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revista de cultura # 43
fortaleza, são paulo - janeiro de 2005
editorial
Eternamente mão única
1.
Um tema da hora, motivo de preocupação, é o Mercosul.
Quais serão suas perspectivas? Avança ou retrocede?
Corre risco de acabar? A discussão é exclusivamente
comercial. Fala-se de proteção a geladeiras, máquinas
de lavar, carne, trigo. Não se toca em publicações,
espetáculos, mostras, circulação de informação. Sob o
aspecto cultural, o Mercosul não é um zero absoluto:
ocorre regulamente a Bienal do Mercosul, tem havido
encontros de autores, distribuição comercial de filmes e
até sua veiculação na TV progrediu. Mas a cultura nem
sequer foi incluída nos acordos que lhe deram origem.
Quanto a espetáculos, a agenda brasileira deste ano é
francesa, ou, antes, parisiense: como o Brasil vai ser
objeto de homenagens na França, todo mundo vai lá, ou
vai tentar estar lá. Carnaval em Paris. Novamente.
2.
Já foi comentada aqui, em Agulha – na edição anterior,
de número 42 – a publicação de João Guimarães Rosa:
Correspondência com seu tradutor alemão Curt MeyerClason (Nova Fronteira, ABL, UFMG, 2003), por sua
importância para se entender melhor a poética do autor
de Grande Sertão: Veredas. Mas o livro também toca
em questões de política cultural. Bem ao final da série
de cartas, a 11 de julho de 1967, Meyer-Clason diz que
gostaria de preparar uma antologia de poesia brasileira.
A dificuldade para levar o projeto a bom termo é
econômica. Esclarece Meyer-Clason: “Para uma
antologia de Cabral (selecionada por mim), mais
apêndices e uma longa introdução, recebi 1.300,00
marcos [...], mas gastei mais de 4.000,00 marcos,
porque eu e minha família precisamos aqui de
aproximadamente 2.000,00 marcos por mês para uma
vida simples.” Por isso, diz o tradutor, precisaria, para
cobrir custos de pesquisa, preparação de prefácio,
tradução propriamente dita, de dois mil dólares “a
mais”, além do que a editora lhe pagaria, pela tabela
normal para traduções. Sem patrocínio, teria que
recusar o projeto. E consulta: “Será que o senhor
poderia me sugerir como devo agir? O projeto tem
alguma chance? Devo apresentar um requerimento ao
M.C. ou diretamente ao Departamento Cultural?”. Não
sabemos se houve resposta. A correspondência termina
logo a seguir, com a morte de Guimarães Rosa em
novembro de 1967. Meyer-Clason chegou, entre outras
traduções importantes, de Cabral, Drummond etc., a
publicar uma antologia de poesia brasileira em 1975,
Brasilianische Poesie des 20. Jahrhunderts, e outra, de
autores mais recentes, em 1997, Modernismo Brasileiro
und die Brasilianische Lyrik der Gegenwart. Valeria a
pena perguntar-lhe se teve o apoio que, com tanta
razão, reivindicava em 1967.
3.
Há uma nota, na abertura de The Angel of the West
Window, a tradução para o inglês da biografia
romanceada do mago John Dee por Gustav Meyrink pela
Dedalus Books, de 1991, que diz o seguinte
(traduzindo): “Dedalus Europa 1992: Ao final de 1992,
os 12 estados membros da CEE [a então Comunidade
Econômica Européia, antes Mercado Comum Europeu e
agora União Européia] inaugurarão um mercado aberto
que Dedalus comemora com um amplo programa de
novas traduções das 8 línguas da CEE para o inglês.”
Seguem-se 20 títulos a serem lançados, traduções para
o inglês do francês, alemão, italiano, holandês,
flamengo, português (duas narrativas de Eça de
Queiroz), dinamarquês, grego e espanhol. Ao final, a
nota de agradecimento aos patrocinadores, o Arts
Council of Great Britain e o governo austríaco, que
possibilitou a tradução de Meyrink. Evidentemente, essa
é uma ínfima amostra do que a CEE e a UE já fizeram,
em matéria de cooperação cultural, ao longo de sua
consolidação nas últimas décadas.
4.
Se dirigidas a um europeu, soariam estranhas essas
consultas de Meyer-Clason. Estaria perguntando o óbvio.
É evidente que há bolsas, subvenções, auxílios, para
esse tipo de iniciativa, traduzir autores. Em outros
países latino-americanos, também já se registram boas
iniciativas. Mas prejudicadas pelo unilateralismo e
absenteísmo brasileiro. Por exemplo, ao longo de
décadas, em ações culturais conjuntas Brasil-México, o
México foi quem pagou a conta, arcou com os custos, na
maior parte dessas ocasiões. O que dizer então das
inúmeras edições de autores brasileiros, levadas a
termo pela Fundação Biblioteca Ayacucho, da Venezuela,
sem que haja, por natural correspondência, edição de
um único autor venezuelano no Brasil?
5.
Há um estilo crepuscular, nebuloso, nas respostas de
órgãos culturais brasileiros (FNC e Biblioteca Nacional) a
pedidos de apoio a traduções de autores brasileiros em
outros países, inclusive latino-americanos, inclusive da
esfera do Mercosul, mesmo com editoras interessadas.
Colaboradores de Agulha têm passado por essa
experiência. Tudo é vago, reticente. Transparência,
nenhuma. Ao final, nada acontece. Ou acontece algo,
porém raramente, a título de exceção. Consolidar
cooperação econômica e política não passa, aqui, por
temas culturais. Meyer-Clason, hoje, faria as mesmas
perguntas. Enfrentaria as mesmas dificuldades. Quanto
aos negócios, na esfera da cooperação econômica
interamericana, com geladeiras, soja, trigo, automóveis,
televisores, parece que vão mal. Crises ameaçam o
Mercosul e outros projetos de intercâmbio e cooperação
ibero-americana.
6.
Agulha vem divulgando protestos encabeçados por
Berthold Zilly, outro tradutor e divulgador importante de
literatura brasileira na Alemanha, e por Viviane de
Santana Paulo, escritora e colaboradora desta revista,
contra o fechamento de um Instituto Cultural Brasileiro
em Berlim. O motivo alegado pelo Itamaraty é falta de
verbas. Manutenção de institutos culturais brasileiros é
vista apenas como despesa, e não como investimento,
algo que tenha lugar em uma estratégia, em uma
política de relações exteriores. Depois, não reclamem
quando o Instituto Goethe reduzir suas verbas para o
Brasil.
Os editores
sumário
1 a escritura coletiva de jacques prévert
com surrealistas. eclair antonio almeida filho
2 a imagem criativa na poesia de orides
fontela. josé carlos a. brito
3
amavisse, de hilda hilst: pacto com o
hermético. claudio willer
4
biblioteca ayacucho: notas para una
primera historia. oscar rodríguez ortiz
5
crônica de consumo: a lâmpada queimada da
poesia.
6
floriano martins
espiritualidade e erotismo na poesia de
leonard cohen. alexandre marino
7 estranhas experiências: claudio willer e a
geração beat. lucila nogueira
8
fantástico e estranho mundo de
péricles
prade (entrevista). marco vasques
9
freud, oswald de andrade & antropofagia.
mário chamie
10 julien schnabel: "a arte me faz sentir
vivo" (entrevista). antonio jr.
11 lucia vasconcelos: lisboa - a felicidade
estranha da princesa. teresa martins marques
12 música/ciudad: la ecología del sonido.
enrique verástegui
13 remedios varo: pintora mágica de lo
surreal. carolina moroder
14 três visões da obra de adélio sarro.
alberto beutenmüller
15 vanguardismo, espacio y movimiento en la
poesía moderna.
juan calzadilla
artista convidado mario maffioli (pintura)
texto de otto apuy
resenhas livros da agulha carlos figueiredo vera lúcia de oliveira - nicodemos sena (por
adelton gonçalves) - boris fausto & fernando j.
devoto (por adelto gonçalves) - maría zambrano
& reyna rivas - floriano martins (por maria da
paz dantas) - leo zevala - tomás eloy martínez
(por adelto gonçalves) - ivan cavalcanti proença
(por mirian de carvalho) - maimônides - mauro
mota (por ivan junqueira) - & mário chamie
música discos da agulha afonso machado romero lubambo - hamilton & seus estados (por
fabrício mazocco) - nó em pingo d'água - césar
camargo mariano - leila maria (por hugo
sukman) & paulo moura
cumplicidade galeria de revistas l
matérika (costa rica) l palavreiros
(brasil) l piel de leopardo (argentina)
expediente
editores
floriano martins & claudio willer
projeto gráfico & logomarca
floriano martins
jornalista responsável
soares feitosa
jornalista - drt/ce, reg nº 364, 15.05.1964
correspondentes
alfonso peña (costa rica)
américo ferrari (peru)
benjamin valdivia (méxico)
bernardo reyes (chile)
carlos m. luis (uruguai)
carlos véjar (méxico)
eduardo mosches (méxico)
edwin madrid (equador)
francisco morales santos (guatemala)
harold alvarado tenorio (colômbia)
jorge ariel madrazo (argentina)
jorge enrique gonzález pacheco (cuba)
josé luis vega (porto rico)
marcos reyes dávila (porto rico)
maría antonieta flores (venezuela)
maria estela guedes (portugal)
mónica saldías (suécia)
rodolfo häsler (espanha)
saúl ibargoyen (méxico)
sonia m. martín (estados unidos)
artista plástico convidado (pintura)
mario maffiloi
apoio cultural
jornal de poesia
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revista de cultura # 43
fortaleza, são paulo - janeiro de 2005
A escritura coletiva de Jacques Prévert
com surrealistas
Eclair Antonio Almeida Filho
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Ce fut au surréalisme où j’ai fait mes humanités.
Jacques Prévert
Pouco importa ou exporta: Jacques
Prévert é surrealista. Sua poesia
transita pelos mesmos caminhos que
os surrealistas seguem: o “umor”, a
revolta contra os que oprimem o ser
humano, a exaltação do amor e do
sonho que levam à revolução.
Para determinar o encontro de
Jacques Prévert com o Surrealismo
(depois ele se encontraria com os
surrealistas), podemos marcar três
momentos. O primeiro se dá no fim
de 1924 na livraria Les amis du livre,
de Adrienne Monnier onde, além de entrar em contato com a
revista La Révolution Surréaliste, a qual muito lhe impressiona
e entusiasma, Prévert tem acesso a uma literatura surrealista
avant la lettre: os Cantos belos e terríveis de Maldoror, do
Conde de Lautréamont, os Campos Magnéticos, de Philippe
Soupault e André Breton, Le mariage du Ciel et de l'Enfer, de
William Blake, Le refrain du Décervelage, do Roi Ubu de Alfred
Jarry.
O segundo encontro com o Surrealismo ocorre quando, de um
ônibus, pelo fim do mesmo ano de 1924, Prévert e o pintor
Yves Tanguy, que então moravam com Marcel Duhamel na
famosa Rue du Château 54, avistam numa vitrine da galeria
Paul Guillaume em Paris o quadro Cerveau d’enfant, de Giorgio
de Chirico, o qual lhes mostra a escritura dos sonhos. De
acordo com Yves Courrière, Yves Tanguy sofreu um inpacto tão
grande ao ver essa tela que, ao chegar em casa, destruiu
alguns de seus quadros por considerá-los ingênuos demais.
No início de 1925, Marcel Duhamel conhece Breton e o leva
para uma visita na Rue du Château; Breton fica tão
entusiasmado com Prévert, Duhamel e Tanguy que passa a
utilizar a casa como um dos locais de reunião do grupo
surrealista.
Durante sua passagem pelo grupo de 1925 a 1929, Prévert não
publica nada, não participa de sessões de hipnose, não relata
seus sonhos nem exerce qualquer tipo de escritura automática.
Participa apenas das “pesquisas sobre a sexualidade”,
recolhidas nos “Archives du bureau surreáliste”. Os únicos
manifestos que subscreve voltam-se para a defesa de dois
artistas com quem mantém afinidades poéticas. Um deles é:
"Hands off love", publicado na edição de outubro de 1927 da
revista "Révolution Surrealiste", a favor de Charles Chaplin, que
era acusado, judicialmente, de maltratar sua esposa; o outro é
"Permettez", no qual Raymond Queneau protesta contra a
inauguração de uma estátua em homenagem a Arthur
Rimbaud.
Ajuda a criar o "cadavre exquis", atividade que consistia em
produzir um texto coletivo em que cada participante continuava
um texto, acrescentando uma parte da frase sem saber o que
vinha antes, daí resultando em criações livres de qualquer
associação lógica. No primeiro texto, Prévert escreveu "le
cadavre exquis", em um papel dobrado e o passou a um outro
participante que, em segredo, prosseguiu acrescentando
"boira"; um terceiro, nas mesmas condições, concluiu o jogo e
o texto com "le vin nouveau".
Gérard Guillot considera que, graças ao grupo surrealista,
Prévert pôde experimentar coisas novas e entrar em contato
com várias modalidades de arte. Nas palavras do próprio
Prévert, o surrealismo era
une rencontre de gens qui n’avaient pas de rendez-vous mais
qui sans se ressembler se rassemblaient. Militaires, religieuses,
policières, les grandes superencheries sacrées les faisaient rire.
Leur rire, comme leurs peintures et leurs écrits, était un rire
agressivement salubre et indéniablement contagieux. (Prévert,
1996)
Em 15 de janeiro de 1930, Prévert rompe com Breton, ao
participar com seu primeiro texto “Mort d’un Monsieur, no
panfleto “Un cadavre”, que ele e outros 11 dissidentes do
Surrealismo dirigem como resposta aos ataques pessoais que
Breton promovera no Segundo Manifesto. Em “Mort d’un
Monsieur”, num estilo e num humor que caracterizarão seus
poemas, Prévert começa lamentando o desaparecimento
daquele que o fazia rir: “Hélas, je ne reverrai plus l’illustre
Palotin du Monde Occidental, celui qui me faisait rire! (Prévert,
1996).
Depois, Prévert ataca os relatos de sonhos de Breton, dizendo
que um dia num sonho, após se olhar seriamente (ou seja, sem
humor) no espelho, ele se achou belo. Para Prévert, foi o fim de
Breton, que passou a confundir “le désespoir et le mal de foie,
la Bible et les Chants de Maldoror, Dieu et Dieu, […] la
Révolution Russe et la Révolution Surréaliste. (Encore… et
toujours la plus scandaleuse du monde) (Prévert, 1996).
Depois de sua ruptura com Breton, Prévert decide fazer “route
à part”, sem, no entanto deixar de se reencontrar com o
Surrealismo nem com o próprio Breton, com o qual se reconcilia
em 1937. A partir então de 1930, passa a escrever para
revistas como Biffurs, Documents, Commerce. Em 1932, tornase dramaturgo do Groupe Octobre, escrevendo peças teatrais
inspiradas em acontecimentos, querendo fazer a Revolução por
meio do teatro. Com o fim do Groupe Octobre em 1936, passa
a participar ativamente como roterista de filmes com diretores
como Jean Renoir e Marcel Carné, com o qual realizou sua obraprima, Les enfants du Paradis (1945).
Ainda em 1945, lança seu primeiro e mais famoso livro,
Paroles, no qual se dirige violentamente contra as instituições
com letras maiúsculas: a Igreja, a Família, a Propriedade, o
Estado. Seguem-se a Paroles: Histoires (1947), Spectacle
(1951), Grand bal du Printemps (1951) Charmes de Londres
(1952), La pluie et le beau temps (1954), Fatras (1966),
Imaginaires (1970), com colagens do autor, e Choses et Autres
(1972). Além desses livros, Prévert escreveu outros a 4
(quatro) mãos com artistas ligados ao Surrealismo como: Max
Ernst (Les chiens ont soif), Picasso (Portraits de Picasso), Miró
(Miró e Adonides) e Georges Ribemont-Dessaignes (Arbres).
De acordo com Bersani, em seus poemas, Prévert realiza a
síntese de duas correntes que atravessam o Surrealismo: as
correntes “dos jogos de linguagem” e “a libertária”. Para
Bersani, Prévert é um “poète qui joue des mots, qui sait,
comme le recommandait Breton, leur laisser “faire l’amour”
pour mieux engendrer la merveille, Prévert est aussi et en
même temps celui qui se joue des mots pour mieux se jouer de
la société d’exploiteurs et d’oppresseurs qu’il vitupère”.
Por causa de seu humor
(subversivo), Prévert figura
na Anthologie de l’humour
noir, organizada por André
Breton. De Prévert, Breton
seleciona “Tentative de
description d’un dîner de
têtes à Paris-France”, poema
que abre Paroles. A propósito
de Prévert, escreve Breton
que “il dispose
souverainement du raccourci (atalho, caminho abreviado)
susceptible de nous rendre en un éclair la démarche (conduta)
sensible, rayonnante de l’enfance, et de pourvoir indéfiniment
le réservoir de la révolte”. (Breton, 1998).
Em toda sua obra poética, Prévert empreende a busca
surrealista pelo surreal, com a criação de uma realidade de
liberdade, amor, poesia, sonho e revolução. Em um dos mais
belos poemas de Fatras, "La veille au soir", são as crianças que
ao sonhar sopram apagando a vela do vigilante da noite e dos
sonhos. Eis o poema:
La veilleuse du surveillant s'est éteinte
Et le surveillant dans la nuit
S´est éteint aussi
Les enfants en rêvant
Avaient soufflé sur lui. (Prévert, 1996).
Num maravilhoso jogo de palavras, Prévert aproxima
semanticamente veille (vigília, privação do sono à noite),
veilleuse (lanterna, vela e também o feminino de veilleur,
guardião da noite) e surveillant (vigilante). Nesse jogo, imaginase que um vigilante, um guardião do sono, munido de sua vela
e ao mesmo tempo sua companheira, vigia os sonhos das
crianças, para depois puni-las. Entretanto, estas são mais fortes
que os guardiães, e, sonhando, destróem a realidade que as
oprime, apagando – isto é, eliminando seus opressores. Nas
palavras de Breton, no Primeiro Manifesto: “L’esprit qui plonge
dans le surréalisme revit avec exaltation la meilleure part de
son enfance. […] C’est peut-être l’enfance qui approche le plus
de la “vraie vie” (Breton, 1986).
No poema “Ministère du ludique-action-publique” (que também
dá título a uma colagem de Prévert), o poeta apresenta um
artigo dos direitos universais da criança (e do ser humano),
conforme o qual ela tem total liberdade:
Art. I
L’enfant n’a pas de contrat, il n’a pas signé son acte de
naissance. Il est libre de refuser tôt ou tard l’âge qu’on “lui
donne” et d’en choisir un autre, d’en changer selon ses désirs,
comme de le garder le temps qu’il lui plaît. (Prévert, 1996)
Assim, não estaria Prévert realizando o que Breton disse no
Primeiro Manifesto: que os surrealistas deveriam reescrever os
direitos do ser humano para libertá-lo totalmente?
No último poema de Paroles (1946), “Lanterne magique de
Picasso”, Prévert demonstra que sua obra procura a
surrealidade, o ponto onde as contradições deixam de ser
percebidas:
Les idées pétrifiées devant la merveilleuse indifférence
d’un monde passioné
d’un monde retrouvé
d’un monde indiscutable et inexpliqué
d’un monde sans savoir-vivre mais plein de joie de vivre
d’un monde sobre et ivre
d’un monde triste et gai
tendre et cruel
réel et surréel
terrifiant et marrant
nocturne et diurne
solite et insolite
beau comme tout. (Prévert, 1992)
Assim, a busca pela surrealidade continua a ser o ponto de
contato entre aqueles que querem, através da união entre o
Amor, a Poesia, o Sonho, o Humor e a Revolução, transformar
o mundo e mudar a vida. Neste mesmo poema, a lanterna
mágica de Picasso ilumina “le visage d’André Breton et de Paul
Éluard”.
Nas entrevistas de Breton a André Parinaud, ao ser perguntado
se a grande fonte do Surrealismo nos anos 1920 e 1930 seria o
amor, Breton responde: “Oui: indépendamment du profond
désir d’action révolutionnaire qui nous possède, tous les sujets
d’exaltation propres au surréalisme convergent à ce moment
vers l’amour”. (138) Para Prévert, não existem nem cinco ou
seis maravilhas, mas apenas uma: o amor. Em outro poema,
Jacques Prévert aproxima amor e revolução por sua cor
vermelha:
Rouge, le mot rouge révolution reste rouge
malgré les décorations et les décolorations,
dissequé et nié le mot amour garde toute sa beauté. (Prévert,
1996)
Rouge (vermelho) é a cor pela qual Breton e Éluard no
Dictionnaire abrégé du surréalisme definem Jacques Prévert:
“Celui qui rouge de coeur” .
Para nós, o reencontro com os surrealistas ocorre quando
Prévert os convoca tanto para questionar a linguagem, as
instituições, a guerra, quanto para buscar a surrealidade. Numa
entrevista a André Pozner, Prévert revela, ao falar de sua
amizade com Breton, que nunca escreveria sobre (sur) um
amigo, mas sim com (avec), expondo dessa maneira uma
poética da criação coletiva, que se constrói com a ajuda do
outro, mesmo que esse outro esteja morto: "Breton, ou André
plutôt, avait tant de choses à dire, on a tant écrit sur lui! On dit
toujours ça, écrire sur quelqu'un. Moi, si j'écrivais, j'écrirais
avec lui". (Prévert, 1996). Lembro aqui o preceito de
Lautréamont: A poesia deve ser feita por todos. A seguir,
veremos exemplos de escritura coletiva de Jacques Prévert com
Max Ernst, o criador das colagens, André Breton, Paul Éluard,
Phillipe Soupault e Robert Desnos.
Com Max Ernst, Prévert
escreve a quatro mãos o
livreto Les chiens ont soif
(paródia do título do livro Les
Dieux ont soif, de Anatole
France), ilustrado com 27
litografias e 2 águas-fortes
de Ernst. No início do texto,
Prévert retoma o sentido que
os surrealistas haviam dado à
palavra littérature quando
lançaram a Revista Littérature: J’écris au raturant de la plume
d’un stylo. Ou seja, em litté-rature (rasura da letra), Prévert
escreve contra a literatura, a letra “oficial”, não escrevendo
num belo estilo.
A Ernst Prévert deve seu gosto pelas colagens. Em Imaginaires,
Prévert dedica a Ernst o poema Roi image du collage: Max
Ernst. No título lê-se não Roi mage (Rei mago) mas Roi image
(Rei Imagem). Para compor seu poema, primeiro Prévert
apresenta-nos a definição dicionarizada de colagem, a definição
oficial, petrificada, que não apreende a revolução que a
colagem imprime em nosso modo de ver a realidade:
Collages
Collage: Situation d’un homme et d’une femme qui vivent
ensemble sans être mariés.
Papiers collés: Composition faite d’éléments collés sur la toile.
(Petit Robert) (Prévert, 1996)
Depois, mostra suas definições, até mesmo a de décollage (que
em francês pode-se ler como “descolagem” ou “decolagem”):
Roi image du collage: Max Ernst
Chiens collés: Châtiment infligé aux chiens n’ayant pas d’âme
et vivant en concubinage.
Décollage: Image d’un avion arraché de l’image de l’aéroport
(ou aérodrame s’il s’écrase sur le sol).
Image réconfortante s’il s’agit d’un bombardier. (Prévert, 1996)
De um título de um livro de colagem de Ernst, La femme 100
têtes, Prévert cria « La femme acéphale », um de seus poemas
que mais questionam a sociedade com seu autoritarismo, seus
lugares-comuns. Vejam que Prévert inclui esse livreto em
Fatras, seu primeiro livro que traz colagens de sua autoria.
Entendemos que assim Prévert presta uma homenagem a
Ernst, o criador da colagem.
Em Spectacle, Prévert transforma o livro em espaço de
convocação coletiva. Na seçào “Intermède”, além de outros
escritores, Prévert convoca, entre outros surrealistas, André
Breton, Paul Éluard, Philippe Soupault e Robert Desnos para
escreverem juntos. De André Breton e Paul Éluard, Prévert cita
poemas do livro L’Immaculée Conception que Breton e Éluard
escreveram a quatro mãos, reforçando assim a coletividade na
ação de escrever:
J’ai ma femme avec moi dans mon lit même quand je suis
debout.
J’ai scalpé le public. J’ai mis ma verge dans toutes les
cheminées le jour de Nöel.
Je signe la paix et je vais porter le buvard aux Invalides. André
Breton et Paul Éluard. (In Prévert, 1992)
Com Soupault, Prévert escreve:
Un éléphant dans sa baignoire
Et les trois enfants dormant
Singulière singulière histoire
Histoire du soleil couchant. Philippe Soupault. (In Prévert,
1992)
A este poema, Prévert coteja um poema de Minoutte, sua filha,
no qual três gatinhos se banham também numa banheira, a fim
de enfatizar o caráter infantil que deve constar na ação poética.
Trois petits chats dans une baignoire
Tournent la manivelle de satin
Et s’en vont dans les broussailles
Et partir et revenir, et partir et revenir
Et partir et revenir.
Et mangèrent leur déjeuner.
Ton... Ton.... (In Prévert, 1992)
De Desnos, Prévert apresenta um trecho do poema “Au bout du
monde”, da seção “Les portes battantes”, do livro Fortunes
(1942), no qual um desertor parlamenta com sentinelas que
não entendem sua linguagem:
Quelque part dans le monde
Au pied d’un talus (escarpado)
Un déserteur parlemente
Avec des sentinelles
Qui ne comprennent pas son langage. Robert Desnos (In
Prévert, 1992)
A linguagem da vida, do desertor,
não é compreendida por aqueles que
falam a linguagem da guerra, da
guerra que matou Desnos. Ao
utilizar um poema de uma seção
chamada “as portas que batem”,
Prévert retoma uma das imagens
que Breton atribui à poesia
surrealista: aquela que deixa as
portas sempre batendo, para dentro
e para fora.
Aliás, dentre os surrealistas é com Robert Desnos que a obra de
Prévert mantém maior afinidade. Tanto Prévert quanto Desnos
são conhecidos por sua militância política, sendo que, enquanto
o primeiro militava apenas através de sua obra, o segundo
participou ativamente de grupos de resistência, tendo um fim
trágico em 1945, durante a Segunda Guerra. Em suas obras, há
partes dedicadas a jogos com palavras, como o “Rrose Selavy”,
de Desnos, e os graffitti, de Prévert. Se Desnos escreveu Trente
chantefables pour des enfants sages, Prévert escreveu, mas
não ironicamente, Contes pour enfants pas sages, uma vez que
a simples leitura dessas obras demonstra o respeito que os
poetas tinham por seu público infantil.
Em um depoimento de Michel Leiris a Jean Paul Corsetti, Leiris
afirma que no surrealismo Desnos e Prévert haviam criado
juntos um ramo original de poesia que apresentava uma verve
popular, a qual destoava do restante da poesia praticada pelos
surrealistas:
Il était avec Desnos, qu’il ne faut pas oublier, le creáteur de ce
rameau original du surréalisme dont nous parlions tout à l’heure
et, en ce sens, il échappait à la menace de “littératurisme” qui
pesait sur le mouvement. […]
En tout cas, Prévert incarnait pour nous une poésie du
“merveilleux”, mais du “merveilleux populaire”. C’est son
innovation en tant que surréaliste. (Corsetti, 1991)
Embora, em vida, Desnos nunca tenha escrito nenhum texto
com Prévert, consideramos que, em alguns dos poemas de
Prévert dedicados a Desnos, pela magia da criação poética,
podemos ler textos que trazem ao mesmo tempo as marcas
desnosianas e as prevertianas. Para nós, no poema
“Aujourd’hui”, podemos ver claramente a presenç dessas
marcas. A princípio, para entendermos que o poema se
constitui como uma criação coletiva de Prévert com Desnos,
devemos observar que, além de ser dedicado a Desnos, ele traz
uma epígrafe retirada do poema “Aujourd’hui je me suis
promené”, de Desnos, escrito em 1936, mas só publicado em
État de veille em 1942. Eis a epígrafe:
Aujourd’hui je me suis promené avec mon camarade
Même s’il est mort
Je me suis promené avec mon camarade. Robert Desnos. État
de veille, 1936, (Prévert, 1996)
Em relação ao diálogo entre seu texto e a epígrafe, Prévert
dissemina pelo texto trechos da epígrafe a fim de marcar
enfaticamente a presença tanto de Desnos quanto do poema
desnosiano. Logo no primeiro verso de “Aujourd’hui”, Prévert
dialoga diretamente com o poema desnosiano ao utilizar o
termo “Aujourd’hui”. Note-se que nesse poema “Aujourd’hui”
entra numa rede de referência tripla. Primeiro, remete
imediatamente ao poema desnosiano. Segundo, refere-se à
revista homônima em que Desnos trabalhou como crítico
literário no início dos anos 1940. Terceiro, marca o momento da
enunciação, chamando a atenção para o fato de que, para
Prévert, Desnos continua.
Em seguida ao termo Aujourd’hui Prévert faz seguir lugares e
datas ligados à vida de Desnos, como a Rue Mazarine onde
Desnos viveu durante muito tempo e seu período de militância
que começou em 1936 e terminou tragicamente em 1945,
quando Desnos morre contaminado pela febre tifóide.
Depois, Prévert apresenta o segundo verso da epígrafe, porém
com a substituição do termo “mon camarade” pelo nome de
Robert Desnos: “je me suis promené avec Robert Desnos”
(PRÉVERT, 1996). Quatro versos depois, Prévert cita o “même
s’il est mort”.
Ao retomar o último verso da epígrafe, Prévert também opera
uma modificação acrescentando-lhe na primeira enunciação um
“moi aussi” e na segunda, que vêm no verso seguinte em
elipse, substitui o “mon camarade” pelo termo “mon ami”. Na
primeira modificação Prévert nos diz que, além dele, vários
outros também passeiam com Desnos, ou seja, que tal passeio
é possível a todos aqueles que entram em contato com a obra
desnosiana e aceitam empreender a caminhada poética. Já na
segunda modificação, Prévert estabelece uma maior intimidade
com Desnos, pois o autor de Paroles prefere o termo “mon ami”
ao termo “mon camarade”, uma vez que este termo traz uma
conotação de militância.
Assim, em “Aujourd’hui”, ouvimos dos poemas de Prévert e de
Desnos um canto ao amor, de saudação à amizade. Vemos a
exaltação da poesia como uma das formas de se chegar a esses
momentos de confraternização que ultrapassam a vida e a
morte.
Termino convocando André Breton e Jacques Prévert. Com
Breton cito um trecho do poema “Hommage-hommage”,
contribuição de Prévert para o número especial “Hommage à
Picasso”, da Revista Documents (março de 1930): o surrealista
está com “un pied sur la rive droite, un pied sur la rive gauche
et le troisième sur le derrière des imbéciles”. Com Prévert,
rendo uma homenagem aos surrealistas:
ils aimaient la vie. Pour les uns, c’était la poésie, pour les
autres, c’était l’humour, pour d’autres n’importe quoi, mais
pour tous c’était l’amour. En souriant ils envisageaient la mort,
mais c’était pour mieux dévisager la vie. Pour la rendre plus
libre, plus belle, plus heureuse même. Beaucoup d’entre eux
ont disparu. Mais grâce à eux, cette vie réelle, comme leurs
rêves, continue. (Prévert, 1966)
Eclair Antonio Almeida Filho (Brasil, 1974). Ensaísta e notável pesquisador da
obra de Jacques Prévert. Contato: [email protected]. Página ilustrada
com obras do artista Mario Maffioli (Costa Rica).
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A imagem criativa na poesia de Orides
Fontela
José Carlos A. Brito
.
Orides Fontela nasceu em São João
da Boa Vista, cidade do interior de
São Paulo, em 21 de abril de 1940, de
família pobre e pais analfabetos.
Desde 1969, publicou 5 livros de
poesia e, do último, Teia, extraímos
os poemas para os comentários.
O jornalista Luis Nassif, que conviveu
esporadicamente com ela e escreveu
uma crônica relatando passagem
histórica de sua vida, afirma “Orides
já faz parte do Olimpo das maiores
poetas do século…”. Soma-se esta
afirmação a uma reputação merecida
que a poeta vai ganhando, com o tempo. Tendo sido
considerada uma pessoa muito pobre - cursou a faculdade de
filosofia com muito sacrifício - sua miséria foi comparada à de
Cruz e Souza, mas na verdade possuía uma pequena renda de
aposentadoria como bibliotecária. E, segundo o poeta Donizete
Galvão, em artigo, Orides encontrou em São Paulo apoio de
diversas pessoas, como Antonio Cândido, José Mindlin, Marilena
Chauí, entre outros. Completando, Galvão confirma que
“mesmo em vida, Fontela teve um reconhecimento crítico
considerável (…) em conversas que tive com ela, reconhecia
que era áspera, sem travas na língua e que se indispunha com
as pessoas. Muito isolada nos últimos anos, dizia que estava
mais amena. A própria fragilidade física tirara-lhe a disposição
para a briga(…) embora tenha sido desleixada até mesmo com
sua saúde, era zelosa com sua poesia…”
Pelo que se sabe, a vida da poeta Orides Fontela, repleta de
contradições, não lhe permitia o menor tipo de adaptação ao
convívio social e, por estranho que pareça, não se refletia isso
em sua poesia meiga, de convívio harmônico com elementos da
natureza, como pássaros, pedras, água, rio, estrelas, entre
outros. Esse conflito, provavelmente tenha sido seu elemento
trágico e, porque não, também condutor de sua intensa
criatividade, lembrando-nos aquele ditado, “Deus escreve certo
por linhas tortas”.
Provavelmente a criatividade de Orides estivesse entre essas
duas extremidades tensionadas, como pontos atuantes de
posições contrárias; de um lado seu inconsciente repleto de
imagens e, de outro, o Daimon incendiado de seu
comportamento rebelde com a vida real a enfrentar. Vejamos
isso nas palavras de Nassif: “… Vivia miseravelmente. Fez
carreira no serviço público e se aposentou como bibliotecária.
Teve consagração em vida dos maiores críticos nacionais,
dentre os quais Antonio Cândido de Mello e Souza. O professor
a ajudou como pôde, com críticas consagradoras e com uma
bolsa de estudos que ele recebera de uma fundação estrangeira
(…) Orides reagia como um bicho acuado, um vulcão de
sensibilidade que explodia na poesia, mas não conseguia
canalizar para relações pessoais (…) do professor, cortou as
roseiras. Deve ter feito pior com David Arrigucci. Fazia
escândalos com amigos, explodia com protetores, se perdia e
perdia tudo o que tinha e, quando nada mais tinha, ia abrigar o
corpo magro no velho prédio da Casa do Estudante…” A seguir,
o próprio Nassif estabelece os sinais do contraste da poeta,
dizendo: “…a única luz que provinha dela saía pelos poemas
que rabiscava desesperadamente, até se esvair de vez em um
sanatório de Campos de Jordão, anos atrás…”
Na sociedade em que vivemos, esses milhares de coisas
chamadas de “criação”, verdadeiramente não o são; trata-se
apenas do alimento diário, repetitivo, para engordar o grande
ego consumista, a que foram transformados os seres comuns,
via uma persona coletiva, revestida de comportamento
mascarado, objeto do marketing comercial. Ela induz o ego ao
único exercício de consumir todo o tempo na pretensa
conquista do produto inútil. Portanto, a cultura predominante
torna “compreensíveis” tais absurdos, inculcados no ser
humano comum, pela excessiva produção da mercadoria,
desnecessária e violenta, onde a simplicidade da poesia, em
sua lógica de alma, passa a não ser compreendida. A poesia, ao
não conviver com a violentação do ser, torna-se um contrasenso para a cultura de mercado. E Orides consumiu seu corpo,
colocando-o diante das máquinas de guerra desse exército da
realidade crua. Alguém poderia imaginar um tanque de guerra
desviar-se de seu caminho para não amassar uma flor? Orides
Fontela, sem levar em conta sua própria fragilidade, iludia-se,
ao super valorizar sua energia interior, de flor, cuja beleza serlhe-ia uma verdade suficiente para enfrentar as armas da
barbárie. Uma lógica ingênua? Ou uma entrega de corpo e
alma, assumida? E seu profundo viver, no mundo subjetivo,
criava-lhe dificuldades para distinguir entre amigos aliados e
reais inimigos.
A máscara de “novidades”, que ilude consumidores, estabelece
dificuldades para entender o processo criativo da poesia, e tal
compreensão só pode ser conseguida por uma alma liberta, não
escravizada aos poderes inúteis e mórbidos do grande impostor
da realidade. Em contrapartida, trilhar o caminho da alma
corresponde ao encontro psíquico da auto realização, que
convive em harmonia com sua matéria-prima de criação: a
natureza. E, através da poesia, pode-se viver com um consumo
material mínimo, porque a maior felicidade, nesse caso, é o
fazer alma; sendo muito precioso todo o tempo para essa
grandiosa operação de amor.
Nesse contexto, o tempo de
vida torna-se uma questão
relativa: muitos podem viver
90 anos ou mais, entregandose ao serviço das relações de
mercado exigidas pelo
monstro, que devora cada
minuto; e outros viverão sua
autonomia, talvez em 10 ou
20 anos de intensa criação, a
produzir o próprio mundo
interior, de símbolos fantásticos e estranhos, em expansão por
um cosmo quase infinito. E no momento mais inesperado esse
infinito reverte-se, por um buraco negro, para a própria noite
estrelada da imaginação pessoal, também, por sua vez, quase
infinita, formando uma espécie de círculo animado, em forma
de espiral. Mas de natureza autônoma, quer dizer, criativa,
pois, o conceito é de natureza repetitiva e a imagem é geradora
da novidade.
Criar significa realizar coisas inteiramente novas, que
proporcionam energia libidinal e não alienação nos deuses
alheios. E os próprios seres, ao nascer, são sempre diferentes,
sempre uma conclusão que transcendeu o passado e
desprendeu-se em forma de um intermédio novo e autônomo.
O nascer, ao produzir elementos inesperados, portanto,
criações, assemelha-se ao processo animado da alma em vida,
isto é, produção de novidades por intermédio da fantasia, no
nascimento de seres simbólicos que alimentam o sentido de
viver, e dão gosto. Provavelmente não seja a poesia a criadora
de símbolos, mas sim de imagens, e o símbolo nasce delas,
como figura de vida própria, com a qual o poeta se surpreende
e passa a conviver, muitas vezes tão profundamente que se
esquece da outra vida, a realidade de ganhar dinheiro para
comer.
A partir do momento do nascer - que para Orides Fontela se dá
no grito - os seres são tomados, paulatinamente, pelo processo
repetitivo da “novidade” consumista, adaptando-se de variadas
formas a essa consciência “racional”, em que o
desenvolvimento mergulhou o mundo numa destruição
continua, até a morte. Os seres “desenvolvem-se”
imperceptivelmente nessa corporificação, como produtos, com
suas respectivas máscaras; aquelas da concorrência violenta ou
mesmo do bom comportamento, incluindo uma ética adaptada
a isso. Serão operários, médicos, engenheiros, professores,
desempregados, e até mesmo revolucionários; ou mulheres
reflexos desses espelhos masculinos (onde emancipar-se é
ascender à condição do masculino), enfim, seres do repetitivo
viver destruindo, com a matriz reprodutiva num fator
subliminar da máscara, absoluto e onipotente; um ou vários
deuses complementares, porém externos a suas vidas.
Os seres humanos são, de uma maneira geral, pessoas
desesperadas para cumprir uma missão, desprezando e
estabelecendo como “função secundaria” as solicitações da
alma, sedenta de libido para alimentar e despertar a Psique,
adormecida de tanto padecer e ser torturada em sua procura de
Eros. E a vitalidade erótica da alma, será tachada pelo mercado
como inútil e indolente.
Porém, alguns parecem ter sido revestidos pela natureza com o
prêmio de sua capa protetora, constituída de elementos
intuitivos de extrema sensibilidade e vidência, que se
concretizam em uma chama primordial do fogo criativo. Tais
pessoas entregam todas as forças de seu frágil ser a um
exercício incansável, e surge a surpreendente energia. Nesse
processo, suas almas se apaixonam e nunca mais largam a luz
primitiva e reveladora com que incendeiam a vida e incomodam
a tranqüilidade repetitiva dos outros. Assim nos parece Orides
Fontela. E ela própria resume sua vida nesta poesia: Apocalipse
- Uma estrela/ atrai/ a luz – uma estrela/ suga/ o resto do/
resto, o/ silencio – elide os deuses, im/ plode – acaba morre/
finalissi/ mamente.
Orides Fontela, em sua vida cotidiana é possuída por um Eros
que na antiguidade, nas tragédias gregas, era considerado
como “…hostil, louco, mentiroso, portador de infortúnios, tirano,
enganador” ou “deus temível em vista da devastação que
ocasiona na vida humana (…) um tigre, não um gatinho de
estimação” (A.E.Taylor, citado por J. Hillman). Mas segundo o
próprio Hillman, esse Eros violento, rebelde, é assim enquanto
não for contido pela Psique (o fruto adormecido de seu amor)
“…enquanto continuar inconstante e possuído pelo complexo
materno, devido sobretudo, a uma anima (alma) que ainda não
emergiu de falsos valores, de noções vãs de beleza e da
incerteza psicológica sobre si mesma, como alma, e que, por
isso ainda não é um vaso capaz de conter a força criativa de
Eros…”. Diríamos que assim foi nossa poeta Orides, em seu
comportamento externo, na vida social, encarnada ao espírito
do Eros desgovernado, enquanto ela própria não fosse possuída
e contida por sua Psique adormecida, só despertando,
constantemente, no outro mundo da poesia.
Na transcendência dessa passagem para o amor, onde Eros
aplica sua flecha dolorida, a Psique da poeta seria
constantemente despertada de um sono de profundo sofrimento
e se enlaçaria a esse amor - por isso… Sempre é melhor/
sofrer/ que não sofrer (Axiomas) - para um amor tranqüilo no
símbolo poético, onde Psique deixa também de ser inocente:
Balada: Os anjos são/ livres. // Podemos sofrer/ podemos
viver/ o acontecer/ único// – os anjos são/ livres –// podemos
morrer/ inocentemente// - e os anjos são/ livres/ até da
inocência.
Mais do que um significado correspondente ao sofrimento de
Psique, que esperaríamos encontrar através de uma possível
reclamação de amor, em poemas de paixão frustrada – coisa
comum em poesia lírica – ou uma possível violência louca de
Eros, carente de Psique (e vice versa), ao contrário, em Orides,
isso fica plasmado nos poemas, em símbolos formados, com
novas figuras (transcendentes) da união intermediaria de uma
Psique, que habita com certa tranqüilidade vivências do
encontro com Eros. Sofrimento explicitado - dessa forma
diferente - por exemplo, no poema Adivinha; O que é
impalpável/ mas/ pesa // O que é sem rosto/ mas/ fere // o que
é invisível/ mas/ dói. Aqui o “encontro” é nítido, pois, Eros vem
amar e some (impalpável); esconde sua identidade (sem
rosto); fere ao amar e ao partir; mas, mesmo invisível
machuca; no bom ou mal sentido. Portanto, o encontro da
psique de Orides se dá no imaginário. E ali, a poesia é uma vida
calma, coerente, criativa.
A alma da poeta entrega-se toda às imagens, na encubação,
gestação e nascimento do símbolo: Ouvir um/ pássaro/ é agora
ou/ nunca… (Cantiga) …Pano branco/ integralmente
branco//…para receber o sangue/ de todas/ as coisas…(Toalha).
E nesse mergulho profundo (ao fundo), de todas as partes vivas
nas imagens formadoras da unidade interior -da alma
habitando seu deus- ela vive, provavelmente, estados de delícia
(ou felicidade?) esquecendo o corpo magro e cada vez mais
debilitado. Essa força física, biologicamente necessária, é
inteiramente trocada pela resistência simbólica do poema, onde
o conteúdo forma as imagens de sua vida e de sua força (a
outra).
A poesia de Orides, em nada corresponde a suas atitudes nas
relações sociais, pois, a verdadeira amizade habita mais dentro
do mundo interno. E a poesia, de formato especialmente seu,
terá lirismo próprio, será amorosa, delicada, suave e
compreensiva, em convívio com os personagens da natureza,
seus amigos, suas metáforas de redenção, aquelas de um Eros
contido no amor de Psique. Assim no poema Para C.D.A. somos
tocados pela seguinte imagem: …Perdi o bonde/ (e a
esperança), porém/ garanto/ que uma flor nasceu…
Para essa perfeição, buscada na síntese voluptuosa e simbólica
dos personagens transcendidos, sua poesia, como dizíamos,
prescinde dos elementos tradicionais da linguagem amorosa,
como: paixão, amor, sexo, saudade, traição, remorso, entrega,
desejo, ciúme, mágoa, corpo, frustração, retomada, despedida,
encontro, ou toda sorte de relação fisiológico-sentimental entre
masculino e feminino. As figuras serão: pássaro, pedra,
estrada, rio, água, silêncio, ou elementos (mãos) da fisiologia,
relacionados à expansão cósmica: esse mundo sedutor e de
mistério do além, algo como uma vida metafórica da união
amorosa percorrida pela alma, onde sua Psique vai ensinando
Eros a viver, e recebendo dele uma permanente energia vital,
através das figuras e do mundo solidamente fantasiado …Um
pássaro/ resiste aos/ céus. E perdura./ Apesar. (O antipássaro).
No entanto, quando um dos pólos
apodera-se literalmente do
comportamento, anulando
paulatinamente o oposto - o que
significa paralisar o fluxo energético
global e parar a produção de libido a poeta tende a desequilibra-se
perigosamente, com um estancar
repentino de vida prática. No caso, o
corpo reclama através da
tuberculose, ou qualquer outra
doença. Vejamos o processo neste significativo poema: …Numa
hora/ secreta/ as águas/ dormem// (rios detidos/ fontes
inertes/ introvertido oceano)// numa hora/ impossível/ cessa o/
fluxo/ e eis a/ estrela: amor/ cristalizado (sem título).
A Teia – A teia, não/ mágica/ mas arma, armadilha// a teia,
não/ morta/ mas sensitiva, vivente// a teia, não/ arte/ mas
trabalho, tensa// a teia, não/ virgem/ mas intensamente/
prenhe:// no/ centro/ a aranha espera.
Teia lembra preparação entre a produção, que a poeta espera
do seu rico imaginário inconsciente e a consciência, esta
preparada para recolher as imagens, transformando-as em
símbolos vivos. A teia, portanto, não se apresenta
simplesmente como uma situação unilateral, com
predominância de um ou outro dos pólos (inconsciente x
consciente). Não será apenas o clima mágico do mundo
interior, mas trata-se também de ação da consciência, no
armar armadilhas, justamente para captar as figuras originarias
da parte obscura. Não somente o rico mundo do além, na
metáfora de (fantasmas) não mortos, mas sensitiva, vidente,
isto é, desperta para abocanhar o poema.
E não apenas a virgem imaculada dos mistérios que estão por
vir, mas prenhe para produzir e criar no centro, isto é, na
mediação, onde nasce a intermediação do símbolo, para criar a
figura nova e transcendente: a aranha, aquele si mesmo, que
reúne na Psique todas as forças psíquicas, vindas dos mais
diversos lugares. Unida a um eu (ego equilibrado), espera, para
alimentar-se do símbolo, ou das visitas inconfundíveis de Eros.
Fala – Falo de agrestes/ pássaros de sois/ que não se apagam/
de inamovíveis/ pedras// de sangue/ vivo de estrelas/ que não
cessam.// Falo do que impede/ o sono.
Falo: o membro erótico da libido e do despertar (também flecha
de Eros dirigida a Psique), confunde-se com o pronunciar o
verbo, o poema; esse produzir do falo através da fala. O
pássaro é a comunicação de uma imagem primordial
(arquétipo)…de sois; o sol é símbolo da criação ou do falo
permanente, que se introduz em psique. E a pedra, cristaliza a
imagem de que o coito é uma junção permanente, inamovível;
não se apaga. Mas logo as pedras tomam vida, para que sua
permanência seja igual a um ente vivo, onde corre sangue (a
projeção e a identificação com o próprio corpo, ou analogia
subliminar a ele; pedra que precisa animar-se). O sangue,
consciente, é vivificado dentro do símbolo de Psique, isto é,
dentro do inconsciente, por estar relacionado ao fogo vivo das
estrelas, junto ao habitat da alma. E a energia vital da libido é
acionada pelos pássaros que circulam livremente entre os
pólos.
Lembrando o mito de Eros e Psique: a princesa Psique, após
muito sofrer em busca do deus Eros perdido, e tentar o suicídio,
desanima e é castigada com um profundo e eterno sono, do
qual, somente Eros poderá acordá-la com suas flechadas de
amor. A poeta transforma a flecha em falo e sinaliza que essa
palavra impede o sono, ao falar no poema daquilo que impede
o sono: provavelmente o amor, metaforizado nas coisas
eternas; não se apagam, inamovíveis, coisas eternas.
Consideremos que Orides, em várias ocasiões tentou suicídio e
também se refugiava em boemia e na depressão (dormência?).
Para James Hillman, são formas da psique ir em busca da alma,
ou do fazer alma; caminho sedutor, repleto de dificuldades e
riscos, às vezes trágicos.
Maiêutica: Gerar é escura/ lenta/ forma in/ forme// gerar é/
força/ silenciosa/ firme/ gerar é/ trabalho/ opaco:// só o
nascimento/ grita.
Parece-nos que, para Orides, o silêncio é a chave e a porta de
entrada no seu vasto mundo interior (ou do inconsciente:
imaginário); essa força silenciosa e firme do gerar. Após a
descoberta do nascer, gerar precisa despir-se das formas (in
forme), para ser a força escura, difusa - a noite onde vivem os
mistérios - indo à procura das imagens no trabalho opaco,
noturno. E silenciosamente arranca as figuras, desse seu outro
mundo, da treva, para viver as fantasias de sua autonomia.
Gerar, portanto, trabalha na parte oculta, com o silêncio,
instrumento oposto ao das palavras. Pois, as palavras,
correspondem ao trabalho da consciência na tradução das
figuras em objeto arquétipo da arte poética. Por outro lado,
gritar se dá no lado consciente, isto é, no nascimento;
significando a conversão da imagem do silêncio para o grito. É
como se cada ser, no ato de nascer e ao pronunciar o primeiro
som, tivesse rompido um silêncio de milhares de anos, situação
incorporada ao inconsciente coletivo de todos os seres, em
imagens primordiais. Portanto, a sua primeira fala pressupõe
automaticamente a existência desse silêncio milenar, compondo
sua existência anterior nessa ligação coletiva de memória
arquetípica, ou melhor, a sedimentação das imagens comuns,
desde o início de tudo, neste caso extraídas para a criação
pessoal.
No caso da poeta, o silêncio e a fala, o gerar e o nascer, são
pólos de tensão em pontos opostos, cuja manutenção
equilibrada no símbolo impede também a loucura, quer dizer, a
invasão absoluta de um dos lados, tanto do inconsciente,
anulando a outra parte, como o da inflação excessiva da
consciência de um ego aumentado, que reforçaria a máscara,
anulando a fantasia. No caso, a invasão unilateral do
inconsciente corresponderia, como já vimos antes, ao Eros
enlouquecido, inconseqüente (que assim age enquanto não é
contido por Psique) e que no caso da poesia de Orides acaba
controlado por sua psique do nascimento. Quer dizer, da
mesma forma que seu silêncio é a descoberta do mundo
mágico, seu grito (de nascer) é sua poesia plasmada; seu
símbolo realizado.
João: De barro/ o operário/ e a
casa//…O pássaro/ faz o seu/
trabalho/ e o trabalho faz/ o
pássaro//… O duro/ impuro/
labor: construir-se//…O canto é
anterior/ ao pássaro// a casa é
anterior/ ao barro// o nome é
anterior/ à vida.
O pássaro faz o seu trabalho.
Novamente temos aqui o
pássaro, como mensageiro da alma (confundindo-se com a
própria) que trabalha incansavelmente fazendo a casa, isto é, a
construção do seu próprio ser, seu habitat, seu logos (o si
mesmo, onde também habita o eu da poeta, numa síntese dos
contrários). Mas esse trabalho faz o pássaro na consciência,
que resgata a imaginação para o símbolo e, bem
provavelmente, permite o equilíbrio consciente da poeta,
quando ela enxerga realizada sua obra (incluindo a edição de
seus livros, que ela mesma curte, com especial atração).
É duro construir-se; algo como Psique sofrendo na espera, para
o despertar. Mas o canto, figura primordial no nascimento é
anterior ao pássaro (alma) e anterior ao início da vida no
mundo. Será o canto - aquele primeiro som, símbolo do
feminino, que dá inicio à criação - algo como a figura de um
inconsciente coletivo do nada, essa função arquetípica anterior
à matéria? Ou será ele o espírito coletivo, a acompanhar a vida
do mundo?
Da mesma forma, a casa, o si mesmo individual, que em
termos coletivos corresponderá à mesma imagem primordial, é
anterior ao barro (a consciência), no sentido de a imaginação
do completo estar antes de iniciar-se a realidade. O nome –
origem do arquétipo feminino da existência ou imagem da mãe
geradora (e gestadora) na anima mundi (alma do mundo, ou
anima(a)ção da matéria) – é anterior à vida (consciência do
mundo).
Ditado: I - Mais vale um/ pássaro/ na mão pou/ sado que o vôo
da/ ave além/ do sangue.// II - Mais vale o/ canto/ agreste/ do
que o vívido/ silêncio branco/ além do humano/ sangue//. III Mais vale a/ luz/ aberta/ do que austera/ noite primeva para
além/ do sangue//. IV - Mais vale o/ pássaro/ mais vale o/
sangue.
O pássaro na mão é a alma sob controle da psique e, o vôo
além do sangue, que para a poeta tem menor valor, é a vida
consciente, racional, humana: a responsabilidade que a
sociedade exige dela, o mesmo que “dar o sangue”. E note-se
bem, ao representar isso de menor valor, também por uma
noite primeva, corresponde a uma dúvida e a um medo em
avançar no inconsciente, pois, o mergulho na imaginação
também pode afogar.
Volta-se a refletir, ou a intuir o inconsciente como integridade
fornecedora de imagens (o canto agreste) ação equilibrada pelo
oficio da consciência que recolhe as imagens (a luz aberta).
Porém, antes de partir para o desconhecido, onde pretende
exercitar-se no fazer alma, paira novamente, sobre ela, a
dúvida e o medo (esse necessário instrumento de contato com
a alma). O menor valor dado ao vívido silêncio branco (aquele
que sempre foi corajosa chave da porta de entrada no
inconsciente), por acaso representará o medo e a dúvida em
relação a rupturas com os elementos geradores do aquecimento
da libido? E, nesse caso, não seria perigoso voar sem
reabastecer? Ao ter procedência tal temor, digamos que esse
fato confirma a situação equilibrada da poeta, considerando
tratar-se de reflexão ponderada, que atesta a presença do
cuidado em prevenir-se, quando se trata de planejar ações de
profundidade.
Mas, na quarta e última estrofe do poema, passamos a
observar que, apesar das dúvidas e temores da poeta, ela
acaba valorizando equilibradamente o todo; tanto o pássaro,
como o sangue, pois, para chegar à noite primeva é requisito
atravessar o sangue, o sofrimento, e as provas de amor,
inclusive suportar a flecha de Eros e a dor necessária.
Pesca: I – A beira do rio o silêncio/ dos peixes/ a beira do rio
nem/ a espera.// II – A água não cessa/ e o rio/ nunca passa.//
III – A beira rio/ a lucidez/ a/ pedra// e a pedra é/ pedra: não
germina./ Basta-se.
O rio é a (bela?) paisagem do inconsciente (imaginação ativa)?
Neste caso já transcendido (transformado) em símbolo de água
vitalizada pela corrente das coisas imponderáveis? A psique da
poeta permanece à beira desse rio, numa posição confortável
de visão e reflexão. O silêncio é a abertura para a entrada do
clima perfeito de integração, tão profundo, ao ponto desse
silêncio ser figurado na vivacidade dos peixes. Os peixes são
vivos, silenciosos e integrados absolutamente ao rio da própria
vida interna e ao caminho percorrido pela alma (a água não
cessa); um silêncio necessário para energizar a vida. Não há
espera, porque nessa imaginação vitalizada, em que agora a
poeta seguramente está mergulhada, as figuras borbulham e a
libido não cessa.
Uma imagem dinâmica é desencadeada, na medida em que dois
extremos são criados como pólos em posição de gerar energia:
de um lado “a água não cessa” de outro “o rio nunca passa”. E
dessa relação para produção de imagens, nasce o novo
símbolo, deslumbrante: a lucidez e a pedra. Outra vez a pedra
é o vivo espelho do próprio ser vital, pois ela não germina, é a
filha de si mesma ao desdobra-se em outros eus, sendo cada
um o reflexo da poeta, algo como a psique despertada,
reunindo em si as varias funções do Eros integrado, o si
mesmo: união do mundo interno (e noturno) do imaginário com
a consciência de luz do dia.
Talvez, um mergulho tão profundo e sedutor, que arrebata o
símbolo de Eros, de tal forma, para a extremada vitalidade da
fantasia, tenha sido a causa do eu ter ficado tão desprezado. E
provavelmente, neste caso, a consciência ressente-se da falta
de energia e deixa penetrar a tuberculose pelo corpo
ressequido. Provavelmente tenha faltado à poeta um pouco de
água do rio caudaloso, para dar de beber à consciência. Feito
peixe vivo, seu imaginário deliciou-se na água, onde o corpo
humano tem limites de resistência sem respirar, e Orides
Fontela passou a viver um silêncio cósmico: “…a estrela da
tarde está/ madura (…) depois dela só há/ o silencio (Vésper)
José Carlos A. Brito (Brasil, 1947). Poeta e articulista. Autor de livros como O
Nascimento do Mundo (Prêmio da editora Taba, RJ), Poemas do Amor Quebrado
(Prêmio da Academia Il convívio, Itália, 2003), e O Romance de Meiga e Sátiro
(peça de teatro em versos) Contato: [email protected]. Página ilustrada com
obras do artista Mario Maffioli (Costa Rica).
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Amavisse, de Hilda Hilst: pacto com o
hermético
Claudio Willer
.
Prossigo na recuperação de
textos que alguma vez saíram
impressos, transferindo-os
para o meio digital e
colocando-os à disposição, on
line.
Desta vez, algo entre a
resenha e o ensaio, a
propósito do lançamento, ao
final de 1989, de Amavisse de
Hilda Hilst, na época lançado por Massao Ohno e agora
integrando um dos volumes de Obras reunidas de Hilda Hilst
pela Editora Globo, organizada por Alcir Pécora.
Meu texto saiu no Jornal do Brasil de 17/02/1990, no Caderno
Idéias/ Livros. Já havia escrito sobre Hilda Hilst. Em 1980,
registrei meu entusiasmo com as imagens poéticas de Da Morte
– Odes Mínimas, na revista Isto É. Em 1987, escrevi sobre a
coletânea de textos em prosa Com os meus olhos de cão (então
lançada pela Brasiliense). Logo a seguir, em 1991, voltaria à
carga, a propósito do Cadeno Rosa de Lory Lamby, dessa vez
no Jornal da Tarde, rebatendo as críticas à pornografia nessa
narrativa, sustentando tratar-se de um relato alegórico.
Também já comentei Diário de um sedutor, e dei palestras
sobre sua poesia e sua prosa.
Nesta versão on line, fiz alterações mínimas. A retificar ou
rever, apenas o último parágrafo, no qual bato na tecla da falta
de reconhecimento e reclamo mais estudos sobre Hilda Hilst.
Felizmente, a situação mudou. Hoje, a poeta da Casa do Sol,
falecida há um ano, tem mais leitores, e uma bibliografia crítica
muito mais consistente, embora, evidentemente, ainda haja
muito a ser dito sobre sua obra tão densa, complexa, e
aparentemente paradoxal em sua coerência (ou, antes,
coerente em seus paradoxos).
PACTO COM O HERMÉTICO
Amavisse, de Hilda Hilst, teria que figurar entre os principais
lançamentos de obras poéticas da década de 1980. Obra de
síntese e integração, corresponde a um clímax de sua
produção, que ela agora ameaça encerrar, depois da próxima
publicação de um livro debochado, o Caderno Rosa.
Na obra de Hilda Hilst, poesia e prosa são vertentes distintas,
porém complementares (acrescidas ainda por sua produção
teatral). A poesia freqüentemente é mais concisa e contida,
com um sentido de apuro formal, mais evidente no lírico Júbilo,
memória, noviciado da paixão. É esplêndida nas imagens
poéticas do tipo visual, particularmente em Da Morte - Odes
Mínimas. A prosa, reunida em Com os meus olhos de cão,
publicado pela Brasiliense em 1986, é anárquica, transgressiva,
delirante. Cada livro parece fragmento de um texto infinito (o
que é indicado por um dos títulos, Fluxofloema). Textos de
invenção e ruptura, particularmente o escatológico (nos dois
sentidos da palavra) A obscena Sra. D.
Amavisse representa o melhor do
lirismo de Hilda Hilst ao celebrar o
amor e o desejo em passagens como
esta: “Como se te perdesse, assim
te quero./ Como se não te visse
(favas douradas/ sob um amarelo)
assim te apreendo brusco/
inamovível, e te respiro inteiro/ Um
arco-íris de ar em águas profundas
[…] Como se te perdesses nos trens,
nas estações/ Ou contornando um
círculo de águas/ Removente ave, assim te somo a mim:/ De
redes e de anseios inundada”.
É uma poesia noturna, lunar, herdeira do Romantismo: “De ti
me vem/ A noite tingida de matizes, flutuante/ De mitos e de
águas. Inaudita”. Ao falar da experiência do noturno em seu
lado revelador e abissal, permite paralelos com obras da
envergadura de Água viva, de Clarice Lispector. Por exemplo,
ao enxergar “um oco fulgente num todo escancarado./ E um
negrume de traços nas paredes de cal/ Onde a mulher avesso
se meteu”.
Trechos como esses poderiam ser de prosa poética e estar na
obra em prosa de Hilda Hilst. O mesmo vale para uma
temática, que também é uma obsessão, presente em Amavisse
e em vários dos textos de Com os meus olhos de cão, como
Qadós: o confronto com Deus, mas com um Deus mutante,
animalesco: “Deus, um cavalo de ferro/ Colado á futilidade das
alturas”. Isso é indicado já na abertura do livro: “Porco-poeta
que me sei, na cegueira, no charco/ À espera da Tua Fome,
permita-me a pergunta/ Senhor dos porcos e dos homens:/
Ouviste por acaso ou te foi familiar/ Um verbo que nos baixios
daqui muito se ouve/ O verbo amar?” Essa indagação é um
questionamento: “À carne, aos pêlos, à garganta, à língua? A
tudo isto te assemelhas?/ Mas e o depois da morte, Pai? […]
Hein? À treva te assemelhas?”
O diálogo cresce e se torna mais enfático na terceira parte do
livro, intitulada Via Vazia (as outras duas são Amavisse e Via
espessa): “Que vertigem, Pai./ Pueril e devasso/ No furor da
tua víscera/ Trituras a cada dia/ Meu exíguo espaço”. E mais:
“Descansa./ O Homem já se fez/ O escuro cego raivoso animal/
Que pretendias”. Discurso da ruptura, blasfêmia declarada,
pois: “Não percebes […] / Que há uma luz que nasce da
blasfêmia/ E amortece na pena?”
Sua cosmogonia paradoxal permite estabelecer vínculos entre
Hilda Hilst e outros autores rebeldes, mostrando afinidades que
não estão na superfície, na obra manifesta. A imprecação
contra um Deus opressor é radicalizada, por exemplo, em Para
acabar com o julgamento de Deus, de Artaud. E em estrofes de
Os Cantos de Maldoror, de Lautréamont. Em uma delas, é
invertida uma passagem da Divina Comédia. Deus, ocupando o
lugar do diabo dantesco, devora seres humanos que apodrecem
em um charco.
Susan Sontag, ao escrever sobre Artaud (no prefácio dos
Selected writings de Artaud – esse prefácio foi incorporado à
coletânea Sob o Signo de Saturno, publicada no Brasil pela
L&PM), vincula-o com propriedade a uma corrente mística,
herética e subterrânea, a gnose. Para Sontag, uma das versões
do gnosticismo implica a libertinagem – praticar a arte da
transgressão. A libertação, entendida como recuperação da
unidade anterior à Queda, passa pela ruptura com as leis
morais e sociais. A blasfêmia é um caminho do conhecimento,
identificado ao estado de graça.
Para Colin Wilson, em O Oculto,
cristianismo e gnosticismo “não
deveriam ser considerados
antagônicos, mas manifestações
diferentes do humano desejo de
escapar à banalidade da existência”.
No entanto, a gnose nega o
cristianismo, por achar que o Criador,
ou Demiurgo, é um produto da
Queda, uma divindade decaída. Ainda
citando Colin Wilson: “O mundo não
foi criado pro Deus, mas por um
demônio idiota e presunçoso (ou
Demiurgo)”.
O gnosticismo é explícito em William Blake, ao designar Deus
como “Velho Pai-Ninguém”, Old Nobodaddy. E também no vigor
libertário de O casamento do céu e do inferno. São de origem
gnóstica heresias como as dos cátaros albigenses, militarmente
exterminados no século XIII. Em Lautréamont, os traços
gnósticos devem ser involuntários, produto de suas idéias
literárias. Mas são propositais em Alfred Jarry, que disfarçava
com a prática do humor negro (no texto e na vida) sua
formação filosófica e hermética. E o gnosticismo está em vários
dos “malditos” e satanistas do final do século XIX.
Claramente, o interlocutor de Hilda Hilst, nos trechos citados, é
o Demiurgo. É irrelevante se isso corresponde a alguma adesão
proposital da autora à doutrina gnóstica, que, além de tudo, é
plural, difusa, e se confunde, em suas variantes, com o orfismo,
o dionisismo e o tantrismo. Tanto faz, assim como um escritor
não precisa ser psicanalista ou semiólogo para que se cite
Freud ou Roland Barthes ao discutir sua obra. Em qualquer um
desses casos, a operação é como um jogo de espelhos, o
confronto de dois sistemas, aquele do texto literário, e outro,
que podem, ambos, se iluminar reciprocamente. E o sistema
segundo não precisa ser intencionalmente metalingüístico,
desde que se queira fugir à tirania cientificista do método. Da
mesma forma, o detalhe biográfico de Baudelaire haver ou não
conhecido Éliphas Lévi passa a interessar porque a teoria
hermética das analogias e correspondências ajuda na leitura do
poeta francês.
Há um aspecto do gnosticismo que serve como metáfora da
criação poética. Trata-se do falar línguas, a linguagem dos
rituais gnósticos, abordada em um ensaio de Octavio Paz,
Leitura e Contemplação (publicado no Brasil na coletânea
Convergências – Ensaios sobre arte e literatura, pela Rocco).
Feita de glossolalias, usa um vocabulário próprio, radicalmente
distinto da linguagem prosaica e cotidiana. Algo como o que é
proposto por Hilda Hilst: “Não cantarei cotidianos. Só te cantei
a ti/ Pássaro-Poesia/ E a paisagem-limite: o fosso, o extremo/
A convulsão do Homem”. É a busca da linguagem adâmica,
anterior à Queda.
Como se comentasse William Blake – em “O caminho do
excesso leva ao palácio da sabedoria” de O Casamento do Céu
e do Inferno –, ela proclama: “Dá-me a via do excesso. O
estupor/ Amputado dos gestos, dá-me a eloqüência do nada/
Os ossos cintilando/ Na orvalhada friez do teu deserto”, pois “o
poeta habita/ O campo das estalagens da loucura”. E mais: é
assim que “a distância habita em certos pássaros/ Como o
poeta habita nas ardências”. E aqui é possível outra analogia,
entre a relação de um místico com o misticismo, e de uma
poeta como Hilda Hilst com a poesia: há um compromisso, uma
relação vital, muito mais íntima que, por exemplo, a adesão a
um sistema de idéias, a uma teoria científica. Quando ela
intitula seu livro de Amavisse, é porque amou: as vias indicadas
nos subtítulos – Via Vazia, Amavisse e Via espessa – foram,
efetivamente, percorridas.
Retomando o desregramento dos
sentidos de Rimbaud, Hilda estabelece
um pacto com a loucura: “Estendi-me
ao lado da loucura/ Porque quis ouvir
o vermelho do bronze/ […] Um louco
permitiu que eu juntasse a sua luz/ À
minha dura noite”. Fala do poeta, voz
da loucura: “E o que há de ser da
minha troca de inventos/ Neste
entardecer. E do ouro que sai/ da
garganta dos loucos, o que há de
ser?” Mas o louco faz parte dela,
duplo alquímico ou Doppelgänger
romântico: “Minha sombra à minha
frente desdobrada/ Sombra de sua própria sombra? Sim. Em
sonhos via./ Prateado de guizos/ O louco sussurrava um refrão
erudito:/ – Ipseidade, senhora. – / E enfeixando energia,
cintilando/ Fez de nós dois um único indivíduo”.
Busca da unidade perdida, recuperação da memória primordial,
também em: “Canto canções assim tão compassivas/ Na minha
língua esquecida”. Assim como na Gnose, uma rebelião que,
sendo social, revolta contra o cotidiano, adquire uma dimensão
cósmica. Quer resolver a contradição entre o sujeito e seu
mundo, e se volta contra o Tempo: “Que as barcaças do tempo
me devolvam/ A primitiva urna das palavras”, da palavra
fundante, não-instrumental, pois “o poeta preexiste, entre a luz
e o sem-nome”, habitante de um mundo animado, revitalizado,
onde “De cigarras e pedras, querem nascer palavras”.
Há, em Amavisse, uma declaração de princípios e uma poética,
baseada na adoção da linguagem transgressora para recuperar
outro tempo, realizar simbolicamente o paraíso na Terra. Sua
obra, lida à luz dessa poética, apresenta uma cosmovisão, e
uma visão coerente da situação do poeta no mundo. Ela tem o
pleno direito de citar Georges Bataille, como o faz. Poderia ser
invocada pelo autor de A Literatura e o Mal, que aplicou a idéia
hegeliana de negatividade à análise da literatura e transformou
a noção de transgressão em categoria.
Prevalece, no Brasil, o mau hábito de não se ler direito alguns
de nossos melhores autores. Há um viés em favor do discursivo
e transparente. Fortunas críticas como as de Guimarães Rosa e
Clarice Lispector são exceções. A regra é a procura do
codificado e a fuga do hermético. Um Jorge de Lima constaria
como monumento literário, mundialmente, se fosse melhor lido
aqui. O barroco moderno e o realismo fantástico poderiam ter
outra cronologia e outra atribuição de origens. Quanto à obra
de Hilda Hilst, salvo vozes isoladas, como a do crítico Léo Gilson
Ribeiro, nosso meio literário ainda lhe deve discussões e
estudos à altura de sua real importância.
Claudio Willer (Brasil, 1940). Poeta, ensaísta e tradutor. É um dos editores da
Agulha. Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras do artista
Mario Maffioli (Costa Rica).
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desta edição
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jornal de poesia
revista de cultura # 43
fortaleza, são paulo - janeiro de 2005
Biblioteca Ayacucho: notas para una
primera historia
Oscar Rodríguez Ortiz
.
Biblioteca Ayacucho tiene una fecha
cierta en 1974 pues ese año se creó
oficialmente. Imposible olvidar que
mucho antes comenzaron a tejerse los
elementos que entonces parecían
desunidos pero ahora pueden ser vistos
como entrelazados y significativamente
históricos.
En 1967 Ángel Rama vino por primera vez a Caracas pero
Marcha había publicado ya trabajos venezolanos y hasta un
libro de cuentos de Salvador Garmendia apareció en
Montevideo. En el 67 se celebraba el cuatricentenario de la
capital venezolana, que la ciudad festejó con un terremoto. Se
entregaba por primera vez el Premio Rómulo Gallegos, ganado
por el jovencísimo Vargas Llosa. Se reunía además el XIII
Congreso Internacional de Literatura Iberoamericana y
lógicamente tantas personalidades juntas de una sola vez se
dedicaron a abordar la novedad de la reciente novelística. Lo
que se hizo en la Caracas de esa época en torno a ese tema
produjo, como en otras partes de Latinoamérica, algo tan
impensable como que para oír hablar de novelas se llenaran los
teatros y no cupiera el público en las salas. Así, Rodríguez
Monegal tuvo que improvisar un ciclo de charlas sobre la nueva
novela en la Cinemateca Nacional, que fue transmitido por
Radio Nacional. La clausura del famoso congreso literario se
hizo en un espacio menos académico, como el Ateneo de
Caracas, y allí hablaron cada uno diez minutos: Vargas Llosa,
García Márquez, Fernando Alegría, José María Castellet, Emir
Rodríguez Monegal, Ángel Rama, Arturo Úslar Pietri, Adriano
González León. Nunca se habían visto tantas personalidades
juntas en actitud de ser informales, de tratar lo reciente, lo no
trillado, lo casi desconocido, y de no parecer profesores
estirados. Personalidades que no jugaban a ser personalidades.
Lo mismo ocurriría los cinco años siguientes. Desde luego el
novel peruano retenía la atención, no sólo de las lectoras. Sin
embargo las otras dos verdaderas estrellas protagonistas de la
atención pública eran, asunto extrañísimo, inédito y original en
Venezuela, precisamente lo que menos se esperaría: los dos
críticos, uruguayos ambos, que demostraban gran vivacidad en
sus planteamientos, despertaban una insospechada atención
por lo que decían y se decían mutuamente, el no menos curioso
fenómeno de tener en la cabeza, a la vez, la más reciente
cultura literaria latinoamericana entendida como un conjunto y
un sistema de relaciones. El presidente del Congreso
Iberoamericano era José Ramón Medina.
Las visitas de los críticos púgiles se
repitieron, y ver u oír discutir acerca
de literatura a semejante nivel y con
tanta astucia era, en el mejor
sentido, un espectáculo que ayudó a
popularizar la literatura como hecho
y llevó a pensar en la manera de
inventar otros medios para que
literaturas y libros circularan mejor
entre los países, en que lo nuevo no
existía en el aire y se extendía hasta el pasado: no era tonto ni
asunto escolar, sino cuestión de primer orden, releer y entender
otra vez a los escritores realistas, a los románticos, clásicos,
etc. Rama terminó por radicarse en Caracas y ser aquí tanto un
apetecido profesor como un buscado polemista de foros. Uno de
sus vecinos y amigo del mismo edificio, fue el poeta Alfredo
Chacón, que sería después, presidente de Biblioteca Ayacucho
entre 2001 y 2003.
Todo este torbellino de informaciones, teorías e invenciones,
estaba en ebullición constante en la cabeza de Rama y lo
compartió con José Ramón Medina, veterano de los oficios
impresores, dirigente de los complicados gremios de escritores
y periodistas, poeta reconocido y exitoso funcionario de alto
nivel. En Venezuela hay un dicho popular que reza para
ocasiones como las del encuentro Rama-Medina, que se
juntaron el hambre con las ganas de comer. Se completaban y
diferenciaban en estilos, formas de reaccionar, y hasta estatura
física. Se correspondían en la misma obstinación de conseguir
propósitos, en la convicción de que tenían entre manos algo
muy grande y serio que suponía respaldos morales y
materiales, internos e internacionales. Rama alentaba el
preproyecto urgentísimo de una gran colección de libros
clásicos, con ediciones modernas y analíticas. Nada de esos
libros que se acostumbran como para salir del paso a la hora de
publicar la novela María de Jorge Isaac o los textos de la
emancipación hispanoamericana: había que romper la inercia,
poner a trabajar a todo el mundo, repensar, rehacer, editar los
clásicos como si fueran novedades, justamente en el momento
en que el mercado del libro en lengua española estaba
determinado por el éxito comercial, el rendimiento rápido y por
el último alarido de la moda. Si los intentos anteriores hechos
en Latinoamérica fracasaron o se interrumpieron, Venezuela
parecía un lugar adecuado como para ponerlo en movimiento,
toda vez que el Cono Sur estaba asfixiado por las dictaduras
militares. Indudablemente Rama sabía, porque lo estudió
particularmente como autor egotista, el caso de Blanco
Fombona, quien en los años veinte, desde España, produjo por
su propio esfuerzo la Biblioteca Americana, una de cuyas
colecciones, la de 1924, se llamaba Biblioteca Ayacucho. Al
proyecto sólo le faltaba financiamiento seguro y continuo, nada
menos. Medina trazó la estrategia para motivar a las más
elevadas esferas del gobierno venezolano, y consiguió el
milagro de convencer al Estado, en su maquinaria y en sus
personeros, que no era un despilfarro, locura o expresión
elitesca y antidemocrática publicar libros especiales con lo
mejor de la cultura intelectual latinoamericana.
Medina se desempeñaba en
esa época como fiscal
general de la República.
Recibida la aprobación oficial
y la seguridad de que habría
pronto un presupuesto y que
se pasaría primero por
convocar a los más sabios de
América para escuchar sus
consejos, se le abrió espacio
a Rama en algún lugar de esa dependencia dirigida por Medina.
Un escritorio y un teléfono. Y su máquina de escribir portátil
con la que inmediatamente hizo colapsar el servicio de correos.
Se conservan numerosas cartas en las que, por retazos, aquí y
allá, mezclando lo personal con lo político y lo literario con lo
práctico, cuenta a amigos, relacionados y desconocidos el
proyecto que está tramando y pide colaboración o auxilio. Es
muy divertido leer cómo muchos corresponsales se hacen la
idea de que Rama, por fin, qué envidia, pudo montar una
infraestructura de numerosos investigadores en cubículos
aislados. Esta falsa idea de que somos legión los que
trabajamos en Ayacucho es una de las leyendas más
interesantes e inexactas de la historia de la institución. A
mediados de los años noventa alguien escribió al
“Departamento de cronologías” de la Fundación solicitando en
préstamo o compra los materiales que tuviéramos procesados
del último quinquenio. Es decir: Biblioteca Ayacucho evoca a la
colectividad intelectual latinoamericana, que está presente,
pero a través de sus trabajos, de sus colaboraciones, de su
generosidad. Los equívocos han tenido otras manifestaciones
tragicómicas: un funcionario oficial encargado de inspeccionar
dependencias preguntó no hace mucho dónde estaban las
mesas y sillas de ésta, que se hacía llamar biblioteca. Uno de
esos profesionales de la medición y cuantificación de tareas,
pedía en una planilla que se identificara a los “usuarios” de
Ayacucho. Se le explicó el perfil de sus lectores, pero como no
estaba satisfecho y supo que nuestros libros iban a las grandes
bibliotecas del mundo, propuso que pidiéramos las estadísticas
de lectura de Ayacucho a una de esas instituciones.
Entonces, la vida de Biblioteca Ayacucho
tiene algún parecido con la de los
personajes de las novelas clásicas que
debe publicar porque es su campo y
especialidad. Algunas veces Santos
Luzardo, otras Macunaíma, muchas,
para quienes empujamos la máquina,
Cecilia Valdés. La correspondencia que
se ha ido acumulando en los
expedientes de cada título publicado o
por publicar, acaso comente sin intención los períodos de la
historia reciente de Latinoamérica: los problemas para
documentarse desde aquí, conseguir las primeras ediciones o
sus microfilmes. Seguir muy trabajosamente el rastro de una
viuda que debe autorizar nuestra edición, pero como los
derechos pasaron a los hijos y éstos se dispersaron por el
mundo, las cartas van y vienen sin resultado durante años. Los
excesos de un prologuista que envía un trabajo de quinientas
cuartillas y no entiende por qué no se le puede aceptar. La
magnífica disposición de quien nos fotocopia una edición rara y
paga el correo rápido de su bolsillo. La imposibilidad de
comunicarse con un escritor de estos días y esta hora porque se
niega a tener correo electrónico.
Hay cartas impresionantes. Una enigmática y escalofriante: en
febrero de 1976, Darcy Ribeiro dice a Rama: “Escríbeme,
preciso de ti muy vivo y lúcido hasta octubre de 1983, cuando
moriré”. En junio de 1983, seis meses antes de su muerte,
Rama escribe a un amigo: está alarmado porque teniendo
Ayacucho firmados casi cincuenta contratos de preparación de
obras, los colegas latinoamericanos no cumplen los plazos o se
demoran en hacerlo. Desde mediados de los años noventa
Biblioteca Ayacucho conocería la situación contraria: tiene más
de cincuenta obras en distintas etapas de preparación, pero su
producción anual comienza a experimentar retrasos e
incertidumbres porque su presupuesto anual llega a destiempo
y recortado.
Del golpe recibido con la muerte de Rama, Ayacucho pudo
recuperarse. Siguió existiendo con títulos y autores de la misma
calidad que en su etapa inicial. Borges, Sábato, el propio Rama,
los tomazos antologados por Sosnowski, etc. Al proyecto
original se sumaron dos colecciones de bolsillo,
complementarias de la clásica, dirigidas a públicos más amplios.
Ya desde el principio se hablaba de diversificar los instrumentos
para abarcar de maneras diferentes el único propósito de la
cultura latinoamericana como un todo. Se pudo reunir un
equipo de conocedores de diversas artes para montar una
cronología general que cubre del siglo IX a.C. a 1991. Como en
sus primeros momentos convocó a la comunidad intelectual
latinoamericana, hubo la respuesta esperada, y unas quinientas
firmas sólidas, de todas partes, hicieron posible el monumental
Diccionario Enciclopédico de las Letras de América Latina. Tal
vez cuando Ayacucho termine su labor y cierre su ciclo se
entenderá por fin cómo, por razones demasiado complicadas y
muchas veces inexplicables los libros de distintas épocas y
autores se relacionan y entrecruzan. Esta relación no la
explican solamente la historia o la crítica, es más complicada.
Dentro de cien años, concluida ya la labor de este sello, en las
bibliotecas donde se conserven los grandes libros de la cultura
latinoamericana junto a los monumentos escritos de las
culturas de todo el mundo, se leerá con la debida perspectiva
del tiempo esa trama secreta que enlaza a todos los libros.
Oscar Rodríguez Ortiz (Venezuela, 1944). Crítico e ensaísta. Autor de livros como
Antología fundamental del ensayo venezolano (1983), Intromisión en el paisaje
(1985), e Ensayistas venezolanos del siglo XX (1989). Visite a Biblioteca
Ayacucho (www.bibliotecaayacucho.com/intro.html). Página ilustrada com
obras do artista Mario Maffioli (Costa Rica).
revista de cultura # 43
fortaleza, são paulo - janeiro de 2005
Crônica de consumo: a lâmpada queimada
da poesia
Floriano Martins
.
Um dia de crônica não faz mal
a ninguém, caminhar pelas
ruas a imaginar como seria
perambular por elas se acaso
não estivessem ali, ou seja,
flanar um pouco além da pura
vertigem da imaginação,
arriscando-se a viver uma
outra experiência que não a
sua, espécie de estadia não
estando, sentindo com todo o espírito como seria o mundo se
por ali e naquele momento não se estivesse nele. Claro que isto
parte sempre de uma presunção, considerando pertinente
minha estadia no mundo. Não há outra: o homem já vem de
fábrica com essa débil arrogância. E o termo não é incorreto
uma vez que tudo foi transformado em produto. Em um mundo
habitado por consumidores, não há distinção mais entre
compradores e vendedores, porque todos atuam, ou melhor,
sofrem a atuação do mercado, enfim: o que nos diferencia é um
dado meramente temporal: quando somos compradores e
quando somos vendedores. De tal maneira que nossa
personalidade está medida pela carga horária de atuação em
uma e outra instância. Nem isso: já nos permitimos tal
ambigüidade, ou seja, somos e não somos ao mesmo tempo.
Isto quer dizer que abolimos este conceito primeiro da
individualidade enquanto característica geradora de um
ambiente múltiplo em termos de tendências, percepções,
interpretações etc.
Pronto. Há que ver detalhes, nada mais. Por exemplo, saber se
a amizade pode funcionar como um produto aspiracional. Viver
com mais liberdade significa não crer em mais nada, não
compartilhar opiniões, radicalizar o status de sua condição
solitária no mundo. Apagar todos os rastros de conceitos como
os de confiabilidade e discordância explícita. É isto o que está
por trás da máscara de uma entrevista com David Shah, [1] o
simpático inglês, consultor de tendências que, ao diagnosticar o
fim da moda, nos leva a uma indagação: extinto o hábito,
extingue-se a cultura em toda sua amplitude? Como então ser
teólogo do nada em uma terra de nada? Quais os hábitos de
David Shah? O que veste? Com quem se encontra? Em quem
confia? Nesta entrevista ele faz uma apologia da
“recontextualização”, algo não tão simples como mudar os
móveis de posição em uma sala, mas, ao fim, essencialmente
isto. As metáforas criam suas ambigüidades, e
desgraçadamente anseiam por ambientar-se, e é justamente
quando se mostram o que são: desambientadas.
Os poetas brasileiros parecem discípulos de David Shah. Ah
sim, esta seria uma primeira reação de um poeta brasileiro,
porque eu também sou poeta e brasileiro. Mas a coisa não se
resolve – a favor de ninguém – assim tão facilmente. Até
porque o dilema não se restringe ao comportamento do poeta
brasileiro. Há uma passagem na entrevista do inglês Shah em
que ele assevera: “Hoje em dia, a maioria dos produtos se
parece e tem basicamente a mesma qualidade, sejam
japoneses, coreanos ou britânicos. Para diferenciá-los, é preciso
atribuir a eles uma personalidade.” Esta, que é a ótica do
consumo, em muito se assemelha a uma ótica não declarada do
fazer poético no Brasil. Recorda afirmação que me fez Ademir
Demarchi, em uma mesa no Instituto Goethe, [2] no sentido de
que os poetas brasileiros haviam atingido uma técnica
admirável. Sim, é verdade, dentro dos padrões atuantes, de
circulação, aceitos pela crítica – hoje restrita ao âmbito da
análise acadêmica -, todos escrevem certinho, com boa sintaxe,
pausadamente etc. Careceria então aplicar o método Shah, ou
seja, atribuir-lhes uma personalidade? Não precisamente, pois
do que se trata, antes de tudo, é da aceitação de que essa
poesia tornou-se produto, nada mais. Que é outra sua instância
de atuação. A partir daí evocar as tendências do mercado
livreiro etc. Não importa, aqui, também seguir a trilha da poesia
brasileira em si, tanto quando o comportamento de nossos
intelectuais. Como reagimos diante de crises? Como as
aceitamos? Como passamos por cima delas em um exercício de
alheamento?
Toda vez que o título de uma matéria
na imprensa acusa “Não há mais
moda” isto nos leva a pensar em
correlatos do tipo “Não há mais
orgasmo”, “Não há mais poesia”,
quantos mais. Todo dia a imprensa
tem que dizer que algo não mais
existe, para assim poder reanimá-lo
no dia seguinte. Jornalistas não
entendem mais de ilusionismo do que
poetas, apenas dispõem infinitamente
mais de espaço para o exercício de
sua perversão. Uma afinidade entre
jornalistas e advogados é que o
assunto central nunca se restringe a conceitos como verdade e
justiça e sim à sua decorrência: o ganho de causa. A manchete
é o ganho de causa em se tratando de imprensa. Vivemos um
mundo completamente previsível, onde o telejornal, por
exemplo, confirma ácida ambigüidade entre o que relata e o
ânimo que nos desperta. Em alguns casos é quase como uma
conclama: apesar do mundo que lhe apresentamos, tratem de
ter esperança. Mas tudo isto porque temos que seguir
vendendo. Eis aí onde David Shah está mais implacavelmente
correto: “Você pode ter todas as idéias que quiser – é muito
fácil ser criativo. O difícil é começar a produzir o que imaginou e
colocar na rua para ver se vende.” Ou seja, tudo se resume a
técnicas de venda, uma vez que presumivelmente a
condicionante estética já tenha sido resolvida de forma
conveniente.
A pergunta mais certeira então – porque tudo é uma questão
de alvo – seria: o que estão vendendo os poetas brasileiros? Já
em 1997 suspeitava Jair Ferreira dos Santos que “híbrida e
superficial na sua natureza, a poesia pós-moderna (ou qualquer
outra) caminha, tudo indica, para o irrelevante e o espectral
enquanto criação na cultura e produto no mercado”, e lhe dá
até um nobre papel, ao dizer que “talvez esteja reservado a ela
cumprir o trânsito do cadáver da poesia como instituição para
sua ressurreição como hobby, jogo tribal, adereço nas
subculturas de gosto”, logo lembrando que “nesse novo status,
vai assemelhar-se à filatelia, à numismática”. [3] Nesta mesma
ocasião, um outro observador, Dante Lucchesi, comenta que “a
sociedade pós-moderna, ao se tornar uma nebulosa de todas as
linguagens possíveis, esvazia o poder de significação da
linguagem na medida em que a reifica, instrumentalizando-a,
tornando-a um mero acessório, do qual um artista, um estilista
de moda ou um publicitário pode lançar mão sem qualquer
comprometimento, e com fins absolutamente pragmáticos”. [4]
Ora, mas com que enorme facilidade nos tornamos todos
vítimas de um sistema qualquer! Acrescentemos, portanto, à
nossa lista de afirmações caóticas o cataclísmico “Não há mais
história”. E sempre me pareceu tão fascinante a sugestão de
Barthes de ir de encontro a todas as idéias recebidas… Acaso
não deveria o poeta estar no mundo justamente para tanto?
Duas décadas antes dos brasileiros referidos, já alertava Elias
Canetti que “ninguém será hoje um poeta se não duvidar
seriamente de seu direito de sê-lo”, atento que já se mostrava
à “perversa banalidade” que tomaria posse de nosso estar no
mundo. [5]
O dilema maior ainda estava por vir, considerando hoje que a
reificação evocada por Lucchesi não mais incide apenas sobre a
linguagem e sim sobre o poeta, que não soube a tempo negar a
si mesmo, transgredir-se, desfazer-se do culto do eu com que
acabou imaginando o único sentido de sua existência. Tornouse ele a coisa em si, o “adereço nas subculturas de gosto”, o
freqüentador de festas, eventos etc., onde a poesia nada mais
diz. Se acaso se assemelha tal empresa com o que move a
filatelia ou a numismática, talvez seja apenas pelo aspecto de
colecionista, no caso um colecionador de facetas, de gestos
eloqüentes a compensar a leitura de versos inócuos, por
exemplo. Ou compilador de exercícios de simpatia na
articulação estratégica da nova marca com a qual se ocupa: ele
mesmo. Daí vale retornar ao Mr. Shah quando dispara que
“marcas passam a ser como famílias, dão ao consumidor
estabilidade, uma identidade”, enfim, “substituem a Igreja e a
família real”. Portanto, a coleção do poeta reporta-se à
qualidade acessória de sua mais-valia.
Evidente que já não cabe falar em pósmodernidade, exceto como
“recontextualização”, e então temos
que observar uma vez mais a ótica do
Shah, quando atenta para a
importância de “desfazer as barreiras
entre as disciplinas como moda,
iluminação, roupas esportivas, carros
e começar a pensar tudo isso como
uma coisa só”. Ora, mas foi
exatamente contrária a opção tomada
pelo poeta, que se isolou em um
acortinado qualquer da linguagem
sem ocupar-se de outras estruturas
ou disciplinas. Não sei se aqui cabe a
distinção que Roland Barthes
compreendia entre contrário e inverso
- “o contrário destrói, o inverso
dialoga e nega” -, mas é interessante
acompanhar seu raciocínio: “pareceme que só uma escrita invertida,
apresentando ao mesmo tempo a
linguagem reta e a sua contestação
(digamos, para abreviar: a sua paródia), pode ser
revolucionária”. [6] O fato é que o poeta condenou a lógica de
mercado, por exemplo, mas não a inverteu. Apenas a repeliu,
sem transgredi-la. O que fez com que retornasse
veementemente sacramentada pela desarticulação
argumentativa de seu ideal contestatário. Nem isto, pois não
houve retorno. Deu passo tranqüilo a seu curso irrefreável de
consumismo, com o qual o poeta passou a se identificar.
Mas, onde o poeta aprende a ser gente? Na transmissão de
conhecimentos, técnicas, fascinações, sonhos. Antepor-se ao
pragmatismo tem sua dose de valor, considerando que nele a
satisfação esgota-se em si mesma. Contudo, há algo no poeta e
na linguagem que encarna, que é suscetível de aplicações
práticas. O poeta tem que se dispor a trocar a lâmpada
queimada da linguagem, por exemplo. E para tanto necessita
compreender que ele não é nada se não compartilha mundos, e
se não aplica seus conhecimentos no mundo que habita. Ainda
podemos falar no termo revolucionário? Tudo depende do
poeta. Antes de tudo, ele terá que aprender a contestar a si
mesmo. Se a partir daí conseguirá renovar processos, enigmas,
desejos, bom, já ninguém se arrisca a apregoar nada em tal
território queimado por descaso de seus granjeiros.
Embora o poeta tenha se convertido em peça de consumo, a ele
não se aplica a mesma avaliação geral de Shah, de que “o
gosto pela ostentação está em baixa” e que “estamos voltando
à idéia de inteligência como um luxo”. Por vezes o fulgor de
espírito é apenas um efeito. A ostentação foi deslocada da
linguagem para a figura do poeta, a ponto dos versos terem se
resumido a mera lapidação formal, não cabendo aplicar-lhe
sentido algum. O poeta sim, este faz sentido, brilha pelo luxo
de sua sagacidade, e não propriamente por sua inteligência.
Não está em harmonia com o mundo que o cerca, mas, antes
se exibe como alguém acima de todos os olhares. É professoral,
distante, ao mesmo tempo simpático, com aquele ar patético de
grife estabelecida. O poeta é a glória em si, ainda que a glória
não o reconheça. Alguém por dentro do nada e por fora de si
mesmo. Ah se ao menos fosse alguém por dentro da dúvida! A
poesia perdeu a conta do mito, pura e simplesmente porque o
poeta uma bela manhã despertou preocupado apenas sobre o
que vestir ou não vestir.
Daí que o negócio das tendências
tenha encontrado tanto terreno para
evoluir. Não que não existisse. O
próprio negócio da criação sempre
existiu. De alguma maneira um se
contrapunha ao outro. A presença
contestatória do artista dava
segmento a essa trilha de tensão. Mas
quando o “fator celebridade” entra em
curso, não há dúvida que o negócio de
apólices de seguro se sente
reconfortado. O seio de uma atriz, o
pé de um atleta, e… o poeta faria seguro de quê? Por vezes, é
tão simples um cheque-mate. Já não dispunha do mito, do
conhecimento mágico, da integridade, da mínima noção de
humanismo, sua linguagem havia sido de todo incorporada por
um fantasma, de maneira que a moça, sempre tão simpática,
na recepção de propostas de apólices, lhe disse: o senhor não
vale nada. O poeta já nem tinha a lembrança do último verso
cometido. Num último recurso ante a graciosidade da mocinha,
ainda tentou: não posso segurar o produto aspiracional que eu
sou?
Faltou a paródia. O mito considerado e incorporado, a
discussão, o diálogo. Em circunstância alguma temer o ridículo
em que se incorreu. A idéia de surpresa e excitação defendida
por Shah tem aplicação apenas mercadológica. Ele avança em
uma área desguarnecida pelo poeta. É um homem astuto,
sagaz, que entende mais de poeta – não de poesia – do que
qualquer um de nós. Aposta em nossa constante egoísta, um
comodismo tanto de linguagem quanto existencial, e sua idéia
de “recontextualização” não vai além de um projeto ambientado
na manutenção de seu afazer: “colocar objetos e idéias que
você conhece num outro ambiente, para criar surpresa e
excitação”. Talvez o princípio da criação poética perambule por
aí. Mas ainda estamos tratando de consumo. O que o poeta
teria a dizer a este respeito?
No princípio da conversa eu andava por uma rua qualquer, lá
no primeiro parágrafo, e foi interessante pensar que a
concepção deste artigo nada teve a ver com um filme que dias
atrás fui ver, The Forgotten (2004), de Joseph Ruben, onde
havia uma reflexão aparente, sobre a conexão emocional entre
pais e filhos, mas que por trás da trama algo que me pareceu
mais substancioso se erigia: todo conhecimento se anula em si
se não pode ser compartilhado. Andei caminhando por aquela
mesma rua, imaginando mil formas de estar nela. É o que
tenho feito a cada verso, a cada passo de meu viver. Onde
estão a “Igreja e a família real” que perdemos, no dizer de
Shah? Nem disto sabemos dar conta. Para que diabos estão no
mundo os poetas? Para escrever os versos mais belos esta
noite? Ora, mas já não foram escritos? O poeta quer ainda mais
beleza? Pois que trate de viver. Que trate de arrancar de si a
beleza suprema de existir, contra todas as marcas de luxo e
todo o discurso pueril dos consultores de comportamento.
Tornem-se, portanto, imprevisíveis.
NOTAS
1. “Não há mais moda”, entrevista conduzida por Luciana Stein.
Época # 336, São Paulo, 25/10/2004.
2. Ciclo de palestras e debates: “Além do mercado:
Literatura/As revistas literárias”. Instituto Goethe. São Paulo,
SP. Outubro de 2001.
3. “O corpo despedaçado de Orfeu”. Revista Poesia Sempre #
8. Rio de Janeiro. Junho de 1997.
4. “Poéticas do pós-moderno”. Revista Poesia Sempre # 8. Rio
de Janeiro. Junho de 1997.
5. “O ofício do poeta” (discurso proferido em Munique, em
1976).
6. “Sobre O sistema da moda e a análise estrutural das
narrativas”. Entrevista a Raymond Bellour. Les Lettres
Françaises. Paris. Março de 1967.
Floriano Martins (Brasil, 1957). Poeta, ensaísta e tradutor. É um dos editores da
Agulha. Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras
do artista Mario Maffioli (Costa Rica).
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revista de cultura # 43
fortaleza, são paulo - janeiro de 2005
Espiritualidade e erotismo na poesia de
Leonard Cohen
Alexandre Marino
.
Um garoto de nove anos
caminha por um jardim coberto
de neve, nos fundos de uma
casa na cidade canadense de
Montreal. Agacha-se e cava.
Com gestual sério e solene,
fruto do primeiro encontro com
a morte, enterra uma gravata
de seu pai, onde acabou de
costurar uma mensagem de
despedida. Dessa forma, ele
cumpriu seu ritual particular de sepultamento, depois de
observar no caixão o rosto austero do pai.
Aquela mensagem foi o primeiro texto que o poeta, romancista
e compositor canadense Leonard Cohen escreveu, levado pela
força interior que move os grandes criadores. Cohen completou
70 anos no dia 21 de setembro. Sua dedicação à música e à
literatura rendeu até agora nove livros (sete de poesia, dois
romances) e 11 discos, incluindo Dear heather, seu mais
recente CD, lançado pela Sony Music do Brasil em dezembro.
Um disco belo e estranho, como vários de seus mais
importantes álbuns. Cohen canta poemas do inglês Lord Byron
(1788/1824) em Go no more a-roving, faixa de abertura, e de
Frank Scott em Villanelle for our time, que, unidos à sua própria
poesia, asseguram a unidade e a coerência do álbum. Sua voz,
cada vez mais grave, áspera e paradoxalmente suave, canta ou
apenas declama poemas carregados de lirismo, acompanhada
pelos vocais de Sharon Robinson e Anjani Thomas e sutis
arranjos instrumentais.
Nascido de tradicional família judaica, Cohen escreveu os
primeiros poemas aos 15 anos, dando início a uma busca
pessoal que o levou também à boemia, à música, às drogas e a
insolúveis conflitos em todos os caminhos que tem percorrido,
incluindo o religioso. “Como um pássaro no fio, como um
bêbado numa cantoria noturna, eu vou buscando o meu jeito de
ser livre”, definiu em sua mais emblemática canção, Bird on the
wire.
Foi a leitura do poeta espanhol
Federico Garcia Lorca que o arrebatou
para a poesia e o levou a estudar o
flamenco. Take this waltz, do CD I’m
your man, de 1988, é uma adaptação
do poema Pequena valsa vienense, de
Garcia Lorca. E Lorca é o nome de sua
filha com Suzanne Verdal, musa
inspiradora de um de seus hits,
Suzanne (“Suzanne leva você para
seu canto à beira-rio/ você ouve os
barcos partindo/ e passa a noite ao
seu lado/ sabe que ela está quase
louca/ mas é por isso que quer ficar
ali”).
Em 1956, Cohen publicou seu primeiro livro, Let us compare
mithologies, pelo selo McGill Poetry Series. Passaram-se 10
anos até que decidiu dedicar-se á música, depois de lançar o
polêmico romance Beautiful losers, conhecido e discutido, mas
um fracasso comercial. Já publicara outro romance, The
favourite game, e quatro volumes de poemas, sempre com
vendas “insuficientes para sobreviver como escritor”. A cantora
Judy Collins gravou a primeira canção de Cohen, Suzanne, em
1966, e outras três em seu álbum de 1967, Wildflowers.
Finalmente, em 1968, aos 34 anos, lançou Songs of Leonard
Cohen, que já trazia alguns de seus hits, como Sisters of mercy
e So long Marianne, além de Suzanne. Assim como Songs from
a room, de 1969, esse disco apresentava as principais
características de sua obra musical, feita de melodias suaves,
aparentemente monótonas, quase declamativas, porém dotadas
de uma beleza que dispensa teorizações. “Suas canções cada
vez mais se parecem com orações”, definiu Bob Dylan quando
ouviu o álbum Various positions, de 1984. Veículo de poemas
complexos e elaborados, sua música leva a multidões uma
poesia que seria para poucos.
Seu CD anterior, Ten new songs, de 2001, vendeu mais de um
milhão de cópias e lhe valeu Discos de Platina no Canadá,
Noruega e Polônia, e de Ouro na França, Espanha, Dinamarca,
Irlanda, Suíça, Hungria e Suécia. Ao lançá-lo, estava há nove
anos sem gravar, e acabara de deixar o mosteiro zen budista
de Mounty Baldy, onde durante cinco anos cumpriu com
humildade a rotina de qualquer monge: acordava às 3 horas da
manhã para meditar, estudava, fazia faxina, cozinhava e
trabalhava como secretário de Joshu Sasaki Roshi, 92 anos,
líder do mosteiro e guia espiritual de Cohen.
