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revista de cultura # 57
fortaleza, são paulo - maio/junho de 2007
editorial
Carta ao Papa [*]
O Confessionário não é você, oh Papa, somos
nós; entenda-nos e que os católicos nos
entendam.
Em nome da Pátria, em nome da Família, você
promove a venda das almas, a livre trituração
dos corpos.
Temos, entre nós e nossas almas, suficientes
caminhos para percorrer, suficientes distâncias
para que neles se interponham os seus
sacerdotes e esse amontoado de doutrinas
afoitas das quais se nutrem todos os castrados
do liberalismo mundial.
Teu Deus católico e cristão que, como todos os
demais deuses, concebeu todo o mal:
1°. Você o enfiou no bolso.
2°. Nada temos a fazer com teus cânones, índex,
pecado, confessionário, padralhada, nós
pensamos em outra guerra, guerra contra você,
Papa, cachorro.
Aqui o espírito se confessa para o espírito.
De ponta a ponta do teu carnaval romano, o que
triunfa é o ódio sobre as verdades imediatas da
alma, sobre essas chamas que chegam a
consumir o espírito. Não existem deus, Bíblia,
Evangelho; não existem palavras que possam
deter o espírito.
Nós não estamos no mundo; ó Papa confinado
no mundo; nem a terra nem Deus falam de
você.
O mundo é o abismo da alma, Papa caquético,
Papa alheio à alma; deixe-nos nadar em nossos
corpos, deixe nossas almas, não precisamos do
teu facão de claridades.
Os editores
Antonin Artaud. Publicado pela primeira vez
em La Révolution Surréaliste, em 1925; tradução
de Claudio Willer publicada em Escritos de
Antonin Artaud, L&PM Editores, Porto Alegre,
1983 e reedições.
[*]
sumário
1 a importância da arte na
construção de uma nova
sociabilidade. joão garção
2 andré breton y la utopía
surrealista. carlos m. luis
3
beatriz doria: a arte como forma
natural. jacob klintowitz
4
césar moro en la mesa con sus pares.
floriano martins
5
encontro textual com maria
esther maciel: a poesia "por um
triz". rodrigo guimarães
6
ghérasim luca em dois retratos:
floriano martins & krzysztof
fijalkowski
7 guimarães rosa: novas leituras. claudio
willer
8
jack kerouac: el poeta bop
espontáneo. josé vicente anaya
9
josé ángel leyva: sin que las dudas se
agoten [entrevista]. floriano martins
10 las constelaciones poéticas de
joan miró en parís. miguel ángel
muñoz
11 ni santo, ni mártir: jacques
prévert (1900-1977). rodolfo alonso
12 nicolau saião: os encontros
falhados - o triálogo em 2007.
augusto josé & manuel caldeira
artista convidada florencia urbina
[pintura, entrevista a alfonso peña]
resenhas livros da agulha silvia favaretto
[por martha canfield] ● jacob klintowitz [por
leila kiyomura] ● betty milan [por claudio
willer] ● colección los conjurados: luis
alejandro contreras / jorge nájar / hernando
guerra ● poesía contemporánea venezolana
[por luis alberto angulo] ● carlos calero [por
adriano corrales arias] ● fazil hüsnü daglarca
[por camilo prado] ● lílian gattaz [por eliana de
freitas] ● antologia 2007 [por nicolau saião] ●
michel houellebecq [por wilson coêlho]
música discos da agulha erico baymma ●
chico chagas ● rodrigo lessa ● orquestra
petrobrás sinfônica ● putumayo world party ●
animal playground ● quaternaglia ● the
beatles
poesia banda hispânica
galeria de revistas
cumplicidade 2 galeria de manifestos
cumplicidade 3 galeria de arte
cumplicidade 1
expediente
editores
floriano martins & claudio willer
projeto gráfico & logomarca
floriano martins
jornalista responsável
soares feitosa
jornalista - drt/ce, reg nº 364, 15.05.1964
correspondentes
alfonso peña (costa rica)
belkys arredondo (venezuela)
eduardo mosches (méxico)
edwin madrid (equador)
franklin fernández (venezuela)
gary daher canedo (bolívia)
josé ángel leyva (méxico)
leo lobos (chile)
margaret randall (estados unidos)
maria estela guedes (portugal)
nicolau saião (portugal)
susana giraudo (argentina)
artista plástico convidado (pintura)
cícero dias
apoio cultural
jornal de poesia
traduções
éclair antonio almeida filho [inglês, francês ð
português]
marta spagnuolo [português ð espanhol]
floriano martins [espanhol ð português]
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São Paulo SP 01409-000 Brasil
revista de cultura # 57
fortaleza, são paulo - maio/junho de 2007
A importância da Arte na
construção de uma nova
sociabilidade
João Garção
.
1.
No dia 25 de Abril de 1874,
o jornal francês Le Charivari
publicou um texto do crítico
Louis Leroy intitulado “A
Exposição dos
Impressionistas”, o qual
começava da seguinte
forma:
“Oh, que dia terrível aquele
em que me arrisquei a ir
visitar a exposição do
Boulevard des Capucines,
para fazer companhia ao
senhor Joseph Vincent,
paisagista, aluno de Bertin,
pessoa homenageada e condecorada por vários
governos. Coitado dele, que ia com as melhores
intenções; julgava ir ver pintura como se vê por toda
a parte, boa ou má, mais má que boa talvez, mas
não atentatória dos bons costumes artísticos, do
culto da forma e do respeito dos velhos mestres.”
Este artigo - uma das mais célebres páginas, se bem
que pelas piores razões, da História da Crítica da Arte
Contemporânea - tornou-se famoso pelo facto de nele o
seu autor ter destacado uma obra do pintor Claude
Monet intitulada Impressão. Sol Nascente e por, em
consequência e com objectivos de troça, ter qualificado
de “Impressionistas” os trinta pintores que então
expuseram no atelier do fotógrafo Nadar, à margem da
mostra oficial. É bem conhecido o misto de hilaridade e
de escândalo com que esta exposição dos
Impressionistas foi geralmente recebida tanto pela
imprensa como pelo público - que eram consequência
da mentalidade incrementada e difundida ainda durante
o Império de Luís Napoleão e que se manteve, com
ligeiras variações, até ao fim do século XIX. Ora, além
de Monet, contavam-se nessa exposição nomes como
os de Sisley, Renoir, Cèzanne, Pissarro, Degas e
inclusivamente uma senhora, Berthe Morisot…
Se faço referência ao texto de Leroy ao iniciar esta
breve comunicação não é evidentemente pelo que de
curioso, anedótico e burlesco este episódio da História
da Arte em si mesmo encerra. A ele recorro, isso sim,
porque o considero exemplar no que diz respeito à
exibição de uma atitude critica espartilhante, dogmática
e espiritualmente confrangedora ao evidenciar a
incapacidade de este jornalista ver, compreender e
sentir as obras-primas da pintura que se estendiam
ante os seus olhos estupefactos. Aparentemente
limitada à consideração de uma pintura de
grandiloquente e medalhado estilo académico, a
capacidade analítica e estética de Leroy, se acaso
existia, não conseguiu ganhar asas e, perante a
novidade, o inesperado e o diferente, não procurou
voar e tentar saber “o que está para além da
montanha”, para utilizar a feliz expressão do escritor
Rudyard Kipling.
Se este tipo de atitude tem sido habitual na História da
Arte, a verdade é que facilmente o detectamos também
noutros aspectos da nossa sociabilidade. Longe de ser
um fenómeno especifico da História da Arte, este
enfoque contrário à inovação, à diferença, à
singularidade e à liberdade expressiva é uma constante
na história da Humanidade. A sua incidência no campo
artístico, no entanto, tem sido frequente devido
precisamente, ao facto de a Arte ser um veículo
privilegiado de comunicação entre os indivíduos.
Recorrendo a uma analogia como forma de melhor
fazer compreender esta minha afirmação, diria que a
violência física e verbal que verificamos rodear hoje em
dia o mundo do futebol - em certa medida uma
verdadeira arte coreográfica a que André Maurois,
numa frase hoje famosa, chamou “a inteligência em
movimento” - esta violência, dizia, mais não traduzirá,
afinal, que a própria violência social, expressa num
domínio - o Futebol - para o qual se têm virado cada
vez mais atenções e que, portanto, é alvo de
crescentes lutas, intrigas e jogos de interesses.
Referi-me atrás à Arte como sendo um veículo
privilegiado de comunicação, o que levanta, de
imediato, dois problemas essenciais: o primeiro,
procurar saber o que é a Arte; o segundo, verificar
como é que a Arte se relaciona com o quotidiano
societário.
Ora, no que diz respeito ao primeiro ponto, como não é
possível compartimentar a Arte dentro de um conjunto
de regras passíveis de aplicação generalizada, poderá
não ser fácil definir as qualidades absolutas que um
determinado objecto deve possuir para poder ser
considerado como Arte. Efectivamente, não é mais Arte
a Torre de Pisa do que uma pintura de Giotto, nem é
mais artística uma escultura de Rodin do que uma
outra realizada em Çatal Höyoük nos finais do VII
milénio A.C., por exemplo. E isto porque os níveis e os
contextos mentais e civilizacionais são bem diferentes,
como diferentes foram as visões e a concepções do
Universo circundante. Independentemente desta
dificuldade, artistas, críticos e filósofos têm dedicado
atenção a este assunto, suscitando reflexões que
deram origem ao nascimento de uma ciência, a
Estética, necessariamente subordinada às variações
ditadas pela evolução e subsequentes flutuações
analíticas e conceptuais da Filosofia, da História, da
Sociologia e da Psicologia.
Contudo, paralelamente às diferenças evidenciadas
pelas diversas realizações artísticas, é também
detectável a permanência do mesmo impulso criador, o
que deverá ser salientado. Isto é, verificamos que
nenhuma Civilização existiu sem produzir a sua própria
Arte. Este parece ser um facto inerente à condição
humana. Mas, sendo assim, que necessidade
pretenderá, então, satisfazer? A meu ver, busca a
satisfação de uma função mental e espiritual que
assenta na necessidade de se terem respostas ao nível
da comunicação qualificada. Já o pintor Delacroix o
disse a respeito da pintura, referindo-se a esta como
“uma ponte lançada entre as almas”. Beethoven, na
música, e Rimbaud, na poesia, exprimiram-se em
termos semelhantes. Cito um antigo ministro francês
da Cultura, de seu nome André Malraux: “A Arte e a
Civilização uniram a Humanidade num laço apertado,
se não eterno, e contribuíram para fazer do Homem
algo mais do que um sobrecarregado habitante de um
Universo absurdo”. Podemos dizer que, sob esta
perspectiva e em certa medida, a Arte acaba por ser a
respiração da mente.
Disse mais atrás, se estão recordados, que pode não
ser fácil definir as qualidades absolutas que um
determinado objecto deve possuir para poder ser
considerado como Arte. Contudo, tal será possível, se
dispusermos dos instrumentos culturais que nos
permitam uma análise adequada. Através da sua
utilização, poderemos chegar a conclusões
tendencialmente seguras. Assim, verifica-se que uma
efectiva “obra de Arte” apresenta sempre as seguintes
condições reais:
1º - qualidade formal - ou seja, grande qualidade na
inter-relação dos elementos formais que constituem
essa obra;
2º - originalidade conceptual - ou seja, essa obra tende
a estar concebida de forma original;
3º - profundidade filosófica específica - por outras
palavras, as mensagens que transmite estão longe de
serem superficiais. Pelo contrário, expressam um
sistema de ideias estruturado com uma certa robustez.
Estas três condições são alicerçadas nas seguintes
características do autor:
1º - bom conhecimento dos meios que utiliza;
2º - espírito criativo inovador;
3º - persistência na expressão das suas propostas.
Nesta conformidade, a “obra de Arte” fica investida de
uma especial durabilidade que lhe confere uma
reconhecível permanência no Tempo.
2.
Afirmar que a essência
da Arte é ser
comunicação qualificada
implica também
referenciar o Artista
como um comunicador
qualificado.
Assim sendo, que
pretende o Artista
comunicar? Ele deseja
revelar a sua verdade
mais íntima, afirmar a sua interpretação da realidade
circundante e, simultaneamente, interrogar-se a si
mesmo, descobrindo-se e enriquecendo-se humana e
espiritualmente. Pretende, em suma, partilhar as suas
concepções e as suas descobertas com o seu
semelhante, desta forma elevado a espectador
privilegiado do fenómeno criador.
O Artista é pois, no seu âmbito de acção, um
verdadeiro demiurgo, ou seja, um construtor de
mundos até então ignorados - e isto tanto para a
Pintura como para o Teatro, tanto para a Arquitectura
como para a Música, ou para qualquer outra disciplina.
A afirmação de si mesmo e da sua individualidade
criadora, o seu desejo de permanência expressando a
luta eterna entre a Vida e a Morte; a sua vontade de
partilha (pois a Arte também combate a solidão); o seu
espírito inovador em maior ou menor grau; e,
finalmente, as suas próprias interrogações e reflexões,
conferem à “obra de Arte” um cunho profundamente
pessoal e imbuído de uma linguagem simbólica
específica. Treinando-se para compreender mais de si
mesmo e do quotidiano que o rodeia, por forma a poder
expressar cada vez melhor e mais fielmente a sua
‘Verdade’, o Artista expande não apenas os seus
horizontes próprios mas possibilita-nos também a nós espectadores, observadores, leitores ou ouvintes - que
expandamos também os nossos, o que levou o escritor
Marcel Proust a dizer, com justeza, que “o prazer que o
artista nos dá é fazer-nos conhecer um universo mais”.
Estes criadores de Arte, exprimindo as suas vidas e as
suas experiências pessoais nas obras que executam,
possibilitam-nos, assim, o acesso a vários mundos,
proporcionando, numa certa medida, que possamos
transcender a própria condição humana no que à
limitação cronológica da vida diz respeito. Ou seja:
tanto o historiador profissional quanto o amante da
Arte ou mesmo, apenas, o honesto observador atento e
interessado, apoderam-se de diversos e multifacetados
mundos interiores, de variadas expressões de
vivências, experiências, trajectórias e concepções da
Existência. É-lhes conferida, desta forma, a faculdade
de contactar com mais universos do que aqueles que,
por si sós, poderiam conhecer e, em consequência, élhes possível também enriquecerem o seu particular
universo interior, ampliando-o através da obtenção de
uma maior soma de elementos que, conjugando-se,
contribuem para uma melhor compreensão no que se
refere ao percurso da aventura humana.
3.
Pelo que atrás afirmei, lógico é concluir que a Arte é
uma necessidade e não um luxo ou uma frivolidade de
salão mundano como tantas vezes se tenta fazer crer;
e que não deverá, portanto, ser algo exclusivo de uma
minoria de iniciados, de estudiosos e de privilegiados,
habitualmente inacessível ao comummente denominado
“grande público”.
Contudo, apesar desta constatação, verificamos que,
para este último, a Arte aparece-lhe frequentemente
como uma realidade na qual, pelo menos, dificilmente
pode penetrar, ficando assim estabelecida uma
separação entre o seu quotidiano e a Arte. É lícito e
inevitável que nos questionemos então: que factores
contribuirão para este divórcio entre o artista criador e
a obra de arte enquanto seu veículo de comunicação,
por um lado, e o Público, por outro? E quais as
características que o mesmo reveste? Busquemos a
resposta a estas duas perguntas.
Consideremos primeiramente o Artista. Já acerca dele
teci algumas considerações, mas impõe-se agora que
recordemos e sobretudo reafirmemos o que atrás em
parte já foi referido: que ele deve ter um correcto ( e
tão perfeito quanto possível ) conhecimento dos meios
e da sua aplicação; que deve ser persistente na
expressão das suas propostas, ou seja, das suas
criações; e que - questão fundamental - deve possuir
um espírito criativo inovador. Significa isto que o
criador que possua estas características pode
imediatamente incorporar excelência e qualidade no
seu trabalho? Respondo que em princípio sim,
naturalmente - se isso corresponder a uma
autenticidade assumida. É que não será um Artista
verdadeiro aquele que constranger o seu talento para
agradar a facções, a grupos ou a modas ou que forneça
produções artificiosas tendo em vista conseguir vastos
proventos à custa de ingénuos ou de novos-ricos ou
que busque apenas o reconhecimento de largos
sectores populacionais frequentemente alienados por
manipulações sociais. Ou seja, o Artista autêntico
deverá ser dotado de corajosa persistência de molde a
poder resistir a ambientes habitualmente adversos.
Como exemplo daquilo
que agora afirmei,
reparemos no que se
passou com algumas
personalidades:
comecemos pela
denominada Escola de
Barbizon que reuniu,
entre outros, os pintores
Rousseau, Millet e
Corot. Sendo sobretudo
um grupo de amigos,
sem uma unidade
teórica e conceptual,
estiveram colocados sob a suspeita de serem perigosos
anarquistas e a polícia tentou várias vezes prendê-los e
difamá-los, ainda que sem êxito. Millet, por exemplo,
sofreu diversas tentativas de agressão a que só
escapou por ser um homem forte e decidido. Quanto
aos Impressionistas a que no início aludimos, foram
continuamente caluniados pela imprensa do regime de
então que chegou mesmo a tentar dá-los como loucos.
Cézanne foi caracterizado como “uma criança de mama
que faz borradelas”; a Monet criaram problemas tais,
impedindo-o de ganhar o sustento quotidiano, que a
sua primeira mulher faleceu, tanto por não poder
comprar os remédios de que necessitava como por
subalimentação. E os exemplos poderiam multiplicarse. Só com a chegada de uma nova mentalidade
diminuiu esse franco ambiente de hostilidade.
Poderemos perguntar-nos: porquê tanta animosidade
contra simples pinturas de gente pacífica? A resposta
residirá no facto de estes, ao proporem uma nova visão
das coisas, autêntica e liricamente salubre, porem em
causa muitas das estruturas mentais e de
comportamento em que assentava a sociedade da
época - e isso era evidentemente inquietante para
quem detinha o poder político. Quanto aos pintores
ditos oficiais - muitos dos quais já desapareceram das
salas de exposição dos museus, tendo sido remetidos
para as suas caves ou depósitos - viviam no conforto
económico e social, muito respeitados, pintando
aplicadamente e sem faísca de originalidade retratos de
importantes personalidades da chamada “boa
sociedade” e enviando aos Salons oficiais medíocres
exemplares da sua “arte” lambida e artisticamente
morta. Alguns deles tinham capacidades técnicoartísticas, mas não tinham ética, autenticidade e
independência de espírito; pelo que, passado o período
em que estiveram na moda, foram colocados pelo
Tempo - que alguém já disse ser o maior dos críticos no justo limbo do esquecimento.
No que diz respeito a determinados artistas nossos
contemporâneos promovidos pela publicidade - ou são
Artistas autênticos (e nesse caso não há jogadas de
interesses económicos que os aniquilem, porque a sua
obra resistirá), ou não passam de episódicas vedetas
que a breve trecho os conhecedores sérios e
informados desmascararão como simples bluffs.
Tenho vindo a fazer assentar os exemplos mais no
campo da Pintura. Mas se passássemos para outra
disciplina, ou o panorama seria afim (caso da Música)
ou, até, mais marcado (caso da Literatura, uma vez
que o seu universo é, devido à especificidade de
comunicação da palavra escrita, mais “interveniente”
ou aparentemente mais perceptível).
Passemos agora, de forma breve, a considerar a Obra
de Arte. Em função daquilo que já disse, tornar-se-á
evidente que aquilo que nela o Artista deseja explanar
é, prioritariamente, a sua Ideia, isto é, elementos (ou
mesmo a totalidade, aí sintetizada) das suas
concepções existenciais. Os meios expressivos são uma
consequência, evoluindo a partir dessa mundividência.
A inexistência, no Artista, de uma profundidade
filosófica específica a que já aludi, traduz-se
inevitavelmente na pura reprodução mecânica de uma
linguagem plástica adoptada de outrem, a qual foi
aprendida e mesmo, eventualmente, compreendida,
mas que lhe não é própria. Uma obra nestas condições
não é uma obra “viva”, mas sim “morta”.
Nesta altura, já tereis compreendido que não sou
partidário das teorias puramente formalistas da análise
da obra de arte, que não buscam o que subjaz às
formas evidenciadas pelo quadro. É que um trabalho
artístico põe-nos o problema da necessidade da sua
decifração, como se depreende do que atrás referi. Ora,
esta tentativa de obtermos uma correcta compreensão
implica sempre a necessidade de se proceder à sua
leitura completa, pelo que não pode limitar-se à análise
plástica e histórica da obra, como tantas vezes ainda se
faz, mas necessita de ir mais longe, dirigindo-se tanto
ao consciente do artista como ao seu inconsciente.
Estudiosos como Emile Mâle, Elie Faure, André Malraux
e Ernst Gombrich, entre outros, perceberam-no
perfeitamente, tendo aberto, com os seus trabalhos
ligados à Psicologia da Arte, novas e mais proveitosas
perspectivas no que se refere à possibilidade de
decifração dos artistas e das suas obras.
Ou seja, não basta “sentir” a obra de Arte. Há também
que compreendê-la, procurando simultaneamente
compreender o artista. Só com esta disponibilidade e
abertura de espírito é possível que entre em acção a
magia comunicativa que a Arte constitui.
Isto conduz-nos ao terceiro ponto que há que
considerar: aquilo a que habitualmente se chama “o
público”. Esta denominação, talvez cómoda, é,
afirmemo-lo desde já, profundamente incorrecta pois,
na verdade, não existe “o público”: existem “públicos”.
“Isto é óbvio”, podereis dizer-me com razão. Contudo,
tal perspectiva generalizadora e unitarista é inúmeras
vezes afirmada para salientar um acentuado divórcio
entre os Artistas, a Arte e os seus possíveis receptores,
o que tem contribuído para, paulatinamente, se radicar
nos espíritos a ideia de que a Arte é um produto de
difícil acesso apenas destinado a uma elite, mais ou
menos endinheirada, a qual, tendo satisfeitas as suas
elementares necessidades materiais, dispõe então da
oportunidade de se deleitar na ociosa contemplação de
tais criações.
Urge que repudiemos
este equívoco tão
divulgado com intuitos
que provêm de uma
certa má-fé.
Evidentemente que a
satisfação das
necessidades materiais
pode assegurar a
disponibilidade espiritual
necessária ao estímulo
da compreensão da obra
de arte e ao crescente
refinamento do gosto,
da sensibilidade e da
inteligência cultivada.
No entanto, verdadeiramente fundamental na adesão
ao prazer superior que a boa obra de arte proporciona
é a disponibilidade interior de base que o eventual
receptor pode cultivar, no sentido de aprofundar, com
maior ou menor dificuldade da sua parte, as condições
mentais que lhe permitam fruir as propostas artísticas.
E estas coordenadas interiores têm menos a ver com
condições sócio-económicas do que com uma adequada
atitude perante a Arte. Aliás, diria mesmo que a boa
situação económica dos indivíduos conta menos do que
se pensa, na medida em que, muitos destes, quando se
interessam pelo fenómeno artístico, são geralmente
muito mais atraídos por modas e por outros ditames
propiciados pela sociedade, ligados à superficialidade
do culto das aparências e da publicidade, do que
propriamente por um apelo interior derivado da sua
condição humana de sujeitos detentores de capacidade
estética ligada à sensibilidade e ao intelecto.
Dito isto, deve ser salientado que todo o descobridor e
inovador é a princípio pouco compreendido.
Consideremos alguns exemplos: El Greco foi
considerado louco e autor de borrões; Ingres foi
acusado de fazer retrogradar a pintura francesa; Renoir
foi tido por um “verdadeiro malfeitor que corrompeu a
juventude”; Géricault foi violentamente atacado devido
ao seu conhecido quadro A Jangada do ‘Medusa’ - isto
para nos mantermos no campo da pintura. Daí que com
razão tenha dito o grande poeta espanhol Federico
Garcia Lorca, em carta dirigida a Carlos Morla, que “na
vida, aquele que caminha à frente, revestido de
esplendor, é aquele que leva consigo um pequeno vaso
de lágrimas, e não aquele que aperta na mão um
punhado de diamantes”.
Todos os pintores atrás referidos nos parecem agora
clássicos, na medida em que fazem parte do que de
mais rico possui o património artístico da Humanidade.
Actualmente, só um espírito verdadeiramente tacanho ou apenas insensível e ignorante - é que ainda pode
achar ridículas as figuras femininas de Renoir,
distorcidas as naturezas-mortas de Cézanne ou
absurdos os retratos pintados por Picasso. Quero com
isto dizer que a incompreensão a que o artista inovador
tem sido votado decorre inúmeras vezes do facto de as
pessoas não terem ainda aprendido a ler os seus
trabalhos, condenando imediatamente aquilo que, para
elas, é invulgar, porque apenas diferente do que lhes é
habitual. E esta rejeição tanto pode derivar do facto de
o espectador se sentir inferiorizado ante aquilo que é
diferente e que ainda não consegue decifrar, como
pode ser consequência de um néscio sentimento de
altaneira e vaidosa superioridade perante o inesperado,
optando a pessoa, neste caso, por - de forma
deliberada - não procurar compreender a novidade.
Existe um tipo de público para quem a sua experiência
no contacto com a Arte fossilizou a dada altura,
impossibilitando a análise e a interpretação da obra que
ainda não faz parte - e poderá nunca fazer - do seu
espaço mental e das suas vivências, razão porque
aquela criação é rejeitada ou, na melhor das hipóteses,
olhada com desconfiança.
Mas desde que se faculte, através da instrução e da
educação, a iniciação nas concepções do artista
reveladas pela forma de expressão por que este opte, a
breve trecho estaremos na posse dos instrumentos
culturais que poderão possibilitar o entendimento das
suas propostas. O consequente gostar, gostar menos
ou não gostar já dependerá, então, da inclinação
esclarecida e não somente da inculta impressão
imediata, a qual em geral determina aceitações ou
rejeições irracionais e levianas. Aquilo que pode ser, à
partida, uma proposta confusa e enigmática, através da
conjugação de esforços da educação, da inteligência e
da sensibilidade é passível de tornar-se um todo
ordenado e profundamente enriquecedor, que o
espectador poderá entender caso, não é demais repetilo, se deixe absorver na contemplação da obra e se
fizer um esforço verdadeiro para a compreender. Olhar
é diferente de ver; ouvir não é o mesmo que escutar.
Ver e escutar exigem simultaneamente tempo,
concentração e reflexão. A Arte necessita de ser lida,
de maneira a não captarmos apenas a sua forma mas
também a sua ideia, isto é, toda a estrutura ideativa
subjacente à forma por nós imediatamente perceptível.
Saber ver é muito diferente do apenas limitarmo-nos a
olhar, exige mais esforço mas é, igualmente, bem mais
gratificante. Da mesma maneira que uma criança,
através da leitura continuada, mais facilmente
aprenderá a ler e, especialmente, a compreender aquilo
que lê, assim o observador terá que treinar a visão, a
sensibilidade e a inteligência para poder, de forma
profícua, aceder à magnificência transmitida por uma
excelsa obra de arte. Como referiu o escritor Mário
Dionísio, “uma obra dificilmente acessível não tem que
ser necessariamente detestável”. O importante é
aceitar ou rejeitar com conhecimento de causa e não
por mero capricho ou provincianismo. E, de acordo com
esta perspectiva, facilmente se compreenderá que o
papel desempenhado pelos educadores poderá ser
absolutamente decisivo na formação artística dos
sujeitos e, logo, na construção de uma cidadania
completa que, por isso mesmo, rejeite preconceitos e
acredite na possibilidade do aperfeiçoamento dos
indivíduos e das sociedades.
4.
O nosso tempo já foi
referenciado como
sendo o “tempo das
imagens”, tão imensa e
rápida é a sua difusão e
tão grande é a sua
influência. Julgo que a
denominação “tempo
das publi-imagens” (ou
“imagens de
substituição” ou, ainda,
“sucedâneos da
Imagem”) será mais
correcta porque mais
consentânea com este
facto, uma vez que frequentemente se procura
promover, por razões económicas e de marketing, uma
recepção passiva, rápida e quase irreflectida desse tipo
de “imagens”, quando não mesmo a anulação da
margem reflexiva do receptor, o qual é desta forma
mergulhado - e logo diluído - numa massa anónima.
Ora, a verdadeira imagem é sempre artística e, nesta
conformidade, libertadora. E é libertadora porque
expressa a Realidade traduzida em sentimentos e ideias
tornados significativos da plenitude da Existência. Por
isso mesmo é que uma das características da obra de
Arte é a permanência no Tempo, como já referi.
Aponta, pois, para a Eternidade - que é a Vida no seu
máximo grau. E assim entende-se porque é que uma
obra de propaganda ou de publicidade não será Arte
autêntica, visto que o seu objectivo tem a ver com o
efémero da difusão de uma ideologia ou de um
produto. Assinale-se que determinadas mensagens
publicitárias entram por vezes no campo da arte; e isto
porque os seus autores, na circunstância, não se
ficaram pelo utilitarismo estrito da mensagem
encomendada.
No que diz respeito ao artista, a verdadeira imagem
expressa o seu poder de criação de mundos; quanto ao
espectador, há a considerar que ela necessita, para ser
descodificada, de tempo, cultivo da sensibilidade e da
inteligência, reflexão autónoma e tolerância, como se
depreende daquilo que atrás disse. Verifique-se que o
bombardeamento dessas tais imagens de substituição a
que hoje em dia se submetem os indivíduos, longe de
propiciar a capacidade de leitura das Imagens, provoca
exactamente o efeito contrário, inibindo-a e distorcendoa. Potenciais receptores passivos logo desde a infância,
o nosso contacto com a Arte é frequentemente
dificultado. Há que responder, pois, com um maior
dinamismo na criação de instrumentos educacionais e
culturais que possibilitem o contrariar desta tendência.
As escolas e os educadores desempenham, repito, uma
função indispensável no aprofundamento de um válido
cenário de salutar sociabilidade, que a Arte incrementa
e estimula - tal como o exprimi no decorrer da
exposição que efectuei.
João Garção (Portugal, 1968). Poeta, pintor e ensaísta. Licenciado em
História da Arte e mestre em História Contemporânea de Portugal pela
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Autarca, desempenha
o cargo de vereador dos pelouros da Cultura e da Educação na Câmara
Municipal de Felgueiras. Contato: [email protected]. Página
ilustrada com obras da artista Florencia Urbina (Costa Rica).
revista de cultura # 57
fortaleza, são paulo - maio/junho de 2007
André Breton y la utopía
surrealista
Carlos M. Luis
.
En Mayo del
año 2000,
la revista
Magazine
Litteraire
publicó un
dossier bajo
el título de
“La
renaissance
de l’utopie”
donde
diferentes autores discutieron si era o no viable la
utopía en el siglo XXI. Mucho de lo ocurrido desde
entonces, nos lleva a creer que el renacimiento del
pensamiento utópico no es un hecho descaminado.
Mientras que las rebeldías de la década de los sesenta y
setenta cedieron a un conformismo manipulado por los
medios de comunicación, el totalitarismo capitalista iba
perfeccionando su naturaleza represiva. Después de los
aplausos conque el mundo saludó en general la caída
del régimen soviético, ha sucedido la constatación del
peligro que significa una sociedad dominada por la
visión estadounidense de la felicidad. Esta visión que no
es utópica sino real, está siendo impuesta por una
potencia que parece abrogarse la misión de
“transformar el mundo y “cambiar la vida” de acuerdo
con sus escalas de valores. Por otra parte el ideal
socialista ha cesado de tener la misma fuerza libertaria
de antaño. En vez de reflexionar acerca de sus fallas y
promover la reforma de sus estructuras de
pensamiento, el socialismo ha pasado a ser una especie
de cómplice estratégico de los poderes establecidos. Es
frente a ese panorama nada prometedor que la utopía
parece adquirir su actualidad. Si esto es así, entonces
tendremos que concluir que André Breton no se
equivocó cuando desilusionado por una izquierda que
había renunciado a sus ideales, escogió el único camino
que le quedaba: el de la utopía. Pasemos a explicar los
pormenores de esa elección suya.
Era inevitable que el poeta cuyo epitafio podemos leer
en su tumba: “busco el oro del tiempo”, dirigiera su
pensamiento hacia la utopía. Esa frase suya que fue
publicada en 1934 en su libro Point du Jour, encierra
dos principios fundamentales que habrían de
convertirse en el norte del autor de Nadja. El primero,
relacionado con la utopía, refleja su intención de hacer
del surrealismo una búsqueda poética y no un
mecanismo de acción política. El segundo principio
basado en el significado simbólico del “oro”, revela la
inclinación de André Breton hacia la tradición hermética
y hacia la alquimia en particular. Ambos pues quedan
indisolublemente unidos en el destino que Breton quiso
imprimirle al surrealismo. Pero ese destino no anduvo
por líneas rectas sino que experimentó durante su
proceso, una serie de encuentros laberínticos con el
marxismo y el anarquismo. El encuentro con ambos
tuvo consecuencias profundas en la formación del
pensamiento surrealista, y eventualmente en su
decisión de abandonar una militancia política de corte
pragmático para refugiarse en los pensadores utópicos
y en Fourier en particular.
Primer encuentro: el marxismo
En el número uno de la revista Médium (Noviembre,
1953), apareció una de las tantas encuestas que los
surrealistas gustaban de hacer. El tema de la encuesta
se basaba en la siguiente pregunta: “¿Le abriría usted
la puerta a:”? Entre los personajes a quienes los
surrealistas deberían abrirle la puerta o no, se
encontraba Carlos Marx. Al tocarle el turno a Breton
este repondió: “No, por cansancio”. Antes de continuar
tengamos en cuenta el año cuando esa pregunta fue
respondida: 1953, o sea, ya en plena década de los
cincuenta. Esa década presenció la consolidación del
“American way of life” y las primeras reacciones
“poéticas” en contra de la misma por sus voceros: los
“beatnicks”. Howl de Allen Ginsberg se publicó en 1956.
En 1951 Albert Camus publicó “El Hombre Rebelde” lo
que le valió su ruptura con Sartre y críticas acérrimas
de los surrealistas. En el plano de las ideas, el
existencialismo sartriano continuó jugando con el
marxismo y la potencia que decía representarlo, La
Unión Soviética, a pesar de que ya había mostrado su
rostro totalitario décadas atrás. El famoso informe de
Nikita Kruschev, y el alzamiento de los húngaros en
1956, abrió los ojos para muchos acerca de lo que los
soviéticos eran capaces de hacer. La guerra de Algeria
que habría de dejar una huella duradera en la
intelectualidad francesa, comenzó en 1954. Mientras, el
teatro del absurdo hizo su entrada triunfal con la
Soprano Calva de Ionesco (1950) y Esperando a Godot
de Beckett (1952). El estructuralismo se erigió como un
método de investigación con la publicación de La
Antropología Estructural (1958) de Claude Levi-Strauss.
Dos obras que habrían de influir en el pensamiento
surrealista también aparecieron en esa década: Eros
and Civilization de Herbert Marcuse (1955) y Life
Against Death (1959) de Norman O. Brown. Los años
cincuenta terminaron con el comienzo de la revolución
cubana y de la famosa década de los sesenta.
Es dentro de ese contexto aún influído por Marx, que
Andre Breton decidió no abrirle la puerta y dejarlo
pasar. Habría que añadir que Benjamín Peret su fiel
compañero, respondió a la pregunta con un “Sí, saludos
camarada”, marcando una diferencia con la actitud de
Breton. Otros miembros del grupo se mostraron en su
mayoría indecisos, aunque algunos como Wolfang
Paalen fueron tajantes en sus respuestas: “No, porque
su doctrina ha engendrado la religión más opresiva”. A
pesar de que se trataba de un juego, lo cierto es que
esas respuestas fueron reveladoras de una actitud que
se remontaba a los comienzos mismos de la formación
del grupo cuando aún el nihilismo de los dadaístas
continuaba haciéndose sentir.
Pero tanto Breton como otros miembros del grupo,
decidieron a la larga entrar en el Partido Comunista sin
renunciar a sus actividades de carácter puramente
poéticas. Ni el pasado de los surrealistas ni sus
experimentos con el automatismo y los sueños bajo el
influjo del psicoanálisis, se avenían con los estrechos
marcos dogmáticos impuestos por las tácticas de un
partido que obedecía a las estrategias de la URSS. No
cabían dudas de que el atractivo de la revolución rusa
poseía también su peso. Ya desde temprana fecha los
surrealistas se agruparon en torno a una serie de
publicaciones de tendencia marxista como Clarté
(1926). En esa revista la rebeldía de los surrealistas se
hizo sentir en contra de algunos de los dómines del
partido comunista como Henri Barbusse, al mismo
tiempo que L’Humanité órgano oficial del partido, no
tenía reparos en atacar la poesía surrealista
representada en libros como Capitale de la Doleur de
Paul Eluard. Pierre Naville uno de los surrealistas de
primera hora identificado con Clarté, publicó en 1926,
un libro titulado La Revolution et les Intellectuelles:
Que peuvent faire les surrealistes? donde planteó las
contradicciones internas que existían entre los
comunistas y los surrealistas. La respuesta de Breton
fue inmediata: en ese mismo año publicó su panfleto
Legitime Defense donde entre otras cosas declaró: “La
llama revolucionaria arde donde quiere y no le incumbe
a un pequeño número de hombres, en el período de
espera en que vivimos, de decidir si es aquí o allá
donde debe arder” (1). Sin embargo la tentación de
adherirse a un partido que de acuerdo con la izquierda
estaba a la vanguardia de las luchas revolucionarias, no
se hizo esperar. A principios de 1927 los surrealistas
pidieron su adhesión al partido no sin antes provocar
una seria disensión dentro del grupo: Jacques Baron,
Robert Desnos, Max Morise, y Artaud entre otros, se
negaron a hacerlo, mientras que Breton, Paul Eluard,
Louis Aragon, Jacques Prevert, Ives Tanguy, Pierre
Unik, Michel Leiris etc. recibieron su carnet del partido.
A pesar de ello esa adhesión no significó una
suspensión de las actividades surrealistas, por lo cual
nunca se ganaron la confianza de un organización que
seguía los lineamientos de Moscú, llamada
despectivamente por Aragon “la gateuse” (la cocha).
Entre sus directivas se encontraba la nueva política
cultural que iba aceleradamente hacia una ruptura
radical contra la creación artística independiente a favor
de un sometimiento al llamado “realismo socialista”.
Más por el momento, “Para ayudar a transformar el
mundo, era preciso pensarlo de modo distinto a como
habíamos hecho hasta entonces, y, particularmente,
suscribir sin reservas la famosa primacía de la materia
sobre el espíritu. Esta era una necesidad a la que nos
resignábamos pero que implicaba apreciables sacrificios
por parte de muchos de nosotros” (2). Esa confesión de
Breton, dicha por él durante las entrevistas que André
Parinaud le hiciera para la radio francesa, aclara la
encrucijada en que los surrealistas se encontraban
durante la época de su militancia comunista. En otra de
las respuestas que le diera a las preguntas de Parinaud,
Breton añadió: “…aún cuando la actividad surrealista
propiamente dicha continuaba desarrollándose en su
propio plano -el de la experiencia y la aventura
interiores- no por ello dejaba de hallarse mediatizada
por la preocupación de evitar un conflicto a fondo con el
marxismo… en materia de transformación social del
mundo, las consideraciones urgentes prevalecían por
encima de todas las demás. El instrumento requerido
para esta transformación existía y ya había dado
pruebas de ello: se llamaba marxismo-leninismo. No
teníamos aún ninguna razón para suponer que su punta
estuviera envenenada (3).
Dadas las precarias
condiciones en que los
surrealistas se
encontraban dentro del
partido y las
concesiones ideológicas
que tuvieron que hacer,
se hacía inevitable la
ruptura, la cual ocurrió
tras numerosas crisis en
1932. La historia
detallada de todo ese
proceso puede leerse en
libros como los de
Maurice Nadeau, Gerard Durozoi o Helena Lewis. (4).
La ruptura entre Breton y otros surrealistas arrastró
eventualmente a Aragon, Eluard y Sadoul del lado
stalinista mientras que se sumaban nuevos nombres en
las filas del grupo. Una vez que esa ruptura se hizo
oficial, Breton y Peret gravitaron hacia el trotskismo
naciente encarnado en la figura de Leon Trotsky que a
la sazón había encontrado refugio en Mexico en 1937.
Pero antes de entrar en el período trotsquista, valdría la
pena citar a algunos autores que han reflexionado
sobre el tema de la relación entre el marxismo
ortodoxo y el surrealismo. Para Martin Jay la
aproximación de los surrealistas a la dialéctica
hegeliana comenzaba “con un rechazo del racionalismo
logocentrista que estaba en el centro del pensamiento
de Hegel. La síntesis que (los surrealistas) esperaban
alcanzar tenía que incluir lo racional y lo irracional,
cordura y locura, conciencia despierta y sueños” (5)
Ferdinand Alquié en su conferencia sobre “El
Humanismo Existencialista y Humanismo Surrealista”
nos dice algo semejante: “…¿a qué filosofía se
identificaban los surrealistas? Era al hegelianismo y al
marxismo… pero es poéticamente cómo los surrealistas
interpretan esta filosofía de la síntesis” (6). La reciente
publicación de un libro acerca de Hegel (7) que trata a
fondo sobre la influencia que ejerciera sobre su
pensamiento la tradición hermética, hubiese aclarado
aún más para estos autores la naturaleza de la
aproximación de Breton al autor de “La Fenomenología
del Espíritu”. ¿Cómo era posible entonces que éstos
pudieran haber militado dentro de una organización
como la del Partido Comunista cuyos fines eran
totalmente opuestos a los suyos? Quizás porque como
observara Maurice Blanchot “el servicio que los
surrealistas esperaban del marxismo era que le
preparara para ellos una sociedad en la cual todos
fueran surrealistas (8). Es decir en una sociedad donde
de acuerdo con Clifford Browder “la actitud materialista
no pusiera en peligro la esencia de la experiencia
surrealista: la intuición de lo maravilloso” (9). El paso
siguiente a seguir para Breton transitaba pues por otros
caminos, como quedó demostrado en lo que expuso en
su “Segundo Manifiesto del Surrealismo” y en sus
“Prolegómenos a un Tercer Manifiesto”. Cualquier lector
de ambos encontrará en sus páginas una tendencia a
tratar temas que destacan la creciente afición de
Breton hacia las doctrinas esotéricas, como veremos
durante el transcurso de este trabajo.
La independencia de pensamiento que Breton defendía
celosamente tenía que llevarlo a conclusiones ajenas a
los principios materialistas del marxismo. En el
Segundo Manifiesto Breton expresó lo siguiente:
“Verdaderamente no comprendo por qué razón, aunque
ello desagrade a revolucionarios de limitados
horizontes, debemos de abstenernos de propugnar la
revolución, de aplicarnos a los problemas del amor, del
sueño, de la locura, del arte y de la religión, siempre y
cuando lo enfoquemos desde el mismo punto de vista
de aquellos -y también nosotros- lo enfocan. (10). Años
más tarde, en 1973, en el Bulletin de Liason
Surrealiste, Vincent Bounoure afirmó: “Lo que está en
causa es una poetización radical del mundo o más
precisamente una transvaluación sin retorno de las
relaciones sensibles que el espíritu mantiene” (11) O
sea, que más de treinta años después que Breton
formulara sus puntos de vista la cuestión continuaba
planteándose dentro del seno del movimiento. Y era
que no podía haber un compromiso con una doctrina
cuya finalidad era esencialmente política mientras que
la política surrealista (de tener alguna) se basaba en el
rechazo o “Le Ecart Absolu”. Jacques Abeille otro
surrealista que surgiera en tiempos postbretonianos,
expuso en el mismo Bulletin que “no podía haber una
politica surrealista posible, pues ningún poder podría
darle satisfacción al Surrealismo” (12) Un autor que
viera a ese movimiento con mirada favorable nos aclara
en el prefacio a su libro Reason and Revolution que “la
dialéctica y el lenguaje poético se encuentran en un
terreno común…el elemento común es la búsqueda de
un lenguaje auténtico, el lenguaje de la negación como
el gran rechazo para aceptar las reglas de un juego
donde los dados están cargados …la poesía es entonces
el poder de negar las cosas, el poder que Hegel
paradójicamente reclama para todo pensamiento
auténtico” (13)
La revelación de lo maravilloso, que sólo puede ser
obtenida conjurando la poesía que se encuentra latente
en el mismo, posee sus propias reglas de juego, que
nada tiene que ver con un proceso dialéctico
encaminado a la toma del poder. Es por eso que la
negación o el no compromiso surrealista se vio afectado
durante el tiempo en que militaron en las filas del
Partido Comunista. Pero la tendencia de los surrealistas
a ver en el rebelde o supuesto rebelde la encarnación
del verdadero revolucionario, los incitó a percibir en la
figura de León Trotsky el héroe de una revolución que
para ellos no había perdido su atractivo.
El encuentro entre Trotsky y Breton se produjo en
México en 1938. Para esa época los procesos de Moscú
y la Guerra Civil Española habían marcado
decisivamente la conciencia revolucionaria mundial. Los
surrealistas no fueron ajenos a las conmociones que
ambos hechos provocaron, denunciando los primeros y
apoyando los movimientos de izquierda que luchaban
contra el fascismo en España. Benjamín Peret pasó a
formar parte primero de las filas del POUM (trotsquista)
y de los anarquistas después, mientras que Breton con
una hija recién nacida, se quedó en Paris. Cuando
Breton llegó a Mexico fue recibido por Diego Rivera
quien le proporcionara albergue. Pocos días después
fue recibido por Leon Trotsky entablándose entre
ambos una relación que no siempre fue cordial.
Mientras que Trotsky desconfiaba en el fondo de las
ideas de Breton (y no sin razón desde su perspectiva)
creyendo que éstas “abrian una ventana que iba a dar
al más allá”, Breton se sintió conmovido ante la
presencia del viejo militante revolucionario convertido
en el gran disidente del stalinismo. La historia de ese
momento ha sido relatada en numerosos libros y bajo
distintos puntos de vista, pero lo que quedó de tangible
de la misma fue la redacción entre Trotsky y Breton de
un manifiesto: “Por Un Arte Revolucionario
Independiente”. Aunque Trotsky no lo firmó (Diego
Rivera lo hizo como substituto), la esencia del mismo
se debe a su mano. La conclusión de ese manifiesto
condujo a la fundación de una Federación Internacional
del Arte Revolucionario Independiente (FIARI) que tuvo
corta vida.
Una lectura del manifiesto nos sitúa de nuevo en la
coyuntura en que los surrealistas se encontraron a raíz
de su adhesión al Partido Comunista. Existen en el
manifiesto concesiones evidentes de una parte y la
otra, sino ¿cómo es posible explicar sus referencias al
anarquismo o al psicoanálisis? En ambas la mano de
Breton se pone de manifiesto cuando habla de los
“mecanismos de sublimación…que el psicoanálisis ha
puesto de manifiesto y que tienen por objeto
restablecer el equilibrio roto entre el “yo” coherente y
los elementos reprimidos” o cuando afirma que “para el
desarrollo de las fuerzas productivas materiales, la
revolución está en la obligación de erigir un régimen
socialista de plan centralizado, para la creación
intelectual debe desde el principio mismo establecer y
asegurar un régimen anarquista de libertad individual”
(14) Escrito bajo el espíritu de la época, hoy mucho de
lo que este manifiesto dice nos parece anacrónico. Pero
lo que sí revela es una tensión entre el proyecto de
Breton de alcanzar la libertad por otras vías (abriendo
como Trotsky sospechaba, una ventana hacia el más
allá) y la estrategia política de éste para conseguir la
misma mediante los métodos clásicos expuestos en el
marxismo-leninismo. Por otra parte no podemos olvidar
que los anarquistas siempre condenaron al organizador
del ejército rojo como uno de los responsables de la
masacre perpetrada contra los marinos que se
rebelaron en Cronstadt en 1922. Los escritos de Emma
Goodman no dejan lugar a dudas al respecto. A pesar
de ello Breton siempre mantuvo en vivo su espíritu de
solidaridad con Trotsky aún cuando expresara sus
dudas sobre el contenido de su panfleto Su Moral y la
Nuestra. Peret por su parte compartió con Breton su
admiración continuando su militancia trotsquista al
mismo tiempo que su naturaleza rebelde lo conducía
hacia el anarquismo.
Segundo encuentro: el anarquismo
Oficialmente los Surrealistas no se acercaron a los
anarquistas hasta los años cincuenta cuando ya Breton
había formulado su inclinación hacia el Socialismo
Utópico representado sobre todo por Fourier. Prefiero
sin embargo, continuar con el proceso de alejamiento
de Breton del materialismo dialéctico, para cerrar este
trabajo con la utopía como respuesta final que hiciera
al mismo. En un escrito suyo incluido en La Llave de los
Campos titulado “La Clara Torre” Breton confesó que
“Donde el surrealismo reconoció por primera vez,
mucho antes de definirse a sí mismo y cuando no era
sino asociación libre entre individuos que rechazaban
espontáneamente y en bloque las coacciones sociales y
morales de su tiempo, fue en el anarquismo” a
continuación en ese mismo escrito se pregunta “Por
qué no pudo operarse en aquel momento una fusión
orgánica entre elementos anarquistas propiamente
dichos y elementos surrealistas? Yo aún me lo pregunto
veinticinco años después” (15) A guisa de justificación
la respuesta que de inmediato da Breton refleja las
contradicciones internas a que hemos venido
aludiendo: “No es dudoso que la idea de la eficacia, que
había de ser el señuelo de toda esa época, lo decidiera
de modo muy distinto” (16). La idea de la eficacia no
fue sólo el señuelo de aquella época, continuaba
siéndolo en la década cuando Breton escribió su
ensayo, como sigue teniendo hoy toda su fuerza
manipuladora. Pero la eficacia consistía en la militancia
dentro de un partido específico: el comunista. Sartre
cayó dentro de sus hechizos cuando coqueteara con el
mismo mientras rechazaba la posición utópica de los
surrealistas. Pero la cuestión se planteaba también en
otro plano: aquel del espíritu que era donde los
surrealistas podían responder con otra “eficacia” dada
la naturaleza de sus ideales. De ahí que entre el 12 de
Octubre de 1951 y el 8 de Enero de 1953 los
surrealistas participaran con unos llamados “billets” en
la publicación anarquista “Libertaire”. La sensibilidad
que guiaba a los surrealistas a acercarse al movimiento
anarquista se encontraba plenamente justificada por la
conciencia del fracaso que significó para ellos el
Comunismo soviético.
Breton, después de ese
fracaso, no podía abrirle
las puertas a Marx sin
dejar pasar con él unas
estructuras de
pensamiento que habían
facilitado la tiranía
stalinista. En ese sentido
las acusaciones de
Proudhon a Marx que
seguramente Breton
conocía, conservaban
toda su vigencia. Existía
desde luego el Marx anterior, el de los manuscritos y
los “Grundrisse” que expresaban unos imperativos
éticos que los surrealistas podían aún adoptar, como de
hecho lo hicieron alentados en parte por los escritos de
Herbert Marcuse. Pero en el fondo un poema o un
collage surrealista respondía más a lo que Breton había
subrayado en el manifiesto que escribiera con Trotsky
acerca de la creación como un fenómeno anárquico.
El anarquismo entonces pudo ofrecerle a los
surrealistas un puente entre su visión utópica y la
necesidad que alimentaban de “cambiar al mundo” y
“transformar la vida” al revés de lo que pidieron Marx y
Rimbaud. Un escritor anarquista Murray Bookchin que
conocía el surrealismo aunque no tengo datos si los
surrealistas había oído hablar de él, expuso en su libro
Post Scarcity Anarchism “que los medios existen para el
desarrollo del hombre total, liberado de la culpa y las
manipulaciones de los modos autoritarios del
entrenamiento, entregándose al deseo y a la
aprehensión sensual de lo maravilloso” (17). Estas
palabras revelan que dentro de la corriente anarquista
existen puntos de contacto con la búsqueda surrealista
de lo maravilloso a través del deseo. Para Bookchin el
elemento surreal en el proceso revolucionario formaba
parte de su dinámica interior, lo cual lo conecta con lo
que otros autores citados en este trabajo habían dicho.
La confianza en la creación que se produce
espontáneamente, fuera del control de la razón, como
había pedido Breton en su Primer Manifiesto, se traduce
en el automatismo. Tanto la escritura automática como
los diversos juegos a que los surrealistas se
entregaron, reflejan esa necesidad de construir una
realidad a partir de un acto libre por excelencia. La
libertad pues, es la llama que enciende el proceso
creativo, proceso que pone de manifiesto la importancia
de la espontaneidad anarquista: “la creencia en la
acción espontánea es parte de una creencia más
amplia, la creencia en el desarrollo espontáneo” (18)
Un mismo puente une el acto automatismo puro de los
surrealistas y el desarrollo social espontáneo de los
anarquistas. Ese puente va a ser construido en parte
por otras dos tradiciones caras al pensamiento de
Breton: la utópica y la hermética.
Tercer encuentro: la utopia
André Breton en un discurso que pronunció en “La
Mutualité” a raíz del revuelo que causara Garry Davis
con su movimiento mundialista en la década de los
cincuenta, planteó claramente su posición: “Para
quienes consideran -y yo me encuentro entre ellos- que
en cada época hay algo de esencial que hay que
rescatar de la herencia cultural y que ese algo puede
ayudar a la emancipación del hombre, nosotros
reivindicamos a Fourier y Proudhon, y con reservas a
Marx y Lenin, y reivindicamos a Sade y Freud y
también a Rimbaud y Lautreamont” (19) Por su parte
Murray Bookchin escribió: “El gnosticismo comparte con
los cultos mistéricos de la antiguedad así con la
cristiandad, la necesidad de alcanzar un desarreglo de
los sentidos. Ahí yace el gran poder de la imaginación
que ha revitalizado a los movimientos radicales por
siglos… El sueño de Schiller de un mundo estéticamente
encantado o el de Breton de la hipostatación de lo
maravilloso… es limítrofe con la experiencia gnóstica de
la Iluminación extática” (20) De manera que la relación
entre una tradición libertaria que piensa en términos
políticos-sociales, y la tradición hermética que busca en
lo espiritual una dimensión donde se pueda producir la
epifanía de lo maravilloso, es posible como Breton
pensara.
El proceso evolutivo de Breton hacia la utopía como un
“lugar” donde pudieran resolverse las contradicciones
que afectan al hombre, fue la consecuencia obvia de su
doctrina surrealista. Desde la lectura de las páginas del
Primer Manifiesto Surrealista hasta las últimas que
Breton escribiera, todo conduce a un desenlace final: la
adopción de la utopía. El surrealismo es, pues,
básicamente utópico en sus directrices principales. A
través de múltiples desengaños con las llamadas
izquierdas revolucionarias a Breton no le quedó otro
camino que volver a la raíz del surrealismo. Si durante
la época del Segundo Manifiesto pidió la ocultación
profunda de éste (prácticamente con la idea de
convertirlo en una especie de sociedad secreta), situó
la última exposición surrealista que presidiera, bajo el
lema de “L’Ecart Absolu” siguiendo el pensamiento de
Fourier. El colapso progresivo de las ideologías
totalitarias y el afianzamiento del totalitarismo
capitalista bajo el velo de la democracia, no dejaba
espacio para otra elección a no ser que estuvieran
dispuestos a “pactar” bajo la noción del compromiso,
con el cual Sartre justificaba sus acciones.
Fourier
En una de las tesis que Herbert Marcuse expuso en su
libro Counter-Revolution and Revolt (21) éste afirmaba
utópicamente que la realización del sueño mediante la
revolución era posible y que en ese sentido el programa
surrealista continuaba siendo válido. Quien le abriera
esa dimensión a Andre Breton fue, sobre todo, Charles
Fourier. El descubrimiento de la obra del autor del
Nuevo Mundo Amoroso por Breton se produjo durante
su exilio en los Estados Unidos en los momentos en que
se aprestaba a visitar el Oeste y especialmente a las
naciones Hopi y Navajo. Esos encuentros produjeron
una eclosión final en el pensamiento de Breton con
respecto a las ideologías de corte marxista, que aunque
con reservas, había hecho suyas. El resultado fue su
Oda a Charles Fourier. Poema temático, único en su
obra, fue escrito después que Breton tomara
conocimiento de la poesía de Aimé Cesaire durante su
estancia en la Martinica. Fue en esa isla donde Andre
Masson, Wifredo Lam y Breton llegaron a raíz de su
salida de Francia, que Breton descubrió la revista
Tropiques dirigida por Cesaire y donde éste publicara
su Cahier d’un Retour au Pays Natal poema
programático de la negritud y que tanto Breton como
Peret saludaron con entusiasmo.
La Oda a Fourier continúa esa línea usando varias
narrativas, entre las cuales se encuentra la presencia
de los Hopis como reconocimiento del parentesco entre
el utopista francés y el pensamiento de los indios
Pueblo: “Fourier te saludo desde el Gran Cañón del
Colorado/veo el águila que se escapa de tu cabeza/…Te
saludo desde el instante en que acaban de llegar a su
término las danzas indígenas…Te saludo desde lo bajo
de la escala que se hunde con gran misterio en la kiwa
hopi la cámara subterránea y sagrada hoy 22 de agosto
de 1945 en Miishongnovi a la hora en que las
serpientes con un gran nudo último señalan que están
listas a operar su conjunción con la boca humana”…
(22) Es ahí, en ese poema, donde la tradición del
socialismo francés muy mezclada a un idealismo
romántico, vuelve a encontrar su camino. Por debajo de
esa Oda corre un río que arrastra bajo sus aguas a
nombres como Saint Simon, Enfantin, Fabre D’Olivet,
Saint Martin, Martínez de Pasqually, y tantos otros que
ingresaron en el mundo de Breton. De esa manera
hermetismo, socialismo utópico y primitivismo se unen
en una de esas síntesis a la cual el pensamiento
surrealista se encaminaba desde que hicieron del
‘punto supremo’ su única meta. Se trataba para Breton
de lanzar una mirada retrospectiva hacia otras fuentes
intocadas por la tentación totalitaria verificando a su
vez, como había apuntado Gerard Schaefer, “la validez
del mundo de Fourier (al mismo tiempo que) el nuevo
mundo americano aportaba una confirmación por el
antiguo en la ideología india, a las promesas de
Fourier” (23). Jean Gaulmier en esa misma obra cita a
Claude Levi Strauss donde expone: “Que Breton incline
sus propias convicciones metafísicas a la visión de
Fourier como a la de los indios es evidente, ¿toda la
gestión surrealista no consiste precisamente en una
lectura apasionada y subjetiva de las obras del espíritu
como la de cosmos? …discípulo de un eterno y viviente
romanticismo, el poeta saca del pasado y de lo real la
imagen brillante, deseable del futuro” (24). Para los
Hopis, de acuerdo con Levi Strauss, todo está unido
entre sí pues los niveles del universo se encuentran
enlazados por múltiples correspondencias, de ahí que
en la vida de estos pueblos se produzca un fenómeno
semejante al que Fourier soñara para sus falansterios.
La teoría de las correspondencias que aparece en
Swendenborg, le anuncia a Fourier su visión de las
analogías y su creencia en la “atracción apasionada”, y
ambas van a estimular la concepción que Breton
desarrollara del surrealismo. En la oda a Fourier se
verificó entonces la convergencia “surrealista” entre el
arte y mitología de los indios, y el pensamiento del
utopista francés influido por el hermetismo.
El error de numerosos
exégetas de Fourier,
como pensaba Jean
Gaulmier en sus
comentarios a la Oda de
Breton, consiste en
considerarlo meramente
como un filósofo,
mientras que en tanto
que detector de la
‘atracción apasionada”,
estuvo más cerca de la
poesía en el sentido
surrealista del término.
Octavio Paz fue de los que percibió con claridad todas
las ramificaciones poéticas de la obra de Fourier: “…La
creencia en la analogía universal está teñida de
erotismo: los cuerpos y las almas se unen y separan
regidos por las mismas leyes de atracción y repulsión
que gobiernan las conjunciones y disyunciones de los
astros y de las sustancias materiales. Un erotismo
astrológico y un erotismo alquímico…la alquimia erótica unión de los principios contrarios, lo masculino y
femenino, y su transformación en otro cuerpo- es una
metáfora de los cambios, separaciones, uniones y
conversiones de las sustancias sociales (las clases)
durante una revolución…” (25) Lo que Octavio Paz nos
dice aquí forma parte de la sustancia misma del
surrealismo tal y como lo concibiera André Breton.
Cualquier lector podrá entonces concluir que la utopía
tenía que encontrar su sitio dentro de una visión como
la suya. Pero una utopía, hay que añadir, muy lejana a
las estrictas regulaciones que a la larga malogran todo
proyecto utópico convirtiéndolo en un ensayo
coreográfíco para alcanzar la felicidad. Lo que salva a
Fourier es que su mundo amoroso esta regido por un
erotismo cuyas raíces -según lo viera Octavio Paz- se
nutren del hermetismo del siglo XVIII, como puede en
las novelas de Restiff de la Bretonne: “Del misticismo
erótico de un Restiff de la Bretonne a la concepción de
una sociedad por el sol de la atracción apasionada no
había sino un paso. Ese paso se llama Fourier” (26).
Posiblemente Octavio Paz tomó esa idea de un libro
revelador: Fire in the Minds of Man de James H.
Billington, libro que traza las conexiones que hubo
entre la imaginación y los movimientos revolucionarios
entre los siglos XVIII y XIX. En su obra Billington
señala que: “La etiqueta revolucionaria en el mundo
contemporáneo surgió de la imaginación erótica de un
escritor excéntrico, Restiff de la Bretonne… (este autor)
condujo (su investigación) a oscuros corredores de la
imaginación que los positivistas y los marxistas han
preferido ignorar..” (27). Esa ignorancia es
precisamente la que Breton y los surrealistas lograron
superar a través de Fourier y junto a él toda una
pléyade de autores tenidos a menos por otros como
Sartre y sus seguidores. Breton por su parte obedeció a
lo que Marx había dicho de Fourier calificándolo como
“uno de los patriarcas del Socialismo” al mismo tiempo
que Engels afirmaba que Fourier manejaba la dialéctica
con la misma destreza que Hegel. El mundo armónico
de Fourier, mundo donde el elemento lúdico se
encontraba presente, ofrecía para Breton una
alternativa de carácter utópica, es cierto, pero con más
posibilidades de humanizar el socialismo. Pues de eso
se trataba en última instancia: de rescatar a un
socialismo secuestrado por sistemas opresivos,
reivindicando su naturaleza humanista.
Conclusion: ¿el oro del tiempo?
¿Es viable la utopía surrealista? y, ¿En qué consiste su
viabilidad? Paradójicamente consiste en su no
viabilidad, es decir, en continuar siendo una utopía
sobre la utopía. En su perpetua búsqueda de lo
maravilloso, el Surrealismo no se propuso encontrar
soluciones que estuvieran fuera del alcance de la
poesía. De ahí que Breton haya acogido a un número
de pensadores situados marginados del contexto oficial,
de la misma manera que siempre encontró en el arte
de los locos o de los primitivos la confirmación de sus
ideas. En las páginas de su Arcane 17, Breton saludó a
Sade y a Paracelso, a Flora Tristán, Fourier y a Pere
Enfantin con el mismo entusiasmo. Como el
hermetismo no es ajeno a esas corrientes, también la
tradición de los heterodoxos y heréticos le resultó
favorable, en cuanto abrían una ventana al más allá
que Breton vio como posible de obtener durante el
transcurso de nuestras vidas. La clave se encuentra
precisamente en esa especie de “utopía cotidiana” que
los surrealistas intentaron lograr mediante sus
excursiones poéticas en los diversos dominios de la
imaginación. Durante las revueltas en Francia, en la
década de los sesenta, si los estudiantes exigieron que
la “la imaginación tomase el poder”, fue porque
reivindicando a Breton, pensaron que lo imaginario es
lo que tiende a devenir real. Los sesudos análisis que
se hicieron en aquella época de las condiciones
materiales que sirvieron como estructuras de las
rebeldías, no tomaron en cuenta que la desvalorización
de la sociedad provenía de otras fuentes. En todo el
mundo contrariamente al pensamiento meramente
materialista, era la valorización del juego, del deseo y
de lo maravilloso lo que se encontraba en el centro de
las esperanzas revolucionarias, o sea, su costado
utópico. El fracaso del comunismo y de sus variantes
socialistas, ¿no llevaba acaso como temía Trotsky
citado por Breton, a una nueva utopía? Si el marxismo
como apuntara Maximilian Rubel en su antología sobre
los escritos de Marx, perece a la larga por la rigidez de
su lógica, el socialismo concebido por él en sus
primeras etapas, continuaba siendo una llamada a la
emancipación de la persona. Pero esa emancipación,
como lo creyera Breton, no era un monopolio exclusivo
del marxismo, sino que le pertenecía a una nutrida
línea de pensadores aparentemente dispares, que
encontraron en el Surrealismo un espacio común.
El collage como espacio utopico
La concepción del collage vino precisamente a brindarle
su habitáculo a ese espacio. Es en el collage donde
tanto mental como visualmente se verifica la unión de
elementos contrarios en una nueva realidad. Esa
(re)unión rompe con un orden establecido alterando la
percepción normal que la sociedad impone sobre las
cosas. De esa manera el significado “fijo” de las cosas
se desestabiliza al ser integrado con otros significados
opuestos, creando de esa manera un escenario utópico
de la realidad o mejor dicho, de la surrealidad. El
collage como uno de los grandes inventos poéticos de
la modernidad, rebasa su mera función estética para
formar parte de un mecanismo de “atracción
magnética” (no es por casualidad que la primera obra
surrealista se titulara Los Campos Magnéticos) entre
realidades desiguales, creando una escala de valores
transgresora La sociedad donde vivimos funciona como
un collage en lo que posee de cotidiano. Basta con salir
a la calle para que nos sintamos “dentro” de un collage
de objetos impuestos “desde fuera” por un sistema
económico basado en el consumo. ¿Qué es “Disney
World” sino la puesta en escena de una realidad virtual
manejada por la utopía capitalista? Alcanzar “desde el
interior” ese “más allá” (opuesto al escenario de Disney
World) era la finalidad utópica del surrealismo, que el
collage logra hacer visible. Para ello se valieron de
distintos métodos lúdicos pero también del azar
objetivo, del análisis de los sueños o del “amor
sublime”. Los surrealistas pusieron todas sus
esperanzas en esas vías (¿acaso no es la esperanza la
sustancia de la utopía?) en unos tiempos conjurados
para impedirlas. De ahí que su rebeldía llevara a veces
el sello de la vehemencia y no del razonamiento. Pero
en el fondo los surrealistas fueron unos optimistas
tenaces que frente al pesimismo que Camus expuso en
su obra “El Mito de Sísifo”, creyeron como lo confesara
Breton en sus entrevistas, que al final el hombre
superaría los escollos.
