ESCRITA E LEITURA EM CRÓNICA DE UNA MUERTE ANUNCIADA DE GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ RENY GOMES MALDONADO Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras Modernas – UFRN “... como se a voz, mais naturalmente que a mão, cedesse às nostalgias.” (Paul Zumthor) RESUMO Analisar a escrita em “Crónica de una muerte anunciada” de Gabriel García Márquez e sua perspectiva narrativa e estilo da prosa fazem parte do eixo da nossa reflexão. Conceituar alguns mecanismos de escrita e leitura na obra apresentando um estudo teórico/ analítico sobre alguns pontos: a apresentação do texto, da escrita, e a questão do tempo; o tempo da narração; as expressões temporais; e o enredo. E para o desenvolvimento deste trabalho cremos na necessidade de tecermos alguns conceitos sobre o texto: Esta definição abarca o texto como uma unidade lingüística comunicativa fundamental. O texto tem caráter social, implicando-lhe como um produto lingüístico, não podendo ser entendido de maneira isolada de seu contexto de produção, que poderá estar implícito ou vir explícito através de mecanismos verbais e não verbais. O exame do texto de Gabriel García Marquez nos sugere que a obra apresenta uma estrutura de “crônica”. A obra configura-se sob a forma de romance, que em linguagem jornalística própria da crônica, busca reconstituir de forma detalhada, por meio do relato em primeira pessoa, o assassinato de Santiago Nasar de 21 anos. Em Crónica de una muerte anunciada, escrita em 1981, Gabriel García Márquez narra um marcante acontecimento do passado de sua cidade, de um pequeno povoado na Costa da Colômbia. O espaço físico é de um vilarejo não nomeado, e é através de descrições de lugares próximos que é possível inferir a sua localização. Além de tratar-se de uma novela policial, a questão da honra também é altamente ressaltada, desde o instante em que a noiva, após o casamento, é devolvida, e sua desonra é anunciada à família, há um sentimento e uma decisão por vingança, até a consumação do crime. É ao mesmo tempo auto-reflexivo, de maneira parodoxal, também se apropria de personagens históricos, misturando ficção a dados biográficos do escritor. Dentre todos os seus romances é considerada a mais realista. PERSPECTIVA NARRATIVA E ESTILO DA PROSA Como ponto de partida de nossa reflexão sobre os mecanismos de escrita e leitura na obra de Gabriel García Marquez, mais precisamente na obra Crónica de una muerte anunciada vamos apresentar um estudo teórico/ analítico sobre alguns pontos, a meu ver, interessantes: a apresentação do texto, da escrita, e a questão do tempo; o tempo da narração; as expressões temporais; e o enredo. E para marcar o início do desenvolvimento deste trabalho cremos na necessidade de, ao mesmo tempo em que apresentamos o texto, tecermos alguns conceitos: Nas palavras de Bernárdez (1982, p. 85): Texto es la unidad lingüística comunicativa fundamental, producto de la actividad verbal humana, que posee siempre carácter social; está caracterizado por su cierre semántico y comunicativo, así como por su coherencia profunda y superficial, debida a la intención (comunicativa) del hablante de crear un texto íntegro, y a su estructuración mediante dos conjuntos de reglas: las propias del nivel textual y las del sistema de la lengua. Esta definição abarca o texto como uma unidade lingüística comunicativa fundamental, ou seja, é a unidade comunicativa máxima, composta por unidades mínimas que são os enunciados. O texto tem caráter social, implicando ao texto como um produto lingüístico, não podendo ser entendido de maneira isolada de seu contexto de produção, que poderá estar implícito ou vir explícito através de mecanismos verbais e não verbais. Sobre o estilo de García Marquez, ele próprio narra: En todos los libros que tratan de hacer un camino diferente [..]