revista de cultura

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revista de cultura # 32 - fortaleza, são paulo - janeiro de 2003
Editorial
Na plenitude dos dias
Agulha chega, com esta edição, a seu número 32.
Entrando no terceiro ano de existência, demonstra
vitalidade. Isso comprova, é claro, a persistência de seus
editores, e também a fidelidade de seus principais
colaboradores e de seus leitores. A eles, portanto, os
agradecimentos de quem faz esta revista eletrônica.
Em um permanente esforço de atualização, graças à
dinâmica possibilitada pelo meio digital, Agulha chega às
caixas postais de seus leitores com uma periodicidade mais
espaçada. E, em compensação, com mais matérias por
número. Entendem os editores que essas matérias, em seu
conjunto, mesmo sem refletirem posições fixas, opiniões de
grupos, seitas ou tendências artísticas, mantêm coerência e
refletem o compromisso com o novo, com o que está à
margem, e com aquilo que deveria ser mais lido ou mais
visto, para o enriquecimento da cultura e da crítica.
Com efeito, há um entrelaçamento, uma diversidade das
revista de cultura
conexões possíveis entre várias das matérias aqui expostas,
permitindo que seja vista a presença de algo articulado, dos
fundamentos de um movimento, cabendo aos que participam
de Agulha, fazer a costura necessária. Deve ficar bem claro
que esta deve ser a modalidade de fusão almejada por
todos, e não a violência com que vem se dando o
crescimento de monopólios dos meios de comunicação,
mercado editorial inclusive, além da mídia eletrônica,
conforme já foi denunciado e comentado aqui, em editoriais,
por várias vezes.
Uma cumplicidade essencial, isso é o que está sendo
possibilitado aos leitores da Agulha, inclusive através da
livre freqüência de outras iniciativas, a exemplo do diálogo
agora estabelecido com os diretores de El Artefacto Literario,
Digestivo Cultural e Jornal da ABCA. Ao mesmo tempo, cabe
remeter ao Dossiê sobre Surrealismo ventilado na TriploV, à
entrevista com Tânia Gabrielli-Pohlmann, radialista brasileira
que vive na Alemanha e ali divulga a música brasileira, à
visão contundente e apaixonada de bons poetas brasileiros
atuais, a um desenhista de HQ e animação, o chileno
residente nos EUA Ciruelo Cabral, a esse polêmico cineasta
que é Lars von Trier, e à recuperação crítica de nomes
importantes da poesia européia como o francês Benjamin
Péret e o espanhol José Hierro, sem falar na leitura que faz
Tiziano Salari de quatro essenciais poetas expressionistas
italianos.
Entre tantos focos de interesse, sem dúvida está a entrevista
com dois personagens de relevo da cultura ibero-americana
nas últimas quatro décadas: o argentino Miguel Grinberg e o
mexicano Sergio Mondragón. São nomes associados,
respectivamente, às históricas revistas Eco Contemporáneo e
El corno emplumado. Dão depoimentos que permitem avaliar
corretamente o que se passou com toda uma geração em
vários pontos do continente americano, em uma rede
continental e trans-continental de intercâmbio, de abertura
para o novo e subversão do estabelecido. Foram, através
dessas revistas e em sua atuação pessoal, porta-vozes do
pacifismo e da defesa do meio ambiente, entre outras
grandes causas, antecipando os movimentos sociais e as
rebeliões juvenis que ganharam corpo ao longo da década de
60.
Volta ao passado? Não, atualidade, pois nessas entrevistas,
assim como em outros lugares de Agulha, são discutidas
ações atuais, porém estimuladas pela visão atual de ações
passadas.
revista de cultura
Ainda mais agora, neste momento, quando forças
regressivas colocam o mundo todo à beira de um colapso, do
qual um dos sintomas, não o único, porém o mais evidente,
é o recrudescimento do militarismo. Nesse contexto, veicular
o que foi e continua sendo vanguarda é a forma coerente de
protestar contra os que se empenham pelo retrocesso.
Contra a barbárie, apresentamos os valores humanísticos, a
cultura viva, em sua plenitude e, acima de tudo, em sua
diversidade.
Os editores
Sumário
1 alfonso peña: conversación en la ciudad
oculta (entrevista). tomás saraví
2 annibal augusto gama: páginas que
se abrem em silêncio (entrevista). leontino filho
3
benjamin péret o el mundo al revés.
carlos m. luis
4
ciruelo cabral: un dios del cromatismo,
un rey en el dibujo (entrevista). sonia m. martín
5
el corno emplumado e eco contemporáneo,
grandes momentos da história da cultura iberoamericana: sergio mondragón & miguel
grinberg (entrevista). claudio willer
6
el legado poético de josé hierro
(entrevista). miguel ángel muñoz
7 fabrício carpinejar: contra a
monarquia da poesia brasileira (entrevista).
floriano martins
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8
floriano martins e o mergulho em
todas as águas (entrevista). rodrigo petronio
9
lars von trier: a estética pós-dogma
(entrevista). antonio júnior
10 los poemas-objeto de franklin
fernández: dos visiones críticas: carlos yusti
y ramón hernández
11 maria joão cantinho: os abismos
selvagens da escrita (entrevista). floriano
martins
12 numerologia nas minas de salomão.
maria estela guedes
13 reflexos expressionistas na poesia
italiana.
tiziano salari
14 surrealismo & poéticas do apocalipse.
contador borges
15 tânia gabrielli-pohlmann: em
defesa da música brasileira na alemanha
(entrevista). solange castro
artista convidada paula rego (pintura) texto
de maria joão cantinho
revistas em destaque digestivo cultural
(diálogo com julio daio borges),
el
artefacto literario (diálogo com mónica
saldías) e jornal da abca (diálogo com
alberto beuttenmüller)
livros da agulha américo ferrari, gustavo
de castro & alex galeno, hélia correia, josé luis
vega, leonardo vieira de almeida, lucila
nogueira, maria joão cantinho, prisca agustoni,
tomás saraví, verónica d'auria & silvia guerra
galeria de revistas (artigos & entrevistas)
revista de cultura
catálogo
triplov.com.agulha.editores
Expediente
editores
floriano martins & claudio willer
projeto gráfico & logomarca
floriano martins
jornalista responsável
soares feitosa
jornalista - drt/ce, reg nº 364, 15.05.1964
conselho editorial
alfonso peña (costa rica)
alfredo fressia (brasil)
benjamin valdivia (méxico)
contador borges (brasil)
helena vasconcelos (portugal)
maria esther maciel (brasil)
maria joão cantinho (portugal)
mónica saldías (suécia)
rodolfo häsler (espanha)
saúl ibargoyen (méxico)
soares feitosa (brasil)
correspondentes
alfonso peña (costa rica)
américo ferrari (peru)
bernardo reyes (chile)
carlos m. luis (uruguai)
carlos véjar (méxico)
eduardo mosches (méxico)
edwin madrid (equador)
revista de cultura
francisco morales santos (guatemala)
harold alvarado tenorio (colômbia)
jorge ariel madrazo (argentina)
jorge enrique gonzález pacheco (cuba)
josé luis vega (porto rico)
marcos reyes dávila (porto rico)
maría antonieta flores (venezuela)
maria estela guedes (portugal)
prisca agustoni (brasil)
sonia m. martín (estados unidos)
artista plástico convidado (pintura)
paula rego
apoio cultural
jornal de poesia
banco de imagens
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Agulha - Revista de Cultura
revista de cultura #
32 - fortaleza, são paulo - janeiro de 2003
Alfonso Peña: conversación en la ciudad
oculta
Tomás Saraví
.
Narrador, ensayista y editor (Costa Rica). A
lo largo de un decenio (1980-1990) dirigió la
revista de Arte y Literatura latinoamericana
Andrómeda (33 números) la cual se distinguió
en esos 10 años por publicar un ajustado
panorama de la literatura que se producía a
nivel continental. Ha publicado Noches de
Celofán (1ª edición Premiá Editores 1987, 2ª
edición aumentada y corregida Editorial Euned
1996). La Novena Generación (Premiá
Editores, 1997) la cual fue vertida al idioma
portugués por el traductor y editor Floriano
Martins e ilustrada por el artista brasileño Eduardo Eloy A Nona
Geração (Edições Resto do Mundo, Fortaleza, 2000), asimismo A
Nona Geração ha sido editado como libro electrónico (Edições
Agulha-Books/Brasil, 2001). El Surco de la Gubia 6 grabadores
contemporáneos (Ediciones Andrómeda, 2ª edición 2001). Desde el
Centro, cuentos de Alfonso Peña (Ediciones Como un Ave Libre,
Casa de la Poesía La Habana Cuba, 2002). Una buena parte de sus
ficciones han sido vertidas parcialmente a los idiomas inglés,
francés e italiano. Ha sido escogido en algunas importantes
antologías internacionales, mereciendo una especial mención la
compilada por el crítico e investigador de origen uruguayo Olver
Gilberto de León Anthologie de la Nouvelle Latinoamericane,
publicada en 1992 por la editorial Belfond/UNESCO, en París.
Actualmente edita junto al escritor Guillermo Fernández la revista
de Arte y literatura Matérika. Colabora regularmente con revistas y
suplementos latinoamericanos. Integra el Consejo de Edición de las
revistas Agulha (Brasil), Tinta Seca (México), Vericuetos (Colombia)
Agulha - Revista de Cultura
y Maldoror (Argentina).
TS - "Veinte años no es nada", es la consigna del tango. En nuestro
caso, Alfonso, son 22 años de amistad y, en la medida de lo
posible, de haber hecho algunas cosas en este territorio que nos
une, el territorio de la cultura. Nuestro reciente proyecto, que
culminó prácticamente la primera semana de este año 2003, en
torno a los Cuentos del San José Oculto, creo que puede interesar a
los lectores de Agulha.
AP - Cuando vos decís veinte años, me encamino imaginariamente
a la ventana barroca que tenía tu apartamento, que miraba de
frente a una de las amplias paredes de la antigua Fábrica Nacional
de Licores, hoy CENAC. Ahí se inicia esa suma de experiencias, que
poco a poco se nos dieron para cimentar un imaginario alrededor
de la ciudad de San José, que agrupa a amigos de diferentes
ámbitos hasta conformar una serie de ideas, temas y proyectos, y
hoy podemos hablar de la culminación del proyecto del San José
Oculto; es un proyecto integral con un volumen en el que
participan ocho narradores y cuenta con un diseño muy moderno; y
está acompañado de una interesantísima muestra gráfica del
artista Juan Bernal Ponce. Esto lleva el sello de las Ediciones de
Arte Andrómeda y el Taller de la Imaginación... El libro como un
objeto de arte.
TS - Más que un libro, se podría señalar como un proyecto cultural
integral, al estilo del Movimiento Andrómeda.
AP - Podríamos hablar de ilustres antecesores... como el caso del
surrealista Max Ernst, uno de los pioneros para que se diera las
bodas entre el cielo y el infierno... Para que se diera el diálogo
esencial entre gráfica y literatura... A lo largo del siglo XX se dieron
muchos casos. Los dadaístas, El surrealismo, el movimiento
ultraísta que dirigía Borges; en los últimos decenios se han
retomado esos conceptos y sabemos de experiencias semejantes
de Antoni Tápies con poetas catalanes, Octavio Paz con artistas
alemanes, los libros de textos y fotografías de Cortázar, los libros
de artista -tan en boga, hoy en día- entre plásticos y poetas. San
José Oculto es una complicidad entre lo narrado y lo grabado. En
esta comunión hay un hecho sobresaliente, el lector y el
observador del grabado, en última instancia, son los favorecidos.
Recordemos que, además del volumen de cuentos, de manera
adicional los grabados que acompañan los textos se presentan a los
coleccionistas en una cuidada edición gráfica, numerados y
firmados por el artista. Con esto reafirmamos la identidad de las
Ediciones de Arte.
TS - Esta ciudad que llamamos Oculta, donde tuvo varias de sus
sedes la revista Andrómeda, a la cual he caracterizado varias veces
Agulha - Revista de Cultura
como el París Josefino... A este casco antiguo, quiérase o no, le
debemos algo...
AP - Sin caer en pedantería, nadie mejor que Andrómeda para
llevar a cabo un proyecto como el que nos ocupa. Ya lo
vislumbrábamos, desde los albores de la revista, cuando poco a
poco se acercaron los poetas, se aunaron los artistas gráficos, se
sumaron los plásticos, gente de cine, etc De manera "invisible" se
fue armando un andamiaje que con el tiempo produciría una serie
de sorpresas atractivas para quienes de una u otra manera
mantenían un diálogo con los diversos grupos del trabajo que
girábamos alrededor de una idea mancomunada que era hacer y
mantener una revista de arte, que se convirtió poco a poco en una
reunión de amigos, en intercambio de ideas. Podríamos recordar
las sesiones de los sábados, donde participaron durante 15 largos
meses muchos artistas, invitados internacionales, poetas, músicos
que pasaban por San José. Esa fue la dinámica de Andrómeda: el
pluralismo, la democracia, el debate de ideas, el intercambio, el
puente y el canje con revistas y artistas de toda América Latina... y
otras latitudes... Sin perder de vista que lo hacíamos al amparo de
la Ciudad Oculta...
TS - He sido testigo de eso a lo largo de esos años, un testigo
comprometido con esa causa, y he visto cómo ante los ojos
sorprendidos de la "burguesía josefina", de la "clase media
ilustrada" que se acercaba a intimar con este mundillo muy
bohemio de artistas de todo tipo, se fue gestando realmente un
Movimiento. No sobre la nada, porque debemos recodar que, como
telón de fondo, la revista Andrómeda, entre el año 80’ y el 90’ llegó
a editar 33 ediciones, además de las ediciones en formato de libro
y una actividad cultural que era permanente y que se desarrollaba
en un marco sui géneris: presentaciones de libros, arte conceptual,
recitales, charlas, ciclos de arte contemporáneo, mimos, sesiones
surrealistas, música experimental... Siempre en el ámbito de la
creatividad y las ideas.
AP - Precisamente hace pocos días conversé con alguno de los
poetas que hoy se acercan a la sede de Andrómeda. Los visitantes
se quedan sorprendidos al comprobar la apertura y las puertas
abiertas de Andrómeda. Al rato vino la pregunta de rigor: "¿cómo
idearon un proyecto de este tipo?" De inmediato, como un
relámpago, recordé una reunión informal que algunos amigos
tuvimos en un café de la universidad, con tres o cuatro poetas y
algún gráfico centroamericanos: salvadoreños, hondureños,
nicaragüenses. Ante la escasísima posibilidad que existía en aquel
momento de publicar textos, de ver publicados los poemas, los
cuentos, los grabados, nos lanzamos a hacer un primer número, sin
pensar en las implicaciones ulteriores. El resultado de esto fue que
de un momento a otro teníamos en nuestras manos un material
Agulha - Revista de Cultura
modesto que era la publicación impresa. Era como tener en las
manos una metralleta, como la tiene un francotirador, y entonces
te jugás el pellejo, porque ya no hay manera de que aquello
regrese a las gavetas sino que comienza a circular, va a la calle.
Esa primera edición nos abrió los ojos de que en un país como
Costa Rica, muy parecido a cualquier otro de América Latina, se
nos daba la posibilidad de tener un medio impreso, independiente,
insurrecto, no complaciente...
TS - Lo recuerdo perfectamente,
porque fue en aquella época,
alrededor del año 80, cuando me
sorprendió conocer los números 1
y 2 de Andrómeda. Que, por
cierto, son los únicos que salieron
en un formato más pequeño,
artesanal, con una impresión algo
precaria; de inmediato se abrió
ante mis ojos un mundo nuevo
porque había poetas ticos y
centroamericanos de una gran
calidad. Fue en ese momento, que me adherí a ese proceso nuevo;
simultáneamente lo iban haciendo sectores importantes de la
cultura. Qué buena sorpresa fue encontrarme una mañana, en la
oficina de Andrómeda, al Grupo de Humoristas de la Pluma
Sonriente con la presencia emblemática del maestro Hugo Díaz,
protagonista de grandes luchas. Pasarían pocos días para que otro
maestro, esta vez el nicaragüense Pablo Antonio Cuadra, se hiciera
presente en la redacción de la revista.
AP - Ese fue un hecho muy importante. Fue una especie de aguijón
vital. Una tarde tuvimos un encuentro con Pablo Antonio; por
gentileza de los poetas nicaragüenses Mario y Francisco Santos se
hizo la conexión. Fue una posibilidad de encontrarnos con Cuadra y
tener la oportunidad de estar con una figura de su talla y de
observar el interés de él por conocer de cerca las inquietudes de
aquellos jóvenes escritores y pintores que se iniciaban en esas
labores. Era una persona con una cultura fuera de serie y, además,
un verdadero humanista; él nos permitió un diálogo amplio, franco
y cordial durante una larga tarde, que luego se extendería por dos
décadas...Recuerdo que hablamos de la poesía centroamericana,
del flagelo de la guerra en Centroamérica, el problema de la
diáspora centroamericana... la amargura del exilio, los gorilas y
monigotes en el poder, sobre la complejidad de esto que llamamos
" la cintura de América". Fue un estímulo muy positivo; y nos
entusiasmó comprobar que un poeta universal se mostraba
interesado en conocer lo que hacían los jóvenes creadores en
Centroamérica. Este encuentro fue más o menos cuando se habían
editado los números dos o tres. No había transcurrido un mes
cuando Pablo Antonio, desde las páginas del suplemento cultural La
Agulha - Revista de Cultura
Prensa Literaria de Managua hizo una reseña de la revista y
reprodujo poemas y cuentos de algunos de los escritores que
habían participado en aquellas ediciones. A partir de ahí con los
escritores nicaragüenses tenemos un buen encuentro y se van
abriendo muchos espacios para tener un diálogo plurivalente con
diversas revistas y suplementos de América latina y otras latitudes.
TS - Al mismo tiempo se comenzó a desarrollar una intensa
actividad cultural, pero en un subsuelo marginal, que alguna
periodista desde un medio oficial caracterizó como "contracultural",
porque la propuesta del Movimiento siempre fue enfrentar al orden
constituido. Si no no tiene gracia; qué clase de vertiente surrealista
encontrás en un movimiento si no se enfrenta con las fuerzas del
orden, en lo político, en lo literario, en lo religioso. Como bien
decís, hubo un momento en el cual en algunos países
centroamericanos y sudamericanos, y también en cuarteles
dispersos literarios libres de México, sin olvidarnos del Movimiento
Chicano, muy pronto se establecieron contacto con Andrómeda....
AP - Fue como una explosión. Era emocionante ver la redacción de
la revista llena de revistas y libros de muchos países, y alrededor
de esa mesa de trabajo muchos escritores y poetas y pintores
leyendo con avidez y entusiasmo aquella información. Vos podías
encontrar desde revistas como Crisis, Plural, Tiempo de Combate,
Gradiva, Golpe de Dados, Casa de las Américas, El pez y la
serpiente, La selva subterránea, Nicolau, Hora de Poesía,
Anthropos, entre otras, hasta boletines y manuales de los
movimientos de liberación latinoamericana. Recíprocamente,
nuestras ediciones circulaban por América Latina y el intercambio
era muy fluido, máxime que todavía no existía la comunicación vía
internet. Además, recordemos que San José tiene un movimiento
bastante cosmopolita, es un ir y venir, es un lugar de paso, al igual
que en los tiempos de nuestros pueblos primigenios. Pareciera que
toda Centroamérica es un lugar de paso y estratégicamente bien
situado.
TS - Existe un pasaje en la génesis del Movimiento Andrómeda que
habría que destacar. Es algo que poco se recuerda. En el año 80-81
yo trabajaba como artista callejero y algún día, (seguro que en un
fin de semana), andaba disfrazado de uno de mis personajes, El
Monstruo Verde; invitado por el poeta Rodolfo Cerdeño pasé a dar
una vuelta por Andrómeda, que estaba situada en un punto
estratégico del San José Oculto, en un local del Centro Comercial El
Pueblo. Ese centro es como una reproducción del barrio La
Candelaria en Bogotá; es un lugar lindísimo. Recuerdo que entre
broma y broma con los transeúntes yo caminaba por los pasillos y
las escaleras y me preguntaba como es qué Andrómeda estaba
allí...
Agulha - Revista de Cultura
AP - En aquel momento el Centro El Pueblo, atravesaba una crisis
financiera; no había logrado proyectar una imagen definida, para
atraer un público que tuviera todo tipo de manifestaciones en esa
infraestructura tan onerosa y tan difícil de mantener. Ahi es donde
aparece Edith Cossio, una señora colombiana que trata de dar otra
imagen al lugar. A la par de los restaurantes, y los cafés de tipo
europeo, y las discos y las boutiques, los salones de baile y todo
tipo de bares, poco a poco van apareciendo los estudios de
pintores, de fotógrafos, de dibujantes, de caricaturistas y hasta de
alguna poetisa soñadora y progresista. Por sugerencia de algún
amigo común Edith Cossio se enteró de la existencia de Andrómeda
y nos propuso una interesante agenda cultural, a cambio de uno de
aquellos locales. A partir de ahí efectuamos un gran despliegue de
actividades plásticas, literarias, poéticas, entre traguito y traguito
de ron... Aquello, como era de suponer, no duraría demasiado.
Estuvimos ahí, en medio de aquella vida nocturna y acelerada
aproximadamente un año. Creo que la gestión de nuestra amiga
colombiana salió favorecida con la ayuda de los artistas, pues con
ese tiempo de animación cultural El Pueblo se convertiría en un
lugar atractivo y muy concurrido.
TS - En medio de ese desbarajuste, me sorprendió encontrarme
con alguien (yo soy ríoplatense) que manejara tan bien ciertas
claves del submundo literario de Buenos Aires y Montevideo. En
aquel momento, Alfonso, ya tenías un buen conocimiento, sobre
todo en un territorio americano balcanizado, donde nos han
dividido, y han tratado de que nunca juntáramos aportes culturales
de un pueblo con el otro, del uruguayo Felisberto Hernández y los
argentinos Santiago Dabove y Macedonio Fernández. No era
habitual que en Costa Rica se discutieran en aquel momento estos
autores, por la incomunicación existente e incluso porque en sus
propios países aún no habían sido plenamente reconocidos.
AP - Esto se debe a que desde muy
pequeño me interesé por la ficción y la
literatura fantástica. Después de leer a
Allan Poe, a Hoffman, a Stevenson, entre
otros, tuve que hacer el pasaje a la
literatura ríoplatense tan conectada con
esta tradición norteamericana y europea.
En aquel momento se me abrió una serie
de corredores novedosos, escenarios
lúdicos, ventanales circulares, y me
encontré ante un universo fascinante.
Muy temprano tuve la dicha de descubrir
a un escritor como Felisberto Hernández. Me pareció tan
asombroso que un hombre que se ganaba la vida tocando piano en
los suburbios de Montevideo y el interior de Uruguay hiciera esa
clase de literatura. El primer cuento que leí de Felisberto fue "Las
Hortensias"; aquello me pareció tan extraordinario que de
Agulha - Revista de Cultura
inmediato empecé a rastrearlo. Y es que, vos lo sabés, el mundo
literario de Hernández es una experiencia insólita y enriquecedora,
y al adentrarse en su escritura depurada, totalmente personal, con
una carga de recursos poéticos, los objetos inanimados van
adquiriendo su propia vida y son elementos importantísimos en ese
"submundo" cargado de chistes metafísicos, gags, alucinaciones, o
en su defecto las casas abandonadas, las puertas misteriosas, las
casonas solitarias donde perviven extraños sujetos con excéntricas
mujeres mordidas por la neurosis. Lo anterior me impactó de una
manera directa, pues como te dije venía de un pasaje por la
literatura fantástica norteamericana y europea y aquello que se me
presentaba me parecía maravilloso. A través de Hernández, fui
conociendo a otros escritores y cuentistas argentinos y uruguayos,
como el caso de Dabove, o Roberto Arlt o Juan Carlos Onetti, éstos
dos últimos, sin ser del todo escritores fantásticos, tienen una gran
garra y especial valentía para contar, o aquellos dos gigantes que
hacían literatura fantástica y antologías y libros policiales al alimón,
Bioy Cásares y Borges.
TS - Podríamos decir que fuiste fuertemente influenciado por esa
corriente...
AP - De alguna manera es una marca indeleble. Seguro que son
especies de pecas y otros vestigios en la manera de contar, en las
descripciones, en el uso del lenguaje. Aunque tal vez eso se da en
los primeros años, luego vendrían otras vertientes.
TS - Para mi también fue una sorpresa en los primeros años
ochenta, encontrar en este sorprendente medio cultural, gente que
manejaba con gran soltura los referentes de tipo esotérico, algo
que es muy propio de San José; donde se conoce con gran
propiedad la tradición hermética, el ocultismo. Había verdaderos
eruditos en esos temas. De pronto podías descubrir, yo por lo
menos lo descubrí, un fenómeno muy generalizado que alguna
gente de la propia ciudad es reacia a entender.
AP - Tenés razón. No podemos pasar por alto las alargadas y
agotadoras disertaciones del alquimista Disifredo Garita. O la turbia
presencia del Santón Martín Bosco, o de las lecturas del tarot que
nos hacía Alma la gitana... O aquellos cónclaves que se extendían
durante varios días cuando aparecía un mago callejero y
pernoctaba entre la redacción contando sus recientes
descubrimientos, hallazgos y experiencias. Mientras tanto, en la
avenida centroamericana se desarrollaba la bronca... Fueron los
años del derrocamiento, exilio y ejecución de Somoza, las luchas de
Nicaragua, Guatemala y El Salvador. Alguna gente no entiende
como en el cenáculo de Andrómeda sucedían las cosas que
acabamos de describir.
Agulha - Revista de Cultura
TS - Costa Rica tiene una tradición literaria muy valiosa, con
nombres como García Monge, Brenes Mesén, Calufa, Joaquín
Gutiérrez, Fabián Dobles, Carmen Lyra, Azofeifa, Amighetti, Max
Jiménez, Eunice Odio o Yolanda Oreamuno, que son los
antecesores... Al referirme a este tema, quiero comentarte algo
sobre un capítulo relacionado con la vida de Andrómeda que yo me
perdí casi por completo, porque hubo un personaje de singular
importancia en la poesía, en el periodismo, en el cuento fantástico,
que era Alfredo Cardona Peña. Vivía en la ciudad de México; las
veces que vino por acá, mantuvo reuniones con los poetas y
escritores de Andrómeda, sobre todo aquellas que se daban en
aquel misterioso Bar Morazán, frente al Parque del mismo nombre,
siempre en el San José Oculto.
AP - Creo que con Alfredo Cardona, tuvimos un primer contacto en
el año 85. En una de las invitaciones que le hizo la editorial de la
UNED para publicar alguno de sus libros. Fuimos a uno de sus
kilométricos recitales de poesía con el poeta David Maradiaga. Le
entregamos ejemplares de Andrómeda y Alfredo se interesó
muchísimo; nos contó que ya la conocía, pues él era colaborador de
Plural y, además, la revista circulaba en el DF; se distribuía en una
de las librerías de la Zona Rosa y era conocida por diversos poetas
y escritores. Nos expresó que como tico, se sentía muy complacido
y orgulloso con la publicación y nos reiteró que le parecía que esta
revista en nada se parecía a la literatura costarricense, pues tenía
proyección latinoamericana y que era sorprendente que fuera
editada en San José. A partir de ahí nos hicimos amigos y cada vez
que venía nos encontrábamos. Generalmente llegaba en diciembre
y se quedaba durante el mes de enero.
El Bar Morazán era su preferido. Recuerdo que en este bar, que es
de finales del siglo XIX, departíamos y manteníamos los
encuentros: eran horas y horas de conversación... Tomábamos el
bar por asalto; juntábamos dos o tres mesas frente a la vieja
rockola, y mientras en la máquina sonaban canciones de Rocío
Durcal, Sandro, Los Iracundos, Daniel Santos, Gilberto Hernández,
Roberto Carlos, Leonardo Fabio, Julio Jaramillo, o un tango de
Magaldi, Alfredo leía con su desenfado particular un poema de
reciente producción... Aquello era como una escena
fantasmagórica. Imagínate, aquel hombre que nos llevaba una
enorme cantidad de años, rodeado de poetas y jóvenes escritores,
contando anécdotas, vivencias... Él era un gran conversador e
improvisador, además de su cimentada cultura y el aire jovial que
tienen los verdaderos artistas, y eso lo valoramos y siempre le
agradecimos su amistad, consejos literarios y cariño.
TS - Alfonso, vos, como escritor fantástico y además con una dosis
de humor negro que sobresale en tu producción y en tu
personalidad, nos podés hablar acerca de aquella memorable
Agulha - Revista de Cultura
"joda", que en algún momento se calificó como "La última cena de
Andrómeda".
AP - Cuando llegamos a la edad de los 33 números de la revista,
organizamos un festejo para celebrar el décimo aniversario.
Monsieur Lacroix, director de la Alianza Francesa en San José,
patrocinó aquella celebración. Desde mucho tiempo atrás, él era un
amigo incondicional de Andrómeda. Esa noche se dio una
concurrida asistencia de amigos y colaboradores, poetas,
escritores, editores, artistas plásticos y gráficos, cineastas, etc. En
un marco de gran solemnidad, en una de las salas de la Alianza se
proyectaron las 33 tapas de la revista; como contrapartida se
escuchaba una tenebrosa música progresiva. Luego participaron
dos poetas y leyeron sus creaciones. Después emergieron los
saloneros con el vino francés y las exuberantes comidas. Se bailó,
se cantó y se festejó hasta medianoche. Cuando las candilejas de
esa antigua casa –que también está establecida desde el siglo XIX
en el San José Oculto- se extinguieron, nadie se percató de que
había sido una "joda". Nadie advirtió que había presenciado un
asesinato freudiano; simbólicamente, los concurrentes, habían
asistido al gozoso homicidio de la revista Andrómeda. Porque esa
fue la noche final.
TS - ¿Qué sucede en el posterior período
de silencio que duró algunos años?
AP - Después de aquella "inolvidable
despedida" cerramos el fortín por un
buen tiempo. Poco después, con el correr
del tiempo, y ante la urgencia de
mantener viva la comunicación
internacional, aproximadamente desde
1995 establecimos de nuevo contacto
con diferentes amigos que estaban
activos en sus proyectos. Luego de
caminar e intercambiar conocimientos
por diversos talleres y editoriales de América latina, participé en
varias ferias del libro y de la poesía; con nuevos bríos y renovadas
fuerzas lanzamos la propuesta del Taller de la Imaginación que se
fusionó con Ediciones Andrómeda. Además, ya estábamos
conscientes de las nuevas corrientes tecnológicas. Internet
avanzaba aceleradamente, se nos venía encima la globalización,
etc.
Cuando reiniciamos nuestra ediciones, ya fueran gráficas, de
artistas consolidados latinoamericanos o en el formato de libros de
arte, comprendimos cabalmente la fuerza que tenía Andrómeda. De
inmediato muchos amigos del continente nos ofrecieron su
adhesión, y ni qué decir de nuestro pueblo, de nuestros lectores,
Agulha - Revista de Cultura
de nuestros allegados, que nos respaldan con una alta dosis de
generosidad.
La propuesta de Ediciones Andrómeda, se fundamenta en la
publicación de libros de poesía, escultura, narrativa, y plástica. Son
ediciones muy bien cuidadas, casi todas con su paralelo proyecto
gráfico. En cada una participa un equipo profesional de editores,
diseñadores, artistas, etc. Cada obra viene acompañada de una
edición especial que se diferencia de la que se hace en rústica.. Con
lo anterior logramos un estímulo importante, ya que incentivamos
la lectura y la adquisición de libros novedosos acompañados de un
grabado de un artista contemporáneo, todo esto a precios muy
accesibles. La respuesta ha sido inmediata y apasionada por parte
de los lectores y seguidores del arte contemporáneo.
TS - Paralelamente, aparece la revista Matérika
AP - Conforme se fueron dando las diferentes colecciones, nos
dimos cuenta de que era necesaria una publicación con el formato
de revista. Entonces, con el escritor Guillermo Fernández y un
selecto equipo de colaboradores nacionales y continentales
diseñamos el proyecto de la revista Matérika. La publicación es de
un formato "manejable", con materiales de primera mano y un
diseño atractivo. En ella participan autores y artistas de renombre,
aunque también se asigna un considerable espacio a los artistas
jóvenes. Creemos que con esto contribuimos a mantener viva la
identidad del Movimiento; es una especie de antena, es una revista
que apuesta por la cultura y el arte del continente. Actualmente
preparamos la edición N° 7. En ella se podrá leer materiales muy
variados. Veremos en sus páginas a artistas como Claudio Willer,
García Lorca, Carlos Barbarito, Wilfredo Lam, Rodrigo Quesada,
cuentos de Felisberto Hernández en su centenario, poesía y cuento
joven costarricense, con una muestra gráfica de la grabadora
Ileana Moya.
TS - En los mentideros literarios del ciberespacio se comenta, cada
vez con mayor insistencia, algo que tiene que ver con un proyecto
surreal, tan surreal, que podría ser surrealista y que está manejado
por las manos de Floriano Martins y Ediciones Andrómeda...
AP - En efecto, la noticia circula en el ciberespacio. Es una
comunicación de Ser Espacial, que es un suplemento electrónico
que atende a las publicaciones Agulha, Alô Música y TriploV, de
Brasil y Portugal. Podríamos resumirla de la siguiente manera:
generalmente se cree que el surrealismo solo tuvo fuerza en París y
en algunas otras capitales europeas. Y cuando se habla o se escribe
del Surrealismo Latinoamericano, muchas veces el que escucha
arruga el ceño, como diciendo: éstos viven en el limbo... Algo así.
Agulha - Revista de Cultura
Floriano Martins, poeta e investigador brasileño, durante décadas
se ha dado a la tarea de investigar ese movimiento surrealista
latinoamericano, que ha estado vivo y sigue latiendo en diferentes
ciudades como Medellín, Buenos Aires, Montevideo, Caracas, el
D.F., São Paulo, entre otras... El surrealismo latinoamericano no
está momificado ni mucho menos petrificado. Anteriormente
(estamos hablando de una buena cantidad de años) se hizo un
intento por abordar este tema. El español Ángel Pariente preparó
una antología del surrealismo en lengua española, incluidos los
poetas españoles. Luego, Stefan Baciu, agrupó a algunos poetas
surrealistas latinoamericanos y solo por el hecho de llamarse así
dejó por fuera a los brasileños y a los francofonos... Baciu, solo
tomó en cuenta que la selección la hizo pensando en los
latinoamericanos que en algún momento estuvieron ligados al
movimiento surrealista. Craso error... Creo que el tema es
candente. Los lectores interesados pueden localizar en
www.triplov.com un dossier muy completo sobre esto que estamos
conversando: Surrealismo: poesía y libertad.
Actualmente, estamos trabajando en lo que será esta completa
antología del Surrealismo Latinoamericano. Creemos que este será
un buen proyecto para este 2003 que se inicia...
TS - Sin hablar en términos demasiado concretos, pues se sabe que
cada proyecto, debe tener su elemento sorpresa, su reserva y su
tiempo de gestación, ¿podríamos conocer en qué tiempos y con qué
métodos se realizará?
AP - El prólogo y la selección son de Floriano Martins. El libro
incluirá una representación de 30 poetas; además, traerá una
muestra gráfica de cinco artistas surrealistas latinoamericanos.
Floriano Martins, ferviente investigador del tema, ha adelantado
que su trabajo está dedicado al escritor costarricense Max Jiménez,
considerado por él como uno de los más importantes artistas
surrealistas de América latina. Se proyecta a un plazo de cuatro
meses. La edición será de muy buena factura y circulará por
diferentes capitales del continente. En el N° 7 de Matérika que
aparecerá muy pronto, adelantaremos algo más de este proyecto,
mientras tanto mantengamos la calma.
Agulha - Revista de Cultura
Tomás Saraví. Escritor y periiodista argentino radicado en Costa rica desde 1979. Su novela
Flores para el lobo se encuentra en proceso de segunda edición (Ediciones Andrómeda, San
José). Contacto [email protected]. Fotos de Alfonso Peña y Tomás Saraví, por José
Luis Moya. Página ilustrada com obrtas da artista Paula Rego (Portugal).
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Agulha - Revista de Cultura
revista de cultura #
32 - fortaleza, são paulo - janeiro de 2003
Annibal Augusto Gama: páginas que se
abrem em silêncio
Leontino Filho
.
A literatura mais do que qualquer outra
atividade não admite meio termo, para ser
grande e necessária, ela precisa ser inteira.
Exercício pleno do embate do homem com os
seus múltiplos fantasmas, com as suas
angústias, com as suas solidões, com os seus
medos e com as suas andanças no reino da
palavra imaginada e sentida com toda a força
do pensamento. A literatura, como vasta
vereda do existir, requer sempre uma
devoção total, a despeito de se tornar frágil e
mero cosmético, reles penduricalho para enfeitar os salões nobres
e vazios dos poderes mercenários da sociedade. A literatura é,
pois, a arte que nasce do estrondoso silêncio da criação, no
instante mesmo em que o poeta, diante da página em branco,
visita o universo do desejo e refaz outros mundos a partir do seu
próprio território. Ou quando o escritor, no afã de dizer o que o
inquieta, constrói os mais variados lugares do ser habitado pelas
mais díspares personagens - o mundo se agiganta com o vôo do
fazer literário.
Do silêncio falante da literatura, surge a voz marcante e singular do
poeta e escritor mineiro Annibal Augusto Gama (Guaxupé, 1924),
que no auge de sua vitalidade artística, vem produzindo, em
Ribeirão Preto, interior de São Paulo, onde está radicado há mais
de 30 anos, uma obra densa, vigorosa, importante e, sobretudo,
em permanente diálogo com a fina flor das literaturas brasileira e
universal. O primeiro livro publicado por Annibal Augusto Gama, foi
o Manual para aprendiz de fantasmas (FUNPEC, 2001), uma
Agulha - Revista de Cultura
verdadeira arte de encantar seres, sejam eles imaginários ou não.
O encantamento literário desconhece portas, já que está sempre
com as janelas abertas para novas intromissões. Manual para
aprendiz de fantasmas possui a rara qualidade de embaralhar com
sabedoria e engenho os gêneros. Visita com desenvoltura e gênio o
romance, o conto, a crônica, a poesia e o ensaio. Catalogar uma
obra como esta é pura distração, melhor dizer que é um livro onde
a ficção entrelaça-se com a vida de tal maneira que ambas passam
a ter qualidades recíprocas nessa parceria. O segundo trabalho
publicado pelo Annibal Augusto Gama intitula-se A volta de Simão
Bacamarte (FUNPEC, 2001), uma deliciosa e instigante recriação do
universo machadiano. A narrativa de Simão Bacamarte propicia a
descoberta de outros intentos imaginários do genial Machado de
Assis, agora, também, travestido em personagem, a partir da
criativa busca do narrador que alimenta a esperança, quase sempre
cética, de ver brotar uma nova disposição para o convívio em
sociedade. Um dado que merece ser ressaltado na ficção de Annibal
Augusto Gama é o viés irônico, a dose de humor presente em seu
texto. Por vezes, a sátira dá o tom na prosa do escritor mineiro.
Livre do ineditismo que ele mesmo lhe impôs - a já consagrada
desconfiança mineira -, Annibal Augusto Gama reuniu oito de seus
títulos poéticos: Os óculos corrosivos; As ranhuras do tempo; O
edifício oco; O pássaro empalmado; Albergaria e outras pousadas;
Becos, ruas e sacadas; O Bacharel de Cananéia e O poeta frugal,
num só volume (618 p.) intitulado 50 anos falando sozinho
(FUNPEC, 2002). Um múltiplo livro de poemas, onde as diversas
temáticas convergem para o mesmo plano: a arte de ser poeta
afinando o verso nas veias da vida. 50 anos falando sozinho é um
livro de aprendizagens como deve ser toda boa poesia, mas é,
também, por isso mesmo, uma grande indagação sobre o ser e o
estar aqui e agora, ciente de que o porvir resulta dessa pergunta
que nunca se cala. A poesia de Annibal Augusto Gama é inteira, e
por ser inteira, é necessária, sempre. A gaveta do escritor mineiro
guarda vários inéditos, entre livros de contos, como O doutor da
mula ruça; A gaveta de Belzebu e O tiro pela culatra; um romance,
Os sobrados destelhados; uma obra ensaística, As cinzas do
charuto (Ensaios da lua nova) e um Diário já com mais de duas mil
páginas, entre tantos outros escritos. Por isso mesmo, torçamos
para que essa bagagem seja aos poucos aberta aos que amam a
literatura.
Acompanhe a entrevista (em tom de conversa) concedida por
Annibal Augusto Gama e perceba alguns meandros desse fantástico
universo literário.
Agulha - Revista de Cultura
LF - Em que medida o trabalho
intelectual esbarra na inspiração
para fazer brotar o verso pleno
ou perfeito, se existe verso pleno
e perfeito?
AAG - Você, meu amigo, parece
que descrê da inspiração. Faz
companhia a Poe, e a outros. Ou
então acredita que ela, existindo,
pode ser uma barreira que nos
separa do verso "pleno e perfeito". Inspirar é respirar para dentro.
Fazer que o ar entre em nossos pulmões. Podemos explicar o
mecanismo da inspiração como tal, mas não da outra inspiração.
Atribuímo-la aos deuses, às musas, ou ao Demônio, já que não há
obra literária sem a colaboração deste cavalheiro, segundo André
Gide. A inspiração sopra onde quer, diz Gilberto de Mello Kujawski.
Será uma fulguração, como o raio que cai. Pode ser excessiva ou
avara. Se excessiva, devemos aparar-lhe as asas. Mas não a
prender numa gaiola. É ajustando-a à nossa experiência, às regras
aceitas e catalogadas, à métrica, à rima, aos fonemas, às
dissonâncias, ao ritmo, que se pode chegar ao verso perfeito e
pleno, decerto uma raridade. Mas que existe, aqui e ali. Existe em
Virgilio, em Horácio, em Mallarmé, em Valéry, em Apollinaire, em
Bilac, em Raimundo Correia, em Drummond, em Manuel Bandeira.
Existe em Racine e Corneille. Existe no abundante Victor Hugo. Em
Baudelaire. É aquele que é intocável. Mudada nele uma só palavra,
ele desaba. Não é que o procuremos laboriosamente. Só às vezes.
Mas ele, não raro inesperadamente, brota como uma rosa. É claro
que atrás dele está tudo o que experimentamos e vivemos durante
muitos anos. Todas as manhãs parecem iguais. Todavia, sempre
nos lembramos de uma manhã perfeita, em que tudo se
harmonizava em nós e fora de nós.
LF - O hedonismo poético nasce com a melancolia da solidão ou é
um mero artifício para vencer as necessidades de uma vida que
congrega sempre dores e alegrias?
AAG - Se você considera o hedonismo não apenas como prazer,
mas também como dor, aceito-o. A vida é feita de doce e amargo,
de úmido e seco. E o "hedonismo poético" tanto pode nascer da
melancolia, como da solidão. Poe achava que todo poema se faz
com a melancolia e a tristeza. Mas a alegria também é um pássaro.
E arte é igualmente artifício. O bom artista é um bom artesão. Não
congrego dores e alegrias, para viver ou fazer os meus poeminhas.
Elas vêm a mim.
LF - A poesia é o concerto ou o "desconcerto do mundo"?
Agulha - Revista de Cultura
AAG - A poesia tanto é o concerto como o desconcerto do mundo.
Concertamo-lo, através dela, para o desconcertar. O poeta monta a
máquina do mundo para a desmontar. O poeta é um inconformado,
um rebelde. Não quer as coisas apenas como elas são, ou como
deviam ser. Quer a plenitude do ser. Por isso está sempre
desavindo e desavindo-se. Mas não é somente um justiceiro que
repara os danos da desordem da vida. Porque uma desordem pode
ser outra forma de ordem, a nossa. O poeta é um reivindicador,
que não reivindica. Ele deformar, para dar outra forma.
LF - Em que pele fantasmática está tatuada a inscrição de "deus"
na literatura.
AAG - Na pele da Esfinge. Deus e o Demônio são personagens
inarredáveis da literatura. Quando os afastamos, eles se infiltram
subrepticiamente. Uma personagem de Dostoievski dizia que, se
não existisse Deus, tudo seria possível e permitido. Ao contrário, se
não existisse Deus, nada seria possível. E a permissão ou não
permissão não teria sentido.
LF - O que pressupõe uma boa história? (Uma boa narrativa?)
AAG - Antes de mais nada, o estilo. Sem o estilo, compreendido
também como o modo próprio de ver a vida, não há salvação.
Depois a atmosfera. Há narrativas que são apenas atmosfera. O
diálogo. O diálogo que deve ser incisivo, coloquial e preciso. As
personagens devem estar geralmente numa encruzilhada,
perplexas. Não se deve concluir com uma explicação. Deve-se
sugerir muitas explicações.
LF - Toda história é fruto de um fantasma ou um delírio de Simão
Bacamarte?
AAG - Os fantasmas não dão fruto.
Comem-no. Nós somos os fantasmas
dos fantasmas. E enquanto eles não são
para mim aterrorizantes, muitos de nós
são aterrorizantes para eles. A lucidez
era o delírio de Simão Bacamarte.
Nossos delírios é que nem sempre são
lúcidos, mas convém combinar uma
coisa com outra.
LF - A ironia fantasmática é que move a
sua literatura? (Os aspectos satíricos de seus fantasmas são
personas que direta ou indiretamente conduzem o leitor à grande
vereda textual que é a sua literatura).
Agulha - Revista de Cultura
AAG - Obrigado, Leontino, pela última parte da sua pergunta. A
ironia é uma defesa e também um ataque. Os meus fantasmas são
irônicos sem o saber. Têm uma ironia sem maldade, que é antes
humor. A vida sem o humor seria impossível. A minha literatura, de
fato, se move através do humor. Vê as coisas ao contrário, para vêlas certas. Você quer coisa mais humorística do que atravessar
uma parede, quando a porta está aberta para se entrar? Mas os
meus fantasmas tanto atravessam as paredes como entram pela
porta aberta. Não observam regras, nem admitem convenções.
Representam a liberdade.
LF - A poesia é um sacerdócio? Fale um pouco a respeito de 50
Anos Falando Sozinho.
AAG - Só se for um sacerdócio heterodoxo. O poeta é um herege
que obedece todos os mandamentos de Deus. E que indaga se a
primeira edição das Tábuas da Lei, quebradas por Moisés,
corresponde exatamente à segunda edição que lhe foi entregue no
Monte Sinai. Entre uma edição e outra, lavé não teria feito
acréscimos, ou suprimido algumas normas? Quais? Seria a segunda
edição revista, aumentada e corrigida?
50 Anos Falando Sozinho de um monólogo comigo mesmo e de um
diálogo com o outro. Um homem que fala sozinho é muito ouvido.
Discrepa dos que falam para todos. Quem fala para todos não fala
para ninguém, nem para si mesmo. É o que costumam fazer os
nossos políticos. Reuni esses poeminhas em vários livros, cada um
com a sua temática, mas ligados por um fio. A insistência de meu
filho mais velho, Antônio-Carlos, e de meu amigo Gilberto de Mello
Kujawski, me levou a publicá-los. Fiz bem ou fiz mal? Gilberto,
ultimamente, diz que descobriu a chave da minha poesia: é
chapliniana. Do Carlito das Luzes da Cidade, de Em Busca do Ouro.
Porque Carlito, depois, engordou, tornou-se pesado e virou Sir
Charlie Chaplin. Não pretendo ser armado cavalheiro do Império
Britânico. Continuo a preferir as botinas e a bengalinha. A
bengalinha de Carlito é a vara de Moisés diante do faraó do Egito.
Gosto do pássaro voando, mas também o empalmo. Toda poesia é
um alvo escamoteado. Miramos o alvo e arremessamos a flecha na
mosca. Mas um demiurgo o escamoteia, antes que a flecha o
atinja. Por isso continuamos a atirar as flechas. A poesia é também
um alçapão engatilhado. Mas não para pegar o pássaro, mas para o
soltar. Sou sagitariano, nasci no mês de dezembro. Minha poesia é
também circunstancialidade e o fruir da vida. Sou abstrato, sendo
concreto.
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LF - O poeta cria suas próprias angústias
para depois resolvê-las. Essa experiência
de percorrer a dor almejando uma nesga
de felicidade é, em verdade, a rota
elementar de toda criação artística?
AAG - O poeta não cria a dor, a vida é
que a cria, e ele é um filho bastardo da
vida. Se a cria, cria-a em fingimento e
realidade. Mas todos os versos são
escritos no dia seguinte, para repetir
ainda uma vez Fernando Pessoa. Isto
significaria que ele recria a dor que já
não sente, para a sentir novamente. E
dor, prazer, e felicidade, são um dos
lados da existência, para que haja o outro lado. Se não houvesse a
esquerda, o torto, não haveria a direita e o reto. Na rota da criação
artística os caminhos se bifurcam.
LF - Afinal, para que serve a poesia (Mário Faustino)?
AAG - A poesia não serve, não é uma criada de quarto. Nós é que
somos o seu valet de chambre. E às vezes o seu mordomo. Servir é
ser útil. Somos úteis à poesia para que ela nos ensine que a
utilidade que transforma as coisas nos enriquece mas também nos
perde. Ela quer que a procuremos não para a achar, mas para
achar a vida.
A sua última pergunta refere-se a Américo de Oliveira Costa. Sim,
conheço-o e gosto dele. Tenho o seu livro A Biblioteca e seus
Habitantes, em segunda edição, comprado em 14 de dezembro de
1984, lá vão dezoito anos De vez em quando volto a ler-lhe uma
página ou outra. Não creio que ele me tenha influenciado, a não
ser subterraneamente, quando escrevi o Manual para Aprendiz de
Fantasma. Todo escritor é o fantasma de si mesmo, e não precisa
ser ghost-writer para isso. Planejei e já escrevi umas cinqüenta
páginas de um livro com o título O Sono na Biblioteca. Não sei se o
concluirei. O meu Manual é diferente do livro excelente de Américo
de Oliveira Costa porque participa da ficção, dos pequenos ensaios
e da crítica. É uma convivência com a literatura, através dos
fantasmas que representam a liberdade. Américo de Oliveira Costa,
com sabor e argúcia, respiga frases e pensamentos de milhares de
autores, com ligeiros comentários. Eu, às vezes, no meu livrinho,
invento autores que não existem. Porque também há autores
anônimos e não publicados, ou cujos livros se perderam
definitivamente, que são verdadeiros fantasmas. Borges ideou, mas
não escreveu, um livro que me fascina: um livro de prefácios para
escritores inexistentes, em que citaria deles trechos de prosa que
não escreveram. A vida está dentro dos livros (existentes ou não
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existentes), tanto quanto dentro de nós. E permito-me citar-lhe o
meu último poeminha de O Poeta Frugal:
"A vida, minha querida,
a vida
não é portas a fora,
a vida é portas a dentro".
