Desenvolvimento econômico e reformas institucionais no Brasil

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Desenvolvimento econômico e reformas institucionais no Brasil:
Considerações sobre a construção interrompida
SALVADOR TEIXEIRA WERNECK VIANNA
Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Federal do
Rio de Janeiro como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em
Economia
BANCA EXAMINADORA
Orientadora: Profa. Dra. Beatriz Azeredo – IE / UFRJ
.............................................................................................................
Prof. Dr. João Carlos Ferraz – IE / UFRJ
.............................................................................................................
Profa. Dra. Denise Lobato Gentil
.............................................................................................................
Prof. Dr. José Eisenberg – IUPERJ
.............................................................................................................
Prof. Dr. Cláudio Salm – Centro Celso Furtado
.............................................................................................................
Rio de Janeiro, 24 de agosto de 2007
2
Para Andrea, Aurora e Estela
3
Agradecimentos
À honorável instituição da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em
particular ao Colégio de Aplicação e ao Instituto de Economia.
À minha orientadora, Beatriz Azeredo, pelo estímulo e confiança que sempre me
passou, mesmo quando estive (confesso) prestes a desistir.
Aos meus amigos do peito, sempre presentes: Otávio, André, Júlio e Ezequiel.
Graças ao doutorado no IE ganhei outro, meu camarada em armas Luís Otávio Reiff.
A meus familiares, que tornaram menos penosa esta travessia. O clã Werneck
Vianna está ficando cada vez mais extenso, mas vamos lá: João Pedro e Gabriela,
Juliano e Bianca, Marina e Sávio, João Francisco, Pedro (o rei do queijo quente),
Valentim, Bento, Miguel e Tomás. Estendo meus agradecimentos a Consuelo, Fernanda
e Márcia.
A Iracema Teixeira, rochedo sobre o qual se erigiu essa fortaleza, exemplo de
vida, de mulher, de coragem.
A Luiz Jorge e Maria Lucia, as figuras humanas mais extraordinárias que já tive
a ventura de conhecer; meus maiores mestres e meus maiores exemplos, a quem sempre
serei tão devedor, em quem sempre, ainda que em vão, tentarei me espelhar.
Reservo um agradecimento especial a minhas filhas, pela descoberta diária de
um mundo melhor, ou pelo menos da esperança de um, que elas me proporcionam.
Aurora e Estela são minhas heroínas, pequenas mas superpoderosas.
A Andrea, tudo que posso dizer é que um dia espero poder retribuir tudo que ela
fez para tornar possível a elaboração desta tese.
4
A sociedade sempre acaba vencendo, mesmo ante a inércia ou o antagonismo do Estado.
O Estado era Tordesilhas. Rebelada, a sociedade empurrou as fronteiras do Brasil, criando uma das
maiores geografias do Universo. O Estado, encarnado na metrópole, resignara-se ante a invasão
holandesa no Nordeste. A sociedade restaurou nossa integridade territorial com a insurreição nativa de
Tabocas e Guararapes, sob a liderança de André Vidal de Negreiros, Felipe Camarão e João Fernandes
Vieira, que cunhou a frase da preeminência da sociedade sobre o Estado: “Desobedecer a El-Rey, para
servir a El-Rey”. O Estado capitulou na entrega do Acre, a sociedade retomou-o com as foices, os
machados e os punhos de Plácido de Castro e seus seringueiros.
O Estado autoritário prendeu e exilou. A sociedade, com Teotônio Vilela, pela anistia liberou e repatriou.
A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram. Foi a sociedade, mobilizada nos colossais
comícios das Diretas-Já, que pela transição e pela mudança derrotou o Estado usurpador.
Termino com as palavras com que comecei esta fala: A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A
Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à
mudança.
Que a promulgação seja nosso grito. Mudar para vencer! Muda Brasil!
(Ulysses Guimarães, discurso de promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988)
5
Índice
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APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................... 9
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CAPÍTULO I INSTITUIÇÕES E DESENVOLVIMENTO: EM BUSCA DE UMA ABORDAGEM
MULTIDISCIPLINAR ............................................................................................................................ 13
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1 INTRODUÇÃO: O DESENVOLVIMENTO COMO TEMA ............................................................................. 13
2 DESENVOLVIMENTO, CRESCIMENTO ECONÔMICO E INDUSTRIALIZAÇÃO ............................................ 23
3 LÓGICA ECONÔMICA E RELAÇÕES SOCIAIS NA TEORIA DA REGULAÇÃO ............................................. 29
4 INCERTEZA E MATRIZ INSTITUCIONAL: ALGUNS APORTES DA NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL AO
TEMA DO DESENVOLVIMENTO ................................................................................................................ 35
5 O NEO-INSTITUCIONALISMO NA CIÊNCIA POLÍTICA ............................................................................. 43
6 CELSO FURTADO E O DIÁLOGO ENTRE A ECONOMIA E AS (DEMAIS) CIÊNCIAS SOCIAIS: UM ENFOQUE
“INSTITUCIONAL” NÃO-REGULACIONISTA E NÃO-INSTITUCIONALISTA ................................................... 50
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CAPÍTULO II CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RAÍZES DO SUBDESENVOLVIMENTO
BRASILEIRO .......................................................................................................................................... 58
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1 AS ECONOMIAS AÇUCAREIRA E MINEIRA ............................................................................................ 59
2 A ECONOMIA CAFEEIRA E A TRANSIÇÃO PARA O TRABALHO ASSALARIADO ........................................ 73
3 FORMAÇÃO DO MERCADO INTERNO .................................................................................................... 81
4 TRANSIÇÃO PARA O SISTEMA INDUSTRIAL .......................................................................................... 90
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CAPÍTULO III ETAPAS DE ACELERAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO NO BRASIL ........... 93
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1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 94
2 UM ESBOÇO DE ROTEIRO PARA O ESTUDO DA PRIMEIRA REPÚBLICA ................................................. 102
3 AS TRANSFORMAÇÕES DO PERÍODO 1930-45 .................................................................................... 107
3.1 Instituições e política econômica no Estado Novo ................................................................... 113
3.2 A política econômica e seus atores .......................................................................................... 118
3.3 O corporativismo: doutrina e prática ...................................................................................... 129
3.4 Estado e sociedade na nova ordem .......................................................................................... 137
3.5 Palavras finais ......................................................................................................................... 149
4 “FUGA PARA FRENTE”: O GRANDE SALTO DA DÉCADA DE 1950 ........................................................ 152
4.1 O quadro político e institucional no segundo governo Vargas ................................................ 153
4.2 Política econômica no segundo governo Vargas ..................................................................... 171
4.3 Instituições e política econômica no governo JK ..................................................................... 174
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4.3.1 O Plano de Metas ............................................................................................................................. 178
4.3.2 O sistema político ............................................................................................................................. 184
4.3.3 A Administração Paralela ................................................................................................................. 188
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5 POLÍTICA E ECONOMIA NO REGIME MILITAR ..................................................................................... 199
5.1 Esgotamento de um modelo ..................................................................................................... 199
5.2 Os Atos Institucionais .............................................................................................................. 210
5.3 Reformas institucionais e política econômica .......................................................................... 219
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5.3.1 O período 1964-1967 ....................................................................................................................... 219
5.3.2 O período 1968-1973 ....................................................................................................................... 228
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CAPÍTULO IV FEDERALISMO E SISTEMA TRIBUTÁRIO NO BRASIL ................................ 239
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1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 239
2 ESTADO E FEDERALISMO .................................................................................................................. 243
2.1 Centralização e descentralização no federalismo brasileiro ................................................... 243
2.2 A Reforma dos anos 60 ............................................................................................................ 258
2.3 O Sistema Tributário na Constituição de 1988 ........................................................................ 264
2.4. A Evolução Posterior a 1988 .................................................................................................. 268
2.5 Desdobramentos Recentes ....................................................................................................... 271
3. ESTADO E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA: A REGRESSIVIDADE DO SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO ..... 280
3.1. Introdução ............................................................................................................................... 280
3.2 Evidências sobre os impactos distributivos do sistema tributário ........................................... 282
4 O SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO EM DEBATE .............................................................................. 305
5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS SOBRE O DEBATE ATUAL .................................................... 319
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CAPÍTULO V A CONSTRUÇÃO INTERROMPIDA ...................................................................... 323
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................ 350
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Índice de gráficos
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GRÁFICO 1 – PRODUTO INTERNO BRUTO DO BRASIL: VARIAÇÃO (%) REAL ANUAL, 1901-2006 ................ 95
GRÁFICO 2 - PRODUTO INTERNO BRUTO DO BRASIL: MÉDIAS GEOMÉTRICAS DECENAIS DAS TAXAS DE
VARIAÇÃO (%) REAL ANUAL ............................................................................................................. 96
GRÁFICO 3 - PRODUTO INTERNO BRUTO DO BRASIL: EVOLUÇÃO ANUAL DE SEU NÍVEL, EXPRESSO EM R$
MILHÕES DE 2006, 1901-2006 ........................................................................................................... 98
GRÁFICO 4: EVOLUÇÃO DA RENDA POR HABITANTE NO BRASIL (EM R$ MIL DE 2006), 1901-2006 ............ 99
GRÁFICO 5 – RENDA POR HABITANTE NO BRASIL, EM R$ MIL DE 2006: MÉDIAS DECENAIS ...................... 101
GRÁFICO 6 – EVOLUÇÃO DE LONGO PRAZO DA CARGA TRIBUTÁRIA NO BRASIL ...................................... 243
GRÁFICO 7 -EVOLUÇÃO DA ARRECADAÇÃO DIRETA POR ESFERA DE GOVERNO: 1960, 1965, 1970-2005 . 246
GRÁFICO 8 EVOLUÇÃO DA RECEITA DISPONÍVEL POR ESFERA DE GOVERNO: ............................................ 247
1960, 1965, 1970-2005 ............................................................................................................................ 247
GRÁFICO 9 – CARGA TRIBUTÁRIA DIRETA E INDIRETA SOBRE RENDA, SEGUNDO CLASSES DE RENDA EM
SALÁRIOS MÍNIMOS PARA O TOTAL DAS ÁREAS, EM % ..................................................................... 295
GRÁFICO 10 - PARTICIPAÇÃO DOS IMPOSTOS NA RENDA .......................................................................... 300
GRÁFICO 11 - PARTICIPAÇÃO DO ICMS NA RENDA DAS FAMÍLIAS .......................................................... 301
GRÁFICO 12 - PARTICIPAÇÃO DO ICMS NA RENDA DAS FAMÍLIAS .......................................................... 301
GRÁFICO 13 - PARTICIPAÇÃO DA COFINS+PIS+CPMF NA RENDA DAS FAMÍLIAS ................................... 302
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Índice de tabelas e quadros
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TABELA 1 – RENDA POR HABITANTE NO BRASIL, EM R$ MIL DE 2006: MÉDIAS QÜINQÜENAIS E TAXAS DE
VARIAÇÃO PERCENTUAL .................................................................................................................. 101
QUADRO 1 – O P LANO DE METAS ............................................................................................................ 178
QUADRO 2 O MOVIMENTO PENDULAR – CICLOS DE CENTRALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO NA FEDERAÇÃO
BRASILEIRA ..................................................................................................................................... 253
QUADRO 3 - REPARTIÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS: 1964 – 1988 ..................................................... 263
TABELA 2 – CARGA TRIBUTÁRIA, 1947-2006, EM % DO PIB .................................................................... 271
QUADRO 4 - A GUERRA FISCAL ................................................................................................................ 274
QUADRO 5 - CRONOLOGIA DAS RENEGOCIAÇÕES DAS DÍVIDAS ESTADUAIS .............................................. 277
TABELA 3 - PRINCIPAIS IMPOSTOS INDIRETOS RECOLHIDOS E ÔNUS FISCAL POR FAIXA DE
RENDA .......................................................................................................................................... 300
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7
Resumo
Esta tese analisa o processo de desenvolvimento econômico brasileiro ocorrido
no período de meio século compreendido entre 1930 e 1980. Este processo, tratado no
trabalho como a construção nacional, se deu, alternadamente, em condições autoritárias
e democráticas, e, ao seu final, lograra multiplicar em sete vezes a renda por habitante,
enquanto a população triplicaria. O objetivo central é discutir de que maneira as
inúmeras reformas e inovações institucionais implementadas, ao longo desse período, e
em diferentes contextos sociais e políticos, contribuíram para viabilizar o crescimento
econômico acelerado. Para isso, é traçado um amplo panorama histórico, desde o
período colonial, recorrendo a alguns dos autores clássicos da ciência social brasileira,
em particular Celso Furtado, da evolução econômica brasileira. Um objetivo secundário
é o de avaliar a necessidade de reformas, em especial no sistema tributário, no contexto
brasileiro atual, marcado por crescente debate acerca da necessidade da retomada do
desenvolvimento.
8
Abstract
This thesis aims to analyze the process of Brazilian economic development
between 1930 and 1980. This process, treated in the work as the national construction,
has occurred, alternatingly, in authoritarian and democratic conditions, and, to its end, it
achieved to multiply in seven times per capita income, while the population would
triple. The central objective is to argue how the innumerable reforms and implemented
institucional innovations, throughout this period, and in different social and political
contexts, had made possible the sped up economic growth. For this, an ample historical
panorama is traced, since the colonial period, appealing to some of the classic authors of
Brazilian social science, in particular Celso Furtado, of the Brazilian economic
evolution. A secondary objective is to evaluate the necessity of reforms, in special in the
tax system, in the current Brazilian context, marked by increasing debate concerning the
necessity of a new development process.
9
Apresentação
A idéia central da presente tese é discutir os limites e as possibilidades que a
implementação de reformas institucionais ofereceu (e ainda pode vir a oferecer) ao
processo de desenvolvimento brasileiro. A motivação para o estudo desse tema vem da
conjugação de pelo menos quatro fatores:
•
A volta, com força cada vez maior, do tema do desenvolvimento econômico na
agenda brasileira;
•
Como decorrência, uma crescente revalorização dos elementos e valores ligados
ao desenvolvimentismo, em particular o pensamento de Celso Furtado;
•
A existência de dois lados oponentes nesse debate: um, que condiciona a
retomada do desenvolvimento à implementação de reformas liberalizantes e prómercado; outro, que propõe o fortalecimento do Estado, e o enfrentamento do
mercado, em questões-chave como, por exemplo, a política macroeconômica;
•
O avanço inequívoco da democracia política no Brasil, bem como a melhora
(ainda modesta) do quadro social, ambos decorrência direta dos marcos
institucionais consagrados na Constituição de 1988.
O objetivo geral da tese é avaliar as formas pelas quais o Estado capacitou-se,
instrumental e institucionalmente, para liderar e coordenar o processo de
desenvolvimento acelerado ocorrido no período de meio século entre 1930 e 1980,
quando a renda por habitante multiplicou-se em sete vezes, enquanto a população
triplicava. O objetivo específico é preparar o terreno para a discussão de questões
pertinentes ao debate contemporâneo das reformas institucionais. Em particular,
pretende-se avaliar as características de um marco institucional, o sistema tributário, o
qual é recorrentemente apresentado como um entrave à retomada do crescimento
10
econômico a taxas mais elevadas. Embora a tese não possua pretensão normativa,
tenciona-se apresentar argumentos contrários à adoção, na realidade atual brasileira, a
reformas amplas que impliquem reformulação do texto constitucional.
A tese está organizada da seguinte forma: o Capítulo I apresenta, em caráter
introdutório e não-exaustivo, considerações sobre os conceitos de desenvolvimento e de
instituições. Em particular, procura-se identificar como o tema das instituições é tratado
em diferentes marcos teóricos das ciências sociais: a teoria da regulação e o neoinstitucionalismo. Em seguida, busca-se caracterizar a forma pela qual Celso Furtado,
autor cuja obra é analisada ao longo da tese, estabelece um “diálogo” multidisciplinar
entre as ciências sociais.
O Capítulo II tem por objetivo, mediante uma leitura atenta do clássico
Formação Econômica do Brasil (Furtado [1959], 1976), e algumas incursões aos textos
contidos em Análise do Modelo Brasileiro (Furtado, 1973) e Dialética do
Subdesenvolvimento (Furtado, 1964), recuperar os principais condicionantes históricos
do subdesenvolvimento brasileiro. Busca-se, além disso, reforçar as formulações de
Furtado – fartamente usadas e citadas – recorrendo a comentadores (como
Bielschowsky, que esmiuçou o pensamento furtadiano) e a outros (poucos) historiadores
igualmente clássicos que realizaram empreitadas similares à de Celso Furtado.
Em resumo, o capítulo discorre sobre as transformações da economia brasileira
até o início propriamente dito do processo de industrialização no Brasil, a partir da
década de 1930, que remetem, segundo Celso Furtado, a dois momentos de transição. O
primeiro, objeto da quarta parte de Formação Econômica do Brasil, teria sido a
transição para o trabalho assalariado, no século XIX. E o segundo seria o da transição
para um sistema industrial no século XX, tratado na quinta e última parte da referida
obra. Antes de tratá-los especificamente, discute-se, ainda que rapidamente, como se
11
deu a formação dos dois pólos dinâmicos que impulsionaram a economia colonial e que,
segundo Furtado, contribuíram profundamente para a conformação da sociedade e da
economia brasileira contemporânea.
O Capítulo III é o de maior fôlego da tese. Tem por objetivo, a partir da
identificação de algumas etapas em que, ao longo desse século, especificamente no
período 1930-1980, de maneira inequívoca a economia brasileira logrou realizar
“saltos” em seu processo de desenvolvimento, analisar a importância que pode ter
havido para a explicação desses “saltos” no que diz respeito à elaboração de políticas e
marcos legais (em alguns casos mesmo com novas constituições) que configurariam
reformas estruturais ou institucionais. Os períodos a serem considerados são o primeiro
e segundo governo Vargas, os anos JK e os governos militares, de Castelo Branco a
Médici. No primeiro governo Vargas houve as Constituições de 1934 e de 1937, esta
outorgada e inauguradora da ditadura do Estado Novo. No período militar, além de 17
atos institucionais, houve a Constituição de 1967, e ainda, em 1969, a promulgação da
Emenda Constitucional nº. 1, incorporando dispositivos do AI-5 ao novo texto que se
tomou conhecido como "a Constituição de 1969".
O Capítulo IV discute a conformação do sistema tributário brasileiro, tal como
estabelecido nas reformas de 1967 e de 1988, bem como sua evolução desde então. Dois
elementos são destacados: a dimensão federativa e a questão da equidade. Procura-se
ressaltar, adicionalmente, o fato de que, nessas duas reformas, o sistema tributário foi
concebido não apenas como mecanismo de geração de receitas, mas principalmente
como peça-chave na engrenagem da política pública.
O quinto e último capítulo procura articular a discussão precedente,
estabelecendo em bases claras em que constituiu, de fato, o processo de construção
nacional levado a termo entre 1930 e 1980, e como e por que se deu sua interrupção.
12
Dois comentários finais. Primeiro, em relação ao método. A metodologia
adotada consistiu no recurso à literatura pertinente – parte dela, naturalmente -,
mediante um cotejamento diversificado de textos e autores, buscando incluir aportes da
história, da ciência política e da economia. Especificamente, pretendeu-se (no sentido
mesmo de pretensão), baseado na antiga tradição ensaística da ciência social brasileira,
discutir em profundidade os temas colocados, e a partir daí extrair as lições que possam
contribuir à compreensão do processo de desenvolvimento em sua relação com as
reformas institucionais.
Segundo, em relação ao título. Robert Paul Wolff, Barrington Moore Jr. e
Herbert Marcuse, em seu prefácio de Crítica da Tolerância Pura (Zahar: Rio de
Janeiro,
1970),
desculpam-se
aos
leitores
pelo
plágio
que
“leviana,
mas
respeitosamente”, faziam à fundamental obra de Kant. Mais que me desculpar pelo,
portanto, duplo plágio, ofereço o título, e a própria tese, como uma homenagem (que
provavelmente não está à sua altura; o que, pensando bem, é irrelevante) ao mestre
Celso Furtado.
13
Capítulo I Instituições e desenvolvimento: em busca de uma abordagem
multidisciplinar
1 Introdução: o desenvolvimento como tema
Adotando-se uma posição razoavelmente livre em relação aos cânones da
ciência econômica moderna – em particular aos da corrente dominante em grande parte
do ensino e pesquisa universitária no Brasil e no mundo –, pode-se conjecturar que a
história da humanidade é, ela própria, a história do desenvolvimento. A espécie humana,
desde seus primórdios, ao constituir formas primitivas de comunicação e de domínio
sobre a natureza, e a partir daí instituir os primeiros esboços de vida em sociedade,
traduz o que pode ser apreendido como um processo natural (e permanente) de
mudanças e inovações. Desenvolvimento é, portanto, antes de tudo, um processo
humano. Não exatamente fruto da ação individual, mas sim resultante da associação e
da interação coletiva de agrupamentos sociais. Neste sentido, parece correto associar o
processo de desenvolvimento humano ao processo de evolução das sociedades em
geral. 1
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Concebendo-se a idéia de desenvolvimento de um ponto de vista histórico, em
termos intuitivos é possível esboçar a seguinte proposição. Nas primeiras civilizações,
estaria relacionado às formas primitivas de escrita e de produção agrícola; na Grécia
antiga, às primeiras formalizações das ciências naturais, à codificação e secularização
da vida em sociedade (democracia, direito, cidadania), à produção artística; no Império
Romano, ao aprimoramento ao extremo da ciência militar e à constituição de todo um
aparato burocrático-administrativo e jurídico que tornou possível sua existência e
hegemonia por longos séculos. É verdade que, assumindo que estes diferentes
1
Para uma digressão sintética sobre as origens e a evolução da técnica nas sociedades primitivas, ver
Ferreira Lima (1961).
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14
momentos podem ser tomados como um processo mais ou menos contínuo de
desenvolvimento das sociedades, ao menos no Ocidente, tal processo sofre profunda
inflexão durante o medievo. 2 No mínimo, pode-se afirmar que ele passa a se operar de
TP F
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maneira muito mais vagarosa. Pois que, tanto do ponto de vista das forças produtivas
quanto das condições de vida das populações, os avanços e as inovações ocorridos
passam a se dar em grau e velocidade incomparavelmente menores que em toda a
história precedente 3 .
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O que por si, mesmo num tratamento informal como o ora apresentado e ainda
no terreno das conjecturas, permite que se levante uma indagação. Parece plausível a
hipótese de que, embora muitas vezes fatores exógenos possam exercer apreciável
influência, em última instância processos de desenvolvimento estão associados, ou até
subordinados, a determinadas forças de intervenção – políticas, econômicas, sociais –
que por sua vez correspondem a uma espécie de ato de “vontade” explicitada. Dito de
outra forma, apesar de que o processo de desenvolvimento possa parecer um moto
contínuo da evolução da humanidade, ele na verdade não possuiria caráter algum de
2
Numa perspectiva mais rigorosa, poder-se-ia talvez objetar que o desenvolvimento ocorre justamente
nos pontos de descontinuidade dos processos de evolução das sociedades. Ainda assim, é possível
contrarrestar o argumento de que são as contínuas transformações políticas, econômicas e sociais que
produzem as condições endógenas para esses momentos de “quebra de continuidade”. Tomando-se o
exemplo da Grécia Antiga, helenistas célebres como Jean-Pierre Vernant e F.M. Cornford demonstram
como o desenvolvimento da Polis e da própria filosofia surge quase que repentinamente, entre fins do
século VI e início do século V, como conseqüência de transformações, inclusive econômicas, ocorridas ao
longo do século VI. Para estudos clássicos das origens do pensamento filosófico grego, além dos citados
Vernant (1981) e Cornford (1981), referência obrigatória é Werner Jaeger, com seu monumental Paideia
(México: Fondo de Cultura Económica, 1957).
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3
Há um belo ensaio de Agnes Heller, em O Homem do Renascimento, sobre a concepção medieval de
tempo e as mudanças que se operam no período renascentista. A autora mostra que a despeito da inflexão
operada pelo medievo em relação à antiguidade, mantém-se comum uma concepção do tempo, e pois, da
história, o que tem conseqüências sobre a filosofia e a ciência. “Durante a Antiguidade e a Idade Média,
os momentos históricos individuais ou ‘pontos no tempo’ eram intervalos de tempo suficientemente
grandes para excederem a vida de qualquer pessoa (e, muitas vezes, ultrapassavam até o tempo da vida de
muitas gerações). Mas durante o renascimento esta relação foi invertida, e desde então esta inversão
afectou toda a história européia (à parte certos casos excepcionais): os ‘momentos’ históricos tornaram-se
mais curtos do que a duração da vida humana (...) No domínio da ciência e da tecnologia, alguns
pensadores do Renascimento aprenderam a olhar o presente a partir do ponto de vista do futuro. O futuro
constituía algo que evoluía indefinidamente, transformando-se noutra coisa e aperfeiçoando-se; o
presente, por comparação, era um início, um ponto de partida imperfeito”. Ver Heller (1982), cap VI (“O
tempo e o espaço: orientação para o passado ou orientação para o futuro”).
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15
espontaneidade. Depende, portanto, da ação do homem. Mas não de um homem, de um
indivíduo, e sim de agrupamentos de indivíduos vivendo em sociedade. E esta ação se
deu historicamente de maneira muito mais eficaz conforme o grau de desenvolvimento
das estruturas e instituições sociais e políticas em que se reuniram esses agrupamentos.
Utilizando uma categoria moderna, poder-se-ia dizer, grosso modo, que onde
houve Estado, forte e estruturado relativamente a seu contexto histórico, vicejou
progresso técnico, aumento populacional e melhoria das condições de vida – avaliada
por exemplo em termos de infra-estrutura, transportes, comunicações. Numa palavra,
desenvolvimento. Inversamente, quando não houve prevalência de um corpo dirigente
unificado (e unificador) constituído para governar a sociedade, tal como se verificou na
Europa feudal, o processo de desenvolvimento foi, conforme assinalado, severamente
restringido.
Corroborando o argumento, de fato é a partir do momento da constituição das
sociedades modernas, isto é, dos Estados Nacionais na Europa Ocidental, que o
processo de desenvolvimento ganha vertiginosos impulso e aceleração. Esse é, aliás, um
dos supostos básicos de Karl Polanyi, em A Grande Transformação. As origens do que
denomina uma economia de mercado, cuja efetiva vigência só teria tido lugar na
sociedade de mercado do século XIX, não estariam na evolução das trocas locais
(“atos individuais de permuta ou troca não levam, como regra, ao estabelecimento de
mercados em sociedades onde predominam outros princípios de comportamento
econômico”), mesmo quando e onde estas desempenharam papel significativo (porque a
instituição do “mercado local” sempre “foi cercada por uma série de salvaguardas
destinadas a proteger a organização econômica vigente na sociedade da interferência
por parte das práticas de mercado”). Por outro lado, não residiriam, para o autor, na
expansão do comércio de longa distância (igualmente regulado por normas não
16
econômicas e separado dos mercados locais “não apenas em relação à sua função, mas
também à sua organização”). Para Polanyi, o “pai do comércio interno dos tempos
modernos”, ou seja, do mercado nacional como padrão de uma economia de mercado, é
o “deus ex machina da intervenção estatal” 4 .
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De todo modo, a idéia de desenvolvimento passa a ser, crescente e
preponderantemente, relacionada à esfera da economia. Produção, geração de
excedentes, comércio, estes passam a ser os principais motores das potências européias
– Inglaterra, França, Portugal, Espanha, Holanda – que se lançam aos oceanos para
lançar as sementes do mundo tal como hoje se define. O regime capitalista de produção,
em sua fase de acumulação primitiva, e em seguida as transformações profundas da
Revolução Industrial, em escala sem precedentes na história pretérita, estabelecem o
que conhecemos por desenvolvimento até os dias de hoje. Desenvolvimento passa a ser,
como ainda essencialmente o é, desenvolvimento econômico.
Desenvolvida portanto é a nação (ou a sociedade) capaz de acumular recursos e
capital de tal forma que possa alavancar suas forças produtivas para, com isso, produzir
mais e melhor, conquistar mais e maiores mercados e, por fim, gerar riqueza e
prosperidade para sua população, num processo auto-realimentado e virtuoso.
Retomando nossa perspectiva histórica, o paradigma do desenvolvimento ocidental é a
Inglaterra, berço da Revolução Industrial, que mostra ao mundo o futuro a ele
reservado: urbanização em escala sem precedentes na história da humanidade,
redefinição dramática do espaço e do papel da agricultura, e permanentes revoluções
nos campos das ciências, transportes, comunicações etc. Evidentemente, sempre com
um objetivo comum: a acumulação de capital, que afinal de contas é o que move e torna
possível todo esse processo.
4
TP
PT
Ver Polanyi (1980), especialmente cap. 5.
17
Não caberia, no contexto desta brevíssima tentativa de conceituação, a pretensão
de apresentar um resumo da história econômica moderna. De todo modo, ao longo do
século XX, em que não se pode deixar de registrar a mudança de paradigma (para os
Estados Unidos da América), as nações continuaram a se desenvolver tendo como eixo
ainda e sempre a acumulação de capital – mesmo, em certo sentido (talvez até mais de
um), os países do então chamado bloco socialista. (A China atual, aliás, parece um
exemplo emblemático a comprovar tal afirmação.) Importa mais, talvez, a mudança que
passa a haver, nas principais sociedades ocidentais, em relação ao entendimento da
noção geral de desenvolvimento, especialmente no após Segunda Guerra. Esta mudança
se deu, em larga medida, pela percepção generalizada do caráter concentrador e
excludente do processo de desenvolvimento baseado na acumulação de capital. Este,
embora tivesse se mostrado incomparável do ponto de vista de geração de riqueza,
mostrara-se também incapaz de distribuí-la de maneira minimamente equânime entre as
populações.
O fato mais evidente a ilustrar essa mudança é, sem dúvida, a constituição dos
Estados de Bem-Estar Social nos países da Europa Ocidental. Tais nações teriam
incorporado a suas sociedades a idéia de que não basta ter indústrias e tecnologias
avançadas; para serem desenvolvidas, tais nações deveriam garantir da forma mais
abrangente possível o acesso da totalidade de suas populações aos benefícios
resultantes: habitação, saúde, educação e, principalmente, emprego e renda. Durante a
maior parte da segunda metade do século passado (período batizado por Eric Hobsbawn
como “idade de ouro” do capitalismo), este modelo de desenvolvimento prosperou, mas
a partir de fins dos anos 80 começou a dar sinais de esgotamento, por uma série de
fatores. Talvez o mais importante, pelo fato de haver ainda no mundo uma maioria
esmagadora de populações (na África, na América Latina, na Ásia) vivendo em
18
condições absurdamente distantes dos padrões de vida dessas sociedades chamadas
desenvolvidas. Dito de outra forma, na medida em que o padrão global de
desenvolvimento permaneceu concentrador e excludente, isto tornou inviável a
existência de ilhas de desenvolvimento econômico e social justo e equilibrado.
A esta altura, convém introduzir um pouco de formalismo e rigor na
conceituação de desenvolvimento. Tomando como referência um autor conhecido na
literatura econômica brasileira contemporânea, Luiz Carlos Bresser-Pereira em
Desenvolvimento e crise no Brasil abre sua exposição com a seguinte definição:
O desenvolvimento é um processo de transformação econômica, política e
social, através do qual o crescimento do padrão de vida da população tende
a tornar-se automático e autônomo. Trata-se de um processo social global,
em que as estruturas econômicas, políticas e sociais de um país sofrem
contínuas e profundas transformações (Bresser-Pereira, 2003, p. 31).
Ao considerar os termos de Bresser-Pereira, é importante assinalar que, embora
partindo de uma definição aparentemente ampla, ele em seguida restringe sua
abordagem, no sentido de que o desenvolvimento seria um processo “historicamente
situado”, surgindo apenas quando “o sistema econômico em que ele ocorre torna-se
dominantemente capitalista ou socialista”. Assim,
Concebido dessa forma restritiva, segundo a qual não só as transformações
devem ser ao mesmo tempo econômicas, políticas e sociais, como também o
resultado mais direto deve levar ao aumento do padrão de vida da população
– e esse aumento deve ser automático, autônomo e necessário, ou seja, autosustentado –, o conceito de desenvolvimento torna-se historicamente situado
(Bresser-Pereira, 2003, p.32).
É importante fixar a idéia de que, tomando-se a noção de desenvolvimento tal
como acima formulada, a definição que emerge, a rigor, é estritamente a de
desenvolvimento econômico. E assim, tal como argumentado anteriormente, de fato
pode-se dizer que se trata de um conceito historicamente situado. Não por acaso, foi o
19
tema central da Economia clássica, como aliás o indicam o título e o conteúdo da obra
pioneira de Adam Smith. Neste sentido, afirma Paul Baran:
Ao se referirem às falácias da teoria mercantilista do comércio exterior ou à
rigidez do sistema de corporações, ao discutirem as funções do Estado na
vida econômica ou o papel desempenhado pela classe dos grandes
proprietários agrícolas, os economistas clássicos não tinham dúvida em
mostrar que o progresso econômico dependia da remoção das instituições
políticas, sociais e econômicas obsoletas, da criação de condições de livre
concorrência sob as quais a iniciativa privada teria as mais amplas
oportunidades para se desenvolver sem obstáculos (Baran, 1972, pp. 50-51).
O surgimento da escola clássica da Economia, e portanto dos primeiros esforços
de teorização a respeito dos processos que engendram o progresso, o crescimento e o
desenvolvimento
econômico
está
fortemente
relacionado
“ao
surgimento
e
desenvolvimento do capitalismo e ao triunfo da burguesia moderna” (idem, p. 51). Nas
palavras de Lionel Robbins 5 , “os economistas clássicos constituíam a vanguarda
TP F
FPT
intelectual do movimento em prol da libertação das energias e iniciativas espontâneas”.
O movimento livre-cambista teria assumido, nesse contexto, um verdadeiro “sentido de
cruzada”.
Indo adiante na análise efetuada por Paul Baran, é interessante assinalar sua
observação de que, uma vez completamente estabelecidos o capitalismo e a ordem
econômica e social burguesa, esta ordem teria sido aceita como a “estação terminal” da
História, no sentido de que a teoria econômica neoclássica pouco esforço dedicou na
discussão sobre o fenômeno da mudança econômica e social. Referindo-se aos
economistas neoclássicos,
Ajustamentos meramente marginais pareciam praticáveis e aconselháveis –
nada drástico, nada radical poderia esperar merecer a aprovação da Ciência
Econômica. 6 O mote natura non facit saltum 7 sugere, claramente, que não
TP F
5
TP
PT
6
TP
PT
7
TP
PT
FP T
TP F
FP T
Apud Baran (1972).
“Não por acaso, a teoria da utilidade marginal (...) tornou-se o núcleo da Economia neoclássica”.
“A natureza não dá saltos”.
20
se pretendia mudança, pois ele não é, com certeza, o mote do
desenvolvimento econômico (Baran, 1972, p.52).
Baran sugere, portanto, numa chave analítica diferente da discutida alguns
parágrafos acima, que o desenvolvimento econômico necessariamente pressupõe
profundas transformações nas estruturas econômica, social e política, e na organização
dominante da produção, da distribuição e do consumo.
O desenvolvimento econômico sempre foi impulsionado por classes e
grupos interessados em uma nova ordem econômica e social, sempre
encontrou a oposição e a obstrução dos interessados na preservação do
status quo, dos que usufruem benefícios e hábitos de pensamento do
complexo social existente, das instituições e costumes prevalecentes. O
desenvolvimento econômico sempre foi marcado por choques mais ou
menos violentos; efetuou-se por ondas, sofreu retrocessos e ganhou terreno
novo – nunca foi um processo suave e harmonioso se desdobrando,
placidamente, ao longo do tempo e do espaço (Baran, 1972, p.52).
A ciência econômica, que em suas origens teria constituído um esforço
intelectual revolucionário, no sentido de estudar e propugnar os princípios norteadores
do sistema econômico mais capaz de melhorar a situação das sociedades, nesta linha de
argumentação teria, nas palavras de Paul Baran, “se voltado contra seu passado”,
“transformando-se em mera tentativa de explicar e justificar o status quo” (Baran, 1972,
p.54). A crítica de Marx em A miséria da Filosofia é particularmente feliz neste
contexto: “Os economistas nos explicam o processo de produção sob dadas condições: o
que eles não explicam, porém, é como se produziram essas condições, isto é, os
movimentos históricos que lhes dão origem”. 8
TPF
FPT
É interessante constatar, persistindo ainda na linha de argumentação de P. Baran,
que o momento seguinte de inflexão na Ciência Econômica se deu na conjuntura
dramática da crise da depressão e do desemprego dos anos 30 do século XX, com a
publicação da Teoria Geral e a assim chamada “Revolução Keynesiana”. A análise
8
TP
PT
Marx, A miséria da Filosofia, apud Baran (1972).
21
keynesiana, ao reconhecer a tendência à instabilidade inerente à economia capitalista,
mesmo operando em termos convencionais (“dentro das fronteiras da ‘Economia
pura’”), teria revelado “a enorme importância, para a compreensão do processo
econômico, da estrutura da sociedade, das relações de classes, da distribuição de renda,
do papel do Estado e de outros fatores ‘exógenos’” (Baran, 1972, p.57).
Realizar um enorme salto na história (inclusive na do pensamento econômico)
constitui sempre um exercício temerário. Tomaremos a liberdade de fazê-lo, apenas a
título de ilustração, pois no caso em questão, como se verá, os resultados podem ser
bem interessantes. Visitemos rapidamente, portanto, o pensamento neoclássico
contemporâneo e sua abordagem sobre crescimento e desenvolvimento econômico,
representado na figura do renomado economista espanhol Xavier Sala-i-Martin.
Autor de dezenas de trabalhos sobre crescimento econômico, 9 incluindo um
TP F
FP T
livro-texto, Economic Growth, em co-autoria com Robert Barro, que é largamente
utilizado nos cursos de graduação em Economia de inúmeras universidades pelo mundo,
Sala-i-Martin dedicou-se, nos últimos anos, a colocar em seus modelos de crescimento o
maior número possível de variáveis explicativas. Talvez porque, como a maior parte das
críticas que se faz à abordagem neoclássica gire em torno da ausência de discussão de
questões políticas, sociais e culturais, a resposta encontrada tenha sido justamente
procurar uma forma de transformar essas questões em variáveis passíveis de
incorporação aos modelos.
Neste sentido, características como localização geográfica; preferências
religiosas da população; origens do país colonizador (no caso de a nação em tela ter sido
colônia); fração da população que fala língua estrangeira, entre várias outras, foram
utilizadas em modelos de regressão cross-section para estimar o crescimento econômico
9
TP
PT
Para detalhes, ver o sítio eletrônico do economista: www.columbia.edu/~xs23/home.html.
22
de 1960 a 2000. Não obstante tal esforço, Sala-i-Martin e os co-autores de estudo
publicado em 2004 pela American Economic Review chegam à “surpreendente”
conclusão de que, “of all the variables considered, the strongest evidence is for the
initial level of real GDP per capita” (Sala-i-Martin et al., 2004, p.835). Ou seja,
considere-se uma miríade de fatores que podem vir a explicar o crescimento econômico
de uma nação em comparação a outras; utilize-se o que de mais moderno há em termos
computacionais e estatísticos para se fazer tal aferição; e o resultado final ainda será:
depende das condições iniciais do processo – para cuja análise, diga-se de passagem, o
instrumental utilizado é rigorosamente inútil.
À luz do exposto, ressalvado o caráter explicitamente especulativo da
argumentação levada a termo, é possível identificar uma questão interessante. O
pensamento social – aí incluído, evidentemente, o econômico – nunca surge do vácuo;
está, ao contrário, sempre inserido num determinado contexto político e cultural, que o
determina e, de certa forma, é por ele determinado. Assim sendo, faz pouco sentido
conceber a idéia, ou ainda, teorizar sobre, desenvolvimento em termos abstratos. Pensar
desenvolvimento em termos práticos, portanto, requer acima de tudo sólido
embasamento em relação à evolução histórica, política e social de determinada nação ou
grupo de nações.
Este capítulo tem por objetivo – além de buscar conferir mais consistência à
breve digressão acima a respeito do conceito de desenvolvimento 10 - preparar o terreno
TP F
FP T
para o que realmente se pretende discutir na tese. Ou seja, para citar a expressão de
Ferraz et al. (2003), chamar a atenção para “a necessidade de resgatar a discussão sobre
desenvolvimento econômico” no debate brasileiro atual. Nesse sentido, serão
10
Para uma exposição detalhada do conceito de desenvolvimento econômico, em particular no
pensamento econômico brasileiro no século XX, ver Bielschowski (2000), especialmente o capítulo 8.
TP
PT
23
examinados a seguir alguns enfoques que, no âmbito da ciência econômica
contemporânea, lidam com o tema do desenvolvimento incluindo aportes da história e
das ciências sociais stricto sensu.
2 Desenvolvimento, crescimento econômico e industrialização
Segundo Teixeira (1983), a prolongada fase expansiva da economia mundial
após a II guerra mundial teve como contrapartida, no plano da reflexão, “o surgimento
de uma vasta literatura versando sobre os problemas do crescimento (growth), do
desenvolvimento (development) e da industrialização (industrialization), o que mostra
um significativo rompimento com a temática que prevalecera nos períodos anteriores,
quando as questões em discussão eram o ciclo econômico, as crises e os conceitos de
maturidade e estagnação das economias capitalistas. Muitos autores, inclusive, passaram
a entender como ultrapassada a noção de ciclo econômico, considerando que o
“extraordinário desempenho era manifestação de uma tendência de longo prazo na qual
prevaleceriam novos mecanismos de crescimento”. Essa nova preocupação com os
problemas do crescimento econômico era em parte justificada “pelo reconhecimento de
que uma grande parte da população mundial é forçada a viver em condições de extrema
pobreza econômica” (Bruton, 1960, apud Teixeira), o que requeria formular uma teoria
capaz de fundamentar “programas e políticas” para “melhorar o bem-estar econômico
da população” dos “chamados países subdesenvolvidos” (idem).
Em certa medida, os estudos produzidos - nos anos 40 e 50 - a partir da
experiência do crescimento econômico no pós-guerra tenderam a lidar de forma
indistinta com os termos “crescimento”, “desenvolvimento” e “industrialização”.
Teixeira assinala ainda que, refletindo essa indistinção, inúmeros trabalhos se voltaram
a analisar o comércio internacional, citando o pioneirismo representado por Samuelson
24
(1948), cuja argumentação viria a desencadear o embate de concepções que teve na
escola da CEPAL um protagonista exemplar. Resumidamente, para Samuelson
“respeitadas certas condições (entre as quais ausência de mobilidade de fatores e custo
zero de transportes), o comércio poderia funcionar como substituto perfeito para o
movimento dos fatores de produção através das fronteiras nacionais” (apud Teixeira,
1983). A resposta foi dada de imediato por Prebisch, em artigo que serviu de base para o
Estúdio Econômico de América Latina. 11
TPF
FP T
Os conceitos de industrialização e desenvolvimento apresentam sem dúvida forte
convergência no período analisado por Teixeira (os trinta anos “gloriosos” que sucedem
a 2 a guerra mundial), tendo se tornado sinônimos na escola cepalina. O mesmo não
P
P
ocorre com o conceito de crescimento. Com efeito, os autores que buscam adensar
teoricamente a preocupação com o crescimento econômico acelerado do período,
superando a tautologia da definição “industrialização é o processo pelo qual um país
não industrializado se torna industrializado” 12 , são justamente aqueles que “fazem o
TP F
FPT
trânsito da literatura do crescimento para a literatura do desenvolvimento”
(Teixeira,1983) 13 .
TPF
FP T
Para Teixeira, as análises formuladas com vistas a dar conta das mudanças
qualitativas singulares ao processo de industrialização capitalista incluíram basicamente
duas dimensões fundamentais (ou, em suas palavras, duas ordens de problemas): a
11
Prebisch, Raul – “O desenvolvimento econômico da América Latina e seus principais problemas”.
Revista Brasileira de Economia, no 3, set de 1949. Prebisch mostra que a divisão internacional do
trabalho e a divisão centro-periferia a ela associada impediam a redistribuição igualitária dos ganhos do
comércio.
TP
PT
12
A afirmativa, reconhecida pelo próprio autor como uma tautologia, é de Sutcliffe (1971), citado por
Teixeira (1983). Teixeira assinala que o problema maior da definição não é o de ser tautológica e sim o de
adotar um enfoque puramente quantitativo – expresso em percentuais do PIB oriundos do setor industrial,
na magnitude da população empregada no setor industrial, etc – para conceituar o termo industrialização.
TP
PT
13
TP
PT
E que, nesse “trânsito”, passam a incorporar à análise variáveis não-econômicas.
25
dimensão da transição (ou da passagem ao modo de produção especificamente
capitalista) 14 e a dimensão da continuidade (e da crise) do processo.
TP F
FP T
Na literatura que até o início da década de 80 se debruça sobre o tema da
industrialização, a dimensão da transição vai comportar três grandes abordagens: a
marxista, a “estruturalista” e a “institucionalista” (Teixeira, 1983) 15 . Para os marxistas,
TPF
FPT
a chave consiste na questão da constituição das forças especificamente capitalistas,
“tendo em vista os paradigmas das industrializações originárias e tardias (nestas, sendo
necessários a intervenção do Estado e/ou o surgimento do monopólio) ou das
industrializações processadas na etapa concorrencial ou na etapa monopolista; resolvido
isto, o movimento posterior é determinado pelas leis da acumulação”. O enfoque que
Teixeira (1983) identifica como “estruturalista” é o que enfatiza o “rompimento das
barreiras e a transposição do limiar” à industrialização, uma vez que esta se configura a
partir de determinadas proporções intersetoriais; feita a passagem – ou seja, alcançada a
predominância do setor industrial – o desenvolvimento se torna “natural”. 16
TP F
FP T
“Institucionalistas” seriam autores para os quais “o problema da passagem está centrado
nas modificações institucionais que precedem e acompanham o ingresso em novo
estágio de desenvolvimento, podendo tais modificações dizer respeito ao padrão
monetário, à natureza das instituições monetárias e financeiras, ao grau de intervenção
do Estado ou às políticas específicas que este implementa nos diferentes setores”. 17
TPF
FPT
14
Essa dimensão teria preocupado tanto autores de tradição marxista quanto estudiosos como Rostow,
em Etapas do desenvolvimento econômico (um manifesto não-comunista), de 1966, e Gerschenkron
(particularmente em Atraso Económico y Industrialización, de 1973).
TP
PT
15
É importante notar que o autor se refere às duas últimas abordagens nomeando-as entre aspas, o que dá
uma idéia antecipada, em particular no que tange à abordagem “institucionalista”, dos problemas
inerentes à chamada “nova economia institucional”, que será objeto de algumas considerações adiante.
TP
PT
16
TP
PT
17
As aspas estão no texto de Teixeira (1983).
Teixeira (1983), p. 22. O autor assinala a inovação do pensamento cepalino, no tocante ao tema da
“passagem”, representada pela introdução da questão da permanência do atraso e do subdesenvolvimento
como um processo decorrente de uma articulação específica ao sistema capitalista (o esquema centroperiferia). Contudo, como seu estudo está voltado para os problemas das economias capitalistas
TP
PT
26
Resenhando a bibliografia pertinente à dimensão da continuidade, Teixeira
(1983) mostra como teve destaque, em vários autores, uma argumentação apoiada no
suposto da existência de um “padrão normal” para o processo de industrialização, “que
evoluiria linearmente, permitindo assim a localização de cada país relativamente ao
padrão sem quaisquer considerações de natureza histórica, social ou institucional”. 18
TP F
FP T
Gerschenkron é justamente um dos autores que recusa conceitos como “padrão normal”
e “etapas de crescimento”, trabalhando a idéia de que, embora haja processos
comparáveis em determinados períodos e regiões, a industrialização (assim como o
crescimento econômico a ela associado e, pois, o desenvolvimento) deve ser entendida
como um processo que possui determinações históricas e estruturais. Ainda que o objeto
de Gerschenkron seja a industrialização européia no momento anterior à primeira guerra
mundial, suas ilações são fundamentais, como reconhece Teixeira (1983), na medida em
que chamam a atenção para os elementos que em cada país conformam aquilo que se
poderia chamar de “padrão nacional” de industrialização, ou, numa terminologia mais
atual, “respostas nacionais” à internacionalização do capital.
No intuito de construir uma tipologia da industrialização européia antes de 1914,
Gerschenkron identifica um princípio organizador capaz de unificar os diferentes tipos
de situação encontrados no universo por ele pesquisado: o grau de atraso de cada país
no começo de sua industrialização. 19 Teixeira (1983) aponta duas inconsistências na
TPF
FP T
avançadas no após 2 a guerra, “época em que o problema da passagem já está resolvido”, não se detém em
analisá-la, assim como não especifica as referências que faz às correntes “estruturalista” e
“institucionalista”.
P
P
18
O paradigma para essa linha de argumentação - presente em Hoffmann (1958), Kusnetz (1957 e 1966)
- estaria nos trabalhos de Hollis Chenery, em especial num artigo de 1960 no qual constrói arquétipos
econométricos com recurso à análise cross-section (Chenery, 1960). Resumidamente, a análise de
Hoffmann supõe que a dinâmica da industrialização se dá no interior da própria indústria (peso relativo
do produto líquido nas indústrias de bens de capital face ao das indústrias de bens de consumo). Kusnetz
lida com um modelo de estrutura intersetorial da economia (agricultura, indústria e serviços), buscando
estabelecer padrões de mudança intersetorial do produto e da força de trabalho. Ver Teixeira (1983).
TP
PT
19
A constatação de Gerschenkron é que, quanto maior o grau de atraso relativo, maior a inflexão inicial
na produção industrial, maior a ênfase em bens de produção, maior a escala de plantas e empresas, maior
TP
PT
27
argumentação de Gerschenkron que são importantes para pavimentar a abordagem que
se pretende seguir na presente tese. A primeira é que o grau de atraso relativo funciona
como “princípio organizador” efetivamente apenas para traçar uma tipologia da
industrialização européia no período estudado por Gerschenkron, o pré-I Guerra, não
demonstrando a mesma validade para incluir sequer outros períodos, quanto mais países
não europeus (sobretudo os periféricos).
Cardoso de Mello (1982) também anota essa fragilidade, sublinhando a
diferença entre o conceito que usa para caracterizar o caso brasileiro – industrialização
retardatária - e o conceito de atraso de Gerschenkron 20 . A segunda falha observada por
TPF
FPT
Teixeira (1983) se encontra no fato de que Gerschenkron usa ambiguamente a idéia de
atraso, “ora como referência temporal, ora como referência estrutural”, com o que
transforma o princípio organizador de sua tipologia em princípio explicativo do
movimento histórico, vale dizer, na própria causa das variantes do processo de
industrialização. Segundo Teixeira (1983), a ambigüidade tem como conseqüência o
entendimento de que, uma vez superado o atraso (inicial), haveria, para Gerschenkron,
“uma tendência à convergência a um padrão único ou a uma evolução linear”, o que
reduz a robustez da crítica que o autor se propunha a fazer, qual seja, a crítica à noção
de que o desenvolvimento obedece a etapas sucessivas e obrigatórias, que desconsidera
fatores institucionais na análise.
a pressão sobre os níveis de consumo, menor o papel ativo da agricultura, tanto como mercado para a
produção industrial quanto como zona de elevação da produtividade do trabalho, e maior o papel dos
bancos e, a partir de um certo ponto, do Estado, como agente de financiamento.
20
Cabe destacar, para efeitos das considerações que virão a seguir, que, para Cardoso de Mello, a
industrialização pode ser entendida como retardatária quando sua natureza específica está duplamente
determinada: “por seu ponto de partida, as economias exportadoras capitalistas nacionais, e por seu
momento, o momento em que o capitalismo monopolista se torna dominante em escala mundial”
(Cardoso de Mello, 1982, p. 98). Teixeira (1983) dá ênfase a essa distinção (são dele os grifos na citação
de Cardoso de Mello), mas por razões inteiramente diversas das que aqui se tentará esclarecer adiante, e
que têm a ver (as razões de Teixeira) com a natureza de seu próprio trabalho.
TP
PT
28
A reconstituição bibliográfica levada a cabo por Teixeira (1983), embora
motivada por propósitos distintos dos aqui adotados, reforça o suposto de que
desenvolvimento, em sua acepção moderna, constitui um processo indissoluvelmente
associado à industrialização, mas que não pode ser entendido apenas como crescimento
econômico ou como expansão industrial. Fiori (1999) resgata uma assertiva de Weber –
“em última análise os processos de desenvolvimento são lutas de dominação” -, para
afirmar que, tanto quanto nos países do chamado Terceiro Mundo, o desenvolvimento
econômico nos países mais avançados também ocorreu por meio de intensos conflitos e
jogos de interesses que moldaram a conformação dessas sociedades. 21 Sobre o caso
TP F
FPT
europeu, Medeiros (2001) afirma, ressaltando o papel do Estado:
Como atestam as experiências européias de maior êxito, a eliminação das
restrições ao comércio interno, e ao mesmo tempo, o controle sobre os
canais de comércio internacional, ao lado de uma política voltada à
produção e exportação de manufaturas e importação de matérias-primas e
alimentos, constitui poderosa máquina para o desenvolvimento econômico
nesta época de transição.
Para explicar as diferentes trajetórias de desenvolvimento – e, pois, o caso do
“subdesenvolvimento” - o mesmo autor insiste na importância dos aspectos
institucionais, indicando que “o desenvolvimento econômico tendencialmente
assimétrico e polarizado (como percebido por mercantilistas, economistas clássicos,
historiadores e sociólogos como Max Weber) é mediado e estimulado pela concorrência
entre Estados nacionais sobre armas, a moeda internacional e progresso técnico. Da
mesma forma que as revoluções industriais, o Estado nacional moderno deve ser
considerado fator essencial para a aceleração e difusão do progresso técnico e do
desenvolvimento” (Medeiros, 2001).
21
TP
PT
Como, de resto, já assinalara Baran (1972), citado anteriormente.
29
Ainda que não haja intenção, nesse capítulo nem em qualquer outro da tese, de
discorrer sistematicamente sobre as teorias do desenvolvimento 22 , que, diga-se de
TP F
FPT
passagem, não se encontram apenas nas obras de economistas, as formulações até agora
expostas esclarecem, com alguma fundamentação, como o conceito será usado ao longo
do trabalho. Compreendendo o desenvolvimento como “um processo histórico cujos
elementos específicos devem ser especificados” (Furtado, 1986), procurar-se-á
enfatizar, na análise da formação econômica brasileira, os elementos históricos e
institucionais que exerceram influência sobre os impasses atuais, em particular no que
diz respeito a mudanças significativas no sistema tributário.
Nesse ponto, contudo, algumas considerações adicionais de natureza teóricometodológicas se fazem necessárias. Pois há, no âmbito da ciência econômica
contemporânea, correntes de pensamento que privilegiam “variáveis institucionais”
dentro de marcos teóricos definidos. Convém enunciá-las, sumariamente, para justificar
a não adesão a seus cânones, a despeito do eventual recurso a autores com eles
identificados.
3 Lógica econômica e relações sociais na Teoria da Regulação
Duas abordagens, pelo menos, reivindicam, hoje em dia, o estatuto de teoria
econômica abrangente por incorporar as instituições como objeto de estudo: a Escola da
Regulação, formulada inicialmente por intelectuais franceses no espaço teórico da
macroeconomia (em meados dos anos 70) 23 e a Nova Economia Institucional, de
TP F
FPT
22
Para um aprofundamento das questões teóricas do desenvolvimento, ver, além de Bielschowski (2000),
que discute o conceito, conforme já citado anteriormente, no pensamento econômico brasileiro, Furtado
(1986 – Os economistas).
TP
PT
23
A obra considerada fundante da Escola da Regulação é Régulation et crises du capitalisme, de Michel
Aglietta, publicada em 1976 (Clamnn-Levy, Paris). Ver Sabóia (1987), Nascimento (1993), Canuto
(1988).
TP
PT
30
origem americana (também datada dos anos 70) e fortemente associada à
microeconomia.
Para a Escola da Regulação, a dinâmica das economias organizadas sob o modo
de produção capitalista resulta da conjugação de três relações sociais fundamentais, as
relações mercantis, monetárias e salariais. O enfoque regulacionista se distingue, assim,
das teorias neoclássica e pós-keynesiana que, de uma maneira geral, privilegiam,
respectivamente, as relações mercantis e as relações monetárias. Mas guarda também
diferenças em relação ao marxismo, cuja ênfase recai sobre a relação capital-trabalho,
porque “para as macro-análises regulacionistas, a conjunção sempre contraditória entre
mercados, moedas e salariado define precisamente o espaço concreto de existência e o
estatuto teórico do conceito de regulação, considerando-o fundamental à compreensão
da macro-dinâmica da acumulação capitalista” (Bruno, 2005). 24 O princípio da
TP F
FP T
regulação, formulado por Michel Aglietta, expressa “os momentos em que a conjunção
dessas três relações fundamentais apresenta-se sob configurações coerentes com a
dinâmica da acumulação de capital, constituindo regimes particulares de crescimento e
acumulação” (Bruno, 2005) 25 .
TP F
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Na base da expansão capitalista nas sociedades ocidentais estão, para os
regulacionistas, estruturas sócio-políticas que permitem à lógica mercantil desenvolverse incorporando dimensões econômicas e não econômicas da realidade social. Os
24
Para Sabóia (1987), uma das críticas feitas pelos teóricos da regulação aos marxistas ortodoxos referese ao questionamento do caráter definitivo da obra de Marx em relação à descoberta de leis imutáveis
para a dinâmica de longo prazo do capitalismo, entre as quais destaca-se a tendência à queda da taxa de
lucro. A insistência sobre a invariância do modo de produção capitalista teria induzido teóricos marxistas
a minimizarem as transformações ocorridas no século XX. Os regulacionistas buscariam a caracterização
de diferentes modos de regulação e o estabelecimento de regimes de acumulação distintos para o
capitalismo, distinguindo-se das concepções marxistas. Nascimento (1993) também ressalta a recusa de
determinadas formulações marxistas, pela Teoria da Regulação, mas adverte para a influência exercida
pelo marxismo sobre os principais teóricos da Regulação.
TP
PT
25
Regime de acumulação é um conceito basilar na Teoria da Regulação. Um regime de acumulação
pressupõe um padrão de organização da atividade produtiva adequada ao padrão de consumo, isto é, um
nível de atividade econômica compatível com a demanda efetiva. Ver Sabóia (1987).
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31
mercados emergem como construções institucionais; vale dizer, ao contrário do que
postula a concepção neoclássica, não existem prévia e independentemente das relações
sociais entre agentes 26 . Análises históricas e “institucionalistas” têm lugar de destaque
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na agenda da Teoria da Regulação. Como a Nova Economia Institucional, com a qual
compartilha certas raízes
27
TP F
, a Escola da Regulação busca contrapor-se aos parâmetros
FP T
da ortodoxia neoclássica.
Segundo Boyer (1995), a teoria dominante, ou seja, a ortodoxia neoclássica,
apresenta-se como uma espécie de cultura intensiva de um pequeno número de
princípios fundadores, operando uma “nítida e completa dissociação” do campo da
economia, dita pura, em relação às interações entre política, cultura e economia, “que
fazem a riqueza e a complexidade da sociedade moderna”. As análises regulacionistas,
opostamente, encontram sua origem na “confrontação e na transformação de uma série
de ferramentas e abordagens diferentes”. Combinando análise histórica, comparações
internacionais e modelagem macroeconômica, “o programa de pesquisa regulacionista
necessita e favorece, por sua construção e método, as abordagens multidisciplinares”.
A Escola da Regulação reconhece, de acordo com Bruno (2005), o lugar das
instituições, formas organizacionais, convenções e regras comportamentais como
fatores endógenos inerentes às particularidades estruturais dos sistemas sócioeconômicos. Esta últimas podem se expressar em configurações estáveis ou instáveis
26
Bruno (2005) cita Polanyi, cujos aportes “reforçam os fundamentos teóricos da concepção
regulacionista do mercado”. Com efeito, conforme visto anteriormente, para Polanyi, o mercado não
surge espontaneamente do simples desenvolvimento das trocas e não tem nada de “natural”. Lembrando,
porém, que Polanyi escreveu A Grande Transformação em 1944, caberia indagar: seria Polanyi um
regulacionista avant la lettre?
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27
Segundo Bruno (2005) três influências principais integram as matrizes teóricas do programa de
pesquisa regulacionista: a) a teoria marxiana (expressão usada para ressaltar que a influência é direta de
Marx e não “de suas interpretações veiculadas por um marxismo ortodoxo ou oficial”) e a
macroeconomia kaleckiana; b) o institucionalismo americano (J.Commons, W. Mitchell e T. Veblen); c)
os trabalhos da Nouvelle Histoire, desenvolvidos pela École dês Annales (Braudel, L.Febvre). “Além
dessas três correntes, deve-se acrescentar a influência das análises pós-keynesianas, com autores como
Kaldor e Minsky” (Bruno, 2006).
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32
das economias, mas não podem ser logicamente deduzidas da racionalidade individual
de agentes otimizadores 28 . Boyer (1986) afirma que o conceito de modo de regulação
TP F
FPT
visa substituir a teoria da decisão individual e o conceito de equilíbrio geral como ponto
de partida para o estudo dos fenômenos macroeconômicos 29 .
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As instituições operam, assim, na teoria regulacionista, como estruturas
mediadoras que informam e enquadram os comportamentos individuais. Os agentes
tenderiam a se conformar às estruturas em períodos de crescimento e a reagir e lutar por
sua modificação em períodos de crise, quando as formas particulares de um
determinado modo de regulação convertem-se em formas de rigidez e de perda de
coerência macroeconômica. Nas análises regulacionistas, contudo – salienta Bruno
(2005) -, os elementos que compõem as estruturas institucionais e organizacionais não
são entidades introduzidas ex-post nos modelos: “não se parte de um modelo geral
puramente econômico ou concorrencial para em seguida introduzir, sob o rótulo de
‘imperfeições’, exatamente o que a axiomática de partida não poderia conter sem
destruir as bases de uma ontologia equivocada que assimila o funcionamento do ‘mundo
social’ ao do ‘mundo físico’ ou ‘biológico’”.
Como um resultado da conjunção complexa de racionalidades individuais
através de uma rede densa de estruturas organizativas, a macroeconomia
nunca se manifesta como um fenômeno resultante de variáveis puramente
econômicas. Suas regularidades são produto de práticas sociais moldadas e
reprodutíveis pelas formas institucionais que compõem um determinado
modo de regulação. Estas últimas compreendem um conjunto de relações
sociais fundamentais à reprodução das economias que se organizam sob os
diversos capitalismos. Como fatores mediadores, as formas institucionais
28
Para o autor, a abordagem neoclássica tradicional está completamente centrada na noção de equilíbrio.
“Se ela admite a existência de desequilíbrios transitórios, a flexibilidade dos preços permite o retorno
automático ao equilíbrio”. Diversamente, a abordagem regulacionista desloca o foco da análise, que deixa
de ser o valor de equilíbrio das variáveis e passa a ser o processo de ajustamento que rege a dinâmica
dessas variáveis.
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29
Modo de regulação, também um conceito-chave na Teoria da Regulação, indica o conjunto de leis,
valores, hábitos que mediam a relação com o regime de acumulação e mantêm a coesão social. Formas
estruturais (forma de adesão ao sistema internacional, padrão monetário, forma de concorrência, forma de
Estado e relação salarial, isto é, forma de organização do trabalho) configuram modos de regulação. Ver
Nascimento (1993).
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33
não podem ser diretamente deduzidas de uma lógica puramente econômica e
individual, mas apresentam-se codificadas em compromissos sociais,
convenções, regras e rotinas socialmente estabelecidas. Para as economias
capitalistas três relações sociais mostram-se fundamentais na caracterização
de lógica e natureza: a moeda, a relação salarial e a concorrência (Boyer,
1986, apud Bruno, 2005).
O hard core da Teoria da Regulação, compartilhado por diversos autores que se
identificam com as premissas regulacionistas – ou que, numa linguagem freqüentemente
encontrada nos textos em tela, integram o programa de pesquisa regulacionista - reside,
em suma, no pressuposto de que a reprodução da estrutura determinante de um sistema
sócio-econômico, que é a estrutura que o caracteriza “enquanto forma histórica
específica de organização da produção e do trabalho social”, só se realiza na medida em
que o mesmo for capaz de engendrar determinadas particularidades organizacionais e
institucionais “que garantam a coerência do processo de acumulação de capital e seu
desenvolvimento em limites compatíveis com a coesão social no espaço das nações”
(Bruno, 2005). Boyer (1986) desdobra esse pressuposto em “três hipóteses fundadoras”
diretamente vinculadas a uma problemática macroeconômica: a) o processo de
acumulação de capital é determinante na dinâmica macroeconômica; b) o processo de
acumulação de capital não é espontaneamente auto-equilibrado por fenômenos
puramente mercantis e concorrenciais; c) as instituições e as formas estruturais são
determinantes para direcionar o processo de acumulação de capital através de um
conjunto de comportamentos coletivos e individuais coerentes do ponto de vista da
macrodinâmica 30 .
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A Escola da Regulação, portanto, conforma uma abordagem na qual o tema do
desenvolvimento pode ser entendido como “regime de crescimento viável [na medida
em que] é capaz de compatibilizar as esferas política e econômica enquanto base do
desenvolvimento sustentável do processo de acumulação” (Bruno, 2005). Os
30
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Para o detalhamento dessas hipóteses, ver Bruno (2005).
34
fundamentos teórico-metodológicos dos fundadores – Boyer, Théret, Petit, Aglietta e
outros -, embora menos voltados para a conceituação de desenvolvimento do que
endereçados ao entendimento de formas históricas gerais de capitalismo ao longo do
tempo e das diferenciações específicas assumidas em função de mudanças
institucionais, são profícuos para a análise da evolução da economia brasileira 31 .
TPF
FP T
No entanto, o reconhecimento de que os aportes regulacionistas corroboram a
validade de enfoques interdisciplinares 32 não é suficiente para que se os tome,
TP F
FP T
simplesmente, como marco teórico. Em primeiro lugar, porque, a despeito de configurar
uma agenda de pesquisas metodologicamente bastante definida, a Escola da Regulação,
entendida como o conjunto de obras e investigações diversas que se abrigam sob tal
rubrica, não escapa de ser um todo heterogêneo (Cunha, 2003). Dessa decorre uma
segunda – e óbvia - justificativa para a não adesão, na presente tese, ao paradigma
regulacionista: adotá-lo implicaria ingressar num cipoal intrincado de conceitos e
interpretações, com riscos de insucesso e perda de foco 33 . Finalmente, cabe admitir
TP F
FP T
que, por generosidade ou generalidade de seus supostos teóricos, regulacionistas que
examinam o quadro brasileiro recorrem a autores - como Celso Furtado, João Manuel
Cardoso de Mello, Reinaldo Gonçalves, Antônio Barros de Castro, Rodolfo Hoffmann e
outros - que dificilmente se enquadrariam num único rótulo, quanto mais no de adeptos
da Escola da Regulação; o que legitima o uso de interpretações regulacionistas como
apoio a formulações teoricamente ecléticas.
31
Como se pode verificar nos trabalhos de Bruno (2005 e 2000), Conceição (1987), Faria (1989),
Ferreira (1993) e Sabóia (2001, 1988 e 1987), entre outros.
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32
Um dos quatro pilares que, para Boyer e Saillard (1995), fundamentam a Teoria da Regulação é “a
integração da lógica econômica com a compreensão do social e da dimensão política, do que decorre uma
busca de contribuições em disciplinas vizinhas tais como a história, a sociologia ou a ciência política”.
Ver Cunha (2003).
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33
A tese de doutorado de Miguel Bruno, só pela sua extensão, dá uma idéia da complexidade da
empreitada. Ver Bruno (2005).
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35
4 Incerteza e matriz institucional: alguns aportes da Nova Economia Institucional
ao tema do desenvolvimento
Com uma retórica mais próxima ao tema do desenvolvimento, a Nova Economia
Institucional – alcunhada na literatura como NEI – se propõe a agregar as instituições à
análise econômica, no suposto geral que as mesmas “se formam para resolver, com
níveis distintos de eficiência em diferentes sociedades, o problema da cooperação entre
indivíduos” (Bueno, 2003). Razões pelas quais, em alguns países, a história teria
produzido matrizes institucionais mais consistentes com o desenvolvimento econômico
do que em outros constitui questão bastante explorada na literatura inspirada nessa
abordagem.
A NEI tem um antecedente, americano como ela: o velho institucionalismo ou
VEI 34 . Rutherford (1996) identifica na VEI duas vertentes distintas, a estabelecida por
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Thorstein Veblen e a que tem como ponto de partida as pesquisas de John Commons e
Wesley Mitchel 35 . Ambas as vertentes surgiram no início do século XX, marcadas por
TPF
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um teor crítico em relação à ortodoxia neoclássica e pela intenção de integrar à análise
econômica o estudo das estruturas institucionais, das regras e dos comportamentos das
34
Em inglês, respectivamente NIE (New Institutional Economics) e OIE (Original Institutional
Economics). Ver Teixeira (2003).
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35
A diferença assinalada por Rutherford (1996) é que, enquanto Veblen estaria mais preocupado com a
dicotomia que percebia entre os aspectos pecuniários e industriais da economia, enfatizando o poder
econômico e político das grandes corporações, Commons e Mitchel teriam como foco a evolução dos
aspectos legais, direitos de propriedade e organizações, e seus impactos sobre a distribuição de renda.
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36
organizações (Conceição 2002). Para Gomes (2004), os velhos institucionalistas,
particularmente Veblen, faziam uma crítica não-marxista à sociedade capitalista 36 .
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Também a NEI se apresenta, a partir do final da década de 70, como
denunciadora de lacunas na teoria neoclássica. Lacunas que se propõe a preencher,
incluindo as instituições no centro do modelo analítico – que permanece neoclássico - e
promovendo uma revisão em seus pressupostos básicos, como o da racionalidade dos
agentes para tomar decisões e o da perfeição dos mercados. Os textos seminais na
agenda neo-institucionalista consistem, por um lado, nos trabalhos de Douglass
North 37 ; por outro, nos de Oliver Williamson, que atualiza os achados de Ronald Coase
TP F
FP T
com relação aos custos de transação como determinantes das formas organizacionais e
das instituições na economia 38 .
TP F
FPT
Segundo Gala (2003) é nos trabalhos de Douglass North que se encontram as
tentativas mais firmes de teorizar sobre o desenvolvimento econômico, sobretudo no de
1990. Em Institutions, Institutional Change and Economic Performance, North “se
descola da história para enunciar um modelo de desenvolvimento econômico [...]
36
Thorstein Veblen (1857-1929), economista e sociólogo americano de descendência norueguesa, é
conhecido principalmente pelo livro The Theory of the Leisure Class, de 1899 (publicado no Brasil com o
título A Teoria das Classes Ociosas); sua obra mais importante em economia, porém, é The Theory of
Business Enterprise, de 1904. John Commons (1862-1945), também americano, publicou seu trabalho
mais citado em 1934, Institutional Economics (New York, Macmillan). Wesley Mitchell (1874-1948) foi
aluno de Veblen e seu principal livro – Business Cycles - apareceu em 1913, tendo publicado,
posteriormente, vários outros livros e artigos.
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37
North, certamente o mais destacado representante na Nova Economia Institucional, ganhou o Prêmio
Nobel de Economia em 1993, justamente pela crítica que efetua, em sua obra, à economia neoclássica por
não reconhecer a importância das limitações institucionais no processo de tomada de decisão econômica e
por sua incapacidade de explicar a permanência de diversas instituições econômicas mundo afora.
Structure and Change in Economic Performance (1981) e Institutions, Institutional Change and
Economic Performance (1990) são os trabalhos mais citados de North. Ver Gomes (2004 e 2005),
Conceição (2002), Bueno (2003), Gala (2003), Fiani (2003).
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38
Ronald Coase publicou, em 1937, o artigo “The Nature of the Firm” (A Natureza da Firma), em que
introduz a visão da firma como um nexo de contratos e formula a lógica da economia dos custos de
transação; escreveu, depois, inúmeras outras obras (Gomes, 2004). Entre os vários textos de Williamson,
são em geral mencionados The Economic Institutions of Capitalism: Firms, Markets, Rational
Contracting (New York, The Free Press, 1985) e Markets and Hierarchies: Analysis and Antitrust
Implications (New York, The Free Press, 1975).
TP
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37
abandona o estudo da evolução das instituições como forma histórica pela qual os
homens estabeleceram a ordem social” e passa a lidar com o desempenho das
instituições nos processos de desenvolvimento. Define instituições “como as regras do
jogo numa sociedade ou, mais formalmente, [...] as limitações idealizadas pelo homem
que dão forma às interações humanas” (North, 1990, apud Gala, 2003) e denuncia o
equívoco em que incorrem os neoclássicos ao ignorá-las.
A crítica de North às premissas neoclássicas da concorrência perfeita e da
inexistência de assimetria no acesso às informações que permitem as ações e as decisões
por parte dos agentes reside na constatação de que consideram as instituições como
exógenas ao funcionamento do mercado. Conseqüentemente, não têm espaço nas
concepções de desenvolvimento econômico, que é visto apenas como elevação da
produtividade com base no aprofundamento da divisão do trabalho e no aumento do
excedente da riqueza social 39 . Para os novos institucionalistas, “o processo de
TP F
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desenvolvimento econômico é também um processo de desenvolvimento das
instituições ou evolução de uma determinada matriz institucional” 40
TP F
FPT
São as instituições, para a NEI (especialmente na versão de North), que
condicionam a racionalidade individual. Gala (2003) assinala a insistência de North em
distanciar-se da noção de homo economicus, conferindo relevância ao conceito de
incerteza. Está em seu texto a seguinte citação de North:
(...) as incertezas se devem à informação incompleta com respeito à conduta
de outros indivíduos no processo de interação humana. As limitações
computacionais dos indivíduos estão determinadas pela capacidade da
mente processar, organizar e utilizar informação. A partir dessa capacidade
considerada junto com as incertezas próprias do conhecimento do meio,
evoluem normas e procedimentos que simplificam o processo. O
39
“É inegável que as instituições afetam o desempenho da economia [mas] nem a teoria econômica
corrente nem a história mostram muito interesse em demonstrar a função das instituições no desempenho
econômico”(North, 1990, apud Gomes, 2004).
TP
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40
TP
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Ou seja, um conjunto de regras formais e informais (Gomes, 2004).
38
conseqüente marco institucional, como estrutura da interação humana,
limita a eleição que se oferece aos atores 41 .
TP F
FPT
No entanto, como mostram Gala (2003) e Gomes (2004), o distanciamento é
curto, o que fica claro no modo pelo qual a Nova Economia Institucional concebe o
desenvolvimento. Como já indicado, desenvolvimento econômico, de acordo com
North, é a evolução das instituições que permitem reduzir o grau de incerteza e diminuir
os custos de transação 42 . Para Gomes (2004), a NEI, ao apontar as instituições como
TP F
FP T
centrais para dirimir os conflitos e as incertezas, retorna, reequipada, ao mercado como
indutor e dinamizador do desenvolvimento econômico. “Resolvidos os problemas e
obstáculos às transações econômicas e com os indivíduos se sentindo confiantes em
suas decisões, os princípios da maximização e da eficiência dos mercados voltam à tona
como símbolos do desenvolvimento econômico como a tradição neoclássica sempre
defendeu” (Gomes, 2004) 43 .
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Para North, o desenvolvimento econômico enfrenta dois óbices relacionados
com as mudanças institucionais: as limitações formais e os constrangimentos informais,
responsáveis, ambos, pela evolução de uma dada matriz institucional. As limitações
formais incluem as regras políticas e jurídicas, as regras econômicas e os contratos. Os
constrangimentos informais, mais complexos, se manifestam em normas ou códigos de
conduta, valores e ideologias que se constituem na sociedade, envolvendo as dimensões
da cultura e da religião. No estabelecimento das limitações formais o Estado tem papel
decisivo, em particular no que toca os direitos de propriedade e as regras de produção.
Como observa Gomes (2004), “se no mercado os indivíduos se confrontam diariamente
41
TP
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North (1990), apud Gala (2003).
42
Custos de transação são custos (de produção ou de troca) invisíveis. Para North, são “os custos
necessários para medir os atributos tanto legais como físicos, do que se está negociando. Os custos de
observar e fazer cumprir o acordo e o risco da incerteza que reflete o grau da imperfeição na medição e
cumprimento obrigatório dos termos da negociação” (North, 1990, apud Gomes, 2004).
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43
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Afirmações semelhantes se encontram em Gala (2003) e Teixeira (2003).
39
em suas transações e há o risco, por uma série de fatores, do não cumprimento de
acordos que pode levar a custos de transação elevados, é necessário que as regras do
jogo estejam bem definidas e que seu cumprimento seja efetivamente realizado”, o que,
portanto, exige um terceiro agente que possa assegurar os interesses dos contratantes 44 .
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É no que diz respeito aos constrangimentos informais que aparece com vigor,
porém, um outro conceito central para os institucionalistas: o conceito de path
dependence. A evolução de uma sociedade (e suas transformações institucionais) se
expressa também e sobretudo em comportamentos, condutas e valores, ou seja, em
respostas que os indivíduos dão a novos tempos e novas situações históricas. Mas as
sociedades contemporâneas são sempre dependentes de trajetórias anteriores, o que
interfere no ritmo e na forma das mudanças institucionais, já que alterações nos
constrangimentos informais ocorrem mais lentamente.
Gala (2003) resume o modelo de desenvolvimento econômico da NEI nos
seguintes pontos:
O ambiente econômico e social dos agentes econômicos é permeado por
incerteza;
A principal conseqüência dessa incerteza são os custos de transação que podem
ser classificados em problemas de measurement e de enforcement;
Para reduzir os custos de transação e coordenar as atividades humanas, as
sociedades desenvolvem instituições, que são um contínuo de regras com dois extremos:
formais e informais;
44
“O cumprimento obrigatório por uma terceira parte significa o desenvolvimento do Estado como uma
força coercitiva capaz de monitorar direitos de propriedade e fazer cumprir contratos” (North, 1990, apud
Gomes, 2004).
TP
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40
O conjunto de regras formais e informais configura a matriz institucional de uma
dada sociedade, cuja dinâmica é sempre path dependent;
A partir da matriz institucional definem-se os estímulos para o surgimento das
organizações (econômicas, sociais e políticas) 45 ;
TPF
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As organizações interagem entre si, com os recursos econômicos (que junto com
a tecnologia empregada definem os transformation costs tradicionais da teoria
econômica) e com a própria matriz institucional (que define os transaction costs),
interação da qual resultam a evolução institucional e o desempenho econômico das
sociedades ao longo do tempo.
As sociedades que historicamente alcançaram grau elevado de desenvolvimento
econômico são aquelas em que se deu a adequação das regras formais ao ambiente
comportamental da sociedade – ou seja, lograram equilíbrio institucional -, reduzindo os
custos de transação e, assim, incentivando o desempenho dos agentes. Economias
periféricas são, conseqüentemente, aquelas que não conseguiram construir arranjos
institucionais capazes de gerar condições de mercado satisfatórias para os agentes, com
custos de transação baixos e direitos de propriedade assegurados.
Medeiros (2001) assinala o reducionismo da teoria institucionalista e seu viés
preconceituoso no tratamento do Terceiro Mundo. “O caminho [do desenvolvimento]
teria sido pavimentado [nos países anglo-saxões] por instituições promotoras e
garantidoras da livre iniciativa, dos contratos privados, aspectos identificados como
base da inovação institucional”. Nos países periféricos, os arranjos institucionais
45
Ao definir as instituições como “as regras do jogo”, North indica também os jogadores: “corpos
políticos (partidos políticos, o Senado, agências reguladoras), corpos econômicos (empresas, sindicatos,
cooperativas), corpos sociais (igrejas, clubes, associações desportivas) e organizações educativas (escolas,
universidades, centros vocacionais de capacitação); grupos de indivíduos relacionados por alguma
identidade comum em direção a certos objetivos” (North, 1990, apud Gomes, 2004). Gomes (2004)
observa que North, porém, atribui a um só agente o protagonismo na mudança institucional: o empresário
individual.
TP
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41
estariam voltados para beneficiar os detentores de maior poder de barganha, inibindo a
atuação dos agentes transformadores – os empresários individuais. “O nãodesenvolvimento decorre de uma particular estrutura institucional, que em contraste
com as do Estado liberal, as iniciativas individuais, as autonomias locais, o espírito
racional são tolhidos por um Estado discricionário. A economia encontra-se aqui
embedded na política, que obedece aos arbítrios do poder político” (Medeiros, 2001). A
ser coerente com uma abordagem que supere um estreito economicismo, é preciso, para
esse autor, perceber que no processo de desenvolvimento econômico a criação e
evolução das instituições não obedecem apenas aos fatores econômicos, racionais ou
irracionais. “A modelação do comportamento, a aceitação de normas, a formação da
personalidade, enfim, o processo civilizatório que os economistas percebem apenas
funcionalmente é um longo processo, não redutível a uma razão econômica, mas um
conjunto de circunstâncias historicamente específicas. Formam-se assim distintas
variedades e estilos nacionais de capitalismo. As instituições que emergem desse
processo não são nem racionais ou irracionais, eficientes ou ineficientes, são sociais”.
As instituições, para a NEI, importam tão somente na medida em que reduzem
os custos de transação e asseguram os direitos de propriedade, atenuando o problema da
incerteza. É apenas nesse sentido que o desenvolvimento está relacionado à criação de
instituições, ou dito de forma mais direta: é com esse sentido que o modelo econômico
de crescimento é substituído pelo modelo institucionalista de desenvolvimento 46 .
TPF
FP T
Desenvolvimento vem associado à estabilidade institucional (equilíbrio, no jargão
institucionalista), e desse modo entende-se o suposto geral da NEI enunciado no início
46
Medeiros observa, a propósito, que “(...) esta construção metodológica em que o ato econômico iniciase com a troca ou por meio da ação individual, num mercado abstrato, para num momento seguinte
acrescentar as empresas e as instituições como dispositivos funcionais, é típica do dedutivismo e do
reducionismo que perpassam a análise de North. Faz parte de seu programa de pesquisa estender o
individualismo metodológico à análise institucional” (Medeiros, 2001:78).
TP
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42
da seção. Desenvolvimento significa cooperação entre indivíduos, cooperação que as
instituições incentivam e garantem. Ao Estado cabe a função – que numa sociedade
desenvolvida ele realiza com eficiência – de inibir a incerteza e, portanto, preservar a
cooperação; trata-se, no caso das sociedades desenvolvidas, de uma entidade arbitral,
neutra e não uma construção social permeada de interesses conflitantes 47 .
TPF
FP T
A despeito da linguagem e da aparência multidisciplinares, a Nova Economia
Institucional interage pouco com as demais ciências sociais. Nas palavras de Gomes
(2004), “tem a pretensão de explicar a história do desenvolvimento das sociedades a
partir da evolução dos arranjos institucionais, como se em todas os movimentos e
dinâmicas fossem determinados por transações econômicas, e como se os custos de
transação e os direitos de propriedade fossem conceitos que se apresentassem em todas
as épocas da história da humanidade e determinassem a formação das economias”.
Além dessa subordinação das relações sociais ao econômico, a própria história, de uso
recorrente no discurso institucionalista, perde substância, na medida em que a teoria
passa ao largo das diferenças que as sociedades manifestam em função das bases
materiais e sociais sobre as quais se erguem. “Tanto faz capitalismo, feudalismo ou
sociedade medieval, todas elas podem ser incluídas dentro do método explicativo da
Nova Economia Institucional”(Gomes, 2004).
É de se esperar que já esteja claro, com o exposto até agora, o motivo da não
adesão, nessa tese, aos marcos teóricos da Nova Economia Institucional. Antes, porém,
de arrematar a argumentação, cabe uma breve incursão, por mais simplificadora que
seja, à área da ciência política, na qual, também, os supostos do institucionalismo
47
TP
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Conflitos e disputas no interior do Estado seriam típicos de sociedades não-desenvolvidas.
43
ganharam força, em particular nos estudos sobre federalismo, relações entre poderes e
reformas 48 .
TP F
FP T
5 O neo-institucionalismo na ciência política
Soa
estranho
a
economistas
heterodoxos,
sensíveis
aos
apelos
da
interdisciplinaridade, que, apesar de seu evidente economicismo, os postulados da NEI
tenham encontrado guarida e significativa aceitação na Ciência Política e na Sociologia.
Contudo, o termo neo-institucionalismo vem sendo muito usado nesses campos do
conhecimento, como observam Hall e Taylor ( 2003). Segundo esses autores, são três as
correntes de pensamento que, a partir dos anos 80, reivindicam o título de neoinstitucionalistas: o institucionalismo histórico, o institucionalismo da escolha racional e
o institucionalismo sociológico 49 .
TP F
FP T
Essas “escolas” (ou métodos) buscam de modo geral elucidar o papel
desempenhado
pelas
instituições
na
determinação
dos
resultados
políticos.
Desenvolveram-se como reação às perspectivas behavioristas, influentes na ciência
social americana dos anos 60 e 70, e talvez por isso tenham mantido uma recorrente
preocupação com as relações entre instituições e comportamento dos atores sociais e
políticos. Um outro foco que as análises institucionalistas compartilham reside nos
processos de surgimento e mudança das instituições (Hall e Taylor, 2003).
48
Não há intenção aqui de resenhar ou comentar tais estudos (alguns deles serão citados no capítulo IV
que trata a questão do sistema tributário brasileiro e no qual, necessariamente, o tema do federalismo
estará presente). O resumo que se segue está baseado em textos que resenham as obras dos formuladores
originais da teoria institucionalista.
TP
PT
49
Os autores admitem que seria possível identificar uma quarta corrente, o neo-institucionalismo em
Economia, que teria, no entanto, muito em comum com o institucionalismo da escolha racional. “Uma
análise mais extensa poderia observar que o Institucionalismo da Escolha Racional insiste de preferência
na interação estratégica, ao passo que o neo-institucionalismo em Economia privilegia os direitos de
propriedade, as rendas e os mecanismos de seleção competitiva”.
TP
PT
44
Entre os institucionalistas históricos, críticos tanto das teorias dos grupos de
interesse quanto das teorias funcionalistas que dominaram a ciência política (americana,
por suposto) até meados dos anos 70, estariam nomes com trânsito na Economia, como
Peter Evans, Katzsenstein, Theda Skocpol, Anthony Giddens 50 . Mas também, para os
TP F
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comentadores, poderiam ser incluídos autores mais conhecidos por seus estudos sobre
neocorporativismo (Zysman, Schmitter e Lembruch, Hall) 51 – porque examinam as
TP F
FP T
instituições do capital e do trabalho – e até um autor simpático ao marxismo, como
Martin Carnoy 52 . Os institucionalistas históricos são estruturalistas, na medida em que
TP F
FP T
pensam o sistema político como um sistema global composto de partes que interagem
entre si, e dão ênfase ao papel do Estado como um complexo de instituições capaz de
estruturar os resultados dos conflitos entre os grupos 53 . Essas considerações sugerem
TPF
FP T
que a rubrica institucionalismo histórico não chega a configurar uma escola definida de
pensamento, abrigando em seu interior variados objetos e interpretações que teriam em
comum o reconhecimento da relevância das instituições 54 .
TP F
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Hall e Taylor (2003) apresentam algumas características do que seria a
originalidade do institucionalismo histórico no âmbito da ciência política que não
50
São citadas as seguintes obras: Evans, P. et al. (ed.) Bringing the State Back In, Cambridge University
Press, 1985; Katzenstein, P. (ed.) Between Power and Plenty, Madison, University of Wisconsin Press,
1978; Giddens, A., Central Problems in Social Theory, London, Macmillan, 1978; Skocpol, T. & Weir,
M., “State Structures and the Possibility for Keynesian Response to the Great Depression in Sweden,
Britain and the United States”, em Evans et al, Bringing the State Back In, Cambridge University Press,
1985.
TP
PT
51
As obras mencionadas são Zysman, J., Governments, Markets and Growth. Berkeley. University of
California Press, 1983; Schmitter, Ph & Lembruch,G. (ed.) Patterns of Corporatist Policy-Making.
Beverly Hills. Sage, 1982; Hall, P.A., Governing the Economy – The Politics of State Intervention in
Britain and France. Oxford. Polity, 1986.
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52
Carnoy (1984). A edição em português (de 1988) é usada em cursos de graduação em economia. A
visão simpática ao marxismo fica evidente nos capítulos 2 e 3.
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53
O que decerto os distancia da matriz institucionalista, que tanto na Economia, quanto na Ciência
Política, tendem a perceber o Estado como um agente neutro arbitrando interesses concorrentes.
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54
São entendidas como instituições os procedimentos, protocolos, normas e convenções oficiais ou
oficiosas inerentes à estrutura organizacional da comunidade política ou da economia política, o que
engloba desde as regras constitucionais, os procedimentos habituais de funcionamento de uma instituição,
às convenções que governam o comportamento dos sindicatos ou as relações entre os bancos e empresas
(Hall e Taylor, 2003).