Si toda gestión libertaria actual apunta hacia un
porvenir lejano, nos parece entonces que la utopía
surrealista es viable en tanto que limite su campo de
acción a lo imaginario. El Surrealismo no es un partido
político, ni un culto religioso, cuyo destino sea la toma
del poder. Es y continuará siendo una lectura
apasionada de lo real para revelar su “surrealidad”.
Dentro de ese proceso el Surrealismo que de acuerdo
con Breton “es lo que será”, mantiene su dinámica
creadora y puede aún abrir caminos exploratorios. En la
apertura de esos caminos se encuentra el espíritu
innovador de la utopía que siempre vislumbra el
horizonte a sabiendas que nunca podrá alcanzarlo.
NOTAS
1. Andre Breton: “Point Du Jour”, Editions NRF, 1934.
2. Ver Andre Breton, “Puntos de Vista y
Manifestaciones”. Barral Ediciones, Barcelona, 1972.
3. Ibid. Pag. 137-38. El subrayado es mío.
4. Helen Lewis, “Politics of Surrealism” Paragon
House, NY 1988, Gerard Durozoi, “Histoire Du
Mouvement Surrealiste”, Hazan Editeurs, Paris 1997,
Maurice Nadeau, “Histoire Du Surrealisme”, Points,
Editions du Seuil, 1964.
5. Martin Jay, “Marxism and Totality”, University of
California Press, 1984.
6. Ferdinand Alquie “Humanisme Existencialiste et
Humanisme Surrealiste” Cahiers du Collage
Philosophique, Arthaud, Paris, 1948.
7. Citado por Bruce Baugh en “French Hegel”
Routledge University Press, N. Y 2003.
8. Clifford Browder: “Andre Breton, Arbiter of
Surrealism”, Librairie Droz, Geneve, 1967.
9. Andre Breton “Manifiestos del Surrealismo”,
Guadarrama, Madrid, 1969. Traducción de Andrés
Bosch.
10. Vincent Bounoure: “L’Autre Rime”, BLS #6, Abril
1973.
11. Jacques Abeille: “Reponse a Herbert Marcuse”
BLS # 7.
12. Herbert Marcuse, “Reason and Revolution”,
Beacon Press, Boston, 1969.
13. “Por un Arte Revolucionario Independiente” en
Andre Breton: “An-tología”, Traducción Tomás
Segovia, Edit. Siglo XXI, Mexico, 1973.
14. Andre Breton “La Clara Torre”, en “La Llave de los
Campos”, Libros Hiparión, Madrid. Traducción Ramón
Cuesta y Ramón García Fernández.
15. Ibid.
16. Ibid.
17. Murray Bookchin: “Post Scarcity Anarchism”
Rampart Press, Berkley, Calif. 1971.
18. Ibid.
19. Reproducido en Maurice Joyeux: “El Anarquismo y
la Rebelión de la Juventud” Edit. Freeland, Buenos
Aires, 1972.
20. Murray Bookchin “The Ecology of Freedom”
Chesire Books, California, 1982.
21. Ver Herbert Marcuse “Counter-revolution and
Revolt” Beacon Press, Boston 1972.
22. Andre Breton “Oda a Charles Fourier”, en A.B.
“Antologia”, Siglo XXI, Mexico, traducida por Tomás
Segovia.
23. Gerard Schaefer: “Andre Breton” Editions La
Bacconiere, Neuchatel.
24. Ibid.
25. Octavio Paz: “Fourier y la Analogía” en
“Aproximaciones al Pensamiento de Fourier, Miguel
Castellote Ed. Madrid, 1973.
26. Ibid.
27. James H. Billington: “Fire in the Minds of Men”,
Basic Books, Harper, 1980.
28. Glenn Alexander Magee: “Hegel and the Hermetic
Tradition” Cornell University Press, 2001.
Carlos M. Luis (Cuba, 1932). Poeta e artista plástico. Dirigiu em seu
país o Museo Cubano. Como ensaísta, publicou Tránsito de la mirada
(1991) e El oficio de la mirada (1998). Nos anos 90, já residindo em
Paris, publica juntamente com Jorge Camacho Le Bulletin de Liason
Surrealiste. Contato: [email protected]. Página ilustrada
com obras da artista Florencia Urbina (Costa Rica).
revista de cultura # 57
fortaleza, são paulo - maio/junho de 2007
Beatriz Doria: a arte como
forma natural
Jacob Klintowitz
.
1.
A principal
inspiração de
Beatriz Dória é a
sua intuição da
harmonia universal
e o estímulo
externo para a
concretização de
sua obra é o
convívio com a
variedade de
formas da natureza. O seu trabalho incorpora a
experiência atual da arte com o objeto como
representação autônoma e a preocupação da cultura
contemporânea com o entendimento holístico da
realidade. A sua obra, ainda que uma criação individual
de formas, é uma glorificação da vida e do sentimento
amoroso da harmonia com o planeta.
A convivência com o escultor Frans Krajcberg
consolidou na artista este caminho em direção à uma
arte atenta a necessidade de evolução do homem. É
uma escultura sensível que busca a expansão da
consciência. Uma invenção espacial a partir das formas
da natureza. Beatriz Doria, em um demorado processo
de elaboração, recria o que a sua imaginação identifica
como as formas ideais.
A convicção do século XXI é que o homem é um ser em
sistema. Ele não se diferencia essencialmente de seu
meio e é dependente dele. O ar que guarda em seus
pulmões é o próprio homem e é o entorno. Existe um
forte movimento da arte contemporânea em favor da
natureza, na análise da harmonia entre o homem e o
planeta, e no resgate de imagens e formas naturais.
Esta corrente – a arte como consciência total – é
marcante no Brasil, onde estão presentes artistas,
entre tantos, como Frans Krajcberg, José Zanine,
Ernestina Karman, Shirley Paes Leme, Lourdes Cedran,
Tereza D’Amico, Berenice Gorini, Otávio Roth, Elvio
Benito Damo, Marlene de Almeida, Zorávia Bettiol,
Manfredo de Souzaneto, Alcindo Moreira Jr., Edson Luz,
Ione Saldanha, Claudio Tozzi, Carybé, João Rossi, Mario
Cravo Jr., Bené Fonteles, Juarez Paraíso, José Patrício,
Gilberto Salvador, José Bento.
A escultura de Beatriz Doria é uma elaboração espacial
a partir das formas da natureza. A escultura da artista,
como queria Aristóteles, não copia a natureza, mas
trabalha a partir da identificação com o seu processo de
criação. Desta maneira, Beatriz Doria pesquisa há
muitos anos as formas e as características da
vegetação brasileira. Com estes elementos – formatos
e qualidades especificas da natureza – Beatriz constrói
esculturas que se apropriam do espaço e nos remetem
ao universo que imaginamos ser o das formas originais,
no qual gostaríamos de sermos capazes de reconhecer
a memória do Paraíso.
2.
A escultora Beatriz Doria
nasceu em Pinhalzinho,
Santa Catarina, em
8.5.1960, segunda filha de
nove, de uma família de
imigrantes italianos. Criada
no Rio Grande do Sul, onde
a família se instalou
posteriormente e o pai
transformou uma muda
trazida da Itália em uma
vinícola. Nesta época de
menina, Beatriz Doria,
durante a colheita da uva,
pintava os caules da vinha
com a casca da uva madura e contemplava o seu
jardim de esculturas vivas que se apagaria com a
primeira chuva.
Em 1985 retorna de Milão, Itália, onde estudou Design
de Moda e, associada ao estilista Gregório Faganello,
abre uma loja em São Paulo onde, por 12 anos, dedicase a criação e comercialização de moda. Em 1997
estuda e dedica-se a ourivesaria, com a criação de
jóias com pedras brasileiras.
A partir de 2002, dedica-se ao estudo das formas
naturais e da flora brasileira, criando um conjunto
expressivo de esculturas a partir de árvores nativas
resgatadas da destruição natural ou de queimadas. No
dia 16 de maio de 2007 abre a sua primeira exposição
de esculturas no Museu Brasileiro da Escultura, com a
presença de seu mestre, o escultor Frans Krajcberg.
Jacob Klintowitz (Brasil, 1941). Jornalista, crítico de arte, escritor,
editor de arte, designer editorial. É autor de 90 livros sobre teoria de
arte, arte brasileira, ficção e livros de artista. Fotos de Celine Germer.
Agradecimentos a Eduardo Guimarães. Contato: [email protected].
Página ilustrada com obras de Beatriz Doria (Brasil).
revista de cultura # 57
fortaleza, são paulo - maio/junho de 2007
César Moro en la mesa con sus
pares
Floriano Martins
.
Durante mucho tiempo estuve
buscando este encuentro. Siempre
había uno u otro poeta que no
podía sentarse a la mesa. Libros
que no llegaban de distintos
lugares del mundo. Cartas que
esperaban respuesta. El tiempo
comprometido en viajes, la agenda
de impurezas de cada día, las
señales simultáneamente tiránicas
y amables de la existencia. El
hecho es que solamente ahora
pudimos reunirnos. Martín Adán
(1908-1985) fue el primero en
preguntar sobre las razones del
encuentro. Hacía mucho que el
peruano estaba recogido en su
exilio interior. Además, no
identificaba a ninguna de aquellas
personas allí sentadas. Se acuerda
algo de César Moro (1903-1958), ya que ambos fueron colaboradores
de José Carlos Mariátegui en las páginas de la revista Amauta, en la
Lima de los años 20. A pesar de ciertos vínculos con el ultraísmo
rastreados por algunos exégetas en su primer libro, La casa de cartón
(1928), Adán jamás se sometió a los avatares de las vanguardias. Al
contrario del panameño Rogelio Sinán (1902-1994), sentado junto a
él, que recorrió varias tierras, Adán nunca se ausentó de su país
natal. El estreno de Sinán, por medio de la publicación de Onda
(1929), se dio en Roma, donde residía entonces y de donde saldría
camino a México, quedándose allí durante casi diez años. Su llegada
a México coincide con el tramo final de la revista Contemporáneos,
del grupo homónimo al cual pertenecen dos de los otros poetas
presentes en nuestro encuentro: José Gorostiza (1901-1973) y Xavier
Villaurrutia (1903-1950). Pero dejemos que Sinán nos hable un poco:
SINÁN El poeta mexicano Enrique González Rojo, que fungía
como Secretario de la Embajada de su país en Roma, y que, a su
vez, era hijo del gran poeta mexicano Enrique González Martínez,
me familiarizó con la poesía mexicana, sobre todo con el famoso
grupo de “Los contemporáneos”, que encabezaban Carlos Pellicer,
Salvador Novo, Xavier Villaurrutia, Gilberto Owen y otros, que
figuraban en la famosa Antología, de Cuesta, que me obsequió
González Rojo. También pude informarme, a través de él, del
belicoso movimiento “estridentista” capitaneado por Manuel
Maples Arce y German List Arzubide. (1)
Antes de su estadía en Roma, cuando pasó por Chile, conoció a Pablo
Neruda (1904-1973); sin embargo, no se sabe si estuvo con Rosamel
del Valle (1901-1965) o Humberto Díaz-Casanueva (1907-1992).
Estos dos poetas, que se sientan también con nosotros a la mesa,
estuvieron siempre unidos por una fuerte amistad, iniciada en 1925,
cuando colaboraban en la revista Caballo de Bastos, que entonces
dirigía Pablo Neruda. Más tarde, Díaz-Casanueva ayudaría a costear
la edición de algunos libros de Rosamel. En cuanto a su libro inicial, El
aventurero de Saba (1926), fue publicado a los 19 años. Tiempo
después, confesaría que el “adjetivo metaforizado” era lo que le daba
alguna afinidad estética con Neruda, y lo mismo valía para su posible
identificación con Pablo de Rokha (1894-1968), poeta que continúa
enteramente merecedor de una lectura que corresponda al valor
inaugural de su obra. En 1928, Díaz-Casanueva estuvo en Uruguay y
Argentina, donde conoció, respectivamente, a Juana de Ibarbourou y
Jorge Luis Borges. En declaración posterior, dijo que “en aquellos días
los escritores argentinos se preocupaban febrilmente por la política”,
y que por tal razón “no conversó sobre poesía” (2). Algo interesante
nos dirá acerca de la escritura de su segundo libro, Vigilia por dentro
(1929), cuando todavía residía en Montevideo:
DÍAZ-CASANUEVA Me veo en aquel entonces con una mano
sosteniendo el aluvión surrealista que se precipitaba sobre mí; y
con la otra esgrimiendo El origen de la tragedia de Nietzsche. Su
lectura me produjo una profunda impresión y amplió mi visión de
la existencia. (3)
Mas, no obstante, hay entre nosotros algunos poetas que no fueron
presentados y que empiezan a impacientarse en sus sillas. El
argentino Enrique Molina (1910-1997) aprovecha para decir que fue
sólo hasta 1983 que conoció a Díaz-Casanueva, cuando estuvieron
juntos en Caracas, en un recital de poesía. Dos viajeros notables,
aunque Molina fuera más afecto a los mares y los ríos. En uno de sus
viajes a Lima conoció a César Moro, de quien acabaría editando
Trafalgar Square, en 1954. El peruano, que se vinculara al
surrealismo desde 1925, ya para entonces se había apartado del
movimiento. Después de una larga residencia en México, entre 1938
y 1948, retorna a su país. Obsérvese que Moro no conoció a Alfredo
Gangotena (1904-1944), el ecuatoriano que se sienta allá, más a la
derecha, en la esquina. Era un año más joven que el peruano y
ambos residieron en París durante un periodo considerable de sus
vidas: Moro entre 1925 y 1938, Gangotena entre 1920-1928,
regresando en 1936 por más de un año. Entre ellos, un puente
invisible que jamás se mostró: pese a la gran amistad de Gangotena
con Henri Michaux, que también conocía a Moro. Asimismo, aquí
están otros dos poetas que jamás se encontraron: Manuel del Cabral
(1907-1998) y José Lezama Lima (1910-1976). Tanto el dominicano
como el cubano tuvieron complicadas relaciones son sus países:
CABRAL Veo que hablan de escritores mediocres, que no son
nadie fuera de aquí y a mí, que he puesto el nombre del país muy
en alto, me ignoran. / Yo nací aquí, pero no estoy muy con el
trato que me dispensan, porque para el nombre que tengo ahora
mismo en el mundo, que no lo tiene ningún otro poeta, ni político,
no me lo reconocen. (4)
LEZAMA Mi vida ha sido toda un hilo continuo, ha seguido
siempre la misma línea. No creo haber hecho nada que pueda
traer odio de resentimiento que nadie puede evitar. En mi tierra
he sufrido hasta el desgarramiento, he trabajado, he hecho
poesía. En los dominios de la expresión y del intelecto he
trabajado en una zona donde no hay dualismo, donde los
hombres no se separan. No he oficiado nunca en los altares del
odio, he creído siempre que Dios, lo bello y el amanecer pueden
unir a los hombres. Por eso trabajé en mi patria, por eso hice
poesía. (5)
No habiendo salido nunca de Cuba, Lezama raramente estuvo con
algún poeta de otro país. Un hecho destacado sería su larga amistad
con Juan Ramón Jiménez, iniciada en 1936, cuando el poeta español
visitó La Habana. A su vez, Manuel del Cabral residió tanto en Madrid
como en Buenos Aires. En su permanencia en Argentina -final de los
años 30 y comienzo de los años 40-, escribió y publicó uno de sus
libros más importantes: Biografía de un silencio (1940), aunque la
crítica lo haya consagrado por Compadre Mon (1943), donde es más
nítida la presencia de una búsqueda de la expresión nacional en su
poética. Pero ahora me gustaría hablar sobre los demás invitados. De
Ecuador se sienta también con nosotros Jorge Carrera Andrade (19021978), con ese libro fundamental que escribió: Biografía para uno de
los pájaros (1937). A su lado están sentados Luis Cardoza y Aragón
(1904-1992), Aldo Pellegrini (1903-1973) y César Moro. Pellegrini es
hoy un nombre injustamente olvidado. Urge que se recupere su obra
y su pensamiento tan claro y tan lúcido.
PELLEGRINI La creación de una poesía pura no tiene sentido. Si
realmente es poesía, siempre es impura, pues arrastra lo vital del
hombre. El proceso de cristalización de lo poético al que
pretenden llegar los defensores de la poesía pura, para obtener
un producto tan acendrado como el más puro cuerpo químico,
sólo logra eliminar, junto con las impurezas, a la verdadera
poesía. No hay otra explicación para lo poético que la creencia en
un estado superior de vida para el hombre, pero no en una vida
más allá o más acá de la real, sino en esta vida concreta que
vivimos, aquí, con los pies en la tierra. (6)
Seguramente, esta creencia en un estado superior de la existencia se
enraíza en la necesidad del hombre de descubrirse a sí mismo, lo que
no hará mientras no comprenda -y no simplemente anule- al otro que
trae consigo. Es en el diálogo con su doble donde se funda su propia
existencia.
MORO El hombre está solo con el mar en medio de los hombres.
/ Impotencia del deseo. Mientras el hombre no realice su deseo el
mundo desaparece como realidad para transformarse en una
pesadilla de la cuna al sepulcro. / Acaso ¿no hay un ritmo que no
es el nuestro? De pronto mis venas se ramifican, crecen y vivo el
latido del mundo. / Soñé que un coche me llevaba hacia la
eternidad. Pude despertar mas no quise saber la hora. /
Escorpiones vigilan el horrible subsuelo de la eternidad. / Me
despierto en medio de la noche y espero la llamada discreta. Pero
es el viento y nada más. (7)
Al igual que Pellegrini, el
peruano cree en un poder
secreto de la poesía, que
pueda abarcar todas las
formas de disidencia en un
mismo núcleo, con la
naturalidad de los elementos
constitutivos de una única
fuerza.
LEZAMA ¿Lo que más
admiro en un escritor? Que
maneje fuerzas que lo
arrebaten, que parezcan
que van a destruirlo. Que
se apodere de ese reto y
disuelva la resistencia. Que
destruya el lenguaje y que
cree el lenguaje. Que
durante el día no tenga
pasado y por la noche sea
milenario. Que le guste la
granada, que nunca ha
probado, y que le guste la
guayaba que prueba todos
los días. Que se acerque a
las cosas por apetito y que
se aleje por repugnancia.
(8)
La grandeza de esas voces,
desplegadas en revelador
encantamiento a lo largo de
este nuestro encuentro
imaginario, continuaría en una
cadencia tan asombrosa que acabaríamos indagando los motivos por
los que esos poetas han encontrado tan mínima repercusión
internacional. Hasta en el ámbito del propio idioma, es inquietante
observar que no hay un diálogo sistemático entre poetas españoles e
hispanoamericanos. ¿Sería oportuno preguntar aquí sobre las razones
de ese ojo ciego de España en relación con la América hispánica, por
ejemplo?
CARRERA ANDRADE En cuanto al interés reducido que existe en
ese país con relación a las letras hispanoamericanas, es un
fenómeno de la España franquista. Casi todos los escritores de
nuestra América tomaron posición en favor de la República,
motivo por el cual no tienen entrada sus obras ahora. (9)
Tal vez estaba acertado Jorge Carrera Andrade al escribir desde París,
en 1969, a su amigo Rodrigo Pesántez Rodas, otro bravo poeta
ecuatoriano que se encontraba entonces en Madrid, buscando
ediciones para poetas de su país. Con todo, me parece que la
ausencia de relación crítica de los poetas españoles en lo tocante a la
poesía hispanoamericana, se da con respecto a Franco apenas
tangencialmente. La no relación, que implica un obstáculo inmenso
en la lectura de los valores intrínsecos de esa poesía dentro y fuera
de un ámbito geográfico, tiene su raíz principal en la indigestión por
parte del conquistador - si cabe hablar de conquista - frente a un
hecho incontenible: la explosión imaginética de la poesía
hispanoamericana frente a la atrofia estética española, replegada en
una circularidad retórica. Hasta los vanguardismos allí propuestos
fueron redimensionados en la otra margen del Atlántico. No por el
establecimiento de una discordia, sino antes por el simple hecho de la
colisión entre dos eras. Lo que se presentaba como último suspiro en
un continente, en el otro eran sus más valiosas señales de vitalidad.
Tanto es cierto, que hasta el surrealismo -con la pasión ocultista con
que lo desentrañara André Breton- amplió su acervo de maravillas
gracias a su entrada en el nuevo continente. Basta pensar en cuánto
deben al enriquecimiento de su obra las residencias de Breton, Péret,
Artaud, Michaux y tantos otros en América.
Si ya sabemos de las acentuadas relaciones entre Moro, Pellegrini y el
surrealismo, creo interesante preguntar a nuestros invitados sobre el
asunto. Algunos fueron siempre muy retraídos. Manuel del Cabral no
gustaba de entrevistas. Martín Adán llevó una vida vertiginosa, en la
que el desarreglo era la única regla posible. Cuando en 1960 lo
conoció el poeta estadunidense Allen Ginsberg, dijo después en un
poema que se había engañado al pensar que él estuviera melancólico
(10). Adán propuso con voracidad desquiciadora la relación entre el
poeta y su tiempo. Javier Sologuren nos habla de una “escritura de
por sí compleja y desconcertante” (11), al comentar la poética de
Adán. Tan desconcertante, además, que se inicia proponiendo una
confluencia entre verso y prosa, desorientando a los amantes de la
clasificación genérica con su La casa de cartón. En sus provocaciones
formales se mostró como un notable guardián del lenguaje poético,
procurando afirmar lo que Pellegrini llamaría “el verdadero sentido de
la destrucción”.
PELLEGRINI El impulso que mueve al hombre hacia la
destrucción tiene un sentido y toca al artista revelar ese sentido.
Cualquiera que sea la motivación del acto destructivo: el furor, el
aburrimiento, la repugnancia por el objeto, la protesta, ese acto
debe tener un sentido estético y ese sentido evita que la
destrucción -acto procreador- se transforme en aniquilamiento.
Destrucción y aniquilamiento desde el punto de vista del artista
son términos antagónicos. La destrucción de un objeto no lo
aniquila, nos enfrenta con una nueva realidad del objeto, la carga
de un sentido que antes no tenía. (12)
De la insumisión de Adán, la contundencia de su identidad: cuerpo y
alma inconfundibles de una consistente poética. Claro, La casa de
cartón no puede ser vista como una propuesta aislada, pero sí como
parte de una ventura que buscaba el canto además del cuento. En la
que la narrativa osara despojarse de su hilo retórico, redimensionada
a partir de un reconocimiento de sus raíces. Así, tenemos antes el
contar rehecho en el cantar en José Antonio Ramos Sucre, en José
María Eguren, en Jorge Luis Borges, en el poco recordado Vicente
Huidobro de Temblor de cielo (1931), tanto como enseguida en
Lezama Lima, en Humberto Díaz-Casanueva, en César Moro.
Pero digo antes y temo que se establezca una confusión. Si invité a
los poetas aquí presentes, no lo hice sino basado en una
(¿desatinada?) condición: todos nacieron en la primera década del
menguante siglo y concentran marcadamente en los años 30 la
publicación de los libros que definirían sus poéticas. Esta es la década
en que surgen Vigilia por dentro (Humberto Díaz-Casanueva),
Biografía para uso de los pájaros (Jorge Carrera Andrade), Muerte de
Narciso (José Lezama Lima), El sonámbulo (Luis Cardoza y Aragón),
Nostalgia de la muerte (Xavier Villaurrutia), Muerte sin fin (José
Gorostiza), Poesía (Rosamel del Valle), Biografía de un silencio
(Manuel del Cabral) y Tempestad secreta (Alfredo Gangotena). De
esta misma década data la escritura de los poemas de César Moro,
que sólo serían recogidos en libro en 1987 (13). Los años 30, en
verdad, sugieren una admirable confluencia de voces de dos
generaciones, pues allí también se da la publicación de
Espantapájaros (Oliverio Girondo), Altazor (Vicente Huidobro),
Poemas humanos (César Vallejo), entre otros. Se produce entonces
una mezcla, tanto cronológica como estética.
DÍAZ-CASANUEVA Creo que el problema generacional -de cuya
importancia no prescindo- nos puede llevar a clasificaciones
arbitrarias, a confundir lo coetáneo con lo generacional, y a
sobreestimar lo cronológico en el surgimiento o en la terminación
de un grupo de poetas en el tiempo o en el espacio. Otros, le dan
importancia al factor geográfico: poetas del sur, del norte. Lo peor
es que la perspectiva generacional lleva implícita la idea de que
existe un progreso en las artes y en la literatura, en línea recta, y
que cada generación es una etapa que supera a la anterior, tiene
que rebelarse contra ésta y aportar algo fresco, nuevo. (14)
Concluyamos la ambientación en que se ubican los invitados,
anotando que aquellos que extrapolan los límites de los años 30 lo
hacen por muy poco, por ejemplo: Onda (1929) de Rogelio Sinán;
Las cosas y el delirio (1941), de Enrique Molina, y Le chateau de
grisou (1943), de César Moro. Más distanciado en términos de
publicaciones, se halla el argentino Aldo Pellegrini, que sólo en 1949
se estrenaría con El muro secreto, aunque no debemos olvidar su
actividad en los años 30 como principal difusor en su país del ideario
surrealista. Además de ellos, otros poetas podrían ser mencionados;
por ejemplo, los mexicanos Salvador Novo y Gilberto Owen, el
ecuatoriano Hugo Mayo, los colombianos Luis Vidales y Aurelio
Arturo, el peruano Carlos Oquendo de Amat, el costarricense Isaac
Felipe Azofeifa, los cubanos Eugenio Florit y Emilio Ballagas, el
uruguayo Juan Cunha, el chileno Pablo Neruda y el nicaragüense José
Coronel Urtecho, todos vinculados de una o de otra forma a aquella
estación de la vanguardia.
Dos son los aspectos que
saltan a la vista cuando nos
encontramos delante de todos
esos nombres: no constituyen
una generación en
cualesquiera que sean los
moldes requeridos, al mismo
tiempo que nos asusta que
sean, si no del todo
desconocidos, sólo o al menos
ligeramente comentados. Se
puede afirmar el paso y
mencionar una cierta
desatención en la lectura de
esos poetas. Desatención
descripta por un torcer la
nariz en lo que respecta a la
dificultad de situarlos
conjuntamente como una
generación, un grupo, un
concentración estilística, etc.
Pero una desatención
igualmente propiciada por una
cierta fanfarronería de parte de Octavio Paz, al desvirtuar el radio de
acción de esa lista de poetas -anulando la presencia de unos,
confundiendo la importancia de otros-, de modo de favorecer
intereses personales que lo llevarían a establecer un puente entre la
vanguardia desatada por Huidobro, Vallejo, etc., y su reconfiguración
definitiva a partir de la generación del propio poeta mexicano,
aunque no recuerde nunca la real dimensión de ese nuevo ciclo
generacional, que incluiría a poetas tan esenciales como el peruano
Emilio Adolfo Westphalen (1911), el venezolano Vicente Gerbassi
(1913-1992), el chileno Gonzalo Rojas (1917) y el argentino Alberto
Girri (1919-1991).
Por medio de libros que alcanzaron gran repercusión -Las peras del
olmo (1971), Puertas al campo (1972) y Los hijos del limo (1974)-,
Octavio Paz se esmera en presentar, a lo sumo en la índole de una
dispersión, lo que antes se desenvolvía -a despecho de su opinióncomo la afirmación de un carácter privilegiado de la poesía
hispanoamericana: su fructífera insubordinación ante los dictámenes
escolásticos, su enriquecimiento a partir de los errores del
modernismo, la liberación de todos los preconceptos; en fin, la
búsqueda de la fundación de un mapa que se caracterizara por la
multiplicidad de huellas que no tenían necesariamente que conducir a
un lugar común. Para eso, aun habría que recurrir a las más variadas
estrategias, una aventura que no eludiese el riesgo de ser tomada
como dispersión, base -insisto- del ardid de Octavio Paz. Me referí
también a otras desorientaciones críticas, y aquí cabría mencionar
una idea defendida por el argentino Saúl Yurkievich al restringir a
siete poetas de distintas promociones generacionales la condición siempre cuestionable, cuando menos por precipitación catalogadorade “fundadores de la nueva poesía latinoamericana”, llegando al
máximo de excluir de su entendimiento de lo que sea América Latina,
a los poetas brasileños (15).
Al embarullamiento de ideas de Yurkievich, se suman duros
compendios académicos que tantean en lo oscuro a la búsqueda de
una definición en torno al elástico periodo de las vanguardias,
olvidándose siempre de que no se podría jamás entenderlo si está
subordinado al escenario de articulaciones estéticas de la vanguardia
europea. No se trataba de una complicidad, sino primeramente de un
desdoblamiento, en muchos casos de una ruptura. Así es que Paz se
mantiene intencionalmente ciego al orfeísmo rebosante en Rosamel
del Valle, al fulgor romántico redimensionado en Alfredo Gangotena y
al corrosivo humor en Martín Adán, valiendo lo mismo para la
dimensión onírica y desgarradora en César Moro, el fervor metafísico
en Humberto Díaz-Casanueva y la laboriosa tesitura metafórica en
Luis Cardoza y Aragón. Al considerar los años 30 como un lapso entre
lo que él denomina una “vanguardia académica” y “una vanguardia
otra, crítica de sí misma y rebelión solitaria”, Paz recurre a una
grosera simplificación que no permite otro entendimiento que el de su
voluntaria deformación de un paisaje histórico. No creo que
constituya una impertinencia mía agregar a este nuestro encuentro
un lúcido abordaje del crítico español Jorge Rodríguez Padrón, al
referirse a la defensa de Paz en lo concerniente a su propia
generación:
Octavio Paz dice: no invención, exploración en “esa zona donde
confluyen lo interior y lo exterior: la zona del lenguaje”. Quienes
hacia 1945 regresan a la vanguardia, pero a “una vanguardia
silenciosa, secreta, desengañada”, en un salto injustificable, no se
hallan movidos -sigue Octavio Paz- por una preocupación estética;
para ellos, “el lenguaje era contradictoriamente, un destino y una
elección. Algo dado y algo que hacemos. Algo que nos hace.”
Bien. Pero los poetas de ese otro período que él elude, no sólo se
adelantaron a ese cambio, afirman y despliegan también una
actitud estética que no hace abstracción, en modo alguno, de la
evidencia del lenguaje como hombre, del lenguaje como mundo.
Porque, se no, cómo explicar que el reto, para casi todos, sea la
asunción de una prosa que penetra al espacio de la poesía,
agitándola con sus ritmos (una prosa que nada cuenta, que
prolonga y desarrolla el misterio propio de la poesía) e, en
paralelo sentido, el cultivo del poema largo como forma de
abordar, desde la configuración temporal del verso, la dimensión
de ese espacio inédito: canto, sin duda, pero desplegado como
visión, como población espacial. (16)
También se podría añadir la opinión del poeta costarricense Carlos
Francisco Monge, lúcido e igualmente objetivo observador de los
desarrollos poéticos en América hispánica, al moderarse la presencia
del surrealismo en tal ámbito:
La experiencia surrealista fue lo mejor que nos dejaron los
movimientos históricos de vanguardia. Sus raíces culturales son
tan extensas, y sus fundamentos estético-ideológicos tan
vigorosos, que no podía haber sido de otro modo. Pero, además,
el surrealismo superó con mucho los años de la moda
vanguardista. Por eso, no me parece exacto (y creo que ni justo)
hablar de una herencia tardía en la poesía hispanoamericana.
Todo lo contrario: constituyó un verdadero caldo nutricio que
transformó y renovó el panorama poético, desde la década misma
de 1930; basta releer las Residencias de Neruda, o a Lezama
Lima, la poesía de los mexicanos Gorostiza o Villaurrutia, las
novelas de Asturias o Carpentier. (17)
Si recurro a estas dos declaraciones, lo hago por lo que concentran
en sí en términos de características esenciales de esa poesía que aquí
nos interesa desentrañar; o sea, su opción -acentuada, aunque no
única- por la prosa poética, el redimensionamiento del epos; y el
diálogo enriquecedor con el surrealismo, identificación y no sumisión,
enlace donde es imprescindible mantener la identidad. Ahí se verifica
lo que Lezama Lima sitúa como la creación de “una nueva causalidad
de la resurrección”. (18) Y justamente en función de eso es que
Rodríguez Padrón destaca todavía la relación con la muerte, aquí
entendida dentro de un concepto defendido por el filósofo Eugenio
Trías; es decir, como “la gran prueba de la ética fronteriza”. (19) Esa
relación fronteriza, como destaca Rodríguez Padrón, la encontramos
en Xavier Villaurrutia (Nostalgia de la muerte) y en Lezama Lima
(Muerte de Narciso), aunque la seguimos encontrando también en
autores menos difundidos; por ejemplo, el ecuatoriano Alfredo
Gangotena y el chileno Rosamel del Valle. En ambos impera una
desbordante lírica órfica, con osado acento trágico en Gangotena.
Pasión desmedida por la ruptura; sin embargo, nunca desaparecida
de su fe en la revelación de un cuerpo otro, una forma otra rehecha y
vibrante. “Las puertas devoradoras” que Orfeo busca cruzar en su
viaje por las tinieblas (“el descenso por vertientes de fuego”), (20)
definen la metáfora asombrosa e inquietante de Rosamel del Valle. El
espíritu torrencial fermenta asimismo en las imágenes de la poesía de
Gangotena:
Mi canto se unifica en la abrupta de las piedras que miden el
abismo; canto de una luminosa madrugada a los bordes
pomposos del ramaje …
[…]
Toda mi gracia reside en el adiós. (21)
Obra densa, en ambos casos, con su aturdidora fluidez metafórica. Si
hay una “fértil alegoría esencial del onirismo” (22) en Rosamel, en
Gangotena se verifica la expresión radical de un tormento interior. Tal
vez provenga de ahí el epíteto de “enigmática” dado a la poesía del
ecuatoriano. Importa, no obstante, no apartarse de una razón: en la
obra de los dos radica el mismo sentido de ruptura que seguimos
rastreando.
En 1924, Luis Cardoza y
Aragón publica en París Luna
Park, libro escrito en Berlín en
la misma época. Aunque la
crítica lo sitúe con excesiva
comodidad en un
cosmopolitismo que
identificaba a muchos autores
europeos en aquel escenario
de entre guerras, no veo en
esta poesía señales de
deslumbramiento frente al
fulgor tecnológico o aun de
derrota de la humanidad
delante del conflicto bélico. El
poema está acompañado por
un hilo de vida, una defensa
crítica de las posibilidades reales del hombre, una fe incorruptible en
la existencia humana. La “desconstrucción irónica” (23) a que se
refiere Rodríguez Padrón acerca de La casa de cartón, de Adán,
también se aplica al siguiente libro de Cardoza y Aragón, Mäelstrom
(1926), en el que pone a bailar prosa y verso en un ritual de mutua
masticación. Postura crítica en relación con una limitación genérica.
Expansión, no de espectáculo de la creación, pero sí de sus
posibilidades de desentrañar la esencia poética de cada situación.
Busca no exactamente anular o acentuar los contrastes; por el
contrario, afirmar un posible diálogo entre fuerzas complementarias.
Relación intrínseca entre vida y muerte, como en El sonámbulo.
¡ Oh! Frío, lúcido fuego, llama de agua,
flamígero insomnio de la vida,
integras tú conmigo un dos impar
en esa sed de muerte tan continua. (24)
O aun en una imagen más adelante: “la noche diurna, cerrada y sin
tinieblas”.
O todavía: “por la muerte voy, voy perteneciéndome” (25). No la
noción usual de la figura del conquistador, al contrario, una idea de la
conquista basada en el diálogo. No se trata de cortar el nudo
gordiano, pero sí de desatarlo. He aquí el punto clave en la
desvirtuada o incomprendida lectura de la poesía hispanoamericana:
supo desatar el nudo. Riesgo innombrable, necesario. Allá atrás hay
fundamentos ingeniosos, tanto en la creación de personae en el
colombiano León de Greiff (1895-1976), cuanto en la anulación del
verso en la poética del venezolano José Antonio Ramos Sucre (18901930). Bajo este aspecto me parecen más fundadores de la
modernidad que los argumentos resbalosos de Saúl Yurkievich en
relación con Neruda o Girondo.
El chileno siempre fue un cazador de modas literarias, mientras que
el argentino radicalizó su aventura con el lenguaje ya muy
posteriormente a otras incidencias poéticas. Si no lo vuelve menor,
tampoco lo ubica en condición fundacional. Era tan consciente de la
importancia de una actividad publicitaria en cuanto a León de Greiff,
con la diferencia de que Buenos Aires disponía de un canal de
comunicación con el mundo, mientras que Bogotá mal dialogaba
consigo misma. La indefectible acción de los polos culturales sobre la
importancia estética de una obra literaria es siempre un generador de
traumas, de pesadillas históricas.
Otro libro visto como inaugural en la vanguardia de su país es Onda,
del panameño Rogelio Sinán. El poeta hablaba allí de un “sueño no
apercibido / pero siempre constante / como el mar, como el río…” Se
trataba del tránsito entre la sumisión a lo meramente casual y la
conciencia exigida por un rumbo a desentrañar. Sinán no es tan claro
en su metáfora como Cardoza y Aragón, aunque nos permite
comprender la sustancia de su perplejidad frente a la vida. No dejan
de ser profundamente irónicos los versos con que inicia su poema
“Transparencia del hombre”: “Porque olvido mis sueños y mi sombra
/ soy un hombre desnudo, transparente.” (26) La abstracción carece
de asombro, de un magma congestionado que irradie imágenes
turbias que deberán ser definidas a partir de un estremecimiento de
fuerzas. El automatismo psíquico defendido por Breton posee un
vínculo indisoluble con ese vislumbre de lo insólito que deberá
propiciar un conocimiento más amplio de las fuerzas dispares y
complementarias que rigen la existencia. Abordarlo como interruptor
de lo caótico o de lo hermético es, por lo menos, irresponsable. Basta
pensar en la voracidad de imágenes reveladoras que encontramos en
la poesía de César Moro. No hay allí propiamente caos o hermetismo,
a menos como entendidos en una limitación terminológica. Sus
“serpientes de reloj” nunca pierden contacto con el “retrato de mi
madre”; confluyen antes -“vestigios de alta arqueología”- en el
camino de “un equilibrio pasajero de dos trenes que chocan” (27).
Un descarrilamiento de conceptos, un choque entre dos mundos. No
un desafío, por el contrario: la sutil carpintería de una mesa que
permitiese el diálogo. La expresión del contraste está en el origen del
asombro, el vértigo; o sea, es la raíz del desarrollo de cualquier
actividad humana. Claro que no se trata de una ascendencia
dionisiaca sobre un circunscrito reinado de Apolo. Díaz-Casanueva ya
se refirió a una acción ofuscadora de los “poderes dionisiacos”. No
hay cómo oscurecer la explosión de las fuerzas conjuntivas y
disyuntivas que rigen la poesía. En el chileno hallamos la misma
corriente obsesión: la poesía en debate con el poema. La margen
derecha del verso empieza a perder terreno, superada por un caudal
voluptuoso, una “vigilia por dentro” que busca ubicar su “realidad”
entre dos mundos. Países violentos: prosa y verso. Cultivan sombras
sin cuerpo, espejos ciegos. El acento metafísico siempre se mueve en
el camino de un brillo conquistado a partir de las disimilitudes
aparentes de la vida. Es lo que su poesía nos revela.
Avanzar de una margen a otra del curso de la existencia, revelando
sus arraigadas confluencias, fue también norma existencial en la
poesía de los argentinos Aldo Pellegrini y Enrique Molina,
naturalmente que con las peculiaridades que dan sentido a una obra
poética. Guillermo Sucre llama la atención sobre el hecho de que “el
viaje de Molina es exilio y rebelión simultánea” (28). Se acrecienta
aquí el testimonio de Pellegrini:
PELLEGRINI La poesía es una mística de la realidad. El poeta
busca en la palabra no un modo de expresarse sino un modo de
participar en la realidad misma. Recurre a la palabra, pero busca
en ella su valor originario, la magia del momento de la creación
del verbo, momento en que no era un signo, sino parte de la
realidad misma. El poeta mediante el verbo no expresa la
realidad, sino que participa de ella. (29)
Aunque la poesía moderna haya puesto en escena la discusión sobre
sí misma -en algunos momentos sin ir más allá de una admiradora
trastornada por sus propios actos verbales-, el hombre sigue siendo
su gran tema, por el simple hecho de que la “relojería intelectual”
(30) seduce apenas al vanidoso ego, no permitiendo el despliegue de
las innumerables posibilidades de expresión y participación del potens
poético en nuestra vida. La arquitectura verbal es exigencia mínima
de toda gran poesía. Molina y Pellegrini defendieron eso durante su
vida entera. La misma idea encontramos en César Moro, aunque
tomemos en cuenta los juegos lingüísticos que lo sedujeran en sus
últimos poemas. Desde los textos iniciales, Moro invocó la presencia
del amor, encarnando su “sombra cantante”, el “parpadeante
esplendor”, así como las imágenes sangrientas, extasiadas, de su
celebración y caída. La voracidad de sus abordajes ocasiona, según
Emilio Adolfo Westphalen, la sospecha de “que para Moro lo ideal
sería que los amantes se devorasen mutuamente” (31). El conflicto
amoroso es -no hay cómo soslayar que toda relación humana es
conflictiva de raíz, independiente de aquello en que se convierta-, por
lo tanto, el aspecto central de la poesía de César Moro. Y lo trataba
con notable vehemencia, con un fervor que no disfrazaba siquiera la
exageración. Estremecimiento surrealista alcanzado en sus vivencias
de París, aunque no un surrealismo canónico con el que se sintió
identificado inicialmente. Potencia surrealista latente en su propio
ser, desatada en París, confirmada en su regreso al Nuevo Mundo
(México y Perú), retorno a los orígenes. Surrealismo esencial que
encontramos también en la poesía de Xavier Villaurrutia o de José
Gorostiza, al igual que en Manuel del Cabral o en Jorge Carrera
Andrade. De la irreductible y desbordante melancolía en Villaurrutia a
los temblores metafísicos de Cabral -donde se entrevé una severa
ironía-, o del lirismo arrebatador en Carrera Andrade a la
investigación luminosa de los gemidos del lenguaje poético en
Gorostiza: una múltiple huella afirmada en la diferencia.
Entrelazamiento de experiencias, trazos perceptibles de confluencia ya anotados aquí -, algunos raros encuentros para una charla feliz en
torno a la poesía. A contramano, en las relaciones extraviadas entre
una margen y otra del Atlántico, el vicio académico de clasificación de
la historia, la charlatanería de Octavio Paz: mezcla de redundante
provincianismo y ausencia de visión crítica en la apreciación de
aspectos más ligados a la vida -sea el homosexualismo o la filiación
surrealista- que a su propia obra, entre otros aspectos menores.
La condición que ahora se presenta ante una lectura crítica de la obra
de César Moro, permite finalmente que no se deje escapar lo
imprescindible: traer a la mesa los mapas secretos de la aventura
poética de la América hispana en los años 30. Que el azar nos haya
traído a esta mesa imaginaria justamente a partir de Moro, no es sino
una señal de su inconfundible pasión por la verdad.
Intencionalmente, traté menos de él que de sus coetáneos, y lo hice
por evidentes necesidades. En un momento cercano, cuando se
ensanche el filamento de luz aquí lanzado, ciertamente se percibirá
que la importancia de esa poesía no se limita a un rastrillo de la
vanguardia; así como se comprenderá que en su aparente dispersión
se ocultaba la carta fundacional de una aventura límite en la poesía
hispanoamericana, basada en un principio de diferencia que
encontraba en el mestizaje - se encuentra todavía, aunque bastante
disimulado - su raíz sagrada: magma hirviente y selva vertiginosa
que buscan puntos de convergencia sin erradicar la pasión por su
contradicción igualmente reveladora.
NOTAS
1. Sinán, Rogelio. Conferencia pronunciada el 16 de julio de 1969,
con ocasión de las conmemoraciones, en Panamá, de la
publicación de su primer libro, Onda (1929). El texto sufrió
posteriormente una adaptación para su inclusión en la edición
especial de la revista Maga # 5-6 (Panamá, junio de 1985),
dedicada por completo al poeta panameño.
2. Díaz-Casanueva, Humberto. Manuscrito recogido por Ana María
del Re, forma parte de la edición de su Obra poética, Biblioteca
Ayacucho, Caracas, 1988.
3. Díaz-Casanueva, Humberto. Conferencia pronunciada el 24 de
enero de 1985, en el Ateneo de Madrid.
4. Caminero, Alberto. “Manuel del Cabral dice que morirá con
pesar de ser ignorado en su patria”, El Nacional, Santo Domingo,
02/08/94.
5. Lezama Lima, José. Carta a su hermana Elisa, fechada en
febrero de 1962.
6. Pellegrini, Aldo. Conferencia pronunciada el 18 de mayo de
1952 en el Institut Français d'Etudes Supérieures; incluida
posteriormente en Para contribuir a la confusión general, Editorial
Leviatán, Buenos Aires, 1987.
7. Moro, César. Fragmento fechado en “Enero 1953”, de Alfabeto
de las actitudes.
8. Lezama Lima, José. Fragmento de la introducción a su
Esferaimagen, Tusquets Editor, Barcelona, 1970.
9. Carrera Andrade, Jorge. Carta a Rodrigo Pesántez Rodas,
fechada el 28 de junio de 1969. Documento cedido por el
destinatario.
10. Ginsberg le dedicó un poema en su Reality Sandwiches, City
Lights Books, San Francisco, 1963.
11. Sologuren, Javier. “Martín Adán. La primacía de un signo”, La
imagen, Lima, 09/01/77.
12. Pellegrini, Aldo. Catálogo de una exposición de Arte
destructiva, realizada en la Galería Lirolay, Buenos Aires,
noviembre de 1961. Post. op. cit..
13. Moro, César. Ces poémes… Ediciones La Misma, Libros Maina,
Madrid, 1987.
14. Espinoza, Blanca. “Un riesgo, una fuerza, un sueño decisivo”,
entrevista a Humberto Díaz-Casanueva, Lar # 8-9, Concepción,
mayo de 1986.
15. Yurkievich, Saúl. Fundadores de la nueva poesía
latinoamericana, Editorial Ariel, Barcelona, 1984. El epíteto
fundador se aplica a los poetas elegidos -Vallejo, Huidobro,
Borges, Girondo, Neruda, Paz, Lezama Lima- por tratarse, según
el autor, de “centros radiantes”.
16. Rodríguez Padrón, Jorge. Fragmento de “Octavio Paz: lectura
de la poesía hispanoamericana de los años treinta”, versión
actualizada de la conferencia pronunciada en Sevilla en abril de
1999. Documento inédito, cedido por el autor.
17. Monge, Carlos Francisco. “Diálogo sobre algunas huellas
esenciales”, entrevista concedida a Floriano Martins, mayo de
1999. Texto inédito.
18. Bianchi Ross, Ciro. Entrevista a José Lezama Lima, revista
Quimera, s/f.
19. Rodríguez Padrón, Jorge,. Op.. cit..
20. Pasajes del poema-libro Orfeo (1944).
21. Pasaje del poema “A la sombra de las secoyas”, del libro
Tempestad secreta.
22. Orellana Espinoza, Manuel. “Presencia de Rosamel del Valle”,
La época # 214, Santiago, 17/05/92.
23. Rodríguez Padrón, Jorge. Op. cit.
24. Pasaje del poema-libro El sonámbulo (1937), dedicado a
Xavier Villaurrutia.
25. Pasajes del poema “Nocturno del sonámbulo”, de Venus y
tumba (1940).
26. Poema incluido en Saloma sin salomar (1969).
27. Pasajes del poema “Visión de pianos apolillados cayendo en
ruinas”, de La tortuga ecuestre 1955).
28. Sucre, Guillermo. La máscara, la transparencia, Monte Avila,
Caracas, 1975.
29. Pellegrini, Aldo. “Se llama poesía todo aquello que cierra la
puerta a los imbéciles”, Poesía=Poesía # 9, Buenos Aires, agosto
de 1961, post. op. cit.
30. “Personalmente, pese a Poe, no me seduce la imagen del
poeta en su taller de relojería intelectual. El azar también toma
parte en el poema.” Fragmento de la entrevista de Oscar Hermes
Villordo a Enrique Molina, La Nación, Buenos Aires, 1980.
31. Westphalen, Emilio Adolfo. “Digresión sobre surrealismo y
sobre César Moro entre los surrealistas”, conferencia pronunciada
el 5 de julio de 1990 en la Pontificia Universidad Católica del Perú.
revista de cultura # 57
fortaleza, são paulo - maio/junho de 2007
Encontro textual com Maria
Esther Maciel: a poesia "por
um Triz"
Rodrigo Guimarães
.
A poesia que vem se destacando
nas últimas décadas no território
latino-americano aloja-se sob o
traço da diversidade. No Brasil,
com seu vasto território e
diversificadas paisagens literárias,
a pluralização dos possíveis na
esfera da criação evoca centros
escriturais e zonas de
indeterminação extremamente
amplos e de difícil circunscrição.
Escrituras da memória, do corpo,
da indeterminação, do sujeito
cindido são apenas algumas das
etiquetas repertoriadas por muitos
críticos que já não conseguem mais
aferir seus instrumentos quando
esses se encontram diante de
escrituras híbridas que desbordam
os sistemas categoriais.
Os procedimentos conceituais de especificação do poético devem ser
construídos com dispositivos que não envelopam o texto,
preservando a pulsação e a volubilidade da respiração que singulariza
a escritura de cada poeta. É a partir desse não-lugar, de um domínio
escritural único que o poético se dar a ver, principalmente, como nos
lembra Gautier, ao utilizar a paleta provida das cores necessárias
para pintar o “instante” em que nos encontramos. São essas
pinceladas “enraizadas em sombras” que a poesia de Maria Esther
Maciel nos proporciona ao conceder as “horas da vida que a gente se
sente vivendo melhor”.
A escrita de Esther Maciel é ampla, reflexiva e concisa. Deambula
entre a vertigem e a lucidez, entre a emoção (e não evocação
sentimental) e a disciplina com a linguagem. É sobre esse “equilíbrio
instável”, como diz a poeta, que sua voz escreve as linhas de fuga.
Maria Esther Maciel é professora de Teoria da Literária e Literatura
Comparada na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Nos campos da poesia, do ensaio e da ficção,
publicou: Dos Haveres do Corpo (poesia, 1985), As vertigens da
lucidez: poesia e crítica em Octavio Paz (ensaio, 1995); Borges em
dez textos (ensaios, 1998); A dupla chama: amor e erotismo em
Octavio Paz (ensaio, 1998); Triz (poesia, 1999); Vôo Transverso:
poesia, modernidade e fim do século XX (coletânea de ensaios,
1999); A palavra inquieta: homenagem a Octavio Paz (organizadora,
1999); Laís Corrêa de Araújo (ensaio, 2002); O livro de Zenóbia
(ficção, 2004); A memória das coisas (ensaios, 2004). Tem artigos
veiculados em revistas do Brasil, Argentina, Chile, Dinamarca,
Estados Unidos, Inglaterra, Escócia, México e Espanha.
A “conversa” que se segue deu-se por e-mail, no ano da “serpente”
de fogo. [RG]
RG Lembro-me de Derrida quando ele dizia que “todo mundo escreve
com duas mãos”. O filósofo francês fazia referência, nessa passagem,
à psicanálise. Se, em um dos pólos do sistema binário há uma
instância que censura, reduz ou tenta controlar o que deve ser escrito
e seus efeitos de legibilidade, no outro pólo há aquilo que vaza, que
foge ao controle do escritor e aparece em cena, sobretudo mediante
uma leitura capaz de desfazer o que foi anulado ou recalcado.
Particularmente, penso que todo escritor escreve com muitas mãos e
a escrita poética é uma máquina produtiva que sobrevive ao seu
“autor”, age independentemente do Pai, ou, ainda, assassina o pai e
abre uma ferida na unicidade do discurso monológico. Essa condição
de bastardia da escrita desnaturaliza a esfera de enunciação.
Diferentemente da fala, circunscrita por um sujeito-lugar-data
historicamente demarcável (mesmo que parcialmente, por contextos
insuficientes), a escrita, sobretudo a “poética”, não tem lugar; ela se
sustenta rasurando a si mesma, promove seu próprio apagamento,
pois não se submete a certos domínios do saber que mobíliam fendas
e intervalos com fórmulas interpretatvas e vertebração do sentido. É
diante desse campo de difícil demarcação que faço a minha
indagação:
Quando o seu
primeiro livro de
poesia foi editado,
Dos Haveres do
Corpo, você
estava com
apenas 21 anos. É
surpreendente o
efeito estético que
você alcançou
com esses
poemas de
juventude, em
que comparecem
imagens poéticas
cuidadosamente
trabalhadas. No
entanto, observo, em alguns poemas dessa obra, uma concepção
pouco dinâmica ao lidar com o objeto poético. É o caso, a meu ver,
da abertura do poema intitulado “Conceito”, que diz: “Teu corpo: /
um porto / que eterniza / meus navios ”. Já em seu segundo livro,
Triz, que você publicou após um intervalo de quatorze anos, deparo
com poemas de habilidade consumada, não só no manejo com a
linguagem e no esmero da construção textual, mas também na forma
extremamente concentrada e na densidade das reflexões. Você
considera que houve um salto inquestionável do primeiro para o
segundo livro ou foi apenas um desdobramento do que já se
anunciava em Dos Haveres do Corpo?
MEM Creio que, com Dos Haveres do Corpo, inaugurei uma dicção
que, ao longo dos anos, foi adquirindo contornos mais definidos. A
concisão, o apreço ao ritmo, o exercício de uma subjetividade
transversa, que ora se expõe em demasia, ora se oculta nas dobras
da linguagem, tudo isso já se dá a ver - de certa forma - nos poemas
de meu primeiro livro. Mas o que neles se impõe mais explicitamente
é a inquietude própria de uma jovem entre seus 18 e 21 anos, com
seus assombros e perplexidades diante de tudo. O objeto poético,
para mim, naquele momento, ainda era algo sem nome, impreciso.
Talvez, por isso, eu tinha algumas hesitações quanto à melhor
maneira de dizer o que eu queria. Dos haveres do corpo tende ao
erótico e ao elegíaco; nele busco figurar (ou transfigurar) minhas
primeiras experiências nos campos do amor, da morte e da perda. Na
época em que o publiquei, eu estava deslumbrada com a obra de
Roland Barthes e tomei alguns excertos dos Fragmentos do discursos
amoroso como referências medulares para a organização de meu
livro. Mas sei que o que mais atravessava aquela minha escrita de
juventude era um impulso, uma espontaneidade ainda não lapidada.
Com o Triz, desvencilhei-me um pouco desses arroubos, passei a
buscar uma maior lucidez no trato das palavras.
RG Não poucas vezes, leio com a tesoura na mão, como o guardaflorestal do qual fala Céline. Corto o que me desagrada, desmonto as
peças, desfiguro os poemas. Outras vezes, faço colagens, reaproprio
imagens poéticas e sintaxes incomuns. Mas diante de Triz e da
“lucidez” que você alcançou “no trato das palavras”, coloquei a
tesoura de lado. Como fragmentar um texto que diz e mostra “a
desordem exata de um dizer sem sobras?” Como deslocar as
margens do poema “Ofício” que escreve “a água da palavra mar [...]
o oco da palavra nada”? Como mutilar uma escritura que desliza para
fora da página? Os poemas de Triz não buscam persuadir ou
dissuadir o leitor; não há artifício retórico nessa escritura que se
enuncia, com freqüência, do lugar do desvio. Daí os posicionamentos
acertados de muitos críticos que observaram em Triz a construção de
um sentido que “se desloca para o limite, de onde o abismo do
absurdo contempla o leitor” (Fábio Lucas), ou ainda, um ritmo que
flui “entre as ruínas e o possível” (Donaldo Schüler). Já Lúcia Castelo
Branco identificou um movimento textual que “busca, na graça do
esquecimento, a felicidade da desmemória”. Quer a absurdidade de
um olhar que atinge o leitor, quer o ritmo descarrilado que desloca
melodias rímicas rotinizadas e previsíveis, quer a dessacralização da
memória como instância legitimadora do eu e do conhecimento, o
que todos os autores sinalizaram, com precisão, é que na poética de
Maria Esther Maciel a “palavra” se encontra por um triz. Mas não se
trata, como teoriza Deleuze, de um conjunto de singularidades soltas,
pequenos acontecimentos descarnados do eu ou de qualquer ponta
circunstânciada na história.
Parafraseando Proust, eu diria que os poemas de Triz compõem um
grande cemitério em que sobre muitos túmulos não se podem ler
mais os nomes apagados. Mas há nomes legíveis, eus que você
confecciona, ou ficciona, como artifícios de construção textual, assim
como fizeram Fernando Pessoa e Jorge Luiz Borges, cada qual à sua
maneira. Você poderia dizer um pouco sobre o exercício de
subjetividade e de pluralidade em sua poética e como essas
diferentes vozes comparecem em seus poemas? Ou ainda, como você
“hospeda” os fantasmas, as recorrências que insistem em assombrar
os “pequenos viventes” ao mesmo tempo em que participam da
“heresia” em criar vida?
MEM Como diz João Cabral, “tanta lucidez dá vertigem”. Talvez, por
isso, o absurdo, a sedução do abismo e o “ritmo descarrilado”
acabam por vir à superfície de meus poemas, mas contidos por uma
palavra, um mínimo gesto do dizer que, por sua vez, está sempre por
um triz. Bastaria um sismo, um pequeno tremor da lingugem, para
que essa poesia entrasse na ordem (ou desordem) da vertigem.
Quanto ao exercício da subjetividade, creio que o “eu” que se encena
em meus textos define-se, sobretudo, pelo paradoxo. Ele está e não
está ao mesmo tempo. E, quando está, afirma-se em estado de
“outridade”, numa oblíqua remissão aos outros (ou às outras) que me
constituem. Nesse sentido, sinto-me muito pessoana. Aliás, Fernando
Pessoa ensinou-me que dizer “eu” é inventar uma persona que pode
coincidir ou não com a imagem que crio de mim mesma. Jorge Luis
Borges, por sua vez, faz-se presente mais na minha prosa ensaística
e ficcional do que propriamente na minha poesia, embora seus jogos
de identidades postiças se façam ver em alguns de meus poemas,
como os da última parte do livro Triz ou, mais especificamente, no
poema “A princesa Ateh no espelho”. Um outro “vivente” (ou
fantasma, como você diz) que habita minha poesia é Octavio Paz: a
dicção paradoxal do isto e aquilo, o exercício de um erotismo pautado
na sinestesia da linguagem, o tom elegíaco atravessado por uma
contenção do trágico, tudo isso remete, de alguma maneira, à poética
paziana. Essas vozes outras, porém, aparecem transversalmente em
minha escrita, compondo um concerto (ou um mosaico) por
subtração das referências óbvias ou explícitas.
RG Como imagem “inversa”
do dizer cabralino, eu diria que
“tanta vertigem dá lucidez”.
Não uma vertigem qualquer,
mas aquela decorrente de um
pensar em estado de dor
(Nietzsche), ou a vertigem
advinda de uma causalidade
“mínima”, qual seja, a de
escrever diante da ausência ou
escrever a ausência. É
justamente esse “nada para
dizer”, ou o gesto de criar
suas “próprias
impossibilidades”, que
impulsiona a atividade
escritural de muitos
pensadores, tais como Artaud,
Blanchot e Deleuze, apenas
para citar os mais conhecidos
e que refletiram de maneira
profícua sobre esse fazer
poético que confere à escritura
um relevo mais vivo. Um dos
aspectos que me chamou a
atenção em Triz é a maneira
como comparece o nome do
Pai que ocorre em um processo de subtração (ou suplementação) das
“referências óbvias”. Diferentemente de Mallarmé, que escreveu
sobre a morte de seu filho de forma quase acética, ou de Jacques
Roubaud, que se refere à perda de sua esposa em um tom de
elevada abstração, observo que alguns poemas de Triz, ao lidarem
com a temática da ausência, retiram parte de sua força do solo
fecundo em que o afeto se presentifica sem, contudo, ficar refém dos
movimentos de catarse ou da emoção derramada. No poema “Do
pai”, por exemplo, o leitor depara com “instantâneos” extraídos dos
escritos de autores variados, seqüenciados em um fluxo caudaloso de
imagens intensas e prismadas por diferentes matizes afetivos, mas
refratários à urdidura de uma narrativa psicologizante ou às marcas
mobilizadoras dos existencialismos de primeira hora. No entanto, há
nesse poema uma sutil sondagem da existência que dignifica as
investigações do humano, marco importante na literatura da
atualidade, principalmente se considerarmos a abundância de textos
desvitalizados produzidos nas últimas décadas pelos epígonos da
psicanálise, e de Clarice Lispector (considerando as melhores
hipóteses). O poema “Do coração do pai” é outro exemplo notável de
uma resposta eficiente da escritura de Maria Esther Maciel, em que se
vê um fazer criterioso sem que, para tanto, seja necessário exilar do
texto poético a afetividade e os traços biográficos:
DO CORAÇÃO DO PAI
O coração do pai
fala
O coração do pai
falha
O coração do pai
cala
O coração do pai
pára
O coração do pai
passa
a limpo o coração
da filha que fala
por um fio.
Deve-se ressaltar que esse poema é acompanhado por uma sessão
visual em que são dispostas várias páginas de registros de
eletrocardiogramas do pai da poeta antes de sua morte. Em uma
entrevista concedida à revista Et cetera, Maria Esther Maciel relata:
“Ao encontrar aquelas tiras de papel quadriculado, cheias de linhas
sinuosas, vi que ali havia uma escrita, um ritmo.” Há, em alguns
momentos de Triz, uma referência direta à imagem do pai ou ao
“calar súbito”, ao “susto do coração”, como no poema “Réquiem para
João”. Imagens que evocam elipses e eclipses também comparecem
em alguns poemas: “a lua desliza / sob as sombras / do sol / que não
há”. O próprio título do livro elide parte da locução adverbial de uso
corrente “por um triz” que, segundo o verbete dicionarizado, quer
dizer “por pouco, por um tudo-nada, por um fio”. E aqui me aproximo
de uma questão fundamental:
Como se encena, no percurso
(des)contínuo de Triz, “o
coração da filha” que,
desvencilhado dos adereços
existenciais, “fala por um fio”
e constrói uma poética que
valoriza “o silêncio dos
chinelos sob a cama” ou a
palavra “em que não estás”?
MEM Você toca num ponto, a
meu ver, medular de minha
poesia: a encenação de um
eclipse da linguagem na
própria superfície do dizer.
Tudo é um jogo de luz e
sombras, em que o fulgor se
insinua, mas é parcialmente
obscurecido pela irrupção da
elipse. Daí que tudo fique por
um fio, inclusive “o coração da filha”, rarefeito pela dor da perda. O
silêncio, as pausas súbitas, a suspensão do fôlego, tudo incide nessa
rarefação. Mas algo, bastante concentrado (um lume, eu diria)
permanece nesse fio, dando-lhe uma certa resistência intrínseca. E é
isso, creio eu, que sustenta a voz, o coração, o verso e o poema,
impedindo-os de sucumbir ao abismo. A linha do cardiograma tornase, assim, uma representação gráfica (ou mesmo uma metáfora)
desse fio que, se no meu pai não resistiu, em mim resiste por
intermédio da poesia. Escrever torna-se, assim, pôr-se no lugar da
perda. Por outro lado, essa rarefação não prescinde,
necessariamente, do apelo ao excesso. O poema-colagem em que
reúno várias citações de poetas sobre o pai funciona como uma
espécie de contraponto polifônico ao meu “dizer solo”. É um amparo
e um eco (de certa forma, excessivos) à minha experiência. E é assim
que busco exercitar o que você chama de sondagem da existência, do
humano. Aliás, algo quase que totalmente obliterado na poesia
contemporânea.
RG Em um exercício de ludicidade associativa, evoco “a mesa” de
Henri Michaux, suspensa por fios que possuem “certa resistência
intrínseca”. São esses fios que sustentam o ajuntamento das coisas
sobre a mesa, a primazia do “amontoado” sobre o ordenamento da
luz do dia, o movimento transfigurador do “cada vez menos mesa”
que a torna cada vez mais inapropriada para suas funções utilitárias.
Eis a mesa. “Como segurá-la mentalmente?”, pergunta Deleuze. O
leitor, com um pendor para perdas e sobreposições, pode identificar
nesse fio tênue uma distribuição nomádica de doação de sentido, que
nomeadamente responde ao “apelo do excesso”, como diz Esther
Maciel. Pode-se assinalar também, em alguns poemas de Triz, o
paroxismo que tensiona esse fio ao colocar em ação a conservação
aliada à despesa, o “excesso” da perda e a proliferação do excesso: o
que se diz está sempre por dizer, “por um triz”, porém, algo se diz.
Embora compareçam elementos como o excesso, o desvio e o
“acaso” na poética de Maria Esther, o artifício do “contrasenso” não
responde ao propósito de violação das normas preexistentes, visão
ainda comprometida com uma leitura estrutural (Raul Antelo). Existe,
sim, uma sobredeterminação em que o “lúcido, o lúdico, o lírico, o
úrico” obsedam o campo textual. No entanto, há em Triz uma linha
de irredutível singularidade que parece sinalizar as zonas de
fronteira, como se vê no poema “Noturnos para uma tarde de abril”:
“ já que tudo, em seus limites / não é mais que um convite / ao
absurdo.”