Dessa mistura entre Zen e Judaísmo
ele retira os elementos necessários
para lidar com a vida espiritual e a
carreira. Os conflitos com a ideologia
burguesa dos judeus de Westmount
o levaram várias vezes a isolar-se
para escrever e estudar, tanto em
quartos de pensão e hotel, quanto
na casa que adquiriu na ilha grega
de Hydra em 1960, quando lá não
havia eletricidade nem telefone, e
mantém até hoje. Ali escreveu algumas de suas obras-primas,
incluindo Bird on the wire, inspirado pelos pássaros que
pousavam nos primeiros fios de luz elétrica.
Suas origens, além do hábito de se vestir bem, não raro de
paletó e gravata, afastaram dele os poetas da geração beat.
Allen Ginsberg, Jack Kerouac, Lawrence Ferlinghetti, William
Burroughs e seu grupo o consideraram “muito classe média
para nós”. Foi em 1956, quando chegou a Nova York, em busca
de ambiente mais cosmopolita e “menos burguês”, para estudar
literatura na Universidade de Columbia. Anos depois, numa
noite de 1977, Cohen gravava as canções de Death of a
ladies’man quando Ginsberg apareceu inesperadamente no
estúdio, ao lado de Bob Dylan. Ambos fizeram “backing vocals”
na faixa Don’t go home with your hard on, um rock satírico cujo
título é uma expressão vulgar.
Dear heather deve seguir a trilha de sucesso de Ten New
Songs. A propósito do novo álbum, só de canções inéditas, o
crítico Jon Wilde escreveu na revista musical inglesa Uncut: “Os
vocais soam sepulcrais como nunca, como se Cohen
pretendesse que esta última fornada de canções sobre anseios
espirituais, paixões eróticas e os limites da intimidade seja sua
palavra final a respeito destes temas.”
“Sepulcral” e “melancólica” são adjetivos que se encaixam com
perfeição à voz de Cohen, tanto para os fãs quanto para seus
detratores. “Minha voz se tornou mais profunda, depois de 50
mil cigarros”, define. Grave, rouca e afinada, sempre
emoldurada por delicados vocais femininos, é o veículo ideal
para canções de tom marcadamente intimista, quase sempre
autobiográficas, que levam a supor que Leonard canta não com
o corpo, mas com a alma, e estabelecem imediata empatia
entre ele e quem o ouve.
Não apenas o ouvinte comum, mas astros como Elton John,
Bono, a banda R.E.M., Sting e Peter Gabriel lhe prestam
reverências. Esses e outros artistas se uniram para gravar suas
canções em dois álbuns antológicos, I’m your fan (1991) e
Tower of song (1995). O site Leonard Cohen Files, mantido na
Finlândia pelo fã e amigo pessoal Jarkko Arjatsalo, listou, até
setembro, 903 regravações de suas canções ao redor do
mundo. São artistas do Canadá, Estados Unidos, dos principais
países europeus e também do Irã, Croácia, Israel, Eslovênia,
Índia, Japão, África do Sul, Tchecoslováquia, Nova Zelândia…
Há um único brasileiro na lista: Renato Russo, que gravou Hey,
that’s no way to say goodbye, lançada em seu álbum póstumo,
O último solo, de 1997.
A matéria-prima de Leonard Cohen é a mesma dos grandes
criadores da literatura — o amor, a paixão, os altos e baixos da
condição humana e as questões cruciais de nosso tempo. Em
Dear heather, ele faz referências, com sutileza, ao 11 de
setembro: “Algumas pessoas dizem/ é isso que merecemos/
pelos pecados contra Deus/ pelos crimes ao redor do mundo/
eu não saberia/ estou apenas segurando a onda/ desde aquele
dia/ que feriram New York” (On that day). E também volta a
falar de paixão e mulheres, agora abordando sua condição de
septuagenário: “Mulheres têm sido/ excepcionalmente gentis/
para minha avançada idade” (Because of). Como os grandes
vinhos, Leonard Cohen usa o tempo a seu favor.
Obras de Leonard Cohen
1. Livros
Let’us compare mithologies (poesia, 1956).
The spice-box of earth (poesia, 1961).
The favourite game (romance, 1963).
Flowers for Hitler (poesia, 1964).
Beautiful losers (romance, 1966).
Parasites of heaven (poesia, 1966).
Selected poems 1956-1968 (poesia, 1968).
The energy of slaves (poesia, 1972).
Death of a lady’s man (poesia, 1978).
Book of mercy (prosa poética, 1984).
Stranger Music – Selected poems and songs (antologia poética,
1993).
2. Discos
Songs of Leonard Cohen (1967).
Songs from a room (1969).
Songs of love and hate (1971).
Live songs (1972).
New skin for the old ceremony (1973).
The best of Leonard Cohen (1975).
Death of a ladie’s man (1977).
Recent songs (1979).
Various positions (1984).
I’m your man (1988).
The future (1992).
Leonard Cohen live in concert (1994).
More best of Leonard Cohen (1997).
Field commander Cohen – Tour of 1979 (2000).
Ten new songs (2001).
The essential Leonard Cohen (2002).
Dear heather (2004)
3. Principais CDs de tributos por outros artistas
I’m your fan (vários, 1991).
Famous blue raincoat (Jennifer Warnes, 1991).
Tower of song (vários, 1995).
Judy Collins sings Leonard Cohen: Democracy (Judy Collins,
2004).
Alexandre Marino (Brasil, 1956). Escritor e jornalista, autor de O delírio dos
búzios (1999). Artigo originalmente publicado no suplemento Pensar, do Correio
Braziliense (Brasília, 15/01/2005). Contato:
[email protected]. Página ilustrada com obras do artista
Mario Maffioli (Costa Rica).
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revista de cultura # 43
fortaleza, são paulo - janeiro de 2005
Estranhas experiências: Claudio Willer e a
Geração Beat
Lucila Nogueira
.
Ainda diante da publicação recente,
pela Editora Lamparina, do livro
Estranhas Experiências, de Claudio
Willer, importa salientar que nos anos
sessenta em São Paulo, os poetas do
grupo chamado “novíssimos” não se
limitaram apenas a fundar, no Brasil,
um núcleo surrealista. Voltados ao
cosmopolitismo, atuavam e sentiam e
escreviam em sintonia com a
inquietação da juventude de sua
época; reuniam-se regularmente nos
anos 63/64 Roberto Piva, Sérgio Lima,
Claudio Willer e sua rejeição à
burguesia e ao academicismo pontuaria uma disposição
anárquica que retomava a primeira pessoa na enunciação lírica
desafiando os formalismos e construtivismos, aproximando-se
do existencialismo, da contracultura, da geração beat. Esse
grupo de poetas, assim como liam os livros de Artaud à medida
que eram publicados na França, também liam os poemas de
Allen Ginsberg em primeira mão, assim que eram lançados nos
Estados Unidos, num verdadeiro exercício da cidadania sem
fronteiras. De modo que é uma injustificável omissão
acadêmica, no Brasil, a inexistência de estudos sobre as
relações entre o surrealismo, geração beat e contracultura na
literatura dos anos sessenta em diante no nosso país.
Os “novíssimos” voltavam-se para uma poesia que valorizava
as imagens, a musicalidade, a leitura em voz alta dos poemas
em recitais onde os poetas consagravam sua dimensão pública.
Trabalhavam a fusão do gênero lírico à prosa de ficção, herança
do Rimbaud de “Iluminações” e “Uma temporada no inferno”,
processo anteriormente denominado “poesia em prosa” por
Baudelaire, referindo-se às sua crônicas e narrativas curtas,
assim como na face transversal Lautréamont viria a chamar de
”Poesias” às suas reflexões dialogais com diversos autores.
Estavam estes autores paulistas no outro lado das propostas
cerebralistas e figurativas teorizadas, por exemplo, em nosso
país, pelos ditos concretistas, os quais, na visão de um antigo
crítico, “para salvar a poesia, acharam necessário destruí-la”. A
tendência a uma enunciação de teor lírico, marcada pela
experiência vital, foi confundida com facilidade e descuido pelos
que se obstinavam no excesso de rigor formal e na celebração
obrigatória do novo; “ostinato rigore x make it new” - essa
fórmula, satisfatoriamente realizada por um poeta, por
exemplo, como João Cabral, não iria resultar bem acabada
quando expressa por alguns outros, nos quais instalou-se um
vazio expressional e de idéias, epígonos cabralinos a repetir os
cacoetes em que conseguiram transformar a lírica Valeryana do
pernambucano, marcada de certa forma pela contenção e razão
cartesianas. Essa criação literária contida e raciocinada com
certeza se opunha à escrita automática delirante e espontânea
do poema surrealista. A linha Baudelaire/Lautréamont/Rimbaud
primava pelo irracionalismo articulando revolução social e
rebelião individual, desejando não só transformar a sociedade
como também mudar a vida, situações que ao invés de
antagônicas, resultam de fato, como efetivamente o foram,
complementares e dialogais.
Por outro lado, importa lembrar Lautréamont/Rimbaud sob o
signo da aventura literária, a provocarem assombro e escândalo
pela exemplaridade artística da transgressão, esta
notoriamente contrária à literatura de gabinete acadêmica e
conservadora, dissociada da vida em sua força oceânica e
imprevisível. A geração beat americana, como lembra o poeta
Claudio Willer foi, em primeira instância, literária:
“Ginsberg, Kerouak, Burroughs, Corso, foram leitores vorazes;
por isso tornaram-se escritores e outsiders. Chocaram-se com o
academicismo formalista dominante no ambiente universitário,
de extração eliotiana. Em matéria do ensino e crítica assépticos,
sob orientação cientificista, submetido às regras do bom
comportamento literário, pode ser que tenhamos retroagido, e
a crítica beat ao formalismo e ao bom-mocismo literários seja,
hoje, mais atual ainda”. [1]
O legado beat e da contracultura no mundo de hoje é reiterado
pelo mesmo autor em outra entrevista:
“Quanto ao legado beat e contracultura, ele existe e é decisivo.
Comparando-a com a década de 50, vivemos hoje em uma
sociedade mais aberta, menos repressiva, com maior liberdade
no plano da conduta individual, da sexualidade, maior respeito
pela diferença e interesse pela diversidade e multiculturalismo.
A beat e contracultura foram determinantes dessa abertura da
sociedade burguesa”. [2]
É assim que deve ser feito
pouca gente é capaz de fazer tudo isso que fizemos
nos encontrar e ficarmos juntos
nesta hora mais inexplicável
clarões de incêndios distantes
refletindo-se em nossas peles
nossos gritos de prazer chicoteando as esferas da noite
nossos gritos de prazer explodindo pela madrugada afora
nossos uivos de prazer ecoando pelas ruas
desta cidade agora adormecida
e esta confusão de pedaços de corpos
todos gritando o mesmo nome selvagem espalhados sobre a
colcha
nossos corpos druídicos formando círculos mágicos sinalizando
o reinício dos tempos
nossos corpos que se precipitam como os regatos que escorrem
pela encosta da
montanha buscando seu rápido destino final
nossos corpos de vísceras entrelaçadas redescobrindo a
pulsação das galáxias
nossos corpos no turbilhão do galope de potros bravos à beiramar
nossos corpos com seus relâmpagos rompendo o calor denso da
noite na selva
tropical
nossos corpos sobre os quais viajamos como navegantes em
busca da Terra
Prometida
nossos corpos recobertos de inscrições que passamos dias e
noites tentando decifrar
[Claudio Willer, in Jardins da Provocação]
A busca apaixonada do prazer passa a caracterizar uma
juventude voltada às mais variadas formas de hedonismo o que
vem detonar uma revolução sexual ao som de muito rock em
cenário de velocidade psicodélica. A liberdade de expressão da
beat generation vai permitir a expressão de tendências à
margem e sua criatividade será essencialmente literária embora
atue como fonte da contracultura e do movimento hippie.
Atraída pelo prazer das imagens radicalizadas e também do
sexo, essa juventude reclama a abolição do dinheiro, critica a
sociedade de consumo e parte para a aventura dos caminhos
geográficos e interiores imbuídos de um orientalismo favorável
à expansão da consciência. Preferem ao princípio da realidade o
princípio do prazer e diante da civilização opressiva, combatem
o imperialismo, a pobreza, as desigualdades raciais e sociais,
desenvolvendo uma nova sensibilidade política.
Esse culto ao erotismo e direito ao prazer, o amor pela vida e o
lugar privilegiado do corpo desencadearam uma libertação
coletiva nos anos sessenta constituindo-se essa revolução
sexual num fenômeno de massa em uma época onde não havia
aids, conseqüentemente o livre exercício da sexualidade não
oferecia risco. Além disso, a nudez perde os bloqueios que a
cercavam, pois libertos de suas inibições, os jovens começam a
gostar de mostrar seus corpos e de ver os dos outros, tudo
levando a uma visão de mundo que reforçava a importância do
prazer.
E então, o corpo oprimido desde a culpabilidade do “pecado
original”, vai resgatar sua inocência primitiva, dissolvendo o
maniqueísmo da antiga ordem fundada sob a dicotomia corpo x
espírito. Reivindica-se uma liberdade individual total e as
mulheres vão ser favorecidas pela difusão das pílulas
anticoncepcionais, podendo assim dispor do uso de seu corpo,
dissociando o ato sexual propriamente dito do aspecto familiar
e social da procriação. Dá-se uma apologia do erotismo e a
condição da mulher se reveste de novos caracteres destacados
pelo surgimento do movimento feminista, com repercussão nas
áreas econômica, política, universitária. Essa revolução sexual
que acompanha a contracultura, constitui um dos elementos
que ainda tem grande impacto na sociedade contemporânea,
demarcando mudanças no âmbito da moral tradicional e
dominando uma crise de valores em que se resgata o
hedonismo em uma perspectiva pagã e pré-cristã, na qual a
satisfação sexual é obtida acompanhada de um sentimento de
participação em um culto que transcende o indivíduo e o prazer
por uma mediação, ingressa de modo sagrado na esfera da vida
cósmica. O alargamento do corpo individual torna o homem
senhor de si e do universo, habilitando-o à consolidação do
corpo social; no excesso e na dissolução, o corpo inteiro se
restaura enquanto tal - trata-se de uma nova relação que se
torna objeto de função, atestando o retorno ao dionisíaco
através da prática cotidiana.
Retoma-se a magia do sexual e o fantástico do erótico em um
contexto social já bem distante daquele século XIX
envergonhado pela condenação de Baudelaire pelas “Flores do
Mal” que conduziam à excitação dos sentidos de um modo
ofensivo ao pudor; na verdade, o que fez Baudelaire foi
associar o erotismo à melancolia e à inquietação metafísica; de
qualquer forma, já naquele século surgiu a tradução inglesa do
sânscrito do Kama Sutra (1883) além do Ananga-Ranga, dois
anos depois - isso vai influir na emersão do erotismo inglês
(Swinburne, Sellon Potter) até o surgimento do americano: por
causa do decreto de 1842, proibindo a chegada das obras
eróticas vindas da Inglaterra, os americanos passaram então a
produzir as suas; entre eles George Thompson. Na França,
surge o naturalismo de Zola e Maupassant; a seguir, o
movimento anarquista vem reivindicar o amor livre. Nos
Estados Unidos num futuro não muito distante, vão surgir
Henry Miller e Anaïs Nin, esta última autora também de um
ensaio sobre D. H. Lawrence cujas obras representam a
glorificação do corpo, o caráter sagrado da carne, havendo, no
entanto, sido proibida a venda na Inglaterra e nos Estados
Unidos quando da publicação (1928) o volume O Amante de
Lady Chatterley; apesar de doente D. H. Lawrence o defendeu
bravamente:
“Eles (os censores) tem a doença cinzenta do ódio ao sexo…
eles consideram o sexo um segredinho sujo que deve ser
cultivado às escondidas”. [3]
[…]
“Quero que homens e mulheres sejam capazes de pensar as
coisas sexuais plenamente e completamente, honestamente e
claramente.” [4]
De modo que os poetas das vanguardas que iniciaram o século
XX fortaleceram o erotismo em sua dimensão universal; dizia
Apollinaire que não se conhecia maior coragem em um escritor
do que exprimir com liberdade o domínio dos costumes; Robert
Desnos definiu o erotismo como um retiro espiritual, uma
ciência individual contendo questões secundárias que cada um
resolve a seu modo, e questões eternas que somente a poesia
determina. [5]
Considerando o amor “puro e licencioso no absoluto”, Desnos e
seus companheiros surrealistas vão preferir o erótico-velado, a
nudez jogo de claro-escuro, coisas sugeridas em coisas caladas são eles André Breton, Paul Éluard e René Char; outros
surrealistas cultivaram a expressão direta dos fatos sexuais em
publicações clandestinas, como Aragon (1928); um filósofo
como Georges Bataille consagra um ensaio ao erotismo (1957)
e Benjamin Péret produz o primeiro romance erótico em escrita
automática, redigido em 1928 e publicado em 1934. Henry
Miller começa Trópico de Câncer aos quarenta anos (1934);
suas confissões eróticas de língua inglesa narram sua própria
sexualidade e a odisséia amorosa do homem sozinho nas
grandes cidades tipo Paris e Nova Yorque: Lawrence Durrel
considera esse livro o manual de sua geração; a seguir, surgem
Trópico de Capricórnio, Sexus, Nexus e Plexus, tornando-se o
iniciador dos americanos que quiseram, depois dele, tratar a
fundo a sexualidade. Sua marca é nítida em Norman Mailer,
John Updike e Kirby Doyle; há quem diga haver influenciado
mais a geração beat do que o poeta caminhante Walt Whitman
(1819-1892).
nossos corpos participantes de estranhas reuniões em clareiras
sob a lua cheia
nossos corpos estabelecendo alianças e pactos secretos na
calada da noite,
sussurrando sob as cobertas formulando planos para explodir
obeliscos e
estátuas eqüestres, falsificar identidades
nossos corpos rabiscando muros com inscrições anunciando a
próxima
temporada de orgias
pronunciando as palavras sagradas, o agora, mais, põe, vem,
mais,
com certeza messiânica de um orador agitando as massas
nossos corpos preparando um gigantesco patuá de uma magia
negra das mais
pesadas para desviar o rumo da história e acabar de vez com a
barbárie
capitalista
nossos corpos anarquistas defendendo a formação de
sociedades igualitárias
regidas unicamente pelo princípio do prazer”.
[Claudio Willer, in Jardins da Provocação]
Observe-se que, assim como Henry Miller, Claudio Willer nos
passa a impressão de escrever sobre si próprio. Ele procede
esteticamente de modo próximo ao escritor norte-americano o
qual nos enumera diante dos olhos personagens
espantosamente reais, desde a sua mocidade no Brooklyn até
Nova York e os tempos de Paris, restaurando dessa forma a
importância literária de uma vida múltipla e da narrativa da
experiência, muito especialmente as cenas de amor descritas
com um lirismo salmódico permeado de palavras cruas a formar
uma tensão erótica que prenuncia o universo underground da
beat generation, inclusive pela velocidade tanto das imagens
como das sensações e acontecimentos.
Assim também como Walt Whitman, Willer fala em versos
longos e sem medida fixa, na tradição do autor de “Canto a
mim mesmo” que afirma um discurso poético marcado de
oralidade, sendo considerado por seu caráter andarilho o
primeiro beatnik (“Eu canto a mim mesmo” / ”Eu canto o
corpo”/”a vida plena de paixão”). Leia-se Willer:
nossos corpos entregues a um êxtase canibal
nossos corpos percorrendo os labirintos do prazer e suas
alamedas ladeadas por
tufos de azaléia elétrica
nossos corpos de bruma, mapa de penugens, texto sânscrito
nossos corpos pisoteando o braseiro da memória dançando
animados por um
batuque que sai do centro da terra
nossos corpos mergulhando na água transparente de um lago
gelado no desvão
de uma gruta calcária
nossos corpos embarcando em uma nave especial feita de palha
trançada
nossos corpos investidos de seus plenos poderes, salvocondutos para qualquer
viagem, licença para voar, passaporte para o delírio”
[Claudio Willer, in Jardins da Provocação]
Viagem, licença para voar, passaporte
para o delírio: plataforma da geração
beat. Foi em 1943 que William
Burroughs (1914) conheceu Jack
Kerouac e Allen Ginsberg. Publicou em
1953 Junkie e fez uso do yage em
busca de poderes telepáticos, mas
que também lhe proporcionou efeitos
afrodisíacos. E então, tornando seu
corpo um campo de experiências,
escreveu The naked lunch, a partir
das sensações alucinatórias
provocadas pelo uso de estimulantes. Kerouac (1922) surge
como escritor em canais com a filosofia existencialista, assim
como J. D. Salinger (1919) em “Apanhador em Campo de
Centeio” escreve combatendo estruturas tradicionais fundadas
no racionalismo e no materialismo, além de defender a busca
da identidade pessoal, da verdade de cada um, mas em uma
perspectiva pacifista. Se a existência precede a essência, então,
primo vivere, postea philosophare; o movimento existencialista
vai surgir durante a I Guerra Mundial como um “revival” das
idéias do dinamarquês Sören Kierkgaard (1813-1855); há uma
carga poética e psicológica que se comunica com o vitalismo de
Nietzsche (1844-1900), com Bergson (1859-1941) destacandose o lirismo de figuras como Sartre e Jean Genet.
Segundo Kierkgaard o intelecto não é suficiente para dar ao
homem o conhecimento de si mesmo e sua existência como um
corpo vivo - esse ponto de vista está refletido na obra da beat
generation, especialmente na de Kerouac e Salinger - sem
esquecer a prosa inglesa dos Angry Young Men (1951), como
John Osborne (1930) e Colin Wilson (1913), este último autor
de “O Inconformista” (“The Outsider”, 1956) e o primeiro
expressando em “Recordando com Ira” seu agnosticismo, seu
anti-monarquismo e sua aversão às várias formas do
establishment britânico. Ao tempo em que os ingleses de 50 se
insurgem contra o sistema de seu país, os norte-americanos
dessa mesma época protestam contra o american way of life,
postura que já tinha nos EUA uma ascendência ilustre: o
mencionado Walt Whitman e Henry David Thoreau (18171862), autor de “Walden, ou a Vida nos Bosques”, bíblia
naturalista precursora do movimento ecológico, a alertar o
homem para o perigo da preocupação excessiva com o
dinheiro, o conforto material e que vem ensiná-lo a redescobrir
a terra e a natureza, as árvores, os rios, as estrelas, assim
como princípios da sabedoria oriental; Thoreau escreveu
também “A Desobediência Civil” (“quando o funcionário desiste
de aplicar a lei está consumada a revolução”) ensaio sempre
relacionado à resistência passiva de Gandhi, qual se fora seu
evangelho político.
Também Herman Melville e Henry James vão se caracterizar
como moldes a seguir: Henry foi o primeiro a caminhar até a
Europa, servindo de exemplo 50 anos mais tarde a Hemingway,
John dos Passos, Scott Fitzgerald, Gertrude Stein, Ezra Pound,
E. E. Cummings e outros a que se deu o nome de “geração
perdida”. Autores como Guillermo de Torre [6] consideram essa
“geração perdida” como antecessora da geração beat
americana de Kerouac, Ginsberg, Corso, Ferlinguetti. E entre
uma e outra, é que encontramos uma terceira, integrada por
nomes como Norman Mailler, Saul Bellow, J. D. Salinger - cita
Guillermo ainda uma geração posterior, a de 1960, com
Bernard Malamud, John Updike, Katherine Anne Porter.
Os autores da beat generation não vão abandonar já o seu
país: vagabundeiam livremente de um extremo a outro da
América e sua emigração se faz no tempo - e não no espaço mergulhando no budismo zen; entretanto, mantém a tendência
de andarem em grupos: descendem verdadeiramente do
confessionalismo de um Henry Miller, pretendem atingir os
delírios de um Antonin Artaud, praticando quase o amoralismo
de um Genet na submersão no labirinto que caracteriza um
Samuel Beckett. [7]
A relação entre the angry young men e a beat generation foi
analisada por Gene Feldman e Max Gartenberg. Os beat
arremeteram no misticismo zen e na sensualidade; a diferença
talvez residisse em que os ingleses procuram uma conexão com
a sociedade enquanto que os norte-americanos tenderiam a um
libertarismo anárquico que recusa a ordem estabelecida sem a
elaboração racionalista de um programa, por se considerarem
fora do que chamam “mentira social” (além de out siders,
também out laws).
agora
podemos falar
revelar nossas identidades
e contar tudo que aconteceu
falar de nossas memórias e aventuras
de 1968 para cá
desta nossa condição
de sobreviventes e de cúmplices
algo explode a Leste do tempo
estamos invadindo o coração da História
estamos vestindo as horas de outra cor
enquanto nos abraçamos e nos beijamos
no centro desta cratera
de um vulcão extinto faz 40 milhões de anos
Setor Comercial Sul
madrugada deserta
porte azulado
prédios flutuam sobre o cerrado elétrico
outra
paisagem que vibra
sóis latejam sob o cimento
esta cidade é uma
loucura
tesão
sei que nos reencontraremos
voltaremos a nos ver
neste pedaço de hemisfério
neste chão
feito para nos possuirmos
neste país
dos nossos corpos
[Claudio Willer, in Jardins da Provocação]
Uma relação direta da poesia de Claudio Willer com a beat
generation se complementa historiograficamente quando da sua
tradução de o “Uivo”, de Allen Ginsberg, cujo autor representa
ao lado de Burroughs e Kerouac a pirâmide referenciada
quando se estuda esse movimento. Há quem considere o
poema como o maior protesto da geração beat; assim como
Baudelaire traduziu Edgar Allan Poe ao público francês, Claudio
Willer entregou a poesia de Allen Ginsberg ao leitor brasileiro;
isso em 1984, um ano após nos oferecer, pela mesma editora
L&PM, os “Escritos de Antonin Artaud”. O poeta americano
escrevera esses versos durante a estada de seu amigo Carl
Salomon em um hospital psiquiátrico; o “Uivo” critica o modelo
de vida nos EUA e o fracasso de uma geração inteira que
desejou mudar alguma coisa. Em 1967, Claudio já traduzia
Ginsberg para leitura pública, vindo apenas a publicá-lo em
1984. É claro que o ato de traduzir, não se tratando de
encomenda ou obrigação editorial, já traz em si algo de
afinidade, de magnetismo, ímpeto de tirar o véu das
significações. Significa que o autor original está sendo
estudado; sua poética, sendo desvendada; sua crítica, sendo
lida e analisada. Não foi diferente a já mencionada tradução de
Poe por Baudelaire, que iria fundar radicalmente na Europa o
início da Modernidade. Traduzindo o poema de Ginsberg para o
leitor brasileiro, Claudio Willer fez com que pudéssemos
participar ao menos intelectualmente da abertura de
consciência proporcionada pela beat generation e incorporar o
percurso ético e estético das suas conquistas.
Esse trajeto de Willer como tradutor já havia sido iniciado
quando difundiu em 1970, pela Editora Vertente de São Paulo
os “Cantos de Maldoror”, de Isidore Ducasse, o Conde de
Lautréamont (1846-1870); no prefácio, o poeta brasileiro
assinala o centenário da morte do poeta uruguaio, mas nega à
difusão do seu texto em português o caráter laudatório
habitualmente feito por outros tradutores, nessas
circunstâncias, para efeito de um “verniz da respeitabilidade
acadêmica“ ou mesmo “redução a peça obrigatória de museu”.
Willer conecta Lautréamont ao romantismo e a Rimbaud,
Baudelaire, Poe e Nerval, mas destacando ser o escritor
uruguaio o mais radical e também a sua modernidade, inclusive
pelo tom confessional e coloquial, além de uma espécie de
consciência premonitória: “somente mais tarde, quando certos
romances tiverem aparecido, compreendereis melhor o prefácio
do renegado de aparência fuliginosa”. (sexto canto, primeira
estrofe) - daí ressaltar Willer que essas palavras se dirigem a
qualquer leitor de cem anos depois, já ultrapassada a
desmitificação da retórica tradicional e havendo sido
complementada o “transformar a sociedade” (Marx) com o
“modificar a vida” (Rimbaud).
De modo que a leitura da edição brasileira de Lautréamont
marcou novo rumo na sensibilidade de um grupo bastante
representativo da nossa poesia contemporânea. Já na orelha do
volume ilustrado por Maninha, Livio Xavier creditava ao
uruguaio, junto com Baudelaire e Rimbaud, a inovação da
poesia moderna; na contracapa, citação de André Gide (“ele é,
como Rimbaud, o padrão para aqueles que surgirão na
literatura de amanhã”) e Antonin Artaud (“tiveram que calar
Baudelaire, Edgar Poe, Gérard de Nerval e o inconciliável Conde
de Lautréamont. Pois tinham medo de que a poesia deles fosse
capaz de saltar fora dos livros e deixar a realidade em completa
desordem”).
Observe-se que, um século após a sua partida deste mundo,
Lautréamont é traduzido no Brasil pelo mesmo poeta que
traduzira o beat Allen Ginsberg ; este último a ele sempre se
dirigia como dear translator friend . Em 1986, com ilustração de
Carlos Clémen, sai pela editora Max Limonad (São Paulo) uma
outra edição dos “Cantos de Maldoror” (dois anos após a
tradução do “Uivo” publicada no Brasil). Nela, Willer republica o
prefácio da edição anterior acrescido de dezesseis notas;
observa-se existirem modificações no próprio texto da
tradução. Já em 1997, pela Editora Iluminuras, Willer
novamente publica os “Cantos”, acrescidos de Poesias I e II,
Cartas e um depoimento de Paul Lespés (que conheceu
Lautréamont pessoalmente) mencionando as edições originais
utilizadas. O antigo prefácio é desdobrado em estudo mais
detalhado com 86 notas explicativas, numa abordagem
intercultural e ideológica mais definida, inclusive no que
concerne às questões ligadas a estudos sobre o gênero
(homoerotismo) intertextualidade, bilingüismo e busca
metafísica de identidade; as anteriores 16 notas dos Cantos
passam, na terceira, a 59, o que demonstra naturalmente
evolução a um conhecimento muito especial, pelo tradutor,
quanto ao texto literário traduzido.
“Éramos uma câmara de ecos de poesia, e prosa, e filosofia.
Dois ângulos ou duas perspectivas para apreender o que vem a
ser liberdade de expressão e criação: as leituras sincrônicas,
quase simultâneas, de Os Cantos de Maldoror de Lautréamont e
de Uivo e Kaddish de Ginsberg. Se havia quem escrevesse
daquele modo, então tudo era permitido.”
[…]
“Houve uma intervenção afortunada do acaso objetivo, ao ser
convidado para selecionar, traduzir e prefaciar autores
especialmente significativos para mim: Lautréamont. Ginsberg,
Artaud.” [8]
Lendo e traduzindo autores que marcaram a literatura como
emblema de rebeldia, não poderia ser muito diferente, entre
nós, a poesia e o perfil intelectual de Claudio Willer.
Lautréamont, Ginsberg, Artaud: no prefácio à tradução dos
Escritos deste último (L&PM, Porto Alegre, 1983 - Escritos de
Antonin Artaud, Coleção Rebeldes e Malditos) Willer procura dar
uma visão ampla do singular intelectual francês, divulgando
cartas, manifestos, textos sobre teatro, poemas e ensaios do
marselhês descendente de gregos que, nascido a 1896, desde
criança teve problemas neurológicos, meningite, convulsões,
primeiro internamento aos 19 anos, começando a tomar
láudano aos 24, para aliviar suas dores de cabeça. Em Paris,
em 1920, Artaud é introduzido na vida cultural francesa por um
tio produtor teatral e por seu próprio psiquiatra M. Toulouse,
trabalhando de início como ator - foi o Tirésias na “Antígona” de
Cocteau e atuou no cinema sob a direção de Abel Gance e Fritz
Lang. Sua obra completa como escritor são 16 volumes pela
Gallimard e apesar de sua expressão preferida serem as cartas,
considerava-se, em primeira instância, um poeta. Participou do
surrealismo de 1924 a 1926 e rompeu com o movimento, junto
com Resnos, Soupault, Vitrac e outros por ocasião da adesão ao
marxismo; dedica-se ao teatro Alfred Jarry e traduz “The Monk”
de Lewis (1931) obra de horror gótico dita por Breton como
precursora do surrealismo.
Claudio Willer destaca que então Artaud decide trocar o texto
pela vida e vivenciar pessoalmente a realidade mítica que tanto
o fascinava e que era tematizada na sua obra: vai ao México
estudar o ritual do peyote entre os índios Tarahumaras; escreve
posteriormente sobre essa experiência e publica sob o
pseudônimo “O Iluminado”, “Les Nouvelles Revélations de
L’Être” inspirado no Tarot e na Cabala. Convidado a uma
conferência na Bélgica, a uma certa altura Artaud abandona o
texto e passa a encarnar o assunto de que trata, em vez de
discorrer sobre ele. Viaja em 1937 à Irlanda com sua “bengala
mágica” e torna à França preso em uma camisa-de-força. Passa
9 anos em hospícios vários até chegar a Rodez, por atuação de
Robert Desnos, onde é melhor tratado apesar da aplicação de
eletrochoques. Breton, Picasso, Camus, Sartre e outros fazem
uma mobilização para retirá-lo de Rodez e garantir a sua
subsistência: ele passa a residir na clínica de Ivry como
paciente voluntário e não mais como internado compulsório,
vindo a morrer no mesmo quarto onde morrera Gérard de
Nerval, sobre quem escreveu belo estudo, assim como sobre
Van Gogh.
Willer lembra que, enquanto viveu, os textos de Artaud foram
publicados em pequenas tiragens e lidos apenas por uma
minoria de intelectuais esclarecidos. Sobre sua morte, as
possibilidades de câncer no reto, overdose de heroína e
morfina, ou suicídio. Depois dela, no entanto, as propostas de
Artaud sobre teatro são práticas correntes, sobretudo o
primado do gestual e da expressão corporal, bem como das
formas de comunicação não verbal e ruptura entre palco e
platéia. Willer ressalta que manifestações tipicamente de
vanguarda como o happenning, a performance e a body art
(quando o artista se põe no lugar da obra encarnando-a) têm
em Artaud seu interlocutor: salienta, ainda, o poeta paulista
que, para Michel Foucault, autor de “História da Loucura”,
Artaud virou pelo avesso as relações entre criação e loucura,
porque a partir dele não são as várias obras dos loucos e
malditos que precisam se justificar diante da psicologia, mas
esta que passa a ter que se explicar diante daquelas. Além
disso existe um pensamento sobre a linguagem e sua relação
com o corpo e a consciência, a partir da obra de Artaud, que se
constitui referência fundamental para os estudos mais
avançados no campo na linguística, da semiologia e da
semiótica. Juntamente com Lautréamont, Artaud passa a ser
cultuado pelos que se agruparam em redor da revista francesa
“Tel Quel”, como Júlia Kristeva, Philipe Solers, Jaques Derrida.
Deriva de Artaud essa postura de
rebelião radical, de inconformismo e
recusa à civilização que aí está, daí
todas as correntes da chamada
“contracultura” lhe deverem alguma
coisa: a substituição do texto pela
realidade, pela vida e a
transformação da vida e da realidade
em obra; a identidade entre
linguagem e vida; a eficácia da
linguagem como a capacidade de
transformar a consciência e a realidade; uma linguagem com a
força das invocações da magia primitiva e da cabala; o teatro
como uma poesia posta em prática e transformada em
realidade, sendo sua finalidade a de toda linguagem: trazer
vida para dentro da arte, tornando-a real; a busca de uma
forma vital de cultura, em contraposição à cultura européia: daí
a viagem ao México, país que atraiu autores como D. H.
Laurence, Aldous. Huxley, Benjamim Péret, André Breton,
William Burroughs. Sofrer a obra, antes de escrevê-la. E o ser
saído da dor toma corpo e recupera a palavra:
“Quero que os poemas de François Villon, de Charles
Baudelaire, de Edgar Poe ou de Gerard de Nerval tornem-se
verdadeiros e que a vida saia dos livros, das revistas, dos
teatros… para captá-la e passando-as ao plano dessa intensa
magia do corpo, desse transbordamento uterino de alma a alma
que, corpo por corpo e fome de amor por fome, libere uma
energia sexual enterrada sobre a qual as religiões jogaram a
excomunhão e o proibido”. [9]
[…]
“Essa é a voz sobre a qual a poesia se funda: somente fora da
página impressa ou escrita é que um verso autêntico pode ter
sentido”. [10]
Escandir, recitar, declamar é dar relevo ao corte das silabas e
unidades métricas, produzindo o que a poesia escrita não é
capaz de dizer: escandir consiste em encenar o texto poético,
fazendo-o respirar por si mesmo, desejo de capturar a palavra
em seu nascimento, antes do próprio sentido que ela carrega.
[11]
Chegar lá
E agora, quero a palavra reduzida ao simples gesto de agarrar
alguma coisa, pura denotação, linguagem-referência, mão
estendida apontando para esses pedaços de realidade - ou
então a festa com todos os seus fantasmas sentados no sofá de
absinto enquanto sangram os dedos da memória, tudo
verdadeiro no limite do que possa ser verdade, o caderno
escrito de trás para diante e o livro lido a partir da última
página, e também poderia falar das nuvens de vapor e cortinas
de fumaça nos quartos, e narrar a história completa das febres
tropicais - porém só nós dois fomos capazes de nos mover
nesse plano intermediário em que realidade e sonho se
confundem, tocados pela sugestão de outra cena ou situação.
Essência, é esse o nome da nossa transação. Essência,
essência! - grita a legião dos Irreais desde o bojo de sua
existência provável. Essência, o verdadeiro nome do jogo de
mutações”.
[Claudio Willer, in Estranhas experiências]
Essa “língua perdida” ressurge para Artaud no momento em
que traduz “Israfel” de Edgar Alan Poe, ao fazer ecoar em
francês a voz do anjo em uma dicção capaz de acordar o que
pulsa sob o texto escrito, através do processo do “sortilégio”;
um escritor nasce, de certa forma, de seus antecedentes
escolhidos (Gérard de Nerval, Lautréamont, Baudelaire) e assim
observa-se que ao traduzir “Israfel”, Artaud se empenha em
uma versão de sua própria poética: ele se torna poeta sob o
impulso de diversas poéticas que tem em comum o fato de
modificarem o próprio regime da língua francesa. [12]
Clarividência sobrevivente do sofrimento de eletrochoques
magnéticos e metafóricos, Artaud foi mais uma vítima da
vulgaridade que considera mentalmente doentes aos gênios e
aos visionários. Buscava a linguagem da sensibilidade anterior à
linguagem conceitual, na linha já proposta por Nietzsche que
esta última seria a mais imprópria para exprimir a existência do
mundo por se tratar de uma simples metáfora: daí o privilégio
da musicalidade oral. A recuperação da gênese processual de si
mesmo, com a linguagem gestual e corporal: Artaud canta seu
corpo e despreza os códigos gramaticais que sufocam a
linguagem questionando as instituições: família, religião,
Universidade, Estado, polícia, asilos psiquiátricos - tanto os
aparelhos repressivos como os ideológicos do Estado, aos quais
iria se referir Althusser. Ele descobre nas formas não faladas da
expressão dramática possibilidades criadoras desconhecidas,
deseja um teatro de transe como o balinês, danças de
possessão como os ritos brasileiros descritos por Roger Bastide
(macumba, candomblé). Sartre aproxima o happenning do
Teatro da Crueldade de Artaud só que o primeiro tende a não
comportar nenhum dirigismo, celebrando a desordem como
união coletiva, enquanto o segundo costuma ter um tema
proposto e tudo é calculado precisamente. [13]
Jogos de verão
Não tenho feito outra coisa senão recuperar-me
Antonin Artaud
ontem horizonte
perplexo
alva flor
traduzir o indizível
incorporavam-se ao espaço noturno
inquietos dentro do verde
frente a frente
[…]
inquietos dentro do verde
frente a frente
incorporavam-se ao espaço noturno soturno
alva flor
traduzir o indizível
ontem horizonte
perplexo
[Claudio Willer, in Dias circulares]
Havendo participado da dança do peyote entre os Tarahumaras,
Artaud se posiciona contra a lei que proíbe tomar-se
substâncias alucinógenas declarando que a proibição aumenta
seu consumo, o qual, segundo ele, poderia ser proveitoso para
os que estão ligados à medicina, ao jornalismo, à literatura.
[14] As experiências de Artaud tinham precedente nos estudos
de Ludwig Lewin(1886) e Havelock Ellis, tratando de isolar a
mescalina, princípio ativo do peyote que verificava-se ter o
poder de modificar a percepção.
Posteriormente o escritor inglês Aldous Huxley experimenta o
cacto na primavera de 1953, escrevendo “As portas da
percepção” (1954) e “Céu e inferno” (1956), destacando o uso
da planta pelos índios em um contexto visionário e místico.
Aliás, já em 1951, o antropólogo romeno Mircea Eliade, em seu
livro “O xamanismo e as técnicas arcaicas do êxtase”, fizera
uma descrição do transe e viagem iniciática dos índios
americanos com farta utilização de tabaco e a bebida de uma
infusão preparada com um cipó em forma de escadas. Dando
continuidade aos estudos sobre o peyote, vamos ter ainda o
antropólogo brasileiro Carlos Castaneda :Carlos Aranha,
paulista que passou a infância em Juqueri ,sobrinho de Osvaldo
Aranha, conforme entrevista à revista Veja em 1975 - ele
travou conhecimento com um índio curandeiro que atuou como
seu mestre, no deserto mexicano de Sonora, de 1961 a 1965 e
publicou suas experiências com o cacto em “Os ensinamentos
de Don Juan”(1968) em vários livros que marcaram bastante a
ideologia da contracultura e são lidos até hoje.
No que concerne à geração beat ,
William Burroughs, em carta a Allen
Ginsberg (1953), comenta haver
encontrado o yage em Bogotá e a
informação de sua presença próximo
ao rio Putomayo, mas de preparo
exclusivo pelo curandeiro;
finalmente, conseguindo um caixote
dele, experimenta e aprende
inclusive a prepará-lo, declarando:
“Yage é uma viagem espaço-tempo. O quarto parece sacudir e
vibrar com movimento. O sangue e a essência de muitas raças:
negros, polinésios, mongóis da montanha, nômades do deserto,
índios, raças por nascer e combinações ainda não descobertas
passam através do meu corpo. Migrações, incríveis viagens
através de desertos, florestas e montanhas…” [15]
[…]
“Em dois minutos, uma onda de tontura me arrebatou e a
cabana começou a girar. Era como cheirar éter ou quando você
está muito bêbado, deita-se e a cama gira. Brilhos azuis
passavam em frente aos meus olhos.” [16]
[…]
“No Putomayo, os índios cortam a trepadeira em pedaços de
vinte centímetros usando pelo menos cinco pedaços por pessoa.
Os pedaços são triturados com uma pedra e fervidos com dois
punhados de folhas de uma outra planta, identificada por
alguns como ololiqui. A mistura é fervida durante todo o dia
com um pouco d’água…” [17]
Sete anos mais tarde, Ginsberg, o destinatário das cartas de
Burroughs, também viria à América do Sul (1960) e escreveria
ao amigo sobre sua experiência com a ayahuasca, misturada
com outra folha chamada cahua na língua indígena e chacruna,
na cidade peruana de Pucallpa. O curandeiro (ou mestre) já
ouvira fala do peyote e era especializado em curas físicas. Em
resposta, diria Burroughs a Ginsberg: “Não teorize:
experimente”. [18] A alteração da consciência proporcionada
pelas plantas cultivadas pelos índios do nosso continente com
certeza desdobrou a visão do mundo desses autores,
interferindo também no processo de criação literária, que passa
a adquirir uma velocidade analógica de imagens que
posteriormente seria referida sob nomenclatura de
“psicodélica”. Essas chamadas plantas alucinógenas, o vinho
das visões prodigiosas (vinho adivinhatório ou vinho da alma)
que podemos chamar Yage ou ayahuasca - crescem no leste
dos Andes e no Nordeste do Brasil, havendo tribos que a
ingerem diariamente , vivenciando, a partir daí, estranhas
experiências.
O primeiro a dar notícia da planta foi o botânico inglês Richard
Spruce, em 1851, que participou de uma cerimônia do Yage no
alto Rio Negro, na Amazônia brasileira. Como demorou a
publicar seu livro, a primeira descrição divulgada foi do
geógrafo equatoriano Villavicencio, que experimentou a bebida
em 1858 e comentou extasiado seu “vôo” acima de lugares
extraordinários; em 1923 já existia um filme sobre a cerimônia
indígena do “vinho da alma” e em 1928 foi identificado o seu
princípio ativo, harmina (Telepatina, Yageina). No Brasil,
sobretudo em Rondônia, o Yage (ayahuasca) é muito
consumido. Em Porto Velho, a planta congrega as atividades da
União do Vegetal; conforme Eduardo Bueno, a antiga revista
americana High Times sempre reiterava que o Yage “é
absolutamente legal e seu uso não implica em nenhum
problema judicial”. [19]
Não é diversa a opinião atual do governo brasileiro que, através
de Resolução Federal número 4 - CONAD do dia 4 deste mês de
novembro do corrente ano de 2004 reconhece a importância do
cadastro nacional de todas as instituições que em suas práticas
religiosas adotam o uso da ayahuasca, instituindo grupo
multidisciplinar de trabalho inclusive para a pesquisa de sua
utilização terapêutica. A bebida, entre nós chamada Santo
Daime, é usada em nosso país por mais de doze mil seguidores,
quer nas regiões amazônicas, quer nos centros urbanos. O uso
ritual das plantas expansivas da consciência é uma forma
xamânica de compreender a realidade e atingir o êxtase da
criação inclusive artística. É uma prática ancestral cultuada
desde nossos antepassados pré-cabralinos e pré-colombianos,
proporcionando abertura da percepção espiritual e o fenômeno
da visão. O Santo Daime é uma religião originalmente
brasileira, oriunda da floresta amazônica, feita a partir da fusão
do cipó jagube e a folha rainha, proporcionando uma bebida
enteógena, sacramental. Seu uso se constitui prática rotineira
entre os habitantes do Estado do Acre, especialmente na
capital. Sob o efeito do Santo Daime a pessoa viaja dentro de si
mesmo, sente-se flutuando no espaço, tem visões luminosas e
perde a noção do tempo. Como é sabido, “as plantas de poder”
sempre foram utilizada em rituais religiosos, quer no México,
Peru, Bolívia, ou Brasil. Aqui, em contexto sincrético com o
cristianismo e o espiritismo, temos a União do Vegetal, no
Estado de Rondônia e o Santo Daime e a Barquinha, no Estado
do Acre. Seus rituais são acompanhados por hinos que falam da
solidariedade humana, da consciência ecológica e da
espiritualização. A abertura das portas do inconsciente faz o
ritual desenvolver nos adeptos além de uma auto-análise,
aspectos ligados à vidência e à cura. A poesia, como forma de
conhecimento do mundo, sempre esteve próxima destes
mecanismos mágicos e míticos, em todas as culturas. Oráculos
e profecias sempre foram respeitados, tanto do ponto de vista
poético como religioso. De Buda a Dioniso, objetiva-se o
êxtase, o transe que depura e nos oferece a plenitude e
perfeição.
Entretanto, observamos ao longo de nossa vida acadêmica uma
certa resistência de alguns colegas ao estudo da geração beat
em sala de aula bem como a existência (?) de poucos textos a
ela direcionados. Por trás da alegação de se constituírem “ mais
um estilo de vida do que um movimento literário” , que como
acabamos de constatar, não tem qualquer fundamentação, o
motivo pode relacionar-se ao fato de que através das
experiências não ortodoxas ligadas à abertura da percepção,
esses escritores buscaram a origem primitiva do mundo e do
homem, contestadores que foram da rigidez burocratizante do
sistema a que estamos cada dia mais submetidos.
No que concerne especificamente ao poeta Claudio Willer,
vemos que ele se insere com pertinência na construção de um
caminho perfeitamente coerente na contrariedade à linha
formalista e superficial de um certo tipo de poesia afetada que
pretende ainda hoje dissociar a arte da vida e a fantasia da
experiência. A partir do momento que introduz entre nós os
textos de Lautréamont, Willer nos torna íntimos da
modernidade precursora do surrealismo e articula o novo e o
velho mundo, tendo em vista que Isidore Ducasse é na verdade
a presença primitiva sul-americana no contexto erudito francês,
já praticando naquela época a fusão dos gêneros ao chamar de
“Cantos” seus textos em prosa e de “Poesias” à sua prosa
fragmentada. Esse mundo selvagem e atordoante que nos é
trazido pelo poeta uruguaio mostra-se de uma atualidade muito
forte em tempos de estudos interculturais, representando
também a reconquista da origem e de uma identidade cultural
pelo jovem Isidoro ao atravessar o Atlântico, com uma
importância habitualmente comparada a Baudelaire e a
Rimbaud, estando próximo igualmente, pela rebelião romântica,
de Hölderlin, Nerval, Jarry e Artaud.
Este último, igualmente traduzido por Claudio Willer, na
verdade também recusou a estratificação do mundo europeu e
veio ao México estudar o ritual do peyote dos índios
tarahumaras, em busca da oxigenação de uma espiritualidade
em crise, como quem deseja mudar de pele, deixando-se
habitar pelas forças mágicas, tal qual os dançarinos do peyote
entram em transe religioso, apelando, do ponto de vista da
linguagem teatral, ao fundamento no corpo em cerimônias
mágicas de iniciação. Resgatando também a relação vida &
obra, em busca de representar sua vida e ao mesmo tempo
transformar-se naquilo sobre o que escreve. A identificação de
vida e criação, em Artaud, é inequívoca (não concebo uma obra
como separada da vida: eu me conheço porque me assisto, eu
assisto a Antonin Artaud”.)
Da mesma forma vieram à América do Sul os escritores da
geração beat, precursores do movimento hippie dos anos
sessenta e de várias práticas ligadas à contracultura, com a
revolução sexual, exploração de paraísos psicodélicos e a onda
de espiritualidade oriental. Assim, desde o culto ao corpo e ao
direito do prazer, descobre-se um novo misticismo ligado às
religiões do oriente, o que representa uma recusa dos dogmas
ocidentais praticados nessa área. Através da música (o jazz, o
rock) dá-se o trânsito da contracultura à cultura de massa,
chegando-se à new age. Tratava-se, como resta evidente, de
uma crise do sagrado, onde a yoga veio ocupar espaço no
acesso ao nirvana, através da prática zen e tântrica, numa
adesão aos rituais budistas tibetanos: mundo que é descoberto
e que vem oxigenar a vida espiritual do ocidente em processo
de mumificação Esses pontos em comum voltavam-se à
importância de uma energia humana ligada ao corpo e anterior
aos rótulos desgastados contra os quais se insurgiam. Hoje, em
nossas livrarias, são inúmeros os volumes de filosofia japonesachinesa-indiana, princípios hinduístas, budistas, taoístas,
confucionistas, todos formando uma sabedoria viva oriental que
de tal forma incorporaram-se à cultura ocidental que até
esquecemos seu caráter geográfica e etnograficamente
distanciado.
Posso dizer que desde o início de minha vida acadêmica estive
sensibilizada sobre a geração beat e trabalhei seus textos em
sala de aula, muito especialmente On the road (de Kerouac) e
O Uivo (de Allen Ginsberg), este último sempre na tradução de
Claudio Willer, e o mesmo se diga em relação aos textos de
Lautréamont e Artaud; todas as vezes em que se tratou de
divulgar tanto o precursor como o grande ator-diretor da
modernidade. Posso dizer que em matéria de literatura e
sobretudo de poesia sabemos que o que importa não é o
número de árvores derrubadas para o sacrifício na construção
de compêndios enciclopédicos cujo discurso muitas vezes nada
acrescenta à história da literatura.
Posso dizer que “Estranhas Experiências e Outros Poemas” de
Claudio Willer em suas apenas 144 páginas é uma pedra
talismã a refletir uma verdadeira visão poética nacional e
universal perfeitamente coerente com a estética e a ideologia
de sua época e os caminhos percorridos pelo poeta em sua
formação identitária, em sua profunda ascese, em sua brava
seriedade ontológica e intelectual.
mas não existem cidades
são nossas viagens que criam roteiros
- mapas de superfície luminosa como estes em seus quadros,
reflexos do céu
mais estrelado de Samarcanda, do límpido entardecer
florentino, o outono
transparente de São Paulo mais a inquietante névoa de Nova
York, lampejos
dourados de um campo lombardo, seu poente animado pelo
sopro da planície
as cidades não existem
só os encontros são reais
[Claudio Willer, in Estranhas experiências]
NOTAS
1. WILLER, Claudio. Entrevista a Weblivros internet http://www.weblivros.com.br/entrevista/claudiowiller.html,
pág. 3
2. Idem. Entrevista a verbo-cultura & Literatura (Sandro
Ornellas e Vivaldo Trindade) - internethttp://www.verbo21.com.brarquiv/81cx1.html, pág. 2.
3. LAWRENCE, Eros et les chiens/ Paris: Gallimard, 1931 - in
Alexandrian, História da Literatura Erótica, Rio: Rocco, 1993,
pág. 351.
4. LAWRENCE, Défense de Lady Chatterley, Paris: Gallimard,
1931 - idem, ibidem.
5. DESNOS, Robert. De l’erotisme consideré dan ses
manifestations écrites et du point de vue de l’esprit moderne,
Paris, 1953, idem, pág. 389.
6. TORRE, Guilherme de. História das Literaturas de Vanguarda,
vol VI, Lisboa, Presença, 1972, pág. 33.
7. Idem, pág. 41.
8. Willer, Claudio, Estranhas Experiências, Rio de Janeiro:
Lamparina, 2004, Apresentação, pás. 9 e 13.
9. Artaud, Antonin. In O nascimento da poesia. Jean Michel
Rey. Belo Horizonte. Ed. Autêntica, 2002, pág. 177 (trad. Ruth
Silviano Brandão.)
10. Idem, pág. 139.
11. Idem, págs. 131 e 132.
12. Idem, pág. 110.
13. Felício, Vera Lúcia. A procurada lucidez em Artaud. São
Paulo. Ed. Perspectiva, 1996, pág. 169.
14. Felício,Vera Lúcia. ob. Cit, pág. 60
15. Burroughs, William - Ginsberg, Allen. Cartas do Yage. Porto
Alegre: L&M Editores, 1984, trad. Bettina Becker, págs. 56 e
57.
16. Idem, pág. 36.
17. Idem, págs. 37 e 38.
18. Idem, pág. 75.
19. Idem, págs. 89, 90 e 91.
Lucila Nogueira (Brasil). Poeta e ensaísta. Autora de livros como A dama de
Alicante (1990), Zinganares (1998), e Bastidores & Refletores (2002). Palestra
proferida no Seminário “A Cidade e o Campo”, no evento “Nomadismo e
Cidadania”, 22/12/2004, no Centro de Artes e Comunicação da UFPE. Contato:
[email protected]. Página ilustrada com obras do artista Mario Maffioli
(Costa Rica).
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jornal de poesia
revista de cultura # 43
fortaleza, são paulo - janeiro de 2005
Fantástico e estranho mundo de Péricles
Prade
(entrevista)
Marco Vasques
.
influências. [MV]
Figura marcante no cenário nacional, Péricles
Prade é respeitado como intelectual,
pesquisador, advogado e poeta com êxito em
todas as áreas em que atua. Ao falar sobre a
vida, diz que sua maior ambição é servir ao
próximo e se confessa um apaixonado pela
humanidade. No que tange sua obra é
enfático: “Minha poesia é para iniciados”.
Autor de dez livros de poemas, outros tantos
no campo jurídico, ele construiu sua poética
sob as bases do ocultismo, da cabala, dos
mitos e de uma erudição que desafia e provoca
o leitor. No final de 2003, ele comemorou 40
anos de atividade poética, lançando de uma só
vez os livros de poemas Ciranda andaluz e
Além do símbolo, ambos publicados pela
editora Letras Contemporânea. Péricles, nesta
entrevista, oferece a real dimensão do seu
trabalho e fala sobre sua vida, obra e
MV - Um escritor geralmente surge ou por influência familiar ou
pela descoberta de um autor. Como se deu a sua iniciação
literária?
PP - Escrevi o primeiro poema aos nove anos, prosa poética aos
15 e conto aos 17. Não descobri autor, apesar de ler muito, que
precipitasse o ato de criação, e a influência familiar foi de outra
ordem. Lembro-me, apenas, que sentia (como ainda sinto) uma
irreprimível necessidade de escrever, na realidade reveladora
de vocação literária. Há, contudo, um responsável pela
continuidade desse labor. Trata-se do falecido Gelindo Buzzi,
professor de português e literatura do Colégio Rui Barbosa de
Timbó, que me estimulou, orientando-me. Era um apaixonado
pelo Romantismo, sendo esta Escola, portanto, a primeira forte
impressão da estética de minha adolescência. Entretanto,
fundamentais foram as leituras das histórias em quadrinho, os
famosos gibis dos heróis e dos dominados. Conquanto não
tenha iniciado por direta influência literária, esta existiu e existe
no curso de minhas produções. Harold Bloom que o diga. Daí
que, na poesia, registro Blake, Lautréamont, Rimbaud,
Mallarmé e Eliot. Quanto à ficção, Nerval, Hawthorn, Kafka e
Jarry. E envolvendo esses gêneros, como pano de fundo, o
ocultismo e a mitologia. A influência é natural, desde que não
usurpe ou contamine a originalidade. Borges não passou o
tempo todo falando em Robert Stevenson, De Quincey,
Cansinos-Assén, Macedônio Fernández e Walt Wittman? Nem
por isso deixou de ser Borges, viceralmente.
MV - Allen Ginsberg, em sua primeira entrevista concedida a
um jornal brasileiro (O Globo 4/8/91) dizia “me pergunto que
papel a poesia poderá ter em meio a tanta destruição, tanto
sofrimento promovido pelas grandes potências (...)”. Qual é o
papel da poesia num mundo de grandes conflitos, bomba
nuclear, fome, massificação e coisificação do homem?
PP - O próprio Allen Ginsberg poderia responder a si mesmo,
pois, segundo, William Carlos Willians, ele literalmente esteve
no inferno. Aliás, basta ler Aullido para ser verificada esta
realidade. Pois bem. Ainda assim, sobreviveu no universo
poético. E por quê? Porque foi salvo pela fé na arte da poesia.
Dito isto, percebe-se que o papel da poesia, no fundo, continua
o mesmo, quer o mundo, ou não, viva grandes conflitos de
expressão universal, coisificando o homem: ou seja, o da
revelação da essência do cosmos individual e coletivo pela fé
nessa arte, sendo tais fenômenos apenas pontuais temas para
perpetuá-la. Afinal, a poesia é entranhado reflexo da vida, com
ou sem o caleidoscópio dos horrores das guerras, ainda que
considerada seja um enigma da natureza. E a natureza, já dizia
Heráclito, ama ocultar-se.
MV - Seus livros de poemas Jaula
amorosa e Pequeno tratado poético
das asas (para ficarmos apenas
nesses dois, por enquanto) são
profundamente marcados pela
mitologia, pela astronomia, pelo
ocultismo. Há nessas obras dois
fatores a ressaltar: a exigência de um
leitor preparado e um evidente
projeto-livro. Fale um pouco sobre
esses aspectos e essas obras.
PP - O livro Jaula amorosa, antes de
tudo, é um Bestiário moderno, como
havia o de Cristo, na antiguidade, imantado pela aura
metafórica de vários animais viventes. Foram com prazer
eleitos pela imaginação, iniciando-se com peixes imortais e
terminando na cova de serpentes ociosas. São envoltos por
uma explosão de imagens insólitas que não expressam,
necessariamente, verberações ancoradas na dicção do
surrealismo (atípico, no caso, se de escrita automática não se
trata), fundando-se, com ênfase maior, nos territórios da
mitologia, do ocultismo e da alquimia (além da temática de
origem distinta), a exemplo do ocorrente nas obras anteriores,
em especial Nos limites do fogo. São poemas, no entanto, as
mais das vezes plasmados pela gramática da literatura
simbólico-fantástica, suporte de meu universo arquetípico,
inclusive na ficção, cujos traços de estranheza têm raízes
marcantes na linhagem de extração visionária, sem ser poesia
datada e propiciando também remissões líricas e/ou eróticas,
plenas algumas de humor e ironia, mormente a de feição
epigramática, prisioneira da infância baudeleriana
reencontrada. O mesmo se diga com relação ao Pequeno
tratado poético das asas, em que é mais evidente a propensão
à estética da redução, verificada pelo consórcio-síntese de
palavras nascidas sob a pulsão e a tensão em torno de um mito
exclusivo, isto é, o Pássaro em sua evolução sagrada, revelando
espécie particularíssima de hierofania. O Pássaro-mensageiro
dos deuses e outros, que ora se confundem com o Destino, ora
não, são tratados com visão metafísica, muito embora linear na
construção pedagógico-edênica de suas identidades no
transcurso do Tempo mítico. Aqui, sem o caráter disperso da
Jaula, instaura-se o mythos como narrativa aplicada de que fala
Burkert, por ser, concordo, simultaneamente uma metáfora ao
nível da narração. Daí a relevância da linguagem poética para
desvelá-la, à procura da verdade, da experiência do sentido (v.
Campbell), do eterno e da compreensão do mistério. Afinal, faz
anos, Cassirer já anotava que a mitologia é, na realidade, o
poder que a linguagem exerce sobre o pensamento em todos os
planos do concerto espiritual. É onde entra a poesia, sem
intrusão, se a mitologia é inerente à linguagem, reconhecendoa como forma externa daquele pensamento, segundo a pontual
formulação de M. Müller. Ambos os livros, como os pretéritos,
vigem sob a advertência crítica de serem obscuros, herméticos.
Bobagem. A obscuridade e o hermetismo somente prestam
obséquio àqueles que não se esforçam para descobrir a lava
incandescente sob esses vulcões representativos de uma
poética de exceção em busca constante de epifanias. Nem por
isso, guardadas as devidas proporções, o poema Prose pour
Des Esseintes, considerado o mais obscuro de Mallarmé, deixa
de ser extraordinário, para usar uma expressão de José Paulo
Paes, seu tradutor. Exigem preparo intelectual, sim, por serem
fruto de poesia para iniciados, conquanto desnecessária seja a
erudição especializada, correspondendo a um projeto poéticoexistencial (já vislumbrado por Fabio Brüggemann). Há, neles,
certa organização, ainda que febril, compreendendo quase
sempre a junção orgânica de cinco poemas ligados a temas do
calendário mítico-fantástico-oculto. Pretendo concluir o ciclo (a
fim de me dedicar apenas à ficção) com o livro O retorno das
serpentes (comecei a lavra poética a partir de ofídica
concepção), concentrando-me no mito de Oroboros, a grande
mediadora de minha vocação literária de poeta à margem da
corrente, para não dizer xamânico ou maldito. E insisto, apesar
de saber que vivemos num mundo desmitologizado.
MV - Campbell no livro A imagem
mítica nos mostra que o poder do
símbolo ainda nos acompanha. Você
acredita que a desmitologização
empobreceu a poética
contemporânea? Ou o mundo da
imagem fragmentada cria novas
mitologias? E como você vê a poética
atual?
PP - Não há dúvida: o poder do
símbolo ainda nos acompanha. Ocorre
que o símbolo é apenas um dos
elementos da mitologia e dos mitos,
sendo os arquétipos, a teor do perfil
junguiano, as idéias em comum com estes. Eu me referi à
desmitologização enquanto tal, ou seja, a gradativa e crescente
mudança do pensamento, que passou de selvagem, in illo
tempore, a tecnológico, prevalecendo outro tipo de formas de
pensar, inclusive no plano da poética. Houve, sim, apesar de
modo difuso, um certo empobrecimento. Já quanto à criação de
novas mitologias, decorrentes do mundo da imagem
fragmentada, isto corresponde a uma possibilidade à maneira
de Barthes. Mas não é destas mitologias que trato. Minha
poesia, propositalmente, volta-se ao passado, dele extraindo
imagens míticas, informada e enformada pelo envolvimento de
natureza ocultista. No que se refere à condição da poesia atual,
nota-se sua influência pelos ditames da modernidade ou da pósmodernidade, onde, repito, cada vez mais, o mito é posto à
margem, centrando-se a linguagem a partir de outro ethos.
MV - Você diz acima que sua poesia é para iniciados. Isso não
limita sua criação fazendo dela algo elitista? Ou sempre tivemos
poucos leitores de poemas?
PP - Sempre houve poucos leitores de poemas, mormente em
nosso país pleno de analfabetos e desdentados, mais
preocupados com a fome do que com a sabedoria. Todavia, em
que pese essa realidade, minha poesia, ainda assim, é para
iniciados, circunstância redutora do universo de leitores. Não
que seja elitista, limitando minha criação. Pelo contrário,
expando-a na medida em que procuro outros valores, alheio ao
desenvolvimento frenético do capitalismo, inserido-me na
linhagem das utopias possíveis, se permitido for a remissão a
essa singularidade. O poeta deve escrever em função de sua
compreensão do mundo e não recuar apenas por que certo tipo
de postura engajada exige uma preocupação social exclusiva.
Não nego a poesia social, respeito-a; entretanto, a linguagem
inerente a minha expressão é de outro espectro. O social é
exercido por mim no altiplano da Política, campo em que
melhor ele se realiza.
MV - A crítica tem relacionado sua obra, sobretudo os livros Os
milagres do cão Jerônimo e Alçapão para gigantes, ora dentro
do surrealismo, ora do realismo fantástico. No entanto me
parece serem livro demasiados cerebrais para serem
enquadrados no Surrealismo germinal que pregava o
automatismo. Como você encara a classificação destas duas
obras?
PP - Vários exegetas desavisados, realmente, embutiram estes
dois livros na órbita do surrealismo. Estão enganados. A ficção
por mim criada é vinculada à denominada narrativa fantástica.
Para os que não sabem, o fantástico, segundo Todorov, é a
hesitação experimentada por um ser que, conhecendo tãosomente as leis naturais, encontra-se diante de um
acontecimento tido como aparentemente sobrenatural. Daí
durar o tempo de uma hesitação. Na linha da concepção desse
formalista russo, diria que minhas obras perpassam tanto pelo
fantástico-estranho, quanto pelo fantástico-maravilhoso,
resvalando, vez ou outra, pelo maravilhoso puro, por não ter,
como o primeiro, nítidos limites. Muito embora a poesia, no
meu caso, esteja de forma umbilical ligada à atmosfera da
ficção, tem um viés de expressão surrealista, em determinados
poemas, mas não se adstringe à escrita automática, enfatizada
por Breton, afeiçoando-se a outro perfil de características dessa
linguagem, entre as quais se hospeda a expansão do estado
imaginativo, compreendida numa espécie de estética de
excessos, para usar as palavras de Álvaro Cardoso Gomes. Seja
salientada, então, a presença de um surrealismo mitigado,
contido pelo trabalho posterior ao ato da criação. Enfim, o que
sobra é mais o culto da imagem, mediante a intervenção da
linguagem metafórica. Mesmo porque, se fosse fazer
comparação com as artes plásticas, diria que as obras estão
imbricadas por um tipo de cubismo poético, e não por um
surrealismo típico, se considerada a descontinuidade de boa
parte dos poemas, à espera do preenchimento do vazio pelo
leitor atento.
MV - Até aqui você falou
fundamentalmente de autores
estrangeiros que, de certo modo,
nortearam sua formação. E os
nacionais?
PP - A leitura e a releitura dos
poetas brasileiros compreendem
um périplo completo no que há de
melhor no universo desses
criadores, sendo visitados com
mais freqüência Jorge de Lima e Murilo Mendes. Quanto a Jorge
de Lima, agrada-me a fase formalista, em que se localiza
Invenção de Orfeu, cujo único pecado, talvez, seja a pretensão
de instaurar uma épica moderna. Contudo, vital na formação,
sem dúvida alguma, foi Murilo Mendes, por mim considerado
um dos maiores poetas da América. Para justificar a afirmação,
invoco, como exemplares, O visionário, A poesia em pânico e
As metamorfoses. Conquanto também tenha sido influenciado
pela dicção onírica do surrealismo, sem desfigurar-lhe a
fisionomia da obra, foi o seu cubismo poético (imantado pelo
conceito de interpenetração espaço-temporal) que sempre me
cativou, já que, da mesma sorte, possuo afeição (obsessão?)
pela descontinuidade da expressão construtiva (pondo ênfase
na força elíptica das imagens analógicas radicais,
descompromissadas com a lógica do sentido comum) que,
afinal, não é monopólio da pintura. Além do mais, encanta-me
o signo escatológico, a visão apocalíptica do cosmo interior e
exterior, onde se nota o predomínio de oxímoros amparados
por metáforas de trajeto invertido (hiperbólicas) propiciatórias
da presença de afinidades de perfil barroco. De outra parte,
alinho-me ao uso do staccato caracterizador da medida
econômica e autônoma de muitos versos, quando a miniatura
se instala, mas contendo o macrocosmo representativo de uma
cosmogonia singular, isto é, sem comprometer a originalidade.
É nesse espectro que se catapulta minha imaginação.
MV - E a vida, Péricles, o que dizer dela?
PP - Nasci em Rio dos Cedros, quando ainda pertencia ao
Município de Timbó, a 7 de maio de 1942. Considero-me um
homem realmente feliz. Possuo uma família maravilhosa,
muitos amigos (alguns especiais), venci profissionalmente como
advogado e sou respeitado como escritor e intelectual. Tenho a
legítima pretensão de viver muito, se a saúde (por enquanto
excelente) me permitir. Preocupo-me mais com a vida dos
outros, no bom sentido, ajudando os que necessitam e na
medida de minhas possibilidades. Meu maior prazer estético,
para manter a felicidade, é escrever, ler e ouvir música,
principalmente Bach e Vivaldi.
MV - Quem é Péricles Prade?
PP - Um homem cuja maior ambição é servir, ciente de que a
humildade é a maior virtude.
Marco Vasques (Brasil, 1975). Poeta, contista e jornalista. Publicou em 2004 o
livro
Diálogos com a literatura brasileira (vol. I). Atualmente é Coordenador de Artes
da Fundação Cultural Franklin Cascaes. Contato: [email protected]. Página
ilustrada com obras do artista Mario Maffioli (Costa Rica).
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Freud, Oswald de Andrade e Antropofagia
Mário Chamie
.
A utopia antropofágica de
Oswald de Andrade tem
um núcleo temático: a
transformação do
patriarcado em
matriarcado.
Em Oswald, o patriarcado
é representado pela
sociedade burguesa e
capitalista, centrada no
direito de propriedade do dominador, na usura, na hierarquia
familiar, nos vícios do homem civilizado, na especulação lógica
e metafísica, na repressão dos instintos e da liberdade sexual.
Negatividade histórica é o nome geral dessas características. Da
ótica oswaldiana, o patriarcado é um tabu encravado no curso
da História.
Por sua vez, o matriarcado, em Oswald, se identifica com a
implantação de uma nova idade de ouro, cujos valores
revolucionários promoveriam a substituição do direito de
propriedade do homem civilizado pelo direito de posse do
homem primitivo, a superação da usura e do negócio pelo ócio,
o fim dos poderes centralizadores e autoritários pelo advento de
uma vida comunitária aberta aos prazeres vitais, ditados por
uma libido individual sem censura. O matriarcado desencravaria
o tabu patriarcal da História, transformando-o em totem de
uma feliz e nova idade.
Oswald chama de "revolução caraíba" tal transformação
utópica, cujo agente emblemático seria o homem novo do novo
mundo descoberto pelo colonizador, ainda infenso às
degradações impostas pela civilização.
Oswald, entre outras fontes, encontrou na Psicanálise um dos
fundamentos de sua teoria. Tomando conhecimento dela, nos
anos vinte, Oswald fez uma leitura de Freud, no mínimo, pouco
ortodoxa. Eu diria: uma leitura de conveniência, já que, por um
lado, concebe a Psicanálise como sintoma prévio de suas idéias
antropofágicas e, por outro, como método de pesquisa e
aprofundamento dessas idéias. Enquanto sintoma, Oswald
entende que Freud, ao fazer o diagnóstico da sociedade
patriarcal, apontou nela a negatividade histórica de seu traço
repressor. Enquanto método, ele entende que Freud, ao
investigar o inconsciente e penetrar os seus complexos
psíquicos, deu respaldo ao princípio subversor da antropofagia,
pelo qual a todo sim corresponde um não implícito e vice-versa,
numa réplica à ambivalência freudiana que prevê no conceito
de "pureza" um conteúdo de "impureza" ou na identificação de
um "tabu" a presença subjacente de um "totem" possível.
Apesar da importância
atribuída por Oswald à
Psicanálise, ele ainda a
considera um subproduto da
civilização patriarcal, e acusa
o próprio Freud de ser mentor
de uma espécie de
consciência arrependida da
negatividade histórica. Nesse
sentido, inventa um "Freud
católico" empenhado em
absolver e salvar os seus pacientes de seus "pecados", em
forma de neuroses e "desajustes". Diz Oswald: "as experiências
das teorias de Freud numa sociedade natural trariam também a
derrocada de outros resultados da Psicanálise. Que sentido teria
num matriarcado o complexo de Édipo?". Em outras palavras:
se o método freudiano detecta os sintomas negativos e
traumáticos da sociedade burguesa, nem por isso os portadores
desses traumas devem se rebelar ou destruir essa sociedade.
Podemos dizer que a invenção de um "Freud católico" obrigou
Oswald ao seguinte paradoxo: o de aceitar, estratègicamente, o
método terapêutico de Freud, desde que corrigido em "alguns
de seus erros profundos", para que tal método se encaixasse
melhor nos propósitos da "revolução caraíba", cuja meta é dar
fim à história do patriarcado.
Passando a limpo o que seria a correção de erros e praticando a
"crítica da terminologia freudiana", Oswald explica: "A
Antropofagia só pode ter ligações estratégicas com Freud que é
apenas o outro lado do catolicismo./Mas Antropofagia que
bafeja no homem natural a construção da sociedade futura não
pode deixar de ver alguns erros profundos de Freud. O recalque
que produz em geral a histeria, as nevroses e as moléstias
católicas não existem numa sociedade liberada senão em
porcentagem pequena ocasionada pela luta./ Cabe a nós
antropófagos fazer a crítica da terminologia freudiana./ O maior
dos absurdos é por exemplo chamar de inconsciente a parte
mais iluminada pela consciência do homem: o sexo e o
estômago. Eu chamo a isso de consciente antropofágico. O
outro, o resultado sempre flexível da luta com a resistência
exterior, transformado em norma estratégica, chamar-se-á o
consciente ético" .
Aí está: para quem "bafeja no homem natural a sociedade
futura", o método de Freud, mesmo útil, teria que ser revisto e
depurado de sua acomodação catolicizante, afim de compor-se
com a radicalidade transgressora do "consciente antropofágico",
destinado a vencer a "resistência externa" dos valores
patriarcais e a inaugurar a nova "consciência ética" de uma
futura sociedade matriarcal.
Nesses termos, parece claro que, na concepção pertubadora de
Oswald, não há lugar para alternativas. Sua "revolução caraíba"
apóia-se em roteiros seguros sustentados pelo que ele chama
de "únicos imperativos categóricos" de ação. Esses imperativos,
ele os definiu, através de antinomias tais como: a) opor a posse
à propriedade; b) sobrepor o selvagem ao civilizado; c)
substituir a abstração metafísica do verbo to be pela concretude
ontológica do substantivo "tupi" (tupi or not tupi, eis a
questão); d) e, sobretudo, transformar os tabus da cultura
letrada em totens de uma cultura primitiva, livre das "nevroses"
e outras "doenças católicas", diagnosticadas mas não
extirpadas por Freud.
Uma maneira de acompanhar o roteiro de tais imperativos é
distinguir as menções que Oswald faz a Freud no seu Manifesto
Antropófago. O manifesto traz três menções centrais. Todas
desenham os cuidados e reservas de Oswald. A primeira denota
cumplicidade e concordância com contribuições freudianas, em
particular aquela que valoriza a mulher (célula matriarcal)
diante da família repressora e de seus maridos católicos. Êi-la:
"Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos
postos em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com
outros sustos da psicologia impressa".
A segunda menção é quase um mini-manifesto, encartado no
Manifesto. Nela, a rejeição a um imaginário Freud "sublimador
de instintos" ganha contornos de um jogo meio maniqueísta de
antinomias. Oswald, nesse jogo, enfatiza o desencontro entre
definidos vícios patriarcalistas e supostas virtudes do
matriarcado de seus sonhos. A menção é esta: "A luta entre o
que se chamaria Incriado e a Criatura - ilustrada pela
contradição permanente do homem e o seu tabu. O amor
cotidiano e o modus vivendi capitalista. Antropofagia. Absorção
do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem. A humana
aventura. A terrena finalidade./A antropofagia carnal, que traz
em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males
identificados por Freud, males catequistas. O que se dá não é
uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do
instinto antropofágico./A baixa antropofagia aglomerada nos
pecados de catecismo - a inveja, a usura, a calúnia, o
assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados,
é contra ela que estamos agindo".
Nesta citação, parece óbvio que Freud
é lançado numa incômoda berlinda
intermediária. O fato de ele ter sido o
grande identificador dos "males
catequistas", não o isenta de sua
complacência em relação aos vícios
patriarcais do "modus vivendi"
capitalista. É o que transparece das
renovadas oposições que Oswald
desdobra, em busca de comprovação
da validade revolucionária de seu
projeto antropofágico. As oposições assim se definem: a) contra
as espiritualizações sagradas das catequeses ("inimigo sacro") a aventura humana de "terrena felicidade"; b) contra as
sublimações sexuais - a "antropofagia carnal que traz em si o
mais alto sentido da vida"; c) contra os pecados de catecismo e
a peste dos povos cultos e cristianizados - a "escala
termométrica do instinto antropofágico". E, finalmente, em
forma de corolário: contra os tabus dos colonizadores vitoriosos
- a capacidade do homem natural de converter os tabus em
totens da idade de ouro do matriarcado emergente.
A terceira menção completa o roteiro desses imperativos e
remete para o debate das idéias de Freud, no minado terreno
das reconversões de tabus em totens e da retomada de posse
da pureza originária do indígena, expropiada, segundo Oswald,
pelo "direito" de propriedade do colonizador. A menção é
sintética: "Contra a realidade social, vestida e opressora,
cadastrada por Freud - a realidade sem complexo, sem loucura,
sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de
Pindorama".
Vestida e opressora!... Trata-se obviamente da cultura
européia, letrada, trazida aos trópicos pelo colonizador
português. Em outras palavras: trata-se da tradição cristã,
cujos valores conferem ao conquistador o "direito" de apropriarse da cultura nativa, em nome de sua "salvadora" missão
catequética.
Oswald vê nessa relação de domínio o espectro do tabu da
superioridade do colonizador, a quem o colonizado deverá
obediência e culto. Procura justificar essa visão, "pinçando"
alguns argumentos desenvolvidos por Freud em torno dos
conceitos de totem e tabu, a exemplo daquele em que Freud
afirma que a palavra tabu conota com "sagrado, misterioso,
perigoso e acima do comum", advertindo que essa "sacralidade"
contem em si a idéia de proibição e de interdito. Vale dizer: as
pessoas devem venerar o tabu, sem jamais "tocar" ou violar o
seu incomum mistério. Tocá-lo é levar impureza ao que é puro
e, conseqüentemente, desencadear penas e castigos, dentre os
quais o pior de todos, anotado por Freud, seria o de o violador
tornar-se, ele próprio, um outro tabu, a mercê de outras
incessantes violações. Por esse motivo, Freud ressalta a
necessidade de se manter "intocável" o temor reverencial
perante o mistério, ao afirmar: "É precisamente esse significado
neutro e intermediário - demoníaco ou o que não pode ser
tocado - que é com propriedade expresso pela palavra tabu,
tanto para o que é sagrado quanto para o que é impuro: o
temor do contato com ele" (Totem e Tabu, Imago/74, pg.39).
Aos olhos de Oswald, argumentos dessa natureza
testemunhariam, de novo, o perfil "católico" de Freud, pois a
contemplação e o temor a Deus assemelha-se ao temor ao tabu
proibido. Do mesmo modo, a demonização do contato com o
tabu parece ser uma paráfrase da condenação do pecado, na
teologia judaico-cristã. Se, à sombra dessa teologia, Lúcifer
desobedeceu a Deus, para, como se fosse deus, cultivar a
legião pecadora de seus seguidores, igualmente o violador do
tabu, ao desobedecer a seu interdito, incorre na mesma
profanação herética, atraindo também sua legião de imitadores.
Soa, assim, como prédica de fundo religioso e catequético a
sentença freudiana de que "qualquer um que tenha violado um
tabu torna-se tabu porque possui a perigosa qualidade de
tentar os outros a seguir-lhe o exemplo".
Esse jogo de semelhanças e
ambigüidades se aprofunda, um
pouco mais, com esta outra
explicação de Freud: "O tabu é uma
proibição primeva forçosamente
imposta (por alguma autoridade) de
fora, e dirigida contra os anseios mais
poderosos a que estão sujeitos os
seres humanos. O desejo de violá-lo
persiste no inconsciente: aqueles que
obedecem ao tabu têm uma atitude
ambivalente quanto ao que o tabu
proíbe. O poder mágico atribuído ao
tabu baseia-se na capacidade de
provocar a tentação e atua como um
contágio porque os exemplos são contagiosos e porque o
desejo proibido no inconsciente desloca-se de uma coisa para
outra. O fato da violação de um tabu poder ser expiada por
uma renúncia mostra que esta renúncia se acha na base da
obediência ao tabu" (Idem, ib.,pg. 49).
Os pressupostos da revolução caraíba que deseja o retorno do
matriarcado sinalizam direção contrária aos argumentos
freudianos. Oswald entende que o "direito" de apropriação do
colonizador, apoiado em sua retórica de poder, é mero fruto do
tabu da superioridade da cultura européia, "imposta de fora".
Quer, por isso, inverter e transgredir semelhante quadro de
mentira histórica. Para tanto, propõe a totemização daquele
"intocável" tabu da superioridade, mediante a negação e a
superação do patriarcado que o legitima. Vale dizer: utiliza o
método psicanalítico, até o limite permitido por sua utopia
revolucionária. Fora desse limite, sua leitura de Freud se faz
sempre ao avesso como se fosse uma errata constante.
Nos trechos, aqui, transcritos, essa leitura invertida não dá
margem a dúvida. Basta conferir: onde Freud consagra o
"temor do contato" com o tabu, Oswald enaltece o "destemor"
do contágio transgressivo, sob forma de "vingança" reparadora.
Onde Freud adverte sobre a "perigosa qualidade" de um
violador de tabu conseguir "tentar os outros a seguir-lhe o
exemplo", Oswald proclama que seguir o exemplo do violador é
o único caminho de transformação de toda e qualquer
negatividade histórica. Onde Freud admite ser a "expiação"
mais "fundamental do que a purificação do cerimonial do tabu",
Oswald responde que é fundamental anular a expiação e
purificar o tabu, totemizando-o. Quando, por fim, Freud enuncia
que a "renúncia se acha na base da desobediência ao tabu",
Oswald ergue a bandeira da desobediência antropofágica que
está na base do instinto puro da posse, capaz de desfazer as
propriedades opressoras da cultura patriarcal e seus interditos.
Como se sabe, Oswald sempre glorificou a contribuição
milionária do erro. O "Freud católico" que ele inventou não
passa, portanto, de um erro estupendo. Aliás, muito mais que
um erro, essa invenção é uma extraordinária arbitrariedade
estratégica, sem a qual a improvável utopia antropofágica e o
profético renascimento do matriarcado, além de impensáveis,
seriam destituídos de sua sedução, fecundamente,
provocadora.
Mário Chamie (Brasil, 1933). Poeta e ensaísta. Autor de livros como Objeto
selvagem (1977), Natureza da coisa (1993) e Horizonte de esgrimas (2002).
Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras do artista Mario
Maffioli (Costa Rica).
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revista de cultura # 43
fortaleza, são paulo - janeiro de 2005
Julien Schnabel: "a arte me faz sentir vivo"
(entrevista)
Antonio Jr.
.
Famoso por suas telas vanguardistas, e
aclamado por um público que vê nele um digno
sucessor dos melhores pintores do
expressionismo abstrato e da pop-art, o norteamericano Julien Schnabel não se acomoda na
pintura, arriscando o seu talento em filmes
biográficos como “Basquiat” (1996) e “Antes
que Anoiteça” (2000), cujos criativos
protagonistas são inadaptados socialmente,
com vidas loucas e trágicas. Nascido em 1951,
Schnabel fez sua primeira exposição individual
em 1979, tornando-se um artista pouco
convencional, com obras de grande tamanho,
rompendo estilos, utilizando materiais diversos
e oscilando entre o abstrato e o figurativo.
Casada com a modelo espanhola Olatz López
Garmendia, apresenta em Madri sua produção pictórica dos últimos seis
anos. Nesta entrevista, falo do seu conceito artístisco, da idéia de um
mundo melhor e dos filmes que realizou. [AJ]
AJ - Vive entre San Sebastian e Nova York, é casado com uma vasca e
agora expõe em Madri. Poderia ser considerado quase meio espanhol?
JS - Quem sabe? Conheci a Espanha nos anos 70, vinha da Itália de
barco. Passei por Ibiza e Barcelona. Fiquei impressionado com a alegria
das pessoas e sozinho, num hotel barato das Ramblas, surgiu a idéia de
fazer quadros com pratos quebrados, porque fiquei de boca aberta com
os mosaicos de Gaudí no Parque Güell. Mas nasci nos Estados Unidos,
sou filho de um judeu tcheco e gosto de pensar que a arte rompe
fronteiras. Sendo assim, deixo de ser um artista norte-americano ou
um artista espanhol e passo a ser somente um artista. Minhas
experiências artísticas em diversos países não se sustentam pela
nacionalidade.
AJ - Filmou as biografias do pintor Jean-Michael Basquiat e do escritor
cubano Reinaldo Arenas. Por que tanto interesse pela vida de artistas
malditos?
JS - Gosto do risco de contar histórias de artistas geniais, originais e
marginalizados pela sociedade. E Reinaldo Arena não tem nada a ver
com Basquiat, apenas são artistas e personagens reais, porém viveram
em mundos completamente diferentes. Dediquei cinco anos de minha
vida para colocar nas telas a vida de Arenas. Queria revelar ao mundo o
seu talento e sentido de humor.
AJ - Antes que Anoiteça foi muito falado, premiado, e tornou Javier
Bardem uma estrela internacional. O “lobby” homossexual ajudou muito
na divulgação?
JS - De certa forma. Eles ficaram muito contentes porque retrato a um
homossexual que não cai na caricatura. Estão cansados dos
homossexuais sem orgulho nem coragem dos filmes de Hollywood.
Reinaldo era alguém com uma grande humanidade. Isto me interessou
mais do que fazer outro filme sobre um homossexual. “Antes que
Anoiteça” trata na realidade de um ser humano visto com dignidade.
Alguém que teve a coragem de atravessar diversas circunstâncias sem
render-se.
AJ - Declarou algumas vezes que não se interessa por política, mas
“Antes que Anoiteça” é um filme bastante político.
JS - Não é um dos meus temas favoritos, mas tampouco ignoro o que
acontece a minha volta. Não entendo porque existem seres humanos
tão negativos, já que formamos parte de um único mundo. Devemos
aprender a perdoar e compreender um ao outro. A vida não é justa,
porém podemos criar um código de conduta para nós e os demais. Isso
ajuda a viver dignamente. Os Estados Unidos, por exemplo, se
converteu num país reacionário e nós somos os culpados. É incrível
como são incultas as pessoas que dirigem o meu país. Mas toda arte é
política, pois transmite uma série de informações e provoca reações.
AJ - Muitos criticam sua versatilidade. Não
entendem como pinta, dirige filmes,
escreve.
JS - Sou o mesmo artista quando pinto ou
dirijo um filme, a mesma pessoa utilizando
diferentes partes do cérebro. Não
compreendo como as pessoas acham
estranho fazer mais de uma coisa de uma
só vez. Um filme tem uma narrativa, uma
história; um quadro abriga os demônios do
seu autor. Eu acho que um filme, um
quadro, ou um texto podem muito bem se
relacionar entre eles. Pintar e escrever são
trabalhos solitários, já dirigir um filme é
uma questão de colaboração, de equipe.
Gosto das três opções, e creio que todo
esse processo artístico me ajuda, me faz sentir vivo.
AJ - A exposição no Palácio de Velázquez exibe os seus últimos seis
anos como pintor…
JS - Ela estava em Frankfurt e agora em Madri. É um velho projeto. Eu
queria muito mostrar o meu trabalho para uma geração de jovens
espanhóis que não conhecem minhas obras. Minha ultima grande
exposição em Espanha, “Reconocimientos”, foi no final dos anos 80, no
Convento Cuartel del Carmen de Sevilla, um espaço abandonado
preparado para a ocasião. É uma das minhas favoritas. Sou um grande
privilegiado porque a minha obra vem sendo reconhecida em muitos
lugares, e sem que eu perca minha meta, minhas convicções. Nunca
pintei por dinheiro, nunca fiz uma obra pensando que ficaria bem na
parede de alguém.
AJ - O que representa a pintura para você?
JS - É algo mágico, libertador, porque
as normas que regem o que acontece
no mundo da pintura não são as
mesmas que regem o mundo real. Na
pintura não se tem limites, é algo
incomum. É maravilhoso admirar uma
obra e se sentir bem. Eu gosto de ficar
em casa pintando ou tentando pintar.
Me aborrece um pouco a vida
cotidiana, e a arte me liberta das
limitações do cotidiano. No mundo da
arte tenho também uma certa
responsabilidade com os jovens
artistas que gostam de minha obra,
não poderia mentir para eles.
Portanto, pinto sempre o que sinto e tenho vontade. O que para muitos
constitui uma ameaça, já que não aceitam inovações.
AJ - Diz que gosta de ficar em casa, pintando, mas como, se é
conhecido também por sua intensa vida social?
JS - Não é verdade. Saio pouco, porém basta sair um dia para que
montes de fotografias sejam tiradas, enchendo páginas de revistas.
Então todo mundo pensa que vivo de festa em festa. Além disso, tenho
muitos amigos famosos, que conheci através de minha obra, e basta
um encontro com um deles para provocar resenhas na mídia.
AJ - Fale de Sean Penn e Johnny Depp, que trabalharam de graça para
você em Antes que Anoiteça?
JS - E também Al Pacino, Robert de Niro, David Bowie ou Christopher
Walken. Mas não me importa a fama. A única vantagem de ser uma
celebridade é conseguir uma boa mesa nos restaurantes. Sou apenas
um personagem singular, um tipo fora do sistema que conta com o
apoio e a generosidade de muitas estrelas. Vivo dentro do mundinho
dos famosos há décadas e conheço suas conseqüências. Fui muito
amigo de Andy Warhol. Para mim é um dos principais artistas do século
20. Ele estava muito além de seu tempo.
AJ - Qual o seu próximo projeto cinematográfico?
JS - Chama-se “The Butterfly”. Falo de um homem que sofre uma
enfermidade e entra em coma, quando desperta está imobilizado e só
pode abrir e fechar um olho. Aprende a se comunicar com esse olho e,
dessa forma, é capaz de escrever um livro. É uma história sobre a
iluminação e a consciência pessoal. Quantas vezes estamos com o
corpo perfeito e não apreciamos, e até nos queixamos? Quase sempre.
Antonio Júnior (Brasil, 1970). Escritor. Autor de livros como O aprendiz do amor
(1993), Caprichos (1998) e Artepalavra - Conversas no velho mundo (2003). A
série de entrevistas que vem realizado com distintos nomes da arte e da cultura
em todo o mundo encontra-se em El Gitano (www.elgitano.blig.ig.com.br).
Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras do artista
Julian Schnabel (Estados Unidos).
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revista de cultura # 43
fortaleza, são paulo - janeiro de 2005
Lucia Vasconcelos: Lisboa - a felicidade
estranha da princesa
Teresa Martins Marques
.
E tu, nobre Lisboa que no Mundo
Facilmente das Outras és Princesa…
Luís de Camões, Os Lusíadas
O sugestivo título Lisboa - a
Felicidade Estranha da Princesa
(2003) pertence ao álbum de
fotografia e textos, publicado
em co-autoria por Lucia
Vasconcelos [1] e Francisco
José Craveiro de Carvalho, [2]
assinando a primeira as fotos e
o segundo o texto. O título é
uma escolha da
responsabilidade da fotógrafa,
a partir de um poema de
Francisco Craveiro, intitulado
«Girassol», que integra o livro Mais do que isto & uma Fotografia
(2002), [3] sendo esta fotografia assinada também por Lucia
Vasconcelos.
Na China, o girassol é considerado tradicionalmente um símbolo de
imortalidade, dada a sua característica heliotrópica e a própria forma da
flor que “imita” o sol. Assim com o tropismo da memória em direcção à
solaridade, à luz da consciência, à preservação do vivido, enquanto
função vital do espírito, enquanto princípio identitário. A cidade de
Lisboa, enquanto espaço físico, mas também de experienciação, tornase espaço metonímico do sujeito, espaço de capital importância à
procura do tempo encontrado na luz e na sombra.
O epíteto de princesa, atribuído a Lisboa, tem larga tradição literária,
nomeadamente em Camões, citado em epígrafe. A princesa simboliza a
promessa dum poder supremo, a primazia entre os pares. Mas
simboliza também virtudes em estado adolescente, que sugerem
incompletude. Virtudes ainda não dominadas, não exercidas. A princesa
é mais a heroína do que a sábia, o que não deixa de tornar interessante
a leitura do qualificativo de estranhamento, logo a partir do título em
correlação com o tópico da felicidade. O título descreve desde logo um
círculo hermenêutico de compreensão ligando o início com o fim,
colocando o poema-chave do título no final do livro, em associação de
imagem com a escultura de Fernanda Fragateiro – a girafa ao espelho
(Parque das Nações). O que não deixa de ser curioso, pois, a princesa
Lisboa é dada, deste modo, por interposta girafa, em sugestão
vaidosamente narcisista, até um pouco autista, por virar as costas a
quem passa, o que não deixa de ser um olhar crítico, deste lado do
espelho. Diálogo promissor, inscrito neste interessante título, a que
voltarei mais adiante.
Lisboa é uma princesa vestida a branco e negro, como a fotografia do
século passado, ou como o desenho do olhar de Lucia, uma fotógrafa
que não usa máquinas digitais, não usa flash e assume o risco do
negativo integral. A historiadora de arte Ruth Rosengarten refere-se à
circunspecção que se tem tornado como uma espécie de assinatura da
fotografia de Lucia, que pertence aos género de fotógrafos que mantêm
as distâncias, sendo isso evidente não apenas no enquadramento e nos
pontos de vista escolhidos, como também na escrupulosa insistência
em usar o negativo integral, que faz prova material da distância
mantida. Com efeito, o negativo integral tem de ter, à partida,
delimitado o próprio fim, isto é, a mensagem tem de ficar, desde logo,
esteticamente correcta. Lucia controla todo o processo da fotografia
revelando ela própria os seus filmes. Esta fotógrafa não pretende fazer
“postais” e o branco e o negro são as cores da essência do que quer
transmitir. Para ela, a fotografia é uma necessidade vital e não se
imagina a viver sem conseguir fotografar. Considera-a como um desafio
à morte dos seres e das coisas, na medida em que faz durar o que por
natureza é efémero. Assume este livro sobre Lisboa como uma
recuperação da cidade, dos cheiros da infância, do bulício ou da calma
das ruas, dos cantos e recantos da memória. As imagens vivem da
sombra e da luz e a fotógrafa faz a captura do instante fugidio do
presente, “le moment décisif “ como disse Cartier-Bresson. Fotografar é
fazer a iluminação do instante, enquadrar esse instante decisivo e pintálo com luz. Captação do presente, que, porque logo passa, não passa
de mera abstracção, como escreveu Martin Walser: “ Enquanto alguma
coisa existe, ela não é ainda o que um dia terá sido. Quando alguma
coisa já passou, já não somos aquele a quem ela aconteceu.” Diz ainda
Ruth Rosengarten: “Não é novidade para ninguém que as fotografias
mentem tanto quanto dizem a verdade. Qualquer enquadramento,
qualquer escolha de ponto de vista, qualquer decisão acerca da
abertura do diafragma ou da velocidade é, simultaneamente, um acto
de omissão, de exclusão. Isto em vez daquilo.” Na mesma linha se
inscreve o historiador Luís Farinha, que nos diz sobre a fotografia: “Não
podemos ignorar o seu poder de sedução, o fascínio das emoções que
transmite e o perigo da verdade que esconde ou da realidade que
manipula.”
A fotografia, como todos os processos artísticos (ou mesmo críticos)
não foge à inevitabilidade da escolha decisiva, por ser ela mesma acto
interpretativo do mundo. Manuel Portela, autor do prefácio, intitulado
«Fotografar a Escrita da Memória», entende que “deste livro se poderia
dizer que é uma autobiografia que tenta fotografar a memória. Não a
memória como documento do lugar, nem como nostalgia da experiência
passada, mas a memória como processo de subjectivização no intervalo
entre o vivido e a consciência do vivido.”
Da interacção livro/ leitor, enquanto fotografia dos instantâneos do
tempo, dão prova cabal as palavras de Manuel Portela: “Conjuro o dia
de ter estado ali quando as imagens latejantes escrevem em mim o ter
sido eu. Se o reconstruo assim é para melhor suster a sua chamada”. ,
Convoquei o autor Francisco Craveiro, para me ajudar a ler o título
junto de outros leitores. No verso “ O dia cai com os laços” viu o ele
uma alusão inversa da expressão “cai a noite”. É ainda o autor que me
esclarece a metaforização do dia, na caixa que se abre, deixando cair
os laços. A caixa com laços é uma caixa-presente que se dá e que se
recebe. Por outras palavras, dádiva, partilha, momento de festa com o
Outro, imagem poética, que é simultaneamente pensamento e
sentimento, metonímia do próprio acto da leitura do texto ou das
imagens. Antevisão da beleza gloriosa do dia que nasce, a originalidade
e melancolia de “cair”, neste contexto, torna-se particularmente
evidente, pois que associa, por antecipação, o momento de abertura do
girassol no verso seguinte e de cujo heliotropismo tira o autor férteis
consequências:
“O girassol começa a abrir-se para
o dia e, aberto, ele faz parte do
esplendor desse dia. Se
contagiados por esse esplendor
(todos nós experimentamos, uma
ou outra vez, momentos perfeitos
perante a natureza) nós seremos a
princesa da história que acaba
sempre por ser muito feliz. Mas a
felicidade é estranha, porque se
alheia, momentaneamente que
seja, a todo o sofrimento,
desespero do mundo. Felizmente
temos a capacidade do
esquecimento.”
Observe-se que este esquecimento
não é visto como alienação,
demissão, evasão, erosão do
sujeito face à realidade do mundo.
Bem ao contrário, ele é uma
espécie de motor de busca da
felicidade, que permite ganhar alento para encarar o mundo, o inferno
e o inverno dos dias, a chuva e o vento das relações humanas,
corroídas pelos desenlaces do tempo. O movimento de abertura
heliotrópica do girassol não pode deixar de associar a alusão erotizada
de um momento de amor, nos braços da princesa da história, a
felicidade do instante para suprir, colmatar, compensar a morrinha dos
instantes, que se alongam nos dias.
Adquirindo esta princesa, no contexto do álbum, um valor simbólico
acrescentado, por se transportar a sua significação para a
referencialidade de Lisboa, não deixa ainda de ser deveras interessante
a associação que, por essa via, se estabelece feminizando ainda mais a
cidade, aumentando o seu potencial de simbolização.
Ainda no texto-pórtico Manuel Portela chama a atenção para a “camera
lúcida” “do real, onde a história dos lugares e o registo do presente
mostram que os objectos têm uma vida própria”. Ou ainda neste outro
passo: “Os objectos deixam-se tocar pela luz para revelarem como a
sua materialidade se pode inscrever na memória. Os textos reclamamlhes essa materialidade por justaposição de indícios e vestígios”.
Desta justaposição constitui flagrante exemplo a associação
estabelecida nas pgs. 10/11: nada transmitiria melhor o claro-escuro da
flor, a periclitância da vida humana condenada ao perecimento, do que
estes versos de Gastão Cruz que Francisco Craveiro seleccionou: “A
beleza que deve então/ morrer/ dentro da alegria escolherá/ ruína terra
som melancolia”
São, pois, como diz ainda Manuel Portela, “ficheiros de memória
individual e colectiva que excedem o grão da imagem e o grão da
escrita. Instantâneos do tempo, arquitectados para se interromperem
mutuamente e para reverberarem para além daquilo que contêm”.
No texto que leu no lançamento do livro em Lisboa Francisco Craveiro
esclareceu-nos que “os textos que acompanham as fotografias são
autobiográficos, alguns num sentido próximo de Novalis quando dizia
que, quanto mais poético, mais verdadeiro”. Assim com a primeira
viagem a Lisboa, com uns onze anos espantados pela grandiosidade da
“catedral dos aviões”, os livros escolares da infância expostos nas
montras das livrarias e a imagem contrapontística do miúdo pequeno e
do grande pedagogo João de Deus, o poeta que definiu a vida (e que eu
tomo a liberdade de parafrasear) como sonho tão leve, nuvem que voa
e se desfaz como a neve e que como o fumo se esvai. Vida que dura
um momento, mais leve que o pensamento, vida que o vento leva,
como uma folha que cai. Do livro, da árvore, da vida. Como a de
Manuel Hermínio à transparência da pg. 8: “Foi R. quem me deu a ler
uma das suas últimas, se não a última, entrevistas. Guardei o jornal
durante meses. Durante anos hei-de lembrar-me da última resposta:
Que idade tem? 48 anos.”
