquero, el sevillano Luis
Cernuda, el perseguido político del castrismo Raúl Rivero, el
alejandrino Konstandinos Kavafis, el sanonofreño Giovanni
Quessep, el chino Bai Juyi, los alemanes Ingeborg Bachmann o
Hans Magnus Enzensberger, el indio Mudnakudu Chinnaswamy,
el madrileño Luis Antonio de Villena, la uruguaya Cristina Peri
Rossi, el palestino Madmud Darwish, el brasileño Affonso
Romano de Sant’Anna, la australiana Margie Cronin, el griego
Atanasio Niarjos, la sueca Karin Boye o el colombiano Jader
Rivera. En el número doce que está en circulación, se celebra al
mexicano José Emilio Pacheco, al lusitano Jorge de Sena y al
griego Napoleón Lapathiotis.
Harold Alvarado Tenório
Director Arquitrave, revista de poesía
www.arquitrave.com
www.arquitrave.com/hatprincipal.htm
[email protected]
Apartado Postal 1-36 02 81
Centro Internacional
Bogotá. D.C.
Móvil [310] 324 88 35
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fronteras (costa rica)
depoimento de Adriano Corrales
Arias
La Revista Fronteras nació como
un Proyecto de Extensión Cultural
del Area de Culturales del
Departamento de Vida Estudiantil
(DEVESA) del Instituto
Tecnológico de Costa Rica, Sede
San Carlos, Costa Rica, en el año
1995. Su primer objetivo fue
convertirse en un espacio
editorial para dar a conocer las
distintas investigaciones que venían realizando nuestros docentes
e investigadores en torno al ámbito de las Culturas Populares.
Pero a medida que se fue desarrollando el proyecto (a partir del
tercer número), nos fuimos enterando de la existencia de un
vacío en cuanto a revistas culturales costarricenses y
centroamericanas, que mantuvieran un perfil intermedio entre la
revista especializada y la revista popular, formato que
perseguíamos desde el principio. Así, además del énfasis
antropológico, histórico y sociológico, nos fuimos abriendo a
otros ámbitos como el de la literatura y el arte en general. Por
otro lado empezamos a recibir colaboraciones de distintos países
latinoamericanos, y más tarde europeos, a los cuales,
imprevistamente, fue llegando la revista gracias a amigos y
colaboradores. El proyecto se amplió.
Hoy mantenemos diferentes secciones permanentes: El Editorial,
donde consignamos nuestra posición sobre divversos temas,
Tertulia, donde tenemos siempre una entrevista con un invitado
especial; Raíces, un espacio para la historia y la cultura popular;
Reflexiones, una sección para el ensayo o artículo de fondo sobre
la teoría cultural, filosófica, literaria, política, económica o
estética en general; Comunidades, espacio para grupos
artísticos, étnicos, culturales, etc. y para reseñas literarias y
editoriales en general; Trapiche, sección literaria con poesía y
cuento; Aduana, sitio donde consignamos las publicaciones
recibidas y recomendamos bibliografía; A la Tica, sitio sobre la
identidad nacional y su devenir histórico.
La revista se financia básicamente con presupuesto del Instituto
Tecnológico de Costa Rica y con la venta de sus ejemplares, pero
estamos tratando de abrir la venta de publicidad como una
colaboración y apoyo a este proyecto editorial. La misma se
distribuye en las principales librerías de las ciudades
costarricenses de San José, Heredia, Ciudad Quesada y Cartago.
Pero también se encuentra en Bibliotecas, Centros Culturales y
Salas de Teatro, tales como Giratablas, Café Calicanto en el
Ministerio de Cultura, galería Andrómeda, etc en la ciudad
capital, San José. Hasta ahora se han publicado 14 números
semestrales y ya está en preparación el número 15.
Si alguien desea suscribirse o enviar su colaboración lo puede
hacer a nuestros teléfonos, fax o apartados postales y
electrónicos. Pra colaboraciones se aceptan artículos o
narraciones no mayores de 20 cuartillas; en poesía no más de
cinco poemas. Agradecemos una breve ficha bibliográfica del
autor.
Por lo demás, la revista Fronteras no se concibe solamente
como una publicación, sino, y es lo más importante, como un
Punto de Encuentro y un proyecto cultural que ya ha realizado
Tres Encuentros Centroamericanos de Escritores y dos de Poetas
Nicaraguenses y Costarricenses, además de diversos recitales,
conversatorios, talleres y congresos.
El Director y Editor es Adriano Corrales Arias, quien, a nombre
del Consejo Editorial y del grupo de trabajo, agradece su
atención. …Y como siempre los invitamos para que nos escriban:
Apdo. Postal 223-4400, Ciudad Quesada, COSTA RICA. Teléfonos
(506) 475-50 33, (506) 475-5063 extensiones 293 o 243;
Telefax (506) 475-5085. Correo electrónico:
[email protected] o [email protected].
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salamandra (espanha)
apresentação de lurdes martínez
Desde finales de los años 80 en que se
constituyó el grupo, nuestra actividad se ha
reunido principalmente en torno a la revista
Salamadra, el periódico ¿Que hay de nuevo? y
las ediciones de nuestra editorial La Torre
Magnética, además de toda una serie de
intervenciones públicas: conferencias,
exposiciones, declaraciones colectivas, etc.
La revista Salamandra, que podríamos decir es
el órgano de expresión del grupo, ha pasado por diversos
momentos. Si los primeros números se correspondieron con una
etapa de iniciación donde el juego colectivo era la nota
dominante, a partir del número 4 hemos perseguido una mayor
ambición y riesgo intelectuales. Pero además el deseo de tomar
contacto con otras corrientes de pensamiento ajenas pero afines
al surrealismo nos ha impulsado a abrir la revista, especialmente
a partir del número 8/9, a colaboraciones procedentes de esos
campos próximos, tanto en lo que se refiere al pensamiento
crítico como a la investigación en el ámbito de lo imaginario. Para
el próximo número (11) hemos tomado la decisión de modificar
el subtítulo de la revista, que desde el número inicial ha sido
Comunicación Surrealista - completado más tarde, primero por el
de Imaginario Crítico y, desde el número 8/9, por el de
Imaginación Insurgente. Crítica de la vida cotidiana-; ahora será
sustituido por Intervención Surrealista, manteniendo los otros
subtítulos. Esta decisión responde a una evolución dentro de
nuestro propio pensamiento y que atañe a la relación que
queremos establecer con el surrealismo: así “comunicación”
presupone, a nuestro parecer, fundarse en la posesión acrítica de
una verdad de la que se hace partícipe a los demás, que se
anuncia, y en este sentido supone avanzar desde una postura
ideológica de la que queremos huir completamente. Mientras que
“intervención”, desde nuestro punto de vista, lejos de tener el
sentido pretencioso de que con nuestras acciones transformemos
lo real, implica partir del surrealismo, no como sistema de
pensamiento cerrado y determinado donde acudir para encontrar
respuestas y soluciones, sino como plataforma desde la que
encaminarnos, despojados, a actuar sobre la realidad de una
manera experimental.
Se podría decir que, a un nivel general, nuestras actuaciones se
desarrollan en dos dimensiones que pretenden cierta resolución
dialéctica: de una parte, el desenvolvimiento de una reflexión
teórica, que partiendo de una postura esencialmente pesimista,
se concentra en el análisis crítico de la actual sociedad
espectacular, evidenciando sus mecanismos de dominación. De
otra, una práctica concretada en intervenciones y
experimentaciones (a un nivel colectivo o individual) inspiradas
por la imaginación, que son asumidas más como estrategias de
resistencia que de transformación, - acompañadas en ocasiones
de su correspondiente teorización- que aspiran a quebrar o
socavar la normalidad del discurso dominante entendido como
incuestionable y que se hallan completamente impregnadas de
una intención experimental y lúdica.
En el primer apartado podríamos incluir un conjunto de
declaraciones colectivas: Hermanos que encontrais bello lo que
viene de lejos,(publicado en Salamandra no.6) contra el racismo
y la xenofobia, donde denunciamos las construcciones mentales
que el poder mantiene y fomenta para que“el otro” siga siendo el
enemigo, al tiempo que indagamos en propuestas que se
opongan a este estado de cosas, como pudiera ser la elaboración
de mitologías o narraciones entendidas como empresas de la
vida colectiva “que cohesionan los esfuerzos e
individuos...saturándolos de pasiones nuevas y dirigiendolos a
proyectos liberadores”(Effenberger, La Civilisation Surréaliste),
mitos que ilusionen la conciencia humana y que consigan
sustituir “el recelo, el miedo y la cólera por la curiosidad, la
aventura y el deseo” (Hermanos...) ; Pleno Margen, a favor de la
liberalización de las drogas , que reclama la liberación integral
del ser humano y su derecho a desarrollarse en plenitud,
abordando el peligro que ello presupone para el poder represor;
Hay una luz que nunca se apaga, donde celebramos las huelgas
de Corea; Todavía no han parado todos, en contra del deporte y
el trabajo, donde exigimos el fin del trabajo y denunciamos la
simbiosis entre los modelos del deportista y del trabajador que
quieren justificar las exigencias de la economía. Una misma linea
de discusión siguen otros textos individuales: Nuevas industrias
de la subjetividad, de Jesús García Rodríguez, (Salamandra
no.10) que pone en evidencia la manera en que el espectáculo
opera en el dominio de lo sensible, convirtiendo los deseos, el
placer, las emociones, las subjetividades en mercancías y analiza
el papel crucial que la publicidad juega en ese proceso; La
negación del espejo, de Eugenio Castro, una crítica de las nuevas
tecnologías que se centra en el fenómeno de la pantalla como
instrumento de separación que conduce al hombre -que había
extraído su fuerza de su relación con la intemperie- a un estado
de inmadurez y cobardía, y que sepulta, en todos los ámbitos de
la vida cotidiana, el ciclo vital del tiempo mediante el simple
gesto de su encendido. Tiempo de carnaval, de José Manuel
Rojo, que intenta desentrañar los mecanismos recuperadores de
la publicidad que no sólo vuelven en ofensivas las críticas y
propuestas del movimiento revolucionario sino que también las
reconvierten en nuevas mercancías o estímulos para el desarrollo
de la economía. Por último, las discusiones y debates más
recientes en el seno del grupo se han concretado en dos textos
colectivos: El falso espejo, que reflexiona sobre el papel de la
imagen hoy, convertida en herramienta del poder al apuntalar y
reforzar el proceso de desmaterialización de lo real,
instrumentalizar lo imaginario y sustituir la vida vivida, pero
haciendo al tiempo que este hecho terrible se acepte sin
violencia, al aparecer adornada con los ropajes de lo artístico. La
orgía de imágenes que nos envuelve y fascina, afecta de modo
inevitable a la creacción artística, y a ésta en el seno del
surrealismo que, sin renunciar a la creación de imágenes del
deseo a un nivel individual, ha de asumir la falta de eficacia de la
imagen a un nivel social, debido al problema, no sólo de la
recuperación de cualquier imagen subversiva, sino, lo que es
peor, de la banalización de toda creacción artística. A esto sigue
una reflexión sobre la oportunidad de pensar en nuevas tácticas
que logren un diálogo social entre artista y público -habida
cuenta de la caducidad del sistema de exposiciones- y la
necesidad de ahondar en una renovación del imaginario
surrealista que se libere de rasgos identitarios y de inercias
especializantes, invocando la indocilidad y la no acomodación y
fundandose en la experiencia de lo desconocido. Sin renunciar a
la imaginación, se lanza como propuesta la práctica del
materialismo poético, que materialice el ensueño utópico
satisfaciéndolo en la vida concreta, entendiendo aquí lo
imaginario como no separado de la realidad sino fundado en ella.
En definitiva se trata de “no contribuir al proceso de
fantasmagorización del mundo sino encontrar la fórmula que le
permita hacerse real sin realizarse como espectáculo”. Finis
Linguae, texto que abre el volúmen colectivo de poemas Indicios
de Salamandra, editado por La Torre Magnética-Zambucho
Ediciones (Madrid, 2000), aborda la problemática del lenguaje
poético, la palabra en libertad y su naturaleza inabarcable,
inconmensurable, incomunicable, desobediente, resistente,
inasible a la dominación, rebelde frente a cualquier utilitarismo
sin olvidar que esa palabra forma parte del lenguaje como actual
mecanismo de dominación, de la comunicación de los dueños,
Junto a estas elaboraciones teóricas se inscriben una serie de
acciones y experiencias dirigidas a “quebrar el espacio
apesadumbrado de la vida cotidiana”. Buena parte de nuestra
energía se encamina hacia una crítica de la vida cotidiana, a la
que nos impulsa el comprobar cómo el capitalismo ha provacado
la separación del hombre de la vida en su conjunto, reduciendo y
parcelando sus facultades y extendiendo a todos los campos su
ética economicista y productivista. Ante esta situación de miseria
vital, vemos necesario llevar a cabo la desacreditación de la
realidad tal como nos es dada, mediante la vivencia de la poesía,
que atenta y altera la percepción que tenemos de lo cotidiano en
su expresión más miserabilista y lo somete a una crítica
implacable. A un nivel colectivo se situan una serie de
intervenciones callejeras que forman parte del “proyecto político
de vida poética” desarrollado en el texto Los días en rojo
(Salamandra no.7) y que consiste en llevar los impulsos de la
poesía a la vida cotidiana y a la práctica revolucionaria: por
ejemplo, pintar en las paredes constelaciones imaginarias,
modificar el aspecto de ciertas estatuas, simular una procesión
de fantasmas entrando y saliendo de un edificio ruinoso y cuya
única huella visible son sus zapatos adheridos al suelo, realizar
una deriva colectiva con el pretexto de estampar en las calles
frases de contenido poético, etc.Esta introducción de elementos
perturbadores en el paisaje cotidiano aspira a producir un
desconcierto visual y mental que pueda movilizar el aparato
afectivo del viandante; se trataría de estimular y practicar
“nuevos comportamientos que anuncien el principio de una
realidad en agitación. Comportamientos...que vayan
cartografiando el paisaje de una subversión mental a gran escala
que procure la posibilidad futura de una insurrección
generalizada” (Los días en rojo). No obstante, admitiendo los
incontables obstáculos que existen para que esto se produzca,
contemplamos estas acciones por su absoluta gratuidad, por el
simple placer que nos procura su desarrollo. Además, “al nacer
de un impulso de la imaginación creadora” reivindican y apelan a
“una forma de diversión inventada y libre que se opone a toda
forma de deleite alienado y alienante”. Por último, buscamos en
todo momento el anonimato y la clandestinidad de estas acciones
para evitar que sean asimiladas o reducidas a un aspecto
puramente estético. A un nivel más individual responden un
conjunto de experimentaciones de lo poético (experiencias de
derivas, de azares y encuentros y, en general, vivencias
relacionadas con todo el material inconsciente) en las que se
esboza o ensaya la posibilidad de otra vida, y hablamos de
esbozos de esa vida diferente, porque somos conscientes de la
dificultad de que en la actual situación de dominación se pueda
manifestar en toda su plenitud, de que la poseamos
efectivamente, en todo momento y circunstancia. En concreto en
la revista Salamandra la sección Más Realidad. Emblemas de la
magia cotidiana. recoge desde el número 5 experiencias de esta
índole.
Mención aparte merece la atención que hemos prestado a lo
concerniente a la naturaleza y el animal salvaje, abordados
desde un plano tanto teórico como poético. En Notas sobre
ecología y surrealismo, J. M. Rojo (Salamadra no.5) plantea la
necesidad de promover, para superar la actual crisis ecológica,
una nueva ecología revolucionaria que forje una nueva
sensibilidad hacia la naturaleza y el animal, una sensibilidad que
recoja las aspiraciones poéticas, imaginativas e inconscientes
latentes en todos los seres humanos y que deben proyectarse en
la creación de un nuevo mito colectivo movilizador sobre la
relación entre el hombre y la naturaleza. Una aproximación
pasional hacia la naturaleza lleva a E. Castro en En la montaña
del Torcal. Sésamo multiplicado (Salamandra no.4) a criticar el
concepto proteccionista que sobre ella ha forjado la visión
antropocéntrica, que reduce, anula y manipula el potencial
mágico y recreador que recorre la naturaleza en su totalidad. De
el animal, ese “Otro Absoluto, explotado, ignorado o perseguido,
que arrastra en la sociedad occidental el doble estigma con el
que el hombre moderno trata de defender su razón esclavizada:
lo últil-lo dañino” (M.Auladen, Qui-yi-yi-yi-yi-yi-yi-yi. Luz Negra
no.2), se ocupa el texto colectivo El Continente Fabuloso.
Proyecto para un Bestiario Surrealista, (Salamandra no.6) donde
se reconoce su absoluta autonomía, despreciando la actitud que
conduce a dotarle de atributos humanos y se insiste en la
necesidad de dirigir nuestras relaciones con él hacia un plano de
reciprocidad, con el fin de recuperar su carácter de ser fabuloso y
“emocionante”.La liberación de la vida salvaje es, en definitiva,
imprescindible para la liberación del ser humano.
Otro ámbito en que nos hemos dedicado de manera especial es
el de la crítica al urbanismo como otro de los instrumentos de
dominio sobre el espacio físico, que acota y reglamenta el ámbito
urbano, lo limita en función de criterios de rentabilidad econónica
y convierte a la ciudad en un lugar domesticado que ha perdido
su relieve vital, pasional (El espíritu errante. Una introducción al
nomadismo del ser seguido de fragmentos para un dossier
psicogeográfico, coordinado por J.M. Rojo,Salamandra no.7; El
Lugar revisitado.Textos psicogeográficos del Grupo Surrealista de
Estocolmo, coordinado por Lurdes Martínez, Salamandra nº.10).
Frente a ello nos prodigamos en explorar nuestro entorno más
inmediato, buscando recuperar la magia de los lugares, sus
potencialidades y particularidades en oposición a la
homogeneización y normalización que impone el capitalismo: en
El juego de la isla (incluido en El espíritu errante...e inspirado en
un juego del Grupo Surrealista de París) asistimos a la emersión
de una isla en pleno centro de Madrid, mediante la exploración
de esas zonas de la ciudad que poseen una imantación afectiva
indiscutible. O bien en oposición al fomento interesado del
olvido: en Ruido de cadenas.El sentimiento gótico de la
arqueología industrial, J.M. Rojo (en La experiencia poética de la
realidad como crítica del miserabilismo. Edic. La Torre MagnéticaLibrería Asociativa Traficantes de Sueños. Madrid, 1997) analiza
el proceso de decadencia de las viejas industrias -que forman
hoy parte de las ciudades y cuyo único destino es ser demolidas
o convertidas en museos- en la economía posindustrial y el
posible reencantamiento de las fábricas vacías que se proponen
como sustituto contemporáneo de los castillos, espacios donde lo
imaginario puede encontrar un nuevo nido y fortalecer el deseo
de rebelión de los movimientos sociales que como los okupas
reutilizan sus espacios abandonados. Las experiencias de derivas
sobre las que E. Castro reflexiona en El nombre ensoñado. La
realidad nombrada (Salamandra no.3) y Sólo las horas.(La deriva
como experiencia onírica de la realidad y erotización del tiempo)
(La experiencia poética...) atañen a la dimensión temporal -más
que espacial-de la vivencia de lo maravilloso en este deambular
extraviado hacia ningún sitio, extravío que provoca una nueva
disposición sensible y mental que altera la percepción que
tenemos del entorno y hace que el fluir del tiempo se antoje como en el sueño- distinto al del tiempo instrumental. Tiempo de
“emoción pura”, de desocupación total, tiempo extraviado, de
placer mental, de ensoñaciones eróticas...
En los últimos tres años hemos intensificado nuestros contactos
con el entorno radical/alternativo y fruto de ello ha sido la
organización de charlas y debates en ciertos puntos del ámbito
radical (C.N.T de Barcelona, C.A.O. de Alicante, la librería
Liquiniano de Bilbao, Traficantes de Sueños en Madrid),
conferencias que han ido acompañadas de pequeñas
exposiciones entendidas como mero complemento de aquéllas;
esta decisión responde a nuestra actitud de desconfianza hacia el
sistema de exposiciones convencional y se perfilaría como un
ejemplo práctico de una actividad de resistencia; confiamos
además que se dió una correspondencia unificadora entre el
discurso teórico y crítico y las obras. Al dar las charlas sobre todo
en espacios políticos más que artísticos y al dar más importancia
al discurso teórico que a las obras creemos haber conseguido
ciertos resultados en tanto en cuanto que comunicación no
espectacular. Por otro lado, con ocasión del ciclo de charlas
realizadas en la Traficantes del Sueños surgió el proyecto de
editar un libro con el contenido de las mismas, titulado La
experiencia poética de la realidad como crítica del miserabilismo,
que ha sido mencionado anteriormente.
Salamandra
Revista del Grupo Surrealista de Madrid
[email protected]
Ediciones de la Torre Magnética
Torrecilla del Leal, 21, 1° izq.
28012 Madrid, España
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tropel de luces (venezuela)
diálogo entre pedro salima &
amigos (antonio guerra, luis aníbal
velásquez, mirimarit parada, jesús cedeño y
eduardo gasca)
- La pregunta reglamentaria, ¿cómo
surge la idea de crear una revista
literaria?
PS - Tropel de luces no tiene una
fecha fija de nacimiento, creo que se
fue dando en el tiempo, desde antes
que nosotros pasáramos a formar
parte de la directiva de la Asociación
de Escritores. Hubo un grupo
interesado en publicar una revista, el centro del grupo en aquel
momento fue el poeta José Lira Sosa y creo que ese sueño quedó
allí, con la idea de hacerse realidad.
Una vez que asumimos la directiva de la Asociación de Escritores
empezamos a concretar esta idea y luego varias reuniones en el
sótano del Museo Francisco Narváez armamos lo que sería Tropel
de luces. Tomamos el nombre de un poemario de Víctor Salazar,
poeta que nacido en Barcelona, vivió sus años de infancia en la
isla de Coche. Es un homenaje a Víctor.
Debido a que somos escritores o escribidores, y con eso no
basta para hacer una revista, hacía falta la parte económica, y
esta se vio concretar con el nacimiento de la Peña Literaria José
Lira Sosa, donde al grupo de la Asociación de Escritores se
unieron varias personas vinculadas a la literatura, incluyendo a
dos compañeras, Clorinda Fuente e Ima Rosa Rivas, que se
empeñaron en convencer a algunos empresarios para que
dedicaran parte de sus ganancias a participar en una revista
literaria que en ese momento no existía. También a través de la
Peña Literaria llegó una persona que se encargó de hacer el
diseño de la revista.
- ¿Cuál es el equipo que inicia la revista?
PS - Tendríamos que mencionarnos a nosotros mismos, Luis
Malaver, Luis Emilio Romero, Campito, Antonio Guerra, Eduardo
Gasca, Luis Velásquez, Chevige Guayke, Gabriel Bulla, Clorinda
Fuentes, Ima Rosa Rivas, Juan Carlos Chaperón, y luego se fue
integrando otra gente como Maury Valerio, Mirimarit Parada,
Oscar Roca, Oscar Rodríguez, Luis Miguel Patiño, Ekaterina
Gameley, Omar Galbiati, Adolfo Golindano. Esto nos da una idea
de una revista que, independientemente de que se le conozca
como la publicación de la Asociación de Escritores del estado
Nueva Esparta, va mas allá de esta institución y de la rigidez
tradicional en las asociaciones de escritores, las cuales de por sí
son pavosas. Creo que esta forma que le dimos a la Tropel de
luces, de participación de otras expresiones culturales, ha
logrado que se mantenga. El mismo hecho de que hayan
participado o participen gente como Chevige Guaike, que nunca
fue de la Asociación de Escritores, Antonio Guerra, un ácrata que
no se asocia en estas instituciones, Adolfo Golindano, que es
pintor, nos indica el grado de amplitud que hemos intentando
dar.
- ¿La revista Tropel de luces está por encima de la Asociación de
Escritores?
PS - Sí, y creo que en parte ha sido intencional. Nuestra mayor
dedicación ha sido a Tropel de luces, pero no sólo como revista,
sino extendida a la publicación de libros, ampliada a la formación
de nuevas gente que se acerca a la literatura y puede convertirse
en un nuevo autor que escriba en la revista. Colocamos a Tropel
de luces por encima de la Asociación de Escritores, a la cual
llegamos no para hacer una institución tradicional, sino que
tomamos el nombre de la misma, ofrecido por quienes antes la
dirigieron. Y Tropel de luces ha sido el resultado de este trabajo
y en un momento determinado hemos tenido la intención de
dejar que esta revista sea nuestra marca, nuestra huella a nivel
nacional.
- ¿ Tropel de luces es una revista elitesca?
PS - Sigue siendo una publicación que llega a un grupo de
personas, no podemos obviar que en este país la literatura es
elitesca, pues no todo el mundo la ha asumido como parte de su
cotidianeidad. Quizás en la medida de que el ciudadano común
se vaya acostumbrando a leer, existirá un mayor acercamiento
entre la revista y ese ciudadano.
- ¿Se ha rebasado las expectativas con la revista Tropel de luces?
PS - Nacimos sin la intención de llegar a quince números, a lo
mejor fuimos pesimistas, pero no es fácil hacer quince ediciones
de una revista literaria, de hecho nos son muchas las
experiencias similares. En eso, creo, la expectativa se ha
superado y también en la forma como ha sido aceptada en el
resto del país, pese a no contar con una distribución que haga
posible que llegue a todos los rincones o por lo menos a los
interesados en la literatura en el país; sólo la hemos conectado
con otros escritores a través de los encuentros o por medio del
correo, y se nos va un dineral en el pago del servicio postal, pero
es una forma de hacerla conocer.
Es importante decir que la revista no se queda en lo literario,
pues cuando se hace una publicación en provincia es muy difícil
que la resumas a un sector, pues no hay otros medios de
divulgación en el sector cultural y entonces la revista se te
convierte en una expresión de lo que es la actividad o el mundo
cultural.
- ¿Tropel de luces pudiera ser una referencia de vanguardia en la
literatura?
PS - Creo que es una referencia literaria del estado Nueva
Esparta, no a nivel de lo que fue para el país El techo de la
ballena o alguna de esas revistas o grupos que nacieron o
vivieron en momentos convulsionados, para nosotros el
momento es distinto, nos ha tocado una época donde el mundo
de la literatura es apacible. No somos una vanguardia.
- ¿Qué opinión te merece el contenido de la revista en este
contexto histórico?
PS - La revista no puede escapar a lo que sucede en el país,
independientemente del carácter neutral que pretendamos
darle. En su contenido siempre hay una referencia a lo que está
pasando en el mundo.
- ¿El desorden y la desorganización es el éxito de la revista
Tropel de luces?
PS - Organizados no somos. Si logramos organizarnos a lo mejor
tuviésemos menos problemas a la hora de editar la revista; pero
quizás esa organización nos restaría espontaneidad.
- ¿Hay elementos particulares en la revista?
PS - Hay ciertos elementos dentro de Tropel de luces que le dan
alguna particularidad, por lo menos el modo de presentar a los
autores. Hemos intentando disminuir el nivel académico, hemos
intentado, incluso, quitarle seriedad a la revista, cuestión que no
hemos logrado, la revista todavía sigue siendo muy seria para el
gusto de algunos de nosotros. Hay muchas cosas que el lector no
sabe; de repente está leyendo un texto y puede creer que el
autor es la persona que aparece como tal, pero pudiera ser otro,
pues quizás uno de nosotros no cumple presentando su texto a
tiempo, a lo mejor está consumando una misión en un burdel,
entonces lo escribe otro, aunque aparezca con la firma de quien
debería escribirlo originalmente.
Otro elemento es la frescura que intentamos darle a la revista,
queremos una publicación que se lea, que atrape al lector. No
tenemos la idea de entregarle a los lectores una revista pesada.
Lo más difícil es convencer a la gente que tenga la revista en sus
manos, una vez logrado eso el trabajo es más fácil.
- ¿Qué es lo más que te llena de la revista Tropel de luces?
PS - El equipo que hemos logrado. El interés de cada uno de
nosotros, en principio no fue igual en todos, pero poco a poco
ese afán se ha ido consolidando alrededor de la revista, Esa es
una de las cosas que mas me satisface, la revista ha logrado que
el equipo se consolide. La experiencia vivida en la Feria
Internacional del Libro en Caracas es una prueba. Recientemente
alguien me comentaba la sensación de unidad del grupo que
mostramos durante el evento. Algunos nos consideran un clan,
otros una mafia. Somos una peña.
- ¿Qué elementos nos hace diferente al resto de las revistas
literarias?
PS - La amplitud. Repito, no nos centrarnos en lo meramente
literario. Además en la variedad del contenido. Para muchas
personas es importante la separata. Para otros la crónica es de
un valor especial. Para otros es el trabajo con los artistas.
También hay sorpresas, por ejemplo hay una revista donde se
hizo un trabajo sobre Reina Rada como escultora, pues ese texto
causó impacto entre los docentes., muchos profesores no vieron
a la artista sino a la educadora. Esas cosas le van dando una
amplitud a la revista que permite que mucha gente la busque.
Hemos notado es que hay personas pendientes que la revista
salga para ir a comprarla, se sienten orgullosos de que en
Margarita exista una revista de esta calidad. Para ellos es un
producto margariteño para el mundo. No voy a decir que esta es
una generalidad ni que son muchas personas, pero si las hay.
- ¿Margarita se divide ante y después de Tropel de luces?
PS - Eso le va a quedar a los historiadores o investigadores. A lo
mejor le toca a Efraín Subero, quien en una oportunidad dijo que
la Asociación de Escritores de Nueva Esparta no existía, o algún
alumno de Efraín.
- ¿Pedro, alguna sugerencia que tú consideres importante para
mejorar la revista?
PS - Hay algunas ideas que se han ido asomando en reuniones.
Que la revista en el futuro vaya siendo una especie de memoria
cultural del estado. Hacer un trabajo sobre lo que ha sido la
danza en Nueva Esparta, lo que ha sido el teatro o la música o el
cine, de manera que vaya quedando un registro para las futuras
generaciones, aunque eso también nos puede conducir a
fomentar la flojera entre los muchachos, pues si les mandan a
hacer un trabajo sobre el cine en Margarita van y copian a
Tropel de luces y no investigan nada. Claro, esto podrá pasar si
no llegamos a tener un gobierno que sepa lo que hace y queme
todas las revistas, acción que le correspondería a un gobierno
serio: quemar Tropel de luces.
- ¿Pedro, con cuál de las secciones de la revista te identificas
más?
PS - Una de las secciones que más me preocupa cuando va a
salir la revista es “Desde la barra”, porque es quizá el espacio
más fresco, el que tiene mayor contenido de humor, y otra
preocupación permanente es el ensayo, que es lo contrario
“Desde la barra”, más serio.
- ¿Tú aplicas aquel criterio político de Bertold Brecht “ordenar el
desorden y desordenar el orden”?
PS - Esa vaina es muy profunda para mí. El desorden viene como
una respuesta al orden que siempre se impuso en mi casa y
luego el orden que se impuso en el Partido Comunista de
Venezuela, donde milité hasta que me soportaron. Ser
desordenado para romper con tanto orden, me suena mejor.