O “convite ao absurdo” na escritura de Esther Maciel é sempre
reiterado em novas bases. Na epígrafe de abertura de seu livro de
ensaios A memória das coisas (2004), lê-se “Toda ordem é
precisamente uma situação oscilante à beira do precipício” (Walter
Benjamin). É como se o fluxo poético ficasse imantado quando se
aproxima do abismo do não-sentido que, por sua vez, lhe possibilita
flutuar sobre a palavra “do mundo”. Esse tipo muito peculiar de
“levitação” permite às poéticas da desconstrução lerem o abismo e o
mundo sem, contudo, correrem o risco de se abismarem ou
mundificarem, assim como aconteceu com os textos dadaístas no
começo do século XX ou com os poemas de temática “social”
excessivamente referencializados no cenário sociopolítico brasileiro
nas décadas de 1960 e 1970.
Após o descolamento da escritura em relação a um tipo de
compromisso milenar, evidenciado nos poemas épicos que tinham
como função, dentre outras, “recolher o que não se deve esquecer”,
percebe-se, como assinala Foucault, que a literatura “é
extremamente jovem em uma linguagem bastante velha.” Essa
linguagem incipiente recebeu importantes aportes de escritores como
Jorge Luis Borges, James Joyce, João Guimarães Rosa e de
pensadores como Jacques Derrida, Ludwig Wittgenstein, Gilles
Deleuze, Maurice Blanchot e tantos outros que contribuíram de
maneira ímpar para oxigenar as escrituras que ampliaram os
acontecimentos literários das últimas décadas. Por isso, a importância
de sustentar esse fio-gume que põe em ação outras texturas da
palavra poética, alargando o inusual e os intinerários disponíveis,
bem como amplificando as vozes desencorpadas de um dizer literário
repisado, o que possibilita a dessacralização dos lugares culturais
hierarquizados e o realinhamento constante da linguagem e da
subjetividade. É a respeito desse fio à beira do sem-fundo do sentido
que surge meu questionamento:
Parece-me que você insinua ou segere ao leitor que considere o
absurdo como uma das dimensões inalienáveis da palavra poética e
da existência humana. Portanto, não identifico em seus poemas um
convite a uma experiência “anartística”, ao desregramento absoluto
em que a palavra de ordem é a transgressão irrestrita aos códigos
estabelecidos, assim como se viu na “estética da ruptura”, típica dos
programas vanguardistas que atravessaram a primeira metade do
século XX. Em outras palavras, nunca se rompe o fio que sustenta a
mesa de Henri Michaux, ou seja, o caos não se instala em sua
escritura. Os momentos de dissonância “lógica”, com maior
freqüência em Triz e menos presente em O livro de Zenóbia,
transmitem a impressão de um cálculo meticuloso, fruto de uma
“estratégia” para alcançar efeitos estéticos. No caso da voz da
personagem Zenóbia, por exemplo, que transcorre em uma dicção
narrativa e prosaica, há momentos que eclodem falas com
tonalidades poético-filosóficas: “em cada ave vejo o teu vôo sumindo
para fora da asa”, “quanto mais as coisas mudam, mais continuam as
mesmas”. Ou, ainda, quando a narradora fala de seu gato: “Quando
Bepo cruzou a rua, em frente à loja de queijos, a única coisa que ele
não viu foi a bicicleta que o lançou para fora de seu próprio pêlo.”
Fale um pouco sobre esses delírios. Se é que eles existem, como você
constrói esse fio tanto em Triz quanto em O livro de Zenóbia?
MEM A minha atração pela
idéia do absurdo condiz com o
apreço que sempre tive pelo
que se desvia do lógico e do
sensato. Mas também gosto
da palavra “absurdo”, de seu
som meio noturno, meio mudo
(ou surdo?). Tanto, que ela é
muito recorrente em meus
escritos. Isso, porém, não
coloca minha poesia nesse
registro. Ou seja, o “absurdo”,
para mim, está mais na ordem
do que desejo ou oculto do
que no que, efetivamente,
realizo. Sabemos que a
“tradição do absurdo” inscrevese principalmente no teatro,
tendo em Beckett e Ionesco
seus repreentantes mais
ilustres e criativos. A escrita
absurda seria uma não-escrita, um não-dizer, portanto encontra sua
maior expressão no gesto, na desconstrução radical do logos, no
poder desestabilizador do que não tem sentido. Meus textos não
pertencem a essa tradição. Eles tampouco pertencem à chamada
tradição da ruptura, de feição vanguardista. São outra coisa. Creio
que, intrinsecamente, eles revelam sua potência absurda nas dobras
e nos mínimos desvios da linguagem. Mas uma potência que não se
materializa nunca na superfície. Como você bem observou, meus
momentos de “dissonância lógica” advêm de um trabalho lúcido com
a palavra, com as estruturas do dizer. Deflagram uma espécie de
delírio consciente, mas que se coloca sempre por um triz. Em O livro
de Zenóbia, por eu ter optado por contar histórias, ainda que
incursionando no registro poético, a atenção ao narrativo, à
ordenação sintática e ao elemento referencial foi necessária. Daí que
as dissonâncias, nesse livro, não sejam tão intensas quanto as do
Triz. Mas nas frestas, nas margens e nas dobras desse ato de narrar
emerge sempre uma frase, uma cadeia sonora, um devaneio, o que
acaba por desestabilizar o fluxo narrativo. Em O livro de Zenóbia
busquei exercitar a poesia às margens do poema ou ao revés do
poema. Colocá-la também na ordem do “por um triz”.
Rodrigo Guimarães (Brasil, 1965). Poeta e ensaísta. Publicou Olhares (1998), Vestindo
águas (2001), e Celacanto (2003). Contato: [email protected]. Página
ilustrada com obras da artista Florencia Urbina (Costa Rica).
revista de cultura # 57
fortaleza, são paulo - maio/junho de 2007
Ghérasim Luca em dois
retratos
Floriano Martins & Krzysztof Fijalkowski
.
1. Caminhando
com o espírito
de Ghérasim
Luca [Floriano
Martins]
O Suplemento
Literário de
Minas Gerais,
em sua edição #
1.301 (Belo
Horizonte, abril
de 2007) publicou um artigo de Augusto de Campos
intitulado “Ghérasim Luca, dessurrealista”. Sempre me
causa boa impressão essa obsessão por negar o
surrealismo, não por seus argumentos, quase que
invariavelmente falsos, mas pelo que eles creditam de
atuante incômodo que parece causar a muitos a
persistência do surrealismo sobre todos os tradicionais
ismos das vanguardas que caracterizaram o ambiente
artístico no século XX. Persistência não no sentido
ortodoxo de fidelidade doutrinária, mas em sua
renovação, pois não deve interessar senão como objeto
de crítica tomar o pulso das repetições e diluições de
qualquer tendência artística.
No caso particular deste artigo, mais do que a pressa
em referir-se a Ghérasim Luca como “um ex- ou extrasurrealista”, o que se destaca como ato falho é a
observação de que este poeta “parece melhor situado
num contexto mais amplo, de Gertrude Stein e Joyce à
poesia concreta”. Ora, mas desde quando, exceto por
meia dúzia de slogans que se repetiram à exaustão, a
poesia concreta pode ser entendida como exemplo de
amplitude de algum contexto ou horizonte estético?
Isto me recorda um outro artigo do mesmo autor
quando, ao comentar sobre a Revista de Antropofagia,
se apressa a dizer que seu correspondente em Paris era
o “mau poeta” Benjamin Péret. Não me parece que se
possa estabelecer um exemplo de antípodas de valor
intrinsecamente estético entre a poesia de Péret e a de
seu crítico.
O texto de Campos possui outras tonalidades que lhe
são comuns, como a auto-referência e o
desconhecimento daquilo que critica, aspectos
psicologicamente bem interligados. No entanto, o que
se destaca é a maneira como intencionalmente recorta
um componente da poética de Ghérasim Luca,
eliminando tudo à volta, estabelecendo assim um novo
contexto. Já havia feito isto anteriormente em relação
ao estadunidense e. e. cummings. No quesito “autoreferência”, impossível não mencionar que a terça parte
– e parte inicial – do artigo em questão trata de
aspectos pessoais (sua magnanimidade no encontro
com “um adversário figadal”: Oswaldino Marques, a
indispensável referência aos amigos famosos, sempre
um suporte eficaz em terra de cego), absolutamente
dispensáveis para qualquer leitor minimamente culto.
Quando enfim se decide a comentar algo acerca do
poeta romeno, o crítico brasileiro dá algumas
apressadas pinceladas em seu artigo que merecem aqui
uma mínima correção. Antes, porém, trato de informar
alguns dados básicos sobre Ghérasim Luca (Bucareste,
1913-Paris, 1994). Graças ao amigo Dolfi Trost (19161966), toma conhecimento da Psicanálise logo na
adolescência. Em uma de suas primeiras viagens a
Paris, em 1938, através do artista Víctor Brauner (19031966), conhece André Breton, com quem se identifica
de imediato. De volta a Bucarest, ao lado de seus
amigos poetas, Gellu Naum (1915-2001), Virgil
Teodorescu (1909-1987) e Trost, funda o Grupo
Surrealista da Romênia, em 1944 – nas palavras de
Sarane Alexandrian, “o mais exuberante, mais
empreendedor e inclusive o mais delirante do
surrealismo internacional” (Le surréalisme et le rêve,
1974). O ensaísta Krzysztof Fijalkowski, um dos
principais estudiosos da obra de Ghérasim Luca, chama
a atenção para o ano seguinte, e sintetiza seu
entendimento:
Em 1945, o novo grupo aproveitou sem vacilação
toda oportunidade para iniciar, de uma maneira
frenética, sua atividade pública, editando uma
extraordinária quantidade de textos e livros de
conteúdo incendiário. Se iniciou, assim, um debate
provocativo e em ocasiões violento sobre o sonho, o
delírio, o amor, a morte e o acaso objetivo, tudo isto
configurado dentro de um firme compromisso com o
materialismo dialético, o fim da divisão de classes e
a afirmação da liberdade fundamental do homem. É
certo que muitos destes livros foram escritos
durante os anos prévios de silêncio forçado, porém o
fato de que o grupo não perdeu nem um ápice de
seu ímpeto no que se refere a publicações, debates
teóricos e exposições durante 1946 e 1947 (até que
o regime stalinista tomou finalmente o poder, em
dezembro de 1947), põe em evidência que o grupo
se achava em pleno ardor.
Em 1952, Ghérasim Luca se muda em definitivo para
Paris, adotando o francês como idioma de criação, onde
mantém firmemente sua relação com o surrealismo. Ali
desenvolve investigações sobre a língua,
experimentando seus inconfundíveis efeitos de
gagueira, sem perder de vista o que seu tradutor
espanhol, Eugenio de Castro, situa como “a exaltação
do amor e do desejo mediante a superação do
complexo de Édipo, pela via sacrílega”, e uma
particularíssima leitura e prática do humor negro. No
primeiro caso, a respeito do livro L’inventeur de
l’amour, o próprio Luca menciona, em carta a Sarane
Alexandrian:
A invisível vida Edípica, ferozmente, porém
exatamente descrita pelos sistemas (marxismo,
freudismo, existencialismo, naturalismo…) deve ser
loucamente superada por um salto formidável em
uma espécie de vida na vida, de amor no amor,
indescritível, indiscernível e irredutível à linguagem
dos sistemas. Falo da vida e da morte não-edípicas,
ou seja, da negação absoluta do cordão umbilical
nostálgico e regressivo, fonte distante de nossa
ambivalência e nossa infelicidade. (29/06/1947)
Quanto ao segundo caso, a presença do humor negro
se verifica em sua máxima voltagem e de forma jamais
encontrada em outro poeta, no livro La mort morte, em
que o poeta romeno relata cinco tentativas de suicídio,
detalhadamente descritas em uma sucessão
ininterrupta de cinco dias. Os métodos empregados são
por estrangulamento, arma de fogo, arma branca,
envenenamento e contenção da respiração. Seus
críticos mais consistentes coincidem em que os relatos
de Luca não se restringiam ao ambiente ficcional,
considerando esta confrontação constante com a morte
como uma experiência autêntica, ainda que mesclada
com esta forma incisiva e refinada de humor negro.
Este livro foi escrito em 1945. Em fevereiro de 1994,
Luca escreve à sua mulher comunicando-lhe a decisão
de atirar-se no rio Sena. Tudo leva a crer que esta foi
sua última – e então bem sucedida – tentativa de
suicídio. Não se sabe ao certo o dia de sua morte, pois
o corpo somente foi localizado um mês depois do
comunicado à esposa.
Ghérasim Luca estréia em 1933, com um livro
intitulado Roman de dragoste. Logo viriam outros,
como Quantitativement aimée (1944), La vampir
passif, avec une introduction sur l’objet objectivement
offert (1945), Un lup v•zut printr-o lup•, Inventatorul
iubirii (incluindo Parcurg imposibilul •i de Marea Moart•)
– todos de 1945, ano em que também seriam
publicados trabalhos em colaboração com o psicanalista
Dolfi Trost: Dialectique de la Dialectique. Message
adresee au movement surréaliste international, e
Présentation de graphie colorée de cubomanie et
d’objets, exposition, 7 janvier-28 janvier. Estes livros
seriam posteriormente publicados em francês, e a esta
bibliografia se acrescentam vários outros, dentre eles,
Héros-Limite (1953), La Lettre (1960), Poésie
élémentaire (1966), La Fin du monde (1969), Théâtre
de Bouche (1984), Satyres et Satrape (1987), a uma
edição póstuma, Le cri (1995). Em 2001 é editado um
CD duplo, Ghérasim Luca par Ghérasim Luca, onde se
escuta a voz deste poeta através de seus inúmeros
recitais, cabendo aqui destacar o de 1969 (Museu de
Arte Moderna, em Paris), 1973 (Instituto Franska, em
Estocolmo), e 1984 (MOMA, em Nova York). Dentre
seus principais críticos se encontram Petre Raileanu,
Sarane Alexandrian e Krzysztof Fijalkowski.
Augusto de Campos não desconhece os
desdobramentos da poesia de Ghérasim Luca. O que
faz é tomar proveito de uma de suas particularidades.
Ao contrário do que ele define, Héros-limite (1953) não
é seu “turning point”. A intensidade da experiência
poética de Luca, que em momento algum dissociou vida
e obra, se encontra em seus dois livros finais,
L’inventeur de l’amour e La mort morte. Além disto,
aspectos biográficos, como a mudança de nome,
adoção do francês como novo idioma e as seguidas
tentativas de suicídio, tudo isto estava intrinsecamente
ambientado com sua defesa poética de um anti-édipo.
É preciso entender sem restrição o mergulho de
Ghérasim Luca no lamaçal dialético da linguagem, em
seus dois planos que ele corretamente entendia como
inseparáveis: ser e tempo.
Krzysztof Fijalkowski situa L’inventeur de l’amour “não
somente como o manifesto definitivo de Luca, aquele
que reconcilia a intuição e a forma poética com um
ardor revolucionário e desesperado, mas também como
parte de uma nova cadeia de progressão e resolução
dialética”. E o próprio Luca se manifestou empenhado
no que ele chamava de “confrontação dialética”,
buscando sempre levá-la “à mais delirante das
verificações”. Ora, é exatamente esta confrontação
dialética que o conduz à exaltação da sonoridade, a
partir da qual, na palavra, “ressurgem segredos
sussurrados, que se escutam bem metidos em um
mundo de vibração que pressupõe uma participação
física simultânea à adesão mental”. Não isolava a
palavra, o signo, mas antes estimulava uma verdadeira
orgia de sentidos, sempre à procura, como ele próprio
afirmou, de “desvelar uma ressonância do ser”, e tendo
“como objetivo a transmutação do real”. Em Dialectique
de la dialectique (1945), livro que escreveu em
colaboração com o psicanalista Dolfi Trost, expõe: “Este
estado constantemente revolucionário só pode se
manter e desenvolver mediante uma posição dialética
de permanente negação e de uma postura de negação
da negação que poderia ser capaz do maior alcance
imaginável a tudo e todos”. Esta “dialética da dialética”
tem naturalmente um sentido bem mais amplo do que
percebe Campos, ao situar a poética de Luca como
“uma espécie de des-surrealismo concretante”.
Desconcertante presunção a do concretista brasileiro,
não há outra coisa a ser dita.
Exaltação do
acaso e humor
negro são duas
vertentes
máximas da
poética de
Ghérasim Luca.
Recorria ao jogo
do “palavra-puxapalavra”, mas
sem deixar de
fora o sentido
vertiginoso do
automatismo. E o
fazia mesclando neologismos, palavras-valises,
onomatopéias, rupturas sintáticas, longe de limitar-se,
por exemplo, ao furor trocadilhesco que acabou por dar
um nó cego na lírica brasileira. Leiamos aqui duas
passagens do poema “Hermeticamente aberta”, do livro
Héros-limite:
Seu coração trespassado pelas balas transparentes
de minhas carícias angustiadas
sua suave metavulva
sua negra metaboca
o transplante inocente da flor de sua boca
nas terras aéreas de minhas coxas
[...]
a transmutação gigantesca perpétua e triunfante
do leite materno
em lava meteórica no metavazio substancial
em esperma em esperma e em metaesperma universal
em esperma do diamante
em esperma de teu coração
em esperma negro da metaluxúria absoluta
absolutamente luxuriosa e absolutamente absoluta
É impossível não reconhecer que a “associação
intervocabular” levada a termo por Ghérasim Luca se
desenvolvia, em grande parte, por livre associação –
jogo de similitudes fonéticas, sim, porém intensamente
pautado por aquela busca de uma poesia ao mesmo
tempo “delirante e lúcida”, como pretendia outro
surrealista, Roberto Desnos. O próprio Luca se
recusava a limitar o entendimento de sua poesia a uma
“operação formal”. Desconhecer a presença do
surrealismo neste ambiente equivale a não reconhecer
surrealismo na cabala fonética de Desnos, por exemplo.
E certamente aspectos como ruptura sintática, jogos
fonéticos e o bailado das palavras na página,
encontrados na poesia de Mario Cesariny de
Vasconcelos, seriam argumentos, dentro da ótica do
concretista brasileiro, que restringiriam ou mesmo
anulariam a influência do surrealismo no poeta
português.
O poema acima mostra que mesmo naquela passagem
da poética de Luca que destaca Campos o poeta
romeno em nada se aproxima da poesia concreta, e
menos ainda seus versos, postos na página “como as
letras de música, ou como os textos de Gertrude Stein,
parecem descuidados”, como afirma o brasileiro. Não
farei aqui a defesa da Gertrude Stein, por mais que
seja devida. Que outro se habilite. Reitero apenas que
este livro, Héros-limite, não possui igual que
L’inventeur de l’amour, que inclusive confirma as idéias
defendidas pelo grupo surrealista romeno de uma
ampla erotização do indivíduo e da sociedade. É
suficiente lembrar o que bem anotou Fijalkowski, que
os surrealistas romenos “conceberam os conceitos de
objetivação do amor e erotização do proletariado como
objetivos concretos, mais do que puramente
imaginativos”.
Mesmo neste poema já se pode sentir a intensa
vibração de um ouvido para os sussurros dos grandes
abismos da existência humana. Uma intensidade que
leva ao limite em toda a extensão de sua obra,
envolvendo amor, erotismo, sonho, humor negro, todos
estes inegáveis componentes do surrealismo, em uma
orgia de imagens que se enriquecem na medida em que
afirmam o quanto estão vivas, atuantes, dentro do
mundo, dentro de nós. Luca é um poeta sempre
vertiginoso, e se comunica com um sentido
extraordinário de velocidade, utilizando-se de todos os
vícios da linguagem, suas gafes, cortes, gagueiras,
ruídos e a partir dali fazendo ecoar sua indignação, o
esplendor de sua crítica a toda uma sociedade,
marcada por visível estímulo subversivo. E em
momento algum se distancia de uma voz intensamente
sensual, como vemos na parte conclusiva de seu belo
poema “Sonho em ação”:
…teus pés sobre meu peito
meu peito em teus olhos teus olhos
no bosque o bosque líquido
líquido e de osso os ossos de meu grito
eu arranho e grito minha linguagem inquietante
eu desmembro teus braços teus braços
delirantes eu desejo e desmembro teus braços e tuas
médias
abaixo e acima de teu corpo estremecido
estremecido e puro puro como
a ducha como a ducha de teu pescoço pescoço de
tuas pálpebras as pálpebras de teu sangue
teu sangue acariciando palpitando estremecendo-se
estremecida e pura pura como a flor
flor de teus joelhos de teus cotovelos de
tua respiração de teu estômago eu digo
estômago porém estou pensando na escuridão
da escuridão da sombra sombra do
segredo o maravilhoso segredo maravilhoso
como tu
tu caminhando adormecida sob o guarda-chuva e
sombra
sombra e diamante é um
diamante que nada que nada esplendidamente
tu nadas esplendidamente na água de
matéria da matéria de meu espírito
no espírito de meu corpo no corpo
de meus sonhos de meus sonhos em ação
Curiosamente o poeta brasileiro não percebe a visão de
mundo de Ghérasim Luca, nem que este ambientou
alguns de seus poemas no que Gilles Deleuze definiu
como “efeitos da gagueira”, no sentido de alertar o
quanto que as sociedades modernas se tornaram
vítimas de seu próprio fascínio basbaque pelos efeitos
de linguagem. O Concretismo é parte deste fascínio
desassistido de uma crítica essencial, a exemplo dos
pontos altos das vanguardas no século XX, no que diz
respeito à sociedade burguesa.
Com grande acerto o poeta português Nicolau Saião o
aproxima daquele ritmo encantatório de certa oralidade
ambientada nos Estados Unidos a partir da Beat
Generation, especialmente no caso de Allen Ginsberg.
Em minhas conversas com Saião ele acentuou este
“modo de recitação”, de Ghérasim Luca, relacionando-o
com as vociferações mântricas de Ginsberg:
Creio que é nestes dois pontos, assim epigrafados,
que reside alguma confusão, ou o equívoco, em o
quererem aproximar da corrente concreta, se não
mesmo letrista. Porque Ghérasim Luca, surrealista
absoluto posto que viajando nas diversas
direções que os pontos cardeais contêm, tem é a ver
com a recitação que numa ampla linha reta, mesmo
que quebrada pela raiz dos tempos, vem da Grécia e
dos coros dos seus mestres teatrólogos.
Também conversei com o tradutor espanhol de
Ghérasim Luca, o poeta Eugenio de Castro, que assim
se referiu ao tema:
O argumento de que Luca era “ex-surrealista” ou
“extra-surrealista” somente cabe entendê-lo como a
expressão de uma dinâmica hoje mundialmente
estendida de revisar a história e falseá-la com
palavras que são as dos amos, sempre dispostas a
sepultar as palavras da liberdade com a total
retificação do sentido original das coisas, dos
homens e mulheres e sua verdade. É uma
insensatez dirigir-se assim a Luca e apresentá-lo
nesses termos, e uma indignidade, além do que, se
este senhor não avança em seu argumento
demonstra tanto ignorância quanto má fé.
A julgar pela obra, depoimentos e pela fortuna crítica a
seu respeito, seria correto afirmar que Ghérasim Luca
jamais concordaria com uma única palavra do
concretista brasileiro e seguramente o consideraria um
maquinador de pouca eficácia. Este, ainda no texto em
questão, insiste que a poesia do surrealista romeno
“materializa o sonho e des-surrealiza a mecânica do
surrealismo discursivo”. Ou seja, limita-se a leitura
preconceituosa do surrealismo, além de paralisá-lo no
tempo, sem atentar para sua renovação. Para onde nos
levou a mecânica frígida do Concretismo? Augusto de
Campos entrou na poesia brasileira pela porta do
Parnasianismo e será por ela que sairá, a seu devido
tempo sem fatura consistente. Fez meia dúzia de
seguidores que se enquadram em um circuito afeito à
barbárie intelectual. Pela ausência de obra de relevo,
sobrevive graças a recriminações, como esta que faço,
toda vez que surge a exercitar sua política
discricionária.
Augusto de Campos não se manifesta em nenhum
momento em relação ao desastre político a que parece
estar condenado o Brasil, porque ele é parte disto. É
parte de nossa barbárie intelectual que condena
qualquer ação, por covardia de enfrentar a realidade, e
a restringe a um plano falsamente estético. A beleza
não se dissocia do caráter. Uma imagem se mostra de
várias maneiras. Posso tocá-la na voz, na letra, no
muro, não importa. O essencial é que reflita uma
existência ali por trás, nos bastidores. A linguagem é
essencialmente o reflexo do homem. Inventar um
mundo onde a poética se restrinja a um efeito de
linguagem, a seu malabarismo formal, isto é coisa
tipicamente de quem teme ser confundido com um de
nós.
2. Ghérasim Luca: Reinventar todo [Krzysztof
Fijalkowski]
Todo deber ser reinventado
en el mundo ya no hay nada
G. Luca
Para la historia del
surrealismo 1945 es,
por muchas razones, un
año tan sombrío como
los precedentes. Lejos
de anunciar el comienzo
de un período de paz y
estabilidad, encuentra
en una situación de
colapso o confusión total
a los grupos surrealistas
diseminados por
Europa: el grupo
parisino, pendiente de
reorganizarse, esperaba la vuelta del exilio de muchos
de sus miembros cruciales y percibía que su posición
había sido socavada gravemente por el ascenso al
poder de intelectuales adscritos al comunismo; en
Londres, el movimiento había sido calificado con
demasiada ligereza de “curiosa novedad prebélica” y de
hallarse desfasado de la nueva realidad, lo que
contribuyó a que pronto creciera el desánimo entre los
surrealistas ingleses; en Praga, los surrealistas checos
se dieron cuenta rápidamente de que toda actividad
abierta y expresa constituiría una imposibilidad en el
clima posbélico de la Europa del Este.
Es significativo entonces, que el período que transcurre
de 1945 a 1947 fuera también el de la aparición pública
de uno de los grupos surrealistas más vigorosos
formados hasta entonces, cuyos tres años de actividad
fueron de una gran intensidad, quizá ante la creciente
certeza de que su silenciamiento sería inevitable: me
refiero al grupo surrealista rumano, constituido por los
escritores Ghérasim Luca, Dolfi Trost, Gellu Naum, Paul
Paun y Virgil Teodorescu. Todos ellos habían
participado en la vanguardia de Bucarest de los años
30, sintiéndose cada vez más atraídos por el
surrealismo, a lo que contribuyó en parte el ejemplo
de los pintores rumanos Victor Brauner y Jacques
Hérold, que pasaron largas estancias en París formando
parte del grupo surrealista parisino. En 1938, Luca y
Naum les siguieron a París y, aunque su estancia allí
fue interrumpida por el estallido de la guerra, creyeron
verse en condiciones de tomar la decisión - no en
París, sino de manera apropiada en el Orient Express
rumbo hacia el Este desde Trieste (1)- de fundar un
grupo surrealista rumano. El nuevo grupo vivió una
existencia secreta muy activa, a pesar de la
imposibilidad de publicar o exponer durante los años
de la guerra y de que todo contacto con los surrealistas
del exterior del país quedara suprimido de manera
inmediata, desarrollando una serie de directrices
teóricas y formales de gran originalidad que ampliaron
y radicalizaron el surrealismo europeo de los años 30.
En 1945 los surrealistas rumanos aprovecharon sin
vacilación toda oportunidad para iniciar de una manera
frenética su actividad pública, editando una
extraordinaria cantidad de textos y libros de contenido
incendiario. Se inició así, un debate provocador y
virulento sobre el sueño, el delirio, el amor, la muerte y
el azar objetivo, todo ello configurado dentro de un
firme compromiso con el materialismo dialéctico, el fin
de la división de clases y la afirmación de la libertad
fundamental del hombre. Es cierto que muchos de
estos libros fueron escritos durante los años previos de
silencio forzado, pero el hecho de que el grupo, durante
1946 y 1947, no perdiera ni un ápice de su ímpetu en
lo que a publicaciones, debates teóricos y exposiciones
se refiere (hasta que el régimen socialista tomó
finalmente el poder en diciembre de 1947, poniendo fin
de manera efectiva a toda posible actividad posterior:
Luca, Naum y Trost eligieron con el tiempo abandonar
Rumania y Luca se trasladó de manera definitiva a
París en 1952) pone en evidencia que se hallaba en
pleno ardor. Precisamente cuando en todas partes el
surrealismo afrontaba su crisis de confianza más
grave, el grupo de Bucarest, en palabras de Sarane
Alexandrian “el más exuberante, más emprendedor e
incluso el más delirante del surrealismo internacional”
(2), dedicado a un actividad incesante y determinado a
impulsar sus deseos hacia una conclusión lógica,
enviaba sus misivas al vacío como bengalas de
socorro.
Para el propio Luca, 1945 vio la publicación de tres
textos cruciales (todos, en cierto modo, hasta hace
poco “olvidados”): el monólogo poético Inventatorul
iubirii (El Inventor del Amor, que estaba acompañado
de Moartea moarta (La Muerte muerta), ambos objeto
de este estudio), la documentación de azar objetivo Le
vampire passif y, junto con Trost, la declaración
principal de la posición teórica del grupo, Dialectique de
la dialectique (3). Es quizá esta última obra la que nos
ofrece la mejor perspectiva del contexto en que fue
realizado El Inventor del Amor. Escrita en un momento
en que sus autores llevaban cinco años sin recibir
noticia alguna sobre la supervivencia del surrealismo en
otras partes del mundo, Dialectique de la dialectique
fue, a un tiempo, la señal de alarma de un grupo de
poetas aislados en Europa del Este, una reafirmación de
fidelidad inquebrantable a Breton, al materialismo
dialéctico y al azar objetivo y un desafío a la existencia
del surrealismo como línea de acción revolucionaria y
no como la rebelión artística acomodada (y
recuperable) con que había amenazado en convertirse
durante los años 30. Luca y Trost se atrevieron a
prevenir al movimiento internacional del peligro de
convertirse en otro estilo artístico más, y propusieron
métodos nuevos y radicales para reincendiar la
imaginación surrealista: la aproximación crítica a los
sueños, el rechazo de los procedimientos artísticos
existentes, el fomento del erotismo como solución
concreta a la división de clases, el fin de la servidumbre
a los impulsos edípicos (con la teoría de Luca sobre el
ser no edípico), la apropiación poética de la ciencia
cuántica y la perpetua reevaluación y reinvención del
surrealismo, “en continua oposición al mundo y a sí
mismo”. Implícito en el título del texto, cuyos métodos
propuestos serían ensayados en las obras de Luca
durante el resto de su vida, se hallaba una dialéctica
llevada a su conclusión lógica, tal como tenían que ser
llevados hasta su propio límite todos los deseos y
cuestiones antes de encontrar una solución: venciendo
finalmente el desamparo del hombre ante la tiranía de
su condición social, emocional e intelectual y ante la
abrumadora inevitabilidad de la muerte, a través de la
negación de la
negación.
Tengo la sensación de que los escasos y recientes
exegetas de éste y otros escritos de los surrealistas
rumanos caen en la tentación de presentar los
hallazgos de aquellos como retóricas peculiares y
delirantes o como provocaciones exuberantes o
histéricas (4). Pero todo lo que sabemos sobre el grupo
de Bucarest, y sobre Luca en particular, invita a
entender dichos textos por sus significados
absolutamente serios, deliberados y muchas veces
literales, y no sólo como resultado de un debate sino
como anteproyectos de acciones concretas que la
desaparición inminente del grupo restringió; de hecho,
como insiste El Inventor del Amor, ninguna acción que
no arriesgue también la propia vida merece en el fondo
ser tenida en cuenta (5). Dialectique de la dialectique
rechaza todo error que “pudiera distraernos de nuestro
deseo fundamental cuyo primer estadio conocido es la
transformación del deseo en la realidad del deseo”, y
dos años más tarde Le secret du vide et du plein de
Luca reclamaba: “Sustituir lo Real por lo Posible y
anticipar su confusión. Confusión total en la ámbito
mental, confusión total en la ámbito de la acción” (6).
La aparición el mismo año del libro de Luca El Inventor
del Amor, publicado junto con Parcung imposibilul
(Vagabundeo por lo imposible) y La Muerte muerta,
puede considerarse tanto una furiosa prolongación
poética como una respuesta a la polémica suscitada por
Dialectique de la dialectique (aunque por supuesto,
como hemos visto, parece haber sido escrito algunos
años antes y desde luego precede a Dialectique de la
dialectique ya que esta obra le menciona). Ambos
constituyen lo que es incuestionablemente uno de los
textos más extraordinarios escritos por un grupo
surrealista durante aquel período, pero también fue (y
quizá no de modo fortuito) uno de los últimos textos en
los que Luca siguió trabajando, puesto que preparó una
nueva versión para su publicación por Jose Corti, en
francés, muy poco antes de su muerte; es probable que
fuera esta edición la que gozase de una circulación y
una atención más amplias (7).
El Inventor del Amor es,
además de un texto
teórico, una obra
polémica, que alterna
consideraciones
conceptuales con el
ensueño delirante que
incitan y (en La Muerte
muerte) con relatos de
acciones concretas
subsiguientes. La
edición francesa
publicada por Corti
presenta los tres textos
(El Inventor del Amor, La Muerte muerta y el Apéndice)
en versos poéticos, sin puntuación. La edición original
en rumano, en cambio, presentaba estos textos como
piezas en prosa (tal como ocurría con otros escritos de
Luca de los años 40), que se podrían leer, de esta
manera, como una obra teórica más que puramente
poética (de hecho, en un punto El Inventor del Amor
señala burlonamente que “el poeta más iluminado me
parece una excrescencia tan purulenta como el
banquero más codicioso”) (8). Este cambio deliberado
de formato hecho por Luca tiene el efecto de ayudar a
rescatar y reintegrar uno de sus escritos “perdidos” en
prosa, realizados en Bucarest durante los años 40, al
corpus de la obra poética elaborada en París desde los
años 50 en adelante (ya que éstos también comparten
la misma forma poética dispersa y carente de
puntuación) al mismo tiempo que subraya una
dialéctica entre poema y texto teórico, aunque
igualmente sugiere de modo provocador que podríamos
leer sus últimos poemas como manifiestos en prosa
(9).
De hecho, se podría ver la edición francesa de El
Inventor del Amor no sólo como el manifiesto definitivo
de Luca, aquel que reconcilia la intuición y la forma
poética con un ardor revolucionario y desesperado, sino
como parte de una cadena de progresión y resolución
dialéctica. Como integrante de la trilogía de sus textos
más significativos publicados en 1945, la obra reconcilia
el ensueño concreto/imaginativo de Le vampire passif
con las duras afirmaciones de Dialectique de la
dialectique, pero, lo que es más sorprendente, la
edición francesa propone una obra en tres partes que
sugiere una compleja estructura dialéctica. Los textos
presentan, por este orden, el problema intelectual de
cómo escapar de la prisión de las relaciones edípicas a
través de la destrucción cataclísmica del yo a través del
amor; una confrontación física con la muerte que
defrauda nuestra libertad a pesar de la promesa de
liberación erótica que supone; y una recapitulación que
reflexiona de manera crítica sobre esas experiencias y
reclama la necesidad de impulsar la desesperación y la
repulsa hasta sus propios límites, “en una postura
pesimista ilimitada pero perpetuamente voluptuosa
ante el amor” como la única manera de denunciar y
transformar el mundo. Los dos primeros textos, aunque
bastante diferentes en su forma, pueden entenderse en
muchos sentidos como reflejo uno del otro: así por
ejemplo, El Inventor del Amor es un discurso sobre la
reinvención del amor, pero comienza con una sombría
nota de suicidio, mientras que La Muerte muerta, que
trata precisamente sobre el suicidio, comienza con un
momento extático de placer erótico mental y físico. El
sucinto Apéndice final (que habla de la “desgarradora
confrontación de dos dialécticas contrarias” y que
podríamos interpretar como las del amor y la muerte)
intenta de modo indirecto llegar a la resolución de las
anteriores y de evaluar la posibilidad verdadera de
vivir fuera de una realidad no edípica.
Pero El Inventor del Amor no es un manifiesto
convencional. Violento y lúcido, es además
absolutamente desesperado y desasosegante,
amenazando su propio colapso a cada momento con un
desprendimiento de imágenes, como una galería de
espejos de negaciones: “En efecto”, escribe en el
Apéndice, “una solución favorable no puede surgir más
que del interior de una posición extrema, allí donde la
confrontación dialéctica es incitada hasta la manía,
hasta la más inverosímil, la más delirante de las
verificaciones”.
Su valor estriba en que es un libro que está
extraordinariamente fuera de su tiempo, décadas por
delante de escritos mucho más celebrados
(especialmente el Anti-edipo de Deleuze y Guattari,
prefigurado veintisiete años antes por la teoría noedípica de Luca, aunque también se puede pensar en
la obra de Reich y Marcuse), con una forma delirante
que anticipa y hace trizas al mismo tiempo toda la
teoría crítica “esquizofrénica” postmoderna tan en boga
hoy en las universidades de todo el mundo.
Supuestamente, Luca pensó que el texto clave de los
tres era El Inventor del Amor, puesto que su nombre da
título al libro. La “invención” aquí, como Luca aclara, no
es en absoluto la pretensión de haber hecho o
descubierto el amor, como algunos comentaristas han
presupuesto, sino la insistencia en la interminable
reinvención del deseo, de su objeto en la persona
amada, y de ese modo, del yo y del mundo. Pero esta
reinvención del amor, su asunción no como un pálido
placer burgués, sino como un paroxismo llevado hasta
los límites de lo posible, es al mismo tiempo real y
espectral, en cambio constante. En él, todas las
promiscuidades y perversiones están justificadas
(ceñirse al ritual patético de “esos ejercicios amorosos
donde un hombre y una mujer se aferran uno al otro
para reflejar mutuamente la nada” es lo que se
muestra como la única perversión real), pero son sólo
el comienzo de las reinvenciones que están por venir, si
bien Luca está lejos de hacer simplemente el consabido
llamamiento a una revisión de la moralidad. Y en el
proceso, el objeto del deseo toma una forma ambigua:
ora una mujer actual, ora un cuerpo hechizado y hecho
estallar en pedazos, para ser ensamblado de nuevo, ora
sólo un eco del objeto real del deseo, “una mujer no
nacida”, una mujer ideal pero siempre elusiva “cuya
razón de ser es no ser jamás encontrada”. Pero sobre
todo, es en la liberación del individuo de la tiranía de
las relaciones edípicas -la sombra castradora del padre
tanto como el recuerdo paralizante del trauma del
nacimiento- donde el “deseo por el deseo” puede
realizarse finalmente. La naturaleza (biología) y el
recuerdo son los motores que conducen hacia esta
parálisis edípica y deben ser rechazados a toda costa.
Dialectique de la dialectique aclaraba estas demandas:
“La necesidad de descubrir el amor que pudiera
derrocar los obstáculos sociales y naturales, una vez
libre nos encamina a una posición no edípica. La
existencia del trauma del nacimiento y de los complejos
edípicos, como descubrió la teoría freudiana,
constituyen los límites naturales y mnemotécnicos, los
conceptos desfavorables e inconscientes que sin que lo
sepamos controlan nuestra actitud hacia el mundo
exterior. Hemos formulado el problema de la completa
liberación del hombre (Ghérasim Luca: El Inventor del
Amor) añadiendo como condición para la misma la
destrucción de nuestra posición edípica inicial”.
Pero este desencadenamiento del deseo aspiraba no
solamente a la autorrealización individual, sino que era
además una parte esencial de la actualización de la
revolución (incluso los líderes revolucionarios más
auténticos, explican Luca y Trost, son derrotados por
sus relaciones edípicas, una observación repetida en el
Apéndice): “Este amor dialectizado y materializado
constituye el método revolucionario relativo/absoluto
que el surrealismo nos ha revelado, y descubriendo
nuevas posibilidades eróticas que superen el amor
social, médico o psicológico, podremos alcanzar una
comprensión de las primeras formas de amor objetivo.
Creemos que, incluso en estas formas más inmediatas,
la erotización ilimitada del proletariado constituye la
promesa más valiosa a desarrollar que garantice a éste,
en la miserable época que estamos atravesando, un
verdadero desarrollo revolucionario (Dialectique de la
dialectique).
Sin el avance radical hacia una posición no edípica,
aclara Dialectique de la dialectique, el proletariado
nunca se liberará de los complejos profundamente
enraizados que harán siempre sus victorias ilusorias. El
Inventor del Amor comienza por encaminar la manera
de alcanzar esta liberación a un nivel individual, y
aunque no quede claro de que forma propusieron
determinar tal liberación a nivel social, es obvio que los
surrealistas rumanos concibieron los conceptos de
objetivación del amor y erotización del proletariado
como objetivos surrealistas concretos (más que
puramente imaginativos) (10). Como hemos visto, El
Inventor del Amor fue escrito en el curso de los
primeros años 40, y el contexto del debate que propone
podría entenderse como el mismo que se dio en el seno
del surrealismo parisino de la década anterior, el grupo
al que Luca se había aproximado y que después perdió
de vista hacia 1938-40. En muchos sentidos, El
Inventor del Amor podría interpretarse, por su atrevido
maridaje dialéctico entre un delirio violentamente
erótico, poético y una mordaz teoría revolucionaria,
como un intento de reconciliar y hacer progresar
algunos de los desacuerdos y debates internos más
importantes que el grupo de París tuvo tantas
dificultades en resolver durante los años 30, debates de
cuyo curso natural se apropió la guerra (11).
En comparación con el paroxismo de El Inventor del
Amor, La Muerte muerta ofrece un género de
reinvención del yo bastante diferente. Donde el primero
es social, transformador, ilimitado, el segundo es
intensamente individual, reducido (el autor rechaza
todo contacto con el mundo fuera de su habitación),
abierto al abismo: una confrontación con la muerte.
Tras una parte introductoria, Luca nos obsequia con
cinco tentativas de suicidio llevadas a cabo en cinco
días sucesivos: mediante estrangulamiento, arma de
fuego, arma blanca, envenenamiento y conteniendo la
respiración. Cada breve relato consta de una nota de
suicidio, junto con un enigmático mensaje manuscrito
redactado con la mano izquierda durante cada intento,
mientras se mira a sí mismo en un espejo, y con notas
tomadas inmediatamente después de que el intento
fracasara. Una vez más, todo lo que sabemos sobre
Luca sugiere que no estamos ante una colección de
ficciones, y hemos de convenir con Saranne
Alexandrian en que éstas son experiencias auténticas y auténticamente peligrosas- (12). Esto no quiere decir
que el experimento esté exento de humor (aunque es
difícil imaginar una clase de humor más negro), y
ciertamente el texto introductorio indica que es en el
humor donde podría encontrarse cualquier victoria
sobre el trauma de la muerte. El texto no es sólo
implacablemente autocrítico, está además atormentado
por una disposición hacia la angustia y la desesperación
más extremas, deliberadamente llevadas al límite; más
explícitamente, se halla agitado por la “desolaciónpánica” y la “catalepsia moral” en presencia del “vacío
teórico”, por el fracaso aparente de las tentativas
previas de suicidio de Luca ante una resolución
dialéctica del ser y la desesperación en presencia del
amor.
La muerte, escribe Luca (y a pesar de la liberación
extática del deseo prometida por El Inventor del Amor),
es el impedimento final que atormenta nuestros deseos
y todo lo que nos rodea, es el espacio de magia negra
y de terror, “opresión, tiranía, límite, angustia
universal, en tanto que enemigo real, cotidiano,
insoportable, inadmisible e inteligible” y el problema
que plantea no es de índole intelectual, el mero
misterio de su “dimensión filosófica”, sino su existencia
real y física: el problema de la propia desaparición de
uno mismo. Es la muerte prometida a todos por el
nacimiento, más terrible incluso que el propio
nacimiento y los complejos que nos paralizan, lo que
hace ya fatal todo amor bajo el signo de Edipo: “La
muerte que yo acojo como una necesidad, como la
válvula de la desesperación, como una réplica del amor
y del odio, como una prolongación de mi ser en el
interior de sus propias contradicciones”.
Sólo mediante la prolongación de esta muerte
necesaria, no por medio de su denegación sino
mediante su negación dialéctica puede lograrse una
primera victoria sobre este “Paralítica General
Absoluta”. Como el título del texto deja claro, e incluso
el nombre de su editora, Editura Nagatia Negatiei, la
solución de la negación de la negación es el único
medio no tanto de engañar a la muerte como de
transformarla en un lugar de libertad y deseo sin fin.
Como Dialectique de la dialectique reclamaría: “Este
estado constantemente revolucionario sólo puede
mantenerse y desarrollarse mediante una posición
dialéctica de permanente negación y de una postura de
negación de la negación que podría ser capaz del
mayor alcance imaginable hacia todo y hacia todos”.
Y
finalizaría:”Atravesad
noche y día por
infinitas
sucesiones de
negaciones cada
vez más
provocativas,
más valiosas y
más absorbentes,
el inigualado
instrumento de
conquista que es
el materialismo dialéctico exalta de manera
perturbadora nuestro insaciable hambre de realidad, y
roe ferozmente la negra y cautiva carne del hombre.
Cubierto de sangre, sus huesos palpitantes semejan
ahora ser largos cristales colgantes” (13).
El quinto y último intento de suicidio de La Muerte
muerta, es en cierto modo el más simbólico, ya que
mediante él Luca intenta matarse conteniendo la
respiración. “Si no doy señales de “vida” en un mes”,
dice la nota de suicidio, “has de saber que uno muere
como se pudre una cebolla, una silla, un sombrero”.
Pero es precisamente esta tentativa “hasta lo
imposible” la que tiene “un valor teórico colosal a causa
de mis tentativas continuas de trastocar hasta lo
imposible el trauma natal cuya absoluta fatalidad me
parece inadmisible por no dialéctica”.
Este intento final, caracterizado por un estado de
euforia mental, triunfó, de modo imposible, al llenar el
“vacío teórico”, al abrirse hacia una muerte que es al
fin dialéctica, capaz de una resolución.
Quizá podrían interpretarse las acciones finales de
Luca, en 1994, como una última resolución dialéctica.
No mucho antes, había estado trabajando en la nueva
edición francesa de El Inventor del Amor, una
verdadera obra de deseo, desesperación y de
reconciliación desesperada de ambos, un conjunto de
textos incendiarios escritos en Bucarest durante los
años 40 que ahora podrían ser rescatados y
reinventados dentro de la obra de un poeta parisino. En
el mes de febrero de 1994, Luca escribió a su
compañera para decirle que iba a arrojarse al Sena; su
cuerpo no fue encontrado hasta exactamente un mes
después.
Si es verdad, como se pretende
que después de la muerte el hombre continúa
una existencia fantasmagórica
te lo haré saber.
(La Mort morte)
NOTAS
1. Rémy Laville, citado en Petre Raileanu, “L’Avantgarde roumaine”, Le Rameau d’or, no. 2, 1995, p. 66.
Información sobre la historia del surrealismo en
Rumanía puede encontrarse en este extenso artículo,
en Luc Mercier, “Le surréalisme en Roumanie”, Iztok,
no. 11 (septiembre 1985), pp.3-11, y en Ion Pop,
“Surréalisme roumain et dialogue européen”,
Mélusine, no.14 (1994), pp.209-20.
2. Sarane Alexandrian, Le surréalisme et le rêve (París
: Gallimard, 1974), p.221.
3. El texto Inventatorul iubirii está fechado el 24 de
octubre de 1942, y Le vampire passif describe hechos
de 1940 pero bien pudiera haber sido escrito con
posterioridad. Dialectique de la dialectique parece
haber sido escrito en 1945. El grupo de Bucarest
publicó inicialmente en rumano, sin embargo el hecho
de que muchas obras desde 1945 fueran escritas en
francés (sin sacrificar nada de la ferocidad de su
prosa), como ocurrió con casi todos los textos desde
entonces, sugiere que hubo una decisión deliberada
que pudo contribuir tanto a distanciar al grupo de
otros movimientos de vanguardia rumanos como a
apelar de manera explícita a la audiencia francesa -los
surrealistas parisinos. No obstante todas estas
publicaciones se hallaban en pequeñas ediciones que
ellos mismos publicaban, y en el supuesto de que los
camaradas de París hubieran estado abiertos a las
posiciones deliberadamente extremas o críticas de un
texto como Dialectique de la dialectique, el grupo
parisino (al que Breton no regresaría hasta mayo de
1946) no estaría en situación de responder hasta más
adelante.
4. Así Ion Pop (op.cit., p.218) califica las revisiones de
Trost de los modelos freudianos del inconsciente de
“excesivas” y llama la atención, enfatizando con aire
de superioridad mediante signos de exclamación,
sobre las propuestas de Dialectique de la dialectique
acerca del amor objetivo y la erotización del
proletariado.
5. Petre Raileanu señala (“La dialectique demoniaque:
Le parcours roumain de Ghérasim Luca”, Mélusine,
no.15 (1995), pp. 299-308) que hacia los años 40
Luca escribe sólo literalmente, nunca en sentido
figurado. Personalmente propondría que todos los
textos poéticos escritos por Luca desde entonces se
entendieran de esta manera.
6. Colección Infra-Noir, Bucarest 1947, p.2;
reimpresión facsímil, La maison de verre, París, 1996.
7. Esta segunda edición francesa omite el segundo de
los tres textos originales en rumano, Parcung
imposibilul, una exploración del amor como fuerza
mediúmnica. La traducción inglesa del rumano de El
Inventor del Amor realizada por Julian Semilian, de
próxima aparición (Green Integer Press), incluirá los
tres textos.
8. En una carta enviada a Sarane Alexandrian
fechada en junio de 1947, Luca calificaría este libro de
radical reconciliación entre amor y revolución, que
contendría “el esbozo del plan teórico y práctico de
una liberación TOTALITARIA a través del amor”
(citado en Petre Raileanu, Ghérasim Luca (París:
Oxus, 2004), p. 143). Correspondencia electrónica
con Julian Semilian, noviembre de 2005.
9. Esto plantea además la cuestión del Premier
manifeste non-oedipien de Luca, citado en Dialectique
de la dialectique, pero que no figura en sus
bibliografías y es considerado como perdido en la
edición de Corti de El Inventor del Amor (interior de la
contraportada). Sarane Alexandrian sugiere que Luca
consideraba El Inventor del Amor como su primer
manifiesto no-edipíco ( “Le poète parti sans repartir”,
Supérieur inconnu, no. 5 (octubre-diciembre 1996),
pp.71-78 (pp.73-74)), pero Dialectique de la
dialectique los distingue claramente. ¿Podría ser que,
como parece posible después de compararlo con la
breve descripción que el último ofrece del Premier
manifeste, el Apéndice no fuera otro, en parte o en su
totalidad, que este texto perdido?
10. El panfleto que acompañaba la exposición L’infraNoir (Bucarest, septiembre 1946, reimpreso en La
maison de verre, París 1996) lanzó una encuesta
(“Une question”) sobre las posibilidades de
“conquistar los medios para hacer el amor al mundo”,
reafirmando que “Poesía, amor y revolución son todos
uno”. Se podría imaginar que en 1946 las respuestas
a este desafío serían pocas, pero una carta de 1947
de Luca a Georges Henein (reimpresa en Le puits de
l’ermite, no.29/30/31 (1978), p.164) deja claro que el
grupo esperaba respuestas constructivas procedentes
de los surrealistas internacionales a esta cuestión
crucial.
11. Simplificando enormemente, muchos de los
inconvenientes más serios del grupo de París durante
los años 30 surgieron por una parte de la necesidad
de afirmar una postura revolucionaria coherente a la
luz del ascenso del estalinismo (y las consiguientes
deserciones de Aragon y Eluard), y por otra del deseo
de canalizar y explotar la imaginación “histérica” de
individuos como Dalí (quien, lejos de aceptar la
necesidad de asumir una actitud revolucionaria, fue
manifestando de modo creciente simpatías
reaccionarias). Los escritos de Luca de los años 40
podrían ser interpretados precisamente como un
intento de reconciliar la lucidez poética revolucionaria
de Breton con el delirio de los textos de Dalí.
12. S. Alexandrian, Surréalisme et rêve, op. cit.,
p.228.
13. Dialectique de la dialectique no se refiere a La
Muerte muerta ni cuestiona su razonamiento de modo
directo, como si la muerte que confronta hubiera de
quedar como esa cosa “innombrable” dentro de la
teoría surrealista o como si el grupo hubiera,
entretanto, retrocedido ante la idea de hacerla un
principio central de sus ideas. Los temas de El
Inventor del Amor y de La Muerte muerta, sus
motivos de amor sacrílego y violento, sus evocaciones
de cementerios y terremotos, muestran fuertes
reminiscencias de los escritos de Georges Bataille.
Mientras que parece ser que Bataille nunca estuvo al
corriente del libro de Luca (y, si lo estaba, sería
sorprendente que no se refiriera a él), desconocemos
el alcance del conocimiento de Luca de los escritos de
Bataille hacia 1940, si es que llegó a conocerlos.
Floriano Martins (Brasil, 1957) es uno de los directores de Agulha.
Contato: [email protected]. Krzysztof Fijalkowski
(Inglaterra, 1962). Ensayista y traductor. Ha traducido Le Vampire
passif (Twisted Spoon Press, England, 2007), de Ghérasim Luca.
Además ha publicado artículos diversos acerca del surrealismo. Aquí
publicamos un ensayo, en la traducción de Lurdes Martínez, que es una
versión ampliada del mismo que fue incluido como prólogo de El
inventor del amor / La muerte muerta (La Poesía, Señor Hidalgo,
Barcelona, 2007), edición española de dos libros fundamentales de
Ghérasim Luca traducidos por Eugenio Castro, a quien damos las
gracias por la reproducción del mismo y el contacto con Fijalkowski,
que también nos recibió con valioso cariño. Contato:
[email protected]. Página ilustrada con obras de la artista
Florencia Urbina (Costa Rica).
revista de cultura # 57
fortaleza, são paulo - maio/junho de 2007
Guimarães Rosa: novas
leituras
Claudio Willer
.
Em 1987, tive a ocasião
de escrever o posfácio
da edição do Círculo do
Livro de Sagarana
(reproduzida aqui com
algumas atualizações:
Releituras de
Guimarães Rosa,
www.revista.agulha.nom.br/ag42rosa.htm).
Desde então, dei palestras sobre Guimarães Rosa e,
melhor ainda, coordenei rodas de leitura, uma
modalidade de oficina literária na qual é examinado
algum autor, lido e discutido por todos os participantes.
A mais recente, iniciada em março de 2007, no
Paulistano (Club Athlético Paulistano, CAP), onde eu já
havia coordenado uma oficina de criação poética em
2005; desta vez, examinando Sagarana e Primeiras
Estórias (e algo mais, como verão a seguir).
Aprende-se coordenando oficinas literárias. Por serem
coletivas, não tão centralizadas como as palestras e
cursos, o coordenador vai recendo retornos, o feedback, mostrando novas possibilidades de interpretação.
Como resultado, avancei em minhas interpretações de
Guimarães Rosa.
Por isso, havia decidido escrever um novo ensaio sobre
o autor de Grande Sertão: Veredas. Mas resolvi fazer
algo diferente: publicar (com mínimas adaptações) os
hands of, resumos de cada sessão, acrescidos de
alguns textos complementares que enviei aos vinte
animados e interessados sócios do clube Paulistano que
participaram da oficina.
Disso resulta o registro de algo vivo, de um processo
de produção do conhecimento. Com a colaboração dos
participantes, talvez tenha chegado a novidades em
matéria de leitura de Guimarães Rosa. Por exemplo, o
modo como, a partir da citação do upanishada
Chandogya em uma nota de rodapé de “Cara-deBronze”, de No Urubuquaquá, no Pinhém, passando
pela menção ao mesmo upanishada em Octavio Paz,
chegamos à caracterização de Partida do audaz
navegante, de Primeiras Estórias, como hipertexto.
A dificuldade do que vem a seguir é que o leitor teria
que ter, pelo menos, Sagarana e Primeiras Estórias à
sua frente, ou gravado em seu cérebro. Mas essa
dificuldade não é própria de todo ensaio literário? Faz
sentido ler ensaios sobre obras literárias sem conhecer
bem a obra examinada pelo ensaio? Este Guimarães
Rosa: Novas Leituras tornou-se um hipertexto, nãolinear, remetendo a uma diversidade de idéias e de
outras referências bibliográficas. Mas não será essa a
estrutura, a forma implícita de todo ensaio um pouco
mais ousado ou complexo? Reciprocamente, se o leitor
acompanhar este conjunto de resumos e citações com
Sagarana e Primeiras Estórias à mão, estará refazendo
a oficina, participando dos mesmos insights.
As edições citadas de Sagarana e Primeiras Estórias são
aquelas da Nova Fronteira. Idem, as duas edições de
cartas de Guimarães Rosa a seus tradutores,
Correspondência com seu Tradutor Alemão e
Correspondência com seu Tradutor Italiano.
A OFICINA DE LEITURA DE GUIMARÃES ROSA
Caros oficineiros,
Para esta oficina, quero fazer 'hands of', resumos de
cada sessão, para nunca perdermos o fio da meada. E,
para isso funcionar bem, queria que alguém, dentre
vocês, organizasse um grupo. É assim: registra-se o
grupo em www.grupos.com.br ou outro provedor que
ofereça esse serviço (yahoo também tem, mas esse do
grupos é o que me pareceu funcionar melhor); tem-se
então um endereço eletrônico único, através do qual
todos os inscritos no grupo recebem mensagens. Tem
que haver um coordenador. Em outras oficinas, isso
funcionou bastante.
Na próxima sessão, quero voltar à pergunta que Paulo
fez, depois da intepretação daquela frase do Major de
Sagarana, Galinha tem de muita cor, mas todo ovo é
branco: será que essa interpretação estava nas
intenções de Guimarães Rosa? (lembrando: relacionei à
questão do universal e do particular, da unidade e da
diversidade, e às mitologias nas quais o ovo é a origem
do cosmos ou um símbolo da perfeição).
A seguir, ainda, dois trechos de Guimarães Rosa, da
correspondência dele para Meyer-Clason, seu tradutor
para o alemão.
Abraços, Claudio Willer
[email protected]
www.secrel.com.br/jpoesia/cw.html
ADENDO I: DA CORRESPONDÊNCIA DE
GUIMARÃES ROSA PARA MEYER-CLASON:
Naturalmente, nela [na tradução de Corpo de Baile
por Edoardo Bizzarri] há trechos e passagens
“obscuros”. Mas o Corpo de Baile tem que ter
passagens obscuras! Isso é indispensável. A
excessiva iluminação, geral, só no nível do raso, da
vulgaridade. Todos os meus livros são simples
tentativas de rodear e devassar um pouquinho o
mistério cósmico, esta coisa movente, impossível,
perturbante, rebelde a qualquer lógica, que é a
chamada “realidade”, que é a gente mesmo, o
mundo, a vida. Antes o obscuro que o óbvio, que o
frouxo. Toda lógica contém inevitável dose de
mistificação. Toda mistificação contém boa dose da
inevitável verdade. Precisamos também do obscuro.
[...]
Observo, também, que quase sempre as dúvidas
decorrem do “vício” sintático, da servidão à sintaxe
vulgar e rígida, doença de que todos sofremos. Duas
coisas convém ter sempre presente: tudo vai para a
poesia, o lugar-comum deve ter proibida a entrada,
estamos é descobrindo novos territórios de sentir, do
pensar, e da expressividade; as palavras valem
“sozinhas”. Cada uma por si, com sua carga própria,
independentes, e às combinações delas permitem-se
todas as variantes e variedades.
RESUMOS DAS TRÊS PRIMEIRAS OFICINAS
GUIMARÃES ROSA – CAP, DE 07, 14 E 21 DE
MARÇO
1. Metodologia: a de sempre (‘a oficina são vocês’,
etc).
2. Bibliografia – minha recomendação de que só
examinem peças da extensa ensaística sobre GR
depois de lerem suas obras: em caso contrário,
acabarão por ver na obra o que está no ensaio,
deixando de lado outras dimensões do significado;
idem com relação aos dicionários e glossários de GR:
o sentido não é dado pela soma dos significados das
palavras.
3. Bibliografia, II: Minha principal fonte é o que o
próprio Guimarães Rosa tinha a dizer sobre sua
obra, especialmente em João Guimarães Rosa –
Correspondência com seu tradutor alemão Curt
Meyer-Clason (1958-1967), Nova Fronteira, editora
da UFMG e ABL, e João Guimarães Rosa –
Correspondência com seu tradutor italiano Edoardo
Bizzarri, também pela Nova Fronteira;
complementando, a recente edição dos Cadernos de
Literatura Brasileira do Instituto Moreira Salles
dedicada a Guimarães Rosa, com ensaios
importantes, biografia detalhada, bibliografia, dossiê
sobre GR na Alemanha etc.
4. O regionalismo e o vocabulário de Guimarães
Rosa: além das expressões regionais, tradicionais,
há aquelas do repertório erudito; há palavras
inventadas, os neologismos (na terceira oficina li
trechos da sua defesa dos neologismos e da
invenção de palavras em um dos ‘prefácios’ de
Tutaméia, o Hipotrélico), as adaptações de
expressões e modos do árabe, grego, latim, até do
húngaro, além de construções como o Moimeichego,
personagem de Cara de Bronze (Moimeichego: moi
+ me + ich + ego, ou seja, quatro vezes eu...): a
compreensão de alguns termos tem que ser
intuitiva, por conta da imaginação do leitor; além
disso, invenções de GR estão no plano da sintaxe e
não apenas lexical.
5. Regionalismo e universalismo em Guimarães
Rosa: por exemplo, as listas de transcrições de
trechos da Divina Comédia de Dante, conforme suas
cartas a Bizarri, mais os trechos de Plotino, etc;
intertextualidade, leitura e criação literária.
6. A propósito, a obra de GR como literatura de
síntese, superando a antinomia entre os beletristas
(beletrismo como elitismo, signo de separação de
classes) e os regionalistas; o modo como GR virou o
beletrismo ao avesso.
7. O tempo em GR: histórias escritas e a serem lidas
‘sem pressa’: Tempo rural, ‘no ritmo da boiada’?
(observado por MH) ‘Tempo mineiro’? (conforme JC)
Outro tempo? Qual tempo? Pausas e silêncios nas
narrativas de GR (AR)? (assuntos para voltarmos a
discutir)
8. Língua falada e transmissão oral em GR, com suas
narrativas na primeira pessoa (inclusive Grande
Sertão: Veredas) ou quase que totalmente de
diálogos (inclusive O Burrinho Pedrês); a poesia e a
fala (qualidades poéticas como ritmo e prosódia são
do registro oral, e não escrito); a escrita poética:
exemplos de prosa poética, inclusive em O Burrinho
Pedrês e Sarapalha; o significado da inserção de
poemas do cancioneiro popular (que são
transmitidos oralmente); o nome Sagarana – de
saga, sage em alemão, do verbo sagen, dizer, falar.
9. Um exemplo de valorização do oral: o Major
analfabeto de O Burrinho Pedrês, porém um sábio,
capaz de filosofar – mostrei algumas das
conseqüências da afirmação sobre ovos da mesma
cor e galinhas de todas as cores.
10. A propósito (de buscar ovos em Platão e em
cosmogonias arcaicas): isso estava nas intenções de
GR? Visão de mundo e criação literária; a
importância que GR dava à visão de mundo, cf. a
correspondência para Meyer-Clason; por outro lado,
o sentido e interpretação do texto como relação
entre leitor e obra: ou seja, o sentido não se reduz
às intenções do autor (a propósito, a frase de
Mallarmé, meu caro Degas, poesia não se faz com
idéias, poesia se faz com palavras...).
11. Correlatamente, a questão da relação entre
autor e obra; a complexidade dessas relações (citei
exemplos).
12. Ainda sobre a questão do sentido e da
interpretação (aqui, já estamos na terceira oficina):
a teoria dos três níveis de interpretação ou
significação: 1, o sentido literal, 2, a leitura
alegórica, 3, o significado anagógico (Dante), ou
seja, metafísico, transcendental; prefiro pensar em
dois níveis, conteúdo manifesto e latente, como na
psicanálise (e também para os cabalistas, o sentido
evidente e aquele oculto da escritura sagrada:
voltaremos ao tema da afinidade de GR com Cabala
e disciplinas herméticas).
13. Magia em O Burrinho Pedrês e outras narrativas
de GR: a relação entre a palavra e o mundo, ou
entre o simbólico e o ‘real’ (voltaremos a esse
assunto).
14. Possibilidades de interpretação simbólica, por
exemplo, os nomes e o nome do burrinho ‘pedrês’,
Sete de ouros.
15. A “lei” em O Burrinho Pedrês: o que significa
isso? Como se projeta em outras narrativas de GR,
inclusive Sarapalha e A volta do marido pródigo? (a
complementaridade dessas duas narrativas, uma
como avesso da outra)
16. O detalhamento geográfico (os 19 e 43 graus N
e O de Duelo) e a nomeação detalhada: o que
significa, como pode ser interpretado?
17. O que tudo isso – inclusive o que foi tocado nos
dois últimos tópicos – nos esclarece sobre o ‘mundo’
de GR, incluindo suas dimensões propriamente
sociológicas e políticas?
ADENDO II: TRÊS CITAÇÕES:
Octavio Paz, em
Conjunções e
Disjunções, Editora
Perspectiva, São Paulo,
1979:
As culturas chamadas
primitivas criaram um
sistema de metáforas
e de símbolos que,
como mostrou LéviStrauss, constituem
um verdadeiro código
de símbolos, ao
mesmo tempo sensíveis e intelectuais: uma
linguagem. A função da linguagem é significar e
comunicar os significados, mas nós, homens
modernos, reduzimos o signo à mera significação
intelectual e a comunicação à transmissão da
informação. Esquecemos que os signos são coisas
sensíveis e que operam sobre os sentidos. O
perfume transmite uma informação que é
inseparável da sensação. O mesmo sucede com o
sabor, o som e outras expressões e impressões
sensoriais. O rigor da “lógica sensível” dos primitivos
nos fascina por sua precisão intelectual: não é
menos extraordinária a riqueza das percepções:
onde um nariz moderno não distingue senão um
cheiro vago, um selvagem percebe uma gama
definida de aromas. O mais assombroso é o método,
a maneira de associar todos esses signos até tecer
com eles séries de objetos simbólicos: o mundo
convertido numa linguagem sensível. Dupla
maravilha: falar com o corpo e converter a
linguagem em um corpo.
