Revista Direito

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revista juris da
FACULDADE
DE DIREITO
FA A P - J U R I S
F U N D A Ç Ã O A R M A N D O A LVA R E S P E N T E A D O
Vo l u m e 5 – j a n e i r o a j u n h o / 2 0 11
ISSN 2175-2230
FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO
Rua Alagoas 903 - Higienópolis
São Paulo, SP - Brasil
Desde 1947
Revista Juris da Faculdade de Direito, Fundação Armando Alvares Penteado.
Volume 5 - janeiro a junho/2011 – São Paulo: FAAP, 2010
Semestral
ISSN 2175-2230
Penteado.
1. Direito – Periódicos. I. Faculdade de Direito, Fundação Armando Alvares
CDD 340
CDV 34
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Dr. Benjamin Augusto Baracchini Bueno
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Fernando Facury
Jorge Miranda
José Geraldo de Sousa Junior
Luiz Edson Fachin
Manoel Gonçalves Ferreira Filho
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Maria Helena Diniz
Maria José Constantino Petri
Maria Lígia Coelho Mathias
Mario Julio de Almeida Costa
Sebastião Luiz Amorim
Zeno Veloso
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Dados para correspondência:
desta revista será permitida mediante prévia autorização.
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Editorial
A sociedade brasileira está efetivamente inquieta. A construção do conceito de casamento permanece
inacabada. As pessoas em sociedade, os seus representantes para elaboração das leis, os intérpretes do
desejo dessas pessoas contido nas leis e os Magistrados aplicadores dessas leis conforme os desejos
sociais nela contidos nem bem assimilaram a decisão do Supremo Tribunal Federal proferida no mês de
maio, reconhecendo a possibilidade do reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo, e
já surgiu o novo desafio.
Casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mais especificamente, entre dois homens.
Três dias antes do fechamento desta quinta edição da Revista JURIS, em 27 de junho de 2011, o Juiz
Corregedor de Jacareí, em sentença inédita, mandou registrar o casamento de Luiz André e José Sérgio.
Vale a pena conferir o inteiro teor da sentença, reproduzido nas Questões Polêmicas desta edição.
Na entrevista, um brinde especial para os leitores da Revista e um privilégio para todos os envolvidos com
esta edição. Momentos especiais da trajetória profissional e da vida do nosso Professor, o ilustre e sempre
transparente Mario Luiz Sarrubbo, Diretor da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo.
Ainda em torno das homoafetividades, já no espaço reservado para os artigos, estamos oferecendo a vocês
a palavra sempre segura, experiente e formadora de opiniões do ilustre Professor Álvaro Villaça Azevedo,
que nesta edição vem acompanhado dos argumentos muito bem construídos pela recém graduada Marcella
Corrêa Marques Gonçalves dos Santos em seu trabalho de conclusão de curso aqui na FAAP, a respeito da
adoção por casais homoafetivos.
Este Editor repercutiu matéria de sua autoria sobre a conveniência de privilegiar comportamentos de fazer
e de não fazer no cumprimento das prestações alimentícias.
Os Professores Edson Ricardo Saleme, Silvia E. Barreto Saborita, Fabiano Carvalho e Maurício Bunazar
produziram e repercutiram informações jurídicas de qualidade em seus bem elaborados artigos.
Ainda nos artigos, uma verdadeira e sempre desejada “invasão” dos alunos dos Cursos de Pós-Graduação
em Direito da FAAP. De São Paulo, tratando de assuntos de sustentabilidade ambiental, orientados pela
Professora Juliana Cassano Cibim, os especialistas Carla Lupinacci Poças, Daniela Fonzar Poloni, Lívia
Menezes Pagotto e Luís Paulo Agostino de Magalhães Duprat. De Ribeirão Preto, escrevendo sobre
o tema ainda não resolvido das reservas florestais, orientado pelos Professores Marcelo Godke Veiga
e Rui Carvalho Piva, o especialista Gil Donizeti de Oliveira. Ainda de Ribeirão, o especialista Renan
Posella Mandarino, que concluiu o Curso de Direito Penal e Processual Penal, escreveu sobre liberdade
provisória e o crime de tráfico ilícito de entorpecentes.
Sobre jurisprudência, estamos publicando um acórdão muito bem elaborado pelo nosso Professor e digno
integrante da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda , Alexandre Naoki Nishioka,
a respeito de imposto de renda de pessoa física incidente sobre recursos oriundos do exterior para aplicação
em atividades de agenciamento e manutenção de estagiários junto aos clubes de futebol brasileiros.
Com dupla colaboração nesta edição, o Professor Fabiano Carvalho produziu interessante resenha do
livro de Didier e Zaneti sobre Processo Civil.
Completando as questões polêmicas, o nosso culto e ilustrado Professor Marcio Pestana nos faz um
irrecusável convite à reflexão em torno da inconstitucionalidade de dispositivo da Emenda Constitucional
30, decidida pelo Supremo Tribunal Federal.
Finalizando, as nossas sugestões de leitura. Lá temos Vanda Amorim, com o seu comovente “Deus não
abandona”, Jeffrey Hollender e Bill Breen com as suas pós-modernas recomendações contidas no “Muito
além da responsabilidade social”, a deliciosa seleção que Paulo Fendler preparou sobre “Os melhores
diálogos do cinema” e as peripécias do nosso Imperador Pedro I e sua esfuziante Marquesa de Santos
manifestadas nas cartas selecionadas por Paulo Rezzutti. Boa leitura.
Rui Carvalho Piva
Editor
revista juris da
FACULDADE
DE DIREITO
FA A P - J U R I S
A n o I / Vo l u m e 5 / S ã o P a u l o - 2 0 1 1
Sumário
ENTREVISTA
Mario Luiz Sarrubbo
07
I. ARTIGOS
União Homoafetiva
Alvaro Villaça Azevedo
Comportamentos de fazer e de não fazer na prestação alimentícia Rui Carvalho Piva
Sustentabilidade nos Hoteis de selva da Amazônia
Edson Ricardo Saleme e Silvia E. Barreto Saborita
09
24
30
A função do relatório no Julgamento Colegiado. Manifestação do princípio do contraditório
Fabiano Carvalho
35
Taxonomia da sanção civil: para uma caracterização do objeto da responsabilidade civil
Maurício B. Bunazar
39
O Design e o Desenvolvimento de Produtos Sustentáveis
Carla Lupinacci Poças
43
A solidariedade na responsabilização por danos ambientais
Daniela Fonzar Poloni
Da reserva legal florestal – desmatamento lícito e ilícito e suas repercussões
Gil Donizeti de Oliveira
48
55
Mudanças climáticas e florestas: histórico das negociações, impasses e perspectivas em relação
à implementação de mecanismos de REDD
Lívia Menezes Pagotto
Projetos voluntários de REED no Brasil como alternativa viável na luta para salvaguardar a
biodiversidade amazônica e o bem estar dos povos da floresta
Luís Paulo Agostino de Magalhães Duprat
Adoção por casais homoafetivos
Marcella Corrêa Marques Gonçalves dos Santos
Liberdade Provisória e o crime de tráfico ilícito de entorpecentes: uma análise crítica sob a ótica
do princípio da “presunção de inocência”
Renan Posella Mandarino
64
73
82
90
II. Jurisprudência
Acórdão da 1.ª Turma Ordinária da 1.ª Câmara Superior de Recursos Fiscais do Ministério da
Fazenda Imposto sobre a renda de pessoa física. Omissão de rendimentos
Pesquisa e Apresentação: Alexandre Naoki Nishioka
101
III. Resenha
DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo.
6ª edição. Salvador: JusPodivm, 2011.
Fabiano Carvalho
110
IV. Questões Polêmicas
Decisão judicial converte em casamento a união estável entre duas pessoas do sexo masculino
Apresentação: Rui Carvalho Piva
113
Emenda Constitucional inconstitucional: um convite à reflexão
Apresentação: Marcio Pestana
117
VI. Sugestões de leitura
Deus não abandona
Vanda Amorim
119
Muito além da responsabilidade social
Jeffrey Hollender E Bill Breen
120
Os melhores diálogos do cinema
Paulo Fendler
121
Titília e o Demonão
Paulo Rezzutti
122
ENTREVISTA COM O DIRETOR DA ESCOLA SUPERIOR DO
MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO
Mario Luiz Sarrubbo
Estimado Professor Mario,
Ginásio , Colégio, início da adolescência (momento
especial da vida das pessoas), futebol, corridas, a
Faculdade de Direito, o “filho” Mario Luiz, o “pai”
e o “marido” Mario Luiz, o Promotor de Justiça, os
acidentes aéreos, a Escola Superior do Ministério
Público de São Paulo e o ofício arte do educador. Como
vem sendo tudo isso na vida dessa pessoa especialmente
transparente que é V. Exa.?
Em primeiro lugar, gostaria de manifestar a minha
alegria por ter a oportunidade de compartilhar com os
amigos alguns aspectos de minha vida profissional e
pessoal.
Acho que todos percebem um determinado aspecto
de minha personalidade: gosto de viver e vivo intensamente
todos os momentos profissionais, com amigos, com a
família e assim por diante.
Essa característica trago comigo desde a infância.
Vivi intensamente a minha infância e de forma saudável
e feliz. Fui criado e até hoje moro no bairro de Moema,
em São Paulo. Na minha infância, tive a oportunidade de
aproveitar as melhores características do bairro, até então
predominantemente residencial e muito próximo do parque
do Ibirapuera, local que considero como “a minha praia” e
onde vivi bons momentos na infância, seja jogando futebol,
seja andando de bicicleta com amigos.
Como disse, vivo intensamente e, obviamente, vivi
as incertezas e agonias do início da adolescência também
intensamente. A insegurança, o medo de ser deixado de lado
pelo grupo, o início do interesse pelas colegas, o primeiro
beijo, o primeiro namoro, foram anos intensos mas que
terminaram felizes, pois consegui superar essa insegurança
e acho que me tornei um jovem saudável e equilibrado.
Consegui ultrapassar a escapar das armadilhas que vinham
pela frente, como o cigarro, a bebida e as drogas, que já
naquela época se apresentavam aos adolescentes de forma
constante.
Um grande aliado, desde a infância, foi o esporte.
A grande paixão pelo futebol, a vontade de estar em forma
e fazer parte do time, sempre me mantiveram longe das
drogas, do álcool e do cigarro. Acho que esse foi o grande
mote para uma adolescência também saudável. De um
“sofrível” mas apaixonado “lateral direito”, troquei o
futebol pelas corridas por um verdadeiro “acidente”. Já
Promotor de Justiça, jogando futebol num domingo de
páscoa, quebrei o tornozelo, me submeti a uma delicada
cirurgia e o retorno aos esportes passou pela corrida que
nunca mais abandonei. Ao contrário, com a idade, larguei o
futebol (mas não o Palmeiras – outra paixão) e me dediquei
às corridas. Hoje, com muito orgulho, já participei de sete
maratonas completas, mais de vinte meias-maratonas e
cerca de cinqüenta provas menores de dez quilômetros. Sou
apaixonado pelas corridas, pois me mantém equilibrado
não só no aspecto físico, mas principalmente no emocional.
O Direito surgiu na minha vida quase por acaso.
Desde criança pensava em ser engenheiro. As dificuldades
com a matemática e a pouca afinidade com o desenho,
fizeram com que eu mudasse completamente o foco. Aliás,
essa mudança aconteceu num momento interessante. Eu
estava na 7ª série (ainda era o ginásio) e fui “convocado”
para um “júri” na escola. Deveríamos debater a “pena
de morte”. Atuei como promotor, defendendo a pena de
morte e me apaixonei pelo direito e especificamente pela
promotoria. Prestei vestibular e fui aprovado no Mackenzie,
7
onde vivi os “cinco” dos melhores anos da minha vida.
Claro que freqüentei de tudo...até mesmo as aulas....mas
é claro que os momentos inesquecíveis foram os vividos
na “atlética”, na política acadêmica e nas então famosas
“festas”....Fui a todas, aproveitei mesmo e é por isso que
digo aos alunos da FAAP...não percam o “eu to dentro” ou
qualquer outra festa...aproveitem pois os anos passam e a
responsabilidade chega.
A família sempre foi e sempre será o grande eixo
de minha vida. Ela é tão importante, mas tão importante,
que meus pais moram numa rua e em cada esquina dessa
rua estão os três filhos. Eu e minhas duas irmãs. Moramos
muito próximos e, obviamente, estamos sempre juntos,
como uma típica família italiana, com muitas brigas mas,
principalmente, com muito amor. Acho que o momento é
de devolução, ou seja, tento devolver aos meus pais tudo o
que me proporcionaram na vida.
Se a família é o eixo, o grande dilema é conciliar
vida pessoal (corridas), profissional (Ministério Público
e Magistério) e familiar. Estou casado há 17 anos com a
Simone e temos dois lindos filhos, o Luis Felipe (13 anos)
e o Pedro Henrique (10 anos). Tenho feito isso, modéstia
à parte, com sucesso. Posso dizer que estou vendo os
meus filhos crescerem. Viajo muito (em função do cargo
que exerço atualmente no MP – Escola Superior) mas não
economizo em telefonemas, abuso do Skype (pois é preciso
ver) e tenho o costume de fazer pelo menos uma refeição
em casa. Se não posso jantar, venho almoçar e vice-versa.
Por outro lado, faço questão de levar as crianças para a
escola. Minhas aulas na FAAP são marcadas para o início
da manhã justamente para conciliar essa atribuição. Sou
amigo dos meus filhos, mas não esqueço que, antes de
amigo, sou pai. Procuro impor os limites e conscientizá-los
para as responsabilidades. A mensagem é: família, estudo
e esporte são as coisas mais importantes. Aliás, quando
corro as maratonas faço sempre uma homenagem aos meus
filhos. Na linha de chegada, após 42 km, grito o nome dos
dois e afirmo a possibilidade de superação do ser humano.
O Ministério Público, por outro lado, é a grande
paixão. Nunca fui um aluno brilhante, então tive que
estudar muito para conseguir vencer o concurso de ingresso.
Fiz carreira rápida, assumi como promotor substituto
de Araçatuba e fui titular em Queluz, Itaquaquecetuba,
Mauá e, já na capital, o 1.º Promotor Criminal Regional
do Jabaquara. Esse cargo foi emblemático em minha
vida. Abrangendo a região do Aeroporto de Congonhas,
trabalhar como Promotor de Justiça em pelo menos dois
grandes acidentes aéreos. O de 1996 (com o Fokker 100
da TAM – 99 mortos) e mais recentemente o de 2007 (com
o Airbus A-320 da mesma empresa – com cerca de 199
mortos).
Experiência profissional marcante, com grande
pressão da mídia e da sociedade por resultados e,
principalmente, por conta da convivência muita próxima
com os familiares dessas vítimas. O trabalho junto a policia
8
civil, as dificuldades com o Judiciário e o envolvimento
emocional com as associações de familiares das vítimas,
foram marcas que nunca mais sairão da minha vida. Obtive
sucesso no caso de 2007, pois formulei acusação contra
11 (onze) pessoas. No entanto, mesmo em 1996, quando
arquivei o inquérito por falta de provas, nunca abandonei
as associações de familiares das vítimas. Tratei-os com a
devida atenção e carinho e, até hoje, tenho amizade com
alguns deles.
Mais recentemente fui premiado pelo Ministério
Público com minha eleição para exercer o cargo de
Diretor da Escola Superior do Ministério Público. Vivo,
sem dúvida, um momento profissional muito feliz, pois
consegui conciliar as duas atividades que mais gosto, o
magistério e o Ministério Público. O ensino, a formatação
dos cursos e, principalmente, o convívio com os Promotores
de Justiça recém ingressados, são para mim uma grande
alegria. Sinto que sou útil, que posso fazer algo para
aperfeiçoar o trabalho do Promotor. Essa satisfação, que
todos os apaixonados pelo Magistério têm, é a mais bela
remuneração de nossas vidas. Nos confere, com certeza,
um sabor especial ao nosso dia a dia.
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
União Homoafetiva
ALVARO VILLAÇA AZEVEDO
Doutor em Direito, Professor Titular Aposentado de Direito Civil, Regente de Pós-Graduação e ex-Diretor da Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo (USP); Professor Titular de Direito Romano, de Direito Civil e ex-Diretor da
Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo; Professor Titular de Direito Romano
e Diretor da Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), em São Paulo; Advogado e exconselheiro Federal e Estadual, por São Paulo, da Ordem dos Advogados do Brasil; Parecerista e Consultor Jurídico.
Resumo: O trabalho tem início com a apresentação do conceito de união homoafetiva ou homossexual e uma atraente
análise de colocações feitas por Platão a respeito 1da busca que o homem sempre fez da sua outra metade correspondente,
daí eventualmente resultando práticas homossexuais. Segundo o autor, ainda não se fazia referência a casamento entre
pessoas do mesmo sexo, com a finalidade de constituir família. Mas, ao abrir o tema da união homossexual na legislação
estrangeira, a questão central do trabalho foi assim colocada: muitos países já admitem o casamento entre pessoas do
mesmo sexo. Depois de analisar detidamente a evolução do assunto na sociedade e na legislação brasileiras, o autor
reconhece a dinâmica do Direito de Família e a possibilidade de seu regramento especial vir a ser estabelecido fora do
Código Civil, no Estatuto das Famílias.
Palavras-chaves: União homoafetiva. União homossexual. Casamento.
1. Conceito
União homoafetiva ou homossexual é a convivência
pública, contínua e duradoura entre duas pessoas do mesmo
sexo, com o intuito de constituição de família.
O relacionamento homossexual vem existindo em
diversas civilizações, desde os primórdios da sociedade.
Esses relacionamentos homoafetivos foram
frequentes nas sociedades gregas e romanas. Existiram na
Ásia e em tribos africanas, como também nas Américas,
principalmente em comunidades norte-americanas2.
Nas sociedades gregas, lembre-se da obra de
Platão3, em que se discute sobre o Deus Eros onde se refere
o “grotesco da forma esférica do homem primitivo (antes
de os deuses o terem dividido em dois, com medo de que
a sua força titânica pudesse assaltar o céu, e quando ainda
possuía quatro pernas e quatro braços sobre os quais se
deslocava a grande velocidade, como sobre pás giratórias),
vemos expressa, com a profundidade da fantasia cômica
de Aristóteles, a idéia que até agora buscamos em vão nos
discursos dos outros. O eros nasce do anseio metafísico de
Homem por uma totalidade de Ser, incessível para sempre
à natureza do indivíduo. Este anseio inato faz dele um mero
fragmento que, durante todo o tempo em que leva uma
existência separada e desamparada, suspira por se tornar a
unir com a metade correspondente”4.
Vê-se nítida a idéia de uma metade buscando a
outra metade de um mesmo e único ser. Aí patenteada, a
meu ver, a essência da união homossexual.
Contudo, não descobri em minhas pesquisas
que, nessa época, ou na antiguidade, além da prática
homossexual, houvesse casamento entre o mesmo sexo,
constituindo família, situação bem recente, no século XX,
como mostrarei adiante.
2. União Homossexual na Legislação Estrangeira
Muitos países já admitem o casamento entre o
mesmo sexo5.
Informa Federico R. Aznar Gil6 que alguns países
europeus, como a Dinamarca, Noruega e Suécia, já
aprovaram leis que equipararam, praticamente, as uniões
homossexuais ao casamento heterossexual, com algumas
restrições, como é o caso da proibição das adoções.
Na Dinamarca, desde 1984, essa matéria vem
sendo estudada por comissões, e, a partir de 1986,
Wikipédia, a enciclopédia livre, disponível em: <lttp://pt.wikipedia.org./wiki/casamentoentrepessoasdomesmosexo>. Acesso em 30.05.2010.
Werner Jaeger, Paidéia, A formação do Homem Grego, Ed. Martins Fontes, São Paulo, trad. do grego por Artur M. Parreira, 4ª edição, março de 2001, O Banquete de Platão, p. 732..
In O Banquete, 191 A, ­­­­­­192 B e seguintes, 192 E e 193 A, Platão, O Banquete, L&PM Pocket, trad. do alemão por Donaldo Schüler, reimpressão de janeiro de 2011 da 1ª edição de agosto de 2009, pp.
63 a 65 e 67; rodapé 6, p. 123: Alcebíades menciona que Sócrates se sente atraído por jovens belos, frequentes em seu círculo de discípulos.
4
Le Contrat d’Union Civile et Sociale, Rapport de Législation Comparée, Divisão de Estudos de Legislação Comparada do Serviço dos Negócios Europeus do Senado francês, publicação do Senado
francês, outubro de 1997, com 16 páginas; Tereza Rodrigues Vieira, O casamento entre pessoas do mesmo sexo, no direito brasileiro e no direito comparado. Repertório IOB de Jurisprudência, nº 14/96,
3/12240, p. 250-55, jul. 1996, especialmente p. 252; Federico R. Aznar Gil, Las uniones homosexuales ante la legislación eclesiástica, especialmente item 2.b – Legislación europea, Revista Española de
Derecho Canonico, da Universidad Pontificia de Salamanca, nº 138, v. 52, p. 157-190, jan./jun. 1995; publicações de revistas e de jornais, em geral.
5
Op. cit., p. 161.
6
Federico R. Aznar Gil, Op. cit. p. 161-162.
1
2
3
9
foram concedidos alguns direitos patrimoniais às uniões
civis homossexuais, que foram legalizadas em 1989,
reconhecendo-se, assim, os “casamentos entre pessoas do
mesmo sexo”.
A Lei dinamarquesa nº 372, de 1º de junho de 1989,
da parceria homossexual registrada, que teve início de
vigência em 1º de outubro do mesmo ano, prescreve, em
seu item 1, que “duas pessoas do mesmo sexo podem ter
sua parceria registrada”. Cuidando desse registro, no item
2, estabelece que “a parte 1, seções 12 e 13 (1), e cláusula
1 da seção 13 (2) da Lei sobre Formação e Dissolução
de Casamento devem ser aplicadas, igualmente, para o
registro de parceiros”, que só será possível se ambos ou um
dos parceiros tiverem residência permanente na Dinamarca
e nacionalidade dinamarquesa.
Essa lei foi de iniciativa do Parlamento dinamarquês,
que colocou a Dinamarca como primeiro país a adotar essa
espécie de legislação.
Esclareça-se que a mesma lei, em seu item 2 (3),
deixou o procedimento desse registro a ser regulamentado
pelo Ministério da Justiça, o que, parece, não ocorreu, até
o presente.
Quanto aos efeitos legais desse registro, assentase, em destaque, que a parceria registrada deve produzir
os mesmos efeitos legais que o contrato de casamento,
devendo ser aplicadas aos parceiros as mesmas disposições
que se aplicam aos esposos, com exceção da Lei de
Adoção, que não se aplica aos parceiros; também não se
aplica a estes a cláusula 3 das seções 13 e 15 da Lei de
Incapacidade e Guarda; bem como as disposições de outras
leis dinamarquesas que se refiram a um dos cônjuges e de
tratados internacionais, a não ser que concordem os outros
países participantes.
Quanto à dissolução da parceria, aplicam-se
similarmente as disposições, ali indicadas, da Lei sobre
Formação e Dissolução do Casamento e da Lei de
Administração da Justiça.
A Lei sobre Formação e Dissolução do Casamento,
a Lei de Herança, o Código Penal e a Lei de Tributos
Hereditários foram emendadas, com a introdução da
parceria registrada, pela Lei nº 372, de 1º de junho de 1989,
com início de vigência em 1º de outubro de 1989.
Destaque-se, nesse passo, a emenda às seções 9 e
10 da citada Lei do Casamento. Na seção 9, para constar
que “uma pessoa que tenha contratado, anteriormente,
casamento ou que participe de uma parceria registrada,
não pode contrair casamento enquanto o casamento ou a
parceria anterior existir”. Na seção 10, cuida-se de questão
patrimonial, que proíbe a contratação de casamento, por
quem tenha sido casado ou parceiro, antes da divisão, ou
do início dela, perante a Corte, da propriedade conjunta.
Só não se aplica tal disposição se os interessados se uniram
sob regime da separação total de bens ou quando uma
isenção de divisão for concedida, em casos especiais, pelo
Ministro da Justiça.
Preceito semelhante é o da Lei de Herança, que
determina a divisão dos bens comuns antes de novo
casamento ou registro de parceria (item 2).
No tocante ao Código Penal dinamarquês, emendouse sua seção 208, para constar como crime a contratação
de parceria registrada por quem já for casado ou parceiro
(prisão até três anos), entre outras especificações com
alterações de penalidades.
A Noruega acompanhou a Dinamarca, aderindo a
essa situação em 1993, quase em posição idêntica, pela Lei
nº 40, de 30 de abril, que teve início de vigência em 1º
de outubro desse mesmo ano. A lei norueguesa, entretanto,
permite que os parceiros possam partilhar da “autoridade
parental” (poder familiar ou pátrio poder), o que a lei
dinamarquesa proíbe.
O Parlamento sueco, ao seu turno, reconheceu o
partenariat desde 1º de janeiro de 1995, quando teve início
de vigência a Lei de 23 de junho de 1994, oficializando
as uniões entre o mesmo sexo. A responsável pela Lei de
Parceria, na Suécia, foi Barbro Westerholm e, em 1995,
já estavam oficializadas quase mil uniões. Destaque-se,
entretanto, que o Consulado da Suécia, em Paris, não está
autorizando uniões homossexuais. Registre-se, entretanto,
que, na França, em 1993, concedeu-se a homossexual o
direito de se beneficiar do seguro social de seu parceiro.
Essa lei sueca baseou-se em trabalhos da comissão
parlamentar, constituída em 1991, contendo quase os
mesmos dispositivos da lei dinamarquesa; entretanto, a lei
sueca possibilita a intervenção do juiz, para o registro da
união, facultativamente, mas exige, obrigatoriamente, essa
intervenção em caso de ruptura da mesma união.
De mencionar-se que, dos países escandinavos, só
a Finlândia não aderiu à legislação da união registrada
de pessoas do mesmo sexo. Houve um projeto de lei, no
Parlamento finlandês, em maio de 1996, que foi rejeitado
em setembro de 1997.
Na Holanda, em 1991, foram criados registros em
alguns municípios, possibilitando que fossem registradas
uniões homossexuais, como acontecera em algumas
cidades norte-americanas, como São Francisco7, sendo
certo que, em 16 de abril de 1996, elaborou-se projeto de
uniões entre pessoas do mesmo sexo, com 70% da opinião
pública a favor.
Dá-nos conta o Cfemea8 de que, na Holanda, houve o
“casamento” oficial de dois casais de lésbicas, tornando-se,
em fevereiro de 1998, “os primeiros casos de casamento
civil legal entre parceiros do mesmo sexo” nesse país, cuja
lei que permite a união civil entre homossexuais teve início
de vigência em 1º de janeiro de 1998.
Jornal do Centro Feminista de Estudos e Assessoria, Cfemea, Brasília, ano 6, nº 61, p. 2, fev. 1998.
Casamento gay é aprovado na Argentina, in estadao.com.br/vida, http://www.estadao.com.br/noticia_imp.php?req=not_imp582050,0.php, em 2 de agosto de 2010. Por Ariel Palacios, correspondente
em Buenos Aires – O Estado de S. Paulo.
7
8
10
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
“Um dos casamentos foi da cantora Sugar Lee
Hoper e a companheira dela. A união legal entre gays na
Holanda não é exatamente o mesmo que um casamento.
Os parceiros não podem adotar crianças, nem as lésbicas
podem ser artificialmente inseminadas.”
Essa lei encontra suas origens no projeto de lei do
Ministro da Justiça, adotado pelo Parlamento Holandês em
julho de 1997, que permite aos casais homossexuais, que
não podem se casar, bem como aos casais heterossexuais,
que não querem casar-se, registrar sua união.
A lei holandesa, diferentemente das escandinavas,
não apresenta qualquer registro obrigatório no tocante à
nacionalidade dos parceiros.
Em 12 de setembro de 2000 o Parlamento holandês,
por sua Câmara Baixa, aprovou projeto que possibilita que
pessoas do mesmo sexo contraiam matrimônio. A lei, Bill
nº 26672 ingressou na Câmara Alta, para ser promulgada a
partir de janeiro de 2001. E o foi.
Na Islândia, o Parlamento adotou um projeto do
Governo, em 4 de junho de 1996, possibilitando a duas
pessoas do mesmo sexo registrar sua união, tendo tido a lei
início de vigência em 27 desse mês e ano.
Essa lei islandesa guarda as mesmas disposições da
lei dinamarquesa, possibilitando, também, que os parceiros
possam partilhar a “autoridade parental”.
Permitem, também, o casamento entre pessoas do
mesmo sexo, entre outros, os Países Baixos, em 2001,
sendo legal na Bélgica, no Canadá, na África do Sul, na
Espanha, e nos estados americanos de Massachusetts e
Connecticut, Iowa, Vermont, Maine, New Hampshire.
Em 1998, a Alemanha ampliou os direitos aos
casais que vivem juntos e em 2002 registrou o primeiro
divórcio legal de homossexuais, no tribunal de instância de
Oldenbourg, no norte do país.
Destaque-se que, no estado americano da Califórnia,
a Suprema Corte, em 27 de fevereiro de 2004, negou pedido
do procurador geral Billy Lockyer para anulação de mais
de 3.500 casamentos gay e suspensão de outros.
No Reino Unido, a Lei de Associação Civil, que
permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo, teve
início de vigência em 5 de dezembro de 2005, com 1.200
cerimônias marcadas nas Prefeituras, na Irlanda do Norte,
na Escócia, na Inglaterra e em Gales.
Em 11 de fevereiro de 2010, Portugal aprovou a
lei que permite o casamento civil entre pessoas do mesmo
sexo (Decreto nº 9/XI), na Assembléia da República, sem
direito a adoção.
Antes de promulgar a lei, em 17de maio de 2010,
o Presidente da República Anibal Cavaco Silva enviou o
diploma para o Tribunal Constitucional de modo cauteloso,
para análise da constitucionalidade de seus artigos. O
acórdão desse Tribunal, pela constitucionalidade dessa Lei,
foi publicado em 28 de abril de 2010.
Essa lei alterou a redação do art. 1.577º do Código
Civil, definindo o casamento como “o contrato celebrado
entre duas pessoas que pretendem constituir família
mediante uma plena comunhão de vida”.
Em 15 de julho de 2010, ao seu turno, a Argentina
transformou-se no primeiro pais da América Latina a
autorizar o casamento entre homossexuais.
A aprovação da Lei pelo Senado, após 14 horas de
duros debates, deu-se por 33 votos a favor, 27 contra, com 3
abstenções. Os demais Senadores ausentaram-se, entre eles
o ex-presidente Carlos Menem. Essa Lei fora aprovada na
Câmara dos Deputados em maio de 2010.
A votação provocou divisões no governo e na
oposição, sendo certo que muitos Senadores governistas se
opuseram à posição da Presidente da República, Cristina
Kirchner, favorável à lei, que segundo ela foi “um marco”9.
Ressalta-se, ainda, que, na América Latina, o
Uruguai conta com lei de união civil, mas não engloba
todos os direitos, podendo os uruguaios adotar filhos, mas
não se casar.
Com a nova lei argentina conferiu-se o direito de
herança entre os homossexuais como também o direito de
adotar filhos, registrados em nome de ambos, o de pagar
impostos como casal, de pedir crédito utilizando a renda
dos dois, podendo ser incluídos no plano de saúde do outro.
Registre-se, nesse passo, que, desde 15 de dezembro
de 1973, por decisão da American Psychiatric Association
e, depois, de outras organizações internacionais, a
homossexualidade foi excluída do rol das doenças mentais,
também nas publicações da Classificação Internacional de
Doenças.
Desde 1991, a Anistia Internacional considera
violação dos direitos humanos a proibição da
homossexualidade.
Melhor união homoafetiva do que união estável
Do mesmo modo, ainda que se cogite de mera
convivência, no plano fático, entre pessoas do mesmo sexo,
não se configura a união estável e sim a união homoafetiva
autônoma.
Realmente, desde que foram conferidos efeitos ao
concubinato, até o advento da Súmula 380 do Supremo
Tribunal Federal, sempre a jurisprudência brasileira teve
em mira o par andrógino, o homem e a mulher.
Com a Constituição Federal, de 5 de outubro
de 1988, ficou bem claro esse posicionamento, de só
reconhecer, como entidade familiar, a união estável entre o
homem e a mulher, conforme o claríssimo enunciado do §
3º do seu art. 22610.
Entretanto o art. 226 não é taxativo em relacionar os
Com entendimento contrário, Maria Berenice Dias (União homossexual, o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, nº 8, p. 147) conclui: “Um Estado Democrático de Direito,
que valoriza a dignidade da pessoa humana, não pode chancelar distinções baseadas em características individuais. Injustificável a discriminação constante do § 3º do art. 226 da Constituição Federal,
bem como inconstitucional a restrição das Leis nos 8.971/94 e 9.278/96, que regulamentam a união estável, ao se referirem somente ao relacionamento entre um homem e uma mulher.” Cita a autora,
lastreando seu entendimento, decisões da Justiça gaúcha (Op. cit., principalmente p. 131-36).
10
Álvaro Villaça Azevedo, Estatuto da Família de Fato, Ed. Atlas, São Paulo, 3ª edição, 2011, p. 240.
9
11
modos de constituição de família, sendo mais fácil admitir
que, atualmente, a união homoafetiva foi reconhecida no
âmbito do Direito de Família, sendo perfeitamente viável
incluí-la no rol do art. 226, citado, como uma categoria
autônoma. Já disse que o Estado não pode mencionar
na Constituição de modo taxativo, como o povo deve
constituir sua família. Por essa razão essa relação do art.
226 da Constituição Federal é meramente enunciativa11.
Muito citada foi a decisão do Juiz José Bahadian,
da 28ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro, na ação
promovida contra o espólio de um pintor e iniciada em 17
de maio de 1988. Nesse processo, reconheceu-se direito
do companheiro sobrevivo, em razão do falecimento
do outro, após dezessete anos de convivência, à metade
do patrimônio por eles amealhado. Patenteou-se, então,
a existência de sociedade de fato entre os conviventes e
de um patrimônio criado por seu esforço comum. Esta a
decisão de primeiro grau.
Pondere-se, nesse caso, que esse direito à metade
do patrimônio do companheiro falecido estava assegurado
por testamento deste, assinado em 1985, revogado por
outro testamento, firmado pelo testador quando já estava
internado, em estado grave, no Memorial Hospital de New
York, conforme atestaram algumas testemunhas, e que não
estaria ele na plena capacidade de entendimento dos fatos;
tudo segundo ampla divulgação, à época, pela mídia.
Em grau de apelação, no Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro, em 8 de agosto de 1989,
unanimemente, por sua 5ª Câmara Cível, sendo relator o
Desembargador Narcizo A. Teixeira Pinto12, decidiu-se
esse caso, como demonstra a ementa oficial:
“Ação objetivando o reconhecimento de sociedade
de fato e divisão dos bens em partes iguais. Comprovada a
conjugação de esforços para formação do patrimônio que se
quer partilhar, reconhece-se a existência de uma sociedade
de fato e determina-se a partilha. Isto, porém, não implica,
necessariamente, em atribuir ao postulante 50% dos bens
que se encontram em nome do réu. A divisão há de ser
proporcional à contribuição de cada um. Assim, se os fatos
e circunstâncias da causa evidenciam uma participação
societária menor de um dos ex-sócios, deve ser atribuído
a ele um percentual condizente com a sua contribuição.”
Como visto, nesse julgado reconheceu-se, tãosomente, a sociedade de fato, entre sócios, e não união livre
como entidade familiar. Deixou evidenciado esse acórdão
que a mesma Câmara, em outra decisão, em que foi relator
o Desembargador José Carlos Barbosa Moreira, evidenciou
que
“‘o benefício econômico não se configura apenas
quando alguém aufere rendimentos, senão igualmente
quando deixa de fazer despesas que, de outra maneira,
teria de efetuar’ (Apelação Cível 38.956/85). E assim
deve ser, porque o esforço comum, que caracteriza a
sociedade de fato, pode ser representado por qualquer
forma de contribuição: pecuniária ou através da doação
de bens materiais, ou ainda por meio de prestação de
serviços. Este, sem dúvida, o sentido que o Código Civil
brasileiro, ao definir o contrato de sociedade, empresta à
locução ‘combinar esforços ou recursos para lograr fins
comuns’ (art. 1.363). Como é de primeira evidência, a
expressão ‘esforços ou recursos’ abrange todas as formas
ou modalidades de contribuições para um fim comum”.
O citado art. 1.363 do Código Civil de 1916 corresponde
atualmente ao art. 981 do Código Civil.
E se conclui nesse mesmo decisório que,
“por maior que tenha sido a contribuição do apelado
à obra do pintor, não se pode conceber que tenha sido
equivalente à que deu o próprio criador dos quadros. E,
não tendo sido iguais as cotas de contribuição, não podem
ser iguais, como pretende o recorrido, os quinhões na
partilha. A participação na divisão deve ser proporcional à
contribuição para criação ou aquisição dos bens”.
Daí a redução do percentual estabelecido na
sentença, de 50% para 25% do patrimônio adquirido pelo
esforço comum.
Também o Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais, por sua 2ª Câmara, em 3 de dezembro de 1996,
sendo relator o Juiz Carreira Machado13 decidiu que “a
união de duas pessoas do mesmo sexo, por si só, não gera
direito algum para qualquer delas, independentemente do
período de coabitação”.
Nesse caso, ainda, foi negada indenização por
dano moral, reivindicada pelo companheiro sobrevivo,
ao pai do falecido, vítima de Aids, malgrado tivesse esse
sobrevivente “assumido assistência ao doente, expondo-se
publicamente, em face da omissão” desse genitor, “a quem
não pode ser atribuída culpa pela enfermidade” contraída
por seu filho.
Lembra, ao seu turno, Rainer Czajkowski14 que
existe, em torno do tema uniões homossexuais, “uma forte
carga negativa, de ordem moral e mesmo religiosa na sua
avaliação”; por esse motivo, para que isso seja evitado, e
“na medida em que o relacionamento íntimo entre
duas pessoas do mesmo sexo pode ter efeitos jurídicos
relevantes, é mais razoável que se faça uma abordagem
jurídica e técnica da questão, e não uma análise moral,
porque esta última, além de ser excessivamente subjetiva,
concluirá pela negativa de qualquer efeito útil”.
Pondere-se, nesse ponto, que, provada a sociedade
de fato, entre os conviventes do mesmo sexo, com aquisição
de bens pelo esforço comum dos sócios, está presente o
contrato de sociedade, reconhecido pelo art. 1.363 do
Código Civil de 1916 (atual art. 981), independentemente
de casamento ou de união estável, pois celebram contrato
Jurisprudência brasileira cível e comercial. Juruá, Curitiba: União Livre, 1994, nº 173, p. 206-9.
RT 742/393.
13
Reflexos jurídicos das uniões homossexuais. Jurisprudência Brasileira, Juruá, 1995, Separação e Divórcio II, 176/95-107, especialmente p. 107.
14
Apud Euclides Benedito de Oliveira, Direito de herança entre homossexuais causa equívoco. Jornal Tribuna do Direito, p. 12, abr. 1998.
11
12
12
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
de sociedade as pessoas que se obrigam, mutuamente, a
combinar seus esforços pessoais e/ou recursos materiais,
para a obtenção de fins comuns.
Registre-se, nesse ponto, a celeuma em torno de
uma decisão unânime do Superior Tribunal de Justiça,
de sua 4ª Turma, sendo relator o Ministro Ruy Rosado de
Aguiar15 que, na verdade, não atribuiu direito de herança
a homossexual, mas reconheceu direito à partilha de
bens adquiridos, pelos parceiros, em decorrência de sua
colaboração comum.
Do mesmo modo, foi normal a decisão unânime
da Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo, sendo relator o Desembargador Dirceu de
Mello16 de 31 de julho de 1997, quando se entendeu deferir
a guarda de criança a homossexual, constatando-se que
essa circunstância, naquele momento, não era obstáculo
à medida, dada a provisoriedade da natureza da guarda,
que pode ser revogada a qualquer momento, ante qualquer
desvirtuamento na formação psicológica da criança.
Entendeu-se que era dificultoso, à época, colocar a criança
sob cuidados de uma família substituta.
Registre-se, finalmente, decisão de 20 de agosto
de 1998, da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região-RS, por unanimidade, sendo relatora a Juíza Marga
Inge Barth Tessler17, que não reconheceu união estável
entre pessoas do mesmo sexo, ante a vedação do § 3º do art.
226 da Constituição Federal; todavia, admitindo a inclusão
de parceiro como dependente de outro, em plano de saúde.
E isto, ante os princípios constitucionais da liberdade,
da igualdade e da dignidade humana. Acentua-se, nesse
julgamento, que estão preenchidos os requisitos exigidos
pela lei para a percepção do benefício pretendido:
“vida em comum, laços afetivos, divisão de despesas.
Ademais, não há que se alegar a ausência de previsão
legislativa, pois antes mesmo de serem regulamentadas
as relações concubinárias, já eram concedidos alguns
direitos à companheira, nas relações heterossexuais. Tratase da evolução do Direito, que, passo a passo, valorizou
a afetividade humana abrandando os preconceitos e as
formalidades sociais e legais”.
Até, então, quando a união homossexual não
era reconhecida como apta à constituição de família, os
parceiros deviam acautelar-se com realização de contratos
escritos, que esclarecessem a respeito de seu patrimônio,
principalmente demonstrando os bens que existiam
ou que viessem a existir, em regime de condomínio,
com os percentuais estabelecidos ou não. Se for o caso,
para que não esbarrem suas convenções no direito
sucessório de seus herdeiros, devem realizar testamentos
esclarecedores de suas verdadeiras intenções. Podem,
ainda, os parceiros adquirir bens em nome de ambos, o que
importa condomínio, em partes iguais, ou com menção dos
respectivos percentuais.
Todos esses julgados dos nossos Tribunais não
reconheceram a união homoafetiva porque se basearam,
estritamente no dispositivo constitucional da união estável,
quando poderiam ter considerado a união homoafetiva,
como modo autônomo de constituição de família como
considerado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal,
albergado no art. 226 da Constituição Federal, como
dispositivo genérico.
Projeto Marta Suplicy e seu substitutivo na Câmara
dos Deputados
4.1 Generalidades
A então Deputada Federal Marta Suplicy apresentou
o Projeto de Lei nº 1.151, de 1995, que objetiva a disciplinar
a “união civil entre pessoas do mesmo sexo”.
Como bem pondera a autora desse Projeto18, não
se pode mais negar a existência de relações homossexuais
e as diferentes formas de expressão da sexualidade, no
Brasil e em outros países, sendo necessário “garantir
direitos de cidadania sem discriminar as pessoas devido à
sua orientação sexual”.
E continua dizendo que seu projeto
“não se refere ao casamento, nem propõe a adoção
de crianças ou a constituição de família. Simplesmente
possibilita às pessoas homossexuais que vivem juntas
o direito a herança, previdência, declaração comum de
imposto de renda e nacionalidade. Basicamente, direitos
jurídicos para pessoas que pagam impostos e hoje são
ignoradas pela sociedade. (...) A sociedade nos educa para a
heterossexualidade como sendo esta a única forma correta e
aceita de viver a sexualidade”.
Instalou-se uma Comissão Especial na Câmara
dos Deputados, para apreciar esse projeto, presidida pela
Deputada Maria Elvira, tendo como relator o Deputado
Roberto Jefferson.
Prestando depoimento nessa Comissão, Luiz
Edson Fachin19 sugeriu a substituição do termo união por
outro mais adequado. O relator dessa Comissão entendeu
correta essa sugestão, substituindo a palavra “união” por
“parceria”.
Esse jurista paranaense, escrevendo sobre a
convivência de pessoas do mesmo sexo, em outubro de
1996, conclui seu artigo, ponderando que
“humanismo e solidariedade constituem, quando
menos, duas ferramentas para compreender esse desafio
JTJ-Lex 198/121.
DJU de 20/11/98, p. 585.
O sol e a peneira. Manchete. Rio de Janeiro: Bloch, p. 98, 6 jul. 1996.
18
Luiz Edson Fachin, Aspectos jurídicos da união de pessoas do mesmo sexo. RT 732/47-54, especialmente p. 52-53.
19
A Comissão Especial destinada a apreciar e proferir parecer sobre o Projeto de Lei nº 1.151, de 1995, que “disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências”, em reunião,
opinou contra os votos dos Deputados Jorge Wilson, Philemon Rodrigues, Wagner Salustiano, e, em separado, dos Deputados Salvador Zimbaldi e Severino Cavalcanti, pela constitucionalidade,
juridicidade e técnica legislativa e, no mérito, pela aprovação, deste, com substitutivo, com complementação de voto, nos termos do parecer do relator. Participaram da votação nominal os Deputados
Marilu Guimarães, Roberto Jefferson, Lindberg Farias, Maria Elvira, Jorge Wilson, Severino Cavalcanti, Salvador Zimbaldi, Tuga Angerami, Jair Meneguelli, Sérgio Carneiro, Fernando Lyra, Fernando
Gonçalves, Fernando Gabeira, Wagner Salustiano, Philemon Rodrigues e Marta Suplicy. A documentação relativa ao projeto encontra-se reproduzida no Apenso deste livro, a final.
15
16
17
13
que bate às portas do terceiro milênio com mais intensidade.
Reaprender o significado de projeto de vida em comum é uma
tarefa que incumbe a todos, num processo sacudido pelos
fatos e pela velocidade das transformações. Em momento
algum pode o Direito fechar-se feito fortaleza para repudiar
ou discriminar. O medievo jurídico deve sucumbir à visão
mais abrangente da realidade, examinando e debatendo os
diversos aspectos jurídicos que emergem das parcerias de
convívio e de afeto. Esse é um ponto de partida para desatar
alguns ‘nós’ que ignoram os fatos e desconhecem o sentido
de refúgio qualificado prioritariamente pelo compromisso
socioafetivo”.
O relator desse projeto, Deputado Roberto Jefferson,
votando por sua constitucionalidade e o aprovando, no
mérito, nos termos do substitutivo pelo mesmo relator
oferecido e, adiante, por nós analisado, entende que “negar
aos homossexuais os direitos básicos surgidos” de sua
“parceria equivale a repudiar os princípios constitucionais”,
a saber, “a dignidade da pessoa humana; a justiça e a
solidariedade entre os homens; a não-discriminação de
qualquer espécie; e o respeito aos direitos humanos”.
O Parecer da Comissão Especial não foi unânime,
mas entendeu pela constitucionalidade e pela aprovação
do projeto, com as alterações do Substitutivo e da mesma
Comissão.
Cumpre destacar, neste passo, primeiramente, o
entendimento contrário do Deputado Salvador Zimbaldi:
“A desmoralização que se quer legalizar; o
desmantelamento da família, com a instituição desta
aberração contrária à Natureza, que criou cada espécie com
dois sexos, afronta os mais comezinhos princípios éticos
da sociedade brasileira. Ao regulamentar tão estapafúrdia
situação, sem mesmo fazer-se uma pesquisa, consultando
a população sobre a viabilidade desta legalização, o
legislador está indo abalroar a consciência coletiva de
nossos cidadãos. Com a criação deste novo estado civil de
‘emparceirados registrados’ estar-se-á lançando a balbúrdia
nos meios jurídicos, além da imoralidade atentatória aos
nobres princípios da comunidade, e isto tão-somente
para beneficiar uma minoria. A lei assim como o Estado
brasileiro são laicos, bem o sabemos, entretanto não
podemos violentar o nosso povo, impingindo-lhe algo que
repudia.”
Ao seu turno, com seu voto também contrário ao
Projeto, manifestou-se o Deputado Severino Cavalcanti,
sendo, adiante, destacados alguns trechos de seus
comentários.
Primeiramente, quanto aos “direitos dos
homossexuais”, declara ambígua a palavra “direito”, no
Projeto, comentando:
“O que existe, por pior que seja, não pode ser negado
que exista, mas isto não lhe confere automaticamente um
direito a essa existência. O fato de existir o crime não lhe
outorga direito de existência. Assim, uma situação que
existe de fato, não pode passar, por esta simples razão, a
uma situação de direito. Este só lhe é conferido em razão
14
de atributos próprios que se conformem com a lei natural
e a lei positiva.”
Depois, no tocante à referida “segurança na prática
da homossexualidade”, anota:
“O projeto quer eliminar assim uma certa vergonha,
um salutar sentimento de culpa, que poderiam levar a uma
mudança de vida, a uma continência sexual sustentada pela
graça, mesmo conservando a tendência desviada. Pois Deus
nunca falta àqueles que sinceramente desejam cumprir sua
lei e pedem o seu auxílio. O projeto, pelo contrário, leva
os culpados a uma certa tranqüilidade dentro do pecado,
eliminando assim, quase completamente, a possibilidade de
conversão.”
Acrescenta ainda o Deputado que o “caráter
profundamente rejeitável do projeto” é o de albergar
“um tríplice atentado contra a lei moral” (nos campos
individual, social e institucional) e o de “atrair a cólera
divina sobre o Brasil”, mostrando a posição da Igreja
Católica, concluindo:
“Uma lei que promove, favorece e estimula a prática
de atos contra a natureza está em contraste total com a lei
natural. Portanto, não deve ser considerada como lei, mas
sim como corrupção da lei. E, enquanto tal, ser repudiada e
combatida; e jamais apoiada, acatada ou tolerada.”
Ressalte-se, nesse estágio, que a votação desse
projeto, sobre a união civil de pessoas do mesmo sexo,
não ocorreu na sessão da Câmara do dia 4 de dezembro de
1997, por falta de quorum. A autora do projeto pedira para
que fosse esse retirado de pauta, temendo a forte oposição
existente à época. Todavia, insistiam, os contrários a esse
projeto, em que ocorresse sua votação.
Em 1998 deveria ter sido votado esse projeto, em
sessão extraordinária da Câmara, mas não foi, ante ameaça
muito forte, principalmente por Deputados católicos e
evangélicos, de que seria boicotado o projeto de ajuste fiscal.
O projeto sob estudo continua, portanto, sem
andamento, ante esses fatos de acirrada oposição a ele e o
temor de sua autora de uma derrota.
4.2 Análise do Projeto de Lei nº 1.151/95 e de
seu Substitutivo
Nessa trilha, passaremos à análise dos artigos do
Projeto de Lei nº 1.151, de 1995, da Câmara dos Deputados,
e de seu Substitutivo, adotado pela Comissão Especial,
datado de 10 de dezembro de 1996.
Partirei dos artigos do aludido Substitutivo, que
melhorou a redação do Projeto originário, acrescentando
alguns dispositivos de real importância.
Assim, no art. 1º assegura-se a duas pessoas do
mesmo sexo o reconhecimento de sua “parceria civil
registrada”, objetivando, principalmente, a salvaguarda de
seus direitos de propriedade e de sucessão hereditária.
Essa parceria constitui-se mediante registro em
livro próprio nos Cartórios de Registro Civil de Pessoas
Naturais (art. 2º) com a apresentação dos documentos dos
interessados enumerados no § 1º: declaração de serem
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
solteiros, viúvos ou divorciados; prova de capacidade
civil absoluta, por meio de certidão de idade ou prova
equivalente; e escritura pública de contrato de parceria
civil. O § 2º incluído no Substitutivo repete a necessidade
de que se registre a parceria, conforme caput do mesmo
artigo. O § 3º estabelece a impossibilidade de alteração do
estado civil dos contraentes, na vigência do contrato de
parceria.
Esse § 3º é de extremo rigor, porque corrobora
que o pretendido registro, em livro próprio, no Cartório
de Registro Civil, mencionado no caput do artigo, não é
só para valer contra terceiros, mas cria, perigosamente,
um novo estado civil, que não pode ser alterado sem a
extinção do contrato de parceria civil registrada. Esse
estado civil nem os conviventes possuem, na união estável,
que é reconhecida constitucionalmente como forma de
constituição de família.
Vê-se, claramente, que, existindo constituição desse
estado civil de parceiro ou de parceria, sua desconstituição
judicial pode levar muito tempo, sobrecarregando o Poder
Judiciário de ações e de processos dessa ordem. Mesmo
em caso de morte do parceiro, deverá existir processo
judicial para que, seguramente, constate-se esse fato, para
que possa ser, por decisão do juiz, desconstituído o estado
civil, no competente Registro.
Os ônus que se vão criar, com isso, e os sérios danos
à comunidade podem ser antevistos; principalmente se os
parceiros se separarem de fato, sem qualquer providência
judicial, constituindo novas parcerias de fato.
Entendo a preocupação do pré-legislador em
amparar, de certo modo, as parcerias homossexuais;
entretanto, essa situação de fato, como é a união estável
entre homem e mulher, ficará assoberbada com esses
excessos de formalismo, a que o povo brasileiro não está
acostumado.
Admito que o registro desses contratos, como
defendi a ideia na união estável, é salutar e de alta relevância
na salvaguarda de direito de terceiros; mesmo criando
novo estado civil, de parceiro civil ao lado do estado civil
de solteiro, de casado e de divorciado. Nesse caso, deve
também admitir-se o estado de separado judicialmente
(hoje modificação do estado de casamento) e o estado de
convivente ou companheiro, em relação à união estável
entre homem e mulher.
A criação de estado civil novo criará muitos
problemas jurídicos à sua desconstituição, mormente com
relação às situações de fato, com regulamentação legal dos
efeitos jurídicos da convivência, seja na união estável, seja
na parceria civil.
Sugiro, pois, ao legislador que leve em conta essas
observações, para admitir o registro do contrato de parceria
entre o mesmo sexo, como também propus à união estável
em meu projeto, vetado, nesse ponto, pelo Presidente da
República, mas tão-somente para valer contra terceiros.
Cria-se, assim, no clima de liberdade da convivência
homossexual, como pretende a então Deputada Marta
Suplicy, também um clima de responsabilidade e de justiça,
relativamente a essa união, ainda que sem a criação de um
novo estado civil, só alterável com a intervenção do Poder
Judiciário.
O registro será feito, então, só para valer contra
terceiros. Aliás, nesse ponto, chego à conclusão de que o
registro mais eficaz é o que se realiza na Circunscrição
Imobiliária, em que a averbação das situações jurídicas
convivenciais é mais importante, enquanto não houver um
cadastramento geral das pessoas, que esteja informado em
todo o sistema registral. Tudo, para que se evitem alienações
de imóveis, por um dos parceiros, em detrimento do outro
ou de terceiros, malgrado exista registro do contrato de
parceria, no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais.
Ao seu turno, o art. 3º do Substitutivo e do Projeto
dá caráter solene ao contrato de parceria registrada, o qual
deverá ser lavrado em Ofício de Notas, pactuado livremente,
mas devendo versar sobre “disposições patrimoniais,
deveres, impedimentos e obrigações mútuas”.
Se houver disposição expressa no contrato, suas
regras podem operar retroativamente para contemplar
patrimônio comum, formado anteriormente à união (§ 1º,
no Substitutivo; parágrafo único, no Projeto).
Inseriu-se no Substitutivo o § 2º desse mesmo art.
3º, pelo qual ficam proibidas disposições sobre adoção,
tutela ou guarda de crianças ou de adolescentes, em
conjunto, mesmo que sejam filhos de um dos parceiros.
Tal providência foi importante para que se evitem traumas
de caráter psíquico, principalmente para que não surjam
na sociedade filhos, ou crianças, ou adolescentes que
se mostrem só com pais ou só com mães. Sim, porque a
autora do projeto de lei, embora tenha manifestado posição
contrária à adoção pelos parceiros, a proibição da utilização
desse instituto jurídico não se fez, expressamente, em seu
texto de pré-legislação.
Anote-se que o Projeto originário previa, nos incisos
I e II de seu art. 4º, a extinção desse contrato de parceria
pela morte de um dos parceiros ou por decreto judicial.
Essa decisão, certamente, ocorrerá em caso de rescisão
desse contrato, com descumprimento culposo de qualquer
de suas cláusulas ou de dispositivos legais, atinentes a essa
união, que é a infração contratual, prevista no inciso I do
art. 5º do Substitutivo e do Projeto, ou, ainda, em caso de
denúncia (resilição unilateral), quando a um dos parceiros
não mais convier a convivência. Neste último caso, quando
houver alegação, por um dos parceiros, de desinteresse na
continuidade da união, conforme previsto no inciso II do
art. 5º do Substitutivo e do Projeto.
Nesse ponto, o Substitutivo, mantendo, em seu art.
4º, esses dois incisos, do art. 4º do Projeto, inclui, ainda, um
terceiro, para possibilitar, também, essa extinção contratual,
por consentimento das partes, desde que homologado pelo
juiz. Aqui, então, prevista a figura da resilição bilateral ou
distrato, em que os parceiros manifestam o desejo de se
separarem, perante o juiz, que homologará esse acordo
15
escrito, verificando se foram cumpridos os requisitos legais
e contratuais. Aliás, o Projeto já previa, no § 1º de seu
art. 5º, a possibilidade de requererem, de comum acordo,
consensualmente, as partes a homologação judicial da
extinção de sua união civil.
Mesmo incluindo o aludido inciso III em seu art.
4º, o Substitutivo mantém o mencionado § 1º, agora como
parágrafo único de seu art. 5º, que, de modo repetitivo,
assegura esse requerimento das partes, consensualmente,
amigavelmente, pleiteando a homologação judicial da
extinção de sua parceria registrada.
Desse modo, atualmente, esse Substitutivo
possibilita a referida extinção contratual por morte ou por
via judicial, litigiosa ou amigável.
Ocorrendo a mencionada extinção contratual, a
sentença que declarar extinta a parceria deverá conter a
partilha dos bens dos parceiros, nos moldes do contrato dos
interessados (art. 6º do Projeto e do Substitutivo).
Assinale-se que o art. 7º do Projeto foi eliminado,
e exigia a averbação do registro da constituição ou da
extinção da união civil, nos assentos de nascimento e de
casamento das partes.
O art. 8º do Projeto, ainda, instituía como crime
de ação pública, condicionada à representação, “manter o
contrato de união civil”, referido no aludido Projeto, “com
mais de uma pessoa, ou infringir o § 2º do art. 2º”, punível
com pena de detenção de seis meses a dois anos.
Essa proibição de parceria civil com mais de uma
pessoa, do art. 8º, foi reformulada, no Substitutivo, em seu
art. 7º, sendo nulo de pleno direito o contrato que se fizer
nesses moldes, ou, ainda, quando houver infração ao § 2º
do art. 2º do mesmo Substitutivo (falta de registro desse
contrato no Registro Civil de Pessoas Naturais).
Estabelece-se, ainda, no parágrafo único desse
art. 7º que a infração mencionada em seu caput implica
cometimento de crime de falsidade ideológica, sujeitando
o infrator às penas previstas no art. 299 do Código Penal.
O intuito do pré-legislador foi, em verdade, o de
proibir a existência de dois ou mais contratos simultâneos
de parceria civil; não, propriamente, o de proibir a
existência dessas várias uniões, o que seria impossível.
Desse modo, pode alguém, na prática, ter vários
parceiros, o que é impossível de proibir, como acontece
com o casamento e o concubinato impuro, ou seja,
adulterino ou incestuoso; como pode ocorrer o mesmo com
a união estável (concubinato puro) e o concubinato desleal
(em concorrência com o primeiro).
Essas
situações
ocorrem
na
sociedade
independentemente do que queira, ou não, o legislador. O
que este pode coibir é o duplo registro civil.
Todavia, para tentar impedir um registro, ante
eventual existência de uma parceria civil, com escritura não
registrada, é que o Substitutivo, sob cogitação, instituiu o
20
crime de falsidade ideológica para os parceiros que venham
a registrar uma parceria, tendo omitido a existência de
parceria civil ou de registro de escritura anterior. O crime,
portanto, consiste nessa omissão e não na manutenção de
duas ou mais parcerias.
Tenha-se presente, ainda, que, existindo registro de
uma parceria anterior, o próprio Cartório Civil impedirá o
registro de outra escritura. O difícil será, eventualmente,
acusar registro anterior, se não houver cadastramento do
registro das parcerias.
No art. 8º do Substitutivo (9º do Projeto) alteram-se
os arts. 29, 33 e 167 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de
1973 (Lei de Registros Públicos).
O art. 29, no qual constam os atos que se fazem
registrar no Registro Civil de Pessoas Naturais, fica
acrescido do inciso IX, que autoriza, também, o registro
dos “contratos de parceria civil registrada entre as pessoas
do mesmo sexo”. No § 1º desse artigo, que cuida das
averbações, fica autorizada a averbação da “sentença
que declarar a extinção da parceria civil registrada entre
pessoas do mesmo sexo”.
No art. 33, referido, inclui-se em seu inciso III
o livro E, para “registro de contratos de parceria civil
registrada entre pessoas do mesmo sexo”.
Finalmente, no art. 167, que menciona as atribuições
relativas ao Registro de Imóveis, fica acrescido o item 35
(deverá ser item 37, porque, atualmente, já existe o item 35,
que foi inserido pela Lei nº 9.514, de 20-11-97, bem como
o item 36, acrescentado pela Lei nº 9.785, de 29-1-99; o
item 35 atual refere-se ao registro da alienação fiduciária
em garantia de coisa imóvel e o item 36 cogita da imissão
provisória na posse do Poder Público ou de entidades
delegadas, para a execução de parcelamento popular em
favor das classes de menor renda), de seu inciso I, pelo
qual, além da matrícula, será feito o registro
“dos contratos de parceria civil registrada entre
pessoas do mesmo sexo que versem sobre comunicação
patrimonial, nos registros referentes a imóveis ou a direitos
reais pertencentes a qualquer das partes, inclusive os
adquiridos posteriormente à celebração do contrato”.
Acrescenta-se, ainda, no inciso II desse art. 167,
em seu item 14, a averbação, também, das sentenças de
extinção de parceria civil registrada entre pessoas do
mesmo sexo ao lado das “sentenças de separação judicial,
de divórcio, de nulidade ou anulação do casamento”,
sempre que, em qualquer delas, “nas respectivas partilhas
existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro”.
O art. 9º do Substitutivo (art. 10 do Projeto) institui,
como bem de família, o imóvel próprio e comum dos
contratantes de parceria civil registrada, tornando-o
impenhorável, nos moldes da Lei nº 8.009, de 29 de março
de 1990.
Álvaro Villaça Azevedo. Bem de família, com Comentários à Lei 8.009/90, Ed. Atlas, São Paulo, 6ª edição, 2010, p. 191.
16
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Essa Lei nº 8.009/90, que regulamenta o bem
de família, só considera como tal o “imóvel residencial
próprio do casal ou da entidade familiar”. Comentando
esse dispositivo legal, já ponderei20 que
“um dos requisitos a que se constitua, em bem de
família, esse mesmo imóvel é que deva ser de propriedade
do casal, ou da entidade familiar. (...) Todavia, nada impede
que esse imóvel seja de propriedade de um dos cônjuges,
se, por exemplo, não forem casados pelo regime de
comunhão de bens. O mesmo pode acontecer com um casal
de conviventes, na união estável, ou com os integrantes de
outra entidade familiar, sendo um só deles proprietário do
imóvel residencial, em que vivem. Basta, assim, que um dos
integrantes do lar seja proprietário do imóvel residencial, a
constituir-se em bem de família”.
Como resta evidente, tal dispositivo de prélegislação
desvirtuaria, à época, a lei analisada; pois na parceria civil
registrada não existia intuito de constituição de família,
não existindo lar, o que impediria a existência do bem de
família. Entretanto, se tal dispositivo vingasse, teríamos,
aí, uma exceção, em completa dissonância com a Lei nº
8.009/90. Sim, porque o bem de família só pode existir no
âmbito desta.
Atualmente, não haverá qualquer óbice, ante tal
dispositivo, pois o Supremo Tribunal Federal já reconheceu
a união homoafetiva como uma das formas de constituição
de família.
Ao seu turno, os arts. 10 e 11 do Substitutivo
simplificam os textos dos arts. 11 e 12 do Projeto.
Assim, o art. 10 inscreve o parceiro como
beneficiário do Regime Geral de Previdência Social, como
dependente de seu parceiro segurado, desde que esteja
registrado o contrato de parceria civil; extinto este, cancelase, automaticamente, essa inscrição de beneficiário.
Melhor o texto do Substitutivo, porque prescinde
da inclusão, nos §§ 3º e 2º, respectivamente, dos arts. 16
e 17 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, de matéria
relativa à parceria civil, com a da união estável; também no
tocante ao cancelamento dessas união e parceria, com o da
inscrição do cônjuge, na situação prevista no mencionado
§ 2º do art. 17 da citada lei.
Do mesmo modo, no art. 11 do Substitutivo (art.
12 do Projeto), desde que comprovada a parceria civil, o
parceiro será considerado beneficiário da pensão prevista
no inciso I do art. 217 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro
de 1990, que disciplina o regime jurídico dos servidores
públicos civis da União, das autarquias e das fundações
públicas federais.
O art. 12 do Substitutivo (art. 13 do Projeto) prevê
a necessidade de a Administração Pública, estadual,
municipal e do Distrito Federal disciplinar, por legislação
própria, os benefícios previdenciários de seus servidores
que tenham relacionamento de parceria civil registrada
com pessoa do mesmo sexo.
Por sua vez, o art. 13 do Substitutivo, como o art. 14
do Projeto, concede direitos sucessórios aos contratantes
de parceria civil registrada, nos moldes da Lei nº 8.971, de
28 de dezembro de 1994, relativa à união estável. Todavia,
o aludido art. 13 do Substitutivo adapta, em quatro incisos,
os casos de sucessão dos conviventes aos dos parceiros.