Hemos intentado que ese desorden se manifieste un poco en
nuestras actividades para no hacerlas demasiado rígidas,
demasiado serias, ni formales. Ya el hecho al asumir el nombre
de la Asociación de Escritores es un peso fuerte con el cual uno
tiene que luchar permanentemente para derrotarlo.
- ¿Pedro, qué significación tiene para ti las portadas de la
revista?
PS - La portada para nosotros es un reto, estamos obligados a
que sea atractiva, pero aparte de eso el autor de la misma debe
sentirse orgulloso del trabajo final. No es original de nosotros en
Margarita lo de una obra de arte en la portada, la revista Ínsula
lo hizo antes, quizá la única diferencia que nosotros le dedicamos
un trabajo al pintor. No sabemos si los artistas se sentirán mas
satisfechos con la recompensa que les daba Ínsula porque era en
efectivo, nosotros tratamos de compensarlo con un retrato
escrito.
Los artistas plásticos se han interesado en ir apareciendo en
portadas de Tropel de luces, hasta el punto de que ya es una
cola bastante larga que espera. Quizás sea porque a uno de los
autores de la portada lo sobornamos para que dijera que el
cuadro más costoso de su vida lo había vendido después de la
aparición de una obra suya en la portada, y los demás lo han
creído.
- ¿Qué es el Comité Regional Clandestino del que nos habla
Ekaterina Gamaely en el editorial de la número 14? ¿Tú formas
parte de ese Comité?
PS - No sé en absoluto quién forma parte de ese Comité. No
sabemos si quienes lo conforman son escritores o no, o son
enemigos de la revista. No sabemos si son terroristas, en algún
momento hemos pensado que son miembros de Al Qaeda. Lo
cierto es que los textos que envían a la revista con la intención
de ser publicados pasan por manos de este terrible Comité, hasta
los escritos por directivos de la Asociación de Escritores o por
miembros de la Academia de la Lengua. Los textos son devueltos
a la revista por el Comité Clandestino destrozados, incluso
aquellos que van a ser publicados. Hemos pensado en publicar
los textos rechazados por el misterioso organismo para ver si los
lectores coinciden o no con este Comité.
- ¿De quién es la autoría de las notas que aparecen a pie de
página?
PS - Eso tampoco se sabe, aparecen allí sin que nadie sepa quién
las hace. Un detalle que a lo mejor los lectores desprevenido no
captan, y es que a un autor se le puede cambiar su sitio de
nacimiento cada vez que un texto suyo aparezca en la revista.
Hay autores que ellos mismos ya no saben donde nacieron.
- Siendo tú un hombre de números, de finanzas ¿cuándo piensa
Tropel de luces pagar a sus colaboradores ?
PS - Esa pregunta sólo la puede responder el Comité Regional
Clandestino.
- ¿A qué dirección se pueden enviar los textos para Tropel de
luces?
PS - En el primer número dimos a conocer las directrices para
poder publicar en Tropel de luces, en especial para los miembros
de la Asociación de Escritores; y allí se vio que era más difícil que
un integrante de la Asociación publicara a que lo hiciese otro
escritor. En aquella oportunidad los textos podían dejarse en el
restaurant La Ceiba, ahora andamos sin dirección, pero en todo
caso pueden dejar los textos en el kiosko de Evelín, aquí en el
Paseo Guaraguao. Los debe dejar en un sobre cerrado, sin
identificarse, porque si se identifica a lo mejor el texto ni siquiera
pasa por manos del Comité Regional Clandestino. Nosotros
recogeremos el sobre y lo dejaremos en un sitio donde sabemos
que algún día pasará este terrible Comité Regional Clandestino,
el cual cada día es más clandestino, en especial cuando se
sospecha que es un grupo terrorista.
- ¿Cuáles fueron las razones que llevaron al diseñador a crear el
diseño actual de la revista?
PS - Yo creo que fue el diseñador que nos llevó hasta allí. Porque
en primer lugar él nos impresionó con unas pruebas, y esa
situación nos llevó a escoger el papel para la revista. Lo que si le
pedimos a Gabriel Bulla, diseñador inicial, fue frescura, aire,
blancos, que dieran una sensación de libertad, que la hiciese
atractiva a la vista. Por experiencia, en especial por años de una
militancia que nos comprometió a leer revistas muy pesadas,
sabemos que los textos cuadrados, las páginas llenas de letras,
resultan aborrecibles a la hora de ir a leer.
- Pedro, hazte una pregunta
PS - ¿Qué yo me haga una pregunta? ¿Cuándo se acaba esta
güevonada de Tropel de luces?
Tropel de luces nació en mayo del año 2000 (segundo trimestre
de ese año). Circula trimestralmente, y siempre ha salido dentro
de cada trismestre, aunque sea el último día del mismo. Un tiraje
de 1000 ejemplares. Lleva 16 números. Empezó con apoyo de la
empresa privada, con el cual todavía cuanta, además con el
apoyo del CONAC. Cada número es presentado en un acto
público.
Tropel de Luces
Asociación de Escritores del Estado Nueva Esparta y Peña
Literaria “José Lira Sosa”
[email protected]
http://tropeldeluces.tripod.com.ve/
.
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revistas em destaque
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iararana (brasil)
diálogo entre aleilton fonseca &
floriano martins
FM - Quando surgiu Iararana e em quais
circunstâncias editoriais?
AF - Iararana - revista de arte, crítica e
literatura surgiu como idéia em novembro
de 1995, quando eu, que estava fazendo
Doutorado na USP, em São Paulo, passava
uns dias no Rio de Janeiro, e, andando ao
léo, no aterro do Flamengo, para visitar o
MAM, tive um estalo. Eu planejava retornar
a Salvador e lembrava que a Coleção dos
Novos, de 1981, que lançara vários
escritores da minha geração (a chamada
Geração 80), eu, inclusive, faria 15 anos em 1996. E que
devíamos comemorar isso e lançar uma revista que marcasse
essa geração. Em janeiro de 1996, já residindo em Salvador,
procurei o contista Carlos Ribeiro, companheiro da Coleção dos
Novos, e falei da necessidade de comemorarmos os 15 anos da
coleção (que lançou 14 autores), com a criação de uma revista
que nos representasse. Para minha surpresa, Carlos Ribeiro
havia tido a mesma idéia da comemoração e da criação de uma
revista. Resolvemos então reunir o pessoal e organizar uma
coletânea com os 14 autores publicados pela Coleção dos Novos.
Foi assim que surgiu o livro Oitenta - poesia e prosa, com textos
de todos, e que foi lançada com grande sucesso. Daí Carlos e eu
lançamos a idéia da revista aos demais companheiros de
geração. Discutimos, eu redigi o projeto, aprovamos, saímos em
busca de patrocínio. Somente em 1998, conseguimos lançar a
Iararana n° 1, hoje esgotada, uma raridade
(compramos exemplares de quem quiser vender). O jornalista e
design Ney Sá fez o projeto gráfico, mantido até hoje. As
primeiros editores foram Carlos Ribeiro, Elieser Cesar e eu. Hoje,
a editoria está composta por Carlos Ribeiro, José Inácio Vieira de
Melo e eu. Desde seu surgimento, a revista assumiu uma postura
aberta, sem grupismo, sem sectarismo literário, e ganhou
prestígio imediatamente.
FM - Qual a razão de seu nome?
AF - O nome é uma homenagem ao poeta baiano Sosígenes
Costa (nascido em Belmonte, em 1901, falecido no Rio em
1968). Discutimos bastante sobre o nome e aprovamos, por
maioria, a minha sugestão: Iararana (que significaria:
aquela que tem a aparência de
Iara, a divindade indígena dos rios) provém do título do longo
poema primitivista, escrito em 1934, só publicado em 1979, em
edição preparada por José Paulo Paes, que fez a fixação do texto.
Este poema merece figurar ao lado de Cobra Norato, de Raul
Bopp, e de Macunaíma, de Mário de Andrade, pelo tema e
pela representação mítico-poética de nossas origens étnicoculturais. O fato é que nós queríamos um nome propositivo, que
não fosse apenas uma homenagem a um escritor já entronizado
no cânone. Sosígenes Costa estava esquecido, podíamos trazêlo à tona com a revista. Sosígenes Costa era avesso à
publicidade pessoal, recatado mesmo. Por insistência dos
amigos, publicou em vida apenas a Obra Poética, pela editora
Leitura, em 1959. O livro recebeu o Prêmio Jabuti de 1960 (SP) e
o Prêmio Paula de Brito (RJ). Logo esquecido, o autor foi
redescoberto no final dos anos 70 por José Paulo Paes, que lhe
dedicou o ensaio crítico Parlenda, pavão, paraiso (Cultrix, 1977),
junto com uma antologia. Paes preparou também a edição de
Obra poética I e a inédita Obra poética II, num só
volume(Cultrix, 1978) e a edição, ilustrada do Aldemir Martins,
do poema Iararana (Cultrix, 1979). Depois disso, o nome do
poeta baiano submergiu novamente. Em 1996, Gerana
Damulakis publicou o ensaio Sosígenes Costa, o poeta grego da
Bahia. No centenário de Sosígens Costa, em novembro de 2001,
a edição de Iararana 7 foi totalmente dedicada ao poeta. Houve
mesas-redondas, palestras, publicações, matérias em jornais. A
partir daí o poeta tem sido cada vez mais lido e estudado em
ensaios, artigos e dissertações universitárias. Já se publicaram
alguns livros sobre sua poesia. Em 2001, o Conselho Estadual de
Cultura da Bahia publicou a Poesia completa do autor, com mais
de 500 páginas. A revista Iararana contribuiu para este
ressurgimento do poeta.
FM - Como a revista convive com outros projetos similares na
Bahia e também todo o país?
AF - Iararana é a única revista da Bahia feita por autores. Ela
não é ligada a nenhuma instituição. Desde a n° 1 até a n° 10,
que sai em dezembro próximo, temos obtido apoio de empresas
e instituições culturais, com isso garantimos a sua existência.
Agora, as revistas no Brasil são muito isoladas umas das outras.
Cada uma nasce e desaparece sem dialogar com as outras. Então
não há intercâmbio, o que poderia fortalecer estas publicações,
compartilhando condições de divulgação e público. Uma
associação das revistas de literatura poderia conseguir muita
coisa. Por incrível que pareça, Iararana faz intercâmbio e
parceria com uma revista francesa, bilíngüe, a Latitudes: cahiers
lusophones, editada em Paris para divulgar cultura de língua
portuguesa. Iararana 8, de 2003, traz um dossiê em comum com
a franecesa Latitudes, que, por sua vez, tem republicado alguns
textos, informações e ilustrações nossas. Já lançamos Iararana
em Paris e em Budapeste, Iararana 8 foi enviada, junto com
Latitudes, para vários departamentos de língua portuguesa de
universidades francesas e para outras entidades culturais
interessadas na cultura lusófona. Juntas, as duas revistas já
participaram de exposições, eventos literários, etc. Agora em
setembro, estarei na França, participando do Colloque
International Le Romantisme Aujourd'hui, na Université FrançoisRabelais, em Tours, e vou levando Iararana 8 e 9 na bagagem
para lançar no evento, que terá gente de vários países. Entre
outros, estarei numa mesa, ao lado do pai do Nouveau roman,
Alain Robbe-Grillet, e isto será muito interessante. Darei
Iararana 8 e 9 a ele.
FM - Qual a situação atual da revista, em termos de conquistas,
dificuldades, novos planos etc.?
AF - A dificuldade é a de sempre, a escassez de apoio, a falta de
patrocínio contínuo, falta de mais tempo disponível para dedicar
à revista. Afinal, somos todos muito ocupados. Mas, de 1998 até
2004, conseguimos editar 10 números. Uma sobrevida
considerada longa para a média das revistas literárias não
comerciais. Iararana figura em várias bibliotecas e coleções por
aí. Já foi citada e referenciada até em teses universitárias. E as
conquistas são muitas: prestígio para os autores envolvidos, um
lugar no panorama literário, a revelação de novos autores, a
convivência de escritores de diferentes gerações e de diferentes
lugares. O nosso plano é expandir os contatos nacionais e
sobretudo internacionais. Já publicamos autores da Espanha,
Eslovênia, Argentina, Portugal, Estados Unidos, França etc. Em
2005, a Iararana 11 trará um dossiê dedicado à Literatura
Galega (Espanha) em parceria com o PENCLUBE da Galícia.
Nosso plano é continuar fazendo uma revista ativa, aberta,
dinâmica, comunitária.
FM - Iararana circula em versão apenas impressa ou há também
um módulo virtual?
AF - Até o momento, a revista tem versão apenas impressa.
Existe a vontade de colocá-la no cyberespaço, mas por hora nos
falta tempo e coragem suficientes para o desafio. Manter uma
revista no ar exige uma disponibilidade de tempo e de pessoal
que talvez em 2005 consigamos ter. Vamos discutir isso e
procurar uma parceria que possa sustentar o projeto.
FM - Qual a sua tiragem e como funciona sua difusão?
AF - A revista tira apenas hum mil exemplares. Assim, a sua
divulgação é bastante seleta, nos meios literários, entre
escritores, professores universitários, bibliotecas, imprensa
especializada, etc.
FM - Como vês as possibilidades da Internet como ferramenta
aplicada à cultura?
AF - A internet é uma ferramenta fantástica. Um número
incalculável de informações, de textos literários, de estudos
críticos… tudo isso posto à disposição de um público incontável…
É a grande revolução do século, que deixa muita gente ainda
confusa, tonta, desconfiada, mas que é imprescindível como
suporte de divulgação cultural massiva.
Iararana – Revista de arte, crítica e literatura
Editores: José Inácio Vieira de Melo, Aleilton Fonseca e Carlos
Ribeiro
Rua Rubem Berta 267/402 – Pituba
Salvador BA 41820-220 BRASIL
Contato: [email protected]
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revistas em destaque
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amauta (peru)
ensaio de carlos arroyo reyes
En el Perú que José Carlos Mariátegui (18941930) encuentra en marzo de 1923 -cuando
retorna de Europa- no se sabe casi nada sobre la
nueva literatura rusa. Como si las agujas del
reloj del tiempo se hubiesen detenido en el
momento de la caída del zarismo o el triunfo de
Lenin y los bolcheviques no hubiese provocado
ningún cambio cultural de importancia, muchos
intelectuales peruanos todavía creen que la
literatura rusa se reduce a Miguel Arzibachev o
Leonid Andréiev y casi nadie conoce siquiera los nombres de
Alexandr Blok, Andrei Bieli o Valeri Briúsov, los tres grandes
representantes del simbolismo ruso que se adhieren a los Soviets
y pertenecen al ciclo de la literatura rusa de la revolución.
Tampoco se sabe nada acerca de Vladímir Maiakovski y los otros
poetas futuristas que apoyan decididamente a los bolcheviques y
cantan a la revolución, ni de Serguéi Esenin y los imaginistas o
de Anna Ajmátova y el acmeísmo. De ahí que, aún a comienzos
de 1925, en un artículo sobre Iliá Ehrenburg y la nueva literatura
rusa, Mariátegui comente lo siguiente: «El escritor ruso Iliá
Ehrenburg, cuyo temperamento artístico habíamos apreciado ya
en la traducción francesa de su libro Juno Jurenito y en algunas
de sus Historias inverosímiles, nos ha dado últimamente una
prueba de su aptitud crítica en un sustancioso ensayo sobre la
literatura rusa de la revolución. El tema es, sin duda,
interesante, sobre todo para un público a quien no ha llegado de
la literatura rusa nada posterior a Gorki, Arzibachev, Andréiev y
Merezhkovski y para quien son todavía ignotos Briúsov, Bálmont
y Blok». (1) La misma preocupación aflora en una carta que por
esa fecha Mariátegui le escribe a su amigo Ricardo Vegas García,
Jefe de Redacción del semanario Variedades, donde muestra su
extrañeza ante el hecho de que muchos intelectuales peruanos
todavía crean que la novísima literatura rusa es la de Andréiev:
«Puede ser que se consiga usted también, en su búsqueda en las
revistas extranjeras, retratos de Vladímir Maiakovski, de Boris
Pilniak, de Andrei Bieli, de Ehrenburg, de Alexandr Blok, etcétera,
para un artículo sobre la nueva, o mejor, la novísima literatura,
ya que para muchos la nueva es todavía la de Andréiev» (2).
Mariátegui no exagera cuando a mediados de la década del
veinte las emprende contra aquellos que todavía creen que la
nueva literatura rusa es la de Andréiev o la de Arzibachev.
Conocido como «el apóstol de las tinieblas», Andréiev es uno de
los más grandes escritores profesionales de la Rusia de la preguerra. Lejos de inscribirse en los rangos de la nueva literatura
que insurge con la Revolución de Octubre, es un típico novelista
y dramaturgo fin de síècle que se siente atraído por los tonos
sombríos del decadentismo y hace gala de una morbosidad que
tiene algo en común con las cavilaciones de Fiódor Dostoievski
sobre el sentido del mal. Escribe diversas obras narrativas como
La risa roja, Los siete ahorcados, La voz de la carne o Sacha
Yegulev. De estas obras, la que prácticamente lo lanza a la fama
es Los siete ahorcados, que aparece en 1908 y se agota al cabo
de unos cuantos días. También incursiona en el teatro y compone
piezas de la calidad de Hacia las estrellas, La vida del hombre o
Judas. En sus inicios, Andréiev se muestra rebelde y misántropo
e incluso es encarcelado por sus actividades políticas, pero
después se transforma en un conservador que apoya la
participación de Rusia en la Primera Guerra Mundial, ataca a la
Revolución de Octubre y cruza la frontera con Finlandia, para
desde allí escribir apasionadas denuncias contra Lenin y los
bolcheviques. En marzo de 1919 lanza un desesperado
llamamiento para que los aliados intervengan en Rusia y acaben
de una vez con los Soviets. Fallece al poco tiempo, a raíz de un
ataque al corazón (3).
Arzibachev es otro de los escritores rusos que goza de mucha
popularidad en el período previo a la guerra. Dominado por el
culto al sexo, la muerte y la desesperación, escribe una serie de
libros como La muerte de Iván Lande, Millones, Sanin, El límite o
La tumba de las vírgenes. La obra que prácticamente lo saca del
anonimato es Sanin (1909), cuya publicación provoca un
escándalo similar al que cincuenta años después suscita El
amante de Lady Chatterley, de D.H. Lawrence. Se dice que
varios de los discípulos de Arzibachev, después que leen sus
cuentos y novelas, donde el fenómeno del suicidio aparece como
un motivo común, llegan a quitarse la vida. También confecciona
diversas piezas teatrales como Celos, La ley del salvaje o El mal.
Arzibachev se inicia como un bohemio rebelde, pero, al igual que
Andréiev, termina oponiéndose a la revolución y se refugia en
Polonia, desde donde anima la publicación de un semanario que
se distingue por sus ataques a la causa soviética. Muere en
1927, cuando la estrella de la fama y la popularidad ya lo ha
abandonado (4).
Andréiev y Arzibachev llegan a tener una gran influencia en
España y América Latina. Tanto que hasta los integrantes de la
llamada «generación del año 20», que son los que acusan el
impacto directo de la Revolución de Octubre, tienen problemas
para romper con el embrujo del naturalismo y el sexualismo de
estos dos escritores rusos. Así, en ese hermoso libro de
memorias que es La arboleda perdida, el gran poeta español
Rafael Alberti deja constancia de la profunda impresión que a
comienzos de los años veinte le causa la lectura de la novela
Sacha Yegulev, de Andréiev, que le regala un pariente suyo que
trabaja en una conocida casa editorial: «Extremadamente
cariñoso conmigo -recuerda Alberti-, Luis me recibía en su oficina
de la casa Calpe, editorial en la que trabajaba. A él debo el
aumento de mi cultura literaria, pues, siempre generoso, rara
era la mañana que no volvía a casa con un montón de libros bajo
el brazo. Aquella colección Universal, de pastas amarillentas, nos
inició a todos en el conocimiento de los grandes escritores rusos,
muy pocos divulgados antes de que Calpe los publicara. Gógol,
Goncharov, Korolenko, Dostoievski, Chéjov, Andréiev... me
turbaron los días y la noche. Hubo una novela, entre todas, que
impresionó profundamente a la juventud intelectual española,
sobre la que soplaban ráfagas fuertes de anarquismo: Sacha
Yegulev, de Andréiev, autor que por aquellos años había muerto
en Finlandia, lejos de la revolución de Lenin, que no alcanzara a
comprender. Yo figuraba entre esos jóvenes a quienes la
juventud heroica y aventurera de Sacha quitó el sueño» (5).
Por la misma época en que Alberti y otros jovénes españoles se
estremecen con la lectura de Sacha Yegulev, de Andréiev, las
novelas de Arzibachev inundan las librerías de América Latina y
son prácticamente devoradas por la «generación del año 20». En
Chile, por ejemplo, Sanin, el personaje central de la popular
novela de Arzibachev, es tomado como modelo por los
anarquistas, los poetas y los estudiantes. Otro tanto ocurre con
Andréiev, que es el escritor de moda. Sus novelas -La risa roja,
Los siete ahorcados, La voz de la carne o Sacha Yegulev- pasan
de mano en mano e inquietan el sueño de muchos jóvenes
latinoamericanos. Algunos de ellos, como Pablo Neruda, se
sienten tan identificados con Andréiev, que cuando empiezan a
escribir sus primeros artículos de crítica literaria -en 1923, para
la revista Claridad- firman con el seudónimo de Sacha, tomado
de la novela Sacha Yegulev. Por ese entonces, Neruda también
lee con fruición El océano, del mismo Andréiev, que tanto influye
en su obra El habitante y su esperanza (6). En el Perú, en mayo
de 1923, tibios aún los últimos rescoldos de su pasión juvenil por
este tipo de literatura decadentista y finisecular, el mismo
Mariátegui declara que en materia de prosa su predilección se
divide entre Máximo Gorki y Leonid Andréiev (7).
De modo que cuando Mariátegui las emprende contra los que
todavía se sienten deslumbrados por la literatura de Andréiev y
Arzibachev quizás también está terminando de ajustar cuentas
consigo mismo o, mejor, con lo que aún queda de su
denominada «edad de piedra». La oportunidad para este deslinde
se presenta a mediados de abril de 1927, cuando escribe un
artículo sobre Arzibachev, que justo por esos días acaba de
fallecer. En este texto, Mariátegui parte de una constatación
fundamental: que, dentro de la historia de la literatura rusa del
novecientos, Andréiev y Arzibachev ocupan un lugar menos
importante que otros contemporáneos suyos, como, por ejemplo,
Fiódor Sogolub, que es uno de los primeros exponentes del
simbolismo ruso. A partir de esta premisa, Mariátegui trata de
discutir la cuestión de por qué, a nivel mundial, Andréiev y
Arzibachev llegan a gozar de un renombre un tanto
desproporcionado. Su idea es que la fama mundial de Andréiev y
Arzibachev se debe a que éstos logran aprehender, desde el
plano de la ficción, en novelas que tienen más que nada el valor
de documentos psicológicos, antes que de creaciones artísticas,
todo ese estado de ánimo de desolación, frustración y
escepticismo en que, tras la derrota de la revolución de 1905,
cae un buen sector de la intelighentsia rusa: «El mundo de
Arzibachev -escribe Mariátegui- es generalmente menos
atormentado y patético que el de Andréiev, pero tiene la misma
filiación histórica. Su sensibilidad se emparenta asimismo, bajo
algunos aspectos, con la de Andréiev. Escéptico, nihilista,
Arzibachev resume y expresa un estado de ánimo desolado y
negativo. Sus personajes parecen invariablemente condenados al
suicidio. Suicidas larvados y suicidas latentes, hasta los del coro
mismo de sus obras. El destino del hombre es, en este mundo
lívido, ineluctablemente igual. El símbolo de la Rusia agoniosa,
una horca. Esta literatura reflejaba la Rusia de la reacción
sombría que siguió a la derrota de la revolución de 1905.
Estudiantes tuberculosos, judíos alucinados, intelectuales
deprimidos, componían la escuálida y monótona teoría que
desfila por las novelas de Arzibachev bajo la sonrisa sarcástica de
algún nietzschano de similor que acabará también suicidándose»
(8).
Pero la Rusia lívida, enferma y sombría de las novelas de
Andréiev y Arzibachev no es toda la Rusia de ese tiempo. Resulta
que el movimiento de 1905 no es sólo una derrota, sino también
una extraordinaria experiencia que es debidamente aquilatada
por aquellos hombres que más tarde, en 1917, despliegan
victoriosamente la bandera de la revolución sobre el Kremlin.
Desgraciadamente, esa otra faz de Rusia -la de la ilusión y la
esperanza- no puede ser conocida ni entendida por Andréiev y
Arzibachev. Incluso, cuando el último de ellos pretende diseñar
un héroe, su imaginación no va más allá de un personaje como
Sanin, que aparece como un fruto de la filosofía individualista y
anarquizante de Max Stirner y las ideas de Friedrich Nietzsche
sobre el «super-hombre». Como dice el propio Mariátegui:
«Cuando [Arzibachev] pretendió crear un héroe, su imaginación
de pequeño burgués individualista inventó a Sanin, un superhombre de provincia que no sostiene ninguna lucha -ni siquiera
una auténtica agonía interior- y que exhibe como única prueba
de su superioridad las victorias de su instinto fuerte y de su
cuerpo lozano de animal de presa» (9).
La situación de Arzibachev también le permite a Mariátegui
discutir la cuestión un poco más general de por qué gran parte
de los escritores rusos que pertenecen al ciclo del decadentismo
y el simbolismo, no obstante que en sus inicios hacen gala de
cierta rebeldía, terminan oponiéndose a la Revolución de
Octubre. Así, pensando sobre todo en los decadentes y los
simbolistas rusos que en el San Petersburgo de comienzos del
siglo XX se agrupan alrededor de las figuras de Dimitri
Merezhkovski y Zinaída Hippius, escribe: «Arzibachev era un
representante de la intelighentsia, como se llama en Rusia, más
que a una élite o una generación, a un ciclo o una época de la
literatura nacional. La intelighentsia era confusa y
anáquicamente subversiva más bien que revolucionaria. Se
nutría de ideales humanitarios, de utopías filantrópicas y de
quimeras nihilistas. Cuando la revolución vino, la intelighentsia
no fue capaz de comprenderla. No era la revolución vagamente
soñada en los salones de Madame Zinaída Hippius entre la
musitación exquisita de un poeta simbolista y las fantasías
helenizantes de un humanista erudito. El pobre Arzibachev, como
otros representantes de la intelighentsia, se apresuró a
protestar. Con un ardimiento de pequeño burgués desencantado,
combatió la Revolución que llegaba armada de dos fuerzas que
Arzibachev no conoció nunca y negó siempre: la ilusión y la
esperanza. Por esto, sobreviviente de sí mismo, exiliado de la
historia, le ha tocado morir melancólicamente en Varsovia. Sobre
la estepa rusa no se dibuja ya como antes el perfil de siete
horcas» (10).
En otra parte de su artículo sobre Arzibachev, como algo que no
le compete directamente, Mariátegui lanza este comentario: «Se
dice que Sanin, que extremaba y exasperaba la tragedia rusa
hasta lo indecible, produjo una reacción oportuna. Muchos
jóvenes revolucionarios se reconocieron estremecidos en los
retratos de Arzibachev. Después de sentirse impulsados
enfermizamente hacia la muerte y la nada, las almas volvieron a
sentirse impulsadas hacia la vida y el mito» (11). No se necesita
ser muy zahorí para descubrir que aquí Mariátegui -aunque se
refiere a los jóvenes rusos que logran superar la derrota de la
revolución de 1905- también está hablando de él y los otros
integrantes de su generación que, en algún momento de su
juventud, se estremecen con las novelas de Andréiev y
Arzibachev y no pueden dormir durante varias noches.
El virtual desconocimiento de la nueva literatura rusa que tanto
preocupa y angustia a Mariátegui tiene mucho que ver con un
factor que es más cultural que político: la barrera del idioma. Por
la época en que el autor de los 7 ensayos de interpretación de la
realidad peruana (1928) retorna a Lima, la literatura rusa de la
revolución todavía no ha empezado a ser traducida al español.
Eso ocurre recién a partir de la segunda mitad de la década del
veinte, cuando varias editoriales españolas, como M. Aguilar, la
Biblioteca de la Revista de Occidente, Ediciones Biblos, Ediciones
Oriente, Cénit y Espasa-Calpe, empiezan a traducir y publicar
algunas de las obras más representativas de la literatura rusa de
la revolución. Así, en 1925, M. Aguilar publica el libro Literatura y
revolución, de León Trotski, que aborda, entre otros temas
importantes, la situación del arte anterior a la Revolución de
Octubre, el problema del encuentro -y los desencuentros- entre
el futurismo y la revolución, el asunto de la relación entre la
escuela formalista de poesía y el marxismo, la cuestión de la
existencia del arte proletario, y la posición de los bolcheviques
ante el arte. En 1926, gracias a la iniciativa de la Biblioteca de la
Revista de Occidente, circulan las traducciones al español de Los
tejones, de Leonid Leónov, Caminantes, de Lidia Seifulina, y Tren
blindado número 14-69, de Vsevolod Ivánov. En ese mismo año,
Espasa-Calpe publica el libro La nueva Rusia, de Julio Alvarez del
Vayo, donde aparecen -traducidos al español- algunos
fragmentos de la obra poética de Vladímir Maiakovski, Anna
Ajmátova, Serguéi Esenin y Alexandr Blok. Entre los textos
poéticos, figuran «La canción del perro», que es uno de los
poemas más bellos y característicos de Esenin, y algunos de los
versos de Los doce, de Blok, que es una de las obras más
representativas del ciclo de la Revolución de Octubre. El autor de
estas traducciones de Maiakovski, Ajmátova, Esenin y Blok como el mismo Alvarez del Vayo se encarga de informar a sus
lectores- es Enrique Díez-Canedo (12).
Sin embargo, el proceso de traducción al español de la nueva
literatura rusa aún es lento, por lo menos en comparación con lo
que ocurre en Francia o Italia, donde se pueden encontrar hasta
revistas -como Russia, de Ettore Lo Gatto- que se dedican
exclusivamente a traducir y difundir a los escritores rusos de la
revolución. Por eso, a comienzos de 1927, Mariátegui saluda a la
Revista de Occidente por su iniciativa de publicar las novelas de
Leónov, Seifulina e Ivánov, pero aclara que aún es muy poco lo
que se ha hecho con respecto a la traducción al español de la
nueva literatura rusa. Su idea es que, para tener una visión
panorámica de la literatura rusa de la revolución, también se
debe leer a autores como Vladímir Maiakovski, Alexandr Blok,
Valeri Bríusov, Boris Pasternak, Serguéi Esenin, Boris Pilniak,
Isaak Bábel o Konstantín Fedin, que todavía no han sido
traducidos al español: «Empieza -escribe- a ser vertida en
español la nueva literatura rusa. (Ya se sabe que la nueva
literatura rusa no es la de los "emigrados" sino la de la
Revolución. La que se alimenta de la savia, la emoción, el
impulso, el sentimiento del orden nuevo). La Biblioteca de la
Revista de Occidente ha publicado el Tren blindado de Vsevolod
Ivánov y Caminantes de Lidia Seifulina. Esto, claro está, es
todavía muy poco. Sólo después de conocer a Pilniak, Bábel,
Maiakovski, Esenin, Fedin, Zamiántin, Lunts, Pasternak,
Tikhonov, Leónov, Ehrenburg, etcétera, podrá el lector hispano
enjuiciar panorámicamente la literatura rusa de la revolución. De
los propios literatos del período anterior a la Revolución, tal vez
los más representativos permanecen aún inéditos en español.