Mircea Eliade, do Tratado de História das Religiões:
Uma das principais diferenças que separa o homem
das culturas arcaicas do homem moderno reside
justamente na incapacidade deste último para viver
sua vida orgânica (em primeiro lugar a sexualidade e
a nutrição) como um sacramento. (...) Nada são
senão atos fisiológicos para o moderno, embora
sejam, para o homem das culturas arcaicas,
sacramentos, cerimônias cuja mediação serve para
comungar com a força que representa a própria
vida.
De A TÁBUA ESMERALDA, atribuída a Hermes
Trismegisto (século II d.C.)
É verdade, sem mentira, certo e muito autêntico.
O que está em baixo é como o que está em cima, e
o que está em cima é como o que está em baixo;
por estas coisas se fazem os milagres de uma só
coisa.
E como todas as coisas são e provêm se UM, pela
meditação de UM, assim todas as coisas nasceram
desta coisa única, por adaptação.
O Sol é seu pai, a Lua a mãe. O Vento trouxe no
ventre. A Terra é sua alimentadora ama e o seu
receptáculo. O Vento trouxe-a no ventre. O Pai de
tudo, o TELESMA do mundo universal, está aqui. A
sua força ou potência fica inteira, se for convertida
em terra.
Separarás a terra do fogo, o subtil do espesso,
brandamente, com grande indústria. Ele sobe da
terra ao céu e de novo baixará a terra, e recebe a
força das coisas inferiores.
Terás por esse meio a glória do mundo; e, por isto
também, toda a obscuridade se afastará de ti.
É a força, forte de toda a força, pois vencerá toda a
coisa subtil e penetrará em toda a coisa sólida.
Assim, o mundo foi criado.
Daqui sairão admiráveis adaptações, cujo meio está
aqui.
Por isso fui chamado Hermes Trimegisto, porque
possuo as três partes da filosofia universal.
O que disse aqui da Obra solar está cumprido e
acabado.
OFICINA GUIMARÃES ROSA – CAP: RESUMO DA
QUARTA SESSÃO, DE 28/03
1. De qual dos relatos de Sagarana eu gosto mais?
MH respondeu, corretamente, que é São Marcos. Ao
lerem esta narrativa, procurarão verificar os motivos
da minha preferência.
2. A “lei” em Sagarana: corretamente, foi observada
a diferença entre ordem do costume e lei civil.
Associei essa dualidade – costume vs. lei civil
formalmente codificada – a duas categorias
sociológicas, sociedade e comunidade. Lei civil
prevalece na sociedade; ordem do costume, na
comunidade. Observem como, em todos os relatos
de Sagarana, porém de modos diferentes em cada
um deles, a ordem do costume, a tradição, sempre é
afirmada e prevalece sobre a lei civil. (em dose
dupla em Minha Gente)
3. A precisão topográfica e geográfica, o
detalhamento em GR (inclusive os 19 e 43 graus N e
O de Duelo), e minha recomendação de lerem esse
conto acompanhado-o em um mapa. Mostrei como
há um limite para esse detalhamento; passado o rio
Pará de Minas, fora da mesopotâmia entre o Rio das
Velhas e o Paraopeba, como ele diz, a especificação
geográfica desaparece: é tudo “o” Guaxupé, “o” São
Paulo, assim como “o” Divinópolis e “o” Rio de
Janeiro em A Volta do Marido Pródigo: nada é
descrito desses lugares.
4. Dimensões metafísicas desse mundo tradicional e
do tradicionalismo de GR: a associação platônica da
origem à perfeição (da qual os ovos do Major de O
Burrinho Pedrês são um símbolo ou metáfora); li
trechos de Frances Yates, de Giordano Bruno e a
Tradição Hermética, sobre a valorização do passado
entre os neo-platônicos da Renascença, de sua
busca do ouro antigo, original e primitivo, do qual os
metais menos nobres do presente e do passado
imediato eram uma degenerescência ou uma
corrupção; voltarei ao assunto.
5. A percepção do real, a relação entre realidade e
símbolo, nesse mundo primitivo: confrontem trechos
como aquele da descrição da boiada a partir do seu
rastro em Minha Gente, e principalmente aquelas da
natureza em São Marcos, com o trecho de Octavio
Paz sobre linguagem sensível que eu já havia
enviado em separado e que li na oficina.
6. A propósito de comentários sobre leitura em voz
alta de GR: o importante não é ler GR em voz alta; é
ouvir o texto, ao lê-lo.
7. Em Minha Gente, reparem nos choques de
códigos: por exemplo, nos diálogos dos enxadristas,
e como isso é metáfora ou sugestão das relações
entre o universal e o particular.
8. Em São Marcos, localizem os parágrafos em que é
justificado o uso de linguagem e vocabulário
estranho, de modo até mesmo menos mistificador
do que em Hipotrélico.
9. GR reconstitui um mundo mítico: mas o que é o
mítico? o que é o mito? reflitamos e retornemos ao
assunto na próxima sessão.
OFICINA GUIMARÃES ROSA – CAP: RESUMO DA
QUINTA SESSÃO, DE 11/04
1. Na abertura da sessão, li trechos do ensaio Leilão
divino, tribunal jagunço, de Fábio de Souza Andrade
(revista Literatura e Sociedade, USP-FFLCH-DTLLC,
n. 6, 2001-2002), que fala do modo rosiano de ver o
mundo, uma perspectiva informada por elementos
de explicação mágico-mítica da realidade (de origem
na filosofia neo-platônica e na sabedoria e religião
populares). O que expus a seguir, e talvez tenha
parecido uma espécie de viagem psicodélica ou
exercício de extrapolação e furor pedagógico de
minha parte – com as explanações sobre o mito do
demiurgo no Timeu de Platão, o ‘pequeno deus’
criador do mundo, sobre o demiurgo gnóstico, mau e
incompetente, e sobre Hermes-Toth do hermetismo,
criador da linguagem (também comentado por
Platão, no Fedro), sobre magia, o símbolo ativo e
com poderes, e sobre a concepção cabalística da
linguagem (inclusive contando a lenda do Golem) –,
nada mais foi do que a tentativa de detalhar isso,
trocar em miúdos, esclarecer o que vem a ser
explicação mágico-mítica da realidade. Tudo o que
foi exposto é perfeitamente compatível com o
pensamento e as intenções de Guimarães Rosa –
tanto é, que sua correspondência a Meyer-Clason,
ele indica os trechos de Plotino (o grande filósofo e
místico neo-platônico do séc. II d.C) que transcreveu
no conto Cara de Bronze.
2. Também li, a propósito da jagunçada e dos
confrontos em A Hora e Vez de Augusto Matraga e,
em maior grau, em Grande Sertão: Veredas, esta
citação de Eric Hobsbawn, do ensaio já citado de
Fábio de Souza Andrade: Em política, os bandidos
tendem a ser tradicionalistas revolucionários,
convertidos em símbolo ou ponta de lança da
resistência de toda ordem tradicional contra as
forças que a desagregam e destroem.
3. Mito e logos: Li os trechos de Mito e Realidade de
Mircea Eliade (Perspectiva, São Paulo, 1972) em que
o estudioso de história das religiões distingue entre
as histórias verdadeiras, os mitos de origem, cuja
recitação é uma cerimônia, que pertencem à esfera
do sagrado para as sociedades tribais e que
conferem poder a quem os recita, e as histórias
falsas, fábulas e contos. Falei algo também sobre os
xamãs, feiticeiros ou sacerdotes tribais, objeto de
estudos importantes de Eliade.
4. Comentei a justificativa da linguagem estranha e
anacrônica em São Marcos – pg. 275, no trecho
sobre os bambus. Chamei a atenção para esta frase
de São Marcos: E não é sem assim que as palavras
têm canto e plumagem – comparem com o trecho de
Octavio Paz sobre linguagem sensível nas sociedades
primitivas, que já havia enviado. Detive-me nas
glossolalias, fonemas não-semantizados, em São
Marcos: os nomes de reis assírios no bambuzal, o
Pepp or pepp, epp or see... Pepe orpépe, heppe Orcy
– falamos, a propósito, sobre mantras e outras
modalidades de fonemas não-semantizados. Ao final
deste resumo, algumas citações de Octavio Paz
sobre glossolalias como linguagem mágica e como
poesia.
5. Ficou claro (espero) que São Marcos serve como
chave para a compreensão de aspectos da obra de
Guimarães Rosa. Nele, entramos em pleno domínio
da bruxaria: seu protagonista não acredita em
feitiçarias, estabelece um confronto com um
feiticeiro rural, salva-se através de uma prece
mágica. Para um dos estudiosos de Guimarães Rosa,
José Carlos Garbuglio (Guimarães Rosa, o pactário
da língua, Revista do Instituto de Estudos
Brasileiros, nº 22, USP, São Paulo, 1980 –
recentemente, Garbuglio publicou um livro sobre
Guimarães Rosa: Rosa em 2 Tempos, ed. Nankin,
2005) esse relato conteria uma poética e uma
metáfora da poesia, justamente por falar do poder
da palavra, capaz de agir sobre o real. O aparente
sem-sentido pode ter sentidos ocultos, insuspeitos,
até para o seu enunciador, como é dito a propósito
da enumeração cravada no bambuzal. O relato é
todo metalingüístico, pois nele há uma relação entre
dois textos, ou dois discursos. Um deles, mágico, ou
sobre a magia, enunciado pelos protagonistas.
Outro, que equivale à linguagem da própria
natureza. Momentaneamente cego, o protagonista
ouve um araçari que ensaia e reensaia discursos
irônicos; ele escuta os cantos de outros pássaros e
outros ruídos de animais; sente e reconhece a
vegetação, identifica cada vegetal; reconhece o
terreno; vai percebendo, cada vez com maior
clareza, que está em um labirinto. Recitando uma
fórmula mágica, consegue sair do labirinto e livrarse da cegueira. O que Guimarães Rosa descreve é a
relação do homem primitivo com seu mundo,
sensível e significativo, por isso mesmo possível de
ser descrito e também subjugado pela linguagem
mágica, cujos termos guardam relações analógicas,
simpáticas, com as coisas, assim como, em um
determinado momento, os bambus são os barbudos
reis assírios. São Marcos é um conto hermético e
iniciático sobre a percepção da linguagem sensível e
do mundo (arcaico e natural) como sentido. Por isso,
o relato termina com uma cena de selvageria, uma
explosão de fúria: é o selvagem recuperado pelo
protagonista, que agora tem o poder dado pela
fórmula mágica (metaforicamente, pela poesia).
6. Próxima sessão: vamos repassar Sagarana,
esclarecer, examinar dúvidas: releiam, tragam
perguntas e comentários. E já podem iniciar a leitura
de Primeiras Estórias, ao qual dedicaremos as duas
últimas sessões desta oficina.
ADENDO III: AS GLOSSOLALIAS
Correspondem ao
dom de “falar em
línguas”, a
manifestação
pentecostal do
Espírito relatada
em Atos dos
Apóstolos 2,
guardando
semelhança, no
âmbito do
cristianismo, com
o que ocorre em
cultos batistas ou
pentecostais. A emissão de glossolalias é um ato
coerente: nomear um deus oculto requer uma
linguagem secreta, acessível e inteligível apenas ao
iniciado. O conhecimento intransitivo, sem objeto, só
pode ser expressado através de uma linguagem
igualmente intransitiva. Corresponde a uma resposta a
estas perguntas feitas por Scholem, a propósito de
misticismo e sua relação com a linguagem, e do anseio
dos místicos pela auto-expressão:
Como é possível dar expressão verbal ao
conhecimento místico, que por sua própria natureza
está relacionado com uma esfera de onde linguagem
e expressão se acham excluídas? Como é possível
parafrasear adequadamente em meras palavras o
mais íntimo de todos os atos, o contato do indivíduo
com o Divino? (Scholem, As Grandes Correntes da
Mística Judaica, ed. Perspectiva, )
Glossolalias, “falar em línguas”, são examinados por
Octavio Paz. Comenta sua difusão e caráter esotérico:
O “dom de línguas” não foi um fenômeno exclusivo
das comunidades cristãs dos primeiros séculos. É
anterior a elas e se encontra na multidão de cultos
orientais mediterrâneos desde a alta Antiguidade.
Aparece também em outros movimentos religiosos
contemporâneos do cristianismo primitivo. Os
gnósticos entremeavam seus hinos e discursos de
sílabas e palavras sem sentido. Em seu tratado
contra os gnósticos, Plotino os censura por
pretenderem encantar as inteligências superiores
com a emissão de gritos, exalações e assobios. Entre
os textos descobertos em Nag Hammadi há vários
que incluem essas silabas e interjeições a que se
refere Plotino. Em O discurso do oito e do nove lêse: “O Perfeito, o Deus invisível ao qual se fala em
silêncio (...) é o melhor entre os melhores. Zozhatzo
oo ee ooo ee oooooo uuuuu oooooooooooo
Zozazoth”. Extraordinária afirmação: ao pronunciar
esses sons incoerentes o devoto diz o nome de Deus
escondido em sua intimidade. Deus se revela num
nome, mas esse nome é ininteligível: trata-se de
uma sucessão de sílabas (Leitura e Contemplação,
em Paz, Convergências – Ensaios sobre arte e
literatura, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1991, assim
como as citações seguintes)
Manifestações da crença na analogia universal,
glossolalias são uma tentativa de expressar-se através
da linguagem total, duplo do universo. Uma linguagem,
como iria dizer Paz a respeito dos mantras budistas e,
especialmente, tântricos, que:
[...] apaga a distinção entre a palavra e o ato, reduz
o signo a mero significante, multiplica e troca os
significados, concebe a linguagem como um jogo
idêntico ao do universo, no qual o lado direito e o
esquerdo, o feminino e o masculino, a plenitude e a
vacuidade, são um e o mesmo – linguagem que tudo
significa, e que, em suma, não significa nada.
A tentativa de produzir duplos do universo através de
fonemas é uma exacerbação do pensamento analógico.
Por isso, reaparece na poesia:
Assim, na história da poesia moderna, reaparece a
mesma obsessão dos gnósticos e dos cristãos
primitivos, dos montanistas e dos xamãs da Ásia e
da América: a busca de uma linguagem anterior a
todas as linguagens e que restabeleça a unidade do
espírito. Embora intraduzível para tal ou qual
significação, essa linguagem não carece de sentido.
Mais exatamente: aquilo que enuncia não está
antes, mas depois da significação. Não é um
balbuciar pré-significativo: é uma realidade ao
mesmo tempo física e espiritual, audível e mental,
que transpôs o domínio dos significados e os
incendiou. Não é mais o sentido, está além dele. O
dizer deixa de significar: mostra realidades que são
ininteligíveis e intraduzíveis, mas não
incompreensíveis. Não significa, e ao mesmo tempo
está impregnado de sentido.
OFICINA GUIMARÃES ROSA – CAP, RESUMO DA
SEXTA SESSÃO, DE 18/04
1. Prolongamento de oficina: fiquei contente com
interesse, satisfação e participação ativa. Para uma
futura oficina, ou até para irem trabalhando por
conta própria, recomendaria Campos de Carvalho –
Obra Reunida pela ed. José Olímpio, tem nas
livrarias. Prosador extraordinário, não está sendo
estudado (no pólo oposto de GR, que é hiperestudado).
2. Questões apresentadas pela oficina: Em quais
contos de Sagarana o protagonista não é nomeado,
não tem nome? (ou dos oficineiros atentos e bons
leitores): Minha Gente e São Marcos – nos dois, os
protagonistas são de fora, exteriores à sociedade
arcaica.
3. Questões apresentadas pela oficina, II: Em quais
contos de Sagarana não tem mulher? (ou dos
oficineiros atentos e bons leitores, bis): igualmente,
São Marcos – a propósito, li trechos de Gershom
Scholem, As Grandes Correntes da Mística Judaica
(ed. Perspectiva), sobre a exclusão da mulher na
cabala e outras correntes do misticismo judaico,
nisso contrastando com religiões pagãs, nas quais,
em algumas, divindades femininas são centrais (Isis,
Ishtar, p. ex).
4. O negro em São Marcos e outras passagens de GR
(AR, MC e outros) – fica claro, neste e em outros
aspectos, que ele registra o tipo de estratificação de
sociedades tradicionais, hierarquizadas;
5. Tradicionalismo em GR: repeti que, para os
hermetistas, esoteristas, neo-platônicos, gnósticos,
etc, o mais antigo é valorizado por, sendo antigo,
estar mais próximo da origem; portanto, da
perfeição, da unidade perdida (segui a
argumentação de Frances A. Yates em Giordano
Bruno e a Tradição Hermética).
6. Com esse tradicionalismo todo, com essa
valorização toda de sociedades arcaicas ou
tradicionais, poderia, ainda assim, GR ser
considerado rebelde ou revolucionário? Sobre o
rebelde que aspira à restauração dos prestígios
nefastos do mito, li os trechos de Octavio Paz em
Revolta, Revolução e Rebelião (faz parte de Signos
em Rotação, ed. Perspectiva), transcritos a seguir
(reaproveitando algo da minha tese); também li
trechos do já citado As Grandes Correntes da Mística
Judaica de Gershom Scholem, sobre misticismo
revolucionário e subversivo, igualmente transcritos a
seguir.
7. Li e comentei trechos do importante ensaio de
Paulo Rónai que abre Primeiras Estórias, sobre a
criação de vocábulos e de formas sintáticas e sobre
a produção do sentido em GR, como estratégias para
inquietar o leitor, para ampliar sua percepção; citei
os exemplos do vocábulo grego, sebastos, e dos
trocadilhos húngaros sobre czardas. Fica claro que,
em GR, a linguagem não é uma coisa, mas um
processo; trata-se de linguagem em movimento,
cujo sentido é algo em permanente criação: o rio de
Heráclito, contraposto ao Ser fixo de Parmênides.
8. A epistemologia de GR: o contraste entre realismo
e idealismo, ou, em literatura, entre realismos e
subjetivismos, é resolvido ou superado pela adição
de um terceiro termo: o outro – daí seus relatos
feitos de falas, de vozes de personagens, de outros
sujeitos.
9. Próxima sessão: leremos pelo menos até a
metade de Primeiras Estórias.
ADENDO V: O REBELDE E O MITO
Octavio Paz termina Revolta, Revolução e Rebelião com
observações sobre a mudança de significado dos
termos revolução e revolta na modernidade, e como
estão associados a diferentes concepções do tempo:
Revolução é uma palavra que contém a idéia do
tempo cíclico e, em conseqüência, a de regularidade
e repetição das mudanças. Mas a acepção moderna
não designa o eterno retorno, o movimento circular
dos mundos e dos astros, e sim a mudança brusca e
definitiva na direção dos assuntos públicos. Se essa
mudança é definitiva, o tempo se rompe, e começa
um novo tempo, retilíneo. A nova significação destrói
a antiga: o passado não voltará e o arquétipo do
suceder não é o que foi, e sim o que será. (Paz,
Signos em Rotação, Perspectiva, São Paulo, 1972,
assim como a citação seguinte)
Semelhante mudança afeta, por sua vez, o sentido dos
outros dois termos examinados por Paz, revolta e
rebelião:
[...] a palavra guerreira, rebelião, absorve os antigos
significados de revolta e revolução. Como a primeira,
é protesto espontâneo frente ao poder; como a
segunda, encarna o tempo cíclico que põe acima o
que estava abaixo, em um girar sem fim. O rebelde,
anjo caído ou titã em desgraça, é o eterno
inconformado. Sua ação não se inscreve no tempo
retilíneo da história, domínio do revolucionário ou do
reformista, mas no tempo circular do mito: Júpiter
será destronado, Quetzacoatl voltará, Luzbel
regressará ao céu. Durante todo o século XIX o
rebelde vive à margem. Os revolucionários e os
reformistas o vêem com a mesma desconfiança com
que Platão vira o poeta e pela mesma razão: o
rebelde prolonga os prestígios nefastos do mito.
MISTICISMO REVOLUCIONÁRIO E SUBVERSIVO
Conforme Scholem, misticismo aparece quando o
abismo entre o humano e o divino, tornado um fato da
consciência interior em um estágio do desenvolvimento
das religiões, aquele que corresponde à sua forma
clássica, como religião institucional, se torna objeto de
[...] uma investigação do segredo capaz de fechá-lo
[a esse abismo], do caminho oculto que permite
transpô-lo. [o místico] Tenta reagrupar os
fragmentos quebrados pelo cataclismo religioso,
recuperar a antiga unidade que a religião destruiu,
mas num novo plano, onde o mundo da mitologia e
o da revelação se encontram na alma do homem.
Destarte, a alma se transforma em seu cenário, e a
trajetória da alma através da multiplicidade abismal
das coisas em direção à realidade Divina, agora
percebida como a unidade primordial de todas as
coisas, se torna sua principal preocupação.
(Scholem, Gershom G, As Grandes Correntes da
Mística Judaica, Perspectiva, São Paulo, 1995, assim
como a citação seguinte)
Para Scholem, isso ocorre em um terceiro estágio da
história das religiões: seu aparecimento [do misticismo]
coincide com o que se poderia chamar de período
romântico da religião. Corresponde a uma revivescência
do pensamento mítico, ou seja, daquilo que caracteriza
uma etapa inicial, precedendo as religiões institucionais
ou normativas. Observou que os símbolos da Cabala se
apresentam invariavelmente coloridos pelo mundo da
mitologia, e associou esse retorno do mito – visto como
vingança do mito sobre seu conquistador –ao
gnosticismo. O gnosticismo, e os misticismos dele
derivados ou a ele relacionados, têm, portanto, um
caráter subversivo:
[...] cumpre ter em mente que todo o significado e
objetivos daqueles mitos e metáforas antigos, cujos
restos os redatores do livro Bahir e portanto toda a
Cabala herdaram dos gnósticos, era simplesmente a
subversão da lei que, em sua origem, perturbara e
rompera a unidade do mundo mítico. Destarte,
através de amplas e disseminadas regiões do
cabalismo, a vingança do mito sobre seu
conquistador é clara aos olhos de todos [...]
Scholem associa tais tentativas de subverter e
revolucionar a doutrina estabelecida a um período
romântico das religiões, uma espécie de terceira etapa,
seguindo-se ao primitivo panteísmo e à afirmação e
consolidação dos grandes monoteísmos, das religiões
institucionais. Há um primeiro estágio, uma época
mítica, característica da infância da humanidade; que
reaparece no misticismo como revanche do mítico
contra o racional. Naquele estágio inicial, diz Scholem,
a Natureza é o cenário da relação entre o homem e
Deus, que corresponde à:
A imediata consciência da inter-relação e da
interdependência das coisas, de sua unidade
essencial, que precede a dualidade e nada sabe da
separação, o universo verdadeiramente monístico da
era mítica do homem [...]
----- Original Message ----From: HF
To: Willer
Sent: Monday, April 23, 2007 4:29 PM
Subject: oficina
CARO WILLER,
QUANTO A A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA,
ALGUNS COMENTÁRIOS QUE NÃO TIVE CORAGEM DE
COLOCAR AO VIVO. ESTRANHEI QUE O NOME DOS
CASAL DE PRETOS SÓ APARECE NO FIM, QUITÉRIA E
SERAPÍÃO; E TAMBÉM QUE O FIM DESTE CONTO NÃO
RE-ENCONTRA OS PERSONAGENS DONA DIONÓRA E
MAJOR CONSILVA, COMO EU PENSAVA.
COMO TÉM VÍRGULAS ESTE TEU G. ROSA, MUITOS
ESPINHOS....
DESCULPE DISCORDAR DE TUA AFIRMATIVA QUE NO
JUDAÍSMO, CRISTIANISMO E ISLAMISMI NÃO SE REZA
DIRETAMENTE A DEUS. VEJA ESTE TRECHO DE
MATEUS 6, 6: QUANTO A TI, QUANDO QUISERES
ORAR, ENTRA EM TEU QUARTO MAIS RETIRADO,
TRANCA A TUA PORTA, E DIRIGE A TUA ORAÇÃO
A TEU PAI QUE ESTÁ ALI, NO SEGREDO. E TEU
PAI, QUE VÊ NO SEGREDO, TE RETRIBUIRÁ. NO
VELHO TESTAMENTO, MUITOS SE DIRIGEM A DEUS
DIRETAMENTE, ORA PEDINDO, ORA REZANDO - NO
LIVRO DE JÓ, POR EXEMPLO. E MOISÉS, ABRÃO,
TODOS....
ENFIM, É UM DETALHE NA IMENSIDÃO CULTURAL DE
SUAS OFICINAS.
ABRAÇO,
HF
_____
H,
Quanto à sua pergunta sobre os destinos dos
personagens de Matraga, e de alguns desses
personagens serem deixados de lado, você toparia um
exercício avançadíssimo e bem ousado de comparação
literária?
Consiste no seguinte: comparar A Hora e Vez de
Augusto Matraga com um conto de Borges - A Escrita
de Deus, de O Aleph - e achar através dessas leituras a
resposta à sua pergunta. Que tal? Outros oficineiros
também podem tentar.
Quanto a falar com Deus, tema interessantíssimo, eu
posso tratar disso na oficina de amanhã. Desde já
adianto que, nos grandes monoteísmos, isso de falar
sobre Deus através de glossolalia, ou de Deus
manifestar-se desse modo, é coisa de místicos, e de
heréticos. Culpa dos filósofos, que sempre complicam
tudo. Nas tradições canônicas, centrais, assim como na
religião popular, a interlocução é direta, como você
bem observa.
abraço, Claudio Willer
[email protected]
www.secrel.com.br/jpoesia/cw.html
OFICINA GR-CAP, RESUMO DA SÉTIMA SESSÃO,
DE 25/04
1. As questões
incendiárias
levantadas por HF, I:
Falar com Deus.
Ficou claro, então,
que proferir
glossolalias, “falar em
línguas”, no judaísmo
e no cristianismo, é
coisa de místicos, às
margens da ortodoxia
ou heréticos, e não
da religião normativa,
institucional (pode
ser de seitas e grupos específicos, como os
carismáticos, como bem lembrou MH). Citei Paulo
em 1 Coríntios: 14: Dou graças a Deus por falar em
línguas mais que todos vós. Mas, numa assembléia,
prefiro dizer cinco palavras com a minha inteligência,
para instruir também os outros, a dizer dez mil
palavras em línguas. Sobre místicos, a observação
de Gershom Scholem a propósito de misticismo e
sua relação com a linguagem, e do anseio dos
míticos pela auto-expressão: Como é possível dar
expressão verbal ao conhecimento místico, que por
sua própria natureza está relacionado com uma
esfera de onde linguagem e expressão se acham
excluídas? Como é possível parafrasear
adequadamente em meras palavras o mais íntimo de
todos os atos, o contato do indivíduo com o Divino?
2. As questões incendiárias levantadas por HF, II: o
abandono de personagens em Matraga, a ex-mulher
e filha que ficam para trás. Para entender isso, é
preciso levar em conta a lógica do dualismo: se
alguém teve a revelação, o contato com o Absoluto,
então as coisas desse mundo não interessam mais.
Ilustrei com um conto de Borges, de O Aleph, A
escrita do deus. Ao final, um texto meu comentando
A escrita do deus de Borges.
3. A propósito de Borges e GR: São autores bem
diferentes. Borges me parece mais voltado para a
mensagem (transmite com precisão enredos,
mensagens, que são impossíveis, fantásticos),
enquanto GR seria mais voltado para o código (as
invenções vocabulares, contorções da sintaxe, etc).
Convergem, contudo, na visão platônica do mundo
(bem mais pessimista em Borges). Há um conto de
GR, Desenredo, de Tutaméia, que me parece
bastante borgeano (a história do marido que se
reconcilia com a mulher que o traiu, e como isso faz
com que o passado vá sendo transformado).
4. As questões incendiárias levantadas por HF, III (e
por outros oficineiros): Deus e GR. Li trechos do
ensaio de Günter Lorenz sobre Grande Sertão:
Veredas incluído na correspondência GR – MeyerClason, inclusive este: Neste mundo trágico e cheio
de tensão reinam deuses que só aparentemente
recuaram ante o cristianismo, mas que, na
realidade, são forças motrizes dele, em que ainda se
fiam e aos quais obedecem um povo e um
continente inteiro. GR gostou do ensaio, o que era
raro (implicava com ensaístas). Paganismo,
politeísmo em GR? Não haveria contradição com
uma narrativa tão cristã como A hora e vez de
Augusto Matraga? (com um padre indicando o
caminho etc) Isso me leva a ver GR como autor de
uma tentativa de síntese não só literária (de
literatura regional e universal, do beletrismo e
coloquialismo modernista, das narrativas
regionalistas e narrativas de introspecção, conforme
foi visto), mas metafísica e religiosa (do paganismo
e cristianismo, monoteísmo e politeísmo, talvez).
5. Outras questões levantadas por HF, com a
colaboração de MH, AR e outros oficineiros: o casal
de negros que só recebe nomes ao final, sendo que
nomes, em GR, são importantíssimos, pois
constituem a realidade, têm peso mágico.
Aparentemente, eles têm nomes só após o momento
decisivo, quando Matraga tem a revelação e se
encaminha para a realização de seu destino.
6. Reaparecem as glossolalias em Primeiras
Estórias? Em qual dos contos? Em Sorôco, sua mãe,
sua filha – o conto é especificamente sobre o “falar
em línguas”.
7. Comparações entre Sagarana e Primeiras
Estórias, I: metalinguagem. Quais relatos de
Sagarana e de Primeiras Estórias são
metalingüísticos, sobre a própria linguagem? Em
Sagarana, metalingüístico é São Marcos, que contém
uma poética. A digressão sobre a linguagem às pgs.
274-275 não é uma digressão, mas uma espécie de
recado, avisando que o restante também é sobre a
linguagem – como já havia observado, em GR nada
é gratuito; tudo, inclusive as aparentes digressões,
as perífrases, rodeios, tem peso, valor simbólico. Já
em Sagarana há metalinguagem em Sorôco, sua
mãe, sua filha; em Famigerado, um exercício de
relativismo lingüístico; em Pirlimpsiquice, que é
sobre a criação como entusiasmo, possessão – e há
mais: procurem e acharão.
8. Comparações entre Sagarana e Primeiras
Estórias, II: Primeiras Estórias não é mais
exclusivamente regional: já o primeiro dos relatos,
antes um poema em prosa, é sobre a construção de
Brasília. A dimensão universal de GR como que se
destaca.
9. Comparações entre Sagarana e Primeiras
Estórias, III: A oficina achou Primeiras Estórias mais
acessível, inclusive pela menor extensão dos relatos.
Mas fiz duas observações. Uma, que a legibilidade de
GR aumentou em função do estágio em Sagarana.
Outra, que é preciso estar atento para a dimensão
simbólica: tudo tem sentidos ocultos, latentes,
segundas intenções. Exemplifiquei com a reclamação
de GR a Meyer-Clason, sobre A terceira margem do
rio ter sido traduzido como Das Dritte Flussufer e
não como Das Dritte Ufer des Flusses. A palavra
composta, Flussufer como margem do rio, embora
correta em alemão, neutralizava o sentido simbólico:
Porque o “rio”, ali, é individuado como símbolo, e
deve ser destacado fortemente, observou GR. É o
São Francisco e também o rio de Heráclito, a vida, o
devir cósmico etc. O mesmo vale para o restante.
Procurem símbolos e acharão.
10. Próxima sessão: a oficina dirá quais, dos relatos
de Primeiras Estórias, são os meus preferidos (A
terceira margem do rio não vale, é hors-concours).
ADENDO VI: BORGES E O DUALISMO, POR WILLER
(trecho de um ensaio)
Em A Escrita de Deus, de O Aleph, a ação transcorre no
México do século XVI e seu protagonista é um
sacerdote asteca prisioneiro dos espanhóis; mas, dos
relatos borgeanos, é aquele que oferece a melhor
ilustração do mito do encontro com a centelha divina
ou alma verdadeira associado à gnose. Tzinacan, o
sacerdote encarcerado, reconstrói pela memória as
manchas na pelagem de um jaguar, animal que é um
dos atributos do deus. Nelas, discerne a escrita divina,
uma fórmula de catorze palavras casuais. Dizê-la o
tornaria todo-poderoso, capaz de destruir seu cárcere e
restaurar o reino de Montezuma:
Mas eu sei que nunca direi essas palavras, porque
não me lembro de Tzinacan. [...] Quem entreviu o
universo, quem entreviu os ardentes desígnios do
universo não pode pensar num homem, em suas
triviais venturas ou desventuras, mesmo que esse
homem seja ele. Esse homem foi ele e agora não lhe
importa. Que lhe importa a sorte daquele outro, que
lhe importa a nação daquele outro, se ele agora é
ninguém. Por isso não pronuncio a fórmula, por isso
deixo que os dias me esqueçam, deitado na
escuridão. (Borges, O Aleph, ed. Globo)
Em outras palavras, “eu” é, ou foi, após a gnose, um
outro; mas esse outro, tendo sido, não importa mais,
deixou de interessar, já era. A Escrita de Deus é,
portanto, um apólogo ou parábola que expõe a lógica
do misticismo contemplativo e, ao mesmo tempo, do
dualismo radical: a centelha divina, alma verdadeira,
anula o “eu” adventício; a gnose neutraliza as
categorias do mundo; por isso, tornam-se indiferentes
a liberdade ou prisão, poder ou submissão, miséria ou
prosperidade.
OFICINA GUIMARÃES ROSA – CAP, RESUMO DA
OITAVA SESSÃO, DE 02/05:
1. Algumas hipóteses sobre motivos da preferência
de HF e outros oficineiros por Primeiras Estórias, se
comparadas a Sagarana:
1.1. Universal vs. regional: Primeiras Estórias não é
mais regional, exclusivamente: dos 21 contos, 7 ou
são urbanos, ou poderiam ser em qualquer lugar,
ou se desenrolam (o primeiro e o último) em
Brasília;
1.2. Vocabulário: correlatamente, menos
regionalismos, porém muito mais invenções – os
trocadilhos de Darandina, os vocábulos do grego,
anglicismos (o patrão ‘esmarte’ em Tarantão meu
patrão) etc (a questão do universal aparece em
Sagarana lateralmente, nos enxadristas de Minha
gente, nas páginas sobre linguagem e vocabulário
de São Marcos);
1.3. Amor, lirismo: a relação entre homens e
mulheres, o amor, tema central de alguns contos,
como Seqüência, Luas de Mel e Substância;
1.4. A criança – que em Sagarana mal aparece; já
em Primeiras Estórias, dos 21 contos, 7 são sobre
crianças ou protagonizados por crianças, inclusive o
primeiro, As margens da alegria, e o último, Os
cimos. Há bastante idosos, também. O que
significam as crianças e os mais velhos, sob o ponto
de vista esotérico e tradicionalista? Ambos estão
mais próximos da origem, do princípio: o velho,
porque vai chegar lá; a criança, porque ainda não
se afastou dela.
1.5. A “lei”, a dura ordem do costume, reiterada e
reafirmada em Sagarana, é quebrada, relativizada
ou transgredida em Primeiras Estórias (como em
Luas de mel ou Os irmãos Dagobé).
2. Meus contos preferidos em Primeiras Estórias
(além de A terceira margem, que, como já disse, é
hors concours):
2.1. O último, Os cimos, pela prosa poética ou
poesia em prosa,
2.2. O espelho, que é central na paginação, pois
está no meio (e que oficineiros acharam o mais
estranho): é um conto esotérico, iniciático, sobre a
dissolução do mundo ilusório, das aparências, e o
encontro com o verdadeiro ‘eu’, que,
coerentemente, corresponde a uma criança.
Reparem na estrutura do livro, que começa e
termina com uma criança, e cujo centro é a
descoberta da criança. Para reforçar a importância
de hermetismo, misticismo e neo-platonismo em
GR, ainda li as epígrafes de Plotino e Ruysbroeck
em Noites do Sertão e Manuelzão e Miguilim, e
trechos da entrevista de GR a Günter Lorenz, onde
argumenta que seu tradicionalismo equivale a uma
renovação da linguagem.
3. Metalinguagem em Primeiras Estórias: além de
Famigerado, Sorôco, Pirlimpsiquice, conforme já
visto, também é metalingüístico, e sobre a poesia,
Partida do audaz navegante, de especial interesse
por várias razões; entre outras, as seguintes:
3.1. Reitera a associação entre crianças e poesia –
reparem no anagrama de poesia, Ah! Pois é, é
mesmo (pg. 173) – para não acharem que é delírio
interpretativo, mostrei o outro anagrama de poesia,
de “O Cara-de-Bronze”, comentado por GR em sua
correspondência para Bizarri (pg. 93) e MeyerClason (pg. 207): Aí, Zé, opa! (lido de trás para
diante é A poesia), assim mostrando que tudo, em
GR, tem segundas intenções, sentido simbólico;
3.2. A poesia é associada (assim como em
passagens da sua correspondência, já citadas) a um
conhecimento não-discursivo, a uma superação da
lógica do discurso em Partida do audaz navegante.
A propósito, o ataque aos princípios lógicos da
identidade e não-contradição, no trecho sobre a
Ilhazinha dos Jacarés (pg. 171), que tem e não tem
jacarés...
4. Próxima sessão – releiam tudo. Façam apostila
dos meus ‘hands of’. Verifiquem dúvidas, perguntas,
etc.
ADENDO VII:
1.
CRIPTOGRAMAS,
ENIGMAS,
DECIFRAÇÃO:
A Escrita de Deus
de Borges, que
comentei na
oficina retrasada,
é uma das
expressões da
teoria das
assinaturas
divinas de
Boehme e Paracelso, por sua vez caso particular da
idéia das correspondências do macrocosmo e
microcosmo dos hermetistas. Novalis, o poeta-filósofo
do romantismo alemão, a expressou deste modo:
Diversos são os caminhos do homem. Quando são
seguidos e comparados, vê-se formarem estranhas
figuras, que parecem fazer parte deste grande
criptograma que se entrevê em todo lugar: sobre as
asas dos pássaros, sobre as cascas do ovo, nas nuvens,
nos cristais e nas petrificações, à superfície das águas
que se congelam, no interior e no exterior das
montanhas, das plantas e dos animais, nas constelações
do céu, sobre as placas de vidro ou de piche que se faz
vibrar batendo nelas ou acariciando-as com um arco, na
limalha que se ordena ao redor do imã e nas estranhas
conjunturas do acaso. (citado em Maurice Besset,
Novalis et la pensée mystique)
O mesmo seria dito, quase 130 anos depois, por André
Breton em Nadja:
É possível que a vida peça para ser decifrada como
um criptograma. Escadas secretas, molduras de
onde os quadros deslizam rapidamente e
desaparecem para dar lugar a um arcanjo de espada
em riste ou para dar passagem aos que devem
avançar para sempre, botões que são premidos
muito indiretamente e provocam o deslocamento em
altura e comprimento de toda uma sala com a mais
rápida mudança de ambiente: pode-se conceber a
grande aventura do espírito como uma viagem desse
gênero ao paraíso dos ardis. (Breton, Nadja, Imago
Editora, Rio de Janeiro, 1999)
Isso vale para as decifrações, como aquela da
reconstituição da boiada por seus rastros, em Minha
Gente; para São Marcos; para Seqüência, em Primeiras
Estórias; e para muito mais de GR.
2. O MITO E A LINGUAGEM:
Octavio Paz, em seu ensaio sobre Lévi-Strauss (Claude
Lévi-Strauss ou o Novo Festim de Esopo, Perspectiva,
1977), diz que:
[...] o mito opera com a linguagem como se esta
fosse um sistema pré-significativo: o que diz o mito
não é o que dizem as palavras do mito.
Portanto, há duas coisas diferentes: uma, falar sobre o
mito, tarefa do antropólogo ou do filósofo. Outra, falar
a partir do mito, ou de modo mito-poético.
Isso esclarece algo sobre as características da escrita
de GR?
3. ATAQUES AOS PRINCÍPIOS LÓGICOS DA
IDENTIDADE E NÃO-CONTRADIÇÃO:
A seguir, o trecho completo de Octavio Paz – está em O
Arco e a Lira e também no capítulo sobre imagem
poética de Signos em Rotação – sobre ataques aos
princípios lógicos da identidade e não-contradição, dos
“isto é aquilo” em vez de “isto ou aquilo” (como no
episódio da ilha que tem e não tem jacarés de Partida
do audaz navegante, em Primeiras Estórias) que LG
muito apropriadamente citou do meu prefácio para Mar
de Dentro:
O pensamento oriental não sofreu desse horror ao
“outro”, ao que é e não é ao mesmo tempo. O
mundo ocidental é o do “isto ou aquilo”. Já no mais
antigo upanishada se afirma sem reticências o
princípio da identidade dos contrários: “Tu és
mulher. Tu és homem. És o rapaz e também a
donzela. Tu, como um velho, te apóias num cajado...
Tu és o pássaro azul-escuro e o verde de olhos
vermelhos... Tu és as estações e os mares.” E essas
afirmações o upanishada Chadogya condensa-as na
célebre fórmula: “Tu és aquilo”. Toda a história do
pensamento oriental parte dessa antiqüíssima
afirmação, do mesmo modo que a do Ocidente se
origina da de Parmênides. Esse é o tema constante
da especulação dos grandes filósofos budistas e dos
exegetas do hinduísmo. O taoísmo revela as mesmas
tendências. Todas essas doutrinas reiteram que a
oposição entre isto e aquilo é, simultaneamente,
relativa e necessária, mas que há um momento em
que cessa a inimizade entre os termos que nos
pareciam excludentes (Paz, O Arco e a Lira, Nova
Fronteira, Rio de Janeiro, 1982)
OFICINA GUIMARÃES ROSA – CAP, RESUMO DA
NONA SESSÃO, DE 09/05
1. Iniciei citando um conhecido fragmento de
Novalis, poeta-filósofo do romantismo alemão:
Poesia é o real absolutamente verdadeiro. Esse é o
cerne da minha filosofia. Quanto mais poético, mais
verdadeiro. Comparei com as declarações de GR,
mostradas no início destas oficinas, sobre a poesia
em sua obra: o tudo para a poesia, sua crítica ao
lugar-comum e sua defesa do mistério e da
obscuridade.
2. Bobagens curriculares e a leitura literal de GR,
como esta pérola dos PCNs, Parâmetros Curriculares
do Ensino Médio (objeto de fortes críticas minhas e
felizmente em processo de revisão): A literatura é
um bom exemplo do simbólico verbalizado.
Guimarães Rosa procurou no interior de Minas
Gerais a matéria-prima de sua obra: cenários,
modos de pensar, sentir, agir, de ver o mundo, de
falar sobre o mundo, uma bagagem brasileira que
resgata a brasilidade. Indo às raízes, devastando
imagens pré-conceituosas, legitimou acordos e
condutas sociais, por meio da criação estética.
Mostrei as conseqüências desastrosas dessa idéia de
“legitimação” de acordos e condutas sociais: iríamos
“legitimar” acertos de contas sangrentos, como no
final de A hora e vez de Augusto Matraga; a solução
de disputas políticas e grilagem de terras por bandos
de jagunços como em Grande Sertão: Veredas e
outras das narrativas roseanas; a execução de forasda-lei por policiais, como no conto Fatalidade de
Primeiras Estórias etc. Dos modos de leitura já
expostos – literal, alegórico ou simbólico – deve-se
ler GR no modo alegórico e, principalmente,
simbólico, levando em conta sua filosofia, sua visão
de mundo.
3. Em No Urubuquaquá, no Pinhém, volume de
Corpo de Baile: mais epígrafes de Plotino e
Ruysbroeck (já comentei em outras ocasiões: quem
leu Plotino foi GR, não os seus sertanejos...) – as
chaves alquímicas e astrológicas em O recado do
morro – o enigmático “Cara-de-Bronze” (onde tem o
Moimeichego, quatro vezes “eu”, que é o próprio
autor) – sua variação de gêneros, parte é como se
fosse peça de teatro, parte é relato, parte com a
forma de roteiro de cinema, sugerindo que se trata
de uma reunião de todos os modos da escrita – as
notas de rodapé: a extensa enumeração de nomes
de vegetais, terminando por declarar que Falta
muito. Falta quase tudo; os pássaros; os
personagens; as citações de cantigas; os trechos de
Dante, de Platão, do Fausto de Goethe, e finalmente
as passagens do Chandogya-Upanishad – ou seja, o
mesmo upanishada, o mais antigo deles, citado por
Octavio Paz no trecho sobre o oriente não partilhar
do horror ao outro ocidental e admitir a identidade
dos contrários – lembrando, essa citação de Octavio
Paz surgiu na sessão passada, mencionada por LG, a
propósito dos ataques ao princípio lógico da
identidade e não-contradição pelas crianças-poetas
de Partida do audaz navegante de Primeiras Estórias
– enfim, tudo isso serviu para ilustrar a noção de
hipertexto, e para caracterizar a prosa de GR como
hipertexto. Esse percurso todo, dos rodapés de
“Cara-de-Bronze”, passando pelo trecho já citado de
Octavio Paz, até chegar às crianças-poetas de
Partida do audaz navegante, está dentro de Partida
do audaz navegante e “Cara-de-Bronze”, faz parte
de seu sentido, entre tantas outras possibilidades de
leitura e interpretação.
4. Diante disso, como ler GR? O leitor teria que ter
um conhecimento equivalente a toda a simbologia e
tudo o mais que está subentendido em seus relatos?
Citei os trechos de GR, no Cadernos do IMS,
criticando a afetação de Machado de Assis e o
cerebralismo de James Joyce (críticas a meu ver não
inteiramente justas: Machado é ambivalente, e Joyce
não foi tão construtivista assim, lembrando seu
elogio ao romantismo em Os mortos) – sem querer
transformar GR em surrealista, cabe lembrar seus
apelos à imaginação e à intuição. A propósito, citei o
trecho em que GR manifesta sua admiração por
Freud.
5. A bibliografia sobre GR: o ensaio de Walnice
Galvão nos Cadernos do IMS – onde a ensaísta
coincide com minhas interpretações de Primeiras
Estórias, e onde acrescenta – por exemplo ao ver,
como característico dessa obra, não só a presença
das crianças e os velhos, mas dos excêntricos e
outsiders, os loucos de Darandina e Tarantão meu
patrão, os mendigos de A benfazeja, o estrangeiro
de O cavalo que bebia cerveja, etc – único aspecto
que eu interpretaria de modo diferente: em O cavalo
que bebia cerveja penso que não há uma passagem
da rejeição do estrangeiro até sua aceitação, mas
ambivalência, uma simultaneidade dos dois
sentimentos.
6. A infância e a reconstituição da infância em GR,
como observado pela oficina – sim, mas a obra de
GR não é Em busca do tempo perdido de Proust – a
recuperação da infância, volta às origens, a
reconquista do tempo primordial, são mitos ou
temas fundadores da literatura, algo universal:
interessa em GR, não a idealização e tentativa de
recuperação da infância, mas o modo pessoal e
particular como fez isso, e como projetou sua visão
de mundo (e sua enorme cultura literária e
filosófica) nessa recuperação da infância.
7. Próxima sessão: será a última desta oficina, dia
23 de maio, e não 16, com a projeção do filme A
Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Roberto
Santos (que GR apreciava muito) e uma rodada final
de perguntas e comentários.
Claudio Willer (Brasil, 1940). Um dos editores da Agulha. Contato:
[email protected]. Página ilustrada com obras da artista Florencia
Urbina (Costa Rica).
revista de cultura # 57
fortaleza, são paulo - maio/junho de 2007
Jack Kerouac el poeta bop
espontáneo
José Vicente Anaya
.
En la mayoría de las
referencias literarias sobre
Jack Kerouac se le clasifica
(y queda congelado) como
prosista, autor de novelas,
además, esas referencias no
escapan de contar con tan
pobre información que sólo
darán tres o a lo sumo cinco
títulos, cuando sabemos que
fue autor de más de veinte
obras de prosa.
Pero la verdad es que
tenemos en Kerouac a un
gran poeta, tan singular que en su tiempo los
“expertos” en poesía no lo reconocieron, salvo algunas
opiniones de sus compañeros de generación.
Kerouac alcanza la categoría de poeta no sólo por la
indiscutible presencia de sus poemarios publicados,
sino por las atmósferas precisamente poéticas y las
renovaciones del lenguaje literario tanto en sus libros
de prosa como de poesía. Muchas intensidades se
pueden recoger de su famosa novela En el camino,
donde no parece que simplemente hable de jóvenes de
la época sino de catervas de Rimbauds, de dadaístas o
surrealistas, anarcoinventores; es decir, energías
poéticas de vitalidad, por ejemplo cuando de él leemos:
...los únicos que me interesan son los locos, los
locos por vivir, locos por hablar, locos por salvarse,
deseosos de todo al mismo tiempo, los que nunca
bostezan ni hablan de lugares comunes; sino que
arden, arden, arden cual fabulosos cohetes
pirotécnicos que estallan en el firmamento como
arañas cruzando las estrellas...
En el reconocimiento
temprano a capacidad
poética de nuestro
autor, cuando éste aún
vivía, otro polémico y
crítico clarividente de
profunda mirada, Hernry
Miller, opinó:
Jack Kerouac le ha
hecho algo a nuestra
prosa inmaculada,
algo de lo cual ya
nunca se recobrará.
Kerouac es un amante apasionado del lenguaje, y
sabe muy bien cómo utilizarlo; es un virtuoso de
nacimiento que se complace en desafiar las leyes y
convenciones de la expresión literaria que ahora está
tullida; y rompe las trabas de la comunicación
entre el lector y el escritor.
En aquel ambiente literario de los Estados Unidos no
fue ningún secreto que Jack Kerouac escribía poesías
puesto que de 1945 en adelante en varias conocidas
revistas aparecieron sus poemas. Ahora encontramos a
Kerouac en por lo menos quince poemarios. Cito en
español algunos títulos, aclarando que la mayoría no
han sido traducidos a nuestra lengua: Ciudad de
México, blues, Escritura de la eternidad dorada, Poemas
dispersos, Paraíso y otros poemas, San Francisco blues,
Richmond Hill blues, Bowery blues, Desolación blues, El
libro de los blues (que reúne a todos los señalados con
ese género musical), Trip trap (libro colectivo) y en una
edición póstuma el Libro de los haikus (recopilación y
prólogo de Regina Weinreich.
Considerando que entre las décadas de 1940 y 1950 en
los Estados Unidos predominaba una visión
pesadamente ortodoxa sobre lo que debe ser poesía,
con una serie de cánones encerrados (como suelen ser
éstos) en los recintos académicos, los poemas de
Kerouac (y en general de los demás beats) no eran
reconocidos. Para muchos críticos, profesores
universitarios y poetas del status quo en ese tiempo
vigente, era inadmisible que en poesía apareciera el
lenguaje, las personas y las cosas de la cotidianidad, se
consideraban de mal gusto las palabras coloquiales en
términos de caló, slang, modismos; y mucho menos se
aceptaba que la poesía pudiera retratar lo ordinario. En
ese ambiente de literatura elitista era mal visto el jazz
(música de negros que se tocaba en los barrios
obreros) aunque Igor Stravinsky ya lo estaba
incluyendo en sus obras para música de cámara. El jazz
(también conocido entonces como blues o be bop) era
de los bares “bajos”, de los que habitaban las noches
desoladas, estaba en los muladares de las grandes
ciudades del progreso estadounidense.
Incluso, uno de los pocos poetas con renombre y de
más edad que vieron con buenos ojos a los jóvenes
beats, Kenneth Rexroth, despreció la poesía de
Kerouac, quien a propósito de la primera edición en
1959 del poemario Ciudad de México blues dijo que
dicho libro constituía una “ingenua desfachatez” y que
darle el crédito de poesía era algo “más lastimoso que
ridículo”. Sin embargo, el poeta más divulgado de la
generación beat, Allen Ginsberg, varias veces declaró
haber aprendido poesía por Jack Kerouac, y ese
reconocimiento lo hizo desde su poemario Aullido y
otros poemas, desde la primera edición de 1956
declara dedicarlo: “A Jack Kerouac, nuevo Buda de la
prosa estadounidense... De él he tomado algunas
frases y el título Aullido.”
Al principio de Ciudad de
México blues Jack lanza
la convicción de su
poética diciendo:
“Quiero que se me
considere un poeta
jazzista que sopla un
largo blues durante una
sesión de jam en la
tarde de un domingo.”
Una explicación más
detallada la dio a
conocer en el texto que
tituló “La sustancia de la
prosa espontánea” en 1951 en que dice:
“Cuando el ser del tiempo de la esencia está en la
pureza del discurso, entonces el lenguaje insinuado
fluye desde la mente, sin perturbación, como un
secreto personal de palabras-ideas, soplando (como
lo hace el músico de jazz) en la subjetividad de la
imagen.” CON BASE EN LAS IMPROVISACIONES DE
LAS JAM-SESSIONS, EL POETA PROPONE PARA LA
LITERATURA Y ESPECIALMENTE LA POESÍA: “No
seleccionar la expresión sino seguir libremente las
desviaciones (asociaciones) de la mente en los
límites que soplan sobre el sujeto en los océanos del
pensamiento, nadando en el mar del lenguaje sin
más disciplina que el ritmo de la exhalación y del
relato contendiente, como un puñetazo cayendo
sobre una mesa con toda la expresión al detalle:
¡pum! (el espacio ataca) — Tú debes soplar tan
profundo como quieras —, escribe tan profundo
como quieras, lo principal es satisfacerse a uno
mismo, es entonces cuando el lector no puede dejar
de percibir la sacudida telepática ni la emoción
principal que opera bajo las leyes de la mente
humana”.
En su libro Poemas dispersos (que reúne trabajos
publicados en revistas de 1945 a 1969) bajo el título de
“Los orígenes del gozo en la poesía” Kerouac hace una
importante declaración de principios poéticos, y sobre
todo, caracteriza a los nuevos poetas y a la poesía que
se gesta en términos de su generación. Ahí dice:
La nueva poesía estadounidense clasificada como
Renacimiento de San Francisco (lo que incluye a
Ginsberg, a mí, Rexroth, Ferlinghetti, McClure,
Corso, Gary Snyder, Philip Lamantia, Philip Whalen,
según creo) es una especie de nueva-antigua poesía
Lunática Zen, escrita tal y como llegue a tu cabeza,
poesía que retorna a su origen, en la infancia
bárdica, verdaderamente ORAL (como dijo
Ferlinghetti) y no con ese aspecto gris de
subterfugios académicos. Desde hace mucho tiempo
poesía y prosa han caído en las falsas manos de la
falsedad. Estos nuevos poetas puros se confiesan
abiertamente por el puro gozo de confesarse. Son
NIÑOS. También son Homeros infantes con barbas
grises que cantan en las calles. Ellos CANTAN y
BAILAN. Lo que hacen está diametralmente opuesto
al disparo de Eliot anunciando tan deplorablemente
sus reglas negativas como una intención correlativa,
etc., lo cual es exactamente mucho estreñimiento y
una radical castración de la masculinidad pura que
urge a cantar con libertad. A pesar de las reglas
estériles que él estableció, su poesía es sublime por
sí misma. Podría decir mucho más pero no tengo
tiempo ni tiene caso. Pero la poesía de la ciudad de
San Francisco es una nueva Sacralidad Lunática
como la de los tiempos antiguos (Li Po, Hanshan,
Tom O Bedlam, Kit Smart, Blake) que también tiene
esa disciplina que señala las cosas directamente, con
pureza, concretamente, sin abstracciones ni
explicaciones, ¡bum! ¡bum! El verdadero canto blues
del ser humano.
Hasta aquí, las breves menciones al misticismo o
poéticas de China y Japón (budismo, Zen, Li Po,
Hanshan, Bachoo, Buzon) en la vida y obra de Kerouac
fueron determinantes. El estudio de esos temas y
formas de vida los llevó a lo profundo el poeta beat
Gary Snyder, en cuya formación incluyó el aprendizaje
de los idiomas chino y japonés para abrevar en los
textos originales, y luego acudir a estudios e
iniciaciones en un monasterio Zen de Japón. Para
Kerouac, dicho poeta y amigo de generación fue tan
importante guía que llegó a ser un verdadero maestro
que recibiría el honor de ser personaje importante en
sus novelas como Ángeles de desolación y Los
vagabundos del Dharma (donde hay sucesos que tienen
que ver con el budismo). Otra novela que expresa la
formación orientalista de Kerouac es Satori en París. En
esos libros encontramos las meditaciones que lo
llevaron a sus interioridades y visiones irrenunciables,
como las de la mirada poética espontánea. En la
preparación para todos esos encuentros, Kerouac hizo
detallados estudios que dejó manifiestos en uno de sus
cuaderno de notas y reflexiones que tituló “Algo del
Dharma”. Esas ocupaciones y preocupaciones de Jack
las encontramos mencionadas en muchos de sus
poemas, y constituyen puntos centrales de su estética
escritural; sencillamente su convicción de lo
espontáneo (en prosa y poesía) no es otra cosa que la
experiencia del satori en cuanto que éste constituye
una súbita iluminación. Además de las menciones hasta
aquí dichas, Kerouac escribió poesía absolutamente
inmersa en el budismo, como es el caso de su libro
Escritura de la eternidad dorada, un verdadero mantra
sagrado desde la perspectiva de un misticismo que
situado en Occidente se comunica con su parte oriental
para reunificarse con su origen.
Otra gran carga
oriental en la
poesía de Kerouac
es su profusa
escritura del
género poético de
la brevedad por
excelencia, que es
el haiku japonés,
inmerso en el
budismo Zen y
fuente del mismo.
Aunque el haiku
ya había sido
visitado por poetas estadounidenses como Ezra Pound,
William Carlos Williams, Amy Lowel y Wallace Stevens;
fueron Kerouac y su generación quieness más
lodivulgaron. Una interesante obra colectiva dehaikus
es la titulada Trip trap, de 1959, realizada por Kerouac,
Albert Seijo y Lew Welch. Haikus escritos por ellos
durante varios días de un viaje por carretera.
El Libro del haiku que al principio mencionamos, se
debe a la investigación, estudio y recopilación que hizo
Regina Weinreich en la obra dispersa de Kerouac, y
maravilla que dicha investigadora haya encontrado
nada menos que 651 haikus kerouaquianos, cantidad
asombrosa que no sólo vuelve a atestiguar al poeta
cabal sino también al gran experimentador convencido
de sus visiones. En el prólogo, dicha estudiosa afirmó:
“Jack Kerouac fue un poeta supremo que supo escribir
de acuerdo con varias tradiciones poéticas, incluyendo
sonetos, odas, salmos y blues (en lo que él se basó
para crear idiomas de blues y jazz).”
Respecto a los nueve poemarios que Kerouac clasificó
con el termino de blues (San Francisco blues, Ciudad de
México blues, Bowery blues, etc.) son varias las
contribuciones a la poesía. Además de darle un lugar
muy importante a la improvisación (lo espontáneo
como satori, habíamos dicho) hay una serie de recursos
que en ese momento eran impensables en la poesía
estadounidense como incluir el ruido, el grito, sonidos
de la calle, rugidos y notas musicales en síncopa; todo
eso diluido con palabras que nos hacen ver lo que el
poeta vio. Es así que Kerouac a su poética agrega la
idea de que: “...en estos [libros de poesía] blues, como
en el jazz, la forma está determinada por el tiempo y
por el fraseo espontáneo de los músicos,
armonizándose con el golpeo del tiempo como si se
formaran olas y olas en coros medidos.”
otro tiempo y espacio.
Hasta aquí sólo
tratamos una pequeña
parte de la formación y
características del poeta
Jack Kerouac. Tanto en
sus poemas como en su
ideas es tema fuerte
también su catolicismo
del cual sustrae el salto
a la trascendencia
mística de, por ejemplo,
san Juan de la Cruz o de
santa Teresa, tema al
que habría que dedicarle
Existe un modo extraño en que Jack Kerouac se
despidió del mundo después de su muerte. Y de este
escrito así me voy a despedir ahora. Fue en un poema
Alice Notley, también alcohólica como Jack. En ese
poema Alice se declaró a sí misma como médium para
que a través de ella Kerouac nos dijera algo desde el
más allá, lo leemos:
JACK HABLARÁ A TRAVÉS DE ESTA MÉDIUM
IMPERFECTA QUE ES ALICE:
…Las palabras son sólo una palabra,
la palabra perfecta-
Mi cuerpo mi alcohol mi dolor mi muerte son
sólo la palabra perfecta
mientras te lo estoy diciendo. Escuchen
pobres categorizantes sosos:
todo lo que he sido y escrito fue
únicamente y todo (amable)
esa palabra perfecta.
José Vicente Anaya (México, 1947). Poeta, ensayista, traductor e
editor. Es uno de los directores de la revista Alforja. Autor de libros
como Los poetas que cayeron del cielo. La generación beat comentada
y en su propia voz (1998), Cuento breve japonés (2002), y El
rompimiento amoroso en la poesía (2006). Contacto:
[email protected]. Página ilustrada con obras da artista
Florencia Urbina (Costa Rica).
revista de cultura # 57
fortaleza, são paulo - maio/junho de 2007
José Ángel Leyva: sin que las
dudas se agoten
[entrevista]
Floriano Martins
.
José Ángel Leyva (México,
1958) Botellas de sed.
Universidad Autónoma de
Sinaloa. México. 1988. /
Catulo en el Destierro. UNA.
Colección El ala del tigre.
México. 1993. /
Entresueños.
Conaculta/Universidad de
Ciencias y Artes de Chiapas.
Colección Los Cincuenta.
México. 1996. / El Espinazo
del Diablo. Juan Pablos
Editor/ Instituto Municipal
del Arte y la Cultura de
Durango. México. 1998. /
Catulo en el Destierro.
Verdehalago-CONACULTa.
México. 2006 (2ª edición) / Duranguraños. IMACAlforja. México. 2007.
FM Estaba leyendo un poema de Armando Romero que
pregunta, al final: “¿Dónde está el poema, entonces,
/la mirada hacia adentro?”, y recuerdo que en una
entrevista con él conversamos sobre la distinción entre
acción y objeto, o sea, ese abismo que en muchos
casos existe entre la poesía y el poema. No sé cómo
ves el tema, y no quiero aquí limitarlo a una única
pregunta, pero ésta es inevitable: ¿Qué buscas a través
de la poesía?
JAL Es una interrogante que me hago a menudo. El
poema como producto escritural, como artefacto, se
limita a la aplicación de diversas técnicas y a ciertos
convencionalismos que acotan sus posibilidades
expresivas. Octavio Paz reflexionó sobre el tema en el
libro La otra voz, específicamente en su ensayo “Poesía
y fin de siglo”, siendo ya un hombre de más de ochenta
años con una gran curiosidad, con la misma inquietud
de un joven que se inicia en un arte y en un oficio. La
presencia de las nuevas herramientas electrónicas
motivaba la sospecha de que algo nuevo estaba por
ocurrir en los terrenos de la poesía. Yo he trabajado
también este tema en mis ensayos sobre la realidad
virtual y la poesía, el sueño y la sobrevivencia. Más allá
de una retórica, de una disposición específica de las
palabras, la poesía busca además su reconocimiento y
significancia en otros signos y otros discursos.
La palabra es la materia prima con que elaboramos los
versos y los textos, pero no podemos desdeñar las
búsquedas de los poetas en diversos lenguajes, en
diversos planos de la realidad. Así tenemos la poesía
visual, la prosa poética, y me atrevería a incluir los
poemas que encierran obras plásticas,
cinematográficas, musicales, dramáticas. Tarkovsky,
Jim Jarmusch, Bergman, Buñuel, Herzog, Wenders,
comparten con Hermann Broch (La muerte de Virgilio),
en más de un sentido, el encuentro con la poesía en
sus respectivos lenguajes. Cada día me convenzo más
de que la poesía nos revela el sentido del tiempo, el
significado individual de la historia, de las comunidades
que nos pueblan, de lo imposible. Si busco mi voz a
través de la poesía y del poema, de la escritura, es
porque en realidad pretendo significar la nada, esa
nada que soy yo, que somos. Resumiendo a través de
los versos finales de mi Catulo en el destierro: “Un
manojo de llaves /para abrir todas las puertas /que dan
hacia ningún lado”, o mejor aún en versos previos:
“Voy a lo inaudito /con el corazón arponeado por la
duda.”
FM Ahora es un verso tuyo el que me socorre, que
dice: “Hay días feroces / en que nadie reconoce mis
banderas”. Claro que el contexto al que se aplica en el
poema (“Viento fuerte”, de El espinazo del diablo,
1998) tiene su enfoque particular. Lo que me interesa
aquí es la expectativa creada en torno al
reconocimiento. Uno de los conflictos más agudos que
debe enfrentar hoy un artista -no sólo un poeta- es el
de la convivencia con el reconocimiento de sus pares
más inexpresivos, aquellos dispuestos a la cooptación a
cualquier precio. ¿Con qué intensidad se verifica esa
vorágine en México, y de qué manera has sobrevivido a
ella?
JAL Tengo una biografía que me hace sentir una
existencia epigonal y un cierto escepticismo hacia las
filiaciones ideológicas, las incondicionalidades políticas,
las admiraciones lucrativas, los matrimonios
resignados. Fui militante comunista en mi juventud,
excesivamente liberal, según los camaradas de
entonces, en los años terminales del Partido Comunista
Mexicano; estuve en la Unión Soviética cuando se dio la
invasión a Afganistán como anuncio del
desmoronamiento imperial del realismo socialista; soy
tránsfuga de la medicina y de la psiquiatría por no
tener la capacidad de vacunarme contra el dolor y por
una morbosa afición por recrearlo en la literatura; me
reconozco con graves conflictos con la autoridad, con la
simulación y la irracionalidad afectiva. No puedo
contener mis juicios a cambio del bienestar y el confort,
del sosiego. No me interesa comprar un espejo que me
brinde una imagen en la que no me reconozco. Ser
poeta no me hace mejor persona, ni superior a otros,
no me garantiza la verdad ni me otorga un sitio en la
historia. Creo ser poeta porque soy un animal de
preguntas, un animal que se conmueve al despertar de
mundos soñados que parecen imposibles, pero en su
revelación manifiestan ya la posibilidad de ser. De este
modo mis banderas cambian, se contradicen, se
afirman y se niegan, combaten sin pertenecer a nadie,
salvo a la misma causa que las sostiene en el tiempo.