. Uno no elige el estilo. Usted puede investigar y tratar de descubrir cuál es el mejor estilo para lo que sería un tema. Pero el estilo está determinado por el tema, por el estado de ánimo de los tiempos. Si trata de usar algo que no se adecua, simplemente no funcionará. A continuación, los críticos, en torno a construir teorías, ven las cosas que yo no había visto. Sólo responden a nuestra forma de vida, la vida del Caribe. Barthes afirma que o autor, quando se crê nele, é sempre concebido como o passado de seu livro: o livro e o autor colocam-se por si mesmos numa mesma linha, distribuída como um antes e depois: considera-se que o Autor nutre o livro, quer dizer que existe antes dele, pensa, sofre, vive por ele; está para a sua obra na mesma relação de antecedência que um pai para com o filho. Bem ao contrário, o escritor moderno nasce ao mesmo tempo em que seu texto; não é, de forma alguma, dotado de um ser que precedesse ou excedesse a sua escritura, não é em nada o sujeito de que seu livro fosse o predicado; outro tempo não há senão o da enunciação, e todo texto é escrito eternamente aqui e agora. (BARTHES,1988, p. 68) Retomando Foucault, o autor não é uma parte da obra que possa ser tão facilmente descartada, para ele a própria concepção de obra e sua unidade dependem desta categoria. O que o teórico sugere é a concepção da função autor, já que ele é responsável pela unidade da escrita e de seus acontecimentos. Barthes continuando o pensamento de Foucault afirma que a escritura é a destruição de toda a voz, de toda a origem, onde a e escritura passa a ser esse neutro, esse composto,o branco-e-preto aonde vem se perder toda identidade, a começar pela do corpo que escreve. No entanto, nos dias atuais, o autor não pode mais ser ignorado, visto que ele é parte decisiva na análise de uma obra, ficcional ou não. A identidade do autor e sua vida real são constantemente invocadas para justificar a escritura de determinada obra ou a abordagem de um assunto. Para o exame do texto de Gabriel García Marquez, através do próprio título Crónica de una muerte anunciada já sugere que a obra apresenta uma estrutura de “crônica”. Edwin Muir em sua obra A Estrutura do romance (1975), enfatiza que há três decisões consagradas da ficção em prosa: o romance de personagem, o romance dramático e a crônica. A estrutura da crônica é flexível, de acordo com Muir, e “a mais solta das três”. Apresenta uma ação quase acidental, no entanto, todos os eventos acontecem dentro de “uma armação perfeitamente rígida” (MUIR,1975, p.56) Citamos Machado de Assis em “História de 15 dias” apud Neves para demonstrar que o objeto da crônica, ou seja, o seu núcleo é o cotidiano, onde o cronista pondera e é levado a registrar certos aspectos e deixar de lado outros que a seu ver naquele momento não seriam pertinentes: Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a crônica; mas há toda a probabilidade de crer que foi coetânea das primeiras duas vizinhas. Essas vizinhas, entre o jantar e a merenda, sentaram-se à porta para debicar os sucessos do dia. Provavelmente começaram a lastimar-se do calor. Uma dizia que não pudera comer ao jantar, outra que tinha a camisa mais ensopada do que as ervas que comera. Passar das ervas às plantações do morador fronteiro, e logo às tropelias amatórias do dito morador, e ao resto, era coisa mais fácil, natural e possível do mundo. Eis a origem da crônica. Segundo Margarida Neves (1992) a crônica em sua concepção moderna participou das muitas invenções que povoaram o cotidiano do Rio de Janeiro na virada do século XIX para o século XX. A crônica pela própria etimologia – chonus/crônica –, é um gênero colado ao tempo; em sua acepção original está em relação de seu registro ou narração dos fatos e suas circunstâncias em sua ordenação cronológica. Seria justo dizer que há uma escrita do tempo divida entre ficção e história, pelos aspectos aparentemente casuais do cotidiano que são registrados e reconstruídos. A crônica, ao invés de um quase diário cheio de confissões e impressões pessoais ou de um jogo ininterrupto com preciosismos e ornamentação retóricas, deixa de competir com a imagem visual. Descarta o ornato. E toma emprestado da técnica o que lhe serve. Seca a própria linguagem e passa a trabalhar com uma concisão maior e consciência precisa da urgência e do espaço jornalístico.1 A crônica sempre nasce de um fato real, seja de um acontecimento de âmbito social, de qualquer alcance, seja de âmbito individual. Em Crónica de una muerte