Mencionaré a Blok, Bríusov, Remisov y Bieli. Y su conocimiento
es necesario como introducción en la literatura postrevolucionaria, a la cual Blok, Bríusov y Bieli han dado su aporte,
mientras Remisov, hostil al bolchevismo, ha extraído, sin
embargo, de la nueva vida rusa, los temas de sus últimos
trabajos» (13).
El proceso de traducción al español de la literatura rusa de la
revolución mejora un poco más durante los últimos años de la
década del veinte, particularmente en lo que se refiere a obras
narrativas. En 1927, al poco tiempo que Mariátegui escribe su
comentario sobre la forma tan lenta en que avanza la difusión en
español de la nueva literatura rusa, Ediciones Biblos publica
Caballería Roja, de Isaak Bábel, que es uno de los libros de
cuentos más hermosos, estremecedores y perdurables de la
literatura rusa de la revolución, y Las ciudades y los años, de
Konstantín Fedin. Al año siguiente, Ediciones Oriente entrega a la
imprenta una nueva obra de Fedin: Los mujiks; mientras que la
Editorial Cénit lanza al mercado un libro que causa un tremendo
impacto entre los lectores de habla española y rápidamente se
convierte en una suerte de emblema del emergente «realismo
proletario»: la novela Cemento, de Fedor Gladkov. Por ese
entonces, la Biblioteca de la Revista de Occidente también
publica El farol, de Eugenio Zamiátin. En 1929, Espasa-Calpe
pone en circulación El diario de Costia Riabtsev, de Nicolás
Ognev; en tanto que Ediciones Europa-América hace lo mismo
con La derrota, de Alexandr Fadéiev (14). Este ciclo
prácticamente se cierra con Rusia a los doce años, el nuevo libro
de reportajes de Alvarez del Vayo, que también aparece en 1929
y contiene abundante y valiosa información sobre la literatura, el
teatro y el cine soviéticos. En esta obra, entre otras cosas
memorables, Alvarez del Vayo transcribe parte de sus
conversaciones con Boris Pilniak, que aparece como una especie
de «diplomático» de la nueva literatura rusa, y con Sergej
Eisenstein, el director de un filme que con el paso de los años se
convierte en una de las obras cumbres de la cinematografía
mundial: El acorazado Potemkin (15).
Poco tiempo después, refiriéndose al avance que durante el
segundo lustro de la década del veinte se observa en el proceso
de tradución al español de la nueva narrativa rusa, George
Portnoff escribe: «Actualmente -dice- están apareciendo en
España autores rusos, hijos de la Revolución, y sus obras, como
es natural, son también fruto de la Revolución. La Revista de
Occidente publicó hace poco El tren blindado número 14-69, de
Vsevolod Ivánov; Caminantes, de Lidia Seifulina; Los tejones, de
Leonid Leónov; El farol, de Eugenio Zamiátin. En las Ediciones
Biblos apareció Las ciudades y los años, de Konstantín Fedin, y
otros como Cemento, que ha hecho gran sensación» (16).
La crítica en español
Otro factor que se opone a la adecuada difusión de la nueva
literatura rusa en el mundo de habla española es la critica un
tanto equivocada de los pocos escritores españoles que se
ocupan de ella. Esos son los casos de Cristóbal de Castro, de La
Libertad, de Madrid, y, en cierta forma, de Ricardo Baeza y Luis
de Zulueta, asiduos colaboradores de una publicación española
que tiene cierta influencia en la «formación de minorías» en
América Latina: la Revista de Occidente. Al igual que los
animadores de la Revista de Occidente -que llegan a difundir las
obras de Ivánov, Seifulina, Leonov y Zamiátin-, Baeza y Zulueta
se interesan por el fenómeno cultural ruso (17). Incluso, en
algún momento de su vida -allá en 1922-, el primero de ellos
colabora activamente con la misión de socorro que patrocina el
explorador y naturalista noruego Fridtjof Nansen con la finalidad
de llevar ayuda a los habitantes de Ucrania y el Volga (18). Pero,
por sus mismos prejuicios políticos, tanto Baeza como Zulueta no
pueden entender ni apreciar adecuadamente las consecuencias
del fenómeno bolchevique en el arte. De allí que Mariátegui
polemice con ellos en diversas ocasiones. Así, refiriéndose al
ensayo «El nuevo teatro en la Rusia soviética», que en 1924
Baeza publica en la Revista de Occidente, Mariátegui escribe: «El
lector hispanoamericano -dice- no puede llegar por la sola vía del
español a la literatura rusa de la post-guerra. En español, de este
tema no nos ha hablado, con conocimiento y con simpatía, sino
Julio Alvarez del Vayo. En la Revista de Occidente, Ricardo Baeza
dedicó hace algún tiempo un artículo al teatro ruso; pero, aparte
de que se limitaba a reflejar las impresiones de un escritor
inglés, y de que su evidente humor anti-revolucionario lo
inhabilitaba para entender y apreciar las consecuencias del
fenómeno bolchevique en el arte, enfocaba en su artículo sólo un
género literario, tal vez el que menos ha podido desarrollarse
dentro de la situación creada por la Revolución» (19).
En otra ocasión, comentando el trabajo «El enigma de Rusia»,
que en 1926 Zulueta publica en la Revista de Occidente,
Mariátegui se ve obligado a refutar la hipótesis de que en el
acento apocalíptico y extremista de los bolcheviques se solapa el
misticismo y la neurosis de Dostoievski. Su idea es que esta
suposición de Zulueta, antes que sustentarse en un estudio sobre
la nueva literatura rusa, se apoya en el prejuicioso concepto de
José Ortega y Gasset de que la revolución rusa, en el fondo, no
es una revolución europea, sino «un misticismo oriental»: «El
misticismo, la neurosis, la exasperada búsqueda de infinito y de
absoluto, que hallan su más fuerte y patética expresión artística
en la obra de Dostoievski -escribe el peruano en 1929, en un
artículo sobre un libro que Stefan Zweig le dedica al autor de Los
hermanos Karamazov-, eran estimados como los factores
morales de la Revolución, que debería a esos factores su acento
apocalíptico y extremista. Recuerdo que hace tres años, Luis de
Zulueta, en un ensayo de la Revista de Occidente, sobre "El
enigma de Rusia", que debía su primera inspiración a Ortega y
Gasset, barajaba todavía estos motivos, suscribiendo, a pesar de
advertir el programa marxista y occidental de la Revolución, el
concepto de Ortega de que ésta "no era, en el fondo, una
revolución europea, sino un misticismo oriental"» (20).
En otra parte de este mismo artículo, como corrigiéndole la plana
a Zulueta y Ortega y Gasset, Mariátegui acota que no existe
ningún tipo de vínculo entre Dostoievski y los bolcheviques.
Resulta que éstos, al representar la fuerza de una voluntad
realizadora y operante, aparecen como la superación de aquello
que es tan característico en la novela dostoievskiana: la
angustia, la desesperación, el misticismo nihilista. Como él
mismo dice: «Dostoievski tradujo en su obra la crisis de la
inteligencia rusa, como Lenin y su equipo marxista se encargaron
de resolver y superar. Los bolcheviques oponían un realismo
activo y práctico al misticismo espirituoso e inconcluyente de la
inteligencia dostoievskiana, una voluntad realizadora y operante
a su hesitación nihilista y anárquica, una acción concreta y
enérgica a su abstractismo divagador, un método científico y
experimental a su metafísica sentimental» (21).
La situación de Cristóbal de Castro es un tanto diferente a la de
Baeza y Zulueta. En su caso, se trata no sólo de simples
prejuicios políticos, sino de una franca posición antisoviética. Al
menos, eso es lo que se desprende de la lectura de su artículo
«El hombre y los ex-hombres», que a mediados de 1928 publica
en La Libertad, de Madrid. En este texto, el critico español
exhuma las más mendaces versiones acerca de la actitud de
Gorki ante los Soviets e incurre en la ligereza de comentar Los
Artamonov, su novela más reciente, sin haberse tomado siquiera
el trabajo de leerla. Así, en una parte de su trabajo, sostiene
equivocadamente que el asunto y los personajes de Los
Artamonov tienen que ver con el problema del «comunismo» en
Rusia: «En Capri, junto al mar azul -escribe Castro-, el apóstol
de los ex-hombres fue metodizando sus cóleras por la reflexión y
sus juicios por el documento hasta dar en su libro Los
Artamonov, un robusto resumen del comunismo a través de tres
generaciones: el mujik, de la época de los siervos; el industrial
dilapidador de la época zarista y el revolucionario bolchevique.
Generación aldeana y crédula. Generación industrial y ambiciosa.
Generación revolucionaria y tiránica. Las tres generaciones de
Artamonov no sólo se dañaron a sí mismas, sino que quitaron la
fe y la paz a los siervos, a los mujiks, a los obreros de toda
Rusia» (22).
Casi por la misma época en que La Libertad difunde el
mencionado artículo de Castro, Mariátegui termina de leer la
traducción al italiano de Los Artamonov, que publica la Editorial
Fratelli Treves, y escribe un comentario sobre ella. Se trata de su
artículo «La última novela de Máximo Gorki», que el 20 de julio
de 1928 aparece en la revista Mundial. Por esa circunstancia,
puede percatarse que Castro no ha leído Los Artamonov y lo
critica duramente en un trabajo que lleva el título de «Máximo
Gorki, Rusia y Cristóbal de Castro», pues considera que no tiene
nada de ético aquello de comentar o reseñar libros que no se han
leído: «Al revés de Gorki novelista -afirma Mariátegui-, el señor
Cristóbal de Castro no ha menester de documentarse para tratar
un tema. Tiene la osadía irresponsable del gacetillero para
afirmar cualquier cosa, sin ningún temor de engañarse. Le
bastan los recuerdos dispersos de sus lecturas apresuradas y
vulgares para escribir la historia. Puede trazar la biografía de
Gorki, sin haberse acercado jamás a su obra ni a su vida» (23).
Por último, referiéndose a cuál es el verdadero argumento de Los
Artamonov, Mariátegui agrega: «Y me siento en grado de
suponer que el señor Cristóbal de Castro no conoce Los
Artamonov sino a través de uno de esos retazos de crónica,
recogidos sin ningún discernimiento crítico, de que se sirve
generalmente para su trabajo periodístico. Porque en caso de
haber leído Los Artamonov, su absurda interpretación lo dejaría
en muy mala postura. Resulta que el escritor de La Libertad no
sólo está mal informado por gacetilleros presurosos y confusos,
sino que es incapaz de informarse mejor por su cuenta. Habría
leído Los Artamonov, pero sin entender una palabra del asunto ni
de los personajes. Remito a los lectores a mi anterior artículo.
Les será fácil enterarse de que ni el asunto ni los personajes de
Los Artamonov tienen algo que ver con el comunismo. Las tres
generaciones de la familia Artamonov que nos presenta Gorki
son tres generaciones burguesas. El fundador de esta precaria
dinastía de burgueses de provincia, procede del servicio de un
príncipe expropiado. Es un siervo emancipado, como los que se
encuentran en los orígenes de la burguesía de otros países. Es un
campesino pero no es un mujik. Proviene quizá de una
generación aldeana y crédula, pero él mismo no lo es. En él se
reconoce, más bien, el impulso creador que mueve el
surgimiento de toda burguesía. Toda la obra de la familia
Artamonov -una fábrica y su provecho-, es del viejo exdoméstico. De sus hijos, uno le sucede en el comando de la
fábrica, el otro, un jorobado, se refugia en un monasterio. Su
sobrino, hijo natural de un noble, se prolonga en un industrial de
cierta facundia y presunción, contagiado de ideas reformadoras y
progresistas, que miran al afianzamiento del poder de la
burguesía contra el poder supérstite de la aristocracia. Uno de los
Artamonov de la tercera generación repudia la fábrica y la
familia. Los repudia por adhesión intelectual al socialismo; pero
escapa por este mismo acto al argumento de la novela. Es un
personaje ausente, desertor. La ruina de los Artamonov tiene un
testigo implacable, el viejo portero Tikhon. Cuando la revolución
sobreviene, habla por sus labios. Pero tampoco Tikhon es
comunista ni es obrero. No es sino un testigo rencoroso y
desilusionado del drama al que le toca asistir» (24).
Más cercano de la geología que de la política
La importancia que Mariátegui le atribuye a la tarea de la
difusión de la nueva literatura rusa, tanto en términos de
traducción al español como de una crítica adecuada y oportuna,
es una cuestión que se relaciona con su original aproximación al
marxismo. Resulta que él está completamente convencido que
las realidades sociales también pueden ser abordadas desde el
punto de la cultura y desde ese sector tan menospreciado en
otras tradiciones marxistas que es la llamada «superestructura»,
en particular, el mundo de la creación literaria y de la ficción
(25). En este caso, se trata de su convicción de que no se puede
conocer la nueva Rusia de los Soviets sin conocer su nueva
literatura. De allí que glose con fruición a Iliá Ehrenburg y, como
algo que seguramente él mismo hubiese querido escribir, repita
que «los extranjeros que no conocen la nueva literatura rusa no
conocen a la nueva Rusia, pues sólo la literatura, al menos
parcial o convencionalmente, podría hacerles comprender el
proceso grandioso, más cercano de la Geología que de la política,
que se opera en un pueblo de ciento cincuenta millones de
almas» (26).
Por eso, cuando retorna a Lima -en marzo de 1923-, Mariátegui
se vincula a la experiencia de la Universidad Popular «González
Prada» y, en las clases que dicta allí, habla no sólo de la crisis de
la democracia burguesa y el surgimiento del fascismo, sino
también del significado de la revolución rusa. Gracias a lo que
explica en sus clases, muchos obreros y estudiantes se
familiarizan con una serie de palabras que les eran desconocidas:
«Lenin», «Krupskaya», «Lunacharski», «bolchevique», «soviet».
Refiriéndose al impacto que provocan las conferencias de
Mariátegui, Armando Bazán, que por ese entonces es un joven
profesor de la Universidad Popular, escribe: «Actuábamos recuerda- solamente porque era hermoso y arriesgado enseñar
por las noches a unos alumnos adultos, que salían sucios,
fatigados, pero anhelantes de sus fábricas y de sus tajos;
anhelantes por oírles hablar en una sola clase de dos horas
largas, del aparato circulatorio, la composición de la luz, las
operaciones aritméticas o del destierro de nuestro director,
finalizando con un poema de corte más o menos modernista de
alguno que otro bardo más o menos melenudo. De vez en
cuando, también lucieron en esas clases algunas palabras que
ardían como bengalas y que debían manejarse con mucho
cuidado; palabras un tanto misteriosas y peligrosas, como
"Lenin", "Soviet", "Bolchevique", "Lunacharski", "Krupskaya".
Misteriosas bengalas que iluminaron los sueños de esos
profesores de veinte años y de esos alumnos, entre los que había
más de uno con el cabello ya canoso y la inocencia de un niño»
(27).
Pero, aparte de aquellas palabras que a Bazán le resultan como
bengalas, Mariátegui también introduce otras no menos
iluminadoras: «Blok», «Esenin», «Maiakovski», «Bábel»,
«Gladkov», «nuevo romanticismo», «realismo proletario». Esta
situación se aprecia en los artículos que escribe para Mundial y
Variedades, donde el tema de la literatura rusa de la revolución
ocupa un lugar tan importante como el futurismo italiano, el
expresionismo alemán o el surrealismo francés, y motiva algunas
de sus páginas más bellas y sugerentes. Dentro de ellos, se
pueden mencionar sus semblanzas sobre León Trotski y Anatoli
Lunacharski, su ensayo sobre Iliá Ehrenburg, los artículos que
dedica a los poetas Alexandr Blok y Serguéi Esenin, y sus
comentarios sobre las novelas de Máximo Gorki, Lidia Seifulina,
Leonid Leónov, Fedor Gladkov, Konstantín Fedin, Nicolás Ognev y
Alexandr Fadéiev (28). Lo mismo se descubre en los diversos
números de Amauta -la revista que Mariátegui funda en 1926-,
donde los cuentos de Isaak Bábel, para tomar sólo a uno de los
exponentes más sobresalientes de la nueva literatura rusa,
tienen un espacio tan importante como los dibujos del
expresionista George Grosz, los textos del surrealista André
Breton o las novedades de las vanguardias artísticas europeas en
general. Los otros narradores rusos que son traducidos y
publicados en esta revista son Boris Pilniak y Miguel Zoschenko.
Además, en Labor, que aparece como una proyección editorial de
Amauta, se empieza a publicar, a manera de folletín, la novela
Cemento, de Fedor Gladkov. A lo anterior también hay que
sumar los ensayos de Iliá Ehrenburg y Anatoli Lunacharski sobre
el proceso de la literatura rusa de la revolución que Amauta
incluye en sus páginas (29). Otro tanto ocurre en las tertulias
que Mariátegui anima en su casa, en el jirón Washington, en el
acogedor «rincón rojo», donde, además de Sigmund Freud,
Friedrich Nietzsche, Erich Maria Remarque, Óscar Wilde, Bernard
Shaw, Igor Stravinski, Pablo Picasso o los surrealistas, también
conversa de Anatoli Lunacharski, Iliá Ehrenburg, Boris Pilniak,
Alexandr Blok o Vladímir Maiakovski (30).
Con el tiempo, las diversas iniciativas que Mariátegui toma para
difundir a la literatura rusa de la revolución se reflejan en el
gusto y las preferencias literarias de los diversos grupos
intelectuales de Lima y provincias. Así, si nos guiamos por el
testimonio de Luis Alberto Sánchez, se descubre cómo muchos
de los más conspicuos representantes de la nueva literatura
rusa, como Fedor Gladkov, Leonid Leónov, Eugenio Zamiátin o
Alexandr Fadéiev, son incorporados con rapidez en el firmamento
referencial de los vanguardistas peruanos y acaban disputando
devociones, preferencias y simpatías con Jean Cocteau, Salvador
Novo o Jorge Luis Borges (31) Esta especial atmósfera intelectual
es la que también explica por qué una revista como el Mercurio
Peruano, que nada tiene que ver con las vanguardias, termina
interesándose en la literatura rusa de la revolución y, en 1927,
con ocasión del décimo aniversario de la Revolución de Octubre,
publica una selección -preparada por el poeta Alberto Uretadonde figuran «La canción del perro» de Serguéi Esenin y
algunos versos de Los doce de Alexandr Blok y Aventura
extraordinaria de Vladímir Maiakovski (32). De este modo,
gracias al noble esfuerzo de Mariátegui, la literatura rusa de la
revolución logra conquistar un lugar bajo el sol del nuevo ciclo de
cosmopolitización -internacionalización o modernización, como
ahora se dice- que experimenta la cultura peruana en la década
de 1920.
NOTAS
(1) Mariátegui, José Carlos: «La nueva literatura rusa»,
Variedades, Lima, 20 de marzo de 1926, en El artista y la época,
12º Edición, Lima, Biblioteca Amauta, 1987, pág. 158.
(2) Carta de José Carlos Mariátegui a Ricardo Vegas García (11
de mayo de 1925), en Mariátegui, José Carlos: Correspondencia
(Introducción, compilación y notas de Antonio Melis), Lima,
Biblioteca Amauta, 1984, tomo I, pág. 82.
(3) Ver Cornwell, Neil (Ed.): Reference Guide to Russian
Literature, Chicago, Fitzroy Dearborn Publishers, 1998, págs. 110114.
(4) Ibíd., págs. 118-120.
(5) Alberti, Rafael: La arboleda perdiada. Primero y Segundo
libros (1902-1931), Madrid, Alianza Editorial, 1998, pág. 178.
(6) Teitelboim, Volodia: El corazón escrito. Una lectura
latinoamericana de la literatura rusa y soviética, Moscú, Editorial
Ráduga, 1986, pág. 213.
(7) Mariátegui, José Carlos: «Instantáneas», Variedades, Lima,
26 de mayo de 1923, en La novela y la vida, 11º Edición, Lima,
Biblioteca Amauta, 1985, pág. 139.
(8) Mariátegui, José Carlos: «Miguel Arzibachev», Variedades,
Lima, 16 de abril de 1927, en Signos y obras, 3º Edición, Lima,
Biblioteca Amauta, 1971, pág. 95.
(9) Ibíd., pág. 96.
(10) Ibíd., págs. 96-97.
(11) Ibíd., pág. 95.
(12) Ver Alvarez del Vayo, Julio: La nueva Rusia, Madrid, EspasaCalpe, 1926, págs. 232-241.
(13) Mariátegui, José Carlos: «Caminantes, por Lidia Seifulina»,
Variedades, Lima, 15 de enero de 1927, en Signos y obras, págs.
91-92.
(14) Ver Schanzer, George D.: Russian Literature un the Hispanic
World: A Bibliography, University of Toronto Press, 1972.
(15) Ver Alvarez del Vayo, Julio: Rusia los doce años, Madrid,
Espasa-Calpe, 1929, págs. 87 y siguientes.
(16) Portnoff, George: La literatura rusa en España, New York,
Instituto de las Españas, 1932, pág. 47.
(17) López Campillo, Evelyne: La «Revista de Occidente» y la
formación de minorías, Madrid, Taurus, 1972, pág. 121 y sgts.
(18) Alvarez del Vayo, Julio: La nueva Rusia, pág. 49.
(19) Mariátegui, José Carlos: «La nueva literatura rusa»,en El
artista y la época, págs. 158-159.
(20) Mariátegui, José Carlos: «La Rusia de Dostoievski. A
propósito del libro de Stefan Zweig», en El artista y la época,
pág. 166.
(21) Ibíd., págs. 166-167.
(22) Citado en Mariátegui, José Carlos: «Máximo Gorki, Rusia y
Cristóbal de Castro», Variedades, Lima, 3 de agosto de 1928, en
Signos y obras, pág. 89-90.
(23) Ibíd, pág. 89.
(24) Ibíd, págs. 90-91.
(25) Flores Galindo, Alberto: «Para situar a Mariátegui», en
Adrianzén, Alberto (Ed.): Pensamiento político peruano, Lima,
Desco, 1987, pág. 207.
(26) Mariátegui, José Carlos: «La nueva literatura rusa», en El
artista y la época, pág. 158.
(27) Bazán, Armando: Biografía de José Carlos Mariátegui,
Santiago, Zig-Zag, 1939, pág. 94.
(28) Ver Mariátegui, José Carlos: «Máximo Gorki y Rusia»,
Variedades, Lima, 27 de octubre de 1923; «Trotski», Variedades,
Lima, 19 de abril de 1924; «Lunacharski», Variedades, Lima, 15
de febrero de 1925; «Alexandr Blok», Variedades, Lima, 19 de
setiembre de 1925; «La nueva literatura rusa», Variedades,
Lima, 20 de marzo de 1926; «Caminantes, por Lidia Seifulina»,
Variedades, Lima, 15 de enero de 1927; «Leonid Leónov»,
Variedades, Lima, 26 de febrero de 1927; «Sergio Esenin»,
Variedades, Lima, 1º de octubre de 1927; «La última novela de
Máximo Gorki», Mundial, Lima, 20 de julio de 1928; «Máximo
Gorki, Rusia y Cristóbal de Castro», Mundial, Lima, 3 de agosto
de 1928; «El centenario de Tolstói», Variedades, Lima, 15 de
setiembre de 1928; «Cemento, por Fedor Gladkov», Variedades,
Lima, 20 de marzo de 1929 Edición, Lima, Biblioteca Amauta,
1987,; «La Rusia de Dostoievski. A propósito del libro de Stefan
Zweig», Variedades, Lima, 10 de abril de 1929; «Los mujics, por
Konstantín Fedin», Variedades, Lima, 8 de mayo de 1929; «Rusia
a los doce años», Variedades, Lima, 10 de julio de 1929;
«Teatro, cine y literatura rusa», Mundial, Lima, 19 de julio de
1929; «El diario de Kostia Riabtzev», Variedades, Lima, 14 de
agosto de 1929; «La derrota, por A. Fadéiev», Variedades, Lima,
25 de diciembre de 1929; y «El realismo en la literatura rusa»,
Variedades, Lima, 7 de enero de 1930.
(29) Ver Ehrenburg, Iliá: «La literatura rusa de la revolución»,
Amauta,Nº 3, Lima, noviembre de 1926; Pilniak, Boris: «Arina»,
Amauta, Nº 3, Lima, noviembre de 1926; Bábel, Isaak: «La sal»,
Amauta, II, Nº 6, Lima, febrero de 1927, y «La carta», Amauta,
Nº 7, Lima, marzo de 1927; Zoschenko, Miguel: «Una noche
terrible», Amauta, Nº 9, Lima, mayo de 1927 yNº 10, Lima,
diciembre de 1927; Lunacharski, Anatoli: «El desarrollo de la
literatura soviética», Amauta, Nº 20, Lima, enero de 1929; y
Gladkov, Fedor: Cemento, Labor, Nº 10, Lima, setiembre de
1929.
(30) Miró, César: Testimonio y recaudo de José Carlos
Mariátegui, Lima, Editora Amauta, 1994, págs. 23-24 y 28.
(31) Sánchez, Luis Alberto: Testimonio personal. Memorias de un
peruano del siglo XX, tomo I, pág. 207.
(32) Ureta, Alberto: «La poesía rusa contemporánea», Mercurio
Peruano, XVI, Lima, 1927, págs. 429-441.
[Texto originalmente publicado em La Hoja Latinoamericana # 84
(Uppsala, abril/junio de 2003), com o título "José Carlos
Mariátegui, Amauta y la literatura rusa de la revolución".]
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jornal de poesia
triplov
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revistas em destaque
..
portal de poesía
contemporánea (espanha)
depoimento de maría martín
arévalo
El Portal de Poesía Contemporánea de la
Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes
incluye las creaciones poéticas más
crecientes de autores iberoamericanos.
Uno de sus rasgos diferenciadores es que
además de textos, ofrece la posibilidad de
escuchar a los propios autores recitando
sus versos, de verlos en algunas lecturas
e incluso de conocer cómo son y qué
piensan a través de entrevistas
personalizadas.
El Portal de Poesía Contemporánea es uno de los 20 portales
temáticos de la Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, una
biblioteca digital que nació en julio de 1999 con el objetivo de
publicar en formato digital obras, estudios y documentos
relacionados con las culturas hispánicas. Aunque la base es la
literatura, también se ofrecen materiales relacionados con la
historia, el arte, la política,... Para conseguir este propósito, “la
Biblioteca se ha convertido en un centro de estudio y desarrollo
de herramientas tecnológicas que ya la sitúan a la vanguardia de
las bibliotecas digitales”, explica su director, el catedrático de
historia Emilio La Parra.
Creada bajo el auspicio de la Universidad de Alicante, en España,
las coordenadas de la Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes las
rige el Patronato de la Fundación Biblioteca Virtual Miguel de
Cervantes.
El Portal de Poesía Contemporánea cuenta con un catálogo de
más de 60 autores iberoamericanos. Según la coordinadora del
Portal, María Martín, “el rasgo diferenciador del Portal de Poesía
Contemporánea y de toda la Biblioteca Virtual, es que a los
textos añade, imágenes, voces, sonidos, vídeos, etc, lo que
completa más la visión que aportamos de cada uno de los
autores”. “Es -asegura- una nueva forma de leer poesía”.
El Portal de Poesía Contemporánea pretende convertirse, más
que en una antología, en un diccionario poético contemporáneo
multimedia, virtual y gratuito.
En la actualidad el Portal une la poesía que se está haciendo en
España y en América Latina y aglutina a autores que escriben
tanto en castellano como en otras lenguas autóctonas como
pueden ser el catalán, el gallego o el mapudungún, además de
incluir algunas traducciones en portugués.
En su catálogo de autores se puede encontrar desde a los
grandes premiados del siglo XX como Pablo Neruda o Gabriela
Mistral hasta los jóvenes, estimados o controvertidos como
Carlos Marzal, Oliverio Girando, Gonzalo Rojas, Dulce María
Loynáz, Mario Benedetti, Ángel Gozález, José Hierro o Nicanor
Parra. Muy pronto la obra de autores como Manuel Álvarez
Ortega, Marcos Ana, Aurora Luque o Luís García Montero estarán
disponibles en el Portal.
Uno de los principales problemas a los que se enfrenta el Portal
de Poesía Contemporánea es la dificultad de contactar con los
autores o los herederos legales de sus derechos. Por eso, la
mayor parte de los poetas publicados son españoles, ya que la
sede física de la Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes está en el
Campus de la Universidad de Alicante, en la costa mediterránea
española. “Somos extremadamente escrupulosos con el respeto
a los derechos de autor, por lo que no se publica nada que
cuente con una cesión firmada”, explica la coordinadora del
portal. María Martín afirma que diariamente se reciben
sugerencias y peticiones a través del correo que el Portal tiene
habilitado en su página de inicio. “Es muy útil porque una pista
lleva a otra y al final logramos contactar con muchos autores, lo
que sin la ayuda de otros poetas, editores o usuarios sería
imposible”.
El Portal de Poesía empezó a funcionar en noviembre de 2002 y a
fecha de agosto de 2004 ya había recibido 387.482 visitas.
Autores como Manuel Gahete (Córdoba-España) han dicho del
Portal de Poesía que es “una manera perfecta de acercarnos a
nuevos creadores, tanto por recientes como por no conocidos” y
lo ha descrito como “un oasis de luz, más que necesario” para la
poesía. Por su parte, Jesús Munárriz, poeta y director de la
editorial Hiperión, ha alabado el proyecto por permitir “leer y
escuchar de una a los autores y a sus versos”. Para el argentino
Claudio Serra Brun, cervantesvirtual.com está haciendo “una
gran labor de comunicación vía Internet entre los 22 países que
disfrutamos de nuestra lengua hispana”.
Y es que el Portal de Poesía Contemporánea permite a usuarios y
creadores, participar en foros de libre expresión para debatir
sobre textos, autores u obras, estableciendo un feedback más
que necesario entre los amantes de la poesía.
María Martín Arévalo
Coordinadora del Portal de Poesía Contemporánea
Realizadora de la Unidad Audiovisual y Área de Comunicación y
Atención al Usuario
E-mail: [email protected]
Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes
Universidad de Alicante. Edificio Nuevos Institutos
Campus de San Vicente del Raspeig
Apdo Correos, 99 E-03080 Alicante
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revistas em destaque
alforja (méxico)
diálogo entre josé vicente
anaya, josé ángel leyva &
floriano martins
FM - Como surge alforja, motivada por qual desejo? Falem um
pouco dessa Fraternidad Universal de los Poetas.