La enfermedad de los poetas no es la soberbia y la
envidia que caracteriza al gremio, sino la conciencia del
prestigio y las prestaciones que brinda el título con sus
consecuentes cuotas de conformismo y sumisión. Nadie
con este padecimiento banal puede reconocer la obra
del compañero, está incapacitado para ver y sentir el
pulso y la fuerza en el otro. En México, como en el
resto de los países de América Latina, no estamos
exentos de pandillas y predadores solitarios. Uno
sobrevive entonces gracias al trabajo, a la
determinación de resistir el desaliento, de reconocerse
en esa indiferencia o ninguneo, con el propio
entusiasmo de quien se ve nacer en la voluntad de
llamar a las cosas por su nombre.
FM Dice Evodio
Escalante en un ensayo
sobre tu poesía que
“todo poeta tiene una
forma de caer que es la
suya y no puede ser
copiada por nadie”. Lo
que naturalmente me
llamó la atención fue
esa aplicación inusual
del verbo “caer”. De
alguna manera implica
que toda afirmación del
ser es una caída. ¿Estás
de acuerdo con eso?
JAL Absolutamente. Pienso en Cioran y en su Caída en
el tiempo, que es de algún modo el descreimiento de lo
que uno supone o suele ser. La duda es el principio de
esa caída y de ese exilio que nos marca un destino, la
lucidez del final. Alfredo Fressia también alude en un
ensayo sobre mi poesía a la condición de escucha, del
hombre que más que hablar está atento a los sonidos,
a los efectos sonoros y emocionales, racionales, de las
palabras. Esa connotación existencialista que da Evodio
a mis poemas radica a mi parecer en la memoria, en la
noción de los hechos acaecidos, en lo irrepetible y en la
gravedad del tiempo. Caer es advertir la fuerza de
atracción sobre el cuerpo, su inevitable decadencia. Al
nombrar caemos en el conjuro, somos víctimas del
vacío que representa y genera la muerte, lo pasado, lo
futuro. Caer en la cuenta, tomar conciencia de lo que
somos porque fuimos o porque no hemos sido. Caer de
lleno o de plano en la novedad de lo que estamos
siendo, diciendo, haciendo, escribiendo, de lo que no
somos.
FM Estableces una distinción entre el “desorden” en
que fue concebido un libro como Botellas de sed (1988)
y la “auténtica disciplina” que habría propiciado la
creación de Catulo en el destierro (1993). Me gustaría
conocer un poco más tu opinión respecto a estas dos
circunstancias que aparentemente consideras como
antípodas.
JAL En Botellas de sed los poemas brotaron bajo una
ausencia de convicción de la caída, del vacío, sin
sumergirse en la oscuridad, hasta el fondo. Versos que
aparecen por el impulso y la casualidad. Catulo en el
destierro fue concluido en 1988, y después de casi
cinco años a través de un accidentado camino editorial
poblado de anécdotas, fue publicado en la Universidad
Nacional Autónoma de México en la colección el Ala del
tigre, que dirigía Vicente Quirarte, quien es apenas
cuatro años mayor que yo, pero en ese momento daba
la impresión de aventajarme un decenio por su
vertiginosa carrera literaria y laboral. Catulo surge en la
ruptura con la medicina y el compromiso con la
escritura, bajo un sentimiento de orfandad y crisis de
identidad, en medio de una megaurbe donde la
ansiedad y el miedo torturaban mis sueños, mi timidez
ante los deseos, ante las mujeres amadas. La
inseguridad campeaba en mi universo, no podía
aprehender algo sin asfixiarlo. Thornton Wilder con sus
Idus de Marzo, Rubén Bonifaz Nuño con El amor y la
cólera y sus traducciones de Carmenes del poeta
romano, me empujaron a visualizarlo en la megalópolis,
en ese tiempo de anuncios fatales que predicaban no
sólo el fin del milenio, sino de las utopías, de la
historia, de la poesía, de los libros. El poeta Catulo
encarnaba en una de mis lecturas fundamentales,
Palinuro de México de Fernando del Paso, sin dejar de
lado el pesimismo y el escepticismo de Cioran. Un viejo
amigo, Miguel Rubio Candela, que contaba ya con 70
años, leyó mis primeros intentos y alguna vez enojado
los rayoneó y rompió en mis narices. “Esto no es lo que
deseas y puedes escribir. Asume tu responsabilidad.
Quieres hacer poesía, entonces reconócete poeta,
responde a ese designio.” Me dijo con el ceño fruncido
pero con enorme generosidad. Catulo no era un
conjunto de versos, sino un poema extenso, un
proyecto que exigía concentración y muchas lecturas, la
disposición de mucha energía para construir los
escenarios donde cobraba vida ese Catulo capaz de
recorrer las entrañas de la ciudad y de remontarse
hasta los orígenes del verbo, de abrirse el pecho y
preguntar a la brújula de su corazón por las razones del
cerebro, por las coordenadas de la incertidumbre. El
amor como enfermedad del ser, urgencia del deseo,
rabia, impotencia, insumisión e inconformidad son
ingredientes de este personaje que se fue apoderando
de mí. Yo, autor, estaba poseído por esa criatura virtual
que me empujaba al delirio y el resentimiento con el
mundo real, con mi cotidianidad. La disciplina, pues, la
imponía Catulo, no José Ángel Leyva. Años más tarde el
poema fue puesto en escena por Bernardo Galindo.
Hasta la fecha, el actor que representó al protagonista
está convencido de que él es Catulo. Nunca más ha
vuelto a actuar.
FM Al escribir sobre tu novela La noche del Jabalí
(2002), Antonio Coronado evoca lo que él llama una
técnica aparentemente simple: el desdoblamiento
provocado de relatos comunes por parte de los
integrantes de una comunidad. Dice él que “parece ser
que la clave de nuestra existencia civilizada no está en
el acto creativo como sugieren y aun afirman algunos,
sino en el recuerdo y la memoria”. Al comentar
justamente la relación entre memoria y acto creativo,
Armando Romero observa: “La diferencia que yo
establezco con García Márquez es que yo quiero ir
hasta el final de la historia, mientras que él les pone a
sus personajes alas o los llena de mariposas amarillas”.
Dice además Romero: “Para mí lo fantástico está en la
realidad imaginativa del personaje, para él en la
realidad imaginativa del escritor”. ¿Qué me dices tú?
JAL Coincido con Armando Romero, lo fantástico ocurre
en la realidad imaginativa del personaje. Los autores
solemos ser muy sosos, precarios en nuestra dimensión
protagónica. Por eso el narrador, como el poeta,
abrevan en la tradición oral, en la memoria y en la
fabulación colectivas. Cuando se descubre a un
personaje real o cuando se le escucha verter su caudal
imaginativo, el escritor se lo apropia, o lo expropia, y le
otorga la naturalización literaria. Sigo convencido de
que la fuente principal de la narrativa es la tradición
oral, el ojo de agua donde abrevamos la sed de contar
y de escribir motivados por la realidad y el mito. Los
personajes propios, que aparecen en el acto escritural,
también exigen sus derechos y sus iniciativas, no
obstante que el autor está obligado a conducirlos y a
determinarlos, es inevitable el diálogo con ellos, la
interacción con sus propias posibilidades de ficcionar.
Ese maravilloso ejemplo que nos otorga Miguel de
Unamuno en su famosa Niebla (la nivola) devela la
condición rebelde del personaje que polemiza con el
escritor sobre su destino y de algún modo le exige que
se transforme en personaje para estar al nivel de la
interlocución. Unamuno, como Borges, asumieron el
riesgo de trasladarse a la escena donde el tiempo no se
renueva sino que se repite en su realidad fantástica,
mitológica. Dante lo hizo antes que ellos en La Divina
Comedia.
FM ¿Vamos a hablar un poco de tu genealogía?
JAL Ahora descubro, tras la muerte reciente de mi
padre, que fui en gran medida un terreno fértil para sus
sueños. Lo demás es parte de ese magisterio donde los
grandes poetas, los grandes escritores e intelectuales,
los artistas, los revolucionarios, los personajes, las
conversaciones nos hacen parte de su ADN o nosotros
los incorporamos al nuestro.
FM ¿Pero se puede pensar en algunas particularidades
(nombres, circunstancias, inclusive fuera del ambiente
literario), inclusive algo que funcione como una
obsesión o un fantasma, algo que persigues, o algo de
lo que no te consigues librar, etc.?
JAL Sí, por supuesto, Floriano. Pienso que tiene mucho
peso la presencia del ambiente familiar. Soy nieto e
hijo de profesores de primaria. Mi padre por otro lado
fue un activista en favor de los derechos de los
campesinos y los trabajadores de la madera. Yo viví
con él mi infancia, en medio de bosques y las
montañas, de fiestas escolares y celebraciones
populares que él organizaba para los habitantes de un
pequeño poblado que se llama Los Bancos, en las
inmediaciones de El Espinazo del Diablo. Desde muy
niño tuve que memorizar poemas de los poetas
románticos y modernistas mexicanos y algunos que no
son de aquí, pero la costumbre nos hacía reconocerlos
como mexicanos, como es el caso de José Santos
Chocano, de origen peruano. Así pues mis lecturas
escolares giraron en torno a Manuel Gutiérrez Nájera,
Amado Nervo, Ramón López Velarde, Juan de Dios
Peza, Salvador Díaz Mirón, y por supuesto, Sor Juana
Inés de la Cruz. Nunca faltó José Martí para alimentar
el nacionalismo paterno. No había muchas lecturas en
casa, pero las pocas que había sirvieron para estimular
mi curiosidad y gusto por la declamación. En particular
recuerdo un disco de Manuel Bernal, que se
autonombraba en la portada como “El declamador de
América”, que mi madre ponía a menudo para
derramar lágrimas al escuchar esos versos cargados de
excesivo dramatismo. Fui quizás por ello y por el
orgullo que le provocaba a mi padre, director de la
escuela donde estudié mi primaria, un declamador con
trofeos.
Antes que de la poesía fui lector de narrativa, pues mi
hermano mayor comenzaba a leer a los escritores rusos
y a Hermann Hesse. Fui recogiendo cada uno de los
libros que él compraba y los leí con avidez. Tenía
entonces unos 12 o 13 años y estudiaba la secundaria
en Durango con mi abuela paterna, quien fue también
un ser muy importante en mi formación. Ella sobre todo
era una cinéfila incurable. Había quedado viuda muy
joven y cada tarde sin falta asistía a las salas de cine
para ver funciones de tres películas. Con frecuencia
lograba adivinar a qué cine iba a entrar y la esperaba,
junto con un primo hermano, en la taquilla; no tenía
más remedio que invitarnos a acompañarla. A lo largo
de mi vida el cine ha sido una presencia ligada a mis
sueños y a mi vigilia. Me leí casi todo Hermann Hesse
en esa época de adolescencia, conocí a Tolstoi,
Dostoievsky, Máximo Gorky, Flaubert, Balzac, Zola.
Luego, junto a los libros de marxismo leninismo, y la
infaltable influencia de Reportaje al pie de la horca, del
checo Julius Fuzik, descubrí a Pablo Neruda, César
Vallejo, Octavio Paz y Dylan Thomas. Quiero reconocer
que en esa época leí por obligación en la escuela, no
recuerdo si en partes o completas, las obras El Quijote
de la Mancha y La Divina Comedia. Ambas vinieron más
tarde, cuando la poesía comenzaba a ser parte de la
incertidumbre y de mis inquietudes estéticas y no
ideológicas. Ya era estudiante de medicina cuando me
encontré por accidente con un ejemplar de La Divina
Comedia. Me llamó la atención el objeto, sus
ilustraciones y luego el prólogo de Borges y enseguida
esas líneas inmortales con que Dante abre el camino
del Infierno. Hasta ese momento ningún autor había
sacudido mi ser con tanta fuerza como Dante. Luego
vino Cervantes, Borges, Hermann Broch, Juan Rulfo,
Juan José Arreola, los Contemporáneos mexicanos,
Fernando del Paso, Fernando Pessoa, los simbolistas
franceses, el boom latinoamericano. En fin, un
descubrimiento intelectual y literario que me facilitaron
dos amigos en Durango, la escritora Beatriz Quiñones y
el historiador y pintor Carlos Maciel. Lo demás vino a
consecuencia de este impulso adquirido en la
adolescencia y los años previos a mis veinte de edad.
Por cierto, en esa etapa estuvieron Guimarães Rosa y
Jorge Amado. Soy tributario de cada una de las lecturas
que sembraron mi horizonte local para exigirme
reinventar mi árbol genealógico.
FM Conversando con
José Vicente Anaya, tu
compañero en la
consistente aventura
editorial de Alforja, él
me dijo que había
tomado El Corno
Emplumado como un
referente esencial en
relación con el proyecto
de ustedes. ¿Qué viene
a ser, exactamente, la
“Fraternidad Universal
de los Poetas”, y de qué
manera se siente ligada a aquella fraternidad de los
años 60 -de que son ejemplos no solamente El Corno
sino también grupos desparramados por todo el
continente, entre ellos el argentino Eco Contemporáneoy a la idea de una insurrección invisible defendida en
aquel momento?
JAL Más que una realidad, la Fraternidad Universal de
los Poetas es un sentimiento o un anhelo que puede
confundirse con un eslogan. Aunque difícil, uno puede
hallar gente como tú, mi querido Floriano, a quien se
puede querer como un verdadero hermano, como un
compañero a quien se le reconoce en su amorosa labor
divulgativa, en su resuelta lucha por ser y por hacer.
No es común la fraternidad entre los poetas, y si la hay
es del tipo de Caín y Abel. Pero estamos obligados a
convocar a esa fraternidad para que inicie la revuelta
de otros mundos posibles.
FM Este es un aspecto que siempre me preocupó.
¿Habrá quizá una dosis acentuada de orgullo en los
poetas, junto a la frivolidad que en buena medida nos
caracteriza a todos, que nos hace creernos, a cada uno,
el elegido? Fíjate que hay ahí un plano ambivalente,
pues los malos poetas se organizan en torno a sus
quejumbres, fundan cooperativas, “talleres”, periódicos
de barrio, etc. Son aduladores de oficio, oportunistas
disciplinados, asumen cargos políticos o académicos,
coleccionan premios, en fin. ¿Y los buenos poetas?
¿Son felices así, buenos para sí, desconocidos, ajenos a
todo, fieles a un reconocimiento post mortem? Es un
escenario curioso. ¿Cómo se reacciona en México sobre todo entre los poetas- ante el trabajo editorial
que ustedes vienen realizando?
JAL Supongo que de una manera con mínimas
diferencias a como se hace en otros países. La
fraternidad entre José Vicente Anaya y yo no está libre
de desavenencias y pleitos. Pero la realidad es que
hemos mantenido una relación amistosa y editorial
durante los diez años que Alforja ha permanecido. Nos
salva con certeza una dosis de ética que aún impide
caer en manos de la complacencia y el amiguismo, que
nos obliga a responder a ciertos principios donde la
calidad, la exigencia, la apertura, el respeto y el deseo
de promover la lectura de poesía van en primer
término. No hemos pretendido hacer la gran revista, la
publicación concéntrica que gire sobre un grupo de
poder ni alrededor de éste. Hemos sí trabajado de
manera ardua y desinteresada. Hasta hoy ha dominado
la gratuidad. Incluyo otro actor en este afán, María
Luisa Martínez Passarge. Su presencia ha sido
determinante para definir la personalidad y el diseño de
la revista y de los libros que hemos venido publicando,
además de ser un punto de equilibrio entre José
Vicente y yo, pues su inteligencia y convicción por la
poesía, aunque ella no sea poeta, fungen como árbitros
y como animadores del proyecto. Esto nos obliga a
salirnos de nosotros, a sacar los ojos del ombligo y a
ponderar un trabajo editorial que nos exige
profesionalismo y generosidad.
Por otro lado, el camino de Alforja, como el de cada
uno de nosotros como poetas, intelectuales y
promotores culturales, editores no es fácil. México tiene
una larga tradición donde las políticas de Estado
consideran un maridaje entre sus críticos potenciales y
sus burócratas, sus representantes populares. Los
gobiernos priístas diseñaron políticas clientelares y
corporativas no sólo hacia los obreros y los campesinos,
también las elaboraron para los intelectuales y artistas.
Octavio Paz describió muy bien este fenómeno en su
Ogro Filantrópico, y él mismo fungió como un cacique
intelectual amparado no sólo por el Estado sino además
por el gigante mediático, por el monopolio, que fue y es
la empresa TELEVISA. Hay pues una élite que puede
autodenominarse por lo regular de izquierda que no
hace gestos de repugnancia a los beneficios que el
Estado le brinda. Sus críticas tienen cálculo. Nunca se
exceden si ello les representa un riesgo para su
bienestar, menos si la izquierda está en el poder. Sólo
pegan cuando esperan recompensa y por lo general
obtienen dádivas. La autocrítica está ausente en esa
línea, la autocrítica no existe para la izquierda. México
es de los escasísimos países en vías de desarrollo que
otorga becas vitalicias a sus creadores, que tiene
premios a la trayectoria, con tintes y criterios
evidentemente más políticos que estéticos, y un
Sistema Nacional de Creadores donde unos becan a los
otros, es decir, los becarios en algún año que no gozan
del apoyo pueden ser jurados y designar las becas a
sus amigos, conocidos, alumnos. Son becas nada
despreciables, durante tres años reciben
aproximadamente dos mil dólares mensuales. Muchos
por supuesto repiten una y otra vez. Hay el otro nivel,
becas para Jóvenes Creadores, que comienzan una vida
becaria desde pequeños, y continúan elaborando obras
apegadas al designio de los apoyos, los numerosos
concursos, premios de diversa índole, sin dejar de lado
organizaciones y fundaciones para formar escritores y
artistas. En fin, no quiero decir que está mal, lo que
está mal son los mecanismos y los propósitos de estas
políticas que buscan domesticar el espíritu creador, que
abaten el ánimo crítico de los artistas y escritores, el
mercadeo de los beneficios que representa ser escritor,
en nuestro caso. Por supuesto, eso acarrea un
ambiente carroñero que impide ver algo más que no
sea el cadáver del compañero y no su obra ni sus
capacidades. Sólo se vuela con los de la misma
parvada.
FM Aquí tenemos que tocar el asunto de cierta retórica
del desconocimiento mutuo entre nuestros países. Es
evidente que México conoce mucho más la cultura
brasileña que al contrario. En primer lugar, en términos
cuantitativos. Brasil conoce más el estereotipo
mejicano, o incluso su falsificación vía Estados Unidos.
Como no tenemos una política cultural que nos
aproxime, nos reconocemos más en los folletos de las
agencias de turismo y en distorsiones presentadas por
las telenovelas de un lado y del otro. Además, he
observado un aspecto referente a la falta de
actualización de lo que pasa con la cultura brasileña, y
esto no solamente en relación con México. Es bastante
común la evocación de ciertos íconos de nuestra cultura
que hoy tienen una lectura distinta en el Brasil. Un
ejemplo clásico es el desconocimiento de los
desdoblamientos de la música popular, donde muchos
de los nombres antes tenidos por sagrados hoy son
cuestionados aquí por el carácter decrépito y la dilución
estética. Me gusta cuando sugieres en una entrevista
que deberíamos cuestionarnos más sobre este nuestro
desconocimiento mutuo. Pero, ¿qué hemos hecho en
ese sentido? Claro que no hablo de nosotros dos. La
falta de una alianza entre nuestros países -y no me
refiero al ámbito comercial- ¿qué raíz tiene?
JAL En México
hay una tradición
y un gusto muy
fuerte por lo de
fuera. El trauma
de la Conquista
nos dejó una
secuela
seguramente más
profunda que en
la mayoría de los
países
latinoamericanos.
La fuerza cultural
que emana de nuestro pasado y presente indígenas es
enorme, pero lo es también la curiosidad por lo
extraño, por lo externo. Digerimos con facilidad lo
distinto, lo novedoso, sin perder el encantamiento por
lo propio. Frida Kahlo seduce al mundo por su
mexicanidad y por sus símbolos cosmopolitas, por su
carga surrealista, su anticonvencionalismo, su imagen
mestiza y por la tradición que rezuma su obra de
apariencia agreste. Ambos países y sociedades
perdemos mucho al no conocernos y reconocernos en
esa energía creadora que nos deslumbra y nos cautiva
como culturas vitales, bullentes, innovadoras,
sorprendentes. Ya desde hace tiempo Alforja y Agulha
hablan-falam el mismo idioma, son, sin pretenderlo,
eslabones de esa fraternidad universal de los poetas
destinada a cuestionar la validez y eficacia de las
políticas culturales de nuestros respectivos países.
Desde Alforja ya iniciamos el esfuerzo por dar a
conocer entre los lectores mexicanos a los poetas
brasileños a través de nuestra colección de libros Azor.
Esperamos que ocurra algo semejante en Brasil con
respecto a la poesía mexicana, que tiene mucho que
dar a los lectores de tu país.
FM Las diferencias son innumerables, Leyva. En primer
lugar, no se puede hablar, en Brasil, de política cultural,
sobre todo si lo comparamos con México. Claro que
entiendo lo que dices sobre la carga de exotismo que
internacionaliza la cultura mejicana, y también en el
Brasil vivimos esto, en rigor, algo más afecto a lo
turístico que a lo propiamente cultural. Se trata más de
una política de mercado. Ahora, como la apariencia es
todo -esta es la gran ilusión de nuestro tiempo-, todos
los planes de construcción de una cultura están
programados para mostrar las más vistosas y
espectaculares evidencias, y nada más. Si comparamos
la colección “Azor” de Ediciones Alforja, por ejemplo,
con la colección “Ponte Velha”, de Escrituras Editora,
brasileña, en seguida vemos una diferencia que
interesa aquí comentar. En el caso mejicano, la
creación de un sello editorial para divulgación de
autores extranjeros en México se lleva a cabo gracias al
apoyo del Fondo Nacional para la Cultura y las Artes.
En el caso brasileño, la creación de un sello editorial
para divulgación de autores portugueses en el Brasil, se
lleva a cabo gracias al apoyo del Instituto Portugués del
Libro y de las Bibliotecas, de Portugal. En un caso, es el
gobierno mejicano apoyando la entrada de escritores
extranjeros en su país. En el otro, es una expansión del
gobierno portugués, una nueva carta de navegación,
otra conquista. No hay correspondencias. Lo que
esperas del Brasil en términos de diálogo es una utopía,
querido. Yo declaradamente me avergüenzo de todo
esto. Y no creo que esta situación se modifique con los
esfuerzos comunes de Alforja y Agulha.
JAL En nuestro caso estamos aprendiendo a
desprendernos de la imagen paternalista del Estado y
darle cauce a nuestras iniciativas culturales. Pero ojo,
es utópico pensar que vamos a lograrlo sin apoyos
institucionales, no al menos en la inmediatez histórica.
No somos empresarios, pero sí tenemos un carácter
emprendedor. La diferencia es notable, el empresario
busca la ganancia, nosotros como poetas y promotores
culturales pretendemos un efecto sustantivo en el
público al que nos dirigimos. Aclaro, no satanizo a la
empresa como generadora de plusvalía, pero reconozco
que nuestras acciones se mueven por motivaciones
más espirituales y ello nos obliga a pensar en
escenarios diferentes donde lo determinante es la
cultura. Cuando señalo el diseño de las políticas
culturales del Estado no critico sus beneficios, sino sus
orientaciones, la manera como selecciona y aloja a sus
beneficiarios, los criterios que establece para generar
una élite que al final será la misma que imponga reglas
y normas para beneficio de unos cuantos privilegiados.
Yo estoy porque se amplíen esos beneficios, porque los
intelectuales asuman que es una responsabilidad, una
obligación, no un acto de caridad, del gobierno, otorgar
partidas suficientes para el fomento y desarrollo de la
cultura, pero no a costa de la sumisión y el silencio. En
países como México y Brasil el potencial económico que
representan sus culturas es enorme, tenemos una
historia rica, una diversidad biológica y humana
extraordinaria, un bagaje literario y artístico de grandes
proporciones, sin dejar de lado sus manifestaciones
populares, artesanías y folclore. En fin, yo pienso que
Alforja y Agulha son consecuencia de esa energía que
nos reclama y empuja. En Alforja buscamos la
complicidad con la Universidad Autónoma Metropolitana
para sobrevivir y continuar con nuestra labor editorial,
fue una iniciativa que cuajó, por lo menos hasta hoy.
Tenemos además una colección de libros, “Poesía en el
andén”, que son pequeñas antologías temáticas cuyo
propósito es hacer lectores entre los pasajeros del
Metro de la Ciudad de México. Esta alianza la hemos
hecho con una empresaria, una librera, Nelly Achar,
que apuesta por una iniciativa en la que de entrada
sabe que las ganancias no son jugosas ni inmediatas,
pero piensa en un mercado potencial de cuatro millones
de pasajeros diarios que podrían en algún porcentaje, y
en algún momento, convertirse en lectores de poesía,
lectores que saldrían de los andenes del metro
buscando en las librerías a los autores, a sus libros. Es
utópico, sí, lo es, pero tiene ya un dedo del pie en la
realidad. Eso anima. Agulha, por cierto, ha puesto
también un granito de arena en ese terreno. Agulha es
un referente no sólo de Ceará sino de Brasil y del
mundo hispanoamericano. Creo que el reto y nuestra
mentalidad como productos de estas culturas y estas
sociedades abiertas es justamente trascender los
límites de lo nacional, del patrioterismo ramplón, del
regionalismo chabacano y provincial. Alforja y Agulha,
como muchas otras publicaciones en Latinoamérica,
debemos ser catalizadoras de inquietudes y propuestas,
de corrientes de pensamiento, de posibilidades
creativas más allá de las limitaciones que impone el
medio y las políticas locales.
FM En una entrevista que hiciste al poeta Juan Manuel
Roca (1946) te refieres a la “emergencia tardía de ese
movimiento de vanguardia colombiano que fue el
nadaísmo”. ¿Tardía en relación con qué? ¿No hay ahí un
error de interpretación? Si pensamos en varios focos de
renovación de un ambiente poético -y político, en su
espectro más amplio-, todos surgidos en los años 60,
en países como Colombia, México, Argentina, Brasil,
¿no sería más acertado identificarlos como el
nacimiento de una nueva vanguardia?
JAL Sí, si lo quieres ver desde esa perspectiva. Pero al
reconocerla como una nueva vanguardia se advierte
como una nueva propuesta que surge 50 años después
del creacionismo, el ultraísmo, el estridentismo
mexicano, la Semana de Arte Moderno en Brasil
(modernismo), la poesía de Oliverio Girondo, de Trilce,
etcétera. Cuando digo tardío no lo califico como
desfasado, sino pensando en estos otros
acontecimientos tempranos que corrieron
paralelamente a la agitación estética europea. He leído
gracias al nadaísta Jotamario Arbeláez, el libro de
reciente aparición, Cartas a Aguirre. Contiene la
correspondencia del fundador del nadaísmo Gonzalo
Arango con su amigo más cercano. Allí están las
reflexiones más íntimas y la gestación misma de la
plataforma de principios de ese movimiento o de esa
propuesta estética-ideológica. Coincide más, por cierto,
con el movimiento beatnick, cuya agitación estuvo más
enfocada a lo social-cultural que a lo estético, sin negar
el papel que éste tenga en lo primero y a la inversa. Me
refiero al hecho como movimiento, no como técnica ni
como bandera, mucho menos como actitud renovadora.
Por principio me parece que el arte está obligado a
buscar la experimentación y la vanguardia o resignarse
a morir.
FM En la misma entrevista a Manuel Roca señalas
también, en el Surrealismo, “recurso retórico” y
“sentimiento de vanguardia”. ¿No estaría allí expresada
una condición refractaria de la lírica mejicana al
Surrealismo, mucho más que una lectura crítica de su
transposición a un ambiente latinoamericano? A
ejemplo del poeta colombiano, ¿crees que la escritura
automática no fue más que una “tontería”?
JAL No, la
escritura
automática fue y
sigue siendo una
técnica útil para
escribir poesía, las
tonterías son
responsabilidad de
sus autores.
Recuerda que el
Surrealismo
estuvo tan
presente en
México que fue
uno de las grandes asentamientos del exilio, como lo
atestiguó la exposición en el Museo Reina Sofía, en
España, en 1999: Surrealistas en el exilio y los inicios
de la Escuela de Nueva York. Entre ellos Benjamin
Peret, como pareja de Remedios Varo, Luis Buñuel,
Leonora Carrington, Wolfgang Paalen, también
debemos considerar al extraordinario Gunther Gerszo;
allí estuvieron en momentos cercanos también artistas
plásticos como Isamu Noguchi, Jackson Pollock, de
quien se dice tomó algunas técnicas de David Alfaro
Siqueiros, el mismo André Bretón y Antonin Artaud.
FM Insisto en esta cuestión del Surrealismo, sólo como
una referencia para que podamos entender los
desdoblamientos de la lírica en tu país. Por ejemplo,
Marco Antonio Montes de Oca (1932) dice en una
entrevista a Andréa Fuentes Silva: “Yo hice, en 1953,
una escritura automática, mientras que Paz en 1951
hizo una escritura automática pero en la masa del
Surrealismo, junto a Breton, junto al ambiente
intelectual europeo. Lo mío fue simplemente una
disponibilidad de sacar fuera lo onírico, el sueño, lo
automático.” Montes de Oca se declara, por
ascendencia, un romántico, y no exactamente un
surrealista. Caramba, pero todos los surrealistas son,
por ascendencia, románticos. Sin contar que es
reduccionista concluir que el Surrealismo de define
únicamente por el uso de la escritura automática. O
hacer como los modernistas brasileños: adoptar un
desvairismo y evitar a toda costa referirse al
Surrealismo. Dame tu interpretación, Leyva, tu lectura
de este momento.
JAL No sólo Marco Antonio Montes de Oca, también los
poetas Eduardo Lizalde y Vicente González Rojo
tomaron en sus inicios ciertas tendencias surrealistas
en algo que denominaron “poeticismo”. Los
contemporáneos, en particular Villaurrrutia en varios de
sus poemas más representativos, Gilberto Owen y José
Gorostiza dejan al descubierto ciertas vetas
surrealistas. Pero es cierto, ninguno de ellos se
suscribió como surrealista o como vanguardista. Un
ejemplo contrario fue German List Arzubide, quien
hasta el final de su vida, a sus 99 años de edad, se
proclamó estridentista, aun cuando su forma de vida
nada tenía que ver ya con los manifiestos y la mitología
que crearon en 1921 él y sus compañeros para una
urbe llamada Estridentópolis. La presencia del
Surrealismo en México fue tan representativa, tan
contundente, que no dejó seguidores o militantes.
Como prueba de lo que digo está la construcción que
un millonario y surrealista inglés, Eduard James, hizo
en un lugar llamado Xilitla. Absolutamente delirante,
caprichosa, onírica, producto de esa dinámica cultural
que se vivió en México, y ante la cual, quizás, los
artistas y escritores locales fueron no refractarios, sino
escépticos. Una agitación que los hizo volver la mirada
a la tradición. Pero luego vendrían los infrarrealistas en
los años sesenta y setenta, en donde estuvo José
Vicente Anaya y de donde brotó la obra del chileno
Roberto Bolaño, hoy tan reconocida.
FM Recuerdo haberle preguntado al guatemalteco OttoRaúl González, en una entrevista, acerca de su
renuencia a reconocer a Octavio Paz, y entonces me
respondió en seco: “Él era un hombre de derecha y yo
siempre fui y seré de izquierda. Muy simple, ¿no?” ¿De
qué manera se evidencia en México, sobre todo entre
las generaciones más recientes, esa disensión entre lo
político y lo poético que tan bien se aplica a Octavio
Paz?
JAL No es que Octavio Paz como persona sea santo de
mi devoción, pero debo decir en su beneficio que si
bien terminó siendo un hombre de derecha, también lo
fue de izquierda. Lo que no se le puede negar a Paz es
que fue un hombre valiente que se enfrentó a sus
contrincantes sin pelos en la lengua. Tampoco que fue
un hombre de poder. Al margen de esas posiciones y
calificaciones que parten de lo ideológico, la obra de
Paz es deslumbrante. Las generaciones recientes de
escritores me parece que no tienen muy claro ese
esquema de izquierda y de derecha, la mayoría atiende
más a la geometría de sus intereses personales y al
momento que viven. Quisiera estar equivocado. Por
cierto, la posición política de Fernando Pessoa y de
Jorge Luis Borges no resta admiración a sus talentos en
escritores de una izquierda radical, como lo fueron en
su momento Juan Gelman y Ferreira Gullar. Ambos
declaran un profundo reconocimiento a sus obras. En
México, me parece, también hay una tendencia a poner
cada cosa en su sitio.
Floriano Martins (Brasil, 1957). Um dos editores da Agulha. Entrevista
realizada em janeiro de 2007. Contato: [email protected].
Página ilustrada com obras da artista Florencia Urbina (Costa Rica).
revista de cultura # 57
fortaleza, são paulo - maio/junho de 2007
Las constelaciones poéticas de
Joan Miró en Paris
Miguel Ángel Muñoz
.
Realmente, cuesta mucho
hablar de Joan Miró (Barcelona,
1893-1983, Palma de Mallorca),
después de todo lo que se ha
llegado a decir de él y de su
pintura. Pocas obras como la de
Miró han recibido tal atención,
difusión, expoliación y
exposiciones. Pero al mismo
tiempo, es sorprendente la
fuerza vigorosa que mantiene la
obra. Es un verdadero milagro al igual que pasa con Picassoque las infinitas reproducciones
no hayan agotado su realidad
inédita y, que los originales aún
se presenten con el aspecto
sorprendente e inacabado que
lo hacen aún hoy. Estas obras
parecen haber derrotado al
consumismo. Y esta de derrota es una fuente de salud para el
imaginario, pues en aquello que se resiste es en lo que la obra de
Miró es más generosa.
Como tantos otros artistas de su tiempo, Miró se dedica a la pintura y
el dibujo de forma ocasional. De 1901 son los primeros dibujos que
se conservan, en 1907 estudia en la Escuela de Comerc; en 1912 es
un año de gran importancia para él, pues entra en la Escuela de Arte
de Francesc Galí, que dejará una fuerte impronta en el joven pintor.
En estos años empieza a conocer la nueva pintura y escultura que se
hace en Europa. Ese mismo año tiene lugar en las Galerías Dalmau
una exposición de arte cubista y fauve en la que figuran Metzinger,
Gleizes, Gris, Marie Laurencin, Duchamp -que expone su Desnudo
bajando una escalera núm, 1- y Le Fauconnier. Barcelona es en este
momento el centro artístico más importante y cosmopolita de la
Península. La obra de Miró de estos años, nos permiten conocer la
evolución del artista La mayor parte de los dibujos son bocetos y
estudios del cuerpo humano, desnudos masculinos y femeninos en los
que el artista “lucha” con la organización anatómica transformando
los tópicos académicos: la relación entre las diversas partes del
cuerpo, su articulación en volúmenes, también la línea que los une
rítmicamente, que marca su tensión y movimiento. Un óleo de 1914
que conserva la Galería Maeght de París, El campesino, pone de
manifiesto el horizonte neofauvista en que se mueve el pintor, pero
otro óleo de la Fundación Joan Miró, Playa de Montroig (1916),
evidencia la importancia de su evolución en muy pocos años: una
temática paisajista pintada en clave ingenuista y poética, en la que se
busca ya ese contacto directo con la naturaleza que será constante
de toda su obra.
A partir de 1917, la obra de Miró se aleja tanto de los restos del
modernismo catalán como del noucentisme y, desde luego, de las
formas todavía vigentes en algunos medios del naturalismo y el
simbolismo. Su pintura es más directa que la de todas estas
orientaciones. Hasta cierto punto cabe decir que la obra de Miró
realizada en estos años marca el fin del protagonismo barcelonés: la
modernidad empieza a ser, Miró lo pone de manifiesto. En 1920 viaja
a París, atraído por la que era entonces metrópoli por excelencia de la
modernidad Las sucesivas estancias en la capital francesa,
propiciarán su contacto con los círculos de vanguardia, y entra en
contacto con Masson, Ernst, Arp, Leiris, Artaud, lo que preludia su
colaboración con el surrealismo. “Fue Kandinsky quien me descubrió
que podía escuchar música mientras pintaba”, cuenta Miró en sus
mágicos Carnets Catalans, editados por Skira en 1976, al tiempo que
recuerda que “a diferencia de los surrealistas, siempre estuve
interesado por la composición”. París fue un verdadero
descubrimiento, el impacto que sufrió el artista fue muy grande,
hasta el punto que dejó de pintar. Pero quizá estos años son la gran
aventura de Miró, y desde luego, para mí donde realiza su mejor
obra. Huerto con asno, marca la pauta de los cambios. A primera
vista se trata de una pintura de carácter “ingenua” que recupera, en
clave lírica, algunos aspectos de la temática que había preocupado a
los artistas catalanes de principios de siglo, a la vez que contrasta
con las posiciones de los noucentistas.
Recuerdo con asombro la extraordinaria exposición Joan Miró: 19171934, que se presento en el Centro Georges Pompidou de París en
marzo de 1994. Era sorprendente volver a ver los cuadros de 1917,
año en que Miró logra realizar sus primeras obras en un cambio
radical, que culmina de alguna forma en 1934, pues es en ese año
cuando Miró, se lanza a la realización de una serie de cuadros que
son el resumen, o síntesis de todo lo que ha experimentado y
aprendido durante ese lapso. El Miró que llega a París, quiere
chafarles la guitarra a los cubistas, pero también a los que propugnan
una restauración del clasicismo. Para él, la pintura estaba en
decadencia desde la prehistoria. Quería escapar al formalismo, a las
convenciones pictóricas, y buscaba un lenguaje primario universal.
Las enseñanzas de Galí son un referente obligado, dice Miró “tenía
que hacer una naturaleza muerta con objetos incoloros: un vaso de
agua, una patata…”. Fue entonces cuando Galí le aconsejó que tocase
los objetos con los ojos cerrados, que descubriese los volúmenes
palpando. Y si en 1924 el artista reconoce: “Cuando pinto acaricio lo
que hago”, eso no impide que la caricia pueda ser muy ruda, llegar a
frotar la tela, a rasgarla, a perforarla, a pegar en la superficie
maderas o papeles mal recortados. Es una tentativa de asesinato de
la pintura, que tiene su cénit entre 1929 y 1932 y que se prolonga
hasta 1933.
El aterrizaje de Miró en París no es fácil pero tampoco complicado.
Su marchante Pierre Matisse, logro introducirle muy pronto en el
mercado americano. Los primeros años le enfrentan a la especulación
formal reinante puesto que a él, lo que le interesaba era el punto de
partida, la energía y no el perfeccionismo. Los surrealistas lo
adoptaron pero él no se dejó adoptar. Es una personalidad al margen
de la historia del arte. André Breton, al hablar del carácter infantil de
la pintura de Miró, ha perjudicado su comprensión, pues lo que él
buscaba era la infancia de la pintura, sus orígenes, la pintura de
antes de la pintura, que es otra cosa.
La pintura de Miró somete al mundo a un proceso de metamorfosis,
nos ofrece la oportunidad de asistir a ella y decidirnos por uno u otro
de sus momentos: puede ser el realismo, el surrealismo, la
abstracción o las constelaciones. La posibilidad de participar en una
naturaleza común se ofrece en esa transformación y gracias a ella. El
mundo en movimiento pasa -lo hace maravillosamente en Carnaval
de Arlequín- de un estado a otro, y todos los objetos que se
incorporan a ese fluir constante. Uno de estos estados de emoción, es
el fondo mismo de sus cuadros, sobre todo los “azules”, en las que de
nuevo el fondo es un espacio de resonancia en el que flotan las
criaturas mironianas. Hay momentos en que los fondos de las telas
de Miró son más potentes que las figuras, son la historia del cuadro.
Eso impresionó mucho a artistas como Pollock. Los procedimientos
del action painting están prefigurados en esos fondos. Una fantasía
maravillosa, única, que demuestra que el arte contemporáneo no
tenía límites, y Joan Miró mucho menos, pues como afirman Antoni
Tàpies y Albert Ràfols-Casamada: Miró es el gran pintor del siglo XXI.
Miguel Angel Muñoz (México, 1972). Poeta, historiador y crítico de arte.
Es autor de los libros de ensayos: Yunque de sueños. Doce artistas
contemporáneos; La imaginación del instante. Signos de José Luis
Cuevas; Ricardo Martínez: una poética de la figura. Es director de la
revista Tinta Seca. Contacto: [email protected].
Página ilustrada con obras del artista Joan Miró (España).
revista de cultura # 57
fortaleza, são paulo - maio/junho de 2007
Ni santo, ni mártir: Jacques
Prévert (1900-1977)
Rodolfo Alonso
.
Hace treinta años, el 11
de abril de 1977, fallecía
en Omonville-la-Petite
nada menos que Jacques
Prévert, sin duda el más
difundido y el más
desenfadado de los
grandes poetas franceses
del siglo XX.
Y sin embargo, en su
Introducción a la poesía
francesa, Thierry Maulnier
había podido afirmar,
olímpicamente, que un poeta popular era imposible en
Francia. ¿Qué había ocurrido? En 1931, en la exigente
revista Commerce, dirigida por gente tan seria como
Paul Valéry, Léon-Paul Fargue y Valéry Larbaud, se
publica casi por primera vez un poema de Prévert: el ya
a partir de entonces célebre Tentativa de descripción de
un banquete de mascarones en París de Francia. Que,
entre sorpresa y escándalo, entre asombro y maravilla,
bastará para consagrarlo de inmediato, porque en él
Prévert ya se muestra absolutamente personal, dueño
de un estilo que no se preocupa del estilo, tan
absolutamente desinhibido como orgánicamente ligado,
a la vez, al unísono, con las espléndidas libertades de
las grandes vanguardias y con la maravillosa inventiva
del lenguaje popular y que, no obstante, quizá por ello
mismo, va a volverlo a partir de entonces
inconfundible, e indeleble. Con ese poema abrirá
Gallimard, en 1949, la primera edición de su libro
Palabras que, sin abandonar en ningún momento su
exigente desenvoltura, su magnífico oído incluso
musical, va a convertirse espontáneamente, sin
premeditación alguna, en algo que si ya entonces era
inusitado hoy nos parece casi increíble: un best-seller
de poesía.
Nacido en París casi con el siglo, el 4 de febrero de
1900, ya en 1926 se incorpora al movimiento
surrealista en su etapa acaso más espléndida, pero del
cual iba a separarse tres años después, con motivo de
la crisis producida por el Segundo Manifiesto del
Surrealismo de André Breton. De quien, junto con
otros, iba a despedirse no poco irónicamente, también
en 1929, con el violento panfleto Un cadáver. Como
anota significativamente Aldo Pellegrini, quien no vacila
en ubicarlo sin embargo en el apartado de los poetas
militantes en el movimiento de su excelente Antología
de la poesía surrealista (Fabril, 1961), que se volvería
de algún modo canónica, durante su militancia
surrealista Prevert no publicó nada. Según Pellegrini, su
primer texto significativo aparece en la revista Brifur,
en 1930. (Y bien pronto iba a ser descubierto entre
nosotros: Juan José Ceselli traduce Palabras para Fabril
en 1960. Y yo mismo, a comienzos de 1970, traduzco y
edito Historias.)
No es entonces un neófito, ni un ingenuo, quien va a
seducir con su deslumbrante y contagioso espectáculo
de libertad a tantos y tantos lectores de su país y del
mundo. Pero no es casual que sus primeras armas, su
bautismo digamos literario se haya producido,
precisamente, en el más subversivo y en el menos
académico de los movimientos poéticos de vanguardia
que estaban por entonces cambiando la poesía del
siglo: el surrealismo, un movimiento que hacía de la
espontaneidad, incluso inconsciente, del libre fluir del
pensamiento, el automatismo, su fuente y su bandera.
Pero en nadie acaso como en Jacques Prévert esa
levadura, ese fermento, iba a confundirse con otra gran
riqueza no menos libre y espontánea: la poesía oral, la
poesía popular, la poesía de la calle, del lenguaje y del
universo de la calle.
Muy pocos grandes
poetas modernos hay
que, como Jacques
Prévert, resulten
privilegiado testimonio
de algo hoy casi
dolorosamente
evidente: nunca pudo
haber una gran poesía,
por elitista o culterana
que aparentara ser, que
no estuviera así fuera
secretamente ligada,
por ocultos meandros,
con una gran lengua viva hablada por una comunidad,
por un pueblo. Y algo de eso había entrevisto ya W. H.
Auden, al afirmar tajantemente: “Hay un mal literario
que nunca se debe dejar pasar en silencio, sino
atacarse continuamente, y ese es la corrupción del
lenguaje, ya que los escritores no pueden inventar su
propio lenguaje y dependen de aquel que heredan, de
donde se desprende que la corrupción de éste implica
tácitamente la de aquellos”.
La gran poesía elaboradísima y genuinamente popular
de Jacques Prévert no es que usa o adopta términos y
modismos inventados por el pueblo sino que (como
bien sabía Pavese: no hay que ir hacia el pueblo, se es
pueblo) ejerce esa fecundidad como protagonista, la
ejerce tan orgánica y tan espontáneamente como los
hombres primitivos, los padres originarios (incluso del
lenguaje), y como lo hacían todos los pueblos del
planeta antes de ser asolados en su fecunda
espontaneidad creadora por la demagógicamente
seductora masificación apabullante de la sociedad del
espectáculo.
Por eso, yo mismo, casi recién ahora atino a
responderme por qué me gustó siempre Prévert. Lo que
en un momento fue apenas intuido, hoy me lo confirma
la experiencia. Para mi formación, ya desde la niñez
más temprana, no sólo fueron esenciales los textos
descubiertos sin premeditación alguna y los timbres,
tonos y densidades de las voces percibidas aquí y allá,
un poco por todas partes, sino también el cine, la
canción popular o las revistas de historietas. Sin
prevención, ni previsión alguna, a la deriva de mis
descubrimientos personales, secretos, tal vez estaba ya
ratificando sin saberlo aquella ambiciosa y fecunda
ilusión de las bellas vanguardias: reunir arte y vida,
que no hubiera distancias entre ellos.
No siempre fue posible, y hubo buenos momentos y
momentos felices. Y también hubo precio que pagar,
por eso, precisamente en los mejores casos. Pero pocas
veces se pudo encarnar todo aquello en la entera
existencia de un solo hombre. En el resplandeciente
marco de esa casi desmedida generación de grandes
poetas franceses que, a comienzos del siglo pasado,
fueron capaces de estar a la altura de su linaje
deslumbrante, y de encolumnarse en movimientos y
rebeliones victoriosas sin dejar de ser nunca
fundamentalmente ellos mismos, sólo Jacques Prévert
(1900-1977) pudo ser al mismo tiempo digno de
Gavroche y de Rimbaud, cómplice y compañero, toda
su vida auténtico niño de la calle y paje de las
barricadas. Fiel al lenguaje vivo, que es de todos, y al
mismo tiempo fiel igualmente a la dignidad esencial de
la poesía, que es gloria de la lengua (Dante Alighieri),
pudo entrar y salir del surrealismo con la misma
valentía y dignidad con que supo siempre tomar partido
por los humillados y ofendidos sin someterse a dogma,
censura ni ortodoxia alguna.
Único gran poeta moderno que llegó a vender más de
dos millones de ejemplares de su libro Palabras (ya
antes de su aparición en 1949 el más que lúcido Gaetan
Picon supo calibrarlo certeramente como “el único
poeta auténtico que, en la hora actual, haya sabido
franquear los límites del público más o menos
especializado”), vio a las mejores voces de su tiempo
(de Juliette Greco a su hermano gemelo, Yves
Montand) difundir universalmente sus bellísimas e
imborrables canciones (¿alguien puede olvidar Las
hojas muertas?) , escritas en colaboración con músicos
de la talla de Joseph Kosma o Henri Crolla. Y, por si
fuera poco, su nombre está ligado de fundamental
manera con uno de los mejores y más altos momentos
del cine francés, el realismo lírico de los años cuarenta,
con obras maestras tan conmovedoras como El muelle
de las brumas, Los visitantes de la noche, Los niños del
Paraíso o Amanece, por citar sólo algunos de muchos
filmes memorables de Marcel Carné.
Tan enamorado del amor, y de mujeres bien concretas,
como de la vida y del lenguaje, oral y escrito, es la luz
misma del mundo terrestre (“Padre Nuestro que estás
en los cielos / Quédate allí / Y nosotros nos
quedaremos sobre la tierra / Que a veces es tan linda”)
y, en consecuencia, el resplandor más auténtico de la
condición humana, trágicamente bella,
espléndidamente mortal, el que relumbra hecho
lenguaje vivo en toda su escritura. Que tuvo la suerte
de ser contagiosamente reconocida, como vimos en
una medida poco usual, por sus contemporáneos
(también él con “La verdadera mirada lúcida y loca / De
los que entregan todo a la vida”, enfrentando a “las
aterradoras semillas de la realidad”), y pervive aún
ahora, en estos tiempos ácidos y áridos, masificados
seductoramente como estamos por una enorme marea
de banalidad globalizada, como un antídoto contra todo
autoritarismo, así sea demagógico, contra toda
ortodoxia, así sea lujosa, contra toda represión, así sea
bienvenida.
Porque todavía, por suerte, y pese a tantas teorías, a
tantas órdenes: “la manzana / no se deja dibujar /
tiene que decir lo suyo”. La gran poesía
magníficamente popular de Jacques Prévert, su alto y
personalísimo lirismo hecho de soberbios lugares
comunes es, y por eso disponible, como el mismísimo
lenguaje humano, voces de uno, voz de todos. Que él
nos bendiga, como siempre lo hizo, con justa cólera y
precisa ternura (o viceversa). Como lo sigue haciendo
Chaplin, su consanguíneo más directo. Así sea.
Rodolfo Alonso (Argentina, 1934). Poeta, traductor y ensayista. Fue el
primer traductor de Fernando Pessoa en América Latina. Premio
Nacional de Poesía (1997). Orden “Alejo Zuloaga” de la Universidad de
Carabobo (Venezuela, 2002). Gran Premio de Honor de la Fundación
Argentina para la Poesía (2004). Palmas Académicas de la Academia
Brasileña de Letras (2005). Premio Único de Ensayo Inédito de la
Ciudad de Buenos Aires (2005). Premio Festival Internacional de Poesía
de Medellín (Colombia, 2006). Contacto:
[email protected]. Página ilustrada con obras de la
artista Florencia Urbina (Costa Rica).
revista de cultura # 57
fortaleza, são paulo - maio/junho de 2007
Nicolau Saião: os encontros
falhados - O triálogo em 2007)
Augusto José & Manuel Caldeira
.
Em princípios de 1970
(onde isso já vai!) recebi
uma carta de um amigo.
Dentro dela, além de um
texto abordando o tema das
semelhanças entre os
animais e os vegetais, vinha
um poema que começava
assim: “Ter prazer em
falar/como quem fosse/ um
simples animal, um ser da
treva/ Ter prazer em
nascer, como quem desse/
o nascimento à própria
solidão”.
A carta vinha da GuinéBissau, o amigo era o Nicolau Saião. O poema nascera,
tal como o texto explosivo, no absurdo da guerra
colonial em que então Portugal estava metido e
propunha(m) o prazer contra a solidão e a morte
envolvente, transfigurando o horror destas em vida e
fruição futuras. Razões da vida profissional fizeram-me
perder de vista o amigo, conquanto o poeta me
aparecesse aqui e ali em breves fulgores e, de quando
em vez, uma breve missiva me chegasse quer à região
de Espanha onde então habitava, quer à cidade
europeia (Londres) para onde o meu trabalho me
transplantou.
Reencontrámo-nos mais tarde numa rápida manhã
alentejana de 1981 e, num desses acasos em que a
existência é fértil, em Toronto, cidade do outro lado do
mundo em que por feliz coincidência nos achávamos.
Reencontro-me agora com ele, mais velhos os dois,
mais questionados. Na sala modesta pejada de livros e
de objectos mais apontando para a memória afectiva
que para uma decoração estudada, centenas e
centenas de livros que guardam para oferecer a quem
os abrir tudo o que a imaginação pode dar-nos,
conversamos. Sente-se que, aqui, os livros não são um
álibi mas companhia e “paisagem” natural. E é por aí
que o triálogo começa.
LIVROS, LIVRINHOS…
Manuel Caldeira (MC) Nicolau, porque tens tantos
livros? O que é que os livros representam para ti?
NS São uma espécie de Jardim Zoológico… sem
prisioneiros. Ler é para mim uma forma de comunicar,
de resistir à morte civil e à exaustão do quotidiano. É
uma das minhas formas de brincar com a morte…
Como sabes, cada livro põe-nos à prova, é preciso
mantermos uma grande serenidade, um enorme
sangue-frio! Os livros são também, digamo-lo assim, a
minha sociedade secreta, uma espécie de mar com
ilhas sempre novas. São também a negação duma
determinada sociedade que quer é que a gente veja
televisão e passeie de carro até ao fim da gasolina
mental…
Augusto José (AJ) Mas você vê televisão…
NS Evidentemente! Mas quem é que não vê? Só os
hotentotes, possivelmente. E mesmo esses… Mas só
vejo o essencial, o indispensável. E posso garantir-lhe
que não ouço os discursos nem assisto às telenovelas…
MC Isso também já seria demasiado!
NS … a não ser para renovar um certo nojo. Misturado
com riso, aliás. A televisão como presença obsidiante,
note, porque também por lá aparecem às vezes belas
coisas, é o grande ser sagrado do nosso tempo. Nessa
medida, é óbvio que está a acabar com a componente
mística da religião, que é hoje um rito em aceleração…
basta ver as missas televisivas, sem esquecer que
neste país houve durante algum tempo uma emissora
da Igreja que a breve trecho teve de ser vendida a um
grupo menos “metafísico”… Conhecem, já agora, um
conto do Bradbury em que ele descreve os EUA
totalmente modificados por se terem estragado, devido
a manchas solares, todas as cadeias de televisão? Pois
leiam, que vão gostar. Quanto aos livros, eu não
acredito como os chamados “situacionistas” que seja
indispensável liquidar as artes e a cultura. Isso são
teorias espúrias de intelectuais abastardados. O que é
preciso é acabar-se com a ignorância, com a estupidez
e isso passa também por amar a cultura mas recusar a
kultura, a tal de colarinhos e gravata.
AJ Então não crê que a verdadeira cultura ande na rua?
NS Anda, assim como lá andam também os autómatos
quotidianos, os polícias, os díscolos, toda a sorte de
sacanagem… Ser livre não implica ser ignorante. Ser
culto é precisamente o contrário de ser convencional ou
atrofiado. O que é preciso é não se perder o nosso
coração de criança, tal como Savater o descreve.
Chevaucher le tigre, como dizia Raymond Abellio. Ter
frescura e ser espontâneo, o que não é o mesmo que
ser gostosa e brutalmente acéfalo. O mito do bom
selvagem… Quem é que ainda acredita nisso?
AJ Alguns acreditam…
NS Ou fingem que acreditam. Como sabe este é o
tempo das surpresas, surpresas de ordem mental e
mesmo social. Num dos textos desses senhores um
deles dizia em tom de programa (cito de memória): só
haverá uma sociedade mentalmente aberta quando o
artista, saindo à rua, correr o imediato risco de ficar
com um olho deitado abaixo… Repare-se que diziam
isto quando em certos países totalitários artistas eram
encarcerados e até mortos. Não é estranho que fosse
também nessa altura que estes cavalheiros despediam
um violento ataque ao surrealismo!
Desconfio muito e tenho razões para isso de certa
gente benemérita. Assim que os ouço ou leio que estão
a dar muitas palmas ao “popular”, ao “natural”, preparome para o pior. A meu ver é uma pura mistificação…
questão de calabouços ou de votos e sandices
semelhantes. A meu ver o povo não precisa de “graxa”,
precisa é que o não aborreçam ou mistifiquem em
ordem a ficar ainda mais afastado da plena cidadania.
AJ Estes quadros são de sua autoria? Diverte-o pintar?
Porque pinta?
NS Se é que se pode chamar pintura ao que faço…
Parece-me que a profissão de pintor implica uma
estratégia, uma sistemática. Digamos que a minha
“pintura”, ou a minha atitude enquanto “pintor”, é uma
viagem no universo das cores e das formas, mais nada.
Às vezes dou por mim a pintar figuras com alguma
habilidade, noutras nem sou capaz de reproduzir
aceitavelmente um cavalo, um rosto… Eu creio que
assisto com gozo e certo sofrimento ao nascimento
dos… quadros e, se esta resposta o satisfaz, então sim,
divirto-me. É uma espécie de brincadeira, um jogo…
Mas “a posteriori”! Antes é uma certa angústia, uma
inquietação, uma febre enquanto dura a feitura. Acho –
e não estou a ser solene nem, espero, demasiado
dramático - que a pintura é um jogo algo mortal, em
suma. Pode morrer-se por dentro e até já houve
pintores que morreram por fora por se haver sumido,
ou não ter aparecido, o universo que buscavam ou
intuíam. Para além disto, a pintura como a sinto pode
também ser uma coisa habitual, digamos calma e
secreta, como a presença dos ruídos familiares numa
tarde de Agosto… numa noite de Junho, como a
presença de um gato, um sabor ou um cheiro, um acto
quotidiano. Mas é sempre uma viagem sem bússolas,
no meu caso. Vou confessar uma coisa: às vezes,
principalmente quando estou deitado a descansar, ou
sentado a meditar, ou a andar pelo campo, aparecemme na cabeça quadros belíssimos… Mas não sou capaz
de os reproduzir, é um desespero! Se conseguisse (mas
às vezes nem tenho materiais adequados) era um
grande pintor. Assim sou, tenho consciência disso,
apenas um curioso com alguma felicidade, digamos…
MC Sem bússola… O homem no labirinto? És um
homem em cólera?
NS Apre, creio que não! Só excursão sem pontos
marcados. Ná, definitivamente não. Pelo contrário, para
além da normal indignação de um mais ou menos
atento habitante do meu século, sou um indivíduo que
apenas despreza, não odeia. Para odiar é preciso ainda
suar… Já lá vai o tempo em que eu odiava. Odiei muito,
assim como amei muito. Agora, sem eu querer
conscientemente, apenas sinto capacidade para amar
suavemente ou desprezar. Aqui há dias, ao ler um
texto apontando para as semelhanças mentais entre o
Hitler e o ben Laden, dei comigo a ter uma sensação de
irrealidade, de desprezo e de pena repugnada.
AJ E o que é que despreza, fundamentalmente? Quem
é que despreza?
NS Em primeiro lugar desprezo os oportunistas, tanto
na vida quotidiana como nas letras & artes… Aqui na
cidade de Portalegre e no Alentejo, para não sair da
região, tenho conhecido vários. Pequenos oportunistas,
porque isto é uma terra pequena. O que aliás não me
descansa, às tantas uma pessoa gostava de encontrar
canalhas em grande, como no Balzac… e apanha só
canalhinhas à portuguesa! Bom… E desprezo também
os enfatuados, os que se escondem por detrás do
dinheiro ou do poder. A nível geral desprezo os
politiqueiros, os raposões que fazem grandes frases e
apenas querem enganar o povo, os – no caso da escrita
– que constroem as suas lendas, grandes ou pequenas,
sobre a desgraça dos povos, para acatitarem as
respectivas produções. Mas os que desprezo acima de
todos são os que se proclamam irmãos dos homens e
nada mais têm para lhes dar que obtusidade, dureza e
frieza. Pessoas por vezes com grande formação
académica e intelectual, universitários e quejandos,
mas que são uns perfeitos patifórios, usando o lugar de
que dispõem para exterminar a dignidade com um
evidente sentido de que o podem fazer impunemente.
MC Podias citar algum nome?
NS Nem por sombras! Não por sentido de decência,
digamos, mas por sentido das realidades… Se o fizesse
estava desgraçado! Não haja equívocos: tenho amor à
pele e “os tais” cá no meigo país (Ribeiro Couto) são
quem manda no dia-a-dia. Se eu falasse abertamente,
“quilhavam-me” na certa. Esclareçamos de uma vez
por todas que isto não é ilusão, podia contar estórias
bem reais de manigâncias artilhadas por senhores que
são mais nefandas que as de bandidos das ruelas…
Guardo essa voz aberta, vocês desculpem, para um
livreco de memórias… a sair quando já estiver a “fazer
tijolo”… Mas os nomes abundam, da política à religião,
da economia à saúde pública… às letras mais
respeitáveis, infelizmente.
AJ Como se define? Poeta surrealista, surrealista só,
anarco-surrealista? Como, afinal?
NS Ao contrário do que às vezes se usa fazer (“os
outros que me definam” e tal… ) tenho muito gosto em
me definir… até para poder epigrafar o que me parece
legítimo: creio que sou um poeta surrealista pop. Nos
meus textos, se bem notar, o universo onírico entra e
sai (como uma bomba de pistão?) pela sociedade de
consumo adentro, são constantes nos meus textos as
referencias aos objectos e coisas característicos dos
tempos que correm, comidas, lugares quotidianos,
coisas vulgares em suma. Isso não é, evidentemente,
premeditado, garanto-lhe que não tenho gosto pelo
miserabilismo, não há tanto quanto me dou conta
qualquer propósito preconcebido. Sinto a dada altura
que os textos vivem vida própria, vivem por eles
mesmos. Os mundos à Dali não me atraem nada
enquanto hacedor, nada me dizem, os vastos painéis
oníricos encaro-os como entidades… bem, falecidas. A
meu ver o universo da poesia não é extático, há uma
intrínseca vitalidade nas coisas. Sonho, sim, mas com
cadeiras, janelas, motocicletas, roupas até. Que eu me
lembre nunca sonhei com cavalos voadores ou homens
espantados de olhos na ponta do nariz ou assim… O
meu surrealismo é de situações inusitadas entre os
factos e as personagens, o que me parece ser muito
peculiar e ter muita força. Aliás, a “imagerie”
surrealista à la page (ou pseudo-surrealista, se quiser)
nunca foi cultivada com insistência senão por falsos
surrealistas e explorada por publicistas pouco éticos ou
propriamente tolos.
MC Estás a sorrir largamente ao dizer isso…
NS Indo além do humor
subjacente, seria talvez
curioso referir que o que
mais me atrai e atraime intensamente nos
quadros de Picasso, que
é com Cézanne um dos
meus pintores
preferidos mas não em
todos os momentos
(noutras alturas sou
mais sensível a Lee
Krasner ou Cy Twombly)
é a exemplar presença
de objectos transfigurados mas sem deixarem de ser
eles mesmos, reais como tudo (surreais?). Enche-me
de admiração e prazer o partido que ele soube tirar de
candeeiros bruxuleantes (como vi na infância, quando
morava no campo), de palmatórias de velas, de caixas
de bolachas, de pratos, de cântaros, de atavios, de
garrafas, de coisas para o quotidiano urbano, de
instrumentos para os trabalhos de quinta… Creio que
os objectos deste tempo a consumir-se (a meu ver
ainda não saímos verdadeiramente do século vinte) me
atraem porque extraio deles um sentido vestibular de
anti-catástrofe que me permite passar indemne para o
universo saudável do sonho inserido na vida corrente.
Digamos que os vejo de vários pontos de vista mas que
estão sempre ligados à vida calma e fecunda, à
felicidade simples. Tenho para mim que este mundo,
agora sim à beira da destruição atómica – os soviéticos
eram do nosso tempo, continham-se, ao passo que os
islamitas vivem na idade média… com electricidade –
não chegou a conhecer perfeitamente, leia-se estimar,
na sua verdadeira dimensão os instrumentos e objectos
sobre os quais erigiu o seu dia-a-dia. Com ressalvas
pontuais, é claro. Em contrapartida, veja os índios. Os
objectos eram para eles não entidades anónimas ou
sagradas (no sentido em que pertenceriam a uma
mística) mas entidades respeitáveis e poéticas. Tinham
um lugar estimável no mundo. Por seu turno, a nossa
sociedade usa os objectos, como usa as pessoas. É
uma sociedade canibal, com ligeiras excepções.
Os objectos motivam-me porquanto os transformo em
signos, em símbolos, servem-me de trampolim para
saltar para o meio do mundo, o verdadeiro mundo,
onde até os objectos poderão ser felizes e repousar e
ter alegria. Nós, quando estamos em estado de graça,
formamos com tudo o que nos rodeia em singeleza um
cosmos único, assombrado, o que significa que as
coisas funcionam como espelhos de um dado real.
AJ E não acha que esses sentimentos são comuns a
muita gente que não vive alienada?
NS Francamente não sei, estimaria bem que assim
fosse! É muito possível que sim, quem sabe? Repare
que não tenho gosto de proprietário, para usar este
termo, em relação aos objectos caros que não recuso e
até me agradam, pois têm uma qualidade estética a
que sou sensível e que infelizmente não posso comprar
a não ser com sacrifícios. Como constatou já,
concerteza, a minha não é uma casa rica, as coisas
custam dinheiro, de que nunca tive grande
abundância…
MC As coisas usam-se como escravos…
NS Pois, também… A propósito, sabem decerto que em
Roma os escravos eram chamados “utensílios
falantes”…
MC E na China os criados eram posse do patrão
enquanto estavam dentro da casa dele…
NS Em resumo, os objectos causam-me vertigens e
pena: pobres deles, tão usados, tão explorados. São o
lumpenproletariat do nosso sistema, candidatos à
lixeira. E no entanto… Já repararam que têm tanta
procura as feiras de objectos antigos? No programa
inglês “People & Arts” vi um programa sobre feiras de
leilões que era deslumbrante. Em episódios, gravei-os
todos… Objectos que, sublinho, normalmente são
guardados em sótãos, outro dos lugares mágicos do
surrealismo, até que alguém os descubra, os
reencontre…
AJ Há uns anos morreu-me uma tia, uma senhora
muito curiosa, um bocado à antiga. O sótão da sua
casa era surpreendente, um verdadeiro cofre mágico!
NS Não me fale nisso, que me cresce água na boca!
Alguns objectos dos meus primeiros tempos, que são
como companheiros de jornada, olho-os como se olha
um dedo do pé, um detalhe do rosto… Daí em geral não
renovar mobiliário pelos anos fora. Não dispenso a
minha velha secretária, a minha velha cama, alguns
candeeiros a petróleo, uma velha banca de cabeceira…
Tenho um frigorífico, que comprei a umas senhoras
adventistas que liquidaram os móveis antes de
voltarem à América, que já faz parte da família… No
fundo é a velha questão da antiga magia. Os utensílios
ficam “carregados” de nós, mas a latitude aqui é a da
magia branca. Claro que se trata do amor intenso à
vida que se viveu…
MC É uma espécie de passeio pelas diferentes idades.