Assim, o parceiro sobrevivente, desde que não firme
novo contrato de parceria civil registrado, terá direito ao
usufruto da quarta parte dos bens de seu parceiro falecido,
se este tiver filhos; bem como ao usufruto da metade
desses bens se não houver filhos, ainda que sobrevivam
os ascendentes do mesmo falecido (incisos I e II).
Entretanto, se o parceiro falecido não deixar descendentes
e ascendentes, terá o sobrevivente direito à totalidade da
herança (inciso III). Ressalte-se, nesse ponto, que esses três
incisos são adaptações dos três primeiros incisos do art. 2º
da Lei nº 8.971, de 28 de dezembro de 1994, já citada.
Como acontecia, à época, presentemente, em
matéria de união estável, quanto ao aludido inciso III, se
editado esse, continuará a existir o absurdo de estarem
alijados da herança os colaterais do falecido, relativamente
aos bens adquiridos pelo parceiro, morto, antes de constituir
a parceria civil registrada e os adquiridos, a título gratuito,
durante a união.
O inciso IV desse art. 13 do Substitutivo, sob exame,
é a adaptação do art. 3º da mencionada Lei nº 8.971/94
(relativa à união estável). Por ele, se os bens deixados
pelo parceiro falecido tiverem resultado de atividade com
a colaboração comum do sobrevivente, terá este direito
à metade desse patrimônio. Nesse passo, está presente a
regra de condomínio na aquisição de bens comuns, sem
menção de cota condominial; pois, se essa for estipulada
em contrato escrito ou no documento, mesmo, de aquisição,
deverá ser respeitada.
O art. 14 do Substitutivo, tratando da matéria
cogitada no art. 15 do Projeto, modifica a situação, nesse
prevista, para pior. Realmente, pois esse art. 14 procura
incluir novo inciso, no art. 454 do Código Civil, que
trata, exclusivamente de curatela de cônjuge interdito,
não separado judicialmente; nesse caso, o curador será
o outro cônjuge. Na falta deste, os três parágrafos, que
seguem, escalonam os pais do interdito; na falta desses,
o descendente maior, mais próximo, precedendo ao mais
remoto; na falta dessas pessoas, o curador escolhido pelo
juiz.
Resta evidente que, não sendo a parceria civil
registrada considerada casamento entre o mesmo sexo,
não há como misturar seu tratamento legislativo com
matéria matrimonial. Por isso que, relativamente a essa
modificação, melhor seria que permanecesse indene o art.
15 do Projeto Marta Suplicy, que assentava que, em caso de
“perda da capacidade civil” de qualquer um dos parceiros,
teria o outro a “preferência para exercer a curatela”.
O art. 15 do Substitutivo refere-se ao conteúdo do
art. 16 do Projeto, objetivando nova redação ao art. 113
da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, que cuida da
situação jurídica do estrangeiro no Brasil. Nesse artigo
da apontada lei, no capítulo que trata das condições
17
da naturalização, menciona-se que o prazo mínimo de
residência, para concessão da naturalização, ou seja,
quatro anos imediatamente anteriores a esse pedido,
fixado no art. 112, III, pode ser reduzido, se o parceiro
estrangeiro tiver contrato de parceria civil registrada com
pessoa de nacionalidade brasileira. A posição do Projeto é
a de incluir a matéria no inciso I do referido art. 113 (“ter
filho ou cônjuge brasileiro” e “companheira de união civil
entre pessoas do mesmo sexo, brasileiro ou brasileira”.
Essa redação, além de não ser boa, implica, mais uma
vez, a mistura de matéria matrimonial com parceria civil
registrada, que não é casamento. Melhor, portanto, a
posição do Substitutivo, que acrescenta o inciso VI, nesse
art. 113, do seguinte teor: “ter contrato de parceria civil
registrada com pessoa de nacionalidade brasileira”).
O Substitutivo incluiu dois artigos, 16 e 17, estes,
sim, de grande utilidade e alcance social.
O art. 16 reconhece aos parceiros o “direito de
composição de rendas para aquisição de casa própria”, bem
como todos os direitos relacionados com “planos de saúde
e seguro de grupo”.
Como resta evidente, os parceiros podem somar
suas economias, para possibilitar, esse somatório, a
aquisição de sua moradia, que ficará garantida, como visto,
como bem de família, caso essa exceção exista na futura
lei. Também, o plano de saúde e de seguro de grupo, feito
por um, beneficiará o outro.
Finalmente, o art. 17 do Substitutivo admite aos
parceiros a inscrição, um do outro, como dependentes para
efeitos de legislação tributária, já que vivem em sociedade
de fato, com ganhos e gastos comuns. Aplicam-se, assim, a
eles as deduções tributárias.
Os dois últimos artigos do Substitutivo, 18 e 19
(arts. 17 e 18 do Projeto), cuidam, respectivamente, do
início de vigência, na data em que for publicada a lei, e da
revogação de disposições em contrário.
Todos esses direitos, previstos nesses Projeto e
Substitutivo, estão atualmente admitidos por julgados
de nossos Tribunais ou na esfera Administrativa, com o
selo de reconhecimento da decisão do Supremo Tribunal
Federal, a final, comentada.
5. Situação atual no Brasil
Importante notar, inicialmente, que a Instrução
Normativa do INSS/DC nº 25, de 7 de junho de 2000,
estabelece, por força de decisão judicial, procedimentos
a serem adotados para a concessão de benefícios
previdenciários ao companheiro ou companheira
homossexual21.
Desse modo, por essa Instrução, a pensão por morte
e o auxílio reclusão podem ser requeridos por companheiro
ou companheira homossexual, com fundamento nas rotinas
disciplinadas no Capítulo XII da Instrução Normativa
INSS/DC nº 20, de 18 de maio de 2000 (art. 2º).
A comprovação da “união estável e dependência
econômica” deverá ser feita mediante os seguintes
documentos:
“I – declaração de Imposto de Renda do segurado,
em que conste o interessado como seu dependente; II
– disposições testamentárias; III – declaração especial
feita perante tabelião (escritura pública declaratória de
dependência econômica); IV – prova do mesmo domicílio;
V – prova de encargos domésticos evidentes e existência
de sociedade ou comunhão nos atos da vida civil; VI –
procuração ou fiança reciprocamente outorgada; VII –
conta bancária conjunta; VIII – registro em associação
de classe, onde conste o interessado como dependente do
segurado; IX – anotação constante de ficha ou livro de
registro de empregados; X – apólice de seguro da qual
conste o segurado como instituidor do seguro e a pessoa
interessada como sua beneficiária; XI – ficha de tratamento
em instituição de assistência médica da qual conste o
segurado como responsável; XII – escritura de compra e
venda de imóvel pelo segurado em nome do dependente;
XIII – quaisquer outros documentos que possam levar à
convicção do fato a comprovar” (art. 3º).
E completa o art. 4º:
“Para a referida comprovação, os documentos
enumerados nos incisos I, II, III e IX do artigo anterior,
constituem, por si só, prova bastante e suficiente, devendo
os demais ser considerados em conjunto de no mínimo três,
corroborados, quando necessário, mediante Justificação
Administrativa – JA.”
Resta evidente que a enumeração do art. 3º não é
taxativa, sendo também clara a importância aos documentos
referidos nos incisos I, II, III e IX desse mesmo artigo. As
outras provas ali mencionadas são muito fracas, ainda que
em grupo de três, como a prova do mesmo domicílio, da
procuração ou fiança reciprocamente outorgada ou conta
bancária conjunta (dois estudantes de uma república podem
apresentar dita documentação, sem serem homossexuais).
O que se deve ter em conta é a convivência e a dependência
econômica.
Estudando a situação atual da matéria relativamente
à união homoafetiva no Brasil, Flávio Tartuce e José
Fernando Simão22 mostram a existência de duas correntes.
Pela primeira, a união homossexual não constitui
entidade familiar, configurando uma sociedade de fato,
aplicando-se a ela o Direito das Obrigações, para a solução
dos seus problemas. O parceiro é sócio devendo aplicar-se
21
Publicada no DOU nº 110-E, de 8-6-2000, p. 4 (em que se cogitava só de pensão por morte), e republicada no DOU nº 111-E, de 9-6-2000, p. 88 (em que se inclui, também, auxílio reclusão),
fundamentada na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0.
22
Direito Civil, Direito de Família 5, Ed. Gen e Ed. Método, São Paulo, 5ª ed., 2010, pp. 308 a 310.
23
Direito Civil, op. cit., 6ª edição, 2011, p. 320.
24
STJ, REsp 502.995-RN, 4ª Turma, rel. Min Fernando Gonçalves, j. em 26.04.2005; REVJUR vol. 332; STJ, REsp 148.897-MG, RSTJ 110/313, RT756/117, Lex STJ, vol. 108, agosto 1998/235, in
RJTAMG; STJ, REsp 773.136 – RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª turma, j. em 10.10.2006, DJ de 13.11.2006, p. 259 (esforço comum); TJMG, processo 1.0024.04.537121-8/002, 12ª Câm. Cív., rel. Des.
Domingos Coelho, j. em 24.05.2006; TJ GO, CNC 994-3 /194 (200701327426) – Goiânia, 2ª Seção Cív., rel. Des. Carlos Escher, DJE de 29.10.2007; casos citados por Tartuce e Simão, 5ª edição, ob.
cit., 2010, pp. 307 e 308.
18
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
quanto ao prisma patrimonial a regra do esforço comum,
com aplicação da Súmula 380 do Supremo Tribunal
Federal.
Os parceiros, nessa situação, não podem adotar,
a não ser individualmente, não podendo se valer, um do
outro, de seguro saúde e de alimentos.
Só haveria afeto e não um núcleo familiar.
Citavam esses autores, como integrantes dessa
primeira corrente, Maria Helena Diniz, Sílvio de Salvo
Venosa, Inácio de Carvalho Neto e Álvaro Villaça
Azevedo. Os mesmos autores, já em 201123, ressalvam que
Álvaro Villaça Azevedo, filiado a essa primeira corrente,
“conforme apontado em palestras e exposições, o Mestre
das Arcadas mudou de posição, filiando –se agora à
segunda corrente”
Ressalte-se, nesse ponto, o posicionamento
jurisprudencial quanto a esse primeiro entendimento, em
inúmeros casos24.
Destaquem-se, mais, julgados que admitem partilha
de bens entre companheiros homossexuais, desde que
comprovado o esforço comum na aquisição patrimonial25.
Concedeu-se, ainda, a condição de herdeiro
ao companheiro sobrevivo, na ausência de herdeiros
sucessíveis, sendo nomeado inventariante26.
Por outro lado, fundado em precedentes
jurisprudenciais, o Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul aplicou, por analogia, à união homoafetiva os
princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana
e da igualdade e os do Código Civil atinentes à união
estável27.
Decisão que merece destaque, do Tribunal de
Justiça de São Paulo28, fundada em precedente do STJ29,
assentou que o Tribunal de Justiça reconhecendo “um
relacionamento levado a sério por mulheres resolvidas”,
“impede que o falso moralismo bloqueie práticas
afirmativas de inclusão dos parceiros ao regime dos
benefícios das relações heterossexuais, como os proventos
de aposentadoria”.
Esclareço, de minha parte, que tenho entendido
possível, ante a prova da parceria homoafetiva, poderem
os parceiros usufruir, um do outro, dos benefícios
previdenciários: seguro saúde e pensão junto ao INSS post
mortem .
Sempre tenho dito a meus clientes homossexuais
para lançarem-se como companheiros na carteira de
trabalho, declaração que tem fé pública, até prova em
contrário, para fazerem jus aos mencionados benefícios
previdenciários.
Aconselho-os, também, a fazerem contratos escritos
e/ou testamentos, para regularem o regime condominial de
seu patrimônio.
Lembre-se, ainda, de Jurisprudência que não admite
que o parceiro figure como dependente em plano de saúde30
ou possa pleitear alimentos31.
Também não se admitiu habilitação de herdeiro e
meeiro em inventário de companheiro homossexual, sendo
o direito sucessório restrito a união de homem e mulher32.
Pela segunda corrente mencionada, a união
homoafetiva é entidade familiar, devendo-se aplicar, por
analogia, a ela, as regras da união estável, considerandose a proteção que se deve à pessoa, em face do princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana.
Defende esse entendimento Maria Berenice Dias,
que considera meramente exemplificativa a enumeração
dos parágrafos do artigo 226 da Constituição Federal de
1988.
Em abono a essa segunda corrente, decidiu o
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, sendo relatora a
Des. Maria Berenice Dias33, entendendo que a ausência de
lei específica sobre o tema não implica ausência de direito.
Destaque-se que a corregedoria geral da justiça do
Rio Grande do Sul, considerando o parecer 006/2004 do
Conselho da Magistratura, promoveu a inclusão de um
parágrafo único no art. 215 da CNNR-CGJ (Consolidação
Normativa Notarial Registral), para possibilitar aos que
vivem em comunhão afetiva o registro de documentos que
digam respeito a tal relação. A Medida foi publicada no
Diário da Justiça de 3 de março de 2004.
De registrar-se, nesse passo, que o Tribunal Superior
RT 849/379.
TJSP, AI 6.337.424.100-SP, 4ª Câm. de Dir.Priv., rel. Des. Teixeira Leite, j. em 25.06.2009.
Apel. cív. 70.005.488.812, rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j. em 25.06.2003, in RBD Fam 31/92.
28
Apel. cív. 478.576-4/4, rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani, j. em 01.02.2007; em sentido contrário TJSP, Apel. cív. 994.093.422.625 – Americana, 7ª Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Luiz Antônio Costa, j.
em 16.12.2009; TJRS, Apel. cív. 70.026.584.698, 7ª Câm. Cív., rel. Des. José Conrado de Souza Júnior, pub. no DO de 05.06.2009, in RBDFS10/167, in Milton Paulo de Carvalho Filho, Código Civil,
cit., p. 1.984.
29
STJ, REsp 395.904-RS, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. em 13.12.2005, publ. no Dj de 06.02.2006.
30
TJRJ, Apel. cív. 2005.001.44730, rel. Des. Jessé Torres, 2ª Câm. Cív., j. em 23.11.2005, in Tartuce e Simão ob. cit., 5ª ed. p. 304.
31
TJRJ, Apel. cív. 2007.001.04634, rel. Des. Marcos Alcino A. Torres. 16ª Câm. Cív., j. em 24.04.2007, in Tartuce e Simão ob. cit. 5ª ed. pp. 304 e 305.
32
RT 812/220 (Ag In 266.853.4/8, TJSP, 4ª Câm, rel. Des. Rebello Pinho, j. em 28.11.2002, v.u.; no mesmo sentido TJRJ, Apel. 10.704/2000, 3ª Câm, rel. Des. Antonio Eduardo F. Duarte, DORJ de
03.05.2001, j. em 07.11.2000.
33
Apel. cív. 70009550070, 7ª Câm. Cív., j. em 17.11.2004, in Boletim IBDFAM nov./dez./2008, Jurisprudência e Nota, p. 11, com voto vencido do Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves.
34
Eleições 2004, http://noticias .terra.com.br/eleições2004/interna/0, OI394809-EI 2542,00. html, de 01.10.2004. Art.14, “7º- São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes
consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos
seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição”.
35
TJRS, Apel. cív. 70012836755, 7ª Câm. Cív., rel. Des. Maria Berenice Dias, j. em 21.12.2005; TJRS, Emb. Infr. 70006984348, 4º Grupo de Câm. Cív., rel. Des. Maria Berenice, j. em 14.11.2003; TJRS,
Apel. cív. 70005345418, 7ª Câm. Cív., rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j. em 17.12.2003; in Tartuce e Simão, o.c., p. 306, 5ª edição.
36
TJMG, ACi com ReeNec 1.0024.06.930324-6/001-Belo Horizonte, 7ª Câm. Cív., rel. Des. Heloisa Combat, j. em 22.05.2007, v.u.; TJRJ, Apel. cív. 2005.001.34933, 8ª Câm. Cív., rel. Des. Letícia
Sardas, j. em 21.03.2006; in Tartuce e Simão, o. c., pp. 306 e 307, 5ª edição.
37
TJSP, CC 170.046.0/6, Ac. 3571525-SP, Câm. Especial, rel. Des. Maria Olívia Alves, j. em 16.03.2009, DJESP de 30.06.2009.
38
REsp 820.475-RJ, 4ª Turma, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, sendo rel. para o acórdão o Min. Luis Felipe Salomão, j. em 02.09.2008; no mesmo sentido TJRS, Apel. cív. 70.023.812.423, 8ª Câm.
Cív., rel. Des. Rui Portanova, j. em 02.10.2008.
39
STJ, Ag . Reg. no Ag. 971.466-SP, 3ª Turma, rel. Min. Ari Pargendler, j. em 02.09.2008.
25
26
27
19
Eleitoral, por seu pleno, reconheceu o relacionamento
homossexual de candidata à Prefeitura da cidade de Viseu,
no estado do Pará, com a atual prefeita dessa localidade,
para declará-la inelegível em face do art. 14 da Constituição
Federal de 1988, cassando o registro dessa candidata34.
Principalmente o Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul vem admitindo a união homoafetiva com os mesmos
elementos da união estável, constituindo uma célula
familiar, para ser reconhecida35. Havendo outros Tribunais
que, também, admitem essa união, como o de Minas Gerais
e do Rio de Janeiro36, com aplicação analógica das regras da
união estável e sob fundamento do princípio constitucional
da dignidade da pessoa humana.
Sob os mesmos fundamentos, julgou o Tribunal de
Justiça de São Paulo, reconhecendo a união homoafetiva,
para fins previdenciários37 .
Caso muito importante e citado é o do Superior
Tribunal de Justiça38 que admite que a lei ao possibilitar a
união estável entre homem e mulher, não proibiu a união
entre dois homens ou duas mulheres, desde que tenha os
mesmos requisitos daquela união.
A união homoafetiva, gerando direitos analógicos
à união estável permite seja incluído o companheiro
dependente em plano de assistência médica do outro39,
devendo haver partilha de bens adquiridos pelos parceiros,
com direito recíproco a alimentos, sendo o feito julgado em
varas de família40.
Registre-se, ainda, a proposição do Governador do
Estado do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2008, junto ao
Supremo Tribunal Federal, de uma Ação de Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 132RJ)41, no sentido de aplicar-se às uniões homoafetivas o
regime das uniões estáveis. Nesse pedido, alegou-se a
violação de preceitos fundamentais constitucionais, como
o direito à igualdade (art. 5º, caput), o direito à liberdade,
do qual resulta a autonomia da vontade (art. 5º, inciso
II), o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º,
inciso III) e o princípio da segurança jurídica (art. 5º,
caput). Em seu pedido o Governador relata as dificuldades
do Estado na concessão administrativa a homossexuais
de licenças em razão de doenças de pessoa da família e
de auxílio doença e assistência médico hospitalar, entre
outros posicionamentos. Tudo com parecer favorável da
Advocacia geral da União, para anulação das decisões do
TJRJ, à época de lavra de José Antonio Dias Tofolli, hoje
Ministro do Supremo Tribunal. Em 2009, a Procuradoria
Geral da República ajuizou outra ADPF (178-DF)42, com o
mesmo objetivo, convertida na ADI 4.277-DF, que foram
julgadas procedentes recentemente pelo Supremo Tribunal
Federal e que são adiante analisadas.
Restava, então, evidente a tendência de nossos
Tribunais à consideração da união homoafetiva como
instituto do Direito de Família, admitindo-se por analogia
o preceituado nos arts. 1.725 e 1.790 do Código Civil, com
a admissão em tese do regime patrimonial da comunhão
parcial de bens, salvo contrato escrito, e do recebimento
de herança pelo companheiro supérstite, quanto aos bens
adquiridos onerosamente durante a união.
Daí a possibilidade de adoção pelo casal
homossexual, como admitido pelo Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul por decisão pioneira de 05 de abril de
200643.
Em 02 de setembro de 2008, admitiu o Superior
Tribunal de Justiça a possibilidade jurídica do pedido de
reconhecimento de união homoafetiva.
A Quarta Turma desse Tribunal determinou que
a Justiça Fluminense retomasse o julgamento de ação
requerida por homossexuais, que tinha sido julgada sem
análise do mérito. O julgamento foi de 3 votos a 2, com
o voto de desempate do Ministro Luís Felipe Salomão.
Os Ministros Pádua Ribeiro (relator) e Massami Uyeda
votaram a favor do pedido, que fora também negado
pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e os Ministros
Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Júnior que
entenderam que a Constituição Federal só permite união
estável entre homem e mulher como entidade familiar44,
conforme noticiado.
Essa citada notícia destaca, ainda, que o direito
patrimonial de casais do mesmo sexo não é novidade
no STJ, mencionando-se jurisprudência sobre várias
situações: direito do parceiro receber metade do patrimônio
obtido pelo esforço comum45; direito de receber pensão
previdenciária por morte do companheiro falecido46;
colocação de dependente em plano de saúde47.
Havia toda uma tendência de nossos Tribunais, a
considerar a união homoafetiva no âmbito do Direito de
Família, com os benefícios de união estável.
Ressalte-se, atualmente, no âmbito da segunda
corrente analisada, o projeto de lei apresentado pelo
Deputado Sérgio Barradas Carneiro, elaborado pelo
IBDFAM, conhecido como Estatuto das Famílias (Proj. de
lei 2.285, de 2007).
Esse projeto mostra uma tentativa válida de criar o
Estatuto próprio do Direito de Família, destacando-o dos
livros, que compõem o Código Civil.
Todavia, no que se refere à matéria relativa às
TJRS, Apel. cív. 70.021.908.587, 7ª Câm. cív., rel. Des. Ricardo Raupp Ruschel, j. em 05.12.2007.
In Flávio Tartuce e José Fernando Simão, ob. cit., p. 309, 5ª edição.
Idem
43
Apel. cív. 70013801592 – Bagé, 7ª Câm. Cív., r. o Des. Luiz Felipe Brasil Santos, com a participação dos Desembargadores Maria Berenice Dias (Presidente) e Ricardo Raupp Ruschel.
44
Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?noticias&noticia=2636, em 04.09.2008.
45
STJ, REsp 148897, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, de 1998.
46
STJ, REsp 395904, 6ª Turma, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa j. em 13.12.2005; ver, ainda, decisão do STF, deferindo direitos previdenciários ao parceiro homossexual, Origem Pet 1984-RS, rel.
Min. Marco Aurélio, publ. no DJ de 20.02.2003, j. em 10.02.2003; recentemente o STJ estendeu esses direitos previdenciários à previdência privada, REsp 1.026.981-RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j.
em 04.02.2010.
47
STJ, REsp 773136, rel. Min. Humberto Gomes de Barros.
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41
42
20
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
uniões homossexuais, foi ela vetada em todo projeto, pois
considerada não integrante do Direito de Família. Tudo
para que o projeto fosse aprovado.
O art. 68 desse projeto reconhece a união
homoafetiva entre duas pessoas do mesmo sexo, que
mantenham convivência pública, continua, duradoura e
com o objetivo de constituição de família, como entidade
familiar, aplicando-se, no que couber, as regras relativas à
união estável, incluindo-se a guarda e convivência com os
filhos, adoção de filhos, direito previdenciário e o direito à
herança.
Nota-se, assim, a tendência negativa do Poder
Legislativo, que reluta em não admitir a entidade familiar
composta de convivência de pessoas do mesmo sexo.
Essa resistência vem sendo sentida, principalmente
a partir do projeto de lei apresentado pela então Deputada
Marta Suplicy (PL 1.151, de 1995), atrás analisado.
Desse modo, já pelas decisões mencionadas do Poder
Judiciário, a respeito desse relacionamento homoafetivo,
percebe-se que esse Poder Judiciário passou além do Poder
Legislativo, admitindo, amplamente, a consideração dessa
união familiar entre o mesmo sexo.
Os ministros do Supremo Tribunal Federal vinham
mostrando entendimento a favor do reconhecimento dessa
união homoafetiva, com todos os direitos que dela decorrem
como o relativo à adoção de crianças e à concessão de
pensionamento, conforme noticiado48.
Ressalta essa notícia, ainda, que há falta de sintonia
nas decisões dos tribunais estaduais e de juízes dos 26
Estados e do Distrito Federal, apresentando divergências
sobre o tema. Daí a possibilidade de unificação do assunto
mediante súmula editada por essa Suprema Corte.
Tenha-se presente, também, que a Procuradoria
Geral da Fazenda Nacional (PGFN) deu parecer favorável
à consulta de uma servidora pública, solicitando a inclusão
de sua companheira como dependente para efeito de
dedução do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF).
Esse parecer foi aprovado pelo Ministro da Fazenda, Guido
Mantega, tendo força normativa por toda a administração
federal. Desse modo, a partir do dia 2 de agosto de 2010,
o (a) contribuinte que tiver relação estável homossexual
de mais de cinco anos poderá incluir seu parceiro ou sua
parceira como dependente na declaração do Imposto sobre
a Renda da Pessoa Física, podendo fazer as retificações nas
declarações apresentadas nos últimos cinco anos (desde
2006)49.
Como visto, até este ponto, foram ressaltados
importantes julgamentos a favor do reconhecimento da
união entre homossexuais como entidade familiar.
Já, então, dizia eu50, não havia como fugir-se à
realidade.
6. Posição atual do Supremo Tribunal Federal
Em 05 de maio de 2011, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal, em ocasião histórica, julgou duas
ações diretas de inconstitucionalidade (Arguição de
descumprimento de preceito fundamental – ADPF nº 132 –
RJ e outra conexa – ADI nº 4.277), relativas à apreciação
de uniões homoafetivas, em que se discutiu a interpretação
legitimadora do art. 1.723 do Código Civil, em face da
Constituição Federal, permitindo a declaração de sua
incidência também sobre a união de pessoas do mesmo
sexo, com convivência pública, continua e duradoura, com
o intuito de constituição de família. Ações já anteriormente
mencionadas, respectivamente ajuizadas pela Procuradoria
Geral da República e pelo Governador do Rio de Janeiro,
Sérgio Cabral.
O julgamento foi pela procedência das ações,
admitindo a união de pessoas do mesmo sexo como
entidade familiar, nos termos do acórdão, que está para ser
publicado.
Por essa procedência votaram a favor dez Ministros:
o Relator Carlos Ayres Britto, Ricardo Lewandowski,
Carmen Lúcia, Marco Aurélio, Celso de Mello, Luiz Fux,
Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Cezar
Peluso; isso porque o Ministro José Antonio Dias Toffoli
não votou em razão de impedimento, por ter dado parecer
favorável à anulação das decisões do TJRJ, à época, pela
Advocacia Geral da União.
Embora não tendo sido disponibilizados todos os
votos, o que pude observar é que eles reconhecem a união
homoafetiva como entidade familiar, vendo o art. 226 da
Constituição Federal não em numerus clausus, mas com
texto dispositivo (não taxativo), admitindo direitos à pensão
alimentícia e previdência, à herança de bens adquiridos em
comum e à adoção conjunta.
Aplicam-se à união homoafetiva como entidade
familiar “as regras do instituto que lhe é mais próximo,
qual seja, a união estável heterossexual, mas apenas nos
aspectos em que são assemelhados, descartando-se aqueles
que são próprios da relação entre pessoas de sexo distinto,
segundo a vetusta máxima ubi eadem ratio ibi idem jus,
que fundamenta o emprego da analogia no âmbito jurídico”
(voto do Ministro Ricardo Lewandowski).
O Ministro relator Carlos Ayres Britto fundamentou
seu voto no art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal, que
proíbe toda discriminação em virtude de sexo, raça, cor,
idade, ou por quaisquer outras formas.
O Ministro da Defesa, Nelson Jobim, informou, no
dia 6 de maio, seguinte a esse julgamento, que os direitos
dos militares que convivem em parceria do mesmo sexo,
serão garantidos pelas Forças Armadas, como no caso de
pensão em caso de morte.51
Notícia de O Estado de São Paulo, por Mariangela Gallucci, na edição de 22 de agosto de 2009 (sábado), A28, no item Vida & Sociedade.
Notícia por Adriana Fernandes, da Agência de O Estado de São Paulo, Economia & Negócios, http://economia.estadao.com.br/noticias/not_29873.htm, em 3 de agosto de 2010.
Álvaro Villaça Azevedo, Estatuto da Família de Fato, Ed. Atlas, São Paulo, 3ª edição, 2011, p. 455.
51
Conforme Boletim IBDFAM, maio/junho de 2011, p. 6.
48
49
50
21
7. Minha atual posição
Com todas as decisões que se originaram de
nossos Tribunais a culminar com o julgamento recente
de nosso Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a
união homoafetiva como entidade de direito de família
equiparando-a em certas regras, analogicamente, com a
união estável, admitiu-se uma realidade social brasileira
e mundial, que vem acontecendo e da qual não podemos
fugir.
Assim, também o meu enfoque sobre a matéria
sofreu alguma alteração, que merece ser, nessa feita,
esclarecido.
A proteção que sempre dediquei à união homoafetiva
como sociedade de fato sofre uma transformação a
considerá-la atualmente como união de caráter familiar.
Assim aconteceu, também, porque o posicionamento social
mudou, colocando em ostentação a convivência de pessoas
do mesmo sexo que existia em verdadeiro anominato.
Não pode o jurista fugir à realidade.
O mero comportamento homossexual que sempre
existiu na humanidade, mostra-se, atualmente, como
núcleos familiares, que merecem o respeito da sociedade,
que, em principio, mostra-se hostil a essa convivência,
como em outras situações mostrou-se no passado.
Assim aconteceu, com o repúdio à ideia do divórcio
e com a convivência concubinária pura (não incestuosa e
não adulterina), em que viviam pessoas desquitadas aos
olhos críticos da sociedade, principalmente as mulheres que
sofriam discriminações sociais pela sua condição de serem
desquitadas e mal vistas como de mal comportamento.
Restos de um machismo que agoniza atualmente,
depois do reconhecimento paulatino dos direitos da mulher,
principalmente a partir da Lei nº 4.121, de 27 de agosto de
1962, conhecida como Estatuto da Mulher Casada.
No tocante ao concubinato puro, muito lutei pela
sua defesa, que culminou com a publicação de minha tese
intitulada do Concubinato ao Casamento de Fato, publicada
um ano e meio antes da Constituição Federal de 1988.
Com esforço meu muito grande junto ao Relator da
Constituinte, então Senador Bernardo Cabral, foi incluído
o concubinato puro (como era por mim chamado) no texto
da mesma Constituição, no § 3º de seu art. 226, com o
nome de união estável.
O anteprojeto de lei que elaborei na aludida tese
foi utilizado como Projeto de Lei, nº 1.888 de 1991, pela
Deputada Beth Azize, com o apoio constante do grupo
CFEMEA, de Brasília, e que se transformou na Lei nº
9.278, de 10 de maio de 1996.
52
Depois, a matéria foi incorporada ao Código Civil,
tendo a união estável recebido o respeito e a aprovação de
nossa sociedade, que reprovara, antes, a união concubinária
pura.
Atualmente, a grande defesa da união homoafetiva é
sua equiparação à união estável, que acolhe especificamente
a convivência heterossexual.
A consideração atual de que as regras da união
estável devem ser aplicadas analogicamente à união
homoafetiva foi o entendimento do Supremo Tribunal
Federal ao interpretar o art. 1.723 do Código Civil, diante
dos casos concretos que foram apresentados à decisão.
Todavia, além dessa interpretação da Corte
Suprema, é melhor encarar a união homoafetiva como um
instituto jurídico autônomo dentro do contexto enunciativo
do art. 226 da Constituição Federal, já que esse Tribunal
Supremo considerou essa convivência como entidade de
Direito de Família.
Bem apreendeu esse espírito o Ministro Ricardo
Lewandowski quando referiu em seu cuidadoso e profundo
voto, meu entendimento52: “Nesse sentido, aliás, observa o
Professor Álvaro Villaça Azevedo que: “(...) a Constituição
de 1988, mencionando em seu caput que a família é a ‘base
da sociedade’, tendo ‘especial proteção do Estado’, nada
mais necessitava o art. 226 de dizer no tocante à formação
familiar, podendo o legislador constituinte ter deixado de
discriminar as formas de constituição da família. Sim
porque ao legislador, ainda que constituinte, não cabe dizer
ao povo como deve ele constituir sua família. O importante
é proteger todas as formas de constituição familiar, sem
dizer o que é melhor”.
Desse modo, enquanto não for a matéria objeto da
legislação própria, a união homoafetiva irá recebendo a
proteção como se fosse união estável, com os beneplácitos
dos arts. 1.723 a 1.725.
Não poderão, entretanto, os companheiros
homoafetivos converter sua união em casamento, nos
moldes do art. 1.726 do Código Civil, a não ser que seja
entendida a posição do Supremo Tribunal Federal, como
equiparação total das duas uniões. Ai, então, o Supremo
Tribunal Federal estará autorizando essa conversão,
criando assim, o casamento homoafetivo por conversão,
suprindo a legislação competente pelo Poder Legislativo.
Muitos juízes vem, atualmente, sob interpretação
desse julgado pelo Supremo Tribunal Federal, admitindo
a conversão de uniões homoafetivas em casaemtno, com
aplicação analógica do art. 1.726 do Código Civil, como
uma decisão em São Paulo e outra em Brasília.
Álvaro Villaça Azevedo, Estatuto da Família de Fato cit., p. 240.
22
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Se, de futuro, o Poder Legislativo for levado a
admitir no Brasil o casamento entre pessoas do mesmo
sexo, aí minha sugestão é de que se siga o exemplo
português, alternando-se os textos do Código Civil na
parte relativa ao casamento civil, acrescentando-se ao
lado da palavra “cônjuge” o vocábulo “companheiro”; ao
lado da locução “homem e mulher” a expressão “cônjuges
e companheiros”, esta última palavra também após a
expressão “marido e mulher”.
Como exemplo, o art. 1.511, ficaria assim redigido:
“O casamento ‘Civil’ estabelece comunhão plena de vida,
com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges
‘e dos companheiros’”; o art. 1.514, seria redigido: “O
casamento civil realiza-se no momento em que ‘duas
pessoas’ manifestam, perante o juiz, a sua vontade
de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz ‘as’ declara
‘casadas’”; o art. 1.517, teria o seguinte texto: “As pessoas
com 16 (dezesseis) anos podem casar-se exigindo-se
autorização de ambos os pais ou de seus representantes
legais, enquanto não atingida a maioridade civil”; e assim
por diante.
Isso, se não preferir o legislador admitir no novo
Estatuto das Famílias, o restabelecimento de seu art. 68
(que foi retirado do projeto de lei nº 2.285, de 2007, criado
pelo IBDFAM, e apresentado pelo Dep. Sérgio Barradas
Carneiro (PT/BA).
Eis a íntegra do art. 68 desse Estatuto: “É
reconhecida como entidade familiar a união entre duas
pessoas do mesmo sexo, que mantenham convivência
pública, contínua, duradoura, com o objetivo de
constituição de família, aplicando-se, no que couber, as
regras concernentes à união estável. Parágrafo único.
Entre os direitos assegurados, incluem-se: I – guarda e
convivência com os filhos; II - a adoção de filhos; III –
direito previdenciário; IV – direito à herança”.
Como o Direito de Família é dinâmico e muda
rapidamente com o progresso e com o comportamento da
sociedade, é viável que ele se destaque do Código Civil,
para ser continuamente adaptado segundo as necessidades
sociais. Um Estatuto, fora do Código Civil, este com
normas mais duradouras, como o Estatuto da Criança e do
Adolescente, o Estatuto da disposição do próprio corpo, o
Estatuto do Idoso, o Estatuto do Consumo etc.
of gay marriage in the foreign law, the central question of
this study was well placed: many countries now recognize
marriage between same sex. After carefully analyzing the
evolution of matter in society and the Brazilian legislation,
the author recognizes the dynamics of family law and the
possibility it become established outside of the Civil Code,
in the Statute of Families.
Key words: Union of same sex. Gay marriage. Marriage.
Abstract: The work begins with the presentation of the gay
marriage concept and a compelling analysis of placements
made ​by Platão about the search that man has always done
its corresponding other half, thus eventually resulting in
homosexual practices. According to the author, has not
made ​reference to marriage between persons of the same
sex, in order to raise a family. But when he open the issue
23
Comportamentos de fazer e de não fazer na prestação alimentícia
RUI CARVALHO PIVA
Doutor em Direito. Coordenador de Pesquisa da Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP.
Editor da Revista FAAP JURIS. Professor de Direito Civil dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de
Direito da FAAP em São Paulo e São José dos Campos. Professor de Direito Ambiental do Curso de Pós-Graduação em
Direito do Agronegócio da FAAP em Ribeirão Preto.
Resumo: O presente artigo tem o objetivo de destacar a importância dos comportamentos de fazer e de não fazer no
cumprimento da prestação alimentícia, como complemento do cumprimento dessa obrigação por meio de prestação
pecuniária. Para justificar a proposta aqui apresentada, foram analisados os seguintes aspectos: o simbolismo contido
na palavra alimento, a expressão familiar e o afeto contidos na prestação alimentícia, a Psicologia, o Direito e o
comportamento das pessoas, o pensar, o sentir e o agir humanos, o direito subjetivo e o agir do ser humano, o afeto
envolvido no comportamento familiar da prestação alimentícia, localização e compreensão do instituto jurídico dos
alimentos no Código Civil Brasileiro e modalidades das obrigações e a prestação alimentícia.
Palavras-chaves: Família. Obrigação. Pensão alimentícia. Afeto. Comportamento humano.
1. O simbolismo contido na palavra alimento
No seu mais tradicional significado gramatical,
alimento é toda substância que, ingerida por um ser vivo,
lhe dá sustento e nutrição, possibilitando-lhe a vida.
Ao ser utilizada no plural, além de indicar uma flexão
de número, a palavra alimentos ganhou um significado
simbólico, ou seja, recursos considerados indispensáveis
ao sustento de quem, estando impossibilitado de os prover,
deles necessitar para suprir a obtenção de alimentação,
habitação, vestuário, assistência médica e educação, dentre
outras necessidades. Referidos recursos são devidos por
pessoas mencionadas na lei e ligadas por laços familiares a
quem estiver impossibilitado de provê-los.
Qual o motivo deste significado simbólico? O que
teria levado as pessoas a utilizar a palavra alimentos, ou
seja, aquilo que se come para poder viver, com o significado
ampliado de comida, estudos, lugar para morar, roupas
para vestir e assim por diante?
Respostas a estas perguntas, a partir de uma
verificação moral e ética das relações entre as pessoas
na sociedade, podem permitir interpretações das palavras
contidas nas previsões legais sobre alimentos e dos fatos
que concretizam estas previsões as mais próximas possíveis
dos desejos desta sociedade contidos, mas não expressos
na lei.
A necessidade de “um prato de comida” como
pressuposto de vida e a solidariedade humana contida na
atitude espontânea de tantas pessoas no sentido de não
deixar “faltar um prato de comida” a quem dele necessitar,
24
repercutem duas percepções humanas transportadas para as
leis: o direito à vida e o direito ao bem estar advindo da
prática da solidariedade.
É por este motivo que, em determinado momento
das relações sociais, bastava para as pessoas que o direito
assegurasse a vida biológica. A penalidade prevista
para quem matar alguém foi uma das expressões mais
consagradas destas percepções. A obrigação familiar de
disponibilizar alimento para seus integrantes foi outra.
A evolução da expectativa das pessoas em relação à
vida ampliou as exigências sociais incorporadas pelo direito
no sentido de assegurar a efetivação dessa expectativa.
Assim, não basta somente viver. Será necessário
viver bem, com dignidade. Não basta mais somente o
“prato de comida”, o alimento. Será necessário acrescentar
nas previsões da lei a exigência do atendimento a outras
necessidades.
A sociedade exigiu e as leis elaboradas pelos órgãos
legislativos competentes atenderam a exigência. Além da
substância que dá sustento ao ser humano vivo, ou seja,
além do alimento, será preciso disponibilizar habitação,
vestuário, assistência médica, educação e assim por diante,
a quem necessitar.
Para não haver dúvidas quanto ao alcance desta
exigência, é permitido entender que a doutrina jurídica
utilizou-se da força da expressão inicial contida na palavra
alimento para identificar direito de morar, vestir-se, ter
atendimento médico, estudar e assim por diante.
Desta maneira, alimentos passaram a significar
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
comida, moradia, roupa, escola e hospital.
E o dever de disponibilizar moradia a quem dela
necessite e não tenha meios para tanto um dever tão
exigível como a alimentação. Igualmente em relação ao
dever de disponibilizar escola, roupas, atendimento médico
e, em palavras conclusivas, tudo aquilo que for necessário
para uma vida digna.
Para que o sistema legal atenda com efetividade
os desejos da sociedade contidos nos textos das leis,
as expressões alimentos e vida digna deverão ser
compreendidas como conceitos jurídicos indeterminados,
cujo verdadeiro alcance será verificado em cada caso
concreto submetido à apreciação do Poder Judiciário.
Conheça ou reveja as seguintes manifestações de
nossos Tribunais sobre o assunto alimentos e identifique
nas mesmas o reconhecimento das sugestões acima.
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
520.319-4/2-00. Agravo de Instrumento.
Des. José Roberto Neves Amorim
Alimentos provisórios. Obrigação imposta aos
avós. Impossibilidade. Ausência de prova a respeito
da incapacidade financeira dos próprios genitores.
Condenação dos demais parentes autorizada apenas em
caráter excepcional. Precedentes jurisprudenciais. Decisão
mantida.
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro.
2009.002.21492.
Agravo de Instrumento.
Julgamento: 28/08/2009.
Des. Marília de Castro Neves - Décima Câmara
Cível.
Agravo de Instrumento. Alimentos. Fixação dos
provisórios em valor justo e razoável. Atendimento do
binômio necessidade-possibilidade. Valor ora determinado
se mostra adequado para atender as necessidades da
alimentanda, até que seja concluída a fase de cognição, onde
será apurado o valor mais consentâneo com a realidade e a
efetiva necessidade das partes envolvidas. Recurso a que se
nega seguimento na forma do artigo 557 caput do Código
de Processo Civil.
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
2009.035378-8. Apelação Cível. Julgamento:
06/08/2009.
Des. Eládio Torret Rocha – Quarta Câmara Cível.
Havendo alteração na situação financeira das partes
ou qualquer outra justificativa plausível para majoração,
diminuição ou extinção da obrigação alimentar, é possível a
revisão do encargo, nos moldes do art. 1.699 do Código Civil.
Todavia, como bem ensina o art. 1.694, §1º do Código Civil,
os ALIMENTOS devem ser fixados na proporção das
necessidades do alimentando e dos recursos econômicofinanceiros do alimentante. Recurso improvido.
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso.
140340. Habeas Corpus. Julgamento: 29/04/2009.
Des. Maria Helena G. Póvoas – Segunda Câmara
Cível.
É legítima a decretação da prisão civil do alimentante
inadimplente que não paga dívida correspondente às 3
(três) últimas parcelas cobradas em ação de execução de
alimentos, bem como pelas prestações alimentícias não
pagas no curso do processo. A ausência ou não de condições
financeiras do Paciente para o cumprimento da obrigação
alimentar foge à esfera de cognição do habeas corpus.
A expressão familiar e o afeto contidos na prestação
alimentícia
2.1. A Psicologia, o Direito e o comportamento das
pessoas
* A partir de textos construídos pelo autor em sua
tese de doutorado mencionada na bibliografia.
A psicologia é uma disciplina que tem por objeto a
alma, a consciência ou os eventos característicos da vida
animal e humana, nas várias formas de caracterização
de tais eventos, com o fim de determinar sua natureza
específica. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário..., p. 809).
Prosseguindo na conceituação acima, Nicola
Abbagnano esclarece que esses eventos podem ser
considerados como puramente mentais (fatos da
consciência) ou como eventos objetivamente observáveis
(comportamentos), delimitando o campo da psicologia aos
fenômenos característicos dos organismos animais, em
especial o homem.
É certo identificar nesses comportamentos humanos
que resultam de uma escolha processada na consciência,
objeto de estudo da psicologia, os mesmos comportamentos
humanos objeto do estudo do direito, enquanto fatos
jurídicos humanos voluntários, ou seja, acontecimentos
que dependem da vontade e do comportamento humanos,
previstos em lei, em decorrência dos quais nasce, modificase, extingue-se ou subsiste uma relação jurídica, a categoria
básica do direito, que é um vínculo entre pessoas que incide
sobre bens.
É certo, ainda, que esses comportamentos, quando
resultado de uma vontade conscientemente processada em
25
um ambiente familiar afetivo, tendem a resultar em ações
adequadas, prestigiadas pela ordem jurídica e úteis para as
pessoas que integram o meio social em que eles ocorrem,
ações estas desejáveis para os fins do direito enquanto
técnica da coexistência humana.
O pensar, o sentir e o agir humanos
Estas são as três áreas da estrutura das pessoas.
Consideremos o pensamento como a atividade
do intelecto em geral, ou seja, a faculdade de pensar ou
uma técnica particular de pensar. Esta atividade é distinta
da sensibilidade e da atividade prática. Quando estamos
pensando, somos sabedores do que acontece em nós. O
pensamento representa as coisas que estão fora de nós.
Nicola Abbagnano (Obra citada, p. 751) refere-se
a Platão, que dizia: quando a alma, que é o princípio da
vida, da sensibilidade e das atividades espirituais, pensa,
ela está discutindo consigo mesma por meio de perguntas
e respostas, afirmações e negações. Quando, mais tarde,
decidimos a respeito disto, a alma chegou a uma opinião,
ou seja, pensamos.
Em outra área da estrutura das pessoas, encontramos
o sentimento, que é a fonte das emoções, o princípio dos
afetos (sentimentos ternos de adesão por alguém) e das
afeições (sentimentos amorosos em relação a alguém).
Aceitar o sentimento como uma fonte autônoma de
emoções significa reconhecer que a subjetividade humana
não se reduz a um conjunto de elementos objetivos e não
está sujeita a modificações passivas produzidas por esses
elementos (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário..., p. 874).
Este reconhecimento caracteriza os primórdios da filosofia
moderna.
Na última destas áreas da estrutura das pessoas,
vamos encontrar considerar o agir, que é sinônimo de
comportamento, de atitude, ou seja, é toda resposta do ser
humano a estímulos uniformes que sejam objetivamente
observáveis por qualquer meio, que inclui a antecipação de
pensamentos, sentimentos e escolha. É a face externa das
pessoas, informada por processos internos de pensamentos
e sentimentos.
Com estes esclarecimentos, podemos avaliar a base
racional e sentimental dos comportamentos das pessoas que
concretizam previsões contidas na lei, ou seja, podemos
avaliar a base racional e sentimental dos fatos jurídicos.
O direito subjetivo e o agir do ser humano
Popularmente, o direito é confundido com o
conjunto das leis vigentes.
26
Porém, a verdadeira denominação deste conjunto de
normas jurídicas vigentes é direito objetivo.
Cada uma delas representa um imperativo
autorizante (TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na
ciência do direito, p. 43), uma autorização, uma permissão
para ter, não ter, fazer ou não fazer alguma coisa e também
autorização para pleitear junto aos órgãos competentes a
reparação do dano causado pelo comportamento de alguém
que descumpra o que nelas estiver estabelecido.
Esta autorização ou permissão dada por meio de
normas jurídicas denomina-se direito subjetivo, também
conhecido como o poder que advém da norma.
Conforme Maria Helena Diniz (Curso de direito
civil brasileiro, 1 v., p. 14), os comportamentos importam
em significativa expressão de subjetivismo, que percorrem
um itinerário psíquico onde se distinguem os momentos da
solicitação (o cérebro recebe o estímulo do meio exterior),
da deliberação (pensamentos e sentimentos atuam sobre o
acontecido) e da ação (a pessoa toma uma atitude).
É a propósito da deliberação comportamental acima
referida, quando tomada em função de permissões dadas por
meio de normas jurídicas que envolvem deveres impostos a
integrantes da família em relação a prestações alimentícias,
que vamos tecer as considerações que seguem.
2.2. O afeto envolvido no comportamento familiar
da prestação alimentícia
O direito não é só uma coisa que se conhece, é
também uma coisa que se sente (BARRETO, Tobias.
Introdução ao estudo do direito, p. 38).
É certo afirmar que o senso jurídico é um fato
psicológico de observação quotidiana, que se manifesta
pelo sentimento do próprio direito e pelo sentimento
daquilo que é o direito alheio.
Segundo Tobias Barreto (Obra citada), o sentimento
do próprio direito é uma das bases do caráter e o sentimento
do direito alheio uma das fontes da virtude. Assim, quem é
justo sente, além do próprio, o direito dos outros e procede
de acordo com tal sentimento.
A família, reconhecida atualmente como base da
sociedade brasileira, sempre representou, ao longo da
história de toda a civilização, uma fonte inesgotável de
senso jurídico marcado pela preponderância da virtude
em relação ao caráter, ou seja, no ambiente familiar, a
percepção do direito do outro prevalece em relação ao
direito próprio.
É este desprendimento que proporcionou a sólida
construção social e jurídica dos contornos da maternidade,
da paternidade e da fraternidade.
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Isto é assim porque a sustentação racional e
sentimental do comportamento familiar vem marcada por
uma insistente necessidade de acolher e conciliar posições
conflitantes das pessoas que a integram, constatação esta
que faz das atitudes originárias do ambiente familiar
quotidiano um permanente exercício de ponderação,
equilíbrio e compreensão de anseios opostos, mas
harmonizáveis. Um permanente exercício da virtude.
O que significa essa virtude?
De modo bastante amplo, significa uma capacidade
qualquer, uma excelência, seja qual for a coisa ou o ser a
que pertença.
Ela pode ser entendida como uma capacidade em
geral, como uma capacidade do ser humano ou como uma
capacidade moral do ser humano.
Neste último sentido, que é o que interessa para os
propósitos da identificação de uma especial característica
do direito subjetivo quando exercido pela família, a virtude
designa uma capacidade uniforme e continuada do ser
humano, uma vez que esta capacidade exercida uma vez,
isoladamente, constitui somente um ato moral e não uma
virtude.
Assim concebida, a virtude pode compreender
(ABBAGNANO, Nicola. Obra citada, p. 1003: 1) a
capacidade de realizar uma tarefa ou função; 2) o hábito
ou disposição racional; 3) o sentimento ou tendência
espontânea; 4) o esforço.
Tal aptidão, a virtude, só pode estar sustentada em
bases afetivas e, sob o aspecto da afetividade, a instituição
familiar é inigualável. Berço do caráter, a família vem se
constituindo numa indispensável presença.
Se localizarmos esta presença em relação às atitudes
que uma família pode tomar em face das autorizações que
a norma jurídica lhe concede, certamente poderemos ficar
na expectativa de atitudes adequadas, ou seja, atitudes
prestigiadas pela ordem jurídica.
Se identificarmos estas atitudes como exercício
de direitos subjetivos e imaginarmos os membros família
incentivados a exercê-los com virtude no cumprimento de
prestações alimentícias, certamente poderemos pensar em
maior efetividade do direito aos alimentos.
Localização e compreensão do instituto jurídico dos
alimentos no Código Civil Brasileiro
O Código Civil Brasileiro disciplinou os
assuntos relativos aos alimentos nos artigos 1.694 a
1.710, posicionando-o no Título II do Livro IV, assim
identificando-o como um Direito Patrimonial, diversamente
dos assuntos relativos ao casamento e às relações de
parentesco, previstos no Título I, na condição de Direitos
Pessoais.
As previsões legais básicas do Código Civil relativas
aos alimentos constam do artigo 1.694 e seus parágrafos,
como seguem:
Artigo 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou
companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que
necessitem para viver de modo compatível com a sua
condição social, inclusive para atender às necessidades de
sua educação.
§ 1.º. Os alimentos devem ser fixados na proporção
das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa
obrigada.
§ 2.º. Os alimentos serão apenas os indispensáveis à
subsistência, quando a situação resultar de culpa de quem
os pleiteia.
Estruturado nestas previsões básicas, o Código
estabelece regras complementares que podem ser assim
resumidas:
Os alimentos serão fornecidos por quem pode, em
benefício de quem precisa e não tem condições de provêlos;
A obrigação de prestar alimentos é recíproca
entre ascendentes e descendentes, de qualquer grau, e
subsidiária, na medida em que os de graus mais distantes
somente poderão ser convocados a prestá-los quando os de
graus mais próximos não puderem, total ou parcialmente.
Isto significa que se trata de obrigação divisível;
A obrigação dos descendentes se impõe somente na
falta de ascendente em condições de prover os alimentos
e, na falta de uns e outros, estão obrigados os irmãos,
germanos ou unilaterais;
Os alimentos estabelecidos podem ser cancelados e
o seu valor pode sofrer aumento ou diminuição conforme
ocorra alteração nas condições de quem os provê ou de
quem os recebe;
A obrigação de prestar alimentos é transmissível
causa mortis, mas o direito aos alimentos extingue-se com
a morte do credor;
A obrigação alimentícia poderá estar representada
por uma prestação de dar (dinheiro) ou pelo oferecimento
de hospedagem e sustento;
A culpa de um dos cônjuges na separação judicial
litigiosa é fator excludente da obrigação de prover
alimentos por parte do cônjuge inocente, mas se o culpado
necessitar e não tiver parentes em condições de assumir
a obrigação nem aptidão para o trabalho, o outro deverá
assegurar-lhe, se puder, o mínimo indispensável;
Filho havido fora do casamento pode pleitear
alimentos do pai;
27
O direito a alimentos pode não ser exercido, mas é
irrenunciável, insuscetível de cessão, de compensação e de
penhora;
Casamento, união estável, concubinato e
procedimento indigno do credor em relação ao devedor de
alimentos fazem cessar a obrigação;
O novo casamento do cônjuge devedor não extingue
a obrigação constante de sentença de divórcio.
As modalidades das obrigações e a prestação
alimentícia
Direito das obrigações é o conjunto de disposições
legais que regulam relações jurídicas de ordem patrimonial,
que têm por objeto prestações do devedor em proveito do
credor.
Obrigações são relações jurídicas de caráter
transitório, mediante as quais uma pessoa fica obrigada
a dar, fazer ou não fazer alguma coisa economicamente
apreciável em proveito de outra.
A relação jurídica obrigacional vincula as pessoas
do devedor e do credor transitoriamente, porque é da sua
natureza o propósito de lhe dar cumprimento, levando-a à
extinção. Ela é passageira.
As modalidades básicas das obrigações, como se
vê no conceito acima, são as obrigações de dar (entregar
ou restituir coisa), fazer e não fazer. Elas podem assumir
outras modalidades secundárias, como dar uma coisa ou
outra (obrigação de dar alternativa), entregar um animal
de raça para a prática de esportes (obrigação de dar
indivisível), ministrar um curso em várias aulas (obrigação
de fazer divisível), pagar toda a dívida mesmo sendo dois
os devedores (obrigação de dar solidária), não se instalar,
durante certo tempo, com atividade comercial concorrente
nas proximidades da atividade transmitida a terceiro
(obrigação de não fazer) e assim por diante.
Prestação é o comportamento humano capaz de
levar ao cumprimento da obrigação e, como se depreende
do que ficou dito acima a respeito das modalidades básicas,
trata-se de um comportamento que assumirá o caráter de
entregar ou restituir alguma coisa, fazer alguma coisa
ou não fazer alguma coisa, conforme seja a natureza da
obrigação assumida.
A propósito, no seu significado jurídico, coisa é
tudo o que existe na natureza, com exceção do ser humano,
que possa servir de objeto a uma relação jurídica.
Ajustando a apresentação dos conceitos acima
ao assunto objeto do presente item (as modalidades das
obrigações e a prestação alimentícia), podemos assumir
28
que prestação alimentícia é o comportamento capaz de
levar ao cumprimento do dever de prestar alimentos, ou
seja, do dever de prover de comida, estudos, lugar para
morar, roupas para vestir e assim por diante, a pessoa que
necessitar destes bens e estiver impossibilitada de assumir
as suas obtenções.
O nosso Código Civil, como dito anteriormente,
estabeleceu que a obrigação alimentícia poderá estar
representada por uma prestação de dar (dinheiro) ou,
somente se o beneficiário for menor, pelo oferecimento,
além de outras necessidades pecuniárias designadas como
sustento, de hospedagem, que pode caracterizar obrigação
de fazer, sempre que entendermos hospedagem somente
como oferta de serviços de instalação e acolhimento do
beneficiário na casa onde mora o devedor da prestação.
Como se vê, a preferência do legislador pelo
cumprimento da obrigação alimentícia por meio de uma
prestação de dar, ou seja, de entregar coisa economicamente
apreciável e de expressão pecuniária, foi escancarada.
Em sentido contrário, pergunta-se: seria
possível e recomendada a utilização mais freqüente de
comportamentos de fazer e de não fazer para o cumprimento
da prestação alimentícia?
Sim, deve ser a resposta. Tanto para prestação de
fazer como de não fazer.
O comportamento de fazer pressupõe um
envolvimento maior da pessoa que vai prestar alimentos.
Pelo menos, a parcela não pecuniária da prestação. Imagine
o filho cumprindo a prestação alimentícia devida ao pai por
meio de dois comportamentos. Um, de dar, representado
pela disponibilização do dinheiro necessário para prover as
necessidades pecuniárias. Outro, de fazer, representado, por
exemplo, pelo comportamento de levar o pai às consultas
médicas regulares, ali permanecendo ou retornando para
apanhá-lo.
O comportamento de fazer para cumprimento
da prestação alimentícia pode assumir incontáveis
contextualizações: pai médico atendendo consultas
periódicas de filho credor de alimentos, filho massagista
atendendo mãe com dores regulares, irmão professor
ministrando aulas de reforço para irmão estudante, exmarido médico fazendo aplicação regular de botox na região
dos olhos de ex-mulher portadora de distonia (espasmos
musculares involuntários), mãe separada indo buscar filho
na escola de inglês, ex-mulher devedora de alimentos para
ex-marido com deficiência física indo ao supermercado
fazer as compras, ou seja, atendendo a parte pecuniária e
a não pecuniária da prestação alimentícia devida ao exmarido, neto indo mensalmente ao cinema com o avô que
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
não mais dirige carros. E assim sucessivamente, em um rol
de previsões que pode conter as mais diversas de desejadas
hipóteses de enriquecimento da qualidade da prestação
alimentícia.
Por sua vez, a adoção do comportamento de não
fazer para cumprir a parte não pecuniária da prestação
alimentícia também pressupõe um envolvimento maior
da pessoa que vai prestar alimentos. E traz qualidade à
prestação.
É certo que em determinadas situações a aproximação
entre prestador e beneficiário de prestação alimentícia
se torna praticamente impossível, em decorrência dos
conflitos que levaram à caracterização do débito alimentar.
Mas, estas dificuldades não devem justificar a
ausência de empenho na adoção de comportamentos
de fazer e de não fazer no cumprimento da prestação
alimentícia.
Abstract: This article aims to highlight the importance of
doing and not doing behaviors in compliance to alimony,
in addition to the fulfillment of this obligation through
monetary benefit. To justify the proposal presented
here, we analyzed the following aspects: the symbolism
contained in the word food, the familiar and affection
provision contained in the alimony, psychology, law and
people’s behavior, thinking, feeling and acting human, the
subjective right and acting of human beings, affect family
behavior involved in the provision of alimony, location
and understanding of the legal institute of alimony in the
Civil Code of the obligations and procedures and providing
support.
Key words: Family. Obligation. Alimony. Affection.
Human behavior.
Bibliografia
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BARRETO, Tobias. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Landy, 2001.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, 1 v.
PIVA, Rui Carvalho. Tese de Doutorado. PUC/SP. 2003.
TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2001.
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Sustentabilidade nos Hoteis de selva da Amazônia
EDSON RICARDO SALEME
Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. Professor dos Cursos de Mestrado em Direito Ambiental da UEA e
da UNISANTOS. Professor dos Cursos de Graduação da FAAP e da UNIP.
SILVIA E. BARRETO SABORITA
Mestranda em Direito Ambiental pela UNISANTOS. Professora de Pós-Graduação da FAAP em Direito Público. Membro
ativo da Associação do Centro Vivo.
Resumo: O desenvolvimento sustentável deveria ser o norte de todo o empreendimento que se queira implantar e possa
trazer alguma espécie de impacto ao ambiente. Pelo sistema constitucional e legal (Lei 6938/81), as entidades federativas
podem exigir de todas as atividades potencialmente poluidoras a respectiva licença ambiental.Este artigo pretende
informar como o Hotel Ariaú, localizado no complexo das ilhas Anavilhanas, na circunscrição de Manaus, Amazonas,
no Rio Negro, logrou, após sucessivas tentativas, adequar-se às especificações dos órgãos ambientais em termos de
transformação de resíduos sólidos e líquidos. Esta pesquisa será do tipo bibliográfica. Aqui se buscará, por meio de
entendimentos doutrinários, um equacionamento do problema em questão, a fim de tornar inteligíveis os pontos debatidos
no desenvolvimento do estudo. Também será analisado o Estudo de Impacto Ambiental que deu azo à licença que
viabilizou a finalização da obra. Os autores apresentaram este estudo no XIV Congresso Ibero americano de Urbanismo,
com o apoio da FAAP.
Palavras-chaves: Sustentabilidade – Hotéis de Selva – Amazônia – Turismo
1 – Introdução
O objeto do trabalho será a questão da
sustentabilidade e licenciamento dos hotéis situados
na Floresta Amazônica, o bioma consistente no maior
depositário de biodiversidade do Planeta. Será focada
a atenção no Hotel Ariaú, situado no Arquipélago de
Anavilhanas, no Município de Novo Airão, Estado do
Amazonas. Aqui se observarão os avanços obtidos pelo
estabelecimento após a adoção de medidas destinadas à
sustentabilidade e apoio à comunidade indígena local.
As normas brasileiras de proteção ao meio ambiente têm
estreitado cada vez mais as exigências para ocupação de
áreas naturais.
Com a finalidade de proteção desse ecossistema
amazônico, editou-se a Lei nº 9982/2000, criadora do
Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza
(SNUC). Importante também o cumprimento das regras
da Lei nº 6938/1981, que estabelece a necessidade de
licenciamento ambiental para obras de grande impacto.
Um dos grandes problemas atualmente existentes
é como manter os hotéis de selva em um meio ambiente
protegido. Os hoteleiros do mundo e sobretudo da Amazônia
reconhecem o valor das práticas ambientais responsáveis.
Certamente, a gestão ambiental correta é imposta como
condição para manutenção da licença do hotel.
30
Essa gestão envolve planejamento, organização,
orientação dos diversos atores envolvidos na administração
de recursos humanos e sua correta manutenção. O artigo
trará os detalhes de aplicação de práticas ambientais
sustentáveis no hotel Ariaú e como logrou ser reconhecido
como um dos mais responsáveis da região por aplicar
tais práticas. Isso sem falar do apoio que presta às
comunidades indígenas locais, propiciando medicamentos
educação e integração social. Certamente, o sistema
normativo existente disponibiliza ao empresário fórmulas
e métodos que o induzem a se manter interado dos padrões
de sustentabilidade, como mecanismo capaz de atrair
cada vez maior número de turistas, sobretudo aqueles
preocupados com a causa ambiental. Deve o empresário
manter-se em padrões legais e práticas adequadas criados
por pesquisadores de ecoturismo para melhor condução
da exploração desses hotéis, tal como existe no “guia de
planejamento e gestão de ecoturismo” elaborada pela
Ecoturismo Society dos Estados Unidos da América.
2 – Práticas brasileiras em prol da sustentabilidade.
No Brasil, o Decreto n° 84.017, de 21.09.1979, foi
um dos primeiros atos legislativos em prol da proteção
de parques nacionais brasileiros. Referidas áreas foram
definidas como “áreas geográficas extensas e delimitadas,
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
dotadas de atributos naturais excepcionais, objeto de
preservação permanente, submetidas à condição de
inalienabilidade e indisponibilidade no seu todo”.
Apenas com a publicação da Lei n° 6.938, de
31.08.1981, houve tratamento da questão ambiental de
forma mais abrangente. Essa Lei dispõe sobre a Política
Nacional de Meio Ambiente – PNMA, e cria o Sistema
Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA. Entre seus
precípuos princípios está a proteção dos ecossistemas, com
a preservação de áreas representativas (artigo 2°, inciso
IV). Uma das maneiras de proteção desses ecossistemas
foi a criação de espaços especialmente protegidos (art. 9°,
inciso VI). Entre referidos espaços estão as UC – Unidades
de Conservação da Natureza.
Essa mesma Lei de Política Nacional do Meio
Ambiente, nº 6.938/81, também estabeleceu em seu artigo
2°, VIII, entre seus princípios, a recuperação de áreas
degradas. Após relacionar os objetivos da política nacional,
referiu-se à restauração dos recursos ambientais (art. 4°,
VI) e a imposição de penalidades ao poluidor e ao predador.
Assim como consignou a prioridade de se recuperar
prejuízos e danos eventualmente causados (art. 4°, VII).
Essa restauração refere-se à reparação também prevista no
artigo 225, § 1°, inciso I da Constituição brasileira, tudo de
modo a garantir o meio ambiente equilibrado a todos.
Após a instituição da PNMA e, como não havia lei
federal que regulamentasse a matéria, o Conselho Nacional
de Meio Ambiente – CONAMA – editou a Resolução n°
11, de 3.12.1987, cujo objeto seria a criação de um sistema
de Unidades de Conservação, que foram propriamente
tratadas na Lei nº 9985/2000. O art 7º dessa Lei estabeleceu
que as unidades de conservação integrantes do SNUC
dividem-se em dois grupos, com características específicas:
unidades de proteção integral e as de uso sustentável.
As primeiras estabelecem um sistema de preservação da
natureza, admitindo apenas seu uso indireto, bem como de
seus recursos naturais. Nas segundas existe a possibilidade
de compatibilizar o uso da natureza com o uso sustentável
de parcela de seus recursos naturais.