José Vicente Anaya – La revista de
poesía alforja tuvo dos inicios
frustrados, antes del tercero que la dio
a luz en la primavera de 1997. Por 1987
convoqué a varios poetas para
proponerles una revista de poesía
(teniendo ya pensado el nombre de
alforja como referencia a la utopía de
los poetas y filósofos cínicos de la
antigua Grecia, habiendo reunido los
materiales que conformaron la mayor
parte del que saldría impreso como
número 1 y hasta las ilutraciones del
dibujante Eko —cuyas ilustraciones utilizamos hasta que
armamos el número 11— con la idea de que cada número
fuera ilustrado por un pintor diferente como muestra de que la
imagen del artista es poesía visual). Tanto en la primera como
en la segunda convocatoria (ésta por 1992) los poetas
convocados no hicieron nada para llevar a cabo el plan. Fue
entonces que en los últimos meses de 1996 los poetas
convocados trabajaron con mayor compromiso y decisión para
resolver los problemas materiales que implican publicar un libro
(pues alforja tiene formato de libro) cada tres meses, es decir,
por cada estación del año, como lo estamos haciendo hasta
ahora.
Así, alforja REVISTA DE POESÍA nació primeramente con la idea
de que la poesía es un territorio de la imaginación, pero vivible,
y desde este punto de vista es una utopía llevada a la realidad.
A ese territorio, que se diferencia y contrasta con los territorios
pedestres, es invitada toda la gente que lo escribe y que lo lee.
Por esto, queremos que en la revista se expresen todas las
voces de quienes escriben y quienes leen poesía, todas las
voces de todas las culturas y lenguas. Queremos propiciar la
diversidad en todos los aspectos y sentidos, ya que el mundo y
la vida no pueden estar reducidos a una sola vía, y al promover
la diversidad estamos planteando un mundo completamente
opuesto a todo reduccionismo como el de las vanguardias o
fundamentalismos en boga.
Cuando nació alforja no había en México ninguna otra revista
dedicada exclusivamente a la poesía y con formato de libro,
características que pretenden darle a la poesía un lugar
distintivo en tanto arte de los más grandes. Sólo teníamos un
antecedente: la revista El Corno Emplumado, y aunque que
feneció allá por 1968 fue una publicación que unió y divulgó a
poetas de todo el continente americano sin que faltaran
europeos, africanos y asiáticos. Esta revista era nuestro único
antecedente y buen ejemplo. Ahora ya existen por lo menos
otras tres revistas con formato semejante.
En El Corno Emplumado recuerdo cartas de poetas de múltiples
países, y que en unade ellas se mencionaba que los poetas de
todo el mundo somos hermanos (y es cierto que los hermanos
de sangre también son diferentes entre sí y hasta pelean,
¿verdad?). Esta idea de hermandad la comparto y creo que es
una de las pocas hermandades que han traído cosas buenas al
mundo, es por eso que yo propuse declarar a alforja como una
revista de la Fraternidad Universal de los Poetas.
la mirada.
José Ángel Leyva – En mi caso parte
del anhelo de la lectura, de la
inmensa necesidad de contagiar a los
otros con la fascinación por la palabra
que persigue la poesía. Quizás
también por compartir un territorio sin
dueño donde el único poder que
domina es el de abrir puertas que dan
hacia sin ningún lado, o por lo menos
no hacia un lugar predecible. El
tiempo en esa medida tiene
perspectiva, y la muerte no es un
muro que se topa a cada segundo con
No estoy de acuerdo con Antonio Gamoneda cuando expresa
que la razón de ser de la poesía sea la muerte, ni siquiera el
trascenderla. Es la vida, en sus contenidos de dolor y de placer,
de tragedia y de júbilo, de gozo y de pena. La poesía nos
recuerda que vivimos y nos enseña, al tiempo que nos refresca,
los motivos de este efímero tránsito. El poeta Nezahualcóyotl
expresa ese sentimiento en un contexto prehispánico donde la
Guerra Florida es parte de un ritual no para invocar la muerte,
sino para cultivar, con sangre si se quiere, con el cautiverio y
sacrificio de unos y de otros bandos, la existencia humana, la
vida de la naturaleza. El cuerpo de Cristo de la comunión
cristiana es su equivalente, un oximoron: el tiempo que se
alimenta de la digestión simbólica de la inexistencia, del cuerpo
torturado del Salvador, de su sangre y de su carne, es decir,
del sacrificio. La poesía en ese sentido canta a la generosidad
de la vida y nos revela también la dimensión del dolor, del
olvido, de la estupidez, de nuestra insignificancia ante el
tamaño del Universo, y al mismo tiempo de ese Yo que los
románticos advertían en su integración cósmica. Me parece
entonces que la fraternidad poética se da, desde mi punto de
vista, en esa perspectiva de la generosidad, del anhelo de
compartir las emociones que nos brinda la conciencia, los
sentidos despiertos, la capacidad de soñar y de imaginar
mundos alternos. También de construirlos. Hacer más público
lo público, ampliar su radio de acción y de presencia. Una
revista nos acerca no sólo a los libros y a sus autores, sino
también a los acontecimientos y a los fenómenos relacionados
con la materia que tratan dichos temas, al movimiento tangible
de la historia de la emociones, de la cultura, de las
mentalidades, de la palabra. alforja en ese sentido era, y es,
para mí, la oportunidad de poner en práctica mis convicciones
literarias más allá de mi propia sombra, de mi imagen
narcisista, es la complicidad con otros poetas que, como yo,
pretenden buscarle las costillas a la poesía y a los poetas, a los
lectores para abrir nuevos horizontes y derrocar a la
complacencia y la certidumbre. José Vicente Anaya es un
especialista en eso. A mí sólo hay que buscarme un poco. Y
José Vicente me encontró en 1984, cuando me propuso hacer
un revista de poesía. Pero tardé en tomarle la palabra hasta
1996, tiempo en el que me sentía menos ilegítimo para una
responsabilidad de tales exigencias. José Vicente fue, en ese
sentido, el motor de ese comienzo y la energía que le da
permanencia.
FM – Como funciona alforja (estrutura financeira, distribuição,
equipe, definição de pauta, relação com colaboradores etc.)?
JVA – Nace alforja y se desarrolla enfrentando todas las
dificultades típicas para conseguir el necesario dinero que cobra
toda imprenta. Al principio los mismos miembros de la revista
tuvimos que cooperar para los gastos de edición (aunque, como
siempre sucede, algunas personas no aportaron nada, ni dinero
ni poemas...). El pintor que lo ilustró el primer número,
Gilberto Aceves Navarro, muy entusiasta en los proyectos
artísticos y a quien hasta hoy en día le estoy muy agradecido,
realizó un grabado cuyos cien ejemplares nos entregó para que
los vendiéramos a precios módicos, más baratos que los precios
de galería, con el fin de que de esa manera pudiéramos tener
una entrada de dinero y así seguir publicando la revista;
Gilberto nos aconsejó que hiciéramos esta propuesta a los
pintores que aceptaran ilustrar la revista, y sin que sea una
condición inmutable, la mayoría de los artistas plásticos han
sido muy solidarios con alforja y la divulgación de la poesía en
ese sentido.
Al paso del tiempo hemos recibido dos veces el apoyo por un
año para revistas independientes, que otorga el Consejo
Nacional para la Cultura y las Artes (Conaculta), y si no es una
cantidad que cubre todos los costos de impresión sí ha sido una
ayuda que cubre al menos una tercera parte de los costos.
También del Conaculta recibimos el apoyo para publicar ocho
libros de poesía. Los problemas financieros no han estado
ausentes en varias ocasiones. En el último año logramos un
convenio de coedición con la Universidad Autónoma
Metropolitana, y esto también nos ha salvado de la
desaparición, de tal manera que ya estamos circulando con el
número 30 dedicado a poetas rusos contemporáneos.
No hemos logrado acumular un fondo de dinero, aunque lo
deseamos, con el fin de pagar las colaboraciones, por lo cual
hasta ahora quienes publican con nosotros reciben como pago
ejemplares de la revista.
JAL – Nadie sabe, mejor que tú cómo funcionan estos proyectos
editoriales, con las uñas, con el hígado, con el corazón, con lo
que tengas a la mano para empujar la piedra por la pendiente.
Sí, como Sísifo. La espalda te duele no por el esfuerzo sino por
las palmadas que te dan los animadores, los escépticos, los que
desean tu fracaso, los que se montan en las acciones para salir
en la foto, los que te adulan y los que te denostan. En fin, la
espalda duele de cargar esas manos y sus resistencias. En el
camino ha quedado mucha gente que ha visto a alforja no
como un trabajo colectivo sino como la vía, el instrumento de
su propia proyección. Somos muy pocos los que hacemos el
trabajo cotidiano, el trabajo duro, la limpieza y la decoración, la
reparación, la planeación y la recolección, la búsqueda de
recursos para la sobrevivencia. Para no decir nombres, digamos
que somos tres o cuatro, máximo cinco quienes conformamos
ese núcleo de trabajo que va más allá de lo editorial. Pero
debemos reconocer que hay muchas manos que también hacen
su aporte y ponen su palanca para empujar la piedra hacia
arriba. Todas esas manos tienen dueño, las hay en todo Brasil,
y en particular en Fortaleza.
Hoy en día el Consejo Editorial participa de manera más activa,
más propositiva. Tiene mucho que ver el peso de sus nombres,
pero también su confianza en alforja. Una ayuda fundamental,
o digamos alianza estratégica, es la que establecimos con la
Universidad Autónoma Metropolitana (UAM), gracias a la
inteligente visión de Luis Ignacio Sáinz, director de Difusión
Cultural, quien nos introduce al corredor universitario, pone en
el contexto de la UAM una publicación de poesía que le cuesta
únicamente la impresión y deja en libertad absoluta al núcleo
directivo hacer su trabajo editorial, que ya demostró saber
hacerlo. Este respeto a nuestra autonomía en los contenidos y
en las políticas editoriales, determinadas en última instancia
por sus consejos Editorial y de Colaboradores, y obviamente
por sus lectores, es lo que más defendemos. Así, la UAM
distribuye una parte y nosotros la otra mediante diversos
mecanismos, uno de ellos de corte muy activista es el de los
representantes. El resto fluye por las librerías.
Ya estamos, por cierto en la red.
FM - De que maneira o Estado mexicano tem atuado na
subvenção de projetos editoriais e qual tem sido o resultado
dessa atuação?
JVA – Ya lo dije al mencionar el apoyo del Conaculta. Aclarando
que al tratarse de una revista independiente, no hemos tenido
ninguna presión ni imposición (y no lo podríamos aceptar por
nuestro espíritu libertario) sobre los temas o autores que
publicamos, yesta es y será condición sine qua non para
aceptar cualquier tipode apoyo.
JAL – Bueno, es un buen sistema de apoyo para las llamadas
revistas independientes; a cambio piden unicamente espacio
para la publicidad oficial relacionada con información literaria o
artítica. Son nuestros impuestos, desde luego, pero debemos
reconocer que esos fondos económicos destinados a apoyar a
las publicaciones periódicas son muy útiles, sobre todo en
momentos de asfixia material. Es decir, que no tienes para
pagar el papel y la impresión. Muchas veces esos apoyos no te
alcanzan para adquirir los insumos necesarios, pero reducen la
onerosa cuota que los editores deben de pagar de sus bolsillos
para mantener a flote la revista. Si hubiese un público lector no
requeriríamos esas ayudas, pero no hay mercado y eso nos
pone contra el muro. Así que el Estado nos “remunera” de
algún modo y de manera parcial, la labor que hacemos para
fomentar la lectura. Visto desde otro plano, el Estado mexicano
pone un poco de gasolina para que le demos movimiento a su
programa.
FM – E qual tem sido a recepção crítica da revista, dentro e fora
do México, incluindo eventuais cumplicidades com editores de
outras publicações similares?
JVA – De manera dispersa en la prensa
mexicana han aparecido algunos
comentarios favorables y reseñas breves
sobre alforja. Sin embargo, en el status
quo de la cultura se ha mostrado un
silencio profundo, de lo cual se deduce
que experimentan cierto miedo a la
aparición de una revista independiente
que no se ciñe a sus gustos,
pretencionesy adoraciones; lo cual es un
verdadero elogio para el trabajo de
difusión que hemos realizado con nuestra
revista. El hecho es que alforja existe y
ya ha demostrado que sabe persistir, por
lo cual ya tiene un lugar determinante en la cultura mexicana
sin que sea ajena a lectores y poetas de muchos países donde
no sólo la han leído sino que incluso han colaborado con
trabajos muy importantes como las muestras de poesía
brasileña (con la entusiasta colaboración de Floriano Martins),
poesía griega, colombiana, chilena, española, chipriota,
ecuatoriana, etc. También de manera dispersa muchos
escritores mexicanos han reconocido y bien ponderado el
trabajo de divulgación hecho en nuestra revista, pero ha sido
sólo oralmente, en conversaciones aisladas, es decir que no lo
han publicado.
FM –alforja tem mostrado atenção em relação ao que se passa
com a poesia em outros países, sempre dedicando suas páginas
de maneira substanciosa à difusão dessa poesia. Trata-se,
portanto, de projeto aberto e consciente de sua
responsabilidade no entrelaçamento de experiências culturais
que extrapolem a barreira dos nacionalismos. De que maneira
este assunto é compreendido pelos editores de alforja, sobre a
função que desempenham editores de revistas, observando a
ambigüidade de uma universalização da cultura hoje tão
evocada?
JVA – Igual que con la idea de la Fraternidad Universal de los
Poetas, estoy convencido de que todas las revistas dedicadas a
la poesía en todos los países y lenguas son hermanas de
alforja. Todas las revistas de poesía son los ríos que van a dar
al mismo mar de la vida. Formamos redes innumerables cuyos
caminos muchas veces se cruzan.
JAL – No sólo consideramos la necesidad de asomarnos al
quehacer literario en otras latitudes, lenguas, culturas,
regiones, épocas, sino que no concebimos el desarrollo de la
poesía sin esos nexos, sin ese conocimiento cada vez más
amplio y profundo de la poesía desde diversas perspectivas
humanas que, quizás, no encontremos en nuestro entorno, en
nuestro país, en nuestro continente, si no nos asomamos por la
ventanas de nuestra curiosidad, de nuestra percepción. Es
necesario romper el cerco de la autorreferencia, de la
provincialidad para crear nuevos paradigmas y ejercicios de
trasgresión dirigida. El cambio no está sólo en lo nuevo,
también se halla en lo viejo que no ha sido descubierto,
descifrado en su dimensión estética y poética. Pero la apertura
hacia el exterior no puede existir si antes no hay disposición a
abrirse caminos desde dentro, o por lo menos que haya el
camino para retornar con ánimo de transformación, de
ampliación de criterios. Parecería que ser abiertos es aceptar
exclusivamente los cánones europeos o estadounidenses pues
todo lo demás es étnico, local. Pero pensemos por ejemplo que
un Chaac Mol es una escultura singular en un mundo histórico,
el maya, pero la pieza escultórica de Henry Moore, basada en
esa imagen, es una propuesta novedosa en el plano estético.
Ningún escultor mexicano la actualizó tanto como ese artista
extranjero que tenía una gran capacidad de digerir la cultura en
general. Esa misma capacidad no sólo de fagocitar, sino de
digerir bien, de aprovechar los nutrimentos que se mueven en
un mundo globalizado es que nos coloca en la posibilidad de ser
más universales desde nuestra localidad. Por otro lado, no
podríamos hacer esta labor si no contáramos con la
participación y la complicidad de otros actores que hacen lo
propio en sus respectivos países. Son, digamos, conexiones
dendríticas, neuronales, telepáticas, sobre todo ahora que nos
movemos en la Red.
FM – O que pensam da idéia de criação de um fórum
permanente de debates, entre editores de revistas, através da
Internet?
JVA – Esa es una idea que va muy bien con el espíritu de
diálogo y crítica que también promulgamos en alforja como una
necesidad para que las ideas sustanciosas y nuevas fluyan y
despierten a este aletargado mundo.
JAL – Magnífico ¿Cuándo empezamos?
FM – Tribuna livre, para o que queiram comentar:
JVA – Una invitación a todos los escritores y lectores de poesía
para que contribuyan, en todos los ámbitos y de todas las
formas, a vivir, convivir y extender el territoriuo de la poesía.
JAL – Sí, es bueno ampliar los espacios para la conversación,
para el flujo interactivo del pensamiento, como este que
sostenemos contigo y con muchas almas en llamas que no
cesan de trabajar por ese motivo llamado poesía, arte, vida.
alforja es una revista de la Fraternidad Universal de los
Poetas.
e-mail: [email protected]
página em Internet: www.alforjapoesia.com
Para suscribirse hacer depósito bancario en Bital cuenta núm.
4015433113, sucursal Coyoacán, Ciudad de México, por la
cantidad correspondiente (a nombre de Alforja Arte y
Literatura, A.C.)
Enviar comprobante o giro postal alforja:
Copilco 300, edif. 2, depto. 503, Col. Copilco Universidad, Del.
Coyoacán, C.P. 04360, México, D.F.
Fax: 5554 5309.
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revistas em destaque
capitu (brasil)
diálogo entre edson cruz &
floriano martins
FM - Quando surgiu Capitu e em quais circunstâncias editoriais?
Edson Cruz – O Capitu surgiu, sem
muita pretensão, de um desejo do
Cakko (que ainda é o administrador
do site) em fazer uma retrospectiva
dos principais autores da literatura
brasileira em comemoração aos
500 anos de descobrimento do
Brasil. Ele ia reproduzir verbetes da
enciclopédia Nova Cultural. Depois
do trabalho pronto a editora não
autorizou, é claro! O espaço estava criado e algumas pessoas
se interessaram em colaborar. Um grande portal da época (4
anos atrás) o Zipnet quis hospedá-lo e a partir daí começou-se
a fazer Chats com escritores e críticos. O portal tinha trânsito
em quase todos os países de língua portuguesa. Foram feitos
mais de 20 Chats, com repercussão em Macau, Angola,
Moçambique e Portugal. Principalmente depois que o site
passou para a Terra Vista Portugal, outro grande provedor.
A preocupação com lançamentos veio depois e muitas pessoas
vieram para agregar valor ao projeto.
FM - Qual a razão de seu nome?
EC – O Cakko desejava um nome que não fosse ponto com. A
febre do momento. Como se tratava de literatura pensou num
escritor representativo. Chegou a Machado de Assis e daí à sua
personagem mais enigmática: Capitu. Tinha que ser feminino,
também. Ou seja, o Capitu é o resultado de muitos ‘acasos’, se
é que isto existe. As coisas foram acontecendo
espontaneamente, sem muito planejamento. Com relação ao
nome, cá pra nós, foi um achado de muita felicidade.
FM - Como o sítio convive com outros projetos similares em
todo o país?
EC – Acho que estamos na vanguarda de um novo tempo para
as letras em geral. Temos que trabalhar em conjunto e com
camaradagem. O Capitu busca o diálogo e o intercâmbio com
todos os projetos feitos com seriedade e qualidade. Temos
colaboradores no Brasil inteiro, e em nossas matérias não
vemos problema nenhum em ilustrá-las com links, fotos, textos
de outros sítios. É como se expandíssemos exponencialmente
as possibilidades virtuais da informação e da ação. Quer coisa
mais bonita do que um texto sobre Cortázar, escrito por um
brasileiro, que te remete aos textos originais de Cortázar
disponíveis em sítios da língua pátria de Cortázar? É isto que o
Capitu vem fazendo. Uma resenha não precisa ser
burocraticamente profissional. Pode ter sim mais que 40 linhas.
Pode ter imagens, desenhos, teses, intervenções poéticas e
informar. Por que não?
FM - Qual a situação atual do sítio, em termos de conquistas,
dificuldades, novos planos etc.?
EC – Estamos em um novo momento e partindo para um
grande desafio que é ter nossa própria livraria. Muitos sites
surgiram e a maioria saiu do ar ou vive no anonimato. O Capitu
conseguiu estabilidade num grande portal e chega a sua
maturidade sem estar preso a nenhuma corporação de mídia.
Vamos ser (pelo que eu saiba) o primeiro site de conteúdo que
possue seu próprio comércio eletrônico. O que vai nos dar
solidez e total independência. Vamos reunir uma comunidade
literária, já formada e crítica, a possibilidade de convivência
com grandes e pequenas editoras e autores. O conteúdo
sempre foi nosso diferencial e continuará a sê-lo. A literatura é
a flor da cultura e com ela podemos sentir o aroma de várias
manifestações estéticas. É isso que queremos. Ampliar nossa
apreensão do mundo e da vida através do olhar estético que a
literatura nos permite.
FM – Capitu circula apenas em módulo virtual ou há também
uma versão impressa?
EC –O Capitu é um projeto virtual. Queremos mergulhar neste
universo espectral que são os módulos virtuais e expandi-lo ao
limite de outras galáxias e civilizações. Mas, como sabemos que
o ser humano gosta do cheiro do papel e de exercitar o tato,
estamos lançando nossa revista literária, Mnemozine, que
embora virtual, prevejo uma versão impressa mais para frente.
Devo dizer que a Revista Mnemozine, embora no Capitu, tem
voz própria e será capitaneada por mim e pelo poeta e editor,
Marcelo Tápia,com trabalho gráfico exuberante do Pipol.
FM - Como funciona sua difusão?
EC – O Capitu está hospedado no UOL, e isso nos dá uma
visibilidade que às vezes chega a assustar. Não temos
patrocínio nem pagamos nenhum tipo de marketing. O site
corre no boca-a-boca, ou melhor seria dizer, de micro-a-micro.
Temos um mailing de umas 10 mil pessoas que são leitores
ativos do site. Além disso soubemos utilizar o BlogCapitu
(agora Blablablog, parodiando o título de uma matéria de
Nelson de Oliveira) para gerar debates, manifestações,
divulgações e alimentar uma comunidade literária que se
espalha pela América do Sul. Nosso sonho é chegarmos a
dialogar em todos os níveis com nossos hermanos da América,
assim como, com toda a comunidade de língua portuguesa no
mundo. Ambicioso, mas possível. Está dentro dos limites que a
ferramenta nos oferece. Temos que usá-la.
FM - Como vês as possibilidades da Internet como ferramenta
aplicada à cultura?
EC – As possibilidades, por enquanto, são infinitas. É uma
ferramenta revolucionária que deve ser usada com criatividade,
ousadia e critérios. Não há limites de páginas. Não precisa se
esperar pela vontade da editora. Não precisa pedir autorização
da academia. Todos os limites podem ser rompidos e milhares
de pessoas podem acessar o que se veicula no tempo de um
piscar de olhos. O único alicerce seguro para que a casa não
caia em nossas cabeças é a diversidade de opiniões e
conceitos, aliado a um critério de qualidade e profundidade. Se
nivelar por baixo, a meu ver, não dura. Pode até explodir em
louros e aplausos públicos, mas não dura. Sem consistência do
início ao fim não há permanência.
Editor: Edson Cruz
Rua Prof. Túlio Ascarelli, 132 casa 2 - Vila Madalena
São Paulo, SP 05449-020 BRASIL
E-mail: [email protected]
http://capitu.uol.com.br/
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revistas em destaque
común presencia
(colombia)
diálogo entre gonzalo márquez
cristo, amparo osorio & floriano
martins
FM - Quando surgiu Común Presencia e em quais circunstâncias
editoriais?
Gonzalo Márquez Cristo - En 1989, como una opción sensible,
necesaria en un país asediado por la guerra y por los manejos
excluyentes de la cultura oficial. Así, sin ningún apoyo
institucional ni oficial hemos llegado al número 16 y en sus
páginas han aparecido entrevistas a grandes escritores y
pintores universales, realizadas todas personalmente, y a su
lado traducciones de poetas poco conocidos en nuestro medio.
Amparo Osorio – No ha sido fácil sacar adelante una Revista
que no se parece a ninguna de las publicadas en nuestro
medio. Las circunstancias editoriales han sido difíciles y casi
siempre se termina publicando con recursos propios. Pero sin
duda desde su primera aparición ha creado una secta de
seguidores.
FM - Qual a razão de seu nome?
GMC - Rendir un homenaje al gran poeta francés René Char,
cuya poesía filosófica siempre nos ha deslumbrado. Y proponer
una común presencia, urgente para enfrentar la destrucción, la
desolación y la desesperanza.
AO – Como afirma Gonzalo Márquez, es concitar una obra
cumbre de un poeta que como René Char siempre estará entre
nosotros
FM - Como a revista convive com outros projetos similares em
todo o país?
GMC – Cada publicación tiene su espacio definido. La nuestra
de periodicidad “esporádica”, propone llevar al lector el
pensamiento de creadores a través de las más de 30
entrevistas que han aparecido en sus páginas y la poesía
reflexiva de autores de otras lenguas (portuguesa, francesa,
italiana, inglesa…) que no han tenido difusión en
Hispanoamérica.
AO – Común Presencia es una revista que ofrece otros matices
diferentes a las tradicionales publicaciones de Colombia. Quizá
eso la hace diferente, pues su médula principal es la poesía y
aunque abarca todos los géneros literarios, nunca se ha
propuesto dar cabida a las nuevas tendencias light que tanto
afectan al arte actual y por consiguiente a muchas
publicaciones que no teniendo nada que decir, acuden al
facilismo y a la frivolidad.
FM - Qual a situação atual da revista, em termos de conquistas,
dificuldades, novos planos etc.?
GMC – La situación de la revista siempre es crítica. Creemos
que cada número es el último y eso que pareciera ser un hecho
desdichado es también propicio, pues esa suerte agónica nos
condena a ser muy exigentes en la selección del material y a
que todo lo publicado esté provisto de esencialidad.
AO – Ya es bien sabido para nosotros que es una publicación
difícil de sostener en un lapso determinado. Nunca podríamos
decir que su aparición es trimestral, semestral o anual. Esto es
del orden del milagro. Y aunque siempre contamos con valioso
material, la consecución de la pauta cada día es más ardua. Lo
importante finalmente es que cuando se logra un nuevo
número, hay muchas presencias comunes que lo festejan y eso
es lo maravilloso, la magia que discurre en un escenario
imprevisto.
FM – Común Presencia circula apenas em versão impressa ou
há também um módulo virtual?
GMC – Por ahora sircula sólo en versión impresa.
AO – No sé qué tan perdurable podría ser una versión virtual
que de hecho creo que ocupa sólo una inmediatez. Preferimos
siempre de todos modos nuestra revista impresa, porque
representa esa especie de tótem que puedes abrazar, oler y
contemplar.
FM - Como funciona sua difusão?
GMC – En forma secreta y casi obsesiva, y si las palabras
secreto y sagrado tienen el mismo origen como se ha dicho,
creemos que es el camino necesario. Sin embargo a causa de la
Colección Los Conjurados, que se edita a la sombra de la
revista, la cual tiene más de 20 títulos, es distribuida ahora en
cinco países, pero reitero, de manera secreta y sagrada.
AO – De una forma muy marginal. Es preciso que así siga
siendo. Pero siempre llega a sus destinatarios. A su destino. Es
como esa botella de náugrafo lanzada al mar que encuentra al
fin la playa predestinada.
FM - Como vês as possibilidades da Internet como ferramenta
aplicada à cultura?
GMC – Me parece fundamental, creo que es un magnífico medio
de información, de aproximarse a nuevas voces, de estar
enterado de nuevas publicaciones, del estreno de nuevas obras
cinematográficas y escénicas, en fin, de conocer nuevas
búsquedas, aunque creo que la comunicación tal vez se halle
más en la lectura íntima de un libro impreso, que en la rápida
lectura de un texto en un computador.
AO – Es interesante. Pero creo que funciona más para noticias
y textos breves. Para un hallazgo quizá. Pero en la extensión de
un libro y en la profundidad que él requiere no creo que se den
las condiciones necesarias.
FM - Pediria ainda informações a respeito da criação da
Fundación Común Presencia e da coleção de livros - Los
Conjurados - que vocês vêm publicando.
GMC – La Colección Internacional de Literatura Los Conjurados
fue creada hace dos años. En el género de poesía hemos
publicado más de veinte títulos entre los cuales resaltaría los
libros de: Trakl, Adonis, Juarroz, Ungaretti, Rimbaud, António
Ramos Rosa…, en excelentes versiones al español; además de
otros poetas latinoamericanos como Rodolfo Alonso, Alfredo
Chacón, Mauricio Contreras, Germán Villamizar… En el género
de Testimonio hemos publicado tres tomos con los Discursos de
los Premios Nobel de Literatura, autorizados por primera vez al
español por la Academia Sueca, que son un verdadero legado
espiritual de nuestro tiempo; allí aparecen las palabras
pronunciadas en Estocolmo por: Perse, Camus, Neruda, Eliot,
Faulkner, Steinbeck, Brodsky, Kertész, García Márquez, Paz…
La Colección Los Conjurados es una trinchera interior para
aquellos que necesitan afrontar una realidad individualista y
aciaga, es un espacio imprescindible para aquellos que aún
creen en la urgencia de soñar.
AO – A lo que acaba de responder Gonzalo Márquez Cristo, sólo
añadiría que también es una pretensión de que la poesía
encuentre en su renacer, una puerta abierta, contra tantas
otras que universalmente se le han cerrado. Quizá los
Conjurados sólo pretenda eso, ser el paso posibitador para
enterarnos de los múltiples y complejos universos del ser en
todas las latitudes del planeta. Es un proyecto complejo porque
la poesía así lo es. Pero maravilloso porque la poesía también
es maravillosa. En esto seguiremos trabajando con toda la
mística del corazón.
Común Presencia
Carrera 8 # 65-73
Bogotá (604) COLOMBIA
e-mail: [email protected]
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jornal de poesia
..
triplov
alô música
.
revistas em destaque
cult (brasil)
diálogo entre marcelo rezende
& claudio willer
CW - CULT foi lançada quando, mesmo? Em 1995? Ou foi 97?
Seja como for, logo completará dez anos. Tenho a impressão
de que passará a ser, se é que já não é, o mais longevo dos
periódicos literários nacionais em circulação, descontados
aqueles, como o Suplemento de Minas, Poesia Sempre da BN
ou Correio das Artes, da Paraíba, que são subvencionados pelos
respectivos governos. Isso sugere algum tipo de comentário,
reflexão ou observação? (sobre duração da CULT ou pouca
duração de outros periódicos).
Marcelo Rezende - O primeiro número
da CULT chegou às bancas em 21 de
julho de 1997. Talvez seja necessário
nos determos um pouco sobre o
contexto nacional daqueles anos: o país
vivia o que depois foi denominado como
“febre do real”, na qual a sociedade e
seus agentes acreditavam em uma
transformação do panorama de
consumo (de bens culturais ou não).