anunciada, escrita em 1981, Gabriel García Márquez narra um marcante acontecimento do passado de sua cidade, de um pequeno povoado na Costa da Colômbia. O espaço físico é de um vilarejo não nomeado, e é através de descrições de 1 SUSSEKIND, Flora. Cinematógrafo de letras. p.38. lugares próximos que é possível inferir a sua localização. Aparecem como vizinhos ao povoado, lugares como Riohacha e Manaure, localizados na Península de Guajira, e a ilha de Curaçau, situada no mar do Caribe. A obra configura-se sob a forma de romance, que em linguagem jornalística própria da crônica, busca reconstituir de forma detalhada, por meio do relato em primeira pessoa, o assassinato de Santiago Nasar de 21 anos. Dentre todos os seus romances é considerada a mais realista. O romance Crónica de una muerte anunciada apresenta em sua estrutura características da crônica, enfatizando, por exemplo, a noção de tempo que traz modificações e que altera, de forma rigorosa, o rumo de acontecimentos e a vida das pessoas. Há nitidamente a inversão temporal na narração dos fatos, inclusive, no início do romance o crime já está consumado e o leitor já se dá conta disso: El día en que lo iban a matar, Santiago Nasar se levantó a las 5,30 de la mañana para esperar el buque en que llegaba el obispo [...] Tampoco Santiago Nasar reconoció el presagio. Había dormido poco y mal, sin quitarse la ropa, y los interpretó como estragos naturales de la parranda de bodas que se había prolongado hasta después de la media noche. (p. 06) É ao mesmo tempo auto-reflexivo, de maneira parodoxal, também se apropria de personagens históricos, misturando ficção a dados biográficos do escritor. Este narra fatos que realmente aconteceram em um povoado onde morou e que envolveram amigos e pessoas de sua família. Logo não se trata de um relato fantasmagórico, mas de um fato real que García Márquez vivenciou entre seus 10 a 12 anos, quando este afirma que tudo aconteceu quando ele acabara a educação primária. Yo conservaba un recuerdo muy confuso de la fiesta antes de que hubiera decidido rescatarla a pedazos de la memoria ajena. Durante años se siguió hablando en mi casa de que mi padre había vuelto a tocar el violín de su juventud en honor a los recién casados […]. Muchos sabían que en la inconsciencia de la parranda le propuse a Mercedes Barcha que se casara conmigo, cuando apenas había terminado la escuela primaria, tal como ella misma me lo recordó cuando nos casamos catorce años después. (p. 20) Mas a crônica não foi escrita somente com o que lhe vinha à memória, mas procurou aprofundar suas indagações a fatos mais intensos, entrevistando pessoas envolvidas diretamente ou indiretamente com os fatos, desta maneira conseguiu uma história mais completa e cheia de veracidade. El general Petronio San Román y su familia vinieron esta vez en el buque de ceremonias del Congreso Nacional, que permaneció atracado en el muelle hasta el término de la fiesta, y con ellos vinieron muchas gentes ilustres que sin embargo pasaron inadvertidas en el tumulto de caras nuevas. (p. 19) […] Cuando vino Ibrahim Nasar con los últimos árabes, al término de las gruerras civiles, ya no llegaban los barcos de mar debido a las mudanzas del río, y el depósito estaba en desuso. (p.8) […] Por aquella época, los legendarios buques de rueda alimentados con leña estaban a punto de acabarse, y los pocos que quedaban en servicio ya no tenían pianola ni camarotes para la luna de miel […] Pero éste era nuevo, y tenía dos chimeneas en vez de una con la bandera pintada como un brazal, y la rueda de tablones de la popa de daba un ímpetu de barco de mar. En la baranda superior, junto al camarote del capitán, iba el obispo de sotana blanca con su séquito de españoles. (p. 11) Os personagens são descritos com riquezas de detalhes, encontramos o trecho quando Márquez narra sobre a família Vicario La familia Vicario vivía en una casa modesta, con paredes de ladrillos y un, techo de palma rematado por dos buhardas donde se metían a empollar las golondrinas en enero. [...] En el fondo del patio, los gemelos tenían un criadero de cerdos, con su piedra de sacrificios y su mesa de destazar, que fue una buena fuente