Com esta última resposta, fecho a porta.
Leontino Filho. Poeta. Autor de Cidade íntima e Sagrações ao meio. Entrevista realizada em
agosto de 2002. Foi parcialmente publicada no Rascunho # 31 (novembro de 2002).
Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras da artista Paula Rego
(Portugal).
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32 - fortaleza, são paulo - janeiro de 2003
Benjamin Péret o el mundo al revés
Carlos M. Luis
.
¿Por qué Benjamin Péret, ahora?
Sencillamente por lo siguiente: el Surrealismo
ha pasado de ser una novedad revolucionaria
a objeto de restropectivas, antologías y
enjundiosos estudios académicos. "Benjamin
Péret, ahora" significa sacarlo de esas
encerronas, para volver a leerlo a la luz de
unos tiempos que ven al Surrealismo con otra
perspectiva. Esa perspectiva incluye, desde
luego, la necesidad siempre imperiosa de
darle a la imaginación su puesto merecido. El
viraje hacia lo linguístico que ha dado el
pensamiento contemporáneo no puede evitar lo que Lacan había
afirmado: "que el inconciente está estructurado como un lenguaje".
Y ese inconciente continua siendo objeto de exploración poética, o
sea, de una exploración donde un Péret nos puede develar un
mundo que ya nada tiene que ver con "la verdad" de los sentidos
sino con su reverso a la manera de lo que mostró el espejo que
atravesó Alicia.
Cuando en mi juventud leí el farragoso libro de Jean Paul Sartre
¿Qué es la Literatura? me saltó a la vista que dentro de las pobres
líneas que le dedicó al Surrealismo afirmaba que Péret era su mejor
representante. Sartre tenía la razón: Péret fue quien llevó más
lejos, en la poesía escrita, la incursión surrealista por lo maravilloso
mientras que Max Ernst hizo lo mismo en la poesía visual con sus
collages. El idioma de este último tuvo su contrapartida en las
composiciones, totalmente desprovistas de toda vigilancia racional,
del primero.
Agulha - Revista de Cultura
Los surrealistas con Breton a la cabeza pero seguido de cerca por
los demás miembros de su cofradía, estaban demasiado concientes
de lo que escribían. Sabían hacerlo muy bien, de paso. Eran en el
fondo, y la prosa de Breton así lo revela, unos artífices que le
debían a la tradición clasicista del siglo XVIII más de lo que ellos
estaban dispuestos a confesar. Cada vez que repaso el que, en mi
opinión, es el más bello libro de Breton: Arcane 17, no puedo dejar
de escuchar, tras los telones; la voz de Bossuet. Péret en cambio
era otra cosa. Era, en realidad, un primitivo metido dentro de un
grupo que gustaba de teorizar sobre cada paso que daban.
La obra teórica de Péret, en cambio, contiene una simplicidad que
descubre de inmediato su falta de arreos conceptuales a favor de
una mirada no sobrecargada de lastres teóricos. Esa mirada suya
fue su gran arma y con ella el poeta se lanzó a descubrir todo un
mundo que se le aparecía frente a sus ojos sub especie mágica. Si
Artaud pudo afirmar que lo maravilloso se encontraba en la raíz del
espíritu, Péret pudo asegurar lo mismo sobre la magia con respecto
a la poesía. En ese sentido caminó por un mundo cuyas relaciones
estaban dadas por otras fuerzas que nada tenian que ver con el
causalismo impuesto por el pensamiento occidental a partir de los
griegos. La causa y el efecto que aparece tanto en su poesía como
en sus relatos (que no son más que otra forma de hacer poesía)
interrumpe la secuencia lineal del racionamiento lógico para
introducir dentro del mismo una asimetría que altera su estructura.
Péret, entonces, nos remonta a otros tiempos, tiempos donde la
libertad consistía en ver la realidad en pleno ejercicio lúdico. Así
cuando nos dice en un poema titulado "Los Orejas Ahumadas no
Repelerán Jamás"
En otro tiempo un plátano habituado a la pocilga
Saltaba los setos de su cerebro
catarata de peces perdidos en la montaña
En otro tiempo las plumas de las nubes volaban tan lejos que
ningún navegante
a pesar de la lluvia de hollín y de las ojeadas de los negros
las podian coger como una concha enamorada
Nos está situando en un tiempo utópico creado por él para hacer
posible su ars combinatoria. Nos acercamos, de esa manera, a toda
una corriente de pensamiento que veía en el proceso mágico de
esas combinatorias que cualquier cosa es en sí misma todas las
cosas de acuerdo con Nicolas de Cusa el cual creyó, para
satisfacción de Lezama Lima y yo diría también de Péret, que lo
máximo se entiende incomprensiblemente. La relación
significante/significado sufre aqui, pues, un embate que sólo puede
ser explicada mediante otros recursos. Bretón lo vió claro cuando
en su introducción a Péret, publicada en su Antología del Humor
Negro, dijera que éste "ha realizado plenamente sobre el verbo la
Agulha - Revista de Cultura
operación correspondiente a la ‘sublimación’ alquímica que consiste
en provocar la asención de lo sútil mediante su separación de lo
espeso. Lo espeso en este terreno, es aquella corteza de
significación exclusiva con la cual el uso ha recubierto todas las
palabras…
Pero al acometer Péret esa acción
alquímica sobre el verbo lo estaba
haciendo, simultáneamente contra las
cimientes mismas que sostienen el
edificio de nuestra concepción de la
realidad. Para ello emplea entonces un
método, el método automático, de
manera que éste le sirva como una
puerta abierta para instalarse en su
nueva realidad, o surrealidad en su caso.
Sus relatos, desenvueltos e instintivos,
se desplazan por mundos que o bien
están cercanos a los sueños o bien
pueden ser imaginados por los pueblos llamados primitivos, los
enajenados y aún los niños. Veamos este fragmento de su
colección titulada Mueran los Cabrones Y Los Campos del Honor:
El señor Carbón habia evidentemente perdido toda la razón. Lo
dejé triturar sus relojes y huí a toda carrera. En una curva del
camino vi un enorme guijarro de unos tres metros de alto. Me lancé
de cabeza y me zambullí dentro de él. Estaba salvado. Podía
contemplar el porvenir con tranquilidad. Me instalé.
Es allí donde escribí esta historia.
El espectáculo que nos ofrece este relato (su estructura narrativa
es prácticamente la misma en casi todos los que escribió) es
complejo a la vez que sencillo. En primer lugar lo absurdo del
mismo hace que pensemos en un mundo de referencias oníricas
cuando no demenciales. Pero a su vez posee esa inmediatez a la
cual los relatos infantiles nos tienen acostumbrados. Con ambos
elementos Péret construye lo que podríamos llamar las premisas de
su lógica. Lógica, por otra parte, ligada íntimamente a la lógica del
juego.
El juego es, entonces, la clave del asunto. Es participando en la
actividad lúdica cómo tanto el niño como el adulto se sienten libres
para mostrarse creativos, según lo afirma D. W. Winnicott en su
obra Playing and Reality. Pero subrayemos que no se trata del
"juego surrealista", actividad organizada en torno a un tema que
Breton y los suyos practicaron, sino de un juego que surge
espontáneamente de la necesidad de expresarse.
Agulha - Revista de Cultura
¿Sentía Péret esa necesidad de la misma manera que la sentían
muchos de sus compañeros surrealistas? Los que conocieron a
Péret de cerca han testimoniado de su absoluto desprendimiento
con respecto a su producción literaria. Sospecho entonces que la
necesidad de expresión que Péret sentia era de índole lúdica. Péret
juega con los códigos que rigen las reglas de expresión y al hacerlo
así los transgrede invirtiendo sus significados. Toda la poesía de
Péret contamina el ambiente literario reduciéndolo a puras
relaciones gratuitas y sin sentido, (salvajes como dijo Octavio Paz
refiríendose a su obra) al menos sin un sentido canónico. Nunca
una obra como la de Péret podría formar parte de ese canon
occidental que Harold Bloom ha impuesto como indispensable.
Cuando el poeta nos da el siguiente recetario, como surgido de
algún antiguo incunable de sortilegios:
Retorcer los antiguos armarios para extraer un poco de polvo de
rubí con qué colorear los lagos
Silbar repetida y largamente para que acudan los huesos bien
blanqueados que no quieren entender razones
Lavar la tinta con vino rojo para distraer a los niños que riñen en el
patio
Cortar la luz en cuatro y arrojarla a las fieras etc.
Está creando los siguientes escenarios:
1.- Un escenario lúdico donde las
condiciones para que ocurra algo tiene
que pasar por otras, sólo que en su caso,
esas condiciones no obedecen a un
ordenamiento planteado de antemano
sino automático. En este caso Péret
entra de lleno en un mundo al revés,
mundo que tentara al Goya de los
caprichos o al Lewis Carroll de Alicia. Ese
mundo al revés que se encuentra en la
imaginación colectiva del ser humano, se
manifiesta transgresoramente en
carnavales, ceremonias mágicas etc. La
locura que se apodera en esos actos que los seres humanos
practican viene siendo el producto de una voluntad de escaparse de
la falsa realidad del mundo para verla con los ojos de una nueva
verdad. El reverso aparece como realidad. La realidad se manifiesta
al revés. El revés se convierte en lenguaje poético.
2.- Un escenario donde se abre el espacio de lo maravilloso. Las
causas y los efectos que postulan esos versos están concebidos
como collages a la manera que Max Ernst confeccionó los suyos. Es
decir, realidades lejanas entre sí, convergen en un espacio y en un
tiempo dado (en este caso por el poeta) para abrir toda una nueva
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dimensión imaginaria que cuestiona la validez de una concepción
de la realidad basada en reglas inmutables. Pongamos por ejemplo
nuestra concepción de la realidad/tiempo. Todo ocurre en la poesía
de Péret en otro espacio temporal, (el tiempo lúdico), donde las
horas transcurren en direcciones a veces opuestas. Cuando Max
Ernst crea sus collages introduce visualmente una temporalidad
distinta: de otra manera todos los elementos disímiles que forman
su mundo no hubiesen podido haber encontrado en un espacio
común.
Sus reglas, (las de Max Ernst como las del Péret) son los vectores
resultantes de una actividad que se abre a otra suerte de
interpretaciones, interpretaciones relativas habría que aclarar. Es
decir que constituyen como en el caso de los collages, un mundo
aparte que puede repetirse en tanto que actividad lúdica hasta el
infinito pero sin que por ello se repita el contenido de esa actividad.
3.- En otro escenario posible, interviene el cuestionamiento que
hace Magritte de nuestra relación con la realidad partiendo de la
arbitrareidad de los signos que él maneja en sus pinturas. En su
célebre cuadro "Ceci N’Est Pas Une Pipe" comentado por Foucault,
Magritte nos pone frente a un dilema ¿por qué negar verbalmente
lo que vemos en el cuadro como realidad? Sabemos que el pintor
surrealista poseía un sentido del humor muy peculiar y que con
éste jugaba con los significantes y significados con la misma
astucia. Pero al negarle a la pipa su realidad nos lanza, con esa
negativa, un reto: si no es una pipa ¿entonces qué es? Aqui
interviene Péret cuando nos dice "yo llamo tabaco a lo que es
oreja". Péret afirma que existe la oreja, pero él la quiere
reemplazar con otra realidad (como tantas veces ocurre en los
juegos infantiles), mientras que Magritte se contenta con negarnos
la de su pipa sin abrirnos puerta alguna para sustituirla por otra. Si
el sistema de collages de Max Ernst nos ofrece la posibilidad del
juego aleatorio con las imágenes, los cuadros de Magritte nos
obligan a aceptar las suyas como preguntas perentorias de las
cuales no nos podemos escapar.
De nuevo, la poesía de Péret ofrece una solución distinta: lo que en
inglés se llama, al referirse a los juegos infantiles make believe. La
contingencia que poseen los objetos los pone en disponibilidad de
crear un escenario que permita jugar con ellos hasta que sus
posibilidades combinatorias se agoten.
La relación Péret/Magritte/Max Ernst está dada de antemano por
sus respectivas pertenencias a un movimiento que elaboró toda
suerte de técnicas para llegar al país de lo maravilloso: el
Surrealismo. Pero en el caso de Magritte sus preguntas, si bien
ponen en suspenso nuestra comprensión de lo que es falso o
verdadero (ver por ejemplo sus cuadros titulados "La Condición
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Humana") contienen un elemento nihilista en el fondo. ¿Podemos
llegar a la esencia de las mismas para responderlas? Péret y Max
Ernst se lanzan a ofrecer otras soluciones posibles, entre ellas ésta:
saltar por las ventanas que Magritte pintara en su serie "La
Condición Humana" para explorar ese otro lado que ofrecen. Una
vez en el mismo aparece entonces el mundo soñado por Alicia o
sea, lo maravilloso que Pierre Mabille estudiara en su famosa
antología.
¿Qué validez tiene todo esto para el
mundo contemporáneo? ¿Qué puede
ofrecernos Péret de nuevo? Quizás si
podamos comenzar respondiendo a esta
pregunta, citando otra que se hiciera
Franca Agostini en su estudio sobre Los
Análiticos y Continentales. La pregunta
es la siguiente:
¿Es el pensamiento de la tríada locoartista-niño reducido al silencio por el
dominio politico- institucional de la
racionalidad sana, normal, adulta?
Hombres como Péret, y con él todos los surrealistas, se negaron
aceptar esa dominación ni aún en los tiempos de su militancia
marxista. Al recurrir, después de su desengaño con el dogma
impuesto desde el poder soviético, al anarquismo y finalmente a la
utopia de un Fourier, los surrealistas intentaron escaparse de ese
peligro. Fourier por ejemplo, les brindó un espacio imaginario
(aunque como toda utopia sujeta a una coreografía demasiado
rígida) donde era posible un mundo de abundancia, mundo que la
poesía de Péret siempre utilizó para crear sus pluriuniversos.
Péret, creo, continuó la línea que trazara Alfred Jarry con su
Patafísica. Las soluciones posibles podrían llegar a constituirse en
una ontología de lo inagotable porque "cada interpretación se
encuentra en el origen de nuevas formas, en un proceso infinito",
como planteara el filósofo italiano Luigi Pareyson. ¿No es esto,
precisamente, lo que había descubierto Max Ernst con su técnica de
los collages o el mismo Péret al abrir las puertas de una poesía-arscombinatoria?
Es así que la poesía de Péret construye/deconstruye los temas
típicos del pensamiento racional. Los deconstruye al situarlos en
otro plano donde su engranaje no obedece a las leyes del
causalismo. Lezama Lima había visto este hecho cuando propuso
su llamada "vivencia oblicua" según la cual el acto de encender la
luz de nuestra habitación puede provocar que la Constelación de
Orión se encienda a su vez. Los construye porque a partir de esa
Agulha - Revista de Cultura
nueva cadena de acontecimientos podemos enfrentarnos al riesgo
del silencio que el dominio politico racional nos impone.
¿Un Mundo Al Revés?
En este caso sí, como refugio -el mismo que se buscaba en los
carnavales o en los juegos- de una Verdad con mayúscula que se
ha convertido en instrumento de opresión.
La Verdad hay que someterla al juego incesante de las soluciones
posibles, de manera que una mosca pueda soñar con una telaraña
de azúcar en un vaso de ojo. Esa disonancia con el ordenamiento
normal de las cosas que implica lo anteriormente expuesto por la
poesía de Péret, es la argucia mejor esbozada contra la tiranía de la
Verdad. La manera conque podemos jugar con su poesía nos brinda
la oportunidad de experimentar esa ontología de lo inagotable.
Partiendo de esa ontología nos es permitido afirmar que una
telaraña puede soñar en un vaso de ojo con una mosca y no alterar
en nada la estructura de la poesía. Lo que nos indica entonces que
la libertad se encuentra precisamente en esa posibilidad de
subvertir lúdicamente el orden establecido, o sea, de crear un
mundo al revés.
Carlos M. Luis (Cuba, 1932). Poeta, ensaísta e artista plástico. Recentemente publicou
Contraloquios y Peritextos e Dis/func/tional, ambos em 2002. Contato: [email protected].
Página ilustrada com obras da artista Paula Rego (Portugal).
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jornal de poesia
Agulha - Revista de Cultura
revista de cultura #
32 - fortaleza, são paulo - janeiro de 2003
Ciruelo Cabral: un dios del cromatismo,
un rey en el dibujo
Sonia M. Martin
.
Es verdad, Ciruelo ha logrado la maestría del
dibujo y la perfección en el color. En ambas
técnicas, este artista de la gráfica, la
ilustración y la música, ha alcanzado metas
tan altas, que cuesta calificarlo con las
palabras con que se puede considerar a los
mejores artífices en las artes nombradas.
Nosotros hemos conoció la obra de Ciruelo en
el país de origen de este artista, Argentina, en
el Centro Cultural Recoleta, en Buenos Aires,
ciudad en donde nació Ciruelo; pero el pintor/músico vive en
Barcelona, España, junto con su esposa Daniela y el mágico retoño
que venía en camino al mundo de los seres humanos y también de
los seres mágicos como es el padre de Angelo, en el momento en
que supimos de este creador. [S.M.M.]
SMM - No cabe duda que la literatura, el pensamiento, nos
transportan a los ambientes virtuales. Tu imaginación se difumina
con la mía cuando veo las imágenes de tu libro…por favor,
cuéntanos cómo es el proceso de la creación en tu imaginación.
¿Cómo nace ese ser que dibujas al que le das forma como si fueras
un dios? ¿Hay colores desde un principio…?
CC - Respondiendo a esta entrevista virtual para tu revista Daniela,
que mágicamente coincide con el nombre de mi mujer, Daniela,
con respecto a los personajes que yo dibujo, tendría que hablar de
varias cosas al mismo tiempo. En principio, parte de mi trabajo es
comercial, eso significa que dibujo para alguien con algún motivo
en concreto, que viene dado por el encargo en sí. La mayor parte
Agulha - Revista de Cultura
de las cosas que hago son para las portadas de libros de Fantasy,
con lo cual me tengo que ceñir a un texto escrito por alguien, por
un escritor. En estos casos, son todos escritores fantásticos, con
mucha imaginación. Normalmente me baso en las descripciones
que ellos hacen de los personajes y de los paisajes, de las
arquitecturas, aunque muchas veces me pregunto ¿por qué no son
ellos más visuales? Hay algunos autores que son más visuales que
otros, entonces, cuando describen algo, describen detalles, colores
y cosas. Pero la mayoría no. Quizá es algo que descuidan. Muchas
veces me pregunté, qué interesante sería para estos autores
trabajar con un dibujante en el momento de escribir sus libros.
Para que los dibujantes, en el momento que están creando, le den
ese toque visual y entonces, poder utilizarlo a la hora de describir
sus personajes y sus paisajes, con una mayor exactitud. En mi veta
comercial hay mucho de esto, trato de interpretar lo que estos
autores están creando, por así decir. Si bien hay mucho margen
para la creación. Que de dónde salen mis personajes. Tengo que
remontarme a una época en que yo era todo Fantasy, que es
cuando yo era un chico, un niño. Los niños son todos muy
fantasiosos, ellos no tienen un apego a la realidad como nosotros.
Precisamente porque llevan poco tiempo en contacto con ésta y
tienen mucho tiempo en contacto con el mundo fantástico-por así
decir- e irreal, como contraposición a lo que conocemos
cotidianamente de la realidad. Recuerdo muchas cosas de mi niñez.
Y lo que más recuerdo son sensaciones y maneras de interpretar
cosas. En la adolescencia, esas cosas empezaron a ser más
palpables o empezaron a tener un nexo con la realidad. Empecé a
leer muchos libros de fantasía o literatura fantástica y libros de
filosofía, de culturas diferentes. Ahí empecé a hilar todo. A hilar las
cosas que yo veía que eran cotidianas, y las cosas que yo veía que
eran fantásticas para la gente, pero resultó ser que no eran tan
fantásticas en general, sino que eran de culturas diferentes a la
nuestra. Solemos tender a no darle el mismo calificativo de real, a
lo que es diferente, solamente porque no es tan familiar. Además
de esas dos cosas, están las cosas que yo traía en la memoria y las
sensaciones de cuando era niño. Ahí empezó a forjarse mi mundo,
mi mundo a medio camino entre las dos cosas, entre la realidad y
la fantasía. En esa época ya trabajaba mucho, en todo sentido,
trabajé mucho. Desde muy chico, fui muy apegado a hacer cosas
artísticas, y el deporte para mí era una manifestación artística. En
la adolescencia había tres cosas que robaban mi tiempo: el
deporte, que era el rugby en esa época, que fue toda mi
adolescencia, desde los trece a los veintiún años; la música, que
para mí sigue siendo hoy en día una de las cosas más importantes,
y el dibujo. El dibujo que para mí estaba siempre ligado a la
literatura y en algunos momentos de mi vida, me encontré
escribiendo mucho, que no era otra cosa que plasmar por otra vía
las mismas ideas. Todo esto lo mezclaba con el estudio, o las
lecturas de culturas diferentes, de filosofías diferentes, de maneras
de ver la vida diferente. Cuando ahora genero un personaje, todo
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eso aflora. Y los personajes podría decirte que tienen una vida
propia. Casi diría que la creación como acto en sí de creación, por
sí misma ?como se suele decir por ahí, que los artistas son
creadores y que generan de la nada? yo no lo veo tan así. Creo que
la creación es interpretación, canalización de otros mundos, de
otras realidades, de otras cosas, traídas a este plano a través de
diferentes medios. La generación de personajes tiene mucho que
ver con todo esto. Y esto lo he vivido muchas veces, en los cuales
he reconocido que he tenido un contacto más directo con el otro
lado, en los cuales yo presenciaba cosas, como si estuviera viendo
una película. Cuando uno mira un filme, no cree que está
creándolo, cree que está atestiguando. Muchas veces me pasa eso
cuando genero una ilustración. Y estoy hablando de las
ilustraciones que parten de mí mismo, no de las comerciales.
Siento que estoy como canalizando algo: acabo de ver algo y
quiero plasmarlo, entonces lo hago a través del dibujo. Los
personajes, en ese caso, tienen una vida, que no sé en dónde se
está produciendo en ese momento, ni dónde se está desarrollando.
Yo lo único que hago es sacarles una foto y hacerlas visible para
todo el mundo.
SMM - Tus personajes tienen vida y personalidad. Los cambias de
colores, de personalidad, de facciones y hasta de raza, como si
fueras Dios.
CC - ¿Qué te podría decir sobre
sus personalidades, facciones,
colores y razas? Bueno, hay una
parte que es la técnica, que con
el tiempo va adquiriendo el
artista y con la que se hace más
o menos erudito a la hora de
plasmar todas esas ideas. La
técnica en sí es también un
camino, la técnica se adquiere a
través de horas de esfuerzo, de
trabajo y de transpiración más
que de inspiración, pero no deja de ser un trabajo muy importante.
Para mí pasarme horas y horas y horas en mi estudio trabajando,
es como una actitud. Una ejercitación de la meditación en
movimiento. La técnica tiene que ver con eso. El descubrir la
materia, jugar con la materia una y otra vez, hasta que en el
momento de la inspiración esa técnica es la vía para ayudarme a
plasmar lo otro. Y el color, en mi caso, viene relacionado con eso.
SMM - ¿Cómo creas tu cromatismo? ¿Cambió al dejar el Sur…? El
"Sur" tiene un verde oceánico, y una luz peculiar, muy distintos ambos, verde y luz- del verde tropical y de la luz tropical. Diferente
también a la mediterránea. ¿Dónde atrapaste tú la luz?/
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CC - Tengo que hablar nuevamente de la época en que yo era un
niño y un adolescente. Fue en esa época en donde se gestaron
muchas cosas. En donde vi muchas cosas que aún ahora recuerdo
y trato de mostrar en mis obras. Ya de muy chico me llamaban la
atención las formas de la naturaleza, las manchas de la naturaleza,
las rocas, los árboles, el cielo, las nubes. Bueno, básicamente los
colores que yo veía ahí era los que luego yo quería plasmar. ¿Qué
tiene que ver el ambiente en el que vivo, con lo que manifiesto? No
sé hasta qué punto es verdad. Cuando vivía en Buenos Aires, era
como que extrañaba ciertas luces. No lo sabía muy bien, no sabía
muy bien qué era lo que echaba de menos, qué era lo que estaba
anhelando. Cuando me mudé a Sitges, aquí, en donde vivo ahora,
venía por otros motivos. Venía al primer mundo, venía a Europa,
venía a ponerme en contacto con grandes empresas, con grandes
ciudades. Sin embargo, me encontré con casi todo lo opuesto. Y me
paso a explicar: en Argentina, igual que en Chile y en toda
América, hay grandes extensiones vacías que no las hay en Europa,
por una cuestión de población y de años y años que tienen los
pueblos aquí en Europa. En todos los países americanos, igual que
en la Argentina, la naturaleza brilla y vibra con una intensidad
virgen, virgen y potentísima y es algo que siempre me fascinó. En
Europa pensé que iba a encontrar lo opuesto. Vine a vivir a
Barcelona y me instalé en un pueblo que queda a treinta kilómetros
de esta ciudad. Es un pueblo pequeño, igual que todos los pueblos
aquí en España. La mayoría son pequeños comparados con Buenos
Aires, que es una mega ciudad, o con las grandes ciudades de
América. Esto te permite vivir en contacto con la naturaleza, no
tener que estar viviendo en el centro de una gran ciudad. Resulta
que ?al contrario de lo que me pasaba en Buenos Aires? aquí estoy
más en contacto con la naturaleza. Me siento más cerca de plasmar
todo eso que antes extrañaba. Desde mi casa, en Buenos Aires,
veía por la ventana, solamente un cuadradito de cielo y todas las
tardes miraba cómo cambiaba su color. Sentía una necesidad, un
anhelo, una ansiedad, que no sabía bien a qué se debía. Y ahora
me estoy dando cuenta, que es, precisamente, porque extrañaba el
estar en contacto con la naturaleza y ver el cielo más grande desde
el lugar en donde trabajo. Aquí en Sitges, lo que más veo por mi
ventana es cielo, porque estoy en un lugar muy alto y tengo una
vista del mar y del cielo como la mejor que te puedas imaginar. Y
cada atardecer para mí, es un espectáculo que no puedo perderme.
Todos esos colores que veo y la naturaleza son las cosas que yo
plasmo en mi trabajo. Respondiendo al tema de la arquitectura y
mis dibujos, me siento mucho más cercano a la mediterránea. No
sé por qué motivo. Cuando veo arquitectura antigua, construida en
piedra sobre todo, me siento, muy, muy cerca. Por ejemplo, he
descubierto aquí en Barcelona ?que tiene mucho que ver con los
artistas, los arquitectos que trabajaban en el Renacimiento o época
Medieval que eran artistas fantásticos. Tienen mucho más que ver
conmigo, que los arquitectos actuales. Porque cada obra
arquitectónica, tiene mucho que ver con la escultura y con la
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estética. Además con las características de construcción que hace
que esa obra se mantenga a través del tiempo. Tienen una estética
que se acerca mucho a lo que yo hago. Siempre ?y tampoco sé por
qué? me fascinó ver ruinas, porque en las ruinas ?o sea en una
arquitectura antigua, que tuvo una época de esplendor y luego
cayó? ese espacio volvió a ser recuperado por la naturaleza. Ruinas
en las cuales se pueden ver hiedras, o árboles creciendo entre las
piedras y abrazando forjas o puertas de maderas. Es como una
victoria de la naturaleza sobre el hombre otra vez. Ese tipo de
cosas me fascinan. Me fascinan de una manera muy mágica.
Y volviendo a la pregunta inicial, la luz que yo quiero capturar
muchas veces, tiene que ver con todo eso. Con memorias, que no
sé de dónde vienen; que vienen de antes, de mucho antes. Yo
quiero capturar ese tipo de cosas. Y tienen mucho que ver con el
tema mediterráneo, europeo.
SMM - ¿Qué habría sucedido con tu cromatismo si hubieras nacido
en la época de Leonardo?
CC - Probablemente hubiese estado muy influenciado por esa época
y por los colores que se usaban en esa época. Aunque no
olvidemos que hace poquito se ha descubierto que Miguel Angel
pintaba con colores que no nos imaginábamos; porque los colores
que él había usado en su época, se habían apagado a lo largo de
los años, incluso, muchos de los frescos, obviamente, a lo largo de
cientos de años, se habían llenado de polvo, se habían apagado por
los mismos pigmentos, que no tenían tanta duración. Hay muchos
pigmentos que aguantan más que otros; algunos azules que se
apagan muy rápido con los años. Y debido a algunos estudios que
se hicieron, en especial en la Capilla Sixtina, se dieron cuenta que
Miguel Angel había puesto una cantidad de colores, que eran muy,
muy diferentes a los que ellos o que todos estamos acostumbrados
a ver de él. Supongo que yo me habría también influenciado por
eso o por la gente; por la clase de pigmentos que en esa época se
tenían, etc. No creo que hubiese tenido nada especial. En este
momento uso un cromatismo que tiene que ver con este tipo de
cosas, con la tecnología actual, que permite ciertos pigmentos. Con
la tecnología que permite educarnos con películas, con estéticas
muy coloristas. Todo eso influye a la hora de trabajar.
Volviendo al tema de mi otra parte comercial, también influye
obviamente, las tendencias del mercado. Sobre todo para Estados
Unidos, la tendencia siempre es a hacer las cosas muy coloristas,
comercialmente muy atractivas. Por eso, muchas de mis
ilustraciones tienen esa tendencia, ese toque. Quizá, si yo tuviera
que hablar de mi tendencia natural, soy menos colorista. Soy,
quizá, más real. Me gusta mucho trabajar con grises, para
contraponer luego los colores fuertes, en un contexto más
apagado, para hacerlos resaltar, para hacerlos vibrar mucho a
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veces. También tendría que mencionar un hecho que es
fundamental en todo esto y es que soy daltónico. Esto sería muy
largo de explicar, es algo que me trajo muchos problemas a lo
largo de mi carrera, sobre todo cuando trabajaba para publicidad,
en donde hay que lograr ciertos colores muy específicos. En mi
estado actual, como artista fantástico, no me trae tantos
problemas, pero obviamente, hace que yo vea las cosas de un
modo diferente. Y supongo que se verá el resultado en el trabajo
final. Es algo muy complicado de transmitir. Cuando yo hablo con la
gente acerca de mi daltonismo, tengo que hablar de ejemplos
concretos, de anécdotas, etc. Cada daltónico es un caso diferente.
Mi caso corresponde más a no distinguir los colores a simple vista,
por así decirlo. Suena medio raro, y es medio raro. Pero a mí no
me llama la atención algo, una escena, un objeto, por el color, me
captura primero por la forma. Y luego, tengo que analizar el color,
para ver qué color es. Una vez que lo analizo, o sea, que lo pienso
con ojos de ver colores, los veo. Aunque con algunos cometo
errores muy graves. Esto podría ser un ejemplo. Aunque podríamos
hablar de esto horas, como a menudo me sucede.
SMM - Puedo penetrar contigo a los
bosques de hielo, mirar asombrada a los
dragones que me desafían y ser de
pronto Morgana con toda su magia. Soy
una espectadora atrapada en la magia de
tu creación. ¿Cómo explica el creador
este fenómeno con su público?
CC - ¿Que cómo explico que la gente
perciba ciertas cosas que yo quiero
poner? Estoy seguro que no tiene una
relación directa. O sea, tiene más
relación con cosas subjetivas. Cuando
una persona percibe algo del exterior,
está pasando eso por un filtro de
experiencias propias. Entonces, la obra, cuando el artista la termina
de hacer ?como muchas veces se ha dicho por ahí y es verdad?
pertenece a los demás. Pertenece al que la mira. El que mira una
obra la pasa por su filtro, está percibiendo algo diferente a lo que el
artista quiso plasmar. Lo que sí podríamos decir que hay en común,
corresponde, en el caso de mis ilustraciones, a lo que yo denomino
la magia. O lo que yo llamo el otro lado, que nos es común a todos,
no solamente a los artistas o a los músicos, que también canalizan
cosas. Corresponde a todos. Porque yo creo que el mundo que
nosotros vemos diariamente, no es único. No es la única dimensión
en la que suceden cosas. Creo que hay muchas otras dimensiones
y que todos estamos conscientes de ellas en alguna medida.
Algunos por una vía, otros por otras vías. Algunos lo plasman en
sus trabajos diarios, otros lo olvidan o tratan de olvidarlo. Creo que
la mayoría trata de no hacer caso. En el caso de los artistas, al
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contrario, escarbamos en esas percepciones e intentamos
analizarlas y ver de dónde vienen, adónde van y qué quieren
decirnos. Muchos de nosotros encontramos respuestas, otros nada,
percibimos y solamente traducimos. Creo que tengo ese contacto
con el público, el recordarles cosas que ellos ya sabían.
SMM - Qué significa para un creador como tú el Periodo Medieval, sus mil años- la mitología Celta y el Mundo Virtual de hoy ¿No has
entrado al mundo de la mitología maya o azteca como la pintora
Leonora Carrington?
CC - El periodo Medieval tiene un toque sobre mí muy importante,
que es lo que te explicaba antes. Tengo memorias de cosas
medievales, tengo mucha relación con la gente de ese período y no
sé por qué motivo. Pero al mismo tiempo ?y esto es una
coincidencia con tu pregunta, aunque esto lo dejo entrever en mi
libro Luz, -que habrás visto? hay algo en mí que tira con una fuerza
enorme, que es todo el mundo precolombino en América. En
América Central sobre todo. La evolución de los pueblos olmeca,
maya, tolteca, azteca, etc., incluso inca, generan en mí una
inmensa atracción. Si bien hasta ahora estuve moviéndome más en
lo que es el Fantasy nórdico, el Fantasy sajón, que tiene que ver
con todo el mundo Celta, con todo el mundo elaborado por Tolken
y que me fascina. Pero lo que quiero hacer ahora tiene mucho más
que ver precisamente con la fantasía que aquellos pueblos también
habían desarrollado. El mundo maya fue una civilización muy
avanzada en muchos aspectos, y quizá en planos
interdimensionales, como hablaba antes.
Ellos han plasmado en toda la obra que vemos, su relación con
otras dimensiones. O al menos, así lo puedo percibir, y al mismo
tiempo, con una relación con otras entidades, otras cosas. Su
desarrollo era menos tecnológico, porque enfocaban su atención
mucho sobre el tema del espíritu y de las energías. También la
estética manifiesta todo esto. Además que estéticamente, eran
muy, muy evolucionados.
Voy a elaborar una teoría del por qué el mundo de los aztecas y los
mayas no está tan trabajado o popularizado en la literatura y en el
arte fantástico hoy en día en el mundo entero. Y podría decir que
por la misma diferencia que hay entre los latinos y los sajones. En
Europa se ve mucho esto. Los sajones, parece ser que son los que
llevaron adelante todo lo que es la ciencia, la literatura y el arte.
Entonces su cultura y sus leyendas, las potenciaron tal como las
conocemos ahora. Los mayas y los aztecas tienen una relación
directa con lo latino, con los hispanos. Quizá por ese motivo no se
desarrolló tanto en estos niveles, en literatura, artes, etc. Pero creo
que va a haber un cambio muy grande hacia esta civilización.
Porque tenemos mucho que aprender todavía de ellos y tenemos
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mucho que descubrir; de hecho, cada día se están descubriendo
más y más cosas que están devoradas por la jungla en
Centroamérica y que hay debajo de esas ramas, y como decía
antes, de esa naturaleza que recuperó su lugar, vamos a seguir
encontrando una cantidad de información que nos va a ser crucial,
para seguir evolucionando. Y espero estar involucrado en todo lo
que signifique mi trabajo, que es un poco el de transmitir el
aspecto fantástico que hay en todo esto.
SMM - ¿En qué campos sensoriales entra la pintura a través de tu
música?
CC - Para mí es fundamental la música.
Es nada más que otra vía diferente, pero
igual, para transmitir lo mismo que
transmito con la pintura o con los
dibujos. La música para mí es una
herramienta muy potente, muy
poderosa. Si bien no le estoy dedicando
tanto tiempo como quisiera y no la estoy
haciendo para el público, la sigo
haciendo para mí y en la medida en que
lo puedo hacer, la seguiré haciendo por
el resto de mi vida. La música me ayuda
muchísimo a contactar con esas otras
dimensiones, porque es un viaje hacia
adentro. Y ahí es donde yace el contacto
o la puerta con las otras dimensiones.
Aunque esto suene demasiado profundo, pero bueno, es así.
SMM - Nuestra lejanía me duele a través de tu creación. Siento la
necesidad humana de tu gesto para entregarle a nuestros/as
lectores/as virtuales la verdad de tu creación. Espero la respuesta a
esto con el metal de tu voz y con las inflexiones de tus palabras.
¿No es fantástico, al mismo tiempo, la forma en que nos estamos
conociendo y comunicando entre nosotros y los lectores/as
virtuales? ¿Es una nueva mitología de lo cotidiano?
CC - Esta manera de comunicarnos, realmente, me parece
fantástica. Si bien yo estoy muy ligado ?como decía antes? a todo
lo antiguo, estoy también fascinado por lo que vendrá y por lo
moderno. Y esta manera de comunicarnos ahora, esta manera
virtual que hay, para mí no tiene nada de nuevo. Tiene mucho que
ver con la conciencia colectiva del mundo, solamente que la
estamos recuperando por un medio más tecnológico. Pero la
tecnología del ser humano, la electrónica de los átomos y de las
células y de la mente, ya existió. Y existió siempre. Ya había gente
que se comunicaba de manera virtual, miles de años atrás. En este
momento uso la que hay, que es Internet, uso la tecnología digital
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y estoy dispuesto a usar cualquier tecnología que el hombre
desarrolle. Del mismo modo que estoy dispuesto a aprender la
tecnología que los mayas utilizaban, por ejemplo. Para mí tiene la
misma importancia o el mismo grado de desarrollo.
SMM - ¿Cuándo nació el artista que hay en ti? ¿Es genético…?
CC - Quizá ni nació. Nació conmigo, estuvo siempre. Es lo que
decía antes: yo creo que todos somos artistas. El artista está en
todos nosotros y todos tenemos la posibilidad de darnos cuenta de
esto y de aplicarlo en nuestra vida diaria. Algunos lo hacen y otros
no lo hacen; yo lo hago de una manera que la gente llama arte.
Reconocí esto muchas veces en mucha gente, como carpinteros,
panaderos o gente que labraba la tierra, la misma calidad de arte
que tienen otros que se llaman artistas. Incluso, yo diría que los
niños son todos artistas. Son todos fantásticamente canales
perfectos que quizá a medida que van creciendo se van cerrando,
por la sociedad, diría yo.
SMM - Háblanos sobre tu técnica.
CC - Hablando de técnica en concreto; yo estoy abierto a todo tipo
de técnica, no me cierro de ninguna manera a nada. Y encuentro
que hay muchos grupos y subdivisiones que se aferran y se
autodenominan artistas de ciertas técnicas. No es mi caso. Yo trato
de abrirme todo lo posible a diferentes maneras de expresarme, a
diferentes materiales. Para mí lo más importante no es la técnica,
es solamente un medio. Estoy siempre enfocado a lo que hay
detrás, a la idea, al concepto, a la canalización, a la energía que
fluye, así que para mí es lo mismo trabajar con un aerógrafo, con
un pincel, con un lápiz, con una computadora, o con escultura, o
con piedra, o lo que sea. Y voy a utilizar todo lo que se me cruce
por delante , lo que sea para generar mi arte.
SMM - ¿Cuál es tu meta en el arte ¿Cuál es tu mayor anhelo?
CC - Mi mayor anhelo es estar cada vez más cerca!!!!! Yo lo
llamaría la fuente, la conciencia colectiva, la naturaleza, el cosmos,
la diversión a lo grande; que para mí significa realmente todo esto;
no tiene nada de profundo, por así decirlo, como mucha gente
puede pensar. No hace falta profundizar tanto. Para mí la grandeza
del cosmos la vivo cada día y mi contacto espiritual con el todo,
trato de convertirlo cada día en algo cotidiano. Básicamente se
trata de eso, para mí, de un viaje interior y al mismo, tiempo tratar
de dar lo mejor de mí. Esa es la función que cumple mi arte, o el
motivo por el cual yo estoy haciendo esto. Estoy tratando de hacer
lo mejor que puedo hacer. Si yo estuviera, por ejemplo, manejando
un taxi, o si fuese un cirujano, quizá podría hacer mi trabajo bien,
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pero no estaría haciendo lo mejor que puedo hacer. Y yo creo que
dibujando y haciendo música, estoy haciendo lo mejor que puedo
hacer. Aunque también hay otras cosas, como crecer como persona
y tratar de ser lo mejor posible como ser humano, para mis
amigos, mi familia, la gente que me rodea o por ejemplo, tratar de
dejar la huella del ser humano lo menos dañinamente posible en el
entorno. Y entonces, estoy trabajando a esos niveles también y mi
preocupación va mucho por ahí. Pero bueno, eso son otras cosas.
En cuanto a lo que corresponde a mi arte, trato de dar lo mejor que
puedo de mí. Incluso, en el mensaje que doy, trato de dar aquello
que me es más sincero, que me pertenece más a mí como realidad,
aunque a veces es difícil cuando hago cosas comerciales y tengo
que responder a expectativas externas de mis clientes, a pesar de
que ahí también actúa la magia, porque normalmente tengo
encargos que corresponden a lo que yo quiero hacer. También eso
depende de una gran elección que yo hice en un momento de mi
vida, que fue dejar de hacer cosas de publicidad, que era lo que yo
hacía en su momento, porque me aburría bastante, aunque me
dejaba mucho dinero. Empecé a hacer cosas que tenían más que
ver con mis inquietudes propias, que era el fantasy; aunque no me
dejaba nada de dinero al principio, y ahora me deja para vivir. Pero
suficiente ya me da con tener libertad y tener el placer de crear día
a día. La creatividad para mí es una actitud que tenemos que
cultivar todas las personas. Cuando ejercitamos nuestra creatividad
estamos teniendo contacto con algo muy verdadero dentro nuestro
y generalmente nos conduce hacia cosas muy lindas. Por eso elegí
el camino de la creatividad; es algo que en toda oportunidad que
tengo lo dejo entrever. A los chicos que están empezando a dibujar
y me preguntan, les digo "traten de ser lo más creativos posibles" o
"trabajen con creatividad". Aparte que en todo hay posibilidad de
ser creativos: desde una enfermera, hasta un vendedor de boletos
en una estación de tren, se puede trabajar la creatividad. No es
necesariamente una cuestión manejada por los artistas o los
músicos.
SMM - Estarás de acuerdo conmigo, que Angelo es tu mejor
creación y la más perfecta… ¿verdad?
CC - Y sí, coincido en lo que respecta a la palabra creación, éste
sería el mejor ejemplo de canalización de un medio, para que otra
cosa se manifieste. Otra cosa que ya tenía un comienzo de antes y
tiene también un camino por delante y uno en un momento, es
simplemente un canal, la vía para que eso se apoye y se manifieste
a sí mismo. En este momento es precisamente cuando más
evidente se hace para los padres, el hecho que esa personita, si
bien fue generada desde cero, dentro de la madre, con ayuda del
padre, tiene vida propia. Y cada día, en nuestro caso, estamos
siendo conscientes de eso, minuto a minuto, y todavía nos parece
increíble y mágico y fantástico.
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Lo primero que dijo Daniela, la madre, cuando el bebé ni bien había
salido de su vientre y se lo pusimos sobre el pecho y ella lo pudo
abrazar fue: "pero ¿era esto lo que tenía adentro?". O sea, estaba
reconociendo a un ser humano completo. Yo también ¿eh? A mí me
pasó exactamente lo mismo. Era un ser humano completo e
individual, que estaba adentro de la madre y es un acto muy
mágico y que nos llevará mucho tiempo poder decodificar. Así es
que bueno, con respecto a eso de la creación, sí es una creación,
tal y como yo entiendo la palabra creación. Que tiene más que ver
con canalización o interpretación de cosas y formar parte de las
cosas. Yo estoy seguro que Angelo nos va a enseñar muchísimas
cosas. Y yo voy a aprender artísticamente mucho, mucho, de toda
su relación con el mundo material en los primeros años de su vida.
Cuando él aprenda a manejarse en el mundo real, pero cuando
todavía tenga mucha parte de su ser del otro lado. Y digo esto,
porque siempre tuve una relación fantástica con los niños. Para mí,
los niños son maestros. Y bueno, ahora que tengo el mío propio,
estoy ansioso por aprender.
Sonia M. Martín é crítica de arte, pertecente à Associação Internacional de Críticos de Arte,
pela Venezuela. Entrevista originalmente publicada em revista por ela dirigida nos Estados
Unidos, Daniela an Unboud Woman. Contato: [email protected]. Página ilustrada
com obras de Ciruelo Cabral.
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edição
índice geral
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jornal de poesia
Agulha - Revista de Cultura
revista de cultura #
32 - fortaleza, são paulo - janeiro de 2003
El Corno Emplumado e Eco
Contemporáneo, grandes momentos da
história da cultura ibero-americana:
sergio mondragón e miguel grinberg
Claudio Willer
.
No começo dos anos 60, entre as muitas e
muitas coisas interessantes que se podia
encontrar em livrarias de São Paulo, havia
uma revista literária mexicana, El corno
emplumado, bilíngüe, com uma evidente
conexão com a geração Beat, e apresentando
uma nova literatura mexicana, além de
traduções dos grandes autores do século XX,
do mundo todo. Tudo isso me pareceu
suficientemente bom para que, passando
alguns dias na Cidade do México, em julho de
1963, procurasse seus editores, Sergio
Mondragón e Margaret Randall. Gentilíssimos, receberam-me em
casa, e participei de uma reunião onde também estava a grande
antropóloga Laurette Sejourné, outras figuras de destaque da vida
cultural mexicana, e um jovem poeta equatoriano, Ulises Estrella.
Sei que a partir dessa reunião, e da conseqüente troca de
endereços, passei a receber publicações interessantíssimas de toda
a América Latina - do Equador, o grupo Tzanticos ao qual pertencia
o próprio Estrella, da Colombia os famosos nadaístas de Gonzalo
Arango, mais revistas e manifestos do Paraguai, da Bolívia, de todo
lugar. Duas nos atraíram, a mim e a meus amigos - Piva, Sérgio
Lima, etc -, de modo especial. Uma, El Techo de la Ballena,
venezuelana, afim ao surrealismo, de alta voltagem literária, o que
resultou em correspondência e contatos pessoais com Juan
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Calzadilla. Outra, o Eco Contemporáneo argentino, encabeçado por
Miguel Grinberg, figura sob todos os aspectos esplêndida. O Eco
cobria um arco bem grande: Gombrowicz, o polonês radicado na
Argentina, autor de O Pornógrafo, era uma das figuras tutelares.
Ginsberg publicou lá um manifesto importante. Havia novidades
como, p. ex, Julio Cortázar. Porém, mais que um projeto literário,
tratava-se de uma proposta política, ambientalista, pacifista,
universalista, ou seja, bem precursora.
Correspondemo-nos ativamente, Grinberg e eu, não sem
divergências. Surrealista bravo, em resposta à boa apreciação do
meu Anotações para um Apocalipse, reclamei de um extenso texto
de Martin Luther King: como, onde já se viu, um sacerdote, um
pastor protestante, o que é isso... Acontecimentos subseqüentes
dariam razão ao foco de Grinberg e do Eco, tentando juntar
rebelião e movimentos sociais.
Todos esses grupos se dispersaram, pelo motivo básico de que
movimentos culturais não têm vida eterna, mais ainda nas duras
circunstâncias políticas daqueles anos. Com Grinberg, voltei a ter
contato, entre outras ocasiões, quando lançou uma nova revista,
Mutantia, por volta de 1980, para depois instalar-se por um tempo
no Brasil. Acabou por fazer sair, nessa nova revista, a primeira
tradução e publicação no exterior de um poema meu, um extenso
poema erótico de Jardins da Provocação. Enfim, é meu amigo.
Quanto a Mondragón, recuperei o contato recentemente, através
de Felipe Ehrenberg. Não podia deixar de preparar algo com
ambos, Grinberg e Mondragón, para Agulha. Não só por terem
muito a dizer, mas por remeterem a momentos da história de
nossas culturas que têm que ser, não apenas lembrados, porém
recuperados no que tem de atual, e, digo mais, necessário. Como
bem resume Grinberg, na frase final de seu depoimento a seguir:
Que un mundo enfermo no preste atención no quiere decir que
nosotros hayamos desistido.
SERGIO MONDRAGÓN
CW - Apresente-se, para os leitores que não o conhecem. De onde
você surgiu, o que você fazia antes de iniciar a publicação de El
corno emplumado? Quando foi isso? Já havia estado envolvido em
algum projeto coletivo, alguma iniciativa editorial dessa natureza?
Poderia relatar como se formou El corno emplumado?
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SM - La aventura editorial del Corno
emplumado comenzó de manera casi casual a
fines del año 1961. Yo estaba terminando mis
estudios en la escuela de periodismo y hacía
reportajes para la publicación mexicana
Revista de América. Era octubre y acababa de
entrevistar en la cárcel al pintor David Alfaro
Siqueiros, que era un preso político. Le había
preguntado, entre otras cosas, acerca de su
relación con el pintor norteamericano Jackson
Pollock y la supuesta influencia del muralismo
mexicano sobre la escuela de la que Pollock
era pionero y que más tarde recibiría en los
Estados Unidos el nombre general de "action
painting".