Isso teve um reflexo na imprensa
nacional. Enquanto os grandes grupos
passaram a impor estratégias para
alcançar a massa que antes se
encontrava fora da esfera dos produtos culturais (os jornais são
um exemplo disso), esse momento econômico possibilitou
ainda que outros agentes, voltados para a segmentação,
pudessem lançar seus projetos. Curiosamente, o país, que tem
uma acidentada história com publicações voltadas para a
cultura (de caráter nacional e com venda em banca), ganhou
no mesmo período CULT e Bravo!, duas publicações totalmente
diferentes em seus projetos, mas que são fruto, também, dos
acontecimentos descritos acima, e que pretendem ser viáveis
sem a necessidade da presença do Estado. Pouco depois, essa
expectativa se alterou, com os sucessivos choques econômicos.
Hoje, as grandes empresas estão com enormes dívidas e sem
capital, enquanto novos empresários enxergaram nisso uma
oportunidade para ocuparem um lugar na imprensa nacional.
Estamos ainda em um momento de transição, no qual novos
títulos se fortalecem e editoras antes tidas como pequenas
passam a investir a fim de se tornarem relevantes entre
leitores descontentes com as fórmulas dos títulos históricos nas
bancas brasileiras.
CW - A propósito, literário, mesmo? Ao longo de sua existência,
CULT sempre me pareceu oscilar entre uma revista cultural
geral, cobrindo também música, artes visuais e cinema, e uma
revista especificamente literária e de idéias, de filosofia. O que
é CULT, no plano do conteúdo?
MR - Bem, estamos aqui face a uma questão que assombra um
pouco a CULT e alguns de seus leitores. Antes, um
esclarecimento pessoal: como estive afastado do Brasil entre
1998 e 2002 (não estive no país nem mesmo para férias ou
algo desse tipo; foi um momento de ausência total), período no
qual morava em Paris, não pude acompanhar de perto a
história da revista. Recebia alguns exemplares, como de outras
publicações, de amigos que procuravam me apresentar um
pouco do que se passava aqui. Assim, se houve instantes de
crise de identidade da CULT, pude observá-los não apenas de
uma distância oceânica. Eu me encontrava também em uma
posição específica: lia (leio) muitas publicações européias e
norte-americanas que - com aproximações e afastamentos estavam tentando impor projetos semelhantes aos da CULT.
Em seus primeiros anos, a CULT se assumia como uma revista
de literatura, e acredito que o criador do título, o jornalista e
crítico Manuel da Costa Pinto, tivesse a intenção de fazer da
CULT um espaço não apenas para o comentário jornalístico de
livros e autores, mas, sobretudo, um lugar no qual a crítica
literária brasileira –e suas tendências- pudessem ultrapassar
seu território; isto é, o da academia, o circuito universitário. Se
houve a passagem editorial de “revista de literatura” para
“revista de cultura” (e esses conceitos me parecem estar
sempre sendo entendidos como se estivessem em um jogo de
opostos; há a recusa da idéia de ser possível haver
aproximação entre esses dois campos; um engano, me
parece), algumas das razões estão na resposta abaixo.
CW - Coisa de três anos atrás, CULT mudou de proprietário. O
que mudou então, em conseqüência? (em nível propriamente
editorial, é claro).
MR - A CULT, a partir do número 57, deixou de ser editada pela
Lemos Editorial (que controlava o título desde sua fundação) e
passou para as mãos da editora Bregantini, que iniciava seu
projeto de se tornar uma editora competitiva no cenário
nacional. A mesma equipe editorial foi mantida, mas a revista
passou então a se assumir como um título voltado para a
“cultura em geral”, ainda que eu não esteja muito certo do que
essa expressão possa querer dizer hoje…
Mas acho ser necessário fazer algumas distinções aqui. De
início, estabelecer uma diferença entre produção cultural e
produto cultural. Publicações culturais (revistas, suplementos
culturais) mantém um necessário (inevitável talvez seja a
melhor palavra) diálogo com o mercado de cultura. Essa
relação não se dá de maneira pacífica, ou ao menos não
deveria acontecer assim. O fato é que publicações culturais
podem terminar se submetendo ao produto cultural,
acreditando não haver mais diferença entre o produto e o fato
cultural. Eles podem ser o mesmo, mas não necessariamente.
A tarefa de uma publicação cultural seria a de apontar para o
leitor essas diferenças. Seria. Estamos no reino do condicional
aqui. Essa tarefa editorial talvez seja o muro diante da
imprensa cultural (as revistas universitárias são uma outra
questão) hoje, e em nações periféricas como o Brasil isso se
torna extremamente relevante. O analfabetismo funcional
cresce no país. Há décadas. Não está diminuindo. Em
sociedades que passaram por eficazes programas de educação
de massa isso é um problema. O que dizer de nós, brasileiros,
que nunca tivemos uma razoável educação para a população?
Isso significa que a imprensa (que é uma atividade econômica
privada, que visa o lucro) tem também um papel educacional.
Ela deveria, ao menos em teoria, apresentar os fatos e
contextualizá-los. Hoje, onde alguém pode saber quem foi (um
exemplo) Pier Paolo Pasolini? Nos livros? Na universidade? E se
essa pessoa não sabe quais livros ler nem em qual curso
universitário encontrar o que procura? Ela poderia ser
apresentada ao cinema (e aos poemas e artigos) de Pasolini
pela imprensa. Mas essa imprensa depende de “um grande
lançamento” (um bom produto cultural) para falar de Pasolini.
E, quando esse acontecimento surge, prefere não dar muito
espaço a Pasolini porque “as pessoas não sabem quem ele é”.
Parece estarmos diante de um ciclo vicioso, não?
Quando cheguei à CULT, em setembro de 2003, após o
desligamento da antiga equipe de editores do título, fui
convidado pela publisher da revista, Daysi Bregantini, para
elaborar um projeto editorial que pudesse enfrentar essa
desconfortável posição da revista, a fim de que ela pudesse ser
um título de cultura, e não apenas de produtos da indústria
cultural. A CULT deveria ser um título mais lido e comentado,
indo além de seu público inicial, o da faculdade de Letras, sem,
claro, perder esse leitor. Ela teria que ser menos conservadora,
mais ousada e, ao mesmo tempo, agregar leitores e não perder
nenhum dos já acostumados com o título. Na verdade, não
estamos no mais fácil dos mundos… Esse projeto é o que a
editora vem procurando implantar desde o número 74. O
primeiro número que pude editar. Hoje, ela passa por um
momento de crescimento, tanto em relação ao número de
leitores quanto de faturamento publicitário. A CULT é um título
que, segundo dados de sua distribuidora, a Fernando Chinaglia,
vende em banca cerca de 20% acima da média do que o
mercado de revistas no Brasil consegue. Estamos então diante
de uma questão resolvida? Não, certamente. Como todos os
editores sabem, a relação com o leitor é sempre delicada, e a
revista deve sempre procurar ser melhor a cada número. Ou o
leitor se afastará do título. Mas parece que o leitor se sente
confortável diante de um título que acredita ser cultura não
apenas o livro, o CD ou o filme, mas o debate, questões
políticas, a filosofia e o engajamento intelectual em torno do
livro, do CD e do filme. Não o partidarismo, que é outra coisa,
mas o pleno engajamento intelectual.
CW - Fale-nos de você. De onde você surgiu? O que fazia
antes? Como aportou à CULT?
MR - Minha trajetória é muito breve, na verdade. Tenho 36
anos, estudei Comunicação Social na PUC-SP e Filosofia na USP
(que abandonei pouco antes de minha graduação) ao mesmo
tempo. Depois, trabalhei como repórter e editor-assistente nos
cadernos Ilustrada e Mais!, do jornal Folha de S. Paulo (19931998); após essa fase, recebi um convite do diário Gazeta
Mercantil para ocupar o posto de correspondente em Paris
(1998-2001). Permaneci nesse cargo até 2001 (me desliguei do
jornal alguns meses antes de sua grande crise), mas permaneci
na França terminando alguns cursos que tinha iniciado e, antes
de meu retorno ao Brasil, passei ainda uma curta temporada
em Roma.
Quando voltei ao país, em 2002, recebi um convite para
retornar à Folha de S. Paulo. Essa segunda fase durou apenas 5
meses. Após meu desligamento do jornal, passei a trabalhar
em um projeto de livro sobre um certo momento da arte em
São Paulo, um livro no qual trabalho ainda, e nesse período
recebi o convite para editar a CULT.
CW - Como é o público leitor de CULT? Quantos são os leitores
de CULT? Qual é seu perfil?
MR - O leitor é basicamente jovem, com passagem pela
universidade ou ainda passando por ela, seja na graduação ou
na pós-graduação. Logo, classes A e B. Me parece ser um leitor
curioso, disposto a ser apresentado a algo que não estava em
seu domínio e que talvez nem desconfiasse ser de seu
interesse. Isso porque mesmo um leitor “educado” não conhece
muito além de seu campo de saber. Infelizmente. Os que
conhecem muito a obra de Adorno talvez não se sintam muito
confortáveis diante de um texto e de uma obra do norteamericano Donald Judd, apesar dos pontos de contato entre os
dois. Logo, a tarefa da revista seria apresentar Judd aos
adornianos, e Adorno para os seguidores de Judd.
CW - O que você gostou mais de publicar na CULT?
MR - Muitas coisas, na verdade. Falando especificamente sobre
temas, meu primeiro número na direção da revista, no qual
procurava apresentar o leitor a uma nova e interessante
geração de autores hispânicos, como Ignácio Padilla, Bolaño,
Vila-Matas. Um dossier sobre SP (que contou com sua ótima
colaboração), que procurava mostrar um pouco da história da
cidade por meio de seus movimentos culturais em diferentes
décadas, e o desejo de vanguarda que existiu no cotidiano da
metrópole; um número especial sobre os 20 anos da morte do
filósofo Michel Foucault, um típico caso de nome “que ninguém
conhece”, segundo o círculo vicioso da imprensa cultural, e que
terminou sendo uma das maiores vendagens da história da
revista. Por fim, neste semestre, o número sobre os “O que
pensam os Estados Unidos”, talvez o que eu mais tenha
gostado de realizar até aqui. E, claro, não se trata de
realizações pessoais. O resultado é uma soma de colaborações
diretas, indiretas, pequenas sugestões, grandes ações e uma
boa dose de acaso. Acho que o mais importante, nas
publicações culturalmente relevantes, é que elas criem forma e
identidade que possam seguir vivas, apesar dos nomes de seus
editores. Os leitores, enfim, se aproximam do título, e não
daqueles que o editam. A CULT foi criada pela força, coragem e
ousadia de Manuel da Costa Pinto, hoje eu a edito e espero que
após minha passagem ela continue sendo, enfim, a revista
CULT reconhecida e respeitada por seus leitores, que têm,
sempre, a palavra final.
CW - E o leitor, do que ele gosta mais? Polêmica, intelectuais
pulando na garganta um do outro, informação geral,
aprofundamento temático? Cultura pop ou universitária? É
possível captar indícios de preferências, pela vendagem e por
comentários?
MR - Essa pergunta, me faço todos os meses. Se fizermos uma
análise dos números mais vendidos neste ano (isto é, que
ultrapassaram a média de vendagem da revista), teríamos,
pela ordem, as seguintes capas: “Foucault”, “Dostoievski” e
“Literatura de Combate”. Bem, o leitor gosta de filosofia
francesa? Autores russos? Tendências da cultura? Ou gosta dos
três? São os mesmos leitores?
Como você pode perceber, não há uma resposta simples.
Talvez, essas mesmas capas, se lançadas em 2005, não teriam
a mesma resposta dos leitores. Mas, ainda em meio a tantas
intuições, acho que podemos extrair algumas sólidas certezas
sobre esse leitor: ele se interessa por pessoas e temas que o
ajudem a entender o mundo hoje, e isso, algumas vezes,
significa ter na revista assuntos, reportagens e entrevistas que
poderiam ser chamadas de polêmicas. Acredito que esse
mesmo leitor deseja ver na CULT algo que ele não encontra em
outras publicações; isto é, ele rejeitaria “os grande nomes” que
podem ser encontrados tanto em revistas de informação
quanto em títulos de celebridades.
Quanto à cultura pop ou universitária, bom, essas diferenças
são um tema de rigueur entre os litterati brasileiros, e parece
existir muita confusão nessas qualificações. Hoje, no cenário da
música eletrônica (e estamos falando aqui, sim, da chamada
“Cultura DJ”), os conceitos do filósofo Gilles Deleuze são
largamente usados. Os autores do filme “Matrix” afirmaram
terem utilizado algumas idéias de Jean Baudrillard para
realizarem o filme. O que é cultura pop e cultura universitária,
exatamente? Acho ser necessário em algum momento
ultrapassar o estágio de Guerra Fria no qual vários setores da
sociedade brasileira parecem viver. Há os que pregam um
antiintelectualismo militante, negando toda forma de
sofisticação do pensamento e da ação, vivendo em um mundo
no qual nada pode ser analisado ou estudado sem ser
automaticamente rotulado como “difícil”. Do outro lado, há um
sólido conservadorismo dos setores acadêmicos que acreditam
estar em um território de “rigor e seriedade”, um discurso que
serve apenas para disfarçar uma esclerose avançada, uma
imobilidade que se traduz em algo muito perverso… Talvez por
isso eu goste tanto de alguém como o esloveno Slavoj Zizek,
capaz de explicar para o leitor a crise da modernidade por meio
do último filme de Clint Eastwood.
CW - E o que ainda gostaria de publicar? O que precisa
melhorar em CULT?
MR - Gostaria de publicar muitas coisas. É
um clichê, mas o fato é que a lista seria
interminável. Muitas coisas precisam
melhorar na CULT: abrir espaço para
novos críticos, explorar de maneira
sistemática questões da atualidade, ter
mais poesia em suas páginas, conseguir a
profundidade sem hermetismo, refletir o
debate em torno da arte… Trata-se de
outra lista infinita.
CW - Tiragem de alguns milhares de
exemplares – isso é inserção na elite cultural ou contingência?
Há chances de crescimento?
MR - Como falamos um pouco acima, a média de vendas da
CULT, em relação a sua tiragem, é superior à média do
mercado. Logo, ela vem crescendo. Mas é necessário não
perder de vista questões que transcendem a revista e suas
intenções. O Brasil tem uma população de cerca de 190
milhões, mas seus maiores títulos impressos não chegam hoje
a 1 milhão, nem mesmo os com estrelas televisivas nuas em
suas capas. Logo, toda imprensa no Brasil é segmentada: é
feita para o segmento que lê.
CW - E o futuro? Quais serão os próximos passos? Há planos de
expansão, haverá crescimento de CULT? Quantitativo,
qualitativo ou ambos? Algo deverá ou deveria mudar?
MR - Os planos editoriais são muitos. E ousadia é o que poderia
resumir todos eles. Acho que a revista tende a ser ainda menos
conservadora e mais ousada, porque toda publicação que dá o
que o leitor quer ou espera está condenada ao
desaparecimento e ao anacronismo. Uma revista, sobretudo
uma revista de cultura, deve dar aquilo que o leitor não espera
e não sabe ainda que quer.
CW - Que lhe parece o aumento, quando não proliferação de
revistas de poesia e periódicos literários durante esses dez
anos? Teria destaques, positivos ou negativos, comentário
sobre alguns deles? Faça comentários sobre periodismo
eletrônico – sites, páginas, blogs, etc.
MR - Esse, acredito, é um fenômeno muito novo ainda para
podermos entender seu real significado. Hoje, fazer um fanzine
ou uma revista literária impressa é muito mais barato do que
antes. E o fato é que os meios eletrônicos se tornaram uma
chance para diferentes gerações, das mais variadas tendências,
poderem se expressar, pessoas e grupos que perderam seus
espaços ou se desinteressaram pelos espaços disponíveis. Essa,
claro, é uma situação imensamente positiva, porque tudo o que
é capaz de abalar um discurso único (seja ele ditado pelo
mercado, pela situação política ou pela decisão dos próprios
meios) é, em si, positivo. Mas me parece que até esse métier
foi atingido pelo apelo “das celebridades”. Fazer uma
publicação literária, de poesia, ensaios, ok. Fazer uma
publicação literária, de poesia, ensaios para ser reconhecido em
festas, ter a foto publicada nos segundos cadernos ou se tornar
amigo dos “autores conhecidos” não me parece ser uma boa
estratégia. Para nada.
CW - E sobre crítica e jornalismo literário na grande imprensa,
nesse período?
MR - A piada é inevitável: qual crítica? Já que falamos antes do
artista minimalista Donald Judd (morto em 1994), em um dos
seus textos críticos ele escreve: “Se tornou um ataque à
democracia dizer que o trabalho de alguém é maior, mais
desenvolvido, mais avançado, complexo (o quanto complexo
esse termo pode ser), do que de outra pessoa. Não é educado
dizer que meu trabalho é melhor do que o seu. Essa atitude
vazia é parte de toda sociedade. A mesma pequena idéia
contida nessa atitude é a de que a arte deve ser democrática, e
é uma hipocrisia pretender isso”. Esse trecho é do ensaio Not
about master-pieces but why are so few of them. Me parece ser
a crítica e o jornalismo literário brasileiros, para usar a idéia de
Judd, extremamente “bem educados”. Mas sem uma rigorosa
crítica caímos em uma produção na qual tudo é aceito em
nome da “convivência” e da camaradagem. Mas a arte não é
democrática, ela é aristocrática.
Se isso já não fosse um grande problema, há ainda o fato de
que uma certa cultura literária está em crise. Há na
universidade aqueles que podem escrever confortavelmente
sobre o uso da narrativa em determinado autor sem jamais ter
lido Claude Simon, John Barth, BS Johnson. Enfim, me parece
que existe uma geração hoje, na universidade, que não vai
muito além do cânone estabelecido, e isso termina se
traduzindo em uma produção tímida, sem inquietação,
respeitosa, “chatoboy”.
E, no jornalismo, bem, toda sua função educacional deixou de
existir porque nossas relações com o passado são “flutuantes”.
Hoje, apenas um exemplo, o jornalismo impresso acredita que
o surrealismo foi uma corrente literária. E não um projeto
revolucionário a tempo pleno. As idéias parecem vir prontas, de
algum lugar, de uma “enciclopédia básica da cultura
jornalística”. Enfim, se na universidade há a timidez diante do
cânone, na imprensa parece que tudo se reduz a clichês que
são usados para não espantar os leitores; nada pode ser muito
“difícil”. Por isso é que o cineasta Nani Moretti é sempre, no
Brasil, o “Woody Allen italiano”. Clichê e reducionismo. Mas o
que uma definição como essa pode querer dizer? Com uma
crítica neste estado, como jogar a primeira pedra contra nossa
pobre produção cultural? E, aliás, como apontar sua pobreza?
CW - O planejamento de CULT incorpora alguma reflexão crítica
sobre o jornalismo literário atual no Brasil? Há intenção de
preencher um espaço vazio, cobrir uma lacuna, algo assim?
MR - A revista CULT tenta e procura colaboradores, não
colaboracionistas; pessoas dispostas a “não colaborar”. Ou
seja, que preferem ter uma visão crítica, e lutar por ela. Há,
claro, falhas, erros de cálculo, desvios, mas ao menos existe
um projeto.
CW - E o resto do mundo? Há publicações, do tipo Magazine
Littéraire, que servem como modelos ou referências?
MR - O Magazine Littéraire é uma referência no que se refere à
idéia do dossier, um dos destaques da CULT. Mas a situação
das revistas é totalmente diferente, as sociedades são muito
diferentes. A sociedade francesa é letrada e leitora. A brasileira,
não. E, entre os franceses, a intelectualidade nunca esteve
acima das questões políticas (criar uma vanguarda é também
uma questão política) e culturais. A própria palavra “intelectual”
assume outro sentido: significa a atuação pública, significa
estar presente ou contra a sociedade, e o saber não está
restrito ao que é produzido na universidade. No Brasil, mais
uma vez, a situação é totalmente diferente. E o Magazine é
apenas uma das revistas literárias francesas; na verdade, a
revista da academia, da instituição. A Lire seria mais voltada
aos lançamentos, cobrindo o mercado, enquanto a nova
Matricule des Anges é a que procura um caminho mais jovem e
alternativo aos dois títulos citados.
Modelos, referências? The Economist, Les Inrockuptibles,
Granta, L´Infini (de Philippe Sollers), éditions de Minuit, Rebel
Inc., Il Manifesto, The Observer, Arts & Letters Daily, Artforum,
Tel Quel, The New Yorker (ainda), Courrier International.
Várias, na verdade.
CW - Conexões internacionais, ibero-americana e lusófona, o
tem interessado? Prevê ou planeja algo a respeito?
MR - Qualquer intercâmbio nos interessa, e muito. Mas
gostaríamos e esperamos por ações realmente produtivas, e
não apenas aproximações de ocasião. Queremos nossos
colaboradores publicados em revistas de outras culturas e viceversa.
Editora
Daysi Bregantini
Diretor de Redação
Marcelo Rezende
CULT– Revista Brasileira de Cultura
é uma publicação mensal da Editora Bregantini
Praça Santo Agostinho, 70 – 10º andar – Paraíso – São Paulo – SP –
CEP 01533-070 –
tel.: 11/3385-3385 – fax: 11/3385-3386.
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revistas em destaque
malabia (espanha)
diálogo entre federico nogara &
floriano martins
FM - Quando surgiu Malabia e em quais circunstâncias
editoriais?
Federico Nogara – La idea de Malabia
surgió en 2000, en un encuentro cultural
en Brasilia. Allí conocí personalmente a
Guillermo Pérez Raventós y entre los dos
nos propusimos una tarea común. De las
charlas salió Malabia. La revista tiene seis
meses de edad. La editamos entre
Guillermo y yo, sin ayuda exterior. Ahora
estamos comenzando a involucrar
editoriales.
FM - Qual a razão de seu nome?
FN – Malabia es un personaje de los libros de Onetti. Es el
intelectual inconformista, enfrentado al sistema. Tiene mucho
en común con Compson, el intelectual de Faulkner (de quien
Onetti era admirador), y del Dédalus de Joyce.
FM - Como o sítio convive com outros projetos similares em
todo o país?
FN – Es difícil decirlo. Recién comenzamos y los contactos con
proyectos similares son muy nuevos. Las perspectivas son
buenas.
FM - Qual a situação atual do sítio, em termos de conquistas,
dificuldades, novos planos etc.?
FN – Tenemos un tipo de lector con un nivel cultural medioalto, lo que hace el crecimiento lento. Pero al mismo tiempo
nuestros inteligentes lectores comprenden el esfuerzo por
mantenernos coherentes, fieles a una forma de entender la
cultura. Recibimos mucho apoyo y muchas felicitaciones. Las
dificultades, como siempre, son las económicas. El principal
plan es mejorar en todo sentido. El más ambicioso es salir con
suplementos en portugués e inglés.
FM – Malabia circula apenas em módulo virtual ou há também
uma versão impressa?
FN – Pensaremos en una versión impresa cuando podamos
financiarla. Publicar en papel es muy caro y limitado. Con
internet se puede llegar a todo el mundo. Nuestra revista es
abierta al mundo desde una perspectiva latinoamericana, y el
mundo es ancho y ajeno como decía Ciro Alegría.
FM - Como funciona sua difusão?
FN – Por el momento sólo con e-mails.
FM - Como vês as possibilidades da Internet como ferramenta
aplicada à cultura?
FN – No debemos olvidar que internet fue inventada por el
ejército norteamericano para mantener a sus mandos
operativos. Es una herramienta del sistema capitalista. Pero,
paradójicamente, es una de las pocas herramientas de
comunicación con que contamos quienes queremos cambiar la
realidad.
La cultura en nuestros días está muy comercializada. Mucha
gente se da cuenta y trata de responder. Pero falta calidad,
buenas propuestas. En internet hay poca seriedad, mucha
"brincadeira", y eso no nos lleva a ningún sitio.
Malabia
Dirección: Federico Nogara
E-mail: [email protected]
www.revistamalabia.com.ar
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jornal de poesia
triplov
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revistas em destaque
vaso comunicante (méxico)
diálogo entre ludwig zeller,
susana wald & floriano martins
FM - Quando surgiu Vaso Comunicante e em quais
circunstâncias editoriais?
LZ - Hace cinco años conocí a
César Mayoral Figueroa que había
tratado de hacer una revista
similar y no le había resultado. Nos
entendemos bien y al momento
tenemos ocho números publicados.
SW - César Mayoral Figueroa es un
médico cirujano, psicoanalista,
filósofo, escritor, y mecenas. Ha participado en el taller literario
de Ludwig Zeller de donde surge la revista Vaso Comunicante
en primer término. La revista ha existido con anterioridad, hace
unos 18 años, cuando la dirigía un escritor de la Ciudad de
México. En esa época César Mayoral era Rector de la
Universidad de Oaxaca.
FM - Qual a razão de seu nome?
LZ - Muchas de las persona que han colaborado han estudiado
medicina y es un frase común para ellos. Vasos Comunicantes
ya fue empleado por Breton hace ochenta años.
SW - Vasos comunicantes, de donde Breton toma también el
título para su texto, son el punto de contacto entre las arterias
y las venas, en el sistema capilar dentro del sistema circulatorio
de nuestros cuerpos. A mí me llama la atención que se habla de
sólo uno de esos elementos, de un vaso y no de la conjunción
de dos, que es el caso cuando la terminología se usa en el
plural. Así queda como el vaso que va hacia la conexión, o
viene de ella.
FM - Como a revista convive com outros projetos similares em
todo o país?
LZ - Tenemos poca relación y el interés principal de la revista
es que tenga textos de primera calidad o material inédito en
español.
SW - La relación formal entre las
revistas en México es poca, porque
no hay una tradición de
corresponsalía o de intercambio de
cartas. Las personas que ven la
revista, siendo editores de otras, la
admiran, por su calidad. Hay
muchas revistas en México. En
Oaxaca hay por lo menos media
docena.
FM - Qual a situação atual da revista, em termos de conquistas,
dificuldades, novos planos etc?
LZ - Estamos muy interesados en hacer varios números y
tenemos un espléndido material. Al momento Susana Wald y yo
mismo somos los que llevamos todo el peso del trabajo, y el
tiempo es escaso.
SW - Creo que la revista tiene relevancia, y que se ha podido
establecer como cosa que ya se conoce. La dificultad está en
que la hacemos sólo dos personas. Ludwig selecciona el
material y yo hago el diseño, la lectura de pruebas la hacemos
los dos, y yo hago también traducciones, donde es necesario y
veo la producción en preprensa y en la imprenta.
FM - Vaso Comunicante circula apenas em versão impressa ou
há também um módulo virtual?
LZ - Sólo en versión impresa.
SW - No hay versión virtual.
FM - Como funciona sua difusão?
LZ - La mayor parte de la revista la regalamos. También se
puede encontrar en librerías de Oaxaca y hacemos envíos a
otras ciudades.
SW - Se vende en librerías de Oaxaca y se regala muchos
ejemplares.
FM - Como vêem as possibilidades da
Internet como ferramenta aplicada à
cultura?
LZ - Me parece una herramienta
extraordinaria, pero frágil.
SW - El Internet me parece un magnífico
instrumento para las personas que tienen
tres cosas: una computadora, una buena
conexión telefónica y tiempo. Para las
primeras dos cosas en especial se
necesita tener dinero. Luego el resultado de lo encontrado,
cuando se tiene tiempo, se debe almacenar o imprimir. Todo
ello requiere fondos. Es poco eficaz como herramienta en
lugares pobres como Oaxaca, donde la infraestructura es muy
deficiente. No contamos ni siquiera con un suministro seguro de
luz y conseguir teléfonos eficaces es trabajo de titanes. Yo diría
que en Oaxaca si quieres hacer algo virtual, alcanzas quizás un
dos por ciento de la población. ¡Eso, porque soy optimista!
Colegio de Oaxaca
Álamos 228 - Colonia Reforma
Oaxaca, Oax. 68050 - MÉXICO
[email protected]
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jornal de poesia
..
triplov
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revistas em destaque
matérika (costa rica)
diálogo entre alfonso peña,
tomás saraví & floriano martins
FM - ¿Qué motivó la aparición de Matérika?
AP/TS - Tendríamos que viajar en el tiempo y ubicarnos en los
inicios de la legendaria revista Andrómeda, que apareció entre
1980-1990, con 33 ediciones. Ese movimiento generó
proyectos, amigos, colaboradores, canje con otras
publicaciones. Transcurrió algún tiempo; se reformularon
estrategias, nos adecuamos a nuevas situaciones en el ámbito
de la cultura y hacia el año 2000 decidimos publicar una nueva
revista.
Matérika es una revista un poco diferente, es “fabricada” como
un objeto artístico, donde los segmentos gráficos tienen una
gran participación con la poesía, las entrevistas, la narrativa, el
ensayo... Es una celebración del color, la imagen visual y la
palabra escrita. En cada edición invitamos a un artista plástico
a efectuar el proyecto gráfico. Por esta revista han transitado
relevantes artistas de América Latina. Es un vehículo muy
importante en el soporte y la divulgación de nuestras ediciones
de libros de poesía, narrativa, gráfica.
Por medio de las revistas literarias o de ideas, de algún modo
se encuentran los escritores, los poetas, los pintores, y surge el
canje, el fluido intercambio de ideas, entre publicaciones y
entre países.
FM - Algunas revistas han puesto especial atención a la poesía
de otros países, incluso algunas dedican buena parte de sus
páginas a su difusión. ¿De qué manera este asunto es encarado
por Matérika? Esto tiene relación con el mundo globalizado y la
ambigüedad implícita en la universalidad de la cultura.
AP/TS - Para Matérika la difusión de la poesía es tan importante
como la difusión del ensayo, de la narrativa, de la crítica
literaria, que en otros espacios son prioritarios. Por ejemplo en
el N°2 buena parte del contenido se dedica a una muestra de
la poesía brasileña.. A partir de esa edición comprendimos que
eso era un acierto y una deferencia con nuestros lectores y con
las exigencias del mundo actual. En cada edición proponemos
una muestra de la poesía continental. Por ejemplo para
próximas ediciones presentaremos poesía guatemalteca y
nicaragüense. Podemos añadir que en revistas amigas de otras
latitudes hemos dado a conocer selecciones de la poesía actual
costarricense.
FM - ¿De qué manera el estado ha actuado o ha subvencionado
sus proyectos editoriales y cual ha sido el resultado de esta
actuación?
AP/TS - La revista Matérika es respaldada por el sello Ediciones
Andrómeda y el Taller de la Imaginación; es un proyecto de
autogestión cultural. No pedimos ni contamos con el apoyo
financiero del Estado. Consideramos que las revistas nacionales
de cultura en algunos países han logrado buenos resultados:
por su apertura, y difusión de las ideas. En Costa Rica hay
revistas que tienen el apoyo del estado; son prácticamente
“invisibles” pues no salen de las bodegas... Nuestro apoyo son
los amigos, los lectores, que colaboran con nuestras propuestas
editoriales.
FM - ¿Matérika circula solo en su versión impresa o también
tiene su módulo virtual?
