Página 1 de 6 imprimir voltar A EDUCAÇÃO SENTIMENTAL E A LEITURA NO SÉCULO XIX EM LA REGENTA, DE LEOPOLDO ALAS “CLARÍN” Isabela Roque Loureiro Universidade Federal do Rio de Janeiro Contagiados pela profundidade de uma das produções literárias mais esplêndidas da literatura espanhola do século XIX, o romance naturalista La Regenta[1] (1884), do escritor espanhol Leopoldo Alas “Clarín”, decidimos, dentro de diversos temas e abordagens existentes sobre a obra, nos dedicar ao estudo das figuras da leitura e do leitor, tomando como base a teoria crítica que considera os efeitos da leitura na formação das sociedades modernas. Após examinar a influência que o ato de ler exerce nos protagonistas de La Regenta, verificamos que a formação das sensibilidades modernas e a duração de mentalidades atrasadas podem se vincular principalmente a experiências de leitura, e que os confrontos entre os setores e personagens são, em grande parte, conflitos de personagens/ leitores. Desta forma, tendo como base a teoria crítica de Nora Catelli[2], que considera a importância da leitura no século XIX e seus efeitos na formação das sociedades modernas, notamos, em nossos estudos literários, que o ato de ler pode indiscutivelmente apresentar inúmeras conseqüências na vida do leitor (a), já que o imaginário alimentado pelos livros pode projetar-se em atos e fatos, e para melhor aclará-los, decidimos tomar como referência dois dos principais protagonistas da obra: Ana Ozores que “escribe y dibuja sus síntomas según sus lecturas” (CATELLI, 2001, p.131) e dom Víctor Quintanar, personagem “muy aficionado a representar comedias” (ALAS, 1997, p.127). Com o propósito de compreender um pouco mais a fantástica esfera da leitura e do leitor em La Regenta, pareceu-nos necessário resgatar a história da leitura ocidental, fato que nos possibilitou inúmeras análises e reflexões sobre o ato de ler e suas respectivas práticas, e imbuídos por um espírito altamente investigativo, vimos que a leitura, principalmente a partir da primeira metade do século XIX, torna-se uma prática bastante comum na sociedade européia, visto que há, neste período, um notável aumento no número de publicações de livros, revistas e jornais, e um expressivo crescimento do público leitor, acontecimentos que muito contribuíram para com a tão importante democratização do texto impresso. Tomando como base a teoria crítica de Roger Chartier e Guglielmo Cavallo[3], vimos que no século XIX há uma produção literária muito expressiva, especialmente se levarmos em consideração o fato de que a leitura vinha como resposta aos mais variados desejos e anseios da classe burguesa. Surge, nesta fase, uma literatura voltada especialmente para o público burguês que, através dos textos impressos, adquiria conhecimentos e informações necessárias para a vida, e dentro desse público, destaca-se o surgimento do público feminino que, por meio das inúmeras transformações políticas, econômicas e sociais, passa a ingressar no incrível mundo das letras como leitoras e também como escritoras. Motivadas com a formação de um novo panorama social, cultural e educacional, as mulheres passam a ingressar, com muito prazer, no mundo da leitura, tornando-se, indiscutivelmente, expressivas consumidoras da literatura popular, em especial do romance. Este, por sua vez, é constantemente lido, relido, decorado, citado e recitado, e sua leitora se identifica plenamente com as personagens, decifrando, segundo Cavallo & Chartier, “(...) sua própria vida através das ficções” (CAVALLO e CHARTIER, 2002, v.1, p.29). Imbuídas por um espírito leitor, muitas mulheres passam a dedicar o seu tempo para ler, desejar e sonhar com os mundos imaginários ou reais que lhes chegavam por meio da leitura, compensando-as das frustrações e das sensações de isolamento que sentiam devido ao grande tempo de permanência nos espaços privados. Com isso, é válido ressaltar que a expansão do número de leitores de romances no século XIX deve ser atribuída não só à crescente escolarização das classes file://C:\Users\Usuario\Desktop\ano5n5\data\articles\Isabela