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45
invalidam de todo tal suposto. Os institucionalistas históricos: a) tendem a conceber a
relação entre as instituições e o comportamento individual em termos estruturais 55 ; b)
TP F
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enfatizam as assimetrias de poder associadas ao funcionamento e ao desenvolvimento
das instituições; c) adotam uma concepção de desenvolvimento institucional que
privilegia as trajetórias (path dependence), as situações críticas e as consequências
imprevistas das mudanças: d) buscam combinar explicações centradas nas instituições
com avaliações que revelam a contribuição de outros fatores (idéias, valores, bases
materiais, etc) para a determinação dos processos políticos.
Contudo, Hall e Taylor (2003) estabelecem uma distinção entre dois tipos de
institucionalismo histórico que permite perceber não só algumas especificidades como a
proximidade de certos autores históricos com a Nova Economia Institucionalista. Nas
respostas dadas às indagações que julgam cruciais “para qualquer análise
institucional” 56 , identificam duas perspectivas: a calculadora e a cultural.
TPF
FP T
Com relação às duas primeiras indagações, a “perspectiva calculadora” diria
que: 1) os indivíduos procuram maximizar seus rendimentos referenciados a um
conjunto de objetivos definidos por uma função de preferência dada e, ao fazê-lo,
adotam um comportamento estratégico, ou seja, examinam todas as escolhas possíveis
para selecionar aquelas que oferecem máximo benefício; e 2) as instituições afetam os
comportamentos individuais porque oferecem aos atores maior ou menor certeza quanto
ao comportamento presente e futuro dos outros atores 57 e porque fornecem informações
TP F
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55
O que também os distinguiriam dos institucionalistas da escolha racional, mais afinados com o
individualismo metodológico.
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56
Para Hall e Taylor, “qualquer análise institucional” tem que dar conta da questão de como as
instituições afetam o comportamento dos indivíduos. Assim, as indagações cruciais seriam: (1) como os
atores se comportam?; (2) o que fazem as instituições?; e (3) porque as instituições se mantêm?
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57
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Esse é o papel da interação estratégica.
46
concernentes aos mecanismos de enforcement dos acordos, às penalidades em caso de
defecção etc 58 .
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FPT
Já a “perspectiva cultural” responderia do seguinte modo: 1) o comportamento
dos indivíduos não é estritamente maximizador, embora revele busca por satisfação, e,
sendo assim, a despeito de racional, nunca é inteiramente estratégico, porque
“protocolos estabelecidos ou modelos de comportamento conhecidos para atingir certos
objetivos” funcionam como condicionantes ou limites das escolhas individuais; 2) as
instituições propiciam modelos morais e cognitivos que orientam a ação; os indivíduos
vivem envolvidos por instituições – símbolos, cenários, protocolos – que atuam como
filtros para a interpretação do mundo 59 .
TP F
FPT
Quanto à terceira indagação – porque as instituições permanecem - , a
“perspectiva calculadora” se posiciona na mesma linha da economia institucionalista. A
continuidade das instituições se deve ao equilíbrio (ou estabilidade) que proporcionam à
vida em coletividade. No dizer de Hall e Taylor: “os indivíduos aderem a esses modelos
de comportamento porque perderão mais ao evitá-los do que ao aderir a eles”. Quanto
mais uma dada instituição contribui para resolver os problemas da ação coletiva – ou
quanto mais ela torna possíveis os ganhos resultantes das trocas – mais robusta será.
Diversamente, para a “perspectiva cultural” as instituições se mantêm, no tempo, porque
não constituem objeto explícito de decisões individuais. “Em suma [para os
institucionalistas da perspectiva cultural], as instituições resistem a serem postas
58
Em suma, as instituições afetam o comportamento individual porque balizam as expectativas de um
ator no tocante às ações dos outros.
TP
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59
“Não somente as instituições fornecem informações úteis de um posto de vista estratégico como
também afetam a identidade, a imagem de si e as preferências que guiam a ação” (Hall e Taylor, 2003).
Os comentadores não arrolam autores exemplares das “perspectivas” que distinguem. Mas indicam como
paradigmática do institucionalismo histórico culturalista a obra de J. March e J.P.Olsen, Rediscovering
Institutions. The Organizational Basis of Politics (New York, Free Press, 1989).
TP
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47
radicalmente em causa porque elas estruturam as próprias decisões concernentes a uma
eventual reforma que o indivíduo possa adotar”.
O institucionalismo da escolha racional na ciência política, segundo Hall e
Taylor (2003), se consolidou como abordagem a partir de estudos sobre comportamento
político no interior do Congresso americano 60 com base nos supostos da escolha
TP F
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racional desenvolvidos pela economia neoclássica. A inspiração teria se originado do
reconhecimento de um significativo paradoxo: se os postulados da escolha racional
estavam corretos, deveria ser difícil reunir maiorias estáveis para votar leis no
Congresso, uma vez que as múltiplas escalas de preferências dos legisladores e o caráter
multidimensional das questões em tela gerariam ciclos nos quais cada nova maioria
invalidaria as leis propostas pela maioria precedente; não obstante, as decisões
legislativas revelavam notável estabilidade. Os pesquisadores passaram a considerar as
instituições, importando o método dos economistas institucionalistas 61 , como parte
TP F
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fundamental das explicações para o fenômeno. Assim, as explicações, de modo geral,
corroboram, na política, os achados da NEI: regras de procedimentos e comissões
parlamentares estruturam escolhas e informações, resolvendo grande parte dos
problemas de ação coletiva enfrentados pelos legisladores 62 .
TP F
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A agenda de pesquisas do neo-institucionalismo da escolha racional contempla,
basicamente, questões ligadas às relações entre Legislativo e Executivo, ao
comportamento dos legisladores, às formas de deliberação partidária, ao movimento dos
60
Hall e Taylor citam vários artigos publicados em periódicos americanos entre 1975 e início da década
de 80 sobre o tema.
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61
A influência marcante sobre a ciência política neo-institucionalista foi, segundo Hall e Taylor, exercida
pelos trabalhos de Oliver Williamson, particularmente Markets and Hierarchies (1975) e The Economic
Institutions of Capitalism (1985). Andrews (2004) confirma essa ascendência.
TP
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62
É significativo o título de um artigo citado por Hall e Taylor como exemplo de tais estudos: “The
Industrial Organization of Congress”, de B. Weingast & W. Marshall, publicado no Journal of Political
Economy, n o 96, 1988.
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P
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48
partidos políticos, e às relações entre o Congresso e os tribunais 63 . A partir dos anos 90,
TPF
FPT
teóricos do NIER passaram também a realizar investigações comparando países e a
estudar processos de transição para a democracia, usando a teoria dos jogos. Segundo
Hall e Taylor, apesar da grande diversidade de temas e modalidades de pesquisa, os
neo-institucionalistas da escolha racional apresentam certos traços distintivos:
Partem de pressupostos comportamentais, cujo núcleo reside no entendimento de
•
que os atores pertinentes a uma dada situação comungam de um conjunto de
preferências e agem de modo utilitário para maximizar a satisfação das mesmas,
freqüentemente com alto grau de estratégia, o que implica uma quantidade
significativa de cálculos;
Tendem a considerar a vida política como uma série de dilemas de ação coletiva,
•
definidos como situações em que os indivíduos que agem de modo a maximizar
preferências o fazem com risco de produzir um resultado sub-ótimo para a
coletividade;
Enfatizam o papel da interação estratégica na determinação das situações
•
políticas, uma vez que o comportamento dos atores é determinado por cálculo
estratégico e esse cálculo é fortemente influenciado pelas expectativas que têm
do comportamento dos outros;
Entendem as instituições como normas, procedimentos, protocolos, etc, que
•
estruturam as interações, ao influenciarem a possibilidade e a seqüência de
alternativas na agenda dos atores ou ao oferecerem informações e mecanismos
de adesão que reduzem a incerteza no tocante ao comportamento dos outros, ao
63
Como se verá no capítulo IV, essas são também as questões privilegiadas pelos neo-institucionalistas
brasileiros.
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49
mesmo tempo em que propiciam aos atores “ganhos de troca”, o que os
incentivará a adotarem certos cálculos ou ações precisas 64 ;
TP F
FPT
Explicam a origem das instituições a partir de acordo voluntário entre os atores
•
interessados; se a instituição está submetida a algum processo de seleção
competitiva, ela deve sua sobrevivência ao fato de oferecer mais benefícios aos
atores interessados do que as formas institucionais concorrentes.
Andrews (2003) observa que o institucionalismo da escolha racional na ciência
política, à semelhança de seu congênere na economia, se fundamenta nas mesmas
premissas que a teoria da escolha pública 65 . Há, porém, segundo a autora, uma
TP F
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diferença fundamental entre os institucionalistas da rational choice e os teóricos da
public choice. Para os teóricos da escolha pública, a intervenção do Estado não pode
corrigir as externalidades negativas geradas pelas ações de atores na sociedade sem
causar outras externalidades igualmente indesejáveis, como a apropriação de bens
públicos por políticos e burocratas 66 . Por sua vez, os teóricos institucionalistas que se
TP F
FPT
vinculam à abordagem da escolha racional crêem que as instituições são capazes de
alterar as expectativas de atores que agem estrategicamente, o que pode assegurar
efeitos sociais desejáveis.
64
“As instituições estruturam [as] interações, influenciando a abrangência e seqüência das alternativas na
agenda de escolhas ou fornecendo informações e mecanismos de fiscalização que reduzam a incerteza
sobre o comportamento correspondente dos outros e permitindo ganhos de troca, e assim, levando os
atores na direção de cálculos específicos e resultados sociais potencialmente melhores” (Hall e Taylor,
1996, apud Andrews, 2004).
TP
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65
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66
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As preferências fixas e a maximização da função-utilidade pelos atores sociais.
Buchanan (1972), apud Andrews (2004).
50
6 Celso Furtado e o diálogo entre a economia e as (demais) ciências sociais: um
enfoque “institucional” não-regulacionista e não-institucionalista
Parece claro que, em termos de seus fundamentos gerais, a ciência política neoinstitucionalista 67 e a nova economia institucional têm o mesmo código genético. As
TP F
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críticas que, a partir de comentadores como Gomes (2004), Gala (2003), Medeiros
(2001) e outros, foram endereçadas à NEI, podem, assim, ser estendidas (pelo menos) à
NIER. Algumas mais, porém, ainda cabem, e dessa feita, ao núcleo duro do próprio
institucionalismo, político ou econômico.
Os “criadores” do novo institucionalismo – originários do campo da economia,
como as referências acima demonstram – apresentam-se como inovadores porque
consideram a teoria neoclássica insuficiente para explicar o fenômeno do
desenvolvimento econômico uma vez que essa teoria ignora as instituições, no suposto
de que são aspectos exógenos à atuação dos agentes econômicos. Entretanto, como
assinalam Medeiros (2001) e Gomes (2004), cometem equívoco similar, na medida em
que compreendem as instituições como invenções humanas que independem das
relações sociais de produção 68 . Ou seja, conferem às instituições um papel de regulador
TP F
FPT
externo da convivência (econômica, principalmente), dado que não as concebem como
expressões da própria dinâmica da sociedade capitalista, percebendo-as “como um
axioma, não levando em consideração suas contradições e especificidades” (Gomes,
2004). Os novos institucionalistas, assim, economistas ou cientistas políticos, repetindo
os neoclássicos, “não descem à realidade concreta”, construindo modelos e pressupostos
que, restritos à “aparência dos fenômenos” não dão conta das diferentes formas de
67
A corrente do neo-institucionalismo sociológico mencionada por Hall e Taylor foi deixada de lado
porque suas postulações, embora adotando premissas semelhantes às das outras, fundamentam, no Brasil,
estudos que não têm a ver com o tema da tese.
TP
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68
Relações essas que, como Marx evidencia, “cristalizam as relações de poder garantidas e sustentadas
no plano político pelo Estado” (Medeiros, 2001).
TP
PT
51
funcionamento do sistema (capitalista) e, muito menos, dos diversos processos de
desenvolvimento (Gomes, 2004).
Nesse ponto, a já extensa justificativa da recusa ao marco teórico do novo
institucionalismo , a despeito de sua ênfase no papel das instituições – aspecto que será
destacado ao longo da tese -, serve de ponte para o caminho, mais afirmativo, que será
tomado adiante. Pois é justamente Celso Furtado o autor mencionado por Medeiros
(2001), Gala (2003) e Gomes (2004) como emblemático de um aporte que integra as
instituições à análise econômica, dialogando com as demais ciências sociais, sem a
pretensão de apresentar um modelo teórico inovador na economia. Com isso, “desce à
realidade concreta” (das sociedades latino-americanas e da brasileira, em particular) e
ultrapassa
a
“aparência
dos
fenômenos”,
revelando
a
essência
do
subdesenvolvimento 69 .
TPF
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Por outro lado, é também Celso Furtado o autor invocado pelos referidos
comentaristas como exemplo de uma análise que salienta as especificidades (inclusive
as institucionais) do desenvolvimento periférico nos marcos do funcionamento do
capitalismo mundial, o que contrasta com a visão institucionalista, sobretudo a de
North. Segundo Gomes (2004), a obra de North é preconceituosa, pois faz comparações
históricas entre os arranjos institucionais dos países anglo-saxões e os da América
Latina para mostrar as “assimetrias” que explicam o não-desenvolvimento destes
últimos, desconhecendo as relações de poder internacionais e o processo de exploração
colonial 70 . O erro de tomar como unidades de análise independentes conjuntos sociais
TPF
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69
Gomes (2004) e Cruz (2003) citam especialmente Raízes do Subdesenvolvimento (Civilização
Brasileira, 2003), uma coletânea de ensaios de Furtado, escritos entre 1964 e 1968. A coletânea já havia
sido publicada pela Editora Civilização em 1973. Na edição de 2003, porém, os ensaios foram
reordenados e revisados pelo próprio autor.
TP
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70
“Ao fazer [essas comparações], North trata os sistemas nacionais como entidades discretas, apenas
externamente relacionadas. Ora, a economia capitalista já nasceu como economia internacional” (Gomes,
2004).
TP
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52
que só fazem sentido como elementos de um sistema maior que os envolve é, para
Gomes (2004), eliminado por Furtado desde sempre.
Xavier (1993) destaca ainda que North, apesar de usar com frequência o termo
conflito em suas formulações, não o integra efetivamente, como conceito, à análise,
atribuindo-lhe a conotação asséptica de competição entre interesses. “A teoria da
mudança institucional de North ignora o papel decisivo dos movimentos, as iniciativas,
os resultados dos encontros que ocorrem no desenrolar do conflito. Em outras palavras,
o esquema de North inclui o conflito, mas o mantém como uma caixa-preta”. Nessa
caixa preta é que se encontra, para o autor, o processo dinamizador do desenvolvimento
econômico na era capitalista, constituído pelas “múltiplas relações de opositividade
capital versus trabalho” (Xavier, 1993).
Ora, em outros termos, Furtado igualmente reconhece que na América Latina o
cerne do problema, sobretudo em sociedades como a brasileira, é a existência de um
conflito de interesses entre os grupos que controlam o processo de formação de capital e
os da coletividade, pois o bem-estar coletivo é incompatível com a exclusão da maioria
da população dos benefícios do desenvolvimento. Em Raízes do Subdesenvolvimento,
deixa clara a percepção de que os grupos econômicos que controlam o processo de
formação de capital também ocupam todas as posições estratégicas no sistema de poder
e que, assim sendo, “não é de admirar que os sinalizadores políticos se mostrem
inadequados para registrar tensões estruturais, e que os órgãos de decisão política
careçam da necessária funcionalidade para promover um autêntico desenvolvimento”
(Cruz, 2003). A chave para a compreensão dessa particularidade, contudo, não está,
para Furtado, no comportamento dos agentes tomadores de decisões econômicas, que
até podem pautar-se por estritos critérios de racionalidade, tanto em função dos meios
53
que utilizam como de seus legítimos objetivos; está nas relações estruturais que
delimitam o campo no qual as decisões relevantes são tomadas.
Com uma argumentação paralela, Fiori (1999) corrobora a mesma idéia. Os
novos institucionalistas, afirma, “acabam postulando a necessária difusão de um pacote
institucional capaz de reduzir ‘custos’ segundo o modelo anglo-saxão. Como nos
tempos de Walter Rostow, o segredo do desenvolvimento volta a estar na capacidade,
maior ou menor, dos povos atrasados reproduzirem as crenças e instituições que tiveram
sucesso nos países avançados”. Fiori (1999) chama a atenção para o fato de que os
teóricos da NEI “raramente incluem no seu argumento e estratégias os problemas
cruciais em países atrasados ligados aos sistemas de financiamento e às relações
monetária e política internacionais, restringindo-se a uma visão estática e conservadora
do papel das instituições”. Ora, o que Furtado demonstrou sobejamente é que o
subdesenvolvimento não pode ser entendido como uma fase do processo de
desenvolvimento, como se em determinado momento a superação da fase atrasada
levasse as economias subdesenvolvidas a reproduzir os padrões de desenvolvimento das
economias avançadas. Conforme o próprio Furtado,
(...) pelo fato mesmo de que são coetâneas das economias desenvolvidas,
das quais, de uma forma ou de outra forma, dependem, as economias
subdesenvolvidas não podem reproduzir a experiência daquelas 71 .
TP F
FP T
Duas outras críticas, finalmente, feitas por Medeiros (2001) ao modelo da NEI,
ajudam a fundamentar a abordagem aqui adotada e o uso quase exaustivo da obra de
Celso Furtado no capítulo II. Numa, focaliza as respostas dadas pelos institucionalistas à
indagação de “por que determinadas instituições tornaram-se em determinado momento
e em determinado território tão importantes para o desenvolvimento econômico”. Tais
respostas teriam simplesmente destacado uma oposição entre opressão e liberdade, ou
71
TP
PT
Raízes do Subdesenvolvimento (Furtado, 2003, p.88).
54
seja, entre mercados livres ou não. O não-desenvolvimento resultaria da ausência de um
marco institucional capaz de assegurar as condições para o funcionamento do mercado.
Segundo Medeiros (2001), “o fetichismo institucional está na associação abstrata entre
livre iniciativa, propriedade privada e progresso econômico e na suposição de que as
instituições que sustentam a ação econômica dos indivíduos explicam, em última
instância, as diferenciações econômicas nacionais”.
O autor está, no caso, voltado para o deslindamento das diferenças entre o
desenvolvimento das economias ocidentais avançadas e o de países orientais, como
Japão e Coréia, buscando salientar as particularidades que envolvem a “relação que se
afirmou no Ocidente entre os interesses mercantis e os interesses do Estado, em visível
contraste com a que se formou no Oriente”. Mas, a observar a atitude dos Estados
ocidentais “na promoção deliberada e na conquista por todos os meios (inclusive pela
violência) dos mercados externos” (atitude não encontrada nos Estados orientais),
reforça a importância das relações econômicas e de poder no plano internacional na
definição de distintos caminhos de desenvolvimento. A ausência dessa dimensão, nas
teorias do Novo Institucionalismo, impede o entendimento dos processos singulares de
desenvolvimento econômico nacionais, na medida em que descura as articulações entre
esses e os movimentos simultâneos de evolução do capitalismo, concentração de riqueza
e hierarquização do poder político no plano mundial.
A outra crítica de Medeiros (2001) é ao modo pelo qual os institucionalistas,
sobretudo North, integram o Estado a suas análises. 72 Restringindo a relevância da
TP F
FP T
função do Estado ao monitoramento dos custos de transação nas relações econômicas
impessoais, desconsideram o fato de que o Estado desempenhou historicamente (e
desempenha contemporaneamente) papel primordial no desenvolvimento das forças
72
TP
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Para um exame mais completo da função do Estado no modelo de North, ver Fiani (2003).
55
produtivas, atuando como executor de políticas econômicas (fiscais, cambiais,
monetárias etc.), como articulador dos interesses privados e como agente produtor de
bens e serviços. Para Medeiros, a redução da “ação positiva do Estado à defesa e
promoção dos contratos e da propriedade privada é não apenas limitante como
obscurece as relações centrais”. Resulta um entendimento simplista e preconceituoso,
conforme já indicado acima, de que, no Terceiro Mundo, o cumprimento obrigatório
dos acordos – condição basilar para a cooperação entre os agentes e, pois, para o
desenvolvimento – é incerto por causa das ambigüidades das leis jurídicas e inoperância
das instituições em geral, que aumentam, em vez de diminuir, as incertezas no que tange
à conduta dos agentes.
Em suma, os aportes institucionalistas, na economia como na ciência política,
são insatisfatórios para fundamentar a análise do desenvolvimento brasileiro. Não são
capazes de contemplar as peculiaridades nacionais nem de perceber as articulações
internacionais que condicionam essas peculiaridades. 73 Assim, nem sequer possibilitam
TP F
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entender a gênese ou a evolução do capitalismo no Brasil, quanto mais a sua
configuração recente e a natureza dos impasses que congestionam a pauta do
crescimento econômico (e das necessárias transformações sociais) no país. Conforme
Medeiros (2001), “se partimos de que há uma tendência ao desenvolvimento polarizado,
que o acesso aos mercados externos, aos meios de pagamento e ao progresso técnico é
decisivo, que as relações de poder estruturam as relações internacionais, é forçoso
reconhecer que as oportunidades de crescimento acelerado e mudanças significativas no
73
Como observa Fiori (2001), não é possível entender a trajetória histórica do desenvolvimento da
economia doméstica sem analisar as especificidades da formação do capitalismo no espaço brasileiro e
suas relações com o padrão de legitimação do poder herdado do império colonial português, “no contexto
geopolítico da competição interestatal e da expansão colonial européia, e do contexto geoeconômico da
sua expansão capitalista” (Fiori, 2001, p. 269).
TP
PT
56
status quo de determinado país encontram-se desigualmente distribuídas entre países e
regiões”.
A perspectiva histórica, fundamental para a compreensão do desenvolvimento e
do subdesenvolvimento, é , nas teorias institucionalistas, tênue, porque centrada quase
que unicamente na idéia de path dependence. A esse respeito, Lessa (2001), aponta a
insuficiência das interpretações que atribuem os problemas institucionais brasileiros nos
primórdios da formação do território apenas à herança da estrutura burocrática e política
dos lusitanos. Cabe retornar também a Cardoso de Mello (1982), citado anteriormente,
para quem a industrialização brasileira pode ser entendida como retardatária porque sua
natureza está determinada pelo ponto de partida – como economia exportadora – e
pelo momento, que tem a ver o movimento do capitalismo em escala mundial. A
trajetória histórica, portanto, não se limita a um caminho endogenamente concebido
como camisa de força 74 .
TPF
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Por fim, é inconsistente a fachada interdisciplinar do novo institucionalismo, o
que se evidencia, com nitidez, no tratamento que confere ao Estado. Para a compreensão
da dinâmica do capitalismo brasileiro é imprescindível, como demonstram os vários
autores mencionados, incluir efetivamente investigações sobre as instituições políticas.
Por todo o período que vai dos anos 30 aos 80, o Estado teve presença marcante, “no
cumprimento de seu papel dentro do projeto de desenvolvimento de uma economia
industrial, [criando uma] ampla e complexa institucionalidade, que se expandiu e se
especializou de forma contínua. Como produtor e coordenador dos grandes blocos de
investimento e principal agente interno de financiamento, o Estado brasileiro acabou
montando extensas burocracias econômicas, em geral competentes em sua gestão
setorial” (Fiori, 2001,p. 273). Tal visão, obviamente, é alheia aos postulados
74
TP
PT
A referência ao ensaio de J. L. Fiori, na nota anterior, reforça o ponto.
57
institucionalistas, que incorporam ex-post, a um modelo neoclássico de pesquisa
econômica, variáveis institucionais que servem tão somente para corroborar o modelo.
O diálogo da economia com as outras ciências sociais, sem compromisso com
molduras teóricas demarcadas, seja com a abrangente moldura da Escola da Regulação,
seja com a estreita moldura do Novo Institucionalismo, constitui o caminho
metodológico seguido nessa tese. A inspiração em Celso Furtado, por todas as razões
apontadas nos parágrafos precedentes, aparece com mais detalhes no capítulo que se
segue, no qual se procura examinar, a partir de sua obra, as origens da formação
econômica brasileira.
58
Capítulo II Considerações sobre as raízes do subdesenvolvimento brasileiro
A reedição de Raízes do Subdesenvolvimento, em 2003, quando a primeira
publicação dos ensaios de Celso Furtado ali reunidos completava 30 anos, tem um
significado implícito: a reafirmação da importância que Furtado confere à história para a
compreensão do presente. A história não como reveladora de uma path dependence – ou
não apenas, porque pode-se considerar que sempre há um encaminhamento “dependent”
do passado na trajetória de um país - e sim como fonte de evidências das raízes
estruturais de uma dada situação.
Essa característica da obra de Celso Furtado é ressaltada por vários autores 75
TP F
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que destacam também o seu pioneirismo na elaboração de análises que, buscando
entender a trajetória da economia brasileira e com isso explicar o seu
subdesenvolvimento, incorporam a dimensão política. Furtado, com efeito, não é só um
dos primeiros economistas brasileiros a interpretar o subdesenvolvimento resgatando
suas origens históricas. É, ademais, um dos primeiros a assumir uma postura científica
estruturalista sem cair na armadilha do determinismo econômico. Afirma a natureza
social da ciência econômica, rejeitando qualquer tentativa de naturalização da história,
especialmente quando vista pelo ângulo da economia.
O presente capítulo tem por objetivo, mediante uma leitura atenta do clássico
Formação Econômica do Brasil (Furtado [1959], 1976), e algumas incursões aos textos
contidos em Análise do ‘Modelo’ Brasileiro (Furtado, 1973) e Dialética do
Subdesenvolvimento (Furtado, 1964), recuperar os principais condicionantes históricos
75
Após a morte de Furtado, em 2004, um certo revival se traduziu numa significativa produção de livros e
artigos sobre sua obra. Ver, por exemplo, “O legado intelectual de Celso Furtado: uma abordagem
multidisciplinar e uma reflexão teórico-econômica sobre a teoria do subdesenvolvimento”, de Vera Alves
Cepêda (Cepêda, 2006); Celso Furtado 1920-2004, de Mauro Boianovsky (Boianovsky, 2006); Celso
Furtado: um retrato intelectual, de Carlos Mallorquin (Mallorquin, 2005); Celso Furtado e o século XXI,
organizado por João Sabóia e Fernando Cardim (Sabóia & Cardim, 2006).
TP
PT
59
do subdesenvolvimento brasileiro. Busca-se, além disso, reforçar as formulações de
Furtado – fartamente usadas e citadas – recorrendo a comentadores (como
Bielschowsky, que esmiuçou o pensamento furtadiano) e a outros (poucos) historiadores
igualmente clássicos que realizaram empreitadas similares à de Celso Furtado.
Em resumo, o capítulo discorre sobre as transformações da economia brasileira
até o início propriamente dito do processo de industrialização no Brasil, a partir da
década de 1930, que remetem, segundo Celso Furtado, a dois momentos de transição. O
primeiro, objeto da quarta parte de Formação Econômica do Brasil, teria sido a
transição para o trabalho assalariado, no século XIX. E o segundo seria o da transição
para um sistema industrial no século XX, tratado na quinta e última parte da referida
obra. Antes de tratá-los especificamente, é necessário discutir, ainda que rapidamente,
como se deu a formação dos dois pólos dinâmicos que impulsionaram a economia
colonial e que, segundo Furtado, contribuíram profundamente para a conformação da
sociedade e da economia brasileira contemporânea.
1 As economias açucareira e mineira
Uma questão fundamental levantada por Furtado: analisando comparativamente
as evoluções das economias brasileira e norte-americana (capítulo XVIII, Confronto
com o desenvolvimento dos EUA), o autor propõe a seguinte indagação,
que muitos homens de pensamento se têm feito no Brasil: por que se
industrializaram os EUA no século XIX, emparelhando-se com as nações
européias, enquanto o Brasil evoluía no sentido de transformar-se no século
XX numa vasta região subdesenvolvida? Superado o fatalismo supersticioso
das teorias de inferioridade de clima e ‘raça’, essa pergunta adquiriu uma
significação mais real do ponto de vista econômico 76 (Furtado, 1976, p.
100).
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76
Embora a solidez da argumentação de Furtado não deixe margem a dúvidas quanto à prevalência dos
fatores econômicos e sociais na explicação do fenômeno, fatores físicos como condições orográficas,
hidrográficas e mesmo climáticas certamente constituíram vantagens nos períodos iniciais do processo de
TP
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60
A importância dessa pergunta, que segundo Ricardo Bielschowsky “consiste
num feliz artifício de confronto do subdesenvolvimento brasileiro com o
desenvolvimento norte-americano” reside no fato de que explicita a preocupação de
Furtado “em esclarecer os determinantes históricos da formação de distintas estruturas
econômicas na ‘periferia do capitalismo europeu’” (Bielschowsky, 2000, p.166). A
questão central era explicar o contraste entre as economias brasileira e norte-americana
à época de suas independências: para a primeira, “essa teria sido uma fase
excepcionalmente ruim, de contração mesmo da renda nacional; e, para a norteamericana, uma fase de industrialização de extraordinário dinamismo” (idem, p. 167).
Tal contraste, conforme argumenta Furtado, não poderia ser explicado
simplesmente pela ausência de políticas protecionistas no Brasil, e pela utilização dessas
políticas pelos Estados Unidos. Em primeiro lugar, porque na época o que realmente
ocorreu foi que
(...) a economia brasileira atravessou uma fase de fortes desequilíbrios,
determinados principalmente pela baixa relativa dos preços das exportações
e pela tentativa do governo, cujas responsabilidades se haviam avolumado
com a independência política, de aumentar sua participação no dispêndio
nacional. (...) Criou-se, assim, uma forte pressão sobre a balança de
pagamentos, que teria de repercutir na taxa de câmbio. Na ausência de uma
corrente substancial de capitais estrangeiros ou de uma expansão adequada
das exportações, a pressão teve de resolver-se em depreciação externa da
moeda, o que provocou por seu lado um forte aumento relativo dos preços
dos produtos importados. Se se houvesse adotado, desde o começo, uma
tarifa geral de 50% ad valorem, possivelmente o efeito protecionista não
tivesse sido tão grande como resultou ser com a desvalorização da moeda
(Furtado, 1976, pp. 99-100).
Assim, não só a forte desvalorização cambial do início do século XIX teria mais
do que compensado a ausência de proteção tarifária no Brasil, como também, “e muito
mais importante ainda, nos Estados Unidos o protecionismo teria sido uma causa
secundária da industrialização” (Bielschowsky, 2000, p.168).
desenvolvimento dos EUA relativamente ao Brasil. Para uma análise detida da comparação entre esses
fatores nos dois países, ver Vianna Moog (1966).
61
O desenvolvimento dos EUA, a fins do século XVIII e primeira metade do
XIX, constitui um capítulo integrante do desenvolvimento da própria
economia européia, sendo em muito menor grau o resultado de medidas
internas protecionistas adotadas por essa nação americana. O protecionismo
surgiu nos EUA, como sistema geral de política econômica, em etapa já
bem avançada do século XIX, quando as bases de sua economia já se
haviam consolidado (Furtado, 1976, p.100).
Furtado argumenta, neste sentido, que as explicações teriam de ser buscadas nas
peculiaridades da formação da economia norte-americana, que teriam forjado
características estruturais bastante diferentes da economia brasileira já àquela época.
Tais peculiaridades, estudadas em detalhe nos capítulos V e VI de “Formação
Econômica do Brasil”, diziam respeito, em essência, à forma de colonização
empreendida na América do Norte e ao tipo de atividade econômica dominante até o
século XVII, a qual era “compatível com a pequena propriedade de base familiar e
desvinculada do compromisso de remunerar vultosos capitais” (Bielschowsky, 2000,
p.167). Assim,
[E]ssas colônias de pequenos proprietários, em grande parte autosuficientes, constituem comunidades com características totalmente distintas
das que predominavam nas prósperas colônias agrícolas de exportação; a
produtividade média era inferior, mas também o eram a concentração de
renda e a parcela da renda revertida em benefício de capitais forâneos. Em
conseqüência, o padrão médio de consumo era elevado, relativamente ao
nível da produção per capita. Ao contrário do que ocorria nas colônias de
grandes plantações, em que parte substancial dos gastos de consumo estava
concentrada numa reduzida classe de proprietários e se satisfazia com
importações, nas colônias do norte dos EUA os gastos de consumo se
distribuíam pelo conjunto da população, sendo relativamente grande o
mercado dos objetos de uso comum.
A essas diferenças de estrutura econômica teriam necessariamente de
corresponder grandes disparidades de comportamento dos grupos sociais
dominantes nos dois tipos de colônia. Nas Antilhas inglesas [colônias
agrícolas de exportação] os grupos dominantes estavam intimamente ligados
a poderosos grupos financeiros da Metrópole (...). As colônias setentrionais,
ao contrário, eram dirigidas por grupos (...) praticamente sem qualquer
afinidade de interesses com a Metrópole. Essa independência dos grupos
dominantes vis-à-vis da Metrópole teria de ser um fator de fundamental
importância para o desenvolvimento da colônia, pois significava que nela
havia órgãos políticos capazes de interpretar seus verdadeiros interesses e
não apenas de refletir as ocorrências do centro econômico dominante
(Furtado, 1976, pp. 30-31).
62
O argumento central era portanto, em resumo, que diferenças estruturais
caracterizavam as economias brasileira e norte-americana nos períodos finais de seus
ciclos coloniais. Embora suas populações fossem de magnitude semelhante, as
diferenças sociais eram profundas, “pois enquanto no Brasil a classe dominante era o
grupo dos grandes agricultores escravistas, nos EUA uma classe de pequenos
agricultores e um grupo de grandes comerciantes urbanos dominava o país” (idem, p.
101). Sobre a relação desta questão com a capacidade de interpretação dos verdadeiros
interesses nacionais, a seguinte passagem é de extraordinária valia:
Nada é mais ilustrativo dessa diferença [entre as estruturas sociais] do que a
disparidade que existe entre os dois principais intérpretes dos ideais das
classes dominantes nos dois países: Alexander Hamilton e o Visconde de
Cairu. Ambos são discípulos de Adam Smith, cujas idéias absorveram
diretamente e na mesma época na Inglaterra. Sem embargo, enquanto
Hamilton se transforma em paladino da industrialização, mal compreendida
pela classe de pequenos agricultores norte-americanos, advoga e promove
uma decidida ação estatal de caráter positivo – estímulos diretos às
indústrias e não apenas medidas passivas de caráter protecionista – Cairu
crê supersticiosamente na mão invisível e repete: deixai fazer, deixai passar,
deixai vender (idem, p. 101). 77
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Em adição à mencionada maior homogeneidade da distribuição de renda na
economia norte-americana, que lhe conferia em conseqüência maiores potencialidades
em relação à expansão de seu mercado interno, diversos fatores teriam concorrido para
o desenvolvimento daquele país, como a própria Guerra da Independência e os
transtornos políticos ocasionados na Europa pelas guerras napoleônicas. Ambos os
77
Ilustrativo também é o fato de Cairu publicar, em 1804, seus Princípios de Economia Política,
claramente influenciado pela obra de Adam Smith. Furtado comenta, na nota de rodapé 76 de “Formação
Econômica do Brasil”, a influência de Cairu no episódio da “abertura dos portos”. “Segundo consta, o
Príncipe Regente relutou muito antes de aceitar os argumentos de José da Silva Lisboa, depois Visconde
de Cairu, em favor da abertura dos portos, o que indica quão pouca percepção tinham os governantes
lusitanos do que estava ocorrendo na realidade. Os ingleses – que acreditavam menos em Adam Smith do
que José da Silva Lisboa – tampouco ficaram muito satisfeitos (...)” (Furtado, 1976, p. 93). Essa visão
irônica do Visconde, compartilhada por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil (Holanda, 1936),
é criticada por Novais & Arruda (2003). Para esses autores, Furtado e Holanda traçam um retrato parcial e
enviesado de Cairu, “como um liberal de ocasião, sem formação prévia, defensor da liberdade enquanto
guardião da propriedade, formulação ideológica que recobria a defesa da escravidão e dos interesses dos
proprietários rurais” (p.241). Em tese de doutorado, Dea Ribeiro Fenelon (Fenelon, 1973) também
defende a existência de uma semelhança efetiva entre Cairu e Hamilton.
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63
acontecimentos criaram fortes estímulos à produção interna, que já dispunha de base
para expandir-se, inclusive uma pujante indústria naval.
Mesmo assim, todos esses estímulos, toda a “lucidez de alguns de seus
dirigentes que perceberam o verdadeiro sentido do desenvolvimento econômico que se
operava com a revolução industrial”, e ainda a grande acumulação de capitais do
período das guerras napoleônicas, não seriam suficientes, segundo Furtado, para
explicar as transformações ocorridas nos EUA na primeira metade do século XIX. O
principal fator dinâmico do desenvolvimento da economia norte-americana naquele
período teria sido, paradoxalmente, ainda o setor primário-exportador, consubstanciado
nas culturas extensivas de algodão no sul do país, que chegaram a representar mais da
metade do valor das exportações dos EUA: “Com efeito, foi como exportadores de uma
matéria-prima – o algodão – que os EUA tomaram posição na vanguarda da revolução
industrial, praticamente desde os primórdios desta” (Furtado, 1976, p. 103).
Na medida em que a revolução industrial teria consistido basicamente, em seu
início, na transformação da indústria têxtil via: (i) mecanização dos processos
manufatureiros; e (ii) substituição da lã pelo algodão, coube então, segundo Furtado, à
Inglaterra introduzir os processos de mecanização, e aos EUA “fornecer as quantidades
imensas de algodão que permitiriam, em alguns decênios, transformar a fisionomia da
oferta de tecidos em todo o mundo” (idem, p. 103).
Os fundamentos do processo de desenvolvimento norte-americano teriam
resultado, portanto, da combinação de diversos fatores: uma estrutura social e
econômica mais homogênea – em particular nas colônias do norte – e o conseqüente
surgimento de atores e instituições políticas capazes de vocalizar os interesses
nacionais; a ocorrência de eventos violentos, interna e externamente, que geraram
oportunidades de expansão do sistema produtivo, oportunidades estas que foram
64
corretamente aproveitadas; a existência de um pólo dinâmico que, mesmo sendo dado
pela grande plantação para exportação de algodão, permitiu não só a inserção norteamericana na vanguarda da revolução industrial, como também possibilitou “a
incorporação de abundantes terras férteis em Alabama, Mississipi, Luisiana, Arkansas e
Flórida”. Para além de tudo isso, e talvez mais importante, a ação decidida do Estado e
seus dirigentes, que conseguiram mobilizar a sociedade norte-americana para dar seu
salto desenvolvimentista. Essa ação fica evidenciada, como observa Furtado, pela
política financeira do Estado, concebida por Hamilton, que logrou transformar os
déficits comerciais em dívidas de médio e longo prazo, invertendo-se em bônus dos
governos central e estaduais e formando, assim, “uma corrente de capitais que seria de
importância fundamental para o desenvolvimento do país”; e pela atuação estatal “na
construção da infra-estrutura econômica e no fomento direto de atividades básicas”.
Pois como afinal sintetiza Furtado,
Na primeira metade do século XIX a ação do Estado é fundamental no
desenvolvimento norte-americano. É somente na segunda metade do século
– quando cresce amplamente a influência dos grandes negócios – que
alcança prevalecer a ideologia da não-intromissão do Estado na esfera
econômica (Furtado, 1976, p. 104, nota 94).
No caso brasileiro, “além da ausência de mercado interno, de base técnica e
empresarial e de uma classe de dirigentes dinâmica”, teriam faltado aqueles estímulos
externos.
Bem ao contrário, o que se registra na primeira metade do século XIX é um
estancamento nas exportações brasileiras. Resultava daí que o próprio nível
interno de consumo entrava em declínio, o que impedia a expansão de uma
indústria têxtil, em si já dificultada pela queda nos preços dos produtos
ingleses e pelo boicote inglês à exportação de máquinas. Além disso, a
capacidade para importar tornava-se mínima, com o que um fomento à
industrialização significaria simplesmente ‘tentar o impossível num país
totalmente carente de base técnica’ (Bielschowsky, 2000, p. 168).
65
As razões estruturais para a configuração desse quadro repousariam, segundo
Furtado, nos processos de formação da renda e de acumulação de capital do sistema
econômico escravista, primeiro na economia açucareira e posteriormente na mineira.
No que respeita à economia escravista açucareira, importa ressaltar, em primeiro
lugar, que esta reunia condições de propiciar a geração de um desenvolvimento
econômico dinâmico, dado tanto pela ampla disponibilidade de terras quanto pela
elevada rentabilidade na atividade exportadora (Bielschowsky, 2000, p. 169), que
propiciaram uma grande margem de capitalização para o setor em fins do século XVI. 78
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No entanto, a renda da exportação era enormemente concentrada nas mãos da diminuta
classe de proprietários de engenhos e de plantações de cana-de-açúcar, e ademais
revertia quase que inteiramente para o exterior; fosse a parcela destinada a bens de
consumo importados – principalmente artigos de luxo (vinhos, especiarias, sedas, por
exemplo) –, que era considerável, fosse aquela retida por comerciantes não-residentes
que aplicavam capitais na produção açucareira.
A questão central, contudo, era que, uma vez iniciado o processo de formação de
capital, com vultosos gastos monetários (importação de equipamentos e mão-de-obra
especializada européia, e posteriormente de mão-de-obra escrava), “a etapa subseqüente
da inversão – construção e instalação – se realizava praticamente sem que houvesse
lugar para a formação de um fluxo de renda monetária” (Furtado, 1976, p. 48). Isto
porque, à diferença de um sistema industrial, em que a inversão faz crescer a renda da
coletividade, porque se transforma em pagamento a fatores de produção, que por sua
vez geram criação de renda monetária ou de poder de compra, num sistema exportadorescravista a inversão assume características inteiramente diversas.
78
Evidenciada pelo fato de a produção de açúcar ter podido decuplicar no último quartel daquele século
(Furtado, 1976, p. 45).
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66
Parte dela [inversão] transforma-se em pagamentos feitos no exterior: é a
importação de mão-de-obra, de equipamentos e materiais de construção; a
parte maior, sem embargo, tem como origem a utilização mesma da força de
trabalho escravo. Ora, a diferença entre o custo de reposição e de
manutenção dessa mão-de-obra, e o valor do produto do trabalho da mesma,
era lucro para o empresário. Sendo assim, a nova inversão fazia crescer a
renda real apenas no montante correspondente à criação de lucro para o
empresário. Esse incremento da renda não tinha, entretanto, expressão
monetária, pois não era objeto de nenhum pagamento (Furtado, 1976, pp.
48-49).
O fato de os fluxos da renda gerada pela exportação ficarem circunscritos entre a
unidade produtiva açucareira, tomada em seu conjunto, e o exterior (importações de
bens de consumo e reposição do capital físico) teve como conseqüência a anulação de
qualquer possibilidade “de que o crescimento com base no impulso externo originasse
um processo de desenvolvimento de autopropulsão” (idem, p. 52). E, embora o
crescimento em extensão da atividade açucareira propiciasse significativo crescimento
demográfico, via ocupação de novas áreas, “o mecanismo da economia, que não
permitia uma articulação direta entre os sistemas de produção e de consumo, anulava as
vantagens
desse
crescimento
demográfico
como
elemento
dinâmico
do
desenvolvimento econômico” (Furtado, 1976, p.52).
A par dessa análise, torna-se possível compreender a preservação da estrutura da
unidade exportadora e da própria economia açucareira do Nordeste brasileiro, que
“resistiu mais de três séculos às mais prolongadas depressões, logrando recuperar-se
sempre que o permitiam as condições do mercado externo, sem sofrer nenhuma
modificação estrutural significativa” (idem, p. 53). Isto porque, dada sua natureza
peculiarmente fechada (dir-se-ia até autárquica), o sistema tinha amortecidas as
conseqüências de eventuais choques da procura externa, da qual era, obviamente,
dependente. Assim,
diante de uma redução da demanda externa, não valia a pena ao empresário
reduzir a utilização da capacidade produtiva, já que seus custos consistiam
quase unicamente em gastos fixos. A queda na capacidade produtiva ocorria
67
de forma apenas muito lenta, em decorrência do fato de que, com a queda
no preço das exportações, o empresário via-se impedido de enfrentar os
gastos de reposição da força de trabalho e de equipamentos importados
(Bielschowsky, 2000, p. 169).
Um elemento importante que completaria a formação do “complexo econômico
nordestino”, na concepção de Celso Furtado, teria sido a introdução da atividade
pecuarista. Esta surgira induzida pela economia açucareira, como reflexo da formação
do sistema econômico de alta produtividade e em rápida expansão representado pelo
açúcar na faixa litorânea do Nordeste. Utilizando ainda uma vez os termos de Furtado, a
pecuária constituíra-se como “projeção” da economia açucareira, no sentido de atender
às necessidades dessa por carne e animais de tração e de transporte. E assim, “a
separação das duas atividades econômicas – a açucareira e a criatória – [...] deu lugar ao
surgimento de uma economia dependente na própria região nordestina” (Furtado, 1976,
p. 57).
Há dois pontos extremamente relevantes que derivam dessa análise. O primeiro
é que, em função das características da atividade pecuarista na forma como se
desenvolveu na região nordestina (e posteriormente no sul do país), quais sejam:
ocupação extensiva da terra; necessidade de permanentes deslocamentos dos rebanhos
em busca de água e de mercados; reposição e ampliação do “capital” feita simplesmente
através da incorporação de novas terras, independentemente das condições de procura,
a economia criatória constituiu-se “num fator fundamental de penetração e ocupação do
interior brasileiro” (Furtado, 1976, p. 57). O segundo é que, com o lento processo de
decadência da atividade açucareira (o afrouxamento do efeito dinâmico externo, nos
termos furtadianos) e o crescimento demográfico, crescia a importância relativa da
atividade de menor produtividade, a pecuária. E esta continuava a se expandir, mesmo
com a retração da demanda por parte do setor exportador, posto que
68
a expansão do sistema era, aí [na atividade criatória], um processo
endógeno, resultante do aumento vegetativo da produção animal. Dessa
forma, sempre havia oportunidade de emprego para a força de trabalho que
crescia vegetativamente, e também para elementos que perdiam sua
ocupação no sistema açucareiro em lenta decadência. Sem embargo, se a
procura de gado na região litorânea não estava aumentando num ritmo
adequado, o crescimento do sistema pecuário se fazia através do aumento
relativo do setor de subsistência. Em outras palavras, a importância relativa
da renda monetária ia diminuindo, o que acarretava necessariamente uma
redução paralela de sua produtividade econômica (Furtado, 1976, pp. 6263).
O ponto central, portanto, é que com o aumento da parcela da força de trabalho
ocupada em atividades de subsistência e a redução da produtividade do complexo
econômico nordestino, a economia da região teria passado por um longo processo de
atrofiamento, “no sentido de que a renda real per capita de sua população declinou
secularmente” (Furtado, 1976, p.63). Ou ainda, por um processo de “involução
econômica”, com o setor de alta produtividade perdendo força e a produtividade do
setor pecuário declinando à medida que este se expandia via crescimento do setor de
subsistência.
Tal análise permite a Furtado formular a seguinte conclusão, básica para a
compreensão das raízes do subdesenvolvimento brasileiro. A de que as formas que
assumem os sistemas açucareiro e criatório, no lento processo de decadência que se
inicia na segunda metade do século XVII, constituem elementos fundamentais na
formação do que no século XX viria a ser a economia brasileira (Furtado, 1976, p. 61).
Essas formas, representadas em última instância na formação da população nordestina e
de sua precária economia de subsistência, viriam a se constituir, na visão do autor, no
elemento básico do problema econômico brasileiro, a despeito de ter sido a grande
empresa açucareira, em seus melhores dias, “o negócio colonial-agrícola mais rentável
de todos os tempos” (Furtado, 1976, p. 64).
69
Conforme assinala Bielschowsky (2000), “a identificação da formação do
subdesenvolvimento prossegue [em “Formação Econômica do Brasil”], através do
exame da economia escravista mineira” (p. 171). A premissa básica a justificar a
extraordinária rapidez com que se desenvolveu a economia do ouro nas primeiras
décadas do século XVIII assentava-se no “estado de prostração e pobreza em que se
encontravam a Metrópole e a colônia”, sendo que os gastos de manutenção com esta
última eram crescentes (Furtado, 1976, p.73).
O primeiro ponto decorrente do advento da atividade mineradora sobre a
estrutura econômica da colônia a ser salientado foi a abertura de um ciclo migratório
totalmente novo, que logrou decuplicar a população de origem européia ao longo do
século. 79 A mineração no Brasil atraía migrantes de recursos limitados, uma vez que,
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em contraste com a experiência do Peru e do México, onde se exploravam grandes
minas e se exigiam, portanto, vultosos capitais, explorava-se aqui o metal de aluvião,
depositado no fundo dos rios.
A par das diferenças em termos de sua organização geral em relação à economia
açucareira, dadas em essência por uma possibilidade de iniciativa e por via de
conseqüência por uma mobilidade social incomparavelmente maiores – inclusive para a
mão-de-obra escrava, que de resto em nenhum momento chegou a constituir a maioria
da população –, a própria natureza do empreendimento minerador, cuja elevada
lucratividade induzia a concentração na própria mineração de todos os recursos
disponíveis, gerava sempre grandes dificuldades de abastecimento.
Este fato, argumenta Furtado, não teria significado maiores problemas, pelo
menos durante o período inicial de prosperidade. Pelo contrário, a elevação dos preços
79
Justificado em grande parte, argumenta Furtado, pela estagnação econômica em que se encontrava
Portugal na primeira metade do século XVIII. Segundo o autor, chegou a haver alarme naquele país,
tendo mesmo sido tomadas medidas para dificultar o fluxo migratório (Furtado, 1976, p. 74).
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dos alimentos e dos animais de transporte ter-se-ia constituído no “mecanismo de
irradiação dos benefícios econômicos da mineração” (p. 76). Pelo fato de já existir,
antes do ciclo mineiro, uma atividade pecuária no centro-sul, ainda que precária e
extensiva, com o advento da mineração dois importantes efeitos se sucederam: de um
lado, propiciou-se a elevação da rentabilidade do setor pecuarista; de outro, induziu-se a
articulação e a interdependência de regiões outrora totalmente desvinculadas (como
Mato Grosso e Rio Grande), e que agora poderiam mesmo se especializar em
determinadas atividades. O efeito irradiador do centro dinâmico constituído pela
economia mineira teve, portanto, impactos muito importantes na ocupação e na
integração econômica de diferentes regiões do território brasileiro.
No que respeita às características econômicas intrínsecas à economia mineira,
importa destacar, como o faz Furtado, que, embora sua renda média (ou seja, a
produtividade média) fosse inferior à do sistema açucareiro (em sua época de
prosperidade), sua distribuição ocorria de maneira bem menos concentrada, dada a
parcela muito maior de sua população livre, o que ensejava potencialidades superiores
ao mercado formado na região. Numa sentença, “[a] composição da procura teria que
ser necessariamente diversa, ocupando um espaço muito mais significativo os bens de
consumo corrente e ocorrendo o contrário aos artigos de luxo” (Furtado, 1976, p. 79).
Além disso, a população, embora dispersa num grande território, estava reunida em
grupos urbanos e semi-urbanos. As longas distâncias em relação aos portos e as
dificuldades de transporte encareciam em demasia, por fim, os produtos importados.
Tais condições, ainda que tomadas em conjunto tornassem a região mineira
muito mais propícia ao desenvolvimento de atividades ligadas ao mercado interno, não
foram suficientes para que isso ocorresse. Com efeito, o “o desenvolvimento endógeno
– isto é, com base no seu próprio mercado – da região mineira foi praticamente nulo”
71
(idem, p. 79). Como sintetiza Bielschowsky, Furtado procura argumentar que isso não
poderia “ser explicado apenas através da rentabilidade superior do investimento em
mineração, que tendia a atrair o capital disponível, nem tampouco através da proibição,
pela metrópole, da atividade manufatureira” (Bielschowsky, 2000, p. 171). Citando
diretamente Furtado, “[a] causa principal possivelmente foi a própria incapacidade
técnica dos imigrantes para iniciar atividades manufatureiras numa escala ponderável”
(Furtado, 1976, p. 79). 80
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Não tendo a economia mineira se desdobrado num sistema mais complexo, o
esgotamento progressivo da exploração do ouro repercutiu numa “rápida e geral
decadência”. Descapitalização, desagregação, atrofiamento, perda de vitalidade, eis os
termos empregados por Furtado para descrever o fim do ciclo, que ao fim se decompõe
como economia de subsistência. Desse movimento o autor extrai outra matriz estrutural
do subdesenvolvimento brasileiro, como se depreende da citação que segue
Uns poucos decênios foi o suficiente para que se desarticulasse toda a
economia da mineração, decaindo os núcleos urbanos e dispersando-se
grande parte de seus elementos numa economia de subsistência, espalhados
por uma vasta região em que eram difíceis as comunicações, isolando-se os
pequenos grupos uns dos outros. Essa população relativamente numerosa
encontrará espaço para expandir-se dentro de um regime de subsistência e
virá a constituir um dos principais núcleos demográficos do país. Nesse
caso, como no da economia pecuária do Nordeste, a expansão demográfica
se prolongará num processo de atrofiamento da economia monetária
(Furtado, 1976, p. 85).
Assim, em que pesem algumas conseqüências advindas do ciclo mineiro, que se
poderiam qualificar de benéficas na formação econômica e social brasileira, a saber:
aceleração do povoamento do país, com aumento relativo da população de origem
européia; aceleração da urbanização, com crescimento relativo da economia monetária
80
Furtado está a se referir, obviamente, não a uma prosaica incapacidade do imigrante lusitano. Está,
muito concretamente, apontando questões referentes ao estágio econômico atrasado em que se encontrava
Portugal, particularmente em relação à Inglaterra, nação que na prática mais se beneficiou do ciclo
minerador brasileiro. A leitura do capítulo XIV de Formação Econômica do Brasil (“Fluxo da Renda”),
neste ponto, é fundamental.
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ligada ao mercado interno; e articulação das regiões pecuárias do nordeste e do sul com
a área central, em razão do grande mercado de animais de carga criado pela mineração,
a economia mineira, ao fim e ao cabo, “surgindo como um parêntese num mundo
essencialmente agrário, acelerou o processo de acumulação e de povoamento, sem
modificar de forma perceptível o quadro institucional básico” (Furtado, 1973, p. 94).
Nessa última obra citada (Análise do ‘Modelo’ Brasileiro), Celso Furtado referese de maneira explícita à empresa agro-mercantil dos séculos XVI e XVII e à empresa
mineira do século XVIII (que se teria feito em grande parte a partir dos recursos
acumulados pela primeira, incluído o instituto da escravidão) como “as matrizes da
economia brasileira” (Furtado, 1973, p. 95); a caça ao indígena e a pecuária seriam os
outros campos de atividade que operariam como “mecanismos multiplicadores”. Mais
ainda: sobre a empresa agro-mercantil, 81 Furtado assinala que “marcará decisivamente
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a estrutura da economia e da sociedade que se formarão no país (idem, p. 94).
Antes de prosseguir com a análise das origens do processo de desenvolvimento
brasileiro, com o advento da economia cafeeira e as questões cruciais da transição para
o trabalho assalariado e para um sistema industrial, convém concluir essa seção
retomando a comparação entre os processos de evolução do desenvolvimento dos
Estados Unidos e do Brasil, reendereçada por Celso Furtado nos seguintes termos:
(...) as Américas Portuguesa e Anglo-Saxônica (...) são, no essencial,
criações da expansão comercial européia. Neste caso [em contraste com a
América Hispânica], a acumulação inicial se fez, em parte não desprezível,
mediante a pilhagem da África, pois a mão-de-obra no Brasil e no Sul dos
futuros Estados Unidos foi inicialmente formada por escravos de origem
africana. Mas, enquanto no Brasil a empresa agrícola escravista é a célula
81
Cuja importância para o autor pode ser apreendida do seguinte trecho, que abre o segundo ensaio da
obra em questão: “Nunca se insistirá suficientemente sobre o fato de que a implantação portuguesa na
América teve como base a empresa agrícola-comercial. O Brasil é o único país das Américas criado,
desde o início, pelo capitalismo comercial sob a forma de empresa agrícola” (Furtado, 1973, p. 93). A
experiência brasileira contrastaria, assim, com a da América Hispânica, forjada pela conquista e pela
pilhagem, e da Nova Inglaterra, formada por “comunidades que nascem introvertidas e que logo
desenvolverão interesses que não deixarão de conflitar com os da Metrópole” (p. 94, grifo no original).
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matriz do tecido das instituições nacionais, nos Estados Unidos prevalecerão
as instituições das colônias de povoamento da Nova Inglaterra, onde, ao
lado de uma agricultura de pequena e média explorações, surgiu uma
burguesia mercantil de considerável autonomia (Furtado, 1973, p. 94).
2 A economia cafeeira e a transição para o trabalho assalariado
Assinala Celso Furtado que a primeira metade do século XIX fora marcada pela
estagnação e mesmo pela decadência econômica. Eventuais ciclos de prosperidade,
como no caso do cultivo de algodão no Maranhão, haviam gerado apenas efeitos locais,
sem no entanto lograr maiores impactos no panorama geral. Em que pesem alguns
resultados positivos advindos das transformações políticas – a instalação de um sistema
administrativo, ainda que precário, a criação de um banco nacional, e a preservação da
unidade territorial –, a estrutura do sistema produtivo permanecia inalterada, e “o
problema nacional básico – a expansão da força de trabalho no país – encontrava-se em
verdadeiro impasse: estancara-se a tradicional fonte africana sem que se vislumbrasse
uma solução alternativa” (Furtado, 1976, p. 110).
A questão central, portanto, era fazer o país reintegrar-se às linhas em expansão
do comércio internacional, única maneira de superar a estagnação numa economia sem
técnica própria e que não podia contar com capitais externos, pela impossibilidade de se
apresentar projetos atrativos a investidores estrangeiros numa economia estagnada.
Demais, havia ainda a dificuldade adicional dada pelas condições fiscais extremamente
precárias do governo brasileiro, cuja principal fonte de receita advinha dos tributos
incidentes sobre o comércio exterior, e que foram ainda agravadas pelos pesados gastos
com a Independência e com o serviço dos empréstimos externos contraídos ao longo da
primeira metade do século. Assim, “[p]ara contar com a cooperação do capital
74
estrangeiro, a economia deveria primeiro retomar o crescimento com seus próprios
meios” (idem, p. 111).
Isso viria a ocorrer com o advento do café, introduzido no Brasil no início do
século XVIII e bem adaptado às condições ecológicas do país, sendo já de cultivo
corrente para fins de consumo local, e que adquire importância comercial no fim desse
século, por conta da alta de preços causada pela desestabilização do Haiti, então o
grande produtor. Com efeito, enquanto que no “primeiro decênio da independência o
café já contribuía com 18% do valor das exportações do Brasil, colocando-se em
terceiro lugar depois do açúcar e do algodão (...), nos dois decênios seguintes já passa
para primeiro lugar, representando mais de quarenta por cento do valor das
exportações” (idem, p. 113).
Em função de vantagens como a existência de relativa abundância de mão-deobra, dada pela desagregação da economia mineira, e a proximidade do porto, a
primeira fase da expansão cafeeira (segundo e terceiro quartos do século XIX)
concentrou-se na região montanhosa próxima da capital do país. Nessa fase, como se
sabe, procedeu-se à utilização intensiva da força de trabalho escrava. Mas como observa
Furtado, a semelhança com a economia açucareira aí se encerra. Primeiro, pelo fato de o
grau de capitalização da empresa cafeeira ser muito mais baixo que a do açúcar, dado
que, embora também requeira imobilização do capital (cafezal é cultura permanente),
envolve custos de reposição muito menores. Os equipamentos necessários eram mais
simples, e podiam ser fabricados localmente. “Por conseguinte, somente uma forte alta
nos preços da mão-de-obra poderia interromper o seu [da empresa cafeeira]
crescimento, no caso de haver abundância de terras” (Furtado, 1976, p. 114). Como
nessa primeira etapa da economia cafeeira utilizou-se amplamente o estoque de mão-de-
75
obra escrava subutilizada da antiga região mineira, e o fator terra não constituía
impeditivo, explica-se seu intenso desenvolvimento.
Segundo, e mais importante, a etapa de gestação da economia cafeeira
relacionou-se com a formação de uma nova classe empresarial. No sistema açucareiro,
as fases produtiva e comercial encontravam-se isoladas (a última monopolizada por
grupos situados em Portugal ou na Holanda), sendo que as decisões fundamentais eram
tomadas justamente na fase comercial. Os responsáveis pela produção não teriam sido
capazes, neste sentido, de desenvolver uma consciência clara de seus próprios
interesses, e assim, “[c]om o tempo, foram perdendo sua verdadeira função econômica,
e as tarefas diretivas passaram a constituir simples rotina executada por feitores e outros
empregados” 82 (idem, p. 115). Na economia cafeeira, em contraste, segundo Furtado,
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foi formada desde o começo por homens com experiência comercial; os interesses da
produção e do comércio se entrelaçavam. O autor assinala a vantagem que a
proximidade da capital do país constituía para os dirigentes do sistema cafeeiro,
porquanto desde cedo “eles compreenderam a enorme importância que podia ter o
governo como instrumento de ação econômica” (p. 116). Mais ainda:
(...) não é o fato de que hajam controlado o governo o que singulariza os
homens do café. E sim que hajam utilizado esse controle para alcançar
objetivos perfeitamente definidos de uma política. É por essa consciência
clara de seus próprios interesses que eles se diferenciam de outros grupos
dominantes anteriores ou contemporâneos (idem, p. 116).
Mesmo assim, restava o problema da mão-de-obra por ser resolvido para
viabilizar a expansão cafeeira e a reintegração efetiva do país nas correntes em
expansão do comércio mundial. Com o fim do tráfico de escravos em 1850, e dadas as
condições de vida extremamente precárias da população escrava brasileira, que
82
Com fina ironia, Furtado justifica assim por que “os antigos empresários hajam involuído numa classe
de rentistas ociosos, fechados num pequeno ambiente rural, cuja expressão final será o patriarca bonachão
que tanto espaço ocupa nos ensaios dos sociólogos nordestinos do século XX” (Furtado, 1976, p. 115).
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76
implicavam uma taxa de mortalidade bem superior à de natalidade, a questão da mãode-obra torna-se crucial. À diferença das economias européias que se industrializavam
no século XIX, e cujo crescimento portanto decorria essencialmente da incorporação de
novas tecnologias, no caso brasileiro a expansão econômica consistia em ampliar a
utilização do fator disponível, a terra, mediante a incorporação de mais mão-de-obra.
Convém esclarecer, tal como o faz Furtado, por que esse problema não se teria
resolvido mediante a absorção da oferta de mão-de-obra dos setores de subsistência, que
haviam inclusive se expandido durante a longa fase de estagnação da primeira metade
do século XIX. Em primeiro lugar porque, à exceção de algumas regiões de maior
concentração demográfica (como o sul de Minas Gerais), “a economia de subsistência
de maneira geral estava de tal forma dispersa que o recrutamento de mão-de-obra dentro
da mesma seria tarefa bastante difícil e exigiria grande mobilização de recursos”
(Furtado, 1976, p. 121). 83 Segundo, tal recrutamento só seria possível se contasse com
TP F
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a cooperação da classe de grandes proprietários de terras, cooperação essa, segundo o
autor, que “[como a] experiência demonstrou, (...), dificilmente podia ser conseguida,
pois era todo um estilo de vida, de organização social e de estruturação do poder
político o que entrava em jogo” (idem, p. 121). Finalmente, em relação à massa de
população urbana que não encontrava ocupação permanente, havia as dificuldades de
adaptação ao trabalho agrícola; dificuldades que encontravam também aqueles que
vinham da agricultura rudimentar do sistema de subsistência.
A solução encaminhada para o problema da mão-de-obra, como se sabe, foi a de
fomentar uma corrente de imigração européia. As dificuldades iniciais com que se
defrontou essa solução, na prática, quase que a inviabilizaram. Primeiramente, pelo fato
83
Caio Prado Júnior, em Evolução Política do Brasil, explora detidamente o obstáculo que a dispersão
demográfica representou para o crescimento econômico brasileiro, em particular no momento da
expansão cafeeira. Ver Prado Júnior (1969), Parte IV, “Estudos demográficos”.
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77
de as colônias onerarem sobremaneira as finanças públicas, dado que era uma política
do governo imperial. Além disso, “não existia nenhum precedente, no continente, de
imigração de origem européia de mão-de-obra livre para trabalhar em grandes
plantações” (Furtado, 1976, p. 123). A precariedade da vida econômica das colônias,
ademais, consubstanciada na ausência de marcado para os excedentes de produção,
levava ao atrofiamento do setor monetário, implicando a involução da colônia “a um
sistema rudimentar de subsistência”. Mesmo no momento seguinte, quando a classe
dirigente cafeeira, liderada pelo Senador e grande plantador de café Nicolau de Campos
Vergueiro, passou a contratar diretamente trabalhadores na Europa, contando com o
financiamento do governo para as despesas de transporte, o sistema fracassou. Na
medida em que o imigrante “vendia” seu trabalho futuro, o sistema degenerou-se numa
forma de servidão. Tal processo, de “imigração subvencionada”, significava, nas
palavras de Caio Prado Jr.:
nada mais que um processo forçado e artificial de recrutar, não verdadeiros
povoadores, novos membros de uma comunidade humana, mas
simplesmente instrumentos de trabalho para a grande lavoura cafeeira
(Prado Júnior, 1969, p. 241).
Para este autor, a política de imigração realizada nesses moldes teria muitos
pontos de semelhança com o extinto tráfico africano que pretendera substituir:
(...) era, aliás, a continuação, sob nova forma, do velho sistema econômico e
social brasileiro herdado da colônia, isto é, uma organização mercantil, que,
para o fim de produzir alguns gêneros tropicais de grande valor no
mercado internacional, congregara aqui, ao lado de uma minoria de
dirigentes desta exploração comercial do território brasileiro, a massa de
trabalhadores destinados a fornecerem o esforço físico necessário à
produção. (...) O sistema permanecia fundamentalmente o mesmo, e se
perpetuava nos novos territórios abertos para a cultura do café, pela
substituição do tráfico pela imigração, do escravo africano pelo imigrante
europeu (Prado Júnior, 1969, p. 242, grifos no original).
Conforme observa Celso Furtado, “a conseqüência prática de tudo isso foi, (...),
que se formou na Europa um movimento de opinião contra a emigração para o império
78
escravista da América e já em 1859 se proibia a emigração alemã para o Brasil”
(Furtado, 1976, p. 125).
Somente a partir da década de sessenta é que se lograria criar um sistema viável
para a corrente migratória de origem européia. Foi introduzido um sistema misto pelo
qual o colono tinha garantida parte principal de sua renda. Os gastos com o transporte
dos imigrantes ficavam a cargo do governo imperial (cujas finanças encontravam-se em
momento favorável, dada a conjuntura de melhora nos preços do café naquele período);
ao fazendeiro cabia cobrir os gastos do imigrante durante seu primeiro ano de atividade,
além de colocar à sua disposição terras em que pudesse cultivar gêneros de primeira
necessidade para manutenção da família. “Esse conjunto de medidas”, assinala Furtado,
“tornou possível promover pela primeira vez na América uma volumosa corrente
imigratória de origem européia destinada a trabalhar em grandes plantações agrícolas”
(Furtado, 1976, p. 127). Assim sendo,
Estavam, portanto, lançadas as bases para a formação da grande corrente
imigratória que tornaria possível a expansão da produção cafeeira no Estado
de São Paulo. O número de imigrantes europeus que entram nesse Estado
sobe de 13 mil, nos anos setenta, para 184 mil no decênio seguinte e 609 mil
no último decênio do século. O total para o último quartel do século foi 803
mil, sendo 577 mil provenientes da Itália (idem, p. 128). 84
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FP T
Com relação à abolição da escravatura, observa Furtado que, “à semelhança de
uma reforma agrária, (...) teria de acarretar modificações na forma de organização da
produção e no grau de utilização dos fatores” (Furtado, 1976, p. 137). Concretamente,
no caso da região açucareira nordestina, em que as terras agricultáveis já estavam
ocupadas em sua quase totalidade à época da abolição, e onde ademais as regiões
84
A esse respeito, é de interesse observar, como o faz Furtado, as condições políticas vigentes na Itália,
onde na época se realizava o processo de unificação. A solução migratória teria surgido como válvula de
escape para os excedentes de população agrícola das regiões meridionais daquele país, expostas a uma
concorrência desigual com as províncias mais desenvolvidas do norte. O que permite ao autor formular a
conjectura de que talvez “essa imigração não houvesse alcançado níveis tão elevados, não fora o concurso
de um conjunto de condições favoráveis do lado da oferta” (Furtado, 1976, p. 127).
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urbanas já possuíam um excedente populacional que constituía um “problema social”, a
abolição “não chegou a ter conseqüências graves sobre a utilização dos recursos e muito
provavelmente não provocou qualquer modificação sensível na distribuição de renda”
(idem, p. 139).
Tal não teria sido o caso, entretanto, na região cafeeira que havia se
desenvolvido inicialmente à base do trabalho escravo, nas províncias que hoje
constituem os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Vários fatores então passam
a concorrer: a rápida destruição da fertilidade das terras ocupadas nessa região; a
expansão em direção a terras a maior distância, com a introdução de estradas de ferro; e
a formação da grande corrente migratória para São Paulo. A abolição, neste contexto,
não gerou um deslocamento da força de trabalho das regiões antigas para as novas em
expansão, que podiam pagar salários relativamente elevados. Primeiro porque, do ponto
de vista dos fazendeiros de café, eram óbvias as vantagens que o trabalhador europeu
apresentava em relação ao ex-escravo (Furtado, 1976, p.139). E segundo, porque “a
relativa abundância de terras tornava possível ao antigo escravo refugiar-se na economia
de subsistência” (idem, p.140).
A resultante desses fatores teria sido, ao que tudo indica, segundo Furtado, uma
redistribuição de renda em favor da mão-de-obra ex-escrava na antiga região cafeeira.
Todavia, o autor pondera que este fato aparentemente pode ter tido antes efeitos
negativos do que positivos no que respeita à utilização dos fatores. Argumenta ele que o
indivíduo
formado
no
sistema
social
escravagista
encontrava-se
totalmente
desaparelhado para responder a estímulos econômicos, sendo-lhe estranha a idéia de
acumulação de riqueza. Assim, para o ex-escravo, “a elevação de seu salário acima de
suas necessidades – que estão definidas pelo [seu] nível de subsistência (...) – determina
de imediato uma forte preferência pelo ócio”, o que fez com que “uma das
80
conseqüências diretas da abolição (...) foi reduzir-se o grau de utilização da força de
trabalho” (Furtado, 1976, p. 140). 85
TP F
FP T
Em resumo, portanto, a abolição do trabalho escravo não teria produzido
alterações profundas, no que se refere à dimensão puramente econômica. Ela teria
resultado, em essência, da força política dos grupos formados na classe dirigente da
nova economia cafeeira em rápida expansão, notadamente em São Paulo. Nas palavras
de Furtado:
Observada a abolição de uma perspectiva ampla, comprova-se que a mesma
constitui uma medida de caráter mais político que econômico. A escravidão
tinha mais importância como base de um sistema regional de poder que
como forma de organização da produção. Abolido o trabalho escravo,
praticamente em nenhuma parte houve modificações de real significação na
forma de organização da produção e mesmo na distribuição da renda. Sem
embargo, havia-se eliminado uma das vigas básicas do sistema de poder
formado na época colonial e que, ao perpetuar-se no século XIX, constituía
um fator de entorpecimento do desenvolvimento econômico do país
(Furtado, 1976, p. 141).
Um último ponto deve ser destacado. Analisando os dados do comércio exterior
(que era obviamente o setor-chave do sistema) da economia brasileira na segunda
metade do século XIX, Celso Furtado observa que o crescimento naquele período se deu
a taxas relativamente altas. 86 Em todas as regiões teria havido crescimento da renda per
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capita, à exceção do Nordeste, onde teria havido significativo decréscimo (0,6% ao ano,
o equivalente a uma diminuição de 35% em meio século). O que leva o autor a sugerir
que, se a economia brasileira tivesse crescido, na primeira metade do século XIX, nos
mesmos patamares em que conseguiu crescer na segunda metade, muito provavelmente,
85
Sem pretensões de uma exegese profunda das palavras de Furtado, importa ressaltar, como feito
anteriormente, que o autor não está a aludir a, nem a fazer insinuações sobre, uma suposta inaptidão do
ex-escravo (ou seja, do negro) ao trabalho. Está, de maneira concreta, se referindo ao precário
desenvolvimento mental, isto é, de técnica e conhecimento, do indivíduo formado no sistema da
escravidão. Mais que isso, referindo-se a isso como um grave problema, de amplas repercussões sociais e
econômicas para o desenvolvimento posterior do país.
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86
A análise é feita por estados, regiões e produtos, e é confrontada com dados demográficos dos censos
de 1872 e 1900. Ver capítulo XXV de “Formação Econômica do Brasil”.
TP
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81
segundo seus próprios cálculos, teria uma renda real comparável à média dos países da
Europa Ocidental em 1950 – mantida a taxa de crescimento na primeira metade do
século XX. O que leva a uma constatação final sobre as origens do subdesenvolvimento
brasileiro, ou de seu atraso relativo naquele momento (meados do século XX):
Esse atraso tem sua causa não no ritmo de desenvolvimento dos últimos
cem anos, o qual parece haver ido razoavelmente intenso, mas no retrocesso
ocorrido nos três quartos de século anteriores. Não conseguindo o Brasil
integrar-se nas correntes em expansão do comércio mundial durante essa
etapa de rápida transformação das estruturas econômicas dos países mais
avançados, criaram-se profundas dissimilitudes entre seu sistema econômico
e os daqueles países (Furtado, 1976, p. 141).
Como assinala Ricardo Bielschowsky, tal análise sugere que,
não fosse a defasagem de três quartos de século, é provável que não se
tivesse formado no país a economia de subsistência e seu exército de mãode-obra subempregada. E que, conseqüentemente, a elevação de
produtividade acarretada pelo surto exportador cafeeiro teria implicado
elevação salarial e formação de um mercado interno, daí resultando, então,
uma estrutura produtiva diversificada e a disseminação de um elevado
padrão tecnológico em toda a estrutura econômica, semelhante ao que
ocorreu nos Estados Unidos (Bielschowsky, 2000, p. 174).
3 Formação do mercado interno
A formação do mercado interno está diretamente associada ao processo de
profundas transformações por que passa a economia brasileira na segunda metade do
século XIX. Observa Caio Prado Jr. que:
a primeira metade do século [XIX] é de transição, fase de ajustamento à
nova situação criada pela independência e autonomia nacional; a crise
econômica, financeira, política e social que se desencadeia sobre o Brasil
desde o momento da transferência da corte portuguesa em 1808, e sobretudo
da emancipação política de 1822, prolonga-se até meados do século; e se é
verdade que já antes deste momento se elaboram os fatores de
transformação, é somente depois dele que amadurecem e produzem todos os
frutos que modificariam tão profundamente as condições do país.
Expandem-se então largamente as forças produtivas brasileiras, dilatando-se
o seu horizonte; e remodela-se a vida material do Brasil (Prado Jr., 1978, p.
192).
82
De importância decisiva nesse processo, sem dúvida, a decadência do modo de
produção baseado no regime de trabalho servil, primeiro com a extinção do tráfico
africano, depois com a própria abolição da escravidão, e o concorrente processo de
imigração e colonização de populações de origem européia, que passa a ganhar impulso
nos anos 70 daquele século.
A extinção do tráfico, para Prado Jr., ocorrida efetivamente apenas em 1850,
teria tido, por si só, um efeito imediato de “desencadear as forças renovadoras em
gestação”, pelo deslocamento dos vultosos capitais antes invertidos no tráfico humano
(1978, p. 192). O autor observa mesmo que a “libertação” desses capitais veio a
desencadear um processo desenfreado de abertura de empresas e companhias
financeiras, que por sua vez deu origem a movimentos especulativos que terminariam
nas crises financeiras de 1857 e 1864. Não obstante, houve inequívoco progresso
material, consubstanciado pelo desenvolvimento dos transportes – estradas de ferro,
navegação a vapor articulando o extenso litoral, bem como as principais bacias
hidrográficas –, das comunicações e mesmo de um incipiente processo de
industrialização. 87 Processo este, é bem verdade, que é interrompido pela Guerra do
TPF
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Paraguai (1865-1870) a qual, a par de não ter produzido “resultados positivos de
expansão econômica apreciável”, teria, ao contrário, comprometido seriamente as
finanças nacionais. Sobre este ponto em particular, salienta o autor que:
O saneamento das finanças públicas e o estabelecimento de um sistema
monetário estável e sólido, problemas de solução já tão difícil nas condições
normais do Brasil, serão definitivamente comprometidos pela guerra; e o
Império extinguir-se-á vinte anos depois dela sem ter podido ainda
estabelecer no país a ordem financeira, tão necessária à sua consolidação
econômica (Prado Jr., 1978, p. 194).
87
Segundo Caio Prado Jr., ao final do período imperial, as linhas de transporte ferroviário totalizavam
9.000 km; a navegação fluvial a vapor somava ao redor de 50.000 km de linhas em tráfego regular. O
legado imperial inclui também o desenvolvimento da rede telegráfica, que articulava todas as capitais e as
cidades mais importantes do país. Ver Prado Jr. (1978), cap. 20, para maiores detalhes.
TP
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83
Passado o período da guerra, a economia retoma um processo de crescimento
vigoroso, sendo o decênio que vai de 1870 a 1880 classificado por Caio Prado Jr. como
“um dos momentos de maior prosperidade nacional” (p. 194). Com efeito, esse é o
período em que se inicia a intensificação das correntes migratórias européias. Celso
Furtado assinala, a propósito, que “[o] fato de maior relevância ocorrido na economia
brasileira no último quartel do século XIX foi, sem lugar à dúvida, o aumento da
importância relativa do setor assalariado” (Furtado, 1976, p. 151).
À semelhança da antiga economia escravista, a economia cafeeira assentada
sobre o trabalho assalariado ainda era constituída por uma grande quantidade de
unidades produtivas voltadas para o comércio exterior. Porém, contrastando com
aquela, na nova situação a renda gerada pelas exportações se propaga internamente,
através dos gastos de consumo dos assalariados. Estes gastos de consumo,
evidentemente, constituem a renda dos pequenos produtores e comerciantes, que por sua
vez também destinam grande parte de sua renda em gastos de consumo. Assim sendo,
a soma de todos esses gastos terá necessariamente de exceder de muito a
renda monetária criada pela atividade exportadora. Suponhamos agora que
ocorra um aumento do impulso externo [por exemplo, sob a forma de
elevação nos preços dos produtos exportados]. Crescendo a massa de
salários pagos, aumentará automaticamente a procura de artigos de
consumo. A produção de parte desses últimos, por seu lado, pode ser
expandida com relativa facilidade, dada a existência de mão-de-obra e terras
subutilizadas, particularmente em certas regiões em que predomina a
atividade de subsistência. Desta forma o aumento do impulso externo –
atuando sobre um setor da economia organizado à base de trabalho
assalariado – determina melhor utilização de fatores já existentes no país.
Demais, o aumento de produtividade – efeito secundário do impulso externo
– manifesta-se fora da unidade produtora-exportadora. A massa de salários
pagos no setor exportador vem a ser, por conseguinte, o núcleo de uma
economia de mercado interno (Furtado, 1976, p. 152, grifos
acrescentados).
Questão relevante, nesse ponto, é o fato de que esse efeito secundário do
impulso externo, isto é, o aumento de produtividade nas atividades ligadas ao mercado
interno, não se refletia em aumento real de salários na economia cafeeira, dado o
84
excesso de mão-de-obra no setor de subsistência que era absorvido, principalmente pelo
setor exportador.
Com efeito, os deslocamentos de mão-de-obra dentro do país e a imigração
processaram-se independentemente da elevação do salário real naqueles
setores ou regiões que atraíram fatores. O setor cafeeiro pôde, na verdade,
manter seu salário real praticamente estável durante a longa etapa de sua
expansão. Bastou que esse salário fosse, em termos absolutos, mais elevado
do que aqueles pagos nos demais setores da economia, e que a produção se
expandisse, para que a força de trabalho se deslocasse. Portanto, teve
importância fundamental, no desenvolvimento do novo sistema econômico
baseado no trabalho assalariado, a existência da massa de mão-de-obra
relativamente amorfa que se fora formando no país nos séculos anteriores.
Se a expansão da economia cafeeira houvesse dependido exclusivamente da
mão-de-obra européia imigrante, os salários ter-se-iam estabelecido a níveis
mais altos, à semelhança do que ocorreu na Austrália e mesmo na
Argentina. A mão-de-obra de recrutamento interno (...) exerceu uma pressão
permanente sobre o nível médio de salários (Furtado, 1976, p. 153).
Não obstante, como o fluxo monetário nos setores de subsistência era muito
baixo, relativamente ao centro dinâmico formado pelo setor exportador, com o
crescimento deste, e a conseqüente absorção de fatores daquele, o nível médio de
salários para o conjunto da economia elevava-se. Em outras palavras, “como a
população crescia muito mais intensamente no setor monetário que no conjunto da
economia, a massa de salários monetários – base do mercado interno – aumentava mais
rapidamente que o produto global” (Furtado, 1976, p. 153).
A configuração desse quadro é objeto de duas considerações por parte de Celso
Furtado. Na análise de Ricardo Bielschowsky:
a primeira consistiu na observação de que a situação favorável à
apropriação, pelos empresários, da totalidade dos benefícios da elevação de
preços dos produtos de exportação acarretava uma acumulação de capital
mais rápida, e conseqüentemente, maior absorção de mão-de-obra do setor
de subsistência; a segunda consistiu na avaliação prebischiana dos efeitos da
abundância de mão-de-obra sobre as relações de intercâmbio do país, ou
seja, se os salários absorvessem parte da elevação da rentabilidade auferida
na alta cíclica, haveria maior capacidade de defesa contra a queda de preços
e a deterioração dos termos de intercâmbio na fase de baixa. Como os
salários podem oferecer maior resistência à compressão do que os lucros, na
fase depressiva, haveria meios de evitar a deterioração secular das relações
de troca (Bielschowsky, 2000, pp. 175-176).
85
A resultante desse fato, da inexistência de pressões da mão-de-obra por elevação
de salários, dada pela reserva de força de trabalho que se deslocava da economia de
subsistência para o setor exportador, e que era reforçada pelo forte fluxo imigratório,
era, portanto, que os aumentos de produtividade da economia exportadora, dados por
modificações nos preços do café, acabavam sendo retidos em sua totalidade pelo
empresariado cafeeiro. A este, por sua vez, não interessava investir em melhorias de
processos de cultivo, ou aplicar maior quantidade de capital por unidade de terra ou de
mão-de-obra. Na medida em que todo aumento de produtividade revertia em aumento
dos lucros, sempre seria mais vantajoso
produzir a maior quantidade possível por unidade de capital, e não pagar o
mínimo possível de salários por unidade de produto. A conseqüência prática
dessa situação era que o empresário estava sempre interessado em aplicar
seu capital novo na expansão das plantações, não se formando nenhum
incentivo à melhora dos métodos de cultivo (Furtado, 1976, p. 162).
Em relação ao fator terra, argumento análogo pode ser mobilizado para explicar
a lógica de sua utilização com o mínimo de capital possível. Dada a abundância de
terras desocupadas ou subocupadas, uma vez que a terra utilizada desse sinais de
esgotamento, era abandonada, e o capital dela transferido para novos solos de maior
rendimento. Como observa Celso Furtado,
As condições econômicas em que se desenvolvia a cultura do café não
criavam, portanto, nenhum estímulo ao empresário para aumentar a
produtividade física, seja da terra seja da mão-de-obra por ele utilizadas. Era
essa, aliás, a forma racional de crescimento de uma economia onde existiam
desocupadas ou subocupadas terra e mão-de-obra, e onde era escasso o
capital (Furtado, 1976, p. 162).
Esta em linhas gerais, portanto, a configuração do sistema nos períodos de alta
dos mercados internacionais, que se refletiam em elevações dos preços que por sua vez
se traduziam em aumento da margem de lucro do empresariado cafeeiro. Importa
observar, por outro lado, que na contração cíclica, isto é, nos períodos em que houve
86
reduções ocasionais dos preços, o setor exportador era beneficiado por políticas de
desvalorização cambial, mantendo o mais que possível as margens de lucro protegidas.
Constituiria isto o mecanismo de “socialização das perdas”, caracterizado por
Furtado nos seguintes termos. A questão central era o papel determinante do preço do
principal artigo de exportação brasileiro, o café, sobre o comportamento da taxa de
câmbio. 88 A conseqüência era que, nos períodos de baixa cíclica dos preços do café, o
TP F
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poder aquisitivo externo da moeda nacional tendia a baixar de maneira abrupta.
Derivava naturalmente disto que
encareciam bruscamente todos os produtos importados, reduzindo-se
automaticamente sua procura dentro do país. Assim, sem necessitar de
liquidar reservas, que aliás não possuía, a economia lograva corrigir o
desequilíbrio externo. Por um lado, cortava-se o poder de compra dos
consumidores de artigos importados, elevando os preços destes, e por outro
estabelecia-se uma espécie de taxa sobre a exportação de capitais, fazendo
pagar mais àqueles que desejassem reverter fundos para o exterior (Furtado,
1976, pp. 164-165).
Como se daria a correção dos desequilíbrios trazidos pela contração cíclica dos
preços do café, caso a economia operasse dentro das regras do padrão-ouro? Nesse caso,
responde Furtado, deveria haver uma contração do setor exportador, traduzida em
redução de suas margens de lucro, que se propagaria aos demais setores da economia.
Assim, “[a] contração da renda global resultante da crise se manifestaria, (...), numa
redução das remunerações das classes não-assalariadas” (Furtado, 1976, p. 164). Dada a
88
Furtado (1976) identifica no estudo de Wileman (1896) um caráter pioneiro nessa associação empírica,
“numa época em que os observadores mais esclarecidos do Brasil preocupavam-se apenas com as
emissões de moeda-papel e os déficits do governo central” (p. 164, nota 144). Cabe registrar, neste ponto,
a crítica de Franco (1997), para quem tal análise possuiria um “viés no sentido de se explicar as
flutuações cambiais nos anos [18]90 através das variações no preço do café” (Franco, 1997, p. 15). Este
autor cita, logo em seguida, trabalhos que procuram “especificar modelos macroeconômicos onde (sic) as
diversas influências sobre a taxa de câmbio são identificadas e testadas”. À parte o fato reconhecido pelo
autor de que os “resultados desses estudos não são conclusivos, embora gerem dúvidas, (...), sobre
interpretações simplistas da relação entre a taxa de câmbio, a moeda e os termos de troca” (Franco, 1997,
p. 15), importa objetar a seguinte observação. Não constituía objetivo primordial de Furtado a
identificação de quais fatores influenciavam a taxa de câmbio; seu interesse, muito mais relevante, era, a
partir da constatação de um fato inequívoco, a associação entre o preço do café e o câmbio, elaborar uma
explicação teórica para tal fato, baseado na realidade sócio-econômica brasileira.
TP
PT
87
elevada participação no consumo de produtos importados destas classes, a redução de
seus rendimentos implicaria diretamente um decréscimo na procura desses produtos. A
diminuição do nível de investimentos, decorrência também da baixa dos lucros,
concorreria para deprimir a demanda de importações.
Não se concretizando dessa maneira o processo de correção do desequilíbrio,
este se dando em verdade via o mecanismo da desvalorização cambial, o resultado final
significava uma transferência de renda dos setores não-exportadores para o setor
exportador da economia.
Como as importações eram pagas pela coletividade em seu conjunto, os
empresários exportadores estavam na realidade logrando socializar as
perdas que os mecanismos econômicos tendiam a concentrar em seus
lucros. É verdade que parte dessa transferência de renda se fazia dentro da
própria classe empresarial, na sua qualidade dupla de exportadora e
consumidora de artigos importados. Não obstante, a parte principal da
transferência teria de realizar-se entre a grande massa de consumidores de
artigos importados e os empresários exportadores. Bastaria atentar na
composição das importações brasileiras no fim do século passado [XIX] e
começo deste [XX], 50 por cento das quais eram constituídas por alimentos
e tecidos, para dar-se conta do vulto dessa transferência. Durante a
depressão,as importações que se contraíam menos – dada a baixa
elasticidade-renda de sua procura – eram aquelas de produtos essenciais
utilizados pela grande massa consumidora. Os produtos de consumo de
importação exclusiva das classes não-assalariadas apresentavam elevada
elasticidade-renda, dado seu caráter de não-essencialidade (Furtado, 1976,
p. 165).
Para Furtado, a explicação para um tal padrão de funcionamento da economia
residia “no esforço de sobrevivência de um organismo econômico que contava com
escassos meios de defesa”. Numa economia desenvolvida, provida de um centro
industrial dinâmico, a crise econômica funcionaria como uma parada necessária para
“reajustar as peças do sistema, que numa etapa de crescimento rápido tendiam a
descoordenar-se”, provendo ainda uma espécie de mecanismo de seleção natural que
eliminaria os setores menos eficientes e que exigiria “dos financeiramente fortes
88
aumentarem sua eficiência e possibilitava a concentração do poder financeiro
indispensável na etapa superior de desenvolvimento da economia capitalista” (p. 166).