AP/TS - Decíamos que en las épocas anteriores a Internet “el
canje” desempeñaba una importante misión. Hasta el día de
hoy “el canje” por medio del correo se mantiene; es muy
importante y agradable recibir la revista impresa que llega de
México, Argentina, Colombia, Chile, Brasil, Cuba, España, sin
embargo, en el año 2004, Matérika decidió contar con su
revista virtual. Justamente en diciembre se lanzó la primera
edición de Matérika virtual. Inicialmente hicimos una selección
de nuestros materiales, con el propósito de que los lectores de
otras las latitudes, merced a este maravilloso invento que es
Internet pudieran mantenerse informados del grado de
producción cultural existente en Costa Rica y Centroamérica.
En la época actual resulta de gran importancia contar con una
versión virtual.
La respuesta ha sido impresionante. El mundo de Internet se
caracteriza justamente por su carácter dinámico, masivo,
independiente y libre, donde el público , los cibernautas opinan
libremente. En muy pocos días “nuestro libro de visitas” reflejó
las más diversas opiniomes; por medio del control que lleva
Ditosoft, nuestro cómplice en el proyecto Matérika virtual,
quedamos sorprendidos de la cantidad de personas que se
acercan a nuestro portal. Mediante los diferentes mecanismos
de captación de visitantes hemos constatado el interés que la
publicación suscita en la red. Este módulo virtual es editado
en Costa Rica por Andrómeda y producido digitalmente en
Nicaragua por Ditosoft, lo cual demuestra una vez más, que
“la cultura no tiene fronteras”.
FM - ¿Qué opinan de la creación de un foro permanente de
debates, entre editores de revistas, utilizando Internet?
AP/TS - La invitación de Agulha a formular esta clase de
opiniones enriquece notablemente el panorama. Agulha de
algún modo se convirtió en un buen ejemplo para todo el
continente y para el mundo. En nuestro caso la relación con
Agulha es particularmente intensa por las relaciones personales
que existen entre sus organizadores; eso ha llevado a que
realmente se pueda multiplicar el conocimiento de la cultura
costarricense, la cultura centroamericana, y la interrelación
entre todas las culturas de América Latina. En realidad el foro
ya comenzó y tiene un sentido concreto. Debe aplaudirse y
apoyarse esta iniciativa. Es particularmente importante que
mucha de la gente que se adhiere a los distintos niveles que
Internet presenta, lo haga mediante la lectura de esta clase de
materiales, muy cuidados, previamente editados y discutidos.
Es importante que se imponga una sana discusión entre países
como los latinoamericanos que tienen en algunos casos
antiguas tradiciones culturales. En consecuencia la suma de
este proceso analizándolo por todos los flancos es sumamente
positivo.
[entrevista realizada em janeiro de 2005]
Editor
Alfonso Peña
Consejo Editor
Tomás Saraví - Guillermo Fernández - Floriano Martins - Colombia
Truque - Saúl Ibargoyen - Felo García - Carlos Barbarito
Dirección
Barrio Amón, Calle 9, Avenida 9
Apartado Postal # 159-1002
Paseo de los Estudiantes - San José - Costa Rica, A.C.
E-mail: [email protected]
http://www.materika.com/
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revistas em destaque
palavreiros (brasil)
diálogo entre josé geraldo
neres & claudio willer
De uma oficina literária em
Diadema, município da região
metropolitana de São Paulo, à
Internet, e a um sem-número de
conexões não apenas brasileiras,
porém latino-americanas. Esta é a
trajetória de Palavreiros, e, em
especial, do poeta José Geraldo
Neres, que tem se dedicado, nos
últimos cinco anos, à organização e
divulgação desse espaço para a poesia. [CW]
CW - Você é capaz de resumir, em umas poucas linhas, o que é
Palavreiros?
JGN - Usando as palavras de uma amiga; Palavreiros =
trabalhadores da palavra = operários/formigas.
CW - Dê-nos um histórico, conte-nos como surgiu Palavreiros.
Dá a impressão de ser algo coletivo, desdobramento ou
conseqüência de atividades de um grupo. Quem são?
JGN - Surgiu em 1999, no encerramento de uma oficina
literária no município de Diadema, oficina essa ministrada pela
Beth Brait Alvim. É aquela velha história (como muitas outras
histórias que conheço); bem pessoal acabou a oficina e fica
aquele gosto de quero mais um pouco ou está faltando algo. O
que fazer? Temos em comum o gosto pela palavra. O que
fazer? Onde levar esse sentimento? Existia a idéia de se forma
um grupo, esse desejo foi se fortalecendo ao longo das
primeiras apresentações públicas, chegando até a inusitada
inauguração de uma escultura que representava a "Torre de
Babel"(alunos de artes plásticas das oficinas culturais
ministradas por Ricardo Amadasi, argentino radicado no
Brasil). A princípio foi a experiência de Saraus(centros culturais
e escolas), depois o primeiro Fanzine. Naquele momento já
contávamos com cerca de 30 ou mais colaboradores: alguns se
retiraram ao longo desses cinco anos, e teve a chegada de
outros. São interessantes as experiências ao longo desses cinco
anos: uma das maiores marcas, é sem duvida uma sarau
realizado numa escola municipal de ensino de ensino para
jovens e adultos. A escola parou suas atividades naquela noite.
Éramos: “estranhos num ninho de curiosidade e espanto”. Além
das poesias do grupo, apresentamos poetas consagrados como
Cecília Meirelles, Cora Coralina, Murilo Mendes, Carlos
Drummond de Andrade… Até aí nenhuma novidade, mas ao fim
da apresentação: - Quando vocês voltam? Passado dois meses,
voltamos a mesma escola e, para nossa surpresa, os alunos
estavam organizados: tinham escolhido os poemas/poetas para
leitura, fizeram jogral, participaram de um poema coletivo.
Uma verdadeira comunhão. Tem outras histórias; cada
apresentação tem uma em particular, mas sempre fica aquela
pergunta: nunca pensamos que um dia nossa iniciativa, aquele
utópico desejo nos levasse a tantos lugares: SESC, Escolas e
Universidades, Encontro de Escritores de Rio Claro/SP, e além
das fronteiras de terras brasilis; Uruguai. Agora deixando a
parte de apresentações; o grupo atualmente é composto
por(ativos e não ativos): A. Smero, Arildo Correia Lima, Beth
Brait Alvim, Cleibson Carlos, Edson Aquino, José Geraldo Neres,
Juan Carlos Rodriguez Latorre, Maria de Lourdes, Maria Regina
Oliveira de Araújo, Marlene Pereira de Lima, Murillo Kollek,
Osmar Almeida, Paula Barbosa, e Radi Oliveira (existem ainda
outros colaboradores que atuam indiretamente). É verdade que
há uma tendência de se reestruturar o grupo ou que ele venha
a funcionar uma pouco mais. Creio que isso se deve ao fato de
que num determinado momento o desejo do individuo vem
influenciar o grupo, ou a aparição do velho desejo do homem
de trilhar novos outros caminhos. O Palavreiros tem um filho:
Formigueiros (que seria a vertente musical do grupo, e que
agora dá seus próprios passos). Alguns dos participantes
começam a dar suas primeiras oficinas literárias, a fazer
intermediações em projeto de apreciação estética/literária "Q.
Poética?" e em outras atividades culturais.
E temos ainda o nosso caminhar na grande rede (que surgiu
como alternativa de divulgação de nossos textos, após o
rompimento de um convênio-patrocínio que tínhamos para
publicação de nosso Fanzine). Fizemos nossa primeira página
em 2000, e depois disso o site foi crescendo e agregando
outros poetas/escritores. O site acabou sendo a grande válvula
de escape e excelente ferramenta de divulgação literária e
intercâmbio, sendo incluído no diretório mundial de poesia
da Unesco: www.unesco.org/poetry. Creio que devo ter me
estendido por demais, mesmo sabendo que existem outras
histórias ainda por contar.
CW - Que papel você desempenha em Palavreiros?
JGN - Desde a fundação do grupo em 1999, venho
desenvolvendo o papel de relações públicas do grupo, desde
2001 sou o responsável pela manutenção do site, e realização
de um festival virtual de poesia que está na sua terceira edição
(a última edição contou com a participação de poetas de 38
países, a edição de 2005 está ainda sendo estudada).
CW - Essa conexão hispano-americana, com uma presença
forte de autores e obras em língua espanhola, algo que
diferencia Palavreiros de outros periódicos eletrônicos, como
aconteceu?
JGN - Creio que foi com a realização do festival virtual de
poesia. Foi algo surpreendente: o poeta que estava
participando convidava outro e esse outro. Eles acreditaram na
proposta dessa antologia virtual e se organizaram para que
cada país estivesse poeticamente representado. A notícia do
festival saiu em programas de rádio em Puerto Rico, em jornais
na Bolívia, e não esquecendo dos diversos divulgadores pela
grande rede. É interessante essa cumplicidade: poetas que não
tinham micro eram indicados por outros que possuíam essa
ferramenta. Na ausência de poetas de um determinado país,
por exemplo: no Paraguai, contei com o auxílio de Tereza
Méndez-Faith. Com relação aos poetas árabes; a interlocução
da poeta Belén Juárez (Coodinadora del Programa Cultural
"Puerta Abierta del Diálogo Internacional", 2001-2002,
Fundación Euroárabe (España). E isso foi uma constante, o
círculo foi aumentando cada vez mais e mais.
CW - Diga algo sobre a expansão de sites e divulgação de
poesia pela internet. Quais são seus principais parceiros e
interlocutores?
JGN - O site foi ganhando força ao longo desses 5 anos. E algo
que é necessário de se dizer: tratando-se de sites de literatura;
existe sempre a divulgação ou vinculação/indicação de
navegação para outros sites. E funciona também a velha forma
de propaganda; um amigo apresenta outro e assim vai.
Atualmente não possuímos parceiros (creio que isso deverá
mudar em breve; será reformulada a seção de links e criada
uma seção de destaque relativo a esses possíveis parceiros,
seja ele financeiro ou divulgador.). Mas sem duvida, algo que
ajudou muito no crescimento do site foi a sua inclusão no
diretório mundial de poesia da Unesco.
Existe ainda a divulgação/indicação de navegação do Instituto
Camões - Centro Virtual- de Portugal. Na verdade seria preciso
mais linhas para poder mencionar todos(as) os(as)
divulgadores(as). Com a alteração/reformulação da seção links
isso deverá estar solucionado, pois devemos muito a esses(as)
amigos e amigas.
CW - Haverá alguma expansão de Palavreiros no meio
impresso, sobre papel?
JGN - Na verdade não seria uma expansão e sim um retorno;
começamos com um Fanzine impresso (1000 exemplares, com
cerca de 18 páginas, com poesias, crítica literária e ilustrações)
e depois a parceira foi rompida sem maiores explicações (até
hoje não sei ao certo o motivo). Precisamos retornar ao papel.
CW - Certa ocasião, você me falou que recebe 100 e-mails por
dia. Em matéria de acessos, como está Palavreiros? Quem o
acessa ou consulta?
JGN - Com relação a conteúdo; são mais de 20.000 páginas (O
grupo Palavreiros possui um espaço próprio, cada participante
do grupo possui sua página. Temos uma média-mês de 15.000
visitas (houve ocasiões em que a visitação diária ultrapassou a
casa de 1.500 visitas). Sendo que em torno de 40% dessa
visitação é daqui do Brasil e o outro percentual representa a
visitação de mais de 70 países. Nossa lista de contatos
ultrapassa 6.000 contas de e-mails.
CW - O que você gostou mais de publicar ou divulgar em
Palavreiros?
JGN - Sem contar a divulgação de livros, celebrações literárias
e outros acontecimentos… O prazer apareceu em vários
momentos. Um desses momentos foi o de publicar poemas de
integrantes do Taller "El rincón de los niños cubanos". Te
presento a cuatro hermanos,/ Cada uno es una esfera,/ Cada
uno un tenue fuego,/ Aquí tienes a Vulcano,/ Viviendo junto a
la Tierra,/ Aquí tienes a Mercurio,/ Habitando con Neptuno,/
Más acá te muestro a Cintia/ En un abrazo con Bóreas,/ Y por
Último está Apolo,/ El grande consigo mismo,/ Para verlos
perecer / Basta golpear a cualquiera,/ Pues los ligan mutuos
vínculos, / De extraña naturaleza/…(fragmento do poema
"Arcanos naturales" de Guillermo Badia Hernández, 15 anos).
Não somente pela força mítica do poema, mas por saber que
existem pessoas preocupadas com a vivência poética dos
jovens. E também a descoberta da poesia de outros países,
bem como o intercâmbio literário com nossos irmãos de São
Tomé e Príncipe, na África. E nossos hermanos do 1º Festival
Internacional de Poesía de Granada, Nicarágua. Existem ainda
outros contatos, mas isso farei noutra oportunidade. E um
momento triste: a morte de uma amiga e divulgadora, Yêda
Schmaltz, mantivemos contato por cerca de 2 anos ou mais, e
para tentar registrar essa amizade, nós criamos uma seção
especial dedicada a ela.
CW - O que você gostaria de apresentar ou pôr em Palavreiros
e ainda não fez?
JGN - Gostaria de publicar edições especiais de poesia e prosa
de cada país que mantemos contato. E fazer sair da gaveta
uma revista digital de literatura que a principio se chamaria:
"Esfinge Móvel" O primeiro esboço dessa revista pode ser
acompanhado no endereço
http://www.palavreiros.org/esfinge/home.html
CW - E o futuro? Quais serão os próximos passos? Há planos de
expansão, haverá crescimento de Palavreiros? Quantitativo,
qualitativo ou ambos? Algo deverá ou deveria mudar?
JGN - Tenho planos, mas isso só deverá acontecer depois de
março, 2005. (Expansão, fortalecimento, a criação de outros
intercâmbios literários, um selo próprio, sede ou local de
reuniões, etc. Mas isso tudo ficará na dependência dessa futura
reunião.)
[entrevista realizada em janeiro de 2005]
Grupo Palavreiros
[5 anos de atividades culturais]
A. Smero, Beth Brait Alvim, Cleibson Carlos, Edson Aquino,
José Geraldo Neres, Juan Carlos Rodriguez Latorre, Maria de
Lourdes, Maria Regina Oliveira de Araújo, Marlene Pereira de
Lima, Murillo Kollek, Osmar Almeida, Paula Barbosa e Radi
Oliveira
www.palavreiros.org/palavreiros.html
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revistas em destaque
piel de leopardo (argentina)
diálogo entre jorje lagos nilsson
& floriano martins
FM - Como surge Piel de
Leopardo, motivada por
qual desejo?
JLN - Hacia 1989/90 -no lo
recuerdo con exactitudconocí en Buenos Aires a
un grupo de jóvenes
poetas chilenos: Jesús
Sepúlveda, Guillermo
Valenzuela y otros. Dos
años después, en Santiago
de Chile, conversamos
sobre la necesidad de una revista de cultura, no sólo de letras.
Meses más tarde ellos logran publicar Piel de Leopardo. En
1994 (había regresado a Buenos Aires) Sepúlveda me escribe:
¿podía yo encargarme de la revista?
Acepté. Pudimos imprimir dos números. No más por razones de
tipo legal, contable y administrativo. Desde 2000 Piel de
Leopardo es una publicación electrónica.
El deseo, la gana, la voluntad detrás del esfuerzo es ayudar a
construir puentes; puentes entre las regiones de América
Latina y puente entre América Latina y el resto del mundo. Sí,
una ambición muy grande para lo que somos, pero por algo se
empieza, ¿verdad?
FM - Como funciona Piel de Leopardo (estrutura financeira,
distribuição, equipe, definição de pauta, relação com
colaboradores etc.)?
JLN - Entre 2000 y 2003 fue una revista bimensual. Existía un
Consejo editorial al que llamamos Sóviet, lo que suscitó
algunas protestas -que rechazamos: nunca fue una publicación
marxista-. El sóviet se reunía virtualmente, puesto que
vivíamos en diferentes partes del mundo, y se decidían algunas
políticas inmediatas. Nunca hubo una estructura administrativofinanciera; un compañero se encargó de su distribución en
Buenos Aires, para los números en papel, y cuando pudimos
editarla para internet descontábamos que sería gratuita. La
relación con los colaboradores era directa y horizontal.
Como ocurriera en su etapa chilena, ciertas circunstancias nos
obligaron a suspender su aparición en 2003. A fines de ese año
un grupo de entusiastas “subió” un último número. El sueño porfiado como todos los sueños- paradójicamente no dejaba
dormir. En octubre de este año de 2004 volvimos. Estudiamos
mecanismos para mantenerla y poder cumplir con sus
objetivos.
Uno de esos mecanismos es la puesta en marcha de un aparato
editorial. De hecho en Buenos Aires logramos publicar
alrededor de una docena de libros de escritores de diversos
países: Sylvia Vergara, Venezuela; Adriano Corrales, Costa
Rica; Jesús Sepúlveda y Álvaro Leyva, residentes en Estados
Unidos; Joaquín Carreras y Luis Benítez, argentinos, etc… Para
esta tarea tuvimos impulso, ayuda y solidaridad particulares;
en concreto de la biblioteca virtual Wordtheque.
En esta etapa pretendemos ediciones compartidas con otras
editoriales pequeñas, grupos culturales, etc… En Chile tuvimos
este año (2004) una buena experiencia al respecto.
FM - De que maneira o Estado (governo) tem atuado na
subvenção de projetos editoriais e qual tem sido o resultado
dessa atuação?
JLN - La verdad es que no estamos muy al tanto de este
asunto. Un poco anarquistas pensamos que nada bueno sale de
las relaciones con los gobiernos u otros grupos de poder -o
aspirantes a ser poderosos-. Alguna experiencia nos indica que
los gobiernos atienden, casi exclusivamente, proyectos afines
con sus objetivos. No hemos participado en esas rebatiñas.
FM - Muitas revistas têm mostrado atenção em relação ao que
se passa com a poesia em outros países, algumas delas
dedicando suas páginas de maneira substanciosa à difusão
dessa poesia. De que maneira este assunto é compreendido por
Piel de Leopardo, sobre a função que desempenham editores de
revistas, observando a ambigüidade de uma universalização da
cultura hoje tão evocada?
JLN - Piel de Leopardo -el animal para los íntimos- no se define
como una revista literaria, y esta circunstancia tal vez marque
la respuesta. Pensamos que en la literatura, y de manera
particular en la poesía, habita buena parte de nuestras
identidades culturales y memoria histórica: habitan en ella, se
expresan en ella, en ella se buscan y se nombran por ella. En
las próximas semanas habilitaremos sendas carpetas
(secciones) nuevas. Una para intentar difundir textos literarios
y trabajos de arte en pintura y fotografía; otra para procurar
ampliar nuestro radio de acción a través de la publicación de
las cartas de nuestros lectores. Nuestros lectores en general no
son literatos.
Creemos que el asunto -tan mentado en los últimos años- de la
universalización de la cultura (globalización que llaman) no
conduce tal como está concebida a favorecer el intercambio
horizontal entre las culturas; más bien integra un arsenal
ideológico estratégico para “ensimar”, si cabe la expresión, a
las identidades regionales, no para “encimarlas”. Y pensamos
que sólo la integración de lo regional -que no es lo mismo que
lo nacional, no necesariamente- posibilitará esa
universalización. Lo regional expresa la identidad en materia de
habla, étnica, de producción, etc…
Desde esta óptica desde luego que procuraremos difundir
poesía en la medida que nuestros (escasos) recursos lo
permitan. De hecho, y más allá de la aterradora experiencia
económica de la editorial en Buenos Aires, esa es nuestra
intención.
FM - O que pensas da idéia de criação de um fórum
permanente de debates, entre editores de revistas, através da
Internet?
JLN - Que es hora de poner a caminar la internet. La aplaudo.
***
Piel de Leopardo (www.pieldeleopardo.com), cultura y
política desde Latinoamérica, es una revista de información,
análisis y opinión alternativa a la que suelen entregar los
medios tradicionales a sus lectores.
Fundada por el escritor Jesús Sepúlveda y un grupo de jóvenes
intelectuales en Santiago de Chile a comienzos de la última
década del siglo XX, conoció una etapa gráfica en Buenos Aires
antes de consolidarse como publicación electrónica en 2000.
El objetivo central de Piel de Leopardo es servir de puente para
la difusión del pensamiento crítico y la opinión independiente
que se genera en América Latina y para informar de lo que
ocurre en la base de nuestras sociedades: movimientos
sociales, naciones originarias, grupos culturales, asociaciones
ciudadanas, agresiones al ambiente, etc.
Nuestro mercado no se encuentra en un país u otro; nuestra
nacionalidad en este sentido es el idioma en que nos lee. Y
nuestra asociación con Arcoiris TV, además, nos permite
enriquecer el trabajo con documentales, entrevistas y
reportajes que normalmente no se pueden ver en la televisión
comercial por considerarlos sin interés o porque han sido
censurados.
Usar Arcoiris es muy simple: Se entra en el sitio, se busca un
video en categorías y se elige el tipo de conexión más
adecuada al MODEM (ADSL para las conexiones de banda
ancha y 56k para el MODEM analógico). Sin tiempo de espera,
aparecerá la cinta, pues los lectores de archivos de video (Real
Player y Windows Media Player) consienten el uso de la
tecnología llamada streaming. Quien no tiene en su computador
el lector adecuado, lo puede bajar sin costo y fácilmente desde
la misma página de Arcoiris tv.
[entrevista realizada em dezembro de 2004]
Comité editorial
Editor general: Jorje Lagos Nilsson
Coordinación: Ximena Villanueva
Ernesto Carmona, Luigi Lovecchio. Sylvia Vergara, Armando
Salazar, Juan Carlos Mege, Jesús Sepúlveda
Webmaster: Andrea Campagna
Quienes quieran hacer sugerencias para mejorar el sitio o
colaborar en él, pueden escribir a
[email protected].
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revistas em destaque
blanco móvil (méxico)
diálogo entre eduardo mosches
& floriano martins
Em www.revista.agulha.nom.br/ag31revista7.htm temos uma
outra página dedicada à mexicana Blanco Móvil, o que agora se renova
concierando que a revista, com 95 números publicados até o momento,
está completando 20 anos de aventura editorial, tendo sempre à frente
seu fundador, o poeta Eduardo Mosches, argentino de nascimento,
radicado mexicano. Blanco Móvil é revista essencialmente literária, com
a característica de que cada uma de suas edições é inteiramente
ilustrada por um único artista plástico. As edições costumam ser
temáticas e, ao longo destes anos todos, duas delas foram já dedicadas
à poesia e à prosa no Brasil. A seguir, um breve diálogo com seu
editor, Eduardo Mosches, realizado em fevereiro de 2005. [FM]
FM - Como surge Blanco Móvil,
motivada por qual desejo?
EM – El nacimiento de la revista se da
en una librería. En 1985 nace un
proyecto de realizar una revista
representativa de la librería Gandhi,
en la Ciudad de México. Esta librería,
en esos años, intentaba corporizar un
proyecto cultural, tenía un foro
cultural y asimismo, una pequeña
editorial, Esta revista funcionaba
como un eslabón de interés entre los
potenciales lectores y la literatura. Asi
fue, hasta 1988, donde decidimos
independizarnos, y resolvimos
continuar con este proyecto
independiente.
FM – Como funciona Blanco Móvil (estrutura financeira, distribuição,
equipe, definição de pauta, relação com colaboradores etc.)?
EM – Funciona gracias a la buena voluntad de los colaboradores, los
que gratuitamente, participan en el proyecto. En el mismo se incluyen
los narradores y poetas, los ensayistas, pintores y fotógrafos, los
diseñadores, y se ve ayudado, hasta con la buena voluntad del mismo
impresor, que pacientemente, espera a los tiempos de pago. Es una
especie de cooperativa de la buena voluntad de los creadores.
FM – Blanco Móvil circula apenas em sua versão impressa ou há
também um módulo virtual?
EM – Hubo in intento de realizar un modelo virtual, pero nos quedamos
sólo en eln inicio. Esperamos retomar activamente dicha posibilidad
alternativa.
FM - De que maneira o Estado (governo) tem atuado na subvenção de
projetos editoriais e qual tem sido o resultado dessa atuação?
EM – El Consejo Nacional para la Cultura y las Artes, una especie de
Secretaría de Cultura, creó un programa de apoyo a las revistas
culturales independientes, desde hace unos diez años, el cual da un
apoyo para las necesidades de producción de la publicación. Se puede
recibir por dos años consecutivos y después hay que realizar un
descanso de un año, e intentar nuevamente la obtención de dicho
apoyo. Actualmente, se sigue otorgando dicho apoyo a través de un
Fondo nacional, pero el actual gobierno de centro derecha, ha buscado
una forma en que dicho apoyo se convierte en un pago , puesto que la
revista debe expedir una factura por esa cantidad de dinero. Una
concepción mercadotécnica. La revista lo recibió en 1994 y 95 y
después , reincidió en recibirlo en 2002 y 2003.
FM – Muitas revistas têm mostrado atenção em relação ao que se passa
com a poesia em outros países, algumas delas dedicando suas páginas
de maneira substanciosa à difusão dessa poesia. De que maneira este
assunto é compreendido por Blanco Móvil, sobre a função que
desempenham editores de revistas, observando a ambigüidade de uma
universalização da cultura hoje tão evocada?
EM – La concepción editorial de nuestra revista ha sido y es la de
acercarse a a diferentes expresiones literarias nacionales, es parte de la
intención de transmisión literaria internacional el haber dedicado
números a poetas y narradores de países como Angola, Belice, Líbano,
Cataluña, Alemania, Francia, Italia, Israel, y una buena cantidad a los
países latinoamericanos, entre los que se encuentran Costa Rica,
Bolivia, Perú, Argentina, Chile, y obviamente, Brasil. Abrir ventanas de
interés y conocimiento de poetas y narradores de este tan golpeado y
sufriente planera.
FM – O que pensas da idéia de criação de um fórum permanente de
debates, entre editores de revistas, através da Internet?
EM – Me parece interesante la posibilidad de concretar esa proposición.
Es una forma de acercarnos a consolidar la existencia de la República
de Difusión de la Escritura Creativa. Conocernos para conocerse. La
cercanía de la palabra escrita difumina tranquilamente las distancias y
las fronteras políticas. Un planeta sin fronteras, en que la fuerza de la
palabra escrita reúna y conjugue ese verbo de la solidaridad.
Con la excelente ayuda del verbo traducir, estaremos consolidando la
difusión , esta vez sí, globalizadora, de la literatura.
Director: Eduardo Mosches
Corresponsales
Arturo Carrera (Argentina)
Floriano Martins (Brasil)
Carles Duarte (Cataluña)
Jesús Cobo (Espanha)
José Kozer (Estados Unidos)
Enrique Noriega (Guatemala)
Rafael Rivera (Honduras)
Marcela London (Israel)
Edwin Silva (Nicarágua)
Eduardo Chirinos (Perú)
Eduardo Espina (Uruguay)
Momoluco # 64 – Santo Domingo
Delegación Coyoacán, México DF
Teléfono y fax: (55) 56-10-92-99
e-mail: [email protected]
www.blancomovil.com
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jornal de poesia
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triplov
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revistas em destaque
literatura on line (brasil)
diálogo entre laudemir guedes
fragoso & edson cruz
O sítio Literatura Online-LOL, dirigido por Laudemir Guedes Fragoso, é
muito interessante em vários aspectos. Você encontra em suas páginas
muitas dicas para vestibulandos, cursos abordando os movimentos
literários, noções de competência lingüística, espaço para novos
autores e - o que eu mais gostei - muitos títulos disponíveis para
downloads. Laudemir é formado em Letras (Inglês-Português) pela
FFLCH-USP e atualmente dá aulas no ensino Médio e em cursinhos prévestibulares. A identidade visual de seu sítio está a cargo de Luciano
Santos e a programação é de Rodrigo Mondelo. Abaixo um pequeno
bate-bola com ele. [EC]
EC - Como e quando surgiu a idéia
do site e se ele está mantendo a
idéia original?
LGF - O LOL foi elaborado para
atender os estudantes de Ensino
Médio e principalmente os
vestibulandos, entretanto,
conseguiu atrair a atenção dos
amantes de poesia e estudantes de
Letras, o que nos forçou a planejar
algumas alterações, que entrarão
em vigor muito em breve.
O LOL surgiu há cerca de quatro
anos depois que foi constatado que
a internet é um meio poderoso de
difusão de informações, mas sub-utilizado. Soma-se a isso a cobrança
de alguns alunos com relação a reforço sobre o que era explicado em
sala de aula, sobre quais elementos são mais importantes na análise de
textos, comentários sobre livros de diferentes vestibulares etc. Assim,
tivemos a necessidade de fazer com que os internautas entrassem em
contato com textos de qualidade de maneira a aumentar o repertório
cultural e a competência lingüística e, sozinhos, pudessem realizar seus
próprios exercícios de abordagem da língua. Melhores informações
podem ser encontradas no nosso press release, na seção LOL NA MÍDIA
de nosso site.
EC - Gostei daquelas salas especiais para autores. Você acha que
alguém da nova geração de autores já mereceria uma sala daquelas?
LGF - Quanto às salas, informo que está sendo preparada uma ampla
atualizada do LOL, o que permitirá a presença de mais salas, além de
uma maior abertura para participação do internauta. Com essa
reformulação, grandes autores contemporâneos também serão
lembrados.
EC - Você acha que a nova literatura virá da Internet?
LGF - Em primeiro lugar, um novo mundo está vindo da
internet. Assim, a nova literatura poderá muito bem ser influenciada
por esse meio. Entretanto, fica difícil prever como será sua
linguagem ou a sua filosofia. Pode-se entender que a rede nada mais é
do que a transposição do mundo "aqui de fora". O que a rede permite é
uma maior e mais rápida circulação de idéias. Tudo se tornará mais
efêmero? Mais superficial? Mais globalizado? Ainda é cedo para se
afirmar algo. Entretanto, vislumbro com entusiasmo três elementos da
net que podem abrir caminho para a "nova literatura". Um é o blog.
Muita coisa interessante surgirá daí. Qualquer um pode colocar o que
quiser na rede. Daí vem o segundo elemento: poemas, contos
e romances são publicados sem a necessidade de se caçar uma editora.
É maravilhoso imaginar que um enorme obstáculo foi removido aí. O
terceiro é que a rede mundial permite uma maior discussão, uma maior
abordagem crítica dos textos literários. Basta ver a enorme quantidade
de comunidades no Orkut sobre escritores. Permite-se que gente de
várias partes do mundo discuta Drummond, Machado, Nelson
Rodrigues. Está-se, construindo, pois, um hipertexto cultural fabuloso e
assustador.
EC - Você tem acompanhado esta nova geração de prosadores da
literatura brasileira. Quem você destacaria?
LGF - Eu tenho uma visão muito crítica e talvez conservadora. Eu
preciso de muito tempo para poder dizer se um escritor de fato é bom
ou não, o que faz com que minha lista de apreciáveis não seja tão
"atual". Destaco Luís Vilela, Wilson Bueno e Chico Buarque.
EC - O LOL incentiva a produção literária de seus leitores? Como?