3 – Projetos e planos relacionados ao Hotel Ariaú
O hotel não é recente no cenário amazônico.
Possui, desde sua concepção, planos e projetos destinados
não somente à integração dos hóspedes com a natureza,
mas também relacionados às comunidades tradicionais e
outros campos, a exemplo do tratamento a preservação
dos animais por meio da bototerapia1. Além disso existem
ações e iniciativas ambientais selecionadas para o segmento
da parte operacional e administrativa do Hotel Ariaú, de
maneira a contribuir com a empresa no atendimento aos
novos requisitos ambientais, agregando valor às suas ações
junto ao seu mercado.
Exigiu-se do hotel, por meio do órgão ambiental
estadual encarregado da autorização daquele ente
federativo, o IPAAN – Instituto de Proteção Ambiental
do Estado do Amazonas, que se tomasse o maior número
de medidas mitigadoras de impacto em suas áreas de
sua influência. Foram levantados os principais pontos
de controle e medidas de proteção ambientais levando
em conta a publicação do IHEI – International Hotels
Environment Initiative, sobretudo porque, doravante, seria
prática necessária e obrigatória aos demais hotéis de selva
da região.
A pesquisa realizada incluiu uma descrição da
evolução das questões ambientais levantadas na fiscalização
realizada pelo IPAAM no mês de fevereiro/2009 e as
principais soluções de problemas no hotel, as alternativas
apresentadas foram classificadas em dois tipos:
Alternativas Tipo A: refere-se a iniciativas
associadas as ações ambientais comuns, como consumo
de água, energia e uso de produtos que agridem o meio
ambiente.
Alternativas tipo B: mudança do comportamento
ambiental nos modelos de gestão do Hotel, associando
aos objetivos e metas ambientais que poderão assegurar o
sucesso ao empreendimento/ambiente.
Observa-se que, em países economicamente
desenvolvidos e de grande potencial paisagístico, o número
de iniciativas relacionadas com a preservação ambiental
provenientes do segmento hoteleiro vem crescendo
exponencialmente. Isso se torna um diferencial competitivo
muito significativo em relação às empresas hoteleiras
brasileiras, cujas iniciativas ambientais só agora começam
a despertar o interesse dos empresários desse setor com as
precauções que deveriam ser tomadas há tempos.2
Nesse sentido, a ABIH – Associação Brasileira da
Indústria de Hotéis lançou o Programa de Responsabilidade
Ambiental Hóspedes da Natureza que tem como objetivo
ajudar o segmento hoteleiro e preparar-se para atender
os requisitos ambientais que já vêm sendo exigidos pelos
sistemas internacionais de reservas, tais como o American
Express, Wagon Lits Cook e outros.
3.1 - Objetivos do Plano de Gerenciamento
Identificar os resíduos sólidos gerados nos processos
de operação do hotel e eliminar o risco de contaminação do
solo, água, ar, fauna e flora local, por meio do gerenciamento
dos resíduos líquidos de lavagem e tratamento de efluentes
sanitários e formas de controle;
Mitigar e reparar qualquer dano encontrado;
Inserir e difundir práticas na atividade do hotel,
um plano de Educação Ambiental promovendo ações
1 Terapia complementar de tratamento de saúde para pessoas com necessidades especiais. Disponível em : http://anadelfs.blogspot.com/2011/01/bototerapia-hotel-ariau-manaus-am.html, consultada
em 20.04.2011.
2 Disponível no site, consultado em 20-4-2011. http://www.teclim.ufba.br/site/material_online/monografias/mono_maria_a_de_a_macedo.pdf
31
que envolvam Hotel, Comunidade, Poder Público,
fornecedores, funcionários e hóspedes;
Estimular e viabilizar projetos que estimulem
fornecedores para o desenvolvimento de embalagens
e produtos compatíveis à gestão ambiental do Hotel,
diminuindo a produção de resíduos sólidos;
Conscientização dos Novos Hóspedes da Natureza
e principalmente da população nativa permanente, para
usufruir, dentre outros, da fauna e flora local de forma
sustentável.
3.2 Experiências Reais
O maior estado-membro brasileiro é o Amazonas.
Nele está a famosa Floresta Amazônica, não somente
importante pela sua biodiversidade, mas por sua fauna e
flora, muito diversificadas. Também aí está situada a maior
bacia hidrográfica do Planeta formada pelo Rio Negro e
Rio Amazonas.
Nas palavras de Ozório Fonseca, a evolução
biogeoquímica da Terra fez com que a maior diversidade
biológica do Planeta surgisse em nosso País. “A Natureza
proporcionou essa situação privilegiada e cabe a nós a
tarefa de gerenciar esse recurso natural, que só tem sentido
se for usado para o bem da espécie humana”. 3
O Arquipélago de Anavilhanas, formado por cerca
de 400 ilhas e localizado a cerca de 40 quilômetros de
Manaus (AM), é um dos parques nacionais brasileiros.
É Unidade de Proteção Ambiental e parte integrante da
Reserva da Biosfera da Amazônia Central4. A lei que o alça
à categoria de parque foi sancionada pelo então presidente
da República no final de outubro de 2008. 5
Anavilhanas é o segundo maior arquipélago
fluvial do mundo, situado no rio Negro, no município de
Novo Airão, estado do Amazonas. As inúmeras ilhas que
compõe sua formação alongada estão incólumes e com a
cobertura da floresta tropical amazônica. Esse complexo
insular forma uma rede de canais que representam uma
experiência única quanto à ambientes fluviais no mundo
e na Amazônia. Observa-se nesse trecho do Rio Negro um
comprimento especial de 60 km, que abriga uma estação
ecológica estadual de Anavilhanas6.
O Hotel de Selva Ariaú, localizado na margem
esquerda do Rio Ariaú, é um dos maiores e mais antigos
empreendimento de ecoturismo da Amazônia . Ainda, nas
palavras de Ozório Fonseca, o turismo é apontado como
fundamental na perspectiva do desenvolvimento regional,
pois além de propiciar entrada de recursos, aproxima povos
e gera intercâmbios proveitosos do ponto de vista social e
cultural.7
A altitude média do Município de Iranduba,
próximo a Capital do Amazonas, nos termos da sondagem
do CODEAMA (1992), é de aproximadamente 30 (trinta)
metros acima do nível do mar. O terreno da superfície é de
30 metros acima do nível do mar. Compõe o terreno local
de terraços, planícies e restingas de inundação ou várzeas,
que estão sujeitas a alagação periódica durante as cheias.8
O Hotel, inaugurado em 1986, foi construído sobre
palafitas nas copas das árvores. As habitações seguiram
o modelo local de casas de selva, com escadas para nelas
ingressar. Existem 8 torres minuciosamente escolhidas
de forma a se ter privilegiada visão da Selva e sua flora e
fauna. O empreendimento está compreendido na unidade
de conservação estadual, a 6 km de distância do Parque
Nacional de Anavilhanas.
4 – Normas e Atos Reguladores
A gestão ambiental é proveniente da necessidade
de se ordenar as atividades humanas, a fim de que haja o
menor impacto possível no ambiente. Essa gestão iniciase com a escolha da melhor técnica a ser empregada, o
cumprimento dos dispositivos legais vigentes e a alocação
adequada de recursos financeiros e humanos.
A forma empresarial de gestão é aquela destinada
as organizações, instituições e empresas. Pode ser
definida como sendo um conjunto de políticas e práticas
administrativas e operacionais que levam em consideração
a saúde, a segurança das pessoas, a proteção do meio
ambiente por meio da eliminação ou minimização de
impactos e danos ambientais decorrentes do planejamento,
a implantação e operação, entre outros atos relacionados
ao estabelecimento do projeto .
Da mesma forma, entende IBAÑEZ, nos termos da
jurisprudência constitucional espanhola que “a ordenação
territorial deve fixar os destinos e usos do espaço físico
ou em sua totalidade, assim como ordenar e distribuir
valoradamente as ações públicas sobre o território e
infra estruturas, reservas naturais, extensões ou áreas de
influência dos núcleos de população, comunicações etc.” 9
Com o objetivo de recuperar os impactos ambientais
decorrentes dos resíduos sólidos, o Hotel de Selva Ariaú
elaborou um Plano de Recuperação de Área Degradada
– PRAD, de forma a se estabelecer critérios técnicos
capazes de mitigar danos naquela área. O PRAD levou em
consideração as normas do Código Florestal, Lei 4771/65,
FONSECA, Ozório José de Menezes. Amazonidades. Manaus: Gráfica e Ed. Silva, 2004, p. 22.
Atualmente, de acordo com a visitação turística da região, dera ela ter caráter educativo, conforme determina o antigo Plano de Manejo da Unidade, que se encontra em processo de atualização. As áreas
abertas aos visitantes são restritas. Vide informação completa disponível no site: http://www.icmbio.gov.br/o-que-fazemos/visitacao/ucs-abertas-a-visitacao/32-parques-nacionais/212-parque-nacionalanavilhanas. Consultado em 20-4-2011.
5
A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável aprovou, o Projeto de Lei 6409/05, do Senado, e se transformou a Estação Ecológica de Anavilhanas, no Amazonas, em Parque Nacional
de Anavilhanas. A estação ecológica é uma unidade de conservação da natureza cuja área é representativa de um ecossistema e é destinada à realização de pesquisas científicas básicas e aplicadas de
Ecologia, à proteção do ambiente natural e ao desenvolvimento da educação conservacionista.
6
Decreto n.º 86.061 de 02.06.1981.
7
Op. Cit. Página 149.
8
http://www.amazonia.org.br/guia/detalhes. Extraído em 16.09.2010.
3
4
32
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
a Lei 7754/89, que estabelece medidas de proteção de
florestas nas nascentes dos rios, a Lei 6938/81, sobre
o Sistema Nacional do Meio Ambiente, a Lei 9605/98,
que trata dos crimes ambientais e a Lei 11284/2006, que
dispõe sobre a gestão de florestas públicas para produção
sustentável, entre outros diplomas normativos.
Foram tomadas as seguintes medidas, nos termos do
relatório técnico:
DIAGNÓSTICO AMBIENTAL – Indicador
da situação ambiental da área de influência direta e
indireta, sobretudo em seus aspectos físicos (geologia,
geomorfologia, pedologia e climatologia, biológicos (fauna
e flora) e ações antrópicas.
AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS –
Análise das externalidades negativas e das possibilidades
de mitigação de impactos por meio da identificação,
quantificação e qualificação. O diagnóstico de causas e
efeitos realizados por meio de levantamento de técnicos
especializados capazes de relacionar impactos resultantes
das atividades propostas garantindo, desta maneira, a
implantação do projeto que teve aprovação governamental.
SOLUÇÕES AMBIENTAIS - Os impactos
ambientais foram mitigados a partir da seguinte sequência
de atos: limpeza e análise do solo, preparo, abertura de
covas e revegetação por meio do plantio de espécies
nativas.
PECULIARIDADES DA MITIGAÇÃO DE
IMPACTO NO SOLO – Coletaram-se amostras de solo
com o objetivo de, por meio delas, expostas aos resíduos
ali descartados, investigar a melhor forma de recuperação
a ser implementada.
Os instrumentos empregados no processo de
licenciamento ambiental para avaliação dos impactos
ambientais– o EIA – Estudo de Impacto Ambiental e o
RIMA – Relatório de Impacto Ambiental, formas criadas
pela Lei 6938/81 (art. 9º, III), são de relevante importância
para a prevenção e precaução dos riscos ambientais
associados ao turismo e à construção de unidades na
selva. Além de avaliar os impactos presentes também
observam aqueles que futuramente podem ocorrer e causar
degradação ou dano ambiental. Todos esses instrumentos
propõem medidas mitigadoras dos impactos previstos.
O licenciamento ambiental, nas palavras de
MILARÉ10, “constitui importante instrumento de
gestão do ambiente, na medida em que, por meio dele, a
Administração Pública busca exercer o necessário controle
sobre as atividades humanas que interferem nas condições
ambientais, de forma a compatibilizar o desenvolvimento
econômico com a preservação do equilíbrio ecológico.”
Aspecto que merece comentário são os itens
relativos às questões ambientais que envolvem os meios
de hospedagem em ambientes selvagens. A Ecoturismo
Society dos Estados Unidos criou um chek list para melhor
aproveitamento das instalações (2003). As propostas não
substituem levantamentos técnicos especializados capazes
de melhor avaliar os impactos causadores de degradação.
Elas apenas sugerem medidas, diretrizes e padrões capazes
de preservar as características ecológicas de cada local. 11
Todas as fontes foram consultadas a fim de subsidiar
o processo de licenciamento do hotel e suas atividades
turísticas. Desde a concepção.
6 – Planos de Negócios
Todos os negócios a ser objeto de turismo
ecológico devem contar com profundo estudo ambiental
e possuir Estudo de Impacto Ambiental elaborado por
especialistas capazes de gerar opiniões conclusivas acerca
da possibilidade ou não da viabilidade do negócio. Tecem
considerações capazes de indicar quais seriam as formas
mitigadoras de impacto ambiental e possíveis medidas
mitigadoras a serem aplicadas em vista da observância dos
princípios da sustentabilidade e da prevenção.
Também devem ser respeitados os itens listados pela
International Ecoturism Society, que estabelecem critérios
a serem seguidos por todos os empresários de ecoturismo e
que também queiram desenvolver atividades na selva.
O hotel em estudo também buscou formas de cuidar
dos botos vermelhos, da população local e da preservação
da área que ocupa.
Nesse sentido, pode-se estar diante de situação em
que haja um dilema entre prevenção e precaução, a qual
se inclinaria pela inviabilização de atividade que pudesse
redundar em degradação irreversível. Nas palavras de
FIORILLO, seria despiciendo pretender desenvolver uma
diferenciação entre tais princípios. Na verdade, ambos
os princípios se revelam em preceito fundamental, pois
os danos ambientais são, em sua maioria, irreversíveis e
irreparáveis. Trata-se de um “megaprincípio ambiental”,
adotado na Constituição de 1988. Não se quer com isso,
sublinha o autor, inviabilizar a atividade econômica, mas
somente excluir o poluidor que ainda não constatou a
escassez dos recursos ambientais.12
A aprovação de emissão de licença ambiental do
hotel em análise se revelou lastreada em extenso estudo
local com possíveis impactos e necessárias medidas
mitigadoras. Certamente, o impacto é inegável. A própria
existência humana já gera essa conseqüência. Porém,
as medidas adotadas vão ao encontro dos modernos
tratamentos dados aos empreendimentos turísticos em
áreas protegidas e sua fiscalização é permanente, conforme
pronunciamento do proprietário do estabelecimento.
IBAÑEZ, Santiago Ganzález-Varas. Urbanismo y ordenacion del território Navarra: Ed. Aranzadi.2004, página 27
MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. São Paulo: Ed. RT, 2009, página 420.
Disponível em: www.ecotourism.org, acessada em 20-04-2011.
12
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2010, páginas 112-117.
9
10
11
33
7 – Conclusões
A Região Amazônica é rica em recursos naturais.
Ainda mantém praticamente incólume sua estrutura,
mesmo diante da devastação causada pelas reiteradas
queimadas, extração clandestina de madeira e uso como
pasto para criação de gado.
A exploração de recursos naturais deve possuir
licenciamento ambiental regulamentado pela Lei 6938/81,
também objeto de diversas resoluções do CONAMA, órgão
ambiental brasileiro pertencente ao SISNAMA – Sistema
Nacional do Meio Ambiente. As licenças necessárias, cuja
natureza jurídica é de autorização, foram devidamente
obtidas e o empreendimento tem capacidade para se manter
em funcionamento de maneira sustentável. Na verdade, o
empreendimento deve enquadrar-se nos planos nacionais,
regionais e locais de planejamento, inserindo-se de
maneira adequada no planejamento ecológico econômico,
no plano diretor local, entre outros destinados a garantir a
sustentabilidade e a manutenção das espécies locais.
O hotel Ariaú tem como objetivo propiciar a seus
hospedes a possibilidade de um contato e integração direta
com o ecossistema em que se insere. Seus apartamentos são
basicamente construídos nas copas das árvores, bem acima
do nível do Rio Negro, de forma sustentável; também
propiciam estudos com terapias alternativas, assim como
ocorre com os botos cor-de–rosa e mantém comunidades
tradicionais com medicamentos e suprimentos, além de
propiciar empregabilidade para a população local.
A fiscalização pode gerar a cassação da licença
ambiental, na hipótese do beneficiário não empregar os
recursos indicados no respectivo EIA. Portanto, agentes
ambientais estão a todo tempo observando possíveis
degradações ambientais provenientes do empreendimento.
Isso já obrigou o empresário a adquirir moderno sistema
de filtragem e transformação de resíduos líquidos e
sólidos. Isso também o obrigou a manter materiais
determinados em embalagens biodegradáveis, além de
outras obrigatoriedades impostas e necessárias a plena
manutenção do ecossistema local.
Os hotéis de selva na Amazônia estão crescendo
em número e qualidade. A inspeção tem sido cada vez
mais rígida, de forma a gerar maior segurança aos que lá
estão e também assegurar o mínimo de impacto ambiental.
Existem ainda alternativas capazes de auxiliar a população
local (índios), sem contar com a geração de trabalho,
hospital e transporte até a capital.
As atividades ecoturísticas devem obedecer a
um grande número de exigências estabelecidas por
normas ambientais, a fim de evitar um impacto local
desproporcional. Isso, inclusive, com a limitação do
número de hospedes, restrições no emprego de animais
para finalidades terapêuticas, indicação determinada do
local indicado para passeios ecoturísticos, inclusive com
especificação de caminhos determinados para viabilizar
visitas locais, sem deterioração de áreas incólumes, tudo
em prol da proteção do ambiente e da biodiversidade.
Abstract: Sustainable development should be north of
the whole enterprise that wish to implement and can bring
some sort of impact on the environment. Constitutional and
legal system (Law 6938/81), the federations may require
of all potentially polluting activities its environmental
license. This article aims to inform as Ariaú Hotel, located
in the complex of islands Anavilhanas, in the district of
Manaus, Amazonas, Rio Negro, succeeded, after several
attempts to adapt to the specifications of the environmental
agencies in terms of processing of solid and liquid waste.
This research will be of type literature. Here we seek,
through doctrinal understandings, a solution of the problem
at hand in order to make intelligible the points discussed
in the development of the study. It also will analyze the
environmental impact study that gave rise to the license
that allowed the completion of the work. The authors
presented the study at the XIV Latin American Congress of
Urban Planning, with support from FAAP.
Key words: Sustainability – Jungle lodges – Amazônia Tourism
Bibliografia
IBAÑEZ, Santiago Ganzález-Varas. Urbanismo y ordenacion del território Navarra: Ed. Aranzadi.2004.
MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. São Paulo: Ed. RT, 2009.
FONSECA, Ozório José de Menezes. Amazonidades. Manaus: Gráfica e Ed. Silva, 2004
Sites consultados
http://www.aquathought.com . Extraído em 16.09.2010.
http://www.dolphinassistedtherapy.com. Extraído em 16.09.2010.
http://www.ariau.tur.br/ Extraído em 16.09.2010.
http://www.amazonia.org.br/guia/detalhes. Extraído em 16.09.2010.
34
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
A função do relatório no Julgamento Colegiado.
Manifestação do princípio do contraditório
FABIANO CARVALHO
Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Professor da Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado FAAP. Advogado.
Resumo: O texto examina a função do relatório no julgamento colegiado e sua relação com o princípio do contraditório,
concluindo que o desprezo por esse importante elemento da decisão colegiada constitui grave equívoco, por violar o
princípio fundamental do contraditório, podendo repercutir no sucesso da interposição dos recursos de estrito direito
(especial e extraordinário).
Palavras-chaves: Relatório – Órgão Colegiado – Princípio do contraditório
1. Em regra,1 razões de política legislativa impõem
que os recursos, incidentes e causas de competência
originária dos tribunais sejam julgados por órgãos
colegiados.
Não por outro motivo, afirma-se que, em matéria
de recursos, o princípio da colegialidade domina e rege o
Direito Processual pátrio.2
O termo colegiado diz respeito a uma forma de
atuação jurisdicional, representado pelo conjunto de
pessoas com igual poder, que, reunidas em sessão de
julgamento, compartilham os fatos do processo na tomada
de uma decisão. Essa decisão aparece no processo como
“expressão de uma vontade unitária”.3
Com efeito, as expressões “câmara” e “turma”
designam os órgãos colegiados mas não são sinônimas
desses. De acordo com a melhor doutrina, “o órgão
colegiado é composto pelo número de juízes que a lei ou o
regimento interno indicar. Nem sempre todos os juízes que
compõem órgão colegiado julgam a causa. Turma julgadora
é a fração do órgão colegiado composta pelos juízes que
efetivamente julgarão a causa. Numa câmara composta por
cinco juízes, por exemplo, a turma julgadora de apelação
será composta por apenas três deles; em sua composição
plena (cinco juízes), essa mesma câmara julgará, por
exemplo ação rescisória, embargos infringentes etc.”4
Nesse sentido, a palavra turma tem o mesmo
significado de câmara. Na generalidade dos casos,
normalmente, Turma é a denominação empregada nos
Tribunais Superiores e nos Tribunais Regionais Federais;
câmara é utilizada nos Tribunais dos Estados.
Há outras expressões que simbolizam os órgãos
colegiados, como, v.g., plenário, órgão especial, seções,
grupo de câmaras, câmaras reunidas etc.
O órgão colegiado opõe-se ao órgão singular,
também chamado de monocrático, por seu conjunto, isto
é, pela reunião de manifestações singulares, que se unem
ou se agregam para formar uma decisão unitária (acórdão).
O pronunciamento do órgão colegiado, diferentemente do
singular, forma-se progressivamente, de acordo com as
manifestações de cada juiz que participa do julgamento.
A formação do pronunciamento do órgão colegiado,
marcado pela mesma natureza e objeto, é ato complexo,
porque se forma pela co-participação de mais de um
integrante do órgão, em momentos sucessivos. Isso não
significa que o pronunciamento de cada membro do órgão
não possa variar (v.g. não unanimidade no julgamento,
fundamento do voto divergente).
Barbosa Moreira ensina que “é evidente que, num
determinado instante do procedimento de votação, os
pronunciamentos de todos os votantes hão de ter idêntico
objeto, sob pena de somarem-se quantidades heterogêneas,
o que não permite chegar a nenhuma conclusão válida.
Ou todos se estão manifestando acerca de preliminar, ou
todos acerca do mérito. Não é concebível que, na mesma
etapa, um (ou alguns) votem quanto à preliminar e outro
(ou outros) quanto ao mérito.”5
Assim compreendido, o pronunciamento do órgão
colegiado se completa com o término da manifestação de
cada um dos seus integrantes no momento da sessão de
julgamento.
A exceção é o julgamento unipessoal, nas situações delineadas nos arts. 120, parágrafo único, 527, I, 531, 544, § 4º, 557, caput, e § 1º-A, todos do CPC.
José Frederico Marques, Instituições de direito processual civil, vol. IV, p. 7. Neste sentido parece ser a posição de Athos Gusmão Carneiro, Recurso especial, agravos e agravo interno, p. 227/228.
3
Cf. Calamandrei, Instituiciones de derecho procesal civil, vol. 2, p. 29. Sobre a função do colegiado v., com proveito, G. Zagrebelsky, “Colegialidad”, in Principios e votos. El tribunal constitucional
e la política, p. 62-70
4
Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de processo civil comentado, p. 927.
5
Direito aplicado II, p. 126. No mesmo sentido: “Afigura-se nulo o aresto em que um dos integrantes do colegiado vota em preliminar, sem que os outros o façam, e não vote sobre o mérito, ao contrário
dos restantes desembargadores, em julgamento de apelação.” (TJRJ, 1º Gr. de Câms. Civs., Emb. Infr. 4.139/90, rel. Des. Humberto Manes, apud Alexandre de Paula, Código de processo civil anotado,
vol. 2 p. 2323).
1
2
35
A decisão proferida pelo órgão colegiado recebe
a denominação de acórdão6, cuja estrutura, na essência,
não se difere da sentença. Todo acórdão, além da ementa7
– nota distintiva da decisão singular -, conterá de forma
ordenada e lógica: relatório, fundamentação e dispositivo.
Com o foco no presente trabalho, apesar de não
receber objeto de maiores reflexões, o relatório é peça
fundamental para o adequado julgamento do órgão
colegiado.
2. De início, é preciso considerar que o relatório é
parte integrante do acórdão, como é da sentença.8
Sob o prisma do valor, o relatório transmite a
certeza e a segurança de que todas as alegações das partes
e as provas produzidas no processo foram apreciadas pelo
órgão julgador, caracterizando-se “condição primordial do
prestigio e autoridade do órgão julgador, sinal patente do
cumprimento de um dever precípuo.”9.
No campo da ética “serve o relatório, ainda,
para mostrar que o juiz leu o processo e fixou-lhe as
circunstâncias capitais. Bem haver estudado a causa é uma
das condições para bem julgar”.10
Do ponto de vista da publicidade, o relatório
divulga, para qualquer um que o leia, o que foi debatido
do processo.
Na generalidade dos casos, o relatório é ato de
gabinete e consequência do estudo do processo promovido
pelo relator.11 Enquanto ato processual, o relatório é
essencialmente escrito. Na sessão de julgamento, o
relator dará oralidade ao relatório para expor os “fatos”
que interessam à cognição do colegiado.12 É importante
destacar que “o relator não fica adstrito, na exposição oral,
à pura repetição do que consta do relatório escrito: pode
acrescentar pormenores esclarecedores e deve, se for o caso,
proceder a retificações ou suprir omissões relevantes”.13
Em virtude da dinâmica da sessão de julgamento do
colegiado, em algumas hipóteses, o Código de Processo
Civil14 e os regimentos internos dos tribunais15 determinam
que o relator faça prévia distribuição do relatório. Nada
impede que essa providência, independentemente de
imposição legal ou regimental, possa ser tomada pelo
relator, mormente nos casos de maior complexidade,
porquanto impõe aos demais integrantes do colegiado o
conhecimento antecipado dos relevantes “fatos” que serão
necessários para a tomada da decisão.
O conteúdo do relatório e sua exposição oral são
de suma importância, visto que delimita objetivamente
as questões jurídicas sobre as quais o órgão colegiado
discutirá e decidirá.
Formalmente, o relatório deverá equacionar
cuidadosamente todos os “fatos” necessários à cognição do
colegiado.
Daí por que a melhor doutrina acentua que é
necessário que a exposição do relator “contenha todos os
dados relevantes, dispostos em ordem que lhes facilite a
apreensão e a memorização, sem contudo perder-se em
minúcias fatigantes que desviem a atenção do essencial. A
exposição é puramente objetiva. Descreve o relator os fatos
que deram origem ao pleito, como os tenham narrado as
partes, e mais os que, verificados no curso do processo, se
revistam de interesse para o julgamento”.16
O objeto da exposição resume-se nos fatos
relevantes, tais como “afirmações relevantes das partes, no
que tange às questões de fato ou de direito, mas incertas ou
controversas”17, e provas produzidas no curso do processo.
Além disso, o relatório “deve ser uma narrativa
imparcial do que consta dos autos, sem que da mesma
se deve ou se possa vislumbrar o voto do seu subscritor
a respeito da controvérsia em qualquer de seus pontos.
Serve, apenas, para orientar os demais juízes, evitando a
leitura do processo por todos seus pares, que causaria ainda
maior perda de tempo”.18
Desse modo, ao expor o relatório em sessão de
julgamento, relator “não deve antecipar sua opinião,
nem adotar tom de crítica ou aprovação a qualquer ato
ou pronunciamento das partes ou, sendo o caso, de outro
órgão judicial que antes haja funcionado no processo”19
Em particular, no julgamento colegiado dos
recursos, a praxe forense revela que, em sua exposição
oral, o relator habitualmente reporta-se ao relatório
constante da decisão recorrida. Embora essa prática não
seja aconselhável, principalmente nos casos de maior
complexidade, se tal técnica for empregada, impõe-se
ao relator o dever de reproduzir o relatório20 da decisão
recorrida, com o acréscimo das razões do recurso. Não será
possível adotar semelhante procedimento quando se tratar
Equivocada a conceituação do art. 163 do CPC (“Recebe a denominação de acórdão o julgamento proferido pelos tribunais”), já que os tribunais também proferem decisões unipessoais (ex vi legis
art. 521, I, 531, 541 c/c 544, 557, todos do CPC). Nesse sentido, v. nosso Poderes do relator nos recursos, p. 57. O equívoco foi corrigido pelo Anteprojeto do NCPC (art. 159. Recebe a denominação
de acórdão o julgamento colegiado proferido pelos tribunais).
7
Art. 563 do CPC, art. 862 do NCPC.
8
Cf. Sergio Bermudes, Comentários ao código de processo civil, vol. VII, 2ª edição, Revista dos Tribunais, 1977, p. 364-365.
9
João Monteiro, Theoria do processo civil e commercial, 5ª edição, Typographia Academica, 1936, p. 571.
10
Mario Guimarães, O juiz e a função jurisdicional, Forense, 1958, p. 342.
11
Art. 549. Distribuídos, os autos subirão, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, à conclusão do relator, que, depois de estudá-los, os restituirá à secretaria com o seu “visto”.
12
Art. 554. Na sessão de julgamento, depois de feita a exposição da causa pelo relator (...). Negrão-Gouvea-Bondioli anotam importante precedente do STJ, segundo o qual “tratando-se de procedimento
sumaríssimo [sumário], em que inexiste revisão, o relator da apelação não haverá de, necessariamente, lançar o relatório nos autos, ao pedir dia para julgamento. poderá fazê-lo
oralmente, em sessão, sendo trazido depois para os outros, integrando o acórdão” (Resp 3725/RJ, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 17.9.1990).
13
Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, 15ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 2010, p. 666-667. No mesmo sentido: Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo
Civil, t. VIII, 2ª ed., rev. e atualização legislativa de Sergio Bermudes, Forense, Rio de Janeiro, 2000, p. 213.
14
Assim, por exemplo, nos casos de julgamento de multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito (art. 543-C, §6º, do CPC).
15
Por exemplo, o RISTF, cujo art. 87 dispõe: Aos Ministros julgadores será distribuída cópia do relatório antecipadamente: RISTF: art. 250 c/c art. 273 (também na ACO). I – nas representações por
inconstitucionalidade2 ou para interpretação5 de lei ou ato normativo federal ou estadual; atual dispositivo da CF/1988: art. 102, I, a, §§ 1º e 2º, c/c art. 103, incisos e § 1º a § 4º. Norma não prevista na
CF/1988. Lei n. 9.868/1999: art. 9º, caput (distribuição de cópia do relatório). II – nos feitos em que haja Revisor; RISTF: parágrafo único do art. 243 c/c art. 23, III (AP) – art. 262 c/c art. 23, I (AR) –
art. 268 c/c art. 23, II (RvC). III – nas causas avocadas; Norma não prevista na CF/1988. IV – nos demais feitos, a critério do Relator. RISTF: art. 21, X (quando pede dia), XIV (quando apresenta em
mesa) e § 3º (no Pleno ou na Turma).
16
Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, 15ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 2010, p. 666-667.
17
Araken de Assis, Manual dos recursos, 2ª edição, Revista dos Tribunais, 2008, p. 287.
18
Alcides Mendonça Lima, Introdução aos recursos cíveis, 2ª edição, Revista dos Tribunais, 1976, p. 374-375
19
Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, 15ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 2010, p. 666-667.
20
Sergio S. Fadel assinala que, nesses casos, o relator deverá ler as considerações do relatório da decisão recorrida “por ocasião da sessão de julgamento, para conhecimento dos demais membros do
tribunal” (O processo nos tribunais, Forense, 1981, p. 296).
6
36
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
de processos e incidentes de competência originária dos
tribunais, porquanto, supere-se o truísmo, o relatório será
feito pela primeira vez, em estrita observância ao art. 458,
II, do CPC.
Outra prática que se sujeita aos riscos de um
julgamento nulo, e tem sido absolutamente reiterada,
ao menos em alguns julgamentos do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, é a solicitação do relator para
dispensá-lo da leitura do relatório em sessão de julgamento,
para manifestar diretamente seu voto. Esse comportamento,
ressalvados os casos de teses repetitivas, a princípio,
desnatura a função do julgamento colegiado.
O relatório omisso, obscuro ou contraditório
invariavelmente comprometerá a decisão do colegiado.
Para evitar um julgamento comprometido por um relatório
viciado, essas falhas podem ser corrigidas antes da sessão
julgamento, competindo ao revisor, nos feitos em que
houver, sugerir ao relator o complemento ou a retificação
do relatório. Essas solicitações podem ser feitas durante a
sessão de julgamento por qualquer magistrado ou mesmo
pelo advogado, que deverá usar da palavra pela ordem21 ou,
ainda, pelo membro do Ministério Público.
Via de regra, antes da sessão de julgamento, a
parte poderá acessar o relatório e da sua leitura constatar
equívocos ou omissões que podem conduzir o órgão
colegiado a praticar graves injustiças. Essas inexatidões
podem ser sanadas pela sagacidade do advogado mediante
apresentação de memoriais e/ou durante a sustentação oral,
atraindo a atenção dos demais julgadores. Posteriormente
ao julgamento, a via adequada para suprir essas falhas no
relatório será opor embargos de declaração.
A esse propósito, é preciso discutir quais são as
conseqüências jurídicas para as hipóteses de não haver
relatório no acórdão ou, existindo relatório, esse for
deficiente.
Por ser elemento indeclinável, imperativo e
integrativo do pronunciamento colegiado, que lhe imprime
juridicidade, constituindo premissa para a fundamentação e
dispositivo do acórdão, a falta de relatório enuncia nulidade
absoluta, “ainda que não cominada expressamente pelo
Código”.22-23
Exclusivamente sob a perspectiva da decisão
unipessoal (sentença), a doutrina considera que o relatório
defeituoso pode não gerar nulidade “desde que, pelo exame
da fundamentação, seja possível constatar que o juiz
examinou todos os fatos e os apreciou devidamente”.24
No entanto, esse entendimento não pode ser
aplicado indistintamente para o julgamento colegiado. Isso
porque, à exceção dos casos em que figura o revisor, os
demais integrantes do colegiado não têm contato algum
com o processo antes do julgamento, confiando unicamente
na exposição dos fatos pelo relator. Sem a transmissão
adequada dos fatos processuais, é forçoso concluir que
comprometido estará o debate e a decisão do grupo.
No contexto do princípio do contraditório, o relatório
qualifica-se como elemento intrínseco ao acórdão, por
constituir elemento desse ato, mas com feição extrínseca,
porquanto os fatos que compõem o relatório são discutidos
em sessão de julgamento, formando, progressivamente, o
julgado.
Ainda sob a ótica do princípio do contraditório,
ao transmitir em sessão de julgamento todos os fatos
relevantes do processo, o relator mostra-se como sujeito
colaborador do processo e compromete-se a proporcionar
verdadeiro debate entre os demais integrantes do órgão
colegiado, tornando possível a formação qualitativa do
acórdão, a ensejar maior confiança e segurança às partes.25
Assim, a exposição dos fatos que ocorreram no
processo, de forma defeituosa, limita o contraditório no
órgão colegiado, compromete o “modelo cooperativo”
do processo civil26 e, em última análise, põe em risco o
“processo justo”.27
Finalmente, é preciso notar que o relatório poderá
ser aditado para constar a realização ou renovação do ato
processual destinada a reparar nulidade sanável (art. 515,
§ 4º, do CPC) ou, ainda, para constar a diligência efetuada
posteriormente ao início do julgamento, necessária à
decisão colegiada (art. 560, ambos do CPC).
3. O vício no relatório poderá repercutir no sucesso
da interposição dos recursos de estrito direito
(especial e extraordinário).
É bastante conhecida e firme a jurisprudência
do STF e do STJ, segundo a qual, diante da exigência
constitucional, para que ocorra o julgamento dos recursos
extraordinário ou especial, “faz-se consideradas as
premissas fáticas e jurídicas do acórdão impugnado”.28
No caso de recurso especial interposto com
fundamento no art. 105, III, “c”, da CF, sob pena de não
conhecimento, a divergência jurisprudencial há de ser
comprovada, impondo-se esse ônus ao recorrente, que
deverá demonstrar as circunstâncias que identificam ou
assemelham os casos confrontados, com indicação da
similitude fática e jurídica entre eles. Para que isso ocorra,
é “indispensável a transcrição de trechos do relatório e
do voto dos acórdãos recorrido e paradigma, realizandose o cotejo analítico entre ambos, com o intuito de bem
caracterizar a interpretação legal divergente”.29
Nesse contexto, é preciso notar que as premissas
fáticas e jurídicas somente constarão do acórdão se,
em sessão de julgamento, forem relatados todos os
Art. 7º, X, Lei n. 8.906/1994.
Alcides Mendonça Lima, Introdução aos recursos cíveis, 2ª edição, Revista dos Tribunais, 1976, p. 374-375.
Historicamente os tribunais sempre interpretaram dessa forma: nula é a decisão “que omite o relatório, ou o faz incompleto, pois sem esse requisito não se sabe o que decidiu, a final, o juiz, nem como
ele chegou à conclusão do julgado, se a premissa não foi exposta” (Rev. Forense 246/394).
24
Grinover-Fernandes-Gomes Filho, As nulidades do processo penal, 6ª ed., Revista dos Tribunais, 1999, p. 208.
25
Antonio do Passo Cabral sustenta que o contraditório impõe deveres ao juiz – e no contexto do presente trabalho, ao relator. Nas palavras do professor da UERJ, o primeiro dever do magistrado é
“instalar e promover verdadeiro contraditório judicial sobre as questões discutidas no processo, o que poderíamos denominar de dever de engajamento” (Nulidades no processo moderno, Forense, 2009,
p. 234).
26
V. Fredie Didier Jr., Fundamentos do princípio da cooperação no direito processual civil português, Coimbra Editora, 2010, p. 46-50; Daniel F. Mitidiero, Colaboração no processo civil, Revista dos
Tribunais, 2009, p. 134-140
27
Sobre interseção do contraditório com o processo justo, à luz dos direitos fundamentais, v. Marinoni-Mitidiero, Contraditório e motivação das decisões judiciais, in Direitos fundamentais no Supremo
Tribunal Federal – balanço e crítica, Coord. Daniel Sarmento e Ingo W. Sarlet, Lumen Juris, 2011,p. 562-563.
28
STF, AgReg no RE 471170, rel. Min. Marco Aurélio, j. 7.4.2009; STJ, AgRg na MC 17535/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 17.12.2010.
29
STJ, REsp 448442/MS, rel. Min. Herman Benjamin, DJ 24.9.2010.
21
22
23
37
acontecimentos relevantes que ocorreram durante o curso
do processo, pois, somente assim, o órgão colegiado
julgador poderá discuti-los e qualificá-los juridicamente.
No entanto, caso o relator não transmita
adequadamente os “fatos” essenciais para o julgamento
colegiado e não seja estimulado a complementar seu
relatório, dificilmente a parte recorrente alcançará êxito
com a interposição de recursos extraordinário e/ou especial
contra acórdão constituído por relatório defeituoso,
porquanto, esses recursos, certamente motivarão premissas
fáticas que não estão na decisão do tribunal e muito
provavelmente não serão conhecidos.
4. Conclusão
por esse importante elemento da decisão colegiada constitui
grave equívoco, por violar o princípio fundamental do
contraditório.
Abstract: The paper examines the function of the report
at trial and his collegial relationship with the principle of
contradiction, concluding that the neglect of this important
element of collegial decision is a grave mistake, for
violating the fundamental principle of the contradictory
and may reflect the success of bringing of strict right
resources (special and extraordinary).
Keywords: Report - College Board - Contradictory
principle.
O exposto é suficiente para justificar a importância
do relatório para os julgamentos colegiados. O desprezo
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38
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Taxonomia da sanção civil: para uma caracterização do objeto da
responsabilidade civil
MAURÍCIO B. BUNAZAR
Mestrando em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco-USP. Professor de Direito Civil.
Advogado.
Resumo: Para esclarecer qual é o objetivo da responsabilidade civil, o autor do presente trabalho jurídico analisa aspectos
da responsabilidade jurídica, localiza a responsabilidade civil no sistema, elabora a taxonomia da sanção civil identificando
as suas espécies “sentido amplo” e “sentido estrito” e conclui que só haverá responsabilidade civil em sentido estrito nas
hipóteses em que ocorrer ato ilícito e conseqüência insuportável ou ato lícito e conseqüência insuportável, pois só estas
possuem o constante necessário (ainda que nem sempre suficiente) para deflagração da estrutura de responsabilização
civil senso estrito: o dano-injusto.
Palavras chaves: Responsabilidade. Responsabilidade civil. Taxonomia. Sanção civil.
Introdução
Este trabalho almeja responder a uma pergunta:
qual o objetivo da responsabilidade civil?
A pergunta é singela e a resposta aparentemente
simples: a indenização.
No entanto, esta resposta não mais pode ser dada
sem justificativa, pois vários dos partícipes que formam o
complexo sistema jurídico, seja como órgãos de input ou
output1, têm buscado ampliar aquele objetivo por meio da
inclusão de uma função punitiva à responsabilidade civil.
O problema é que tal ampliação é feita sem
considerações sistemáticas e, com raríssimas exceções,
quase que numa inocente busca por uma “justiça”
demagógica.
O que visamos aqui, então, é apenas reforçar
aquela resposta simples e, para tanto, buscaremos, sem
pretensão de esgotamento, inventariar, dentro do ambiente
normativo do Código Civil de 2002, as várias espécies de
sanção, com o que, cremos, aclararemos o real objeto da
responsabilidade civil.
1. Responsabilidade jurídica
A responsabilidade jurídica é o produto das normas
jurídicas que tratam do dever imposto a alguém de responder
(= arcar com as conseqüências normativamente impostas)
pelos efeitos de atos próprios, atos de terceiro e fato de
animais e coisas, normas estas que uma vez incidentes,
conferem ao sujeito de direito o status de responsável, cuja
antítese é o status de irresponsável.
A responsabilização jurídica é a responsabilidade
jurídica – potência – em movimento (ato), ou seja, é o
resultado da deflagração do funcionamento da estrutura
jurídica de imputação de conseqüências aos sujeitos.
Sob esse ponto de vista e tendo sempre claro que a
divisão em campos, áreas ou ramos do direito é puramente
didática, a responsabilidade jurídica pode ser fundamento
para responsabilização penal (= responsabilização
jurídica com conseqüências pré-estabelecidas por normas
qualificadas como de direito penal) e/ou administrativa
(=responsabilização jurídica com conseqüências préestabelecidas por normas qualificadas como de direito
administrativo) e/ou civil (responsabilização jurídica com
conseqüências pré-estabelecidas por normas qualificadas
como de direito civil).
Cuidaremos, apenas, da responsabilidade e
responsabilização jurídica civil.
2. Responsabilidade civil: uma abordagem em
sentido em sentido amplo e em sentido estrito
Se a responsabilidade jurídica é o produto das
normas jurídicas que tratam do dever imposto a alguém
de responder pelos efeitos de atos próprios, atos de
terceiro e fato de animais e coisas, podemos dizer que a
responsabilidade jurídica civil especializa-se em razão de
tais normas pertencerem ao ordenamento jurídico civil2.
Chamaremos, então, de responsabilidade civil em
sentido amplo à responsabilidade jurídica que decorra de
normas pertencentes ao ordenamento jurídico de direito
civil.
Sobre a complexidade do sistema jurídico e a interação entre seus elementos componentes, confira Antonio Junqueira de Azevedo, O direito como sistema complexo e de 2º ordem; sua autonomia. Ato
nulo e ato ilícito. Diferença de espírito entre responsabilidade civil e penal. Necessidade de prejuízo para haver direito á indenização na responsabilidade civil. in. Pareceres de Direito Privado. São
Paulo. Ed. Saraiva, 2004, p. 25 –37.
2
Reitere-se que essa divisão em ramos ou, aqui, ordenamentos é artificial, porém útil à exposição.
1
39
Dentro deste universo, procederemos à taxonomia
da sanção no Código Civil, para, ao final, ligarmos a
responsabilidade civil em sentido estrito à sua sanção
própria, qual seja a consistente na imposição do dever de
indenizar o dano injusto.
3. Taxonomia da sanção no Código Civil3
Buscaremos classificar, sob o critério exclusivo da
forma de anatematização da situação jurídica insuportável,
a sanção dentro do universo do Código Civil e, para tanto,
valer-nos-emos da ideia geral de sanção e de exemplos de
sanção retirados daquele universo.
A sanção é classicamente entendida como a resposta
que o ordenamento jurídico dá à sua violação4
Essa resposta impõe-se objetivamente, é dizer,
independentemente de qualquer juízo de valor sobre a
forma ou razão da violação do ordenamento jurídico5.
Com efeito, o próprio sistema jurídico elenca quais
as formas de sua violação e qual a resposta que dará em
cada caso. O fato da violação em si é objetivo, porém a
forma pela qual ocorreu pode ou não sê-lo
Explicamos: o sistema jurídico pré-determina quais
situações jurídicas não tolera e as sanciona a seu modo.
Essas situações jurídicas intoleráveis podem consistir numa
conduta (ação – ato ou atividade-, ou omissão) e/ou num
resultado. O sistema jurídico, em cada caso, descreverá
abstratamente a situação jurídica intolerável- é dizer, darlhe-á os contornos (ou, em linguagem ponteana, descreverá
seu suporte fático) – e a forma de, uma vez verificada no
mundo fenomênico, anatematizá-la.
Disso resulta que o suporte fático cuja concreção no
mundo fenomênico ensejará a sanção poderá ser composto
segundo um dos seguintes modelos:
(i) após a valoração negativa de uma conduta
causadora de um resultado intolerável (dano injusto
causado por conduta culposa ou dolosa);
(ii) após a valoração negativa de um resultado com
abstração da valoração da conduta que o ensejou (dano
injusto por atividade lícita, por exemplo, dever de indenizar
o terceiro que sofra dano injusto quando do exercício de
conduta encoberta pela excludente da ilicitude do estado
de necessidade);
(iii) após apenas a valoração negativa da conduta
com abstração de qualquer resultado (certos casos de abuso
do direito, por exemplo, alguém constrói obra animado
exclusivamente pelo fim impedir a incidência do sol sobre
o prédio vizinho. É possível que seja condenado a desfazer
a obra antes mesmo que haja um dia de sol, ou seja, antes
que sua conduta produza o resultado).
Destarte, vejamos quais as sanções impostas pelo
Código Civil.
Podemos arrolar, repita-se, sem pretensão exaustiva,
as seguintes sanções no Código Civil:
(i) Sanção consistente na invalidação de ato
jurídico em sentido estrito ou negócio jurídico6.
Exemplos: artigos 166 e 171.
(ii) Sanção consistente na perda de uma posição
jurídica ativa (sanção caducificante7).
Exemplos: Parágrafo único do artigo 33 ( “se
o ausente aparecer e ficar provado que a ausência foi
voluntária e injustificada, perderá ele, em favor do
sucessor, sua parte nos frutos e rendimentos”); artigo
150 (dolo bilateral. Perde-se tanto a posição jurídica ativa
de pleitear a anulação quanto a posição jurídica ativa de
exigir indenização); artigo 446 (“mas o adquirente deve
denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes
ao seu descobrimento, sob pena de decadência”); artigo
583 (“Se, correndo risco o objeto do comodato juntamente
com outros do comodatário, antepuser este a salvação dos
seus abandonando o do comodante, responderá pelo dano
ocorrido, ainda que se possa atribuir a caso fortuito, ou
força maior”. No caso, haverá perda da posição jurídica
ativa de alegar ocorrência de caso fortuito ou força maior);
artigo 1.255 a contrario (se agiu de má-fé, perde a posição
jurídica ativa de exigir a indenização); artigo 1.638 (perda
do poder familiar); artigo 1.814 (indignidade); artigo
1.992 (sonegados) etc.
(iii) Sanção consistente na imposição do dever
de imputação patrimonial a título de pena (multa em
sentido estrito).
Exemplos: artigos 939 e 940; parágrafo único do
artigo. 1.258 (“pagando em décuplo as perdas e danos,
o construtor de má-fé)”; parágrafo 2º do artigo 1.336;
artigo 1.337.
(iv) Sanção consistente na imposição do dever de
fazer ou não-fazer algo sem que necessariamente tenha
ocorrido ou antes que ocorra dano injusto.
Exemplos: artigo 12 (“exigir que cesse a ameaça”);
artigo 20 (“....poderão ser proibidas, sem prejuízo da
indenização, ....ou se se destinarem a fins comerciais”. A
proibição não exige dano algum no caso de ser propaganda
A base para essa classificação é a obra de Pontes de Miranda , mais especificamente o Tomo 2 , p. 193 e seguintes do seu Tratado de Direito Privado. No entanto, diferentemente do jurista, que parte do
fato ilícito, partiremos da resposta do ordenamento jurídico à sua violação, pois não há correspondência necessária entre a ilicitude do fato e a sanção.
4
Não ignoramos a existência da chamada sanção premial, mas dela não cuidaremos, pois nosso objetivo, neste estudo, é investigar respostas a situações indesejáveis, e não técnicas de estímulo a certos
comportamentos. Para conhecimento da ideia de sanção premial, remetemos à obra de Norberto Bobbio Da Estrutura à Função. São Paulo: Manole, 2006.
5
Aqui há que se ter cuidado para não confundir o conseqüente (imposição da sanção) com o antecedente (o que levou à imposição da sanção).
6
José de Oliveira Ascensão constrói interessante raciocínio para negar que a invalidação é sanção. Confira O Direito. Ed. Almedina: 2005
7
Pontes de Miranda fala em atos ilícitos caducificantes, ensinando que “os atos ilícitos caducificantes são aqueles atos culposos que, contrários a direito, têm como eficácia jurídica (= irradiação de
conseqüências jurídicas) a caducidade. Os elementos contrariedade a direito e culpa é que os diferenciam das outras espécies de caducidade. Porque caducidade é eficácia (Tratado de Direito Privado,
Tomo 2, p. 205. Sem negrito no original.). Veja que Pontes inclui no suporte fático do ato ilícito com eficácia caducificante a culpa, quando há casos em que há ilícito caducificante (= ato ilícito com
sanção caducificante) em que o elemento culpa é irrelevante e, se há, sobeja. Pense-se, por exemplo, na figura prevista no artigo 446 do Código Civil.
3
40
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
comercial); artigo 1.277; artigo 1.280 (tanto não há dano
que o artigo fala em caução pelo dano iminente); artigo
1.302; artigo 1308 (“suscetíveis de produzir infiltrações
ou interferências prejudiciais ao vizinho”. Note que não
se exige a infiltração ou interferência prejudicial, basta a
possibilidade de uma ou outra).
(v) Sanção consistente na imposição do dever de
fazer algo a título de indenização.
Exemplos: artigos 186 e 187 combinados com o
927; e parágrafo único do 927; artigo 929; artigo 932.
Todas as modalidades de sanções acima referidas
encontram-se no campo daquilo que, para fins expositivos,
resolvemos chamar de responsabilidade civil em sentido
amplo.
A responsabilidade civil em sentido estrito, no
entanto, tem como única sanção a consistente no dever de
indenizar (v), vejamo-la.
4. Responsabilidade civil em sentido estrito
No campo da responsabilidade civil, a que
chamamos responsabilidade civil em sentido estrito, existe
uma norma implícita a partir da qual estrutura-se todo o
esquema de imputação do dever de indenizar.
Essa norma pode ser descrita de modo lógicoformal da seguinte forma: se for causado dano injusto,
haverá obrigação de indenizar.
A causação do dano injusto é o pressuposto; a
obrigação de indenizar é a conseqüência.
A partir dessa norma hipotética, podemos aclarar
quais as questões próprias da responsabilidade civil em
sentido estrito e, conseqüentemente, avaliar as possíveis
soluções oferecidas pela doutrina e jurisprudência.
Entendemos que, entre várias outras possíveis, são
fundamentais à responsabilidade civil em sentido estrito as
seguintes questões: (i) quais danos são injustos; (ii) quem
causou o dano qualificado como injusto; (iii) quem deve
indenizar; (iv) que é indenização ( =o que enche a fórmula
dogmática indenização, ou o que é necessário pra que se
considere indene a situação jurídica que apresentava danoprejuízo).
Todos esses problemas podem e devem ser
resolvidos pelo sistema jurídico, desde que encarado em
uma visão material, e não puramente formal8.
O problema (i) é puramente sistemático, pois é o
sistema jurídico que, via de regra por exclusão, determinará
quais são os danos justos. É dizer, em regra o sistema
jurídico impõe a reparação dos danos-prejuízos sofridos,
mas em algumas hipóteses determina que aquele que o
sofreu o suporte. Pense-se, por exemplo, no dano-prejuízo
estético sofrido por um criminoso ao ter sua prisão efetuada
por um policial em estrito cumprimento do dever legal.
O problema (ii) em regra é resolvido com dados do
mundo fenomênico, o que não significa que a solução não é
sistemática, afinal é o sistema jurídico que predeterminará
quais dados do mundo fenomênico devem ser considerados
pelo intérprete.
Pensemos na seguinte hipótese: uma pessoa física
conduz um cão bravio, que vem a morder um pedestre.
No caso, a causação física do dano injusto foi levada a
efeito por um não-sujeito de direto e a solução jurídica será
sempre a atribuição da autoria da causação (em sentido
jurídico) a um sujeito de direito, ou seja, com superação da
realidade fenomênica.
Ademais, esse sujeito de direito a quem foi
imputada a causação jurídica do dano não necessariamente
será quem arcará com a indenização, por exemplo, se o cão
estivesse sendo conduzido por um menor sob autoridade e
companhia dos pais
O problema (iii) é também sistemático na
medida em que o sistema jurídico é livre para eleger a
quem imputará a responsabilidade pela reparação ou
compensação dos danos-prejuízos injustos, não tendo de
buscar identidade com a realidade fenomênica, embora
possa fazê-lo e normalmente o faça. Pense-se, por exemplo,
na pré-exclusão de alegação de fato exclusivo de terceiro
positivada pelo artigo 734 do Código Civil.
O problema (iv) é também sistemático, já que é o
sistema jurídico que confere ao julgador as balizas (por
exemplo, artigo 944, caput e parágrafo único do Código
Civil) para determinar como o responsável anatematizará o
dano-prejuízo injusto.
Tais balizas podem ser mais precisas, como ocorre
no dano patrimonial; ou mais tênues, no caso do dano
moral. Porém, de forma alguma se pode confundir uma
baliza tênue com ausência de baliza. O que há no caso
do dano moral ou do dano ambiental extrapatrimonial,
por exemplo, é uma maior discricionariedade do juiz
na apreciação da existência e extensão do dano, o que,
conseqüentemente, repercutirá na forma e/ou montante da
indenização.
Notemos que o juiz deve se ater ao dano-prejuízo,
vale dizer, primeiro verificará sua ocorrência, depois
sua extensão (artigo 944 do Código Civil) e com base
exclusivamente em critérios fornecidos pelo sistema
jurídico (por exemplo, parágrafo único do artigo 944 do
Código Civil e parágrafo único do artigo 928 do Código
Civil) fixará a forma e/ou montante da indenização.
Com base no que expusemos, podemos descrever
possíveis situações jurídicas com repercussão para o
ordenamento jurídico civil, para, ao final, delimitarmos com
precisão qual o campo de incidência da responsabilidade
civil em sentido estrito.
8
Sobre uma visão de sistema jurídico material, remetemos ao nosso O duplo tratamento legal do bem de família e suas repercussões práticas, Direito de Família e Sucessões. Temas atuais, coordenação
de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Flávio Tartuce e José Fernando Simão, São Paulo, Ed. Método, 2009.
41
Assim é possível que haja:
I- Ato ilícito e conseqüência insuportável:
Conduta culposa (ato ilícito) causadora de dano
injusto (conseqüência insuportável); abuso do direito
(ato insuportável) e dano injusto alheio (conseqüência
insuportável).
II- Ato lícito e conseqüência suportável:
(i) sem prejuízo para ninguém: Transporte de pessoas
(ato lícito) com extinção do contrato pelo cumprimento
(conseqüência suportável);
(ii) com dano prejuízo – justo – para alguém: reação
em legítima defesa (ato lícito) causadora de dano estético
ao agressor (conseqüência suportável).
III- Ato lícito e conseqüência insuportável (danoprejuízo injusto):
Ato em exercício de estado de necessidade (ato
lícito) com dano-prejuízo a patrimônio do não-agressor
(conseqüência insuportável).
Atividade criadora de risco, porém estimulada pelo
Estado inclusive com incentivos fiscais (ato lícito) com
dano-prejuízo ambiental (conseqüência insuportável).
IV- Ato ilícito sem conseqüência:
Conduta culposa sem causação de qualquer danoprejuízo.
Partindo dessas hipóteses, podemos afirmar
que só haverá responsabilidade civil em sentido estrito
nas hipóteses I e III, pois só estas possuem o constante
necessário (ainda que nem sempre suficiente) para
deflagração da estrutura de responsabilização civil senso
estrito: o dano-injusto.
Abstract: To clarify what is the purpose of civil liability, the
author of this paper examines legal aspects of legal liability,
civil liability is located in the system, draw up a taxonomy
of the civil penalty identifying their species “broad sense”
and “strict sense” and concludes that there will be liability
only in the strict sense occur in cases in which tort and
consequence unbearable or intolerable act lawfully and
consequence, because only they have the constant need
(though not always sufficient) condition for the outbreak of
civil liability structure of strict sense : the damage-unfair.
Key words: Responsibility. Liability. Taxonomy. Civil
penalty.
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42
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
O Design e o Desenvolvimento de Produtos Sustentáveis
CARLA LUPINACCI POÇAS
Arquiteta graduada em São Paulo. Fez curso em Design, pelo Instituto Europeu de Design (IED) em Milão.
Pós-graduação em Meio Ambiente Desenvolvimento Sustentável e Questões Globais pela Fundação Armando Álvares
Penteado (FAAP) em São Paulo. Atua nas áreas de arquitetura promocional criando projetos para implantação no
varejo, coordenação no setor de eventos institucionais e faz parte do grupo de trabalho multidisciplinar “Nossa Terra”,
ministrando palestras em educação ambiental com foco em sustentabilidade nas empresas.
Resumo: O trabalho compreende o desafio de discutir o desenvolvimento de produtos sustentáveis por meio do panorama
da evolução do design e seu processo criativo. O design segue como uma possibilidade para a inovação, pois interfere
na concepção do produto, em seu ciclo de vida e no modelo de produção industrial. Importante hoje é tentar promover
mudança na cultura do consumo, estilo de vida e comportamento social com a inserção da variável ambiental. Neste
contexto destaca-se a relevância da adoção de abordagens interdiciplinares do design, bem como nos serviços oferecidos
a sociedade, criando produtos que se adéqüem ao conceito de sustentabilidade em sua visão mais ampla, considerando as
dimensões culturais, econômicas, políticas, tecnológicas, ambientais e sociais.
Palavras-chave: Consumo. Sustentabilidade. Design. Produtos sustentáveis.
Desenvolvimento
Introdução
O objetivo deste artigo é tratar da concepção do
desenvolvimento de produtos sustentáveis.
O design vem desempenhando um papel
fundamental no processo de criação dos produtos, por
meio da determinação do material utilizado em sua
confecção/fabricação e especificação da possibilidade
de reaproveitamento, minimizando assim, o impacto
ambiental.
A relação do homem com o meio ambiente vem se
transformando ao longo do tempo. A utilização dos recursos
naturais na produção de novos produtos aumenta cada vez
mais, principalmente a partir da revolução industrial e do
crescimento populacional.
Nos últimos 30 anos, a sociedade vem, aos poucos,
se conscientizando dos limites do planeta e da necessidade
de reconstrução de uma nova ordem econômica, pois o
cenário de degradação no meio ambiente está cada vez mais
preocupante.
O sistema econômico baseado na demanda de bens de
consumo, industrializados e constantemente renovados, atua
de forma implícita e imediata na exploração dos recursos
naturais. Hoje, podemos identificar os impactos das atividades
humanas e suas conseqüências na economia.
Mudar a forma de consumo faz parte do processo
de pensar e trabalhar o ecodesign, ou seja, integrar o
desenvolvimento sustentável na concepção dos bens,
produtos e serviços. Essa mudança exige uma alteração
de comportamento da sociedade de consumo, ou seja, para
uma sociedade que dita o bom uso desses produtos.
Os produtos devem ser concebidos de outra maneira,
redefinindo-os e reavaliando a sua utilização e a sua
necessidade, aliviando o peso da entrada desses produtos
na economia do planeta. Diante dessa interferência que
é universal, as propostas devem ser pensadas em escala
humana planetária.
Os bens produzidos pelas empresas são a principal
razão para o desafio de mudança na cadeia produtiva
por meio do aprimoramento tecnológico e da oferta de
alternativas criativas.
A produção de objetos de nosso dia a dia deve
mudar, pois não se trata de produzir menos e sim produzir
diferente, de outro modo: imaginar objetos eficientes e
de uso simples, onde o seu final de vida esteja previsto e
controlado.
A sustentabilidade tem um conceito dinâmico,
considerando a constante expansão da sociedade e o
desenvolvimento.
Este artigo abordará dois conceitos básicos
e contextualização histórica do tema para melhor
entendimento.
Breve Histórico
O século XX testemunhou o mais rápido avanço
tecnológico de nossa história e também com isso as maiores
degradações ao meio ambiente.
43
O aumento da produtividade após a revolução
industrial, o acúmulo de capital e a utilização da máquina a
vapor representaram um domínio humano sobre a natureza e
seus recursos, permitindo empregar tecnologia para realizar
as tarefas que antes só podiam ser realizadas manualmente,
aumentando a quantidade de recursos utilizados.
A revolução industrial e a geração de energia foram
acontecimentos que mudaram o século XX, influenciaram no
processo de desenvolvimento industrial e na forma com que a
sociedade se relacionava com o comércio e com o consumo.
Foi a partir de então que o consumo se intensificou
exigindo dos fabricantes um maior uso de matéria-prima.
Naquela época não se pensava em limites, limites para uso
dos recursos naturais.
A idéia era extrair cada vez mais para se desenvolver
e isso significava a expansão das cidades, do consumo e da
economia. Havia uma associação direta entre consumo e
crescimento.
A história mostra que a crescente escassez de
recursos naturais é uma preocupação periódica, onde há
relatos de previsões alarmantes que vêm sendo feitas há
vários anos.
No século XVIII, Thomaz R. Malthus previu que
uma catástrofe de fome atingiria a sociedade devido à
grande taxa de crescimento, que era superior à capacidade
de produção da época. Outro exemplo, que um século
depois W Stanley Jevons previu que as reservas de carvão
na Inglaterra esgotariam em poucos anos. Foi então que
em 1972 o Clube de Roma publicou o relatório “Limites
do Crescimento”, onde fez uma previsão das principais
reservas naturais.
Essa problemática, por exemplo, foi lembrada na
Convenção de Estocolmo, em 1972, e na Convenção do
Rio de Janeiro, em 1992.
O desequilíbrio na natureza começa a ser percebido
e foi nesse momento que a sociedade e órgão públicos
começaram a perceber que a degradação ambiental e o
risco de colapso, realmente existiam. A sociedade avançava
de forma desigual. A pobreza era um sinal da crise em um
mundo que estava ficando cada vez mais globalizado.
Nesse panorama da Conferência Rio 1992, as
entidades expõem os relatos sobre o desenvolvimento e a
sustentabilidade, sugerindo o que se deve amparar para as
comunidades e pessoas. Foi ressaltadaa ainda a conservação
da biodiversidade e dos processos naturais que regulam e
mantém a vida na terra.
A sociedade precisa encontrar o equilíbrio para
manter a capacidade de produzir insumos, alimentos e
energia. A idéia de um desenvolvimento sustentável faz
com que se reflita sobre a forma de produção e de consumo,
sobre como contribuem para mudar a vida cotidiana de seu
usuário e as condições de vida no planeta, encontrando
inspirações comuns nos valores do desenvolvimento
sustentável.
A relação entre o crescimento econômico e utilização
dos recursos naturais ainda é um desafio, uma vez que os
44
recursos naturais são limitados.
Por isso, a criação de novos produtos com design
sustentável e inovação social será tratada aqui.
O Design
O conceito de design influencia a nossa sociedade
e os novos conceitos que surgiram a partir da preocupação
em contribuir e defender uma nova idéia. O design com
viés sustentável sugere um formato para a criação dos
produtos por meio da diminuição do impacto na produção,
consumo e destinação final, ou seja, do seu ciclo de vida.
O designer tem um papel importante na
transformação da sociedade. É ele que pensa as novidades
que afetarão o modo de vida dos consumidores, seja de
produtos e aplicações ou serviços.
Victor Papanek acreditava em um designer
concentrado em três fatores: no homem, na ecologia e na
ética, e ainda, acreditava que o que importa dessa profissão
é a relação com as pessoas (KAZAZIAN, 2005, p.13-25).
Dessa forma, a função do designer pode ser
entendida como aquela que liga o que é possível tecnica
e tecnologicamente ao que é ecologicamente necessário.
Papanek aponta, inclusive, o crescimento da demanda
por profissionais especialistas e intermediários culturais,
capazes de produzir novos bens e fornecer as interpretações
necessárias sobre seu uso (KAZAZIAN, 2005, P. 13-25).
A atuação do designer como influenciador de
uma nova forma de pensar e agir, uma nova atitude é
importante. Ele é responsável pela concepção do projeto
e responsável pela maneira e pela forma como que deverá
ser usado. Júnior e Platcheck (2010) exemplificam isso no
texto seguinte:
A velocidade e a dinâmica imposta pelo mercado,
que pode vir de clientes, concorrentes ou a indústria,
exige uma flexibilidade muito grande e salienta a
necessidade de dominar as várias formas de buscar
e atingir o sucesso de um produto em um espaço de
tempo o mais curto possível.