NS Outra coisa que me atrai inapelavelmente são as
casas. As casas, quer sejam em claridade ou em
sombra, são todas tão estranhas! Nem é necessário
procurar muito, são a coisa mais estranha que há. São
o símbolo localizado do cosmos, até se costuma utilizar
a expressão “a casa do mundo”, mas um cosmos
misterioso e secreto, apesar de luminoso. Fantástico e
familiar. Efectivamente, foi o Homem que deu luz à
casa, a casa é simultaneamente asilo e prisão. Defesa,
fruição e inquietação. O universo das casas é muito
mais inquietante e maravilhoso que os universos
estelares, que aliás só alguns vêem na sua real
corporalidade (estão muito longe). Esses podem ser
conhecidos mediante o estudo científico, são objecto de
ciência, a Casa é simplesmente hipótese, porque uma
vez erguida pelos arquitectos deixa de ser apenas um
local para se transformar em algo mais. Fica a
pertencer ao universo que só é desvendável através da
poesia, feita em verso ou em prosa. Aqui aponto para
um livro excepcional, “A vida modo de usar” de
Georges Pérec, no qual ele descreve um edifício de
Paris e não só quem nele vive mas as coisas que o
enchem ou ali são feitas. E quer coisa mais triste e
perturbadora, até inquietante, que uma casa
abandonada, em ruínas, no meio dum campo numa
tarde quente de Julho? Quando de súbito, numa curva
do caminho em que passeamos, nos aparece com toda
a sua memória de coisas e pessoas idas?
MC Não é por acaso que é nas casas que há
fantasmas…
NS E acima de tudo a recordação de gente viva! Lá
pelo fim dos anos setenta fui com o Cesariny ver um
filme policial intitulado “O gato e o canário” e apesar da
película, como ele dizia e bem, ter alguns buracos, a
casa onde decorria a acção era enfeitiçante,
fascinadora. Dava corpo a um ambiente cheio de
sugestões e de ambiguidades no qual a intriga
dependia em grande parte da sua beleza e fascínio
sensual e criminal. Num outro filme, também visto
pelos dois (ambos partilhávamos o gosto pelo
mistério), de novo o tema das moradias é tratado: é
sobre uma casa que “toma o freio nos dentes” e se põe
a viver angustiante vida própria. Nessa película –
“Férias macabras”, dum especialista do fantástico, Dan
Curtis – o realizador devolve à casa o seu poder de
fantasmagoria, recoloca a casa no lugar mais
perturbador: universo paralelo, sonho sobre o sonho,
realidade inteira e inteira ausência, prazer e maldição…
AJ Lembro-me desse filme, vi-o há uns dois anos em
reposição na TV por cabo. Calculo o que teria sentido
ao vê-lo no grande écran. Em certos trechos era de
fazer saltar das cadeiras, mas não foi isso que mo
conservou na memória. Funcionava como que em
círculo…
NS Lembra-se da cena da estufa? A cena em que o
protagonista, um dos melhores actores ingleses da
época (Oliver Reed, muito bem acompanhado por
Burgess Meredith, Karen Black e Bette Davis) entra na
estufa há anos abandonada e a encontra repleta de
rosas, gladíolos, girassóis, orquídeas, tudo mergulhado
num ambiente de sonho e de felicidade edénica… E as
luzes, as luzes que de repente rodeiam a casa como
que num verão interminável? A propósito, sabem que
uma das coisas que mais perturba os neuróticos –
simples particulares ou gente pública – são as cores
brilhantes? É uma descoberta recente de psiquiatras de
topo…
AJ Desconhecia esse facto, mas não me admiro. Talvez
se explique assim a hostilidade que alguns manifestam
pela pintura…
MC Pelo menos em público… Muitos têm as salas de
jantar bem fornecidas de quadros.
NS Talvez no lar sejam pessoas normais e guardem
essas neuroses para nos atrapalharem a vida… Estou a
brincar, é evidente que na maior parte dos casos certa
gente tem quadros devido ao seu preço, como
afirmação de status. Mas, falando a sério, sabes que
num estudo de Francis Mayer ele assinala que nas
residências de pessoal de topo se encontram sobretudo
obras pouco coloridas? Aliás, o ataque que na época se
movia aos impressionistas, mais do que por
deformarem a perspectiva, era principalmente devido a
haver nos seus trabalhos grande profusão de cores…
AJ Passemos agora a outro tema. O que pensa da
literatura portuguesa actual? E da literatura em si?
NS Enquanto continente de percursos e prestígios, cá
ou lá fora, não me interessa nada. No que respeita ao
folclore do género, vejo-o de longe com certa aversão,
pois me parece fazer parte de um ambiente geral de
parlapatice. Não me diz nada enquanto literatice e creio
mesmo que autores que se respeitam sofrem um pouco
com esse cenário. Enquanto paixão interessa-me
muito, é uma parte muito importante da minha vida.
Aliás, numa palestra que fiz há uns dois anos em
Espanha deixei isso bem claro. É uma grande aventura.
Não posso esquecer o gosto com que defrontei – não
apenas como simples leitor - livros como “Mau tempo
no canal” de Nemésio, “Voltar atrás para quê?” de
Irene Lisboa, “Apresentação do rosto” de Herberto
Hélder, os livros de contos de Branquinho da Fonseca,
prosa de Pascoaes e de Raul Brandão… O teatro do
Ionesco, mesmo os seus contos, as reflexões
memorialísticas em que se vasou às vezes, o “Margarita
e o mestre” de Bulgakov, “A montanha mágica” de
Thomas Mann… São experiências absolutas, só por isso
valeu a pena ter vivido. Não falando em certos autores
mais chegados, cuja escrita também sigo atentamente.
No entanto o comboio literário em estilo Deve-Haver é
frequentemente uma tristeza mas, como vivo fora
desses meios onde as pugnas mais intensas
acontecem, não sou muito tocado pela eventual
peralvilhice. De vez em quando em fortuitos órgãos de
informação topo com inquéritos género “ano passado
nas letras” ou “para onde vai a literatura” que relanceio
com certa má disposição porque aquilo tem mais o tom
de treta mercantilista, o usual tique de coscuvilhice.
Pacoviada. A literatura para onde vai? Para onde
sempre foi, para o limbo dos séculos. O que interessa é
a poesia e a escrita que se erguem altivamente para
escarnecer as leis e ofender os deuses, como dizia
Brassai. O resto é assim como que cocoricó para seis
anos de imortalidade…
AJ Mas não distingue aqui e ali sinais de
inconformismo?
NS Claro que sim. Mas não se trata apenas de apelar
ao inconformismo, o caso é algo diferente. É preciso
uma justificação um pouco mais séria, a vida é
qualquer coisa de muito dramático. Trata-se do
seguinte: nos últimos tempos têm tentado dar a
poesia, a escrita, o “complexo literário”, como algo de
supranumerário, talvez porque antes se tentava fazer
dele uma arma de ascensão político-partidária. O que
por vezes me parece que há é tácticas de sector onde o
que se busca é fazer do autor uma espécie de padre
sem sotaina, no mais acabado estilo de super-mercado
ou de assanhada evangelização para primários. Aponto,
como exemplo, para o neo-naturalismo (para empregar
a expressão cunhada por Levi Condinho e posta a
circular por Ruy Ventura) que entre nós quer agora
ocupar totalmente, totalitariamente, a paisagem. De
forma ainda mais nefanda que os antigos próceres e
proponentes do “realismo-socialista”, pois esses ainda
tinham uma justificação ideológica. Nestes lê-se, sem
ser necessário binóculos, o simples nivelamento por
baixo, para que a sua mediocridade, controlando por
fora e em simultâneo “a praça”, seja legítima e
imprescindível.
No campo das escritas
as mais diversas os
surrealistas trabalham
sem rede, a própria
busca de continentes
novos a que se votam é
por vezes empatada e
prejudicada por gente
que, já sem sequer
disfarçar, o que quer é
prebendas mesmo que a
sua falta de talento as
não justifique. E há
encenações para “inglês
ver”: certos prosopoemadores, que se desunham em
tragédias artilhadas em livro, quando na vida
quotidiana tiram a mascarilha afinal são cidadãos
cheios de calma, muito contentes com o lugar que
ocupam na árvore dos níveis…
MC E tu? És calmo?
NS Calmíssimo… mas noutro espaço, noutro clima.
Talvez seja um privilégio, afinal eu não ando na
literatura…
MC É possível estar-se fora da literatura e fazerem-se
versos que andam publicados nas revistas da
especialidade, em jornais, alguns bem destacados?
Achas isso possível?
NS Claro que é possível. Porque há o publicar-se versos
como defesa contra as condições miseráveis em que
nos obrigam a viver espiritualmente – e nem me refiro
a certas condições materiais de parte da população,
agora que no país se está a tentar instaurar uma nova
ditadura – e o que se publica para uma carreira
“técnico-social”… Afinal, pelo menos em Portugal, o que
é reconhecivelmente andar-se na literatura? É sair em
livros sempre que se estende um dedo, ter gente à
volta a tirar-lhe o retrato, literário inclusive até à
saciedade, opinar sobre tudo desde a bola à
gastronomia, etc. Para isso é necessário um estado
especial de espírito e até compreendo que como
pequenos dalis certos autores deliberem servir-se dos
malacuecos em torno. O que me desagrada e nisso
nunca estaria é a jogada literata. O que é que isso tem
a ver com poesia e verdade? Nada, a meu ver.
AJ Você tem dedicado uma boa parte do seu tempo a
ver cinema e a fazer parte de secções de cinema em
colectividades locais. Já agora quais os seus
encenadores preferidos. E como se articula cinema e
surrealismo?
NS O surrealismo foi um dos primeiros companheiros
do cinema. No cinema, o surrealismo tal como o
entendo interessa-se sobretudo pela realidade em
todas as direcções. Daí que esteja bastante para além –
aqui como na escrita ou na pintura – do automatismo
ou do absurdo fantasista onde têm procurado encalhálo. Como referiu António Maria Lisboa, surrealismo não
é sinónimo de fantasia, mas sim de realidade profunda
e aumentada, surrealidade portanto. Não é pois de
estranhar que quem se reclama dessa condição deteste
os apatetados e pedantes filmes de análise, que na
verdade tentam é desvirtuar as questões vitais com
intuitos confusionistas. Bem como as películas que
apelam para a justificação da moralidade burguesa
mais grosseira, ainda que finjam revolucionarismo, ou
as imbecis fitas para tornar os cretinos ainda mais
cretinos com o pretexto que os estão a divertir, ou seja
estupidificar. No plano técnico, ou artístico se preferir:
os que não têm ponta de invenção, que repetem até à
saciedade fórmulas estereotipadas porque junto de
certos meios provaram que rendiam… A essa traquitana
opomos a magnificência soberana de películas de Tati,
Chaplin, Buñuel, Resnais, mas também de modernos ou
desenquadrados que ainda não atingiram o Olimpo dos
clássicos, encenadores que vão fazendo os seus filmes
da maneira que podem ou que os deixam mas que
criam obras de valor que por vezes nem são
reconhecidas na altura em que os fazem. Ou seja, a
imaginação além do poder. Tudo o que permite ao
Homem ultrapassar a “condição humana” mas em
termos não desfigurados. O meu realizador preferido
talvez seja Manckievicz, o de “Autópsia de um crime”,
de “O perfume do dinheiro”, de “Bruscamente no verão
passado”. Os que já citei e também Polanski, Hitchcock,
Roy Ward Baker, Orson Welles, fitas de Freddie Francis,
Peter Sykes, o “Blade Runner” de Ridley Scott (a quem
dediquei um poema), o Elias Merhige de “O suspeito
zero”…
MC E Antonioni, Pasolini, Fellini…
NS Quanto a Antonioni, ressalvo que excepto quando
começa às voltas e voltinhas racionalistas. Mas o
“Deserto vermelho” é um filme consistente com certos
pedaços soberbos, como a cena em que operários
electricistas explicam à protagonista que estão a
montar uma construção metálica para ouvir as estrelas,
uma geringonça que faz parte de um observatório
astronómico, ou outra em que um navio parece
navegar por uma rua dum entreposto.
Por outro lado, talvez seja mais correcto dizer que
tenho filmes preferidos, ao invés de falar de
encenadores. Gostei muito, por exemplo, do “Os
trovadores malditos” de Carné, do “O vagabundo dos
sonhos” de René Clair e não me posso lembrar sem um
estremecimento do “Pândora” de Arthur Levin, triunfo
do amor louco e da existência apaixonada. Mas garanto
que a lista é infindável, tenho quase seis mil filmes e,
desses, uma enorme parte é excepcional.
MC Este é um tema que nos levaria longe…
Ultimamente tem-se falado muito no reacender duma
certa rivalidade ocidente-oriente, em termos de
oposição como no tempo dos blocos. A Rússia volta a
calçar as esporas, há o surgimento do fundamentalismo
islâmico, mesmo o mais brando do novo nacionalismo
árabe, a entrada peculiar no mercado da China…
Preocupa-te o problema atómico?
NS Até há uns anos não me preocupava em demasia,
aliás verificou-se que tinha razões para pensar assim
pois não houve a hecatombe leste-oeste que muitos
profetizaram. Agora começo a estar preocupado. Se
nos abstivermos de fazer a cena de membros da
“agitprop”, como nalguns sectores se tornou
aconselhável menos por moda que por inconsciência,
verificaremos que certos grupos ou países tentam
munir-se de força nuclear sem possuírem um equilíbrio
interior clarificado. Nada de hipocrisias: certo ocidente
é ávido e cínico, mas tem um certo grau de realismo
que ao menos lhe diz que as bombas são para cair em
cima dos outros e não sobre eles… Daí, pensando no
ressalto, terem-se contido pelos tempos. Mas o que
poderá impedir um prócere de Mafoma, que acredita
que o seu deus depois refará o mundo em três tempos,
de destroçar tudo em volta, inclusive o seu próprio
habitat? Não deixemos que o politicamente correcto
nos faça reféns de sectores fanatizados. Devemos levar
a sério gente que acha mal que o catolicismo nos
explore mas já acha bem que o islamismo nos oprima
ou mande para o Além? Sim, levemo-los a sério mas só
para lhes fazer saber que, como na anedota célebre, é
tão nefasto levar-se com um cacete manejado com a
mão direita como com uma cachaporra usada com a
mão esquerda. Se conseguirmos que os
fundamentalistas permaneçam desnuclearizados,
podemos esperar que os outros preservem o globo
terrestre. De que lhes serviria um mundo sem criados?
A não ser que algum louco assuma ascendente, pareceme que o sentido é o da aproximação ao
desarmamento progressivo, ou pelo menos uma certa
dieta armamentista que transporta consigo, entretanto,
problemas de estratégias, jogos de influencia e
mercados demarcados. O que me preocupa
verdadeiramente e aliás já se estava a desenhar no
horizonte, é a aliança objectiva dos vários blocos contra
o chamado homem comum: os bancos de dados e os
computadores permanecem um enigma para o cidadão
vulgar, as super-polícias secretas são já em parte
indiscerníveis, os impérios dos mídia refinaram a sua
capacidade para lavarem os cérebros, certos governos
– como nos últimos tempos o governo português,
liderado por um homem simultaneamente obstinado e
frio, mas que se nota ter um tique de contida violência,
com uma feição interior autoritária inquietante –
tentam desenvolver capacidades que cada vez mais
escapam ao nosso controle, transformando a sociedade
aberta ocidental para pior. Por exemplo, a cultura
popular apesar de em muitos casos ser residual, estãona a confundir deliberadamente (chegando a dar apoios
para se auto-destruir mais depressa) cada vez mais
com cultura de massas. Por outro lado, também é
verdade que o poder, que infelizmente é sempre
discricionário, já não controla bem os próprios
organismos que criou. Talvez por isso, creio que
precisamente por isso, é que o governo português está
a tentar juntar numa só estrutura piramidal os
organismos repressivos, as “forças da ordem” como se
diz em democracia e que entre nós é um facto ilusório.
O que também pode significar um caos a mais. Assistese à desagregação das alavancas do poder, a fera dos
mídia já não se domina bem (já há casos de nítida
inflexão fascista, como o célebre caso lusitano do
“Envelope 9”, que mostrou que para o Estado
português parece só haver direitos humanos se isso
convier aos seus esteios) as polícias são cada vez mais
permeáveis à corrupção – que elas mesmo denunciam
sem que nada consigam (um caso que se passou em
Portalegre com realce nacional) – ao amorfismo e ao
desencanto.
Digo com ironia magoada: talvez algum louco quebre
este ritmo, mas antes do mundo à Aldous Huxley
espreita-nos o mundo à Orwell.
AJ Pois, o quotidiano difuso mas que constrange. O seu
quotidiano constrange-o?
NS Evidentemente, embora eu tenha mecanismos para
lhe escapar. Independentemente do facto de que estou
aposentado, o que facilita o dia-a-dia, eu tenho dois
quotidianos, digamos assim: o de dentro e o de fora
que me liga à vida em sociedade, a sociedade policiada
e que tenta não nos deixar em paz mesmo que
tenhamos uma quinta isolada e só saiamos dela de mês
a mês (que não é o meu caso, falo simbolicamente).
Viver em sociedade não é fácil para ninguém e muito
menos para um poeta, temos de engolir muito em seco
e sabe-se como os próceres do poder não estão para
poesias, essas inanidades… O quotidiano certas vezes
gratificante, por vezes penoso que tive nos tempos em
que era preciso aturar canalhas para não perder o
ganha-pão, já lá vai. Este de agora, que tem coisas
pouco amáveis em muitos casos, ultrapasso-o sem
problemas de maior, tanto mais que como se sabe o
espírito pode mais do que a carne. Digo isto com
perfeito à-vontade, porque nem sou crente, embora
tenha um enorme sentido do sagrado, mas um sagrado
não personalizado ou de obediência a um credo. A meu
ver, posto que seja tolerante e tenha bons amigos
praticantes, a religião é uma corruptela do sentimento
poético, nascem do mesmo vaso (re-ligare, que
significa devolver ao Homem a sua ligação ao cosmos)
mas a religião fica-se em última análise pela vénia a
um presumível ser supremo, extremamente equívoco
aliás no que pretende ao nível do mito (há tantos como
há religiões, todos eles ditos o único pelos sequazes),
ao passo que a Poesia não precisa de álibis, fideístas ou
outros quaisquer.
Ia então dizendo que o que me perturba é o que sinto
passar em volta: a fome do terceiro mundo, a miséria
moral do ocidente, o fanatismo do oriente e a sua
hipocrisia devastadora, a extinção deliberada ou o
entravamento da sobrevivência de sociedades
desenquadradas como os esquimós e os índios ainda
existentes. Quanto à minha vida cidadã, não sou muito
ambicioso e, se quisesse, podia perfeitamente abstrairme pois agora possuo meios materiais suficientes e,
acho eu, não se poderia levar a mal que me
“reformasse” mesmo!
Mas não me
aborrecem em
demasia, os
pulhas que por
aqui há na cidade
não me tocam –
nem é uma cidade
insuportável,
apenas algo
atrasada e onde a
venalidade não
assume extremos
– e além do mais
eu gosto das
pessoas quotidianas e da região. Apesar de
deliberadamente algo isolado não sou de forma alguma
um afastado, trata-se de uma escolha livre pois tenho
aquilo a que se chama um mundo muito meu.
MC Tiveste uma infância feliz, já agora?
NS Muito. Sempre que olho para trás, é um
encantamento. Que maravilha foi aquilo! E a
adolescência também me correu bem, mesmo bastante
bem. Quando reparo nisso fico nostálgico… contente…
admirado. O próprio afastamento da religiosidade, aí
pelos doze anos, não me marcou, senti apenas uma
certa mágoa por intuir que me andavam a enganar e
que era tudo uma convenção. Lembro-me das antigas
aulas de catequese, na Sé, um local de que sempre
gostei, alternadamente com um indivíduo novo muito
delicado e uma senhora já de certa idade que nos
tratava com bondade. Não tinham perfil de carolas
recalcados. Recordo-me é de um padre de meia-idade
ser, uma vez, apanhado por mim numa mentira:
naquela altura davam brinquedos aos garotos em troca
de senhas de presença nas parlendas e eu tinha direito
a uma camioneta de madeira colorida, um desses
lindos objectos artesanais que dantes se faziam e
foram modernamente substituídos por outros de
plástico. O tal padre, não sei porquê, disse que
lamentava mas já não havia e que me ia dar outra
coisa qualquer… E eu tinha visto que havia. Lembro-me
que só senti um certo espanto ao concluir que pessoas,
que eu pensava acima de suspeita, podiam mentir ali
mesmo nos claustros do templo. A partir daí inflecti o
rumo, sem quaisquer amarguras, de forma natural,
apenas com a certeza de que a prática religiosa era
algo que deixara de me interessar. Mas nunca perdi o
sentido do sagrado não fideísta.
Em suma: a adolescência foi um mundo encantado que,
infelizmente, já só pertence à recordação. Mas visito-o
com frequência, pois uma das minhas melhores
faculdades é a memória quase fotográfica. Como todos
os poetas, sou um visual.
AJ Um visual… como poeta? Não queria dizer como
pintor?
NS Não, como poeta. Os poetas são eminentemente
visuais. Só que depois transformam tudo em palavras,
tal como os pintores fazem o mesmo com traços e
cores, creio eu. Evidentemente que um poeta é
também um auditivo mas os ritmos, no poema, na
feitura do poema, são mais interiores que outra coisa.
MC Como uma música ao longe…
NS Como uma música ao longe! Aliás, já reparaste que
a poesia é sempre, penso, um misto de acção
consciente e de nostalgia? Quando leio poesia tenho a
impressão que algo musical soa ao longe… E
curiosamente, quando faço poesia, quando algo me
chega e me sento a escrever, apago de imediato
qualquer aparelho que esteja a emitir música. Não sou
capaz de escrever nem de ler com música de fundo…
Ruídos ainda vá – o piriquito a pipilar ocasionalmente,
carros que passam na rua, vozes de miúdos a brincar,
a minha mulher a cozinhar… Música nem por sombras,
ocupava-me a atenção e tirava-me o som das palavras
e das frases que me soam na cabeça…
MC Mas ainda sobre o quotidiano…
NS Tudo se passa como numa fotografia a preto e
branco que de repente fica cheia de cores. Claro, o
quotidiano pode ser detestável pelo que nos chega de
fora, em certas ocasiões temos de nos abespinhar. Mas
nunca tenho conferido, com Sartre, que “o inferno são
os outros”. Sartre era, na minha opinião, um intelectual
com tiques de pequeno-burguês com a mania dos
monstros, daí as suas oscilações conceptuais que
durante um lapso de tempo até o levaram a apoiar
Estaline. Incomodado, sim, mas pelas desgraças do
tempo, os “disparates do mundo” como dizia
Chesterton. Sigo rumo a Sírius, o humor negro é o
princípio que ajuda tudo o resto. O gosto de viver…
MC O que é para ti o surrealismo? Qual o papel do
surrealismo no mundo actual?
NS O surrealismo é e sempre foi, no meu caso, a forma
mais eficaz e bela de amar a vida e de resistir. O
surrealismo foi e é para mim a campina onde encontrei
a cidade sonhada, o meu rio, o meu deserto e o meu
veleiro. Há mares e praias na minha vida e até os
fantasmas tomam a forma que lhes tira a penosidade,
afastam-se cabisbaixos. Ou seja, não tenho fantasmas
embora tenha muitas nostalgias… O surrealismo, sem
que o programasse, é e foi a minha aposta na realidade
inteira. No plano social, digo como disse um dos
primeiros surrealistas: o mundo a vir ou será
surrealista ou perecerá. E já há indícios seguros desta
asserção. Significa isto que se os homens não
conseguirem resistir e mesmo afastar a manipulação
pretensamente racionalista que tenta transformá-los
em máquinas produtoras de consumismos e fideísmos,
terão de encarar gravíssimos cenários. Se o mundo não
se encaminhar para a prática da poesia, ou seja viver
sem fantasmas interiores e exteriores que nos cortam a
realização pessoal, encaminhar-se-á para o holocausto.
Não é mais possível continuar a assistir, sem perder a
humanidade, aos massacres contra o espírito
perpetrados por espúrias religiões reveladas e
ideologias que já mostraram ser criminais, ou mesmo
contra a matéria: têm de se enfrentar sem demora os
problemas da super-população, do aquecimento global
e da extinção de espécies ameaçadas, das técnicas em
aceleração, dos novos produtos multiplicáveis pela
genética e a engenharia de ponta.
AJ E o surrealismo pode concorrer para catalizar,
digamos, a contestação a tudo isso?
NS Creio que o papel do surrealismo será
determinante. Veja quais as fórmulas que os novos
próceres têm oposto ao antigo racionalismo: o
marxismo mostrou não ser mais que uma religião
substituta, quando não um aparelho de desmiolação
que tinha de acabar mal. Os chamados “filhos da
natureza”, desde os hippies até aos actuais adeptos de
uma ecologia “herbívora”, passando por grupos meioreligiosos meio-políticos, a aparelhagem do poder sabe
como lidar com eles: exército emplumado, polícias
estipendiadas, escolas públicas difundindo a técnica de
se ser criado eficaz, o sistema judicial controlado por
quadrilheiros legais de alto coturno – têm tudo para
solapar os que em última instancia a prisão irá
acantonar se necessário. Do outro lado, é a barbárie
quase completa em acção… Sim, creio que a imanência
surrealista tem muito a dizer e a classe dominante sabe
disso. Cá como lá, acentuo.
AJ Há pouco mostrou-me uns livros, “Documentos de
Informação e combate do movimento surrealista
mundial” de Cesariny, “Escritura conquistada” de
Floriano Martins, mais umas revistas… Concluo que o
surrealismo está activo e sei que segue fazendo coisas
em diversos países. A acção surrealista é hoje mais
fácil ou está, pelo contrário, mais dificultada?
NS Depende… Em Portugal está mais dificultada. Não
porque hoje em dia nos prendam, mas porque em
“democracia” certos sectores refinam os seus métodos:
jornais ditos de referencia que nos marginalizam quase
totalmente ou nos entravam, entregando a “análise”
crítica sobre as acções ou eventos surrealistas a
observadores (não lhes chamo críticos) que opinam
violentamente, no fundo difamando dessa forma quem
tenha o atrevimento de se dizer surrealista. Sem
qualquer possibilidade de revidarmos, eles dominam o
aparelho…
E isto é assim porque o poder, que em Portugal é
muito reaccionário, já percebeu que a “féerie”
surrealista é algo mais do que aquilo que tentavam
fazer crer – sonho e fantasia. Nunca foi fantasia e,
quanto ao sonho, relembro-lhe que há diversas formas
de sonhar… O que o surrealismo busca, já o referiu
António Maria Lisboa, não é dormir de maneira
diferente mas sim estar bem acordado, no sentido lato,
com a capacidade de sonho a funcionar no real que nos
querem dar como fronteira. Sendo poesia viva, ele
contém os germes de uma coisa muito perigosa, pois o
poder tem medo que a poesia encarne e por isso é que
nos casos limite prende os poetas. Nessa medida, o
golpe que encenam agora é remeter o surrealismo para
o passado histórico, prestigiado mas enfim, passado –
utilizando os factos e mesmo as personagens mais
famosas precisamente para calarem a voz surrealista
de hoje. Assim como quem diz: surrealistas foram
aqueles, ei-los gente graúda, vocês não são nada,
calem-se lá, nós é que sabemos como é! Como não
podem eliminar as nossas obras nem dizer que não
prestam (desmascaravam-se!), recorrem então à
censura discreta, impossibilitando-nos de publicar
facilmente, de “aparecer”. Chegam a dar a entender
que, se queremos falar alto e claro, reivindicando o
direito que nos assiste de ter voz pública, é porque
queremos “assumir protagonismo”, uma nova fórmula
que inventaram para impor o silencio quando lhes
convém, para amesquinhar.
Mas como o surrealismo
é imortal, já o dissera
Breton – um dos
surrealistas e não “o
papa” dois surrealistas
como diziam alguns
videirinhos por maldade
– irá sempre em frente,
ripostando taco-a-taco a
esses cabeçudos de
Carnaval.
surrealismo?
MC Como se deu o teu
primeiro contacto com o
NS Deu-se quando eu tinha aí uns 15 anos. Fora
acompanhar minha mãe a um médico local devido a
uma ligeira indisposição dela e, na mesa da sala de
espera, peguei numa revista (acho que a “Cruzeiro” ou
a versão brasileira da “Scala”). Foi lá que vi pela
primeira vez obras de Brauner, Chagall, Ernst, Dali,
Matta e pequenos trechos de poemas de Éluard,
Breton… Soube então, com emoção e alegria, que o
que sentia dentro de mim, conforme ao meu instinto,
afinal tinha nome público bem reconhecível pois até aí
só ouvira vagas referencias. E daí em diante procurei
informar-me, fora um deslumbramento. Li mais tarde
textos mais consistentes no saudoso “A paleta e o
mundo” de Mário Dionísio, um dos livros que mais me
marcou a nível de felicidade. Tempos depois, um
conhecido que se tornou amigo, funcionário da
Gulbenkian, emprestou-me uma série de revistas e, por
essa altura, adquiri o “A intervenção surrealista” de
Cesariny. Pouco tempo antes começara a escrever no
saudoso “Suplemento Juvenil” do “Diário de Lisboa”
orientado pelo Mário Castrim. Em 69, na Guiné-Bissau
onde cumpri “comissão militar por imposição” (era
assim que constava na guia de marcha), li os
“Manifestos” bretonianos prefaciados (?) pelo Jorge de
Sena. Depois, já em Portalegre, os “Cantos de
Maldoror” na tradução de Pedro Tamen. Tive contactos
durante cerca de 2 anos com alguns dos autores que
haviam feito sair o número único da revista “Grifo”, a
seguir apreendida pela polícia política (Pide). Tempos
depois, aquando duma viagem a Lisboa para que o meu
filho mais velho tivesse consulta num ortopedista,
conheci o Cesariny: estava com o João junto à estação
do Rossio e, olhando em volta, eis que vi o Mário a
comprar o jornal ali mesmo ao pé. Dirigi-me logo a ele
e durante vários anos contactámos regularmente,
nomeadamente efectuando textos para colaborações
aqui e lá fora. Depois as voltas da vida fizeram-me
seguir outro rumo, sem contudo nos perdermos de
vista.
Há um par de anos, algo aconteceu de muita
importância para mim: conheci, numa sua vinda ao
nosso país, Floriano Martins. Mas sobre isso não irei
falar agora, deixem passar mais tempo…
AJ Nos seus textos percebe-se um claro interesse pela
espagíria. Há uns tempos, embora de forma discreta,
disseram-me mesmo que você teria contacto com
adeptos, pessoas ligadas à prática da alquimia ou
membros da pouco conhecida Irmandade Rosacruz.
Quer comentar?
NS Não acredite nisso! O surrealismo, é facto, sempre
se interessou pela Arte Magna, no fundo a arte e a
imanência surrealistas são, como afirmou Michel
Carrouges, uma operação alquímica no plano da
linguagem, das formas e da existência. Quanto a estar
eu em contacto com adeptos… claro que é “lenda”, não
tenho categoria para isso, nem nunca conheci, cá ou lá
fora, pessoas que praticassem essas artes, mas apenas
alguns curiosos nesses assuntos. Bem gostava, mas
infelizmente é um meio que me é estranho. Calculo que
essa suposição se deva a durante algum tempo ter
vivido perto de S.Julião um médico inglês aposentado,
Lionel Crabowe, de quem por um acaso fortuito me
tornei amigo. Como era pessoa de leituras, assinava –
pelo menos recebia – umas revistas ligadas a esses
temas, “Alchemy” (inglesa) e “La tour Saint Jacques”
(francesa). Eu lia-as de empréstimo e é natural que
algumas vezes certos amigos ou conhecidos
eventualmente me vissem com elas.
Tanto quanto sei, os adeptos não andam assim pela
vida quotidiana… Ou talvez andem, sei lá, mas a
verdade é que não conheço nenhum. Refiro-me aos
verdadeiros adeptos, não aos curiosos que o serão
como se pode ser pela escultura, pela geologia… Façome entender? É verdade que dum ponto de vista
intelectual, de grande leitor, me tenho debruçado sobre
a Santa Philosophia, que é um dos campos que como já
disse o surrealismo também encara com aprazimento,
mas é tudo no plano da poética aplicada ao mito. Além
disso, como decerto sabe pelas regras de Geber, o
adepto tinha de ser uma pessoa rica ou pelo menos
com meios suficientes para aguentar as despesas das
manipulações e matérias necessárias, que são caras. E
tanto eu como os meus contactos somos o que se
chama eufemisticamente “gente pouco abonada”.
MC Pode sonhar-se com a possibilidade do
Euromilhões…
NS Bem metida… Mas se essa panaceia resolvesse
visitar-me, creio que emigraria antes para uma ilha dos
mares do Sul, não gastaria, confesso, as lecas em
coisas que me ultrapassam!
AJ Somos todos emigrantes internos… Bem, creio que
nos ficaremos por aqui se concordarem. Uma última
pergunta: que vai fazer depois de nós sairmos?
NS Beber uma limonada para rebater o nosso almoço
talvez um pouco demasiado substancial… E depois ler
um texto sobre o Luther King que comprei
recentemente. Ou rever um filme da Katherine Bigelow
que me anda a suscitar.
Ou, às tantas, não fazer nada disso e deixar-me ficar
um bocado à janela, a olhar para a tarde deste dia que
tivemos a sorte de estar tão belo apesar de um pouco
frescote. E meditar… sei lá!
revista de cultura # 57
fortaleza, são paulo - maio/junho de 2007
artista convidada
Florencia Urbina: "Pinto lo que
quiero que suceda"
[entrevista]
Alfonso Peña
.
El verano
irrumpe,
galopa, por los
intersticios claro-oscuro
perenne-, que
destacan en el
pórtico y las
claraboyas
distribuidas en
los diversos
niveles y
terrazas de esa lánguida morada de principios del siglo
XX. Está asentada en los alrededores de San José, en el
barrio Lourdes de Montes de Oca. Fue diseñada y
construida por don Ricardo Fernández Peralta, noble
humanista costarricense: historiador, astrónomo,
esoterista, geógrafo y escritor. De la hondura de sus
sueños, o de alguna ficción prefigurada, germinó la idea
de crear una “casa ideal” para sus diversos quehaceres;
fiel a sus principios, lo logró. En los últimos tiempos la
casa estuvo en riesgo de “derrumbe”; hace 4 años fue
rescatada por el matrimonio Longrigg-Urbina; desde
ese momento funciona en este mágico escenario el
Hotel Arte Milvia.
Florencia Urbina es una viajera impenitente. Ha vivido
en Europa, Asia y EE.UU. También en la costa y la selva
costarricense. Del mismo modo que su conversación, su
pintura es desenfadada, irónica, explosiva, y muchas
veces incide donde más duele, en la descomposición
social y la corrupción imperante. Se le conoce desde
varios biseles: por la pintura, el dibujo, la producción
de obra gráfica, como organizadora de proyectos
comunales, agitadora cultural, defensora de la
biodiversidad centroamericana.
Urbina, explora (y explota), la conjunción de los
“signos” tradicionales y los contemporáneos. Su
iconografía es un ejemplo lúcido del tiempo que le toca
vivir: el encuentro del agua con el aceite; las bodas del
cielo con el infierno; lo establecido y lo contestatario.
Hace acopio de la técnica actual y los rudimentos
usuales: el collage, la fotografía, lo multimediático, el
dibujo, los polímeros, tintas fluorescentes y
fosforescentes. Todo con una carga de sensibilidad,
bien administrada, que apunta a la raíz de lo
costarricense, lo centroamericano, lo universal. Su
creación está llamada a convertirse en una brújula para
las nuevas generaciones de artistas costarricenses: es
gestual y cotidiana; popular y culta; conceptual y
transgresora.
Tiene a su haber la fe inquebrantable del artista que
avizora el futuro. [AP]
AP Es un tema recurrente; en otras oportunidades
hemos llevado la conversación por los senderos de tu
infancia. La incursión que tuviste desde tus inicios por
los recodos del arte, los encuentros con libros, pinceles,
la danza, la música. Todo eso definiría, con el
transcurrir del tiempo tu vocación por la pintura.
FU Me inicio desde muy pequeña en el arte. Soy
tatarasobrina del artista Fadrique Gutiérrez; por los
lados materno y paterno hubo diversas influencias muy
positivas. Recuerdo que desde los cuatro años todos
mis allegados me ponían a pintar, a leer, a bailar.
Abundaban los libros, los cuadernos de dibujo, la
música siempre estaba presente. Me daban papel y
lápiz para que dibujara los muebles de la casa, las
viviendas de los familiares. Pero hay algo que no puedo
olvidar: lo que más hacía era ballet y danza. Incluso
tenía clases de pintura, pero parecía que me inclinaba
más por la danza. Hasta que un día tuve un infortunio
en un viaje en avioneta y me lesioné una rodilla; por tal
causa tuve que dejar la danza y opté por dedicarme de
lleno a la pintura.
AP De ahí se traduce la
gestualidad que
sobresale en tu pintura;
está salpicada de
símbolos, siluetas,
danzarines. Tu
figuración vibra
acompasadamente,
tiene movimientos
dóciles y declinaciones
vertiginosas. Me
imagino que es una
manera de “sacar los
espíritus”.
FU Tenés razón. Al
principio de mi trabajo
hago acopio de esa
temática, los bailarines,
la danza está presente en mi dibujo, en mi pintura. Son
cuerpos en tensión, danzarines que se apropian del
espacio. Y al no poder danzar, tenía que llevarlo a la
tela de una manera consciente o inconsciente. Eso
sucede mucho con mi pintura; pinto lo que quiero que
suceda.
AP Siempre me ha llamado la atención en un artista
contemporáneo la escogencia de su temática. Me
parece que en tu caso es muy amplia, pero a la vez
parece que tiene una trama que la hace mantenerse
firme. Encontramos las diversas disciplinas unidas por
una gran sutileza.
FU En esencia trata sobre el ser humano y su entorno.
Depende de mi circunstancia; por momentos puede ser
autobiográfica y muchas veces narrativa, sin caer en lo
anecdótico. Podría decirte que es muy humana. Soy
una creyente en la humanidad. Me apasiona la gente.
Cada día aprendo y me sorprendo más. Y en la
coexistencia te das cuenta del ser humano con toda su
problemática: destruimos, contaminamos. Con el
tiempo se colige que hay seres maravillosos y otros no
tan maravillosos. De ahí que la selección que hago va
desde las diferentes perspectivas del ser humano,
muchas veces es un proceso casi automático: de
repente estoy pintando a los políticos corruptos, a los
personajes de la farándula; la doble moral, o a la
afinidad que tengo con la protección del medio
ambiente que cada vez está más amenazado irónicamente- por el ser humano.
AP Sería oportuno que definieras y nos explicaras cómo
has organizado esos dos universos tan distantes, pero a
la vez tan cercanos, la animalística y el bestiario.
FU El bestiario es muy diferente a la animalística,
porque es esa parte del ser humano que no es digamos- adiestrable. La animalística es como un
catálogo de la maravillosa armonía del mundo de los
animales. Fijate que todo ese interés se despertó en mí
desde el momento en que viví con ellos en la jungla.
Era hermoso y a la vez increíble verlos pernoctar en mi
estudio, caminando entre los muebles, avanzando entre
mis lienzos, aquello era fantástico. Después de esas
experiencias, traté de conformar dos series: la de los
animales y la de las bestias, como una antítesis.
Aunque muchas veces hay una especie de ósmosis. No
deja de ser divertido. Estas series han sido expuestas
en diferentes lugares y la verdad que la reacción de los
espectadores me invita a seguir investigando cada vez
más.
AP Florencia, existe una anécdota en tu vida, cuando
vivías en la playa Mal País de Puntarenas. Se cuenta
que tuviste un encuentro mágico con una mona y su
bebe. A mí me parece que tiene que ver con algún mito
primigenio. Cuéntanos como sucedió.
FU Mi hija era bebe y yo la estaba amamantando; nos
encontrábamos en el corredor de mi casa y de pronto
escuché un gran ruido en un árbol que estaba justo
frente al corredor. Era una bandada de monos; entre
ellos había una mona amamantando a su monito
congo. Estábamos tan cerca que tuvimos una gran
comunicación visual. Las dos nos miramos; nos
estudiamos; nos entendimos tácitamente. Fue como
una fascinación. Ella mirándome; yo observándola con
detenimiento. Ella con su monito pegado al pecho; yo
en la misma postura con mi hija. Pensé: “somos lo
mismo”, “la misma cosa”. Todo en medio del trópico,
con ese terrible calor: abundaban los mosquitos, era un
paisaje exuberante. La mona y yo en esa maravilla; ese
milagro. Era una especie de trance para las dos. Fue un
instante catártico; una iluminación; un vórtice
energético para comprender que tenía que pintarlos. A
partir de ese episodio, digo: -aunque esto le suene mal
a muchos petulantes- “Somos monos como ellos”.
AP Con el tiempo vas configurando un anfiteatro
personal de antropoides, con nombres, calidades
piramidales, nomenclaturas. Todo esto tiene una carga
de humor negro y es decididamente lúdico.
FU La serie más
reciente está
conformada por
22 monos
machos. Tiene
nombres en
inglés: Fred,
Michael, Jonathan,
etc. Son nombres
de turistas que
visitan el país.
Son monos
multicolores.
Ahora llevo en
proceso otros 22, que son las hembras. Estoy pensando
los nombres.
AP Los monos son una parte representativa de tu
iconografía; incluso para muchos de tus seguidores, sos
la pintora de los monos…
FU No sé con exactitud hace cuanto tiempo los pinto,
me parece que alrededor de una década. Al principio
era un proceso inconsciente. En los últimos tiempos es
más pensado. Yo los redescubro permanentemente en
mi trabajo. Lo que sí es cierto es que siento un gran
compromiso a la hora de llevar a cabo esta propuesta.
La recepción y el acercamiento con los que ven este
trabajo es de una gran correspondencia, eso es
estimulante.
AP El “anfiteatro” del que hablamos cada vez crece y
crece más, es un matiz muy fascinante en tu quehacer,
incluso se lo puede identificar por los trazos, por el
color llamativo y equilibrado, por una mesurada
sensibilidad para abordar la propuesta estética.
FU Lo que decís es muy curioso, creo que todo se debe
al encuentro con la mona. Ella me señaló el camino.
Mucho tuvo que ver el primer encuentro en Mal País.
AP No te parece que a veces esta temática es un poco
“subversiva”, tomando en cuenta que en occidente los
monos son vistos como un pecado…
FU A veces percibo ese “tabú”. Yo me quedo con el rol
protagónico que los monos tienen en la cultura maya:
ellos son los mensajeros de los dioses… Los podés
observar en la pintura, en la cerámica maya, en los
maravillosos altares y monumentos…
AP Florencia, me parece que en tu vida y en tu
creación artística, el grupo Bocaracá tiene una vitalidad
decisiva. Conversemos sobre eso.
FU En el año 1987 alquilé una bodega enorme, en los
alrededores de San José, más exactamente en lotes
Volio. Como el alquiler era bastante alto, invité a
algunos amigos pintores, colegas, para compartir ese
espacio. El primero fue Luis Felipe Morais, escultor y
pintor proveniente de Angola, que vivía en el país. A los
días nos dimos cuenta de que todavía el pago del
alquiler se nos hacía difícil. Decidimos buscar otro
“socio”; emergió Luis Chacón, que en esa época era un
funcionario del Museo de Arte Costarricense. Él se
entusiasmó y nos apoyó en esa aventura. De repente,
el espacio, que era muy amplio y con dos pisos se
convirtió en algo muy llamativo. Muy pronto nos
visitaba todo tipo de gente que estaba vinculada con el
mundo del arte. Luis Chacón fue la persona que estaba
conectada con el medio nacional y tenía relaciones en
el extranjero. Muy pronto comenzaron a llegar pintores,
curadores, periodistas, coleccionistas, etc. Entre otros
visitantes, apareció un día invitado por Chacón -más o
menos al año de fundado el espacio- el crítico cubano
Ricardo Pau-Llosa. Vino a propósito de la primera bienal
Francisco Amighetti (conocida como la “bienal del
chunche”), como jurado. Era muy gracioso, la gente
llegaba con mucha curiosidad, más que todo porque
conocían a Luis Chacón. Hubo visitantes que se
estacionaban a la par de uno y te preguntaban:
“¿Puedo pintar?”, quizás porque el espacio tenía tal
energía que invitaba a la creación. De ese modo conocí
a Pedro Arrieta. En ese momento él trabajaba en papel
y pintaba en blanco y negro; insistía en eso, muy
convencido. En esos mismos días yo acaba de desechar
la pintura en blanco y negro. Es una extraña
coincidencia lo que me sucedió con Pedro. Más bien yo
estaba inmersa con el color total. Recuerdo que
utilizaba materiales industriales, polímeros, texturas,
etc. Andaba por las ferreterías y depósitos a la caza de
materiales no tradicionales. En una de las pláticas, PauLlosa, dijo: “He visitado varios talleres, me parece que
hay artistas trabajando con propuestas novedosas,
Ustedes deberían acercarse, unirse, transmitir e
intercambiar conocimientos… Aprovechar todo ese
desasosiego por el arte contemporáneo.” Después de
escuchar las palabras del crítico cubano, tuvimos una
larga conversación con Luis Felipe Morais y Luis
Chacón. De pronto, coincidimos en que se podría hacer
un “grupo”. Luis Chacón, quien conocía a la mayoría de
los artistas, cursó las invitaciones. Nos encontramos en
la Galería Nacional de Arte Contemporáneo. Recuerdo
que ese día llegaron varios aspirantes. Luego algunos
se retiraron y quedamos 11 artistas, que es el número
con que se funda el grupo Bocaracá.
AP El trabajo de Bocaracá, en estos casi 20 años, es de
un desarrollo muy importante para el arte
centroamericano. Es admirable que se hayan
mantenido vigentes. ¿Cómo lo lograron?
FU Por el mutuo respeto entre los integrantes, a pesar
de los malentendidos. Creo que influyó demasiado el
concepto de grupo sobre las individualidades, quizá por
eso con el tiempo el grupo se fue desmembrando hasta
quedar los 7 integrantes actuales. No encuentro otra
justificación para entender toda la labor realizada: así
fue como logramos llevar adelante viajes, exposiciones
en muchos ámbitos, murales en sitios públicos,
catálogos, videos, performances, carpetas de obra
gráfica y un libro sobre el grupo. Algunos de sus
integrantes despertaron el interés de coleccionistas
internacionales; en todo caso me parece que Bocaracá
sirvió de trampolín para el trabajo individual de sus
integrantes. Ése era uno de los postulados.
AP Cómo en todas las
actividades de la vida,
siempre existen
liderazgos. Creo que es
oportuno conocer quien
o quienes han liderado a
Bocaracá.
FU Me parece que en
Bocaracá, ha existido lo
que podríamos llamar
como “motores”, que en
las diferentes instancias
han sido respetados por
los demás integrantes.
En cuanto al liderazgo,
es un asunto de actitud,
de emprender proyectos. Eso lo sé. La experiencia de
Bocaracá lo ha demostrado ampliamente. Hay otro
asunto: en Bocaracá, hubo dos y hasta tres tendencias,
eso sirvió para que se diera una pluralidad y una
especie de democracia dentro de la estructura interna.
AP Vayamos al grupo Bocaracá hoy. Cuéntanos de
algún proyecto que estén trabajando en estos días.
FU En el 2006 tuvimos una exposición muy importante
en el Museo de Arte Contemporáneo de Puerto Rico.
Fue una muestra que tuvo una cobertura masiva. La
organización y la muestra fue muy profesional. Yo viajé
con el compañero de Bocaracá, Roberto Lizano.
Recuerdo que en más de una oportunidad el grupo ha
viajado completo a alguna de las aperturas. Estar en
las inauguraciones es muy beneficioso, pues se puede
palpar con fidelidad el interés que despierta nuestro
trabajo en los diferentes países. En San Juan conocimos
a los artistas del Grupo Atelier 22, constituido por tres
pintores puertorriqueños. De inmediato decidimos
llevar a cambio un intercambio. Ellos se interesaron
mucho por nuestro “itinerario de casi 20 años”, pues el
Grupo Atelier 22 apenas están dando los primeros
pasos. El proyecto consistió en una muestra conjunta
en San José, que, por cierto, ya se llevó a cabo durante
todo el mes de febrerodel 2007 en el Museo de los
Niños y otra que se llevará a cabo en San Juan a partir
del 1º de mayo en el Museo de las Américas. La
muestra incluye catálogos de los grupos, visitas
guiadas, etc. Sigo creyendo que éstos son los
beneficios que se obtienen de trabajar en grupo, sin
perder la dimensión individual.
AP Florencia quienes conocemos de tu labor artísticosocial, sabemos que eres una trabajadora infatigable en
proyectos comunitarios. De pronto estás con grupos de
niños, comunidades costeñas, grupos feministas,
personas dedicadas a la conservación de la naturaleza…
Con esto quiero llegar a Punta Islita, una playa
escondida en el litoral pacífico, por Nandayure. Para los
lectores de Agulha será de sumo interés conocer sobre
la génesis y desarrollo de este proyecto comunitario.
FU Yo conocí a una señora que se llama Marcela
Valdeavellano. Es una artista guatemalteca, que vino a
Costa Rica a dar unos cursos sobre cómo “sacarle
provecho al ser artista” para administrar el arte,
promoverlo y mercadearlo. Llevé con ella todos los
cursos. Casualmente ella estaba trabajando con el
Proyecto Punta Islita (entre playa Coyote y playa
Camaronal), en el diseño de la parte cultural. Ella me
invitó y me dijo: “vamos a conocer Punta Islita para ver
qué se te ocurre”. Y como suele suceder en esos
lugares tan recónditos, tan alejados, tan abandonados,
los pueblos crecen a la sombra de la iglesia y de la
plaza, y allí está el Hotel Punta Islita, que fue el
generador para que se desarrollara ese objetivo.
Marcela Valdeavellano le propuso el proyecto a los
dueños del Hotel Punta Islita, los señores Zurcher, que
con gran visión aceptaron de inmediato. También
estaba el antecedente de que Ronald Zurcher me
conocía, pues desde mis primeros años él ha adquirido
mis obras. Incluso -lo puedo afirmar sin vanagloria estaba muy alegre de que yo participara en el embrión
de proyecto. Cuando llegué al pueblo de Islita, me
pareció que era una colectividad sin identidad aparente.
Se me ocurrió desarrollar una serie de símbolos que los
habitantes del pueblo pudieran replicar, haciendo uso
de su creatividad, aunque quizás lo mejor era
proporcionarles los fundamentos de una iconografía que
ellos pudieran repetir para sacarle provecho con los
visitantes y turistas que visitaban el lugar. La idea era
romper con los esquemas tradicionales que atraen
turismo cultural. Mi primer aporte fue una instalación
escultórica que abarca 15 kilómetros; va desde el
aeropuerto hasta la playa de Punta Islita. Lo
emocionante de esto es que la comunidad se integró
totalmente y logramos convertir aquellas pocas casas
en un pueblo atractivo, lleno de formas, colores,
diseños. Con el tiempo, unos 12 artistas han
presentado sus propuestas y se ha configurado lo que
se llama Museo al Aire Libre Latinoamericano.
AP Florencia, el 2006 fue un año lleno de actividad
plástica. Cumpliste con tres exposiciones de tu obra,
una en Londres y dos en Guatemala. Cuéntanos de
esas experiencias.
FU En el año 2006 se
me cumplió el plazo que
me había propuesto
para exponer
individualmente fuera de
Costa Rica. Con
Bocaracá hemos
participado en muchos
países, pero de un modo
colectivo, además de
otras muestras por
invitación. Pude
contactar una galería en
Londres, de varias que
me habían ofrecido. La galería se llama Art Spot y está
ubicada en Highgate, en Londres. Titulé la muestra
Trance in beanerland; está constituida por una serie de
monos con un tratamiento desenfadado, ya que los
monos “somos nosotros mismos” sumergidos, no en la
selva, sino en la “jungla urbana”. La exposición incluyó
entre 20 y 25 obras en diversas técnicas como el
acrílico, óleo y collage. La mitad de las obras llevan un
sello experimental, ya que esas obras fueron
intervenidas con pinturas fluorescentes y
fosforescentes. Así se logra una dualidad muy especial:
de día tienen un mensaje diferente a la noche. Se
transmutan increíblemente. Para mí esta muestra era
muy importante, pues con ella inicié un capítulo de
investigación en mi pintura, que va a culminar con una
muestra que haré en la Galería Alternativa de San José
(2007). En la galería Art Spot la puse a prueba y, en
verdad, que tuvo mucho impacto. A pesar de que yo
era la más escéptica, ya que me tenía que enfrentar a
un público muy exigente, pues Londres quizá en este
momento es la capital del arte global. Es que el Londres
de estos primeros años del siglo XXI es algo
extraordinario; hay bienestar, es como una eclosión
multicultural, incluida la multiplicidad racial, bien
integrada a esa sociedad. Y entonces uno llega ahí
como artista latinoamericano en silencio, ya que la
oferta artística es excelente. La muestra fue en el mes
de junio, en pleno verano; la galería permanecía
abierta hasta las diez y once de la noche… Había que
ver esos monos iluminados, llenos de efectos
cromáticos… Una maravilla…
En el mes de julio estaba inaugurando dos muestras en
Guatemala. Una en el Museo de Arte Contemporáneo
“Carlos Mérida” y otra en la galería El Sitio, en Antigua.
Fueron muestras consecutivas. En ciudad de Guatemala
expuse la muestra “Plás-ticos” que es una serie
dedicada a los arquetipos costarricenses: la doble
moral, lo artificial, la ambigüedad, etc. Aspectos que
siempre están en boca de los centroamericanos y por
eso somos conocidos, y siempre nos critican. Entonces,
antes de la exposición, me pregunté: ¿Por qué no llevar
a Guatemala los plás-ticos? En las paredes del Museo
de Arte contemporáneo “Carlos Mérida”, durante un
mes se pudo apreciar a nuestros diferentes plás-ticos:
“La artís-tica”; “El deportis-tico”; “El Teís-tico”; “La
holís-tica”; y muchos otros arquetipos.
En la galería El sitio, de Antigua, presenté la serie
Animalarium. Lo interesante de este espacio es que se
trata de un centro cultural comunitario. Es visitado por
una nutrida cantidad de visitantes durante la semana.
Ahí se expone por invitación. Se trata de hacer
muestras de arte latinoamericano que tengan interés
para toda la región. Yo me sentí muy bien, a pesar del
acelere de exponer en Londres y Centroamérica de
forma consecutiva.
AP El concepto de “hotel-arte”, me parece una
experiencia muy novedosa. Aquí, en este hermoso hotel
Milvia, (en un punto estratégico de San José: Lourdes
de Montes de Oca, detrás de la Universidad Latina)
donde conversamos, durante 4 años has sostenido lo
que llamamos “Arte espacio”. Cuéntanos de que se
trata.
FU La experiencia con “Arte espacio”, se inicia en la
Playa Mal País, en medio de ese paisaje exuberante y
propicio para la creación y la transmisión de
conocimientos. Hace 4 años se fundó este proyecto de
hotelería que es el hotel Milvia. La idea era hacer un
hotel diferente, en el cual el huésped pudiera participar
de los montajes artísticos. “Arte espacio” es
frecuentado por niños y adolescentes que se interesan
por la creación artística. Tratamos de darles rudimentos
y enseñanzas para que inicien sus carreras artísticas.
Es una labor muy intensa, interactiva, llena de trabajo
grupal. En los últimos tiempos “Arte espacio”, también
se ha convertido en una productora de eventos
artísticos y culturales. Por ejemplo es la que produce
los diversos espectáculos que se presentan en el hotel.
Esto lo hacemos cada 3 o 4 meses. La producción más
reciente fue en diciembre 06. Logramos configurar un
espectáculo que incluyó un diálogo entre danzarines,
músicos contemporáneos y una muestra de mi pintura.
Debo decirte que en este diálogo, en este clima de
complicidad entre las diversas disciplinas artísticas,
Andrómeda ha ganado un amplio prestigio. Considero
que es muy importante que los artistas trabajen en
conjunto, el premio consiste en que un público cada vez
mayor va a tener la oportunidad de conocer el trabajo
de cada uno.
AP Refirámonos ahora a lo amoroso, el elemento
erótico en tu gráfica y en tu plástica. Recuerdo la serie
de los besos, los amantes, los abrazos. Es una temática
llena de búsqueda, de sensualidad; es como tener un
diálogo pertinaz, una especie de confabulación con tus
semejantes a través del eros.
FU Yo vivo en un eterno retorno en la celebración de la
vida del ser humano; lo hago y lo reafirmo con la
presencia del kundaline. La energía sexual es la que
rige nuestros destinos. Para mí lo erótico/sexual es
energía creativa. De ahí que mi temática no estaría
completa sin esas series de las que hablamos ahora. Me
apasiona exaltar esos sentimientos, esas connotaciones
sexuales fuertes. Es una manera de enaltecer la vida, lo
fecundo, la reproducción. Lo resumo así: cuando pinto
o dibujo el tema erótico, es como si lo estuviera
viviendo y experimentando, es una celebración.
Alfonso Peña (Costa Rica, 1950). Narrador, ensayista y editor. Autor de
libros como Noches de celofán (1996), La novena generación (1991), y
Labios pintados de azul (2004). Actualmente dirige las Ediciones
Andrómeda y la revista Matérika (www.materika.com). Entrevista
realizada em maio de 2006. Contato: [email protected].
Página ilustrada com obras da artista Florencia Urbina (Costa Rica).
revista de cultura # 57
fortaleza, são paulo - maio/junho de 2007
livros da agulha
1. Parole d’acqua – Palabras de agua, de Silvia
Favaretto. Ibiskos di Antonietta Risolo, 2007.
Queste parole fatte di acqua – Palabras de agua – che ci
offre Silvia Favaretto, mettono subito il lettore in
contatto, e fin dalla significativa epigrafe, con il
simbolismo di uno dei quattro elementi fondamentali,
che è appunto l'acqua. Questo simbolismo rimanda a tre
temi possibili, isolati o combinati: l'acqua come sorgente
di vita, come mezzo di purificazione o come centro di
rigenerazione. In questa raccolta intensa e originale, i
tre temi sono presenti, ma soprattutto il primo: l'acqua è
il mare e il mare è la madre. E questo mare delle origini
acquista via via forme e dimensioni diverse lungo la
raccolta, mentre disegna ad una ad una le molte varianti
geografiche da cui emerge o acquista forma tangibile:
dalla laguna di Venezia, ambito originario dell'autrice, al
fiume sdoppiato nell'Arno e nel Rio de la Plata, alla pioggia associata al
Guatemala, alle cascate, nello specifico quelle dell'Iguazù, ai ghiacciai che
evocano la Patagonia, e infine all'Oceano che è senz'altro l'Atlantico. Esso, in
effetti, unisce i due mondi dell'autrice, l'Europa e l'America, ma anche le sue due
lingue, l'italiano e lo spagnolo-argentino, ed è anche – e perché no – il mare dei
Caraibi, quindi Cuba. Dopo la sezione dell'oceano ci sono altre due sezioni, quella
sul Cenote (Messico) e quella sullo Ionio (Sicilia). L'impressione è che queste due
sezioni finali siano, precisamente, una nuova partenza. Forse dietro questi testi –
come è normale che sia – c'è una vicenda personale, e sicuramente una vicenda
di intenso dolore, una dura prova iniziatica. Ma l'autrice non si lascia mai andare
alla scrittura confessionale: il dolore rimane legato a un "segreto", a un mistero
che potenzia il dolore stesso e trasforma l'individuale in essenziale, l'esperienza in
formula esistenziale. Ecco: forse il segno più caratteristico di questa poesia si
trova proprio in questa congiunzione fra astratto e familiare, racconto e mistero,
spagnolo e italiano, madre e non-madre (madre biologica, madre cosmica, madre
lingua, madre vita, madre morte). Il libro, in effetti, può essere letto attraverso
l'immagine chiave della madre, oppure attraverso il simbolo portante dell'acqua,
che la racchiude e la moltiplica.
La poesia di Silvia Favaretto – contrariamente a quello che io stessa ho affermato
più volte rispetto a una tendenza generale nella poesia giovane attuale – non è
espressione di una voce androgina, anzi in lei l'elemento femminile emerge
costantemente e in modo indubbio. Ma la sua femminilità è carica di un vigore e
di una rabbia altrettanto eccezionali. Lei ha visto la violenza del mondo, non
quella contingente, storica, "attuale"; ma quella originaria, determinante,
sostanziale e quindi inevitabile. E ha la forza di non mascherarla. E il coraggio di
denunciarla, di contestarla, di rivoltarsi contro, anche nella certezza dell'inutilità
di tale contestazione: “Nacqui viva e furiosa / mordendo il latte avvelenato / di
seni che non volli / mai / lasciare”.
La poesia di Silvia Favaretto nasce da una profonda lacerazione; e la sua voce
non si propone di lenire le ferite, anzi. Essa graffia e colpisce. Ci costringe ad
aprire gli occhi e a sopportare. Ma proprio per questo la sua poesia, non soltanto
non potrebbe mai risultare indifferente, ma alla fine ci trasmette quell'incredibile
energia che l'ha fatta nascere e che la sostiene, ci rende più lucidi e più forti”.
[Martha Canfield]
2. Histórias brasileiras de arte e artistas, de Jacob
Klintowitz. Editora LaserPrint. São Paulo. 2007.
E lá estava o rapaz, orgulhoso do conto que acabara de
escrever, na redação do Correio do Povo, em Porto
Alegre. Chegara com a convicção própria da juventude,
ao menos a daquela época (início dos anos 60), a de
que era incrivelmente brilhante. Queria publicar o
escrito, uma história macabra sobre a mãe louca que
estrangula a filha. O editor olhou o jovem e orientou:
“Está vendo aquele velho magrinho ali? Se ele disser
que é bom, eu publico”.
O rapaz olhou o senhor, que nem era tão velho assim,
entre a pilha de papéis, e pensou com certo menosprezo: “Mas será que ele vai
entender o meu conto maravilhoso?”. O senhor ajeitou os óculos, juntou as
folhas, leu, pegou um lápis, enquanto o garoto pensava: “Será que ele vai ter a
ousadia suprema de pretender corrigir alguma coisa?”.
Com uma voz cantante, um pouco esganiçada e alta, ele finalmente opinou: “Que
visão a tua!”. E convidou: “Vamos tomar um café”. O garoto com ar de quem
sabe tudo, ao olhar o balcão alto, sem cadeiras, aproveitou para usar uma
expressão de Mário Quintana: “Ah, um café de ribanceira”. O senhor ouviu, mas
não disse nada.
Enquanto tomavam o café, o velhinho era cumprimentado com deferência aqui e
ali. “Olá, Quintana.” O garoto ficou surpreso, mudo e envergonhado. “Quintana
de Mário Quintana?”. Era o próprio. Talvez o poeta, na sua sabedoria e humor,
tenha percebido que o rapaz atrevido tinha lá o seu talento. A publicação do
conto incentivou o garoto a escrever. E ao longo dos anos ele escreveu sem
parar, tornando-se o crítico da maior produção de livros de arte do mundo.
Jacob Klintowitz lança o seu 102º livro pela LaserPrint Editorial, Histórias
brasileiras de arte e artistas. Uma edição que difere de todas as outras que
pontuam a trajetória do crítico. Ele se dá o direito de uma prosa poética. Conta a
história de Ivald Granato, Cirton Genaro, José Roberto Aguilar, Henrique Léo
Fuhro, César Romero, apresentando o jeito de ser e ver de cada um. Também
destaca momentos importantes na história da arte brasileira em dois capítulos
especiais: “Amici”, que lembra a contribuição dos artistas italianos, e “Uma
relação tão delicada”, mostrando a importância da França na formação de artistas
como Tarsila do Amaral, Vicente do Rego Monteiro, Candido Portinari, Anita
Malfatti, Wilson Tibério, Antonio Bandeira e Cícero Dias, entre tantos outros.
Depois de uma vida dedicada à crítica de arte, Jacob Klintowitz vê o seu trabalho
sob outras luzes. “Crítica de arte é literatura”, define. “Uma forma ensaística, às
vezes poética, às vezes prosa, mas forma literária que trata de obras ou obra de
outros artistas. A crítica considera a sua significação no mundo, o que a obra
representa, qual o seu papel, o que ela formula. É uma decifração. Um estudo. E
um ato amoroso, uma maneira de conhecer e amar, o que é a mesma coisa.”
O jornalista lembra o mestre Wassily Kandinsky: “Ele dizia que o crítico de arte
ideal seria aquele que tentasse sentir como esta ou aquela forma age e que, em
seguida, comunicasse ao público aquilo que ele experimentou. Para isso, o crítico
deveria possuir alma de poeta, já que o poeta deve sentir as coisas de maneira
objetiva para traduzir de maneira subjetiva o seu sentimento. O crítico, numa
palavra, deveria ser dotado de uma força criadora”.
Klintowitz elaborou seus livros na contra-corrente de muitos pesquisadores. “O
conceito de que a crítica de arte tem um caráter técnico e científico é
completamente estranho ao meu ser”, observa. “Senti prazer e felicidade em
escrever estes textos. E acho que esses devem ser outros atributos da atividade
crítica. Que outros sentimentos deve ter alguém que entra em contato com a
energia da criação artística?”
Desde o primeiro livro, lançado em 1973 pela Léo Christiano Editorial, Jacob
Klintowitz procurou aliar a divulgação do trabalho dos artistas e a reflexão sobre
a trajetória da arte contemporânea brasileira. “Na época, eu trabalhava em
jornal, revista, agência de publicidade, e decidi elaborar um livro para esclarecer
as minhas próprias dúvidas”, explica. “Era composto de três ensaios: ‘Arte e
comunicação’, ‘Apontamentos sobre a estrutura da obra de arte’ e ‘Para uma
política cultural’. Aproveitei uma licença e escrevi o livro em cinco dias, o prefácio
foi do extraordinário Alberto Dines.”
