a teoria do capital humano e sua influência econômica e política

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A TEORIA DO CAPITAL HUMANO E SUA INFLUÊNCIA ECONÔMICA E
POLÍTICA SOBRE A EDUCAÇÃO E O TRABALHO NO BRASIL NAS DÉCADAS
DE 1960 E DE 1970
Jefferson Soares da Silva 1
Adnilson José da Silva 2
Resumo
A relação entre educação e economia é inarredável. Ao longo da história da educação é uma
constante a presença de discursos econômicos pautando e mesmo concebendo modelos
pedagógicos vinculados a projetos de desenvolvimento. Neste contexto, este trabalho analisa
o discurso capitalista, no âmbito da educação brasileira, apoiando-se na teoria do capital
humano entre a década de 1960-1970. Para estruturar esse estudo foram utilizados elementoschave de natureza conceitual e factual. Entre os fatos históricos foram elencados movimentos
e discursos do capital no sentido de criar espaços adequados à sua instalação e ao seu
espraiamento. A educação, historicamente, foi vinculada aos propósitos da economia e, no
Brasil, a partir da segunda metade do século XX as políticas educacionais foram concebidas
para o modelo capitalista de educação, tendo na teoria do capital humano o seu conceito
básico. O estudo observa a presença de modelos postos para a educação nacional em que não
foram empregados referenciais humanísticos vinculados diretamente ao desenvolvimento e ao
refinamento pessoal e político dos sujeitos educandos, mas sim, referenciais econômicos
encontrados em um ranking de países organizado conforme o seu nível de desenvolvimento
material. Este estudo não nega a necessária vinculação entre educação e trabalho, mas sim,
apresenta uma crítica a um modelo educacional historicamente situado que divorciou o
trabalhador da evolução pessoal e política que a prática do trabalho tem condições de
proporcionar.
INTRODUÇÃO
A relação entre educação e economia é inarredável. Ao longo da história da educação
é uma constante a presença de discursos econômicos pautando e mesmo concebendo modelos
pedagógicos vinculados a projetos de desenvolvimento. Nesses casos se diz que as
perspectivas educacionais, geralmente expressadas em forma de políticas públicas, são
teleologicamente definidas por critérios econômicos.
O que proporcionou um sentido teleológico para a educação voltada às demandas do
capitalismo foi o conceito de capital humano. Para melhor compreender este conceito,
convém observar que enquanto Karl Marx, através da interpretação da nova relação entre
trabalho e dinheiro, chocava a Europa com obra O Capital em 1867, a revolução industrial
1
2
Mestrando pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]
Professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste. E-mail: [email protected]
2
incutia uma visão diferenciada, apresentando o homem como indispensável ao novo modelo
de produção capitalista, dando origem à idéia de recursos humanos ou capital humano
(PONCHIROLLI, 2002).
Dentro deste contexto, o processo de escolarização começa a ser interpretado como
elemento fundamental para a formação do capital humano. Schultz 3 (1962, apud Paiva, 2001,
p. 232) buscou conceituar capital humano propondo uma “[...] equação econômica da relação
entre capital e trabalho”. Theodore W. Schultz, a partir de seu livro intitulado “O valor
econômico da educação”, publicado em 1962, difunde, também para o Brasil, o conceito de
capital humano. Segundo Paiva (2001),
A educação passou a ser vista, simultaneamente, como o motor das “etapas
do crescimento econômico” e do atendimento aos planos de
desenvolvimento socialista. As próprias metodologias entrelaçaram-se por
que métodos tipicamente capitalistas, como o da demanda social ou da
análise custo benefício, passaram a ser usados junto com diagnósticos que
pretendiam identificar não só a disponibilidade de força de trabalho
qualificada, mas a demanda futura da economia, e projetaram as
características do sistema de educação e seu output, de modo a poder propor
modificações capazes de oferecer a qualificação necessária no tempo devido.
Para tanto, o man-power aproach, método gerado nas economias socialistas,
pareceu bastante adequado e não foram poucas as tentativas de combiná-lo
aos demais levados a cabo nos 60 e 70 em diversos países capitalistas
(PAIVA, 2001, p. 186).
Sem se afastar da relação entre desenvolvimento econômico e educação, esse artigo
analisa o discurso capitalista, no âmbito da educação brasileira, apoiando-se na teoria do
capital humano entre a década de 1960-1970.