Numa economia periférica como a brasileira, as conseqüências da crise (que “se
apresentava como um cataclismo, imposto de fora para dentro”) poderiam ser
absolutamente devastadoras, exigindo portanto a mobilização de quaisquer mecanismos
de defesa que estivessem ao alcance. Minimizar as perdas do empresariado cafeeiro
significava, em última instância, uma tentativa de evitar a paralisação da principal
atividade econômica nacional, paralisação essa que, caso ocorresse, “acarretaria a maior
de todas as perdas”. Dada a enorme imobilização de capital exigida pela empresa
cafeeira, e o longo período de maturação envolvido no investimento, argumenta Furtado
que, numa situação de queda acentuada da rentabilidade,
[o] abandono da plantação de café significaria para o empresário um grande
prejuízo (...). Por outro lado, como não existia possibilidade alternativa de
utilização da mão-de-obra, a perda total de renda seria de grandes
proporções. A população que deixasse de trabalhar nos cafezais reverteria à
pura economia de subsistência. A queda da renda monetária teria
evidentemente uma série de efeitos secundários sobre a economia de
mercado interno, ampliando-se o efeito depressivo. E esse elevado preço
seria pago por coisa nenhuma ou por muito pouco. Provavelmente se
operaria uma maior concentração da propriedade, absorvendo os
empresários de maior poder financeiro os mais fracos. Não há, entretanto,
nenhuma razão para crer que se criassem estímulos no sentido de aumento
da produtividade. Dada a natureza da atividade econômica, a única forma de
lograr, a curto prazo, aumentos de produtividade física, seria cortando na
folha de salários, o que não constituía uma solução do ponto de vista do
conjunto da coletividade.
Explica-se, portanto, que a economia procurasse por todos os meios manter
o seu nível de emprego durante os períodos de depressão. Qualquer que
fosse a redução no preço internacional do café, sempre era vantajoso, do
ponto de vista do conjunto da coletividade, manter o nível das exportações.
Defendia-se, assim, o nível de emprego dentro do país e limitavam-se os
efeitos secundários da crise. Sem embargo, para que esse objetivo fosse
alcançado era necessário que o impacto da crise não se concentrasse nos
lucros dos empresários, pois do contrário parte desses últimos seria forçada
a paralisar suas atividades por impossibilidade financeira de enfrentar
maiores reduções em suas receitas (Furtado, 1976, p. 167).
89
Duas questões adicionais em relação ao processo de transferência de renda dado
pelo mecanismo de desvalorização cambial devem ser colocadas. Em primeiro lugar,
pelo fato de serem constituídas em sua grande maioria por parcelas assalariadas, e por
consumirem grandes quantidades de produtos importados, inclusive artigos essenciais,
as populações dos núcleos urbanos eram as mais penalizadas pela redução real de seus
proventos associada à política de depreciação da moeda nacional.
Segundo, o padrão de funcionamento da política fiscal também operava com um
viés regressivo, isto é, agravando o processo de transferência de renda para as classes
mais abastadas. Celso Furtado descreve tal processo da seguinte maneira. O principal
aspecto era que o imposto sobre importações, fonte mais importante de receita para o
governo central, era cobrado a uma taxa fixa de câmbio. Logo,
sendo o imposto ad valorem pago em moeda nacional a uma taxa de câmbio
fixa (27 pence por mil-réis), resultava que, ao depreciar-se a moeda, a parte
do imposto permanecia estável enquanto aumentava o valor em moeda
nacional da mercadoria importada (Furtado, 1976, p. 168, nota 145).
Eram dois os efeitos regressivos decorrentes dessa política:
Por um lado, a redução real do gravame era maior para os produtos que
pagavam maior imposto, isto é, para os artigos cujo consumo se limitava às
classes de altas rendas. Em segundo lugar, a redução relativa das receitas
públicas obrigava o governo a emitir para financiar o déficit, e as emissões
operavam como um imposto altamente regressivo, pois incidiam
particularmente sobre as classes assalariadas urbanas (idem, p. 169).
A redução da carga fiscal, levada a termo via o mecanismo de desvalorização
cambial nas etapas de depressão, atuava portanto como um “fator compensatório da
pressão deflacionária externa”, ou seja, tentava-se impor um viés anti-cíclico à política
fiscal de modo a atenuar os efeitos da crise externa sobre o nível de atividade da
economia doméstica. Seu impacto final, combinado com as emissões de papel-moeda,
destinadas a cobrir os déficits orçamentários, os quais eram ainda agravados pela
crescente importância dos pagamentos relativos ao serviço dos sucessivos empréstimos
90
externos, contraídos para fazer face aos desequilíbrios da conta corrente do balanço de
pagamentos, era o de criar pressões inflacionárias, sentidas mais fortemente, conforme
assinalado, pelas populações urbanas. Como sintetiza Furtado, portanto, “a depressão
externa (redução dos preços de exportações) transformava-se internamente em um
processo inflacionário” (Furtado, 1976, p. 170).
4 Transição para o sistema industrial
Essa era, na verdade, apenas uma dimensão da fragilidade das instituições do
governo imperial no sentido de prover uma gestão macroeconômica minimamente
eficiente. Um dos principais problemas com que se defrontava a economia brasileira se
dava em relação à dificuldade de adaptação às regras do padrão-ouro, que era a base do
sistema de trocas no comércio internacional. Na definição precisa de Celso Furtado:
O princípio fundamental do sistema do padrão-ouro radicava em que cada
país deveria dispor de uma reserva metálica – ou de divisas conversíveis, na
variante mais corrente – suficientemente grande para cobrir os déficits
ocasionais de sua balança de pagamentos (Furtado, 1976, p. 155).
O volume de reservas metálicas acumulado por um país representava, na prática,
sua contribuição “para o financiamento a curto prazo das trocas internacionais”. Essa
contribuição se daria “em função de sua participação no comércio internacional e da
amplitude das flutuações de sua balança de pagamentos”.
O argumento central de Furtado era que o padrão-ouro e seu arcabouço teórico, a
teoria quantitativa da moeda, eram instrumentos poderosos para a operação e a
compreensão de “economias de desenvolvimento mais ou menos similar, com estruturas
de produção não muito distintas e com coeficientes de importação relativamente baixos”
(Furtado, 1976, p. 156). Ou seja, sua validade estava associada à realidade européia.
Assim é que, nesses contexto, o desequilíbrio externo de um país que eventualmente
91
importasse mais do que exportasse seria corrigido automaticamente nos seguintes
termos: ou via deflação de preços, causada pela redução do meio circulante decorrente
da saída líquida de reserva metálica, que estimularia exportações e desestimularia
importações; ou via elevação da taxa de juros, conseqüente à escassez de ouro, que
atrairia capitais forâneos, contrabalançando o déficit em conta corrente com um
superávit na conta de capital.
É evidente que, mesmo em termos teóricos, deve ser relativizada a idéia de que
tal correção se daria de maneira “automática”. Na prática, ainda que os mecanismos de
funcionamento do padrão-ouro se encarregassem de prover eles próprios a correção,
teria que haver um espaço de tempo para que isso ocorresse, e nesse ínterim
desequilíbrios no balanço de pagamentos poderiam ocorrer. A questão era que:
Nas economias em que as importações constituíam uma reduzida parcela do
dispêndio nacional, um desequilíbrio ocasional da balança de pagamentos
podia ser financiado com numerário de circulação interna sem provocar
grande redução no grau de liquidez do sistema. O mesmo, entretanto, não se
podia esperar de uma economia de elevado coeficiente de importações.
Neste último caso, um brusco desequilíbrio na balança de pagamentos
exigiria uma redução de grandes proporções no meio circulante, provocando
verdadeira traumatização do sistema (Furtado, 1976, p. 156).
O ponto a destacar aqui, para encerramento do capítulo, é a percepção de Celso
Furtado de que não apenas o subdesenvolvimento apresenta características próprias (não
reconhecíveis nas etapas de Rostow), e raízes estruturais diversas das que se constatam
nas economias desenvolvidas (não redutíveis a uma path dependence), como também as
teorias convencionais são inadequadas para explicá-lo 89 . Ou seja, não se tratava
TP F
FPT
somente de descrever uma realidade distinta e/ou de propor ações alternativas. O
89
TP
PT
Vale lembrar que a 1 a edição da Formação Econômica do Brasil é de 1959.
P
P
92
subdesenvolvimento exigia a construção de um arcabouço teórico consistente com o
objeto a ser estudado e capaz de explicá-lo. 90
TP F
FP T
“O que conceituamos como subdesenvolvimento é, entretanto, menos a
existência de uma economia fundamentalmente agrária – teríamos nesse
caso tão-somente uma economia atrasada – do que a ocorrência de um
dualismo estrutural. Este tem origem quando numa economia agrícola
atrasada, determinadas condições históricas propiciam a introdução de uma
cunha de economia tipicamente capitalista, criando-se um desequilíbrio ao
nível dos fatores – na linguagem dos economistas – com reflexos em toda a
estrutura social. As condições criadas pelo dualismo estrutural dificilmente
podem explicar-se em termos de um modelo de equilíbrio estável. O
esquema dinâmico de causação cumulativa, elaborado por Myrdal, é de
muito maior eficácia explicativa neste caso. Dada a existência de duas
formas de remuneração do trabalho, de duas tecnologias de níveis
extremamente diversos, de suas concepções de organização da produção, a
economia dual é intrinsecamente instável” (Furtado, 1964, p. 79, grifos no
original).
Nesse capítulo, não se pretendeu realizar uma exegese do pensamento de Celso
Furtado, e muito menos dissecar a concepção teórica que formula sobre o par
desenvolvimento/subdesenvolvimento. 91 A idéia de reconstituir as origens do
TPF
FP T
subdesenvolvimento brasileiro, a partir da releitura da obra daquele autor, se justifica,
como enunciado acima, pelo pioneirismo da abordagem que adota, e que serviu de
inspiração ao empreendimento acadêmico aqui tentado. Consoante com os objetivos da
tese, o capítulo que se segue dá continuidade à análise da trajetória da economia
brasileira, com base em estudos variados.
90
Essa seria uma tarefa à qual se dedicaria, nos 50 e 60, a CEPAL, e especificamente no Brasil (até 64),
o ISEB. Sobre a CEPAL, ver Bielschowsky (2000); sobre o ISEB, ver Toledo (1978).
TP
PT
91
Uma contribuição importante, nessa linha, está no trabalho de Constantino Cronemberger Mendes e
Joanílio Rodolpho Teixeira (Mendes & Teixeira, 2004), que compila, com detalhes, as formulações de
Furtado.
TP
PT
93
Capítulo III Etapas de aceleração do desenvolvimento no Brasil
No capítulo anterior, procurou-se basicamente resgatar a interpretação de Celso
Furtado – e confirmá-la com fundamento em outros autores - a respeito do processo de
formação da economia brasileira, destacando os principais fatores que permitem,
segundo essa consagrada abordagem, caracterizar o seu subdesenvolvimento. No limiar
do século XX, era uma economia essencialmente rural, agrário-exportadora, com um
mercado interno de baixo dinamismo, e um vasto contingente populacional dedicado a
atividades de subsistência.
O presente capítulo tem por objetivo, a partir da identificação de algumas etapas
em que, ao longo desse século, especificamente no período 1930-1980, de maneira
inequívoca a economia brasileira logrou realizar “saltos” em seu processo de
desenvolvimento, analisar a importância que pode ter havido para a explicação desses
“saltos” no que diz respeito à elaboração de políticas e marcos legais (em alguns casos
mesmo com novas constituições) que configurariam reformas estruturais ou
institucionais. Os períodos a serem considerados são o primeiro e segundo governo
Vargas, os anos JK e os governos militares, de Castelo Branco a Médici. No primeiro
governo Vargas houve as Constituições de 1934 e de 1937, esta outorgada e
inauguradora da ditadura do Estado Novo. No período militar, além de 17 atos
institucionais, houve a Constituição de 1967, e ainda, em 1969, a promulgação da
Emenda Constitucional nº 1, incorporando dispositivos do AI-5 ao novo texto que se
tomou conhecido como "a Constituição de 1969".
A metodologia adotada segue sendo o recurso à literatura pertinente – a uma
parte dela, naturalmente -, agora mediante um cotejamento mais diversificado de textos
e autores, buscando incluir aportes da ciência política e da economia.
94
1 Introdução
A despeito de ser verdadeira a constatação de que já existia, desde o Império,
uma base industrial, ainda que reduzida e concentrada em poucos setores – basicamente,
têxteis e alimentos – e regiões – essencialmente no Sudeste e no Sul, podendo mesmo
ser possível constatar a existência de uma incipiente “consciência industrialista”
(Bielschowsky, 2000), em particular na última década da República Velha, quando se
começam a formar as primeiras organizações corporativas industriais (Leopoldi, 2000),
é absolutamente fora de questão que as origens do grande ciclo desenvolvimentista
brasileiro se situam em 1930, com o movimento revolucionário de 3 de outubro que
leva Getúlio Vargas ao poder.
Em que pesem as conhecidas dificuldades relacionadas à escassez de dados
estatísticos para a economia brasileira, em particular até a primeira metade do século
XX 92 , pelo menos em relação a agregados básicos, como crescimento real anual do
PF
FP
produto, a historiografia econômica brasileira moderna já estabeleceu razoável consenso
acerca da confiabilidade das informações. A série histórica atualmente utilizada para o
crescimento anual do produto provém de duas fontes. Para o período de 1901 a 1947
utilizam-se os dados compilados pela Fundação Getúlio Vargas, publicados em Haddad
(1978); de 1948 em diante os dados são os das contas nacionais do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística. Essa série histórica, bem como diversas outras, referentes a
comércio exterior, balanço de pagamentos, mercado de trabalho, finanças públicas etc.,
encontra-se disponível no banco de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada,
o ipeadata (www.ipeadata.gov.br).
92
Dificuldades a que Mário Henrique Simonsen assim se refere: “Seria ocioso lembrar que o principal
obstáculo ao estudo da experiência brasileira de desenvolvimento reside na insuficiência de séries
estatísticas dignas de confiança” (Simonsen, 1972, p. 31).
TP
PT
95
Os dados abaixo apresentados graficamente, extraídos do ipeadata, ilustram com
clareza a mudança de patamar das taxas de crescimento da economia brasileira após
1930, tanto em termos de variação real anual do produto, da variação do produto real
per capita, como ainda do crescimento do nível deste.
Os dados de variação real anual do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB),
como era de se esperar, estão sujeitos a uma grande variabilidade (gráfico 1).
Gráfico 1 – Produto Interno Bruto do Brasil: variação (%) real anual, 1901-2006
20
15
10
R2 = 0,1574
5
19
01
19
04
19
07
19
10
19
13
19
16
19
19
19
22
19
25
19
28
19
31
19
34
19
37
19
40
19
43
19
46
19
49
19
52
19
55
19
58
19
61
19
64
19
67
19
70
19
73
19
76
19
79
19
82
19
85
19
88
19
91
19
94
19
97
20
00
20
03
20
06
0
-5
-10
Fonte: Dados anuais extraídos do Ipeadata. Elaboração própria.
Em particular, a variabilidade é bastante acentuada nas três primeiras décadas do
século XX, período da República Velha, quando o desempenho da economia brasileira
estivera fortemente condicionado pelas condições no mercado internacional de seus
principais produtos de exportação. A década de 30, época de transição do modelo agroexportador, marcada por grandes turbulências no cenário externo (que culminam com a
eclosão da Segunda Guerra Mundial em 1939), também registra intensa volatilidade.
96
A linha vermelha do gráfico representa uma curva de tendência, dada por um
polinômio de sexta ordem 93 . Ainda que essa aproximação seja ainda imprecisa (na
TP F
FP T
medida em que o coeficiente de determinação resultante é relativamente modesto 94 ), é
TP F
FP T
possível observar a tendência ascendente a partir da década de 30.
Uma forma de atenuar a variabilidade é trabalhar com médias de período. No
gráfico 2, apresentam-se as médias geométricas dos dados de crescimento do PIB para
intervalos de dez anos, com exceção do último período, que vai de 2001 a 2006.
Gráfico 2 - Produto Interno Bruto do Brasil: médias geométricas decenais das
taxas de variação (%) real anual
10
9
8
7
6
5
R2 = 0,7031
4
3
2
1
0
1901-10
1911-20
1921-30
1931-40
1941-50
1951-60
1961-70
1971-80
1981-90
1991-2000
2001-06
T
Fonte: Dados anuais extraídos do Ipeadata. Elaboração própria.
Importa observar, primeiramente, o ajuste bem melhor da curva de tendência
(novamente um polinômio de sexta ordem), que permite validar a constatação feita
anteriormente em relação aos dados anuais. Qual seja, de que o ciclo de
93
TP
PT
O que constitui a melhor aproximação fornecida pelo software Microsoft Excel.
94
O coeficiente de determinação R 2 representa a medida do ajuste de um modelo estatístico aos dados
observados, e seu valor está compreendido no intervalo [0, 1]; quanto mais próximo estiver seu valor da
unidade, melhor é o ajuste. Para mais detalhes, ver Hayashi (2000).
TP
PT
P
P
97
desenvolvimento acelerado da economia brasileira tem início na década de 1930, e se
estende até fins dos anos 1970.
Atenuada a variabilidade, emergem algumas constatações interessantes. Em
primeiro lugar, a taxa média decenal de crescimento praticamente constante ao longo
das três décadas da República Velha no século XX (4,2% para os dois primeiros
decênios, 4,5% para o terceiro), um indício consistente do baixo dinamismo de uma
economia pouco industrializada e baseada num modelo agrário-exportador. Tomando-se
médias geométricas de cinco anos para esse período 95 , verifica-se que em apenas dois
TP F
FP T
momentos houve crescimento médio significativamente superior a esse patamar: nos
anos da Primeira Guerra Mundial e no Governo Washington Luís (1926-30). Durante a
guerra, o crescimento da economia chegou a superar 9% em 1917, refletindo o esforço
industrializante que se fez necessário naquela conjuntura (Leopoldi, 2000). No último
governo da República Velha, houve crescimento real do produto de 10,8% em 1927, e
de 11,5% em 1928, resultado de condições favoráveis para o setor cafeeiro,
potencializadas pelos efeitos expansionistas do relaxamento das condições de crédito,
que havia sido duramente comprimido nos anos finais do Governo anterior de Arthur
Bernardes (Fritsch, 1997).
Cabe observar também os períodos em que houve crescimento mais intenso, que
são as décadas de 1950 e de 1970 (7,4% e 8,3%, respectivamente). O primeiro foi o
decênio do segundo Governo Vargas e do Governo Juscelino Kubitschek, de intensa
aceleração industrial; o segundo capta os anos do “milagre” econômico, quando
inclusive se registra, em 1973, a mais alta taxa de variação real do PIB brasileiro:
13,9%. É forçoso reconhecer que o crescimento médio dos anos 1960 está viesado pelo
mau desempenho da economia no Governo João Goulart, o que pode ser considerado
95
TP
PT
Cujo gráfico encontra-se no apêndice.
98
um fenômeno atípico, dado pela forte instabilidade política e institucional daquele
período. De fato, tomando-se médias de cinco anos, constata-se o significativo
crescimento médio de 8,1% para o qüinqüênio 1966-70 (e de 10,1% para 1971-75).
Destaque-se, por fim, o pífio crescimento médio da década de 1980 (1,6%) e a lenta
recuperação nos períodos subseqüentes (2,5% e 2,9%).
O gráfico 3 apresenta a evolução secular do PIB brasileiro em termos de seu
nível, expresso em milhões de reais de 2006. Tal procedimento, escusado dizer,
equivale a construir uma série de números-índice das taxas de variação anual com base
em 1900 (isto é, 1900 = 100); bem entendido, a representação gráfica é idêntica para
ambos os procedimentos.
Gráfico 3 - Produto Interno Bruto do Brasil: Evolução anual de seu nível, expresso
em R$ milhões de 2006, 1901-2006
2500000
2000000
1500000
1000000
500000
19
00
19
03
19
06
19
09
19
12
19
15
19
18
19
21
19
24
19
27
19
30
19
33
19
36
19
39
19
42
19
45
19
48
19
51
19
54
19
57
19
60
19
63
19
66
19
69
19
72
19
75
19
78
19
81
19
84
19
87
19
90
19
93
19
96
19
99
20
02
20
05
0
Fonte: Dados anuais extraídos do Ipeadata. Elaboração própria.
Duas observações devem ser feitas em relação a este gráfico. A primeira é que,
embora transpareça que a aceleração do crescimento econômico no Brasil tenha se
dado, de maneira concreta, a partir de meados dos anos 1940, isto não invalida a
hipótese aqui adotada, qual seja, de que o ciclo desenvolvimentista teve início a partir
99
de 1930. De fato, como se discutirá adiante, a década de 30 representa um período
inicial da construção do desenvolvimento brasileiro, sendo assim uma etapa de transição
entre um modelo baseado na agro-exportação e outro de caráter industrializante. A
segunda é a mera constatação de que, mesmo no auge da crise política e institucional do
Governo Goulart, não houve decréscimo do nível do PIB. De fato, isto só viria a
ocorrer, e de maneira significativa, diga-se de passagem, excetuando-se alguns anos da
grande depressão e da Segunda Guerra, nos anos de 1981, 1983 e 1990, quando o
produto real encolheu, respectivamente, 4,3%, 2,9% e 4,4%.
Os dados relativos ao crescimento real anual da renda per capita, expressa em
milhares de reais a preços de 2006 (estimada utilizando-se o deflator implícito do PIB
nominal e a população residente em primeiro de julho) são apresentados no gráfico 4.
Gráfico 4: Evolução da renda por habitante no Brasil (em R$ mil de 2006), 19012006
14
12
10
8
6
4
2
19
01
19
04
19
07
19
10
19
13
19
16
19
19
19
22
19
25
19
28
19
31
19
34
19
37
19
40
19
43
19
46
19
49
19
52
19
55
19
58
19
61
19
64
19
67
19
70
19
73
19
76
19
79
19
82
19
85
19
88
19
91
19
94
19
97
20
00
20
03
20
06
0
Fonte: Dados anuais extraídos do Ipeadata. Elaboração própria.
O padrão evolutivo da renda per capita é semelhante ao do nível do produto.
Relativa constância nas três primeiras décadas do século XX, com perceptível
incremento no último governo da República Velha. Crescimento significativo na
100
segunda metade da década de 1930 e estagnação nos anos da guerra. E, a partir da
segunda metade da década de 1940, aumento vigoroso e ininterrupto até 1980 – com
exceção do turbulento período do triênio 1961-63. Findo o ciclo do desenvolvimento
acelerado em 1980, a renda por habitante havia aumentado em praticamente sete vezes
em relação ao nível prevalecente em 1930, resultado este que deve ser ainda qualificado
pelo fato de a população, no período, ter certamente mais do que triplicado neste
período de meio século. 96 Observando a trajetória pós-1980, cabe salientar que, após as
TP F
FPT
quedas e recuperações verificadas ao longo das décadas de 80 e 90, somente a partir do
ano 2000 a renda por habitante começa a registrar um crescimento praticamente
monotônico (exceção feita ao ano de 2003), ainda que bastante modesto – o nível de
2006 é apenas 12,7% superior ao de 1980.
O gráfico 5 apresenta as médias de períodos de dez anos para a renda per capita
entre 1901 e 2006 – novamente, em mil reais de 2006.
96
A não realização do censo populacional em 1930 impossibilita qualquer afirmação precisa a este
respeito – e, de resto, constitui um problema sem solução para a demografia brasileira. Pelo censo de
1920, a população total ultrapassara a casa dos 30 milhões de habitantes – cifra que é objeto de suspeitas
de sobrestimação por parte de especialistas; em 1940, o censo (este considerado um dos melhores já
realizados) apurou uma população total pouco superior a 41 milhões de habitantes; em 1980, o
recenseamento registrou uma população de praticamente 120 milhões. Portanto, é possível afirmar, com
toda a segurança, que entre 1930 e 1980 a população mais que triplicou. Para os dados censitários citados,
veja-se IBGE ( www.ibge.gov.br ). Para um exame criterioso dos censos das primeiras décadas do século
XX, veja-se Mortara (1970). Para uma análise da evolução demográfica brasileira no século XX, veja-se
Berquó (2001).
TP
PT
HTU
UTH
101
Gráfico 5 – Renda por habitante no Brasil, em R$ mil de 2006: médias decenais
14
12
10
8
6
4
2
0
1901-10
1911-20
1921-30
1931-40
1941-50
1951-60
1961-70
1971-80
1981-90
1991-2000
2001-06
Fonte: Dados anuais extraídos do Ipeadata. Elaboração própria.
Como se observa, é possível identificar que, no meio século compreendido entre
1930 e 1980, há períodos em que ocorrem o que se poderia qualificar de “saltos” na
renda média por habitante. Tais “saltos” podem ser melhor identificados a partir da
observação de médias qüinqüenais, sintetizadas na tabela abaixo.
Tabela 1 – Renda por habitante no Brasil, em R$ mil de 2006: médias qüinqüenais
e taxas de variação percentual
Período
1931-35
Renda média (R$ mil de 2006)
1.680
% em relação ao período anterior
8,4
1936-40
2.110
25,3
1941-45
2.220
5,2
1946-50
2.730
22,9
1951-55
3.260
19,2
1956-60
3.980
22,2
1961-65
4.810
20,8
1966-70
5.450
13,4
1971-75
7.790
42,8
1976-80
9.900
27,2
1981-85
10.110
2,1
1986-90
10.950
8,3
1991-95
10.590
-3,2
1996-2001
11.290
6,5
2001-07
11.840
4,9
Fonte: Dados anuais extraídos do Ipeadata. Elaboração própria.
102
O primeiro “salto” pode ser localizado, portanto, na segunda metade da década
de 1930, quando a renda média por habitante daquele período cresce em mais de uma
quarta parte em relação ao qüinqüênio anterior. A partir da segunda metade dos anos 40,
passa a haver forte crescimento da renda per capita, próximo ou superior a 20% a cada
cinco anos, até 1965. O período de cinco anos seguinte é de recuperação da forte crise
econômica precedente, e também de preparação para a etapa em que a renda cresceria às
mais altas taxas da história brasileira, fechando o qüinqüênio 1971-75 com a espantosa
variação de 43% em relação ao período anterior. A segunda metade da década de 1970
ainda registra uma expansão vigorosa da renda média por habitante (superior a 27%),
resultado em grande medida dado pelo fortíssimo crescimento alcançado em 1980
(superior a 9%, tanto em termos do PIB quanto do PIB per capita).
Pelo exposto, parece lícito trabalhar com a idéia de que o grande ciclo
desenvolvimentista brasileiro tenha se dado através de sucessivas etapas, em que
diversos fatores, políticos e econômicos, internos e externos, se conjugaram para que a
economia lograsse realizar “saltos” em seu processo de desenvolvimento. O que se
pretende, no que segue, é investigar em que medida esses fatores se consubstanciaram
em modernização ou reformas institucionais, e como estas atuaram no sentido de
possibilitar a aceleração do crescimento.
2 Um esboço de roteiro para o estudo da primeira República
A ausência de uma análise ainda que sintética sobre a evolução política e
econômica da República Velha merece algumas considerações. Em primeiro lugar,
trata-se de um período da história brasileira que guarda uma dinâmica própria, com
diversas características – exemplos marcantes, política dos governadores, predomínio
dos interesses das oligarquias rurais – que lhe são peculiares; estudá-las implica um
103
foco diverso do que se pretende no presente trabalho. Além disso, a idéia aqui é
justamente chamar a atenção para o fato de que foi a ruptura com a estrutura do Estado
da República Velha, e a construção de um novo paradigma a partir de 1930, que criou as
bases mais amplas para o ciclo desenvolvimentista do meio século subseqüente.
Em todo caso, trata-se de um período exaustivamente estudado, sobre ele tendo
sido produzidos vários grandes clássicos da ciência social brasileira. Entre os analistas
contemporâneos, as referências obrigatórias são Alberto Torres, Oliveira Vianna,
Azevedo Amaral e Francisco Campos, este último Ministro da Justiça do Estado Novo e
autor da Constituição outorgada em 1937. O primeiro foi um dos expoentes da cena
política brasileira nas primeiras décadas republicanas: deputado estadual (1892-1893) e
em seguida deputado federal (1893-1896) pelo estado do Rio de Janeiro; Ministro da
Justiça do Governo Prudente de Morais entre 1896 e 1897; Presidente do Estado do Rio
desse ano até 1900, e Ministro do Supremo Tribunal Federal a partir de 1901. Em seus
livros O problema nacional brasileiro e A organização nacional (publicados em 1914),
e As fontes da vida no Brasil (1915), concebia o Brasil como um país de natureza
essencialmente agrária, sem contudo renunciar a um projeto de desenvolvimento.
Nacionalista, defendia o fortalecimento do Estado, em particular do Poder Executivo,
convocando os intelectuais a participar da organização da sociedade. A nação, segundo
ele, deveria organizar-se como corpo social e econômico, não devendo copiar nem criar
instituições, mas fazê-las surgir dos próprios materiais do país.
Oliveira Vianna, historiador e sociólogo de vasta, importante e controvertida
obra, trata especificamente das instituições políticas e sociais da República Velha em
diversos livros, podendo-se destacar: O Idealismo na evolução política do Império e da
República (1922); O idealismo na Constituição (1927); e Instituições Políticas
Brasileiras (1949). Presente nesses livros, e de modo geral em sua obra, forte crítica, de
104
certa forma similar à de Alberto Torres, à importação de modelos e conceitos de
políticas e instituições externas à realidade brasileira, muitas vezes até corretos e bemintencionados em teoria, mas incapazes de produzir resultados numa sociedade como a
brasileira 97 . Converge também em sua análise, em relação ao outro autor, na medida
TPF
FP T
em que é um crítico mordaz das estruturas em que se havia moldado o modelo
republicano, em particular a extrema descentralização política engendrada naquela
federação pela Constituição de 1891. Para Oliveira Vianna, o iberismo era uma
categoria marcante na formação social brasileira (cf. Werneck Vianna, 1997 e Carvalho,
1993), e por isso era imprescindível a existência de um poder central forte e articulado
para executar um projeto nacional.
É interessante notar que Celso Furtado, em Formação Econômica do Brasil,
analisando os problemas monetários que travavam a economia brasileira, derivados das
tentativas seguidas e frustradas de se adaptar seu funcionamento às regras do padrãoouro, também dirige sua crítica à importação de idéias e instrumentos sem um devido
exame crítico de sua adaptação à realidade interna.
A ciência econômica européia penetrava através das escolas de direito e
tendia a transformar-se em ‘corpo de doutrina’, que se aceitava
independentemente de qualquer tentativa de confronto com a realidade. Ali
onde a realidade se distanciava do mundo ideal da doutrina, supunha-se que
tinha início a patologia social. Dessa forma passava-se diretamente de uma
interpretação idealista da realidade para a política, excluindo qualquer
possibilidade de crítica da doutrina em confronto com a realidade.
(...) Ao historiador das idéias econômicas do Brasil não deixará de
surpreender a monótona insistência com que se acoima de aberrativo e
anormal tudo que ocorre no país: a inconversibilidade, os deficits, as
emissões de papel-moeda. Essa ‘anormalidade’ secular não chega,
entretanto, a constituir objeto de estudo sistemático. Com efeito, não se faz
nenhum esforço sério para compreender tal anormalidade, que em última
instância era a realidade dentro da qual se vivia. Todos os esforços se
gastam numa tarefa que a experiência histórica demonstrava ser vã:
97
Neste sentido, tanto Oliveira Vianna quanto Alberto Torres se inserem no que José Murilo de Carvalho
denomina uma “família intelectual de longa descendência, que começa com Paulino José Soares de
Souza, o Visconde de Uruguai, passa por Silvio Romero e Alberto Torres, prossegue com Oliveira
Vianna, e vai pelo menos até Guerreiro Ramos”. Para mais detalhes, ver Carvalho (1993).
TP
PT
105
submeter o sistema econômico às regras monetárias que prevaleciam na
Europa. Esse enorme esforço de mimetismo – que derivava de uma fé
inabalável nos princípios de uma doutrina que não tinham fundamento na
observação da realidade – se estenderá pelos três primeiros decênios do
século XX. (Furtado, 1976, p. 160).
Referências importantes na literatura mais recente há certamente muitas. Para
uma análise política objetiva dos primeiros anos da República, Lessa (2001) é um
trabalho fundamental. Cobrindo desde o período de instabilidade política dos governos
militares de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto (1889-91 e 1891-94), analisando a
composição de forças que deu origem à Carta de 1891, o autor estende sua análise até o
Governo Campos Sales (1898-1902), quando se efetiva a construção do pacto
oligárquico e a República encontra o que o autor classifica como a sua “rotina” (Lessa,
2001, p. 53).
Para uma análise da política econômica nos anos finais do Império e nos
primeiros anos da República, Franco (1983) é uma referência importante. O autor se
dedica especialmente a cobrir o episódio do encilhamento, e as tentativas de reforma
monetária que se procurou implementar, tanto no Gabinete Ouro Preto quanto na gestão
de Rui Barbosa em seus 14 meses como Ministro da Fazenda 98 . Para uma visão
TPF
FPT
panorâmica da economia no período da República Velha, veja-se Fritsch (1997).
Análises sobre a questão do desenvolvimento econômico e industrial no período, em
particular para o Estado de São Paulo, encontram-se em Dean (1971) e em Cano (1977).
Baer (1966), embora numa abordagem excessivamente descritiva, compila grande
quantidade
de
informações
empíricas
relevantes.
Leopoldi
(2000)
analisa
detalhadamente a formação das associações industriais e de classe e suas relações com o
processo de desenvolvimento.
98
Curioso é observar que as descrições das (tensas) reuniões ministeriais do turbulento início do período
republicano, que por certo constituem objeto do mais alto interesse, já haviam sido realizadas quase que
integralmente sessenta anos antes em O Ocaso do Império, obra publicada por Oliveira Vianna pela
primeira vez em 1925, e que não é citada pelo autor em tela (G. Franco).
TP
PT
106
Na literatura sociológica sobre a primeira República, Carvalho (2001) constitui
uma ótima introdução, pela concisão e erudição com que discorre sobre as questões
políticas e sociais do período. Rezende de Carvalho (2001) analisa a dinâmica política
que conduz ao movimento revolucionário de 1930. Referências clássicas são,
evidentemente Carone (1973), esta uma antologia de trabalhos, estudos e manifestos dos
atores sociais da época e Carone (1970), exaustiva pesquisa histórica sobre as
instituições e classes sociais da primeira República; Os Donos do Poder, de Raymundo
Faoro, constitui obra indispensável para o entendimento dos fundamentos políticos
daquele período.
Uma observação final, de caráter especulativo: o período de maior crescimento
da República Velha ocorre, como foi visto, no último Governo, o de Washington Luís.
Este foi precedido de uma ampla reforma constitucional, em 1926, ainda sob a
Presidência de Arthur Bernardes, cuja principal característica foi justamente uma maior
concentração de poderes na esfera do Poder Executivo do Governo Federal. O que, por
um lado, surgiu como uma conseqüência dos temores que passava a haver nas elites
político-administrativas em relação a crescentes descontentamentos, tanto nas camadas
civis urbanas quanto nos círculos militares 99 ; e, por outro, já trazia consigo os indícios
TP F
FPT
da nova configuração que o Estado viria a ter que adotar no Brasil para dar início ao
processo de transformações que permeiam o ciclo desenvolvimentista.
99
De que são exemplos emblemáticos a Semana de Arte Moderna (e seus desdobramentos nos anos
seguintes), a criação do Partido Comunista do Brasil, o início do movimento tenentista e o levante do
Forte de Copacabana, todos ocorridos em 1922.
TP
PT
107
3 As transformações do período 1930-45
Com a Revolução de 1930, o país se coloca no rumo da modernização
econômica e social. O grande problema do processo que então se põe em curso é a
forma autoritária que o presidiu, especialmente a partir de 1937, com a implantação da
ditadura do Estado Novo.
Uma questão interessante que surge a partir de um primeiro exame é que, de
modo geral, os autores dedicados à sociologia e à ciência política emprestam maior
ênfase, quando não o afirmam categoricamente, à idéia de que, a partir de 1930, de fato
se inaugura uma nova etapa na formação histórica nacional, em particular no que diz
respeito à configuração do Estado e à sua participação na vida política e econômica. O
que essa literatura sugere, em linhas gerais, é que do ponto de vista político-institucional
o setor público tornou-se mais capacitado para intervir na dimensão sistêmica, no jargão
sociológico, da sociedade: a política macroeconômica e o planejamento de longo prazo.
Para Francisco de Oliveira, por exemplo:
A Revolução de 1930 marca o fim de um ciclo e o início de outro na
economia brasileira: o fim da hegemonia agrário-exportadora e o início da
predominância da estrutura produtiva de base urbano-industrial. Ainda que
essa predominância não se concretize em termos da participação da
indústria na renda interna senão em 1956, quando pela primeira vez a renda
do setor industrial superará a da agricultura, o processo mediante o qual a
posição hegemônica se concretizaria é crucial: a nova correlação de forças
sociais, a reformulação do aparelho e da ação estatal, a regulamentação dos
fatores, entre os quais o trabalho ou o preço do trabalho, têm o significado,
de um lado, de destruição das regras do jogo segundo as quais a economia
se inclinava para as atividades agrário-exportadoras e, de outro, de criação
das condições institucionais para a expansão das atividades ligadas ao
mercado interno. Trata-se, em suma, de introduzir um novo modo de
acumulação, qualitativa e quantitativamente distinto, que dependerá
substantivamente de uma realização parcial interna crescente (Oliveira,
1981, p. 14, grifos no original).
Luiz Werneck Vianna, por sua vez, afirma que “[a] Revolução de 30 refunda a
República, impondo o predomínio da União sobre a federação, das corporações sobre os
108
indivíduos, e a precedência do Estado sobre a sociedade civil” (Werneck Vianna, 2001,
p. 114). Importa ressaltar, contudo, o caráter conservador presente no movimento
revolucionário 100 , expresso na participação das oligarquias estaduais de base agrária,
TP F
FP T
assim como em outros momentos da história brasileira, trabalhado por este autor
mediante o uso da categoria gramsciana de revolução passiva:
No Brasil nunca houve, de fato, uma revolução, e, no entanto, a propósito de
tudo fala-se dela, como se sua simples invocação viesse a emprestar
animação a processos que seriam melhor designados de modo mais
corriqueiro. Sobretudo, aqui, qualificam-se como revolução movimentos
políticos que somente encontraram a sua razão de ser na firme intenção de
evitá-la, e assim se fala em Revolução da Independência, Revolução de
1930, Revolução de 1964, todos acostumados a uma linguagem de
paradoxos em que a conservação, para bem cumprir o seu papel, necessita
reivindicar o que deveria consistir no seu contrário – a revolução. Nessa
dialética brasileira em que a tese parece estar sempre se autonomeando
como representação da antítese, evitar a revolução tem consistido, de algum
modo, na sua realização (Werneck Vianna, 1997, p.12, grifo no original).
A literatura econômica é, no mais das vezes, um pouco menos enfática em
caracterizar a Revolução de 1930 e os anos que a sucedem como um período de ruptura
de paradigmas, sendo mais freqüente a qualificação deste período como de transição.
Do ponto de vista estritamente econômico, tal posição pode ser explicada por duas
razões. A primeira é que os avanços em termos de modernização da estrutura produtiva
são de fato muito lentos na década de 1930. Segundo o censo demográfico de 1940, a
população rural àquela época atingia ainda quase 70% do total. A participação da
indústria na renda era reduzida – e de fato só iria suplantar a agricultura em meados dos
anos 1950. Além disso, como evidenciado na seção introdutória deste capítulo, do ponto
de vista da evolução histórica do PIB os índices alcançados na década de 1930 não
guardam grande divergência, em termos médios, aos dos melhores anos da primeira
República.
100
Simbolizado pela célebre frase atribuída a Antônio Carlos de Andrada, último governador de Minas
Gerais da República Velha, às vésperas de 1930: “Façamos a revolução antes que o povo a faça.” (apud
Werneck Vianna, 2001, p. 113).
TP
PT
109
Em segundo lugar, pelo fato de que a difícil tarefa de gerir uma economia como
a brasileira, primário-exportadora e fortemente dependente de um único produto, num
quadro como o do começo dos 30, de instabilidade política interna e de grave crise no
cenário internacional, certamente consumiu grande parte das energias do Governo
Vargas durante o período 1930-34 (Governo Provisório). Neste sentido, os autores que
analisam esses anos concentram-se mais nos mecanismos e instrumentos utilizados na
condução da política econômica de curto prazo, dedicando menos atenção às mudanças
estruturais que estariam em curso.
Em sua clássica análise sobre a manutenção do nível de procura nos anos da
grande depressão (citada, por exemplo, em Abreu, 1997; Bielschowsky, 2000; e
Bresser-Pereira, 2003), Celso Furtado aborda o caráter “pré-keynesiano” da política de
defesa do café levada a termo nos primeiros anos da década de 1930 101 , e a importância
TP F
FPT
que teve esta política na dinamização da economia, em particular para o crescimento das
atividades ligadas ao mercado interno.
Depreende-se facilmente a importância crescente que, como elemento
dinâmico, irá logrando a procura interna [na] etapa da depressão. Ao
manter-se a procura interna com maior firmeza que a externa, o setor que
produzia para o mercado interno passa a oferecer melhores oportunidades de
inversão que o setor exportador. Cria-se, em conseqüência, uma situação
praticamente nova na economia brasileira, que era a preponderância do setor
ligado ao mercado interno no processo de formação de capital (Furtado,
1976, p. 197).
João Manuel Cardoso de Mello, em O Capitalismo Tardio, é bastante enfático
em relação a esta questão: analisando a severidade das crises externa (dada pela Grande
Depressão) e interna (reflexo da queda acentuada dos preços internacionais do café, da
101
A política de defesa do setor cafeicultor, como se sabe, baseou-se na retenção e destruição de parte da
produção de café, que havia crescido nos anos da depressão, bem como nas sucessivas desvalorizações
cambiais. Assim, procurou-se manter o nível de emprego e renda no principal setor produtivo da
economia, ainda que à custa da destruição do fruto da produção. “O que importa ter em conta é que o
valor do produto que se destruía era muito inferior ao montante da renda que se criava. Estávamos, em
verdade, construindo as famosas pirâmides que anos depois preconizaria Keynes” (Furtado, 1976, p. 192).
TP
PT
110
ordem de 60% entre 1929 e 1933), tece considerações sobre o que teria ocorrido caso o
Estado se abstivesse de realizar intervenções no mercado cafeeiro e tivesse efetivado
uma política fiscal ortodoxa (que visasse o equilíbrio orçamentário) e conclui que:
(...) abstendo-se o Estado de qualquer intervenção no mercado cafeeiro e se
efetivando uma política fiscal ortodoxa, tanto a depressão teria sido de
extraordinária profundidade, quanto a economia brasileira dificilmente se
recuperaria até o fim da Segunda Guerra (Cardoso de Mello, 1984, p. 171,
grifo no original).
Importa registrar ainda que, na visão deste autor, as compras maciças de café
realizadas nos primeiros anos do Governo Provisório 102 constituíram
TP F
FP T
o eixo de toda a sustentação do complexo exportador cafeeiro. Em
primeiro lugar, porque permitiram, diminuindo significativamente a pressão
da oferta, que se alcançassem preços internacionais mais elevados. Além
disso, tornou-se possível que as desvalorizações atuassem como mecanismo
de defesa, atenuando, mais ainda, a queda dos preços internos. Do contrário,
abandonado o mercado à sua própria sorte, este mecanismo [desvalorização
cambial] (os preços internacionais do café caem substancialmente mais que
os preços internos) perderia inteiramente sua efetividade (Cardoso de Mello,
1984, p. 172, grifos no original).
Assim, os déficits públicos do período inicial da década de 1930 teriam
contribuído decisivamente para deter a queda da renda e propiciar o impulso para sua
recuperação, o que leva o autor a concluir que “o comportamento efetivo do Estado foi
keynesiano em 1930 e 1932, ainda que as intenções fossem bem outras” (Cardoso de
Mello, 1984, p. 173).
Não obstante, em que pesem essas considerações que caracterizam um novo
padrão de funcionamento do Estado, pouca ou nenhuma ênfase é dada quanto a ser 1930
efetivamente um novo paradigma na constituição sócio-política brasileira. Celso
102
“(...) o Conselho Nacional do Café comprou café no montante de quase 30% da receita de exportação
em 1931 e 1932, destruindo 14,4 milhões de sacas entre maio de 1931 e fevereiro de 1933. Das despesas,
65% foram financiadas com impostos, e o restante com créditos do Banco do Brasil e do Tesouro
Nacional” (Cardoso de Mello, 1984, p. 172). Para uma análise completa da política de defesa do café, ver
Antônio Delfim Netto, O Problema do Café no Brasil (São Paulo, 1981).
TP
PT
111
Furtado, por exemplo, não dedica mais que uma nota de pé de página ao movimento que
levou Getúlio Vargas ao poder, nos seguintes termos:
O movimento revolucionário de 1930 – ponto culminante de uma série de
levantes militares abortivos iniciados em 1922 – tem sua base nas
populações urbanas, particularmente a burocracia militar e civil e os grupos
industriais, e constitui uma reação contra o excessivo predomínio dos
grupos cafeeiros – de seus aliados da finança internacional, comprometidos
na política de valorização – sobre o governo federal. Contudo, em face da
reação armada de 1932, o governo provisório tomou, a partir de 1933, uma
série de medidas destinadas a ajudar financeiramente os produtores de café,
inclusive uma redução de cinqüenta por cento nas dívidas bancárias destes
últimos (Furtado, 1976, p. 201, nota 166).
Cardoso de Mello (1984), por sua vez, em momento algum se refere à
Revolução de 1930; Conceição Tavares (1972) tampouco o faz, embora analise
detidamente os anos 30 como período de referência na mudança do padrão de
importações da economia brasileira. Carlos Lessa, em seu Quinze Anos de Política
Econômica, inicia sua análise a partir dos anos finais da década de 1940, justificando-se
com o argumento de que a industrialização substitutiva de importações, para a qual a
economia houvera transitado após 1929, era “extensiva” e “não decidida” (Lessa, 1981,
p. 15). Chama a atenção, por fim, que Delfim Netto (1981) refere-se ao movimento de
1930 como “um governo de força [que] assumiu a direção do país” (p. 142) e, algumas
páginas à frente, classifica o levante de 1932 como a “revolução paulista” (p. 145).
Bielschowsky (2000) identifica as origens do desenvolvimentismo no período
1930-45, em particular nos anos do Estado Novo. Analisando a literatura sobre o
período, o autor conclui que “[a] interpretação corrente sobre o significado da
Revolução de 30 é que ela teria quebrado a hegemonia política das oligarquias
regionais, abrindo espaço para inserir novos atores no universo restrito das elites
dirigentes do país” (Bielschowsky, 2000, p. 249). Adverte, no entanto, para que se não
exagere “o significado do termo ‘origem’ da ideologia desenvolvimentista” (p. 250).
112
No período 1930-45, o que ocorria era, principalmente, uma primeira e
limitada tomada de consciência da problemática da industrialização por
parte de uma nova elite técnica, civil e militar, que então se instalava nas
instituições de orientação e controle implantadas pelo Estado centralizador
pós-1930 (Bielschowsky, 2000, p. 250).
Em contraponto, maior ênfase numa hipotética – e não mencionada, ruptura de
paradigma é dada ao se afirmar que é no período em tela que surgem quatro elementos
fundamentais do projeto desenvolvimentista (Bielschowsky, 2000, p. 250 et passim):
•
consciência da necessidade de se implantar no país uma estrutura industrial
integrada, “capaz de produzir internamente os insumos e bens de capital
necessários à produção de bens finais”;
•
centralização de recursos financeiros como um mecanismo necessário para
viabilizar a acumulação industrial;
•
intervenção governamental em apoio à iniciativa privada e planejamento por
parte do Estado (o que, diga-se de passagem, é o núcleo da visão da organização
econômica na obra de um autor importante como Azevedo Amaral). O autor
observa ainda, corretamente, que a defesa enfática do planejamento em apoio à
iniciativa privada estaria presente nas Constituições liberais de 1934 e de 1946, e
na autoritária de 1937; e
•
acirramento de um sentimento nacionalista, especialmente na esfera da
economia, expresso na criação de medidas protecionistas e de controle sobre os
recursos naturais.
De todo modo, o que se pode afirmar com segurança, e com suporte tanto da
bibliografia sociológica como da econômica, é que, entre 1930 e 1937, começa a
amadurecer na estrutura de Estado um projeto de desenvolvimento nacional centrado na
industrialização. Dada a necessidade de se fazer frente à crise econômica engendrada
113
pela depressão internacional e pelos problemas internos por que passava a economia
cafeeira, a política econômica dos primeiros anos da década pautou-se de imediato por
combater a crise. Depois de 1933, quando a indústria passa a apresentar vigoroso
crescimento – dada a conjugação da crise do setor exportador com a existência de
capacidade ociosa acumulada nos anos 1920, e ocorre o deslocamento do centro
dinâmico da economia para o mercado interno, vislumbra-se efetivamente a
possibilidade
de
industrialização. 103
TPF
um
crescimento
acelerado
baseado
num
processo
de
FPT
3.1 Instituições e política econômica no Estado Novo
O Estado Novo, institucionalizado pela Constituição de 1937, foi produto de um
golpe de Estado dado pelos próprios dirigentes do regime inaugurado com a revolução
de 1930. Com ele, o pacto republicano passa a se assentar em bases inteiramente
distintas das que lhe foram originárias, na medida em que se configuram como opostas
às instituições, às práticas e à ideologia do liberalismo. A república se tornara vitoriosa,
em 1889, como um movimento de elites, tendo como base os interesses emergentes nos
principais estados da Federação, particularmente São Paulo, contrários à centralização
do Império. Para as elites paulistas, sobretudo, a centralização imperial passara a ser
vista como obstáculo à livre iniciativa e ao desenvolvimento do mercado. Essa foi, sem
dúvida, a marca de origem da república – expressa claramente na adoção de um regime
federativo americano -, embora tenha mobilizado a seu favor uma aliança mais ampla,
que incluía a hierarquia do Exército, militares e civis adeptos do positivismo e
representantes do ideário liberal-democrático, como Rui Barbosa, seguramente o mais
ilustre entre eles.
103
Para uma descrição da política econômica nos primeiros anos da década de 1930, ver Abreu (1997);
para o exame da expansão industrial, ver Furtado (1976), capítulo XXXII.
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114
A Revolução de 30, assim, vitoriosa sob os auspícios da Aliança Liberal, vai
gradativamente se institucionalizando sob a forma corporativa 104 , denunciando o
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liberalismo como ideologia anacrônica, com a pretensão de estimular uma cultura de
colaboração e de harmonia entre as classes sociais sob a condução de um Estado tido
como representante geral da nação. No entanto, a nova ordem encontrou, desde o início,
adversários de porte: as elites políticas de São Paulo, que se rebelaram em 1932, e
apesar da derrota político-militar sofrida, conseguiram impor o afastamento do governo
do radicalismo militar do Clube 3 de Outubro 105 e a convocação da Assembléia
TPF
FPT
Constituinte. Essa Assembléia Constituinte (que culminou com a eleição indireta de
Vargas à Presidência da República) produziu a Carta de 1934, que costurava o difícil
compromisso entre os princípios liberais das antigas elites econômicas e o ideário
corporativo dos novos dirigentes do Estado e culminou. Compromisso que logo se
tornaria insustentável com a crescente radicalização política no país, tendo, por um lado,
o Partido Integralista, nitidamente de direita, criado em 1932 por Plínio Salgado, e à
esquerda a Aliança Nacional Libertadora, criada em 1935. 106
TP F
FP T
Essa radicalização entre a esquerda e a direita, no Brasil, se inseria no contexto
de uma crise mundial mais profunda, que parecia apontar, no começo dos anos 30, para
a superação do liberalismo político e do capitalismo de mercado. A crise, desencadeada
pelo crack da bolsa de Nova York, em 1929, foi, por toda parte, sucedida pelo
intervencionismo do Estado em matéria econômica e em todos os demais aspectos
relevantes da vida social. Na URSS, impunha-se a economia de planejamento nos
104
O corporativismo sindical estatuído por Vargas será examinado adiante. Sobre o corporativismo como
ideologia de colaboração entre as classes, ver Werneck Vianna (2000).
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105
Organização política fundada em fevereiro de 1931, no Rio de Janeiro, pelos tenentes, jovens oficias
do Exército que apoiavam Vargas. Sobre o tenentismo, movimento que provocou vários levantes na
década de 20, e que teve papel importante na Revolução, ver, entre outros, Borges (1992), Drummond
(1986), Sodré (1985).
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106
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E ambos com forte penetração nas forças armadas.
115
planos quinqüenais, nos países sob regimes fascistas, como a Itália e a Alemanha, um
capitalismo sob o controle direto da agência estatal, e, mesmo nos EUA, na América do
New Deal de Roosevelt, o liberalismo cedia lugar àquilo que foi conhecido à época por
economia programática (Werneck Vianna, 2001).
Segundo este autor, começa a se cristalizar, então, entre as lideranças
revolucionárias de 30, a avaliação de que a crise brasileira decorria de uma má inscrição
do país na economia internacional, que se teria tornado evidente quando a crise de 1929
expôs a vulnerabilidade do sistema da agro-exportação. De acordo com essa
interpretação, a saída para o país estaria no caminho da indústria e do fortalecimento do
mercado interno, o que, nas circunstâncias da época, diante de um empresariado e de
um mercado nacional incipientes, supunha uma presença indutora do Estado. Tal papel,
para ser exercido com efetividade, não só requeria a centralização do poder como a sua
concentração. O liberalismo político, ainda preservado parcialmente na Carta de 1934,
conforme esse cálculo, se mostrava inadequado para as grandes mudanças que deveriam
ser introduzidas.
O quadro político, nacional e internacional, ia se mostrando cada vez mais
propício ao abandono dos princípios liberais e à implantação de um governo forte. A
repressão ao movimento da Aliança Nacional Libertadora, em 1935 107 , reforçara a
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hierarquia militar e o sistema de segurança estatal, ambos intimamente vinculados ao
esquema de Vargas. O cenário europeu, que já prenunciava a próxima guerra mundial
com a guerra civil espanhola, com a intervenção no conflito, de um lado, dos regimes
107
A ALN formara-se como um movimento contra o integralismo e o fascismo em ascensão, em março
de 1935. Em novembro do mesmo ano, com a adesão de militares e intelectuais aliancistas, o Partido
Comunista liderou um levante em quartéis de Natal, Recife e Rio de Janeiro que foi rápida e severamente
reprimido pelo governo. Ver Levine (1980), Vianna (1992) e Sodré (1986), entre outros.
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116
fascista da Itália e nazista da Alemanha, e, de outro, das brigadas internacionais em
apoio aos republicanos, era mais um pretexto para o projeto continuísta de Vargas.
Nos primeiros meses de 1937, começam a se definir as candidaturas à sucessão
presidencial, já que, pela Constituição de 34, o mandato do governo provisório
terminaria em 1938. José Américo de Almeida tinha sido escolhido como candidato
oficial, enquanto que as elites de São Paulo indicaram Armando Sales de Oliveira.
Plinio Salgado concorreria pelo partido Integralista. Nenhum deles, “da perspectiva dos
dirigentes da ordem getuliana, apresentava credenciais que garantissem a preservação e
aprofundamento do que vinha sendo a obra iniciada com a revolução de 30: edificar as
bases para a industrialização e pacificar a ordem social pela criação das leis sociais e
pelo controle dos sindicatos por meio da estrutura corporativa vinculada ao Estado”
(Werneck Vianna, 2001).
O pretexto para a interrupção do processo eleitoral veio com o episódio do plano
Cohen, provocação arquitetada pelo governo que atribuía aos comunistas, com base em
papéis forjados, um projeto de insurreição 108 . Com a sua divulgação pela “Hora do
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Brasil”, o Congresso aprovou o estado de guerra, com o que se selava o fim do processo
sucessório. Pouco depois o próprio Congresso é fechado, extinguindo-se a curta ordem
institucional de 1934. Em seqüência, a Carta de 1937, a “polaca”, numa referência à
Constituição da Polônia fascista, dá início ao período republicano designado como o do
Estado Novo (Werneck Vianna, 2001).
O Presidente Getúlio Vargas, em proclamação dirigida ao povo brasileiro,
imediatamente após o golpe de Estado, justifica a promulgação da nova constituição em
nome de um “ajustamento ao espírito do tempo”, que estaria a reclamar uma identidade
entre o Estado e a nação a ser construída a partir de uma organização político-social
108
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Ver Levine (1980).
117
baseada na representação profissional. Estado e sociedade, solidariamente articulados
por meio das corporações, não se comportariam como esferas contrapostas como no
sistema político liberal, mas realizariam uma unidade sob o imperativo da vontade
nacional, dando origem a uma “democracia substantiva” em oposição à democracia
meramente formal dos liberais 109 .
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Fechado o Parlamento, banidos os partidos políticos, cerceadas as liberdades
civis e públicas, postos os sindicatos sob tutela estatal, abrem-se amplas oportunidades
para a ação modernizadora do Estado, principalmente no objetivo de estabelecer as
bases para um processo duradouro de industrialização do país. Com o Estado Novo se
resolvem, assim, os impasses que se vinham acumulando desde a revolução de 30. Na
prática, já em 1935, com a repressão à Intentona Comunista, aquele impasse se
resolvera em favor de um ideário antiliberal, corporativo, fortalecendo-se a União em
prejuízo da federação. Tratava-se , segundo os seus dirigentes, de recriar a república
com base em um projeto concebido pelos responsáveis pela nova ordem, a partir do qual
o país seria reerguido pela vontade do centro político estatal. No caso, a tarefa essencial
era favorecer a industrialização, o que supunha, naquelas circunstâncias, criar um
mercado nacional e valorizar o mundo da produção e o do trabalho.
As seções seguintes examinarão a política econômica do Estado Novo e os
atores que a influenciaram e o corporativismo como categoria central na sua
estruturação.
109
“O Estado Novo realizou, a esse propósito, uma transformação radical imediata. A nação não é mais o
vasto rebanho, cujo destino era apenas pagar impostos e levar às urnas os nomes ilustres dos dinastas da
república. Nação e Estado estão hoje identificados e, com o desaparecimento dos políticos profissionais, a
Política tornou-se matéria sobre a qual cada cidadão, por mais humilde que seja, tem não apenas o direito,
mas o dever de formar opiniões e de pronunciar-se, com a esperança de atuar na direção do Estado com a
parcela mínima dos frutos de sua experiência pessoal” (Azevedo Amaral, O Estado Autoritário e a
Realidade Nacional, Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1938, p. 7)
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118
3.2 A política econômica e seus atores
A convicção de que a modernização do país estava associada a um projeto
industrializante firmara-se, portanto, no Brasil, já durante os primeiros anos da década
30. Os efeitos da depressão mundial haviam, decerto, evidenciado os inconvenientes de
uma economia dependente da exportação de produtos primários. Mais que isso, porém,
o fato é que, naquele período, passam a deter crescente influência, na arena política,
grupos sociais cujos interesses, afinados ou não entre si, vão convergir no sentido de
privilegiar a necessidade da expansão industrial. Difunde-se, ademais, a percepção de
que o Brasil não poderia reproduzir o modelo de industrialização dos países avançados
e, em especial, não poderia prescindir da proteção do Estado para levar à frente seu
processo modernizante. Políticas de estímulo à indústria nacional serão gradativamente
implementadas em consonância com pressões dos empresários, dos militares, e de uma
intelectualidade técnica (ligada principalmente à área de engenharia), parte da qual
portadora de uma postura nacionalista. Duas grandes dimensões do emergente
desenvolvimentismo ganham espaço nos debates e na agenda decisória: o protecionismo
e o investimento estatal em infra-estrutura.
No início da década, o governo provisório que assumira o poder com a
Revolução ainda se defrontava prioritariamente com os problemas da balança
comercial. O colapso dos mercados do café, o declínio dos preços dos produtos
brasileiros de exportação, a desvalorização cambial, entre outros fatores, colocavam o
Brasil em situação extremamente difícil. Amortizar a dívida externa e pagar
importações vitais – combustível,
trigo, matérias-primas industriais,
trilhos,
equipamentos, por exemplo – tornavam-se obrigações problemáticas sem a balança
comercial favorável proporcionada pelo café e outras exportações.
119
Oswaldo Aranha, ministro da fazenda do regime inaugurado em 1930, tentou
reativar uma postura “ortodoxa”, no intuito de equilibrar o orçamento, recuperar a
capacidade de efetuar pagamentos e reduzir gastos públicos. Nos primeiros anos,
conseguiu sustar a queda dos preços do café e preservar algumas exportações, em
especial a de algodão. Contudo, os níveis anteriores, tanto dos preços do café quanto
dos índices de exportação, não foram recobrados. O governo, ademais, tendo que fazer
face aos problemas decorrentes da implantação da nova ordem, já não conseguia
garantir as arrecadações provenientes dos impostos aduaneiros, que, no passado,
compunham o grosso da receita total do Tesouro Nacional. As despesas militares com a
revolta paulista de 32, por exemplo, contribuíram para minar as intenções de contenção
de gastos do governo.
Por volta de 1934, a questão da dívida externa se tornara ponto importante na
pauta de discussões. Defensores de uma moratória argumentavam que seu montante –
calculado, então, em cerca de 250 milhões de libras 110 - seria melhor utilizado na
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compra de equipamentos para as ferrovias, portos e linhas de navegação, totalmente
deficientes. Tal postura era duramente combatida por Oswaldo Aranha, que tentava
honrar a dívida, em nome da respeitabilidade internacional, com o objetivo de preservar
a posição do país como postulante à obtenção de créditos.
O quadro internacional, porém, no qual o Brasil se inseria buscando credenciarse como respeitável devedor, se polarizava. Em 1934, Alemanha e Estados Unidos
passaram a liderar posições mutuamente excludentes em termos de política comercial,
estabelecendo uma competição que, longe de ser apenas econômica, tinha motivações
políticas e ideológicas e visava influenciar os países periféricos, particularmente aqueles
que, como o Brasil, apresentavam potencialidades enquanto mercados e bases de
110
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. Ver WIRTH (1973)
120
apoio 111 . A existência de alternativas no âmbito do comércio exterior também
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alimentava o debate interno em torno da política comercial. O programa comercial
alemão exercia sedução sobre os militares, que vislumbravam a possibilidade de
adquirir equipamentos para o Exército e para a Marinha de Guerra, e sobre produtores
de uma variedade de matérias-primas e gêneros alimentícios que tinham estoques
consideráveis, pois oferecia maiores oportunidades do que o americano para a
diversificação de exportações, embora fixando os pagamentos em marcos de
compensação 112 . A alternativa americana era a política “liberal” de Roosevelt, baseada
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em tratamento de nação-mais-favorecida, ou seja, o livre-comércio.
Vargas optou por uma política comercial “eclética” 113 , adotando uma orientação
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de dualidade pragmática. Negociava com quem, no momento, lhe oferecesse melhores
condições, procurando tirar vantagens da rivalidade entre as duas potências. Assim,
assinou um acordo comercial com os Estados Unidos em 1935, e, no ano seguinte,
assinou outro acordo com a Alemanha, com vistas, principalmente, à exportação de
algodão, café, cítricos, couros, tabaco e carnes 114 . A ambigüidade, que tinha por
PF
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objetivo econômico a diversificação dos mercados e por objetivo político a tentativa de
manutenção da neutralidade brasileira diante de um conflito cada vez mais próximo,
continuou até 1940, quando o governo volta a se alinhar com os Estados Unidos 115 .
PF
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111
. Em meados de 34, o Congresso Americano aprovou o Ato de Acordos Comerciais Recíprocos e
Berlim despachou uma missão à América do Sul para por à prova o apelo de seu programa comercial. Ver
HILTON (1977).
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112
. Tratava-se de uma moeda especial, não conversível, que só podia ser utilizada para compras na
própria Alemanha, caracterizando acordos bilaterais que afastavam outros concorrentes. Ver HILTON
(1977).
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113
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. WIRTH (1973).
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114
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. FAUSTO (1994).
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115
. Embora Vargas tivesse sinalizado simpatia pelo eixo nazifascista logo após a derrota da França, em
1940, num momento em que a ameaça de captura da esquadra britânica parecia prestes a se concretizar, a
reviravolta na guerra o levou rapidamente a uma reaproximação com os Estados Unidos. As negociações,
como se verá a seguir, evoluíram desde o estabelecimento de bases aéreas americanas em solo brasileiro e
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121
No entanto, o núcleo da política pragmática, que consistia em garantir as
exportações, vai aos poucos se modificando. Após a implantação do Estado Novo, o
licenciamento de importações passa a predominar, conferindo prioridade a material de
transporte e maquinaria e desestimulando as importações de bens de consumo, numa
evidente demonstração de que o caminho da industrialização por substituição de
importações havia sido traçado.
As políticas relativas às tarifas e ao câmbio constituíram o principal motor do
protecionismo industrial no período 116 , expressando respostas do governo às pressões
PF
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do empresariado. Desde o começo dos anos 30, os industriais brasileiros vinham,
através de suas organizações, pleiteando uma legislação mais explícita contra o
dumping e mais defensiva em relação à importação de manufaturados com similares no
Brasil, bem como uma reformulação da política de comércio exterior que visasse a
proteção da produção manufatureira nacional. O controle da taxa de câmbio e o crédito
industrial figuravam, ao lado da proteção tarifária, como demandas dos empresários que
progressivamente foram incorporadas à agenda decisória.
Em 1934, com o Código Tarifário, o Estado assume papel de árbitro do conflito
entre industriais e importadores, passando a fixar tarifas através de decreto do
Executivo 117 . O código continha um artigo que autorizava o governo a elevar as taxas
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aduaneiras para produtos que estivessem concorrendo com os artigos nacionais por
meio de dumping. A Lei de Similares, também de 1934 118 , regulando a concessão de
PF
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o financiamento de uma usina siderúrgica a acordos sobre matérias-primas e à aliança de guerra, em
1942. Ver WIRTH (1973)
116
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. Segundo LEOPOLDI (2000), o mecanismo perdurou até 1964.
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117
. Além de estabelecer critérios e aliquotas e classificar os produtos para importação, o Código criou o
Conselho Superior de Tarifa, incumbido de elaborar futuras revisões e acompanhar a aplicação da
legislação tarifária. Ver LEOPOLDI (2000).
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118
. O Decreto 24.023 de 21/02/1934, que ficou conhecido como a Lei de Similares, reformulou a
legislação sobre similares que, existente desde 1890, fora reformada em 1911, embora praticamente não
tivesse nenhum efeito. Ver LEOPOLDI (2000).
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122
isenção de direitos para importar manufaturados com similares no país, consistiu em
outro passo importante, no sentido de diminuir o grau da ameaça que representavam os
produtos importados para a indústria nacional.
Por ocasião da assinatura do acordo Brasil-Estados Unidos, em 1935, a liderança
empresarial desencadeou forte campanha, denunciando as concessões feitas à entrada de
manufaturados norte-americanos no Brasil, que contrariavam os critérios codificados
em 34. Houve, inclusive, tentativas de obstrução do projeto na Câmara dos Deputados ,
onde o Acordo tinha que ser referendado.
Entre 34 e 37, com o Congresso em funcionamento, os industriais concentraram
no Legislativo suas pressões, obtendo pequenos acréscimos e mudanças, conforme o
momento, à lei tarifária de 34. A partir de 37, a formulação da política tarifária foi
transferida para o Ministério da Fazenda. Para os empresários, contudo, isto não
significou propriamente um estreitamento da discussão, já que a mesma se deslocou
para agências como o Conselho Federal de Comércio Exterior (CFCE) 119 , o Conselho
PF
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Superior de Tarifa, a Comissão de Similares, a Diretoria de Rendas Alfandegárias e,
posteriormente, a Coordenação de Mobilização Econômica 120 .
PF
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Durante o Estado Novo, a atuação dos setores empresariais junto ao governo se
beneficiou não só da ampliação das agências nas quais suas lideranças tinham
representação como também dos novos canais abertos através do sistema sindical, como
se verá adiante. Assim como a questão tarifária, a política cambial envolverá a
articulação das entidades de classe com técnicos governamentais naqueles órgãos
colegiados, onde se celebrará o consenso sobre o “controle das importações de acordo
119
TP
. O CFCE fora criado em 1934.
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120
. Criada em 1942 com funções de organizar a economia brasileira em tempo de guerra, foi extinta em
1945.
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123
com a sua essencialidade ao desenvolvimento econômico, especialmente à
industrialização”. 121
PF
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A instituição do monopólio das operações cambiais pelo Banco do Brasil, em
37, a criação da Carteira de Exportação e Importação (Cexim), também no Banco do
Brasil, e a atribuição à CME (Coordenação de Mobilização Econômica) de poderes para
atuar nas áreas de comércio exterior, de política cambial e do planejamento da política
industrial aumentaram a capacidade de intervenção do governo na economia. Demandas
empresariais, porém, processadas pela via da representação em conselhos e comissões,
vale insistir, foram incorporadas à política econômica. Tais demandas tinham em vista a
criação de uma reserva de mercado para seus produtos, independentemente desses
serem produzidos com capital nacional ou estrangeiro. Os empresários reivindicavam a
política tarifária como instrumento que “amparasse” e “estimulasse” a industrialização
sem visar à receita fiscal 122 . Reivindicavam ainda a estabilização cambial, o controle
PF
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das importações não-essenciais e restrições à importação de equipamentos industriais.
Ao contrário dos técnicos governamentais, que entendiam a industrialização
como o caminho para a independência do país, a burguesia industrial era menos radical
no apoio ao intervencionismo do Estado e na ênfase contra o capital estrangeiro. As
divergências, no entanto, foram suplantadas na medida em que a adesão de Vargas ao
projeto industrial se aprofundou, durante o Estado Novo, e os ganhos proporcionados
por uma ordem corporativa que acabou por se adequar aos seus interesses, se mostraram
relevantes.
De fato, a partir de 37, o Estado assumiu um posição mais definida em favor da
substituição de importações pela produção interna. Segundo Boris Fausto, os defensores
121
TP
. LEOPOLDI (2000).
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122
Reivindicação explicitada no 1 o Congresso Brasileiro da Indústria, em São Paulo, em 1944. Citado em
Leopoldi (2000).
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124
desta perspectiva no interior do governo – a burocracia civil e militar – e fora dele (o
empresariado industrial) ganharam força, não só pelos problemas críticos da balança de
pagamentos como pelos riscos crescentes da guerra, que imporia – e realmente impôs –
grandes restrições às importações. Não por acaso, o governo criou a CME (Coordenação
de Mobilização Econômica) em agosto de 1942, logo após a entrada do Brasil na guerra,
nomeando para dirigi-la o antigo tenente João Alberto. O governo tomava a si a
supervisão da economia, imprimindo planejamento à política de substituição de
importações.
Para Maria Antonieta Leopoldi, a colaboração entre os líderes das associações
empresariais e o governo Vargas na formulação de políticas contingenciais voltadas
para o período de guerra preparou-os para formularem propostas para uma efetiva
política industrial no pós-guerra. Roberto Simonsen, da FIESP, teria dado voz a estas
propostas no Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial (CNPIC), organismo
que atuou em 1944 e 1945 como um forum de debates de questões econômicas ligadas
às linhas gerais da política econômica do pós-guerra. No interior de uma agência
paralela, o Conselho de Planejamento Econômico (CPE), formado no mesmo período
com iguais objetivos, Eugênio Gudin daria início a um debate com Simonsen (este no
CNPIC) sobre as diretrizes da política econômica a serem seguidas depois da guerra.
É comum o entendimento de que a adesão do governo brasileiro durante o
Estado Novo a um projeto industrializante teria traduzido uma postura nacionalista do
mesmo, o que não corresponde inteiramente aos fatos. Embora, como visto
anteriormente, segmentos da burocracia governamental demonstrassem certa aversão ao
capital estrangeiro, em particular ao americano, não se configurou nenhuma orientação
estrita, por parte do governo, no sentido de coibi-lo. A maneira como foram
encaminhadas as questões da defesa dos recursos hídricos e minerais, considerados
125
estratégicos, e do investimento estatal em infra-estrutura, igualmente tida como chave
para a autonomia nacional, mostra a dubiedade do nacionalismo estadonovista.
A Constituição de 1937 continha dispositivos relacionados com a nacionalização
das minas, dos recursos energéticos e das “indústrias consideradas básicas ou essenciais
à defesa econômica ou militar da nação”, reservando aos brasileiros a exploração das
minas e das quedas-d`água, e determinando que a lei regularia a sua nacionalização
progressiva 123 . Um Decreto-Lei de 14 de dezembro de 37, todavia, qualificou a
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definição legal de “brasileiro”, seguindo a prática internacional de entender como
juridicamente nacionais estrangeiros em determinadas condições. As normas
reguladoras da nacionalização nunca chegaram a ser formuladas com precisão 124 . O
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próprio Código de Minas, que, reformado em 1940 passou a proibir aos estrangeiros a
posse de recursos do subsolo ou de usinas de aço à base de matérias-primas nacionais,
bem como o investimento de capital estrangeiro neste setor, foi suavizado por um
decreto de 1941.
A legislação conflitante refletia uma intensa disputa de interesses e concepções.
As políticas de encaminhamento dos problemas relativos ao aço, cuja solução ocorreu
durante o Estado Novo, e do petróleo – que só se resolveria posteriormente – são
ilustrativas da controvérsia que acompanha a opção desenvolvimentista na época:
caberia à nação desenvolver sua indústria pesada com a cooperação do capital
estrangeiro (americano, principalmente) ou adotar uma solução autárquica?
123
. A Carta consignava também que só poderiam funcionar no país bancos e companhias de seguros
cujos acionistas fossem brasileiros e concedia às empresas um prazo, a ser fixado por lei, para que se
transformassem em nacionais.
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124
. Como menciona FAUSTO (1994), as empresas de energia elétrica, por exemplo, não foram tocadas e
em outubro de 1941 Getúlio Vargas negou-se a aceitar um projeto de decreto determinando que, até
agosto de 1946, os bancos e empresas de seguros deveriam estar em mãos de nacionais.
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126
A questão da siderurgia, até por ter se constituído como símbolo do projeto
industrializante do Estado Novo, merece algumas considerações que remontam a
momentos que antecedem ao período em pauta. Nela, o protagonismo se desloca dos
empresários – atores importantes na evolução do protecionismo tarifário e cambial –
para os militares e técnicos.
Desde os primeiros anos do regime inaugurado em 30, o alto comando do
Exército manifestava preocupações com a segurança nacional. Não só o panorama
internacional era percebido como turbulento e ameaçador como a situação interna
brasileira também inquietava: serviços de comunicação e transporte deficientes, um
litoral extenso e irregular, a maior parte do território nacional desabitado ou
esparsamente povoado, uma população caracterizada por analfabetismo e problemas de
saúde, instabilidade política e econômica 125 . O desaparelhamento das forças armadas
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FP
em face dos desafios da época era quase total.
Como assinala Hilton, a inquietação militar resultante das inadequadas
condições materiais das forças armadas, e a tradução dessa inquietação em pressão para
aquisições de material, tornou-se componente importante da formulação de decisões na
área de comércio externo. A política “eclética” de Vargas tinha objetivos para fora,
conforme indicado acima, e objetivos para dentro do Brasil, destinados a tangenciar
divergências entre os setores cujo apoio o governo cultivava. Mesmo após o golpe de
37, o pragmatismo não se modificou. Os militares pressionaram por um entendimento
com os alemães e obtiveram um grande contrato para o fornecimento de artilharia, com
a Krupp, em março de 1938. Mas, pouco antes, Vargas mostrara sua disposição de não
promover alterações essenciais na política externa, ao nomear Oswaldo Aranha para o
Ministério do Exterior.
125
TP
. HILTON (1977).
PT
127
O tema da produção do aço se colocava neste contexto. Graças a tarifas e
subsídios, mesmo que tímidos, uma pequena indústria se mantinha em expansão desde
os anos 20. Expansão que, claramente, não acompanhava a demanda. Em 1940, cerca de
70% de todos os produtos de aço laminado, inclusive trilhos e chapas, de que careciam
as estradas de ferro, os estaleiros e a indústria de construção, ainda eram de fabricação
estrangeira 126 . Ao assumir o Ministério da Guerra, em 1931, o general Leite de Castro
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organizou uma comissão para estudar os problemas do ferro e do aço, convocando para
dela participar técnicos como Edmundo de Macedo Soares, ex-tenente e que seria um
dos planejadores da Companhia Siderúrgica Nacional, chegando, inclusive, à
presidência da Companhia. Os trabalhos da comissão levaram militares e técnicos
brasileiros, com o aval de Vargas, a visitar usinas européias. A Escola de Engenharia do
Exército, fundada em 1933, passou a ser um elo forte da corrente em prol do
investimento estatal em infra-estrutura, formando engenheiros metalúrgicos e sediando
debates.
Em 37 ainda não havia uma fórmula definitiva para a fabricação de aço em larga
escala no país. O rearmamento europeu aumentara a procura do minério brasileiro, o
Exército entrara firme nas discussões com a tese da soberania nacional, a desconfiança
americana em relação ao novo regime se expressava em pressões de grupos econômicos
(investidores, banqueiros, importadores) pela adoção de represálias contra o Brasil 127 .
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Os interesses concorrentes eram muitos: a indústria nacional, os exportadores, os
importadores, a Belgo-Mineira 128 , a Itabira Iron 129 .
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126
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. WIRTH (1973).
PT
127
. O que não chegou a ocorrer, pois Roosevelt preferiu evitar medidas extremas que poderiam levar o
Brasil a aliar-se com a Alemanha ou a seguir um caminho nacionalista radical. Ver FAUSTO (1994).
TP
PT
128
A companhia Belgo-Mineira, instalada em Monlevade e Sabará (MG) não fabricava os produtos
pesados necessários à expansão da infraestrutura. Ver WIRTH (1973).
TP
PT
128
Vargas permaneceu durante algum tempo entre dois polos: de um lado, os
militares, cuja posição dominante era a de negociar o minério de ferro brasileiro na
Europa, principalmente com a Alemanha, em troca de uma usina de aço e de
equipamentos ferroviários; de outro, o então Ministro do Exterior, Oswaldo Aranha,
aliado de empresários e personalidades que combatiam a penetração econômica e
política da Alemanha no Brasil e postulavam a obtenção de créditos norte-americanos
para a compra dos equipamentos tidos como imprescindíveis.
A implantação da Usina de Volta Redonda e a forma de sua constituição ficaram
finalmente definidas em 1940. Financiada por créditos americanos, concedidos pelo
Export- Import Bank e por recursos do governo brasileiro 130 , a Companhia Siderúrgica
PF
FP
Nacional foi organizada, em janeiro de 1941, como empresa de economia mista. O
controle pelo Estado brasileiro só se efetivaria em 1947.
Diversamente, o desenvolvimento de uma indústria petrolífera, que também
fazia parte do ideário nacionalista, principalmente o de cunho militar, não ganhou
estatuto de premência na ocasião. As importações de petróleo, que só começaram a
crescer depois da guerra, não pesavam significativamente sobre o balanço de
pagamentos, e o interesse de alguns industriais brasileiros se restringia ao refino.
Mesmo após a descoberta de reservas, na Bahia, em 1939, a exploração foi postergada
em função de controvérsias que dividiam o campo dos defensores da autonomia
nacional, inclusive o próprio Exército.
De todo modo, entre 1938 e 1943, se inicia o delineamento de uma política para
enfrentar o desafio petrolífero. Nesse período, o Conselho Nacional de Petróleo (criado
129
Companhia inglesa que controlava uma estrada de ferro ligando a região rica em minérios, em Minas
Gerais, ao porto do Vitória. Seu presidente, Percival Farquhar, apresentou por diversas vêzes ao governo
brasileiro planos de instalação de uma siderúrgica no país.
TP
PT
130
A Caixa Econômica Federal e os Institutos de Previdência Social entraram com mais da metade do
capital inicial, fazendo jus, em troca, à maioria das ações preferenciais. Ver WIRTH (1973).
TP
PT
129
pelo Decreto-Lei 395 de 29 de abril de 1938) se torna um espaço institucional de
gestação de uma postura nacionalizante. Vinculado diretamente à Presidência da
República e constituído por pessoas designadas pelo presidente, representando os
diversos ministérios e grupos de interesse, o Conselho foi, até 43, sob o comando do
engenheiro militar General Horta Barbosa, dominado por setores favoráveis a uma
orientação no sentido de ampliar o controle do Estado. E, embora as tentativas de
estabelecer grandes refinarias estatais, dali emanadas, não tenham logrado êxito, o
legado de propostas e políticas deixado viria a influir fortemente na campanha que, na
década seguinte, levaria à criação da Petrobrás.
3.3 O corporativismo: doutrina e prática
A concepção liberal de mercado livre vigente nas primeiras décadas do século
XX se fazia acompanhar de um sistema autoritário para as relações entre o capital e o
trabalho, que desconhecia obstáculos institucionais e/ou legais para a otimização das
suas possibilidades de acumulação. Depois de 30, um novo padrão de autoritarismo vai
se impor, inaugurando uma igualmente nova fase de relacionamento entre a sociedade
civil e o Estado, com o que se rearranjava o posicionamento do capital e do trabalho no
mercado de forma a expandir o processo acumulativo: o corporativismo 131 . A
TP F
FP T
especificidade do corporativismo então implantado estava na busca da instituição da
“paz social”, na tentativa de estabelecer um amplo consenso que também obrigasse
politicamente as classes subalternas, ao contrário da violência pura empregada pelas
classes dominantes nos anos 10 e 20. Tal consenso, para os dirigentes políticos da nova
131
A estrutura sindical corporativa começa a ser implantada a partir de 1931, mediante revogação da
legislação vigente e progressiva introdução de novos estatutos legais. Unicidade sindical, imposição de
reconhecimento pelo Estado, vinculação ao então criado Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,
eram algumas das características do modelo. Werneck Vianna (2000) e Santos (1979), entre outros,
descrevem e analisam o corporativismo sindical instituído por Vargas, que valia, com diferenças não
triviais que se acentuaram gradativamente, para o trabalhadores e para os empresários.
TP
PT
130
ordem, deveria ser perseguido em termos de uma legislação que minimamente as
protegesse nas suas relações de emprego e nas condições de trabalho.
Segundo Werneck Vianna (2001), a troca do eixo da dominação, de uma
situação em que a classe operária era contida num livre mercado (com eventual recurso
à coerção policial) para outra, na qual sua submissão era a um Estado tutelar (e por ele
garantida), não demorou a ganhar apoio das lideranças empresariais e logo de toda essa
classe. O suporte delegado pelos industriais, contudo, não seria irrestrito nem
incondicional. De um lado, teve flexibilidade para prorrogar o efetivo cumprimento de
determinadas leis sociais e, de outro, mais importante, forças para retificar seu
funcionamento prático 132 .
TP F
FP T
O capital, contra a legislação em vigor, somente aceitava a interferência do
Estado no mercado de trabalho pela definição dos direitos elementares de proteção ao
trabalho e pela admissão de que fosse estipulado um salário-mínimo. Mesmo sem
referendar tal realidade no plano legal, o Estado acabou por legitimar essa perspectiva,
ao abdicar do seu poder impositivo para obrigar a realização dos contratos coletivos.
Assim, pode-se afirmar que o modelo autoritário-corporativo, na forma com que se
estabeleceu ao longo dos anos 30, seria inconcebível sem a mediação dos empresários,
que reconheciam o termo autoritário e repudiavam o corporativo, “salvo nos seus efeitos
inibidores e coercitivos da vida associativa operária” (Werneck Vianna, 2001).
O corporativismo, porém, não esgotava sua utilidade no controle das classes
subalternas. Abria, para os empresários, condutos de comunicação fácil e direta com os
dirigentes do Estado, por onde faziam passar suas reivindicações mais importantes.
132
Um exemplo está no instituto das convenções coletivas do trabalho. Proposto pelo governo em 1931,
e decretado em 1932, foi repelido pelos empresários. A Carta de 34 ratificou sua criação e a de 37 a
confirmou, tendo sido afinal consagrado pela CLT. Apesar disso, não teve vigência real. Para o
empresariado, no que se refere às classes subalternas, o corporativismo se resumia no sistema interventor
da vida sindical, ignorando as veleidades do Estado em compeli-lo a aceitar o fator trabalho como
interlocutor numa mesa de negociações.
TP
PT
131
Logo os empresários se alinharam na estrutura corporativa e se puseram de acordo com
a necessidade de leis sociais. Em 1936, a diretoria da FIESP levou a Vargas um
documento no qual salientava a importância da “atuação governamental na evolução
industrial do país”, recordando que as nações industrializadas contaram, no início do seu
desenvolvimento, com uma segura política econômica de amparo dos seus interesses
por parte dos seus Estados. O documento negava a existência de um conflito entre
agrários e industriais, atribuindo a difusão de “um suposto antagonismo entre os
interesses da lavoura e os da indústria” aos interesses das indústrias estrangeiras que
visavam “conquistar nossos mercados internos”. Os empresários se identificavam,
ainda, com a facção dominante dotada da propriedade de produzir o “bem-estar do
conjunto social”, com o que reivindicavam, na verdade, a hegemonia dos seus interesses
no interior do aparato corporativo estatal 133 .
PF
FP
A idéia de um mercado autoritariamente controlado pelo Estado – e não só na
questão do controle dos trabalhadores – vai, aos poucos, ganhando apoio. Ao se
aproximar o fim da vigência do Decreto 23.486, de 22 de novembro de 1933, que
prorrogara até 31 de março de 1937 o prazo para a proibição de máquinas e
equipamentos para indústrias em regime de superprodução, os industriais reivindicam
uma solução definitiva para o problema. Sua sugestão previa a criação de impedimentos
à livre alocação dos capitais, cuja aplicação deveria subordinar-se à prévia anuência dos
dirigentes da política econômica do Estado:
Estamos atravessando um período em que a economia dirigida vem sendo
vitoriosamente adotada como a maneira mais prática e mais eficiente de
serem atendidos os interesses econômicos, que não podem e não devem
ficar sujeitos às vicissitudes e percalços de situações possivelmente graves,
133
TP
Circular da FIESP, de 24/ 12/36. Ver WERNECK VIANNA (2000).
PT
132
afetando de forma indesejável os verdadeiros e superiores interesses do
país 134 .
PF
FP
Meses antes da decretação do Estado Novo, portanto, os empresários
outorgavam ao Estado o papel de agente de seus interesses. O fato correspondia a uma
efetiva declaração de que reconheciam nele o seu intérprete político, embora não
controlassem os mecanismos diretos de exercício do poder. A ele, confiavam a proteção
das indústrias já existentes, e a função de implantar outras “iniciativas imensamente
proveitosas, não só para os capitalistas como para a economia do país” 135 .
PF
FP
Embora resistentes a um enquadramento na estrutura sindical corporativa,
pensada pela burocracia estadonovista como modelo a ser aplicado tanto para as
entidades representativas do empresariado quanto para as do operariado 136 , e avessos à
TPF
FP T
idéia de colaboração entre classes, os industriais deram seu aval ao antiliberalismo e ao
ideário corporativo que a Carta de 37 consagrou. A doutrina antiliberal e corporativa
não se esgotava na simples rejeição ao liberalismo ou no privilegiamento de autoritárias
intervenções estatais. “Conformava um novo sistema da ordem, baseado em supostos
alternativos aos liberais e cujo núcleo residia na identidade da nação com o Estado” 137 .
TP F
FP T
Na proclamação ao povo brasileiro logo após o golpe de Estado de 10 de
novembro, Vargas condena a organização constitucional de 34 porque “vazada nos
moldes clássicos do liberalismo e do sistema representativo”, denunciando-a como
ultrapassada em relação ao espírito do tempo, assentada em princípios que não
resistiriam à nova realidade 138 . O Estado, segundo ele, teria de deixar de ser um centro
TP F
134
TP
FP T
Circular FIESP n. 810, de 9 de março de 1937. Citada em WERNECK VIANNA (2000)
PT
135
TP
Idem.
PT
136
Leopoldi (2000) mostra como os empresários lograram preservar suas antigas associações (como o
Centro Industrial de São Paulo), paralelamente à estrutura corporativa imposta por Vargas.
TP
PT
137
TP
PT
138
TP
PT
Werneck Vianna (2000).
Termos semelhantes são usados por Azevedo Amaral na obra acima citada.