O ritmo agitado dos jornais – em São Paulo, Klintowitz foi o pioneiro das matérias
especiais de arte no Jornal da Tarde, onde trabalhou durante 17 anos – acabou
influenciando no tempo do pesquisador. Ele desenvolveu a capacidade de
escrever um livro, com sensibilidade e síntese, em poucos dias. Daí ter feito,
como lembrou o jornalista Maurício Kubrusly, o mapa do Brasil com seus 102
livros. Ou seja, já escreveu sobre a história e o trabalho de artistas de todo o
País. “Quando releio os livros, fico muito inquieto. Há sempre coisas novas para
observar e acrescentar. Eu gostaria de reescrever praticamente todos. A absoluta
maioria mistura artistas famosos a outros quase desconhecidos.”
Para o crítico, a condição essencial para escrever sobre um pintor é o que a sua
obra tem a dizer, ensinar, emocionar. “Eu peço à obra de arte que me dê critérios
para observá-la. Não chego diante dela inteiramente pronto. Observo com
humildade, perguntando e faço uma revisão permanente dos meus juízos de
valor. Só escrevo quando a obra me diz alguma coisa.”
Klintowitz lamenta o fato de o Brasil ter poucos críticos na mídia. “Os meios de
comunicação desistiram inteiramente de ter alguém que fale em arte e saiba do
que está falando”, observa. “Tem crítico de comida, vida noturna, vinho, cinema,
política, economia, vida social, vida sexual, mas sobre arte há poucos. E o crítico
é fundamental para o desenvolvimento de uma grande arte.”
Na avaliação do jornalista, o artista precisa da interlocução e a arte necessita ser
dimensionada social e culturalmente. “Esse é o papel do crítico. E, no nosso país,
ele se refugiou em instituições, com todas as suas óbvias restrições, porque
foram expulsos dos meios de comunicação. Acho também que mais escritores
deveriam escrever sobre arte. Sinto falta de textos de alta elaboração,
requintados, como os de Geraldo Ferraz, Antonio Bento, Ferreira Gullar, Walmir
Ayala, Antonio Callado, entre outros.”
Klintowitz lembra que o Brasil, apesar da extrema fragilidade institucional, tem
uma arte de alto nível. “Os museus são de dar pena, por absoluta falta de verbas.
A política pública, nos vários níveis, é frágil em relação à cultura e o mercado de
arte é pequeno em relação ao número de artistas e a potencialidade do País. E,
mesmo com esse panorama, nós temos extraordinários artistas em todas as
áreas.”
Em Histórias brasileiras de arte e artistas, o jornalista Jacob Klintowitz revela as
emoções do crítico diante da paisagem da arte contemporânea. Depois de quase
cinco décadas dedicadas à pesquisa e à divulgação da arte brasileira, o crítico
abre espaço para a observação do poeta. “Este livro é um passo em minha
libertação individual”, explica. “Junto o meu aprendizado de literatura e a minha
percepção de arte.”
Sob a liberdade de ser e sentir do paulistano José Roberto Aguilar, o crítico/poeta
se deixa envolver pelas cores da obra e pela luz do ateliê. E deixa o texto fluir em
sensações. “O ar estava impregnado de palavras não ditas, pensamentos
inconclusos, gestos contidos. Também a poeira suspensa que a luz filtrada nos
vidros sujos da janela revelava era uma presença sonhadora e opressiva.”
Faz uma comparação “não idêntica, mas irresistível”, do artista pop com os
mestres chineses e japoneses. “A extraordinária gravura japonesa, que tanto
influenciou na invenção do impressionismo, tratava do cotidiano, da vida das
pessoas comuns, das pontes e das paisagens. A crônica do homem no planeta.
Desde o cubismo a arte utiliza os objetos cotidianos como assunto e, com a pop
art, chegamos numa espécie de entronização da banalidade. Não se pode
esquecer que estamos tratando de manifestações estéticas diferentes, mas há em
comum esse interesse pela simples existência.”
Nesta observação do cotidiano, Klintowitz lembra o haiku de Bashô:
Belo ainda na manhã o velho cavalo sobre a neve.
No capítulo “O silêncio na arte”, Klintowitz se vê diante das figuras nítidas e
precisas do gaúcho Henrique Léo Fuhro. “Essas figuras multiplicadas,
desdobradas, refletidas em um universo de ocultos espelhos estratégicos e que
habitam como superfícies referenciais no universo mental do artista. E, no
entanto, desse contexto estridente da mídia contemporânea, desprende-se uma
atmosfera de quietude, uma construção feita de silêncio.”
Em “O encantador de pipas”, o crítico fala sobre a arte do baiano César Romero e
a sua capacidade de incorporar os símbolos da religiosidade e da criatividade
popular num sistema visual erudito. “Jamais saberemos se voavam mais altas as
pipas do menino. Mas eram famosas naquele interior ensolarado da Bahia as
faixas de cor, o gosto feérico das combinações, a delicadeza do acabamento. No
ar, a pipa, amante do vento, obscurecida pelo sol intenso, já com vida própria,
provocava orgulho e a oculta dor da separação. Memória rediviva do artista,
emblema cromático a portar os signos e símbolos da vida baiana.”
A inquietude de Ivald Granato é homenageada no capítulo “O gênio inventor do
granatês”. Klintowitz afirma que através do trabalho desse pintor carioca é
possível entender muito da história da arte e da cultura brasileira. “Ele cria
situações, fatos e acontecimentos que se desmancham no ar. É um demiurgo ao
tirar do nada uma cadeia de existências.”
O universo pictórico de Cirton Genaro, paulista de Martinópolis, é apresentado
por Klintowitz com cuidado e sensibilidade. “O pintor trabalha sob a égide da
história da arte. A sua pintura tem citações dos artistas que admira: Leonardo da
Vinci, Hieronymus Bosch, Candido Portinari, Milton Dacosta, Alfredo Volpi. E as
homenagens são freqüentes”, observa. “O artista escolheu o seu ofício e foi
possuído por seus temas. Trata-se de pintura e do mundo dos homens.”
Quando se fala em histórias brasileiras da arte, o primeiro nome que surge é o de
Pietro Maria Bardi. Com a admiração e respeito de crítico e amigo, Klintowitz
dedica a ele um capítulo especial. “Conhecido como professor Bardi, ele foi
fundamental na criação da Escola Superior de Propaganda e Marketing, na
divulgação da moda, do desenho industrial, do desenho de humor, da
comunicação em massa, edições de livros de arte, orquestras juvenis, do curso
de museologia, entre tantas outras atividades culturais. Mas, apesar de tantos
títulos recebidos, Bardi era um autodidata.”
[Leila Kiyomura]
3. Fale com Ela, de Betty Milan, editora Record, Rio de Janeiro,
2007.
Fale com Ela é um consultório sentimental, modalidade
jornalística que já deu margem a pelo menos uma narrativa
importante, Miss Lonelihearts de Nathanael West. No Brasil, tem
um precursor notável, Nelson Rodrigues, como bem observa a
autora no prefácio. É dividido em 75 pares de cartas – consultas
de leitores da Revista da Folha, do jornal Folha de São Paulo, que
compuseram a seção com esse nome, e que agora se transferiu
para a versão on-line da revista Veja, em www.veja.com.br/bettymilan – e de
respostas da autora, psicanalista e escritora com extensa obra publicada.
Com uma edição rapidamente esgotada na época de seu lançamento, em abril de
2007, Fale com Ela talvez apareça em listas de mais vendidos. Nesse caso, em
qual categoria vai figurar? De não-ficção? Desse ramo colateral da não-ficção, a
auto-ajuda? Ou, hipótese menos provável, como literatura? A editora Record
parece acreditar nessa terceira possibilidade, pois sugere a catalogação do livro
como Crônicas Brasileiras; portanto, como gênero literário, embora não
necessariamente ficcional. Classificar como auto-ajuda, por sua vez, não seria
incorreto: afinal, os consulentes, aqueles que possibilitaram a existência dessa
seção, enviam mensagens movidos pela inquietação, insatisfação, sofrimento:
por necessitarem de respostas.
No entanto, há uma diferença fundamental entre Fale com Ela e a caudalosa
produção editorial de auto-ajuda: cada obra dessa modalidade pretende-se
universal. Mesmo partindo de experiências pessoais do autor, e freqüentemente
escrita no modo auto-biográfico, apresenta algum método ou conjunto de regras
aplicáveis a todos os seus leitores – ou a alguma grande categoria de leitores:
profissionais de alguma coisa (público-alvo aparentemente majoritário), os
infelizes, os que anseiam pelo encontro com Deus... (haverá categoria mais
universal, ou mais pretensamente universal que Deus?)
Já em Fale com Ela temos o reino do particular: cada caso é um caso, embora se
destaquem, do conjunto de consultas, aquelas de alguém perturbado por sua
identidade sexual (como os hétero que se descobrem ou suspeitam
homossexuais), dos que não alcançam o prazer sexual ou só o alcançam em
condições especiais e atípicas, as uniões que, por alguma dentre muitas razões
estão terminando ou se esvaziando; e, contribuindo para que o todo tenha uma
tonalidade mais sombria, as traumatizadas por abusos sexuais.
Esses consulentes, os leitores-interlocutores de Fale com Ela, encontram o que
buscavam? O que recebem de volta? Em alguns casos, ganham uma
interpretação ou hipótese de interpretação, sempre feita com cuidado, por uma
especialista que sabe muito bem qual é a distância entre o consultório e o espaço
na imprensa. Com freqüência, recebem a sugestão de fazerem uma terapia
analítica. Ouvem, ou melhor, lêem variantes – e essa seria a regra mais geral
que pode ser discernida em Fale com Ela – do conhece-te a ti mesmo socrático e
freudiano. E, ainda, ganham implícitas recomendações de leitura, toda vez que
Betty Milan faz o paralelo entre o que é exposto e algum personagem, tipo ou
situação de obras literárias, ou ao tema de um bom ensaio. Tais remissões à
literatura são amplas e diversificadas: vão dos clássicos aos contemporâneos,
incluem poesia e prosa, e abrangem Platão, Sêneca, Camões, Wilde, Sartre,
Saramago, Oswald, Octavio Paz, Caio Fernando de Abreu, Graciliano Ramos,
Ginsberg... Se, através dessas recomendações e referências, Betty Milan
contribuir para formar alguns leitores, estimulando buscas da própria identidade
em obras literárias, então já terá dado uma grande ajuda.
Haveria mais a comentar, a propósito da literariedade de Fale com Ela,
inseparável da diversidade dos casos que são apresentados. Alguns, de modo
evidente, dariam margem a um enredo e tanto de narrativa ficcional, pelo que
têm de insólito. Ou, melhor ainda, a combinação e interação de vários dos casos
poderia resultar em um só enredo, de maior fôlego. Ao mesmo tempo, esses
casos reais remetem à literatura, têm espelhos ou correlatos ficcionais. A arte
imita a vida, ou é a vida que imita a arte? Ambos, evidentemente: e essa
implícita dialética entre os acontecimentos do dia-a-dia e a produção simbólica
confere interesse adicional a Fale com Ela, tornando estimulante sua leitura.
[Claudio Willer]
4. Colección Los Conjurados. Fundación Común
Presencia. Tres Nuevos títulos.
La Fundación Común Presencia, se ha dedicado desde 1989
a la difusión, apoyo y exaltación de la educación y de los
valores universales de la cultura, a través de la edición de
su revista que ha alcanzado ya su número 19 y de la
publicación de diversos libros en los géneros de poesía,
cuento, testimonio y ensayo, de los cuales han aparecido 42
títulos.
Sus aportes a la cultura hispanoamericana van desde los tres tomos de los
Discursos de los autores galardonados con los Premios Nobel de Literatura, cuyos
derechos nos fueron cedidos exclusivamente por la Academia Sueca (Fundación
Nobel) para su edición en español, hasta la publicación de poetas tan importantes
como Adonis, Antonio Gamoneda, António Ramos Rosa, Arthur Rimbaud, Roberto
Juarroz, Georg Trakl, Giuseppe Ungaretti, Rodolfo Alonso, Calude Miche Cluny... y
de algunas antologías universales de literatura de gran reconocimiento. Es
notorio el cuidadoso nivel gráfico asumido por el enriquecedor vínculo con
prestigiosos pintores del continente que ilustran estas ediciones.
Sus directores han efectuado además en forma personal cuarenta reportajes a
importantes escritores y artistas plásticos de nuestro tiempo –algunos
reproducidos en diversos países e idiomas– entre quienes se encuentran: E.M.
Cioran, Octavio Paz, José Saramago, Lawrence Durrell, Mario Vargas Llosa,
Antonio Gamoneda, Juan Goytisolo, António Ramos Rosa, Jean Baudrillard, André
Chedid, José Ángel Valente, Juan García Ponce, Roberto Juarroz, Antonio
Gamoneda, Carlos Fuentes, Roberto Matta, Eugenio Montejo, Olga Orozco, Omar
Rayo, Oswaldo Guayasamín, Pedro Alcánta Herrán, Edgar Negret, Fernando del
Paso, Jacobo Borges... Creadores universales que se fueron constituyendo en
colaboradores permanentes de sus publicaciones.
La Fundación realiza además en alianza con la Unesco el Día Mundial de la Poesía
versión Colombia (21 de marzo).
La revista y los libros de la Colección Los Conjurados se distribuyen actualmente
en cinco países (Puerto Rico, Perú, Ecuador, Venezuela y Colombia). Nuestros
sitios web para visitación: http://comunpresencia.blogspot.com/ y
http://coleccionlosconjurados.blogspot.com/.
4.1. Cuaternario, de Luis Alejandro Contreras.
Colección Los Conjurados. Común Presencia Editores.
Bogotá. 2007.
Luis Alejandro Contreras (Venezuela, 1955). La mayor
parte de su obra, una decena de libros, permanece
inédita. Fue asistente de la Dirección de Literatura del
Consejo Nacional de la Cultura (CONAC) y Jefe de la
Unidad de Educación del Museo Alejandro Otero. Textos
suyos fueron publicados en la revista Papel Abierto y en
la antología de los talleres literarios del Centro de
Estudios Latinoamericanos Rómulo Gallegos (CELARG,
2000). Colaborador de las revistas digitales Letralia, El
Meollo y Remolinos. Igualmente, tuvo a su cargo la
sección “Letras contra Letras” en el quincenario Letras.
Contracorrientes, Sentencias en incertidumbre, cuaderno de memorias que
entrevera muy al propósito vivencias, sueños y meditaciones literarias ha sido
recientemente publicado por la editorial Bid & Co. Y, aparte de esta edición de
Cuadernario, se ocupa en la publicación de un poemario con el sello Editorial
Memorias de Altagracia, colección Celacanto.
4.2. Allí donde brota la luz, de Jorge Nájar. Colección
Los Conjurados. Común Presencia Editores. Bogotá.
2007.
Jorge Nájar (Perú, 1946). Estudió en Lima Educación y
Ciencias Humanas en la Universidad Nacional “Federico
Villarreal”. Trabajó de profesor en su ciudad natal.
Ejerció en Lima el periodismo hasta 1976, cuando viajó
a Francia donde prosiguió sus estudios de antropología
en el Institut de Hautes Etudes de l’Amerique Latine,
París III. En 1972 publicó su primer poemario Malas
maneras. Obtuvo el Primer premio de la Bienal del
Poesía del Perú (1984), Premio Copé de Oro; y el Premio
Juan Rulfo de Poesía (Radio France Internationale,
2001). En 2002, la Editorial de la Unesco publicó su
antología Poesía contemporánea de expresión francesa
y, en 2003, la U. Católica de Lima lo reeditó. Toda su
obra poética ha sido reunida en Formas del delirio (Ediciones San Marcos, Lima,
1999). Gran parte de su obra narrativa y poética ha sido traducida al francés: Le
dire du malappris (Correcaminos, 1988); Pérou, contes populaires (SyrosAlternatives, 1989); Le diables rient (Syros-Alternatives, 1990); Toile Écrite (La
Différence, 1992); Gravures sur maté (Folle Avoine, 1999); Figure de proue
(Folle Avoine, 2006). Vive en París desde 1977 donde enseña y traduce poesía.
4.3. Sombra embestida, de Hernando Guerra.
Colección Los Conjurados. Común Presencia Editores.
Bogotá. 2007.
Hernando Guerra (Colombia, 1954). Poeta y abogado.
Fue presidente por varios años de una organización de
trabajadores del sector financiero. Es autor de los
poemarios Pájaro azul (Linotipia Bolívar 1994); La noche
del árbol (Sociedad de la Imaginación 1998); Ciega luz
(Común Presencia 2004). Hace parte de la Colección
Internacional Los Conjurados, de la Muestra Siglo XXI de
Poesía en Español y de la antología arquetípica de Poesía
en Español de la Asociación Prometeo, Madrid. Aparece
en Portales y antologías de literatura del país y del
exterior. Su poesía se publica en periódicos y revistas de
Colombia e Hispanoamérica.
5. Poesía contemporánea venezolana. Monte Ávila
Editores Latinoamericana – Editorial Arte y Literatura,
Instituto Cubano del Libro. La Habana, Cuba, 2005.
Veintinueve escritores vivos de Venezuela de diferentes
vertientes literarias y corrientes poéticas, confluyen en
un libro de pequeño formato organizado por Monte Ávila
Editores Latinoamericana y publicado en La Habana por
el Instituto Cubano del Libro (2005).
Presentada con timidez hace dos años en la Feria
Internacional de la capital caribeña, la antología Poesía
contemporánea venezolana fue lacerada desde un
principio por la opinión “bien pensante” de una minoría
que, no obstante, se ha ido imponiendo en contra del libro y sin que en
apariencia nadie objete nada.
Al silencio tutelar de ese ambiente y, a la hasta el momento ninguna distribución
del ejemplar en Venezuela, habría que agregar ahora, la interpretación
impugnante publicada por la Internet del escritor Virgilio López Lemus, sobre la
cual me referiré con poco ánimo de polemizar a ciegas, pero sí con el de exponer
un punto de vista diferente.
En vez de tratar de entender y leer sin prejuicio la selección propuesta por Monte
Ávila, el articulista impone sus propias razones calificadoras para oponerse por un
lado a la supuesta carencia de poesía política de la muestra y por otra a la
ausencia de algunos nombres, la mayoría de poetas fallecidos, en una selección
de poetas vivos para el momento, como señala concluyente, la breve nota de
contraportada. Lizcano (sic), Juan Liscano, Andrés Eloy Blanco, Caupolicán
Ovalles, Arnaldo Acosta Bello, Gilberto Ríos, por razones obvias, no entran en el
grupo escogido.
Por otra parte y, desde una perspectiva en la que la obra poética sea lo único
vivo, existen a mi entender, 50 nombres más que van desde Enriqueta Arvelo
Larriva, María Calcaño, Rafael José Muñoz, Vicente Garbasi, Juan Sánchez Peláez,
Teófilo Tortolero, Gelindo Casasola, Víctor Valera Mora, Villarroél París, Lydda
Franco Farías, Pepe Barroeta, hasta otros como, Elmer Zsabo, Rafael José
Álvarez, Hanny Ossott, o Hugo Fernández Oviol, para sólo nombrar algunos, que
pudieran integrar esa otra antología.
Los poetas Rafael Cadenas y Eugenio Montejo, sobre los que reclama López
Lemus deberían aparecer poemas suyos, hasta donde tengo entendido,
rechazaron personalmente la posibilidad de ser incluidos. En cuanto a otros
importantes creadores a los que hace mención como Francisco Pérez Perdomo,
Márgara Russoto, Teódulo López Menéndez, Javier Lasarte, ¿por qué no pueden
pertenecer al enorme grupo olvidado siempre justa o injustamente en cualquier
antología? ¿Es que, por ejemplo, en la amplísima muestra que el autor del
artículo tiene en la Internet (100 Poetas Cubanos), no se omiten nombres que
para muchos pudieran ser ineludibles tales como los de Raúl Rivero, Heberto
Padilla, Jorge Iglesia, Norberto Codina, o Mercedes García Ferrer?
Tengo la sospecha que esta humilde pero vigorosa antología venezolana hecha
con las mejores intenciones y logros por Monte Ávila para Cuba (es la primera
que allí se edita una de estas características), continuará recibiendo muestras de
los comunes prejuicios de los inconmovibles de la isla caribeña martiana y el de
los de la patria bolivariana. Poesía contemporánea venezolana, continuará dando
de qué hablar allá y aquí, precisamente, porque pese a su brevedad y sencillez,
testimonia un aliento, una determinación de la que carecen muchas obras más
amplias.
Pienso con firme convicción que la labor creadora de Ramón Palomares, Ana
Enriqueta Terán, Juan Calzadilla, Gustavo Pereira, Enrique Mujica, Alfredo Silva
Estrada, Enrique Hernández D´Jesús, Beverly Pérez Rego, Reynaldo Pérez Só,
Ely Galindo, Armando Rojas Guardia, Luis Alberto Crespo, William Osuna, Miguel
Márquez, Santos López, Luis Enrique Belmonte, Ángel Eduardo Acevedo, Cecilia
Ortiz, Luis Camilo Guevara, Elizabeth Shön, Eleazar León, María Auxiliadora
Álvarez, Leonardo Ruiz, Adhely Rivero, Carmen Verde, Tarek William Saab,
Gabriela Kizer, Farruco Sesto, Luis Alberto Angulo, merecen un tratamiento crítico
no sometido a la presión circunstancial y a los criterios libérrimos de las
antologías, inevitablemente examinadas por sus omisiones injustas para tantos.
El conjunto de estos nombres, en el que aparecen grandes figuras consagradas y
otras de creadores menos conocidos, es una apuesta crítica respetable y digna.
No puede juzgar la obra de un autor y menos la de un país a partir de una
antología que por muy aguda sea, sólo refleja una mirada y una perspectiva.
Mucho menos la opinión fundamentada de quien ensaya evaluar para otros, que
es la función básica del crítico, puede dejarse llevar por sus gustos y afinidades
personales. En todo caso, se sabe, una lectura de este tipo exige asumir el texto
sin subestimar el contexto, pero aceptando ante todo que su función es aferente
al de la creación.
Tenemos aquí, sin embargo, una muestra de la poesía venezolana hecha con
amplitud y conocimiento del hecho literario nacional del momento y que a
nuestro parecer, es inobjetable en el propósito de promocionar la excelencia de
una producción que desafía tradiciones mejor conocidas y promocionadas, pero
nunca más importantes, hermosas o actuales. Es recomendable en definitiva, la
edición nacional de este libro con un formato más amplio y con todas las
correcciones posibles.
En todo caso, la excelencia y riqueza de la poesía venezolana permite cualquier
número de compilaciones desde diferentes enfoques. Particularmente yo
agregaría otros nombres a ésta de Monte Ávila, pero agradezco altamente y sin
reservas me hayan incluido en ella y defiendo irrebatiblemente mi derecho a esa
inclusión.
En cuanto a lo verdaderamente rescatable y trascendente que surge a partir de la
opinión del articulista, más allá de concebir la existencia o no de una poesía
política, es la posibilidad de estudiar con absoluta franqueza si es verdad que la
poesía
venezolana o la misma que se hace en este momento en Cuba,
están de espaldas a la realidades profundas de ellas mismas, de su propio gran
decir en el tiempo y el espacio que le corresponde. Nada, en este sentido,
sustituirá la poderosa energía de la poesía que está viva toda en la multiplicidad
de formas como logra expresarse. De lo contrario, lo que se pretende presentar
como tal, sólo es una cáscara que hace aguas por cuenta propia y sin ayuda
alguna para redimirla.
[Luis Alberto Angulo]
6. Paradojas de la mandíbula, de Carlos Calero.
Ediciones Andrómeda. Costa Rica. 2007.
La dentellada del mastín; la mordiente del gato con la
paloma en sus fauces; el tránsito del autobús suburbano
de la barriada popular al downtown de la capital; el
amanecer entre anturios, azucenas, claveles y la
fragancia escarlata de una piel femenina; la
responsabilidad del poeta sin protocolo y con audacia;
todo eso y más acarrea el último libro del poeta tico-nica
Carlos Calero, Paradojas de la mandíbula. Y la memoria,
mejor dicho, la cabanga, ese hilo conductor de la
conciencia del poeta desde la infancia hasta el exilio
voluntario donde acecha el mercado de la muerte.
Sobreviviente de los talleres literarios de la otrora
revolución sandinista, hoy acartonada en el gobierno nicaragüense como una
perífrasis tragicómica, Calero rehusó la forma que perseguía su estilo, para
refugiarse en el estudio y la lectura de los clásicos y las poéticas renovadoras, sin
borrar, claro está, la valiosa experiencia de aquéllos balbuceos exterioristas. Por
eso nos entrega una poesía trascendente pero con garra, lírica más cotidiana,
intimista pero conversacional, culta y sin embargo popular.
Como profesor que es, en el sentido más amplio y pedagógico del término, el
poeta evita la grandilocuencia, no pontifica sino que busca, describe, interpela,
opone y propone. Tributario de su doble vertiente sociocultural y lingüística, su
poesía es fronteriza: desde el ceremonial de Monimbó hasta la acidez urbana de
una metrópoli que se muerde la cola como San José (la ciudad más grande de
Nicaragua, según la percibe el poeta Alfonso Chase), surca esos montes, esas
llanuras, ese río donde asoma la boina de su mayor prestidigitador y mediador
(JCU), pero sin perder la frescura que nos convoca a todos a un territorio
compartido y, como el poeta, el otro, el mayor, el paisano, inevitable. Porque la
división, en esta época, es asunto de cínicos, oportunistas y politicastros.
Paradojas de la mandíbula es testimonio lúcido del oficio. Por eso Calero convoca
a sus poetas precursores y predilectos, los reúne alrededor de su buró de trabajo
y les platica. Conversa largamente con ellos, les narra sus imágenes, los reclama
en sus reflexiones. Y se interna en ese monologo profundo con la voz ajena, que
no es más que la bullaranga de las plazas, parques, mercados y ferias de su
pueblo, ese de la Nicaragua natal, éste de su Costa Rica neoliberal. O se
ensimisma en su voz interior para retrotraer a sus antepasados, a su amante
esposa difunta, a sus camaradas de viaje, quienes hacen posible la construcción
de un mundo que se nos cae, como en la guerra de todas las cosas, en un caos y
una anomia que amenazan al planeta entero.
Carlos Calero nos entrega una obra largamente meditada, elaborada, digerida,
distribuida en su argamasa originaria. Todo ello en el silencio de la labor del
orfebre, silencio que, sin las poses y aspavientos de muchos vates posmodernos,
es condición sine qua nom de todo verdadero artista. Así es su postura vertical de
hombre comprometido con la vida, de ciudadano oficiante de la poesía. Por eso el
poemario mastica, masculla, aúlla, susurra, acaricia y supura, con la lucidez del
artesano que pule las palabras y las imágenes, tal vez en exceso a veces, pero
con la convicción barroca de los hechiceros y los amanuenses de la palabra
historiada, es decir, amasada colectivamente, multiplicada, compartida.
[Adriano Corrales Arias]
7. Poemas do Mediterrâneo, de Faz•l Hüsnü Da•larca
[tradução: Miguel Sulis e Marcelo Jolkesky]. Edições
Nephelibata. Desterro, Sta. Catarina. 2006.
No que tange a Literatura o idioma turco é uma raridade
em nosso país. Se perguntássemos aos poucos leitores
deste país qual seu autor preferido da Turquia? isso
pareceria piada. A que devemos isso? Desconhecimento
dos idiomas mais distantes do nosso? Vício do mercado
capitalista livresco? Ou mera falta de cultura? Difícil
saber. De todo modo, exceções há. Uma dessas é a
tradução, pela primeira vez no Brasil, do poeta Faz•l
Hüsnü Da•larca.
Nascido em Istambul, em 1914, Da•larca é um dos mais traduzidos poetas turcos
contemporâneos de expressiva consideração nacional (e, diga-se de passagem,
antiditatorial). Sua poesia há décadas já entrou no coração da velha Europa, mas
só agora nos chega aqui, e numa antiga forma, a de uma plaqueta.
A forma gráfica da plaqueta é a de um pequeno volume cujo conteúdo é algo que
se assemelha a uma amostra; comparada com o cinema, é como se fosse um
curta. No presente caso, a plaqueta apresenta um conjunto completo de poemas,
bilíngües, chamado Poemas do Mediterrâneo, pertencente ao livro A Agonia do
Ocidente, de 1958. A tradução, ao cargo de Miguel Sulis e Marcelo Jolkesky,
contou com o contato direto com o autor, desde Istambul, de sua velha e
conhecida livraria (pois Da•larca, com mais de noventa anos, segue sendo
livreiro).
Bir kocaman ye•il bir kocaman boz
Yellerde
Çarpar birbirine çarpar enginlere dek.
Dalgalar•n ucunda y•ld•zlar•n ucu
Her köpük bir f•rt•na
Her köpük bir evren.
•u deniz •u gök gizlenebilir
Seni sevdi•im
Gizlenemez.
................................................................................
Um verde colossal, um cinza colossal
Nos ventos
Colidem, defrontam-se até o mar aberto.
Nas cristas das ondas a ponta das estrelas
Cada espuma uma tempestade
Cada espuma um universo.
Esse mar, esse céu podem esconder-se
Que te amo
Não podem esconder.
[Camilo Prado]
8. Mar de dentro, de Lílian Gattaz. Editora Limiar. São
Paulo. 2007.
Vai louca vai, / desentranha, / ato penúltimo, / santo
seio, / cacos, / que se guarde aqui as penas, / eu te
compreendo. Os versos destacados são algumas das
poesias da psicanalista Lílian Gattaz no seu primeiro
livro, mar de dentro, lançado pela Editora Limiar, com o
apoio da Secretaria da Cultura do Governo do Estado de
São Paulo, premiado como revelação de autor inédito.
Mar de dentro é uma teia que lhe consome e devora, sua leitura provoca uma
busca incessante no ponderável claroobscuro que habita cada um de nós. Posto
que é mar é infinito, quanto mais se lê, menos se sabe, a busca já é o fim. A
releitura, um novo começo e assim essa viagem que nunca termina nos põe a
gozar por alegria ou sofrimento. Lílian não põe antagônicos nenhum sentimento
ou situação, tudo celebra a vida numa ilha submersa que de tão improvável e
discutível existência, torna-se real, exata, cópia fiel do que vai na alma humana.
Além da beleza e da harmonia contida em cada verso e em todo o livro, há um
brilhante prefácio de Claudio Willer e considerações sobre a autora e sua obra por
Renata Pallottini.
No poema abaixo, bem… por si só ele já mostra do que é capaz captar a
inteligência e a sutileza do olhar, que Lílian põe sobre cada momento.
TRISTEZA
sobre a mancha da camisa
o ferro quente desfazia rugas
e o meu pranto provocava outras
[Eliana de Freitas]
9.
Poetas na surrealidade em Estremoz –
antologia. Organização e introdução:
Nicolau Saião. Traduções: António Simões,
Éclair António Almeida Filho, Floriano
Martins, Nicolau Saião. Edição Câmara
Municipal de Estremoz. Portugal. 2007.
Há livros que não se organizam. Ou antes, não carecem
de organização. Organização? Antes lhe chamaria
simples arrolamento, simples juntura – como se os
textos tivessem caído da cauda de um cometa, a nós
chegassem projectados por um impulso tão natural como um aceno, um
relancear de cabeça, uma expressão do rosto.
Assim sendo, apenas me coube o papel de receptor. De receptor após mínima
sugestão de companhia. E, pronunciando esta palavra, chega até mim como eco
dum vento salutar a frase de António Maria Lisboa “Aqui já ninguém procura um
séquito; quer-se companhia”. Companhia feita de um simples assentimento – que
é o que melhor quadra nesta antologia que agora se deixa aqui proposta a uma
viagem sem fronteiras.
Um puro lugar de afectos? Também, claramente. Mas afectos cifrados numa
qualidade sem jaça – diria da sua alma própria, que é o espírito absoluto de
quem os articulou em palavras, em frases, em poemas criados mediante o apelo
do sonho, da realidade que intimamente a ele se liga e que já não é norte, nem
sul, nem inverno, nem verão – mas a figura absoluta de quem através deles nega
a morte que tantos desejam para a Poesia, aquela entidade que visa a plenitude.
“Sobre os telhados da casa cresce uma excrescência carnosa”… A frase contém
ainda a sua verdade amaldiçoada, mas cabe aos poetas iluminar a cena e, dessa
maneira, possibilitar moradias mais livres, mais salubres, um ambiente de
logradouro, de jardim ou de palácio encantado onde os monstros não tenham
efectivo poder.
Estes poemas, esta junção de poemas na surrealidade, vindos de autores
vogando expressa ou impressamente na imanência surrealista, não são uma
celebração. Apenas propõem um íntimo, um pequeno fulgor. Uma pequena pedra
brilhando na escuridão de um tempo a que alguns, sem que jamais o consigam,
querem retirar a dignidade que lhe é própria, que lhes é íntegra pertença – e que
de algum modo será o seu seguro perfil nos anos que pelos tempos irão chegar.
[Nicolau Saião]
10. A possibilidade de uma ilha, de Michel
Houellebecq [tradução de André Telles]. Ed. Record. Rio
de Janeiro. 2006.
Chega um momento na vida em que o ato de ler é
alimentar-se de si mesmo e a si mesmo. Assim, alguns
se alimentam de idiotices (nenhuma referência a O
idiota de Dostoievski) e, quando muito, de dogmas que
são a base e a fundamentação dos medíocres. Outros se
alimentam da inquietude. Num certo sentido, incluo-me
entre esses outros. Daí conheci Michel Houellebecq que,
diga-se de passagem, a mim me foi elogiosamente
apresentado por Fernando Arrabal, quando de sua
recente e honrosa visita ao Brasil, como palestrante
convidado no II Festival Nacional de Teatro “Cidade de
Vitória”, no Espírito Santo.
A idéia de entender se resume naquilo que convencionalmente tem-se aceito em
nossa subjetividade cultural como um entendimento que se basta a si mesmo,
engessado pelo nosso paideuma. Decidir por algo que não se entende é uma
possibilidade de romper com as camisas-de-força da lógica clássica, novas
tentativas de emprestar significado ao mundo ou, pelo menos, transitar pelo nãosentido como um exercício do devir, pois – de certa maneira – essa herança
colonizadora do pensamento ocidental se divide em princípios e finalidades. De
um lado, afirma-se uma espécie de essência originária que a tudo sustenta como
garantia daquilo a que se tem acordado como o significado da existência e, por
outro, tudo se justifica pelas finalidades ou, conforme Voltaire, “tudo vai da
melhor forma para um determinado fim”.
Michel Houellebecq, em sua obra A possibilidade de uma ilha, estabelece um
divisor de águas, ou seja, tanto o princípio quanto o fim são determinados pelo
meio que – na medida em que se movimenta – instala os valores do início e do
fim que somente são início e fim em detrimento daquilo a que até então se tem
compreendido como mundo no momento mesmo em que vivemos o meio e no
meio, não como mero mediador de dois pólos, mas como condição sine qua non
para se ratificar a opinião (doxa) de que apenas podemos dizer de alguma coisa a
partir do lugar de onde dizemos. Se, em A possibilidade de uma ilha, Houellebecq
propõe a sobrevivência como a única forma de engajamento para o homem,
implica dizer que sobreviver não passa de uma possibilidade de dizermos sobre o
viver. Aqui se assevera que a ficção e a realidade não passam de aspectos
diferentes do mesmo e, do ponto de vista literário, não é por acaso que
Houllebecq – na obra em questão – apesar de ter optado pelo gênero romance
como estrutura da obra, transita como cronista do tempo através da filosofia, da
poesia e do ensaio. Uma mirada fenomenológica que coloca sob várias
perspectivas uma reflexão sobre o homem e suas tentativas utilitaristas para se
inserir no mundo das paixões inúteis.
Com um pé na ficção científica e outro traçando rastros numa realidade repleta
de buscas de soluções mitificadoras, o autor revela seus personagens marcados
pela necessidade de inventar atalhos para amenizar o sentimento de paraíso
perdido. Reina a nostalgia de um mundo que foi sem nunca ter sido através de
uma história que se passa ao mesmo tempo no passado e no futuro, uma espécie
de eterno retorno ou, quem sabe, como afirmou Raul Seixas, “o hoje é apenas
um furo no futuro por onde o passado começa a jorrar”.
Numa ciranda de variações sobre o tema da existência e, com fina e bem
humorada ironia, o autor destila suas doses de depressão, monotonia e tédio,
numa crítica à mediocridade e o reconhecimento de toda a gama de
acontecimentos que conferem ao homem a sua dor de estar no mundo
(Weltschmerz). Não a dor meramente psicológica, mas a dor que perpassa o
próprio significado do ser, uma questão ontológica. É dizer que o fato de estar no
mundo já é terrível, pois é um estado de ser no oceano das cotidianidades, um
lugar onde não há entradas ou saídas, embora a possibilidade de uma ilha seja a
manifestação de que algo venha a acontecer para alterar o destino. Mas o destino
como a consciência existencial e niilista da finitude. Uma consciência que corta o
espírito com a afiada lâmina da carne que se destrói na própria tentativa de se
superar. Uma consciência de que ser humano é ser vítima dessa condição, um
corpo que se vê pouco a pouco deteriorado de si mesmo pelo envelhecimento.
Nesse processo de envelhecimento ou experimentação do mundo, entra em cena
o amor, na pele do personagem humorista que vive duas desastrosas paixões. A
primeira dessas paixões é Isabelle, uma mulher cujo casamento se nutre de um
amor mumificado e sem apetite sexual e, por isso mesmo, se exaure na tentativa
mesma de se manter. A segunda é Esther que, assim como a outra, se
assemelha no desastrado desfecho, embora se diferencie por ser daquelas em
que o sexo está completamente dissociado do amor e, ainda, por ser uma dessas
figuras que se recusaram a crescer, como os personagens do filme Kids, de Larry
Clark, uma hóspede infantilizada do mundo em ruínas, “paralisada em uma bolha
asséptica”, experimentando um alheamento e quase como privilégio a iludida
sensação de estar fora ou não ter nenhum compromisso com o mundo.
Se Nicolau Maquiavel escreve O Príncipe para demonstrar as peripécias que se
fazem necessárias para que este se mantenha no poder e, ainda, Baldassari
Castiglione, em O Cortesão, revela as estratégias da dissimulação para que a
monarquia e a plebe se completem como uma unidade do sistema, Houellebecq
coloca em xeque o próprio sentido do humano, a partir da idéia do neo-humano
que se dá num processo de desumanização, onde os valores são travestidos na
tentativa de garantir uma espécie de “ordem” para a sobrevivência. Como
indagava Torquato Neto, “aqui é o fim do mundo, aqui é o fim do mundo... ou
lá?” Sim, para Houllebecq, aqui é o fim do mundo. Aqui é o início e o fim deste
mundo da forma como até então tem sido sustentado, mas também o início e o
fim estão lá... na possibilidade de uma ilha inventada para este fim.
Em A possibilidade de uma ilha, autor e personagem se confundem. Talvez, como
em Rimbaud o “eu é um outro” pode-se dizer que Houellebecq, mais que um
autor, além de um outro, é vários autores, considerando que o autor se reveza
com seus personagens, cada um por sua vez, ou seja, há tantos autores quanto
personagens atuando como sujeitos e objetos que de tanto inverterem seus
papéis já se torna impossível distinguir quem é um e quem é o outro. E por falar
em personagens, ninguém melhor para ironizar o mundo que um popular e bem
sucedido humorista, um bufão especialista em piadas sujas. Não somente
ironizar, como é perceptível em um de seus espetáculos cujo título é Chupe
minha Faixa de Gaza, meu colono judeu gorducho, mas também colocar em
questão a vida de um artista corroído pelo próprio gesto de analisar seu papel
numa sociedade como a atual que, conforme ele mesmo diz, o “fez” construir a
carreira e fortuna “em cima da exploração comercial dos maus instintos...”
Ainda dos personagens, Daniel 24 e Daniel 25 são separados por dois milênios
(seria o tempo de duração da era cristã?) e que, para se protegerem dos
humanos, se isolam em condomínios tipo bunkers. Estes, por intermédio de
cortantes monólogos, estabelecem uma espécie de diálogo sobre a vida de Daniel
– ou Daniel 1 – um espécime da sociedade contemporânea. Daniel 1, como
representante deste vazio de dois milênios que separam Daniel 24 de Daniel 25,
é o retrato de um modelo de sociedade falida. A princípio, diante de todos os
fracassos do mundo contemporâneo, mostra-se incrédulo, mas aos poucos acaba
por compartilhar com a idéia de que o ser humano não passa de um resultado da
visita de extraterrestres. Numa mescla de ciência e misticismo e, talvez, como o
último estágio dos suicídios em massa e a liberalidade sexual, os seguidores de
uma nova seita com pretensões redentoras, os Elohim, que acreditam na
passagem para a vida eterna a partir da clonagem.
Para os que têm consciência da vida num oceano, A possibilidade de uma ilha
está em potência, abrindo as fronteiras como uma afirmação de que o limite da
possibilidade é a impossibilidade frente ao mundo, pronto e acabado, onde tudo
está por fazer e que não há mais como sustentar na mera esperança construída
de velhos conceitos náufragos de humanidade. Desumanizemo-nos. Se, para
alguns críticos, A possibilidade de uma ilha está fora de lugar ou, para outros,
pelo seu caráter anedótico (sic) teria ficado no meio entre ficção e realidade, cabenos ressaltar que não existe um absoluto como o lugar dos lugares (nem no
espaço nem no literário) e que o não-lugar é também um lugar, ou seja,
reforçando a idéia anterior entre o início e o fim, é no meio que a realidade se
realiza.
Parafraseando o dito popular, Houellebecq parece nos afirmar que há males que
vêm para pior e, ao mesmo tempo, coloca um dedo na ferida deste modelo de
civilização em que se aposta em hecatombes e fracassos. Há um grito contra
esse amontoado de códigos e signos e siglas que não passam de mentiras
inventadas como saídas miraculosas para o nada, como um cachorro querendo
morder o próprio rabo.
Enfim, em A possibilidade de uma ilha, Houellebecq abre as portas do século XXI
com um novo romance cuja linguagem é capaz de abrir crateras para preencher o
vazio cavado pela pós-modernidade.
[Wilson Coêlho]
parceiros da agulha nesta seção
Livros para Agulha deverão ser enviados aos editores, nos endereços a seguir:
Floriano Martins - Caixa Postal 52874 Ag. Aldeota - Fortaleza CE 60150-970 Brasil
Claudio Willer - Rua Peixoto Gomide 326/124 - São Paulo SP 01409-000
revista de cultura # 57
fortaleza, são paulo - maio/junho de 2007
discos da agulha
Música popular no Brasil: A luxúria do tédio
Um fenômeno constrangedor assola com
pés de gigante a terra musical brasileira:
a mesmice dos que se auto-profetizam
renovadores e a restrição do acesso do
público aos artistas que se poderia
considerá-los “novos”. Infelizmente, com grande e
massacrante constância a indústria vem exaurindo sua
própria “chama” de funcionamento e não está notando o fogo
que a destrói. Está muito bem alocada a ausência de
criatividade e sensibilidade como fórmula mágica de vendas,
a espetacularização do fútil e de si própria (é redundante
mesmo!), fazendo com que a música brasileira popular se
agarre em um viés cancerígeno que já mostra sérios sinais de
falência de órgãos.
Nestes termos, o que Fayga Ostrower define como grande
característica da cultura e arte brasileiros, a sensualidade,
naufraga completamente, entre garrafinhas e outras coisas
que não vale a pena citar, em uma óbvia dificuldade de
traduzir-se no que melhor tem.
O maior problema não é a falta do “novo” - apesar do “novo”
ser um dos pilares “filosóficos” na música popular do século
XX -, pois podemos vê-lo em qualquer lugar, sem grandes
esforços, também em releituras de obras.
O que vemos é uma estrutura formada nos anos 60, dando
os primeiros passos em sua “ingenuidade”, em que a
indústria musical brasileira começou a se conscientizar da
grande possibilidade da indústria do espetáculo e suas
derivações, em mais uma importação de usos e costumes, ou
pelo natural encaminhamento na troca de conhecimentos.
Este caminho ainda foi bem tratado, inicialmente, mesmo que
notemos uma grave falha, em cujo hiato vemos o detrimento
do instrumental como parte da música - a música contendo
músicos e não estes servindo de cama para solistas. O início
da música comercial, com introdução no máximo de 30
segundos - quando muito - no que a música, propriamente,
sofreu imensamente em sua essência.
É esta estrutura que vem “desenvolvida”, barra o tal “novo” e
se insere no caos onde se ausenta o bom senso,
principalmente administrativo. A cobra começa a se engolir
em uma emblemática ganância apropriada dos que criam,
não de sua atividade “fim”: manter uma estrutura
funcionando. Vende-se fumaça como nuvem. Os nãocriadores não podem se dar ao luxo de se engolirem, pois
não saberão se recriar, logo após.
Em sua primeira fase, a época de ouro da MPB (onde estão
Elis Regina, Maria Bethania, Gal Costa, Roberto Carlos,
Caetano Veloso, João Bosco, Milton Nascimento e outros a
mais) sobreviveu tentando romper sutilmente com a ditadura
militar, propagando-se em herméticos símbolos líteromusicais, projetando conotações de resistência política,
trazendo para a cultura musical os símbolos diversos da vida
ideal, da esperança, da felicidade - coisas que se demarcam
como único prato degustável a um público carente de ser,
como ainda é. Desta forma se compõe a grande mesa de
“medalhões” que fura tempo e espaço afora. E a demanda
atendida é somente o pó, lixo musical, não um pedaço de
bolo.
Pulando alguns anos, a partir dos anos 80, vimos consolidar a
indústria da superficialidade, em contramão à rigidez com
que se produzia na década anterior, de modo a que essa
superficialidade se derivasse nas novas ditaduras que
correspondem aos “novos” apelos mercadológicos - um
impingir de novas necessidades que chega ao absurdo de
negar os próprios “discursos”.
Isso, na área musical, reproduz-se em música cada vez mais
pobre, argumentos cada vez mais frágeis fazendo da música
a indústria de entretenimento e não mais como indústria
cultural ou musical. Força-se facilmente a que se tapem os
ouvidos da sensibilidade para que, quem escute, se pense
“rei”, mantenha-se pleno - todo mundo começou a gostar do
quase nada que era e é oferecido. E ainda mantém o status
de arte.
Distorções são claras. Quando se diz que a MPB acabou e que
esta não é “popular”, lembro-me de milhares de pessoas de
todas as classes cantando “O bêbado e a equilibrista”, pérola
sintética de uma época tão complexa, não menos que agora,
enquanto vivemos a inflamação da complexidade, a vida
líquida.
Não retiro valores, mas é clara a inadequação da música
comercial como representação da cultura popular (esta no
sentido mais amplo, popular de raiz e das cidades e
metrópoles - o folclore de todas as raças e províncias
espalhadas no mapa-múndi). O entendimento de que esta
coisa oferecida seja a expressão popular através da música
que reina é uma imbecilização do povo, que só come o que
tem, mesmo! Uma indignidade clara que chega ao seu limite.
E a indústria, coitada!, reclama dos direitos autorais, pela
existência dos formatos de áudio digital sendo transferidos
pela internet. Quase que eu acredito que o problema é
mesmo de direitos autorais!
No entanto, tudo foi “tão bem construído” que essa indústria
antes fincada em estética e ideologia - pelo drible à ditadura aprendeu a sobreviver durante todos estes anos com as
mesmas máscaras usadas em uma ditadura, aparentemente
“ao inverso”, praticando nepotismo, um doentio hedonismo
pós-industrial, fazendo que o interesse pelas fofocas sejam
mais merecedores de atenção do que o próprio “produto”. O
espetáculo do espetáculo do espetáculo - cada dia mais longe
da criação em si, a criação reduzida a uma vista origem
medíocre.
Procuramos, então, os legitimadores de uma forma de
atuação do artista no mercado e poderíamos pensar, por
exemplo, que o Prêmio TIM, 2007, viesse a ser um bom
referencial do que há de melhor da produção musical
brasileira. O que sabemos a respeito? Fala-se mais nas
polêmicas de Roberto Carlos não aprovando sua biografia,
brigas entre Caetano e Luana Piovani (ora, vejam só os
personagens!) e outras coisas que não trazem nada, mesmo,
ou contribuam a quaisquer dos interesses sociais, culturais,
artísticos etc. do que em música. Não há tempo para se
repensar. Cifras, cifras, cifras (não notações musicais) versus
piratas. Quem é mais pirata?
A foto tirada nos anos 70, em larga ceia, é preenchida por
caquéticos caducos que se auto-conclamam reis, ainda,
depois de toda a estrada sem santos, sem caracóis, sem
música, sem o mínimo aroma de poesia.
Claro, o Prêmio TIM não se faz entender somente desses
aspectos fúteis, no que vale ressaltar os talentos de artistas
como Marcos Tardelli (violonista, participante-arranjador do
Grupo Maogani, que fez um belíssimo álbum com parte da
obra do Guinga), Hamilton de Holanda (com o trabalho
“Brasilianos”), Nelson Freire (por “Brahms - the piano
concerts”), Zé Renato (cantor, compositor e produtor pelo
“Forró para crianças”), sem deixar de lado a premiação dupla
da “industrial” Marisa Monte (“Infinito Particular” e “Universo
ao meu redor”) que, particularmente, conseguiu um
aprimoramento como cantora e compositora, como também
Maria Bethânia (“Mar de Sophia”), que ainda reina soberana,
com alguma sensibilidade especial, mesmo que seus
trabalhos tenham a mesma linha de condução há tantos
anos.
Considerando a maioria dos prêmios temos uma articulação
em torno das vendas, não se fala em música, não se ouve
música. É estranho que um prêmio direcionado à música
ganhe esta conotação tanto mais mercadológica. E isto é
obviamente lamentável.
Em um apanhado geral constatamos a presença maciça do
selo Biscoito Fino, que carrega uma contramão do superficial,
com lançamento de grandes obras e artistas e a relevância
dada a produções instrumentais, que inclusive justificam
determinados prêmios dados a artistas “solo”. Ótimos
projetos têm sido jogados no mercado e os artistas
anteriormente alocados nas multinacionais estão correndo
para comer uma fatia do Biscoito.
Afora critérios de bom-senso, temos Caetano Veloso como
melhor CD de rock.
Melhor mesmo acaba sendo entrar no mundo dos
“independentes” (do quê?) e tentar ter acesso a grandes
talentos que estão no “sub-mercado”, como os cantos de
Fabiana Cozza, Ná Ozzetti, Rosa Passos, Teca Calazans, Rubi,
Zé Renato, Sérgio Santos, Ceumar e Mônica Salmaso, (e
tantos trabalhos instrumentais) entre outras pessoas que
“não aparecem na TV” e tanta gente que está fazendo arte,
de verdade.
Fofoca não soa bem e eu não desculpo (se me permitem a
licença).
[Erico Baymma]
1. …E por falar em acordeon, de Chico
Chagas. Rob Digital.
www.robdigital.com.br. Contato através
de Marília Motta:
[email protected].
“...E por Falar em Acordeon”, produzido por
Luiz Avellar, conta com 13 faixas, sendo uma de composição
própria, e traz um naipe de instrumentistas da maior
qualidade: nos pianos, Leandro Braga, Itamar Assiére e Luiz
Avellar; nos violões, João Lyra, Luís Brasil, Leonardo Amoedo
e Nando Duarte; nos sopros, Carlos Malta, Paulo Sérgio
Santos e Roberto Marques; nos baixos, Jorge Helder, Nei
Conceição e Arthur Maia; nas baterias, Jurim Moreira e Kiko
Freitas; nas percussões, João Hermeto e Fábio Luna, e no
violino Nicolas Krassik.
O repertório traz releituras variadas: de Djavan e Jair
Amorim a Nando Reis e Marisa Monte; de Pixinguinha e Jacob
do Bandolim a Valdir Azevedo e Luiz Gonzaga. A música
autoral “Rio Branco” é uma homenagem de Chico à capital do
Acre, seu estado natal. Em “Day Tripper”, dos Beatles, o
acordeonista mescla rock com xote, em arranjo sofisticado
com belos solos de sax. Assim como nas demais faixas, o
artista demonstra personalidade e estilo próprio, seja nos
arranjos ou na interpretação.
O instrumentista descobriu sua vocação para a música aos
seis anos de idade. Incentivado por seu pai, ainda jovem
começou a estudar piano e teclado. O reconhecimento veio
como pianista, mas assim que Chico se aprofundou na
musicalidade do acordeon, percebeu uma maior identificação
com o instrumento. O músico mudou-se para o Rio de
Janeiro, onde tocava na noite e fazia cursos de harmonia,
improvisação e piano erudito. Foi convidado a fazer trabalhos
com o cantor Zeca Pagodinho, o que abriu as portas para sua
entrada na indústria musical. Tocou com nomes ilustres como
Cássia Eller, Nando Reis e Elza Soares, de quem também foi
diretor musical.
2. Das ilhas mestiças, de Rodrigo Lessa.
Rob Digital. www.robdigital.com.br.
Contato através de Marília Motta:
[email protected].
No Cabo Verde - arquipélago que o Brasil
conheceu no século XVI, pois era entreposto
dos escravos que os portugueses traziam para cá - Rodrigo
Lessa calcou sua pesquisa musical. A intuição falou alto e as
12 faixas inéditas já haviam sido compostas antes da viagem
realizada para aquele país em 2006. Para lá ele levou quatro
bases gravadas e foi colher participações. Entre mornas,
batuks e coladeiras, o CD contemplado pelo Programa
Petrobras Cultural ganhou corpo, convidados e a certeza de
que tudo é mesmo uma só coisa.
As composições e os arranjos de Lessa souberam sublinhar o
singular e único de cada um desses lugares. Nelas, com
espaço para improvisações dos convidados, as baixarias do
violão brasileiro, o pontilhado das coladeiras caboverdianas e
a técnica particular dos congueiros cubanos se aproximam a
ponto de fundir-se em uma só composição-síntese,
transatlântica.
O disco foi gravado entre Lisboa e Rio, com participações
internacionais dos cubanos Julio Padrón (cantor e
trompetista) e Jose Izquierdo (congas), dos caboverdianos
Toi Vieira (piano) e Vaiss (guitarra), dos cantores
portugueses Janita e Vitorino Salomé, dos pianos de Tomás
Improta e João Donato.
Rodrigo Lessa (bandolim, bandarra, cavaquinho), Xande
Figueiredo (bateria), Luis Louchard (baixo), Rogério Souza
(violão) e Jaguara (percussão) formam a base, que conta
ainda com luxuoso instrumental de Eduardo Neves (sax e
flauta) Zé Carlos Bigorna (saxes), Nailson Simões e Jessé
Sadok (trompetes), Celsinho Silva, Jorginho do Pandeiro,
Bernardo Aguiar e Marcos Esguleba (percussões). Colaboram
também Gabriel Improta (violão) e Chico Chagas (acordeon).
Calango Mindelo, a faixa de abertura, traduz o clima do disco.
Mindelo é o nome da cidade mais conhecida do arquipélago
de doze ilhas (fica em São Vicente, terra de Cesaria Évora). A
primeira levada é de coladeira; logo após, um fraseado
lembra o choro de Honorino Lopes Língua de Preto; enquanto
os baixos inspiram-se no sucesso Sodade, de Cesaria. Julio
Padrón dá sabor cubano no fraseado super agudo no
trompete. De mão cheia é choro rasgado, carioca. Destaque
para o diálogo entre bandolim de Lessa e o violão de Gabriel
Improta. Suave Dengo é delicada, feminina, pontuada pelo
improviso do meio-chileno meio-cubano Jose Izquierdo.
Porque que tem que ser assim é samba/sambalanço, prato
cheio para Donato.
Lessa conta: “Adorei essa faixa, ele tocando minha melodia e
o arranjo tocando a melodia dele, já que na volta da
introdução eu cito a Rã em outra harmonia.”
A alegre Burrito brinca com o duplo significado da palavra em
espanhol. Julio Padrón brilha e conduz o rico instrumental. A
melódica Sonhos foge ao padrão do disco, e tem solo
antológico de Tomás Improta. Sem Vergonha retoma o
projeto de verdadeira fusão atlântica. Coladeira, salsa,
maxixe e choro se alternam e se superpõem em vários
discursos. Equador fica fronteiriça entre o choro e o ijexa.
Já Ponto de bala é samba-choro como manda as regras da
arte.
A faixa Ilhas Mestiças é uma viagem musical. “Uma
introdução que eu gostava ganhou na seqüência o piano do
Toi Vieira, que arrasa em bom gosto e economia”. Cabe
acrescentar que Toi Vieira é um dos principais compositores e
arranjadores caboverdianos. Foi uma música dele, Falso
Testemunho o despertar de Rodrigo Lessa para o país.
Aresta América surgiu a partir de uma base destinada a um
solo de percussão. Os cantores Janita e Vitorino Salomé dão
um clima mouro. A faixa-bônus Rala Coxa se justifica.
Composta em 2003 e já em dois discos de Paulo Moura e
Rodrigo Lessa, preconizava a paixão do compositor pela
música de Cabo Verde.
Das ilhas mestiças é, na prática e no dialeto crioulo,
“morabeza” - que significa “gozar a vida, bem estar, boa
conversa”. Não é à toa que dá nome à única música que seu
autor toca solo, em tons pastéis. É assim que o CD deve ser
ouvido: uma boa conversa entre lugares que se afirmam e se
reconhecem nos elos musicais e que, apesar da distância
continental, têm muito a trocar.
3. Centenário Radamés Gnatalli, de
Orquestra Petrobrás Sinfônica. Rob Digital.
www.robdigital.com.br. Contato através
de Marília Motta:
[email protected].
Ponte entre o erudito e o popular. Assim
Radamés Gnatalli uniu o que para muitos era inconciliável. O
cenário do Theatro Municipal do Rio de Janeiro foi auspicioso
por representar o local em que o pianista, compositor e
maestro iniciou como solista o seu primeiro Concerto para
Piano e Orquestra. A preciosidade de sua música é resgatada
neste concerto ao vivo, lançado em álbum duplo, uma
homenagem ao seu centenário completado dia 27 de janeiro
de 2006.
Em 60 anos de carreira, o maestro rompeu barreiras ao
inventar novas formas de orquestrar o ritmo brasileiro.
Utilizou instrumentos até então negligenciados por outros
músicos, como o bandolim, a harmônica e o saxofone, por
exemplo. A liberdade de viajar em diversos estilos, fruto da
convivência com mestres como Ernesto Nazareth e
Pixinguinha, estimulou sua criação nos arranjos para
gravações e programas de televisão e Rádio. Mesmo sem ter
nunca sido funcionário da Rádio MEC, era comum encontrá-lo
nos estúdios participando como convidado de inúmeros
programas ou como regente da Orquestra de Sopros da Rádio
MEC, e assim deixou à emissora material de valor
inestimável.
4. Putumayo World Party. Varios.
Presentando algunos de los ritmos más
populares del mundo, esta colección de
canciones que te hacen sentir bien garantiza
la animación de cualquier fiesta. Putumayo
World Music. Visite: www.putumayo.com.
En todo el mundo es sabido que la clave para que una
celebración sea inolvidable es la buena música. Ya sea que
vivas en Islandia o Italia, Tahití o Timbuktu, la música hará
que la fiesta empiece y se mantenga en movimiento.
Putumayo World Party,con fecha de lanzamiento el 24 de
abril, es una colección de canciones que te hacen sentir bien
y que presentan algunos de los ritmos bailables más
conocidos del mundo, garantizándote la animación de
cualquier reunión.
Parte de las ganancias de Putumayo por Putumayo World
Party será donada a Action Against Hunger (Acción contra
el Hambre), una organización internacional de ayuda y
desarrollo destinada a resguardar la vida de niños y familias
desnutridas facilitándoles acceso sostenible al agua potable y
soluciones de largo plazo contra el hambre.
5. Animal Playground. Varios. Putumayo
World Music. Visite: www.putumayo.com.
Animal Playground es el próximo lanzamiento
de la multipremiada serie Playground de
Putumayo Kids. Este nuevo álbum presenta
una colección multilingüe de canciones con
temáticas sobre animales de todo el mundo. El CD también
incluye un video musical original como adicional producido
por Putumayo en Trinidad con la canción No More Monkeys
del artista trinitense Asheba. El lanzamiento se acompañará
con un zoo temático “Animal Playground” y una gira de
conciertos para todo público en Estados Unidos a
desarrollarse a finales de esta primavera.
Como los niños de todas las nacionalidades sienten
fascinación por los animales, Putumayo creyó natural crear
una colección de canciones excepcionales presentando
temáticas animales y folclore de todo el planeta. Las 13
canciones del álbum llevarán a los oyentes a un viaje que
comienza en América del Norte y finaliza en África sin
saltearse ningún ritmo entre ambos extremos. Los fanáticos
de la música de todas las edades querrán saltar, brincar y
cantar junto a las divertidas y rítmicas melodías de Animal
Playground.
6. Presença, de Quaternaglia. CD:
Paulus. 2006. / DVD: Eldorado. 2006.
Quaternaglia é um grupo de violonistas
paulistas que já atrai vasto público
internacional, tanto pelo repertório
popular relido a arranjos sofisticados,
quanto pela maestria na execução de
peças eruditas.
Estão lançando no Brasil, oficialmente, o
quarto trabalho nos formatos CD e DVD.
Neste trabalho, “Presença”, encontramos pérolas inestimáveis
tanto em peças populares como de compositores eruditos,
que também atuaram no popular como Radamés Gnatalli (em
sua primeira execução e registro mundial no Quarteto nº1, de
1939) e Tom Jobim, em sua maravilhosa peça composta para
a trilha sonora de Crônica da Casa Assassinada (1971).
Também são registradas composições dos componentes do
quarteto Sidney Molina, Rodrigo Vitta, Paulo Tiné e Douglas
Lora. No DVD há um registro da participação especial de
Paulo Bellinatti, renomado violonista que entre as incursões
na música brasileira está registrado no “Afro-Sambas”,
dividido magistralmente com a cantora Mônica Salmaso.
Espera-se que o quarteto lance no Brasil o ótimo
“Forrobodó”, em que visitam as obras de Ernesto Nazareth e
Egberto Gismonti, entre outros.
[Erico Baymma]
7. Love, de The Beatles. DVD-Áudio. EMI.
2007.
Formatado por George Martin,
supervisionado por Yoko Ono, Ringo Star e
Paul McCartney, apresentado primeiramente
em formato cd simples, o trabalho “LOVE”,
que faz a trilha sonora de mais um espetáculo do Cirque Du
Soleil, vem a ser mostrado agora em um lançamento especial
no DVD-Áudio de mesmo nome.
A tecnologia do som surround nos formatos dolby digital,
DTS, Mlp e SACD, ainda é novidade ou completamente
desconhecida para qualquer brasileiro mesmo que já se tenha
acostumado a assistir filmes em DVD e não entende,
comumente, o que são aquelas opções de áudio contidas nos
DVDs. Tem-se feito um grande esforço para que o consumo
de formatos de áudio digital multicanal, contidos como
opções de áudio na maioria dos DVDs, se popularize
massivamente, através de ofertas de Home Theaters - que
são os amplificadores que possibilitam a audição do som
distribuído em 6 canais diferentes.
O som multicanal já havia tentado se impor no final da
década de 70, com alguns títulos em som quadrafônico em
Lps. No entanto, a tecnologia não vingou. Chegando à era
digital a tecnologia já atinge a possibilidade de 8 canais, o
surround 7.1, que já está em funcionamento na maioria das
salas de cinema.
O DVD-Áudio do “Love” traz consigo a possibilidade de ser
um instrumento definitivo na criação de uma “necessidade”
de ouvir algo além do efeito estéreo dos sons e DVDs
comuns, em mais uma tentativa para a popularização do
sistema, apesar do preço do novo formato não ser tão
popular assim. Os Beatles, com este produto e com fãs
ardorosos distribuídos em diferentes faixas etárias, se tornam
um ótimo condutor da necessidade.
O que fica evidente neste formato específico, enfim, é o por
quê do som dos Beatles tenha atravessado décadas e
décadas. Ao ouvirmos a remontagem de músicas inteiras
temos aparentemente um novo álbum, ou seja, “Love”
confirma a grande importância que George Martin teve na
construção sonora do “som dos Beatles”, no material original,
como agora em sua transformação em áudio surround
remixado e remasterizado. Como o “grande senhor dos sons”,
ele maneja magistralmente os arranjos de cada instrumento
das obras dos Beatles.
É genial na reutilização de sons originais e a remixagem de
músicas, das quais se retira ou adiciona melodias e
instrumentos, trazendo o trabalho do grupo para um contexto
contemporâneo. Há uma revalorização da obra através do
magnífico trabalho de engenharia sonora, em que melodias e
instrumentos de músicas diversas conversam entre si,
traduzidos em um outro contexto completamente
“psicodélico”, acionado pela divisão nos 6 canais diferentes.
O resultado obtido neste trabalho, seja em estéreo ou
surround, é inegavelmente uma nova grande obra de George
Martin.
[Erico Baymma]
parceiros da agulha nesta seção
Discos para Agulha deverão ser enviados aos editores, nos endereços a seguir:
Floriano Martins - Caixa Postal 52874 Ag. Aldeota - Fortaleza CE 60150-970 Brasil
Claudio Willer - Rua Peixoto Gomide 326/124 - São Paulo SP 01409-000
banda hispânica
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expediente e equipe
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r.
dominicana
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uruguai
guatemala
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dossiês
antología de la literatura
paraguaya (teresa méndezfaith)
césar dávila andrade
(equador)
jorge luis borges
(argentina)
juan antonio vasco
(argentina)
.
Editorial
"Hay cosas mágicas!" Escutei isto da boca de um
poeta, o argentino Horacio Salas, na abertura do I
Encontro de Poesia Latino-americano, em Manaus
(novembro de 2000), mas o encontro é história de
que falo em outra oportunidade. Dou-me conta,
sim, das coisas mágicas de que trata o poeta
Salas.
Inicialmente, num dia não muito distante, do
fundo da revolta da orfandade à língua
portuguesa, o surgimento do Jornal de Poesia.
Em pouco tempo, mais de 2.000 poetas da
lusofonia no ar. Depois, a constatação de que o
mundo lusófono seria muito pouco. Ibéricos, pois!
Navigate,
Hiberia!
Navigamus.