LGF - A seção TALENTOS nasceu justamente para incentivar os textos
de nossos leitores, além de provar que literatura não está apenas nas
mãos dos "monstros sagrados". Basta, portanto, nosso usuário mandar
o seu texto por meio da referida seção. E na nossa próxima versão,
adianto que TALENTOS estará atrelada a um fórum em que não só o
site comentará a produção publicada, mas também todo internauta que
estiver disposto para tal.
EC - Vejo a Internet como uma possibilidade de nos comunicarmos com
outras culturas literárias. Como você vê a produção, por exemplo, de
nossos hermanos latinos? O LOL está aberto para eles também?
LGF - O LOL está voltado exclusivamente para a Língua Portuguesa, o
que por si só é uma tarefa grandiosa. Não há projeto, por enquanto,
para ampliar esse universo.
EC - Quais serão estas alterações previstas por você? Você chamaria
isto de amadurecimento?
LGF - Em parte é um amadurecimento. Mas é também uma tomada de
consciência. Fizemos o site focado para os vestibulandos. Entretanto,
estudantes de Letras usam-no bastante, assim como professores. Além
disso, os amantes de Literatura, que não têm vínculo algum com esses
exames de admissão, são assíduos freqüentadores. Assim, prestando
atenção ao nosso público, resolvemos ampliar nossas atribuições,
sem nos desviarmos de nossa meta inicial - divulgar a literatura em
língua portuguesa, ou seja, os tesouros que a nossa língua produz.
EC - Pela sua experiência com o ensino médio e vestibulandos, dá pra
se ter idéia de como são os hábitos de leitura desta moçada? A
impressão que tenho é que lêem só por obrigação.
LGF - Como tudo, não se pode generalizar. Há os que só lêem por
obrigação. São maioria. Pior - há os que nem lêem: só querem saber
de resumo. E para tornar o quadro mais dantesco: há os que não lêem
resumo superior a dez páginas (Sagarana, por exemplo, que tem seu
resumo comentado na seção DOWNLOADS, tem 25 páginas).
Entretanto, há alunos que não querem resumo, querem ler a obra e
outros que relêem com gosto. E há ainda os que lêem o que o
vestibular ou a escola não cobra, como Tolstói, Rimbaud, Oscar Wilde,
Goethe, sem mencionar os que têm contato - para minha alegria - com
autores de que eu não tinha conhecimento. Acabam ampliando meu
repertório cultural.
EC - Você pensa em ter colunistas e dar mais destaque para inéditos,
visto que há muitos talentos e muita criação sem espaço nas edições
convencionais?
LGF - Na nova versão do LOL, que está no forno, haverá mais espaço
para inéditos, tanto em prosa quanto em poesia. Além disso, colunistas
e matérias especiais - todos relacionados à literatura - farão parte de
nosso conteúdo. O nosso site vai-se tornar, definitivamente, uma
revista literária, não apenas uma página para o vestibular.
EC - Você acredita mesmo que se pode ensinar Literatura para alguém?
LGF - Deve-se tomar cuidado para não se provocar uma
mistura perigosa aqui. A intenção do LOL não é ensinar a
fazer Literatura. No máximo, o que ele poderá fazer é despertar o que
já está latente em alguns internautas, como se pode ver pela seção
TALENTOS. Nossa intenção é fazer com que os internautas tomem
conhecimento dos melhores textos que a língua portuguesa produziu e
ainda produz. É uma questão de buscar ampliar o repertório cultural de
nosso usuário. Se este não conhece nada de Literatura, encontrará uma
boa oportunidade. Se já for um aprendiz de literato, desenvolverá
muito o seu estilo pela leitura dos textos apresentados aqui, tanto os
canônicos (na seção CURSO DE LITERATURA) quanto os não-canônicos
(seção TALENTOS). E os que já forem grandes literatos, não perderão
nada em nos acessar.
EC - O que é Literatura para você?
LGF - Quanto à definição de Literatura, livros e livros e livros foram
escritos com essa intenção. Se eu quisesse dar uma acepção perfeita e
absoluta, seria presunção. Mas pode-se começar a entender Literatura
como um conjunto de textos elaboradamente estéticos de uma
determinada língua. Por isso, acabam se tornando os tesouros de toda
uma cultura. Assim, o falante de Português, por exemplo, pode não
gostar de Literatura, mas tem a obrigação de conhecê-la, para poder
ser um cidadão crítico e consciente.
EC - Não me leve a mal, mas estar atrelado a esta máquina triturante
que são os vestibulares, e seus padrões de exclusão, não é (no
mínimo) limitador para a Literatura?
LGF - O objetivo do LOL está um pouco acima dos vestibulares.
Acreditamos que se dermos insumos para o internauta manipular
adequadamente a língua portuguesa, estará preparado até para os
bons vestibulares. Os maus, acertando ou não a questão, ele passará
de qualquer jeito. Em suma, o que queremos é contribuir para a
ampliação do universo cultural dos nossos internautas. Seu trabalho
com vestibular virá como conseqüência.
Não se deve esquecer, entretanto, que os bons vestibulares têm a
capacidade de reorientar o Ensino Médio. Basta notar que a partir do
instante em que a FUVEST começou a cobrar redação em seus exames,
as escolas passaram a se preocupar com esse tópico. Em suma, devese pensar no vestibular, mantendo a devida distância crítica para não
se acabar limitado a ele.
Direção: Laudemir Guedes Fragoso
http://www.lol.pro.br/
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suplemento literário
minas gerais (brasil)
José Aloise Bahia
1. A língua portuguesa ganha um presente valioso. A partir de agora
todo o conteúdo das mais de 1.200 edições do Suplemento Literário de
Minas Gerais está disponível para consulta na Internet:
www.letras.ufmg.br/websuplit. Segundo Júnia Lessa França,
bibliotecária da FALE/UFMG (Faculdade de Letras da Universidade
Federal de Minas Gerais) e responsável pelo projeto “Suplemento
Literário, 38 anos. Acervo de 1966/2004”, o movimento surgiu numa
parceria inédita da FALE/UFMG, Lei Municipal de Incentivo à Cultura da
Prefeitura de Belo Horizonte e a FAPEMIG (Fundação de Amparo à
Pesquisa de Minas Gerais). A FAPEMIG já investiu mais de R$ 30 mil. O
sítio abrigará todos os exemplares, inclusive o inicial, lançado no dia
três de setembro de 1966, pelo editor-fundador, o escritor Murilo
Rubião (1916-1991), um dos introdutores do Realismo Mágico na
literatura brasileira.
O projeto começou em 1998. Uma equipe de bibliotecários da
FALE/UFMG, num trabalho pioneiro, produziu um banco de dados,
pautado em referências como ano, mês, edição, assunto, ilustrador,
título de artigo e autor. Até então, não havia qualquer trabalho de
indexação. As digitalizações dos textos começaram em julho de 2004.
Os originais impressos, estão encadernados, serão restaurados e
guardados numa sala especial da biblioteca da FALE/UFMG. O acervo
será doado, através de microfilme, para o suplemento literário.
2. No começo, Murilo Rubião enfrentou vários problemas na
implantação do jornal. O principal deles: na época a produção
intelectual mineira era escassa. O jeito foi apelar para as colaborações
de autores nascidos em Minas Gerais que moravam fora, pensadores e
escritores de outros Estados e até de outros países. Guimarães Rosa,
no Rio e Murilo Mendes, em Roma, foram os principais nomes. A
proposta inicial do SLMG era publicar autores consagrados e
desconhecidos - característica que é mantida até hoje -, mas também
contemplar outras manifestações culturais como o teatro, o cinema e
as artes plásticas.
A primeira edição tinha ilustrações internas de Yara Tupynambá e
Álvaro Apocalypse (ambos estudaram com Guignard). Os textos
principais foram à interpretação de Laís Correa de Araújo sobre os
livros de Clarice Lispector, o artigo “Verdade e Ficção” do escritor
pernambucano Austregésilo de Athayde e o poema “O País dos
Laticínios” de Bueno de Rivera. O sucesso foi tão grande que no
primeiro aniversário (1967) circulou uma publicação especial com
Carlos Drummond de Andrade, Dalton Trevisan, Haroldo de Campos e
Benedito Nunes. As edições especiais eram de capas-duras e
plastificadas. Outro destaque foi à edição dupla no segundo aniversário,
com trabalhos de jovens escritores e artistas plásticos. Marcou época e
ficaram conhecidos como a “Geração Suplemento”, cuja verve contista
era formada por Luiz Vilela, Ivan Ângelo, Sérgio Sant´Ana, Jaime Prado
Gouvêa, etc. como chama a atenção Humberto Werneck no livro O
Desatino da Rapaziada: jornalistas e escritores em Minas Gerais (Cia.
das Letras, São Paulo, 1992).
3. Nas décadas de 1960/70, inúmeros intelectuais e escritores
participaram das publicações do SLMG. Só para citar alguns nomes,
com participações assíduas: Laís Corrêa de Araújo (com a coluna de
crítica literária “Roda Gigante e Informais” que permaneceu até a
edição de maio de 1969), o poeta da geração de 45 Bueno de Rivera, o
pensador e escritor carioca Alceu Amoroso Lima - o “Tristão de
Athayde”, Abgard Renault, Emílio Moura, Pedro Nava, Fernando
Sabino, Paulo Mendes Campos, Oswaldo França Júnior, Henriqueta
Lisboa (primeira mulher a pertencer à Academia Mineira de Letras),
Affonso Ávila, Silviano Santiago, Fábio Lucas, Márcio Sampaio (artes
plásticas), Jota D’Ângelo (teatro) e Flávio Márcio (cinema). Observa-se
também o namoro da literatura com o jornalismo em seções de
depoimentos e reportagens literárias assinadas por Zilah Corrêa de
Araújo e Neil Ribeiro da Silva (influências de Tom Wolfe e do
movimento do Novo Jornalismo).
Murilo Rubião foi o editor até 1969. Denunciado como subversivo, teve
que deixar o cargo. Foi substituído pelo escritor, ensaísta e professor
Rui Mourão (premiado em 2002 com o Jabuti da ABL com a ficção
Invasões do Carrossel), que antes estava no Distrito Federal,
lecionando literatura brasileira na Universidade de Brasília (UnB), criada
por Darcy Ribeiro. Na imagem ao lado, da esquerda para a direita,
Murilo Rubião, Rui Mourão e Paulo Campos Guimarães na posse de Rui
Mourão como editor do SLMG em dezembro de 1969. Entretanto, Rui
Mourão é demitido dois meses após a posse, por ordem do comandante
da 11a. Região de Infantaria, sediada em Belo Horizonte, general Gentil
Marcondes Filho, por não concordar com as brutalidades da ditadura
militar. Foi o mais curto espaço de tempo assumido por um editor na
história do suplemento. Depois de Rubião e Mourão outros nomes
assumiram a direção: Ângelo Oswaldo de Araújo Santos, Ayres da Mata
Machado, Duílio Gomes, Mário Garcia de Paiva, Paschoal Motta, Wilson
Castelo Branco, etc.
4. Mais recentemente, já sob a responsabilidade da Secretaria de
Estado da Cultura de Minas Gerais, foi definido que seria nomeado pelo
governador eleito um editor e um conselho editorial. O primeiro foi
Carlos Ávila que permaneceu de 1995 a 1998. Em 1999, assumiu
Anelito de Oliveira que foi substituído em janeiro de 2004, por Fabrício
Marques e um novo conselho editorial composto por Affonso Romano
de Sant’Anna, Edimilson de Almeida Pereira, Ricardo Aleixo, Maria
Esther Maciel, Otávio Ramos e Régis Gonçalves.
Nesta nova fase, o SLMG lançou a edição nr. 1.264 em janeiro de 2004
com ilustrações do artista plástico Antônio Sérgio Moreira, poemas
inéditos de Manoel de Barros, Fabrício Carpinejar e Ricardo Aleixo,
conto de Guiomar de Grammont, artigo de Édimo de Almeida Pereira
sobre a poesia de Adão Ventura, resenha crítica de Nelson de Oliveira
sobre o livro “A Teia Selvagem” de Otávio Ramos, Daniel Antônio bate
um papo sobre o cineasta e artista multidisciplinar Peter Greenaway
com a professora da UFMG Maria Esther Maciel, além da entrevista
exclusiva com o jornalista e poeta iconoclasta Millôr Fernandes, entre
outras matérias.
5. Atualmente, o SLMG sempre traz em suas capas desenhos de
artistas plásticos ou fotógrafos convidados (que ilustram também o
restante das páginas). Novas seções foram criadas e sistematizadas:
Ensaio, Conto, Poema, Entrevista, Cinema, Primeira Pessoa,
Reportagem (em estilo jornalístico, com traços e características da
literatura), Crônica, Perfil, Outras Pulsações (semelhante à coluna
“Roda Gigante” de Laís Correa de Araújo), Novos Autores, Tradução,
Cartas e Fotografia (reprodução de fotografias e textos sobre a
imagem).
São 24 páginas em formato tablóide. Com um projeto gráfico e
programação visual (de Alexandre Mota) marcado pela “clareza” e
“limpeza”, fator condizente com a estética textual e artística. Convém
relembrar também que este cuidado estético esteve presente na
década de 1980 - com Sebastião Nunes - e no período de Guilherme
Mansur, nas gestões de Anelito de Oliveira e Carlos Ávila.
6. Enquanto a primeira fase do SLMG segue os padrões rígidos do
Diário Oficial do Estado de Minas Gerais (décadas de 1960/70), a
versão contemporânea surge de modo mais livre e solto, permitindo
uma disposição criativa e original dos textos e ilustrações, garantindo
maior leveza ao jornal (ao lado imagem da capa da edição nr. 1.275 de
dezembro de 2004, de autoria do artista plástico mineiro Jayme Reis).
Características do apurado senso estético nesta nova versão, que é
composta de muitos “brancos” e “jogos” com a escrita, fazendo lembrar
as resoluções concretistas da década de 1950. Outras observações: o
número de autores publicados é maior no período atual. E a quantidade
de páginas triplicou (24 na atualidade contra apenas oito nas duas
primeiras décadas).
Nesta nova fase, o suplemento apresenta delimitações de seções e
roteiros mais consistentes e com nomes fixos. As fotos das edições das
décadas de 1960/70 não possuíam créditos ao fotógrafo, que é uma
característica do jornalismo tradicional (apesar de terem legendas).
Hoje, o tratamento das fotografias é diferente, pois além dos créditos,
a qualidade de impressão melhorou.
7. A forma dos discursos nos suplementos das décadas de 1960/70,
primava por uma divulgação artística não exclusivamente literária – já
que tratava com mais ênfase outros temas como o cinema e o teatro,
além de contar também com ilustrações de artistas plásticos (que
continuam nas edições atuais). Pode-se dizer também que, nas
décadas passadas, existia uma preocupação mercadológica, pois os
números que não acompanhavam o Diário Oficial, o “Minas Gerais”,
eram vendidos em bancas de jornais. Nesta época o jornal possuía uma
coluna com o título dos dez livros mais lidos, nacionais e internacionais.
Isto pode ser interpretado como uma forma de induzir o consumo de
literatura.
As fontes são praticamente as mesmas das épocas passadas. O SLMG
sempre contou com a participação de autores novos e consagrados,
ensaístas, jornalistas, artistas plásticos, fotógrafos e colaboradores (a
elasticidade de estilos dos escritores publicados é alta. As variações de
assuntos são grandes e as edições especiais em suas diferentes
temáticas também mesclam escritores mais experientes e novatos. A
última edição especial foi no mês de julho de 2004, e contemplou a
fortuna, o legado e a ponte cultural entre Minas Gerais e Portugal).
Outra questão relativa às imagens: hoje, a valorização da fotografia se
configura com finalidades artísticas e sugestivas. E, não meramente
informativas, como nas décadas passadas.
8. O público alvo anteriormente constituía-se de escritores, jornalistas,
professores, leitores comuns, políticos, estudantes e funcionários
públicos. Atualmente, a partir dos seus pontos de distribuição, o SLMG
se destina aos cidadãos, consumidores de cultura e freqüentadores de
bibliotecas e livrarias (as edições são lançadas normalmente, mês a
mês, em livrarias, espaços culturais e feiras de livros tanto em Belo
Horizonte, capitais de outros Estados e cidades do interior de Minas
Gerais).
O SLMG conta com uma lista de destinatários, pelo correio, elaborado e
composto na sua maioria por leitores, escritores, jornalistas,
pesquisadores, estudantes de letras, de jornalismo, ciências humanas e
sociais, editores de revistas culturais e literárias impressas e da
Internet, formadores de opinião pública cultural e literária;
universidades, bibliotecas, jornais e revistas do Brasil e exterior. A
distribuição é gratuita na sede do jornal em Belo Horizonte, nos
eventos culturais promovidos pela Secretaria de Estado da Cultura do
governo do Estado de Minas Gerais, nas bibliotecas, centros culturais,
teatros, galerias de artes, nos lançamentos mensais, nas prefeituras e
inúmeras bibliotecas espalhadas pelo interior do Estado de Minas
Gerais. Os exemplares, como no passado são confeccionados em papeljornal e a tiragem impressa é de 15.000 exemplares.
José Aloise Bahia (Belo Horizonte/MG). Jornalista e escritor.
Autor de Pavios Curtos (anomelivros, 2004). Colaboraram na
pesquisa em conjunto as jornalistas Carolina Ximenes Santos e
Isadora Troncoso Doehler. Também colaborou o bate-papo pelo
telefone com o escritor Rui Mourão, ex-editor do SLMG na
década de 60.
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revistas em destaque
telescópio (brasil)
diálogo entre everi rudinei
carrara & claudio willer
Dos sites e revistas aqui
examinados, na Agulha, o
periódico eletrônico
Telescópio é o que mais se
assemelha a uma trincheira.
Seu criador-editor, Everi
Rudinei Carrara, de
Araçatuba (SP), advogado,
músico e poeta, dispara emails para uma lista de
algumas centenas de interlocutores, anunciando a
discussão de temas da política - um de seus assuntos
tem sido o modo como o Governo Lula trai o programa e
a história de seu próprio partido - e das artes,
especialmente música, cinema e poesia. O leitor deste
número encontrará de Sandro Garcia ao Velvet
undergroud e Arrigo Barnabé, Buñuel e Pasolini seguidos
por um fotogênico elogio a Elizabeth Taylor, entrevistas
com o cineasta negro Jefferson De e o poeta Roberto
Piva (uma das mais completas, a do Memorial da
América Latina), e com a artista teatral Denise Stoklos,
entre outros assuntos. Everi Rudinei Carrara montou,
portanto, uma constelação eclética, onde têm seu lugar
tanto o esteticismo quanto os chamados à rebelião. Vai
do fetichismo à revolução. Seu inconformismo visionário
resultou em uma imediata simpatia por Agulha,
plenamente correspondida. [CW]
CW - Você é capaz de resumir, em umas poucas linhas, o
que é Telescópio?
ERC - Telescópio é um meio de divulgação da cultura
alternativa produzida no país e fora dele através da
Internet, rádio, jornal, vídeo, leituras em lugares
públicos, etc…
Começamos como um jornal impresso, mas chegamos à
conclusão de que não podemos nos restringir a um
determinado formato, pois a própria cultura se manifesta
através de vários meios.
CW - Dê-nos um histórico, conte-nos faz quanto tempo e
como surgiu Telescópio. É iniciativa mais individual ou
algo coletivo, desdobramento ou conseqüência de
atividades de um grupo? Que papel você desempenha
em Telescópio? Faz tudo, ou há colaboradores regulares?
ERC - A iniciativa foi exclusivamente minha em relação
ao tablóide, cuja primeira edição foi lançada em 1995.
Logo em seguida o amigo Marcelo Duarte tornou-se coresponsável pela diagramação e inserção de matéria
visual impressa e on-line. Agimos em perfeita coesão,
discutindo e trabalhando amigavelmente. Recentemente
o amigo Fernando Dagolds também tornou-se um
parceiro regular. Os colaboradores são os amigos e
pessoas que estejam produzindo algo interessante e que
procuram espaço para divulgar seus trabalhos. Há
pessoas de toda parte do Brasil e alguns colaboradores
estrangeiros também.
CW - Quero um perfil seu, uma minibiografia. Dê-me os
antecedentes dessa sua relação com poesia e com
música, algo sobre sua formação.
ERC - Sou advogado e músico profissional (piano e sax),
minhas primeiras leituras em poesia se deram por volta
dos 15 anos de idade. Sempre gostei de ler poetas e
autores diversos, ouvir e tocar músicas e estilos
variados, mas tenho especial carinho pelos autores
transgressores, o jazz, bossa nova, blues, música
oriental, latina, tropicalistas, rock, música concreta, folk,
eletrônica, experimental, enfim de tudo um pouco. Os
autores que sempre releio, entre outros, são Nietzsche,
Voltaire, Sartre, Edgar Morin, Chomsky, Artaud, Murilo
Mendes, Octávio Paz, Tchecov, Hess, Kropotkin, Piva,
Pessoa, Oswald de Andrade, Ésquilo, Li-Tai-Po, toda a
geração beat, e por aí vai…
CW - Por que Araçatuba? Circunstância, por você residir
aí, ou escolha? Araçatuba já deu algum sinal de
reconhecimento por projetar-se assim através da net?
Havia (parece-me) parceria com um jornal regional?
ERC - Araçatuba é uma “cidade-dormitório”,
circunstancialmente mudei-me para cá, vindo de Bauru
no começo dos anos 70. Se eu pudesse gostaria de
morar e trabalhar em São Paulo, ou em outras cidades
mais relevantes que Araçatuba. Se pudesse, até sairia do
país…
Tivemos em Araçatuba algum reconhecimento e espaço
através da extinta Agência Interior (Universidade Toledo)
e Folha da Região, um jornal local. No mais, o
reconhecimento se restringe a artistas consagrados do
rock e da MPB, como Tom Zé, Tetê Espíndola e Arnaldo
Baptista, além de jornalistas, poetas, editores,
acadêmicos de outras cidades (Caxias do Sul - RS, em
especial), movimentos sociais, partidos como o PCO,
PSTU, estudantes, anarquistas, sites culturais, de
algumas prefeituras (Ribeirão Preto - SP), bandas e
gravadoras de rock, programas de rádio (Oscar Quessa Rádio Cultura e Hilda Costa -Jovem Pan). Estes são
nossos maiores divulgadores e incentivadores, e ficamos
contentes de estarmos inseridos dentro de um universo
tão eclético.
CW - O que mais diferencia Telescópio de outros
periódicos eletrônicos e lhe confere identidade?
ERC - A abordagem de temas que normalmente não
estão na grande mídia, abrindo espaço para a divulgação
de trabalhos e obras marginais. Além disso, parte do que
é publicado no Telescópio não provém de fontes
tradicionais como agências de notícias, por exemplo,
sempre passíveis de manipulação, mas dos próprios
artistas e geradores do fato em si. A independência dos
meios tradicionais de comunicação é uma das
características que buscamos sempre.
CW - Chama a atenção Telescópio ser ao mesmo tempo
selecitivo, ter preferências manifestas, e eclético.
Abrange bossa-nova, com uma espécie de culto a Nara
Leão e Menescal, poetas contemporâneos, com destaque
para, entre outros, Roberto Piva, cinema, especialmente
Glauber, algo de política, inclusive, durante uma época,
com atenção ao MST, parece-me. Há uma proposta, uma
filosofia ou visão de mundo que unifica ou articula tudo
isso?
ERC - Nara Leão é minha cantora preferida, representou
a modernidade da MPB em pessoa, como advertiu
Caetano Veloso em seu livro “Verdade Tropical”. Isso já
seria suficiente para justificar minha admiração por Nara,
que nunca fez concessões ás gravadoras e aos
poderosos, e produziu ao lado de Roberto Menescal
discos maravilhosos, sempre apoiando novos
compositores, redescobrindo os sambistas negros do
morro, esquecidos pela mídia. Além disso, Nara abriu
caminho para o samba de protesto, foi irmã da
Tropicália, e contestou a ditadura militar num momento
crítico, quando muitos se calaram. Gravou de tudo que
fosse bom, e sempre se afastou do estrelato, do
glamour, da mediocridade reinante.
Piva é uma inspiração constante, porque só acredita em
“poetas experimentais que tenham vida experimental”,
sem desvincular poesia e vida. Piva foge da idolatria, dos
clubinhos e academias estéreis de poesia. Glauber
também apreciava Nara, houve influência mútua. A
virulência poética de filmes como “Deus e o Diabo na
Terra do Sol” e “Terra em Transe” ainda são
imprescindíveis para quem pretende ver de perto esse
país, nossa realidade miserável, nossa pavorosa
colonização hollywoodiana, nossa educação cristã
debilitada, nossa “esquerdalha” que emperra todas as
revoluções possíveis…
O MST é um movimento muito importante, na medida
em que se insere de forma incisiva na realidade
brasileira, na questão do uso da terra, um tema secular e
sempre relegado pelas elites no poder. As conquistas
nessa área só podem ocorrem através de atitudes de
mobilização e organização, e o MST é extremamente
atuante e corajoso nesse sentido.
CW - Diga algo sobre a expansão de sites e divulgação
de poesia e outros temas culturais pela internet. Quais
são seus principais parceiros e interlocutores?
ERC - Há na Internet uma série de sites culturais muito
bons: a Barata, Agulha, Whiplash, Blocos, Jornal de
Poesia, sites de Tom Zé e Tetê Espíndola, Fausto Wolff,
Continental Combo, Senhor F… a lista é enorme.
Mantemos contato e colaboração com todos eles.
CW - Em matéria de acessos, como está Telescópio?
Quem o acessa ou consulta?
ERC - Temos um público restrito, mas seleto: são
músicos, escritores, poetas, jornalistas, atores, curiosos
ligados às artes em geral. Algo em torno de 400 a 500
visitas mensais. Considerando que a coluna não tem a
visibilidade de sites mais consagrados e que é dedicada
ao espaço das artes, diria que está razoável.
CW - O que você gostou mais de publicar ou divulgar em
Telescópio?
ERC - A divulgação de bandas de rock, poesia visual,
agenda cultural, protestos contra os governos Lula,
Bush, Sharon, Blair…
Tudo o que publicamos nos dá prazer, mas ajudar a
divulgar novos artistas e novos trabalhos acredito ser o
mais satisfatório.
CW - O que você gostaria de apresentar ou pôr em
Telescópio e ainda não fez?
ERC - Maiores recursos audiovisuais: trechos de músicas
e vídeos, que por exigirem muito espaço e largura de
banda, não podem ser utilizados dentro da estrutura
atual. Temos espaço restrito de hospedagem,
basicamente só utilizamos texto e imagens estáticas,
mas o espectro das artes vai muito além disso.
CW - E o futuro? Quais serão os próximos passos? Há
planos de expansão, haverá crescimento de Telescópio
seja na própria net, seja no meio impresso, sobre papel?
Quantitativo, qualitativo ou ambos? Algo deverá ou
deveria mudar?
ERC - Na verdade, o Telescópio surgiu como um tablóide,
ou seja, versão impressa. Devidos aos crescentes custos
de impressão, houve uma migração para a Internet, um
meio que, além de permitir o uso mais amplo de recursos
visuais e sonoros, é mais barato de se manter.
O ideal seria manter as duas frentes, versão impressa e
Internet, mas, uma frase resume tudo: não há dinheiro.
Pelo menos não aqui em Araçatuba, onde o interesse dos
patrocinadores é mínimo. Mesmo na Internet,
dependemos de uma série de colaboradores voluntários,
que fazem todo o trabalho por amor à arte. Isso ainda
existe, acredite.
Há planos de expandir a coluna, incorporando novos
colaboradores e novos recursos tecnológicos, mas esse
deverá ser um processo lento e contínuo, um verdadeiro
exercício de sobrevivência.
E estamos atentos às novas possibilidades da tecnologia,
faremos uso de tudo aquilo que nos permita acompanhar
a velocidade da arte.
www.telescopio.vze.com
[email protected]
.
jornal de poesia
triplov
.
revistas em destaque
alpha (chile)
depoimento de eduardo barraza
ALPHA – Revista de artes, letras y filosofía
ISSN: 0716-4254 [www.ulagos.cl/alpha/Index.html]
Departamento de Humanidades y Arte, Universidad de Los Lagos Casilla 933, Osorno - CHILE. Tel. (56-64)205385; fax: (56-64).239517,
e-mail: [email protected]
Editores: Eduardo Barraza [[email protected]] y Sergio Mansilla
[[email protected]].
ALPHA es publicada en Chile -desde el
año 1985- por el Departamento de
Humanidades y Arte de la Universidad
de Los Lagos (Osorno). Se publica un
número al año que aparece en el
transcurso del último trimestre
(octubre-diciembre). Durante 20 años
se ha publicado de manera
ininterrumpida y, actualmente, el
equipo editor está preparando el N°
21 correspondiente al año 2005 que
aparecerá en diciembre.
Equipo Editorial
Director responsable y
Editor
Eduardo Barraza Jara
Consejo de Redacción
Pilar Alvarez-Santullano Busch
Nelson Vergara Muñoz
Raúl Aguilar Gatica
Secretario de Redacción Sergio Mansilla Torres
y Editor
Consultores externos
Jorge Acevedo, Universidad de Chile, Santiago
de Chile
Fernando Burgos, Memphis State University,
Memphis, U.S.A.
Manfred Engelbert, Georg-August Universität,
Göttingen, Alemania
Daniel Lagos Altamirano, Universidad de Playa
Ancha, Valparaíso, Chile.
Pedro Lastra, Universidad de Nueva York, en
Stony Brook, U.S.A.
Amadeo López, Universidad de Paris XNanterre, Francia
Portada
Osvaldo Rodríguez Pérez, Universidad de Las
Palmas de Gran Canaria, España
HERNAN URRUTIA, Universidad de Deusto,
España
Jorge Zepeda
Traducción y revisión de Gregory Lagos Montoya
abstracts
Supervisión de impresión Diana Kiss de Alejandro
Colaboración
Ricardo Ortega
procesamiento de textos
ALPHA publica artículos y documentos inéditos sobre teoría y crítica
literaria, de lingüística, filosofía, arte, estudios culturales y, también,
sobre temas que sin pertenecer exclusivamente a alguna de esas
zonas del conocimiento constituyen puntos de encuentro de las
Humanidades, las Artes y las Ciencias Sociales. Precisamente, ése uno
de los aspectos fuertes de la revista y la distingue de otras de su
mismo campo, pues, al equipo editor le asiste la convicción de que es
necesario contar con una publicación que sea un espacio disponible
para el ejercicio de la diversidad intelectual y académica.
Para asegurar la continuidad del perfil académico de ALPHA, que le
permita mantener y acrecentar su calidad de revista especializada, el
Equipo Editor convoca anualmente -y de manera abierta- a autores
chilenos y de otros países para que publiquen en ALPHA. Además, se
invita a autores ya conocidos, con los cuales la Revista mantiene algún
tipo de vínculos, para que envíen colaboraciones inéditas que
garanticen un conjunto de artículos de alto nivel. En ambos casos, sin
embargo, los manuscritos son rigurosamente evaluados -conforme a
una pauta- por el pleno del Consejo de Redacción de la Revista, que se
reúne semanalmente.