O esforço empreendido nesse trabalho foi direcionado para o estudo de influências do
capitalismo internacional na educação brasileira nas décadas de 1960 e de 1970, enfocando o
discurso de apresentação da teoria do capital humano como fundamento e teleologia da
pedagogia tecnicista. De maneira mais específica, tal estudo se realizou pela abordagem de
aspectos históricos, econômicos e conceituais da teoria do capital humano, bem como o seu
papel nas orientações econômicas aos países subdesenvolvidos no período mencionado; pelo
enfoque na configuração da teoria do capital humano como princípio pedagógico e o
direcionamento teleológico que deu à educação escolar brasileira; e no elenco de críticas ao
modelo educacional/escolar pautadas pela teoria do capital humano e presentes na literatura,
desde autores clássicos até contemporâneos brasileiros.
3
SCHULTZ, T.W. O valor econômico da educação. Rio de Janeiro: Zahar, 1962.
3
Para estruturar esse estudo no presente artigo, se tratará de elementos-chave de
natureza conceitual e factual. Entre os fatos históricos serão elencados movimentos e
discursos do capital no sentido de criar espaços adequados à sua instalação e ao seu
espraiamento. Quanto aos elementos conceituais, o que receberá maior ênfase será o de teoria
do capital humano.
Para melhor situação da teoria do capital humano como elemento fundamental das
políticas educacionais que foram implementadas no Brasil nas décadas de 1960 e 1970, é
importante situar o caso brasileiro no contexto da economia internacional desde antes do
período citado, após a Segunda Guerra Mundial, com especial atenção para os balizamentos
econômicos dados por órgãos internacionais, como o Banco Mundial.
CONJUNTURA ECONÔMICA NO PERÍODO PÓS-SEGUNDA GERRA MUNDIAL
A análise das relações entre os países e seus diversos níveis de poder culminou no que
recentemente chamamos de enfoque realista, que apesar de atual “[...] já sustentava a
concepção política influência hemisférica, herdada do colonialismo” (FONSECA, 1998). Para
corresponder ao jogo de interesses foi necessária uma estrutura que atendesse as necessidades
das organizações mundiais.
A partir de 1946 o Banco Internacional de Reconstrução e Fomento (Banco Mundial)
informou a seus membros sobre o início de suas operações. À instituição cabia a missão, prédefinida, de auxiliar os países membros em sua reconstrução e desenvolvimento, que deviam
acontecer através de empréstimos concedidos com a finalidade de estimular “os investimentos
de capital com fins produtivos”. O Banco Mundial abriu suas portas logo após o encerramento
da Segunda Guerra mundial em um momento de profunda crise financeira e insegurança
bélica (BLACK, 1962, p. 81, 82).
Entre maio e agosto o Banco investiu 497 milhões de dólares para a reconstrução da
França, Holanda, Dinamarca e Luxemburgo, sendo a regularidade desses empréstimos, que
aconteciam com a antecipação de um ano a sete meses em respeito ao Plano Marschal 4,
“decisiva” para regular o fluxo de importações e não causar atraso na recuperação da Europa
(BLACK, 1962, p. 83). Apesar de continuar realizando empréstimos para a Europa o Banco
Mundial inicia negociações com países subdesenvolvidos, efetivando as primeiras
4
O Plano Marchall divulgado em 1947 por George Marchall secretário dos Estados Unidos, tinha por objetivo, a
partir do rompimento com o impasse econômico, auxiliar os países arruinados pela Segunda Guerra Mundial em
seu processo de reconstrução econômica (ROLLO, 1994, p. 842).
4
negociações com a América Latina, especificamente com o Chile em 1948. Inicialmente o
Banco não dispunha de fundos, problema este resolvido pelos Estados Unidos, em 1947,
quando “[...] liberaram para empréstimos todos os pagamentos à conta da sua subscrição do
capital do Banco” (BLACK, 1962, p. 91). Em 1952 o B.M. já tinha condições realizar
empréstimos em grandes quantidades sendo, em 1959, liberadas para empréstimo “[...] todas
as divisas da Europa ocidental em poder do Banco. Ao terminar 1959, o Banco podia operar
em trinta e duas divisas diferentes” (BLACK, 1962, p. 91). A partir destas informações
percebe-se que o Banco Mundial, de forma aligeirada, estendeu seus tentáculos as mais
remotas regiões do mundo, fato conseqüente de sua “objetividade e perícia em finanças”
(BLACK, 1962, p. 93).
