Miguel Ángel Asturias e El Alhajadito (1961)

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MIGUEL ÁNGEL ASTURIAS E EL ALHAJADITO (1961): A IDENTIDADE SOB
O SIGNO DA ÁGUA, DO VENTO E DOS OLHOS
CASTRO, Daniel Rodrigues de (UFRJ)
Em 1967, o escritor guatemalteco Miguel Ángel Asturias (1899 – 1974) recebeu o
Prêmio Nobel de Literatura, honra que brindou sua notável carreira como romancista,
poeta, dramaturgo, contista, ensaísta e jornalista. Depois de quarenta anos da referida
premiação, sua obra segue sendo estudada e divulgada através de leituras e releituras de
seu universo mágico, formando um caleidoscópio de imagens advindas de um rigoroso
burilar teórico. Em homenagem a esses quarenta anos do Nobel de Asturias, propõe-se
analisar um importante livro que compõe a etapa final de seus escritos: o romance El
Alhajadito, de 1961.
Iniciada em 1927, essa obra remonta os anos nos quais Asturias residiu na Europa,
relacionando-se com o surrealismo francês e o substrato onírico que o envolve. Esse
contato representou a força liberadora do universo mítico de sua literatura, contribuindo
para que o autor desenvolvesse o denominado “realismo mágico”, através do qual foi
conhecido como “El Gran Lengua de América”.
Porém, essa obra só foi publicada em 1961, fase de elevada maturidade intelectual
do autor, na qual já estavam consolidados os aspectos políticos e sociais que permeiam
seus livros. Sabe-se que Asturias atrasou essa publicação não somente pelas atividades
inerentes à vida do escritor, mas, principalmente, pela inquietude que tais escritos lhe
proporcionavam. Essa postergação reflete uma importante etapa de aprofundamento
intelectual do escritor no tocante ao principal tema de debate presente em sua poética
final: a questão identitária.
As obras de Asturias podem ser dividas, didaticamente, em quatro fases: na
primeira há o romance político, formada por El Señor Presidente (1946); na segunda, os
temas das tradições e dos mitos guatemaltecos, com o livro de lendas Leyendas de
Guatemala (1930) e o romance Hombres de Maíz (1949); na terceira, ocorre a união dos
dois traços anteriores somados ao compromisso social, a exemplo da Trilogia
Bananeira, composta pelos romances Viento Fuerte (1950), El Papa Verde (1954) e Los
Ojos de los Enterrados (1960); e na quarta, há a presença da temática intercultural,
como se percebe no romance Maladrón (1969).
A etapa final de seus escritos está diretamente ligada às correntes de pensamento
da segunda metade do século XX, principalmente os Estudos Culturais, que tiveram a
identidade como eixo principal de discussões. Em meio ao clima positivista do início do
século XX, surgiu a necessidade de “criar” o que seria o esperado “modelo” de
civilização latino-americana, baseando-se não mais no olhar do colonizador, mas sim,
no do colonizado. Por isso as obras de Asturias estão fortemente impregnadas do
choque entre a cultura autóctone e a estrangeira, e da busca dos matizes que formam o
homem guatemalteco, tendo no romance El Alhajadito (1961) um livre desafogo da
fantasia do autor com respeito a discussão da identidade.
O romance El Alhajadito (1961) é divido em três partes aparentemente isoladas
entre si, mas que, ao final, mostram-se conectadas ao protagonista quando este descobre
sua identidade. Envolto em fantasia e sonho, esse romance mergulha o leitor em um
mundo de imagens justapostas, fato que dificulta a conexão das três partes, ainda mais
que, na terceira, adicionam-se cinco contos completamente desvinculados à narrativa
que se segue, mas que, em uma análise minuciosa, revela ser uma importante peça que
integrará o mosaico da questão identitária.
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Paralelas à narrativa, as imagens evocadas transportam o leitor a um mundo
simbólico no qual realidade e sonho se misturam, formando uma visão translúcida
daquilo que se almeja descobrir. Nessa busca turva do protagonista, a simbologia de
elementos como o olho, a água e o vento, imersos na experiência onírica, acrescentará
os matizes mágicos presentes na obra, revelando sua ligação com as mais profundas
ramificações do inconsciente humano.