Me hallaba inmerso en la redacción y documentación de esa
entrevista, consultando libros con reproducciones de pintura
norteamericana, cuando mi compañero de pupitre en la escuela de
periodismo, el poeta Homero Aridjis, que acababa de publicar su
primer libro, me invitó a ir a conocer al poeta "beat" de San
Francisco, Cal., Phillip Lamantia -era la primera vez que oía yo la
palabra "beat"-, el cual había llegado a vivir a México hacía poco
tiempo.
Aquel encuentro fue una revelación. En el departamento de
Lamantía -que, aunque beat, era un poeta con fuertes cargas
surrealistas, un personaje poseedor de una sonrisa contagiosa y
una energía creativa a flor de piel que era casi eléctrica- hicimos
inmediatamente una lectura de poesía, en las respectivas lenguas.
Siguieron las traducciones y, como se había corrido la voz, se
acercaron otros poetas: los nicaragüenses Ernesto Cardenal y
Ernesto Mejía Sánchez, que residían en esta ciudad, el mexicano
Juan Martínez, el pintor Felipe Ehrenberg, el poeta Ray Bremser,
que acababa de llegar a restañar aquí las heridas que le había
dejado el sufrir prisión y enfrentar un juicio en Texas por posesión
y uso de mariguana -del que salió airoso.
Poco después Lamantía -todavía en octubre- me llama para
decirme que deseaba que conociéramos a Margaret Randall, recién
llegada de Nueva York. Esa misma noche estábamos todos
leyéndonos nuevamente unos a otros nuestros poemas. El
departamento de Margaret Randall estaba cubierto de pinturas que
había traído con ella, obras abstracto-expresionistas, escuela que
yo veía por primera vez en vivo y cuya estética ejerció luego cierto
influjo sobre la revista. Todo aquello me ayudó a redondear mi
reportaje sobre Siqueiros (que más tarde ilustró la edición que
dedicamos al poeta Walter Lowenfels).
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El resto sucedió vertiginosamente. En una de las sesiones, el grupo
"descubrió" la necesidad, y "vio" en el azar que nos había reunido,
la oportunidad de editar una revista que mostrara "los dos mundos"
-el orbe de la poesía hispanoamericana y el de la poesía
norteamericana: la poesía que se estaba escribiendo en ese
momento.
Rápidamente se bautizó a la revista con el nombre de el corno
emplumado / the plumed horn (aludiendo al "horn" norteamericano
del jazz, y a la serpiente emplumada, Quetzalcóatl, el dios tutelar
de las culturas prehispánicas mesoamericanas). Aunque ninguno de
los tres teníamos experiencia previa en la edición de revistas, se
nombró encargados de la edición a Margaret Randall y Harve Wollin
-otro poeta beat que nos visitaba- por la parte norteamericana, y a
Sergio Mondragón por la de español. Los fondos para el primer
número, que apareció en enero de 1962, se reunieron en el curso
de aquellas sesiones de lectura de poemas.
CW - Vejo, e não só pela participação de Margaret Randall e pela
edição bilíngüe, em espanhol e em inglês, desde o início uma busca
de expressão da moderna produção cultural mexicana somada a
uma vocação cosmopolita, um olhar voltado para os continentes
americanos. Era esse o projeto?
SM - El corno era todo eso junto: por una parte, búsqueda -y
encuentro- de una expresión de la moderna producción cultural
mexicana e hispanoamericana: los nuevos poetas mexicanos ya no
escribíamos como se había escrito aquí hasta entonces: profesando
una devoción total a la perfección formal, al color gris, al tono
discreto, al discurso lineal, a la pureza idiomática, a la
transparencia anecdótica, etc. Entre nosotros, se trataba ahora de
una ruptura con ese mundo y lo que representaba, y todo había
comenzado un poco antes, con la poesía de Marco Antonio Montes
de Oca y la prosa de Juan Rulfo y Carlos Fuentes (algo parecido a
lo que estaba ocurriendo en la literatura del resto de nuestros
países con respecto de su propia tradición); por otro lado, los
poetas norteamericanos llevaban a cabo una labor semejante: ya
no pensaban ni escribían como T.S. Eliot o Ezra Pound y negaban
con un aullido tanto al pasado como a un presente que los
asfixiaba: el sonriente mundo norteamericano que había soltado la
Bomba sobre ciudades densamente pobladas y que emergía con la
conciencia tranquila y el rostro afeitado de la guerra de Corea,
mientras se involucraba en la de Vietnam, y que trituraba a todo
aquel que no se entregara sin chistar al proyecto del "sueño
americano". La propuesta de los beats era doble: un lenguaje
verdaderamente liberado, y un ser humano también libre pero,
además, sagrado, beatífico, con derecho a ser considerado y
tratado con respeto, y con el potencial para construir y habitar un
mundo nirvanizado: una idea que tomaban prestada del budismo;
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un mundo intenso, calmo y positivo, no para ser globalizado sino
para volverlo profundamente personal, aunque compartible. En
ambos casos, la poesía de "los dos mundos" era el lenguaje de la
rebelión, algo que se nutría sobre todo del legado que había dejado
la vanguardia.
La vocación cosmopolita, que más que
formar parte de un proyecto del Corno
fue el sentimiento que impregnó la
época, fructificó de inmediato.
Distribuimos la revista en México, Nueva
York y San Francisco. Animados por el
dinamismo de Margaret Randall -que
además de unos hermosos ojos azules
tenía un excepcional sentido de la
organización-, y gracias a una lista de los
lugares en que la editorial Fondo de
Cultura Económica tenía colocados sus
libros en América Latina, que nos fue
proporcionada por su director, Don Arnaldo Orfila, quien había
acogido nuestra revista con simpatía, el Corno estuvo en unas
cuantas semanas en las librerías de Buenos Aires, Sao Paulo,
Bogotá, Lima, Santiago, Caracas, Quito, La Habana, Managua,
Montevideo... La respuesta fue rápida. Pronto llegaron a nuestra
casilla de correos las salutaciones, las señas de identidad y las
colaboraciones. De los beats pasamos a otras vertientes de la
poesía norteamericana: Creeley, Olson, Black Mountain. Los
primeros en comunicarse con nosotros fueron Miguel Grinberg,
Haroldo de Campos, Cecilia Vicuña, Raquel Jodorowsky, Pablo
Antonio Cuadra, Gonzalo Arango, Alejandra Pizarnik, Edmundo Aray
y los grupos Tzántzicos, Nadaístas, Poesía Concreta, Eco
contemporáneo, Techo de la Ballena, City Lights Bookshop... Atraía
ver en el Corno poesía fresca, tipografía novedosa, ideas y palabras
que sonaban verdaderas, dibujos cuyas líneas eran delgadas
incisiones en la piel de la época. Nos dimos cuenta, en ambas
direcciones, de que en todas partes estaba sucediendo lo mismo:
se despedía una época, se inauguraba otra, se experimentaba una
vibración humana nueva. La revolución cubana aparecía en el
horizonte como una aurora de esperanza (en un momento de
feroces dictaduras militares latinoamericanas). El mundo entero se
debatía en el parto. Era la energía de los ahora míticos, atroces y
dorados años sesenta, que dividieron el siglo y nuestras literaturas
en dos mitades -aunque ya antes había sido servido el aperitivo
vanguardista en la vajilla deslumbrante del arte moderno. En el
Corno le llamábamos a todo eso que pasaba ante nuestros ojos,
"revolución espiritual" y hablábamos de un "hombre nuevo" que
habitaba una "nueva era". Eco Contemporáneo convocaba a una
"Nueva solidaridad".
La antología de poesía mexicana que elaboraron en 1966 Octavio
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Paz, Homero Aridjis, Alí Chumacero y José Emilio Pacheco, y que
denominaron "poesía en movimiento", se configuró en más del
cincuenta por ciento en su parte correspondiente a los nuevos
poetas, con poemas tomados del Corno, así como de proyectos
editoriales afines al nuestro como "Pájaro cascabel", "Cuadernos
del viento", "Diálogos", "El rehilete", "La cultura en México",
"Revista mexicana de literatura"... En el prólogo de ese libro, Paz
se extendió sobre el concepto que llamó "tradición de la ruptura".
No sólo nuestro correo se veía atestado: también nuestra casa y
los hogares de otros poetas que dieron posada en muchas
ocasiones a las migraciones de artistas que llegaban o pasaban por
México: provenientes de los Estados Unidos (incluidos Kerouac,
Ginsberg, Cassady, Ferlinghetti), los que escapaban del mundo
desarrollado y deshumanizado y llegaban atraídos por el universo
de los indios, las pirámides, los volcanes y los hongos alucinantes,
un lugar equívocamente apasionado e idílico inventado en parte por
libros como La serpiente emplumada, de D. H. Lawrence y Bajo el
volcán, de Malcolm Lowry; los que venían del sur emigrando hacia
el Norte (también mítico), buscando Nueva York.
La contundencia de esos hechos y la fuerza de los poemas, las
cartas que publicábamos, la obra gráfica y la notable red de
comunicación que se estableció en una época que todavía no
inventaba el internet -algo que Raquel Jodorowsky definió en ese
momento como "una circulación sanguínea de poesía-, rebasaban
inmensamente cualquier proyecto que pudo haber alentado el
Corno desde el principio, que en todo caso compartió el privilegio
de sentirse una parte de todo aquello.
CW - Provavelmente por meu endereço haver sido passado por
você para Miguel Grinberg, do Eco Contemporáneo, bem como para
outras publicações e grupos, como o Techo de la Ballena
venezuelano, os nadaístas colombianos etc. tive a impressão de
que se formava naquele momento uma espécie de rede iberoamericana de poesia e cultura alternativa ou de resistência. Esse
pan-americanismo do novo correspondia a um projeto consciente,
proposital?
SM - El panamericanismo, más que un proyecto deliberado, era un
hecho del espíritu, un rasgo de cuyo lenguaje se apropiaron, como
siempre, los políticos: aquellos fueron también los años en que se
inventó la O.E.A., la Unión Panamericana, que fue en muchos
sentidos un instrumento para hundir aún más en el subdesarrollo a
la América Latina (los resultados están a la vista). Ernesto Cardenal
vio pronto aquellas realidades y escribió en carta de tono mesiánico
que publicamos en enero de 1963: "La verdadera Unión
Panamericana es la de los poetas, no la otra... sigamos agitando
hasta alcanzar toda la América Latina, ayudados ahora por los
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poetas yanquis... esa es otra de las misiones que tiene el Corno...".
CW - Vocês tinham consciência do que se preparava, do advento,
pouco depois, da contracultura e das grandes rebeliões juvenis?
SM - La llamada "contracultura" era y es, de hecho, la cultura
misma: contraculturales eran Aureliano Buendía, Pedro Páramo y
Artemio Cruz, aunque transpiraran tradición; también los versículos
del "Kaddish" de Ginsberg y los acentos irregulares de "Piedra de
sol", de Octavio Paz. Las grandes rebeliones juveniles que fueron la
antesala del mundo de hoy, no eran sino expresión de la crisis.
Nuestra generación poética vivió esos años tratando de alcanzar a
los acontecimientos y hacerse consciente de ellos, intentando
ponerse a la altura de las circunstancias y aprendiendo a ser
críticos y a no tomar las cosas demasiado en serio. Los grandes
artistas modernos habían ya presentido y anunciado todo aquello:
el cubismo, resquebrajando los muros de lo real (y aún antes, el
impresionismo, desdibujándolos). "Algo se prepara", había
advertido también André Breton (¿o fue Benjamín Peret?). Los años
sesenta y sus rebeliones juveniles y sus revistas y sus poetas
fueron sólo un parpadeo en aquel siglo bárbaro y entrañable, que
rezumó tanta abyección como humanidad y al que algunos estamos
tratando de empezar a concientizarlo del todo como parte de
nuestro pasado personal. Cabría aquí repetir lo que dice Gabriel
García Márquez en su más reciente libro, Vivir para contarlo: "la
vida no es la que uno vivió, sino la que uno recuerda y cómo la
recuerda para contarla".
CW - Quais periódicos culturais que, na
sua opinião, desempenham hoje uma
função cultural relevante, no México e na
América Latina?
SM - Vivo medio desconectado del
mundo de los periódicos literarios
latinoamericanos y me sería difícil
responder. La revista electrónica
Agulha, la única de su tipo con la que
tengo contacto (de manera deliberada
uso muy limitadamente el correo
electrónico), me parece un esfuerzo notable y sumamente valioso,
de alto nivel intelectual, un signo esperanzador de los tiempos
actuales. En México circulan varios periódicos culturales que
realizan una labor importante. Yo frecuento cuatro: "La jornada
semanal", "Letras libres", "Alforja" y "Periódico de poesía".
CW - Quais são, neste momento, seus projetos, tanto no plano da
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criação literária pessoal quanto da agitação cultural e do
periodismo literário?
SM - Actualmente me encuentro escribiendo un libro de poemas y
otro de ensayos literarios.
MIGUEL GRINBERG
CW - De onde você surgiu?
MG - Al producirse el golpe militar que derrocó a Perón en
septiembre de 1955, yo cursaba el primer año de Medicina en la
universidad de Buenos Aires. Venía caminando por una avenida de
mi barrio, cerca del estadio del club de fútbol Ferrocarril Oeste, con
flamantes 18 años y la Libreta de Enrolamiento recién retirada del
Registro Civil. A lo lejos vi que avanzaba hacia donde yo estaba
algo sorprendente: una columna de tanques "leales" que iba a
atrincherarse en el estadio. Por televisión, vi que navíos de guerra
bombardeaban depósitos de combustible en el puerto de Mar del
Plata. Tres meses antes, tras un primer ataque fallido contra el
gobierno, yo había caminado entre los destrozos causados por la
metralla de la aviación naval en la Plaza de Mayo, durante su
ataque a la Casa Rosada. Es así que nace un "pacifista". Al año
siguiente, ya entronizada en el gobierno, la Junta de Comandantes
decretó el fusilamiento del general Valle, jefe de un grupo de la
resistencia peronista. Numerosos conspiradores civiles fueron
arrestados durante la noche y fusilados en un descampado. Hoy
ese episodio se conoce como Operación Masacre. Muchos años
después visité en su casa al poeta y novelista Leopoldo Marechal, y
me contó que fue en su sala de trabajo, y sentado en su propio
sillón, que el general Valle había diseñado la intentona. "No sé por
qué no me mataron a mí", comentaba. "Hubo una delación, y los
arrestaron a todos antes de entrar en acción".
Una hernia inguinal me eximió del servicio militar. En la facultad, la
puja sectaria entre activistas de la derecha católica y del partido
comunista (todos fervorosos anti-peronistas) me eyectó de la
militancia política. Los mejores profesores fueron desplazados
(fuesen o no adictos al régimen dictatorial depuesto) y la única
manera de "aprender" bien era asistir a cursos laterales que ellos
daban en los hospitales donde trabajaban. Leía con simpatía
algunos periódicos anarquistas. En 1956, hubo en la Argentina una
epidemia de poliomelitis. Recibí de la Asistencia Pública un diploma
de agradecimiento como miembro de los primeros equipos de
vacunadores voluntarios que aplicaron la vacuna Salk. Es así que
nace un ecologista. Descubrí las novelas libertarias de Roberto Arlt:
"El juguete rabioso", "Los siete locos", "Los lanzallamas". En esos
días, la resistencia cultural se daba en infinitas salas de teatro
independiente, y medida que me alejaba de la facultad, pasaba mi
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tiempo entre los espectáculos de teatro y la programación de los
cines de arte. Ingresé a la escuela de arte escénico de la Sociedad
Hebraica en Buenos Aires y me convertí en actor.
CW - Antes de Eco Contemporáneo, você havia estado envolvido
em algum projeto coletivo, alguma iniciativa dessa natureza?
MG - Comencé a escribir poesía bajo el impacto de la literatura de
Albert Camus y de la poesía beat. En 1959, después de recibir Howl
de Allen Ginsberg, enviado por un amigo que había ido a estudiar
en el Actor’s Studio de Nueva York, comencé una correspondencia
amistosa con el poeta norteamericano, que estaba en Marruecos. Y
a traducirlo al español. Trabajé mucho para diversas compañías en
pequeños teatros del circuito alternativo. Allí, a mediados de 1960,
conocí a un joven escritor de mi generación, Antonio Dal Masetto, y
cuando surgió la bossa-nova en Brasil, nos apasionó y ambos
decidimos ir a Rio de Janeiro por tierra en el verano. Él regresó al
mes porque trabajaba en un juzgado, yo me quedé tres meses y
viví a fondo el Carnaval Carioca. Conocí a muchos jóvenes poetas.
Y de regreso en Buenos Aires comencé a frecuentar los bares
literarios y a los editores de revistas de poesía. Me escribía con
mucha gente de América Latina y descubrí la nueva poesía del Perú
y del movimiento Nadaísta de Colombia. Las revistas literarias de
Buenos Aires, todas de izquierda, sólo se interesaban en la poesía
cubana de la Revolución y no admitían la existencia de poetas
libres en Estados Unidos. A Dal Masetto y a mí nos despreciaban.
CW - Faz parte da historia, mas mesmo assim tente resumir o
relato de como se formaram o Eco e o Equipo Mufado.
MG - Después de fracasar durante 1961 en la ubicación en las
revistas de Buenos Aires del material literario que teníamos, Dal
Masetto, yo y un estudiante de filosofía llamado Juan Carlos de
Brasi (cuyo hermano tenía una imprenta en la provincia de Buenos
Aires) decidimos hacer nuestra propia revista. Nos reuníamos todas
las noches en el pequeño Bar San Martín frente al Teatro Municipal
(Avenida Corrientes). Estaba a mitad de la cuadra, los mayores
cafés literarios estaban en las dos esquinas vecinas. Hacia una de
ellas, el Café La Comedia; hacia la otra el Bar La Paz. Pensamos
muchos nombres ridículos, hasta que De Brasi propuso otro peor
que no recuerdo, pero que sería una revista del "eco
contemporáneo". Quedamos de inmediato bautizados. Llevé los
originales a una linotipia de mi barrio, compré el papel muy barato
en una importadora que lo traía de Finlandia, y llevamos todo a la
imprenta que estaba en el pueblo de San Andrés. El número 1
quedó fechado noviembre-diciembre de 1961. La encuadernamos
nosotros, a mano. Y salimos a distribuirla por las librerías y los
quioscos literarios del centro porteño. En ese tiempo se editaban
nuevas revistas todos los días.
Agulha - Revista de Cultura
En 1962, el primer poeta que se
incorporó al grupo fue Alejandro Vignati,
desertor del grupo literario Agua Viva.
Poco después aparecieron desde la
ciudad de La Plata los escritores Jorge
Rubén Vilela y Jorge Di Paola Levín, y el
dibujante Mariano Betelú, amigos del
gran novelista polaco Witold
Gombrowicz, que vivía en Buenos Aires
desde 1939. Y los poetas Gregorio Kohon
y Juan Carlos Kreimer. Así nació el
Equipo Mufado. Mis ensayos proféticos se
titulaban Mufa y Revolución.
Descubrimos que en todas las capitales latinoamericanas había
movimientos de poetas y escritores como nosotros, entonces fundé
el Movimiento Nueva Solidaridad (MNS). Le ofrecí la presidencia a
gente famosa como Henry Miller y Thomas Merton (que había
conocido por correo a través de Ernesto Cardenal de Nicaragua) y
los dos aceptaron. Fue maravilloso. En esos días, llegaron a la
librería Galatea de Buenos Aires los primeros ejemplares de la
revista de México El Corno Emplumado, que había comenzado
también en nov-dic 1961. Nos hermanamos con sus editores,
Sergio Mondragón y Margaret Randall, de inmediato.
CW - Tenho a impressão que naquele grupo havia gente que
acabou tendo alguma atuação relevante destacando-se na vida
cultural argentina e ibero-americana, não? Você pode dizer alguns
que emergiram de Eco?
MG - El principal, quien es hoy uno de los mayores novelistas de la
Argentina, muy premiado, Antonio Dal Masetto, con obras
adaptadas para el cine y la televisión, y escritor constante en el
diario Página 12 de Buenos Aires. Alejandro Vignati vivió un tiempo
en Rio de Janeiro, y emigró después a España donde se convirtió
en autor best-seller sobre temas de realismo fantástico: falleció en
Caracas en 1982. Tengo guardadas de él dos novelas apocalípticas
inéditas y maravillosas: Mirando llover en el Infierno, y En la
Trastienda del Lavadero Chino. Kohon es un importante terapeuta
en Londres, y Kreimer es un exitoso editor en la Argentina.
CW - Vocês tinham consciência de que estavam sendo precursores
da contracultura e de uma grande rebelião juvenil?
MG - Totalmente. El MNS organizó en febrero de 1964 en la capital
de México un primer encuentro de la Nueva Solidaridad, y
programó el segundo en Rio de Janeiro para junio (lo abortó el
golpe militar brasileño de marzo). A México fueron poetas nuevos
de las tres Américas, entre ellos la sensacional Raquel Jodorowsky
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de Perú. Nos mandaron mensajes solidarios gente consagrada
como Julio Cortázar y Salvatore Quasimodo. De allí, pasé casi todo
el resto del año en Nueva York y San Francisco, con todos mis
hermanos beats. Fui parte de la fundación del Underground Press
Sindícate. - El impacto del encuentro mexicano fue tan grande que
en febrero de 1965 la Casa de las Américas de La Habana nos
invitó a Allen Ginsberg, al nadaísta colombiano Elmo Valencia, a
Edmundo Aray del Techo de la Ballena de Venezuela y mí, a ser
jurados de su gran Premio Literario. Los primeros discos de Bob
Dylan que llegaron a Cuba los llevó Ginsberg, yo llevé los primeros
discos de Los Beatles. En agosto de 1965 organicé en el
vanguardista Instituto Di Tella de Buenos Aires la muestra New
American Cinema de la Cinemateca de Nueva York que dirigía
Jonas Mekas. Éramos la vanguardia y lo sabíamos muy bien. Cerré
Eco en 1969 y en 1970 empecé a editar la revista Contracultura.
CW - Provavelmente por meu endereço lhe haver sido passado por
Sergio Mondragón do Corno Emplumado (ou vice-versa, seu
endereço me haver sido passado), bem como de outras publicações
e grupos, Techo de la Ballena, Nadaístas, etc. tive a impressão de
que se formava uma espécie de rede ibero-americana naquele
momento, de poesia y cultura alternativa ou underground. Era isso
mesmo? Era um projeto consciente, proposital?
MG - Era 100% consciente e intencional. Además de los ya
mencionados de México, Colombia y Venezuela, estaba la revista El
Pez y la Serpiente con Pablo Antonio Cuadra y Ernesto Cardenal en
Nicaragua, los Tzántzicos (cazadores de cabezas) de Ecuador con
Ulises Estrella, Claudio Willer y Roberto Piva en Sao Paulo, Nicanor
Parra en Chile, y muchos más. Un día recibí un artículo tuyo que se
refería a un ensayo histórico de Ginsberg, titulado El Artista y las
Revoluciones, que yo había publicado en la Eco número 5. Lo
interesante es que este movimiento no paró nunca, al punto que en
1990 Ginsberg organizó un encuentro panamericano en el Instituto
Naropa de Boulder (Colorado, EUA) donde él y yo nos reunimos con
Gary Snyder, Lawrence Ferlinghetti, Margaret Randall, Ed Sanders
y muchos más de Estados Unidos y América Latina: redactamos
una Declaración de Interdependencia (ecológica). Que un mundo
enfermo no preste atención no quiere decir que nosotros hayamos
desistido.
Claudio Willer (São Paulo, 1940). Poeta, ensaísta e tradutor. É um dos editores da Agulha
(http://www.revista.agulha.nom.br/ageditores.htm). Página ilustrada com obras da
artista Paula Rego (Portugal).
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El legado poético de José Hierro
Miguel Ángel Muñoz
.
Hay poetas que, para desmenuzar y
profundizar en su pasión por el mundo,
necesitan la exaltación de la memoria, el
espectador del paisaje, y la tradición de la
cultura. José Hierro (Madrid, España, 19222002), fue uno de estos escritores; él , que
trasmitió con simplicidad lingüística, como
pocos poetas de su generación, ese lenguaje
mediterráneo que se resiste a muchos. No es
el único escritor español que, en el siglo
pasado, se nutrió del paisaje, que con tanta
claridad se abandona en el mar, y más allá, a
otras tierras. En suma, es la aspiración hacia la unidad póética. Es
un fundador.
Cada poema de Hierro recupera la memoria, habita desnudo todos
los espacios. Y construye rincones para que su diálogo interno
pueda cumplir todo el ritual de la escritura. Ya Fray Luis de León no
se encuentra solitario en su habitación.
A la sombra tendido,
de hiedra y lauro eterno coronado,
puesto el atento oído
al son dulce, acordado,
del plectro sabiamente meneado.
Indudablemente, en estos versos es por donde gravitó más la
poesía de Hierro. Pero hay otro modo - dice José Olivio Jiménez- de
realizar el prodigio. No invocándolo, no mencionando su
posibilidad: haciéndolo, con la palabra, el poema mismo. Su poesía
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lo separa del mundo, y esa misma realidad, lo lleva a descubrir
otras: la suya y la de otros. Algunos poetas de la generación de
Hierro, como José Ángel Valente, o más cercanos como Francisco
Brines, han hecho del lenguaje materia prima. Pero en Hierro el
lenguaje se compacta, rompe con su entorno, se convierte en un
poeta solitario. Un caso semejante lo fue Valente, pero la poesía de
este último es hermética, su discurso poético se centra en el
ámbito del ser, de la muerte; la de Hierro se centró en la existencia
del poeta en este mundo, en un tiempo y espacio determinado.
Aunque en ambos, más que reflexión, hay meditación poética.
La obra de Hierro ocupa ya un lugar clave en la poesía de lengua
española del último medio siglo. En 1947 aparece su primer libro,
Tierra sin nosotros, y gana el premio Adonáis de poesía con Alegría,
en esos años Hier ya declaraba los síntomas de apagamiento de su
voz. En el prólogo que encabeza su tercera entrega Con las
piedras, con el viento... (1950), afirmaba que "la poesía es
realmente esa llama que vive en quien sabe alimentarla durante
toda una vida, y sospecho que en mí se va apagando". La aparición
en 1964 del Libro de las alucinaciones, no sólo desdijo esa profecía,
sino que abrió las esclusas de un tipo de escritura visionaria de
escasas conexiones con el entorno.
Su lenguaje a partir de ese momento es un continuo proceso de
enriquecimiento lingüístico y densidad expresiva. Desde un
principio, sin embargo, aunque cada vez transitado en su obra
reciente, se le abre otro camino camino poético: el de las
alucinaciones. Y entonces, como dice el mismo Hierro " todo
aparece envuelto en niebla". Quizá el más claro ejemplo es su
poemario Cuaderno de Nueva York (Editorial Hiperión,1998), en el
cual establece un diálogo múltiple con la ciudad: personajes, calles,
héroes, pesadillas que se entrelazan en un mismo espacio y
tiempo. Cuando se editó este libro Hiero tiene 76 años, se dice que
una edad de claudicante retirada para comenzar nuevas aventuras.
El tópico de que la poesía se acopla mejor con las wxacerbaciones
juveniles es detenido en la obra de poetas como T.S. Eliot, Juan
Ramón Jiménez, Wallace Stevens, W.B. Yeats, y desde luego, en
Hiero. Lo digo, porque Cuaderno de Nueva York, es después del
Libro de las alucinaciones su mejor obra poética, pues ambas
suponen una invención considerable a cuyos derroteros estéticos se
ha plegado después en toda su poesía. En estos libros, se percibe
palmariamente el universo mayor de un poeta también mayor que
ahora, para desolación de sus amigos, se nos ha ido.
José Hierro fue puente entre la primera generación de posguerra y
la de los Cincuenta, obtuvo todos los premios posibles en el mundo
de las letras: el Cervantes de Literatura, el Nacional de Poesía en
España, el de las Letras Españolas, el Reina Sofía de Poesía y el
Príncipe de Asturias, entre muchos otros. Hierro dio su voz, y ahora
Agulha - Revista de Cultura
como mínimo homenaje le doy la voz al poeta en este fragmento
de entrevista, que es parte de las muchas que hicimos juntos
durante más de cinco años en múltiples momentos. La idea de
libertad es la de la poesía, y ahora la compartimos. [M.A.M.]
MAM - ¿ Cómo dialoga con el lenguaje,
de qué manera inventa formas y nos
revela un mundo mágico? Lo pregunto
pues está a punto de cumplur los 80
años de vida, y su poesía sigue igual de
mágica que en un principio.
JH - Bueno, uno dialoga siempre con el
lenguaje, lo crea y en momentos lo
renuea. El poeta es obra y artificie de su
tiempo. El signo del nuestreo es colectivo
y social. La poesóia es la búsqueda del
conocimiento por la palabra; esto es un
acto o método de iluminación interior.
MAM - En su libro, Cuaderno de Nueva York - que tantos premios le
ha merecido - se pregunta " quién soy, si soy, qué hago yo aquí", ¿
cuáles son los caminos poéticos de José Hierro ?
JH - Camino siempre los mismos sitios. Nueva York es el fondo de
ese libro que mencionas, pero no hay en él un descubrimiento o
revelación, sino un pensamiento de país o de su cultura, y eso lo
desarrollas. Hay una cosa estúpida que la gente siempre asocia y
es el poeta de Nueva York de Lorca; pero lo mío es otra cosa muy
diferente. Antes que Lorca lo hizo también Juan Ramón Jiménez.
Pero bueno, esas son cosas que no importan, mi cuaderno busca lo
que es afin, nunca viajé tratando de encontrar lo exótico, sino lo
próximo. La poesíoa ve más que el poeta, aunque el poeta trata de
fundirse con la naturaleza, de llegar a la esencia de los elementos.
La poesía se pierde en los límites del tiempo y del espacio. Ambos
son la misma cosa, pero en momentos nunca se encuentran y ese
acto enriquece la idea del poeta y de la poesía.
MAM -¿ Cuál es la meditación del lenguaje en su obra ?
JH - Lo principal es poner la palabra en su sitio. Pero, ¿ cuál es su
sitio?, un culo siempre tiene su definición, y no hay otra palabra
que pueda sustituirla. El lenguaje es una labor de búsqueda, una
unión de poeta y palabra que crea un puente entre instante y
eternidad; siendo sin tiempo los dos, coinciden en un punto de
llegada. Al igual que Juan Ramón Jiménez y Antonio Machado, la
poesía es para mí lo que otros no pueden decir, que es una
consecuencia expresiva de una realidad propia.
Agulha - Revista de Cultura
MAM -¿ Cree que la purificación del lenguaje perjudica o beneficia
al acto poético ?
JH - No creo mucho en la purificación del lenguaje como tal, sino
en el enriquecimiento y precisión del mismo. Eso de purificar la
lengua es una puñeta de los académicos y demás escritores que
cuando escriben piensan que pulen nuestro idioma. El mestizaje es
lo que nos enriquece, de lo contrario sería de una indolencia
asquerosa. Cuando hablo de cierto desarrollo de mi poesía, me
estoy refiriendo al enriquecimiento del lenguaje. Hablo de lo
citidiano. La palabra poética es abierta frente a otras, como podría
ser la ciencia, que es muy cerrada en su sentido lingüístico. Si
nombro la palabra estación, se convierte en un signo cotidiano
cerrado. Pero cuando la llevo al poema no es así, se transforma
totalmente, adquiere otro sentido, y es ahí cuando el lenguaje se
abre, se pule, se convierte en algo colectivo. No hay palabras puras
o impuras, todas son lo mismo: un lenguaje universal.
MAM - Entonces, ¿ la palabra es la
búsqueda de otros significados?
JH - Desde luego, es una expresión de
multiplicar nuestras ideas. Yo lo he
aprendido porque me lo enseñado mi
experiencia poética. Nunca me lo he
propuestob como tal. Juan Ramón
Jiménez es un gran poeta, llega lejos,
descubre y transforma el lenguaje de su
tiempo. Eso es un acto de admiración
total. Por esos caminos tiene que
transitar uno, y experimentar la fusión
con los signos o códigos poéticos, como
dicen los críticos actuales.
MAM -¿ Hay cambios de matices dentro del poema al encontrar
muchas voces personales ?
JH - La relectura te obliga a engrandecer el poema, es un acto de
búsqueda creativa. Al reer el poema lo haces nacer de nuevo, le
estás dando un nuevo sentido. Hay que encontrar la palabra
precisa parta situarnos más cerca de una expresión única, que es la
inmediatez de la realidad, tanto como el poeta dice su propia
historia como cuando necesita comunicar su categoria verbal.
MAM -¿ Se trata de recuperar la memoria en el instante preciso ?
JH - Sí, y ello me lleva a una relación distinta con la poesía, plena
en cierto sentido: las palabras serían la culminación de recuperar la
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memoria. Todo esto coincide con el cambio personal en mi
escritura. Estos procesos hay que entenderlos dentro de un marco
evolutivo en dos sentidos: espiritual y escritural. En embos hay que
guardar las distancias, pero también los dos son únicos y
compartidos. Uno mismo observa cuando escribe y se pierde en
recuperar lo perdido. Tal vez lo importante es darle corporeidad
verbal al poema que es un modo de darle fijación a los awres
transitorioas que te rodean y que te definen.
MAM - En libros como Cuánto se de mí, Libro de las alucinaciones o
Cuaderno de Nueva York el tiempo se erige en centro temático. ¿
Considera que ese hilo conductor de su poesía tiene carácter de
enigma ?
JH - No lo sé. Creo que detrás de cada texto el lector tiene que
encontrar algo, de lo contrario mejor hay que dedicarse a puñetear
por la vida. La poesía es una relación entre instante y realidad. Es
un acto posbélico de los sentidos, es continuo de enriquecimiento
artístico y densidad expresiva.
MAM -¿ Es ese camino una
búsqueda en sí misma o es
luchar contra la creación ?
JH - No creo que sea algo que
uno busca, sino más bien es un
hecho que llega solo. La obra
tiene que gravitar sobre una
tradición, que el lector atento
puede ir observando al paso de
los años. La experiencia poética
no tiene límites. Sólo la palabra puede, en efecto, ofrecernos un
alimento distinto en la actualidad y, con ella, escuchar la voz del
propio lenguaje, la carne de las palabras. Cuando el poeta corrige,
va encontrando la fuerza mágica del lenguaje. Hay que inventar
palabras necesarias.
MAM - Recuerdo todavía con sorpresa el discurso sw aceptación del
Premio Cervantes, donde hablaba de un mito sin padre, ¿ cuál es el
mito sin padre de El Quijote ?
JH - La creación de El Quijote no entendió a su padre. Para
Unamuno, siempre a contracorriente, provocador, Cervantes es una
criatura de El Quijote. " Cada uno es hijo de sus obras", recordó
alguna vez. Y al llegar a este punto creo que empiezo a
comprender el papel que Azorín puede interpretar en esta
disparatada comedia. Porque Azorín, buen lector por buen escritor,
afirma que: " El Quijote no lo escribió Cervantes, sino la
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posteridad".
MAM - Pero en el sistema estético de esta obra hay muchas
resonancias poéticas que hacen accesible su visión del mundo al
lector. ¿ cree que El Quijote tiene una fuerza de impregnación
popular única ?
JH - El sistema del poema, recordé antes, consiste en hacer
accesible a la razón lo que, en su origen, es la música errante que
ha de encadenarse al pentagrama, lo que le permitirá ser
interpretada y, en consecuencia, hacerse audible para todos,
aunque no sepan nada acerca de la música, cómo podemos poner
en marcha un coche sin conocer lo más elemental de mecánica. Eso
mismo pasa con El Quijote. Sólo él ascendió a la categoría de mito,
avanzando a tiendas, a golpes de digresión, buscando algo que no
sé qué es, y que tal vez nunca sabré.
MAM - Creo que entre José Hierro y El Quijote hay una similitud
clave: ambos son artífices de su tiempo, ¿ cómo se siente usted ?
JH - Bueno creo que me quieres demasiado. Pues, bueno... Pero
tienes razón ambos trabajamos en un mismo tiempo que es la
literatura, y creamos en un lenguaje universal: la poesía.
Miguel Angel Muñoz (México, 1972). Poeta, historiador y crítico de arte. Es autor de los
libros de ensayos: Yunque de sueños. Doce artistas contemporáneos; La imaginación del
instante. Signos de José Luis Cuevas; Ricardo Martínez: una poética de la figura. Es director
de la revista Tinta Seca. Contato: [email protected]. Página ilustrada
com obras da artista Paula Rego (Portugal).
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revista de cultura #
32 - fortaleza, são paulo - janeiro de 2003
Fabrício Carpinejar: contra a monarquia
da poesia brasileira
Floriano Martins
.
FM - Teu livro Terceira sede (2001),
bem saudado pela crítica, encontra em
Tarso de Melo uma de suas melhores
leituras, ao mencionar que essa
antecipação de uma consciência da
velhice, em tua poética, não é senão
uma afirmação da juventude da poesia.
Por aqui começamos nosso diálogo: com
três livros publicados, sendo cada um
deles, em teu dizer, "capítulo de um
grande romance versificado", o que tens
buscado essencialmente através da
poesia?
FC - O poeta Tarso de Melo percebeu que Terceira sede, mesmo
estando em 2045, falava de nossa própria época. Do futuro, o
personagem percebe seu passado que é o nosso presente. Há um
ilusionismo cronológico, uma bússola contorcida, um falso
distanciamento que reforça a autenticidade das situações. Avanço
para recuar. Com a poesia, busco nomear novamente a vida. Zerar
as dívidas. A poesia brasileira mergulhou num egocentrismo atroz.
Ao invés de transfigurar o mundo, passou a poetizar o poema. A
poesia tornou-se um fim, não um instrumento, o que dificultou a
vida dos leitores, que não estavam a fim de ficar papeando signos.
Pretendo ser - um dia - um autor anônimo, ser invisível cada vez
mais, a ponto de o interlocutor não notar que os poemas foram
escritos, e ter a sensação de que eles são falados. Os poemas são
conversas derramadas fora do corpo.
Agulha - Revista de Cultura
FM - O livro anterior, apesar do título, Um terno de pássaros ao sul
(1999), teve sua estrutura confundida com a do hai-cai por vários
críticos e um deles, Ricardo Corona, chegou a mencionar uma
"tradição brasileira", a de haicais "infiéis". Talvez se considere no
Brasil que a Santíssima Trindade não passa de um hai-cai infiel. O
hai-cai não pode ser visto como uma ode ou um terno. É outra sua
natureza, e a cultura brasileira lhe é completamente alheia. O que
pensas a respeito?
FC - Convenhamos: há realmente uma visada confusa sobre os haicais. Poemas recebem essa denominação em função da concisão e
resolução imagética. Houve um relaxamento muscular dessa forma
de poesia, o que permite a localização de hai-cais infiéis na
produção brasileira, justa observação de Ricardo Corona. Mas os
meus poemas estão mais perto dos epigramas gregos, da
sentenças inconclusas, do abandono da imagem antes de sua
explosão. O que verifico é que o humor brasileiro é diferente do
temperamento oriental. Ocorreu uma mutação genética. A tradição
japonesa - Bashô, as tankas de Takuboku Ishikawa, entre outros
autores - provoca uma leve graça, um contentamento silencioso e
inteligente, um leve balbuciar. Já a brasileira desanca para a
risada, ao desbragamento de contrastes, seguindo influência de
Oswald de Andrade e dos poemas-piadas dos modernistas. O risco
é a poesia perder o poético e deslizar para a publicidade, ceder ao
pitoresco. Misturam extravagância com poesia. O poema passa
perigosamente a vender idéias.
FM - Sigo anotando aspectos que me chamam a atenção nas
resenhas de teus livros. O mais prosaico é o declarado espanto ao
comparar consistência dos versos com a tua pouca idade, como se
a afirmação de uma poética fosse um tento da maturidade. A
poesia encontra-se ligada à ruptura, à ousadia, a um profundo
questionamento de si. Afirma-se, portanto, no auge da juventude,
alheia a todos os riscos. Talvez o que espante mesmo em teus
livros é que, ao contrário do muito que se tem publicado neste
país, tens algo a dizer. Indago então sobre as origens desse
discurso.
FC - Sou várias idades simultaneamente. Costumo ser a idade do
interlocutor. Falo com uma criança e estou no mesmo nível de seu
imaginário. Logo em seguida, converso com meus pais e
novamente me adapto. Acredito que a faixa etária não servirá para
qualificar ou desqualificar o juízo da obra. Se eu tivesse 72 anos,
como o protagonista de Terceira sede, seria mais respeitado?
Talvez sim, porque não se confia mais nos jovens . Como diz
Althusser, o "futuro dura muito tempo". Se apreciam minha obra
pela promessa, há um equívoco. Ela deve ser, independente do seu
autor e de sua origem. Posso parar hoje e já estarei saciado. O
tempo não é uma invenção humana. O homem é uma invenção do
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tempo.
Alimento uma crença absurda na palavra, desejando o próprio
desejo. Tenho fé para escavar. Todos os meus livros já estavam
em "As Solas do Sol". Como um palimpsesto, vou raspando as
camadas e abrindo as metáforas. O poeta se enterra no primeiro
livro - cabe ressuscitar depois. Minha vida é reerguer os destroços
do naufrágio fundador. Encontrar as ossadas do oceano. Não sei se
conseguirei ser mais rápido que o mar, mas não guardo fôlego para
o regresso. Todo livro representa um capítulo de um romance
versificado. Como um narrador oculto, teço um manto infindável de
histórias, contrabandeadas de ouvido. Pretendo repassar uma visão
de mundo, alcançar uma unidade perdida.
FM - Ainda sobre as formas, tens
uma adorável defesa da elegia,
ao dizer dela que se trata do
"jazz da poesia", por permitir
"improvisações e solos mais
fecundos". No entanto, te
pergunto uma coisa: não é
possível aprofundar-se e
improvisar na ode, no salmo?
Este sentido de liberdade que
caracteriza o jazz não estaria
além da forma, em seu espírito?
E não vem justamente daí este "grande prazer e alegria em
escrever" com que declaras tua aversão a uma "imagem
masoquista do escritor"?
FC - Sim, está além da forma, mas não vejo a forma como algo
apartado do conteúdo. As improvisações das elegias não são as
mesmas nas odes e nos salmos, que exigem uma maior
regularidade do ritmo e menos rumor secreto. Elegias, assim como
ficaram conhecidas com Rilke e Goethe, oferecem um andar mais
arrastado, um fraseado solto, tenso, um lamento de metais, que
provoca cisões com freqüência no discurso. As odes têm um alto
grau de memorização, já as elegias valorizam a mensagem e a
culminância da linguagem. Assim privilegio uma unidade
fragmentada, feita de rompantes, lacerações e de uma
conscientização gradual. O autor vai tomando consciência no
decorrer do livro, amadurecendo a perspectiva durante o percurso.
Não escrevo para dar uma lição. No máximo, para oferecer minhas
perplexidades. Quando absorvemos os movimentos do outro, em
total sincronia, não é submissão, mas liberdade. Todo domínio é
liberdade. Quero que minha respiração seja sopro. Disciplino meu
ritmo para ser espontâneo. A invenção precisa passar o mesmo
grau de surpresa da descoberta. Ser espontâneo custa muito
ensaio.
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FM - Em uma entrevista observas que "há uma ligação grande e
fecunda entre diversos autores no Brasil e que isso dará corpo a
um movimento mais tarde". Me parece que saltamos do desgaste
das vanguardas para o vazio dos modismos, e hoje nos
encontramos inteiramente sem referenciais. Embora eu vislumbre
essa ligação que mencionas não vejo como ela possa vir a tornarse em movimento. Daí que te peço que esclareças um pouco mais
o assunto.
FC - Não creio que será um movimento orquestrado, mas o pulsar
de fortes individualidades. Muitas das novas vozes surgirão fora do
eixo Rio de Janeiro/São Paulo, resgatando a travessia lírica de
grandes metragens. A poesia brasileira ressentiu-se, nos últimos
anos, com uma metalinguagem excessiva. Entende-se
perfeitamente: uma forma de absorver fortes influências como
Drummond, Bandeira e João Cabral. O poema foi questionado em
interrogatório implacável e assustador e perdeu credibilidade de
leitura. Os poetas realizaram uma espécie de suicídio coletivo,
pensando que o poema era mais importante do que a vida.
Poetizaram o poema até a exaustão. Retoma-se agora uma
preocupação social. O ímpeto utilizado para a destruição será
transferido para a criação. A poesia é uma língua não viciada, um
dialeto e poderá prosperar como o idioma do bem comum. Na fala
poética, não há filtros de mercado. Fala-se diretamente com a
sociedade.
FM - Nossa relação com a poesia hispano-americana é bastante
precária, e seguimos todos lamentando e raramente fazendo algo a
respeito. Embora seja maior a lista de autores brasileiros
publicados em espanhol do que o contrário, a verdade é que
também a América Hispânica desconhece nossa poesia. Há pouco li
em uma revista argentina, Los rollos del mal muerto, uma
excessiva consideração à importância de um poeta como Alvaro de
Sá, brasileiro ligado ao Poema Processo. Por outro lado, a entrada
de poetas hispano-americanos no Brasil vem estando mais
vinculada a modismos editoriais do que propriamente a um
entendimento da importância de uma obra. O que te parece que
estamos perdendo com essa absoluta falta de diálogo?
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FC - Nossa mudez é autismo antigo. Um
dos maiores males da poética brasileira é
que ela julga seu ciclo histórico diferente
dos países vizinhos, quando há mais
semelhanças do que impasses. O
surrealismo é um exemplo. O Brasil é
conhecido ainda pelos seus resíduos, não
pelas fontes primárias. Uma teoria neorealista tentou soterrar as vigas e forçasmestras de nossa poesia. Trocaram os
antepassados, podaram os ramos da
árvore genealógica. É preciso rever o
cânone, a tradição. Onde estão na
história da literatura brasileira os
aspectos visionários, subterrâneos, barrocos e místicos?
Apressaram o velório de Jorge de Lima, Cecília Meireles e Murilo
Mendes. Por exemplo, Murilo Mendes de Siciliana e Tempo espanhol
não é abordado, prevalecendo o mais experimental e concretista de
seus livros: Convergência. Nos últimos cinqüenta anos, procuramos
nos esconder as próprias verdades, como queremos um
reconhecimento internacional? Debaixo das aparências, estamos
próximos de uma dicção ibérica. O que acaba sendo conhecido é
um produto distorcido, de natureza extraliterária. O que agrava a
situação é também uma idéia monárquica do gênero, o
estabelecimento pela crítica de uma cota de autores. João Cabral
morreu, procura-se de imediato um sucessor. Como se isso fosse
possível? Nesta dança das cadeiras, poucos sentam.
FM - Lembro aqui uma afirmação tua de que "a pluralidade no
Brasil é esquecida em torno do monopólio de uns poucos", ou seja,
ao invés de somarmos estamos sempre a diminuir, e já nos
reduziremos a nada. O que me parece mais curioso observar é um
princípio de conivência baseado na expectativa que todos parecem
possuir de interesse em participar desse clube fechado. Daí o efeito
de uma dinâmica estática, onde nada se questiona porque tudo
pode ser usado contra essa velada afirmação de uma
mesquinharia. Como tem sido teu convívio com teus pares?
FC - Sou aberto às dissidências, diferenças e sei ler o outro sem
uma finalidade autoral. Não me procuro no outro, procuro o outro
em mim. Não faço parte de nenhum clube, nem estou escondido
sob a efígie de tribos. Há escritores com medo de falar dos
contemporâneos, pensando em apenas proteger a filatelia de
versos e seus fornecedores. O que devemos entender é que
fortalecendo a poesia, comentando e divulgando com franqueza
vizinhos de vozes, estamos fortalecendo o gênero. Se entrarmos
em brigas menores, de vaidades e egos, a poesia que já tem um
espaço reduzido, perderá ainda mais seu terreno. A poesia é o
despoder e não adianta que não nos dará serventia e status. Se
prosseguirmos com cartas abertas e facções, mergulharemos no
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colunismo social.
FM - Em uma leitura panorâmica da poesia brasileira, recorrendo a
uma metáfora futebolística, fizeste menção aos "grandes e raros,
que são os técnicos/jogadores, conseguindo ter simultaneamente a
visão do gramado e de fora dele". Na hora de citar nomes é que
essa metáfora me pareceu intrigante: não temos ninguém assim na
poesia brasileira?
FC - Não temos mesmo. Prosseguimos com a visão de campo de
excelentes jogadores, mas nenhum conseguiu como técnico criar
uma teoria a partir de sua obra. No México, Octavio Paz e Carlos
Fuentes seriam esses talentos simultâneos, inventores-críticos,
capazes de pensar a cultura no todo e fomentar o diálogo com
ancestralidades. Acredito que Mario Faustino teria sido esse craque,
mas morreu cedo demais e levou a promessa junto.
FM - Embora concordando contigo em termos de que "nosso lado
místico, barroco, intuitivo e visionário acabou sendo posto de lado
para prevalecer a razão e a técnica concretista", te pergunto o
seguinte: particularidades como o concretismo e sucedâneos não
seriam apenas a constatação de um cartesianismo imperativo em
nossa cultura, um retrato dessa dissidência entre coroas
portuguesa e espanhola? Como considerar ruptura o que não passa
de uma confirmação da tradição?
FC - A pergunta já é uma resposta. Por sinal, extremamente lúcida.
Um dos problemas enfrentados é que movimentos provisórios no
país se transformaram em governos permanentes. O que é visto
como ruptura, na verdade é tentativa de consolidar um espírito
autoral em função mais de uma teoria do que de uma criação. As
bulas são vendidas sem o remédio.
FM - O poeta argentino Juan José
Ceselli, no livro Selva 4040
(1977), recorre a um tipo de
anarquia temporal, saltando de
uma época a outra, entrelaçando
passado, presente e futuro. Em
teu Biografia de uma árvore
(2002), o que se faz é avançar no
tempo, sem que isto se constitua
em um desfiar de
pressentimentos. Ceselli declarou
que sua intenção era "desarticular
o temporal". Qual seria então a tua intenção?