As técnicas desenvolvidas pela instituição, o significativo desempenho e abrangência
nas relações econômicas internacionais, atribuem ao Banco Mundial o caráter de mediador e
articulador internacional, tornando-se importante ferramenta para a consolidação do bloco
capitalista, liderado pelos Estados Unidos, contra o bloco socialista, liderado pela União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) (BLACK, 1962, p. 93).
A partir de 1950 inicia-se uma “redistribuição de influências pelo mundo” que
objetivava proteger e agregar interesses, com vistas a estabelecer medidas que propiciassem o
desenvolvimento do comércio nos países membros (MAZO et al., 2004 p. 4). As relações
internacionais passaram a orientar como deveriam acontecer as relações de mercado,
posteriormente denominado de portas abertas. Este modelo legou à periferia a única função de
abrir seu mercado à Europa e, a partir disso, desenvolver atividades primárias. A prevalência
do livre comércio, que aconteceu primeiramente na periferia e depois no centro, definiu a
“divisão internacional de trabalho”, onde a América Latina, devido ao “dinamismo
econômico”, apresentou à Europa países como Brasil, México e argentina (CERVO, 2003).
O desenvolvimento e a organização da atividade humana tornaram-se as bases para a
construção das nações modernas. Mesmo os países menos desenvolvidos que passaram por
condições de extrema miséria, enfermidade e dominação pelas nações economicamente
superiores, assumiram a “mentalidade do desenvolvimento”, a qual para os países mais
avançados tornou-se um impulso para além terra, levando o homem a crer que através do
progresso científico seria possível “[...] avançar aos saltos ao invés de progredir a passo”
(HARBISON e MYERS, 1965, p. 13).
5
A PROPAGANDA DO DESENVOLVIMENTO COMO PRESCRIÇÃO PARA A
EDUCAÇÃO
A propaganda revolucionária em torno do desenvolvimento foi apresentada em
diversos países que, posteriormente, desenvolveram conceitos relativos à realidade econômica
de cada um, sendo significativo para alguns a industrialização, para outros a independência
política e econômica, a educação, e ainda para outros mega construções (HARBISON e
MYERS, 1965, p. 13).
A “aspiração” pelo desenvolvimento econômico, “modernização política e social”
conduziu os países a uma acirrada corrida pelos primeiros lugares nas classificações por
riqueza e desenvolvimento. A década de 50 marcou o início de uma fase de grande
desenvolvimento econômico, sendo denominada “a Era do Ouro”. Neste período alguns
pesquisadores tendiam a acreditar que a economia iria dar um salto contínuo para frente, onde
não haveria brecha para dúvidas de que algo pudesse alterar a realidade econômica,
vivenciada principalmente pelos países capitalistas desenvolvidos. A industrialização ganhou
fôlego neste período e se expandiu para regiões capitalistas e socialistas como Bulgária e
Romênia (HOBSBAWM, 1995, p. 255).
A década de 60 evidencia a explosão da economia mundial, pois, a produção de
manufaturas praticamente quadruplicou entre o início da década de 1950 e início da década de
1970, aumentando, posteriormente, o “comércio mundial de produtos manufaturados” em dez
vezes (HOBSBAWM, 1995, p. 255).
A expansão econômica era movida principalmente pela revolução tecnológica que
passou a fazer parte do mundo rico e de alguma forma também do mundo pobre. Esta “[...]
revolução tecnológica entrou na consciência do consumidor em tal medida que a novidade se
tornou o principal recurso de venda para tudo” (HOBSBAWM, 1995, p. 259, 261).
Para
atender a esta complexa tecnologia tornava-se necessário pesquisar para desenvolver. O
processo contínuo de inovação apresentou gastos indispensáveis para que novos produtos
fossem desenvolvidos.
A partir das necessidades do mercado tornava-se cada vez mais necessário treinar
homens e mulheres para que, com sua força de trabalho, movimentassem a máquina
capitalista. Em grande parte do mundo procurou-se respostas a estas expectativas. A educação
foi apresentada como uma das possíveis responsáveis pela formação deste novo modelo de
homem.