A primeira parte do romance é regida pelo mistério que envolve o passado de uma
casa centenária e o silêncio de seus criados, os quais escondem do único herdeiro – El
Alhajadito – o segredo de seus antepassados e de sua identidade desconhecida, enigma
tão forte que transborda as mais diversas percepções sensoriais:
(…) un pasado que había quedado vivo sobre esas tierras, pero del que nadie
hablaba. (…) Las realidades misteriosas, el pasado palpable en lo impalpable,
presente en lo que no se tocaba, en el aire que respiraban, en el agua que
bebían (…). (ASTURIAS, 1994, p. 21).
Compondo o cenário da casa, há alguns quartos escuros que guardavam moedas
antigas e o corredorzinho tão querido pelo protagonista, pois era local de refúgio no
qual seus pensamentos voavam livre: “Estaba en su corredorcito. Nada era real.
Imaginación. Sueños” (Ibidem: 12). Fora de casa havia um lago no qual pescadores
também silenciavam o mistério. Era El charco del limosnero.
O enigma começa pelo próprio medo que os habitantes da região tinham de
pronunciar o nome dos antepassados de Alhajadito: “(…) allí estaba el Alhajado,
nombre que raras veces pronunciaban los pescadores, la gente de por ahí” (IBID: 21).
Isso acontecia pela atmosfera misteriosa que envolvia o destino dessa família: eles não
morriam, mas sim, desapareciam: “Ninguno de los pescadores se atrevía a decir si
había muerto. Desapareció. Y ése era el temor. El que desaparece puede volver” (IBID:
25).
Em uma noite, o pescador mais velho, chamado Mendiverzúa, contou ao menino
o segredo que envolvia seus parentes. Os Alhajados eram pessoas que, séculos atrás,
preparavam armadilhas nas margens de mares para roubar barcos que, iludidos por uma
falsa luz de farol produzida por eles, chocavam-se contra as rochas. Porém, em uma
ocasião, uma das embarcações arremetida às pedras era capitaneada pelo Grande Diabo,
contra quem houve uma luta feroz. Ao final, o Diabo propõe um pacto ora rechaçado
pelos Alhajados, o que ocasionou o afundamento de todos. Pelos relatos subseqüentes,
descobre-se que todos saíram do mar e se tornaram grandes piratas e corsários, menos
os da raça do Azacuán, fadados a permanecer em casa esperando seus irmãos.
Descoberta sua identidade vinculada a seus antepassados, Alhajadito se
desinteressou pelo corredorzinho, tornando-se paulatinamente em o estereótipo que
formava os membros de sua família:
Crecer. Salir de él, ese él que en potencia guardaba su organismo y que tal
como echan fuera tallos y ramas las plantas, su cuerpo de niño iba soltando
con el apuro de la adolescencia. (…). Volvían los Alhajados. Los señores de
la casa regresaban. Así lo decían a todos (…) al ver pasar al Alhajadito,
jinete en un caballo negro (…) arrodillarse y persignarse ante el Mal
Ladrón. (IBID, p. 93)
Ao analisar a busca do protagonista em solucionar o mistério que envolvia sua
identidade, pode-se perceber o aspecto cambiante de sua trajetória. Refugiado em um
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corredor que não dava a nenhuma porta ou janela, esse espaço físico que simboliza uma
passagem está contraditoriamente conectado à inércia por não possuir acesso ao que está
fora dele. Porém, Alhajadito consegue transcender os limites físicos das quatro paredes
através das asas da imaginação: “¿Qué otra cosa es la propiedad sino imaginación?”
(ibid:85). Além disso, ele enfrenta seus medos ao dirigir-se às margens do Charco del
limosnero, local onde conhece a revelação final sobre seu tataravô Azacuán, que ali
desapareceu após perder sua amada, o qual teve seu mesmo destino nas águas do lago.
Mesmo sendo criança e tendo sua origem encoberta pelos mais velhos, Alhajadito
não abafou seus questionamentos, mostrando uma forte ligação com um pergaminho
deixado por Azacuán em uma gaveta da casa, que assinala a importância da reflexão e
do desprendimento para alçar vôos mais altosi:
“(…) Donde se olvida un amor antiguo para aducir creencia a un nuevo.