FC – Minha intenção é a imanência, ser o próprio tempo
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concentrado, diferentes épocas coexistindo. Não anseio pela
transcendência, sair para voltar, mas ficar até que tudo seja uma
incômoda ausência. Biografia de uma árvore transcorre em um
único dia, de 23 a 24 de outubro de 2045. O personagem Avalor
está prestes a completar 73 anos, extremamente desiludido com
seu caminho. Acabou de perder a esposa, amigos, desligado de sua
época. Decide brigar com Deus, até demiti-lo por justa causa,
criando o Novíssimo testamento. Longe de ser um volume
pessimista, representa uma narrativa lírica afirmativa, com muita
irreverência, autocrítica e ironia. Avalor não fica enrolando, diz a
verdade de cara. Não medita duas vezes, porque o cotidiano
pensou por ele. Sofre pelo excesso de sinceridade consigo e com o
mundo.
FM - Percebo que a epígrafe deste livro pertence ao anterior
Terceira sede (2001), sugerindo laços estéticos entre ambos. De
que maneira um livro confirma o alcance poético do outro, como se
completam e avançam em busca de uma expressão cada vez mais
genuína?
FC – Um livro nasce do outro. Há uma paternidade adotiva.
Biografia de uma árvore estava soterrado na paisagem de Terceira
sede. Foi aparecendo na medida em que cavava o verbo e
procurava sobreviventes. Minha poesia funciona como "conficções",
termo que criei para sintetizar algo como confissões inventadas. Se
eu quisesse escrever sobre o que faço, nem publicava. O espelho já
me diz o suficiente toda a manhã. Se optasse pela catarse, passaria
a compor um diário Poema é o desejo insano de criar intimidade da
estranheza. Daí procuro o conflito, a inquietação, caminhar no
fogo, acentuar o contraste. É natural uma pessoa madura recordar
da juventude e relatar esse período. Já um jovem se projetar velho
é uma situação nova. Sou o sujeito do contrário, busco o avesso,
desvirtuar o senso e o lugar-comum. Não vendo pílulas para
dormir, quero acordar o leitor a tal ponto que ele vire um
sonâmbulo. Nenhum livro que publiquei traz bula – é bom ter
cuidado. Os efeitos colaterais mudam de acordo com a vontade e a
fé de quem está lendo. Terceira Sede e Biografia de uma árvore
oferecem um lado extremamente social, criticando a caricatura que
aceitamos da velhice. Todas as propagandas mostram velhos
andando de jet-ski, de balanço, em cenas exageradas. Parece dizer
o seguinte: o velho só presta se imitar o jovem. Isso é ridículo,
uma tremenda exclusão. Parece que esquecemos o essencial: o
idoso é vida em aberto, em expansão. Não podemos olhá-lo como
tempo perdido, cumprido, mas como tempo a ser ganho. Há o
estigma equivocado de que com aposentadoria morremos
socialmente. Não penso assim. Ninguém morre por antecipação.
Precisamos jogar até o último minuto. É possível mudar o placar de
qualquer partida em um simples lance.
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FM - Tens uma prática admirável em busca de um diálogo com o
que está à tua volta: resenhas, artigos, entrevistas. Este sentido de
uma entrega, uma doação, contradiz uma época que se aperfeiçoa
na eliminação da livre emoção. Por que entrevistas? O que elas
revelam, a ti e à tua poesia?
FC - Concordo: é doação. A intimidade descende do alheamento.
Insisto no áspero diálogo, no escambo de experiências. Não sou um
crítico, mas um poeta atuante, que não se finda na própria obra,
que se dispersa e se recolhe nos demais autores. Ninguém é pai de
um poema sem ter sido filho dele antes. Estou sempre nos dois
lados, escrevendo e espiando, lendo e multiplicando a fome. Posso
errar, porém não será um erro póstumo. É um erro vivo,
assumindo a responsabilidade com o destino de meu imaginário.
Abomino a omissão, espécie de covardia da verdade.
Espero desaparecer. Da vida, a mais difícil alfabetização é
lentamente desescrever. Renunciar o conhecimento como uma
posse, uma herdade, perder a memória, ser unicamente o
necessário, a roupa do corpo, poesia quase prosa, a pupila parada
da música. Recuso a vaidade da autoria, faço o possível para não
deixar rastros, marcas. Desconfio do meu talento. A terra se abre
como um livro.
Floriano Martins (Fortaleza, 1957). Poeta, ensaísta e tradutor. É um dos editores da Agulha
(http://www.revista.agulha.nom.br/ageditores.htm). Entrevista realizada com o
poeta brasileiro Fabrício Carpinejar (1972), por ocasião da publicação de Biografia de uma
árvore (agosto de 2002). Página ilustrada com obras da artista Paula Rego (Portugal).
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Floriano Martins e o mergulho em todas
as águas
Rodrigo Petronio
.
RP - O segundo volume de O Começo da
Busca vai ser uma continuidade do primeiro
ou vai propor outras diretrizes poéticas e
conceituais que convirjam para o
Surrealismo? Fale um pouco do projeto como
um todo.
FM - A princípio não havia nenhuma idéia de
segundo volume, por mais que o assunto não
pudesse ser responsavelmente resolvido em
300 páginas. Confesso que já foi um obstáculo e tanto vir a editar
este livro. A acolhida da Escrituras foi providencial e o objeto final
me é bastante simpático. Ao vê-lo publicado é que comecei a
pensar em lacunas que deveriam ser preenchidas, todas dentro da
mesma perspectiva. Não há porque buscar uma ótica outra se
estamos tratando de um tema de tamanha amplitude e ainda não
de todo ambientado. Há uma pressa entre nós brasileiros de mudar
de assunto ou diretriz que reflete apenas uma frivolidade. Somente
agora é que começo a pensar no que chamas "do projeto como um
todo". Em carta enviada, pouco antes de morrer, ao grupo
surrealista de Chicago, escreveu Pierre Naville "que o mundo atual
deverá conhecer uma explosão surrealista muito maior do que
aquela que se deu em Paris, em 1924". Isto foi em 1992, e até
então o Brasil não conhecia absolutamente nada do surrealismo em
suas vertentes hispano-americanas. Mesmo hoje há ainda muito o
que se revelar e bem sabes que sou uma voz praticamente isolada
nesse processo. Na continuidade de meu trabalho vou chamar a
atenção sobre outros poetas, frisar as relações entre vários deles em termos de ação e poética - e apresentar novas entrevistas.
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Além disso estou escrevendo um volume apenas de ensaios, onde
vão se revelando cronologicamente os dados essenciais para uma
leitura dessa explosão a que se refere Naville, já em ambiente
latino-americano.
RP - Em O Começo da Busca você demonstra justamente que é
possível traçar uma história da literatura latino-americana a partir
do Surrealismo. Você defende um Surrealismo policêntrico, que
emergiu por aqui em diversas etapas e sob diversas circunstâncias,
ao contrário da idéia de um movimento epicêntrico, com sua
origem datada nos manifestos de André Breton. Fale um pouco
sobre isso.
FM - Não havia idéia de epicentrismo nem mesmo naquele bando
mesclado de ex-dadaístas que se reunia em torno de Breton. Acho
que há algo em comum, o princípio libertário que norteia o
Surrealismo, não resta dúvida. Mas a manifestação desse princípio
na América Latina se deu investida de um otimismo, inclusive uma
crença voluptuosa na linguagem e não apenas na ação. Não cabe
falar em emancipação porque a relação entre os países latinoamericanos e a Europa possui vários matizes. Não há o que se
possa chamar de "nossa história". Não temos uma história comum,
no sentido em que jamais a percebemos sob tal ângulo. No caso
brasileiro, nossa relação com a Europa estava mais
acentuadamente ligada à França de Claudel, Verlaine, Valéry.
Desnecessário dizer que me refiro a um mapa oficial dessa cultura.
Tzara, Reverdy ou Breton eram nomes pouco mencionados por
aqui. E uma imediata aproximação entre Surrealismo e marxismo,
por exemplo, afastou de vez toda possibilidade de uma filiação do
Brasil a essa corrente libertária que se anunciava. Nenhuma
história corre independente, pois a história é uma mescla de
fatores, e sequer pode ser tão levianamente lida como tardia ou
antecipatória em relação a qualquer aspecto que se coloque.
Quando se pretende um recorte isolado o que se está fazendo é
falsear a história - a exemplo do que tivemos tanto na Semana de
Arte Moderna quanto no Concretismo.
RP - Como você situa algumas vozes fortes como César Vallejo e
Vicente Huidobro nesse panorama?
FM - Grande dilema o de atestar vínculos. O Surrealismo procurou
romper com a idéia de clubismo, e mesmo assim muitos se
aproximaram dele como se buscassem apenas uma carteira. Essa
ambigüidade - se cabe o termo - gerou rejeições famosas,
manifestas de várias maneiras. Vallejo e Huidobro são dois casos
paradigmáticos. O chileno é apontado pelo romeno Stefan Baciu
como um dos precursores do Surrealismo na América Latina. Já o
espanhol Ángel Pariente situa o livro Trilce, de Vallejo, como sendo
de recorte surrealista. Huidobro tinha um ego assombroso e jamais
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admitiria influência de quem quer que seja, o mundo começava
nele. Creio que foi o poeta que mais redigiu manifestos - há um
largo volume que recolhe todos eles -, manifestos de um homem
só. Já o peruano estava tão impregnado de comunismo que a
própria ruptura de linguagem que alcança em Trilce seria
posteriormente enfraquecida em outros livros. De qualquer
maneira, creio que a desconstrução neste livro do Vallejo tende
mais ao dadaísmo - embora não tão nítida como no caso de En la
masmédula, de Girondo - do que ao Surrealismo. E Huidobro
estava, como o sabemos, demasiado impregnado de Cubismo.
RP - No Brasil, nosso conhecimento da literatura latino-americana
se restringe à trinca Borges, Paz e Neruda. Quanto a Lezama Lima,
há ainda o agravante de ter penetrado aqui por intermédio do
Concretismo, que importou a imagem deformada e afetada que o
Neobarroso de Nestor Perlonguer fez dele. Fale de outros poetas e
poéticas americanos.
FM - Talvez seja melhor começarmos falando dos prejuízos
advindos da limitação e sobretudo do falseamento dentro desse
âmbito restrito. É precário aceitar a presença de Borges, Paz e
Neruda como grandes poetas, ainda mais sob o crivo de fundadores
da modernidade na poesia hispano-americana. Borges era um
fabulista, mestre imbatível na arte de tornar a si mesmo o grande
personagem de sua obra e, por conseqüência, da tradição literária
moderna. Gerardo Deniz está completamente correto ao dizer que
se trata de um poeta de imagens e recursos previsíveis,
enfadonhos. Paz possuía uma aguda percepção da realidade à sua
volta - soube ser inicialmente o crítico dessa realidade mas acabou
por converter-se em cúmplice dela. Poeticamente cristalizou-se
muito cedo. Neruda jamais buscou outra coisa que não fosse tocar
a imensidão do ego, e não reside em outro aspecto a máscara
cosmogônica com que revestiu sua poética nos incontáveis
experimentos estéticos a que a submeteu. Já o caso de Lezama
possui uma graça particular: há algo de enciclopédico na visão de
mundo do cubano que o aproxima de figuras como Peter
Greenaway ou Haroldo de Campos. A verdade é que todos querem
ser Deus. E cada vez me parece que a grande tradição poética é
consubstanciada por quem se recusa a sê-lo. O venezuelano José
Antonio Ramos Sucre, por exemplo, matou-se por não suportar
mais a presença de visões que lhe assombravam a existência. Não
vivia em um plano literário, mas sim na mesma dimensão
excessiva de um Artaud. Após o suicídio, em 1940, não foi mais
lembrado de maneira consistente. O Chile possui uma vertente
múltipla que encontra em Pablo de Rokha, Rosamel del Valle e
Humberto Díaz-Casanueva uma fonte de renovação que não
desconsidera o autóctone e se manifesta no diálogo com a Europa.
No colombiano León de Greiff encontramos o mais surpreendente
caso de polifonia na tradição poética latino-americana. O
guatemalteco Luiz Cardoza y Aragón soube buscar na algazarra da
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modernidade uma voz que fosse a soma de todas; uma nova
relação com o mito proposta pelo nicaragüense Pablo Antonio
Cuadra etc. O que me pedes não é fácil, toma um livro. Sobretudo
quando no Brasil desconhecemos toda essa tradição. Acho que a
todo momento atestamos a infelicidade de nossa ausência de
mundo. Toda a sociedade brasileira desmonta-se por esse
desconhecimento de si mesmo, um mínimo estalo que nos leve à
relação com o outro. Sem ele, não há nada.
RP - Você é dos poucos poetas
brasileiros que se preocupam com
a dimensão política da arte, o que
é, mais do que louvável,
necessário, em um momento em
que intelectuais, escritores e
artistas oscilam entre uma
burocracia mental aviltante e um
espírito gregário cada vez mais
acentuado, ou, na pior das
hipóteses, em seu idiotismo, mal
sabem o que vem a ser a
dimensão política de uma poética. Como você vê a articulação
entre essas duas esferas?
FM - Se não me falha a memória certa vez o Augusto de Campos
referiu-se ao afazer poético como uma afasia. Isto é curioso porque
carece de autocrítica, ou seja, a quem exatamente ele estava se
referindo? Por aqui começamos nosso curso de idiotismo. Este é
um formoso termo de alheamento da realidade, de criação de uma
linguagem isolada, que não se relaciona com nada. O idiotismo é a
anti-poesia, mas tem sido a tônica da poesia que se pratica no
Brasil de algumas décadas para cá. É curioso observar as maneiras
distintas do ser idiota no poeta brasileiro. Há os que se tornam
reféns da pós-modernidade, que fazem questão de serem
reconhecidos como contemporâneos, por mais desarticulada ou
retrógrada que seja essa pós-modernidade. Na outra ponta estão
aqueles que detestam a atualidade, os passadistas de carteira e
louvor, que pousam em bando como uma equipe de resgate da
história. Evidente que em um cenário desses, reforçado por uma
tradição positivista, brigadas da TFP, política cartorial, amiguismos,
uma relação responsável de complementaridade entre poética e
política está fadada ao ideário das charges. Não te parece que o
mais importante na vida dos brasileiros é que algo te faça rir? Rir
da própria miséria pode ser uma tática de resistência, mas ser
levado a isto é aceitar-se como instrumento de uma perversão,
com o qual somos todos coniventes. A chamada arte tornou-se
mecanismo de idiotização de uma sociedade carente de si mesma.
O pão convertido em circo e vice-versa. Somos todos
absolutamente responsáveis por esse crime em larga escala. A
maneira como tocadores de violão são aceitos como músicos,
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modelos fotográficas como atrizes, músicos como romancistas,
jornalistas e redatores publicitários como poetas ou roteiristas de
cinema, enfim, a forma espúria como a mediocridade ascende ao
poder cultural em nosso país já tornou-se um caso de polícia.
RP - Você diz que o Surrealismo teve pouca penetração no Brasil
exatamente por causa de nossa tradição positivista, o que eu
considero uma análise agudíssima e correta. O que é curioso é essa
estética ter se imiscuído entre nós pelas mãos de dois poetas
católicos e com interesses místicos: Murilo Mendes e Jorge de Lima.
Ao mesmo tempo, você tece algumas críticas a esses poetas e
sugere outros nomes. Isso está relacionado às eternas
idiossincrasias brasileiras? Como você analisa esse fato?
FM - O Surrealismo estava na pauta de rejeições de todas as
culturas que buscavam uma identidade em meio àquela eclosão
destemperada de ismos das primeiras décadas do século XX. Basta
pensar que Lezama Lima ou Gaitán Durán possuíam articulações
essenciais com o Surrealismo, mas que não as admitiam em
circunstância alguma, imbuídos que se sentiam da necessidade de
fundar algo em Cuba e Colômbia, respectivamente. É possível que
o mesmo tenha se dado com o Mário de Andrade, conhecedor que
era dos vislumbres anunciados ao mesmo tempo em que não lhes
correspondiam - nem ele nem Oswald - em termos estéticos. Então
nos pegamos com réstias ou pequenos sinais de vida. Basta ler
manifestos assinados por ambos. Já em relação a Jorge de Lima e
Murilo Mendes, façamos o seguinte: troquemos catolicismo por
cristianismo e misticismo por ocultismo, por exemplo, e já teremos
aí um novo ambiente conceitual onde o assunto começa a ganhar
clareza. Vincule-se cristianismo a comunismo e ressalte-se o
interesse do Surrealismo pelas ciências ocultas e ganhamos ainda
mais em nitidez nessa relação por ti sugerida. O que chamas de
"idiossincrasias brasileiras", é sempre o mesmo fruto podre de
nosso desconhecimento de causa. Eu não tenho nenhuma rejeição
aos dois poetas. Acho impressionante que se mencione tão amiúde
o Drummond como nosso grande poeta, este sim tão católico, tão
conservador, tão transigente, tão acomodado às circunstâncias, sob
quaisquer aspectos que se mencione. O que digo em meu livro é
que nossa crítica literária necessita sair do lugar comum de tratar o
Murilo como único surrealista no Brasil. Isto não passa de um
refúgio para evitar referir-se à questão como ela merece. Murilo foi
um grande transgressor, e mesmo naquele ambiente interiorano de
uma Jandira, por exemplo, já se ressaltava uma visão mais
profunda de mundo, com um recorte filosófico que não tínhamos
em nós nem mesmo de maneira caricatural. É leviano - quando não
criminoso de vez - reduzir a poética de ambos ao que se chama de
"poesia em Cristo". Como esperar que se manifestasse a explosão
do ser em poetas marcados por uma exasperada chaga católica
que tanto define a história brasileira? Diante da irrelevante obra
poética de nomes como Mario e Oswald de Andrade, por exemplo,
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tento buscar outra explicação, que não de ordem estética, para que
poetas como Jorge de Lima e Murilo Mendes não tenham sido até
hoje lidos com a isenção que a obra de ambos cobra de nossa
crítica.
RP - Falando em idiossincrasia, há uma curiosa. Enquanto na
América do Norte o fenômeno Walt Whitman já tinha acontecido há
décadas e na Europa tínhamos uma plêiade composta por Rilke,
Valéry, Eliot, Pound, Apollinaire, Joyce, Lorca, Breton e Proust
(desconto Kafka e Pessoa por causa do seu anonimato incipiente),
Mário de Andrade resolve se agarrar a uma estrela cadente, e
importa a tagarelice de um italiano cuja fortuna mental e o talento
irrisórios deixaram para a posteridade um manifesto e algumas
frases tão ridículas quanto ele próprio: Tommaso Marinetti.
Sabemos que o futurismo estava no front de toda a proposta
modernista, e que esse mesmo Modernismo, por razões muitas
vezes meramente ideológicas, é a cartilha sobre a qual reza a
maior parte da arte que se fez e faz até hoje. À parte o valor
inquestionável da obra de Mario e Oswald de Andrade, há um
legado bastante negativo da Semana de 22, não? Como você avalia
isso?
FM - O legado da Semana de 22
equivale à leitura de curso das
águas em uma lagoa. É nossa
principal metáfora da
permanência, com a ambígua
leitura de que é nossa entrada na
modernidade. Mário estava
menos interessado nela do que
em um projeto pessoal de
afirmação de leitura dessa
modernidade. Os nomes ligados à
Semana eram os do rebanho
possível. Como Alberto Nepomuceno morrera dois anos antes,
embora deixando volumosa pesquisa sobre cantos populares em
todo o Brasil, e mesmo tendo posto o pescoço a prêmio ao colocar
a Sinfônica brasileira a tocar com Catulo da Paixão Cearense, por
exemplo, inúmeros fatos foram apagados e hoje cabe ao
modernismo e em especial a Villa-Lobos essa aproximação entre o
popular e o erudito em nossa música. Também nas artes plásticas
teríamos muito a conversar sobre o injustamente reduzido prestígio
de um artista como Vicente do Rego Monteiro. Não se trata de
"legado negativo", mas sim de falseamento da história e com a
larga conivência de toda uma casta intelectual envolvida. O mais
curioso é quando escuto dizer do nacionalismo exacerbado do
Nepomuceno, por exemplo. Ora, ninguém fala em tal coisa quando
se trata dessa íntima relação que o Mário assumiu com o
Futurismo, nitidamente de ordem nacionalista. Nacionalismo,
ressalte-se, no sentido de preparação para regime de exceção.
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PR - Fale um pouco mais desse falseamento da história e desse
regime de exceção. É ele que endeusa o Fernand Léger de saia
(Tarsila do Amaral) e praticamente risca do mapa um artista
excepcional como Ismael Nery? Que devolve o Concretismo ao
centro do seu próprio umbigo cósmico e torna opaca uma série de
coisas em volta? Que eclipsa Augusto dos Anjos e confere
qualidade à versalhada de Mario de Andrade? Tenho a impressão
que se Augusto dos Anjos tivesse escrito em alemão haveria uma
miríade de pedantes usando-o como epígrafe em seus estudos
sobre o expressionismo.
FM - Acho que podemos rir um pouco. Em uma das edições de
dezembro de 2002, a revista Época publica um artigo de Antonio
Gonçalves Filho onde menciona a decorrência ingênua da pintura
de Anita Malfatti, o realismo socialista para onde escorreu a obra
de Tarsila do Amaral, a decadência suburbana de Di Cavalcanti e o
exílio no academicismo em Brecheret. A princípio este é um
atestado de que a Semana de Arte Moderna não manteve a chama
acesa nem mesmo enquanto o bolo do primeiro aniversário era
cortado. Ora, mas de que nos servia o cubismo de Fernando Léger
e a concisão de Brancusi, se não sabíamos o que propor, a partir
deles, em termos de um Brasil aclamado como bandeira da (nossa)
modernidade? Trocar xenofobia por xenofilia? Ismael Nery sabia o
caminho. Mas ia de encontro à pretensa ousadia nacionalista de
nossos modernistas. O mesmo vale para Cícero Dias. Uma coisa
que tenho observado nessas leituras comemorativas de nossa
entrada na modernidade é que uma crítica de arte se manifesta de
maneira mais efetiva do que o correspondente, por exemplo, na
música ou na literatura. Nem falar em Niemeyer, que tornou-se um
mito intocável de nossa arquitetura, uma curiosidade na
perspectiva de uma arquitetura funcional esse encantamento por
um declarado comunista que planejou espaços onde é bastante
dificultado o encontro entre duas almas. Bom, no caso da música o
lobby de Mário de Andrade em favor de Villa-Lobos foi decisivo.
Agora, por que aceitamos tão passivamente a importância de Mário
e Oswald como poetas se não atendem, em circunstância alguma, a
uma perspectiva estética em que deveriam quando menos apontar
certos traços renovadores? O falseamento da história é exercido
por um corte abrupto em relação ao passado. Nossa modernidade
parte do nada. O mesmo se repetiria no plano-piloto do
Concretismo, décadas depois. O regime de exceção é decorrente
desse comportamento. Basta cotejar cronologia artística e política como se fossem entidades inconciliáveis! - e veremos que a
Semana de Arte Moderna é precursora do Estado Novo e que o
Concretismo e o Golpe de 64 são consangüíneos.
RP - A propósito, temos no Brasil duas correntes que se
desenvolvem paralelamente e que parecem formar a esquizofrenia
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fundamental de nossa intelligentsia. De um lado, uma forte
tradição dialética advinda do Idealismo Alemão, mais
especificamente de Hegel, busca o Bildung, o caráter formativo da
nossa nacionalidade por intermédio da análise da literatura. De
outro, há uma via que finca raízes na lingüística, na semiologia in
nuce, na ciência positiva do século XIX e mais tarde no
Estruturalismo, que se preocupa com os aspectos imanentes da
arte, e que nos deu os jogos florais e formais de toda essa poesia
de véu e grinalda feita nas últimas décadas. Em decorrência disso,
ora fazemos da literatura um mero instrumento que expressa uma
hipotética essência (a nacionalidade), ora a tomamos nela mesma
e reduzimos seu sentido a um enunciado discursivo (a linguagem),
em contraste com o "mundo", que confesso francamente não ter a
mínima idéia do que venha a ser. Isso demonstra que as duas
grandes diretrizes do pensamento e da produção poética estão
concentradas na dualidade Forma versus Conteúdo. No seu livro
Fogo nas Cartas, você diz que a poesia, mesmo sendo intransitiva,
é filha da alteridade. Essa definição, além de ser muito bonita,
parece negar de saída essas ambigüidades falazes. Como você se
posiciona diante dessas questões?
FM - Tua leitura é cristalina e
incontestável. Quem primeiro me
chamou a atenção para isso foi o
Roberto Piva. Não podemos nos
tornar reféns ou cúmplices dos
crimes de lesa pátria ou língua. A
rigor, a poesia é a contestação
desses conceitos. Há um aspecto
aparentemente negativista na
poesia, o de recusa essencial.
Mesmo a afirmação é uma
negação, e isto porque ela parte
do princípio de que algo deve ser contestado. Condição ambígua?
Não se trata propriamente de um sofisma. Não posso me pôr
dentro da linguagem se não estou dentro de mim mesmo, com as
implicações naturais do cidadão que sou. Mesmo que vivesse
isolado do mundo, essa seria uma forma de relacionar-me com o
mesmo. Então não tenho como fugir de mim e de minha
circunstância - por mais que o deseje. É por isso que me refiro a
muitos de nossos poetas como autistas. A pretensa autonomia - ou
voz própria, seja lá que nome se queira dar - é fruto não de
isolamento mas de mergulho em todas as águas. A rigor não
escolhemos o inferno onde queremos ser Dante. Mas jamais
chegaremos a gare alguma pela via inexpressiva de nossos poetas
incultos.
RP - Você defende a união indissolúvel entre a vida e a arte. Isso
não pode gerar algumas dificuldades de avaliação da obra artística
e seu valor objetivo, na medida em que a liga de maneira muito
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direta a seu criador e à sua biografia?
FM - Não creio nisto. A biografia de um poeta está intrinsecamente
ligada a uma perspectiva de errância, do matutar em peregrinação,
de maneira que não vejo como dar à vida ou à obra uma dimensão
inquestionável. Os valores objetivos são um encargo da sociedade
de consumo. A criação artística possui um valor intrínseco, soma do
objetivo e do subjetivo. É o retrato falado de quem a cria. Prova
maior do que falo obtemos quando do encontro com o autor de
qualquer um desses versos anódinos que se publicam a rodo. Qual
a biografia possível dos poetas brasileiros, por exemplo, da minha
geração?
RP - Boa parte da nossa miséria econômica deita raízes na e coroa
a nossa dependência cultural. Mesmo assim, parece que há cada
vez menos debate artístico em âmbito civil, ou seja, motivado por
projetos impessoais e coletivos sobre a arte. Qual o seu diagnóstico
da poesia brasileira atual, com o perdão da amplitude do tema e da
questão?
FM - Não há perdão para a amplitude. Não padecemos
propriamente de uma dependência cultural nos moldes de uma
invasão, se cabe o termo. Há cultura suficiente no país para tornálo uma grande nação. Eu sempre penso no caso da música e me
indago como é possível que o choro tenha se convertido em algo de
quase nenhuma percepção em nossa tradição musical. Ora, o choro
praticamente funda um legado essencialmente brasileiro. A bossa
nova vem depois. Mas claro, é música de branco universitário. Eu
acho um absurdo que não se consiga conversar com poetas
brasileiros sobre música ou teatro ou cinema, por exemplo. Que
espécie de mundo à parte estão construindo? E mesmo sobre a
matéria queimante da poesia, raros cruzam os cercados dos
lugares comuns, e alguns ostentam ainda com peculiar parvoíce
sintomas de obsessão enciclopédica. Ora, vivemos em um país
onde a miséria intelectual determina a miséria social. Bem
podemos compreender todo o despejar de preconceitos ou
rejeições em torno de qualquer maneira distinta de tratar do
assunto. Para que fosse possível um diagnóstico teríamos que
evocar toda uma tradição fraudada, o que significaria revolver
túmulos, reconsiderar decretos de genialidade, rever diários de
bordo etc., pois de outra maneira não alcançaríamos uma justa
relação entre passado e presente. Teríamos, enfim, que enfrentar
um largo processo de desmi(s)tificação. Acontece que os novos
talentos são dados à luz dessa deformação cultural, gerando um
círculo vicioso que a ninguém interessa romper. Não quero dizer
com isto que padecemos de um mal incurável. Cabe, no entanto,
lembrar que somente através da revolta, da negação, da
insubmissão, em relação a quaisquer cânones é que encontramos
uma razão de ser da poesia.
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RP - Pela primeira vez, desde a instituição da República, vamos ter
um governo de esquerda gerido pelo maior partido de esquerda do
mundo. No que isso pode mudar o curso do Brasil e dos países
dependentes? Você arriscaria alguma opinião sobre a América
Latina?
FM - Tenho a impressão de uma dádiva queimante. Um grande
dilema da América Latina tem sido a recusa a entender que a
solução encontra-se em casa. Este é nosso maior desafio. Não vejo
isoladamente o assunto como de ordem política. Caberá ao novo
presidente o que sempre coube a seus antecessores: buscar
vínculos substanciosos, que não sejam regidos apenas por uma
falácia de crise. Não arrisco opinião alguma. Afirmo um caminho
que já trilho com meu trabalho. Mínimo sinal, mas que considera
uma relação continental até então inexistente. O mundo deixou-se
tragar pela falácia econômica, sempre cartorial, onde a ameaça
terrorista possui até um dado positivo, que é o de nos despertar
dessa hipnose estatística. Mas não cabe apelar a uma antevisão
agora. Há muito o que ser inicialmente conversado. Lula
naturalmente tem suas prioridades. É aguardá-lo, antes de
qualquer outra coisa.
Rodrigo Petronio é poeta e ensaísta, autor de História Natural e Transversal do Tempo.
Entrevista realizada em dezembro de 2002. Contato: [email protected].
Página ilustrada com obras da artista Paula Rego (Portugal).
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Agulha - Revista de Cultura
revista de cultura #
32 - fortaleza, são paulo - janeiro de 2003
Lars von Trier: a estética pós-Dogma
Antonio Júnior
.
Não é fácil entrevistar o dinamarquês Lars
von Trier (Copenhague, 1956), considerado
por muitos como o mais importante diretor
europeu atual. Ele não gosta de entrevistas
enquanto filma e, quando as concede, brinca
com as palavras. É um criador que não perde
a originalidade, adotou o vídeo digital e está
entre os poucos cineastas vivos que podem
ser definidos como autor. Pouco atraente,
alto, afobado, inteligente e excêntrico, tem
um rosto tipicamente nórdico, grande, com
um nariz proeminente e olhos azuis vivíssimos
que brilham ironicamente quando sorri. É também cortês e
divertido. Uma barba rala dá o toque rebelde.
Desde seu debut no cinema, em 1976, com o curta
Orchidégartneren, rodou mais quatro curtas, duas minisséries e um
filme para a tevê, e seis longas. Chamou a atenção com Europa
(1991), uma obra difícil e bela, protagonizada por Barbara Sukowa
e Jean-Marc Barr, que ganhou o Grande Prêmio do Júri em Cannes.
O sucesso definitivo chegou com o sensível Ondas do Destino
(Breaking the Waves, 1996), com Emily Watson rompendo
corações como uma ingênua garota enamorada. Ganhou o Félix da
Academia Européia de melhor direção e atriz. Seu filme seguinte,
Os Idiotas (Idioterne, 1998) é de um cinismo exagerado, nada
mais. Lançou o movimento Dogma 95, inventando uma série de
mandamentos para resgatar "a verdade, espontaneidade e
invenção do meio cinematográfico": ausência de luz artificial e de
cenários, inexistência de trilha sonora, negação dos filmes do
gênero etc. Foi mais um truque publicitário que um movimento
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inovador como a Nouvelle Vague francesa ou o Cinema Novo
brasileiro, e dos diretores que aderiram ao Dogma, apenas Thomas
Vinterberg destacou-se com Festa de Família (Festen, 1998). Em
2000, o próprio von Trier quebraria as regras do Dogma 95, com
Dançando no Escuro (Dancer in the Dark), uma criação comovente,
luxuosa, cheia de recursos (trabalhou com 100 câmaras fixas nas
cenas de canto e dança), onde a música é fundamental. A cantora
pop islandesa Bjork faz uma imigrante checa, mãe solteira, que
trabalha numa fábrica em uma cidadezinha nos Estados Unidos.
Quase cega, procura economizar para a operação do filho que sofre
do mesmo mal. Suas únicas alegrias são os musicais clássicos de
Hollywood. Roubada, mata o ladrão e é condenada a cadeira
elétrica. O elenco conta também com a presença ilustre de
Catherine Deneuve. As filmagens foram conturbadas, diretor e atriz
central se desentenderam furiosamente, e a roupa suja lavou-se na
mídia. Mesmo assim, resultou em um filme bacana, com uma
conexão entre melodrama e comédia musical de uma sutileza
sábia. A traição aos mandamentos do Dogma foi válida, e von Trier
levou a Palma de Ouro em Cannes.
Agora filma Dogville, na Suécia, em
inglês e com uma história passada em
um povoado norte-americano dos anos
30 do século passado. A gélida Nicole
Kidman é a estrela, acompanhada do
ator sueco Stellan Skarsgard. A mítica
Lauren Bacall, lançada por Howard
Hawks há mais de meio século, tem
participação importante. O diretor recusase a dar qualquer detalhe sobre o
enredo, que começou a ser filmado no
início deste ano. Quando chego para a
entrevista vejo vários jornalistas
esperando e me uno a eles. Em seguida, chamam-me e sou
conduzido a uma sala simples, onde um homem de 45 anos,
sentado numa poltrona, aponta onde eu devo sentar-me, um pouco
distante. Estás bebendo algo que não consigo identificar, e ao verme jovem e com pouca pinta de crítico malévolo relaxa
visivelmente. Eu também simpatizo com ele. Chega o tradutor, nos
apresenta e começa a entrevista.
AJ - Eu não vejo clara a definição de gênio empregada em muitos
criadores. Seria capaz de contar nos dedos os cineastas
verdadeiramente aptos a receber tal honraria. Dreyer, por
exemplo, que influi muito no seu cinema. O que pensa quando
alguns críticos dizem que é um gênio?
LvT - Penso que sou um diretor que acrescenta alguma coisa para o
cinema. Sou autêntico. Eu procuro fazer um cinema com
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novidades, não como reprodução do que já está aí. Sou discípulo
de Carl T. Dreyer, ele era um diretor fantástico, mas não o copio. O
importante é buscar algo diferente, fugir do cinema certinho que
muitos diretores fazem. Eu faço um cinema com personalidade.
AJ - O movimento Dogma 95 seria essa marca de "personalidade"?
LvT - O Dogma é cheio de bons propósitos. Nasceu para provar que
qualquer pessoa pode pegar uma câmara e fazer um filme. Não é
preciso tanto dinheiro como se pensa. A idéia do cinema como
superprodução é para ser superada, é uma bobagem, é antiquada.
É preciso acabar com essa idéia. É uma mentira dizer que é
necessário um mundo de dinheiro para fazer um filme.
AJ - Dançando no Escuro é um filme caro. Recorde de orçamento
para a Escandinávia...
glamour típico.
LvT - Claro que é um filme onde se
gastou dinheiro. Mas com Os Idiotas o
orçamento foi bastante reduzido,
irrisório. Não estou dizendo que nunca fiz
ou nunca farei filmes caros, o que digo é
que com pouco dinheiro pode-se fazer
bons filmes. Dançando no Escuro
necessitava de recursos para tornar-se
um musical atípico, diferentes daqueles
clássicos de Hollywood com luzes
douradas ou azuladas e câmara lenta.
Era preciso deixar evidente os níveis
diferentes dentro do filme, sem o
AJ - A idéia original era fazer Bjork cantar ao vivo?
LvT - Sim. Queria cada número musical completamente natural,
como uma performance ao vivo. Infelizmente não podíamos
resolver isto tecnicamente.
AJ - Catherine Deneuve foi convidada para o papel da generosa
Kathy, a amiga de Selma, devido aos musicais que fez com Jacques
Demy nos anos 60?
LvT - Não. Ela mesma convidou-se. Escreveu-me uma carta
perguntando se podia tomar parte no filme e eu respondi, "Claro
que sim!". Gostei da idéia de vê-la ao lado de Bjork. Agora é
evidente que eu conhecia os musicais em que Catherine havia
participado.
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AJ - Tudo o que disseram publicamente sobre o seu relacionamento
tempestuoso com Bjork durante as filmagens foi sincero?
LvT - Evidentemente que não, mas muita coisa sim. Bjork se
identificou de tal maneira com a personagem Selma que teve
problemas ao assumi-la com tanta intensidade. Ela sofria. Ela não
interpretava, ela era a própria Selma. Eu não concordei. Os nossos
egos se chocaram. Ela é tão perfeccionista, e talvez esse seja o seu
problema. Mas sou fã de Bjork, gosto de sua música e ela foi
fundamental para o bom resultado do filme.
AJ - Por que um musical?
LvT - Parecia fácil fazer um musical. Era uma idéia que sempre
tive. Desde menino, na beira da televisão, ficava encantado com os
filmes de Gene Kelly ou o fantástico West Side Story – Amor,
Sublime Amor, de Robert Wise. Se fosse no início de minha
carreira, teria feito uma coisa tradicional, com gruas e travellings,
mas agora procuro desafiar as regras e fazer tudo de maneira
completamente diferente.
AJ - Como está a produção de Dogville,
seu novo filme?
LvT - Estamos filmando em Trolhaettan,
ao sudoeste da Suécia. Será falado em
inglês e a história se passa numa
pequena vila dos Estados Unidos, nos
anos 30. Usarei um mínimo de cenários.
Os protagonistas são Nicole Kidman,
Stellan Skarsgard, que já trabalhou
comigo em Ondas do Destino, Chloé
Sevigny e Lauren Bacall.
AJ - Divulgou-se que o filme teve dificuldades de financiamento e
por pouco Nicole Kidman não foi contratada...
LvT - Tudo foi resolvido. Mas não gostaria de continuar falando
sobre Dogville.
AJ - Poderia dizer porque não está sendo filmado nos EUA, já que
será falado em inglês e a história se passa nesse país?
LvT - Não gosto de viajar de avião, e na Suécia pode-se facilmente
encontrar lugares parecidos com a América do Norte. Dançando no
Escuro foi filmado lá. Também não tenho interesse em visitar os
Estados Unidos de hoje, me parece uma espécie de país mitológico.
Agulha - Revista de Cultura
Antonio Júnior (1970). Escritor. Autor de livros como O aprendiz do amor (1993), Caprichos
(1998) e Artepalavra - Conversas no velho mundo (2003). Contato:
[email protected]. Página ilustrada com obras da artista Paula Rego
(Portugal).
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revista de cultura #
32 - fortaleza, são paulo - janeiro de 2003
Los poemas-objeto de Franklin
Fernández: dos visiones críticas
Carlos Yusti y Ramón Hernández
.
1 CUERPO Y TEXTURA DE LA POESÍA
Carlos Yusti
El poema-objeto trata de encontrar una
imagen que se puede leer desde la
creatividad sensible. El lector visual del
poema-objeto es un creador activo, su lectura
(o su manera de mirar) no sólo se limita a
encontrar la belleza simbólica y metafórica
del objeto intervenido, sino que a su vez
participa con su sensibilidad al darle una
lectura inusitada a dicho objeto; el cual, por
otra parte, pierde sus contornos reales y
cotidianos para devenir en una propuesta
estética renovada, en un mensaje que
desarticula el discurso. Expresar una poética
con instrumentos distintos de las palabras,
propone una lectura del mundo cotidiano que nos rodea. El
espectador crea a su vez el objeto desde su lectura personal, le da
nuevos significados y la poesia adquiere de igual modo una
plataforma expresiva inusual.
Algunos poemas-objeto de André Bretón, combinaban palabras y
objetos en una simbiosis más o menos armónica. Sin tanta
parafernalia retórica Octavio Paz, lo definió como una criatura
anfibia que vive entre dos elementos a saber: el signo y la imagen.
Agulha - Revista de Cultura
Con el poeta catalán Joan Brossa, el poema objeto se fue
decantando. Adquirió visos de simplificada estructura. Franklin
Fernández retoma desde la pasión el poema-objeto, busca nuevos
derroteros y lo concibe desde una óptica constructivista a saltos
entre la escultura y los objetos esculturas propuestos por Marcel
Duchamp. Este poeta, pintor y escritor lo define así: "El poemaobjeto (aquello que se podría escribir, pero por suerte no todo hay
que decirlo con palabras), nos dice algo. Posee sentido y
significación. Es un lenguaje: emite poesia. Son esculturas
moldeadas, apenas modificadas. Mitad escritura, mitad pintura.
Mitad escultura, mitad imagen: una especie de centauro mitológico
y, a la vez, moderno. El poema-objeto o poema-corpóreo,
incorpora una serie de elementos ajenos a los cánones de la poesia
tradicional y propios de otras formas de expresión. No se limita
solo a lo verbal y, en este sentido, representa una ruptura, un
desafío que provoca alteraciones cruciales en los códigos de
emisión y recepción del poema. Se caracteriza por su necesaria
independencia de la palabra tanto como su lucha por trascenderla."
Los poemas-objetos de Franklin Fernández arañan lo estético sin
prurito alguno y en cada uno de ellos visualizamos/leemos el ritual
del artesano. Sus poemas-objetos son exploraciones simbióticas de
gran exquisitez, son tratamientos anárquicos del ensamblaje. Para
explicarlo de alguna manera, participan del síndrome Frankestein;
es decir que utiliza objetos comunes que se van acomodando a
otros objetos, especie de injertos, y van creando una estructura
discordante como si se tratara de un rompecabezas. El resultado es
un objeto extravagante, nuevo y cuya característica primordial es
su sentido antiutilitario. Lo peculiar de estos objetos es lo que
enuncian, lo que trasmiten al espectador. Su combinación abrupta
encierra una metáfora, comprende un sin número de significados
que pueden leerse de muchas maneras posibles. ¿Y este no es
también el secreto del poema?, que tiene tanto significados
posibles como lectores tiene.
En estos poemas es significativo lo lúdico, el puzzle como esencia
plástica. Un juego que trata de reordenar el objeto, que intenta
reorientar la imagen que se tiene de dicho objeto, para presentarlo
desde una perspectiva inusitada e incluso sublevada. Johan
Huizinga escribió: "Lo que el lenguaje poético hace con las
imágenes es juego. Las ordena en series estilizadas, encierra un
secreto en ellas, de suerte que cada imagen ofrece, jugando, una
respuesta a un enigma". Franklin explora los objetos y los combina
tratando de examinar todas las posibilidades plásticas o como el
mismo lo ha escrito: "La yuxtaposición de elementos contrapuestos
ensancha nuestro concepto de poesía. Nos brinda, en última
instancia, esa otra visión poética de las cosas". Así mismo poseen
estos poemas-objetos de Franklin un humor sutil, una ironía
barajada con sentenciosa sensibilidad.
Agulha - Revista de Cultura
La combinación de objetos disímiles es lo que más llama mi
intención en esta poesía objetual. Este ensamblaje quimérico, y en
muchos casos desbordado de creatividad delirante, me parece un
trabajo límite, borde, y, que induce a su creador en sus roles de
pintor / escritor a combinarse también, a yuxtaponerse y así
ensayar desde la palabra y desde el objeto una estética que coloca
al espectador / lector del lado del asombro.
Franklin en su poesía escrita (con sus palabras, puntos, comas y
ritmos) de igual forma busca violentar el lenguaje, darle un viraje
vehemente a las palabras y en las que muchas veces, agrandadas
al máximo, pierden su sentido literario para devenir en un objeto
estampado en el papel.
El mundo actual pertenece a la imagen. Estamos rodeados por
infinidad de imágenes las cuales nos bombardean de trivialidades y
donde lo sexual parece subrayar cualquier postulado publicitario o
cultural. Estos poemas se replantean la imagen desde una noción
ética y estética menos trillada. Una imagen que no descarta la
visión atroz del mundo, pero que destaca lo metafórico como el
elemento comunicacional sin concesiones. Lo poético en función de
ofrecer un puente sólido con la belleza de la imagen y de los
objetos más allá de las palabras, más acá del silencio que palpita
en los objetos.
Los poemas-objetos son caricaturas tanto de la poesía como del
objeto, no obstante esta caricatura posee un ritmo, una modulación
especial, una música callada. Poseen una metáfora que no necesita
palabras. Los objetos hablan en silencio y escuchan eso que no
escribimos ni hablamos.
2 FRANKLIN FERNÁNDEZ: PALPAR LA POESÍA HASTA EL
CANSANCIO (entrevista)
Agulha - Revista de Cultura
Ramón Hernández
RH - "Mi voz se agrega a todo y se apega a todo, como la voz de
las cosas que no tienen voz, y las cosas me hablan".
FF - Me gusta mucho contemplar las cosas. Respirarlas, palparlas y
hablar con ellas; porque las cosas hablan, te contestan, te dicen
algo... yo he leído unos cuántos libros de poesía. Muchos de ellos
no me dicen nada. A veces pienso que los diccionarios, son
verdaderos libros de poemas.
Mira, la poesía venezolana es muy buena, pero le falta algo. Está
falta de libertad. Siempre he creído que la imagen es el alma de la
poesía, la esencia del poema. No la palabra. Una hoja en blanco lo
confirma. Un silencio unánime. Siento una gran admiración por la
obra de Juan Calzadilla y Ramón Ordaz, quienes se han atrevido a
transgredir los límites impuestos.
RH - ¿A qué límites te refieres?
FF - A los de la literatura plana. La poesía va más allá de las
palabras. Más allá de los libros. La escritura es fundamental para
expresarla, pero no es el único medio. La escritura es un vehículo.
La plástica otro. Soy poeta. Entonces, si no me sale por ese lado, lo
busco por el otro. Me refiero a que muchas veces un poema, si no
lo puedes escribir; tienes que darle la vuelta. Girar la llave.
Dibujarlo, por ejemplo; como lo hace Juan Calzadilla. O pintarlo,
como lo hacia Magritte con sus pinturas. No me lo impongo. Es un
cambio de código simplemente. La poesía es un acto de creación.
Transformación y transmutación de signos. Ya Brossa lo decía: "La
poesía es un transformismo, el arte una metamorfosis".
El poema no exige nada, es simplemente lo que es. Escribir y
describir son dos cosas distintas. La metáfora es indispensable. Esa
necesidad por expresar un poema, sea cual sea el medio utilizado,
está siempre latente...
RH - Pero en muchos de tus poemas, como en este caso, no has
abandonado la palabra.
Agulha - Revista de Cultura
FF - No la he abandonado, la he
perdido. Lo que pasa es que a los
poetas nos basta la erudición, pero
yo pienso que nos falta también
crear. En mi caso, creo que el
problema no está en acoger o
abandonar la palabra, sino en
transgredirla. Es decir; yo siempre
voy un poco más allá.
RH - Además de Juan Calzadilla y
Ramón Ordaz ¿qué otros poetas venezolanos han influenciado tu
obra?.
FF - Te soy sincero. A mí me han influenciado más poetas
extranjeros que venezolanos. Claro, comencé a leer poesía
venezolana hace 4 o 5 años aproximadamente. Fue lo primero.
Participé, por suerte, en el taller de poesía del C.E.L.A.R.G. Allí
comencé a ampliar mi panorama. Pero te repito, había una falta de
algo, un no sé qué. Luego, en ese mismo taller, vino la poesía
extranjera. Incluso encuentros personales con poetas venezolanos
y extranjeros de la talla de Eugenio Montejo, Luis Enrique Pérez
Oramas, Pedro Lastra, Oscar Hahn, Darío Jaramillo Agudelo y otros
tantos. Debo agregar, que también han sido fundamentales mis
experiencias con artistas plásticos. En la universidad fui asistente
de Victor Hugo Irazabal, en un taller extraordinario que llevaba por
título "La palabra como textura". Victor me ayudó a ampliar mis
conocimientos. Por otra parte, descubrir por mi cuenta la poesía
experimental latinoamericana, fue primordial para mi trabajo.
Aunque no es lo nuestro, también este tipo de poesía es necesaria.
Es una ruptura. La poesía tiene que ser siempre una ruptura,
porque sino todo poeta se repite.
La lectura de los poemas de Rafael Cadenas me estremecieron. La
excelente "Antología" editada por Monte Avila, "Realidad y
literatura" y "Anotaciones". Para mí, Cadenas es principalmente un
pensador. Por otro lado, está la obra de Julio Miranda. De éste
último me conmovió mucho un librito de él llamado "Anotaciones
de otoño". En este poemario expresa un amor y una humildad casi
palpables, incluso hasta visual. De hecho, comienza con minúsculas
la primera palabra de cada poema. Además de "El poeta invisible",
un libro experimental excepcional y fundamental para nosotros.
RH - ¿Y más allá de nuestras fronteras?.
FF - Los padres del poema-objeto. Aquellos que se han atrevido a
materializar el verbo, la palabra. André Bretón, Jiri Kolar y Joan
Brossa. Brossa, fundamentalmente. Recientemente Gloria Bordons
(amiga y ensayista de Brossa) con quién me escribo casi a diario,
Agulha - Revista de Cultura
me respondió en uno de sus e-mails una inquietud mía con
respecto a mis poemas-objetos y a mis similitudes con los objetos
de Brossa. Ella me contestó lo siguiente: "Trabaja, trabaja, siempre
hay un resquicio para la originalidad en este mundo de los objetos.
Y las similitudes, cuando se trabaja con el mismo espíritu, son
lógicas".
En Latinoamérica, el chileno Nicanor Parra ha sido uno de los
poetas primordiales, uno de los grandes creadores del género. Tres
veces postulado al Nobel. Sus "Artefactos Visuales" no son más que
un conjunto de poemas corpóreos, poesía en tercera dimensión.
Objetos y palabras parlantes, engendros verbales que se funden
bajo el sentido unánime de la poesía.
Por otro lado, están los argentinos Antonio Porchia y Roberto
Juarroz; por su percepción poliédrica y caleidoscópica de la
realidad. Buscarle el revés a las cosas. El otro lado. No en vano,
otro de mis textos breve dice: El revés, no es el inverso, es lo real.
RH - ¿Crees que ha existido o existe una poesía de vanguardia en
Venezuela?
FF - No lo sé. Si de poesía experimental se trata, creo que ha
existido un pequeño grupo de poetas. Sé que tuvimos a Dámaso
Ogáz y Andrés Athilano, aunque no he profundizado mucho en sus
obras por falta de documentación. Más recientemente Juan
Calzadilla y Ramón Ordaz. Ahora, desde un punto de vista literario,
Victor Valera Mora. Actualmente me gusta mucho la obra de
Alfredo Herrera Salas. Es una excepción para mí. Una ruptura con
lo cotidiano. Algo diferente. Su voz, su poderosa voz, cada vez que
la escucho me conmueve.