A subtileza é, sem dúvida, a marca mais evidente desta escrita de
Francisco Craveiro, tal como o é também da sua poesia. Com uma fina
ironia, dá uma pincelada na frase transformando-a em leveza
mordente, densa de sentido. Eis um exemplo, entre muitos possíveis,
colhido na p. 26: “Não gosto de livros em segunda mão. Velhos podem
ser. No entanto, abeiro-me sempre, curioso, das bancas em pequenos
mercados de rua, como neste sábado acidental em que subo a Rua do
Carmo. // Dedicatórias, autógrafos são vulgares, relativamente. Mais
raros, cartões ou cartas pessoais, dando sinal, tristemente, de possíveis
herdeiros apressados.”
A memória literária, visível na alusão ou na citação, mostrando, sem
ostentação, a riqueza do universo cultural do autor, defendendo a
contenção poética (que pratica, como poeta): ”Devo a Sophia a
descoberta, há muitos anos, de que grandes poemas se podem
escrever com muito poucos versos. Três, quatro, menos até.” Francisco
cita o exemplo retirado de Victor Hugo :” L’ombre est noir toujours
même tombant des cignes.” Em tradução de Eugénio de Andrade: “É
sempre escura a sombra, até mesmo dos cisnes.” e o contraste
sombra/luz da imagem contígua, mais que o complemento, é a própria
continuidade da ideia que expressa. Como, nas páginas seguintes, o
homem que viaja no metro com uma incómoda bagagem desdobra o
autor a viajar com um desenho de Catarina Leitão e que constitui um
exemplo da saborosa ironia desta escrita: “Ao almoço o desenho não
pagou a conta, mas teve direito a mesa e cadeira.”. A realidade e
plausibilidades destas imagens desdobram-se pela memória também
em nós, leitores, em estranhas situações (lembro-me particularmente
de uma inquietante viagem no avião Porto-Lisboa com uma serigrafia
de Júlio atravancada à minha frente).
E o que é deveras surpreendente neste álbum é a afinidade
interpretante que se cria entre o texto e a imagem, constituindo uma
realidade de dupla performance criativa, a que apetece neologicamente
apelidar textimagem, numa tentativa de dizer a interligação que o
nosso olhar estabelece dos dois lados da página. Observem-se, deste
ponto de vista, as pp 154/155. Francisco Craveiro começa por fazer
uma evocação intratextual relativamente à página 108, sobre um
episódio de uma chave partida, que associa as chaves num minuto do
Areeiro, presentes na sua memória dos anúncios da infância, lidos n’O
Século. Veja-se como é retomada, mais adiante:
”Foi um pouco, um parecido espanto, como a história das chaves num
minuto da Fábrica do Areeiro. Devo ter tomado conhecimento desses
anúncios por O Século.// Não sei se a expressão é usada ainda hoje ou
se é apenas uma memória. Sê-lo-ia no fim dos anos 50 e nos anos 60.
Nessa obra que entra por Lisboa dentro, Gaivotas em Terra, David
Mourão-Ferreira usou-a como título de uma das novelas.// (e Francisco
Craveiro, meticuloso e colaborante com o leitor, indica em nota: Casal
Venha Lisboa). Pois, tudo muda. Em vez do enigmático Casal Venha
Lisboa queira descansar umas horas temos hoje, nos jornais, as loiras
ou morenas esculturais, meigas ou atrevidas, por detrás dum
telemóvel.”
Neste texto não apenas se faz uma homenagem de dupla direcção (ao
escritor-David Mourão-Ferreira e a um livro centrado em Lisboa) como
se sugere a mutabilidade do mundo, a evanescência da memória da
própria linguagem, e também a falta de subtileza das relações
humanas, associando uma ironia fina de perda incomunicante, numa
era em que tudo parece telecomunicar (mas havendo pouco a
comunicar). A foto escolhida pelos autores para fazer pendant com o
texto é, justamente, um par de namorados, que, no Jardim de São
Pedro de Alcântara, olham em frente, encostados ao gradeamento. O
rapaz está de costas para nós, a rapariga de perfil, mostrando uma
massa loira de cabelo e um corpo escultural, em directa consonância
com a representação textual. Mas, coincidentemente (e isto os autores
não podiam adivinhar), é precisamente o Jardim de São Pedro de
Alcântara que David cita amiúde, como local privilegiado de namoro,
nos textos inéditos do Diário Íntimo.
A homenagem a Lisboa, que este livro representa, vê-se duplicada na
citação/alusão a autores que, por sua vez, homenagearam Lisboa. É
ainda o caso de José Rodrigues Miguéis, através da convocação dessa
extraordinária figura que é Dona Genciana (in Saudades Para a Dona
Genciana), em associação à Pastelaria Suíça (também focalizada no
conto de Miguéis, intitulado Regresso à Cúpula da Pena). A alusão a
Sintra é também a de Eça em Os Maias, através da personagem
Cruges, a quem esqueceram as queijadas, transpostas agora para os
bolinhos de noz, no texto de Francisco Craveiro, o que potencia o nível
de significação do texto, por justaposição translúcida:
“Bolinhos desses, nozes era o seu nome, só da Suíça. E lá ia eu,
fazendo ao itinerário desvios inconvenientes, a encomenda sempre na
cabeça. Nunca havia muitos e havia sempre algum mistério sobre a sua
origem: Vêm de Sintra…”
Exemplo de flagrante frescura, como a de Dona Genciana na moldura
da sua janela, na Avenida Almirante Reis, nos começos da República
será a auto-ironia revelada no conjunto das pp.40/ 41: “Desço a
avenida, ao escrever lembro-me de D. Genciana embora fosse outra a
avenida, e entro na loja dos Museus. As canecas atraem logo a minha
atenção. Tenho dezenas. Stewart, há anos, disse-me qualquer coisa
como: Há várias explicações para o coleccionismo. Nenhuma é
agradável. Mas não hesito.”
Também nessa narrativa
migueisiana a ironia é uma das
chaves interpretativas, até mesmo
do ponto de vista extratextual,
porquanto Francisco Craveiro sabe
que é outra a Avenida, coisa que
não sabia o crítico João Gaspar
Simões, que interpretou a Avenida
de Miguéis como sendo a da
Liberdade , o que, aliás, mereceu
um remoque ao autor de Páscoa
Feliz elogiando, por contraponto, o
poeta presencista Carlos Queiroz.
Miguéis ficaria satisfeito se
soubesse que o poeta Francisco
Craveiro também não faz essa
confusão.
Lisboa - a Felicidade Estranha da
Princesa - constrói/cria/inventa
beleza sobre imagens reais que,
pela inevitável subjectividade da focagem, se tornam simbolizações do
próprio pensamento e do sentimento, que por serem realidades
estéticas são constructos ficcionalmente dialógicos, intersubjectivos,
plasmados numa forma mista de arte, relação sinergética que é
imagem com texto e contexto da imagem. Aquilo que designei como
textimagem e que será o equivalente ao que Manuel Portela considera
como motor poético da obra – “a energia metonímica e metafórica
condensada na relação entre as fotos e os textos”.
Folheamos este álbum com a sensação de ir à procura do tempo
encontrado nas dobras da memória, na espuma dos dias que passam,
no aro cintilante da luz de Lisboa, na penumbra discreta do crepúsculo
das casas, nos vultos fugidios de sombras, nas ruas estreitas da vida
desta cidade.
No tópico da felicidade está inscrita também a cidade nem sempre feliz,
feita de variações melancólicas, fruto da corrosão do tempo, mas que
desenham espirais de superação, construídas com imagens de
momentos decisivos, de palavras leves. E, sobretudo, de silêncios
densos. É esta a princesa estranha que, nas fulgurações da memória,
poderá valer a pena olhar. Para além das textimagens. Para ver o
invisível complexo, perplexo, reflexo que só alguns vislumbram.
NOTAS
1 Lucia Vasconcelos, nascida em Lisboa, em 1936, filha de mãe polaca
e de pai alemão, fez estudos especializados nesta área completando,
em 1985, o plano de estudos do AR.CO, em Lisboa, onde foi professora
entre 1988 e 1994 e frequentando também cursos de História de Arte,
de Literatura e Línguas. Lucia Vasconcelos tem vindo a participar, desde
1982, em diversas exposições individuais e colectivas, em Portugal e no
estrangeiro.
2 Francisco José Craveiro de Carvalho, nascido em 1950, é prof.
catedrático de Matemática, na Universidade de Coimbra. Desde os anos
setenta vem publicando regularmente diversas recolhas poéticas .
3 A colaboração artística entre Lucia Vasconcelos e Francisco Craveiro
revela-se também em Da História às Imagens- A Fábrica da Pólvora da
Barcarena 2002-2003, onde Lucia se encontra representada, num
trabalho fotográfico que implica uma simbolização imaginística da
canção de raiz popular «Ich hatt’einen Kameraden» em versão livre de
Francisco Craveiro. Segundo aponta Ruth Rosengarten, idêntica fonte
foi utilizada por Mahler na quinta canção Der Tambourg’sell (O Rapaz
do Tambor) do ciclo das canções Des Knaben Wunderhorn.
Teresa Martins Marques (Portugal, 1950). Investigadora literária e professora
(Ministério da Educação), é actualmente responsável pela organização do Espólio
literário de David Mourão-Ferreira. Autora de livros como O Imaginário de Lisboa
na Ficção Narrativa de José Rodrigues Miguéis (1994) e Leituras Poliédricas
(2002). Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras da
artista Lucia Vasconcelos (Portugal).
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desta edição
índice geral
banda hispânica
jornal de poesia
revista de cultura # 43
fortaleza, são paulo - janeiro de 2005
Música/ciudad: la ecología del sonido
Enrique Verástegui
.
El mundo de la ciudad, lo mismo
que el de la música, esta ligado al
fenomeno de la cultura que, a
traves, de diversos periodos
historicos se ha ido conformando
una característica especial: la de
una respuesta a fenómenos
concretos, como puede haber sido
la política y la economia, por
ejemplo. Si hablamos de cultura
lo hacemos en el sentido de cultivo del espíritu, la mente, y el
cuerpo, aunque también debemos recordar que hasta hace pocono más allá de 25 años- se hablaba de contracultura, como el
hecho que caracterizaba al fenómeno de sensibilidad y de
inteligencia que surgia en las ciudades. Por eso, el fenómeno de
la contracultura y de una sociología de la música hay que
estudiarlo en su contexto pues toda expresión cultural -poesia,
narrativa, pintura, teatro, escultura, affiche, cine, música,
comix, fotografia, música, happening, danza, arquitectura,
entre otros- tiene un contexto socio-historico que la sustenta.
En este caso, la música que se hizo en la época de la
contracultura, que fue la epoca de la guerra de Vietnam, y por
ello, la del surgimiento de una generación pacifista, estuvo
directamente ligada a la historia. En el mismo sentido, la
música que se hizo en las diversas fases de la civilizacion
occidental (me refiero, sobre todo, a Estados Unidos y Europa)
estuvo también ligada a los procesos socio-historicos que se
vivieron en las diferentes epocas en los cuales estos se
produjeron. Así, la Viena de los años veinte, por ejemplo, pudo
inventar tanto el positivismo lógico de Carnap y la música de
Alban Berg, por ejemplo. Ese refinamiento en el análisis (que,
en buena cuenta, seria una de-construccion) de la metafísica
sólo podia homologarse con el refinamiento de la música
dodecafónica, que encontraria en Shomberg, Alban Berg y
Mahler sus maiximos exponentes, sin citar a otros que
pertenecieron al mismo circulo. Todo, ciencia y arte, esta
relacionado, dice Ilya Prigogine en su libro La nueva alianza, y
es bueno que ello suceda asi. Hasta la caída del muro de Berlin,
el mundo fue una cosa y, luego de esa caida, el mu do sólo
podra ser otra cosa, aunque entretanto los caminos de una
nueva utopia (pues finalmente las utopias han sido, en cierta
medida, el motor de la historia) se reorganizan en torno a un
pensamiento libertario. Si el mundo se ha quedado sin utopias,
desde Berlin, lo mismo no ha ocurrido con la música que, sin
embargo, necesita también de utopias para sobrevivir. Por otro
lado, el lugar natural de expasión de la música ha sido la
ciudad, donde, reciclada, ha iluminado las mentes y los
corazones de millones de oyentes. Una historia de la música de
las decadas recientes no puede hacerse sin recurrir a una
historia de las ideologías que estuvieron (y, en las nuevas
condiciónes, continuan estando) en pugna, como la ecología,
los movimientos espiritualistas, los movimientos feministas, los
diversos movimientos artísticos, los movimientos libertarios:
habrá que volver a Georges Politzer o, si se prefiere, a Louis
Althusser, que se enfrentaron gallardamente a la ideología
dominante, pero también habra que reconocer que en las
entrañas mismas del capitalismo se genera un arte vital,
libertario, universal, y b ello, como el rock and roll. El rock and
roll como nueva utopia, entonces. Una utopia que, sin recurrir a
la violencia, ha diseñado la sociedad de tal modo que el
pacifismo que moviliza a millones de personas en el mundo (o
grupos más radicales, como los ecologistas) han llegado al
poder, como en Alemania, Austria, y Suecia para precisar el
sentido de sociedad en la que queremos vivir: una sociedad
humana que respete la naturaleza. El Pentágono acaba de
desembalzar un documento en que se afirma que los nuevos
enemigos ya no son las guerras convencionales, ni el
terrorismo, sino el cambio del medioambiente en el planeta: se
combatirá por água y comida, afirman. En esas condiciónes, la
percepción de quienes hacen una música New Age se presenta
como misteriosamente profética: sólo el Espíritu, como dice el
filósofo catalán Eugenio Trías en su libro La edad del espíritu,
podrá salvar al mundo. Si quienes hemos tenido una formación
musical académica, o clásica, dentro de lo que cabe, no hemos
querido alejarnos del mundo para no dejar de gozar la música
del rock and roll, también habrá que recordar a los nuevos
rockeros que la música de la urbe que primó en los años
setenta fue precisamente el rock sinfónico. El que surgió, sin
duda alguna, por influencia de Yoko Ono sibre John Lennon y,
con esa diversidad de opiniones, dividió a The Beatles, que no
pasaban a la amante del beatle asesinado.
Sin embargo, no sólo las últimas decadas sino todo el siglo XX
ha estado impregnado de nueva música que, década tras
década, o período tras período, ha propuesto nuevas formas
musicales. Unas formas directamente ligadas a los avances de
la tecnología que, desde el lejanísimo fox-trot, que se difundía a
través de las vitrolas, hasta el mismo jazz, surgido casi en la
misma época, han sido una metáfora de la técnica que, para
bien o para mal, ha revolucionado al mundo, entregándonos la
realidad de la belleza. Marx tenia razón en sus análisis de la
economía del mundo pero no la ha tenido tanta respecto a la
cuestión política, como cuando decía que lo que había que
hacer era “transformar el mundo”, cuando todos los artistas
sabemos que la chispa que impulsa al arte es embellecer el
mundo, presentándolo como realidad transformada. Se trata de
un asunto del método de la pre-duccion (un método inventado
por mi, que lo expongo en mis libros de filosofía El modelo del
teorema y Apología pro-totalidad) donde las cosas deben
desconstruirse hacía su esencia: la música es un producto del
alma que sin el cuerpo no funciona. Sin embargo, no es de mi
filosofía de la que hablo sino que, a través de este ensayo, la
expongo como um acercamiento a la música que, al final, no
sólo ha diseñado los cuerpos (la esbeltez y la lucha contra el
colesterol son impensables sin el rock and roll, por ejemplo)
sino, también, las ciudades: los grandes rascacielos, que no
sólo se ubican en Manhattan sino a lo largo del río Sena en
Paris y en todas las grandes ciudades del mundo, como Tokyo y
otras. Pero esas ciudades han tenido crecimientos diversos,
como las ciudades del Tercer Mundo o, sin ir tan lejos, como la
propia Polonia, donde el despoblamiento de los campos
desactiva la agricultura, creando corrientes migratorias hacia
las ciudades que, tal como han sido diseñadas, ya no abastecen
en água y energia a sus pobladores. sólo la música, tal como se
ha expandido, parece satisfacer las necesidades espirituales de
la población mundial: ahora el rock and roll ya no es
norteamericano sino universal, como su imperio, aunque este
imperio se encuentra cada vez más problematizado con los
nacionalismos y la reivindicación étnica surgidos de la pobreza
que conlleva la mundialización de la economía. Habría que
preguntarse si el imperio produce el rock, o si, como parece
más claro, el rock ha producido el imperio? No lo sabemos, pero
lo probable es pensar que el rock es parte indisoluble de
nuestra vida y que, sin rock, no sentimos el mundo. No sólo sin
rock, tampoco sin cualquier tipo de música que se hace ahora
en el mundo podemos pasárnosla tan bien. Sucede que somos
producto de una civilización avanzada o, mejor dicho, somos
producto de la radio, el televisor, los videos, el cine y, ahora, la
Internet: sin la woodman ni la música stereo no somos nadie.
Existimos porque escuchamos música: musicalizo, luego existo,
diría el estudiante underground que asiste a clase de filosofía
en la universidad. Pero lo mismo diría el gerente, la mujer
profesional, la ama de casa, el pequeño capitalista. Sin música,
y no necesariamente sin rock and roll, porque, por ejemplo, en
Perú, los pequeños nuevos capitalistas escuchan músicas
híbridas como la “chicha” (que es una mezcla de cumbia
colombiana y folklore andino) ya que del fragor de esas
ciudades que han recibido a nuevos inmigrantes que han
llegado para capitalizarse han surgido esos nuevos tipos de
música que, como sucede en Lima, van dejando paso a las
netamente folkloricas.
Mi visión pasa por Paris y New York
pero no puede impedir detenerse
en Lima, por ejemplo, ya que
siendo peruano que ha recorrido el
mundo no puedo olvidar tampoco
las diversas experiencias musicales
que he vivido a lo largo de mi vida.
Al hecho de ser peruano se agrega
mi condición de latinoamericano: la
música que he escuchado, desde
niño, ha sido siempre una música
proveniente de todos los lugares del mundo y, por tanto, no
sólo soy peruano y latinoamericano sino, también, un hombre
formado en las mass media: periódicos, radios, televisión. Si
bien es cierto que a los cinco años una prima hermana, que me
llevaba muchos años de edad, me hacia bailar rock and roll con
Billy Hollyday y sus Cometas también lo es que, andando el
tiempo, gustaba de los corridos mexicanos y que, antes de la
pubertad, me deleitaba con las rancheras de la revolución
mexicana que cantaba Nat King Cole en unas películas donde la
voz aterciopelada de este mulato era lo que más me
estremecía. La radio, por tanto: ese pequeño aparato donde
salían todo tipo de músicas que hacían que mi imaginación
vagara por el mundo y que mi sensibilidad se extasiara con el
sonido mismo, con la música misma que hacia que mi espíritu
se elevara por el cielo. Si hablo del corrido mexicano, igual
puedo hablar del tango: ese himno de guerra a los amores
perdidos o prohibidos, que ha hecho que lo cantemos: “siglo
veinte/porquería”, dice el tango Cambalache pero igual
podemos volver con la frente marchita, las nieves del tiempo
poblaron mi sien. Cada nuevo gobierno militar que se hace del
poder en Argentina prohibe Cambalache precisamente porque
es la eterna protesta del pueblo argentino ante el imperio de la
barbarie. Ahora sé que el tango no es sólo una música de
amores prohibidos sino, también, una danza sensual que
permite a los cuerpos expresarse libremente, a pesar de las
reglas que lo conforman. Sin embargo, la gran olvidada de los
medios de comunicación masiva es Chavela Vargas, esa
guatemalteca residente en México cuya voz, que surge de sus
entrañas de mujer siempre en busca de marido, constituye una
imagen misma de la belleza. La radio y, después, los cassettes
y los CD han hecho que escuchemos todo tipo de música en
esta aldea globalizada, como la denominó McLuhan. He escrito
todo un libro sobre la ciudad, en el que Henri Lefevre sustenta
las bases teóricas, pero la música hasta entonces sólo me había
servido de soporte para la creación de l proyecto de Etica, en el
que, metáfora de los tiempos, me intereso sobre todo por la
estructura musical para darle ese sustento que tanto ha
seducido a mis lectores en lengua castellana. A los 22 años, en
un apartamento de San Isidro, el corazón financiero de Lima, o
la Manhattan limeña, salvando las distancias, descubrí la
música afro-peruana que interpretaba Nicomedes Santa Cruz,
formado en Lima y muerto en Madrid, con esa voz ronca a lo
Satchmo que se lamentaba de la triste condición de los negros
peruanos pero también de su esperanza (“negro será
Presidente”). No lo había escuchado antes porque en casa se
hablaba del criollismo, como “música de callejón” -una sola
calleja pequeña rodeada de conventículos que no poseian
desague pero que tenian un sólo caño de agua, donde vivian los
más pobres de la ciudad-, hasta que se produjo la revolución
velazquista y la “música de callejón”, igual que el tango que
había salido de los burdeles, se posesionó de las estaciones de
televisión. El Perú es un país plurilingüe, multirracial y mestizo.
Nadie, que yo sepa, hasta los años 60 escuchaba el folklore
andino, salvo los campesinos que escuchaban sus huaynos a las
4 de la mañana por radio El Sol en un programa dirigido por
Pizarro Cerrón: la música del Ande no se escuchaba en la
ciudad, entonces tan pequeña, apenas un millón de habitantes,
pero luego de la revolución velazquista, y con el auge de los
nuevos medios de información masiva, el folklore andino ha
llegado a las pantallas de los televisores. Hoy el Perú está
totalmente andinizado pero la música criolla, esa que realizó la
gran Chabuca Granda, conserva aun su señorio y su prestigio:
esa música expresa al Perú mestizo, el que ha hecho las más
grandes realizaciones del espíritu en este lugar del océano
pacifico. Ya no existen “callejones de un sólo caño” pero la
música criolla se ha expandido a todo el Perú, siendo un signo
de elegancia el escucharla, como vivir en los Condominios
(espacios arquitectonicos más pequeños que las urbanizaciones
pero con todos los avances de la civilización, como una
Vanlieuse). La música ha cambiado al Perú, pues, pero igual
que el Perú se podría afirmar que la música ha cambiado al
mundo: los nuevos espacios arquitectónicos se han hecho en
todo el mundo (y cuando digo todo el mundo, me refiero sobre
todo a occidente) a ritmo de la música, preferentemente el rock
and roll, pero también la música clásica. Sin música clásica no
habría conciencia de música, dado que esta contiene todos los
elementos que permiten que determinados sonidos sean
considerados como música, y estos elementos -al igual que los
experimentos en pintura, y las demas artes- han permitido a
los arquitectos diseñar un nuevo tipo de ciudad: una ciudad
ecológica (o ese es el ideal) donde abunden los parques,
jardines y areas verdes, a imagen de una naturaleza tan
soñada como deseada. El mundo de la ciudad también es el del
comix, al menos del comix tal como lo disfruté en Paris: Metal
Hurlant y Ah Nana, donde el mundo del futuro -un futuro que
se aparecía deseoso y lleno de imágenes geométricas, como en
Escher- estaba a la vuelta de la esquina, con su revolución
sexual y las muchachas y los muchachos trenzándose en cada
esquina, mientras el ruido del rock and roll apagaba los
gemidos del orgasmo. Y es que la ciudad, desde la edad media
al renacimiento, y de este al siglo veinte y al siglo veintiuno, ha
ido creciendo hasta abarcar todo el planeta. Baste leer las
novelas de Asimov para darse cuenta que las ciudades
proliferaran en los mundos intergalácticos, donde las mentes
seran el campo de batalla de nuevos Harry Sheldon. El filósofo
danés Soren Kierkeegaard decia que el poeta es alguien que
pronuncia bellas melodías pero con una angustia detrás: cierto,
la música es bella pero detrás de la música cuanta angustia,
cuanta locura, cuanto deseo no consumado. Sin embargo, la
música es una realidad perfecta: más allá de ella, sólo los cielos
galácticos, como lo demostró, en estos dos casos, el
matemático Pitágoras. Un arquitecto que no escuche música es
alguien alejado de la perfección, la que también se plasma en la
pintura, que no sólo es una utopia sino también una imagen del
porvenir. En el centro Georges Pompidou para las artes
observé, más de una vez, extasiado, los planos futuristas de
ciudades que había imaginado Malevicht, ese pintor soviético
perteneciente a todas las escuelas que tenian que ver con la
productividad. La ciudad del futuro se presenta como el futuro
de la música: antes lo fue el jazz y ahora lo es la New Age,
donde Kitaro, espíritualísimo, fusiona ritmos orientales con
quenas andinas. Se trata de formar una nueva conciencia: la
lucha por la ecología -mas parques, más areas verdes, más
lagos- implica defender al hombre, amenazado por su industria.
El hombre por si mismo no se sabe defender y, más bien, se
autodestruye pero crea elementos que lo protegen, como las
computadoras. Uno de esos elementos de protección con que
cuenta el ser humano es la música, siempre que sea música, y
no simple ruido, aunque el año 2004 el músico aleman
Stockhausen realizó un concierto en que se utilizaron
helicópteros, como se vió por la televisión. La música serial ha
reciclado la ciudad: todo desperdicio -llámese ruido ambientalsirva para hacer música, y de la buena. Todo esta, pues, en
interrelación: la industria contra la que tanto hablamos crea los
elementos que, desde el campo del arte, permiten controlarla.
La ciudad ha crecido y la música también: hasta las
computadoras -me refiero al teclado de las computadorastienen su música, y no faltará el momento en que los robot nos encaminamos a un mundo robotizado- bailen al ritmo del
rock and roll, que parece no envejecer, ya que no hay cuadra
de la ciudad que no posea sus adolescentes con la guitarra
electrica y la bateria funcionando, como un corazón, para crear
nuevas canciónes que enamoren a las muchachas. Esas
muchachas que son también rockeras, como sus pares, y que
hacen al rock más atractivo : en la belleza de esos cuerpos
sensuales nos deleitamos y hasta queremos aparearlas. La
historia de la música (sobre todo, la del rock) hecha por
mujeres está por escribirse: allí está, por ejemplo, Patti Smith,
que, desde el punk de fines de los setenta, ha desarrollado una
música llena de energia, sensualidad, belleza. Al lado de Patti
Smith (o Madona, que eligió un mulato cubano como padre de
su pregenie), españolas como Rocio Durcal, esa “gata bajo la
lluvia”, Marisol, Rocio Jurado, Paloma San Basilio, o Massiel, esa
cantante de la voz perfecta y el cuerpo tan sensual que yo
mismo he preparado mis maletas para viajar a España no a
conquistar otra cosa sino el cuerpo de Massiel, cuyo
“brindaremos por el” realmente me parece fascinante: una vez,
al cruzar unas cartas con Roberto Bolaño, este escritor me
decía que prefería las cantantes de piernas delgadas, como las
inglesas, pero yo le respondia que el cuerpo de Massiel me
parecia tan sensual que me gustaría aparearla: en ese cuerpo
espléndido, ese rostro bellísimo, y esos gestos elegantes, se
materializaba su voz aterciopelada. Sin embargo, de este lado
del Atlántico tampoco las mujeres se quedan atrás: desde la
Tormenta argentina que cantaba “Adiós chico de mi barrio”
hasta la peruana Regina Alcover recuerdan algo que no se debe
olvidar: todavía, cuarenta años después de haber surgido como
la “música de la nueva ola”, se sigue escuchando esa música de
letras bellas como el espíritu, que han forjado hasta tres
generaciones de terranautas: al ritmo de esa música, por
ejemplo, han crecido las ciudades en Perú, donde las radios
continuan pasándolas y donde la gente se continua reuniendo
en torno a esos chamanes, que eso son los cantantes de nueva
ola, quienes aconsejan sobre lo mejor que se debe hacer en el
levantamiento de una nueva urbanización.
Esa música de la nueva ola
siempre me pareció
metafórica y extrañamente
erótica, que a mis quince
años me seducia con letras
tales como “sabor a
salado/de mar encrespado”
donde, obviamente, el sabor
a salado que el cantante
solfeaba con fuerza era el
sabor de la vulva mojada por
la fruición del amor. Los de la nueva ola son una generación
que ha dejado hondas huellas en el comportamiento de la
gente: allí estan, entre otros, Leonardo Favio, Sandro, Leo Dan,
Piero, y Palito Ortega, que hizo una carrera politica
extraordinaria en la Argentina. Enrique Guzman, Cesar Costa, lo
mismo que el Raphael de “yo soy aquel/que cada noche te
persigue”, o el Julio Iglesias de “la vida sigue igual”, lo mismo
que el Duo Dinamico (una pizca de flamenco en el rock español
lo hace enormemente atractivo) que cantaba “esa mirada tuya,
que me turbaba,/esa mirada tuya, maravillosa” siendo
poetizadas además por el poeta Felix Grande en Blanco
Spirituals, han sido, y son, adalides de una nueva sensibilidad
que ha sentado las bases sobre las que se has levantado esa
enorme civilización musical donde ahora las guitarras electricas
desgarran la atmosfera. Los peruanos, Joe Danova, Jimmy
Santi, Cesar Miranda, los Sheins, Cesar Ishikawa y los Doltons,
han determinado toda una manera de ver las cosas en Peru y la
civilización urbana, aunque andinizada, que ahora impera entre
nosotros le debe todo a este casi inmenso grupo de cantantes
que una música casi espíritual y con unas letras hermosas han
guidado el modo de ser de los peruanos. La ciudad se ha
levantado, pues, a ritmo de la música y la música ha sido hecha
para levantar la ciudad. Gerardo Manuel, caballero del rock que
mantiene vivo el culto por The Beatles, y Daniel F, exponente
del rock del siglo XXI, se dan la mano en Peru, donde todas las
mezclas son posibles. La fusión rock/folklore andino fue hecha
por el grupo El Polen y su canción “Walicha” ha quedado como
un himno de combate, exactamente como el Desiderata que
interpretaba Manolo Galvan en la canción hablada. Una noche
en un pub miraflorino alguien me presenta a Miki Gonzalez,
español nacionalizado peruano, que hace un extraordinaria
música fusión de muchas cosas, y estoy seguro que se da la
mano con el también mitico Andres Soto, sociólogo, compositor
de música afro-peruana y de El Tamalito, que cantan Cecilia
Barraza, Eva Ayllon, y Susana Baca, ganadora del Grammy
latino. Augugusto Polo Campos, cuando canta sus valses
criollos, dice: “yo soy la Guardia nueva”, en referencia a toda la
tradición del criollismo peruano, y Eva Ayllon, que tiene una voz
potente, canta “que somos amantes,/que lo damos todo a la luz
del alba” (vals de Jose Escajadillo). Susana Baca sólo canta
música hecha especialmente para poemas y, en México, Tania
Libertad, que ha grabado con Serrat, hace otro tanto, aunque
me pone celoso cuando canta a duo con Armando Manzanero.
Los cantautores, desde Pablo Milanés, Silvio Rodríguez y la
revolución cubana, hacen otro tanto, aunque quizá Atahualpa
Yupanqui, que internacionalizó el folklore andino, fue el primer
cantautor de estos lados del Atlántico, a quien sigue Mercedes
Sosa, Victor Jara, Daniel Vigilietti, Patricio Mans, León Grieco,
Zitarrosa, que identificaron vida con ideología para enfrentarse
exitosamente a las feroces dictaduras militares del cono sur.
Ahora los cantauotres son legión, pero sobre estas bases se ha
fundado la ciudad, la que, igual que un tulipan, se eleva hacia
el cielo, espléndida y misteriosa. El mundo del rock, que tiene
mil y una variantes -no podemos olvidar las baladas de los
sesenta y setenta, ni a Estela Rabal (“la casa del sol naciente”)
que se sigue presentando en los teatros de Buenos Aires con los
exitos de los Cinco Latinos, o a Marta Serra Lima que es “la voz
que se transforma en mujer”-. ha hecho posible una civilización
más humana, a pesar de las guerras, determinadas sólo por
unas cuantas personas, contra las que manifiestan millones de
personas en todo el mundo. Pero la música continua y la ciudad
crece: más allá de la música no hay nada, sólo un silencio que
investigó con fruición John Cage en las muchas piezas
musicales que creó y en Silence, ese libro sólo para iniciados.
De paso, una canción que hizo furor a comienzos de los
setentas, y que fue interpretada por Simon & Garfunkel, se
llamó precisamente The sound of silence, después que le dieran
un sabor especial a El condor pasa de Daniel Alomias Robles.
Pero Silence, y Del lunes en un año, los más importantes libros
de John Cage, que ahora en pleno siglo XXI están en boga,
marcaron toda una época y los experimentos musicales se
suceden dia tras dia: Jaime Oliver, en Perú, hace música de
computadoras empleando instrumentos nazca. Arturo Ruiz del
Pozo ha realizado conciertos de música serial e instrumentos
andinos en Marcahuasi, a varios miles de metros de altura en
las cordilleras limeñas, donde se aparecen los OVNIS. La
música no sólo ha influido en la expansión de la ciudad sino en
todo tipo de creación artística: no hay poema, y cuando digo
poema me refiero a esa estructura capaz de contenerlo todo un poema total, donde se ensamblen las formas dramáticas,
narrativas, líricas, ensayisticas-, no hay grupo de teatro
experimental, no hay nueva película que se precie de serlo, no
hay nuevo condominio, que no tenga que ver con las
estructuras de sonido y silencio, estudiadas por Cage, Pierre
Boulez, Stockhausen, Xenakis, Luigi Nono, y otros, que a su vez
han sido influidos por el jazz. El tango suena bellísimo después
de Astor Piazzola, y hay que escuchar a Piazzola, quien le ha
dado nueva energía al tango y, además, un tono elegante. La
ciudad se ha construido sobre la base de la música, que
también es silencio, lo que se prueba si se estudia el Carmina
Burana de Carl Orff, por ejemplo.
En todos los supermercados de la
ciudad hay, adosados a las paredes,
parlantes desde donde se desprende
la música y también los hay en los
hospitales. Antes, en el colegio donde
estudie, desde algun lugar que
siempre supuse era la oficina de los
profesores, se escuchaba la música de
los Beatles, y The Rolling Stones, y yo
me sentía en el centro mismo de la
civilización de occidente. Sin
embargo, tampoco olvido al oriente:
el alemán Lila, un sacerdote de los
Hare Krishnas, ha compuesto una
sinfonía electrónica titulada
Meditación Cósmica. La música electrónica avanza a toda
velocidad y, ya en el siglo XXI, nuestra sensibilidad, formada a
lo largo de décadas por las diversas líneas musicales que se han
desarrollado, se encuentra capacitada para unir computadora,
música, y ciudad. Música serial, música aleatoria, música
electrónica: tres líneas para definir una sola estructura: la urbe
se encuentra globalizada no sólo por la economía, que ese es
otro asunto, sino por la tecnología, y eso viene desde McLuhan,
que volvió al planeta una aldea global. No obstante, esa utopia
negativa de J. G. Ballard, Billenium, donde la ciudad crece
hasta ser una inmensa megalopolis que se traslada incluso al
espacio, y donde quienes deciden son las agencias
inmobiliarias, parece haberse cumplido. Hacia donde nos
dirigimos? Si hay algo de conciencia en la pasión musical, esta
tendrá que ecologizar la ciudad: más areas verdes, y más
lagos, unidos a una economía que permita el funcionamiento de
los parados; el funcionamiento artístico, quiero decir. Inmensas
migraciones se vienen produciendo en todo el planeta y quien
tiene conciencia de esas migraciones es un musico: Jean Michel
Jarre, quien no sólo a traves de Equinoccio, sinfonía que me
seduce desde mi epoca de Paris, sino también de Oxigeno, El
viaje al extremo oriente, y otras sinfonías, ha propuesto unir la
televisión para millones de televidentes, aparte del millón de
personas que asiste a sus conciertos, y los fuegos artificiales,
para generar un nuevo estado de conciencia que no es sólo
conciencia social sino también conciencia espiritual. La utopia
negativa se transforma, así, en utopia positiva y, en la
experiencia de la música de Jean Michel Jarre, encontramos una
imagen de nosotros mismos: somos más perfectos porque la
música nos ha perfeccionado, haciéndonos fuertes y delicados,
bellos y atroces, dulces y ácidos. Una conciencia universal la
tiene, por ejemplo, Pink Floyd cuyo The Wall es una flor misma
de la mente. Esa misma conciencia la tiene Leonard Cohen,
aparte de extraordinario músico, un extraordinario poeta, y un
extraordinario novelista. También la tiene Lou Reed: exímio
poeta, exímio músico, cuya voz delicadamente marcial se
desgarra en cataratas de terciopelo que nos envuelven y nos
visten para hacernos más fuertes. También la tiene Chico
Buarque de Holanda (“que será, que será,/lo que cantan los
poetas más delirantes”, como escuchaba en las radios de Paris
de fines de los setentas), otro extraordinario novelista de la
lengua brasilera. La música es planetaria y cuanto quisiera yo
que las grandes disqueerqs pusieran a la moda en todo el
mundo El tamalito de Andres Soto, interpretado por Cecilia
Barraza, Eva Ayllon, Susana Baca -a quien conocí cuando, a
comienzos de los setentas, cantaba en los bares intelectuales
de Lima, y me dedicaba canciones a mi, que gustaba del bossa
nova, el jazz y el mambo- y todas las mejores cantantes del
mundo: la música de mi país seria conocida y Andres Soto,
igual que el Vinicius de Moraes de Garota de Ipanema, sería
considerado un gran compositor en las caves intelectuales de
Paris, como podría serlo José Escajadillo. Igual que lo estan
Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil, Gal Costa (“ni bien
matabas,/ni bien morías”), el poeta Caetano Veloso, que
impusieron el bossa nova en el mundo quizá porque Vinicius de
Moraes es también un eximio cronista de su lengua que lee al
poeta español Garcilazo. Para Navidad, Luisito Aguile, que tiene
varias novelas publicadas, me quedó con “ven a mi casa esta
navidad”, y es que me suscita emociones nostálgicas por un
mundo por venir. En mi país, Mabela Martínez, una disjokey
que tiene la mente en claro, dirige un programa que se llama
“Sonidos del mundo”, en radio Stereo 100, una radio en FM que
pasa continuamente música de los años setenta: Mabela
Martínez, que también ha trabajado en Canadá, ha llenado de
nuevos sonidos al Peru con una programación que incluye
música de los cinco continentes. Esa será la música del
porvenir: música de los cinco continentes, grabadas por las
grandes disqueras, para disfrute de los melómanos que no sólo
quieren escuchar buena música sino también vivir el ambiente
en que esta se produce. Vivimos el siglo XXI, la era de la
mundialización no sólo de la economía sino de todo tipo de
relaciones humanas, y sólo queda pedir que la música se
universalice a través de los medios de la “reproductibilidad
técnica”, como llamó Walter Benjamin a los avances
tecnológicos. En esa música Locomía (“Gorvachov es garantía”)
decepciona, a pesar de su coreografia de grandes abanicos pero
Roxy Music logra mover las entrañas, hasta que llegó Soda
Sterep, Indochina, y los Hombres G cuyo cantante de voz
aterciopelada vuelve a poner “Venecia” en nuestras
habitaciones. La música ha contribuido, asi, a la
universalizacion de la belleza, que es la ciudad: un lugar para la
creación de todo tipo de actividad artística y científica. Sin
ciudad no hubiera habido música (los chamanes de la tribu
hacian sonar sus sonajas para que caiga la lluvia) pero es
seguro que sin música no hubiera habido ciudad tal como la
conocemos: inmensos rascacielos, aire acondiciónado, grandes
ventanales, calefacción. Una música en cierto modo ecológica
ha sido la de Bob Dylan, como la de Joan Baez, pero “a mi
manera” de Matt Monrro me lanzó a Europa, donde, entre otras
cosas, escribi mis libros y fui al cine-club. Tampoco el cine
hubiera sido igual sin la música: cada encuadre, cada flashback, cada plano tiene una banda musical que suscita no sólo la
atención sino, también, la emocion y el pensamiento. Todo esta
relacionado y, en esa relación: música/ciudad, hemos hallado
un destino que vamos a legar a nuestros hijos. La música
italiana lo dice bastante claro: el Volare de Domenico Modugno,
bien pueden repetirlo Rita Pavone, o Angela Carra. Al descubrir
la música afro-peruana descubri también la canción francesa:
desde Edith Piaf, pasando por Gilbert Becaud hasta la
actualísima Nana Mouskouri. El mundo de la música es tan
importante que el matemático Pitágoras estudio su escala, y
Jean Jacques Rousseau, el mayor de los estilistas franceses, lo
mismo que Federico Nietzche, otro de los grandes estilistas del
idioma aleman (así se considera el filósofo en Ecce Homo, su
ultimo libro antes de caer en la locura), escribieron música. Así
yo, guiándome también por Nietzche, escribí no hace mucho
una opera New Age titulada Andrómeda, que, en realidad, son
diez canciones, que buscan una disquera para que alguien -ese
alguien debe amar la paz, la vida, la belleza, y el conocimientolas interprete: una manera de contribuir al sentido de la lucha
por un mundo mejor, un porvenir ecológico, y una ciudad
sensibilizada respecto de todo lo humano. El grupo sueco Abba
tiene una canción que sintetiza muy bien el espíritu de este
ensayo: “Gracias por la música”. El mundo de la música es un
producto genético y la ciudad también: interrelacionadas, no
queda sino celebrar el paisaje musical que ha determinado
nuestro destino.
Enrique Verástegui (Peru, 1950). Poeta e ensaísta. Autor de livros como Terceto
de Lima (1992), Apología pro totalidad: ensayo sobre Stephen Hawkings (2001) e
Teorema de Yu (2004). Contato: [email protected]. Página
ilustrada com obras do artista Mario Maffioli (Costa Rica).
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jornal de poesia
revista de cultura # 43
fortaleza, são paulo - janeiro de 2005
Remedios Varo: pintora mágica de lo
surreal
Carolina Moroder
.
Una de las voces más poderosas del
arte latinoamericano, Remedios Varo,
tiene una obra que abarca tanto su
país natal, España, como su país
adoptivo, México, en una simbiosis
tan surrealista como su propia vida.
Su fascinación por la alquimia, por lo
oculto, por el medioevo y por las
ciencias en general, está siempre
presente en su pintura y su literatura.
Existe además una relación entre los
libros que leía y cómo éstos influían
en la narrativa de sus obras, por
ejemplo, al expresar una teoría
científica que se estuviera trabajando en ese momento y que
ella plasmaba en el lienzo.
Su obra -considerada surrealista-es de carácter narrativo,
siendo esta característica una de las más atrayentes para el
espectador, quien puede imaginarse todo un relato con sólo
observar un cuadro.
1. Perfil de una vida
María de los Remedios Varo y Uranga nació el 16 de diciembre
de 1908 en Anglés, un pueblo al norte de Barcelona. Su padre,
Rodrigo Varo y Zejalbo, era ingeniero hidráulico, mientras su
madre, de origen vasco, Ignacia Uranga y Bergareche, era una
mujer de su época, dedicada a la familia y a Dios. El trabajo del
padre los llevaría a viajar por toda España e incluso al norte de
África, por lo que Remedios entra en contacto desde muy
pequeña con otros mundos y otros paisajes. De esto dice
Edouard Jaguer: “Toda la infancia de Remedios transcurrió en
peregrinaciones terrestres y marítimas.” Y añade que “en los
cuadros de Remedios circulan, por montes y valles, los
vehículos más extravagantes que puedan imaginarse; y, de la
bruma ligera a la ola impetuosa, el agua desempeña en ella un
papel primordial. El agua, ese elemento cuyos caprichos domó
antaño el padre de Remedios con el auxilio de mil complejas
maquinarias”.
En este contexto, es necesario hablar de sus padres, puesto
que la influencia de ambos será decisiva en su desarrollo como
artista y mujer moderna.
La madre era una ferviente católica, quien inculcó a su hija a
ser una mujer digna de Dios y a temerle al demonio. Su padre,
en cambio, era un librepensador, ateísta, muy moderno para su
época, quien hasta aprendió a hablar esperanto. Le inculcó a su
hija respeto por la razón, el amor a la ciencia y le enseñó desde
muy pequeña cómo hacer una perspectiva perfecta. De estas
dos fuertes influencias el escritor Peter Engel dice que
“Remedios Varo vivió, como murió, suspendida entre dos
mundos...luchando por reconciliar lo mítico con lo científico, lo
sagrado con lo profano”.
Fue así como su madre la dejó interna en un colegio de monjas,
de cuya experiencia dejó Remedios tres cuadros (que ella
consideraba como un tríptico) una de sus obras autobiográficas
más interesantes: “Hacia la torre”, “Bordando el manto
terrestre” y “La huída”.
En el primer cuadro de la serie (“Hacia la Torre”) un grupo de
jóvenes idénticas (todas su autorretrato), uniformadas de azul
oscuro, van en bicicleta detrás de la madre superiora, una
mujer de cara aburrida y severa. Se las ve saliendo de una
torre que parece una colmena, ya que todas las habitaciones
son rombos de igual proporción, aparte de uno más grande,
que parece el símbolo de una capilla, superior a todos los otros
espacios. También aparece un hombre de aspecto sombrío, su
perfil es Remedios de adulta, con una nariz protuberante, (la
que aparece en otras de sus obras, llenas de humor) y de cuyo
saco en la espalda salen pájaros que parecen acordonar esta
femenina procesión. El ambiente es lúgubre, el cielo es oscuro,
los árboles están desnudos, da la impresión de que hace frío, el
pavimento •de baldosas iguales• es monótono. En este lienzo
de aspecto tenebroso, hay un hálito de luz: una de estas niñas
idénticas resiste la hipnosis del ambiente y desafía mirando
directamente al observador.
Los medios de locomoción creados a partir de la ropa de quien
las usa, es otro tema que se ve constantemente en la obra de
Varo, como una nota humorística, vagamente basados en los
instrumentos y maquinarias que probablemente vio construir o
trabajar a su padre.
2. Exploración de las fuentes del río Orinoco
El segundo cuadro, “Bordando el manto terrestre”, muestra otra
parte de su estadía en el convento: las largas y tediosas horas
frente a un bordado, mientras alguien les lee. En su eterna
ironía y su sentido de la metafísica, Varo hace que de las manos
de estas niñas prisioneras salga un manto que es el mundo, un
paisaje con torres, lagos, árboles y barcos. La historiadora de
arte Janet Kaplan, quien ha escrito la biografía más completa
sobre la pintora, describe esta obra en los siguientes términos:
“Las mismas niñas, aquí cautivas en una torre, trabajan como
en un scriptorium medieval, bordando el manto terrestre de
acuerdo a los dictados de una “Gran Maestra”. Esta figura
encapuchada lee el catecismo de instrucciones mientras
revuelve un caldo en ebullición en la misma vasija alquímica de
donde las niñas sacan el hilo de bordar. Cada niña trabaja sola,
bordando imágenes hacia una tela continua que sale de los
bastidores por una ranura hacia los costados de la torre”.
Detrás de esta “Gran Maestra” hay un personaje totalmente
cubierto, a la usanza islámica, tocando una flauta. Nuevamente,
una de las niñas se rebelará a esta situación y en un rincón del
manto, el más cercano a la figura de la izquierda, se ve que ha
bordado su imagen junto a un hombre, besándose, libre. La
pareja está recién saliendo del bastidor, por lo que están de
cabeza, aunque también puede ser una forma de burlar a las
guardianas. Este cuadro es también una metáfora a la mujercreadora, a la engendradora de vida, a la que crea el mundo
con sus manos.
De esta obra dice Peter Engel que “El proceso de creación
artística y científica en el trabajo de Varo, está relacionado a la
creación ritual del mundo, un acto poderoso y simbólico, en el
cual los personajes toman el destino en sus manos mientras
simultáneamente afirman la omnipotencia del ser que lo creó”.
La tercera y última fase del tríptico es “La huída”, la que
muestra el éxito que tiene la niña rebelde al huir con su
amante. Ambos se ven escapando en otro aparato de la
imaginación de Varo: una especie de paraguas hecho de piel,
montados en la bruma de la montaña a la que ascienden, las
capas de sus trajes sirviendo de velas, empujados por el viento.
La niña sigue vestida de colegiala, pero esta vez mira
atentamente hacia adelante, a su futuro, a lo que la espera. En
relación a estos modos de propulsión, dice Jaguer: “Ruedas,
velas, hélices, timones: todo un arsenal de mecánicas
irracionales se des-pliega ante nuestros ojos, un arsenal
equipado para todas las errancias”. Y Engel dice que los
personajes de Varo son “’aventureros que viajan a través de
bosques y campos, por encima de las nubes, sobre ríos y calles
de ciudades abandonadas o desiertas -casi siempre solitarios,
de ojos almendrados y rasgos andróginos”, autobiográficos. Son
movidos por los aparatos más extraños, llenos de poleas y
palancas, alas y ruedas, vehículos “científicos en apariencia,
pero de operación mágica”. Se mueven con la energía sacada
del polvo de estrellas, de la música, de los rayos de sol o del
éter celestial. Todos estos fenómenos son también sacados de
las ideas de la alquimia, de la metafísica y de la magia de la
imaginación.
Luego de esta nefasta experiencia
con el mundo materno de
conventos, Dios y sus exigencias,
el padre entra a tomar decisiones
y cuando Remedios tiene quince
años decide enviarla a la Escuela
de San Fernando en Madrid, la
más prestigiosa escuela de arte
de la época. Esta decisión va en
contra de los preceptos de lo que
una señorita de su edad debía
hacer, pero el padre está decidido
a darle la oportunidad de una
educación sólida en un área
donde ella ha demostrado talento.
Estos años de formación artística
estarán siempre con ella y
mostrará los frutos del arduo estudio a que eran sometidos los
estudiantes, una vez que descubre su propia voz y crea su obra
más madura. A los veintiún años, se casa con Fernando
Lizarraga, un compañero en la Escuela San Fernando y sa van a
París por un año. Este viaje será decisivo en la vida de Varo, ya
que mantendrá siempre una estrecha relación con Francia.
Cuando se mudan a Barcelona, la entonces capital española de
la vanguardia artística, parece una transición natural, puesto
que esta región es la más cercana desde todo punto de vista al
país vecino. Tanto en París como en Barcelona, Remedios entra
en contacto con las vanguardias artísticas del momento, más
específicamente, con el surrealismo. Una vez en Barcelona, se
une al movimiento “logicófobo”, de tendencias surrealistas,
junto a Esteban Francés, quien se convierte en su amante.
Aunque sigue casada con Lizarraga y aún vive con él, mantiene
una relación con ambos hombres sin que existieran problemas
entre ellos. Al parecer, esta situación se suscitará en la vida de
Varo en diversas oportunidades y, curiosamente, no parece que
hubo mayores conflictos entre los hombres involucrados. Es
más, a lo largo de su vida mantiene una estrecha relación de
amistad con todos sus amantes, mucho tiempo después de
haber terminado su relación amorosa con ellos. En el caso de
Lizarraga, el matrimonio dura cinco o seis años y luego se
separan, pero cuando él se va a México, retoman su amistad y
ella le deja en herencia un apartamento en donde vivirá hasta
su muerte.
Varo vive la etapa de la República y parece ser una exponente
de todos sus ideales: una mujer que logra estudiar, es libre de
cuerpo y mente, está involucrada en política, en toma de
decisiones, es vanguardista y tiene una posición más bien
universal y europea ante la política. Cuando estalla la Guerra
Civil, se encuentra con el poeta surrealista francés Benjamin
Péret, quien fue a pelear al lado de la República, y juntos se
van a París.
3. El surrealismo y su influencia en Remedios Varo
El surrealismo es un movimiento artístico que comienza
después de la Primera Guerra Mundial con los poetas franceses
André Breton, Benjamin Péret, Louis Aragon y Paul Eluard,
basado en los trabajos de Rimbaud, Lautréamont y Apollinaire.
Su meta era expresar el pensamiento más puro, libre de los
controles impuestos por la razón y por los prejuicios sociales y
morales imperantes en la época (Waldberg). Aunque comenzó
siendo un movimiento literario de poetas, pronto hizo sentir su
influencia sobre todas las formas artísticas.
Los trabajos de Freud, primero, y de Jung, después, tuvieron
una fuerte influencia en los planteamientos de este movimiento,
ya que el poder de los sueños y del inconsciente, así como la
rebelión, formaron parte de su filosofía.
“La originalidad del surrealismo”, dice Patrick Waldberg, “y lo
que la distingue de otros movimientos artísticos y literarios que
lo precedieron (con la excepción de algunas fases del
romanticismo alemán) es su determinación de minimizar la
fragmentación del consciente y llegar a la totalidad del ser
humano”.
Es curioso apreciar que tanto el surrealismo como el
romanticismo fueron movimientos universales (a diferencia, por
ejemplo, del expresionismo que fue básicamente alemán o el
futurismo, que se dió en Italia).
“En su oposición a la espiritualidad de la iglesia cristiana, así
como al cartesianismo (el que, de acuerdo con su teoría,
paraliza el pensamiento occidental), el surrealismo rehabilita la
superstición y la magia, mientras se vuelca hacia las tradiciones
herméticas (Cábala, gnosticismo, alquimia), las cuales se basan
en el ejercicio de un pensamiento análogo” (Waldberg).
Remedios Varo estaba en un ambiente en donde se respiraba el
surrealismo, como la alternativa más moderna al cambio, y su
propia vida tenía características de éste. Aún antes de entrar en
contacto directo con los miembros del grupo, ya era una
exponente del movimiento, según se sabe por las obras que
presentó en exposiciones en esa época.
4. Mujeres en el movimiento surrealista
Se debe hacer un aparte en este tema, puesto que en la
mayoría de los libros sobre el surrealismo existe un gran vacío
cuando se trata de hablar de las surrealistas. Según algunos
textos, estas mujeres sólo existieron como musas, amantes,
compañeras de los “verdaderos” artistas. En Surrealist Women.
An International Anthology, de Penelope Rosemont, se muestra
la falacia de esta percepción, al presentar a unas cien
representantes de esta filosofía, desde los principios del
movimiento hasta hoy en día, abarcando casi todos los
contintentes.
Esta es una época que fue testigo de cambios sociales
profundos, como el socialismo y el feminismo. Creo que este
movimiento fue el primero en el que la mujer estuvo al lado del
hombre no sólo como compañera sino que fue su igual a nivel
intelectual y creativo. Ha sido después, cuando los críticos e
investigadores han escrito la historia, que las mujeres fueron
puestas a un lado, pero no durante el movimiento en sí. No me
cabe duda que habrá habido un patriarcado dentro del grupo y
la misma Varo reconoce que en su juventud “Mi posición era la
de una oyente tímida y humilde. No tenía ni la edad ni la
confianza necesarias para enfrentarlos. Sólo me sentaba,
boquiabierta, ante este grupo de gente brillante” (Kaplan). Hay
que recordar que la pintora contaba entonces con unos 29 años
mientras Péret y Breton tenían alrededor de 40, aparte de que
Breton deseaba conscientemente mantener este ambiente de
intimidación hacia los demás.
Fue en esta época que Remedios entra de lleno al surrealismo
en su parte intelectual, se empapa de teorías científicas, de
alquimia y todos los preceptos que este movimiento estudió.
Participa también de las nuevas técnicas que crean los
surrealistas, como los cadavres exquis, (juegos plásticos en que
varios artistas iban haciendo una parte del dibujo, sin saber lo
que hacían los demás) y el frottage. A pesar de la cercana
relación que tuvo con los surrealistas, ella no considera su obra
como tal. Dice Engel que “Aunque Varo no se considera [a sí
misma] surrealista, su trabajo y el surrealismo comparten
muchas cualidades: imágenes fantásticas, ilusión perceptual,
humor, una yuxtaposición inusual de objetos ordinarios para
crear efectos extraordinarios”. Y añade que “Los surrealistas
disfrutaban dándole una expresión libre a la imaginación y a las
imágenes de los sueños. Al poner de cabeza las leyes de la
razón, esperaban liberar el inconsciente y lo irracional de las
restricciones impuestas por el pensamiento consciente”.
5. La Revolución, la guerra y el exilio
Al estar involucrada con Péret, huye de la revolución española
hacia París, para caer al poco tiempo en medio de la Segunda
Guerra Mundial. Hay que recordar que Péret y los surrealistas
tenían un pensamiento de izquierda -en un principio se
involucraron con los comunistas- por lo que fueron puestos en
campos de concentración durante la ocupación nazi. Varo tenía
en su contra el ser la compañera de un hombre comunista y el
ser española. O la deportaban a España o la llevaban a un
campo de concentración. Finalmente, pasa varios meses en un
campo de concentración y luego un tiempo largo en Marsella
junto a un grupo de surrealistas que esperaban ser
transportados a América. Muchos de ellos lograron exiliarse en
Estados Unidos, pero otros fueron rechazados por estar más
involucrados con el comunismo. Este fue el caso de Péret y por
ende de Varo, pero México no tenía las mismas restricciones y
fueron aceptados por este país.
Después de difíciles trámites para lograr salir de Europa, Varo y
Péret se ven finalmente en México, en donde una vida de paz
les espera. Aunque es una vida de paz, no es de prosperidad.
Varo trabajará haciendo ilustraciones, como decoradora,
restaurando objetos precolombinos, siempre en condiciones tan
precarias que a veces su alimentación sería una taza de café
con leche en todo el día.
En el año 1942 Péret y Varo se casan y en 1947 regresan a
Francia. Pero Varo ya no siente que pertenece al Viejo Mundo,
sino al Nuevo y regresa sola a México, de donde no volverá a
salir, convirtiéndose en una gran exponente de la España
peregrina.
En México forma parte del grupo
de exiliados surrealistas, con los
que mantiene un estrecho
contacto. De estos años es su
amistad con la inglesa Leonora
Carrington (quien a su vez había
sido amante de Max Ernst, por lo
que se conocieron en Europa) con
quien se consideraba “alma
gemela”. Ambas compartían su
parte creativa (escribían y
pintaban) además de su gusto por
las bromas. Se cuenta que en una
oportunidad un invitado se acostó
a dormir y al despertar descubrió
que un mechón de su cabello
había sido ultilizado como relleno
de una omelette.
En 1953 se casa con Walter Gruen, otro exiliado europeo, quien
la incentiva a dedicarse por completo a pintar. Gruen tiene
éxito a nivel económico y le da la posibilidad de dedicarse por
completo a su pasión. Varios críticos comentan que Gruen,
como el padre de Remedios, ve el talento que tiene y la apoya
para que lo desarrolle. Es en estos años de su período mexicano
que la pintora española desarrollará su lenguaje, su voz, y su
arte tan característico.
Pero serán pocos los años que puede hacerlo. Quedan sólo unas
100 obras de esta etapa productiva, ya que en 1963, Remedios
muere de un fulminante ataque al corazón. Hacía sólo un mes
había tenido una exitosa exhibición y por fin estaba logrando
vender todo lo que pintaba. La crítica y el público la habían
descubierto y la aclamaban como a una gran pintora.
6. Narrativa científica o teorías algo demenciales
Ver la obra de su etapa madura es fascinante. Cada una es una
cápsula, una verdadera narración visual, llena de humor, locura
y un sentido metafísico profundo. “Este mundo se halla regido
por leyes físicas distintas de las nuestras: en él seres y objetos
son presa de curiosos fenómenos de levitación y de atracción...
o, como dice Roger Caillois, ‘lo que era sólido se licúa, lo que
era líquido se evapora y se ausenta’” (Jaguer). Por ejemplo, “El
flautista”.
Aquí se observa a un joven que, como el flautista de Hamelín,
con su mágico instrumento logra mover piedras que van
construyendo un edificio. La autora lo describe así: “El flautista
construye esa torre octogonal levantando las piedras con el
poder e impulso del sonido de su flauta, las piedras son fósiles.
La torre es octogonal para simbolizar (algo vagamente, debo
decir) la teoría de las octavas (teoría muy importante en ciertas
enseñanzas esotéricas). La mitad de la torre es como
transparente y sólo dibujada porque está imaginada por el que
la va construyendo” (Varo).
En el catálogo “Science in Surrealism. The Art of Remedios
Varo”, el historiador en ciencias Peter Engel hace unas
relaciones muy curiosas sobre la obra de esta pintora, así como
unas observaciones muy interesantes, porque están
consideradas desde el punto de vista de las ciencias y no de las
artes. Varo en realidad vive siempre entre dos mundos: el
mundo del padre y el de la madre, el de la lógica y el de la fe,
el de la filosofía y el de la religión. Engel propone que en
muchas de sus pinturas, Varo recurre a teorías medievales,
porque éste fue el último período histórico en que “lo racional e
irracional, lo científico y lo espiritual se mezclaron tan
profundamente.” Es el tiempo “en que harmonices mundi, la
armonía del mundo, se podía ver en todos los objetos, por muy
mundanos que fueran; cuando la ciencia no era considerada
antitética a la religión y cuando la diversidad y plenitud de la
naturaleza era evidencia no de una lucha por la sobrevivencia
pero de una cadena aún más grande, establecida por un
Creador benevolente”. Dice Engel que si se ve la obra de Varo
bajo esta concepto de un orden universal medieval, “puede
entenderse que [ella] trata de restaurar para el mundo
moderno, esa armonía, que parece perdida”.
En el caso de “Fenómeno de ingravedad”, dice Remedios que
“La tierra escapa de su eje y su centro de gravedad, al
grandísimo asombro del astrónomo que trata de conservar su
equilibrio encontrándose con el pie izquierdo en una dimensión
y con el derecho en otra” (Varo). Jaguer comenta que “Aquí lo
maravilloso es que procediendo de manera totalmente intuitiva
Remedios acierta con la mayor exactitud. “Fenómeno de
ingravedad” fue el cuadro escogido por un eminente físico para
la cubierta de su tratado sobre la teoría de la relatividad”.
Otra de las obras que tiene magia y ese sentido circular,
sempiterno de la creación, se da en su “Creación de las aves”.
Jaguer expresa que: “El mundo es un prodigio perpetuo, los
espejos son nidos y todo se transforma en todo. De paso,
Remedios no desdeña evocar los sortilegios ligados a su arte:
un pájaro de verdad nace de la conjunción de su imagen y el
rayo luminoso de una estrella lejana. Pero este pájaro que crea
pájaros es la propia Remedios”.
Y Engel cree que: “Su proliferación de imágenes de creación y
fertilidad incluyen a la mítica mujer-búho, quien pinta pájaros
que cobran vida...A un tiempo mujer, científica y artista, el
búho es el arquetipo creador de Varo. Su vasija alquímica
recoge gotas de vapor del aire y las distila en la paleta”.
7. Otro lenguaje visual en la obra de Remedios Varo
Un ejemplo de la influencia del incosciente en su obra se puede
leer en un cuento que creó a partir de un sueño y que luego
plasmó en el cuadro “Tejido espacio-tiempo”.
Así lo narra en un cuaderno:
“Yo había descubierto un
importantísimo secreto,
algo así como una parte
de la “verdad absoluta”.
No sé cómo pero personas
poderosas y autoridades
gobernantes se enteraron
que yo poseía ese secreto
y lo consideraron
peligrosísimo para la
sociedad, pues de ser
conocido por todo el
mundo toda la estructura
social funcionando actualmente se vendría abajo.
Entonces me capturaron y me condenaron a muerte.
El verdugo me llevó a un lugar que parecía como la muralla de
una ciudad, de cada lado de la muralla bajaba una pendiente
muy inclinada de tierra.
El verdugo parecía muy satisfecho, yo sentía un miedo y una
angustia muy grandes. Cuando vi que se disponía a
decapitarme empecé a llorar y a suplicarle que no me matase,
que todavía era pronto para morir y que reflexionase en que yo
tenía por delante muchos años de vida. Entonces el verdugo
empezó a reírse y a burlarse de mí, me dijo: “¿por qué tienes
miedo a la muerte si sabes tanto?, ¡teniendo tanta sabiduría no
debías temer a la muerte!”
Entonces me di cuenta de repente que lo que él decía era cierto
y mi horror era no tanto hacia la muerte sino por haber
olvidado hacer algo de suma importancia antes de morir. Le
supliqué que me concediese unos momentos más de vida para
hacer algo que me permitiese morir tranquila, le expliqué que
yo amaba a alguien y que necesitaba tejer sus “destinos” con
los míos, pues una vez hecho este tejimiento quedaríamos
unidos para la eternidad.
El verdugo pareció encontrar muy razonable mi petición y me
concedió unos diez minutos más de vida. Entonces yo procedí
rápidamente y tejí a mi alrededor (a la manera como van
tejidos los cestos y canastos) una especie de jaula de la forma
de un huevo enorme (cuatro o cinco veces mayor que yo).
El material con que lo tejí eran como cintas que se
materializaban en mis manos y que sin ver de dónde venían yo
sabía que eran su substancia y la mía. Cuando acabé de tejer
esa especie de huevo me sentí tranquila pero seguía llorando,
entonces le dije al verdugo que ya podía matarme porque el
hombre que yo quería estaba tejido conmigo para toda la
eternidad.” (Varo).
Este cuadro parece estar basado en un pasaje de una obra de
Aldous Huxley, uno de los autores predilectos de la pintora. Ella
leía a Ray Bradbury, Isaac Asimov, Fred Hoyle y a Robert
Heinlein, de los cuales pudo sacar la idea de “las nociones de la
curvatura del espacio y la deshomogeneidad del tiempo”
(Engel).
Esta obra -de corte medieval- está llena de simbolismo, uno de
los cuales es muy científico: la única línea recta del cuadro pasa
por el reloj: “el axis de tiempo” (Engel)
8 ¿Es Varo surrealista?
A lo largo del artículo he ido explicando las propuestas
surrealistas y en cierto modo he dejado establecida la
ambigüedad del surrealismo en Remedios Varo. Después de su
muerte, el mismo André Breton la consideró como una de las
más grandes surrealistas, escribiendo un artículo en una de las
revistas del grupo. Pienso que intelectualmente sí es
surrealista, sobre todo si se considera el bagaje filosófico
requerido para ser parte del movimiento. En lo que no la veo
como parte de este grupo es en el sentido de lo onírico, de lo
espontáneo. Sus trabajos eran muy cuidadosos, según Kaplan y
todos los que la rodearon en su creación, ella planeaba
detenidamente sus narraciones pictóricas, a veces hacía un
dibujo perfecto de éstas y luego se sentaba frente al lienzo por
meses, hasta dejar un trabajo impecable. El concepto
surrealista era de crear algo espontáneo, salido del
inconsciente, sin barreras de ningún tipo. En ese sentido la
encuentro una exponente del arte fantástico y no del
surrealismo. El problema de esto es que el término arte
fantástico está estigmatizado y se considera de baja calidad.
Como una opción se podría usar, tal vez, arte mágico o
metafísico.
Pienso que su obra se destaca dentro de la historia del arte por
varios motivos: la combinación que hace de las ciencias y el
arte (en una hermosa armonía), su técnica minuciosa, como de
miniaturista y la cualidad narrativa de sus lienzos.
A pesar de su muerte prematura y de su carrera relativamente
corta, ha quedado en la historia del arte como una de las
mayores exponentes del surrealismo.
Carolina Moroder (Estados Unidos). Crítica de arte. Contato:
[email protected]. Página ilustrada com obras da artista Remedios
Varo (Espanha/México).
revista de cultura # 43
fortaleza, são paulo - janeiro de 2005
Três visões da obra de Adélio Sarro
Alberto Beutenmüller
.
1. O desenho poético de Sarro
O desenho de Sarro possui dois
elos: quando é desenho em si
mesmo, ele não é mero esboço
para a pintura. Ao contrário, tem
total autonomia, em relação à
pintura, mesmo após a estrutura
da linha receber a pele da
pintura. Entretanto, o desenho é
também o início do pensar lírico
ou dramático de qualquer forma
que a mente de Sarro venha acolher: o mural, o relevo, a
escultura também têm como ponto de partida o desenho. Os
desenhos de Sarro são autônomos e têm vida própria. Mesmo
quando trabalhava em fazendas, jamais deixou de desenhar,
desenhos que guardou ou deu a amigos. Sarro assinala no
papel a poética do que sente ao desenhar.
O desenho é seu Diário de Bordo, nele todo o seu pensamento
e criação estão ali alicerçados. Este Diário de Bordo é sua
paisagem interior. E nem sempre há elo de ligação entre o que
o desenho determina e o seu tema central. O desenho poderá
verter-se em pintura ou não, poderá vir a ser um mural ou
permanecerá eternamente como simples narrativa do que seu
espírito sentiu naquele instante. Emoções como alegria,
melancolia, ansiedade, pressentimento e tranqüilidade estão
presentes nos seus desenhos, bem como em quase toda a sua
obra.
Em Encontros Noturnos – desenho escolhido ao acaso, – há três
figuras. Duas estão sentadas em bancos, enquanto a outra
rompe a perspectiva na diagonal e deita a cabeça no colo da
outra; enquanto a terceira apenas olha. Sarro anotou:
desfalecido na noite dorme o cansaço do dia no colo doce do
amor, que dá força e alegria para os que amam ou vivem na
solidão, beijam na boca da noite, na luz escura da rua, amam
nos leitos de pedra mulheres que não são suas. Sonham com os
dias que o vento no tempo levou; não lembram mais das horas
que o velho relógio marcou, em seus encontros noturnos, sob a
luz do luar, contava no universo as estrelas a caminho,
perdidas, à deriva, no espaço, sem terem onde morar.
É caso raro o desenho ser manifestação poética de um artista.
A linha tem sido obra da razão, do controle, da lógica, da
precisão e de refinamento. Ou seja, o desenho é obra do
racional, mas não na obra de Adélio Sarro. Nela, o desenho
surge através de pensamentos poéticos, como o poema inicial
do texto acima: “Desfalecido na noite/ dorme o cansaço do dia/
no colo doce do amor”. Desenhar para Sarro é pura poesia.
2. A Estrutura da cor na pintura de Sarro
A cor afeta o coração e os olhos – física e metaforicamente – de
um modo mais direto do que qualquer outro elemento da
pintura. Na sua forma física elementar, a cor é uma sensação
produzida nos bastonetes e cones da retina por ondas de luz de
distintos comprimentos. No aspecto místico e poético, a cor
pode oscilar entre uma palpitante e envolvente sensação de
calor e uma fria e revigorante de luz e espaço. Apesar destes
conceitos, é quase impossível definir a cor, pois ela carrega
mistérios insondáveis.
O uso da cor na obra de Sarro demonstra o que se diz acima.
Sarro trabalha com tênues azuis transparentes e líricos a
dialogar com vermelhos palpitantes, solares, numa luta sem
trégua, deixando a emoção do observador entre a poesia lírica
das cores tépidas do azul e a dramática das cores fortes do
vermelho. Entre tais cores, há uma gama sem fim de amarelos
e verdes e lilases, que são produzidos a partir do fundo da tela,
em camadas diversas e diversificadas, que vão trazendo a
emoção do interior do inconsciente do pintor para o
inconsciente do fruidor. A sua pintura é real e onírica a um só
tempo. Sua técnica é plena de preciosismos, graças às
transparências e às texturas rugosas; se nestas ressalta o
drama, nas suas transparências surge o clima lírico e poético.
Para obter-se uma cor luminosa é preciso criar-se sombras. É o
que faz Sarro com sua poética da cor, ora tensa e dramática,
ora lírica e leve, de acordo com a exigência do tema. É preciso
perceber que o pintor opera entre o sagrado e o profano. Ora
exalta personagens do campo, ora pinta personagens bíblicos.
Ao mesmo tempo, tais personagens podem ocupar o espaço de
uma tela, ora as personagens podem preencher o espaço de um
mural ou vitral. As técnicas do mural foram bem apreendidas
pelo pintor brasileiro, já que não ficam a dever aos murais de
Portinari ou aos dos mexicanos Orozco, Siqueiros e Rivera
quanto à técnica, embora seus temas sejam mais religiosos do
que os dos mexicanos, que são mais políticos. Há uma
imensidão íntima nas telas de Sarro, que nos conduz ao
devaneio. E o devaneio põe o sonhador para fora do mundo,
diante de um mundo lírico ou dramático que traz a marca do
infinito.
3. O espaço tridimensional na obra de Sarro
Os objetos escultóricos de Sarro possuem variantes: esculturas,
relevos e painéis. É importante perceber como o artista passa
do risco do desenho para a forma tridimensional escultórica, ao
criar um novo espaço de fruição. A composição das figuras se
transforma e movimenta um espaço próximo de uma ordem
quase simétrica na sua organização. Como não usa cor nesses
objetos escultóricos, não há como emocionar pelo colorido, mas
Sarro consegue criar uma forma cênica dramática, através dos
gestos de suas figuras, com seus rostos singelos e uma
dinâmica corporal extraordinária. Na escultura as personagens
de Sarro ganham força dramática. As mãos e os pés enormes
das figuras criam no espaço gestos radiantes e uma dinâmica
que, a pintura não pode oferecer.
Os relevos de cimento nos dão a idéia de que mesmo com
material rústico, Sarro realiza obra lírica e dramática, ao
mesmo tempo, como se pode constatar em Felicidade Sonhada
ou na Resposta da Vida, que fica no frontispício de sua casa,
em São Bernardo do Campo.
Os relevos de Sarro mantêm a tradição
latino-americana dos grandes muralistas,
como Siqueiros, Orozco e Rivera. Sarro,
porém, vai mais longe, pois além de terse tornado artista global, realiza um dos
monumentos religiosos mais plenos de fé
na Basílica de N.S. Aparecida – os Passos
da Paixão de Cristo. Há solenidade nessas
personagens bíblicas, que exibem toda a
sua majestade. E a arquitetura rústica do
local, com tijolos à vista, traz mais força à
tragédia da Via Sacra.
A grandiosidade das esculturas de Sarro é produto da
simplicidade de seus temas, sempre a valorizar os mais pobres,
os excluídos da sociedade e, para tanto, vê-se o amor que o
artista dedica às suas personagens, gente que sofre, mas que
não desiste da vida, e que procura na fé e na esperança mitigar
esse sofrimento.
Podemos dizer que os objetos escultóricos de Sarro seguem a
mesma linha de sua pintura, mas que tudo nasce da idéia inicial
do desenho, que cria a composição libertária de suas
personagens, ora poéticas, ora dramáticas ou ainda trágicas, tal
e qual a vida.
Alberto Beuttenmüller (Brasil, 1935). Poeta, crítico de arte e ensaísta. Autor de
livros como Katatruz (poesia), Volpi, Ianelli e Aldir - Três coloristas e Viagem pela
Arte Brasileira. Atualmente, é editor do Jornal da ABCA, Associação Brasileira de
Críticos de Arte. Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras
do artista Adélio Sarro (Brasil).
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Vanguardismo, espacio y movimiento en la
poesía moderna
Juan Calzadilla
.
Es un hecho que a estas alturas del
siglo el vanguardismo no interesa a la
literatura en igual media que a las
artes plásticas y casi puede decirse
que le interesa en poca medida. El
tiempo en que estaban al día las
innovaciones formales, el espíritu de
abstracción, el desbordamiento de la
sintaxis, la eliminación de los signos
de puntuación, el trastoque del
sentido gramatical y la ordenación
arbitraria de las palabras en el
espacio, se ha alejado
considerablemente de las
preocupaciones actuales, al punto de que tales conquistas del
espíritu moderno apenas si inspiran nostalgia entre los más
adictos a la experimentación y las innovaciones digeridas,
explotadas e incorporadas al curso de los lenguajes literarios, y
en gran parte olvidadas, que parecieran llegar a tener
importancia exclusivamente hist6rica o académica, y cuyo radio
de motivación se restringe cada vez más a los cultores de una
poética estrictamente codificada y críptica.
En cuanto al movimiento mismo, su exploración en la
modernidad nos conduce necesariamente al futurismo y sobre
todo, a su eximio y casi único teórico y ex- ponente, el poeta
italiano F. T. Marinetti (1876-1944). El futurismo tiene un perfil
más literario y es más cosmopolita que el cubismo, pero no se
podría explicar, es cierto, sin el precedente de éste, del cual es
como una extensión literaria, y tampoco, por supuesto, sin las
vanguardias que le preceden en la bulliciosa escena europea de
comienzos del siglo. A la audacia y severidad formal del
cubismo, el futurismo añade una preocupación proselitista por
lo innovatorio, por los grandes temas del momento, como el
movimiento y la velocidad y, más aún, la presencia de la
máquina, como divinidad del vértigo multitudinario que
caracteriza a la vida moderna.
Un auto de carrera es más hermoso que la Victoria de
Samotracia: esta frase dicha por Marinetti en uno de sus
manifiestos fue muy celebrada en su momento. Pronunciada
hoy parecería mera ocurrencia. Pero es así y el futurismo tiene
verdadero éxito cuando exalta los valores más optimistas de
una época en donde la máquina se erige pronto como símbolo y
representación del progreso humano. Su estética pretende
pasar por altavoz de las novedades e invenciones tecnológicas
incorporadas a la civilización y convertirlas en materia del
discurso innovador de poetas y pintores.
Pareciera un sin sentido de la pintura
postular el movimiento cuando sólo se le
puede representar mediante la ilusión de
que las cosas se desplazan, es decir
mostrando las presuntas fases del
movimiento congelado. ¿No es esto lo que
siempre hizo y sigue haciendo la pintura
bidimensional, y lo que seguramente por
mucho tiempo más no dejará de hacer?
Es obvio que el movimiento no existe
fuera de las cosas que se mueven, y no se
tiene éxito en concebirlo porque se le
presente simultáneamente desglosado
sobre el plano. El tren expreso de los futuristas y el “Desnudo
descendiendo una escalera” de Marcel Duchamp son ejemplos
típicos de lo que, más que análisis, resulta ser una disección del
movimiento. Duchamp no tardará en comprenderlo y se
consagrará a la poesía de los objetos.
La poesía topología de Marinetti nunca nos llevará a pensar que
nutrimos con ella la posibilidad de estar en cada sitio donde lo
indican las palabras. Marinetti mismo no escapa a su propia
contradicción: el haber sido un gran teórico con un raquítico
poder creativo. De allí que deba su celebridad a los manifiestos
del futurismo. Sus llamados a la revuelta creativa, de signo
subversivo o formal, en cuanto a dar primacía a los móviles y
objetos de la civilización industrial, su petición de un nuevo
orden gramatical capaz de reflejar las transformaciones de la
nueva conciencia, llegan a confundirse con la exaltación del
populismo predicado por el fascismo de Mussolini, del cual
finalmente el futurismo termina haciéndose su cómplice o por lo
menos su adherente, con Marinetti a la cabeza.
Pese a ello, en vista de que nuestra época tiende a dar más
importancia a lo que se dice sobre el arte que a sus obras
mismas, al Ffturismo se le ve históricamente como una etapa
vanguardista de la que no es fácil hacer omisión; como uno de
los momentos fundamentales en la escalada conocida como la
revolución del arte contemporáneo, y en la cual, según se dice,
aún vivimos.
Tres son los enunciados principales en los que, de acuerdo con
Marinetti, descansa la concepción poética del futurismo: Las
palabras en libertad; la invención de palabras y el dinamismo
plástico. Por las palabras en libertad la poesía va al encuentro
de las nuevas realidades, configurando, por vía imaginativa,
una antitradición fundada en la expresión de la vida
contemporánea y su máximo símbolo, la máquina; por la
invención de palabras, la creación se constituye en realidad
autónoma. El dinamismo plástico indica que en la poesía las
palabras ocupan el lugar de lo que nombran, como si fueran
cosas, de manera que el significado pasa antes por la
organización plástica de las palabras. Y no es que se subordina
a ésta, sino que es concomitante al nuevo sentido aportado por
esa organización. El lenguaje se objetiva como si fuera un
medio plástico; he allí un elemento común a todos los
movimientos poéticos que tienen su primer ancestro en el
futurismo, desde los experimentos de los poetas del
constructivismo ruso, hasta el concretismo brasileño de los
hermanos De Campos, pasando por el letrismo de los años 50 y
por el intertextualismo de los experimentalistas de nuevo cuño.
En un ámbito radicalmente distinto se
sitúan los poetas de visión futurista que
exaltan el movimiento y los dones de la
vida contemporánea empleando formas
gramaticales tradicionales; son los
casos de Guillaume Apollinaire (1880l938) y Vladimir Maiacovsky (1893-l
930) en cuyas obras se han visto
manifiestos vanguardistas,
especialmente en los “Caligramas” de
Apollinaire, suerte de poesía figurativo-visual en donde la forma
del objeto está representada por la disposición de las palabras
en la página. Ambos miran hacia los tiempos nuevos, con la
urgencia de no dejar nada de lo que estaba ocurriendo
alrededor de ellos fuera del poema; Maikacovsky hace de la
revolución bolchevique pretexto para un largo canto a sí mismo
en donde el encabalgamiento de las frases cortas se
corresponde con el movimiento que imprime a sus largas
enumeraciones. Apollinaire, por su parte, ironiza, como si se
tratara de antiguallas, los monumentos artísticos de París y
coloca en su lugar atrevidas imágenes.
A fin estás cansado de este mundo antiguo
Pastora Oh Torre Eiffel el rebaño de los puentes bala esta
mañana
Estás harta de vivir en la antigüedad griega y romana.
Un caso parecido al de Apollinaire es el de Blaise Cendrars
(1886-1961), protagonista de una de las más ins6litas y
extrañas aventuras que poeta moderno alguno, en plan de
viajero, ha llevado a cabo a través del mundo. Una aventura
cuyo propósito pareciera haber sido describir de forma poética
todos los episodios y detalles, por insignificantes que fueran,
vividos diariamente por el poeta a lo largo de excitantes
travesías por los más apartados y exóticos lugares de la tierra.
Nada más opuesto a este verso de Baudelaire:
Los verdaderos viajeros son los que viajan sin viajar
que la exaltación del movimiento físico y los placeres visuales y
sensoriales a cuyo encuentro va Cendrars en sus incursiones
informales a territorios desconocidos o ya conocidos por él, a
sabiendas de que el sentimiento experimentado nunca podrá
ser sustituido por el sentimiento que se imagina. Baudelaire,
como más tarde Pessoa y Lezama, pensaba que la imaginación
puede llegar a procurar un sentimiento de la experiencia con la
misma intensidad del sentimiento de lo imaginado. Es la misma
fórmula que inspiró a André Gide “Los alimentos terrestres”.
Cendrars fue entre los poetas marcados
por la influencia del Cubismo uno de los
más exitosos. Escribe y publica antes de
1916 dos libros memorables para la
vanguardia: “Del mundo entero” y “Diez
y nueve poemas elásticos”. En el primero
encontramos a uno de los poemas más
leídos y ”La prosa del transiberiano y la
pequeña Juana de Francia”. Se trata de
una especie de relato en donde de
manera parecida a un guión cinematográfico se mezcla toda
clase de recuerdos de viajes con las imágenes relampagueantes
que salen al paso durante un fantástico recorrido por todas las
estaciones del mundo. El ritmo de la prosa trata de imitar el
fragor del tren.
Ahora hago correr todos los trenes a todo lo largo de mi vida
Madrid-Estocolmo
Y perdí todas mis apuestas
Sólo queda la Patagonia, la Patagonia, que convenga a mi
inmensa tristeza y un viaje por los
mares del Sur.
Estoy en camino Siempre estuve en camino
Estoy en camino con la pequeña Juana de Francia. El tren pega
un peligroso salto y vuelve a
caer sobre todas sus ruedas.
El tren vuelve a caer sobre todas sus ruedas.
El tren siempre vuelve a caer sobre todas sus ruedas.
No vamos a entrar en las minucias de una descripción de los
viajes de Cendrars por todo el mundo ni tampoco en el análisis
de su poética. Nos basta con extraer la conclusión de que la
modernidad es responsable de una alianza de pintura y poesía
de la cual ésta extrajo, como excusa o mérito para oponerse a
la tradición, esgrimiendo razones revolucionarias parecidas a
las que cambiaron el curso de la pintura contemporánea, un
experimentalismo minimalista que alcanzó su edad de oro en la
segunda década del siglo XX, pero que aún alienta en el
discurso de muchos poetas descontentos de hoy que
encuentran que no hay motivos para que las cosas sigan siendo
como han sido. Si esa alianza renace por momentos, sin mucha
fuerza aquí y allá, si se dio por terminada, es de esperar que su
eclipsamiento no sea definitivo. Quizás no están cerradas
totalmente las puertas para continuar, cuando pase la marejada
del linealismo gregario y del realismo chato impuestos por la
T.V., los medios de comunicación y hasta las editoriales, la
revolución iniciada por los poetas, cubistas, dadaístas futuristas
y constructivistas.
Juan Calzadilla (Venezuela, 1931). Poeta, arista plástico, crítico e ensaísta. Autor
de livros como Principios de urbanidad (1997), Diario sin sujeto (1999) e
Aforemas (2004). Contato: [email protected]. Página ilustrada com
obras do artista Mario Maffioli (Costa Rica).
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fortaleza, são paulo - janeiro de 2005
artista convidado: mario maffioli
Mario Maffioli: antropología del sortilégio
Otto Apuy
.
Mario Maffioli entiende la práctica
del arte contemporáneo como una
reflexión de su entorno; abierta
innovadora, mirando al futuro,
informada y honesta. Abierta
porque transcribe su manera de
expresar el mundo con al soltura de
los materiales y universalizando su
origen (no se olvide que Maffioli
viene precedido ya de una
generación contemporánea activa,
tal vez la más, en la historia del
arte costarricense). Innovadora, porque parte de esa misma generación
y recibe además otras expectativas del arte contemporáneo
latinoamericano. Esto para decir que solo así puede entenderse su
“desenfado” en la pintura: atacando teóricamente quizá el acabado
comercial de sus propios. Así es el futuro momentáneo de la práctica
contemporánea. Yendo hacia adentro de Maffioli, no dejo de pensar que
todo su gran exterior y el de los demás, caben en una especie de
Universo Antropológico en que la gran premisa está en la búsqueda
interna de su identidad, una identidad mayor, total, primigenia del trazo
salvaje, al lado del grito originario de la palabra, como lanzas los
pinceles que desaparecen ante los montículos de pigmento y tierra que
se esparcirán sobre la tela blanca. Este ha sido el destino de los
artistas. Esa primaria reflexión de que para partir hay que mirar hacia
atrás, aunque fueran remendadas velas.
El punto de fusión general del arte contemporáneo aparece como la
gran atmósfera de los cuadros, los signos, las huellas, los miedos,
lenguas inconclusas y desaparecidas, lecturas olvidadas en urnas
funerarias, caligrafía de un cosmos cada vez más inmenso, colisiones
mentales de Freud y Marx, de Picasso y Beuys, todo parece una
mescolanza categórica ante el devenir.
Maffioli no obedece a una medida personal
y a una inspiración momentánea, sino a
una hecatombe en su cabeza, una
atomicidad de información, donde valiente,
no hace más que restregar su cuerpo
contra una base que asegure su respuesta.
Aquí el artista es un filtro de su
colectividad, en el que con los medios a su
alcance, encuentra en la historia de sus
semejantes, el mismo fin: una línea que
explica su pregunta aunque sea para más
tarde.
Cuando se pinta, a veces el autor inconscientemente refleja su estado
de ánimo, o su espíritu original. En Maffioli está la selva, la exuberante
vegetación, su vocación se hace sensual y oleaginosa, como las
vibrantes resinas de una húmeda y extensa corteza donde,
zigzagueantes destellos pululan en el plano. Aquí los trazos son
manchas despojadas de falsos orgullos y represiones, los destellos son
besos olvidados, las formas una poesía grotesca que se vuelca hacia sí
misma y se compacta, la luz se encarga que la abstracción no sea
literal, que se complemente, que se convierta en el fin, que sea arte,
que fuera la conceptualización del sentimiento.
Ante lo absurdo de la geometría, una línea curva nace del vértice de un
triángulo, enmarcado a la vez por otro cuadrado más grande aún, etc.
jabs.
Otra obra de Maffioli es el mismo
caos complementario, la debacle
de ser-suelto y su otro yoyuxtapuesto, explico, por un lado
la búsqueda actual es la
búsqueda de todos. Es como una
épica artística, la Gran Aventura,
todos mirando al mismo
“demonio”, y otro lado que
explica, “son pormenores” que
está imbuido de un movimiento
en auge. Este es el ring en que
se para Mario dando excelentes
El ritual del gesto está premeditando la Acción. Mario escucha desde su
pecho la calidez del color o la humedad del verde mojado. El cuadro se
vuelve el filme donde queda así. El volumen de toda la pintura es el
contenido.
El cuadro se parece a una pared, el cuadro es su pizarra, pero créanlo o
no es el testimonio general –de una pintura ahora- que necesita creerse
fiel a sus valores y principios.
Para Maffioli el futuro estaré en simples y complicadas líneas que
atestiguarán siempre la novedad y no el facilismo pictórico, Por ahora el
marco de su pintura es el puente a la actualidad. Y él sabe que está en
la “jungla”, y es de éstos valores en que vendrá esgrafiadamente por
sus manos, la masa que se hará (como un milagro) tormenta o
tempestad.
Porque esto pareciera ahora, sin dejar de sospechar que detrás de esta
masificación, de esta tempestad, vendrá la calma y se podrá ver que
esta obra, una vez superada fue tal inicio, tales momentos pletóricos de
creación, de proyección incesante y el artista va tras ello, tras el
destello o el sortilegio de una luna elocuente que se mira en el espejo.
Mario Maffioli Reyes
(San José, Costa Rica, 1960)
Estudios
1980/1985 Estudios de Pintura. Escuela de Artes Plásticas. Facultad
de Bellas Artes. U.C.R.
Principales Exposiciones Individuales
2001 "Conducción" Galería Nacional. Centro Costarricense de Ciencia y
Cultura. San José, Costa Rica.
1998 "Pinturas" Galería Nacional. Centro Costarricense de Ciencia y
Cultura. San José, Costa Rica.
"Maffioli Pinturas" Escuela de Bellas Artes. Universidad de Costa Rica.
San JosË, Costa Rica.
1997 "Macrocosmo" Museo de Arte y Diseño Contemporáneo. Centro
Nacional de Ciencia y Cultura. San José, Costa Rica.
"Materia Prima" Galería Enrique Echandi. Teatro Nacional. San José,
Costa Rica.
1995 "Abstracción Naturalista" GANAC. Biblioteca Nacional. San José,
Costa Rica.
1993 "Homenaje al Impresionismo" Galería Enrique Echandi. Teatro
Nacional. San José, Costa Rica.
1992 "Pinturas" Galería Joaquín García Monge. Teatro Nacional. San
José, Costa Rica.
Principales exposiciones colectivas
2004 “Las Posibilidades de la Mirada”. Museo de Arte Costarricense.
San José, Costa Rica.
“Deconstrucciones Pictóricas”. Museo de Arte y Diseño Contemporáneo.
San José. Costa Rica.
“Guaterica: artistas costarricenses en Guatemala”. Museo Carlos
Mérida. Guatemala.
Pyong Taek , Art Hall. Seoul. Korea.
2003 "Viva la Pintura - Bocaracá". Museo Rafael Angel Calderón. San
José, Costa Rica
2002 "Wild Galerie, Bocaracá". Alemania.
"EX3: Explorar + Explorar + Explorar" Museo de Arte y Diseño
Contemporáneo. Ministerio de Cultura, Juventud y Deportes. San José,
Costa Rica.
1999 "Senza Paura" Fluxus Atelier Cultural. Milán , Italia.
1998 "Pintores Contemporáneos de Costa Rica". Teatro Municipal de
Pireos. Grecia.
1997 "Ulla & Greger Olsson" Latin American - Collection. Ronneby
Kounst Center, Suecia.
"V Bienal de Pintura" Museo de Cuenca. Ecuador.
"Arte Centroamericano en Taiwan". Sun Yat Sen Memorial. Taipei,
Taiwan.
1996 "Bocaracá" Museo de las Casas Reales. Santo Domingo. República
Dominicana.
"Threshold - Umbral" Anspacher Gallery. Public Theater, New York.
Estados Unidos.
1993 "I Bienal Cuencoamericana". Museo La Florida. Santiago, Chile.
1993/1994 Die Expresionistischen Tendenzen, Kunst aus Costa Rica.
Sprengel Museum, Hannover, Alemania.
"Abstract 2 Abstract" Center for Latinamerican Art. New York. Estados
Unidos.
1993 "Latinamerican Contemporary Art" Anthology Films Archives. New
York. Estados Unidos.
"Bocaracá - Costa Rica". Museo de Arte Moderno. Panamá, Panamá.
1992 "Presencia Gráfica del Grupo Bocaracá en México". Museo de la
Estampa". México D.F.
Otto Apuy (Costa Rica, 1949). Artista conceptual, escultor y pintor, instalador y
ceramista. Integra el consejo de edición de la revista Matérika. Contato:
[email protected]. Página ilustrada com obras do artista Mario Maffioli
(Costa Rica).
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fortaleza, são paulo - janeiro de 2005
livros da agulha
1 100 Poemas Essenciais da Língua Portuguesa (org.
Carlos Figueiredo). Editora Leitura. Belo Horizonte. 2004.
Há, no Brasil, preconceito contra a poesia?
Indícios não faltam, autorizando uma resposta
afirmativa. Basta olhar para os currículos de ensino: no
exíguo espaço dado à literatura, do ensino médio às pósgraduações, predominam teoria e narrativa em prosa. É
claro. Da narrativa em prosa, pode-se fazer resumos,
assim obliterando o estilo, as qualidades propriamente
poéticas da criação literária, ao reduzi-las ao enredo. Das teorias, fazemse diagramas, projetados nas obras ainda a serem lidas, em um arremedo
positivista das ciências exatas.
As razões para que isso ocorra são evidentes: preguiça, espírito
burocrático, preferência pelas rotinas.
Um indício adicional - e paradoxal - da existência desse preconceito é a
antologia 100 Poemas Essenciais da Língua Portuguesa (organizada por
Carlos Figueiredo, Editora Leitura, Belo Horizonte, 2004) figurar em uma
lista de livros mais vendidos nas livrarias da FNAC, em São Paulo.
Paradoxal, pelo seguinte: o livro, lançado há meses, é vendido, encontra
seus leitores, mas ainda não foi resenhado, comentado, noticiado,
discutido. Imprensa e crítica não se deram conta dele. Vende, mas apesar
da recepção inexistente.
A crítica poderia deter-se em alguns dos temas suscitados por essa
antologia. Um deles, sua amplidão, de Dom Sancho e Martin Codax até
Hilda Hilst, dentre os já mortos, com acréscimo de duas poetas vivas,
Vimala Devi e Ana Paula Tavares. Outro, sua correlata extensão
geográfica: centrada em Portugal e no Brasil, além de incluir as nações
africanas, vai ate Goa. E, ainda, o modo como combina, com equilíbrio, um
repertório-padrão, canônico, a exemplo de Super Flumina e Alma minha...
de Camões, Canção do Exílio de Gonçalves Dias e Tabacaria de Fernando
Pessoa, com escolhas não tão ortodoxas, que refletem preferências de seu
organizador.
A façanha de, com cem poemas, fazer um mapeamento tão rico,
diversificado e representativo, sustentando a tese de que poesia produz
cultura e constitui civilização, além de, por enquanto, não ter sido
registrada por comentaristas, ainda não determinou sua adoção didática.
Por ora, é abonada apenas pelos leitores, a exemplo de duas outras
coletâneas preparadas pelo também poeta Carlos Figueiredo, 100
Discursos Históricos e 100 Discursos Históricos Brasileiros (igualmente pela
Editora Leitura), que têm atingido sucessivas reedições.
[Claudio Willer]
2 A chuva nos ruídos (antologia poética), de Vera Lúcia
de Oliveira. Escrituras Editora. São Paulo. 2004. 160 pgs.
Vera Lúcia de Oliveira presenteia os leitores brasileiros
com esta antologia de sua obra, que tem sido publicada
na Itália. Como a própria autora diz, "escrever em duas
línguas não foi uma opção estética, mas uma imposição
existencial". Esta brasileira-italiana ou italiana-brasileira
mostra uma poesia forte, que marca o leitor num ritmo
pulsante, fazendo-o respirar junto com a poesia.
Seus versos afirmam-se pela negatividade, gravada pela obsessão do
sofrimento, terror da morte. Também reflete o social, o quotidiano, a
constatação da miséria e da guerra criminosa. Em sua obra, deparamonos, muitas vezes, com os elementos osso, pele e sangue, o que faz do
poema um ser vivo.
Na apresentação, Carlos Nejar define bem seu trabalho: "Com fluidez de
água austera, pura, sabe capturar, iluminando, os fluxos e refluxos no
poço de nossa condição humana".
A chuva nos ruídos reúne poemas de cinco livros lançados na Itália em
edição bilíngüe, com exceção de dois deles, La guarigione (2000) e Uccelli
convulsi (2001), publicados somente em italiano e vencedores de prêmios
nacionais de poesia naquele país.
Vera Lúcia de Oliveira nasceu em Cândido Mota, em 1958, e residiu na
cidade de Assis, no interior de São Paulo, até o ano de 1983, quando
passou a viver na Itália. Doutora em Línguas e Literaturas Ibéricas e Iberoamericanas pela Università degli Studi di Palermo (1997), atua como
professora de Literaturas Portuguesa e Brasileira na Università degli Studi
di Lecce e desenvolve pesquisas na área de literatura, tendo também
publicado numerosos trabalhos sobre poetas contemporâneos em revistas
brasileiras, portuguesas, espanholas e italianas. Traduzidos e publicados
em vários países, seus poemas renderam-lhe muitos prêmios.
3 A noite é dos pássaros, de Nicodemos Sena. Editora
CEJUP. Belém, Pará. 2003. 136 págs.
Nicodemos Sena, nascido em Santarém, no Pará, em
1958, estreou com um livro-monumento - A espera do
nunca mais: uma saga amazônica, romance de 877
páginas (Belém, Editora Cejup, 1999) -, que ganhou em
2000 o Prêmio Lima Barreto/Brasil 500 Anos, da União
Brasileira dos Escritores, e já está em segunda edição.
Agora, o romancista volta com um livro de menor fôlego,
A noite é dos pássaros, igualmente uma extraordinária
saga amazônica, a aventura de um naturalista que quase foi devorado por
canibais na metade do século XVIII.
Para o conhecedor da História luso-brasileira, não é preciso dizer que este
livro é inspirado na vida do baiano Alexandre Rodrigues Ferreira, que,
nascido em 1756, viajou, aos 14 anos de idade, para Portugal, retornando
ao Brasil em 1783 como naturalista formado na Universidade de Coimbra.
No Grão Pará e no Mato Grosso, Ferreira esteve por uma década,
pesquisando as riquezas naturais do sertão e fazendo anotações de que
resultou o livro Viagem Filosófica pelas capitanias do Grão Pará, Rio Negro,
Mato Grosso e Cuiabá (Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultura, 1974).
Em A noite é dos pássaros, o pesquisador setecentista aparece um pouco
disfarçado atrás do nome Alexandre Rodrigo Ferreira, naturalista formado
na Academia de Lisboa, que, em 1751, é aprisionado na foz do rio
Amazonas por índios tupinambás, canibais famosos no velho mundo pelo
modo hospitaleiro com que tratavam os seus prisioneiros, “dando-lhes do
bom e do melhor, e de um tudo, para depois devorá-los a cauim pepica”,
ou seja, assados e regados com bebida.
No cativeiro mantido por um povo ágrafo, Alexandre descobre um livro que
foi parar na aldeia depois de um naufrágio. A obra narra uma trajetória
semelhante à do cativo, a do alemão Hans Staden, que também fora
prisioneiro dos tupinambás numa aldeia em Ubatuba, no litoral norte de
São Paulo, no século XVI. Como se vê, a exemplo do que Velázquez fez no
seu famoso quadro “Las Meninas”, que faz parte do acervo do Museu do
Prado, em Madri, Sena deixa exposto o seu trabalho de artesania. Leva,
assim, o leitor a perceber que retirou do livro Duas viagens ao Brasil arrojadas aventuras no século XVI entre os antropófagos do Novo Mundo
(São Paulo, 1942), de Hans Staden, boa parte dos elementos que
empregou no romance, buscando num relato de um acontecimento que se
supõe real o material que empregaria em sua ficção. Muniu-se, portanto,
da realidade para mentir melhor, como fazem todos os grandes mestres da
ficção.
Engana-se, porém, quem imagina que A noite é dos pássaros seja apenas
um romance baseado em pesquisas de arquivo, de foro documental. É
mais que isso. Tal como fizera em A espera do nunca mais, Sena constrói
ainda um instigante ensaio dos costumes dos indígenas brasileiros,
sobretudo o canibalismo, que ameaça durante toda a narrativa a vida do
jovem prisioneiro. Embora protegido pelo amor de Potira, a filha do
cacique da tribo, só ao final da trama, o naturalista escapa da triste sorte
que tornou famoso dom Pero Fernandes Sardinha, primeiro bispo do Brasil,
devorado pelos índios caetés na costa de Alagoas, ainda no século XVI.
Depois de Márcio Souza e Milton Hatoum, a Amazônia volta de novo ao
cenário literário com um romancista seguro, que, a exemplo de seu livro
de estréia, mostra que sabe como manter o suspense até o último
parágrafo, fazendo o leitor viver a situação aflitiva de seu personagem, ao
mesmo tempo em que o leva a conhecer o conflito étnico-cultural que se
dá entre o europeu civilizado e o homem ainda no estado bruto da
natureza.
Para alcançar esse objetivo, o autor não hesitou em usar o tupi antigo na
fala dos personagens, não por acreditar que se possa voltar ao passado ou
por filiar-se a certo nacionalismo xenófobo, como diz, mas por dois justos
motivos que expõe em nota ao final do livro: primeiro, por irresistível
apelo da própria narrativa e, segundo, “pela grande importância que essa
língua apresenta para a cultura brasileira, tendo servido de argamassa
para grandes obras de nossa literatura”.