Donde empalman las calles y se desvanece el presente al choque del aire que
viene siendo miedo de las cosas sumergidas en ellas misma. (…) Donde se
aviva lo conseguido de afuera adentro por confrontaciones presentidas de
adentro fuera (…)
(IBID, p. 84)
Porém, ainda assim, não conseguia dissociar o quão difícil era viver aquela
história imersa em tantos acontecimentos insólitos: “¡Cómo podía ser que tanta
realidad desembocara en tanto sueño!” (IBID, p. 86). Não é arbitrário que a revelação
realizada ao menino é feita por um pescador, já que esse ofício simboliza trazer à tona
os elementos do inconsciente submersos no leito do lago.
A segunda parte do romance começa dentro de um barco capitaneado por um
Párroco que era cego, surdo e insensível, dirigindo-se à tripulação com a pergunta na
qual reside novamente o enigma da identidade:
- ¿Quiénes sois? – nos decía.
Y le respondíamos en voz baja, para que nos oyera:
- Nosotros… - por no confesarle que no sabíamos a punto fijo, quiénes
éramos y no preguntarle si él sabía.
(IBID, p. 99)
O barco não tinha rota nem porto de destino (IBID: 101), sabendo-se apenas que
havia partido de uma igreja paroquial (IBID: 104) e que precisava ir longe, em direção
ao mar. Seguidas noites eles encontraram um navio misterioso, com o qual puderam
fazer um diálogo enigmático:
- ¡Ay, humanos – plañía - , cuán diferente es la sombra de la muerte de la
oscuridad luminosa de la noche!
Alguien de nosotros gritó:
- ¿Quién eres?
- … Q u i é n… - casi fue el eco y tras una larga espera contestó:
- ¿Quien soy…? No sé quien soy ... en el cuenco de mis manos recogía la
sombra que gotea de los párpados del hombre para acrecer la noche, pero
ahora ya no tengo manos, y los hombres ya no tienen párpados donde juntar
por poquitos la tiniebla y el ensueño. Siempre están despiertos (…).
(IBID, p. 102)
O fato relevante ligado a essa extraordinária experiência é que, sempre que o
barco surgia, Joper el Niño tapava os olhos de seu irmão Bernardo el Niño, temendo que
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este pudesse perder os olhos ante a visão fantasmagórica. Este, por sua vez, insistia em
afirmar que o que eles viam não era um barco, mas sim um iceberg feito de lágrimas e
iluminado por um grupo de figuras humanas com olhos vazios (IBID: 106). Porém, o
ato de Joper será fundamental para a sobrevivência da tripulação:
La visión del barco creció al acercarse a nuestros ojos tan rápidamente que
toda nuestra alegría se fue al mar. Su presencia nos abarcaba, nos
arrastraba. Sentimos el aguacero negro de sus velas enlutadas y apartamos
la vista del inevitable choque de su cáscara de fantasma de los mares con
nuestra pobre embarcación… Un instante más y … al ir a dar con nosotros
empezó a reducir sus dimensiones hasta desaparecer de nuevo.
Joper el Niño, al cubrirle los ojos a su hermano, nos salvó de ser abordados
y destruidos por una embarcación de sueño que acaso sólo existía en la
mente del Párroco, nuestro capitán. (…)
- ¿Qué habría sido de nosotros, Párroco…? – le interrogamos después.
- Habríamos desaparecido… (…)
(IBID: 112-113)
Ao final do romance, descobre-se que esse navio misterioso era tripulado por
Alhajados (IBID: 155, 160), navegando perdido pelo mar sem nunca mais voltar a sua
casa, tal como o menino a seu corredorzinho. Posteriormente, a busca identitária da
personagem ganhará matizes mais insólitos ao perceber que dentro do barco fantasma
estava a peça fundamental para descobrir sua origem.
Porém, a salvação de todos só foi possível pelo tapamento ocular de Bernardo,
levando-nos à simbologia desse ato. A cegueira do Párroco guiando tripulantes imersos
numa realidade borrada pelo sonho, quase os levou à destruição, não fosse os olhos
fechados de Bernardo, contrapondo-se assim a loucura do primeiro ao ignorar a
realidade das coisas, à percepção intelectual do segundo, ao ignorar as aparências
enganadoras ao derredor para transcender a algo extra-sensorial.