de recursos domésticos desde que a Poncio Vicario se le acabó la vista. El negocio lo había empezado Pedro Vicario, pero cuando éste se fue al servicio militar, su hermano gemelo aprendió también el oficio de matarife. (p. 19) Em Crónica de una muerte anunciada além de tratar-se de uma novela policial, a questão da honra também é altamente ressaltada, desde o instante em que a noiva, após o casamento, é devolvida, e sua desonra é anunciada à família, há um sentimento e uma decisão por vingança, até a consumação do crime. Los gemelos volvieron a la casa un poco antes de las tres, llamados de urgencia por su madre [...] Encontraron a Ángela Vicario tumbada bocabajo en un sofá del comedor y con la cara macerada a golpes […] – Anda, niña – le dijo temblando de rabia–: dinos quién fue. Ella se demoró apenas el tiempo necesario para decir el nombre. Lo buscó en las tinieblas, lo encontró a primera vista entre tantos y tantos nombres confundibles de este mundo y del otro, y lo dejó clavado en la pared con un dardo certero, como a una mariposa sin albedrío cuya sentencia estaba escrita desde siempre. – Santiago Nasar – dijo. (p. 22) A honra está ligada ao que cada sujeito é, ou aparenta ser, envolvendo valor e dignidade conforme opinião alheia. De acordo com Schopenhauer, o reconhecimento social é um sentimento que se encontra em todas as épocas e sociedades, e à noção de honra existem conceitos contíguos como glória e fama. Nadie hubiera pensado, ni lo dijo nadie, que Ángela Vicario no fuera virgen. No se le había conocido ningún novio anterior y había crecido junto con sus hermanas bajo el rigor de una madre de hierro. Aun cuando le faltaban menos de dos meses para casarse, Pura Vicario no permitió que fuera sola con Bayardo San Román a conocer la casa en que iban a vivir, sino que ella y el padre ciego la acompañaron para custodiarle la honra. (p.18) […] El abogado sustentó la tesis del homicidio en legítima defensa del honor, que fue admitida por el tribunal de conciencia, y los gemelos declararon al final del juicio que hubieran vuelto a hacerlo mil veces por los mismos motivos. Fueron ellos quienes vislumbraron el recurso de la defensa desde que se rindieron ante su iglesia pocos minutos después del crimen. (p.23) [...] Lo matamos a conciencia – dijo Pedro Vicario –, pero somos inocentes. – Tal vez ante Dios – dijo el padre Amador. – Ante Dios y ante los hombres – dijo Pablo Vicario –. Fue un asunto de honor. Las notas marginales, y no sólo por el color de la tinta, parecían escritas con sangre. (p.42) O tempo em que ocorreu o crime, e onde, no passado do vilarejo, ficou registrada a tragédia que envolveu Santigo Nasar, é redescoberto através das memórias do narrador e de outros personagens através de depoimentos. Ocorre, assim, grande parte da reconstituição dos fatos e a composição da história. No entanto, há uma série de contradições nesses depoimentos quanto ao dia do crime, para alguns no dia do crime chovia, já para outros era um dia muito ensolarado, para outros o sol estava muito forte, e para outros havia inclusive um arco-íris no céu. Nesse caso, a ideia do tempo é dialógico inserido em relação a uma perspectiva temporal da narrativa, ou seja, diferentes vozes contrapondo-se ao descrever um único dia. Según me dijeron años después, habían empezado por burcarlo en la casa de Maria Alejandrina Cervantes […] Años después, cuando volví a buscar los últimos testimonios para esta crónica, no quedaban tampoco ni los rescoldos de la dicha de Yolanda Xius. Las cosas había ido desapareciendo poco a poco a pesar de la vigilancia empecinada del coronel Lázaro Aponte […] (p. 37) “Por supuesto que no estaba lloviendo – me dijo Cristo Bedoya –. Apenas iban a ser las siete, y ya entraba un sol dorado por las ventanas.” […] Un haz de sol polvoriento entraba por la claraboya, y la hermosa mujer dormida en la hamaca, de costado, con la mano de novia en la mejilla. (p.44) Na morte de Santiago Nasar cada personagem tem suas explicações para a atitude que tomou ou não. Assim, o tempo estrutura o enredo que é definido segundo uma relação de causa, desonra, e efeito, a vingança. Pedro Vicario sabía que no era