Não faz Sena um retorno tardio ao indigenismo de José de Alencar, até
porque a linguagem que usa nada tem do derramado estilo oitocentista do
autor de Iracema, mas não há como deixar de compará-lo ao indigenismo
hispano-americano do paraguaio Augusto Roa Bastos e, principalmente, do
peruano José María Arguedas. Se em Arguedas o que se lê é um
castelhano tomado pelas características do quechua, em Sena é o
português contemporâneo que ganha ritmo e vocabulário do idioma tupi.
Como a poeta e escritora Olga Savary já percebera em seu livro de
estréia, Sena domina a arte da narrativa, seduzindo o leitor com um estilo
impecável, que faz da palavra um espetáculo, tal como a Amazônia com
sua exuberante floresta.
[Adelto Gonçalves]
4 Brasil e Argentina: um ensaio de história comparada,
de Boris Fausto e Fernando J. Devoto. Editora 34. São
Paulo. 2004. 574 págs.
Para os formuladores da atual política externa do
governo brasileiro, o Mercosul desempenha papel-chave
para reforçar a integração sul-americana e, dessa
maneira, evitar o êxito da estratégia comercial dos EUA
no continente. Agem assim não apenas por carregar um
viés ideológico esquerdizante, disfarçadamente
gramsciano, mas por desconhecimento da própria
história do país cujos destinos conduzem. Essa gente, porém, tem agora
uma rara oportunidade de superar esse desconhecimento com o livro
Brasil e Argentina: um ensaio de história comparada (1850-2002), de
Boris Fausto e Fernando J. Devoto, obra conjunta de historiadores dos dois
países.
De fato, uma leitura atenta dessa obra excepcional mostra que o
desenvolvimento do Brasil no último meio século esteve diretamente
relacionado com a sua atitude de aproximação com os EUA, ao passo que
a decadência da Argentina tem muito a ver com o seu distanciamento em
relação à superpotência, o que se deu no curso da Segunda Guerra
Mundial e nos anos que se seguiram.
Já não estamos no tempo do alinhamento automático, mas se o governo
Lula insistir num confronto diplomático com os EUA, procurando emperrar
as negociações para a formação da Área de Livre Comércio das Américas
(Alca), pode estar a repetir o erro do goveno argentino nos anos 40 que
não só apostou na vitória nazista como fez da Argentina um “santuário” de
criminosos da Segunda Guerra Mundial. Se concluírem que a Alca não
sairá mesmo do papel, os EUA podem muito bem firmar acordos bilaterais
com os demais países sul-americanos, obtendo tarifa zero em produtos
similares aos brasileiros, em troca de outras vantagens.
A aposta errada da Argentina na década de 40 mostrou-se fatal para as
suas pretensões porque o país - “o pior aluno da turma” - foi praticamente
excluído do grupo de nações exportadoras que se beneficiaram dos
recursos do Plano Marshall. Como observam Fausto e Devoto, em 1949, o
valor total das exportações argentinas caiu quase à metade e as
importações tiveram de ser reduzidas e, como apenas 30% delas eram de
bens de consumo, essa restrição afetou a aquisição de maquinário,
equipamentos e matérias-primas necessários para sustentar o crescimento
industrial. Conseqüentemente, a produção industrial também despencou.
Isso explica porque um intelectual da estirpe de Jorge Luis Borges, que
vivera a época do fausto, sempre odiou o peronismo. Perón foi um
desastre para a Argentina.
Os autores lembram que, enquanto o Brasil de Getúlio Vargas inclinou-se a
favor dos EUA em 1941 e declarou-se formalmente em guerra em meados
de 1942, depois de um flerte com a Alemanha em que espiões nazistas
proliferaram nas cidades litorâneas brasileiras, a Argentina só viria a
romper com o Eixo em 1944 e, ainda assim, de forma muito reticente. Ou
seja, o Brasil alinhou-se aos Aliados quando o Eixo ainda era vitorioso no
terreno militar. E, de certo modo, isso não foi esquecido pelos vitoriosos.
Até hoje, as elites argentinas lamentam esse grave erro, o que, inclusive,
levou o presidente Menem na década passada a defender “relações
carnais” com os EUA, sem que isso tenha adiantado muita coisa.
Fazendo um paralelo entre o governo Dutra (1945-1950) e o primeiro
governo de Perón (1946-1955), Fausto e Devoto mostram que foram
nítidas as diferenças no plano econômico. No Brasil, a política de
substituição das importações por meio da oferta de crédito público e do
desenvolvimento da indústria de bens de capital, ao lado da alta do preço
internacional do café, fez a economia voltar a crescer a partir de 1948,
enquanto a Argentina, movida por um sentimento de insatisfação e um
desejo de transformações radicais, mergulhava numa curva descendente.
O livro de Fausto e Devoto começa o trabalho de comparação entre os dois
países fixando um primeiro período entre 1850 e 1900 em que analisam as
vicissitudes da construção da República argentina em meio as lutas
políticas entre caudilhos de Buenos Aires e das províncias em contraste
com o ciclo de fortalecimento do Império brasileiro, uma experiência única
na América. O acontecimento marcante desse período foi a Guerra do
Paraguai em que o Brasil arcou com o maior custo financeiro e humano,
obtendo resultados pífios, embora a expansão territorial tenha sido
significativa.
Já o período seguinte, de 1900 a 1937, é marcado por um grande
desenvolvimento da Argentina, o que levou suas elites até a sonhar com
uma possível invasão do Sul do Brasil à época em que o mundo parecia
pender para as soluções totalitárias que vinham da Alemanha. Com um
PIB per capita que superava largamente o do Brasil, a Argentina da
primeira metade do século XX era um país que mais tinha a ver com a
Austrália, Canadá ou Nova Zelândia do que com a miséria tropicalista. A
expansão de seu comércio exterior foi muito expressiva, especialmente
nos anos que antecederam a Primeira Gurrea Mundial. Em 1909, o PIB per
capita da Argentina se comparava ao da Alemanha e ao dos Países Baixos
e estava à frente de vários países da Europa, como Espanha, Itália, Suíça
e Suécia.
Mais: a Argentina teve na Inglaterra o principal país destinatário de suas
exportações - 29,6% do total, entre 1927 e 1929, vindo a seguir a
Alemanha, com 13,5% - e, ao mesmo tempo, sua principal fonte de
financiamento e investimentos externos. Já o Brasil teve os EUA como o
principal país importador e o maior responsável pelo financiamento e
investimentos externos. Sua produção para o mercado externo, ao
contrário da Argentina, caracterizava-se essencialmente pela concentração
num único produto, o café. Era um país agrário e dependente.
O terceiro período, de 1937 a 1968, a fase de maiores tensões entre as
duas nações, é marcado pela ascensão de dois governantes populistas,
Vargas e Perón, pelas experiências desenvolvimentistas de Juscelino
Kubitschek e Arturo Frondizi e pelas crises que permitiram a instalação no
poder de ditaduras nos dois países a partir dos anos 60.
O último ciclo (1968-2000) detém-se especialmente sobre as presidências
de Carlos Menem e Fernando Henrique Cardoso nos anos 90 em que
ambos os governos trataram de reformar o Estado pela privatização de
empresas públicas, com o objetivo de diminuir as funções de um Estado
em crise, incapaz de atender ao conjunto da população. Aqui, segundo os
números dos autores, há também uma explicação para boa parte do baixo
crescimento argentino no último meio século: a máquina burocrática pesa
mais lá do que cá, o que não quer dizer que, no Brasil, não tenha havido
empreguismo desenfreado para atender a promessas eleitoreiras de
caciques políticos.
Talvez por isso o Brasil tenha sido o último país no Cone Sul a optar por
uma política de privatizações, inaugurada pelo Chile, o que também pode
ser interpretado como reflexo da maior vitalidade do Estado brasileiro e de
seu parque industrial ou resultado da pressão de uma ideologia
nacionalista que voltou a estar presente no governo Lula.
De todo esse trabalho de história comparada, a conclusão que fica é que o
Brasil arrancou com mais força, mas foi alcançado pela Argentina que o
superou, em quase todas as dimensões quantificáveis, nos seus anos
dourados anteriores à Primeira Guerra Mundial. Depois, sobretudo a partir
de 1930, o Brasil passou a imprimir maior velocidade em seu
desenvolvimento. E, hoje, é inegável a sua maior representatividade que
pode ser medida não só pelo tamanho de seu comércio exterior e do seu
PIB como por outras dimensões, embora nos níveis de escolaridade da
população continue bem atrás.
Boris Fausto, doutor em História e livre-docente em Ciência Política,
professor aposentado da Universidade de São Paulo, foi responsável,
juntamente com Sérgio Buarque de Holanda, pela organização da História
geral da civilização brasileira (São Paulo, Difel, 1963-1984, vols.) e é autor
de História concisa do Brasil (São Paulo, Edusp, 2001) e Crime e cotidiano:
a criminalidade em São Pulo, 1880-1924 (São Paulo, Edusp, 2002), entre
outros livros. Fernando J. Devoto, doutor em História, é professor da
Universidade de Buenos Aires, professor-visitante em várias universidades
européias, e autor de Nacionalismo, fascismo y tradicionalismo en la
Argentina moderna (Buenos Aires, Siglo XXI, 2002) e Historia de la
inmigración en la Argentina (Buenos Aires, Sudamericana, 2003), entre
outras obras.
Unidos, esses dois grandes historiadores realizaram um admirável trabalho
de síntese em que não se deixaram impregnar pela superficialidade e
muito menos pela rivalidade que tem caracterizado a atuação dos dois
países não apenas nos campos de futebol. Para eles, as flutuações do
passado de ambos países, se ensinam alguma coisa, é que o futuro é
inescrutável. De certo apenas é que a rivalidade persistirá. Mantida em
níveis civilizados, continuará funcionando como mola propulsora do
desenvolvimento das duas nações.
[Adelto Gonçalves]
5 Epistolario. Correspondencia entre María Zambrano y
Reyna Rivas. Monte Ávila Editores. Venezuela. 2004.
Epistolario reúne un conjunto de cartas que se
escribieron la filósofa española María Zambrano (19041991) y la poeta venezolana Reyna Rivas, a lo largo de
29 años, entre 1960 y 1989. Se trata de uno de los libros
más hermosos de 2004 que, sin duda alguna, recuerda
por qué el género epistolar es luminoso en el mundo. El
libro, de 372 páginas, pertenece a la colección
Testimoniales y cuenta, además, con textos biográficos
de las autoras y una carta de Rivas a la memoria de Zambrano, escrita el
25 de marzo de 2003.
Se trata -como dice Rivas en la introducción del volumen- de “cartas llenas
de consejos, de pensamientos puros, de estímulos, de creencias, de luz y
de iluminaciones. Cartas llenas de razones vitales, de demoras y afanes
cotidianos, de esperanzas, de fe, llenas de acción vital, de filosofía y
poesía”.
Cabe destacar que María Zambrano es una de las figuras más significativas
en el pensamiento filosófico del siglo XX. Nació en Vélez-Málaga, España, y
se desempeñó como profesora de filosofía en Madrid. Vivió largo tiempo en
Roma y, en 1984 (después de 40 largos años de exilio por ser republicana)
regresó a su país natal. Ha escrito, en los géneros de filosofía y poesía, El
hombre y lo divino; Claros del bosque; El sueño creador; La aurora de la
palabra; Palabra y poesía; y España, sueño y verdad, entre otros. Tuvo
nexos con Venezuela gracias a la Fundación Fina Gómez y recibió, en
1981, el Premio Príncipe de Asturias de Comunicación y Humanidades y,
en 1988, le fue concedido el Premio Cervantes.
Por su parte, Reyna Rivas (nacida en Coro, estado Falcón) cursó estudios
en la Universidad La Sorbonne de París, así como estudios de música en la
Escuela Superior de Música (Caracas). Entre sus principales títulos se
encuentran Seis prosas; Palabra y poesía; Sueño de la palabra; Huéspedes
de la memoria; e Infinitos verbales, entre otros.
6 Estudos de Pele, de Floriano Martins. Editora Lamparina.
Rio de Janeiro. 2004. 200 pgs.
No título Estudos de Pele, o último livro de Floriano
Martins, a palavra pele parece sugerir uma pista falsa.
Entrar no texto é praticar Um rasgo bem dentro do
abismo, onde o coração dispara e ninguém pode conter a
presença do indizível. (p.187). Trata-se de adentrar um
labirinto com passagens em múltiplas direções. O roteiro
conduz a um descentramento e este se dá em face de um
referencial: o conceito de identidade. Num capítulo da Parte III - O
hóspede -, que mescla prosa e poesia, é discutida a questão da identidade,
na arte ou fora dela. O mesmo em face do mutável. Desde a Parte I, o
texto dá espaço às suas visitas perversas (algumas personagens bíblicas
mulheres (em Paródia do cadafalso) e várias outras como em Um livro de
Ângela, são apenas dois exemplos. A inesperada visita dessas sombras
perturbadas não me leva a pensar senão em uma coisa: temos que
aprender a ter mil vidas a um só tempo (P. 76). O que parece faltar às
vezes a essas “sombras” ( no caso das bíblicas) é a leveza de ser outra
coisa, sem a carga de ressentimento que as liga umbilicalmente a seus
contrários. Como em Silentes Suplícios (Marta, p. 28).
A obra é dividida em dez partes: I - Paródia do cadafalso, II - Sombras
raptadas, II - Crime & Fuga, IV - Rastros de um caracol, V - Dores de
nada, VI - Dália do coração negro, VII - Lusbet: eis o abismo, VIII - Um
livro de Ângela, IX - Ruínas exaustas, X - Modelos vivos.
As labirínticas passagens, as múltiplas direções sugeridas pelo texto de
Floriano sinalizam por vezes uma espécie de curto-circuito nos níveis tidos
como normais de percepção da realidade cotidiana dentro dos mecanismos
em que está estruturada a linguagem da vida em sociedade. É o que
ocorre em determinadas situações narradas, como a que temos em O Cão
e o Lustre. A cena remete à idéia de demência (uma forma bem próxima
da loucura); mas no texto é, nada mais nada menos, que a transcrição,
para a realidade objetiva, do flash agônico de uma subjetividade em ruína,
a da avó enferma, visitada pelo neto, pela última vez: Lembro que havia
um lustre pendendo do teto. A pouca voz me disse que ali estava com ela
aquele negro cão, quieto, confiável, suspenso no vazio. Cão ou lustre? Luz
ou escuridão?
Mas se na alucinada visão da avó o cão e o lustre são concretamente a
mesma coisa, em Plano de Fuga (p. 183) o Anjo Líquido derrama-se na
direção do abstrato, do invisível: O anjo derramando-se no copo assustavame ao dizer o quanto a vida pode ser outra quando não se tem para onde
ir dentro de nós. A vida pode ser outra, mas a identidade? O texto
persegue a fuga obsessiva do mesmo (que a psicanálise nega), enquanto
trai (dúvida ou “ato falho”?) certa inquietude quanto ao ser: E se todas
essas sombras não forem apenas uma única sombra, a minha, a provocarme de inúmeras formas? Evocaria então um verso de Luís Miguel Nava em
que confessa ter a ‘identidade acelerada’ (77).
Inconsciente ou não, o que o texto persegue é a identidade estética. O
poema Flagrantes no assoalho (Parte III) expressa um ritual encantatório
em que o amor, condenado à morte pela estabilidade do encontro (como
se a vida fosse apenas caber em permanência), é convocado à vertigem da
busca incessante,
(…)
com deuses assombrosos percorrendo a casa, laminando vertigens para
um livro, buscar-te,
buscar-te,
jamais desalentar-se
aguar rios, deixar-se desaguar,
nenhuma lição, apenas o corpo caindo,
a buscar-se: e buscar-te. (p.81).
Esse ritual encantatório é a própria poesia, perseguida como uma caça
onde quer que se esconda, seja no ínfimo ou no grandioso:
(…)
em uma síncope de obsessões, buscar-te, amor,
enquanto o poema te chama e prepara os archotes
que te conduzem por escadarias com línguas voláteis
a seduzir as páginas de teu corpo, sim, teu corpo,
três vezes teu corpo, buscar-te em recâmaras encantadas úmidas
invisíveis, um vento sibilante de janelas decifradas pela noite, um coro de
trevas, nota contra nota, o bordão entoado pelo acaso (…) p.79.
O código desse labirinto pode estar em Visita de um Lagarto - momento do
livro onde uma teia de imagens oníricas se adensa em narrativa cifrada, de
sentido subjacente ao texto. Por aí, pele poderia conotar pele de lagarto,
em sua adjacência a mimetismo, metamorfose, forma que se muda.
Não há no texto um sentido linear a que possamos ter acesso, a não ser
precisamente a construção dessa fuga da identidade. Por isso há
passagens em que não escolhe entre poesia ou prosa, fica na indefinição,
no limiar; deslizante para poder abranger a escuta quase psicanalítica do
outro, sempre outro, ao infinito. Daí os recortes nas visões do garoto,
coladas nas páginas dos livros e sopradas no ar, diante de inexistentes
janelas:
Que forma assumiria tal vestígio em sua vida? As formas significam muito
pouco. Poderia seguir recortando-as. Por uma aurícula errante trataria
todas as cobras de duas cabeças. Chamaria raio os esfaqueamentos
misteriosos que não raro eram comentados em casa E daria pernas ou
asas ao pescoçudo gramofone da avó. As formas não lhe bastavam. Um
novo personagem lhe despertara para tanto. Arrastava-se brincalhão sobre
seu corpo. Não lhe eram mais enfadonhos os sonhos, embora seguissem
silenciosos e em repisado repertório. Tudo permanecia o mesmo, mas
ganhava em significado. (p.96).
O instinto natural de subversão nos leva a ouvir o outro, a contraí-lo
enquanto perversão essencial à sua própria existência (Floriano Martins na
apresentação do seu Alma em Chamas. Letra & Música, 1998).
Um Livro de Ângela é momento diverso, em que a narrativa se aclara,
torna-se quase linear em seu jorro de imagens urgentes, como a captar o
ritmo frenético do instante que passa, através de uma daquelas mil vidas.
(…)
Ângela me oferta a caligrafia de suas vertigens,
encrespa-me enquanto perdura,
é apenas um instante,
e quando lhe abrimos as vísceras não há semântica que nos leve além do
instante.
transfigurado ressurrecto melancólico derruído,
porém aquecido pela mesma complexidade:
a dor do instante.(p.162)
Enquanto metatexto, pratica uma auto-incisão e cria sua própria imagem
(narcísica):
6.
Escrever assim em quebradiço
Dando a falsa idéia de ser nada
Pender para um ponto ou outro
Mudando de forma ou de olhar
Pingando uma imagem ou duas
Tornando o tolo em santa realeza
Glossário de idéias mal defendidas
Crendo que dure a geometria…
Nem todo um livro de Ângela
Recolhe essa anatomia desfigurada do desejo.
Há algo que lhe escapa
Como se pensássemos na evolução de um mesmo dilema:
Somente a impostura garante o sucesso? (p.160).
(…)
Estudos de Pele. Um livro original na medida em que pratica um exercício
de semântica, trabalhando com materiais provenientes, ou ao menos
familiares, ao universo explorado pela psicanálise.
[Maria da Paz Ribeiro Dantas]
7 Nueva Poesía Hispanoamericana (Antología org. por
Leo Zevala). Lord Byròn Ediciones. Lima, Perú. 2004. 110
pgs.
Lord Byròn ediciones tiene el honor de anunciarles la
publicación de la antología titulada "Nueva Poesía
Hispanoamericana" que en su edición séptima lleva como
subtitulo: "poesía no dice nada, poesía sé esta callada,
escuchando su propia voz". En esta edición la antología
tiene como eje temático a la poesía y el arte lírica.Esta
antología ha sido compilada por el poeta peruano Leo
Zelada, (premio de poesía Orpheu, Brasil, 2001). La
vocación poética, la poesía inmersa en el trajinar diario del creador, sus
miedos, fobias e imprecaciones están reflejadas Heterogéneamente, así
como las múltiples visiones personales que tienen los poetas frente a la
pagina en blanco.
Entre los poetas que han participando de esta publicación nuestra se
encuentran los más destacados exponentes de nuestra poesía
contemporánea como son: Jaime Siles, Felipe Benítez Reyes, Luis Antonio
de Villena, Antonio Cisneros, Eduardo Llanos, Ricardo Costa, Manuel
Lozano, Ernesto Kahan, Jeannette L. Clarión, Juan Carlos Gómez
Rodríguez, Alfonso Chase, Diego Muzzio, Enrique Verastegui, José
Watanabe, Floriano Martins, Antonio García, Julio Cesar Aguilar, Humberto
Garza, entre otros.
Esta 7ma edición de nuestro proyecto editorial ha tenido repercusión en el
ámbito continental al haber salido publicadas entrevistas y reseñas de la
antología en importantes diarios de América Latina como El Excelsior y El
Norte de México, El Clarín de Argentina, El Comercio, Peru21 y Liberación
de Perù, La Estrella de Puerto Rico, El Deber de Bolivia, en el Diario de
Tarragona e info-Cádiz de España; En revistas como La Resonance
(Francia), Barcelona Review (España),"Actualidad literaria" (España),
Crónica Literaria (Argentina), Literatura Cubana (USA), Actualidad Austral
(Chile); En importantes agencias internacionales de noticias como
EFE(España), LIBRUSA con sede en Miami (USA), Todito.com de TV azteca
(México), Agencia de noticias Libros y Letras (Colombia). También ha
habido entrevistas en programas de TV de Perú y Mèxico, Pachuca. Por
ultimo ha habido entrevistas radiales sobre la antología en Radio Francia
Internacional Paris, radio Onda cero, Madrid, España, Radio Nacional Perú
y en múltiples revistas escritas y web de Internet en América toda y
Europa.
Esta es pues la muestra más significativa de la nueva poesía
hispanoamericana que sé esta escribiendo en nuestra lengua después de
los grandes poetas posmodernistas en América Latina y en España luego
de la generación del 50. Como dice el compilador el poeta peruano Leo
Zelada "En esta antología están expresadas la mayoría de las tendencias
actuales de la poesía actual: el neorromanticismo Erótico, la nueva poesía
social, la poesía del ciber-espacio y la estética de la posmodernidad".
La antología ha sido presentada exitosamente el día 18 de julio del 2004
en la feria internacional del libro de Lima, el 4 de agosto del 2004 en "La
Casa de la Integración" del Instituto Internacional de Integración del
Convenio Andrés Bello, La Paz Bolivia, el 8 de diciembre del 2004 en la
universidad Tecnológica de El Salvador y será presentada el 25 de enero
del 2005 en el Instituto Iberoamericano Catalán, Barcelona, uno de los
centros culturales más importantes de España.
Según las palabras del poeta y ensayista peruano Leo Zelada, compilador
de esta Antología: "Ésta es la primera antología que se presenta ante el
lector hispano-hablante de los nuevos poetas de nuestro firmamento
poético, ellos y su poesía serán los responsables ante el tiempo de la
vigencia de nuestra valiosa tradición literaria".
Sean bienvenidos a la lectura de esta nuestra publicación "poesía no dice
nada, poesía sé esta callada, escuchando su propia voz".
8 O cantor de tango, de Tomás Eloy Martinez (trad. de
Sérgio Molina). Ed. Companhia das Letras. São Paulo.
2004. 221 pgs.
Em setembro de 2001, a Argentina esteve à beira do
caos, com a ascensão à presidência da República de um
caudilho de província, que logo se viu apeado do poder
pelo furor das massas à frente da Casa Rosada. Depois
de viver nos anos 40 o auge de seu desenvolvimento
como país periférico que se mirava na Europa, a
Argentina, no começo deste século, chegou ao ápice de
seu calvário.
É nesse ambiente de convulsão social que Tomás Eloy Martínez, hoje uma
das vozes mais representativas de uma literatura que já produziu Jorge
Luís Borges, Ernesto Sábato, Julio Cortázar, Adolfo Bioy Casares e José
Pepe Bianco, constrói a trama de seu último livro, O cantor de tango, que
não só se rivaliza com O romance de Perón (La novela de Perón), de 1985,
sua obra-prima, como engrandece ainda mais seu currículo literário. É um
livro envolvente, que traz as marcas de um romancista na plenitude de
sua mestria.
Tomás Eloy Martínez, nascido em Tucumán, em 1934, é romancista,
professor universitário, roteirista e crítico de cinema e literatura, além de
articulista que escreve em La Nación, O Estado de S. Paulo, El País e The
New York Times. Sua produção ficcional inclui ainda os romances O vôo da
rainha (2002), Santa Evita (1995) e Sagrado (1969), além de roteiros de
cinema, livros de ensaios e o relato jornalístico La pasión según Trelew
(1973). É, atualmente, diretor do Programa de Estudos Latino-Americanos
da Rutgers University, de Nova Jérsey, EUA.
Em seu último livro, Martínez imagina um pesquisador norte-americano da
obra de Borges que desembarca em Buenos Aires, ao final daquele ano,
em busca de Julio Martel, um misterioso cantor de tango que nunca
gravou um disco, mas que, quando imitava o lendário Carlos Gardel, era
Gardel e, quando se empenhava em ser ele mesmo, era melhor.
O acadêmico, um estereótipo de conhecidos pesquisadores norteamericanos que costumam freqüentar arquivos brasileiros, portugueses e
hispano-americanos, imagina que, escutando esse cantor de viva voz,
talvez poderá entender melhor determinados escritos de Borges que, já
nos anos 30, lamentava a degradação da música portenha.
Bruno Cadogan, o acadêmico, chega a uma Buenos Aires deteriorada,
cheia de mendigos e famílias desabrigadas, cenário inimaginável até há
poucos anos, embora a cidade, dez quadras depois da famosa calle Florida
em direção ao interior, sempre tenha sido outra, bem mais pobre. Instalase numa pensão na rua Garay, em cujo porão, segundo suas pesquisas
borgianas, haveria os dezenove degraus que levavam até o Aleph, “uma
pequena esfera furta-cor, de brilho quase intolerável”, que refletiria o
universo inteiro.
Suas pesquisas o levam até o número 994 da rua Maipú, onde Borges
viveu em humildade franciscana por mais de 40 anos. Se as pesquisas
borgianas não foram difíceis, buscar os rastros de Julio Martel exigiram de
Cadogan a argúcia de um detetive, tal como o personagem do livro Seis
problemas para don Isidro Parodi (1942), escrito por Borges em
colaboração com Adolfo Bioy Casares sob o pseudônimo H. Bustos Domec.
No rastro do cantor, o improvisado detetive se perde numa série de
labirintos, imbricados no espaço e no tempo, como num conto de seu
biografado. A cada passo, Cadogan envolve-se cada vez mais em histórias
que só lhe aumentam as dúvidas. Onde andaria Martel àquela altura? Por
que nunca conseguira a fama de Gardel, embora sua voz fosse um
portento semelhante ou talvez superior?
Ao tentar reconstituir a vida tumultuada de Martel, Cadogan reconstrói
também a história de uma cidade que atravessou o século XX imersa em
convulsões e catástrofes, como a Semana Trágica que resultou no
assassinato de anarquistas em 1919, em meio a perseguições contra
judeus por parte de grupos paramilitares formados por civis das classes
altas, a aventura e o flerte do general Juan Domingo Perón com os
nazistas, a brutalidade e o horror das ditaduras militares que destruíram
boa parte do futuro do país, até a catástrofe do réveillon de 2002. Como
pano de fundo, o tango, uma música nascida nos bajos fondos de Buenos
Aires em meio a prostitutas, rufiões e mafiosos de todos os calibres.
Instalado na pensão da rua Garay, Cadogan faz de uma mesa no Bar
Britânico, perto dali, em frente ao Parque Lezama, o seu observatório,
enquanto dedica-se a escrever sua tese. O local já serviu de cenário para
Sobre héroes y tumbas (1961), de Sábato, e ali em 1944 Borges e Estela
Canto, a quem está dedicado o conto “El Aleph”, viveram momentos de
enlevo. Cadogan vive ainda uma amizade suspeita com Tucumano, um
jovem de baixo estrato social disposto a fazer qualquer coisa para arrumar
dinheiro, inclusive, explorar a curiosidade dos turistas pelo possível Aleph,
que o próprio Borges supunha falso.
Mas o que prende a atenção do leitor, como num romance de suspense, é
a trajetória do cantor Julio Martel, seu envolvimento com os
seqüestradores do cadáver do general Aramburu no cemitério de La
Recoleta, a sua vida no submundo de Buenos Aires, sua esquisita mania de
cantar em locais que, vistos num mapa da cidade, cumpriam um desenho
semelhante ao losango com que Borges resolve o problema de “A morte e
a bússola”, conto de Ficciones (1944). O acadêmico descobre-se, então,
perdido num labirinto borgiano.
Para os amantes do tango, Martínez ainda relaciona ao final as letras das
canções que Martel cantava em sua ronda por Buenos Aires, que vão de
“El bulín de la calle Ayacucho” (1923), passando por “Mano a Mano”
(1918), “Caminito” (1926), até o recentíssimo “El rap del Fuerte Apache”
(2001), entre outras.
Martínez defende a idéia de que a fronteira entre os gêneros é imprecisa e
que seus textos devem ser lidos como uma cena da realidade ou da
história, não como meros documentos ou ficções. Por isso, se O cantor de
tango é uma narrativa de ficção, não se pode deixar de levar em conta que
muito do que o autor descreve está fincado na realidade, na brutal
realidade da Argentina de ontem e de hoje.
(Aliás, no conto “El Aleph”, Borges diz que, em julho de 1942, o pensador
hispano-americano Pedro Henríquez Ureña (1884-1946) descobriu numa
biblioteca de Santos um manuscrito do capitão Richard Burton, cônsul
britânico na cidade por volta de 1867, que versava sobre o espelho que
atribui o Oriente a Iskandar Zu al-Karnyan ou Alexandre Bircone da
Macedônia. Burton, segundo Borges, menciona nesse manuscrito outros
artifícios semelhantes. Se o conto é ficcção, Burton não é uma personagem
fictícia e Ureña muito menos. Por isso, já andamos por várias bibliotecas
de Santos atrás desse manuscrito, mas as buscas têm sido infrutíferas.
Com a ajuda da Associação Comercial, entramos em contato com o atual
cônsul britânico, que lamentou não poder ajudar por não ter registros, já
que “os antigos cônsules não passaram seus arquivos adiante”. É mais um
mistério borgiano).
[Adelto Gonçalves]
9 O golpe militar e civil de 64 - 40 anos depois, de Ivan
Cavalcanti Proença. Ed. Oficina do Livro. Rio de Janeiro.
2004.
Mestre em Literatura Brasileira e Doutor em Poética pela
UFRJ, Ivan Cavalcanti Proença - além de dedicar-se aos
estudos literários - vem atuando em outros segmentos
culturais. Suas pesquisas centralizam-se nas várias
manifestações da Cultura Brasileira, englobando o
Futebol, bem como abrangem expressões estéticas de
cunho popular e/ou regional, como o Carnaval, o
Folclore, a Música, etc, sendo ele autor de vários livros e ensaios sobre os
temas mencionados. Na instância político-administrativa, Proença ocupou
cargos nas áreas culturais e pedagógicas na vigência dos governos do PDT
no Rio de Janeiro, na gestão de Leonel Brizola. Dentre as várias
premiações, destacamos: Medalha Presidente Perpétuo do CACO (Centro
Acadêmico Cândido de Oliveira da atual Faculdade de Direito da UFRJ), e
Medalha Chico Mendes (de resistência à ditadura - TNM).
No livro intitulado O golpe militar e civil de 64 - 40 anos depois (Ed.
Oficina do Livro), lançado em novembro de 2004, o autor aborda, dentre
outros assuntos, o episódio do Largo do CACO (Centro Acadêmico Cândido
de Oliveira, da então Faculdade Nacional de Direito), cuja versão original
merece aqui ser mencionada, por ser pouco conhecida até mesmo do
público atento à temática em pauta. Trata-se de fatos ocorridos, já sob a
égide do Golpe Militar, no dia 1º de abril de 64, quando, por ocasião de um
comício estudantil realizado naquele Largo, grupamentos paramilitares
cercaram estudantes e pessoas que se encontravam nos arredores “muitas a caminho da Central do Brasil”, no Rio de Janeiro.
De serviço nas proximidades do Campo de Santana (localidade vizinha do
CACO), Ivan Cavalcanti Proença, que na época era capitão do Exército,
posicionou-se a favor da legalidade, e liderou manobras de proteção e
abertura do prédio da Faculdade Nacional de Direito, que fora cercado
pelas forças repressoras, e atingido por bombas de gás lacrimogêneo. Em
virtude do ocorrido, Proença foi preso e cassado. E tornou-se alvo de
represálias, inclusive em instituições civis, sendo afastado inúmeras vezes
das atividades de magistério.
Abordando, através de texto claro e objetivo, inúmeros antecedentes e
conseqüências do golpe, o autor - mais que um depoimento - apresenta
aos leitores vasto material para pesquisa no campo político-social,
tangenciando questões relacionadas aos Direitos Humanos. Note-se ainda
que, tão logo trazido a público, o livro de Ivan Cavalcanti Proença ganhou
novos contornos, posto que, duas semanas após o lançamento, uma
emissora de TV exibiu reportagem (como é do conhecimento de todos)
sobre a queima de documentos relacionados ao governo militar. Diante do
ocorrido, neste momento em que o “Brasil” discute a abertura dos
arquivos referentes àquele período histórico, os fatos narrados pelo autor
tornam-se objeto de mais uma “leitura”, envolvendo questões afetas à
cidadania.
A relevância do livro de Proença consiste, sobretudo, em indicar as lacunas
deixadas pelo golpe, lacunas que se refletem hoje em várias instâncias
sócio-culturais, levando o leitor a observar que os regimes ditatoriais
possuem algo em comum: não afetam a produção de idéias, mas impedem
a práxis. Os mecanismos panópticos do autoritarismo não podem vigiar o
pensamento, mas se empenham em coibir ações, impondo uma
indesejável dicotomia entre o pensar e o atuar.
Sob esse ângulo, os governos autoritários não terminam em datas fixadas
no calendário. O autoritarismo deixa marcas - deixa lastro que o revela de
modo sub-reptício. Cultural ou socialmente, aquilo que não foi realizado
precisará de tempo. Precisará de muito tempo para chegar a termo. Sem
contar realizações que se tornam impossíveis, como reverter efeitos da
delação e da tortura. Eis a linha de pensamento que norteia o trabalho de
Ivan Cavalcanti Proença, envolvendo questões que tangenciam a
importância da democracia como fundamento da liberdade do cidadão para
atuar nos processos culturais. E aqui a cultura ganha definição
antropológico-filosófica - abrange a globalidade das produções do homem
dos pontos de vista ideativo e pragmático.
[Mirian de Carvalho]
10 O guia dos perplexos - Parte 1, de Maimônides
(tradução e estudo introdutório de Uri Lam). Landy
Editora. São Paulo. 2004. 336 pgs.
Nesta Parte 1, o filósofo apresenta as idéias esotéricas
contidas na Bíblia, especialmente a de não se aplicar
atributos a Deus, e uma primeira refutação da doutrina
do Kalám, corrente filosófica de orientação islâmica.
Maimônides, baseado em fontes judaicas, dialoga, nesta
obra, com parte da filosofia grega e da árabemuçulmana, além de se referir a um grande número de
teorias, doutrinas e opiniões das mais variadas
procedências. Em uma época cuja preocupação era, principalmente, as
questões dos eruditos judeus da Península Ibérica, mas também o
desinteresse dos judeus do Egito pelos estudos judaicos, Maimônides
acreditava que, ao escrever uma obra que abordasse a relação possível
entre o texto bíblico e a tradição oral contida no Talmud, por um lado, e a
filosofia abstrata, por outro, possibilitaria o acesso da razão aos segredos
contidos na Bíblia e, assim, atrairia novamente os judeus para o estudo de
suas tradições. O seu interesse em buscar a conciliação entre filosofia e
religião estava em criar uma teologia judaica de alto nível e em
demonstrar que a leitura dos textos bíblicos não deveria ser literal.
11 Obra poética, de Mauro Mota. Edições Ensol Ltda.
Recife. 2004.
A primeira coisa que salta aos olhos quando se percorre
a poesia de Mauro Mota é a sua alta e obstinada lição de
rigor, de um rigor que se diria clássico tamanho é o
tributo que paga à austeridade expressiva e ao culto das
boas tradições da língua. Sua linguagem é simples e
direta na medida em que o é a de seu ilustre conterrâneo
Manuel Bandeira, e assim o é porque ambos entenderam,
até com certa humildade, que o simples não constitui
senão o derradeiro estágio do complexo, no qual já não cabem o
malabarismo e a acrobacia verbais, esses feux d’artifice em que se
perderam (e ainda se perdem) alguns poetas brasileiros que poderiam têlo sido e que não foram. Há em ambos uma secura de estilo e uma
franciscana economia de meios, um horror às tournures fraseológicas e
aos contorcionismos de linguagem que de pronto nos recordam o
ascetismo da euclidiana linha reta. E estão ambos - eis aqui o milagre carregados daquela misteriosa emoção que somente os autênticos poetas
sabem transformar em magia verbal, como o fizeram Poe e Baudelaire na
estrutura medida e concisa de seus versos. É que neles, mais do que o
espírito - que sempre se move de fora para dentro -, anima-os a alma,
cuja luz percorre o trajeto inverso, tal como o vemos naquela “noche
oscura” de São João da Cruz.
Essa é a essência da poesia de Mauro Mota, mais exatamente a que inerva
as Elegias (1952), nas quais se dilui por completo qualquer indício de
datação temporal ou de referência toponímica, ao contrário do que ocorre
com a imensa maioria de seus poemas subseqüentes. Trata-se aqui do
primado da poesia pura ou, se quiserem, assoluta, daquela poesia da
poesia, antiprogramática e estrita, como se lê em alguns dos poemas de
Leopardi ou nas partituras de Bach, Mozart e Chopin. Não me parece
fortuito que, para escrevê-las, Mauro Mota haja escolhido a forma tersa e
contrita do soneto, cuja expansão é sempre mínima: “pequeno som”,
como diziam seus inventores, Piero delle Vigne e Guittone d’ Arezzo, no já
distante século XIV, e de que se valeram depois os poetas do dolce stil
nuovo. E estes sonetos, ou “elegias”, de Mauro Mota são perfeitos na
emoção e na forma, já que ambas se desenvolvem sob o signo de uma
reciprocidade simultânea, corrigindo assim aquele antigo equívoco de que
forma e fundo seriam dissociados, quando são, na verdade, uma
indissolúvel comunhão, comunhão absoluta, aliás, como se vê no primeiro
quarteto e no segundo terceto da “Elegia nº 8”:
As mãos leves que amei. As mãos, beijei-as
nas alvas conchas e nos dedos finos,
nas unhas e nas transparentes veias.
Mãos, pássaros voando nos violinos.
(...)
Se parecem dormir, não as despertes.
As mãos que amei, que desespero vê-las
cruzadas, frias, lânguidas, inertes!
Claro está que essa poesia da poesia lateja em toda a obra de Mauro Mota,
mas convém sublinhar que aquela essência antiprogramática a que
aludimos no caso das dez elegias (que seriam onze, se computássemos a
que se encontra nos versos de arquivo) cede terreno à poética da
existência nos livros posteriores do autor, ou seja, os que ele deu à
estampa entre 1956 e 1979. É que os poemas incluídos nesse período de
vinte e três anos de produção são de fundo simbólico e estão fincados
como raízes na terra nordestina, retratando os dramas do cotidiano em
linguagem natural e espontânea, ou, como deles disse Álvaro Lins,
transmitindo “uma espécie de realismo mágico, uma extraordinária
capacidade para transfigurar o imediato e o cotidiano em simbologia
poética”. Percebe-se “um certo cheiro de engenho” até mesmo em alguns
de seus poemas mais urbanos, como corretamente observa Renato Pontes
Cunha, acrescentando que a Zona da Mata pernambucana, onde ondulam
aqueles canaviais de João Cabral de Melo Neto, “marcou sua infância e
tingiu definitivamente sua poesia”. Esse realismo mágico e esse “cheiro de
engenho” estão de fato presentes em quase toda a obra de Mauro Mota, e
seria fastidioso rastreá-los neste ou naquele poema, já que se trata de um
traço estigmático do comportamento psicológico do autor, de uma herança
cultural ou, mais do que isto, de uma alma acima de tudo nordestina.
O que nos interessa mais de perto na poesia de Mauro Mota, entretanto, é
uma qualidade intrínseca: a de sua pureza formal, associada ao domínio
cabal que revela o autor no que toca aos seus meios de expressão e ao
lirismo, dir-se-ia telúrico, de sua refinada e tensa linguagem. Tais
características legitimariam sua filiação à Geração de 45, como assim o
pretendeu Fernando Ferreira de Loanda quando o incluiu no Panorama da
nova poesia brasileira, antologia que registrou o primeiro balanço de um
grupo de poetas que buscavam um novo caminho para além dos limites do
Modernismo. Ocorre que Mauro Mota, à semelhança de Lêdo Ivo e de
alguns outros poetas pertencentes ao grupo, transcende os propósitos
operacionais e doutrinários da Geração de 45, firmando-se logo depois
como um dos poetas mais estimados de sua época. E acrescente-se que a
reação formalista desses poetas aos desmandos e desvios dos modernistas
de 1922 era algo previsível e talvez até necessário. Mas quando se lêem
poemas como as já citadas “Elegias”, “Finados”, “A potranca”, “As
andorinhas”, “Os epitáfios”, “O cacto” ou “Balada eqüestre” percebe-se em
que medida se dá essa superação dos pressupostos formalistas da Geração
de 45, na qual já se arrolaram poetas tão transgressivos quanto João
Cabral de Melo Neto e Ferreira Gullar.
Mauro Mota, de quem agora se reúne toda a poesia, não pode ser visto,
portanto, como um sobrevivente da geração a que pertenceu, e sim como
o grande poeta que já era quando da publicação das Elegias, às quais se
seguiram, confirmando-lhe as altas e indiscutíveis virtudes, A tecelã
(1956), Os epitáfios (1959), O galo e o cata-vento (1962), Canto ao meio
(1964), Itinerário (1975) e Pernambucânia (1979), além dos poemas do
arquivo que agora se coligem. É que há em sua poesia, como em toda
grande e autêntica manifestação do ímpeto poético, aquele timbre
intransferível que distingue o poeta do versejador, e nem cogito aqui do
artesão porque este sempre subjaz no verdadeiro artista e até o
pressupõe. Há em Mauro Mota austeridade verbal, limpeza de fatura,
equilíbrio e adequação do que e do como da linguagem poética, fina ironia
e uma tristeza que é a de todos nós, poetas, a tristeza daqueles que,
caducos e contingentes, estão sempre com um ar de despedida, como
observou certa vez este outro grande elegíaco que foi Rainer Maria Rilke. E
são esses os misteriosos ingredientes de que se vale toda poesia que
haverá de permanecer, mesmo nos hölderlinianos tempos de indigência
que ora vivemos. De Mauro Mota, por exemplo, haverão de permanecer,
entre outros, estes dois tercetos admiráveis de “As andorinhas”:
Mas quando, no intervalo dessa pena,
no seu repique matinal batia,
era a coletivíssima revoada:
asas de cal e músicas de pena
caindo todas pelo chão da praça
como se a torre se despedaçasse.
[Ivan Junqueira]
12 A palavra inscrita, de Mário Chamie. FUNPEC Editora.
São Paulo. 2004. 402 pgs.
Mário Chamie é autor de quinze livros de poemas e está
lançando agora o seu décimo terceiro livro de ensaios e
estudos literários.
Como ensaista, Chamie escreveu obras de importância
para a crítica literária brasileira, a exemplo do clássico
Caminhos da Carta. Incluem-se entre essas obras,
Intertexto (1970) e A Transgressão do Texto (1972) que
introduziram o método dialógico na análise de Macunaíma, de Mário de
Andrade, e de Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade. Graças às
suas pesquisas, Chamie é também o responsável pela descoberta e
revalorização de Madame Pommery, de Hilário Tácito, além de ter
revelado, interpretado e editado, pela primeira vez, os originais
manuscritos de O Santeiro do Mangue, de Oswald de Andrade. Detentor
dos mais importantes prêmios literários do País (com seu último livro de
poemas, Horizonte de Esgrimas, conquistou, em 2003, o Prêmio Portugal
Telecom), Chamie acrescenta aos seus doze livros de ensaios, o volume de
A palavra inscrita. Neste livro, o poeta examina e interpreta aspectos
inexplorados, ou pouco comuns, de escritores nacionais e estrangeiros,
como Machado de Assis, Euclides da Cunha, Francis Ponge, Lévi-Strauss,
Augusto dos Anjos, Gilberto Freyre e outros, transitando da cultura popular
para a cultura literária mais sofisticada, com diferenciado senso de análise.
parceiros da agulha nesta seção
Livros para Agulha deverão ser enviados aos editores, nos endereços a seguir:
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revista de cultura # 43
fortaleza, são paulo - janeiro de 2005
discos da agulha
1 Bandolim do Brasil, de Afonso Machado. Rob Digital.
2004.
Quando fui convidado para fazer a apresentação deste CD
senti-me homenageado e tomado de emoção ao buscar as
palavras certas para falar do trabalho de um muito querido
amigo, um dos mais notáveis bandolinistas deste país.
Foram passando pela minha mente lembranças da vida de
Afonso Machado, e de como ele se firmou no cenário
musical, não só como instrumentista, mas também como compositor e
arranjador.
De repente me vi em um dos saraus da casa de Botafogo promovidos por seu
pai, o cientista e violonista Raul Dodsworth Machado, com quem Afonso obteve
as primeiras noções da arte musical, e deu seus primeiros passos como solista
do recém-criado conjunto Galo Preto. Lembrei-me que depois Afonso
aperfeiçoou-se com o professor Elpídio Faria e, sem perder o vínculo com este
núcleo inicial, passou a sobressair-se ao contribuir inúmeras vezes, como
músico, arranjador e produtor musical para o realce de obras de outros
compositores e intérpretes.
Sempre foi um admirador e seguidor atento de Jacob do Bandolim, Déo Rian,
Rossini Ferreira e Joel Nascimento, deles captando sutilezas que se
acumularam no seu íntimo e se transformaram numa estética própria que
representa o seu retrato musical. E, no ano de 1986, Afonso Machado escreveu
o seu Método do Bandolim Brasileiro, obra que muito tem ajudado na formação
de músicos, hoje atuando profissionalmente com grande sucesso.
Além do Galo Preto, Afonso foi um dos fundadores da Orquestra de Cordas
Brasileiras. Apresentou-se com várias orquestras sinfônicas executando
repertório da chamada música de concerto, e também com o Quarteto Sueco,
ao lado do violonista Bartholomeu Wiese, com quem forma um duo que tem se
apresentado muito mais no exterior.
Este disco traz composições suas em parcerias com Luiz Moura (o mais
constante), Rafael Rabello (saudosíssimo), Bartholomeu Wiese, e os letristas
Paulo César Pinheiro e Delcio Carvalho, além de, generosamente, ter-me
incluído neste “ninho de cobras” com o choro de nossa autoria – Angenor –
uma homenagem ao Mestre Cartola.
Vale salientar duas jóias que Afonso compôs sozinho: A Última Barca, uma
lembrança da Suécia, que nos remete a uma paisagem escandinava; e
Claudionor, que nos induz ao universo chorístico de um grande músico, o
inesquecível Claudionor Cruz.
Além de autoral, este CD é instrumental, e conta com a participação de
músicos de altíssima qualidade. Eles parecem festejar aqui a estréia de um
jovem talento, Tiago Machado, filho de Afonso. E mais, nos oferece a presença
vocal de Zezé Gonzaga que é, ela mesma, uma escola de interpretação
brasileira.
Embora lamentando a perda de nosso querido Maurício Almeida, ex-aluno de
Afonso, excelente baixista, que aqui aparece em algumas de suas últimas
atuações, nós que somos profundos admiradores de Afonso Machado, estamos
felizes pela realização de um disco que se fazia necessário, pelas suas sutilezas
e pela mágica delicadeza das composições, das interpretações e dos arranjos.
[Elton Medeiros]
2 Brazilian routes, de Romero Lubambo. Rob Digital.
Dentro do projeto do selo japonês aosis records sobre
música brasileira, Brazilian Routes faz parte também da
irresistível carreira deste guitarrista radicado em N. York há
15 anos. Durante este período Romero gravou com Raphael
Rabello, Artur Maia, Herbie Mann, Lenny Andrade, Rildo
Hora, faturou dois Grammys, por trabalhos com a cantora
Dianne Reeves, e tocou no Carnegie Hall e no Lincoln Center. No CD, Romero
imprime sua marca rítmica e melódica em faixas como Love for Sale de Cole
Porter, Route 66 de Bobby Troup - na voz de Pamela Driggs - O que é Amar de
Johnny Alf, Sally’s Tomato de Henry Mancini, além de ótimas composições
próprias. Destaque para os arranjos próprios e os de Cesar Camargo Mariano.
3 Cantos do Brasil, de Hamilton e seus estados. Videolar.
2004.
O Grupo Hamilton e Seus Estados iniciou as atividades em
agosto de 1998 e a origem do nome é que na Mecânica
Quântica tem os auto-estados do operador Hamiltoniano,
e como os integrantes, na formação inicial do grupo,
vinham de diferentes estados geográficos e eram alunos
de Graduação em Física, o Prof. Nelson Studart do
Departamento de Física da UFSCar, em alusão aos estados quânticos e tendo o
Prof. Hamilton também docente e Chefe do Departamento de Física como líder
do grupo, em uma brincadeira deu este nome ao grupo, que os alunos
decidiram adotar.
O grupo Hamilton e Seus Estados conta com Hamilton Viana no violão, Fred
Cavalcante nos teclados e saxolfone, Ricieri no contra-baixo, Fernando Izé na
guitarra, Marcos Carvalho na clarineta, Cristiano na bateria, Abdalan no
trompete, Thiago e Henrique Rozenfeld na percussão, Muringa no saxofone, e
nas vozes: Regina Dias, Maria Butcher e Roberta Reiff.
Com várias apresentações no Teatro Municipal de São Carlos, no SESC-São
Carlos, Teatro Universitário Florestan Fernandes da UFSCar, SESC-Araraquara,
SESC-Birigui, o grupo já dividiu o palco com Jorge Mautner, Grupo Mandinga,
As Choronas e Chico Cesar.
A convite do SESC-São Carlos apresentou-se no dia 17 de agosto de 2001 com
o Show Tropicália, projeto do SESC-São Carlos em homenagem ao
Tropicalismo, abrindo o show que teve a presença de Elke Maravilha e do
cantor Falcão. No repertório que o grupo vem se apresentando desde o início
das atividades, constam composições de Chico Buarque, Tom Jobim, João
Bosco, Edu Lobo, Celso Viáfora, Juarez Moreira, Vicente Barreto, Pixinguinha,
Eduardo Gudin, Paulinho Nogueira, além de composições de Hamilton, Márcio
Corrêa e Fred Cavalcante.
O grupo lançou recentemente o Projeto Releituras de Paulinho Nogueira,
realizando duas apresentações: dia 04 de junho de 2004 no SESC-Araraquara,
no dia 09 de julho de 2004 pelo SESC-Birigui com o show realizado na cidade
de Andradina e no dia 01 de dezembro de 2004 na Sala Guiomar Novaes da
Funarte.
O grupo Hamilton e Seus Estados acaba de gravar seu primeiro CD, intitulado
Cantos do Brasil, com arranjos de Fred Cavalcante e participações de músicos
convidados entre eles, Oswaldinho do Acordeon, Juarez Moreira no violão,
Marcos Cavalcante no violão e guitarra, Mauro Campos no cello, Richard e Fábio
Guerrini na flauta, Edison Penteado no trompete, Fernando no trombone, André
Souza na voz e Emilio Martins na percussão. As 14 faixas do CD contam com
composições de músicos da cidade de São Carlos: Porto do Acaso (Hamilton
Viana-Floriano Martins), Vértice (Márcio Corrêa-Hamilton Viana), Arranjos
Florais (Márcio Corrêa), Titubeando, Frevura, Sambatuque e Cantos do Brasil
(Fred Cavalcante), além de composições de músicos consagrados e conhecidos
no exterior como Paulinho Nogueira, Celso Viáfora, Vicente Barreto, Simone
Guimarães, F.A Bezerra de Menezes, Juarez Moreira e Zezo Ribeiro.
No grupo, alguns de seus integrantes já participaram em shows de
instrumentistas e compositores consagrados: Hamilton participou em vários
eventos com Paulinho Nogueira (Teatro Municipal de São Carlos, nas unidades
do SESC de São Carlos, Ribeirão Preto e Bauru e no Teatro Universitário
Florestan Fernandes), também já se apresentou com Ulisses Rocha, Juarez
Moreira e Zezo Ribeiro. O pianista Fred Cavalcante, formado em Música pela
UNICAMP, apresentou-se com Zezo Ribeiro no Teatro Universitário Florestan
Fernandes em outubro de 1999, além de escrever os arranjos para o grupo,
Fred também escreve arranjos para a Orquestra Experimental da Universidade
Federal de São Carlos e é professor na Oficina Cultural Sérgio Buarque de
Hollanda. A cantora Regina Dias, juntamente com Hamilton e Fred se
apresentaram nas unidades do SESC de Bauru e São Carlos, dividindo o palco
com a cantora Simone Guimarães, com o pianista Leandro Braga e com o
violonista João Gaspar. A cantora Maria Butcher já se apresentou com Zezo
Ribeiro e Tetê Espíndola em São Carlos.
Em 1979, Hamilton e Regina participaram da gravação de uma trilha sonora de
um filme da Embra Filmes, na época em que eram integrantes do Grupo
Sassafrás.
***
“Atire a primeira pedra quem nunca ouviu falar de Hamilton e Seus Estados”.
Foi com essa frase que inicie uma matéria para o Jornal da Federal, da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), para falar desse grupo musical.
Toda grande band music tem uma grande história e a de Hamilton e Seus
Estados nos leva ao ano de 1998. Toda quarta-feira a UFSCar se transformava
em palco de encontros. Foi a ausência de um palestrante que fez com que o
protocolo fosse quebrado. Hamilton, professor de Física por opção e músico por
paixão, reuniu-se com quatro universitários (também músicos) para um único
encontro. Era para ser um “simples” recital de violões, mas não foi. Mania de
físico? Tamanha “simplicidade” fez com que viesse um novo convite e outras
apresentações.
Bom repertório, ótima interpretação, porém ainda não havia um nome. Foi aí
que Nelson Studart, também professor de Física, sugeriu: Hamilton e Seus
Estados. Óbvio? Claro que não! Físicos, assim como músicos, não são
previsíveis. Os integrantes da banda naquela época tinham uma espécie de
sobrenome que remetia ao nome do Estado de onde vinham. Exemplifico com
Henrique Ceará, Myrko Pará e Nara “Distrito Federal”, pessoas reais e que junto
com Lis abriram o longo caminho da banda. Tem mais: há na Física os autoestados Hamiltonianos, formulados pelo cientista irlandês Hamilton. Fórmula
pronta e com nome próprio, a banda seguiu seu caminho e chegou até aqui.
“Cantos do Brasil” é o reflexo de cinco anos de muita música e união. Cada
faixa é prova de tudo isso: composições de Vicente Barreto, Celso Viáfora, Zezo
Ribeiro, Simone Gumarães, Bezerra de Menezes, entre tantos especiais, além
da presença de grandes nomes (a benção Juarez Moreira, Oswaldinho do
Acordeon, Marcos Calvacante e tantos outros mais que essenciais). Um lindo
trabalho que inicia um novo capítulo na história desta grande banda.
Não poderia encerrar sem falar de Paulinho Nogueira. A matéria que mencionei
acima terminava falando dos planos futuros da banda: a gravação de um CD.
Ao ler isso, Paulinho com toda a simplicidade e maestria, pergunto ao amigo
Hamilton: “E aí, quando vai sair este CD?”. Eu respondo: chegou Paulinho.
Então ouça daí, enquanto fazemos o mesmo daqui!
[Fabrício Mazocco]
***
São cinco anos de atividades do grupo Hamilton e Seus Estados, e agora
mostramos nosso primeiro CD. Por força das circunstâncias, a formação do
grupo foi se modificando, mas nunca podemos esquecer do começo e aqui fica
meu registro das participações de Henrique Ceará, Pará, Nara, Lis, Gustavo
Sato, Felipe, Caru, Guilherme, Davi e Dana. Não poderia deixar de destacar o
trabalho árduo dos arranjos em 13 faixas nas mãos competentes de Fred
Cavalcante, que acompanhou todas gravações, nota por nota, acorde por
acorde, mesmo estando na reta final do seu Mestrado. Ao Márcio Corrêa e
Floriano Martins pela amizade e parceria. O sucesso pelo trabalho de gravação
do CD Cantos do Brasil também foi possível graças aos patrocinadores que
apostaram no potencial do grupo.
Nossos agradecimentos à Brasport e a Inode pelo patrocínio. Ao João Batista de
Souza nossos agradecimentos pela contribuição expressiva e pela
recomendação de nosso trabalho para que obtivéssemos o patrocínio e
viabilizássemos o CD. Aos compositores Zezo Ribeiro, Simone Guimarães,
Celso Viáfora, Juarez Moreira e Vicente Barreto pelas músicas. À Dona Lygia
Bezerra de Menezes pelo empenho na autorização de gravação de Contraste,
que neste CD é interpretada por sua neta Roberta. Ao SESC-São Carlos pelas
oportunidades de mostrarmos nosso trabalho e ao Produtos Nim-BA pelo apoio
Ao Maurinho Saldanha que já integrou o grupo como baterista o nosso
reconhecimento pelas contribuições com idéias além do trabalho de captação,
mixagem e co-produção.
Aos músicos André de Souza, Emílio Martins, Veridiana, Vivian, Tinho, Fábio
Saffi, Alessandro, Rodrigo, Edison Penteado, Fernando Hehl, Mauro Campos,
Fábio Guerrini, Richard, Marcelo, Marcos Cavalcante, Juarez Moreira e
Oswaldinho do Acordeon que juntamente com os integrantes de Hamilton e
Seus Estados, completaram o trabalho que ora apresentamos.
[Hamilton Viana da Silveira]
4 Dear heather, de Leonard Cohen. Sony BMG Music. 2004.
Se as mulheres criam um recanto secreto em suas vidas
agitadas e lá guardam o poeta septuagenário, também o
poeta criou um universo onde os mistérios femininos se
revelam - ou se escondem. É sobre esse encontro que trata
a canção "Because of", segunda faixa de Dear heather,
novo álbum do compositor canadense Leonard Cohen.
Lançado mundialmente em final de outubro, o CD saiu no
Brasil em dezembro.
Um disco belo e estranho, como vários de seus mais importantes álbuns. A
faixa de abertura é "Go no more a-roving", um poema do inglês Lord Byron
(1788/1824), musicado por Cohen. A partir daí, a voz de Leonard, cada vez
mais grave, áspera e paradoxalmente suave, canta e eventualmente apenas
declama poemas carregados de lirismo e observações surpreendentes.
Esse novo disco de Leonard Cohen, lançado três anos depois do anterior, Ten
new songs, e cinco depois de sua saída de Mount Baldy, um mosteiro zenbudista onde passou meia década e de onde saiu com o status de monge, se
encaixa com perfeição a uma frase de Bob Dylan sobre seu trabalho. "As
canções de Cohen se parecem cada vez mais com orações", disse o poeta, ao
ouvir "Various positions", lançamento de 1984. De fato, as canções de "Dear
heather" são autênticos hinos religiosos, com a ressalva de que não prestam
reverência a nada, a ninguém - o velho bardo, que já foi chamado de "Mr.
Sadness" (Senhor Tristeza), permanece fiel a seus temas, abordando mulheres
misteriosas, amores frustrados, o ser humano e suas fatalidades.
As canções são emolduradas por sutis arranjos instrumentais, especialmente de
piano, harpa judaica, violino, piano e sopros. Estão presentes o sax tenor de
Bob Sheppard, o violino de Raffi Hakopian, a flauta de Paul Ostermayer,
músicos que já o acompanharam em outros discos memoráveis. A
interpretação de Cohen é apoiada pelos delicados vocais femininos de Sharon
Robinson e Anjani Thomas, que no entanto às vezes sufocam a sua voz, que
poderia aparecer mais em algumas faixas.
Leonard Cohen lançou Dear heather um mês depois de completar 70 anos.
Desde seus primeiros poemas, publicados a partir dos 22 anos, ele vem
tentando compreender o absurdo de viver e os mistérios dos relacionamentos para ser mais explícito, os mistérios das mulheres. Depois que começou a
enriquecer a música pop com suas melodias suaves e seus poemas profundos,
a partir de 1968, os diálogos travados com essas mulheres enigmáticas,
complexas, estranhas, tornaram-se emblemáticos. Ninguém faz canções como
Leonard Cohen.
Dear heather dá prosseguimento a essa obra especialíssima. Fala de amor,
solidão, abandono, e também de coisas que o poeta jamais entenderá, como o
ataque de 11 de setembro a Nova York. E o encarte do CD é ilustrado com
desenhos do poeta, revelando assim mais um de seus grandes talentos.
[Alexandre Marino]
5 Interpreta Paulinho da Viola, de Nó em Pingo d’Água. Rob
Digital. 2003.
Paulinho da Viola freqüentou a casa de Jacob do Bandolim e
suas excelentes composições de choro só não são mais
conhecidas porque ficaram de certa forma escondidas por
suas não menos excelentes composições de samba e MPB
que fazem tanto sucesso.
Neste disco o Nó em Pingo d’Água vem preencher a lacuna. E realiza a tarefa
com o brilho dos conhecedores. Afinal eles acompanham e freqüentam Paulinho
há muitos anos. Celsinho Silva (percussão) e Mário Sève (sopros) assinam a
produção e a direção musical, Rodrigo Lessa (bandolim e cavaquinho), Rogério
Souza (violões) e Papito (baixo) contribuem com seu talento de ótimos
instrumentistas.Todos participam dos arranjos.
Como convidado especial Cristóvão Bastos faz parceria com Paulinho na música
Não me Digas Não, para a qual além de trazer seu piano virtuoso ainda
escreveu o arranjo. Cesar Faria, do tradicional Época de Ouro, assina a única
faixa que não é de Paulinho, o belo Choro em Ré Menor. E Paulinho da Viola,
lembrando os velhos tempos de roda de choro, empunhou seu cavaquinho na
faixa Rosinha, Essa Menina. Destaque para o incrível arranjo de Sinal Fechado,
um clássico que renasce de forma inteiramente nova.
O encontro perfeito entre a competência e o bom gosto do Nó em Pingo d’Água
e a classe do repertório de Paulinho da Viola. Com ênfase no choro, gênero de
base da carreira do compositor, mas trazendo também um maxixe, uma valsa,
um samba e a antológica Sinal Fechado, o CD exibe arranjos modernos e
execução instrumental só encontrados entre músicos de muito talento e
maturidade. Nesta festa, Paulinho, chorão consagrado, voltou às origens e
tocou cavaquinho, Cristovão Bastos contribuiu com seu piano e um arranjo
magistral, o tradicional César Faria, do Época de Ouro, criou um belo tema e a
turma do Nó esmerou-se nos arranjos.
Enfim, uma festa da música brasileira.
6 Nova saudade, de César Camargo Mariano. Rob Digital.
Este CD faz parte da coletânea do selo japonês aosis
records sobre música brasileira enfocada em um contexto
jazzístico. Quem conhece a história deste extraordinário
músico, arranjador, produtor e compositor desde os tempos
do Sambalanço Trio e do Som Três, passando pelo período
áureo de Elis Regina certamente vai se deliciar com esta
Nova Saudade. Cesar fez um disco com o sabor de um bom
vinho, que se degusta a cada faixa. De Chega de Saudade com a participação
do clarinetista Paquito D’Rivera ao clássico The Shadow of Your Smile,
passando por três belas composições próprias, Cesar cativa o ouvinte com seus
arranjos simples e sofisticados, e uma variedade de timbres que vão do piano
acústico ao vibrafone. Para completar, tem ainda Felicidade de Tom Jobim e Pra
Machucar Meu Coração de Ary Barroso.
7 Off key, de Leila Maria. Rob Digital. 2004.
Gene Lees, Ray Gilbert, Norman Gimbel, o casal Alan e
Marilyn Bergman podem não ser nomes exatamente
conhecidos dos brasileiros. Nem letristas assim tão bons
quanto os nossos Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Vitor
Martins, Paulo Sérgio Valle, Nelson Motta, Abel Silva... Mas
foram eles, e mais alguns poucos letristas americanos, que
transformaram as palavras destes, e de outros grandes
poetas da música brasileira, em moeda de circulação internacional. E
permitiram que os maiores cantores da língua inglesa - Sinatra, Ella, Sarah e
quem mais se possa imaginar que tivesse alguma sensibilidade musical na
América nos últimos 50 anos - cantassem música brasileira com naturalidade e
freqüência. Música brasileira cantada em inglês virou quase um gênero da
música americana; Jobim, Dori Caymmi e Marcos Valle e tantos brasileiros,
autores de standards no mundo inteiro. Leila Maria - que por sua intensa
musicalidade, sua capacidade de improvisar, seu timbre único e quente, seu
padrão de acabamento, sua técnica vocal, seu inglês perfeito - volta e meia é
comparada aos grandes cantores americanos resolveu juntar essas duas
grandes pontas da produção musical do mundo. Em "Off key" (Rob Digital), seu
segundo disco, canta apenas música brasileira. E apenas em inglês. No disco
idealizado e produzido pelo expert em cantoras José Milton (com um curriculo
recheado de Nanas Caymmis, Miúchas...), Leila mescla o tempo todo suas duas
culturas musicais, a brasileira e a americana. A brasileira no repertório, na
inventividade e na intimidade com o samba - ouçam o "Summer samba"
("Samba de verão", dos irmãos Valle vertido por Norman Gimbel, o mesmo da
"Girl from Ipanema") e comparem seu balanço com as dezenas de gravações
desta canção nos últimos anos... A americana no indisfarçável sotaque
jazzístico de sua interpretação - ouçam o "All that`s left is to say goodbye" ("É
preciso dizer adeus", samba-canção de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, vertido
por Ray Gilbert) e digam se não é uma filha musical de Bille Hollyday quem
está cantando... Tal intimidade com o jazz fez com que um dos maiores fãs de
Leila Maria, Ed Motta (outro mestre nas duas culturas musicais), dissesse certa
vez: - Leila tem o padrão americano, é uma das grandes cantoras vivas do
mundo. Isto quando Ed convidou Leila a gravar com ele "A balada do mar
salgado", em seu CD mais jazzístico, "Dwitza". Em "Off key", José Milton
escolheu para Leila Maria a jazzística formação de trio: o piano de Cristóvão
Bastos, o baixo de Jorge Helder e a bateria de Carlos Bala, acrescido do violão
de João Lyra, num quarteto insuperável na música brasileira de hoje, músicos
que, como a cantora, passeiam com desenvoltura pelas duas culturas musicais
que aqui se mesclam. Para o clima brazilian jazz ter ficado impecável, foi
chamado para um inspirado solo de flugelhorn em "É preciso dizer adeus", o
trompetista Jessé Sadock, um dos maiores nomes da nova geração do jazz
brasileiro. Leila e os músicos gravaram juntos no estúdio, como se fosse ao
vivo. Como, aliás, deve ser um disco em que a pulsação de quem sabe tocar é
tão importante quanto o bom gosto no repertório, as invencões harmônicas, e a
precisão de quem canta. O repertório parte evidentemente da bossa nova, a
música que, sobretudo a partir do concerto do Carnneggie Hall, em 1962,
estabeleceu de fato o casamento entre as músicas brasileira e americana. Mas
não se restrige a ela. Alguns dos mais internacionais compositores brasileiros
do período pós-bossa nova estão aqui. Como Ivan Lins (e Vitor Martins, com
versão de Alan e Marlyn Bergman), de quem Leila grava "The Island", nada
menos do que a grande balada "Começar de novo", recentemente gravada por
cantoras de registros distintos como Barbra Streisend e Jane Monheit. Ao
contrário destas, contudo, Leila dá uma versão cheia de suingue, conduzida
pelo baixo de Jorge Helder, sem perda da substância dramática da canção. Dori
Caymmi, ele próprio radicado nos Estados Unidos, é autor de "Like a lover"
(versão do mesmo casal Bergman para "O cantador", música catapultada para
o sucesso no Brasil por Elis Regina no Festival da Record de 1967), uma das
canções brasileiras mais gravadas no exterior, que ganha uma versão
levíssima, lírica de Leila, reforçando a letra em inglês que fala: "Como um
amante, o sol da manhã/Nasce lentamente e beija o seu acordar". "Nothing will
be as it was", de Milton Nacimento (e Ronaldo Bastos, com versão de R.
Vincent), reaparece introduzida apenas por voz e contrabaixo, jazzística a não
mais poder, o piano de Cristóvão fazendo de forma suingadíssima o famoso
intermezzo da versão original, Carlos Bala quebrando tudo na bateria e Jorge
Helder no walking bass. Das grandes canções de seu pianista Cristóvão Bastos,
"Let`s start right now" , de linda melodia, harmonia riquíssima valorizada pelo
acompanhamento, desta vez só de piano, do próprio autor. Trata-se da versão
de Roxanne Seeman para "Raios de luz" que, com letra de Abel Silva, fez
sucesso na voz de Simone no início dos anos 90. Do presente ao passado, Leila
vai na origem de tudo, de quando a moderna música brasileira começou a
dominar o mundo, o filme "Orfeu do carnaval", de onde pinçou uma certa "A
day in the life of a fool", ela mesma, a "Manhã de carnaval" (Luiz Bonfá e
Antônio Maria) em versão de Carl Sigman. Música de grande violonista, destacase nessa interpretação de Leila quase toda no improviso, inventando sobre a
melodia, o acompanhamento do violão de João Lyra. Na bossa nova, Leila e os
músicos sobram. Estão em casa. Em duo, Cristóvão Bastos e João Lyra abrem o
disco com a majestosa e pouco conhecida introdução do "Desafinado" (Tom
Jobim e Newton Mendonça), para Leila mandar com todo o seu suingue,
abusando dos graves e da inventiva divisão ritmica a sua versão em inglês, "Off
key" (de Gene Lees), que dá título ao disco. Em "Dindi" (Tom Jobim e Aloysio
de Oliveira, versão de Ray Gilbert), Leila arrasa como baladista. Noutro clássico
de Jobim, "Dreamer" ("Vivo sonhando", letra em inglês de Gene Lees), mostra
como um samba pode ser cantado de forma sutil. Em "Quite night of quite
stars" (a "Corcovado" do mesmo Lees) recebe a mais bossanovista das
interpretações de Leila, quase sem efeitos vocais, apenas pequenas invenções
ritmicas e com direito a um singelo solo de Cristóvão. A guitarra elétrica de
João Lyra introduz "The day it rained", versão de Ray Gilbert para um clássico
das internas da bossa nova, "Chuva" (Durval Ferreira e Pedro Camargo), das
melodias mais bonitas do mundo, já sacada por Sarah Vaughan no passado e
recriada com classe agora por Leila. Outro clássico secreto da bossa nova,
"Razão de viver" (Eumir Deodato e Paulo Sérgio Valle), irresistivelmente
jazzística no piano elétrico (um Fender Rohdes) de Cristóvão e na melodia
pronunciada com cuidado por Leila, reaparece sob o título de "A little tear"
(letra do mesmo Gilbert). Fecha sutil e feliz, um disco marcado por sutileza e
felicidade. Escolada na noite, onde se acostumou a cantar o melhor da música
americana que conheceu ainda criança, na discoteca do pai fã de jazz, e criada
no Brasil das grandes canções, Leila Maria parece que viveu tudo que viveu
para chegar aqui e cantar, para o Brasil e para o mundo, a força dessas duas
culturas musicais.
[Hugo Sukman]
8 Pixinguinha, de Paulo Moura e os batutas. Rob Digital.
Paulo Moura e Pixinguinha fazem uma combinação perfeita
em musica, dos arranjos à interpretação. É como se o
instrumentista e arranjador fizesse uma leitura da alma do
compositor, e não apenas de suas partituras. Paulo Moura
concebeu este trabalho para homenagear o mestre na
ocasião de seu centenário. Escolhe o repertório, fez os
arranjos e remontou com um time de primeira, a versão
atual dos Oito Batutas o grupo com o qual Pixinguinha viajou mundo afora. Os
Batutas de Paulo Moura são Joel Nascimento no bandolim, Jorge Simas no
violão de sete, Márcio Moura no cavaquinho, Jorginho do Pandeiro, Jovi na
percussão e Zé da Velha no trombone. Deste trabalho saiu um primeiro CD que
ganhou o Prêmio Sharp de 98. Esta edição que sai agora traz uma nova
gravação mais quente e vibrante, de um show que o grupo fez ao final da
turnê, e por isto mesmo com muito mais entrosamento, suingue e improvisos.
O repertório deste CD é quase todo dedicado às composições de Pixinguinha,
dos grandes sucessos como "Carinhoso", "Rosa" e "Um a Zero", a pérolas como
"Lamento", "Ainda me recordo", "Naquele Tempo" e "Ingênuo" passando por
músicas menos conhecidas, mas nem por isto menos geniais, como "Segura
Ele" e "Proezas de Solon". Outras quatro faixas não assinadas pelo mestre têm
toda a atmosfera de sua época e completam um repertório clássico do melhor
da música carioca: "Pelo Telefone" (Donga e Mauro de Almeida), "Batuque na
Cozinha" (João da Bahiana), "Mistura e Manda" (Nelson dos Santos Alves) e
"Urubu Malandro" (Louro e João da Bahiana). Nesta última, aliás, Os Batutas
comandados por Paulo Moura dão um show de interpretação, improvisando na
melhor tradição dos grandes discos de Jazz. E o band-leader esbanja em todo o
disco seu virtuosismo na clarineta.
parceiros da agulha nesta seção
Discos para Agulha deverão ser enviados aos editores, nos endereços a seguir:
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galeria de revistas
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índice geral
exégesis (Porto Rico) [Floriano Martins]
três revistas hispano-americanas:
Archipiélago (México), Maga (Panamá),
Matérika (Costa Rica) [F.M.]
revistas hispano-americanas, I: um olho no
passado recente [F.M.]
retorno ao portal
revistas hispano-americanas, II: um encontro
de duas linguagens [F.M.]
triplov (Portugal): diálogo com Maria Estela
Guedes [F.M.]
rascunho (Brasil): diálogo com Rogério
Pereira [Claudio Willer]
blanco móvil (México): diálogo com Eduardo
Mosches [F.M.]
jornal de poesia (Brasil): diálogo com Soares
Feitosa [F.M.]
digestivo cultural (Brasil): diálogo com Julio
Daio Borges [C.W.]
el artefacto literario (Suécia): diálogo com
Mónica Saldías [F.M.]
Jornal da ABCA (Brasil): diálogo com Alberto
Beuttenmüller [F.M.]
O Escritor (Brasil): diálogo com Erorci Santana
[F.M.]
Fokus in Arte (Brasil): diálogo com André
Lamounier [F.M.]
Storm (Portugal): diálogo com Helena
Vasconcelos [Maria João Cantinho]
Punto Seguido (Colombia): depoimento de
Oscar Jairo González
Babel (Brasil): diálogo com Ademir Damarchi
[C.W.]
Corner (Estados Unidos): diálogo com Carlota
Caulfield [Maria Esther Maciel]
Arquitrave (Colombia): diálogo com Harold
Alvarado Tenorio [F.M.]
Fronteras (Costa Rica): depoimento de
Adriano Corrales Arias
Salamandra (Espanha): apresentação de
Lurdes Martínez
Tropel de Luces (Venezuela): diálogo entre
Pedro Salima & amigos (Antonio Guerra, Luis
Aníbal Velasquez, Mirimarit Parada, Jesús
Cedeño y Eduardo Gasca)
Iararana (Brasil): diálogo com Aleilton
Fonseca [F.M.]
Amauta (Peru): ensaio de Carlos Arroyo Reyes
Portal de Poesía Contemporánea (Espanha):
depoimento de maría martín arévalo
Alforja (México): diálogo com José Vicente
Anaya & José Ángel Leyva [F.M.]
Capitu (Brasil): diálogo com Edson Cruz [F.M.]
Común Presencia (Colombia): diálogo com
Gonzalo Márquez Cristo & Amparo Osorio
[F.M.]
Cult (Brasil): diálogo com marcelo rezende
[C.W.]
Malabia (Espanha): diálogo com Federico
Nogara [F.M.]
Vaso Comunicante (México): diálogo com
Ludwig Zeller & Susana Wald [F.M.]
Matérika (Costa Rica): diálogo com Alfonso
Peña & Tomás Saraví [F.M.]
Palavreiros (Brasil): diálogo com José Geraldo
Neres [C.W.]
Piel de Leopardo (Argentina): diálogo com
Jorje Lagos Nilsson [F.M.]
editores da agulha
parceiros da agulha
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revistas em destaque
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exégesis (porto rico)
Ao traduzir alguns ensaios de José Luis Vega
(Três entradas para Porto Rico, Fund. Memorial da
América Latina, São Paulo, 2000), observei que a
realidade política e cultural de Porto Rico possui
um radical de violência, cujo marco é o despejar
de forças militares estadunidenses em suas praias,
em 1898. Até hoje o país não existe como tal, e
sofre as adversidades da colonização em seu
cotidiano – imposição de cidadania estadunidense,
recrutamento militar, ameaça de distorção do
próprio idioma nas escolas, cerceamento dos
direitos políticos etc. Em meio a tudo isto, impressiona a condição de
resistência cultural daquele povo.
Talvez tenhamos perversamente nos acostumado àquela situação,
sendo raro que uma voz de eco internacional repercuta sua indignação.
No entanto, as principais vozes internas, em Porto Rico, estão sempre
alertas e atuantes, e graças a elas uma cultura se produz e se
individua, ao longo dos tempos, quando menos intrigando aqueles que
pensem o contrário. O próprio José Luis Vega, ao fundar a revista
Ventana, nos anos 70, logo em seu segundo número alertava: "Os
artistas e escritores porto-riquenhos de hoje devem ter um
compromisso moral, um pacto digital, com a libertação de nosso povo",
ao mesmo tempo em que lembrava que "esse pacto não pode nem
deve significar a míngua da qualidade artística de sua obra; pelo
contrário, deve significar a superação constante de sua obra e de si
mesmo como indivíduo".
Politicamente Porto Rico é um fantasma. Não existindo como nação,
tampouco existe como célula estadunidense. Sua cultura, no entanto,
firmou-se e afirmou-se, podendo contar com uma leitura consistente no
tocante aos inúmeros desdobramentos desde o Modernismo até os dias
de hoje. Em cada uma das etapas vencidas por essas instâncias
estéticas, encontramos vozes importantes (sobretudo na literatura e
nas artes plásticas) destacando-se naquela região. Como costuma
ocorrer em diversas instâncias, é de suma importância a presença de
revistas de cultura, que calibram as relações entre criação e produção.
Dentre as que alcançaram destaque na trajetória cultural portoriquenha, cito Ventana, Guajana, Mester e Zona: carga y descarga, que
desempenham destacado papel nos anos 60 e 70.
Nas duas últimas décadas, podemos pensar tanto em Mairena quanto
em Exégesis. A primeira, criada e dirigida por Manuel de la Puebla, há
poucos meses encerrou um ciclo de 20 anos de existência, fechando
suas páginas e propiciando o surgimento de outra publicação, Julia
–homenagem a Julia de Burgos, uma das máximas expressões literárias
daquele país. Já Exégesis, surgiu em 1986, animada por um grupo de
intelectuais vinculados ao Colégio Universitário de Humacao, tendo à
frente Andrés Candelario. Desde o princípio, havia entre eles o poeta
Marcos Reyes Dávila, que viria a dirigir a revista em 1990, mantendo-se
no cargo até hoje, exceto por uma curta passagem de Carmen Alverio e
Rogelio Ruiz Gómez, no período de 1994/95.
Tendo sido concebida como veículo de expressão pública das atividades
intelectuais da referida intelectualidade, Exégesis, no entanto, não se
fechou àquele mundo acadêmico, desde cedo compreendendo que "o
crescimento intelectual só é alcançado no plano bidirecional do diálogo"
– no dizer justamente de Marcos Reyes Dávila –, ao mesmo tempo em
que seu corpo editorial buscava uma perspectiva de expansão editorial
que não se viabilizaria caso reflexão e investigação de cunho científico
não se aliassem à criatividade intelectual e artística.
Assim é que Exégesis, desde o princípio, mostrou-se visceralmente
comprometida em romper o muro que separa academia e cultura. E o
fez com base em um rígido critério tripartido, que permite igualdade de
espaço para autores da instituição que a publica, do país e do exterior,
em momento algum limitada essa participação a vínculo acadêmico.
Logo nos perguntamos como se viabiliza um projeto desses, e seu
diretor nos informa que Exégesis tem recebido "o auxílio espontâneo de
toda a comunidade acadêmica". Compreendida como um bem comum,
deve ser zelada por todos. A este respeito, segue afirmando Reyes
Dávila que "as revistas são tanto instrumentos de expressão e
divulgação como o são de projeção e promoção", de maneira que "estão
sempre articuladas a partir de circunstâncias invariavelmente diferentes
que as definem".
Partindo inicialmente para ousada aposta em manter correspondência
com outros países, logo Exégesis teria suas páginas marradas pela
presença de nomes como Elvio Romero, Ernesto Cardenal, Floriano
Martins, Isabel Allende, Jorge Rodríguez Padrón, José Donoso, José
Roberto Cea, Manuel del Cabral, ao mesmo tempo em que aí
estabelecia um diálogo que viria a propiciar a difusão, no exterior,
daqueles nomes essenciais da cultura porto-riquenha. Compreensão
bidirecional do diálogo, algo bem distante do mero jogo de troca de
favores que se enraizou na cultura brasileira. Graças a essa atitude
despojada – admirável lição para o resto da América Latina –, uma
pequena comunidade acadêmica tem conseguido dialogar com o
mundo. Exégesis hoje se encontra inteiramente disponível na Internet,
ao mesmo tempo em que segue recebendo pedidos de assinaturas de
vários países, o que prova, além do mais, que as mídias são conjuntivas
e não disjuntivas.
Vale ainda citar as lúcidas palavras de seu diretor, Marcos Reyes Dávila:
"Cremos em Exégesis que o peso posto sobre uma noção fátua e
flatulenta da incerteza é um lastre, uma rémora, um freio e um
retrocesso histórico a formas análogas à da torre de marfim modernista
de finais do século XIX. Cremos que a reflexão e compreensão da
realidade não se robustece em um meio inativo, porque a reflexão
resulta fenomenologia, elucubração de imagens vácuas, placebo inerte
e desnutridor – como o observou Marinello –, além de galã ou vedete –
conforme seja o caso – que se esgota na figuração retórica."
As revistas chegam à nossa mesa de maneira diversa. É possível que
não percebamos além daquele número que folheamos. No entanto,
carregam em si toda uma história, espelhos preciosos da cultura de um
país. Nos habituamos, por alguma perversão quase irreversível, a
estabelecer padrões de cultura. A telenovela no Brasil, nos Estados
Unidos e no México, por exemplo, é um recorte magnífico de uma
aparentemente distinta forma de decadência cultural nos três países.
Outro exemplo: o Uruguai vive hoje, em sua imprensa diária, o
fantasma da contenção de despesas, que rouba fôlego da área menos
importante à vida útil de uma empresa. Qual? A cultura. A imprensa no
Brasil já se curvou a todas as exigências de mercado – na verdade,
ajudou a fundar todas elas. Por que misturo os assuntos? Porque o
fluxo de capital, de alguma maneira, acabou nos convencendo que o
homem não é mais o lobo do homem, mas sim o agiota do homem.
Floriano Martins
Exégesis. Revista del Colegio Universitario de Humacao, UPR. Diretor:
Marcos Reyes Dávila ([email protected]). Acesso virtual:
http://cuhwww.upr.clu.edu/exégesis. 2.000 exemplares, formato
21,5x28 cm, 100 páginas, periodicidade quadrimestral.
Matéria gentilmente cedida pelo jornal O Escritor, da UBE - União Brasileira de Escritores.
.
revistas em destaque
.
..
três revistas hispanoamericanas: archipiélago,
maga, matérika
1
Investimentos na produção cultural tendem a crescer ou
diminuir de acordo com o influxo de nomes envolvidos ou
com a solidez das propostas apresentadas? Predileção por
aquelas produções com maior potencial de visibilidade
definiria o assunto? A questão giraria unicamente em torno
do estratégico lobby? Essas indagações me vêm à tona quando penso
nas razões da rara circulação de revistas de cultura no Brasil.
Rigorosamente não temos tradição alguma nessa área de produção
cultural. Se penso no aspecto da credibilidade, logo me pergunto o que
leva o Banco Santander Mexicano a investir em uma publicação naquele
país. O próprio estado mexicano, através do IMSS – equivalente de
nosso INSS –, com alguma freqüência patrocina revistas de cultura.
Igualmente contribuem as universidades, privadas ou não. Caberia
então pensar no impedimento de circulação de informação e reflexão
cultural, no Brasil, através desse veículo de comunicação.
Em 1997 a UNESCO deu respaldo cultural à revista Archipiélago, do
México, considerando-a importante instrumento de integração cultural
latino-americana. O fato coincidia com o segundo aniversário da
publicação, e seu diretor, Carlos Véjar Pérez-Rubio, sentia orgulho ao
dizer que Archipiélago se trata de "uma publicação nascida no México
em 1995 como expressão de um vasto projeto cultural que tem o
propósito de contribuir para a unidade dos povos da América Latina e
do Caribe, incluindo as comunidades de origem hispana residentes em
países como Estados Unidos e Canadá". É bem verdade que a revista
surgiu em 1992, quando teve o número zero publicado, e desde aquele
momento buscou articulação entre os vários países estabelecidos como
meta, até finalmente definir uma política de ação e conta hoje com 31
números publicados, rigorosamente dentro de uma circulação bimestral.
Carlos Véjar nos informa um pouco mais: "O projeto Archipiélago e sua
revista tem se apresentado até aqui em importantes eventos culturais
realizados em Barbados, Bolívia, Costa Rica, Cuba, El Salvador,
Espanha, Estados Unidos, França, México, Porto Rico, República
Dominicana e Venezuela. Sua proposta de articular uma rede de centros
culturais onde se possa desenvolver o movimento cultural integrador,
intitulada Casas de Nossa América, tem sido recebida com grande
interesse e várias instituições se manifestaram dispostas a apoiá-la."
Archipiélago surge não isoladamente como uma revista de cultura, mas
antes como um sólido projeto de integração cultural, que envolve tanto
a criação de um programa editorial como o fluxo de navegação, a
circulação pelos vários países, troca de idéias etc.
A revista em si tem desempenhado um duplo e importante papel, o de
informar acerca de produções culturais em praticamente toda a América
e discutir mais detidamente aspectos essenciais à compreensão dessa
realidade. Tanto encontramos abordagens genéricas – a dimensão
cultural da globalização, a cosmovisão centro-americana – como
específicas – estudos sobre a obra de inúmeros artistas, ao lado de
ensaios fotográficos, poemas, entrevistas etc., abrangendo um universo
amplo de criação e crítica.
Some-se a isso a realização de encontros que propiciam a discussão em
torno de perspectivas culturais envolvendo o continente de fala
hispânica e suas relações complexas. Naturalmente que o Brasil poderia
participar desse importante projeto não fosse tão leviana a concepção
de si mesma que define nossa cultura. A complexa leitura que nos cabe
acerca de uma unidade latino-americana é assunto tratado com
diversidade e freqüência em Archipiélago, o que permite compreender
melhor a trama que envolve matizes culturais que se aproximam e se
distanciam entre si. Haverá aspectos de ordem política ou econômica
separando o Brasil da América Hispânica? Como aplicar a estatística em
nossa condição irmanada de terceiro mundo? O idioma definirá o
panorama cultural? Naturalmente não se pode aqui falar em unidade
perdida. Quando menos o assunto seria da ordem de uma falha
estratégica, de uma veleidade cultural.
As páginas de Archipiélago estão tomadas de discussão dessa ordem,
buscando elucidações e ambientação prática para o tema. Ao mesmo
tempo, em momento algum se deixa de considerar a criação artística,
reproduzindo obras plásticas e versos, sempre cuidando de não se
tornar refém dos nomes recorrentes, buscando uma cumplicidade de
pauta entre o conhecido e o desconhecido, papel fundamental que deve
desempenhar um editor em qualquer circunstância.
Archipiélago bem poderia encontrar entre nós uma correlação de
interesses com a revista Nossa América, da Fundação Memorial da
América Latina. Não resta dúvida que há um aspecto aproximativo,
quase confluente, na leitura de pauta de ambas publicações. E logo
ressurgem as inquietações: por que não abraçamos uma causa –
qualquer uma – com veemência? Com que gratuita indiferença ou
superioridade observamos os hispano-americanos? E o que impede uma
produção consistente que permita a circulação sistemática de Nossa
América? Romper isolamentos provocados pela presunção talvez seja
um bom estopim.
2
Ao contrário do México, onde se pode contar com uma larga tradição na
circulação de revistas culturais, no Panamá o que encontramos é um
território bastante inóspito, onde a atividade intelectual carece de
condições diversas de produção e difusão, não havendo editoras e
sendo bastante reduzido o número de livrarias. Em meio a este quadro,
torna-se ainda mais abnegado o esforço do poeta e prosador Enrique
Jaramillo Levi em manter funcionando a revista Maga, criada por ele há
quase duas décadas.
Em conversa com ele, revela-se a origem da revista: "Maga nasce em
fevereiro de 1984, o mês em que morre esse grande escritor argentino,
Julio Cortázar. Seu nome tem dois significados: é uma homenagem a
ele pelo personagem de La Maga em seu famoso romance Rayuela; mas
também esta revista é, e tem sido desde o princípio, uma verdadeira
maga da cultura literária no Panamá, pela dificuldade que significa fazer
cultura neste país, ter estímulos, receber apoio econômico, inclusive ter
leitores fiéis ou permanentes… é como tirar coelhos de cartola e lenços
das mangas, embora seja muito mais difícil, porque vivemos ainda a
fazer malabarismos e aparentes mágicas para seguir adiante sem cair o
nível de qualidade gráfica e de conteúdos, sem deixar-se vencer pelos
numerosos obstáculos."
Maga tem representado um papel fundamental na cultura panamenha,
sobretudo no que diz respeito à literatura e à reflexão crítica sobre
cultura e sociedade. "Espaço aberto à criatividade literária e à análise
crítica", como ressalta Jaramillo Levi, em sua página receberam
acolhida generosa tanto escritores já conhecidos como também tem
sido palco de estréia de muitos deles, mostrando-se igualmente aberta
ao dialogar com a cultura de outros países.
Pergunto-lhe então como tem funcionado Maga durante tantos anos:
"Maga já morreu duas vezes, e por duas vezes ressuscitou. Sempre por
motivos econômicos. Suas três etapas são: 1984-1987; 1990-1993;
1996 até o presente. Agora é uma co-edição entre a Fundação Cultural
Signos, que presido, e a Universidade Tecnológica do Panamá, onde sou
coordenador de difusão cultural. Mas estamos entrando uma vez mais
em uma etapa difícil. Há uma forte contração econômica no país e os
empresários estão fechados no apoio à cultura (nunca fizeram muito
por ela), de maneira que no momento estamos circulando sem
anunciantes."
- O que representa esta Fundação no âmbito da cultura panamenha?
"A Fundação Cultural Signos nasce em abril de 1997 como uma
alternativa à indiferença e incapacidade dos governos de turno para
implementar uma política editorial coerente e sólida que contribua para
tirar do anonimato um número considerável e crescente de novos
escritores panamenhos que, já a princípio da década de 90, têm
material literário de uma qualidade mais que decorosa e, além do mais,
desejos de dá-la a conhecer como um primeiro passo para seu
desenvolvimento intelectual e humano."
- Além da função editorial e da co-produção da revista Maga, o que
mais tem realizado?
"Como complemento às iniciativas editoriais desta Fundação, também
propusemos, desde o princípio, duas outras, igualmente importantes
para a formação de novos escritores de talento: a docência – criação de
seminários, oficinas literárias, conferências e mesas-redondas com
temas afins à literatura, organização de encontros de escritores e
lançamento de livros – e a criação de incentivos literários específicos."
Nos 45 números até aqui publicados, a revista Maga é o mais sólido
veículo de difusão da literatura no Panamá. Deveria haver um esforço
conjunto de toda a parcela da sociedade panamenha que lida com
cultura, no sentido de não se permitir a extinção desse empenho
estóico de Jaramillo Levi, pelo notável estímulo à criação literária em
que se converteu. Fato é que as duas entidades que a mantêm hoje são
responsáveis pela produção majoritária de livros no país. E Maga é a
câmara de eco de toda essa produção. Eventuais discrepâncias devem
ser consideradas em aberto, e levadas a público, o que só reforçará o
panorama cultural no Panamá.
3
Quaisquer dificuldades apontadas até aqui em nada justificam a inação
e a má aplicação de recursos. Em muitos países a condição é quase
inteiramente nula no que diz respeito à produção de uma revista de
cultura. Em outros simplesmente o obstáculo radica em uma sutil
manifestação da usura, o inconciliável ego daqueles que detêm
situações decisivas de poder (qualquer poder).
Vem da Costa Rica um exemplo de desprendimento e compreensão da
realidade dada. O contista Alfonso Peña, hoje ao lado do poeta
Guillermo Fernández, edita a revista Matérika. Com apenas três
números publicados, a revista já afirma uma ousadia estética, ao somar
obra gráfica e literária em um objeto que se destaca pela contundência
plástica e intelectual.
A cada edição é convidado um artista plástico, que a ilustra
completamente. Os dois primeiros números foram ilustrados pelos
artistas costarriquenhos Mario Maffioli e Hernán Arévalo, enquanto que
o terceiro esteve a cargo do brasileiro Eduardo Eloy. Em suas páginas já
foram publicados escritores como Saúl Ibargoyen, Alfonso Chase, Mario
Camacho, e inclusive uma larga apresentação de poetas brasileiros,
incluindo Claudio Willer, Dora Ferreira da Silva e José Santiago Naud,
dentre outros.
Contudo, o que importa aqui destacar é a antecedência deste projeto,
cujo primeiro momento encontramos ainda nos anos 80, quando o
mesmo Alfonso Peña cria a revista Andrómeda, aventura originária que
circulou em duas dezenas de números e propiciou um diálogo
entranhável entre escritores e artistas na Costa Rica e diversos outros
países. Diante de impedimentos corriqueiros, a revista acabou deixando
de existir. Nos anos 90 surgiria um segundo momento, desta vez em
forma de jornal, cujo nome era International Graphiti, também com
circulação de mais de 10 números.
Em todos estes momentos esteve sempre presente a determinação de
Alfonso Peña pelo estímulo ao diálogo como maneira decisiva de se
fazer uma determinada cultura compreender-se a si mesma, vindo
então a afirmar-se como tal. O registro de marca Andrómeda hoje foi
convertido em uma galeria de arte que igualmente desempenha funções
editoriais, por onde se publica a revista Matérika.
O que melhor caracteriza uma defesa estética de Matérika é a abertura
para um diálogo internacional, talvez medida de um cosmopolitismo
que encontramos em San José, mas sobretudo uma compreensão de
que os governos em nossos países, na América Latina, já são
suficientemente responsáveis por toda forma de isolamento. Sendo uma
afirmação de pluralidade, Matérika é igualmente uma afirmação da
cultura costarriquenha.
Ao lado da revista, confirmando o projeto inaugural de Alfonso Peña,
que reúne nomes de peso na cultura daquele país, consolida-se galeria
de arte, produtora de vídeos e editora, permitindo um raio de ação mais
amplo e consequentemente um diálogo mais consistente.
Floriano Martins
Archipiélago. Revista Cultural de Nuestra América. Diretor general:
Carlos Véjar Pérez-Rubio. Av. Baja California 349, Colonia Condesa,
México DF 06170 México. Acesso virtual:
http://www.archipielago.com.mx. Endereço eletrônico:
[email protected]. 4.000 exemplares, 90 páginas,
periodicidade bimestral.
Maga. Revista Panameña de Cultura. Editor: Enrique Jaramillo Levi.
Apartado Postal 10276 Panamá, 4 Panamá. Acesso virtual:
http://www.utp.ac.pa/revistas/maga_actual.htm. Endereço
eletrônico: [email protected]. 1.000 exemplares, 80 páginas,
periodicidade quadrimestral.
Matérika. Editores: Alfonso Peña e Guillermo Fernández. Apartado
Postal # 159-1002, Paseo de los Estudiantes, San José, Costa Rica.
Acesso virtual: http://www.zurqui.com/crinfocus/and/art.html.
Endereço eletrônico: [email protected]. 2.000 exemplares, 80
páginas, periodicidade trimestral.
Matéria gentilmente cedida pelo jornal O Escritor, da UBE - União Brasileiras de Escritores.
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revistas em destaque
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revistas hispanoamericanas, I: um olho no
passado recente
São duas as circunstâncias básicas que norteiam a criação
de uma revista literária: concentram em suas páginas os
postulados estéticos de um determinado movimento ou
escola, ou então se realizam na simples difusão eclética de
textos. Os dois casos são perfeitamente corretos desde que
o editorial defina e assuma a tendência escolhida.
Mais recentemente as revistas se inclinam pela segunda opção, o que
nos leva a uma aparente digressão: o que há por trás da reduzida
ocorrência de movimentos literários ao longo das últimas décadas, hoje
praticamente extintos? Entre os muitos valores que perdemos
encontram-se o da palavra dada e o de compartilhar interesses. De
todas as formas o homem foi levado a isolar-se em si mesmo e a não
encontrar mais significado em honrar princípios e compromissos. Isto se
deu de maneira tão simples que é um absurdo que tenhamos caído em
artifício tão pouco engenhoso.
E qual foi este astuto mecanismo? Isolar imagens, conceitos,
significados, ecos. Tudo passa a ter sentido isoladamente, esdrúxula
falácia, como se tivéssemos um homem aqui, uma cadeira ali e uma
revista mais à frente. À medida em que ganha terreno esta falácia,
deixamos de nos ver. Desacreditamos na idéia compartilhada e nos
tornamos vassalos de uma auto-suficiência inóspita.
Muitas vezes sem que nos apercebamos, comemoramos mais o
surgimento de uma nova revista do que o marco de uma outra haver
chegado a seu número 100. Este número para nós soa como um
escândalo. Como algo pode durar tanto? Esta é a heresia pós-moderna:
que algo dure mais que um instante. Então deveríamos queimar na
fogueira do esquecimento um equatoriano chamado Fredo Arias de la
Canal, por haver publicado no mês passado o número 424 da revista
Norte, que edita no México desde 1929. Trata-se verdadeiramente de
um escândalo e não pode aqui ser tomado como base para a nossa
conversa.
Contudo, podemos pensar no esforço do paraguaio Marcos Reyes Dávila
que há mais de uma década edita em Porto Rico a revista Exégesis,
mesmo país em que Manuel de la Puebla dirigiu, por 18 anos, a revista
Mairena. E quase duas décadas levou Octavio Paz envolvido com a
direção da revista Vuelta, por ele fundada. Há mais de dez anos o
argentino Eduardo Mosches edita no México a revista Blanco Móvil e
também há mais de um decênio Luis Alberto Crespo dirige na Venezuela
a revista Imagen.
Quando se fala hoje no nome do venezuelano Juan Liscano fatalmente o
vinculamos ao largo período em que esteve à frente da revista Zona
Franca, uma das mais importantes de seu país. Mais recentemente não
se pode deixar de mencionar os esforços de Juan Riquelme ou Gonzalo
Márquez Cristo, que se encontram à frente da venezuelana Babel e da
colombiana Común Presencia. São muitos países e a referência a todos
seria obviamente infrutífera, quando menos cansativa.
Tenho me referido antes ao diretor do que à revista em si. Isto se dá
porque intencionalmente citei revistas que pertencem àquela segunda
instância inicialmente tratada, ou seja, que não se encontram
diretamente vinculadas a um movimento ou a uma escola literária. Não
quer dizer que não tenham um conselho executivo, a compartilhar
idéias. Mas sabemos que é forte e decisiva a presença do diretor, ao
mesmo tempo em que ali estão definidas linhas editoriais desvinculadas
desta ou aquela tendência estética.
São revistas que buscam uma medula a partir da abrangência. E o
fazem por uma razão muito simples: entendem que representam, cada
uma para seu país e seu tempo, o importante papel de catalisador de
tudo o que se passa à volta delas, em todo o mundo, em termos de
valores literários. Nenhuma das revistas até aqui mencionadas pôs em
confronto aspectos regionais, políticos, etnográficos ou quaisquer outras
formas de eventual reducionismo cultural. Isto quer dizer que souberam
reconhecer igual importância a uma expressão local e outra oriunda do
exterior.
Encontro em algumas revistas hispano-americanas uma relevância do
texto e uma despreocupação com a insustentável contagem de páginas,
linhas ou caracteres exigida em outras instâncias. Não raro
encontramos edições inteiras dedicadas a um único autor, ou mesmo
um largo espaço destinado ao diálogo sobre determinada circunstância
literária. Exemplos temos na venezuelana Babel, que ocasionalmente
surge com edição inteira destinada à revisão crítica de alguns dos
principais movimentos ou grupos decisivos à história da literatura em
seu país; assim como as revistas Auditorium, da República Dominicana,
ou Lotería, do Panamá, costumam realizar homenagens, que tomam
toda uma edição, a seus principais escritores.
Surge aqui um outro aspecto a ser destacado. Estas duas últimas
revistas pertencem ao Estado, a exemplo da mexicana Fronteras e
tantas outras mais, ou seja, são iniciativas de uma instância
governamental. Mesmo assim, alcançam isenção suficiente para avaliar
a trajetória estética de determinado autor sem prejuízo de ordem
alguma. O aspecto a destacar seria a propriedade do Estado entender
que não pode interferir no substrato da cultura que orienta a tradição
de uma zona por ele administrada apenas circunstancialmente. Em
outras palavras: nenhum governo, qualquer que seja a apetência
política do mesmo, deve interferir no desdobramento estético de uma
cultura.