RH - Háblanos un poco de tus poemas-objetos ¿Cómo nace la
necesidad de buscarle una dimensión al poema?.
FF - Ya te lo dije. Creo que a la poesía venezolana le hace falta
algo. Hay un hueco hondo que hay que llenar. Me encantan los
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encuentros fortuitos. Acercar realidades distantes. Yo no busqué la
poesía, ella ya estaba en mí. Ya he dicho que el poema-objeto es
una especie de centauro: la unión del arte visual y el arte verbal. El
resto lo hace la imagen. Dos objetos opuestos no se repelen, sino
que se abrazan. ¡El trueque perfecto!. Dos elementos reales crean
el imaginado. Creo que ese es el encuentro más hermoso que ha
existido entre el arte y la poesía.
RH - El humor y el amor están muy presentes en muchas de tus
obras. Como por ejemplo, en una obra titulada Chupón (1998). Un
chupón al que se le ha sustituido la mamila por un anzuelo. Objeto
que al contemplarlo, casi duele en la boca...
FF - Es una realidad ¿no?. El dolor, el humor y el amor son las
grandes tentativas de nuestras vidas. Tanto hay amor, hay más
dolor. Tanto hay humor, hay más llanto. ¿Quién comprende?.
RH - ¿Cuál es tu definición de la poesía?
FF - Aquello que limita con la eternidad.
RH - ¿Y de poema?
FF - Con respecto a esta pregunta, Alfredo Herrera Salas tiene en
uno de sus poemas, una línea muy bella que dice: "Mi poema es
una piedra que metí en tu casa". Entonces el poema es una piedra,
como también puede ser un lápiz o un rollo de papel toalet. Un
rollo de papel toalet nos puede decir más que un libro de poemas.
(Risas).
RH - ¿Qué recomendarías a los poetas emergentes, a las voces
nuevas de nuestro país?.
FF - Nada. Yo también soy un poeta emergente. ¿No lo has notado?
Aprendo, aprendo, no creas. Pero si de algo sirve: que no se
ahoguen de tanta literatura. Más importante que leerlo es vivirlo,
convivirlo. Palpar la poesía hasta el cansancio.
RH - Una última pregunta para despedirnos. ¿Es verdad que los
poetas mienten porque no saben absolutamente nada de poesía?.
FF - Es cierto. Ya te he mentido.
Agulha - Revista de Cultura
Carlos Yusti (Valencia, 1959). Escritor y pintor. Dirige conjuntamente con José Vicente
Mariño la revista tanto en papel como por Internet Rasmia Literaria. Contato:
[email protected]. Ramón Hernández. Poeta y artista plástico. Ha sido co-redactor de
revistas de arte y literatura, así como colaborador de otras publicaciones de Caracas y el
interior de Venezuela. Contato: [email protected]. Entrevista realizada en
diciembre de 2002. Página ilustrada com obras de Franklin Fernández.
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Maria João Cantinho: os abismos
selvagens da escrita
Floriano Martins
.
FM - Em tua galeria de entranháveis
identificações mencionas a Dostoievsky,
Mann, Conrad, mas principalmente a
Hesse e Borges. De que maneira hoje se
pode detectar essa identificação, qual a
singularidade do diálogo que tua narrativa
consegue para si a partir da leitura desses
autores? E por onde principia uma
consciência estética em teus escritos?
Como surge, enfim, a contista Maria João Cantinho?
MJC - Sim, de Hesse fui buscar a limpidez da prosa, de uma
aparente simplicidade. Onde as questões metafísicas essenciais
humanas aparecem em toda a sua pujança, como o tema do duplo,
a busca do ideal e do conhecimento, de Deus. Mas o que sempre
me fascinou nele é justamente o modo como a prosa aparece
depurada e despojada, entrelaçando admiravelmente forma e
conteúdo. Essa proximidade encontro-a também, de forma notável,
em Kafka, mas o caminho é outro, a ironia de Kafka é totalmente
outra. Em Borges, o que me fascinou e me deixou a angústia
bloomiana da influência, da qual dificilmente consegui libertar-me,
foi o recurso inesgotável ao maravilhoso, a abertura para um
universo místico e insuperável, a possibilidade de converter a
literatura em acesso ao infinito, algo que nenhum outro escritor me
permitiu ainda. Essa fusão entre onirismo, literatura e metafísica,
toda a pujança desse movimento barroco que existe na literatura
de Borges e que nos conduz ao mais profundo conhecimento do
homem e do pensamento, o aspecto lúdico e subtil herdado por ele
da literatura inglesa e a capacidade alegórica de representação que
Agulha - Revista de Cultura
a sua literatura contém é o que considero o que de mais perfeito se
faz e que está intimamente relacionado com a concepção de
literatura que possuo: uma via para o conhecimento. A literatura é
um compromisso com a vida. Tanto ético como estético. Claro que
há nesta minha afirmação um anacronismo, se compararmos com o
que se faz actualmente na literatura portuguesa, mas essa seria
uma outra questão.
Quanto à última parte da questão: como é que surge a contista? É
simples e respondo de alguma forma ironicamente: a partir de uma
certa altura comecei a achar que também tinha alguma coisa a
contar e que podia contar algumas histórias interessantes… pura
pretensão… a necessidade foi-se tornando muito forte a partir do
final da adolescência, a literatura confundia-se com a vida ou o
inverso, como se a literatura fosse um plano da realidade que me
mantém, justamente, em ligação com a vida. Não saberia estar de
outro modo na vida, acho. Por isso, ao falar de consciência estética,
torna-se obrigatório falar de condição existencial, já que não
separo vida e literatura. Se o faço, isso não é senão artificial, para
que possa viver o quotidiano.
FM - E na literatura portuguesa, em qual correlato se poderia
pensar? Acaso um Manuel de Oliveira teria aí algum papel a ser
destacado?
MJC - Sim, na literatura portuguesa, na minha opinião e sem
querer ser injusta para ninguém, há autores e artistas plásticos que
me marcaram intensamente, mas nunca caberia aí um Manuel de
Oliveira, consagradíssimo na Europa, mas que me deixa
inteiramente indiferente, a não ser unicamente nos primeiros filmes
como Aniki Bóbó, em que a realidade portuguesa se deixava captar
por uma inocência e uma alegria que não existe nos filmes
posteriores desse realizador. Não gosto do cinema que se toma
como pose, onde a formalidade pura se transformou no único
alimento do olhar… onde o cinema se toma como contemplação e
tão só isso… de uma forma geral, seria de falar numa série de
jovens realizadores portugueses que, ultimamente têm feito por
alterar o modelo "oliveiriano" do cinema, retratando uma realidade
mais próxima e viva, não sendo por isso menos meritório, mas o
cinema novo português procura abandonar essa excessiva
intelectualização do cinema e visa a comunicabilidade do cinema.
Aí, torna-se possível falar de um correlato. O que faz a literatura
senão contar uma história? Contando-a da melhor forma que o
escritor sabe? Essa parece-me a questão essencial e remete para a
questão da comunicabilidade da obra de arte: mais do que
comunicar algo, ela comunica-se em si e a si própria como atitude.
FM - Mencionas a "angústia bloomiana", o que me leva a citar uma
reflexão de Antonio Cícero: "a teoria da angústia da influência sofre
Agulha - Revista de Cultura
do mesmo problema da psicanálise em que se baseia. Se alguém
reconhece ter a angústia da influência, isso mostra que a teoria
está certa; se o nega, é porque a denega, e se a denega, isso
também mostra que a teoria está certa. Ora, esse tipo de
imunidade à falsificação é, como mostrou o filósofo Karl Popper,
característico das pseudo-ciências." O que pensas a respeito?
MJC - É evidentemente um paradoxo inquietante, e de nada
adianta ficar remetendo para as suas inúmeras consequências, que,
de uma forma ou de outra, se tornam tão intimidatórias para o
autor como para o crítico, que se vê assim impossibilitado de
classificar o autor sem as tais "balizas referenciais". Imagino o que
terá sido para os críticos da época lerem Ulysses de James Joyce…
No entanto, a questão epistemológica e crítica persiste e faz todo o
sentido: porquê o medo de se expôr à falsificabilidade? Desse
modo, ao temer expor-se à falsificabilidade, qualquer teoria acaba
cedendo às suas próprias armadilhas, julgando encontrar a sua
força num solipsismo estéril. Não creio que haja aí ingenuidade, ao
proceder-se desse modo, mas uma obstinação dogmática, sabendo
o dogmático que a teoria só pode resistir nesse fechamento. E
todos sabemos como os dogmatismos são os mais extremados
exemplos de "pseudo-ciências". Inúmeros são os exemplos dessas
"pseudo-ciências" - mostro aqui o meu total acordo com Popper -,
a começar nos grandes sistemas filosóficos que impediam qualquer
confronto crítico. Isso leva-me imediatamente a uma questão que
me interessa directamente, incómoda, e que é a tendência natural
das várias escolas da teoria da literatura se fecharem entre si e
evitarem o diálogo, criando nos meios académicos e críticos uma
separação artificial e dogmática. Como se não houvesse espaço
para a mais completa diversidade na literatura…
FM - De que maneira, em Portugal, essa postura acadêmica
interfere, por exemplo, na recepção de novas obras literárias?
MJC - Como sempre acontece, por muita abertura que haja, o
academismo define cânones literários, o que dificulta a classificação
de obras que não se encaixem no sistema dominante. Mas isso não
é uma questão que apenas se refira à literatura, mas também em
relação à arte e a formas de anti-cultura e contra-cultura isso ainda
se aplica mais. A questão é a impotência que o crítico, educado a
partir de cânones convencionais, sente diante daquilo que não
compreende. Logo a seguir, surge uma outra questão: mesmo que
ele se sinta tentado à disponibilidade para aceitar essa obra de arte
ou literária ou outra qualquer, musical, por exemplo, como vai lidar
com o que não conhece? Como vai identificar o que possui
qualidade e o que não possui? Todas esses problemas são
subjacentes à recepção da obra de arte em geral, daí que surja a
mais intensa confusão entre o que é bom e contém essa dimensão
Agulha - Revista de Cultura
de contra-cultura, subvertendo códigos e fundando novos (que
nesse justo momento são imediatamente destruídos, como o diriam
Walter Benjamin ou Baudelaire, que o novo e original deixam de o
ser imediatamente no momento em que aparece) e o que é o mais
puro oportunismo falsário, que se pretende como subversivo, não
passando de pura gratuitidade.
Daí a maior das confusões, operada no
meio académico actual, que erra no
momento em que se pretende
democrático. Do outro lado desse
ecletismo acrítico, encontramos a atitude
inversa, ainda pior (pois a democracia é
corrigida naturalmente com a passagem
do tempo sobre as obras), que é a
exclusão de tudo o que não é clássico e
não provém directamente do meio
académico. Isso acontece sobretudo com
a poesia portuguesa, mais do que com o
romance, já que a mescla entre crítico de poesia e poeta é muito
vulgar em Portugal e o crítico de poesia possui a legitimidade do
academismo, na maior parte das vezes. A partir destas duas
atitudes possíveis, é fácil prever o que acontece na recepção de
novas obras literárias. Aceita-se com demasiada facilidade tudo o
que é contra-corrente, mesmo não se sabendo se isso vale grande
coisa, o paradigma do vanguardismo é ainda muito forte na crítica
literária (caberia uma reflexão séria sobre o que é a inovação), mas
rejeita-se com demasiada facilidade o que discreta e solidamente
se impõe na literatura.
Com isto, falo evidentemente dos grandes escritores como João
Aguiar, João de Melo, Almeida Faria, Mário de Carvalho, Mário
Cláudio, que tão facilmente são esquecidos por não se integrarem
nem no gratuito nem no previamente estabelecido. Já para não
falar das imensas escritoras mulheres (a ficção em Portugal é
sobretudo domínio das mulheres) que possuímos e que são
totalmente ignoradas ou lidas em círculos cultuais. São tantos os
exemplos disso que não caberia aqui citá-los. E o problema que
persiste, também, é essa esquizofrenia entre a consagração
definitiva dos grandes autores e a aceitação imediata e acrítica de
jovens escritores que, na maior parte das vezes, não possui essa
qualidade que a todo o momento vemos sobrevalorizada pela
crítica. Seria ainda muito importante falar num outro aspecto que
cria a maior das confusões e que é o equívoco entre o mercado da
literatura e a literatura em si, coisa que em muito se assemelha ao
que se passa na questão da arte. São as grandes editoras, as que
sabem fazer um bom marketing, que "fazem" os autores, questão
que tende a sufocar cada vez mais a literatura.
Agulha - Revista de Cultura
FM - É interessante observar que já em 1965 o francês Jean
Schuster dizia que "a finalidade imediata da publicidade é a
destruição massiva, contínua e racional dos produtos pelos
produtores, alienados esta Segunda vez como consumidores",
caberia discutir, a partir dessa ótica, o ardil a que são levados
esses autores que se deixam fazer pelo marketing. Mas me
interessa aqui evidenciar essa tradição de vozes feminina na ficção
portuguesa. Como identificas essa tendência e quais os obstáculos
encontrados por essas escritoras e que as deixam restringidas aos
círculos cultuais, como dizes?
MJC - Não quero que haja qualquer conotação pró-feminista ou antichauvinista no que digo, pois a coisa é puramente factual. O que
parece ter vindo a afirmar-se é essa vantagem que as vozes
femininas têm conquistado na ficção portuguesa. Creio que a
situação não pode apenas justificar-se pelo acesso ao meio
literário, pois esse acesso é extensivo à poesia, igualmente. Mas,
sobretudo com uma arte da paciência que o romance parece
conter, um hábito, por excelência, feminino (hábito não meu,
certamente), em que a escrita vale sobretudo pelo pormenor, pelo
reescrever, por uma construção sistemática e hábil que exige a
lentidão, um tempo de espera/gestação, se é que é possível falar
assim. Nesse sentido, acho que não faz sentido de falar de uma
escrita feminina ou distinguir masculino/feminino, pois essa
discussão estéril já foi levada longe de mais, mas acho que é
natural esse ritmo do romance e da ficção à mulher, enquanto que
a poesia, mais descontínua (não obstante a presença do longo
poema, como em alguns casos), revela essa impaciência masculina
que se revela no dizer. Apesar disso e da forte presença da mulher
portuguesa na ficção, não esquecer que as vozes dominantes do
romance português são as masculinas, ainda. Cito dois para
arrumar o assunto: José Saramago e Lobo Antunes…isso não
significa, todavia, que o universo masculino tenda a abafar o
universo feminino, creio que isso foi há muito ultrapassado. O que
acaba por acontecer é que a escrita dessas mulheres, citando casos
como Gabriela Llansol, Hélia Correia, Ana Teresa Pereira, Cristina
Victória, é difícil, hermética, daí que o acesso seja restrito. O
romance, não masculino, mas escrito por homens, tem um pendor
mais realista e social, o acesso torna-se assim mais fácil ao leitor, à
excepção, talvez, de um Rui Nunes. Por isso, há que distinguir esse
cultualismo que se relaciona directamente com o carácter da obra
de uma ou outra ambiguidade política e marginalizante. As
mulheres atravessam um período muito bom, de repente todos os
meios universitários e editoriais foram "tomados" por elas, em
virtude da desproporção e isso não pode senão traduzir-se em
vantagem, em todos os níveis. As escritoras que mais vendem,
nesse modelo copiado dos EUA e britânico, são ainda mulheres,
ainda que essa não seja literatura. Mas não defendo a sua
extinção, como muito boa gente. Não acho mal que uma Margarida
Rebelo Pinto facture milhões e reedite continuamente, acho que
Agulha - Revista de Cultura
isso é óptimo (sobretudo para ela e para idênticos modelos
mediáticos) e não diminui em nada a qualidade da literatura
portuguesa. Creio que os bons escritores não seriam mais lidos se
ela deixasse de publicar, acho que eles continuariam a não ser
lidos, tão só isso. E não acho que ser lido em círculos cultuais seja
demérito…
FM - E como tens sido considerada dentro deste universo? O fato
de seres mulher implica em algum obstáculo, na sociedade
portuguesa, à recepção de teu trabalho, incluindo a intensa
atividade jornalística que vens realizado?
MJC - Não creio que ser mulher seja impeditivo, nesse sentido em
que muitas vezes se coloca a questão. Acho que fui discretamente,
mas muito bem recebida, por duas razões. O meu primeiro livro foi
divulgado em círculos restritos, pelo facto de a editora não estar
consolidada no mercado, um pouco marginalizada até. Como nunca
havia pensado em publicar, o livro foi para mim um pouco uma
surpresa, não cheguei a procurar editoras, mas nasceu de um
convite do editor. Creio que o facto de ser uma editora pequena foi
um dos obstáculos à divulgação do livro, num ano em que os livros
publicados eram muito bons e foram muito bem lançados pelas
editoras que os haviam editado. Apesar disso, furei o "bloqueio"
que havia e a obra chegou muito bem onde devia chegar,
chamando a atenção de críticos cuja opinião me é extremamente
importante e que muito contribuiu para o reconhecimento das
fragilidades de uma primeira obra. O livro foi alvo de atenção
apaixonada, por parte de leitores que me escreviam, intensamente
impressionados, o que me tocou particularmente. Porque, mais
importante do que chegar ao mercado, é chegar ao leitor e tocá-lo,
essa a função da literatura, por muito que ouça alguns escritores
dizerem que não escrevem para o leitor. Sem querer ser simplista,
escreve-se porquê e para quem?…É evidente que uma coisa é
escrever a pensar naquele que nos vai ler, o que nunca me parece
válido, a não ser aplicado ao jornalismo e à escrita de carácter
informativo, outra é transformar a literatura num acontecimento da
linguagem, um transfiguração do real e, ao mesmo tempo, um
lugar de fundação do real.
Agulha - Revista de Cultura
Por outro lado, posso dizer que devi, em
grande parte, o "furo do bloqueio" pelo
facto de (algumas pessoas ligadas ao
jornalismo não gostam de ouvir dizer isto
e acham que as coisas não devem ser
misturadas e eu própria acho que elas
não devem ser misturadas),
paralelamente ter iniciado e desenvolvido
uma actividade ligada ao jornalismo,
escrevendo em publicações como a
Crítica, revista on-line, tal como a StormMagazine, onde trabalho agora, bem
como em publicações como a revista
Livros e o jornal de poesia Hablar/Falar de Poesia. Digo que isso
ajudou a "furar o bloqueio", mas não que me consolide nenhuma
carreira literária, porque disso só o tempo falará e, por enquanto,
não tenho muitos livros publicados, como sabes. Conto fazê-lo,
futuramente…Por outro, a actividade jornalística intensa, como
dizes, é também impeditiva, pela dispersão que causa. Tenho um
romance empatado porque não páro de escrever recensões e
ensaios. Por último, é-me difícil dizer se fui melhor recebida aqui ou
ali. Creio que uma certa popularidade resulta da segunda, mas isso
também se traduz num acréscimo de responsabilidade, como bem
sabes…tens os olhos postos em ti, de cada vez que sai algo. Se
fizeres disparate, ficas mais exposto, claro. E o inverso também
vale.
FM - Observei algumas críticas a respeito de teu livro de estréia, A
Garça (2001), e ali encontro menções ao fantástico, a contos
infantis ou fábulas metafísicas, ou seja, um emaranhado de
conceitos que em nada ajudam a compreender a poética de um
autor. Decerto tens tua própria idéia de abrangência estética deste
livro. Poderias nos falar a respeito?
MJC - O conto fantástico, em Portugal, é visto como uma
modalidade literária ultrapassada. Ouvi um crítico dizer isso há
algum tempo. Há excelentes contistas fantásticos, lembro dois ou
três mais conhecidos, sem querer cometer injustiças, como Mário
de Carvalho, Hélia Correia e Ana Teresa Pereira. Houve sempre
uma resistência, por exemplo, à introdução do fantástico, fosse o
gótico ou o surrealista. Tende a predominar uma literatura de
pendor mais realista, de forte tradição herdada do neo-realismo,
com um pendor social bem acentuado, também em virtude da
experiência social e política em que vivemos durante tanto tempo.
Primeiro uma literatura mais amarfanhada e castrada pela censura
e depois mais livre, mas ainda arreigada a esses modelos.
Actualmente, creio que, mesmo os jovens autores, à excepção de
Cristina Victória, se encontram ligados a esse "realismo", termo
que utilizo cuidadosamente para designar essa mescla de correntes
pós-modernas que existem, que vão desde um realismo mágico
Agulha - Revista de Cultura
(como por exemplo em José Luís Peixoto), a um romance de
carácter desencantado e cínico. Já sem falar num realismo social
despojado, que se destrói por autofagia, reduzindo a literatura a
esquemas e tipos de análises sociológicas e antropológicas
desinteressantes. Com isto, dizia-te que quando se aborda o
fantástico, as categorias ou cânones de avaliação se tornam bem
confusos (talvez pelo próprio fantástico português ser confuso e ter
assimilado vários autores, misturando-os indiferenciadamente…).
Quanto a essa recensão de que falas, e que acho a melhor de
todas, creio que a de Rui Magalhães, ela é a mais justa para com a
minha obra, onde me senti mais reconhecida. Creio que ela se
confunde com uma análise hermenêutica que é mais alargada do
que uma simples análise literária. O que pode tornar-se difícil aos
olhos de um leitor vulgar que fica indeciso se deve ou não ler uma
coisa tão complexa. No entanto, não creio ser capaz de definir
melhor A Garça do que o próprio crítico o fez. Posso é explicitar
como se cruzam os vários caminhos e, sobretudo, falar de um
acento melancólico que o próprio crítico compreendeu e bem. Como
o livro reúne vários contos que foram escritos ao longo da minha
vida (e que lhe empresta uma certa heterogeneidade que pode ser
vista como uma das fragilidades do livro), o tom oscila entre vários
registos que foram importantes, marcando as minhas experiências
literárias e vivenciais, já que não consigo separar vida e arte, tenho
uma grande dificuldade em fazer essa distinção, levantando-me
mesmo um problema de coerência. Jamais fui capaz de escrever
um conto e sair para ir beber uns copos a seguir. Mergulho num
estado de densidade existencial que me complica a vida…e me
torna incompatível com ela. Como todas essas fases constituiram
um tecido de maturação existencial, de formação, é difícil dizer que
o livro não seja uma "obra de formação". Creio que todas essas
personagens que aí habitam, nesse espaço ou escuridão literária,
são uma espécie de fantasmas que lutaram pela sua libertação. Daí
que o registo vá desde o conto infantil, porque muito influenciado
por autores que me dominaram ainda a adolescência e ainda hoje
me impressionam, como Rudyard Kipling, Conrad, Jack London,
entre muitos outros, estabelecendo passagens com o mundo da
minha infância, com essa aura incrível de uma infância passada em
África, entre as caçadas do meu pai, as fugas de casa e a minha
paixão intensa por um mundo onde a leitura, o silêncio e a escuta
solitária se transformaram em aspectos fundamentais. A minha
obsessão por aves e por cavalos também vem daí, penso que muita
coisa é facilmente explicável, mesmo que a presença não seja
senão fantasmática. Mais tarde, a influência forte de Hesse, Poe,
Blake, Chesterton, Borges, Calvino, de Walter Benjamin e de
Platão, de Niteszche, haveriam de tecer o "pano de fundo" de
outros contos, aí claramente tomando o aspecto de "fábula
metafísica", como nos contos "A Garça", "O Animal que sonhou ser
deus", "Uma Estranha Aventura", "O pintor chinês" e o final
"Requiem para uma pequena garça", esse condensando a mais
Agulha - Revista de Cultura
estranha de todas as fábulas. Se estiveres com atenção, verás
ainda, não apenas a literatura, mas a forte influência do cinema e
da pintura. Kurosawa, num certo período da minha vida foi uma
doença do olhar, juntamente com, Bergman, e Wenders, entre
outros. Creio que os ambientes e o modo como procuro situar as
personagens obedecem claramente (mesmo que
inconscientemente) à lógica do cinema, numa procura de, pela
economia das palavras, fazer ressaltar as imagens, dando à
imagem uma força que as palavras e a literatura muitas vezes
obscurecem.
A par dessa obsessão claramente remetendo para a infância, há o
outro aspecto que se prende com uma dificuldade. Como fazer com
que as questões metafísicas ali estivessem sem que as
personagens se tornassem insuportáveis de ouvir? Como falar de
Deus, da origem da linguagem, das palavras e das imagens, da
morte, da liberdade, sem que uma engraçada personagem
aparecesse por ali a desafiar o leitor? Foi assim que nasceu o
primeiro conto, "A Garça", que acabou por dar o título ao livro. A
garça é personagem, mas é simultaneamente a autora/actriz, a
dramatis persona que me faltava para encaixar o puzzlle, fazendo
encadear os contos uns nos outros, dar-lhes uma continuidade que
lhes é conferida pelo questionamento filosófico, que aparece nas
suas múltiplas formas, desdobrando-se. Ela não se deve ao acaso,
creio hoje, mas nasceu da necessidade de resolver um problema e
por essa mesma razão, a sua morte aparece no final do livro, a
fechar o círculo. Dizer mais do que isto, complicar com as heranças
e as correntes estético/literárias que pulsam na obra é estragar o
prazer da sua leitura, pois o que me motivou sempre a escrever foi
esse questionamento filosófico, a escrita como processo de autoconhecimento, numa aprendizagem por vezes muito dolorosa da
vida. Isso transparece em alguns contos, o medo do crescimento, a
obsessão do tornar-se sempre um outro, a metamorfose como
reconhecimento da passagem do tempo e a ameaça do devir
constante, o envelhecimento e a descoberta de uma sabedoria
interior que é ofuscada pelas aparências…bem, mas isto já não é
literatura e sim filosofia…Houve um crítico que disse (e muito bem)
que eu usava a literatura como um expediente para a filosofia.
Tenho de ter cuidado com isso, certamente…
FM - Como tens publicado também um livro de poemas, indago se
tua relação com o conto e a poesia está mediada por alguma
circunstância hierárquica?
Agulha - Revista de Cultura
MJC - Hierarquicamente, a coisa é
simples. Considero que, na prosa, sou
claramente superior à poesia. Na poesia
ainda estou muito presa a coisas que
detesto em outros poetas e foi uma
experiência difícil, a publicação do livro.
O facto de ser crítica de poesia dá-me
uma consciência muito lúcida do fazer
poético. Sou uma leitora apaixonadíssima
de poesia, sobretudo dos
contemporâneos. Além de que muitos
dos meus melhores amigos são
excelentes poetas, daí que eu sinta
claramente essa desvantagem na pele. Como um amigo poeta
disse, este é um livro inspirado e sincero, mas é de fazer a
questão: o que é isso na poesia? No entanto, gosto de escrever
poesia, é uma das facetas da minha obra que, provavelmente, não
repetirei de forma tão ingénua. Digo isto pelo seguinte: o livro
recebeu uma menção honrosa de um prémio nacional. Daí que o
salto para a publicação tivesse sido dado logo no momento da
divulgação dos prémios. Acho que devia ter sido mais trabalhado,
devia ter esperado mais pela decantação dos poemas. É um facto
que me precipitei. Gostaria de repetir a experiência de um outro
modo, sem precipitações. A poesia é uma ars moriendi, por
excelência. Não há que ter pressa. Há que saber esperar, muito
mais do que no conto, quase sempre escritos de rajada, num ritmo
insano, perseguindo ideias como um caçador seguindo o rastro da
presa. São ritmos inteiramente diferentes e sei que ainda não
atingi essa arte da paciência tão necessária à poesia.
FM - Abro ao acaso (gosto de fazê-lo) uma página do livro De
segunda a um ano, de John Cage, e ali encontro: "A má política
produz boa arte. Mas para que serve a boa arte?" Creio que a
resposta nos leva a qual tipo de relação um artista mantém com o
próprio tempo. De que maneira tua experiência de vida é
determinante no que escreves e como se dão as relações entre arte
e política em Portugal neste princípio de século?
MJC - Essa deliciosa frase suscita um paradoxo que permanece
como uma sombra de indecisão sobre a arte em geral e sobre a
literatura em particular. O tema do compromisso ético, ainda que
esteticamente pouco recomendável nos dias que correm, é-me
caro. Posso comprovar o que Cage disse, recorrendo à literatura
portuguesa e, em especial, à poesia portuguesa, nos duros anos do
regime fascista. Sabes, certamente, que a excelente poesia
portuguesa nasceu dessa necessidade de romper o círculo da
censura, criando a possibilidade da multiplicidade de poéticas tão
diferenciadas, que resultavam do esforço de um "querer dizer" o
que não podia ser dito. Assim como autores portugueses como
Saramago, Cardoso Pires, etc., dando conta de um painel político
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sufocado e decadente. Já não quero falar, obviamente dos casos
poéticos extremos de compromisso como Paul Celan e tantos
outros. Nenhum artista é indiferente ao seu tempo, acho, mesmo
que o pareça, mesmo que ao lermos muitas obras, hoje em dia,
elas nos pareçam absolutamente descomprometidas,
"irresponsáveis", sobretudo no caso dos autores mais jovens.
Mesmo que nos pareçam alheios, há uma relação directa, não com
a política, mas com a época. Nos dias que correm, em Portugal,
vemos precisamente uma tendência para um cinismo na literatura
dos jovens, contrariamente aos autores mais velhos (que também
não deixam de o ser, à sua maneira, mas sentem-se mais
responsáveis), que se traduz numa literatura que muitas vezes
resvala para o facilitismo. Viver em democracia traz uma certa
desresponsabilização política e a atestá-lo, estão as elevadíssimas
taxas de absentismo. Não é necessário fazer da literatura, como o
fazia claramente o neo-realismo português e a poesia da década de
70, um instrumento de crítica contundente da sociedade e dos
valores. Cai-se, por reacção, na atitude típica do pós-moderno e
epígonos, a atitude do "tanto faz", da sobrevalorização do
mediático e da imagem, das imagens de sucesso e bem-estar, tão
propagadas pelos media, procura-se a todo instante expurgar a
dor, a melancolia, o mal-estar (citando um ensaísta português que
admiro imensamente, João Barrento), remetendo-a para o domínio
das patologias mentais. Todavia, a escrita é na maioria dos casos e
também no meu, uma forma de responsabilização, não
directamente política, mas ética. O meu livro foi criticado
justamente por isso e tal fez-me rir. Foi criticado por se encontrar
cheio de boas-intenções, ou seja, por um questionamento filosófico
dos valores que lhe é intrínseco. Logo a seguir, sai a recensão de
Rui Magalhães, a dizer exactamente o contrário: que o meu livro
não era um livro de boas-intenções, mas justamente o inverso. É, e
eu concordo inteiramente, uma escrita habitada por uma
preocupação existencial constante, o que não faz dele um livro de
boas-intenções. É uma obra desencantada e melancólica, o
primeiro conto começa com um homem à beira de suicidar-se, que
procura firmar-se numa réstea de esperança. A questão é
justamente a de saber se ela é possível e se a linguagem cumpre
ou não o desígnio da salvação.
Floriano Martins (Fortaleza, 1957). Poeta, ensaísta e tradutor. É um dos editores da Agulha
(http://www.revista.agulha.nom.br/ageditores.htm). Entrevista realizada com a
filósofa e ficcionista portuguesa, Maria João Cantinho (1963), por ocasião da publicação de
O Anjo Melancólico (dezembro de 2002), substancioso estudo da obra de Walter Benjamin.
Página ilustrada com obras da artista Paula Rego (Portugal).
Agulha - Revista de Cultura
revista de cultura #
32 - fortaleza, são paulo - janeiro de 2003
Numerologia nAs Minas de Salomão
Maria Estela Guedes
.
A tradução portuguesa de As Minas de
Salomão foi revista por Eça de Queiroz primeira edição em 1891. Usei a oitava,
Livraria Chardron, de Lello & Irmãos, L.da,
Porto, 1928. Empreendi a leitura na
expectativa de matéria enriquecedora de
quanto já tenho escrito sobre naturalistasexploradores em África, em particular
Francisco Newton (muita matéria em linha na
TriploV). E consciente de que a fronteira entre
literatura científica e Literatura não é tanto de
meios como de fins. A questa das Minas de
Salomão decorre algures no interior do sul de África, e tem como
ponto de partida o facto de o primeiro explorador a penetrar nelas
ter sido um português, D. Pedro da Silveira, no século XVI. Esse
conhecimento transitou para um parente, José da Silveira,
fazendeiro de Lourenço Marques (actual Maputo, Moçambique), sob
a forma de um mapa riscado num pano de linho com o próprio
sangue do seu antepassado.
Graças ao mapa, foi possível aos ingleses alcançar, três séculos
mais tarde, as fabulosas minas de diamantes que decerto
permitiram a Salomão construir o Templo. Delas sobrariam
construções em pedra, como a Estrada de Salomão que a elas
conduzia, e uma caverna cheia de tesouros, que os ingleses
redescobem com o íntimo gáudio de terem assim passado à frente
dos portugueses.
Iniciada a leitura, comecei a verificar que uma das bases
arquitectónicas d'"As Minas de Salomão" é a aritmética, o que
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porventura lhe confere carácter científico:-). A tal ponto os
números se apresentam em quantidade e qualidade, que dei por
mim, sempre que surgiam à tona das letras, a surpreender-me:
"Então e o 7, não aparece?"
Ora, não sendo a matemática uma das minhas sequer mínimas
aptidões, não vou envolver-me em cálculos, ainda que passíveis de
conduzir aos diamantes salomónicos. E também não pretendo
mergulhar nas volubilidades mercuriais da exegese cabalística.
Apenas mostrar, a quantos fecham os olhos a esta capacidade de
um texto acumular várias linguagens, entre elas um código
secreto, como se ele não existisse, quando é os alicerces da
criação, que ele está lá, e não só está como constitui o principal
vector de sentido da obra - o login para aceder à informação. Por
conseguinte, vamos acompanhar alguns passos do livro e ficar pelo
sentido literal deles, se tal é possível - sim, o sentido literal, essa
miragem dos racionalistas.
O TRÊS, CORRELATOS & OUTROS ALGARISMOS
Por correlatos do 3 entendam-se o 6, o 9, o 12, o 18, o 30, o 300,
etc., e também o triângulo, a pirâmide, o trio e a tripeça. Vejamos
como se comportam eles ao longo da narrativa.
D. Pedro da Silveira alcançara as Minas de Salomão 300 anos antes
dos protagonistas desta história, que o narrador diz serem 3,
apesar de nunca serem só 3, pois vão acompanhados por outros
caçadores do tesouro, como o zulu que virá a tornar-se rei do país
dos kakouanas, região onde se localizam as Minas de Salomão. Não
vejo na circunstância nenhuma exclusão racial, essa exclusão tem
o mesmo valor que a do 14, 25 ou qualquer um entre infinitos
números. Quando se trata de referir numericamente os elementos
da equipa, o narrador diz "três": ele mesmo, Allan Quatermain, que
na tradução portuguesa é Quatermar, o barão Henry Curtis e um
marinheiro, o capitão John Good. São três porque o três é por si
uma pessoa, a Trindade.
Quando os 3 tomam conhecimento da existência das minas, o
informador declara que ouvira falar delas pela primeira vez 30 anos
antes. Justificando a sua vontade de partir à descoberta apesar dos
perigos da viagem, Quartelmar afirma: "...estou velho, já vivi três
vezes mais do que costuma viver na Africa um caçador de
elephantes" (p. 41). Logo no primeiro troço de viagem: "sahimos
de Durban no fim de janeiro, e andadas quasi as trezentas leguas
que vão d'aqui ao sitio em que se juntam os rios Lukanga e
Kalukue..." (p. 51). Nessa jornada, dos vinte bois que puxavam o
carrão "só doze restavam" (p. 51).
Agulha - Revista de Cultura
Quando as horas não são certas, apesar
de terem relógio, diz-se "quase nove"
(p. 57). Quando se trata de dezena
imprecisa de factos ou objectos,
escreve-se "dez ou doze", ou um
"rebanho todo, vinte a trinta
elephantes", dos quais matam 9,
passando dois dias a serrar-lhes os
dentes (p. 58).
O que os viajantes levam na bagagem
traduz-se em quantidades: três revólveres, cinco mantas, etc., e
algo mais extraordinário: um compasso e uma enxó. Para quê uma
enxó, instrumento de carpinteiro que serve para desbastar
madeira? O compasso, sim, serve ao risco de mapas. O que serve
para cortar madeira é o machado, a enxó, o mais que podia, era
ser útil ao afeiçoamento da madeira de Acacia mimosa, árvore que
ficamos a saber faz parte da flora do reino dos zulus, introduzida
talvez por D. Pedro da Silveira. A enxó deve ser um instrumento
que está para a madeira como a trolha para a pedra, e só por isso
faz parte da bagagem de exploradores que vão atravessar o
deserto.
Para persuadir três negros a segui-los, os 3 aventureiros têm de
lhes dar três facas de mato e uma manta (p. 74). Quando a lua
nasce, é pelas 9 horas (p. 75). Após uma pausa de 30 minutos (p.
79), seguem caminho, sonhando acordados com o paraíso de quem
tem sede: água. E pelas 6, "já o sol ardia" (p. 79). Novo descanso,
porém às 3 horas acordam (p.79). Já quase morto, Quartelmar cai
no chão e cerra os olhos. Mas Umbopa desperta-o: "à distancia de
oito ou nove milhas" via-se um outeiro que devia ser um dos Seios
de Sabá (p. 83). Chegam então ao pé de um cômoro estranho,
"especie de duna d'areia, escura, lisa, atarracada, da altura d'uns
trinta metros..." (p.84). "De sorte que, descobrindo a umas
trezentas jardas..." (p. 93) algo que não interessa à matemática,
perguntemos: e então o número 7, que todos sabemos ser o
número da Criação, não aparece?
Algo começa agora a ganhar volume na mente do leitor: entre mil e
um números que anunciam sofrimento ou presidem à torturante
travessia do deserto, o 3 e correlatos anunciam a água, isto é, a
porta para sair do lance dramático, que pode ser água mesmo, ou
qualquer outro facto ou elemento que lhes possibilita a
sobrevivência e o avanço no percurso. É assim que os trinta metros
do cômoro na página 93 anunciam a descoberta de quantidade
imensa de melões na página 95. Os moribundos dessedentam-se e
tornam à vida, depois de terem comido/bebido quantos melões?
Trinta, exactamente.
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Bem, seria maçador dar mais exemplos, por isso avancemos sobre
os três mil homens que viviam na povoação kakouana, dos quais
"Nenhum media menos de seis pés de altura" "e todos veteranos
de quarenta anos" (p. 135), guerreiros munidos de azagaia e "três
facas (uma no cinto, duas em presilhas no escudo)" (p.136). Estes
guerreiros saudavam o chefe com três gritos "krum! krum! krum!"
(p. 136). Sim, avancemos sobre a circunstância de a maior
festividade kakouana ser em Junho, como o S. João, sobre as
cubatas de chão coberto com ervas aromáticas, que
reencontraremos mais longe, avancemos sobre este facto singular:
John, cujo nome se traduz por João, de santo não tem nada, mas
lembra Jano, o deus das portas, o que abre o ano pela janela de
Janeiro. O capitão John andava sempre de colarinho engomado,
dentes postiços e monóculo, todo aperaltado, nestas aventuras.
Certa vez o grupo foi surpreendido pelos kakouanas junto de um
regato onde John se banhava, lavava os colarinhos engomados,
mais as calças. Tentava barbear-se mas ainda só rapara a cara de
um lado. Surpreendidos, foram obrigados a acompanhar os
kakouanas. O capitão John assim seguiu, sem calças, de cara
rapada só de um lado, tal como Jano, o deus das duas caras.
Saltando tudo isto, chegamos à cidade de Lú (sob o signo da Lua,
numa colina em forma de ferradura ou meia lua, aquática como a
Atlântida, apesar de situada no interior africano e a dois passos do
deserto) - "Para cidade d'Africa era enorme, - com seis milhas
talvez de circumferencia, toda ella defendida por estacadas, e
rodeada de pomares e de vastas aringas onde se aquartelavam
tropas. Pelo centro corria um largo e claro rio, vadeado por pontes.
Para o norte, a duas milhas, erguia-se uma collina, que offerecia a
fórma singular d'uma ferradura; e, mais longe, a umas sessenta
milhas, surgiam bruscamente da planicie, em triangulo, tres serras
isoladas, escarpadas, todas cobertas de neve." (p. 141-142). Os
heróis são muito bem recebidos na cidade, com direito cada um a
sua cubata, feitos os leitos de peles estendidas sobre colchões de
ervas aromáticas. "Tripeças pintadas alternavam com frescas
vasilhas de água" (p. 144).
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Eles hão-de chegar às Minas de Salomão,
e aí John revela-se um homem de
têmpera ao recusar diamantes, porque
um inglês não se vende por isso, e vê-losemos nós enfrentar ainda enormes
perigos, um deles a 3 de Julho, quase 4 e
por um triz não era o 14, porém a 3 de
Julho é necessário demonstrar que os
três são homens das estrelas, fazendo
qualquer milagre. Ora não se é
marinheiro em vão: John traz com ele
um almanaque marítimo que anuncia um
eclipse total do Sol a 4 de Julho, data tão
memorável como o 14 de Julho, de modo
que se valem da ciência para enganar os
negros, o que aliás não parece próprio
dos ingleses. Datas memoráveis porque
em qualquer delas a História ergueu ao
alto um conjunto de princípios
democráticos que os três implantarão no reino dos kakouanas, a
saber "a nobre instituição do jury" (p. 185), os Direitos do Homem.
Estes factos de linguagem ficcional têm um espelho na passagem
do diário de Padre Duparquet (veja "Viagens na Cimbebásia", no
TriploV) relativa à morte do explorador Anderson nas margens do
Rio Cunene: os dados biográficos estão errados apenas para em
vez deles aparecerem as datas das revoluções americana e
francesa: 4 e 14 de Julho, ambas caras à Maçonaria, tal como o 3,
triângulo e correlatos, seus símbolos mais comuns.
Por isso a garantia do novo rei dos kakouanas, convertido ao
republicanismo, de que sob a sua legislatura nunca mais haveria:
"matanças de festa nem execuções sem julgamento". Essas
matanças de festa rematavam cerimónias com danças durante as
quais as donzelas agitavam nas mãos "uma palma verde e um lírio
branco" (p. 187). Por falar em "branco", é extraordinário como
nesses confins africanos um rei negro que poucos brancos devia ter
visto injurie os ingleses à castelhana, a menos que se trate de uma
forma queiroziana de ironia: "E quem és tu, perro branco, para vir
latir contra o leão na sua caverna?" (p. 193).
Entretanto afastámo-nos algum tanto dos números, mas anote-se
em como o 3 prenunciou de facto uma saída airosa para o que
parece um rol de provas misteriosas que os três precisam de
passar antes de amadurecerem o bastante para entenderem a
moral da história. E de passagem diga-se que os kakouanas usam
em combate a táctica do quadrado de três lados, o que não deixa
de ser vanguarda, e que uma das suas armas é o machado de
guerra. O machado lembra a enxó, apesar de esta pertencer às
artes da paz : "Meia hora depois os regimentos (a flôr do exercito
dos Kakouanas) estavam em formatura nos tres lados d'um
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immenso quadrado"(p. 200); "Ignosi então recuou um passo
erguendo no ar o seu formidavel machado de guerra" (p. 202). Já
numa evocação do regimento dos Pardos da revolução baiana,
escreve-se, a pp. 209: "Este regimento tinha por nome os Pardos,
porque usava plumas pardas na cabeça. Era composto por tres mil
praças", e outro algarismo não seria de esperar, pelo que o capítulo
IX remata com esta consideração de alto teor estratégico: "- Bom,
murmurou Infandós, vamos ser atacados por tres lados" (p. 210).
Neste ponto do meu ensaio, já o leitor certamente se interrogou:
"Então e o 7, esse número mágico entre todos os números
mágicos, não aparece?" O que aparece, logo à boca do capítulo X é
o 3: "Devagar, em perfeita ordem, as tres columnas avançaram."
(p. 211). Estamos num cenário de guerra, os ingleses suspiram por
uma metralhadora e eis que: "O pobre commandante de pelle de
leopardo avançára das fileiras uns trinta passos" (p. 212). Menos
do que isso só podiam ser três e mais de trezentos ficava fora do
alcance das carabinas.
No capítulo da descida aos infernos, isto é, da entrada na caverna
do tesouro, deparam com "tres pequenas torres ou tres marcos
colossaes". E é nesse momento que Quartelmar desvela o mistério
do três, ao analisar o que poderiam ser aqueles ídolos ocultos no
país dos zulus: Eu por mim, das minhas reminiscencias da Biblia,
colligia que deviam ser talvez os falsos Deuses que adorou
Salomão - "Asthoreth deusa dos Sidonios, Chemosh deus dos
Moabitas, e Milcolm deus dos filhos de Amnon". Assim diz o Livro
Santo (p. 241).
Os antepassados de Indiana Jones
encontram os diamantes de Salomão, o
problema é sair da caverna e levá-los
para o mundo civilizado. Antes de isso
acontecer, morrerão de fome e sede. E
essa é a moral da história, a lição que
aprendem e a velha feiticeira Gagula
lhes ensina: os diamantes não se
comem nem se bebem. Mas encontram
os diamantes, sim, guardados em três
cofres de pedra, dois selados e um
aberto (p. 258).
Algo de registar ainda, embora em princípio não se relacione com a
matemática, é a pedreira ou amontoado de pedras ainda não
afeiçoadas que encontram nos labirintos da gruta: "E com effeito
havia alli como umas obras interrompidas - pedras serradas e
esquadradas, um monte de cimento, e uma picareta e uma trolha,
semelhantes ás que ainda hoje usam os pedreiros. Contemplei com
reverencia estas antiquissimas ferramentas" (p. 256-257). As
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aventuras na caverna são perigosas e envolvem mais números,
entre eles o das terríveis trinta toneladas da porta de pedra que de
repente baixa, deixando-os presos lá dentro (p. 262). Vão morrer
de fome e frio os heróis, nas entranhas da terra, e nem palavras
mágicas como "Sésamo" ou "Vitriol" dali os poderão arrancar. Não,
não há milagres em tal agonia. Porém eis que à morrente luz da
candeia o barão Curtis se lembra das horas e pergunta por elas, ao
que Quartelmar responde que "Eram seis horas" (p. 266). Com
uma tal palavra de passe, a seguir só poderiam aparecer trinta
melões ou algo melhor ainda que os salvasse da morte certa, mas
não. Não, vão sofrer muito nas entranhas da terra até que
finalmente, por misericórdia dos deuses, no capítulo XV, "Nas
entranhas da terra", Quartelmar se lembra de olhar para o relógio
e pasme-se: "Eram sete horas!".
O desaparecido número da tabuada chega com a sua grinalda e
plumas de pavão, imponente e orgulhoso, pronto a rematar a
história com um formidável happy end. E assim foi. Um fio de ar
guiou-os através das galerias da velha mina até ao exterior da
montanha, e justamente lá fora Infandós interpretou correctamente
o lance: "- Oh meus senhores! Sois vós! Sois vós! Voltaes do fundo
dos mortos!... Voltaes do fundo dos mortos!..." Do fundo dos
mortos, anote-se, e não do mundo dos mortos. Voltam dos
abismos da sua interioridade e não do espaço físico - esse é o
sentido da fórmula V.I.T.R.I.O.L. dos ritos iniciáticos da maçonaria,
que se traduz por "Mergulha nas entranhas da terra e aí
encontrarás a oculta Pedra".
Concluindo, não será talvez correcto afirmar-se que a presença de
Eça de Queiroz neste livro o tornou melhor do que o original. Os
fragmentos que lemos não são da ordem do retoque verbal, tratase de algo essencial à narrativa em que um tradutor não pode
interferir. E também não parece correcto apoucar a obra como
sendo fruto de inspiração recebida de "A Ilha do Tesouro", de
Stevenson. "As Minas de Salomão" são uma utopia que pertence à
linhagem de "A Nova Atlântida" de Francis Bacon ou de "Erewon"
de Samuel Butler, com forte componente esotérica e maçónica,
integrada num género de grande sucesso como é o romance de
aventuras. Com a vantagem de o esoterismo se revestir de ironia,
quando nos apercebemos da máscara de comédia que vela a face
da numerologia.
Maria Estela Guedes (Portugal, 1947). Criou e dirige a revista TriploV (www.triplov.com).
Publicou, juntamente com Nuno Marques Peiriço, o livro Carbonários. Operação Salamandra
(1998). Contato: [email protected]. página ilustrada com obras da artista Paula Rego
(Portugal).
Agulha - Revista de Cultura
revista de cultura #
32 - fortaleza, são paulo - janeiro de 2003
Reflexos expressionistas na poesia
italiana
Tiziano Salari
.
No conceito abrangente de Expressionismo
literário fazem parte, para Gianfranco Contini
(em Ultimi esercizi ed elzeviri), poetas e
escritores italianos do período vociano
(Rebora, Pea, Onofri, Boine), além do
posterior Expressionismo de Gadda
(gaddiano). Numa acepção ao mesmo tempo
mais larga (centrada mais que sobre os
aspectos lingüísticos, sobre o drama da
relação entre o Eu e o Mundo) e mais
restritiva, ou seja limitada aos anos ao redor
do 1910 (ano da emancipação da dissonância
e do nascimento de obras fundamentais do expressionismo
histórico), a meu ver, a Boine e a Rebora têm que ser
acrescentados Campana, Sbarbaro e, sobretudo, Michelstaedter.