133
de aglutinação política, para se converter na principal agência econômica. E, para
vingar, o projeto modernizante não poderia conviver com partidos oligárquicos, que
ameaçariam com o retorno à antiga ordem e com “o perigo das formações partidárias
sistematicamente agressivas”; sua viabilização demandava um reajuste do sistema
político às necessidades econômicas do país, “instaurando-se um regime forte, de paz,
de justiça e de trabalho”. 139
PF
FP
Nesse discurso, que antecipa o que vai ser o Estado Novo, a política é afastada
como uma atividade diruptiva e nefasta. O primado do econômico no mundo moderno
ensejaria uma organização político-social específica, centrada na representação
profissional como órgão de cooperação do poder, “em condições de influir na propulsão
das forças econômicas e de resolver o problema do equilíbrio entre o capital e o
trabalho”. Segundo a doutrina da nova ordem, “o Estado é a nação, e deve prescindir,
por isso, dos intermediários políticos, para manter contatos estreitos com o povo e
consultar as suas aspirações e necessidades”. 140
PF
FP
O Estado forte, para os ideólogos do Estado Novo (como Azevedo Amaral), não
seria uma solução emergencial, passando a representar um ente totalizador da vontade
nacional organizada. Conforme afirma Werneck Vianna (2000), tal ente significaria a
dissolução da fronteira (tradicionalmente estabelecida pelo pensamento liberal) entre a
sociedade civil e o Estado. As classes sociais deixavam de existir enquanto expressões
do antagonismo de interesses. Desse modo, as classes subalternas, no interior do novo
quadro institucional-legal, além de serem um elemento da ordem e do trabalho,
139
TP
PT
140
Idem.
“No limiar do ano de 1938”, discurso pronunciado por Vargas em 31 de dezembro de 1937, citado por
Werneck Vianna (2000).
TP
PT
134
deveriam se tornar um elemento de colaboração com o capital, “no esforço espontâneo
de realizar a grandeza nacional e a harmonia entre classes”. 141
PF
FP
O Estado não conhece direitos de indivíduos contra a coletividade. Os
indivíduos não têm direitos, têm deveres! Os direitos pertencem à
coletividade. O Estado, sobrepondo-se à luta de interesses, garante só os
direitos da coletividade e faz cumprir os deveres para com ela. O estado não
quer, não reconhece luta de classes. As leis trabalhistas são leis de harmonia
social 142 .
PF
FP
Pela Constituição de 37, a intervenção do Estado se destinava a expandir a
produção e o poder econômico nacionais e poderia ser “mediata ou imediata, sob a
forma de controle, estímulo ou gestão direta”. 143 Exaltava, porém, a propriedade e a
PF
FP
iniciativa individual, ainda que as disfarçando por detrás da organização da vontade
nacional.
Em matéria de legislação social, a Carta, no fundamental, reiterou preceitos
anteriores, definindo de forma acabada vários benefícios, como o de férias e a
indenização por tempo de serviço, no sentido de se prescindir de uma legislação
ordinária posterior. No que tange às relações trabalhistas, a marca distintiva do novo
texto constitucional consistia na disciplina do instituto da contratação coletiva do
trabalho, ao qual foram dedicados os três primeiros itens do artigo 137. Os restantes
tratavam do repouso semanal, direito à licença anual remunerada após um ano de
serviço ininterrupto, indenização proporcional aos anos de serviço quando da demissão
imotivada, garantia de manutenção do contrato de trabalho quando da mudança do
proprietário da empresa, salário-mínimo, jornada de trabalho de oito horas, pagamento
do trabalho noturno, proibição da trabalho a menores de quatorze anos, regulamentação
do trabalho dos menores de dezesseis anos e das mulheres, assistência médica e garantia
141
“O Estado Novo e as Classes Trabalhadoras”, discurso pronunciado por Vargas em 1 o de maio de
1938, citado in idem.
TP
PT
142
TP
PT
143
TP
PT
P
Discurso pronunciado em 27 de julho de 1938, citado in idem.
Constituição de 10 de dezembro de 1937, Da Ordem Econômica, art. 135.
P
135
à maternidade, instituição de seguros sociais (exceto o da letra n) configuravam um
sistema elementar de defesa do trabalho. 144
PF
FP
A novidade estava na concepção do sistema. Os dois protagonistas das relações
trabalhistas – o capital e o trabalho – não exerciam suas atividades num mercado liberal.
A greve, pelo artigo 139 da Constituição era considerada um recurso anti-social. Pelo
artigo 137, letra c, a modalidade do salário seria “a mais apropriada às exigências do
operário e da empresa”, o que, implicitamente, convocava a presença arbitral do Estado
para julgar sobre a justeza da importância “própria”. Agindo arbitralmente, o Estado
como representante da nação expressaria sua vontade soberana, situando-se num plano
elevado diante das partes negociadoras e chamando-as ao cumprimento do bem comum.
O capital privado, força básica de impulso do Estado nacional, apesar de
legitimado, não é visto como uma finalidade em si mesmo, mas somente na medida em
que potencializa esse mesmo Estado nacional. Sua realização, nesse sentido, dependeria
não apenas do esforço empresarial como também do trabalhador. Daí que a disciplina
no interior da empresa se constitua num objeto a ser regulado consensualmente,
explicitando a ideologia corporativa da Constituição. Nela, pelo artigo 135, a economia
da produção consistia numa função do Estado, que a delegava às corporações
representativas do capital e do trabalho, cujo texto bizarro deixa clara a inspiração
protofascista do legislador:
[...] A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para
suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da
produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no
jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação,
representados pelo Estado (grifos acrescentados).
144
O item da letra n consignava: “As associações de trabalhadores têm o dever de prestar aos seus
associados auxílio ou assistência, no referente às práticas administrativas ou judiciais relativas aos
seguros de acidentes do trabalho e aos seguros sociais”.
TP
PT
136
Por esta mesma razão, o arcabouço institucional da nova ordem partia do
conceito prévio dos sindicatos como órgãos delegados do poder público. Livre a
sindicalização – isto é, no jargão dos juristas brasileiros, a sindicalização individual era
facultativa -, tal suposto não impedia que os contratos coletivos celebrados pelos
sindicatos obrigassem a todos que representavam. Acresce que só o sindicato
legalmente reconhecido poderia servir de agente de mediação entre um trabalhador e a
empresa (ou o Estado). O Estado lhe garantia o controle jurisdicional de toda a categoria
e a canalização para o seu interior de qualquer reivindicação operária. Definia com
antecedência, entretanto, o escopo e o âmbito das reivindicações, assegurando-se, assim,
do domínio indireto da vida associativa das classes subalternas. 145
TP F
FP T
Pela fórmula colaboracionista do corporativismo constitucional de 37, após a
violenta desmobilização operária iniciada em 1935, procurava-se reconduzir a classe
operária para o interior dos sindicatos postos sob controle do Ministério do Trabalho.
Mas o colaboracionismo implicava a adesão do empresariado que, desconhecendo o
preceito da regulamentação dos salários nos contratos coletivos de trabalho, repeliu, na
prática, a proposta de tentar a “colaboração” operária nas questões da disciplina interna
da empresa.
A ação do Estado voltou-se essencialmente para um severo controle da
movimentação operária e sindical se bem que, por conta de sua própria invenção, o
governo tenha sido também obrigado a exercer a fiscalização das leis trabalhistas. Os
sindicatos se limitaram a ser agências de mediação entre o trabalhador individual e o
Estado, e o discurso corporativo reduziu-se aos pronunciamentos dos dirigentes
políticos. De fato, os institutos corporativos foram esvaziados de sua filosofia
colaboracionista, convertendo-se em instrumentos de simples dominação de classes.
145
TP
PT
Ver Werneck Vianna (2000) e Santos (1979).
137
O caráter totalitário do sistema político, explícito na Constituição de 37 e na
prática política dos dirigentes governamentais no início do Estado Novo, aos poucos
cedeu espaço a um projeto de Estado autoritário e modernizante, mais condizente com
os desejos do empresariado. A força do capitalismo brasileiro em expansão, uma vez
resolvida a questão operária pela violência e pelas instituições sindicais corporativas, e
sem encontrar resistência da pequena propriedade, praticamente inexistente, logo fêz
com que recuperasse a legitimidade do seu interesse face à obscura potência do Estado
nacional. Prevaleceu, portanto, a perspectiva de que o corporativismo deveria ser
entendido menos como promotor de harmonia e mais como meio de potencialização dos
interesses econômicos, colocando a política a serviço a economia. Rejeitando, no
terreno da prática social a utopia totalitária, os empresários se apropriaram do
corporativismo como mecanismo de acumulação, circunstância que, entre outras, aponta
para a relevância do papel que desempenharam no período. Cabe sublinhar ainda que a
própria estrutura corporativa –a qual aderiram apenas em parte – dispensava-os da
organização de um instrumento político específico, exercendo suas pressões dentro do
aparato estatal, através da representação de suas entidades classistas nos inúmeros
conselhos criados para formular a política econômica 146 .
TP F
FP T
3.4 Estado e sociedade na nova ordem
Conforme se viu, a centralização e o autoritarismo que passaram a caracterizar o
Estado brasileiro depois de 1930 - e em particular com o golpe de 1937 , quando
constitucionalmente a nova ordem procura se revestir de uma doutrina totalitária – não
representaram, para as classes dominantes, um descolamento entre seus interesses e o
poder político. Fechado o Congresso, a representação empresarial, beneficiada pelo
estatuto oficial de suas entidades, continuou presente e atuante nos inúmeros conselhos
146
TP
PT
Leopoldi (2000); Werneck Vianna (2000).
138
incrustados no aparelho estatal. O CFCE, por exemplo, acabou se constituindo em uma
das principais vias de acesso, por parte de grupos privados, ao processo decisório.
Nesse sentido, como observa Boris Fausto, o Estado Novo não significou um
corte radical com o passado, pois várias de suas práticas e instituições já vinham
tomando forma desde 30, ou mesmo antes. Mas, a partir de novembro de 37, maior
coerência e mais integração são impressas àquelas práticas e instituições. O Estado
Novo vai, de fato, concentrar a maior soma de poderes até então conhecida na história
do Brasil como país independente.
Pelas “disposições finais e transitórias” da Constituição de 1937, o presidente da
República recebia poderes para confirmar ou não o mandato dos governadores eleitos,
podendo nomear interventores quando não os confirmasse 147 . A Constituição, que
PF
FP
entrava imediatamente em vigor, devia ser submetida a um plebiscito nacional – que
nunca ocorreu -, após o qual se realizariam eleições para o Congresso Nacional, as
Assembléias Estaduais e as Câmaras Municipais, então dissolvidos. Ao presidente, na
ausência do Legislativo, era atribuído o poder de expedir decretos-lei em todas as
matérias de responsabilidade do governo federal. O artigo 186 declarava em todo o país
o estado de emergência 148 , suspendendo as liberdades civis garantidas formalmente pela
PF
FP
própria Constituição. Outro preceito transitório, que também se prolongou por todo o
Estado Novo, autorizava o governo a aposentar funcionários civis e militares, “no
interesse do serviço público ou por conveniência do regime”. 149
PF
FP
147
Na realidade, os governadores dos estados se transformaram em interventores e na maioria dos casos
foram substituídos. Ver FAUSTO (1994).
TP
PT
148
Esse artigo só foi revogado pela Lei Constitucional n o 16, de 30 de novembro de 1945. Ver Adriano
Campanhole e Hilton Lobo Campanhole, Todas as Constituições do Brasil, ed. Atlas, 1971.
TP
PT
149
TP
PT
P
FAUSTO (1994).
P
139
O processo de centralização em curso desde a Revolução se realiza, pois,
plenamente com a nova ordem implantada em 37. Os estados passam a ser governados
por interventores, eles mesmos controlados por um departamento administrativo, criado
por decreto-lei de abril de 39. Essa agência federal faria as vezes das assembléias
estaduais, na medida em que os orçamentos e toda a legislação expedida pelos
interventores dependiam de sua aprovação.
Segundo Boris Fausto, o poder pessoal de Vargas, no comando do Estado,
representava a instância decisiva nas resoluções fundamentais. O presidente se fazia
assessorar por um círculo de extrema confiança, formado por elementos das Casas Civil
e Militar e ministros de Estado, cuja estabilidade se revela pela permanência no poder.
Com efeito, entre março de 1938, quando Oswaldo Aranha, que já ocupara outros
cargos importantes no governo, foi nomeado Ministro do Exterior, e junho de 1941, não
ocorreu uma única alteração no ministério.
Embora Vargas cultivasse relações bastante próximas com uma elite intelectual
declaradamente antiliberal – da qual saíram alguns dos mais destacados quadros da
burocracia estadonovista 150 - suas afinidades com nomes identificados com o
PF
FP
liberalismo (ou, pelo menos, com um certo liberalismo), como Oswaldo Aranha, eram
evidentes. O relacionamento com as lideranças empresariais também se manteve
intocado, por todo o período, a despeito das tensões que marcaram a criação da estrutura
corporativa para a classe patronal. Desse modo, Vargas preservava eqüidistância face
aos interesses divergentes que compunham sua base política e ideológica de
sustentação, instrumentalizando-os quando conveniente e coordenando-os com vistas à
realização de seus objetivos.
150
Por exemplo, Oliveira Vianna, importante sociólogo e consultor jurídico do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, Almir de Andrade, advogado e jornalista, que dirigiu a revista Cultura Política,
publicação oficial destinada ao meio cultural, o poeta Cassiano Ricardo, o jurista Francisco Campos, e
muitos outros.
TP
PT
140
O mesmo se pode dizer quanto aos militares. Apesar de sua influência no
regime, as Forças Armadas não desempenharam, em nenhum momento, papel dirigente
na construção da ordem estadonovista. Até porque não se constituíam como grupo
monolítico nem tinham um programa definido de política estatal. Sua coesão repousava
na convergência para um objetivo geral, a modernização do país pela via autoritária. No
tocante às relações com as grandes potências e à definição substantiva de um projeto de
desenvolvimento econômico, os pontos de vista variavam, com maior ou menor ênfase
no tema da autonomia nacional.
Boris Fausto cita dois exemplos de como, em momentos diferentes, Vargas
enfrentou a cúpula militar, manipulando as pretensões do Exército e compatibilizandoas com os interesses do governo. “Quando logo após o golpe de 1937, Getúlio tomou a
decisão de interromper o pagamento do serviço da dívida, mobilizou o apoio dos
militares, colocando a decisão nos seguintes termos: ou pagamos a dívida externa ou
reequipamos as Forças Armadas e o sistema de transportes”. Anos mais tarde, no início
de 1942, a decisão de Getúlio de solidarizar-se com os Estados Unidos, após o ataque
japonês a Pearl Harbor, provocou reservas por parte dos generais Dutra e Góis
Monteiro. Ambos apresentaram demissão, recusada pelo presidente. Segundo o
subsecretário de Estado americano, Sumner Welles, Getúlio chegou a dizer aos dois
militares que contava com o povo “e não precisava das Forças Armadas para conter
atividades subversivas”. 151
PF
FP
Conforme se procurou mostrar acima, o corporativismo com o qual os diversos
segmentos da elite brasileira acabaram por concordar concretizou-se essencialmente
enquanto mecanismo repressivo e controlador da vida operária e sindical. Mas também
nesse aspecto, uma outra faceta aparece, corroborando a idéia de que ao dirigente
151
TP
PT
FAUSTO (1994).
141
máximo do Estado Novo cabia uma função indispensável à plena consecução da ordem
que se queria implantar: a função de mobilizar a adesão de todos os grupos sociais,
inclusive dos trabalhadores. A legislação trabalhista, simultânea à rígida estrutura
sindical corporativa para o operariado, constituiu recurso importante para a construção
da imagem de Getúlio Vargas como protetor dos trabalhadores. Em cerimônias que
reuniam grandes massas, realizadas a partir de 1939 no estádio do Vasco da Gama, em
São Januário – o maior estádio do Rio de Janeiro na época – e desde 1944 no Pacaembu,
em São Paulo, Vargas iniciava seus discursos com a famosa alocução “Trabalhadores
do Brasil”, anunciando sempre alguma medida de alcance social. A Hora do Brasil, em
plena era do rádio, endereçava mensagens específicas para determinadas audiências
populares: mulheres, aposentados, pais de menores operários, migrantes.
Com efeito, o regime de 37 buscou combinar coerção e consenso. As tentativas
de formar uma ampla opinião pública favorável à nova ordem não se restringiram,
obviamente, à manipulação de símbolos e a discursos sedutores. Medidas concretas e
políticas ativas, entre as quais merecem destaque a censura aos meios de comunicação,
a racionalização do serviço público, a política educacional e a própria legislação social,
se destinaram a gerar a desejada conformidade.
As preocupações de Vargas com a publicidade vinham desde a Revolução. Já em
1931 instituiu o Departamento Oficial de Publicidade, e, em 34, criou, no Ministério da
Justiça, o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, que funcionou até dezembro
de 1939. As funções desses órgãos se prendiam, ainda, mais a difundir o ideário
revolucionário e os feitos do governo que propriamente a controlar e inibir concepções
contrárias.
Com o Estado Novo se constitui, em 39, um verdadeiro ministério da
propaganda, o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) que vai atuar
142
concomitantemente nas esferas de divulgação, controle e conformação ideológica. O
DIP era ligado diretamente à presidência da República, que escolhia seus principais
dirigentes, e tinha funções de coação e incentivo voltadas para as áreas de comunicação
e cultura. Cinema, rádio, imprensa, literatura – tudo passava pelo crivo dos censores do
DIP. O DIP proibia a entrada no país de “publicações nocivas aos interesses
brasileiros”, agia junto à imprensa estrangeira no sentido de evitar que fossem
divulgadas “informações nocivas ao crédito e à cultura do país”, censurava filmes,
programas, obras de arte e, sobretudo a “literatura social e política” que contrariasse os
princípios da ordem estabelecida 152 . Do DIP partiam as transmissões diárias da Hora do
TP F
FP T
Brasil, os informes de guerra, os comunicados sobre a situação da Força Expedicionária
Brasileira.
A criação do DIP se enquadra, também, no movimento mais abrangente de
reformulação da administração pública que o Estado Novo promoveu. Para
efetivamente constituir-se no paladino de um projeto de modernização do país e
enfrentar os desafios resultantes de tal papel o Estado brasileiro tinha, no entender de
seus dirigentes, que passar por sérias reformas 153 . Uma burocracia qualificada,
TP F
FP T
desvinculada da política partidária, devotada aos interesses nacionais e identificada com
os princípios da ordem era indispensável.
Constitucionalmente estabelecido na Carta de 37, o DASP – Departamento
Administrativo do Serviço Público -, criado por decreto-lei em julho de 1938 como
órgão ligado à presidência da República, tornou-se a agência responsável pelas
tentativas de imprimir racionalidade ao serviço público e introduzir critérios de
152
TP
PT
153
Idem.
Cabe mencionar, nesse sentido, a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em
1937, do Tribunal de Contas da União em 1938, do Instituto de Resseguros do Brasil em 1939. A
fundação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 1936, também se enquadra na
linha de modernização do Estado, tendo sido importante para a produção de informações indispensáveis
ao projeto de racionalização administrativa.
TP
PT
143
eficiência na administração governamental. Ao DASP foram atribuídas importantes
funções, como a de exercer controle centralizado sobre o funcionalismo, a de
supervisionar compras de material e a de dar assistência ao presidente na revisão das
propostas legislativas.
Concursos para ingresso no setor público, planos de carreiras e regras formais de
promoção baseadas no mérito foram estabelecidos. Consolidou-se a distinção, vigente
desde 1936, entre as categorias de funcionário público e “extranumerário”. Os
funcionários públicos, concursados, reciclados, e dotados de direitos privilegiados
quanto a salários e aposentadorias, deveriam constituir o padrão burocrático racional da
administração permanente. O recrutamento do pessoal extranumerário servia como
canal de absorção da força de trabalho não qualificada que a acelerada urbanização
trazia para a capital da República 154 .
TP F
FP T
A formação de quadros, não só para ocupar cargos administrativos como
também para o desempenho de funções importantes no processo de industrialização,
dependia fundamentalmente do sistema educacional. Desde logo, não faltou aos
dirigentes do projeto modernizador a percepção das lacunas existentes nesse campo. A
criação do Ministério da Educação e Saúde, em 1930, dá mostras das intenções do então
governo provisório: reorganizar a estrutura educativa a partir do centro político. Uma
clara continuidade na gestão da política educacional, de 30 a 45, igualmente se
verificou: Francisco Campos, o primeiro a ser nomeado, permaneceu à frente do
ministério entre novembro de 1930 e setembro de 1932; em seguida, foi substituído por
Gustavo Capanema que só se afastou quando da queda de Vargas em 1945.
As ações concretas do Ministério da Educação, todavia, voltaram-se
prioritariamente para o ensino superior e secundário. No âmbito do ensino superior, o
154
TP
PT
FAUSTO (1994).
144
objetivo consistiu em criar condições para a organização de universidades, dedicadas ao
ensino e à pesquisa. No que respeita ao ensino secundário, tratava-se, na realidade, de
implantá-lo, uma vez que, na maior parte do país os cursos eram meros preparatórios
para a entrada em escolas superiores 155 .
TPF
FPT
Em abril de 1931 o governo provisório promulgou o Estatuto das Universidades
Brasileiras e, por decreto, reorganizou a Universidade do Rio de Janeiro, criada em
1920 e, até então, uma simples agregação de três escolas (a Faculdade de Direito, a
Faculdade de Medicina e a Politécnica). O surgimento da Universidade de São Paulo,
em 1934, embora tenha se dado sem a interferência – e até à margem – do governo
federal, seguiu os moldes estatuídos pela reforma.
Por iniciativa de Anísio Teixeira, na época secretário de Educação do município
do Rio de Janeiro, foi criada a Universidade do Distrito Federal, em 1935, cujo núcleo
central estava na Faculdade de Pedagogia. As intenções de Anísio Teixeira residiam,
primordialmente, em promover inovações no processo de formação de educadores e,
para tanto, evitou estabelecer os vínculos com as escolas superiores existentes que a
orientação governamental sugeria.
Com o advento do Estado Novo, o reformismo educacional, cujos princípios
autonomistas e descentralizadores contrariavam basicamente a idéia de uniformidade do
ensino, foi descartado 156 . Em 1939, a Universidade do Distrito Federal foi extinta. Seus
TP F
FPT
cursos foram incorporados à Universidade do Brasil, que desde 1937 substituíra a
Universidade do Rio de Janeiro.
155
TP
PT
156
Idem.
O reformismo educacional se configurou como corrente de pensamento durante os anos 30,
envolvendo educadores que questionavam a prevalência da Igreja e de seus dogmas no campo
educacional. Preconizavam o ensino público, gratuito, laico e sem separação de sexo. A concepção
reformista foi expressa no Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, lançado em março 1933, que ficou
conhecido como Manifesto da Escola Nova. Seus principais redatores foram Fernando de Azevedo,
Anísio Teixeira e Lourenço Filho.
TP
PT
145
No tocante ao ensino secundário, a reforma implementada por Francisco
Campos como Ministro da Educação no início dos anos 30 estabeleceu o currículo
seriado, o ensino em dois ciclos, a freqüência obrigatória e a exigência do diploma de
nível secundário para ingresso nas escolas superiores 157 . Historiadores que
TPF
FP T
reconstituíram a trajetória da educação no Brasil atribuem as novidades introduzidas no
sistema – a complexidade do currículo, a duração dos estudos abrangendo um ciclo
fundamental de cinco anos e outro complementar de dois anos – ao objetivo de preparar
novas elites 158 .
TP F
FP T
A progressiva adesão do governo Vargas ao projeto de industrialização, de modo
similar, trouxe repercussões importantes sobre a política educacional, especialmente a
partir de 1937. Embora o ministro Capanema tenha dado sequência à reforma Campos
no ensino secundário, sua prioridade, no Estado Novo, vai recair sobre a organização do
ensino industrial. Um decreto-lei de janeiro de 1942 institui a Lei Orgânica do Ensino
Industrial, com o objetivo de qualificar a mão de obra para a indústria. Pelo Decreto-lei
4.481, de 16 de julho de 1942 a formação profissional fica a cargo do Serviço Nacional
de Aprendizagem dos Industriários (SENAI) 159
TP F
FP T
e do Serviço Nacional de
Aprendizagem do Comércio (SENAC).
O que viria mais tarde a ser conhecido como Sistema S (os serviços sociais e de
aprendizagem da indústria e do comércio) complementou, bem aos moldes do padrão de
relacionamento entre Estado e sociedade, à época vigente, a obra social de Vargas. Com
financiamento público, os serviços se destinavam ao mundo do privado: os
trabalhadores das empresas industriais e comerciais. Ao SENAI e ao SENAC,
157
TP
PT
158
TP
PT
159
Ver ROMANELLI (1978).
ROMANELLI (1978), FAUSTO (1994), por exemplo.
O SENAI, destinado ao ensino profissional do menor operário, era subordinado ao Ministério da
Educação, mas ficou sob a direção da Confederação Nacional da Indústria.
TP
PT
146
responsáveis pela educação, se seguiram o SESI e o SESC, com atribuições de prover
assistência
social
aos
industriários
e
comerciários,
respectivamente.
A
complementaridade se dava com a estrutura previdenciária oficial, que oferecia
benefícios diferenciados a diferentes categorias ocupacionais. Indústriários e
comerciários, as mais numerosas dessas categorias ocupacionais, não contavam, em
seus institutos de aposentadoria, com benefícios assistenciais.
A estrutura previdenciária, aliás, sintetiza em boa medida, a proposta de Vargas.
Estreitamente articulada com a legislação trabalhista e a organização sindical,
incorporou as intenções de racionalidade administrativa, operou como instrumento de
mobilização política e serviu ao processo de acumulação de capital.
Os IAPs - Institutos de Aposentadoria e Pensões – começam a ser criados em
1933, quando surge o IAPM (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítmos). Em
34, o IAPB (dos bancários) e o IAPC (dos comerciários) tomam forma. Durante o
Estado Novo, foram montados o IAPI (dos industriários), o IAPETEC (dos empregados
em transporte e cargas, e que incluía os condutores de veículos e os empregados em
empresas de petróleo), e o IPASE (dos servidores do Estado).
Muitos autores datam o nascimento da previdência social no Brasil em 1923,
quando, com a promulgação do Decreto-lei 4.682 – a chamada lei Eloi Chaves 160 - se
TP F
FP T
tornou obrigatório, para as companhias ferroviárias privadas, o estabelecimento de
caixas de aposentadorias e pensões para seus empregados 161 . As CAPs, porém, embora
TPF
FPT
tenham se estendido a outros setores (navegação, em 1926, e funcionalismo civil da
160
TP
PT
161
A lei ficou conhecida pelo nome do deputado paulista que apresentou o projeto no Congresso.
Organizadas por empresas, as CAPs eram financiadas pelas contribuições dos empregados e dos
empregadores, além de contarem com uma fração das tarifas pagas pelos usuários dos serviços. Eram
dirigidas por colegiados formados por representantes de empregados e empregadores, permanecendo o
Estado apenas como fiscalizador. Ver, a respeito, Werneck Vianna (1998), Oliveira & Fleury Teixeira
(1986) e Santos (1979).
TP
PT
147
União, em 1931), não chegaram a constituir um sistema nacional, como o que foi
implantado por Vargas.
A partir de 1933, quando começam a ser instituídos os IAPs - um formato de
instituição previdenciária não mais baseado na empresa, mas que organizava como sua
clientela todos os trabalhadores de uma categoria ocupacional específica – mudanças
relevantes foram introduzidas também na gestão dos aparelhos previdenciários . O
colegiado diretor, mantido, teve sua composição modificada: aos representantes de
empregados e empregadores, agregaram-se os técnicos governamentais. Evidentemente,
a idéia de representação também sofre alterações, já que o “representante” deixa de
representar os empregados ou proprietários de uma empresa, passando a fazê-lo em
nome de uma categoria. As eleições para a escolha da representação será então feita
através dos sindicatos, abandonando-se a via direta. Em termos de funções, o colegiado
teve, ademais, seu estatuo rebaixado, pois, acima dele se criou a instância superior de
um presidente, nomeado pela presidência da República e a quem deveriam os conselhos
diretores meramente assessorar.
Filiando compulsoriamente todos os componentes de determinados segmentos
do mercado de trabalho formal urbano 162 , os IAPs foram erigidos como entidades
TP F
FP T
autárquicas, vinculadas ao Estado via Ministério do Trabalho e, o que foi crucial, na
época, sob o regime de capitalização. A arrecadação das contribuições de empregados
(na forma de um percentual do salário que variava de uma categoria para a outra) e de
empregadores (uma percentagem sobre a folha de salários) alimentou um fundo que,
nos anos 40 já era suficientemente vultuoso para que rentáveis investimentos fossem
realizados. Como mencionado antes, parte desses recursos foram aplicados na
construção da usina siderúrgica de Volta Redonda.
162
TP
PT
O sistema previdenciário, assim como a organização sindical, excluía os trabalhadores rurais.
148
Não por acaso, a última categoria a ter seu instituto de aposentadoria seria a dos
industriários. O IAPI, que incorporaria quase um milhão de pessoas ao seguro social – e
pessoas vinculadas ao universo da produção industrial – se inseria num tema caro ao
projeto varguista 163 . Criado, na verdade, por dispositivo legal em 1936 só entraria em
TP F
FP T
funcionamento em 1938, quando o sindicalismo já se encontrava sob controle. Durante
dois anos, um grupo de técnicos estudou a organização de outros institutos e de
congêneres no exterior; informações sobre a situação e a distribuição dos trabalhadores
industriais brasileiros foram colhidas e sistematizadas. De acordo com Hochman, o
IAPI nasceu sob forte intervenção do MTIC e com a expressa orientação de tornar-se
modelo de administração pública racional e moderna. A comissão encarregada de
implantá-lo “organizou um concurso público para a seleção de pessoal que possibilitaria
estruturar um quadro de funcionários baseado exclusivamente na competência,
diferenciando-se, assim da tradição clientelista, de recrutar com base em indicações de
lideranças sindicais e políticas ou em garantias legais de emprego para membros das
categorias profissionais e seus parentes”. 164
TP F
FP T
Muitas das reformas levadas a cabo por Vargas durante o Estado Novo
sobreviveram ao autoritarismo da época. Quando forçado a renunciar, em outubro de
1945, após sucessivos episódios nos quais se evidenciou o declínio do apoio que atores
importantes, como o empresariado e os militares, lhe garantiam, novas estruturas já
estavam sedimentadas 165 . Entre elas, permaneceram a previdência social, a legislação
TP F
FP T
trabalhista, a universidade, um Estado razoavelmente modernizado, o próprio
corporativismo sindical, e, afinal e sobretudo, o projeto de industrialização por
substituição de importações, que perdurou até fins dos anos 70.
163
TP
PT
164
TP
PT
165
TP
PT
Ver HOCHMAN (1992).
Idem.
Sobre os episódios que marcaram a queda de Vargas, ver FAUSTO (1994).
149
3.5 Palavras finais
Da literatura consultada depreende-se alguns pontos fundamentais para a
compreensão do primeiro governo Vargas, em particular do período estadonovista e da
ordem instititucional então edificada. Ordem que presidiu o deslanchar do processo de
industrialização brasileira e da qual perdurariam elementos importantes, conforme
apontado acima, mesmo depois de constitucionalmente extinta pela Carta de 1946.
O Estado novo, com a Constituição de 1937, criou uma institucionalidade
singular que traduzia a pretensão de impor a primazia da dimensão pública sobre a
dimensão privada da vida social e econômica sem negar a legitimidade (e a relevância)
da mesma. Ao contrário, a “Polaca” conferia aos interesses privados papel central na
construção da nova ordem, mas preconizava que tais interesses – o mundo da economia
e especialmente o da indústria – deveriam internalizar “o pensamento dos interesses da
Nação, representados pelo Estado”. 166 A tentativa, parcial e transitoriamente bem
TPF
FPT
sucedida, encerrava duas contradições flagrantes. Ao incensar a iniciativa privada como
agente da modernização econômica e simultaneamente a colocar sob a direção indutora
do Estado, o regime criava uma séria dificuldade para sua própria reprodução, já que
procurava introduzir, numa esfera que tendia à autonomia e às leis do mercado, uma
ideologia que lhe era estranha. A segunda contradição consistia no movimento paralelo
de valorizar o trabalhador – figura-símbolo dos comícios de Vargas e sujeito dos
direitos sociais instituídos – e, ao mesmo tempo, submeter os seus sindicatos à tutela do
Estado.
O corporativismo é, assim, peça-chave dessa ordem. Não constitui apenas uma
estrutura de organização de interesses fundada na posição ocupacional como a que
166
TP
PT
Artigo 135 da Constituição de 1937, citado em Werneck Vianna (2001).
150
predomina em países do norte europeu 167 . Como ordenamento das relações entre
TPF
FPT
capital trabalho, também tem natureza diversa daquela em que se baseava o salazarismo
português, pois, embora seja um empreendimento político, não tem a função de conter a
sociedade e sim de expandir suas potencialidades, desde que sob os ditames dos
dirigentes estatais. Essa ideologia, verbalizada na Carta de 37, e afirmada por seus
mentores (como Azevedo Amaral), expressa o caráter contraditório do regime do
Estado Novo: a intenção explícita de liberar as forças modernas do capitalismo sob uma
institucionalidade intencionalmente forjada para ditar os caminhos de tal liberação.
Desse modo, a implantação da indústria siderúrgica, a mais importante de suas
iniciativas no plano econômico, foi um episódio decisivo para a mudança de rumo do
Estado Novo. Nesse episódio, o “interesse” das forças a serem liberadas prevaleceu
sobre o “pensamento dos interesses da Nação”. Na esteira da criação da indústria
siderúrgica, o Brasil acabaria por se definir em favor da causa dos Aliados contra os
países do Eixo, resultando no envio de uma força expedicionária ao teatro de operações
no continente europeu.
Minado por contradições que vinham do desajuste entre a sua “teoria” política
conservadora e a prática social modernizante, de que era o principal agente estimulador,
a institucionalidade antiliberal do Estado Novo não teve como resistir a mais esta:
combater em armas o fascismo e o autoritarismo político fora de suas fronteiras,
enquanto os sustentava em seu território.
O Estado Novo pavimentou, de fato, o caminho para a modernização econômica
do país, assim como refundou a república, “ampliando” o escopo do Estado a fim de
abrigar os novos personagens sociais nascidos do mundo urbano-industrial. Mas o preço
167
O corporativismo estatal criado por Vargas se funda numa concepção inteiramente distinta daquela
que permeia as estruturas corporativas e neocorporativas de confronto e negociação vigentes na Europa.
Ver a respeito, Werneck Vianna (1998).
TP
PT
151
da modernização autoritária e da “ampliação” por cima da cidadania importaria a perda
de autonomia da sociedade diante do Estado. A herança do autoritarismo político pesou
sobre a história republicana, reiterando-se no regime do Ato Institucional nº. 5, em
1969, que obedeceu, em linhas gerais, ao seu modelo.
152
4 “Fuga para frente”: o grande salto da década de 1950
Observa Ricardo Bielschowsky, em sua análise da ideologia desenvolvimentista
no Brasil, que a bibliografia das ciências sociais sobre o período do imediato pósSegunda Guerra Mundial até a eleição de Juscelino Kubitschek pode ser classificada da
seguinte maneira:
Para o historiador político, a opção tradicional, quando sua análise vai além
do período 1945-47, é a de considerar como períodos distintos os anos
1946-50 (governo Dutra), 1951-54 (governo Vargas) e 1954-55 (governo do
presidente Café Filho e soluções provisórias que se seguiram ao seu
afastamento). Entre os historiadores da política econômica, encontram-se
duas opções básicas. Há aqueles que, como Carlos Lessa [1981], estão
preocupados em marcar a diferença entre a política desenvolvimentista de
Vargas e a política liberal de Dutra e que empregam a mesma periodização
dos historiadores políticos. E há os que privilegiam a política econômica
externa e, sem recusar validade à questão enfatizada por Lessa, preferem
mostrar a continuidade da política cambial (licença prévia e taxa de câmbio
fixa) entre 1947 e 1952. Com isso, o grande marco histórico passa a ser a
introdução de um mercado cambial livre para capitais e a subseqüente
introdução da política de taxas múltiplas de câmbio, respectivamente em
fevereiro e outubro de 1953 (Bielschowsky, 2000, p. 316).
Para os fins do presente trabalho, cuja ênfase reside no desenho das instituições
políticas e administrativas e nos instrumentos de política econômica que podiam ser
mobilizados dadas essas instituições, julgou-se mais apropriado trabalhar com a
periodização dos “historiadores políticos”. 168 Em primeiro lugar porque, como afirma o
TP F
FP T
próprio autor em tela,
(...) não seria equivocado tomar o início do [segundo] governo Vargas como
um marco histórico, na medida em que a reinserção do desenvolvimentismo
no aparelho do Estado, tal como ocorreu, representou um avanço decisivo
na consolidação e difusão da concepção de industrialização integral e
planejada (Bielschowsky, 2000, p. 316).
Além disso, ainda segundo este autor, “[o] desenvolvimentismo consciente do
governo Vargas é, em certa medida, um resultado direto das frustrações a que o governo
168
Para uma análise da política econômica stricto sensu do governo Dutra, ver Vianna, S. B. (1997). Para
uma interpretação alternativa, com uma caracterização crítica do liberalismo daquele período, ver Bastos
(2003).
TP
PT
153
Dutra submeteu aqueles que defendiam uma política de industrialização para o país”
(Bielschowsky, 2000, p. 317). Há ainda que se considerar, por fim, o argumento de
Carlos Lessa, para quem, nos anos finais da década de 1940, “[a] industrialização (...)
surgiu como uma decorrência e não de um objetivo principal intencionalmente
perseguido, razão pela qual podemos qualificá-la de ‘não intencional’” (Lessa, 1981, p.
11).
Ao longo dos anos 50, a aceleração do crescimento, baseada no desenvolvimento
industrial, realiza-se em duas fases. A primeira, sob o segundo governo de Getúlio
Vargas, e que vai de 1951 a 1954; nesta etapa, conforme Carlos Lessa, é que são
lançadas “as bases instrumentais da política econômica do decênio”. A segunda fase
compreende a metade posterior da década, sob o governo JK, “quando, sob o esquema
do Plano de Metas, todos os esforços foram intencionalmente dirigidos à construção dos
estágios superiores da pirâmide industrial verticalmente integrada” (1981, p. 12). Entre
essas duas etapas, se situa um período de transição, marcado por tentativas frustradas de
implementação de esquemas convencionais de estabilização e pela grande instabilidade
política que se seguiu ao traumático episódio do suicídio de Vargas.
4.1 O quadro político e institucional no segundo governo Vargas
O segundo governo Vargas é um período da história econômica brasileira
caracterizado por controvérsia acadêmica. As interpretações variam desde a hipótese de
incoerência originária do governo, até a assertiva de que Vargas modificou sua
orientação a ponto de termos duas fases igualmente coerentes de governo, ambas
fracassadas; passando pelas interpretações de que o governo tinha um projeto coerente
desde o início, embora sem consenso quanto ao que seria este projeto.
154
Na extensa bibliografia sobre o segundo governo Vargas, não existe consenso a
respeito da natureza de seu projeto econômico. A hipótese de ambigüidade, incoerência
e mesmo de indecisão de Vargas entre diferentes objetivos não é rara. Um exemplo
importante desta interpretação encontra-se em D’Araújo (1982), que explica a
ambigüidade não por alguma indecisão intelectual de Getúlio, mas pela necessidade de
conciliar interesses diferentes que, na prática, eram inconciliáveis e mutuamente
incoerentes. De um lado, Vargas precisaria responder às exigências do nacionalpopulismo e do desenvolvimentismo, assegurando popularidade junto às camadas
urbanas e respondendo a seus compromissos nacionalistas históricos. De outro lado, em
função de acordos que viabilizaram sua candidatura, posse e governabilidade junto ao
Congresso, compusera-se politicamente com setores mais conservadores e/ou alinhados
com interesses econômicos e políticos norte-americanos.
Esta incoerência originária geraria impasses e contradições na ação do governo e
seria fonte permanente de instabilidade política, à medida que induzia “a manifestação
de temores e suspeitas quanto à disposição do governo em ceder a qualquer das partes
envolvidas nas negociações. (...) [e o governo] nessa expectativa da grande conciliação
acaba por perder-se e isolar-se num emaranhado de compromissos que não ganham a
confiança das outras partes interessadas” (D’Araújo, 1982, p. 134). Parece haver poucas
dúvidas de que a dinâmica da crise final do governo Vargas seria marcada por pressões
dos mais diferentes atores políticos (à esquerda e à direita) e, da parte do governo, por
propostas e decisões contraditórias, visando recuperar o prestígio junto a algum grupo
de interesses específico e acabando por afastar ainda mais algum grupo concorrente (cf.
Sola, 1982, pp. 120–7; e D’Araújo, 1982, pp. 113–126). Embora este modelo
interpretativo possua validade na análise da crise política do último ano do governo, esta
crise final não seria fortuita, estando, na visão de D’Araújo, associada à maneira como o
155
governo se constituiu desde o primeiro gabinete ministerial, buscando equilibrar e
conciliar interesses inconciliáveis.
Assim, a autora rejeita outras formas de destacar a ambigüidade do governo que
apelariam para a existência de diferentes “fases” ao longo do mandato (normalmente
tendo como marco a reforma ministerial de meados de 1953 ou o reajuste salarial de
1954), em que cada uma de duas das vertentes opostas possíveis (direita × esquerda;
cooperação internacional × nacionalismo; ortodoxia × populismo; estabilidade
monetária × desenvolvimento) seria predominante. Para ela, Vargas sempre foi e teria
permanecido ambíguo e indefinido até o fim. Em suas palavras:
Não se pode falar em duas fases distintas do governo e, conseqüentemente,
numa ‘virada’ de orientações (como) responsável pela situação de crise que
impediu o término do mandato do presidente. Além do mais, quando se fala
nessas duas pretensas fases — a conservadora e a nacionalista —, usa-se
como argumento central a associação entre posições conservadoras e
interesses do capital estrangeiro, e a relação entre esquerda e nacionalismo
econômico. A nosso ver, tais associações mecânicas não procedem, como
de fato as diferentes posições econômicas e políticas coexistem durante todo
o governo e marcam efetivamente sua pauta de atuação conciliatória, mas
coerente em suas contradições (D’Araújo , 1982, p. 160).
O principal alvo dessa crítica, aparentemente, é a análise de Thomas Skidmore,
segundo a qual teria havido uma “virada política” em algum momento do governo. No
entanto, embora Skidmore realmente tenha identificado uma progressiva “virada” para a
esquerda no último ano de governo (envolvendo uma solução final que eliminaria sua
ambigüidade), ele considerava que, desde o início do governo, “a maneira de Vargas
atacar essas questões (econômicas) era ambivalente (...). Em termos políticos, o
problema de Vargas era manter o delicado equilíbrio entre ortodoxia e nacionalismo na
política econômica” (Skidmore, 1976, pp. 124 e 132).
Na área econômica, desde o início do governo, a “coexistência ambígua” seria
marcada, por um lado, pela formação da Assessoria Econômica, portadora de “uma
156
linha de ação que se identifica com princípios nacionalistas e que imprime ao governo
um caráter nacional-desenvolvimentista”; por sua vez, os ministérios da Fazenda e do
Exterior e seu instrumento comum de ação, a Comissão Mista Brasil – Estados Unidos
(CMBEU), estabeleceriam uma “linha que procura abertamente adequar os interesses
brasileiros aos dos Estados Unidos” (D’Araújo, 1982, p. 132). A autora não deixa muito
claro qual seria o programa de ação econômica que o presidente queria executar, mas, à
luz de um comentário que precede a menção da presença de Horácio Lafer, João Neves
da Fontoura e da CMBEU no governo (“assim como foi oferecida à UDN uma
participação significativa, o governo preocupa-se também em representar os interesses
econômicos que se contrapunham, inclusive, a seu programa de desenvolvimento”),
pode-se inferir que seu programa de desenvolvimento foi elaborado com a Assessoria, e
que estaria representado, sobretudo, na Mensagem Presidencial ao Congresso para
abertura da sessão legislativa de 1951.
O problema desta análise está, em parte, em encontrar o lugar do Ministério da
Fazenda em um projeto que se parece supor definir-se pela Assessoria Econômica:
Lafer parece se contrapor ao projeto de desenvolvimento, reduzindo-se no limite a mero
representante conservador de interesses locais alinhados a interesses econômicos e
políticos norte-americanos. Em termos gerais, uma carência que compartilha com
algumas interpretações que enfatizam a existência de ambigüidades no governo é de que
não procura distinguir, de início, se estas ambigüidades teriam resultado seja:
1) da incapacidade da cúpula executiva ao coordenar, na prática, as iniciativas
díspares dos diferentes setores do governo para implementar um projeto unificado que,
em si mesmo, era coerente enquanto idéia;
2) da ausência, de antemão, de uma idealização ou proposição clara quanto ao
projeto que unificaria a ação do governo (a não ser, talvez, o projeto de decidir não
157
definir-se), criando portanto uma indefinição quanto ao modo de articular e hierarquizar
setores com diferentes visões de política e conferindo-lhes, implicitamente, excessiva
autonomia para buscar objetivos díspares; ou, ainda,
3) de um pouco de ambos, um pouco de indefinição inicial e um pouco de falta
de coordenação central posterior.
Uma maneira mais fácil de responder à questão é evadir-se dela: imaginar de
antemão que não devam sequer existir indícios suficientes para determinar seja que a
presidência dispunha de algum projeto que vinculasse as ações dos diferentes membros
da equipe, seja que este projeto tenha sido coerentemente transmitido à equipe que o
executaria. Neste caso, restaria constatar a presumida ambigüidade prática entre seus
membros: não apenas entre a Assessoria Econômica e o Ministério, mas entre a gestão
de Ricardo Jafet no Banco do Brasil e a de Horácio Lafer na Fazenda. Um corolário
possível desta atitude seria sugerir ou que Vargas era irracional, passando a governar
sem projeto de governo algum, ou que sua racionalidade estava em formar
compromissos e lotear cargos com o único projeto de preservar-se em seu próprio cargo.
No entanto, há fortes indícios de que nenhuma das possibilidades é correta. De
fato, uma outra opção seria, nas palavras de Sérgio Besserman Vianna, “localizar qual
era o projeto que, na visão dos que dele partilharam, seria capaz de tornar coerente a
ação do governo, assim como articular consistentemente forças e setores que divergiam
entre si quanto a princípios e interesses — isso embora tal projeto não tenha resistido às
provas de seu tempo” (Vianna, 1987, p. 32). Ou seja, localizar o projeto central que
tivesse orientado a montagem da equipe de governo e distribuído atribuições
complementares (e não contraditórias) entre seus membros — ainda que não se
garantisse, de antemão, a capacidade de coordenar as iniciativas dos diferentes setores
do governo de forma coerente à implementação prática do projeto imaginado. E,
158
sobretudo, apresentar os indícios que sustentem a existência de tal projeto. Todavia, as
evidências levantadas pelo autor para identificar a existência e natureza do projeto
econômico são frágeis.
Curiosamente, Vianna não recorreu à maneira mais evidente de encontrar
indícios deste projeto, como consultar aquilo que assessores de Vargas consideravam a
“Mensagem Programática” de 1951, ou posicionamentos públicos de Getúlio antes e
depois da Mensagem, ou ainda examinar com maior cuidado sua alentada
correspondência no período. Vianna tampouco avaliou as idéias e propostas publicadas
de Lafer, ou sua copiosa intervenção parlamentar. Ao invés disto, pretendeu, primeiro,
identificar a coerência do projeto do governo recorrendo particularmente a dois
documentos breves em que estariam expressas certas idéias de Horácio Lafer; e,
segundo, identificar estas idéias às do próprio Vargas. Com base neste silogismo,
argumentaria que “o único conflito real na formulação da política econômica, portanto,
seria entre Horácio Lafer e Ricardo Jafet” (Vianna, 1987, p. 38). Como presume que as
idéias de Vargas eram as de Lafer, disto decorreria que “a orientação da política
creditícia do Banco do Brasil foi a nota dissonante da política econômica dos dois
primeiros anos do governo” (idem, ibidem). 169
TPF
FPT
Contrariando o espírito deste vertente interpretativa, Bielschowsky (2000)
considera aquela Mensagem Presidencial (denominada “Mensagem Programática” 170
TP F
FPT
169
Para um aprofundamento da crítica a essa interpretação, bem como uma análise das idéias de Horácio
Lafer, ver Bastos (2005).
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170
A mensagem foi incluída na coletânea O Governo Trabalhista do Brasil, vol I, com outros
pronunciamentos de Vargas. Segundo o depoimento de Rômulo de Almeida ao CPDOC-FGV, em
entrevista realizada por M.C. D’Araújo e R. Roels Jr. em março de 1980, a primeira tarefa da Assessoria
Econômica foi precisamente a de coordenar a elaboração da Mensagem de 1951, orientada pela indicação
de Vargas de que pretendia apresentar algo como uma mensagem programática que sintetizaria os
projetos e meios de ação do governo, e tendo como diretrizes para a redação a plataforma da campanha
presidencial e alguns documentos enviados por Vargas. A coordenação da redação teria envolvido
também a articulação de documentos elaborados pelas diferentes equipes setoriais dos ministérios,
seguindo as diretrizes que haviam sido definidas por Vargas, que checava com freqüência a evolução do
documento junto com Lourival Fontes, chefe da Casa Civil, filtrando e aprovando seu formato final. Para
TP
PT
159
por conter as diretrizes fundamentais da atuação governamental subseqüente) “o mais
amplo documento de afirmação da industrialização integral até então escrito no Brasil
(...)[,] um marco histórico do projeto desenvolvimentista” (p. 339). Nesta Mensagem, o
presidente anuncia as principais dificuldades que teriam de ser superadas para o avanço
efetivo do processo de industrialização, tal como se segue:
Efetivamente, o desenvolvimento econômico requer crescentes importações
de bens de produção e, de vez que os rendimentos se elevam, também
maiores volumes de importação de bens de consumo. Mas a ampliação das
importações supõe um incremento da procura internacional para nossos
produtos de exportação, ao lado da entrada de capitais estrangeiros. Nossas
exportações, entretanto, não se têm expandido numa taxa equivalente à
demanda de importações e, de outro, não têm sido ponderáveis, nem
estáveis, os influxos de capitais. Em conseqüência, tende a balança de
contas do país a ser cronicamente desequilibrada, impondo limites ao
processo econômico interno. As nossas necessidades rígidas de importação,
em contraste com a demanda instável de nossas exportações, forçam, salvo
interrupções episódicas, a deterioração dos termos de intercâmbio, o que
constitui um fator adicional na relativa diminuição de nosso poder de
compra no exterior e, assim, do próprio equilíbrio do balanço de
pagamentos.
E vai além, ao indicar a visão da transformação estrutural que se processava na
economia brasileira, que deveria se aprofundar através do crescimento da produção
interna de bens de capital:
Nessas condições, a economia nacional, através de lento e descontínuo
processo de adaptação, vem sofrendo uma transformação estrutural, que
consiste essencialmente na substituição de importações pela produção
doméstica e na diversificação das exportações. Esse processo, que se iniciou
pela substituição das importações de manufaturas destinadas ao consumo, se
prolonga na fase mais recente pelo crescimento da produção interna de bens
de capital, antes importados. No setor das exportações foram avultando
numerosos produtos, muitos deles certamente de procura eventual, outros,
porém, que se tornaram substanciais fontes de divisas, como o algodão,
madeiras, sementes e óleos vegetais e outros produtos primários. Um dos
objetivos fundamentais da política econômica do governo deve residir na
criação de condições que facilitem o referido processo de adaptação, em
conformidade com as tendências manifestadas, como a solução
naturalmente indicada para assegurar não só o desenvolvimento econômico
como o equilíbrio das relações econômicas internacionais (Vargas, 1952,
pp. 153-154).
outros comentários sobre o que ele e outros consideravam uma “Mensagem Programática”, ver Almeida
(1986), citado em Bastos (2005).
160
O que é mais importante de se observar é que tal concepção desenvolvimentista
não se limitou meramente à retórica oficial ou à linguagem do presidente em seus
numerosos discursos e mensagens. Com efeito, ainda segundo Bielschowsky:
Daí [do início do governo Vargas] para frente, de forma definitiva, as
principais instituições econômicas do Estado passariam, através de seus
técnicos, a expressar e divulgar o projeto de industrialização integral.
Durante o governo Dutra, era sobretudo através de instituições da sociedade
civil que se observava a resistência e expansão do desenvolvimentismo (...).
A partir desse momento e recuperando a trajetória iniciada em sua fase de
origem (anos 30-45), o desenvolvimentismo reinstalou-se no aparelho do
Estado brasileiro. Seus principais núcleos serão as entidades econômicas
federais da capital do país (Assessoria Econômica da Presidência, Banco do
Brasil, Comissão Mista Brasil – Estados Unidos e Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico), com a diferença, agora, de que os técnicos
civis teriam mais destaque que os militares (Bielschowsky, 2000, p. 341).
Tal visão encontra respaldo na análise efetuada por Maria Antonieta Leopoldi,
para quem os projetos de industrialização do governo teriam se concentrado tanto na
Assessoria Econômica quanto no Ministério da Fazenda.
Ao assumir o governo, [Vargas] constituiu um grupo de assessores técnicos
para desempenhar simultaneamente as funções de uma secretaria informal
de planejamento e de assessoria ao Gabinete nas questões do dia-a-dia da
Presidência. Inicialmente, recrutou para a Assessoria Econômica Rômulo de
Almeida, que montou o restante da equipe. Ela era constituída por técnicos
especializados em planejamento e política industrial (...) e em energia
elétrica e política mineral (...). De um modo geral, provinham de outras
áreas do serviço público, tendo aí entrado através de concurso do
Departamento de Administração e Serviço Público (DASP). Vários de seus
membros haviam tido experiência prévia na assessoria de organismos como
o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, o Conselho Federal de
Comércio Exterior e o Conselho Nacional do Petróleo (Leopoldi, 1997, p.
35). 171
TP F
FP T
Bielschowsky e Leopoldi convergem ao se referirem à orientação nacionalista
não-ortodoxa dos técnicos da Assessoria, refletida no fato de se abrir espaço para a
participação controlada de capitais estrangeiros em empreendimentos de maior vulto. O
que, de resto, ia ao encontro da estratégia maior idealizada por Vargas, para a realização
171
Destaque-se também a presença, na composição da Assessoria Econômica, de nomes do porte de
Ignácio Rangel e Jesus Soares Pereira. Para mais detalhes, ver D’Araújo (1982), pp. 134-138.
TP
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161
da qual seria imprescindível ampliar e diversificar as relações econômicas brasileiras
com os Estados Unidos e os países da Europa.
Cabe registrar que os projetos de criação da Petrobrás e da Eletrobrás foram
formulados pela Assessoria Econômica. Leopoldi lembra ainda que, na elaboração dos
projetos, constavam também as fontes de recursos que se destinariam a essas empresas.
Dessa forma, para cada projeto, seguia-se uma proposta de pequena reforma
fiscal, para o provimento do capital necessário para aquela área. Como as
políticas do petróleo e da energia elétrica culminaram na criação de
empresas públicas, pode-se dizer que, além de planejar, a Assessoria
realizou, sem grande alarde, uma reforma administrativa e fiscal pela via
incrementalista, sem ter de recorrer a medidas que gerariam rupturas no
interior do Estado (Leopoldi, 1997, p. 36; grifos acrescentados).
Este ponto é de crucial importância para a compreensão do processo de
desenvolvimento engendrado na década de 1950. Representa a opção feita por Vargas, e
que posteriormente seria retomada por Juscelino Kubitschek, de contornar, na medida
do possível, o sistema político-partidário – no qual, diga-se, possuía considerável
sustentação – para, baseando-se em sua liderança personalista e carismática e, em boa
medida, na herança do arcabouço institucional de 1937 intocado pela Constituição de
1946 (cf. Werneck Vianna, 1986, p. 44 et passim), articular o movimento simultâneo de
unificação das classes dominantes e de controle das classes subalternas em prol do
projeto de acumulação acelerada. Ricardo Bielschowsky reforça esta interpretação, nos
seguintes termos:
A tática aí é clara: tratava-se de abrir brechas na antiquada e desordenada
estrutura institucional brasileira, criando-se órgãos com poder simultâneo de
planejar e viabilizar as propostas elaboradas. Formava-se, de um lado, uma
Assessoria Econômica diretamente ligada ao presidente, que formularia o
planejamento da expansão da infra-estrutura energética e de transportes,
vinculando essa expansão à implantação de empresas estatais, que o chefe
da nação deveria tratar de viabilizar politicamente. E criavam-se, por outro
lado, com o Plano Lafer [de Reaparelhamento Econômico, abaixo descrito],
as condições administrativas e financeiras para a formulação e execução de
projetos nessas e em outras áreas fundamentais ao desenvolvimento,
centralizando no BNDE a captação de recursos internos e externos do país
(Bielschowsky, 2000, p. 346).
162
Referindo-se à questão dos “pontos de estrangulamento” do projeto
desenvolvimentista, Carlos Lessa também endossa essa análise, ao observar que:
(...) os anos anteriores de industrialização não-intencional, nos quais o setor
público não esteve aparelhado, nem fiscal nem administrativamente, para
fazer face às tarefas de complementação industrial, haviam conduzido à
configuração de claros pontos de estrangulamento, mormente no binômio
energia-transporte. A pressão, por melhoria destes serviços básicos, dava
substância a providências neste sentido que num primeiro momento
enfocaram principalmente o reaparelhamento estatal (Lessa, 1981, p. 20).
Finalmente, pode-se utilizar a argumentação de Ricardo Carneiro para o caso
específico do setor energético:
Vale dizer, nas circunstâncias de um Estado insuficientemente aparelhado
no tocante à capacidade de comando e gestão, a despeito dos consideráveis
avanços ocorridos pós anos trinta, as questões estratégicas relativas aos
serviços de eletricidade tendem a escapar ao controle do aparato técnicoadministrativo com competência formal para responder pela formulação e
implementação da política setorial, sendo capturadas pelo organismo que
passa a reunir os atributos de agência encarregada de dar coerência e
coordenar as ações de governo em sentido amplo (Carneiro, 2000, p. 207).
De todo modo, também nos organismos “formais” da máquina governamental
instituições eram criadas para dar suporte ao projeto desenvolvimentista. Exemplos
importantes, a já citada Comissão Mista Brasil – Estados Unidos (CMBEU) e a
Comissão de Desenvolvimento Industrial (CDI).
A CMBEU, instalada em julho de 1951, fora criada a partir de acordo entre os
presidentes Dutra e Truman, um ano antes, “visando, do lado brasileiro, à obtenção de
assistência técnica a projetos que trariam recursos para o reequipamento econômico
brasileiro, e do lado americano, à obtenção de matérias-primas estratégicas brasileiras.
(...) Os trabalhos da Comissão Mista passaram a compor o que o ministro Lafer chamou
de Plano de Reaparelhamento Econômico” (Leopoldi, 1997, p. 37, grifos no original).
Este plano era um programa qüinqüenal, formado pelos projetos elaborados pela
CMBEU, notadamente para as áreas de transportes e energia elétrica, e parcialmente
financiado com recursos do Banco Mundial e do Eximbank, até o valor de US$ 500
163
milhões (valores correntes). Para constituir a contrapartida brasileira, Horácio Lafer
negociou no Congresso a aprovação de um adicional de 15% no Imposto de Renda, no
que foi exitoso. Criava-se assim o Fundo de Reaparelhamento Econômico, no valor de
Cr$ 10 bilhões (Lei nº. 1.474, de 26.11.1951). Para gerir este fundo, e também os
recursos provenientes dos empréstimos externos, seria criada, mais uma vez graças à
habilidade política do ministro Lafer em negociações com o Congresso, uma instituição
fundamental no processo de desenvolvimento econômico brasileiro: o Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico (BNDE). 172
TP F
FPT
Extinta em 1953, por decisão unilateral do governo norte-americano de Dwight
Eisenhower (cf. Skidmore, 1976 e Leopoldi, 1997), que havia sucedido Harry Truman,
a CMBEU deixava um legado de 41 projetos produzidos, que envolveram investimentos
de US$ 387 milhões. Além disso, a comissão formou uma geração importante de
técnicos que teria papel importante na formulação de políticas nos anos seguintes, como
Lucas Lopes, Roberto Campos, Octávio Gouveia de Bulhões, San Tiago Dantas, entre
outros; os primeiros, inclusive, passaram a fazer parte do quadro técnico do BNDE –
este, por sinal, outro legado importantíssimo da comissão mista, que seguiu formulando
e apoiando projetos nas áreas de infra-estrutura energética, de transportes e de
siderurgia.
A Comissão de Desenvolvimento Industrial (CDI), criada em julho de 1951,
tinha por atribuição formular de modo abrangente a política industrial, paralelamente a
projetos específicos de criação e expansão de setores industriais. 173 Em 1952, elaborou
TP F
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172
Criado pela Lei nº. 1.626, de 20.06.1952, sob jurisdição do Ministério da Fazenda, com a atribuição
de elaborar projetos para a obtenção de financiamentos, receber e administrar recursos advindos do
exterior e do Fundo de Reaparelhamento Econômico.
TP
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173
A criação da CDI, segundo Maria Antonieta Leopoldi, se deu por sugestão da Assessoria Econômica,
que se encontrava sobrecarregada com a elaboração dos projetos do petróleo e o aconselhamento
cotidiano da Presidência, e assim repassou algumas tarefas ao ministro Horácio Lafer; entre estas, a
TP
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164
um Plano Geral de Industrialização, que estabeleceu áreas estratégicas a serem
priorizadas pela ação governamental: energia (refino do petróleo, indústria de
equipamentos para prospecção e refino, material elétrico pesado); metalurgia; indústrias
do complexo químico (insumos industriais, adubos, materiais plásticos, produtos
farmacêuticos); indústria da borracha e indústria de alimentos. 174
TP F
FPT
A CDI era constituída por representantes de vários ministérios e órgãos do
governo, havendo sempre em sua composição (ou nas subcomissões em que ela se
desdobrava) a presença de dois representantes indicados pelas entidades industriais.
Segundo Maria Antonieta Leopoldi, participavam de suas reuniões grandes empresários
industriais (como Euvaldo Lodi, presidente da CNI, militares com ligações no setor
industrial, e os chamados “tecno-empresários”, gerentes de grandes empresas, em geral
estrangeiras, consultores técnicos e assessores do governo em outros organismos, como
Augusto Frederico Schmidt e Luiz Simões Lopes. Neste sentido, observa a autora que:
Essa Comissão [a CDI] foi o único órgão com caráter neocorporativo dentre
os três braços planejadores do governo Vargas. Com ela se retomava uma
estratégia de articulação entre burguesia industrial e o Estado que já existira
no Conselho Federal de Comércio Exterior e no Conselho de Política
Industrial e Comercial. Só que agora esse tipo de organismo passava a
existir na democracia, convivendo com o Congresso e com os partidos
políticos (Leopoldi, 1997, p. 40).
A autora aponta também que a CDI deu origem a dois outros organismos
neocorporativos: a Comissão Executiva da Indústria Automobilística (CEIMA), que
ocupou o lugar da Subcomissão de Jeeps, Tratores, Caminhões e Automóveis, outrora
vinculada à CDI, e que viria a ter grande importância posteriormente, no governo
JK 175 ; e a Comissão Executiva da Indústria de Material Elétrico. Registre-se que a
TP F
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formulação do Plano Nacional do Carvão, a criação do Banco do Nordeste e projetos na área agrícola (cf.
Leopoldi, 1997, p. 37).
174
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175
Para uma descrição minuciosa do Plano Geral de Industrialização, ver Draibe (1985, pp. 237-239).
Quando viria a constituir o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), conforme será
exposto na seção seguinte.
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165
CEIMA foi criada em 1954, quando a crise política já se havia instalado. Referindo-se à
recepção favorável que esta comissão teve pela Federação das Indústrias de São Paulo,
Maria Antonieta Leopoldi comenta que
[a] atitude dos industriais paulistas mostra que, apesar dos conflitos que
havia nesse momento entre a burguesia industrial e algumas áreas do
governo – em questões como greves e aumentos salariais – a aliança entre
empresariado e o Estado, visando a aceleração industrial, ainda se mantinha
(Leopoldi, 1997, p. 41). 176
TP F
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O papel desempenhado pelas instituições paralelas à estrutura formal da
máquina do Estado seria de crucial importância para o processo de industrialização
integrada almejado por Getúlio Vargas. Abaixo, segue um breve sumário das principais
atividades realizadas nas áreas do petróleo e da energia elétrica. 177
TP F
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Petróleo. A questão do petróleo já era de grande vulto quando Getúlio assume a
presidência, seja pela demanda crescente do produto e seus derivados, quando pelo fato
disto decorrente de que sua importação estava consumindo as escassas divisas
estrangeiras. Assim, a formulação da política do petróleo foi centralizada diretamente na
Presidência, junto com um grupo de técnicos da Assessoria Econômica, tendo por
objetivo central a criação de uma empresa que entrasse em funcionamento ainda no
governo Vargas. Tratava-se, portanto, de como viabilizar politicamente tal meta.
Segundo Maria Antonieta Leopoldi, a “estratégia usada pela Assessoria para
levar à frente o projeto da Petrobrás foi preparar dois projetos de lei, enviados em
176
Tal observação, como já mencionado, vai de encontro à análise de autores como Thomas Skidmore
(1976), por exemplo, para quem a crise em torno do aumento do salário mínimo em 1954 constituiu um
elemento de ruptura entre a burguesia industrial e o governo Vargas.
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177
Não cabe, no âmbito deste trabalho, uma análise pormenorizada das realizações alcançadas nas quatro
grandes áreas da industrialização integrada perseguida pelo projeto desenvolvimentista, quais sejam:
petróleo, energia elétrica, bens de capital e transportes. Por sua importância, decidiu-se apresentar
sinteticamente um breve panorama dos dois primeiros. Para uma visão aprofundada da questão do
petróleo, ver, por exemplo, Martins (1975) e Pereira (1976); para a questão energética, ver Carneiro
(2000); para os setores de bens de capital e de transportes, ver Wirth (1973), Lago et al. (1979), Leopoldi
(1997), e Draibe (1985).
TP
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166
tempos diferentes ao Congresso” (Leopoldi, 1997, p. 49) 178 . O primeiro procurava
TP F
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garantir recursos para o financiamento da empresa, o que se logrou obter via a
aprovação de um tributo, o Imposto Único sobre Derivados do Petróleo, de cuja
arrecadação 25% se destinariam ao programa nacional do petróleo, coordenado pelo
Conselho Nacional do Petróleo (CNP), e 75% ao programa rodoviário, e que passou a
vigorar em 1953. Posteriormente, novos tributos seriam criados para alimentar
financeiramente a Petrobrás: tarifas aduaneiras sobre veículos importados e um novo
imposto sobre o licenciamento de qualquer tipo de veículo (o “Imposto Petrobrás”). Em
suma, procedeu-se quase que a uma reforma tributária.
O outro projeto de lei, que propunha efetivamente a criação da Petrobrás, foi
encaminhado ao Congresso em dezembro de 1951, tendo sido ao longo daquele ano
exaustivamente discutido e examinado pelos membros da Assessoria, por membros
destacados das Forças Armadas e sob supervisão direta de Getúlio. Procurou-se evitar,
em seu conteúdo, qualquer referência a temas polêmicos, como monopólio do Estado ou
participação do capital estrangeiro; tampouco nele foi incluída qualquer proposta que
implicasse a necessidade de se alterar a Constituição, posto que isso retardaria e talvez
até inviabilizaria o projeto. Nas palavras de M. A. Leopoldi,
O importante era criá-la [a Petrobrás]; a exclusividade da exploração ia se
dar, de fato, sem que anteriormente houvesse uma desgastante discussão em
torno desse tema. Finalmente, por orientação do próprio Vargas, procurouse sempre usar no projeto um discurso ‘moderado’ (Leopoldi, 1997, p.
50). 179
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178
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179
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Tal estratégia, como se verá em seguida, também seria adotada para o caso da energia elétrica.
O que se contrapunha à contundência que o presidente utilizava em seus discursos em defesa da
criação da Petrobrás, muitas vezes com conotações claramente nacionalistas. Um exemplo, segundo
Thomas Skidmore, foi o “violento discurso [em 31 de dezembro de 1951] em defesa da sua lei da
Petrobrás, apresentada pouco antes, no mesmo mês, advertindo que ninguém ‘deve exigir do Brasil
colaboração e sacrifício distribuindo aos outros os benefício’” (Skidmore, 1976, p. 131).
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167
Ao longo dos quase dois anos em que o projeto de criação da empresa foi
discutido, período marcado por intensos e difíceis debates 180 no Congresso e na
TP F
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sociedade, a Assessoria Econômica dedicou-se a elaborar um plano de atuação da
empresa para o seu primeiro qüinqüênio. Isto demonstraria que a ação dessa instituição
paralela “ia além da atividade técnica de formulação. Eles [os membros da Assessoria]
eram, de fato, tomadores de decisão (...)” (Leopoldi, 1997, pp. 50-51).
O projeto de criação da Petrobrás foi aprovado em setembro de 1953, e
sancionado pelo presidente em 3 de outubro daquele ano. A empresa iniciou suas
atividades em janeiro de 1954, ainda no governo Vargas, estruturando-se como uma
sociedade de economia mista com participação majoritária do governo federal, que
detinha 51% das ações, com o intuito de explorar as jazidas brasileiras de petróleo e de
responder por seu refino.
Energia elétrica. A formação da Comissão Executiva da Indústria de Material
Elétrico, em abril de 1952, reflete o reconhecimento que se conferiu ao setor de material
elétrico pesado como de maior prioridade, ao lado dos setores de petróleo, de bens de
capital e de transportes, para a superação dos pontos de estrangulamento do processo de
industrialização. Maria Antonieta Leopoldi destaca que:
A grande característica da política de eletricidade do segundo governo
Vargas consistiu em envolver o Estado no processo de geração de energia
elétrica de uma forma tão intensa que, em cerca de uma década, produziu-se
uma inversão do perfil da geração energética, com as companhias privadas
estrangeiras abandonando o setor de geração e tornando-se apenas
distribuidoras, e o Estado assumindo a tarefa da produção da eletricidade.
Além de se envolver na produção, o Estado passou também a financiar o
processo de expansão da capacidade instalada (pública e privada) (Leopoldi,
1997, p. 54).
180
Para a caracterização das posições favoráveis e contrárias à criação da Petrobrás, ver por exemplo
Leopoldi (1997), Bielschowky (2000), Skidmore (1976) e Draibe (1985).
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168
O ponto de partida na “defesa” ou “legitimação” do incremento da intervenção
estatal no setor pretendida pelo Executivo federal é a ênfase nos problemas provocados
pelo estrangulamento energético para o conjunto da sociedade brasileira. Em sintonia
com tal propósito, a Mensagem Presidencial de 1951 afirma que “a falta de reserva de
capacidade e as crises de eletricidade [representam] processos de asfixia econômica de
consequências funestas” (Vargas, 1952, p.222), constituindo, portanto, obstáculos ao
desenvolvimento industrial e progresso social da nação. Aceita essa premissa, a
ampliação da inserção do Estado na atividade não expressaria uma deliberação
autônoma do governo, mas um imperativo legal, já que tanto o Código de Águas quanto
a Constituição de 1946 atribuíam ao poder público a responsabilidade pela adequada
prestação dos serviços de eletricidade (Carneiro, 2000, p. 216).
A existência de razões válidas justificava – mas por si só não assegurava – na
visão do governo, a plena “legitimação” do avanço estatal sobre a esfera da produção.
Neste sentido, a realização de investimentos públicos na expansão do sistema constituía
também a estratégia mais apropriada para a “solução” do problema, e não mera
preferência por políticas de cunho estatizante. Para tanto, o discurso oficial recorre à
“tese” da falta de opções ao alcance do poder público, isto é, da inexistência de outras
alternativas satisfatórias de resolução do estrangulamento no suprimento de energia
elétrica passíveis de serem implementadas pelo Executivo federal. De acordo com este
raciocínio, a inserção do Estado nas atividades do setor seria, por exclusão, a alternativa
mais adequada, já que a única factível.
Em conexão ao esforço de revitalização dos investimentos na expansão do
sistema, alicerçada na captação de recursos externos, o Governo Vargas passaria a
envidar esforços no sentido da promoção de uma reestruturação mais profunda nas
bases financeiras e institucionais do setor, buscando equacionar, numa perspectiva de
169
longo prazo, a crise energética vivenciada pelo país, de forma a atender as expectativas
de forte crescimento da demanda de eletricidade, decorrente de um novo ciclo de
industrialização que se esperava alcançar sob o impulso da ação coordenadora do
Estado. Como visto, a consecução de tais propósitos passava, sob a ótica oficial, pelo
aprofundamento da inserção estatal na geração de energia elétrica. Isto exigia, de um
lado, consolidar fontes sólidas e previsíveis de recursos para o financiamento dos
projetos a serem implantados pela administração pública; de outro, criar uma estrutura
de planejamento e gerenciamento da aplicação de tais recursos, capaz de assegurar a
racionalização do processo decisório e a eficácia nos resultados obtidos.
O atendimento ao primeiro requisito se consubstanciaria na proposta de captação
de recursos através da cobrança de um tributo específico para as atividades elétricas, o
Imposto Único sobre Energia Elétrica (cuja criação fora inclusive prevista na
Constituição de 1946, o que favoreceu sua tramitação 181 ), compondo um fundo
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vinculado estritamente a aplicações na área, o Fundo Federal de Eletrificação.
Submetido ao Congresso em junho de 1953, o projeto de criação desse tributo foi
aprovado através da Lei nº. 2.308, de agosto de 1954, poucos dias após o falecimento do
Presidente Vargas.
Para lidar com o segundo bloco de questões, seriam propostas a criação de uma
empresa estatal para coordenar as ações estatais na esfera da produção, representada
pela Eletrobrás, e a adoção da sistemática do planejamento setorial, sob a forma de um
Plano Nacional de Eletrificação, nos moldes das iniciativas pioneiras dos governos dos
181
Maria Antonieta Leopoldi e Ricardo Carneiro observam que a oposição a esse projeto foi reduzida
também porque ele capacitava o governo a gastar em projetos de eletricidade para os setores privado e
público. Acrescente-se a isso o fato de o projeto prever uma partilha generosa com estados e municípios,
aos quais se destinariam 60% dos recursos arrecadados. Carneiro (2000, p. 209 et passim) analisa em
detalhes essas e outras questões relativas à tramitação, no Congresso, das reformas institucionais do setor
elétrico.
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170
estados do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais 182 (Carneiro, 2000). À frente do
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processo se colocaria a Assessoria Econômica da Presidência da República, que adotaria
estratégia semelhante à utilizada na questão do petróleo. Isto é, “procedeu-se (...) à
formulação de vários projetos, encaminhados em momentos diferentes ao Congresso,
para não dar mostras de que se tratava de um projeto integrado para o setor” (Leopoldi,
1997, p. 58).
No entanto, a atuação da Assessoria na formulação do Plano Nacional de
Eletrificação, apresentado ao Congresso em 1954, gerou atritos no interior do governo,
uma vez que representava uma “invasão” na esfera do BNDE (cf. Leopoldi, 1997), que
era o órgão responsável pela elaboração de projetos concernentes à questão energética.
Além disso, as companhias estaduais de energia elétrica se opuseram ao projeto de
criação de uma empresa federal, por temerem perder recursos e poder. E, sem dúvida o
fator mais importante, houve intensa oposição da imprensa, do próprio Congresso e das
companhias estrangeiras que atuavam no setor – em particular a Light e a Amforp, que
operavam nas áreas urbanas e industriais mais importantes do país. Sem esquecer, é
claro, o crescente enfraquecimento político de Getúlio naquele ano.
O segundo governo Vargas terminou, portanto, sem que se houvesse logrado
criar a Eletrobrás – o que, de resto, só ocorreria em 1962, sob o governo João Goulart.
Deixou, contudo, um legado importante na área energética, traduzido na montagem das
bases financeiras para a promoção de sua posterior expansão e na consolidação de um
novo perfil do Estado no que concerne à sua atuação no setor nos anos seguintes.
182
No Rio Grande do Sul, o governo se envolvera na produção de eletricidade desde 1943, quando da
criação da Comissão Estadual de Energia Elétrica (CEEE). Em Minas, o então governador Juscelino
Kubitschek criou as Centrais Elétricas de Minas Gerais (CEMIG) em 1952.
TP
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171
4.2 Política econômica no segundo governo Vargas
Para finalizar esta breve caracterização do segundo governo Vargas, seguem
algumas considerações sobre a política econômica do período.
Primeiramente, cabe lembrar que o governo se inicia dentro de um quadro de
retomada da inflação e de desequilíbrio financeiro do setor público. Quanto à área mais
sensível, a externa, a situação era mais favorável, fruto do controle das importações que
se passou a exercer depois de maio de 1947 e, não menos importante, da recuperação do
preço do café após o término do Acordo Pan-Americano do Café em 1948, que
significou uma elevação do seu preço em torno de 300% entre 1945 e 1950.
Como observa Carlos Lessa, a expansão cambial resultante da monetização da
oferta adicional de divisas decorrente da alta do café poderia gerar impactos
inflacionários conjunturais até que o fluxo de importações pudesse suprir a oferta
interna. Porém, antes que esta oferta adicional de bens importados viesse a atenuar as
pressões altistas, sobreveio a Guerra da Coréia. Neste contexto,
Independente da alta de preços de importação, a perspectiva de uma nova
fase de restrições físicas às correntes externas levou o governo a formular
uma política de forte endividamento externo, financiando, assim,
importações adicionais. Malgrado a expansão das receitas de exportação,
fortes déficits externos vieram a surgir em 1951/52 (Lessa, 1981, p. 23).
Como conseqüência, sobreveio um processo inflacionário, que se tornou mais
agudo a partir do biênio 1952-1953 183 . Para enfrentá-lo, adotou-se um receituário
TP F
FP T
ortodoxo, baseado em políticas fiscal e monetária contracionistas. Uma fonte adicional
de dificuldades adveio da crise de divisas de 1952, que obrigou à alteração da política
de câmbio fixo e utilização das licenças de importação. Em dezembro de 1952 o
183
Medido pelo IPC-RJ, da Fundação Getúlio Vargas, o nível de inflação tem a seguinte evolução:
11,2% em 1950; 10,8% em 51; 20,8% em 52; 16,7% em 53; e 26,2% em 54. O IPC da FIPE (SP)
apresenta a seguinte evolução para os mesmos anos: 3,7%; 11,3%; 27,2%; 19,2%; e 22,6%. O IGP-DI da
FGV, de cobertura nacional, se eleva em 1953 após anos de estabilidade: 12,4%; 12,3%; 12,7%; 20,5%;
25,9%. Dados extraídos do ipeadata.
TP
PT
172
Congresso aprovou a Lei 1807 – a Lei do Câmbio Livre – e na verdade, o sistema de
taxas de câmbio múltiplas, algumas flutuantes 184 . A modificação na política de câmbio
TP F
FP T
encerrava um longo período de taxa de câmbio fixa, desde 1939, e visava enfrentar o
grave desequilíbrio do final de 1952. Segundo Besserman Vianna,
A crise cambial de 1952 (…) tem origem na perda temporária do controle
do comércio externo decorrente da defasagem existente entre concessão de
licença e a efetivação das importações e uma série de fatos não previstos
pelas autoridades econômicas, tais como a crise da indústria têxtil mundial e
a queda vertiginosa, a forte retração nas exportações (com exceção do café),
o gasto em dólares com a compra de trigo dos Estados Unidos, despesas
adicionais com frete e imposição de sobrepreços nas importações como
conseqüência dos atrasados comerciais (em torno de US$ 620 milhões)
(Besserman Vianna, 1997, p.128).
Em 1953, poucos meses após Osvaldo Aranha suceder Horácio Lafer no
Ministério da Fazenda 185 , realiza-se uma importante reforma cambial, através da
TPF
FPT
Instrução 70 da Superintendência de Moeda e Crédito (SUMOC), objetivando reverter a
queda da competitividade dos produtos de exportação brasileiros. Dada a clareza com
que o faz, toma-se a liberdade de reproduzir abaixo em toda sua extensão a descrição
realizada por Carlos Lessa dessa reforma, nos seguintes termos:
[Foram separadas] as operações cambiais em três mercados sujeitos a taxas
múltiplas. Distribuíram-se as principais mercadorias de importação em
cinco categorias com sobretaxas cambiais variáveis em função de leilões de
câmbio, nos quais a autoridade monetária ofertaria divisas em bloco por
categoria superando o mecanismo de controle administrativo direto. O
mercado financeiro e certos itens de importação especiais permaneceriam
apoiados numa taxa reduzida, enquanto as exportações seriam divididas em
distintos grupos para os quais pagar-se-iam bonificações fixas corretoras de
seus diferenciais de produtividade, visando a estimular a diversificação da
pauta de exportações. Este esquema permitia ao setor público voltar a
participar dos fluxos externos, via ganhos na negociação de divisas.
Outrossim, confirmando a crescente preocupação com o desenvolvimento
industrial, foram incluídas nesta reforma uma série de cláusulas especiais
beneficiadoras das importações de equipamentos básicos.
184
TP
PT
185
Sobre a Lei 1807, ver Malan et al. (1977), pp. 84-85 e p. 448.
Maria Antonieta Leopoldi observa que a substituição no comando da Fazenda se deu também como
resposta às demandas por maior controle da inflação e por aumento de salário, que ganharam corpo com
greves operárias, entre elas a célebre greve dos 300 mil (18 de março de 1953), em São Paulo.
TP
PT
173
Esquematicamente poderiam ser assim resumidas as principais implicações
desta reforma cambial no processo de industrialização: a) consolidação da
reserva de mercado para as produções substitutivas mediante o
encarecimento relativo da importações incluídas nas categorias com taxas
de câmbio mais elevadas; b) concessão de subsídios (implícitos nas
categorias com tipos de câmbio mais baixos) para a internação de bens de
capital e insumos requeridos pelo desenvolvimento industrial; e c)
possibilidade de que o Estado, através das operações de compra e venda de
divisas, voltasse a participar financeiramente das rendas de intercâmbio
(Lessa, 1981, pp. 21-22).
A Instrução 70 resolveu o problema da escassez de divisas e equilibrou
momentaneamente o balanço de pagamentos. Além disso, com os ágios provenientes do
excedente pago pelos importadores, criou um fundo que custeava despesas importantes
do governo e representou assim, segundo Leopoldi (1997, p. 66), “mais outra reforma
fiscal disfarçada, como o foram os demais fundos criados no período Vargas”.
Antes de se encerrar esta seção, faz-se necessário um breve comentário sobre
uma questão fundamental que permeou o segundo governo Vargas: o insulamento do
mundo técnico em relação ao da política. Foi através deste expediente, habilmente
tecido pelo presidente, 186 que se logrou viabilizar o arcabouço institucional que
TPF
FP T
capacitou o Estado brasileiro a promover o salto em direção ao processo de
industrialização integrada.
Assim, mesmo em meio a grandes dificuldades econômicas – escalada
inflacionária, escassez de divisas, racionamento de energia elétrica –, em particular no
biênio 1952-53 (caracterizadas à época como “crise de crescimento”), e políticas,
presentes desde o início do governo (vide a contestação do resultado eleitoral por parte
da UDN com base no argumento da “maioria absoluta”) e acentuadas a partir de 1954, o
186
Um exemplo é o que Maria Antonieta Leopoldi denomina “aliança desenvolvimentista”, entre o
governo, a CEPAL e os industriais, simbolizada pelo encontro da CEPAL realizado em Petrópolis, em
1953, com a presença de Vargas, e presidido por Euvaldo Lodi, presidente da CNI. Naquele ano, foi
criado o Grupo Misto de Estudos BNDE/CEPAL, dirigido por Celso Furtado, que produziu um
documento de grande importância para a compreensão do desenvolvimento durante o segundo governo
Vargas (The Economic Development of Brazil, Nova York, 1956).
TP
PT
174
país “segue firme seu caminho em direção à substituição de importações pela integração
vertical dos setores da infra-estrutura com os da indústria pesada e de bens de consumo”
(Leopoldi, 1997, p. 69).
4.3 Instituições e política econômica no governo JK
O período do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960) possui, tal como os
anteriormente descritos, extensa bibliografia produzida a seu respeito. Isto,
evidentemente, não deriva do acaso. De fato, as transformações operadas em campos
tão diversos – economia, cultura e mesmo na geografia política nacional – foram de tal
ordem, que sem dúvida justificam e motivam o grande interesse por aquele período. 187
TP F
FP T
Para os fins do presente trabalho, contudo, convém anunciar que a preocupação
maior reside em demarcar as áreas em que se podem identificar traços de continuidade
entre o segundo governo Vargas e o governo JK. Estes dizem respeito, em essência, à
dimensão política – presentes na aliança hegemônica entre PSD e PTB; ao “pacto
desenvolvimentista” entre governo e setores econômicos dominantes – burguesia
industrial e oligarquias do complexo agrário-exportador; e, o mais importante no âmbito
deste estudo, ao papel do Estado e às estratégias adotadas para dotá-lo das instituições
capazes de dar seqüência ao processo de industrialização integrada, muitas vezes
contornando as dificuldades e os constrangimentos que decorreriam de negociações no
âmbito legislativo – forjando o que viria a ser denominado “administração paralela”.
Já na campanha presidencial de 1955 JK anunciava seu compromisso com a
retomada do projeto desenvolvimentista, simbolizado no célebre lema “cinqüenta anos
[de progresso] em cinco [de governo]”. E, apesar das turbulências que antecederam sua
187
Correndo o risco de omitir referências importantes, seguem alguns dos principais estudos sóciopolíticos e econômicos sobre os anos JK: Leff (1968), Jaguaribe (1969), Tavares (1972), Skidmore
(1976), Benevides (1976), Lafer (1970), Lago et al. (1979), Sola (1982), Sochaczewski (1980), Hippolito
(1985), Draibe (1985) e Leopoldi (2000 e 2002).
TP
PT
175
posse, que inclusive só foi garantida graças à firmeza do Ministro da Guerra, General
Henrique Lott, cristalizada pelo episódio do “golpe preventivo” de 11 de novembro de
1955 188 ; e das contínuas crises militares que permearam o período de seu governo 189 ,
TP F
FP T
TPF
FPT
Juscelino tornou-se o segundo presidente, desde 1945, a conseguir concluir o mandato
integralmente, tendo governado, segundo Maria Victoria Benevides, sob condições de
relativa estabilidade política 190 – isto é, “no sentido mais usual da ‘estabilidade
TPF
FPT
constitucional” – na medida em que se verificou a manutenção do regime vigente e a
consolidação do sistema democrático. 191
TP F
FP T
O governo JK apresenta à sociedade, logo em seu início, aquele que é tido quase
que consensualmente na literatura como o maior instrumento de planejamento já
concebido, e que constituiu “a mais sólida decisão consciente em prol da
industrialização na história econômica do país” (Lessa, 1981, p. 27): o Plano de
Metas. 192
TP F
FP T
A respeito de sua implementação, Carlos Lessa observa que, em 1956, a
economia brasileira apresentava um quadro de desequilíbrios, marcado pelo
estancamento do setor externo, [por um] novo ciclo expansivo da produção
interna de café e [pela] presença de vultosos desequilíbrios fiscais,
188
Para maiores detalhes sobre o Movimento do 11 de Novembro, consultar o sítio eletrônico do Centro
de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas –
CPDOC/FGV (www.cpdoc.fgv.br).
TP
PT
189
Benevides (1976, p. 163) destaca 13 crises militares que ocorreram no período, afora as rebeliões de
Jacareacanga (logo no começo do mandato, de meados de janeiro a fins de fevereiro de 1956) e Aragarças
(eclodida a dois de dezembro de 1959 e debelada em menos de 48 horas), ambas originadas na
Aeronáutica.
TP
PT
190
Observe-se que a autora faz essa colocação no contexto de seu arcabouço analítico e teórico, que
envolve as categorias de eficácia e legitimidade. Além disso, não haveria contradição entre a estabilidade
e as profundas crises acima mencionadas, já que “estabilidade política não significa, necessariamente,
ausência de crises” (Benevides, 1976, p. 47).
TP
PT
191
Em que pese a situação de ilegalidade em que foi mantido o Partido Comunista Brasileiro. Na prática,
porém, a atuação do PCB era tolerada extra-oficialmente, com suas reuniões ocorrendo e seus veículos de
comunicação circulando livremente. Isto derivava do apoio, que se mostrou decisivo, dos comunistas na
eleição presidencial, e que foi inclusive objeto de contestação por parte de Carlos Lacerda.
TP
PT
192
O “quase” se justifica pelas críticas de economistas avessos à idéia de planejamento, podendo-se
destacar as figuras de Eugênio Gudin e Octávio Gouvêa de Bulhões.
TP
PT
176
quadro esse cuja gravidade parecia demandar, por parte da política econômica
do novo governo, uma atitude de prudência,
mesmo que as forças atuantes no quadro econômico interno tornassem
politicamente insustentável a formulação de esquema contracionista, como
prova a vida efêmera das anteriores tentativas de contenção de crédito 193
(Lessa, 1981, p. 29).
TP F
FPT
Entretanto, ainda segundo este autor, tal contexto desfavorável não impediu a
formulação de um programa, o Plano de Metas, que
além de propor inversões que implicavam uma vigorosa elevação dos gastos
do setor público, postulavam um substancial avanço na industrialização (...),
[que forçosamente acentuaria] as pressões sobre a capacidade para importar.