Mas não nos esqueçamos daquela outra circunstância que norteia a
criação de uma revista literária: o vínculo a movimentos, escolas,
tendências. Em nome desta ligadura importantes revistas foram criadas
na América Hispânica. Vou me referir a cinco delas em particular
apenas para não tornar-me mais impertinente ou enjoativo que o
devido. A cubana Orígenes, a mexicana Contemporáneos, a argentina
Poesía Buenos Aires, a colombiana Mito e a chilena Mandrágora.
Exceção feita a esta última, que trazia manifesta uma defesa do
Surrealismo, as demais foram súmulas da efervescência cultural que
lhes demarcava a existência.
Todas estiveram vinculadas a um grupo. E surgiram como um ideal
comum, ou seja, como a fonte possível de um diálogo, o que se pode
fazer brotar a partir da convivência de idéias. Neste sentido, creio que
são as mais importantes revistas surgidas na América Hispânica. É
curioso que nenhum historiador se deteve a estudá-las conjuntamente.
Mais grave ainda: a fortuna crítica de algumas delas foi arregimentada
pelos próprios diretores, não despertando até hoje a merecida atenção
por parte de estudiosos do assunto.
A mexicana Contemporáneos foi fundada em 1929 graças a um frutífero
diálogo entre poetas como Jaime Torres Bodet e Xavier Villaurrutia.
Jaime havia viajado a Cuba, onde tomara conhecimento de uma outra
publicação, a polêmica Revista de Avance (1927-1930). Entendiam
então que o prestígio internacional alcançado por algumas publicações
européias poderiam se repetir a partir do México, desde que a aventura
possuísse uma definição estética e fosse bem apresentada. Surgia
assim revista e grupo, definindo uma das mais consistentes gerações
em toda a América Hispânica.
No Chile, dez anos depois, quando já surgira o grupo Mandrágora, que
tinha entre seus articuladores Braulio Arenas e Enrique Gómez-Correa,
ao final de 1938 resolveram criar a revista homônima, dando seqüência
a um projeto editorial proposto pelo grupo. Por sete números editaram
então a revista Mandrágora.
Em 1944, o cubano José Lezama Lima funda a revista Orígenes,
juntamente com o crítico José Rodríguez Feo. A inquietude de Lezama
já o levara a fundar três outras revistas: Verbum, em 1937, da qual
saíram três números; Espuela de plata, em 1939, que alcançaria a
marca de seis números editados; e Nadie parecía, com Angel Gaztelu,
em 1942, que chegaria ao décimo número. Segundo o próprio Lezama,
a raiz dessas publicações foi a amizade, o diálogo freqüente e o respeito
mútuo pelas opiniões peculiares. O nome da revista acabou confundindose com o de toda uma geração de escritores e artistas plásticos.
Orígenes alcançou a marca de 40 números, durando até 1955.
O grupo de intelectuais arregimentado por Raúl Gustavo Aguirre na
Buenos Aires de 1950 insurgia-se contra toda forma de ortodoxia, ao
mesmo tempo em que refutava ingerências acadêmicas no mundo da
criação literária. Assim surgia Poesía-Buenos Aires, que por dez anos se
manteve em franca atividade. A revista possuía textos programáticos, o
que lhe dava um caráter de movimento.
Em seu decorrer, ali próximo, em Bogotá, Jorge Gaitán Durán e
Hernando Valencia Goelkel propunham um arrojado plano de
desdobramento cultural. Pode-se dizer que a formação do grupo Mito,
que logo sustentaria a publicação de uma revista homônima que
atingiria a circulação de 25 números, foi o acontecimento mais
marcante em toda a cultura colombiana, tanto pela dimensão estética
quanto pela interferência no plano político. Esta é a geração de Alvaro
Mutis e Gabriel García Márquez, os dois mais conhecidos dos brasileiros.
Estas revistas tinham uma raiz comum: o entendimento de que cabe ao
poeta zelar pela firmeza da cultura. A partir desta frase tão simples
surge uma curiosidade: qual o limite de uma cultura? Até onde a minha
orelha supura por má influência da cultura alheia ou me embriago
glorioso sobre os restos de uma cultura dizimada por mim? Parece que
não entendemos mais a ação da rosa dos ventos sobre o território da
cultura. A defesa de uma expressão artística não pode estar vinculada a
uma ramificação estética, mas o contrário jamais será dispensável. Não
importa o quanto Velázquez era barroco, mas sim o quanto que o
barroco espanhol foi expresso a partir da obra de Velázquez. Este
deslocamento indevido tem sido a raiz de grande parte do prejuízo que
hoje resulta de um inventário da produção artística em nosso tempo.
De volta às revistas, hoje raridades só encontradas em coleções
especializadas, como vimos, à frente delas estiveram alguns dos mais
destacados poetas hispano-americanos deste século: José Lezama
Lima, Xavier Villaurrutia, Raúl Gustavo Aguirre, Jorge Gaitán Durán e
Enrique Gómez-Correa.
Mas não as tenhamos aqui como casos isolados. No áureo período das
vanguardas surgiu um verdadeiro enxame de revistas, algumas das
quais com amplo destaque, a exemplo da peruana Las Moradas, dirigida
por César Moro e Emilio Adolfo Westphalen, ou a argentina Ciclo, que
trazia Enrique Molina e Aldo Pellegrini à frente.
O que nos cabe aqui, além do informe geral, é compreender que as
revistas literárias não se apartam de um leque de plumas sagradas da
atividade humana na terra. O que isto quer dizer? Que não fazemos
revistas e fazemos cadeiras e fazemos amor, como aspectos isolados de
uma mesma natureza humana. Somente a estultice crê em uma gaveta
desorganizada combinando com paz de espírito. O que isto quer dizer?
Que revistas literárias não são anfetaminas ou jogos de guerra. Como
somos dados à fraude, sempre levamos o meio para cama e o tratamos
como fim.
O que isto quer dizer? Que o empecilho real na edição de uma revista
não é seu aspecto financeiro, mas antes o caráter da iniciativa. Mesmo
diante da dificuldade financeira, o que se tem que discutir é como
validar meios. Embora seja imenso o abismo procriado pelo equívoco
entre os valores da fé e a fé em valores, a verdade é que o homem não
é nada senão aquilo em que acredita. As revistas literárias nada são a
não ser uma das formas de crença do homem nos valores humanos.
Floriano Martins
Matéria gentilmente cedida pelo jornal O Escritor, da UBE - União Brasileiras de Escritores.
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revistas em destaque
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revistas hispanoamericanas, II: um
encontro de duas
linguagens
Já por três números seguidos tenho comentado aqui em O
Escritor a respeito de importantes revistas literárias e de
cultura existentes na América Hispânica. Reitero que o
trabalho que seguem realizando os diretores dessas
publicações assume um peso extraordinário - e talvez único quando o assunto em pauta é o relacionamento das inúmeras culturas
que constituem o continente americano. Mais curioso ainda é observar
que, em grande parte, esses editores são poetas, ou seja, uma vez
mais a poesia situada como uma ponte erguida acima de todas as
eventuais dispersões, impedindo o homem de realizar-se em sua
plenitude.
Já havia comentado aqui nestas páginas sobre a revista mexicana
Alforja, mas agora devo mencioná-la uma vez mais, apenas para
registrar que a edição # 19 desta notável publicação dedicou a
totalidade de suas 170 páginas à poesia brasileira, ali incluindo mais de
40 poetas de distintas gerações e tendências. Também uma outra
revista já destacada nesta série de artigos, Archipiélago, prepara-se
agora para a circulação de uma edição especial dedicada à cultura
brasileira. Em função do lançamento de Alforja, em maio passado,
estive no México, e ali pude conversar com os editores de ambas
publicações, o que naturalmente reforçou nossa cumplicidade no
sentido de se buscar uma interação entre nossas culturas.
Nessa ocasião, pude ainda encontrar-me com Eduardo Mosches, editor
de uma terceira revista, Blanco Móvil que, por duas vezes (anos 80 e
90) dedicou números especiais à poesia e à prosa no Brasil. Com todos
eles conversei e pude sentir o carinho imenso que têm por nossa
cultura, um profundo e, por vezes, excessivo respeito. E justifica-se o
excessivo justamente pelo que nos falta de perceber a própria
importância do que fazemos, sem falar no fato de que o empenho dos
mexicanos, por exemplo, em buscar um diálogo com a cultura brasileira
não é compensado por nós em momento algum.
A partir da conversa que tive com Eduardo Mosches, de Blanco Móvil,
surgiu-me a idéia de sistematizar uma enquete para as páginas de O
Escritor, algo que nos permitisse uma leitura mais dinâmica desse jogo
mútuo de conquistas e obstáculos que temos que enfrentar os editores
de revistas. Parti de quatro indagações básicas, a respeito da origem,
concepção editorial, relações com publicações similares e com a
imprensa de uma maneira geral. Uma outra perspectiva a ser
acrescentada aqui é o surgimento de revistas virtuais ou de publicações
que circulam, utilizando os dois meios, impresso e virtual. O Brasil tem
uma dificuldade, bastante coerente com nossa política de alheamento,
de perceber a importância crucial de fazer circular bens de cultura pela
Web. Esta é uma etapa da contemporaneidade em que apenas a
marginalidade cultural lhe há compreendido os mecanismos de ação.
Nem mesmo as agências de publicidade ou os godmakers que
comandam as campanhas eleitorais perceberam ainda a importância do
veículo.
Observemos, por exemplo, em uma Argentina que vive hoje uma
situação bastante reveladora dessa ausência de diálogo entre culturas
latino-americanas, como funciona o grupo Paginadigital, de circulação
apenas virtual, mas com uma penetração extraordinária dentro e fora
do país. Ao conversar com seu diretor, Pablo Castro, me disse que "o
crescimento de Paginadigital superou nossas expectativas e tem se
diversificado bem além do que havíamos planejado no princípio,
estando atualmente com um volume de 3.500 visitas diárias e um total
superior a um milhão de visitas desde a data de criação do site, ao final
de 1999". Paginadigital é um veículo de circulação de textos que lhes
são remetidos por outras publicações. Me disse ainda Pablo que o site
foi criado "basicamente como um meio solidário para unir idéias e
forças para resistir à desumanização do sistema capitalista e liberal
atual".
Esta compreensão de uma atuação política, sem descaracterizar o
conteúdo estético veiculado, lhe dá uma solidez extraordinária.
Paginadigital tem sido um valioso veículo de informação acerca das
atividades culturais dentro e fora da Argentina. Penso nisto quando, na
conversa com Eduardo Mosches, da mexicana Blanco Móvil, ele me diz
que "as relações com as revistas do continente, lamentavelmente, são
poucas, e espero que através de vocês possamos abrir nossa
comunicação e participação em outras revistas". Ora, esse isolamento
deve ser rompido em suas duas margens. É curioso que Mosches me
diga isto, porque justamente a Blanco Móvil tem sido revista a dedicar
seguidamente edições especiais à literatura de vários países, incluindo
os latino-americanos.
Conheçamos um pouco mais de Blanco Móvil. Nos diz Mosches: "A
revista nasce em 1985, como publicação de uma livraria foro, que é a
Gandhi. Logo no princípio é de um tamanho pequeno, como um folheto
teatral, de 24 páginas, com uma seção central dedicada a um escritor.
A relação com a livraria durou até 1988, momento em que nos
separamos dessa empresa e nos tornamos independentes. Já havíamos
modificado o formato, já se encontrava no tamanho carta. A partir da
independência realizamos uma mudança de capa e ampliação do
volume, chegando a 56 páginas. A capa passava a ser a cores. Foi difícil
esse processo de independência, mas pouco a pouco obtivemos certa
estabilidade econômica, que tornou possível, nos melhores momentos,
uma circulação de quatro números por ano."
Em seguida lhe indaguei a respeito de um balanço possível entre o
buscado e o alcançado, ao que me respondeu: "A concepção editorial
era a de apresentar o afazer literário de setores menos conhecidos, seja
em âmbito nacional ou internacional. Com isto se quer dizer que a
intenção era a de apresentar escritores de qualquer parte, que não
necessariamente formem parte do aparato e presença editorial
internacional. Não há excessivo interesse em mostrar os que já são
conhecidos, mas sim aqueles que vão concretizando suas apostas
literárias em cada país, inclusive o México. Por outro lado, buscamos
temas que não são tão recorrentes. A partir daí podemos dar exemplo
nos números dedicados a Utopia e Literatura, Poetas e Narradores
Catalãos, Literatura Danesa, Boliviana, Filosofia e Literatura, Literatura
Indígena no México e na América Latina. Angola, Israel, enfim, nos
aproximamos de múltiplos segmentos e aspectos da literatura, sem nos
tornarmos seguidores dos boom literários. Além do que há um marcado
interesse em apresentar a produção poéticas das gerações mais
jovens."
E logo falamos sobre as recepções na imprensa do trabalho magnífico
que vem realizado: "Ao longo dos 17 anos de existência de Blanco
Móvil, tivemos, no geral, uma boa acolhida da imprensa e diversos
meios de comunicação. A primeira etapa era de enviar a revista aos
jornalistas relacionados com o meio literário e cultural, mas percebemos
que isto não era suficiente. Portanto, se decidiu realizar uma ou duas
apresentações públicas com a aparição de cada novo número. Esses
lançamentos eram realizados com um caráter interdisciplinário, uma
vez que deles participavam, além de alguns autores incluídos na edição,
um par de atores que lêem os textos literários, poemas e contos, e a
noite se completa com a apresentação de algum músico. Isto há gerado
um apoio maior por parte da imprensa, rádio e televisão, através de
crônicas, entrevistas ou simplesmente notas de informação."
Como disse anteriormente, esse primeiro diálogo com Eduardo Mosches
me levou a sistematizar uma conversa mais detida com editores de
várias revistas. Algumas delas são frutos de um convívio pessoal, cujo
componente mais importante é a realização de projetos comuns.
Exemplo disto foi a maneira com que me recebeu na Costa Rica o editor
de Fronteras, Adriano Corrales. Ali podemos planejar umas tantas ações
que começamos a concretizar em termos de aproximação de nossas
culturas. Porém ladeio aqui seu depoimento do que me enviou por meio
eletrônico o chileno Omar Lara, editor da revista Trilce. Julgo
importante destacar o trabalho de ambas, a costarriquenha
inteiramente patrocinada por uma universidade, enquanto que a chilena
sem apoio institucional de espécie alguma. Não as situo aqui como
ações contrapostas, mas antes como uma referência a distintas
maneiras de se produzir algo consistente.
Vejamos o que nos diz primeiramente Adriano Corrales: "A revista
Fronteras nasceu como um projeto de extensão cultural de um
departamento do Instituto Tecnológico da Costa Rica (ITCR), no ano de
1994. Seu primeiro objetivo foi converter-se em um espaço editorial
para dar a conhecer as distintas investigações que vinham realizando
nossos professores no que respeita ao âmbito das culturas populares.
Até o presente foram publicados 9 números semestrais. Porém, na
medida em que se foi desenvolvendo o projeto (a partir do terceiro
número), fomos nos inteirando da existência de um vazio em relação a
revistas culturais que mantivessem um perfil intermediário entre a
revista especializada e a revista popular, formato que perseguíamos
desde o princípio. Assim é que, além da ênfase antropológica, histórica
e sociológica, fomos abrindo espaço para outros aspectos, tais como a
literatura e a arte em geral. Por outro lado, começamos a receber
colaborações de distintos países latino-americanos onde,
imprevisivelmente, a revista foi chegando graças à ação de amigos e
colaboradores."
Indaguei a Adriano como a revista sobrevive: "Fronteras hoje se
financia basicamente com a verba do ITCR e com a venda de
exemplares, mas estamos abrindo a venda de publicidade como uma
colaboração e apoio a este projeto editorial. Ela é distribuída em várias
livrarias de San José, Heredia, Ciudad Quesada e Cartago. Mas também
pode ser encontrada em Bibliotecas, Centros Culturais e Salas de
Teatro. E as assinaturas estão franqueadas segundo anúncio no próprio
expediente da revista."
E agora nos fala o chileno Omar Lara, editor de Trilce: " A revista
nasceu paralelamente ao grupo de poesia Trilce, em março de 1964,
em Valdivia (Chile). Até 1973, quando praticamente toda a nossa
geração desapareceu do mapa literário chileno, a revista publicou 16
números, com uma regularidade muito irregular. Ocorre que a revista
era um de nossos afãs, não o único. Nos anos 1965 e 1967
organizamos os primeiros encontros da Jovem Poesia Chilena, em
Valdivia. Também foram publicados alguns livros individuais de
membros do grupo e nos sentíamos bem envolvidos com os
movimentos sócio-políticos daquele momento."
E como seguiu a revista, que novos rumos tomou?
"Depois, no exílio em Madrid, publicamos três números, entre 1981 e
1983. De volta ao Chile, já em Concepción, reiniciamos a publicação
dentro do que chamamos de uma Terceira Época. E nisto seguimos
empenhados até hoje. Uma vez que não temos auspício institucional
nossa freqüência é imprevisível. Quis torná-la quadrimestral, mas a
realidade nos impõe uma circulação semestral. Mesmo ciente de que
defenderei até onde possa essa periodicidade, não tenho nenhuma
garantia quanto a isto. Trilce tem sido apresentada diretamente em
países como Peru, Equador, Espanha, Alemanha, Argentina, e através
de amigos em vários outros: Estados Unidos, México, Uruguai, Portugal.
A rigor, a revista é uma revista de amigos, o que não está mal,
certamente. Temos muitos leais entusiastas, generosos amigos.
Sempre pensei em Trilce como uma publicação propiciadora de
diálogos. Tenho consciência de que em vários momentos fomos uma
janela através das qual muitos poetas e leitores em geral puderam
conferir as ocorrências poéticas de outros lugares, através de
entrevistas, poemas, traduções, correspondência etc."
As duas possibilidades de condução de um processo editorial permitem
aclarar que em nada se justifica a inércia encontrada no Brasil. Dentro
ou fora do que nos habituamos a chamar de "sistema", apenas
reagimos e mesmo assim com um ar paranóico (presunçoso) que pouco
ou nada constrói. A seguir incluímos a montagem em dez blocos de um
auto-retrato da revista Lote, argentina, desenhado por seu editor,
Fernando Peirone:
"1 - Tipo de material que publica.
- Em traços gerais se poderia dizer que é uma revista de crítica cultural
e política.
2 O rol das revistas culturais na Argentina.
- O papel das revistas culturais, que na Argentina têm uma grande
tradição, é o de dar circulação a um saber e um agir que não se movem
no mundo oficial, o papel de introduzir debates e traduções que
habitualmente não são manuseados nos círculos comerciais, o de
proporcionar ferramentas alternativas para a abordagem do público (e
do privado), o de dar a conhecer as expressões artísticas e culturais
novas, diferentes.
3 A qual público se dirige?
- Dirige-se a um público heterogêneo. A invenção dos convênios revistas para repartir entre sócios, clientes etc. - como forma de
distribuição, nos possibilitou que a revista não dependa das vendas e
que em menos de dez dias esteja completamente distribuída, em mãos
de jovens, velhos, empresários, professores, intelectuais etc.,
obrigando àqueles que participam conosco a rever sua linguagem e
suas maneiras de dizer; o mesmo ocorre com os leitores que, ao recebêla, se dão conta que é uma revista que - no pólo oposto do videoclip demanda tempo daquele que se disponha a lê-la. Este sistema de
distribuição ingressa na revista em uma paisagem que de outra maneira
- se dependesse exclusivamente da venda - não chegaria.
4 Como se relacionam com a realidade?
- Não nos relacionamos com a atual nos tempos de imediatismo que
exiege um diário, mas sim com a distância e a implicação necessária
para discorrer criticamente sobre a época que nos tocou viver.
5 Lote é lida por gente jovem?
- Sim. A revista tem um suplemento jovem de educação cooperativa
que chega gratuitamente (subvencionado por distintas cooperativas do
sul de Santa Fe) aos terceiros e quartos anos das escolas secundárias,
provocando debates e sendo utilizado como material complementar de
estudo.
6 Busca consagrados ou busca descobrir vozes novas?
- Em Lote participam consagrados em meio a um coro de vozes
anônimas - como a daqueles que fazemos a revista - e politonais que
lhe dão um perfil diferente, do interior, não dando ouvidos aos
mandatos portenhos de correção cultural.
7 E esses jovens buscam algo distinto do que procuram os de gerações
passadas?
- Sim, há um conceito diferente do que é cultura. Não lhes interessa
tanto a praxis social do pensamento quanto a possibilidade de aplicá-lo
a uma qualidade de vida mais digna. Embora menos comprometida
politicamente - no sentido tradicional do termo -, a juventude edifica
seus entornos com modelos políticos explícitos, tolerantes, abertos, à
medida de um mundo que sonham e não conseguem trasladar além de
seus grupos de origem. Este é um pouco o padecimento que lhes obriga
a pos-modernidade.
8 Lote promove polêmicas, debate, intercâmbio de idéias?
- Permanentemente. Em cada número se questiona o status quo e são
liberadas salvas de pensamento crítico.
9 Em um passado não muito para trás, os escritores reconhecidos
colaboravam neste tipo de publicações. Com reagem hoje?
- São reticentes, estão em seu lugar e pouco lhes dá que as revistas
culturais dediquem-se à difusão de seus trabalhos. Menos ainda lhes
importam ler manuscritos de novos escritores. Existe, no entanto, uma
tradição que se conserva viva e ativa, participando em cada um desses
empreendimentos. Grande parte dos colaboradores de Lote pertencem
a essa casta de descastados.
10 Há uma disputa entre as versões impressa e virtual?
- Até o momento não. Nossa revista tem uma página web desde o
número inaugural, onde são publicadas as matérias mais importantes
de cada número e, se temos uma acentuada visita diária ela quase
sempre corresponde a leitores estrangeiros - porque lhes resulta mais
fácil e menos custoso visitar a revista na tela do que assinar a versão
impressa. Mas são, até o momento, públicos diferentes."
Esta conversa com Fernando Peirone, editor de Lote, é bastante
revelador de uma série de aspectos que seguiremos tocando nos
próximos artigos. O que estamos propondo aqui, nas páginas de O
Escritor, não tem caráter conclusivo, mas antes arregimentador de um
diálogo essencial entre editores de revistas em âmbito continental.
Fujamos das relações de bairro ou quadrilhas, e busquemos a
representação mais substanciosa de uma cultura. A realidade
constituída de uma nação não se encontra definida por seus políticos ou
economistas, mas antes por aquela fatia empenhada, sob diversos
enfoques, na formação e identificação de um caráter cultural.
Floriano Martins
Lote. Diretor: Fernando Peirone ([email protected]).
Pellegrini 560 - Benado Tuerto - Santa Fe (2600) Argentina
Trilce. Diretor: Omar Lara ([email protected]). Casilla 2501 Concepción, Chile
Blanco Móvil. Diretor: Eduardo Mosches
([email protected]). Apartado Postal 21-063 México DF
(04000) México
Página Digital. Diretor: Pablo Castro ([email protected]).
http://www.paginadigital.org (Buenos Aires, Argentina)
Fronteras. Diretor: Adriano Corrales
([email protected]). Apartado Postal 223-4400 - Ciudad
Quesada - Costa Rica
Matéria gentilmente cedida pelo jornal O Escritor, da UBE - União Brasileiras de Escritores.
.
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revistas em destaque
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triplov (portugal)
diálogo entre editores: maria
estela guedes & floriano martins
A revista TriploV é hoje, ao lado de duas
outras, Ciberkioski e Storm Magazine, os
veículos virtuais mais substanciosos na
imprensa cultural portuguesa. É projeto da
Agulha firmar cumplicidade com revistas
em vários países, diálogo que já se
estabelece de outras maneiras, a exemplo
da seção «Resto do Mundo», que assino
para o jornal O Escritor, da União
Brasileira de Escritores. Neste encontro de dois editores, com a
portuguesa Maria Estela Guedes, damos a conhecer os meandros de
nossa aventura editorial, permitindo ao leitor conhecer um pouco mais
de ambas publicações. [F.M.]
- Como nasceu o TriploV, perguntas tu? Tinha obrigatoriamente
de sair do ovo, dada a crise da edição em papel: em Portugal há só
meia dúzia de escritores que vivem da escrita. Eu nem pretendia viver
da escrita, queria apenas ter um editor que não cobrasse pela edição…
De outra parte, o livro e as revistas em papel têm tiragem
limitadíssima. O TriploV, num ano, criou-nos um público ávido, e isso é
reconfortante, é bom saber que a leitura não morreu, as pessoas
querem mesmo ler, enriquecer-se, partilhar conhecimentos, trocar
colaborações, e isso um pouco em toda a parte do mundo, mas em
especial no Brasil. Esse foi o meu desafio aos outros responsáveis pelo
site, José Augusto Mourão, Maria Alzira Brum Lemos e Magno Urbano:
«Vamos reconquistar o Brasil!» E acho que estamos a conseguir… É
claro que tive de aprender a lidar com o PC de outro modo, mas
ESTELA
felizmente o Magno Urbano, nosso operador de sistema, tem tido a
paciência de me ensinar. E tirei uns cursos on-line. Mas ainda falta
muito para estar apta. Sabes tu, Floriano, aqui só eu é que mexo no
site, tenho de fazer tudo, desde compôr o texto até pô-lo no ar. Como é
com a Agulha? Tens alguns conhecimentos avançados de informática e
criação de webpage ou a revista é entregue a profissionais?
- A Agulha é dirigida por mim e o Claudio Willer, isto em
termos de definição de pauta. Mesmo residindo a 3 mil quilômetros de
distância um do outro (São Paulo e Fortaleza), nos falamos diariamente
e assim afinamos este e outros projetos nossos. Em termos de
designer, a revista é toda feita por mim, da idealização ao acabamento.
Ao final, no momento de atualização de sistema junto ao provedor,
contamos com a terceira fatia de nossa cumplicidade, o Soares Feitosa,
que dirige o Jornal de Poesia, onde a Agulha está ancorada. Os três
somos escritores e tivemos que aprender todos os meandros dessa
complexa atividade de editor, o que inclui ainda a parte de contatos e
difusão. Evidente que a circulação virtual tem maior abrangência que a
impressa, mesmo considerando o reduzido percentual de utilização de
Internet em um país como o Brasil. Contudo, é ainda impossível se
pensar em um veículo como a Agulha em termos empresariais,
alcançando condições básicas como o pagamento de matérias. Somos
todos, incluindo nossos colaboradores, uns abnegados dispostos ao
trabalho intelectual sem remuneração, o que seria impossível em uma
publicação impressa. Mas veja: quando começamos a fazer a Agulha,
sentimos uma necessidade de estabelecer uma rede bem ampla de
contatos, daí que criamos a «Galeria de Revistas», onde reproduzimos
capa e link de revistas em várias partes do mundo. Neste sentido, como
se relaciona o TriploV em Portugal? E não quero aqui restringir-me
apenas a veículos virtuais.
FLORIANO
- Olha, Floriano, eu não tenho tempo para tudo. A difusão inicial
do TriploV foi feita pelo Magno Urbano aos motores de busca, eu
mando de vez em quando a newsletter do site, «Ser Espacial», a umas
mil pessoas, e nada mais. O feedback em Portugal tem sido bom, saiu
um artigo de João Barrento no "Público" muito favorável ao site, o
«Jornal de Lamego» descobriu-me no ciberespaço, quando em tantos
anos de tarimba os meus conterrâneos não me tinham descoberto em
centenas de números de jornal, nem na rádio, nem na televisão.
Algumas revistas virtuais e sites têm referido o TriploV, como a
«Storm-Magazine», e também retribuo links, mas o principal retorno do
investimento é o programa de estatística: num ano, temos vindo a subir
da dezena para os milhares de visualizações de página por dia, etc.. Eu
não estou interessada em ampliar muito os contactos internos; a
audiência, sim. Muitos colaboradores significam muitas páginas para
pôr no ar e já agora começo a não ter capacidade de resposta. A ideia é
manter poucos contactos, mas escolhidos e diversificados no planisfério,
e investir no ensaísmo de todo o género. A poesia, devo dizer-te, é o
sector menos lido do TriploV, e no capítulo da ciberarte, que era a
minha grande motivação, o desastre é total: não aparecem
ESTELA
colaboradores, as minhas próprias experiências ainda mal começaram
porque há outras prioridades, e antes de começar eu devia ter
aprendido o que ainda não sei: a trabalhar com o Photoshop e o Image
Ready. Não sei o que se passa convosco, mas por aqui sinto imensa
dificuldade em fazer com que os cibernautas leiam poesia, e não posso
sequer chamá-los através das metatags porque não há nada específico
para pôr nos campos description e keywords - a poesia não tem pontos
de referência, forçar com palavras-chave do tipo «cerejas», «beijos» ou
«mar» é enganar quem procura saber como cultivar cerejeiras, onde
encontrar um site pornográfico ou a tabela das marés; de qualquer
modo, os termos são tão extensos que o poema não apareceria nos
primeiros lugares dos motores de busca, a quem pesquisa. A poesia não
tem referentes, pelo menos a mais despojada, a não historicista. O
dossier «Herberto Helder» é muito lido porque as pessoas já conhecem
o poeta e nas caixas de pesquisa dos motores de busca escrevem
«Herberto Helder». Uma estreia absoluta como a Tília Ramos não tem
pesquisa possível, só será descoberta por quem entrar pela página
principal, e esse público é minoritário.
- Certa vez uma revista virtual no Rio de Janeiro nos
procurou empenhada em fazer uma matéria sobre a Agulha. Este
rigorosamente é um caso único. Temos estabelecido com outras
publicações virtuais, em vários países, uma permuta de links. Além
disso há uma barreira entre veículos impressos e virtuais, ao menos no
Brasil. Ainda não perceberam o que há de complementaridade entre
eles. Um ponto de cegueira só lhes permite entender uma inexistente
condição de concorrência. Hoje a Agulha conta com um mailing de
mais de 60 mil endereços, é nossa mala ativa e raramente recebemos
pedido de exclusão. Nós circulamos na extensão de dois idiomas:
português e espanhol, com um buscado equilíbrio entre ambos,
contando ainda com um expressivo reforço de outro site que coordeno,
a Banda Hispânica, este último um banco de dados sobre a poesia de
língua espanhola. Isto dá à revista uma expressiva visibilidade,
inclusive envolvendo uma ativa cumplicidade de correspondentes em
dezenas de países. Nossa opção pelo ensaísmo em grande parte definiuse pela ausência de uma reflexão mais substanciosa sobre temas
ligados à arte e à cultura no Brasil. De uma maneira geral, a poesia que
se publica entre nós, nos veículos de imprensa, é um verdadeiro festim
de epígonos, textos com artifícios poéticos desgastados que se repetem
à exaustão. Mas independente disto, em muito me atrai essa
característica de arte de exceção - ou ausência de referentes, como
dizes - da poesia. Há uma lista inesgotável de grandes poetas que
enfrentaram - e enfrentarão sempre - esse obstáculo de veiculação de
suas obras. É natural que os estreantes comam a fatia maior desse pão
amassado pelo Diabo, o que não quer dizer que não devamos, editores,
estar atentos ao trabalho deles. Um outro aspecto que começa a
proliferar, Estela, é o surgimento de editoras virtuais. Nós mesmos na
Agulha, durante alguns meses, experimentamos a publicação de uma
série de e-books, projeto com grande receptividade junto aos leitores
mas que lamentavelmente foi abortado ao perdermos nosso parceiro
FLORIANO
em tal empresa.
- Vou contar em segredo, s.f.f. não divulgues por aí: o site
nasceu poeticamente falido, e eu preciso de dinheiro, a informática
devora o meu ordenado. Sou eu que estou a suportar todas as
despesas e são muitas. Ainda não me dispus a pedir subsídio, e agora o
Governo português também está teso… Não pago direitos de autor, mas
também não exijo dinheiro para editar… Já fiz uma experiência de
carrinho de compras, falhou porque era preciso eu montar uma
empresa de e-commerce, passar facturas… Ora eu não tenho tempo
nem para escrever os meus versos, quanto mais para redigir nessa
língua bárbara dos algarismos! Contar, só histórias. Uma das ideias era
a dos e-books e cheguei a verter para pdf o livro Francisco Newton,
que soma já muitas leituras. Outra ideia, aliás sugerida pelo Magno
Urbano, é a de vender todo o site em CD. Esta ideia é fabulosa porque
eu actualizo-o quase todos os dias e então podíamos vender uns 200
TriploVs diferentes por ano… Estou na disposição de alinhar numa
qualquer hipótese rentável, se só tiver de dar material, meu e dos
colaboradores do site… E como só dou isso, não peço metade dos
lucros, apenas uma percentagem compatível… Há uns quatro ou cinco
livros no TriploV, alguns inéditos, outros esgotados, e de qualquer
modo tudo o que é impresso em livro é inédito à escala do planeta. Eu
deixei de me ralar com ineditismos, publico o que acho instrutivo, bom
e conveniente. Também deixei de me ralar com esse fantasma do
roubo, os escritores não publicam na Internet porque há muitos
ladrões!… Venham os ladrões, aprecio quem me rouba, é porque leu e
adorou! E fora com esses vírus Nimda dos que só vêem montras e é
quando saem a passear ao domingo!
ESTELA
- Na verdade enfrentamos os mesmos obstáculos,
excetuando o fato de que a Agulha, se não gera lucro, também não
gera despesa, isto do ponto de vista financeiro. Claro que há um
investimento imenso de tempo. Tanto eu quanto o Willer temos outra
atividade, ainda que ambientada em uma mesma perspectiva editorial.
Agora, o ineditismo assume uma proporção algo falaciosa, cabendo aí
observar apenas o aspecto ético da reprodução de textos já publicados,
ou seja, solicitação de autorização, referência de fontes, etc.. Ensaios
reproduzidos de livros ou mesmo de outras revistas habitualmente
conquistam novos leitores, pois ampliamos o raio de circulação dos
mesmos. O roubo é inevitável e inestimável, além do que está colado à
pele do conceito de propriedade privada. Não cabe generalizar, mas
antes verificar de quais inúmeras maneiras ele vem sendo praticado algumas delas bastante aceitas por nossas sociedades. Agora, como
tens conduzido o TriploV em termos de orientação de pauta?
Editorialmente, há algum tema ou abordagem que desperte mais
interesse teu? Penso na coincidência existente entre tua revista e a
«VVV» editada nos anos 40 por Breton, Duchamp e Ernst, nos Estados
Unidos, ou seja, haveria aí alguma coincidência também com os ideais
surrealistas?
FLORIANO
- Eu republico muito, com autorização, e textos de séculos
transactos, porque preciso. As pessoas tratam o TriploV como revista,
mas não é. Estou a fazer um depósito, e há bases de dados no site,
para os meus trabalhos em História do naturalismo. Isso recorda-me
que estudo a língua das gralhas, língua das aves ou língua de ponta nos
textos científicos. A Agulha não é de costura… Na ponta da língua tem
pimenta, pelo menos… O meu vínculo mais forte é com o modernismo
português e descendentes, e mais indirectamente com o surrealismo,
aliás agrada-me que estabeleçam essa relação, é legítima. Uma das
pessoas mais importantes para mim, porque me rasgou horizontes e
deitou por terra preconceitos, o Ernesto de Sousa, cineasta que fez o
filme português dar o salto do cinema de pátio para o novo cinema,
mas foi também artista de multimédia, homem que despoletou o
florescimento da vanguarda em Portugal, etc., criou, comigo e com o
Fernando Camecelha, um grupo, o VVV, de cuja actividade artística
resultaram festas e as caixas Pipxou - há imagens e informação no
directório dele. Dediquei-lhe o site, e quando tive de escolher um nome,
lembrei-me do VVV, pensando: vou continuar a nossa obra, apesar de o
Ernesto já ter morrido. «VVV» também quer dizer Ego sum Via et
Veritas et Vita, segundo a interpretação esotérica de outro cineasta,
António de Macedo. Nós pronunciamos triplov, à russa, e o meu
contributo para o alargamento do campo semântico do nome foi o ovo
alquímico, o «triplovo», como o Magno Urbano designa o logotipo que
criou. O elo de ligação entre todos os movimentos da modernidade é a
agulha, que também se exprime no Morra o Dantas, morra! Pim!, de
Almada Negreiros. Sempre estive nessa onda de guerra ao
convencional. Quanto a definição de pauta, ou programação, recordo
que Breton fala do acaso feliz. Pois bem, a única pauta do TriploV é
esse acaso luminoso, como este de estarmos agora aqui sem o termos
premeditado. Nunca me envolveria em nenhum projecto editorial que
implicasse programação e periodicidade rígida, porque isso é inviável no
perímetro da minha acção. Parte dos nossos conteúdos, o segundo mais
aliciante de todos, é constituído pelas comunicações ao Colóquio
Internacional Discursos e Práticas Alquímicas. Os participantes não
entregam os trabalhos. Por isso criar uma revista dentro do TriploV,
como era desejo do José Augusto Mourão, por exemplo, está fora dos
meus propósitos. Prefiro que o site seja tratado equivocadamente como
revista, porque a classificação pode vir a ser útil para fins de patrocínio.
Além disso, deixar o triplovo a chocar durante um mês ou mais, para só
em data certa ver os pintos a bater as asas, não se acomoda ao meu
sistema nervoso. Quando aparece um novo pinto, lanço-o
imediatamente no céu.
ESTELA
- E está perfeito que seja assim, mais abrangente o tríplice V
do que no caso de Breton, onde aliava o V da Vitória ao Voto no
sentido de energia vital ou Volta «a um mundo habitável e imaginável».
E cabe bem a lembrança ao Almada e seu manifesto, ele que soube ver
bem o valor intrínseco da antecipação a tudo. Admirável Almada que
vivia a lembrar o essencial que é a poesia fazer «nascer asas em Nós».
Pode-se dizer de Agulha que seja uma revista, tem estrutura e
FLORIANO
perspectiva estética que atende ao objeto. Ao contrário, o que faço na
Banda Hispânica deve ser visto como um banco de dados, uma fonte
virtual de consultas acerca da poesia de língua espanhola. Tua
referência à pimenta («pelo menos»), eu a entendo como uma aguda
visão crítica que se alimenta dessa entrega ao outro, de buscar a
integridade das coisas. De buscar a verdade em vida e em toda a vida.
É exatamente o que estamos fazendo aqui, neste nosso breve diálogo
inicial, quando aproximamos nossos projetos editoriais, Agulha e
TriploV.
Lisboa, Fortaleza. Outubro de 2002.
Maria Estela Guedes (Lamego, 1947). Tem colaborado em quase todos
os mais importantes jornais portugueses, na rádio e na televisão. Em
1987 foi levado à cena um espectáculo multimédia da sua autoria, O
lagarto âmbar, na Fundação Calouste Gulbenkian. Entre os seus livros,
encontram-se: Herberto Helder, poeta Obscuro (1979), Crime no Museu
de Philosophia Natural (1984) e À Sombra de Orpheu (1990). Dirige a
revista TriploV (www.triplov.com). Contato: [email protected].
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revistas em destaque
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rascunho (brasil)
diálogo entre editores: rogério
pereira & claudio willer
Jornalismo literário pode ser apaixonante? Não,
responderão os leitores de suplementos de nossos
grandes jornais, frios, burocráticos, universitários
em excesso. Sim, responderão os leitores de
Rascunho, publicado em Curitiba, Paraná, a julgar
pela seção de cartas desses leitores, estuante,
prolífica, com adesões entusiásticas e protestos
indignados referentes aos ensaios e resenhas nele
publicadas. Rascunho já ultrapassa trinta edições
em três anos de existência. Lembra bastante o
que se publicava há vinte anos no Brasil, no tempo da imprensa
alternativa e da assimilação da sua contribuição pela grande imprensa.
Isto, lembrar o que outrora já foi feito, é uma qualidade, e não um
defeito desse periódico; é um dos motivos para muita gente o
considerar o melhor jornal literário brasileiro, neste momento. E,
conforme pode ser entrevisto na conversa com ele, preparada para esta
Agulha, o que seu editor, Rogério Pereira, tem de combativo,
idiossincrático, voluntarista, está diretamente relacionado a esse bom
resultado. [C. W.]
- Você não veio do nada, ou de algum vazio
interplanterário. Já fazia jornalismo antes, não é? Conte algo sobre suas
origens e procedência. Apresente-se.
CLAUDIO WILLER
- Tenho 29 anos (beirando os 30), os pés rumam
para o altar, com a bela Cristiane. Cheguei em Curitiba, aos 6 anos,
vindo do sudoeste de Santa Catarina (meus pais eram pequenos
ROGÉRIO PEREIRA
agricultores). Dedico-me ao jornalismo há muito tempo. Aos 13 anos, já
era office-boy da Gazeta Mercantil, em Curitiba. Antes disso, fui
vendedor de flores em frente a um cemitério (muito poético, por sinal),
fabriquei móveis e matei muito passarinho nos matagais de Curitiba.
Trabalhei durante oito anos na Gazeta Mercantil. Cursei Filosofia e
Jornalismo. Comecei a trabalhar como repórter em 1996. A partir daí,
embrenhei-me por várias redações. Fiz campanhas políticas (Lerner,
Taniguchi e, recentemente, Beto Richa). Ganhei algum dinheiro, fiz as
malas em 1999 e fui fazer pós-graduação em jornalismo político em
Madrid. Voltei a Curitiba. Dirigi um jornal popular (o Primeira Hora). E
cá estou agora a matar sabiás.
- E como é que surgiu essa idéia de fazer Rascunho?
Você já tinha essa intenção, de fazer um suplemento literário, faz
tempo, ou foi algo que aconteceu assim, de repente, num estalo, em
um ímpeto de inspiração, em uma mesa de bar?
CLAUDIO WILLER
- Quando voltei da Espanha, no começo de 2000, fui
trabalhar como assessor de imprensa na Prefeitura de Curitiba, um
mausoléu repleto de teias de aranha. Lá, ficava a tecer matérias sobre
ruas asfaltadas, praças inauguradas etc. Então, resolvi escrever uma
coluna de resenhas/críticas literárias no Jornal do Estado, em Curitiba,
todas as segundas-feiras. Ah! Esqueci de dizer que além dos sabiás,
sempre me dediquei à leitura e à escrita (na escola, vendia resenhas
dos livros e redações para os alunos mais vagabundos; às vezes, o
pagamento era em dinheiro, outras, em lanche). Depois de algum
tempo com a coluna semanal, na "tranqüilidade" do serviço público,
resolvi juntar um bando de malucos e criar o Rascunho, pois nunca
gostei muito dos suplementos existentes. Juntamo-nos na mesa de um
bar: apresentei a idéia, fiz o projeto gráfico (em parceria com o
jornalista Fabrício Binder), e apresentei ao Jornal do Estado. Depois,
muitas noites de insônia e café a cada edição mensal.
ROGÉRIO PEREIRA
- Você partiu de alguma reflexão crítica sobre o
jornalismo literário atual, uma intenção de preencher um espaço vazio,
cobrir uma lacuna, algo assim?
CLAUDIO WILLER
ROGÉRIO PEREIRA - Isso pesou muito, mas a vontade de fazer um bom
jornal literário pesou mais. Nunca concordei muito com o tom
conciliatório dos suplementos literários, sempre jogando a sujeira para
baixo do tapete. Considero os suplementos um grande salão de baile de
confraternização, um passa a mão na cabeça do outro. Pura bajulação.
Falta a discussão, o apego à polêmica. As idéias opostas são sempre
bem-vindas. É claro que a responsabilidade deve estar implícita. O que
se vê por aí é um bando de compadres a tomar chá no fim da tarde. Os
suplementos literários dos grandes jornais são o quintal para um
churrasco literário, com carne de segunda e muita lengalenga.
CLAUDIO WILLER
- E esses colaboradores, esse grupo tão diversificado,
como você os achou? Você procurou ou escolheu a dedo gente disposta
a escrever de modo passional, veementemente contra ou a favor algum
texto ou autor?
- Para começar o Rascunho, chamei jornalistas (todos
bons amigos) em quem confiava muito: Paulo Polzonoff Jr., Adriano
Koehler, Paulo Krauss, Andrea Ribeiro, Alessandro Martins, Eduardo
Ferreira, Jeferson de Souza, entre outros. Precisavam ser bem amigos
mesmo, pois não receberiam (e até hoje não recebem) um centavo
furado para escrever resenhas/críticas/entrevistas para um jornal
literário chamado Rascunho, que até agora não foi passado a limpo.
Com o tempo (não sejamos modestos: o Rascunho cresceu, ganhou
vida, melhorou muito. Passou de oito para 16 páginas), muitos outros
nomes foram se juntando, pois acreditaram no projeto: José Castello,
Fernando Monteiro, Nelson de Oliveira, Álvaro Alves de Faria, Fabrício
Carpinejar, entre tantos outros. São colaboradores fiéis e de suma
importância. Sem eles, o Rascunho seria apenas um sonho. Ninguém
ganha nada, mas se diverte um bocado. Acho. Todos os meses,
aparecem novos colaboradores. Conseguimos criar um grande canal de
discussão literária, e, assim, as pessoas sentem-se motivadas a
participar, apesar de o pagamento ser um "muito obrigado" por e-mail
ou telefone. E nessa tropa, sempre há espaço para novos
colaboradores.
ROGÉRIO PEREIRA
- Quem teve a idéia de cotejar matérias pró e contra
algum autor ou obra? Continuarão, esses exercícios de pluralismo?
CLAUDIO WILLER
- Criar um jornal para ser morno e insosso como
tantos outros estava fora dos planos. Sempre fui a favor da polêmica. O
primeiro grande "cacete" foi no Décio Pignatari, com o texto "50 anos
de enganação", escrito em parceria com o Paulo Polzonoff Jr. Aí, o
Rascunho deixou claro o seu "desprezo" pela poesia concreta. Mas,
mesmo assim, abrimos espaço para os amantes concretistas. O
Rascunho é um barco furado que teima em não afundar. Portanto,
sempre cabe mais um. Depois, veio o texto sobre o Valêncio Xavier:
"Equívoco", novamente assinado por mim e pelo Paulo. Acho que somos
os "grandes" polemistas: ele mandou bala no Scliar e no Loyola. Eu
escrevi um texto polêmico sobre o Marcelo Mirisola, que sonhou que era
escritor e até hoje continua acreditando. O Rascunho tem essa
característica polêmica, mas sempre com muita dose de humor e
responsabilidade. O pluralismo vai imperar até o fim, até os últimos
dias.
ROGÉRIO PEREIRA
- Suplementos culturais e jornalismo literário têm
história, grandes antecedentes - Suplemento do Estadão, o do JB, etc.
É possível especificar relações de Rascunho com esses antecedentes,
comentar algum que tenha influenciado ou servido como referência?
CLAUDIO WILLER
ROGÉRIO PEREIRA
- Acho que não sofremos influência de nenhum
suplemento das "antigas". Até mesmo porque não conheci nenhum
deles no dia-a-dia. É claro que conheço a história dos grandes
suplementos culturais, mas a minha idéia era fazer um jornal que
valorizasse o texto, em contraponto à frugalidade, rapidez e concisão
do jornalismo em geral. Adoro ver uma página do Rascunho cheia de
letras, de idéias, de discussão. Meu lema: entre o texto e a ilustração,
mate a ilustração. Questão de gosto. É claro que às vezes exagero na
dose, mas a overdose rascunheira é benéfica à saúde.
- E de lá de fora, publicações de outros países,
mencionaria alguma?
CLAUDIO WILLER
- Morei na Espanha e conheço muito bem a imprensa
espanhola, em especial o El País, que mantém o excelente suplemento
literário Babelia. Lá, o texto é valorizado e as idéias são amplamente
discutidas. Até acho que tenha me influenciado de alguma maneira. Mas
não sou um grande conhecedor do jornalismo feito em outros países.
Conheço-o como qualquer navegador de Internet. Clico aqui e ali e vou
descobrindo coisas.
ROGÉRIO PEREIRA
- Com relação ao presente, ao momento atual: você
faria comentários sobre os suplementos, periódicos literários e revistas
atuais?
CLAUDIO WILLER
ROGÉRIO PEREIRA - Como te disse, não acompanho os suplementos e
revistas de outros países, a não ser o El País, uma paixão irresponsável.
- Que tal lhe parece o atual crescimento, quando não
proliferação de revistas de poesia e periódicos literários? Teria
destaques, comentário sobre algum deles?
CLAUDIO WILLER
- Recebo uma grande quantidade de jornais e revistas
literárias/poesia. Há coisa muito boa, como o Suplemento de Minas
Gerais e a revista Continente, de Pernambuco. Também gosto muito da
Bravo!, apesar de seu pedantismo almofadinha. A Cult não está entre
as minhas preferências, mas às vezes acerta a mão. De um modo geral,
acho que há um grave problema nos projetos considerados
"independentes", principalmente em relação às revistas de poesia. Aqui
em Curitiba, existia uma revista, que era um emaranhado de coisas,
muitas vezes sem pé nem cabeça, para agradar a certos grupinhos de
amiguinhos (assim no diminutivo). Há várias publicações editadas por
grupinhos. Esse tipo de iniciativa me parece a masturbação do elefante
com o avestruz (Que fique bem claro, nada contra os poetas
fundadores; alguns muito bons, por sinal). Mas algumas revistas
servem de muralha para atacar outros grupos ou preservar "idéias"
consideradas indissolúveis. São, na verdade, frágeis fortalezas. E isso
acontece em São Paulo, no Rio de Janeiro (com o grupinho dos cariocas
da gema), em Brasília, em Garanhuns, em Jaboatão dos Guararapes, no
ROGÉRIO PEREIRA
fim do mundo. O problema é a falta de abertura: a quem pertence ao
grupinho, loas; aos demais, pedras no sapato molhado. Assim não há
discussão, não há avanço, não se dilata a consciência (como diz
Fernando Monteiro). Revistas e jornais precisam ter abertura, uma
janela para se respirar. Caso contrário, todos morrem asfixiados no
ocre cheiro dos corpos putrefatos.
- Já estava em seu projeto originário ser tão polêmico
assim, ter uma seção com tantas cartas de leitor pró ou contra alguma
matéria? Você tem uma vocação de incendiário, iconoclasta ou
polemista? Enfurecer gaúchos, isso o agrada especialmente?
CLAUDIO WILLER
- Meu esporte preferido é enfurecer o vizinho,
jogando pedras no telhado em dia de chuva. A polêmica é necessária. A
polenta sem molho é massa sem graça. Os leitores participam porque
sentem a necessidade da discussão, de expor idéias, de criticar, de
reclamar. Tudo isso faz muito bem à cultura. É triste quando se vai
fechar a edição e há poucas cartas nos ofendendo, falando que somos
imbecis, terroristas etc. Somos terroristas para o bem de alguns e
desgraça de outros. Se pudesse, faria um incêndio a cada dia. Ainda
mais aqui em Curitiba que é frio à beça. Temo uma invasão gaúcha,
mas os arames de Curitiba hão de agüentar.
ROGÉRIO PEREIRA
- Como é viver, trabalhar e publicar algo em Curitiba?
Como você se relaciona com o ambiente literário local? É verdade que
Curitiba é uma cidade provinciana? O mito e a realidade têm
correspondência?
CLAUDIO WILLER
- Curitiba é a sonolência do morto. Viver em Curitiba
é uma maravilha. Não acontece nada, não ocorre nada, a não ser as
mortes nos botecos da periferia. Curitiba é a capital da arrogância, da
classe média alta de parca visão, das meninas encostadas no muro à
espera do marido, do vampiro solitário sem um pescoço para desfrutar.
Não há discussão literária nessa terra. O Rascunho não é conhecido e,
tampouco, reconhecido. Somos um holograma. Mesmo assim, Curitiba
tem vários bons escritores: Jamil Snege, Cristovão Tezza, Roberto
Gomes, Miguel Sanches Neto, Manoel Carlos Karam, José Castello,
Dalton Trevisan, e mais uma meia dúzia. Mas não há vida literária,
discussão etc. Cada um em sua toca. É o jeito curitibano. Eu mesmo
sou assim, mas da minha toca mando alguns mísseis.
ROGÉRIO PEREIRA
- O que você gostou mais de publicar em Rascunho,
qual matéria ou quais lhe proporcionaram especial prazer por ter podido
fazê-las saírem?
CLAUDIO WILLER
ROGÉRIO PEREIRA - Há várias. Sou suspeito em falar, pois vivo a lamber
a cria. Mas acho que as matérias polêmicas (em relação a Décio
Pignatari, Valêncio Xavier, Scliar, Mirisola, Augusto de Campos, entre
outras) foram as mais prazerosas, pelo liberdade com que foram
escritas. É claro que grandes entrevistas também prazerosas, como a
com José Saramago. Também é sempre uma alegria muito grande
publicar inéditos de grandes escritores, como aconteceu com Dalton
Trevisan e Lygia Fagundes Telles. O bom desse Rascunho é que sou eu
quem decide o que será publicado. Até hoje, não censurei nenhuma
matéria. Minha vocação para censor do DOPS está adormecida.
- E o futuro? Quais serão os próximos passos? Há
planos de expansão, haverá crescimento de Rascunho? Quantitativo,
qualitativo ou ambos? Algo deverá ou deveria mudar?
CLAUDIO WILLER
- Acho que o próximo ano será decisivo para o
Rascunho. Hoje, o Rascunho é enviado para 3 mil pessoas em todo o
Brasil, por meio de uma parceria com a Imprensa Oficial do Paraná.
Com o novo governo de Roberto Requião, não sei se tal parceria será
renovada. Hoje, o jornal não tem condições de arcar com despesas de
correio. Será a morte do Rascunho, caso ele circule apenas em Curitiba
e região. Mas por outro lado, vamos entrar com um projeto de apoio da
lei de incentivo à cultura. Aí, a sobrevida será maior. A intenção é
ampliar o número de páginas de 16 para 24. E também aumentar o
número de "assinantes" do jornal. Uma alternativa para capitalizar o
Rascunho é criar uma carteira de assinantes pagantes. Hoje, todos
recebem gratuitamente o jornal. Talvez seja a hora de pedir uma
contrapartida dos leitores. De resto, é continuar ateando fogo e
chateando alguns gaúchos.
ROGÉRIO PEREIRA
- Para terminar, faça alguns comentários interessantes
e simpáticos sobre periodismo eletrônico em geral e Agulha em
especial. Aliás, a propósito, conexão ibero-americana nunca o
interessou especialmente? E conexão lusófona?
CLAUDIO WILLER
ROGÉRIO PEREIRA - O jornalismo eletrônico é importante para facilitar
as discussões. Ainda não sei de sua capacidade para discussões de
grande fôlego. Mas não há dúvida da importância que tem. Agulha é
uma prova disso. Sempre com temas interessantes e textos com
qualidade, longe da superficialidade tão característica à Internet. Nunca
me interessou a conexão ibero-americana e lusófona, pois acho que o
Rascunho tem muito chão a percorrer no Brasil. Ainda vamos quebrar
muitas vidraças e matar muitos sabiás.
São Paulo, Curitiba. Outubro de 2002.
Rogério Pereira é jornalista. Rascunho é publicação mensal da Editora Letras & Livros.
Rua Filastro Nunes Pires 175 Curitiba PR 82010-300 Brasil. É encartado no Jornal do
Estado do Paraná, mas tem distribuição complementar e pode ser solicitado envio
gratuito diretamente ao editor. Contato: [email protected]
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revistas em destaque
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blanco móvil (méxico)
diálogo entre editores: eduardo
mosches & floriano martins
Eduardo Mosches nace en 1944, mexicano de
origen argentino. Estudió Ciencias Políticas en
Berlín y Cinematografìa en la Ciudad de México,
en la UNAM. Trabajó varios años de obrero
agrícola en un kibutz en Israel, más tarde, como
impresor y en producciones cinematográficas. Fue
maestro universitario en Ciencias de la
Comunicación y laboró como promotor cultural en
la Casa del Lago de la UNAM. Ha realizado
traducciones del alemàn y del portugués. Fue
director del Foro Cultural Gandhi, y editor en
Folios Ediciones, Nueva Imagen y Plaza y Valdés.
Es director y fundador de la revista literaria
Blanco Móvil, desde 1985 y director editorial de la revista,
especializada en derechos humanos, La memoria y el parteaguas.
Actualmente es Coordinador del área de publicaciones de la Universidad
de la Ciudad de México. Ha publicado diversos libros de poesìa, entre
los que se encuentran Los lentes y Marx, Los tiempos mezquinos,
Cuando las pieles riman, Viaje a través de los etcéteras y Como el mar
que nos habita. Desde hace años imparte talleres literarios en diversos
estados del país. Ha publicado en periódicos y revistas en México,
Estados Unidos, Israel, Brasil, Chile, Argentina, entre otros. Ha recibido
el premio de poesía Anita Pompa de Trujillo, Sonora, 1995. Fue
premiado como editor literario por el Instituto de Bellas Artes (1993) y
por el Fondo para la Cultura y las Artes (1993 y 1994).
FM - Eduardo, és argentino de nascimento. Desde quando e por quais
razões foste morar no México?
EM - Vivo en México desde 1976. Mi llegada a la Ciudad de México fue
fruto de la casualidad, una mezcla de amistad y microcontrabando. Mi
pasaje fue pagado por la madre de una amiga mexicana con la
condición de que trajese dos maletas llenas de ropa nueva para ser
vendida en México. La calidad de la ropa era muy buena y los precios
relativos para el México de esos años muy económico. Por esas razones
llegué, la política de la supervivencia a la latinoamericana. El porque me
quedé fue diferente. Estando todavía en México, se da el golpe de
Estado en la Argentina por parte de la Junta Militar, ese hecho me hace
reflexionar sobre mi regreso, puesto que en esos años militaba en la
izquierda trotskista y había sido detenido dos veces. Sentí que no debía
regresar en esos momentos. Así inició mi larga estancia y asentamiento
en México.
FM - E em que circunstâncias nasceu o projeto editorial de Blanco
Móvil?
EM - El proyecto de la revista nace en el ámbito de una librería, la
Gandhi en la Ciudad de México, como una especie de boletín literario
bibliográfico de la librería. El tamaño era como el de un libro de
bolsillos. La idea era la de dedicar cada número de la misma a un
escritor/ra. Aparece el número cero en julio de 1985, dedicado a Julio
Cortazar. Y en los primeros 14 números los creadores que aparecieron,
con todo y una somera presentación, fueron desde Augusto Roa Bastos,
Camilo José Cela, Juan Rulfo, Agustín Yañez, Claude Simón, José
Revueltas, Elena Poniatowska, Felisberto Hernandez, Nadine Gordimer y
Luis Cardoza y Aragón. Ya en estos iniciáticos intentos ya se notaba la
vena de aventurarse en los recovecos literarios, que se aventuraban
mas allá de lo mexicano, pero incluyéndolo.
Debo decir que esta tendencia en esos momentos en México, era
diferenciadora. La mayor parte de las revistas literarias abrevaban en
sus propias fuentes, se editaban a sí mismo o a los amigos y conocidos.
La gran diferenciada sería Vuelta, aunque ya su perfil literario se estaba
desvaneciendo, para convergir más hacia el ensayo político o filosófico.
Por nuestra parte, se daba el intento de abrir ventanas poco conocidas.
Quizá, mi propio periplo personal, el de ya haber vivido en cuatro
países, en diferentes continentes, cierto aromilla objetivo del exilio, me
hacia inclinarme por acercarme a tejidos literarios mas allá de lo
nacional, tanto mexicano como argentino (esto lo digo por mis
origenes) y tampoco, cerrarme al ámbito de lo latinoamericano, por
esto del pensamiento bolivariano y socialista, que era fuerte su
influencia en esos años…
En fin, es posible decir, que desde esos muy humildes inicios la visión
de relación con y hacia la creación literaria internacional siempre estuvo
presente, aunque fuese inconcientemente, no conceptualizado desde su
inicio, pero así se dió.
Creo que así fueron los inicios en la revista Blanco Móvil.
FM - Quer dizer que Blanco Móvil antecede toda essa espécie de boom
de revistas literárias e de cultura surgidas no México e que viria a
tornar este país possivelmente o maior celeiro de publicações dessa
ordem em toda a América Latina?
EM - De cierta forma sí, puesto que llevamos ya algo más de 17 años
galopando en las planicies literarias. Da un gusto sobrevivir y continuar
más o menos rozagante, aún a pesar de las penurias, angustias y
apretones que implica llegar a conseguir el dinero para pagar la edición.
Esa es otra aventura en el proceso de existencia de una revista
independiente.
Por otro lado, creo que es magnífico que en México se de esa presencia
de varios centenares de revistas literarias y culturales a lo largo del
territorio nacional. Es una muestra de la búsqueda de expresar la
pluralidad y hasta el ánimo democrático, en un país que recién se está
iniciando en una concepción y actitud democrática, o sea la aceptación
de la pluralidad de pensamiento.
FM - E fora do México, com quais outras publicações similares vocês
mantinham contato?
EM - Lamentablememte tenemos poco contacto con revistas en el
exterior. Fuera de esta excelente relación y constante realación con
Agulha, es poca y esporádica, por ejemplo, con Atlántica en España y
Periódico de Poesía en Argentina. Espero que se pueda abrir un nuevo
sendero y a través de esta relación con ustedes podamos llegar a
contactar otras revistas. Para crear una especie de internacional de
revistas alternativas y literarias. Formar un bloque activo ante la
estupidez de los gobernantes en la mayor parte de los países. En
nuestro continente, quiero decir la única figura de gobernante
esperanzador es la de Lula en Brasil. Lo demás da lástima, por su
mediocridad en parte y por inclinación al servilismo ante los Estados
Unidos por otra. Bueno, adelante con la literatura y la cultura.
FM - Eu acho no mínimo curioso que Blanco Móvil ressinta-se da falta
de um diálogo mais amplo com publicações similares em outros países,
justamente quando ela cumpre o digno papel de levar ao leitor
mexicano o mais expressivo da literatura desses países. Todos
deveríamos ter para contigo um largo gesto de gratidão. Crês que o
assunto é pura e simples da ordem de uma ausência de
reconhecimento, ou haveria aí em pauta algum outro componente?
EM - Quizá, una actitud personal, cierta timidez, de ampliar mis
contactos hacia el exterior. Aunque quizá, y tu pregunta me ha hecho
meditar, los correspondientes representativos de otros países no han
demostrado una acertada actitud solidaria, de colaboración, de
participación, en fin, quizá de reconocimiento. Valdrán más los
proyectos propios, los celos profesionales, que la difusión de la propia
literatura, de la ampliación hacia el exterior y hacia otros lectores? Es
posible que el ánimo de la propiedad privada, de la pertenencia, esté
más internalizado en muchos editores y en los escritores, que una
actitud socialmente abierta, gregaria. Socializante.
FM - E como é o relacionamento com a imprensa, dentro e fora do
México?
EM - En méxico ya se ha dado un cierto reconocimiento. La persistencia
de tantos años ha servido para esto, que los medios reconozcan este
trabajo. En el exterior ha tenido algo de presencia, muy diminuta, en
España - España, especialmente Cataluña -, en Estados Unidos, gracias
a la presencia de mi padre como periodista en Washington en la prensa
en español, en fin, sólo en parte se reconoce.
FM - Blanco Móvil tem projetos de vir a circular também na Internet?
Qual relevância este veículo de difusão virtual representa hoje para a
cultura mexicana?
EM - Sólo se da el deseo, estamos en proyecto de crear una pagina
Web. No estoy muy empapado, inmerso en los aconteceres de difusión
virtual. Siento que es importante, pero me siento en mi interior todavía
muy guttenberiano.
FM - Quais os planos futuros da Blanco Móvil?
EM - Para el próximo año tenemos en preparación números sobre la
literatura de Belice, ciencia ficción latinoamericana, literatura
contemporánea de Portugal y cerrando con cuentistas canadienses, de
lengua inglesa.
FM - E como são possíveis essas edições? Contas com apoio financeiro
de algumas instituições dos países contemplados?
EM - Es parte de la aventura literario editorial. Sobre Belice, por
ejemplo, una amiga escritora muy cercana, Francesca Gargallo, conoce
ese país desde hace muchos años y nos dijimos: vamos a hacer un
número sobre la cultura y literatura; por ahí aparece un apoyo, pero no
es seguro. Sería magnífico tenerlo. En el caso de los portugueses,
nuevamente se pensó primero en el proyecto y no pensamos ante todo
en el apoyo, por otro lado, con los canadienses, ahí si hay una
posibilidad amplia de obtener apoyo por parte del país, en fin, la
aventura de navegar por, con y hacia la literatura es realmente
apasionante. Es lo importante, sin desechar para la nada la necesidad,
hecho sustancial de esta sociedad, que todo producto es mercancía y
debe pagarse. Y también es una aventura y reto, poder encontrar el
apoyo económico para que cada número de la revista pueda estar en
manos del futuro lector. Además, es parte de la amistad hacia los
amigos escritores, el reencuentro a través de la revista.
Fortaleza, México - novembro de 2002.
Blanco Móvil.
Criada e dirigida por Eduardo Mosches. Apartado Postal 21063 México DF 04000 México. contato:
[email protected].
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revistas em destaque
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jornal de poesia (brasil)
diálogo entre editores: soares
feitosa & floriano martins
FM - O que exatamente te levou a criar o Jornal de Poesia?
SF - Em 1996, a Internet aqui no Brasil era uma realidade muito
distante. A surpresa de praticamente nada haver em língua portuguesa.
Para suprir esse problema, é que resolvi inventar o Jornal de Poesia.
Inicialmente, pensei no nome Armazém de Poesia, porque, a rigor o JP
não é um jornal, no sentido estrito de notícias novas substituindo
notícias velhas. Não, no JP as
primeiras páginas ainda estão lá,
intactas. A escolha do nome "jornal",
pensamento meu na época, daria
mais força de divulgação... Valeu,
sim. É ponto de encontro de muitos
pesquisadores, jovens, estudantes,
velhos e saudosistas. Recebo muitas
cartas. Respondo-as todas.
FM - Como se deu todo o processo de criação?
SF - Foi pei-pei!, que isto de criar, na minha cabeça, não comporta
muita estrumação. Como se fora um fiat daqueles do Senhor Deus dos
Exércitos... Faça-se o JP! Pronto, está feito, taqui o bichim, bem
feitim, bem bonitim. Claro que deu uma trabalheira dos diabos. Equipe
e dinheiro. Era uma época em que eu ainda não havia quebrado, de
modo que contratei quatro operadores, comigo cinco, e metemos o pau.
O sacrifício (e prazer!) de digitar tudo. Eu mesmo digitei o Navio
Negreiro e muito de Pessoa. Depois veio a quebra dos açougues,
comigo dentro, também quebrado. Os operadores reduziram-se a dois;
depois a um, finalmente nenhum. Hoje, até já "desquebrei", mas não
voltei a contratar ninguém, mesmo porque a proposta inicial do JP, com
o tempo deixou de ter maior urgência. Já não há aquela "orfandade", há
sites e sites na Internet afora. Digamos, a necessidade de recuperar
coisas descuidadas, autores perdidos, mortos, não mais editados. Aos
novos, sugiro-lhes que façam eles mesmos suas pages. Coloco link e
me poupo da trabalheira. Nesse meio tempo, surgiu a Usina de Letras,
com um programa interativo, o autor vai escrevendo, e o bichocomputador aprontando tudo... Encaminho o pessoal para lá; tem dado
muito certo. Houve um tempo, de plena liseira, em que cogitei cobrar
uma colaboração mínima. Poucos toparam, é certo, mas foi muito
oportuna: ajudou a pagar os operadores. Por falar em operadores,
qualquer dia destes abro-lhes uma página de agradecimento: Jurandir,
Alisson, Marcone, Massa, Rosemberg e mais dois cujo nome a velhice
me atrapalha agora. Não, hoje não há mais cobrança alguma.
FM - A criação de um site tão amplo implica em uma manutenção algo
complexa. De que maneira ela vem sendo realizada?
SF - Inicialmente, a equipe. Era um tempo de Bahia, de muitas
saudades até, contei com a colaboração do provedor E-net, um
canadense (Christian), um japonês (Raul), uns caras finíssimos. E veja,
naquele tempo, era tudo muito caro. Pois eles hospedaram o JP sem
nada me cobrar. Depois, quando vim embora para Fortaleza, a Secrel,
através do Messias, um cara também gente finíssima, deu-me todo o
apoio. Posso dizer, resumindo a conversa, que da parte dos provedores,
inicialmente a E-net, de Salvador, depois a Secrel, daqui, Fortaleza, o
apoio tem sido absoluto. Hoje, eu-xozim é que faço tudo. Inclusive a
atualização diária da página. Claro que tudo isto me toma um tempo
danado. Aposentei-me, mas tanjo um escritório de advocacia tributária,
de manhã, de tarde e de noite... Se você me perguntar de onde tiro
tempo, responderei que sou um lobisomem, corro as sete partes do
mundo de noite e, de manhã bem cedo, sou o primeiro que chega ao
escritório, o último que sai, com escuro... a tempo só de virar
lobisomem do JP outra vez. Mais nada.
FM - Como deve proceder aquele poeta que queira participar do Jornal
de Poesia?
SF - Hoje encaminho a turma para a Usina de Letras:
http://www.usinadeletras.com.br/. Como eu disse, é tudo muito
fácil e gratuito. Depois, o poeta me passa o endereço e então coloco o
link no JP. Mas há a estimadíssima figura do cupinchato. Claro que
meus amigos não hão-de ficar na chuva. Homenageio-os, pois. Hoje
mesmo coloquei a página do Dimas Macedo sobre o poeta Alcides Pinto,
cupinchíssimos, meus e seus. Se deu trabalho? Mas eu é que fico
devendo o favor a eles...
FM - E no caso de instituições, editoras, fundações, que acaso queiram
estabelecer algum tipo de parceria, ou mesmo enviar-te sugestões de
novos autores a serem incluídos, como tens reagido a esse tipo de
diálogo?
SF - Em aberto! Estou só aguardando. Mas quem disse?! Vamos ver se
aparece algum doido. Gastar dinheiro do próprio bolso para um
empreendimento como o JP não é coisa fácil de encontrar.
FM - Hoje o Jornal de Poesia é site indicado pelo Instituto Camões,
em Portugal. Como se deu tal conexão?
SF - O JP hoje é referência mundial em literatura, sobretudo na
lusofonia. Faço questão de não colocar contadores na página. Os
amigos, penalizados e generosos, sempre dirão que é pouco; os
inimigos, de inveja, que é mentira... De modo que prefiro desconfiar
que é lido, bastante lido. O pior é quando vou fazer uma pesquisa sobre
um assunto qualquer; volta e meia, caio no JP. Uma chatice, uma
desmoralização, claro que é, achar aqui em meus pés o que busco tão
longe... Espio no espelho, tomo um gole d’água... Se fumasse acenderia
um; se bebesse emborcaria goela abaixo uma lapada de aguardente.
FM - Quais outras relações tem conseguido estabelecer o Jornal de
Poesia, nacional e internacionalmente?
SF - Ah, como tem sido gratificante! Esta semana apareceu no
escritório um amigo do JP, brasileiro de Pacoti, Ceará, morando em
Bufalo, Colorado, há uns 50 anos. Foi festão! Ainda nos começos, Bahia,
apareceu por lá um luso-canadense, Vasco, desviando roteiro só para
conhecer o editor do JP. A festa? Sou inteiramente a favor.
FM - Sendo reconhecido como o site mais abrangente sobre o tema, o
Jornal de Poesia chama a atenção por ser atividade privada e fruto
basicamente do trabalho de uma única pessoa. Institucionalmente o
país não conta com algo similar, independente da extensão ou
complexidade do projeto. Alguma vez foste procurado, seja pelo MinC
ou mesmo por uma secretaria de cultura local, municipal ou estadual?
SF - Tenho pensando seriamente nisto. Mas, o tempo que vou gastar
para correr atrás de um político, melhor corrê-lo atrás de um cliente do
escritório... Assim tem sido. Não, por enquanto não vou atrás deles
não.
FM - Qual papel poderia acaso desempenhar a Internet no
estabelecimento de laços culturais entre o Brasil e a América Hispânica?
SF - Bom, a grande notícia do JP foi a chegada de Floriano Martins
como responsável pelo intercâmbio hispânico. De um projeto
inicialmente só luso, podemos dizer que o JP é ibérico, a ampla
navegação de Espanha e Portugal. Realmente tem sido um verdadeiro
absurdo darmos as costas aos hispânicos, que têm uma literatura tão
rica. A escolha não poderia ter sido melhor, justamente aquele que,
também sozinho, fazia, via correio, esse intercâmbio. Não há limites!
Por outra, a hospedagem da Agulha dentro do JP é apenas o
coroamento daquele ditado nordestino: Quanto mais cabras, mais
cabritos. E bons cabritos, diga-se de passagem.
FM - Como se mantém hoje o Jornal de Poesia em termos de suporte
e difusão?
SF - Apenas no boca-a-boca. O JP está nos buscadores de toda a orbe,
desde o Cadê, Brasil, ao mundial www.google.com. Claro que quanto
mais divulgado, melhor. É hora de passar um mail-geral sobre as
novidades, pelo menos as do mês. Vamos pensar nisto.
Fortaleza, dezembro de 2002
Jornal de Poesia. Criado e dirigido por Soares Feitosa. Endereço:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/.
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revistas em destaque
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digestivo cultural (brasil)
diálogo entre editores: julio
daio borges & claudio willer
Em Agulha já foi comentado, várias vezes, o risco representado pela
concentração e pelo crescimento dos monopólios de comunicação,
especialmente para o Brasil, país cuja legislação é frouxa, tornando-o
uma preferência eletiva de aventuras irresponsáveis e
empreendimentos temerários (bastando observar o que se passa, neste
país, com a televisão paga, a cabo, com as redes de TV, e com a
telefonia, inclusive em sua intervenção na transmissão pela Internet).
Nesse contexto, é um motivo de satisfação apresentar Julio Daio Borges
do Digestivo Cultural, www.digestivocultural.com e
www.digestivocultural.com/blog/. É o típico free-lancer de si
mesmo, capaz de levar a bom termo um projeto pessoal, em um
empreendimento que conta com toda a simpatia de Agulha.
CW - Depois da saída de cena de no. - entre outros projetos - o foco de
uma entrevista sobre o Digestivo Cultural forçosamente acaba incidindo
na questão da viabilidade. E, em uma publicação híbrida como o
Digestivo, com algo de newsletter, de periódico eletrônico, e de ecommerce, também sobre sua identidade. Antes de qualquer outra
coisa, um pouco de biografia: de onde emergiu Julio Daio Borges, o que
fazia antes, em resumo, quem é você? Em especial, antes do Digestivo,
seu campo de atuação era mais o jornalismo impresso, marketing,
informática?
JDB - Sou engenheiro por formação. Estou ligado
aos computadores desde os onze anos de idade. E
às letras, desde os dezessete. Mantive sempre
essa dualidade. De 1996 até 2001, trabalhei em
bancos, consultorias e empresas de
telecomunicação. O lado engenheiro prevaleceu
nessa época. Mas eu nunca parei de escrever.
Montei um site pessoal (jdborges.com.br, em
1999) e o Digestivo Cultural
(Digestivocultural.com, em 2000). No entanto, foi
só em meados de 2001 que o jornalista emergiu,
e subjugou o engenheiro. (Quer dizer, em termos:
para estruturar o Digestivo, eu precisei muito da
minha "expertise" de engenheiro.)
CW - Examinando tudo o que você apresenta, fica-se com a impressão
de que é simples manter à tona um periódico eletrônico. Basta
trabalhar 26 horas por dia. É isso mesmo?
JDB - Considero uma profissão de fé. Um verdadeiro ato de heroísmo.
Trabalhar com cultura no Brasil. Ainda é aquele negócio da cereja no
bolo. Quando você fala sério, é considerado chato, difícil, prolixo.
Quando você faz piada, acaba atraindo um leitor ou outro, mas corre o
risco de se repetir e cair no entretenimento puro e simples. Na Internet,
mais ainda. Já reparou que nós somos os "filhos do jornalismo
impresso" falando para os "filhos da televisão"? O diálogo parece
impossível (e é), mas, ainda assim, existe (embora pouca gente queria
investir nisso).
CW - Dê algumas coordenadas cronológicas: quando foi que você
começou a pensar em fazer um informativo, jornal ou boletim,
eletrônico? Como surgiu a idéia? Digestivo? De onde saiu esse título?
Anglicismo, é? De digest, um sumário ou condensação de informações?
JDB - O Digestivo propriamente dito surgiu em setembro de 2000. Eu
estava tentando resolver esse enigma: por um lado, o desejo de
escrever e seguir carreira em jornalismo; por outro, a Internet se
abrindo como um mar de possibilidades. Então pensei num formato
relativamente breve, falando de cultura, num sentido utilitarista e, ao
mesmo tempo, crítico. O nome vem daí. É contraditório, na verdade.
Mas é também simpático e as pessoas, em geral, apreciam. Eu queria
que o Digestivo - como boletim - fosse auto-sustentável e, portanto, me
direcionei a um público mais amplo. Não queria apenas os iniciados,
nem só os especialistas.
CW - Quais as razões da escolha do segmento cultura, e não economia
e/ou política, ou negócios em geral, por exemplo? Em tese, dariam mais
Ibope. Aliás, é cultura, ou cultura e variedades?
JDB - Por que "cultura"? É o mesmo que me perguntar por que "azul" e
não "vermelho". Simplesmente porque me pareceu o caminho mais
natural. Nunca me vi editando um semanário sobre economia ou
política. Fora que o efêmero não me atrai. A informação, a notícia.
Prefiro a análise, a reflexão. Admiro os repórteres, claro, mas sempre
preferi o lado mais autoral do jornalismo. O subjetivo invés do objetivo.
Sem dizer que economia e política não são assuntos que eu domino (ou
que tenho pretensão de dominar). Sobre cultura dar pouco Ibope, não
concordo. Basta pensar em três dos colunistas mais populares no
Brasil: Diogo Mainardi, que "mexe com cultura"; José Simão, que
escreve na Ilustrada; e Luis Fernando Verissimo, que escreve no
Caderno 2.
CW - Quanto tempo levou, entre definir as principais características do
Digestivo, e pô-lo no ar? Houve modelos, veículos nos quais se
inspirou?
JDB - O Digestivo Cultural, como ele é hoje - falo do site como um todo , resultou de um trabalho de mais de dois anos. Como eu disse, a
minha referência e a dos Colunistas era fundamentalmente a imprensa
escrita. A partir disso, a idéia foi dinamizar alguns processos
aproveitando as facilidades da internet. Em termos de publicação, por
exemplo: cada um hoje publica, controla e modifica o seu texto
automaticamente. Em termos de interatividade, outro exemplo: por
meio de fóruns, e-mails, número de acessos, lista dos mais lidos, etc.
Foi um grande aprendizado - e continua sendo. Algumas idéias
mirabolantes se revelaram inúteis; outras, nem tanto, produziram
resultados surpreendentes.
CW - Quando o Digestivo Cultural foi lançado, há pouco mais de dois
anos, as expectativas sobre o crescimento de veículos eletrônicos eram
outras. Hoje, reverteram-se. Havia uma previsão, talvez apocalíptica,
de substituição total ou parcial do jornalismo impresso pelo eletrônico,
que não se cumpriu. Você não acha que está pisando em um campo
minado? Você chegou a fazer uma análise crítica de outros projetos, a
diagnosticar onde falharam?
JDB - Quando o Digestivo apareceu, a Internet já claudicava (estamos
falando do final de 2000). Quando chamei os Colunistas, e decidi
implementar a revista eletrônica (início de 2001), ninguém pensava em
faturar milhões. Queríamos fazer barulho, mostrar um trabalho digno
de nota, provar que havia novos talentos não contemplados pela
imprensa, agitar o meio, derrubar alguns paradigmas, etc. Nesse
sentido, diria que conseguimos. Óbvio que, em outros tempos, o
conteúdo do Digestivo seria remunerado por um portal - e, quem sabe,
poderíamos viver disso (o que não acontece hoje). Sobre a análise
crítica de outros sites, ela é feita constantemente e nos ensina muito.
CW - Quando, nos informativos sobre o Digestivo Cultural, você declara
viabilidade econômica, o que isso significa? Cobertura de custos de
manutenção, ou que dá para viver bem disso? Quanto por cento da sua
receita é diretamente ligada ao Digestivo (anunciantes, patrocinadores,
assinantes), e às vendas ou à prestação de serviços, do tipo construção
de sites? (isso, mesmo considerando a óbvia sinergia entre ambos, que
um puxa o outro, que a circulação do Digestivo o fortalece em
prestação de serviços e vice-versa).
JDB - Quando falo em viabilidade econômica, falo em custos muito
baixos se compararmos o Digestivo a uma publicação equivalente em
papel. Como a estrutura já está montada, não há quase manutenção.
Fora que o site e as facilidades que a internet proporciona eliminam
uma porção de intermediários. Há basicamente a redação, para se
remunerar - o que é, convenhamos, a parte menos onerosa de uma
revista ou de um jornal. Quanto às receitas, o grosso vem do ecommerce (no entanto, muito longe daquilo que você está imaginando).
Já a publicidade em internet foi praticamente banida - ficando restrita
aos grandes portais (às vezes, nem isso). E a parte de serviços vai
crescendo aos poucos, embora tenha sofrido um baque com a
desaceleração geral da mídia.
CW - O Digestivo Cultural apresenta textos e informação, mas também
bastante e-commerce. Em parte, não seria um Submarino terceirizado?
(ou seja, assumindo funções de que Submarino desistiu, diretamente,
como sua própria revista)
JDB - A pergunta é interessante. Sérgio Buarque de Holanda tentou
introduzir Weber no Brasil, mas tudo indica que não foi feliz. Aqui,
ganhar dinheiro ainda é pecado. Entre a intelectualidade, então, pecado
mortal. Assim, se um "site de cultura" se propõe a faturar alguns
trocados com os produtos que gratuitamente divulga, logo é tachado de
"vendido" ou de "mercenário". O que existe entre o Digestivo Cultural e
o Submarino é uma relação de parceria comum, e nada mais. Acontece
que nos pareceu lógico oferecer a facilidade de se adquirir livros, CDs e
DVDs via internet, através do nosso site, e receber uma comissão por
isso. Os intelectuais brasileiros precisam perder esse preconceito. Quem
sabe abandonando o voto de pobreza e pensando em soluções
comercialmente mais viáveis. Teríamos, inclusive, publicações
financeiramente mais saudáveis.
CW - O que lhe deu maior prazer publicar, lhe provocou maior
satisfação? Do Digestivo atual, o que lhe agrada mais? Fale um pouco
mais sobre a contribuição propriamente cultural do Digestivo, o que ele
acrescenta, além de possibilitar acesso a mais informações via net e,
portanto, dar sua contribuição para a democratização da informação.
JDB - Não vou falar de um texto ou outro, porque cometeria certamente
alguma injustiça com algum colaborador. O que me orgulha mais é
termos construído, a partir do zero, um periódico que hoje é referência
em termos de jornalismo cultural, tanto dentro quanto fora da Internet.
Veja bem: eu sou praticamente um "outsider", não venho de nenhum
jornal, nunca tive ligações na grande imprensa, entrei como novato
nesse negócio. A maioria dos Colunistas também (começaram como
eu). De repente, recebemos elogios do Millôr Fernandes, felicitações do
Mino Carta. Depois uma citação honrosa do Sérgio Augusto, uma
indicação do Ruy Castro. Uma menção do Daniel Piza, uma
consideração do Sérgio Dávila, um voto de confiança do Luís Antônio
Giron. Por fim, as mensagens do Diogo Mainardi, da Ana Maria Bahiana,
o apoio da Sonia Nolasco. Tudo isso não é mera coincidência e eu não
acredito que aconteça por acaso. Em termos de reconhecimento,
ninguém acreditou que chegaríamos tão longe. Nem nós mesmos.
Pessoalmente, acredito que nem ninguém mais chegue. É o tipo de
coisa que não acontece duas vezes.
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revistas em destaque
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el artefacto literario
(suécia)
diálogo entre editores: mónica
saldías & floriano martins
FM - Como situar a atividade cultural de uma uruguaia que vai residir
na Suécia e ali acaba projeto editorial de difusão da literatura iberoamericana?
MS - Mi propia condición de poeta es sin duda y en
primer lugar lo que me lleva a la concreción de un
proyecto editorial como El Artefacto Literario, pero
también sin temor a equivocarme puede decir que
es mi propia situación de distancia geográfica y
psicológica del sitio de mis origenes lo que da, o
busca dar, desde el primer momento un contenido
especial a El Artefacto Literario: la búsqueda de
perspectivas de tiempo y espacio, la
contextualización de calidades literarias
independientemente de la pertenencia a tal o cual
grupo, la apuesta por una trascendencia literaria que no depende de
quién escribe sino de lo que se escribe.
Lo que escribimos es apenas una gota en un inmenso mar, y estoy
convencida de que si pudieramos de verdad comprender esto de
corazón, de una forma totalizadora… si pudieramos comprender cuál es
nuestro lugar en una perspectiva realmente abarcadora de tiempo y
espacio podríamos también ser mejores creadores, sin estar demasiado
ocupados y preocupados por la difusión y promoción de nombres, y más
atentos a la difusión de calidad. Si no hay calidad entonces no hay nada
para difundir. Y si como creadores tenemos la inmensa dicha de
alcanzar una trascendencia literaria de tal envergadura que dentro de
dos mil años las gentes integren nuestros versos en su vida cotidiana
poco importa cuál ha sido nuestro nombre. Son estos al menos algunos
de los ingredientes que impulsan y renuevan El Artefacto Literario,
como proyecto editorial.
FM - E em quais circunstâncias consegues concretizar as bases desse
projeto editorial? Indago como ele se estrutura e quais as tuas
condições de trabalho.
MS - De ninguna forma es posible hablar de una única circunstancia o
de varias circunstancias que se dan en un solo y único momento. Las
circunstancias y las bases que dan nacimiento y van estructurando un
proyecto editorial se van dando de a poco, paso a paso e incluso de
manera intuitiva. En un primer momento y durante algunos meses El
Artefacto Literario fue un espacio que incluía distintos géneros: no solo
poesía sino también prosa y dramaturgia. Poco a poco el proyecto
editorial se fue abriendo, concretando y limitando a la poesía. Así se
han ido construyendo las bases; poco a poco, pero siempre desde la
idea principal: la difusión de literatura de calidad. Y como la gran
mayoría de los proyectos culturales El Artefacto Literario ha sido desde
el comienzo y sigue siendo un proyecto altruista, que permanece y
crece a partir del esfuerzo editorial. Esas son las "condiciones de
trabajo": inversión personal en lo económico y en tiempo de trabajo.
FM - Em que exatamente baseou-se a definição pela poesia, e não pela
prosa ou a dramaturgia?
MS - Creo que es importante apostar por un decantamiento paulatino
de uno de los géneros, aunque por supuesto que en muchos casos es
imposible establecer las fronteras entre uno y otro. No digo que sea
imposible llevar adelante un proyecto de calidad que ampare diferentes
géneros, pero sí creo que es una tarea imposible cuando una
publicación no cuenta con medios ni humanos ni económicos como para
enfocar en varios ámbitos y no correr el riesgo de entrar en un proceso
de pérdida de calidad literaria. Mi tiempo es tremendamente reducido y
en ese sentido creo que lo mejor que puedo hacer como editora es
buscar focalizar, y elegir un campo, en este caso la poesía. Si la revista
tuviera medios económicos entonces también podría contar con
recursos humanos que permitieran una propuesta más amplia. Sin
embargo, este es apenas uno de los aspectos en cuanto a por qué
poesía y no prosa o dramaturgia. Si El Artefacto Literario recibiera en
algún momento apoyo económico de algún tipo tampoco que implicara
la posibilidad de disponer de recursos humanos creo que continuaría
optando por la poesía. Dar un perfil y limitar los campos siempre es
necesario e incluso deseable.
FM - El Artefacto Literario possui algum apoio institucional? Como é
mantido o projeto editorial?
MS - Como mencioné ya en algunas de las preguntas anteriores El
Artefacto Literario no cuenta con ningún apoyo económico. En Suecia
muchas actividades o proyectos culturales reciben -aunque no siempreapoyo de organismos culturales estatales, pero no es así cuando se
trata de medios digitales.
Por otra parte está claro que por definición y por la propia característica
de un medio y otro -digital y de papel-, una propuesta digital implica
costos menores que una publicación de papel. Esta última debe contar
con gastos de impresión, de papel, de encuadernación y ni hablar luego
del costo de distribución y marketing. Los medios digitales ofrecen en
ese sentido una posibilidad muy diferente: los costos se reducen en
comparación enormemente y las posibilidades de difusión se
multiplican. Claro que siempre de todas formas es necesario asumir
costos fijos y en la medida en que la revista va creciendo se necesitan
medios económicos sobre todo para el desarrollo del proyecto editorial.
FM - Há intercâmbios com outras publicações similares? De que
maneira vem sendo feita a difusão de El Artefacto Literario?
MS - La difusión de un medio digital se realiza, en primer lugar, por vía
digital. En este sentido y luego de un año y medio de vida he podido
comprobar como editora que la revista ha hecho caminos impensables y
ha llegado a gran cantidad de lectores. Semanalmente recibo
enormidad de cartas postales y e-mails desde todo el continente
latinoamericano; de países europeos como España, Portugal, Italia,
Suiza, Alemania, Inglaterra, Noruega, Dinamarca y por supuesto
Suecia; de Angola, Mozambique, Sudáfrica. No hay semana que no me
llegue por correo postal algún libro de poesía, y de la misma forma
material por vía digital. Por otra parte, y de manera natural, la
conformación de un consejo editorial ha llevado también a una difusión
importante de la revista. El apoyo que de manera permanente ofrecen a
la revista poetas como José Kozer, Reynaldo Jiménez y Saúl Ibargoyen
Islas es de gran valor para El Artefacto Literario. El aporte que el joven
peruano José Ignacio Padilla también de manera permanente ha dado y
da a la revista ha sido por ejemplo fundamental para la difusión de El
Artefacto Literario en el Perú, entre poetas de calidad de este país y no
menos entre el público lector. De alguna manera todos los miembros
del consejo editorial, cada uno de manera diferente han significado un
apoyo valioso para la continuación y maduración de la revista. Cuando
se trata de publicaciones similares creo que aún estamos en los
comienzos. Creo que un intercambio natural que se ha dado es el apoyo
mutuo entre la revista cultural Agulha, de la cual tú mismo eres editor,
y El Artefacto Literario. Otros intercambios y/o cooperaciones se están
gestando en muchas direcciones, geográficamente en lo interno y hacia
afuera.
FM - Muitos leitores da Agulha indagam quando teremos uma edição
em papel. Confesso que já não tenho essa possibilidade como uma
meta, interessando bem mais a ampliação de circulação no meio digital.
Acaso El Artefacto Literario tem planos para futuras edições impressas?
MS – Creo que en el reclamo de tantos lectores siempre hay un fondo
de sabiduría muy sana, porque es indudable que el medio digital ni ha
sustituido ni sustituirá la magia del papel, así como los mensajes
electrónicos no sustituirán la carta postal ni la tarjeta rústica. Si bien es
imposible saber y predecir qué sucederá en dos mil años, lo cierto es
que a esta altura probablemente el ser humano cuenta, en su relación
con el papel, con una afinidad casi genética. En cuanto a El Artefacto
Literario por el momento no tengo planes de ediciones impresas, pero
tampoco cierro las puertas a esa posibilidad. Creo que especialmente se
trata de problemas de recursos económicos y humanos para que esta
tarea pueda ser posible. De todas formas pienso que ante la posibilidad
de elegir alguna via impresa probablemente lo que más ayudaría a la
poesía de calidad sería la opción por el libro impreso. Esta es una
posibilidad que la revista viene madurando en realidad ya desde los
comienzos, pero para esto es fundamental contar con una
infraestructura mínima y una financiación económica que haga posible
la cobertura de los gastos, cosa que al menos por el momento no
resulta posible.
FM - Como tens sentido a reação dos leitores? Quais os indicativos que
mais se destacam nas inúmeras cartas que certamente deves receber?
MS - Me resulta difícil sintetizar en pocas palabras la reacción de los
lectores, porque en el mar de cartas encuentro cosas muy diferentes.
Desde autores realmente de calidad pero desconocidos o muy poco
conocidos que valoran enormemente la tarea editorial que El Artefacto
Literario ha emprendido hasta autores ya establecidos que luego de
haber visto mucho y tal vez demasiado en esto del quehacer literario,
perciben este proyecto editorial como algo fuera de lo común dado el
abanico de propuestas estéticas diferentes. No pocos lectores se
sorprenden buenamente, por ejemplo, por la sobriedad del diseño
gráfico de la revista, pero en especial se sorprenden de que yo en mi
calidad de poeta no incluya en mi revista una sección mía, con mis
propios poemas; es decir, aplauden y saludan el hecho de que no use
mi proyecto editorial para promover mi propia poesía. Yo siempre
respondo que en realidad no ha sido lo que me ha movido en lo
personal a concretar un proyecto editorial. Y en este sentido vuelvo al
tema que te mencionaba al principio: la perspectiva individual y
colectiva, en tiempo y espacio. Creo que mi mayor preocupación como
poeta y como editora (entre otras cosas) es la de intentar comprender
cuál es nuestro rol como seres humanos y en nuestro quehacer, sea
cual sea, en una perspectiva histórica; aquí, allí, en este tiempo en el
que nos ha tocado vivir. Y estoy convencida de que esa perspectiva, o
al menos el atisbo de esa perspectiva, no es posible de alcanzar desde
los éxitos circunstanciales, o reconocimientos que con la mejor de las
intenciones vienen de voces amigas. Los éxitos o reconocimientos
circunstanciales son por supuesto estímulos humanamente necesarios,
pero en el fondo no son más que espejismos de algo que puede no ser
muy real en una perspectiva de tiempo y espacio. Probablemente allí
nos asiste en especial la pregunta que creo todos deberíamos hacernos
y responder con total sinceridad (al menos ante nosotros mismos): qué
es lo que buscamos con nuestra escritura? Qué buscamos con la
difusión de nuestros versos?
FM - Para encerrar, qual a periodicidade de atualização de El Artefacto
Literario, em que se baseia a definição de pauta da revista e quais
novas perspectivas imaginas para ela neste 2003?
MS - Actualmente y desde ya hace un par de meses El Artefacto
Literario se ha planteado una periodicidad de tres o cuatro números al
año, con ciertas variaciones dependiendo de las posibilidades. En este
sentido creo que hay que ser lo más flexible posible, pero sin despistar
al lector. Un medio como el digital a veces nos propone casi el vértigo
de la frecuencia a extremos algo alarmantes. Es cierto que es necesaria
una dinámica diferente a la que exige una publicación impresa pero
pienso que de ninguna manera la frecuencia ha de estar por delante de
la calidad y del rigor en el trabajo editorial. La periodicidad de tres o
cuatro números al año permite una planificación y una selección más
rigurosas, y una maduración de la idea detrás de cada número que
ayuda enormemente a no perder de vista el objetivo principal. Es en
este contexto y en este ánimo donde se definen las pautas de la revista.
Este seguirá siendo en lo fundamental el camino a recorrer durante el
próximo 2003, y seguramente habrá también buenas sorpresas.
Entrevista realizada em dezembro de 2002.
La revista digital de poesía El Artefacto Literario nace en Suecia en
agosto del 2001, bajo la dirección editorial de Mónica Saldías.
Consejo Editorial: José Kozer, Víctor Sosa, Reynaldo Jiménez, Saúl
Ibargoyen Islas, Floriano Martins, Eduardo Espina, José Ignacio Padilla,
Claudio Daniel.
Dirección electrónica: http://go.to/artefacto
E-mail: [email protected]
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revistas em destaque
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jornal da abca (brasil)
diálogo entre editores: alberto
beuttenmüller & floriano
martins
FM - O Jornal da ABCA inicia atividades em setembro de 2001, após
uma gestão anterior em que a entidade contava com outra publicação,
o Jornal da Crítica. Quais os traços essenciais que distinguem um
periódico do outro?
AB - O primeiro traço foi de divergência editorial.
O Jornal da Crítica não identificava a Associação
Brasileira de Críticos de Arte nem demonstrava
identidade com qualquer tipo de crítica. De quê
crítica se tratava? De música, de teatro, de artes
visuais? Além disso, todo jornalista sabe que há
um formato de jornal que já é clássico. Este foi
outro fator negativo do JC. Pelo formato, o JC era
mais uma news letter ou um boletim do que um
jornal, o JC assumiu o formato desses tipos de
periódicos, com fotos pequenas, pequenas
manchetes e mini-colunas.
FM - Com periodicidade aparentemente semestral, é possível observar,
nos três números até aqui publicados, uma melhor definição editorial,
sobretudo no que diz respeito à presença de matérias e informações,
que extrapolam a órbita enfadonha e viciada dos dois centros
hegemônicos, Rio e São Paulo. Como tem sido possível articular uma
pauta mais abrangente a partir dos diversos segmentos da ABCA em
todo o país?
AB - A periodicidade é fato importante em um jornal de grande
circulação, mas na ABCA temos um jornal de críticos específicos,
voltados para as artes visuais de seus Estados de origem. Temos
críticos espalhados por todo o Brasil, não seria justo privilegiar apenas o
eixo do Sul Maravilha. Temos hoje atividades no Nordeste, como a
Bienal do Ceará, do Museu de Arte Moderna da Bahia, do Instituto
Joaquim Nabuco do Recife, tanto quanto a Bienal do Mercosul, de Porto
Alegre e a Bienal de São Paulo. Como editor, procuro cobrir todas as
regiões. Um jornal deve ser democrático e o Brasil é um país
continental; há enorme dificuldade de saber o que se passa longe do
eixo Rio - São Paulo, que sempre recebeu cobertura total da grande
imprensa. Somos um jornal alternativo em todos os sentidos, um
periódico mais de ensaios que de notícias e de reportagem, mas gosto
de sempre editar entrevistas com personalidades do setor de arte
visual. O Jornal da Crítica privilegiava notas internacionais, o Jornal da
ABCA quer ver o país unido e respeitado como um todo, só depois
olhamos para os fatos internacionais de importância. O editor desenha
o jornal durante meses, a colher aqui e ali os fatos mais relevantes e
variados. Como não é um jornal feito somente por jornalistas, ele tem
mesmo um aspecto incomum, talvez insólito, mas já tem uma
diagramação própria, tem um rosto.
FM - Por outro lado, dada a conexão existente entre ABCA e AICA, de
que maneira a publicação de um jornal que represente a entidade
brasileira tem encontrado chances de um diálogo mais intenso com
seus pares em outros países?
AB - A AICA está dividida. Antes, o presidente ficava em Paris, sede da
entidade; agora a presidência permanece em seu país de origem, ou
pelo menos era assim até bem pouco tempo. Nós temos
correspondentes na França, Itália, Alemanha, atentos aos fatos mais
importantes da Europa. Prefiro um texto vindo de lá a copiar notas de
jornais estrangeiros. Nós da América Latina somos vistos com restrições
pela inteligência européia da mesma forma que pelos Estados Unidos.
Entretanto, elogiaram o jornal. Nós temos de provar que somos
superiores a essas questiúnculas. Por outro lado, eu não elogiaria a
news letter da AICA, falta-lhe um caráter próprio, para dizer o mínimo.
FM - Não me parece que tenhamos que provar nada exceto a nós
mesmos, sendo este um dos dilemas centrais da cultura brasileira: a
baixa auto-estima. Mas como se relaciona então a direção do jornal
com os críticos latino-americanos de uma maneira geral? Há outras
publicações desta natureza na América Latina ou, a exemplo, da AICA,
tudo se resume a mera circulação de news letter?
AB - A América Latina é formada de países que sofrem a História e não
de países que fazem a História. A globalização serviu, pelo menos, para
que isso ficasse claro. Eu criei a Bienal Latino-Americana em 1978, para
unir a AL muito antes do atual Mercosul, mas os doutores da USP Aracy
Amaral e Walter Zanini convidaram os críticos e historiadores da AL
para um conclave cuja decisão já estava tomada, ou seja, acabar com a
Bienal Latino-Americana. Não perceberam que os demais países não
queriam reforçar a liderança do Brasil. A primeira edição tinha caráter
antropológico, daí o tema Mitos e Magia, um dos cernes da Arte na AL.
Era para melhor nos conhecermos e partir para projetos exclusivos e
sair dos vícios da Bienal Internacional, na qual havia uma espécie de
acordo, no qual só os grandes venciam. Para ter-se uma idéia, de 1951
até 1977, ou seja, em 25 anos de existência da Bienal de São Paulo, só
a Argentina ganhou o Grande Prêmio, em 1977, quando eu era curador;
ano em que o Conselho de Arte e Cultura resolveu terminar com os
prêmios, já que não se tratava de atletismo, mas, sim, de cultura. Não
há como discutir um prêmio entre pintura e escultura, são coisas
distintas. Como saber o que é melhor entre vídeo e instalação? Os
críticos da América Latina sobrevivem a duras penas, não recebem os
altos salários dos países que fazem a História. Por isso, o interesse
pessoal é maior do que o interesse cultural. Há muito pouco
intercâmbio entre as Nações da AL. Os críticos da América Espanhola,
quando escrevem livros, deixam o Brasil de fora, porque desconhecem
a arte que se faz aqui. Com tantas bienais no Brasil isso talvez mude.
Nós estamos dando exemplo: a AICA devia ter um jornal e uma revista
on-line, mas não fazem nem um nem outro. A divisão da AICA na AL,
criada há cerca de cinco anos, sumiu como por encanto, sob a
presidência de Horacio Saffons, da Argentina. O nosso representante
nessa Divisão Latino-Americana nem fez um relatório sobre as
atividades dessa entidade fantasmática. Há muito que fazer e poucos
que querem realizar algo nos nossos Tristes Trópicos, como dizia Levy
Strauss.