Algo semelhante aconteceu na primeira parte do romance, quando o avô do
Alhajadito desapareceu: “Cerraba los ojos y lo sentía allí cerca, abría los ojos y no lo
encontraba” (IBID: 31). Porém, enquanto na primeira parte a realidade desembocava
no sonho, na segunda parte percebe-se que é melhor sonhar do que ver na irrealidade da
noite (IBID:106). Outro ponto importante presente nas duas primeiras partes e que será
repetido na última se refere à noite, como período no qual se desenvolve esse mundo de
sonho e engano, cenário perfeito para liberar o inconsciente humano.
A terceira parte do romance se passa em uma casa na qual reside o menino e duas
mulheres. Este não sabe de quem era filho, sabendo apenas que uma era sua mãe e a
outra sua irmã, fato que será desmentido posteriormente ao revelar-se para quem
pensava ser sua irmã, era na verdade sua tia: (IBID: 121). Nessa confusão de
identidades, o menino é criado em quartos sem janelas, sem luz e com rígidas
recomendações de que não saísse de casa, pois poderia ser roubado:
Las habitaciones en que pasé mi infancia se encontraban en una sala larga,
sin ventanas (…). Dormitorios donde faltaban el sol y, lo que es más triste, la
luna. (…) Me era prohibido salir a la puerta y para ver el jardín
aprovechaba los momentos en que me dejaban solo.
(IBID: 122)
O menino venceu o temor e se aventurou fora de casa, conhecendo Eduviges,
jardineiro que lhe ensinou tudo sobre o jardim, menos com relação ao reservatório de
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água, pois esta era traiçoeira. Desse relacionamento, desenvolveu-se a imaginação do
menino através da narração de contos intitulados Cuentos del Cuyitoii, fábulas nas quais
os animais estão em um contexto familiar onde lhes são ensinados temas como respeito
aos mais velhos, a obediência e a paciência. Por mais simplórios que pudessem parecer,
esses contos abriam as janelas do universo criativo de um menino criado a portas
fechadas e trancadas, sob o estigma de um segredo.
O menino fez amizade com o filhinho cego de Eduviges, com quem desenvolveu
sua capacidade imaginativa a cada pergunta realizada:
En la casa de Eduviges (…) tuve la alegría de encontrar a su hijo cieguecito.
¿Alegría? Sí, la alegría de irle enseñando todo lo que no veía con palabras
más o menos precisas, aunque raras y muchas veces de mi cosecha
imaginativa, ya que no podía dejarme acorralar por un ciego cuando me
preguntaba qué era esto o aquello. El mundo de mi amiguito fue un mundo
raro, infantil, inventado por mí.
(IBID: 122)
Ensoberbecido por pensar haver ensinado ao cego sobre a vida, o menino se
surpreende por haver vivido em uma escuridão ainda pior que o filho de Eduviges, pois
sequer sabia sua filiação:
Mi ceguera era más triste, mucho más triste… tenía ojos y no podía decir he
visto a mi mamá. (...) Este no poder penetrar los ojos el misterio que me
rodeaba, destruyó la alegría de mis días de maestro, al darme cuenta que yo
era tan ciego como mi amigo.
(Ibid: 148-149).
Em uma noite que deveria ser marcada pela aventura, ambos se dirigem ao
reservatório de água traiçoeira, onde, sob a luz da lua, o ceguinho revela ao menino sua
origem, segundo ouviu de uma conversa entre as duas mulheres e Eduviges:
- (…) Tú vivías, según ellas, en una casa muy grande, (…), no lejos de un
lago, entre pescadores, y jugabas a pirata en un corredorcito. De esa casa
donde, ¡Dios sea con nosotros!, se rendía culto al Mal Ladrón, desaparecían
los señores que, como tú, vestían siempre de negro. Todos se marchaban, sin
regresar nunca, y el único que regresó con el traje raído, amarilloso,
arrojóse al lago y se lo tragó el agua…(…)
- Cómo temer a un estanque, estando tú que navegaste mucho en busca de un
barco que sólo contemplaron pasar muy cerca, unos de esos barcos
fantasmas que navegan perdidos en el mar, tripulado por aquellos señorones
extraños, siempre vestidos de negro, que jinetes en caballos negros, escogían
para marcharse las noches más negras, sin volver jamás a la casona de la
que escapabas también tú al corredorcito (…).