A tecnologia minimizou o tempo de desenvolvimento
de um produto, mas a pesquisa e a metodologia
necessárias para conhecer o desejo do cliente e do
empresariado ainda são compiladas, na sua grande
parte, pela intuição do designer que usa dados
levantados, tendências e procedimentos técnicos
assegurando assim o caminho escolhido para o
projeto e minimizando riscos dos investimentos
aplicados.
Os profissionais de Design assim como os
empresários devem ser os principais condutores
da mudança em curso e da quebra de paradigma
de extração de recursos naturais para outro mais
evoluído e sustentável.
Essa mudança dos paradigmas deve ocorrer tanto
nos processos de produção como nos produtos
finais, não se restringindo apenas ao cumprimento
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
das leis, mas, aproveitando os benefícios e
oportunidades que a proteção ambiental pode
proporcionar através da colaboração de empresas
e, conseqüentemente, do crescimento da produção
de produtos ecologicamente eficientes através da
aplicação do Ecodesign, o que certamente trará
benefícios e oportunidades às empresas.
É dentro desse contexto, que o Ecodesign deve ser
assumido como um desafio que as empresas, mais
cedo ou mais tarde, terão de assumir e, para o qual,
deverão preparar-se desde logo.
Empresas que buscam o design sustentável
Os seres humanos e suas empresas têm algo em
comum: produzem detritos. No entanto, na natureza, o que
é detrito para uma espécie é alimento para outra. Assim a
natureza está sempre reciclando. É o que deveriam buscar
as empresas que almejam ser sustentáveis. Estas empresas
deveriam estabelecer sistemas de produção cujo objetivo
final é gerar zero resíduo (ALMEIDA, 2002).
A geração zero de resíduos é “[...] uma aproximação
da produção limpa pela redução máxima do conjunto de
outputs e a venda das emissões restantes a outras empresas
como matérias secundárias” (KAZAZIAN, 2005, p. 52).
Dever-se-ia buscar um aproveitamento completo. Atitudes
como essa podem garantir um tempo necessário, para que
seja realizada a transição até uma sociedade sustentável.
Os sistemas industriais complexos de hoje (aqueles
que não se preocupam com a gestão ambiental), sob o
aspecto da organização e da tecnologia, são a principal
força de degradação ambiental. Por isso devem-se repensar
as tecnologias e instituições sociais, para aproximar
os projetos humanos e os sistemas ecologicamente
sustentáveis.
Uma comunidade sustentável é feita de tal maneira
que sua economia, seus negócios, suas tecnologias e suas
estruturas físicas não entrem em conflito com a capacidade
de suporte dos recursos naturais. Diferentemente da forma
atual de produção que é insustentável dos pontos de
vista social e ecológico, e por isso inviável a longo prazo
(CAPRA, 2002).
Assim, na sociedade sustentável os fabricantes
deverão oferecer produtos ecologicamente corretos,
com alternativas socialmente aceitáveis e favoráveis
ao ambiente, para que este não seja sobrecarregado
(MANZINI; VEZZOLI, 2005).
A sustentabilidade deverá ser uma nova forma de
pensar mundial. Para a qual é necessária a mudança de
atitude das nações, instituições, indivíduos e principalmente
das empresas.
Sendo assim, empresas também devem assumir
seu novo papel, diferenciando-se do que vem sendo feito
até hoje. Tornando-se parte da solução, promovendo a
ética e agindo como atores sociais importantes na cadeia
produtiva.
1
Do berço ao berço: um novo olhar para o design e
para a forma de produção
O arquiteto americano William McDounough e o
químico alemão Dr. Michael Braungart foram os idealizadores
do conceito Cradle to Cradle1(Conceito do berço ao berço).
Em1995, começaram um movimento no cenário verde,
mudando os paradigmas da época. Apresentaram projetos
realmente inovadores. Eles desencadearam uma revolução
no design e na forma de conceber o produto. Começaram a
analisar a composição química dos objetos, evidenciando a
possibilidade de reverter os resíduos gerados em alimento,
estimulando um ciclo de vida circular e não linear,
entendendo a terra como um sistema inteiro e o lixo como
alimento (McDOUNOUGH e BRAUNGART, 2009).
Eles sugerem um modelo para o conceito do
berço ao berço (C2C). A idéia consiste na eliminação de
resíduos por meio de projetos diferenciados, propondo
o design sustentável baseados nas leis da natureza,
podendo transformar a economia de consumo em
uma ação regenerativa. A proposta C2C sugere criar,
redesenhar os produtos e ingredientes para se tornarem
nutrientes, permitindo dessa forma, que produtos antigos
se tornem matéria-prima para novos produtos e serviços
(McDOUNOUGH e BRAUNGART, 2009, p. 3-16).
Segundo McDounough, o planejamento do berço ao
berço (C2C) oferece o mesmo fluxo cíclico da natureza,
por meio de ciclos regenerativos, proporcionando projetos
e produtos totalmente positivos ao meio ambiente. Dessa
forma, o produto, em vez de poluir, pode se tornar agente
purificador do ar, da terra e da água, utilizando materiais
seguros e sadios, reabastecendo o meio ambiente com essa
matéria-prima sendo eternamente reaproveitada.
Esse novo conceito vai além da modernização ou
diminuição dos efeitos industriais. Reflete sobre a forma
de pensar o produto em diferentes abordagens fugindo das
convencionais.
O planejamento do berço ao berço (C2C) poderá
ser uma estratégia útil para essa transição, fazendo uso de
alguns de seus conceitos que defendem o uso da energia
eficiente para a fabricação dos produtos, pensando na
reciclagem dos materiais e na diminuição do consumo,
tendendo a reduzir os impactos que hoje são gerados
pela sociedade. Não impede, no entanto, de interferir na
natureza, mas propõe uma interferência consciente. Por
exemplo: a reciclagem de carpetes, pode reduzir o consumo,
porém, caso o forro contenha PVC em sua composição, o
que na maioria das vezes acontece, o produto irá para o
aterro e poderá se transformar em um resíduo perigoso ao
ecossistema e também a nossa saúde.
Os critérios do planejamento do berço ao berço
(C2C) estimulam uma economia circular, na qual o setor
industrial produz os materiais considerando sua composição
as questões químicas, a energia limpa e a geração de
Disponível em http://www.mbdc.com/detail.aspx?linkid=1&sublink=6. Acesso em 14 nov 2010.
45
resíduos, itens estratégicos para a proposta do sistema
de ciclo fechado do berço ao berço (McDOUNOUGH e
BRAUNGART, 2009).
A estrutura C2C vem evoluindo na última década. Da
teoria para a prática, novos projetos têm sido implantados
por meio da adoção do conceito do berço ao berço.
No setor industrial, já esta se adotando uma nova
forma de conceber os produtos, considerando a matériaprima como nutriente, da mesma forma como ocorre
na natureza. O resíduo de um organismo circula pelo
ecossistema, tornando-se alimento para outros seres vivos.
Nesse movimento cíclico da natureza não há desperdícios
ou resíduos (MBDC, 2010).
Alguns nutrientes biológicos e técnicos já estão
sendo comercializados. Por exemplo, o tecido da empresa
Climatex Lifecycle, que é uma mistura de lã livre de
resíduos e pesticidas e rami cultivado organicamente,
tingido e processado inteiramente sem toxinas. Todo o
seu processo de fabricação e insumos foi desenvolvido
em função da segurança humana e ecológica, respeitando
o metabolismo biológico. Como resultado, temos todos os
retalhos do tecido sendo transformado em feltro e utilizado
por agricultores como matéria vegetal para o cultivo de
flores e frutas retornando, dessa forma, os nutrientes ao
solo (McDOUNOUGH e BRAUNGART, 2009, p. 101114).
O novo conceito de produto e de serviços que
podem ser oferecido pelas empresas à sociedade pode
mudar totalmente o estilo de consumo, na medida em que
os materiais utilizados retornem ao meio ambiente como
nutrientes. Tornam-se reutilizáveis por meio de um sistema
com a qualidade ainda maior e sem toxinas. A reciclagem
será ascendente, ou seja, teremos produtos melhores e um
sistema de produção mais inteligente e saudável gerando
segurança (McDOUNOUGH e BRAUNGART, 2009, p.
101-114).
Os resíduos gerados podem se tornar alimento para
o solo e animais, eles retornam para a natureza de uma
forma diferente, mais respeitando o modelo circular da
natureza, onde não ha desperdícios (McDOUNOUGH e
BRAUNGART, 2009, p. 101-114). Pensando dessa forma o
consumo de produtos não tóxicos e que sirva de nutrientes,
o ato de consumir conscientemente fará parte do ciclo de
vida do produto e também da economia.
O conceito C2C vai além dos conceitos
anteriormente estudados, pois seu objetivo não é reduzir os
impactos negativos (ecoeficiencia)2, e sim aumentar seus
impactos positivos (ecoeficacia)3. Por isso, é necessário
conhecer os processos produtivos que são seguros ao
metabolismo biológico e refletir sobre esse processo no
metabolismo técnico industrial. Para isso, é necessário
criar o produto considerando seus componentes químicos
e projetá-lo pensando na recuperação e reaproveitamento
contínuos integrando os produtos consumidos ao meio
ambiente e com responsabilidade social (MBDC, 2010).
C2C defende alguns princípios referentes à energia,
água, e responsabilidade social, são eles:
- Eliminar o conceito de resíduo. “Lixo é alimento”4:
Produtos com o ciclo de vida circular e seguros para a
saúde humana e ao ambiente, podendo ser reutilizados
perpetuamente através de técnicas e metabolismo biológico.
Criar e participar de um sistema de coleta par recuperar o
valor desses materiais após o seu uso.
- Alimentação com energia renovável. “Usar receita
solar”: maximizar a utilização de energia solar.
- Sistema naturais de respeito. “Celebrar a
diversidade”: gerenciar o uso da água para maximizar a sua
qualidade promovendo ecossistemas saudáveis respeitando
os impactos locais.
A aplicação do modelo C2C elimina o conceito
de resíduo e sugere que os resíduos sejam alimentos/
nutrientes, desde que em sua composição não contenham
substancias tóxicas à saúde ou à natureza. Considera a
saúde ambiental e humana; as características dos materiais
ao longo de seu ciclo de vida; a reciclagem dos produtos/
biodegrabilidade; a eficácia da recuperação e reciclagem
dos produtos; o uso de energias renováveis, a gestão da
água e a responsabilidade social (McDOUNOUGH e
BRAUNGART, 2009, p. 101-114).
Finalizadas as etapas de avaliação do material, de
desenvolvimento do produto, a próxima etapa é efetuar a
certificação dos produtos para ser comercializado de forma
controlada.
Os conceitos de desenvolvimento e crescimento
econômico estavam sendo questionados e as empresas
começaram a entender a necessidade de rever os seus
valores e a sua missão na sociedade.
Foi neste contexto que nasceram alguns conceitos
que englobavam as empresas, as pessoas, a natureza e os
lucros. O aumento da população mundial traz o aumento
da necessidade de consumo.
Os conceitos propostos firmam-se na atitude
emergencial de diminuir o consumo, usar novamente e
reciclar. A partir daí o papel do designer deixava de ser
estético e técnico para ser social. A transformação deve
dar-se na concepção do produto. Ele tem que “nascer”
de forma que não agrida o meio ambiente e a saúde das
pessoas. Deve ser reaproveitado em todo o seu ciclo de
vida, e não deve haver desperdício ou resíduos.
Nasce, então, uma nova vertente: o conceito do
berço ao berço, que propõe um modelo cíclico de produção
e consumo.
Ecoeficácia - A estratégia de “sustentabilidade” de minimizar danos aos sistemas naturais, reduzindo a quantidade de resíduos e poluição atividades humanas geram [Fonte:
Disponível em http://www.mbdc.com/detail.aspx?linkid=1&sublink=26. Acesso em 14 nov 2010].
3
Ecoeficiência - A estratégia de MBDC para criar uma indústria humana que seja seguro, rentável e de regeneração, produção, ambiental e social de valor econômico [Fonte:
Disponível em http://www.mbdc.com/detail.aspx?linkid=1&sublink=26. Acesso em 14 nov 2010].
4
Lixo é alimento - Um princípio dos sistemas naturais e MBDC que elimina o conceito de resíduo. Nesta estratégia de design, todos os materiais são vistos como valiosos,
continuamente circulando em circuito fechado de íon produto, utilização e reciclagem [Fonte: Disponível em http://www.mbdc.com/detail.aspx?linkid=1&sublink=26. Acesso em 14
nov 2010].
2
46
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Conclusão
O design tem a missão de aperfeiçoar os objetos
e sua utilidade. Diz Elisabeth Laville que o design é um
ato político de repensar os nossos modos de produção e
consumo.
A criatividade e as habilidades do designer servem
como ferramenta para modificar o processo de inovação
social e tecnológica na forma de produzir e entender o
produto, promovendo soluções na concepção e em seu
ciclo de vida.
Devemos também adotar a ética de vida sustentável.
As pessoas devem reavaliar seus valores e alterar seu
comportamento, promovendo valores que apóiem esta ética,
educando a sociedade de modo que as atitudes necessárias
sejam vastamente compreendidas e conscientemente
disseminadas para as gerações futuras.
Deste modo a evolução do design e sua evolução
estão direcionadas para um futuro sustentável, onde os
produtos são criados fazendo parte do todo. A matéria
prima é reintegrada à natureza, promovendo o equilíbrio
do nosso planeta.
Por fim, o desenvolvimento sustentável não
será atingido se não ocorrer uma mudança radical nos
processos criativos e produtivos. Assim como nos
aspectos quantitativos e qualitativos do consumo. A
junção das verdadeiras necessidades do homem com as
necessidades do planeta efetiva-se na essência do processo
de desenvolvimento sustentável.
Abstract: The research involves the challenge to discuss
the development of sustainable products through the
analyzes of the evolution of design and his creative process.
The design follows as a possibility for innovation because
it interferes in the product design, in its life cycle and in
industrial production model. Important today is trying to
promote change in the culture of consumption, lifestyle
and social behavior with the insertion of the enironmental
variable. In this context stresses the importance of the
adoption of interdisciplinary work of design approaches,
as well as the services offered the society, creating products
that suit the concept of sustainability into their broader
view, considering the cultural dimensions, economic,
political, technological, environmental and social.
Key words:
Consumer. Sustainability in business.
Cycles of design. Sustainable products. Cradle to cradle
concept.
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47
A solidariedade na responsabilização por danos ambientais
DANIELA FONZAR POLONI
Graduada em Direito pela Universidade Mackenzie. Pós-graduada em Direito Contratual pela PUC/SP e em Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável pela FAAP/SP. Atua como advogada na área de meio ambiente empresarial.
Resumo. Este artigo aborda o instituto da solidariedade na reparação por danos causados ao meio ambiente, partindo do
conceito de poluidor trazido pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, passando pela responsabilidade ambiental
civil, onde se investigam as teorias acerca do risco e do nexo de causalidade, até chegar ao instituto da solidariedade.
Palavras-Chaves: Responsabilidade ambiental, poluidor indireto, responsabilidade objetiva, teoria do risco criado, teoria
da causalidade adequada, solidariedade.
1. A Responsabilidade Ambiental
Em se tratando de responsabilidade ambiental,
é imprescindível dizer que uma conduta lesiva ao meio
ambiente pode ter desdobramento em três esferas,
concomitantemente: na administrativa, na civil e na penal,
conforme preconiza o art. 225, §3º da Constituição Federal.
Esta tríplice responsabilização não implica, no entanto, em
bis in idem1:
O art. 225, § 3º da Constituição Federal, ao
preceituar que as condutas e atividades lesivas ao meio
ambiente, sujeitarão seus infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a infrações penais e administrativas, independente
da obrigação de reparar os danos causados, consagrou a
regra da cumulatividade das sanções, até mesmo porque,
como visto, as sanções penais, civis e administrativas, além
de protegerem objetos distintos, estão sujeitas a regimes
jurídicos diversos.2 (grifo do autor)
Apesar de ser conhecida como a “Lei dos Crimes
Ambientais”, a Lei 9.605/98 tratou de cuidar também das
infrações administrativas, as quais são apuradas em sede
de procedimento administrativo, portanto, extrajudicial,
conduzidos pelos próprios órgãos integrantes do SISNAMA
(Sistema Nacional do Meio Ambiente), designados no art.
6º da Lei 6.938/81. Tais órgãos são dotados de poder de
polícia3, que lhes outorga legitimidade e competência para
fiscalização e aplicação de infrações administrativas em
caso de descumprimento da legislação ambiental.
A responsabilidade administrativa atribuída àqueles
que cometem uma infração ao meio ambiente pode ser
tratada pelos entes da federação: União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, seguindo a regra da competência
concorrente definida pela Constituição Federal, em seu
art. 24, inciso VI, para fins de legislação acerca da matéria
ambiental.
Os processos administrativos podem correr
paralelamente, mas o pagamento da multa nas unidades
federadas implica o não-pagamento da multa federal. Esse
artigo pode conduzir ao favorecimento do réu – pessoa
física ou jurídica -, pois as multas pagas nos Estados,
Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser
menores do que a cominada pela União.4
A despeito de a legislação pátria ter adotado
a responsabilidade objetiva para apurar as infrações
administrativas contra o meio ambiente, no momento da
análise da penalidade aplicável ela considera elementos da
responsabilidade subjetiva5.
Neste sentido dispõe o art. 3º, §2º do Decreto
6.514/08 que seja considerada a negligência, que é um dos
elementos da culpa, ou dolo para fins de aplicação da pena
de multa simples nos casos em que o autuado, uma vez
advertido, deixe de cumprir com as exigências do órgão
fiscalizador ou quando opuser embaraços à fiscalização.
O art. 14, §1º da Lei 6.938/81 estabeleceu a
responsabilidade civil em matéria ambiental ao dispor que
incide ao agente poluidor a responsabilização administrativa
O termo em latim bis in idem significa que ninguém poderá ser julgado ou punido mais de uma vez pelo mesmo fato. Ele tem aplicação nas diversas esferas da responsabilização, a saber, civil,
administrativa (ambiental, tributária, etc.) e criminal. Na esfera ambiental, ele é tratado no art. 76 da Lei 6.938/81, que assim dispõe: “Art. 76 – O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios,
Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência.”
2
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 57.
3
O Código Tributário Nacional define em seu art. 78: “Considera-se poder de polícia a atividades da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática
de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas
dependentes de concessão e autorização do Poder Público, à tranqüilidade publica ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.”
4
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 332.
5
“Na responsabilidade objetiva é desnecessária a demonstração da conduta do agente (dolo ou culpa). Todavia os seguintes requisitos são indispensáveis na verificação de aludida responsabilidade: 1) o
ato; 2) o dano; 3) o nexo de causalidade entre o ato e o dano.” (FIORILLO, op. cit., p. 62)
1
48
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
e penal, sem prejuízo da reparação dos danos causados.
Ocorre que, diferentemente das responsabilidades
administrativa e penal, as quais se apegam na análise da
tipificação da conduta do poluidor, para a responsabilidade
civil é imprescindível que esta conduta tenha gerado um
dano ambiental.
Embora ainda seja motivo de divergência entre
a doutrina, pode-se concluir que o Direito Brasileiro
adotou a teoria da responsabilidade objetiva no que tange
à reparação dos danos ambientais. Não entra, portanto, na
análise do elemento subjetivo da conduta (dolo ou culpa),
mas sim na existência de uma conduta lesiva, um dano
ambiental e um nexo de causalidade entre um e outro.
O sistema de responsabilidade civil trazido
pelo Código Civil de 2002 ajudou a consolidar a teoria
da responsabilidade objetiva em matéria ambiental,
abandonando a teoria da responsabilidade subjetiva,
largamente difundida no século XVIII entre os países
civilistas que tiveram por base o Código Napoleônico6.
Neste sentido, é clara a regra do art. 927 e seu parágrafo
único, que o causador do dano é obrigado a repará-lo
independentemente de culpa.
Dentre as grandes dificuldades encontradas no que
diz respeito à apuração da responsabilidade civil por danos
ambientais, as principais esbarram na comprovação do
dano e delimitação da sua extensão (especialmente quando
se trata de dano moral ambiental7). Como definir quem é
o poluidor e delimitar sua responsabilidade, por exemplo,
em uma situação onde diversas indústrias dispuseram, por
anos, resíduos das mais variadas naturezas em um mesmo
aterro clandestino?
O paradigma tradicional da responsabilidade civil
pressupõe a possibilidade do autor definir de maneira clara
e precisa, quase matemática, a estrutura quadrangular
dano-nexo causal-causador-vítima.8
2. Conceituando o Poluidor
A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente
(6.938/81) assim conceitua o poluidor:
Art. 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se
por:
IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito
público ou privado, responsável, direta ou indiretamente,
por atividade causadora de degradação ambiental (grifo
nosso)
Ao classificar como poluidor aquele que direta ou
indiretamente contribuiu para a atividade causadora do
dano ambiental, o legislador lançou mão de um conceito
indeterminado, que, assim como as cláusulas gerais ou
normas abertas, dependem de interpretação doutrinária,
diálogo das fontes, análise jurisprudencial, enfim, de um
exercício profundo de hermenêutica jurídica para a atuação
no caso a caso.9
Em que pese o conceito de poluidor ser aberto, o
que permite uma gama de interpretações, deve o Operador
do Direito agir com cautela, evitando colocar “na mesma
cesta” todos os sujeitos que, ainda que remotamente,
tenham vínculo ao evento danoso, para que não que se
banalize o instituto, de forma a enveredar para a aplicação
desmedida da deep pocket doctrine (doutrina do bolso mais
fundo):
Deep Pocket doctrine é um jargão forense que
busca dar solução para aos casos nos quais existem muitas
responsabilidades solidárias e dificilmente se pode chegar à
definição sobre “quão responsável é cada responsável”. Os
tribunais, com vistas a não deixar que a vítima permaneça
sem os devidos ressarcimentos, escolhem aquele que é o
mais saudável financeiramente e transferem para ele toda
a responsabilidade econômica decorrente da indenização.10
A doutrina estrangeira utiliza o termo non-polluter
para se referir aos sujeitos que tem contra si atribuída a
responsabilidade civil, porém o dano ambiental não tem
correlação direta com as atividades por eles desenvolvidas.
Neste sentido, os casos onde houve reconhecimento da
responsabilidade ambiental do non-polluter são tidos como
exceção ao princípio do poluidor-pagador.
Ao tratar do assunto, o advogado e professor
holandês Lucas Bergkamp cita como exemplo de nonpolluters os proprietários, arrendantes, financiadores,
industrializadores, geradores de resíduos, etc. e conclui o
texto dizendo que é injusta a responsabilização ambiental
“Tradicionalmente, como já foi visto acima, o fundamento da responsabilidade é a culpa. O Código Napoleão, que é considerado como o grande monumento da ordem jurídica liberal, consagra
amplamente a culpa como o elemento central de toda responsabilidade. É o Code Civil o reconhecimento e o coroamento de uma nova racionalidade que se afirmou, tendo como seu epicentro o indivíduo
e a sua vontade que, desde então, ocupam o papel central na cena jurídica.
(...)
No Direito brasileiro, a responsabilidade é um antigo instituo jurídico. O Código Civil brasileiro sofreu grande influencia da doutrina contida no Código Napoleão, fundando a responsabilidade na idéia
de culpa e em todos os conceitos ideológicos subjacentes à referida subjetivação. A matéria, no Código está tratada ao longo de dois artigos; no artigo 43, está regulada a responsabilidade das pessoas
jurídicas de Direito público:
“Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os
causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.” ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 9 ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. p. 203-204.
7
Poluição Ambiental. Ação Civil Pública formulada pelo Município do Rio de Janeiro. Poluição consistente em supressão da vegetação do imóvel sem a devida autorização municipal. Cortes de árvores
e inicio de construção não licenciada, ensejando multas e interdição do local. Dano à coletividade com a destruição do ecossistema, trazendo conseqüências nocivas ao meio ambiente, com infringência,
às leis ambientais, Lei Federal 4.771/65, Decreto Federal 750/93, artigo 2º, Decreto Federal 99.274/90, artigo 34 e inciso XI, e a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, artigo 477. Condenação
a reparação de danos materiais consistentes no plantio de 2.800 árvores, e ao desfazimento das obras. Reforma da sentença para inclusão do dano moral perpetrado a coletividade. Quantificação do
dano moral ambiental razoável e proporcional ao prejuízo coletivo. A impossibilidade de reposição do ambiente ao estado anterior justificam a condenação em dano moral pela degradação ambiental
prejudicial a coletividade. Provimento do recurso. (Apelação Cível n. 2001.001.14586 –TJRJ – 2ª. T – Relatora Desembargadora Maria Raimunda T. de Azevedo – DJ 07/08/2002)
8
BENJAMIN, Antonio Herman V. Responsabilidade Civil pelo Dano Ambiental. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: ano 1998, n. 9. p. 12.
9
A cláusula geral, portanto, exige do juiz uma atuação especial, e através dela é que se atribui uma mobilidade ao sistema, mobilidade que será externa, na medida em que se utiliza de conceitos além do
sistema, e interna, quando desloca regramentos criados especificamente para um caso e os traslada para outras situações. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. O Poder Judiciário e a concretização das
cláusulas gerais. Revista de Direito Renovar, n. 18, p. 11-19, set./dez. 2000. p. 11
10
ANTUNES, op. cit., p. 208
6
49
destas pessoas, as quais não causaram a poluição e tampouco
tinham mecanismos para preveni-la. Complementa
relatando como sendo inviável a responsabilização
ambiental nestas situações.11
Um clássico exemplo nesta mesma seara, ocorrido
nos Estados Unidos, é o caso do Love Canal onde o agente
de crédito imobiliário foi responsabilizado civilmente pela
construção de habitações sobre solo contaminado.12 A
responsabilização das instituições financeiras é o exemplo
mais estudado atualmente no que tange à responsabilidade
ambiental do poluidor indireto, ou seja, aquele que
indiretamente contribuiu para a ocorrência do dano13.
3. A Responsabilidade Objetiva e as Teorias do Risco
Quando foi publicada, a Lei 6.938/81 trouxe grande
inovação ao sistema jurídico da responsabilidade civil
ambiental:
A promulgação da Lei n. 6938/81 (Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente) foi um divisor de águas no
Direito Brasileiro. Não só porque, pela primeira vez, o País
ganhava um sistemático arcabouço legal de sustentação
a uma política nacional do meio ambiente, mas também
porque, numa penada só, o legislador resolveu dois
desafiadores problemas jurídicos: a) a irresponsabilidade,
de fato, do poluidor – já que a base da responsabilização,
nos termos do Código Civil, era ora baseada em culpa (art.
159), ora vinha objetivada, mas limitada no seu universo
de aplicação (os direitos de vizinhança dos arts. 554 e
555) – e b) o acanhado modelo de implementação judicial
(=legitimação para agir) nos casos de dano ambiental.14
No que tange ao risco, parte dos autores entende
que a responsabilidade objetiva adotada pelo direito
brasileiro em questões ambientais está calcada na teoria
do risco integral, enquanto outra parte entende que está
no risco criado. A principal diferença entre elas é que a
responsabilidade objetiva alicerçada na teoria do risco
integral prevê a obrigação de indenizar a partir da existência
do dano e do nexo causal, não se admitindo excludentes
de qualquer natureza. Já na teoria do risco criado são
admitidas algumas excludentes:15
Conclusões: à semelhança do que ocorre no âmbito
da responsabilidade objetiva do Estado, é que, no Direito
positivo pátrio, a responsabilidade objetiva por danos
ambientais é o da modalidade do risco criado (admitindo
as excludentes da culpa da vítima ou terceiros, da força
maior de do caso fortuito) e não a do risco integral (que
inadmite excludentes), nos exatos e expressos termos
do § 1º do art. 14 da Lei n.º 6.938/81, que, como vimos,
somente empenha a responsabilidade de alguém por danos
ambientais, se ficar comprovada a ação efetiva (atividade)
desse alguém, direta ou indiretamente na causação do
dano. (grifo nosso)
Segundo Paulo Bessa, a responsabilidade por risco
integral não pode ser confundida com a responsabilidade
por fato de terceiro, não sendo admissível que um
empreendimento que tenha sido vitimado por fato de
terceiro passe a responder pelos danos causados por
este.16 Tal distinção é de extrema relevância no que tange
à internalização dos fatores negativos ao meio ambiente,
preconizado pelo princípio do poluidor pagador, uma vez
que seguindo a teoria do risco integral, todo e qualquer
risco conexo ao empreendimento deverá ser integralmente
internalizado pelo processo produtivo. Já para a teoria
do risco criado, dentre todos os fatores de risco,
procura vislumbrar apenas aquele que, por apresentar
periculosidade, é efetivamente apto a gerar as situações
lesivas, para fins de imposição de responsabilidade.17
Segundo Antonio Herman Benjamin, o direito
brasileiro abriga a responsabilidade civil objetiva baseada
na teoria do risco integral, a qual encontra seu fundamento
na “idéia de que a pessoa que cria o risco deve reparar os
danos advindos de seu empreendimento. Basta, portanto,
a prova da ação ou omissão do réu, do dano e da relação
de causalidade”, não aceitando, por tais motivos, as
excludentes de fato de terceiro, de culpa concorrente da
BERGKAMP, Lucas. Liability and environment. The Hague: Kluwer Law International, 2001. p. 331
No Direito Brasileiro ainda não se consolidaram julgados neste sentido. No entanto, já se reconhece a solidariedade do agente financeiro pela solidez e segurança da obra. “A obra iniciada mediante
financiamento do Sistema Financeiro da Habitação acarreta a solidariedade do agente financeiro pela solidez e segurança.” (Resp nº 51.169 RS – STJ – CC Turma – Relator Ministro Ari Pargendler – DJ)
13
Vide Lei 6.938/81, Art. 12; Decreto 99.274/90, Art. 23; Lei 8.974/95 e Lei 11.105/05. Por força da latente preocupação com o crescimento do desmatamento da Amazônia, que é inclusive atribuído ao
desenvolvimento de atividades pecuárias e agrícolas na região, foi publicada a Resolução 3.545 do Conselho Monetário Nacional, de 03/05/2008, que instituiu a avaliação de aspectos ambientais para
o financiamento de atividades agropecuárias nos municípios integrantes do Bioma Amazônia em instituições oficiais de crédito ou bancos privados que sejam agentes financeiros de créditos públicos.
Além disto os contratos de financiamento também deverão conter cláusula prevendo que, em caso de embargo do imóvel no qual as atividades serão desenvolvidas, a liberação das parcelas seja suspensa
até regularização ambiental do imóvel, e se esta não ocorrer em até 12 (doze) meses, o contrato será considerado vencido antecipadamente.
14
BENJAMIN, op. cit. p. 12
15
“No mesmo sentido, lê-se em Alvino Lima – Culpa e Risco, Ed. Rev. Tribs., 2ª ed. atualizada por Ovídio Rocha Barros Sandoval, 1998, p. 320: “A responsabilidade pelo dano ecológico, à vista do
disposto no art. 14 da Lei n.º 6.938/81, na conformidade da jurisprudência atual, é objetiva, pois “obriga o poluidor a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados
por sua atividade, independentemente de existência de culpa.
Portanto, em cada caso concreto, haverá de existir a prova de dois pressupostos indispensáveis: a existência do dano ambiental e seu nexo causal com a ação ou omissão do pretenso responsável que seja
a causa eficiente do evento capaz de gerar o prejuízo a ser indenizado”.
Fica, assim, definitivamente, demonstrada, que, em virtude do texto expresso da Lei n.º 6.938/81, a responsabilidade pelo dano ambiental, é fundada na teoria do risco criado e não na do risco integral.”
(MUKAI, Toshio. Responsabilidade objetiva por dano ambiental com base na teoria do risco criado. 2003, p. 8)
16
ANTUNES, op. cit., p. 206
17
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o Nexo de Causalidade na Responsabilidade Civil por Dano ao Meio Ambiente. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, ano 8, n. 32,
p. 86
18
BENJAMIN, op. cit., p. 41
19
Código Civil. Art. 393. Parágrafo Único – O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
20
MACHADO, op. cit., p. 378-379
21
GRIZZI GRIZZI, Ana Luci Limonta Esteves; BERGAMO, Cyntia Izilda; HUNGRIA, Cynthia Ferragi; CHEN, Josephine Eugenia. Responsabilidade civil ambiental dos financiadores. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 24
11
12
50
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
vítima, de caso fortuito ou de força maior.18
Paulo Affonso Leme Machado, ao tratar da
responsabilidade civil e caso fortuito e força maior19, cita
José de Aguiar Dias, pontuando que a caracterização do
caso fortuito e de força maior deve ser procurada não no
evento em si, posto que este é um fato necessário, mas sim
em seus efeitos, os quais poderiam ou não ser evitados ou
impedidos, de forma a afastar ou não a responsabilidade
ambiental na esfera civil. Neste sentido, em se tratando da
responsabilidade objetiva, deverá ser “analisada a ausência
de previsão e tomada de medidas para evitar os efeitos do
fato necessário”.20
Trazendo os conceitos acima à questão da
responsabilidade dos entes financeiros, Ana Luci Grizzi
aponta que na busca do nexo de causalidade entre a conduta
do ente financiador e o dano ambiental, não se deve vincular
a responsabilidade objetiva com a teoria do risco integral
da atividade, sob pena de se causar transtornos ao sistema
financeiro, com retração das concessões de crédito.21
Em se tratando de responsabilidade civil ambiental,
há que se avaliar a questão sob o prisma do princípio do
poluidor pagador e do art. 393, parágrafo único do Código
Civil, que se apega à possibilidade de evitar ou impedir
os efeitos do fato. Assim, deve-se perquirir quanto à
previsibilidade do fato (e aqui faz-se referência expressa
ao princípio da prevenção e da precaução) e se estava ao
alcance do sujeito a tomada de medidas possíveis e eficazes
para impedir ou evitar os efeitos negativos do evento
danoso e ele não o fez.
4. O nexo de causalidade entre a conduta e o dano
ambiental
O nexo causal é o elo que une a conduta do agente
poluidor ao dano ambiental. É através dele que se pode
concluir quem foi o causador do dano. Sem o nexo causal
não há responsabilidade civil.22
Dentre as diversas teorias existentes acerca do
nexo causal, destaca-se a teoria da causalidade adequada,
segundo a qual se deve levar em consideração, dentre
todas as condições que concorreram para o evento danoso,
somente aquela que, em concreto e em abstrato, era a mais
adequada a produzir o resultado23. Isto significa dizer que:
(...) entre as diversas causas que podem ter
condicionado a verificação do dano, aquela que, numa
perspectiva de normalidade e adequação sociais, apresente
sérias probabilidades de ter criado um risco socialmente
inaceitável, risco esse, concretizado no resultado danoso.24
A teoria da causalidade adequada se contrapõe à
chamada teoria da equivalência dos antecedentes, também
conhecida por teoria da condição sine qua non ou teoria
da equivalência das condições. Esta teoria preceitua
que, se várias condutas ou condições concorreram para o
mesmo evento, todas se equivalem. Não se investigando,
portanto, qual teve maior relevância ou foi mais ou menos
adequada ou eficaz. “Condição é todo antecedente que não
pode ser eliminado mentalmente sem que venha a ausentarse o efeito”.25
Em havendo diversos sujeitos que potencialmente
podem ser classificados como responsável por um dano
ambiental, como é o caso do poluidor indireto, parece
adequado que se aplique a teoria da causalidade adequada,
buscando-se no nexo causal quão determinante foi sua
conduta, comissiva ou omissiva, para a ocorrência do
dano ambiental, sendo admitida a aplicação também das
excludentes de responsabilidade, como caso fortuito, força
maior e fato de terceiro, com respaldo na teoria do risco
criado e do art. 393 do Código Civil.
De fato, o que esta ciência demonstrou,
irrefutavelmente, é que para aferir a responsabilidade civil
pelo acidente, o juiz deve retroceder até o momento da
ação ou da omissão, a fim de estabelecer se esta era ou
não idônea para produzir o dano. A pergunta que, então,
se faz é a seguinte: a ação ou omissão do presumivelmente
responsável era, por si mesma, capaz de normalmente
causar o dano?
Tal pergunta é a conseqüência desde princípio: para
se estabelecer a causa de um dano é preciso fazer um juízo de
probabilidades. Portanto, se se responde afirmativamente,
de acordo com a experiência da vida, se se declara que a
ação ou omissão era adequada a produzir o dano, então,
este é objetivamente imputável ao agente. O juízo de
probabilidades ou previsibilidade das conseqüências é
feito pelo juiz, retrospectivamente, e em atenção ao que
era cognoscível pelo agente, como exemplar do tipo do
homem médio.26
5. A aplicação do Instituto da Solidariedade
Diante do conceito aberto que a legislação brasileira
deu à figura do poluidor, inserindo tanto o causador direto
quanto o indireto, e considerando situações comumente
encontradas onde há pluralidade de sujeitos potencialmente
responsáveis pela reparação de um dano ambiental, como o
exemplo do aterro clandestino mencionado anteriormente,
deve-se assumir que na teoria da responsabilidade objetiva
e do risco integral da atividade, tende a ser reconhecida a
solidariedade pelos danos ambientais:
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 67
Ibid., p. 70
STEIGLEDER, op. cit., p. 91
25
CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 68
26
Ibid., p. 70
22
23
24
51
O modelo jurídico-ambiental, portanto, não só
aproveita a solidariedade do Direito Civil clássico,
como a amplia, dando-lhe feições peculiares. Nada mais
justo, sendo o Direito Ambiental uma disciplina jurídica
de crise a exigir, por isso mesmo, notáveis e urgentes
aperfeiçoamentos no organograma da responsabilidade
civil. Nessa linha, “é de particular relevância o princípio
da solidariedade, que historicamente correspondia ao da
fraternidade, consagrado pela Revolução Francesa de
1789. O que não se pode admitir é o réu alegar, como
eximente, “o fato de não ser só ele o degradador, de serem
vários, e não se poder identificar aquele que, com seu obrar,
desencadeou – como gota d’água – o prejuízo”.27 (grifo do
autor)
Ocorre que consoante o art. 265 do Código Civil,
a solidariedade não se presume, resultando de lei ou da
vontade das partes. Assim sendo, exceto se convencionado
entre os interessados, em momento algum a legislação
ambiental tratou de atribuir solidariedade por reparação
aos danos causados ao meio ambiente. Não se pode
simplesmente tomar o conceito aberto de poluidor trazido
pelo art. 3º, IV da Lei 6.938/81, que determina que é
responsável aquele que direta ou indiretamente contribui
para o evento danoso, e combiná-lo com o art. 952 do
Código Civil, o qual prevê que havendo mais de um autor da
ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação.
O Decreto 6.514/08 estabelece expressamente a
responsabilidade (administrativa) ambiental de todos os
entes da cadeia produtiva por cultivos ou produção em áreas
embargadas28, punindo com multa de R$ 500 por quilograma
ou unidade, aquele que adquire, intermedeia, transporta ou
comercializa produto ou subproduto produzido sobre área
objeto de embargo (art. 54). Tratou o legislador de estender
os efeitos lesivos do desmatamento ilegal não apenas ao
produto obtido diretamente do desmatamento, no caso a
madeira originada das florestas, mas também aos produtos
obtidos indiretamente na área desmatada, como, por
exemplo, aos animais (no caso leia-se gado) ali criados e os
frutos ali cultivados (como lavouras de soja, milho, arroz,
cana, etc.). Seria uma aplicação da máxima que acessório
que acompanha o principal, no caso, os efeitos negativos
do dano ambiental perpetrado no terreno acompanhando
todos os bens produzidos sobre ele.
Poder-se-ia pensar que se trata de aplicação da
responsabilidade solidária entre todos estes stakeholders
(atores envolvidos) pela conduta daquele que diretamente
praticou o desmatamento ilegal. No entanto, não se pode
perder de vista que a Lei 6.839/81 dispõe que a sanção
administrativa é aplicável sem prejuízo da reparação dos
danos causados. Portanto, a responsabilidade estabelecida
aqui é de caráter administrativo e não civil. Além disto, o
legislador individualizou as condutas (desmatar, adquirir,
intermediar, transportar e comercializar). Logo, não se trata
de solidariedade entre os sujeitos.
Outra situação largamente difundida onde se verifica
a co-responsabilização ambiental ocorre na aquisição
de imóveis rurais sem reserva legal. Os tribunais29 já
consolidaram o entendimento de que na compra e venda
de imóveis rurais sem reserva legal, fica o adquirente
responsável pela reparação do dano ambiental, que, neste
caso é tratado como propter rem30. Faz sentido sim atribuir
ao comprador a responsabilidade administrativa pela
infração de não averbar reserva legal, afinal, tal obrigação
recai sobre o proprietário, tenha ele adquirido o imóvel
com ou sem reserva legal (artigos 48 e 55 do Decreto
6.514/08). No entanto, não cabe impor ao adquirente de
um imóvel sem reserva legal a obrigação por reparação por
dano ambiental, sem que haja comprovação da existência
de dano ao meio ambiente e sem que seja avaliada em que
medida a conduta do proprietário contribui para tanto.
Corroborando o entendimento acima, cabe trazer
à tona a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei
12.305/10), que atribui aos diversos sujeitos envolvidos
na cadeia dos resíduos sólidos uma responsabilidade
compartilhada, porém individualiza as suas condutas, não
tratando um como solidariamente responsável por uma
conduta imputada a outrem:
Art. 3º. XVII - responsabilidade compartilhada
pelo ciclo de vida dos produtos: conjunto de atribuições
individualizadas e encadeadas dos fabricantes,
importadores, distribuidores e comerciantes, dos
consumidores e dos titulares dos serviços públicos de
limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para
minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados,
GOLDENBERG; ITURRASPE apud BENJAMIN, op. cit. p. 38
O embargo a que se refere este artigo consiste na penalidade administrativa imposta pela autoridade ambiental, conforme previsto no artigo 16 do mesmo Decreto.
Recurso especial. Faixa ciliar. Área de preservação permanente. Reserva legal. Terreno adquirido pelo recorrente já desmatado. Impossibilidade de exploração econômica. Responsabilidade
objetiva. Obrigação propter rem. Ausência de prequestionamento. Divergência jurisprudencial não configurada. As questões relativas à aplicação dos artigos 1º e 6º da LICC, e, bem assim, à possibilidade
de aplicação da responsabilidade objetiva em ação civil pública, não foram enxergadas, sequer vislumbradas, pelo acórdão recorrido. Tanto a faixa ciliar quanto a reserva legal, em qualquer propriedade,
incluída a da recorrente, não podem ser objeto de exploração econômica, de maneira que, ainda que se não dê o reflorestamento imediato, referidas zonas não podem servir como pastagens. Não
há cogitar, pois, de ausência de nexo causal, visto que aquele que perpetua a lesão ao meio ambiente cometida por outrem está, ele mesmo, praticando o ilícito. A obrigação de conservação é
automaticamente transferida do alienante ao adquirente, independentemente deste último ter responsabilidade pelo dano ambiental. Recurso especial não conhecido. (REsp 343.741-PR – 2ª T. – STJ
– rel. Min. Franciulli Netto – DJU – 07.10.2002) (grifo nosso)
30
“A obrigação propter rem é aquela em que o devedor, por ser titular de um direito sobre uma coisa, fica sujeito a uma determinada prestação que, por conseguinte, não derivou da manifestação expressa
ou tácita de sua vontade. O que faz o devedor é a circunstância de ser titular do direito real, e tanto isso é verdade, que ele se libera da obrigação se renunciar a esse direito.” (RODRIGUES, Sílvio.
Direito Civil – Parte Geral das Obrigações. Vol. 2. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 105). No caso dos danos ambientais, a afirmação final desta premissa é relativa, posto que ainda que transfira a
propriedade, o causador do dano, ainda que não mais na posse ou propriedade do bem, continua responsável por ele.
27
28
29
52
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
bem como para reduzir os impactos causados à saúde
humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de
vida dos produtos, nos termos desta Lei; Conclusão
Os princípios de Direito Ambiental do
desenvolvimento sustentável, do poluidor-pagador, da
prevenção e da precaução estão na base de sustentação
da responsabilidade ambiental. Da conjugação destes
princípios pode-se concluir que o foco da responsabilidade
ambiental deve residir nas ações que antecedem o dano e
não naquelas que o sucedem, pois sendo o meio ambiente
composto por elementos da natureza, sobre os quais o
ser humano não tem plenos poderes de ingerência, é
praticamente impossível trazê-lo ao status quo ante. Assim,
a responsabilização para reparar um dano ambiental fica
adstrita a uma remediação de algo já consumado, cujos
efeitos negativos já foram exteriorizados no meio ambiente,
resumindo-se, na maioria das vezes em compensação de
caráter pecuniário.
Foi por intermédio da Lei 6.938/81 que a
responsabilidade civil em matéria ambiental passou a
ser objetiva, bastando, portanto a existência do dano e
do nexo de causalidade com a conduta do agente, não se
perquirindo se este agiu com culpa ou não. Sendo o risco o
principal elemento da responsabilidade objetiva, passou-se
a discutir, então, qual seria a natureza deste risco em sede de
responsabilidade ambiental. Não é pacífico o entendimento
doutrinário acerca da adoção pelo Direito Brasileiro pela
teoria do risco integral ou do risco criado.
Sendo o desenvolvimento sustentável um dos
pilares do Direito Ambiental e também do desenvolvimento
econômico, ambos constitucionalmente tutelados, em se
tratando de responsabilidade civil do causador indireto do
dano ambiental, a aplicação da teoria do risco integral pode
trazer grande insegurança jurídica às relações econômicas.
Mais adequado seria a aplicação da teoria do risco criado,
posto que esta admite a aplicação das excludentes da
responsabilidade, como o ato de terceiro, o caso fortuito
e a força maior, que são fatos sobre os quais alguém que
esteja vinculado de forma remota à atividade não tem como
evitar ou impedir.
Adicionalmente a isto, no que tange à busca do nexo
de causalidade entre a conduta do poluidor indireto e o dano
ambiental, há que se verificar quão relevante foi ela para a
ocorrência do dano ou não, conforme preceitua a teoria da
causalidade adequada. Desta forma, dois patamares podem
ser estabelecidos, trazendo o causador indireto do dano
para, pelo menos, uma co-responsabilidade subsidiária,
pois, de outra forma, ter-se-á a aplicação da figura da
solidariedade, colocando o responsável direto pela conduta
danosa e o poluidor indireto em pé de igualdade, no que
tange à reparação. Responsabilidade compartilhada não
implica em solidariedade.
É certo que o modelo econômico capitalista, baseado
no liberalismo e na Revolução Industrial, propulsionou a
corrida pelo desenvolvimento a qualquer custo, trazendo,
sim, prejuízos ao meio ambiente, como a poluição do ar
e das águas e o uso desenfreado dos recursos naturais.
De outro lado, não se pode ignorar que a Constituição
Federal, em seu art. 170, preconiza a busca do equilíbrio
entre a ordem econômica e o respeito ao meio ambiente,
tal qual a Declaração do Rio de Janeiro de 1992 sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. É neste
sentido que o operador do Direito deve estar muito atento
para compreender que o desenvolvimento sustentável é a
conjugação dos interesses econômicos com os interesses
ambientais e buscar sempre o equilíbrio entre um e outro,
pois se o desenvolvimento há que ser sustentável, a
sustentabilidade, por sua vez, só tem sua razão de ser se
existir o desenvolvimento.
Abstract: This article ascertains the co-responsibility for
environmental damages, as to the legal definition on the
Brazilian National Environment Act, the indenminfication
for environmental damages, evaluating the theories with
regard to the activity created risk and the causation nexus,
and finally the solidarity.
Key words: Environmental liability, non-polluter liability,
strict liability, actitivity created risk theory, last chance
theory.
53
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54
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Da reserva legal florestal – desmatamento lícito e ilícito e suas repercussões
GIL DONIZETI DE OLIVEIRA
Advogado. Especialista em Direito Civil, Direito Processual Civil e Direito do Trabalho pela UNIFRAN e em Direito do
Agronegócio pela FAAP. Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDAGRO).
Resumo. Este trabalho tem como objetivo o estudo de aspectos controvertidos do instituto da reserva legal florestal,
notadamente no que se refere ao que chamaremos de desmatamento lícito ou ilícito, questões que se revelam de suma
importância para o desdobramento das suas conseqüências na esfera jurídica do direito do particular.
Palavras-chaves: Reserva legal. Reserva legal florestal. Limitações e restrições ambientais. Limitações e restrições
administrativas. Desmatamento lícito. Desmatamento ilícito. Código Florestal.
Do Direito de Propriedade
O estudo do instituto da reserva legal florestal passa,
necessariamente, pela análise do direito de propriedade.
Por sua vez, não se pode falar do direito de propriedade sem
uma prévia abordagem histórica deste instituto. Conforme
menciona Maria Helena Diniz1, citando Theodor Sternberg,
“impossível seria a análise dos problemas jurídicos sem a
observância do seu desenvolvimento através dos tempos.”.
O desenvolvimento da civilização acabou por
suavizar o caráter individualista e absolutista do direito
de propriedade. A plenitude do direito de propriedade na
pessoa do titular do domínio foi relativizada em prol do
interesse da coletividade.
Embora as restrições ao direito de propriedade
sejam mais sentidas no Brasil a partir de recentes leis, com
destaques para a Constituição Federal de 1988 e o atual
Código Civil (2002), é de fácil constatação, na análise
da evolução histórica do instituto, que desde as mais
remotas civilizações o direito de propriedade vem sofrendo
alterações em prol da coletividade e do bem comum, em
contraposição ao caráter absoluto e individualista que por
muito tempo reinou entre os diferentes povos e civilizações.
Mesmo no direito romano, de início, não havia uma
sistematização do direito de propriedade, como leciona
Luiz Antônio Rolim2. Nesta fase da civilização, conforme
noticiam muitos doutrinadores, prevalecia o direito
de propriedade coletivo, embora esta informação seja
contestada por alguns pela inexistência de informações
seguras que levem a esta conclusão. Arimatéia3 (2003, p
18) sintetiza esta divergência quando diz que “A ciência do
Direito ainda não solucionou a questão polêmica de saber
se a propriedade nasceu coletiva ou individual”.
1
2
3
Na propriedade individual desenhada a partir
da propriedade coletiva que reinou nos primórdios da
civilização, a relação entre o dono e a coisa revelavase como um DIREITO ABSOLUTO e EXCLUSIVO,
exercido em função do titular do domínio e sem limites
ou restrições de qualquer ordem que fosse, de forma que o
titular do domínio tinha o mais amplo e irrestrito campo de
atuação no exercício de seu direito, enfeixando o conjunto
de poderes conhecidos como jus utendi, o jus fruendi e o jus
disponend ou abutend, respectivamente, o direito de usar,
gozar e de reaver a coisa de quem quer que injustamente a
possua.
Afirma-se que o Código de Napoleão de 1804
teria sido a primeira manifestação clara da submissão da
propriedade às regras impostas pelo estado em favor do
interesse coletivo. O interesse coletivo, não no sentido de
restaurar a propriedade coletiva que muitos acreditam ser
a origem do direito de propriedade, mas sim no sentido de
sobrepor o interesse coletivo e o bem comum ao interesse
particular do proprietário. Nesta nova ordem de valores, as
restrições ambientais ao direito de propriedade se revelam
a todo o momento.
Na fase atual, não mais se discute se o interesse
coletivo se sobrepõe ou não ao individual, questão já
superada, mas sim quais os limites que devam ser impostos
ao particular em prol da comunidade da qual ele faz parte
e quais as conseqüências jurídicas, no campo do direito
do particular, destas limitações a ele impostas. O espírito
individualista do século XIX, que também reinou no início
do século XX, é rompido pelo princípio da sociabilidade,
da função social da propriedade.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – p 105
ROLIM, Luiz Antônio. Curso de Direito Romano – p 187.
ARIMATÉIA, José Rodrigues. O Direito de Propriedade. P 18
55
Guilherme Calmon Nogueira Da Gama4, abordando
não apenas a função social no direito de propriedade, mas
também em todo o direito civil, nos dá uma boa idéia do
significado da função social, a saber:
O sentido da expressão da função social deve
corresponder à consideração da pessoa humana não
somente uti singulus ou uti civis, mas também uti socius.
Neste contexto, a doutrina da função social emerge como
uma matriz filosófica apta a restringir o individualismo,
presente nos principais institutos jurídicos, face aos
ditames do interesse coletivo, a fim de conceder igualdade
material aos sujeitos do direito. Trata-se de uma transição
do individualismo para a sociabilidade.
O homem vive no ambiente natural, necessitando
dos recursos nele existentes para sobrevivência da sua
espécie, inclusive das futuras gerações. É necessário
conservar o meio ambiente como um bem comum, visando
a qualidade da vida, seguindo aqui os termos empregados
pelo legislador constituinte, emergindo daí, como menciona
Rui Carvalho Piva5 “uma nova ordem de interesses que o
direito protege”.
A Constituição Brasileira de 1937 foi a primeira a
abordar de maneira expressa a função social da propriedade
privada. A Constituição atual não faz referência expressa
às limitações administrativas. Entretanto, o princípio
implícito da supremacia do interesse público, de um lado,
e a enunciação da função social da propriedade (art. 5.º,
XXIII e art. 170, III, ambos da CRFB/88), de outro, estão
a indicar os fundamentos para qualquer tipo de intervenção
do Estado na propriedade, inclusive das limitações
genéricas.
Para melhor compreensão da natureza das restrições
impostas ao particular pelo instituto da reserva legal
florestal, é preciso definir o direito de propriedade na
legislação pátria. Nas palavras de Caio Mário da Silva
Pereira6, “Não existe um conceito inflexível do direito de
propriedade” tamanha é a divergência entre os conceitos
apresentados pelos diferentes estudiosos e das mais
diversas ciências que se debruçam sobre tema. A verdade é
que a propriedade mais se sente do que se define, como diz
o mesmo autor,.
Historicamente, embora sob censura, é comum os
autores se referirem ao Código de Napoleão como a primeira
tentativa legal de definição do direito de propriedade
(MONTEIRO, 1990, p. 88; PEREIRA, 1990, p. 71), que o
definiu como sendo “O direito de gozar e dispor das coisas
de maneira mais absoluta, desde que delas não se faça o
uso proibido pelas leis e regulamentos”.
O nosso Código Civil atual não dá o significado
de direito de propriedade, o que também se verificava na
legislação pátria revogada através da leitura do artigo 524
daquele diploma7. No Código atual, a matéria é tratada
no artigo 1.221, que repetindo a preferência do legislador
de 1916, optou por relacionar os direitos decorrentes e
atribuídos ao proprietário.
De maneira geral, à mingua de uma definição mais
perfeita, os autores preferem a definição da propriedade
como sendo o direito de usar, gozar e dispor da coisa, e
reivindicá-la de quem injustamente a detenha, o que não
torna difícil concluir que o legislador brasileiro optou por
adotar a mesma postura dos doutrinadores e de outras
legislações.
A questão principal advinda dos atributos do direito
de proprietário, antes e principalmente hoje, fixa-se na
forma de usar e gozar deste direito, vale dizer, quais são
os seus limites, pois que os direitos de usar e gozar já não
são absolutos. As limitações são de toda ordem, pública
ou privada, em prol da coletividade ou de outro indivíduo,
decorrentes de lei ou de contrato.
Do direito adquirido do particular em face do
interesse comum
A ordem jurídica de qualquer Estado democrático
tem como uma das bases mais sólidas o princípio da
segurança jurídica. Aliás, o Estado de Direito tem este
princípio como base maior, concedendo aos cidadãos
das mais diversas e diferentes classes sociais proteção e
estabilidade das relações entre as pessoas e entre estas e o
próprio Estado. A proteção do direito adquirido, da coisa
julgada e do ato jurídico perfeito, constitui importante
instrumento para a manutenção da segurança jurídica e a
estabilidade nas relações entre os jurisdicionados.
Em face desta segurança jurídica, na hipótese de
mudança na legislação, os atos praticados sob a égide da
lei anterior produzirão os efeitos segundo os termos da
lei revogada. Neste contexto, é possível visualizar, desde
já, que aquele que promoveu o desmatamento lícito, vale
dizer, de acordo com a lei vigente à época da abertura
da terra, não pode ter o mesmo tratamento dado àquele
que promoveu a abertura da terra em contrariedade à lei
vigente, embora seja certo que ambos devam se submeter à
nova ordem legal. Isto não significa que o direito não possa
ser objeto de restrições e limitações futuras em prol da
coletividade e que estas limitações tragam conseqüências
como, por exemplo, direito de indenização do particular
que agiu licitamente.
Desta forma, ao lado da conclusão de que não
existe o direito adquirido do particular em face do interesse
comum, concluímos também que as normas que impõem
restrições ambientais de toda ordem aos particulares, entre
elas o instituto da reserva legal, qualificam-se como normas
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. Função Social no Direito Civil. P. 3
PIVA, Rui Carvalho. Bem Ambiental. P 109.
PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil. P. 64
7
Art. 524 do Código Civil de 1916. “a lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens e de reavê-los de quem injustamente os possua.”
4
5
6
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Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
de interesse da coletividade e, portanto, não existe o direito
adquirido do particular na manutenção da exploração das
terras.
Quando não é possível a prevalência do direito do
particular, a questão se resolve no campo do direito de
indenização. Falamos, doravante, do direito de indenização
deste particular, já que esta é a única alternativa que resta à
sociedade para, ainda que de forma indireta, compensar o
particular dos prejuízos que sofreu a partir do sacrifício de
seu direito em prol de toda a coletividade representada pelo
Estado, a quem cabe arcar com este prejuízo.
Diz-se que não há qualquer prejuízo ao proprietário
particular, quando as restrições são de ordem geral e
não prejudicam o exercício do direito de propriedade de
forma substancial ou que atinja os atributos do direito de
propriedade. A questão principal é de se saber quando
existe para ele o direito de indenização, ou seja, a partir de
que grau a intervenção é passível de indenização.
Percebam que existem limitações e restrições que
são inerentes ao próprio direito de propriedade e, conforme
já dito, sempre existiram mesmo quando reinava entre os
diferentes povos o caráter individualista e absolutista do
direito de propriedade, ainda que de forma menos sensível
(Ex: colocação de placas de identificação de nome das ruas
no prédio particular, recuo nas construções, abertura de
janelas, proibição de determinadas culturas agrícolas em
regiões determinadas). Não é difícil imaginar que, vivendo
em sociedade, é impossível que este direito seja absoluto,
diante da infinidade de possibilidades de hipóteses de
confronto entre os interesses dos particulares entre si e com
a própria coletividade.
Evolução histórica da proteção legal da flora no
Brasil
Historicamente, conforme nos relata Ozório Vieira
Dutra8, verificamos que nas Ordenações Afonsinas (1.500),
vigentes após o descobrimento do Brasil e editadas pelo
Rei Dom Afonso IV, havia a tipificação do corte de árvore
frutífera como crime, proibição que foi mantida nas
Ordenações Manuelinas 1521 e nas Ordenações Filipinas
de 1850, mas que revelava uma preocupação com a
alimentação e não com os recursos naturais.
Na Carta Régia de 13.03.1797, segundo menciona
Osny Duarte Pereira citado por Américo Luís Martins da
Silva9, aquela norma “declarou a propriedade real sobre
todas as matas e árvores à borda da Costa, ou de rios que
desemboquem imediatamente no mar, e por onde jangadas
se possam conduzir as madeiras cortadas até o mar”.
Através da Lei nº 1.507, de 26.06.1867, foi instituída a
servidão sobre terrenos marginais aos rios navegáveis.
8
9
Pouco antes da vigência da lei anteriormente
colacionada, havia sido editada a Lei 601 de 18.09.1850,
conhecida como Lei das Terras, que tinha como um dos
objetivos conter a destruição de terras públicas, conforme
menciona Ruy Cirne Lima, citado por Américo Luís
Martins da Silva10, que “dispunha que a aquisição de terras
somente poderia ser feita por compra e venda, ao tempo
em que proibia expressamente a aquisição prescritiva
(usucapião) de tais terras e declarava ser crime a sua
posse desautorizada.”.
Ainda no século XIX, o Brasil passou por duas
Constituições. A de 1824, do Brasil Império e a de 1891,
que veio logo após a proclamação da República. Nenhuma
delas trouxe qualquer disposição da proteção ou da
exploração da flora no Brasil. Somente com a edição do
CÓDIGO CIVIL de 1916 é que iniciamos a edição de leis
próprias desta natureza, mas com uma clara omissão do
legislador no que se refere à proteção da flora no Brasil.
Os anos que se sucederam à instalação da “Nova
República” foram importantíssimos para a inauguração
da legislação ambiental. Conforme lembra Ozório Vieira
Dutra11 o Código Florestal de 1934 é fruto de idéia nascida
em 1920 do presidente Epitácio Pessoa, que criou naquele
ano uma subcomissão para elaborar o anteprojeto do que
seria o primeiro Código Florestal do Brasil, que trouxe o
mais polêmico artigo instituindo a chamada “quarta parte”,
que consistia na reserva obrigatória de vinte e cinco por
cento de vegetação nativa existente em cada propriedade
rural. Constitui ele o ponto principal para o estudo do
instituto da reserva legal, pois que antes da sua vigência,
não havida qualquer regulamentação ou restrição quanto
à utilização do solo e à preservação da flora no Brasil.
O “golpe militar de 1964” inaugurou uma nova
ordem política, e porque não dizer, também econômica e
social. É sob esta nova ordem política que, no ano seguinte
(1965), surge um novo Código Florestal, que ingressou no
ordenamento jurídico através da Lei n° 4771 de 15/09/1965.
Basicamente, seus objetivos seguiam a mesma linha do seu
antecessor, mas trouxe algumas inovações e acabou por
trazer novas restrições e limitações ambientais quanto à
ocupação e exploração do solo, bem como no que se refere
à proteção da flora.
Extinguiu as quatro tipologias de áreas protegidas
anteriormente, conforme previa o Código de 1934,
substituindo-as por quatro outras novas: Parque Nacional
e Floresta Nacional (anteriormente categorias específicas),
as Áreas de Preservação Permanente (APP) e a Reserva
Legal (RL).
Se na versão de 1934 a polêmica maior se resumia
na quarta parte, que proibia o desmatamento total da área
pelo proprietário, no novo Código de 1965 ficou claro o
objetivo do legislador de transferir para o particular o ônus
da proteção da flora no Brasil, cujos termos serão melhores
DUTRA, Ozório Vieira. Reserva Legal. P. 15.
SILVA, Américo Luiz Martins. Direito do Maio Ambiente e dos Recursos Naturais. P. 81.
SILVA, Américo Luiz Martins. Direito do Maio Ambiente e dos Recursos Naturais. P. 82
10
57
analisados oportunamente, até mesmo porque, a versão
original e que teve vigência por algum tempo, não trouxe
as restrições hoje existentes.
A edição da Lei 6.938/1981 (Política Nacional do
Meio Ambiente) e de outras posteriores acabaram por mudar
de forma drástica o Código Florestal de 1965, bem como
para produzir, de fato, uma legislação ambiental eficaz e
com fortes traços de intervenção do domínio do particular
em face do bem comum. Sobreveio a promulgação da
Constituição Brasileira de 1988, com abordagem direta
da questão ambiental, fixando e estabelecendo a nível
constitucional as diretrizes do direito ambiental e a função
social da propriedade.
A Lei 7.803/1989 alterou o Código Florestal para
introduzir nele a exigência de averbação da reserva legal
junto à matrícula do imóvel, obrigação até então inexistente,
e fez outras alterações no Código Florestal de 1965. A
Medida Provisória 2.166-67/2001, introduziu inúmeras
alterações no Código Florestal e impôs ao particular ônus
de toda a ordem, sendo ela, ao lado dos Códigos Florestais
de 1934 e de 1965, as fontes legais mais importantes a
serem analisadas neste trabalho. O Novo Código Civil
(2002) estabelece de maneira minuciosa as características
da função social da propriedade, acentuando as restrições,
limitações e a função social da propriedade.
Da reserva legal florestal no Código de 1934 e
anteriormente a ele
Esta foi a redação dada pelo legislador de 1934 ao
então polêmico artigo 23 do Decreto Federal nº 23.793/1934
(Código Florestal), sendo, também interessante a
transcrição do disposto no seu artigo 24:
Art. 23. Nenhum proprietário de terras cobertas
de matas poderá abater mais de três quartas partes da
vegetação existente, salvo o disposto nos arts. 24, 31 e 52.”
(Grifei)
§ 1º O dispositivo do artigo não se aplica, a juízo
das autoridades florestas competentes, às pequenas
propriedades isoladas que estejam próximas de florestas
ou situadas em zona urbana. (Grifei)
§ 2º Antes de iniciar a derrubada, com a
antecedência mínima de 30 dias, o proprietário dará ciência
de sua intenção à autoridade competente, afim de que esta
determine a parte das matas que será conservada.
Art. 24. As proibições dos arts. 22 e 23 só se referem
à vegetação espontânea, ou resultante do trabalho feito por
conta da administração pública, ou de associações protetoras
da natureza. Das resultantes de sua própria iniciativa, sem
a compensação conferida pelos poderes públicos, poderá
dispor o proprietário das terras, ressalvados os demais
dispositivos deste código, e desapropriação na forma da
lei. (Grifei)
11
12
Observa-se, desde já, que a norma se refere a terras
cobertas (“terras cobertas de matas”), ou seja, a proibição
alcançou apenas o desmate e a exploração de terras cobertas
com matas ou cobertura florestal existentes no momento da
vigência da norma, vale dizer, não eram objeto do citado
artigo as terras já exploradas, mas somente aquelas com
cobertura, e desde que as matas não fossem resultantes da
iniciativa do proprietário.