6
O ACATAMENTO E A INSERÇÃO DA TEORIA DO CAPITAL HUMANO NA LEI
5692/71
O trabalho esta no cerne do capitalismo, caracterizado como “atividade básica”, sendo
o trabalhador o “agente principal”. Esta importância se encontra sempre em alternância com o
pouco reconhecimento social e político que nascem das injustas trocas econômicas que
permeiam “trabalho e dinheiro” (SILVA, 2006, p.7).
No Brasil, como em boa parte do mundo, o capitalismo necessitou de mão de obra
capacitada para exercer as novas funções impostas pela industrialização. Esta capacitação foi
direcionada às instituições escolares tornando-as responsáveis pela “[...] formação dos
sujeitos de acordo com as novas configurações do trabalho a serviço da acumulação de capital
e sustentado em orientações econômicas liberais e tecnicistas” (SILVA, 2006, p.5). Segundo
Fonseca (2008, p. 6) as orientações que as escolas recebiam objetivavam adequá-las, através
da proposta pedagógica tecnicista, à política e ao mercado econômico, que se encontrava em
pleno desenvolvimento. A Lei 5692/71 veio, além de habilitar o aluno para o trabalho
profissional, impedir o acesso aos cursos superiores, pois a,
[...] educação para o trabalho e suas formas históricas de oferta, pelo Estado,
no período de vigência da Lei de Diretrizes e Bases de Ensino do 1º e 2º
graus, estabelecida em 1971 (Lei 5692/71), ao pretender dar uma habilitação
profissional aos concluintes do Ensino Médio teve uma nova função social, a
de conter o aumento da demanda de vagas aos cursos superiores. A lei
pretendia que o Segundo Grau tivesse a terminalidade como característica
básica, através do ensino profissionalizante, contrapondo-se à frustração da
falta de uma habilitação profissional (SILVA, 2006, p.2).
O conteúdo tecnicista apresentado pela 5692/71 também entrava em choque com a
formação politécnica que,
[...] por sua vez, embora guarde diferenças com as concepções gramscianas
também compreende a superação da formação unilateral do trabalhador e é
apontada como o meio adequado para se atingir os pressupostos da escola
unitária em oposição à proposta burguesa de formação escolar por permitir
aos trabalhadores uma educação que lhes possibilite considerar mais do que
a organização imediata da divisão do trabalho e perceber criticamente a sua
correspondente estratificação social (SILVA, 2006, p. 25).
Deste modo, a escola era estruturada de forma a atender aos princípios do capital que,
após ser disseminada nos “[...] processos de subjetivação, no plano cultural, social, político e
também psicológico”, culminavam na “domesticação” do trabalhador. A política econômica
orientada pelo capital internacional produz a idéia que a qualificação de capital humano, a
partir das instituições escolares, era a garantia de ascensão social (SILVA, 2006, p. 38,39).
7
Para o êxito deste empreendimento os professores “eram peças fundamentais” para
moldar, configurar e ajustar os estudantes ao desenvolvimento econômico, para isso seria
necessário valorizar os princípios de aprendizado, as teorias, a solução de problemas que
utilizassem métodos analíticos e em contraponto relegar a instrução ou formação específica a
um plano de menor valor (SCHULTZ, 1971, p. 147 grifo nosso), sendo basicamente
necessário encontrar, novas tecnologias que fossem utilizadas por professores com baixa
remuneração e qualificação. A formação de capital humano, a partir da educação, tornou-se,
para o capital, fundamental para o planejamento econômico, pois,
[...] o esclarecimento do conceito de capital humano e a sua identificação
mobilizaram as coisas para uma especificação mais completa de mensuração
e acumulação de capital moderno. Fez, também, com que nos tornássemos
mais conscientes das mudanças que se registraram na qualidade do capital
material. Desta forma, o fato de tratar a educação como capital humano nada
mais é senão um passo à frente rumo a uma captação consciente de todo o
capital (SCHULTZ, 1971, p. 130).
O desenvolvimento de recursos humanos tornou-se fundamental para a organização
das sociedades no âmbito econômico, político e social. Vários profissionais como juízes,
advogados, médicos, engenheiros, artesãos, artistas e também professores precisavam ser
“treinados” com vistas ao desenvolvimento econômico. A economia caracterizada como
avançada, na década de 60, necessitava que as “capacidades” humanas fossem desenvolvidas
até seus limites, pois, “o progresso humano é basicamente o resultado do esforço humano”
onde os principais artífices da economia são as elites que orientam a “marcha para o
progresso” (HARBISON e MYERS, 1965, p. 27, 31).