O DESPERTAR OU DO TRÁGICO
A cidade futurista e a cidade expressionista se sobrepõem uma à
outra, mas se a primeira é evocada ao provocar uma intensa e
prazerosa excitação dos sentidos, a segunda altera e deforma a
mesma realidade até transformá-la numa fonte de horror. A origem
poética comum fica nos Tableaux parisiens de Baudelaire. Neles, a
sugestão da vida da metrópole e a angústia se misturavam numa
dosagem perfeita. Paris se tornou o mito do século XIX. Toda a
província poética italiana roda ao redor deste mito, da scapigliatura
até o futurismo. Viajar para Paris – fantasiar sobre os prazeres de
Paris, se misturar culturalmente e sensualmente com o turvo do
Agulha - Revista de Cultura
Sena – se torna uma sorte de batismo artístico. Unicamente
através de Paris e de seu mito podemos ser desmamados das tetas
dos bons sentimentos, se abrem novos horizontes de poesia e de
vida. Mas é um mito crepuscular. Enquanto isso, emergiram no
imaginário literário outras gigantescas metrópoles espectrais como
Berlim e São Petersburgo, e Londres, do L’uomo della folla de Poe
aos romances de Dickens, é desde sempre, junto com Paris, uma
têmpera de peripécias romanescas. Na Itália não aparece uma
cidade símbolo da vida noturna, de casualidade, na qual todas as
ligações tradicionais se dissolvem numa crise de identidade e de
certezas. Longe a Berlim de Heym e a Viena de Trakl, a
Petersburgo de Blok e de Mandelstam. No entanto, atrás da
esbórnia futurista, se percebe – nos espíritos mais pensativos – a
mesma angústia do estranhamento com respeito a uma realidade
que de repente se contrapõe ao sujeito como monstruosa e
incompreensível. Os pequenos refúgios, nichos do crepuscolarismo,
a apologia futurista do modernismo, se revelam na sua
superficialidade "naturalista" com respeito a um sentimento poético
e filosófico que desnuda a essência íntima da Realidade
(Michelstaedter, Campana, Rebora, Boine, Slapater, Sbarbaro).
Nada poderia nos fazer compreender o cataclisma acontecido nas
consciências mais atentas, no primeiro decênio do Século XX, de
um confronto entre os poucos poemas que nos deixou
Michelstaedter e a poesia crepuscular. Entre o sujeito poético e a
Realidade se abriu um abismo, ou melhor, o sujeito poético fica
agarrado nas margens da Realidade como nas orlas de um abismo.
Não tem realmente nada para lamentar ou para salvar.
Michelstaedter participa do novo espírito expressionista que sopra
sobre a Europa, nutrido pelas filosofias de Schopenhauer e de
Nietzsche, e, na arte, pela superação do naturalismo. O mesmo
estranhamento no que diz respeito ao Real, que induz a um
contragolpe interiorizante no qual o Real se quebra ou se regenera
em novas formas, é a mesma atitude, levada à exasperação, à
base da lírica de Baudelaire, Rimbaud, Mallarmé. Mas o que
aconteceu, nestes primeiros anos do Século XX, é uma revolta
ainda mais totalizante, que definiria como a da insatisfação da
poesia pura, do esteticismo, na qual se consumiram as experiências
poéticas e literárias do final do século. Já não a pacificação e a
ascese kantiana e schopenhaueriana da contemplação estética
como purificação das paixões, teorizada na Itália por Angelo Conti
em La beata riva – Trattato dell’obblio. Já não a arte ou a poesia
como pura intuição sensível, incapaz de atingir o universal do
conceito, da Estetica come scienza dell’espressione e linguistica
generale de Benedetto Croce. Michelstaedter ironizará os "lindos
versos" de Petrarca e Leopardi aceitos por todos, enquanto a
amarga filosofia deles é recusada por todos. Também a poesia,
assim como a filosofia, precisa se direcionar para a revelação da
essência profunda da vida. Risveglio representa um dos momentos
mais altos da filosofia trágica de Michelstaedter. O espaço no qual
Agulha - Revista de Cultura
se manifesta o evento é aquele mais usual, familiar e querido ao
sujeito poético. Como a colina do Infinito leopardiano, o São
Valentim é uma colina, nas proximidades de Gorizia, de muitas
excursões da juventude do jovem filósofo em companhia dos
amigos. No entanto, é ali, naquela realidade familiar e amada, que
acontece uma explosão inaudita na interioridade do sujeito poético
e aquele mundo cai em pedaços.
Essa é a situação: uma idílica pausa após um passeio, as costas no
gramado, o corpo jovem que sente os seus sentidos se abrirem à
plenitude da vida da natureza do verão. O olhar está dirigido para o
céu, lá no alto, além do círculo do vôo das andorinhas, em direção
às regiões mais amplas onde se movem os falcões. O corpo é
atravessado ao mesmo tempo por uma onda de bem-estar (beijado
pelo sol, acariciado pelo vento, a cabeça em contato com o áspero
perfume das flores e da erva) e por uma sensação de
esmagamento, causada pelo abismar-se do olhar nas regiões mais
azuis e mais insondáveis do céu, o reino dos pássaros de rapina.
É essa a vida, este enredo entre as pulsões subjetivas e a vida da
natureza, ou melhor, essa íntima fusão de ervas, terra, insetos,
pássaros, sol e vento e eu? E ao redor deste eu se insinua a
dúvida, a incerteza, se poderia dizer, sobre sua consistência
empírica e sensorial, com respeito a um eu (transcendental? Ideal?
Outro?), tanto quanto inalcançável, não possuído.
O sujeito corpo/eu, levado ao alto pelo vôo dos falcões, mas
prostrado no chão pela força de gravidade, vive uma dissociação
entre aquela languidez dos sentidos ao qual se abandonou e o
impulso ideal, místico para um mundo superior, de pura liberdade e
beleza inteligível. Mas é um impulso quebrado, uma espera de vida
de um sujeito despido da sua consistência de sujeito e suspenso na
espera de um acontecimento que não acontece, como se tivesse
sido preparado um cenário para um drama e a cena ficasse
desoladamente vazia.
E tudo se apaga. De repente o véu de Maya (o enredo de
pesadelos) se quebra e o sujeito inteligível se descobre refém na
natureza inimiga, os aspectos comuns das coisas se lhe revelam
sinistros. O afastamento é total, a cisão irreparável. Qual vida
desejava? De qual acontecimento ficou à espera? De qual plenitude
foi furtado? Um arrepio crepuscular dissolve o encantamento da
hora passando da natureza para o sujeito corpo/eu, que adverte
mais fundamente a ligação da necessidade nas próprias carnes, e
se sacode. O que é que faço eu aqui, inerte, estendido na erva, de
qual milagre estou à espera?
E é esse o despertar, a volta do inteligível para o sensível, da
transcendência vazia à dor da existência, ao látego da necessidade
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(frio e fome) que mantém vivo o sujeito – na medida que seja
removido o triste saber do horrível vazio atrás da superfície das
coisas.
Carlo Michelstaedter de Poesie:
Estou deitado na relva
no dorso do monte, e bebe o sol
o meu corpo que o vento acaricia
e roçam a minha cabeça e flores e as ervas
que o vento agita
e o zumbido do enxame dos insetos.
Das andorinhas o vôo azafamado
marca de curvas rotas o céu azul
e traz no alto vastos círculos o largo
vôo dos falcões...
Vida?! Vida?! Aqui a relva, aqui a terra,
aqui o vento, aqui os insetos, aqui os pássaros,
e mesmo assim entre eles sente vê goza
fica debaixo do vento fazendo-se beliscar
fica debaixo do sol para sugar o calor
fica debaixo do céu sobre a boa terra
esse que eu chamo "eu", mas que não sou eu.
Não, não sou esse corpo, esses membros
prostrados aqui na relva sobre a terra,
mais do que eu possa ser os insetos ou a relva ou as flores
ou os falcões lá no ar ou o vento ou o sol.
Eu apenas sou, distante, eu sou diferente –
outro sol, outro vento e mais soberbo
vôo para outros céus é a minha vida...
Mas agora aqui o que espero, e a minha vida
por que não vive, por que não acontece?
O que é essa luz, o que é esse calor,
esse zumbir confuso, essa terra,
esse céu que ameaça? Me é estrangeiro
o aspecto de cada coisa, me é inimiga
essa natureza! Chega! Quero sair
desta trama de pesadelos! A vida!
A minha vida! O meu sol!
Mas pelo céu
sobem as nuvens desde o horizonte,
já roçam o sol, já à terra
invejam a luz e o calor.
Um arrepio percorre a natureza
e rígido me corre pelos membros
ao soprar o vento. Mas o que faço
comprimido sobre a terra aqui na relva?
Agora me levanto, agora tenho fome, agora me apresso,
agora sei a minha vida,
já que conheço a mesma ignorância –
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a natureza inimiga agora me é querida
que me dará abrigo e nutrição
agora vou zumbir como os insetos.
A NOITE OU DA ALEGRIA TRÁGICA
Dino Campana é o único poeta italiano que diz sim à vida seguindo
os passos de Nietzsche. É isso, a livro fechado, o sabor dos Canti
orfici (1913). Campana é o único poeta do século XX ao qual pode
ser aplicado o conceito de "alegria trágica". O mundo como
fenômeno trágico, alegre, afirmativo. É essa a música secreta que
percorre o livro. Não o prelúdio de Tristão e Isolda, com suas ondas
de morte. Naquela música se inspira D’Annunzio no Triunfo da
morte, que mistura Schopenhauer e Zaratustra, Wagner e
Nietzsche. Música funérea e negadora. Nunca sendo possessivo, o
Eros de Campana não conhece o seu lado escuro, Thanatos. E no
entanto a alegria é trágica. Por quê?
Os Canti orfici desenham a trajetória de
uma subjetividade alheia à férrea
necessidade à qual é sujeitada à vida
individual (Michelstaedter a chamou de
"retórica" e a negou através do suicídio).
Campana tenta a evasão da "retórica"
mantendo-se à margem das leis da
"monstruosa absurda razão" (L’incontro
di Regolo). A poesia para ele não nasce
no interior do círculo protetor duma
profissão reconhecida ou de uma
segurança social que a garanta e que a
delimite como um suspiro da alma ou um acompanhamento em
surdina do acontecer cotidiano e tranqüilo da existência. Isso é
Saba, com o Canzoniere composto por vários livros que marcam as
diferentes idades da vida, o romance das relações com a cidade e
os amores, a juventude, a maturidade, a velhice. Em Campana é a
existência mesma que vive poeticamente a própria exclusão. Não
há desenvolvimento psicológico, escansão temporal, luta, projeção
afetiva. É uma poesia sem rede, uma poesia à qual faz falta o "eu".
É difícil pensar que Campana pudera escrever outros livros,
delinear uma careira poética, um roteiro em diferentes fases de
concepção e de etapas subjetivas (como Ungaretti, Montale, Luzi
ou Zanzotto). O tempo dos Canti orfici é absoluto, único, estático.
Uma vez que o curso do tempo é suspenso, e na memória se
desprende a visão, ocorre uma dissociação entre a subjetividade
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empírica e a subjetividade poética, portanto, a esta última é
impedido o retorno. A subjetividade poética infunde no real (até o
mais sórdido) uma profundidade mítica, que realiza uma fusão
entre inconsciente histórico, coletivo, e interioridade do poeta, que
morre no puro desdobrar-se da visão. O eu desaparece: no seu
lugar se superpõe a onda emocional que investe a memória e para
a qual o poeta tenta encontrar um equivalente na linguagem.
"Inconscientemente". Todos os Canti orfici acontecem sob o sinal
da memória involuntária, pois foi a vida mesma do poeta a se
transcender, no ato mesmo de ser vivida, como uma indenização
pela infinita perda de si, a continua deriva do Dino Campana
anagráfico perseguido pelas pastas clínicas e fugindo de si mesmo,
da família, do seu tempo, da literatura e da química. A poesia de
Campana nasce deste sentido de existir ao fundo, além de qualquer
"retórica" existencial, na qual de golpe o mundo se ilumina como
um espaço cavo e femíneo que se abre à pura sensualidade da
visão.
A paisagem com a qual se abre La notte é impressionante. A
lembrança evoca e de golpe transfigura as imagens da visão. Como
num quadro. Ler essa abertura é como se nos colocássemos frente
à pintura dum grande artista e tentássemos descobrir o seu
enigma. O tempo é abolido, aquela hora, aquele momento, aquela
cor, aquele "refrigério de colinas verdes e brandas no fundo" da
"velha cidade, vermelha de muros e turrígera, ardida sobre a
planície interminável no Agosto tórrido" estão fixados uma vez para
sempre, pela eternidade. Agora a relação entre tempo e
eternidade, onde a eternidade tem que ser pensada como tempo
imóvel, sem transformação, assume em Campana um valor
bastante complexo. Note-se o cruzamento entre o final do primeiro
parágrafo ("e do tempo o curso foi suspendido") e o começo do
segundo ("Inconscientemente levantei os olhos para torre bárbara
que dominava a avenida longuíssima dos plátanos"). O
inconsciente, como já teorizou Freud, está por definição afora do
tempo, ou sem tempo, ou sem desenvolvimento temporal, como a
"vontade" de Schopenhauer ou a "substância" de Spinoza. A visão
de Campana (ou o estupor, como se escreveu, que acompanha as
suas visões) acontece então sub specie aeternitatis e o poeta é
plenamente (filosoficamente) consciente disso. Somente sub specie
aeternitatis a realidade miserável se exalta na sua unicidade, se
impõe como presença que não pode ser transcendida e também
afundada no mito, como A tempestade de Giorgione ou a Veduta di
Delft de Vermeer ou a Noite estrelada de Van Gogh.
A iniciação à sexualidade e à poesia é devolvida pela memória
como um evento, onde o eu se desdobra, por um lado em um eu
que contempla, por outro, em um eu que se move "sem
consciência" no interior da visão. Percepções e imagens se juntam
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num evento puro, absoluto, afirmativo, ao qual foi negada a raiz
psicológica e com ela a imersão no tempo. Não existe um antes e
um depois na presença das coisas, um sujeito que as ordene no
interior duma experiência pessoal de mundo e procure atribuir-lhes
um sentido. A procura dum sentido nas coisas pertence "à
monstruosa absurda razão" (L’incontro di Regolo), à qual Campana
sempre se recusou de se dobrar e de se "sacrificar". Também não
estamos na reviravolta nietzschiana dos valores, numa
contraposição (como alguns críticos leram a aventura campaniana)
ao filiteismo da normalidade e da saúde mental. Campana não é
um "poeta maldito" no sentido francês da categoria (Baudelaire,
Rimbaud, Verlaine) e por conseqüência também não é vidente
(como, de resto, havia decretado Contini). A escuta pedida pelo
seu poema é mais aquela que é preciso reservar ao místico.
"Realmente há do inefável. Ele mostra a si mesmo, é o místico"
(Wittgenstein).
Realmente há do inefável nos Canti orfici. As palavras abrem ao
redor de si um halo de silêncio. A adjetivação indeterminada –
"planície interminável", "distante refrigério de colinas verdes e
brandas .....", "arcos enormemente vazios de pontes" – faz nascer
o poético desde a maravilha da visão que "revela a si mesma". O
sujeito poético é incorporado inconscientemente à visão. A
paisagem é como se fosse cava, uma imensa cavidade feminina,
como se a vulva de Furibondo tivesse se transformado no mundo
inteiro e cegamente envolvesse o poeta num abraço de amor e de
morte.
Mas esse abraço está cheio de alegria e de gratidão. Não há uma
única invectiva nos Canti orfici, nem contra o seu tempo nem
contra a sua sorte, da qual os poetas não são poupados (desde
Dante até Rimbaud). O olhar de Campana é duma virgindade
absoluta. Não é uma desordem programática dos sentidos que
alimenta a sua poética. Existe, porém, um estranhamento do ato
de perambular e o abandonar-se totalmente a este estranhamento.
Campana é um artista trágico, no sentido esboçado por Niezsche
na Visão dionisíaca do mundo. "Devoção, extraordinária máscara
do impulso vital! Abandono a um mundo feito de sonho, que dará a
mais elevada sabedoria ética!".
Dino Campana, dos "Canti Órfici"
De La notte:
Lembro uma velha cidade, vermelha de muros e turrígera,
queimada sobre a planície interminável no agosto tórrido, com o
afastado refrigério das colinas verdes e brandas no fundo. Arcos
enormemente vazios de pontes sobre o rio pantanoso em magras
estagnações plúmbeas: perfis negros de ciganos móveis e
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silenciosos sobre a margem: entre o deslumbramento afastado
dum canavial afastadas formas nuas de adolescentes e o perfil e a
barba judia dum velho: e de repente no meio da água morta as
ciganas e um canto, do pântano áfono uma nênia primordial
monótona e irritante: e do tempo o curso foi suspendido.
*
Inconscientemente levantei os olhos para a torre bárbara que
dominava a alameda longuíssima dos plátanos. Sobre o silêncio
feito intenso ele vivia outra vez o mito antigo e selvagem:
enquanto por visões afastadas, por sensações obscuras e violentas,
outro mito, também místico e selvagem, me voltava às vezes à
memória. Ali embaixo tinham retirado as largas vestes
brandamente em direção ao vago esplendor da porta as
passeantes, as antigas: o campo entorpecia então na rede dos
canais: moças com ágeis penteados, com perfis de medalha,
desapareciam às vezes sobre as carroças atrás as colinas verdes.
Um toque de sino argênteo e doce na distância: a Noite: na
igrejinha solitária, na sombra das discretas naves, eu a apertava,
ela, das carnes cor-de-rosa e dos olhos incendiados e fugitivos:
anos e anos e anos fundiam na doçura triunfal da lembrança.
Inconscientemente aquele que eu fui se encontrava encaminhado
em direção à torre bárbara, a mística guarda dos sonhos da
adolescência...
De L’incontro di Regolo:
Queria partir. Nunca tínhamos nos sacrificado frente à monstruosa
absurda razão e nos deixamos apertando-nos simplesmente a mão:
naquele breve gesto nos deixamos, sem perceber, nos deixamos:
tão puros como dois deuses nós livres livremente nos
abandonamos ao irreparável.
FRAGMENTO LÍRICO XLV OU DA CIDADE
EXPRESSIONISTA
Agulha - Revista de Cultura
Apenas refugiando-se na marginalização,
logo na loucura, então se subtraindo ao
ímpeto da Necessidade, numa espécie de
amoral impulso poético além do bem e do
mal, foi possível para Campana achar no
canto a alegria trágica dum abandono
místico-sensual à vida. É uma solução,
essa, impossível para Clemente Rebora.
A crise de identidade que ele vive, e que
se transforma nos Frammenti lirici, é a
crise da época, que já levou ao suicídio
Michelstaedter, da impotência e
fragmentação do sujeito com relação à
objetividade perigosa de um Real ameaçador, que se revela acima
de tudo no estranhamento da vida metropolitana. "De todos os
objetos que Baudelaire primeiro abriu à expressão lírica, um
prevalece: o mau tempo"(Walter Benjamin). E o "mau tempo" na
sujeira de uma Milão metropolitana, é uma das contribuições
poéticas do jovem Rebora, numa poesia de tremebundo caráter
expressionista, o fragmento XLV.
O sujeito poético está voltando para casa, no tardio crepúsculo de
um dia cinzento, sob uma chuva cortante. O ar está atravessado
por presságios desconhecidos, enquanto a noite cai sobre a cidade,
abrindo-se como uma tampa sobre uma tumba. Atrás do véu da
chuva, ao final de um dia cego, sem impulsos espirituais além do
horizonte fechado, poeta, chuva e cidade se fundem num
imobilismo alegórico de sepultura.
Mas essa escuridão da hora, esse esvaziamento de sentido,
percebidos com angústia pelo sujeito poético, não parecem tocar a
vida frenética da multidão que invade as ruas da cidade, junto com
as luzes dos faróis que se acendem. A multidão anônima da
metrópole faz a sua entrada oficial na poesia italiana. E é tudo um
espumejar de sopros, de olhares, de desejos que se cruzam, um
fluir de vida ignara e de sensualidade incendiada e gasta em
ligeiros olhares, entre os barulhos atroadores do trânsito.
Todo o desejo de amor criado na espera de uma execução, de
repente, se queima em olhares sem futuro, como no encontro de
Baudelaire com a passante, e mais a fundo o sujeito poético
percebe a solidão e a separação e o extravio e o abismo que o
separa dos seus semelhantes. Um relâmpago – e depois, a noite,
escreveu Baudelaire. Enorme ânsia/e brevidade do resultado,
escreve Rebora. Por um instante, no cruzamento dos olhares,
brilhou o relâmpago de uma reciprocidade do desejo, que logo se
apagou pela impossibilidade de ser comunicado. Mas a distinção
entre o poeta e a multidão é só aparente, ele mesmo é multidão,
pois nada distingue ou privilegia o seu estar-no-mundo daquele dos
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outros. A apinhada solidão avizinha o destino de todos na cidade
moderna, num magma escuro e indiferente de comportamentos.
Enquanto a primeira, longuíssima estrofe, termina com um pedido
para cessar, em alguma certeza, o fluido decorrer da vida e do
desejo (Vida miserável e grande/dá enfim um lugar onde
ficar;/quando ser nossa não pode,/porque você nos obriga a te
amar), a segunda e mais breve estrofe leva ao extremo a crise de
identidade, unificando o aspecto ontológico àquele psicológico da
desorientação do sujeito poético que se descobre a explorar as
milhares de sombras vagantes e incertas sob a chuva.
Como Baudelaire se move entre a multidão crispé comme un
extravagant, assim Rebora hesita delirando entre a multidão como
um bêbado, e vendo correr a sua sombra através das vitrines, a
sente desprendida de si e estranha e assimilada às muitas outras
sombras, naquela febre de vida e de flutuantes desejos
inconclusos. Mas ele, o sujeito poético, teve a revelação do Vazio –
ou melhor, do afanar-se cego do Mundo – aberto atrás do cenário
usual dos corredores, das casas, das ruas e dos afetos mais caros.
E o terror é que chegue o amanhã, sem levar algum esclarecimento
de Verdade – dum lugar onde ficar, dum bem estável.
Clemente Rebora, de Frammenti lirici (XLV)
Comigo em perdidos indizíveis motos
é a chuva que pinga oblíqua,
enquanto sem eco de cor ignotos
presságios o ar noturno distende
e a tarde cega
imóvel desce,
quase eterna tampa sobre uma alma.
Mas a hora que admoestadora
a ansiosa cidade não adverte:
vai emperlando de faróis os seus sulcos
entre silvos ruídos estrondos, e parda
se tece em um vaporar de alentos
às lojas luminosas,
onde furtivas nos olhos
esbeltezas de mulheres
e homens desejosos
acendem o sangue.
***
Choco-me nos breves desvios, e pelas entradas
hesito delirando;
Agulha - Revista de Cultura
às vitrines pergunto o que sou eu,
até que de rua em rua
onde há menos luz dobrando
entre negras formas forma negra tenho espaço;
e tudo é usual
pelos recônditos e as casas,
e afora sou um que anda
com a sombrinha ao passante
com o pé atento aos vaus,
e o uso igual à modelo;
a ansiedade dentro emaranha
o que mais se parece comigo,
e onde bem tentei
é um nada e os caros afetos me são vãos.
Ressoa em mim: como virá amanhã?
E enquanto isso vem.
COMO UM SONÂMBULO OU DA STIMMUNG
MINIMALISTA
Baudelairiana é também a cidade de Camillo Sbarbaro. Uma cidade
mais apagada, descuidada, para um sujeito poético frustrado e
quase esvaziado da vontade de viver (Pianissimo, 1914).
Baudelaire se movia entre a multidão
crispé comme un extravagant, Rebora
delirante, Sbarbaro como um sonâmbulo.
É a mesma situação, o mesmo
afastamento do sujeito poético do
quotidiano da vida. A cidade na qual
caminha Sbarbaro não é Paris, a
fourmillante cité de Baudelaire, em cujas
ruas acontece o choque do encontro
inesperado. As ruas da cidade de
Sbarbaro são moídas, atravessadas cada
dia pelo enjôo e pela pobreza da própria
vida, o tédio, a dor, o desespero de quem
sabe que eventos memoráveis nunca se
abrirão entre aquelas fachadas de casas.
No entanto, aqui também se verifica um encontro com uma
passante, mas não é frontal, não é através do encontro de olhares,
mas detrás, o passo duma mulher visto por trás. A passante de
Baudelaire também havia impresso no rosto une douleur
majestueuse e levantava a orla da saia d’une main fastueuse,
todos comportamentos reais, que Sbarbaro resume diretamente
atribuindo à desconhecida o título de rainha. Mas, logo, repare-se
numa diferença essencial.
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Baudelaire é fulminado pelo olhar da passante (moi, je buvais,
crispé comme un extravagant/dans son oeil) e vacila entontecido,
como se o encontro não tivesse acontecido com um corpo, mas
com um espírito fraterno. Sbarbaro, ao contrário, naquele mesmo
momento acorda da sua vida de sonâmbulo e segue a
desconhecida. O seu torpor cotidiano é sacudido pelo acordar
repentino da sensualidade, da sábia música sensual que se
desprende do passo da desconhecida. É um despertar de
sensualidade que o poeta quer manter vivo quanto mais tempo
possível.
A relação instituída entre amor e glória – um amor puramente
sensual, uma glória relacionada ao próprio reconhecimento como
poeta – é, no mínimo, singular e relacionado apenas casualmente
com aquele corpo feminino que balanceia frente a ele, mesmo que
a mulher seja chamada com o "você" familiar duma familiaridade
toda interiorizada, quase onanista. E sobretudo não é única, mas
intercambiável com outros corpos de mulher encontrados
casualmente pela rua e fixados na memória por algum detalhe
fetichista. (A satisfação da sensualidade acontece, para Sbarbaro,
no lupanar, que ele chama de luxuria, onde, de acordo com os
dados de Pianissimo, ele vai procurar uma saída para os seus
engarrafamentos de tristeza, saindo de lá ainda mais desesperado).
Un éclair... puis la nuit! Esse é Baudelaire, o relâmpago de um
encontro absoluto que, sumindo, deixa o poeta na nostalgia do
milagre de uma execução absoluta do amor. Para Sbarbaro
também se acendeu uma luz na sonolenta existência cotidiana, um
éclair que, harmonizando o seu passo com aquele da desconhecida,
se transforma numa espera de amor para ser carregada, dia após
dia, atrás de corpos anônimos, cabelos encaracolados, asas de
chapéu, lampejo de nucas em meio à multidão, uma espécie de
stimmung minimalista da insatisfação e do reenvio. Mas é o que
basta ao poeta para estar contente e sobreviver.
Camillo Sbarbaro, de Pianíssimo
(Eu que como um sonâmbulo caminho)
Eu que como um sonâmbulo caminho
pelas minhas ruas cotidianas, moídas,
vendo-te frente a mim estremeço.
Você caminha à minha frente lenta como
uma rainha.
Regulo o meu passo
eu pronto acordado do meu sono
sobre o teu que é como uma sábia música.
Agulha - Revista de Cultura
E possibilidade de amor e glória
debruçam-se ao meu coração e o enchem.
Pelos caracoizinhos loucos duma nuca
pela asa de um chapéu eu ainda posso
aliviar-me da minha tristeza.
Eu ainda sou jovem, inocente
com o coração pronto para todas as loucuras.
Uma luz se faz na sonolência.
Tudo está suspenso como numa espera.
Já não penso. Estou feliz e mudo.
Bate o meu coração ao ritmo do teu passo.
FRAGMENTOS OU DA CRISE DA IDENTIDADE
Giovanni Boine, de Frantumi. Frammenti. Cidade provincial. Entre
gente e prédios conhecidos. Mas o extravio é da época. O poetafilósofo sai para passear cansado, na Avenida onde não há ninguém
– o vazio é sublinhado duas vezes -, num vazio que aqui tem o
sentido de poucos e afastados passantes. Um conhecido de repente
o surpreende e o chama a si com uma saudação. É uma espécie de
choque. A realidade exterior é aquela de ontem, e também o
sujeito poético se exterioriza aos olhos alheios, se tornando uma
coisa com nome. Coisa entre coisas.
Existe um "afora" e um "adentro", uma exterioridade e uma
interioridade. O nome é a casca exterior da alma. Na alma se abriu
um desmoronamento que arrasta o sujeito para dentro de um
abismo, do fundo do qual a Realidade se dissocia em partes não
comunicantes entre elas. O ontem e o hoje – o tempo dos relógios,
da linearidade, da lógica – permanecem afastados e estranhos um
ao outro. Ao conhecido que o reunifica, retomando o discurso no
ponto no qual fora interrompido no dia anterior, só pode ser dada a
simulação (a convenção) da continuidade. Se chocam então uma
subjetividade empírica, fenomênica, social, anagráfica e uma
subjetividade transcendental, inteligível, afundada em si mesma,
num conflito doloroso entre o finito da individualidade exposta e
certificada pelo olhar dos outros e uma consciência que tende a se
abrir ao infinito como uma ferida que já não pode fechar-se. No
terceiro e quarto fragmento a interrogação se concentra sobre o
nome, que antes é definido como um espectro através do qual são
costurados juntos, numa "imóvel tumba", vários pedaços separados
do tempo, e logo depois: "Morna cama do nome!", "Navio sobre o
mar. Jangada de náufragos". Então o nome, a aparência, a
certificação de si mesmo através "do Cartório de Anágrafe" (13) é
também salvação pelo mergulho na indeterminação, no nada, na
duração bergsoniana, aceitação e resignação e sujeição ao tempo
do calendário.
Agulha - Revista de Cultura
O próprio nome, pronunciado pela mãe, é quase o anúncio de um
novo nascimento quotidiano. O nome tem que ser usado como um
escudo contra o medo e a desorientação. É a "mais certa riqueza"
que ele tem (13). Isso lhe confirma que sempre cumpriu o seu
dever, do ponto de vista da moralidade e do respeito das leis
(8,11,15). Ele se protege com o dever e o Universal, mas a
dissociação permanece aberta. A inquietude da alma não se acalma
(25). "Meu nome é hoje, e a minha rua se chama perdida". O
cenário poético-filosófico que Boine apresenta nesses Frantumi é o
mesmo que se reproduz na obra narrativa do autor (O pecado) e
nos ensaios. Em A ferida não fechada, título emblemático para toda
sua obra, ocupando-se do Monólogo de Santo Anselmo, escreve:" O
homem comum é pressionado, forçado pela cega passividade do
mundo; o homem religioso pela atividade extra-vencedora de
Deus. O Determinismo e a Graça. Que não são os dois pólos
opostos da alegria perfeita e do terror brutal; que são um e o outro
a servidão. A vida humana é um lutar, uma fuga afanosa entre dois
infinitos redemoinhos obscuros". Essa "fuga entre dois infinitos
vórtices escuros", entre esses "dois pólos opostos", nos quais se
guarda o eterno contraste Ser e vir-a-ser, Dever e Prazer, Passado
e Presente, funda uma subjetividade instável, mas servil ao jogo de
dois patrões (38). "Sou desesperadamente alegre e estou sem
esperança triste, Acredito com violência no Inferno e estou de fato
seguro de um Paraíso". O Amor da mulher, com a sua promessa de
felicidade, o leva para a concentração em um ponto de todo o ser.
Desse abalo entre imperativo categórico (qualquer que seja a
forma que assuma a moralidade que o fetichismo crítico sucessivo
definiu como vociana) e o abandono, que foi o símbolo da geração
do anteguerra, se subtraíram apenas Michelstaedter com o suicídio
e Campana com uma vida de marginal, terminada na loucura.
Giovanni Boine, de Frantumi
Fragmentos
Às vezes quando ao anoitecer passeio cansado pelo Avenida (que
está vazia), um que cruzo diz, alto, o meu nome e diz:"boa noite!"
Então de repente, ali na Avenida que está vazia, me dou
assombrado com as coisas de ontem e sou eu também uma coisa
com nome...
4) Morna cama do nome, segura casa do ontem! Macia lã das
sofridas dores, parada umbrosa das distantes alegrias. Navio no
mar. Jangada de náufragos. Mas o hoje é, longe, como uma
catarata aberta. Nuvens cambiantes no abismal cavo do céu.
Agulha - Revista de Cultura
Meu nome é Giovanni e se você me chamar logo respondo. Agora e
na hora da minha morte. Apenas, de manhã, me levanto da vária
nuvem do sonho, minha mãe diz em voz baixa "Giovanni" pela
porta entreaberta, e, quase, eu sou de novo.
17) Estudei as múltiplas ligações do meu ontem com o ontem de
todos e reconheci a necessária Sociedade. Tracei nitidamente o
mapa da sociedade, sobre o mapa-múndi do Universal o qual é o
ontem de Deus. Agora eu consulto a cada respiro o astrolábio do
universal, navegante que pega a altura do sol.
25) Meu nome é hoje, e a minha vida se chama perdida. Não tem
emblemas na encruzilhada do andar e não sei se eu emboquei à
direita
39) Porque minha vida não se fabrica sob projeto, pedaço por
pedaço, como os prédios de pedra e não corro para um alvo cavalo
em direção à meta. Não tenho futuro porque não tenho passado.
Não tendo lembrança, nem esperança.
40) Chama de fornalha o meu desejo; e como o abismo da noite o
meu aniquilamento. Eu não sei o que gozar, eu não sei o que
sofrer. Não tenho abrigo para a dor, nem fortaleço, com reflexões,
a alegria.
42) E como poderei renunciar à mulher que amo se eu não sou a
não ser amor da mulher que amo! Como você quer que eu não
arda para o corpo da mulher que amo se eu não tenho outro corpo
a não ser o dela?
50) Ó doçura do ser a braços, lentos pela rua! Ó no sono deleite do
teu corpo brando-enlaçado ao meu! Mas ai que bastou o virar de
um dia.
53) E não fomos a feliz corrente de duas águas confluídas?- Mas o
eterno foi um instante – E bastou o breve giro de um dia. Cada um
foi no seu hoje como em fechada prisão
[Novembro de 1914]
Tiziano Salari (Itália, 1938). Filósofo e poeta. Autor de Grosseteste e altro (1984), Stazione
(1988) e Strategie Mobili (2000). Contato: [email protected]. Ensaio traduzido por Prisca
Agustoni. Página ilustrada com obras da artista Paula Rego (Portugal).
Agulha - Revista de Cultura
revista de cultura #
32 - fortaleza, são paulo - janeiro de 2003
Surrealismo & poéticas do apocalipse
Contador Borges
.
De todas as utopias modernas, o surrealismo
talvez empreendeu a mais radical em nome de
uma exigência considerável: estabelecer
conexão a todo custo com aquilo que de
alguma forma permanece ao mesmo tempo no
homem, mas inacessível a ele, esse substrato
do real que a realidade esconde e que só o
inconsciente, seu depositário, poderia revelar.
Na esteira da revolução operada pelo
pensamento psicanalítico e sua clínica, o
surrealismo creditou-se a incumbência de
realizar o salto seguinte, ao julgar que a razão
imperiosa esconde o homem do homem e o impede de realizar-se
potencialmente, urgindo, pois, recuperá-lo para si mesmo e para o
mundo. Freud nos fez ver que o homem é dividido. E se a
civilização ergueu tal fronteira faz-se necessário derrubá-la, o que
não se faz sem o sentimento de revolta já introduzido pelas
poéticas que o antecederam. Eis uma das motivações de Breton
proposta no Segundo manifesto de 29: "a idéia do surrealismo
tende, simplesmente, à recuperação total de nossa força psíquica
por um meio que não é outro senão a descida vertiginosa em nós
mesmos". Tal atitude é soberana na medida em que lança o artista
numa cruzada contra tudo e contra todos pelas vias do desejo em
direção ao desconhecido, de onde supostamente a "verdadeira
realidade" o aguarda, tal Eurídice no pélago o canto libertador do
amado. Com a diferença de que, ao contrário do mito, e contra a
advertência dos deuses, a realidade aqui, apelidada Eurídice, só se
cumpre de fato ao olhar para trás (vale dizer: o outro lado da
fronteira).
Agulha - Revista de Cultura
Libertar o homem, transformar a realidade, reinventar o mundo,
ideais de uma época em consonância com as descobertas da
psicanálise e o alento reiterado pelas conquistas e esperanças do
marxismo. Foi o suficiente para fazer transbordar as margens com
seus escritores e artistas. E o ideal, por vezes cristalizado em mito
(um de seus possíveis destinos) é o primeiro prenúncio da arte,
para tornar-se em seguida seu emblema, sua bandeira de guerra. É
com essa atitude que Breton e seu grupo se investem dessa missão
nada modesta: tornar o artista porta-voz da humanidade; o artista,
libertador das amarras racionais, o primeiro artífice de uma nova
era, seu principal interlocutor, aquele que, dentre todos os
obstáculos, estaria apto a abrir as comportas da mente, captar e
distribuir seu manancial revelado em palavras e imagens. Isto
antes que se pudesse, conforme a palavra de ordem de
Lautréamont, nos tornar a todos poetas: "a poesia deve ser feita
por todos". Essa posição, revista mais tarde por Benjamin Péret,
anuncia: "a prática da poesia coletiva só é concebível em um
mundo liberto de toda opressão, em que o pensamento poético
volte a ser para o homem tão natural quanto a água e o sonho",
suscitando o reparo de Octavio Paz em seu célebre ensaio "Signos
em rotação", ao comentar o retorno e a importância da inspiração
no século que acabamos de deixar. A pensar como Péret, a poesia
correria o risco de se tornar supérflua, pois num mundo em que os
homens se relacionem em total liberdade, sem sofrer nenhum tipo
de coerção, a poesia, provavelmente, seria desnecessária. Ou
melhor, a poesia seria prática, sem necessidade de ser escrita, pois
confundir-se-ia com a própria vida. Paz ainda salienta, a propósito,
que no fundo todo poema é coletivo, já que nele intervém a
linguagem da época como um querer da própria linguagem. A
dificuldade é então deslocada para o espaço da própria linguagem.
É aí que a batalha se trava. E este campo é extenso e complexo.
Encontra-se no mundo, mediando as relações entre os homens,
habitando seus pensamentos e sonhos, servindo a todos, seja em
suas criações, seja no uso dos poderes sobre seus semelhantes e
as coisas. A linguagem permeia tudo. Eis o problema. Ela também
pode manter o mundo como está. A aposta da arte que o
surrealismo tornou capital é que a linguagem tem que ser
transformada para que o mundo (e o homem) também o possam.
Os homens se servem da palavra e ela pode favorecer a exploração
de uns contra os outros. Com os poetas é diferente. Eles são
servidores, mas da poesia, um tipo especial de linguagem que com
seu poder de beleza difunde ideais libertários e de felicidade entre
os homens, além de deleitar seu espírito. É a moralidade da arte.
Na modernidade, a criação resulta de uma revolta contra o mundo
que acaba atingindo a si mesma. O poema se converte em sua
própria negação e nasce do parto de seu sacrifício. O poema é sua
negação porque talvez contenha em si mesmo o sintoma da
linguagem servil. Foi preciso então, como antevira Mallarmé, "dar
um sentido mais puro às palavras da tribo". O poeta se rebela
Agulha - Revista de Cultura
contra a poesia para assim se afirmar no seu tempo e relevar seu
sentido essencial, tempo sem rosto, destituído de imagem, como
escreve Paz, em que o poeta precisa criar um elo com o
desconhecido, e "no fundo do desconhecido, encontrar o novo",
conforme o verso de Baudelaire. Esse novo, que ele busca
incessantemente e que se constitui num dos maiores valores da
modernidade, pode se tornar seu espelho. O risco, como se poderia
supor, é esse espelho, como acontece em "Um lance de dados...",
de Mallarmé, lhe devolver um rosto estilhaçado ou disforme. E essa
é uma das maiores percepções da modernidade que o surrealismo
ajuda a consolidar: ao buscar o homem ao fundo de si mesmo e
fazê-lo refluir sobre o mundo naquilo que ele talvez possua de mais
seu, ele subtrai ao indivíduo sua máscara narcísica, que revelou-se
estéril num mundo massacrante e desigual.
Numa bela seqüência de Orfeu, filme de
Jean Cocteau, a princesa está diante do
espelho; ao mirá-lo este se quebra e a
personagem atravessa-o caindo nas
águas que instantaneamente brotam dos
estilhaços e a levam para outra parte. O
sujeito já não pode se ver sem no ato
dissipar sua imagem. O espelho se torna
a linguagem que o aniquila tragando sua
carne. O eu se dilui na linguagem. Morte
para o sujeito e vida para o ser. O ser
que, de acordo com Heidegger, mora na
linguagem, e só a linguagem pode
exprimi-lo.
Assim, o eu pode ser considerado uma marca nostálgica do
indivíduo na literatura ocidental. A marca de um fracasso. A
prepotência do sujeito, consolidada pelo romantismo, revelou-se
para as gerações seguintes mais do que suspeita: indigna da
poesia. A estética da dissolução do sujeito na linguagem tornou-se
assim uma etapa necessária na produção poética moderna até os
nossos dias. Não é preciso lembrar Rimbaud e sua fórmula
influente e poderosa: "eu é um outro".
Subvertido o sujeito, a poesia defronta-se com o outro. O Outro,
que na psicanálise é precisamente o lugar do inconsciente, da
linguagem. As obras do surrealismo procedem no sentido de dar
visibilidade a esse outro e seu mundo. São obras no mínimo
reveladoras daquilo que, segundo Georges Bataille, tem "o poder
de colocar a vida na perspectiva de uma explosão luminosa".
O surrealismo não é propriamente um estilo e não se restringe aos
limites de uma escola. Congrega uma pluralidade de vozes que
encontrou ressonância em vários países do mundo na poesia
Agulha - Revista de Cultura
moderna do pós-guerra até hoje. Com ele, a poesia, que já vinha
alimentando o sentimento da negação, ganha mais consistência na
forma de uma "moral da revolta" (termo de Bataille). E talvez seja
esse um de seus maiores méritos: a idéia de que a literatura e a
arte podem conservar em si mesmas um permanente desejo de
revolução.
O método da escrita automática, mais empregado no período
heróico do movimento, sem dúvida mostrou-se mais complexo do
que sugeria sua aparente simplicidade, revelando-se problemático
e ineficiente. Em si mesma, a escrita automática, como aponta
Roland Barthes, implica uma visão idealista do homem. Eis um dos
mitos do surrealismo. No entanto, não se pode negar que partia de
uma hipótese tentadora: eliminar a fronteira que nos separa dos
recônditos da mente. Seus efeitos na poesia universal posterior
também não devem ser negligenciados, ao menos seu desejo
implícito. A prática decorrente disso de uma forma ou de outra
evidenciou a possibilidade de levar a poesia em direção ao
desconhecido. Blanchot também acolhe sensivelmente o problema.
A escrita da poesia automática nos coloca diante do imediato. Mas
o imediato não é próximo. Ele "não é próximo daquilo que nos é
próximo". Mas ele nos faz estremecer. O imediato é a presença de
uma estranheza que em poesia pode se tornar uma forma de
deriva. Eis, talvez, uma conseqüência positiva dos efeitos da
aplicação deste método: a idéia de que a poesia é matriz de uma
deriva e que explorar esta margem fortalece o sonho de um mundo
diferente do que existe. Dito de outro modo: alimenta o sonho de
utopia da linguagem, vital para se preservar a literatura como
espaço de liberdade e criação visionária. Aliás, mesmo que um dia
nos inibam a capacidade de sonhar, mesmo que para o bem e para
o mal sejam abolidas todas as fronteiras, a subjetividade humana
não cessará de produzir singularidades. Deste modo haverá sempre
uma margem, pois ela é necessária à criação. É daí que o poeta
projeta sua voz e entreabre ao leitor possibilidades múltiplas de ver
o mundo (e até sonhar com um melhor). Se a poesia perder esta
margem de exceção, provavelmente inventará outra. Quanto ao
mundo, a realidade que dele se diz
"concreta" pode se esvanecer em
segundos. Não é o que a mídia faz
com os acontecimentos? É preciso
então ler a realidade nas
entrelinhas do mundo. É o que faz
o poeta revelando as operações
complexas da margem, do silêncio
e das sombras. "Todo rio é um
convite ao sobressalto", lê-se em
Anotações para um apocalipse de
Claudio Willer. Os rios que ele vê nesse rito alucinatório
transportam a própria substância do poema, que é a da revolta que
substitui o mundo possível da ordem e da racionalidade instituídas
Agulha - Revista de Cultura
por um universo paralelo constituído das potencialidades da
palavra. Isso porque os rios (seu tempo) são vistos dessa margem
que o poema exalta para a reconfiguração do mundo. O espetáculo
do apocalipse que o poeta assiste e revela é o do mundo
transfigurado pela palavra. O narrador se coloca num ângulo
extremo da sensibilidade de onde contempla sua efervescência.
Mas ele também (seu sujeito) é tragado pelo movimento. Ele tem
"o cérebro cortado em duas metades", e "fixa o olhar para além
dos contornos". Tudo o que vê nessa divisão imposta pela vida,
mas condensada no ato da criação poética, é a revelação desse
instante supremo em que a realidade do mundo se transforma em
outra coisa cuja materialidade tenta dar conta o poema. O resto,
"são conspirações de silêncios lacrados".
Se a poesia de Willer (onde as margens se pensam) revela
paisagens alegóricas com certo distanciamento onde o poema é
povoado não por homens e suas ações, mas pela transubstanciação
de seus efeitos: "o crime é a mais bela carícia junto ao meu ouvido
humano", as paisagens de Roberto Piva emergem de um cosmo
mais definido, ao menos em Paranóia. O narrador é um dos
elementos da urbe delirante descrita pela poesia que jorra de suas
entranhas. Ele enuncia um delírio proclamado universal, sem
salvação para o leitor indiferente: "eu sou uma alucinação na ponta
de teus olhos". Nele falam uma cidade doente e seus habitantes
que assistem a sua própria devoração pela linguagem. O poeta
então indaga em coro com os anjos de sua imaginação: "cidade de
lábios tristes e trêmulos onde encontrar asilo na tua face?" Mas
terá ela ainda um rosto? Esta cidade vive o tempo de sua própria
ruína, que, paradoxalmente também é o de sua glória. E o
momento fisgado e registrado pelo poeta é como se fosse o último
vivido pela cidade em vias de desaparecimento. Por isso tudo o que
vive (revivido pelas imagens) é levado ao extremo. Momento em
que só nos resta viver com urgência toda a glória da beleza, pois o
ponto de intensidade máxima dessa poesia exasperada coincide
com o momento de redenção e êxtase do poeta com sua
linguagem.
Tanto a poesia de Piva quanto a de Willer são poéticas do
apocalipse, testemunhas desse momento universal da poesia
revolta vivido pela modernidade. Poder-se-ia citar outros poetas
brasileiros que também criaram suas obras sob este impacto como
Sergio Lima, que faz do poema uma topografia panteísta do corpo
erotizado, e Rodrigo de Haro, de fatura mais lírica e contida, em
que os versos parecem escandidos por uma navalha oculta, que
repentinamente surge nas mãos do poeta. Assim são as surpresas
que afloram de seus poemas, que "bem escondidas traziam/ a mão
seca do enforcado". Eis em todo caso sua fórmula: "sem terror,
nenhuma beleza".
Agulha - Revista de Cultura
Se o surrealismo consagrou na literatura
e nas artes a idéia da fronteira, parece
também ter contribuído para preservar
certa margem criadora, pois, é a partir
das margens que a arte transpõe
fronteiras. No entanto, caberia
perguntar: Haveria hoje algo ainda
intransponível que se possa chamar de
fronteira? O Outro, instância do
inconsciente e da linguagem na
psicanálise, não se mostra cada vez
"menos oculto" em nossos atos e
representações, ainda que ele talvez não
esteja em parte alguma, ou, quando
muito, entre nós e os seres, entre nós e a linguagem? E essa
questão leva a outra: ao expor-se nesse mundo fragmentário de
hoje onde nem nossos sonhos estão a salvo, o Outro, reserva do
inconsciente e da linguagem, não estaria também em perigo? De
qualquer forma, a pensar com Foucault, num mundo sem
exterioridade como o nosso, não seria toda margem um mito?
Afinal, o que somos neste mundo fragmentário em que vivemos?
Mundo sem exterior, onde o sonho inclusive, expropriado pela
"realidade virtual" parece estar perdendo seu poder transformador,
onde giramos sem sair do lugar, repetindo esquemas, padrões
despejados pela mídia. Como recobrar quotidianamente a lucidez
perdida? Como ainda praticar a "vidência" incensada por Rimbaud e
mobilizar os fluxos insurgentes do espírito? Em outros termos,
como ainda conservar para a literatura uma margem de "revolução
permanente" tão cara ao surrealismo e às estéticas revolucionárias
da modernidade? Em não havendo mais sujeito centrado e absoluto
como acreditava o romantismo, resta em sua lacuna o processo
imanente de nossa subjetividade, aberto à fragmentação do eu e
às injunções do outro, assim como às diversidades do mundo
contemporâneo. Processo vigoroso em curso nas subjetividades
contemporâneas e nas produções artísticas. Caberá então nos
perguntar de que modo "extrair da mera existência a vida?", o que
mostra o quanto esta frase de Artaud soa ainda tão forte.
Vivemos a diversidade e a diversidade nos ameaça (quando não
esmaga). Se a fronteira a ser transposta pela arte já o foi de fato,
vivemos em meio à fragmentação do mundo contemporâneo a
qual, como analisa Peter Pál Pelbart em A vertigem por um fio,
também se manifesta nas artes e na literatura (que herdamos da
modernidade). Os poetas de hoje talvez se encontrem num mundo
"sem fronteiras", algumas transpostas pela literatura e pela arte,
outras inapelavelmente abolidas no processo de desterritorialização
violenta imposto pelo capitalismo à subjetividade, onde noções
tradicionais como "dentro" e o "fora" parecem perder o sentido. Se
assim é, qual o futuro da arte e da poesia num mundo sem
fronteiras e sem futuro, onde parecemos girar em falso no tempo
Agulha - Revista de Cultura
nebuloso e turbulento do presente contínuo? Haverá ainda margem
para a criação?
Sim, provavelmente, enquanto houver homens insatisfeitos num
mundo em que indignar-se é o mínimo que se possa fazer. É
também provável que continuemos a ouvir o "caráter inesgotável
do murmúrio", como exprimiu Breton no Primeiro manifesto
surrealista. Eis justamente, segundo Blanchot, a riqueza infinita da
inspiração poética: o caráter inesgotável da inspiração é ela ser a
aproximação daquilo que em hipótese alguma se pode interromper.
A sensação de que, a despeito da dura realidade da vida, de seus
muros e fronteiras, haverá vozes (haverá poesia) que falarão para
sempre.