cierto. “Nunca estaba armado si no llevaba ropa de montar” – me dijo. Pero de todos modos había previsto que lo estuviera cuando tomó la decisión de lavar la honra de la hermana. Pablo Vicario apareció entonces en la puerta. Estaba tan pálido como el hermano, y tenía puesta la chaqueta de la boda y el cuchillo envuelto en el periódico. (p.45) Os gêmeos Pedro Vicario e Pablo Vicario anunciaram o crime ao povoado inteiro, a quem quisesse e pudesse ouvi-los, e a partir daí, a vítima Santiago Nasar estaria com as horas contadas, e o tempo foi insuficiente e fatalmente devorador, “Oímos la gritería –me dijo la esposa -, pero pensamos que era la fiesta del obispo.” Empezaban a desayunar cuando vieron entrar a Santiago Nasar empapado de sangre llevando en las manos el racimo de sus entrañas. “Nos quedamos paralizados de susto”, me dijo Argénida Lanao. -¡Santiago, hijo – le gritó-, qué te pasa! Santiago Nasar la reconoció. -Que me mataron, niña Wene - dijo. Tropezó en el último escalón, pero se incorporó de inmediato. “Hasta tuvo el cuidado de sacudir con la mano la tierra que le quedó en las tripas”, me dijo mi tía Wene. (p.49) Observamos nesta obra de García Márquez uma visão irônica dos fatos apresentados. A ironia e a metáfora também são recursos próprios da escritura utilizados por este autor. É a forma como ele apresenta suas temáticas preferidas como a fatalidade, o amor, o ódio, a solidão, a honra, a violência, etc. O autor utiliza o recurso do flashback para reconstruir o assassinato de Santiago Nasar. O crime ocorre em uma manhã de grandes festividades religiosas e, logo após a noite da celebração do curto casamento de Ângela Vicario. O capítulo do crime constitui-se o clímax da ação. É o momento de maior tensão da narrativa, sob um estilo de ficção e realidade através de uma linguagem que o leitor percebe um grau de crueza. Santiago Nasar, a vítima do crime, é personagem que protagoniza, junto aos irmãos gêmeos e agora, assassinos. Santiago Nasar era jovem, rico, sedutor e, de descendência árabe. Teve uma suspeitosa relação com Ângela Vicario, que por sua vez é apresentada como a filha menor de uma família de escassos recursos. García Márquez através dos relatos e depoimentos remonta a história e os segredos desse crime, mas sempre permanece uma dúvida: o jovem Santiago Nasar, a vítima do crime, teria realmente culpa quanto à desonra de Ângela Vicario? Certamente não. A história e os segredos desse crime insistiam em permanecer nas lembranças daqueles que o presenciaram. Além dos valores morais apresentados na narrativa, o autor mostra um contexto de situações no qual o sentimento de honra prepondera. É através dessas categorias narrativas que a história de Santiago Nasar e da desonra de Ângela Vicario adquirem grande significado. García Márquez compõe uma escritura fundamentada na ironia e na ambiguidade ligadas à concepção de justiça, que no enredo também se traduz em vingança. Passa a subverter a concepção de honra e valores, sobretudo convenções sociais, materializando em vingança, que é a forma mais primitiva de justiça. O “tribunal de consciência” – metáfora utilizada para o corpo de jurados-, ao julgar o caso, teme não só por sua culpa e omissão, mas também pelo fato de acreditar que, como os gêmeos assassinos, poderia também ter tido a mesma conduta de “matar”. É a ética ligada aos valores humanos como preponderante de qualquer atitude. REFERÊNCIAS BERNÁRDEZ, Enrique. Introducción a la Lingüística del Texto. Madrid: EspasaCalpe S. A., 1982. ECO, Humberto. Sobre a literatura. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2003. FUENTES, Carlos. La nueva novela hispanoamericana. México: Cuadernos de Joaquín Mortíz, 1969. GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. Crónica de una muerte anunciada. Texto completo cedido pela Consejería de Educación. Obras completas. Disponível em: http://www.mec.es/sgci/br/es/publicaciones/orellana.shtml Acesso em: 08 ago. 2009. _______. Crónicas y Reportajes. Bogotá: La Oveja Negra, 1985. MENÉNDEZ Y PELAYO, Marcelino. Antología de estudios y discursos literarios. Madrid: Ediciones Cátedra, 2009. 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