Sob outro aspecto, a par da inexistência de qualquer
disciplina quanto às terras já abertas, leia-se desmatadas,
além do novo limite de 75% (3/4), e da não imposição de
qualquer penalidade ao proprietário que desmatou além
daquele limite, existia até mesmo a previsão de indenização
quando se tratava de florestas particulares (art. 24).
Da reserva legal florestal no Código Florestal de
1965 e alterações posteriores
Se o Código Florestal de 1934 não trouxe grandes
mudanças, a não ser a instituição da chamada quarta-parte,
o Código de 1965, que lhe sucedeu, já não teve esta mesma
timidez, trazendo inúmeros artigos disciplinando com
maior abrangência a questão ambiental no Brasil, inclusive
com a introdução da área de preservação permanente (APP),
conforme menciona Luis Carlos da Silva de Moraes12.
Embora mais amplo, é possível dizer que no seu
artigo 1º, o novo Código também tem a mesma sinalização
daquele que substituiu, ou seja, disciplinar a proteção
das florestas existentes. De forma quase que invariável,
as disposições deste novo Código sempre trabalham no
sentido de proibição de exploração ou de supressão de
florestas existentes.
O artigo 18, por sua vez, é ainda mais claro ao
indicar que o objeto das normas do novo Código eram as
florestas e matas existentes. Tanto assim é verdade que
prevê, na hipótese de florestamento ou reflorestamento de
preservação permanente, o próprio poder público poderia
tomar esta providência, mediante, entretanto, o pagamento
de indenização se estas áreas já estiveram sendo exploradas
pelo proprietário. Eis o teor na íntegra desta norma:
Art. 18. Nas terras de propriedade privada, onde
seja necessário o florestamento ou reflorestamento de
preservação permanente, o Poder Público Federal poderá
fazê-lo, se não o fizer o proprietário.
§ 1º Se tais áreas estiverem sendo utilizadas com
culturas, de seu valor deverá ser indenizado o proprietário.
É possível, portanto, concluir, que embora o
novo código tenha imposto uma restrição ainda maior ao
proprietário na exploração do solo, a questão das terras já
exploradas e que não constavam com coberturas florestais
nos parâmetros estabelecidos no novo Código, tal como
ocorreu com a legislação anterior, não foi objeto de
DUTRA, Ozório Vieira. Reserva Legal. P. 16
MORAES, Luis Carlos Silva de. Código Florestal Comentado. P. 32.
58
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
disciplina na nova legislação, ou seja, o novo código tinha
como objetivo tão somente a normatização da abertura
de novas áreas, leia-se novos desmatamentos, não se
preocupando coma situações já consolidadas.
Importante observar que o novo código, ao
estabelecer os diversos percentuais previstos no artigo 16,
menciona limite mínimo para reserva legal (20% aliena
“a”) e limite máximo para a derrubada de florestas (30%
alínea “b”). Este detalhe é importante porque não foi
estabelecido um percentual fixo para a reserva legal, mas
sim um parâmetro mínimo.
Se o Código Florestal de 1934 foi um marca
no estabelecimento de limitação ao desmatamento
na exploração de futuras áreas, a MP 2.080/2000,
posteriormente convertida na MP 2.167/200113, a partir
desta conversão e dos termos de sua nova redação, se
traduz no ponto central de toda a celeuma jurídica que se
instaurou acerca da reserva legal florestal.
A obrigação do proprietário particular de ter a
reserva legal florestal em seu imóvel, de acordo com os
parâmetros legais (art. 16), nasce com a edição da MP 2.167
de 13/06/2001, portanto, na vigência da atual Constituição
Federal e somente 67 (sessenta e sete) anos após a vigência
da primeira lei que instituiu a reserva legal florestal no
Brasil (Código de 34).
Reserva legal Florestal extra propriedade
Uma das diferenças da reserva legal florestal do
instituto das APP’s é que enquanto esta tem localização
definida na própria lei que a criou, aquela pode ser definida
pelo proprietário em qualquer área dentro do imóvel
(sujeita a aprovação pelo órgão ambiental), por exclusão,
por óbvio, nas áreas de APP’s.
Embora tanto o Código de 1934 quanto a versão
original do Código de 1965 não tenha trazido a hipótese de
reserva legal florestal extra propriedade, ou seja, em outro
imóvel, o artigo 44 deste último, com a redação que lhe deu
a MP 2.166/01, trouxe esta possibilidade. Portanto, para os
imóveis com área de reserva inferior ao fixado legalmente,
a partir daquela MP tornou-se possível a formação da
reserva florestal em outro imóvel. Este permissivo é para a
regularização do imóvel rural e não para abertura de novas
áreas.
Da exploração econômica da reserva legal florestal
É proibido o corte raso das árvores que
compõem a reserva legal florestal. Corte raso é o termo
técnico que significa cortar na base todas as árvores de
uma determinada área, mas existe a possibilidade da sua
exploração econômica (art. 2º do artigo 16 do Código
13
14
15
Florestal)14, possibilitando ao proprietário que obtenha
proveito econômico da área de reserva, mediante o corte
seletivo da madeira. Contudo, este proveito econômico é
muito pequeno.
A pesquisadora Maria do Carmo Ramos Fasiaben
da Unicamp, em sua tese de doutorado sobre o “Impacto
econômico da reserva legal florestal sobre diferentes tipos
de unidade de produção agropecuária”, orientada pelo
professor Ademar Romeiro, do Instituto de Economia da
Unicamp, fazendo um mapeamento dos remanescentes de
vegetação nativa nas unidades de produção agropecuárias,
conforme matéria veiculada no Jornal da Unicamp15,
edição de 30/08/2010 a 12/09/2010, chegou à conclusão
que, dependendo da opção ou não pela exploração, bem
como da cultura e das diferentes técnicas empregadas,
existe uma sensível redução na renda total propiciada pelo
imóvel, que varia de acordo com a cultura explorada e as
técnicas empregadas entre 13% e 17%, sem contar o longo
período de aplicação de recursos, até que haja o início do
corte das primeiras árvores.
Estas informações confirmam uma constatação
que salta aos olhos mesmo do leigo, qual seja, a de que a
recomposição da reserva legal florestal para aqueles que já
haviam promovido a exploração da terra antes da vigência
de qualquer proibição, impõe ao proprietário particular não
apenas um ônus altíssimo, mas também prejuízos que se
perpetuam pela perda do rendimento do imóvel.
Da situação jurídica das áreas já exploradas antes dos
Códigos Florestais de 1934 e 1965. Dever de recompor e
averbar a reserva legal florestal
Tratando-se de normas que impõem restrições
aos direitos dos particulares em prol do interesse comum,
considerando a evolução legislativa das normas que
regulam a reserva legal florestal, e, considerando, ainda,
os aspectos históricos que envolvem a exploração das
terras no Brasil, é preciso que se faça a todo o momento
uma consideração da situação da terra do particular nos
momentos das sucessivas alterações que sofreram o
instituto.
Esta ilicitude ou licitude do ato de explorar o
solo com cobertura florestal, somente é possível verificar a
partir da consideração de duas premissas básicas. Normas
ambientais vigentes nos diferentes períodos da história do
Brasil e o momento no qual houve a abertura das áreas,
para que se possa, a partir da consideração da legislação
vigente naquele momento, estabelecer se a conduta do
proprietário particular foi lícita ou ilícita.
A primeira dificuldade com que nos deparamos é a
revelação de quando foi aberta a terra, que é imprescindível
para a formulação do raciocínio ao qual nos propomos. O
Ainda não votada até hoje.
Técnicas de condução, exploração e reposição praticadas de forma sustentável visando manter a proteção e o uso sustentável da vegetação nativa e obter benefícios econômicos
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/agosto2010/ju473pdf/Pag03.pdf
59
proprietário particular, certamente, não contará com prova
documental, já que o instituto da prescrição acaba por
desobrigar o arquivo de documentos de tantos anos atrás.
A princípio poderíamos imaginar que voltamos ao
início, pois se não houver prova de que a terra foi aberta
antes do Código Florestal de 1934, ou até mesmo do
Código Florestal de 1965, se o imóvel não era coberto por
matas, a ilicitude seria presumida. Contudo, a história nos
fornece subsídios que ajudam a resolver esta questão sem
maiores dificuldades, além da existência de norma jurídica
que resolve a questão.
Primeiro porque, historicamente, à exceção de
alguns estados cujo desenvolvimento se deu de maneira
mais tardia, na maioria dos estados brasileiros a exploração
da terra já havia se consumado antes mesmo do início do
século XX, portanto, milita em favor do proprietário destas
regiões a PRESUNÇÃO de que a terra foi aberta antes da
vigência do primeiro Código Florestal. Ademais, o estado
de direito consagra o princípio da inocência e da licitude
dos atos, salvo se houver reconhecimento em sentido
diverso em processo legal.
Contudo, é na própria lei ambiental que encontramos
elementos que demonstram a licitude ou ilicitude da
abertura das terras no Brasil. Reportamos-nos à norma
esculpida no artigo 37 do Código Florestal de 1965 (versão
original), que normalmente passa despercebida por aqueles
que analisam o instituto da reserva legal. Eis o teor daquela
norma:
Art. 37. Não serão transcritos ou averbados no
Registro Geral de Imóveis os atos de transmissão “inter
vivos” ou “causa mortis”, bem como a constituição de ônus
reais, sobre imóveis da zona rural, sem a apresentação da
certidão negativa de dívidas referentes a multas previstas
nesta Lei ou nas leis estaduais supletivas, por decisão
transitada em julgado.
Embora o Código Florestal de 1965 tenha sofrido
inúmeras alterações, esta norma mantém-se com a mesma
redação até os dias atuais. Portanto, a partir desta norma,
e considerando que todas as terras registram inúmeras
alienações e onerações de toda ordem desde o período
de vigência do primeiro Código Florestal, bastando para
esta constatação uma análise da cadeia dominial a partir
dos arquivos do registro público, é possível concluir que,
se houve o registro de títulos translativos ou até mesmo
qualquer outro ônus real, é porque o imóvel não foi objeto
de nenhum auto de infração ambiental, notadamente no
que se refere à regularidade da reserva florestal, pois que
do contrário, teriam sido tomadas as medidas competentes
pelo Estado visando a recomposição da reserva legal
16
17
florestal da área autuada.
Quanto à aplicação da nova lei a situações já
consolidadas, Fábio de O. Luchési defende que os
proprietários de imóveis “tinham o direito de praticar
o desmatamento na forma então regrada pela lei, e, se
o fizeram, esse fato passou a constituir uma situação
correspondente a direito adquirido. Como já referido,
nenhuma regra de direito há que permita que a lei nova
retroaja para impor aos particulares obrigação em
contrário a direito que exerceram, ou que pudesse apagar
os efeitos da lei que incidiu sobre fato verificado sob o seu
império”. (RT-800 - junho de 2002 - 91º Ano - pág. 132).
Neste sentido também é o posicionamento do Ministro
Marco Aurélio de Mello do STF (Revista Dinheiro Rural,
edição de nº 61, de novembro de 200916).
Em sentido diverso é a doutrina de Paulo de Bessa
Antunes, citado por Édis Milaré17, que comunga do mesmo
entendimento, para quem a nova obrigação imposta aos
proprietários particulares alcança também aqueles que
promoveram a abertura da terra anteriormente, ainda que
em conformidade com a legislação vigente à época.
Embora com sensível inclinação para a
confirmação da aplicação imediata da lei a todas as
situações, e ao que nos parece em caráter irreversível, ainda
é possível encontrar na jurisprudência recentes decisões
em sentido contrário (TJMG Ap. Cível 1.0694.08.0464217/001 – in Boletim AASP 2698, p. 1897). O STJ, por sua
vez, confirma o seu entendimento pela aplicabilidade
imediata, ainda que se trate de terras abertas antes das
restrições (RMS 18.301/MG - REsp 821.083/MG).
De nossa parte, não poderíamos nos furtar à
obrigação de dar o nosso entendimento e a contribuição
sobre a matéria. Contudo, preferimos levar ao leitor uma
visão inicial sobre a posição da doutrina e da jurisprudência.
Outro não poderia ser o nosso entendimento senão a
de que a aplicabilidade é imediata e alcança qualquer
situação, inclusive as terras já abertas em conformidade
com a legislação vigente quando da abertura. Isto decorre
da própria natureza da norma ambiental, que dada a
supremacia do interesse coletivo, não se coaduna com a
manutenção do direito do particular em detrimento de toda
a coletividade.
Do direito de indenização das áreas já exploradas e
do ônus da recomposição da reserva legal florestal
Embora sujeito à nova legislação, isto não significa
que o particular deva arcar com o ônus da recomposição
da reserva legal quando promoveu a abertura da terra de
forma lícita e em conformidade com a legislação vigente
à época da exploração da terra. Outra questão diferente,
http://www.terra.com.br/revistadinheirorural/edicoes/61/artigo156948-1.htm
Milaré, Édis. P. 753.
60
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
também, é o direito de indenização deste particular pela
diminuição do proveito econômico do imóvel decorrente
da transformação de área agricultável em área de mata.
A remoção da cobertura florestal de determinada
área deve ser tida como lícita quando naquele momento
inexistia norma que impedia o desmatamento, enquanto que
ilícito será aquele feito em desconformidade com a lei da
época. Considerando que as limitações nos desmatamentos
somente vieram com os Códigos Florestais de 1934 e
1965, podemos afirmar, sem margem de dúvida, que todos
os desmatamentos ou supressões de vegetações nativas
ou naturais ocorridas antes da vigência do primeiro ou do
segundo Código Florestal (1934 e 1965), dependendo do
tipo de vegetação suprimida, devem ser tidas como lícitas.
A questão, como já dito, é que vivemos numa
sociedade caracterizada pela observância dos direitos
individuais, entre eles o direito de propriedade e a justa
indenização àquele que foi privado de um bem particular
ou que sofreu restrição ou limitação nos seus direitos em
prol de toda a comunidade. Não cabe a este particular arcar
com ônus sozinho, mas tão somente na medida certa e
juntamente com todos os membros da sociedade.
O Professor Rui Carvalho Piva18, que tem uma
excelente definição de bem ambiental, identificou o
principal ponto de divergência existente no direito de
indenização do particular, que varia de acordo com o
grau de intervenção da atividade estatal no seu direito.
Se o direito é integralmente suprimido, como no caso de
desapropriação, ou quando há perda do objeto do direito,
é pacífico o entendimento do direito de indenização do
particular. Entretanto, quando o particular conserva o
direito ou o bem, mas sofre restrição no seu exercício em
alguns de seus aspectos em prol de interesses difusos e
coletivos é que surge o problema, pois que, regra geral, as
restrições e as limitações acompanham o próprio direito.
A reserva legal florestal não se traduz em
desapropriação, nem mesmo indireta, porquanto que o
proprietário não apenas conserva a posse e a propriedade do
bem, mas também lhe é permitido a exploração econômica
da área. Por outro lado, não se traduz na limitação de
ordem geral que não gera indenização, na medida em
que seus efeitos ultrapassam aqueles tidos como normais
e suportáveis pelo proprietário, tirando-lhe, de forma
substancial, o exercício de um ou mais dos atributos de seu
direito. De forma geral, o argumento de que o proprietário
conserva a posse e o domínio do bem não se presta para
negar-lhe o direito à indenização em caso de limitação
imposta pelo estado.
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência não
enfrentaram de forma satisfatória e objetiva a questão
relativa ao direito de indenização do proprietário particular
que, tendo aberto a terra quando lhe era lícito, se vê
obrigado a suportar o ônus da recomposição da reserva
legal e ver diminuído seu proveito econômico na área. Esta
falta de abordagem direta deste assunto deve-se muito mais
à maneira que este tema foi abordado até o momento do
que à omissão do judiciário.
Desta forma, de nossa parte entendemos que as
ações dos particulares devam ser no sentido de não apenas
buscar a indenização pela redução do proveito econômico,
mas também para que o Poder Público arque com o
ônus da implantação da reserva legal nos imóveis cujo
desmatamento tenha sido lícito. Esta indenização deve ser
prévia e justa, tal como prevista na Constituição, ou seja,
primeiro o particular deve ser indenizado, para depois ser
implementada a restrição ambiental. A jurisprudência dos
tribunais é no sentido que, se o direito de propriedade é
posterior à própria legislação que impôs a limitação, não
há que se falar em direito a indenização19.
José Rodrigues Arimatéa20, abordando as
implicações jurídicas das restrições ambientais no direito
do particular e partir de decisões do Supremo Tribunal
Federal, traz uma importante colaboração para análise do
tema, a saber:
Releva notar, ainda as implicações jurídicas, pois o
proprietário estará diante do esvaziamento econômico da
propriedade, o que lhe ensejaria o direito de indenização.
Aliás, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do
Recurso Extraordinário nº 134.297.8-SP, em 13.6.95,
relatado pelo Ministro José Celso de Mello Filho, disse
que: “Incumbe ao Poder Público o dever constitucional
de proteger a flora e de adotar as necessárias medidas
que visem a coibir práticas lesivas ao equilíbrio
ambiental. Esse encargo, contudo, não exonera o Estado
da obrigação de indenizar os proprietários cujos imóveis
venham a ser afetados, em sua potencialidade econômica,
pelas limitações impostas pela Administração Pública”.
A decisão foi tomada em um caso de criação de reserva
florestal, mas o argumento é aplicável também aos casos
de reserva legal.
Por fim, para aqueles que ainda não se
convenceram do direito de indenização do proprietário
particular que agiu licitamente, é possível encontrarmos
nos próprios Códigos Florestais (1934 e 1965), normas
que garantiam o direito de indenização daquele que havia
promovido a abertura das terras em épocas passadas.
PIVA, Rui Carvalho. Bem Ambiental. P 123.
STJ – 2º T. - AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.103.185 - SC (2008/0217310-5) 09/06/2009.
ARIMATÉA, José Rodrigues. O Direito de Propriedade. Limitações e Restrições Públicas. P. 160.
21
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D23793.htm
18
19
20
61
O Código de 1934 classificou no seu artigo 3º as
florestas existentes em protetoras, remanescentes, modelo
e de rendimento. No artigo 4º definiu as áreas florestais
consideradas protetoras, o que hoje mais se assemelha a
áreas de APP’s. As remanescentes foram definidas no artigo
5º, como sendo os parques públicos ou as de espécies de
interesse biológico.
Expostas estas premissas, é possível analisar o
disposto nos artigo 11, 12 e 13 (texto original), os quais,
já naquela época asseguravam ao proprietário particular
atingido pela limitação, o direito de indenização. Estas
foram as redações originais21 destes artigos (sic):
Art. 11. As florestas de propriedade privada,
nos casos do art. 4º, poderão ser, no todo ou em parte,
declaradas protectoras, por decreto do governo federal,
em virtude de representação da repartição competente,
ou do conselho florestal, ficando, desde logo, sujeitas ao
regime deste código e à observância das determinações
das autoridades competentes, especialmente quanto ao
replantio, à extensão, à oportunidade e à intensidade da
exploração.
Paragrafo único. Caberá ao proprietário, em tais
casos, a indenização das perdas e damnos comprovados,
decorrentes do regimen especial a que ficar subordinado.
Art. 12. Desde que reconheça a necessidade ou
conveniencia, de considerar floresta remanescente, nos
termos deste codigo, qualquer floresta de propriedade
privada, procederá o governo federal ou local, à sua
desapropriação, saIvo se o proprietario respectivo se
obrigar, por si, seus herdeiros e successores, a mantel-a sob
o regimen legal correspondente.
Art. 13. As terras de propriedade privada, cujo
florestamento, total ou parcial, attendendo à sua situação
topographica, for julgado necessario pela autoridade
florestal, ouvido o conselho respectivo, poderão ser
desapropriadas para esse fim, se o proprietario não
consentir que tal serviço se execute por conta da fazenda
publica, ou se o não realizar elle proprio, de accôrdo com
as instrucções da mesma autoridade.
§ 1º Caso o proprietario faça o florestamento, terá
direito às compensações autorizadas pelas leis vigentes.
A leitura do artigo 4º, como já falamos, nos remete
ao que hoje conceituamos como área de preservação
permanente (APP), pois que se refere à conservação do
regime de águas, a evitar erosão, a fixar dunas, etc. Com
a entrada do primeiro Código Florestal elas passaram a
ser consideradas florestas protetoras e, se localizadas em
propriedade particular, através dos artigos 11, 12 e 13,
foram assegurados aos proprietários particulares o direito
de indenização.
62
No Código Florestal de 1965 (vigente), a norma
correspondente encontra-se esculpida no artigo 18, que
também garante não apenas o direito de indenização do
particular, mas também que o Poder Público deverá fazer
o reflorestamento, se acaso assim não optar o particular. O
texto legal, que não sofreu nenhuma alteração, é claro neste
sentido:
Art. 18. Nas terras de propriedade privada, onde
seja necessário o florestamento ou o reflorestamento de
preservação permanente, o Poder Público Federal poderá
fazê-lo sem desapropriá-las, se não o fizer o proprietário.
§ 1° Se tais áreas estiverem sendo utilizadas com
culturas, de seu valor deverá ser indenizado o proprietário.
§ 2º As áreas assim utilizadas pelo Poder Público
Federal ficam isentas de tributação. (Grifei)
Com a exposição contida neste tópico, concluímos
e esperamos ter demonstrado que o proprietário que
promoveu a abertura lícita das terras tem direito de
indenização referente à diminuição do proveito econômico
do bem decorrente da limitação ou restrição ambiental que
passou a sofrer o imóvel com o advento de novas leis, e que
o poder público deve arcar com todos os custos relativos à
recomposição da reserva legal.
Do projeto de alteração do Código Florestal
Embora este breve estudo tenha como objeto as
normas vigentes, com estudo subsidiário das normas já
revogadas, não poderíamos deixar de abordar neste trabalho
a existência do projeto de lei em trâmite no Congresso
Nacional e que tem como objeto proposta de alteração do
Código Florestal, porquanto que estas alterações provocam
sensíveis e importantes alterações neste diploma legal.
As alterações mais importantes e relacionadas ao
tema em estudo dizem respeito à manutenção da exploração
das terras já abertas, tratamento diferenciado para a
pequena propriedade, o cômputo das Áreas de Preservação
Permanente no cálculo do percentual da Reserva Legal, a
instituição dos Programas de Regularização Ambiental –
PRA que deverão dispor sobre a adequação dos imóveis
rurais ao Código Florestal. Os Estados também passarão a
legislar quanto às APP’s já exploradas.
Importante observar que, diferentemente do que tem
sido divulgado pela imprensa, o fato da área estar sendo
explorada e aberta antes de 22/07/2008 não dispensará
o proprietário da regularização e da recomposição nos
percentuais estabelecidos no Código Florestal, mas
apenas lhe garante a manutenção da exploração até que
seja promulgado o PRA e haja adesão do produtor a ele
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
para, através de uma das formas previstas, regularização a
reserva florestal.
O artigo 15 restabelece uma norma do Código
Florestal que teve vigência até a edição da MP 2.166/2001,
possibilitando ao proprietário, apenas para efeito de
regularização e não de abertura de novas áreas, o cômputo
das áreas de APP’s na reserva legal florestal.
O artigo 49 valida o que se convencionou chamar
neste trabalho de desmatamento lícito, dispensando da
regularização da reserva legal o proprietário rural que
provar que promoveu a abertura em consonância com a
legislação vigente à época da abertura da terra. Embora
pareça resolver o problema, a verdade é que, ao atribuir
o ônus da prova ao particular, cria um novo, porquanto
que esta prova, a nosso ver dispensável se inexistir auto de
infração lavrado contra o produtor (princípio da inocência),
trará inúmeras discussões.
Abstract: This paper aims to study the controversial
aspects of the institution of the legal reserved forest,
notably regarding what we call in this paper as lawful and
unlawful deforestation, which are very important issues
related to the development of its consequences in the legal
field for the rights of an individual.
Key words: Reserved forest. Legal reserved forest.
Environmental laws and regulations. Administrative
laws and regulations. Lawful deforestation. Unlawful
deforestation. Forestry Code.
Bibliografia
ARIMATÉA, José Rodrigues. O direito de propriedade: limitações e restrições públicas. Franca: Lemos e Cruz Livraria
e Editora, 2003.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 22. Ed. São Paulo, Saraiva, 2007.
DUTRA, Ozório Vieira. Reserva Legal. São Borja: Editora Conceito, 2009.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da (org.). Função social no direito civil. São Paulo: Editora Atlas. 2007.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
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SILVA, Américo Luís Martins. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais. São Paulo; Ed. Revista dos
Tribunais, 2005. v. 2.
63
Mudanças climáticas e florestas: histórico das negociações, impasses e
perspectivas em relação à implementação de mecanismos de REDD
LÍVIA MENEZES PAGOTTO
Pesquisadora do Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces) da Fundação Getulio Vargas. Mestranda em
Environmental Governance pela Universidade de Freiburg (Alemanha). Bolsista do DAAD pelo programa
Postgraduate course with special relevance to developing countries. Especialista em Meio Ambiente,
Desenvolvimento Sustentável e Questões Globais pela FAAP. Graduada em Ciências Sociais pela PUC-SP.
Resumo: Este artigo pretende debater os desafios que se colocam na discussão contemporânea sobre a adoção dos
mecanismos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD), por meio de uma análise
do contexto de seu surgimento e das perspectivas reais de sua adoção. Os mecanismos de REDD surgiram como um
dos instrumentos de mitigação das conseqüências danosas causadas pelas mudanças climáticas em todo o planeta. A
bibliografia utilizada foi reunida essencialmente a partir de documentos online, extraídos de sites oficiais e fontes primárias.
Concluiu-se que as iniciativas de REDD podem resultar em um duplo benefício, que contribui de forma significativa
para o desenvolvimento sustentável: a mitigação dos efeitos das emissões de Gases de Efeito Estufa na atmosfera e a
conservação e uso sustentável dos recursos florestais, por meio da contenção do desmatamento e da degradação florestal.
Palavras-Chave: Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Questões Globais. Mudança do Clima. Emissões por
desmatamento. Florestas. Desmatamento. Degradação ambiental. Conservação Florestal.
Introdução
As alterações climáticas são a questão central do
desenvolvimento humano para a nossa geração. Com
desenvolvimento pretende-se, em última análise, expandir
o potencial humano e fomentar a liberdade humana.
As pessoas procuram desenvolver capacidades que as
possibilitem fazer escolhas e ter uma vida que valorizem.
As alterações climáticas ameaçam corroer a liberdade
humana e limitar o poder de escolha.
(PNUD, Relatório de Desenvolvimento Humano
2007-2008)
Este artigo1 pretende apresentar ao leitor uma visão
geral dos desafios, impasses, oportunidades e perspectivas
relacionados à construção de um consenso sobre a definição,
as formas de implementação e o futuro das iniciativas de
Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação
Florestal (REDD).
Os mecanismos de REDD foram propostos em
meio a discussões sobre o regime climático internacional
em sua relação com o acelerado processo de desmatamento
e degradação florestal, fenômenos responsáveis por um
grande volume de emissões de Gases de Efeito Estufa
(GEE). Hoje, as iniciativas de REDD não têm importância
somente na mitigação das emissões de GEE – que provocam
o aquecimento global –, mas podem também contribuir
para o desenvolvimento sustentável2, propiciando a
conservação da biodiversidade, dos recursos hídricos e
de solo, e o respeito ao patrimônio histórico e cultural dos
povos da floresta.
Ao longo da década dos 1990, as emissões
provenientes do desmatamento chegaram a 5,8 bilhões de
toneladas de carbono ao ano, respondendo assim por 18%
do total das emissões globais do período (IPCC, 2007, p.
36).
A agenda internacional do meio ambiente e a
questão florestal
O Direito Internacional do Meio Ambiente rege as
questões relacionadas às florestas desde a década de 1990. O
assunto foi abordado de forma mais significativa na agenda
de negociações da Conferência das Nações Unidas sobre
Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD)3 realizada em
1992, na cidade do Rio de Janeiro. Nesta ocasião, não foi
aprovada uma convenção sobre florestas, mas foi aprovada
Este artigo é derivado da monografia apresentada pela autora no curso de pós-graduação lato sensu “Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Questões Globais”, da FAAP, em fevereiro de 2011.
O conceito de desenvolvimento sustentável adotado tem referência no Relatório Brundtland, documento intitulado “Nosso futuro comum” e finalizado em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento. De acordo com o relatório, desenvolvimento sustentável é “o desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das
gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades”. Disponível em <http://www.un-documents.net/ocf-02.htm>. Acesso em 12dez. 2010.
3
Durante a Conferência (também conhecida por Rio 92, Eco 92 e Cúpula da Terra), foram aprovados os seguintes acordos: i) Agenda 21 (um programa para ação global para todas as áreas do
desenvolvimento sustentável), disponível em < http://www.un.org/esa/dsd/agenda21/>; ii) A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e; iii) a Declaração de Princípios sobre as
Florestas (um documento com princípios sobre gestão, conservação e desenvolvimento sustentável das florestas, disponível em <http://www.un.org/documents/ga/conf151/aconf15126-3annex3.htm>).
Além disso, foram assinadas duas Convenções legalmente vinculantes: i) a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas e ii) a Convenção sobre a Diversidade Biológica, disponível em <http://www.
cbd.int/convention/convention.shtml>. Acesso em 07ago. 2010.
1
2
64
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
a Agenda 21 - um dos principais resultados produzidos
pela Conferência - com um capítulo específico sobre
desmatamento4 (Capítulo 11, Seção II – “Combatendo o
desmatamento”).
Também durante a CNUMAD, foi aprovada a
Declaração de Princípios sobre Florestas. Este documento
é genérico e não legalmente vinculante, mas representa
um “primeiro consenso global sobre florestas” (UNITED
NATIONS, 1992d). No texto, a questão florestal
é “relacionada a um amplo espectro de questões e
oportunidades ambientais e de desenvolvimento, incluindo
o direito ao desenvolvimento com bases sustentáveis”.
A CNUMAD resultou ainda em outro compromisso
internacional de extrema relevância: a Convenção
sobre Diversidade Biológica. Esse documento trata da
biodiversidade global de forma abrangente, incluindo entre
as suas preocupações a questão dos recursos florestais e de
seu uso sustentável.
Em 2000, a Organização das Nações Unidas
(ONU) estabeleceu os conhecidos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODM), a serem atingidos até
2015. Para alcançar suas metas, o ODM de nº 7 (“Garantir a
sustentabilidade ambiental”) sugere o uso de um indicador
específico sobre florestas, desmatamento e sua relação
com o aquecimento global (“Reduzir o desmatamento
para diminuir as emissões de gases de efeito estufa”).
A segunda meta do mesmo ODM trata do problema nos
seguintes termos: “reduzir a perda de diversidade biológica
e alcançar, até 2010, uma redução significativa na taxa de
perda”5 (UNITED NATIONS, 2010).
Por fim, em sua reunião de 2007, a Assembléia
Geral da ONU, por meio de sua Resolução 62/986,
estabeleceu quatro objetivos relativos às florestas, a serem
alcançados também até 2015. Esses objetivos são:
(i) reverter a perda da cobertura florestal no mundo
por meio de manejo florestal sustentável, incluindo
proteção, restauração, florestamento e reflorestamento7, e
aumentar os esforços para prevenir a degradação florestal;
(ii) fortalecer benefícios econômicos, sociais e ambientais
baseados nas florestas, incluindo a melhoria nos meios
de vida das populações delas dependentes; (iii) aumentar
significativamente a área de proteção florestal no mundo
e as áreas de manejo florestal sustentável, assim como a
proporção de produtos provenientes de manejo florestal
sustentável8 (UNITED NATIONS, 2008).
No ano de 2010, 31% da área total da cobertura
terrestre era ocupada por florestas. Do total da cobertura,
36% eram caracterizados como florestas primárias
(florestas com espécies nativas sem sinais de atividade
antrópica e/ou sistemas ecológicos significativamente
alterados), 57% como florestas naturalmente regeneradas
e 7% como florestas plantadas (FAO, 2010, p. 5).
As razões propulsoras do desmatamento são
diversas. Atualmente, o principal motivo para a conversão
de florestas em áreas desmatadas é a abertura de novas
áreas para culturas agrícolas, devido à demanda por
comida, ao interesse por determinadas terras férteis e
também aos conflitos ligados a direitos de propriedades
rurais. Além disso, a ocupação antrópica com finalidades
de assentamento humano, construção de infraestrutura e
mineração também provoca o desmatamento (FAO, 2010,
p. 3).
A degradação florestal também pode ser provocada
por diferentes razões e, dependendo de sua gravidade,
pode induzir um processo de desmatamento. Mais uma
vez, a ação antrópica é a principal dessas causas, incluindo
(i) a exploração exarcebada das florestas por meio, por
exemplo, do corte de madeira erroneamente praticado e;
(ii) incêndios reincidentes. Causas naturais, como pestes e
doenças, também podem causar a degradação florestal.
A redução de áreas florestais por desmatamento
e degradação florestal provoca conseqüências graves,
como (i) a diminuição de diversidade biológica; (ii) a
perda de recursos (madeireiros e não-madeireiros); (iii) a
desestabilização dos serviços ambientais (conservação do
solo e dos recursos hídricos, por exemplo) e; (iv) o aumento
das emissões de carbono na atmosfera, provocado pela
perda da capacidade de armazenar e seqüestrar carbono, e
também porque há a soltura de GEE na atmosfera devido à
queima das florestas (FAO, 2010, p. 4)9.
Admite-se que as funções florestais sejam,
principalmente (i) conservação da biodiversidade; (ii)
regulação dos ciclos hidrológicos; (iii) abrigo para a fauna;
(iv) proteção dos solos e dos recursos hídricos; (v) produtos
madeireiros e não-madeireiros e; (vi) conservação dos
modos de vida das populações indígenas e tradicionais
e do patrimônio e dos valores histórico e cultural (FAO,
2010). Além disso, entre os serviços ambientais prestados
pelas florestas, há aqueles que estão relacionados ao
ciclo do carbono e à capacidade da “floresta em pé” de
contribuir para a estabilização do clima e a desaceleração
de sua mudança. O incentivo econômico para promover
a conservação das florestas e a redução das emissões de
carbono está cada vez mais relacionado, uma vez que hoje
O texto ressalta a importância dos recursos florestais “tanto para o desenvolvimento como para preservação do meio ambiente global”, por sua potencialidade de geração de empregos, amenização da
pobreza e fornecimento de produtos valiosos.
5
Para informações sobre os ODM, acessar < http://www.un.org/millenniumgoals/>. Acesso em 02maio 2010.
6
Disponível em <www.fao.org/forestry/14717-1-0.pdf>. Acesso em 01nov. 2010.
7
Florestamento: é a conversão diretamente induzida pelo homem de terreno que não foi floresta por um período de pelo menos pelo menos 50 anos para floresta, através da plantação, semeadura, ou
promoção induzida pelo homem de fontes naturais de sementes. Reflorestamento: é a conversão diretamente induzida pelo homem de terreno não florestal para terreno florestal da plantação, semeadura,
ou promoção induzida pelo homem de fontes naturais de sementes, em terreno que foi floresta, mas que foi convertido para não floresta.
8
Tradução da autora. Original disponível em <http://www.un.org/esa/forests/pdf/session_documents/unff7/UNFF7_NLBI_draft.pdf>. Acesso em 03fev. 2010.
9
A título de exemplo do impacto dos efeitos do desmatamento na biodiversidade, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), um dos documentos resultantes da Rio-92, estima que a aceleração
do desmatamento e a conversão das florestas para outros usos tem forte impacto na biodiversidade mundial e contribui para a redução do número de espécies em cerca de 30% ou mais, retalhando, por
exemplo os corredores ecológicos utilizados por diversas espécies para migração e deslocamento (UNITED NATIONS, 1992b).
4
65
é reconhecido que o desmatamento é uma das principais
causas para o aquecimento global. O Banco Mundial
aponta que 1,6 bilhões de pessoas no mundo dependem, em
algum nível, das florestas para a sua sobrevivência (UNEP;
FAO; UNFF apud WORLD BANK, 2009, p. 14).
Mudanças climáticas e o setor florestal
Entre as suas várias funções, as florestas
desempenham papel fundamental no contexto climático
mundial. Se mantidas em pé e conservadas, elas preservam
sua capacidade de capturar e armazenar carbono; se sofrem
desmatamento e degradação florestal, há emissão de gás
carbônico provocada pela queima ou por sua debilidade
em capturar este gás, contribuindo para o aumento de GEE
na atmosfera. Sabe-se que atualmente 18% das emissões
globais de GEE são provenientes do desmatamento e da
mudança do uso do solo (IPCC, 2007, p. 36).
A principal iniciativa da ONU, que disciplina a
questão climática, é a Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC10). Assinada
em 1992, durante a Rio 92, entrou em vigor em 1994.
Desde 1995 são realizadas anualmente as Conferências
das Partes (COP) para discutir os progressos e entraves dos
objetivos da Convenção.
A CQNUMC dividiu as suas Partes signatárias em
dois grupos: países do Anexo I e países não pertencentes
ao Anexo I. Segundo o texto (UNITED NATIONS, 1992c,
Artigo 4.2), os países listados no Anexo I, isto é, nações
desenvolvidas e em transição para uma economia mercado,
comprometem-se a, entre outras atividades, a adotar
políticas nacionais e medidas de mitigação da mudança
do clima por meio do estabelecimento de limites para a
emissão de GEE, individualmente ou em cooperação com
outras Partes.
Para os países não Anexo I – em desenvolvimento
– ficou definido que devem implantar programas nacionais
de mitigação e elaborar seus respectivos inventários
nacionais de emissões de carbono.
O Protocolo de Quioto11 é o mais importante
instrumento da CQNUMC. Formulado em 1997 durante a
COP-3, entrou em vigor em julho de 2001 e estabelece para
os países desenvolvidos (Anexo I) metas e compromissos
relativos à redução das emissões de GEE (UNFCCC, 1997,
Artigo 25.1) em pelo menos 5% no primeiro período de
compromisso – 2008 e 2012–, em comparação com níveis
verificados no ano de 1990 (UNFCCC, 1997, Artigo
3.1).
Para que as Partes da Convenção atinjam
suas metas de redução de emissões de GEE até 2012, o
Protocolo de Quioto estabeleceu os chamados mecanismos
de flexibilização, permitindo aos países alcançarem parcela
de suas metas por meio de transações de créditos de carbono
relacionadas a ações realizadas fora de seu território12.
Um deles, o Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo (MDL), foi pensado para estimular a redução
de emissões de uma forma economicamente viável
para os países do Anexo I que não conseguem alcançar
domesticamente sua meta de redução de emissões de GEE.
Eles passam a poder recorrer à compra de créditos de
carbono derivadas de projetos locais realizados em países
em desenvolvimento, desde que seus projetos contribuam
para redução ou captura de emissões de GEE nestes
locais e assim também impulsionem um desenvolvimento
sustentável.
Um dos tipos de projetos aceitos são as ações de
florestamento e reflorestamento em áreas degradadas
(incluído nas iniciativas de MDL durante a COP-7,
realizada em 2001, por meio do Acordo de Marraquesh)
(UNFCCC), de forma restrita ao mercado obrigatório de
carbono13 (LAMY; MERTENS; MOUTINHO, S/d, p. 6).
As emissões evitadas de desmatamento foram excluídas da
regulamentação do MDL (mecanismo baseado em projetos)
principalmente por que haveria “risco de vazamento ou
leakage (emissões evitadas em um determinado lugar
acabam ocorrendo em outro)” Além disso, poderia haver a
“super oferta de créditos, o que jogaria o preço do crédito
de carbono para baixo” (MONZONI, 2009).
Paralelamente ao mercado obrigatório de
carbono, existe um mercado voluntário. Este é aplicado
nas negociações de créditos de carbono realizadas por (i)
empresas que não possuem metas atreladas ao Protocolo
de Quioto e, por isso, são consideradas ações voluntárias e;
(ii) governos locais que, por iniciativa própria, resolveram
reduzir suas emissões. O mercado voluntário possui
participação de 3% no cenário global de carbono.
A redução de emissões de carbono causadas pelo
desmatamento e pela degradação florestal em países em
desenvolvimento (REDD) foi criada como iniciativa nãooficial e paralela às negociações no âmbito do Protocolo
de Quioto, colocando-se em alguns mercados voluntários
de crédito de carbono, como o Chicago Exchange e o
Voluntary Carbon.
United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC, sigla em inglês). Informações disponíveis no site <http://unfccc.int>. Versão em português disponível em <http://www.mct.gov.
br/index.php/content/view/4069.html>. Acesso em 23jul. 2010.
11 O Protocolo de Quioto pode ser lido na íntegra nos seguintes sites: <http://www.onu-brasil.org.br/doc_quioto.php>, para o texto em português, e <http://unfccc.int/resource/docs/convkp/kpeng.pdf>,
para o texto em inglês. Acesso em 04jun. 2010.
12 São três os principais mecanismos de flexibilização: Emission trading, Joint implementation e Clean Development Mechanism (CDM, sigla em inglês, ou Mecanismo de Desenvolvimento Limpo –
MDL), definido no Artigo 12 do Protocolo. Para as negociações entre países do Anexo I, podem ser aplicados o ET ou o JI.
13 Decisão 11/CP.7, elaborada na COP-7 em 2001 na cidade de Marraquesh. Disponível em <http://unfccc.int/methods_and_science/lulucf/items/3063.php>. Acesso em 13set. 2010.
10
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Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Histórico das negociações dos mecanismos de REDD
A criação de um mecanismo de incentivo à redução
de emissões provenientes de desmatamento em países em
desenvolvimento foi discutida, pela primeira vez, em 2005,
durante a COP-11 realizada em Montreal, no Canadá.
Encabeçada pelos países Papua Nova Guiné e Costa Rica14
e motivada pelo aumento do desmatamento mundial, a
proposta foi apoiada por um grupo de países, entre eles o
Brasil. À época, o mecanismo restringiu-se à redução de
emissões provenientes somente do desmatamento, sendo
chamada assim de REDD.
Para dar andamento à proposta resultante da COP11, os países interessados na iniciativa comprometeramse a elaborar contribuições nacionais relativas ao
funcionamento do REDD e apresentá-las nos próximos dois
anos. Desde então, o Órgão Subsidiário de Assessoramento
Científico e Tecnológico da Convenção-Quadro das
Nações Unidas sobre Mudança do Clima (SBSTA, sigla em
inglês15) encarregou-se pela compilação dos documentos
apresentados neste período.
Na COP-12, realizada em 2006 no Quênia, o
aspecto da degradação florestal foi incorporado à questão
de RED, principalmente para contemplar a realidade dos
países africanos, que usualmente realizam mais corte raso
de árvores do que a retirada total da vegetação original16.
Assim um novo “D” foi incorporado à sigla, tornando-se
esta “REDD”.
No ano seguinte, foi estabelecido o Plano de Ação
de Bali17. Por meio deste documento, foi estabelecido que
medidas nacionais e internacionais deveriam ser tomadas
visando, entre outras ações, a
Criação de políticas e incentivos positivos com
relação a questões referentes à redução de emissões
provenientes do desflorestamento e da degradação
florestal nos países em desenvolvimento; e o papel da
conservação, do manejo sustentável das florestas e do
aumento dos estoques de carbono das florestas nos países
em desenvolvimento18 (UNFCCC, 2007a). [Tradução da
autora]
Com o intuito de especificar a questão relativa à
REDD, foi desenvolvido um outro documento – a Decisão
2/CP.1319 – que reuniu as resoluções a respeito do tema.
Denominada “Reducing emissions from deforestation in
developing countries: approaches to stimulate action”,
esta Decisão reconhece (i) a contribuição das emissões
provenientes do desmatamento e da degradação florestal
para as emissões antrópicas de Gases de Efeito Estufa; (ii)
a degradação florestal como fator gerador de emissões; (iii)
a realização de ações já em andamento que objetivam a
redução do desmatamento e a promoção da manutenção e
conservação de estoques de carbono florestais em países
em desenvolvimento; (iv) a necessidade da disponibilidade
de recursos previsíveis e constantes para financiar as ações
de combate ao desmatamento e à degradação florestal; (v)
que as necessidades das comunidades locais e indígenas
devem ser consideradas no desenvolvimento de projetos
REDD; entre outros.
Com base nestes reconhecimentos, a Conferência
convidou, por meio da mesma decisão, as Partes da
Convenção a (i) intensificarem os esforços para reduzir as
emissões provenientes do desmatamento e da degradação
florestal de forma voluntária; (ii) apoiarem – se assim o
puderem – a capacitação e assistência técnica, facilitarem
a transferência de tecnologia especialmente nos campos
do monitoramento e reporting das emissões derivadas do
desmatamento e da degradação florestal; (iii) analisarem
possibilidades de ações e empreenderem esforços para lidar
com os vetores do desmatamento em âmbito nacional; (iv)
mobilizarem recursos para apoiar os esforços de redução
das emissões derivadas do desmatamento e da degradação
florestal; utilizarem as diretrizes de relato mais recentes;
(vi) solicitarem ao SBSTA um programa de trabalho sobre
questões metodológicas; entre outros (UNFCCC, 2007b).
É importante notar que os aspectos de conservação,
manejo sustentável e aumento dos estoques de carbono
das florestas são incluídos nestas decisões, o que significa
mais um avanço em relação à amplitude que os projetos de
REDD podem potencialmente atingir. Desta forma, a sigla
REDD tornou-se REDDplus, ou REDD+20.
Depois desta série de resoluções firmadas
desde a COP-13, as partes da CQNUMC desenvolveram
intenso trabalho de reflexão e elaboração de propostas e
encaminhamentos até a COP-1521.
Estes dois países fazem parte e tiveram o apoio da Coalizão das Nações com Florestas Tropicais, organização intergovernamental que reúne diversos países em desenvolvimento com florestas tropicais.
Informações disponíveis em < http://www.rainforestcoalition.org/eng/>. Acesso em 11out. 2010.
15
Além do Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice, órgão dedicado aos assuntos científicos e tecnológicos da CQNUMC, existe o Subsidiary Body for Implementation (SBI, criado para
auxiliar na avaliação e cumprimento das decisões da Convenção.
16
Informação disponível em <http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/ambiente/redd-desmatamento-degradacao-preservacao-floresta-531760.shtml>. Acesso em 02out. 2010.
Existe uma diferença entre a perda de estoque de carbono ocorrida por desmatamento em uma floresta intacta e uma floresta já ambientalmente degradada. Esta última floresta, por sua degradação, possui
menos carbono armazenado.
17
O Plano de Ação ou Mapa do Caminho de Bali foi a principal decisão da COP-13 (2007). O documento objetivou intensificar o ritmo de implementação da CQNUMC, principalmente por causa
dos resultados apresentados pelo IPCC em seu Quarto Relatório de Avaliação (disponível em <http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/syr/en/contents.html>). O documento definiu temas que
deveriam ser discutidos e acordadas até a COP-15. O Mapa do Caminho de Bali na íntegra está disponível em <http://unfccc.int/resource/docs/2007/cop13/eng/06a01.pdf>. Acesso em 12jul. 2010.
18
Disponível em disponível em <unfccc.int/resource/docs/2007/cop13/eng/06a01.pdf>. Acesso em 12jul.2010.
19
Disponível em <http://unfccc.int/resource/docs/2007/cop13/eng/06a01.pdf>. Acesso em 10out. 2010.
20
Hoje, algumas instituições já discutem a “versão REDD++”, que pressupõe a inclusão de atividades de florestamento e reflorestamento. Entretanto, como a discussão é bastante preliminar, esse ponto
não será abordado neste trabalho.
21
Informações completas sobre as reuniões e decisões da COP-15 estão disponíveis no endereço eletrônico <http://unfccc.int/meetings/cop_15/items/5257.php>. Acesso em 09out. 2010.
14
67
As resoluções pactuadas entre as Partes
durante a COP-15 no que diz respeito especificamente
a REDD+ (Sessão 6) foram apresentadas no Acordo de
Copenhague22. Nele, há o reconhecimento do papel crucial
das reduções de emissões derivadas do desmatamento e
da degradação florestal, e ainda a necessidade de reforçar
as remoções de GEE pelas florestas. Além disso, o texto
afirma a necessidade de incentivos positivos para as ações
de redução de desmatamento e degradação florestal e a
inclusão imediata de ações de conservação e manejo de
florestas (REDD+), de forma a mobilizar capital financeiro
nos países desenvolvidos (UNFCCC, 2009a).
O financiamento para que países em
desenvolvimento realizem ações de REDD+ também
está previsto no Acordo de Copenhague (Sessão 8, junto
com ações de mitigação, adaptação, desenvolvimento e
transferência de tecnologia e construção de capacidades).
Para tanto, os países desenvolvidos devem reforçar seus
compromissos de prover novos e adicionais recursos – o
Copenhagen Green Climate Fund, alcançando a somatória
de US$ 30 bilhões para o período entre 2010 e 2012, e a
mobilização de US$ 100 bilhões até 2020 para encaminhar
projetos, programas, políticas e outras atividades em países
em desenvolvimento.
Assim, apesar de não ter sido estabelecido um
acordo legalmente vinculante ao final da COP-15, as
discussões sobre REDD+ avançaram de forma expressiva
no que diz respeito à inclusão no mecanismo de ações
de conservação e manejo florestal. Em documento
não consensuado, produzido ao final da conferência23,
iniciativas de REDD+ foram contempladas (as resoluções
foram negociadas por todos os países, mas não houve
acordo por consenso, sendo finalizado, assim, uma “draft
decision”). O texto diz que os países em desenvolvimento
devem contribuir por meio de ações de mitigação no setor
florestal que envolve as seguintes atividades: (i) redução
de emissões oriundas de desmatamento; (ii) redução de
emissões oriundas de degradação florestal; (iii) conservação
de estoques de carbono florestal; (iv) manejo sustentável
de florestas e; (v) intensificação dos estoques de carbono
florestal (UNFCCC, 2009c).
É importante ressaltar que as iniciativas de
REDD+, de acordo com a decisão, são voluntárias, devem
ser implementadas conforme as capacidades de cada
país e ser consistentes com as metas de desenvolvimento
sustentável nacionais e com as respectivas necessidades
de adaptação, promover o manejo sustentável das florestas
e ser integradas às Ações de Mitigação Nacionalmente
Apropriadas (NAMAS)24.
Além disso, é pressuposto na implementação de
ações de REDD+ a sua complementaridade em relação
aos programas florestais nacionais, a governança florestal
transparente e efetiva, o respeito pelos conhecimentos e
direitos dos povos indígenas e tradicionais, a participação
ampla das partes interessadas e a consistência das ações em
relação à conservação da biodiversidade.
Outro importante documento relacionado aos
resultados da COP-15 diz respeito à questões metodológicas
para atividades relacionadas à iniciativas de REDD+25. A
decisão requisita junto aos países em desenvolvimento e
que são Partes da CQNUMC a (i) identificar vetores do
desmatamento e da degradação florestal e que resultam
em emissões de GEE e os meios para encaminhá-los; (ii)
identificar atividades nacionais que promoveram a redução
de emissões e o aumento de remoções e estabilização
de estoques de carbono florestal; (iii) utilizar os guias e
diretrizes mais recentes do IPCC para estimar as emissões
florestais antrópicas de GEE e; (iv) estabelecer, de acordo
com a capacidade e circunstâncias nacionais, sistemas
robustos e transparentes de monitoramento das áreas
florestais nacionais.
Impasses, perspectivas e desafios
implementação de mecanismos de REDD
para
a
As vantagens e oportunidades derivadas de ações
de REDD vêm sendo apontadas de forma recorrente, e elas
se resumem principalmente a: (i) combater o aquecimento
global a um menor custo; (ii) promover incentivos à
conservação da biodiversidade; (iii) garantir a proteção aos
direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais
que vivem e dependem das florestas, melhorando suas
condições socioeconômicas e valorizando seu papel de
agentes históricos que tem contribuído para a conservação
da floresta em pé (IPAM).
Entretanto, tão importante quanto os pontos
positivos é a consideração dos principais desafios para
a implementação de iniciativas de REDD. Eles são
vinculados a dois aspectos principais: metodológicos e
políticos (FARIA, 2010, p. 105, apud ALVARADO &
WERTZ-KANOUNNIKOFF, 2007, p. 10).
As questões metodológicas envolvem os seguintes
pontos: adicionalidade, abrangência territorial, vazamento,
linha de base, monitoramento e financiamento. O aspecto
político está relacionado ao caráter complementar que
O principal resultado da COP-15 foi o Acordo de Copenhague, documento não legalmente vinculante, cujas determinações incluíram, entre outros pontos, um acordo entre as partes a respeito da
necessidade de realização de ações a fim de limitar o aumento da temperatura até em 2oC. Disponível em <http://unfccc.int/resource/docs/2009/cop15/eng/11a01.pdf#page=4>. Acesso em 05out. 2010.
23 Draft decision -/CP.15: Policy approaches and positive incentives on issues relating to reducing emissions from deforestation and forest degradation in developing countries; and the role of
conservation, sustainable management of forests and enhancement of forest carbon stocks in developing countries. Disponível em <http://unfccc.int/resource/docs/2009/awglca8/eng/l07a06.pdf>.
Acesso em 10out. 2010.
24 As NAMAS (da sigla em inglês Nationally Appropriate Mitigation Actions) são iniciativas direcionadas aos países em desenvolvimento, com o objetivo de intensificar as ações nacionais de mitigação
e adaptação no contexto das mudanças climáticas. As NAMAS incluem iniciativas de REDD, e esta ação pode ser aplicada no Brasil, por exemplo, já que este país é florestal e a maior parte de suas
emissões é derivada do desmatamento e mudança no uso do solo. Assim, se o Brasil adotar iniciativas de REDD, estará assumindo compromissos com a alteração do perfil de suas emissões de GEE
“atacando” justamente a sua maior fonte doméstica emissora de GEE.
25 Recomendações do SBSTA – Draft decision [-/CP.15]: Methodological guidance for activities relating to reducing emissions from deforestation and forest degradation and the role of conservation,
sustainable management of forests and enhancement of forest carbon stocks in developing countries. Disponível em <unfccc.int/resource/docs/2009/cop15/eng/l07.pdf>. Acesso em 03jan. 2011.
22
68
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
as ações de REDD devem ter em relação aos esforços
domésticos de redução de emissões no âmbito dos
países em desenvolvimento, visando ao investimento em
tecnologias limpas.
Além destes dois pontos, é preciso destacar os
aspectos sociais e de desenvolvimento que as iniciativas
de REDD precisam considerar, principalmente no que diz
respeito à participação dos atores locais na governança e na
construção de políticas e projetos de REDD.
No contexto dos projetos de REDD, a efetividade
das ações e a remuneração a elas atreladas têm fundamento
na diminuição dos fluxos de CO2 das florestas para a
atmosfera, de forma a reduzir as emissões derivadas
do desmatamento (FATHEUER, S/d apud UNION OF
CONCERNED SCIENTISTS).
Este ponto dialoga com a questão da adicionalidade
que deve ser comprovada na elaboração, implementação e
monitoramento das iniciativas de REDD, ou seja, “referese à necessidade de assegurar que projetos resultarão em
reduções de emissões incrementais, que não teriam sido
alcançadas na ausência do projeto” (FARIA, 2010, p.
112). Assim, se não há benefício adicional e relacionado
à mitigação do aquecimento global no que diz respeito
ao fluxo de carbono das florestas, não há razão para que
esta medida seja incluída nas negociações de REDD
(FATHEUER, S/d apud UNION OF CONCERNED
SCIENTISTS).
Outra questão está relacionada à abrangência
territorial das ações de REDD. Isto significa questionar se
somente ações nacionais serão validadas ou se iniciativas
subnacionais também poderão fazer parte dos projetos.
Um dos riscos relacionados a este fator diz respeito à
“falta de articulação e sinergia entre projetos que sejam
implementados de forma isolada e de políticas nacionais
e internacionais para aplicar o mecanismo REDD+ com
critérios padronizados” (IPAM). A eventual desarticulação
pode acarretar principalmente um impacto com
conseqüências diversas: o vazamento (ou “transferência
do desmatamento”, ou leakage, em inglês) das emissões
de carbono de uma região de um projeto de REDD para
outra região sem projeto, dentro do território nacional ou o
vazamento das emissões do país de um programa de REDD
para outro país vizinho sem programa. Neste cenário, “o
problema em questão é realocado, tanto no espaço quanto
no tempo, não sendo resolvido” (FARIA, 2010, p. 114).
A necessidade de estabelecimento de linhas
de base com metodologia bem definida, que “podem ser
baseadas em uma extrapolação estática de tendências de
desmatamento passadas, ou em um modelo de projeções
futuras de desmatamento”, são igualmente importantes.
Também conhecidas como business as usual (BAU), as
linhas de base “mostram as tendências de emissões que
ocorreriam se nenhuma ação fosse tomada” (FARIA, 2010,
26
p. 111).
Mais um desafio é o estabelecimento e a
implementação de um sistema de monitoramento,
relato e verificação (MRV) das emissões evitadas por
meio de projetos de REDD. São três os pontos críticos
para monitorar as reduções de emissões de carbono no
setor florestal: (i) “as estimativas de mitigação variam
significativamente de acordo com as características
específicas do ecossistema natural”; (ii) “há incerteza sobre
a absorção de carbono em florestas maduras e como esta
pode ser alterada pelas mudanças climáticas” e; (iii) “o
desmatamento e a degradação podem ocorrer a qualquer
momento no tempo (devido a fenômenos naturais ou à
atividade humana), revertendo a redução das emissões de
carbono através da liberação para a atmosfera dos GEE
que foram removidos e estocados anteriormente” (FARIA,
2010, p. 113). Este terceiro fenômeno é conhecido como o
risco de não-permanência”.
Outra questão pendente para que a negociação
sobre REDD avance é a definição do financiamento.
Estão na pauta de negociações atuais duas alternativas:
financiamento baseado em mercado ou financiamento
baseado em fundos (VIANA, 2009).
Se os mecanismos de REDD puderem, futuramente,
gerar créditos de carbono no âmbito dos compromissos do
Protocolo de Quioto, limites para a compra dos mesmos
por parte dos Países Anexo I deveriam ser criados, a fim de
que estes sejam forçados a implementar medidas nacionais
de redução de emissão de GEE. O financiamento formatado
com base no modelo de fundos pode impulsionar, por
parte dos Países Anexo I, suporte financeiro aos países em
desenvolvimento para que estes possam executar suas Ações
Nacionalmente Apropriadas (NAMAS), transformando o
seu modelo de desenvolvimento. Por outro lado, mercados
obrigatórios são preferidos porque garantiriam fluxos de
financiamento de longo prazo, contínuos e previsíveis, em
contraste com o financiamento voluntário.
No âmbito do aspecto político, muitos acreditam
que o apoio às iniciativas de REDD como mecanismo
global de mercado deve ocorrer de acordo com duas
cláusulas principais: “limites na proporção de offset26 para
os países desenvolvidos e limite de absorção individual
de créditos para os grandes países florestais, como o
Brasil” (GOLDEMBERG, 2010, p. 23). Estas medidas
visam estimular o desenvolvimento e a implementação de
tecnologias limpas nos países em desenvolvimento.
As questões sociais e de desenvolvimento atreladas
à implementação de ações de REDD podem implicar em
impactos positivos e negativos, dependendo do modo
como são implementados (um dos impactos negativos pode
se dar no âmbito da governança florestal, com ações de
corrupção, por exemplo). De qualquer maneira, os maiores
desafios dizem respeito às seguintes questões: Quais são as
Créditos comprados para atingir a reduções de emissões que não puderam ser alcançadas internamente.
69
questões sociais e de desenvolvimento a serem incluídas?
Quais grupos incluir? Como incluir os direitos mais
substantivos dos atores envolvidos, tais como direito a terra
e direitos de acesso a recursos florestais? Como o processo
de verificação pode ser estruturado? Quais instituições
estão aptas a implementar sistemas de MRV para questões
sociais e de desenvolvimento (REDD-net, 2010)?
Complementarmente às questões supracitadas,
existe a “falta de garantia da participação dos povos
indígenas e comunidades tradicionais na construção
de política e projetos de REDD+”. Este ponto está
intrinsecamente atrelado à questão da governança de
implementação e gestão de projetos de REDD. As florestas
são vulneráveis às ações ilegais (comércio ilegal, crimes,
corrupção e conflitos) e ao desmatamento, uma vez
que possuem fraca governança e políticas ineficazes de
planejamento, de uso e de conservação. O destino das
florestas mundiais e dos direitos de quem nelas vive depende
de efetiva governança e de processos participativos, o que
inclui negociar com atores públicos e privados e reforçar
instituições, leis e políticas florestais (UNEP; FAO; UNFF
apud Rametsteiner, 2009, p. 58).
Conforme visto, a implementação de mecanismos
de REDD é política e tecnicamente complexa. São várias
as questões ainda pendentes de resolução e que seguem
sob debate no âmbito dos encontros da CQNUMC e
das iniciativas paralelas para alcançar um acordo que
determinará a incorporação ou não das iniciativas no
segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto27.
Contribuição das iniciativas de REDD para o
desenvolvimento sustentável
As alterações climáticas serão um dos fatores
que irão definir as perspectivas de desenvolvimento
humano28 durante o século XXI. Através do seu impacto na
ecologia, precipitação, temperatura e sistemas climáticos,
o aquecimento global afetará diretamente todos os países
(PNUD, 2007, p. 24 e 31).
A implementação de projetos de REDD pode
significar, potencialmente, múltiplos impactos e benefícios.
Os pontos de impasse e desafios que estiveram em discussão
até o presente, principalmente durante a COP-15, indicam
que as partes envolvidas nas negociações dos mecanismos
de REDD estão buscando uma configuração que contemple
três principais dimensões: a sustentabilidade ambiental,
social e econômica.
No que diz respeito à dimensão ambiental, as
resoluções caminham para mecanismos que façam parte,
em primeiro lugar, dos esforços globais de redução das
emissões de GEE, mitigando os efeitos do aquecimento
global, mas que também sejam instrumentos voltados para
a proteção da biodiversidade e a melhoria da governança
florestal.
A dimensão social é igualmente importante na
medida em que viabiliza a permanência das comunidades
dependentes das florestas em seus territórios, garantindo
direitos a terra e aos recursos locais. Ao mesmo tempo, esta
dimensão proporciona a preservação das características
culturais e de organização social das populações locais,
contribuindo para a preservação do patrimônio histórico e
cultural da humanidade.
Por fim, a dimensão econômica pode implicar
na geração de renda para as comunidades envolvidas na
conservação florestal, viabilizada por meio de projetos de
REDD, uma vez que, com os direitos à terra e aos recursos
naturais locais garantidos, as populações conseguem
desempenhar suas atividades econômicas, tais como o
extrativismo e o manejo sustentável. Adicionalmente, a
eventual repartição dos valores oriundos dos créditos de
carbono gerados via projetos de REDD pode significar uma
renda adicional aos habitantes das áreas em questão. Assim,
a geração de renda contribui para a redução da pobreza, um
dos outros “co-benefícios” decorrentes da implementação
de mecanismos de REDD (CIFOR, S/d., p. 7).
Tendo em vista essas dimensões, mostra-se
evidente a intrínseca relação entre os múltiplos benefícios
decorrentes das iniciativas de REDD e o desenvolvimento
sustentável. A conservação e a redução do desmatamento
e da degradação florestal contribuem diretamente para o
cumprimento de dois compromissos, e suas respectivas
metas, assumidos por grande parte dos países do mundo:
a Convenção sobre Diversidade Biológica e a ConvençãoQuadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
Da mesma forma, as medidas de REDD
constituem-se como uma das estratégias de implementação
e viabilização de um dos pontos abordados pela Agenda
21, voltado ao combate ao desmatamento. À época
da elaboração da Agenda, “o papel das florestas como
sorvedouros e reservatórios nacionais de gás carbônico”
(UNITED NATIONS, 1992a, cap. 11) já era reconhecido,
ao lado de seus múltiplos papéis, funções e recursos. Estes
são apontados como essenciais ao desenvolvimento –
pois implicam na geração de empregos e na diminuição
da pobreza - e à preservação do meio ambiente global
(UNITED NATIONS, 1992a, cap. 11).
Conclusão
A definição da estrutura de funcionamento de
mecanismos de REDD e as conseqüentes iniciativas de
implementação são consideradas ações de alta relevância
no contexto global, principalmente sob a perspectiva de
determinados aspectos.
27
Uma referência para aprofundamento nos desafios da implementação do mecanismo de REDD+ é a seguinte: Realising REDD+: national strategy and policy options. CIFOR. Edited by Arild
Angelsen. 2009. Disponível em < http://www.cifor.cgiar.org/>. Acesso em 13out. 2010.
28
De acordo com RDH 2007-2008, “O desenvolvimento humano diz respeito às pessoas. Diz respeito ao alargamento do seu leque de escolhas e das suas liberdades essenciais – o seu potencial
humano – de modo que lhes seja permitido viver uma vida que valorizem. Para o desenvolvimento humano, o poder de escolha e a liberdade significam mais do que uma mera ausência de restrições“
(PNUD, 2007, p. 24).
70
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
O primeiro deles está relacionado diretamente aos
propósitos iniciais da elaboração dos projetos de REDD,
ou seja, a busca por mecanismos e ferramentas para mitigar
os efeitos das mudanças climáticas e reduzir as emissões
de Gases de Efeito Estufa na atmosfera. No que tange ao
setor florestal, uma série de pesquisas vem alertando para a
importância da conservação e uso sustentável das florestas
e ressaltam o papel do ciclo de carbono (do qual as florestas
fazem parte) para o equilíbrio climático global. Conforme
apresentado, as florestas em pé possuem a propriedade de
captura e o armazenamento de CO2, o que mitiga a emissão
deste gás para a atmosfera e contribui para a redução do
fenômeno de aquecimento global.