FM - Como se dá a circulação/distribuição do Jornal da ABCA, nacional e
internacionalmente?
AB - Infelizmente, de forma aleatória. Não há ainda uma distribuição
correta e muita gente, por isso, nem sabe da existência do jornal. A
ABCA tem problemas de verbas e de verbo. Não há dinheiro e somos
poucos colaboradores no jornal.
FM - No editorial do número 3 do Jornal da ABCA mencionas certa
dificuldade no envio de matérias para o fechamento de pauta no sentido
de uma maior abrangência dos críticos vinculados à entidade em todo o
território nacional. A que atribuis essa participação ainda reduzida dos
críticos em todo o país?
AB - Falta de interesse. Quando há interesse na matéria, o texto chega
rápido. Se não há interesse pessoal, jamais virá. Há certo pessimismo
de minha parte, mas é uma avaliação correta. Há associados que
enviam pesquisa em andamento, para mostrar que estão a pesquisar,
assim, recebem créditos junto aos seus amigos. Outros reaproveitam
matérias que já saíram em jornal, não têm amor pela associação.
Nesses casos eu não edito. Vou criar normas de redação e enviar para
todos. A primeira regra é a de que a matéria deve ter interesse
nacional, caso contrário não sai. Aumentou o número de colaboradores.
Os associados estão interessados no Jornal da ABCA porque ele vem
sendo elogiado. Eu agradeço, pois faço tudo sozinho, sem a ajuda de
nenhum associado, apesar de que há uma comissão editorial. Assim é a
América Latina, assim é o Brasil.
FM - Como entendes a importância da Internet na reflexão e difusão de
bens culturais e artísticos? Acaso a ABCA já não começa a ressentir-se
de uma ausência de circulação através da Internet? Há planos para a
criação de um site da entidade? Quais fatores determinam a
inexistência de atuação nesse veículo?
AB - Quando assumi a editoria do jornal, chamei a atenção para este
fato: o jornal escrito depende de uma boa circulação e esta de verba.
Propus, de início, uma revista on-line, pois a circulação já não seria
problema, mas a diretoria, da qual não faço parte, entendeu que não
poderíamos ficar sem o jornal impresso, pois já era uma conquista da
ABCA. Eu insisti que deveríamos, então, fazer ambos. A revista on-line
ainda vai demorar, mas creio que sairá em 2003.
FM - Por último te deixo a tribuna livre, para o comentário de algo que
acaso tenhamos esquecido de abordar.
AB - Gostaria de pedir aos colegas da ABCA cooperação. Sei que fazer
cultura em um país que não se importa com ela, é difícil, mas temos de
acreditar no futuro do país. A ABCA precisa fazer algo pela comunidade,
já que foi esta mesma comunidade que pagou os estudos universitários
da maioria dos associados. Este jornal precisa percorrer escolas,
universidades, museus e bienais. Precisamos crer na ABCA e,
principalmente, em nós próprios.
Entrevista realizada em dezembro de 2002.
O Jornal da ABCA (Associação Brasileira de Críticos de Arte) surge em
São Paulo em setembro de 2001, dirigido pelo crítico Alberto
Beuttenmüller.
E-mail: [email protected]
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revistas em destaque
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o escritor (brasil)
diálogo entre editores: erorci
santana & floriano martins
O poeta e jornalista mineiro Erorci
Santana tem se destacado
sobremaneira pela direção do jornal O
Escritor, da União Brasileira de
Escritores, tarefa que divide com Ieda
Estergilda de Abreu e que requer um
tato especial considerando que as
entidades de classe costumam ser
lugares onde todos se sentem no direito
de reclamar de algo enquanto que
praticamente ninguém se dispõe a ajudar. Erorci tem
publicado alguns livros de poesia, dentre os quais
Carnavras (1986), Concertos para Rancor (1993) e
Maravilta e outros cantares (2002). A seguir, uma
conversa rápida em que nos conta algo a respeito dos
meandros editoriais no tocante ao jornal O Escritor. [F. M.]
FM - Desde quando se publica O Escritor?
ES - O Escritor foi criado em janeiro de 1980, quando o
número zero foi lançado junto com a candidatura do
poeta Péricles Prade à presidência da UBE. A pauta
consistiu em um debate com escritores, do qual
participou Jamil Almansur Haddad.
FM - O que tens acrescentado à pauta essencial do jornal
desde que assumiste a direção?
ES - Assumi a edição do jornal a partir do número 81,
lançado em julho de 1997, após a morte de Henrique L.
Alves, que o editava, com a percepção adequada de
tratar-se de um jornal realizado por uma agremiação de
escritores e que, portanto, mais que estender-se ao que
é universal deveria espelhar o que era doméstico, minha
preucupação inicial foi melhorar a projeto gráfico da
publicação, cuja precariedade era evidente. Num segundo
momento, procurei ampliar o corpo de colaboradores
voluntários, à duras penas, pois a escassez de articulistas
qualificados, que se proponham a trabalhar
graciosamente, é o principal problema a ser resolvido
para que existam publicações literárias no país, pois é
sabido que os cofres estão fechados para o financiamento
do jornalismo cultural. Em data mais recente, em ação
conjunta com o diretor da publicação e presidente da
UBE, o poeta Claudio Willer, logramos a formação de um
Conselho Editorial ativo e a participação da escritora Ieda
Estergilda de Abreu na co-edição. A ampliação do leque
de pessoas envolvidas na discussão e produção do jornal
(ainda que não possamos fazer isso em tempo integral,
pois precisamos lidar com outros ofícios para sobreviver)
viabilizará uma pauta mais consistente.
FM - Há um abismo intrigante entre os associados da UBE
e os colaboradores do jornal. A que atribuis isto?
ES - Reflitamos sobre o gosto amargo de nossa condição.
O exercício da literatura no Brasil é árduo, sem o mínimo
incentivo ou apoio. Quantos escritores potenciais não se
diluem nessa sociedade tecnocrática e retrógada? A
maioria dos escritores (assim chamados porque
comprovaram essa condição com a mínima escrita)
associados à UBE são latentes, embrionários. Ingressam
na entidade em busca de apoio logístico e social. Querem
alguém que leia e comente seus rudimentos literários,
diga-lhes que estão em bom caminho e que não estão
sozinhos nessa tresloucada aventura.
Há os bons escritores nas fileiras da UBE, sim, veteranos
e assentados, gente que poderia, se tivesse boa vontade,
agregar-se à essa plataforma de manobras coletivas em
torno do fenômeno literário, serem transformados em
agentes da difusão e da discussão dessa produção. Mas
escritores, mercê de juízos de valor agregados ao seu
ofício e à sua personalidade é um ser pouco inclinado a
expandir-se à esfera coletiva, romper seu casulo. Viciamse em demarcar posição destacada e individual.
Escritores fingem ouvir escritores, com freqüência fingem
a condição de aprendizes quando são orgulhosos e
arrogantes. De modo que a existência de agremiações de
escritores fundadas na suposta necessidade da defesa de
interesses comuns chega a ser uma traição de intenções
individuais. O escritor vive o dilema entre o individual e o
coletivo, na incerteza que se faz entre a pujança do ser e
a eventual necessidade de alinhamento para sobreviver.
Associa-se às UBEs e dá o assunto por resolvido. São
poucos os que se lançam ao trabalho abnegado pela
classe. Mas a dimensão da luta do escritor no mundo
hoje é pra não morrer à míngua, é a da própria
sobrevivência do prestígio da ficção, garantir o leitor do
futuro num sistema que parece apostar impiedosamente
na imbecilização da espécie.
Respondendo à pergunta, colaboradores graciosos têm
mesmo que ser capturados à laço.
FM - Qual recepção crítica o jornal tem encontrado,
dentro e fora dos muros da entidade?
ES - Melhorou bastante. Os leitores têm elogiado o
conteúdo e a apresentação. E precisamos acreditar e
trabalhar pensando na progressão qualitativa, fugir
sempre do engessamento diversificando os temas e os
membros do corpo de colaboradores.
FM - Considerando a existência de uma grande limitação
de espaço para a manifestação de obra e pensamento do
escritor brasileiro em nossa imprensa, não interessaria a
O Escritor buscar um projeto editorial mais ousado,
através de uma lei de incentivo, algo assim?
ES - Interessa, sim, e é da ordem do dia esse
pensamento. Precisamos trabalhar para que isso
aconteça. Mas um grande jornal de debate da causa do
escritor e da literatura, plural e aberto, deveria vir na
esteira do fortalecimento da representação política da
classe, com a criação de uma federação de escritores,
ampliação de seu poder de intervenção na distribuição
dos recursos, na implantação de projetos nacionais de
incentivo à produção literária e de edição de obras dos
autores brasileiros, de barateamento da produção e
distribuição do livro, de projetos de sedução e formação
de leitores. Lembra-me que a UBE recebeu do INSS um
casarão em comodato na Rua Marquës de Paranaguá,
124, em São Paulo e até agora não conseguiu os
recursos financeiros necessários para promover o
restauro. A maior agremiação de escritores do país
sequer têm uma sede social e isso é no mínimo
deplorável.
Jornal O Escritor. Órgão da UBE - União Brasileira de Escritores.
Editores: Erorci Santana e Ieda Estergilda de Abreu. Rua Barão de
Itapetininga 262 Sala 326 São Paulo SP 01042-447. Acesso eletrônico:
www.ube.org.br. Contato: [email protected].
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revistas em destaque
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fokus in arte (brasil)
diálogo entre editores: andré
lamounier & floriano martins
André Lamounier é músico profissional,
Professor, Arranjador, Produtor Musical,
Compositor de um estilo próprio com
mais de 400 composições, destacando-se
inúmeras peças para piano popular e
clássico, canto popular e lírico, ballets,
oratório e peças sinfônicas. Também
autor de musicais com estilo
“Broadway/Hollywood” e Diretor
Presidente/Fundador da Editora Fokus in
Arte.
FM - Como surge Fokus in Arte e o que
lhe justifica o nome?
AL - Fokus significa enfocar em alemão. “Enfocar a arte” é
a tradução do nome de nossa revista.
A Arte está em toda parte, em tudo que fazemos. Seja no
dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, no cinema, estamos
em constante processo de criação do mundo e de nós
mesmos. Nosso propósito é levar ao leitor esta visão:
Somos protagonistas de nossa história e vivemos
construindo o que amanhã denominarão como Arte.
Partindo do princípio de que os personagens de ontem, que criaram e
recriaram nosso jeito de ver o mundo, de ler, ver as horas; inventaram a
roda, o automóvel, a tecnologia; descobriram a música, a pintura, a dança
e a poesia; desenharam o que viam, descobriram a fotografia; enfim, em
tudo a ARTE estava presente e fora criada pelo homem que foi ontem
igual a mim e a você. Hoje, somos os artistas que estamos inventando e
criando o amanhã. Queremos, através da Revista Fokus in Arte, registrar
estes personagens que estão criando uma nova etapa da História de nossa
Humanidade, ao mesmo tempo, que levar ao leitor a possibilidade dele
entender o que nos cerca e permitir que ele também registre suas
conquistas, seus desejos e suas verdades.
FM - No editorial do segundo número se fala em
“variedade, entretenimento e muita informação” como
uma preocupação básica da revista. Que tratamento é
dado ali ao conceito de “entretenimento” em um projeto
editorial que centra seu foco na arte?
AL - Muito bom! A arte quando é vivida em seu dia-dia,
transparece em tudo que fazemos. Desta forma, o
entretenimento, é focado como uma vertente do “fazer a
arte”. Assim como um trabalho pode ser considerado um
lazer, se este for um projeto de realização e sonho
profissional. Matérias como a que encabeça o segundo
número, “Swing – Uma explosão de Prazer” fazem parte
da editoria de Comportamento. No entanto, podem divertir
além de informar o leitor para que ele compreenda melhor
o mundo atual. Cada ser humano é único, próprio e
individual e percebe o mundo de maneira diferente e
também individual. Aí está a arte. O que para uma pessoa
é informação, para outra pode ser apenas uma leitura de
entretenimento. Porém, dentro deste processo, colocamos
à disposição do leitor um aprendizado lúdico onde a
cultura é propagada e onde a arte passa a ser vista de
maneira natural e instantânea.
FM - Como te parecem que se relacionam hoje no Brasil as
mídias impressa e virtual?
AL - A mídia impressa ao meu ver, ainda tem a
possibilidade de propagar matérias mais longas e prolixas
enquanto as informações dos noticiários virtuais se
restringem a “pílulas” de notícias. Nestas pílulas, o leitor
direciona sua pesquisa numa rede própria de
conhecimento e muitas vezes ele pode até chegar a
informações mais profundas do que aquela encontrada
pronta na mídia impressa. Porém, vivemos em ritmo
alucinado de produção onde o capital é a vedete dos dias
atuais.
Neste processo, o leitor ansioso por dados enxutos, vê na
mídia impressa a idéia pronta e completa enquanto as
pílulas da Internet se tornam superficiais a primeira vista.
Mesmo que superficiais estes dados virtuais podem
atender as necessidades do leitor mais afoito por tempo e
capital e, sem ocasião para continuar sua pesquisa ele
pare nos primeiros informes encontrados no mundo virtual
e dê como finalizada sua rede de sabedoria, embora o
consumo de elementos encontrados não contribua tanto
para seu capital intelectual.
Há assim, dois lados da moeda. De um, a informação mais profunda,
porém, aquele que necessita de maior pesquisa (Internet).De outro, a
mídia Impressa, a ciência completa, entretanto, sem interatividade. Neste
novo mundo que se desenha, as duas mídias, em minha opinião, tem a
somar e subtrair para nossos leitores. Mais uma vez depende de cada ser
humano – próprio, único e individual – escolher que rede (ou redes) de
conhecimento deseja escolher para seu crescimento próprio.
FM - Como vocês têm sentido o retorno do trabalho que
estão realizando?
AL - Ainda é muito cedo, estamos firmando nossa marca
neste diversificado mercado. No entanto, já pudemos
perceber, nestas primeiras edições, que o público está
pronto para coisas novas, feitas com carinho,
independência e preocupada com o aprendizado mais
intelectual, menos consumista. Nossos leitores têm
encontrado um espaço para expor sua visão do mundo,
sua arte, seu jeito de viver, muitas vezes vetado por
publicações que se preocupam apenas por aquilo que
vende, mesmo que não seja interessante para a vida de
quem lê. Desta forma, estamos recebendo e-mails, cartas
e telefonemas de jovens, intelectuais, artistas e
universitários que vêem nosso veículo como um
instrumento vanguardista, uma arma para a formação de
opinião culta, artística e engajada na política do mundo
atual.
FM - Quando fizemos, Adriano Espínola e eu, a revista Xilo
(1999) - impressa e de circulação nacional em bancas
(projeto lamentavelmente abortado em seu número
inaugural por ingerência do grupo empresarial que nos
contratou como editores) - também constatamos, de
imediato, essa expectativa do leitor por um tratamento
não mais viciado em relação a arte e cultura. Sigo
defendendo, desde então, que há que romper essa
barreira do lugar-comum que não é determinada em
isolado pelo mercado, mas sobretudo é fruto de uma
conivência da parte de quem faz cultura neste país. O que
pensas a respeito?
AL - Penso que nosso povo - musical, inteligente, curioso
e essencialmente alegre - está sempre apto a conhecer
tudo que é novo e a descobrir o que aqui se cria. É
obrigação de todos aqueles que possuem algum veículo de
comunicação, criar espaço para a difusão de nossa cultura
tão farta. A liberdade de expressão seja ela através da
música, da dança, das artes plásticas ou da literatura deve
ser respeitada, pois falam diretamente do coração de
quem cria, seu jeito de pensar, de agir e de compor a
Humanidade para aquele que o consome - parte inerente
do dia-a-dia, já que caracteriza aquele que registra em
sua memória a criação e sua evolução. Infelizmente, hoje
em dia a aquisição da arte e sua divulgação estão
acopladas ao consumo exagerado do mundo capitalista
impedindo um olhar para a arte pura e simples. O giro
rápido de capital e a aceleração do ritmo cotidiano fazem
com que muitos veículos de comunicação prefiram a
divulgação do lucro certo e rápido ao invés de propagarem
quem realmente está fazendo história em nossa Cultura e
em nossa Arte.
FM - Gostaria ainda de observar que acho uma grande
lição a que transmites aos intelectuais deste país, que seja
justamente um músico a preocupar-se de maneira tão
substanciosa com a difusão e reflexão em torno de nossa
cultura. Nossos escritores, por exemplo, caíram no ardil da
especialização, de tal forma que hoje podem melhor ser
entendidos como autistas do que como artistas. A Agulha
te recebe, assim, com imenso carinho e respeito. A
palavra final é tua.
AL - Agradeço à Agulha, mas considero vocês,
merecedores de tais elogios. A Agulha sempre foi um
espaço aberto para artistas de diferentes vertentes e
precursor no que tange a liberdade de criação e sua
propagação. Como músico, quero resgatar a beleza da
música pura sem ser nostálgico ou copiar estilos. Afinal,
vivemos em um novo mundo delineado pela tecnologia
avançada, pela Globalização e pelo exaltar da Publicidade.
No entanto, continuamos seres que pensam, que sentem,
que refletem e principalmente que criam... Resgatar a
criação (não me refiro à criatividade, mas a criação como
algo mais profundo) aliada ao desenvolvimento da
atualidade e a liberdade de expressão são, para mim, um
desafio extremamente prazeroso. Em minhas
composições, pretendo resgatar a sensibilidade melódica,
a estrutura complexa dos grandes mestres da Música
Mundial, a Tecnologia de nosso tempo, a Alegria dos
musicais, a naturalidade e a liberdade em encarar o
mundo como ele se desenha para nós e a leitura de nossa
história. Enfim, quero mostrar ao mundo que o ‘hoje’ pode
ser mais culto sem ser chato, pode ser mais sensível sem
ser “piegas”, pode ser complexo, fino e bonito sem ser
caro. Desejo, através da Revista Fokus in Arte propagar
que, assim como eu, muitos artistas, intelectuais e
pessoas comuns anseiam por escrever nossa história e
assinalar para o mundo quem somos - um povo
preocupado com a preservação de nossa obra e com o
ambiente em que vivemos. Um povo que deseja registrar
o jeito com que enfrentamos nossas angústias (naturais
do ser humano), a maneira como avançamos nossas
tecnologias e o modo como buscamos a felicidade para
que futuramente nossos netos possam ter orgulho de seus
antepassados.
Revista Fokus in Arte
Diretor-Presidente/Fundador
André Lamounier van Lammeren
Editora Chefe e Jornalista Responsável:
Carla Braga - Reg. MTB no. 18.348
Direção de Arte e Diagramação:
Slavisa Rupar Lamounier
Colunistas:
André Lamounier - Sérgio Madureira - Silvio Alvarez - Dr.
Vanor Cosme da Silva
Assinaturas:
As assinaturas poderão ser feitas pelo tel: (22) 2523-2252
ou através do e-mail: [email protected]
Distribuição exclusiva para todo o território Nacional pela
Fernando Chinaglia Distribuidora S/A.
A Revista Fokus in Arte é uma publicação da Editora Fokus
in Arte Ltda.
CNPJ 05.271.786/0001-03
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jornal de poesia
triplov
alô música
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revistas em destaque
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storm magazine (portugal)
diálogo entre helena
vasconcelos & maria joão
cantinho
MJC - Quase dois anos após o
aparecimento da Storm Magazine, um
evento cultural bem significativo no
universo virtual português, qual o
balanço que fazes dessa aventura?
Porque sentiste a necessidade de criar
um “espaço” virtual, neste meio em
que o virtual é tão desvalorizado, face
à imprensa?
HV - A Storm Magazine tem bases
totalmente idealistas o que quer dizer
que são, também, em parte, irrealistas.
Mas esse detalhe não me preocupa. Os factos aí estão :
uma publicação que se tem mantido sempre on-line, a
excelência dos textos e das imagens – não posso permitirme ser modesta – os contactos, as amizades, as
cumplicidades que se estabelecem. Pode haver colapsos
nas estradas virtuais, chuvas ácidas de vírus perversos,
muitas horas em frente ao monitor, nenhum provento
material. Mas que diabo! Ter uma revista a funcionar na
Net com muitos milhares de leitores dá muito gozo.
Há vinte anos que escrevo para jornais e revistas. A minha
formação tem-me permitido expressar ideias sobre a
cultura em geral, a literatura e as artes plásticas em
particular. Já escrevi também sobre problemas sociais,
sobre moda, sobre viagens a lugares distantes, sobre
sexo, sobre cidades, sobre a vida, em suma. Tenho tido
sorte. Mas, ao longo destes anos, também percebi que há
muita gente que não tem as mesmas oportunidades que
eu. Viver num local como Lisboa, que é um centro de
cultura, ajuda muito. Mas... e os outros? Os que estão
longe, isolados, os que não têm “contactos”, não vão às
festas do momento, não conhecem esta ou aquela figura
que naturalmente lhes pode “abrir portas”?
Na Storm, as portas estão abertas às pessoas, em todo o
mundo, que queiram participar. Imaginei a Storm assim.
Eu e os meus amigos, em Portugal, no Brasil e no resto do
planeta – sim, temos leitores nos cinco continentes –
podemos, neste espaço virtual, publicar textos, exprimir
opiniões, trocar impressões uns com os outros. Orientamonos pelos nossos gostos e interesses. Faço questão de me
guiar pela ausência de preconceitos e pela busca da
qualidade e de uma espécie de “iluminação” que a cultura
dá de mão beijada, naturalmente. Tudo isto só é possível
em clima de paz e entendimento. Na Net não há fronteiras
físicas nem barreiras discriminatórias. Não creio que haja
maior liberdade do que esta.
Quanto à questão contida na pergunta e relacionada com
a “desvalorização do virtual pela imprensa”, suponho que
essa desvalorização não existe. Qualquer publicação em
suporte tradicional que se preze tem, também, o seu
contraponto virtual. O que quer dizer que sentem a
necessidade de se “virtualizarem”. Tenho uma relação
sentimental, romântica, apaixonada, com os livros, com as
revistas, com os jornais. Ler em suporte papel continua a
ser um prazer absoluto. Mas também acho que se publica
em demasia e que, por contraste, a reflexão e a crítica são
escassas e muito limitadas. Por isso, a Storm publica um
pouco de tudo. Parece-me bem, não achas?
MJC - A imagem da Storm, neste momento em que tu
confessas um dos objectivos fundamentais, é a procura de
uma cultura virada para a comunicação e para essa
“iluminação” que, naturalmente, só pode nascer de uma
visão despreconceituosa da realidade. Onde a cultura
nasce da confluência e do confronto crítico. É essa a visão
que tens da cultura? E parece-te ser essa o exemplo da
cultura portuguesa? Repara que me refiro, não apenas à
arte, mas também à literatura...
HV - Acho que não sei bem o que é a Cultura num sentido
lato, ainda continuo à procura; é uma busca incessante,
como no amor, como na amizade. Só sei que é um
projecto de vida. É o que nos faz sermos únicos porque dá
ímpeto e vigor ao pensamento, despoleta emoções. Acho
que cultura não é sabermos tudo, é procurarmos
compreender. Isto pode parecer pretencioso mas não sei
explicar melhor. A Cultura, como a que tento veicular
através da Storm, não é uma coisa abstracta, é algo que
todos construímos, (ou destruímos) a cada momento.
Quanto ao que chamas cultura portuguesa só sei que o
nosso país está cheio de pessoas extraordinárias em todas
as áreas das artes, da literatura, do pensamento, da
ciência. Temos a vantagem de sermos um país muito
antigo, muito cosmopolita, simultaneamente europeu e
virado para a imensidão do oceano. Só quem não quer é
que não tira partido desses factores. Felizmente vejo cada
vez mais intelectuais, escritores, artistas, cientistas a
pensarem pela sua própria cabeça e a agirem com mais
eficácia, contrariando a tendência para o queixume – que
não é apanágio exclusivo do meio cultural português.
Curiosamente, é nas grandes cidades, onde existem mais
meios, que se concentra um maior número de “vencidos
da cultura”. Tenho muito pouca simpatia por quem
proclama que “tudo é muito difícil”, que este é um “país de
incultos” mas não levanta um dedo para mudar o estado
das coisas.
MJC – A tua experiência e convívio com artistas plásticos
deu-te uma visão, não apenas da literatura, como da
cultura em geral, diferente? O facto de não teres sido
criada em Portugal deu-te uma outra perspectiva e uma
consciencialização da cultura como diversidade? Gostava
que me falasses dessa experiência, da tua infãncia e
adolescência e no modo como isso influiu na tua formação.
Como é que era chegar a Portugal nos teus 18, 20 anos?
HV - Tive a sorte de ter crescido sujeita às boas radiações,
por um lado da Literatura – o meu pai deixava-me (e até
me incentivava a) ler tudo – e , por outro, do efeito
directo de culturas muito diversificadas. Li muito nova
Homero, Platão, Montaigne, sem perceber nada. Mas
alguma coisa ficou. Devorei Conrad, Melville, Dickens,
Faulkner, Kafka, Mann e , naturalmente, Dostoievsky,
Tolstoy. Nunca tive grande inclinação para literatura
infantil e juvenil, embora tivesse passado por um ou dois
anos – quando começei a interessar-me pelas incríveis
mudanças que estavam a acontecer no meu corpo – em
que li coisas mais “leves” (Colette, as irmãs Brontë,
Somerset Maugham) porque não me concentrava nada e
só pensava em namoros e coisas assim. Mas, para além
dos livros e de gostar de desporto (fazia natação de
competição) e de andar à pancada com rapazes vivi em
lugares (na Índia e em África) onde as pessoas me
comunicaram uma cultura oral e visual fortíssima. Por
isso, houve sempre o lado “estudioso” ligado aos livros e
um lado dos “sentidos”, ligado ao mundo e às pessoas que
me rodeavam. Para mim, Portugal não existia, era o lugar
onde viviam umas pessoas muito antigas, os meus avós.
Vinha a Portugal regularmente, nas férias grandes para ir
à praia – horrível, fria, enevoada – e passar uns dias no
campo, por altura das vindimas. Quando fui obrigada a vir
para ficar – para a universidade – passei um tempo
sinistro. Experimentei pela primeira vez o inverno, o olhar
fechado das pessoas, o cinzento chumbo do ambiente. E é
preciso não esquecer que eu entrei para a Faculdade ainda
com 16 anos. E vim sózinha, de África. Parecia-me que,
aqui, não havia nada que me interessasse. É claro que me
meti em todas as revoluções que me passaram diante do
nariz: a estudantil (muito animada), a sexual (muito
excitante), a política (muito empolgante); a social (muito
frustrante), a cultural (muito diversificada). Não perdia
sessões de cine-clubes, o cinema era o grande veículo de
conhecimento e de conscencialização, antes de 1974.
Portugal era um país absolutamente chato com meia dúzia
de pessoas geniais. Eu fui à procura delas e deixei-me
ficar, a observar.
Quanto ao meu contacto com as artes plásticas foi
posterior quando conheci o Julião (exactamente em 1974)
e fui viver com ele. Mas, entretanto, já tinha corrido a
Europa à boleia, só para ver Museus.
MJC – Não metas já o Julião, porque quero pegar nessas
vivências e explorarmos/avaliarmos o peso da revolução.
Conta-me como influiu toda essa loucura, essas revoluções
várias, ao nível da tua formação. Sentes que elas te
marcaram definitivamente? Como? Que cicatrizes deixou
essa época na tua geração?
HV - Sex, drugs and rock n’ roll. Foi tudo muito e MUITO
bom. Agora, que já se passaram uns anos, vejo tudo isso
como um tempo muito breve, muito “explosivo” cujos
estilhaços ainda conservo no meu corpo como pedaços de
cristal ou luzes fosforecentes. Mas não me parece que
tenha sido “loucura”. Louca da vida fico eu, agora, quando
vejo muita gente a andar de um lado para o outro sem
paixões, sem experiências, sem desejos intensos. Fico
sempre espantada quando deparo com pessoas
inteligentes a “guardarem-se”, a retrairem-se para não
correrem o perigo de estarem vivas. Não vá o Diabo tecêlas... Fico abismada quando percebo que essas mesmas
pessoas boas e inteligentes acham que podem evitar o
sofrimento e atravessar este mundo sem um arranhão,
agarradas aos seus carros, às suas casas, aos seus “bens”.
É claro que tudo isso é muito bom, eu também gosto e
defendo acerrimamente o direito à felicidade. Mas creio
que não me estou a contradizer.É interessante passar por
revoluções, correr perigos, sofrer, ser-se deixada por
amantes, ver ideais desfeitos, ser-se traída e poder
sobreviver para o contar. Ah! E fazer revistas de cultura
na internet onde, curiosamente, encontro pessoas e não
avatares de catálogo de jogos de computador.
MJC - Achas que essas vivências deram mais
responsabilidade aos intelectuais e artistas da época?
HV - Não sei. Terás de perguntar aos intelectuais e aos
artistas. Não sou nem uma coisa, nem outra.
MJC - Depois começou a tua relação com o meio artístico.
Qual foi a tua formação nesse campo e como foi a tua
experiência de crítica de arte?
HV - A minha relação com o meio artístico, como dizes não
teve um começo. Sempre tive esse fascínio por aquilo que
sai das mãos das pessoas como se viesse directamente de
um lugar qualquer, misterioso e fantástico. Em criança, o
meu pai mostrava-me as imagens dos grandes artistas em
livros sumptuosos e à noite, quando fugia do meu quarto
para me juntar a quem vivia nos anexos – os “criados” –
observava o que eles faziam num pedaço de madeira com
um canivete ou os “brinquedos” que construíam e me
ofereciam a partir de um cordel, de um trapo, de um fio
eléctrico – pássaros, bicicletas, pessoas, barcos, formas
abstractas - e sentia a mesma emoção. Eu nunca soube
fazer nada assim.
Mais tarde, na faculdade, a Literatura não era suficiente.
Quando passei a ver obras de arte “ao vivo” e não em
reproduções, tive um choque. Tive ataques de choro e
riso, tremuras incontroláveis e paralisias que duravam
eternidades perante coisas que vi. Ainda hoje sou assim:
não consigo controlar esta reacção absolutamente
romântica e nada “fashionable”. E li sobre o Pater, o
Ruskin, o Berenson – é claro que não tinha as obras deles,
as propriamente ditas – mas arranjei o Gombrich que me
ensinou muito, embora a sua “História de Arte” tivesse
parado muito atrás, no tempo. (Curiosamente, estou
agora a ler o livro dele sobre “Primitive Art”, que é
bastante interessante).E, é claro, havia o Herbert Read e
o seu “The Meaning of Art” que me parecia tão “moderno”!
E depois, encontrei o Julião e tudo deu uma reviravolta
estonteante...
MJC - Paixão e conhecimento, tudo em simultâneo?
Foram anos intensos, esses que viveste? Talvez seja bom
lembrar a “revolução artística” que irrompeu nesses anos
em Portugal, ainda fresquinho da revolução?
HV - Sabes, acho que as revoluções são “feitas” por
pessoas com motivos muito práticos – ter o que comer,
receber melhores salários, fazer pagar caro aos que
usaram o poder de forma abusiva – e são “seguidas” por
pessoas cujo motivo principal é o sexo. Não há nada mais
sexy do que uma revolução. Imagina o que é isso
acontecer quando se tem vinte anos, como era o meu caso
e o do Julião! Imagina o que é duas pessoas encontraremse num momento daqueles em que tudo palpitava e
estava vivo e descobrirem que tinham os mesmos
interesses, as mesmas paixões! É claro que, como nós
havia muitas outras pessoas, mais velhas – mais receosas ou mais novas – “mais inconscientes”. É natural que, logo
após o Abril de 1974 se tenham criado imediatamente
movimentos e correntes, umas mais conservadoras,
outras totalmente vanguardistas. Quanto a nós, não
estávamos preocupados com etiquetas, como deves
calcular. Conto isto muita vezes mas não me posso
esquecer: conheci o Julião porque o meu namorado da
altura me disse que mo ía apresentar – eram (são) muito
amigos – acrescentando que eu de certeza ía ficar melhor
com o Julião “porque eu era maluca demais para ele” ( o
meu namorado que deixou rapidamente de o ser). É
evidente que este termo “maluca” era um elogio e até
hoje o sinto como tal. E ser-se doida era fazer o que eu e
o Julião fazíamos: amar intensamente. Sabes, ele é que
me ensinou a olhar a arte. Eu estava cheia de Literatura
até aos ossos. O Julião agarrava em mim e levava-me
para a zona do porto e ficávamos horas a olhar para os
guindastes e principalmente para aqueles contentores
enormes a brilharem como prata com aquele canelado
regular, macio, despojado e imponente. E ele dizia-me.
“isto é tão bom como um Donald Judd, um Walter de
Maria, um Richard Serra!” E eu ficava com cara de parva:
“Espera aí, e os Tiepolo, os MichelAngelo, os Rembrant, os
Goya, os Grecco, os Breughel?”.E ele ria-se e dizia, “Pois,
isso já está tudo feito. E agora?”
Por isso, convíviamos todos em alegre fricção, os que
guardavam a reverência ao passado e os que sabiam que
ele, o passado, existia mas... já estavam noutra.
Procurávamos o que mais nos interessava, o que nos
arrebatava, onde quer que estivesse. Viajávamos, líamos,
íamos a exposições, passávamos noites inteiras a discutir
com os amigos. Não havia barreiras, íamos ao encontro de
quem quisessemos. Ainda conheci o Almada (Negreiros)
um velhinho mirrado e havia o “guru” que era o Ernesto
de Sousa, um verdadeiro revolucionário, uma figura
romântica que nos falava de “body –art”, “land-art” , “mailart”. Mas devo dizer que o Julião e o Fernando (Calhau)
eram uma espécie de discípulos que nenhum mestre quer.
Aprendiam demasiado depressa, sempre muito à frente
dos acontecimentos. Já estavam, cada um à sua maneira,
a anos-luz de tudo o resto.
Acho que não tinhamos medo de nada.
MJC – Parece-me que essa última frase te revela...Tu
permaneceste uma aventureira. Porque não seguiste uma
cómoda, embora laboriosa, vida académica, já que te
interessava tanto a arte e a literatura?
HV - A via académica nunca me seduziu, embora essa seja
uma opção para muitas pessoas cujo trabalho valorizo
grandemente. Para mim não dava, nunca deu. Talvez seja
uma falha, no meu carácter, esta maneira de ter de estar
absorvida, “arrebatada” por tudo aquilo que me proponho
fazer. De contrário, mal entro na rotina – uma imagem
que eu sempre associei à vida académica – sinto-me a
morrer. Não estou para aqui a dizer que sou capaz de
levar uma existência sempre ultra excitante mas pelo
menos, evito a passividade e o conformismo. Sempre que
posso. É a minha disciplina.
Talvez seja interessante recordar que com o 25 de Abril de
74, deu-se em Portugal um fenómeno semelhante, talvez,
ao que está a acontecer agora no Brasil. Isto é, artistas e
intelectuais que eram vistos como “outcasts” pelo regime
anterior, foram chamados para ocupar cargos públicos e
para intervir política e socialmente. Creio que essa é que
foi a verdadeira revolução. Subitamente, tinhamos os
Gilberto Gil de Portugal com poder para mudar o estado de
coisas. E foi o que fizeram, uns melhor e outros pior. Mas
creio que o balanço possível, hoje em dia, é muitíssimo
positivo. É um pormenor muito esquecido ou até mesmo
ignorado. O Julião, por exemplo, foi para a Secretaria de
Estado da Cultura e durante o pouco tempo que lá esteve
– largou o cargo, alguns anos mais tarde, para se dedicar
só à arte – organizou eventos extraordinários e trouxe a
Portugal gente que nem sabia onde o nosso país ficava, no
mapa. Ele tinha os conhecimentos e o instinto natural para
saber quem era quem e o que era preciso fazer para dar
um murro certeiro na estagnação em que viveramos.
Acompanhei todo esse processo e participei activa e
directamente – com muitas outras pessoas,
evidentemente – em acontecimentos que marcaram a
história artística de Portugal, como, por exemplo, a
Alternativa Zero do Ernesto de Sousa, as Bienais de
Desenho e, mais tarde o Depois do Modernismo, com o
Luis Serpa.
MJC – E houve também essa abertura fantástica para a
introdução da arte pós-moderna, que essa geração
protagonizou, talvez entre todas a mais eufórica aventura.
Achas que a mentalidade dessa época mudou realmente,
relativamente à arte e à cultura? Lembro-me da euforia
que causaram um Lyotard, um Gianni Vattimo, trazidos a
Portugal e que enchiam as salas dos auditórios...
HV - Creio não ser capaz de estar à altura para dar uma
visão tão panorâmica como desejas. Só gostava de
lembrar que a segunda metade dos anos setenta passouse em tempo de “arte conceptual” que deve ter sido o
tempo mais romântico da história da arte. Tudo porque o
que contava era a ideia, a emoção criada. As “peças” eram
todas efémeras, destrutíveis, lixo. As referências eram
evidentemente o Joseph Beuys – com a sua história de
piloto de guerra abatido e salvo da morte por ter sido
recolhido e envolto em gordura e peles), Duchamp, como
santo patrono. (O “Urinol” – é uma peça tão poética e
sensual!) Mas imagina que havia um qualquer cataclismo e
se perdiam os museus, os livros de História de Arte, as
referências “intelectuais”. O urinol, os trenós do Beuys
acabariam, provavelmentem numa lixeira. Este conceito
de morte imediata da obra de arte será talvez a derradeira
tentativa de contrariar a ideia que o artista tem da
permanência , da imortalidade. Claro que houve peças de
arte conceptual que ainda permanecem e permanecerão. E
o mais curioso é que nos ferozes economicistas anos
oitenta, estes artistas são absorvidos pelo sistema – a
“arte povera” passa a ser arte rica – e acaba-se a
inocência. E, é claro, houve o famoso “regresso à pintura”.
Ao fim e ao cabo os museus e os coleccionadores estavam
a ficar fartos de ter objectos que estavam a perder o
brilho, a atravancarem as salas...
MJC - Mais tarde houve a tua entrada no meio literário,
com o livro de contos Não há horas para nada. Como foi
essa primeira experiência, a tua recepção?
HV - Não foi uma “entrada no meio literário” nem nunca
pensei nisso. Sempre escrevi, o livro foi um acidente de
percurso e não teve sucesso algum. Certamente não me
forneceu qualquer passaporte para a “cena literária” que
não estava interessada em mim. E eu nem sabia bem o
que era essa “irmandade” restrita. Eu costumo dizer que
falhei completamente com o meu livro: os contos eram
suposto ser, por um lado, uma crítica divertida a certos
tiques da sociedade de então e, ao mesmo tempo, uma
tentativa séria de eu “treinar” uma determinada forma
narrativa. Pois bem: os críticos riram-se do meu esforço e
não acharam graça nenhuma ao que eu achava cómico.
Não sei bem porquê!!! É verdade que eu passava a vida a
viajar – trabalhava nos aviões – e, quando não estava a
trabalhar, estava na mesma a apanhar aviões para ir a
festas, a jantares, a inaugurações nos quatro cantos do
mundo. Em minha casa também havia sempre gente,
passavam-se semanas, meses, em que havia pelo menos
uma dúzia de pessoas para jantar. Era muito divertido,
muito louco, muito estimulante, muito cansativo. Eu
escrevia nos intervalos, a correr, em pedaços de papel dos
museus e dos hotéis. Só me lembrava do Raymond Carver
– passe a comparação – que nunca escreveu um romance
porque nunca teve tempo, tinha de escrever nos intervalos
do trabalho. Coitado, morreu quando ficou famoso. Eu
nunca fiquei famosa e ainda cá estou... por enquanto.
Nessa altura não conhecia escritores e os que conhecia
não me interessavam, à parte o (António) Lobo Antunes.
O problema não era dos escritores, era meu. Fui criada e
educada no universo da literatura anglo-saxónica. A
literatura portuguesa, muito influenciada pela francesa,
não conseguia prender a minha atenção. Achava tudo
muito centrado no umbigo de cada um, muito discursivo,
muito misógino, muito preconceituoso, muito circunscrito,
muito fechado, muito bairrista. Claro que, no que diz
respeito aos franceses, havia a Duras – que eu devorava –
e, noutra área, o Roland Barthes, o Philippe Sollers, o
Michel Foucault, cuja “Histoire de la folie à l’âge classique”
me interessou muitíssimo. Mas eram leituras
complementares, importantes, sim, mas não definitivas.
STORM-MAGAZINE. O Lugar da Cultura
Direção: Helena Vasconcelos
Lisboa - Portugal
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revistas em destaque
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punto seguido (colombia):
depoimento de oscar jairo
gonzález
Punto Seguido se inicia en 1979, cuando
concurren en una misma obsesión y en un
mismo sentido, en la ciudad de Medellín -que
llamamos Med-yin- los poetas John Sosa, Luis
Fernando Cuartas y Jesús Rubén Pasos. Toda
su visión se relaciona -cantidad relacionable,
como la llama Lezama Lima- y se hace desde
una mezcla de las lecturas que ellos hacen de
Rimbaud, Lautreámont, Baudelaire, Vallejo,
Huidobro, Genet, Gaitán Durán, Trakl, Celan;
con lo que ellos conciben y realizan como una
forma de hacer la revolución, de crear y causar
en el mundo las formas nuevas y los nuevos
ideales, por la vía entonces del sueño, lo inconsciente, lo real, lo ideal, la
rebeldía y la irreverencia. Es pues, todo esto una mezcla escandalosa y
crítica sobre el mundo, sobre nuestra realidad y sobre lo que se hace en
la ciudad. Intentos y tentativas de dar a “conocer” lo que se estaba
haciendo aquí, sin mediaciones de nada y sin apoyo de nadie, que hoy
todavía se mantiene intacto para con ello mantener siempre una postura
crítica y sin adhesiones inconedicionales a nada.
El principio y el hilo conductor entonces es el de la libertad, de lo que
Stefan Baciu, llamaba lúcidamente: “Palabras en libertad”. Entonces
desde allí, la revista ha sido y será, sin duda, un medio de catharsis, de
exploración y de aventura contra todo lo establecido y contra la
impostura y la imposición de estilos y estéticas literarias academicisitas,
retóricas, realistas y anacrónicas. Formas nuevas para mundos nuevos,
por lo cual se práctica de manera totalitaria, si así podemos hablar, aquel
principio baudelairiano: “Id al fondo de lo desconocido, para hallar lo
nuevo”.
En ese sentido y en esa perspectiva una de las inquietudes principales
que se intentan resolver aquí, es también la manera de hallar y halonar
hilos conductores de nuestra tradición americana, de instalarnos en una
“historia de la sensibilidad”, para decirlo con Raymond Klibansky, y esta
no podría hacerse sino no sabemos lo que hacemos. Entonces ella misma
ha creado esos hilos de comunicación, que son más que nada de nuestra
comunidad americana. Y por eso mismo entonces, no solamente da a
conocer lo que se hace aquí en la ciudad, sino también lo que se hace en
nuestra América y en el mundo, mucho antes de que se hablara de la
Globalización y de otras mentiras, como la de “ciudadanos del mundo”, o
cosas así.
De allí pues, que aquí se han hecho visibles poetas y escritores de todo el
mundo, se ha dado cabida a movimientos insólitos, se ha escuchado la
otra voz, la de los outsider, de los “anónimos”, de los nuevos, de los que
no pueden ser escuchados. O sea, que se propuso en su principio ser
Internacional, cosa que hasta el momento se ha realizado y se ha
concretado maravillosamente. Desde Suecia hasta Canadá, de Rumania
hasta Francia, de Estados Unidos -el nuestro- hasta Chile, de México
hasta Panamá, se ha construido una “red” de relaciones que le han dado
una forma y una estructura muy concreta a la revista.
Lo que se ha hecho también desde la contradicción y como
contradictores, y lo que se ha hecho con poetas de todo el mundo y con
movimientos poéticos que han alcanzado también la proyección del sol de
su trayecto, de su, para decirlo con Paul Eluard: “andadura poética”.
Movimientos y poetas libertarios y libertinos: Pizarnik, Orozco, Eunice
Odio, Breton, Enrique Molina, Pelleqrini, Ceselli, Reznicek, Aquirre, Gilbert
Lecomte, René Daumal, César Moro, Emilio Adolfo Westphalen, Díaz
Casanueva, Goméz-Correa, Cáceres, Braulio Arenas y así. Entonces, es
demostrativo que ese trayecto se ha hecho en la tensión del temblor que
proporciona y provoca el encuentro con lo desconocido, en nuestro
bosque de símbolos. Lo simbólico y lo real se han hallado siempre en
tensión, esa es nuestra temperatura y nuestro temperamento. Y no
solamente se han incluido poetas, sino también músicos -Caqe, Hendrix,
Morrison, Joplin, Satie- y lo mismo el teatro, y en el mismo orden de lo
sensible y lo místico, lo hermético y lo surreal y nuestro sentido de la
justicia y de la protesta contra la mediocridad y las masacres, porque la
condenación, la censura y la muerte se hallan aquí, se hablan en ella.
También habla de la desaparición, el exilio, el extermino y la exclusión,
porque siempre ha sido este también un hilo que nos tensiona y nos
reclama.
O sea, hay en ella invocación y reclamo, la invocación a los dioses de
nuestra tradición y a nuestros dioses -La Diosa Blanca, Robert Graves- y
el reclamo a los hombres. Hay que reclamar y protestar ante los hombres
e invocar a los dioses. De esa manera podemos decir, que la revista
desde su principio y en sus principios ha mantenido contra cualquier
intromisión, condicionamiento y coherción sea la que sea, proviniere de
donde provienere, una total libertad para hacerse con lo que ha querido y
con los ha querido, o sea, aquellos que hablan del sentido de su
búsqueda y de su experiencia, por eso es muy ecléctica y muy
heterodoxa. Ni expresionismo, ni surrealismo, ni dadaísmo, ni nadaísmo,
ni estridentismo, sino que por medio de ella se exploran y se explotan,
hacen para decirlo de otra manera, explosión e implosión estéticas muy
diversas y muy diferentes, que como por azar y causalidad van
encontrando su similitud, su semejanza en el poder incantatorio de la
imaqen, de la imaqinación. El poder, es el poder de la imaqinación y la
experiencia real es la experiencia de la videncia, de lo visionario, como lo
llama Rosamel del Valle. Todo es pues, un comienzo, todo se halla
siempre en el comienzo.
Lo que continúo.
Tras esta momento inicial, de mezcla del ideal-real poético y del idealreal de la rebeldía, que se lee en los números iniciales de la revista,
comienzan a participar a intervenir: Raúl Henao, Carlos Bedoya, Oscar
González y Wilson Franck. Y nos reunímos desde 1986, todos los Lunes a
las 7 de la noche, en el bar de Don Lao, a hablar de los proyectos y de la
forma que llevará un próximo número. Es en ese bar donde la soñamos,
la construimos y la hacemos. Queremos decir, la revista siempre se esta
haciendo en cada uno de nosotros, ella se forma en cada uno y eso es lo
que te hace hablar y decir hacia donde queremos ir y con quienes
queremos hacerlo. Ello provoca y suscita controversia, contradicciones y
hasta imposiciones, pero se obedece cuando se ha alcanzando el
consenso, si podemos llamarlo así. Yo diría más bien: cuando la
contradicción se hace más tensamente irresoluble e irrenconciliable.
Mientras esto ocurría yo estaba haciendo una revista que llamé “cantidad
hechizada”, de la cual entre 1986 y 1989 hice solamente tres números,
dadas las condiciones económicas y los problemas que en ese orden se
dieron, lo cual obstaculizaron el poder continuar haciéndola y
construyéndola. Quería hacer una revista más universal, con más
elementos heterodoxos y eso fue importante, al menos así lo dicen aquí,
a los pocos que escucho. Ahí me le medí a una cosa totalmente rara y
extraña, una combinación, un intento de ars combinandi -Raimundo Lulioentre lo Uno y lo Otro, Oriente y Occidente. Y lo mismo lo que el medio
académico de la ciudad daba y hacía, no porque yo lo fuera y que nunca
lo he sido, no obstante lo esté en este momento de la vida -¿y de la
muerte?-; entonces hubo, para mayor herejía, profesores de filosofía que no lo eran a la manera clásica y formal-, y eso hizo mayor
concrección del intento de abordarlos en otra dimensión y en otras
posturas, en los intersticios como los llamaba Ernst Bloch. Era buscar en
ellos tesis que nos interesaban sobre Beckett, Artaud, Kafka, Dostoiveski,
Kleist, etc. Después te hablaré un poco más de eso, porque lo que nos
interesa es Punto Seguido.
De la misma manera, ya se publicaba Prometeo, más hacia la tendencia
de izquierda, pero que son promovidos a través de un libro que hizo y
determino en su totalidad el poeta Juan Manuel Roca y se título:
Disidencia del Limbo. Todos estos poetas, excluyendo a Eduardo Pelaéz,
Carlos Bedoya continuaron en lo que hoy es Prometeo. Ya también con
las disidencias de Caro y otros, que proyectaron de otra manera: Tras la
sombra y no tras la boca del hambre y la necesidad, como lo han hecho
otros, de los que después hablaremos, que han equivocado -¿o no? la vía
que habían iniciado y de la que hablaban con incandescente intolerancia
y con quemante verdad. La necesidad económica y el deseo del nombre o
del éxito les han hecho cambiar de decisión y de destino. Uno no tiene
sino que hacer su destino, que en esencia, lo que Heinrich von Kleist,
fundía hermosamente con el carácter. Destino y carácter. Eso es otro
tema, porque yo no “historiador” de nada y menos de la azarosa vida y
muerte de mis contemporáneos. “Los contemporáneos” son mexicanos.
Desde allí se constituyó pues, como un nuevo momento de la revista, en
donde la visión se extendió y se dimensiono, ya no era tanto la rebeldía,
la cantidad de irreverencia que se necesitaba y se requería, sino más
bien una tensión medida y contenida de lo que se quería hacer. Entonces
se llevo a cabo, con muchas contradicciones y muchas disidencias
momentáneas, la realización de otros números, lo cual ocurre hacia
mediados de 1998. Allí se involucran entonces con mayor visión pintores
y fotográfos -Serqio González, Yamile Bedoya, Tony Pusey, Jorqe
Camacho, Paul Delvaux y Juan Fernando Ospina, por no mencionarlos
sino a ellos, que se van a relacionar con los “collages” que para entonces
solo hacia y maravillosamente Luis Fernando Cuartas. Todo esto cambió
y se llevó entonces el hilo sin Ariadna, hacia otro momentum que
fortaleció lo que se llevaba hasta allí. -En este momento me acaba de
llamar Luis Fernando y le he dicho que te hable un poco también él sobre
esto. Es el azar objetivo, son las 9 y20 de la mañana: unas pocas
tórtolas, una piscina, unos árboles, un poco de frío constituyen mi
porción de paisaje: el sucederse o la vida. Recuerda el ensayo que hiciste
sobre Enrique Molina, en ese devenir de este otro momentum, o instante
de revelación.
Eso es lo que ha movido la revista hasta aquí. Lo tenemos hoy, ya con
otro momentum que es el de la intervención de Gabriel Jaime Caro y
Eduardo Pelaéz, que se involucraron hacia 1976 en una experiencia
también maravillosa que se llamo Siglótica, y que Caro continúo en
Nueva York, cuando se instalo allí y que se llamo Realidad aparte, donde
tú has participado. Ese nuevo momentum, ha comenzado ahora con el
número 42, que próximamente tendrás. Observa como se dan las cosas,
los que una vez no estuvieron y no pudieron estar en la comunidad y los
que después de hacer sus propios viajes, viajeros de su sombra para
decirlo al hilo de Nietzsche, de nuevo retornan al principio, lo cual indica
que nunca abandonaron y huyeron de la verdad y de la esencia de su
experiencia poética. La poesía es lo que es esencial y lo que importa, lo
demás, son, sin duda los poetas.
Punto Seguido, ha sido pues una experiencia y una búsqueda entre la
realidad y la irrealidad, el sueño y la visión, la revolución y la rebeldía,
contra el arribismo y la mediocridad, contra toda adhesión y adherencia,
contra el formalismo y la vacuidad de la retórica. Esa ha sido su prueba y
su condena, pero de la misma manera su liberación y su libertad.No ha
cedido nunca a la extorsión ni a la mediocridad de nuestro medio.
Punto Seguido
Diretores: John Sosa D., Luis Fernando Cuartas,
Carlos Bedoya, Óscar González
Apartado Aereo 11059 - Medellín - Colombia
1.000 exemplares, formato carta, 32 páginas,
periodicidade bimestral
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jornal de poesia
triplov
alô música
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revistas em destaque
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babel (brasil)
diálogo entre editores: ademir
demarchi & claudio willer
CW - Conte algo sobre suas origens e procedência,
inclusive sobre sua vida itinerante, de múltiplas
residências e procedências. Apresente-se. Já havia feito
periodismo literário antes de Babel?
AD - Nasci em Maringá, no norte do
Paraná, cidade relativamente nova pois
tem apenas 56 anos de fundação –
quase nasci com ela pois estou com 43
anos. Maringá foi criada de forma
planejada a partir de loteamento feito
por ingleses e julgo ser sua
característica principal a belíssima
arborização que chega a fazer túneis
verdes em várias ruas ou nas amplas
avenidas tomadas por ipês roxos e
amarelos e sibipirunas, entre outras espécies. E há
também uma catedral de 125 metros de altura, cônica,
inspirada no Sputnik pelo bispo que a construiu, um
símbolo fálico do poderio econômico daquela região de
muita gente rude, inculta e gananciosa que, por isso,
muito odiei. Vivi lá 25 anos, até me formar em
letras/francês na universidade estadual local, que era paga
– eu trabalhava durante o dia e estudava à noite indo de
bicicleta dum lado pro outro. Foi um tempo muito
interessante de formação sentimental, política e cultural.
Iniciei na militância cultural fazendo cineclubismo, levando
à frente um movimento iniciado por ex-militantes da
esquerda, do PCBR, que caíram, alguns torturados e que
encontravam nisso uma forma de resistência mantendo o
silêncio quanto à política. Mas não durou muito isso pois
naquele momento a militânica política era mais atraente.
Sendo assim logo entrei para uma célula de uma
organização trotskista, a OSI - Organização Socialista
Internacionalista, mais conhecida por sua tendência
estudantil, a Libelu, iniciada em Maringá pelo esforço do
Luis Gushiken, atual ministro de Lula, que tinha lá um
trabalho a ser feito por causa de um incipiente movimento
sindical bancário de oposição. Fundamos o PT lá ao mesmo
tempo em que começava a ser discutido no ABC e o
legalizamos andando de porta em porta nos fins de
semana, almoçando pão com mortadela e tubaína para
fazer as filiações que o governo dos militares exigia como
dificuldade para a criação do que então se acreditava ser
um partido operário. Cheguei a ser candidato a deputado
estadual nas eleições de 1982, cumprindo outra exigência
para sua implantação. A candidatura era formal pois o que
nos interessava era garantir o registro partidário e ganhar
os diretórios estudantis da universidade, com aquelas
chapas hoje impensáveis, como Solidariedade ou Outras
Palavras – para marcar diferença com os estalinistas dos
dois PCs. Esse movimento redundou em invasões de
restaurante e reitoria e em queima de carnês, que levaram
a uma conquista importante no Paraná: hoje as
universidades estaduais são gratuitas e há uma
alternância no poder – aqueles que se formaram nessa
experiência hoje governam a cidade pela primeira vez pelo
PT. Mas em 1985 me cansei da militância política e
considerei esgotada por toda a vida a quota de tempo
gasto em reuniões e fui-me embora da cidade. Morei um
ano em Curitiba com a poupança que fizera em Maringá
trabalhando seis anos em um escritório de contabilidade,
onde era responsável pelo setor de pessoal de umas cem
microempresas, e em outro de engenharia. Em Curitiba
fiquei vagabundeando e vendo 3 filmes por dia nos
espaços da Fundação Cutural e da Cinemateca. Cheguei a
publicar com uma turma de alunos da Filosofia da
Universidade Federal um jornalzinho escrachado, o
Bundão, em que ironizávamos a mediocridade cultural de
Curitiba e aquele cenário fake nacional em que se chorava
a morte do Tancredo Neves. Fiquei nessa vida até arrumar
emprego em Florianópolis, onde fui dirigir o setor de
revisão do já finado O Estado, por 2 anos e meio,
levemente interrompido para fazer uma viagem à Líbia,
ainda por conta da ex-militância política – foi um passeio
interessante ver os restos de fuselagem das bombas que
Reagan jogou sobre a casa de Kadafi, sobre sua cama
redonda que nos lembrava as de motel, o ódio que os
muçulmanos já cultivavam aos norte-americanos desde
criancinha, tal como vimos nas escolas com estudantes
que mal sabiam escrever gritando palavras de ordem de
ódio a Reagan; lá, olhando para o Mediterrâneo com um
espanto admirado, de onde vinha um vento que sibilava
pelas frestas do Hotel Bab El Bahar, passei o natal e o ano
novo mais esquisito da minha vida. Em Floripa ainda fiz
mestrado em literatura brasileira na UFSC estudando
periódicos literários e depois vim morar em Santos-SP,
seguindo minha mulher que veio trabalhar na prefeitura
local. Tivemos um filho e concorri num concurso público a
uma única e disputada vaga para a função de Redator na
Câmara Municipal de São Vicente e passei, sendo desse
trabalho que ganho a vida há mais de uma década.
Durante esse tempo fiz doutorado em literatura brasileira
na USP e experimentei dar aulas para ver se me afinava
com essa atividade. Logo desisti diante da inviabilidade de
ter dois desgastantes empregos e um projeto como o da
Babel se iniciando e exigindo cada vez mais tempo.
CW - Como é que surgiu a idéia de fazer Babel? Você já
tinha essa intenção, de fazer uma revista, faz tempo, ou
foi algo que aconteceu assim de repente num estalo em
um ímpeto de inspiração?
AD - A militância cultural de certa forma sempre esteve
presente em minha vida, do cineclubismo à publicação de
folhetos de poesia ou jornais estudantis, mas nada tão
expressivo, foi acúmulo de experiência apenas. Na pósgraduação mantive esse interesse analisando vários
periódicos ou suplementos como Letras & Artes (1947-53),
Autores e Livros (1937-53), Pensamento da América
(1937-53) (estes três do jornal A Manhã, do Rio); a
Revista Americana (circa 1900 a 1925), e li várias das
revistas dos modernistas, assim como me formei
intelectualmente lendo O Pasquim, Versus, Opinião,
Movimento, Revista da Civilização Brasileira e outros. Mas
a Babel surgiu num dado momento em que, com a
possibilidade da troca de e-mails, algumas amizades que
estavam dispersas puderam se intensificar com uma troca
mais viva e constante gerando discussões e a necessidade
de um veículo que permitisse participar do debate de
idéias e fundamentalmente estimulasse a reflexão e a
escrita quebrando a sensação de isolamento e de falta de
acesso aos veículos existentes.
CW - Foi você, ou foram você e seus parceiros, Marco
Aurélio, Mauro, Susana? Desde o início, o projeto teve
caráter coletivo? Qual o papel ou função de cada um?
AD - Sempre me correspondi com o Cremasco e o Mauro,
em virtude da amizade que fizemos – o Cremasco foi
colega na universidade e em folhetos de poesia que
fazíamos, assim como o Mauro, que morava e estudava
em Floripa, mas que só vim a conhecer depois que fui
morar em Curitiba - ele fazia cinema, muito inspirado em
Glauber Rocha, e escrevia em jornais e também em
revistas que ele mesmo publicava, com uma postura
constestadora que muito me agradava – chegamos, eu e
Mauro, a discutir a publicação de uma revista, que teve
um número apenas; passaram-se uns anos em que que
todos ficamos equidistantes até que, com a possibilidade
do e-mail, basicamente houve um reinício de conversa
entre eu e cada um deles e logo isso se tornou um grupo e
formou-se uma cozinha de discussão entre nós três, daí a
idéia, incentivada por eles, de editarmos uma revista.
Relutei mais de um ano porque não acreditava muito que
isso fosse dar certo devido à absoluta heterogeneidade de
idéias entre nós. A idéia por fim se impôs sobre as
diferenças e decidimos que a revista devia ser aberta e
não se caracterizar como sendo de um grupinho, como em
geral é o que acontece, devendo se diferenciar por refletir
a cena contemporânea com ecletismo de vozes,
publicando alguns consagrados e muitos novos que
julgássemos interessantes. Para viabilizar isso acertamos
que, dado o caráter aberto da revista, convidaríamos
várias pessoas para participar. Dos que convidamos
apenas a Susana abraçou a causa e alguns outros se
tornaram com o tempo colaboradores eventuais. Somouse a nós o Amir Brito Cadôr, de Santos, que agora mora
em Campinas, onde estuda Artes Plásticas, e faz a edição
gráfica da revista; e também o Paulo de Toledo, que mora
em Santos e é redator de propaganda, tem dado apoio.
Ela é deficitária, ou seja: pagamos do nosso bolso
rachando as despesas, à exceção do primeiro número que
foi pago graças a um patrocínio conseguido pelo Mauro, de
uma rede de supermercados, e que possibilitou um
arranque inicial importante. Quanto à função de cada um,
dividimos tarefas conforme nossas possibilidades; em
geral cada um tem suas leituras e traduções e sugere o
que gostaria de ver publicado. O Mauro tem feito uma
espécie de relações públicas com estrangeiros, enquanto
eu dou mais atenção aos escritores locais, a Susana faz
uma ponte na universidade, o Marco e o Amir são livres
atiradores. Vamos discutindo uma pauta que vai se
formando e fechamos a edição buscando alguns ganchos
que dêem a ela um rosto. Com a falta de grana as edições
têm se tornado anuais, o que dispersa demais a discussão,
mas possibilita que cada um use o tempo em suas
próprias reflexões, afinal editar uma revista toma um
tempo danado pois há dezenas e dezenas de pessoas
querendo publicar, saber o que achamos de seus textos e
ler isso, selecionar, traduzir, responder... toma muito
tempo, um tempo que tem que ser encontrado entre o
trabalho pra ganhar a vida e a família.
CW - A propósito, como é fazer revista com um corpo de
editores translocal, cada um morando em um lugar
diferente? Sem a informatização e a net, isso seria
possível?
AD - Moro em Santos, o Mauro e a Susana em
Florianópolis e o Marco e o Amir em Campinas. A
discussão vai se dando aos poucos por e-mail, até fechar a
edição. Já nos encontramos várias vezes e eu
pessoalmente os vejo com regularidade maior – já houve
um debate intenso em grupo mas essa possibilidade se
esgotou e creio não ser mais possível dada a diferença de
pensamento entre todos; desse modo, tenho sido o fiel da
balança coordenando a continuidade da revista, com 5
edições publicadas e a sexta em andamento – o que não
quer dizer que não tenha tido desavenças com os outros
editores – tive e as superamos, creio que porque já
éramos muito amigos bem antes de começar essa cozinha
que tem sido a revista. Com certeza fazer uma revista
como a Babel seria muito mais difícil, talvez impossível,
sem a internet e a fazemos com certa obstinação porque é
uma referência importante, um estímulo que alimenta o
trabalho de cada um.
CW - Você partiu de alguma reflexão crítica sobre o
jornalismo literário atual, uma intenção de preencher um
espaço vazio, cobrir uma lacuna, algo assim?
AD - Discutimos muito isso pois achávamos que lá por
1998 a 2000, quando começamos a pensar na Babel,
havia creio que apenas a Inimigo Rumor, muito
circunscrita a um grupo do Rio, que considerávamos
fechada, e a Medusa, de outro grupo do Paraná, com
pouco espaço, a Cult, sem espaço naquele momento e
mais comercial; havia o SL-MG, e a Dimensão. O fato é
que não era fácil ser aceito nesse clubinhos – todos
enviamos poemas a vários e não deu liga; nunca fomos
dados a lobby, de insistir até dar em alguma coisa. Diante
disso concluímos que o cenário precisava de uma revista
mais aberta, que mostrasse de forma mais ampla e crítica
a riqueza da produção contemporânea, tida por nós como
uma Babel multifacetada que não cabia mais em caixas de
ferramentas tão específicas como era o caso da Inimigo
publicando de certa forma apenas herdeiros do
modernismo e a Medusa não muito interessada em novos
desconhecidos. Era o que achávamos naquele momento.
Há uma diversidade maior de publicações hoje - Inimigo
Rumor, Sibila, Coyote, Sebastião, Rodapé, Etc, Cacto,
Rascunho, Ácaro, SL-MG, Iararana, O Escritor,
Salamandra/Camaleoa, Ponto Doc, Gazua, Cult além das
inúmeras eletrônicas e blogs que já parecem apontar a
revolução do celular, um homem, um celular – um
homem, um site…
CW - Admitida uma divisão de Babel em setores - inéditos
de autores brasileiros, traduções, artigos e resenhas,
entrevistas e depoimentos -, qual deles está mais bem
resolvido?
AD - Penso que a publicação de poesia brasileira
contemporânea está bem resolvida e sempre abrangente,
tendo alcançado um bom resultado na edição 5, a qual,
somada às anteriores, dá um painel interessante do
cenário nesta década 00; os depoimentos e entrevistas
também têm sido pontos fortes na revista, assim como as
traduções de estrangeiros contemporâneos que até
poderia ser mais ampla se tivéssemos mais espaço, no
que poderíamos reforçar ainda mais a idéia de Babel, pois
o contato facilitado com estrangeiros hoje é algo concreto
também – temos feito algum trabalho especificamente
com argentinos, mas há contatos com norte-americanos,
portugueses, franceses e escoceses. Há pouco espaço,
porém, para resenhas e críticas, sendo impossível
resenhar ou criticar tudo que sai publicado.
CW - Continuarão os debates, provocações e exercícios de
pluralismo em Babel? Há uma intenção deliberada de
procurar matérias e entrevistados que possam gerar
polêmica, de Waly Salomão a Raúl Antelo?
AD - Trata-se de um diferencial interessante e temos
buscado isso pois o que se vê em geral nas publicações
são apenas entrevistas mornas, mais empenhadas em
conhecer o escritor ou ressaltar o seu mais recente
trabalho, fato que nem por isso as torna desinteressantes,
mas pensamos que a revista deveria ter essa
peculiaridade, provocar e abrir espaço para quem quer
dizer o que normalmente não se diz. Temos tido boa
receptividade pois as entrevistas ou depoimentos de Waly
Salomão, Paulo Franchetti, Glauco Mattoso, Raúl Antelo e
Daniel Muxica têm esse diferencial de sair do lugarcomum. Mas há também entrevistas interessantes como
as de Luiz Nazário e Milton Hatoum e uma que considero
histórica pela sua abrangência e objetividade, com Boris
Schnaiderman.
CW - O que você gostou mais de publicar em Babel, quais
matérias e autores lhe proporcionaram especial prazer por
ter podido fazê-los saírem?
AD - O depoimento de Waly Salomão foi um, não só por
ser incomum uma vez que ele nunca foi dado a entrevistas
ou testemunhos como o que saiu em Babel, o que está
bem evidenciado lá. Foi um momento de sinergia
interessante, em que ele interagiu com as pessoas e o
ambiente e falou do seu trabalho e de outros. Gosto dessa
interatividade que a entrevista permite, por isso elas são
algo que me deram prazer fazer na revista. Mas não é só
isso. Não consegui, por exemplo, um depoimento do
Sérgio Rubens Sossélla, um escritor algo obsessivo que
mora no interior do Paraná e já publicou cerca de 300
livros de forma artesanal. Passei uma tarde tomando café
e conversando com ele em sua biblioteca em Paranavaí
enquanto ele fumava pequenos charutos e esse foi um
prazer que não pude dividir com ninguém porque tive que
desligar o gravador. Mas daí saiu uma amizade e uma
troca e ele passou a ser uma espécie de colaborador da
Babel pois seus textos têm sido publicados nela com
regularidade. Ou seja: o trabalho com a revista tem
possibilitado encontros, trocas, conhecimento e permitido
que não se fique no isolamento que pode levar à
estagnação. A publicação da revista levou também à
elaboração de um outro trabalho que julgo importante,
que foi o convite da Imprensa Oficial do Paraná, através
do crítico Miguel Sanches Neto, para elaborar uma
antologia que resultou no livro Passagens – Antologia de
poetas contemporâneos do Paraná, com 28 escritores, que
fiz buscando fazer um balanço da produção desses poetas
e também para expor alguns problemas, não de todos,
mas comum naquele Estado, como a sombra do Leminski
e a praga do haicai. Fora essa interatividade, há o prazer
de publicar novos autores ou que estejam subvalorizados
ou desconhecidos, mas que são interessantes, como Jairo
Batista Pereira, que ganhou um impulso positivo depois de
sair em Passagens – publicou um livro pela Editora Medusa
e teve uma seleção de poemas na Coyote, assim como
Marcelo Ariel, um poeta humilde de Cubatão que saiu em
Babel e depois na Cult e tem, com isso, obtido uma
valorização que talvez não conseguisse facilmente. Mas há
outros casos, como ter publicado poemas de Milton
Hatoum, uma entrevista com Boris Schnaiderman bem
interessante, e a possibilidade de fazer um mapeamento
da produção contemporânea diferente das outras revistas,
mas que a elas se soma.
CW - E o que falta fazer, o que precisa melhorar?
AD - O problema fundamental de uma revista como Babel
é o de como pagá-la. Já tentamos via projeto pela Lei
Rouanet mas não conseguimos captar dinheiro. Vamos
tentar novamente. Outro problema é que geralmente os
textos estão um tanto expremidos mas precisam sair
naquele espaço e naquele orçamento. Se tivéssemos
melhores condições os textos poderiam ser valorizados,
respirar melhor na revista, poderíamos melhorar a
apresentação gráfica com ilustrações que sempre
estiveram subutilizadas porque o que mais importa é o
texto e sobretudo há necessidade de aumentar o número
de páginas para pelo menos umas 180 por edição, cuja
regularidade ideal seria a semestral e não anual como
ocorre atualmente. Em termos de conteúdo, a leitura
crítica de livros e reflexões sobre poética mereceriam mais
espaço.
CW - Tiragem de algumas centenas de exemplares - isso é
inserção na elite cultural ou contingência? Há chances de
crescimento?
AD - Certamente que é contingência pois simplesmente
não existe um sistema de distribuição no Brasil que
possibilite a existência de pequenas publicações. Ou se
está ancorado numa editora que tem um catálogo e cuida
disso (como Inimigo Rumor e Sibila) ou se está fora do
mercado, mesmo porque é impraticável ficar enviando
revistas a várias livrarias e ficar administrando isso,
quando o mais importante para os poetas que se reúnem
em torno de revistas é escrever, publicar e circular seu
trabalho entre os leitores ou os que estão envolvidos com
essa atividade. Com patrocínio, no entanto, fica mais fácil,
como é o exemplo das revistas Medusa e Coyote que, sem
precisar se preocupar com seu custo (financiadas por leis
de patrocínio municipal respectivamente em Curitiba e
Londrina, possibilitando também uma tiragem maior para
distribuição), conseguiram distribuição via Editora
Iluminuras. No caso de Babel, em que praticamente a
custeamos com nossos recursos, não é possível uma
tiragem maior que 400 exemplares. Porém, com essa
tiragem atingimos nosso objetivo, que é fazer a revista
circular entre um número significativo de escritores no
país e fora dele. Ou seja, por falta de recursos a revista
acaba confinada a essa elite que você menciona mas o que
importa é que ela exista e circule pelo menos entre esse
conjunto de leitores, o que já considero uma proeza neste
país de triste miséria cultural em que nem com uma lei de
incentivo que prevê resgate de 100% do total investido
em livro se encontre empresário disposto ao patrocínio. De
minha parte não me encanto com a falácia iluminista, ou
populista, de “formar leitores”, de sair de porta em porta
vendendo esse peixe, daí que quando decidimos fazer a
revista um pré-requisito foi o compromisso de dividirmos
as despesas quando não se conseguisse patrocínio e,
resolvendo a questão da distribuição, enviá-la às pessoas
mais atuantes na área.
CW - Que lhe parece o aumento, quando não proliferação
de revistas de poesia e periódicos literários? Teria
destaques, positivos ou negativos, comentário sobre
alguns deles ?
AD - Temos hoje cerca de 10 revistas impressas dedicadas
à poesia no Brasil (Inimigo Rumor, Poesia Sempre, A
Cigarra, Azougue, Babel, Sebastião, Cacto, Sibila, Coyote
e Etc; Lagartixa e Gazua, só de poemas, e outras como
Cult, Rodapé, Teresa, Ácaro, Iararana, Calibán e
Literatura, ou jornais que a ela dedicam espaço como
Rascunho, SL/MG, O Escritor – e acho importante
mencionar também a revista Medusa, que embora tenha
se extinguido após 10 edições, de certa forma faz parte
desse cenário, também ocupado em parte por Dimensão,
graças à legião de um homem só que é o Guido
Bilharinho), o que é um número insignificante para um
país imenso como o nosso, em que a quantidade de
leitores é irrisória e de compradores menor ainda. Por
outro lado, essas publicações praticamente dão conta do
registro do que há de significativo no país
contemporaneamente e, como uma rede, umas se
somando às outras, há interligações com escritores de
outros países também. Logicamente, considerando-se que
nessa economia sem sistema literário ter 10 revistas feitas
por poetas, além dessas outras mais amplas em conteúdo,
é um acontecimento, pois várias surgiram motivadas pela
necessidade de ampliar o espaço sempre insuficiente para
acomodar novos escritores. São publicações muito
diferentes umas das outras, algumas mais importantes,
outras menos - pelo conteúdo que estampam, mas prefiro
lê-las no conjunto, de onde se extrai uma riqueza de
leituras, traduções e experiências que vão do regionalismo
desproblematizado, passando pelo esforço de continuidade
da herança modernista, e até mesmo pelo impulso pop e
contracultural vindo dos anos 60/70, que se atualiza pelo
vigor acrescentado por novos meios como a internet, sites
e blogues. Acho particularmente interessante a
experiência ocorrida com Inimigo Rumor, a mais antiga,
com 14 edições, que, depois de 10 edições, o que já é um
fato a se comemorar, passou a ser co-editada com um
grupo de Portugal, criando-se um novo influxo à sua
existência, trazendo às páginas um calor de debate que
antes não era comum, porque muito circunspecta. Na
edição 12, por exemplo, um ensaio de Marjorie Perloff
sobre como se resenha poesia nos EUA, traduzido pelos
portugueses, abriu um debate muito relevante,
perfeitamente apropriado ao Brasil, que repercutiu na
edição seguinte e teve na Cacto também uma resposta. A
herança modernista às vezes é um fardo que extrapola
dos poemas e chega a dar a ela uma aparência acadêmica,
universitária, no que acaba por ser um ótimo contraponto
para as outras revistas, mais irreverentes, que apostam
mais no risco e não estão tão preocupadas com “a obra”,
“a biografia” e outras cenouras idealizantes. Poesia
Sempre, além de estar presa aos humores oficialescos,
tem tido uma história um tanto beletrista, de e com
fiducidade na ABL, mais para uma literatura acomodada,
no que Calibán se parece com ela, assim como Literatura e
Iararana que, além disso, em doses diferenciadas,
apresentam também características regionalistas,
desproblematizadas, que as confinam. Acho muito boa
também a Sibila – num primeiro momento pareceu girar
demais em torno de Regis Bonvicino, mas cresceu em
conteúdo e seu olhar para a literatura e arte norteamericanas, contra, por exemplo, uma Inimigo Rumor
européia, é enriquecedor para nosso cenário. O
investimento de Sebastião, assim como Rodapé, em
análises das obras dos poetas em atuação é fundamental
para quem está escrevendo agora (é importante frisar isso
porque em geral faz-se isso na academia, nas
universidades, mas em geral em relação a obras que
chegaram ao ponto final da morte do escritor). Com duas
edições, considero a experiência de Sebastião, além de
inédita, interessantíssima por nos dar de forma específica
os modos de se ler os poetas contemporâneos e seus
métodos, por eles mesmos. A Cacto, com duas edições,
parece percorrer o caminho da primeira fase da Inimigo
Rumor, marcada até no formato pela circunspecção e com
ótimo investimento em poemas e reflexão sobre poéticas
brasileiras, com interesse pela geração que deu base para
a Inimigo Rumor, afinidade afinal registrada no editorial do
primeiro número. Já a Coyote, colocada ao lado dessas
revistas todas, a Babel inclusive, causa um choque pelo
tratamento visual dado ao texto, com o luxo de ter
designers gráficos, os poetas Marcos Losnak e o também
editor Joca Reiners Terron – cujo ótimo trabalho na editora
Ciência do Acidente é um capítulo à parte nesse cenário; a
poesia não é o único interesse na Coyote, pois o que a
ordena é um conceito de cultura que expande a idéia de
texto e assimila todas as manifestações artísticas, da
poesia à história em quadrinhos, semioticamente; essa
distinção em relação às outras publicações me parece
explicável pelo fato de que seus editores são jornalistas,
ou formados nessa área, possibilitando essa outra forma
de fazer uma publicação, experiência que se verificou
também na revista Medusa, embora lá a tônica visual
fosse nas artes plásticas. É interessante nessas duas a
postura contracultural e a predileção pela cultura beat. Na
nova revista Etc o trato visual é também um diferencial,
menos contaminado que na Coyote, e com exuberância
para o texto, orientada pelo interesse em “literatura &
arte”. Porém o que mais me chama a atenção em todas
essas publicações, o que é comum nelas, é a atenção que
têm dado a escritores latino-americanos - cubanos,
mexicanos e outros, mas sobretudo argentinos, mantendo
um interesse que sempre foi marcante em nossa cultura –
um dos objetivos apregoados pela Etc é o de ser uma
revista “do Brasil para as Américas”, ou algo assim,
conforme vi num informe, tal como muitas revistas já
fizeram no Brasil. Quanto à Cult, acho importante seu
papel de formadora de leitores por ser uma revista
distribuída em bancas, com outro formato – nesse sentido
também é valioso o espaço nela chamado Radar, dividido
em Gaveta de Guardados e Criação, dedicados a textos
inéditos e a novos escritores, além do que eventualmente
ela cobre com esforço o que se escreve e publica de
interessante por muitas pequenas editoras que não
existem para as grandes publicações, procurando ousar,
como na recente edição dedicada a Paulo Coelho,
resenhando sua obra e dedicando uma crítica demolidora
ao mais recente livro dele – ou indo entrevistar um autor
que ninguém quer saber, como é o caso de Mário Chamie,
ainda que meio que se desculpando por o estar
entrevistando. Finalmente, caberia uma nota ao Rascunho,
que julgo importante pelo espaço que dedica à resenha do
que se publica no mercado, variando em qualidade, mas
com cobertura que nenhum jornal mais se digna fazer; é
valioso o espaço que dá a poemas, traduções e a
entrevistas que podem ser consideradas históricas pelo
tamanho e amplitude – veja-se uma feita com Luis Vilela
ou outra com Bernardo Carvalho, entre várias outras. Seu
cacoete, porém, é um certo encanto com o opinionismo
que teve em Paulo Francis seu modelo – aquele da
“metralhadora giratória”, que parece encantar
particularmente o Polzonoff. É um jornal feito por
jornalistas – leitores -, ou seja, sob esse aspecto, de fora
do meio, pois não fiquei sabendo ainda de pretensões
literárias deles. A postura que muitos consideram belicista,
de diatribe, comprovada em artigos contra o Marcelo
Mirisola, o Sebastião Uchoa Leite e agora o Arnaldo
Antunes, prefiro ver como irreverência e acho mesmo que
eles têm a vocação de serem o Casseta & Planeta literário
nesse cenário – há um senso de humor divertido naqueles
comentários. Todas as publicações são sérias – ou
circunspectas - demais, salvo uma ponta de ironia na
Coyote e a irreverência da Ácaro – que por exemplo tem
um suplemento chamado Menas! - Suplemento de
Domingo, para gozar o Mais! da Folha e o Jornal do Brasil.
Essa postura das publicações é uma expressão sintomática
do próprio meio, que às vezes parece um pasto, tantas as
vacas sagradas – ou elefantes.. – que não podem ser
abatidas por nenhum tipo de crítica que logo se parte para
a ignorância (Mirisola quis esmurrar o editor do Rascunho
num bar) ou se motiva abaixo-assinados e movimentos
em defesa da moral e dos bons costumes das letras – há
uma contradição aí - ou tijolaços ensaísticos como os que
se sucederam em defesa do Elefante e da poesia de Chico
Alvim – que acho deliciosa (ocorridos na Folha,
particularmente no Mais! e no Jornal de Resenhas, por
Roberto Schwarz, assim como em outros veículos após
crítica feita no Estadão por Paulo Franchetti.) Trata-se, em
verdade, de um meio muito apaixonado, de aficcionados, o
que é superlegal, em que o percentual de egos blindados
por metro quadrado é muito alto, daí ser possível entender
por que essa poesia que se diz nada valer motiva tanta
raiva, como a exposta no debate circulado pela rede,
havido entre os ex-editores da Medusa e agora entre os
editores da Etc. Mas a poesia passa ao largo, como num
poema: “Vai-se/ passa por uma coluna/ e outra/ não olha/
dobra um vidro/ a última pilastra/ desaparece” – e aí está.
CW - Como é isso, reportando-me a conversas nossas e
depoimentos seus, da concentração de novas publicações
literárias na região Sul-Sudeste? Isso tem lógica, alguma
explicação?
AD - A maioria estão em São Paulo e Rio de Janeiro por
serem naturalmente as grandes metrópoles do país e
reunirem condições para isso. Mas é realmente um fato
curioso que haja uma efervescência delas, principalmente
no Paraná, onde hoje temos a Coyote (com 5 edições), a
Etc (com 2), a Babel (com 5 e a sexta em preparo –
embora não seja feita lá, ela tem quatro editores nascidos
no PR e com fortes vínculos locais), além da recente e
extinta Medusa (10 edições), do Radar (2 edições, pela
Imprensa Oficial do PR) - certamente lastreadas numa
tradição marcada pelas mais importantes que são:
Joaquim, publicada por Dalton Trevisan nos anos 1946-8
(recentemente reeditada integralmente tal como era, pela
Imprensa Oficial do PR), Nicolau, tablóide publicado nos
anos 80 por Wilson Bueno, Raposa, tablóide publicado por
Miran nos anos 80, Ran (publicada em Londrina pelos
editores da Coyote, nos anos 80) e até mesmo a
estupenda revista Gráfica, a mais importante, creio, da
América Latina, na área de artes gráficas/arte (mais de 40
edições, ainda circulando, editada por Miran – há uma
edição especial nas bancas, publicada pela Escala).
Ou seja, pode-se sugerir que essa tradição seja
disseminante pois é impossível fazer uma publicação de
qualidade no Paraná desconhecendo a riqueza dessas
outras que são exemplares na forma como se colocaram
em seu tempo, sem se afundar no regionalismo e no
bairrismo mediocratizante e dialogando com o melhor que
se fazia no país e fora dele.
O Paraná é um Estado de colonização recente – veja-se o
caso do hoje rico norte do Estado em que há cidades como
Londrina e Maringá, que têm cerca de 50 anos de
fundação - a literatura produzida no Paraná esteve sempre
circunscrita a Curitiba, por ser capital e por estar integrada
de forma sistêmica à vida nacional, enquanto que o
interior do Estado, de colonização incipiente, cujas maiores
cidades têm poucas décadas de existência, somente
começou a ter escritores e vida cultural muito
recentemente. Muitas dessas publicações têm sido feitas
por escritores oriundos desse velho oeste (o poeta
Sossélla tem grande prazer em se imaginar um pistoleiro
em seus poemas, tributário do cinema clássico mas
também dessa vida no interior), que hoje é uma região de
grandes cidades industrializadas, em que a pobreza não é
tão evidente quanto em outros locais, embora exista, e
que tem produzido artistas e escritores cuja obra é
marcada pela crítica social e política e pela irreverência:
Cambé, Arrigo Barnabé, Domingos Pellegrini Jr, Wilson
Bueno, Itamar Assumpção, Laerte, entre tantos outros,
aos quais se somam os das novas gerações.
No Rio Grande do Sul curiosamente não têm havido – pelo
menos que eu saiba – revistas como essas comentadas
aqui, embora lá haja um importantíssimo e muito peculiar
mercado editorial que tem vida própria, com escritores,
editoras e o que é mais incrível, leitores. Há, claro, o
Eduardo Sterzi, que é gaúcho, mora em São Paulo e coedita com o Tarso de Melo a Cacto, fato esse que não quer
dizer nada naquela revista. Já em Santa Catarina há várias
editoras que surgiram nos últimos anos ou década e têm
publicado poesia, como a Semprelo, depois transformada
em Letras Contemporâneas, cujo editor é o Fábio
Brüggemann, ou a Letradágua, do Joel Gehlen, atualmente
fazendo um trabalho mais importante que a Semprelo ao
publicar poesia. No entanto lá também não têm havido
revistas, embora haja um movimento no sentido de mudar
isso, cuja tentativa importante foi a Linguarudos,
publicada por Dennis Radünz e Joel Gehlen no final de
2000, mas que não teve continuidade, embora tenham a
intenção de retomá-la este ano, o que seria um fato
importante, tendo em vista que as publicações lá
existentes que se dedicam à literatura e às artes, salvo
uma ou outra exceção na universidade (Cadernos de
Tradução, Travessia, Boletim do Nelic), são oficiais e
inócuas e enterradas no bairrismo. A título de fait divers,
como em Florianópolis moram dois dos editores da Babel,
ela já foi chamada de catarinense nos jornais locais,
segundo essa forma de pensar e apropriar das culturas
locais, que é muito forte fora dos grandes centros mais
urbanizados São Paulo e Rio, o que considero um
problema pois é engessante do pensamento ao cair no
regionalismo estéril, muitas vezes rural, sem
problematização, reforçado pelas falácias da globalização.
CW - Para terminar, faça comentários sobre periodismo
eletrônico em geral e Agulha em especial. Aliás, a
propósito, conexão ibero-americana o tem interessado? E
conexão lusófona?
AD - A Internet de fato proporcionou uma revolução de
comunicação pois as mais diversas e impensáveis revistas
estão às nossas mãos no mundo todo, o que é um
problema, pois mal damos conta de lermos os livros e
publicações impressas. Mas não poderia ser diferente, pois
é muito mais simples e econômico fazer uma revista
eletrônica que uma impressa, além do que o público que
se atinge é infinitamente maior – o trabalho de contatos
com o público e escritores e sua elaboração é o mesmo, a
diferença fundamental está na sua finalização e circulação.
Essa nova realidade exige versatilidade de leitura, seleção
e compreensão de ainda mais línguas e linguagens, o que
é desafiador e estimulante pois está havendo uma
intensificação de criatividade com a proliferação de meios.
Escreve hoje para a gaveta quem quer, não por imposição
– ainda que se possa encontrar gente que escreve à mão
por impossibilidade econômica, social e política de acesso
a um computador, conforme vi recentemente em Cubatão.
Tenho acompanhado o trabalho de alguns sites e revistas
eletrônicas, muitos de forma esparsa, caso dos
portugueses, de língua espanhola e outros. No Brasil leio
regularmente a Agulha, na qual já tive ensaio publicado,
com alguns ganchos em outras revistas amigáveis como o
TriploV, acompanho a Tanto, a Weblivros e sempre dou
uma olhada em outras publicações. Ou seja, tenho uma
relação de leitor com esse meio uma vez que não me
interessei em participar dele criando um site, um blogue
ou uma revista eletrônica, ainda que temos pensado em
disponibilizar as edições da Babel na rede. Sei que há aí
um terreno imenso de possibilidades a se explorar, porém
falta tempo para isso e tem sido divertido essa
excrescência que é fazer uma revista impressa, o que, por
enquanto, tem nos bastado. No caso da Agulha, gosto da
interatividade que há nela, o tratamento gráfico é
primoroso e as seções “galeria de revistas” ou “revistas
em destaque” são de uma importância de registro histórico
incomum, assim como o conteúdo, com particular
destaque para o material sobre surrealismo, investindo
num campo pouco valorizado no Brasil. Por fim, a porta de
entrada que se abre para o mundo hispânico nela com
links para outras publicações é instigante, estendendo um
trabalho do Floriano Martins com essas publicações que já
tive oportunidade de ver exposto.
[diálogo realizado em julho de 2003]
Babel
Revista de poesia, tradução e crítica
Editor: Ademir Demarchi
Co-editores: Marco Aurélio Cremasco, Mauro
Faccioni Filho e Susana Scramim
Redação: Rua Almirante Barroso 54/33 Campo
Grande
Santos 11075-440 Brasil
Contato: [email protected]
.
.
revistas em destaque
..
corner (estados unidos)
diálogo entre carlota caulfield &
maria esther maciel
Carlota Caulfield é uma poeta afeita
à diversidade. Cubana, de
ascendência irlandesa, nasceu em
Havana, em 1953. Viveu em várias
cidades européias e norteamericanas e atualmente leciona
literatura espanhola e latinoamericana no Mills College de
Oakland, California. Em diálogo com
as poéticas de vanguarda e com
várias tradições do passado, como a
arte renascentista, o barroco
hispânico, a literatura greco-latina e o ocultismo medieval,
ela vem construindo uma obra poética marcada pela
experimentação de formas, pela ousadia temática, pela
exuberância da linguagem e por uma erudição altamente
criativa. É autora dos livros: Fanaim (1984), Oscuridad
divina (1985 & 1987), A veces me llamo
infancia/Sometimes I call myself childhood (1985), El
tiempo es una mujer que espera (1986), 34th Street &
other poems (1987), Angel Dust/Polvo de Angel/Polvere
D'Angelo (1990), Visual Games for Words & Sounds.
Hyperpoems for the Macintosh (1993), Libro de los XXXIX
escalones/Libro dei XXXIX gradini (1995), Estrofas de
papel, barro y tinta (1995), A las puertas del papel con
amoroso fuego (1996), Book of XXXIX steps, a poetry
game of discovery and imagination. Hyperpoems for the
Macintosh – CDROM (1999), Quincunce (2001),
Autorretrato en ojo ajeno (2001), At the Paper Gates with
Burning Desire (2001) e Movimientos metálicos para
juguetes abandonados (2003). Recebeu vários prêmios
literários, dentre eles o Prêmio Internacional "Ultimo
Novecento" (Italia, 1988), o Prêmio Internacional
"Riccardo Marchi-Torre di Calafuria" (Italia, 1995) e o
Primeiro Prêmio de Poesia Hispano-americana "Dulce
María Loynaz" (Espanha, 2002) além de mençõs honrosas
no "Premio Plural" (México, 1992), no Premio Internacional
"Federico García Lorca" (Estados Unidos-España, 1994) e
no “Latino Literature Prize”, do Instituto de Escritores
Latino-americanos de New York, em 1997. É também
editora da revista eletrônica Corner
(http://www.cornermag.org), publicação inteiramente
dedicada às vanguardas internacionais e latinoamericanas. Na entrevista que se segue, Carlota Caulfield
fala sobre a pluralidade temática e formal de seu trabalho,
seus trânsitos em várias tradições, a experiência do exílio
e as vozes femininas da poesia cubana contemporânea.
[M.E.M.]
MEM - Pode-se dizer que a sua poesia, ao manter um
diálogo criativo com diferentes campos do saber, é um
convite sempre instigante ao exercício da pluralidade.
Você não circunscreve sua palavra ao espaço apenas da
literatura, mas busca na filosofia, nas ciências ocultas, nas
artes plásticas e visuais, nas tecnologias contemporâneas
e na história muitos elementos para o seu processo de
criação. Você poderia falar um pouco sobre essas
interseções de sua poesia com outras áreas?
CC - Minha poesia é um coro de muitas vozes, uma pele
com múltiplas tatuagens. Severo Sarduy definiu sua
escritura como travestismo, metamorfoses contínuas,
referências a outras culturas, mescla de idiomas, múltiplos
registros de vozes, enfim muitos gestos. Estas idéias de
Sarduy me seduzem e se aplicam perfeitamente à minha
poesia. Com registros diferentes, minha poesia celebra
muitos gestos.
Na primavera de 1997, a revista norte-americana ANQ
editou um número especial dedicado à influência da poesia
norte-americana na obra de escritores hispânicos. Edward
Stanton, o editor desse número, convidou-me para
colaborar. Eu não queria escrever um ensaio tradicional,
pois isso não iria responder à minha verdadeira relação
com a literatura norte-americana. Ou talvez deva dizer,
em meu caso, a cultura norte-americana. Ocorreu-me um
ensaio bastante livre, à maneira de uma colagem, a que
dei o título de “From Mickey Mouse to Jack Foley; Chorus
with Multiple Tattoos” (De Mickey a Jack Foley. Coro com
múltiplas tatuagens). Digo que nesse ensaio apareceram
muitos autores, músicos e personagens de cartoons... me
fascina o que disse John Cage sobre as influências em
suas composições, esse “Here Comes Eveybody” que o
compositor norte-americano tomou emprestado do
Finnegans Wake de James Joyce. Assim que meu HERE
COMES EVERYBODY inclui Mickey Mouse, o Gato Félix,
Super Pipo (Goofy), Edgar Allan Poe, T.S. Eliot, Ezra
Pound, Henry Miller, Anaïs Nin, Anne Sexton, Mina Loy,
Isaac Bashevis Singer, Autor desconhecido, Louis
Armstrong, Billie Holiday... para citar apenas alguns dos
convidados à festa. Creio que meu pai, Francis Caulfield,
foi quem me iniciou nessa dança de vozes. Não só
alimentando meu apetite com certos clássicos da literatura
norte-americana, mas também com a música.
Talvez tudo venha de minha extraordinária paixão pelos
dicionários. Meu grande tesouro quando eu tinha 7 anos
era um Larousse ilustrado que eu protegia com intensa
paixão. Também descobri na curiosa biblioteca de nossa
casa um livro sobre Paracelso. Assim começou minha
paixão pelos alquimistas. Anos mais tarde, em 1981,
quando vivia em Zurique, não apenas me deleitei
enormemente passeando pelos portais em que Paracelso
havia pisado, como também pude consultar alguns
tratados originais de alquimia na Biblioteca Central da
cidade. Se você for ao meu Libro de los XXXIX escalones,
um dos poemários mais “tatuados” de minha obra, vai
encontrar muitas referências à alquimia, à pintura – em
particular a surrealista (o livro está dedicado à pintora
Remedios Varo) – e ao autobiográfico. Além das edições
limitadas desse livro (uma em espanhol-inglês, publicada
em Los Angeles; e a outra, em espanhol-italiano,
publicada em São Francisco-Veneza,), o Libro de los
XXXIX escalones saiu também em formato CD-Rom, em
1999, com o subtítulo: “ a poetry game for discovery and
imagination”, pela InteliBooks, na Califórnia. O formato
multimídia é quase ideal para o tipo de poesia que gosto
de fazer, um tipo de poesia hipertextual. O mais
importante desses poemas eletrônicos é que são
interativos. Cada ação do "leitor" -- clicar uma tecla,
apertar um botão eletrônico no mouse, etc.-- gera uma
reação do poema. Textos que estavam ocultos se mostram
ou adquirem vida própria e algumas vezes são
acompanhados de música e sons. De fato, grande parte do
livro está oculta à primeira vista e depende da curiosidade
do leitor descobrir esses aspectos de hipertextualidade e
intertextualidade latentes nos poemas. Meus trinta e nove
poemas dialogam com a pintura renascentista, a poesia
sufí, a alquimia, o misticismo judeu, a vanguarda e minhas
memórias pessoais, tanto escritas como fotográficas. O
livro foi criado como homenagem ao labirinto da
imaginação e aos meus gatos, em particular a Amach,
felino adivinho com poderes de parapsicologia, um total
mestre Zen, que morreu em setembro do ano 2001.
O teatro e a performance também influenciaram minha
obra, mas acho melhor não entrar nesse tema, porque
ainda há outras perguntas pelo caminho.
MEM - Um outro aspecto de seu trabalho poético é o
experimentalismo. Você tem buscado sempre novas
configurações de linguagem para seus textos, sobretudo
no campo das tecnologias contemporâneas. Como você
definiria sua relação com as estéticas de vanguarda?
CC - No que se refere ao experimentalismo, cito como
exemplo de uma de minhas primeiras aventuras no
computador o disquete Visual Games for Words & Sounds.
Em 1993, desenhei com Servando González esse livro
eletrônico de hiperpoemas, aos quais chamei collaged
poems, termo do poeta norte-americano Jack Foley. Esse
livro experimental foi pensado como uma homenagem à
vanguarda internacional e ao misticismo. Há poemas na
linha DADA que jogam com idéias budistas, referências à
literatura espanhola medieval e a Joyce. Neles, Cage volta
a ser uma presencia importante, assim como a música do
compositor norte-americano Alvin Curran. Há poemas em
inglês, alemão, espanhol e italiano. Os poemas ainda
fazem uma homenagem à dança moderna (eu havia
assistido a uma oficina de dança com uma aluna de Alvin
Alley e me sentia inspirada) e, como sempre, trazem
também o autobiográfico. Desse modo, viajei por
diferentes temas e experiências que estão muito
relacionadas com minha vida. Foi muito divertido criar
esses jogos visuais, que hoje já são parte do passado.
Impossível vê-los nos novos computadores. Talvez
possamos falar de uma arte efêmera de computador. Meus
collaged poems foram um produto típico de nosso tempo,
onde tudo padece de una rápida condição de perecimento.
Poderíamos seguir falando de experimentação por muito
tempo. Sou uma apaixonada pela vanguarda, tanto a
européia quanto a hispano-americana, e desde o ano de
1994 tenho estado muito atenta ao que acontece na
poesia experimental catalã. Passei longas temporadas em
Barcelona e pude participar do movimento catalão de
poesia experimental. Entre meus bons amigos catalães
estão alguns poetas visuais como Xavier Canals. Barcelona
foi, desde 1890, um centro importante de poesia
experimental (pensemos nos caligramas de Antoni Bori i
Fontestá e nos caligramas e poemas visuais de Josep
María Junoy y J.V. Foix), e é hoje em dia um dos centros
mais dinâmicos de poesia experimental do mundo. Você
encontra na Catalunha um movimento de polipoesia que
tem uma grande força. O termo poesia experimental, no
caso, reúne muitas tendências: poesia visual, poesia
concreta, poesia objeto, poesia sonora, poesia fonética,
poesia vídeo, poesia ação. Alguns dos poetas mais
conhecidos são Joan Brossa e Guillem Viladot. Outros
poetas inovadores são Xavier Sabater, Carles Hac Mor,
Esther Xargay, Enric Casassas, Albert Subirats, Bartomeu
Ferrando, Pere Sousa, Josep M. Calleja e Eduard Escoffet.
Eu mencionaria ainda meu trabalho como editora de
Corner, revista eletrônica dedicada a la vanguarda
(http//www.cornermag.org). Corner nasceu graças ao meu
interesse pela poesia visual catalã e ao grande estímulo de
Xavier Canals e do fotógrafo Teresa Hereu. O primeiro
número do outono de 1998 foi dedicado à vanguarda
catalã, e nela os leitores podem ler uma entrevista chave
de Canals com Brossa. No ano de 1999, participei com
Corner na exposição Poesía visual catalana, organizada
por Calleja e Canals, que foi inaugurada em 1999 no
Centro de Arte de Santa M. Essa exposição também
poderia ter sido intitulada Here Comes Everybody from
Cataluña, já que estavam também presentes Ramon Llull
com algumas de suas “figuras combinatórias”. Como você
pode ver, sempre trato de estar em companhia dos
experimentalistas.
MEM - Você mencionou agora há pouco a presença do
trabalho da artista Remedios Varo em um de seus livros e
acaba de confessar sua paixão pelas vanguardas. Daí a
inevitável questão: qual é a importância do surrealismo
para a sua poesia?
CC - Esta pergunta me leva ao ano de 1995, quando
ganhei na Itália o prêmio Riccardo Marchi por uma coleção
de três poemas em espanhol e italiano (traduzidos por
Pietro Civitareale). Chamou-me a atenção o fato de a
comissão julgadora ter considerado o “Para Cornelius” um
texto surrealista. A verdade é que, quando o escrevi não
pensei na poesia surrealista, mas na música experimental
norte-americana e inglesa, que escutei ao escrevê-los.
Não creio que minha poesia tenha muito do surrealismo.
Nela há muitas presenças. Diferentes críticos a chamaram
de confessional, pós-moderna, etc. A verdade é que eu
adoraria ser mais surrealista. Me fascinam alguns poemas
surrealistas de amor escritos por Louis Aragon, René Char,
Robert Desnos, Paul Eluard, Joyce Mansour, Alice Paalen,
Benjamin Péret, assim como as receitas de Remedios Varo
para quem quer ter sonhos eróticos.
MEM - Um dos aspectos que mais me chamaram a atenção
em seu livro A las puertas del papel con amoroso fuego é
o uso de estratégias ficcionais. Você cria cartas apócrifas
de personagens históricos e literários, reinventa essas
personagens e forja relações amorosas entre elas. Essa
prática do artifício, da encenação de subjetividades
fictícias, que aponta inegavelmente para os escritos de
Fernando Pessoa e Borges, não tem sido muito explorada
pela poesia contemporânea, mas permanece no campo da
narrativa de ficção. Eu gostaria que você discorresse um
pouco sobre a presença dessas estratégias em sua poesia.
CC - O poeta e crítico Jack Foley disse uma vez que eu era
una poeta-arqueóloga. Embora eu deteste qualquer tipo
de classificação, essa denominação me encantou. Durante
minha adolescência eu quis ser, além de ser alquimista,
atriz; e depois, mais que arqueóloga, antropóloga. Mas ao
final, o que estudei na Universidade de Habana foi
Historia, para depois dedicar-me à literatura, nos Estados
Unidos. Daí talvez me venha essa paixão por rastrear, por
descobrir marcas deixadas por outros, em particular por
outras mulheres.