Roque Loureiro.htm 07/01/2011 Página 2 de 6 médias, mas principalmente à necessidade de ocupar o tempo com lazer (entretenimento), diminuindo, assim, o tempo vivido na privacidade doméstica. Desta forma, notamos que, além do conhecimento que a leitura podia propiciar ao indivíduo, vimos também que a literatura produzida, especialmente a partir da segunda metade do século XIX continha uma importante tarefa: a de proporcionar o entretenimento do público leitor da época, principalmente das mulheres que passavam, grande parte do tempo, em suas casas, cuidando da família. Todas essas e muitas outras transformações encontram-se presentes no romance naturalista La Regenta, de Leopoldo Alas “Clarín” que, brilhantemente, conseguiu reunir os principais acontecimentos e fatos de sua época, de acordo com o propósito realista/ naturalista de criar uma literatura que denunciasse, por meio da observação do narrador, a realidade e a condição humana, fato que transforma a obra em um dos clássicos mais importantes da literatura espanhola. Analisando La Regenta, observamos que o ato de ler está muito presente nos hábitos das personagens da obra, principalmente se considerarmos o fato de que a sensibilidade moderna se educou em romances y contos que “devolvían a los lectores imágenes- nítidas, enfáticas- de los resultados de la educación por los libros” (CATELLI, 2001, p. 19). Tomando como referência a protagonista Ana Ozores, vimos que aprender a ler foi, sem dúvida, sua maior ambição: “¡Saber leer! Esta ambición fue su pasión primera. Los dolores que Doña Camila le hizo padecer antes de conseguir que aprendiera las sílabas, perdonóselos ella de todo corazón. Al final supo leer” (ALAS, 1997, p.137), e ao estudarmos os três períodos correspondentes à educação da personagem, presentes nos capítulos IV e V de La Regenta, notamos que, na primeira fase, a educação que proporciona dona Camila a jovem Ozores é uma educação contra todos os princípios relacionados à natureza; era uma instrução baseada na repressão dos instintos e na completa anulação de toda espontaneidade e autonomia do indivíduo. Citamos: De todas suertes, doña Camila se rodeó de precauciones pedagógicas y preparó a la infancia de Ana Ozores un verdadero gimnasio de moralidad inglesa. Cuando aquella planta tierna comenzó a asomar a flor de tierra se encontró ya con un rodrigón al lado para que creciese derecha. El aya aseguraba que Anita necesitaba aquel palo seco junto a sí y estar atada a él fuertemente. El palo seco era doña Camila. El encierro y el ayuno fueron sus disciplinas (ALAS, 1997, p.136). A partir da leitura deste fragmento, vimos que a jovem fora educada sem qualquer tipo de carinho e afeto, sendo submetida, a todo instante, ao rigor e à disciplina de uma educação tradicional fundamentada nos moldes ingleses. Daí, chegamos à conclusão de que Ana viveu contradizendo poderosos instintos de sua natureza, visto que teve de conter constantemente os seus impulsos de espontaneidade e de alegria. Neste período, declarou-se vencida, aceitando, sem discutir, a conduta moral que arbitrariamente lhe impuseram. Com relação à segunda fase, ministrada por seu pai, o librepensador dom Carlos, notamos que esta foi, indiscutivelmente, uma das mais importante para a jovem. Ao entrar em contato com uma nova filosofia educacional, completamente distinta daquela ensinada por dona Camila, na primeira fase, Ana Ozores, que já havia lido um amplo contingente de livros: fábulas gregas, poesia homérica, pastoril clássica e toda classe de antologias, parnasos e livros de edificação, manifesta cada vez mais um incrível interesse pela leitura, e na busca incessante por novos livros, a jovem, que limpava as estantes da biblioteca de dom Carlos, encontra um tomo em francês de Confesiones de san Agustín. Tomada, então, por um impulso irresistível, Ana decide lê-lo imediatamente e, com “el alma agarrada a las letras” (ALAS, 1997, p.147), devora com muita intensidade página por página da obra. A partir da leitura de Confesiones de san Agustín, vimos que Ana manifesta seu primeiro impulso