Nestas condições, tal formulação,
na ausência de reajustes do sistema financeiro, de difícil realização no
período 194 , e de um desafogo da situação externa (...), além de não
contemplar uma política de estabilização, apontava, pelo contrário, uma
provável acentuação daqueles desequilíbrios (Lessa, 1981, p. 29).
TP F
FPT
Neste sentido, o autor propõe a pertinente indagação de por que o país não
adotou políticas voltadas à estabilização (como aliás o fizeram outros países latinoamericanos), ou, em suas palavras, “por que não aceitou o que se convencionou chamar
de política do FMI?”. Fatores de ordem subjetiva e objetiva forneceriam a resposta.
Os fatores subjetivos diriam respeito à conscientização, principalmente junto aos
setores mais organizados da opinião pública,
do problema brasileiro em termos de desenvolvimento industrial, tanto ao
nível das empresas privadas quanto na órbita governamental, o que
impermeabilizava a economia à hipótese contracionista (Lessa, 1981, p. 30).
193
O autor se refere ao período de transição 1954-55, o qual, sob a presidência de João Café Filho e as
gestões de Eugênio Gudin e José Maria Whitaker no Ministério da Fazenda, foi marcado por tentativas
frustradas de estabilização econômica via políticas monetária, fiscal e creditícia contracionistas. Ver a
este respeito Pinho Neto (1997).
TP
PT
194
Com efeito, o sistema financeiro só viria a sofrer uma profunda reforma sob o regime de exceção
instaurado no país em março de 1964. Este tema será objeto de análise mais adiante.
TP
PT
177
Ricardo Bielschowsky corrobora esta visão, ao identificar que, naquela
conjuntura,
O pensamento econômico desenvolvimentista, que amadurecera nos dez
anos anteriores, atingia sua fase de auge, ou seja:
a) O projeto de industrialização planejada tornava-se plenamente difundido
na literatura econômica brasileira (...).
b) A reflexão econômica tornava-se essencialmente subordinada à discussão
sobre o problema do desenvolvimento econômico do país (Bielschowsky,
2000, p. 401).
Dentre os fatores objetivos enunciados por Carlos Lessa, destaca-se,
primeiramente, o fato de que a solução dos problemas oriundos da “nãocomplementaridade da precedente industrialização” atendia diretamente aos interesses
dos setores mais dinâmicos da classe empresarial. Assim,
O esquema de financiamento expansionista, proposto implicitamente pelo
Plano [de Metas], não afetaria interesses desse setor [empresarial], como
poderia haver feito um esquema de coleta de poupanças, via tributação ou
emissão de títulos de crédito público. Muito pelo contrário (...), abria
possibilidades financeiras atraentes às empresas privadas nacionais e
estrangeiras (Lessa, 1981, p. 30).
Além disso, e mais importante, segundo Lessa, havia o fato de que, em função
do processo de desenvolvimento anterior – e diga-se de passagem, conforme a presente
tese procurou demonstrar nas etapas do primeiro e segundo governo Vargas –, a
economia brasileira já possuía características que tornavam possível o objetivo de
aprofundar o processo de desenvolvimento industrial. Ou seja,
O sistema brasileiro já havia atingido um estágio no qual tal opção era
viável, seja devido ao grau de diversificação industrial, seja em função do
espaço econômico, mormente quando se contava como seguro o reforço,
estratégico nesta conjuntura, do exterior. Em outras palavras, ao contrário
do que ocorreu em outros países do continente, a economia brasileira
dispunha de um maior raio de manobra que lhe permitiu escapar do dilema
– estabilidade ou desenvolvimento – e fez possível coexistirem
desenvolvimento e estabilidade (Lessa, 1981, p. 30).
A seção seguinte tem por objetivo apresentar de maneira muito resumida um
quadro geral do Plano de Metas.
178
4.3.1 O Plano de Metas
Incorporando aspectos de planos anteriores, e principalmente os estudos da
Comissão Mista Brasil - Estados Unidos e do grupo CEPAL-BNDE, de maneira mais
abrangente e sistemática, o Plano consistia no planejamento de 31 metas, distribuídas tal
como segue no quadro abaixo. 195
TP F
FP T
Quadro 1 – O Plano de Metas
Energia (metas 1 a 5)
Energia elétrica, nuclear, carvão, produção e refino de petróleo
Transportes (metas 6 a 12)
Reequipamento e construção de estradas de ferro, estradas de rodagem, portos, barragens,
marinha mercante e aviação
Alimentação (metas 13 a 18)
Trigo, armazenagem e silos, frigoríficos, matadouros, tecnologia no campo e fertilizantes
Indústrias de base (metas 19 a 29)
Alumínio, metais não ferrosos, álcalis, papel e celulose, borracha, exportação de ferro,
industria de automóveis e construção naval, maquinas pesadas e material elétrico
Educação (meta 30)
Expansão do ensino primário, com ênfase na ciência e na tecnologia
no que toca ao ensino superior.
Brasília (meta 31)
Construção de uma nova capital no Planalto Central, a meta-síntese
Os investimentos previstos pelo Plano eram da ordem de Cr$ 422 bilhões entre
1957 e 1961, cerca de 5% do PIB real do período, sendo 71,3% em energia e transporte,
22,3% em indústrias básicas e 6,4% em alimentação e educação. As principais metas se
referiam ao aumento da capacidade geradora de energia elétrica, da produção de
195
Para um exame minucioso e pormenorizado da previsão e da execução de cada uma das metas, ver
Lessa (1981) e Faro e Silva (2002).
TP
PT
179
petróleo e carvão, construção e melhoramento das ferrovias e rodovias, e ao aumento da
produção das indústrias siderúrgica, de cimento, automobilística, mecânica e de material
elétrico pesado. O setor público seria responsável por cerca de 50% do desembolso
(Orenstein e Sochaczewski, 1997, p.178).
De modo geral, o Programa atingiu suas principais metas. Em particular, os
resultados ficaram bem próximos das metas estabelecidas para energia elétrica 196 ,
TPF
FPT
petróleo, siderurgia, cimento, carros e caminhões, e superaram as metas para construção
de rodovias. Por outro lado, os resultados para a produção de carvão, construção de
ferrovias e refino de petróleo ficaram bem abaixo das metas. Segundo Benevides (1976,
p. 211), tais “fracassos parciais” podem ser imputados a uma estimativa falha das
necessidades futuras, isto é, as metas previstas teriam sido superestimadas.
Do ponto de vista do crescimento econômico, o sucesso é inequívoco. O PIB
cresceu em média 8,1% ao ano de 1956 a 1960, ou 4,9% per capita; excluindo 1956,
ano de baixo crescimento (2,9%) e de ligeira redução na renda por habitante (-0,2%) 197 ,
TPF
FP T
os respectivos resultados são de espetaculares 9,4% e 6,2% ao ano entre 1957 e
1960 198 . Ressalte-se que a previsão do próprio Plano de Metas era de um crescimento
TP F
FP T
da renda per capita de 2% ao ano, a mesma previsão do Grupo CEPAL/BNDE.
O mesmo pode ser dito em relação ao avanço do processo de industrialização, o
qual pode ser medido pela participação da indústria no PIB, que aumentou de 30,0% em
1955 para 35,7% em 1960. Em um ritmo ligeiramente inferior, a participação da
196
Lafer (1970) assinala que o sucesso no setor de energia foi tamanho que motivou o Congresso a
aprovar, em 1960, a criação do Ministério das Minas e Energia.
TP
PT
197
Resultados que podem ser atribuídos, com elevada probabilidade, ao prolongamento dos efeitos
desfavoráveis ao crescimento advindos das políticas contracionistas do período Café Filho, e das
turbulências institucionais que marcaram os meses finais daquele governo.
TP
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198
TP
PT
Cálculos realizados a partir dos dados anuais do ipeadata.
180
indústria de transformação se elevou de 23,8% para 28,3% do PIB entre os mesmos
anos.
Três elementos fundamentais contribuíram para viabilizar o Plano de Metas. O
primeiro se refere ao papel do setor público, que atuou não apenas na elaboração do
programa e na análise de viabilidade dos projetos, mas contribuiu diretamente através
dos investimentos de empresas públicas em infra-estrutura e indústrias básicas, sempre
que o setor privado não se sentisse em condições de realizar esses investimentos.
O segundo foi o papel das instituições e do aparato regulatório, objeto de
comentários mais adiante. Por ora, cabe destacar, de um lado, a combinação de um
ambiente propício ao capital de risco e facilidades para importações sem cobertura
cambial, e de outro, a proteção e créditos subsidiados a setores industriais selecionados.
O terceiro foi o papel do setor externo. Dada a necessidade de importações de
bens de capital e tecnologia, o problema da escassez de divisas precisava ser
equacionado. As exportações brasileiras, ainda fortemente concentradas em um único
produto, não ofereciam qualquer perspectiva de financiar as importações necessárias ao
programa de investimentos. O problema da escassez de divisas, vale dizer, já havia se
mostrado um sério obstáculo no segundo governo Vargas.
Sobre esta questão, convém abrir um parêntese. Conforme visto anteriormente, o
forte déficit no balanço de pagamentos entre 1951 e 1952 levou à adoção de reformas
cambiais que se consubstanciariam na Instrução 70 da Sumoc, que instituiu taxas
múltiplas de câmbio. Em janeiro de 1955, sob a gestão de Eugênio Gudin na Fazenda, o
governo Café Filho baixa, por decreto, uma nova reforma cambial, a Instrução 113 da
Sumoc, que foi mantida, sem modificações substanciais 199 , no governo JK até 1957. 200
TP F
199
FPT
TP F
FPT
As modificações se deram no âmbito de sucessivos reajustes nas taxas de ágio e de bonificação entre
1953 e 1957 (Leopoldi, 2002, p. 122).
TP
PT
181
Por esta Instrução, a Carteira de Comércio Exterior (CACEX) 201 do Banco do Brasil
TPF
FP T
era autorizada a emitir licença de importação sem cobertura cambial (isto é, sem
licitação
prévia
nos
leilões
de
câmbio)
de
equipamentos
industriais
que
correspondessem a inversões estrangeiras. Na prática, isso dava aos investidores
estrangeiros o direito de trazerem seus equipamentos sem nenhuma despesa cambial,
enquanto os industriais nacionais eram obrigados a adquirir previamente, com
pagamento à vista, as licenças de importação exigidas para trazerem do exterior os
equipamentos de que necessitavam. 202
TP F
FPT
Em relação ao papel do capital estrangeiro, cabe recorrer aqui às contribuições
de Francisco de Oliveira. Para este autor, a conjuntura internacional era desfavorável às
medidas desenvolvimentistas do Plano de Metas, uma vez que a participação inicial de
empresas do país capitalista hegemônico – os Estados Unidos – foi reduzida.
[As empresas dos EUA] não estiveram presentes na indústria de construção
naval, que se montou com capitais japoneses, holandeses e brasileiros, na
indústria siderúrgica, que se montou basicamente com capitais nacionais
estatais (BNDE) e japoneses (Usiminas), nem sequer tinham participação
relevante na própria indústria automobilística, que se montou com capitais
alemães (Volkswagen), franceses (Simca), e nacionais (DKW, MercedesBenz); as empresas norte-americanas que já estavam aqui desde há muito
tempo, como a General Motors e a Ford, não se interessaram pela produção
de automóveis de passeio senão depois de 1964 (...) (Oliveira, 1981, p. 49).
200
Neste ano, em agosto, foi aprovada uma nova lei de tarifas (Lei nº. 3.244), de evidente caráter
protecionista, elaborada, segundo Leopoldi (2002), “nas dependências da Confederação Nacional da
Indústria, com participação dos industriais” (p. 122). A esta nova lei, seguiu-se uma reforma cambial,
instituída pelo Decreto nº. 42.820, de 16.12.1957, que deu lugar a uma simplificação do sistema de
câmbios múltiplos, com as cinco categorias de importação sendo reduzidas a duas: “geral” (matériasprimas, bens de capital e produtos essenciais) e “especial” (produtos supérfluos), esta com taxas elevadas.
Ver Leopoldi (2002).
TP
PT
201
TP
PT
202
A CACEX substituiu a Comissão de Exportação e Importação (CEXIM) em 1954.
São estas as palavras com que Caio Prado Jr. se refere à Instrução 113: “Os interesses imperialistas
eram tão poderosos junto às autoridades brasileiras, que logravam inclusive favores negados aos próprios
nacionais” (Prado Jr, 1978, p. 314). À parte o tom de tintas fortes que este clássico autor utiliza para
caracterizar os capitais estrangeiros, e o fato de que, de resto, o empresariado nacional se beneficiava da
dinâmica da industrialização, é verdade que a Instrução 113 foi objeto de pesadas críticas, em especial
dos industriais de São Paulo e da FIESP.
TP
PT
182
A concepção das medidas do Plano de Metas, e a opção pelo aprofundamento do
processo de industrialização integrada, para F. de Oliveira, não teria sido por influência
de “interesses imperialistas”, como sugerira Caio Prado Jr. Ao contrário, em sua visão,
tais medidas foram concebidas internamente pelas classes dirigentes como
medidas destinadas a ampliar e expandir a hegemonia destas na economia
brasileira; para tanto, o processo de reprodução do capital que viabilizava
aqueles desideratos exigia uma aceleração da acumulação que
concretamente tomava as formas do elenco de indústrias prioritárias
(Oliveira, 1981, p. 49, grifo no original).
É preciso fazer a ressalva que essa interpretação diverge em certa medida da que
se pretende estabelecer na presente tese; aqui, prevalece a idéia da hegemonia do Estado
na condução do processo desenvolvimentista. Estado permeado, certamente, pelos
interesses dos setores econômicos dominantes; mas também, em grande medida,
buscando estabelecer vínculos com as classes subalternas, tanto pela mediação dos
conflitos capital-trabalho (papel exercido no primeiro governo Vargas), quanto pela
ampliação de oportunidades e de mobilidade social (marca do ciclo desenvolvimentista
dos anos 1950) 203 . Assim, ao invés de um Estado inteiramente mobilizado para atender
TP F
FPT
aos interesses das classes dominantes, como transparece na análise de F. de Oliveira,
parece mais correto o argumento, já esboçado anteriormente, de um Estado articulado
para se garantir como dirigente da modernização conservadora (cf. Werneck Vianna,
1986), atendendo às demandas por crescimento e industrialização oriundas dos setores
hegemônicos e, ao mesmo tempo, “impedindo uma ruptura democrática e suas
conseqüências inevitáveis, como reforma agrária etc.” (Werneck Vianna, 1986, p. 44).
De todo, importa reafirmar a validade do argumento de F. de Oliveira no que
toca ao papel do capital estrangeiro, especificamente quando observa que
203
Ao que se poderia acrescentar, também, especificamente no período pós- Estado Novo, conforme
Lafer (1975, p. 62), “a extensão da cidadania, conferida pela ampliação do voto”.
TP
PT
183
é difícil reconhecer uma estratégia do capitalismo internacional em relação à
aceleração da industrialização brasileira;
pois, adotando-se essa posição, transparece mais facilmente o importante papel
exercido pelas instituições do Estado brasileiro, e em particular pelo singular talento de
Juscelino Kubitschek, no sentido de explorar
as brechas do policentrismo, com a reemergência dos países do Mercado
Comum Europeu e a do Japão, [nas quais] a estratégia nacional encontrou
viabilidade (Oliveira, 1981, p. 49).
Uma palavra final sobre o Plano de Metas é que, embora exitoso na consecução
de seu objetivo maior de avançar no processo de industrialização, o programa de
investimentos do governo JK, incluindo a construção da nova capital, produziu efeitos
colaterais negativos não desprezíveis. O endividamento externo se acelerou e o perfil da
dívida externa se deteriorou drasticamente, em função do fato de que os créditos dos
fornecedores estrangeiros eram mais caros e com prazos menores do que os capitais de
empréstimos de instituições oficiais, como o Banco Mundial e o Eximbank. O mau
desempenho das exportações, cuja receita manteve-se praticamente estagnada, o
contínuo aumento das despesas com importações e a menor entrada de capitais externos
nos últimos anos do período JK produziram sucessivos déficits no balanço de
pagamentos do Brasil. 204
TPF
FPT
No plano interno, as contas do setor público sofriam desequilíbrio crescente. O
governo tinha dificuldades políticas para aumentar significativamente os impostos. O
saldo da conta de “ágios e bonificações”, associada ao regime de taxas múltiplas de
câmbio, aumentou substancialmente em relação ao PIB e foi importante fonte de
recursos para o governo. Contudo, os gastos do governo na manutenção da máquina
204
O ano de 1956 foi o único com resultado positivo no balanço de pagamentos (US$ 194 milhões). Nos
anos subseqüentes do governo JK (1957-60), a despeito da forte entrada de capitais externos, os déficits
respectivos foram de 180, 253, 154 e 410 milhões de dólares. Ver Leopoldi (2002, p. 123).
TP
PT
184
pública, na construção da nova capital e os créditos subsidiados pelo BNDE e Banco do
Brasil eram fontes de pressão sobre o Tesouro. Por fim, o governo era incapaz de
financiar seus déficits orçamentários de forma não-inflacionária. Em função da Lei de
Usura, que fixava a taxa de juros em 12% e criava uma expectativa de rentabilidade
negativa para os títulos públicos, esse mercado não tinha como se desenvolver.
Dessa maneira, em boa medida, o programa de desenvolvimento do governo JK
foi financiado por dois tipos de tributação implícita. A primeira, à semelhança do
segundo governo Vargas, decorria do regime cambial, que penalizava o setor agrícola
exportador ao comprar divisas a uma taxa sobrevalorizada. Criava também um viés antiexportador para as indústrias leves (alimentos, fumo, madeira, têxtil, calçados e
vestuário), intensivas em mão de obra e em recursos agrícolas. A rentabilidade desses
setores era prejudicada pelo regime cambial, que diminuía as receitas potenciais de
exportação e aumentava as despesas com insumos e bens de capital. A segunda
tributação implícita decorria da emissão monetária, que confiscava a renda de forma
difusa, através do imposto inflacionário. 205
TP F
FPT
No que segue, procura-se delimitar o papel exercido pelas instituições políticas e
os mecanismos criados no governo JK para gerir o Plano de Desenvolvimento.
4.3.2 O sistema político
Antes de mais nada, fazem-se necessárias algumas breves notas sobre o sistema
político-partidário brasileiro, não apenas na conjuntura do governo JK, mas também, de
205
Medida pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Fundação Getúlio Vargas,
são os seguintes os dados de inflação para o qüinqüênio de JK: 24,6%; 6,9%; 24,4%; 39,4% e 30,5%. Em
1958, com Lucas Lopes à frente do Ministério da Fazenda, elaborou-se o Plano de Estabilização
Monetária (PEM), em paralelo à retomada de negociações com o FMI. O PEM se inviabilizaria em curto
prazo de tempo e, em 1959, o próprio JK ordena o retorno da missão brasileira que negociava com o
Fundo em Washington e rompe unilateralmente com a instituição. Ver Benevides (1976, pp. 221-223). O
trabalho clássico de análise produzido naquele período sobre o processo inflacionário é A Inflação
Brasileira, de Ignácio Rangel (in Obras Reunidas, Rio de Janeiro: Contraponto, 2005; primeira edição de
1963). Para uma visão daquele processo em perspectiva histórica, ver Munhoz (1997).
TP
PT
185
forma mais abrangente, nos períodos que o precedem e o sucedem, por motivos que
aparecerão ao longo da exposição.
O Partido Social Democrático (PSD), a União Democrática Nacional (UDN) e o
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) eram os principais partidos entre 1945 e 1964 206 .
TPF
FP T
Juntos, eles comandavam cerca de 80% das cadeiras da Câmara dos Deputados
(Hippolito, 1985). O PSD era o maior e o mais importante partido do sistema político,
tendo por ele sido eleitos os presidentes Dutra, em 1945, e JK, em 1955. Nas palavras
de Maria Victoria Benevides,
reunia sobretudo os interventores e todos aqueles responsáveis mais diretos
pela administração do Estado Novo, comerciantes, advogados, proprietários
rurais (...). Assim, a criação do PSD é considerada o resumo do padrão de
organização política depois de oito anos de vigência do Estado Novo
(Benevides, 1976, p. 62).
A UDN, de inspiração liberal e com origens fortemente anti-getulistas, foi o
segundo maior partido durante quase todo o período, salvo na última legislatura (19631964). Era o principal partido de oposição, exceto durante os seis meses do governo
Jânio Quadros. Foi derrotada nas eleições presidenciais de 45 e 50 com o Brigadeiro
Eduardo Gomes, e na de 1955 com o General Juarez Távora. Suas bases sociais
incluíam setores das elites agrárias e importantes grupos das classes médias urbanas.
O PTB foi o terceiro maior partido de 1946 a 1962, passando a segundo maior
em 1963. Suas origens estiveram estreitamente ligadas ao “movimento queremista”,
organizado pelos partidários da continuação de Getúlio Vargas no governo de 1945.
Segundo Benevides (1976),
206
Todos criados na reta final do Estado Novo, nas seguintes datas: 17.07.1945 (PSD), 07.04.1945
(UDN) e 15.05.1945 (PTB). A lei eleitoral de maio de 1945, elaborada sob a supervisão do ministro da
Justiça Agamenon Magalhães, determinou a constituição de partidos de caráter nacional, o que rompia
com a tradição regionalista da política partidária brasileira. Sobre o papel de Getúlio Vargas na criação
dos partidos, e para mais referências sobre suas formações, ver Benevides (1976, p. 62 et passim).
TP
PT
186
O PTB surge como uma tentativa de aglutinar as novas forças sociais,
nascidas do impulso econômico pela industrialização, visando atingir
fundamentalmente os operários urbanos frente à ameaça que constituía a
influência do Partido Comunista, não apenas sobre a massa trabalhadora
desorganizada, mas sobretudo sobre os sindicatos 207 (Benevides, 1976, pp.
63-64).
TPF
FP T
Entre os pequenos partidos, o Partido Social Progressista (PSP), populista,
baseava-se fortemente no carisma de seu fundador e principal líder, Adhemar de Barros,
e era o quarto maior partido. O Partido Republicano (PR), o quinto entre os principais
partidos, era uma agremiação de direita dominada por sua seção mineira. O Partido
Comunista Brasileiro, que havia saído das urnas em 1946 como a quarta força política
nacional, tendo conquistado expressivos 5% das cadeiras da Câmara dos Deputados, foi
posto na ilegalidade no ano seguinte, e embora ainda atuasse ativamente na sociedade,
foi conseqüentemente alijado da arena política propriamente dita.
Sobre a aliança “aparentemente espúria” entre o PSD, rural-conservador, e o
PTB 208 , urbano-populista, M. V. Benevides lembra que ambos tiveram a mesma
TP F
FP T
origem: Getúlio Vargas. Além disso,
cabia ao PSD continuar a obra administrativa de Getúlio, fato que, aliás, se
expressa nas interventorias serem entregues aos membros do partido; ao
PTB cabia continuar a obra de legislação trabalhista, polarizando a massa
operária e controlando a influência comunista (Benevides, 1976, p. 64).
Celso Lafer, em seu importante trabalho de 1970, 209 classifica o período que vai
TP F
FP T
de 1945 a 1964 como sendo o da República Populista. A principal característica desse
período, para o autor, teria sido
207
Em entrevista à autora, Ernani do Amaral Peixoto afirma que “o PTB seria o anteparo entre os
sindicatos e os comunistas”. Ver Benevides (1976, p. 64).
TP
PT
208
Aliança que, conforme lembra a autora, embora se mantivesse ao nível nacional, nem sempre era
possível nos estados.
TP
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209
The Planning Process and the Political System in Brazil: A Study of Kubitschek’s Target Plan – 19561961, Tese de Doutorado, Cornell University. Por questões de simplicidade analítica, optou-se por
recorrer, no presente trabalho, a uma versão resumida da referida tese (Lafer, 1975). Sempre que
necessário, remeter-se-á ao estudo original do autor.
TP
PT
187
a progressiva redução do significado da antiga estrutura agrária, base da
República Velha, na estrutura global do país, que foi sendo transformada
pelos processos de urbanização e industrialização.
Esse processo de transformação não teria sido completo, na medida em que
Coexistiram, no entanto, no sistema global, duas culturas políticas: a do
Brasil desenvolvido (Sudeste) [e Sul] (...); e a do Brasil subdesenvolvido,
que abrangia o resto do país (Lafer, 1975, pp. 62-63).
Esta coexistência ter-se-ia refletido na origem e no crescimento do sistema
partidário, na medida em que os partidos mais conservadores – PSD, UDN e PR –
teriam obtido, desde 1945, percentuais menores do total de deputados federais no
Sudeste e no Sul do que no “Brasil subdesenvolvido”. Em contraste, ter-se-ia verificado
crescimento do PCB, PTB e PSP nas regiões do “Brasil desenvolvido” entre 1945 e
1962 (Lafer, 1975, p. 63). 210
TP F
FP T
Para Celso Lafer, a ampliação da participação política das massas e a referida
coexistência de duas culturas políticas teriam exigido “do sistema uma política que
conciliasse diversos interesses num pacto de dominação que fosse viável” (idem,
ibidem, grifos no original). Este pacto foi moldado sob duas vertentes: o voto, que
conferia legitimidade ao sistema; e a “coerção organizada”, representada pelos setores
militares, que atuariam como “poder moderador”.
Questão fundamental abordada pelo autor é que a principal “fórmula
institucional” desse pacto de dominação era o Congresso que, pelas características dos
sistemas eleitoral e partidário, seria “mais sensível às demandas da cultura política do
Brasil subdesenvolvido”; o Executivo, em contraste, por se constituir no “núcleo
inovador” do sistema, era “mais sensível ao Brasil desenvolvido”. O Congresso exercia,
nesses termos, um papel de vigilância sobre o governo, sendo este o mecanismo que
210
Resultados para os quais concorreu, decerto, a sobre-representação dos estados atrasados, questão
explorada por Werneck Vianna (1986).
TP
PT
188
“assegurava a conciliação e a coexistência das duas culturas políticas”; em situações de
crise (como nas situações da licença de Café Filho em 1955 e da renúncia de Jânio
Quadros em 1961), teria cabido ao Congresso o papel “de buscar fórmulas que, com o
apoio civil, legitimassem o uso do poder militar” (idem, p. 64).
Nessa análise, o processo de industrialização via substituição de importações é
apresentado como “o modelo econômico que sustentou este pacto de dominação”, e que
“permitiu o desenvolvimento do Brasil-Sudeste sem a desagregação do Brasil
subdesenvolvido”, possibilitando a coexistência das duas culturas políticas (idem, p.
65). 211 Para promover tal processo, o Estado ganha importância e assume um papel de
TPF
FPT
preponderância em relação à sociedade civil na República Populista. Como resultado,
criam-se, no corpo administrativo estatal, “bolsões de eficiência, que tiveram condições,
dadas as características do modelo econômico, de assegurar, operacionalmente, o papel
do Estado no controle da economia.
O governo Juscelino Kubitschek, e em particular o Programa de Metas, é, assim,
apresentado por Celso Lafer como um caso paradigmático das potencialidades da
República Populista “de implementar programas de ação no contexto da substituição de
importações” (Lafer, 1975, p. 68). A seção seguinte se dedica a analisar o papel das
instituições e dos órgãos do Estado mobilizados para viabilizar esse processo.
4.3.3 A Administração Paralela 212
TPF
FPT
Neste item procura-se ressaltar a importância que teve a criação (ou,
alternativamente, o aproveitamento) do aparato institucional e burocrático, diretamente
vinculado ao Poder Executivo Federal, para a implementação do programa
211
TP
PT
212
Para uma maior elaboração sobre este ponto, ver Lafer (1970).
Este item se beneficia em grande medida das extensas e importantes contribuições do trabalho
clássico de Maria Victoria Benevides (Benevides, 1976). Referências adicionais igualmente relevantes
são os trabalhos de Celso Lafer (Lafer, 1970) e de Nathaniel Leff (Leff, 1968).
TP
PT
189
desenvolvimentista. Maria Victoria Benevides e Celso Lafer cunharam a expressão
“administração paralela” para definir esse aparato, a qual, diga-se, é de extrema
propriedade.
Concretamente, a administração paralela, ou governo paralelo, era constituída
por organismos já existentes e que funcionavam de maneira eficiente, caracterizando-se
por uma relativamente baixa permeabilidade a ingerências políticas na indicação de seus
quadros, que em boa parte neles ingressavam pelo sistema de mérito: CACEX
(vinculada ao Banco do Brasil, responsável, entre outras funções, pela emissão de
licenças de importação), BNDE (financiador de empreendimentos estatais e privados
em infra-estrutura) e SUMOC (que detinha as funções de Banco Central, respondendo
pelas políticas monetária, cambial e creditícia) são os principais exemplos. A esses
órgãos somaram-se os novos, criados por JK, que podiam ser executivos ou de
assessoria: o Conselho de Desenvolvimento, os Grupos Executivos, os Grupos de
Trabalho, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e o
Conselho de Política Aduaneira (CPA).
Em relação à funcionalidade deste amplo arcabouço institucional e burocrático
para a consecução do Plano de Metas, Maria Victoria Benevides afirma que
a administração paralela foi a melhor resposta do governo Kubitschek ,
numa combinação adequada entre a percepção dos problemas e as escolhas
efetivamente feitas, dados os recursos e os meios disponíveis e a relação de
forças políticas atuantes que exigia um estilo conciliatório (Benevides,
1976, p. 224).
A formação de órgãos formuladores e decisórios paralelos à estrutura formal
atendia à necessidade de capacitação do Estado para levar adiante o programa
desenvolvimentista, sem no entanto criar maiores atritos no interior do sistema político
que certamente adviriam da negociação de reformas institucionais no âmbito
parlamentar. Assim, o governo paralelo constituía um
190
esquema racional, dentro da lógica do sistema – evitando o imobilismo do
sistema sem ter que contestá-lo radicalmente -, uma vez que os novos
órgãos funcionavam como centros de assessoria e execução, enquanto que
os antigos continuavam a corresponder aos interesses da política de clientela
ainda vigente (Benevides, 1976, pp. 224-225).
Sobre esse ponto, a análise de Carlos Lessa converge inteiramente à efetuada por
Benevides e Lafer, como se depreende da seguinte afirmação:
O subconjunto de instrumentos utilizados na execução do Plano [de Metas]
resultou da mobilização dos velhos instrumentos herdados das fases
anteriores que, em alguns casos, tiveram sua forma de operação ajustada aos
requerimentos do Plano, e de novos instrumentos forjados face a problemas
específicos, num quadro marcadamente pragmático. A escolha de novos
instrumentos parece ter-se pautado pela opção daqueles que constituíssem
linhas de menor resistência política. (...) Não houve [no período JK], salvo
raras exceções, preocupação com a reformulação instrumental à redefinição
do papel do Estado (Lessa, 1981, pp. 92 e 99).
M. V. Benevides destaca também a importância da atuação pessoal de JK na
presidência, não apenas por seu comprometimento com o projeto desenvolvimentista,
mas principalmente por sua participação direta na criação, por decreto, dos grupos
executivos e de outros órgãos administrativos. A autora observa também que, na raiz da
formação do governo paralelo, estava a compreensão por parte de Juscelino da
inadequação dos marcos institucionais consagrados pela Constituição de 1946 – em
particular seu caráter marcadamente liberal, numa época em que a intervenção do
Estado na economia se fazia presente, e necessária, aqui e alhures. Além disso,
[a Constituição de 1946] proibia a delegação de poderes, o que significava
amarrar o Executivo – na sua força dinâmica e criadora – aos caprichos de
um Legislativo inorgânico e indisciplinado pela pluralidade da
representação partidária.
Neste contexto, a “linha de menor resistência política” por que optou Kubitschek
para contornar os marcos constitucionais de 1946 foi a de mobilizar
instrumentos extraconstitucionais, uma forma sub-reptícia de obter
delegação de poderes para a realização do Programa de Metas, que jamais
teria sido possível se tivesse que passar pelos tradicionais processos de
tramitação legislativa, caracterizados pelas longas negociações, entraves
oposicionistas etc. (Benevides, 1976, pp. 225-226).
191
Se é verdade, como constata a autora, que o esquema era “racional e eficiente”,
verdadeiro é também o fato de que manter as forças políticas que davam sustentação ao
governo, e de resto o Poder Legislativo, alheias ao processo decisório na arena
econômica implicou pesados custos, especialmente a partir de 1959, com a emergência
do processo sucessório – críticas da imprensa, acusações de corrupção, greves etc. 213 É
TPF
FPT
neste sentido que Celso Lafer analisa a administração paralela relacionando-a à questão
da vigência do populismo: aquela, ao ampliar a racionalidade dos mecanismos de
governança, teria auferido eficácia às políticas públicas, garantindo legitimidade, e
conseqüentemente estabilidade, ao Executivo, mesmo num contexto em que este
contornava os demais atores do sistema político.
No que se segue, procura-se descrever brevemente o que foram os principais
organismos da administração paralela.
A) O Conselho de Desenvolvimento
A criação do Conselho do Desenvolvimento correspondeu a uma tentativa, logo
no início do governo JK, de centralizar o processo de formulação da política econômica
num órgão de planejamento vinculado diretamente à presidência. Em sua composição
estavam todos os Ministros de Estado, além de membros do Estado-Maior das Forças
Armadas e consultores especiais (Benevides, 1976, p. 231).
Porém, diferentemente do que afirmam alguns autores (por exemplo,
Bielschowsky, 2000 e Leopoldi, 2002), a importância do Conselho na consecução do
Plano de Metas foi bastante reduzida. Segundo M. V. Benevides,
o Conselho subdividiu-se em vários grupos, visando apenas o controle das
políticas setoriais, ou seja, cada qual seguindo seus próprios fins;
213
Para mais detalhes do recrudescimento da oposição ao governo, por parte de setores à direita e à
esquerda, ver Skidmore (1976, p. 221 et passim).
TP
PT
192
conseqüentemente, o Conselho nunca chegou a cumprir a função para a qual
foi criado (Benevides, 1976, p. 231).
A evidência mais forte a comprovar tal observação é fornecida por ninguém
menos do que Lucas Lopes, secretário-executivo do Conselho e presidente do BNDE no
começo da gestão JK, que, em entrevista à autora, afirma que
Na realidade, o Conselho do Desenvolvimento ‘nunca existiu’, ou seja,
nunca foi operacional, até mesmo devido à extrema dificuldade de se reunir;
se ‘funcionou’, de alguma maneira, pelo menos formalmente, deve-se ao
fato de que eu acumulei a função de Secretário-Executivo do Conselho com
a de Presidente do BNDE e a maior parte do Programa de Metas dependia
dos recursos levantados pelo BNDE (Benevides, 1976, pp. 231-232).
B) Os Grupos de Trabalho
Formados a partir de grupos de estudo já existentes, no âmbito do Conselho do
Desenvolvimento para o estudo de metas específicas, os Grupos de Trabalho exerciam
função de assessoria, elaborando projetos de lei ou de regulamentação sobre um
determinado projeto.
Um ponto importante dos Grupos de Trabalho era sua composição, que era feita
conforme os interesses da meta em estudo. Assim, cada grupo possuía representantes de
órgãos-chave da administração do setor interessado, como a CACEX, a SUMOC, o
BNDE, a CNI etc. Os membros dos Grupos Executivos também faziam parte dos
Grupos de Trabalho, devendo se manifestar oficialmente (concordando ou não) sobre os
projetos, o que era um mecanismo inteligente da engrenagem de sua viabilização; uma
vez elaborados e aprovados, já se podia contar “com a possibilidade de solução dos
problemas cruciais: o financiamento e verbas orçamentárias” (Benevides, 1976, p. 228).
Como reflexo da importância dos Grupos de Trabalho, o Plano de Metas foi
mais bem sucedido justamente nos setores nos quais aqueles tiveram resultados
positivos. Segundo Benevides (idem, pp. 228-229), a “eficiência do Programa de Metas
193
pode ser considerada (...) como função da eficiência dos Grupos de Trabalho, os quais,
no entanto, foram ‘obscurecidos’ pela atuação mais visível dos Grupos Executivos”.
Lafer (1970) destaca, entre os Grupos de Trabalho, os seguintes como mais
importantes: o GT nº. 1, que estudou a questão da revisão da legislação de energia
elétrica; o GT nº. 5, que formulou a meta do aço; o da mecanização da agricultura; o da
borracha; o da frota aérea civil; o de papel e celulose; o de exportação de ferro; o de
fertilizantes; o de alumínio e o de desenvolvimento do Nordeste.
C) Os Grupos Executivos
Os Grupos Executivos representam a expressão paradigmática, no governo JK,
da estratégia de se contornar as estruturas “formais” da estrutura burocrática e do
sistema político para se capacitar o Estado, em articulação com elementos do mundo
técnico e empresarial, no sentido de formular os diagnósticos e soluções para a
realização do programa desenvolvimentista. Reforça esta percepção o fato de terem sido
criados por decreto, sem intervenção do Congresso, e também a forma como foram
concebidos, como “um esforço de coordenação do processo decisório, em termos de um
esquema ligando setores públicos e setores privados” (Benevides, 1976, p. 229).
Faziam parte de sua composição técnicos do setor público e industriais do setor
privado, com os representantes do governo detendo a prerrogativa de decisão em casos
de impasse ou conflito. Nathaniel Leff observa que a ação dos Grupos Executivos
guardava estreita relação com uma série de “prévias decisões”, em particular com o
firme comprometimento dos setores escolhidos em promover a substituição de
importações e o desenvolvimento industrial. Em outras palavras, as metas que,
194
diretamente, propunham substituição de importações tinham Grupos Executivos. Neste
sentido, não é por acaso que dentre os GE destacaram-se 214 :
TP F
FP T
O Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), criado em junho de
•
1956, que tinha maior autonomia e foi o de mais longa duração 215 ;
TP F
FPT
O Grupo Executivo da Indústria de Construção Naval (GEICON), constituído
•
em 1958, e que foi beneficiado em grande medida pela criação do Fundo da
Marinha Mercante;
Os Grupos Executivos da Indústria Mecânica Pesada (GEIMAPE) e da Indústria
•
de Bens de Capital (GEIMAQ), de 1959, que ficaram encarregados pela
aprovação de projetos e concessão de incentivos para esses setores.
Salienta ainda N. Leff que os Grupos Executivos funcionavam
as technical study groups, analyzing the new industries’ markets and the
supply conditions necessary to meet them. Private industrialists participated
not as representatives voicing business views and interests, but as
individuals, usually engineers, with special technical competence on
conditions in domestic industry (Leff, 1968, pp 56-57, grifos
acrescentados).
Esse último ponto é muito importante, e vem a reforçar a colocação anterior, na
medida em que evidencia a tentativa de se promover o “insulamento” 216 do mundo
TP F
FP T
214
Maria Antonieta Leopoldi observa a influência das experiências européias no período da reconstrução
pós-guerra, sobretudo do Plano Monnet na França, na constituição dos Grupos Executivos – sobretudo na
visão de Lucas Lopes (Leopoldi, 2002, p. 113). Para uma análise mais detida de cada um dos Grupos
Executivos, ver Lafer (1970) e Lessa (1981).
TP
PT
215
Como mencionado anteriormente, o GEIA veio a ser o “herdeiro” da Comissão Executiva da Indústria
Automobilística (CEIMA), por sua vez originada da Comissão de Desenvolvimento Industrial (CDI),
criada por Getúlio Vargas em julho de 1951. Maria Lucia Werneck Vianna destaca o caráter de locus de
articulação de interesses por parte dos Grupos Executivos, em particular no caso do GEIA, evidenciado
pelo fato de que, quando da implantação da indústria automobilística, “se dá a divisão do mercado entre
as empresas montadoras do produto final – atividade que fica reservada ao grande capital
internacionalizado – e o setor de autopeças para reposição, distribuído entre empresários nacionais,
evidentemente de menor porte”, divisão esta que é decidida “após negociações que têm como palco o
GEIA” (Werneck Vianna, M. L., 1987, pp. 25-26).
TP
PT
216
TP
PT
Diga-se de passagem, tal como Vargas fizera com a Assessoria Econômica.
195
técnico do mundo da política. 217 Esta tendia a prevalecer nas estruturas “formais” préTP F
FPT
existentes do aparelho de estado, em particular nos ministérios. M. V. Benevides
sustenta esta afirmação nos seguintes termos:
Os Ministérios – em perfeita sintonia com o ‘estilo conciliatório’ do
presidente (...) – se preocupavam muito mais em atender às necessidades
políticas dos grupos ou partidos a que se vinculavam do que a seguir
políticas mais amplas de desenvolvimento nacional. A mudança ministerial,
por exemplo, devia-se muito mais às pressões ligadas a interesses políticopartidários do que a critérios de adequação ou eficiência 218 (Benevides,
1976, p. 230, grifo no original).
TP F
FP T
D) O BNDE
A importância crucial do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico para
o Plano de Metas é consenso na literatura. Para Maria Victoria Benevides,
Se os Grupos Executivos resultavam na viabilidade administrativa para a
execução do Programa de Metas em relação ao setor privado, o BNDE
representou a principal fonte de controle sobre os mecanismos de
financiamento do setor público ligados às metas de infra-estrutura
(Benevides, 1976, p. 232).
Carlos Lessa enfatiza que, além dos setores de infra-estrutura, o Banco apoiou
fortemente também a implantação e a ampliação dos setores produtores de insumos
básicos e de bens de capital. Nestes, atuava mobilizando dois instrumentos
particularmente eficientes na orientação de investimentos privados:
O primeiro consistia na concessão de financiamento a longo prazo com
baixa taxa de juros, que nas condições inflacionárias do país e na ausência
de mercado de capitais organizado era absolutamente vital à efetivação de
inversões naqueles setores. O segundo (...) residia na concessão e avais às
operações de financiamento externo, faculdade que eliminava um entrave de
importância à obtenção destes indispensáveis créditos no exterior (...)
(Lessa, 1981, p. 105).
217
Até mesmo por se tratar de um governo que buscava se legitimar através da consolidação das
instâncias democráticas (cf. Lafer, 1970 e 1975, e Benevides, 1976), essa separação nunca poderia ser
plenamente realizada. Os chamados “fatores políticos” sempre teriam um papel a desempenhar no
processo decisório. O que N. Leff ressalta é que “The operation of such factors, however, was limited
within the framework the government established according to its own criteria” (Leff, 1968, p. 57).
TP
PT
218
Em todo caso, Leopoldi (2002) observa que um posto-chave como o Ministério da Fazenda foi sempre
ocupado por homens em que Juscelino depositava inteira confiança, e que todos os ministros desta pasta
eram oriundos do PSD.
TP
PT
196
Neste sentido, para este autor, o BNDE exerceu, ainda que “de forma não
declarada”, um papel central na análise dos programas governamentais, constituindo-se,
dessa forma, “na peça básica da filosofia do Plano de Metas” (idem, ibidem).
E) Demais organismos
Dentre os outros órgãos que assumiram papel relevante, tanto na elaboração,
como na execução do Plano de Metas, podem-se destacar o Conselho de Política
Aduaneira e a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).
O CPA foi criado em 1957, no bojo da reforma tarifária aprovada pelo
Congresso, que substituiu as tabelas específicas 219
TP F
FP T
de 1937, completamente
deterioradas pela alta interna de preços, por alíquotas ad valorem, marcadamente
protecionistas (conforme mencionado anteriormente). Sua tarefa era justamente operar
modificações das tarifas aduaneiras, até certos limites, de acordo com as necessidades
do processo de substituição de importações.
Era constituído por representantes do setor privado – empresários da indústria,
do comércio e da agricultura e trabalhadores – e do setor público – membros de órgãos
como o BNDE, a CACEX e a SUMOC. O CPA era responsável pelas seguintes
atribuições relativas à política de importações:
enquadrar os produtos de importação numa das categorias definidas na mudança
•
cambial de 1957 (geral e especial);
aplicar quotas tarifárias, assegurando a isenção ou redução tarifária até
•
determinada quantidade importada;
219
Tributos específicos são aqueles que incidem com base num valor monetário fixo para cada unidade
de um bem vendida ou produzida. A incidência ad valorem se dá com base em um percentual fixo sobre o
valor do bem. Ver Stiglitz (2000) para mais detalhes.
TP
PT
197
reduzir em até 50% a tarifa aplicada a equipamentos, desde que o órgão central
•
da indústria atestasse a incapacidade de produzir internamente a maquinaria em
questão.
O CPA ficava encarregado também de comprovar se determinado setor
industrial estava habilitada para atender, em quantidade e qualidade, à procura interna
do bem; em caso afirmativo, a indústria recebia o registro de similar, o que
correspondia, segundo Lessa (1981, p. 108), “a um atestado de maturidade ao setor
industrial”, e impedia “a concessão posterior de qualquer favor cambial ou fiscal à
importação do bem”.
Maria Victoria Benevides e Carlos Lessa convergem ao ressaltar a importância
do CPA, inclusive pelo fato de ter representado a delegação de facto de poderes do
Legislativo para o Executivo em matéria tributária, o que permitiu “o ascenso da tarifa
como um instrumento eficiente e flexível da política de desenvolvimento” (Lessa, 1981,
p. 107).
Benevides (1976, p. 233) inclui a SUDENE na administração paralela, mas faz a
ressalva de que a criação desta instituição como órgão de planejamento regional se deu
dentro de uma lógica eminentemente política, na medida em que foi motivada pela
necessidade de centralização do poder para retomar o controle político de
uma região que, além de apresentar graves tensões sociais e políticas, ao
nível da representação política (resultado das eleições de 1958) lhe [do
governo federal] havia escapado das mãos (Cohn, 1976, 220 , apud
Benevides, 1976, p. 234).
TP F
FPT
A criação da CPA e da SUDENE atende aos desígnios do fortalecimento do
Poder Executivo enquanto agente central das políticas industrial e regional, atendendo,
sem contradição aparente, aos interesses de diferentes grupos sociais que lhe davam
220
COHN, Amélia. Crise Regional e Planejamento (o processo de criação da Sudene), São Paulo:
Perspectiva, 1976, p.148.
TP
PT
198
sustentação política. No primeiro caso, os setores da burguesia industrial e do grande
capital; no segundo, as oligarquias rurais do “Brasil subdesenvolvido”.
Em síntese, isso era o que representava, ao fim e ao cabo, a grande estratégia da
administração paralela. Nas palavras de M. V. Benevides,
mantinha as prerrogativas do Poder Executivo e removia os obstáculos para
a implementação do Programa de Metas, num esquema que combinava
eficácia com adequação e conciliação política, pois não enfrentava
diretamente os interesses dos setores vinculados a cada área específica
(Benevides, 1976, p. 234).
Duas colocações finais sobre o governo Juscelino Kubitschek, à guisa de
conclusão. Em primeiro lugar, o reconhecimento da grandeza de seu legado para a
economia e a sociedade brasileira, para o qual a contribuição pessoal do estadista foi
fundamental.
E segundo, há que se ressaltar a continuidade, no período JK, de vários aspectos
do segundo governo Vargas, que foram de grande importância para a viabilização do
plano de metas – em particular a ênfase no desenvolvimento industrial, com base nos
projetos sugeridos pela Comissão Mista Brasil – Estados Unidos e nas fontes de
financiamento e de planejamento técnico sediadas fundamentalmente no BNDE. A idéia
da continuidade pode ser percebida também, em outra chave analítica, na manutenção
da estratégia de se conceber a política econômica desenvolvimentista como elemento
vital na busca da legitimidade e da estabilidade política – a “fuga para frente” como
forma de conciliar os interesses dos setores dominantes com as demandas das classes
subalternas, estas amplificadas pelo avanço em curso do processo democrático. Como
observa com muita propriedade Maria Antonieta Leopoldi:
Diversamente da Argentina, onde a transição de Perón a Frondizi
representou profundas mudanças na estratégia econômica, nas equipes e nos
grupos políticos no poder, no Brasil as presidências Vargas e Kubitschek
significaram a continuidade do bloco partidário formado pelo PSD-PTB no
199
Congresso, e de um projeto de desenvolvimento baseado na consolidação da
infra-estrutura (Leopoldi, 2002, p. 137). 221
TPF
FPT
5 Política e economia no regime militar
5.1 Esgotamento de um modelo
Nas seções anteriores, procurou-se demonstrar que, a partir de 1930, se inicia um
processo de ruptura com as estruturas políticas e econômicas da República Velha, que
evolui na implementação de inovações institucionais com vistas a dotar o Estado da
capacidade de liderar, executar e coordenar o movimento rumo à industrialização e ao
desenvolvimento econômico. Em particular após 1937, o processo de criação de novas
instituições e de reformas das já existentes ganha impulso e aceleração, dadas as
condições autoritárias em que se conformou o Estado Novo, e que perduram até 1945.
Neste período, entre dezenas de medidas, podem ser destacadas: a
regulamentação do salário mínimo, a criação do Departamento Administrativo do
Serviço Público (DASP), a formação dos Conselhos Nacionais do Petróleo (CNP) e de
Águas e Energia Elétrica (CNAEE), a criação da Companhia Siderúrgica Nacional
(CSN) e da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), a constituição da Comissão de
Mobilização Econômica (CME), a aprovação da Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), a promulgação da reforma Capanema do ensino secundário.
Restabelecido o regime democrático, consagrado na Constituição de 1946, o
programa desenvolvimentista é retomado nos anos 1950, pelos governos de Getúlio
Vargas e de Juscelino Kubitschek, condicionado, evidentemente, por esta nova
configuração. Assim, as inovações institucionais, que sob este quadro não mais
poderiam ser impostas discricionariamente, “de cima para baixo”, passam a ser
221
Uma referência para a análise comparativa sobre instituições e política econômica no Brasil e na
Argentina é Sikkink (1988), citada em Leopoldi (2002).
TP
PT
200
introduzidas pelo Poder Executivo central nas “brechas” do sistema político-partidário.
A estratégia, se é que se pode usar o termo, visava constituir o Estado do aparato
técnico-burocrático capaz de promover o avanço da modernização econômica, de uma
forma tal que contornasse, na medida do possível, os constrangimentos e as negociações
políticas paralisantes que, inevitavelmente, adviriam de eventuais tentativas de se
aprovar, no Congresso, reformas amplas das estruturas administrativa, financeira e
tributária do setor público.
Há significativa convergência na literatura, mesmo entre autores vinculados a
diferentes escolas de pensamento e de posições político-ideológicas diversas, a respeito
da interpretação de que, finda a década de 1950 – quando, portanto, foi posta em prática
a estratégia segundo a qual a política econômica e o aparelho do Estado estariam
firmemente direcionados a apoiar e facilitar o processo de desenvolvimento, sem no
entanto proceder-se à implementação das reformas estruturais que garantissem a
sustentabilidade e a estabilidade dessa estratégia –, tal modelo começa a dar sinais
claros de esgotamento.
A questão central residiria na ausência de bases fiscais sólidas para o
financiamento do Estado – que só poderiam ser construídas via uma reforma tributária,
de difícil negociação no Congresso 222 . Dada a significativa participação do poder
TP F
FP T
público no esforço maciço de investimento, notadamente nos setores de infra-estrutura
(que constituíam os “pontos de estrangulamento” da economia), o financiamento para
esse esforço proveio, em grande medida, de adiantamentos do Banco do Brasil 223 e do
TPF
FPT
Tesouro, apoiados em emissões monetárias. Em conseqüência, criavam-se as condições
222
Como descrito em seções anteriores, as soluções para aumentar as bases de arrecadação se fizeram, de
modo geral, de maneira ad hoc, criando-se tributos vinculados a setores específicos – petróleo, energia
elétrica – ou se valendo das receitas oriundas das diferenças de câmbio.
TP
PT
223
TP
PT
Que dividia com a SUMOC e o Tesouro Nacional as funções de autoridade monetária.
201
para o surgimento do processo inflacionário. Adicionalmente, o recurso ao
endividamento externo como fonte adicional de financiamento dos investimentos
(notadamente no governo JK) implicou, no médio prazo, severas dificuldades na
capacidade do país para importar 224 , o que por sua vez passa a se constituir num grande
TP F
FPT
obstáculo para a continuidade, naquela conjuntura, do processo de industrialização.
Mário Henrique Simonsen acrescenta a esses fatores de esgotamento, a que se
refere como “distorções”, os seguintes:
A baixa competitividade das empresas nacionais, decorrente dos níveis de
•
proteção assegurados à indústria (controles quantitativos das importações,
câmbio múltiplo, reforma tarifária de 1957), dos índices de nacionalização
impostos às novas indústrias que se instalavam no país e da forma adotada para a
proteção da indústria nacional de bens de capital (a lei do similar nacional).
Assim, para este autor, teria havido uma “preocupação eminentemente
quantitativa com os índices de desempenho industrial” que, embora tivesse
logrado dar “forte impulso ao crescimento industrial”, numa etapa posterior
gerou problemas para a expansão do próprio setor (industrial), em função de
custos de produção elevados e baixa competitividade;
A
•
ausência
dos
mecanismos
financeiros
necessários
ao
apoio
da
industrialização, que decorreria diretamente do processo inflacionário associado
ao processo de industrialização, e da fixação das taxas nominais de juros em
12% ao ano (Lei da Usura). A combinação desses dois fatores teria reduzido “à
míngua o mercado de depósitos a prazo, debêntures e aplicações similares. A
conseqüência foi a atrofia do mercado de crédito a médio e longo prazo, cujo
224
Dificuldades que já se faziam sentir desde 1955, quando se verifica aguda deterioração dos termos de
intercâmbio, que se reflete nos sucessivos déficits no balanço de pagamentos mencionados na seção
anterior, que permeiam praticamente todo o governo JK.
TP
PT
202
desenvolvimento seria indispensável ao apoio de novas indústrias de bens
duráveis de consumo e de bens de capital”. Além disso, a inflação impedia o
crescimento do mercado de ações; e
O surgimento de obstáculos fiscais e financeiros à capitalização das empresas,
•
consubstanciados: (i) na incidência de tributos indiretos de má qualidade
(cumulativos), como o Imposto de Consumo (IC) e o Imposto sobre Vendas e
Consignações (IVC) 225 , que onerava crescentemente o preço dos bens de
TP F
FP T
capital, e no aumento das taxas do Imposto de Renda sobre os lucros das
empresas; e (ii) na redução da oferta de crédito de longo prazo, dada a inflação,
e dos subsídios cambiais, à medida que se desenvolvia a produção nacional de
máquinas e equipamentos.
M. H. Simonsen sintetiza da seguinte forma seu argumento:
Como resultado dessas distorções as empresas brasileiras, embora se tendo
desenvolvido a taxas quantitativamente pujantes, chegaram ao início da
década de 1960 com uma estrutura financeira bastante frágil. A escassez de
financiamentos a médio e longo prazo inibia o mercado das indústrias
recentemente instaladas de bens duráveis de consumo e de capital. As
sucessivas dificuldades de capitalização conduziram inúmeras, que no
passado haviam contado com subsídios para sua implantação, à
desatualização, e até, em certos casos, ao obsoletismo tecnológico.(...).
Ao terminar seu o mandato em princípio de 1961, o Governo Kubitschek
deixava uma herança difícil de inflação reprimida e de problemas no
balanço de pagamentos (Simonsen, 1972, pp. 35-37).
Carlos Lessa, por sua vez, em diversas passagens (na presente tese assinaladas)
de seu Quinze anos de política econômica menciona os “atalhos” e “improvisos” por
onde se fizeram os instrumentos do Plano de Metas, que podem ser resumidos na
seguinte citação:
Forjou-se, do ponto de vista sociológico, uma nova estrutura institucional
[no governo JK], com a presença do Estado ‘desenvolvimentista’, sem as
225
TP
PT
Para a descrição e análise desses tributos, veja-se o Capítulo IV.
203
correspondentes mudanças do plano jurídico. (...) este Estado se montou, na
prática, quase que à margem dos textos legais.
(...) a execução do Plano de Metas não conferiu propriedade à redefinição
de Estado e reformulação e montagem num esquema ajustado e eficiente do
instrumental de política econômica. No período do Plano, e em decorrência
do seu esquema pragmático de execução, acentuou-se o caráter
improvisado do instrumental. Dadas as novas funções, ampliou-se o raio de
ação do setor público, ganhando novas dimensões como instituição.
O autor encaminha da seguinte forma sua interpretação sobre o esgotamento
dessa estratégia:
Acumulam-se nos últimos anos provas desta exaustão [do uso de reformas
improvisadas]. Um dos traços mais marcantes do triênio [1961-1963] reside
no afloramento de inúmeros conflitos entre a margem legal da Constituição
de 1946 e os requerimentos da sociedade muito mais complexa, que veio se
articulando nos últimos 15 anos (Lessa, 1981, pp. 140-141, grifos
acrescentados).
Assim, para este autor, no limiar da década de 1960 ter-se-ia chegado à
“consciência dos desequilíbrios estruturais” e à “constatação dos acentuados desajustes
institucionais e instrumentais” (p. 119), que exigiriam providências nas seguintes
direções:
•
Reorientação e reestruturação dos instrumentos monetários, fiscais e cambiais,
mormente para os fins de combate ao problema inflacionário;
•
Transformação do setor primário no campo da política agrária e do fomento
agrícola, e reformulação das instituições de desenvolvimento regional;
•
Fortalecimento e criação de novas instituições financeiras, em particular para
fins de formação de um mercado de capitais vigoroso;
•
Reforço da organização e dos instrumentos dos organismos de planejamento;
•
Reestruturação do corpo administrativo do Estado.
204
Já Maria da Conceição Tavares, em Da Substituição de Importações ao
Capitalismo Financeiro, ao avaliar as conseqüências do processo de industrialização
acelerada, adota uma direção convergente à dos autores citados, conforme abaixo:
A passagem, num breve período histórico, a um modelo de desenvolvimento
para dentro, que nas primeiras etapas não iria ter sequer o apoio do
financiamento externo, gerou (...) uma tensão crescente sobre as instituições
financeiras do país, herdadas do modelo anterior, que não parece ter sido
enfrentada em tempo pelas modificações institucionais. Deste modo, os
mecanismos ou instrumentos financeiros que surgiram ao longo do processo
foram-se forjando posteriormente por reação ou fuga a certas condições
adversas do mercado, ou como adaptação a certas exigências nítidas e
iniludíveis da evolução do aparelho produtivo, tornando difícil, em
conseqüência, alcançar-se em cada etapa do desenvolvimento industrial uma
estrutura financeira adequada à solução dos problemas de financiamento
emergentes, dentro de um marco de relativa estabilidade.
Neste sentido, para esta autora, o setor público, ao aumentar sua participação no
dispêndio global da economia, tanto em termos de consumo quanto em relação ao
investimento, sem no entanto expandir sua receita e, por via de conseqüência, sua
poupança fiscal, abriu uma “competição por recursos financeiros de curto e longo
prazo” entre si e o setor privado, e “em ambos os setores, entre o consumo (...) e a
formação de capital”, que resultou em “sérias pressões inflacionárias que, até o início da
década dos 60, se resolveram (...) mediante um processo inflacionário aberto”.
Sobre a natureza desse processo inflacionário, avalia a autora que:
A inflação parece ter funcionado, no contexto do desenvolvimento brasileiro
(...), não só como um mecanismo de poupança forçada (em sentido global),
mas principalmente como uma força capaz de dissolver uma certa rigidez da
institucionalidade financeira e de proporcionar brechas e canais
subterrâneos para transferência inter-setorial de recursos entre as unidades
familiares, as empresas e o setor público e, em particular, dos setores menos
dinâmicos para os de maior potencialidade de crescimento (Tavares, 1972,
pp. 130-131).
No entanto, Conceição Tavares adverte que a inflação, “como mecanismo de
financiamento, tende (...) a esgotar rapidamente as suas possibilidades” (p. 131),
205
sugerindo portanto uma reestruturação do sistema financeiro que lograsse superar os
impasses do dilema estabilização-desenvolvimento.
Em outra importante obra, Acumulação de Capital e Industrialização no Brasil,
a autora refere-se à exaustão do modelo desenvolvimentista da década de 1950 em
termos mais enfáticos, como se depreende abaixo:
[As] possibilidades [da industrialização substitutiva de importações]
alcançam os limites do tipo de expansão iniciada no segundo governo
Vargas de uma forma contraditória. Assim, 1959 é um ano paradoxal
porque marca vários acontecimentos importantes para o desenvolvimento
posterior da economia e da sociedade brasileira. É o ano da crise decisiva do
café (...)[,] da ruptura com o FMI e o Banco Mundial (...)[,] da construção
de Brasília (...) [e de uma forte] aceleração inflacionária. Por tudo isso, 1959
é o primeiro ano em que os sintomas de ruptura da base econômica do
‘Estado de compromisso’ se manifestam como prelúdio de sua ruptura
definitiva em 1964 (Tavares, 1998, pp. 146-147, grifo no original).
Finalmente Celso Furtado, em Dialética do Desenvolvimento, cuja primeira
edição é de junho de 1964, faz as seguintes observações a respeito do caráter do
processo inflacionário, a respeito das quais cabe destacar a semelhança em relação aos
argumentos que Maria da Conceição Tavares utilizaria posteriormente:
A inflação não foi o fator primário do desenvolvimento, mas operou como
agente de afrouxamento das estruturas e transferiu recursos, em fase de
crescimento do produto, em favor dos setores mais dinâmicos, tributando os
consumidores e provocando uma maior intensificação dos investimentos.
Cabe, entretanto, reconhecer que as possibilidades dinâmicas da
substituição de importações já se esgotaram (Furtado, 1964, p. 119,
grifos acrescentados).
Algumas páginas à frente, Furtado volta a essa questão, referindo-se a ela em
termos semelhantes aos utilizados por Carlos Lessa e que Conceição reforçaria
futuramente:
O desenvolvimento industrial, particularmente no após-guerra, apoiou-se de
forma significativa em aumento substancial dos investimentos públicos, ou
diretamente financiados pelo poder público. (...) [O]s investimentos infraestruturais foram realizados de forma mais ou menos improvisada, numa
corrida de obstáculos contra pontos de estrangulamento que se sucediam.
(...) Por outro lado, não se criaram condições para que o poder público se
preparasse institucionalmente para o desempenho de suas novas
206
funções, crescendo a máquina administrativa de forma tumultuária sob a
pressão de situações irreversíveis (Furtado, 1964, p. 124, grifos
acrescentados).
Embora Furtado evite mencionar de maneira explícita o esgotamento ou a
exaustão do projeto desenvolvimentista assentado em bases fiscais e financeiras frágeis,
isto transparece claramente em sua análise sobre a conjuntura dos primeiros anos da
década de 1960: 226
TP F
FP T
Caso o Governo federal pretendesse eliminar o enorme déficit de suas
contas, reduzindo a despesa programada à receita prevista (...), provocaria
necessariamente séria crise econômica no país, criando desemprego em
massa e paralisando grande parte das obras básicas em curso. Por outro
lado, se o Governo tentasse efetivar os seus gastos programados, seria
forçado a apelar para formas inflacionistas de financiamento, deslocando
toda a estrutura de custos e preços e assim frustrando em parte o seu próprio
programa de gastos. Em outras palavras: o Governo não estava
institucionalmente capacitado para cumprir a missão que lhe fora
cometida pela coletividade, de apoio ao processo de desenvolvimento. E
esta situação persistiu porque não existe base política para a realização da
reforma fiscal que permitiria romper o impasse (idem, p. 125, grifos
acrescentados).
Enunciava-se assim, de maneira clara, o que viria a ser o grande problema
econômico daquele período: 227 o dilema entre desenvolvimento e estabilidade, para o
TP F
FP T
enfrentamento do qual não mais seria possível adiar as reformas estruturais.
O impasse no setor fiscal tem colocado o Governo ante o dilema de reduzir
os seus investimentos e assumir a responsabilidade na contenção do
desenvolvimento ou apelar para a inflação. (...). A necessidade da reforma
fiscal tornou-se imperativa. Entretanto, em face do declínio da taxa de
crescimento da economia, as dificuldades políticas para sua efetivação
avolumaram-se (Furtado, 1964, pp. 125-126).
A partir da breve análise das visões desses quatro destacados nomes da ciência
econômica brasileira, convalida-se a idéia do consenso acerca do esgotamento do
226
Recorde-se que, naquele período, Celso Furtado foi nomeado pelo presidente João Goulart Ministro
do Planejamento (pasta então criada, da qual foi portanto o primeiro titular), quando elaborou e pôs em
prática, sem êxito, o Plano Trienal, que tentaria combinar uma política de combate à inflação com
estímulos ao desenvolvimento, conforme se verá em seguida. A citação que segue refere-se diretamente a
esta tentativa.
TP
PT
227
E que, ironicamente, retornaria ao debate brasileiro décadas mais tarde, estando fortemente presente
na atualidade.
TP
PT
207
programa desenvolvimentista tal como fora efetivado na década de 1950. Vale dizer,
adentrava-se um período em que, para dar continuidade ao processo de
desenvolvimento, fazia-se mister o enfrentamento da agenda das reformas estruturais
das instituições do Estado.
O governo João Goulart foi claramente sensível a esta agenda. Passado o
“entreato agonizante” (cf. Skidmore, 1976) do período em que Jânio Quadros ocupou a
presidência, e o turbulento período da experiência parlamentarista, Goulart “assume” de
fato, com plenos poderes presidenciais, em janeiro de 1963. De imediato, consolida o
discurso da necessidade de implementação das “reformas de base” – agrária 228 ,
TP F
FP T
eleitoral 229 , tributária, financeira e bancária –, cria o Ministério do Planejamento e
TPF
FPT
anuncia o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico-Social (1963-1965), elaborado
por Celso Furtado (titular da pasta então criada), com a colaboração do Ministro da
Fazenda San Tiago Dantas. 230 O Plano baseava-se num diagnóstico da inflação tal
TPF
FPT
como caracterizado alguns parágrafos acima, isto é, esta derivaria basicamente dos
desequilíbrios financeiros do setor público, que se espraiavam para o restante da
economia.
A estabilização seria perseguida por uma estratégia gradualista: correção de
preços defasados, redução do déficit público e controle da expansão do crédito ao setor
privado. Na impossibilidade de se implementar uma reforma tributária global e de
228
Na realidade, desde o parlamentarismo Goulart levantou a bandeira da reforma agrária; em discurso
no primeiro de maio de 1962, o presidente propunha a revisão do Artigo 141 da Carta de 1946, que
condicionava as desapropriações de terra à prévia indenização em dinheiro. Para o conjunto dos partidos e
movimentos sociais que defendiam as reformas – PTB, PSB, CGT, UNE -, a manutenção desse artigo da
Constituição, na prática, inviabilizava a reforma agrária. Ver Bandeira (1977).
TP
PT
229
A reforma eleitoral girava basicamente em torno do direito de voto dos analfabetos e dos direitos
políticos da suboficialidade e dos praças das Forças Armadas.
TP
PT
230
TP
PT
Para uma análise do Plano Trienal, ver Lessa (1981) e Abreu (1997).
208
profundidade, diversos aperfeiçoamentos foram introduzidos no sistema tributário. 231
TP F
FPT
Embora haja divergências na literatura a respeito da relação estrita entre as medidas
contracionistas de curto prazo adotadas e a recessão verificada em 1963 (cf. Abreu,
1997), o fato é que, naquele ano, o PIB registrou um crescimento de apenas 0,6%
(redução de 2,2% do PIB per capita), quando em 1962 havia registrado expansão de
6,6% (3,6% per capita). 232
TP F
FP T
Inicialmente, os empresários industriais saudaram a proposta governamental;
mas esta sofreria os seus primeiros (e fortes) abalos com os protestos vindos dos setores
sindicais e das organizações nacionalistas e de esquerda. Pouco tempo após o
lançamento do Plano, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) difundia um
manifesto em que se denunciava o "caráter reacionário" do plano do governo Goulart,
assim como a submissão dos interesses nacionais aos dos Estados Unidos 233 (Toledo,
TPF
FP T
2004).
O fato é que, antes mesmo de findar o ano de 1963, o fracasso do Plano Trienal
era reconhecido por todos: não se logrou obter nem a desaceleração da inflação nem a
aceleração do crescimento. Nos meses seguintes, Goulart reformularia seu ministério
diversas vezes, sem obter qualquer êxito do ponto de vista de aumentar sua sustentação
político-partidária. Segue-se a isso uma fase de intensa radicalização política, em que o
presidente passa a empunhar de forma mais enérgica a bandeira das reformas de base,
231
Ainda na vigência do parlamentarismo, foi constituída uma comissão de alto nível com a finalidade de
elaborar um anteprojeto de reforma tributária “segundo os princípios enunciados na Mensagem do
presidente do Conselho de Ministros ao Congresso, em 1962, e confirmados no Plano Trienal, em 1963.
Entretanto (...), não foi alterada a fisionomia básica do sistema tributário, ao ponto de poder-se falar numa
efetiva reforma fiscal” (Lessa, 1981, p. 152). Para o exame dos aperfeiçoamentos introduzidos, ver Lessa
(1981), pp. 153-156.
TP
PT
232
TP
PT
Dados extraídos do ipeadata.
233
Submissão que se cristalizaria nas negociações travadas pelo ministro da Fazenda com organismos
financeiros internacionais em Washington, em março de 1963, para reescalonar o serviço da dívida
externa e obter ajuda financeira, e no episódio da tentativa de compra, pelo governo brasileiro, da
American Foreign Power (AMFORP), cuja estrutura física era tida como obsoleta.
TP
PT
209
em particular a da reforma agrária, e seu governo passa a ser denominado na grande
imprensa como “República Sindicalista”.
Para além das dificuldades econômicas que o país enfrentava naquela
conjuntura, há que se ressaltar a intensa turbulência política em que o governo João
Goulart transcorreu. Sobre esta questão, o depoimento de Celso Furtado em sua
biografia cinematográfica é esclarecedor:
O governo Goulart, a rigor, nunca existiu. Essa é que é a pura realidade. Foi
demasiadamente contestado pelo sistema de poder no Brasil, seja pelos
setores privados, seja pelos setores militares. [Goulart] nunca conseguiu sair
de uma situação de transitoriedade. No começo, sua luta foi
fundamentalmente para restabelecer o poder do presidente e, em seguida, foi
absorvido pelo problema sucessório... Repito, o governo Jango nunca
existiu. Ele não pode ser comparado com um governo normal: Nunca dispôs
de suficiente poder. Na verdade, durante quase todo o seu governo [Goulart]
foi uma espécie de candidato a alguma coisa e não propriamente um
presidente. (Celso Furtado, depoimento ao longa-metragem O Longo
Amanhecer, de José Mariani).
A crise política chegaria a um ponto irreversível a partir do comício pelas
reformas, realizado na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, no dia 13 de março de 1964.
Como observa Toledo (2004), “Depois desse comício, a batalha ideológica se ampliou;
no noticiário dos jornais, se intensificaram os boatos de que Goulart - com o apoio do
PCB, do CGT e das forças políticas nacionalistas - preparava um golpe de Estado”. Dois
episódios precipitariam os acontecimentos de 31 de março daquele ano.
O primeiro foi a anistia que o presidente concedeu aos cabos e marinheiros que
se haviam insubordinado no Rio de Janeiro, e que haviam sido punidos pelo comando
da Marinha, provocando, assim, a indignação de toda a corporação militar. O segundo
foi o discurso do presidente numa assembléia de marinheiros, no Automóvel Clube do
Brasil, na noite de 30 de março, transmitido pela televisão, em que Goulart denunciou
210
as forças reacionárias e golpistas e defendeu a necessidade de um "golpe das
reformas". 234
TP F
FP T
Poucas horas após o discurso, na madrugada do dia 31 de março , as forças do
HT
TH
general Olympio Mourão Filho, comandante da IV Região Militar, sediada em Minas
Gerais, partem de Juiz de Fora , rumo ao Rio de Janeiro , sem encontrar resistência. Este
HT
TH
HT
TH
dia marca a ruptura institucional no país após o período de vigência do regime
democrático entre 1945 e 1964. A agenda das reformas estruturais seria implementada,
a partir de então, no contexto de um Estado autoritário, tal como ocorrera na época da
ditadura do Estado Novo.
5.2 Os Atos Institucionais 235
TP F
FP T
A principal característica distintiva do período que se inicia em 1964 é,
evidentemente, a supressão de liberdades políticas e individuais decorrente da
instauração do regime autoritário. É neste contexto que se promove um amplo leque de
reformas institucionais – administrativa, bancária, financeira e tributária – que
remodelam o perfil do Estado e criam as condições para dois novos saltos no processo
de desenvolvimento da economia brasileira: os períodos do “milagre” econômico e do II
Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). A implementação dessas reformas
obedeceu a um viés eminentemente tecnocrático, e esteve amparada, ao longo do regime
militar, pela forma discricionária com que os marcos legais passam a ser criados
(inclusive a elaboração de uma nova Constituição) – através dos Atos Institucionais.
234
Sobre esse episódio, Toledo (2004) observa que “as palavras eloqüentes e os gestos dramáticos do
presidente da República muito se assemelhavam à carta-testamento de Vargas. Sem atirar contra o próprio
peito, Goulart parecia decidir pelo suicídio político.”
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235
A pesquisa para esta seção baseou-se nas seguintes fontes, todas disponíveis nos respectivos sítios
eletrônicos: CPDOC/FGV, Câmara dos Deputados, Senado Federal e Presidência da República.
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211
Com a derrubada do governo João Goulart, assumiu o poder em caráter
provisório e dentro da fórmula constitucional o presidente da Câmara dos Deputados,
Pascoal Ranieri Mazzilli. No entanto, os militares passaram a exercer o poder de fato,
constituindo uma junta governativa formada pelos ministros militares - o vice-almirante
Augusto Rademaker Grünewald, da Marinha, o tenente-brigadeiro Francisco de Assis
Correia de Melo, da Aeronáutica, e o general Artur da Costa e Silva, da Guerra.
No dia 9 de abril de 1964, a junta militar, representando o Comando Supremo da
Revolução, baixou o primeiro Ato Institucional, redigido por Francisco Campos.
Editado sem número, o documento passaria a ser designado como AI-1 somente após a
divulgação do segundo Ato, e sua redação não deixava dúvidas em relação ao que
estava por vir.
Composto de 11 artigos, o AI-1 era precedido de um preâmbulo onde se
afirmava que, "a Revolução, investida no exercício do Poder Constituinte" 236 não
TP F
FPT
procuraria legitimar-se através do Congresso, mas, ao contrário, o Congresso é que
receberia através daquele ato sua legitimação. Além de conceder ao Comando
Revolucionário as prerrogativas de cassar mandatos legislativos, suspender direitos
políticos pelo prazo de dez anos e deliberar sobre a demissão, a disponibilidade ou a
aposentadoria dos que tivessem "atentado contra a segurança do país, o regime
democrático e a probidade da administração pública", 237 o AI-1 determinava em seu
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236
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FP T
A fonte para os textos dos Atos Institucionais foi o CPDOC/FGV. Os grifos foram acrescentados.
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237
No dia 10 de abril, a junta militar divulgou a primeira lista dos atingidos pelo AI-1, composta de 102
nomes. Foram cassados os mandatos de 41 deputados federais e suspensos os direitos políticos de várias
personalidades de destaque na vida nacional, entre as quais João Goulart, o secretário-geral do proscrito
Partido Comunista Brasileiro (PCB) Luís Carlos Prestes, os governadores depostos Miguel Arraes, de
Pernambuco, o deputado federal e ex-governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola, o economista
Celso Furtado, o reitor deposto da Universidade de Brasília Darcy Ribeiro e o jornalista Samuel Wainer.
A extensa lista incluía ainda 29 líderes sindicais, além de cento e vinte e dois oficiais que foram expulsos
das Forças Armadas. Alguns dias depois, foi divulgada nova lista de cassações, incluindo 67 civis e 24
oficiais das Forças Armadas. Até o fim de 1964, punições diversas atingiram cerca de 3.500 pessoas entre as quais o ex-presidente Juscelino Kubitschek, que se exilou voluntariamente em Paris - enquanto
centenas de inquéritos policiais-militares (IPM) eram instaurados para apurar atividades subversivas.
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212
artigo 2º que num prazo de dois dias seriam realizadas eleições indiretas para a
presidência e vice-presidência da República. O mandato presidencial se estenderia até
31 de janeiro de 1966, data em que expiraria a vigência do próprio Ato.
Na data prevista, o Congresso Nacional ratificou a escolha feita pelo Comando
Supremo da Revolução, elegendo para a presidência da República o general Humberto
de Alencar Castelo Branco, até então chefe do Estado-Maior do Exército e um dos
principais articuladores da derrubada de Goulart. Para a vice-presidência foi eleito o
civil José Maria Alkmin, deputado federal do Partido Social Democrático (PSD) e
secretário de Finanças do governador de Minas Gerais, José de Magalhães Pinto, que
pertencia à União Democrática Nacional (UDN) e fora um dos chefes civis do
movimento. A 15 de abril, Castelo Branco foi investido no poder presidencial,
inaugurando uma série de governos militares no país. Poucos meses depois, sob a
justificativa de que as medidas de reestruturação política e econômica adotadas ou por
adotar não se poderiam concretizar no prazo de vigência do AI-1, o Congresso aprovou
por maioria absoluta a prorrogação do mandato de Castelo Branco até 15 de março de
1967, adiando as eleições presidenciais para 3 de outubro de 1966.
Em outubro de 1965, é editado o Ato Institucional nº. 2, cuja elaboração fora
coordenada pelo ministro da Justiça, Juraci Magalhães. Composto de 33 artigos, o AI-2
endurecia os termos do AI-1, estabelecendo a eleição indireta para a presidência da
República, a dissolução de todos os partidos políticos então existentes, o aumento do
número de ministros do STF de 11 para 16, a reabertura do processo de punições dos
adversários do regime e a impossibilidade de reeleição do presidente da República.
Ainda segundo o documento, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, o presidente
poderia decretar o estado de sítio por 180 dias sem consulta prévia ao Congresso,
ordenar a intervenção federal nos estados, decretar o recesso do Congresso e demitir
213
funcionários civis e militares, além de emitir atos complementares e baixar decretos-leis
sobre assuntos de segurança nacional. No âmbito do AI-2 seria ainda expedido, entre
outros, o Ato Complementar nº. 4, instituindo o bipartidarismo e levando à formação do
partido governista (Aliança Renovadora Nacional – Arena) e do oposicionista
(Movimento Democrático Brasileiro – MDB).
O Ato Institucional nº. 3, de fevereiro de 1966, estabelecia eleições indiretas
para governador e vice-governador e fixava o calendário eleitoral. Os governantes
estaduais seriam eleitos em 3 de setembro de 1966, através de votação nominal, pela
maioria dos membros das assembléias legislativas dos estados. Estabelecia também que
os prefeitos dos municípios das capitais passariam a ser nomeados pelos governadores
estaduais. Em 3 de outubro seriam realizadas as eleições para a presidência da
República e por último, em 15 de novembro, seriam eleitos deputados federais e
senadores. Estas últimas seriam as únicas eleições diretas. Através desses dispositivos,
Castelo Branco pretendia colocar nos postos-chaves estaduais e municipais homens que
garantissem a continuidade do sistema implantado em 1964, ao mesmo tempo em que
buscava garantir legitimidade, através da formação de uma sólida base política e
parlamentar que conferisse um “verniz” democrático ao regime.
Com efeito, o regime elegeria naquela ocasião 17 governadores estaduais. No
dia 3 de outubro, o Congresso elegeu para a presidência da República o marechal Artur
da Costa e Silva, ministro da Guerra do governo Castelo Branco e um dos signatários do
AI-1. Para a vice-presidência foi eleito Pedro Aleixo, deputado federal por Minas Gerais
da antiga UDN e na época filiado à Arena. Tanto nas eleições estaduais como na eleição
presidencial, o MDB se absteve de votar em sinal de protesto. Nas eleições
parlamentares, a Arena obteve um total de 277 cadeiras e o MDB, 132.
214
A partir de 1966, tem início a elaboração do projeto de uma nova Constituição,
que deveria incorporar os elementos permanentes dos atos institucionais e
complementares, bem como os diversos decretos e leis promulgados a partir de 1964.
Em dezembro daquele ano, é editado o AI-4, convocando o Congresso em sessão
extraordinária, de 12 de dezembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967, para discutir, votar
e promulgar a nova Carta sob regime de trabalho acelerado. Daquela data até a entrada
em vigor da Constituição, o Executivo poderia legislar por decretos em tudo o que se
referisse à segurança nacional, administração e finanças. No dia 15 de março, Costa e
Silva tomou posse na presidência da República e a nova Constituição entrou em vigor.
A Carta de 1967 formalizava assim as modificações por que passara a estrutura de poder
a partir de 1964, e consolidava a centralização política e administrativa do Poder
Executivo na esfera federal.
Em fins de 1967 e começo de 1968, começam a se formar focos de resistência ao
regime. No campo político, surge a Frente Ampla, que une Juscelino Kubitschek e
Carlos Lacerda, outrora ferrenhos adversários; no mundo do trabalho, ocorrem as greves
de Osasco e Contagem; nas camadas médias urbanas, formam-se grandes mobilizações
do movimento estudantil, com a adesão de setores diversos como a Igreja e sindicatos.
O regime reage, coibindo as atividades da Frente Ampla, intervindo nos processos de
escolha das direções sindicais e reprimindo as manifestações nas ruas. 238
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No final de 1968, após o episódio da tentativa de cassação do mandato do
deputado Márcio Moreira Alves, 239 o governo editaria o AI-5, que representa uma
TPF
FPT
238
Em agosto, a repressão intensifica-se de fato, com o fechamento da Universidade Federal de Minas
Gerais e a invasão da Universidade de Brasília pela Polícia Militar.
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239
No dia 2 de setembro, o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, pronunciou um veemente discurso
na Câmara, conclamando o povo a não participar dos festejos comemorativos da Independência no dia
sete. Em 12 de dezembro, a Câmara recusou, por uma diferença de 75 votos e contando com o concurso
da própria Arena, o pedido de licença encaminhado pelo governo para processar Márcio Moreira Alves.
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215
violenta radicalização do caráter autoritário do regime militar. Este Ato Institucional
dava poderes ao presidente da República, independente de qualquer apreciação judicial,
para decretar o recesso do Congresso Nacional e de outros órgãos legislativos, para
intervir nos estados e municípios sem as limitações previstas na Constituição, para
cassar mandatos eletivos e para suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer
cidadão, além de suspender a garantia de habeas corpus. O texto do AI-5 decretava
ainda, no AC-38, o recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado. 240
TP F
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O AI-5 deu origem, em etapas distintas, a mais 12 atos institucionais (todos
editados por Costa e Silva e pela junta militar que o sucedeu), 59 atos complementares e
oito emendas constitucionais, abrangendo todas as áreas da vida nacional. Tornando
plena a legislação de exceção, os governos militares puderam assim usar rotineiramente
o poder coercitivo como alternativa para superar os conflitos políticos.
O AI-6, editado em fevereiro de 1969, reduziu de 16 para 11 o número de
ministros do STF. Além dos três ministros que haviam sido cassados anteriormente por
força do AI-5, foram aposentados compulsoriamente Antônio Carlos Lafayette de
Andrada e Antônio Gonçalves de Oliveira, que protestaram contra a exclusão dos
primeiros. Os chamados "crimes contra a segurança nacional" passaram também a ser
julgados pela Justiça Militar, ficando reduzidas as atribuições do Supremo. No mesmo
mês seria editado o AI-7, que anulava o calendário eleitoral e suspendia todas as
eleições parciais para cargos executivos ou legislativos da União, dos estados, dos
territórios e dos municípios até novembro de 1970.
Longe de ser a causa direta, esse episódio acabaria por servir de pretexto para a edição do AI-5 e o
endurecimento do regime.
240
Após a edição do AI-5, foram determinadas inúmeras prisões de jornalistas e políticos, inclusive as de
Kubitschek e Lacerda. Seriam ainda cassados os mandatos de dezenas de deputados, entre os quais
Márcio Moreira Alves e Renato Archer, e três ministros do Supremo Tribunal Federal: Hermes Lima,
Evandro Lins e Silva e Vítor Nunes Leal. Ao longo de 1969, muitos outros mandatos seriam ainda
cassados, inclusive de membros da ARENA.
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216
Em abril daquele ano, seria editado o AI-8, que dava celeridade à reforma
administrativa iniciada pelo Decreto-Lei nº. 200. 241 Esse ato delegava aos executivos
TPF
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dos estados, do Distrito Federal e dos municípios de população superior a duzentos mil
habitantes competência para
implantar por decreto suas próprias reformas
administrativas.
O AI-9, editado nesse mesmo mês, revestia-se de particular importância, por
tratar do tema da reforma agrária. Estabelecia que o presidente da República poderia
delegar as atribuições para a desapropriação de imóveis rurais por interesse social,
sendo-lhe privativa a declaração de zonas prioritárias. Determinava ainda que as
indenizações por expropriações fossem pagas em tributos especiais da dívida pública,
reembolsáveis em 20 anos e sujeitos à correção monetária.
O AI-10, editado em maio de 1969, determinava que a suspensão dos direitos
políticos ou a cassação de mandatos eletivos federais, estaduais ou municipais, com
base no AI-1, AI-2, AI-5 e AI-6, implicaria a perda de todos os cargos ou funções na
administração direta ou indireta, bem como em instituições de ensino e pesquisa ou em
organizações consideradas de interesse nacional. Autorizava também o presidente da
República a estender essas sanções a pessoas punidas antes da edição do AI-5. 242
TP F
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O AI-11, editado em agosto, fixava um novo calendário eleitoral, marcando
todas as eleições para uma data única (15 de novembro de 1969), uniformizando assim
o fim dos mandatos de todos os prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. Naquela
conjuntura, havia setores do regime que se opunham à realização de eleições, em função
da atividade de movimentos de extrema-esquerda que haviam aderido à luta armada.
241
O Decreto-Lei nº. 200, de 25 de fevereiro de 1967, dispunha sobre a organização da Administração
Federal e estabelecia diretrizes para a Reforma Administrativa. A íntegra de seu texto está disponível em
www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del0200.htm.
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242
Data dessa época a aposentadoria compulsória de centenas de pesquisadores e professores
universitários, entre os quais Florestan Fernandes, Caio Prado Jr. e Fernando Henrique Cardoso.
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217
Ainda no mês de agosto, o presidente Costa e Silva viria a adoecer gravemente,
incapacitando-se para o exercício da presidência. O Alto-Comando das Forças Armadas
reúne-se então no Rio de Janeiro, resultando do encontro o AI-12, pelo qual uma junta
constituída pelos ministros militares, General Aurélio Lira Tavares, Brigadeiro Márcio
de Sousa Melo e Almirante Augusto Rademaker Grünewald, assumiria interinamente a
presidência da República. Após a divulgação do AI-12 em cadeia de televisão, foi lida
ainda uma proclamação da junta militar, segundo a qual a gravidade da situação interna
do país impedia a posse do vice-presidente Pedro Aleixo, sucessor natural de Costa e
Silva nos termos da Constituição de 1967.
Como reação às ações dos grupos armados de extrema-esquerda (exemplo
marcante, o seqüestro, em setembro, do embaixador norte-americano Charles Elbrick,
em troca da libertação de 15 prisioneiros políticos), a junta militar editaria o AI-13 e o
AI-14. O primeiro instituía o banimento do território nacional de indivíduos perigosos
para a segurança nacional, e o segundo estabelecia a aplicação da pena de morte ou de
prisão perpétua em casos de "guerra externa, psicológica adversa, revolucionária ou
subversiva". 243
TPF
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A edição do AI-15, ainda em setembro, viria fixar a data das eleições nos
municípios sob intervenção federal para 15 de novembro de 1970, adiando portanto em
um ano as eleições anteriormente marcadas. Poucos dias depois, a junta militar emitiria
nota oficial comunicando o afastamento definitivo de Costa e Silva e a constituição de
uma junta de três generais para encaminhar a questão sucessória. O general Emílio
Garrastazu Médici, comandante do III Exército, acabaria sendo indicado para suceder o
presidente enfermo. Para vice-presidente indicar-se-ia o almirante Rademaker. Na
esteira desses acontecimentos, era editado o AI-16, declarando vagos os cargos de
243
TP
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CPDOC/FGV, sítio eletrônico.
218
presidente e vice-presidente da República - destituindo portanto Pedro Aleixo -, e
marcando para o dia 25 de outubro a eleição presidencial pelo Congresso, em sessão
pública e por votação nominal. O Ato fixava ainda o término do mandato do novo
presidente em 15 de março de 1974, e prorrogava os mandatos das mesas da Câmara e
do Senado até 31 de março de 1970.
O último Ato Institucional (AI-17), editado no mesmo dia do AI-16 (14 de
outubro de 1969), autorizava a junta militar a transferir para a reserva os militares que
houvessem atentado ou viessem a atentar contra a coesão das Forças Armadas,
transparecendo, assim, a oposição que o nome de Médici havia levantado em certos
setores militares. A reabertura do Congresso Nacional seria determinada pelos Atos
Complementares 72 e 73 do AI-17. No dia 17 de outubro, a junta militar promulgaria a
Emenda Constitucional nº.1, incorporando dispositivos do AI-5 ao novo texto que se
tomou conhecido como a Constituição de 1969. Em 25 de outubro, Médici e Rademaker
foram eleitos pelo Congresso por 293 votos. Houve 76 abstenções, correspondentes à
bancada do MDB. O novo presidente tomou posse no dia 30 seguinte.