O segundo aspecto remete ao desmatamento
e à degradação florestal e dialoga diretamente com
a propriedade das florestas mencionada acima. O
desmatamento e a degradação florestal provocam emissões
de GEE na atmosfera, contribuindo intensamente para a
totalidade de gases que provocam a mudança do clima.
Além disso, as duas atividades possuem implicações no que
diz respeito à conservação da biodiversidade, das diversas
propriedades e serviços ambientais intrínsecos às florestas
e das populações que nelas vivem e que delas dependem.
Assim, verifica-se um duplo benefício obtido
por meio da implementação de iniciativas de REDD
– a contribuição para a redução de emissões de GEE na
atmosfera e a conservação da biodiversidade, por meio
da contenção do desmatamento e da degradação florestal
– e múltiplos benefícios adjacentes que, em seu conjunto,
contribuem de forma significativa para o desenvolvimento
sustentável.
As decisões acordadas durante a COP-13, realizada
em 2007, impulsionaram a inclusão dos mecanismos de
REDD nas futuras negociações no âmbito da ConvençãoQuadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. De
fato, os principais avanços vieram nos anos seguintes,
especialmente em 2009, no período que antecedeu à COP15 e ao longo da própria Conferência. Entretanto, alguns
entraves sobre funcionamento dos mecanismos ainda
precisam ser resolvidos. Eles estão ligados a questões
como financiamento, verificação e monitoramento dos
créditos de carbono gerados, governança, comprovação de
adicionalidade, abrangência territorial, entre outros.
Há uma tendência de que esses entraves sejam
resolvidos nos próximos anos, uma vez que a definição
de instrumentos de mitigação das emissões de GEE
vinculados ao setor florestal - a exemplo das iniciativas de
REDD – é considerada fundamental, inclusive nos cenários
mais otimistas de efeitos das mudanças climáticas globais.
Abstract: This article intends to discuss the challenges
facing the contemporary discussion on the adoption of
mechanisms for Reducing Emissions from Deforestation
and Forest Degradation (REDD), through an analysis
of the context of its appearance and the real prospect of
its adoption. REDD mechanisms have emerged as a key
instrument for mitigating the harmful consequences caused
by climate change across the planet. The bibliography
was gathered mainly from online documents, taken from
official websites and primary sources. We conclude that
REDD initiatives can result in a double benefit, which
contributes significantly to sustainable development,
mitigating the effects of emissions of greenhouse gases in
the atmosphere and the conservation and sustainable use of
forest resources through the containment of deforestation
and forest degradation.
Key words: Environment, Sustainable Development
and Global Questions. Climate. Change. Deforestation
emissions. Forests. Deforestation. Forest Degradation.
Forest Conservation.
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72
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Projetos voluntários de REED no Brasil como alternativa viável na luta
para salvaguardar a biodiversidade amazônica e o bem estar dos povos
da floresta
Uma análise do Projeto da RDS do Juma.
LUÍS PAULO AGOSTINO DE MAGALHÃES DUPRAT
Bioquímico graduado pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas e Bioquímica Oswaldo Cruz. Especialista em Meio
Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Questões Globais pela Faculdade de Direito da FAAP. Atua no ramo de
Pesquisa Clínica, tendo envolvimento com a área ambiental através de participação no grupo de trabalho multidisciplinar
“Nossa Terra”, em ONG de preservação ambiental e militância online.
Resumo: Estimativas recentes revelam que a biodiversidade da Amazônia pode corresponder a metade da existente no
planeta, riqueza que salvaguarda uma série de serviços ambientais e processos biológicos vitais. A síntese das determinações
enunciadas na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) apresenta a ampliação do
debate sobre florestas e a perspectiva de geração de um instrumento de Redução de Emissões por Desflorestamento
e Degradação Florestal (REDD), dentro da UNFCCC, que recompense economicamente os países com grandes áreas
de florestas preservadas. Enquanto as negociações sobre REDD são discutidas entre as partes, várias iniciativas de
implantação de projetos voluntários sub-nacionais estão se difundindo pelo mundo, gerando benefícios climáticos,
ambientais e sociais, bem como servindo de aprendizado para outros potenciais projetos decorrente de um futuro acordo
internacional. Este artigo teve como objetivo trazer a temática das florestas dentro e fora do espaço das negociações
internacionais sobre mudanças climáticas e seus potenciais benefícios para a biodiversidade e para as comunidades da
Floresta Amazônica à luz do Projeto da RDS do Juma, localizado no município de Aripuanã, Amazonas. O trabalho
conclui que a implementação de projetos voluntários de REDD pode ser uma ferramenta eficaz para a preservação da
biodiversidade e da dignidade dos povos da Amazônia. Não obstante, deve-se buscar um acordo internacional que suceda
o Protocolo de Quioto, o qual viabilize a operacionalização de um esquema de REDD em escala nacional de forma
equitativa e que favoreça a integralidade dos benefícios proporcionados pela proteção das florestas.
Palavras-Chaves: Meio Ambiente. REDD. Desflorestamento. Degradação florestal. Projeto Juma. Biodiversidade.
Comunidades locais.
Introdução
Neste último século, a humanidade experimentou
um crescimento exponencial da população global,
acompanhado de um boom econômico decorrente da
exploração exaustiva dos recursos naturais do planeta.
Hoje, os impactos resultantes de décadas de exploração
energética baseada na queima de combustíveis fósseis
estão colocando em risco o futuro da do homem, já que
tais atividades antrópicas emissoras de Gases de Efeito
Estufa (GEEs) ampliam a capacidade de absorção de
energia da atmosfera e acentuam o fenômeno do Efeito
Estufa, mecanismo responsável pelo aquecimento global
que se evidencia atualmente. Estudos mostram que apesar
da queima de combustíveis fósseis ser a principal causa da
intensificação do Efeito Estufa, as emissões decorrentes de
desflorestamento, degradação florestal e outras mudanças
no uso da terra contribuem aproximadamente com 17%
das emissões globais anuais de GEEs e 28% das emissões
globais de dióxido de carbono (CO2) (IPCC, 2000, 2007;
UNFCCC, 2009, 2011).
O histórico das decisões proferidas no âmbito da
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do
Clima (UNFCCC) assinala que o debate sobre as florestas
vem se ampliando, focando-se cada vez mais no combate
ao desmatamento dos países em desenvolvimento.
Fundamentada no conceito de Pagamentos por Serviços
Ambientais, há a tendência de elaboração de um
mecanismo de Redução de Emissões por Desflorestamento
e Degradação Florestal (REDD), em comum acordo entre
as Nações, que recompense economicamente os países
com grandes áreas de florestas preservadas.
Enquanto as negociações sobre REDD com o
fim de estabelecer um protocolo dentro da UNFCCC
são discutidas entre as partes, várias iniciativas de
implantação de projetos voluntários sub-nacionais - como
73
o da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS)
do Juma – difundem-se pelo mundo e geram benefícios
sócio-climático-ambiental diretos, bem como servem de
aprendizado para potenciais projetos sobrevindos de um
futuro acordo internacional.
O valor intrínseco das florestas
As florestas desempenham uma insubstituível
função na regulação do clima da Terra, fato esse que se
deve por elas serem responsáveis por cerca de metade
do reservatório de carbono terrestre. Somente a Floresta
Amazônica - representando 21% da área de florestas
tropicais - corresponde a 11% do estoque terrestre de
carbono do mundo. Este quadro aponta para a importância
da abordagem de combate ao desflorestamento e à
degradação florestal para a mitigação das alterações
climáticas (UNFCCC, 2009).
O Food and Agriculture Organization (FAO)
define o desflorestamento como: “A conversão de floresta
para outro uso da terra ou a redução a longo prazo da copa/
cobertura abaixo do limiar mínimo de 10%”(FAO, 2007,
p. 8). Se o teto arbóreo é reduzido abaixo deste limiar, o
desmatamento é caracterizado. Visando uma harmonização
conceitual e sintetizando definições controversas podese caracterizar a degradação florestal como a redução da
cobertura do dossel e/ou estocagem de floresta - através
da exploração madeireira, fogo, extração de lenha para
uso combustível, além de outros eventos – até o limite de
90% (limite de caracterização de uma floresta). Entendese, assim, que até 90% de uma floresta pode ser desmatada
antes dela ser considerada desmatada (FAO, 2009)
Fonte: INPE, 2010.
Figura 11 (foto) Padrões de degradação florestal por extração de madeira observados em imagens realçadas. A) Degradação de intensidade moderada, área em regeneração após exploração madeireira,
pátios ainda evidentes; B) Degradação de intensidade alta, exploração madeireira ativa, grande proporção de solo exposto; C) Degradação de intensidade leve, evidência de abertura de estradas de acesso.
A degradação das florestas e dos solos são problemas
graves, particularmente nos países em desenvolvimento.
Em 2000, a área total de florestas degradadas e terras
florestais em 77 países tropicais foi estimada em cerca de
800 milhões de hectares. A deterioração da floresta é uma
das principais fontes de GEEs, apesar de sua importância
não ter sido estimada em escala global. Em algumas regiões
as emissões provenientes deste processo são tão, ou mais,
importantes do que as de desmatamento (FAO, 2009 p.7).
Não somente em sua inestimável função climática,
74
contudo, reside a importância das florestas. Além de
prestarem diversos serviços ecológicos as florestas
tropicais também abrigam a maior riqueza em espécies do
planeta e sua manutenção propicia o benefício adicional de
preservar o habitat de diversas comunidades biológicas do
planeta. Cobrindo apenas 7% da área de solo da Terra elas
abrigam incríveis 70% das espécies terrestres e, igualmente,
grandes proporções de espécies endêmicas. A maior parte
dos desmatamentos ocorre em florestas tropicais de alta
biodiversidade, como as que existem no Brasil, e a redução
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
daqueles vai além do combate às mudanças climáticas,
mas redundam em menor perda de habitat para centenas de
milhares de espécies (UNFCCC, 2006).
Por fim, os recursos florestais, alem de prover
serviços ambientais e produtos valiosos para o homem,
sustentam diretamente os meios de vida de 90% da 1,2
bilhões de pessoas que vivem em extrema pobreza. As
comunidades locais dependem das florestas como fonte de
combustível, alimento, medicamento e abrigo. A pobreza
e a pressão populacional podem levar à perda inexorável
da cobertura florestal, mantendo as pessoas presas em um
ciclo perpétuo de miséria, comprometendo seu combate
(GCP, 2009, p. 12).
A evolução do REDD no âmbito da UNFCCC
Apesar da incontestável importância dentro da
vigente crise ambiental, as atividades relacionadas ao uso
da terra ou a mudança em seu uso (Land Use, Land Use
Change and Forestry – LULUCF) - nas quais as ações
florestais estão inseridas - passam por um difícil processo
de discussão e consenso no âmbito internacional das
negociações climáticas. A crescente preocupação acerca
dos problemas provenientes do aquecimento global gerou
um processo de negociação internacional, objetivando
estabilizar as concentrações de GEEs na atmosfera em
nível que reduziria o risco da influência antrópica no
sistema climático.
As negociações, a princípio, direcionaram-se ao
estabelecimento de metas diferenciadas entre as nações
que historicamente mais contribuíram para a questão metas que foram consolidadas no Protocolo de Quioto em
1997. Este, apesar de firmar que determinadas atividades
florestais devessem atender ao compromisso de redução de
emissões de GEEs, não fez nenhuma referência explícita às
atividades de LULUCF, no que diz respeito ao Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo (MDL) - um dos três mecanismos
oferecidos pelo Protocolo como opção de mitigação. Em
2001 o Acordo de Marrakesch estabeleceu que, no âmbito
do MDL, os créditos de carbono poderiam ser adquiridos via
projetos de remoção de GEEs por sumidouros, limitados,
entretanto, a projetos de aflorestamento e reflorestamento.
Conforme definido no próprio acordo, aflorestamento
refere-se à conversão direta - induzida pelo homem - de
terra que não foi florestada por um período de pelo menos
50 anos em terra florestada. Reflorestamento, por sua vez,
relaciona-se à conversão diretamente induzida pelo homem
de terra não-florestada, mas que em momento anterior já
fora florestada, em terra florestada. Posteriormente, em
2003, foram definidas as regras para a inclusão destas
atividades no MDL (UNFCCC, 2010).
Somente em 2005, na COP-11 em Montreal, a partir
de uma proposta elaborada pela Papua Nova Guiné, as
florestas passaram a receber maior atenção nas deliberações
sobre alterações climáticas devido ao seu papel estratégico
fundamental de mitigação. A idéia básica apresentada
por trás do conceito de Redução de Emissões por
Desmatamento e Degradação (REDD) é a de que os países
que estão dispostos e possuem condições de reduzir as
emissões por desmatamento deveriam ser recompensados
financeiramente (KAROUSAKIS, K., 2009, p. 10).
A maior decisão para estimular ações de redução
de emissões por desflorestamento e degradação florestal
em países em desenvolvimento, no entanto, foi adotada
pelas Partes durante a COP-13 em Bali, Indonésia (2008),
ocasião em que avanços significativos foram obtidos para a
inclusão de florestas no Regime Internacional do Clima. A
Conferência em questão culminou com a adoção do Roteiro
de Bali (Bali Road Map), um conjunto de futuras decisões
que representariam as várias direções essenciais a serem
seguidas na busca de alcançar a estabilização climática.
O Roteiro de Bali inclui o Plano de Ação de Bali (Bali
Action Plan) que objetiva direcionar as Partes a negociar
um instrumento legal pós-2012 que considere possíveis
incentivos financeiros para ações de mitigação focadas em
florestas nos países em desenvolvimento (TNC-IDESAM,
2009, p. 13; UNFCCC, 2010).
O tema REDD foi um dos assuntos mais discutidos
no período de dois anos entre Bali e Copenhagen (COP
15, 2009). O âmbito do REDD foi, a partir de então,
ampliado e seu conceito expandido para incluir também a
conservação, o manejo florestal sustentável e o aumento
dos estoques de carbono, coletivamente designado por
“REDD-plus”. (KAROUSAKIS, K., 2009, p. 10). Com
relação a “Aumento das Reservas Florestais de Carbono”
entende-se atividades de aflorestamento e reflorestamento.
Sobre o tema “Gestão Sustentável das Florestas” o foco da
discussão centrou-se na distinção das ações consideradas
como mantenedoras dos estoques de carbono, como forma
de garantir a inexistência de degradação florestal a longo
prazo e de assegurar a manutenção dos estoques de carbono.
A abrangência das atividades que devem ser consideradas
em um futuro esquema de REDD dentro da UNFCCC
(desflorestamento, degradação, conservação e valorização
do estoque) é referido como “escopo do mecanismo” e
até hoje é um aspecto metodológico controverso (TNCIDESAM, 2009 p. 16, 17).
Em 2009, pelo Acordo de Copenhague - documento
de caráter não vinculativo - finalmente os países
reconheceram a importância da redução das emissões
geradas pelo desmatamento e pela degradação das florestas,
bem como a necessidade de promover “incentivos” para
financiar ações pertinentes com a utilização de recursos de
países desenvolvidos (UNFCCC, 2009, p. 1).
75
O histórico das negociações mostra, pelo exposto,
uma tendência de estabelecimento de um mecanismo de
Redução de Emissões por Desflorestamento e Degradação
Florestal (REDD) que recompense economicamente os
países com grandes áreas de florestas preservadas. Até
o momento, contudo, dúvidas quanto à permanência do
carbono estocado nas florestas, quanto à quantificação dos
estoques de carbono nas diferentes formações florestais e
quanto a outros diversos aspectos metodológicos são os
principais entraves científicos para se incluir integralmente
a questão florestal em um mecanismo dentro da Convenção.
Projetos voluntários de REDD
Com o amadurecimento da discussão sobre o
REDD outras considerações, fora a questão do carbono,
vêm sendo incorporadas. A tendência do debate sinaliza
para uma abordagem mais integrada, que foque o problema
das emissões de GEE em um cenário mais amplo, já que
a conversão e a degradação dos ecossistemas florestais
além de acarretarem alterações climáticas originam,
também, perdas sociais, de biodiversidade e de funções
ecossistêmicas fundamentais. Esse contexto gera
oportunidade ímpar aos países detentores dessas reservas
florestais, como o Brasil, que podem obter grande ganho
para a sua biodiversidade através da redução da perda de
carbono, uma vez que muitos ecossistemas que são grandes
em estoque de carbono são também em biodiversidade,
particularmente nas regiões tropicais.
A complexidade dos procedimentos e metodologias
do registro de projetos florestais no contexto de Quioto
somada a falta de concretização de um esquema REDD
dentro da Convenção-Quadro das Nações Unidas para
Mudanças Climáticas, no entanto, tem forçado a ida do
Setor Florestal para o Mercado Voluntário de Carbono.
Enquanto as negociações sobre REDD são discutidas
entre as partes, várias iniciativas bilaterais e multilaterais,
tanto pública quanto privada, de implantação de projetos
País
Brasil
Ecuador
Guatemala
Paraguai
Peru
TOTAL
voluntários sub-nacionais estão se difundindo pelo mundo,
antecipando-se a qualquer decisão de âmbito internacional.
Projetos voluntários de REDD, embora marginais
ao âmbito dos mercados oficiais de carbono, promovem
benefícios sócio-ambiental originados da preservação
florestal e redução de emissões e têm fornecido valiosos
subsídios ao enfrentar aspectos metodológicos centrais
relacionados à quantificação de carbono, monitoramento,
adicionalidade (ou seja, se as reduções de emissões
obtidas como resultado de um projeto são adicionais
ao que teria ocorrido no business-as-usual contrafactual), permanência e deslocamento de emissões. Esses
problemas são basicamente semelhantes aos defrontados
pelos projetos florestais do MDL, o que ressalta o valor
desses programas para a dinâmica de inclusão de outras
modalidades relacionadas ao setor de LULUCF em um
acordo pós-2012.
Adicionalmente, além de aprendizado técnicometodológico, estimulam a criação de uma capacitação
institucional em países com frágil estrutura políticogovernamental e que aspiram estabelecer um esquema
REDD em escala nacional. Por terem abrangência local e
sub-nacional, esses projetos pilotos podem ser instituídos de
forma muito mais rápida, evitando inúmeros e complexos
trâmites institucionais, jurídicos, administrativos e
financeiros necessários à construção de um projeto de
magnitude nacional dentro de um mecanismo da UNFCCC.
Na América do Sul 17 projetos REDD já estão
em estágio avançado de implantação e estão distribuídos
em seis países: Bolívia (01), Brasil (07), Equador (01),
Guatemala (03), Paraguai (01) e Peru (04). Juntos somam,
aproximadamente, 14,8 milhões de hectares de floresta
tropical - área equivalente a 3,5 vezes o território da
Dinamarca – e visam evitar a emissão de cerca de 522.7
milhões de toneladas de CO2: equivalente a mais da metade
das emissões totais anuais do setor de transporte na União
Européia (TNC-IDESAM, 2009, p. 75, 76).
Tabela 2 Características dos principais projetos de REDD na America Latina
Custo de implementação
Custo de geração
Projeto
Duração
(US$)
(US$/tCO2)
Juma
44
24,000,000
0,13
Ecomapuá
20
23,597,968
3,93
Acre
15
25,000,000
4,00
Transamazonia
10
15,427,499
4,92
SocioBosque
7
560,000,000
2,95
Biosfera Maia
20
80,000,000
4,00
Mbaracaiu
35
22,750,000
1,75
Madre de Dieus
20
47,000,000
6,31
1,022,775,467
Fonte: TNC – IDESAM, 2009
76
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Quanto ao perfil das instituições proponentes de
projetos REDD destaca-se a expressiva participação dos
governos - presentes em 61% deles – fato decorrente de
grande parte dos referidos projetos ser realizada em terras
públicas ou áreas protegidas e legalmente geridas pelos
governos.
A média de vida dos projetos é de 21 anos, variando
de 07 anos para o Programa SocioBosque no Ecuador a 44
anos para o Projeto Juma. O custo total de implantação dos
oito projetos listados é de US$1.022,775.467, com custo
médio por tCO2 de US$3.49/tCO2e (± 2.21). Verificouse grande variação de custo na geração de tais projetos,
tanto entre países quanto entre projetos num mesmo país,
oscilando entre o valor mínimo de US$0.13/tCO2 e o
máximo de US$6.27/tCO2. Esta alta variância é explicada
por ampla gama de fatores que são determinantes para
definir o custo de implementação de cada projeto, como:
contexto da pressão de desflorestamento, posse da terra
(pública, privada, comunitária, território indígena, áreas
de proteção etc..), escopo da atividade, localização, acesso
e instituições participantes. A combinação destes fatores é
determinante para definir os custos de cada projeto REDD
(TNC-IDESAM, 2009, p. 75, 76).
Cerca de 5 bilhões de dólares já foram oferecidos
por governos de todo o mundo para projetos de REDD
entre os anos 2010-2012. Para dar credibilidade às reduções
de emissões oferecidas por tais mercados, alianças
ambientalistas, participantes financeiros e organizações
de apoio criaram padrões de acreditação com o fito de
garantir benefícios climáticos e ambientais tanto para a
biodiversidade quanto para os povos locais.
Segundo estudo realizado por Nepstad, D. (2008),
um programa plausível de REDD que reduza próximo a
zero o desmatamento na totalidade da Amazônia brasileira,
em um período de dez anos, teria um custo anual inicial
de US$72 milhões atingido US$531 milhões no décimo
ano. Um projeto desta dimensão evitaria a emissão de 1,4
bilhões de toneladas de carbono durante uma década a um
custo total de US$3.4 bilhões (US$0,7/Tonelada de CO2).
A ONG The Nature Conservacy (2009) identificou
e classificou sete projetos REDD em fase avançada de
implantação no Brasil. Dentre eles o Projeto de RED da
Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Juma
foi o primeiro do Brasil - segundo no mundo - a ser validado
pelo CCB, na modalidade de Redução de Emissões do
Desmatamento (RED). Dado seu caráter pioneiro, sua
avançada fase de implantação, sua considerável área e
seu potencial tanto para redução de emissões quanto para
a conservação da biodiversidade de uma área da Floresta
Amazônica rica em vida selvagem, acredita-se que possa
ser um modelo representativo para futuros projetos REDD
na referida floresta.
O projeto de REED da RDS do Juma
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável do
Juma foi criada pelo Governo do Amazonas, através
do Decreto 26.009 de julho de 2006, em uma área de
589.612,8 hectares no município de Novo Aripuanã, que
representa 14,3% do montante territorial deste município.
Encontra-se a 227,8 km ao sul da cidade de Manaus,
próxima à zona urbana de Novo Aripuanã. Seu objetivo é
conter o desmatamento de cerca de 329.483 hectares de
floresta tropical e suas respectivas emissões - cerca de
189.767.027,9 toneladas de CO2 -protegendo, ao mesmo
tempo, suas espécies do risco de extinção e a qualidade
de vida de centenas de famílias. Espera-se alcançar tais
objetivos através da criação e implantação de uma Unidade
de Conservação em uma região do Estado do Amazonas
de grande tensão pelo uso da terra e passível de ser quase
totalmente desmatada se prevalecer as práticas correntes.
(AMAZONAS, 2006; IDESAM, 2009 p. 8, 10).
Reserva, na margem direita da foz do Rio Aripuanã
(Figura 17)
77
.
Fonte: IDESAM, 2009.
Figura 17 (mapa) Localização da área de creditação do Projeto de RED da RDS do Juma, mostrando também a BR-319, AM-174 e BR-230 e o município de Novo Aripuanã, Manicoré e Apuí.
O governo do Estado do Amazonas estabeleceu
a RDS do Juma em 2006 e sua concretização é parte de
uma ampla estratégia iniciada em 2003 pelo Estado,
objetivando a contenção do desmatamento e promoção
do desenvolvimento sustentável através da valorização
dos serviços ambientais prestados pelas florestas. Estudos
baseados em modelos que projetam um ambiente mais
quente e seco para a Amazônia prevêm alterações climáticas
78
que prenunciam um futuro sombrio para a região – no
qual tanto a biodiversidade quanto os povos muito podem
perder. Esta previsão somada à de perda de grandes áreas
de floresta até 2050 - em um cenário business as usual –
devido, dentre outras pressões, a anunciada pavimentação
das estradas BR-319 e AM-174 pelo Governo Federal,
influenciou fortemente o governo do Amazonas na criação
da Reserva. Estradas na Amazônia representam fortes
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
ameaças tanto à fauna quanto à integridade ecossistêmica
em geral, fatos estes já bem documentados. A reconstrução
da abandonada rodovia BR-319 será critica e favorecerá a
migração do “arco do desmatamento” para dentro de áreas
da floresta ainda intocadas (IDESAM, 2009 p.7-8, 40-41).
Fonte: IDESAM, 2009. (baseado em dados do modelo SimAmazônia I).
Figura 24 (mapa) Desmatamento Projetado no Estado do Amazonas para o ano de 2050 considerando o cenário convencional (BAU).
A perda da cobertura florestal implica não só
na perda de biodiversidade e de habitat da fauna como
também dos serviços ambientais fornecidos pela floresta. A
comparação das perspectivas “sem projeto” e “com projeto”
mostra um grande ganho deste segundo cenário, o qual ao
propiciar recursos necessários para garantir a manutenção
e o desenvolvimento sustentável, poderá evitar a perda
de 62% da área florestada da RDS do Juma até o ano de
2050, assim como favorecer concretamente a conservação
da quase totalidade dessa área, além de outros benefícios
diretos à biodiversidade e às comunidades locais.
A RDS do Juma foi a primeira reserva a ser
implantada após a criação e aprovação da Lei da Política
Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC-AM) e do
Sistema Estadual de Unidades de Conservação (SEUCAM), que forneceram o arcabouço legal necessário para
a realização de projetos desse gênero no Amazonas.
Sua criação e implementação efetiva, no entanto, só foi
possível graças à efetivação de um mecanismo financeiro
de geração de créditos de carbono oriundos da Redução
de Emissões do Desmatamento – RED planejado
pelo governo deste Estado. A rede de hotéis Marriott
International está financiando o projeto com investimentos
anuais de US$500 mil durante os quatro primeiros anos;
receitas provindas de seus hóspedes, que são convidados
a neutralizar as emissões de carbono decorrentes da sua
hospedagem através da contribuição de US$1 por noite.
Assim, os recursos financeiros oriundos dos créditos
deverão ser dirigidos a promoção tanto da manutenção dos
benefícios climáticos de redução de emissões de GEEs pelo
desmatamento quanto de melhorias sócio-ambientais e
iniciativas voltadas para a pesquisa científica e inventários
da riquíssima biodiversidade da Reserva.
A obtenção de créditos de carbono, oriundos da
redução de emissões do desmatamento, criará condições para
atrair investidores e trazer ao estado os recursos financeiros
necessários à geração de políticas fortes e permanentes de
controle e monitoramento de desmatamento, estabelecendo
um caráter financeiro auto-sustentável para a conservação,
melhoria nas condições de vida das comunidades locais,
além de reforçar o cumprimento das leis (IDESAM, 2009
p.7-8, 40-41).
Conclusão
Apesar da recente implantação do Projeto de RED
da RDS do Juma, há a expectativa de que a preservação
da área e os cuidados e atenção dados à biodiversidade e
às comunidades locais quando da concepção do mesmo,
contribuirão significativamente para a preservação da sua
79
fauna e flora respeitando os povos quem vive na região. Fora
os ganhos diretos para a biodiversidade e para a população
local, o Projeto ainda poderá cooperar na geração de
conhecimento e experiência em diversos aspectos técnicos,
servindo, assim, de embasamento tanto a outros programas
voluntários de REDD quanto para auxiliar na consolidação
de um futuro esquema de REDD dentro das negociações
climáticas internacionais. Seu efeito emblemático,
igualmente, poderá repercutir positivamente na sociedade
e nas decisões políticas nacionais e internacionais.
As características físicas da área do projeto somada
às condições político-econômico-social em comum com
outras regiões do estado do Amazonas poderão desenhar um
valioso panorama das dificuldades e potencialidades de um
programa de REDD na Amazônia. Entender, igualmente,
como está sendo tratada a biodiversidade dentro do projeto
trará sinalizações sobre a validade do mecanismo como
ferramenta para a proteção da biodiversidade da Floresta
Amazônica.
Adicionalmente, apesar de seu caráter
exclusivamente voluntário - já que as reduções de
emissões dele decorrentes não podem ser usadas para
compensar emissões, nem contabilizadas como parte de
metas obrigatórias governamentais ou daquelas firmadas
em tratados internacionais - o Projeto Juma ainda
poderá contribuir para a concretização de outras metas e
programas tanto nacionais quanto internacionais. Suas
emissões evitadas vêm ao encontro das metas de redução
previstas no Programa Nacional de Mudanças Climáticas,
assim como a preservação de sua área poderá concorrer
para os objetivos de Tratados, como o da Convenção da
Diversidade Biológica, o da Convenção para Combate
à Desertificação e outros programas de conservação de
espécies.
Contrapondo-se aos potenciais benefícios do
Projeto, citados acima, os mesmos podem ter seus efeitos
minimizados ou até anulados se não buscar sua integração
a um contexto mais amplo de compromissos nacionais
e internacionais de preservação ambiental. Os projetos
de REDD voluntários, por não se alinharem a nenhuma
política nacional de contabilização de emissões, permitem
o efeito de vazamento nacional e internacional, ou seja, o
desmatamento evitado por um projeto específico pode ser
deslocados para outros locais (dentro ou até mesmo fora
do país) e suas conseqüentes reduções de emissões seriam,
assim, anuladas. Esse efeito o comprometeria quer na
redução nacional de emissões de CO2, quer na garantia de
beneficio da biodiversidade.
O Projeto de REDD da RDS do Juma, a exemplo de
outros projetos dessa natureza, possui um grande potencial
de geração de benefícios, porém, é imprescindível a busca
de um acordo internacional que suceda o Protocolo de
Quioto que viabilize a operacionalização de um esquema
de REDD em escala nacional e minimize, ou até elimine,
80
as chances do efeito de vazamento, assim como previna
o aumento global da temperatura a níveis que venham
comprometer a permanência da floresta Amazônica.
Tal situação favoreceria a integridade dos benefícios
proporcionados por este e outros futuros projetos de REDD.
Abstract: Recent estimates show that the biodiversity
of the Amazon can match the existing half of the planet,
safeguarding a rich variety of environmental services and
biological processes vital to the Earth. The summary of
the determinations set out in the Framework Convention
of the United Nations on Climate Change (UNFCCC)
presents a strengthening of debates on forests and the
prospect of creating an instrument of Reducing Emissions
from Deforestation and Forest Degradation (REDD)
within the UNFCCC that economically reward countries
with large forest areas preserved. While negotiations
on REDD are discussed between the parties, several
initiatives to implement sub-national volunteer projects are
spreading throughout the world, generating direct climate,
environmental and social benefits as well as serving as a
lesson for other potential projects arising from a future
international agreement. This article aims to bring the
issue of forests within and outside the area of ​​international
negotiations on climate change and its potential benefits
for biodiversity and the communities of the Amazon
rainforest in the light of the Juma Project, located in the
municipality of Aripuanã Amazonas. The paper concludes
that the implementation of REDD volunteer projects can
indeed be an effective tool for preserving biodiversity and
the dignity of the peoples of the Amazon. Nevertheless,
an international agreement to succeed the Quioto protocol
should be sought, making the operation of a reed scheme
possible on a national scale in a fair way that promotes the
full benefits provided by forest protection.
Key-words: Environment. REDD. Deforestation.
Forest Degradation. Juma Project. Biodiversity. Local
communities.
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
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81
Adoção por casais homoafetivos
MARCELLA CORRÊA MARQUES GONÇALVES DOS SANTOS
Graduada em Direito pela Fundação Armando Alvares Penteado. Estagiária da Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª
Região.
Resumo: Atualmente, em razão das inúmeras crianças e adolescentes que se encontram em instituições para menores
e o número de pleitos de adoção por casais homoafetivos, tem-se realizado uma interpretação integrada das legislações
concernentes à adoção, do art. 226 da Constituição Federal, bem como dos arts. 4º e 5º da LICC. Isso para justificar que,
diante da intenção implícita das normas, que visam à tutela de qualquer família, independentemente de sua constituição,
bem como do interesse social, há a possibilidade de um casal formado por pessoas do mesmo sexo atender os princípios
da proteção integral à criança e ao adolescente e do melhor interesse da criança ao receber em seu seio familiar um filho.
Palavras-chaves: Adoção. Casais homoafetivos. Constituição Federal. LICC. Tutela. Interesse social. Princípios.
1. Introdução
Na sociedade atual, em que existe uma mudança
de valores com relação ao conceito de família, não
podemos considerar correto negar aos casais homoafetivos
o exercício ao direito a parentalidade. Também não se pode
deixar de atender uma necessidade social, que é a adoção
de crianças e adolescentes que se encontram em situação de
abandono, justificada na lacuna presente no ordenamento
jurídico pátrio que não contempla expressamente as uniões
homoafetivas.
Faz-se, então, necessária a utilização de uma
interpretação mais moderna com base nos valores atuais
da sociedade, nos princípios consagrados em nossa Carta
Maior, na legislação vigente e no atendimento aos bons
costumes, justificando sua titularidade ao direito à adoção.
2. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
Kant considerou que a “lei universal é a lei
moral”. Assim, ética e direito se aproximam, conduzindo
a normatização do princípio da dignidade humana, que
no sistema jurídico brasileiro vem se colocando como o
primeiro dos princípios e matriz da Constituição.
Desde 1988, está instituído, entre outros, o princípio
do respeito à dignidade da pessoa humana, fazendo da
pessoa o fundamento e o fim da sociedade e do Estado.
Dessa forma, todas as normas constitucionais assim como
o restante da ordem jurídica deverão ser interpretadas à luz
deste princípio.
1
2
3
A procura pelo exercício da parentalidade por pares
homossexuais demonstra a existência de fato social que,
agregado ao princípio da dignidade da pessoa humana e
ao princípio da igualdade, no atual Estado Democrático de
Direito, aponta para a necessidade de dar força normativa
aos princípios da Constituição Federal e aos direitos
fundamentais.
Nota-se que, em razão do direito à homoparentalidade
estar vinculado à formação da identidade do ser humano em
sua busca pela realização pessoal e felicidade, este deverá
ser analisado de acordo com o princípio da dignidade da
pessoa humana.
Sendo assim, a dignidade humana é princípio que
unifica e centraliza todo o sistema normativo,
assumindo especial prioridade,1 principalmente
quando se está diante de questões que suscitem
respostas, por envolver, de um lado, o exercício da
maternidade/paternidade e, de outro, a possibilidade
de crianças e adolescentes possuírem um ambiente
de afeto e respeito, que assegurem a primazia de
pessoas em desenvolvimento.2
3. O princípio da igualdade e a orientação sexual
“Um dos princípios estruturantes do regime geral
dos direitos fundamentais é o princípio da igualdade.” 3
A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948,
em seu artigo 1º, consagrou a idéia de igualdade entre os
homens. Após esta idéia ser consagrada universalmente
pela referida Declaração, as constituições pátrias trouxeram
o princípio da igualdade para seus textos.
PIOVESAN, Flávia apud MOSCHETTA, Sílvia Ozelame Rigo. Homoparentalidade: direito à adoção e reprodução humana assistida por casais homoafetivos. Curitiba: Juruá, 2009, p. 118.
MOSCHETTA, Sílvia Ozelame Rigo. Homoparentalidade: direito à adoção e reprodução humana assistida por casais homoafetivos. Curitiba: Juruá, 2009, p. 118.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 424.
82
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Para a igualdade formal, a norma jurídica deverá
ser aplicada em cada caso concreto como está expressa,
sem levar em conta as qualidades ou situações de seus
destinatários.
Essa face do princípio da igualdade, como traz
Roger Raupp Rios, busca a igualdade entre as pessoas
“mediante a universalização das normas jurídicas em face
de todos os sujeitos de direito” 4. Dessa forma, quanto à
orientação sexual, as normas deverão ser aplicadas sem
qualquer distinção entre homossexuais e heterossexuais.
Em razão das várias formas de discriminação e
preconceito, foram positivados no texto constitucional,
em seu art. 3º, IV, como um dos objetivos da República
Federativa do Brasil, critérios proibitivos de diferenciação,
tais como a vedação de preconceitos em razão de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
Apesar da Constituição não trazer de forma expressa
o critério proibitivo de discriminação por orientação
sexual, a vedação de discriminação ainda é possível, uma
vez que pode ser encaixada na parte final do art. 3º, IV
da Constituição Federal, garantindo tanto a igualdade entre
os heterossexuais e homossexuais como a possibilidade de
adotarem livremente sua orientação sexual.
É possível ainda considerar que esse tipo proibitivo
está englobado na proibição de discriminação por sexo,
visto que é “uma hipótese de diferenciação fundada no
sexo da pessoa para quem alguém dirige seu envolvimento
sexual [...]”.5
Devido à interface material do princípio da
igualdade, um tratamento desigual será aplicado somente
às situações que possuam uma justificativa racional para
tanto. Esta regra também é aplicada para situações que
envolvam a orientação sexual do sujeito, justificando
apenas a desigualdade de tratamento quando houver
uma razão lógica. Do contrário, prevalecerá o tratamento
igualitário.
Nesse diapasão, qualquer desigualdade de
tratamento despendido daquele aplicado aos heterossexuais
que decorram exclusivamente da orientação sexual e
fundamentada seja na discriminação ou na utilização
do preconceito a homossexuais ofenderá o princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana, tornandose inconstitucional por ferir a ordem constitucional e
democrática.
Dessa forma:
A questão não pode ser vista por outro prisma,
senão o isonômico, quando pares homoafetivos
que desejam o exercício da parentalidade, atendido
o melhor interesse da criança ou adolescente,
buscam o estabelecimento de vínculos paternomaternofiliais na maternidade/paternidade que,
no caso, se concretiza por meio da adoção ou
reprodução humana assistida. 6
4. Família Constitucionalizada: Pluralidade das
Formas de Família
Além de se fundar nos princípios da dignidade da
pessoa humana e igualdade, a possibilidade de adoção
pelos casais homoafetivos se baseia fundamentalmente na
transformação sofrida pela família.
As transformações operadas na sociedade brasileira
durante o século XX repercutiram enormemente nas
relações jurídicas de Direito de família e apresentam, neste
início de século XXI, inovações fundamentais nas famílias
jurídicas.7
Diante dessas transformações, nota-se que no
mundo contemporâneo o modelo tradicional de família,
constituído pelo matrimônio entre um homem e uma
mulher, foi deixado para trás, dando vez ao surgimento das
famílias plurais.
As constituições brasileiras sempre retrataram as
etapas históricas do País, inclusive no que diz respeito
ao direito de família. A Constituição Federal de 1988,
com base no consagrado princípio da dignidade humana
e considerando como supremos objetivos a liberdade,
justiça e solidariedade, atribui à família uma função
social, constituindo-se como uma comunidade de afeto
e mútua ajuda, buscando a tutela da pessoa humana, em
suas dimensões existenciais e socioafetivas, eliminando
discriminações e diferenciações.
Uma marcante transformação foi instituída com a
expansão da proteção do Estado à família, tais como:
a) a proteção do Estado alcança qualquer entidade
familiar, sem restrições;
b) a família, entendida como entidade, assume
claramente a posição de sujeito de direitos de
obrigações;
c) os interesses das pessoas humanas, integrantes
da família, recebem primazia sobre os interesses
patrimonializantes;
d) a natureza socioafetiva da filiação torna-se
gênero,abrangente das espécies biológica e não
biológica;
e) consuma-se a igualdade entre os gêneros e entre
os filhos;
f) reafirma-se a liberdade de constituir, manter
e extinguir entidade familiar e a liberdade de
planejamento familiar, sem imposição estatal;
g) a família configura-se no espaço de realização
pessoal e da dignidade humana de seus membros.8
RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual: a homossexualidade no direito brasileiro e norte-americano. São Paulo: R. dos Tribunais, 2002, p. 129.
Ibidem, p.133.
MOSCHETTA, Sílvia Ozelame Rigo. Homoparentalidade: direito à adoção e reprodução humana assistida por casais homoafetivos. Curitiba: Juruá, 2009, p. 121.
7
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios constitucionais de direito de família: guarda compartilhada à luz da Lei n. 11.698/08: família, criança, adolescente e idoso. São Paulo: Atlas,
2008, p. 20.
8
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 35.
4
5
6
83
A Constituição Federal vigente passa a reconhecer
o status de família às outras formas de entidade familiar e
não só àquelas constituídas pelo instituto do matrimônio.
Assim, deu também especial proteção à união estável, em
seu art. 226, parágrafo 3º, que compreende a existência da
união entre homem e mulher, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento e a comunidade formada por
qualquer um dos pais e seus descendentes, também chamada
de família monoparental, em seu art. 226, parágrafo 4º.
Apesar de essas entidades familiares estarem
previstas de forma expressa no texto constitucional,
por serem as mais comuns, devem ser encaradas como
exemplificativas, uma vez que existe a presença de família
em situações diversas.
A família, como previsto no art. 226 da CF, é a
base da sociedade, merecedora de proteção estatal. No
entanto, apesar de trazer de forma expressa três tipos de
entidade familiar, não trouxe nenhuma norma de exclusão
a outros possíveis modelos de constituição, uma vez que o
destinatário da proteção do Estado é a instituição família e
não suas espécies.
Como exposto, várias são as possibilidades de
formação familiar, o que evidencia a crise da
tradicional família patriarcal e o surgimento de
novos núcleos familiares ainda ignorados pelo
Estado, mas cada vez mais frequentes e aceitos pela
sociedade neste início de século XXI. 9
5. Adoção por Casais Homoafetivos: Possibilidade
Jurídica
Atualmente, o instituto da adoção é regido tanto
pelo Código Civil de 2002 como pelo Estatuto da Criança
e do Adolescente. O atual Código Civil determina pela
aplicação subsidiária do ECA às adoções dos maiores de
18 anos. Assim, os principais requisitos para adoção tanto
de menores como para de maiores de 18 anos são comuns.
A seguir serão analisados os requisitos da adoção à
luz de sua possibilidade por casais homoafetivos.
5.1 Da colocação em família substituta homoafetiva
O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao dispor
em seu art. 29 sobre a colocação em família substituta,
determina que “não se deferirá colocação em família
substituta a pessoa que revele, por qualquer modo,
incompatibilidade com a natureza da medida ou não
ofereça ambiente familiar adequado”.
Sobre esse requisito para o exercício da colocação
em família substituta, ressalta Luiz Carlos de Barros
Figueiredo10 que cada pleito seja de guarda, tutela ou
adoção, partindo do princípio de que o legislador se
utilizou de uma fórmula ampla e impositiva de análise,
deverá o caso ser acompanhado e estudado por uma equipe
técnica conjuntamente com o promotor de Justiça e o juiz,
levando-se em conta suas peculiaridades para análise de
cada caso concreto, a fim de verificar seu enquadramento
ou não na vedação legal.
Com a aplicação dessa metodologia em que vários
olhares fazem a análise do mesmo caso, torna-se impossível
a generalização ou mesmo a instituição de um rol taxativo,
definindo o que é ou não um ambiente familiar adequado.
Mesmo assim, podem-se exemplificar algumas situações
que se encaixam nessa vedação, dando uma direção àquele
que for interpretar a norma, servindo de base para a análise
do caso concreto.
Como exemplo, temos o art. 19 do próprio ECA,
ao dispor sobre o direito da criança e do adolescente à
convivência familiar e comunitária, in verbis:
Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito
a ser criado e educado no seio da sua família e,
excepcionalmente, em família substituta, assegurada
a convivência familiar e comunitária, em ambiente
livre da presença de pessoas dependentes de
substâncias entorpecentes.
Torna-se, portanto, inaceitável diante de
manifestação expressa do legislador que criança ou
adolescente seja colocada em família substituta em que
haja presença de pessoas dependentes de substâncias
entorpecentes, como, por exemplo, viciada em drogas ou
alcoolista.
O referido autor ainda traz outros exemplos, como:
Pessoas com antecedentes criminais, especialmente
se tiveram como vítimas crianças/adolescentes ou
se foram abusadores sexuais, não são indicadas
para serem adotantes [...]. Agressores de parentes
próximos (esposa, filhos, pais etc.) [...] também
devem ter seus pleitos indeferidos.11
Nessa linha de raciocínio, o artigo 6º estabelece
a hermenêutica básica do Estatuto da Criança e do
Adolescente, ao determinar que “levar-se-ão em conta
os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem
comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e
a condição peculiar da criança e do adolescente como
pessoas em desenvolvimento”. Dessa forma, a sistemática
adotada pelo ECA foi o da proteção integral à criança e
ao adolescente, vistos como pessoas em desenvolvimento
com direito à proteção integral.
9
DINIZ, Maria Aparecida Silva Matias. Adoção por pares homoafetivos: uma tendência da nova família brasileira. Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=472>. Acesso em 20
fev. 2011.
10
FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. 1ª ed., 9ª reimpr. Curitiba: Juruá, 2010, p. 78.
11
FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. 1ª ed., 9ª reimpr. Curitiba: Juruá, 2010, p. 80.
84
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Com base no art. 29, já apresentado, pode-se
concluir que tanto a criança como o adolescente não devem
ser colocados em família substituta, caso esta não lhes
ofereça ambiente propício e adequado ao seu crescimento
e desenvolvimento físico, psíquico e social. É possível que
qualquer pessoa queira e possa pleitear a adoção, uma vez
que não existe total vedação a quem quer que seja, inclusive
em razão de sua orientação sexual.
5.2 Documentação necessária: o art. 197-A e o casal
homoafetivo
Para que o candidato à adoção se habilite, deverá
apresentar uma série de documentos que estão elencados
no art. 197-A do ECA, com redação dada pela Lei nº
12.010/09.
Será analisado igualmente o pedido formulado, seja
por um casal homoafetivo, seja por um casal heterossexual.
Em primeiro lugar será verificada a competência do juízo
e o atendimento às exigências referentes à documentação
e peças instrutórias. Em seguida, será feita a observação e
a análise do ambiente familiar quanto a sua adequação ao
caso, conforme previsto no art. 29 do ECA.
De uma forma geral, todos os incisos do referido
artigo podem ser atendidos por qualquer casal homoafetivo,
inclusive o inciso III que dispõe: “cópias autenticadas
de certidão de nascimento ou casamento, ou declaração
relativa ao período de união estável”. Isso porque, como
entende Enézio de Deus Silva Júnior12, o período da união
homoafetiva estável poderá ser atestado, por exemplo, por
escritura pública declaratória de união estável, expedida
em favor de casais homoafetivos em todo o País pelos
cartórios.
5.3 Arts. 42 e 43 do ECA e a possibilidade da adoção
biparental homoafetiva
Nenhuma vedação é apresentada em relação
à adoção biparental homossexual, seja no ECA ou
no atual Código Civil, com redação dada pela Lei de
Adoção, seguindo, dessa forma, o norte trilhado pela
nossa Constituição Federal, que veda a discriminação de
qualquer natureza, inclusive em razão de sexo que inclui o
preconceito com base na orientação sexual.
No entanto, é sustentada por muitos a ideia da
inviabilidade da adoção por pares do mesmo sexo em
decorrência do parágrafo 2º do art. 42 do ECA, com
redação dada pela Lei nº 12.010/2009. Neste é previsto ser
indispensável para adoção conjunta que os adotantes sejam
casados ou mantenham união estável, definida pelo art.
1.723 do Código Civil como a entidade familiar formada
por homem e mulher configurada na convivência pública,
contínua e duradoura, e estabelecida com o objetivo de
constituição de família.
Reforçando esse pensamento, observa o juiz
Titular da 2ª Vara da Infância e da Juventude do Recife,
Luiz Carlos de Barros Figueirêdo, que se manifesta pela
impossibilidade absoluta da concessão de adoção a favor
de casais homossexuais, sob o argumento de que:
A Constituição Federal em seu art. 226, parágrafo 3º
reconhece como Entidade Familiar a união estável
entre homem e mulher, o que já representa enorme
avanço social se comparado com a legislação
anterior que apenas valorizava o casamento civil
e só dele emanavam direitos a respeito de filiação,
patrimoniais etc., o que levava a que basicamente
todas as inovações neste campo fossem fruto
de construções jurisprudenciais, que paulatina e
lentamente eram incorporadas à normativa interna.
De toda sorte, por mais estável que seja, a união
entre dois homens ou duas mulheres não encontra
amparo no atual ordenamento jurídico brasileiro.13
Defendendo essa mesma posição, está Márcia
Lopes de Carvalho, que, ao responder sobre a possibilidade
de adoção por um casal homossexual, alegou que “nossa
legislação ainda não permite casamentos homossexuais,
então a adoção teria de ser feita por um membro do par,
como solteiro.” 14
Contrariamente, os que defendem a possibilidade
de adoção biparental homoafetiva, valem-se de uma
interpretação sistemática da matéria, uma vez que, o
art. 226 da Constituição Federal deve ser compreendido
de forma exemplificativa, aplicando uma interpretação
ampliada das entidades familiares existentes e protegidas
pela norma fundamental, “o que permite reconhecer a
união homoafetiva como espécie de entidade familiar”.15
Sobre essa sistemática o MM. Juiz Sérgio Luiz
Kreuz, da Vara da Infância e Juventude de Cascavel no
Estado do Paraná, em decisão16 que julgou procedente
a adoção por casais homoafetivos, salientou que o novo
modelo de família se estrutura nas relações de afeto, amor
e igualdade, e que o texto constitucional não exclui outras
formações familiares existentes, além daquelas expressas,
destinando ao gênero família a titularidade da proteção
estatal e não às suas espécies de constituição. O que
acarreta a identificação da união homoafetiva do caso em
tela como uma verdadeira família, merecedora de proteção
estatal.
Assim, ao se reconhecer a união homoafetiva como
entidade familiar, Enézio de Deus Silva Júnior17, entende
SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 115.
FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. 1ª ed., 9ª reimpr. Curitiba: Juruá, 2010, p. 94.
CARVALHO, Márcia Lopes de apud FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. 1ª ed., 9ª reimpr. Curitiba: Juruá, 2010, p. 95.
15
TORRES, Aimbere Francisco. Adoção nas relações homoparentais. São Paulo: Atlas, 2009, p. 114.
16
BRASIL. Vara da Infância e da Juventude. Proc. 0016380-68.2010.8.16.0021, j. 26.07.2010. Disponível em <http://www.direitohomoafetivo.com.br/uploads_jurisprudencia/705.pdf>. Acesso em 15
mar. 2011.
17
SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 114.
12
13
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85
ser perfeitamente cabível o uso expresso da analogia
disposto no art. 4º da LICC como instrumento de integração
legislativa. Sustenta que, perante a omissão de norma
expressa sobre as uniões homoafetivas e pela similitude
com a união estável, é possível a aplicação da legislação
concernente a esta entidade familiar “aos pleitos de pares
do mesmo sexo, atribuindo-lhes todo o plexo de direitos
familiares – inclusive, para efeito de adoção em conjunto
de crianças, adolescentes e até de maiores (de 18 anos)”.18
Assim, a carência de lei não acarreta na inexistência
do direito à adoção por casais homoafetivos, uma vez que
o próprio ordenamento jurídico traz na LICC em seus arts.
4º e 5º formas de integração legislativa para solucionar os
casos de omissão. Deve-se ressaltar que omissão não é o
mesmo que vedação. Em nenhum momento há qualquer
tipo de vedação á adoção biparental homoafetiva. O que
existe é uma omissão.
Para Paulo Lôbo19 o art. 1.622 do CC não pode
limitar a adoção conjunta aos cônjuges e companheiros,
uma vez que a Constituição Federal em seu art. 227, §§ 5º
e 6º, ao tratar da adoção, não traz qualquer impedimento
para que pares do mesmo sexo, que vivam sob uma relação
afetiva, possam adotar a mesma criança.
Na prática temos sentença20 proferida pela MM.
Juíza Monica Labuto Fragoso Machado, da 1ª Vara Regional
da Infância, da Juventude e do Idoso do Rio de Janeiro, que
entende que não há em qualquer momento referência no
art. 42 do ECA, que seria a união estável entre homem e
mulher que asseguraria a adoção conjunta. Dessa forma,
para o reconhecimento da união estável como entidade
familiar, há a necessidade da presença de estabilidade,
publicidade e a afetividade com o intuito de constituir
família. Sustentou ainda, que a união homoafetiva somente
não foi destacada pelo art. 226 da Constituição Federal
como entidade familiar, mas que em nenhum momento foi
excluída expressamente.
Maria Berenice Dias21 se manifesta, alegando
que ocorrendo a falta de qualquer impedimento, deverá
prevalecer o princípio consagrado no art. 43 do ECA, que
admite a adoção quando se fundar em motivos legítimos,
bem como apresentar reais vantagens ao adotando. Neste
sentido, é legítimo o interesse na adoção de uma família
ainda que constituída por pessoas do mesmo sexo, tendo
em vista a preocupação do legislador em garantir o bemestar do adotando, não havendo motivo algum para deixálo fora de um lar, constatando-se a existência de reais
vantagens a quem não tem ninguém.
Atendendo ao art. 43 supracitado e ao art. 227 da
Constituição Federal que visam atender ao princípio da
proteção integral ao adotando, possibilitando reais garantias
de convivência familiar atrelado ao afeto necessário para
o desenvolvimento equilibrado e saudável, reserva-se
especial preocupação no atendimento ao princípio do
melhor interesse da criança e do adolescente, princípio este
norteador da adoção.
Dessa forma, na falta de qualquer impedimento
ou vedação para a adoção biparental homoafetiva, deverá
prevalecer sempre o princípio da proteção integral à criança
e ao adolescente, o princípio do melhor interesse da criança
e ainda o seu direito com prioridade à convivência familiar
garantido no art. 227 da Constituição Federal.
Assim, evidencia-se que o magistrado “na aplicação
da lei (...), deve, antes mesmo de se apegar demasiadamente
a normas formais, perscrutar os superiores interesses
do menor.” 22 Para corroborar, traz Enézio de Deus Silva
Júnior23 que o magistrado não é auto-suficiente para
constatar a realidade fático-ambiental na qual o adotando
será inserido, mas “só a leitura atenta e personalizada de
cada pretensão, pela equipe técnica, Promotor de Justiça
e o Juiz da Infância, é capaz de assegurar a boa aplicação
da lei ao caso concreto.” 24
5.4 Estágio de convivência na adoção homoafetiva
É determinado pelo ECA em seu art. 46 que “a
adoção será precedida de estágio de convivência com
a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade
judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso”.
Isso porque, a criança ou adolescente, por se encontrar em
processo de desenvolvimento, “necessita de um estágio
de convivência com o(s) adotante(s), que possibilite a
aproximação afetiva, a investigação do Juizado sobre
aquela ambiência familiar, além da certeza da decisão
pela adoção.” 25
Como ressalta Enézio de Deus Silva Júnior26, a equipe
multiprofissional constituída por psicólogos e assistentes
sociais elaboram laudos e pareceres em decorrência do
acompanhamento do estágio de convivência, não tomando
a orientação sexual dos postulantes como fator isolado
que sirva para demonstrar o preparo ou despreparo para
maternidade/paternidade.
Esses laudos e pareceres técnicos possuem
suma importância na formação do convencimento do
magistrado e, contrariamente ao que se possa imaginar,
tem demonstrado que a orientação sexual dos requerentes
não é um elemento suficiente para inabilitar uma pessoa
ou casal para as funções familiares ou para a educação de
crianças e adolescentes.
Idem.
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 91.
BRASIL. 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso do Estado do Rio de Janeiro. Processo nº 2009. 202.020.729-8. j. 25/05/2010. Disponível em www.direitohomoafetivo.com.br/uploads_
jurisprudencia/671.pdf. Acesso em 15 mar. 2011.
21
DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça. 4. Ed., ver., atual. e ampl. São Paulo: R. dos Tribunais, 2009, p. 213.
22
BANDEIRA, Marcos apud SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. 4. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2010, p. 117.
23
SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 117.
24
FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros apud SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 117.
25
SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 115.
26
Ibidem, 116.
18
19
20
86
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
5.5 A problemática da adoção por falso solteiro
homoafetivo (ou monoparental)
Alguns casais homoafetivos têm suas petições
iniciais indeferidas, sob o argumento de impossibilidade
jurídica do pedido, não sendo aceitos nos cadastros
de adoção, impossibilitando a realização do estudo
psicossocial.
Diante dessa dificuldade para o deferimento da
adoção a casais homoafetivos, eles têm se orientado pela
adoção por um deles, escolhendo qual adotará formalmente
como falso solteiro. No entanto, concedida a adoção, o
adotado passará a conviver com o parceiro do adotante,
que certamente exercerá as funções parentais. Mesmo
que na prática esse filho tenha dois pais, ele somente
poderá desfrutar do direito de alimentos, benefícios
previdenciários ou sucessórios exclusivamente daquele
que o adotou, causando enorme prejuízo.
Assim, quando da separação dos parceiros, ou se
ocorrer a morte do que não é legalmente o genitor,
não pode o filho pleitear qualquer direito daquele que
também reconhece como verdadeiramente sendo
seu pai ou sua mãe. E mais: falecendo o adotante, o
adotado resta órfão, não havendo qualquer vínculo
com quem não é o pai ou mãe registral.27
Para corroborar com o explicado, o MM. Juiz
Sérgio Luiz Kreuz, em decisão proferida no Estado do
Paraná, afirma:
A adoção, por ambos os requerentes,o beneficia
na medida em que a situação jurídica será muito
mais próxima da realidade, já que ambos exercem
a paternidade, a criança os trata como seus pais
e terá dois responsáveis para todos os efeitos da
vida civil. Embora menos relevante, não se pode
deixar de considerar que também sob a perspectiva
patrimonial será beneficiado. Será herdeiro dos
dois requerentes, terá direito a pensão alimentícia
em caso de eventual separação, direito de receber
visitas, além de se vincular, para todos os efeitos,
com as famílias extensas de ambos. 28
Dessa forma, considerando que a ausência de
lei reconhecendo determinado direito, não significa a
impossibilidade jurídica do pedido, o juiz não deve se
escusar de julgar uma causa, uma vez que a própria Lei de
Introdução ao Código Civil e o Código de Processo Civil
impõe ao juiz o dever de julgar mesmo quando haja lacuna
na lei.
Assim: não havendo proibição expressa para
adoção por casais homossexuais no direito brasileiro; e sua
semelhança com a união estável, o juiz, segundo Enézio de
Deus Silva Júnior29, deverá ter bom senso e realizar uma
interpretação extensiva e sensata sobre a possibilidade da
adoção, para que pelo menos a inicial seja acolhida, para
que o acesso aos resultados do estágio de convivência para
análise do estudo psicossocial seja possível de ser realizado
por multiprofissionais habilitados tecnicamente para
realização de investigação do ambiente emocional familiar,
a subjetividade e a dinâmica da vinculação homoafetiva
com o adotando.
5.6 Outros contra-argumentos quanto à
possibilidade de adoção biparental homoafetiva
Outros argumentos são utilizados para sustentar a
impossibilidade da adoção por casais homossexuais. Entre
eles há quem afirme sobre a possibilidade da orientação
afetivo-sexual dos pais influenciar no desenvolvimento
afetivo do filho, tornando-os também homossexuais. Há
ainda quem sustente sobre possíveis prejuízos causados ao
adotando em razão da falta de referência paterna e materna,
bem como pelo peso do preconceito consequente de sua
convivência social, afetando sua estrutura psíquica.
Para os que defendem a adoção por casais
homoafetivos, o primeiro argumento não se sustenta, uma
vez que não há nenhum estudo científico afirmando que a
orientação sexual dos pais faça significativa diferença na
educação de crianças e adolescentes, pontuando somente
“a relevância do afeto e da sólida estrutura emocional,
como elementos indispensáveis e preponderantes ao pleno
ou saudável desenvolvimento da prole.” 30 Enézio de Deus
Silva Junior31 observa que, se a orientação sexual dos filhos
fosse uma questão de opção ou ainda resultado do exemplo
dado pelos pais, todos os casais heterossexuais teriam
filhos também heterossexuais como regra sexual em suas
experiências afetivas.
Frisa-se ainda neste sentido que:
Tanto a experiência clínica dos psicólogos e
demais psicoterapeutas, como a maioria dos relatos
dos homossexuais, atesta que a homossexualidade é
identificada, no nível do desejo, desde os primeiros anos
de vida, pelas próprias crianças, quando essas começam a
interagir com as demais e a se percebem diferentes.32
DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça. 4. ed., ver., atual. e ampl. São Paulo: R. dos Tribunais, 2009, p. 217.
BRASIL. Vara da Infância e da Juventude. Proc. 0016380-68.2010.8.16.0021, j. 26.07.2010. Disponível em <http://www.direitohomoafetivo.com.br/uploads_jurisprudencia/705.pdf>. Acesso em 15
mar. 2011.
29
SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus, op. cit., p. 120.
30
Ibidem, p. 122.
31
Ibidem, p. 127.
32
Ibidem, p. 126.
27
28
87
Um estudo realizado pela Academia Americana de
Pediatria (American Academy of Pediatrics), coordenado
por Ellen C. Perrin, concluiu:
Um crescente conjunto da literatura científica
demonstra que a criança que cresce com 1 ou 2 pais
gays ou lésbicas se desenvolve tão bem sob os aspectos
emocional, cognitivo, social e do funcionamento sexual
quanto a criança cujos pais são heterossexuais. O bom
desenvolvimento das crianças parece ser influenciado mais
pela natureza dos relacionamentos e interações dentro da
unidade familiar do que pela forma estrutural específica
que esta possui.33
Quanto à impossibilidade desse tipo de adoção
com base na falta de referência paterna e materna, Sílvia
Ozelame Rigo Moschetta34 defende a não sustentação
de tal indagação. Defendendo essa mesma posição está
Enézio de Deus Silva Júnior 35 ao citar a psicanalista Acyr
Maya, que defende que as funções materna e paterna são
exercidas através da linguagem, não sendo impeditivo para
uma bem-sucedida educação e criação de uma criança ou
adolescente por dois homens ou duas mulheres.
Por fim, não se justifica que a adoção seja indeferida
com base somente pelo temor de que o adotando sofra
reflexos em seu comportamento e transtornos psicológicos
em razão da discriminação da sociedade, uma vez que “os
estudos comprovam que ocorre exatamente o contrário,
essas crianças terão as mesmas ou até mais chances de
enfrentar as adversidades da vida, se tornando mais
flexíveis, tolerantes [...].” 36
que apesar de elencar de forma expressa algumas formas
de entidade familiar, coloca a família como a base da
sociedade, titular da proteção do Estado. Nesse sentido, a
tutela estatal é destinada à qualquer tipo de constituição
familiar construída a partir de laços afetivos, incluindo-se,
portanto, a união homoafetiva. Contudo, tem-se que diante
da ausência normativa expressa que a ampare, deverá
o juiz se socorrer da analogia como forma de integração
legislativa, aplicando ao caso concreto os mesmos direitos
destinados ao regime jurídico da união estável, eis que há
evidente similitude entre essas duas entidades, incluindose o direito à adoção.
Abstract: Currently, as a result of both the numerous
children and adolescents that find themselves in
institutions for minors and the number of requests for
adoption by homosexual couples, there has been an
integrated interpretation of the laws pertaining to adoption,
specifically article 226 of the Federal Constitution, as well
as articles 4 and 5 of the LICC (Introduction Law to Civil
Code). This has been done to justify, given the implicit
intention of the rules which aim at protecting any family,
independent of its composition or of its social interest, the
possibility for a same-sex couple to meet the requirements
to provide full protection and to act in the best interest of
the child or adolescent and upon receiving, into the heart of
their home, a child.
Key-words: Adoption. Homosexual couples. Federal
Constitution. LICC. Protecting. Social interest. Principles.
Conclusão
Vislumbra-se que a possibilidade de adoção por
casais homoafetivos resulta da interpretação sistemática
do ordenamento jurídico. Sob a perspectiva dos princípios
constitucionais, conclui-se que estes servem de alicerce para
a construção jurídica voltada para a possibilidade do direito
à homoparentalidade. Isso porque todo o ordenamento
jurídico deverá ser interpretado à luz do princípio da
dignidade humana, que coloca a pessoa como fundamento
e fim da sociedade e do Estado. O princípio da igualdade
também ocupa um papel fundamental nesta interpretação,
visto que é garantido a todos um tratamento igualitário
quando da aplicação da norma jurídica, sustentando-se a
diferenciação apenas quando se fundar em motivo justo
dotado de racionalidade.
Importante ainda, considerar o art. 226 da
Constituição Federal como uma norma de inclusão, já
PERRIN, Ellen C. apud MOSCHETTA, Sílvia Ozelame Rigo. Homoparentalidade: direito à adoção e reprodução humana assistida por casais homoafetivos. Curitiba: Juruá, 2009, p. 155.
MOSCHETTA, Sílvia Ozelame Rigo. Homoparentalidade: direito à adoção e reprodução humana assistida por casais homoafetivos. Curitiba: Juruá, 2009, p. 157.
MAYA, Acyr apud MAZZARO, Marcos apud SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 130.