Contador Borges (São Paulo, 1954). Poeta, ensaísta e tradutor. Autor de Angelolatria
(1997). Traduziu Char, Nerval, Sade. Contato: [email protected]. Página ilustrada
com obras da artista Paula Rego (Portugal).
retorno à capa desta
edição
índice geral
triplov.agulha
jornal de poesia
Agulha - Revista de Cultura
revista de cultura #
32 - fortaleza, são paulo - janeiro de 2003
Tânia Gabrielli-Pohlmann: em defesa da
música brasileira na Alemanha
Solange Castro
.
Tânia Gabrielli-Pohlmann é paulistana,
nascida em 1965. Formada em Letras pela
USP, com seus 24 anos já editava o jornal
Poemagia, foram editados dois livros seus e
passou a desenvolver oficinas literárias em
bibliotecas e escolas pelo Estado de São
Paulo, dando prioridade às escolas de
periferia, junto a adolescentes carentes. Em
paralelo lançou a Revist’Aura, abordando
todas as linhas de pensamento, causando
bastantes polêmicas, como sempre, e
promovendo eventos pela cidade. Além de
outros projetos em bibliotecas de São Paulo e
outras cidades, colaborou com muitas publicações literárias da
época, recebendo alguns títulos e sendo integrada a algumas
academias literárias brasileiras e portuguesas. Por alguns meses
trabalhou em rádio, também dedicando espaço à literatura. No final
de 92 mudou-se para Curitiba a fim de desenvolver um suplemento
cultural e um ano mais tarde foi convidada a desenvolver o
programa de ação cultural do consulado de Angola em Curitiba, que
estava sendo estruturado naquele ano. No final de 1994 voltou a
São Paulo e nesse período investiu numa editora, lecionou inglês,
alemão e português para estrangeiros, além de ter dado início à
série de dicionários e gramáticas, que vem concretizando na
Alemanha. Assim foi até agosto de 1996. Os três anos seguintes
foram uma lacuna em sua vida, por problemas de saúde. Em
dezembro de 1999 casou-se na Alemanha. Nos anos de 2001 e
2002 foi classificada nos concursos da Nationalbibliothek des
deutschsprachigen Gedicht, München - Biblioteca Nacional de
Agulha - Revista de Cultura
Poesia em Língua Alemã, em Munique; os trabalhos estão
publicados nas Antologias correspondentes.
Fez alguns cursos de equiparação universitária e num desses
cursos foi convidada a participar de um projeto na então OK Radio.
A partir deste projeto surgiu a proposta de produzir e apresentar
um programa sobre o Brasil. Lançou, com Clemens Pohlmann, o
programa "Revista Viva", com entrevistas, comentários de livros,
CD’s e publicações em geral sobre a cultura mundial, além de um
espaço fixo e exclusivamente dedicado à nossa literatura, história,
música e cultura em geral.
Alguns meses mais tarde foi convidada a apresentar um segundo
programa, paralelo ao "Revista Viva", que teria duas horas de
duração, mas decidiu dividir o espaço com Clemens. Passou a
apresentar o "Brasil com S" e Clemens, o "Musika - die schönste
Sprache der Welt", cada um com uma hora, em alemão, ao vivo e
sem intervalos. Desde setembro de 2000 leciona português na
VHS, uma faculdade aberta em Osnabrück. Está desenvolvendo um
trabalho junto à Ekkart Verlag (Ed. Ekkart), redigindo resenhas,
promovendo leituras literárias, apresentando seminários e palestras
a respeito da cultura brasileira. Além dos programas de rádio, e
das dicas culturais internacionais (locais) na OS Radio, encabeça
um projeto de integração a estrangeiros residentes em Osnabrück
e região. Oferece cursos de corte digital e acompanha programas
nascentes, com auxílio técnico e em parceria com Clemens. Está
estruturando um projeto de intercâmbio cultural Brasil-Alemanha.
Mas isto ainda está sendo estudado, o material tem sido
selecionado e posteriormente será vertido para o alemão.
Em entrevista exclusiva e apaixonada, Tânia coloca seus ideais e
seu respeito pela cultura… E ainda nos fala:
"Muita gente me pergunta porque não publiquei mais livros meus,
além dos didáticos. Pois é. Tenho muito material engavetado. Mas
por enquanto estou dando prioridade aos dicionários e gramáticas,
a fim de que continue a manter a criançada carente na escola. Se
não investirmos no futuro de nossos piás, quem é que vai ler
nossos livros amanhã??? Não dá. Também tenho questionado
muito a literatura atual. Para quem escrevo? Será que meu
trabalho consegue desempenhar sua função social, além da
artística? Se escrevo só para literatos, como é que posso lidar com
o conflito interior, que me faz pensar naqueles que mal sabem ler e
escrever? Se fecho meus olhos a essa problemática, vendo-me à
simples vaidade de ser aplaudida por um público seleto? Isto temme levado a calar um pouco. E a repensar a função do artista."
SC - Tânia, as diferenças culturais entre o povo latino-americano e
o europeu são enormes - como você percebe o "cuidado" com que
Agulha - Revista de Cultura
o povo brasileiro e o alemão com suas culturas?
TGP - Sim, as diferenças são imensas, mas não podemos lançar
mão dessas diferenças para alimentarmos nosso complexo de
inferioridade, não. Infelizmente o povo brasileiro acabou ingerindo
o conceito de que é inferior e dependente culturalmente. Para os
brasileiros mesmos que torcem o nariz para nossa cultura, seria
muito bom que pensassem, antes, nos recursos que o artista em
geral tem em suas mãos… E que não se esquecessem de que nosso
país é muito jovem e que, apesar disto, não deixa tanto a desejar
frente à cultura de outros países, embora a maioria insista em
afirmar o inverso.
Falar de cultura alemã, Solange, é falar de história. E de
fragmentos. Cada estado alemão tem sua autonomia - política,
cultural, pedagógica… O povo alemão continua buscando sua
identidade, sua integridade. Ouve-se até com muita freqüência o
alemão ocidental se referindo ao oriental como sendo "lá do outro
lado". Ainda não é um povo homogêneo. Está em processo de
readaptação, após a queda do Muro. Conversando com autores e
editores alemães, fala-se muito, ainda, na lacuna literária, por
exemplo, provocada pela queima de livros que os nazistas
realizaram. Esta lacuna ainda persiste; o alemão ainda não se
recuperou deste choque. É um povo que se volta mais para os
sentires de uma forma intensa e simples. A partir do Plano Marshall
a Alemanha Ocidental se viu diante do desafio visceral de efetivar
sua capacidade de reconstrução sem se tornar dependente dos
EUA, mas por outro lado teve que engolir por muito tempo uma
gratidão advinda de uma falsa solidariedade. Uma das
conseqüências foi a rejeição a tudo que não fosse alemão. Essas
contradições todas foram se refletindo na cultura e gerando um
certo temor no tocante à ousadia. No período pós-guerra o que
havia culturalmente era uma total desorientação artística. Os
alemães estavam mais preocupados em reconstruir o que fosse
possível em seu país. O que acontecia no exterior não tinha muita
importância, em função da urgência de se reestruturar nos setores
mais básicos.
Agulha - Revista de Cultura
O Brasil começa a tomar consciência de
sua importância e de sua capacidade
culturais, embora falte ao artista em
geral a simplicidade e a interação social
mais concreta. A Alemanha procura
manter suas tradições, mas tem-se visto
obrigada a se adaptar a mais um
fenômeno, aliás, inédito antes da
Segunda Guerra: a migração. Há um
tempo agarra-se a seu potencial
tecnológico e ha outro tempo envergonhase um tanto pela ainda "inocência"
artística atual, por ter parâmetros como
Goethe e por não conseguir mais atingir
tal nível. Um dos cuidados maiores que a Alemanha tem para com
sua cultura é com o teatro, com a música clássica e a preservação
da tradição histórica.
SC - E como o alemão recebe a cultura latino-americana?
TGP - A cultura latino-americana é recebida, num primeiro
momento, com uma certa incredulidade. Ironia, até. A mídia inseriu
no conceito alemão as imagens de pobreza, de analfabetismo, de
falta de seriedade e de corrupção como únicas existentes na
América Latina. E sobre tais imagens há muitos alemães
desenvolvendo "projetos sociais em prol do terceiro mundo", que
na verdade não desempenham papel algum a não ser o de ganhar
muito dinheiro às custas dessas imagens. Enquanto isto os nativos
que desejam realmente desenvolver um trabalho sério, de
esclarecimento, não conseguem voz ativa a não ser com muito
esforço voluntário. Existem muitos projetos sociais bastante
positivos também, não posso generalizar… A música, no entanto,
vem abrindo caminho para a história e a literatura latinoamericanas. Quando cheguei, em dezembro de 1999, a salsa
estava em intensa evidência. E tudo o que entra em evidência na
Alemanha, acaba gerando interesse de aprofundamento através de
leitura, de discussões, de seminários. As universidades têm obtido
bastante procura aos cursos de "Ciências Sociais dos Países da
América Latina"…
Após o famigerado 11.09.2000 têm-se aberto discussões em torno
de culturas estrangeiras com maior profundidade. A Alemanha está
tentando se adaptar a este novo país que começa a mesclar
culturas, cores, linguagens. Existe um interesse até que
relativamente intenso - especialmente da parte de jovens - com
relação à América desconhecida. Na faculdade onde trabalho temos
grupos de discussões semanais; temos conseguido promover
muitas leituras, workshops, palestras, matérias para a imprensa.
Na OS Radio também temos conseguido desenvolver um trabalho
Agulha - Revista de Cultura
bastante intenso que está começando a exigir espaço também a
culturas de outros países.
SC - Você trabalha numa rádio - qual o tipo de música que o
alemão prefere?
TGP - O alemão está começando a se interessar por extremos: do
blues à salsa; da clássica à música árabe. Desde que ele conheça a
história do respectivo país… (Aqui aproveito para complementar
minha resposta anterior.) O rádio alemão tem decaído demais em
qualidade. O que se ouve nas chamadas "rádios de massa"
comerciais ("ffn", "Antenne", etc) são regravações dos sucessos
dos anos 80 e 90, mesclados à ainda menos interessante e querida
música popular alemã, além de muita música descartável norteamericana - um terror… Tenho percebido que o público tem dado
preferência a rádios "multiculti", como é o caso da OS Radio e da
Deutschlandfunk, que apresentam não apenas blocos musicais,
mas que trazem em sua programação muitas discussões, muitas
resenhas, entrevistas. Estamos conseguindo chamar a atenção ao
desestigmatizarmos um pouco os países latino-americanos. Causo
espantos bastante positivos quando mostro que Brasil não tem só
samba e que a salsa não é um ritmo genuinamente brasileiro (!!!).
Um exemplo: apresentei três especiais Bossa Nova no "Brasil com
S", intercalando música e história. Tinha no estúdio alguns
músicos, estudiosos e curiosos, que ficaram completamente
fascinados com o que ouviram. Mas é um trabalho árduo, pois
tenho que lançar mão de uma linguagem simples, elucidatória,
exata. Em paralelo fui, como sempre, inserindo o cenário histórico
e dados biográficos de cada compositor, de cada intérprete.
Também por isto é que sempre insisti em apresentar os programas
todos em alemão.
SC - E como ele recebe a música brasileira?
TGP - O alemão adora o samba, mas temse mostrado bastante curioso a respeito
de outros ritmos. O que mais o fascina,
além do panorama histórico, é a
capacidade que o brasileiro tem de
explorar os mais diversos ritmos.
Tivemos (Clemens e eu) um retorno
bastante positivo, por exemplo, ao
dedicarmos duas horas ao trabalho de
Oswaldo Montenegro. Clemens
apresentou o CD "Telas" em seu
programa "Musika - die schönste Sprache
der Welt" e eu mesclei trabalhos seus de
diferentes estilos e épocas no "Brasil com
S" que entra no ar em seguida. No "Revista Viva" apresentei uma
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série, abordando os sons de norte a sul do Brasil. Cada intérprete
ou banda com pelo menos duas canções de estilos bem diferentes.
Da música tradicional gaúcha, atravessando o Brasil e parando lá
em Rondônia, com uma faixa do CD "Suíte Amazônica", de Gabriel
Cursino Madeira Casara, um garoto que gravou este CD de música
clássica por ele composta aos 15 anos. Esta viagem contou, ainda,
com enfoques históricos e literários regionais. Este tipo de trabalho
tem chamado muito atenção, pois o alemão está acostumado a
ouvir o samba como único ritmo que temos.
SC - Em termos de "poesia', a nossa "toca" o povo europeu? Ele
consegue "sentir" e/ou "perceber" as inúmeras preciosidades da
nossa literatura musical? Citando um exemplo (seriam infindos este é só um que acabei de ouvir…), uma grande do Chico
Buarque: "… Passas sem ver teu vigia, catando a poesia que
entornas no chão"…
TGP - Consegue "sentir", mas exige muito mais. É preciso elucidar.
E quando ele entende o que está sendo cantado, fica entre perdido,
confuso e encantado. O alemão não convive muito intimamente
com figuras de linguagem, mas tem-se mostrado bastante
inclinado a mergulhar neste universo. Trabalho muito com música
em meus cursos e me chamou a atenção a questão do "tocar". Fico
pensando até que ponto o povo brasileiro consegue perceber as
nossas preciosidades…
SC - Agora sobre a literatura - qual o estilo de leitura preferido pelo
alemão?
TGP - É um povo que lê muito e de tudo. É difícil dizer qual o estilo
preferido. O que percebo, através da própria imprensa
especializada, é que o romance (especialmente histórico e policial),
o ensaio, o conto e a biografia ficam bem à frente da poesia. A
História, a Sociologia, a Política e ultimamente livros especializados
na questão islâmica e em outras religiões têm encontrado um
público ávido. Nunca vi uma livraria ou uma biblioteca vazia, aqui.
A qualquer hora do dia. (Aliás, as bibliotecas municipais cobram
uma anuidade de €30…) Em qualquer lugar onde se tenha que
esperar, seja consultório médico, ônibus etc., só se vê alemão
lendo.
SC - E existe algum tipo de incentivo para as crianças lerem ou é
uma coisa puramente tradicional, familiar?
TGP - A criança alemã tem dois companheiros inseparáveis (que a
acompanham por toda a vida): a bicicleta e o livro. Brinquedo
pedagógico para bebês também significa livro, a fim de que a
criança se acostume ao formato, ao manuseio, ao contato físico.
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Ler é um ato tão natural como qualquer outro. O investimento na
literatura infantil é imenso. Todos os centros culturais aqui em
Osnabrück, por exemplo, mantêm horários semanais para leituras
infantis. A televisão mantém, até hoje, programas infantis
educativos diários, como é o caso do Vila Sésamo, que hoje
(08.01) está completando 30 anos. Um dos fatores intensificadores
da leitura é o clima… A criança alemã é muito solitária e tem
praticamente dois meses de verão com direito a sol. A leitura acaba
sendo sua válvula de escape, mesmo com Internet à disposição. E
o sistema de ensino alemão deixa muito mesmo a desejar, mas
tem um aspecto bastante positivo, apesar de criticado
internamente. As aulas são interativas e o aluno é avaliado não
apenas em provas escritas e orais, como ao longo do semestre,
com relação à sua participação em sala de aula. Para participar é
obrigado a pesquisar por conta própria, já que o professor não tem
uma postura muito ativa…
SC - Em termos de cinema e teatro, qual a preferência do povo?
TGP - O que está lotando os cinemas por
aqui é Harry Potter… Mas também há
muitos centros culturais que apresentam
o cinema mundial. No ano 2000 tivemos
um mês inteiro só de cinema brasileiro
no Lagerhalle, um centro cultural que
vive abrindo espaço para nossa cultura.
Em termos de teatro, depende da região.
Aqui na Baixa Saxônia, por exemplo, o
que ficou por muito tempo em cartaz foi
"Elizabeth" - uma abordagem históricobiográfica da imperatriz Sissi. Este ano
tem muita coisa interessante, mas o que
tem chamado a atenção do público é
"Esperando Godot", com Harald Schmidt - um comediante bastante
conhecido aqui, que apresenta um talk show na SAT.1, idêntico ao
formato do Jô Soares 11.30. E o "Rei Leão"… Musicais e monólogos
também têm público fiel na Alemanha.
SC - Tânia, aqui no Brasil nós vivemos um problema seríssimo que
é o Jabá - isso existe na Europa?
TGP - Não posso afirmar com segurança. Tenho ouvido coisas a
respeito, com relação às rádios de massa, mas supor não é saber…
Só posso afirmar que a OS e a Deutschlandfunk estão fora disso
pela própria legislação.
SC - Aqui os "modismos inventados para fazer dinheiro" invadem
as rádios e impedem que nossa verdadeira música de chegar ao
nosso povo. É assim aí também?
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TGP - Naturalmente aqui é assim, também, nas rádios comerciais.
Há pouco falei a respeito da decadência do rádio alemão. O público
tem-se voltado às rádios institucionais, como as duas que citei e
em paralelo tem ouvido mais CD’s. Sendo assim, não se pode
afirmar que o que se ouve nas rádios representa a preferência do
público. E no Brasil esta invasão de modismos também não
representa a preferência do povo brasileiro, mas talvez a
manifestação de uma rejeição provocada pelo não acesso ao teor
intelectual da nossa verdadeira música. Não se pode exigir de um
povo que não tem direito a escola que ele assimile a arte. Mas se
pode exigir do artista que desça de seu pedestal e que tente dar ao
seu público potencial uma chance. Hoje a literatura, por exemplo, é
privilégio de poucos. E a outra facção do público que tem vontade
de ler, mas que não tem condições - financeiras e intelectuais quem é que se preocupa com este leitor? Há muitos anos tenho
ouvido de escritores, infelizmente, que o povo brasileiro não gosta
de ler. Com este tipo de afirmação fica-me claro que tais escritores
simplesmente não conhecem seu próprio povo. Não consigo engolir
tal desculpa. Promovi muitas leituras, discussões e workshops em
colégios de periferia em São Paulo e em cidades do interior. Mesmo
quando se fala que a biblioteca é a solução para quem não tem
condições de comprar um livro, não se pensa que esses leitores
precisam apenas de orientação. Esta função não cabe apenas ao
professor…
SC - O que você acha de Gilberto Gil ocupar a pasta do Ministério
da Cultura?
TGP - Têm-me perguntado isto aqui, também. Gilberto Gil é UM
ARTISTA muito respeitado na Alemanha. E respeito muito,
também, seu trabalho. Mas creio ser cedo demais para falar a
respeito. Só posso afirmar que a imprensa daqui está
acompanhando isto tudo. E se ele quiser que sua carreira
internacional continue tão respeitada, vai ter de fazer um trabalho
digno de um respeito ainda maior. Torcidas não faltam…
SC - O que você acha do comportamento do Governo dos últimos
tempos (ou de todos…) com a cultura brasileira?
TGP - Até hoje me pergunto como é que eles conseguem dormir… E
como é que nós conseguimos sobreviver… É melhor não responder,
Solange.
SC - Já que estamos com uma nova proposta social e nos é
permitido sonhar, o que você vislumbra para nossa cultura?
TGP - A nova proposta social está aí, mas ainda é preciso muito
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tempo para se vislumbrar resultados positivos. Será necessário ter
muita "paciência ativa". O que realmente sonho para nossa cultura
continua sendo o mesmo de sempre: que o brasileiro pare um
pouco de se deslumbrar com tudo o que vem de fora e que passe a
olhar com um pouco mais de delicadeza para seu próprio potencial.
E que cada artista seja responsável por este processo, devolvendo
ao povo brasileiro a liberdade real de escolha.
Solange Castro (Rio de Janeiro, 1956). Produtora cultural. Criou e dirige o projeto virtual
Alô Música. Contato: [email protected]. Página ilustrada com obras da artista
Paula Rego (Portugal).
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edição
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Agulha - Revista de Cultura
revista de cultura #
32 - fortaleza, são paulo - janeiro de 2003
Os abismos perversos na pintura de
Paula Rego
Maria João Cantinho
.
Habituámo-nos a ver a pintura de Paula Rego
nas obras de Adília Lopes, em Augustina Beça
Luís, daí que a sua estranheza tenha sido, de
alguma forma, amenizada por incorporar
obras de carácter público e, mais do que isso,
de grande poder mediático. Esse é um dos
efeitos perversos que surgiu enquanto
consequência da consagração da sua obra,
tanto nacional como internacionalmente. Por
isso, num país em que a arte continua a ser
vista como produção de uma elite e os casos de sucesso são
escassos, Paula Rego é indubitavelmente um dos mais valiosos
exemplos de pintura portuguesa. Não obstante, suscita alguma
polémica o facto de não residir em Portugal, mas em Inglaterra, e a
principal galeria onde expõe é uma galeria inglesa. Além das
retrospectivas da sua obra organizadas em Portugal, tanto pela
Fundação Calouste Gulbenkian como pelo Centro Cultural de
Belém, o seu último trabalho exposto em território português foi já
em 1999, um ciclo intitulado O Crime do Padre Amaro, uma série
de quadros que tinham como tema ou motivo a obra homónima de
Eça de Queirós.
Paula Rego nasceu em Lisboa, em 1935 e, entre 1945 e 1951,
frequentou a St. Julian’s School de Carcavelos. A partir de 1952
frequentou a escola de pintura Slade School of Art, em Inglaterra,
onde conhece o futuro marido, o pintor Victor Willing. De 1957 a
1963 viveu com Victor Willing, com quem, entretanto, casara, na
Ericeira. No mesmo ano é-lhe atribuída uma bolsa da Fundação
Calouste Gulbenkian de Lisboa e, entre 1963 e 1975, vive entre
Agulha - Revista de Cultura
Londres e Portugal. Esse período é, sem dúvida, importante, tanto
na sua obra como na sua vida, permitindo-lhe sair da pequenez do
país e do isolamento cultural em que se vivia. Em 1983, Paula Rego
torna-se Professora convidada de Pintura na Slade School of Art e
em 1988 faz a apresentação da Retrospectiva da sua obra na
Fundação Calouste Gulbenkian de Lisboa e na Serpentine Gallery
de Londres. Em 1990 é nomeada primeira artista associada da
National Gallery de Londres. Artista de trabalho prolífico e regular,
ela expõe frequentemente séries de novos trabalhos e revela uma
actividade imparável, pautada pela excelente qualidade do seu
trabalho, sempre favoravelmente acolhido pela crítica.
Quando Deleuze fala da obra de Francis Bacon, em Francis Bacon,
Logique de la Sensation, utiliza uma expressão que parece ajustarse perfeitamente à pintura em geral e à de Paula Rego, numa
concentração intensa: "não se trata de reproduzir ou de inventar
formas, mas de captar forças." (sublinhado meu). E, ainda que a
expressão possa aparentar-se com um lugar comum, o certo é que,
ao olhar-se a pintura de Paula Rego, o incómodo e a inquietante
presença dessas forças actuantes activa-se, sob o olhar do
espectador mais desprevenido. As suas figuras são grosseiras e,
não raro, grotescas, pois é no campo de uma indecibilidade entre o
humano e o animal que elas emergem, na maioria das vezes,
configurando-se como seres habitados por uma espantosa força
sexual.
A proximidade do trabalho da pintora com a linguagem do
automatismo gestual aparece desde cedo, mercê da influência do
surrealismo e dadaísmo. Paula Rego deixou-se fascinar pelo
automatismo surrealista e privilegiou a arte produzida a partir da
imaginação não dirigida, permitindo um jogo mais livre das
faculdades e rompendo com o habitual determinismo que se
apresenta na relação entre o pensamento e o gesto. É a partir
deste contexto do automatismo e da produção de uma imagética
espontânea, tal como foi defendida pelos principais surrealistas,
não apenas ao nível da escrita, mas aplicando-se também às artes
plásticas, que deve ser lida a obra de Paula Rego que se
interessou, igualmente, pela collage e pelo seu manuseamento.
Desta, a autora reteve o gosto pela imagética que cruza
fragmentos e palavras, partindo para a utilização de histórias
completas, tomadas como dispositivos partilhados, lugares de
comunicação entre o interior e o exterior, formas de comunicação
que permitem passagens entre o privado e o público, o individual e
colectivo.
Agulha - Revista de Cultura
Ainda que as histórias de Paula Rego
sejam bem conhecidas, é necessário
frisar que a relação das suas pinturas
com as mesmas raramente
consubstancializam uma mera ilustração.
É ela própria quem esclarece, dizendo
que, muitas vezes, já se encontra a
desenvolver o trabalho quando encontra
a história "no caminho", incorporando-a,
isto é, nomeando uma imagem como
elemento de uma história, utilizando essa
imagem para comunicar e configurar a
ideia. Assim aconteceu com As Criadas,
utilizando a história verídica das irmãs
Papin – e que tanto fascinou Genet e os
surrealistas, pois aparentemente tratou-se de um crime sem
motivo, o que constituiu uma causa célebre na época - que
assassinaram a mãe e a filha de uma família abastada de Paris, por
volta de 1930. Exemplo da utilização que Paula Rego faz de
narrativas já existentes, o quadro constitui-se como uma
apresentação (e uma reflexão) sobre o poder e a transgressão, pois
as criadas usurpam o poder pelo assassínio. No quadro A Família,
que sugere uma intrincada sequência de relações entre os vários
elementos, articulada por uma série de imagens unificada por uma
narrativa (semelhante, na sua estrutura, ao quadro anteriormente
citado). Neste, trata-se da relação da mulher e dos filhos com o
homem e a situação reveste-se de uma ambiguidade perturbante,
não deixando perceber se a família ajuda ou ameaça o homem. A
sua pose e passividade permitem pensá-lo como um Lázaro,
enquanto outros elementos do quadro sugerem uma ambiguidade e
uma indecibilidade latentes e actuantes num duplo registo: no
oratório português, ao fundo, S. Jorge mata o dragão e na sua
base, uma garça-real, tanto pode estar a alimentar como a atacar
uma raposa.
Codificando e comunicando as histórias mediante imagens visuais
fortíssimas, Paula Rego raramente procura encontrar narrativas já
estabelecidas, preferindo trabalhar com histórias que fazem parte
de si mesma, com as quais cresceu, conferindo-lhes significados e
reconhecendo-as como repositórios de conhecimento e de poder
exteriores aos modelos tradicionais, fazendo-as funcionar mais pela
manipulação e subversão, do que propriamente pela dominação e
uso convencional. Abrindo-se à possibilidade de um múltiplo
funcionamento dessas narrativas, opta por um reconhecimento da
sua autonomia e segue-as nesse movimento, à sua vontade
própria. Muitas vezes segue, também, (re)trabalhando e
(re)combinando materiais que, gerando outros conjuntos,
funcionam como chaves ou aberturas da experiência individual ou
partilhada. Os motivos estabelecem cadeias e sequências de
conteúdos significativos, comunicando de quadro para quadro, do
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artista para o quadro e para nós. Só para referir um exemplo cito o
cão (aparece logo nas primeiras obras da autora), como "chave",
que transmite e dá forma a um conjunto específico de
preocupações de ordem variada.
Em 1986, Paula Rego deu início a uma série de quadros cujo título
é Menina com Cão. Iniciando-se com a imagem de uma menina a
dar de comer a um cão, esta série coloca o cão à mercê dos tratos
(ambíguos) de uma menina. O cão parece, à partida, um animal de
estimação, mas é, ao mesmo tempo, uma boneca, um bebê e um
homem, sendo a conotação claramente explicitada em Uma Menina
a Levantar as Saias para Um Cão. Paula Rego põe em jogo uma
série de elementos iconográficos que interagem entre si e originam
uma sequência de acontecimentos narrativos e simbólicos,
portadores de ideias como o amor, a confiança, o medo e a
dominação. No ano seguinte, ela continuou a desenvolver a história
do cão, onde explora e encena as tensões estabelecidas
anteriormente. Em Armadilha o tema da dominação reaparece e na
sua obra A Pequena Assassina, o cão ameaçado desapareceu do
enquadramento da pintura. Muitas das categorias do cão, tomado
como elemento iconográfico de relevo, reaparecerão em obras
posteriores, com novas combinações e significados, mostrando-se
nesse horizonte de indecibilidade de que falei anteriormente. Em
algumas obras, o cão assume um papel humano ou, mesmo divino,
o que lhe confere a ambiguidade própria de um conceito tensional
que nunca se deixa aprisionar enquanto categoria, mas que
funciona no interior de uma metamorfose que se cumpre no quadro
da imagem. Daí que uma tensão esteja sempre presente nos seus
quadros.
Uma outra questão, que decorre desta é, sem dúvida, a da
identidade e da sua complexidade, enquanto identidade individual.
Na sua obra A Dança, uma pintura que representa algumas pessoas
a dançar numa praia, para escolher um caso representativo, a
preocupação com a construção da identidade parece converter-se
na força motriz essencial do quadro, pois este trabalho revela as
diversas modalidades que uma mulher tem, em que se desenvolve
e se afirma, procurando estruturar a ideia que faz de si mesma. Ela
distingue-se dos outros, reservando para si um espaço
composicional à parte e olha-nos, constituindo o seu olhar uma
multiplicidade e variedade de modos diferentes de ser enquanto
mulher, concentrando um gesto de procura e conhecimento de si
própria. Esta identidade, porém, constrói-se pela luta, ou melhor,
num conflito, pois todos os seus quadros em que a questão da
identidade se coloca, se configuram na luta, muitas vezes,
ocorrendo violentamente e não sem a embriaguez e o inebriamento
das pulsões vitais e físicas, algo que é tão consonante e familiar ao
espírito do surrealismo.
Agulha - Revista de Cultura
Numa conversa com Fiona
Bradley - catálogo da
retrospectiva da obra da artista,
para o CCB, em 1999 -, Paula
Rego fala do prazer da criação,
aliado ao da destruição, o que a
coloca justamente numa linha de
força próxima de Georges
Bataille, quando afirmava que a
primeira motivação para a arte é
o desejo de destruir, mais do que
o de decorar o vazio do suporte onde emerge a obra. Daí que não
possa pensar-se o gosto e fascínio da pintora pela violência,
desligando-o do seu contexto: uma raiva destrutiva que é fonte e
magma da criação, raiva que é posta como ruptura fundante, ao
nível do conceito de identidade das figuras representadas.
Muitas das histórias que a pintora cria são tecidas em torno da
família e das relações internas que se criam no seu interior. Paula
Rego pinta crianças que lutam com os pais para alcançarem a sua
identidade própria, constituindo a sua fragilidade e simultânea
ferocidade um reconhecimento das pulsões edipianas e
inconscientes, que aparecem sob a forma de figuras humanas e
animais, simbolizando os conflitos de ordem sexual.
A fisicidade das suas figuras femininas é outro elemento
iconográfico que marca a violência da pulsão sexual. Com a série
de Mulher-Cão (1994), a pintora assimilou uma estranha história
de que ouviu falar, a história de uma mulher que vivia sozinha com
os seus animais numa casa enorme, perdida algures no meio das
dunas. Quando o vento soprava, a mulher ouvia a voz de uma
criança na chaminé, que lhe dizia para matar todos os animais.
Enlouquecida pelo vento, a mulher põe-se de cócoras, abre a boca
e engole todos os animais. A recordação desta história acudiu-lhe
durante uma sessão de desenho e daí nasceu uma figura que
resultou como uma mulher-cão, em parte proveniente da história
que ouvira, mas sobretudo como o início de um novo ciclo de
mulheres solitárias e de aparência feroz, cuja natureza visceral e
sexual salta à vista. Esta ligação visceral ao corpo e a uma força
sexual intensa habita muitas das suas figuras, sobretudo a partir
dessa série. Porém, a série de mulheres-avestruzes, sendo
extremamente físicas, revelam aspirações espirituais que as
afastam das mulheres-cão, essencialmente agarradas à terra.
Há um aspecto que ainda não foi aqui referido e que o marido da
pintora, o igualmente pintor Victor Willing, já falecido, chama a
atenção. É a relação entre a extrema complexidade das suas
histórias, que parece proporcionar-nos, muitas vezes, o acesso a
uma obra, não raro hermética e fechada no seu simbolismo, e a
Agulha - Revista de Cultura
lógica que lhe é própria, não a deixando perder nunca o pé na
construção das suas narrativas. Os elementos básicos que lhe
presidem (e se repetem amiúde) e que são mais persistentes, ao
longo da sua obra, são o tema da Dominação o do Tempo Passado.
Se a dominação assume diversas formas, como nas lutas entre a
criança e o pai, do indivíduo pelo Estado, da psique pelo sonho ou
ideal, da personalidade pela paixão, da consciência pela culpa, as
agressões que dela resultam geram a violência das suas
representações, violência que se confunde com a da artista, ao
realizar a imagem no quadro. Muitas vezes, esses paradoxos
resultam numa crueldade e obscenidade que daí resultam, em toda
a sua força. E essa violência orgiástica confunde-se, nasce dela e
funde-se nela, com a frequente alusão ao passado. Não se trata de
um retorno nostálgico que se apresenta na sua obra, de uma
tentativa de restituição da aura, mas o que a pintora faz é
comentar ou aludir ao passado no presente: o exilado, por
exemplo, recorda o seu cão, a sua noiva ou a sua força; o
derrotado relembra a esperança antiga e os seus projectos; o
adulto, os seus medos de infância.
A visão das crianças, na obra de Paula
Rego, nunca se faz concreta nas suas
formas mais adocicadas ou ternas, das
habituais representações, mas sempre
como o acesso ao terror (concentrando
uma violência intensa), o qual é
domesticado de forma simbólica, pelo
acto de representar. A infância constitui
um dos seus elementos emblemáticos e
iconográfico por excelência. Não diz
apenas respeito ao estado da inocência
e descoberta dos instintos da sexualidade e da dominação, mas
configura-se igualmente como um estado de conhecimento, que é
também um espaço de poder (sobretudo a partir da década de 80,
em que o político invade a esfera do doméstico, na sua obra). E o
espaço da infância é privilegiado pela autora: a casa, em especial a
nursery, são zonas frequentemente representadas, espelhando
nelas as complexas relações de dominação e transgressão, já aqui
referidas anteriormente. Se bem que a figura da menina, na sua
obra, conheça os seus precedentes marcantes (tais como o
erotismo das meninas púberes de Balthus e as jeune filles de Max
Ernst, com as suas conotações do psiquismo inconsciente), as
meninas de Paula Rego nunca exploram as origens psíquicas, mas
o que a artista faz ou procura fazer é expôr, de um modo
inabalável, esse passado silenciado que assombra o presente
histórico. Elas, as suas obras, são explorações e personificações de
complexos estados emotivos e psíquicos, estados esses que
remetem para a infância, mas que também agarram a vida psíquica
adulta: como podem coexistir e coabitar a vaidade e a vergonha? O
sentimento de poder e o embaraço que daí resulta? O amor e o
Agulha - Revista de Cultura
medo, jorrarão eles da mesma fonte? Do que é que se está a falar
quando nos referimos às relações complexas que se estruturam no
interior da família?
A inquietação, como se pode ver, ao longo da minha análise, é o
elemento central de toda a sua obra, crivada nos paradoxos de que
o quadro se faz revelação. O simbolismo e o dualismo sempre
presentes, na sua ambiguidade, são magistralmente trabalhados
enquanto imagens pictóricas, prometendo-nos um acesso que
nunca nos será inteiramente oferecido. Persiste, nas suas imagens,
o gosto da decifração, pelo (re)trabalhar e contínua redisposição
dos motivos iconográficos que nos abrem as suas obras, como
chaves de significado, permitindo essa remissão de um quadro a
outro, da autora para o quadro e, por sua vez, do quadro até nós,
esperando a nossa atenção.
Maria João Cantinho (Portugal, 1963). Filósofa e ficcionista. Autora de livros como A garça
(2001) e O anjo melancólico (2002). Contato: [email protected]. Agradecimentos
da Agulha e de Maria João Cantinho à Marlborough Fine Art, de Londres, na pessoa de
Lyndsay Fielding ([email protected]), pela cessão de direitos de reprodução
de todas as obras de Paula Rego que ilustram, na condição de artista convidada, a presente
edição. As reproduções foram digitalizadas a partir da edição de Paula Rego (Tate
Publishing, Londres, 2002), de Fiona Bradley.
retorno à capa desta
edição
índice geral
triplov.agulha
jornal de poesia
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revistas em destaque
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digestivo cultural (brasil)
diálogo entre editores: julio
daio borges & claudio willer
Em Agulha já foi comentado, várias vezes, o risco representado pela
concentração e pelo crescimento dos monopólios de comunicação,
especialmente para o Brasil, país cuja legislação é frouxa, tornando-o
uma preferência eletiva de aventuras irresponsáveis e
empreendimentos temerários (bastando observar o que se passa, neste
país, com a televisão paga, a cabo, com as redes de TV, e com a
telefonia, inclusive em sua intervenção na transmissão pela Internet).
Nesse contexto, é um motivo de satisfação apresentar Julio Daio Borges
do Digestivo Cultural,
www.digestivocultural.com/blog/. É o típico free-lancer de si
mesmo, capaz de levar a bom termo um projeto pessoal, em um
empreendimento que conta com toda a simpatia de Agulha.
CW - Depois da saída de cena de no. - entre outros projetos - o foco de
uma entrevista sobre o Digestivo Cultural forçosamente acaba incidindo
na questão da viabilidade. E, em uma publicação híbrida como o
Digestivo, com algo de newsletter, de periódico eletrônico, e de ecommerce, também sobre sua identidade. Antes de qualquer outra
coisa, um pouco de biografia: de onde emergiu Julio Daio Borges, o que
fazia antes, em resumo, quem é você? Em especial, antes do Digestivo,
seu campo de atuação era mais o jornalismo impresso, marketing,
informática?
Agulha - Revista de Cultura
JDB - Sou engenheiro por formação. Estou ligado
aos computadores desde os onze anos de idade. E
às letras, desde os dezessete. Mantive sempre
essa dualidade. De 1996 até 2001, trabalhei em
bancos, consultorias e empresas de
telecomunicação. O lado engenheiro prevaleceu
nessa época. Mas eu nunca parei de escrever.
Montei um site pessoal (jdborges.com.br, em
1999) e o Digestivo Cultural
(Digestivocultural.com, em 2000). No entanto, foi
só em meados de 2001 que o jornalista emergiu,
e subjugou o engenheiro. (Quer dizer, em termos:
para estruturar o Digestivo, eu precisei muito da
minha "expertise" de engenheiro.)
CW - Examinando tudo o que você apresenta, fica-se com a impressão
de que é simples manter à tona um periódico eletrônico. Basta
trabalhar 26 horas por dia. É isso mesmo?
JDB - Considero uma profissão de fé. Um verdadeiro ato de heroísmo.
Trabalhar com cultura no Brasil. Ainda é aquele negócio da cereja no
bolo. Quando você fala sério, é considerado chato, difícil, prolixo.
Quando você faz piada, acaba atraindo um leitor ou outro, mas corre o
risco de se repetir e cair no entretenimento puro e simples. Na Internet,
mais ainda. Já reparou que nós somos os "filhos do jornalismo
impresso" falando para os "filhos da televisão"? O diálogo parece
impossível (e é), mas, ainda assim, existe (embora pouca gente queria
investir nisso).
CW - Dê algumas coordenadas cronológicas: quando foi que você
começou a pensar em fazer um informativo, jornal ou boletim,
eletrônico? Como surgiu a idéia? Digestivo? De onde saiu esse título?
Anglicismo, é? De digest, um sumário ou condensação de informações?
JDB - O Digestivo propriamente dito surgiu em setembro de 2000. Eu
estava tentando resolver esse enigma: por um lado, o desejo de
escrever e seguir carreira em jornalismo; por outro, a Internet se
abrindo como um mar de possibilidades. Então pensei num formato
relativamente breve, falando de cultura, num sentido utilitarista e, ao
mesmo tempo, crítico. O nome vem daí. É contraditório, na verdade.
Mas é também simpático e as pessoas, em geral, apreciam. Eu queria
que o Digestivo - como boletim - fosse auto-sustentável e, portanto, me
direcionei a um público mais amplo. Não queria apenas os iniciados,
nem só os especialistas.
CW - Quais as razões da escolha do segmento cultura, e não economia
e/ou política, ou negócios em geral, por exemplo? Em tese, dariam mais
Ibope. Aliás, é cultura, ou cultura e variedades?
Agulha - Revista de Cultura
JDB - Por que "cultura"? É o mesmo que me perguntar por que "azul" e
não "vermelho". Simplesmente porque me pareceu o caminho mais
natural. Nunca me vi editando um semanário sobre economia ou
política. Fora que o efêmero não me atrai. A informação, a notícia.
Prefiro a análise, a reflexão. Admiro os repórteres, claro, mas sempre
preferi o lado mais autoral do jornalismo. O subjetivo invés do objetivo.
Sem dizer que economia e política não são assuntos que eu domino (ou
que tenho pretensão de dominar). Sobre cultura dar pouco Ibope, não
concordo. Basta pensar em três dos colunistas mais populares no
Brasil: Diogo Mainardi, que "mexe com cultura"; José Simão, que
escreve na Ilustrada; e Luis Fernando Verissimo, que escreve no
Caderno 2.
CW - Quanto tempo levou, entre definir as principais características do
Digestivo, e pô-lo no ar? Houve modelos, veículos nos quais se
inspirou?
JDB - O Digestivo Cultural, como ele é hoje - falo do site como um todo , resultou de um trabalho de mais de dois anos. Como eu disse, a
minha referência e a dos Colunistas era fundamentalmente a imprensa
escrita. A partir disso, a idéia foi dinamizar alguns processos
aproveitando as facilidades da internet. Em termos de publicação, por
exemplo: cada um hoje publica, controla e modifica o seu texto
automaticamente. Em termos de interatividade, outro exemplo: por
meio de fóruns, e-mails, número de acessos, lista dos mais lidos, etc.
Foi um grande aprendizado - e continua sendo. Algumas idéias
mirabolantes se revelaram inúteis; outras, nem tanto, produziram
resultados surpreendentes.
CW - Quando o Digestivo Cultural foi lançado, há pouco mais de dois
anos, as expectativas sobre o crescimento de veículos eletrônicos eram
outras. Hoje, reverteram-se. Havia uma previsão, talvez apocalíptica,
de substituição total ou parcial do jornalismo impresso pelo eletrônico,
que não se cumpriu. Você não acha que está pisando em um campo
minado? Você chegou a fazer uma análise crítica de outros projetos, a
diagnosticar onde falharam?
JDB - Quando o Digestivo apareceu, a Internet já claudicava (estamos
falando do final de 2000). Quando chamei os Colunistas, e decidi
implementar a revista eletrônica (início de 2001), ninguém pensava em
faturar milhões. Queríamos fazer barulho, mostrar um trabalho digno
de nota, provar que havia novos talentos não contemplados pela
imprensa, agitar o meio, derrubar alguns paradigmas, etc. Nesse
sentido, diria que conseguimos. Óbvio que, em outros tempos, o
conteúdo do Digestivo seria remunerado por um portal - e, quem sabe,
poderíamos viver disso (o que não acontece hoje). Sobre a análise
crítica de outros sites, ela é feita constantemente e nos ensina muito.
CW - Quando, nos informativos sobre o Digestivo Cultural, você declara
Agulha - Revista de Cultura
viabilidade econômica, o que isso significa? Cobertura de custos de
manutenção, ou que dá para viver bem disso? Quanto por cento da sua
receita é diretamente ligada ao Digestivo (anunciantes, patrocinadores,
assinantes), e às vendas ou à prestação de serviços, do tipo construção
de sites? (isso, mesmo considerando a óbvia sinergia entre ambos, que
um puxa o outro, que a circulação do Digestivo o fortalece em
prestação de serviços e vice-versa).
JDB - Quando falo em viabilidade econômica, falo em custos muito
baixos se compararmos o Digestivo a uma publicação equivalente em
papel. Como a estrutura já está montada, não há quase manutenção.
Fora que o site e as facilidades que a internet proporciona eliminam
uma porção de intermediários. Há basicamente a redação, para se
remunerar - o que é, convenhamos, a parte menos onerosa de uma
revista ou de um jornal. Quanto às receitas, o grosso vem do ecommerce (no entanto, muito longe daquilo que você está imaginando).
Já a publicidade em internet foi praticamente banida - ficando restrita
aos grandes portais (às vezes, nem isso). E a parte de serviços vai
crescendo aos poucos, embora tenha sofrido um baque com a
desaceleração geral da mídia.
CW - O Digestivo Cultural apresenta textos e informação, mas também
bastante e-commerce. Em parte, não seria um Submarino terceirizado?
(ou seja, assumindo funções de que Submarino desistiu, diretamente,
como sua própria revista)
JDB - A pergunta é interessante. Sérgio Buarque de Holanda tentou
introduzir Weber no Brasil, mas tudo indica que não foi feliz. Aqui,
ganhar dinheiro ainda é pecado. Entre a intelectualidade, então, pecado
mortal. Assim, se um "site de cultura" se propõe a faturar alguns
trocados com os produtos que gratuitamente divulga, logo é tachado de
"vendido" ou de "mercenário". O que existe entre o Digestivo Cultural e
o Submarino é uma relação de parceria comum, e nada mais. Acontece
que nos pareceu lógico oferecer a facilidade de se adquirir livros, CDs e
DVDs via internet, através do nosso site, e receber uma comissão por
isso. Os intelectuais brasileiros precisam perder esse preconceito. Quem
sabe abandonando o voto de pobreza e pensando em soluções
comercialmente mais viáveis. Teríamos, inclusive, publicações
financeiramente mais saudáveis.
CW - O que lhe deu maior prazer publicar, lhe provocou maior
satisfação? Do Digestivo atual, o que lhe agrada mais? Fale um pouco
mais sobre a contribuição propriamente cultural do Digestivo, o que ele
acrescenta, além de possibilitar acesso a mais informações via net e,
portanto, dar sua contribuição para a democratização da informação.
JDB - Não vou falar de um texto ou outro, porque cometeria certamente
alguma injustiça com algum colaborador. O que me orgulha mais é
termos construído, a partir do zero, um periódico que hoje é referência
Agulha - Revista de Cultura
em termos de jornalismo cultural, tanto dentro quanto fora da Internet.
Veja bem: eu sou praticamente um "outsider", não venho de nenhum
jornal, nunca tive ligações na grande imprensa, entrei como novato
nesse negócio. A maioria dos Colunistas também (começaram como
eu). De repente, recebemos elogios do Millôr Fernandes, felicitações do
Mino Carta. Depois uma citação honrosa do Sérgio Augusto, uma
indicação do Ruy Castro. Uma menção do Daniel Piza, uma
consideração do Sérgio Dávila, um voto de confiança do Luís Antônio
Giron. Por fim, as mensagens do Diogo Mainardi, da Ana Maria Bahiana,
o apoio da Sonia Nolasco. Tudo isso não é mera coincidência e eu não
acredito que aconteça por acaso. Em termos de reconhecimento,
ninguém acreditou que chegaríamos tão longe. Nem nós mesmos.
Pessoalmente, acredito que nem ninguém mais chegue. É o tipo de
coisa que não acontece duas vezes.
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el artefacto literario
(suécia)
diálogo entre editores: mónica
saldías & floriano martins
FM - Como situar a atividade cultural de uma uruguaia que vai residir
na Suécia e ali acaba projeto editorial de difusão da literatura iberoamericana?
MS - Mi propia condición de poeta es sin duda y en
primer lugar lo que me lleva a la concreción de un
proyecto editorial como El Artefacto Literario, pero
también sin temor a equivocarme puede decir que
es mi propia situación de distancia geográfica y
psicológica del sitio de mis origenes lo que da, o
busca dar, desde el primer momento un contenido
especial a El Artefacto Literario: la búsqueda de
perspectivas de tiempo y espacio, la
contextualización de calidades literarias
independientemente de la pertenencia a tal o cual
grupo, la apuesta por una trascendencia literaria que no depende de
quién escribe sino de lo que se escribe.
Lo que escribimos es apenas una gota en un inmenso mar, y estoy
convencida de que si pudieramos de verdad comprender esto de
corazón, de una forma totalizadora… si pudieramos comprender cuál es
nuestro lugar en una perspectiva realmente abarcadora de tiempo y
espacio podríamos también ser mejores creadores, sin estar demasiado
ocupados y preocupados por la difusión y promoción de nombres, y más
atentos a la difusión de calidad. Si no hay calidad entonces no hay nada
para difundir. Y si como creadores tenemos la inmensa dicha de
alcanzar una trascendencia literaria de tal envergadura que dentro de
dos mil años las gentes integren nuestros versos en su vida cotidiana
Agulha - Revista de Cultura
poco importa cuál ha sido nuestro nombre. Son estos al menos algunos
de los ingredientes que impulsan y renuevan El Artefacto Literario,
como proyecto editorial.
FM - E em quais circunstâncias consegues concretizar as bases desse
projeto editorial? Indago como ele se estrutura e quais as tuas
condições de trabalho.
MS - De ninguna forma es posible hablar de una única circunstancia o
de varias circunstancias que se dan en un solo y único momento. Las
circunstancias y las bases que dan nacimiento y van estructurando un
proyecto editorial se van dando de a poco, paso a paso e incluso de
manera intuitiva. En un primer momento y durante algunos meses El
Artefacto Literario fue un espacio que incluía distintos géneros: no solo
poesía sino también prosa y dramaturgia. Poco a poco el proyecto
editorial se fue abriendo, concretando y limitando a la poesía. Así se
han ido construyendo las bases; poco a poco, pero siempre desde la
idea principal: la difusión de literatura de calidad. Y como la gran
mayoría de los proyectos culturales El Artefacto Literario ha sido desde
el comienzo y sigue siendo un proyecto altruista, que permanece y
crece a partir del esfuerzo editorial. Esas son las "condiciones de
trabajo": inversión personal en lo económico y en tiempo de trabajo.
FM - Em que exatamente baseou-se a definição pela poesia, e não pela
prosa ou a dramaturgia?
MS - Creo que es importante apostar por un decantamiento paulatino
de uno de los géneros, aunque por supuesto que en muchos casos es
imposible establecer las fronteras entre uno y otro. No digo que sea
imposible llevar adelante un proyecto de calidad que ampare diferentes
géneros, pero sí creo que es una tarea imposible cuando una
publicación no cuenta con medios ni humanos ni económicos como para
enfocar en varios ámbitos y no correr el riesgo de entrar en un proceso
de pérdida de calidad literaria. Mi tiempo es tremendamente reducido y
en ese sentido creo que lo mejor que puedo hacer como editora es
buscar focalizar, y elegir un campo, en este caso la poesía. Si la revista
tuviera medios económicos entonces también podría contar con
recursos humanos que permitieran una propuesta más amplia. Sin
embargo, este es apenas uno de los aspectos en cuanto a por qué
poesía y no prosa o dramaturgia. Si El Artefacto Literario recibiera en
algún momento apoyo económico de algún tipo tampoco que implicara
la posibilidad de disponer de recursos humanos creo que continuaría
optando por la poesía. Dar un perfil y limitar los campos siempre es
necesario e incluso deseable.