místico. Vejamos, por exemplo: (...) seguía leyendo; aún estaba aturdida, casi espantada por aquella voz que oyera dentro de sí, cuando llegó al pasaje en donde el santo refiere que, paseándose él también por un jardín, oyó una voz que le decía "Tolle, lege", y corrió al texto sagrado y leyó un versículo de la Biblia... Ana gritó, sintió un temblor por toda la piel de su cuerpo y en la file://C:\Users\Usuario\Desktop\ano5n5\data\articles\Isabela Roque Loureiro.htm 07/01/2011 Página 3 de 6 raíz de los cabellos como un soplo que los erizó y los dejó erizados muchos segundos. Tuvo miedo de lo sobrenatural; creyó que iba a aparecérsele algo... Pero aquel pánico pasó, y la pobre niña sin madre sintió dulce corriente que le suavizaba el pecho al subir a las fuentes de los ojos. Las lágrimas agolpándose en ellos le quitaban la vista (ALAS, 1997, p.147). Encontrada, portanto, nas santas e acolhedoras palavras de Agustín a paz que tanto buscava para suprir o vazio e a dor provenientes da falta de amor materno, notamos que Ana muito se identifica com a literatura mística, passando a ler, neste importante período de formação, obras como as de Chateaubriand, as poesias religiosas de Fray Luis de Leon: “Si quieres, como algún día,/ alabar rubios cabellos,/ alaba los de María,/ más dorados y más bellos,/ que el sol claro al mediodía” (ALAS, 1997, p.149) e El Cantar de los Cantares, na versão poética de San Juan de la Cruz. É importante comentar que essas leituras foram fundamentais para a manifestação do langor místico, que reveste a personagem ao longo de sua trajetória como leitora, e para o “enriquecimiento de su visión de mundo”, tal como nos aponta Ricardo Gullón[4]. A partir das leituras destes livros, Ana Ozores constrói conhecimento e consegue manifestar suas tendências e aspirações pessoais, comprovando como essa atividade pode influenciar no comportamento e na formação do indivíduo leitor. Para aclarar esta influência, podemos mencionar um fragmento no qual a personagem, após ter lido o Cantar de los Cantares, se sente inspirada e tenta compor versos dedicados a la Madre Celestial: Abrió un libro de memorias, lo puso en sus rodillas y escribió con lápiz en la primera página: << A la Virgen >>. Meditó, esperando la inspiración sagrada. Antes de escribir, dejó hablar el pensamiento. Cuando el lápiz trazó el primer verso, ya estaba terminada, dentro del alma, la primera estancia. Siguío el lápiz corriendo sobre el papel, pero siempre el alma iba más de prisa; los versos engendraban los versos, como un beso provoca ciento; de cada concepto amoroso y rítmico brotan enjambres de ideas poéticas, que nacían vestidas con todos los colores y perfumes de aquel decir poético, sencillo, noble, apasionado ... (ALAS, 1997, p.152). Outra importante manifestação ocorre na terceira fase correspondente à educação da personagem, período em que esta esteve sob os cuidados de suas duas tias solteiras e religiosas, Águeda y Anuncia. Nesta fase, Ana volta a manifestar mais intensamente sua vocação literária. Seu espírito passa a desejar algo muito maior: ser simultaneamente criadora e fruidora da literatura religiosa que tanto a fascinou. A jovem, que já não se satisfazia somente com as leituras, queria produzir, transladando para o papel (um caderno de versos) a expressão de seus mais íntimos pensamentos e reflexões sobre a vida. Daí, surge o desejo de escrever um livro, de se tornar escritora: “salió sola, con el proyecto de empezar a escribir un libro, allá arriba, en la hondonada de los pinos que ella conocía bien; era una obra que días antes había imaginado, una colección de poesías << A la Virgen>> (ALAS, 1997, p.150) No entanto, esse desejo não coincidia com a conservadora realidade que a rodeava e a determinava. Levando em consideração o fato de que “(...) las mujeres deben ocuparse en más dulces tareas; las musas no escriben, inspiran” (ALAS, 1997, p.173), vimos que Ana é obrigada a renunciar essa primeira vocação com o objetivo de evitar um grande escândalo na provinciana cidade, já que as atividades literárias não eram bem-vistas