36
CORREIA, Maria do Perpetuo Socorro Lima; VIEIRA, Lara Fernandes. Adoção na relação homoafetiva. p.18. Disponível em <www.direitohomoafetivo.com.br/uploads_artigo/ adoção_na_relação_
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33
34
35
88
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
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89
Liberdade Provisória e o crime de tráfico ilícito de entorpecentes: uma
análise crítica sob a ótica do princípio da “presunção de inocência”
RENAN POSELLA MANDARINO
Advogado. Graduado em Direito pela UNESP/Franca. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela FAAP de
Ribeirão Preto.
Resumo: O status libertatis é um direito fundamental garantido constitucionalmente e, portanto, não pode ser privado de
maneira arbitrária pelo poder estatal. Com a absoluta prevalência das liberdades públicas fundamentais, a prisão cautelar
apenas pode ser decretada quando preenchidos os requisitos legais e demonstrada sua necessidade durante a persecução
penal. Como se não bastasse, a nova Lei de Drogas vedou expressamente a possibilidade de liberdade provisória aos
crimes de tráfico ilícito de drogas, norma essa que afronta os ditames constitucionais de um Estado Democrático de Direito.
Ressalte-se que o princípio da presunção de inocência garante a qualquer cidadão o direito de permanecer em liberdade
enquanto não provada sua culpabilidade (artigo 5º, LVII, Constituição Federal). Caso seja preso preventivamente, esta
ordem deverá ser escrita e fundamentada, sob pena de ser decretada sua liberdade provisória (artigo 5º, LXI e LXVI).
O fato de o crime de tráfico ilícito de entorpecentes ser equiparado a crime hediondo (Lei 8.072/90 e alterações da Lei
11.464/07) não pode ser óbice à concessão da medida cautelar liberatória. O presente trabalho apresenta os fundamentos
da flagrante inconstitucionalidade do artigo 44 da nova Lei de Drogas. Na elaboração do artigo, utilizou-se o método
bibliográfico, como método de procedimento, e o dialético crítico, como método de abordagem.
Palavras-chave: liberdade; tráfico; drogas; inocência
Introdução
É papel de um autêntico Estado Democrático de
Direito garantir a radicalização da instrumentalidade do
processo como meio de efetivação das liberdades públicas
fundamentais. Assim, a liberdade deve estar pautada
na autonomia materialmente garantida pelo Estado por
meio de prestações positivas e não apenas proclamada
formalmente pela lei. Nesse sentido, o processo
penal é instrumento de cidadania, de defesa da dignidade
humana e não simples mecanismo de controle, repressão,
estigma e exclusão social.
Tanto que todo aparelho repressivo estatal, em
sociedades liberais democráticas, deve estar fundamentado
no garantismo penal, no qual a persecução penal é exercida
dentro de um marco de legalidade e com o pleno acesso
a todos os meios de defesa dessas liberdades. Uma das
formas de exteriorização do garantismo penal ocorre
através do princípio da presunção de inocência ou princípio
liberal de inocência, o qual tem o papel fundamental de
evitar qualquer espécie de rigor processual que se mostre
desnecessário em relação ao acusado, cuja culpa ainda não
for declarada por sentença condenatória definitiva. Ou seja,
a regra é que o réu não deve ser preso antes da decisão final,
exceto em caráter excepcional e absoluta necessidade,
1
através de um despacho fundamentado; nem deve ser
submetido a constrangimento processual desnecessário.
Porém, em diversos casos, é forçoso concluir que
o discurso racional e meramente retórico dos direitos e
garantias liberais, tal como a presunção de inocência, para
a maioria dos acusados tem efeito apenas “encantatório”1,
inoperante, sendo uma garantia constitucional meramente
formal. Como consequência, a liberdade é constantemente
relegada em segundo plano, a fim de facilitar a manutenção
dos mecanismos de repressão e de controle da sociedade
pelo Estado.
É nesse contexto que se insere a nova Lei de
Drogas (Lei 11.343/06), a qual veda expressamente a
liberdade provisória na prática de crime de tráfico ilícito
de entorpecentes, nos termos de seu artigo 44, numa nítida
dissonância dos preceitos constitucionalmente garantidos
no artigo 5º, incisos LIV, LVII, LXI e LXVI.
Essa vedação é a nítida manifestação da “legislação
do pânico”, ou seja, normas jurídicas feitas repentinamente,
com o viés único de o poder público apresentar um respaldo
aos anseios da sociedade. A Lei de Crimes Hediondos, cujo
crime de tráfico de entorpecentes foi a eles equiparado,
nasce justamente do clamor público e da necessidade de
aplicar sanções mais severas a esses delitos.
MACHADO, Antônio Alberto. Teoria geral do processo penal. São Paulo: Atlas, 2009, p.167.
90
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
O presente artigo procurará demonstrar os elementos
constitucionais da liberdade provisória, a fim de comprovar
a ineficácia da citada norma jurídica prevista na Lei
11.343/06, apoiando-se nos fundamentos do princípio da
presunção de não-culpabilidade. O estudo visa a analisar se
a concessão indiscriminada de prisões cautelares, baseada
tão somente em um artigo de lei, ou seja, sem observar
as peculiaridades do caso concreto, os requisitos do artigo
312 e seguintes do Código de Processo Penal, e as demais
garantias de direitos individuais, é instrumento eficiente no
combate ao crime de tráfico ilícito de drogas.
A essência do presente trabalho reside na
preocupação com a excessiva decretação de prisões
cautelares, muitas delas desmotivadas, prática usual em
nosso cotidiano forense. São comuns despachos simplistas
no seguinte sentido: “mantenha-se o flagrado à disposição
da Justiça no presídio em que se encontra, eis que se trata e
crime hediondo, insuscetível de liberdade provisória”. Tais
decisões traduzem-se numa praxe judiciária distanciada
dos princípios e normas constitucionais.
Evidente que alguns crimes merecem o
recrudescimento das tutelas penais. Todavia, qual o limite?
Até que ponto poderá haver a supressão dos direitos
constitucionais em benefício da repressão penal?
Em uma matéria realizada pela OAB (Ordem dos
Advogados do Brasil), Emanuel Cacho, presidente do
Conselho Nacional de Secretários de Justiça, Direitos
Humanos e Administração Penitenciária, afirmou que a Lei
de Crimes Hediondos mantém na cadeia cerca de 70 mil
pessoas que não deveriam estar presas. O número representa
mais de 20% da população carcerária. Tal estatística é
significativa, visto que não há só presos submetidos à Lei
nº 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos)2.
Percebe-se que a relação entre a prisão preventiva,
cuja essência possui natureza processual e cautelar, e o
princípio da presunção da inocência, que é uma das mais
importantes garantias constitucionais, é muito tênue,
de modo que o rigoroso equilíbrio dos dois institutos é
essencial para o salutar desenvolvimento do processo
penal.
Por derradeiro, a problemática central do presente
trabalho reside no seguinte questionamento: a vedação
expressa da liberdade provisória aos crimes de tráfico
ilícito de entorpecentes estaria em consonância com os
princípios constitucionais e garantias individuais?
Liberdade. Conceito.
No seu conceito geral, liberdade, do latim libertates,
significa o não estar preso de maneira nenhuma, o estar
isento de travas, de qualquer espécie de determinação
proveniente de fora, contanto que esta isenção esteja unida
2
3
4
a uma faculdade de autodeterminar-se espontaneamente.3
A palavra liberdade exprime múltiplos conceitos,
podendo ter significados diferentes conforme o contexto
em que é empregada. Os gregos a dividiam em três
significados: liberdade natural, que consistia em uma
determinação superior, cósmica que comandaria o destino
do indivíduo; liberdade política, que exigia a ação do
indivíduo de acordo com as próprias leis; e a liberdade
pessoal, que pressupunha uma realidade fora do campo
social, ou seja, se situaria na esfera estritamente pessoal do
indivíduo. Os três conceitos fundamentais de liberdade se
entrelaçam, impondo condicionamentos recíprocos.
Conforme José Afonso da Silva4, liberdade da
pessoa física é a possibilidade jurídica que se reconhece a
todas as pessoas de serem senhoras de sua própria vontade
e de locomoverem-se desembaraçadamente dentro do
território nacional.
1.1. As liberdades públicas fundamentais e o
processo penal
A consagração do direito à liberdade foi resultado
de conquistas sucessivas ao longo da evolução histórica. O
marco decisivo para que o direito constitucional de liberdade
fosse erigido à categoria de direito fundamental, bem como
para que houvesse o reconhecimento de sua proteção legal,
surgiu com as cartas e estatutos assecuratórios de direitos
fundamentais, como a Magna Carta, em 1215, quando
barões ingleses obrigaram João-Sem-Terra a firmá-la; a
Petition of Rights, em 1628; o Habeas Corpus Amendment
em 1679 e o Bill of Rights em 1688.
Assim, o direito de liberdade passou a constar de
todos os documentos internacionais de direitos humanos,
fazendo repousar a sua legitimidade na retórica do
jusnaturalismo. Ou seja, concebida como um direito humano
fundamental, a liberdade passou a exibir características
da universalidade, da inerência, da indivisibilidade da
transnacionalidade e da inalienabilidade. As várias formas
de liberdade, enquanto direitos humanos de primeira
geração, guardam uma enorme interlocução com o direito
processual penal na medida em que este último está em
permanente e problemática interação com o sistema de
liberdades públicas fundamentais. Isso porque, sempre que
houver uma persecução penal é fato que também haverá
As diversas formas de liberdade são também
denominadas liberdades públicas, de um lado, porque
estão definidas em normas de caráter público, as normas
constitucionais e de processo, representando o próprio
fundamento jurídico dos Estados que se estruturam com
base nos valores e objetivos do liberalismo; de outro,
porque tais liberdades configuram direitos de interesse
geral no espaço público e até mesmo exercitáveis contra
Pesquisa realizada pela OAB, disponível em: www.oab.br/noticiaprint.asp?id=2580. Acesso em: 09 julho de 2006.
HENTZ, Luiz Antonio Soares. Indenização da prisão indevida. São Paulo: Leud, 1995, p.20-21.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 236-237.
91
o Estado. E são fundamentais, uma vez que integram
a Carta de Direitos das constituições e compõem a base
axiológica do Estado liberal, conferindo-lhe sustentáculo e
fundamento ético-político.
Com efeito, no campo processual penal é sempre
muito tensa a relação estabelecida entre a necessidade
da persecutio criminis, por exigências de defesa social, e
os direitos e garantias fundamentais do indivíduo. Nesse
confronto, a teoria do garantismo penal de Luigi Ferrajoli,
alçou o processo penal à categoria de verdadeiro instrumento
de proteção das liberdades públicas fundamentais, como
verdadeiro mecanismo de efetivação dos direitos e garantias
individuais. Sobre o assunto pondera Ada Grinover5:
É dentro do processo penal, entendido como
instrumento da persecução, que a liberdade do
indivíduo avulta e se torna mais nítida a necessidade
de se colocarem limites à atividade jurisdicional.
A dicotomia defesa social/direitos de liberdade
assume frequentemente conotações dramáticas no
juízo penal; e a obrigação do Estado de sacrificar na
medida menor possível os direitos da personalidade
do acusado se transforma na pedra de toque de um
sistema de liberdades públicas.
Garantido o direito constitucional de liberdade,
apresenta-se então o problema de estabelecer o equilíbrio
entre a liberdade individual e a autoridade estatal. Ressaltese que a existência de um sistema de liberdades e dos
respectivos instrumentos de garantia é condição sine qua
non para a manutenção do Estado Democrático de Direito;
e o processo penal próprio desse tipo de Estado se inscreve
entre aqueles instrumentos de garantia da liberdade, cuja
função primordial outra não é senão a de assegurar o
respeito ao regime de liberdades públicas, sem as quais
nem o Estado liberal nem a democracia liberal burguesa
conseguirão sobreviver. É importante não perder de
vista que a defesa de um regime de liberdades públicas,
por meio da instrumentalidade do processo penal, não se
confunde jamais com a defesa da impunidade de acusados
ou criminosos. A sustentação de tal regime corresponde à
defesa da própria democracia e do Estado Democrático de
Direito.
1.2. Liberdade provisória
A liberdade provisória é o instituto processual que
permite ao acusado como direito subjetivo seu aguardar
em liberdade o decorrer do processo até final julgamento.
Esse benefício pode ser conferido, de forma a vincular ou
não o acusado a determinadas obrigações no processo.
Sua concessão se justifica em nome da precariedade do
inquérito, como também da não definitividade do processo.
Exige-se que em alguns casos o beneficiado
submeta-se ao cumprimento de certas obrigações legais,
5
sob pena de sua revogação. As obrigações, conforme
artigos 327 e 328 do CPP.
A liberdade provisória se ampara no artigo 310 e seu
parágrafo único do Código de Processo Penal e se apresenta
sob duas modalidades, a saber: liberdade provisória com
fiança e sem fiança.
A custódia provisória sem fiança pode ser concedida
em atenção à qualidade da pena, nas hipóteses que não for
cominada pena privativa de liberdade, quando o máximo da
pena privativa de liberdade não exceder a três meses (artigo
321 e seguintes, do CPP); liberdade provisória em função
das circunstâncias do fato, quando o agente pratica o crime
acobertado por uma das excludentes de antijuridicidade
(artigo 310, parágrafo único do CPP); liberdade provisória
relacionada com a condição econômica do acusado (artigo
350 do CPP); infração a que é imposta somente a pena de
multa (artigo 321, inciso I, do CPP).
A concessão da liberdade provisória mediante fiança
é possível quando o ilícito for apenado com detenção ou
prisão simples e a pena máxima cominada exceder a três
meses, cuja fiança poderá ser concedida inclusive pela
autoridade policial (artigo 322 do CPP); nos casos de delitos
apenados com reclusão quando a pena mínima cominada
não for superior a dois anos, cuja fiança somente será
concedida pela autoridade judiciária competente (artigo
322, parágrafo único, c/c artigo 323, inciso I, do CPP); nos
crimes contra a economia popular e de sonegação fiscal
definidos em lei, quando houver prisão em flagrante (artigo
325, parágrafo 2°, incisos I, II e III, do CPP).
A liberdade provisória não poderá ser concedida
nos casos que seguem: quando a infração penal for punida
com reclusão e a pena mínima cominada for superior a
dois anos; quando se tratar de contravenções de vadiagem
e mendicância; no caso de crime doloso punido com pena
privativa de liberdade, se o réu for reincidente específico,
ou seja, caso já tenha sido condenado por outro crime
doloso em sentença definitiva (transitada em julgado);
quando houver nos autos provas que demonstre ser o réu
vadio; quando a infração penal for punida com reclusão
e provoque clamor público ou tenha sido cometida com
violência contra a pessoa ou com grave ameaça; nos casos
de quebra de fiança anteriormente concedida no mesmo
processo, ou ainda quando houver descumprimento, sem
razão justificada, das obrigações relacionadas pelo artigo
350 do CPP; nos casos de prisão disciplinar, administrativa
ou militar; quando o réu estiver em gozo de suspensão
condicional da pena ou de livramento condicional, salvo se
processado por crime culposo ou contravenção que admita
fiança; quando presentes os motivos que determinam a
decretação da prisão preventiva; quando se tratar de crimes
hediondos e conexos elencados pela Lei n° 8.072/90 (artigo
1° e 2°).
GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, p.20.
92
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
2. Aspectos fundamentais do princípio da presunção
de inocência
O princípio da presunção liberal de inocência
aparece, pela primeira vez em Constituições Brasileiras, na
Constituição de 1988, no artigo 5º, inciso LVIII: “ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado da
sentença penal condenatória”.
A grande crítica feita a este princípio constitucional
incide nas restrições que ele comporta, pois a própria
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de
1789 já afirmava que todo homem é presumido inocente,
ao passo que, em seguida, estabelecia implicitamente a
possibilidade de prisão sem culpa formada, ao determinar
que esta deveria ser cumprida sem excesso. Logo, a
presunção de inocência pareceria conduzir a uma noção
de proibição de aplicação de efeitos da condenação, antes
de um processo e antes de uma condenação. Entretanto,
a ideia não vingou. Era necessária a preservação da
“ordem pública” na sua extensão maior, o que viabilizava
a permissão para restringir a liberdade, antes mesmo de
submeter alguém a um processo e antes mesmo de ser
confirmada a condenação num processo.
Nesse sentido, leciona Batisti6:
A presunção de inocência é uma garantia, abstrata
e indeterminada, impeditiva, que assim redireciona
o Estado para um não agir. É, então, um princípio
de ação negativa. Exige um não fazer. A exceção
– qual seja, a possibilidade de prisão – antes de
condenação e antes mesmo do processo, passou a ser
fundamentada como uma garantia inversa, ou seja,
garantia de agir, de fazer em nome da prevalência
do interesse social em face do interesse pessoal.
Assim, a exceção que permite agir fundamenta-se no
poder de cautela, em nome do acautelamento do interesse
público e da segurança jurídica. Disto parte a separação
entre privação de liberdade em face da condenação em
processo e privação de liberdade cautelar.
Note-se que as Constituições Brasileiras em
nenhum momento previram expressamente a possibilidade
de prisão obrigatória em face da gravidade de crimes.
É firme o entendimento da Suprema Corte7 no sentido
de que a gravidade objetiva do crime não é suficiente
para determinar a prisão, mas tão somente a necessidade
cautelar, preenchidos os requisitos legais previstos no artigo
312 e seguintes do estatuto processual penal. Portanto, uma
prisão cautelar deve estar fundamentada na necessidade,
ter caráter de subsidiariedade, excepcionalidade e
imprescindibilidade, em razão da imagem de culpado
gerada à pessoa detida aos olhos do público. A eficácia da
medida cinge-se ao resultado útil a ser obtido, ou seja, não
há cautelaridade a ser resguardada, se não houver risco
durante a fase investigatória e instrutória e na consecução
dos resultados.
Ademais, o caráter de necessidade constrói-se
vinculadamente à subsidiariedade. A cautelar em questão
somente deve ser prevista e imposta como necessidade
última. Portanto, deve ceder a outras cautelas que sejam
adequadas para garantir o resultado processual.
A excepcionalidade da presunção de inocência
vigora através da marcação de o acusado responder solto a
qualquer processo. A prisão processual cautelar é situação
fática de exceção, a depender da completa análise do caso
concreto.
Outra garantia que se depreende do texto
constitucional, é que a cautelar deve ser determinada por
órgão judicial competente, com decisão fundamentada que
justifiquem os pressupostos exigíveis da medida.
2.1. Questões terminológicas. Axiologia
tridimensional da presunção de inocência.
Alguns juristas discutem sobre a distinção prática
das expressões “presunção de inocência” e “presunção de
não culpabilidade”. Illuminati8 rejeita o debate semântico
a fim de se evitar o risco de reduzir o princípio a uma
inconcludente enunciação retórica em que o acusado de
presumível inocente passa a ser considerado não culpado,
situação esta que prejudica uma noção extremamente clara
e historicamente consolidada.
Nesse sentido é a lição de Alexandra Vilela9:
Fazer a distinção entre presunção de inocência
e presunção de não culpabilidade revela-se
contraproducente, pois retira-se um significado
determinado, favorecendo, assim, soluções
arbitrárias no plano aplicativo.
Apesar de a redação do texto constitucional se
enveredar pela utilização da expressão “presunção de não
culpabilidade”, a doutrina e a jurisprudência têm adotado,
salvo raríssimas exceções, a designação original.
A interpretação literal desse direito-garantia é
equivocada, pois conduz ao paradoxo frente às medidas
cautelares de restrição de liberdades e direitos, tais como:
busca e apreensão, interceptação de comunicações e dados,
etc. e até mesmo diante das formas de prisão provisória
adotadas pela generalidade dos sistemas processuais.
Portanto, ao longo do presente trabalho, a
expressão “presunção de inocência” ou “presunção de
não culpabilidade” será utilizada sem um rigor linguístico
técnico, visto que as discussões sobre o assunto são
inconclusivas e discrepantes.
Ademais, o princípio da presunção de inocência
apresenta três dimensões jurídicas no teor de sua análise,
ou seja, atua como regra probatória, regra de tratamento e
regra de garantia.
BATISTI, Leonir. Presunção de inocência: apreciação dogmática e nos instrumentos internacionais e Constituições do Brasil e Portugal. Curitiba: Juruá, 2009, p.158.
HC 90.063/SP, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 27.03.2007.
ILLUMINATI, Giulio. La presuncione d´innocenza dell´imputato. Bolonha: Zanichelli, 1979, p.21.
9
VILELA, Alexandra. Considerações acerca da Presunção de Inocência em Direito Processual Penal. Reimpressão. Coimbra: Coimbra, 2005, p.53.
6
7
8
93
Primeiramente, atua como regra de tratamento,
ou seja, embora recaiam sobre o imputado suspeitas de
prática criminosa, o mesmo deve ser tratado no curso do
processo como inocente, sem diminuí-lo social, moral ou
fisicamente diante de outros cidadãos não sujeitos a um
processo acusatório. Esta dimensão atua sobre a exposição
pública do imputado, acerca de sua liberdade individual,
mais precisamente, como limite às restrições de liberdade
do acusado antes do trânsito em julgado a fim de se evitar
a antecipação de pena. Sobre esse aspecto, o princípio
funciona como limitação teleológica à aplicação da prisão
preventiva10
Outra dimensão verifica-se no campo probatório;
nesse sentido, o princípio atua como regra de distribuição do
ônus da prova e regra de julgamento, em seu desdobramento
in dubio pro reo. O ônus da prova incide sob dois aspectos:
formal e material. O primeiro liga-se à distribuição entre
as partes da incumbência de provar certos tipos de fatos.
O segundo refere-se a quem sofre o prejuízo em função da
dúvida sobre um fato no momento da sentença.
No processo penal, para parte da doutrina, a
questão da distribuição (iniciativa) entre as partes resta
prejudicada, em razão da aplicação do princípio da verdade
real, o qual permite que o próprio magistrado determine
diligências e complemente a atividade probatória das
partes. Entretanto, a visão massificada abordada nos
manuais de processo penal é a de que cabe ao acusador
a prova do fato e da autoria, bem como as circunstâncias
que causam o aumento de pena; ao acusado cabe a prova
dos fatos impeditivos ou extintivos, tais como as causas
excludentes de antijuridicidade, da culpabilidade e da
punibilidade, bem como das circunstâncias que impliquem
diminuição de pena.11
A terceira dimensão incide na análise da presunção
de inocência como regra de garantia. Assim, toda pessoa
acusada de delito tem como garantia que se presuma sua
inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa;
logo, o referido princípio impõe ao Ministério Público
o dever de apresentar, em juízo, todas as provas de que
disponha, sejam as desfavoráveis, sejam as favoráveis ao
imputado. Além disso, viola-se a presunção de inocência
como regra de garantia quando, na atividade acusatória
ou probatória, não se observa estritamente o ordenamento
jurídico.
3. Liberdade provisória e o crime de tráfico
ilícito de entorpecentes: ponderações sobre a
constitucionalidade do artigo 44, da Lei 11.343/06
A proibição da liberdade provisória para o crime
de tráfico não é novidade, pois este era o espírito que
direcionava a jurisprudência majoritária na vigência da Lei
6.368/76.
10
11
12
Pesquisas apontam que as apreensões de drogas
ilícitas pela Polícia Federal, de 2001 a 2005, atingiram
1.112,45 toneladas. O indiciamento de traficantes pelo
citado órgão vem numa crescente (2.756 em 2001, 3.543 em
2002, 3.150 em 2003, 3.265 em 2004 e 4.181 em 2005). Os
dados do censo penitenciário realizado pelo Departamento
Penitenciário Nacional do ministério da Justiça, relativo ao
ano de 2007, aponta que existem 54.585 pessoas presas em
razão da prática de crime de tráfico de drogas12.
Nesse sentido, a aprovação da Lei 11.343/06
revogou expressamente as Leis 6.368/76 e 10.409/02, bem
como modificou o panorama do tratamento do acusado
ou condenado por determinados tipos penais relacionados
às drogas. Dentre eles está o artigo 44, o qual dispôs que
os crimes previstos nos artigos 33, caput e parágrafo 1º, e
34 a 37 são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça,
indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão
de suas penas em restritivas de direitos.
Acrescentou o parágrafo único que, nos crimes
previstos no caput do referido artigo, dar-se-á o livramento
condicional após o cumprimento de dois terços da pena,
vedada sua concessão ao reincidente específico.
Portanto, esse era o quadro no qual se inseria a
legislação no combate às drogas, com a evidente finalidade
de recrudescer o ordenamento jurídico penal e promover
uma falsa sensação de segurança ao cidadão brasileiro.
3.1. A alteração na Lei 8.072/90 e os seus reflexos na
Lei de Drogas
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo
5º, inciso XLIII, inovou ao estabelecer um mandado ao
legislador para que, através de lei, passasse a considerar
como inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos,
responsabilizando penalmente os mandantes, executores e
os que, podendo evitá-los, se omitirem. A justificante do
constituinte é de que se tratava de crimes repugnantes,
sórdidos, e, portanto, deveriam ter um tratamento mais
rígido.
Baseado no ordenamento constitucional, já em
1990, época de crescente alarde nacional em razão de
suposto incremento da criminalidade, o Congresso
Nacional aprovou a Lei de Crimes Hediondos, Lei 8.072
de 26 de julho de 1990. Apesar de não definir o que
poderia ser considerado como “crime hediondo”, o texto
legal estabeleceu, em seu artigo 1º, um rol de delitos que
deveriam ser considerados como tal.
NICOLITTI, André Luiz. As subversões da presunção de inocência: violência, cidade e processo penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p.63.
NICOLITTI André Luiz, op. cit, p.80-83.
NAÇÕES UNIDAS. Escritório contra Drogas e Crime. Perfil do País: Brasil, 2005. Disponível em <www.unodc.org/pdf/brazil/portugues_final2.pdf. Acesso em 05.03.2008.
94
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Ao mesmo passo, o diploma legislativo equiparou
aos crimes hediondos a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins e o terrorismo. Dessa maneira,
tanto os delitos hediondos quanto os equiparados seriam
insuscetíveis de anistia, graça, indulto, fiança e liberdade
provisória, consoante artigo 2º.
Como não bastasse, o prazo de prisão temporária
aumentou de 5 para 30 dias (prorrogáveis por outros
30 dias). Portanto, a lógica das prisões decorrentes de
sentenças penais condenatórias recorríveis fora invertida,
ao fixar como regra a fundamentação para a liberdade e não
para a prisão, e o regime para cumprimento da pena fora
fixado como o integral fechado.
Por cerca de 16 anos, o crime de tráfico de drogas
(assim entendido pelo Supremo Tribunal Federal como
aquele previsto nos artigos 12 e 13 da antiga Lei 6.368/76,
já que inexistente um tipo penal com tal “nomen juris”) na
condição de equiparado a hediondo, sofreu as consequências
penais e processuais da Lei dos Crimes Hediondos.
Ocorre que, com a previsão do artigo 44 da Lei
11.343/06, a proibição da liberdade provisória passou a ser
expressa.
O desfecho histórico-legislativo de toda essa
sucessão de leis penais no tempo ocorreu com a publicação,
em 29 de março de 2007, da Lei 11.464, a qual alterou a
Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) e, teoricamente,
passou a permitir liberdade provisória em crimes hediondos
e equiparados. A mencionada lei nada dispôs sobre
eventual vedação à concessão de sursis e à conversão da
pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.
A Lei 11.464/07 previu que o cumprimento da pena
deveria ser inicialmente em regime fechado e a progressão
de regime após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da
pena, se o condenado fosse primário, e 3/5 (três quintos),
se fosse reincidente, para os crimes nela elencados.
Entretanto, surge uma controvérsia ao analisar o
disposto no artigo 2º da Lei 8.072/90 com o disposto no
artigo 44 da Nova Lei de Drogas, visto que este último
dispositivo legal veta a concessão de liberdade provisória
para o crime de tráfico de entorpecentes.
A maioria dos doutrinadores entende que o crime
de tráfico de drogas comporta a liberdade provisória sem
fiança.
Guilherme de Souza Nucci13 assevera ser possível
a concessão de liberdade provisória para o crime de tráfico
de entorpecentes, visto que a Lei 8.072/90, alterada pela
Lei 11.464/07, e a Lei 11.343/06 são especiais e da mesma
categoria hierárquica. Logo, prevalece a lei editada mais
recentemente.
No mesmo sentido, Fernando Capez14 salienta a
necessidade de o magistrado justificar o periculum in
mora, ao negar o pedido de liberdade provisória ao acusado
pela prática do crime de tráfico de drogas, em razão da
prevalência do princípio da não-culpabilidade.
Na contramão, Vicente Greco Filho15 sustenta
que o crime de tráfico de drogas não comporta liberdade
provisória sem fiança. Argumenta que a Lei nº 11.464/07,
ao ser promulgada, modificou o artigo 2º, inciso II da Lei
nº 8.072/90, e permitiu a concessão de liberdade provisória
para os crimes hediondos e equiparados; contudo, diz
tratar-se de uma modificação genérica, que não abarca
o crime de tráfico de drogas, visto que a Lei de Drogas
veta expressamente a concessão de liberdade provisória
para os crimes de tráfico ilícito. Assevera, ainda, que a
Lei nº 8.072/90 aplicar-se-á somente aos crimes de tráfico
de drogas, quando suas disposições não contrariarem o
disposto na Lei de Drogas.
Na visão de Francis Rafael Beck16, equivocada a
argumentação acima. Cotejando os dois diplomas legais,
percebe-se que a nova Lei de Drogas, assim como a
Lei de Crimes Hediondos, manteve a vedação à fiança.
Entretanto, no caso concreto, a vedação não oferece
maiores consequências ao acusado:
A fiança, enquanto forma de assegurar ao preso em
flagrante o direito de liberdade provisória, perdeu
atualmente sua importância no sistema processual
penal, o qual permite a concessão da liberdade
“com” ou mesmo “sem” o pagamento de fiança,
desde que ausente os requisitos para a decretação da
prisão preventiva presentes no artigo 310, parágrafo
único. Ou seja, ainda que incabível a fiança, a
liberdade provisória não será afetada.
Portanto, parece um pouco desarrazoado e
contraditório o entendimento restritivo da Liberdade
provisória na Lei 11.343/06 e suscetível na Lei de Crimes
Hediondos. Beck17 critica o recrudescimento exacerbado
do sistema penal e cria uma nova categoria ao delito de
tráfico de drogas, chamado de crimes “supra-hediondos”:
Dessa forma, certo é que os crimes relacionados
pelo artigo 44 da Lei 11.343/06 têm restrições
penais mais severas do que os próprios crimes
referidos na Lei 8.072/90. Isso porque àqueles,
como visto, não é permitida a liberdade provisória,
sursis e conversão de penas. O que resta evidente é
que a Lei de Drogas criou uma categoria de crimes
“supra-hediondos”, já que com limitações penais
mais graves do que os próprios crimes hediondos,
previstos pela Constituição Federal como os de
mais alto grau de reprovação jurídico-penal.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Comentadas. 3ª ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.348.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Legislação Penal Especial. v. 4. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, 143-148.
GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel. Lei de Drogas Anotada: Lei nº 11.343/2006. 2ª ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.155-157.
16
BECK, Francis Rafael. A lei de drogas e o surgimento de crimes “supra-hediondos”: uma necessária análise acerca da aplicabilidade do artigo 44 da Lei 11.343/06. In: CALLEGARI, A.L.;
EDY, M.T. (Org.). Lei de Drogas: aspectos polêmicos à luz da dogmática penal e da política criminal. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p.159.
17
BECK, Francis Rafael, op. cit, p.161.
13
14
15
95
Ainda que haja vedação expressa para concessão
de liberdade provisória, imprescindível a análise
dos requisitos que autorizam a decretação da prisão
preventiva. Ausentes estes, a liberdade deve ser decretada,
independentemente da gravidade do delito. Portanto, a
gravidade do fato e a presumível periculosidade do agente
não são elidentes do princípio da presunção de inocência.
Caso inexistam os requisitos autorizadores da custódia
preventiva, deve ser concedida a liberdade provisória18.
Ressalte-se que, para a regularidade processual da
decretação da prisão preventiva, não basta a identificação
da presença dos requisitos autorizadores. É imprescindível
que o despacho de decretação da custódia cautelar seja
suficientemente fundamentado, com indicação precisa da
presença de cada um dos requisitos.
3.2 A discutível constitucionalidade do artigo 44
da Lei de Drogas e o princípio da presunção de
inocência
É comum observar no cotidiano forense decisões
mecanicistas com teor distanciado dos princípios e
normas constitucionais, iniciando-se ai um confronto
direto com as liberdades públicas fundamentais. É a
tradução de manifestações nulas por absoluta ausência de
fundamentação, bem como por instituir a prisão preventiva
compulsória, automática.
Essa excessiva visão legalista fere a garantia
constitucional da presunção do estado de inocência, a qual
tem como corolário lógico a proibição de que se adote
contra o réu qualquer medida de caráter punitivo antes
do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. A
lei ordinária pode admitir ou não a liberdade provisória,
conforme circunstâncias concretas; porém, não pode
sempre vedá-la em caráter genérico e absoluto para certa
tipologia de crimes.
O principal fundamento para a inconstitucionalidade
do artigo 44 da Lei 11.343/06 é a inversão dos valores
jurídicos constitucionais desta norma: a lei ordinária tornou
regra o que era exceção no ordenamento constitucional
brasileiro, ou seja, a prisão cautelar tornou-se norma cogente
para os crimes hediondos e equiparados e a liberdade
pessoal, a exceção. Assim, o cenário construído pela nova
Lei 11.343/06 é o da prisão preventiva obrigatória.
Além disso, o legislador ordinário disse mais do que
o legislador constituinte, uma vez que o artigo 5º, inciso
XLII, da Carta Política proíbe aos crimes considerados
hediondos e aos por ele assemelhados a anistia ou graça,
tornando-os inafiançáveis, sem mencionar, no entanto, a
vedação expressa à liberdade provisória.
18
19
Sobre o assunto, César Faria Júnior19 apoia-se na
hermenêutica jurídica e faz suas ponderações acerca do
citado inciso constitucional:
Trata-se de exceção que a constituição faz a si
mesma e, por conseguinte, não é dado ao legislador
ordinário ampliar e estender uma exceção constitucional,
sabido que, pela mais elementar regra de hermenêutica,
as exceções devem ser interpretadas restritivamente.
Portanto, não pode o legislador proibir a concessão da
liberdade provisória, naqueles crimes, por falta de previsão
e, consequente, autorização constitucional.
A segregação provisória deve ser utilizada somente
para a proteção rápida e emergencial de interesses
envolvidos na persecução penal. Dois requisitos são
fundamentais para a restrição da liberdade provisória,
quais seja, a probabilidade do fumus comissi delicti e do
periculum libertatis.
Não basta dizer que o direito é concretude se, na
cotidianidade das práticas jurídicas, tais afirmações não
encontram comprovação, nem de longe, na medida em que
os juristas sacrificam a singularidade do caso concreto em
favor de “pautas gerais”, fenômeno que não é percebido
no imaginário jurídico. No contexto da dogmática jurídica,
os fenômenos sociais que chegam ao Judiciário são
analisados como meras abstrações jurídicas, nas quais os
protagonistas do processo (autor e réu) estabelecem uma
espécie de coisificação, objetificação da relação jurídica.
Frise-se que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar
a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.112-1/DF,
relativamente ao estatuto do desarmamento, decidiu que
o artigo 21 da Lei nº 10.826/03 afronta a constituição.
Referido artigo guarda idêntica redação à do artigo 44
da Lei antitóxicos, uma vez que proíbe genericamente a
concessão de liberdade provisória sem apreciar os dados
objetivos e concretos de cada caso específico, bem como as
circunstâncias pessoais do acusado.
Pelos motivos expostos, a recente decisão serve
de parâmetro e fundamento para o reconhecimento da
inconstitucionalidade, difusa ou em concreto, da vedação à
liberdade provisória pelo artigo 44 da Lei 11.343/06.
3.3 Casuística
3.3.1 Superior Tribunal de Justiça
Cumpre salientar que a Corte Superior apresenta
duas posições distintas sobre o assunto. A quinta Turma
defende a legalidade do texto da Lei 11.343/06 e a sexta
Turma justifica a necessidade de idônea motivação para
decretação da prisão cautelar.
A orientação da quinta Turma do Superior Tribunal
de Justiça é o da prevalência do disposto no artigo 44 da
MARCÃO, Renato. Tóxicos: Lei n.11.343 de 23 de agosto de 2006 – nova lei de drogas. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 370.
FARIA JÚNIOR, Cesar de. A motivação das decisões como garantia constitucional e seus reflexos práticos. Fascículo de Ciências Penais, v. 4, nº1, p.15.
96
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Lei 11.343/06. Os Ministros Napoleão Nunes Maia Filho,
Laurita Vaz e Felix Fischer, principais relatores da Turma
acerca do assunto, proferiram decisão no sentido de que
a norma contida na Nova Lei de Drogas traz vedação
expressa do benefício da liberdade provisória, a qual, por si
só, é motivo suficiente para impedir a concessão da benesse
ao réu preso em flagrante por crime de tráfico ilícito de
drogas20.
Outro argumento utilizado para negar os pedidos de
liberdade provisória é o de que a proibição da liberdade
provisória aos presos em flagrante de delito pela prática
de crime hediondo deriva da inafiançabilidade preconizada
pelo artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal21.
Entretanto, a sexta Turma tem entendimento
diametralmente oposto ao ora exarado. Baseada sua
fundamentação no garantismo constitucional da presunção
de inocência, argumenta a Ministra Maria Thereza de
Assis Moura22 que para a decretação da prisão cautelar
é indispensável a comprovação concreta do periculum
libertatis:
A garantia constitucional da presunção de inocência
exige que o magistrado demonstre concretamente a
utilidade e a necessidade da medida extrema a partir
de um juízo de ponderação e de proporcionalidade, este
alicerçado na análise simétrica entre a idéia da proteção da
coletividade, sentida pela óptica da segurança social, e o
respeito à liberdade do cidadão. No caso vertente, não se
encontra presente o periculum libertatis por meio do que
se assentou a proteção da ordem pública. Ordem concedida
para permitir que a Paciente responda em liberdade o
processo penal, sob o compromisso de comparecimento a
todos os atos do processo.
Em seu voto no Habeas Corpus 139.412/SC, a
Ministra alerta que o indeferimento da liberdade provisória
pautado somente na vedação legal do artigo 44 é inidôneo
para justificar a imprescindibilidade da medida cautelar.
Alega que a decisão de prisão deve fundar-se em fatos
concretos e não na gravidade abstrata do delito. Neste
acórdão, a Ministra Maria Thereza posiciona-se favorável à
tutela das garantias fundamentais, visto ser esse o princípio
que lastreia o Estado Democrático de Direito. Ressalta a
vigência absoluta das liberdades públicas no ordenamento
jurídico brasileiro:
Dúvida não há, portanto, de que a liberdade, antes do
trânsito em julgado, é a regra, não se compactuando com a
automática determinação/manutenção de encarceramento.
Pensar-se diferentemente seria como estabelecer uma
gradação no estado de inocência presumida. Ora, é-se
inocente, numa primeira abordagem, independentemente da
imputação. Tal decorre da raiz da idéia-força da presunção
de inocência e deflui dos limites da condição humana, a
qual se ressente de imanente falibilidade. A necessidade
de motivação das decisões judiciais – dentre as quais se
insere aquela relativa ao status libertatis do imputado antes
do trânsito em julgado – não pode significar, a meu ver
e com todo o respeito dos votos contrários, a adoção da
tese de que, nos casos de crimes graves, há uma presunção
relativa da necessidade da custódia cautelar em se tratando
de flagrante. E isso porque a Constituição da República
não distinguiu, ao estabelecer que ninguém poderá ser
considerado culpado antes do trânsito em julgado de
sentença penal condenatória, entre crimes graves ou
não, tampouco estabeleceu graus em tal presunção. A
necessidade de fundamentação decorre do fato de que,
em se tratando de restringir uma garantia constitucional,
é preciso que se conheça dos motivos que a justificam. É
nesse contexto que se afirma que a prisão cautelar não pode
existir ex legis, mas deve resultar de ato motivado do juiz.
Trata-se de verdadeira afronta à garantia da
motivação das decisões judiciais o decisum que justifica a
prisão da forma supracitada. Como medida extrema, dotada
de absoluta excepcionalidade, deve ser a prisão provisória
justificada em motivos concretos, e, ainda, que indiquem
a necessidade cautelar da prisão, sob pena de violação à
garantia da presunção de inocência.
E ratifica os argumentos contrários à aplicabilidade
da nova redação do artigo 2º da Lei 8.072/90 ao crime de
tráfico de entorpecente:
A propósito da discussão, nesta Corte tem havido
divergência quanto à necessidade de justificar a prisão
quando o agente é preso em flagrante pela suposta prática
de alguns dos crimes previstos no inciso XLIII, do art. 5º,
da Constituição Federal.
Desconsiderar o teor da Lei n.º 11.464/07, ou
entender que tal comando normativo não se aplica à Lei
n.º 11.343/06 - sendo que ambas são comandos normativos
de mesma hierarquia - é realizar, a meu ver, uma distinção
judicial que nem mesmo foi empreendida pelo Texto Maior.
Com efeito, não é dado ao Poder Judiciário, sob pena de
se incorrer em vedado arbítrio, promover a diferenciação,
criando-se, de modo sinuoso, uma nova categoria, ao
arrepio da lei e da Constituição.
Desprezando-se a nova redação do art. 2.º da Lei
n.º 8.072/90, haverá, também, a violação do princípio da
proporcionalidade. Tal decorre do fato de se empreender
uma disciplina mais rígida para o crime de tráfico, o
qual é equiparado a hediondo pela Constituição Federal.
Sobreleve-se o fato de que, dentre os hediondos, há crimes
punidos mais intensamente do que o delito de tráfico de
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 143.038/RJ. Relatora: Ministra Laurita Vaz. 27 de maio de 2010. Disponível em <www.stj.gov.br> Acesso em: 06 de julho de 2010.
No mesmo sentido: HC 144.303. Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. 06 de maior de 2010; HC 123629/SP. Relatora: Ministra Laurita Vaz, 20 de abril de 2009.
21
BRASIL. Superior Tribunal. HC 78.237/RS. Relator: Ministro Felix Fischer. 07 de agosto de 2007. Disponível em <www.stj.gov.br> Acesso em: 18 de março de 2010.
22
BRASIL.Superior Tribunal de Justiça. HC 68.397/MG. Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura. 19 de maio de 2009. Disponível em <www.stj.gov.br> Acesso em: 02 de abril de 2010.
20
97
drogas, como o homicídio qualificado, e nem por isso a
nova regra da liberdade provisória deixará de ser aplicada
a eles.
3.3.2 Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal Federal vinha pacificando
seu entendimento que a Lei 11.464/07 apenas corrigiu
redundância legislativa, pois ao vedar a fiança,
implicitamente vedava a liberdade provisória. Justificava
que ainda que se entendesse abolida a proibição da liberdade
provisória, essa permissão não se estenderia para o delito
de tráfico, pois tanto a Constituição Federal como a Lei
11.343/06 impedem a aplicação do citado benefício. Assim
foi o voto do Ministro Gilmar Mendes23. Compartilham
o mesmo entendimento: Ricardo Lewandowski, Carlos
Ayres Britto, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Marco Aurélio e
Ellen Gracie.
A Ministra Cármen Lúcia24 assevera ser
desnecessário questionar sobre a constitucionalidade da
supressão da liberdade provisória aos crimes de tráfico de
entorpecentes:
A proibição de liberdade provisória, nos casos
de crimes hediondos e equiparados, decorre da própria
inafiançabilidade imposta pela Constituição da República
à legislação ordinária (constituição da República, art.5º,
inc. XLIII). O art.2º, inc.II, da Lei 8.072/90 atendeu ao
comando constitucional, ao considerar inafiançáveis os
crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos.
Inconstitucional seria a legislação ordinária que dispusesse
diversamente, tendo como afiançáveis delitos que a
Constituição da República determina seja inafiançáveis.
Desnecessidade de se reconhecer a inconstitucionalidade
da Lei 11.464/07, que, ao retirar a expressão “e liberdade
provisória” do art. 2º, inc. II, da Lei 8.072/90, limitouse a uma alteração textual: a proibição da liberdade
provisória decorre da vedação de fiança, não da expressão
suprimida, a qual, segundo a jurisprudência de Supremo
Tribunal, constituía redundância. Mera alteração textual,
sem modificação da norma proibitiva de concessão da
liberdade provisória aos crimes hediondos e equiparados,
que continua vedada aos presos em flagrante por quaisquer
daqueles delitos. A Lei 11.343/06 não poderia alcançar
o delito de tráfico de drogas, cuja disciplina já constava
de lei especial aplicável ao caso vertente. Irrelevância da
existência, ou não, de fundamentação cautelar para a prisão
em flagrante por crimes hediondos ou equiparados.
Parte da doutrina crítica tal argumentação. Lendo
(e relendo) o art.5º, XLIII, da CF/88, não se encontra (nem
implicitamente) a vedação da liberdade provisória nos
crimes hediondos.
No caso do tráfico de drogas, equiparado a
hediondo desde 1990, a proibição da liberdade provisória
foi reiterada na Nova Lei de Drogas, mais precisamente
em seu artigo 44. Desde 08.10.2006, data em que entrou
em vigor a nova lei, essa proibição, portanto, achava-se
presente tanto na lei geral (Lei dos Crimes Hediondos)
como na lei especial (Lei de Drogas). Esse cenário foi
completamente alterado com o advento da Lei 11.464/07
que, vigente desde 29.03.2007, aboliu a vedação da
liberdade provisória.
Adverte Gomes25 que houve uma sucessão, no
tempo, de leis processuais materiais, fenômeno regido pelo
princípio da posterioridade, isto é, a lei posterior revoga a
anterior (essa revogação, como sabemos, pode ser expressa
ou tácita; no caso da Lei 11.464/2007, que é geral, derrogou
expressamente parte do art.44 da Lei 11.343/2006, que
é especial). Em outras palavras: desapareceu do citado
art. 44 a proibição da liberdade provisória, porque a
nova lei revogou (derrogou) explicitamente a antiga.
Portanto, o princípio vigente é o da posterioridade, não o
da especialidade, que pressupõe a vigência concomitante
de duas ou mais leis, aparentemente aplicáveis ao caso
concreto. Não se pode confundir o instituto da sucessão
de leis penais (conflito de leis no tempo) com o conflito
aparente de normas penais o primeiro há uma verdadeira
sucessão de leis, ou seja, a posterior revoga ou derroga a
anterior; já no segundo, pressupõe e exige duas ou mais
leis em vigor e, por força do princípio “ne bis in idem”
uma só norma será aplicável. Outra distinção é que o
conflito aparente de leis penais é regido pelos princípios da
especialidade, subsidiariedade e consunção. O que reina na
sucessão de leis penais é o da posterioridade.
O Congresso Nacional, consoante se depreende,
ressalvou as hipóteses em que o benefício era vedado pela
lei especial, a fim de impedir os efeitos da lei posterior.
Portanto, observa-se que a interpretação dada pelo
Supremo Tribunal Federal gera indisfarçável injustiça.
Todavia, recentemente, a Suprema Corte vem apresentando
entendimento mais ponderado para concessão da liberdade
provisória aos crimes de tráfico de entorpecente. Quedamse nesse sentido os Ministros Celso de Mello, Joaquim
Barbosa, Eros Grau e Cezar Peluso.
Na decisão em caráter liminar do Habeas Corpus
100742/SC26, o Ministro Celso de Mello repeliu o artigo 44,
da Lei de Drogas. O argumentou foi de que a vedação seria
inconstitucional, pois incompatível, independentemente
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 92495/MG. Relator: Ministro Gilmar Mendes. 9 out. 2007. Disponível em <www.stf.gov.br> Acesso em: 18 de janeiro de 2010.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 93229/SP. Relatora: Ministra Cármen Lúcia. 01 abr. 2008. Disponível em <www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarjurisprudencia.asp> Acesso em: 05 set.
2009.
25
GOMES, Luiz Flávio (coord.); BIANCHINI, Alice; CUNHA, Rogério Sanches; OLIVEIRA, William Terra de. Lei de Drogas Comentada: artigo por artigo: Lei 11.343 de 23.08.2006. 3. ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.235.
26
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 100742/SC. Relator: Ministro Celso de Mello. 03 nov. 2009. Disponível em <www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarjurisprudencia.asp> Acesso em: 05
fev. 2010.
No mesmo sentido: HC 93.0565/PE. Relator: Ministro Celso de Mello. 16 dez. 2008; HC 92.880-3/GO. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. 20 de maio de 2008; HC 101.505/SC. Relator: Ministro Eros
Grau. 15 dez. 2009.
23
24
98
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
da gravidade objetiva do delito, com a presunção de
inocência e a garantia do “due process f Law”. O Ministro
ainda ressalta que a mesma situação registra-se em relação
ao artigo 7º da Lei 9.034/95, Lei do Crime Organizado,
e no artigo 21 do Estatuto do Desarmamento, o qual fora
declarado inconstitucional em via de ação direta.
Conclusão
A sanha do Poder Legislativo, numa demagógica
tentativa de combater a criminalidade através da
supressão de direitos e garantias individuais, encontra
a devida resistência pelo Poder Judiciário, através do
reconhecimento da manifesta inconstitucionalidade.
O artigo 44 da Lei Antitóxicos, ao proibir
genericamente a concessão de liberdade provisória ao
acusado de tráfico, associação e financiamento ao tráfico
ilícito de entorpecentes, infringe diretamente o princípio
do estado de inocência e o dever de fundamentação das
decisões judiciais.
Contra o estado de inocência, porque permite a
adoção de custódia preventiva sem observar os princípios
de natureza cautelar que devem inspirar a medida e tornarse, portanto, punição antecipada. O corolário lógico desse
princípio proíbe que se adotem contra o réu quaisquer
medidas de caráter punitivo antes do trânsito em julgado
de sentença penal condenatória.
As prisões cautelares não podem se converter em
forma antecipada de punição penal; são instrumentos
excepcionais utilizados para viabilizar a investigação
criminal sempre que a liberdade do acusado possa
comprometer o regular desenvolvimento e eficácia da
atividade processual.
Admitir a prisão de uma pessoa, sem que haja uma
decisão condenatória transitada em julgado, através da mera
homologação da prisão em flagrante, por haver permissivo
legal, constitui manifesto retrocesso. Dar guarida a norma
de tal jaez é sustentar a inconstitucionalidade, de tal forma
a suprimir o princípio da presunção de inocência.
As alterações pertinentes a Lei de Crimes hediondos,
através da Lei 11.464/07, não impedem a aplicação
da liberdade provisória aos crimes de tráfico ilícito de
entorpecentes.
Os tribunais seguem divididos com relação ao
assunto. Todavia, ganha cada vez mais espaço o argumento
de inconstitucionalidade da referida norma e a possibilidade
de decretação da liberdade provisória aos crimes de tráfico
de drogas.
Abstract: The status libertatis is a fundamental right
constitutionally guaranteed and, therefore, can not be
deprived arbitrarily by the state.With the absolute primacy of
fundamental civil liberties, imprisonment may be imposed
only protective when completed the legal requirements
and demonstrated their need for a criminal prosecution.
Nevertheless, the new Drug Law expressly forbade the
possibility of parole for crimes of drug trafficking, because
abstract gravity and danger of the crime. This standard
affront to the dictates of a constitutional democratic state of
law. Emphasize that the presumption of innocence is a right
to every citizen to remain free until proven guilty (Article
5, LVII, Federal Constitution). If ordered his arrest, this
order should be written and substantiated, otherwise of
his parole be imposed (Article 5, LXI and LXVI). The
fact that the crime of illicit drugs be treated as hate crime
(Law 8.072/90 and amended by Law 11.464/07) can not
be obstacle to the injunction of freedom. This monograph
describes the principles of blatant unconstitutionality of
article 44 in the new Law of Drugs and how this standard
affront to guarantee individual freedom of locomotion. In
preparing the article, the method literature was use as a
method of procedure, and dialectical critical as method of
approach.
Key words: freedom; trafficking; drugs; innocence.
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100
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Acórdão da 1.ª Turma Ordinária da 1.ª Câmara Superior de Recursos
Fiscais do Ministério da Fazenda
Imposto sobre a renda de pessoa física. Omissão de rendimentos.
Ausência de declaração de recursos depositados no exterior e
transferidos para o Brasil. Despesas com serviços prestados de
agenciamento e manutenção de estagiários junto aos clubes de futebol
brasileiros
Pesquisa, apresentação do assunto e autoria do voto do relator confirmado pelo Colegiado:
ALEXANDRE NAOKI NISHIOKA
Doutor em Direito Econômico e Financeiro pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Professor dos
Cursos de Graduação e Pós-Graduação de Direito Tributário da Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP. Conselheiro
Titular do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda - CARF/MF. Redator-chefe da Revista
de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, publicada pela Editora da Revista dos Tribunais. Integrante da equipe de
profissionais da Wald Associados Advogados.
Ministério da Fazenda
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
Segunda Seção de Julgamento
Processo nº 13808.005919/2001-35
Recurso nº 179.647 Voluntário
Acórdão nº 2101-00.858 – 1º Câmara / 1ª Turma Ordinária
Sessão de 21 de outubro de 2010
Matéria IRPF
Recorrente NOBUO NAYA
Recorrida FAZENDA NACIONAL
Assunto: Imposto sobre a renda de pessoa física IRPF
Exercício: 1997, 1998, 2000
OMISSÃO DE RENDIMENTOS. AUSÊNCIA DE
DECLARAÇÃO DE RECURSOS DEPOSITADOS
EM CONTAS SITUADAS NO EXTERIOR. FALTA
DE DEMONSTRAÇÃO DE QUE PARTE DESTES
RECURSOS SE DESTINAVA À PESSOA JURÍDICA.
PROCEDÊNCIA DO AUTO DE INFRAÇÃO.
Havendo, in casu, a comprovação de que o
contribuinte detinha recursos depositados em contas
situadas no exterior, posteriormente transferidos para o
Brasil, e, mais ainda, não tendo o contribuinte logrado
comprovar que a integralidade dos recursos se destinava
à pessoa jurídica situada no Brasil, é cabível a tributação
efetuada pela fiscalização no que atine à diferença entre os
recursos transferidos para o Brasil, e aqueles efetivamente
repassados para a referida pessoa jurídica.
OMISSÃO DE RENDIMENTOS. DUPLICIDADE DE
RESIDÊNCIAS NOS TERMOS DA LEGISLAÇÃO
INTERNA DO BRASIL E DO JAPÃO (DUAL
RESIDENCE). AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ACORDO
DE BITRIBUTAÇÃO CELEBRADO DE CLÁUSULAS
DE
DESEMPATE
(TIE-BREAKER
RULES).
CONFLITO DE RESIDÊNCIAS QUE, NOS TERMOS
DO ART. 4(2), DEVERIA SER SOLUCIONADO POR
PROCEDIMENTO AMIGÁVEL. IMPOSSIBILIDADE
DE APLICAÇÃO DO ACORDO.
Sendo certo que as legislações dos Estados
contratantes, a saber, Brasil e Japão, aplicadas em
consonância com o artigo 4º do acordo de bitributação
celebrado, qualificam o contribuinte como residente,
caberia a instauração de procedimento amigável para,
nos termos do acordo, solucionar o impasse, permitindo
a alocação dos recursos de acordo com as espécies de
rendimentos previstas no tratado (conceitos-quadros).
Inexistindo mútuo entendimento entre as Partes, pois, não
há fundamento para a compensação do imposto recolhido
no Japão.
101
AD
ARGUMENTANDUM.
AUSÊNCIA
DE
COMPROVAÇÃO, PELO CONTRIBUINTE, DE QUE
OS VALORES TRANSFERIDOS PARA O BRASIL
SÃO OS MESMOS OFERECIDOS À TRIBUTAÇÃO
NO JAPÃO, E, IGUALMENTE, QUE REFERIDOS
VALORES FORAM RECOLHIDOS NESTE PAÍS.
IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO COM O
IRPF, IN CASU.
Inexistindo, igualmente, nos autos, prova (i) de que
os valores declarados ao Fisco japonês são os mesmos
considerados na apuração da omissão de rendimentos no
Brasil, e (ii) que referido montante foi tributado naquele
país, incabível a compensação com o tributo devido no
Brasil.
IRPF. ACRÉSCIMO PATRIMONIAL A DESCOBERTO.
CRITÉRIO DE APURAÇÃO.
De acordo com a Lei 7.713/88, o acréscimo
patrimonial a descoberto deve ser apurado através de
demonstrativo de evolução patrimonial que indique,
mensalmente, tanto as origens e recursos, como os
dispêndios e aplicações.
IRPF. ACRÉSCIMO PATRIMONIAL A DESCOBERTO.
DEMONSTRATIVO DA EVOLUÇÃO PATRIMONIAL.
A impugnação ao demonstrativo da evolução
patrimonial deve ser amparada em provas, não bastando
meras alegações do contribuinte no sentido de que a
fiscalização não considerou determinados valores, tanto na
origem dos recursos, como nos dispêndios.
MULTA ISOLADA E MULTA DE OFÍCIO.
CONCOMITÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE.
A multa isolada não pode ser exigida
concomitantemente com a multa de ofício. Precedentes do
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e da Câmara
Superior de Recursos Fiscais.
Recurso voluntário parcialmente provido.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.
Acordam os membros do Colegiado, por maioria de
votos, em dar provimento parcial ao recurso para excluir
os valores cobrados a título da multa isolada, nos termos
do voto do Relator. Vencido o Conselheiro Caio Marcos
Cândido que negava provimento ao recurso em relação à
multa isolada aplicada concomitantemente.
Caio Marcos Cândido - Presidente
Alexandre Naoki Nishioka – Relator
Participaram do presente julgamento os Conselheiros
Caio Marcos Cândido, Odmir Fernandes, Gonçalo Bonet
Allage, José Raimundo Tosta Santos, Alexandre Naoki
Nishioka e Ana Neyle Olímpio Holanda.
Relatório
Trata-se de recurso voluntário interposto em 20
de outubro de 2008 (fls.549/554) contra o acórdão de
102
fls. 533/539, do qual o Recorrente teve ciência em 03 de
outubro de 2008 (fl. 548), proferido pela 4ª. Turma da
Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento em
São Paulo II (SP), que, por unanimidade de votos, julgou
procedente em parte o auto de infração de fls. 498/500,
lavrado em 13 de novembro de 2001 (ciência em 22 de
novembro de 2001), em virtude de omissão de rendimentos
recebidos de fontes no exterior, acréscimo patrimonial a
descoberto e falta de recolhimento de IRPF devido a título
de carnê leão, verificados nos anos-calendário de 1996,
1997 e 1999.
O acórdão teve a seguinte ementa:
“ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE
PESSOA FÍSICA - IRPF
Ano-calendário: 1996, 1997, 1999
RENDIMENTOS
OMITIDOS.
Restando
comprovada nos autos a percepção de rendimentos não
devidamente declarados pelo interessado, a autoridade
administrativa tem o poder-dever de efetuar o lançamento de
ofício do imposto de renda sobre a parcela de rendimentos
omitidos e excluir a parcela dos rendimentos tributáveis já
declarados.
ACRÉSCIMO PATRIMONIAL A DESCOBERTO.
O acréscimo patrimonial, não justificado pelos
rendimentos tributáveis, não tributáveis ou isentos e
tributados exclusivamente na fonte só é elidido mediante
a apresentação de documentação hábil que não deixe
margem a dúvida.
MULTA ISOLADA E MULTA DE OFÍCIO SIMULTANEIDADE. É cabível o lançamento da multa
isolada sobre carnê leão não recolhido concomitante à
multa de ofício sobre o imposto apurado de ofício na
declaração inexata, porquanto são multas aplicáveis sobre
bases de cálculo distintas e penalizam infrações diferentes.
MULTA ISOLADA. PENALIDADE. APLICAÇÃO
RETROATIVA DE LEGISLAÇÃO MAIS BENÉFICA.
Aplica-se a penalidade menos severa estabelecida em
legislação posterior à prevista na lei vigente ao tempo da
autuação.
Lançamento Procedente em Parte” (fl. 533).
Não se conformando, o Recorrente interpôs o
recurso voluntário de fls. 549/554, em que praticamente
repete os argumentos contidos em sua impugnação de fls.
503/509.
É o relatório.
Voto
Conselheiro Alexandre Naoki Nishioka, Relator
O recurso preenche os requisitos de admissibilidade,
motivo pelo qual dele conheço.
Trata-se de auto de infração lavrado contra
o ora Recorrente visando à cobrança de imposto de
renda incidente sobre (i) rendimentos decorrentes de
transferências recebidas de fontes no exterior, nos anoscalendário de 1996 e 1997; (ii) acréscimo patrimonial a
descoberto, relativo aos anos-calendário de 1996, 1997 e
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
1999; e, por fim, (iii) ausência de recolhimento do IRPF
devido a título de carnê-leão, nos anos-calendário de 1996
e 1997.
Aduz o Recorrente, no que toca à apuração de
infração decorrente de rendimentos recebidos do exterior,
em breve síntese, que (i) não há qualquer base legal para
tributação como omissão de rendimentos das diferenças
constatadas nas transferências patrimoniais do Recorrente
do Japão para o Brasil; (ii) os valores considerados como
rendimentos omitidos no país foram oferecidos, igualmente,
à tributação no Japão à alíquota de 23,70%, em 1996,
razão pela qual o Fisco brasileiro apenas poderia cobrar
o restante, isto é, 1,30% do valor apurado, e à alíquota de
32,84%, em 1997, de maneira que não haveria tributo a ser
cobrado no Brasil, neste período.
No que atine, por sua vez, ao acréscimo patrimonial
a descoberto apurado no ano-calendário de 1996, alega que
(i) deveriam ser considerados, nos dispêndios decorrentes
de cheques emitidos cuja destinação não foi comprovada,
os gastos com (a) manutenção de bens móveis e imóveis,
(b) cinco quotas no valor de R$ 5.674,48, e (c) o dinheiro
em espécie declarado pelo contribuinte no ano de 1996, sob
pena de cobrança dúplice de tributo; (ii) não teriam sido
considerados, como origem de recursos, os valores de R$
116.355,98, recebidos em decorrência das transferências
oriundas do exterior. Quanto ao ano-calendário de 1997,
por sua vez, sustenta o Recorrente que deveriam ter sido
inseridos nos valores dos cheques emitidos (dispêndios)
os gastos com bens móveis e imóveis, supostamente pagos
com os mesmos títulos de crédito, e, igualmente, teria
havido o mesmo equívoco de deixar de considerar como
origem de recursos os montantes recebidos do exterior e
apurados como omissão de rendimentos.
No que concerne ao acréscimo patrimonial a
descoberto apurado no ano calendário de 1999, limita-se o
Recorrente a afirmar que já teria transferido a sua residência
para o Japão, razão pela qual descabida a cobrança de
tributo no País.
Por derradeiro, requer o contribuinte a
desconsideração da multa isolada, tendo em vista que
teria sido cobrada cumulativamente com a multa de ofício,
aplicada no mesmo período.
Em virtude da extensão do arrazoado do Recorrente,
oportuno analisar cada argumento de forma separada, a fim
de que possam ser tratados, integralmente, todos os pontos
suscitados.
(I) Omissão de rendimentos decorrentes de
transferências de recursos do Japão para o Brasil
(I.1) Da alegação de ausência de fundamento para
a tributação das diferenças apuradas nas transferências
patrimoniais
Inicialmente, no que tange à alegação de ausência
de fundamento legal para a tributação, como omissão de
rendimentos, dos valores transferidos de contas-correntes
detidas no Japão, pelo contribuinte, para o Brasil,
relativamente aos serviços prestados de agenciamento
e manutenção de estagiários junto aos clubes de futebol
brasileiros, entendo não assistir razão ao Recorrente.
Com efeito, como se sabe, o imposto sobre a renda,
no ordenamento jurídico brasileiro, obedece ao princípio
da tributação em bases mundiais, também designado
pela doutrina como worldwide income taxation, de tal
sorte que todo e qualquer rendimento percebido por
residentes nacionais, em qualquer parte do globo, deve ser
considerado para a apuração da base de cálculo do referido
imposto. A este respeito, pois, oportuno trazer à baila o
quanto disposto pelos artigos 3º, §4º, da Lei n.º 7.713/88 e
25 da Lei n.º 9.249/95, in verbis:
Lei n.º 7.713/88:
“Art. 3º. (...)
§ 4º A tributação independe da denominação dos
rendimentos, títulos ou direitos, da localização, condição
jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem dos bens
produtores da renda, e da forma de percepção das rendas
ou proventos, bastando, para a incidência do imposto, o
benefício do contribuinte por qualquer forma e a qualquer
título.”
Lei n.º 9.249/95:
“Art. 25. Os lucros, rendimentos e ganhos de capital
auferidos no exterior serão computados na determinação do
lucro real das pessoas jurídicas correspondente ao balanço
levantado em 31 de dezembro de cada ano.”
Nesse sentido, portanto, os residentes brasileiros,
assim entendidos, igualmente, os estrangeiros portadores
de visto permanente, tal como estatuído pelo art. 18 do
Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 3.000/1999),
são considerados contribuintes e, destarte, têm a sua renda
mundial tributada no País a partir da data de ingresso.
Confira-se:
“Art. 18. As pessoas físicas portadoras de visto
permanente que, no curso do ano-calendário, transferirem
residência para o território nacional e, nesse mesmo ano,
iniciarem a percepção de rendimentos tributáveis de acordo
com a legislação em vigor, estão sujeitas ao imposto,
como residentes ou domiciliadas no País em relação aos
fatos geradores ocorridos a partir da data de sua chegada,
observado o disposto no § 2º do art. 2º (Decreto-Lei nº
5.844, de 1943, art. 61, e Lei nº 9.718, de 27 de novembro
de 1998, art. 12).”