Constituiu esse, portanto, o macro-quadro legal-institucional sobre o qual se
erigiu o regime militar. Com base em 17 Atos Institucionais, regulamentados por 104
Atos Complementares – editados num período de cinco anos -, dotou-se o Estado de um
grau de centralização só comparável, na história republicana, ao do período do Estado
Novo. Fazer o registro dessas medidas de exceção é preciso, não só para que não se
perca de vista que tal experiência jamais deve se repetir, mas também para que sejam
apropriadamente qualificadas as reformas e políticas públicas que conduziram ao
sucesso econômico dos anos 1970 (que constituem objeto da seção seguinte).
Qualificações estas que, de maneira sintomática, e diga-se com todas as letras,
imperdoável, vêm sendo negligenciadas por uma bibliografia contemporânea que
219
propugna por reformas estruturais – tributária e previdenciária, em particular – no
debate econômico brasileiro atual, como pré-condição para uma retomada do
desenvolvimento acelerado, comparando assim um contexto discricionário e autoritário
com outro em que vigem garantias democráticas.
5.3 Reformas institucionais e política econômica
5.3.1 O período 1964-1967
A primeira fase do regime militar, sob o governo de Humberto Castelo Branco,
marca a volta ao poder de um grupo de técnicos de perfil eminentemente liberalconservador, representado nas figuras de Octavio Gouvêa de Bulhões e Roberto
Campos, que assumem respectivamente as pastas da Fazenda e do Planejamento.
Nessa fase, a política econômica teve como prioridade explícita e enfática o
combate à inflação. Em novembro de 1964 anunciava-se o Plano de Ação Econômica
do Governo (1964-1966), elaborado pela dupla Campos-Bulhões, o qual diagnosticava
que a crise econômica com que o país se defrontava, manifestada com força em 1963 e
início de 1964, tinha a sua raiz na inflação. Retomar uma trajetória de desenvolvimento
sustentado estaria na dependência de êxito na reversão firme do processo inflacionário;
somente assim o acúmulo de disfunções responsáveis pelo declínio da atividade
econômica seria eliminado, recriando-se as condições adequadas à maturação plena do
potencial de crescimento de uma economia de livre iniciativa.
Para além de um receituário ortodoxo que pregasse somente o rigor das políticas
fiscal e monetária, o PAEG destacava também a necessidade de reformas institucionais.
Na visão de André Lara Resende,
A convicção da necessidade de reformas institucionais acompanhou o
PAEG desde seu diagnóstico. Três áreas foram particularmente destacadas,
refletindo, acertadamente, a percepção do governo a respeito dos pontos de
estrangulamento institucionais da economia: primeiro, a desordem
220
tributária; segundo, as deficiências de um sistema financeiro
subdesenvolvido e a inexistência de um mercado de capitais; e, por último,
as ineficiências e as restrições ligadas ao comércio exterior (Resende, 1997,
p. 228).
A “desordem tributária” e os desequilíbrios financeiros do setor público foram
atacados em duas frentes. A primeira, conforme enfatizado por Simonsen e Campos
(1974), baseou-se num rigoroso controle dos gastos públicos, viabilizado por um
dispositivo do Ato Institucional nº. 1, posteriormente incorporado à Constituição de
1967, que vedou ao Poder Legislativo a prerrogativa de elevar o total de despesas na
votação do Orçamento da União.
A segunda frente consistiu na implementação de uma ampla reforma
tributária 244 . Os objetivos dessa reforma eram elevar a arrecadação do governo e
TP F
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racionalizar o sistema tributário, eliminando impostos em cascata e impostos de pouca
funcionalidade econômica. Entre as principais medidas, pode-se destacar a substituição
do Imposto sobre Vendas e Consignações (de competência estadual), que incidia sobre
o faturamento das empresas, pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM),
incidente sobre o valor adicionado em cada etapa de comercialização do produto.
Além disso, foram criados mecanismos de reajuste (de acordo com a inflação
passada) dos impostos pagos em atraso, o que contribuiu para a elevação da arrecadação
real do governo. Como resultado dessas medidas, ocorreu uma significativa elevação da
carga tributária da economia brasileira, que passou de 16% do PIB em 1963 para 21%
em 1967 (ver Capítulo IV).
Em função da redução dos gastos e da elevação da carga tributária, o déficit
fiscal do governo (incluindo governo federal, estados e municípios), que havia sido de
244
TP
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As características dessa reforma são analisadas em profundidade no Capítulo IV.
221
4,2% do PIB em 1963, reduziu-se para 3,2% em 1964, 1,6% em 1965, e 1,1% do PIB
em 1966 (Resende, 1997).
O segundo conjunto de “deficiências” foi atacado através da implementação, por
decreto, das duas leis básicas que estabeleceram os novos alicerces institucionais do
sistema financeiro nacional: a Lei n°. 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que definiu a
reforma bancária 245 , e a Lei n°.4.728, de 14 de julho de 1965, conhecida como a "lei do
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mercado de capitais". A primeira delas, importa dizer, criava duas novas instituições no
setor financeiro, ao estabelecer que o Sistema Financeiro Nacional seria constituído: (i)
do Conselho Monetário Nacional; (ii) do Banco Central do Brasil; (iii) do Banco do
Brasil; (iv) do BNDE; e (v) das demais instituições financeiras públicas e privadas. 246
TPF
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Outra inovação relevante, que traria profundos impactos na economia brasileira
até hoje, foi a criação do instrumento da correção monetária, que se aplicaria aos títulos
públicos, representados pelas Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional
(ORTN). 247 Em 1963, 85% do déficit público federal eram financiados por emissões
TP F
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monetárias; em 1965, os títulos públicos já passariam a financiar 55% dos déficits e, em
245
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Para um exame detalhado da reforma bancária, ver Werneck Vianna, M. L. (1987), cap. 3.
246
Com a criação do Banco Central e a transferência para suas contas do passivo das reservas
compulsórias dos bancos comerciais, o Banco do Brasil perdeu uma importante fonte de recursos. Para
compensar esta perda, recebeu um "empréstimo" de igual valor e maturidade indefinida, a uma taxa de
juros simbólica, de 1% ao ano. Devido à sua vasta rede de agências, o Banco do Brasil foi designado
como órgão executor das determinações do Banco Central. Uma conta especial, a "conta-movimento", foi
criada para o registro das transações entre as duas instituições. A conta deveria teoricamente ser "zerada"
semanalmente com o pagamento de 1% de juros sobre o saldo. Isto, na verdade, nunca ocorreu. A contamovimento ajustou-se sempre passivamente à transferência de recursos para o Banco do Brasil, tal como
requerida para que este cumprisse as metas de empréstimos estabelecidas pelo governo através do
Conselho Monetário. Em 31 de dezembro de 1981, o valor da conta-movimento era igual ao da base
monetária, cerca de 50% do total dos meios de pagamento. Figurando no ativo do Banco Central e no
passivo do Banco do Brasil, a conta-movimento desaparecia quando se apresentava o balancete
consolidado das autoridades monetárias, que incluíam Banco Central e Banco do Brasil. A contamovimento seria extinta em 1986, quando da criação da Secretaria do Tesouro Nacional.
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247
Furtado (1973, p.43) observa que o instrumento da correção monetária sob a forma de indexação de
títulos desenvolvera-se no começo dos nos 50, em países como França, México e Finlândia. Para uma
análise detalhada dos mecanismos de indexação introduzidos no Brasil, ver Barbosa (1992).
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222
1966, o déficit governamental seria totalmente financiado por empréstimos junto ao
público (Resende, 1997).
Além disso, entrava em vigor o Sistema Financeiro da Habitação (SFH),
formado pelo recém-criado Banco Nacional da Habitação (BNH), pela Caixa
Econômica Federal (CEF), pelas caixas econômicas estaduais, sociedades de crédito
imobiliário e associações de poupança e empréstimo (APE). Também foi criado um
novo mecanismo de poupança compulsória, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
(FGTS), que se tornou uma fonte importante de recursos para o SFH.
Adicionalmente, foram oferecidos diversos incentivos para a criação de
sociedades de crédito e financiamento, voltadas para o crédito direto ao consumidor.
Um objetivo importante da reforma financeira foi estabelecer um segmento privado de
longo prazo no Brasil, através da criação dos bancos de investimento e estímulos ao
mercado de capitais e, em particular, ao mercado de ações. 248
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Para Simonsen e Campos (1974), as reformas financeiras promulgadas durante o
Governo Castelo Branco teriam seu amplo alcance comprovado a partir de 1968. Em
particular, os autores consideram que o crescimento acelerado da construção civil não
teria sido possível sem a criação do SFH e o suporte do FGTS. O mesmo se aplicaria ao
desempenho da indústria automobilística e de bens de consumo duráveis, para o qual foi
de grande importância a expansão do crédito ao consumidor. 249
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Em relação ao terceiro conjunto de “ineficiências”, o governo Castelo Branco
implementou diversas medidas no sentido de promover um maior grau de abertura da
248
Um aspecto pouco mencionado na literatura foi a tentativa, estimulada pelo governo, de se criar
conglomerados financeiros. Para uma análise desta questão, ver Macarini (2007).
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249
Holanda (1992), por sua vez, analisando a experiência brasileira na indexação de ativos financeiros,
mostra que ela fracassou no longo prazo, pois não conseguiu criar um instrumento não-inflacionário para
o financiamento do déficit público, e também não foi capaz de construir um sistema financeiro sólido para
o financiamento do setor habitacional no país.
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223
economia brasileira ao comércio e ao movimento de capitais com o exterior. O sistema
cambial foi simplificado e unificado, foram modernizadas as agências do setor público
ligadas ao comércio exterior e ampliada a integração com o sistema financeiro
internacional.
Além disso, a dívida externa foi renegociada e o Congresso aprovou a Lei nº.
4.390, de julho de 1964, que flexibilizou a Lei de Remessa de Lucros de 1962, a qual
limitava em 10% o total de lucros a serem remetidos ao exterior. A partir de 1964,
também foram introduzidos na legislação diversos mecanismos de incentivos às
exportações, entre os quais os seguintes:
a) isenção do Imposto sobre Exportações de produtos industrializados (Lei
4.502, de novembro de 1964);
b) isenção do Imposto de Renda sobre os lucros das exportações (Lei 4.663, de
junho de 1965);
c) devolução dos Impostos de Importação incidentes sobre matérias-primas e
componentes importados para utilização em produtos exportados (Decreto-lei 37, de
novembro de 1966);
d) isenção do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias sobre as exportações
de produtos manufaturados (Constituição de 1967).
De todo modo, como suportado por ampla literatura (por exemplo, Furtado,
1973; Bacha, 1976; Lessa, 1998; Macarini, 2006) 250 ,os primeiros anos do regime
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militar caracterizam-se, no que diz respeito à política econômica, por uma intervenção
eminentemente ortodoxa, baseada num diagnóstico de inflação de demanda, cuja causa
principal residia no desequilíbrio das contas públicas. Outros dois fatores eram também
250
Uma exceção é o já citado Resende (1997), para quem “o PAEG era um programa com diagnóstico e
estratégia de combate à inflação bastante heterodoxos” (p. 216).
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224
identificados: a expansão desordenada do crédito e dos meios de pagamento, e a
“inconsistência da política distributiva”, que se manifestara, até então, em aumentos de
salários superiores aos incrementos de produtividade. Este diagnóstico era explicitado
pelo documento oficial do PAEG, preparado pelo Ministério do Planejamento e
Coordenação Econômica (MPCE), segundo o qual haveria
três causas tradicionais da inflação brasileira: os déficits públicos, a
expansão do crédito às empresas e as majorações institucionais [referência
provável ao salário mínimo] de salários em proporção superior à do
aumento de produtividade. Estas causas conduzem inevitavelmente à
expansão dos meios de pagamento, gerando, destarte, o veículo monetário
de propagação da inflação (MPCE, 1964, p. 28, apud Resende, 1997, p.
215).
Como já visto, o controle da primeira “causa tradicional” foi bem-sucedido.
Com relação à segunda, não se pode dizer o mesmo. Como Resende (1997) observa, as
taxas de expansão monetária em 1964 e 1965 mantiveram-se acima da taxa de
crescimento dos preços, atingindo, nesses anos, níveis superiores a 80%, enquanto a
previsão definida pelo PAEG fora de 30% (para 1965). Para este autor, a principal razão
de um “estouro” de tal ordem entre a meta e o realizado teria sido o resultado
superavitário do balanço de pagamentos naquele ano (US$ 331 milhões), reflexo da
combinação do retorno de empréstimos externos, queda das importações e recuperação
das exportações, que logrou dobrar as reservas internacionais.
Assim, a política monetária não teria sido “suficientemente ágil para esterilizar
este influxo de moeda gerado pelo superávit externo” (Resende, 1997, p. 219). A
política monetária tornar-se-ia efetivamente apertada somente a partir de meados de
1966; naquele ano, a expansão dos meios de pagamento foi pouco superior a 35%,
muito embora tal nível de restrição não tivesse se aplicado ao crédito ao setor privado.
Outros autores, como por exemplo Lessa (1998), observam que isso refletia uma opção
de política por parte dos gestores econômicos, que buscavam angariar apoios junto ao
225
setor produtivo e manter níveis mínimos de crescimento econômico para conferir
legitimidade ao regime militar (cf. Furtado, 1973). 251
TP F
FP T
O terceiro fator causal do processo inflacionário brasileiro, segundo o PAEG,
recorde-se, dizia respeito à “inconsistência da política distributiva”, isto é, à questão
salarial. A política salarial preconizada pelo PAEG visava essencialmente “impedir que
reajustamentos salariais desordenados [realimentassem] irreversivelmente o processo
inflacionário” (MPCE, 1964, p. 83, apud Resende, 1997, p. 216). Tal objetivo foi
viabilizado em 1965, por uma circular (Circular nº. 10) do Gabinete Civil da
presidência, que determinava a forma do reajuste salarial para o funcionalismo da
Administração Pública Federal, e recomendava fosse extensiva aos governos estaduais e
municipais; em 1966, as normas estabelecidas por essa circular foram estendidas para o
setor privado, e somente em junho de 1968, por força dos movimentos grevistas então
surgidos (conforme assinalado no item anterior deste capítulo), viriam a ser
modificadas.
A nova regra estabelecia basicamente que os reajustes seriam feitos anualmente,
com base no salário real médio dos 24 meses anteriores ao mês do reajustamento. Sobre
este, incidiria um fator de produtividade seria acrescida a metade da inflação prevista
pelo governo para o ano seguinte. Naquela conjuntura, com as atividades sindicais
severamente reprimidas, o poder de barganha dos trabalhadores era, por suposto,
praticamente nulo. Como as duas componentes de reajuste (fator de produtividade e
inflação futura) eram determinadas arbitrariamente pelo governo (e a previsão oficial de
251
As taxas de crescimento do PIB foram as seguintes de 1964 a 1967: 3,4%; 2,4%; 6,7% e 4,2%,
resultando numa média para o período de 4,2% (fonte: ipeadata).
TP
PT
226
inflação era, naturalmente, sempre inferior à efetivamente ocorrida), a conseqüência
inevitável seria, como foi, uma violenta redução dos níveis de salário real. 252
TP F
FP T
Como era de se esperar, a interpretação sobre este ponto – isto é, a contribuição
da política salarial para o programa antiinflacionário – apresenta uma acentuada
variação, dependendo do autor escolhido.
Mário Henrique Simonsen, por exemplo (Simonsen, 1972, pp. 37-38), 253 para
TP F
FP T
quem o governo Castelo Branco, “após a Revolução [sic] de março de 1964 (...), iniciou
uma etapa heróica de restauração econômica do país”, argumenta que o período 196467 houvera sido “uma fase de sacrifícios”, razão pela qual a economia não crescera “a
taxas brilhantes”. Ao destacar algumas medidas, dentre “inúmeras (...) que foram
tomadas entre 1964 e 1967 e que iriam constituir os alicerces para uma nova fase de
desenvolvimento acelerado”, o autor não faz, rigorosamente, menção alguma à política
salarial no período implementada. O leitor atento poderia identificar uma referência à
questão, ainda que de maneira vaga e tergiversa, na última medida elencada, “a
divulgação das idéias de custo e produtividade”. 254 ,
TP F
FP TP
255
P
TPF
FPT
252
Já no primeiro ano de vigência da fórmula, houve redução real de 18% do valor do salário mínimo.
Utilizando-se os dados do ipeadata, e tomando o índice do salário mínimo com base em 1964 (isto é,
1964 = 100), ter-se-ia, em 1965, um índice igual a 82; em 1966, de 71; e em 1967, o índice seria igual a
66, evidenciando, portanto, uma queda real de quase 35% no período. Além da fórmula salarial do PAEG,
concorreu também para esse resultado a política de “inflação corretiva” de preços e tarifas públicas.
TP
PT
253
TP
PT
Simonsen e Campos (1974) retomam esses argumentos, em termos praticamente idênticos.
254
O que revela, para dizer o mínimo, uma notável incoerência na análise deste autor. Como a primeira
medida por ele destacada refere-se à “redução do ritmo inflacionário”, e dado que a compressão salarial,
por óbvio, contribuiu em grande medida para esse resultado, então a política salarial ter-se-ia constituído
também, por simples lógica, num “alicerce” para a posterior retomada do desenvolvimento.
TP
PT
255
A visão de Simonsen sobre a questão salarial (a fórmula do PAEG é de sua autoria, segundo André
Lara Resende) pode ser clarificada a partir do seguinte comentário: “Há considerável vantagem de se criar
uma regra de arbitramento para as negociações salariais coletivas. O grande problema destas negociações
no mundo moderno, inclusive no que diz respeito à fixação de salários no nível de decisão
governamental, é que elas são agressivamente afetadas pelo poder político dos sindicatos (...), por
critérios eleitorais e por outros tantos bem afastados de qualquer teorema de eficiência econômica. Uma
fórmula desse tipo [do PAEG] tem a vantagem de substituir um infindável jogo de greves e pressões por
um simples cálculo aritmético” (Simonsen, s/ referência, citado em Resende, 1997, p. 231).
TP
PT
227
Autores como Edmar Bacha e Celso Furtado divergem frontalmente de uma tal
interpretação. O primeiro, em Os Mitos de uma Década, ao analisar a “significativa
redução das pressões inflacionárias a partir de 1964”, apresenta as evidências por ele
encontradas para afirmar categoricamente que:
Um arrocho salarial monumental foi o responsável por esse sucesso. (...) A
conclusão é clara: na medida em que os salários urbanos foram impedidos
de acompanhar os preços depois de 1964, a taxa de inflação decresceu
fortemente (Bacha, 1976, pp. 23 e 25).
O autor tece também uma crítica direta à visão de M. H. Simonsen
(especialmente à apresentada na nota 240), ao contestar o que seria o “Mito nº. 3”, por
ele assim enunciado: “No Brasil, a política salarial trouxe soluções técnicas para os
problemas que em outros países são resolvidos através de conflitos sociais paralisantes
da economia”, argumentando que
no Brasil, como nas demais sociedades modernas, é na barganha entre os
grupos sociais, arbitrada pelo Estado, que se resolvem as questões salariais.
Negar aceitação a esse processo implica transformar a ‘questão social’ numa
‘questão de polícia’ (...) (Bacha, 1976, pp. 14-15).
Celso Furtado, em Análise do ‘Modelo’ Brasileiro, aborda essa questão em
termos semelhantes. Este autor também enfatiza o caráter de arrocho da política salarial
implementada pelos gestores econômicos dos primeiros anos do regime militar. Nessa
primeira fase, a redução salarial real (em particular nos estratos inferiores) teria atuado
como um fator de redução de custos, cumprindo assim um duplo papel de ajuda
financeira às empresas, e de elemento deflacionista.
O período de forte redução do salário real, que se estende até 1966, é
também o de depressão da atividade industrial. Mas não resta dúvida que a
baixa dos salários trouxe uma redução de custos de produção para certas
empresas. Ao encerrar-se a fase dos subsídios diretos para aquisição de
equipamentos, muitas empresas encontraram-se com sérios desequilíbrios
financeiros, dando-se conta tardiamente dos elevados custos de reposição do
capital. É de se admitir que a forte rebaixa da taxa de salário real haja
facilitado o saneamento financeiro de muitas dessas empresas,
particularmente no setor de consumo popular (...) (Furtado, 1973, p. 52).
228
Lessa (1998), embora não analise em profundidade, também se refere ao papel
da compressão salarial da base da população no programa de estabilização do primeiro
triênio do regime militar. Na verdade, não só a ampla maioria da literatura, mas também
os próprios fatos demonstram a relevância desse fator – que só poderia ser
potencializado, como o foi, num contexto sócio-político de exceção, marcado pela
ausência das garantias democráticas e das liberdades civis e individuais, e que, no dizer
de Lessa (1998, p. 65), permitiu “a retirada da cena política de numerosos atores
sociais” e dispôs ao regime “um raio de manobra invulgarmente amplo para sua
implementação da proposta de estabilização”. 256
TP F
FP T
De todo modo, do ponto de vista estrito do combate à inflação, o que se pode
dizer é que o programa implementado nos primeiros anos do regime militar, por
Campos e Bulhões, foi parcialmente exitoso. O processo inflacionário, que vinha numa
trajetória fortemente ascendente até 1964 (quando atingiu o pico de 92%, pelo IGP-DI),
foi revertido; não se logrou, contudo, reduzir a inflação para um patamar inferior a 25%,
piso este que só seria atingido em 1967, 257 quando já havia ocorrido a mudança de
TPF
FP T
governo, e do comando dos ministérios econômicos. A inflação só seria reduzida mais
significativamente no período de forte expansão da atividade econômica que se inicia
em 1968, o qual é objeto do próximo item.
5.3.2 O período 1968-1973
Já a partir de 1967, tem início uma inflexão na política econômica, inclusive pela
ascensão de Antônio Delfim Netto ao cargo de Ministro da Fazenda. Delfim havia sido
um crítico da estratégia do PAEG de estabilização, que teria se baseado num
256
Cabe lembrar a provocativa afirmação deste autor, segundo a qual “Roberto Campos, em defesa de
sua gestão, poderá invocar qualquer argumento, menos o da presença de restrições” (Lessa, 1998, p. 65).
TP
PT
257
TP
PT
Em 1965 a inflação foi de 34%, e em 1966 de 39%. Ver os dados anuais de inflação no anexo.
229
diagnóstico de inflação essencialmente de demanda, desconsiderando os “componentes
de custo que haveriam crescido como resultado, inclusive, da política de estabilização”
(Lessa, 1998, p. 66). Para Delfim Netto, a inflação brasileira deveria ser entendida como
um fenômeno complexo, de múltiplas causas e, aspecto essencial, de natureza
cambiante conforme o desenrolar da conjuntura. Em documento preparado no início de
1967, antes mesmo de assumir o ministério, Delfim afirmava:
Uma análise mais cuidadosa mostra que a inflação brasileira recente não
pode ser explicada em termos de esquemas puros de inflações de demanda
ou de custos, mas que estas duas formas de tensões se alternam no tempo,
sendo possível localizarem-se fases em que predominaram os estímulos da
demanda ou o crescimento dos custos. Na verdade, a inflação de custos
estava latente na economia, porém oculta pelo crescimento da demanda, e
somente emergiu quando foi feito o controle da demanda (Delfim Netto,
1967, apud Macarini, 2006). 258
TPF
FPT
Além disso, como observa Carlos Lessa, Delfim assume a Fazenda num quadro
de reduzido crescimento do produto, com indicadores de nível de atividade e emprego
na indústria de transformações em queda no final de 1966 e início de 1967, e uma
inflação na casa dos 40%. Nesse sentido, afirma Lessa,
O Regime era devedor ao estamento militar de uma explicação. Afinal, lhe
havia dito que a permissividade quanto à inflação era o mal, e agora era
evidente o fracasso da receita de austeridade. (...) Diante de tão
melancólicos resultados [baixo crescimento e inflação ainda elevada]
repunha-se a pergunta: É viável a superação do atraso mantidas as atuais
regras do jogo? (Lessa, 1998, p. 65).
O próprio Delfim, no documento já citado, indagava:
Primeiramente, por que estamos ainda diante de um processo inflacionário
bastante intenso, apesar do Governo ter colocado em prática uma política
econômica caracterizada por um rígido controle de demanda? Em segundo
lugar, quais as causas das reduções periódicas do nível de atividade que têm
caracterizado a nossa economia nos últimos anos? Finalmente, de que forma
será possível compatibilizar o objetivo de manutenção de taxas de inflação
dentro de limites razoáveis com o de plena utilização dos fatores e retomada
do desenvolvimento? (Delfim Netto, 1967, apud Macarini, 2006).
258
"Análise do comportamento recente da economia brasileira". Documento preparado no início de 1967,
e publicado originalmente como Diretrizes de governo, MPCE, julho de 1967.
TP
PT
230
Após um ano à frente da condução da economia, Delfim explicitaria uma postura
crítica ainda mais contundente em relação ao PAEG ao afirmar:
Em março de 1967, as condições existentes para permitir a obtenção de
resultados mais favoráveis nos campos da inflação e do desenvolvimento
não eram mais favoráveis que no passado. A economia encontrava-se
deprimida e os níveis de demanda bastante reduzidos. Primeiramente porque
os investimentos privados haviam declinado em razão da própria estagnação
da economia. Os salários reais, por outro lado, declinaram em razão da
aplicação inadequada do resíduo inflacionário às fórmulas de correção
salarial e o nível de emprego apresentava-se mais reduzido que nos anos
anteriores, diminuindo ainda mais o volume da folha real de salários.
Finalmente, a demanda no interior apresentava-se bastante deprimida em
função das quedas no volume de produção ocorridas ao longo do ano
(Delfim Netto, 1968 259 , apud Macarini, 2006).
TP F
FPT
Como resposta a esse contexto, é elaborado o Plano Estratégico de
Desenvolvimento 1968/70 (PED), que repõe, no discurso oficial, o desenvolvimento
como prioridade central, subordinando a consecução gradual da estabilidade ao êxito em
elevar a taxa de crescimento da renda e do emprego. Diversos autores (Simonsen, 1972;
Lessa, 1998; Macarini, 2005 e 2006) identificam traços estruturalistas no diagnóstico do
PED. É conferido destaque para o fortalecimento e expansão do mercado interno como
ferramenta importante para viabilizar o desenvolvimento; define-se a necessidade de
uma política de distribuição de renda, inclusive via reforma agrária, como parte
integrante da estratégia; e vislumbra-se a criação de um "mercado de massa" como
condição do desenvolvimento acelerado e auto-sustentado. 260
TP F
FP T
O PED, todavia, consistiu mais num elemento de retórica do que num efetivo
esforço de planejamento estratégico. Na prática, a vertiginosa expansão da atividade
econômica que tem início em 1968 (quando o PIB cresce à taxa de 9,8%, ante 4,2% no
ano anterior), guarda relação estreita com as políticas fiscal e monetária expansionistas
a partir de então praticadas.
259
"Política econômica e financeira do governo". Documento preparado para uma exposição na Câmara
dos Deputados em março de 1968.
TP
PT
260
TP
PT
Para uma análise detalhada do diagnóstico do PED, ver Lessa (1998, pp. 66-69) e Macarini (2005).
231
No caso da política fiscal, a mudança mais sensível ocorreu em 1967, quando o
déficit orçamentário cresceu expressivamente, alcançando 1,7% do PIB (em 1966, ele
representara 1,1% do PIB), o que foi justificado como uma desejável ação
compensatória da política fiscal numa conjuntura em que o setor privado encontrava-se
deprimido. 261 Como medidas adicionais de estímulo à reativação da demanda de
TF
FT
consumo, foi elevado o teto de isenção sobre o imposto de renda das pessoas físicas,
resultando em um ganho aproximado de 5% para os salários reais das faixas salariais
favorecidas, e estabeleceu-se o alongamento transitório dos prazos para o recolhimento
do IPI. Dessa forma disponibilizava-se ao setor industrial uma apreciável soma de
recursos para capital de giro a um custo praticamente nulo, o que atendeu ao objetivo ao
objetivo de dotar o sistema empresarial de flexibilidade, capacitando-o a responder de
imediato à reativação da demanda.
Fica claro, portanto, que a política fiscal foi manejada em 1967 tendo por
objetivo prioritário induzir a reativação da economia. No âmbito da política monetária, a
mudança é ainda mais marcada, observando-se uma vigorosa e continuada expansão
real da oferta de moeda e crédito. O crescimento do crédito bancário ao setor privado,
com o Banco do Brasil à frente, se deu também em ritmo forte, beirando os 30% ao ano
em termos reais (Macarini, 2006). Tenha-se em conta ainda, no caso do Banco do
Brasil, o seu papel de suporte à agricultura – o que, aliado a condições climáticas
favoráveis (em 1967), propiciou uma expansão do setor reduzindo as pressões de custo
aí originadas (que haviam sido particularmente intensas no último ano do PAEG).
261
Nas palavras de Delfim Netto: "o Governo realizou uma espécie de política compensatória de
demanda, aumentando a demanda do setor público no momento em que a economia se encontrava
deprimida, e reduzindo-a no momento em que a economia se recuperava e crescia a demanda derivada da
ampliação dos dispêndios do setor privado. É claro que essa estratégia tem de ser aplicada com certo
cuidado. Se o Governo não obtiver sucesso em contrair seus dispêndios no momento em que se ampliam
as tensões derivadas do aumento da produção, a expansão de meios de pagamento pode ser bastante
elevada, podendo acarretar uma aceleração das taxas de inflação" (Delfim Netto, 1967, apud Macarini,
2006).
TP
PT
232
Assim, a política monetária foi instrumental para a recuperação que teve início em abril
de 1967, engendrando uma demanda crescente de liquidez e crédito para capital de giro.
A retomada do crescimento a taxas expressivas a partir de 1968 concedeu ao
governo uma maior margem de manobra para estabelecer objetivos mais ambiciosos de
controle do processo inflacionário da (na expressão do ministro do Planejamento, Hélio
Beltrão, “assestar um golpe mortal na inflação”), posto como condição para a
sustentabilidade da retomada. Isso foi obtido graças à centralização tributária e
administrativa consagrada na Constituição de 1967, reforçada por sucessivos decretos
ao longo de 1968, e que chegaria ao ápice com o Ato Complementar nº.40 (do AI-5),
que determinava a redução à metade do Fundo de Participação dos Estados e
Municípios. 262 O Governo federal passava a ter, nesse sentido, um controle quase
TP F
FP T
absoluto das finanças públicas, e o exerceria com vistas a manter os níveis
inflacionários sob controle.
A ascensão do General Emílio Garrastazu Médici à presidência, em 1969, marca
uma nova virada na política econômica. A idéia da “Nação-Potência” é definida como a
prioridade a ser perseguida, e o objetivo declarado pelo presidente em seu discurso de
posse seria o de dobrar a renda per capita na década vindoura. Delfim Netto, mantido
na Fazenda (João Paulo dos Reis Velloso assumia a pasta do Planejamento), anunciava
que a estratégia de aceleração do desenvolvimento seria assegurada por um novo
modelo, baseado no apoio simultâneo à agricultura e à exportação. Tal estratégia seria
consubstanciada em dois documentos produzidos pelo Planejamento: Metas e Bases
para a Ação do Governo (1970) e o I Plano Nacional de Desenvolvimento (1971).
Contudo, como observa Macarini (2006), ambos cumpririam, à semelhança do
PED, papel essencialmente retórico, não se constituindo no guia da política econômica
262
TP
PT
Sobre o Fundo de Participação dos Estados e Municípios, ver o Capítulo IV.
233
do governo Médici. O cerne da política desenvolvimentista estaria não no planejamento,
mas na execução dos instrumentos fiscais (tratamentos tributários diferenciados,
subsídios), creditícios e cambiais.
Foge ao escopo desta tese o exame detalhado da política econômica do período
Médici, e de que forma a sua execução conduziu às taxas de crescimento que fizeram
com que este fosse denominado o período do “milagre brasileiro.” 263 Importa mais, na
TP F
FP T
presente análise, considerar as diferentes avaliações sobre suas causas, de modo a se
inferir se há relação com as reformas institucionais que o precederam.
Particularmente interessante, neste sentido, é a análise de Mário Henrique
Simonsen. Para este autor, de início, a própria expressão “milagre” seria imprópria, uma
vez que se refere ao “efeito sem causa”, enquanto que o crescimento no período 68-73
poderia “ser tudo, menos o fruto da geração espontânea” (Simonsen, 1972, p. 39).
Assim, o autor destaca como primeira causa do “milagre” o “esforço de
restauração empreendido entre 1964 e 1967”; o “crescimento explosivo” desde 1968
seria “a colheita dos sacrifícios plantados durante o governo Castelo Branco”. Estes
teriam sido condição necessária, porém não suficiente; haveria também que saber colher
(o que, afinal, “é também uma arte”), e as causas seguintes referir-se-iam à “brilhante
técnica de colheita” levada a termo.
Seriam as seguintes: liberalidade nas expansões de crédito ao setor privado, que,
apesar de exigirem um “acompanhamento minucioso do sistema monetário e um certo
grau de controle de preços” 264 para evitar pressões inflacionárias, garantia folga de
TPF
263
TP
PT
FPT
Tarefa que, aliás, foi realizada por Macarini (2006).
264
O que era feito pelo Conselho Interministerial de Preços (CIP), um exemplo clássico de paradoxo
entre economistas que propugnavam a eficiência do mercado e da racionalidade econômica privada,
fazendo-as valer com base na intervenção pesada do Estado. Para um exame do CIP, ver Werneck Vianna
(1987).
TP
PT
234
recursos para as empresas, “extremamente propícia ao aumento da produção”; a
crescente importância das instituições financeiras não-bancárias criadas por decretos de
Castelo Branco, em particular o SFH e o FGTS; forte estímulo às exportações, via
isenção de impostos indiretos e minidesvalorizações cambiais; substancial absorção de
capitais externos; forte apoio à agricultura, através de crédito, preços mínimos e
incentivos à mecanização; por último, “um bom ambiente de cooperação entre o
governo e o setor privado” (Simonsen, 1972, pp. 39-40).
Convém aqui mencionar um estudo bastante recente (Veloso et al., 2007), que
tem por objetivo estimar, econometricamente, quais seriam os “possíveis determinantes
do ‘milagre’ brasileiro”, em particular as “reformas fiscais/tributárias e financeira” (p.
7) efetuadas entre 1964 e 1967. Uma das justificativas apresentadas pelos autores para
tal investigação é o fato de Simonsen e Campos (1974) atribuírem “parte do ‘milagre’
[sic] às políticas implementadas no Governo Castello [sic] Branco” (p. 8).
À parte o fato de que, sintomaticamente, tal como Simonsen e Campos, os
autores não façam sequer menção à política salarial do PAEG como instrumento de
controle da inflação (ao qual se referem repetidas vezes no texto, com adjetivos como
‘notável’ e ‘extraordinário’), os resultados por eles obtidos em suas simulações
“mostram que tanto o ambiente externo como as variáveis de política econômica
explicam uma parcela relativamente pequena da aceleração do crescimento brasileiro
observada entre 1968-1973”. O que “sugere a possibilidade de que, pelo menos em
parte, a aceleração de crescimento associada ao ‘milagre’ tenha decorrido do efeito
defasado das reformas do Paeg (1964-1966)”. Segundo os autores, isto convalidaria “a
hipótese de que no período entre 1964 e 1967 ‘se plantou muito para colher pouco’, em
razão da necessidade de se corrigir os desequilíbrios macroeconômicos e os entraves
institucionais herdados do governo anterior”. Sem deixar margem a dúvida, afirmam
235
então que “os resultados indicam que o episódio de aceleração do crescimento associado
ao ‘milagre’ decorreu em grande medida do efeito defasado das reformas associadas ao
Paeg” (Veloso et al., 2007, p. 33).
Aparece então, de maneira sub-reptícia e não declarada, o verdadeiro objetivo do
estudo: justificar a implementação de reformas ‘estruturais’ no Brasil de hoje – no caso,
tributária e previdenciária – como condição para uma aceleração do desenvolvimento no
futuro, como se depreende da citação abaixo:
[Uma] implicação importante [do estudo] é a evidência de que o efeito das
reformas no crescimento econômico pode estar associado a defasagens
significativas, especialmente quando as reformas são implementadas em
situações de crise econômica, como freqüentemente ocorre. Isso coloca um
dilema sob o ponto de vista de economia política, na medida em que os
efeitos positivos das reformas não são inteiramente capturados pelos
responsáveis pela sua adoção, o que reduz o incentivo para que elas sejam
implementadas (idem, ibidem, p. 33).
Os autores, aparentemente, não se dão conta da impropriedade de se comparar a
implementação de reformas em contextos autoritários e em regimes democráticos. É de
se esperar que o “maior incentivo” a que se referem não implique mais duas décadas de
supressão do estado de direito no Brasil.
Muito mais interessante, por seu conteúdo e pelas questões que propõe, é a
avaliação do “milagre” efetuada por Bacha (1976). Conforme visto anteriormente, este
autor já havia ressaltado as características autoritárias do regime e sua relação com as
políticas antiinflacionárias então efetivadas. Em outro contexto, ao analisar as séries
históricas de PNB potencial e PNB efetivos, e calcular os hiatos resultantes ano a ano, o
autor é taxativo em sua conclusão:
[A] experiência recente de crescimento sob regime militar é melhor descrita
como uma vigorosa recuperação econômica do que como um milagre
econômico: sua longa duração e as altas taxas de crescimento atingidas são
explicadas pelo enorme hiato existente, em 1967, entre o PNB potencial e o
efetivo, como resultado do extenso período de crescimento abaixo do
potencial desde 1962 até 1967 (Bacha, 1976, p. 18).
236
A recuperação econômica após 1967, por sua vez, teria sido garantida “pelo
emprego de políticas fiscais e monetárias expansionistas convencionais”. Além disso,
no que respeita a políticas setoriais,
o impulso para a expansão [teria provindo] dos bens de luxo e das despesas
governamentais, para ativar posteriormente o investimento privado,
deixando a indústria de bens-salário na dependência do comportamento dos
mercados externos, já que o mercado doméstico não se [tinha recuperado]
de modo significativo (Bacha, 1976, p. 23).
O autor também observa o papel que os incentivos creditícios e fiscais, bem
como a introdução do sistema de minidesvalorizações cambiais, cumpriram no sentido
de promover as exportações. Ressalta, contudo, ao analisar a expansão das importações
e o fluxo crescente de empréstimos internacionais, os custos dessa evolução,
que se puderam medir em termos de aumento da dívida externa,
retardamento na expansão da indústria doméstica produtora de bens de
capital e produtos intermediários, e aumento no grau de desnacionalização
da indústria (Bacha, 1976, p. 28).
Efeitos nocivos do “milagre” também estariam associados, na visão de Edmar
Bacha, no amplo recurso ao capital estrangeiro, via investimento externo direto. Os
problemas estariam relacionados, principalmente, a fatores como dinamismo
tecnológico e domínio de mercados.
Por controlarem os novos processos tecnológicos, as subsidiárias das firmas
multinacionais podem dominar o meio em que operam, desde que as firmas
domésticas cresçam passivamente em resposta à expansão dos mercados e
desde que o governo local adapte ‘pragmaticamente’ suas políticas, seus
investimentos de infra-estrutura e o potencial de poupança às necessidades
de crescimento dos setores privados de ponta (Bacha, 1976, pp. 31-32).
Tal teria sido o caso do crescimento da indústria automobilística, de propriedade
estrangeira, no Brasil,
que comandou a expansão das firmas privadas na produção de partes e
peças, determinou o ritmo das importações de petróleo, da construção de
refinarias e de estradas de rodagem, condicionou o estilo de planejamento
urbano e canalizou uma ampla fração das poupanças privadas para atender
suas necessidades de vendas financiadas (idem, p. 33).
237
Essa indústria sintetizaria “a sociedade afluente prematura criada no país pela
confluência de interesses associados à empresa multinacional”. O autor conclui
convergindo para as conclusões de Celso Furtado em Análise do Modelo Brasileiro, ao
observar que:
esses interesses estão inextricavelmente ligados a uma política de
concentração de rendas, uma vez que somente esta política pode garantir a
existência de um mercado afluente amplo e crescente num país de renda
média quanto o Brasil. A exclusão social aparece, assim, como uma
característica vital de uma economia dependente, que cresce baseada no
consumismo prematuro de uma parcela restrita da população (Bacha, 1976,
p. 33).
À guisa de conclusão, a presente seção pretendeu discutir, a partir da definição
das linhas-mestras da política e da economia, o papel desempenhado pelo grande
conjunto de reformas institucionais implementado, num contexto autoritário, nos
primeiros anos do regime militar, no processo de expansão econômica vivenciado no
período 1968-73, que ficou conhecido como “milagre brasileiro”.
A partir do contraste com os primeiros anos da década de 1960, e do cotejo com
o processo de desenvolvimento dos anos 50 (analisados em seções anteriores), uma
conclusão provável é que, de fato, as reformas, e muito particularmente as reformas
fiscal e tributária, tiveram papel extremamente relevante. As evidências apresentadas
por E. Bacha sobre a existência de uma grande hiato de produto em meados dos anos 60
(em 67, o hiato seria de 22%) são irrefutáveis. Neste sentido, a conclusão resultante é a
de que, mantida a existência de um “espírito desenvolvimentista” – implantado na
sociedade brasileira desde a Revolução de 1930 –, quando se reconstroem as bases
fiscais e financeiras do Estado (que se haviam esgotado, finda a etapa JK), a retomada
do ímpeto teria de ocorrer, necessariamente, em ritmo acelerado. Pela importância que a
questão tributária passa a ter na dinâmica da economia desde então, o capítulo seguinte
se dedica a estudá-la em profundidade, sob diferentes ângulos.
238
Os problemas que surgem estão intrinsecamente associados a um modelo de
expansão da acumulação capitalista num regime autoritário. Num tal contexto, a
verdadeira reforma estrutural, a da redistribuição da terra e da riqueza financeira, é
contornada, resultando um processo de desenvolvimento que, embora ocorra a taxas
espantosamente altas, não se sustenta no longo prazo. O governo militar que sucederia
Médici, do General Ernesto Geisel, embora ainda conseguisse manter significativas
taxas de crescimento econômico, o faria sobre bases já não tão firmes, deixando um
legado oneroso ao período que se seguiu, que não por acaso assistiu ao fim do regime
autoritário. A opção por deixar de abordá-lo, aqui, não significa entendê-lo como
irrelevante 265 . Deve-se, antes à constatação de que, do ponto de vista das premissas que
TPF
FPT
compõem o eixo da tese, o governo Geisel, assim como seu sucessor – o governo
Figueiredo, o último do ciclo do autoritarismo militar – não introduziu mudanças
substantivas.
265
O período Geisel é importante na política e na economia. Na primeira dimensão, representa a inflexão
do regime em direção a um processo de abertura – “lenta e gradual”. Na economia, faz uma aposta, que se
mostraria extremadamente custosa à frente, pela conclusão do processo de industrialização dos setores
produtores de insumos básicos e de bens de capital. Essas questões serão retomadas no Capítulo V.
TP
PT
239
Capítulo IV Federalismo e Sistema Tributário no Brasil
1 Introdução
Parece haver certo consenso a respeito do fato de que o sistema tributário
[brasileiro] deve passar por uma reforma. Pedem por ela representantes de
diferentes níveis de governo, empresários, porta-vozes das mais diferentes
associações e mesmo economistas teóricos.
O pequeno trecho acima bem poderia ter sido escrito recentemente em um
editorial ou artigo de um dos muitos veículos da imprensa nacional, em alguma revista
especializada em economia, ou mesmo numa publicação acadêmica. De fato, as
questões fiscal e tributária adquiriram enorme relevo na agenda econômica brasileira
contemporânea, e não por mera casualidade. Gerando uma carga tributária bruta que se
aproxima da casa de 40% do PIB, os impostos e contribuições tornaram-se os grandes
"vilões" da vida cotidiana nacional, sendo invariavelmente responsabilizados, ao lado
das altas taxas de juros, como culpados pelo desempenho medíocre da economia, ao
menos em termos de crescimento econômico, no passado recente.
Foi, no entanto, extraído de trabalho publicado em 1985. 266 Ao longo da
PF
FP
primeira metade daquela década, houvera intenso e profícuo debate acadêmico sobre a
necessidade de se implementar uma reforma tributária. 267 . Duas eram basicamente as
PF
FP
vertentes de pesquisa: o aprimoramento do arranjo federativo e o avanço da
progressividade no desenho da estrutura tributária. Uma questão fundamental, todavia,
colocava uma diferença intransponível entre as discussões daquela época e as da
atualidade, conforme fica patente na citação abaixo:
266
Eris, Cláudia Cunha Campos. “Considerações sobre uma possível reforma tributária no Brasil”.
IPEA/INPES, TDI 76, março de 1985 (p. 1).
TP
PT
267
Diversas pesquisas foram realizadas à época, envolvendo diferentes instituições. Ver, por exemplo,
“Subsídios a um projeto de reforma fiscal” (IPEA-FIPE, abril de 1983); “Reforma tributária e federalismo
fiscal” (SRF-FIPE, dezembro de 1983); “Integração IRPF-IRPJ” (SRF-FIPE, setembro de 1984).
TP
PT
240
Razão têm autoridades governamentais em pensar em acréscimos de receita,
seja pela necessidade premente de equacionar seus orçamentos, seja pela
constatação de que a carga tributária total no Brasil é baixa relativamente à
de outros países em nível semelhante de desenvolvimento. 268
PF
FP
Passadas mais de duas décadas, uma ampla reforma tributária consagrada na
Constituição de 1988 e diversas modificações pontuais dali em diante – a última das
quais, menos pontual, consubstanciada na Emenda Constitucional 42, de 2003 - o
problema inverteu-se completamente. Atualmente, em adição às questões federativas e
de equidade, o sistema tributário brasileiro em seus três níveis de governo gera recursos
da ordem de 34,5 % do PIB (estimativas preliminares da Secretaria de Receita Federal
para 2006; em 2005 o valor contabilizado pela SRF foi de 33,7%). O que coloca a carga
tributária brasileira num patamar extremamente elevado, em particular na comparação
com países em estágio semelhante de desenvolvimento.
Uma hipótese central tem permeado os estudos do sistema tributário brasileiro
no período posterior à promulgação da Carta de 1988, e em particular após o Plano
Real. Segundo essa hipótese, aqui parcialmente adotada, em linhas gerais seriam três as
ordens de problemas que a estrutura impositiva vem acarretando ao bom funcionamento
da economia.
No campo macroeconômico, a alta carga tributária estaria impedindo a economia
de crescer a taxas maiores; do ponto de vista político e federativo, a generalização de
conflitos tributários entre os entes federados constituiria obstáculo para uma relação
cooperativa entre União, estados e municípios capaz de possibilitar uma melhor
provisão de bens públicos à sociedade. Por fim, no que toca à distribuição de renda, a
prevalência de tributos sobre consumo teria tornado a carga tributária brasileira
268
TP
PT
Eris (1985), p. 2.
241
extremamente regressiva, penalizando em termos relativos mais as classes
desfavorecidas, e contribuindo assim para uma piora no padrão distributivo.
Dada a extrema importância da questão fiscal, e em particular da questão
tributária, na agenda política e econômica brasileira contemporânea, cada um desses três
temas tem sido objeto de numerosos estudos, em grande parte dedicados a investigações
empíricas. Instituições diferentes como associações de classe (FIESP e CNI, por
exemplo), setores da academia, e institutos de pesquisa públicos e privados há vários
anos vêm produzindo diagnósticos sobre os problemas do sistema tributário, e propostas
para reformá-lo 269 . Não obstante, nas diversas vezes em que o Congresso Nacional
PF
FP
tentou discutir mudanças abrangentes no sistema de impostos, contribuições e taxas,
surgiram dificuldades intransponíveis, que ora abortaram, ora adiaram indefinidamente
(como no caso atual) o processo de reforma. 270
PF
FP
Discutir as razões da persistência dessas dificuldades é um dos principais
objetivos do presente capítulo. Há raízes históricas dos processos de formação do
Estado brasileiro e de desenvolvimento da economia nacional que ajudam a explicá-las.
Os capítulos anteriores buscaram dar conta desse movimento conjugado de
consolidação do Estado e expansão econômica, a partir da releitura da obra de autores
269
A FECOMERCIO e a FIPE/USP, por exemplo, recentemente publicaram extenso documento
contemplando, além da questão tributária, a dimensão do gasto público. Ver “Simplificando o Brasil:
propostas de reforma na relação econômica do governo com o setor privado”, São Paulo, outubro de
2005. Instituições de pesquisa como o IPEA (público) e IBPT (privado) freqüentemente produzem
estudos sobre o tema.
TP
PT
270
Logo no primeiro ano de seu mandato, o primeiro governo FHC submeteu à apreciação do Congresso
a PEC 175/1995. Esta tinha como principal objetivo unificar o IPI e o ICMS, criando assim um imposto
federal sobre consumo partilhado por União e estados (e Distrito Federal). Esta proposta tramitou muito
lentamente, e foi virtualmente abandonada, em grande parte por pressões da equipe econômica do próprio
Executivo federal, que temia eventuais perdas de receitas. No primeiro ano do governo Lula, foi
apresentada ao Congresso a PEC 41/2003, cuja principal característica era a tentativa de unificação das
legislações estaduais do ICMS. A proposta foi desmembrada para que fossem aprovados projetos de
interesse do governo no curto prazo (prorrogação da DRU e da CPMF, incidência de PIS e COFINS sobre
produtos importados), que acabaram por integrar a Emenda Constitucional 42/2003; o projeto de
unificação do ICMS segue parado, sendo de esperar a reabertura de negociações políticas em torno a sua
tramitação no novo mandato presidencial, iniciado em 2007.
TP
PT
242
(alguns clássicos) da economia e da ciência política no Brasil. Pretendeu-se com isso
fundamentar o argumento de que o regime macroeconômico hoje vigente, que possui na
política fiscal (e conseqüentemente na política tributária) um elemento crucial,
representa uma ruptura com o padrão evolutivo que caracterizou a economia brasileira
até meados dos anos 80.
A reconstituição permitiu, ademais, lançar luzes sobre aspectos políticos que
incidem sobre a dimensão federativa. Pois as apontadas dificuldades que permeiam
historicamente o enfrentamento da questão tributária sem dúvida também deitam raízes
nela. Os conflitos entre províncias e o poder central na época imperial, e no período
republicano entre estados e a União, vão moldando as características do Estado
contemporâneo: seu tamanho, sua importância para a vida econômica e social, suas
relações com (e entre) os diferentes níveis de governo intermediários. O estudo dessas
raízes históricas se mostrou, assim, um caminho seguro para avançar na compreensão
dos dilemas que atualmente obstaculizam tentativas de reformas tributárias. Dilemas
relacionados principalmente, bem entendido, a resistências do governo em se arriscar a
perder receitas, e a conflitos entre unidades da federação e entre estas e a União.
Contudo, a dimensão federativa propriamente dita não foi ainda examinada. Esse
capítulo se propõe a fazê-lo, na seção que se segue.
Convém anunciar que a dimensão da equidade terá um tratamento diferenciado
na terceira seção do capítulo. Tal tratamento se justifica na medida em que ela constitui,
na prática, uma questão à parte no processo de reforma tributária. Reitere-se, as
questões-chave no debate brasileiro são e têm sido duas, há mais de uma década:
competitividade e guerra fiscal. Demais, cabe lembrar que esta tem sido também uma
característica inerente ao processo de desenvolvimento brasileiro, qual seja, de que as
questões distributivas foram sempre de importância secundária na formulação de
243
políticas públicas. Não obstante, dada a importância também da distribuição de renda na
agenda da política pública brasileira, torna-se inescapável introduzi-la numa análise
abrangente sobre o sistema tributário e o processo de reforma. Isso será feito, à
diferença dos outros dois temas mencionados, por meio da apreciação de alguns estudos
empíricos produzidos nos últimos anos com objetivos de evidenciar a incidência do
sistema tributário sobre as unidades familiares,e seu grau de regressividade.
2 Estado e Federalismo
2.1 Centralização e descentralização no federalismo brasileiro
Desde 1947, quando tem início o registro sistemático das contas nacionais do
país, conquanto tenha havido períodos de oscilações e outros em que se estacionou em
patamares que perduraram por longo tempo, a carga tributária brasileira tem mostrado
uma tendência claramente ascendente (gráfico 6).
Gráfico 6 – Evolução de longo prazo da carga tributária no Brasil
35
Carga tributária (% do PIB)
30
25
20
15
10
2002
1997
1992
1987
1982
1977
1972
1967
1962
1957
1952
1947
Ano
Fonte: Até 1989, Afonso et al. (2004); de 1990 em diante, Secretaria da Receita Federal (SRF).
244
O crescimento é, de um modo geral, lento. Todavia, nos últimos quarenta anos,
pelo menos em três ocasiões observaram-se mudanças abruptas para patamares mais
altos:
1965/67, quando o sistema tributário oriundo da reforma então levada a termo
•
elevou a carga tributária para o patamar de 25% do PIB (ante um nível de
arrecadação que não chegava a 20% do PIB). Esse patamar foi mantido, a
despeito de algumas oscilações, até meados dos anos 90; 271
PF
FP
a partir da segunda metade da década de 90, quando a estabilização da economia
•
consequente ao Plano Real e diversas medidas tópicas levaram a carga tributária
para um novo patamar – algo próximo a 30% do PIB. Até 1998, a arrecadação
manteve-se, quase sem oscilações, em torno dessa marca;
após a crise cambial de 1999, desde quando, por força da adoção do regime
•
macroeconômico baseado no “tripé” metas de inflação, câmbio flutuante e
resultados primários positivos para o setor público, foi iniciada nova escalada
tributária. A arrecadação em proporção do produto ano após ano vem subindo,
tendo atingido seu maior nível histórico em 2005: 33,7% do PIB.
Após a reforma de 1967, por um período de tempo relativamente longo a
questão tributária deixou de ser uma grande preocupação na agenda política e
econômica brasileira. O sistema tributário que com ela emergiu, deixando para trás “a
caótica coleção de tributos de má qualidade até então vigente”, na expressão de Varsano
(1997), equipou o país com uma estrutura impositiva relativamente moderna e eficaz, e
271
As maiores oscilações para baixo em relação ao patamar de 25% do PIB ocorreram nos anos
posteriores ao Plano Cruzado (1986), com o nível mínimo (22,4% do PIB) atingido em 1988, último ano
antes da entrada em vigor da Constituição Federal, e do novo sistema tributário por ela instituído. Em
1990, a carga tributária atingiu um valor acima do verificado no período 1969-93 em decorrência de
medidas extraordinárias do Plano Collor.
TP
PT
245
se constituiu em peça-chave na estratégia de crescimento acelerado então posta em
prática 272 .
TPF
FP T
O tema voltaria à baila no início dos anos 1980. Naquela ocasião, contudo,
diferentemente de hoje, não havia maiores preocupações quanto ao tamanho da carga
tributária. As que havia eram dirigidas em larga medida às questões federativas. O
modelo fiscal implementado na reforma de 67 era excessivamente centralizador, e como
o período do “milagre” econômico havia elevado as desigualdades regionais 273 , os
PF
FP
mecanismos de transferência da União para as regiões mais pobres (Norte, Nordeste,
Centro-Oeste) encontravam-se muito pressionados. As propostas que surgiram
procuravam criar condições de maior descentralização na estrutura do setor público
brasileiro. Havia preocupação também com o excesso de subsídios e incentivos no
sistema, que geravam problemas de equidade horizontal. Com relação ao tamanho
propriamente dito, todavia, a carga brasileira se situava entre as menores entre países de
seu nível de renda à época (Medeiros e Salm, 1993). 274
TP F
FP T
Tal debate evoluiu ao longo da década de 80, atravessou o período da
redemocratização do país, e encontrou seu ápice no processo de reforma tributária
levado a termo na Assembléia Nacional Constituinte, cujos trabalhos se deram no biênio
1987-88. 275 Não por acaso, a principal característica da estrutura tributária consagrada
PF
272
TP
PT
FP
Adiante, a reforma de 1967 será analisada de forma mais detalhada.
273
Conforme evidenciado em Guimarães Neto, Leonardo. Planejamento e Políticas Públicas, no. 15,
junho de 1997 (p. 54).
TP
PT
274
Medeiros e Salm (1993) chamam a atenção para o fato de que nos anos 80 a carga fiscal no Brasil
manteve-se em “níveis insólitos” ao longo da década. “Os 23% do PIB registrados na economia brasileira
em 1988 contra os 44% registrados na CEE [Comunidade Econômica Européia] dão uma idéia da
dimensão do problema. Na América Latina, a única economia macroeconomicamente estável, o Chile,
elevou em mais de 16% sua carga fiscal nos anos 80 atingindo, em 1988, a 38.2% do PIB”.
TP
PT
275
A série de Textos para Discussão publicada pelo IPEA (“Estudos para a reforma tributária”, TDs 104,
105, 106, 107 e 108) constitui sem dúvida um rico exemplo da participação de pesquisadores de diversas
instituições no processo de elaboração do capítulo tributário da Carta de 1988. Esta série consolida os
estudos realizados pela Comissão de Reforma Tributária e Descentralização Administrativa e Financeira
(CRETAD), criada pelo governo federal em 1985 no âmbito do Ministério do Planejamento.
TP
PT
246
pela Constituição Federal de 1988 foi o elevado grau de descentralização; os estados
tiveram suas competências tributárias substancialmente incrementadas – via aumento da
base de incidência de seu principal imposto, o ICM (que viria a se tornar o atual ICMS),
os municípios foram alçados à condição de entes federados, e os mecanismos de
correção dos desequilíbrios regionais foram reformulados.
Evidentemente, esse aumento do grau de descentralização do sistema teve como
grande perdedor, em termos de recursos tributários líquidos, o governo federal. Sua
parcela do total arrecadado pelo setor público nos três níveis de governo, que já vinha
decaindo no fim do regime militar e no início do governo Sarney – frente a uma
recomposição das receitas estaduais, é ainda mais reduzida nos primeiros anos de
vigência da nova Constituição. Nesse período, claramente aparecem como ganhadores
estados e principalmente municípios – tanto no conceito de arrecadação direta quanto no
de receita disponível, em que são contabilizadas as partilhas inter-governamentais
(gráficos 7 e 8).
Gráfico 7 -Evolução da arrecadação direta por esfera de governo: 1960, 1965,
1970-2005
100%
80%
60%
40%
20%
Fonte: Dados anuais extraídos de Afonso e Meireles (2006).
2
0
8
6
4
20
0
20
0
20
0
19
9
4
2
0
Municípios
19
9
19
9
19
9
8
6
Estados
19
9
19
8
4
2
0
8
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4
2
0
União
19
8
19
8
19
8
19
8
19
7
19
7
19
7
19
7
19
7
19
6
0
0%
247
Gráfico 8 Evolução da receita disponível por esfera de governo:
1960, 1965, 1970-2005
1 00 %
80 %
60 %
40 %
20 %
U n ião
E stad os
20
04
20
02
20
00
19
98
19
96
19
94
19
92
19
90
19
88
19
86
19
84
19
82
19
80
19
78
19
76
19
74
19
72
19
70
19
60
0%
M u n icípios
Fonte: Dados anuais extraídos de Afonso e Meireles (2006).
A partir de meados dos anos 90, com a implementação do Plano Real em 1994 e
a conseqüente estabilização da economia brasileira, passa a ocorrer apreciável elevação
da arrecadação tributária no país medida em proporção do PIB – isto é, da carga
tributária nacional. Desde a segunda metade daquela década, parcela crescente do
produto nacional tem sido apropriada pelo setor público através da cobrança de tributos.
Importa destacar que data também desse período – precisamente no biênio 1993-94 –
um claro movimento de recomposição das receitas tributárias federais. Ou seja, pode-se
afirmar que a responsabilidade maior pela crescente elevação da carga tributária na
última década recai, predominantemente, sobre a União. Os governos municipais, de
modo geral, conseguiram preservar sua “fatia” do bolo tributário. Os estados têm sido
os grandes perdedores.
Um ponto a ser mencionado é que, embora a elevação recente da arrecadação
seja um fato relativamente conhecido, nem sempre está claro qual é, efetivamente, a
248
magnitude da carga tributária nacional. Menos ainda se sabe sobre o comportamento e
composição da arrecadação de tributos ao longo do tempo. Isso é explicado, dentre
outras razões, pela inexistência de uma metodologia oficial de cálculo. Distintos
órgãos 276 – públicos e privados – seguem critérios próprios de apuração da carga
PF
FP
tributária e, por esta razão, os valores divulgados pelos mesmos apresentam diferenças
(às vezes não desprezíveis) entre si. Além disso, os prazos para divulgação dos
resultados também são distintos e não há convergência quanto à abrangência do período
de análise. 277 Adicionalmente, há controvérsia conceitual na classificação de itens
PF
FP
importantes usualmente considerados na carga tributária brasileira (por exemplo,
contribuições para INSS e FGTS).
De todo modo, independente de critérios ou conceitos, é fato indiscutível o
crescimento que, ano após ano, a carga tributária vem experimentando no passado
recente. Os fatores puramente técnicos são diversos: criação de novos impostos ou
contribuições (ou via aumento de alíquotas), aperfeiçoamento de mecanismos de
controle da sonegação, alterações na legislação infra-constitucional, resposta a períodos
de crescimento econômico mais acelerado, 278 todos estes vêm concorrendo para o
PF
FP
paulatino crescimento da carga.
276
Atualmente, dentre os órgãos públicos que efetuam a apuração da carga tributária nacional encontramse, principalmente, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e a SRF (Secretaria da Receita
Federal). Para fins do presente trabalho, dar-se-á preferência, sempre que possível, aos dados oficiais
disponibilizados pela SRF.
TP
PT
277
Para maiores detalhes acerca dos distintos critérios de apuração e valores da carga tributária, ver:
Banco Federativo ( www.federativo.bndes.gov.br ); Tribunal de Contas da União ( www.tcu.gov.br );
IBGE ( www.ibge.gov.br ); e Secretaria da Receita Federal ( www.receita.fazenda.gov.br ). Afonso e
Meirelles (2006) apresentam comentários interessantes sobre as diferenças entre sua metodologia de
cálculo da carga tributária e as de outros estudos, em particular os realizados pela SRF.
P
P
HTU
HTU
UTH
UTH
HTU
HTU
UTH
UTH
278
Uma característica interessante que o sistema tributário brasileiro vem apresentando nos últimos dez
anos, a propósito, tem sido uma sensibilidade pequena a períodos de baixo crescimento, porém elevada
quando a economia acelera. Isso se justifica provavelmente pelo peso considerável da cumulatividade na
carga tributária, que tem amortecido os efeitos de ciclos econômicos adversos.
TP
PT
249
Mais importante do que meramente apontar quais tributos cresceram mais ou
menos em termos de arrecadação, e que fatores concorreram para isso, parece ser
analisar algumas variáveis-chave que influenciam fortemente o sistema tributário. Em
primeiro lugar, há que se ter em conta que a conformação de qualquer sistema tributário
é um processo social, e como tal, aspectos estruturais como cultura e tradição exercem
papel fundamental. O ambiente político interno e a conjuntura política internacional,
noutro plano, são cruciais para a determinação do papel do Estado na sociedade (e por
conseqüência, do volume de recursos necessário para financiá-lo). Condicionadas por
estes fundamentos sócio-políticos, operam decisivamente as três dimensões assinaladas
como relevantes para o entendimento dos processos de evolução de sistemas tributários,
e do caso brasileiro em particular. O regime macroeconômico, de cuja constituição a
política fiscal (e consequentemente a política tributária) é um componente relevante; a
questão federativa, que se consubstancia na relação fiscal-tributária entre governo
central e demais entes subnacionais; e a dicotomia entre a busca por maior equidade ou
eficiência por meio da tributação e do gasto público.
Nessa seção, o objetivo é discutir as questões inerentes à dicotomia centralização
x descentralização na formação da federação brasileira. Como se sabe, este é um ponto
de intenso debate no Brasil moderno, tanto no que diz respeito ao gasto público, como
também no que toca às competências tributárias dos entes federados.
É evidente que quando se introduz a categoria de análise “federalismo”, quase
que por definição o período a ser considerado se inicia na República, dado que é a partir
deste período histórico que o país passa a se constituir como federação. Por isso parece
mais frutífero trabalhar (também) com o conceito de “centralização”, contrapondo-o ao
de “descentralização” na própria formação do Estado brasileiro. Duas razões podem ser
evocadas para tal opção. A primeira é que permite incluir, ainda que mediante sumárias
250
referências, o período do Império, o qual, em qualquer aspecto (político, econômico,
cultural, social, etc.) é decisivo para a compreensão das questões estruturais brasileiras,
conforme já assinalado. 279 A segunda é que, como argumenta Abrucio (1998), no léxico
PF
FP
político brasileiro a própria idéia de federalismo parece estar muito mais ligada a uma
dimensão abstrata de descentralização político-administrativa, do que a seu sentido
estrito – de um ambiente institucional caracterizado pela cooperação e ação articulada
entre os diferentes níveis de governo.
A característica marcante, presente desde as origens mais remotas da formação
do Brasil como Estado-Nação, 280 é a presença e a forte atuação de um poder central
PF
FP
constituído, em torno do qual gravitam, voluntariamente ou não, as dinâmicas políticas
e econômicas dos poderes locais e regionais, como indicam as análises de Celso Furtado
e Caio Prado, fartamente utilizadas no capítulo II. Assim é que, mesmo antes da
Independência, movimentos de contestação à Coroa portuguesa ou por maior autonomia
provincial (por exemplo, a Inconfidência em Minas em 1789, e a Conjuração Baiana de
1798) foram severamente reprimidos 281 .
PF
FP
O período posterior à Independência foi tracejado por sucessivos conflitos, em
particular nas províncias do Nordeste. Entretanto, a reação do poder central, tanto no
Primeiro Reinado quanto no período regencial, sempre se deu de maneira enérgica no
279
TP
PT
Ver Capítulo II.
280
Por mais recentes, em termos históricos, que essas origens possam ser, em comparação com as de
outras nações.
TP
PT
281
O tema da centralidade do poder colonial versus autonomia provincial ou local é tratado por vários
historiadores. Ver, por exemplo, a coletânea organizada por Sérgio Buarque de Holanda (Colônia e
Império) e Boris Fausto (República), publicada em 11 volumes entre 1960 e 1984 , pela Difel, São Paulo.
Fausto (1996), Iglésias (1993) e Linhares (2000) constituem também referências obrigatórias. Carvalho
(2005) observa que no século XVIII houve quatro revoltas políticas. Três delas foram lideradas por
elementos da elite, contra a política metropolitana e a favor da independência de partes da colônia (e das
quais, não por acaso, duas se passaram nas regiões das minas, sendo a mais importante a Inconfidência
Mineira); a quarta – a mais popular e a única a incluir a extinção da escravidão entre suas bandeiras – foi
a Revolta dos Alfaiates em 1798, na Bahia. A última revolta antes da independência aconteceu em
Pernambuco, em 1817, quando os rebeldes proclamaram uma república independente que incluía, além
de Pernambuco, as capitanias da Paraíba e do Rio Grande do Norte (Carvalho, 2005).
TP
PT
251
sentido de esmagar qualquer pretensão emancipacionista por parte das províncias 282 .
PF
FP
Para o bem ou para o mal, não importa o juízo que se faça, o fato é que o Brasil,
integrado em cultura e identidade apesar da vastidão de seu território e da alta
precariedade de sua infra-estrutura, foi construído como Nação por força e obra da ação
desse poder central.
Também não seria correto supor que o processo de integração conduzido pelo
governo central, particularmente no Segundo Reinado, tenha se dado sem contestações.
Muito ao contrário, como atestam as diversas conflagrações armadas em diferentes
províncias. Ao longo do reinado de D. Pedro II, contudo, quando há um processo de
pacificação interna levado a termo pelo governo imperial, as contestações ao regime
passam ao campo da política e da cultura. 283 Autores da segunda metade do século
PF
FP
XIX, como Tavares Bastos, defendem energicamente maior autonomia provincial,
fortemente estimulados, naturalmente, pelo exemplo dos Estados Unidos da
América. 284 Este debate (centralização x autonomia provincial), portanto, é uma das
PF
FP
raízes do Brasil moderno; não por acaso, quando o país “ingressa” na era da
modernidade, o faz quase que simultaneamente em três direções. Elimina-se a
escravidão (no crepúsculo do Império), adota-se o regime republicano, e inaugura-se um
282
Em 1824, a revolta da Confederação do Equador, liderada por Pernambuco, separou várias províncias
do resto do pais e proclamou uma república. A Revolta dos Cabanos, envolvendo pequenos proprietários,
índios, camponeses e escravos, ocorreu em 1832, na fronteira das províncias de Pernambuco e Alagoas.
Em 1838, a Balaiada, no Maranhão chegou a reunir 11 mil homens armados. A Cabanagem, iniciada em
1835, no Pará, durou até 1840 e resultou em cerca de 30 mil mortos. A Farroupilha estendeu-se por dez
anos, só terminando no Segundo Reinado. Em todas elas, o separatismo esteve presente (ver Carvalho,
2005).
TP
PT
283
Carvalho (2005) observa que, enquanto no Primeiro Reinado (e no período regencial) as revoltas
ocorridas expressavam (ou se beneficiavam de) conflitos entre facções da classe dominante, após 1848,
quando o Imperador passa a exercer efetivamente o Poder Moderador, a situação se altera. O Estado
Imperial se consolida, a alternância do governo promovida pelo Poder Moderador pacifica as elites e as
revoltas ganham, então, características de reação às reformas promovidas pelo governo. Assim, houve
reações em várias províncias contra a lei que introduziu o registro civil, em 1851, contra a lei que
ordenava o primeiro recenseamento nacional em 1852, contra a lei que adotava o sistema decimal de
pesos e medidas, em 1862.
TP
PT
284
TP
PT
Ver, de Tavares Bastos, a obra clássica A Província (Cia. Editora Nacional, 1937).
252
período de quatro décadas em que as antigas províncias, então convertidas em estados,
experimentaram o maior grau de descentralização que já tiveram.
Neste ponto, convém introduzir uma idéia interessante, que é trabalhada de
maneira diferente por diversos autores (Abrucio, 1998; Resende e Afonso, 2003), e cujo
argumento tem como núcleo, de modo geral, a constatação de um movimento
“pendular” no que tange às relações entre o governo central e as instâncias
subnacionais. O Estado brasileiro oscilaria, ao longo de sua história, em ciclos ora de
maior centralização, ora de maior descentralização. O quadro 2 sintetiza o argumento.
253
Quadro 2 O movimento pendular – ciclos de centralização e descentralização na
federação brasileira
1891-1930: Nas primeiras quatro décadas republicanas, a federação brasileira foi altamente
descentralizada. Um governo federal fraco foi acompanhado por estados independentes fortes,
com poder para regular e tributar o comércio interno e externo, além de serem responsáveis
pela provisão da maioria dos bens públicos.
1930-1945: O primeiro governo Vargas, como notório, levou a uma crescente concentração de
poderes nas mãos federais. Os objetivos gerais eram o desenvolvimento de um mercado interno
mais integrado e o estabelecimento das bases para a industrialização. A regulamentação do
comércio interno e externo passou para o governo federal e criaram-se tributos nacionais.
Reduziu-se a influência das oligarquias estaduais nas políticas nacionais, embora os governos
estaduais mantivessem autonomia para aplicar seus próprios tributos e até criar outros.
1946-1964: A democratização após o fim da Segunda Guerra Mundial moveu o pêndulo de
volta à descentralização. A autonomia subnacional foi considerada necessária para apoiar
grandes responsabilidades e uma democracia estável. Porém, a concentração da produção de
manufaturados no Sudeste agravou as disparidades regionais e aumentou as rivalidades
políticas. Concederam-se incentivos fiscais para investimentos no Nordeste, com o objetivo de
reverter a tendência de concentração regional.
1964-1985: O advento do regime militar, após o golpe de 1964, levou o pêndulo de volta para a
centralização. Com esse objetivo, a reforma tributária da metade dos anos 60 desempenhou um
papel central. Os poderes tributários do governo federal foram reforçados, possibilitando um
aumento da carga tributária total para financiar a modernização da infra-estrutura e acelerar
o ritmo do desenvolvimento. Tal como na rodada de centralização anterior, os estados não
foram privados de sua autonomia para tributar. Com efeito, ganharam o poder de aplicar um
imposto sobre valor agregado de ampla base, em substituição do imposto sobre transações
existente. Ao mesmo tempo, foi instituído um mecanismo de partilha da receita para melhorar a
receita daqueles que tinham uma base tributária estreita.
1985-1990: A democratização levou a uma nova oscilação no sentido da descentralização. A
autonomia federalista se beneficiou com a decisão de dar aos estados o privilégio de tributar
petróleo, telecomunicações e energia elétrica, aumentando assim sua base tributária. Além
disso, um significativo aumento das receitas federais compartilhadas com os estados e
municípios foi benéfico para os estados menos desenvolvidos e os pequenos municípios. O
poder dos governos locais foi ratificado quando os municípios ganharam o status de membros
da federação.
1990 até agora: Forças opostas provocaram um resultado pouco claro. As demandas
macroeconômicas de ajuste fiscal e a coordenação política levaram a um aumento na parte do
governo federal da coleta total de impostos e a um grande controle sobre as dívidas
subnacionais. Do lado oposto, a exigência de eficiência e responsabilidade nas políticas
públicas impulsionou a descentralização nos gastos públicos. As pressões da globalização e da
integração regional tornam difícil encontrar um modo de harmonizar essas duas forças
opostas.
Fonte: Rezende e Afonso (2003).
O quadro acima, embora possa ser considerado útil para compreensão, dada sua
estrutura esquemática e pelo conteúdo de informação ali sintetizada, é demasiado
incompleto. Omite, em primeiro lugar, um período crucial para a formação do Estado
brasileiro – o Império, e comete este equívoco por se prender excessivamente à
254
dimensão econômica da categoria “federalismo”, isto é, tratando a questão sob o ponto
de vista do federalismo fiscal 285 . Em decorrência disto, acaba não tendo a capacidade
TP F
FPT
de perceber que, ao longo de toda a história republicana brasileira, perpassa um
elemento característico da vida política do Brasil Imperial, ainda que sob diferentes
formas e nuances, e jamais explicitado: a permanência do Poder Moderador.
Este argumento, sugerido nos capítulos anteriores, nos quais se reconstituiu o
processo de desenvolvimento brasileiro no século XX, merece ser reprisado . Durante a
República Velha, o poder moderador estaria presente na força exercida pelos
governadores estaduais; tal tese encontra respaldo em diversos autores recentes que
tratam o tema do federalismo (por exemplo, Abrucio [1998]). Após a Revolução de
1930, e durante os quinze anos do primeiro governo Vargas, não é difícil identificar que
passa pelo próprio governo central, em particular após 1937, no Estado Novo – ainda
que seja necessário qualificar o argumento com os atenuantes da aproximação varguista
com os mundos corporativo e do trabalho. No período que vai de 1945 a 1964, de
grandes turbulências políticas e sociais (a despeito de seu caráter inequivocamente
democrático), o poder moderador (e aqui talvez as aspas sejam necessárias) passaria
pelas Forças Armadas, em particular pelo Exército, como aponta Lafer (1970).
Ao fazer referência a este “poder moderador” ao longo da história republicana,
parte-se da constatação de que, em seus diversos períodos, forças políticas houve que,
em momentos de instabilidade ou de conflitos institucionais, agiram no sentido de
garantir a governabilidade ou mesmo no de prover saídas para impasses (institucionais
ou não). 286 O ponto a destacar, aqui, é que, dada a natureza notadamente política de
TPF
FP T
285
Affonso (2003) afirma que o uso indiscriminado dos conceitos de descentralização e federalismo na
literatura revela um entendimento reducionista da teoria econômica , pois o federalismo é visto quase que
exclusivamente em seu aspecto fiscal, desconsiderando as demais dimensões – social, política e histórica
– que o integram e explicam.
TP
PT
286
TP
PT
1964, a propósito, constitui, nitidamente, um caso paradigmático de saída não-institucional.
255
qualquer sistema tributário, e, no caso brasileiro, as estreitas relações do mesmo com os
alternados arranjos federalistas verificados, não há como prescindir de incorporá-las (as
ditas forças políticas) à análise. 287
TP F
FP T
O período que vai de 1964 a 1985, marcado pela forte centralização política sob
a ditadura militar, seria o último a se encaixar inteiramente nessa chave analítica da
existência, em alguma medida, do poder moderador (no caso, exercido obviamente pelo
governo federal). A partir da redemocratização, há um movimento ambíguo,
primeiramente de descentralização política, administrativa e tributária em favor de
estados e municípios, consubstanciado na Carta de 1988, e posteriormente de
recentralização de recursos e poderes no âmbito da União. Contudo, é possível afirmar
que não há mais sequer resquícios da existência de alguma espécie de “poder
moderador” na vida política, o que sem dúvida reflete o amadurecimento institucional
da democracia brasileira.
A dimensão federativa, portanto, não à toa constitui objeto (e entrave) essencial
dos debates de reforma tributária que vêm sendo travados no Brasil há mais de dez anos.
E vale dizer, o foi também em contextos anteriores (Constituinte, início dos anos 80,
reforma de 67). Estudá-la de um ponto de vista histórico, com uso de ferramentas da
ciência política e da economia, parece um caminho bastante interessante para entender a
conformação atual do Estado no Brasil.
Segundo Varsano (1997), as duas características que asseguram legitimidade a
um sistema de tributação teriam marcado a evolução da estrutura tributária brasileira,
desde os idos remotos do Império até hoje, passando pelas Constituições de 1891, 1934,
287
Mais uma vez, cabe lembrar que a tentativa de examinar o desenvolvimento da economia brasileira a
partir de autores representativos do diálogo entre política e economia foi feita em capítulo anterior.
TP
PT
256
1937, 1946, pela reforma tributária de 1967 e pela Constituição de 1988: a continuidade
e a lentidão do processo de alterações, sempre necessárias.
Com efeito, desde que o sistema tributário do país começa a ser estruturado, o
fluxo de receitas gerado na venda de bens importados e na exportação de produtos
primários constituiu-se na principal base de incidência nacional, o que, em parte, tem
explicação no fato de que, até quase a metade do século passado, a economia brasileira
era eminentemente agrícola e extremamente aberta. Durante todo o Império, a principal
fonte de receita tributária consistia no comércio exterior, destacando-se o imposto de
importação que, às vésperas da República, era responsável por aproximadamente
metade da receita (Araújo, 1999). Após a proclamação da República, a Constituição de
1891 adotou, sem maiores alterações, a composição tributária anterior.
A instituição do regime federativo, porém, impôs a necessidade de dotar as
unidades subnacionais de receitas que lhes permitissem autonomia financeira. Sendo
então o sistema tributário assentado praticamente em uma única base de incidência e
dada a forma como esse regime fora concebido, a solução encontrada residiu
simplesmente em permitir o acesso dos diferentes níveis de governo a esta base,
mediante a adoção de um esquema de separação tributária. Ou seja, a Constituição
apenas discriminou os impostos de competência exclusiva da União e dos estados;
dentre os mais relevantes, coube, respectivamente, a cada esfera: o imposto de
importação, e o imposto de exportação tanto sobre as vendas externas quanto
interestaduais. 288
TPF
FPT
Do final do século XIX até as três primeiras décadas do século XX,
paralelamente aos gravames sobre o comércio exterior, foram sendo criados impostos
288
Para maiores detalhes sobre a formação e características das relações federativas brasileiras, ver
Araújo (1999).
TP
PT
257
sobre as mercadorias produzidas internamente, merecendo destaque o Imposto de
Consumo – uma união de espécies prematuras de excises taxes – incidente sobre alguns
bens específicos, e o Imposto sobre Vendas Mercantis, mais amplo que o anterior. Cabe
observar que somente a partir de 1924 o governo federal instituiu um imposto de renda
geral. Com as fortes oscilações provocadas na atividade primário-exportadora devido
aos efeitos da I Guerra Mundial e da Grande Depressão é que o país ingressa, nos anos
30 do século passado, em uma nova fase de sua história tributária. A novidade não
consistiu, entretanto, em mudança na composição da arrecadação global (em direção a
uma maior participação dos impostos sobre a renda e a propriedade) e sim na
progressiva predominância da tributação dos produtos domésticos.
Até a reforma empreendida na década de 60, portanto, o sistema tributário
concebido nos anos 30 não sofreu substanciais alterações. O principal tributo federal
sobre vendas permanecia sendo o Imposto de Consumo; o estadual, o IVC (Imposto
sobre Vendas e Consignações), originário do Imposto sobre Vendas Mercantis, cuja
exclusividade impositiva lhe foi atribuída em 1934; e o municipal, o Imposto sobre
Indústrias e Profissões, praticamente uma réplica do IVC, cuja competência legislativa
lhe foi designada em 1946. Varsano (1996) informa que durante o período 1946/66, o
Imposto de Consumo era responsável por mais de 45% da receita tributária da União, o
IVC correspondia a quase 90% da receita estadual e o Imposto sobre Indústrias e
Profissões gerava cerca de 45% da receita municipal; em conjunto, perfaziam 65% da
arrecadação tributária nacional.
Todavia, se essas características - a continuidade e a lentidão do processo de
mudança - estiveram presentes em quase 80 anos de república, no decurso das três
primeiras fases do movimento pendular apresentado acima, o mesmo não se pode dizer
em relação à alteração que se opera com a instalação do autoritarismo militar em 1964.
258
Ao contrário, é possível afirmar que a reforma da década de 60 fugiu por completo
daquele padrão evolutivo, dadas a profundidade e o alcance das transformações por que
passou o sistema tributário na ocasião. De fato, foi nessa reforma que se instituíram os
principais impostos da malha arrecadadora nacional, impostos que, em que pese o fato
de terem sido modificados ao longo do tempo, estão em pleno vigor até hoje.
2.2 A Reforma dos anos 60
A reforma tributária implantada entre 1965 e 1967 não pode ser corretamente
compreendida sem que esteja inserida em seu contexto histórico e político. Seu amplo
alcance, sua concepção e a maneira como foi implementada – obedecendo a critérios
predominantemente técnicos e com pouca discussão com a sociedade – só foram
possíveis dado o regime de exceção instaurado a partir do golpe militar de 31 de março
de 1964.
Não se trata de dizer que a idéia da reforma surgiu depois da "revolução". Havia
de fato um consenso, mesmo antes de 64, sobre a necessidade de se reformular o
sistema tributário brasileiro, motivada inclusive pelo surgimento de déficits crônicos no
setor público derivados do ciclo industrializante da década de 50, que fora comandado
pelo Estado. Tanto que, em 1963, constituíra-se a Comissão de Reforma do Ministério
da Fazenda, com a tarefa de reorganizar e modernizar a administração fiscal federal. A
questão é que as modificações implementadas só se deram na velocidade e volume
efetivados em função do contexto autoritário em que se encontrava o país.
Analisando a reforma sob um ponto de vista técnico, de todo modo, não se pode
descartar o conteúdo modernizador que ela conteve em diversos aspectos. Em primeiro
lugar, implantou-se de fato, pela primeira vez no Brasil, um sistema – na acepção da
palavra – tributário, que veio a substituir o amontoado de fontes de arrecadação que
259
alimentavam o setor público. Por sistema tributário, entenda-se a concepção de um
instrumento de política que possa vir a ser utilizado com eficácia pelos policy makers
para atingir determinados objetivos econômicos – no caso brasileiro, especificamente,
alavancar uma estratégia de crescimento acelerado. Em segundo lugar, as mudanças
tributárias implementadas na reforma – que serão alvo de atenção a seguir – lograram
um rápido e vigoroso aumento da carga fiscal – que passou de um patamar médio de
15% do PIB em 1966 para cerca de 25% em 1969, nível em torno do qual se
estabilizaria ao longo de toda a década de 70.
Finalmente, mas não menos importante, o teor modernizante da reforma
expressava-se na supressão quase total de tributos com incidência cumulativa 289 , que
TPF
FPT
ficaram restritos aos incidentes sobre serviços e aos impostos únicos sobre combustíveis
e lubrificantes e sobre energia elétrica. Em substituição àqueles, foi adotada a tributação
sobre o valor adicionado tanto para o principal imposto estadual como para o imposto
federal sobre produtos industrializados, técnica que à época era utilizada apenas na
França.
Antes da reforma, o Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC) era o principal
instrumento de arrecadação dos estados, respondendo por quase 90% da receita
tributária estadual. O Imposto de Consumo (IC), por sua vez, era o tributo indireto
federal mais importante, sua arrecadação correspondendo, às vésperas da reforma, a
mais de 45% da receita tributária da União. Ambos estes tributos incidiam
cumulativamente sobre o processo de produção e circulação das mercadorias que
compunham suas bases. Em substituição ao IVC, foi criado o Imposto sobre Operações
Relativas à Circulação de Mercadorias (ICM), tributo com característica inovadora no
289
Um tributo é chamado cumulativo ou "em cascata" (turn-over tax) quando incide sobre as diversas
etapas de produção e comercialização de uma mercadoria, sem que haja mecanismos de débito e crédito
em sua cobrança, tornando sua incidência efetiva sobre o preço final de venda bem maior que sua alíquota
nominal.
TP
PT
260
contexto internacional, pelo fato de ser a primeira experiência de tributação a nível
subnacional com base no valor adicionado. E o IC, por sua vez, deu lugar ao Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI), tributo com incidência também baseada na técnica
do valor adicionado, embora com pequenas diferenças conceituais em relação ao
ICM. 290
TP F
FP T
Estas medidas, em adição a revisões a que foi submetida a legislação do Imposto
de Renda e à reorganização da administração fazendária, além da criação de três novos
impostos (Imposto sobre Serviços – ISS –, municipal, Imposto sobre Operações de
Crédito – IOF – e Imposto sobre Transportes e Comunicações – ambos federais 291 ),
TPF
FP T
possibilitaram o vigoroso aumento das receitas públicas acima mencionado.
No que toca ao enquadramento da reforma tributária da década de 60 no
conceito de um sistema tributário de fato, vale lembrar que ela se insere no contexto da
introdução de profundas reformulações na estrutura econômica brasileira, como foi
ressaltado no capítulo anterior. Neste sentido, é lícito afirmar que, dentre os objetivos
almejados no desenho do sistema tributário, estava não apenas elevar o nível de esforço
fiscal da sociedade para atingir o equilíbrio orçamentário, mas também impulsionar o
processo de crescimento econômico – o que foi feito predominantemente através de
incentivos fiscais à acumulação de capital. 292 Um ponto a ser colocado é que, desta
TPF
FPT
forma, ao privilegiar o estímulo ao crescimento acelerado e à acumulação privada – e,
290
Embora ambos fossem IVAs com cobrança baseada no método da subtração, foi estabelecido que o
ICM teria incidência "por dentro", isto é, agregando o próprio valor do imposto na base de incidência,
enquanto que o IPI seria cobrado "por fora". Além do que, evidentemente, a base do IPI seria mais
restrita, alcançando apenas os produtos industrializados. Para maiores detalhes, ver Rezende & Silva
(1973), Ueda & Torres (1984) ou ainda Quadros (1995).
TP
PT
291
Para um quadro detalhado da estrutura tributária brasileira por níveis de governo antes e após a
reforma, ver Ueda & Torres (1984).
TP
PT
292
É importante destacar também que na realização do objetivo de promover o crescimento acelerado
foram utilizados outros instrumentos importantes, tais como diversos mecanismos de financiamento a
empresas e setores industriais, através de instituições como o BNDE e os bancos regionais de
desenvolvimento.
TP
PT
261
portanto, os detentores da riqueza – a reforma praticamente desprezou o objetivo da
equidade.
Outro ponto a ser ressaltado é que, embora fossem mantidas as fontes de
arrecadação próprias para os níveis de governo subnacionais – isto é, estados e
municípios –, a autonomia que de fato lhes foi concedida era extremamente restrita. Em
outras palavras, a reforma tributária de 1967 promoveu um aumento substancial da
centralização fiscal, consubstanciada no aumento ininterrupto “da participação do
governo federal nas receitas tributárias totais, que passa de menos da metade [em 1964]
a um percentual em torno de 60% [a partir de 1974] (...)” (Ueda & Torres, 1984, p. 11).
Esta característica da reforma – o aumento da centralização fiscal nas mãos do governo
federal, vale dizer, era condizente tanto com o contexto político, marcado por um
regime autoritário, quanto com o econômico, em que prevalecia a estratégia de o Estado
comandar mais um ciclo de crescimento acelerado. Para tanto, no que dizia respeito às
decisões do setor privado, estas seriam moldadas por meio dos incentivos fiscais. E em
relação ao setor público, através da concentração de recursos e instrumentos fiscais na
União.