pela conservadora sociedade de Vetusta. Vejamos, por exemplo: Cuando doña Anuncia topó en la mesilla de noche de Ana con un cuaderno de versos, un tintero y una pluma, manifestó igual asombro que si hubiese visto un revólver, una baraja o una botella de aguardiente. Aquello era cosa hombruna, un vicio de hombres vulgares, plebeyos. Si hubiera fumado, no hubiera sido mayor la estupefacción de aquellas señoras. ¡Una Ozores literata! (ALAS, 1997, p.172). file://C:\Users\Usuario\Desktop\ano5n5\data\articles\Isabela Roque Loureiro.htm 07/01/2011 Página 4 de 6 Assim, tão intensa foi a indignação de suas tias contra as manifestações literárias de Ana que a própria, em nome do respeito e da moral vigentes na sociedade católica do século XIX, acabou desistindo do sonho de se tornar escritora e do projeto de escrever um livro. Vejamos: A solas en la alcoba algunas noches en que la tristeza la atormentaba, volvía a escribir versos, pero los rasgaba enseguida y arrojaba el papel por el balcón para que sus tías no tropezasen con el cuerpo del delito. (...) tuvo que renunciar en absoluto a la pluma; se juró a sí misma no ser la "literata" (ALAS, 1997, p.173). Censuradas as habilidades literárias de Ana, não foi menor a oposição que a jovem encontrou em suas manifestações místicas, influenciadas, possivelmente, pelas leituras religiosas que tanto realizou na juventude. Com o objetivo de se livrar de suas tias, representantes máximas do conservadorismo católico, e da enfadonha vida que levava no casarão dos Ozores, a jovem pensa na possibilidade dedicar-se à vida religiosa, mas é seu primeiro confessor, dom Cayetano, quem irá se opor severamente a esta idéia improvisada e sem fundamento. Sendo assim, vimos que Ana Ozores é mais uma vez obrigada a renunciar suas aspirações, e para elucidar esta renúncia nos pareceu interessante mencionar um fragmento no qual dom Cayetano a faz desistir do sacrifício, convencendo-a de que tudo aquilo (insônias, exaltações nervosas, visões místicas, intuições poderosas da fé, enternecimentos repentinos e devaneios) tinha sido cosa de la edad: (...) procuró convencer a su amiguita de que su piedad, si era suficiente para una mujer honrada en el mundo, no bastaba para los sacrificios del claustro. <<Todo aquello de haber llorado de amor leyendo a San Agustín y a San Juan de la Cruz no valía nada, había sido cosa de la edad crítica que atravesaba entonces. En cuanto a Chateaubriand, no había que hacer caso de él. Todo eso de hacerse monja sin vocación, estaba bien para el teatro, pero en el mundo no había Manriques ni Tenorios que escalasen conventos, a Dios gracias. La verdadera piedad consistía en hacer feliz a tan cumplido y enamorado caballero como el señor Quintanar, su paisano y amigo>>. Ana renunció poco a poco a la idea de ser monja (ALAS, 1997, p,180). Com isso, notamos que todos os desejos manifestados por Ana, estes desencadeados pelas leituras realizadas pela protagonista, foram assiduamente censurados, esmagados, em prol da tradição (conservadorismo religioso) e do modelo de compostura, baseado no recato, na contenção e no pudor, elementos que se contrapunham aos anseios femininos de liberdade, independência. Daí, a necessidade de relacionar as leituras feitas por Ana Ozores aos períodos correspondentes à educação da personagem, contrastando desejos com repressão. Outro importante personagem influenciado pelas leituras é dom Víctor Quintanar, um magistrado “aragonés muy cabal, valiente, gran cazador, muy pundonoroso y gran aficionado de comédias” (ALAS, 1997, p.177). A partir desta definição estabelecida pelo próprio narrador de La Regenta, nos pareceu interessante comentar, mui brevemente, a grande paixão que sentia o ex-regente de Audiência pelo teatro do século XVII com o objetivo de evidenciar os resultados da educação por meio dos livros. Vejamos: Siempre había sido muy aficionado a representar comedias, y le deleitaba especialmente el teatro del siglo diecisiete. Deliraba por las costumbres de aquel tiempo en que se sabía lo que era honor y mantenerlo. Según él, nadie como