Dentro deste contexto são criadas outras possibilidades com o objetivo de suprirem
com mais velocidade os interesses capitalistas também nos países latino-americanos através
de,
[...] programas de treinamento vocacional na indústria, financiados pelo
empregador nas fábricas do país. Na Colômbia, por exemplo, o SENA
(Servicio Nacional de Aprendizaje) tem desenvolvido notável programa de
treinamento de aprendizes [...]. O programa em pauta é financiado por uma
incidência tributária sobre as fôlhas de pagamento dos estabelecimentos
industriais, que empregam vinte ou mais operários, tendo um capital
equivalente a 100.000 dólares americanos ou mais (HARBISON e MYERS,
1965, p. 109).
Este financiamento permitiu ao SENA equipar e construir “centros vocacionais” e
também foi responsável pelo emprego de instrutores especializados. O SENA era comandado
não pelo Ministério da Educação, mas “pelas organizações empregadoras”. Deste modo a
educação que promoviam respondia em menor tempo aos interesses do mercado e com mais
8
qualidade do que a educação formal, pois seu “financiamento e operação” aconteciam pelos
empregadores (HARBISON e MYERS, 1965, p. 110).
A avaliação da força da educação em relação ao crescimento econômico foi realizada
a partir de “ajustamentos estatísticos de funções de produção” para que fosse encontrado o
nível real do produto “[...] a partir do estoque de capital material, da força de trabalho bruta,
do capital humano e do nível de conhecimento tecnológico” (SIMONSEN e CAMPOS, 1976,
p. 151).
Langoni 5 (1074, apud SIMONSEN E CAMPOS 1976, p. 152, 153) identificou a
rentabilidade de vários níveis de educação no período entre 1960 e 1969. O ensino primário
completo, em relação aos rendimentos, apresentou os melhores índices e situou a passagem
do colegial para o diploma universitário como menos “rentável”, isto devido ao um padrão
mais elevado do ensino primário e em contrapartida aos elevados custos nas universidades.
Neste período foi percebida uma significativa inversão da rentabilidade quando houve uma
queda no ensino primário seguida de elevação no ensino superior, devido à necessidade do
mercado de mão de obra qualificada. As elevadas taxas relativas à rentabilidade, apresentadas
na pesquisas, sugeriram uma “[...] forte correlação entre nível de renda e escolaridade”
(SIMONSEN e CAMPOS, 1976, p. 153).
Na mesma pesquisa foram analisadas e
identificadas,
[...] as fontes do crescimento do produto real entre 1960 e 1970 [...]. A
acumulação de capital físico foi responsável por 32,01% de crescimento
verificado. A educação por 30,44% do crescimento em causa, sendo 14,70%
atribuíveis à educação de manutenção (isto é, aos gastos realizados para
manter o mesmo nível de qualificação da mão-de-obra, tendo em vista o
crescimento da força de trabalho) e 15,74% ao acréscimo do nível
educacional da população economicamente ativa. (SIMONSEN e CAMPOS,
1976, p. 153).
O equilíbrio entre a acumulação física de capital e da educação para o crescimento
econômico é muito significativa, pois na década de 60 a formação de capital era responsável
por 17% e os “dispêndios” do produto interno bruto para com a educação eram de apenas 3%.
Deste modo, percebeu-se que a renda individual aliada ao nível de escolaridade poderia
propiciar uma melhor “distribuição de renda” e conseqüentemente elevar o crescimento
econômico (SIMONSEN e CAMPOS, 1976, p. 155). Segundo Simonsen e Campos (1976, p.
155, 156, 157) em 1964 o governo realizou um enorme trabalho visando o “enriquecimento
5
LANGONI, C. As causas do crescimento econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Apec, 1974.
9
do nosso capital humano”, mas a educação continuava em um segundo plano, pois o pouco
que se gastava era “absurdamente” mal investido em educação, pois os currículos eram irreais
e investiam em uma “cultura de salões” em que a educação era apresentada mais como lazer.