A centralização se deu basicamente por intermédio de dois fatores. Primeiro,
restringindo a autonomia fiscal dos estados e municípios; concretamente, as Unidades
da Federação não tinham poder para fixarem as alíquotas do ICM, nem mesmo para
concederem incentivos e isenções, dado que isto era prerrogativa exclusiva do poder
central. Dito de outra forma, o poder dos estados para legislar em matéria tributária foi
limitado, “(...) de modo que o imposto [o ICM] gerasse arrecadação sem que pudesse
ser usado como instrumento de política (...)” (Varsano, 1996, p. 10). Além disso, as
chamadas transferências governamentais, mecanismos pelos quais, através dos Fundos
de Participação dos Estados e dos Municípios (FPE e FPM), o governo federal
262
repassava recursos às unidades subnacionais, foram também restringidas a partir de
1968, aumentando o volume de recursos disponíveis no caixa do governo central, e de
resto a dependência daquelas a este. 293 O quadro a seguir (quadro 3) resume as
TP F
FP T
principais características do sistema tributário brasileiro, em diferentes momentos entre
1964 e 1988, no que tange à repartição de receitas.
A evolução da estrutura tributária posteriormente à reforma promulgada em
1967 se deu basicamente em dois sentidos. Num, de cobrir as brechas que a intensa
concessão de incentivos fiscais havia deixado e que começavam a comprometer os
níveis de arrecadação tributária, especialmente após o fim do chamado “milagre
econômico”. Noutro, de reduzir o grau de centralização fiscal a que se havia chegado,
aumentando a autonomia fiscal de estados e municípios.
O primeiro movimento mencionado se concretizou na criação de tributos – a
Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS), no início dos anos 70 e a
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Finsocial), nos 80 294 – que
TP F
FP T
marcaram a reintrodução da cumulatividade na tributação no país. Ou seja, para reforçar
suas fontes de financiamento, o Governo lançou mão de mecanismos que acarretavam a
piora da qualidade do sistema tributário. Analisando as motivações para a criação da
Contribuição para o PIS, Beatriz Azeredo observa que:
A Contribuição para o Pis, assim como a contribuição social para o FGTS
em 1966, estava diretamente ligada às mudanças que foram feitas no padrão
de financiamento das políticas públicas. Vale lembrar que a reforma
tributária fez parte de um grupo de grandes reformas – administrativa,
bancária e previdenciária – que tinham por objetivo a modernização do
aparelho de estado para dar conta do salto qualitativo no processo de
293
Embora antes da reforma já houvesse mecanismos de transferência para estados e municípios, é em
1965 que se constituem o FPE e o FPM na forma como vigoram até hoje, isto é, centralizando percentuais
do Imposto de Renda e do IPI. O que mudou ao longo dos anos, e como se verá, de maneira bastante
significativa, foram justamente estes percentuais.
TP
PT
294
TP
PT
Sobre as contribuições criadas nos anos 70 ver Azeredo (1987).
263
industrialização que estava sendo pretendido. E, de fato, estes fundos
cumpriram essa função de ampliação da capacidade de financiamento do
estado: o FGTS, como principal fonte de recursos para o Banco Nacional de
Habitação e o PIS-PASEP como fonte de receitas para o BNDE (Azeredo,
1987, pp. 8-9).
Quadro 3 - Repartição das Receitas Tributárias: 1964 – 1988
1964-1967: A reforma tributária feita pelo regime militar estabeleceu a base do atual sistema
de repartição da receita. Vinte por cento do produto dos principais impostos federais –
produtos industrializados (IPI) e renda (IR) –foram destinados em partes iguais a um Fundo de
Participação dos Estados (FPE) e um Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e
distribuídos de acordo com uma fórmula própria.
1968: A porcentagem dos impostos federais partilhados com os estados e municípios foi
reduzida à metade e foi criado um Fundo Especial formado com 2% dos mesmos impostos para
aumentar o controle federal sobre o uso dos recursos fiscais. A autonomia fiscal dos governos
subnacionais foi reduzida a um mínimo e permaneceu assim até o começo da transição gradual
para a democracia.
1975-1983: Emendas constitucionais promulgadas em 1975 e 1980 levaram a um progressivo
aumento da participação dos estados e municípios na arrecadação federal do IPI e do IR. Em
conseqüência, os estados e municípios recuperaram as perdas causadas em 1968 (a
porcentagem desses dois impostos que compõem o FPE e o FPM atingiu 10,5% em 1983).
1984-1988: A aceleração do ritmo da democratização aumentou a pressão dos governos
subnacionais por maior participação nas receitas tributárias. O FPE e o FPM aumentaram
novamente em 1984 e 1985, chegando respectivamente a 14% e 16% dos impostos federais. Ao
mesmo tempo, foram adotadas medidas para conter as tentativas federais de reduzir a
participação de estados e municípios nessas receitas.
1988: Com a nova Constituição, a porcentagem de impostos federais que compõem o FPE e o
FPM subiu novamente durante cinco anos consecutivos, atingindo 22,5% em 1993. Outros 10%
do IPI formaram um fundo separado para compensar os estados por não tributarem as
exportações de bens manufaturados. Além do mais, 3% do IR e do IPI foram destinados a um
fundo de desenvolvimento regional para financiar investimentos no Norte, Nordeste e CentroOeste.
Fonte: Rezende e Afonso (2003).
Já o segundo movimento pode ser visualizado pelas sucessivas elevações dos
percentuais de destinação de recursos ao FPE e ao FPM a partir de 1976, através de
emendas constitucionais (Emendas n. os 5/75, 17/80 e 23/83). Os percentuais do produto
P
P
da arrecadação do IR e do IPI destinados ao FPE e ao FPM, que em 1975 eram de
apenas 5%, atingiram, em 1982, 10,5%. E ao final do regime militar, em 1985, as
transferências federais para estados e municípios, via FPE e FPM, chegavam
respectivamente a 14 e 16% da arrecadação conjunta de IR e IPI.
264
2.3 O Sistema Tributário na Constituição de 1988
O grande diferencial do sistema tributário criado pela Constituição de 1988 em
relação àquele originado na reforma de 65-67 foi o caráter absolutamente aberto,
transparente e democrático que marcou sua discussão – assim como de resto todo o
processo da Assembléia Nacional Constituinte. Enquanto que o sistema gerado na
década de 60 foi fruto do trabalho de uma tecnoburocracia alheia aos reclames da
sociedade 295 , pode-se dizer que os trabalhos da Constituinte foram a antítese desse
TP F
FPT
processo, uma vez que não apenas permitiam a intensa participação de todos os
constituintes, como também a participação direta da população, através das emendas
populares. Além disso, introduziu-se um componente inédito, que vinha a ser a
liberdade de concepção, “(...) que não havia ocorrido em processos constitucionais
anteriores que, por se basearem em textos previamente preparados por especialistas,
tendiam a limitar a discussão aos tópicos ali expostos e já eivados pelos vieses dos
autores” (Varsano, 1996, p. 13).
Todavia, alguns autores argumentam que, não obstante todos estes pontos
positivos que marcaram os debates da Constituinte e da reforma tributária nela inserida,
dados o ineditismo e a dificuldade de coordenar um processo daquela envergadura,
resultou uma estrutura tributária com sérios problemas. Na opinião de Varsano (1996),
A Assembléia Nacional Constituinte, (...), ao fracionar a discussão do papel
do Estado por quase todas as comissões – enquanto em uma delas se
desenhava, isoladamente, o sistema tributário –, criou um sistema de
financiamento insuficiente para o tamanho do Estado implicitamente
definido nas diversas comissões. Este, por sua vez, não se fundamentou em
uma previsão realista de recursos para o financiamento de suas ações. A
situação de desequilíbrio orçamentário que já existia, ao invés de ser
eliminada, consolidou-se. (Varsano, 1996, p. 14)
295
TP
PT
Embora se possa fazer a ressalva de que o grande empresariado tenha sido muito bem representado.
265
Neste sentido, para este autor, embora houvesse um grande sentimento nacional,
presente na Constituinte, dado inclusive pelo contexto político, de redemocratização e
conquista de direitos sociais, de atendimento da grande quantidade de demandas
acumuladas por longos anos pela população – que se expressava no “tamanho do Estado
implícito nas comissões” –, a elevação da carga tributária – que poderia financiar este
Estado – não logrou entrar para a lista dos objetivos prioritários da reforma.
Dessa forma, embora estados e municípios tenham se beneficiado com a
descentralização tributária promovida, a ausência de um projeto negociado também de
distribuição de encargos seria responsável pela construção de um federalismo manco, à
medida que contaria com uma de suas pernas - a do governo federal - fragilizada
financeiramente, colocando em risco o atendimento de suas responsabilidades, que
haviam se ampliado com os resultados da Constituição (aumento do percentual
destinado à educação de 13% para 18%, gastos adicionais com a criação de novos
estados, ampliação de recursos vinculados à saúde, à assistência à família e à criança).
Não bastasse isso, o enfraquecimento financeiro do governo federal, além de
nocivo para o equilíbrio federativo e para o cumprimento das novas responsabilidades
do Estado, limitaria ainda sua ação, já que contando com recursos escassos, na
implementação de políticas voltadas para o desenvolvimento e para a redução das
desigualdades regionais de renda, prejudicando, paradoxalmente, as regiões mais pobres
que são mais dependentes de transferências federais, e que mais resistências colocaram
à aprovação do projeto de descentralização dos encargos.
De todo modo, o desenho do sistema tributário foi marcado, até mesmo como
uma reação natural a mais de vinte anos de concentração do poder político, por uma
forte intenção de se alçar a questão federativa como o principal objetivo a ser atingido.
Neste sentido, o aumento do grau de autonomia dos estados e municípios e a
266
desconcentração dos recursos tributários tornaram-se os eixos mestres das discussões da
reforma tributária.
A ampliação do grau de autonomia fiscal dos estados e municípios se deu
através de várias modificações na legislação tributária até então vigente. A primeira, e
talvez a mais importante, foi a ampliação da base de incidência do ICM, que passou a
abarcar os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações,
dando origem ao atual ICMS. Em segundo lugar, a cada estado foi atribuída a
competência para fixar autonomamente as alíquotas deste que é seu principal imposto (o
ICMS). Além disso, vedou-se à União o poder, outrora previsto na Constituição
anterior, de conceder isenções e incentivos de impostos estaduais e municipais,
impedindo-se também a imposição de condições ou restrições à transferência de
recursos às unidades subnacionais por parte do governo federal 296 .
TP F
FPT
Acrescente-se a isso o aumento significativo dos percentuais da arrecadação
conjunta de IR e IPI destinados ao FPE e ao FPM, realizado de maneira escalonada, de
forma que, em 1993, chegassem aos atuais 21,5 e 22,5%, respectivamente. Finalmente,
foram criadas ainda uma partilha do IPI, na qual os estados passariam a repartir 10% de
sua arrecadação em proporção à exportação de produtos manufaturados, e os fundos
constitucionais de desenvolvimento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste,
compostos por 3% da arrecadação de IR e IPI, controlados pelas instituições financeiras
federais de caráter regional.
Cabe destacar ainda a criação, no processo da Constituinte, de um importante
mecanismo institucional, o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ),
órgão colegiado que viria ser constituído pela totalidade dos secretários estaduais de
Fazenda, mais o Ministro titular desta pasta. O CONFAZ foi idealizado para ser o
296
TP
PT
Ver Varsano (1996).
267
instrumento de coordenação entre a União e os governos estaduais, no sentido de
permitir, preservada a autonomia fiscal-tributária de cada Unidade da Federação, a
harmonização entre as políticas tributárias dos estados. Para isto, foi previsto na lei que,
para que um estado implementasse modificações em sua estrutura de alíquotas de
ICMS, tal decisão deveria ser respaldada por aprovação unânime dos demais membros
do CONFAZ. Na prática, porém, esta legislação passou a ser sucessivamente
desrespeitada, dando origem, especialmente nos últimos anos, ao surgimento das
chamadas “guerras fiscais” que os estados têm promovido para atrair empresas e
investimentos.
Para autores como Varsano (1996, 1997, 1998) e Rezende (1996), o grande
problema que surgiu em decorrência de todo este movimento pró-descentralização foi
que a perda de recursos disponíveis da União, resultante do aumento das transferências
e da eliminação de cinco impostos, cujas bases foram incorporadas à do ICM para
formar o campo de incidência do ICMS, não foi contrarrestada pela necessária –
inclusive do ponto de vista do almejado fortalecimento da Federação – descentralização
de encargos junto às unidades subnacionais, em virtude de controvérsias políticas à
época da Constituinte. Assim, nesta concepção, “(...) a Constituição de 1988, além de
consolidar uma situação de desequilíbrio do setor público, concentrou a insuficiência de
recursos na União e não proveu os meios, legais e financeiros, para que houvesse um
processo ordenado de descentralização dos encargos” (Varsano, 1996, p.16).
Há que se considerar, entretanto, que esta é uma visão particular destes autores.
A questão da descentralização política consagrada pela Carta de 88, com todos os seus
rebatimentos – sobre a esfera tributária, inclusive –, e suas implicações no que respeita a
aspectos como o desequilíbrio resultante do setor público, com a conseqüente perda de
força do Estado no sentido de comandar investimentos, constitui terreno ainda a ser
268
explorado com maior profundidade, tanto em termos teóricos como empíricos 297 . É
TP F
FP T
preciso ressaltar especialmente que esta é uma questão que se insere dentro de um
arcabouço analítico mais amplo, que contempla a relação entre os fluxos de poupança
privada e pública no contexto do financiamento do desenvolvimento em uma economia
dependente. 298
TP F
FP T
2.4. A Evolução Posterior a 1988
A principal característica do período pós-Constituição, no que respeita à política
tributária empreendida pelo governo federal, tem sido a adoção de sucessivas medidas
para compensar suas perdas e fazer face a seu desequilíbrio fiscal crônico.
Frequentemente, tais medidas têm girado em torno da criação de novos tributos e da
elevação das alíquotas dos já existentes, especialmente daqueles que não constituem
objeto de partilha com estados e municípios.
Para
compensar as perdas de
recursos que
sofrera
e capacitar-se,
financeiramente, a atender as novas responsabilidades que lhe foram atribuídas com a
Constituição de 1988, o governo federal passa a pôr em marcha, já a partir do primeiro
ano após a promulgação da nova Carta Magna, um período de ajustamentos em suas
finanças, que, pelas suas características, não somente se revelarão prejudiciais para
competitividade da economia como representarão o início de um processo de
297
Não se pode esquecer que, se houve alguma melhora nos indicadores sociais nos últimos dez anos – e
os dados disponíveis confirmam esta tendência –, isto pode ser creditado pelo menos em parte aos gastos
realizados nas esferas subnacionais em áreas como educação, saúde e assistência social; cabe lembrar que
isso está relacionado não apenas às receitas disponíveis, mas também aos repasses estabelecidos em lei e
à execução descentralizada dos recursos orçamentários . Souza (2002), por exemplo, discute os incentivos
que a descentralização promove, em termos de maior participação dos governos locais na provisão de
serviços sociais e na adoção de políticas participativas.
TP
PT
298
Esta questão, por sua vez, vem a se inserir numa área de pesquisa recentemente aberta por autores
como Tavares & Fiori (1997) e Fiori (1999). Nestes trabalhos, tem-se procurado retomar o debate sobre o
desenvolvimento econômico global e a distribuição desigual da riqueza entre os Estados nacionais,
levantando-se indagações sobre o futuro do desenvolvimento na periferia capitalista. No entanto, não há
uma abordagem específica nesta linha de pesquisa que trate das questões relacionadas aos impactos dos
sistemas de tributação sobre os perfis distributivos das sociedades capitalistas modernas.
TP
PT
269
enfraquecimento
da
federação.
Aprovada
para
revitalizar o federalismo,
a
descentralização de recursos, desacompanhada de um projeto correspondente de
descentralização de encargos e de recriação dos mecanismos de cooperação
intergovernamental, passaria a condicionar, assim, a natureza de um ajuste fiscal, o
qual, sem enfrentar as causas que conduziram a esse desajuste, se transformará em
obstáculo para o crescimento da economia, à medida que gerador de uma carga
tributária em crescente elevação, composta por impostos de má qualidade e, pelas suas
características, em instrumento de desconstrução do federalismo.
São exemplos deste fato a criação da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL) – que todavia estava prevista na Constituição –, em 1989, e do Imposto
Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF), depois transformado em
contribuição (CPMF), além das sucessivas majorações da alíquota da Contribuição para
Financiamento da Seguridade Social (atual Cofins, ex-Finsocial), atualmente em 3%.
Ressalte-se que todos estes tributos, sem exceção, incidem de maneira cumulativa no
processo produtivo. Além disso, impostos que teoricamente deveriam ter função
predominantemente extrafiscal, isto é, com utilização voltada para objetivos de política
econômica mais gerais (comércio exterior e política monetária), como o Imposto de
Importação e o IOF, passaram a ser utilizados como importantes instrumentos de
geração de receitas pelo governo federal, também pelo fato de suas receitas não serem
partilhadas com as unidades subnacionais (Quadros, 1995). Neste, sentido, como já
indicado acima, as contribuições sociais desempenharam um papel fundamental no
ajuste fiscal 299 .
TPF
299
TP
PT
FPT
Gentil (2006) demonstra o ponto com evidências bastante precisas.
270
Conforme mencionado mais atrás, desde a segunda metade da década de 90, foi
observada apreciável elevação da arrecadação tributária no país medida em proporção
do PIB (produto interno bruto) – isto é, da carga tributária nacional (Tabela 1, a seguir).
Após a estabilização da economia brasileira – proporcionada pelo Plano Real em
meados de 1994 –, a carga tributária nacional saltou do patamar de cerca de 25% do PIB
para algo próximo a 30% do produto. Importa observar que a receita total do governo
federal (incluindo previdência) somava 16,5% do PIB no período 1991/93; passa a
18,58% do PIB no período 1995/98; e no período que se sucede (1999/2002), a receita
tributária do governo central dá um salto, passando a 22,7% do PIB. O aumento de
receitas do tesouro se dá principalmente em função dos impostos não partilhados com
os governos subnacionais, cuja arrecadação sobe de 9,6% para 13,5% do PIB, com
destaque para os impostos sobre receita das empresas (COFINS), cuja receita mais do
que dobrou (de 1,46% para 3,74%) e para o “imposto sobre cheques” (CPMF), que foi
criado em 1996, recriado inúmeras vezes e que se consolida como o terceiro principal
tributo federal em fins da década (com arrecadação de 1,3% do PIB).
Após a crise cambial de 1999, foi iniciada uma nova escalada tributária. A
arrecadação em proporção do produto bateu sucessivos recordes até atingir um recorde
histórico em 2005: cerca de 33,7% do PIB (Tabela 1). Esta dinâmica se coaduna,
cumpre repetir, com um dos pilares da política econômica implementada no Brasil após
os acordos com o FMI firmados no período da crise cambial: a geração de expressivos
superávits primários pelo setor público para viabilizar o pagamento de encargos
financeiros e a redução da relação dívida/PIB.
Em suma, no período posterior a 1988, o que se observa é um forte movimento
de ajuste fiscal, baseado essencialmente num vigoroso crescimento das receitas
tributárias, especificamente no âmbito da União, com o objetivo nítido de fornecer
271
respaldo a políticas macroeconômicas de estabilização monetária. Neste sentido, todo e
qualquer outro objetivo – inclusive o equilíbrio federativo – é posto em segundo plano.
A “recentralização” tributária, que implicou em particular num enfraquecimento
financeiro dos estados, e a perda, pelos governos subnacionais, de alguns graus de
autonomia em relação às decisões de gasto, com o declínio de sua receita própria no
total da arrecadação e o aumento de sua dependência das transferências federais para o
financiamento de seus gastos, constituem variáveis-chave nesse processo 300 .
TPF
FP T
Tabela 2 – Carga tributária, 1947-2006, em % do PIB
ANO
CARGA
ANO
CARGA
ANO
CARGA
ANO
CARGA
1947
1948
1949
1950
1951
1952
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1961
13,84
14,03
14,39
14,42
15,74
15,41
15,20
15,82
15,05
16,42
16,66
18,70
17,86
17,41
16,38
1962
1963
1964
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
15,76
16,05
17,02
18,99
20,95
20,47
23,29
24,87
25,98
25,26
26,01
25,05
25,05
25,22
25,14
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
25,55
25,70
24,66
24,52
25,25
26,34
26,97
24,34
24,06
26,19
23,77
22,43
24,13
28,78
25,24
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
25,01
25,78
29,75
29,41
29,09
29,56
29,64
31,71
30,40
31,90
32,30
31,90
32,80
33,70
34,53
Fonte: Araújo (1999), com atualizações pela SRF para os anos mais recentes.
Nota: 2006 refere-se a estimativa.
2.5 Desdobramentos Recentes
Em que pese a enorme diversidade de questões envolvendo a dinâmica e a
estrutura de funcionamento do federalismo brasileiro, não constitui equívoco apontar
dois aspectos como centrais em sua configuração atual. São eles o processo de
competição entre entes federados para atração de investimentos (“guerra fiscal”) e a
delicada questão da renegociação de suas dívidas com o governo federal.
300
TP
PT
Ver a respeito da “recentralização” depois de 1998, Almeida (2005)
272
A assim chamada guerra fiscal lança suas raízes em um vácuo criado pela
ausência de uma política regional patrocinada pela esfera federal para contrabalançar a
tendência à concentração das atividades econômicas modernas no estado de São
Paulo. 301 Sem ações fortes para promover o crescimento econômico das regiões menos
TP F
FP T
desenvolvidas, a tendência a reduzir a distância entre o PIB das cinco principais regiões,
que estava em andamento desde o final dos anos 70, parou na metade dos anos 80 e
permaneceu inalterada desde então. Um movimento ainda imperceptível na direção
oposta ameaça desencadear uma nova onda de aumento das desigualdades regionais
que, se concretizada, trará consigo instabilidade política. O principal instrumento da
nova rodada de competição por investimentos entre os estados brasileiros é a concessão
de benefícios fiscais, apoiados por generosas concessões financeiras. Nessa guerra
fiscal, os estados vêm concedendo vantagens cada vez maiores aos investidores
estrangeiros e nacionais para sediar novas unidades industriais. Esse processo provocou
críticas severas, baseadas principalmente no argumento de que o dinheiro público está
sendo desviado para beneficiar o capital externo, em detrimento de demandas atuais e
futuras da população. Além disso, a escalada da guerra fiscal é favorecida pelo princípio
origem-destino misto, aplicado ao imposto sobre valor agregado estadual.
Deve-se observar, no entanto, que outros elementos também desempenham um
papel nas decisões dos investidores sobre a melhor localização de suas fábricas. A
estabilidade política e a boa governança, por exemplo, estavam por trás da decisão de
indústrias manufatureiras tradicionais estabelecidas no sul do país de mudar-se para os
estados da Bahia e do Ceará, a fim de beneficiarem-se das melhores condições
encontradas nesses estados para seus negócios.
301
TP
PT
Ver Arbix (2000).
273
A nova onda de investimentos na indústria automotiva levou à instalação de
novas fábricas nos estados do Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do
Sul, não distantes do principal centro industrial de São Paulo, e a escolha de cidades
conhecidas pela qualidade de seu ambiente e de sua força de trabalho. Houve um único
caso de indústria automotiva que foi mais para o norte, para a Bahia, depois que o novo
governo estadual do Rio Grande do Sul rejeitou o acordo feito por seu antecessor, que
incluía um generoso apoio fiscal e financeiro. O quadro a seguir (quadro 4) resume
algumas informações básicas sobre a “guerra fiscal”.
274
Quadro 4 - A guerra fiscal
A assim chamada guerra fiscal disseminou-se na esteira de um virtual abandono pelo governo
federal das políticas regionais do passado, tendo em vista o impacto da crise macroeconômica
sobre as finanças federais. Abandonados, os governos estaduais optaram por fazer uso de
benefícios fiscais para atrair investimentos privados e promover o desenvolvimento industrial.
A principal arma dessa guerra é o princípio misto de origem-destino aplicado ao imposto sobre
valor agregado estadual e a complexidade de situações envolvida. Quando a produção ocorre
em uma região menos desenvolvida e o bem é consumido em uma mais desenvolvida, dois
terços do imposto são arrecadados na origem e um terço no destino. Essas proporções são
invertidas quando os bens são produzidos em estados desenvolvidos para serem vendidos nos
mais atrasados.
Para atrair novos investimentos os estados produtores concedem descontos integrais do
imposto devido na origem. Além disso, quando a produção é vendida nos principais centros de
consumo, os investidores podem reivindicar crédito pelo imposto supostamente arrecadado na
origem. Assim, o peso financeiro imediato desses benefícios é suportado, de fato, pelo estado
onde o bem é consumido.
A nova onda de investimentos privados nacionais e estrangeiros que se formou no início dos
anos 90 deu ímpeto a essa guerra. O medo de perder terreno na disputa por esses
investimentos, tendo em vista as melhores externalidades encontradas nos principais centros
industriais, levou ao oferecimento de maiores vantagens por estados menos desenvolvidos.
Uma vez iniciada, a guerra fiscal tende a crescer, na medida em que os investidores circulam
em busca de concessões ainda melhores enquanto competidores em outros estados exigem
vantagens iguais para sustentar um campo de jogo nivelado. Aumentam os conflitos na
federação à medida que as ameaças de mudança de localização tendem a igualar as condições
em todos os lugares.
No fim, os benefícios fiscais podem sair pela culatra. Com todos engajados na guerra, os
benefícios tendem a se igualar, perdendo assim sua eficácia como instrumento para atrair
investimentos. A essa altura, as decisões sobre investimento voltam ao básico: boa
infraestrutura e boas condições sociais. Como os incentivos reduzem a capacidade financeira
dos estados menos desenvolvidos para melhorar essas condições, eles estão fadados e perder a
guerra. As disparidades regionais podem aumentar na ausência de uma política regional
patrocinada pelo governo federal.
Sem contar com instrumentos suficientes, a competição na federação
concentrou-se em duas direções principais. Uma procurou benefícios fiscais e
financeiros para atrair investimentos. A outra deu destaque ao apoio político para ter
275
acesso às fontes federais de financiamento. No fim, esse tipo de competição pode levar
a um jogo de soma negativa. A fim de atrair investimentos, estados e municípios
privaram-se de futuras receitas orçamentárias que reduzem sua capacidade de responder
às atuais necessidades e às futuras que resultarão de um aumento da urbanização. Ao
reduzir seus recursos no futuro, tornam-se mais dependentes do acesso a recursos
federais, perdendo autonomia em relação a políticas que criam uma ambiente favorável
aos negócios. Desse modo, benefícios de curto prazo podem se transformar em custos
significativos no médio e longo prazo, adicionando mais instabilidade nas relações
federais 302 .
TP F
FP T
A competição entre os estados membros de uma federação é considerada por
alguns benéfica do ponto de vista da eficiência. Dessa perspectiva, se os governos
estaduais e municipais usam recursos públicos para criar um ambiente econômico e
social melhor para pessoas e negócios, a competição promoverá a eficiência econômica
e a satisfação social. Evidentemente, isso implica que as autoridades subnacionais
tenham autonomia para decidir a alocação de seus recursos, sejam eles compostos de
receitas próprias ou transferências. Como foi dito antes, essa condição não existe
plenamente na federação brasileira, o que significa que, em nosso caso, a competição
provoca distorções econômicas e injustiça social.
O segundo aspecto mencionado é o das finanças dos governos subnacionais. Em
relação a estas, identificadas como focos de descontrole das contas públicas, o governo
federal deslancharia um processo, em 1997, com a edição da Lei 9.496, de 11 de
setembro, que seria concluído em 1998, para garantir especialmente o refinanciamento
das dívidas mobiliárias estaduais (uma cronologia das renegociações das dívidas
302
“Além de comprometer ainda mais as já combalidas finanças de estados e municípios, minando as
tentativas de se alcançar qualquer equilíbrio fiscal, essa disputa distorce a competição no mercado e
provoca a diminuição dos investimentos privados já decididos nas matrizes das multinacionais,
diminuição esta que passa a ser compensada pela elevação dos gastos públicos” (Arbix , 2000, p.6).
TP
PT
276
estaduais entre 1989 e a edição da lei 9.496 se encontra abaixo, no quadro 5). O objetivo
desta renegociação era claro: estancar uma fonte de desequilíbrio das contas públicas,
traduzido nos significativos déficits nominais que vinham apresentando no período, o
que era indispensável para atenuar/remover as incertezas existentes sobre a capacidade
de solvência do Estado. Para isso, estados e municípios que assinaram o contrato de
renegociação da dívida com a União se comprometeram a destinar, anualmente, até 13%
de sua Receita Líquida Real (RLR) para o pagamento de seus encargos financeiros,
compromisso que assumiu o status de despesa obrigatória em seus orçamentos,
aumentando o seu grau de rigidez, mas que representaram a garantia de geração de
superávits primários. Além disso, o contrato proibiu a contratação de novas dívidas por
esses governos, até que sua RLR se equiparasse ao estoque de suas dívidas, eliminando,
portanto, a alternativa do endividamento como mecanismo complementar de
financiamento de suas atividades, e exigiu a realização de um ajuste estrutural de suas
contas, que incluía compromissos com a realização de reformas administrativa,
patrimonial, avanço dos processos de privatização e de permissão e concessão de
serviços públicos, além da proibição de geração de déficits operacionais.
Com a ratificação posterior dessas medidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF), aprovada em maio de 2000, passou-se a dispor de um instrumento legal de
controle e disciplinamento das contas dos distintos níveis de governo, capaz de garantir
uma gestão fiscal responsável, mas a verdade é que tanto o contrato da dívida como a
LRF não somente limitaram o grau de autonomia das instâncias subnacionais como
acrescentaram dificuldades adicionais para a administração de seus orçamentos com o
seu maior enrijecimento, à medida que ajustados para garantirem a geração de
superávits primários para o pagamento de parcela dos encargos da dívida com a União.
277
Quadro 5 - Cronologia das renegociações das dívidas estaduais
1989: Depois do colapso do plano de estabilização lançado em 1986, a lei 7976 autorizou o
Banco do Brasil a refinanciar as dívidas dos estados por vinte anos. Por ser parcial – o
refinanciamento limitava-se a dívidas para com o Tesouro Nacional – essa operação fez pouco
para resolver os problemas financeiros dos estados, que continuaram a se deteriorar sob o
impacto de altas taxas de juros e inflação acelerada.
1991: A lei 8388 estabeleceu novas condições para refinanciar dívidas não incluídas na
renegociação de 1989. Vinte anos para quitar, com juros de 6% e pagamentos mensais
limitados a 11% das receitas no primeiro ano e 15% depois. Como as condições não foram
aceitas, essa proposta não se materializou.
1993: Conforme as diretrizes estabelecidas pela lei 8388/91, a lei 8727/93 possibilitou o
refinanciamento de dívidas pendentes para com instituições financeiras federais, inclusive
pagamentos devidos desde 1991. Os limites para reembolso foram baixados para 9% das
receitas no primeiro ano e 11% depois. Embora as novas condições permitissem a
regularização dos pagamentos da dívida, elas não cobriam todo o problema, pois as dívidas
para com os bancos privados e títulos não estavam incluídas.
1995: Depois do Plano Real, o governo federal mudou sua abordagem da renegociação das
dívidas dos estados e introduziu novas medidas para controlar o endividamento. A partir de
então, o refinanciamento estaria associado às reformas do setor público, incluindo
privatizações e condições para cumprir as metas estabelecidas para ajustar as contas fiscais.
Além disso, os novos acordos teriam de ser submetidos aos legislativos estaduais.
1996: Novas regras foram introduzidas pela Medida Provisória 1560, dando ao governo
federal poder para renegociar todos os tipos de dívidas. As negociações deveriam ser feitas
caso a caso, dependendo das medidas adotadas pelos estados. O objetivo final era trazer o total
das dívidas financeiras dos estados a níveis abaixo de suas receitas líquidas.
1997-98: A lei 9496/97 criou critérios a serem adotados nas renegociações, estabelecendo
metas para a dívida total, superávit primário, folha de salários, arrecadação de impostos e
privatização. Dos 27 estados, 24 assinaram acordos com o governo federal dentro das regras
desta lei.
Fonte: Lopreato (2000).
Sobre a deterioração das contas fiscais dos governos estaduais e municipais na
segunda metade dos anos 90 recaíram diversos fatores. Um ingrediente importante da
estratégia de estabilização monetária era a manutenção de altas taxas de juros,
278
aumentando o peso dos pagamentos de juros sobre os orçamentos estaduais e
municipais. Como essas taxas implicavam uma economia menos dinâmica, as receitas
próprias e as transferências federais não cobriam os compromissos adicionais dessas
esferas, aumentando o déficit subnacional. Portanto, a renegociação das dívidas dos
estados realizada em 1997 e 1998 não pode ser considerada propriamente um caso
clássico de “salvação”, pois as políticas macroeconômicas estavam por trás da
deterioração das finanças estaduais.
Enquanto o governo federal podia refazer sua situação fiscal aumentando a carga
tributária com contribuições sociais, as autoridades estaduais e municipais não tinham
essa possibilidade. Em conseqüência, o déficit primário dos governos subnacionais no
período 1995-98 podia ser compensado com um superávit nas contas federais, evitando
assim um resultado total negativo.
Pelas regras estabelecidas pela lei 9496/97, o governo federal assinou
renegociações de dívidas com 24 estados, num total de US$ 82 bilhões (equivalentes a
10,5% do PIB), em condições bastante favoráveis: trinta anos para pagamento e taxas de
juros fixas entre 6% e 7,5%. Além disso, o reembolso não deveria superar 15% das
receitas atuais (essa porcentagem poderia baixar até 11%). Por esses acordos, os estados
não poderiam emitir novos títulos até que suas dívidas totais fossem compatíveis com
suas receitas anuais. Se não cumprirem com seus compromissos, o governo federal tem
o direito de bloquear as transferências do Fundo de Participação dos Estados e os
estados perdem também os benefícios especiais do acordo.
As crises financeiras internacionais trouxeram mais dificuldades para a
economia brasileira e a federação. O remédio aplicado para combater o impacto das
crises asiática e russa – um aperto nas políticas monetária e fiscal – aumentou as
dificuldades dos estados e municípios para responder às demandas de suas populações.
279
Com a economia andando devagar, as receitas dos impostos não proporcionavam espaço
suficiente para melhorar as políticas públicas, gerando apreensão nas autoridades locais
que pretendiam fazer uso da emenda constitucional que permitia a reeleição em todos os
níveis.
Para evitar o risco de repetir experiências passadas de sucessivas renegociações
das dívidas estaduais, que poderiam comprometer o cumprimento das metas fiscais
estabelecidas no acordo do governo federal com o FMI, fez-se um aperto no controle do
endividamento dos estados após a renegociação de 1997-98. A Resolução 78/98 do
Senado proibiu novos empréstimos de qualquer tipo aos estados que apresentassem um
déficit primário no período de doze meses anterior à aplicação, reduziu as margens de
endividamento e aplicou uma redução gradual na proporção dívida/receita. Os contratos
assinados com os estados também proibiam a emissão de nova dívida em caso de não
cumprimento da trajetória estabelecida para reduzir a proporção dívida/receita, ou
contrair nova dívida que pudesse alterar essa trajetória.
Do lado da oferta, controles criados pelo Conselho Monetário Nacional e o
Banco Central impuseram tetos à exposição das instituições financeiras a empréstimos
concedidos aos estados, municípios e instituições sob seu controle. As duras restrições
sobre a gestão de recursos fiscais no nível subnacional trouxe resultados importantes de
uma perspectiva macroeconômica. As contas fiscais consolidadas dos governos
estaduais e municipais atingiram um superávit primário de 1,1% do PIB em 2001, em
comparação com um déficit de 0,7% em 1997.
Do ponto de vista dos serviços públicos urbanos, no entanto, o preço foi alto. Os
gastos dos governos subnacionais em segurança pública, transporte, habitação e serviços
urbanos caíram para 3,1% do PIB em 2000, de um nível já baixo de 4,1% em 1996,
embora a urbanização continuasse crescendo. O mesmo não ocorreu com os gastos em
280
serviços sociais – educação, saúde e saneamento – que aumentaram dos 5,5% do PIB
registrados em 1996 para 7% em 2000, devido ao aumento das transferências de
recursos do governo federal destinado a aumentar a descentralização desses serviços
(SUS e FUNDEF).
A prioridade esmagadora atribuída à estabilização monetária em uma época de
abertura
econômica
impôs
não
somente
severos
constrangimentos
à
ação
governamental, como também implicou um enfraquecimento ainda maior da federação.
De um lado, a política macroeconômica significava um golpe pesado na autonomia dos
governos subnacionais com conseqüências políticas importantes, como mencionado
acima. De outro lado, a abertura da economia à competição estrangeira e a incapacidade
do governo federal de tratar dos desequilíbrios regionais levaram a um aumento dos
conflitos entre jurisdições que não favoreceu o avanço de importantes reformas
institucionais.
3. Estado e distribuição de renda: a regressividade do sistema tributário brasileiro
3.1. Introdução
Duas avaliações parecem desfrutar de unanimidade (ou quase), entre os
estudiosos do atual quadro sócio-econômico brasileiro: a carga tributária é demasiado
elevada, em se tratando de uma economia em desenvolvimento, e a distribuição de
renda é incompreensivelmente desigual, dado o volume de riqueza produzido no país.
O aparente consenso esmorece, contudo, na medida em que, ultrapassado o mero
reconhecimento dos males, se busca identificar a natureza ou os determinantes dos
mesmos, e se esvai inteiramente quando o diálogo entre os temas se estabelece. 303
TP F
FP T
303
São poucos os trabalhos que relacionam as questões da estrutura tributária e da desigualdade. Em
geral, essas questões são tratadas isoladamente. Daí a contradição implícita na primeira frase do
parágrafo. Dada a constatação de que o Brasil é um país de renda média, os autores que lidam com a
TP
PT
281
Assim, no que concerne à carga tributária, embora boa parte da literatura se
preocupe em assinalar apenas ou prioritariamente seus efeitos sobre a competitividade
dos agentes privados, há autores que examinam o crescimento ocorrido na última
década chamando a atenção para o fato de que:
(...) o patamar mais elevado dos tributos deve-se, especialmente, ao
aumento da carga incidente sobre bens e serviços que chegam, em 2003, a
65% da arrecadação global [e são] esses tributos que atingem especialmente
os consumidores assalariados, que têm elevada propensão marginal a
consumir, ou ainda, que gastam tudo o que ganham, e pagam pelos impostos
e contribuições sociais embutidos nos preços dos bens e serviços que
consomem (Gentil, 2006, p. 218).
De forma análoga, em relação às desigualdades, no que pese a predominância,
hoje, de estudos que relevam, entre seus determinantes, aspectos como os demográficos,
os comportamentais e/ou os educacionais, há aqueles que, não se limitando a verificar
correlações (recorrentemente positivas) entre indicadores, reiteram, como fundamentais
à compreensão do fenômeno, as (recorrentemente omitidas) causas estruturais. Salm
(2006), criticando o teor da análise contida no Relatório IPEA 2006 304 - paradigmático
TP F
FP T
do citado tipo de estudos -, ressalta os vínculos que o problema das desigualdades
guarda com a estrutura tributária vigente.
Num país com estruturas de consumo muito diferenciadas, como o Brasil,
onde é tão elevado, entre os pobres, o peso dos gastos em itens essenciais
como alimentação e transporte, não se justifica a omissão no estudo de
qualquer referência ao assunto [preços relativos]. O barateamento relativo
da cesta básica, e de outros produtos de consumo popular – devido em parte
à valorização cambial - terá certamente contribuído para elevar o poder de
compra dos estratos de baixa renda. Com efeitos contrários, mas em
conexão com este item, cabe registrar também que, a não ser em uma breve
menção, quase nada é dito pelo relatório a respeito da elevada incidência
dos impostos indiretos, altamente regressivos, em nossa estrutura tributária.
(Salm, 2006, p. 294).
questão tributária tendem a enfatizar o fato de o país não ser rico, enquanto os que se debruçam sobre a
questão das desigualdades tendem a enfatizar o fato do país não ser pobre. São exemplos,
respectivamente, Varsano (1996) e Barros & Mendonça (2000).
304
Publicado em livro (que inclui o artigo de Cláudio Salm) organizado por Ricardo Paes e Barros,
Nathan Foguel e Gabriel Ulyssea. Ver, na bibliografia, IPEA (2006).
TP
PT
282
Esta seção tem por objetivo examinar o sistema tributário brasileiro no que se
refere à dimensão da equidade, abordando sua natureza regressiva e sua incidência
sobre diferentes estratos da pirâmide social. Pretende-se com isso corroborar as
afirmações (como as citadas acima) que lhe atribuem papel relevante na persistente
estrutura de desigualdades 305 . Para tanto, serão revisitados alguns trabalhos que
TP F
FP T
fornecem evidências empíricas coerentes com tais afirmações.
3.2 Evidências sobre os impactos distributivos do sistema tributário
A despeito do forte viés marginalista presente na maior parte da literatura
moderna sobre teoria da tributação, dela depreende-se que, de modo geral, em um
sistema tributário a tributação direta é o instrumento através do qual se busca atingir os
objetivos de equidade, enquanto que a meta de eficiência repousa predominantemente
sobre a tributação indireta 306 . É praticamente lugar comum nessa literatura (produzida
TP F
FP T
basicamente nos anos 60 e 70) a formulação de que os tributos diretos – destacando-se o
imposto sobre a renda – favorecem a equidade porque eles podem
ser
“personalizados” 307 conforme características sócio-econômicas, dentre outras, renda,
TP F
FP T
tamanho da família e patrimônio. Em outras palavras, podem ser estabelecidos com
305
A proposição inversa – a de que o sistema tributário é potencialmente capaz de alterar a estrutura de
desigualdades – tão consistente quanto a aqui adotada, não constituiu objeto do capítulo. Hoffmann
(2002) faz algumas simulações procurando demonstrar que determinadas mudanças no imposto de renda
(que ele mesmo reconhece como utópicas na conjuntura brasileira) aumentariam significativamente o
potencial redistributivo do sistema.
TP
PT
306
Na teoria convencional sobre sistemas tributários, em geral há convergência entre os autores na
identificação de dois conjuntos de características básicas “desejáveis” para um desenho tributário. O
primeiro tem a ver com a eficiência: não interferência na alocação ótima de recursos, capacidade de
corrigir distorções em alguns setores do mercado, baixos custos administrativos e flexibilidade para
responder a mudanças conjunturais na economia. O segundo se relaciona à equidade: ter transparência
(ser compreensível para o contribuinte) e incidir diferentemente sobre indivíduos com características
sócio-econômicas diferentes (ser “justo”). Para uma análise mais detalhada das questões conceituais nas
teorias da tributação ver Vianna (2000).
TP
PT
307
Atkinson (1977). Na expressão de Shoup (1969), apud Atkinson (1977), “tailored”, isto é, feito sob
medida.
TP
PT
283
facilidade parâmetros de progressividade na tributação direta, ainda que isto implique
perdas de eficiência e aumentos de custos do sistema tributário.
Hoje em dia, contudo, já não impera o consenso outrora existente sobre o caráter
regressivo da tributação indireta, ainda que se mantenha a visão de sua contrapartida
positiva de permitir maior eficiência do sistema tributário. Trabalhos recentes, como o
de Creedy (1997), têm levantado controvérsias a respeito desta questão, colocando em
debate a natureza da regressividade dos tributos indiretos. Não caberia aqui discorrer
sobre os termos de tal debate 308 embora caiba anotar que autores brasileiros não estão
TP F
FPT
alheios a ele.
Rezende (1996), por exemplo, entende que o modelo de tributação direta sobre a
renda foi concebido em um contexto em que não era expressiva a mobilidade de fatores
de produção e dos fluxos financeiros e comerciais. A determinação das bases
impositivas, então, tomava como referência a localização física de grande parte das
atividades econômicas, que, por seu turno, respeitava os limites impostos pelas
fronteiras de cada país. Com as mudanças ocorridas nas últimas décadas em âmbito
mundial, como a aceleração dos processos de globalização dos mercados e a formação
de blocos regionais de comércio, as condições anteriores teriam se alterado. No atual
contexto, a acirrada disputa por aplicações produtivas e financeiras forçaria moderação
na utilização de impostos e contribuições sobre fatores de maior mobilidade.
Segundo autores como Rezende (1996), Spíndola (1998) e Hinrichs (1996), uma
vez que os impactos de determinadas políticas (não apenas a tributária) sobre as
decisões dos agentes econômicos não estão mais circunscritos aos limites territoriais de
cada país, existem também sérias restrições à adoção de práticas tributárias
308
TP
PT
Ver a respeito do mesmo, Vianna (2000) e Afonso, Araújo e Vianna (2004).
284
“isolacionistas”. 309 Para Rezende (1996), à medida que os “vícios da exagerada
TP F
FP T
progressividade” dos impostos sobre a renda começaram a se mostrar perversos, foi
abalada a crença, longamente acalentada, de que o ideal da justiça fiscal consistia em
tributar pesadamente os grandes lucros e as altas rendas.
Subjacente a tal suposto, estaria uma percepção amenizada da regressividade dos
impostos indiretos – sobre o consumo local de bens e serviços - tidos como alternativas
para os governos necessitados de receitas. Talvez por compartilharem essas premissas,
os autores que valorizam certas características da população na explicação da
continuada desigualdade no Brasil (composição etária, cor da pele, escolaridade, etc)
descurem o tema da estrutura tributária na identificação de suas causas.
No caso brasileiro, o que estudos empíricos sobre tributos têm mostrado é que os
impostos sobre bens e serviços são regressivos e reforçam as desigualdades. Mais ainda,
que a crescente progressividade da tributação direta (em particular do imposto de renda)
não tem sido suficiente para contrarrestar os efeitos negativos, em termos de equidade,
dos impostos indiretos 310 . Vale frisar, porém, que os trabalhos examinados a seguir são
TPF
FP T
309
Segundo SPÍNDOLA (1998, p. 3): "... as bases tributárias tradicionais, sobre as quais se assentavam os
sistemas arrecadatórios, vão se transformando aceleradamente no decorrer do processo de globalização.
Estimar adequadamente o lucro tributável, resultante de operações que se iniciam em determinado país, se
desenvolvem em outros e se concluem em um terceiro, torna-se um verdadeiro desafio para as
administrações tributárias modernas. A maior participação dos serviços, de bens intangíveis e de
operações virtuais no comércio mundial, além da forte presença do componente externo na renda dos
contribuintes nacionais, cria dificuldades adicionais para a perfeita e completa identificação da base
imponível. Os ativos financeiros, em especial, se tornam cada vez mais voláteis, e verdadeiramente
escapam ao controle tributário. As fronteiras nacionais se diluem no chamado ‘fluxo planetário de
capitais’ que redefine a localização de indústrias e redistribui a renda e o emprego em escala mundial.
Em resumo, o capital tende a se movimentar desde o país com maior carga tributária para outros com
menor carga tributária".
TP
PT
310
Esta formulação se opõe inteiramente àquelas que consideram negligenciável o impacto distributivo
do imposto de renda, e sua importância limitada “ao papel como fonte de arrecadação”, supondo que “as
transferências diretas para as famílias no extremo inferior da distribuição são muito mais eficazes para
reduzir a desigualdade de renda do que o imposto de renda” (Rocha, 2002, p.73).
TP
PT
285
apenas alguns, obviamente, entre os muitos que enfocam o tema e estão longe de uma
posição consensual 311 .
TP F
FP T
O trabalho de Eris et al.(1983) 312 é um dos
TP F
FP T
primeiros a tratar os efeitos
distributivos do sistema tributário, abarcando os principais impostos que constituíam a
carga fiscal na época. Em que pese o fato de ser um trabalho relativamente antigo, ainda
mais em se considerando a velocidade e a intensidade das transformações por que
passou o sistema tributário brasileiro, sua análise é interessante no sentido de observar
como algumas características estruturais do sistema – em especial no que respeita a
aspectos de equidade – mantiveram-se inalteradas.
A partir das simulações realizadas, os autores obtiveram uma listagem de todas
as famílias da amostra representativa da população brasileira, contendo a renda
disponível de cada uma delas no status quo e na ausência de um ou mais tributos 313 .
TPF
FP T
Estes dados foram agrupados em dois tipos de resultados: uma “tabela de distribuição”,
constituída pelas informações sobre os perfis de distribuição de renda nas situações com
e sem o imposto analisado, e uma “tabela de alíquotas”, em que são apresentados os
percentuais pelos quais as rendas disponíveis no status quo aumentariam se o imposto
311
Uma observação que se deve fazer de antemão é que, de modo geral, estes estudos tomam como
referencial para a análise de incidência as unidades familiares. Isto se dá porque os principais tributos que
compõem o sistema de impostos brasileiro, sobretudo os indiretos, recaem predominantemente sobre as
unidades de consumo, isto é, os indivíduos e/ou as famílias. Outra observação relevante é que os estudos
usam metodologias diferentes, o que não será objeto, aqui, de exame. Uma revisão que contempla os
aspectos metodológicos das investigações sobre impactos do sistema tributário brasileiro se encontra em
Afonso, Araújo e Vianna (2004).
TP
PT
312
A principal fonte de dados do trabalho foi o Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF),
realizado pelo IBGE em 1974, que vem a ser a mais completa pesquisa sobre despesas familiares de
âmbito nacional já feita no país.
TP
PT
313
Considerando uma distribuição de renda inicial que não seria afetada por fatores dinâmicos (ou seja,
realizando uma análise estática, de curto prazo), o estudo consistiu basicamente na avaliação de como esta
distribuição seria influenciada pela existência de impostos. Isto foi feito através da comparação entre dois
estados da economia: o inicial, em que todos os impostos estão presentes (status quo), e o alternativo,
ocasionado pela ausência de um ou mais impostos em questão. Os impostos considerados foram o IR, os
impostos indiretos federais (IPI, os antigos impostos únicos e o Imposto de Importação), as contribuições
para a Previdência Social (além da contribuição para o PIS) e o ICM. Os impostos municipais foram,
portanto, desconsiderados.
TP
PT
286
analisado fosse extinto. Estas tabelas foram construídas por faixas de renda e por
regiões, mais o total do Brasil.
O primeiro caso analisado é aquele em que todos os impostos considerados no
estudo são simultaneamente eliminados. Os autores chamam a atenção para dois
aspectos referentes aos resultados desta situação. Em primeiro lugar, para a alta
incidência do sistema tributário tomado em conjunto sobre as camadas mais pobres da
população: para a primeira classe de renda (de zero a um salário mínimo), as medianas
das alíquotas obtidas ficaram entre 29% e 36%, dependendo das várias hipóteses de
transferências dos impostos para os preços que os autores consideraram. E segundo,
para o fato de que, em se eliminando os impostos, as alterações nos perfis de
distribuição de renda seriam muito pequenas: na hipótese mais favorável 314 , a
TP F
FP T
participação na renda dos 20% de famílias mais pobres se elevaria de 2,39% para
2,55%.
A explicação para tal resultado, que constituía aparentemente um paradoxo, foi
atribuída pelos autores ao fato de serem, as rendas das famílias mais pobres, muito
baixas. Assim, apesar de muito altas as alíquotas incidentes sobre estas famílias, o
impacto de sua eliminação não resultava em melhora significativa do perfil distributivo.
Em outras palavras, a distribuição de renda do universo de famílias com que
trabalharam os autores era tão desigual que, embora o percentual da renda das famílias
mais pobres destinado ao pagamento de impostos fosse bastante elevado, a presença ou
a ausência de impostos não a afetava de maneira expressiva. Neste sentido, já sugeriam
os autores, “o atual Sistema Tributário não pode ser utilizado como um instrumento
314
Em que se supõe que os impostos sobre renda total não são transferidos para os preços, enquanto que
aqueles sobre lucros, salários e vendas o são.
TP
PT
287
destinado a melhorar o perfil da distribuição de renda, a menos que seja radicalmente
transformado” (Eris et al., 1983, p. 122, grifos dos autores).
De todo modo, em relação ao que realmente interessa no escopo do presente
trabalho, constata-se que a questão da regressividade possui raízes antigas no sistema
tributário brasileiro. Por outro lado, a forte presença de tributação cumulativa vem a ser
fenômeno relativamente recente, de modo que naquele contexto, início dos anos 1980,
tal questão não era colocada em tela.
Sampaio de Souza (1996) parte da observação de que no Brasil, dadas as
restrições – impostas pelo contexto da política de estabilização macroeconômica – às
possibilidades de financiamento dos gastos públicos através de endividamento externo
ou interno, a ação do Estado para atender as demandas da sociedade – ampliadas pela
distribuição extremamente desigual da renda – tenderá a ser feita cada vez mais através
do sistema tributário. 315 Ancorada num marco teórico que privilegia os aspectos de
TP F
FP T
eficiência alocativa e distributiva do sistema tributário 316 , a autora considera que o
TPF
FPT
principal condicionante dos custos marginais em termos de bem-estar dos impostos é o
parâmetro de aversão à desigualdade. Quando este é suposto baixo ou nulo, isto é,
quando apenas as questões de eficiência alocativa dos impostos são consideradas, os
custos marginais mais baixos são os dos produtos de primeira necessidade, cujas
elasticidades de demanda em relação a preço e renda são reduzidas. Nesta situação,
portanto, os resultados apontam para a introdução na estrutura de impostos de alterações
315
Esta visão vai ao encontro da de outros autores. Varsano (1996), por exemplo, sugere que, para fazer
face à enorme dívida social e aos investimentos em infra-estrutura necessitados pelo país, é inevitável que
no curto e médio prazos a carga tributária alcance e se mantenha na marca de 1/3 do PIB.
TP
PT
316
Neste tipo de abordagem, a questão relevante seria a identificação dos custos adicionais em termos de
bem-estar advindos do aumento da carga tributária. Uma reforma tributária voltada para fins de equidade
deveria portanto almejar a minimização desses custos e para tanto, seria preciso que a fixação das
alíquotas dos impostos (em particular no caso de tributos indiretos, que constituem o foco da autora) fosse
feita de maneira diferenciada conforme as condições de mercado (isto é, segundo as elasticidades de
demanda e oferta) dos bens e serviços.
TP
PT
288
orientadas no sentido de se aumentar as alíquotas dos produtos agrícolas e da indústria
alimentar em geral.
Quando se consideram valores maiores do parâmetro de aversão à desigualdade,
contudo, a evidência empírica sugere direções de reforma radicalmente diferentes. Nas
palavras da autora:
(...) quando os aspectos distributivos são considerados, as regras de
tributação são sensivelmente alteradas. Para maiores níveis de aversão à
desigualdade, as perdas em termos de bem-estar, associadas a aumentos de
impostos sobre esses produtos [de primeira necessidade], são consideráveis.
Isso porque tais produtos representam uma parcela significativa do
orçamento das populações de baixa renda (Sampaio de Souza, 1996, p. 12).
Conseqüentemente, ao se considerarem questões de caráter distributivo, as
majorações de impostos deveriam ser orientadas no sentido de recair sobre produtos que
não afetam significativamente o padrão de consumo das famílias mais pobres, ainda que
as elasticidades de demanda destes produtos sejam elevadas. Em vista disso, a autora
conclui que “a estrutura das alíquotas de impostos indiretos obtida quando se leva em
conta a questão da equidade é praticamente oposta àquela que se obtém quando somente
aspectos de eficiência são considerados” (Sampaio de Souza, 1996, pág. 12).
Por fim, a autora se dedica a analisar os custos marginais em termos de bemestar relativos a três diferentes impostos indiretos presentes no sistema tributário
brasileiro – o ICMS, o IPI e o Imposto de Importação. Nesta análise, em havendo
preocupações distributivas no tocante à tributação, o Imposto de Importação torna-se o
melhor candidato a aumentos de alíquotas, inclusive porque sua incidência recai
predominantemente sobre produtos consumidos por famílias pertencentes a classes de
renda mais elevada. Em contrapartida, seguindo este raciocínio, a tributação através do
ICMS e do IPI deveria ser reduzida, uma vez que tais impostos incidem mais
pesadamente sobre os produtos consumidos pelas camadas mais pobres da população.
289
Em outro estudo (Rodrigues [1998]), encontra-se uma tentativa de estimar a
carga tributária incidente efetivamente sobre as famílias brasileiras através da Pesquisa
de Orçamentos Familiares 1995-96 do IBGE. No entanto, a estimativa de incidência
tributária realizada no trabalho de Rodrigues (1998) contemplou somente os segmentos
assalariados da população, o que reduz sensivelmente o escopo de tratamento das
questões em discussão 317 .
TP F
FP T
Com relação à carga tributária indireta, os resultados a que chegou o autor
evidenciam o caráter regressivo desta forma de tributação no Brasil. Concretamente,
para a primeira classe de renda (que inclui as famílias com rendimentos até 2 salários
mínimos) a carga de impostos indiretos totalizava em média 13,1% da renda destas
famílias, enquanto que para a última classe esta proporção se situava em 6,9%.
Em que pese o indiscutível caráter regressivo expresso por estes valores, a
tributação indireta neste estudo apresenta-se claramente subestimada, principalmente
para as primeiras faixas de rendimentos – isto é, para as famílias mais pobres. A
comparação com resultados obtidos em outros trabalhos, ainda que feita com certa
cautela, em função de diferenças metodológicas, torna este fato ainda mais evidente.
Como foi visto, em Eris et al. (1983) a carga tributária indireta para a primeira classe de
renda foi estimada em 25,2%; como se verá adiante, em Siqueira et al. (1999), este
montante alcança 28,1% para essa mesma classe; em Vianna et al. (2000), o mesmo
valor chega a 26,5%. Parece claro, portanto, que a base de dados utilizada pelo autor
levou-o a subestimar seriamente os montantes de incidência da carga tributária indireta
317
O método do estudo consistiu basicamente na mensuração dos fluxos de receita e despesa dos
receptores de salários formalmente empregados. Assim, as entradas de receitas (salários) foram captadas
com base no rendimento bruto médio mensal de natureza salarial do chefe de família, informação que é
discriminada na POF.Combinando os fluxos de receitas com a legislação tributária vigente (alíquotas,
base de cálculo, deduções), o autor estimou a parcela da renda devida a título de tributação direta, isto é,
sobre a renda. Foram consideradas, além do Imposto de Renda Pessoa Física, as contribuições para o
Fundo de Previdência e Assistência Social (administrado pelo Instituto Nacional de Seguro Social –
INSS) – isto é, a Previdência Pública – e para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
TP
PT
290
sobre as famílias, em particular o montante incidente sobre as famílias situadas nos
segmentos de menor renda, comprometendo os resultados do seu estudo.
No que respeita à carga tributária direta, os resultados foram condicionados
pelas hipóteses de transmissão das contribuições trabalhistas devidas pelos
empregadores aos salários. À medida que se consideram coeficientes de transmissão
positivos (hipóteses de transmissão de 50% e 100%), a carga tributária sobre a renda
cresce significativamente. Contudo, dada a base de dados utilizada, em todas as
hipóteses o grau de progressividade obtido para os tributos diretos foi suficiente para
compensar, por significativa margem, a regressividade dos impostos indiretos. Deve-se
atentar para o fato extremamente importante de que os valores obtidos em Rodrigues
(1998) para a carga tributária direta referem-se à incidência legal dos impostos diretos
(também chamada na literatura de incidência estatutária), e não ao que foi efetivamente
pago. Neste sentido, poder-se-ia afirmar que os resultados do estudo em relação à
tributação direta sobre as famílias encontram-se bastante superestimados.
Em resumo, as opções de análise adotadas por Rodrigues (1998) resultam numa
evidência empírica que leva o autor a concluir que, tomado de forma abrangente
(incluindo a tributação direta e a indireta), o sistema tributário tem um efeito final
progressivo sobre as famílias brasileiras, não sendo portanto um fator a contribuir para a
má distribuição de renda do país.
A abordagem de Siqueira et al. (1999) difere fundamentalmente dos já
mencionados por realizar estimativas da distribuição da carga de impostos sobre
consumo (isto é, indiretos) no Brasil utilizando não só a renda como parâmetro, mas
também os dispêndios familiares com consumo. Os resultados a que chegam os autores
sobre o grau de regressividade destes tributos, como se verá, são substancialmente
diferentes para cada uma dessas hipóteses.
291
Assim, enquanto Eris et al. (1983) e Rodrigues (1998), ao medirem os impactos
dos impostos indiretos com base apenas na razão entre estes e a renda dos contribuintes,
apontam para o caráter inequivocamente regressivo destes tributos, Siqueira et al.
(1999) questionam tais conclusões, pois em sua abordagem alternativa – que os autores
julgam teoricamente mais consistente –, baseada nos gastos de consumo das famílias, a
regressividade da tributação indireta é praticamente eliminada.
Segundo os autores, o principal motivo para realizar estimativas de incidência da
carga tributária indireta com base na razão entre o montante de imposto pago e os
dispêndios familiares é que “há uma forte sugestão na teoria econômica de que a
equidade dos impostos sobre consumo é mensurada mais adequadamente em relação
aos gastos totais das famílias do que em termos das suas rendas disponíveis”. (Siqueira
et al., 1999, p. 1). Estas estimativas são comparadas com aquelas realizadas com base
nas rendas disponíveis familiares, ocasionando, como já mencionado, resultados
bastante diferentes.
A fundamentação teórica para a abordagem da incidência tributária tendo como
parâmetro de avaliação os gastos de consumo das famílias reside na idéia de que, para a
análise de um único período, as despesas de consumo familiares refletem melhor os
impactos distributivos dos tributos indiretos do que a renda corrente (Creedy, 1997).
Sendo assim, a regressividade de um imposto indireto só ocorreria de fato quando sua
alíquota fosse maior para produtos cuja participação nas despesas familiares aumenta à
medida que a despesa total cai.
Além disso, com base em literatura recente (Poterba, 1989; Creedy, 1997;
Feenberg et al., 1998), os autores argumentam que os gastos de consumo constituem
indicador mais apropriado do padrão de vida das famílias do que a renda, por ser mais
estável durante o ciclo de vida das mesmas. Isto seria explicado pela hipótese de
292
nivelamento dos padrões de consumo (consumption smoothing) ao longo do ciclo de
vida por parte dos consumidores, através de poupança ou endividamento.
A crítica central que pode ser feita a este tipo de concepção é que ela inibe
intenções redistributivas no próprio desenho de sistemas tributários. Para concretizar
tais objetivos redistributivos, é preciso considerar a renda dos contribuintes como a
medida mais adequada de aferição de sua capacidade de pagamento, uma vez que esta
constitui de fato o parâmetro de riqueza a ser distribuída no interior da sociedade. Se a
capacidade de pagamento oriunda da renda percebida permite introduzir objetivos
redistributivos no sistema tributário, a idéia de se preservar a poupança, implícita na
abordagem do consumo como parâmetro de incidência da tributação indireta, perde
sentido ou torna-se estranha, uma vez que a decisão de poupar implica necessariamente
a acumulação de riqueza.
Há no entanto outras críticas, de caráter empírico, a serem levantadas. Em
primeiro lugar, aparecem problemas não desprezíveis associados ao cômputo das
informações de consumo das famílias. É indiscutível que a aferição das rendas de cada
família significa para o pesquisador um problema de resolução bem mais fácil que o
registro de suas despesas. Além disso, há que se considerar o intrincado problema que
consiste no desafio de se extrair as despesas correntes dos chamados “desembolsos
globais” de cada família, para preservar o rigor metodológico da mensuração.
Concretamente, para que os gastos de consumo representem um indicador “mais
estável” que a renda, é preciso separar itens de despesa corrente – alimentação,
habitação – daqueles que constituem aquisições de bens duráveis, que são consumidos
com pouca freqüência (de um modo geral, independentemente das rendas percebidas).
Em momento algum o estudo em tela esclarece o procedimento adotado pelos autores
em relação a este ponto; eles simplesmente trabalham com os "gastos totais" das
293
famílias, sem especificar quais os itens de despesa que estão aí incluídos. Todavia, esta
base genérica de medição apresenta o problema adicional de que outros itens de
despesas, tais como pagamentos de impostos diretos, aumentos de ativos e reduções de
passivos, estão presentes na Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE (considerados
como desembolsos) e são, portanto, passíveis de registro como gastos totais das
famílias.
Por fim, mas não menos importante, cabe salientar que as principais medidas de
desigualdade utilizadas em ciências sociais, como os índices de Gini, Theil, Sen, entre
outros, procuram captar aspectos de concentração de renda e/ou riqueza. Da mesma
forma, as chamadas linhas de indigência e de pobreza referem-se a níveis de renda
abaixo dos quais determinadas camadas da população são classificadas como indigentes
ou pobres. Portanto, em termos de equidade, para a avaliação dos impactos distributivos
associados à tributação indireta o mais apropriado seria assumir como parâmetro
necessário a renda disponível das famílias, e não seus gastos de consumo.
Concretamente, os autores mostram que, quando calculados com base na razão
entre o montante de impostos indiretos (são considerados no referido estudo o ICMS, o
IPI, o ISS 318 , o Imposto de Importação e outros impostos indiretos não especificados)
TP F
FPT
pagos pelas famílias e suas rendas disponíveis (isto é, líquidas de impostos diretos), os
impactos da tributação indireta mostram-se claramente regressivos. Nessa forma de
cálculo, para a primeira classe de renda (famílias com rendimentos até 2 salários
mínimos) a carga tributária indireta alcança 28,1%, e vai se reduzindo continuamente
318
Na verdade, o fato de o estudo considerar o ISS também é passível de crítica do ponto de vista
metodológico. A maioria dos estudos empíricos sobre tributação no Brasil, como já mencionado, ignora
explicitamente este imposto, por um motivo simples: a extrema dificuldade em se medir sua incidência,
em função da escassez de informações e da diversidade de legislações municipais que impedem a
obtenção de alíquotas uniformes para aplicação nas respectivas bases imponíveis. Além disso, a
participação do ISS na carga tributária global (que inclui as três esferas de governo) é bastante reduzida:
em 1996, atingia somente 1,94% deste total.
TP
PT
294
conforme a escala de rendimentos vai aumentando. Na última classe (rendimentos
acima de 30 salários mínimos), a carga tributária indireta atinge apenas 11,7% da renda
disponível destas famílias.
Em contraste, quando medida pela proporção entre o montante de impostos
pagos e os gastos totais das famílias, a regressividade dos tributos indiretos
praticamente desaparece. Os resultados a que os autores chegam por este método
apontam, na verdade, para uma incidência da tributação indireta quase que proporcional
sobre as diferentes classes de renda: a carga tributária seria de 18,1% para a primeira
classe de renda, situando-se em 17,3% para a última.
A partir desses resultados, os autores concluem que os impactos distributivos da
tributação indireta no Brasil, da forma como atualmente está estruturada, seriam
semelhantes àqueles resultantes de um sistema com alíquota uniforme. "Portanto",
prosseguem, "a substituição deste sistema [de tributação indireta atual] por um com
alíquota uniforme seria aproximadamente neutro do ponto de vista distributivo"
(Siqueira et al. 1999, p. 14).
Enfim, é curioso observar que, em trabalho anterior (Siqueira et al., 1998), os
mesmos autores foram taxativos ao emitir julgamento oposto acerca do sistema de
tributação indireta brasileiro, como prova a seguinte afirmação: "Por sua vez, a natureza
altamente regressiva do sistema de impostos indiretos brasileiro, largamente criticada
por tributaristas e pelo público em geral, fica ainda mais evidente quando consideramos
a incidência final ou efetiva dos impostos" (Siqueira et al. 1998, p. 17).
À semelhança do estudo de Rodrigues (1998), Vianna et al. (2000) utilizam a
Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 1995-96 do IBGE como base de informações
para as estimativas de incidência tributária. Uma diferença importante, contudo, reside
no uso dos dados individualizados (microdados) da POF, que permite aos autores
295
analisar em detalhe os perfis de renda e consumo de cada família, conferindo razoável
precisão às estimativas. Além disso, conforme assinalado, Rodrigues (1998) restringiu
seu objeto de análise aos recebedores de salários formalmente empregados. Vianna et
al. (2000), por sua vez, consideram todo o universo de declarantes pesquisados pela
POF.
Os principais achados do estudo se encontram sintetizados no gráfico 9, abaixo,
que mostra a carga tributária total – tributos diretos e indiretos – estimada pelos autores
como percentual dos recebimentos familiares por classes de renda, considerando o total
das áreas urbanas pesquisadas pela POF 1995-1996.
Gráfico 9 – Carga tributária direta e indireta sobre renda, segundo classes de
renda em salários mínimos para o total das áreas, em %
3 0 ,0 0
2 5 ,0 0
2 0 ,0 0
1 5 ,0 0
1 0 ,0 0
5 ,0 0
0 ,0 0
A té 2
2 a 3
3 a 5
5 a 6
6 a 8
8 a 10
10 a 15
F a ix a s d e R e n d a (e m s a lá rio s m ín im o s )
trib u to in d ire to
15 a 20
20 a 30
+ de 30
trib u to d re to
Fonte: Vianna et al. (2000).
Os tributos diretos incidentes sobre a renda bruta familiar, naquela conjuntura,
atuavam em sentido progressivo, como se pode observar. A carga tributária direta
incidente sobre o recebimento das famílias que recebiam até dois salários mínimos, na
média das regiões metropolitanas, era pouco inferior a 2% de sua renda bruta. Para
famílias com ganhos acima de 30 salários mínimos, a carga tributária direta perfazia em
296
média cerca de 11% de sua renda. As famílias mais ricas pagavam portanto, para cada
real recebido cerca de 11 centavos em tributos diretos. As famílias mais pobres arcavam
com menos de 2 centavos.
Dito de outra forma, os autores constataram que a carga tributária direta das
famílias do último estrato de renda era seis vezes maior que a do primeiro. Tomando
como fonte a estrutura de rendimentos familiares oferecida pelos dados da POF 19951996, observaram ainda que o recebimento médio mensal familiar per capita das
famílias situadas no estrato superior da distribuição era 37 vezes superior ao das
famílias do primeiro estrato (até dois salários mínimos). Neste sentido, tinha-se um
quadro em que, embora a carga tributária direta suportada pelas famílias mais ricas
fosse cerca de seis vezes mais elevada que aquela suportada pelas famílias mais pobres,
isso ocorria numa estrutura distributiva em que o recebimento médio mensal familiar
per capita daquelas ficava em torno de 37 vezes maior que o das famílias mais
pobres. 319
TPF
FPT
Aceitando-se que um parâmetro de comparação da progressividade de um
sistema tributário e, portanto, da sua equidade, são as diferenças da distribuição de
renda observadas entre famílias e indivíduos, a evidência encontrada sugere então que o
grau de progressividade da tributação direta era – e continua a ser - insuficiente para
compensar o alto grau de desigualdade de renda da sociedade brasileira.
Pelos dados da POF 1995-1996, que mostram as famílias situadas no estrato de
renda entre 20 a 30 salários mínimos com uma carga de tributos diretos representando
6% de sua renda bruta, verifica-se que a progressividade dos tributos diretos é bem
319
O ideal seria replicar tal exercício com base nos dados oferecidos pela POF 2002-2003. No entanto, o
quadro geral não deve ter se alterado de modo substancial. Trabalhos mais recentes que utilizam a POF
2002-03 (por exemplo, Zockun 2005, analisado a seguir) demonstram avanço da regressividade, o que dá
sustentação à argumentação aqui desenvolvida.
TP
PT
297
menos acentuada, já que estas famílias sofrem uma incidência dos tributos diretos
apenas 3 vezes maior que a das famílias pobres. Os tributos indiretos, por sua vez, têm a
propriedade de serem significativamente regressivos em relação à renda líquida –
descontados os tributos diretos – das famílias que ganham até dois salários mínimos. 320
TP F
FP T
Considerando a análise da carga tributária total, os autores verificam que,
quando se somam os percentuais de tributos diretos e de indiretos incidentes sobre os
recebimentos familiares, a carga total de tributos pagos pelas famílias mais pobres é
ligeiramente superior a 28%. As famílias com rendimentos até cinco salários mínimos
mensais também têm uma carga tributária total maior que as famílias de maior renda.
As famílias mais ricas, do último estrato de renda, por sua vez, destinam, em média, ao
pagamento dos tributos apenas 18% de sua renda.
As evidências obtidas sugerem, segundo os autores, que o atual sistema
tributário nacional apresenta em seu conjunto um caráter regressivo, podendo ser um
fator que contribui para a manutenção dos níveis de desigualdade de renda e pobreza
observados no país. Sugerem também, por outro lado, que modificações na atual
estrutura tributária, com sentido de rever o atual grau de regressividade do sistema,
podem contribuir para a melhoria da desigualdade social e das condições de vida da
população pobre.
Siqueira et al. (2001), em estudo posterior ao já citado, procuraram calcular a
incidência efetiva dos impostos indiretos sobre os diferentes componentes da demanda
final definidos pelo sistema de contas nacionais brasileiro: famílias, administração
pública e exportações. O estudo partiu da constatação de que, dada a multiplicidade de
320
O total de tributos indiretos perfazia, em média, cerca de 27% da renda líquida dessas famílias. As
famílias do ultimo estrato de renda pagavam apenas 7% de sua renda mensal em tributos indiretos. Ou
seja, para cada real de renda das famílias mais pobres, elas pagavam quase 27 centavos em impostos
indiretos. Em contraste, as famílias mais ricas pagavam um pouco mais de sete centavos. Os autores
observaram também que a percentagem da renda líquida destinada ao pagamento dos tributos indiretos se
reduz à medida que a renda familiar cresce em todos os estratos.
TP
PT
298
impostos e alíquotas, e sua incidência sobre insumos, as alíquotas finais (efetivas) dos
tributos indiretos presentes nos preços muitas vezes divergem substancialmente das
alíquotas nominais 321 .
TP F
FP T
Os resultados obtidos pelos autores corroboram a hipótese da disparidade entre
alíquotas nominais e efetivas dos impostos indiretos considerados: IPI, ICMS, ISS e II
(Imposto de Importação). No caso dos impostos incidentes sobre o consumo das
famílias – que respondia na época por 84% da incidência final –, por exemplo, para o
setor de produtos vegetais beneficiados, que inclui alimentos da cesta básica como arroz
e farinha de trigo, a alíquota efetiva média encontrada foi de 24%, bastante superior à
alíquota efetiva média obtida para o total do consumo das famílias, de 16,2%. Mesmo as
exportações, que “(...) aparentemente eram apenas levemente tributadas, com alíquotas
de primeiro estágio de 2,5% e 1,4% para todos os impostos e para o ICMS,
respectivamente, eram de fato fortemente oneradas pelos impostos indiretos em 1995,
com uma alíquota média efetiva de 11,7% para o total dos impostos e de 6,7% para o
ICMS” (Siqueira et al., 2001, p. 9). Os autores observaram ainda que, mesmo se fossem
incorporados os efeitos da Lei Complementar N°87 (Lei Kandir), de 13/09/96, que
desonera o ICMS incidente sobre as exportações de produtos primários e semielaborados, possibilitando rebater o ICMS pago nas compras de bens de capital e
material de consumo não utilizado diretamente no processo produtivo, as exportações
ainda assim seriam afetadas pela tributação direta e indireta de insumos.
Conseqüentemente, concluem, o sistema de impostos indiretos apresenta um
sério problema de falta de transparência, na medida que sua incidência efetiva é bem
321
A metodologia e a base de dados utilizadas pelos autores são praticamente as mesmas do trabalho
anteriormente citado (Siqueira et al., 1999). Nesse, porém, os autores não estão preocupados em avaliar
impactos distributivos da incidência tributária. Seu objetivo é avaliar, conforme mencionado, o efeito
final dos impostos levando em conta sua incidência no interior da cadeia produtiva. Por este motivo, a
base de informações utilizada foi apenas a Matriz Insumo-Produto elaborada pelo IBGE para 1995.
TP
PT
299
diversa da que se poderia esperar a partir de sua estrutura de alíquotas nominais. O que
o estudo sugere, na verdade, ainda que não explicite, é que há presença de
cumulatividade na tributação indireta mesmo no caso dos impostos sobre valor
adicionado (IPI e ICMS). Uma possível crítica ao trabalho, nesse sentido, é que,
propondo-se a avaliar os efeitos da tributação de insumos na incidência final dos
impostos indiretos, não considera tributos que também oneram a produção e o consumo
de bens e serviços, tais como a COFINS, o PIS e a CPMF, que possuem ainda o
agravante de incidirem de maneira cumulativa. Assim, ainda que o objeto do estudo seja
relevante, seu alcance torna-se muito limitado, pois não há como avaliar a incidência
efetiva dos impostos indiretos no Brasil sem considerar o gravame das contribuições
acima citadas.
Afonso, Araújo e Vianna (2004) buscaram avaliar a incidência tributária no
Brasil aplicando uma metodologia para a mensuração de efeitos distributivos
relacionados à incidência de impostos indiretos sobre as despesas de consumo das
famílias. A metodologia consistiu basicamente de duas etapas. Na primeira, as alíquotas
efetivas dos principais impostos e contribuições que compõem a carga tributária indireta
brasileira foram estimadas a partir dos coeficientes técnicos da matriz insumo-produto
de 1996 do IBGE. Na segunda etapa as alíquotas efetivas foram aplicadas sobre as
despesas com uma cesta de consumo dos seguintes itens: alimentação no domicílio,
vestuário e medicamentos - despesas essas informadas pelas famílias ao IBGE e que
constam dos microdados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (2002-03) 322 . A partir
PF
FP
dos microdados da POF, as famílias foram reordenadas segundo décimos populacionais.
Os resultados finais consistiram portanto em estimativas do peso da carga tributária
indireta incidente sobre uma cesta de consumo bastante representativa no orçamento das
322
Convém observar que a POF-IBGE fornece as informações sobre o pagamento de tributos diretos
pelas unidades familiares.
TP
PT
300
famílias de baixa renda, como proporção das despesas de consumo (alíquotas efetivas) e
da renda média de cada décimo populacional (indicador de regressividade).
TABELA 3 - PRINCIPAIS IMPOSTOS INDIRETOS RECOLHIDOS E ÔNUS
FISCAL POR FAIXA DE RENDA
0a2
SM
VALOR MÉDIO DO IMPOSTO (R$ de 1996)
ICMS
IPI + ISS
COFINS + PIS + PASEP
PARTICIPAÇÃO
DOS
CONSUMO (%)
ICMS
IPI + ISS
COFINS + PIS + PASEP
IMPOSTOS
2a5
SM
5 a 10
SM
10 a 20
SM
> 20
SM
30,3
54,9
91,8
159,0
390,2
13,5
3,9
13,0
24,2
6,9
23,8
39,9
11,7
40,3
68,8
19,9
70,3
164,8
45,3
180,1
13,1%
12,6%
12,3%
11,9%
5,8%
1,6%
5,7%
5,5%
1,6%
5,5%
5,3%
1,5%
5,4%
5,0%
1,4%
5,5%
12,9%
11,4%
9,9%
8,3%
5,7%
1,6%
5,6%
5,0%
1,5%
5,0%
4,3%
1,2%
4,4%
3,5%
1,0%
3,8%
NO 13,3%
5,9%
1,7%
5,7%
PARTICIPAÇÃO DOS IMPOSTOS NA RENDA 13,3%
(%)
ICMS
5,9%
IPI + ISS
1,7%
COFINS + PIS + PASEP
5,7%
Fonte: Afonso, Araújo e Vianna (2004).
Gráfico 10 - Participação dos impostos na renda
14,00%
13,30%
13,00%
12,90%
12,00%
11,40%
11,00%
9,90%
10,00%
9,00%
8,30%
8,00%
7,00%
6,00%
0 a 2 SM
Fonte: Tabela 3.
2 a 5 SM
5 a 10 SM
10 a 20 SM
> 20 SM
301
Gráfico 11 - Participação do ICMS na Renda das Famílias
7,00%
5,90%
6,00%
5,70%
5,00%
5,00%
4,30%
3,50%
4,00%
3,00%
2,00%
1,00%
0,00%
0 a 2 SM
2 a 5 SM
5 a 10 SM
10 a 20 SM
> 20 SM
Fonte: Tabela 3.
Gráfico 12 - Participação do ICMS na Renda das Famílias
3,00%
2,50%
2,00%
1,70%
1,60%
1,50%
1,50%
1,20%
1,00%
1,00%
0,50%
0,00%
0 a 2 SM
T
Fonte: Tabela 3 .
TT
2 a 5 SM
5 a 10 SM
10 a 20 SM
> 20 SM
302
Gráfico 13 - Participação da Cofins+PIS+CPMF na Renda das Famílias
7,00%
5,70%
6,00%
5,60%
5,00%
5,00%
4,40%
3,80%
4,00%
3,00%
2,00%
1,00%
0,00%
0 a 2 SM
T
Fonte: Tabela 3.
2 a 5 SM
5 a 10 SM
10 a 20 SM
> 20 SM
TT
Os resultados apresentados por Afonso, Araújo e Vianna (2004) na Tabela 3 e
nos gráficos 10 a 13 fortalecem, mais uma vez, a hipótese de que os tributos indiretos
são regressivos. Isso é particularmente verdade, como era de se esperar, quando tais
tributos são considerados como proporção da renda das famílias. No estudo, os autores
evidenciam, por exemplo, que enquanto a tributação indireta representou 13,3% da
renda das famílias que ganham até 2 salários mínimos, na classe das famílias de maior
rendimento (mais de 20 salários mínimos) mobilizou 8,3% da renda – ou seja,
praticamente 5 pontos percentuais a menos.
Conforme os autores, quando os tributos são divididos em grupos distintos ICMS, IPI+ISS e Cofins+PIS+CPMF - os resultados diferem quanto ao grau de
regressividade (gráficos 2, 3 e 4):
•
a menor discrepância entre o ônus fiscal suportado pelas famílias é observada
em relação ao grupo IPI+ISS. Os autores a explicam “em grande medida pelo
303
fato de que o IPI tem incidência limitada a bens industrializados e o ISS a um
determinado grupo de serviços. Regra geral, tais bens (como por exemplo,
automóveis) e serviços (p. ex., restaurantes e hotéis) são preponderantemente
consumidos pelas famílias de mais alta renda”;
em segundo lugar, encontra-se o grupo Cofins+PIS+CPMF. Esse resultado é um
•
pouco curioso se comparado ao obtido em relação ao ICMS – que se mostrou o
mais regressivo dos três grupos de tributos considerados. Para os autores, era
esperado que os efeitos da cumulatividade potencializassem a regressividade da
tributação indireta. No entanto, o que os resultados demonstraram é o que o
ICMS – um imposto cobrado segundo a sistemática do valor adicionado – se
mostrou mais regressivo que as três contribuições sociais cobradas em cascata.
Zockun (2005), em artigo que atualiza os dados de Vianna et al. (2000),
confirma o suposto de que a progressividade dos impostos diretos é insuficiente para
compensar a elevadíssima regressividade dos tributos indiretos. Para a autora, a
controvérsia em torno da questão “renda ou consumo como medidas de capacidade de
pagamento de contribuintes”, presente na literatura tradicional sobre finanças públicas,
não tem relevância em países pobres e com alta concentração de renda como o Brasil. A
tabela abaixo, reproduzida do texto em tela, mostra a carga tributária por classe de renda
familiar em 1996 e 2004 323 . Os tributos diretos referem-se aos pagamentos que as
TP F
FP T
famílias efetivamente efetuaram com imposto de renda, IPTU, contribuições trabalhistas
e IPVA. Os tributos indiretos foram estimados mediante aplicação das alíquotas
323
As estimativas para 2004 , como as de Vianna et al. (2000), para 1996, são baseadas na POF, que
considera como renda todas as fontes: remuneração do trabalho, transferências (aposentadorias, pensões,
bolsas de estudo, mesadas, doações, transferências transitórias), lucros recebidos, rendimentos de aluguel,
de aplicações financeiras e de capital.
TP
PT
304
nominais de ICMS, IPI, PIS e Cofins não-cumulativos
324
TP F
FP T
aos gastos que constituem
base de incidência desses tributos, supondo ausência de sonegação.
Como enfatiza a autora, “a regressividade do sistema como um todo, que já era
acentuada em 1996, foi intensificada em 2004” (Zockun, 2005, p.11). As famílias com
renda de até 2 salários mínimos, que em 1996 destinavam 28% da renda ao pagamento
de impostos, passaram a ter um percentual de 49% de sua renda total comprometido
com tal destino. As famílias com renda superior a 30 salários mínimos também sofreram
elevação da carga tributária, mas em proporções menores.
Zockun (2005) chama atenção ainda para o papel que a incidência de impostos
indiretos nos preços de bens e serviços, associada à pobreza da “maioria de uma
população com aspirações de consumo incompatíveis com seu nível de renda”, exerce
na manutenção do alto grau de informalidade do mercado de trabalho brasileiro. A partir
da elaboração de dados da POF 2002/2003, conclui que:
(...) os tributos indiretos considerados 325 acrescentam, em média, 37% de
custo aos produtos, numa dispersão elevada que chega a mais de 3 mil por
cento no caso de fumo ou quase trezentos por cento no caso de artigos de
higiene pessoal. É nessa elevada margem que floresce a informalidade no
Brasil: ao não cobrar do consumidor o valor total dos impostos, o preço
praticado dá à economia informal vantagem imbatível, muitas vezes não
compensável pela maior produtividade, ganhos de escala e melhor
tecnologia e qualidade do produto fornecido pela empresa inteiramente
formal (Zockun, 2005, p. 12).
TP F
FPT
324
Por isso, explica a autora, a referência é o ano de 2004, quando os tributos passaram a vigorar nesse
regime.
TP
PT
325
Alíquotas do PIS/Cofins não cumulativas; não foram incluídos nem o ISS nem os encargos
trabalhistas pagos pelas empresas.
TP
PT
4 O sistema tributário brasileiro em debate
A reforma tributária tem sido um tema recorrente no debate político e
econômico brasileiro, ao longo da década de 1990 até hoje. Não obstante a importância
do tema, e sua permanência durante tanto tempo,
[...] as propostas de mudança estrutural do sistema tributário não ganharam
força suficiente para implantar as transformações pretendidas, cedendo
espaço para alterações de natureza pragmática, centradas em ganhos de
produtividade fiscal, que agravaram as distorções já existentes no sistema
(Dain, 2005)
De fato, em diferentes momentos desse período - Revisão Constitucional de
1993, os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (permeados pelas crises
internacionais e seus impactos internos) e o atual governo - muito se discutiu a respeito
da necessidade de se aperfeiçoar o sistema impositivo brasileiro, em função de suas
indesejáveis características de alta complexidade, quase nenhuma eqüidade e seus
vieses contrários à competitividade empresarial e indutores de conflitos entre os estados.
Na prática, contudo, os sucessivos ajustes feitos ao longo dos anos nem sequer
arranharam os problemas estruturais. O brevíssimo histórico que segue abaixo procura
sintetizar em linhas gerais esses três momentos:
•
Revisão Constitucional de 1993: o Congresso Revisor teria, em tese, o caminho
facilitado pelo relaxamento, naquela conjuntura excepcional (prevista, vale
lembrar,na própria Carta de 1988) da exigência de quorum qualificado para
mudanças constitucionais. A reforma tributária, destarte, poderia ter sido feita
naquela ocasião, necessitando apenas da construção de maiorias simples nas
duas casas do Congresso. Entretanto, o máximo que se conseguiu foi a criação
306
do Fundo Social de Emergência (FSE), que viria a permitir a desvinculação de
até 20% das receitas da União 326 .
TP F
FP T
Governo FHC: do ponto de vista da política fiscal, a principal característica a se
•
destacar nos oito anos do governo Fernando Henrique foi a inequívoca mudança
de patamar da carga tributária como proporção do PIB. De fato, no primeiro
mandato (1995-98) passa-se de um nível de pouco mais de 25% do PIB para
pouco mais de 29%. No segundo mandato, iniciado em 1999, a carga sobe
paulatinamente até ultrapassar 33% do PIB, em 2002. Não obstante ter sido
criada na Câmara dos Deputados Comissão Especial para tratar da reforma
tributária, as propostas dali originadas foram sempre rejeitadas pela equipe
econômica do Executivo federal, temerosa em alterar substancialmente um
regime que se mostrava capaz de gerar volumosas receitas, num contexto em
que a maior preocupação era a estabilização monetária. Assim, os diversos
ajustes realizados objetivaram, via de regra, manter um percentual de
desvinculação de receitas (via criação do Fundo de Estabilização Fiscal - FEF em1996), ou obter ganhos de arrecadação.
No primeiro governo Lula, houve um prenúncio de que algum aperfeiçoamento
•
mais profundo pudesse se concretizar, dado inclusive que a questão tributária
havia sido um tema importante da campanha presidencial. Foi submetida ao
Congresso uma proposta de reforma (PEC 41 de 2003), cujo ponto central era
[...] a criação da legislação nacional do ICMS, em substituição às atuais 27
legislações estaduais, aliada à simplificação de sua estrutura de alíquotas
T
326
O Fundo Social de Emergência (FSE) foi criado em 1994. Em 1996 foi renomeado como Fundo de
Estabilização Fiscal (FEF) e posteriormente recebeu a denominação atual, DRU (Desvinculação das
Receitas da União). Trata-se de um mecanismo de vigência provisória, que vem sendo prorrogado
regularmente, pelo qual 20% das contribuições arrecadadas (excetuando-se as contribuições
previdenciárias que incidem sobre salários e folha salarial) são de uso exclusivo do governo federal. O
estratagema visa contornar o preceito constitucional de vinculação das receitas oriundas de contribuições
sociais a áreas específicas.