FM - El Artefacto Literario possui algum apoio institucional? Como é
mantido o projeto editorial?
Agulha - Revista de Cultura
MS - Como mencioné ya en algunas de las preguntas anteriores El
Artefacto Literario no cuenta con ningún apoyo económico. En Suecia
muchas actividades o proyectos culturales reciben -aunque no siempreapoyo de organismos culturales estatales, pero no es así cuando se
trata de medios digitales.
Por otra parte está claro que por definición y por la propia característica
de un medio y otro -digital y de papel-, una propuesta digital implica
costos menores que una publicación de papel. Esta última debe contar
con gastos de impresión, de papel, de encuadernación y ni hablar luego
del costo de distribución y marketing. Los medios digitales ofrecen en
ese sentido una posibilidad muy diferente: los costos se reducen en
comparación enormemente y las posibilidades de difusión se
multiplican. Claro que siempre de todas formas es necesario asumir
costos fijos y en la medida en que la revista va creciendo se necesitan
medios económicos sobre todo para el desarrollo del proyecto editorial.
FM - Há intercâmbios com outras publicações similares? De que
maneira vem sendo feita a difusão de El Artefacto Literario?
MS - La difusión de un medio digital se realiza, en primer lugar, por vía
digital. En este sentido y luego de un año y medio de vida he podido
comprobar como editora que la revista ha hecho caminos impensables y
ha llegado a gran cantidad de lectores. Semanalmente recibo
enormidad de cartas postales y e-mails desde todo el continente
latinoamericano; de países europeos como España, Portugal, Italia,
Suiza, Alemania, Inglaterra, Noruega, Dinamarca y por supuesto
Suecia; de Angola, Mozambique, Sudáfrica. No hay semana que no me
llegue por correo postal algún libro de poesía, y de la misma forma
material por vía digital. Por otra parte, y de manera natural, la
conformación de un consejo editorial ha llevado también a una difusión
importante de la revista. El apoyo que de manera permanente ofrecen a
la revista poetas como José Kozer, Reynaldo Jiménez y Saúl Ibargoyen
Islas es de gran valor para El Artefacto Literario. El aporte que el joven
peruano José Ignacio Padilla también de manera permanente ha dado y
da a la revista ha sido por ejemplo fundamental para la difusión de El
Artefacto Literario en el Perú, entre poetas de calidad de este país y no
menos entre el público lector. De alguna manera todos los miembros
del consejo editorial, cada uno de manera diferente han significado un
apoyo valioso para la continuación y maduración de la revista. Cuando
se trata de publicaciones similares creo que aún estamos en los
comienzos. Creo que un intercambio natural que se ha dado es el apoyo
mutuo entre la revista cultural Agulha, de la cual tú mismo eres editor,
y El Artefacto Literario. Otros intercambios y/o cooperaciones se están
gestando en muchas direcciones, geográficamente en lo interno y hacia
afuera.
FM - Muitos leitores da Agulha indagam quando teremos uma edição
em papel. Confesso que já não tenho essa possibilidade como uma
Agulha - Revista de Cultura
meta, interessando bem mais a ampliação de circulação no meio digital.
Acaso El Artefacto Literario tem planos para futuras edições impressas?
MS – Creo que en el reclamo de tantos lectores siempre hay un fondo
de sabiduría muy sana, porque es indudable que el medio digital ni ha
sustituido ni sustituirá la magia del papel, así como los mensajes
electrónicos no sustituirán la carta postal ni la tarjeta rústica. Si bien es
imposible saber y predecir qué sucederá en dos mil años, lo cierto es
que a esta altura probablemente el ser humano cuenta, en su relación
con el papel, con una afinidad casi genética. En cuanto a El Artefacto
Literario por el momento no tengo planes de ediciones impresas, pero
tampoco cierro las puertas a esa posibilidad. Creo que especialmente se
trata de problemas de recursos económicos y humanos para que esta
tarea pueda ser posible. De todas formas pienso que ante la posibilidad
de elegir alguna via impresa probablemente lo que más ayudaría a la
poesía de calidad sería la opción por el libro impreso. Esta es una
posibilidad que la revista viene madurando en realidad ya desde los
comienzos, pero para esto es fundamental contar con una
infraestructura mínima y una financiación económica que haga posible
la cobertura de los gastos, cosa que al menos por el momento no
resulta posible.
FM - Como tens sentido a reação dos leitores? Quais os indicativos que
mais se destacam nas inúmeras cartas que certamente deves receber?
MS - Me resulta difícil sintetizar en pocas palabras la reacción de los
lectores, porque en el mar de cartas encuentro cosas muy diferentes.
Desde autores realmente de calidad pero desconocidos o muy poco
conocidos que valoran enormemente la tarea editorial que El Artefacto
Literario ha emprendido hasta autores ya establecidos que luego de
haber visto mucho y tal vez demasiado en esto del quehacer literario,
perciben este proyecto editorial como algo fuera de lo común dado el
abanico de propuestas estéticas diferentes. No pocos lectores se
sorprenden buenamente, por ejemplo, por la sobriedad del diseño
gráfico de la revista, pero en especial se sorprenden de que yo en mi
calidad de poeta no incluya en mi revista una sección mía, con mis
propios poemas; es decir, aplauden y saludan el hecho de que no use
mi proyecto editorial para promover mi propia poesía. Yo siempre
respondo que en realidad no ha sido lo que me ha movido en lo
personal a concretar un proyecto editorial. Y en este sentido vuelvo al
tema que te mencionaba al principio: la perspectiva individual y
colectiva, en tiempo y espacio. Creo que mi mayor preocupación como
poeta y como editora (entre otras cosas) es la de intentar comprender
cuál es nuestro rol como seres humanos y en nuestro quehacer, sea
cual sea, en una perspectiva histórica; aquí, allí, en este tiempo en el
que nos ha tocado vivir. Y estoy convencida de que esa perspectiva, o
al menos el atisbo de esa perspectiva, no es posible de alcanzar desde
los éxitos circunstanciales, o reconocimientos que con la mejor de las
intenciones vienen de voces amigas. Los éxitos o reconocimientos
Agulha - Revista de Cultura
circunstanciales son por supuesto estímulos humanamente necesarios,
pero en el fondo no son más que espejismos de algo que puede no ser
muy real en una perspectiva de tiempo y espacio. Probablemente allí
nos asiste en especial la pregunta que creo todos deberíamos hacernos
y responder con total sinceridad (al menos ante nosotros mismos): qué
es lo que buscamos con nuestra escritura? Qué buscamos con la
difusión de nuestros versos?
FM - Para encerrar, qual a periodicidade de atualização de El Artefacto
Literario, em que se baseia a definição de pauta da revista e quais
novas perspectivas imaginas para ela neste 2003?
MS - Actualmente y desde ya hace un par de meses El Artefacto
Literario se ha planteado una periodicidad de tres o cuatro números al
año, con ciertas variaciones dependiendo de las posibilidades. En este
sentido creo que hay que ser lo más flexible posible, pero sin despistar
al lector. Un medio como el digital a veces nos propone casi el vértigo
de la frecuencia a extremos algo alarmantes. Es cierto que es necesaria
una dinámica diferente a la que exige una publicación impresa pero
pienso que de ninguna manera la frecuencia ha de estar por delante de
la calidad y del rigor en el trabajo editorial. La periodicidad de tres o
cuatro números al año permite una planificación y una selección más
rigurosas, y una maduración de la idea detrás de cada número que
ayuda enormemente a no perder de vista el objetivo principal. Es en
este contexto y en este ánimo donde se definen las pautas de la revista.
Este seguirá siendo en lo fundamental el camino a recorrer durante el
próximo 2003, y seguramente habrá también buenas sorpresas.
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revistas em destaque
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jornal da abca (brasil)
diálogo entre editores: alberto
beuttenmüller & floriano
martins
FM - O Jornal da ABCA inicia atividades em setembro de 2001, após
uma gestão anterior em que a entidade contava com outra publicação,
o Jornal da Crítica. Quais os traços essenciais que distinguem um
periódico do outro?
AB - O primeiro traço foi de divergência editorial.
O Jornal da Crítica não identificava a Associação
Brasileira de Críticos de Arte nem demonstrava
identidade com qualquer tipo de crítica. De quê
crítica se tratava? De música, de teatro, de artes
visuais? Além disso, todo jornalista sabe que há
um formato de jornal que já é clássico. Este foi
outro fator negativo do JC. Pelo formato, o JC era
mais uma news letter ou um boletim do que um
jornal, o JC assumiu o formato desses tipos de
periódicos, com fotos pequenas, pequenas
manchetes e mini-colunas.
FM - Com periodicidade aparentemente semestral, é possível observar,
nos três números até aqui publicados, uma melhor definição editorial,
sobretudo no que diz respeito à presença de matérias e informações,
que extrapolam a órbita enfadonha e viciada dos dois centros
hegemônicos, Rio e São Paulo. Como tem sido possível articular uma
pauta mais abrangente a partir dos diversos segmentos da ABCA em
todo o país?
AB - A periodicidade é fato importante em um jornal de grande
circulação, mas na ABCA temos um jornal de críticos específicos,
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voltados para as artes visuais de seus Estados de origem. Temos
críticos espalhados por todo o Brasil, não seria justo privilegiar apenas o
eixo do Sul Maravilha. Temos hoje atividades no Nordeste, como a
Bienal do Ceará, do Museu de Arte Moderna da Bahia, do Instituto
Joaquim Nabuco do Recife, tanto quanto a Bienal do Mercosul, de Porto
Alegre e a Bienal de São Paulo. Como editor, procuro cobrir todas as
regiões. Um jornal deve ser democrático e o Brasil é um país
continental; há enorme dificuldade de saber o que se passa longe do
eixo Rio - São Paulo, que sempre recebeu cobertura total da grande
imprensa. Somos um jornal alternativo em todos os sentidos, um
periódico mais de ensaios que de notícias e de reportagem, mas gosto
de sempre editar entrevistas com personalidades do setor de arte
visual. O Jornal da Crítica privilegiava notas internacionais, o Jornal da
ABCA quer ver o país unido e respeitado como um todo, só depois
olhamos para os fatos internacionais de importância. O editor desenha
o jornal durante meses, a colher aqui e ali os fatos mais relevantes e
variados. Como não é um jornal feito somente por jornalistas, ele tem
mesmo um aspecto incomum, talvez insólito, mas já tem uma
diagramação própria, tem um rosto.
FM - Por outro lado, dada a conexão existente entre ABCA e AICA, de
que maneira a publicação de um jornal que represente a entidade
brasileira tem encontrado chances de um diálogo mais intenso com
seus pares em outros países?
AB - A AICA está dividida. Antes, o presidente ficava em Paris, sede da
entidade; agora a presidência permanece em seu país de origem, ou
pelo menos era assim até bem pouco tempo. Nós temos
correspondentes na França, Itália, Alemanha, atentos aos fatos mais
importantes da Europa. Prefiro um texto vindo de lá a copiar notas de
jornais estrangeiros. Nós da América Latina somos vistos com restrições
pela inteligência européia da mesma forma que pelos Estados Unidos.
Entretanto, elogiaram o jornal. Nós temos de provar que somos
superiores a essas questiúnculas. Por outro lado, eu não elogiaria a
news letter da AICA, falta-lhe um caráter próprio, para dizer o mínimo.
FM - Não me parece que tenhamos que provar nada exceto a nós
mesmos, sendo este um dos dilemas centrais da cultura brasileira: a
baixa auto-estima. Mas como se relaciona então a direção do jornal
com os críticos latino-americanos de uma maneira geral? Há outras
publicações desta natureza na América Latina ou, a exemplo, da AICA,
tudo se resume a mera circulação de news letter?
AB - A América Latina é formada de países que sofrem a História e não
de países que fazem a História. A globalização serviu, pelo menos, para
que isso ficasse claro. Eu criei a Bienal Latino-Americana em 1978, para
unir a AL muito antes do atual Mercosul, mas os doutores da USP Aracy
Amaral e Walter Zanini convidaram os críticos e historiadores da AL
para um conclave cuja decisão já estava tomada, ou seja, acabar com a
Agulha - Revista de Cultura
Bienal Latino-Americana. Não perceberam que os demais países não
queriam reforçar a liderança do Brasil. A primeira edição tinha caráter
antropológico, daí o tema Mitos e Magia, um dos cernes da Arte na AL.
Era para melhor nos conhecermos e partir para projetos exclusivos e
sair dos vícios da Bienal Internacional, na qual havia uma espécie de
acordo, no qual só os grandes venciam. Para ter-se uma idéia, de 1951
até 1977, ou seja, em 25 anos de existência da Bienal de São Paulo, só
a Argentina ganhou o Grande Prêmio, em 1977, quando eu era curador;
ano em que o Conselho de Arte e Cultura resolveu terminar com os
prêmios, já que não se tratava de atletismo, mas, sim, de cultura. Não
há como discutir um prêmio entre pintura e escultura, são coisas
distintas. Como saber o que é melhor entre vídeo e instalação? Os
críticos da América Latina sobrevivem a duras penas, não recebem os
altos salários dos países que fazem a História. Por isso, o interesse
pessoal é maior do que o interesse cultural. Há muito pouco
intercâmbio entre as Nações da AL. Os críticos da América Espanhola,
quando escrevem livros, deixam o Brasil de fora, porque desconhecem
a arte que se faz aqui. Com tantas bienais no Brasil isso talvez mude.
Nós estamos dando exemplo: a AICA devia ter um jornal e uma revista
on-line, mas não fazem nem um nem outro. A divisão da AICA na AL,
criada há cerca de cinco anos, sumiu como por encanto, sob a
presidência de Horacio Saffons, da Argentina. O nosso representante
nessa Divisão Latino-Americana nem fez um relatório sobre as
atividades dessa entidade fantasmática. Há muito que fazer e poucos
que querem realizar algo nos nossos Tristes Trópicos, como dizia Levy
Strauss.
FM - Como se dá a circulação/distribuição do Jornal da ABCA, nacional e
internacionalmente?
AB - Infelizmente, de forma aleatória. Não há ainda uma distribuição
correta e muita gente, por isso, nem sabe da existência do jornal. A
ABCA tem problemas de verbas e de verbo. Não há dinheiro e somos
poucos colaboradores no jornal.
FM - No editorial do número 3 do Jornal da ABCA mencionas certa
dificuldade no envio de matérias para o fechamento de pauta no sentido
de uma maior abrangência dos críticos vinculados à entidade em todo o
território nacional. A que atribuis essa participação ainda reduzida dos
críticos em todo o país?
AB - Falta de interesse. Quando há interesse na matéria, o texto chega
rápido. Se não há interesse pessoal, jamais virá. Há certo pessimismo
de minha parte, mas é uma avaliação correta. Há associados que
enviam pesquisa em andamento, para mostrar que estão a pesquisar,
assim, recebem créditos junto aos seus amigos. Outros reaproveitam
matérias que já saíram em jornal, não têm amor pela associação.
Nesses casos eu não edito. Vou criar normas de redação e enviar para
todos. A primeira regra é a de que a matéria deve ter interesse
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nacional, caso contrário não sai. Aumentou o número de colaboradores.
Os associados estão interessados no Jornal da ABCA porque ele vem
sendo elogiado. Eu agradeço, pois faço tudo sozinho, sem a ajuda de
nenhum associado, apesar de que há uma comissão editorial. Assim é a
América Latina, assim é o Brasil.
FM - Como entendes a importância da Internet na reflexão e difusão de
bens culturais e artísticos? Acaso a ABCA já não começa a ressentir-se
de uma ausência de circulação através da Internet? Há planos para a
criação de um site da entidade? Quais fatores determinam a
inexistência de atuação nesse veículo?
AB - Quando assumi a editoria do jornal, chamei a atenção para este
fato: o jornal escrito depende de uma boa circulação e esta de verba.
Propus, de início, uma revista on-line, pois a circulação já não seria
problema, mas a diretoria, da qual não faço parte, entendeu que não
poderíamos ficar sem o jornal impresso, pois já era uma conquista da
ABCA. Eu insisti que deveríamos, então, fazer ambos. A revista on-line
ainda vai demorar, mas creio que sairá em 2003.
FM - Por último te deixo a tribuna livre, para o comentário de algo que
acaso tenhamos esquecido de abordar.
AB - Gostaria de pedir aos colegas da ABCA cooperação. Sei que fazer
cultura em um país que não se importa com ela, é difícil, mas temos de
acreditar no futuro do país. A ABCA precisa fazer algo pela comunidade,
já que foi esta mesma comunidade que pagou os estudos universitários
da maioria dos associados. Este jornal precisa percorrer escolas,
universidades, museus e bienais. Precisamos crer na ABCA e,
principalmente, em nós próprios.
Entrevista realizada em dezembro de 2002.
O Jornal da ABCA (Associação Brasileira de Críticos de Arte) surge em
São Paulo em setembro de 2001, dirigido pelo crítico Alberto
Beuttenmüller.
E-mail: [email protected]
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Agulha - Revista de Cultura
revista de cultura #
32 - fortaleza, são paulo - janeiro de 2003
Livros da Agulha
Noticias del deslugar. Américo Ferrari. El Bardo
Colección de Poesía. Barcelona. 2002. 96 pgs.
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Américo Ferrari (Lima, 1929) es autor de un buen
número de poemarios y de estudios sobre poesía e
poética. En 1998, apareció en esta misma colección
su obra poética completa hasta la fecha, Para esto
hay que desnudar a la doncella. En 2000, publicó su
último libro en Lima, Casa de nadies. En Noticias del
deslugar, según decir de Edgar O'Hara: "El lugar al
que se refiere […] transmite su apetencia de sonidos, como una esquela
que el lector recibiera sin adivinar las razones del remitente. Las
nuevas, sin embargo, casi no son buenas ni mucho menos; síntomas,
tal vez, de un estado de ánimo en el mundo y una manera de
sobrevivir."
Jornalismo e Literatura. A sedução da palavra.
Organizadores: Gustavo de Castro e Alex Galeno.
Escrituras Editora. São Paulo. 2002. 184 pgs.
Contato: [email protected].
Organizado por Gustavo de Castro e Alex Galeno,
trata-se de uma coletânea de ensaios sobre a relação
entre o jornalismo e a literatura. Os textos explicitam
alianças, simbioses, diferenças, insídias, limites e
propósitos possíveis relativamente aos dois tipos de
narrativa. Autores como Moacyr Scliar, Deonísio
Silva, Daniel Piza, Marcelo Coelho, José Marques Melo, entre outros,
exploram as fronteiras entre os dois temas de modo instigante para
leitores de todos os matizes.
Agulha - Revista de Cultura
Além da diversidade interpretativa, o estilo, a objetividade, a metáfora,
a crônica, o embate com a realidade e os diferentes papéis do jornalista
e do escritor são alguns dos temas tratados neste livro.
Segundo um dos organizadores, Alex Galeno: "A literatura como um
meio de evitar que a imaginação jornalística se transforme em mero
exercício retórico e enfadonho no cotidiano. Eis um dos objetivos deste
livro. A literatura germina o imaginário e faz com que seus percursos se
prolonguem pelos passos vagabundos da escrita. Como disse Georges
Bataille, ‘literatura é comunicação’. E nos oferece antenas para o
mundo e vestimentas para a vida, diz Edgar Morin. A literatura e o
jornalismo, portanto, devem ser textos pacientemente confeccionados.
Neste livro transdisciplinar, encontraremos textos tecidos que, pela
mobilidade criativa de escritores e jornalistas, podem se transformar
em fantasias, vestimentas ou numa sensação tátil aos leitores."
Gustavo de Castro, Jornalista, Mestre em Educação e Comunicação e
Doutor em Antropologia pela PUC/SP, com uma tese sobre o escritor
Italo Calvino. Professor de Comunicação Social do UniCeub e IESB, em
Brasília-DF, membro do Grupo de Estudos da Complexidade
(Grecom/UFRN) onde organizou, junto com Maria da Conceição de
Almeida e Edgard de Assis Carvalho, o livro Ensaios de Complexidade
(Sulinas, 1997). Alex Galeno, Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo- PUC/SP, com tese sobre o tema da
revolta em Antonin Artaud. Professor de Jornalismo. Membro do Núcleo
de Estudos da Complexidade - Complexus-PUC/SP e do Grupo de
Estudos da Complexidade-GRECOM-UFRN. Tem publicado ensaios em
periódicos científicos e em jornais. Participou da coletânea Ensaios de
Complexidade, publicada pela Editora Sulina.
Lillias Fraser. Hélia Correia. Relógio d’Água. Lisboa.
2002.
Em meados de Abril de 1999, em visita ao local da
batalha de Culloden (travada na Escócia, em 1746,
entre as tropas de Willliam Augustus, irmão do rei da
Inglaterra, e as de Charles Stuart, que jurara ao pai
trazer-lhe "as três coroas, da Escócia, de Inglaterra e
da Irlanda"), a narradora de Lillias Fraser (Lisboa:
Relógio d’Água, 2002) viu e ouviu o que os turistas
americanos, à procura de "marcas do clã de onde
pensavam descender", não conseguiram apreender. Falta-lhes História,
conclui a narradora, fazendo-nos lembrar uma afirmação de Godart, em
Elogio do amor. Revelando ser capaz de súbitas e especiais visões, viu
um bando de jovens montanheses, os "highlanders", a marchar para o
campo de batalha, trajados com o "kilt" que após o massacre seria
proibido pelos ingleses: "eu bem os vi, no dia em que lá fui. Senti-me
exausta por andar de pedra em pedra sem partilhar a alegria
americana. Acho que o alarme que corria o campo era audível a gente
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como eu, puros visitantes que não iam à espera de o ouvir" (p. 17- 19).
O enfoque de um acontecimento histórico ocorrido no século XVIII
suscita inevitáveis comparações com o Memorial do Convento, de José
Saramago. O romance de Hélia Correia oferece ao leitor um provocador
encontro entre a sua personagem principal e Blimunda Sete-Luas, uma
das personagens centrais do Memorial e talvez a mais admirável criação
saramaguiana. Esse inesperado encontro, levando adiante o jogo da
ficção das ficções do próprio Saramago (O ano do morte de Ricardo Reis
e as "ficções do interlúdio" pessoanas), ocorre no capítulo XVIII da
terceira e última parte do livro, e que, como a segunda, passa-se em
Portugal, mas após o terremoto de Lisboa. Apesar das semelhanças
entre Lillias e Blimunda – ambas mulheres assinaladas, dotadas de
olhos excessivos -, são diferentes as formas de construção das referidas
personagens, as posturas do olhar dos narradores, os modos de
conceber o século XVIII, e, por conseguinte, a situação das duas obras
em relação ao chamado romance histórico. Como afirmou Hélia Correia
numa sessão sobre o romance, "tentei olhar o século XVIII com o olhar
da época, ao contrário do José Saramago que julga as situações do
século XVIII com os olhos da actualidade".
Lillias parece estar ligada à linhagem de videntes celtas ou germânicas,
inclusive pela ascendência escocesa (a mesma da autora). Os olhos
dourados denunciam a sua origem, "sinal de que houve bruxas na
família" (p. 43), provocando desconfianças. A rejeição ao que de Lillias
emana como não semelhante - aspecto ao mesmo tempo fascinante e
perturbador -, assim como a sugestiva sonoridade do nome, nos
remetem à figura de Lilith, de cuja lenda encontram-se vestígios na
versão bíblica canônica (Is 34,14: "Os gatos selvagens conviverão aí
com as hienas,/os sátiros chamarão os seus companheiros./Ali
descansará Lilit,/ e achará um pouso para si"). Apesar de esquecida,
rejeitada e muitas vezes expulsa de casa, Lillias não alimenta nenhum
ressentimento ou desejo de vingança, como os atribuídos à mítica Lilith.
Por outro lado, tendo em vista que só aos poucos, à medida que cresce,
toma conhecimento do seu poder, o estado informe em que Lillias se
encontra no romance não resulta de punição divina, mas da vontade
narrativa que não a faz surgir pronta, como Palas Atena a saltar vestida
e armada da cabeça de Zeus. Sem perder de vista os limites estreitos
da época e da condição da personagem, a narradora não lhe tira o
mínimo de liberdade possível para se constituir a si mesma.
No âmbito da literatura portuguesa, por seu dom de prever o futuro,
profundamente ligado à morte, e pela capacidade de sobrevivência,
Lillias aproxima-se de Quina, protagonista de A Sibila, de Agustina
Bessa-Luís, autora da preferência de Hélia, assim como Maria Gabriela
Llansol. A mudez é o recurso de Lillias para preservar o segredo do
nome e da língua de origem, enquanto Quina, cheia de verbosidade,
encontra condições para manifestar seus saberes e poderes - o dom
oracular, a recitação de rezas e a arte de contar histórias. Mais
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longinquamente, o exílio de Lillias, desde pequena levada para longes
terras, distantes da casa familiar, desperta-nos reminiscências da
Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro. Por outro lado, talvez não seja
despropositado aproximar Blimunda, personagem de Hélia, de Ana de
Peñalosa, tal como se nos apresenta no Lugar 1 de O Livro das
comunidades, de Llansol. Ana, figuração do lugar materno que remete à
Grande Mãe da cultura celta, integra uma genealogia de mulheres
capazes de atravessar o tempo.
Em períodos de ódios acirrados e perseguições inquisitoriais, como o de
Lillias, forçoso é que o silêncio da sua voz encubra a sua ascendência e
seu dom. Dotada de dom oracular, mas, paradoxalmente, silenciada
pela força do destino, é exilada e emudecida, como a profetisa Sibila,
sua ancestral mítica. A princípio chora de noite, aterrorizada pelas
visões premonitórias, pois "ainda não compreendia que aquilo não
estava realmente a acontecer" (p. 48). Percebendo a inutilidade do
aviso, aprende a sufocar o pavoroso grito que irrompe de súbito ante a
visão compadecida dos que estão a se desfazer e sorriem, sem saber da
forma pela qual vão morrer. Assim atravessa parte da infância a
esgueirar-se silenciosa, com o fulgor encoberto por sujidade,
confundindo-se com um animal, a dormir perto da lareira (p. 46), qual
Gata Borralheira sem ambição de transformar-se em Cinderela.
Desprotegida, salva a si mesma, graças ao dom de vidente: em
menina, ao fugir da pavorosa visão, escapa do massacre de Culloden, e
mais tarde, avisada pelo dom que já domina, evade-se da zona atingida
pelo terremoto de Lisboa. Em duas situações em que corre perigo de
vida, encontra na figura de uma velha a proteção inesperada. Ambas
ocorrem no inverno, no início e no fim do romance, indiciando, através
da circularidade, a continuidade da sua errância. Na primeira, ainda
menina, quando atravessa o chão nevado da Escócia, encontra
acolhimento numa velha cuja aparência associa ao estereótipo da
bruxa. No final, já adulta, enfraquecida pela fuga à perseguição que
julga que o Coronel Maclean lhe move e pelo "escorrimento" da
gravidez que ainda desconhece, deixa-se cuidar pela mulher que a olha
"com firmeza, como quem dá o ultimo retoque numa obra que honrou a
expectativa": "Lillias viu o sinal manchar-lhe a face, que era a face
direita, a do poder" (p. 279).
Se "o poder acha-se em toda parte", como afirma Blimunda, só "num
espaço entre fronteiras", "um espaço fora dos reinos, sem governação",
o filho que Lillias espera poderá nascer (p. 281-282). Um filho de pai
incerto, gerado na solidão e no silêncio, quase por partenogênese,
como o alegre Robin Hood das feiticeiras medievais. Para esse lugar
sonhado e ainda inominado, encaminha-se Blimunda com serena
determinação e também com raiva, puxando, "como a velha na
montanha no dia da batalha de Culloden, pelo pulso arroxeado de
Lillias", outra vez moça e menina, guiada por mão firme e deixando-se
embalar, sob a chuva (a chuva que tanto inspira a criação textual de
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Hélia Correia), pelo cheiro dos cabelos de figuras maternas.
Para compensar a seqüência de equívocos derivados sobretudo da
repulsa que Lillias provoca, e que vão sucessivamente exilando a
menina das inúmeras casas a que é entregue, uma sucessão de acasos
e inesperadas proteções conspira a seu favor, como se diversas forças
humanas e da natureza, assumindo o lugar da mãe ausente, se
conjugassem para dar um mínimo de vida e acolhimento a essa menina
"tão abandonada de colo humano" (p. 51), e que só encontrará um
possível lar – o desejado pouso de Lilith e sua estirpe -, no sonho de
Blimunda.
(Maria de Lourdes Soares)
Letra viva. Antología 1974-2000. José Luis Vega.
Colección Visor de Poesía. Madrir. 2002. 162 pgs.
Contato: www.visor-libros.com.
José Luis Vega nació en Santurce, Puerto Rico en
1948. Adolescente aún, publicó su primer poemario
titulado Comienzo del canto (1965). Sin embargo, su
irrupción plena en la poesía puertorriqueña está
vinculada a su labor como cofundador de Ventana
(1972), revista que marcó un alejamiento deliberado
de la poesía social entonces en boga en su país a
favor de una escritura más atenta a sí misma y a la inmediatez de la
persona. Signos vitales, su segundo poemario publicado en 1974 y eu
cuadernillo Las natas de los párpados/Suite erótica, del mismo año,
recogen el tono y las inquietudes del poeta en el primer lustro de la
década de 1970. A estos le siguen otros libros de modulaciones varias.
Letra viva, primera antología de sus versos, reúne lo fundamental de
sus libros publicados hasta la fecha y da cuenta, además, de la obra en
marcha del poeta hacia el logos de la convergencia, según decir de Julio
Ortega.
Os que estão aí. Leonardo Vieira de Almeida. Ibis
Libris. Rio de Janeiro. 2002. 88 pgs. Contato:
[email protected].
A leitura de novos textos entrelaça-se com a leitura
de textos já lidos, sempre confirmando vereditos,
influindo na gestação de sombras e de novas formas.
A perspectiva do prazer é gerada por uma descarga
de endorfina que suaviza a própria existência, por
mais cruel que ela seja.
Os contos reunidos em primeira publicação do carioca Leonardo Vieira
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de Almeida (1971), sob o título Os que estão aí (Ibis Libris, 2002),
podem possibilitar a recordação dos Contos cruéis (Iluminuras, 1987),
de Philippe Auguste Mathias, o conde de Villiers de l’Isle-Adam, uma
das figuras mais emblemáticas na Paris do século XIX. Não pela
correlação de idéias, mas, talvez, pela maneira de se porem afastados
da extrema racionalidade, pela apresentação de atmosferas oníricas e
alucinatórias, como também pelo jogo simbólico com que foram tecidos.
De Villiers, um fragmento do conto "O intersigno", um trecho de diálogo
entre o senhor Xavier e o abade Maucombe: "- Vá em paz, disse o
abade Maucombe. / - Eh! É que se trata de quase toda a minha fortuna!
murmurei. / - A fortuna é Deus! disse Maucombe simplesmente. / - E
amanhã, como viverei se... / - Amanhã, não se vive mais, respondeu
ele." A partir desse extrato, a própria sentença condenatória da vida.
Sentença essa que o contista já faz emergir, ritualisticamente, quando
afirma que "A infelicidade tem início quande arde o crepúsculo." (In:
"Canaã")
Com certeza, o autor é leitor de Clarice Lispector e tem no conto
"Amor", uma confirmação. Vejam as re-escrituras: a partir da citação
anterior, no texto da autora lê-se, "Certa hora da tarde era mais
perigosa"; ou, a partir de "O bonde se sacudia nos trilhos e o cego
mascando goma ficara atrás para sempre. Mas o mal estava feito.", em
que o motivo se repete no trecho do conto "Canção de ninar": "A capa
de umidade que os cobria esvanecera-se junto com o vulto na janela,
mas o mal estava feito e pairava no ar a vibração de um acorde
sombrio."
Não pela modelagem de um jogo verbal repleto de intertextualidade ou
mesmo pelo pastiche, mas muito mais pela forma de seduzir o leitor
com os artifícios da prosa poética; ou pela construção de torneios
metonímicos, em que pequenos indícios revelam atitudes plenas, ou
vice-versa; ou, ainda, pela maneira opressora de realçar comparações e
validar metáforas, Leonardo Vieira de Almeida surpreende. Sua escrita
é forte, massacrante, cruel, e ao mesmo tempo fluida e sensível.
O conto "As mãos do açougueiro" é de uma crueldade dilacerante.
Fugindo dos modelos em prosa poética dos três primeiros textos, fazem
o leitor hesitar, mas por pouco tempo. Na falta daquela tessitura
metafórica, o conto se delineia mais objetivamente, até provocar a
vertigem, na cena em que o açougueiro se masturba ao contato físico
da carne congelada do frigorífico.
Entre víboras, serpentes, escorpiões, medusas e crucifixos – símbolos
reincidentes nos contos – o leitor pode ainda se deparar com insólitas
comparações. Em "A gárgula", espécie de apólogo, a personagem
principal parece se confundir com as instituições, em cuja edificação
serve de ornamento e escoamento de águas. Diz ter já sido homem de
negócios e se traduz "O homem de negócios ainda continua no seu
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recanto de janela. Acho que congelei sua imagem, para examinar,
profundamente, sua aparência de estátua esfíngica. Eu, que há alguns
anos, tinha por objetivo o mesmo sangue que percorre seus caminhos."
"Ratos" paira entre a alucinação e a loucura. É um conto que pode se
alinhar entre a hesitação do fantástico e alguns indícios do surrealismo.
Mas, ainda, como reflexão e consciência. Uma mixórdia de sentidos. Eis
um trecho: "Acreditem. Ela existe. Os ratos existem. No dia em que vi a
enorme ratazana, consegui vencer o medo; e abandonei a casa cinco."
Casa, diga-se de passagem que (in)existia do lado par, entre os
números quatro e seis, e onde vivia Lígia, "uma mulher muito caseira".
Alguns clichês não desautorizam a leitura de Os que estão aí, pois as
metáforas surpreendentes atenuam o provável deslize. Quando se lê
"Gaspar", a verossimilhança se dá de forma sutil: um homem mata
mulheres e as preserva flutuantes em aquários. A única fratura deste
conto ocorre no momento em que o narrador se desvenda como serial
killer, o que, no entanto, não compromete os meios da efabulação.
Enfim, Leonardo Vieira de Almeida, também arquiteto e urbanista, vem
unir-se aos arautos da narrativa curta que fazem sobreviver o gênero,
desta feita, concentrando gotas de crueldade, fiel, talvez, aos
espetáculos da própria vida.
(Jorge Pieiro)
Bastidores & Refletores. Lucila Nogueira. Edições
Bagaço. Recife. 2002. Volume duplo. Contato:
[email protected].
Lucila Nogueira é poeta, crítica e tradutora. Escritoraresidente na Casa do Escritor Estrangeiro de SaintNazaire, na França, em dezembro de 1999, onde
escreveu A Quarta forma do delírio, em trabalhos de
tradução. Diretora Cultural do Gabinete Português de
Leitura, onde edita há três anos a Revista Encontro
de cultura lusófona. Coordena no Brasil o Seminário
Internacional de Lusografias. Autora de livros como A dama de Alicante
(1990), Zinganares (1998) e esta dupla aventura de resgate de sua
obra que constitui Bastidores & Refletores. A respeito da edição,
cuidadosamente preparada pela poeta, ela mesma adverte: "Acredito
que não só para o especialista resulta significativo observar o caminho
da instauração e seqüência tanto de um código particular de expressão
lírica como dos núcleos de temas e interesses que se reiteram no
conjunto que se foi construindo ao logo de doze livros. Além disso,
proporciona-se aqui um comparativismo a tornar possível a revelação
aproximada de uma identidade no campo da poesia a partir da
contextualização de uma proposta estéticas desde a sua origem, como
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a recordar de modo perplexo e compulsivo as palavras de Eliot
constantas na epígrafe: em meu princípio está o meu fim / em meu fim
está o meu princípio".
O anjo melancólico. Ensaio sobre o conceito de
alegoria na obra de Walter Benjamin. Maria João
Cantinho. Angelus Novus Editora. Portugal. 2002.
180 pgs. Contato: [email protected].
Partindo de uma contextualização e análise dos
principais aspectos e categorias do pensamento de
Walter Benjamin, que influenciou decisivamente as
correntes estéticas e filosóficas da Segunda metade
do século XX, pretende-se neste livro levar a cabo,
uma compreensão do seu conceito de alegoria. Tal
inquérito conduz-nos à descoberta da existência de uma plataforma
essencial onde se encontram e convergem linguagem, história e
messianismo, vistos à luz de um "olhar alegórico".
Na sua análise do drama barroco alemão, Benjamin descobriu na
alegoria o modo de fixação da história, uma vez que é na escrita
alegórica que se condensam os signos do passado enquanto escrita
imagética, podendo-se decifrar os sinais da história nela inscritos. Essa
descoberta crucial permitiu-lhe aprofundar a sua teoria da linguagem e
encontrar um eixo arquimediano a partir do qual desenvolveu a sua
concepção histórica, que se apresentaria de forma mais acabada e
precisas nas obras Paris, Capital do Século XIX e Sobre o Conceito de
História.
Veja entrevista com a autora nesta edição da Agulha.
Irmãs de Feno. Prisca Agustoni. Maza Edições. Belo
Horizonte. 2002. 112 pgs. Contato:
[email protected].
"A memória de uma pequena nação não é mais curta
que a de uma grande; ela, portanto, trabalha com
maior profundidade o material existente", observou
Kafka em seu Diário. O que vale para a literatura de
um judeu vivendo em Praga no final do século XIX,
serve, paradoxalmente, para se entender a poesia de
uma jovem poeta suíça no início do século XXI: em
Irmãs de Feno, Prisca Agustoni capta a voz de suas conterrâneas que,
há quase cem anos, deixaram para trás a região de Ticino, ao norte da
Itália, para um exílio involuntário em terras mais prósperas, do outro
lado do vale. Ressoa nos poemas a fala dessa "pequena nação", ilha de
língua e cultura italiana em uma Suíça em que os grupos hegemônicos
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se comunicam em alemão ou francês. Na verdade, é essa situação de
inferioridade econômica que levava as "irmãs do feno" desta poeta a
cruzar o Passo de São Gotardo em direção aos conventos do outro lado
dos Alpes - uma travessia que significava abandonar não só a família e
o local de origem, mas também o dialeto natal, logo substituído pela
língua alemã.
Nesses poemas em forma de memória alheia, Prisca Agustoni
ternamente escuta e recria as vozes de mulheres que já cruzaram as
várias margens desta vida e que, no limiar da terceira margem do rio,
costuram as lembranças vividas na juventude às lembranças sonhadas
ou imaginadas. Assim, as três partes em que se divide o livro se
interligam, impedindo que as memórias se organizem de modo
cronológico e mesclando os vales da infância aos muros do convento, as
limitações impostas pela educação rígida numa cultura estranha às
dificuldades ao longo da existência, a prisão do corpo aos desejos
sonhados, mas nem sempre vividos. Essas vozes anônimas trazem de
volta retratos de momentos esparsos do passado, reconstituídos apesar
das traições da memória. "O vapor ocultou a miragem" e tudo o que
temos são "rumores de outrora", como adverte a voz poética no texto
que abre a primeira parte do livro. Entretanto, como na técnica de
montagem cinematográfica, cada momento captado por esses retratos
adquire novo sentido quando colocado ao lado de outro, iluminando-se
reciprocamente. Esse processo faz com que as pequenas epifanias
esboçadas pelos poemas se somem, apresentando-se ao leitor como
um mosaico de vidas femininas, ao mesmo tempo passadas e
presentes, pois organizadas pelo olhar solidário de Prisca Agustoni.
"Porque é mais fácil / atravessar o Atlântico/ do que passar o vau/ do
São Gotardo", observa o poema "Álibi", portal que introduz o leitor no
universo dessas adolescentes suíças que, empurradas pela pobreza,
precisam abandonar a segurança (ainda que precária) do ambiente
familiar e cruzar os Alpes numa viagem espacial e simbólica: do outro
lado da montanha não há mais as agruras da pobreza, porém essa
travessia marca a entrada na vida adulta, o aprendizado das artes
femininas, o paciente e infindável trabalho nos bordados e nos teares,
assim como a frieza de um mundo estrangeiro. Da vida no cantão natal
ficam apenas "os cantos do repasto" e "o odor dos corpos"; até mesmo
o duro trabalho no campo, as mãos calejadas, a rigidez da educação, os
esparsos contatos com o mundo exterior, tudo aparece colorido pela
nostalgia: "O mistério do pão/ faz pensar na gratuidade/ da mênsula./
Até nossa respiração é comunitária". Divididas entre a vida na família e
no campo, a "primeira margem" dessas jovens é evocada pela poeta
por meio de imagens relacionadas à natureza: a passagem das
estações, as neves e as chuvas, as plantas e animais. Também como os
elementos da natureza de que falam os poemas, as jovens oscilam
entre sua alegria de flores exuberantes, diante da beleza da natureza, e
o peso das incertezas sobre o futuro. Assim, em "As premonições", "As
aquilégias/ parecem absorvidas/ pelos defuntos", fazendo com que um
signo de vida se associe à destruição e à morte, que espreitam a cada
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canto da natureza, ainda que na forma do belo. Em contraste, no
poema que se segue, "Visão", a natureza se relaciona ao divino e à
alegria que cura qualquer dor de viver: "Gosto de subir aos lagos/ A
fixidez do declive/ é hóstia que glorifica/ qualquer bagagem". A mesma
ambivalência marca a percepção do vale natal, cujo isolamento do
mundo externo se apresenta como prisão num poema que,
sintomaticamente, se intitula "Fósseis molhados" -"Somos predadores
em cativeiro/ Ao final invejamos/ a solução dos gamos- ou sob o olhar
nostálgico de quem se prepara para partir, levando consigo "o silvo das
lançadeiras". Mas o futuro, este se apresenta como o desenvolvimento
de sementes provisoriamente congeladas, de desejos hibernados,
prontos para irromper, como adverte a voz que se ouve em "A balança
cariada": "Estas mãos de bétula/ cultivam o pudor./ Mas um dia a
árvore/ abrirá a sua sombra,/ alcova onde deserta/ a culpa./ Antigas
sementes se quebrarão/ sobre lençóis de strass."
Nos poemas que compõem "Intermezzo", não se percebe mais o ritmo
alegre, irregular, dos textos da primeira parte do livro, marcado pelas
linhas de comprimentos irregulares e pela diversidade da própria
organização visual das páginas. Do outro lado do Passo de São Gotardo,
impõe-se o uso de outra língua, o alemão, que irrompe ao final de
"Retrato" ("Deutschsprechen, bitte"), em toda sua estranheza, na boca
das freiras, "sentinelas" investidas do poder conferido pelos "crucifixos
e as chagas de Cristo" e pela mesa farta que oferecem: "O ás na manga
é o estufado de feijões,/ o branco de Gênova/ no domingo".
Transformadas em "jovens Penélopes/ com velhas heranças", as jovens
apenas se movem "no vai e vem das agulhas" e dos "pedais Singer",
em rotinas que se repetem como "novenas", nos lábios que reprimem
queixas, "as palavras amputadas /como feridas crescendo/ na boca".
Mas há aquelas que não se conformam às exigências da nova vida e
tentam um "vôo", escapando pelo rio, "os braços como asas" (uma
rebeldia que todos se esforçam por apagar). Ao contrário do respeito
religioso inspirado pelo espaço natural nos poemas da primeira parte
("Por isso descemos/ com religioso decoro/ o penhasco/ ao encontro
dos trevos", como em "Radiografia"), mesmo em peregrinações
religiosas ou nas orações, não se alcança o sagrado: "então pungiremos
/ os ossos com a ausência de Deus,/ desarmando/ o arsenal dos painossos." O sentimento nostálgico de solidariedade e comunhão também
está perdido: "Na escassez irrompe o excesso,/e no claustro/ nos
sabemos ilhas/ entre irmãs do feno." Resta, então, "contar os dias/ que
faltam/ para sair daqui."
O tempo que deveria ser apenas um intervalo entre duas etapas da
vida ("Intermezzo") acaba por marcar de tal modo a vida dessas
mulheres que "A segunda margem" salta diretamente para a velhice, o
momento da rememoração. Mais uma vez, modificam-se o ritmo e a
distribuição dos versos na página: estes surgem em blocos quase
sempre regulares, numa linguagem que se distancia dos ecos do
imagismo que se percebem nos poemas sobre a juventude. "É preciso
acreditar nas chaves. A sua forma /Ensina novas portas, ângulos onde
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ainda/ chove", afirma "Dogma", texto que abre essa parte final. Isto
porque é nessa "chuva supérflua" que "o arenito cresce e se transforma
em palavra" -"Fios de amianto que nos ligam com Deus", como sugere
o poema "Conspiração". Nessa segunda margem, resta esperar pela
próxima travessia, não mais dos Alpes, pois "o São Gotardo não é o
mesmo". Resta também preparar um "Testamento" para as irmãs do
feno que se seguirão: "Deposito flores na tramontana./ Assim o exílio
se incendiará em/ nós, predadoras do trigo e/ dos celeiros."
Herdeira dessas irmãs do feno, Prisca Agustoni recolhe essas flores,
junto com o trigo dos celeiros, transformando-os em palavra, em chave
que abre novas portas. Dentro da pequena nação de língua italiana
encravada no território suíço, essa pequena nação feminina ressurge
das sombras por meio da mesma língua materna, porém na linguagem
poética sensível e elaborada, na técnica refinada de Prisca Agustoni.
(Eliana Lourenço Lima Reis)
Cuentos del San José Oculto. Vários autores: Alfonso
Chase, Alfonso Peña, Myriam Bustos Arratia, Tomás
Saraví, Guillermo Fernández, José Ricardo Chaves,
Alexánder Obando, Rodrigo Soto. Selección y prólogo
de Tomás Saraví. Ediciones Andrómeda. San José.
2002. 166 pgs. Contato: [email protected].
Toda ciudad tiene aspectos más o menos ocultos,
pero convengamos en que San José (Costa Rica)
tiene sus propios méritos… Los temas de esta obra
aluden, en general, a sectas o prácticas rituales (que
sería una de las acepciones de "oculto"), sino a asuntos, si bien
sorprendentes en algunos casos, habituales en nuestros días. El
volumen pasa revista desde sus primeiras páginas, casi sin
proponérselo, a una serie de acontecimientos, costumbres, prácticas
que permiten interpretar mejor los últimos años del siglo XX y estos
primeros balbuceos del XXI.
El gran artista chileno Juan Bernal Ponce, radicado en Costa Rica desde
los años setenta, conocido internacionalmente, ha aceptado la
invitación para participar en esta obra com ocho grabados sobre metal,
en relación com cada uno de los cuentos. Ediciones Andrómeda trata de
hacer honor, así, a su larga e intensa tarea en el campo de los libros de
arte.
En la presente edición de Agulha se encuentra una buena charla entre
Tomás Saraví y Alfonso Peña.
Agulha - Revista de Cultura
Conversaciones oblicuas entre la cultura y el poder.
Entrevistas a diez intelectuales uruguayos: Tereza
Porcile, Uruguay Cortazzo, Luce Fabbri, Roberto
Appratto, Hilia Moreira, Hugo Achugar, Beatriz
Santos, Alfredo Fressia, Oscar Padrón Favre e
Eduardo Espina. Entrevistas conduzidas por Verónica
d'Auria e Silvia Guerra. Ediciones Caracol al galope.
Montevideo. 2002. 146 pgs. Contato:
[email protected].
En esse libro, Veronica d'Auria y Silvia Guerra se
plantean la interpretación de las relaciones entre la
cultura y el poder, a través de entrevistas realizadas a diez intelectuales
uruguayos. Y es muy posible que el lector termine por preguntarse en
profundidad, al finalizar el serpenteante y espejeante recorrido de este
libro: ¿de qué hablamos cuando hablamos de cultura? "Es frecuente que
en el Uruguay de estas últimas décadas se hable de un estancamiento
del debate cultural", puntualiza introductoriamente Veronica d'Auria,
agregando que "es innegable que periódicamente se producen
alejamientos de untelectuales que excluen voces de un diálogo íntimo,
determinante y necesario."
La gracia indagatoria irradiada por este libro colectivo nos aproxima un
poco más, sin duda, a la posesión de las llaves de un tesoro que aquí
jamás reinó.
Livros para Agulha deverão ser enviados aos editores, nos endereços a seguir:
Floriano Martins Caixa Postal 52924 Ag. Aldeota - Fortaleza CE 60151-970 Brasil
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DAS VANTAGENS DE NÃO SER PRECIOSO
Aspectos da exploração e uso do cobre em Portugal (1789-1889)
Um ensaio de Isabel Cruz na área da História das ciências, premiado pela Câmara Municipal
de Lisboa. Inédito em papel. Cem anos da História de um metal num percurso de
investigação minuciosa, séria, com consulta de fontes primárias.
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"Francisco Newton, Cartas da Nova Atlântida (inédito em papel) - M.Estela Guedes.
Ensaio em História do Naturalismo - aventuras do naturalista-explorador Francisco Newton em
África, Portugal e Timor.
"Fogo nas cartas" - Floriano Martins (inédito em livro)
Selecta de resenhas críticas publicadas na imprensa
brasileira nos últimos anos, sobre livros brasileiros e em
tradução.
"Herberto Helder, poeta obscuro" (esgotado em papel) - Maria Estela Guedes.
Dado à estampa originalmente pela Moraes Editores, em 1979, foi o primeiro livro publicado
sobre a "Poesia Toda" e os outros livros, em prosa e em verso, do grande poeta português.
Considerado um dos 12 melhores ensaios editados em Portugal nesse ano, agora em versão
digital, com duas diferentes páginas index que arrancam automaticamente com programa de
autorun.
"Para uma poética do hipertexto" - José Augusto Mourão
Ensaio sobre a fascinante estrutura em rede do texto que corre no ciberespaço e sua
influência na mudança da literatura.
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Tecnologia e Sociedade da Universidade de
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