A las puertas del papel con amoroso fuego é um livro que
se inspira em parte nas Heróidas de Ovidio. Uma de
minhas leituras preferidas de todos os tempos foi A arte
de amar, de Ovidio. Como você se lembra, nesse livro o
poeta convida à leitura de Anacreonte, Safo, Menandro,
Propércio, Tíbulo, Virgílio, e outros poetas clássicos. Ele
também convoca as “estudantes” para ler seus Amores e
as Heróidas, sobretudo porque o segundo livro é um
gênero novo do qual se considera inventor (Ignotum hoc
aliis ille novavit opus). Bem, Ovídio, contrariamente a
outros poetas (veja o caso de Propércio, que fala de sua
dívida poética com Calímaco) não se declara herdeiro de
nenhum outro poeta na criação de suas Heróidas. Isso é
certo, se bem que já existiam as elegias latinas, como as
de Propércio, que falam sobretudo do poeta como amante.
Entretanto, o que faz Ovídio em suas Heroides epistolae é
totalmente revolucionário. Ele explora os detalhes das
histórias de suas famosas heroínas (Medéia, Ariadna,
Fedra...) e as transforma em amantes modernas,
especialistas na arte da retórica, com personalidades
muito definidas, distintas umas das outras.
Digo que sou uma discípula moderna de Ovídio, a ele devo
minha inspiração para o poemário A las puertas... Como
nas Heróidas, meus poemas têm o eco do famoso odi et
amo de Catulo (outro de meus mestres). Minhas heroínas,
como a Fedra de Ovídio, falam da escrita como uma
paixão que domina todo tabu, toda modéstia, conseguindo
o que o discurso oral torna impossível. O livro começa com
um verso de Safo que diz: “y rota / calla la lengua,
mientras la mano escribe”. A las puertas... está composto
de 37 cartas de mulheres conhecidas e desconhecidas. Há
nelas uma espécie de “tragédia lúdica” que aprecio muito,
já que o amor é precisamente isso.
Devo retomar o fio de tua pergunta e responder que sim,
que reinvento essas personagens de muitas maneiras
diferentes, embora eu celebre muito de suas vozes reais. É
possível encontrar no livro um gênero epistolar peculiar
através dessa prática do artifício a que você se refere. O
leitor se depara com referências a cartas existentes de
mulheres famosas (Lucrecia Borgia, Isadora Duncan, Rosa
Luxemburgo, Carolina Lamb, Flora Tristán, Gertrudis
Gómez de Avellaneda) que se confundem (apesar dos
embustes que uso muitas vezes para distinguir os textos
reais dos imaginários) com minhas próprias invenções e
fantasias. Entre essas mulheres não podia faltar a famosa
Sóror Mariana de Alcoforado, aquela monja portuguesa do
século XVII, cujas cartas causaram grande tumulto, e que
mais tarde inspiraram um texto chave na historia do
feminismo português: as Novas cartas portuguesas (Livro
das três Marias) de 1971, obra escrita por Maria Isabel
Barreño, Maria Teresa Horta ee Maria Velho da Costa,
considerada uma obra-prima e censurada quase de
imediato pelo governo português.
Você menciona Pessoa e Borges, os grandes mestres da
ficção. Interesso-me sobetudo pelas máscaras líricas, daí
que a heteronímia e as ideologias estéticas de Pessoa
sempre tenham me seduzido. Embora tudo já esteja nos
poetas malditos, esse “ser el otro que es uno mismo para
ser además ‘je suis plusieurs’”. Nas ficções de Borges há
uma consciência irônica de armadilhas e abismos, que me
inspira. Definitivamente, sou partidária do sujeito múltiplo.
Meu poemário Oscuridad divina é outro jogo de máscaras.
É um livro de 1985, data em que me inicio no “eu sou
outras”, mas não com mulheres reais da história, mas com
deusas da mitologia universal, muitas delas pouco
conhecidas.
Tanto Oscuridad divina quanto A las puertas navegaram
com boa sorte no mundo literário, com prêmios e várias
edições em diferentes idiomas. A editora InteliBooks
publicou, em outubro de 2001, uma edição bilíngüe
(español/inglês) de A las puertas... Já Oscuridad foi
publicado na Itália em 1990, alguns anos depois de que
receber o Premio “Ultimo Novecento” de Poesia.
MEM - Ainda com relação à questão do jogo de
subjetividades, como você explicaria o paradoxo do título
de seu último livro, Autorretrato en ojo ajeno? Seria mais
um exercício de “otredad”?
CC - Você torna a me colocar no olho alheio... a refletir
sobre meus olhares. A verdade é que esta é uma pergunta
difícil, mas tentarei respondê-la.
A abetura do livro é a chave de muitos poemas do
mesmo. Optei por colocar nela um de meus quadros
favoritos, que está no Kunsthistoriches Museum, de Viena,
e se chama Autoritratto nello specchio convesso, de
Francesco Mazzola, conhecido como Parmigianino (15031540). Comecei a escrever os poemas desse livro
precisamente em Viena, depois de uma visita de mais de
três horas ao meu amado quadro. O livro está dividido em
duas partes: En un espejo convexo e Tríptico de furias.
Pessoa aparece mencionado em um dos poemas, que se
intitula “Desde una ventana de San Francisco”.
Mas voltemos ao quadro em que Parmigianino olha o que
o olha em um exercício de “otredad”, com um certo
desafio irônico. Meu livro é esse olhar-me e descobrir-me
em um jogo de sombras chinesas: “Hasta el eje sediento
de mi centro / no existe ningún espejo claro”. Em meus
poemas o sujeito poético usa um disfarce para não ser
descoberto de todo, mas também o tira para ser
descoberto. Autorretrat... é ao mesmo tempo um livro de
poesia erótica e uma homenagem à pintura.
MEM - Quais são os seus “livros de cabeceira”? E em que
intensidade os autores que você ama interferem em seu
próprio processo criativo?
CC - Meus livros de cabeceira são muito variados. O
Oráculo manual y arte de prudencia, de Baltasar Gracián,
me ajuda a sobreviver dia a dia, e a não morrer presa nas
intrigas e no caos do mundo. Outra de minhas bíblias é Il
Grande Lupo Alberto, um livro dedicado ao famoso e
simpático lobo italiano criado por Silver. Este é um livro
em quadrinhos que me faz feliz. Outros livros que têm me
acompanhado durante muito tempo são Zen in the Art of
Archery, de Eugen Herrigel; uma antologia de poesia
irlandesa; um livrinho de haikais; uma tradução para o
inglês da poesia completa de Catulo; Open Closed Open,
antologia da poesia de Yehuda Amichai; De umbral a
umbral, de Paul Celan; Variaciones sobre el pájaro y la red
con La piedra y el centro, ensaios de José Angel Valente; a
correspondência entre Maiakovski e Lili Brik, bem como a
de Kurt Weill com Lotte Lenya. Também El pulso de las
cosas, antologia poética de Henri Michaux, e La casa de
cartón, de Martín Adán.
Eu diria que Valente, Celan y Amichai me ensinam a ser
poeta. Há outros autores que me apaixonam, entre eles
Trakl, mas prefiro não seguir acrescentando nomes à lista,
já que teria que ir à Idade de Ouro espanhola e à poesia
italiana.
MEM - Como você avalia, em termos gerais, a poesia
latino-americana de hoje? Quais seriam as principais
linhas de força da produção poética de nosso continente?
CC - A poesia latino-americana que mais conheço é a
mexicana. Sempre me interessei muito pela geração dos
Contemporâneos, em particular José Gorostiza e Gilberto
Owen (latino-americano-irlandés como eu). Também fui,
há muitos anos, uma leitora voraz de Octavio Paz. Dos
poetas mais jovens, digamos dos nascidos depois dos anos
quarenta, tenho alguns favoritos: Francisco Hernández,
Coral Bracho, David Huerta, Elva Macías,Gloria Gervitz,
Pura López Colomé e Eduardo Milán, entre outros.
Do Brasil: Cecília Meireles, Adélia Prado e Maria Esther
Maciel. Nos últimos meses tenho lido Floriano Martins. Da
poesia argentina conheço bem a obra de Alejandra
Pizarnik e Luisa Futoransky.
A segunda parte de tua pergunta me obrigaria a assumir o
papel de crítico literário e, além disso, não creio que
conheça o suficiente de poesia latino-americana para
respondê-la.
A única coisa que posso comentar é que encontro na
poesia latino-americana muita ousadia iluminadora. Há
poetas que me surpreendem constantemente com suas
explorações da linguagem, em seu dizer barrocosurrealista, em seu equilíbrio e sua desmesura.
MEM - Você poderia falar um pouco sobre a poesia cubana
feita nos Estados Unidos? Como você trabalha a questão
do exílio em sua própria poética?
CC - Da poesia cubana escrita em espanhol nos Estados
Unidos a que mais me interessa é a escrita por mulheres,
com a exceção da poesia de José Kozer e Jesús J. Barquet.
Tenho me dedicado ao estudo crítico da obra de Juana
Rosa Pita e Magali Alabau. Na poesia de Pita há muita
inovação idiomática e uma linguagem coloquial que me
atraem. Encontramos em sua obra uma grande
insatisfação com a história oficial, e ela, com grande
ousadia, a reescreve através do mito. Suas propostas
inovadoras estão bem representadas em Viajes de
Penélope y Crónicas del Caribe. Já Magali Alabau é uma
das poetas cubanas mais transgressoras da atualidade.
Sua poesia é herdeira de sua experiência cênica, já que a
poeta se dedicou durante vários anos (tanto em Cuba
quanto em Nova York) ao teatro, como atriz e diretora. Me
interessa também em Alabau a sua reescritura audaciosa
dos mitos clássicos a partir de uma posição feminista. Isto
vemos sobretudo na sua Electra, Clitemnestra. Mas seus
livros La extremaunción diaria e Ras é que se destacam
como obras essenciais para se entender a realidade
alienante e insuficiente que rodeia o escritor exilado. A
cidade de Nova York é o espaço principal onde a poeta
conduz seus enfrentamentos humanos/sua busca do ser.
Alabau transtorna os pontos de referência do considerado
“normal” e cria dimensões espantosas a partir do olhar do
sujeito poético insatisfeito, um sujeito que se vale do
paradoxo, da ironia e do humor negro para ler a cidade e
a casa/corpo, a partir de zonas de excentricidade.
Também me interessa muito o tema da violência nessa
poesia.
Outras poetas relevantes são Maya Islas, Alina Galliano y
Lourdes Gil. Publiquei dois livros dedicados às poetas
cubanas da diáspora: Web of Memories, Interviews with
Five Cuban Women Poets e Voces viajeras, que é uma
antologia voltada para o tema da peregrinação e da
viagem em poetas cubanas. Nela incluo também outras
poetas que não vivem nos Estados Unidos.
Meu primeiro livro, 34th Street and other poems, escrito
em Nova York nos anos oitenta, pode ser inserido, em
parte, dentro do espaço da poesia cubana da diáspora,
quanto ao tema da nostalgia. É um livro dedicado à minha
mãe e que narra poeticamente muitas de minhas
experiências na cidade de Nova York. Não com o
dilaceramento que encontramos na poesia de Alabau, mas
com um olhar crítico, e até certo ponto harmonioso, de um
sujeito poético em viagem de descoberta e de
rememoração da infância. Cheguei a Nova York, saída de
Zürich, em 1981, e embora minha vida não tenha sido um
paraíso do ponto de vista material, Nova York foi meu
espaço cosmopolita de iniciação como poeta, uma
moderna urbe que me enriqueceu culturalmente.
O resto de minha obra deixa para trás essas referências do
exílio, até o Libro de los XXXIX escalones, no qual
regresso a Havana e a Zürich, e sobretudo à minha
meninice. Mas, agora, através de jogos alquímicos e
leituras de quadros surrealistas. Jesús J. Barquet, um dos
críticos que com maior argúcia estudou minha poesia,
disse que grande parte de minha obra resulta excêntrica
dentro da poesia cubana do exílio, mas ao mesmo tempo
trata de encontrar traços do cubano em minha poesia a
todo custo, como um bom detetive. Barquet disse que
meus malabarismos e exotismos não foram nunca alheios
à poesia cubana, e menciona Julián del Casal e José
Lezama Lima. O livro de Barquet, Escrituras poéticas de
una nación: Dulce María Loynaz, Juana Rosa Pita y Carlota
Caulfield, publicado em Havana pelas Edições Unión em
1999, é uma boa fonte para os leitores que se interessem
em rastrear minha identidade cubana. Definitivamente,
não me interessa defender nenhuma identidade em
particular, talvez a única que me atreva a defender seja a
de poeta.
Corner
Revista eletrônica
http://www.cornermag.org
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revistas em destaque
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arquitrave (colombia)
diálogo entre harold alvarado
tenorio & floriano martins
FM - ¿Cómo y porque surgió la
idea de hacer una revista como
Arquitrave?
HAT - En Colombia hay muy pocas
revistas dedicadas en exclusivo a
la poesía. Las mejores sin duda
fueron las que hicieron durante los
años setentas Elkin Restrepo, José
Manuel Arango y Luis Fernando
Macías en Medellín. Pero las otras que han existido pecan
gravemente por ser instrumentos de envanecimiento, celebran
en exclusivo a sus directores y colaboradores. Arquitrave quiere
romper esa tradición, publica sólo textos inéditos y circula entre
suscriptores, garantizando su independencia de los poderes
culturales nacionales que son funestos en el caso colombiano.
FM - ¿Puede una revista sobrevivir sólo de suscripciones?
HAT - He tratado de que Arquitrave sobreviva solo de sus
suscriptores y hasta el momento lo he logrado. No se si en el
futuro pueda hacerlo. De allí que extreme la campaña de
suscripciones. A pesar de no tener apoyo oficial ni privado
algunas entidades culturales nacionales e internacionales me
ayudan con la compra de varias suscripciones. Eso sucede por
ejemplo con la Biblioteca Luis Ángel Arango o con el Instituto
Iberoamericano de Berlín, por citar dos casos solamente. Espero
poder contar con mas apoyo en el futuro.
FM - ¿Tiene un comité de redacción Arquitrave?
HAT - No, yo hago todo el trabajo de recolección y selección de
textos, como hago todo el trabajo de diagramación e impresión.
Lo único que no hago es el refilado, pero también me ocupo del
envío postal. De manera tal que estoy dedicado en exclusivo a
esa pequeña aventura.
FM - ¿Como elige los textos?
HAT - Trato de equilibrar cada número no con mis gustos sino
con los niveles de calidad de los textos que logro recoger. Y que
me envían los poetas. En cada número hago un pequeño
homenaje a un poeta vivo o muerto, y publicó poetas de todas
las partes que puedo.
FM - ¿Y de Brasil?
HAT - Trato de poner un poeta del Brasil en cada edición, pero es
difícil. Los traductores, los buenos traductores no abundan.
Ahora por ejemplo estoy preparando un homenaje a Alberto da
Costa e Silva, uno de los poetas brasileños mas queridos en
Colombia, donde fue embajador. Pero en general no mes es fácil
esa labor de difundir una poesía tan importante como la
brasileña y tan desconocida entre nosotros. Seguiré insistiendo.
FM - ¿Que ayuda necesita entonces?
HAT - Que los poetas se comuniquen conmigo y que me ayuden
a difundir la revista, tanto la impresa como la virtual. Le ruego
poner aquí mis direcciones: www.arquitrave.com y
[email protected] para que me escriban.
Arquitrave, revista colombiana de poesía publicada, impresa y
virtual, en Bogotá, por el poeta Harold Alvarado Tenorio, ha
cumplido sus primeros dos años de vida. El nombre de la revista
parece ser un homenaje al poeta español Jaime Gil de Biedma.
Uno de sus poemas de los años sesenta se titulaba precisamente
El arquitrabe, una suerte de metáfora de los impedimentos y
prohibiciones sociales y eróticos que padecía el poeta bajo el
franquismo.
Arquitrave se publica cada dos meses y difunde la poesía de
todos los tiempos, en especial, la que se escribe en nuestra
lengua. A la fecha ha realizado, entre otros viarios, homenajes a
poetas como el habanero Gastón Baquero, el sevillano Luis
Cernuda, el perseguido político del castrismo Raúl Rivero, el
alejandrino Konstandinos Kavafis, el sanonofreño Giovanni
Quessep, el chino Bai Juyi, los alemanes Ingeborg Bachmann o
Hans Magnus Enzensberger, el indio Mudnakudu Chinnaswamy,
el madrileño Luis Antonio de Villena, la uruguaya Cristina Peri
Rossi, el palestino Madmud Darwish, el brasileño Affonso
Romano de Sant’Anna, la australiana Margie Cronin, el griego
Atanasio Niarjos, la sueca Karin Boye o el colombiano Jader
Rivera. En el número doce que está en circulación, se celebra al
mexicano José Emilio Pacheco, al lusitano Jorge de Sena y al
griego Napoleón Lapathiotis.
Harold Alvarado Tenório
Director Arquitrave, revista de poesía
www.arquitrave.com
www.arquitrave.com/hatprincipal.htm
[email protected]
Apartado Postal 1-36 02 81
Centro Internacional
Bogotá. D.C.
Móvil [310] 324 88 35
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revistas em destaque
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fronteras (costa rica)
depoimento de Adriano Corrales
Arias
La Revista Fronteras nació como
un Proyecto de Extensión Cultural
del Area de Culturales del
Departamento de Vida Estudiantil
(DEVESA) del Instituto
Tecnológico de Costa Rica, Sede
San Carlos, Costa Rica, en el año
1995. Su primer objetivo fue
convertirse en un espacio
editorial para dar a conocer las
distintas investigaciones que venían realizando nuestros docentes
e investigadores en torno al ámbito de las Culturas Populares.
Pero a medida que se fue desarrollando el proyecto (a partir del
tercer número), nos fuimos enterando de la existencia de un
vacío en cuanto a revistas culturales costarricenses y
centroamericanas, que mantuvieran un perfil intermedio entre la
revista especializada y la revista popular, formato que
perseguíamos desde el principio. Así, además del énfasis
antropológico, histórico y sociológico, nos fuimos abriendo a
otros ámbitos como el de la literatura y el arte en general. Por
otro lado empezamos a recibir colaboraciones de distintos países
latinoamericanos, y más tarde europeos, a los cuales,
imprevistamente, fue llegando la revista gracias a amigos y
colaboradores. El proyecto se amplió.
Hoy mantenemos diferentes secciones permanentes: El Editorial,
donde consignamos nuestra posición sobre divversos temas,
Tertulia, donde tenemos siempre una entrevista con un invitado
especial; Raíces, un espacio para la historia y la cultura popular;
Reflexiones, una sección para el ensayo o artículo de fondo sobre
la teoría cultural, filosófica, literaria, política, económica o
estética en general; Comunidades, espacio para grupos
artísticos, étnicos, culturales, etc. y para reseñas literarias y
editoriales en general; Trapiche, sección literaria con poesía y
cuento; Aduana, sitio donde consignamos las publicaciones
recibidas y recomendamos bibliografía; A la Tica, sitio sobre la
identidad nacional y su devenir histórico.
La revista se financia básicamente con presupuesto del Instituto
Tecnológico de Costa Rica y con la venta de sus ejemplares, pero
estamos tratando de abrir la venta de publicidad como una
colaboración y apoyo a este proyecto editorial. La misma se
distribuye en las principales librerías de las ciudades
costarricenses de San José, Heredia, Ciudad Quesada y Cartago.
Pero también se encuentra en Bibliotecas, Centros Culturales y
Salas de Teatro, tales como Giratablas, Café Calicanto en el
Ministerio de Cultura, galería Andrómeda, etc en la ciudad
capital, San José. Hasta ahora se han publicado 14 números
semestrales y ya está en preparación el número 15.
Si alguien desea suscribirse o enviar su colaboración lo puede
hacer a nuestros teléfonos, fax o apartados postales y
electrónicos. Pra colaboraciones se aceptan artículos o
narraciones no mayores de 20 cuartillas; en poesía no más de
cinco poemas. Agradecemos una breve ficha bibliográfica del
autor.
Por lo demás, la revista Fronteras no se concibe solamente
como una publicación, sino, y es lo más importante, como un
Punto de Encuentro y un proyecto cultural que ya ha realizado
Tres Encuentros Centroamericanos de Escritores y dos de Poetas
Nicaraguenses y Costarricenses, además de diversos recitales,
conversatorios, talleres y congresos.
El Director y Editor es Adriano Corrales Arias, quien, a nombre
del Consejo Editorial y del grupo de trabajo, agradece su
atención. …Y como siempre los invitamos para que nos escriban:
Apdo. Postal 223-4400, Ciudad Quesada, COSTA RICA. Teléfonos
(506) 475-50 33, (506) 475-5063 extensiones 293 o 243;
Telefax (506) 475-5085. Correo electrónico:
[email protected] o [email protected].
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revistas em destaque
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salamandra (espanha)
apresentação de lurdes martínez
Desde finales de los años 80 en que se
constituyó el grupo, nuestra actividad se ha
reunido principalmente en torno a la revista
Salamadra, el periódico ¿Que hay de nuevo? y
las ediciones de nuestra editorial La Torre
Magnética, además de toda una serie de
intervenciones públicas: conferencias,
exposiciones, declaraciones colectivas, etc.
La revista Salamandra, que podríamos decir es
el órgano de expresión del grupo, ha pasado por diversos
momentos. Si los primeros números se correspondieron con una
etapa de iniciación donde el juego colectivo era la nota
dominante, a partir del número 4 hemos perseguido una mayor
ambición y riesgo intelectuales. Pero además el deseo de tomar
contacto con otras corrientes de pensamiento ajenas pero afines
al surrealismo nos ha impulsado a abrir la revista, especialmente
a partir del número 8/9, a colaboraciones procedentes de esos
campos próximos, tanto en lo que se refiere al pensamiento
crítico como a la investigación en el ámbito de lo imaginario. Para
el próximo número (11) hemos tomado la decisión de modificar
el subtítulo de la revista, que desde el número inicial ha sido
Comunicación Surrealista - completado más tarde, primero por el
de Imaginario Crítico y, desde el número 8/9, por el de
Imaginación Insurgente. Crítica de la vida cotidiana-; ahora será
sustituido por Intervención Surrealista, manteniendo los otros
subtítulos. Esta decisión responde a una evolución dentro de
nuestro propio pensamiento y que atañe a la relación que
queremos establecer con el surrealismo: así “comunicación”
presupone, a nuestro parecer, fundarse en la posesión acrítica de
una verdad de la que se hace partícipe a los demás, que se
anuncia, y en este sentido supone avanzar desde una postura
ideológica de la que queremos huir completamente. Mientras que
“intervención”, desde nuestro punto de vista, lejos de tener el
sentido pretencioso de que con nuestras acciones transformemos
lo real, implica partir del surrealismo, no como sistema de
pensamiento cerrado y determinado donde acudir para encontrar
respuestas y soluciones, sino como plataforma desde la que
encaminarnos, despojados, a actuar sobre la realidad de una
manera experimental.
Se podría decir que, a un nivel general, nuestras actuaciones se
desarrollan en dos dimensiones que pretenden cierta resolución
dialéctica: de una parte, el desenvolvimiento de una reflexión
teórica, que partiendo de una postura esencialmente pesimista,
se concentra en el análisis crítico de la actual sociedad
espectacular, evidenciando sus mecanismos de dominación. De
otra, una práctica concretada en intervenciones y
experimentaciones (a un nivel colectivo o individual) inspiradas
por la imaginación, que son asumidas más como estrategias de
resistencia que de transformación, - acompañadas en ocasiones
de su correspondiente teorización- que aspiran a quebrar o
socavar la normalidad del discurso dominante entendido como
incuestionable y que se hallan completamente impregnadas de
una intención experimental y lúdica.
En el primer apartado podríamos incluir un conjunto de
declaraciones colectivas: Hermanos que encontrais bello lo que
viene de lejos,(publicado en Salamandra no.6) contra el racismo
y la xenofobia, donde denunciamos las construcciones mentales
que el poder mantiene y fomenta para que“el otro” siga siendo el
enemigo, al tiempo que indagamos en propuestas que se
opongan a este estado de cosas, como pudiera ser la elaboración
de mitologías o narraciones entendidas como empresas de la
vida colectiva “que cohesionan los esfuerzos e
individuos...saturándolos de pasiones nuevas y dirigiendolos a
proyectos liberadores”(Effenberger, La Civilisation Surréaliste),
mitos que ilusionen la conciencia humana y que consigan
sustituir “el recelo, el miedo y la cólera por la curiosidad, la
aventura y el deseo” (Hermanos...) ; Pleno Margen, a favor de la
liberalización de las drogas , que reclama la liberación integral
del ser humano y su derecho a desarrollarse en plenitud,
abordando el peligro que ello presupone para el poder represor;
Hay una luz que nunca se apaga, donde celebramos las huelgas
de Corea; Todavía no han parado todos, en contra del deporte y
el trabajo, donde exigimos el fin del trabajo y denunciamos la
simbiosis entre los modelos del deportista y del trabajador que
quieren justificar las exigencias de la economía. Una misma linea
de discusión siguen otros textos individuales: Nuevas industrias
de la subjetividad, de Jesús García Rodríguez, (Salamandra
no.10) que pone en evidencia la manera en que el espectáculo
opera en el dominio de lo sensible, convirtiendo los deseos, el
placer, las emociones, las subjetividades en mercancías y analiza
el papel crucial que la publicidad juega en ese proceso; La
negación del espejo, de Eugenio Castro, una crítica de las nuevas
tecnologías que se centra en el fenómeno de la pantalla como
instrumento de separación que conduce al hombre -que había
extraído su fuerza de su relación con la intemperie- a un estado
de inmadurez y cobardía, y que sepulta, en todos los ámbitos de
la vida cotidiana, el ciclo vital del tiempo mediante el simple
gesto de su encendido. Tiempo de carnaval, de José Manuel
Rojo, que intenta desentrañar los mecanismos recuperadores de
la publicidad que no sólo vuelven en ofensivas las críticas y
propuestas del movimiento revolucionario sino que también las
reconvierten en nuevas mercancías o estímulos para el desarrollo
de la economía. Por último, las discusiones y debates más
recientes en el seno del grupo se han concretado en dos textos
colectivos: El falso espejo, que reflexiona sobre el papel de la
imagen hoy, convertida en herramienta del poder al apuntalar y
reforzar el proceso de desmaterialización de lo real,
instrumentalizar lo imaginario y sustituir la vida vivida, pero
haciendo al tiempo que este hecho terrible se acepte sin
violencia, al aparecer adornada con los ropajes de lo artístico. La
orgía de imágenes que nos envuelve y fascina, afecta de modo
inevitable a la creacción artística, y a ésta en el seno del
surrealismo que, sin renunciar a la creación de imágenes del
deseo a un nivel individual, ha de asumir la falta de eficacia de la
imagen a un nivel social, debido al problema, no sólo de la
recuperación de cualquier imagen subversiva, sino, lo que es
peor, de la banalización de toda creacción artística. A esto sigue
una reflexión sobre la oportunidad de pensar en nuevas tácticas
que logren un diálogo social entre artista y público -habida
cuenta de la caducidad del sistema de exposiciones- y la
necesidad de ahondar en una renovación del imaginario
surrealista que se libere de rasgos identitarios y de inercias
especializantes, invocando la indocilidad y la no acomodación y
fundandose en la experiencia de lo desconocido. Sin renunciar a
la imaginación, se lanza como propuesta la práctica del
materialismo poético, que materialice el ensueño utópico
satisfaciéndolo en la vida concreta, entendiendo aquí lo
imaginario como no separado de la realidad sino fundado en ella.
En definitiva se trata de “no contribuir al proceso de
fantasmagorización del mundo sino encontrar la fórmula que le
permita hacerse real sin realizarse como espectáculo”. Finis
Linguae, texto que abre el volúmen colectivo de poemas Indicios
de Salamandra, editado por La Torre Magnética-Zambucho
Ediciones (Madrid, 2000), aborda la problemática del lenguaje
poético, la palabra en libertad y su naturaleza inabarcable,
inconmensurable, incomunicable, desobediente, resistente,
inasible a la dominación, rebelde frente a cualquier utilitarismo
sin olvidar que esa palabra forma parte del lenguaje como actual
mecanismo de dominación, de la comunicación de los dueños,
Junto a estas elaboraciones teóricas se inscriben una serie de
acciones y experiencias dirigidas a “quebrar el espacio
apesadumbrado de la vida cotidiana”. Buena parte de nuestra
energía se encamina hacia una crítica de la vida cotidiana, a la
que nos impulsa el comprobar cómo el capitalismo ha provacado
la separación del hombre de la vida en su conjunto, reduciendo y
parcelando sus facultades y extendiendo a todos los campos su
ética economicista y productivista. Ante esta situación de miseria
vital, vemos necesario llevar a cabo la desacreditación de la
realidad tal como nos es dada, mediante la vivencia de la poesía,
que atenta y altera la percepción que tenemos de lo cotidiano en
su expresión más miserabilista y lo somete a una crítica
implacable. A un nivel colectivo se situan una serie de
intervenciones callejeras que forman parte del “proyecto político
de vida poética” desarrollado en el texto Los días en rojo
(Salamandra no.7) y que consiste en llevar los impulsos de la
poesía a la vida cotidiana y a la práctica revolucionaria: por
ejemplo, pintar en las paredes constelaciones imaginarias,
modificar el aspecto de ciertas estatuas, simular una procesión
de fantasmas entrando y saliendo de un edificio ruinoso y cuya
única huella visible son sus zapatos adheridos al suelo, realizar
una deriva colectiva con el pretexto de estampar en las calles
frases de contenido poético, etc.Esta introducción de elementos
perturbadores en el paisaje cotidiano aspira a producir un
desconcierto visual y mental que pueda movilizar el aparato
afectivo del viandante; se trataría de estimular y practicar
“nuevos comportamientos que anuncien el principio de una
realidad en agitación. Comportamientos...que vayan
cartografiando el paisaje de una subversión mental a gran escala
que procure la posibilidad futura de una insurrección
generalizada” (Los días en rojo). No obstante, admitiendo los
incontables obstáculos que existen para que esto se produzca,
contemplamos estas acciones por su absoluta gratuidad, por el
simple placer que nos procura su desarrollo. Además, “al nacer
de un impulso de la imaginación creadora” reivindican y apelan a
“una forma de diversión inventada y libre que se opone a toda
forma de deleite alienado y alienante”. Por último, buscamos en
todo momento el anonimato y la clandestinidad de estas acciones
para evitar que sean asimiladas o reducidas a un aspecto
puramente estético. A un nivel más individual responden un
conjunto de experimentaciones de lo poético (experiencias de
derivas, de azares y encuentros y, en general, vivencias
relacionadas con todo el material inconsciente) en las que se
esboza o ensaya la posibilidad de otra vida, y hablamos de
esbozos de esa vida diferente, porque somos conscientes de la
dificultad de que en la actual situación de dominación se pueda
manifestar en toda su plenitud, de que la poseamos
efectivamente, en todo momento y circunstancia. En concreto en
la revista Salamandra la sección Más Realidad. Emblemas de la
magia cotidiana. recoge desde el número 5 experiencias de esta
índole.
Mención aparte merece la atención que hemos prestado a lo
concerniente a la naturaleza y el animal salvaje, abordados
desde un plano tanto teórico como poético. En Notas sobre
ecología y surrealismo, J. M. Rojo (Salamadra no.5) plantea la
necesidad de promover, para superar la actual crisis ecológica,
una nueva ecología revolucionaria que forje una nueva
sensibilidad hacia la naturaleza y el animal, una sensibilidad que
recoja las aspiraciones poéticas, imaginativas e inconscientes
latentes en todos los seres humanos y que deben proyectarse en
la creación de un nuevo mito colectivo movilizador sobre la
relación entre el hombre y la naturaleza. Una aproximación
pasional hacia la naturaleza lleva a E. Castro en En la montaña
del Torcal. Sésamo multiplicado (Salamandra no.4) a criticar el
concepto proteccionista que sobre ella ha forjado la visión
antropocéntrica, que reduce, anula y manipula el potencial
mágico y recreador que recorre la naturaleza en su totalidad. De
el animal, ese “Otro Absoluto, explotado, ignorado o perseguido,
que arrastra en la sociedad occidental el doble estigma con el
que el hombre moderno trata de defender su razón esclavizada:
lo últil-lo dañino” (M.Auladen, Qui-yi-yi-yi-yi-yi-yi-yi. Luz Negra
no.2), se ocupa el texto colectivo El Continente Fabuloso.
Proyecto para un Bestiario Surrealista, (Salamandra no.6) donde
se reconoce su absoluta autonomía, despreciando la actitud que
conduce a dotarle de atributos humanos y se insiste en la
necesidad de dirigir nuestras relaciones con él hacia un plano de
reciprocidad, con el fin de recuperar su carácter de ser fabuloso y
“emocionante”.La liberación de la vida salvaje es, en definitiva,
imprescindible para la liberación del ser humano.
Otro ámbito en que nos hemos dedicado de manera especial es
el de la crítica al urbanismo como otro de los instrumentos de
dominio sobre el espacio físico, que acota y reglamenta el ámbito
urbano, lo limita en función de criterios de rentabilidad econónica
y convierte a la ciudad en un lugar domesticado que ha perdido
su relieve vital, pasional (El espíritu errante. Una introducción al
nomadismo del ser seguido de fragmentos para un dossier
psicogeográfico, coordinado por J.M. Rojo,Salamandra no.7; El
Lugar revisitado.Textos psicogeográficos del Grupo Surrealista de
Estocolmo, coordinado por Lurdes Martínez, Salamandra nº.10).
Frente a ello nos prodigamos en explorar nuestro entorno más
inmediato, buscando recuperar la magia de los lugares, sus
potencialidades y particularidades en oposición a la
homogeneización y normalización que impone el capitalismo: en
El juego de la isla (incluido en El espíritu errante...e inspirado en
un juego del Grupo Surrealista de París) asistimos a la emersión
de una isla en pleno centro de Madrid, mediante la exploración
de esas zonas de la ciudad que poseen una imantación afectiva
indiscutible. O bien en oposición al fomento interesado del
olvido: en Ruido de cadenas.El sentimiento gótico de la
arqueología industrial, J.M. Rojo (en La experiencia poética de la
realidad como crítica del miserabilismo. Edic. La Torre MagnéticaLibrería Asociativa Traficantes de Sueños. Madrid, 1997) analiza
el proceso de decadencia de las viejas industrias -que forman
hoy parte de las ciudades y cuyo único destino es ser demolidas
o convertidas en museos- en la economía posindustrial y el
posible reencantamiento de las fábricas vacías que se proponen
como sustituto contemporáneo de los castillos, espacios donde lo
imaginario puede encontrar un nuevo nido y fortalecer el deseo
de rebelión de los movimientos sociales que como los okupas
reutilizan sus espacios abandonados. Las experiencias de derivas
sobre las que E. Castro reflexiona en El nombre ensoñado. La
realidad nombrada (Salamandra no.3) y Sólo las horas.(La deriva
como experiencia onírica de la realidad y erotización del tiempo)
(La experiencia poética...) atañen a la dimensión temporal -más
que espacial-de la vivencia de lo maravilloso en este deambular
extraviado hacia ningún sitio, extravío que provoca una nueva
disposición sensible y mental que altera la percepción que
tenemos del entorno y hace que el fluir del tiempo se antoje como en el sueño- distinto al del tiempo instrumental. Tiempo de
“emoción pura”, de desocupación total, tiempo extraviado, de
placer mental, de ensoñaciones eróticas...
En los últimos tres años hemos intensificado nuestros contactos
con el entorno radical/alternativo y fruto de ello ha sido la
organización de charlas y debates en ciertos puntos del ámbito
radical (C.N.T de Barcelona, C.A.O. de Alicante, la librería
Liquiniano de Bilbao, Traficantes de Sueños en Madrid),
conferencias que han ido acompañadas de pequeñas
exposiciones entendidas como mero complemento de aquéllas;
esta decisión responde a nuestra actitud de desconfianza hacia el
sistema de exposiciones convencional y se perfilaría como un
ejemplo práctico de una actividad de resistencia; confiamos
además que se dió una correspondencia unificadora entre el
discurso teórico y crítico y las obras. Al dar las charlas sobre todo
en espacios políticos más que artísticos y al dar más importancia
al discurso teórico que a las obras creemos haber conseguido
ciertos resultados en tanto en cuanto que comunicación no
espectacular. Por otro lado, con ocasión del ciclo de charlas
realizadas en la Traficantes del Sueños surgió el proyecto de
editar un libro con el contenido de las mismas, titulado La
experiencia poética de la realidad como crítica del miserabilismo,
que ha sido mencionado anteriormente.
Salamandra
Revista del Grupo Surrealista de Madrid
[email protected]
Ediciones de la Torre Magnética
Torrecilla del Leal, 21, 1° izq.
28012 Madrid, España
.
revistas em destaque
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tropel de luces (venezuela)
diálogo entre pedro salima &
amigos (antonio guerra, luis aníbal
velásquez, mirimarit parada, jesús cedeño y
eduardo gasca)
- La pregunta reglamentaria, ¿cómo
surge la idea de crear una revista
literaria?
PS - Tropel de luces no tiene una
fecha fija de nacimiento, creo que se
fue dando en el tiempo, desde antes
que nosotros pasáramos a formar
parte de la directiva de la Asociación
de Escritores. Hubo un grupo
interesado en publicar una revista, el centro del grupo en aquel
momento fue el poeta José Lira Sosa y creo que ese sueño quedó
allí, con la idea de hacerse realidad.
Una vez que asumimos la directiva de la Asociación de Escritores
empezamos a concretar esta idea y luego varias reuniones en el
sótano del Museo Francisco Narváez armamos lo que sería Tropel
de luces. Tomamos el nombre de un poemario de Víctor Salazar,
poeta que nacido en Barcelona, vivió sus años de infancia en la
isla de Coche. Es un homenaje a Víctor.
Debido a que somos escritores o escribidores, y con eso no
basta para hacer una revista, hacía falta la parte económica, y
esta se vio concretar con el nacimiento de la Peña Literaria José
Lira Sosa, donde al grupo de la Asociación de Escritores se
unieron varias personas vinculadas a la literatura, incluyendo a
dos compañeras, Clorinda Fuente e Ima Rosa Rivas, que se
empeñaron en convencer a algunos empresarios para que
dedicaran parte de sus ganancias a participar en una revista
literaria que en ese momento no existía. También a través de la
Peña Literaria llegó una persona que se encargó de hacer el
diseño de la revista.
- ¿Cuál es el equipo que inicia la revista?
PS - Tendríamos que mencionarnos a nosotros mismos, Luis
Malaver, Luis Emilio Romero, Campito, Antonio Guerra, Eduardo
Gasca, Luis Velásquez, Chevige Guayke, Gabriel Bulla, Clorinda
Fuentes, Ima Rosa Rivas, Juan Carlos Chaperón, y luego se fue
integrando otra gente como Maury Valerio, Mirimarit Parada,
Oscar Roca, Oscar Rodríguez, Luis Miguel Patiño, Ekaterina
Gameley, Omar Galbiati, Adolfo Golindano. Esto nos da una idea
de una revista que, independientemente de que se le conozca
como la publicación de la Asociación de Escritores del estado
Nueva Esparta, va mas allá de esta institución y de la rigidez
tradicional en las asociaciones de escritores, las cuales de por sí
son pavosas. Creo que esta forma que le dimos a la Tropel de
luces, de participación de otras expresiones culturales, ha
logrado que se mantenga. El mismo hecho de que hayan
participado o participen gente como Chevige Guaike, que nunca
fue de la Asociación de Escritores, Antonio Guerra, un ácrata que
no se asocia en estas instituciones, Adolfo Golindano, que es
pintor, nos indica el grado de amplitud que hemos intentando
dar.
- ¿La revista Tropel de luces está por encima de la Asociación de
Escritores?
PS - Sí, y creo que en parte ha sido intencional. Nuestra mayor
dedicación ha sido a Tropel de luces, pero no sólo como revista,
sino extendida a la publicación de libros, ampliada a la formación
de nuevas gente que se acerca a la literatura y puede convertirse
en un nuevo autor que escriba en la revista. Colocamos a Tropel
de luces por encima de la Asociación de Escritores, a la cual
llegamos no para hacer una institución tradicional, sino que
tomamos el nombre de la misma, ofrecido por quienes antes la
dirigieron. Y Tropel de luces ha sido el resultado de este trabajo
y en un momento determinado hemos tenido la intención de
dejar que esta revista sea nuestra marca, nuestra huella a nivel
nacional.
- ¿ Tropel de luces es una revista elitesca?
PS - Sigue siendo una publicación que llega a un grupo de
personas, no podemos obviar que en este país la literatura es
elitesca, pues no todo el mundo la ha asumido como parte de su
cotidianeidad. Quizás en la medida de que el ciudadano común
se vaya acostumbrando a leer, existirá un mayor acercamiento
entre la revista y ese ciudadano.
- ¿Se ha rebasado las expectativas con la revista Tropel de luces?
PS - Nacimos sin la intención de llegar a quince números, a lo
mejor fuimos pesimistas, pero no es fácil hacer quince ediciones
de una revista literaria, de hecho nos son muchas las
experiencias similares. En eso, creo, la expectativa se ha
superado y también en la forma como ha sido aceptada en el
resto del país, pese a no contar con una distribución que haga
posible que llegue a todos los rincones o por lo menos a los
interesados en la literatura en el país; sólo la hemos conectado
con otros escritores a través de los encuentros o por medio del
correo, y se nos va un dineral en el pago del servicio postal, pero
es una forma de hacerla conocer.
Es importante decir que la revista no se queda en lo literario,
pues cuando se hace una publicación en provincia es muy difícil
que la resumas a un sector, pues no hay otros medios de
divulgación en el sector cultural y entonces la revista se te
convierte en una expresión de lo que es la actividad o el mundo
cultural.
- ¿Tropel de luces pudiera ser una referencia de vanguardia en la
literatura?
PS - Creo que es una referencia literaria del estado Nueva
Esparta, no a nivel de lo que fue para el país El techo de la
ballena o alguna de esas revistas o grupos que nacieron o
vivieron en momentos convulsionados, para nosotros el
momento es distinto, nos ha tocado una época donde el mundo
de la literatura es apacible. No somos una vanguardia.
- ¿Qué opinión te merece el contenido de la revista en este
contexto histórico?
PS - La revista no puede escapar a lo que sucede en el país,
independientemente del carácter neutral que pretendamos
darle. En su contenido siempre hay una referencia a lo que está
pasando en el mundo.
- ¿El desorden y la desorganización es el éxito de la revista
Tropel de luces?
PS - Organizados no somos. Si logramos organizarnos a lo mejor
tuviésemos menos problemas a la hora de editar la revista; pero
quizás esa organización nos restaría espontaneidad.
- ¿Hay elementos particulares en la revista?
PS - Hay ciertos elementos dentro de Tropel de luces que le dan
alguna particularidad, por lo menos el modo de presentar a los
autores. Hemos intentando disminuir el nivel académico, hemos
intentado, incluso, quitarle seriedad a la revista, cuestión que no
hemos logrado, la revista todavía sigue siendo muy seria para el
gusto de algunos de nosotros. Hay muchas cosas que el lector no
sabe; de repente está leyendo un texto y puede creer que el
autor es la persona que aparece como tal, pero pudiera ser otro,
pues quizás uno de nosotros no cumple presentando su texto a
tiempo, a lo mejor está consumando una misión en un burdel,
entonces lo escribe otro, aunque aparezca con la firma de quien
debería escribirlo originalmente.
Otro elemento es la frescura que intentamos darle a la revista,
queremos una publicación que se lea, que atrape al lector. No
tenemos la idea de entregarle a los lectores una revista pesada.
Lo más difícil es convencer a la gente que tenga la revista en sus
manos, una vez logrado eso el trabajo es más fácil.
- ¿Qué es lo más que te llena de la revista Tropel de luces?
PS - El equipo que hemos logrado. El interés de cada uno de
nosotros, en principio no fue igual en todos, pero poco a poco
ese afán se ha ido consolidando alrededor de la revista, Esa es
una de las cosas que mas me satisface, la revista ha logrado que
el equipo se consolide. La experiencia vivida en la Feria
Internacional del Libro en Caracas es una prueba. Recientemente
alguien me comentaba la sensación de unidad del grupo que
mostramos durante el evento. Algunos nos consideran un clan,
otros una mafia. Somos una peña.
- ¿Qué elementos nos hace diferente al resto de las revistas
literarias?
PS - La amplitud. Repito, no nos centrarnos en lo meramente
literario. Además en la variedad del contenido. Para muchas
personas es importante la separata. Para otros la crónica es de
un valor especial. Para otros es el trabajo con los artistas.
También hay sorpresas, por ejemplo hay una revista donde se
hizo un trabajo sobre Reina Rada como escultora, pues ese texto
causó impacto entre los docentes., muchos profesores no vieron
a la artista sino a la educadora. Esas cosas le van dando una
amplitud a la revista que permite que mucha gente la busque.
Hemos notado es que hay personas pendientes que la revista
salga para ir a comprarla, se sienten orgullosos de que en
Margarita exista una revista de esta calidad. Para ellos es un
producto margariteño para el mundo. No voy a decir que esta es
una generalidad ni que son muchas personas, pero si las hay.
- ¿Margarita se divide ante y después de Tropel de luces?
PS - Eso le va a quedar a los historiadores o investigadores. A lo
mejor le toca a Efraín Subero, quien en una oportunidad dijo que
la Asociación de Escritores de Nueva Esparta no existía, o algún
alumno de Efraín.
- ¿Pedro, alguna sugerencia que tú consideres importante para
mejorar la revista?
PS - Hay algunas ideas que se han ido asomando en reuniones.
Que la revista en el futuro vaya siendo una especie de memoria
cultural del estado. Hacer un trabajo sobre lo que ha sido la
danza en Nueva Esparta, lo que ha sido el teatro o la música o el
cine, de manera que vaya quedando un registro para las futuras
generaciones, aunque eso también nos puede conducir a
fomentar la flojera entre los muchachos, pues si les mandan a
hacer un trabajo sobre el cine en Margarita van y copian a
Tropel de luces y no investigan nada. Claro, esto podrá pasar si
no llegamos a tener un gobierno que sepa lo que hace y queme
todas las revistas, acción que le correspondería a un gobierno
serio: quemar Tropel de luces.
- ¿Pedro, con cuál de las secciones de la revista te identificas
más?
PS - Una de las secciones que más me preocupa cuando va a
salir la revista es “Desde la barra”, porque es quizá el espacio
más fresco, el que tiene mayor contenido de humor, y otra
preocupación permanente es el ensayo, que es lo contrario
“Desde la barra”, más serio.
- ¿Tú aplicas aquel criterio político de Bertold Brecht “ordenar el
desorden y desordenar el orden”?
PS - Esa vaina es muy profunda para mí. El desorden viene como
una respuesta al orden que siempre se impuso en mi casa y
luego el orden que se impuso en el Partido Comunista de
Venezuela, donde milité hasta que me soportaron. Ser
desordenado para romper con tanto orden, me suena mejor.
Hemos intentado que ese desorden se manifieste un poco en
nuestras actividades para no hacerlas demasiado rígidas,
demasiado serias, ni formales. Ya el hecho al asumir el nombre
de la Asociación de Escritores es un peso fuerte con el cual uno
tiene que luchar permanentemente para derrotarlo.
- ¿Pedro, qué significación tiene para ti las portadas de la
revista?
PS - La portada para nosotros es un reto, estamos obligados a
que sea atractiva, pero aparte de eso el autor de la misma debe
sentirse orgulloso del trabajo final. No es original de nosotros en
Margarita lo de una obra de arte en la portada, la revista Ínsula
lo hizo antes, quizá la única diferencia que nosotros le dedicamos
un trabajo al pintor. No sabemos si los artistas se sentirán mas
satisfechos con la recompensa que les daba Ínsula porque era en
efectivo, nosotros tratamos de compensarlo con un retrato
escrito.
Los artistas plásticos se han interesado en ir apareciendo en
portadas de Tropel de luces, hasta el punto de que ya es una
cola bastante larga que espera. Quizás sea porque a uno de los
autores de la portada lo sobornamos para que dijera que el
cuadro más costoso de su vida lo había vendido después de la
aparición de una obra suya en la portada, y los demás lo han
creído.
- ¿Qué es el Comité Regional Clandestino del que nos habla
Ekaterina Gamaely en el editorial de la número 14? ¿Tú formas
parte de ese Comité?
PS - No sé en absoluto quién forma parte de ese Comité. No
sabemos si quienes lo conforman son escritores o no, o son
enemigos de la revista. No sabemos si son terroristas, en algún
momento hemos pensado que son miembros de Al Qaeda. Lo
cierto es que los textos que envían a la revista con la intención
de ser publicados pasan por manos de este terrible Comité, hasta
los escritos por directivos de la Asociación de Escritores o por
miembros de la Academia de la Lengua. Los textos son devueltos
a la revista por el Comité Clandestino destrozados, incluso
aquellos que van a ser publicados. Hemos pensado en publicar
los textos rechazados por el misterioso organismo para ver si los
lectores coinciden o no con este Comité.
- ¿De quién es la autoría de las notas que aparecen a pie de
página?
PS - Eso tampoco se sabe, aparecen allí sin que nadie sepa quién
las hace. Un detalle que a lo mejor los lectores desprevenido no
captan, y es que a un autor se le puede cambiar su sitio de
nacimiento cada vez que un texto suyo aparezca en la revista.
Hay autores que ellos mismos ya no saben donde nacieron.
- Siendo tú un hombre de números, de finanzas ¿cuándo piensa
Tropel de luces pagar a sus colaboradores ?
PS - Esa pregunta sólo la puede responder el Comité Regional
Clandestino.
- ¿A qué dirección se pueden enviar los textos para Tropel de
luces?
PS - En el primer número dimos a conocer las directrices para
poder publicar en Tropel de luces, en especial para los miembros
de la Asociación de Escritores; y allí se vio que era más difícil que
un integrante de la Asociación publicara a que lo hiciese otro
escritor. En aquella oportunidad los textos podían dejarse en el
restaurant La Ceiba, ahora andamos sin dirección, pero en todo
caso pueden dejar los textos en el kiosko de Evelín, aquí en el
Paseo Guaraguao. Los debe dejar en un sobre cerrado, sin
identificarse, porque si se identifica a lo mejor el texto ni siquiera
pasa por manos del Comité Regional Clandestino. Nosotros
recogeremos el sobre y lo dejaremos en un sitio donde sabemos
que algún día pasará este terrible Comité Regional Clandestino,
el cual cada día es más clandestino, en especial cuando se
sospecha que es un grupo terrorista.
- ¿Cuáles fueron las razones que llevaron al diseñador a crear el
diseño actual de la revista?
PS - Yo creo que fue el diseñador que nos llevó hasta allí. Porque
en primer lugar él nos impresionó con unas pruebas, y esa
situación nos llevó a escoger el papel para la revista. Lo que si le
pedimos a Gabriel Bulla, diseñador inicial, fue frescura, aire,
blancos, que dieran una sensación de libertad, que la hiciese
atractiva a la vista. Por experiencia, en especial por años de una
militancia que nos comprometió a leer revistas muy pesadas,
sabemos que los textos cuadrados, las páginas llenas de letras,
resultan aborrecibles a la hora de ir a leer.
- Pedro, hazte una pregunta
PS - ¿Qué yo me haga una pregunta? ¿Cuándo se acaba esta
güevonada de Tropel de luces?
Tropel de luces nació en mayo del año 2000 (segundo trimestre
de ese año). Circula trimestralmente, y siempre ha salido dentro
de cada trismestre, aunque sea el último día del mismo. Un tiraje
de 1000 ejemplares. Lleva 16 números. Empezó con apoyo de la
empresa privada, con el cual todavía cuanta, además con el
apoyo del CONAC. Cada número es presentado en un acto
público.
Tropel de Luces
Asociación de Escritores del Estado Nueva Esparta y Peña
Literaria “José Lira Sosa”
[email protected]
http://tropeldeluces.tripod.com.ve/
.
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revistas em destaque
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iararana (brasil)
diálogo entre aleilton fonseca &
floriano martins
FM - Quando surgiu Iararana e em quais
circunstâncias editoriais?
AF - Iararana - revista de arte, crítica e
literatura surgiu como idéia em novembro
de 1995, quando eu, que estava fazendo
Doutorado na USP, em São Paulo, passava
uns dias no Rio de Janeiro, e, andando ao
léo, no aterro do Flamengo, para visitar o
MAM, tive um estalo. Eu planejava retornar
a Salvador e lembrava que a Coleção dos
Novos, de 1981, que lançara vários
escritores da minha geração (a chamada
Geração 80), eu, inclusive, faria 15 anos em 1996. E que
devíamos comemorar isso e lançar uma revista que marcasse
essa geração. Em janeiro de 1996, já residindo em Salvador,
procurei o contista Carlos Ribeiro, companheiro da Coleção dos
Novos, e falei da necessidade de comemorarmos os 15 anos da
coleção (que lançou 14 autores), com a criação de uma revista
que nos representasse. Para minha surpresa, Carlos Ribeiro
havia tido a mesma idéia da comemoração e da criação de uma
revista. Resolvemos então reunir o pessoal e organizar uma
coletânea com os 14 autores publicados pela Coleção dos Novos.
Foi assim que surgiu o livro Oitenta - poesia e prosa, com textos
de todos, e que foi lançada com grande sucesso. Daí Carlos e eu
lançamos a idéia da revista aos demais companheiros de
geração. Discutimos, eu redigi o projeto, aprovamos, saímos em
busca de patrocínio. Somente em 1998, conseguimos lançar a
Iararana n° 1, hoje esgotada, uma raridade
(compramos exemplares de quem quiser vender). O jornalista e
design Ney Sá fez o projeto gráfico, mantido até hoje. As
primeiros editores foram Carlos Ribeiro, Elieser Cesar e eu. Hoje,
a editoria está composta por Carlos Ribeiro, José Inácio Vieira de
Melo e eu. Desde seu surgimento, a revista assumiu uma postura
aberta, sem grupismo, sem sectarismo literário, e ganhou
prestígio imediatamente.
FM - Qual a razão de seu nome?
AF - O nome é uma homenagem ao poeta baiano Sosígenes
Costa (nascido em Belmonte, em 1901, falecido no Rio em
1968). Discutimos bastante sobre o nome e aprovamos, por
maioria, a minha sugestão: Iararana (que significaria:
aquela que tem a aparência de
Iara, a divindade indígena dos rios) provém do título do longo
poema primitivista, escrito em 1934, só publicado em 1979, em
edição preparada por José Paulo Paes, que fez a fixação do texto.
Este poema merece figurar ao lado de Cobra Norato, de Raul
Bopp, e de Macunaíma, de Mário de Andrade, pelo tema e
pela representação mítico-poética de nossas origens étnicoculturais. O fato é que nós queríamos um nome propositivo, que
não fosse apenas uma homenagem a um escritor já entronizado
no cânone. Sosígenes Costa estava esquecido, podíamos trazêlo à tona com a revista. Sosígenes Costa era avesso à
publicidade pessoal, recatado mesmo. Por insistência dos
amigos, publicou em vida apenas a Obra Poética, pela editora
Leitura, em 1959. O livro recebeu o Prêmio Jabuti de 1960 (SP) e
o Prêmio Paula de Brito (RJ). Logo esquecido, o autor foi
redescoberto no final dos anos 70 por José Paulo Paes, que lhe
dedicou o ensaio crítico Parlenda, pavão, paraiso (Cultrix, 1977),
junto com uma antologia. Paes preparou também a edição de
Obra poética I e a inédita Obra poética II, num só
volume(Cultrix, 1978) e a edição, ilustrada do Aldemir Martins,
do poema Iararana (Cultrix, 1979). Depois disso, o nome do
poeta baiano submergiu novamente. Em 1996, Gerana
Damulakis publicou o ensaio Sosígenes Costa, o poeta grego da
Bahia. No centenário de Sosígens Costa, em novembro de 2001,
a edição de Iararana 7 foi totalmente dedicada ao poeta. Houve
mesas-redondas, palestras, publicações, matérias em jornais. A
partir daí o poeta tem sido cada vez mais lido e estudado em
ensaios, artigos e dissertações universitárias. Já se publicaram
alguns livros sobre sua poesia. Em 2001, o Conselho Estadual de
Cultura da Bahia publicou a Poesia completa do autor, com mais
de 500 páginas. A revista Iararana contribuiu para este
ressurgimento do poeta.
FM - Como a revista convive com outros projetos similares na
Bahia e também todo o país?
AF - Iararana é a única revista da Bahia feita por autores. Ela
não é ligada a nenhuma instituição. Desde a n° 1 até a n° 10,
que sai em dezembro próximo, temos obtido apoio de empresas
e instituições culturais, com isso garantimos a sua existência.
Agora, as revistas no Brasil são muito isoladas umas das outras.
Cada uma nasce e desaparece sem dialogar com as outras. Então
não há intercâmbio, o que poderia fortalecer estas publicações,
compartilhando condições de divulgação e público. Uma
associação das revistas de literatura poderia conseguir muita
coisa. Por incrível que pareça, Iararana faz intercâmbio e
parceria com uma revista francesa, bilíngüe, a Latitudes: cahiers
lusophones, editada em Paris para divulgar cultura de língua
portuguesa. Iararana 8, de 2003, traz um dossiê em comum com
a franecesa Latitudes, que, por sua vez, tem republicado alguns
textos, informações e ilustrações nossas. Já lançamos Iararana
em Paris e em Budapeste, Iararana 8 foi enviada, junto com
Latitudes, para vários departamentos de língua portuguesa de
universidades francesas e para outras entidades culturais
interessadas na cultura lusófona. Juntas, as duas revistas já
participaram de exposições, eventos literários, etc. Agora em
setembro, estarei na França, participando do Colloque
International Le Romantisme Aujourd'hui, na Université FrançoisRabelais, em Tours, e vou levando Iararana 8 e 9 na bagagem
para lançar no evento, que terá gente de vários países. Entre
outros, estarei numa mesa, ao lado do pai do Nouveau roman,
Alain Robbe-Grillet, e isto será muito interessante. Darei
Iararana 8 e 9 a ele.
FM - Qual a situação atual da revista, em termos de conquistas,
dificuldades, novos planos etc.?
AF - A dificuldade é a de sempre, a escassez de apoio, a falta de
patrocínio contínuo, falta de mais tempo disponível para dedicar
à revista. Afinal, somos todos muito ocupados. Mas, de 1998 até
2004, conseguimos editar 10 números. Uma sobrevida
considerada longa para a média das revistas literárias não
comerciais. Iararana figura em várias bibliotecas e coleções por
aí. Já foi citada e referenciada até em teses universitárias. E as
conquistas são muitas: prestígio para os autores envolvidos, um
lugar no panorama literário, a revelação de novos autores, a
convivência de escritores de diferentes gerações e de diferentes
lugares. O nosso plano é expandir os contatos nacionais e
sobretudo internacionais. Já publicamos autores da Espanha,
Eslovênia, Argentina, Portugal, Estados Unidos, França etc. Em
2005, a Iararana 11 trará um dossiê dedicado à Literatura
Galega (Espanha) em parceria com o PENCLUBE da Galícia.
Nosso plano é continuar fazendo uma revista ativa, aberta,
dinâmica, comunitária.
FM - Iararana circula em versão apenas impressa ou há também
um módulo virtual?
AF - Até o momento, a revista tem versão apenas impressa.
Existe a vontade de colocá-la no cyberespaço, mas por hora nos
falta tempo e coragem suficientes para o desafio. Manter uma
revista no ar exige uma disponibilidade de tempo e de pessoal
que talvez em 2005 consigamos ter. Vamos discutir isso e
procurar uma parceria que possa sustentar o projeto.
FM - Qual a sua tiragem e como funciona sua difusão?
AF - A revista tira apenas hum mil exemplares. Assim, a sua
divulgação é bastante seleta, nos meios literários, entre
escritores, professores universitários, bibliotecas, imprensa
especializada, etc.
FM - Como vês as possibilidades da Internet como ferramenta
aplicada à cultura?
AF - A internet é uma ferramenta fantástica. Um número
incalculável de informações, de textos literários, de estudos
críticos… tudo isso posto à disposição de um público incontável…
É a grande revolução do século, que deixa muita gente ainda
confusa, tonta, desconfiada, mas que é imprescindível como
suporte de divulgação cultural massiva.
Iararana – Revista de arte, crítica e literatura
Editores: José Inácio Vieira de Melo, Aleilton Fonseca e Carlos
Ribeiro
Rua Rubem Berta 267/402 – Pituba
Salvador BA 41820-220 BRASIL
Contato: [email protected]
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revistas em destaque
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amauta (peru)
ensaio de carlos arroyo reyes
En el Perú que José Carlos Mariátegui (18941930) encuentra en marzo de 1923 -cuando
retorna de Europa- no se sabe casi nada sobre la
nueva literatura rusa. Como si las agujas del
reloj del tiempo se hubiesen detenido en el
momento de la caída del zarismo o el triunfo de
Lenin y los bolcheviques no hubiese provocado
ningún cambio cultural de importancia, muchos
intelectuales peruanos todavía creen que la
literatura rusa se reduce a Miguel Arzibachev o
Leonid Andréiev y casi nadie conoce siquiera los nombres de
Alexandr Blok, Andrei Bieli o Valeri Briúsov, los tres grandes
representantes del simbolismo ruso que se adhieren a los Soviets
y pertenecen al ciclo de la literatura rusa de la revolución.
Tampoco se sabe nada acerca de Vladímir Maiakovski y los otros
poetas futuristas que apoyan decididamente a los bolcheviques y
cantan a la revolución, ni de Serguéi Esenin y los imaginistas o
de Anna Ajmátova y el acmeísmo. De ahí que, aún a comienzos
de 1925, en un artículo sobre Iliá Ehrenburg y la nueva literatura
rusa, Mariátegui comente lo siguiente: «El escritor ruso Iliá
Ehrenburg, cuyo temperamento artístico habíamos apreciado ya
en la traducción francesa de su libro Juno Jurenito y en algunas
de sus Historias inverosímiles, nos ha dado últimamente una
prueba de su aptitud crítica en un sustancioso ensayo sobre la
literatura rusa de la revolución. El tema es, sin duda,
interesante, sobre todo para un público a quien no ha llegado de
la literatura rusa nada posterior a Gorki, Arzibachev, Andréiev y
Merezhkovski y para quien son todavía ignotos Briúsov, Bálmont
y Blok». (1) La misma preocupación aflora en una carta que por
esa fecha Mariátegui le escribe a su amigo Ricardo Vegas García,
Jefe de Redacción del semanario Variedades, donde muestra su
extrañeza ante el hecho de que muchos intelectuales peruanos
todavía crean que la novísima literatura rusa es la de Andréiev:
«Puede ser que se consiga usted también, en su búsqueda en las
revistas extranjeras, retratos de Vladímir Maiakovski, de Boris
Pilniak, de Andrei Bieli, de Ehrenburg, de Alexandr Blok, etcétera,
para un artículo sobre la nueva, o mejor, la novísima literatura,
ya que para muchos la nueva es todavía la de Andréiev» (2).
Mariátegui no exagera cuando a mediados de la década del
veinte las emprende contra aquellos que todavía creen que la
nueva literatura rusa es la de Andréiev o la de Arzibachev.
Conocido como «el apóstol de las tinieblas», Andréiev es uno de
los más grandes escritores profesionales de la Rusia de la preguerra. Lejos de inscribirse en los rangos de la nueva literatura
que insurge con la Revolución de Octubre, es un típico novelista
y dramaturgo fin de síècle que se siente atraído por los tonos
sombríos del decadentismo y hace gala de una morbosidad que
tiene algo en común con las cavilaciones de Fiódor Dostoievski
sobre el sentido del mal. Escribe diversas obras narrativas como
La risa roja, Los siete ahorcados, La voz de la carne o Sacha
Yegulev. De estas obras, la que prácticamente lo lanza a la fama
es Los siete ahorcados, que aparece en 1908 y se agota al cabo
de unos cuantos días. También incursiona en el teatro y compone
piezas de la calidad de Hacia las estrellas, La vida del hombre o
Judas. En sus inicios, Andréiev se muestra rebelde y misántropo
e incluso es encarcelado por sus actividades políticas, pero
después se transforma en un conservador que apoya la
participación de Rusia en la Primera Guerra Mundial, ataca a la
Revolución de Octubre y cruza la frontera con Finlandia, para
desde allí escribir apasionadas denuncias contra Lenin y los
bolcheviques. En marzo de 1919 lanza un desesperado
llamamiento para que los aliados intervengan en Rusia y acaben
de una vez con los Soviets. Fallece al poco tiempo, a raíz de un
ataque al corazón (3).
Arzibachev es otro de los escritores rusos que goza de mucha
popularidad en el período previo a la guerra. Dominado por el
culto al sexo, la muerte y la desesperación, escribe una serie de
libros como La muerte de Iván Lande, Millones, Sanin, El límite o
La tumba de las vírgenes. La obra que prácticamente lo saca del
anonimato es Sanin (1909), cuya publicación provoca un
escándalo similar al que cincuenta años después suscita El
amante de Lady Chatterley, de D.H. Lawrence. Se dice que
varios de los discípulos de Arzibachev, después que leen sus
cuentos y novelas, donde el fenómeno del suicidio aparece como
un motivo común, llegan a quitarse la vida. También confecciona
diversas piezas teatrales como Celos, La ley del salvaje o El mal.
Arzibachev se inicia como un bohemio rebelde, pero, al igual que
Andréiev, termina oponiéndose a la revolución y se refugia en
Polonia, desde donde anima la publicación de un semanario que
se distingue por sus ataques a la causa soviética. Muere en
1927, cuando la estrella de la fama y la popularidad ya lo ha
abandonado (4).
Andréiev y Arzibachev llegan a tener una gran influencia en
España y América Latina. Tanto que hasta los integrantes de la
llamada «generación del año 20», que son los que acusan el
impacto directo de la Revolución de Octubre, tienen problemas
para romper con el embrujo del naturalismo y el sexualismo de
estos dos escritores rusos. Así, en ese hermoso libro de
memorias que es La arboleda perdida, el gran poeta español
Rafael Alberti deja constancia de la profunda impresión que a
comienzos de los años veinte le causa la lectura de la novela
Sacha Yegulev, de Andréiev, que le regala un pariente suyo que
trabaja en una conocida casa editorial: «Extremadamente
cariñoso conmigo -recuerda Alberti-, Luis me recibía en su oficina
de la casa Calpe, editorial en la que trabajaba. A él debo el
aumento de mi cultura literaria, pues, siempre generoso, rara
era la mañana que no volvía a casa con un montón de libros bajo
el brazo. Aquella colección Universal, de pastas amarillentas, nos
inició a todos en el conocimiento de los grandes escritores rusos,
muy pocos divulgados antes de que Calpe los publicara. Gógol,
Goncharov, Korolenko, Dostoievski, Chéjov, Andréiev... me
turbaron los días y la noche. Hubo una novela, entre todas, que
impresionó profundamente a la juventud intelectual española,
sobre la que soplaban ráfagas fuertes de anarquismo: Sacha
Yegulev, de Andréiev, autor que por aquellos años había muerto
en Finlandia, lejos de la revolución de Lenin, que no alcanzara a
comprender. Yo figuraba entre esos jóvenes a quienes la
juventud heroica y aventurera de Sacha quitó el sueño» (5).
Por la misma época en que Alberti y otros jovénes españoles se
estremecen con la lectura de Sacha Yegulev, de Andréiev, las
novelas de Arzibachev inundan las librerías de América Latina y
son prácticamente devoradas por la «generación del año 20». En
Chile, por ejemplo, Sanin, el personaje central de la popular
novela de Arzibachev, es tomado como modelo por los
anarquistas, los poetas y los estudiantes. Otro tanto ocurre con
Andréiev, que es el escritor de moda. Sus novelas -La risa roja,
Los siete ahorcados, La voz de la carne o Sacha Yegulev- pasan
de mano en mano e inquietan el sueño de muchos jóvenes
latinoamericanos. Algunos de ellos, como Pablo Neruda, se
sienten tan identificados con Andréiev, que cuando empiezan a
escribir sus primeros artículos de crítica literaria -en 1923, para
la revista Claridad- firman con el seudónimo de Sacha, tomado
de la novela Sacha Yegulev. Por ese entonces, Neruda también
lee con fruición El océano, del mismo Andréiev, que tanto influye
en su obra El habitante y su esperanza (6). En el Perú, en mayo
de 1923, tibios aún los últimos rescoldos de su pasión juvenil por
este tipo de literatura decadentista y finisecular, el mismo
Mariátegui declara que en materia de prosa su predilección se
divide entre Máximo Gorki y Leonid Andréiev (7).
De modo que cuando Mariátegui las emprende contra los que
todavía se sienten deslumbrados por la literatura de Andréiev y
Arzibachev quizás también está terminando de ajustar cuentas
consigo mismo o, mejor, con lo que aún queda de su
denominada «edad de piedra». La oportunidad para este deslinde
se presenta a mediados de abril de 1927, cuando escribe un
artículo sobre Arzibachev, que justo por esos días acaba de
fallecer. En este texto, Mariátegui parte de una constatación
fundamental: que, dentro de la historia de la literatura rusa del
novecientos, Andréiev y Arzibachev ocupan un lugar menos
importante que otros contemporáneos suyos, como, por ejemplo,
Fiódor Sogolub, que es uno de los primeros exponentes del
simbolismo ruso. A partir de esta premisa, Mariátegui trata de
discutir la cuestión de por qué, a nivel mundial, Andréiev y
Arzibachev llegan a gozar de un renombre un tanto
desproporcionado. Su idea es que la fama mundial de Andréiev y
Arzibachev se debe a que éstos logran aprehender, desde el
plano de la ficción, en novelas que tienen más que nada el valor
de documentos psicológicos, antes que de creaciones artísticas,
todo ese estado de ánimo de desolación, frustración y
escepticismo en que, tras la derrota de la revolución de 1905,
cae un buen sector de la intelighentsia rusa: «El mundo de
Arzibachev -escribe Mariátegui- es generalmente menos
atormentado y patético que el de Andréiev, pero tiene la misma
filiación histórica. Su sensibilidad se emparenta asimismo, bajo
algunos aspectos, con la de Andréiev. Escéptico, nihilista,
Arzibachev resume y expresa un estado de ánimo desolado y
negativo. Sus personajes parecen invariablemente condenados al
suicidio. Suicidas larvados y suicidas latentes, hasta los del coro
mismo de sus obras. El destino del hombre es, en este mundo
lívido, ineluctablemente igual. El símbolo de la Rusia agoniosa,
una horca. Esta literatura reflejaba la Rusia de la reacción
sombría que siguió a la derrota de la revolución de 1905.
Estudiantes tuberculosos, judíos alucinados, intelectuales
deprimidos, componían la escuálida y monótona teoría que
desfila por las novelas de Arzibachev bajo la sonrisa sarcástica de
algún nietzschano de similor que acabará también suicidándose»
(8).
Pero la Rusia lívida, enferma y sombría de las novelas de
Andréiev y Arzibachev no es toda la Rusia de ese tiempo. Resulta
que el movimiento de 1905 no es sólo una derrota, sino también
una extraordinaria experiencia que es debidamente aquilatada
por aquellos hombres que más tarde, en 1917, despliegan
victoriosamente la bandera de la revolución sobre el Kremlin.
Desgraciadamente, esa otra faz de Rusia -la de la ilusión y la
esperanza- no puede ser conocida ni entendida por Andréiev y
Arzibachev. Incluso, cuando el último de ellos pretende diseñar
un héroe, su imaginación no va más allá de un personaje como
Sanin, que aparece como un fruto de la filosofía individualista y
anarquizante de Max Stirner y las ideas de Friedrich Nietzsche
sobre el «super-hombre». Como dice el propio Mariátegui:
«Cuando [Arzibachev] pretendió crear un héroe, su imaginación
de pequeño burgués individualista inventó a Sanin, un superhombre de provincia que no sostiene ninguna lucha -ni siquiera
una auténtica agonía interior- y que exhibe como única prueba
de su superioridad las victorias de su instinto fuerte y de su
cuerpo lozano de animal de presa» (9).
La situación de Arzibachev también le permite a Mariátegui
discutir la cuestión un poco más general de por qué gran parte
de los escritores rusos que pertenecen al ciclo del decadentismo
y el simbolismo, no obstante que en sus inicios hacen gala de
cierta rebeldía, terminan oponiéndose a la Revolución de
Octubre. Así, pensando sobre todo en los decadentes y los
simbolistas rusos que en el San Petersburgo de comienzos del
siglo XX se agrupan alrededor de las figuras de Dimitri
Merezhkovski y Zinaída Hippius, escribe: «Arzibachev era un
representante de la intelighentsia, como se llama en Rusia, más
que a una élite o una generación, a un ciclo o una época de la
literatura nacional. La intelighentsia era confusa y
anáquicamente subversiva más bien que revolucionaria. Se
nutría de ideales humanitarios, de utopías filantrópicas y de
quimeras nihilistas. Cuando la revolución vino, la intelighentsia
no fue capaz de comprenderla. No era la revolución vagamente
soñada en los salones de Madame Zinaída Hippius entre la
musitación exquisita de un poeta simbolista y las fantasías
helenizantes de un humanista erudito. El pobre Arzibachev, como
otros representantes de la intelighentsia, se apresuró a
protestar. Con un ardimiento de pequeño burgués desencantado,
combatió la Revolución que llegaba armada de dos fuerzas que
Arzibachev no conoció nunca y negó siempre: la ilusión y la
esperanza. Por esto, sobreviviente de sí mismo, exiliado de la
historia, le ha tocado morir melancólicamente en Varsovia. Sobre
la estepa rusa no se dibuja ya como antes el perfil de siete
horcas» (10).
En otra parte de su artículo sobre Arzibachev, como algo que no
le compete directamente, Mariátegui lanza este comentario: «Se
dice que Sanin, que extremaba y exasperaba la tragedia rusa
hasta lo indecible, produjo una reacción oportuna. Muchos
jóvenes revolucionarios se reconocieron estremecidos en los
retratos de Arzibachev. Después de sentirse impulsados
enfermizamente hacia la muerte y la nada, las almas volvieron a
sentirse impulsadas hacia la vida y el mito» (11). No se necesita
ser muy zahorí para descubrir que aquí Mariátegui -aunque se
refiere a los jóvenes rusos que logran superar la derrota de la
revolución de 1905- también está hablando de él y los otros
integrantes de su generación que, en algún momento de su
juventud, se estremecen con las novelas de Andréiev y
Arzibachev y no pueden dormir durante varias noches.
El virtual desconocimiento de la nueva literatura rusa que tanto
preocupa y angustia a Mariátegui tiene mucho que ver con un
factor que es más cultural que político: la barrera del idioma. Por
la época en que el autor de los 7 ensayos de interpretación de la
realidad peruana (1928) retorna a Lima, la literatura rusa de la
revolución todavía no ha empezado a ser traducida al español.
Eso ocurre recién a partir de la segunda mitad de la década del
veinte, cuando varias editoriales españolas, como M. Aguilar, la
Biblioteca de la Revista de Occidente, Ediciones Biblos, Ediciones
Oriente, Cénit y Espasa-Calpe, empiezan a traducir y publicar
algunas de las obras más representativas de la literatura rusa de
la revolución. Así, en 1925, M. Aguilar publica el libro Literatura y
revolución, de León Trotski, que aborda, entre otros temas
importantes, la situación del arte anterior a la Revolución de
Octubre, el problema del encuentro -y los desencuentros- entre
el futurismo y la revolución, el asunto de la relación entre la
escuela formalista de poesía y el marxismo, la cuestión de la
existencia del arte proletario, y la posición de los bolcheviques
ante el arte. En 1926, gracias a la iniciativa de la Biblioteca de la
Revista de Occidente, circulan las traducciones al español de Los
tejones, de Leonid Leónov, Caminantes, de Lidia Seifulina, y Tren
blindado número 14-69, de Vsevolod Ivánov. En ese mismo año,
Espasa-Calpe publica el libro La nueva Rusia, de Julio Alvarez del
Vayo, donde aparecen -traducidos al español- algunos
fragmentos de la obra poética de Vladímir Maiakovski, Anna
Ajmátova, Serguéi Esenin y Alexandr Blok. Entre los textos
poéticos, figuran «La canción del perro», que es uno de los
poemas más bellos y característicos de Esenin, y algunos de los
versos de Los doce, de Blok, que es una de las obras más
representativas del ciclo de la Revolución de Octubre. El autor de
estas traducciones de Maiakovski, Ajmátova, Esenin y Blok como el mismo Alvarez del Vayo se encarga de informar a sus
lectores- es Enrique Díez-Canedo (12).
Sin embargo, el proceso de traducción al español de la nueva
literatura rusa aún es lento, por lo menos en comparación con lo
que ocurre en Francia o Italia, donde se pueden encontrar hasta
revistas -como Russia, de Ettore Lo Gatto- que se dedican
exclusivamente a traducir y difundir a los escritores rusos de la
revolución. Por eso, a comienzos de 1927, Mariátegui saluda a la
Revista de Occidente por su iniciativa de publicar las novelas de
Leónov, Seifulina e Ivánov, pero aclara que aún es muy poco lo
que se ha hecho con respecto a la traducción al español de la
nueva literatura rusa. Su idea es que, para tener una visión
panorámica de la literatura rusa de la revolución, también se
debe leer a autores como Vladímir Maiakovski, Alexandr Blok,
Valeri Bríusov, Boris Pasternak, Serguéi Esenin, Boris Pilniak,
Isaak Bábel o Konstantín Fedin, que todavía no han sido
traducidos al español: «Empieza -escribe- a ser vertida en
español la nueva literatura rusa. (Ya se sabe que la nueva
literatura rusa no es la de los "emigrados" sino la de la
Revolución. La que se alimenta de la savia, la emoción, el
impulso, el sentimiento del orden nuevo). La Biblioteca de la
Revista de Occidente ha publicado el Tren blindado de Vsevolod
Ivánov y Caminantes de Lidia Seifulina. Esto, claro está, es
todavía muy poco. Sólo después de conocer a Pilniak, Bábel,
Maiakovski, Esenin, Fedin, Zamiántin, Lunts, Pasternak,
Tikhonov, Leónov, Ehrenburg, etcétera, podrá el lector hispano
enjuiciar panorámicamente la literatura rusa de la revolución. De
los propios literatos del período anterior a la Revolución, tal vez
los más representativos permanecen aún inéditos en español.
Mencionaré a Blok, Bríusov, Remisov y Bieli. Y su conocimiento
es necesario como introducción en la literatura postrevolucionaria, a la cual Blok, Bríusov y Bieli han dado su aporte,
mientras Remisov, hostil al bolchevismo, ha extraído, sin
embargo, de la nueva vida rusa, los temas de sus últimos
trabajos» (13).
El proceso de traducción al español de la literatura rusa de la
revolución mejora un poco más durante los últimos años de la
década del veinte, particularmente en lo que se refiere a obras
narrativas. En 1927, al poco tiempo que Mariátegui escribe su
comentario sobre la forma tan lenta en que avanza la difusión en
español de la nueva literatura rusa, Ediciones Biblos publica
Caballería Roja, de Isaak Bábel, que es uno de los libros de
cuentos más hermosos, estremecedores y perdurables de la
literatura rusa de la revolución, y Las ciudades y los años, de
Konstantín Fedin. Al año siguiente, Ediciones Oriente entrega a la
imprenta una nueva obra de Fedin: Los mujiks; mientras que la
Editorial Cénit lanza al mercado un libro que causa un tremendo
impacto entre los lectores de habla española y rápidamente se
convierte en una suerte de emblema del emergente «realismo
proletario»: la novela Cemento, de Fedor Gladkov. Por ese
entonces, la Biblioteca de la Revista de Occidente también
publica El farol, de Eugenio Zamiátin. En 1929, Espasa-Calpe
pone en circulación El diario de Costia Riabtsev, de Nicolás
Ognev; en tanto que Ediciones Europa-América hace lo mismo
con La derrota, de Alexandr Fadéiev (14). Este ciclo
prácticamente se cierra con Rusia a los doce años, el nuevo libro
de reportajes de Alvarez del Vayo, que también aparece en 1929
y contiene abundante y valiosa información sobre la literatura, el
teatro y el cine soviéticos. En esta obra, entre otras cosas
memorables, Alvarez del Vayo transcribe parte de sus
conversaciones con Boris Pilniak, que aparece como una especie
de «diplomático» de la nueva literatura rusa, y con Sergej
Eisenstein, el director de un filme que con el paso de los años se
convierte en una de las obras cumbres de la cinematografía
mundial: El acorazado Potemkin (15).
Poco tiempo después, refiriéndose al avance que durante el
segundo lustro de la década del veinte se observa en el proceso
de tradución al español de la nueva narrativa rusa, George
Portnoff escribe: «Actualmente -dice- están apareciendo en
España autores rusos, hijos de la Revolución, y sus obras, como
es natural, son también fruto de la Revolución. La Revista de
Occidente publicó hace poco El tren blindado número 14-69, de
Vsevolod Ivánov; Caminantes, de Lidia Seifulina; Los tejones, de
Leonid Leónov; El farol, de Eugenio Zamiátin. En las Ediciones
Biblos apareció Las ciudades y los años, de Konstantín Fedin, y
otros como Cemento, que ha hecho gran sensación» (16).
La crítica en español
Otro factor que se opone a la adecuada difusión de la nueva
literatura rusa en el mundo de habla española es la critica un
tanto equivocada de los pocos escritores españoles que se
ocupan de ella. Esos son los casos de Cristóbal de Castro, de La
Libertad, de Madrid, y, en cierta forma, de Ricardo Baeza y Luis
de Zulueta, asiduos colaboradores de una publicación española
que tiene cierta influencia en la «formación de minorías» en
América Latina: la Revista de Occidente. Al igual que los
animadores de la Revista de Occidente -que llegan a difundir las
obras de Ivánov, Seifulina, Leonov y Zamiátin-, Baeza y Zulueta
se interesan por el fenómeno cultural ruso (17). Incluso, en
algún momento de su vida -allá en 1922-, el primero de ellos
colabora activamente con la misión de socorro que patrocina el
explorador y naturalista noruego Fridtjof Nansen con la finalidad
de llevar ayuda a los habitantes de Ucrania y el Volga (18). Pero,
por sus mismos prejuicios políticos, tanto Baeza como Zulueta no
pueden entender ni apreciar adecuadamente las consecuencias
del fenómeno bolchevique en el arte. De allí que Mariátegui
polemice con ellos en diversas ocasiones. Así, refiriéndose al
ensayo «El nuevo teatro en la Rusia soviética», que en 1924
Baeza publica en la Revista de Occidente, Mariátegui escribe: «El
lector hispanoamericano -dice- no puede llegar por la sola vía del
español a la literatura rusa de la post-guerra. En español, de este
tema no nos ha hablado, con conocimiento y con simpatía, sino
Julio Alvarez del Vayo. En la Revista de Occidente, Ricardo Baeza
dedicó hace algún tiempo un artículo al teatro ruso; pero, aparte
de que se limitaba a reflejar las impresiones de un escritor
inglés, y de que su evidente humor anti-revolucionario lo
inhabilitaba para entender y apreciar las consecuencias del
fenómeno bolchevique en el arte, enfocaba en su artículo sólo un
género literario, tal vez el que menos ha podido desarrollarse
dentro de la situación creada por la Revolución» (19).
En otra ocasión, comentando el trabajo «El enigma de Rusia»,
que en 1926 Zulueta publica en la Revista de Occidente,
Mariátegui se ve obligado a refutar la hipótesis de que en el
acento apocalíptico y extremista de los bolcheviques se solapa el
misticismo y la neurosis de Dostoievski. Su idea es que esta
suposición de Zulueta, antes que sustentarse en un estudio sobre
la nueva literatura rusa, se apoya en el prejuicioso concepto de
José Ortega y Gasset de que la revolución rusa, en el fondo, no
es una revolución europea, sino «un misticismo oriental»: «El
misticismo, la neurosis, la exasperada búsqueda de infinito y de
absoluto, que hallan su más fuerte y patética expresión artística
en la obra de Dostoievski -escribe el peruano en 1929, en un
artículo sobre un libro que Stefan Zweig le dedica al autor de Los
hermanos Karamazov-, eran estimados como los factores
morales de la Revolución, que debería a esos factores su acento
apocalíptico y extremista. Recuerdo que hace tres años, Luis de
Zulueta, en un ensayo de la Revista de Occidente, sobre "El
enigma de Rusia", que debía su primera inspiración a Ortega y
Gasset, barajaba todavía estos motivos, suscribiendo, a pesar de
advertir el programa marxista y occidental de la Revolución, el
concepto de Ortega de que ésta "no era, en el fondo, una
revolución europea, sino un misticismo oriental"» (20).
En otra parte de este mismo artículo, como corrigiéndole la plana
a Zulueta y Ortega y Gasset, Mariátegui acota que no existe
ningún tipo de vínculo entre Dostoievski y los bolcheviques.
Resulta que éstos, al representar la fuerza de una voluntad
realizadora y operante, aparecen como la superación de aquello
que es tan característico en la novela dostoievskiana: la
angustia, la desesperación, el misticismo nihilista. Como él
mismo dice: «Dostoievski tradujo en su obra la crisis de la
inteligencia rusa, como Lenin y su equipo marxista se encargaron
de resolver y superar. Los bolcheviques oponían un realismo
activo y práctico al misticismo espirituoso e inconcluyente de la
inteligencia dostoievskiana, una voluntad realizadora y operante
a su hesitación nihilista y anárquica, una acción concreta y
enérgica a su abstractismo divagador, un método científico y
experimental a su metafísica sentimental» (21).
La situación de Cristóbal de Castro es un tanto diferente a la de
Baeza y Zulueta. En su caso, se trata no sólo de simples
prejuicios políticos, sino de una franca posición antisoviética. Al
menos, eso es lo que se desprende de la lectura de su artículo
«El hombre y los ex-hombres», que a mediados de 1928 publica
en La Libertad, de Madrid. En este texto, el critico español
exhuma las más mendaces versiones acerca de la actitud de
Gorki ante los Soviets e incurre en la ligereza de comentar Los
Artamonov, su novela más reciente, sin haberse tomado siquiera
el trabajo de leerla. Así, en una parte de su trabajo, sostiene
equivocadamente que el asunto y los personajes de Los
Artamonov tienen que ver con el problema del «comunismo» en
Rusia: «En Capri, junto al mar azul -escribe Castro-, el apóstol
de los ex-hombres fue metodizando sus cóleras por la reflexión y
sus juicios por el documento hasta dar en su libro Los
Artamonov, un robusto resumen del comunismo a través de tres
generaciones: el mujik, de la época de los siervos; el industrial
dilapidador de la época zarista y el revolucionario bolchevique.
Generación aldeana y crédula. Generación industrial y ambiciosa.
Generación revolucionaria y tiránica. Las tres generaciones de
Artamonov no sólo se dañaron a sí mismas, sino que quitaron la
fe y la paz a los siervos, a los mujiks, a los obreros de toda
Rusia» (22).
Casi por la misma época en que La Libertad difunde el
mencionado artículo de Castro, Mariátegui termina de leer la
traducción al italiano de Los Artamonov, que publica la Editorial
Fratelli Treves, y escribe un comentario sobre ella. Se trata de su
artículo «La última novela de Máximo Gorki», que el 20 de julio
de 1928 aparece en la revista Mundial. Por esa circunstancia,
puede percatarse que Castro no ha leído Los Artamonov y lo
critica duramente en un trabajo que lleva el título de «Máximo
Gorki, Rusia y Cristóbal de Castro», pues considera que no tiene
nada de ético aquello de comentar o reseñar libros que no se han
leído: «Al revés de Gorki novelista -afirma Mariátegui-, el señor
Cristóbal de Castro no ha menester de documentarse para tratar
un tema. Tiene la osadía irresponsable del gacetillero para
afirmar cualquier cosa, sin ningún temor de engañarse. Le
bastan los recuerdos dispersos de sus lecturas apresuradas y
vulgares para escribir la historia. Puede trazar la biografía de
Gorki, sin haberse acercado jamás a su obra ni a su vida» (23).
Por último, referiéndose a cuál es el verdadero argumento de Los
Artamonov, Mariátegui agrega: «Y me siento en grado de
suponer que el señor Cristóbal de Castro no conoce Los
Artamonov sino a través de uno de esos retazos de crónica,
recogidos sin ningún discernimiento crítico, de que se sirve
generalmente para su trabajo periodístico. Porque en caso de
haber leído Los Artamonov, su absurda interpretación lo dejaría
en muy mala postura. Resulta que el escritor de La Libertad no
sólo está mal informado por gacetilleros presurosos y confusos,
sino que es incapaz de informarse mejor por su cuenta. Habría
leído Los Artamonov, pero sin entender una palabra del asunto ni
de los personajes. Remito a los lectores a mi anterior artículo.
Les será fácil enterarse de que ni el asunto ni los personajes de
Los Artamonov tienen algo que ver con el comunismo. Las tres
generaciones de la familia Artamonov que nos presenta Gorki
son tres generaciones burguesas. El fundador de esta precaria
dinastía de burgueses de provincia, procede del servicio de un
príncipe expropiado. Es un siervo emancipado, como los que se
encuentran en los orígenes de la burguesía de otros países. Es un
campesino pero no es un mujik. Proviene quizá de una
generación aldeana y crédula, pero él mismo no lo es. En él se
reconoce, más bien, el impulso creador que mueve el
surgimiento de toda burguesía. Toda la obra de la familia
Artamonov -una fábrica y su provecho-, es del viejo exdoméstico. De sus hijos, uno le sucede en el comando de la
fábrica, el otro, un jorobado, se refugia en un monasterio. Su
sobrino, hijo natural de un noble, se prolonga en un industrial de
cierta facundia y presunción, contagiado de ideas reformadoras y
progresistas, que miran al afianzamiento del poder de la
burguesía contra el poder supérstite de la aristocracia. Uno de los
Artamonov de la tercera generación repudia la fábrica y la
familia. Los repudia por adhesión intelectual al socialismo; pero
escapa por este mismo acto al argumento de la novela. Es un
personaje ausente, desertor. La ruina de los Artamonov tiene un
testigo implacable, el viejo portero Tikhon. Cuando la revolución
sobreviene, habla por sus labios. Pero tampoco Tikhon es
comunista ni es obrero. No es sino un testigo rencoroso y
desilusionado del drama al que le toca asistir» (24).
Más cercano de la geología que de la política
La importancia que Mariátegui le atribuye a la tarea de la
difusión de la nueva literatura rusa, tanto en términos de
traducción al español como de una crítica adecuada y oportuna,
es una cuestión que se relaciona con su original aproximación al
marxismo. Resulta que él está completamente convencido que
las realidades sociales también pueden ser abordadas desde el
punto de la cultura y desde ese sector tan menospreciado en
otras tradiciones marxistas que es la llamada «superestructura»,
en particular, el mundo de la creación literaria y de la ficción
(25). En este caso, se trata de su convicción de que no se puede
conocer la nueva Rusia de los Soviets sin conocer su nueva
literatura. De allí que glose con fruición a Iliá Ehrenburg y, como
algo que seguramente él mismo hubiese querido escribir, repita
que «los extranjeros que no conocen la nueva literatura rusa no
conocen a la nueva Rusia, pues sólo la literatura, al menos
parcial o convencionalmente, podría hacerles comprender el
proceso grandioso, más cercano de la Geología que de la política,
que se opera en un pueblo de ciento cincuenta millones de
almas» (26).
Por eso, cuando retorna a Lima -en marzo de 1923-, Mariátegui
se vincula a la experiencia de la Universidad Popular «González
Prada» y, en las clases que dicta allí, habla no sólo de la crisis de
la democracia burguesa y el surgimiento del fascismo, sino
también del significado de la revolución rusa. Gracias a lo que
explica en sus clases, muchos obreros y estudiantes se
familiarizan con una serie de palabras que les eran desconocidas:
«Lenin», «Krupskaya», «Lunacharski», «bolchevique», «soviet».
Refiriéndose al impacto que provocan las conferencias de
Mariátegui, Armando Bazán, que por ese entonces es un joven
profesor de la Universidad Popular, escribe: «Actuábamos recuerda- solamente porque era hermoso y arriesgado enseñar
por las noches a unos alumnos adultos, que salían sucios,
fatigados, pero anhelantes de sus fábricas y de sus tajos;
anhelantes por oírles hablar en una sola clase de dos horas
largas, del aparato circulatorio, la composición de la luz, las
operaciones aritméticas o del destierro de nuestro director,
finalizando con un poema de corte más o menos modernista de
alguno que otro bardo más o menos melenudo. De vez en
cuando, también lucieron en esas clases algunas palabras que
ardían como bengalas y que debían manejarse con mucho
cuidado; palabras un tanto misteriosas y peligrosas, como
"Lenin", "Soviet", "Bolchevique", "Lunacharski", "Krupskaya".
Misteriosas bengalas que iluminaron los sueños de esos
profesores de veinte años y de esos alumnos, entre los que había
más de uno con el cabello ya canoso y la inocencia de un niño»
(27).
Pero, aparte de aquellas palabras que a Bazán le resultan como
bengalas, Mariátegui también introduce otras no menos
iluminadoras: «Blok», «Esenin», «Maiakovski», «Bábel»,
«Gladkov», «nuevo romanticismo», «realismo proletario». Esta
situación se aprecia en los artículos que escribe para Mundial y
Variedades, donde el tema de la literatura rusa de la revolución
ocupa un lugar tan importante como el futurismo italiano, el
expresionismo alemán o el surrealismo francés, y motiva algunas
de sus páginas más bellas y sugerentes. Dentro de ellos, se
pueden mencionar sus semblanzas sobre León Trotski y Anatoli
Lunacharski, su ensayo sobre Iliá Ehrenburg, los artículos que
dedica a los poetas Alexandr Blok y Serguéi Esenin, y sus
comentarios sobre las novelas de Máximo Gorki, Lidia Seifulina,
Leonid Leónov, Fedor Gladkov, Konstantín Fedin, Nicolás Ognev y
Alexandr Fadéiev (28). Lo mismo se descubre en los diversos
números de Amauta -la revista que Mariátegui funda en 1926-,
donde los cuentos de Isaak Bábel, para tomar sólo a uno de los
exponentes más sobresalientes de la nueva literatura rusa,
tienen un espacio tan importante como los dibujos del
expresionista George Grosz, los textos del surrealista André
Breton o las novedades de las vanguardias artísticas europeas en
general. Los otros narradores rusos que son traducidos y
publicados en esta revista son Boris Pilniak y Miguel Zoschenko.
Además, en Labor, que aparece como una proyección editorial de
Amauta, se empieza a publicar, a manera de folletín, la novela
Cemento, de Fedor Gladkov. A lo anterior también hay que
sumar los ensayos de Iliá Ehrenburg y Anatoli Lunacharski sobre
el proceso de la literatura rusa de la revolución que Amauta
incluye en sus páginas (29). Otro tanto ocurre en las tertulias
que Mariátegui anima en su casa, en el jirón Washington, en el
acogedor «rincón rojo», donde, además de Sigmund Freud,
Friedrich Nietzsche, Erich Maria Remarque, Óscar Wilde, Bernard
Shaw, Igor Stravinski, Pablo Picasso o los surrealistas, también
conversa de Anatoli Lunacharski, Iliá Ehrenburg, Boris Pilniak,
Alexandr Blok o Vladímir Maiakovski (30).
Con el tiempo, las diversas iniciativas que Mariátegui toma para
difundir a la literatura rusa de la revolución se reflejan en el
gusto y las preferencias literarias de los diversos grupos
intelectuales de Lima y provincias. Así, si nos guiamos por el
testimonio de Luis Alberto Sánchez, se descubre cómo muchos
de los más conspicuos representantes de la nueva literatura
rusa, como Fedor Gladkov, Leonid Leónov, Eugenio Zamiátin o
Alexandr Fadéiev, son incorporados con rapidez en el firmamento
referencial de los vanguardistas peruanos y acaban disputando
devociones, preferencias y simpatías con Jean Cocteau, Salvador
Novo o Jorge Luis Borges (31) Esta especial atmósfera intelectual
es la que también explica por qué una revista como el Mercurio
Peruano, que nada tiene que ver con las vanguardias, termina
interesándose en la literatura rusa de la revolución y, en 1927,
con ocasión del décimo aniversario de la Revolución de Octubre,
publica una selección -preparada por el poeta Alberto Uretadonde figuran «La canción del perro» de Serguéi Esenin y
algunos versos de Los doce de Alexandr Blok y Aventura
extraordinaria de Vladímir Maiakovski (32). De este modo,
gracias al noble esfuerzo de Mariátegui, la literatura rusa de la
revolución logra conquistar un lugar bajo el sol del nuevo ciclo de
cosmopolitización -internacionalización o modernización, como
ahora se dice- que experimenta la cultura peruana en la década
de 1920.
NOTAS
(1) Mariátegui, José Carlos: «La nueva literatura rusa»,
Variedades, Lima, 20 de marzo de 1926, en El artista y la época,
12º Edición, Lima, Biblioteca Amauta, 1987, pág. 158.
(2) Carta de José Carlos Mariátegui a Ricardo Vegas García (11
de mayo de 1925), en Mariátegui, José Carlos: Correspondencia
(Introducción, compilación y notas de Antonio Melis), Lima,
Biblioteca Amauta, 1984, tomo I, pág. 82.
(3) Ver Cornwell, Neil (Ed.): Reference Guide to Russian
Literature, Chicago, Fitzroy Dearborn Publishers, 1998, págs. 110114.
(4) Ibíd., págs. 118-120.
(5) Alberti, Rafael: La arboleda perdiada. Primero y Segundo
libros (1902-1931), Madrid, Alianza Editorial, 1998, pág. 178.
(6) Teitelboim, Volodia: El corazón escrito. Una lectura
latinoamericana de la literatura rusa y soviética, Moscú, Editorial
Ráduga, 1986, pág. 213.
(7) Mariátegui, José Carlos: «Instantáneas», Variedades, Lima,
26 de mayo de 1923, en La novela y la vida, 11º Edición, Lima,
Biblioteca Amauta, 1985, pág. 139.
(8) Mariátegui, José Carlos: «Miguel Arzibachev», Variedades,
Lima, 16 de abril de 1927, en Signos y obras, 3º Edición, Lima,
Biblioteca Amauta, 1971, pág. 95.
(9) Ibíd., pág. 96.
(10) Ibíd., págs. 96-97.
(11) Ibíd., pág. 95.
(12) Ver Alvarez del Vayo, Julio: La nueva Rusia, Madrid, EspasaCalpe, 1926, págs. 232-241.
(13) Mariátegui, José Carlos: «Caminantes, por Lidia Seifulina»,
Variedades, Lima, 15 de enero de 1927, en Signos y obras, págs.
91-92.
(14) Ver Schanzer, George D.: Russian Literature un the Hispanic
World: A Bibliography, University of Toronto Press, 1972.
(15) Ver Alvarez del Vayo, Julio: Rusia los doce años, Madrid,
Espasa-Calpe, 1929, págs. 87 y siguientes.
(16) Portnoff, George: La literatura rusa en España, New York,
Instituto de las Españas, 1932, pág. 47.
(17) López Campillo, Evelyne: La «Revista de Occidente» y la
formación de minorías, Madrid, Taurus, 1972, pág. 121 y sgts.
(18) Alvarez del Vayo, Julio: La nueva Rusia, pág. 49.
(19) Mariátegui, José Carlos: «La nueva literatura rusa»,en El
artista y la época, págs. 158-159.
(20) Mariátegui, José Carlos: «La Rusia de Dostoievski. A
propósito del libro de Stefan Zweig», en El artista y la época,
pág. 166.
(21) Ibíd., págs. 166-167.
(22) Citado en Mariátegui, José Carlos: «Máximo Gorki, Rusia y
Cristóbal de Castro», Variedades, Lima, 3 de agosto de 1928, en
Signos y obras, pág. 89-90.
(23) Ibíd, pág. 89.
(24) Ibíd, págs. 90-91.
(25) Flores Galindo, Alberto: «Para situar a Mariátegui», en
Adrianzén, Alberto (Ed.): Pensamiento político peruano, Lima,
Desco, 1987, pág. 207.
(26) Mariátegui, José Carlos: «La nueva literatura rusa», en El
artista y la época, pág. 158.
(27) Bazán, Armando: Biografía de José Carlos Mariátegui,
Santiago, Zig-Zag, 1939, pág. 94.
(28) Ver Mariátegui, José Carlos: «Máximo Gorki y Rusia»,
Variedades, Lima, 27 de octubre de 1923; «Trotski», Variedades,
Lima, 19 de abril de 1924; «Lunacharski», Variedades, Lima, 15
de febrero de 1925; «Alexandr Blok», Variedades, Lima, 19 de
setiembre de 1925; «La nueva literatura rusa», Variedades,
Lima, 20 de marzo de 1926; «Caminantes, por Lidia Seifulina»,
Variedades, Lima, 15 de enero de 1927; «Leonid Leónov»,
Variedades, Lima, 26 de febrero de 1927; «Sergio Esenin»,
Variedades, Lima, 1º de octubre de 1927; «La última novela de
Máximo Gorki», Mundial, Lima, 20 de julio de 1928; «Máximo
Gorki, Rusia y Cristóbal de Castro», Mundial, Lima, 3 de agosto
de 1928; «El centenario de Tolstói», Variedades, Lima, 15 de
setiembre de 1928; «Cemento, por Fedor Gladkov», Variedades,
Lima, 20 de marzo de 1929 Edición, Lima, Biblioteca Amauta,
1987,; «La Rusia de Dostoievski. A propósito del libro de Stefan
Zweig», Variedades, Lima, 10 de abril de 1929; «Los mujics, por
Konstantín Fedin», Variedades, Lima, 8 de mayo de 1929; «Rusia
a los doce años», Variedades, Lima, 10 de julio de 1929;
«Teatro, cine y literatura rusa», Mundial, Lima, 19 de julio de
1929; «El diario de Kostia Riabtzev», Variedades, Lima, 14 de
agosto de 1929; «La derrota, por A. Fadéiev», Variedades, Lima,
25 de diciembre de 1929; y «El realismo en la literatura rusa»,
Variedades, Lima, 7 de enero de 1930.