TP
PT
307
para apenas cinco. No entanto, as dificuldades de tramitação (por exemplo,
divergências entre governos estaduais acerca da competência do ICMS, se
origem ou destino) levaram ao desmembramento da PEC. Aprovou-se a
toque de caixa, ainda uma vez, um arremedo de ajuste fiscal nos moldes dos
anteriores: desvinculação de receitas federais (agora sob denominação
explícita, a DRU) e manutenção da CPMF e sua elevada alíquota de 0,38%
(Dain, 2005).
T
T
T
Do acima exposto, depreende-se claramente que, por maiores que tenham sido as
reivindicações da sociedade por um sistema tributário mais simples, equilibrado e justo,
ao longo dos últimos quinze anos, segundo Dain (2005), “[...] o ajuste fiscal de curto
prazo tem tido precedência sobre decisões relativas a reformas estruturais, tributárias e
outras”. Assim, verificou-se distorção no padrão de tributação, tendo-se priorizado, ao
longo do período, a produtividade fiscal dos impostos, relativamente à sua qualidade.
Há, de fato, um inegável consenso na sociedade brasileira em geral acerca da
necessidade de reforma da estrutura impositiva 327 . Dentre os inúmeros defeitos do
TPF
FP T
sistema tributário, apontados por autores que trabalham com o tema 328 , conforme visto
TP F
FP T
acima, pode-se enumerar:
(i) seu nível, extremamente elevado, ainda mais em relação ao de outros países
em desenvolvimento. Em adição à alta complexidade (somente o ICMS possui 27
diferentes legislações), isso constitui, sem dúvida, severa restrição à competitividade do
produtor nacional e, por conseguinte, à geração de emprego e renda no mercado interno;
(ii) sua composição desequilibrada, majoritariamente composta por tributos
indiretos, cuja incidência não observa, salvo poucas exceções, critérios de
essencialidade, reforçando assim as estruturas de desigualdade social. Além disso, não
comporta um sistema eficaz de equalização fiscal de rendas no território, dada a
327
TP
PT
328
TP
PT
Embora diferentes segmentos da mesma tenham razões distintas para tal.
Varsano (1997), Dain (2005 e 2003), Afonso (2005), entre outros.
308
obsolescência dos mecanismos de partilha dos fundos de participação (FPE e FPM),
reforçando também a desigualdade regional;
(iii) sua elevada propensão ao estabelecimento de conflitos federativos, como
guerras fiscais entre estados e municípios, dada a sistemática peculiar de cobrança e a
autonomia para legislar sobre tributos como ICMS e ISS.
Cabe indagar, portanto: se o sistema tributário brasileiro é tão ruim (e de fato é),
se há uma cobrança tão forte da sociedade por menos e melhores impostos e por que,
afinal de contas, se o tema está em pauta há tanto tempo, passada uma década e meia de
intensas discussões na academia, entidades de classe e no Congresso Nacional, tão
pouco se avançou no aperfeiçoamento da estrutura impositiva?
Autores como Ricardo Varsano sustentam, por exemplo, que há duas
características inerentes à evolução de sistemas tributários: a continuidade e a lentidão
do processo evolutivo 329 .
TPF
FPT
A continuidade seria importante na medida em que o sistema tributário deve
estar permanentemente em processo de aprimoramento, buscando acompanhar o próprio
ambiente econômico, também em constante transformação. Não se trata apenas de o
sistema ser flexível para responder a mudanças repentinas ou promover ajustes
corretivos na economia. A questão é que o sistema tributário não pode ficar estático
enquanto a economia muda quase que cotidianamente. Além disso, o fato de a evolução
do sistema tributário se dar de maneira contínua, e não através de alterações bruscas e
radicais, asseguraria a minimização de perdas e ganhos por partes dos atores envolvidos
no jogo político (governadores, prefeitos, entidades de classe, sindicatos), o que tornaria
possível modificar o aparelho arrecadador.
329
Como visto anteriormente, para o autor essas duas características estariam presentes no sistema
tributário brasileiro.
TP
PT
309
Por outro lado, o ritmo destas mudanças na estrutura tributária necessariamente
tem que ser lento. Esta lentidão refletiria as resistências da sociedade e do próprio
Estado a mudanças, não sendo por acaso que o tempo decorrido entre os primeiros
reclamos por uma reforma tributária e sua realização seja grande. A questão central é
que a estrutura tributária é um condicionante que afeta todos os agentes econômicos;
alterações radicais nesta estrutura inevitavelmente levam a mudanças nos preços
relativos e/ou na carga tributária. Sendo assim, a lentidão da evolução do sistema
tributário seria “a barreira, criada pelos próprios agentes econômicos, que os protege
contra este risco” (Varsano, 1997, p. 17).
Os argumentos contidos nesse tipo de análise fazem sentido, não há dúvida. No
caso do sistema tributário brasileiro atual, entretanto, parece ter havido um processo
inverso, por assim dizer, de “involução”. Dito de outra forma, o sistema foi se
deteriorando gradativamente, a cada ajuste que visava aumentar a arrecadação, de tal
maneira que hoje parece não haver alternativa que não seja uma reformulação profunda,
levada a termo no mais curto espaço de tempo possível. A argumentação da lentidão e
da continuidade, portanto, pode ser verdadeira para um sistema minimamente racional
que esteja funcionando razoavelmente bem. Mas esse não é definitivamente o caso
brasileiro.
Duas chaves explicativas, uma econômica e outra política, provavelmente
fornecem elementos mais contundentes para a compreensão do fenômeno. A econômica
diz respeito, basicamente, à subordinação de todo o aparato instrumental da política
econômica (em suas dimensões micro e macro) à lógica da estabilização monetária. A
partir do diagnóstico do processo inflacionário como sendo originário essencialmente do
desequilíbrio fiscal crônico do setor público, passou a prevalecer, por parte dos policy
makers, a convicção de que o realmente importante seria perseguir ajustes fiscais de
310
curto prazo, utilizando para este fim instrumentos pragmáticos que estivessem à
mão.Como observa Denise Gentil:
Um dos problemas cruciais para a estabilização, apontados pelos
formuladores da política econômica ortodoxa posta em prática desde os
anos 1990, é o equilíbrio da situação fiscal do Estado. O déficit público é
tomado como um dos elementos responsáveis pela inflação e um fator
desestabilizador das expectativas dos agentes, os quais consideram a
sustentabilidade da dívida pública um aspecto relevante para a construção
de cenários de avaliação do mercado financeiro. De acordo com esta
interpretação, a geração de superávit primário torna-se essencial para conter
o crescimento da relação dívida pública/PIB (Gentil, 2006, p. 177) 330 .
TP F
FP T
A criação do FSE, assim, foi apresentada como pré-condição indispensável ao
plano de estabilização que viria a ser implementado poucos meses depois, em que pese
o fato de se ter desperdiçado a oportunidade única de se implementar uma reforma
tributária de qualidade no contexto da Revisão Constitucional 331 . O avanço das
TP F
FP T
contribuições sociais não compartilhadas com os governos subnacionais, de outra parte,
teria cumprido a função de recompor as receitas da União, demasiado erodidas com o
sistema aprovado na Carta de 88 332 . Não por acaso, esses seriam, para boa parte dos
TP F
FPT
analistas econômicos, os principais problemas fiscais criados pela Constituição: excesso
330
Sobre a subordinação da política macroeconômica à lógica da estabilização monetária e os problemas
daí decorrentes, ver, além de Gentil (2006), Hermann (2002). As autoras reconstituem com precisão e
com respaldo em autores variados as medidas tomadas e as características do contexto em que foram
adotadas.
TP
PT
331
“Como medida preventiva para enfrentar o esperado aumento dos gastos que viria com o fim da
inflação, o governo criou, em 1993, o Plano de Ação Imediata (PAI) e, em 1994, o Fundo Social de
Emergência [que visava]: (i) a redução dos gastos públicos e a maior eficiência em sua utilização; (ii) a
elevação da receita fiscal com a criação do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF) e
o combate à sonegação; (iii) a redefinição das relações entre a União e os estados e municípios,
consubstanciada na redução das transferências não-constitucionais e na regularização do pagamento das
dívidas destes para com o governo federal; (iv) as mudanças institucionais e saneamento dos bancos
estaduais e federais; (v) a ampliação do Programa Nacional de Desestatização (PND), concluindo-se a
privatização das empresas de siderurgia e petroquímica e iniciando-se a dos setores de energia elétrica e
de transporte ferroviário, com a instituição do Fundo de Privatização” (Gentil, 2006, p.193). Ver também
Modenesi (2005).
TP
PT
332
. O total arrecadado com a COFINS que era de cerca de 14 bilhões de reais em 1995, passa para mais
de 38 bilhões em 2000, chegando a quase 88 bilhões em 2005; com a CPMF passa de 14, 385 bilhões
em 2000 para 29,230 em 2005; e com a CSLL vai de 5,615 bilhões em 1995 para 8,750 em 2000 e para
26, 323 bilhões em 2005. Cf. Gentil (2006).
TP
PT
311
de vinculações e descentralização excessiva de receitas tributárias, porém não de
encargos.
Mais recentemente, a partir do segundo mandato do Presidente Fernando
Henrique Cardoso, com a adoção do “tripé” de política econômica (metas de inflação,
câmbio flutuante, metas de superávit primário), a dinâmica dos ajustes fiscais ad hoc foi
exacerbada. Conseqüentemente, o espaço para implementação de uma reforma tributária
verdadeira foi ainda mais reduzido. Evidente, pois diante da necessidade de geração de
expressivos excedentes de caixa, como poderia querer o governo federal modificar um
sistema que propiciava crescentes níveis de arrecadação, inclusive de maneira quase que
independente dos ciclos econômicos?
Este é um dilema que vem perdurando até hoje. Mas não é o único.
A combinação dos três elementos constitutivos do “tripé” tem se revelado muito
custosa, em particular para a política fiscal. A perseguição de metas inflacionárias
ambiciosas tem implicado a execução de uma política monetária extremamente rígida,
baseada em juros reais muito elevados.
Após a desvalorização cambial de 1999, iniciou-se uma nova etapa. Houve
a adoção do sistema de flutuação cambial. A ênfase na estabilidade de
preços foi reforçada, em função do risco de contaminação dos preços pela
desvalorização cambial e da história de inflação e indexação do país. Assim,
o modelo de atuação do Bacen se modificou. O governo associou o regime
de câmbio flutuante ao regime de metas de inflação, através do qual a taxa
de juros Selic tornou-se o mais importante instrumento utilizado pela
autoridade monetária para garantir que o índice de inflação (IPCA) se
manterá no intervalo de flutuação estabelecido pelo Conselho Monetário
Nacional. A taxa Selic passou a ser calibrada de acordo com a perspectiva
da inflação, elevando-se (reduzindo-se) com a identificação de uma
trajetória de inflação superior (inferior) à meta. A meta de inflação, por sua
vez, tem duplo papel neste modelo: figura como objetivo único da política
monetária, subordinando todas as demais variáveis macroeconômicas e
eliminando eventuais ‘dilemas’ associados a conflitos com outros objetivos;
e, idealmente (se o Bacen desfruta de boa credibilidade junto ao público),
312
passa a atuar como guia das expectativas inflacionárias (Gentil, 2006, p.
199, grifos no original) 333
TPF
FP T
Os juros altos, por sua vez, impactam diretamente as necessidades de
financiamento do setor público, que vem realizando superávits primários gigantescos,
que por sua vez são ainda insuficientes para cobrir a totalidade das despesas com juros
da dívida pública. Segundo Lopreato (2006), nesta fase pós-1999, a política fiscal sofreu
um enrijecimento, com a dupla tarefa de:
[...] contribuir no esforço de conter a demanda agregada dentro dos
parâmetros de produto potencial definidos no Banco Central e manter o
compromisso com a evolução da dívida pública, evitando que alterações na
expectativa dos agentes em relação à situação fiscal pudessem provocar
turbulências no mercado de câmbio e gerar surtos inflacionários decorrentes
do mecanismo de transmissão das desvalorizações cambiais aos preços 334 .
TPF
FP T
As alterações levadas a cabo desde então envolveram a dimensão do orçamento
público, com a implantação de reformas e a adoção de regras fiscais rígidas. O intuito
foi nitidamente o de inibir a ação discricionária das autoridades econômicas e permitir o
ajuste fiscal “independentemente do governo no poder” (Gentil, 2006, p. 201). A autora
menciona especificamente as seguintes medidas:
A LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) define a meta de superávit primário e
•
o resultado nominal para o ano seguinte e os próximos dois anos. Se a estimativa
de receita não se concretizar, deve ocorrer o contingenciamento dos gastos
fixados na lei orçamentária anual até que haja segurança que a meta de superávit
será alcançada;
As reformas da previdência (Emendas Constitucionais n o. 20 de 1998 e n o. 41,
•
P
P
P
P
de 2003) feitas essencialmente por razões fiscais embora a pretexto de garantir a
viabilidade de longo prazo do sistema;
333
TP
PT
334
TP
PT
Ver também Modenesi (2005) e Hermann (2002).
Lopreato (2006, p. 190).
313
A reforma tributária (Emenda Constitucional n o. 42, de 2003), realizada sob a
•
P
P
justificativa de racionalizar o sistema, mas que só assegurou as possibilidades de
aumento do montante arrecadado;
A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n o. 101/2000) que definiu
•
P
P
regras fixas e padronizadas de ajuste fiscal para a União, os estados e os
municípios 335 ;
TP F
FPT
As resoluções do Senado n o. 40 e n o. 43, de 2001, que estabeleceram limites para
•
P
P
P
P
a dívida consolidada líquida dos estados, do Distrito Federal e dos municípios,
criaram
restrições
a
operações financeiras
e
fixaram
tetos para
o
comprometimento do orçamento com as despesas de amortização, juros e
encargos da dívida;
A renegociação das dívidas estaduais (Lei n o. 9.497, de 1997), que “embora
•
P
P
aprovada alguns anos antes, foi produzir efeitos posteriormente, com o
estabelecimento de controles rigorosos do endividamento e de gastos dos
estados, para produzir estabilidade no quadro fiscal e a tão desejada confiança
do mercado” (Gentil, 2006, p. 202).
O “remédio amargo” da ortodoxia, nas palavras de Denise Gentil, ainda que
tenha vindo para ser definitivo, não logrou solucionar os problemas fiscais 336 . A dívida
TPF
FPT
pública interna cresceu 28,1 pontos percentuais do PIB do início do plano real até 2005.
Apesar dos elevados superávits primários do período pós-1999, a relação dívida/PIB
335
“Esta lei limitou as despesas com pessoal, dificultou a realização de investimentos públicos e
restringiu a geração de novas despesas de custeio, de forma que as metas anuais de resultados fiscais
(resultado primário e nominal e o montante da dívida pública) nunca fossem afetadas. Além disso, impôs
ajustes de compensação a toda renúncia de receitas e induziu a obtenção de superávit primário para
redução da dívida pública” (Gentil, 2006, p. 201).
TP
PT
336
Daí, segundo a autora, a continuidade do discurso pró-reforma da previdência, com o sentido de
reduzir o seu alcance, mesmo tendo o presidente Lula declarado, ao assumir o segundo mandato de
governo, que não o faria.
TP
PT
314
cresceu para patamares ainda mais altos. Ou seja, ao mesmo tempo que o “remédio”
restringe as possibilidades de uma efetiva reforma tributária, aumenta, também, a
pressão por novos ajustes.
A este respeito, convém revisitar um texto anterior de Sulamis Dain, que possui
o sugestivo título de “Reformas tributária e da Previdência: muito mais, do mesmo”. Ao
discorrer sobre a necessidade de o economista rejeitar explicações simplórias e saídas
fáceis para a questão fiscal-tributária, a autora observa que:
é preciso reconhecer que a própria política de estabilização engendrou um
ciclo autônomo de agravamento das condições fiscais, ciclo que independe
das variáveis fiscais tradicionais. De fato, em grande medida, o
comportamento do déficit depende tanto da determinação da taxa de juros,
cujas flutuações afetarão tanto - ou mais - este déficit quanto o
comportamento perdulário dos gastos fiscais (Dain, 1999, p. 177).
A outra explicação para as dificuldades que o aperfeiçoamento do sistema
tributário tem enfrentado ao longo dos anos reside, como mencionado, no campo da
política. Também neste terreno o artigo de Sulamis Dain introduz elementos inovativos,
em especial quando se considera a abordagem usual dos economistas sobre o tema.
A autora identifica como principais problemas a dinâmica político-partidária e a
dimensão federativa do arranjo político nacional. Na primeira, “a fragmentação
partidária, aliada à Constituição Parlamentarista, não tem permitido produzir maioria
nítida, seja do partido do Presidente, seja da oposição. Tornou-se assim prática
dominante no presidencialismo brasileiro, a formação de uma coalizão de partidos para
sustentar o governo no Legislativo – o presidencialismo de coalizão”. Essa é realmente
uma questão da maior importância. Na história brasileira recente, desde a
redemocratização, os sucessivos governos eleitos viram-se defrontados, para garantir a
própria governabilidade, a construir maiorias no Parlamento. Isso tem levado à
formação de leques demasiado amplos de alianças, envolvendo partidos com programas
315
e visões de mundo bastante diferenciados. O que, se por um lado confere relativa
estabilidade ao supremo mandatário, por outro acaba se constituindo em obstáculo
virtualmente intransponível para reformas estruturais, como a tributária.
No campo da ciência política há uma série de autores que destacam as
especificidades do sistema político brasileiro, presidencialista e federativo, e sua
influência sobre o processo decisório relativo à questão tributária 337 . Azevedo e Melo
TP F
FPT
(1997), por exemplo, abordam as propostas agendadas na primeira metade da década de
90, salientando os interesses em jogo e o padrão de interação política entre eles nessa
arena específica, caracterizada como apresentando “grande complexidade técnica e
média visibilidade política”, e tendo como atores fundamentais elites burocráticas e
governadores 338 . Esses autores concluem que o impasse está fundado em elementos
TP F
FP T
consociativos 339 do sistema político brasileiro, em problemas de ação coletiva por parte
TPF
FPT
dos governadores e na geometria política das perdas produzidas pela reforma (Azevedo
e Melo, 1997) 340 .
TP F
FP T
No caso das perdas resultantes da desoneração do ICMS (das exportações,
da cesta básica, de bens de capital, dos produtos da agropecuária) e da
mudança na sistemática de cobrança do ICMS (destino/origem), a situação é
complexa e apresenta clivagens supra-regionais ou em qualquer outra
dimensão política relevante. A geometria das perdas é, portanto,
extremamente variada, não permitindo a formação de coalizões vencedoras.
337
Como indicado no capítulo I, os trabalhos nessa linha, em sua grande maioria , seguem
incondicionalmente os preceitos neo-institucionalistas, o que confere a suas análises um caráter
economicista, centrado no comportamento maximizador dos atores políticos. Os partidos, as regras de
representação parlamentar, os regulamentos do Congresso, a legislação que rege as relações entre os
poderes Executivo e Legislativo e entre a União e os demais entes federativos – ou seja, as instituições ,
elementos basilares das investigações – são vistos como entidades em si, com uma incômoda
desconsideração pela história. No entanto, as informações que tais estudos revelam são bastante úteis para
os objetivos da presente tese.
TP
PT
338
O artigo em tela tem como referência os debates ocorridos no Congresso entre 1995 e 1997 sobre a
PEC 175/ 1995, mencionada acima.
TP
PT
339
Dentre as características consorciativas presentes no caso brasileiro, os autores destacam: o grande
número de partidos relevantes no Congresso, a indisciplina partidária e as constantes mudanças de
legenda, obrigando o presidente a montar um gabinete bastante heterogêneo e difícil de controlar.
TP
PT
340
Em artigo mais recente, Melo (2005) examina as trajetórias divergentes da Argentina e do Brasil no
que diz respeito à capacidade tributária e à capacidade de promover reformas no sistema tributário,
ressaltando a importância do arranjo federativo presente em cada um dos países.
TP
PT
316
A questão do efeito da multidimensionalidade sobre a formação de
coalizões é um ponto extremamente conhecido na literatura ancorada na
escolha racional. A observação do líder do governo de que ‘não dá para o
governo impor um projeto [de reforma tributária], porque são muitos os
interesses contrariados’, é particularmente apta para descrever a situação. A
fragmentação poderia facilitar uma imposição pelo governo se houvesse
menos interdependência entre os issues e se esses fossem em menor número
(Azevedo e Melo, 1997, p. 13).
A este tipo de problema se soma outro, identificado por Dain (1999) como sendo
o da fragmentação municipal: “embora os dois processos não sejam da mesma natureza,
sua combinação reveste de dificuldade a pactuação em torno a temas relevantes para o
executivo e para a sociedade, sobretudo onde a polarização de interesses torna qualquer
arbitragem penosa, como é o caso das decisões alocativas e redistributivas no plano da
tributação”.
Além disso, há outra questão, diretamente relacionada a essa última, da
“natureza e composição partidária e regional das lideranças no Congresso”, que possui
dupla dimensão. De uma parte, implica a necessidade da construção de diálogo político
(muitas vezes difícil) com os governadores, que “controlam” suas bancadas 341 . De
TPF
FPT
outra, há que se levar em conta o excessivo personalismo da política brasileira, em que
“as lideranças [políticas], em sua distribuição regional e partidária, dependem menos do
partido ou da importância econômica de um estado, que da personalidade dos líderes”
(Dain, 1999).
A questão do personalismo na política brasileira provavelmente diz mais
respeito à ausência de organicidade dos partidos do que qualquer outro fator 342 . A
TPF
FP T
quase inexistente participação das classes médias nos movimentos sociais (sindicatos,
341
Historicamente os partidos consolidaram-se em torno dos centros de poder regional e de coalizões de
elites locais (Carvalho, 1993); com o passar do tempo, a diferenciação dos redutos eleitorais dos partidos
reproduziu-se ou se acentuou. Devido a características desses últimos, a lealdade dos parlamentares
vincula-se mais a seus estados que aos partidos ou a uma lógica nacional (Abrucio, 1997) e portanto, os
governadores influenciam fortemente as bancadas legislativas (Kinzo, 1997).
TP
PT
342
É vasta, na ciência política, a literatura que enfatiza a ausência de organicidade dos partidos políticos
no Brasil. Ver Kinzo (1997), Palermo (1998) e outros.
TP
PT
317
movimentos estudantis etc.) já seria em si um elemento explicativo desse fenômeno. O
próprio Partido dos Trabalhadores, por muito tempo tido como único exemplo de fato
de partido político do país, em sua real constituição jamais passou de uma grande
federação de grupos com ideologias e métodos bastante distintos entre si – prova maior
disso o fato (provavelmente único entre grandes partidos de esquerda do ocidente) de
nunca ter conseguido produzir um jornal próprio.
Em relação à força dos governadores, o ponto central passa pela compreensão do
“movimento pendular”, mencionado anteriormente, em que a República tem oscilado,
desde seus primórdios, entre momentos de centralização e de descentralização política.
Na raiz desse fenômeno, a necessidade da qual o país jamais abdicou da existência de
um “poder moderador”, sejam eles os governos estaduais, nas fases descentralizadas,
seja o governo federal, nas fases centralizadoras.A atual conjuntura, ao que tudo indica,
é de transição do modelo descentralizado consagrado em1988; contudo, embora o poder
dos governadores na política nacional ainda seja muito grande, na medida em que se
constituem como canais importantes de intermediação entre o Executivo Federal e o
Legislativo, não parece que com isso exerçam algum tipo de “poder moderador”.
A Constituição de 1988 foi o momento culminante do movimento de reversão da
forte centralização tributária e administrativa por parte do governo federal, a qual fora
uma das características distintivas do regime militar. O processo da Assembléia
Nacional Constituinte notabilizou-se por um forte apelo no sentido de ampliar as
prerrogativas e as competências tributárias dos estados e municípios. Predominava o
sentimento de que democracia e descentralização deveriam estar associadas, e a idéiaforça de que o domínio dos recursos tributários pelos estados e municípios permitiria
avançar sobre o outro pilar de sustentação dos trabalhos constitucionais, qual seja, o
resgate social da parcela da população brasileira alijada dos ganhos do desenvolvimento
318
no período militar. O movimento idealizado naquele momento objetivava então garantir
a descentralização fiscal e criar recursos adicionais para atender à expansão das políticas
sociais à totalidade da população.
(...) No contexto da luta contra um regime autoritário de fortes traços
centralizadores, a descentralização tornou-se, para as oposições, sinônimo
de democracia e de devolução à cidadania da autonomia usurpada pelos
governos militares. (...) A descentralização foi vista como instrumento de
universalização do acesso e do aumento do controle dos beneficiários sobre
os serviços sociais (Almeida, 1996, p.17) 343
TP
F
FP T
O exame das condições tributárias hoje vigentes na economia brasileira, no
entanto, demonstra que se está bastante longe de cumprir o espírito que marcou a
discussão dos trabalhos constitucionais. O resgate da dívida social ainda está longe de
ser realizado e os governos subnacionais também não apresentam o quadro idealizado
pelos constituintes. Não se pode negar que a descentralização avançou bastante desde a
Constituição de 1988, mas os estados e municípios enfrentam dificuldades financeiras e
não cumprem satisfatoriamente o papel que deles se esperava no imaginário dos
legisladores 344 .
TPF
FPT
As decisões da Constituição de 1988 levaram o governo federal, preocupado
com o descontrole das contas públicas, a reagir contra a perda de recursos e a promover
a descentralização de encargos. Certamente, a distribuição organizada de receitas e
encargos entre as esferas de governo enfrentaria dificuldades e teria poucas chances de
sucesso em face das disparidades econômicas, sociais, financeiras e gerenciais da
Federação brasileira. Entretanto, a falta de definição das linhas gerais da nova
organização da Federação desencadeou um movimento de descentralização caótico que
343
Almeida (1996) assinala a forte influência que os processos de descentralização e crise fiscal –
presentes no contexto dos anos 80 – exerceram na transformação do sistema federativo. Segundo a autora,
a descentralização deveria implicar a transferência de competências e atribuições de outras esferas para os
municípios, “instância em que se supunha ser mais fácil o controle democrático exercido pelos cidadãos”.
TP
PT
344
Sobre questões relacionadas aos estados e municípios após a Constituição de 88, ver, entre outros,
Nazareth (2005), Prado (2001 e 2003), Silva (2003), Afonso e Araújo (2001), Santos e Mattos (2006).
TP
PT
319
se constituiu em fator de desagregação do tecido federativo. Não por acaso, discute-se
hoje justamente quanto que dos problemas brasileiros se deriva de uma crise na
Federação.
5 Algumas considerações adicionais sobre o debate atual
O processo de descentralização levado a termo no período posterior à
promulgação da Constituição de 1988 levou a alterações da distribuição dos recursos
tributários e dos encargos entre as esferas de governo. Os estados e os municípios
ganharam autonomia no exercício das respectivas competências tributárias e ampliaram
a participação no valor da receita disponível e do gasto. Segundo Serra e Afonso (1999),
os governos subnacionais respondiam, ao fim da década de 90 do século passado, por
32% do total dos tributos e ficavam com 43% da receita tributária nacional, após a
distribuição
das
transferências
constitucionais,
incluindo
as
contribuições
previdenciárias. Quanto aos gastos, eram então responsáveis por 62% da folha de
pagamento dos servidores públicos em atividade, 71% dos outros custeios e 78% dos
investimentos fixos. Os municípios, sozinhos, detinham elevada participação no valor
dos investimentos públicos e investiam tanto quanto a soma da formação bruta de
capital fixo do governo central e dos 27 estados, enquanto que a presença do governo
federal se fazia dominante nas transferências a pessoas e gastos com os juros da dívida
pública.
As expressivas mudanças da Federação dotaram o setor público brasileiro de um
grau de descentralização semelhante ao das economias avançadas. O novo cenário
ampliou as responsabilidades dos municípios e parcela crescente da população passou a
depender da capacidade financeira destes de ofertarem os vários serviços e atenderem as
demandas sociais locais. Mas, apesar do seu caráter marcante, o avanço da
320
descentralização enfrentou uma série de dificuldades e parece inegável o descompasso
entre a maior responsabilidade e a capacidade financeira dos municípios no atendimento
satisfatório das demandas sociais, o que tem resultado no agravamento das tensões no
interior da Federação brasileira. O governo federal, como resposta ao quadro tributário
definido em 1988, adotou um conjunto de medidas visando manter a participação
federal na repartição das receitas tributárias. O esforço tributário do governo federal se
voltou para a cobrança de impostos e contribuições sociais não compartilhados com as
outras esferas de governo. A arrecadação das contribuições sociais ganhou um peso
decisivo na receita federal e respondeu, em 2000, por 36,4% do total da carga tributária
(em 1990 esse valor alcançava 30,1%) e tornou-se o fator responsável por elevar a
participação da União no valor da arrecadação bruta, bem como na receita tributária
disponível após as transferências constitucionais. A participação da União na receita
tributária disponível em 1990 era de 57,1% e cresceu para 59,2% em 2004, enquanto
que, no mesmo período, os estados perderam participação de 28% para 25% e os
municípios tiveram um pequeno ganho de 15% para 16%. O fator determinante do
crescimento da participação dos municípios foi o aumento da arrecadação própria que se
expandiu de 3% do PIB em 1990 para 5% do PIB em 2004 e que aumentou seu peso na
composição do valor total da receita disponível.
Além disso, é importante mencionar que outros fatores contribuíram para que
não se configurasse plenamente a idealização da Constituição de 1988 de tornar os
municípios entidades capazes de atender adequadamente às demandas por serviços
sociais. Em primeiro lugar, o governo aprovou o Fundo de Social de Emergência (hoje
DRU, Desvinculação das Receitas da União), desvinculando 20% das receitas das
transferências constitucionais, objetivando criar condições fiscais adequadas à
implantação do plano de estabilização. Esse movimento, visto inicialmente como
321
emergencial, ganhou caráter perene e contribuiu para ampliar o domínio federal sobre
os recursos fiscais. Em segundo lugar, o baixo crescimento da economia brasileira
impediu um comportamento mais favorável da receita fiscal própria e principalmente
dos recursos das transferências constitucionais. Ainda assim, os municípios
conseguiram elevar os tributos próprios. Finalmente, as altas taxas de juros provocaram
o aumento do serviço da dívida e contribuíram para as dificuldades financeiras de vários
municípios, sobretudo, as capitais e as unidades mais importantes economicamente, que
tiveram maior acesso a operações de crédito.
Pode-se dizer, então, que a configuração hoje presente é resultado de um duplo
movimento. De um lado, ocorreu o processo de descentralização fiscal, com os
municípios assumindo maior peso no atendimento das demandas sociais e no valor dos
gastos totais. De outro, observa-se que vários municípios vivem uma conjuntura de
dificuldade financeira e não apresentam condições de responder adequadamente à
crescente demanda de serviços que recaem sobre eles. A situação é muito evidente
sobretudo nas unidades de maior porte e nas capitais, onde se concentram parcelas
substanciais da população e que foram as que mais sofreram com o quadro recente da
economia brasileira. É importante notar que, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, este
cenário tende a um agravamento, considerando a situação caótica das finanças públicas
herdadas de gestões passadas, especialmente no que tange ao endividamento municipal.
Diante destes fatos, coloca-se certamente um grande desafio, que ganha
dimensão quando se tem presente o processo de urbanização e a necessidade de oferta
de serviços públicos nos grandes centros urbanos brasileiros. O movimento de
metropolização tem levado a que os municípios menores – muitas vezes com condições
financeiras satisfatórias – acabem delegando a responsabilidade por ofertar serviços
sociais fundamentais, como saúde e educação, aos municípios que compõem o núcleo
322
central da Região Metropolitana, com implicações sobre a qualidade dos serviços, dado
que municípios com dificuldades financeiras são forçados a ofertar um volume de
serviços maior do que o número de seus habitantes, sem que tenham qualquer
contrapartida financeira.
As relações entre as unidades da mesma região metropolitana precisam ser cada
vez mais consideradas quando se discutem os problemas e as soluções a serem
encaminhadas nas áreas sociais. 345 O enfrentamento individual das questões de caráter
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FP T
regional-metropolitano limita a possibilidade de soluções mais adequadas, diante das
dificuldades financeiras hoje existentes. Neste contexto, é válido pensar nas regiões
metropolitanas dando-lhes um sentido de “novos entes federados”, na medida em que,
como enfrentam problemas comuns de saúde, saneamento, educação, segurança etc.,
devem procurar soluções também compartilhadas para tais questões. Parece claro, por
conseguinte, que o caminho mais seguro a ser trilhado pela sociedade brasileira no
enfrentamento de seus problemas sociais ainda é o preconizado na Constituição de 88: o
reforço cada vez maior da Federação, e a busca de soluções compartilhadas e pactuadas
entre os entes que a compõem.
345
Para uma discussão concreta sobre as questões envolvendo o compartilhamento de serviços públicos
por habitantes de diferentes municípios de uma mesma Região Metropolitana, no caso a de Campinas, ver
Lopreato e Paiva (2001).
TP
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323
Capítulo V A construção interrompida
“Would you tell me please, which way I ought
to go from here ?” (asked Alice).
“That depends a good deal on where you want
to get to”, said the cat.
(Alice in the Wonderland, Cap. VI). 346
TP F
FP T
O presente capítulo toma emprestado (além da epígrafe, conforme a nota que a
segue) o título de um dos últimos livros de Celso Furtado, Brasil:A Construção
Interrompida. Nele, Furtado reúne, em suas próprias palavras, “o sentimento de
angústia gerado pelas incertezas” que pairavam, naquele já longínquo ano de 1992 (data
de sua publicação), “sobre o futuro do Brasil” (p. 9).
Diversas foram as transformações de extraordinária envergadura por que
passaria o mundo nesses últimos quinze anos – um piscar de olhos em termos históricos.
No plano geopolítico, a definitiva desintegração da União Soviética, que marcava a
vitória dos Estados Unidos na guerra fria e consolidaria a posição desta última nação
como única hiper-potência global; a completa integração dos países da Europa, que se
consubstanciaria na eliminação de suas fronteiras, na adoção de uma moeda única, e
avançando na criação de mecanismos formais de representação política, como o
Parlamento Europeu e a Constituição Européia (esta ainda inconclusa); por último, mas
longe de desimportante, a marcante ascensão da China e da Índia (esta em menor
escala) à condição, cada vez mais concreta, de potências globais, crescendo já há vários
anos a taxas próximas ou iguais a 10%, detendo arsenais nucleares e uma população
346
Este pequeno trecho da obra universal de Lewis Carrol, de simbolismo ímpar, foi utilizado, ao que
consta, pelo menos outra vez na ciência social brasileira. É com ele que L. A. Costa Pinto, importante
sociólogo do desenvolvimento, com vasta obra publicada nas décadas de 1950 e 1960, hoje virtualmente
ignorado, abre o Capítulo 2 de Desenvolvimento Econômico e Transição Social (Instituto de Ciências
Sociais, Universidade do Brasil, 1967, 1ª. edição).
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324
conjunta de quase 2,5 bilhões de habitantes. 347 Permeando esse quadro de radicais
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mudanças, um processo crescente de mundialização das relações políticas e econômicas,
em paralelo a revoluções permanentes no mundo da tecnologia e das telecomunicações
– a referência, evidentemente, é à introdução da internet e da telefonia celular –, que
eram absolutamente impossíveis de serem previstas no início da década de 1990.
Por tudo isso, parece tão distante aquele ano de 1992.
No Brasil, especificamente, 1992 seria marcado pela deposição do presidente
Fernando Collor de Mello em 29 de setembro, quando, em sessão extraordinária,
assistida ao vivo, em rádio e televisão, por todo o país, o Congresso Nacional aprovou,
por ampla maioria, a abertura de processo de impedimento contra ele, por crime de
responsabilidade. Eleito em 1989, nas primeiras eleições presidenciais diretas desde a
sucessão de Juscelino Kubitschek, quase três décadas antes, Collor de Mello assumiria o
país, a 15 de março de 1990, num contexto de aguda crise econômica, com a inflação
naquele mês atingindo, segundo o IGP-DI/FGV, 81,3% (contra índices superiores a
70% em janeiro e fevereiro), o equivalente, em termos anualizados, a uma taxa superior
a cento e vinte seis mil por cento.
O processo de hiperinflação aberta que se instaurara representava, por sua vez, o
desfecho dramático de um decênio que receberia a denominação, posteriormente, de
“década perdida”. Abandonando em certa medida o rigor e a precisão que análise do
período 1930-80 exigiam para os propósitos desta tese, os quais se tentou empregar,
ainda que em vão, no Capítulo III, propõe-se retomar o fio da história, de maneira a
reconstituir, muito abreviadamente, o quadro geral da política e da economia nos anos
347
A Índia ainda é, a rigor, uma potência regional. Para uma análise detalhada da evolução do quadro
geopolítico mundial, ver Fiori, J. L., “O poder global dos Estados Unidos: formação, expansão e limites”,
in O Poder Americano, Editora Vozes, Petrópolis, 2004. Para um exame do processo de desenvolvimento
recente da China, ver Medeiros, C.A., A China como um duplo pólo na economia mundial e a
recentralização da economia asiática”, Texto para Discussão IE/UFRJ, 2006.
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325
80; feito isto, estar-se-á na mesma perspectiva em que Furtado estivera quando escreveu
a pequena e substantiva obra que inspira o presente capítulo. Isto, conforme se espera
ficará claro, atenderá a um duplo objetivo: qualificar a expressão “década perdida” e
demonstrar que Furtado, ao se referir à interrupção de um processo de construção
nacional, não estava (apenas) constatando algo ocorrido, mas principalmente antevendo
o que seria a economia política brasileira nos anos que se seguiriam.
A primeira metade da década de 80, na política, marca o período de vigência do
último governo militar do regime instaurado em março de 1964, o do General João
Baptista Figueiredo, que sucedera Ernesto Geisel em 1979 e cujo mandato terminaria
em 1985. Figueiredo houvera sido um membro destacado do regime desde seu início,
quando, recém promovido a coronel, fora designado para chefiar o Serviço Nacional de
Informações no Rio de Janeiro, e, dois anos depois (1966), comandar a Força Pública do
Estado de São Paulo. Em 1969, alcançaria o generalato, sendo então convidado por
Emílio G. Médici, então comandante do III Exército, a ocupar a chefia de seu EstadoMaior. Escolhido presidente, em outubro daquele ano, Médici nomearia Figueiredo, no
dia de sua posse, Ministro-Chefe do Gabinete Militar.
No governo seguinte, de Geisel, viria a ocupar a chefia do SNI, vindo a ter
grande participação no núcleo central das principais decisões governamentais sobre o
processo de distensão "lenta, segura e gradual" do regime autoritário então efetivada, e
que tinha como principal articulador o Ministro-Chefe do Gabinete Civil, Golbery do
Couto e Silva. Escolhido pelo próprio Geisel para sucedê-lo, num processo que geraria
tensões e fraturas no Exército, 348 Figueiredo daria continuidade à abertura política,
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348
FPT
Os setores da “linha-dura” ligados ao ministro do Exército, general Sílvio Frota, que disputava a
indicação, opunham resistência ao nome de Figueiredo, que, ademais, fora promovido a general-dedivisão havia pouco tempo, estando naquela ocasião, em tese, distante da conquista imediata da quarta
estrela (a patente de general-de-exército, o topo da hierarquia militar), considerada indispensável para o
acesso à presidência da República. Após sucessivos choques no relacionamento entre o ministro do
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326
mantendo sob seu estrito controle esse processo. Em agosto de 1979, foi sancionada a
Lei nº. 6.683, anistiando todos os cidadãos punidos por atos de exceção desde 9 de abril
de 1964, data da edição do AI-1. Entre presos, cassados, banidos, exilados ou
simplesmente destituídos dos seus empregos, a Lei de Anistia beneficiou quase cinco
mil pessoas. Em outubro, Figueiredo enviou mensagem ao Congresso, que seria
aprovada no mês seguinte, propondo a extinção da Arena e do MDB, e a formação, em
18 meses, de novos partidos, que deveriam montar diretórios em, pelo menos, 1/5 dos
municípios de nove estados. 349
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Em 1980, o Congresso aprovou projeto do governo que restaurava as eleições
diretas para os governos estaduais, e extinguia a figura do senador eleito por via
indireta. Em contrapartida, foi mantida a legislação pertinente à propaganda eleitoral de
rádio e de televisão (Lei Falcão), extremamente restritiva, e estabelecida a vinculação
total de votos. 350 Além disso, proibiu-se a coligação de partidos, em qualquer nível.
TP F
FP T
Embora a política de distensão conduzida pelos governos Geisel e Figueiredo
não tivesse modificado a estrutura sindical e a legislação trabalhista, que colocavam as
entidades e os movimentos reivindicativos dos trabalhadores sob tutela e vigilância do
Estado, o quadro da abertura teve influência no sentido de uma retomada das atividades
Exército e o presidente da República, Geisel destituiria Frota, em outubro de 1977. Figueiredo seria
promovido em março de 1978, quando sua indicação já fora anunciada.
349
Com a extinção do bipartidarismo, as novas forças políticas começaram a constituir-se. A maior parte
dos antigos emedebistas filiou-se ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), sob a
presidência do deputado paulista Ulysses Guimarães. Dissidentes da antiga Arena, com o senador
emedebista Tancredo Neves, criaram o Partido Popular (PP), que tinha como presidente de honra o
senador arenista Magalhães Pinto. O líder sindicalista Luís Inácio da Silva, o Lula, com o apoio de
intelectuais, grupos socialistas e de algumas correntes ligadas às comunidades eclesiais de base, fundou o
Partido dos Trabalhadores (PT). A ex-Arena, acrescida de políticos oriundos do antigo MDB, passou a
chamar-se Partido Democrático Social (PDS), presidido pelo senador José Sarney. Dois grupos, liderados
pelo ex-governador gaúcho Leonel Brizola e pela ex-deputada Ivete Vargas, disputavam a sigla do antigo
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em maio de 1980,
favoreceu Ivete, levando Brizola a fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT), completando assim o
espectro partidário que se manteria até fevereiro de 1982, quando o PP se integra ao PMDB.
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350
O eleitor seria obrigado a sufragar a chapa integral de um único partido para os cargos de governador,
senador, deputado federal, deputado estadual, prefeito e vereador. Qualquer discrepância - um voto sequer
em candidato de outro partido - implicaria a anulação.
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327
sindicais. Os sindicatos dos metalúrgicos do ABC - especialmente o de São Bernardo e
Diadema - se destacaram no contexto nacional, organizando, a partir de 1978,
sucessivas greves que paralisaram a indústria de ponta.
As eleições de 1982, ainda que não tenham constituído um triunfo esmagador
das oposições, marcam sem dúvida uma derrota da qual o regime militar não se
recuperaria. A partir das vitórias do PMDB em estados como São Paulo, com Franco
Montoro, Minas Gerais, com Tancredo Neves, Paraná, com José Richa, e de Leonel
Brizola (PDT), no Rio de Janeiro, 351 fermentou-se um clima de intensa mobilização
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política e popular, que atingiria seu auge em 1984, quando grandes cidades, como Rio e
São Paulo, foram palcos de comícios, em prol da redemocratização e da realização de
eleições diretas para presidente, assistidos por milhões de pessoas.
Na economia, o período do governo Figueiredo caracterizou-se por uma das
piores crises da história republicana. Após registrar em seus dois primeiros anos taxas
expressivas de crescimento do PIB (6,7% em 1979 e 9,2% em 1980), combinadas
porém a uma violenta elevação dos níveis de inflação (77% e 110%, respectivamente,
frente a um índice de 41% em 1978, e a uma média de 38% entre 1974 e 1978), a
economia sofreria os efeitos devastadores de dois choques externos: a duplicação dos
preços do petróleo (“segundo choque do petróleo”) e a elevação dos juros internacionais
(“choque dos juros”).
O impacto combinado de ambos produziu uma grave deterioração na relação
entre o valor das exportações e o montante da dívida externa. O quadro se agravou
durante o ano de 1981, quando a alta taxa de inflação (95%) e o aumento dos
351
No total, a oposição conquistou 10 dos 22 em disputa, e obteve maioria na Câmara. O PDS manteve
seu controle sobre o Senado e, com os 12 governos estaduais conquistados, garantiu a maioria governista
no Colégio Eleitoral encarregado de escolher o sucessor de Figueiredo. O Colégio Eleitoral era
constituído de todos os integrantes do Congresso, mais seis deputados de cada Assembléia Legislativa
indicados pelo partido majoritário.
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328
pagamentos relativos ao serviço da dívida se associaram a uma recessão profunda (o
PIB real despencaria 4,3% naquele ano) 352 , caracterizando a entrada do país em um
TPF
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período de estagflação, que perduraria até 1983. Neste ano, o PIB declinaria quase 3%,
em termos reais, e a inflação atingiria a marca de 211% (contra 100% em 1982) refletindo os impactos da maxidesvalorização da moeda levada a termo em fevereiro 353
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FPT
-, patamar em relação ao qual se elevaria ligeiramente nos dois anos seguintes.
Tomando por base o ano de 1980 (isto é, construindo uma série de números-índice com
1980=100), a renda real per capita, em 1983, havia se reduzido em praticamente 13%.
A maxidesvalorização se inseriu num conjunto de medidas que integravam o
"Programa para o Setor Externo em 1983", elaborado pelo Conselho Monetário
Nacional, e que constavam da primeira (de um total de sete) carta de intenções enviada
ao FMI, subordinando explicitamente os rumos da política econômica ao gerenciamento
da dívida externa. 354 Em 1983, o governo conseguiria negociar novo empréstimo junto
TPF
FP T
ao FMI, vinculado à exigência de adoção de uma nova política salarial, em que os
salários fossem reajustados de acordo com índices inferiores aos da inflação. Isto seria
viabilizado pela aprovação – após intensos embates no Congresso, em que o governo,
352
Modiano (1997, p. 327) salienta que a “escalada das taxas de juros internacionais de quase 4 pontos
percentuais em 1981 adicionou (...) cerca de US$ 3 bilhões ao pagamento dos juros da dívida externa, que
absorvia então 40% das receitas de exportação”. Naquele ano, o PIB industrial teria uma queda de cerca
de 10%, puxada pelas retrações de 26% e de 19% nos segmentos de bens de consumo duráveis e de bens
de capital, respectivamente.
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353
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354
Entre os meses de março e novembro, o cruzeiro foi desvalorizado em cerca de 140%.
Dois fatos importantes ocorridos entre 1981 e 1982 devem ser mencionados. Primeiro, a
implementação do chamado "pacote da Previdência", que resultou no aumento das contribuições
compulsórias de empregadores e empregados O segundo foi a criação, em maio de 1982, do Finsocial
(que deu origem à atual Cofins), tributo que incidiria à alíquota de 0,5% sobre a renda bruta das empresas
públicas e privadas, incluindo instituições financeiras e seguradoras, e que constituiria um fundo para o
desenvolvimento de programas governamentais nas áreas de produção agrícola, educação, saúde e
habitação. O BNDE foi encarregado de gerir a aplicação desse fundo, passando a denominar-se Banco
Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
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329
pela primeira vez desde 1964, amargaria derrotas em votações parlamentares - do
Decreto nº. 2.065, pelo qual se tentou implementar a desindexação salarial. 355
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Em 1984, graças à recuperação econômica dos Estados Unidos, a restrição
externa da economia brasileira seria aliviada; com a retomada da atividade industrial,
puxada principalmente por uma forte demanda de exportações, o PIB real registrou
crescimento de 5,4%, interrompendo o processo de encolhimento da renda per capita
(que aumentaria 3% em relação ao ano anterior).
Contudo, a erosão política do regime a esta altura já estava muito avançada, e
seu processo de esgotamento era irreversível. Mesmo conseguindo barrar no Congresso
a emenda constitucional que propunha restabelecer eleições diretas para a presidência
da República, o regime militar, que, sintomaticamente, apresentara pela primeira vez
um candidato civil para a sucessão, sofreria ampla derrota no Colégio Eleitoral. A
Aliança Democrática, formada pelo PMDB e pela Frente Liberal, 356 com a chapa
TPF
FP T
Tancredo Neves - José Sarney, vence as eleições indiretas com uma votação mais de
três vezes superior à do candidato da situação (Paulo Maluf). Inaugurar-se-ia, então, a
Nova República, termo cunhado por Tancredo em campanha, que daria início ao
processo da transição política brasileira. 357
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A Nova República inicia-se, como se sabe, sob o trauma do episódio do
falecimento de Tancredo Neves. Assim, em que pese a hegemonia do PMDB,e em
355
Para detalhes sobre a política salarial do regime militar, e do governo Figueiredo em particular, ver
Sabóia, J., “Política salarial e distribuição de renda: 25 anos de desencontros, in Distribuição de renda no
Brasil, Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 2000.
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356
Constituída por significativa dissidência do PDS. Despontavam, entre suas principais lideranças,
Antônio Carlos Magalhães, Marco Maciel e Aureliano Chaves (este o vice-presidente da República).
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357
Pretendeu-se aqui apenas traçar as linhas gerais do ciclo final do regime militar. Sugere-se, a título de
introdução para o estudo rigoroso e aprofundado do período: na dimensão política, Reis, F. W. e
O’Donnel, G. (orgs.), A Democracia no Brasil: Dilemas e Perspectivas, Editora Revista dos Tribunais,
São Paulo, 1988; e Werneck Vianna (1986). Na economia, Belluzo, L. G. M. e Coutinho, L. (orgs.),
Desenvolvimento Capitalista no Brasil: Ensaios sobre a Crise, Editora Brasiliense, vol. 1, São Paulo,
1982; Castro e Souza (1985); e Carneiro (2002).
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330
particular a influência de Ulysses Guimarães como seu presidente, a transição não seria
conduzida, como originalmente arquitetado, pelo veterano político mineiro, discípulo e
herdeiro de Vargas 358 , mas sim por um elemento saído do regime, oriundo do
TP F
FP T
estamento oligárquico nordestino, com raízes políticas (na antiga UDN) antitéticas às de
Tancredo.
De todo modo, como presidente, não há margem a dúvida, José Sarney viria a
conceder amplo acesso à passagem da agenda original da Nova República, que se
traduzia, em essência, ao trinômio: consolidação do regime democrático (que se
consubstanciaria na convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, para a
eliminação do “entulho autoritário” no campo institucional-legal), desenvolvimento
econômico e justiça social.
Do ponto de vista político, e portanto do primeiro objetivo da agenda acima
referida, o primeiro (que no curso da história acabaria por ser o único) governo da Nova
República foi indiscutivelmente exitoso. 359 Além da imediata restauração das
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liberdades civis e democráticas, produziu-se a Constituição Federal de 1988, a
“Constituição Federativa”, a “Constituição Cidadã”, que contou com ativa participação
popular e social em sua elaboração, reforçou os laços federativos e ampliou poderes nas
esferas legislativa e judiciária, consagrando ainda um capítulo inteiro à seguridade
social, “com a integração de ações relativas à saúde, à previdência e à assistência social,
358
Como se sabe, Tancredo fora Ministro da Justiça no segundo governo Vargas. No sepultamento deste,
em sua terra natal, São Borja (RS), pronunciou violento discurso contra o novo governo chefiado por
Café Filho e as forças políticas que haviam levado ao suicídio de Vargas.
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359
Para a análise política do governo Sarney, veja-se Vianna, L. W., A Transição – da Constituinte à
Sucessão Presidencial, Editora Revan, Rio de Janeiro, 1989; e Santos, W. G., “A Pós-Revolução
Brasileira”, in Jaguaribe, H. et al., Brasil, Sociedade Democrática, José Olympio, Rio de Janeiro, 1985.
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331
assim como a universalidade dos benefícios para os que contribuam ou não, além de
beneficiar onze milhões de aposentados, espoliados em seus proventos”. 360
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Na economia, e no que respeita em particular ao desenvolvimento (e à
estabilidade), por outro lado, os resultados foram, sem dúvida, muito fracos. 361 Os
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sucessivos fracassos nas tentativas de controle inflacionário via programas
heterodoxos 362 tiveram, como conseqüência, a consolidação da componente inercial na
TPF
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inflação; medida pelo IGP-DI, a taxa média do período superou 470%. A economia
ainda registraria taxas expressivas de crescimento em 1985 e 1986 (7,9% e 7,5%),
puxadas pelas vigorosas expansões de demanda que se seguiram aos Planos Cruzado e
sucedâneos, que, no entanto, não tiveram sustentabilidade. De todo modo, graças a esse
episódico crescimento, a renda per capita se recuperaria aos níveis de 1980. Mais ainda,
desconsiderando a depressão do triênio 1981-1983 (isto é, construindo um índice com
base em 1984), a renda por habitante registraria aumento real de 12%, incluindo o
crescimento de 1984 (ou seja, levando a base do índice para 1983), tal aumento teria
sido superior a 15%. Um valor modesto, sem dúvida, em especial se comparado com a
média histórica anterior, mas certamente muito melhor que a estagnação resultante da
consideração de toda a década na análise.
Assim, uma conclusão que emerge, mesmo após uma exposição superficial
como a apresentada, é a de que o decênio 1980-89 não foi exatamente uma “década
360
Ulysses Guimarães, discurso de promulgação da Constituição na Câmara dos Deputados, Brasília, 5
de outubro de 1988.
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361
Para o estudo da política econômica no governo Sarney, ver Carneiro, R. (org.), A Política Econômica
da Nova República, Ed. Paz e Terra, São Paulo, 1986, e Teixeira (1994); para a questão inflacionária, ver
Arida, P. (org.), Inflação Zero – Brasil, Argentina e Israel, Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1986; para o
problema da dívida, ver Velloso, J. P. R. (org.), Dívida Externa e Desenvolvimento, Rio de Janeiro: José
Olympio, 1990.
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362
A maior parte da literatura converge ao identificar, como justificativa principal desses fracassos, a
crise fiscal e financeira do setor público. Esta, por sua vez, tinha como raízes um enfraquecimento da
capacidade tributária do Estado (conforme visto no Capítulo IV) e o crescimento da dívida pública
externa, que se refletia no crescimento da dívida interna.
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332
perdida”; este adjetivo talvez seja apropriado para qualificar sua primeira metade. A
metade seguinte, no entanto, conseguiu produzir algum crescimento (ainda que aos
tropeções). E, mais importante, deixou à sociedade o legado de uma democracia política
solidamente enraizada, com uma Carta Constitucional que, pela primeira vez na história
republicana, conseguia realizar uma aproximação entre o “Brasil legal” e o “Brasil
real”, para utilizar uma expressão de Oliveira Vianna. Tratar esses dois períodos de
maneira unificada, portanto, constitui um equívoco, que obscurece uma realização
fundamental da Nova República.
Não caberia aqui um exame do período de Fernando Collor de Mello na
presidência. 363 Importa mais observar a inflexão que seu governo representa do ponto
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de vista da estratégia de longo prazo e do papel do Estado na economia, que se
traduziria na disseminação do ideário neoliberal no país. Segundo Aloísio Teixeira:
É impossível um balanço, ainda que breve, da política econômica [no] início
dos anos 90 sem se levar em conta a reorientação estratégica, de cunho
neoliberal, que se tentou implementar no período. Foi ela, de fato – e não as
políticas de estabilização – que se constituiu na marca principal (no plano da
política econômica) do primeiro governo eleito por voto direto em quase
trinta anos (...) (Teixeira, 1994, p. 130).
Dadas a prolongada crise por que vinha passando o país desde o início do
decênio anterior, e a seqüência de insucessos das experiências heterodoxas praticadas ao
longo do governo Sarney, ao que se poderia acrescentar o movimento de
desestruturação da ordem econômica mundial, e a prevalência, por assim dizer, de um
novo “contexto ideológico internacional”, marcado pela ascensão de idéias e práticas
363
Para a análise política do período, ver Vianna, L. W., De um Plano Collor a Outro: Estudo de
conjuntura, Rio de Janeiro: Editora Revan, 1991. Na economia, ver, sobre o Plano Collor, Faro, C. (org.),
Plano Collor: avaliação e perspectivas, Revista Brasileira de Economia, edição especial, v. 44, jan. 1991.
Sobre a política econômica e social, ver Tavares et al. (orgs.), Aquarella do Brasil, Rio de Janeiro: Rio
Fundo Ed, 1990; e Teixeira (1994).
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liberalizantes (resumidas no famoso “Consenso de Washington” 364 ), Teixeira (1994)
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avalia que, com a conjugação desses fatores, “o diagnóstico neoconservador-neoliberal
afigurou-se como a única proposta ‘reformista’ presente ao debate”. Mais ainda,
enquanto “as políticas de curto prazo do governo [Collor] sofreram forte
descontinuidade em seus quase três anos de existência, o mesmo não ocorreu com sua
estratégia de longo prazo”, estratégia esta baseada nos pilares neoliberais: redução do
Estado e de seu papel indutor/coordenador do desenvolvimento, abertura comercial e
liberalização financeira, de modo a facilitar o ingresso de capitais externos (Teixeira,
1994, pp.130-131).
É esse quadro geral, específico daquela conjuntura, de desarticulação
progressiva do padrão de desenvolvimento brasileiro (cf. Teixeira, 1994), que
configura o contexto em que Celso Furtado evoca a idéia da construção interrompida. O
autor antecipava, portanto, um processo que só viria a se estabelecer efetivamente dois
anos mais tarde, quando Fernando Henrique Cardoso elege-se presidente da República.
À diferença de Collor de Mello, que se elegera por um partido “nanico”, legenda criada
para abrigar sua candidatura, uma aventura que viria a se tornar realidade, o governo
Fernando Henrique chegaria à presidência amparado por uma sólida aliança eleitoral e
política entre seu partido, o PSDB, e o PFL (além de outros partidos médios e
pequenos), gozando ainda de um grande prestígio popular, por ter sido, quando Ministro
da Fazenda do governo Itamar Franco, o homem que lograra finalmente derrotar a
inflação, com o Plano Real.
364
O “Consenso de Washington” era um conjunto de medidas - composto de dez regras básicas -,
formulado em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras baseadas em Washington,
como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos EUA, fundamentadas num texto do
economista John Williamson, e que se tornou a política oficial do FMI em 1990, quando sua adoção
passou a condicionar a ajuda financeira do Fundo para países em desenvolvimento que passavam por
dificuldades. É desnecessário fazer menção à literatura que se formou em torno do tema, que, de resto, é
vastíssima. A referência do texto original é Williamson, J., “What Washington means by policy reform”,
in Williamson, J., Latin American adjustment: how much has happened , Washington, DC: Institute of
International Economics, 1990.
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334
Com efeito, em dezembro de 1994, já eleito presidente, Fernando Henrique
Cardoso pronunciaria no Senado Federal, a título de despedida daquela Casa, um
discurso que ficou famoso (Filosofia e Diretrizes de Governo) 365 em que anunciava
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“um acerto de contas com o passado”, que se traduziria pelo fim da Era Vargas. Esta era
apresentada como “um pedaço do nosso passado político que ainda atravanca[va] o
presente e retarda[va] o avanço da sociedade”, na medida em que se baseava num
“modelo de desenvolvimento autárquico” e num “Estado intervencionista”. Os
problemas conjunturais da crise econômica dos anos 80 (“a ressaca dos choques do
petróleo e dos juros externos, a decadência do regime autoritário, a superinflação”)
teriam, nessa interpretação, mascarado “os sintomas de esgotamento estrutural do
modelo varguista de desenvolvimento”.
Neste sentido, a abertura de um novo ciclo de desenvolvimento teria de passar,
necessariamente, por uma reforma do Estado e por “um novo modo de inserção do País
na economia internacional”, o que requereria “medidas no sentido da abertura externa e
da desestatização da economia; mas sobretudo a manutenção, na agenda política, das
reformas fundamentais para um novo modelo de desenvolvimento” (Filosofia e
Diretrizes..., grifos acrescentados). As reformas institucionais para o desenvolvimento,
nessa “nova” agenda que viria a ser predominante – até mesmo em função da
hegemonia política que a aliança PSDB-PFL lograria estabelecer – não mais se
implementariam para capacitar o Estado a liderar o processo, como no passado que se
pretendia enterrar, mas sim para dotar o mercado de condições para realizar as
atividades inerentes a uma sociedade capitalista moderna que o Estado, quando
desempenhara, conduzira a distorções e ineficiências. A própria Constituição Federal de
1988 viria a ser qualificada como um óbice institucional para o desenvolvimento; o
365
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Disponível no sítio eletrônico da presidência (www.planalto.gov.br).
335
“novo ciclo” deveria ser precedido, então, “Pela remoção, da Carta de 88, dos nós que
atam o Estado brasileiro à herança do velho modelo” (Filosofia e Diretrizes....).
Antes de se passar à análise dessa agenda (neoliberal), que permeia o debate
econômico dos anos 90 e vem até os dias atuais, de reformas para um “novo ciclo” de
desenvolvimento – agenda essa que, na realidade, nos termos de Furtado, simboliza a
interrupção do processo de construção nacional –, convém recuperar algumas das
principais questões discutidas ao longo da presente tese. O objetivo deste procedimento
é justamente delinear, em termos gerais, o que foi esse processo de construção.
Assinale-se, antes de mais nada, seu ponto de partida: a Revolução de 1930, que
marca o fim da hegemonia agrário-exportadora e o início da predominância da estrutura
produtiva de base urbano-industrial na sociedade brasileira. Conforme analisado no
Capítulo III, o processo mediante o qual ocorre essa mudança de paradigma se dá por
uma nova correlação de forças sociais, pela reformulação do aparelho e da ação estatal,
e pela regulamentação dos fatores, entre os quais o trabalho ou o preço do trabalho, o
que teria tido um duplo significado (Oliveira, 1981). De um lado, de destruição das
regras do jogo segundo as quais a economia se inclinava para as atividades agrárioexportadoras; de outro, de criação das condições institucionais para a expansão das
atividades ligadas ao mercado interno.
Observou-se também, com suporte tanto da bibliografia sociológica como da
econômica, que, entre 1930 e 1937, começa a amadurecer na estrutura de Estado um
projeto de desenvolvimento nacional centrado na industrialização. Dada a necessidade
de se fazer frente à crise econômica engendrada pela depressão internacional e pelos
problemas internos por que passava a economia cafeeira, a política econômica dos
primeiros anos da década pautou-se de imediato por combater a crise. Depois de 1933,
quando a indústria passa a apresentar vigoroso crescimento – dada a conjugação da crise
336
do setor exportador com a existência de capacidade ociosa acumulada nos anos 1920, e
ocorre o deslocamento do centro dinâmico da economia para o mercado interno,
vislumbra-se efetivamente a possibilidade de um crescimento acelerado baseado num
processo de industrialização. Tal processo ganharia impulso e aceleração acentuados,
contudo, a partir de 1937, com a ruptura institucional então ocorrida.
O Estado Novo, resultado do golpe de Estado de 10 de novembro de 1937, e
institucionalizado pela Constituição outorgada naquele mesmo dia, não apenas abortaria
o processo à sucessão do Presidente Getúlio Vargas, eleito indiretamente pelo
Congresso em 1934, mas, principalmente, representaria a definitiva e dramática ruptura
com os valores e princípios do liberalismo e da democracia representativa constantes do
ideário republicano brasileiro, desde a República Velha.
Fechado o Parlamento, banidos os partidos políticos, cerceadas as liberdades
civis e públicas, postos os sindicatos sob tutela estatal, abrir-se-iam amplas
oportunidades para a ação modernizadora do Estado, principalmente no objetivo de
estabelecer as bases para um processo duradouro de industrialização do país, em que
viriam a ocupar papel central os temas da siderurgia, do petróleo e da regulação de um
mercado de trabalho nacional. A centralização de recursos financeiros e organismos
institucionais (agências, conselhos etc.) na esfera do governo central, decorrência direta
da nova configuração do Estado, seria apresentada como um mecanismo necessário para
viabilizar a acumulação industrial, a qual seria facilitada pela formulação de políticas
nas instâncias de planejamento e planificação, que passariam a ter grande visibilidade.
As políticas relativas às tarifas e ao câmbio constituíam o principal instrumento
do protecionismo industrial no período, além de, numa economia em início de transição
337
para uma (precária) base industrial, as maiores fontes de receita pública 366 . Como foi
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discutido (no Capítulo III), tais políticas expressavam respostas do governo às pressões
do empresariado, o qual, desde o começo dos anos 30, vinha, através de suas
organizações, pleiteando uma reformulação da política de comércio exterior que visasse
a proteção da produção manufatureira nacional. O controle da taxa de câmbio e a
proteção tarifária, ao lado do crédito industrial, figuravam, portanto, como demandas
dos empresários que progressivamente foram incorporadas à agenda decisória.
Entre 34 e 37, com o Congresso em funcionamento, os industriais concentraram
no Legislativo suas pressões, obtendo pequenos acréscimos e mudanças, conforme o
momento, à lei tarifária de 34. A partir de 37, a formulação da política tarifária foi
transferida para o Ministério da Fazenda. Para os empresários, contudo, isto não
significou propriamente um estreitamento da discussão, ao contrário, já que a mesma se
deslocou para agências como o Conselho Federal de Comércio Exterior (CFCE), o
Conselho Superior de Tarifa, a Comissão de Similares, a Diretoria de Rendas
Alfandegárias e, posteriormente, a Coordenação de Mobilização Econômica. Assim
como a questão tarifária, a política cambial também envolveria a articulação das
entidades de classe com técnicos governamentais naqueles órgãos colegiados, onde se
“produziria o consenso” (Leopoldi, 2000) sobre o controle das importações.
A instituição do monopólio das operações cambiais pelo Banco do Brasil, em
37, a criação da Carteira de Exportação e Importação (Cexim), também no Banco do
Brasil, e a atribuição à CME (Coordenação de Mobilização Econômica) de poderes para
atuar nas áreas de comércio exterior, de política cambial e do planejamento da política
366
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Conforme analisado no Capítulo IV.
338
industrial são outros exemplos que vêm a confirmar o aumento da capacidade de
intervenção do governo na economia.
367
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Em suma, a partir de 37, o Estado assumiu um posição mais definida em favor
da substituição de importações pela produção interna, além de um posicionamento mais
marcadamente nacionalista na concepção de certos setores estratégicos 368 . O Estado
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Novo pavimentou, de fato, o caminho para a modernização econômica do país, assim
como refundou a república, “ampliando” o escopo do Estado, tanto para abrigar os
novos personagens sociais nascidos do mundo urbano-industrial, quanto para promover
a expansão deste último. Claro está, o fez a um preço elevado: a perda de autonomia da
sociedade quanto ao seu Estado e a herança do autoritarismo político a pesar sobre a
história republicana, como no regime do Ato Institucional nº. 5, em 1969, e que só viria
a ser definitivamente eliminada nos marcos constitucionais de 1988.
Restaurada a democracia, e findo o governo Dutra, o projeto desenvolvimentista,
baseado na aceleração do crescimento industrial, seria retomado ao longo dos anos 50,
realizando-se em duas fases. A primeira, sob o segundo governo de Getúlio Vargas, e
que vai de 1951 a 1954; nesta etapa, conforme Carlos Lessa, teriam sido lançadas as
bases instrumentais da política econômica do decênio. A segunda fase compreende a
metade posterior da década, sob o governo JK e o esquema do Plano de Metas. Entre
essas duas etapas, se situa um período de transição, marcado por tentativas frustradas de
implementação de esquemas convencionais de estabilização e pela grande instabilidade
política que se seguiu ao traumático episódio do suicídio de Vargas.
367
Além, evidentemente, como enfatizado em capítulos anteriores, do Código Tarifário e do sistema
tributários então introduzidos.
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368
Conforme exposto em III.3.2, a Constituição de 1937 continha dispositivos relacionados com a
nacionalização das minas, dos recursos energéticos e das indústrias consideradas básicas ou essenciais à
defesa econômica ou militar da nação.
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Um ponto de crucial importância para a compreensão do processo de
desenvolvimento engendrado na década de 1950 deve ser enfatizado. Representa as
opções feitas por Vargas, e posteriormente retomadas por Kubitschek, de contornar, na
medida do possível, o sistema político-partidário, no sentido de, através da abertura de
“brechas” e “atalhos” na estrutura institucional vigente, criar as agências e instituições
que, simultaneamente, planejariam e executariam a estratégia desenvolvimentista.
Assim, Vargas se cercaria da Assessoria Econômica e do grupo de técnicos da CMBEU
que daria origem ao primeiro núcleo dirigente do BNDE, e JK formaria uma
“administração paralela” no corpo do Estado. Tal construção institucional atenderia um
duplo objetivo: primeiro, isolar as decisões de caráter técnico das ingerências do mundo
da política; e segundo, articular, dentro do aparelho do Estado, o movimento simultâneo
de unificação das classes dominantes e de controle das classes subalternas em prol do
projeto de acumulação acelerada.
Outra questão que permeia o processo de desenvolvimento dos anos 50 é a
ausência de bases fiscais e financeiras sólidas, tanto no setor público quanto no privado,
que garantissem sua sustentabilidade. As principais peças da política industrial
permaneceriam sendo os instrumentos cambiais e tarifários, auxiliados por mecanismos
de controle e contingenciamento de importações. Assim, na ausência de reformas
estruturais nos sistemas financeiro e tributário, que consumiriam as energias
governamentais em negociações longas e paralisantes com o Congresso e os governos
estaduais, adotava-se uma estratégia de “fuga para frente”, que seria viabilizada a partir
da montagem de arranjos financeiros alternativos, cuja implementação mitigaria os
problemas da fragilidade financeira e fiscal.
Estes arranjos financeiros corresponderam, de maneira geral, a três fundos, cujos
pesos relativos no financiamento do crescimento variariam conforme as circunstâncias:
340
•
fundos internos às empresas, visando seu autofinanciamento e constituídos pela
majoração inflacionária dos seus mark-ups no âmbito de uma estrutura de
mercado oligopolizada;
•
fundos públicos, constituídos, principalmente, pelos fundos do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e do Banco do Brasil, além da
formação de capital forjada pelo governo central e pelas Estatais;
•
fundos externos, associados ao aumento do passivo externo líquido da economia.
A articulação desses fundos no processo de financiamento do crescimento era
realizada pela política econômica na medida em que políticas monetária, fiscal, cambial,
comercial, tributária, de financiamento, entre outras, afetavam a sua própria formação.
Ao longo do decênio, o fundo interno às empresas foi estimulado pelos sistemas de
contingenciamento das importações e de taxas múltiplas de câmbio. A proteção cambial
dupla a que se referiu Tavares (1972) garantia o autofinanciamento das empresas
através dos aumentos sistemáticos de mark-ups no setor industrial. Ademais, políticas
monetária, de crédito e fiscal expansionistas, com destaque para o investimento público,
eram fonte de demanda efetiva e de pressão inflacionária, viabilizando aumentos de
margem de lucro para as firmas.
Quanto ao fundo externo, durante aquele ciclo o financiamento do investimento
dependeu do autofinanciamento complementado pelo acesso a capitais do exterior, no
caso das empresas privadas. Quanto ao fundo público, este também se beneficiava de
receitas oriundas das “diferenças de câmbio”; mais importante, ressalte-se o papel
fundamental do BNDE como financiador de projetos e investimentos em infra-estrutura;
não se deve perder de vista, por fim, a sistemática emissão monetária pelo Tesouro
Nacional, requerida para financiar os gastos públicos.
A reversão da fase ascendente desse ciclo de crescimento esteve associada,
conforme se discutiu em III.5.1, ao recrudescimento inflacionário e à deterioração das
341
contas externas (entre outros fatores), que induziram a adoção de políticas
macroeconômicas restritivas no início dos anos 1960. Estas políticas eliminaram a
funcionalidade do arranjo financeiro doméstico adotado até então, contribuindo para a
reversão da fase ascendente do ciclo de crescimento da economia. De um lado, a
demanda do setor público e a demanda agregada foram arrefecidas, inviabilizando
“fundo interno”. De outro, as contas públicas deterioraram-se, afetando o investimento
público (fundo público).
De todo modo, uma etapa fundamental do processo de construção fora cumprida.
Esse processo, como foi visto, foi duramente criticado, em diversos momentos: ao longo
de sua própria execução (quando se destacavam as críticas de Eugênio Gudin e de
Octavio Gouvêa de Bulhões 369 ); no regime militar, por homens como Antonio Delfim
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Neto e Mário Henrique Simonsen; e nos anos 90, 370 quando as críticas seriam
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formuladas
em
outros
termos,
associando
o
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desenvolvimentismo
a
uma
condescendência “perversa” com a inflação e com “práticas fiscais irresponsáveis”. A
seguinte passagem de um texto recente de Gustavo Franco, um dos principais ideólogos
do neoliberalismo, e que, não por acaso, foi um destacado membro da equipe econômica
no governo Fernando Henrique Cardoso, é lapidar:
É curioso que o desenvolvimentismo brasileiro tenha conseguido preservar
em torno de si a aura de projeto nacional redentor e, com isso, tenha logrado
distanciar-se de alguns dos principais problemas que criou, como a
concentração de renda que, curiosamente, não é vista como uma decorrência
da aplicação, durante várias décadas, de um “imposto único sobre o pobre”
– a inflação. É extraordinário que essas culpas tenham ficado sem dono.
369
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370
Havia também críticas de grupos à esquerda, contrários à presença de indústrias multinacionais.
A década de 1990, em particular nos anos governo Fernando Henrique Cardoso, a questão da
estabilidade monetária dominaria todos os demais temas da agenda econômica, conforme será explorado
mais adiante.
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342
Para não deixar dúvidas, o autor se repete no parágrafo seguinte: 371
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É curioso: tudo se passa como se a concentração de renda não fosse obra da
inflação, da qual dependia o dinamismo de um modelo econômico calcado
na indisciplina fiscal, mas de alguma determinação impronunciável
emanada de nosso passado colonial, ou de perversos mecanismos imanentes
à ordem econômica internacional ou às contradições do capitalismo. 372
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É evidente que o processo de construção implicou custos elevados, entre eles o
processo inflacionário e a concentração de renda. Não é este o ponto. Todos os autores
estruturalistas, Celso Furtado em primeiro lugar, reconhecem esses custos. Ocorre que:
(i) a inflação foi, sim, funcional ao processo de desenvolvimento; e (ii) a concentração
de renda apenas marginalmente foi intensificada pelo imposto inflacionário. A relação
entre a piora na distribuição de renda e o crescimento econômico dos anos 50 tem
fundamentos muito mais concretos. Furtado os analisa em inúmeras obras; em A
Construção Interrompida, por exemplo, ele observa que
a região mais pobre do país transferia para a mais rica – esta, em processo
de rápida industrialização – o recurso econômico mais escasso e mais
estratégico do ponto de vista do desenvolvimento econômico: a capacidade
para importar. (...) [Além disso,] o salário pago à massa da população
trabalhadora não acompanhava o aumento da produtividade nas atividades
industriais, em razão da formidável reserva de mão-de-obra disponível nas
regiões mais pobres (...).
Mais ainda:
O que permitia aos brasileiros conviver com as gritantes injustiças sociais
era o intenso dinamismo da economia. Muitos observadores (...) descobriam
nesse dinamismo uma fonte de legitimidade para um sistema de poder que
gerava tantas injustiças. Outros (entre os quais me incluo) consideravam que
o preço social que estava sendo pago pelo desenvolvimento era
exorbitantemente elevado (...). Mas, pelo menos sobre um ponto, havia
consenso: interromper o crescimento econômico não contribuiria senão para
agravar os problemas sociais (Furtado, 1992, p. 12).
371
O que não chega a constituir surpresa para quem, por ofício, é obrigado a acompanhar a literatura
econômica corrente. Convém lembrar as palavras de L. G. M. Belluzzo, segundo as quais “o custo de
oportunidade de ler Gustavo Franco é muito alto, porque o texto é muito ruim” (Carta Capital, nº. 37, 27
de novembro de 1996).
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372
Franco, G. H. B., “Auge e Declínio do Inflacionismo no Brasil”, in Giambiagi, F. et al. (orgs.),
Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2004, Editora Campus, Rio de Janeiro, 2005.
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343
Relacionar a inflação à concentração de renda, tal como o faz G. Franco, revela
uma postura – ou de ignorância, ou de desonestidade intelectual – que, vista de hoje,
ajuda a compreender a prioridade absoluta que a política de estabilidade monetária viria
a ter nos anos 90, com todas as suas conseqüências negativas sobre as demais variáveis
da economia. Resta, portanto, qualificar sua referência ao passado colonial de
“determinação impronunciável” (sic), o que pode ser feito, de resto, com a recuperação
de algumas colocações de um autor, como se sabe, absolutamente insuspeito: Edmar
Bacha. Referindo-se à concentração de renda ocorrida na década de 60, este autor
considera os aportes teóricos e as evidências empíricas produzidos pelos economistas
brasileiros, para concluir que se formara um consenso segundo o qual
a extrema desigualdade na distribuição da renda do país tem fundas raízes
históricas, que remontam ao padrão monopólico de apropriação da
terra no Brasil Colônia. A concentração de renda se projeta do campo para
a cidade ao criar uma fonte permanente de suprimento de mão-de-obra a
salários reduzidos para a indústria. (...) Ademais, a concentração de renda
tende apenas a agravar-se com a continuação do crescimento econômico,
mantida a estrutura agrária e o padrão de industrialização dependente
(Bacha, 1976, p. 15, grifos acrescentados).
A construção seria retomada, conforme visto em III.5.3, no regime militar que se
instala a partir do golpe de 1964. Sobre este período, importa observar que, no novo
arcabouço político e institucional autoritário inerente à ditadura, marcado pela
hipercentralização decisória e administrativa e pela completa sujeição dos demais
poderes ao Poder Executivo federal, a agenda das reformas estruturais – tributária,
financeira, bancária – seria imposta em curto espaço de tempo.
Estas reformas permitiram superar o estrangulamento proporcionado pela
inadequação da estrutura financeira e creditícia às necessidades de expansão (tanto na
esfera da produção quanto da circulação) dos novos setores industriais e, em particular a
tributária, conforme se procurou analisar no Capítulo IV, capacitaram o Estado a
resolver os problemas do financiamento público. O sistema tributário, por sinal, pela
344
primeira vez na história brasileira fora arquitetado como uma peça-chave na
engrenagem do sistema econômico, e não mais apenas como instrumento de geração de
receitas. Neste sentido, o conjunto das reformas, sem dúvida, conferiu uma forma mais
“moderna” ao capitalismo brasileiro, “com a construção de mecanismos de acumulação
especificamente financeira” (Teixeira, 1994, p. 149).
É interessante observar que, na fase ascendente seguinte do ciclo econômico
brasileiro, observada entre 1967 e 1973, as formas de financiamento do ciclo anterior
foram reproduzidas: autofinanciamento, recursos externos e fundos públicos. A reforma
fiscal-financeira de 1965-1967 foi funcional para a retomada do crescimento da
economia ao contribuir para a recomposição das fontes de financiamento do governo
(fundo público) através da emissão de títulos com cláusula de correção monetária
(ORTNs), além de favorecer a expansão do crédito ao consumidor e para capital de giro.
Ademais, houve majoração de tarifas públicas e de impostos diretos e indiretos, e corte
de gastos do governo, no âmbito do Programa de Ação Econômica do Governo
(PAEG). A criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) e a adoção do sistema do
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), em 1964, também estimularam a
formação do fundo público. A partir de 1971, este contou, também, com o Programa de
Integração Social (PIS).
Quanto ao fundo interno, o autofinanciamento das empresas foi relevante no
período para o financiamento de investimento. A política de arrocho salarial viabilizada
pelo contexto autoritário, em paralelo à adoção de políticas monetária, de crédito e
fiscal expansionistas, permitiu o aumento de mark-ups e o controle da inflação. O
aumento de margens foi ainda favorecido pela política de comércio exterior que, entre
1964 e 1967, introduziu um conjunto de incentivos fiscais e creditícios às
345
exportações. 373 Finalmente, com relação ao fundo externo, houve nesse período
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crescente endividamento externo, inclusive das empresas estatais.
Conforme exposto em III.5.3.2, a experiência de crescimento acelerado do
período 1968-73, mais que um “milagre econômico”, deve ser percebida como uma
vigorosa recuperação econômica. Sua longa duração e as altas taxas de crescimento
atingidas são explicadas pelo enorme hiato existente, em 1967, entre o PNB potencial e
o efetivo, como resultado do extenso período de crescimento abaixo do potencial desde
1962 até 1967 (Bacha, 1976). Assim, quando a utilização plena da capacidade instalada
trouxe a necessidade de novos investimentos em capital fixo, concomitantemente à
depressão dos mercados financeiros e de comércio externos no final de 1973, a
funcionalidade do arranjo financeiro para o crescimento foi ameaçada. De fato, após o
choque do petróleo, quando o quadro externo favorável foi desfeito e, também, quando
o esgotamento da capacidade instalada impôs a necessidade de ampliar o investimento
em capital fixo, a balança comercial e de transações correntes deterioraram-se
rapidamente.
Contudo, esse quadro seria rapidamente revertido em função da reciclagem dos
“petrodólares” e dos déficits interno e externo norte-americanos que deram novo
impulso aos euromercados, aumentando sua dimensão e provocando excesso de liquidez
internacional. Deste modo, um novo ciclo de crescimento econômico no Brasil foi
viabilizado entre 1976 e 1980, sob a égide do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II
PND). A partir de 1976 o governo praticou uma política de aumento do diferencial entre
taxas de juros internas e externas visando estimular o endividamento externo e, ao
mesmo tempo, conter pressões inflacionárias decorrentes da ampliação da base
373
Estes incentivos compreendiam desde a isenção do pagamento do Imposto de Renda relativo à parcela
do lucro proveniente da atividade exportadora, até a isenção do pagamento de impostos indiretos para os
produtos exportados. Implantou-se o regime de “drawback”, que isenta o pagamento de impostos e taxas
vinculadas às importações de bens utilizados em projetos voltados para a exportação.
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346
monetária. Este processo, que ficou conhecido como “ciranda financeira”, vinculava,
então, a dívida pública interna à dívida externa, cuja estatização cresceu a passos largos
a partir de 1979. A conseqüência era, novamente, a fragilização financeira do Estado.
Enquanto houve financiamento externo abundante, o programa de investimento das
estatais foi levado adiante e os desequilíbrios externos puderam ser financiados (dir-seia escamoteados), viabilizando-se o ciclo de crescimento do II PND. Contudo, quando
ocorreu a reversão do ciclo de liquidez internacional na virada dos anos 1970 para os
anos 1980, o arranjo financeiro adotado perdeu sua funcionalidade para o crescimento
da economia, que sofreria, como visto anteriormente, uma crise devastadora.
Este, portanto, de maneira abreviada, o processo de construção, com seus erros e
acertos, cujo fim é anunciado por Fernando Henrique Cardoso ao decretar o “fim da Era
Vargas”. Os parágrafos seguintes dedicam-se, à guisa de conclusão, a apresentar o que
constitui, em essência, a agenda de reformas que passa a ser, até os dias atuais,
submetida à sociedade como condição não apenas necessária, tampouco suficiente, mas
imprescindível para o país adentrar um novo ciclo de desenvolvimento.
O alvo principal dessa agenda é a própria Constituição Federal de 1988. Esta, em
especial no que respeita a seu capítulo da Seguridade Social (CF, Título VIII, Capítulo
II), teria sido excessivamente “generosa”, principalmente em relação à legislação da
Previdência Social, ao estender benefícios para largas parcelas não-contributivas da
população (inclusive no setor rural) e vincular o piso previdenciário ao salário mínimo.
Isto, ao implicar um comprometimento financeiro crescente do Estado no sentido de
atender a essas novas demandas previdenciárias, tê-lo-ia desviado de funções mais
urgentes e importantes, como realizar investimentos em infra-estrutura e “focalizar”
seus gastos sociais nos segmentos “realmente pobres”. Assim, a reforma previdenciária,
cujos principais itens devem contemplar: a desvinculação entre o piso previdenciário e o
347
salário mínimo; a adoção, por parte do INSS, do princípio da idade mínima de 55 anos
para as mulheres e 60 anos para os homens, e se possível o aumento da idade mínima; a
eliminação dos regimes especiais dos professores e dos empregados do meio rural; a
redução dos benefícios assistenciais para 50% do piso previdenciário; e o aumento da
idade de elegibilidade da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) para 70 anos. 374
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A contestação a um tal tipo de proposição é óbvia. Em primeiro lugar, a
Constituição não consagrou um capítulo à Seguridade por índole generosa. Ela o fez por
questões de justiça social, porque este era o elemento primordial de vontade que estava
presente na sociedade que elegeu os constituintes. É evidente que os gastos
previdenciários teriam de subir; para isso, a Carta de 88 separou o Orçamento da
Seguridade do Orçamento Geral da União, destinando receitas específicas – as
contribuições sociais (cf. Capítulo IV desta tese) – ao financiamento da Seguridade. 375
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Mas, reformar a previdência, nos termos anteriormente descritos, implica,
necessariamente, reescrever o texto constitucional da ordem tributária (CF, Título VI). É
notório que a evolução, nos últimos anos, do sistema tributário se deu no sentido de
piora de sua qualidade, ao mesmo tempo em que ampliava enormemente sua
participação na renda nacional. Note-se, porém, que isto ocorreu muito mais como
imperativo da lógica da estabilidade monetária do que, por exemplo, dos ditames
universalizantes da política social estabelecidos na Constituição. Prova cabal desse fato
é a apropriação, pelo Executivo federal, via mecanismos como a DRU, de recursos que
originalmente se destinariam à Seguridade, e que acabam sendo utilizados para reforçar
o superávit primário e, em última instância, pagar juros da dívida pública. Neste sentido,
374
IPEA, Diretoria de Estudos Macroeconômicos, Uma agenda para o crescimento econômico e a
redução da pobreza, Texto para Discussão nº. 1234, Rio de Janeiro, 2006.
TP
PT
375
Não se trata aqui de negar que haja espaço para aperfeiçoamentos na gestão da Previdência. O que não
se perder de vista, é, reafirme-se, o caráter distributivo e universal que a Constituição de 1988 destinou à
Seguridade. Para o aprofundamento dessas questões, ver Gentil (2006).
TP
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348
ao invés de uma reforma ampla e de resultados incertos, parece muito mais razoável
caminhar no sentido de aperfeiçoamentos graduais, que ampliem a base tributária,
reduzam a carga fiscal em setores prioritários, e que promovam uma maior
progressividade do sistema.
Outras reformas freqüentemente propugnadas, as quais aqui serão apenas
enunciadas, dizem respeito à legislação trabalhista e ao Poder Judiciário. As primeiras,
em geral, objetivam “flexibilizar” as relações de trabalho, questionando ainda o que
seria um excessivo conjunto de direitos estabelecidos na legislação constitucional e na
CLT. A reforma do Judiciário é apresentada como necessária por ser este poder um
“fator de risco” para o investimento no Brasil. Argumentam seus defensores que, ao
invés de se dedicarem à sua função precípua, isto é, “garantir o cumprimento das leis e
dos contratos (...) e proteger os direitos de propriedade (...), os magistrados entendem
que o seu papel principal (...) [é] o de fazer justiça social”. 376
TP F
FP T
A agenda de reformas não se esgota aí. Importa ressaltar, contudo, seu caráter
geral, absolutamente antitético ao que foi a agenda de reformas no ciclo
desenvolvimentista brasileiro, conforme se tentou demonstrar ao longo desta tese. Com
efeito, as reformas institucionais implementadas no meio século compreendido entre
1930 e 1980, fosse pela via autoritária, fosse por atalhos ao mundo da política,
objetivaram sempre dotar o Estado de instrumentos e capacidades que o permitissem
conduzir o país à via da modernização – esta vista como o único caminho para a
superação do subdesenvolvimento. Este processo de construção nacional é que, para se
utilizar a metáfora clássica, transformou o imenso cafezal num parque industrial
moderno e diversificado. A agenda “moderna” de reformas, em contraste, enfatiza
376
Pinheiro, A. C. e Giambiagi, F., Rompendo o marasmo: a retomada do desenvolvimento no Brasil,
Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. Para uma crítica contundente e fundamentada a essa visão, ver Dell´Orto,
C. L. B. e Carvalho, L. F. R., A justiça paroquial e a síndrome de Robin Hood – Compromisso com a
jurisdição e o valor justo, Boletim CEDES, fevereiro 2007 (disponível em www.cedes.iuperj.br).
TP
PT
T
TT
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T
349
precisamente o contrário: o que se deve fazer é criar e fortalecer as instituições de
mercado, de modo a capacitá-lo a realizar o desenvolvimento econômico; as reformas,
portanto devem sempre obedecer à sua lógica (isto é, devem ser “market friendly”).
Como palavras finais, afirme-se que a presente tese pretende constituir, dentro
dos limites de suas modestas possibilidades, um contraponto a esse ideário
“modernizante”. E que, neste sentido, observa-se com vivo interesse uma reanimação
dos ideais desenvolvimentistas na sociedade brasileira, de que são provas inequívocas a
crescente recuperação da figura e do pensamento de Celso Furtado, e a ocupação, no
atual governo, de postos-chave do Estado (como o BNDES) por figuras historicamente
comprometidas com o desenvolvimento nacional.
A Constituição de 1988 continua sendo o grande marco institucional da
República. Desenvolvimento e justiça social são os principais valores que estiveram
presentes em sua elaboração. Um Estado e uma sociedade unidos e comprometidos com
sua efetiva implementação são os elementos necessários para a retomada da construção
interrompida. Pois como Celso Furtado ensinou, a História ainda não terminou, e
ninguém pode estar seguro de quem será o último a rir ou a chorar.
350
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