- Uno de aquellos hombres vestido de negro (…), sedujo a la más hermosa de
dos hermanas casi gemelas. Le robó la honra y desapareció. Temerosas de lo
que tu abuelo haría, escaparon ambas y al volver a la casa paterna, ya
venías tú: pero ninguna de las dos confesó a su padre, quién de ellas era tu
mamá. ¡Un hijo de dos madres deshonradas!
(IBID: 155).
Por fim, o menino descobre sua identidade e, assim como aconteceu com o
corredorzinho, brota em seu interior um sentimento de desprezo pelo ceguinho, já que
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este soube o mistério desonroso de sua família, culminando com o desejo de afogá-lo
junto com o segredo. Mas não o fez, levando o filho de Eduviges até a casa dele.
Pela manhã, uma notícia trágica: o corpo do ceguinho foi encontrado boiando no
reservatório, acontecimento que para o menino não parecia real, mas sim algo sonhado,
o que de fato se confirmou em seguida:
Sentía que lo llevaba de la mano y que lo iba a tirar al estanque, y algo hice:
de una de las fogatas encendidas por Eduviges, tomé un puñado de leños que
ardían y lo arrojé al agua oscura… (…)
Sisss…sisss…sisss… el viento en el agua.
De modo que mis mamás…De modo que el corredorcito…(…) el Mal Ladrón
(…) el Párroco (…) todo había sido un sueño. (…)
Me persigné… ¡Por la señal de la Cruz!, iba a decir, pero dije, ¡Por la señal
de los sueños…!
Sisss…sisss… el viento en el agua… el viento en el agua…
(IBID: 160).
A revelação final ocorreu sob o manto da noite, com a lua banhando o diálogo
entre o ceguinho e o menino, tendo ambos as suas costas o chamado hipnotizador do
vento e da água ressoando no reservatório. A lua, por não possuir luz própria, está
vinculada a elementos passivos e de receptividade, aos quais se soma o vento, símbolo
repositório de mudanças, principalmente se associado ao sonho. Por fim, fazendo par
com o elemento que chama os dois meninos, há a água que, além de simbolizar os
elementos informes da alma, é o elemento universal de renascimento e purificação.
Nesse desafogo da fantasia, conforme relatado pelo próprio Asturias, o autor
expõe uma série de reflexões fundamentadas na busca da identidade através de um
quadro de imagens translúcidas e insólitas, turvando a compreensão do romance em
uma análise linear. Incomoda o fato de essa procura estar sendo realizada por uma
criança que, além da pouca idade, tem mistérios a serem descobertos, ausência familiar
e guias cegos; surpreendendo o fato de encontrar em um ceguinho, tamanha sabedoria:
“Mi amigo tenía un sentido más hondo de las cosas, no de las cosas en sí, sino de su
trancedencia impalpable” (IBID: 154).
Provavelmente, esse choque tenha sido o desejo do autor: basear a questão
identitária a partir de elementos mutáveis e atingíveis somente pelo pensamento e
desligamento das realidades enganadoras, simbolizadas pela percepção ocular. Com
isso, mergulha-se os questionamentos na volatilidade da água e na instabilidade do
vento, ambos regidos pelo signo dos sonhos, tendo como receptáculo a criança, símbolo
da inocência e da mudança.
Bibliografia:
ASTURIAS, Miguel Angel. El Alhajadito. 7ª ed. Buenos Aires: Losada, 1994.
BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
______. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
CHEVALIER, Jean. Diccionario de Símbolos. Rio de Janeiro: J Olympio, 2003.
HURTADO HERAS, Saul. La narrativa de Miguel Ángel Asturias: una revisión
crítica. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2006.
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VILLAFAÑE, Justo. Introducción a la teoría de la imagen. Madrid: Pirámide, 2002.
i
Essa ida ao lago e à gaveta revela os mais íntimos aspectos da busca identitária do menino. Ao olhar o
lago, descobre-se a profundidade na natureza humana, já que o lago é o olho da terra, assim como a
gaveta é o espaço mágico da intimidade, na qual se depositam os segredos (BACHELARD, 1989:90,213).
ii
Cuyito era como Asturias chamava seu filho. Esses contos eram enviados a seu filho nos anos quarenta.
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