O ensino evoluía horizontalmente e proporcionava uma educação inútil onde o latim era mais
valorizado do que a matemática, as humanidades eram sobrepostas a “formação técnica e
científica”. A partir de 1694 surge um grande esforço para a melhoria de qualidade e pela
quantidade de acesso à educação no Brasil. Neste momento, a educação deixa de ser relegada
ao segundo plano resultando na,
[...] alocação de maiores recursos financeiros à educação: os dispêndios
federais em educação passando a absorver uma parcela substancialmente
maior do Orçamento da União, e os Estados e Municípios foram obrigados,
por vários dispositivos constitucionais, a ampliar a assistência financeira a
educação (à qual estão vinculados 20% da receita tributária dos municípios,
e também 20% do Fundo de Participação dos Estados e Municípios). Como
conseqüência, os dispêndios totais com a educação aumentaram de 2,2% do
Produto Interno Bruto, em 1964, para 3,8% a partir de 1969. Tendo em vista
que entre 1964 e 1972 o Produto Real aumentou de 81,5%, conclui-se que as
despesas em educação aumentaram, em termos reais, de 214% (SIMONSEN
e CAMPOS, 1976, p. 159).
Com o aumento dos recursos houve também um aumento significativo das matrículas,
pois entre 1960 e 1970 o número de habitantes (5 a 24 anos) subiu de 32,0 milhões para 43,6
milhões aumentando conseqüentemente a necessidade de escolas, professores para suprir as
necessidades educacionais que aumentaram nos três níveis de ensino de 8,7 para 18,1.
É importante ressaltar que este investimento em educação é devido aos péssimos
resultados da pirâmide educacional anterior a 64 (SIMONSEN e CAMPOS, 1976, p. 163),
resultados estes relacionados à mão de obra não qualificada inserida em um mercado ávido
por alunos/trabalhadores que correspondam aos interesses capitalistas. A partir destas
estatísticas foram valorizados os treinamentos profissionais realizados pelo PIPMO
(Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra), SENAC e SENAI que caíram com uma
luva aos interesses do mercado, pelos resultados significativos que apresentaram em relação
ao “campo de treinamento” de profissionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse artigo foi pautado pela necessidade de se aprofundar o conhecimento de
influências internacionais na educação brasileira. A educação, historicamente, foi vinculada
aos propósitos da economia. Segundo os estudos aqui apresentados, no Brasil da segunda
10
metade do século XX as políticas educacionais foram concebidas para o modelo capitalista de
educação, tendo na teoria do capital humano o seu conceito básico.
Uma importante constatação é a da presença de modelos postos para a educação
nacional: não foram empregados referenciais humanísticos vinculados diretamente ao
desenvolvimento e ao refinamento pessoal e político dos sujeitos educandos, mas sim,
referenciais econômicos encontrados em um ranking de países organizado conforme o seu
nível de desenvolvimento material. Nessa política educacional foram apresentados os países
subdesenvolvidos como modelos a serem evitados, enquanto os países desenvolvidos se
arvoraram a condição de modelares. A educação daí resultada foi economicista e, conforme
estudado, reduzida ao domínio de habilidades produtivas.
Outra constatação que merece destaque é a da atuação de propagandistas
estadunidenses da área econômica que figuraram como orientadores político-pedagógicos de
grande influência na América Latina e com grande aceitação pelo governo brasileiro, ao ponto
de seus discursos passarem a ser o mote educacional brasileiro. Essa situação flagra um
momento em que definitivamente se optou por burocratas do capital a educadores
especialistas à frente das políticas educacionais do Brasil.
Encerra-se essa reflexão com o esclarecimento de que não se nega a necessária
vinculação entre educação e trabalho, mas sim, com a crítica a um modelo educacional
historicamente situado que, com o emprego de escolas e de professores segundo um projeto
econômico, divorciou o trabalhador da evolução pessoal e política que a prática do trabalho
tem condições de proporcionar.
REFERÊNCIAS
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1962.
CERVO, A. L. Política exterior e relações internacionais do Brasil: enfoque paradigmático.
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FONSECA, L. S. Em tempos de despossessão, precariedades na educação como política de
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Disponível em: <http://www.uff.br/trabalhonecessario/TN7%20Laura%20Fonseca.pdf>
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11
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HOBSBAWM, E. J. Era dos extremos: o breve século XX : 1914-1991. São Paulo:
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SCHULTZ, T. O capital humano: investimentos em educação e pesquisa. Tradutor: Marco
Aurelio de Moura Matos. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
SILVA, A. J. O ensino secundário profissionalizante nas décadas de 1970 e 1980: aspectos
da Lei Número 5692/71. 2006. 106f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade
Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa
SIMONSEN, M. H.; CAMPOS, R. O. A nova economia brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: J.
Olympio, 1976.
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