Calderón entendía en achaques del puntillo de honor, ni daba nadie las estocadas que lavan reputaciones tan a tiempo, ni en el discreteo de lo que era amor y no lo era, le llegaba autor alguno a la suela de los zapatos. En lo de tomar justa y sabrosa venganza los maridos ultrajados, el divino don Pedro había discurrido como nadie y sin quitar a «El castigo sin venganza» y otros portentos de Lope el mérito que tenían, don Víctor nada encontraba como «El médico de file://C:\Users\Usuario\Desktop\ano5n5\data\articles\Isabela Roque Loureiro.htm 07/01/2011 Página 5 de 6 su honra» (ALAS, 1997, p.127). Das leituras realizadas por dom Víctor, vimos que as de Calderón de la Barca foram as que, sem dúvida, mais seduziram o personagem. Essas refletiam, em verdade, todos aqueles ideais cavalheirescos admirados por Quintanar que, por sua vez, muito se inspirava e delirava pelos costumes daquele tempo em que se sabia o que realmente significava a palavra honor. Dom Víctor lia Calderón sem se cansar, e em várias cenas de La Regenta encontramos as influências que o ato de ler apresentou na vida do personagem/ leitor, que teve seu imaginário alimentado pelas imortais comédias espanholas. E para melhor explicar essa idéia, de que a leitura pode apresentar inúmeras conseqüências na vida do leitor (a), nos pareceu interessante apresentar um fragmento que pode perfeitamente sintetizar esse pensamento. Vejamos: Todas las noches antes de dormir se daba un atracón de honra a la antigua, como él decía; honra habladora, así con la espada como con la discreta lengua. Quintanar manejaba el florete, la espada española, la daga. Esta afición le había venido de su pasión por el teatro” (ALAS, 1997, p.128). Conclusão Ao analisarmos, mui sucintamente, os tipos de leituras que Ana Ozores e dom Víctor Quintanar realizavam, vimos que o ato de ler pode ocasionar muitas conseqüências na vida do indivíduo/ leitor, uma vez que o imaginário alimentado pelos livros pode projetar-se em atos e fatos. Através de Ana e Víctor, pudemos perfeitamente observar essas projeções e como elas se desenvolvem na narrativa, contribuindo, desta forma, para com a extrema profundidade do enredo de um dos mais complexos romances da literatura universal. Ana Ozores é uma personagem-leitora. Desde criança, a jovem demonstrou uma grande necessidade de saber ler, de entrar em contato com o mundo das letras. Ana via na literatura uma espécie de caminho para fugir da cruel realidade em que vivia, e através da leitura, a menina pode idealizar, fantasiar e se deleitar com um novo mundo, este repleto de seres belos e louváveis, tais como as personagens das obras que tanto lera na juventude. Com o pai, o librepensador Carlos Ozores, verificamos o aparecimento de uma segunda etapa na formação educacional da personagem, talvez, uma das mais importantes da obra. Nela, Ana entra em contato com uma nova filosofia educacional e também com um amplo contingente de livros de vários gêneros, merecendo destaque a literatura religiosa. As leituras de Confesiones de San Agustín e de El Cantar de los Cantares, na versão poética de San Juan de la Cruz, têm extrema importância na narrativa de Clarín, pois é por meio destas que a personagem passa a manifestar suas primeiras aspirações literárias e vocações religiosas. A motivação proporcionada pelas leituras é, sem dúvida, um dos aspectos mais interessantes e peculiares de toda a obra, e não só Ana como também outras personagens são envolvidas e seduzidas pelos tipos de leitura que realizam, fato que fundamenta um dos principais objetivos de nossos estudos literários: a constatação da importância da leitura no século XIX. A partir da leitura, verificamos que muitos foram os desejos manifestados por Ana, porém muitos foram os sonhos censurados e vetados por uma sociedade esmagadora, que ao final da narrativa, comemora a completa desintegração física e moral da personagem. Todas essas contenções e imposições marcaram profundamente a trajetória de Ana Ozores que, quanto mais lia, mais manifestava aspirações e desejos de viver uma nova vida, ou melhor, uma