(29) Ver Ehrenburg, Iliá: «La literatura rusa de la revolución»,
Amauta,Nº 3, Lima, noviembre de 1926; Pilniak, Boris: «Arina»,
Amauta, Nº 3, Lima, noviembre de 1926; Bábel, Isaak: «La sal»,
Amauta, II, Nº 6, Lima, febrero de 1927, y «La carta», Amauta,
Nº 7, Lima, marzo de 1927; Zoschenko, Miguel: «Una noche
terrible», Amauta, Nº 9, Lima, mayo de 1927 yNº 10, Lima,
diciembre de 1927; Lunacharski, Anatoli: «El desarrollo de la
literatura soviética», Amauta, Nº 20, Lima, enero de 1929; y
Gladkov, Fedor: Cemento, Labor, Nº 10, Lima, setiembre de
1929.
(30) Miró, César: Testimonio y recaudo de José Carlos
Mariátegui, Lima, Editora Amauta, 1994, págs. 23-24 y 28.
(31) Sánchez, Luis Alberto: Testimonio personal. Memorias de un
peruano del siglo XX, tomo I, pág. 207.
(32) Ureta, Alberto: «La poesía rusa contemporánea», Mercurio
Peruano, XVI, Lima, 1927, págs. 429-441.
[Texto originalmente publicado em La Hoja Latinoamericana # 84
(Uppsala, abril/junio de 2003), com o título "José Carlos
Mariátegui, Amauta y la literatura rusa de la revolución".]
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portal de poesía
contemporánea (espanha)
depoimento de maría martín
arévalo
El Portal de Poesía Contemporánea de la
Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes
incluye las creaciones poéticas más
crecientes de autores iberoamericanos.
Uno de sus rasgos diferenciadores es que
además de textos, ofrece la posibilidad de
escuchar a los propios autores recitando
sus versos, de verlos en algunas lecturas
e incluso de conocer cómo son y qué
piensan a través de entrevistas
personalizadas.
El Portal de Poesía Contemporánea es uno de los 20 portales
temáticos de la Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, una
biblioteca digital que nació en julio de 1999 con el objetivo de
publicar en formato digital obras, estudios y documentos
relacionados con las culturas hispánicas. Aunque la base es la
literatura, también se ofrecen materiales relacionados con la
historia, el arte, la política,... Para conseguir este propósito, “la
Biblioteca se ha convertido en un centro de estudio y desarrollo
de herramientas tecnológicas que ya la sitúan a la vanguardia de
las bibliotecas digitales”, explica su director, el catedrático de
historia Emilio La Parra.
Creada bajo el auspicio de la Universidad de Alicante, en España,
las coordenadas de la Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes las
rige el Patronato de la Fundación Biblioteca Virtual Miguel de
Cervantes.
El Portal de Poesía Contemporánea cuenta con un catálogo de
más de 60 autores iberoamericanos. Según la coordinadora del
Portal, María Martín, “el rasgo diferenciador del Portal de Poesía
Contemporánea y de toda la Biblioteca Virtual, es que a los
textos añade, imágenes, voces, sonidos, vídeos, etc, lo que
completa más la visión que aportamos de cada uno de los
autores”. “Es -asegura- una nueva forma de leer poesía”.
El Portal de Poesía Contemporánea pretende convertirse, más
que en una antología, en un diccionario poético contemporáneo
multimedia, virtual y gratuito.
En la actualidad el Portal une la poesía que se está haciendo en
España y en América Latina y aglutina a autores que escriben
tanto en castellano como en otras lenguas autóctonas como
pueden ser el catalán, el gallego o el mapudungún, además de
incluir algunas traducciones en portugués.
En su catálogo de autores se puede encontrar desde a los
grandes premiados del siglo XX como Pablo Neruda o Gabriela
Mistral hasta los jóvenes, estimados o controvertidos como
Carlos Marzal, Oliverio Girando, Gonzalo Rojas, Dulce María
Loynáz, Mario Benedetti, Ángel Gozález, José Hierro o Nicanor
Parra. Muy pronto la obra de autores como Manuel Álvarez
Ortega, Marcos Ana, Aurora Luque o Luís García Montero estarán
disponibles en el Portal.
Uno de los principales problemas a los que se enfrenta el Portal
de Poesía Contemporánea es la dificultad de contactar con los
autores o los herederos legales de sus derechos. Por eso, la
mayor parte de los poetas publicados son españoles, ya que la
sede física de la Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes está en el
Campus de la Universidad de Alicante, en la costa mediterránea
española. “Somos extremadamente escrupulosos con el respeto
a los derechos de autor, por lo que no se publica nada que
cuente con una cesión firmada”, explica la coordinadora del
portal. María Martín afirma que diariamente se reciben
sugerencias y peticiones a través del correo que el Portal tiene
habilitado en su página de inicio. “Es muy útil porque una pista
lleva a otra y al final logramos contactar con muchos autores, lo
que sin la ayuda de otros poetas, editores o usuarios sería
imposible”.
El Portal de Poesía empezó a funcionar en noviembre de 2002 y a
fecha de agosto de 2004 ya había recibido 387.482 visitas.
Autores como Manuel Gahete (Córdoba-España) han dicho del
Portal de Poesía que es “una manera perfecta de acercarnos a
nuevos creadores, tanto por recientes como por no conocidos” y
lo ha descrito como “un oasis de luz, más que necesario” para la
poesía. Por su parte, Jesús Munárriz, poeta y director de la
editorial Hiperión, ha alabado el proyecto por permitir “leer y
escuchar de una a los autores y a sus versos”. Para el argentino
Claudio Serra Brun, cervantesvirtual.com está haciendo “una
gran labor de comunicación vía Internet entre los 22 países que
disfrutamos de nuestra lengua hispana”.
Y es que el Portal de Poesía Contemporánea permite a usuarios y
creadores, participar en foros de libre expresión para debatir
sobre textos, autores u obras, estableciendo un feedback más
que necesario entre los amantes de la poesía.
María Martín Arévalo
Coordinadora del Portal de Poesía Contemporánea
Realizadora de la Unidad Audiovisual y Área de Comunicación y
Atención al Usuario
E-mail: [email protected]
Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes
Universidad de Alicante. Edificio Nuevos Institutos
Campus de San Vicente del Raspeig
Apdo Correos, 99 E-03080 Alicante
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revistas em destaque
alforja (méxico)
diálogo entre josé vicente
anaya, josé ángel leyva &
floriano martins
FM - Como surge alforja, motivada por qual desejo? Falem um
pouco dessa Fraternidad Universal de los Poetas.
José Vicente Anaya – La revista de
poesía alforja tuvo dos inicios
frustrados, antes del tercero que la dio
a luz en la primavera de 1997. Por 1987
convoqué a varios poetas para
proponerles una revista de poesía
(teniendo ya pensado el nombre de
alforja como referencia a la utopía de
los poetas y filósofos cínicos de la
antigua Grecia, habiendo reunido los
materiales que conformaron la mayor
parte del que saldría impreso como
número 1 y hasta las ilutraciones del
dibujante Eko —cuyas ilustraciones utilizamos hasta que
armamos el número 11— con la idea de que cada número
fuera ilustrado por un pintor diferente como muestra de que la
imagen del artista es poesía visual). Tanto en la primera como
en la segunda convocatoria (ésta por 1992) los poetas
convocados no hicieron nada para llevar a cabo el plan. Fue
entonces que en los últimos meses de 1996 los poetas
convocados trabajaron con mayor compromiso y decisión para
resolver los problemas materiales que implican publicar un libro
(pues alforja tiene formato de libro) cada tres meses, es decir,
por cada estación del año, como lo estamos haciendo hasta
ahora.
Así, alforja REVISTA DE POESÍA nació primeramente con la idea
de que la poesía es un territorio de la imaginación, pero vivible,
y desde este punto de vista es una utopía llevada a la realidad.
A ese territorio, que se diferencia y contrasta con los territorios
pedestres, es invitada toda la gente que lo escribe y que lo lee.
Por esto, queremos que en la revista se expresen todas las
voces de quienes escriben y quienes leen poesía, todas las
voces de todas las culturas y lenguas. Queremos propiciar la
diversidad en todos los aspectos y sentidos, ya que el mundo y
la vida no pueden estar reducidos a una sola vía, y al promover
la diversidad estamos planteando un mundo completamente
opuesto a todo reduccionismo como el de las vanguardias o
fundamentalismos en boga.
Cuando nació alforja no había en México ninguna otra revista
dedicada exclusivamente a la poesía y con formato de libro,
características que pretenden darle a la poesía un lugar
distintivo en tanto arte de los más grandes. Sólo teníamos un
antecedente: la revista El Corno Emplumado, y aunque que
feneció allá por 1968 fue una publicación que unió y divulgó a
poetas de todo el continente americano sin que faltaran
europeos, africanos y asiáticos. Esta revista era nuestro único
antecedente y buen ejemplo. Ahora ya existen por lo menos
otras tres revistas con formato semejante.
En El Corno Emplumado recuerdo cartas de poetas de múltiples
países, y que en unade ellas se mencionaba que los poetas de
todo el mundo somos hermanos (y es cierto que los hermanos
de sangre también son diferentes entre sí y hasta pelean,
¿verdad?). Esta idea de hermandad la comparto y creo que es
una de las pocas hermandades que han traído cosas buenas al
mundo, es por eso que yo propuse declarar a alforja como una
revista de la Fraternidad Universal de los Poetas.
la mirada.
José Ángel Leyva – En mi caso parte
del anhelo de la lectura, de la
inmensa necesidad de contagiar a los
otros con la fascinación por la palabra
que persigue la poesía. Quizás
también por compartir un territorio sin
dueño donde el único poder que
domina es el de abrir puertas que dan
hacia sin ningún lado, o por lo menos
no hacia un lugar predecible. El
tiempo en esa medida tiene
perspectiva, y la muerte no es un
muro que se topa a cada segundo con
No estoy de acuerdo con Antonio Gamoneda cuando expresa
que la razón de ser de la poesía sea la muerte, ni siquiera el
trascenderla. Es la vida, en sus contenidos de dolor y de placer,
de tragedia y de júbilo, de gozo y de pena. La poesía nos
recuerda que vivimos y nos enseña, al tiempo que nos refresca,
los motivos de este efímero tránsito. El poeta Nezahualcóyotl
expresa ese sentimiento en un contexto prehispánico donde la
Guerra Florida es parte de un ritual no para invocar la muerte,
sino para cultivar, con sangre si se quiere, con el cautiverio y
sacrificio de unos y de otros bandos, la existencia humana, la
vida de la naturaleza. El cuerpo de Cristo de la comunión
cristiana es su equivalente, un oximoron: el tiempo que se
alimenta de la digestión simbólica de la inexistencia, del cuerpo
torturado del Salvador, de su sangre y de su carne, es decir,
del sacrificio. La poesía en ese sentido canta a la generosidad
de la vida y nos revela también la dimensión del dolor, del
olvido, de la estupidez, de nuestra insignificancia ante el
tamaño del Universo, y al mismo tiempo de ese Yo que los
románticos advertían en su integración cósmica. Me parece
entonces que la fraternidad poética se da, desde mi punto de
vista, en esa perspectiva de la generosidad, del anhelo de
compartir las emociones que nos brinda la conciencia, los
sentidos despiertos, la capacidad de soñar y de imaginar
mundos alternos. También de construirlos. Hacer más público
lo público, ampliar su radio de acción y de presencia. Una
revista nos acerca no sólo a los libros y a sus autores, sino
también a los acontecimientos y a los fenómenos relacionados
con la materia que tratan dichos temas, al movimiento tangible
de la historia de la emociones, de la cultura, de las
mentalidades, de la palabra. alforja en ese sentido era, y es,
para mí, la oportunidad de poner en práctica mis convicciones
literarias más allá de mi propia sombra, de mi imagen
narcisista, es la complicidad con otros poetas que, como yo,
pretenden buscarle las costillas a la poesía y a los poetas, a los
lectores para abrir nuevos horizontes y derrocar a la
complacencia y la certidumbre. José Vicente Anaya es un
especialista en eso. A mí sólo hay que buscarme un poco. Y
José Vicente me encontró en 1984, cuando me propuso hacer
un revista de poesía. Pero tardé en tomarle la palabra hasta
1996, tiempo en el que me sentía menos ilegítimo para una
responsabilidad de tales exigencias. José Vicente fue, en ese
sentido, el motor de ese comienzo y la energía que le da
permanencia.
FM – Como funciona alforja (estrutura financeira, distribuição,
equipe, definição de pauta, relação com colaboradores etc.)?
JVA – Nace alforja y se desarrolla enfrentando todas las
dificultades típicas para conseguir el necesario dinero que cobra
toda imprenta. Al principio los mismos miembros de la revista
tuvimos que cooperar para los gastos de edición (aunque, como
siempre sucede, algunas personas no aportaron nada, ni dinero
ni poemas...). El pintor que lo ilustró el primer número,
Gilberto Aceves Navarro, muy entusiasta en los proyectos
artísticos y a quien hasta hoy en día le estoy muy agradecido,
realizó un grabado cuyos cien ejemplares nos entregó para que
los vendiéramos a precios módicos, más baratos que los precios
de galería, con el fin de que de esa manera pudiéramos tener
una entrada de dinero y así seguir publicando la revista;
Gilberto nos aconsejó que hiciéramos esta propuesta a los
pintores que aceptaran ilustrar la revista, y sin que sea una
condición inmutable, la mayoría de los artistas plásticos han
sido muy solidarios con alforja y la divulgación de la poesía en
ese sentido.
Al paso del tiempo hemos recibido dos veces el apoyo por un
año para revistas independientes, que otorga el Consejo
Nacional para la Cultura y las Artes (Conaculta), y si no es una
cantidad que cubre todos los costos de impresión sí ha sido una
ayuda que cubre al menos una tercera parte de los costos.
También del Conaculta recibimos el apoyo para publicar ocho
libros de poesía. Los problemas financieros no han estado
ausentes en varias ocasiones. En el último año logramos un
convenio de coedición con la Universidad Autónoma
Metropolitana, y esto también nos ha salvado de la
desaparición, de tal manera que ya estamos circulando con el
número 30 dedicado a poetas rusos contemporáneos.
No hemos logrado acumular un fondo de dinero, aunque lo
deseamos, con el fin de pagar las colaboraciones, por lo cual
hasta ahora quienes publican con nosotros reciben como pago
ejemplares de la revista.
JAL – Nadie sabe, mejor que tú cómo funcionan estos proyectos
editoriales, con las uñas, con el hígado, con el corazón, con lo
que tengas a la mano para empujar la piedra por la pendiente.
Sí, como Sísifo. La espalda te duele no por el esfuerzo sino por
las palmadas que te dan los animadores, los escépticos, los que
desean tu fracaso, los que se montan en las acciones para salir
en la foto, los que te adulan y los que te denostan. En fin, la
espalda duele de cargar esas manos y sus resistencias. En el
camino ha quedado mucha gente que ha visto a alforja no
como un trabajo colectivo sino como la vía, el instrumento de
su propia proyección. Somos muy pocos los que hacemos el
trabajo cotidiano, el trabajo duro, la limpieza y la decoración, la
reparación, la planeación y la recolección, la búsqueda de
recursos para la sobrevivencia. Para no decir nombres, digamos
que somos tres o cuatro, máximo cinco quienes conformamos
ese núcleo de trabajo que va más allá de lo editorial. Pero
debemos reconocer que hay muchas manos que también hacen
su aporte y ponen su palanca para empujar la piedra hacia
arriba. Todas esas manos tienen dueño, las hay en todo Brasil,
y en particular en Fortaleza.
Hoy en día el Consejo Editorial participa de manera más activa,
más propositiva. Tiene mucho que ver el peso de sus nombres,
pero también su confianza en alforja. Una ayuda fundamental,
o digamos alianza estratégica, es la que establecimos con la
Universidad Autónoma Metropolitana (UAM), gracias a la
inteligente visión de Luis Ignacio Sáinz, director de Difusión
Cultural, quien nos introduce al corredor universitario, pone en
el contexto de la UAM una publicación de poesía que le cuesta
únicamente la impresión y deja en libertad absoluta al núcleo
directivo hacer su trabajo editorial, que ya demostró saber
hacerlo. Este respeto a nuestra autonomía en los contenidos y
en las políticas editoriales, determinadas en última instancia
por sus consejos Editorial y de Colaboradores, y obviamente
por sus lectores, es lo que más defendemos. Así, la UAM
distribuye una parte y nosotros la otra mediante diversos
mecanismos, uno de ellos de corte muy activista es el de los
representantes. El resto fluye por las librerías.
Ya estamos, por cierto en la red.
FM - De que maneira o Estado mexicano tem atuado na
subvenção de projetos editoriais e qual tem sido o resultado
dessa atuação?
JVA – Ya lo dije al mencionar el apoyo del Conaculta. Aclarando
que al tratarse de una revista independiente, no hemos tenido
ninguna presión ni imposición (y no lo podríamos aceptar por
nuestro espíritu libertario) sobre los temas o autores que
publicamos, yesta es y será condición sine qua non para
aceptar cualquier tipode apoyo.
JAL – Bueno, es un buen sistema de apoyo para las llamadas
revistas independientes; a cambio piden unicamente espacio
para la publicidad oficial relacionada con información literaria o
artítica. Son nuestros impuestos, desde luego, pero debemos
reconocer que esos fondos económicos destinados a apoyar a
las publicaciones periódicas son muy útiles, sobre todo en
momentos de asfixia material. Es decir, que no tienes para
pagar el papel y la impresión. Muchas veces esos apoyos no te
alcanzan para adquirir los insumos necesarios, pero reducen la
onerosa cuota que los editores deben de pagar de sus bolsillos
para mantener a flote la revista. Si hubiese un público lector no
requeriríamos esas ayudas, pero no hay mercado y eso nos
pone contra el muro. Así que el Estado nos “remunera” de
algún modo y de manera parcial, la labor que hacemos para
fomentar la lectura. Visto desde otro plano, el Estado mexicano
pone un poco de gasolina para que le demos movimiento a su
programa.
FM – E qual tem sido a recepção crítica da revista, dentro e fora
do México, incluindo eventuais cumplicidades com editores de
outras publicações similares?
JVA – De manera dispersa en la prensa
mexicana han aparecido algunos
comentarios favorables y reseñas breves
sobre alforja. Sin embargo, en el status
quo de la cultura se ha mostrado un
silencio profundo, de lo cual se deduce
que experimentan cierto miedo a la
aparición de una revista independiente
que no se ciñe a sus gustos,
pretencionesy adoraciones; lo cual es un
verdadero elogio para el trabajo de
difusión que hemos realizado con nuestra
revista. El hecho es que alforja existe y
ya ha demostrado que sabe persistir, por
lo cual ya tiene un lugar determinante en la cultura mexicana
sin que sea ajena a lectores y poetas de muchos países donde
no sólo la han leído sino que incluso han colaborado con
trabajos muy importantes como las muestras de poesía
brasileña (con la entusiasta colaboración de Floriano Martins),
poesía griega, colombiana, chilena, española, chipriota,
ecuatoriana, etc. También de manera dispersa muchos
escritores mexicanos han reconocido y bien ponderado el
trabajo de divulgación hecho en nuestra revista, pero ha sido
sólo oralmente, en conversaciones aisladas, es decir que no lo
han publicado.
FM –alforja tem mostrado atenção em relação ao que se passa
com a poesia em outros países, sempre dedicando suas páginas
de maneira substanciosa à difusão dessa poesia. Trata-se,
portanto, de projeto aberto e consciente de sua
responsabilidade no entrelaçamento de experiências culturais
que extrapolem a barreira dos nacionalismos. De que maneira
este assunto é compreendido pelos editores de alforja, sobre a
função que desempenham editores de revistas, observando a
ambigüidade de uma universalização da cultura hoje tão
evocada?
JVA – Igual que con la idea de la Fraternidad Universal de los
Poetas, estoy convencido de que todas las revistas dedicadas a
la poesía en todos los países y lenguas son hermanas de
alforja. Todas las revistas de poesía son los ríos que van a dar
al mismo mar de la vida. Formamos redes innumerables cuyos
caminos muchas veces se cruzan.
JAL – No sólo consideramos la necesidad de asomarnos al
quehacer literario en otras latitudes, lenguas, culturas,
regiones, épocas, sino que no concebimos el desarrollo de la
poesía sin esos nexos, sin ese conocimiento cada vez más
amplio y profundo de la poesía desde diversas perspectivas
humanas que, quizás, no encontremos en nuestro entorno, en
nuestro país, en nuestro continente, si no nos asomamos por la
ventanas de nuestra curiosidad, de nuestra percepción. Es
necesario romper el cerco de la autorreferencia, de la
provincialidad para crear nuevos paradigmas y ejercicios de
trasgresión dirigida. El cambio no está sólo en lo nuevo,
también se halla en lo viejo que no ha sido descubierto,
descifrado en su dimensión estética y poética. Pero la apertura
hacia el exterior no puede existir si antes no hay disposición a
abrirse caminos desde dentro, o por lo menos que haya el
camino para retornar con ánimo de transformación, de
ampliación de criterios. Parecería que ser abiertos es aceptar
exclusivamente los cánones europeos o estadounidenses pues
todo lo demás es étnico, local. Pero pensemos por ejemplo que
un Chaac Mol es una escultura singular en un mundo histórico,
el maya, pero la pieza escultórica de Henry Moore, basada en
esa imagen, es una propuesta novedosa en el plano estético.
Ningún escultor mexicano la actualizó tanto como ese artista
extranjero que tenía una gran capacidad de digerir la cultura en
general. Esa misma capacidad no sólo de fagocitar, sino de
digerir bien, de aprovechar los nutrimentos que se mueven en
un mundo globalizado es que nos coloca en la posibilidad de ser
más universales desde nuestra localidad. Por otro lado, no
podríamos hacer esta labor si no contáramos con la
participación y la complicidad de otros actores que hacen lo
propio en sus respectivos países. Son, digamos, conexiones
dendríticas, neuronales, telepáticas, sobre todo ahora que nos
movemos en la Red.
FM – O que pensam da idéia de criação de um fórum
permanente de debates, entre editores de revistas, através da
Internet?
JVA – Esa es una idea que va muy bien con el espíritu de
diálogo y crítica que también promulgamos en alforja como una
necesidad para que las ideas sustanciosas y nuevas fluyan y
despierten a este aletargado mundo.
JAL – Magnífico ¿Cuándo empezamos?
FM – Tribuna livre, para o que queiram comentar:
JVA – Una invitación a todos los escritores y lectores de poesía
para que contribuyan, en todos los ámbitos y de todas las
formas, a vivir, convivir y extender el territoriuo de la poesía.
JAL – Sí, es bueno ampliar los espacios para la conversación,
para el flujo interactivo del pensamiento, como este que
sostenemos contigo y con muchas almas en llamas que no
cesan de trabajar por ese motivo llamado poesía, arte, vida.
alforja es una revista de la Fraternidad Universal de los
Poetas.
e-mail: [email protected]
página em Internet: www.alforjapoesia.com
Para suscribirse hacer depósito bancario en Bital cuenta núm.
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Literatura, A.C.)
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revistas em destaque
capitu (brasil)
diálogo entre edson cruz &
floriano martins
FM - Quando surgiu Capitu e em quais circunstâncias editoriais?
Edson Cruz – O Capitu surgiu, sem
muita pretensão, de um desejo do
Cakko (que ainda é o administrador
do site) em fazer uma retrospectiva
dos principais autores da literatura
brasileira em comemoração aos
500 anos de descobrimento do
Brasil. Ele ia reproduzir verbetes da
enciclopédia Nova Cultural. Depois
do trabalho pronto a editora não
autorizou, é claro! O espaço estava criado e algumas pessoas
se interessaram em colaborar. Um grande portal da época (4
anos atrás) o Zipnet quis hospedá-lo e a partir daí começou-se
a fazer Chats com escritores e críticos. O portal tinha trânsito
em quase todos os países de língua portuguesa. Foram feitos
mais de 20 Chats, com repercussão em Macau, Angola,
Moçambique e Portugal. Principalmente depois que o site
passou para a Terra Vista Portugal, outro grande provedor.
A preocupação com lançamentos veio depois e muitas pessoas
vieram para agregar valor ao projeto.
FM - Qual a razão de seu nome?
EC – O Cakko desejava um nome que não fosse ponto com. A
febre do momento. Como se tratava de literatura pensou num
escritor representativo. Chegou a Machado de Assis e daí à sua
personagem mais enigmática: Capitu. Tinha que ser feminino,
também. Ou seja, o Capitu é o resultado de muitos ‘acasos’, se
é que isto existe. As coisas foram acontecendo
espontaneamente, sem muito planejamento. Com relação ao
nome, cá pra nós, foi um achado de muita felicidade.
FM - Como o sítio convive com outros projetos similares em
todo o país?
EC – Acho que estamos na vanguarda de um novo tempo para
as letras em geral. Temos que trabalhar em conjunto e com
camaradagem. O Capitu busca o diálogo e o intercâmbio com
todos os projetos feitos com seriedade e qualidade. Temos
colaboradores no Brasil inteiro, e em nossas matérias não
vemos problema nenhum em ilustrá-las com links, fotos, textos
de outros sítios. É como se expandíssemos exponencialmente
as possibilidades virtuais da informação e da ação. Quer coisa
mais bonita do que um texto sobre Cortázar, escrito por um
brasileiro, que te remete aos textos originais de Cortázar
disponíveis em sítios da língua pátria de Cortázar? É isto que o
Capitu vem fazendo. Uma resenha não precisa ser
burocraticamente profissional. Pode ter sim mais que 40 linhas.
Pode ter imagens, desenhos, teses, intervenções poéticas e
informar. Por que não?
FM - Qual a situação atual do sítio, em termos de conquistas,
dificuldades, novos planos etc.?
EC – Estamos em um novo momento e partindo para um
grande desafio que é ter nossa própria livraria. Muitos sites
surgiram e a maioria saiu do ar ou vive no anonimato. O Capitu
conseguiu estabilidade num grande portal e chega a sua
maturidade sem estar preso a nenhuma corporação de mídia.
Vamos ser (pelo que eu saiba) o primeiro site de conteúdo que
possue seu próprio comércio eletrônico. O que vai nos dar
solidez e total independência. Vamos reunir uma comunidade
literária, já formada e crítica, a possibilidade de convivência
com grandes e pequenas editoras e autores. O conteúdo
sempre foi nosso diferencial e continuará a sê-lo. A literatura é
a flor da cultura e com ela podemos sentir o aroma de várias
manifestações estéticas. É isso que queremos. Ampliar nossa
apreensão do mundo e da vida através do olhar estético que a
literatura nos permite.
FM – Capitu circula apenas em módulo virtual ou há também
uma versão impressa?
EC –O Capitu é um projeto virtual. Queremos mergulhar neste
universo espectral que são os módulos virtuais e expandi-lo ao
limite de outras galáxias e civilizações. Mas, como sabemos que
o ser humano gosta do cheiro do papel e de exercitar o tato,
estamos lançando nossa revista literária, Mnemozine, que
embora virtual, prevejo uma versão impressa mais para frente.
Devo dizer que a Revista Mnemozine, embora no Capitu, tem
voz própria e será capitaneada por mim e pelo poeta e editor,
Marcelo Tápia,com trabalho gráfico exuberante do Pipol.
FM - Como funciona sua difusão?
EC – O Capitu está hospedado no UOL, e isso nos dá uma
visibilidade que às vezes chega a assustar. Não temos
patrocínio nem pagamos nenhum tipo de marketing. O site
corre no boca-a-boca, ou melhor seria dizer, de micro-a-micro.
Temos um mailing de umas 10 mil pessoas que são leitores
ativos do site. Além disso soubemos utilizar o BlogCapitu
(agora Blablablog, parodiando o título de uma matéria de
Nelson de Oliveira) para gerar debates, manifestações,
divulgações e alimentar uma comunidade literária que se
espalha pela América do Sul. Nosso sonho é chegarmos a
dialogar em todos os níveis com nossos hermanos da América,
assim como, com toda a comunidade de língua portuguesa no
mundo. Ambicioso, mas possível. Está dentro dos limites que a
ferramenta nos oferece. Temos que usá-la.
FM - Como vês as possibilidades da Internet como ferramenta
aplicada à cultura?
EC – As possibilidades, por enquanto, são infinitas. É uma
ferramenta revolucionária que deve ser usada com criatividade,
ousadia e critérios. Não há limites de páginas. Não precisa se
esperar pela vontade da editora. Não precisa pedir autorização
da academia. Todos os limites podem ser rompidos e milhares
de pessoas podem acessar o que se veicula no tempo de um
piscar de olhos. O único alicerce seguro para que a casa não
caia em nossas cabeças é a diversidade de opiniões e
conceitos, aliado a um critério de qualidade e profundidade. Se
nivelar por baixo, a meu ver, não dura. Pode até explodir em
louros e aplausos públicos, mas não dura. Sem consistência do
início ao fim não há permanência.
Editor: Edson Cruz
Rua Prof. Túlio Ascarelli, 132 casa 2 - Vila Madalena
São Paulo, SP 05449-020 BRASIL
E-mail: [email protected]
http://capitu.uol.com.br/
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revistas em destaque
común presencia
(colombia)
diálogo entre gonzalo márquez
cristo, amparo osorio & floriano
martins
FM - Quando surgiu Común Presencia e em quais circunstâncias
editoriais?
Gonzalo Márquez Cristo - En 1989, como una opción sensible,
necesaria en un país asediado por la guerra y por los manejos
excluyentes de la cultura oficial. Así, sin ningún apoyo
institucional ni oficial hemos llegado al número 16 y en sus
páginas han aparecido entrevistas a grandes escritores y
pintores universales, realizadas todas personalmente, y a su
lado traducciones de poetas poco conocidos en nuestro medio.
Amparo Osorio – No ha sido fácil sacar adelante una Revista
que no se parece a ninguna de las publicadas en nuestro
medio. Las circunstancias editoriales han sido difíciles y casi
siempre se termina publicando con recursos propios. Pero sin
duda desde su primera aparición ha creado una secta de
seguidores.
FM - Qual a razão de seu nome?
GMC - Rendir un homenaje al gran poeta francés René Char,
cuya poesía filosófica siempre nos ha deslumbrado. Y proponer
una común presencia, urgente para enfrentar la destrucción, la
desolación y la desesperanza.
AO – Como afirma Gonzalo Márquez, es concitar una obra
cumbre de un poeta que como René Char siempre estará entre
nosotros
FM - Como a revista convive com outros projetos similares em
todo o país?
GMC – Cada publicación tiene su espacio definido. La nuestra
de periodicidad “esporádica”, propone llevar al lector el
pensamiento de creadores a través de las más de 30
entrevistas que han aparecido en sus páginas y la poesía
reflexiva de autores de otras lenguas (portuguesa, francesa,
italiana, inglesa…) que no han tenido difusión en
Hispanoamérica.
AO – Común Presencia es una revista que ofrece otros matices
diferentes a las tradicionales publicaciones de Colombia. Quizá
eso la hace diferente, pues su médula principal es la poesía y
aunque abarca todos los géneros literarios, nunca se ha
propuesto dar cabida a las nuevas tendencias light que tanto
afectan al arte actual y por consiguiente a muchas
publicaciones que no teniendo nada que decir, acuden al
facilismo y a la frivolidad.
FM - Qual a situação atual da revista, em termos de conquistas,
dificuldades, novos planos etc.?
GMC – La situación de la revista siempre es crítica. Creemos
que cada número es el último y eso que pareciera ser un hecho
desdichado es también propicio, pues esa suerte agónica nos
condena a ser muy exigentes en la selección del material y a
que todo lo publicado esté provisto de esencialidad.
AO – Ya es bien sabido para nosotros que es una publicación
difícil de sostener en un lapso determinado. Nunca podríamos
decir que su aparición es trimestral, semestral o anual. Esto es
del orden del milagro. Y aunque siempre contamos con valioso
material, la consecución de la pauta cada día es más ardua. Lo
importante finalmente es que cuando se logra un nuevo
número, hay muchas presencias comunes que lo festejan y eso
es lo maravilloso, la magia que discurre en un escenario
imprevisto.
FM – Común Presencia circula apenas em versão impressa ou
há também um módulo virtual?
GMC – Por ahora sircula sólo en versión impresa.
AO – No sé qué tan perdurable podría ser una versión virtual
que de hecho creo que ocupa sólo una inmediatez. Preferimos
siempre de todos modos nuestra revista impresa, porque
representa esa especie de tótem que puedes abrazar, oler y
contemplar.
FM - Como funciona sua difusão?
GMC – En forma secreta y casi obsesiva, y si las palabras
secreto y sagrado tienen el mismo origen como se ha dicho,
creemos que es el camino necesario. Sin embargo a causa de la
Colección Los Conjurados, que se edita a la sombra de la
revista, la cual tiene más de 20 títulos, es distribuida ahora en
cinco países, pero reitero, de manera secreta y sagrada.
AO – De una forma muy marginal. Es preciso que así siga
siendo. Pero siempre llega a sus destinatarios. A su destino. Es
como esa botella de náugrafo lanzada al mar que encuentra al
fin la playa predestinada.
FM - Como vês as possibilidades da Internet como ferramenta
aplicada à cultura?
GMC – Me parece fundamental, creo que es un magnífico medio
de información, de aproximarse a nuevas voces, de estar
enterado de nuevas publicaciones, del estreno de nuevas obras
cinematográficas y escénicas, en fin, de conocer nuevas
búsquedas, aunque creo que la comunicación tal vez se halle
más en la lectura íntima de un libro impreso, que en la rápida
lectura de un texto en un computador.
AO – Es interesante. Pero creo que funciona más para noticias
y textos breves. Para un hallazgo quizá. Pero en la extensión de
un libro y en la profundidad que él requiere no creo que se den
las condiciones necesarias.
FM - Pediria ainda informações a respeito da criação da
Fundación Común Presencia e da coleção de livros - Los
Conjurados - que vocês vêm publicando.
GMC – La Colección Internacional de Literatura Los Conjurados
fue creada hace dos años. En el género de poesía hemos
publicado más de veinte títulos entre los cuales resaltaría los
libros de: Trakl, Adonis, Juarroz, Ungaretti, Rimbaud, António
Ramos Rosa…, en excelentes versiones al español; además de
otros poetas latinoamericanos como Rodolfo Alonso, Alfredo
Chacón, Mauricio Contreras, Germán Villamizar… En el género
de Testimonio hemos publicado tres tomos con los Discursos de
los Premios Nobel de Literatura, autorizados por primera vez al
español por la Academia Sueca, que son un verdadero legado
espiritual de nuestro tiempo; allí aparecen las palabras
pronunciadas en Estocolmo por: Perse, Camus, Neruda, Eliot,
Faulkner, Steinbeck, Brodsky, Kertész, García Márquez, Paz…
La Colección Los Conjurados es una trinchera interior para
aquellos que necesitan afrontar una realidad individualista y
aciaga, es un espacio imprescindible para aquellos que aún
creen en la urgencia de soñar.
AO – A lo que acaba de responder Gonzalo Márquez Cristo, sólo
añadiría que también es una pretensión de que la poesía
encuentre en su renacer, una puerta abierta, contra tantas
otras que universalmente se le han cerrado. Quizá los
Conjurados sólo pretenda eso, ser el paso posibitador para
enterarnos de los múltiples y complejos universos del ser en
todas las latitudes del planeta. Es un proyecto complejo porque
la poesía así lo es. Pero maravilloso porque la poesía también
es maravillosa. En esto seguiremos trabajando con toda la
mística del corazón.
Común Presencia
Carrera 8 # 65-73
Bogotá (604) COLOMBIA
e-mail: [email protected]
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jornal de poesia
..
triplov
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revistas em destaque
cult (brasil)
diálogo entre marcelo rezende
& claudio willer
CW - CULT foi lançada quando, mesmo? Em 1995? Ou foi 97?
Seja como for, logo completará dez anos. Tenho a impressão
de que passará a ser, se é que já não é, o mais longevo dos
periódicos literários nacionais em circulação, descontados
aqueles, como o Suplemento de Minas, Poesia Sempre da BN
ou Correio das Artes, da Paraíba, que são subvencionados pelos
respectivos governos. Isso sugere algum tipo de comentário,
reflexão ou observação? (sobre duração da CULT ou pouca
duração de outros periódicos).
Marcelo Rezende - O primeiro número
da CULT chegou às bancas em 21 de
julho de 1997. Talvez seja necessário
nos determos um pouco sobre o
contexto nacional daqueles anos: o país
vivia o que depois foi denominado como
“febre do real”, na qual a sociedade e
seus agentes acreditavam em uma
transformação do panorama de
consumo (de bens culturais ou não).
Isso teve um reflexo na imprensa
nacional. Enquanto os grandes grupos
passaram a impor estratégias para
alcançar a massa que antes se
encontrava fora da esfera dos produtos culturais (os jornais são
um exemplo disso), esse momento econômico possibilitou
ainda que outros agentes, voltados para a segmentação,
pudessem lançar seus projetos. Curiosamente, o país, que tem
uma acidentada história com publicações voltadas para a
cultura (de caráter nacional e com venda em banca), ganhou
no mesmo período CULT e Bravo!, duas publicações totalmente
diferentes em seus projetos, mas que são fruto, também, dos
acontecimentos descritos acima, e que pretendem ser viáveis
sem a necessidade da presença do Estado. Pouco depois, essa
expectativa se alterou, com os sucessivos choques econômicos.
Hoje, as grandes empresas estão com enormes dívidas e sem
capital, enquanto novos empresários enxergaram nisso uma
oportunidade para ocuparem um lugar na imprensa nacional.
Estamos ainda em um momento de transição, no qual novos
títulos se fortalecem e editoras antes tidas como pequenas
passam a investir a fim de se tornarem relevantes entre
leitores descontentes com as fórmulas dos títulos históricos nas
bancas brasileiras.
CW - A propósito, literário, mesmo? Ao longo de sua existência,
CULT sempre me pareceu oscilar entre uma revista cultural
geral, cobrindo também música, artes visuais e cinema, e uma
revista especificamente literária e de idéias, de filosofia. O que
é CULT, no plano do conteúdo?
MR - Bem, estamos aqui face a uma questão que assombra um
pouco a CULT e alguns de seus leitores. Antes, um
esclarecimento pessoal: como estive afastado do Brasil entre
1998 e 2002 (não estive no país nem mesmo para férias ou
algo desse tipo; foi um momento de ausência total), período no
qual morava em Paris, não pude acompanhar de perto a
história da revista. Recebia alguns exemplares, como de outras
publicações, de amigos que procuravam me apresentar um
pouco do que se passava aqui. Assim, se houve instantes de
crise de identidade da CULT, pude observá-los não apenas de
uma distância oceânica. Eu me encontrava também em uma
posição específica: lia (leio) muitas publicações européias e
norte-americanas que - com aproximações e afastamentos estavam tentando impor projetos semelhantes aos da CULT.
Em seus primeiros anos, a CULT se assumia como uma revista
de literatura, e acredito que o criador do título, o jornalista e
crítico Manuel da Costa Pinto, tivesse a intenção de fazer da
CULT um espaço não apenas para o comentário jornalístico de
livros e autores, mas, sobretudo, um lugar no qual a crítica
literária brasileira –e suas tendências- pudessem ultrapassar
seu território; isto é, o da academia, o circuito universitário. Se
houve a passagem editorial de “revista de literatura” para
“revista de cultura” (e esses conceitos me parecem estar
sempre sendo entendidos como se estivessem em um jogo de
opostos; há a recusa da idéia de ser possível haver
aproximação entre esses dois campos; um engano, me
parece), algumas das razões estão na resposta abaixo.
CW - Coisa de três anos atrás, CULT mudou de proprietário. O
que mudou então, em conseqüência? (em nível propriamente
editorial, é claro).
MR - A CULT, a partir do número 57, deixou de ser editada pela
Lemos Editorial (que controlava o título desde sua fundação) e
passou para as mãos da editora Bregantini, que iniciava seu
projeto de se tornar uma editora competitiva no cenário
nacional. A mesma equipe editorial foi mantida, mas a revista
passou então a se assumir como um título voltado para a
“cultura em geral”, ainda que eu não esteja muito certo do que
essa expressão possa querer dizer hoje…
Mas acho ser necessário fazer algumas distinções aqui. De
início, estabelecer uma diferença entre produção cultural e
produto cultural. Publicações culturais (revistas, suplementos
culturais) mantém um necessário (inevitável talvez seja a
melhor palavra) diálogo com o mercado de cultura. Essa
relação não se dá de maneira pacífica, ou ao menos não
deveria acontecer assim. O fato é que publicações culturais
podem terminar se submetendo ao produto cultural,
acreditando não haver mais diferença entre o produto e o fato
cultural. Eles podem ser o mesmo, mas não necessariamente.
A tarefa de uma publicação cultural seria a de apontar para o
leitor essas diferenças. Seria. Estamos no reino do condicional
aqui. Essa tarefa editorial talvez seja o muro diante da
imprensa cultural (as revistas universitárias são uma outra
questão) hoje, e em nações periféricas como o Brasil isso se
torna extremamente relevante. O analfabetismo funcional
cresce no país. Há décadas. Não está diminuindo. Em
sociedades que passaram por eficazes programas de educação
de massa isso é um problema. O que dizer de nós, brasileiros,
que nunca tivemos uma razoável educação para a população?
Isso significa que a imprensa (que é uma atividade econômica
privada, que visa o lucro) tem também um papel educacional.
Ela deveria, ao menos em teoria, apresentar os fatos e
contextualizá-los. Hoje, onde alguém pode saber quem foi (um
exemplo) Pier Paolo Pasolini? Nos livros? Na universidade? E se
essa pessoa não sabe quais livros ler nem em qual curso
universitário encontrar o que procura? Ela poderia ser
apresentada ao cinema (e aos poemas e artigos) de Pasolini
pela imprensa. Mas essa imprensa depende de “um grande
lançamento” (um bom produto cultural) para falar de Pasolini.
E, quando esse acontecimento surge, prefere não dar muito
espaço a Pasolini porque “as pessoas não sabem quem ele é”.
Parece estarmos diante de um ciclo vicioso, não?
Quando cheguei à CULT, em setembro de 2003, após o
desligamento da antiga equipe de editores do título, fui
convidado pela publisher da revista, Daysi Bregantini, para
elaborar um projeto editorial que pudesse enfrentar essa
desconfortável posição da revista, a fim de que ela pudesse ser
um título de cultura, e não apenas de produtos da indústria
cultural. A CULT deveria ser um título mais lido e comentado,
indo além de seu público inicial, o da faculdade de Letras, sem,
claro, perder esse leitor. Ela teria que ser menos conservadora,
mais ousada e, ao mesmo tempo, agregar leitores e não perder
nenhum dos já acostumados com o título. Na verdade, não
estamos no mais fácil dos mundos… Esse projeto é o que a
editora vem procurando implantar desde o número 74. O
primeiro número que pude editar. Hoje, ela passa por um
momento de crescimento, tanto em relação ao número de
leitores quanto de faturamento publicitário. A CULT é um título
que, segundo dados de sua distribuidora, a Fernando Chinaglia,
vende em banca cerca de 20% acima da média do que o
mercado de revistas no Brasil consegue. Estamos então diante
de uma questão resolvida? Não, certamente. Como todos os
editores sabem, a relação com o leitor é sempre delicada, e a
revista deve sempre procurar ser melhor a cada número. Ou o
leitor se afastará do título. Mas parece que o leitor se sente
confortável diante de um título que acredita ser cultura não
apenas o livro, o CD ou o filme, mas o debate, questões
políticas, a filosofia e o engajamento intelectual em torno do
livro, do CD e do filme. Não o partidarismo, que é outra coisa,
mas o pleno engajamento intelectual.
CW - Fale-nos de você. De onde você surgiu? O que fazia
antes? Como aportou à CULT?
MR - Minha trajetória é muito breve, na verdade. Tenho 36
anos, estudei Comunicação Social na PUC-SP e Filosofia na USP
(que abandonei pouco antes de minha graduação) ao mesmo
tempo. Depois, trabalhei como repórter e editor-assistente nos
cadernos Ilustrada e Mais!, do jornal Folha de S. Paulo (19931998); após essa fase, recebi um convite do diário Gazeta
Mercantil para ocupar o posto de correspondente em Paris
(1998-2001). Permaneci nesse cargo até 2001 (me desliguei do
jornal alguns meses antes de sua grande crise), mas permaneci
na França terminando alguns cursos que tinha iniciado e, antes
de meu retorno ao Brasil, passei ainda uma curta temporada
em Roma.
Quando voltei ao país, em 2002, recebi um convite para
retornar à Folha de S. Paulo. Essa segunda fase durou apenas 5
meses. Após meu desligamento do jornal, passei a trabalhar
em um projeto de livro sobre um certo momento da arte em
São Paulo, um livro no qual trabalho ainda, e nesse período
recebi o convite para editar a CULT.
CW - Como é o público leitor de CULT? Quantos são os leitores
de CULT? Qual é seu perfil?
MR - O leitor é basicamente jovem, com passagem pela
universidade ou ainda passando por ela, seja na graduação ou
na pós-graduação. Logo, classes A e B. Me parece ser um leitor
curioso, disposto a ser apresentado a algo que não estava em
seu domínio e que talvez nem desconfiasse ser de seu
interesse. Isso porque mesmo um leitor “educado” não conhece
muito além de seu campo de saber. Infelizmente. Os que
conhecem muito a obra de Adorno talvez não se sintam muito
confortáveis diante de um texto e de uma obra do norteamericano Donald Judd, apesar dos pontos de contato entre os
dois. Logo, a tarefa da revista seria apresentar Judd aos
adornianos, e Adorno para os seguidores de Judd.
CW - O que você gostou mais de publicar na CULT?
MR - Muitas coisas, na verdade. Falando especificamente sobre
temas, meu primeiro número na direção da revista, no qual
procurava apresentar o leitor a uma nova e interessante
geração de autores hispânicos, como Ignácio Padilla, Bolaño,
Vila-Matas. Um dossier sobre SP (que contou com sua ótima
colaboração), que procurava mostrar um pouco da história da
cidade por meio de seus movimentos culturais em diferentes
décadas, e o desejo de vanguarda que existiu no cotidiano da
metrópole; um número especial sobre os 20 anos da morte do
filósofo Michel Foucault, um típico caso de nome “que ninguém
conhece”, segundo o círculo vicioso da imprensa cultural, e que
terminou sendo uma das maiores vendagens da história da
revista. Por fim, neste semestre, o número sobre os “O que
pensam os Estados Unidos”, talvez o que eu mais tenha
gostado de realizar até aqui. E, claro, não se trata de
realizações pessoais. O resultado é uma soma de colaborações
diretas, indiretas, pequenas sugestões, grandes ações e uma
boa dose de acaso. Acho que o mais importante, nas
publicações culturalmente relevantes, é que elas criem forma e
identidade que possam seguir vivas, apesar dos nomes de seus
editores. Os leitores, enfim, se aproximam do título, e não
daqueles que o editam. A CULT foi criada pela força, coragem e
ousadia de Manuel da Costa Pinto, hoje eu a edito e espero que
após minha passagem ela continue sendo, enfim, a revista
CULT reconhecida e respeitada por seus leitores, que têm,
sempre, a palavra final.
CW - E o leitor, do que ele gosta mais? Polêmica, intelectuais
pulando na garganta um do outro, informação geral,
aprofundamento temático? Cultura pop ou universitária? É
possível captar indícios de preferências, pela vendagem e por
comentários?
MR - Essa pergunta, me faço todos os meses. Se fizermos uma
análise dos números mais vendidos neste ano (isto é, que
ultrapassaram a média de vendagem da revista), teríamos,
pela ordem, as seguintes capas: “Foucault”, “Dostoievski” e
“Literatura de Combate”. Bem, o leitor gosta de filosofia
francesa? Autores russos? Tendências da cultura? Ou gosta dos
três? São os mesmos leitores?
Como você pode perceber, não há uma resposta simples.
Talvez, essas mesmas capas, se lançadas em 2005, não teriam
a mesma resposta dos leitores. Mas, ainda em meio a tantas
intuições, acho que podemos extrair algumas sólidas certezas
sobre esse leitor: ele se interessa por pessoas e temas que o
ajudem a entender o mundo hoje, e isso, algumas vezes,
significa ter na revista assuntos, reportagens e entrevistas que
poderiam ser chamadas de polêmicas. Acredito que esse
mesmo leitor deseja ver na CULT algo que ele não encontra em
outras publicações; isto é, ele rejeitaria “os grande nomes” que
podem ser encontrados tanto em revistas de informação
quanto em títulos de celebridades.
Quanto à cultura pop ou universitária, bom, essas diferenças
são um tema de rigueur entre os litterati brasileiros, e parece
existir muita confusão nessas qualificações. Hoje, no cenário da
música eletrônica (e estamos falando aqui, sim, da chamada
“Cultura DJ”), os conceitos do filósofo Gilles Deleuze são
largamente usados. Os autores do filme “Matrix” afirmaram
terem utilizado algumas idéias de Jean Baudrillard para
realizarem o filme. O que é cultura pop e cultura universitária,
exatamente? Acho ser necessário em algum momento
ultrapassar o estágio de Guerra Fria no qual vários setores da
sociedade brasileira parecem viver. Há os que pregam um
antiintelectualismo militante, negando toda forma de
sofisticação do pensamento e da ação, vivendo em um mundo
no qual nada pode ser analisado ou estudado sem ser
automaticamente rotulado como “difícil”. Do outro lado, há um
sólido conservadorismo dos setores acadêmicos que acreditam
estar em um território de “rigor e seriedade”, um discurso que
serve apenas para disfarçar uma esclerose avançada, uma
imobilidade que se traduz em algo muito perverso… Talvez por
isso eu goste tanto de alguém como o esloveno Slavoj Zizek,
capaz de explicar para o leitor a crise da modernidade por meio
do último filme de Clint Eastwood.
CW - E o que ainda gostaria de publicar? O que precisa
melhorar em CULT?
MR - Gostaria de publicar muitas coisas. É
um clichê, mas o fato é que a lista seria
interminável. Muitas coisas precisam
melhorar na CULT: abrir espaço para
novos críticos, explorar de maneira
sistemática questões da atualidade, ter
mais poesia em suas páginas, conseguir a
profundidade sem hermetismo, refletir o
debate em torno da arte… Trata-se de
outra lista infinita.
CW - Tiragem de alguns milhares de
exemplares – isso é inserção na elite cultural ou contingência?
Há chances de crescimento?
MR - Como falamos um pouco acima, a média de vendas da
CULT, em relação a sua tiragem, é superior à média do
mercado. Logo, ela vem crescendo. Mas é necessário não
perder de vista questões que transcendem a revista e suas
intenções. O Brasil tem uma população de cerca de 190
milhões, mas seus maiores títulos impressos não chegam hoje
a 1 milhão, nem mesmo os com estrelas televisivas nuas em
suas capas. Logo, toda imprensa no Brasil é segmentada: é
feita para o segmento que lê.
CW - E o futuro? Quais serão os próximos passos? Há planos de
expansão, haverá crescimento de CULT? Quantitativo,
qualitativo ou ambos? Algo deverá ou deveria mudar?
MR - Os planos editoriais são muitos. E ousadia é o que poderia
resumir todos eles. Acho que a revista tende a ser ainda menos
conservadora e mais ousada, porque toda publicação que dá o
que o leitor quer ou espera está condenada ao
desaparecimento e ao anacronismo. Uma revista, sobretudo
uma revista de cultura, deve dar aquilo que o leitor não espera
e não sabe ainda que quer.
CW - Que lhe parece o aumento, quando não proliferação de
revistas de poesia e periódicos literários durante esses dez
anos? Teria destaques, positivos ou negativos, comentário
sobre alguns deles? Faça comentários sobre periodismo
eletrônico – sites, páginas, blogs, etc.
MR - Esse, acredito, é um fenômeno muito novo ainda para
podermos entender seu real significado. Hoje, fazer um fanzine
ou uma revista literária impressa é muito mais barato do que
antes. E o fato é que os meios eletrônicos se tornaram uma
chance para diferentes gerações, das mais variadas tendências,
poderem se expressar, pessoas e grupos que perderam seus
espaços ou se desinteressaram pelos espaços disponíveis. Essa,
claro, é uma situação imensamente positiva, porque tudo o que
é capaz de abalar um discurso único (seja ele ditado pelo
mercado, pela situação política ou pela decisão dos próprios
meios) é, em si, positivo. Mas me parece que até esse métier
foi atingido pelo apelo “das celebridades”. Fazer uma
publicação literária, de poesia, ensaios, ok. Fazer uma
publicação literária, de poesia, ensaios para ser reconhecido em
festas, ter a foto publicada nos segundos cadernos ou se tornar
amigo dos “autores conhecidos” não me parece ser uma boa
estratégia. Para nada.
CW - E sobre crítica e jornalismo literário na grande imprensa,
nesse período?
MR - A piada é inevitável: qual crítica? Já que falamos antes do
artista minimalista Donald Judd (morto em 1994), em um dos
seus textos críticos ele escreve: “Se tornou um ataque à
democracia dizer que o trabalho de alguém é maior, mais
desenvolvido, mais avançado, complexo (o quanto complexo
esse termo pode ser), do que de outra pessoa. Não é educado
dizer que meu trabalho é melhor do que o seu. Essa atitude
vazia é parte de toda sociedade. A mesma pequena idéia
contida nessa atitude é a de que a arte deve ser democrática, e
é uma hipocrisia pretender isso”. Esse trecho é do ensaio Not
about master-pieces but why are so few of them. Me parece ser
a crítica e o jornalismo literário brasileiros, para usar a idéia de
Judd, extremamente “bem educados”. Mas sem uma rigorosa
crítica caímos em uma produção na qual tudo é aceito em
nome da “convivência” e da camaradagem. Mas a arte não é
democrática, ela é aristocrática.
Se isso já não fosse um grande problema, há ainda o fato de
que uma certa cultura literária está em crise. Há na
universidade aqueles que podem escrever confortavelmente
sobre o uso da narrativa em determinado autor sem jamais ter
lido Claude Simon, John Barth, BS Johnson. Enfim, me parece
que existe uma geração hoje, na universidade, que não vai
muito além do cânone estabelecido, e isso termina se
traduzindo em uma produção tímida, sem inquietação,
respeitosa, “chatoboy”.
E, no jornalismo, bem, toda sua função educacional deixou de
existir porque nossas relações com o passado são “flutuantes”.
Hoje, apenas um exemplo, o jornalismo impresso acredita que
o surrealismo foi uma corrente literária. E não um projeto
revolucionário a tempo pleno. As idéias parecem vir prontas, de
algum lugar, de uma “enciclopédia básica da cultura
jornalística”. Enfim, se na universidade há a timidez diante do
cânone, na imprensa parece que tudo se reduz a clichês que
são usados para não espantar os leitores; nada pode ser muito
“difícil”. Por isso é que o cineasta Nani Moretti é sempre, no
Brasil, o “Woody Allen italiano”. Clichê e reducionismo. Mas o
que uma definição como essa pode querer dizer? Com uma
crítica neste estado, como jogar a primeira pedra contra nossa
pobre produção cultural? E, aliás, como apontar sua pobreza?
CW - O planejamento de CULT incorpora alguma reflexão crítica
sobre o jornalismo literário atual no Brasil? Há intenção de
preencher um espaço vazio, cobrir uma lacuna, algo assim?
MR - A revista CULT tenta e procura colaboradores, não
colaboracionistas; pessoas dispostas a “não colaborar”. Ou
seja, que preferem ter uma visão crítica, e lutar por ela. Há,
claro, falhas, erros de cálculo, desvios, mas ao menos existe
um projeto.
CW - E o resto do mundo? Há publicações, do tipo Magazine
Littéraire, que servem como modelos ou referências?
MR - O Magazine Littéraire é uma referência no que se refere à
idéia do dossier, um dos destaques da CULT. Mas a situação
das revistas é totalmente diferente, as sociedades são muito
diferentes. A sociedade francesa é letrada e leitora. A brasileira,
não. E, entre os franceses, a intelectualidade nunca esteve
acima das questões políticas (criar uma vanguarda é também
uma questão política) e culturais. A própria palavra “intelectual”
assume outro sentido: significa a atuação pública, significa
estar presente ou contra a sociedade, e o saber não está
restrito ao que é produzido na universidade. No Brasil, mais
uma vez, a situação é totalmente diferente. E o Magazine é
apenas uma das revistas literárias francesas; na verdade, a
revista da academia, da instituição. A Lire seria mais voltada
aos lançamentos, cobrindo o mercado, enquanto a nova
Matricule des Anges é a que procura um caminho mais jovem e
alternativo aos dois títulos citados.
Modelos, referências? The Economist, Les Inrockuptibles,
Granta, L´Infini (de Philippe Sollers), éditions de Minuit, Rebel
Inc., Il Manifesto, The Observer, Arts & Letters Daily, Artforum,
Tel Quel, The New Yorker (ainda), Courrier International.
Várias, na verdade.
CW - Conexões internacionais, ibero-americana e lusófona, o
tem interessado? Prevê ou planeja algo a respeito?
MR - Qualquer intercâmbio nos interessa, e muito. Mas
gostaríamos e esperamos por ações realmente produtivas, e
não apenas aproximações de ocasião. Queremos nossos
colaboradores publicados em revistas de outras culturas e viceversa.
Editora
Daysi Bregantini
Diretor de Redação
Marcelo Rezende
CULT– Revista Brasileira de Cultura
é uma publicação mensal da Editora Bregantini
Praça Santo Agostinho, 70 – 10º andar – Paraíso – São Paulo – SP –
CEP 01533-070 –
tel.: 11/3385-3385 – fax: 11/3385-3386.
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revistas em destaque
malabia (espanha)
diálogo entre federico nogara &
floriano martins
FM - Quando surgiu Malabia e em quais circunstâncias
editoriais?
Federico Nogara – La idea de Malabia
surgió en 2000, en un encuentro cultural
en Brasilia. Allí conocí personalmente a
Guillermo Pérez Raventós y entre los dos
nos propusimos una tarea común. De las
charlas salió Malabia. La revista tiene seis
meses de edad. La editamos entre
Guillermo y yo, sin ayuda exterior. Ahora
estamos comenzando a involucrar
editoriales.
FM - Qual a razão de seu nome?
FN – Malabia es un personaje de los libros de Onetti. Es el
intelectual inconformista, enfrentado al sistema. Tiene mucho
en común con Compson, el intelectual de Faulkner (de quien
Onetti era admirador), y del Dédalus de Joyce.
FM - Como o sítio convive com outros projetos similares em
todo o país?
FN – Es difícil decirlo. Recién comenzamos y los contactos con
proyectos similares son muy nuevos. Las perspectivas son
buenas.
FM - Qual a situação atual do sítio, em termos de conquistas,
dificuldades, novos planos etc.?
FN – Tenemos un tipo de lector con un nivel cultural medioalto, lo que hace el crecimiento lento. Pero al mismo tiempo
nuestros inteligentes lectores comprenden el esfuerzo por
mantenernos coherentes, fieles a una forma de entender la
cultura. Recibimos mucho apoyo y muchas felicitaciones. Las
dificultades, como siempre, son las económicas. El principal
plan es mejorar en todo sentido. El más ambicioso es salir con
suplementos en portugués e inglés.
FM – Malabia circula apenas em módulo virtual ou há também
uma versão impressa?
FN – Pensaremos en una versión impresa cuando podamos
financiarla. Publicar en papel es muy caro y limitado. Con
internet se puede llegar a todo el mundo. Nuestra revista es
abierta al mundo desde una perspectiva latinoamericana, y el
mundo es ancho y ajeno como decía Ciro Alegría.
FM - Como funciona sua difusão?
FN – Por el momento sólo con e-mails.
FM - Como vês as possibilidades da Internet como ferramenta
aplicada à cultura?
FN – No debemos olvidar que internet fue inventada por el
ejército norteamericano para mantener a sus mandos
operativos. Es una herramienta del sistema capitalista. Pero,
paradójicamente, es una de las pocas herramientas de
comunicación con que contamos quienes queremos cambiar la
realidad.
La cultura en nuestros días está muy comercializada. Mucha
gente se da cuenta y trata de responder. Pero falta calidad,
buenas propuestas. En internet hay poca seriedad, mucha
"brincadeira", y eso no nos lleva a ningún sitio.
Malabia
Dirección: Federico Nogara
E-mail: [email protected]
www.revistamalabia.com.ar
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jornal de poesia
triplov
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revistas em destaque
vaso comunicante (méxico)
diálogo entre ludwig zeller,
susana wald & floriano martins
FM - Quando surgiu Vaso Comunicante e em quais
circunstâncias editoriais?
LZ - Hace cinco años conocí a
César Mayoral Figueroa que había
tratado de hacer una revista
similar y no le había resultado. Nos
entendemos bien y al momento
tenemos ocho números publicados.
SW - César Mayoral Figueroa es un
médico cirujano, psicoanalista,
filósofo, escritor, y mecenas. Ha participado en el taller literario
de Ludwig Zeller de donde surge la revista Vaso Comunicante
en primer término. La revista ha existido con anterioridad, hace
unos 18 años, cuando la dirigía un escritor de la Ciudad de
México. En esa época César Mayoral era Rector de la
Universidad de Oaxaca.
FM - Qual a razão de seu nome?
LZ - Muchas de las persona que han colaborado han estudiado
medicina y es un frase común para ellos. Vasos Comunicantes
ya fue empleado por Breton hace ochenta años.
SW - Vasos comunicantes, de donde Breton toma también el
título para su texto, son el punto de contacto entre las arterias
y las venas, en el sistema capilar dentro del sistema circulatorio
de nuestros cuerpos. A mí me llama la atención que se habla de
sólo uno de esos elementos, de un vaso y no de la conjunción
de dos, que es el caso cuando la terminología se usa en el
plural. Así queda como el vaso que va hacia la conexión, o
viene de ella.
FM - Como a revista convive com outros projetos similares em
todo o país?
LZ - Tenemos poca relación y el interés principal de la revista
es que tenga textos de primera calidad o material inédito en
español.
SW - La relación formal entre las
revistas en México es poca, porque
no hay una tradición de
corresponsalía o de intercambio de
cartas. Las personas que ven la
revista, siendo editores de otras, la
admiran, por su calidad. Hay
muchas revistas en México. En
Oaxaca hay por lo menos media
docena.
FM - Qual a situação atual da revista, em termos de conquistas,
dificuldades, novos planos etc?
LZ - Estamos muy interesados en hacer varios números y
tenemos un espléndido material. Al momento Susana Wald y yo
mismo somos los que llevamos todo el peso del trabajo, y el
tiempo es escaso.
SW - Creo que la revista tiene relevancia, y que se ha podido
establecer como cosa que ya se conoce. La dificultad está en
que la hacemos sólo dos personas. Ludwig selecciona el
material y yo hago el diseño, la lectura de pruebas la hacemos
los dos, y yo hago también traducciones, donde es necesario y
veo la producción en preprensa y en la imprenta.
FM - Vaso Comunicante circula apenas em versão impressa ou
há também um módulo virtual?
LZ - Sólo en versión impresa.
SW - No hay versión virtual.
FM - Como funciona sua difusão?
LZ - La mayor parte de la revista la regalamos. También se
puede encontrar en librerías de Oaxaca y hacemos envíos a
otras ciudades.
SW - Se vende en librerías de Oaxaca y se regala muchos
ejemplares.
FM - Como vêem as possibilidades da
Internet como ferramenta aplicada à
cultura?
LZ - Me parece una herramienta
extraordinaria, pero frágil.
SW - El Internet me parece un magnífico
instrumento para las personas que tienen
tres cosas: una computadora, una buena
conexión telefónica y tiempo. Para las
primeras dos cosas en especial se
necesita tener dinero. Luego el resultado de lo encontrado,
cuando se tiene tiempo, se debe almacenar o imprimir. Todo
ello requiere fondos. Es poco eficaz como herramienta en
lugares pobres como Oaxaca, donde la infraestructura es muy
deficiente. No contamos ni siquiera con un suministro seguro de
luz y conseguir teléfonos eficaces es trabajo de titanes. Yo diría
que en Oaxaca si quieres hacer algo virtual, alcanzas quizás un
dos por ciento de la población. ¡Eso, porque soy optimista!
Colegio de Oaxaca
Álamos 228 - Colonia Reforma
Oaxaca, Oax. 68050 - MÉXICO
[email protected]
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jornal de poesia
..
triplov
.
revistas em destaque
matérika (costa rica)
diálogo entre alfonso peña,
tomás saraví & floriano martins
FM - ¿Qué motivó la aparición de Matérika?
AP/TS - Tendríamos que viajar en el tiempo y ubicarnos en los
inicios de la legendaria revista Andrómeda, que apareció entre
1980-1990, con 33 ediciones. Ese movimiento generó
proyectos, amigos, colaboradores, canje con otras
publicaciones. Transcurrió algún tiempo; se reformularon
estrategias, nos adecuamos a nuevas situaciones en el ámbito
de la cultura y hacia el año 2000 decidimos publicar una nueva
revista.
Matérika es una revista un poco diferente, es “fabricada” como
un objeto artístico, donde los segmentos gráficos tienen una
gran participación con la poesía, las entrevistas, la narrativa, el
ensayo... Es una celebración del color, la imagen visual y la
palabra escrita. En cada edición invitamos a un artista plástico
a efectuar el proyecto gráfico. Por esta revista han transitado
relevantes artistas de América Latina. Es un vehículo muy
importante en el soporte y la divulgación de nuestras ediciones
de libros de poesía, narrativa, gráfica.
Por medio de las revistas literarias o de ideas, de algún modo
se encuentran los escritores, los poetas, los pintores, y surge el
canje, el fluido intercambio de ideas, entre publicaciones y
entre países.
FM - Algunas revistas han puesto especial atención a la poesía
de otros países, incluso algunas dedican buena parte de sus
páginas a su difusión. ¿De qué manera este asunto es encarado
por Matérika? Esto tiene relación con el mundo globalizado y la
ambigüedad implícita en la universalidad de la cultura.
AP/TS - Para Matérika la difusión de la poesía es tan importante
como la difusión del ensayo, de la narrativa, de la crítica
literaria, que en otros espacios son prioritarios. Por ejemplo en
el N°2 buena parte del contenido se dedica a una muestra de
la poesía brasileña.. A partir de esa edición comprendimos que
eso era un acierto y una deferencia con nuestros lectores y con
las exigencias del mundo actual. En cada edición proponemos
una muestra de la poesía continental. Por ejemplo para
próximas ediciones presentaremos poesía guatemalteca y
nicaragüense. Podemos añadir que en revistas amigas de otras
latitudes hemos dado a conocer selecciones de la poesía actual
costarricense.
FM - ¿De qué manera el estado ha actuado o ha subvencionado
sus proyectos editoriales y cual ha sido el resultado de esta
actuación?
AP/TS - La revista Matérika es respaldada por el sello Ediciones
Andrómeda y el Taller de la Imaginación; es un proyecto de
autogestión cultural. No pedimos ni contamos con el apoyo
financiero del Estado. Consideramos que las revistas nacionales
de cultura en algunos países han logrado buenos resultados:
por su apertura, y difusión de las ideas. En Costa Rica hay
revistas que tienen el apoyo del estado; son prácticamente
“invisibles” pues no salen de las bodegas... Nuestro apoyo son
los amigos, los lectores, que colaboran con nuestras propuestas
editoriales.
FM - ¿Matérika circula solo en su versión impresa o también
tiene su módulo virtual?
AP/TS - Decíamos que en las épocas anteriores a Internet “el
canje” desempeñaba una importante misión. Hasta el día de
hoy “el canje” por medio del correo se mantiene; es muy
importante y agradable recibir la revista impresa que llega de
México, Argentina, Colombia, Chile, Brasil, Cuba, España, sin
embargo, en el año 2004, Matérika decidió contar con su
revista virtual. Justamente en diciembre se lanzó la primera
edición de Matérika virtual. Inicialmente hicimos una selección
de nuestros materiales, con el propósito de que los lectores de
otras las latitudes, merced a este maravilloso invento que es
Internet pudieran mantenerse informados del grado de
producción cultural existente en Costa Rica y Centroamérica.
En la época actual resulta de gran importancia contar con una
versión virtual.
La respuesta ha sido impresionante. El mundo de Internet se
caracteriza justamente por su carácter dinámico, masivo,
independiente y libre, donde el público , los cibernautas opinan
libremente. En muy pocos días “nuestro libro de visitas” reflejó
las más diversas opiniomes; por medio del control que lleva
Ditosoft, nuestro cómplice en el proyecto Matérika virtual,
quedamos sorprendidos de la cantidad de personas que se
acercan a nuestro portal. Mediante los diferentes mecanismos
de captación de visitantes hemos constatado el interés que la
publicación suscita en la red. Este módulo virtual es editado
en Costa Rica por Andrómeda y producido digitalmente en
Nicaragua por Ditosoft, lo cual demuestra una vez más, que
“la cultura no tiene fronteras”.
FM - ¿Qué opinan de la creación de un foro permanente de
debates, entre editores de revistas, utilizando Internet?
AP/TS - La invitación de Agulha a formular esta clase de
opiniones enriquece notablemente el panorama. Agulha de
algún modo se convirtió en un buen ejemplo para todo el
continente y para el mundo. En nuestro caso la relación con
Agulha es particularmente intensa por las relaciones personales
que existen entre sus organizadores; eso ha llevado a que
realmente se pueda multiplicar el conocimiento de la cultura
costarricense, la cultura centroamericana, y la interrelación
entre todas las culturas de América Latina. En realidad el foro
ya comenzó y tiene un sentido concreto. Debe aplaudirse y
apoyarse esta iniciativa. Es particularmente importante que
mucha de la gente que se adhiere a los distintos niveles que
Internet presenta, lo haga mediante la lectura de esta clase de
materiales, muy cuidados, previamente editados y discutidos.
Es importante que se imponga una sana discusión entre países
como los latinoamericanos que tienen en algunos casos
antiguas tradiciones culturales. En consecuencia la suma de
este proceso analizándolo por todos los flancos es sumamente
positivo.
[entrevista realizada em janeiro de 2005]
Editor
Alfonso Peña
Consejo Editor
Tomás Saraví - Guillermo Fernández - Floriano Martins - Colombia
Truque - Saúl Ibargoyen - Felo García - Carlos Barbarito
Dirección
Barrio Amón, Calle 9, Avenida 9
Apartado Postal # 159-1002
Paseo de los Estudiantes - San José - Costa Rica, A.C.
E-mail: [email protected]
http://www.materika.com/
www.edicionesandromeda.com
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jornal de poesia
triplov
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revistas em destaque
palavreiros (brasil)
diálogo entre josé geraldo
neres & claudio willer
De uma oficina literária em
Diadema, município da região
metropolitana de São Paulo, à
Internet, e a um sem-número de
conexões não apenas brasileiras,
porém latino-americanas. Esta é a
trajetória de Palavreiros, e, em
especial, do poeta José Geraldo
Neres, que tem se dedicado, nos
últimos cinco anos, à organização e
divulgação desse espaço para a poesia. [CW]
CW - Você é capaz de resumir, em umas poucas linhas, o que é
Palavreiros?
JGN - Usando as palavras de uma amiga; Palavreiros =
trabalhadores da palavra = operários/formigas.
CW - Dê-nos um histórico, conte-nos como surgiu Palavreiros.
Dá a impressão de ser algo coletivo, desdobramento ou
conseqüência de atividades de um grupo. Quem são?
JGN - Surgiu em 1999, no encerramento de uma oficina
literária no município de Diadema, oficina essa ministrada pela
Beth Brait Alvim. É aquela velha história (como muitas outras
histórias que conheço); bem pessoal acabou a oficina e fica
aquele gosto de quero mais um pouco ou está faltando algo. O
que fazer? Temos em comum o gosto pela palavra. O que
fazer? Onde levar esse sentimento? Existia a idéia de se forma
um grupo, esse desejo foi se fortalecendo ao longo das
primeiras apresentações públicas, chegando até a inusitada
inauguração de uma escultura que representava a "Torre de
Babel"(alunos de artes plásticas das oficinas culturais
ministradas por Ricardo Amadasi, argentino radicado no
Brasil). A princípio foi a experiência de Saraus(centros culturais
e escolas), depois o primeiro Fanzine. Naquele momento já
contávamos com cerca de 30 ou mais colaboradores: alguns se
retiraram ao longo desses cinco anos, e teve a chegada de
outros. São interessantes as experiências ao longo desses cinco
anos: uma das maiores marcas, é sem duvida uma sarau
realizado numa escola municipal de ensino de ensino para
jovens e adultos. A escola parou suas atividades naquela noite.
Éramos: “estranhos num ninho de curiosidade e espanto”. Além
das poesias do grupo, apresentamos poetas consagrados como
Cecília Meirelles, Cora Coralina, Murilo Mendes, Carlos
Drummond de Andrade… Até aí nenhuma novidade, mas ao fim
da apresentação: - Quando vocês voltam? Passado dois meses,
voltamos a mesma escola e, para nossa surpresa, os alunos
estavam organizados: tinham escolhido os poemas/poetas para
leitura, fizeram jogral, participaram de um poema coletivo.
Uma verdadeira comunhão. Tem outras histórias; cada
apresentação tem uma em particular, mas sempre fica aquela
pergunta: nunca pensamos que um dia nossa iniciativa, aquele
utópico desejo nos levasse a tantos lugares: SESC, Escolas e
Universidades, Encontro de Escritores de Rio Claro/SP, e além
das fronteiras de terras brasilis; Uruguai. Agora deixando a
parte de apresentações; o grupo atualmente é composto
por(ativos e não ativos): A. Smero, Arildo Correia Lima, Beth
Brait Alvim, Cleibson Carlos, Edson Aquino, José Geraldo Neres,
Juan Carlos Rodriguez Latorre, Maria de Lourdes, Maria Regina
Oliveira de Araújo, Marlene Pereira de Lima, Murillo Kollek,
Osmar Almeida, Paula Barbosa, e Radi Oliveira (existem ainda
outros colaboradores que atuam indiretamente). É verdade que
há uma tendência de se reestruturar o grupo ou que ele venha
a funcionar uma pouco mais. Creio que isso se deve ao fato de
que num determinado momento o desejo do individuo vem
influenciar o grupo, ou a aparição do velho desejo do homem
de trilhar novos outros caminhos. O Palavreiros tem um filho:
Formigueiros (que seria a vertente musical do grupo, e que
agora dá seus próprios passos). Alguns dos participantes
começam a dar suas primeiras oficinas literárias, a fazer
intermediações em projeto de apreciação estética/literária "Q.
Poética?" e em outras atividades culturais.
E temos ainda o nosso caminhar na grande rede (que surgiu
como alternativa de divulgação de nossos textos, após o
rompimento de um convênio-patrocínio que tínhamos para
publicação de nosso Fanzine). Fizemos nossa primeira página
em 2000, e depois disso o site foi crescendo e agregando
outros poetas/escritores. O site acabou sendo a grande válvula
de escape e excelente ferramenta de divulgação literária e
intercâmbio, sendo incluído no diretório mundial de poesia
da Unesco: www.unesco.org/poetry. Creio que devo ter me
estendido por demais, mesmo sabendo que existem outras
histórias ainda por contar.
CW - Que papel você desempenha em Palavreiros?
JGN - Desde a fundação do grupo em 1999, venho
desenvolvendo o papel de relações públicas do grupo, desde
2001 sou o responsável pela manutenção do site, e realização
de um festival virtual de poesia que está na sua terceira edição
(a última edição contou com a participação de poetas de 38
países, a edição de 2005 está ainda sendo estudada).
CW - Essa conexão hispano-americana, com uma presença
forte de autores e obras em língua espanhola, algo que
diferencia Palavreiros de outros periódicos eletrônicos, como
aconteceu?
JGN - Creio que foi com a realização do festival virtual de
poesia. Foi algo surpreendente: o poeta que estava
participando convidava outro e esse outro. Eles acreditaram na
proposta dessa antologia virtual e se organizaram para que
cada país estivesse poeticamente representado. A notícia do
festival saiu em programas de rádio em Puerto Rico, em jornais
na Bolívia, e não esquecendo dos diversos divulgadores pela
grande rede. É interessante essa cumplicidade: poetas que não
tinham micro eram indicados por outros que possuíam essa
ferramenta. Na ausência de poetas de um determinado país,
por exemplo: no Paraguai, contei com o auxílio de Tereza
Méndez-Faith. Com relação aos poetas árabes; a interlocução
da poeta Belén Juárez (Coodinadora del Programa Cultural
"Puerta Abierta del Diálogo Internacional", 2001-2002,
Fundación Euroárabe (España). E isso foi uma constante, o
círculo foi aumentando cada vez mais e mais.
CW - Diga algo sobre a expansão de sites e divulgação de
poesia pela internet. Quais são seus principais parceiros e
interlocutores?
JGN - O site foi ganhando força ao longo desses 5 anos. E algo
que é necessário de se dizer: tratando-se de sites de literatura;
existe sempre a divulgação ou vinculação/indicação de
navegação para outros sites. E funciona também a velha forma
de propaganda; um amigo apresenta outro e assim vai.
Atualmente não possuímos parceiros (creio que isso deverá
mudar em breve; será reformulada a seção de links e criada
uma seção de destaque relativo a esses possíveis parceiros,
seja ele financeiro ou divulgador.). Mas sem duvida, algo que
ajudou muito no crescimento do site foi a sua inclusão no
diretório mundial de poesia da Unesco.
Existe ainda a divulgação/indicação de navegação do Instituto
Camões - Centro Virtual- de Portugal. Na verdade seria preciso
mais linhas para poder mencionar todos(as) os(as)
divulgadores(as). Com a alteração/reformulação da seção links
isso deverá estar solucionado, pois devemos muito a esses(as)
amigos e amigas.
CW - Haverá alguma expansão de Palavreiros no meio
impresso, sobre papel?
JGN - Na verdade não seria uma expansão e sim um retorno;
começamos com um Fanzine impresso (1000 exemplares, com
cerca de 18 páginas, com poesias, crítica literária e ilustrações)
e depois a parceira foi rompida sem maiores explicações (até
hoje não sei ao certo o motivo). Precisamos retornar ao papel.
CW - Certa ocasião, você me falou que recebe 100 e-mails por
dia. Em matéria de acessos, como está Palavreiros? Quem o
acessa ou consulta?
JGN - Com relação a conteúdo; são mais de 20.000 páginas (O
grupo Palavreiros possui um espaço próprio, cada participante
do grupo possui sua página. Temos uma média-mês de 15.000
visitas (houve ocasiões em que a visitação diária ultrapassou a
casa de 1.500 visitas). Sendo que em torno de 40% dessa
visitação é daqui do Brasil e o outro percentual representa a
visitação de mais de 70 países. Nossa lista de contatos
ultrapassa 6.000 contas de e-mails.
CW - O que você gostou mais de publicar ou divulgar em
Palavreiros?
JGN - Sem contar a divulgação de livros, celebrações literárias
e outros acontecimentos… O prazer apareceu em vários
momentos. Um desses momentos foi o de publicar poemas de
integrantes do Taller "El rincón de los niños cubanos". Te
presento a cuatro hermanos,/ Cada uno es una esfera,/ Cada
uno un tenue fuego,/ Aquí tienes a Vulcano,/ Viviendo junto a
la Tierra,/ Aquí tienes a Mercurio,/ Habitando con Neptuno,/
Más acá te muestro a Cintia/ En un abrazo con Bóreas,/ Y por
Último está Apolo,/ El grande consigo mismo,/ Para verlos
perecer / Basta golpear a cualquiera,/ Pues los ligan mutuos
vínculos, / De extraña naturaleza/…(fragmento do poema
"Arcanos naturales" de Guillermo Badia Hernández, 15 anos).
Não somente pela força mítica do poema, mas por saber que
existem pessoas preocupadas com a vivência poética dos
jovens. E também a descoberta da poesia de outros países,
bem como o intercâmbio literário com nossos irmãos de São
Tomé e Príncipe, na África. E nossos hermanos do 1º Festival
Internacional de Poesía de Granada, Nicarágua. Existem ainda
outros contatos, mas isso farei noutra oportunidade. E um
momento triste: a morte de uma amiga e divulgadora, Yêda
Schmaltz, mantivemos contato por cerca de 2 anos ou mais, e
para tentar registrar essa amizade, nós criamos uma seção
especial dedicada a ela.
CW - O que você gostaria de apresentar ou pôr em Palavreiros
e ainda não fez?
JGN - Gostaria de publicar edições especiais de poesia e prosa
de cada país que mantemos contato. E fazer sair da gaveta
uma revista digital de literatura que a principio se chamaria:
"Esfinge Móvel" O primeiro esboço dessa revista pode ser
acompanhado no endereço
http://www.palavreiros.org/esfinge/home.html
CW - E o futuro? Quais serão os próximos passos? Há planos de
expansão, haverá crescimento de Palavreiros? Quantitativo,
qualitativo ou ambos? Algo deverá ou deveria mudar?
JGN - Tenho planos, mas isso só deverá acontecer depois de
março, 2005. (Expansão, fortalecimento, a criação de outros
intercâmbios literários, um selo próprio, sede ou local de
reuniões, etc. Mas isso tudo ficará na dependência dessa futura
reunião.)
[entrevista realizada em janeiro de 2005]
Grupo Palavreiros
[5 anos de atividades culturais]
A. Smero, Beth Brait Alvim, Cleibson Carlos, Edson Aquino,
José Geraldo Neres, Juan Carlos Rodriguez Latorre, Maria de
Lourdes, Maria Regina Oliveira de Araújo, Marlene Pereira de
Lima, Murillo Kollek, Osmar Almeida, Paula Barbosa e Radi
Oliveira
www.palavreiros.org/palavreiros.html
.
.
revistas em destaque
piel de leopardo (argentina)
diálogo entre jorje lagos nilsson
& floriano martins
FM - Como surge Piel de
Leopardo, motivada por
qual desejo?
JLN - Hacia 1989/90 -no lo
recuerdo con exactitudconocí en Buenos Aires a
un grupo de jóvenes
poetas chilenos: Jesús
Sepúlveda, Guillermo
Valenzuela y otros. Dos
años después, en Santiago
de Chile, conversamos
sobre la necesidad de una revista de cultura, no sólo de letras.
Meses más tarde ellos logran publicar Piel de Leopardo. En
1994 (había regresado a Buenos Aires) Sepúlveda me escribe:
¿podía yo encargarme de la revista?
Acepté. Pudimos imprimir dos números. No más por razones de
tipo legal, contable y administrativo. Desde 2000 Piel de
Leopardo es una publicación electrónica.
El deseo, la gana, la voluntad detrás del esfuerzo es ayudar a
construir puentes; puentes entre las regiones de América
Latina y puente entre América Latina y el resto del mundo. Sí,
una ambición muy grande para lo que somos, pero por algo se
empieza, ¿verdad?
FM - Como funciona Piel de Leopardo (estrutura financeira,
distribuição, equipe, definição de pauta, relação com
colaboradores etc.)?
JLN - Entre 2000 y 2003 fue una revista bimensual. Existía un
Consejo editorial al que llamamos Sóviet, lo que suscitó
algunas protestas -que rechazamos: nunca fue una publicación
marxista-. El sóviet se reunía virtualmente, puesto que
vivíamos en diferentes partes del mundo, y se decidían algunas
políticas inmediatas. Nunca hubo una estructura administrativofinanciera; un compañero se encargó de su distribución en
Buenos Aires, para los números en papel, y cuando pudimos
editarla para internet descontábamos que sería gratuita. La
relación con los colaboradores era directa y horizontal.
Como ocurriera en su etapa chilena, ciertas circunstancias nos
obligaron a suspender su aparición en 2003. A fines de ese año
un grupo de entusiastas “subió” un último número. El sueño porfiado como todos los sueños- paradójicamente no dejaba
dormir. En octubre de este año de 2004 volvimos. Estudiamos
mecanismos para mantenerla y poder cumplir con sus
objetivos.
Uno de esos mecanismos es la puesta en marcha de un aparato
editorial. De hecho en Buenos Aires logramos publicar
alrededor de una docena de libros de escritores de diversos
países: Sylvia Vergara, Venezuela; Adriano Corrales, Costa
Rica; Jesús Sepúlveda y Álvaro Leyva, residentes en Estados
Unidos; Joaquín Carreras y Luis Benítez, argentinos, etc… Para
esta tarea tuvimos impulso, ayuda y solidaridad particulares;
en concreto de la biblioteca virtual Wordtheque.
En esta etapa pretendemos ediciones compartidas con otras
editoriales pequeñas, grupos culturales, etc… En Chile tuvimos
este año (2004) una buena experiencia al respecto.
FM - De que maneira o Estado (governo) tem atuado na
subvenção de projetos editoriais e qual tem sido o resultado
dessa atuação?
JLN - La verdad es que no estamos muy al tanto de este
asunto. Un poco anarquistas pensamos que nada bueno sale de
las relaciones con los gobiernos u otros grupos de poder -o
aspirantes a ser poderosos-. Alguna experiencia nos indica que
los gobiernos atienden, casi exclusivamente, proyectos afines
con sus objetivos. No hemos participado en esas rebatiñas.
FM - Muitas revistas têm mostrado atenção em relação ao que
se passa com a poesia em outros países, algumas delas
dedicando suas páginas de maneira substanciosa à difusão
dessa poesia. De que maneira este assunto é compreendido por
Piel de Leopardo, sobre a função que desempenham editores de
revistas, observando a ambigüidade de uma universalização da
cultura hoje tão evocada?
JLN - Piel de Leopardo -el animal para los íntimos- no se define
como una revista literaria, y esta circunstancia tal vez marque
la respuesta. Pensamos que en la literatura, y de manera
particular en la poesía, habita buena parte de nuestras
identidades culturales y memoria histórica: habitan en ella, se
expresan en ella, en ella se buscan y se nombran por ella. En
las próximas semanas habilitaremos sendas carpetas
(secciones) nuevas. Una para intentar difundir textos literarios
y trabajos de arte en pintura y fotografía; otra para procurar
ampliar nuestro radio de acción a través de la publicación de
las cartas de nuestros lectores. Nuestros lectores en general no
son literatos.
Creemos que el asunto -tan mentado en los últimos años- de la
universalización de la cultura (globalización que llaman) no
conduce tal como está concebida a favorecer el intercambio
horizontal entre las culturas; más bien integra un arsenal
ideológico estratégico para “ensimar”, si cabe la expresión, a
las identidades regionales, no para “encimarlas”. Y pensamos
que sólo la integración de lo regional -que no es lo mismo que
lo nacional, no necesariamente- posibilitará esa
universalización. Lo regional expresa la identidad en materia de
habla, étnica, de producción, etc…
Desde esta óptica desde luego que procuraremos difundir
poesía en la medida que nuestros (escasos) recursos lo
permitan. De hecho, y más allá de la aterradora experiencia
económica de la editorial en Buenos Aires, esa es nuestra
intención.
FM - O que pensas da idéia de criação de um fórum
permanente de debates, entre editores de revistas, através da
Internet?
JLN - Que es hora de poner a caminar la internet. La aplaudo.
***
Piel de Leopardo (www.pieldeleopardo.com), cultura y
política desde Latinoamérica, es una revista de información,
análisis y opinión alternativa a la que suelen entregar los
medios tradicionales a sus lectores.
Fundada por el escritor Jesús Sepúlveda y un grupo de jóvenes
intelectuales en Santiago de Chile a comienzos de la última
década del siglo XX, conoció una etapa gráfica en Buenos Aires
antes de consolidarse como publicación electrónica en 2000.
El objetivo central de Piel de Leopardo es servir de puente para
la difusión del pensamiento crítico y la opinión independiente
que se genera en América Latina y para informar de lo que
ocurre en la base de nuestras sociedades: movimientos
sociales, naciones originarias, grupos culturales, asociaciones
ciudadanas, agresiones al ambiente, etc.
Nuestro mercado no se encuentra en un país u otro; nuestra
nacionalidad en este sentido es el idioma en que nos lee. Y
nuestra asociación con Arcoiris TV, además, nos permite
enriquecer el trabajo con documentales, entrevistas y
reportajes que normalmente no se pueden ver en la televisión
comercial por considerarlos sin interés o porque han sido
censurados.
Usar Arcoiris es muy simple: Se entra en el sitio, se busca un
video en categorías y se elige el tipo de conexión más
adecuada al MODEM (ADSL para las conexiones de banda
ancha y 56k para el MODEM analógico). Sin tiempo de espera,
aparecerá la cinta, pues los lectores de archivos de video (Real
Player y Windows Media Player) consienten el uso de la
tecnología llamada streaming. Quien no tiene en su computador
el lector adecuado, lo puede bajar sin costo y fácilmente desde
la misma página de Arcoiris tv.
[entrevista realizada em dezembro de 2004]
Comité editorial
Editor general: Jorje Lagos Nilsson
Coordinación: Ximena Villanueva
Ernesto Carmona, Luigi Lovecchio. Sylvia Vergara, Armando
Salazar, Juan Carlos Mege, Jesús Sepúlveda
Webmaster: Andrea Campagna
Quienes quieran hacer sugerencias para mejorar el sitio o
colaborar en él, pueden escribir a
[email protected].
.
editores da agulha
Floriano Martins
(Fortaleza, 1957). Poeta, editor, ensaísta e
tradutor. Tem se dedicado, em particular, ao
estudo da literatura hispano-americana, sobretudo
no que diz respeito à poesia. Foi editor do jornal
Resto do Mundo (1988/89) e da revista Xilo
(1999). Em janeiro de 2001, a convite de Soares
Feitosa, criou o projeto Banda Hispânica, banco de
dados permanente sobre poesia de língua
espanhola, de circulação virtual, integrado ao
Jornal de Poesia. Críticas sobre sua obra, assim
como entrevistas com o poeta, já foram publicadas
no Brasil e no exterior, a exemplo de jornais como
El Universal (Panamá), El Comércio (Peru), El
Universal (México), El País (Uruguai), El País
(Colômbia), O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde,
Folha de S. Paulo, Correio Brasiliense, O Povo, Diário do Nordeste, Estado de
Minas, O Globo, O Estado do Tapajós, e revistas como Prisma (Colômbia),
Común Presencia (Colômbia), Paréntesis (México), Storm Magazine
(Portugal), Alforja (México), Mapocho (Chile), TriploV (Portugal) e Voces
(Estados Unidos) - material crítico assinado por nomes como Sérgio Campos,
Carlos Felipe Moisés, Wilson Martins, José Paulo Paes, Maria Esther Maciel,
Rolando Toro, Jorge Rodríguez Padrón, Ivan Junqueira, José Castello,
Rodrigo Petronio, Eleuda de Carvalho, Carlos Germán Belli, Miguel Gomes,
Alfredo Fressia, Maria Estela Guedes, Nicodemos Sena. Com larga trajetória
de colaboração à imprensa, tem escrito artigos sobre música, artes plásticas
e literatura, incluídos nas publicações citadas e também em outras, como
Comércio do Porto (Portugal), Letras & Letras (Portugal), International
Graphitti (Costa Rica), El Artefacto Literario (Suécia), Exégesis (Porto Rico),
Crítica (México), Blanco Móvil (México), Casa del Tiempo (México), e
brasileiras como Rascunho, Alô Música e Poesia Sempre. Organizou para as
revistas mexicanas Blanco Móvil e Alforja duas edições especiais dedicadas à
literatura brasileira, respectivamente "Narradores y poetas de Brasil" (1998)
e "La poesía brasileña bajo el espejo de la contemporaneidad" (2001), bem
como as edições especiais "Poetas y narradores portugueses" (Blanco Móvil,
México, 2003) e "Surrealismo" (Atalaia Intermundos, Lisboa, 2003),
respectivamente em parceria com Maria João Cantinho e Maria Estela
Guedes. Como artista plástico participou de exposições como "O surrealismo"
(Núcleo de Arte Contemporânea, Escritório de Arte Renato Magalhães
Gouvêa, São Paulo, 1992), "Lateinamerika und der Surrealismus" (Museu
Bochum, Köln, 1993) e "Collage - A revelação da imagem" (Homenagem ao
centenário de André Breton 1896-1996, Espaço expositivo Maria
Antônia/USP, São Paulo, 1996). Em maio de 2000 realizou o espetáculo
Altares do Caos (leitura dramática acompanhada de música e dança), no
Museu de Arte Contemporânea do Panamá. Um ano antes também havia
realizado uma leitura dramática de William Burroughs: a montagem (collage
de textos com música incidental), na Biblioteca Mário de Andrade, em São
Paulo. Dentre algumas conferências que tem proferido, destacam-se
"América Latina e Identidade Cultural" (Centro de Humanidades,
Universidade de Brasília, Brasília, 1998), "Linguagens contemporâneas e
identidade nacional: literatura" (SESC Pompéia, São Paulo, 1999), "Algunos
poetas brasileños (Ivan Junqueira, Dora Ferreira da Silva, José Santiago
Naud, Sérgio Campos, Claudio Willer, Ruy Espinheira Filho, Adriano Espínola
e Donizete Galvão)" (Faculdad de Humanidades de la Universidad de
Panamá, 2000), "Sobre a condição editorial de algumas revistas de cultura
na América Latina" (Instituto Goethe, São Paulo, 2001), "Surrealismo &
Brasil" (Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, 2003) e “La
modernidad de la poesía hispanoamericana” (Centro de Estudios
Latinoamericanos Rómulo Gallegos, Caracas, Venezuela, 2004). Participou
dos seguintes volumes coletivos: Camorra (volume monográfico sobre Harold
Alvarado Tenorio, Ediciones La Rosa Roja, Bogotá, 1990), Focus on Ludwig
Zeller, poet and artist (Mosaic Press, Oakville-New York-London, 1991),
Adios al siglo XX (Edição dedicada à poesia de Eugenio Montejo, Separata da
revista Palimpsesto, Sevilla, 1992), O olho reverso. 7 poemas e um falso haikai (Edição comemorativa dos 41 anos de poesia de José Santiago Naud,
Thesaurus Editora, Brasília, 1993), Tempo e antítese. A poesia de Pedro
Henrique Saraiva Leão (Editora Oficina, Fortaleza, 1997) e Surrealismo e
Novo Mundo (Ensaios sobre Surrealismo na América Latina, org. Robert
Ponge, Editora da Universidade UFRS, Porto Alegre, 1999).
Livros publicados
Cinzas do sol (poesia). Mundo Manual Edições. Rio de Janeiro. 1991.
Sábias areias (poesia). Mundo Manual Edições. Rio de Janeiro. 1991.
El corazón del infinito. Trés poetas brasileños (traducción de Jesus Cobo)
(entrevistas). Cuadernos de Calandrajas. Toledo, Espanha. 1993.
Tumultúmulos (poesia). Mundo Manual Edições. Rio de Janeiro. 1994.
Ashes of the sun (translated by Margaret Jull Costa) (poesia). Incluído em
The myth of the world (The Dedalus Book of Surrealism 2). Dedalus Ltd.
London. 1994.
Escritura conquistada (Diálogos com poetas latino-americanos)
(entrevistas). Letra & Música. Fortaleza. 1998.
O começo da busca (Escrituras surrealistas na América Hispânica) (ensaio).
Coleção Memo. Fundação Memorial da América Latina. São Paulo. 1998.
Poemas de amor (antologia poética), de Federico García Lorca. Ediouro
Publicações. Rio de Janeiro. 1998. [tradução e prólogo]
Delito por bailar o chá-chá-chá (contos), de Guillermo Cabrera Infante.
Ediouro Publicações. Rio de Janeiro. 1998. [tradução]
Alma em chamas (poesia). Letra e Música. Fortaleza. 1998.
Dois poetas cubanos (ensaios), de Jorge Rodríguez Padrón. Coleção Memo.
Fundação Memorial da América Latina. São Paulo. 1999. [tradução]
Três entradas para Porto Rico (ensaios), de José Luis Vega. Coleção Memo.
Fundação Memorial da América Latina. São Paulo. 2000. [tradução]
Alberto Nepomuceno (biografia). Edições FDR. Fortaleza. 2000.
A nona geração (contos), de Alfonso Peña. Edições Resto do Mundo.
Fortaleza. 2000. [tradução e prólogo]
Cenizas del sol (poemas y esculturas). [com o escultor Edgar Zúñiga].
Ediciones Andrómeda. San José, Costa Rica. Setembro de 2001.
Extravio de noites (poesia). Ed. Poetas de Orpheu. Caxias do Sul. 2001.
O começo da busca - O surrealismo na poesia da América Latina (ensaio e
antologia poética). Escrituras Editora. São Paulo. 2001.
Nós/Nudos (25 poemas sobre 25 obras de Paula Rego), de Ana Marques
Gastão. Editora Gótica. Lisboa, Portugal. 2004. [tradução]
Un nuevo continente (Antología del Surrealismo en la Poesía de nuestra
América). Ediciones Andrómeda. San José, Costa Rica. 2004.
Estudos de pele (poesia). Editora Lamparina. Rio de Janeiro. 2004.
Claudio Willer
(São Paulo, 1940). Poeta, ensaísta e tradutor. Sua
formação acadêmica é como sociólogo e psicólogo. Traduzido e publicado no exterior,
entre outros lugares, em Quinta Intermundia, Rassegna di Poesia Internazionale, 1992,
coletânea por Márcia Teófilo; Modernismo Brasileiro
und die Brasilianische Lyrik der Gegenwart, antologia
da poesia brasileira por Curt Meyer-Clason,
Druckhaus Galrev, Berlim, 1997; Narradores y
Poetas de Brasil, coletânea de Floriano Martins,
revista Blanco Móvil, primavera de 1998, México,
DF; Brasil 2000, Antologia de Poesia Contemporânea
Brasileira, org. Álvaro Alves de Faria, ed. Alma Azul
e Instituto Português do Livro e das Bibliotecas,
Coimbra, Portugal, 2000. Poemas e depoimentos
também em revistas literárias: Poesia Sempre,
Azougue, Alguma Poesia, Anto (Portugal),
Continente Sul-Sur, Orion etc. Bibliografia crítica
formada por ensaios, resenhas, reportagens e citação em obras de consulta por Afrânio
Coutinho, Alfredo Bosi, José Paulo Paes, Luciana Stegagno-Picchio, entre outros. Como
crítico e ensaísta, colaborou em suplementos e publicações culturais: Jornal da Tarde,
Jornal do Brasil, revista Isto É, jornal Leia, Folha de São Paulo, revista Cult, Correio
Braziliense, Xilo etc, e projetos da imprensa alternativa como Versus e revista Singular e
Plural. Filmografia e videografia, com destaque para Uma outra cidade, documentário de
Ugo Giorgetti com os poetas Antonio Fernando de Franceschi, Rodrigo de Haro, Roberto
Piva, Jorge Mautner, Claudio Willer, exibido na TV Cultura, São Paulo e na Rede Pública de
TV, disponível em vídeo, produção SP Filmes e TV Cultura de São Paulo. Textos seus foram
incluídos nas seguintes antologias e publicações coletivas: Alma Beat, L&PM Editores,
1985; Carne Viva, coletânea de poemas eróticos, org. Olga Savary, Achiamé, 1984;
Folhetim - Poemas Traduzidos, org. Nelson Ascher e Matinas Suzuki, ed. Folha de S. Paulo,
1987, com uma tradução de Octavio Paz; Artes e Ofícios da Poesia, org. Augusto Massi,
ed. Artes e Ofícios - Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, 1991; Sincretismo - A
Poesia da Geração 60, org. Pedro Lyra, Topbooks, 1995; Antologia Poética da Geração 60,
org. Álvaro Alves de Faria e Carlos Felipe Moisés, Editorial Nankin, 2.000; 100 anos de
poesia brasileira – Um panorama da poesia brasileira no século XX, Claufe Rodrigues e
Alexandra Maia, organizadores, O Verso Edições, Rio de Janeiro, 2001. Depois de ocupar
outros cargos e funções em administração cultural, foi assessor na Secretaria Municipal de
Cultura de São Paulo, responsável por cursos, oficinas literárias, ciclos de palestras e
debates, leituras de poesia, de 1994 a 2001. Dezenas de participações em congressos,
seminários, ciclos de palestras, apresentações públicas de autores etc., no Brasil e no
exterior. Presidente da União Brasileira de Escritores, UBE, eleito em março de 2000 para
o cargo que já exerceu em dois mandatos anteriores, entre 1988 e 92; reeleito em março
de 2002; além disso, também secretário geral da UBE em outros dois mandatos (198286), e presidente do Conselho da entidade (1994-2000).
Livros publicados
Anotações para um Apocalipse, Massao Ohno Editor, 1964, poesia e manifesto.
Dias Circulares, Massao Ohno Editor, 1976, poesia e manifesto.
Os Cantos de Maldoror, de Lautréamont, 1ª edição Editora Vertente, 1970, 2ª edição Max
Limonad, 1986, tradução e prefácio.
Jardins da Provocação, Massao Ohno/Roswitha Kempf Editores, 1981, poesia e ensaio.
Escritos de Antonin Artaud, L&PM Editores, 1983 e sucessivas reedições, seleção, tradução,
prefácio e notas.
Uivo, Kaddish e outros poemas de Allen Ginsberg, L&PM Editores, 1984 e sucessivas
reedições, seleção, tradução, prefácio e notas; nova edição, revista e ampliada, em 1999;
edição de bolso, reduzida, em 2.000.
Crônicas da Comuna, coletânea sobre a Comuna de Paris, textos de Victor Hugo, Flaubert,
Jules Vallés, Verlaine, Zola e outros, Editora Ensaio, 1992, tradução.
Volta, narrativa em prosa, Iluminuras, 1996.
Lautréamont - Obra Completa - Os Cantos de Maldoror, Poesias e Cartas, edição
prefaciada e comentada, Iluminuras, 1997.
Estranhas experiências (poesia). Editora Lamparina. Rio de Janeiro. 2004.
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