Um dia,
Hiberia, era
mar,
um mar de
poente,
e me
arribei de
ti.
Assim foi que escrevi em Salomão. Agora, a nova
mágica: a ampla navegação ibérica, não apenas
lusa, mas ibérica, este mundaréu de mar e chão
de 1 bilhão de habitantes irmanados pela fala
quase a mesma. E, quem sabe, um dia cheguemos
à outra península, Latium, onde tudo, de nossa
banda, principiou.
O Jornal de Poesia não poderia ter feito escolha
melhor para cuidar da Banda Hispânica: o poeta,
crítico e tradutor brasileiro Floriano Martins, ele
quem iniciou, ainda no papel e tinta, este trabalho
que aqui faremos no virtual. Quando toda a
intelectualidade brasileira virava as costas a este
mundo novo, Floriano era um dos poucos que se
correspondia com os poetas da América Latina.
O projeto é fazermos a integração inicialmente
com os hispânicos do Novo Mundo, tão próximos e
inexplicavelmente tão distantes. Dentro de 1 ano
queremos ter aqui pelo menos uns 30… 300…
3.000 poetas! Não há limites! Navigare necesse.
Estamos apenas iniciando. Se vai crescer? E você
tem dúvidas?
A proposta inicial do JP era uma meia centena de
poetas… Fechamos o 2000 com 2.007! E a Banda
Hispânica é muito maior… aguardem. O projeto
de Floriano Martins engloba tanto a reflexão crítica
sobre os inúmeros poetas hispano-americanos
quanto a mostra de sua poesia.
A laboriosa equipe da Banda Hispânica é
composta exclusivamente pelo tradutor, ensaísta,
crítico de literatura, biógrafo e poeta, do Ceará
para o mundo, o Floriano Martins. Nem o Jornal
de Poesia, nem o seu editor, Soares Feitosa,
interferem em nada na Banda Hispânica. Escreva
para o Floriano.
Soares Feitosa
Revistas de cultura são o grande bálsamo
propiciador de um diálogo imediato entre leitor e
produção cultural. Em alguns momentos
funcionam como verdadeiros manifestos de uma
geração. Em outros, atuam como uma deusa de
mil braços e mil olhos. Em sociedades definhadas
por uma cultura monetária, firmam o único elo
possível entre dois pólos indispensáveis. Na
América Latina assumiram conotações diversas
no decorrer do século XX, definindo posições
tanto estéticas quanto políticas, segundo as
circunstâncias de seu cultivo.
A criação de um projeto como Banda Hispânica
se aproxima desse universo, podendo ser visto
como uma revista eletrônica, não no sentido
periódico em que se costuma observar essa
aventura editorial, mas no de difusão sistemática
de focos de cultura que não habitualmente
dialogam entre si. Importa-nos criar uma
condição de conhecimento mútuo, saltando fora
da corriqueira falácia em defesa de uma
identidade cultural. Interessa, isto sim, acentuar
a multiplicidade, dando voz às manifestações
poéticas relevantes em todos os 19 países que
constituem a América Hispânica, não sem incluir
a própria Espanha, de radical importância para o
desdobramento dessas culturas.
Banda Hispânica compartilha a idéia de José
Martí de que "conhecer diversas literaturas é a
melhor maneira de livrar-se da tirania de
algumas delas". O projeto define-se como a
criação de um banco de dados permanente
enfocando inúmeros aspectos ligados à poesia na
América Hispânica e na Espanha. Seu
desdobramento não está atrelado a um caráter
periódico, mas sim à participação de todos
aqueles que tenham contribuições relevantes a
apresentar.
É nossa idéia criar condições diversas de diálogo,
para tanto recuperando textos críticos publicados
na imprensa, ao longo de décadas, ao mesmo
tempo em que abrigando depoimentos de poetas
e críticos, entrevistas, tudo quanto se relacione
com a abrangência proposta. Desde já
conclamamos a todos os editores de revistas de
cultura que nos enviem, por meio eletrônico,
textos vinculados ao tema, matérias circuladas
em suas publicações, dignas de um acesso
permanente, para que somemos esforços no
sentido de burilarmos uma grande mesa de
diálogo em torno da poesia hispano-americana.
Banda Hispânica será sua permanente revista
eletrônica, lugar de encontro com a diversidade
cultural de todo um continente. Sendo projeto
original do Jornal de Poesia, encontra-se
também vinculada à revista Agulha, em um
enlace que reforça a idéia de que temos que
concentrar forças em torno de projetos que
possam contribuir para o enriquecimento e
difusão de nossas culturas.
Floriano Martins
projeto editorial do jornal de poesia
editor geral e jornalista responsável
soares feitosa
coordenação editorial da banda
hispânica
floriano martins
a banda hispânica conta com a
ajuda valiosa dos correspondentes alfonso
peña (costa rica), alfredo fressia (uruguai),
américo ferrari (peru), bernardo reyes
(chile), carlos m. luis (uruguai), carlos véjar
(méxico), eduardo mosches (méxico),
edwin madrid (equador), francisco morales
santos (guatemala), harold alvarado tenorio
(colômbia), jorge ariel madrazo (argentina),
jorge enrique gonzález pacheco (cuba), josé
ángel leyva (méxico), josé luis vega (porto
rico), david cortés cabán (porto rico) e
maría antonieta flores (venezuela)
os dados curriculares de todos os poetas
constantes da banda hispânica são
de responsabilidade dos autores, cabendo
unicamente aos mesmos quaisquer
solicitações de alterações e atualizações.
os poetas hispano-americanos que desejem
participar da banda hispânica
devem enviar, por meio eletrônico, seus
dados curriculares atualizados, seleção de 5
poemas e resposta ao questionário abaixo:
1. ¿Cuáles son tus afinidades estéticas con otros
poetas hispanoamericanos?
2. ¿Cuáles son las contribuciones esenciales que
existen en la poesía que se hace en tu país que
deberían tener repercusión o reconocimiento
internacional?
3. ¿Qué impide una existencia de relaciones más
estrechas entre los diversos países que
conforman Hispanoamérica?
.
galeria de revistas
.
ÍNDICE GERAL
exégesis (Porto Rico) [Floriano Martins]
três revistas hispano-americanas:
Archipiélago (México), Maga (Panamá),
Matérika (Costa Rica) [F.M.]
revistas hispano-americanas, I: um olho no
passado recente [F.M.]
RETORNO PORTAL
revistas hispano-americanas, II: um encontro
de duas linguagens [F.M.]
triplov (Portugal): diálogo com Maria Estela
Guedes [F.M.]
rascunho (Brasil): diálogo com Rogério
Pereira [Claudio Willer]
jornal de poesia (Brasil): diálogo com Soares
Feitosa [F.M.]
BANDA HISPÂNICA
digestivo cultural (Brasil): diálogo com Julio
Daio Borges [C.W.]
el artefacto literario (Suécia): diálogo com
Mónica Saldías [F.M.]
Jornal da ABCA (Brasil): diálogo com Alberto
Beuttenmüller [F.M.]
Fokus in Arte (Brasil): diálogo com André
Lamounier [F.M.]
Storm (Portugal): diálogo com Helena
Vasconcelos [Maria João Cantinho]
Babel (Brasil): diálogo com Ademir Damarchi
[C.W.]
Corner (Estados Unidos): diálogo com Carlota
Caulfield [Maria Esther Maciel]
Arquitrave (Colombia): diálogo com Harold
Alvarado Tenorio [F.M.]
Fronteras (Costa Rica): depoimento de
Adriano Corrales Arias
Salamandra (Espanha): apresentação de
Lurdes Martínez
Tropel de Luces (Venezuela): diálogo entre
Pedro Salima & amigos (Antonio Guerra, Luis
Aníbal Velasquez, Mirimarit Parada, Jesús
Cedeño y Eduardo Gasca)
Iararana (Brasil): diálogo com Aleilton
Fonseca [F.M.]
Amauta (Peru): ensaio de Carlos Arroyo Reyes
Portal de Poesía Contemporánea (Espanha):
depoimento de maría martín arévalo
Alforja (México): diálogo com José Vicente
Anaya & José Ángel Leyva [F.M.]
Capitu (Brasil): diálogo com Edson Cruz [F.M.]
Común Presencia (Colombia): diálogo com
Gonzalo Márquez Cristo & Amparo Osorio
[F.M.]
Cult (Brasil): diálogo com marcelo rezende
[C.W.]
Malabia (Espanha): diálogo com Federico
Nogara [F.M.]
Vaso Comunicante (México): diálogo com
Ludwig Zeller & Susana Wald [F.M.]
Matérika (Costa Rica): diálogo com Alfonso
Peña & Tomás Saraví [F.M.]
Palavreiros (Brasil): diálogo com José Geraldo
Neres [C.W.]
Piel de Leopardo (Argentina): diálogo com
Jorje Lagos Nilsson [F.M.]
Blanco Móvil (México)
1. Diálogo com Eduardo Mosches [F.M.]
2. Diálogo com Eduardo Mosches [F.M.]
Literatura on line (Brasil): diálogo com
Laudemir Guedes Fragoso [Edson Cruz]
Suplemento Literário Minas Gerais (Brasil):
artigo de José Aloyse Bahia
Telescópio (Brasil): diálogo com Everi Rudinei
Carrara [C.W.]
Alpha (Chile): depoimento de Eduardo Barraza
Agulha (Brasil): diálogo entre os editores
Decir del agua (Estados Unidos): diálogo entre
Reinaldo García-Ramos & Jesús J. Barquet
Tsé-tsé (Argentina): diálogo entre Reynaldo
Jiménez & Pedro Favaron
O Escritor (Brasil)
1. Jornal: diálogo com Erorci Santana [F.M.]
2. Revista: diálogo com Izacyl Guimarães
Ferreira [C.W.]
Punto Seguido (Colombia)
1. Depoimento de Oscar Jairo González
2. Pacto con la lujuria de la palabra [diálogo
com os editores], por Eugenia Sánchez Nieto
3. La revista entrevista [diálogo com os
editores], por Lucila Nogueira
editores da agulha
.
..
.
galeria de manifestos
Parte significativa da cultura, no que diz
respeito a defesas estéticas e de
comportamento, tem sido prenunciada,
evocada, combatida, polemizada, através de
manifestos, textos volantes que despertam
interesse, sobretudo, pela clareza e
contundência com que as idéias ali são
expressas. Manifestos foram, por exemplo,
arma valiosa na exposição de temas e conflitos
que marcaram o buliçoso período das
vanguardas na primeira metade do Século XX.
Ao longo da história há certas circunstâncias
que alcançaram justamente em seus
manifestos uma temperatura bem mais
envolvente e reveladora do que as próprias
obras ou renovações estéticas neles
anunciadas. A Agulha inclui agora em sua
agenda uma Galeria de Manifestos, a
exemplo de nossa Galeria de Revistas,
através da qual tanto apresentaremos
manifestos atuais quanto faremos registro,
para gozo e consulta de eventuais
interessados, de manifestos de épocas
anteriores. Leitores interessados darão
contribuição imensa se nos revelarem novos
textos, que nos dispomos desde já a publicar.
Abraxas
Primer Manifiesto Nadaísta 1958
Apartes [Bogotá, 1958]
Surrealismo, Frida Kahlo & Eugenio
Granell [Lisboa, 2006]
Arte livre, imagética, espontânea [São
Paulo, 1965]
Manifesto 2006. Arte, Poesia e Vida
[Paris, 2006]
Manifiesto de los manifiestos, de
Vicente Huidobro [Paris, 1925]
Manifestos del Movimiento Lúdico
[Chile, 2006]
.
..
hélio rôla
&
floriano martins
acesso às obras
óleo de trevas
últimas pistas
teatro de
sombras
afrescos do
inferno
quimeras
as tintas negras
do jardim
catálogo secreto
altares do caos
provas finais
retratos falados
erografias
sobre os artistas
Nasci
Francisco Hélio Rola, em
1936 em Fortaleza, onde
ainda vivo com minha
esposa Efímia, 4 cães péduro (Rocinha, Canela,
Trocim e Manchito) e uma
gata, a Hortência, que já
tem mais de 10 anos. Tenho
dois filhos, André e Sylvia e
uma neta, a Bárbara, todos
vivem no Rio de Janeiro.
Cresci filho de uma modesta
família na periferia da
cidade de Fortaleza. Minha
mãe cuidava da casa como
todas as
mães, enquanto meu pai,
garçom, mantinha-se
ganhando uma miséria de
trocados dos clientes em
um atraente barrestaurante no centro da
cidade, chamado Magestic,
e que, na época, era ponto
de encontro de
personalidades importantes
da cidade, como políticos,
policiais, intelectuais e
artistas. Alguns deles, de
algum modo, contribuiriam
para o meu envolvimento
com a arte e com a ciência.
Despertei, criança ainda,
para o desenho ao grafitar
calçadas e muros da
vizinhança com troços de
carvão – o gás de cozinha
da época -, cacos de telha e
pedaços de tijolo branco.
Assim, fui alfabetizado e
introduzido ao desenho e
aos trabalhos manuais
Averiguar pistas que nos levem
ao nosso próprio passado, à
infância, aos abismos
familiares, sempre foi algo que
me interessou mais no plano
poético do que mesmo em
termos de anotação
cronológica: o mergulho nas
zonas obscuras ou pouco
visitadas de uma biografia como aventura
poética. Ir ao encontro de personagens
fundamentais, não somente parentes, que de
alguma maneira contribuíram, quase sempre
sem que jamais o tenham percebido, para a
minha formação. Ao trazer tais figuras para a
cena de um livro, por exemplo, onde
naturalmente são mescladas com as artimanhas
do desejo e as perversões da memória, elas
ganham uma vida em grande parte distinta
daquilo que realmente foram. Este humor
alquímico tem sido um componente
substancioso em minha poesia desde o
momento em que passo a me situar em cena,
ou seja, desde quando percebo a mim mesmo
como personagem daquilo que escrevo. De
alguma maneira, nos primeiros livros eu não
participava da criação senão como um narrador,
distanciado. Esta mudança de perspectiva não
se deu apenas por efeito de leitura, mas antes
por um acidente familiar, o coma que apanhou
minha avó materna quando eu estava com
pouco mais de 30 anos. Vê-la ali inerte no leito
me provocou uma comoção interna, cujas
fagulhas naturalmente foram despertando toda
a experiência até então adormecida, misturando
as tintas do vivido, existencial e
intelectualmente. Foi quando perderam o
sentido as demarcações entre arte e vida, e
também as delimitações de gênero na criação
artística. É o momento em que escrevo um livro
intitulado Cinzas do Sol (1992), que excita toda
uma nova maneira de encarar tanto a criação
nessa e por essa
vizinhança. Criança ainda,
aconselhado por artistas,
amigos e clientes de meu
pai, freqüentei, por pouco
tempo, a Sociedade
Cearense de Artes Plásticas
(SCAP), até o dia em que
adotaram aulas com modelo
feminino nu… Eu era menor,
9-10 anos. Com uma bolsa
de estudos de um político
amigo da família estudei em
um bom colégio da cidade,
conhecido pelo valor de
seus professores, onde
despertei para as ciências,
notadamente a química,
que passei a ensinar, além
de tomar gosto pela filosofia
por conta da excelência das
aulas do professor Fernando
Maia que também ensinava
história. Após o curso
médico fiz pós-graduação
na USP e desde então me
dedico à pesquisa na área
biológica. Até então, nada
fazia de arte quando em
uma missão científica, em
Nova York (67-70), por
conta da influência de um
amigo pintor americano, Joe
Tobin e de sua mulher
Margaret, escritora, voltei a
pintar, desenhar. Nesta
ocasião freqüentei, entre 6869, a Liga do Estudante de
Arte de Nova York. Mais
tarde, durante outra missão
científica, em Paris (79-81),
ao lado da ciência, dei
seguimento ao meu fazer
artístico e acabei realizando
uma exposição, “L’artisanat
du quotidien”, em um
centro cultural da região
parisiense, em Meudon La
Forêt. Desde então me
envolvo com arte e ciência
e, ao lado de várias
tentativas artísticas,
fotografia, pintura,
desenho, gravura etc., no
poética quanto a própria existência. O humor
acima referido me levaria a dizer que a arte é
fruto de uma avaria, de um desastre. A rigor, é
isto mesmo, desde que não pensemos em tais
fatos com os olhos de um desses catastrofistas
de plantão que percebem os acidentes
unicamente pela lente do fracasso. Sendo
ininterrupta a existência – a morte não nos leva
assim tão fácil como se imagina –, tudo aquilo
que se desfaz essencialmente se refaz. Assim é
que a cena da avó materna prostrada ao leito
refaz em mim todo um cenário múltiplo de
figuras com as quais convivi e a memória de
alguma maneira havia apagado, e o faz não
como uma recordação, mas antes trazendo tais
personagens para um tablado de confronto com
o presente, atualizando o convívio entre
passado e futuro, bagunçando mesmo o coreto
da existência. É o que faz a arte em seu sentido
mais vertiginoso e essencial: pôr em confronto
as coisas. Provocação, estímulo, investida, tudo
isto passa a ser ambiente procriador de uma
outra linguagem que define a poesia para mim.
E tudo isto chama para o palco, para o fundo de
cena, porque o convívio humano é mesmo
teatral, somos sempre a representação de algo.
Dentre as figuras inúmeras que conheci antes
do coma de minha avó, destaco aqui a do
artista Hélio Rola, pois estive em sua casa
algumas vezes ali por volta de meus 17 anos.
Ele não era propriamente um guru entre a
clandestinidade artística dos anos 70, por mais
que a provinciana Fortaleza então se
organizasse espiritualmente como uma maquete
mágica de Paris, porém sua casa, na Praia de
Iracema, bairro underground à beira-mar, era
visitada por todo o frenesi da época. Toda essa
camarinha de hippies, desocupados, alienados,
transeuntes do abismo, já sabemos no que deu:
gente frustrada que se filiou ao poder de turno.
Uns poucos enlouqueceram de abismo. Uma
fatia ainda menor resiste, porém refeita pelo
desfazimento de um sonho. E foi exatamente
momento me dedico a
“montar” e enviar para uma
expressiva lista de
endereços eletrônicos, de
uma ampla gama de
interesses, que vai da arte à
ciência, da política ao trivial,
um e-mail - que chamo de
rolanet -, que é uma
imagem minha, foto,
desenho, pintura, gravura
etc. junto a um texto
reflexivo, seja do
neurobiólogo chileno
Humberto Maturana ou do
filósofo francês Michel
Serres, ou de poemas dos
poetas amigos Floriano
Martins e do mexicano José
Ángel Leyva. Às vezes me
lanço solo, e digo algo. Para
que serve tal arte? Me
perguntam. Um amigo me
disse que, a partir de sua
própria experiência, ela
poderia ser vista, lida e
pensada como podendo
alterar o tom reflexivo e
estético do cotidiano
daqueles que a recebem…
(mas, como?) Haveria arte
nisso?
movido por esta confluência acidental que me
reencontrei com Hélio Rola 20 anos depois.
Enumerar coisas que fizemos, como as viagens
ao México, minha curadoria de uma exposição
dele, parcerias em revistas e livros, enfim, tudo
isto tem aquele sabor bibliográfico que pode ser
enumerado em outro momento. Importa
essencialmente referir-se à nossa parceria como
uma afinidade existencial, este nosso jeito
distinto de encarar o mesmo abismo, a
aceitação do outro, a maneira como
descarnamos a experiência de vida. Somos o
outro, o mesmo um do outro. E nos
descarnamos a nós mesmos em tudo o que
fazemos.
hélio rôla & floriano martins
ÓLEOS DE TREVAS
Sumário vôo de pequenas formas
dentro do vazio, miséria visível.
Áspera fortuna da luz que há
de nos tocar enquanto formos
os despojos de tantas sombras.
Pele enrugada da idêntica pergunta
que tece há milênios em sua rota:
que gosto mantemos pela imagem
do homem cruzando seu abismo?
Que ouro do ser lapida em tal vôo?
Poetas duelam com o instante.
Sangram a memória enfurecida
em secretos golpes de agonia.
Não invocam senão quedas
ardendo em golpes giratórios.
Paisagem trêmula em meio a gritos
oscilados em tristes vozes
artificiais como a dor do tempo.
Duram o que dura a zelosa estampa
da glória mais alta dos acidentes.
Algo nos torna mais que forma
dissolvida ou transfigurada
na matéria de nossos deslizes.
Respiro uma esquiva semelhança,
abres tua casa ao sigilo do nada.
Um grito imóvel, uma noite fixa
em seus próprios olhos, a terra
ilusória por trás de toda imagem.
O que refletimos não sabemos
se mera justiça ou dura asfixia.
Wei Yin Wu temia que as trevas
fossem o desenho do coração,
que fosse a dor a casa do homem
e sangue a duração de seu êxodo.
Novos nomes doava a formas
já desfeitas em sua memória.
O próprio rosto não reconhecia,
nem mesmo o fulgor desse olhar.
Indagava atônito sobre a luz do dia,
certo de seus racimos ainda visíveis.
Havia um poeta ali, bem ao lado
de uma górgona em lábios carmins,
dizendo-se entre o objeto e a
palavra.
Traduzia o clamor da catástrofe,
agarrado às letras que havia salvo.
Por toda a parte, das cinzas
às cinzas, sussurros de areias e
grifos
na recolha do mais óbvio da cena.
Sou a semente de todo o visível, sua
voz.
E ecoava: seremos ainda feitos de
letras?
Algumas fotografias sobre a mesa,
irrestituíveis dejetos do instante.
Ao limpar a casa o poeta se indaga:
Só nos resta a raiz do cantar?
Dilui-se em dura duração de datas,
dopado pelo rigor da noite. Pedra
de luz que o capta em ocioso deslize
ao redor das sombras que tramam
para que não amanheça o cantor.
Visíveis os vestígios de todo limite.
A caminho do abismo a palavra
indaga a suas letras: o que busca
aquela que cai sobre si mesma?
Somos o centro do olho, a página
que muda à lei de sua consumição.
Dispersa-nos a pompa, a fraude
de imagens que não descarnam
a arquitetura que nos decompõe.
Espelho de cicatrizes solitárias,
buscamos a alma desfeita em corpo.
À luz das palavras de René Char
saímos a recolher versos:
somente as marcas fazem sonhar.
Não se sabe como um deus entra
em repouso ao toque de dois corpos.
O que invade a memória é o centro
de sua desolação. Devoro as
sombras.
Crio tuas carnes abertas ao vazio.
Tudo em ti me retrai e nega-me.
Meu ser é tua matéria caída em si.
Há muito planejamos tais cenas,
o incêndio não passa
de um batismo de cinzas,
o ventre de um eterno cair em si.
Fulgor viscoso a cumpliciar sombras
das formas adquiridas na leitura
a caminho do abismo.
Descuido de corpos avulsos
que se julgavam imortais:
pétalas caindo além da vertigem.
Linguagem às cegas, fala ao nosso
alcance. Ouro simulado em discurso
acerca do deus de algum lugar.
Lei mais antiga suja nossas mãos.
Somos aquilo que vemos, a ordem
de toda miséria que nos desfaz
em cânticos à permanência do ser.
Limites estourados em limites,
espíritos lacerados em troca de ecos
que refaçam o homem em suas
dores.
hélio rôla & floriano martins
ÚLTIMAS PISTAS
Náufrago desperto em números
Detido no jogo do vento
Em suas artérias de presságios
Ossos de um mesmo e exposto
cadáver
Longe canta a eternidade sua
desprezada justiça
Canções de trevas
Relâmpagos ridentes
Náufrago iluminado pelo contágio
Contando lágrimas sob a língua
Longe longe a pretensa história de
seus mortos
Quem por terra cai ali se esvai
Em súbito monumento de chamas
Ardiam os dias sepulcros à deriva
Horror delicado das súplicas
Paisagem com seus planos de histeria
Um lampejo de traumas
Arrastam-se os lábios por toda a fala
Tenebrosa estrela
És o equívoco silencioso
Náufrago à borda de teu miserável
destino
Tempo contemplado em despojos
Por onde o fogo a desfolhar-se
começa?
Como o abismo reconhecer
gotejando suas aves?
Pondo as coisas para andar
Para cantar a selva sua paciente
tragédia
Fantasmas a cada passo
Absoluto absurdo
Para cantar as formas que são a
vertigem do tempo
A intimidade disforme de tudo
quanto sonhas
Náufrago desfeito em um sistema de
perdas
Quantas refletem tua queda?
Qual a irreparável vocação?
Será tua a vez de assumir o desastre
Das formas perderem a fala
Do espaço evadir-se de si
Quem és?
Oh náufrago com o homem às costas
Como eletrificastes as
circunstâncias?
Visionários guias
Rumores cristalizados
Destinos em série
De que se ri a imóvel paisagem?
Foram-se os outros todos náufragos
Um precioso talho de árvores em
fuga
Caos contra o infortúnio
Ânima contestada
Formas resumidas a um breve
bosque de catástrofes
Que vida prolonga o poema?
Que célebre demência ancora na
esfera fulminada?
Para mudar tua vida o canto
Nominar o silêncio o verbo o
esquecimento
Riscar os fósforos de todos os
domicílios da beleza
Uma última onda até morrer o
sentido
Linguagem arenosa
Monastério da dúvida
Comporta-se o náufrago como um
farol caído
A tudo vê passar sem utilidade
alguma
Escombros da própria agonia
Interminável a conta das lágrimas
seus estudos de silêncio
Terra insolente sobre os prodígios de
sua queda
Fronteira onde não floresce
uma ave uma luz vulgar uma voz
Náufrago o náufrago de si mesmo
Soberbo ataúde
Nenhuma treva lhe cai tão bem
Recordará um dia sua fortuna
recusando-se ao enterro
Caminhos os temos em silêncio aos
berros
Vozes recuperam-se de crimes
da cortina de delitos do alimento de
lamentos
da convulsão de sons
São como ases
Um poema repleto de vozes
Um templo contra a morte
Ávida beleza infernal
de aves corroendo o céu com seus
véus
Naufrague a pedra o homem a
árvore
Ali onde sabemos a eternidade
magnético equívoco
Místico pavor quando tudo pode
esperar
Não há um triunfo da forma
As honras são todas da dor
Náufrago o náufrago caído em
números
Perfeito o veneno sobre seu dorso
abandonado
Quem o toque em naufrágio iguala-se
Lúbricas as transfigurações do ser
O monumento do náufrago a si
mesmo
Uma história de angústias em rostos
desfigurados
Ali soam suas vértebras a seiva a
solidez
Sombras que se urdem acumuladas
em gozo
Ressurgem o mito as vozes
migratórias
a árvore que canta
Dá-se que tudo é naufrágio
– trema um sentido decaia uma dor
retire-se um abismo
O corpo detido em destino
Despedaçado em sombras
Náufrago de que lei?
Febre de areias sobre seu dorso
Imagens circulares refazendo-se sob
o sol
Sobre a morte interroga-se
É sua língua desmedida
Deserto é afeto desfeito o ermo do
medo da solidão
Aproxima-se de si o náufrago
Sem mais temer sua fábula
Dá-se a cicatrizar a memória
O rio do náufrago o sal sem pressa o
sonho o barco desvirado a imagem
sangrenta delirante agulha o infinito
a montanha o mar a pesca de anseios
o engulho de algas a dor do céu a
rosa molhada os lábios comidos de
areia o milagre do esquecimento
Não há tempo a perder no náufrago
Gramática é a sua do rumor desperto
em êxtase
Loucura a linguagem recriar-se
soberba ambígua
Incalculável farol nos lábios do
náufrago
Dorso de sal
Inclemência do verbo
Alegoria do ser
Parábola do verso sobre a agonia
humana
Areia areia areia
Diante do próprio naufrágio o
náufrago
mal consegue respirar suas aves
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hélio rôla & floriano martins
tEATRO DE SOMBRAS
Muito longe como estás, erguido já
o reino de tua ausência, o pranto
pelos ermos arrastados da memória.
Tua sombra arde na fria noite,
uma queda a cada nome provocado:
Devo deixar uma canção – doce voz
em seu mantra – para que esta terra
me encontre quando tudo houver perdido.
Pouco agora de cinzas o que se entrega
ao vento, palavras gastas, voz queimada.
Antes que a dor trace outro círculo de giz
a caminho de tua ausência, uns lábios
tristes ressoam (meus, teus, de quem
seriam então?): poucos versos me desafiam.
Sob a língua da ausente descanso um
último segredo, que lhe possa evocar
tais zelos: o que vai tornando teus dias
um precipício, um domínio de ínsulas
na própria carne, a túnica de trevas
do errante amor. Como alcançar a origem
das palavras, o esboço glorioso da fuga
na trama de sua incógnita instância?
Que mundo aceitar em nome de seus ardis?
De silêncio é feita a chaga da palavra,
a obscura cela em que se aguarda o ensaio
de toda ausência. Retorço-me na quebra
de tais dons, o que vai tornando
meus dias um precipício guardado em si.
Lágrima tua, a primeira em meu sonho.
Um pouco a dor repousa em sua taça
de silêncio. Todos os escritos contidos
no inferno da memória – cantavas
a todo instante a morte que me tecia –,
no delito cruel do tempo, na insólita
trama de nossas vidas. Lágrima escura
do mundo, onde pressente o destino
culminar sua fortuna. Lamento oculto
da noite preparada em teu sonho.
Amor de presságios, lágrima impura.
Que cena me alcança agora? Palco
de sombras ao golpe de tua ausência:
um último verso preparo, antes de ti.
Dentro da memória se guarda o amor
silencioso das cinzas. Um mar secreto
que nos invade em insistentes dobras
do tempo. Provo de tua imortalidade,
um cinema tecido entregue a orações:
dá-me teu amor, oh dá-me teu amor.
Lembra-me o poeta que a dor não
passa de um minuto. Nada se iguala
ao vento de tua voz, festa de sombras.
Outro corpo que se esboça em plena dor.
Capela severa do mar dentro da qual
escrevemos e os versos nunca retornam.
Secreto vínculo com o destino – oh dá-me –
que não se encontra nunca em casa.
Domínio inconstante de febres, um sinal
misterioso da alma urdindo tua ausência
para tornar a invadir-me. Toma-me o sangue
e nada se altera: o futuro não se guarda
no amor? – Tarde caindo no restaurante.
Contive teu corpo muito além da solidão.
Uma dor de ecos tecia seus mananciais.
Quanto de silêncio voa diante de nós
e não conhecemos sua voz! Aquário de raízes.
Dentro de uma lâmpada se projeta radiante
a memória do amor, incêndio que é um rio
dentro do fogo que nos banha uma única vez.
Devolve-nos o bosque a dor do pássaro,
o altar desfeito, a insidiosa luz na cela vazia.
Invisíveis se arrastam os volumes
de tua ausência por entre os dias
com insustentável equilíbrio, lenta
caravana de objetos por entre as ruínas
de uma dor imóvel. Linhas de ossos,
elétricas em seus sinais, fervores agudos
em sombras de mármore ou sílex.
Paisagem dilatada pela frase ressoante:
o que escreves é pedra convertida
em secreta agonia. Dor da pedra
em soneto cinzelada. Flor do amor caído
em trapos. Firma-te gesso na ausência
de outra carne. Modelo em ti minha própria
queda. Mãos de nada. Branco ideograma.
Sombra saturada de outras sombras,
ferida de memória na última pele do canto.
Perigo de letras caindo em outras mãos,
entre assombros escritos em pleno vácuo.
Tábuas cobertas de limo enquanto a alma
entregue aos tecidos ondulantes da dor,
ausência lavrada em tremores, vísceras
que são esboços de outro verbo. Versão
do sonho rompido em tréguas: rio
que sangra em mim, tudo em ti deságua.
Tais cenas roídas no espelho não retornam
com as páginas. São partes da vida
os rostos que não lembramos e o limo
de outra alma que retemos em plena queda.
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hélio rôla & floriano martins
AFRESCOS DO INFERNO
Dentro do que vemos, prefiguradas pedras
em suas cavidades ígneas, quais pastores
se revelam no monólogo das súplicas?
Que seiva cessa na imitação do que lemos?
Pródiga a imagem que as envolve, lúbrico
o rastejo da língua, imensa a evidência.
Do paradoxo, o que saberemos? Das roídas
gravuras de seus corpos, cuja exaustão
derrama-se em desígnio de frêmitos, seios,
devassados papiros, proclama de ancas,
agulhas de sons e crivadas faces da angústia
de um tempo incomum, saberemos o quê?
Ao nome apega-se a voraz criatura, tomada
pelo livro das lamúrias, lido fora do leito.
Fundo do ser, qual será? Que nobre entulho
orgulha-se da soalheira de seus derrames?
Engendra quais cicatrizes o delírio no espelho?
O que for, o que somos, temos aceito, corpos
caindo em círculos, miséria desencontrada,
rios de mármore, parágrafos em soluços,
batismo daquilo que vemos, o que nos cabe?
Nódoa que afirma o crime na oculta criatura
que nos persegue, deforma, ímpeto da forma
que a pedra respira em canto, a repetir-se
não sendo mais que lágrima, urina, orfandade
da areia guardada no verso, torpe memória,
quais sombras roem, ao caírem do espelho,
a memória em soluços do que ainda vemos?
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hélio rôla & floriano martins
QUIMERAS
A PERCEPÇÃO
O que nos esclarece o sentido
de um encantamento fortuito
quando se ausentam, diversas
as razões, os motivos instáveis
de uma presença da realidade...
Por vezes me ponho a pensar
na supressora regra da virtude,
se não estaria ali uma estável
rejeição do impuro, uma réplica
da mais comum atitude humana.
A REPRESENTAÇÃO
Haverá uma maneira madura
de ver o mundo?, era a curiosidade
do visitante ao sair de um Museu
de Arte Contemporânea, e talvez
o dissesse pensando no assédio
do catálogo ao impor uma madurez
de estilo a obras em curso, falaz
etiqueta, não pela arte vendida,
mas pelo recurso da incerteza
eliminada no artista e no visitante.
A CAUTELA
O que eliminas quando falamos
em tomar consciência dos fatos,
quando buscamos, talvez cegos,
um lugar físico para a verdade?
costumas chamar de correções
ou zelos afeitos à vida eterna,
e justificas no gesto um estado
prolongado da salvação humana,
de não rendição aos caprichos
mais indesejáveis do destino?
A SEMELHANÇA
É comum a troca de amabilidade
entre a realidade e a imagem,
de maneira que quase ninguém
mais sabe a distinção entre Deus
e o homem, e quando um se diz
o outro legitima a impossibilidade
de sê-lo, pois nada é semelhante,
ou o parecido nunca é o mesmo,
e quando assim o quer, se desfaz,
aberração entregue à própria sorte.
A ORIGINALIDADE
Sempre me pergunto se o artista
diz para si, em algum momento,
que o ídolo não existe. Inevitável
indagar, a quem atende tal idéia,
o que haverá abaixo da terra
ou acima do céu. Pouco define
a imagem de si que faz um artista.
A passagem de uma obra a outra,
sustenta-se enfim como devoção
ou será apenas o que parece?
A MÁSCARA
Rostos tragados, perfis mesclados,
confundidos olhares, manchas,
súbitas manchas, gritos desfeitos,
palavras vagando no espanto,
um aleijão no absurdo, alegoria
decaída, falhas de toda sorte, sim,
tremor de mitos, abutres cegos,
sinos queimantes, disfarces,
talvez seja apenas isso, a contagem
dos dias e um zurro de disfarces.
A PERSPECTIVA
A beleza não recorre à deformidade,
torna-se ambiente aceito, conflito
algum considerado, apenas o feio
refaz bagagens, de uma ponte a outra,
sempre referência ao que é perdido.
Eis aí a questão: o que se ganha
ou perde é quase sempre um malogro,
simetria cognitiva viciada em espelhos,
e a beleza será servil, durável apenas
o que é cabível à realidade do códex.
A DETERMINAÇÃO
O lugar de ser de qualquer vontade
é um atropelo onde a tolerância
não encontra sossego, castigada
sempre pelo dúbio assédio da razão,
que não para de provocar o choque
entre a presunção e o valor intrínseco.
O charmoso o que é melhor para mim
atende a todos, alegoria eclesiástica,
ritualismo de exceção, socava, remói,
teologia da soberba, olho d’água.
A TOTALIDADE
Por que todos esses olhos, que
estranham a tudo o que vêem:
o mínimo, o inconstante, o que
está a ponto de sumir, olhos fixos
em um ponto inexato do viver,
persuadidos pela forma aplicada
do desejo, do devir, da exceção,
por que todos, extremos e nus,
olham-nos sem objetivo algum
e sequer dão conta do que somos?
A PRECARIDADE
Uma pequena fraude embaraça
a visão do corpo de quem se ama,
alheia ao mesmo como um roubo
de citações, talvez ingênuo golpe
da natureza, soberbo artifício
ou evidência precária do desamor,
não se comenta muito a respeito,
vestidos perdem o uso, desejos
mudam de lugar e todos os livros
são dados (carne triste) como lidos.
A DISTINÇÃO
Algumas guerras são silenciosas,
confrontos, abalos, explosões,
mudanças de ponto de vista, céus
desabando sobre expectativas,
a maneira espúria de eliminar-se
em fantasias sem tormento. Diz
um enfado: a morte não olha
para os lados. E não deixando
de lado morte alguma, a inércia
revela-se uma sagrada instituição.
A VERTIGEM
O livro diz: este corpo é meu,
e se põe a lê-lo, descobrindo-se
no passar de páginas, memória
e ansiedade desmembradas,
reescritos tormentos, e ao ler-se
percebe o quanto é incerto
em afirmativas, por onde andei,
e inutilmente quer insurgir-se,
um outro livro, talvez, assim
pensando: um livro dá em outro.
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hélio rôla & floriano martins
AS TINTAS NEGRAS DO JARDIM
I’ll shoot the moon
right out of the sky
for you baby
Tom Waits
(“The Black Rider”, 1993)
O que vejo é teu olho dançando no jardim:
descreve a si mesmo com tamanha paixão
o olho pintor de seus quadros em movimento
– confessa-se uma máscara de Lucebert,
três vezes estivera com seu espírito maligno,
quase um pária, quase um duende, o olho.
Sua áspera voz correspondia às imagens
com que seguia redimensionando o jardim.
Fotos de combate, estatuetas corroídas,
papéis amassados, bosta de rato, explosão
de desordem por todos os ângulos, no atelier,
ainda legível um recorte amassado ao chão:
“um poeta que pinte não pode dar grande coisa”.
Segue o universo caindo de si, quase um olho,
tomado de imagens como janelas a descascar.
O que vejo no jardim são detalhes do horror
que ainda comove pequenas histórias ilustradas
– o poeta alimentando o caos, os santos óleos,
pequenas salas de costura onde o mundo se refaz,
olhar inquieto em seu infortúnio: resplendor
dos signos decaídos, guaches de abismos em chamas,
dançávamos e ele não parava de cantar, o olho:
I’ll shoot the moon right out of the sky for you baby
– mostra-me, criatura, as evidências de tua máscara,
não somente o irrefutável, mas sua lástima de si.
O olho excelso no caminho ilumina meu espanto.
Seu bailado acentua-se por toda a pele do jardim:
afeito a dissonâncias, rende-se à dor a criatura.
Uivam figuras patéticas à distância, dança mítica,
legado de antigos filósofos que viam deuses em toda parte.
O olho no jardim é um grande oceano que sangra,
pouco entende do tempo que ocupa com suas serpentes e letras que segue
traçando em tintas negras e árvores-pincéis as imagens que nada têm em
comum com a eternidade a simples representação do momento em que as
coisas são menos e menos o despojo de sua própria agonia quando o
desejo confunde-se com o impossível e instaura-se a multa por
transgressão e
não somente Hölderlin mas todos os poetas
viveram algum momento como se fossem deuses.
O olho é a proteção do ardor mais secreto da beleza,
embora o jardim contaminado por imagens,
luz que já não se derrama sobre Goethe,
a última rosa do verão, o filme que se esvai
com a noite que atravessa de um encanto a outro.
A semente que cai (novamente a voz de Lucebert),
cai sobre o olho que assimila aquilo que vê.
Pintura e poesia. Mais do que o bailado dos signos
no atônito jardim tomado por seus dramas,
o compasso de nosso corpo negro
firmado no horizonte, sinuosa orquestra de timbres,
os traços caindo inspirados em arabescos
e flautas, bambus refletidos contra o sol,
amuletos-linces, rajas de opala do rio da linguagem,
o olho do amante engana, com seu lápis-trenó,
não existe apenas para a salvação dos cegos.
É grave como a página escrita e o bailado de Mondrian.
O olho é o jardim, mesmo que tomado de paixão.
Projeta-se sobre a idéia (sua) da imagem, um signo branco.
E segue a dançar, vôo de luas em um céu de pincéis.
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hélio rôla & floriano martins
CATÁLOGO SECRETO
Algum dia poderei recordar o que houve aqui.
De alguma maneira serei Olívia, seu corpo
fluindo as múltiplas formas que assumem
diante de mim as esculturas de Antonio. Talvez
apenas suponha tratar-se dela, que seja ela a
reconhecer-se em um breve gesto meu. Algo
como a simples menção de um sonho, do que
nos desperta. Importa que sejamos tão reais
agora, se não vamos nunca além de nossa
memória? Tê-la esculpido alguma vez faz com
que eu me sinta hoje tomada por suas mãos.
Antonio com meu íntimo em bronze. Não
desejo mais do que ser Olívia: o que supunha
fosse e o que lhe desvelou Antonio. Sou-lhe
então completamente a matéria sonhada que se
refaz a cada olhar. Decerto soubera bem antes:
o que hoje se revela, já o somos há muito. Era
seu destino converter-se nas formas que
ocorriam ao escultor. Reconheço-me então em
tudo o que vivera. Ao tocar em mim Antonio
sinto que não requer senão outras linhas, outro
movimento.
Quem serei nesta noite entre sombras tão
íntimas, erguidas diante de mim como um
canto? Sei que busquei seus traços, o apuro do
bronze em sua pele. Por mais de uma vez
Olívia dissera que o que nos unia era o
espanto. Nada lhe afligia. Creio que dava a
todas as coisas um melhor sabor. Encomendarlhe o espírito ao bronze não terá sido
inconcebível. Comigo conheceu apenas alguns
crepúsculos gastos pela amargura. Eu a amei
com fatalidade, antevendo cada espectro de
nosso rompimento. Sei agora o quanto mudou
as formas de meu canto. Não será tarde, já que
a reencontro aqui tantas vezes à minha volta.
Partes suas: braços vultos ancas. Não de todo
fragmentos. Olívia infinita recuperando-se em
cada mínima agonia do bronze, ansioso por
contá-la. Mesmo que a tenha perdido, guardou
para esta noite um último encontro. Interrogome então o que posso desatar senão um outro
labirinto da memória. Olívia reunida em trinta
esculturas. Eu perdido de mim infinitas vezes.
Então haverá uma porta e outra e muitas mais,
inumerável a extensão de sua secular investida.
O passado composto por estranhas partituras
que emaranham seus átrios e seus porões.
Então uma vez fui Olívia sem que esperasse sêlo.
Esquecida dos rostos incertos que poderia ter,
com rigor desfiava sua métrica e sem pressa
alguma.
Pareciam heréticas as pessoas do verbo,
infames
na luta para que não lhes escarne o
esquecimento.
Temiam ser apenas uma agonia de espelhos
no corredor imaginado como uma vasta
justificação
de tudo o que fomos, sempre ali com seus
motivos.
Inúmeras as portas e as vezes em que pude ser
Olívia,
tendo sido apenas uma sem que conseguisse
evitá-lo.
Vejo a mim em todas que se sentem transidas
pelo evangelho de suas formas. Felizes as que
se sentem amadas por seus esmeros táteis.
Afortunadas aquelas que se deixam acender
por um truque hábil. Bem-aventuradas as que
encontram no bronze um cúmplice de suas
ênfases desterradas. O mundo segue dividido
entre o espírito e a letra. Não importa o que
pensemos, impera a angústia e o orgulho.
Somos ambicionados pelas formas. Amei
Antonio em meio a seus cinzéis. Fomos sua
imprescindível possessão, linguagem sem a
qual seu declínio sequer seria misericordioso.
O medo de perder-me lhe impôs uma disciplina
assombrosa. Deformava tudo à sua volta, para
que delineasse apenas o que supunha ser meus
traços. Não pude seguir vivendo
indecifravelmente. Antonio me amava a
cinzeladas. Felizes as que se edificam diante do
quanto me desfiz de mim. Decerto que sou
todas elas.
Procuro não ser devastado pelo passado. O que
fui não revela senão o tempo vivido, não mais
necessita ser um teorema. As formas que tracei
sentem-se já reveladas. Os dias se vão
incorrigíveis, sem que lhes evitem as
reminiscências. Sei que sou o dia, mas sou
também o que resiste a sê-lo. Somos sempre a
imagem e os aforismos de seu declínio. Tenho
em minhas mãos as cinzas de Olívia, a glória
de tudo o que foi. Não espero que a beleza
propicie algo menos terrível. Talvez devesse
dizer que também o sofrimento é uma dádiva.
Detenho-me na busca de sombras. Tanto as
que se erguem para buscar em mim o perdido,
quanto as que despertam iletradas ante o
assombro de incalculáveis ermos. Defendo-me
com o bronze inquieto que reconhece todas as
formas. Defendo-me do passado, da curiosa
esfera caída de tudo o que fomos. Cinzelo a
alma indecifrável do que deixamos de ser,
certo de que um dia ainda o seremos.
Algum dia terei dito que me tenho sem aflição.
Outra não era sua pirâmide necessária. As
formas buscavam serenidade e fui o vértice
predestinado. Devorava-me minuciosamente
com seu ódio pelo pão. Sempre estive pousando
para ele. Despia-me de todas as formas, com
seus inúmeros cuidados. Como fui jamais lhe
importou. Creio que nada afligia a execução de
sua obra. Tormento e insensatez não eram
senão estilhas de seu canto. Decerto que fui sua
Olívia precisa. Um pouco ou mais estaria
perdida, de volta às perambulações pelos
corredores da memória. Tudo o que queria
eram formas, e que o seguissem submissas.
Agora sou trinta delas. Não sei do que me
queixo, se passo a desafiar o tempo. Algo em
mim deve supor haver ainda aflição maior.
Sonho com tudo o que somos. Sou um
ignorante dos hábitos do tempo. Jamais
poderei ser feliz. Aqui esta noite reúno trinta
esculturas. A princípio diria que são a mescla
feliz de meu ocaso e minha aurora, mas sei que
se tratam apenas do que resta de mim. Sou
uma matéria amorosa dos deuses. Estou em
suas mãos. Sou o seu segredo infatigável e a
injúria dos seus artifícios. Decerto ainda me
chamo Antonio e alguma vez amei Olívia.
Jamais me desvencilhei de seu amor. Não me
importa onde andará, que recordações
amontoa de mim. Não serei intolerável com
essas trinta figuras que assumem perfis
inomináveis. A todo instante somos exaltados
pela memória. Quero apenas ser melodioso em
meu êxtase. E que esta noite inaugure mais
uma de suas dores sonhadas.
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hélio rôla & floriano martins
ALTARES DO CAOS
Corpos, todos eles iluminados pelo
ouro
de sua imagem insone, pequenos
fantasmas
devorados pela luz da inércia,
contágio
de quedas a flor de uma
atormentada utopia.
Quem nos abandona desperto em si
mesmo?
Largados os largos planos urdidos
no alarde
enquanto o tempo se alargava em
silêncio?
Quem me segue quando sigo rumo
ao visível?
Corpos de não se sabe qual dor,
figuras
do abismo, sombras de nossa
própria sombra.
Corpos inteiros em fogo, de zelosos
curupiras
que assombram a dúvida sagaz das
cinzas
nos embolorados escritos de um
deus, todos.
Quantos éramos? A soma de
invocadas quedas,
um lar de entregas, pensões da
solidão.
Correndo o mito ouvimos o lamento,
tantos,
o coração coberto de dores em cada
habitante:
tudo aqui criamos à imagem do
desejo, dizia
a placa à entrada. Não se exige do
fogo senão
que queime ou ilumine, o que for,
tudo.
O que fizemos contra a dor? Quais
os planos?
Soluções químicas, de rápido
transporte,
euforia de demônios cada vez mais
raros de si.
Continue a cair, até que a queda
desapareça.
Para onde nos movemos se nada se
move
em nós? O que buscamos além da
queda
não passa do retorno da prodigiosa
sombra
do que mais tememos: simplesmente
pensar.
Por que escrevo? Por que assim
morre
muito melhor em mim o assassino
que sou.
Regressar de onde? Terá sido longo
o trajeto
se ainda não saímos da cobiça, do
remorso
ou do esquecimento? Se havia algo
em mim
agachado era o destino, decerto
zombando
das queixas e julgamentos, o nobre
empório
de valores de nosso tempo, trapos de
memória,
mercado de encantadoras criaturas
que adoram
e injuriam e matam e carpem e
encobrem
os corpos cortados em fogo para que
se anime
o dia da palavra que não falte a mais
ninguém.
À sombra do que se passa, um cego
nos redime.
Que horas tem? Talvez haja um
crepúsculo
lá fora. Algo que possa atestar a
imobilidade
de tantos corpos, afundar-me em
seus motivos.
Seremos só uma mesma dor ardente,
capricho
de alguma sombra que nos ausculta
e define
enquanto sondamos repouso e
agonia, nossos?
Corpos restados do nada, reescritos
no vazio.
Tornam-se inumerável patrimônio
de seus dias,
uma gente de negócios que não
parecem humanos.
Duplo de minha própria morte
anunciada,
a visagem do que represento, agonia
íntima.
Antes discutíamos: há um conselho
de homens
ou de deuses? Apenas um toque da
carência.
Carícia dos pontos mágicos que
agem, surdos
amuletos, somados ao que deles há
em mim,
toda a terra despencada sobre o
verbo, o som
de cintilâncias que urdem a imagem
que crava
o sentido na pedra – seja o desejo a
loucura,
a poesia a surrada instância do
equilíbrio.
Que esperam de si corpos que
somente agora
deram de sangrar? Uma morte na
terceira pessoa?
Tudo nos leva a crer que somos
parte daquilo
que fomos. Se nos falta ar e ainda
dançamos,
logo seremos o ar e a dança
esquecidos em si.
Nunca estamos a caminho de nada,
nada, nada
em nós se anuncia uma trilha a ser
perseguida.
Sombras que sangram à noite ao
som da dúvida.
Uma sucata de hábitos, luares de
agonia,
verbo trocado com o inferno, rigores
sem alarde.
Iluminados os corpos, a lê-los
convidado fui.
Trouxe comigo um rabino e a
dúvida acerca
da origem da queda. A dor nos
abandona
na medida da glória de seu capinzal
solene.
Estamos aqui para o inferno e não
há medidas
de seu vaticínio. Quando muito
acentuamos
o próprio fim, desejado com oculta
precisão.
Não nos libera o desejo de algo que
sabemos.
Corpos sangram e luzem e gozam e
somem.
Nada pode a dor de um contra o
altar de todos.
Perder-se não é mais com o corpo,
não houve
como combinar os erros com seus
acertos.
Fídias ainda esculpirá sombras?
Quantos crimes
acobertará em tal preciosa argila?
Não importa
que nome lhe demos, uma vez aceita
sua arte.
Explicou-me um dia que elas
significam por
si mesmas e que apenas lhes dá um
corpo.
Cafute, Azufrado e El Malo, mesma
e múltipla
figura a dançar com a linguagem do
assombro
tombada, esplêndida, significando
quase nada.
Em que tempo ocorre o verso? De
onde provém
todo o mal da poesia? Olha a velha
dor, a sombra,
vê que nos assombra seu ardor.
Furtivas
serpentes da imagem, o milharal de
suas luas.
Se não tiramos do nada não é
criação, disse-me
a disforme criatura que há semanas
pousava
aos fundos de uma taberna, nu
ardendo em frio.
Não passa de débil visagem a arte
hoje aceita,
vertigem do duplo, delírio do outro
anunciado.
Para livrar-se de tal letargia há
apenas que criar.
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hélio rôla & floriano martins
PROVAS FINAIS
Eis teu inferno: uma condenação de espelhos.
Recolheu o poeta os pergaminhos de seu
processo, consternado com o severo desterro
da poesia. Brevíssimo fora o júri em seu fastio
de imagens. Sequer vimos os truques banais
tão comuns em julgamentos. Saltara a sentença
com ávida indiferença, gravitando displicente
ao redor de Orfeu desamparado. Silêncio
tomado de cinismo. “Poetas são timoneiros
do abismo. Sua glória é sua ruína.” Retira-se
o juiz e recolhe consigo a invisível mesura
do tribunal. Ao réu conforta o mistério perene.
Como chegar ao inferno?
Fogo de rogos, música roída em ira, trova
de rogos das desprezíveis vítimas de Deus,
número secreto do rito que só se desvela
no último círculo, dinastia danada de frias
máscaras, dores lentas, dores cegas, dores
enfermas da raiz das dores, verbos cortantes
que decepam a alegria no mundo, fulgores
de pausas no acesso de nós, rasgos de almas,
brusca metade da sombra que me guia,
como chegar à terra de minha condenação?
Noites cadentes em cálidas areias.
Ao longe se vê: alguém escreve
sobre o nada em seu corpo de nada.
Enquanto aguardava a pena, garantiram-me
que os números já estão traçados, que não
somos senão vestígios da eternidade e que nada
no mundo se desfaz com nossa ausência. Antes
de sua execução na cadeira elétrica um vizinho
de cela me dissera: “As coisas não voltam ao
que são se não são nada”. Logo em seguida
fora condenado Renan, por haver morto o
assassino de sua filha. Estamos aqui bem
transparentes. A lei é a obscuridade reinante.
“Dá-me uma moeda
a recolher minhas visões”,
beliscava a voz do bêbado
a arguta apatia dos passantes.
Agulha de condenações, fio livre de dores,
júbilo de atos que estraçalham o préstimo
de tocar o homem em suas dádivas, dá-nos
as credenciais de tua missão, desgraçado.
Cobiças talhar a matéria ao bico de tua pena,
ser a representação divina na terra, o golpe
de imagens que te rendam glórias de sal.
Não és nada, andarilho tragado pelo assombro
de tuas próprias misérias transfiguradas.
Do nada ao nada, este júri te condena a cair.
Mas como chegar ao nada?
Enlouquece o homem de não saber-se enraizar.
Dívidas cobrimos com nossas entranhas. Tudo
o que somos já fomos. Cai o corpo, os dedos se
mantêm sobre a máquina, o verbo permanece
impresso. Só tocamos aquilo que somos.
Perdemos a unidade quando desprezamos os
fragmentos. Somos o bosque e seu reflexo, o
crime e a fuga.
Antes que Orfeu partisse a caminho do
inferno,
a voz mínima do meirinho lembrara ao juiz
que o réu desconhecia o périplo de sua pena.
“Infortúnio comum a todos eles”, argumentou
a criatura togada que menosprezava a justiça
metafórica a que se referira Lezama Lima.
Aqui
cumprimos qual pena? O verbo que faz o
homem
tocar a si mesmo como uma serpente
emplumada?
O adjetivo que nos torna a todos inatingíveis?
O substantivo que não concentra em si essência
alguma? “Traço comum a todos os
desprezíveis.”
Sem que se tenha jamais indicado o norte da
pena.
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hélio rôla & floriano martins
RETRATOS FALADOS
Escuta os rumores da escritura,
transcreve as versões do silêncio.
Escuta o que dizem os ramos da
oração. Não se tece a história em
súplicas. Antes em massacres.
Vozerio de sombras, ontologia de
retalhos. Ama as trevas com júbilo
e busca sua face perdida. Nada
alcançarás senão o cadáver obeso
de tuas próprias dúvidas. Fareja os
despojos violados da memória.
Odores obscuros do oráculo. Nada.
Não lerás a mesma página que o
fogo.
De que mais se fez teu canto,
intumescido de espelhos?
Consagra-se a que agonia o
homem devolvido à sua imagem
primeva? Como chegar a ser um
livro? De algum ouro impreciso
nascem as páginas? Gnomos
cultuam o fôlego ressequido das
imagens? Por onde jorram
beatrizes? Tenebrosa será sempre
a jornada do verbo? Os que nos
damos ao mar, ao inferno de
árvores, ao ramo de horrores, ao
mar de sarças estelares, ao batismo
de selvas, ao mar ao mar, ao
sudário da estrada, os que nos
damos em círculos, trememos de
que felicidade?
Escuta então os giros da existência
e não somente o respiro de
máscaras. Não busca senão o
aturdimento, o sustento selvagem
do ser. De que nasce a épica? Já
estão ao mar todos os heróis,
vendados ou entregues à rumba de
sílfides? Símbolo o símbolo
implacável do homem em suas
derrotas. Funda o mundo com suas
dores. Diviniza as pobres formas
corroídas. Tudo no homem é mito,
inflexível em sua queda.
Contorna o rigor de tuas fúrias.
Por vezes não passas de um
cadáver esquisito. Em que ilha vão
dar os livros? Rangidos, suspiros,
gestos trocados sob tábuas,
tremuras ocultas, crimes da
virtude, virtudes do crime.
Desapareces onde a fábula retoma
seu curso. Escuta que já não se
trata somente de teatro. Tudo em
ti se retrai, e despenca.
Retoma sem dificuldades o curso
perdido, mesmo havendo uma
falsa glorificação do instante que
algema os demais sinais do tempo.
Somos todos gotejos do fogo,
insuspeitos em sua errância. E põe
fogo agora no ermo do
entendimento: lepra de delírios,
prantos regados à esquizofrenia de
seus hóspedes, ópera bufa de Deus,
angústias vociferantes, revoando
revoando, sempre a mesma letra
assinalada, idêntico o curso
assimilado pelo presépio do êxodo,
o mar se desgastando em
geometrias.
Previsível sumo da árvore lançada
ao espaço. Ogiva de cinzas que
torna Dante de menos. Secreto
pomar de vísceras de sombras não
chamuscadas – transmuda tal
acorde decomposto no milagre de
tuas pálpebras refeitas. Não será
tão tarde. Tuas igrejas futuras
dependem disto. O homem só julga
a si mesmo através da metáfora.
Toda sua realidade é uma fantasia.
Poetas não cabem mais em teu
coração.
Múltipla tua orfandade. Reacendeme em teu exercício. De que
morreremos? Pequeno jardim de
comédias – nos rimos. Diversas as
sombras peregrinando –
convocadas. Quedas por toda a
noite – ressonante espetáculo.
Ainda buscamos por que morrer –
espectros fugazes. Não dá-se a
sensualidade sem quebra. De
comparsa do paradoxo não passa
toda a essência da convicção.
Dias serão os dias com suas trevas
e as noites concebidas estreladas,
estrofes consoladas por uma
poética vulgar. Verbo é o símbolo
da agonia: quanto custa ao homem
converter-se em evidência. Imensa
a dor e sua ressonância, venha do
grito ou de seu revés. Dias de
queda, barrocos, exaustivos,
adegas que não ressuscitam a
alegria do vinho. Suportará
berenices, mas nunca um espelho
sem imagem. Refeito um dia de
quantas gotas, todas de
melancolia? Tudo em si é pesar, a
refletir a névoa de seu próprio
entendimento. Já não percebe os
sussurros do silêncio. Queda a
queda disfarçada em poema. Que
epifania buscas ainda na ruína de
teu esplendor?
hélio rôla & floriano martins
erografias
1.
Teu leito me elege por palavras que li.
Entendo sua lei e seu golpe me captura.
Livro em que capto o jogo do ser,
sempre mortal como vozes indo e vindo.
Contigo estou em todas as partes.
Trevas atravesso, confundo coisas,
ao fogo entrego a matéria de tudo
quanto sei.
Um entre todos no golpe de teu desejo.
Rosto que somente na escuridão
percebes.
Intenso o veneno do que li em teu corpo.
2.
Rimos carne por toda noite.
Animal na sagrada sede de sua hora,
espírito que rasga o enigma
e ainda mais intenso outro lhe surge.
Me tocas, mármore que baila,
fogo que petrifica o mundo,
carne convertida em riso,
na fúria que se desnuda oh deusa.
Em ti a louca loca do absoluto,
fenda que me traga mares estrelas,
lâmpada no abismo de meu canto.
Ali gozamos dançando
quanto dure o fogo, o mundo,
ritmos de risos que se tocam.
Ainda te ouço morrendo
no turbulento abraço do ser,
e rio
desamparado.
3.
Vem:
Mãe de abismo.
Relva de sigilos.
Letras sobre a carne.
Ira de signos.
Vem:
Sombras sobre o falo,
lado sem fim das vogais
que vibram loucas em ti.
Vem:
Raio que devo comer
para que o mundo me sirva.
Implacável visão que me dilata.
Vem:
Com teus frutos de morte
– peitos lábios línguas –
que só o fogo decifra.
Vem:
Urros da origem.
Olho nascendo no vazio.
Boca que guarda o enigma do sol.
Vem:
Flor mortal.
Reino da poesia.
Pêndulo sobre o mundo.
Corda cega do ser.
Vem:
Vibrante vento.
Fúria do amor.
Fulgor de nada.
4.
Ilumina teu corpo dentro.
Um labirinto tua mão me estende.
Peso do mundo, tudo cai.
Aonde vai dar a queda fulgurante,
fragmentos de teu vulto,
labirinto descarnado,
luz de uma coluna que cai,
pobre luz de túneis derruídos
em mortes tão iguais?
Indícios de que nova vida?
Nada.
Rugas de uma eternidade brutal.
Duro em teu corpo enquanto o procuro.
Pequeno fogo ao fundo, jogo delirante:
a origem é o efêmero.
5.
O que vejo através de ti:
tuas formas multiplicadas.
Me arrasta até o fim da jornada,
pulso da pedra nos lábios da areia,
espelho com que aras minha
peregrinação,
casca que ousa tocar o fundo.
Trouxe consigo toda a memória
do abismo erguido em seu dorso.
Retoma teu lugar no mundo.
Sob teus pés, a sombra
do que está por vir.
6.
Tua voz dissipada entre taças de
rumores
em que dizer é precisamente ocultar.
Banquete de deuses no espelho de teu
corpo.
Música de pedras, olhos do obscuro,
as sombras que iluminam tua ausência.
Vens às palavras,
jaulas de cristal da noite que te recria.
O poema, uma lanterna cega. Vens.
O que dominas o fogo rapta:
o silêncio, a posse de teus bens, as
carnes
de uma escritura que se desmancha no
ar.
Máscaras de um feitiço interrompido,
lacre violado de tua lição do oculto.
Uma sílaba nos persegue até a morte.
Lâminas de gestos, um movimento, o
poema
se retrai. Não sobrará nada de ti
para a revelação do amor.
7.
Pequeno bosque de imitações. Mordes
o cofre de minha alma profana, tua
paixão pelos mortos. Queimas a última
carne do jogo. Corpos saindo do fogo.
Os abismos bebem em ti: rostos &
fontes.
Fúria de tuas folhas ocultas. Sujas
os lugares suspeitos onde o crime se
banha.
Árvore nas coxas, a beleza em sangue.
Tua sala de quartzo. Invertes o cosmos
de teus ritos. Variações de Yausa. Tu és
vitae locus: todas as mulheres. Altares
do caos. Fendas nas trevas. Ódio em ti,
feito hinos na terra incógnita. Rasgas
a pedra escrita na colina que se move.
Um vadio na noite, aprendo a ser teu.
8.
O enigma é tua fonte.
Poço imenso
cujo fundo não se toca.
Astúcia que rói o tempo.
Perigo de espíritos
que se imolam espelho adentro.
Faca infecta de palavras
na podridão do vazio.
Fezes de sombras.
Mapas de vozes mutiladas.
Coração do mundo,
hora de ruir novamente,
hora do enigma
chafurdar uma vez mais
na lama de sua
atormentada convulsão.
Sátiros e insetos
em obscuros salmos:
reino da beleza dificultada.
Meu corpo nu permanece aqui,
a alma sobe ao inferno.
Tempo feito de pedra.
9.
Mar de amores em sobressaltos.
Planetas em transe.
Toda a origem dentro do olho, o olho
marfim
do tempo dentro de mim seu veneno
e em torno fantasmas deuses peixes,
pequenos lagartos ali
ruminando selvas,
risos de rochas.
Fúria de folhas contra o ventre:
o abismo bebe o sumo de ignotas eras
abandonadas em tua sombra.
Simulas pistas dentro e fora,
gotejante céu.
Corpos nus sob a laje do sonho, as
palavras
derramadas na carne, o amor em
fragmentos.
Coro de músculos, tua pele é minha ira.
Cintilâncias de uma só e oculta fonte.
Meu amor pelo homem, pedra
arremessada
à distância, parábola de si própria.
Meu amor ainda canta na voz de cinzas
da floresta.
10.
Rostos tocados pela escuridão.
Certos corpos nus e sujos.
Palavras que gemem,
tremor de costelas,
ossos de luz, ossos mínimos
estraçalhados,
o pó da noite em suas cavidades.
Máscaras de ruínas,
fome da fome.
Pequenas aldeias por todo o corpo.
Em cada gesto: amuletos.
A morte é uma porta silenciosa
em que o homem se percebe incriado.
Sua alma ainda cega,
fogo do riso.
O mundo ficou sem resposta.
11.
Enseio-me em ti, imanente ovo de
faróis.
Fomes elementares de uma via de óleos.
Tu: figura total à deriva entre clãs
selvagens.
Garras de fúrias no abrigo de abismos
de tuas negras gemas.
Enterra-me no inferno dessas cidades
em fuga.
Que belo crime decepar teus sentidos.
Anjo: lábios, delitos.
Os miseráveis infames ocultados
em tuas infinitas manobras.
Foco de almas rasuradas,
ser de mitos, flor de fugas.
Anjo fascinando pelas marcas
que em mim se escondem:
retiro-me de tuas ruínas.
12.
Sou eu de joelhos.
Tu a imagem. Gotas do desejo ilhando
minha fronte.
Sendo o tempo a água que me anuncia.
Quem sou eu?
Tempo;
tu que a tudo desvelas.
Que máscara certo prazer
tem em mim insistido seu dom?
que ritmo, que elo, que rastro nu
guarda em mim seu pó?
Em ti:
salto no que não se imita,
talhos de espelho.
Eu mesmo te abrindo em rosas.
Todas as sombras, todos os restos.
Migalhas refazem o mundo.
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