nova aventura amorosa. Outro personagem/ leitor que manifestava os efeitos acarretados pelas leituras que realizava era dom Victor Quintanar. Amante das obras de Calderón de la Barca, um dos maiores representantes do teatro espanhol do século XVII, pudemos observar, ao longo de nossas análises, o quanto as experiências de leitura foram fundamentais ao ex-regente de Audiência que, por sua vez, portava-se mui semelhantemente aos principais protagonistas das comédias, aqueles que exaltavam valores de honra e coragem (ideais cavalheirescos), o que nos evidenciou os resultados de uma educação feita por livros. file://C:\Users\Usuario\Desktop\ano5n5\data\articles\Isabela Roque Loureiro.htm 07/01/2011 Página 6 de 6 Com isso, concluímos esse estudo com a sensação positiva de haver tentado evidenciar, através das análises sobre a educação sentimental e as leituras feitas por Ana Ozores e por Victor Quintanar, a importância da educação sentimental e da leitura no século XIX, uma atividade essencial à vida. Referências Bibliográficas ALAS, Leopoldo. La Regenta. 26ª ed. Prólogo de Ricardo Gullón. Madrid: Alianza Editorial, 1997. AMORÓS, Andrés. Momentos mágicos de la literatura. Madrid: Castalia, 1999. CATELLI, Nora. Testimonios tangibles- Pasión y extinción de la lectura en la narrativa moderna. Barcelona: Editorial Anagrama, 2001. CAVALLO, Guglielmo & CHARTIER, Roger. História da leitura no mundo ocidental. 1ª. ed., v.1. São Paulo: Ática, 2002. CHARTIER, Anne-Marie & HÉBRARD, Jean. Discursos sobre a leitura- 1880-1980. 5 ª ed. Tradução de Osvaldo Biato e Sérgio Bath. São Paulo: Ática, 1995. CHARTIER, Roger. A aventura do livro do leitor ao navegador. 2a. ed. Tradução de Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: UNESP, 1999. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. 3ª. ed. São Paulo: Cortez, 1983. HAUSER, Arnold. Historia social da literatura e da arte. v.2. São Paulo: Mestre Jou, 1982. KEHL, Maria Rita. Deslocamentos do Feminino. Rio de Janeiro: Imago, 1998. KRONIK, John W. El beso del sapo: configuraciones grotescas en La Regenta. Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2001. Este texto se encontra disponible en: www.cervantesvirtual.com/bib_autor/clarin MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. Tradução de Pedro Maia Soares. 2ª. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. SILVA, Ezequiel T. O ato de ler, fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia da leitura. 4 ª ed. São Paulo: Cortez, 1987. Isabela Roque Loureiro- Mestranda em Literaturas Hispânicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Desenvolve pesquisas sobre a educação sentimental e a leitura no século XIX, em especial no que se refere às figuras da leitura e dos leitores no romance naturalista La Regenta, do escritor espanhol Leopoldo Alas “Clarín”. Leopoldo Alas “Clarín”- Consagrado por seu estilo independente, irreverente e original, Leopoldo Alas “Clarín” (1852-1901) demonstra suas múltiplas facetas, através de seu imensurável talento para com as atividades que desempenhou ao longo de sua trajetória como jornalista, crítico literário e romancista. Autor de uma extensa produção literária, composta por ensaios, romances, folhetos literários, dramas, paliques e outros, uma das obras que mais se destaca dentro do universo clariniano é o romance naturalista La Regenta, publicado em 1884, que por si só concedeu a Clarín um título privilegiadíssimo: um dos melhores narradores da literatura espanhola de todos os tempos. [1] ALAS, Leopoldo. La Regenta. 26ª ed. Prólogo de Ricardo Gullón. Madrid: Alianza Editorial, 1997. [2] CATELLI, Nora. Testimonios tangibles- Pasión y extinción de la lectura en la narrativa moderna. Barcelona: Editorial Anagrama, 2001. p.131 [3] CAVALLO, Guglielmo & CHARTIER, Roger. História da leitura no mundo ocidental. 1ª. ed., v.1 e v.2. São Paulo: Ática, 2002. [4] Ver Prólogo de Ricardo Gullón em La Regenta, de Leopoldo Alas. 26ª ed.. Madrid: Alianza Editorial, 1997, p.17 file://C:\Users\Usuario\Desktop\ano5n5\data\articles\Isabela Roque Loureiro.htm 07/01/2011