Para su publicación, cada artículo requiere ser aprobado por la
unanimidad del Consejo de Redacción, formado por cinco profesores
graduados y competentes en el campo de estudio de ALPHA (entre
ellos, el Director y el Secretario de Redacción, que actúan como
editores). En el caso de opiniones divididas, se solicita la evaluación
de los especialistas externos que forman parte del Comité Alterno de
ALPHA, evaluación que constituye un juicio definitivo sobre el
manuscrito. Por lo mismo, desde su fundación, ALPHA se ha
caracterizado por ser una Revista con un alto nivel de exigencia para la
admisión de manuscritos y, estadísticamente, se acepta no más de un
40% de las colaboraciones recibidas.
El aspecto relevante de ALPHA es que reúne autores e investigadores
de diversos centros universitarios nacionales y extranjeros, tal como se
aprecia en los índices que se publican en su página weeb
(www.ulagos.alpha/Index.html) y en la inclusión de esta Revista en los
registros de MLA, Latindex y en el Catálogo de Revistas Científicas
Chilenas de la Comisión Nacional de Investigación Científica y
Tecnológica (CONICYT) y SciELO (Scientific Electronic Library on Line).
Esto revela que la Revista tiene un reconocimiento internacional
importante y constituye un aval para la publicación de estados de
avance de tesis y de proyectos de investigación oficialmente
concursados. El reconocimiento logrado a la fecha por ALPHA es
importante de destacar pues esta publicación periódica revela el
esfuerzo una Universidad pequeña, pero de considerable tradición,
ubicada lejos de los principales centros metropolitanos de Chile. El
reconocimiento internacional de la Revista se debe, pues,
exclusivamente a la persistencia del equipo editor y a la sostenida
calidad de sus artículos.
La revista Alpha acoge artículos, notas, documentos y reseñas.
1. Los temas deben ser inéditos y apropiados para una revista de
humanidades (literatura, lingüística, filosofía, artes, estudios culturales,
teoría crítica) o temas que sin pertenecer exclusivamente a alguna de
estas zonas del conocimiento constituyen puntos de encuentro de las
mismas.
2. El tipo de trabajo puede ser en la modalidad de estudio, ensayo,
documento, nota o reseña, escrito en español.
3. Extensión recomendable de los artículos: 12 a 20 carillas
mecanografiadas a doble espacio incluyendo bibliografía. Para las notas
y documentos se recomienda entre 5 a 10 páginas.
4. Todos los trabajos, exceptuando las reseñas y documentos, deberán
enviarse con un resumen (abstract) en castellano y en inglés, de una
extensión de entre 5 a 10 líneas. Incluir traducción del título del
artículo y entre cuatro a seis palabras claves, en español e inglés. Los
resúmenes deberán aparecer inmediatamente después del título del
artículo. Asimismo, al final del artículo deberá escribirse la dirección
postal y electrónica del autor, indicando la institución a la que
pertenece (si corresponde).
5. Los trabajos se publican sólo sin son aprobados por unanimidad por
el Comité de Redacción de la Revista. En los casos que corresponda
será decisiva la evaluación de los Consultores Externos.
6. Los trabajos deben enviarse a la Secretaría de Redacción o a la
Dirección de la Revista; una copia en papel y otra en disquete usando
procesadores de texto (para IBM o compatible o Macintosh); la copia
computacional deberá grabarse usando el formato RTF. También se
pueden enviar por correo electrónico a través del sistema de archivo
adjunto (attached file), igualmente en formato RTF. Si se opta por esta
forma de envío, es igualmente recomendable enviar copia de respaldo
en papel por correo ordinario, sobre todo, para el caso de trabajos que
incluyan esquemas, tablas, gráficos.
7. Para el número 21, correspondiente al año 2005, se recibirán
colaboraciones hasta el 31 de julio de 2005 y su aceptación será
comunicada a los autores el 30 de octubre. La Revista aparece en el
transcurso del último trimestre de cada año.
8. El aspecto formal de uso de citas y referencias debe ceñirse en lo
esencial a la estilo MLA (Modern Language Association). Las
especificaciones básicas requeridas son las siguientes:
8.1. Citas de libros o revistas académicas en papel. Las citas directas
breves deben ir entre comillas en el cuerpo del texto. Si son extensas
(cuatro líneas o más), en renglón aparte, haciendo doble retorno a
inicio y final de cita, con margen adentrado y sin comillas. En ambos
casos, al fin de la cita, en paréntesis se indica el apellido del autor y la
(s) página (s) desde donde se extrajo la cita. Si se está trabajando con
más de una obra del mismo autor, se indica el apellido del autor, el
título abreviado de la obra citada escrito en itálica y la (s) página(s)
desde donde se extrajo la cita. Si en el cuerpo del texto se anuncia la
cita indicando el apellido (o nombre y apellido) del autor, al fin de cita
en paréntesis sólo se indica la página (o el título abreviado de la obra y
la página si se está trabajando con más de una obra del mismo autor);
no se menciona el apellido del autor, pues, ya fue mencionado en el
encabezamiento de la cita.
Ejemplos (sólo se ejemplifica con citas breves):
a) Según Nelly Richard, “los textos de crítica cultural serían textos
intermedios que no quieren dejarse localizar según los parámetros
institucionales que definen los saberes ortodoxos” (144).
b) Se ha dicho también que “los textos de crítica cultural serían textos
intermedios que no quieren dejarse localizar según los parámetros
institucionales que definen los saberes ortodoxos” (Richard 144).
c) “La sacralización del texto corresponde a la problemática de la
concepción del texto como absoluto” (Carrasco, Nicanor Parra 95).
d) “Para el antipoeta no sólo la escritura está en crisis; la sociedad
entera lo está” (Carrasco, Para leer 88).
Se procede exactamente de la misma manera si la fuente citada es de
un autor institucional o corporativo (Naciones Unidas, Consejo de Libro
y la Lectura).
8.2. Citas de fuentes en internet. En lo fundamental, se procede de la
misma manera que con fuentes tomadas de publicaciones en papel. La
diferencia es que en lugar de indicar página, se escribe la expresión “en
línea”.
Ejemplo:
“La necesidad de preservar la biodiversidad se hace cada día más
urgente, especialmente por los graves cambios climáticos y, también,
por la profunda saturación existencial a la que nos está llevando una
modernidad contraria al orden natural del mundo” (Poland, en línea).
8.3. Citas tomadas de comunicaciones electrónicas (e-mails). Al fin de
cita, en paréntesis, se indica el autor y se escribe “correo electrónico” y
la fecha que corresponda.
8.4. Cita tomada de entrevista inédita realizada por el autor del
artículo. Al fin de la cita, en paréntesis, se indica el apellido del autor, y
luego se escribe “entrevista personal”.
8.5. Cita tomada de un programa de televisión. Al fin de cita, en
paréntesis, se indica el apellido del autor (si procede), el título del
programa y la estación que lo emitió.
8.6. Cita tomada de un film. Al fin de cita, en paréntesis indicar el
apellido del director y título de la película.
9. Lista de obras citadas (o bibliografía citada).
Al final del artículo se hace la lista de las obras de hecho citadas cuyas
referencias básicas se han dado parentéticamente en el texto del
artículo. Se ordena por orden alfabético tomando como base el apellido
de los autores (excepto en los autores institucionales). Si se ha
trabajado con más de una obra de un mismo autor, ordenar sus obras
desde la más reciente a la más antigua. Se utiliza sangría francesa.
10. Se recomienda se usen las notas al pie exclusivamente para
agregar información o hacer comentarios cuyo texto no es conveniente
que vaya en el cuerpo del artículo.
REVISTA ALPHA – VERSION ELECTRONICA
A partir del N° 20, y como consecuencia de su indexación en
SciELO, Alpha tendrá una versión electrónica que reproduce los
objetivos, modalidades de publicación y de evaluación de la
versión impresa. Esto significa que —salvo indicación en
contrario del colaborador— los artículos será presentados en
estas dos modalidades de publicación.
1.- Política de Acceso Abierto. Alpha, versión electrónica,
proporciona acceso libre a todos los artículos que publica de forma que
estén disponibles para propósitos educativos, académicos y de
investigación y, en general, para cualquier uso no comercial. Los
artículos publicados en Alpha, versión electrónica, son además
indexados a través de la Open Archives Initiative, con el objeto de
hacer más accesibles los trabajos para otros investigadores y, en
especial, proporcionar facilidades para un intercambio global y fluido
del conocimiento. Para obtener más información acerca de estos
aspectos, por favor, visite Public Knowledge Project, una iniciativa de la
Universidad de la British Columbia en Canadá, a través de la que se
diseñó Alpha, en su versión electrónica.
2.- Normas de Publicación. La publicación en Alpha está abierta a
cualquier persona que quiera aportar sus trabajos, cualquiera que sea
el carácter de éstos siempre y cuando estén relacionados con la
temática de la revista. Las aportaciones deberán ser originales e
inéditas. La protección de los derechos correrá a cargo del autor, que
es el único legalmente capacitado para este cometido.
Los trabajos deberán ser remitidos en formato digital, con la extensión
.doc o .rtf. Se aceptarán trabajos escritos en castellano, aunque,
excepcionalmente, el Comité de Redacción se arroga la capacidad de
reservar el derecho a aceptar trabajos en otras lenguas siempre y
cuando la calidad de los mismos justifique su inclusión en la revista.
Deberán ir acompañados de un resumen (de extensión de 5 a 10
líneas) y de palabras clave (de cuatro a seis), en ambos caso en
castellano e inglés.
La extensión de los trabajos es de 12 a 20 carillas a doble espacio
incluyendo notas y referencias bibliográficas. Para Notas y Documentos
se recomienda entre 5 y 10 páginas.
Las notas y referencias bibliográficas irán al final con numeración
seguida y redactadas de acuerdo con las publicaciones académicas
(preferentemente estilo MLA)
Alpha, en su versión electrónica, no se responsabiliza de los juicios y
opiniones expresados por los autores en sus artículos y colaboraciones.
1.- Requerimientos para Artículos Originales.
(Todos los requisitos deben ser cumplidos)
a) El trabajo no debe haber sido publicado ni estar bajo proceso de
evaluación por parte de ninguna otra revista. En caso contrario se
deben proporcionar las explicaciones necesarias.
b) El documento debe estar en formato RTF o Microsoft Word.
Todas las URL del texto (e.g., http://www.ulagos.cl/) deben estar
activadas y listas para ser usadas.
c) El texto debe estar escrito a doble espacio y con tipo o fuente de 12
puntos; utilizar cursiva, en vez de subrayado (excepto para las
direcciones URL); y las figuras y tablas se disponen a lo largo del texto,
en vez de al final.
d) El texto debe reunir las condiciones expresadas en las Normas de
Publicación que encontrarás en "Acerca de Nosotros". Si la sección de la
revista para la que envía el texto evalúa por pares, el nombre del autor
se deberá escribir al final del artículo, indicando su dirección postal y
electrónica e institución a la que pertenece.
2.- Derechos de Autor. La propiedad intelectual de los artículos
pertenece a los autores y los derechos de edición y publicación a la
Alpha, versión electrónica. Los artículos publicados en la revista podrán
ser usados libremente para propósitos educativos, académicos y de
investigación, siempre y cuando se realice una correcta citación del
mismo. Cualquier uso comercial queda expresamente penado por la
ley.
3.- Protección de Datos Personales. Los nombres y direcciones de
correo, además de cualquier otra información de tipo personal
suministrada a esta revista será utilizada exclusivamente para los fines
declarados de la misma. La revista no suministrará en ningún caso los
datos proporcionados a terceros.
4.- Proceso de Evaluación por Pares. Todos los trabajos que sean
enviados a Alpha, versión electrónica, serán tenidos en cuenta y
revisados por el Comité de Redacción y por su Comité Externo. Una vez
se emita el dictamen del Comité de Redacción se informará al autor de
la decisión que se haya tomado y de si debe hacer alguna modificación
en el trabajo propuesto. En caso de la no aceptación por razones de
confidencialidad, no se remitirá al autor el dictamen de nuestro Comité
de Redacción.
REVISTA ALPHA INDEXADA COMO REVISTA DE CORRIENTE
PRINCIPAL EN SciELO (ISI-CHILE)
Recientemente Revista Alpha, publicada por el Departamento de
Humanidades y Arte de la Universidad de los Lagos ha sido
incorporada a los índices de la Biblioteca Científica SciELO (Scientific
Electronic Library on Line), equivalente en Chile de ISI Internacional.
El proceso de evaluación requirió un seguimiento de los tres últimos
años de Alpha y comprendió el examen del cumplimiento de las
normas internacionales de edición, establecidos por el sistema
Latindex y la calidad académica del contenido. Este último indicador
considera la cobertura de la revista desde el punto de vista de la
disciplina, la calidad científica de los miembros del comité editor interno
y alterno, la calidad y el origen de los artículos, tanto como los
criterios y el sistema de evaluación que se les aplica.
En consecuencia, a partir del próximo año, Alpha aparecerá en su
habitual edición impresa y en la página webb de CONICYT a texto
completo, con accesibilidad ilimitada para todo tipo de usuarios, versión
que ya habia empezado a implementarse desde el N° 20 por intermedio
de la Dirección de Bibliotecas de la Universidad de Los Lagos. En la
actualidad, Internet se constituye en un instrumento clave para la
investigación académica, pues, las bibliotecas virtuales y catálogos
bibliográficos pueden ser consultados desde cada puesto de trabajo sin
necesidad de desplazamiento hacia los archivos físicos. La versión
electrónica de Alpha proporciona acceso libre a todos los artículos de
manera que estén disponibles para propósitos educativos, académicos
y de investigación y, en general, para cualquier uso no comercial.
Aparte de esta indexación, los artículos de Alpha están disponibles en
Open Archives Initiative lo que facilita un intercambio global y fluido de
conocimiento en artes, letras y filosofía.
Lo decisivo de esta evaluación de Alpha es que la califica
excepcionalmente entre las revistas de corriente principal de nuestro
país y permite que los trabajos publicados en ella sean acreedores de
mayor reconocimiento académico. Además, por esta vía, la
Universidad de los Lagos, incrementa sus opciones porcentuales en el
Aporte Fiscal Indirecto (AFI).
UNA REVISTA DE CALIDAD INTERNACIONAL
Recientemente la Revista Alpha, publicada por el Departamento de
Humanidades y Arte de la Universidad de Los Lagos ha sido incorporada
a los índices de la biblioteca del Scientific Electronic Library on Line
(Scielo), equivalente en Chile de ISI Internacional.
Ello, tras un seguimiento evaluativo de tres años que comprendió el
examen de cumplimiento de las normas internacionales de edición
establecidas por Latindex y la calidad académica del contenido. “Este
último indicador considera la cobertura de la revista desde el punto de
vista de la disciplina, la calidad científica de los miembros del comité
editor interno y alterno, la calidad y el origen de los artículos, tanto
como los criterios y el sistema de evaluación que se les aplica”, afirmó
Eduardo Barraza, director responsable y editor de Alpha.
Según acotó el académico, “a partir del próximo año, Alpha aparecerá
en su habitual edición impresa y en la página web de Conicyt a texto
completo, con accesibilidad ilimitada para todo tipo de usuarios, versión
que ya empezó a implementarse desde el número 20 por intermedio de
la Dirección de Bibliotecas de la ULA”.
Cabe destacar que la versión electrónica proporciona acceso libre a
todos los artículos para disponerlos a usos educativos, académicos e
investigativos. Aparte de la indexación mencionada, los artículos de la
revista están disponibles actualmente en Open Archives Initiative, para
facilitar el intercambio global y fluido de conocimientos en artes, letras
y filosofía.
“Lo decisivo de esta evaluación de Alpha es que la califica
excepcionalmente entre las revistas de corriente principal de nuestro
país y permite que los trabajos publicados en ella sean acreedores de
mayor reconocimiento académico. Además, por esta vía, la Universidad
de Los Lagos incrementa sus opciones porcentuales en el Aporte Fiscal
Indirecto, AFI”, sintetizó Barraza.
editores da agulha
Floriano Martins
(Fortaleza, 1957). Poeta, editor, ensaísta e
tradutor. Tem se dedicado, em particular, ao estudo da
literatura hispano-americana, sobretudo no que diz
respeito à poesia. Foi editor do jornal Resto do Mundo
(1988/89) e da revista Xilo (1999). Em janeiro de 2001,
a convite de Soares Feitosa, criou o projeto Banda
Hispânica, banco de dados permanente sobre poesia de
língua espanhola, de circulação virtual, integrado ao
Jornal de Poesia. Críticas sobre sua obra, assim como
entrevistas com o poeta, já foram publicadas no Brasil e
no exterior, a exemplo de jornais como El Universal
(Panamá), El Comércio (Peru), El Universal (México), El
País (Uruguai), El País (Colômbia), O Estado de S.
Paulo, Jornal da Tarde, Folha de S. Paulo, Correio Brasiliense, O Povo, Diário
do Nordeste, Estado de Minas, O Globo, O Estado do Tapajós, e revistas
como Prisma (Colômbia), Común Presencia (Colômbia), Paréntesis (México),
Storm Magazine (Portugal), Alforja (México), Mapocho (Chile), TriploV
(Portugal) e Voces (Estados Unidos) - material crítico assinado por nomes
como Sérgio Campos, Carlos Felipe Moisés, Wilson Martins, José Paulo Paes,
Maria Esther Maciel, Rolando Toro, Jorge Rodríguez Padrón, Ivan Junqueira,
José Castello, Rodrigo Petronio, Eleuda de Carvalho, Carlos Germán Belli,
Miguel Gomes, Alfredo Fressia, Maria Estela Guedes, Nicodemos Sena. Com
larga trajetória de colaboração à imprensa, tem escrito artigos sobre música,
artes plásticas e literatura, incluídos nas publicações citadas e também em
outras, como Comércio do Porto (Portugal), Letras & Letras (Portugal),
International Graphitti (Costa Rica), El Artefacto Literario (Suécia), Exégesis
(Porto Rico), Crítica (México), Blanco Móvil (México), Casa del Tiempo
(México), e brasileiras como Rascunho, Alô Música e Poesia Sempre.
Organizou para as revistas mexicanas Blanco Móvil e Alforja duas edições
especiais dedicadas à literatura brasileira, respectivamente "Narradores y
poetas de Brasil" (1998) e "La poesía brasileña bajo el espejo de la
contemporaneidad" (2001), bem como as edições especiais "Poetas y
narradores portugueses" (Blanco Móvil, México, 2003) e "Surrealismo"
(Atalaia Intermundos, Lisboa, 2003), respectivamente em parceria com
Maria João Cantinho e Maria Estela Guedes. Como artista plástico participou
de exposições como "O surrealismo" (Núcleo de Arte Contemporânea,
Escritório de Arte Renato Magalhães Gouvêa, São Paulo, 1992),
"Lateinamerika und der Surrealismus" (Museu Bochum, Köln, 1993) e
"Collage - A revelação da imagem" (Homenagem ao centenário de André
Breton 1896-1996, Espaço expositivo Maria Antônia/USP, São Paulo, 1996).
Em maio de 2000 realizou o espetáculo Altares do Caos (leitura dramática
acompanhada de música e dança), no Museu de Arte Contemporânea do
Panamá. Um ano antes também havia realizado uma leitura dramática de
William Burroughs: a montagem (collage de textos com música incidental),
na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo. Dentre algumas conferências
que tem proferido, destacam-se "América Latina e Identidade Cultural"
(Centro de Humanidades, Universidade de Brasília, Brasília, 1998),
"Linguagens contemporâneas e identidade nacional: literatura" (SESC
Pompéia, São Paulo, 1999), "Algunos poetas brasileños (Ivan Junqueira,
Dora Ferreira da Silva, José Santiago Naud, Sérgio Campos, Claudio Willer,
Ruy Espinheira Filho, Adriano Espínola e Donizete Galvão)" (Faculdad de
Humanidades de la Universidad de Panamá, 2000), "Sobre a condição
editorial de algumas revistas de cultura na América Latina" (Instituto Goethe,
São Paulo, 2001), "Surrealismo & Brasil" (Academia Brasileira de Letras, Rio
de Janeiro, 2003) e “La modernidad de la poesía hispanoamericana” (Centro
de Estudios Latinoamericanos Rómulo Gallegos, Caracas, Venezuela, 2004).
Participou dos seguintes volumes coletivos: Camorra (volume monográfico
sobre Harold Alvarado Tenorio, Ediciones La Rosa Roja, Bogotá, 1990), Focus
on Ludwig Zeller, poet and artist (Mosaic Press, Oakville-New York-London,
1991), Adios al siglo XX (Edição dedicada à poesia de Eugenio Montejo,
Separata da revista Palimpsesto, Sevilla, 1992), O olho reverso. 7 poemas e
um falso hai-kai (Edição comemorativa dos 41 anos de poesia de José
Santiago Naud, Thesaurus Editora, Brasília, 1993), Tempo e antítese. A
poesia de Pedro Henrique Saraiva Leão (Editora Oficina, Fortaleza, 1997),
Surrealismo e Novo Mundo (Ensaios sobre Surrealismo na América Latina,
org. Robert Ponge, Editora da Universidade UFRS, Porto Alegre, 1999),
Festival Mundial de Poesía Venezuela 2004 (Antologia poética, org. Andrés
Mejía, Monte Ávila Editores, Caracas, 2004), El Bacalao - Diatribas
antinerudianas y otros textos (Ensaios, org. Leonardo Sanhueza, Edicones B,
Santiago, Chile, 2004), e Escolas literárias no Brasil (Conferências, org. Ivan
Junqueira, Ed. da Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, 2004).
Livros publicados
Cinzas do sol (poesia). Mundo Manual Edições. Rio de Janeiro. 1991.
Sábias areias (poesia). Mundo Manual Edições. Rio de Janeiro. 1991.
El corazón del infinito. Trés poetas brasileños (traducción de Jesus Cobo)
(entrevistas). Cuadernos de Calandrajas. Toledo, Espanha. 1993.
Tumultúmulos (poesia). Mundo Manual Edições. Rio de Janeiro. 1994.
Ashes of the sun (translated by Margaret Jull Costa) (poesia). Incluído em
The myth of the world (The Dedalus Book of Surrealism 2). Dedalus Ltd.
London. 1994.
Escritura conquistada (Diálogos com poetas latino-americanos)
(entrevistas). Letra & Música. Fortaleza. 1998.
O começo da busca (Escrituras surrealistas na América Hispânica) (ensaio).
Coleção Memo. Fundação Memorial da América Latina. São Paulo. 1998.
Poemas de amor (antologia poética), de Federico García Lorca. Ediouro
Publicações. Rio de Janeiro. 1998. [tradução e prólogo]
Delito por bailar o chá-chá-chá (contos), de Guillermo Cabrera Infante.
Ediouro Publicações. Rio de Janeiro. 1998. [tradução]
Alma em chamas (poesia). Letra e Música. Fortaleza. 1998.
Dois poetas cubanos (ensaios), de Jorge Rodríguez Padrón. Coleção Memo.
Fundação Memorial da América Latina. São Paulo. 1999. [tradução]
Três entradas para Porto Rico (ensaios), de José Luis Vega. Coleção Memo.
Fundação Memorial da América Latina. São Paulo. 2000. [tradução]
Alberto Nepomuceno (biografia). Edições FDR. Fortaleza. 2000.
A nona geração (contos), de Alfonso Peña. Edições Resto do Mundo.
Fortaleza. 2000. [tradução e prólogo]
Cenizas del sol (poemas y esculturas). [com o escultor Edgar Zúñiga].
Ediciones Andrómeda. San José, Costa Rica. Setembro de 2001.
Extravio de noites (poesia). Ed. Poetas de Orpheu. Caxias do Sul. 2001.
O começo da busca - O surrealismo na poesia da América Latina (ensaio e
antologia poética). Escrituras Editora. São Paulo. 2001.
Nós/Nudos (25 poemas sobre 25 obras de Paula Rego), de Ana Marques
Gastão. Editora Gótica. Lisboa, Portugal. 2004. [tradução]
Un nuevo continente (Antología del Surrealismo en la Poesía de nuestra
América). Ediciones Andrómeda. San José, Costa Rica. 2004.
Estudos de pele (poesia). Editora Lamparina. Rio de Janeiro. 2004.
Homenagem à realidade (poesia), de Cruzeiro Seixas. Escrituras Editora.
São Paulo. 2005. [organização e prefácio]
A idade da escrita e outros poemas, de Ana Hatherly. Escrituras Editora.
São Paulo. 2005. [organização e prefácio]
Antologia poética, de Carlos Pellicer. En Sol Editora. Recife. 2005.
[tradução - juntamente com Everardo Norões, Geraldo de Holanda, Ivo
Barroso, Pedro Américo de Farias e Thiago de Mello]
Claudio Willer
(São
Paulo, 1940). Poeta, ensaísta e tradutor. Sua
formação acadêmica é como sociólogo e
psicólogo. Depois de ocupar outros cargos e
funções em administração cultural, foi
assessor na Secretaria Municipal de Cultura
de São Paulo, responsável por cursos,
oficinas literárias, ciclos de palestras e
debates, leituras de poesia, de 1994 a 2001.
Dezenas de participações em congressos,
seminários, ciclos de palestras, apresentações públicas de autores etc., no
Brasil e no exterior. Presidente da União Brasileira de Escritores, UBE, eleito
em março de 2000 para o cargo que já exerceu em dois mandatos
anteriores, entre 1988 e 92; reeleito em março de 2002; além
disto, também secretário geral da UBE em outros dois mandatos (198286), e presidente do Conselho da entidade (1994-2000).
Livros publicados
Anotações para um Apocalipse, Massao Ohno Editor, 1964, poesia e
manifesto.
Dias Circulares, Massao Ohno Editor, 1976, poesia e manifesto.
Os Cantos de Maldoror, de Lautréamont, 1ª edição Editora Vertente, 1970,
2ª edição Max Limonad, 1986, tradução e prefácio.
Jardins da Provocação, Massao Ohno/Roswitha Kempf Editores, 1981,
poesia e ensaio.
Escritos de Antonin Artaud, L&PM Editores, 1983 e sucessivas reedições,
seleção, tradução, prefácio e notas.
Uivo, Kaddish e outros poemas de Allen Ginsberg, L&PM Editores, 1984 e
sucessivas reedições, seleção, tradução, prefácio e notas; nova edição,
revista e ampliada, em 1999; edição de bolso, reduzida, em 2.000.
Crônicas da Comuna, coletânea sobre a Comuna de Paris, textos de Victor
Hugo, Flaubert, Jules Vallés, Verlaine, Zola e outros, Editora Ensaio, 1992,
tradução.
Volta, narrativa em prosa, Iluminuras, 1996.
Lautréamont - Obra Completa - Os Cantos de Maldoror, Poesias e Cartas,
edição prefaciada e comentada, Iluminuras, 1997.
Estranhas experiências (poesia). Editora Lamparina. Rio de Janeiro. 2004.
Como crítico e ensaísta, colaborou em suplementos e publicações culturais:
Jornal da Tarde, Jornal do Brasil, revista Isto É, jornal Leia, Folha de São
Paulo, revista Cult, Correio Braziliense, Xilo etc, e projetos da imprensa
alternativa como Versus e revista Singular e Plural. Filmografia e
videografia, com destaque para Uma outra cidade, documentário de Ugo
Giorgetti com os poetas Antonio Fernando de Franceschi, Rodrigo de Haro,
Roberto Piva, Jorge Mautner, Claudio Willer, exibido na TV Cultura, São
Paulo e na Rede Pública de TV, disponível em vídeo, produção SP Filmes e
TV Cultura de São Paulo. Textos seus foram incluídos nas seguintes
antologias e publicações coletivas: Alma Beat, L&PM Editores, 1985; Carne
Viva, coletânea de poemas eróticos, org. Olga Savary, Achiamé, 1984;
Folhetim - Poemas Traduzidos, org. Nelson Ascher e Matinas Suzuki, ed.
Folha de S. Paulo, 1987, com uma tradução de Octavio Paz; Artes e Ofícios
da Poesia, org. Augusto Massi, ed. Artes e Ofícios - Secretaria Municipal de
Cultura de São Paulo, 1991; Sincretismo - A Poesia da Geração 60, org.
Pedro Lyra, Topbooks, 1995; Antologia Poética da Geração 60, org. Álvaro
Alves de Faria e Carlos Felipe Moisés, Editorial Nankin, 2.000; 100 anos de
poesia brasileira - Um panorama da poesia brasileira no século XX, Claufe
Rodrigues e Alexandra Maia, organizadores, O Verso Edições, Rio de
Janeiro, 2001; Azougue 10 anos, publicação em livro de entrevistas,
depoimentos e poemas publicados na revista Azougue, organização de
Sergio Cohn, Azougue Editorial, Rio de Janeiro, 2004; Paixão por São Paulo Antologia poética paulistana (comemorativa dos 450 anos de fundação da
cidade), Luiz Roberto Guedes, organizador, Editora Terceiro Nome, São
Paulo, 2004. Traduzido e publicado no exterior, entre outros lugares, em
Quinta Intermundia, Rassegna di Poesia Internazionale, 1992, coletânea
por Márcia Teófilo; Modernismo Brasileiro und die Brasilianische Lyrik der
Gegenwart, antologia da poesia brasileira por Curt Meyer-Clason,
Druckhaus Galrev, Berlim, 1997; Narradores y Poetas de Brasil, coletânea
de Floriano Martins, revista Blanco Móvil, primavera de 1998, México, DF;
Brasil 2000, Antologia de Poesia Contemporânea Brasileira, org. Álvaro
Alves de Faria, ed. Alma Azul e Instituto Português do Livro e das
Bibliotecas, Coimbra, Portugal, 2000; Alforja XIX - Revista de Poesía,
México DF, fevereiro de 2002, edição dedicada à poesia brasileira,
coordenação e seleção de textos de Floriano Martins, coordenação dos
tradutores Eduardo Langagne, com os poemas Poética e Llegar allá,
tradução de Adolfo Ruiseñor, o ensaio Poeta en São Paulo - Paranóia de
Roberto Piva, tradução de Eduardo Langagne, além de entrevista,
depoimento e textos de apresentação; Cena poética - scène poétique,
coletânea bilíngüe de poetas do Brasil e da Bretanha, tradução de Luciano
Loprete, organização de Celso de Alencar e Yvon le Man, editora Limiar,
Cena - Centro de Encontro das Artes, São Paulo, 2003; Un nuevo
continente - Antologia del Surrealismo en la Poesía de Nuestra América,
antologia de poesia surrealista latino-americana, organização de Floriano
Martins, vários tradutores, Ediciones Andrómeda, San José, Costa Rica,
2004. Poemas e depoimentos também em revistas literárias: Poesia
Sempre, Azougue, Alguma Poesia, Anto (Portugal), Continente Sul-Sur,
Orion etc. Bibliografia crítica formada por ensaios, resenhas, reportagens e
citação em obras de consulta por Afrânio Coutinho, Alfredo Bosi, José Paulo
Paes, Luciana Stegagno-Picchio, entre outros.
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