No presente caso, percebe-se, dos documentos
acostados aos autos, que o ora Recorrente detinha visto
permanente no Brasil até o ano de 2001 (fl. 61), isto é,
encontrava-se na posição de residente no país e, portanto,
sujeito à tributação (“subject to tax”) no período de
ocorrência dos fatos geradores, havendo apresentado,
inclusive, as declarações de rendimentos relativas aos
períodos em referência (fls. 153/174). Assim, tratando-se
de contribuinte do imposto de renda, deveria o Recorrente,
ao elaborar a sua declaração anual, ter informado a
existência de saldos bancários em contas de sua titularidade
no exterior, valores estes que, conquanto já integrados
ao seu patrimônio, não estariam sujeitos à tributação do
103
imposto de renda, conforme se extrai da própria dicção do
dispositivo colacionado.
A este respeito, aliás, a Instrução Normativa n.º
73/1998, consolidando o regramento existente à época,
dispôs expressamente a respeito da indicação dos valores
em contas-correntes detidas no exterior, cumprindo trazer
à baila o quanto estabelecido por seus artigos 7º e 8º, in
verbis:
“Art. 7º Na Declaração de Ajuste Anual será
aplicada a tabela progressiva anual, sendo permitidas todas
as deduções previstas na legislação tributária, desde que
incorridas a partir da aquisição da condição de residente no
Brasil, obedecidos os limites legais.
Art. 8º Na Declaração de Bens e Direitos da
Declaração de Ajuste Anual a que se refere o artigo anterior
devem ser relacionados na coluna “Situação em 31/12 do
Ano Anterior”, pormenorizadamente, os bens móveis,
imóveis, direitos e obrigações que, no País e no exterior,
constituíam o patrimônio da pessoa física e o de seus
dependentes na data em que se caracterizou a condição de
residente no Brasil.
(...)
§ 2º A pessoa física que passar à condição de residente
no País e que não tenha tido essa condição anteriormente
deverá declarar os bens e direitos situados no exterior pelos
seus valores de aquisição, convertidos em moeda nacional
pela cotação cambial de venda da moeda em que o bem foi
adquirido fixada pelo Banco Central do Brasil para a data
da aquisição e atualizados até 31 de dezembro de 1995 com
base na Tabela constante do Anexo I.
(...)
§ 5º Os saldos dos depósitos mantidos em bancos
no exterior, assim como as dívidas e ônus reais assumidos
no exterior, deverão ser relacionados em reais, utilizandose, para a conversão do valor em moeda estrangeira, as
cotações cambiais de compra fixada pelo Banco Central
do Brasil para o dia em que se caracterizar a condição de
residente no Brasil.
§ 6º O tratamento previsto no § 3º aplica-se, se for
o caso, aos depósitos mantidos em bancos no exterior,
bem assim às dívidas e ônus reais assumidos no exterior.”
(grifou-se).
Por esta razão curial, portanto, não havendo,
nas declarações do Recorrente, qualquer indicação da
existência de valores depositados em contas-correntes
detidas no exterior, a simples comprovação, por parte do
Fisco, da transferência de recursos detidos pelo contribuinte
no exterior já configuraria, de per se, hipótese de omissão
de rendimentos (cópias dos fechamentos de câmbio às fls.
386/394).
No caso vertente, no entanto, havendo entendido a
autoridade fiscalizadora, por ocasião da lavratura do auto
de infração, que parte dos valores transferidos para o Brasil
pelo contribuinte seriam destinados à Associação Nipo
Brasileira de Intercâmbio Futebolístico de Jovens, com o
104
declarado intuito de cobrir as despesas de manutenção dos
estagiários, houve por bem considerar que apenas haveria
omissão de rendimentos no tocante à diferença apurada
entre as transferências de recursos do exterior e o montante
repassado à referida associação, razão pela qual escorreito
o procedimento realizado pelo Fisco.
(I.2) Da aplicação do acordo para evitar a dupla
tributação celebrado pelo Brasil com o Japão
No que se refere à alegação do Recorrente de que
apenas seria cabível a tributação de parcela dos valores
transferidos pelo contribuinte, em virtude da aplicação dos
dispositivos inseridos no acordo para evitar a bitributação
celebrado entre Brasil e Japão, entendo, igualmente, que
não merece guarida a assertiva do Recorrente.
Nesse sentido, consoante se extrai da lição de Gerd
Willi Rothmann, os acordos internacionais para evitar a
dupla tributação “representam um sistema de concessões
fiscais, baseado na reciprocidade”, cuja finalidade
precípua “consiste em eliminar ou atenuar a bitributação
internacional” (ROTHMANN, Gerd Willi. Interpretação e
aplicação dos acordos internacionais contra a bitributação.
Tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1978, pp. 148149).
Os acordos internacionais para evitar a dupla
tributação, como se extrai do trecho trazido à baila,
representam limitações às competências tributárias
dos Estados que deles fazem parte, consistindo, pois,
verdadeira delimitação, sob o prisma externo, da soberania
dos países. Exatamente por isso, assim, Klaus Vogel, no
âmbito do direito comparado, assevera que “os acordos de
bitributação servem como uma máscara, colocada sobre
o direito interno, tapando determinadas partes deste. Os
dispositivos do direito interno que continuarem visíveis
(por corresponderem aos buracos recortados no cartão)
são aplicáveis; os demais, não” (apud SCHOUERI, Luís
Eduardo. Relação entre tratados internacionais e a lei
tributária interna. In: SOARES, Guido Fernando Silva (et.
al.) (org.). Direito internacional, humanismo e globalidade.
São Paulo: Atlas, 2008, p. 585).
De acordo com este breve intróito, portanto,
verifica-se que os tratados de bitributação não criam
quaisquer direitos ou obrigações para os contribuintes,
cingindo-se, destarte, a delinear os limites de atuação da
legislação interna em situações abrangidas pelos referidos
acordos internacionais.
Vale frisar, por derradeiro, que a celebração das
convenções internacionais em matéria de imposto de
renda, tanto no que atine ao modelo elaborado pela
Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (“OCDE”), como, igualmente, no que toca
àquele elaborado pela Organização das Nações Unidas
(“ONU”), funda-se, conforme preleciona Paulo Roberto
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Andrade, na “prévia identificação de quem seja a fonte e
quem seja a residência”, requerendo, pois, “a identificação
de, necessariamente, um único país como residência
do contribuinte” (ANDRADE, Paulo Roberto. Dupla
residência de empresas: repercussões e soluções no âmbito
da CM-OCDE. In: COSTA, Alcides Jorge (et. al.). Direito
tributário atual. São Paulo: Dialética, 2005, pp. 256-272).
Nesse sentido, os tratados contra a bitributação
funcionam como autênticas normas de estrutura, isto é,
buscam delinear a forma de aplicação de outras normas
de direito interno dos Estados de acordo com a espécie de
rendimento qualificada nos referidos acordos. Em breve
síntese do exposto, convém trazer à baila a lição de Rodrigo
Maito da Silveira:
“Considerando que os tratados contra a bitributação
são normas sobre a aplicação de outras normas (as internas),
eles acabam por limitar a aplicação do direito interno dos
Estados contratantes, distribuindo tributação de situações
internacionais, conforme espécies de rendimentos, para
as quais se determina, em cada caso, qual o Estado pode
tributar o rendimento em questão, até que medida pode
fazê-lo e em que termos um Estado contratante deve
creditar o imposto do outro Estado no cálculo de seu próprio
imposto.” (SILVEIRA, Rodrigo Maito da. Aplicação de
tratados internacionais contra a bitributação: qualificação
de partnership joint ventures. São Paulo: Quartier Latin,
2006, p. 158).
Com fulcro em tais premissas, verifica-se que, para
fins de análise do presente caso, o Brasil efetivamente
celebrou acordo de bitributação com o Japão, incorporado
pela legislação interna por meio do Decreto n.º 61.899/67,
posteriormente modificado pelo Decreto n.º 81.194/78, que
corporificou protocolo celebrado entre os mesmos países
no que atine à referida convenção internacional.
Visto, pois, que efetivamente existe acordo
internacional abrangendo a situação em referência,
cumpriria ao contribuinte qualificar, à luz do referido
acordo e em consonância com as regras distributivas de
competência nele previstas, os rendimentos recebidos por
meio de transferências patrimoniais oriundas do Japão,
com o fito de comprovar, destarte, que competiria ao Japão
a tributação de tais rendimentos em consonância com o
acordo internacional firmado entre ambos os Estados.
Sem ingressar, propriamente, na problemática
atinente aos conflitos de qualificação possíveis, isto é, nas
celeumas, segundo salienta Gerd Willi Rothmann, que
“nascem na interpretação e aplicação de uma convenção
internacional, tendo por conseqüência novas hipóteses
de bitributação” (ROTHMANN, Gerd Willi. Problema
de qualificação na aplicação das convenções contra a
bitributação internacional. In: Revista Dialética de Direito
Tributário, n. 76. São Paulo: Dialética), não há dúvidas
de que, para aplicar corretamente o acordo, segundo
aduz novamente Rodrigo Maito da Silveira, faz-se mister
a “caracterização de um conceito de direito interno no
qual a situação da vida se subsume, em face do conceito
jurídico utilizado no tratado”, tanto no que tange ao item
de rendimento dos acordos a ser considerado, que irá
determinar o Estado competente para tributar, como a
condição de residente ou não-residente de determinado
ente (SILVEIRA, Rodrigo Maito da. Op. cit. p. 160).
Na hipótese dos autos, o contribuinte não se
preocupou em demonstrar, de forma cabal, a origem dos
rendimentos transferidos do Japão para o Brasil, de maneira a
classificá-lo de acordo com os itens de rendimentos trazidos
no tratado Brasil/Japão, consoante se infere dos elementos
acostados aos autos, limitando-se, desta sorte, a aduzir
que os valores tributados no Japão, independentemente da
natureza e qualificação dos rendimentos de acordo com o
tratado deveriam ser deduzidos do imposto de renda pago
no País.
Parece-me, no entanto, que, muito embora não
haja documentos que comprovem especificamente a
natureza dos rendimentos auferidos no Japão, submetidos
à tributação neste País, trata-se de rendimentos decorrentes
da prestação dos serviços de consultoria de futebol e
intermediação entre atletas e clubes de futebol no Brasil
para a celebração de contratos de estágio nestes últimos,
como, inclusive, consta da declaração de rendimentos
apresentada às autoridades japonesas, traduzida para o
vernáculo nacional (vide fl. 377, p. ex.). Nesse sentido,
pois, tratando-se de rendimento decorrente do exercício
de atividade empresária, e não decorrente do exercício de
profissão liberal, poderia tal rendimento ser qualificado
como “lucros das empresas”, tal como previsto no art. 5º
do acordo celebrado entre Brasil e Japão, equivalente ao
disposto pelo art. 7º da Convenção-Modelo da OCDE, cujo
teor é o seguinte:
“Artigo 5. 1) Os lucros de uma empresa de um
Estado Contratante são tributáveis somente nesse Estado
Contratante a menos que a empresa realize negócios no outro
Estado Contratante por intermédio de um estabelecimento
permanente aí situado. Se a empresa realizar negócios na
forma indicada, os seus lucros são tributáveis no outro
Estado Contratante, mas unicamente na medida em que
forem atribuíveis a esse estabelecimento permanente.”
Vale lembrar, neste esteio, que o conceito de lucros
de empresas, previsto no artigo em comento, não se refere
ao lucro líquido das pessoas jurídicas, como um exame
leigo poderia denotar. Em verdade, como lembra Gerd
Willi Rothmann em artigo destinado ao tema, “o conceito
de lucros do artigo 7º do acordo de bitributação do acordo
Brasil-Alemanha [equivalente ao art. 5º do acordo BrasilJapão] é, pois, um conceito próprio do acordo, não se
confundindo com o conceito da legislação interna brasileira
relativo ao lucro da pessoa jurídica” (ROTHMANN, Gerd
Willi. Problema da qualificação ... Op. cit.). Compreende
referido dispositivo, portanto, à luz do acordo e com
base nos Comentários da OCDE, considerados soft law
na interpretação e aplicação dos acordos para evitar a
bitributação que se fundamentam na referida Convenção105
Modelo, todos os rendimentos auferidos na exploração de
uma empresa, isto é, de uma atividade econômica prestada,
ressalvados os rendimentos expressamente previstos
na Convenção-Modelo de forma expressa, tais como
dividendos, juros, royalties, dentre outros, o que abarcaria,
pois, os rendimentos referidos in casu.
No entanto, ainda que se pudesse aplicar, in casu,
o quanto disposto pelo artigo 5º do acordo Brasil-Japão,
inspirado no art. 7º da Convenção-Modelo da OCDE, fato
é que referido dispositivo estabelece como competente
para tributar tais rendimentos, de forma exclusiva, o
Estado da residência do beneficiário do acordo, apenas
atribuindo ao Estado da fonte os rendimentos imputáveis a
estabelecimentos permanentes situados neste último.
Percebe-se, portanto, que, para a aplicação do
referido dispositivo, como, aliás, de todos os demais
relativos à atribuição de competência tributária, cumpre
estabelecer qual é a residência do Recorrente para os fins
do acordo Brasil-Japão.
Nesta esteira, vale frisar que a qualificação como
residente, conforme aduz Alberto Xavier, “pertence ao
direito interno dos Estados interessados, a qual tem apenas
por limite a natureza da conexão adotada, que deve ser o
domicílio, a residência, a sede da direção ou qualquer outro
critério de natureza análoga” (XAVIER, Alberto. Direito
tributário internacional do Brasil. 6ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2007, p. 297). Este é o teor do artigo 3º, parágrafo
primeiro do acordo Brasil-Japão (art. 4º da ConvençãoModelo da OCDE), cujo teor
cumpre trazer à baila:
“Artigo 3. 1) Na presente Convenção a expressão
“residente num Estado Contratante” designa as pessoas
que, por virtude da legislação desse Estado estão aí sujeitas
a imposto, devido ao seu domicílio, à sua residência, à sede
da sua direção ou a qualquer outro critério de natureza
análoga”(grifou-se).
Analisando-se, nesse sentido, o conceito de
residência da legislação brasileira para os fins da tributação
pelo imposto de renda, verifica-se que é considerado
domicílio fiscal, à luz do art. 28 do RIR/99, no caso da
pessoa física, a “sua residência habitual, assim entendido
o lugar em que ela tiver uma habitação em condições
que permitam presumir a intenção de mantê-la”. Além
deste conceito basilar, indica Ana Cláudia Akie Utumi
que “também são consideradas residentes no Brasil as
pessoas físicas estrangeiras que: (i) ingressem no Brasil
com visto permanente, a partir da data do ingresso no
País; (ii) ingressem no Brasil com visto temporário de
trabalho (para trabalhar com vínculo empregatício); (iii)
ingressem no Brasil com outros vistos temporários, se aqui
permanecerem por prazo superior a 183 (cento e oitenta e
três) dias, em um período de 12 (doze) meses” (UTUMI,
Ana Cláudia Akie. O não-residente na legislação do
imposto de renda. In: TÔRRES, Heleno Taveira. Direito
tributário internacional aplicado, v. V. São Paulo: Quartier
Latin, 2009, p. 135).
106
No presente caso, como se viu, o Recorrente amoldase ao conceito de residente brasileiro, eis que possuía, até o
ano de 2001 (fl. 61), visto permanente para estadia no País,
tendo, igualmente, ao longo deste período, imóveis para
sua habitação e veículos, exercendo, também, atividade de
cunho empresário no Brasil. Indubitavelmente, portanto,
cumpria o Recorrente tanto os requisitos subjetivos,
inferidos dos elementos trazidos aos autos, que consistem
na intenção de permanecer no País, como, igualmente,
aqueles objetivamente elencados pela legislação do
imposto de renda.
No que toca à legislação japonesa, por sua vez,
compulsando-se o documento intitulado “2009 Income
Tax Guide for Foreigners” (Vide: http://www.nta.go.jp/
tetsuzuki/shinkoku/shotoku/tebiki2009/pdf/01_44.pdf,
acesso em 15/10/2010), editado pela agência nacional
de tributação do Japão, órgão oficial de arrecadação do
governo japonês (National Tax Agency), verifica-se que
este país estabelece três distintas classificações, a saber: (i)
residentes japoneses, (ii) residentes não permanentes e, por
fim, (iii) não residentes, que seriam todos aqueles que não
se enquadrassem nas duas definições.
No que se refere aos residentes, dispõe a legislação
que são aqueles indivíduos que possuam um domicílio
ou residência no País por um ano ou mais, de maneira
contínua, classificando-se, por sua vez, como residentes
não-permanentes todos aqueles que, não possuindo
nacionalidade japonesa, detenham residência no País por
um período contínuo de cinco anos, ou intercalado no
período de dez anos.
Ora, in casu, analisando-se os documentos trazidos
aos autos, em especial no que se refere às declarações
de imposto apresentadas ao fisco japonês, percebe-se
que o Recorrente, além de nacional do Japão, de fato
possuía residência na cidade de Shizuoka nos anoscalendário de 1995 a 1999 (fls. 371/384), de maneira que,
à luz da legislação japonesa, igualmente se enquadra como
residente no Japão para os fins do art. 3º, parágrafo 1º do
acordo Brasil-Japão.
Corrobora o exposto, também, o fato de que, além
de apresentar declaração do fisco japonês, o Recorrente
recolheu ao governo japonês tributo designado “taxa de
residência” (fl. 363), de modo que não restam dúvidas
acerca da sua qualificação como residente no Japão.
Ora, se o Recorrente, à luz do direito interno de
cada país, em consonância com o disposto no art. 3º,
parágrafo 1º do acordo de bitributação, é qualificado como
residente de ambos os Estados, não há, em princípio, forma
de se aplicar, ainda que cabível à espécie, o disposto pelo
artigo 5º do acordo (7º da Convenção-Modelo da OCDE),
tendo em vista que os dois Estados, como residentes, se
outorgariam o direito de tributar de acordo com o tratado.
De fato, consoante verberado linhas atrás, as
convenções-modelo utilizadas para celebração dos acordos
de bitributação, ao distribuir as competências entre os
Estados contratantes, partem do princípio de que, para
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
os fins da convenção, apenas um dos governos poderia
ser considerado como de residência das pessoas físicas
e jurídicas. Neste exato sentido, pois há, nos referidos
acordos, via de regra, as chamadas tie breaker rules, isto
é, as regras de desempate que objetivam delimitar qual dos
Estados deve ser considerado de residência para os fins do
acordo.
Neste sentido, cumpre trazer à baila a lição de
Alberto Xavier, in verbis:
“A função das convenções neste domínio é,
precisamente a de – partindo do pressuposto de uma dupla
residência face aos critérios do direito interno – definir qual
das duas residências prevalecerá para efeitos tributários,
escolhendo uma (residência escolhida) em detrimento da
outra (residência preterida).
O primeiro corolário desta regra consiste em que,
no sistema convencional, a residência fiscal só pode ser
uma (princípio da unicidade da residência), de tal modo
que se em face dos critérios da Convenção, uma pessoa
for considerada fiscalmente residente num Estado, passa a
ser automaticamente “não residente” no outro, ainda que o
estatuto de residente lhe seja atribuído pela lei interna deste
último.”(XAVIER, Alberto. Op. cit. p. 298).
Na esteira da lição de Xavier, portanto, verifica-se
que os acordos de bitributação, via de regra, contêm regras
específicas, no caso de contribuintes pessoas físicas, para
delimitação do Estado de sua residência, em consonância
com o estatuído no parágrafo 2º do artigo 4º da ConvençãoModelo da OCDE, que culminam com a celebração de
procedimentos amigáveis entre os Estados, nas hipóteses
em que não se chegue a um denominador comum.
A respeito de tais regras, oportuna a lição de André
Carvalho, in verbis:
“No caso das pessoas físicas, a dual residence é
decidida a favor de um Estado Contratante segundo as
normas do parágrafo primeiro do Artigo 4º, que contém
diversos critérios de conexão subsidiária ou testes de
desempate (preference rules) que devem ser aplicados
em ordem serial. Ou seja, persistindo o empate em um
teste, recorre-se ao seguinte, até o eventual “desempate”
por intermédio de procedimento amigável: 1- Habitação
permanente; 2- Centro de interesses vitais (relações
pessoais e econômicas mais estreitas); 3- Moradia habitual
(habitual abode); 4- Nacionalidade; e 5- Procedimento
amigável.” (CARVALHO, André. O escopo subjetivo de
aplicação dos acordos para evitar a dupla tributação: a
residência. In: TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário
internacional aplicado, v. V. São Paulo: Quartier Latin,
2009, pp. 173-174).
Em que pese a existência, via de regra, de
procedimentos prévios previstos pelos próprios tratados
para definir a residência antes do recurso ao procedimento
amigável, ou ao mútuo entendimento, verifica-se que
o acordo celebrado entre Brasil e Japão apresenta uma
inversão de critérios.
Com efeito, examinando-se o texto do artigo 3º,
parágrafo 2º, equivalente ao famigerado artigo 4(2) da
Convenção-Modelo da OCDE, apenas há a previsão de
definição da residência, em casos de duplicidade, por meio
de mútuo entendimento entre as partes contratantes, é
dizer, por procedimento amigável entre as autoridades de
ambos os Estados. Nesse sentido, convém trazer a lume o
texto do citado dispositivo legal, in verbis:
“Artigo 3. 2) Quando, por força das disposições no
parágrafo (1), uma pessoa for residente em ambos os Estados
Contratantes, as autoridades competentes determinarão por
mútuo entendimento o Estado Contratante no qual aquela
pessoa será considerada como residente, para os fins desta
Convenção” (grifou-se).
Nesse mesmo sentido, compulsando-se os termos
da “Troca de notas (23/03/1976) e memorando de
entendimentos” entre os Estados, verifica-se, de fato, que
optaram por inverter a regra constante da ConvençãoModelo da OCDE, e mesmo da ONU, estabelecendo a
necessidade a priori de submissão da questão ao mútuo
entendimento, vertendo apenas em balizas para referida
solução as regras de desempate, que deveriam nortear o
entendimento das autoridades competentes. Confira-se:
“1. Com referência ao parágrafo 2 do Artigo 3 da
Convenção:
Quando um indivíduo for residente em ambos os
Estados Contratantes, a questão será resolvida por mútuo
entendimento, observando-se as seguintes regras: a - será
considerado residente no Estado Contratante em que tenha
uma habitação permanente à sua disposição. Se tiver
uma habitação permanente à sua disposição em ambos
os Estados Contratantes, será considerado residente no
Estado Contratante com o qual mantenha mais estreitos
laços pessoais e econômicos (centro de interesses vitais);
b- se o Estado Contratante no qual tenha seu centro de
interesses vitais não puder ser determinado, ou se não tiver
uma habitação permanente a sua disposição em qualquer
um dos Estados Contratantes, será considerado residente
no Estado Contratante no qual habitualmente permaneça;
c - se habitualmente permanecer em ambos os Estados
Contratantes ou em nenhum deles, será considerado
residente no Estado Contratante do qual for um nacional;
d - se for nacional de ambos Estados Contratantes ou de
nenhum deles, as autoridades competentes dos Estados
contratantes resolverão a questão por entendimento
mútuo.”
Sendo certo, portanto, que eventuais conflitos acerca
da existência de dupla residência devem ser submetidos,
no caso específico do acordo Brasil-Japão, ao mútuo
entendimento das autoridades competentes, verifica-se,
desde já, que não compete a este Conselho Administrativo
de Recursos Fiscais tal mister. Aliás, ainda que assim não
fosse, o que se admite apenas para fins argumentativos,
convém salientar que inexistem, nos autos, elementos aptos
a comprovar qual seria a residência do contribuinte para os
fins do referido acordo, sendo esta, pois, mais uma razão
para rechaçar o argumento ventilado pelo Recorrente.
107
Por todas as razões explicitadas, portanto,
afigurando-se o Recorrente residente no Brasil e no Japão,
à luz das legislações brasileira e japonesa, e, igualmente,
de acordo com os termos do tratado, não há mecanismos
para distribuir de maneira correta as competências
conforme as espécies de rendimentos previstas no acordo
de bitributação, nem para viabilizar a compensação do
imposto pago, na forma do art. 22 do acordo Brasil-Japão,
razão pela qual rejeito a alegação do Recorrente.
Por derradeiro, além de todo o exposto, cumpre
verberar que não logrou o contribuinte comprovar, como
acertadamente aduziu a Recorrida, (i) que os rendimentos
tributados no Japão, discriminados às fls. 511/516, são
exatamente os mesmos transferidos para o País e objeto de
tributação no Brasil, e (ii) que os valores apresentados nas
declarações ao fisco japonês efetivamente foram recolhidos
àquele Estado, de modo que não merecem prosperar suas
alegações.
(II) Acréscimos patrimoniais a descoberto verificados
nos anos calendário de 1996, 1997 e 1999
No que atine, especificamente, aos acréscimos
patrimoniais a descoberto, cumpre frisar, primeiramente,
que não é a autoridade fazendária quem presume a
omissão de receita, mas a própria lei. Trata-se, portanto, de
presunção legal instituída pelo legislador ordinário na Lei
Federal n.º 7.713/88. Confira-se:
“Art. 3º O imposto incidirá sobre o rendimento
bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos
arts. 9º a 14 desta Lei.
§ 1º Constituem rendimento bruto todo o produto
do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os
alimentos e pensões percebidos em dinheiro, e ainda os
proventos de qualquer natureza, assim também entendidos
os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos
rendimentos declarados.”
Em consonância com o preceito legal citado, o
Regulamento do Imposto sobre a Renda, editado pelo
Decreto n.º 3.000/99, assim dispõe:
“Art. 55. São também tributáveis (...):
XIII - as quantias correspondentes ao acréscimo
patrimonial da pessoa física, apurado mensalmente, quando
esse acréscimo não for justificado pelos rendimentos
tributáveis, não tributáveis, tributados exclusivamente na
fonte ou objeto de tributação definitiva; (...).”
Com fundamento na presunção em referência,
portanto, cabe ao Recorrente, uma vez demonstrado pela
fiscalização um excesso de dispêndios em comparação com
a origem dos recursos, a cabal demonstração da origem dos
valores gastos, de tal sorte a afastar a prova erigida, pela
própria legislação, em favor do Fisco.
Nesse sentido, no que toca ao ano-calendário
de 1996, não logrou o contribuinte provar que parte dos
cheques emitidos, sem comprovação de sua destinação,
efetivamente se referiam aos gastos efetuados com a
108
manutenção de bens móveis e imóveis, razão pela qual
não merece guarida a assertiva de cobrança dúplice. Ainda
a este respeito, igualmente, não foi acostada aos autos,
pelo contribuinte, qualquer prova de que (i) os dispêndios
efetuados com as quotas, no valor de R$ 5.674,48, nos
meses de agosto a dezembro (fl. 473), e (ii) relativos à
declaração de manutenção de dinheiro em espécie ao final
do ano calendário, também seriam referentes aos cheques
emitidos pelo contribuinte sem origem comprovada (fls.
464/466).
Vale frisar, igualmente, que nas planilhas de fls.
464/466 não há cheques coincidentes, ao menos em valores,
com os demais dispêndios apurados pelo contribuinte
(fl. 473), razão pela qual não prospera a assertiva de que
estariam sendo cobrados valores em duplicidade.
Movendo-se para a análise do ocorrido no anocalendário de 1997, por seu turno, podem ser extraídos
equívocos idênticos de interpretação pelo contribuinte,
na medida em que, havendo a inversão do ônus da prova
em seu desfavor, operada pelo comando do art. 3º, §1º,
da Lei n.º 7.713/88, cumpriria ao Recorrente demonstrar,
especificamente, a coincidência dos valores dos cheques,
sem comprovação de origem, com os montantes gastos
pelo mesmo contribuinte com a manutenção de bens
móveis e imóveis.
Quanto à alegação de que não constariam, nos
demonstrativos de variação patrimonial relativos aos anoscalendário de 1996 e 1997, os lançamentos referentes
aos rendimentos considerados omitidos pelo contribuinte
nas transferências de recursos do Japão, nos montantes,
respectivamente, de R$ 116.355,98 e R$ 11.551,13,
igualmente não merece guarida a alegação.
De fato, compulsando-se o demonstrativo de
variação patrimonial do anocalendário de 1996, verificase que todas as transferências, consideradas como
omissão de rendimentos, foram registradas no quadro de
origem de recursos, especificamente na rubrica designada
“rendimentos omitidos”, nos meses de março, julho, agosto,
setembro e dezembro. Do mesmo modo, no que tange
ao ano-calendário de 1997, também foram registrados,
no cômputo da origem dos recursos do contribuinte, os
valores considerados omitidos nos meses de janeiro,
fevereiro, março e maio, de maneira que não assiste razão
ao Recorrente.
Por estas razões, pois, não logrou o Recorrente
demonstrar a origem de referidos valores, não cumprindo
com ônus que lhe competia. É esse, a propósito, o
entendimento deste Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais em caso análogo:
“ACRÉSCIMO PATRIMONIALA DESCOBERTO.
Constitui-se rendimento tributável o valor correspondente
ao acréscimo patrimonial não justificado pelos rendimentos
tributáveis declarados, não tributáveis, isentos, tributados
exclusivamente na fonte ou de tributação definitiva.
ÔNUS DA PROVA. Se o ônus da prova, por
presunção legal, é do contribuinte, cabe a ele a prova
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
da origem dos recursos utilizados para acobertar seus
acréscimos patrimoniais.
Recurso negado”
(Recurso Voluntário n.º 157640, Primeiro Conselho
de Contribuintes, 2ª. Câmara, Relatora Conselheira Vanessa
Pereira Rodrigues Domene, j. em 29/05/2008).
Por derradeiro, no que concerne ao acréscimo
patrimonial a descoberto apurado ano-calendário de 1999,
não assiste razão ao Recorrente quando afirma que os
dispêndios apurados pela fiscalização “não têm base legal
porque o recorrente já tinha transferido a sua residência,
em definitivo, para o Japão” (fl. 553).
De fato, consoante asseverado linhas atrás, o
contribuinte ainda era residente no país, com visto
permanente válido, até o ano de 2001 (fl. 61), razão pela
qual, não havendo apresentado o contribuinte a declaração
de saída definitiva do País, em consonância com o
estatuído pelo art. 16 do RIR/99, afigura-se descabida a sua
argumentação.
(III) Da concomitância de multa isolada com a multa
de ofício
Quanto à alegação de que seria incabível a cobrança
concomitante das multas de ofício e isolada, por constituir
tal prática um bis in idem punitivo, entendo que assiste
razão ao Recorrente.
Isto porque o artigo 44 da Lei n. 9.430/96, à época
da lavratura do auto de infração, instituía duas únicas
multas de ofício, a de 75% (inciso I) e a qualificada de
150% (inciso II), estabelecendo o seu §1º, assim, formas
excludentes de cobrança das referidas multas, “juntamente
com o tributo ou a contribuição, quando não houverem
sido anteriormente pagos” ou “isoladamente”, nas demais
hipóteses, inclusive a do inciso III.
Não permitia mencionado artigo 44, portanto, em
especial compulsando-se a legislação então vigente, a
cobrança de duas multas concomitantes, a de ofício e a
isolada, mesmo porque, como é cediço, a ausência de
declaração de determinado rendimento na declaração de
ajuste pressupõe, igualmente, a falta de sua tributação de
maneira antecipada, o que significa dizer, por outro giro,
que a falta de antecipação do recolhimento constitui iter
procedimental necessário à ausência de oferecimento do
respectivo valor na declaração de ajuste.
O entendimento ora esposado encontra supedâneo,
inclusive, na jurisprudência da Câmara Superior de
Recursos Fiscais e do Primeiro Conselho de Contribuintes:
“MULTA ISOLADA E MULTA DE OFÍCIO –
CONCOMITÂNCIA – MESMA BASE DE CÁLCULO –
A aplicação concomitante da multa isolada (Inciso III do
parágrafo 1º do art. 44 da Lei nº 9.430 de 1996) e da multa
de oficio (Incisos I e II do art. 44 da Lei nº 9.430 de 1996)
não é legítima quando incide sobre uma mesma base de
cálculo.”
(Câmara Superior de Recursos Fiscais, 1ª Turma,
Recurso do Procurador nº. 106-131314, relatora Conselheira
Leila Maria Scherrer Leitão, sessão de 15/06/2004)
“MULTA ISOLADA E MULTA DE OFÍCIO CONCOMITÂNCIA - IMPOSSIBILIDADE - A multa
isolada não pode ser exigida concomitantemente com a
multa de ofício. Precedentes da 2ª Câmara e da Câmara
Superior de Recursos Fiscais.”
(1º Conselho de Contribuintes, 2ª Câmara, Recurso
Voluntário nº. 153.562, relator Conselheiro Alexandre
Naoki Nishioka, sessão de 23/04/2008)
“MULTA ISOLADA - CONCOMITÂNCIA- A
multa isolada não pode ser cobrada concomitantemente
com a multa de oficio, evitando-se a dupla penalidade para
uma mesma infração.”
(1º Conselho de Contribuintes, 4ª Câmara, Recurso
Voluntário nº. 134.959, relator Conselheiro José Pereira do
Nascimento, sessão de 13/05/2004)
“MULTA ISOLADA- MULTA DE OFÍCIO –
CONCOMITÂNCIA – É inaplicável a multa isolada
concomitantemente com a multa de ofício, tendo ambas a
mesma base de cálculo.”
(1º Conselho de Contribuintes, 6ª Câmara, Recurso
Voluntário nº. 141.639, relatora Conselheira Ana Neyle
Olímpio Holanda , sessão de 20/10/2004)
“MULTA ISOLADA CUMULADA COM MULTA
DE OFÍCIO - Pacífica a jurisprudência deste Conselho de
Contribuintes no sentido de que não é cabível a aplicação
concomitante da multa isolada prevista no art. 44, parágrafo
1º, inciso III da Lei nº 9.430/96, com multa de oficio,
tendo em vista dupla penalização sobre a mesma base de
incidência.”
(1º Conselho de Contribuintes, 6ª Câmara, Recurso
Voluntário nº. 137.200, relator Conselheiro José Ribamar
Barros Penha, sessão de 13/05/2004)
Nesse sentido, sendo certo que os valores de R$
5.680,00 e de R$ 5.674,00, transferidos do Japão para contacorrente do Recorrente foram considerados rendimentos
omitidos, por ocasião da lavratura do auto de infração ora
combatido, e, destarte, tiveram sobre si imputada multa de
ofício à proporção de 75% (fl. 499), afigura-se descabida a
cobrança, em duplicidade, de multa isolada (fl. 500), razão
pela qual entendo proceder, nesta parte, a irresignação do
Recorrente.
(IV) Parte Dispositiva
Eis os motivos pelos quais voto no sentido de
DAR PARCIAL provimento ao recurso, determinando,
especificamente, a exclusão dos valores cobrados do
contribuinte a título de multa isolada, eis que incabível a
sua exigência em concomitância com a multa de ofício.
Alexandre Naoki Nishioka
109
DIDIER JR., Fredie e ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil
– Processo Coletivo. 6ª edição. Salvador: JusPodivm, 2011.
FABIANO CARVALHO
Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Professor da Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado FAAP. Advogado.
Não é novidade dizer que Fredie Didier Jr. e Hermes
Zaneti Jr. compõem a seleta classe do grupo de juristas
brasileiros da atualidade que estão sempre envolvidos nas
discussões dos temas jurídicos mais representativos da
nossa sociedade.
A obra ora resenhada corrobora de modo absoluto
essa afirmação.
O Curso de Direito Processual Civil – Processo
Coletivo corresponde a um estudo completo sobre o direito
processual coletivo. A obra não é compêndio onde se
encerram lições de um programa de estudos específicos
e organizados sobre processo coletivo, mas, antes,
corresponde a uma verdadeira teoria geral do processo
coletivo.
Apesar da pluralidade de diplomas que atualmente
regulam o processo coletivo, todos os capítulos da obra
de Didier-Zaneti ajustam-se de forma harmônica e coesa.
O texto está francamente comprometido com a idéia de
sistema e com os valores de emancipação do tradicional
direito processual civil individual.
O Curso é composto por doze capítulos.
O primeiro capítulo, que trata da introdução ao
estudo do processo coletivo, tem como ponto nuclear a
exploração da seguinte questão: Microssistemas e Códigos
são incompatíveis entre si? Os autores respondem
negativamente. Se de um lado “o valor dos Códigos nos
ordenamentos jurídicos é enunciar princípios, cláusulas
gerais e regras para harmonizar com os objetivos da Carta
Magna e dos direitos fundamentais nela estatuídos”, de
outro, “os micossistemas são caracterizados por tratarem
de matéria especifica, dotada de particularidades técnicas
e importância que justificam uma organização autônoma”.
Mas, segundo a esclarecedora visão dos autores, “não se
incompatibilizam com as cláusulas gerais ou princípios,
antes trazem mesmo os seus próprios, internamente, como
necessidade intrínseca de organização e ordenação dos
conteúdos” (p. 68).
110
No Capítulo seguinte, os autores examinam as
“espécies” de direitos coletivos (lato sensu). Este Capítulo
contém uma interessantíssima exposição sobre as ações
pseudo individuais, tese defendida pelo professor Kazuo
Watanabe, cujo resultado da demanda individual gerasse
efeitos jurídicos para o coletivo. Essa tese é corretamente
refutada pelos autores, ao argumento de que ela não se
enquadra no Estado Democrático de Direito, em virtude
de limitar o acesso à justiça. A solução mais adequada,
segundo a visão dos autores, é suspender os processos
individuais até o julgamento definitivo do processo
coletivo (p. 94). De outro lado, com base nos estudos de
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho, os autores estudam as
ações pseudo coletivas (uma ação coletiva para a defesa
de direitos individuais homogêneos não significa a soma
das ações individuais). Aqui, é apresentada a proposta
para aplicação do art. 10.5 do Código de Processo Civil
Coletivo: um modelo para países de direito escrito, cuja
redação é a seguinte: “O juiz poderá limitar o objeto da ação
coletiva à parte da controvérsia que possa ser julgada na
forma coletiva, deixando as questões que não são comuns
ao grupo para serem decididas em ações individuais ou
em uma fase posterior do próprio processo coletivo. Em
decisão fundamentada, o juiz informará as questões que
farão parte do processo coletivo e as que serão deixadas
para ações individuais ou para a fase posterior do processo
coletivo” (p. 96).
O Capítulo III versa sobre os princípios da tutela
coletiva. Aqui, os autores verdadeiramente inovam,
uma vez que esse tema quase nunca é tratado em sede
de cursos de direito processual coletivo. Didier-Zaneti
destacam que os princípios da tutela coletiva distinguemse dos seus correlatos na tutela individual. Os princípios
examinados nos Curso sãos os seguintes: a) princípio da
adequada representação (legitimação); b) princípio da
adequada certificação da ação coletiva; c) princípio da
coisa julgada diferenciada e a “extensão subjetiva” da
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
coisa julgada secundum eventum litis à esfera individual;
d) princípio da informação e publicidade adequadas;
e) princípio da competência adequada (forum non
conveniens e forum shopping); f) princípio da primazia do
conhecimento do mérito do processo coletivo; g) princípio
da indisponibilidade da demanda coletiva; h) Princípio do
microssistema: aplicação integrada das leis para a tutela
coletiva; i) reparação integral do dano; j) princípio da
não-taxatividade ou da atipicidade da ação e do processo
coletivo; k) processual para a tutela de direitos difusos; l)
princípio do ativismo judicial.
Em seguida, os autores ocupam-se, no Capítulo
IV, do estudo da competência. A premissa traçada pelos
autores é no sentido de que diante da natureza da tutela
jurisdicional coletiva é preciso realizar uma interpretação
mais flexível das regras de competência. Nesse tópico do
Curso, são abordadas questões difíceis e controvertidas,
como, por exemplo, a regra de delegação de competência
federal ao juízo estadual e a restrição territorial da eficácia
das decisões proferidas em ações coletivas. Didier-Zaneti
dedicam ainda algumas páginas de intenso conteúdo sobre
a competência para a ação de improbidade administrativa.
Na abordagem do fenômeno processual da conexão,
realizada no Capítulo V, Didier-Zaneti apresentam
excelentes respostas para as seguintes questões: (i) conexão
em causas coletivas pode importar modificação de uma
regra de competência absoluta?; (ii) é possível falar em
juízo prevento universal? No mesmo Capítulo é analisado
o difícil assunto da litispendência entre ações coletivas e
a relação entre ações coletivas e ações individuais. Nesse
ponto, merece especial destaque a crítica que é feita à
proposta legislativa que assevera haver litispendência
entre demandas coletivas com causa de pedir distintas.
Na correta visão dos autores, “sem identidade de causa
de pedir, não há identidade de ‘problema’ submetido ao
Judiciário e, portanto, não se pode falar em litispendência,
apenas em conexão, se for o caso” (p. 179). Outro ponto
muito interessante, muito bem discutido ainda neste
Capítulo é a defesa da tese da suspensão dos processos
individuais, em razão da existência de uma demanda
coletiva correspondente ser determinada de ofício ou
a requerimento da parte, sempre com a observância do
regular contraditório (p. 191/192).
O Capítulo VI cuida do árduo tema da legitimação
ad causam nas ações coletivas. Talvez seja o tema mais
debatido pela jurisprudência, principalmente com relação
à legitimidade ativa do Ministério Público. Assunto
bastante palpitante e muito bem examinado pelo Curso é
o controle jurisdicional da legitimação coletiva. Na linha
doutrinária de Didier-Zaneti, a análise da legitimidade para
as demandas coletivas dar-se-ia em duas fases: (i) verificase se há autorização legal para que determinado ente
possa substituir os titulares coletivos no direito afirmado
e conduzir o processo coletivo; e, em seguida (ii) o juiz
exerce o controle in concreto da adequação da legitimidade
para aferir, sempre de forma motivada, se estão presentes
os elementos que asseguram a representatividade adequada
dos direitos em tela (p. 211/212). Mantendo-se fiéis à linha
da “representação adequada” nos processos coletivos, não
escapou à crítica dos autores o disposto no art. 21 da Lei
n. 12.016/2009, norma essa que seria inconstitucional,
por não incluir o Ministério Público e outros entes
representativos da sociedade (p. ex. Defensoria Pública) no
rol dos legitimados para impetrar mandado de segurança
coletivo.
Examina-se no Capítulo VI o inquérito civil. Nesse
espaço, os autores dão relevante destaque para os princípios
basilares desse importante instrumento extraprocessual.
Além disso, algumas questões polêmicas são tratadas com
sagacidade. Finalmente, ainda aqui, os autores encontraram
fôlego para tratar de outros dois instrumentos extrajudiciais
ligados à tutela coletiva, que ainda não receberam a devida
atenção pelos processualistas: recomendação e audiência
pública.1
No Capítulo VII, o Curso retoma o estudo dos
elementos subjetivos do processo coletivo para explicar
a intervenção de terceiros, que no microssistema coletivo
recebe um tratamento legislativo diferenciado. Nesse
tópico, são tratados temas já muito discutidos na doutrina
e na jurisprudência (a denunciação da lide e o chamamento
ao processo nas causas coletivas de consumo), como
também temas modernos (intervenção da pessoa jurídica
interessada na ação de improbidade administrativa). Na
trilha da doutrina que estuda o processo como instrumento
do Estado Democrático de Direito, Didier-Zaneti defendem
a participação da sociedade civil no processo coletivo por
intermédio do amicus curiae, pois seria “legitimar ainda
mais a decisão do órgão jurisdicional, em um processo de
evidente interesse público” (p. 254).
Em continuação, o Capítulo IX cuida dos aspectos
gerais da tutela coletiva (material e processual). Destaquemse, aqui, algumas discussões que parecem estar longe de
uma definição por parte da doutrina e da jurisprudência. O
primeiro assunto relevante é a limitação que é imposta pelo
art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 7.347/85, com redação
dada pela Medida provisória nº 2.180-35, ao aduzir não
1
Louvem-se os trabalhos de Alexandre Amaral Gavronski, Técnicas extraprocessuais de tutela coletiva, RT, 2010; Antonio do Passo Cabral, Os efeitos processuais da audiência pública, publicado na
Revista de Direito do Estado, n.2. Rio de Janeiro : Renovar , 2006.
111
ser cabível ação civil pública para veicular pretensões
que envolvam tributos, contribuições previdenciárias,
o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou
outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários
podem ser individualmente determinados. Depois de
apresentarem serena crítica ao referido dispositivo legal,
Didier-Zaneti sustentam que essa delimitação não se aplica
ao mandado de segurança coletivo, porque historicamente
essa ação constitucional atua como meio “para a tutela dos
contribuintes contra o abuso de poder e as ilegalidades
perpetradas pelo Poder Público”. Parece absolutamente
correto o argumento dos autores, acrescentando que a
interpretação da mencionada norma deve ser interpretada
restritivamente, uma vez que limita o direito fundamental
de ação, constitucionalmente garantido pela Constituição
da República. Muito interessante é o posicionamento
dos autores em não desprezar a conciliação nas causas
coletivas, desde que haja efetivo controle do órgão judicial
e do Ministério Público.
O Curso avança para cuidar, no Capítulo X, de
forma minuciosa, da coisa julgada, cujo assunto é, sem
medo de errar, um dos mais polêmicos da tutela coletiva.
Desperta especial interesse a posição dos autores sobre a
coisa julgada secundum eventum probationis. Nesse ponto,
sustenta-se que não basta ser a prova “nova”, mas sim a
prova capaz de mudar a decisão transitada em julgado
deve ser suficiente para um novo juízo de direito acerca da
questão de fundo. No correto raciocínio de Didier-Zaneti,
“a opção pela coisa julgada secundum eventum probationis
revela o objetivo de prestigiar o valor justiça em detrimento
do valor segurança, bem como preservar os processos
coletivos do conluio e da fraude processual” (p. 367).
O penúltimo Capítulo (XI) esmiúça a liquidação e a
execução da decisão coletiva. Pelo aguçado do raciocínio
dos autores, merece destaque o item 2.3, que trata do
problema da legitimidade ativa na execução da decisão
genérica da ação coletiva que versa sobre direitos individuais
homogêneos. Mais adiante Didier-Zaneti cuidam da
competência para a liquidação e execução coletiva,
concluindo com a aplicação do art. 475-P do Código de
Processo Civil que há três foros em tese competentes: a)
foro que processou a causa originariamente, b) foro de
domicílio do executado e c) foro do bem que pode ser
expropriado.
Finalmente, o Capítulo XII trata de um dos temas
menos versados pelos doutrinadores: processo coletivo
passivo. Nesse ponto, há um cuidadoso estudo para a
seguinte pergunta: a coletividade pode ser ré no processo
coletivo? Didier-Zaneti, depois de explicar que a resposta
é positiva, oferecem interessantes exemplos. Tomamos a
liberdade de transcrever um deles: “Em 2004, em razão da
112
greve nacional dos policiais federais, o Governo Federal
ingressou com demanda judicial contra a Federação
Nacional dos Policiais Federais e o Sindicato dos Policiais
Federais no Distrito Federal, pleiteando o retorno das
atividades. Trata-se, induvidosamente, de uma ação coletiva
passiva, pois a categoria ‘policial federal’ encontravase como sujeito passivo da relação jurídica deduzida em
juízo: afirmava-se que a categoria tinha o dever coletivo de
voltar ao trabalho.” (p. 415-416).
Por tudo isso, a 6ª edição do Curso de Direito
Processual Civil – Processo Coletivo com que Fredie
Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. acabam de nos brindar, podese dizer que o volume já é um clássico do direito processual.
Não é por outro motivo que a obra já foi diversas vezes
citada pelos Tribunais Superiores.
A meditação sobre os assuntos dessa obra será de
grande proveito para todos quantos desejam conhecer os
problemas da tutela coletiva. Problemas, na realidade,
muito mais simples do que parecem, graças à agudeza de
espírito dos autores.
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Decisão judicial converte em casamento a união estável entre duas
pessoas do sexo masculino
Pesquisa e apresentação do assunto:
RUI CARVALHO PIVA
Doutor em Direito. Coordenador de Pesquisa da Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP.
Editor da Revista FAAP JURIS. Professor de Direito Civil dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de
Direito da FAAP. Professor de Direito Ambiental do Curso de Pós-Graduação em Direito do Agronegócio da FAAP em
Ribeirão Preto. Professor de Gestão Ambiental do Curso de Pós-Graduação Gerente de Cidade, da FAAP em Sorocaba.
Desde que a questão do reconhecimento da união
estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade
familiar foi submetida à apreciação do Supremo Tribunal
Federal, o assunto não mais deixou de ser repercutido
na mídia e nos ambientes de estudo de questões sociais
relevantes.
E assim permaneceu até agora, mesmo depois do
dia 5 de maio de 2011, data em que o Supremo Tribunal
Federal reconheceu como sendo entidade familiar a união
estável entre pessoas do mesmo sexo.
Agora, no dia 27 de junho de 2011, na cidade de
Jacareí, interior do Estado de São Paulo, o Juiz de Direito
Fernando Henrique Pinto, titular da 2.ª Vara da Família e
das Sucessões e da Corregedoria Permanente do Registro
Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas
daquela Comarca, proferiu, com parecer favorável do
Promotor de Justiça que representa o Ministério Público na
mencionada Vara de Família e Sucessões e de Corregedoria,
uma inédita e polêmica sentença, na qual homologou o
pedido de conversão da união estável dos requerentes, Luiz
André de Resende Moresi e José Sérgio Santos de Sousa
em casamento, pelo regime da comunhão parcial de bens,
assim requerido pelos interessados, bem como autorizou
a pretendida alteração dos nomes dos interessados, que
passaram a se chamar Luiz André Rezende Sousa Moresi e
José Sérgio Sousa Moresi.
Os requerentes formularam junto ao Cartório
de Registro Civil dos seus domicílios um pedido de
habilitação para casamento e cumpriram todas as
formalidades, inclusive a publicação de editais, não tendo
havido impugnação.
Cumprida essa etapa do procedimento, o Cartório
submeteu o processo à apreciação do Juiz Corregedor
Permanente de Jacareí, de acordo com o previsto nas
normas da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo.
Foi nesse processo que o Juiz proferiu a decisão
homologando o pedido de conversão da união estável
dos requerentes em casamento, determinando ao Oficial
do Registro Civil a lavratura do registro do casamento
e as averbações do fato nos registros de nascimento dos
requerentes.
A Assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça de
São Paulo repercutiu a notícia no site do Tribunal na internet
e, a pedido da Coordenadoria de Pesquisa da Faculdade
de Direito da FAAP, enviou o inteiro teor da sentença em
arquivo PDF, o qual foi digitado e segue abaixo transcrito
para que os leitores da Revista JURIS possam conhecer
o assunto com todos os aspectos legais, doutrinários e
jurisprudenciais contidos na inédita e polêmica decisão.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Comarca de Jacareí/SP
2ª Vara da Família e das Sucessões
Corregedoria Permanente do Registro Civil das
Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas
Protocolo nº. 1209/2011 (Conversão de União
Estável em Casamento)
Vistos.
LUIZ ANDRÉ DE RESENDE MORESI e
JOSÉ SÉRGIO SANTOS DE SOUSA, ambos do sexo
masculino, demais qualificações nos autos, protocolaram
pedido de conversão de união estável em casamento.
Instruíram o pedido com escritura pública lavrada
em 17/05/2011, perante o 1º Tabelião de Notas e de
Protestos de Letras e Títulos de Jacareí/SP (livro nº.705,
fls.017), onde declararam viver em união estável há 8
(oito) anos.
Foi publicado edital e cumpridas todas as
formalidades legais para habilitação a casamento, não
113
havendo impugnações.
O pedido foi instruído com declaração de duas
testemunhas, no sentido de que os requerentes “mantém
convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
O Ministério Público ofertou parecer favorável ao
pedido.
É o relatório do necessário. Fundamento e
decido.
Preliminarmente, observa-se que, conforme pedido
expresso dos autores, os mesmos pretendem a conversão
de alegada união estável em casamento, como permite
e prevê o art. 226, § 3º, parte final, da Constituição
Federal, e o art. 1.726 do Código Civil.
Regulamentando tais dispositivos constitucionais e
legais, a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo,
em suas Normas de Serviço (Tomo II, Capítulo XVII,
Seção V, Subseção IV, art. 135), assim disciplinou o
procedimento de conversão da união estável em casamento:
“87. A conversão da união estável em casamento
deverá ser requerida pelos conviventes perante o Oficial
do Registro Civil das Pessoas Naturais de seu domicílio.
(Nota 2: Prov. CGJ 25/2005).
87.1. Recebido o requerimento, será iniciado o
processo de habilitação previsto nos itens 52 a 74 deste
capítulo, devendo constar dos editais que se trata de
conversão de união estável em casamento. (Nota 3: Prov.
CGJ 25/2005).
87.2. Decorrido o prazo legal do edital, os autos
serão encaminhados ao Juiz Corregedor Permanente,
salvo se este houver editado portaria nos moldes
previstos no item 66 supra. (Nota 4: provs. CGJ 25/2005
e 14/2006).
87.3. Estando em termos o pedido, será lavrado
o assento da conversão da união estável em casamento,
independentemente
de
qualquer
solenidade,
prescindindo o ato da celebração do matrimônio. (Nota
5: Provs. CGJ 25/2005 e 14/2006).
87.4. O assento da conversão da união estável
em casamento será lavrado no Livro “B”, exarando-se o
determinado no item 81 deste Capítulo, sem a indicação
da data da celebração, do nome e assinatura do presidente
do ato, dos conviventes e das testemunhas, cujos espaços
próprios deverão ser inutilizados, anotando-se no
respectivo termo que se trata de conversão de união estável
em casamento. (Nota 5: Prov. CGJ 25/2005).
BLOCO DE ATUALIZAÇÃO Nº 28 – CAP. XVII
-31
87.5. A conversão da união estável dependerá da
superação dos impedimentos legais para o casamento,
sujeitando-se à adoção do regime matrimonial de bens,
114
na forma e segundo os preceitos da lei civil. (Nota 1:
Prov. CGJ 25/2005).
87.6. Não constará do assento de casamento
convertido a partir da união estável, em nenhuma hipótese,
a data do início, período ou duração desta. (Nota2: Prov.
CGJ 25/2005)”.
Resumindo-se, verifica-se que o casamento
civil tradicional difere do casamento por conversão
de união estável apenas pela substituição do ato solene
da celebração, presidido pelo “juiz de paz”, pela
homologação, realizada pelo Juiz de Direito responsável
pela Corregedoria Permanente do Registro Civil das
Pessoas Naturais da comarca.
No mérito, cumpridas todas as formalidades legais,
a questão que se coloca para análise é a possibilidade ou
não de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, o
que se passa a apreciar.
O maior e mais repetido princípio da Constituição
da República Federativa do Brasil é o da igualdade.
A mesma constituição elegeu a “dignidade da
pessoa humana” como um de seus “fundamentos” (art.
1º, inciso III), e declarou que o Brasil tem como “objetivos
fundamentais” a construção de “uma sociedade livre,
justa e solidária”, bem como “promover o bem de todos,
SEM PRECONCEITOS de origem, raça, SEXO, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art.
3º, incisos I e IV).
Também determina a Constituição Federal que
“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza” e que “homens e mulheres são iguais em
direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”
(art. 5º, inciso I).
Mais à frente, no Título “Da Ordem Social”, a Lei
Maior afirma que “a família, base da sociedade, tem
especial proteção do Estado” (art. 226, caput).
Sobre o casamento, a Constituição Federal dispõe
que o mesmo “é civil e gratuita a celebração” (art. 226,
§ 1º), acrescentando que “o casamento religioso tem
efeito civil nos termos da lei” (art. 226, § 1º), e que o
casamento “pode ser dissolvido pelo divórcio” (art. 226,
§ 6º, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 66,
de 13/07/2010).
A Constituição Federal também declara que “para
efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável (...) como entidade familiar, DEVENDO A LEI
FACILITAR SUA CONVERSÃO EM CASAMENTO,
e que “entende-se, também, como entidade familiar
a comunidade formada por qualquer dos pais e seus
descendentes” (art. 226, §§ 3º e 4º).
Em harmonia com o princípio da igualdade, nossa
Lei Maior enfatiza que “os direitos e deveres referentes
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo
homem e pela mulher” (art. 226, § 5º).
Aqui cabe abrir parêntesis para alertar que tal
dispositivo não necessariamente declara que casamento
existe apenas entre homem e mulher, até porque “sociedade
conjugal” não é “casamento”, sendo certo que a primeira
sempre pôde ser dissolvida pela “separação” (de fato,
judicial e mais recentemente também extrajudicial), e o
segundo somente é dissolvido pelo “divórcio”.
Contudo, aparentemente rompendo todo esse
contexto de ênfase no princípio da igualdade, a Constituição
da República Federativa do Brasil, ao mencionar a união
estável em seu art. 226, § 3º, assim se pronunciou: “é
reconhecida a união estável entre o homem e a mulher
como entidade familiar” (art. 226, §§ 3º).
Mais de duas décadas passadas desde 05/10/1988,
quando foi promulgada a Constituição da República
Federativa do Brasil, e já se ingressando na segunda década
do Século XXI, é público e notório que milhares de pessoas
do mesmo sexo (homens e homens; mulheres e mulheres),
compartilham a vida juntos como se casados fossem.
A ausência de respaldo jurídico a tal realidade
social causou inúmeros prejuízos e injustiças, desde
o não reconhecimento do direito à sucessão, passando
pela ausência da presunção legal de esforços comum no
patrimônio constituído, até a ausência de direitos sociais,
como a pensão previdenciária por morte.
Nesse contexto, tramitava perante o Supremo
Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental – ADPF nº 178 (conhecida
como a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº
4277), ajuizada pela Procuradoria-Geral da República,
objetivando a declaração de reconhecimento da união
entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
Pedia-se, também, que os mesmos direitos e deveres dos
companheiros nas uniões estáveis fossem estendidos aos
companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Também estava em trâmite a ADPF nº 132,
onde o Estado do Rio de Janeiro alegava que o não
reconhecimento da união homoafetiva contraria preceitos
fundamentais como igualdade, liberdade (da qual decorre a
autonomia da vontade) e o princípio da dignidade da pessoa
humana, todos da Constituição Federal, e pediu que o STF
aplicasse o regime jurídico das uniões estáveis, previstos
no artigo 1.723 do Código Civil, às uniões homoafetivas
de funcionários públicos civis do Rio de Janeiro.
Foi nesse contexto que no dia 05 de maio de 2011,
o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de tais
ações, tendo como relator o Exmo. Ministro Ayres Britto,
reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo,
dando interpretação conforme a Constituição Federal,
para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código
Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas
do mesmo sexo como entidade familiar.
Na ocasião, o Exmo. Ministro Ayres Britto foi
seguido pelos Exmos. Ministros Luiz Fux, Ricardo
Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco
Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como Exmas.
Ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie –
decorrendo votação unânime dos presentes.
Tal julgamento, nos termos do art. 102, § 2º, da
Constituição Federal, possui “eficácia contra todos e
efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do
Poder Judiciário e à administração pública direta e
indireta, nas esferas federais, estaduais e municipais”.
No caso concreto, aplica-se a conhecida fórmula
jurídica romana, segundo a qual “onde há a mesma razão,
aplica-se o mesmo direito” (“ubis eadem ratio, ibi eadem
jus”). Desta forma, os fundamentos de tal julgamento,
ainda que sem o dito efeito vinculante, certamente são
aplicáveis ao instituto de direito civil denominado
casamento, inclusive ao mencionado art. 226, § 5º, da
Constituição Federal – o que apenas não foi declarado no
mencionado precedente histórico do STF, provavelmente
porque não era objeto dos pedidos das ações em análise.
Os prováveis entraves a tal entendimento podem
advir de discriminação e/ou de convicções religiosas.
Mas o Estado Brasileiro, do qual o Judiciário é um
dos Poderes, repudia constitucionalmente a discriminação
e é laico, ou seja, não vinculado a qualquer religião ou
organização religiosa.
É bom e necessário que assim seja, pois alguns
dogmas ou orientações religiosas muitas vezes se chocam
com princípios e garantias da Constituição da República
Federativa do Brasil.
A discriminação (ou preconceito) contra
homossexuais decorre normalmente de equivoco sobre a
origem “psíquica” do homossexualismo, e de dogmas ou
orientações religiosas.
O equivoco de origem “psíquica” é a crença que o
homossexualismo e suas variantes (transexualismo etc.) ou
a união homoafetiva constituem simples opção sexual.
Tal premissa parece equivocada, porque o
fenômeno pelo qual um homem ou uma mulher se sente
atraído (a) por pessoa do mesmo sexo, a ponto às vezes
de repudiar contato íntimo com pessoa do sexo oposto,
não se mostra como uma opção. Tudo indica tratar-se
de uma característica individual de determinados seres
humanos, tão independente da vontade quanto a cor do
cabelo, da pele, o caráter, as aptidões etc.
De fato, se no mundo ainda vige forte preconceito
contra tais pessoas, e se as mesmas têm de passar
115
por sofrimentos internos, familiares e sociais para se
reconhecerem para elas próprias e publicamente como
homossexuais – às vezes pagando com a própria vida,
parece que, se pudessem escolher, optariam pela conduta
socialmente mais aceita e tida como “normal”.
O dogma ou orientação religiosa que de forma mais
marcante se opõe ao casamento entre pessoas do mesmo
sexo é a colocação da relação sexual procriadora como
principal elemento ou requisito essencial do casamento.
Ocorre que o motivo maior de uma união humana
é – ou deveria ser – o Amor, até porque este é pregado
pela maioria das religiões, principalmente as cristãs, como
o valor e a virtude máxima e fundamental.
Fosse de outra forma, muitas religiões não poderiam
aprovar casamentos entre pessoas de sexos opostos que
não podem ter filhos. E se assim agem, parecem afrontar a
Lei Cristã do Amor, e prejudicam a formação da entidade
familiar ou família, que é a base da sociedade.
Por outro enfoque, muitos se preocupam com o
potencial envolvimento de crianças ou adolescentes na
entidade familiar formada por pessoas do mesmo sexo.
Mas, se esquecem que a falta de planejamento familiar, da
qual decorre a geração de crianças sem condições mínimas
de sustento e educação, bem como atos abomináveis,
como, por exemplo, a remessa de recém nascidos em
latas de lixo ou o assassinato dos próprios filhos, são
diariamente protagonizados por “casais” de sexos opostos
ditos “normais” e/ou por pessoas heterossexuais.
O Brasil, entre outras conhecidas mazelas, é palco
da falência da segurança pública, das fronteiras sem
controle, da disseminação descontrolada das drogas, da
endêmica corrupção, e possui a maior carga tributária, a
pior distribuição dos tributos arrecadados e o trânsito que
mais mata do planeta Terra.
Assim, pode-se afirmar que no Brasil há situações
de fato e de direito, muito mais grave para se preocupar,
que com a vida de dois seres humanos desejosos de paz e
felicidade ao seu modo, sem infringir direitos de ninguém.
Finalmente, cabe anotar que no último dia 17 de
junho de 2011, o Conselho de Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou uma
resolução histórica destinada a promover a igualdade dos
seres humanos, sem distinção de orientação sexual. A
resolução, que teve aprovação do Brasil, embora sem
ações afirmativas, dispõe que “todos os seres humanos
nascem livres e iguais no que diz respeito a sua dignidade
e cada um pode se beneficiar do conjunto de direitos e
liberdades sem nenhuma distinção”.
Por todo o exposto, HOMOLOGO a disposição
de vontades declarada pelos requerentes do presente
procedimento, para CONVERTER em CASAMENTO,
116
pelo regime escolhido da comunhão parcial de bens, a
união estável dos mesmos – os quais, por força deste
casamento, passam a se chamar respectivamente ‘LUIZ
ANDRÉ REZENDE SOUSA MORESI” e “JOSÉ
SÉRGIO SOUSA MORESI”.
Tratando-se esta sentença de ato judicial que
substitui a celebração, a mesma tem efeitos imediatos.
Assim, lavre-se o registro de casamento e providencie-se
o necessário às averbações nos registros dos nascimentos
das partes.
No mais, nada sendo requerido em 30 (trinta) dias,
arquivem-se os autos.
P.R.I. Ciência ao Ministério Público.
Jacareí/SP, 27 de junho de 2011.
Fernando Henrique Pinto
Juiz de Direito
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Emenda Constitucional inconstitucional: um convite à reflexão
Pesquisa e apresentação do assunto:
MARCIO PESTANA
Doutor e Mestre em Direito do Estado (PUC/SP). Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da
FAAP. Coordenador e Professor do Curso de Direito Público do Curso de Pós-Graduação da FAAP. Advogado. Sócio do
escritório Pestana e Villasbôas Arruda – Advogados, com sede em São Paulo e filial no Rio de Janeiro. Autor de diversas
obras jurídicas, dentre elas “Direito Administrativo Brasileiro”, Ed. Elsevier.
No mês de maio de 2011 foi publicado acórdão
do STF - Processo ADI-2356/MC/DF -, suspendendo os
efeitos, por vício de inconstitucionalidade, de determinado
dispositivo contido na Emenda Constitucional n. 30/2000.
A decisão tomada pelo Pleno do STF possui caráter
liminar, extraída de um processo de natureza cautelar, isto,
decorridos, aproximadamente, 8 anos de processamento na
Corte Constitucional.
Conforme se poderá observar da ementa ao final
transcrita, a decisão liminar apresenta particularidades
que exigem reflexão e estudo aprofundado por parte de
todos os estudantes, pesquisadores e profissionais do
direito, notadamente aqueles que tenham maior interesse
no exame de questões jurídicas de índole constitucional,
administrativa e processual.
Examinemos, a breve traço, mas não pela ordem de
relevância, alguns dos aspectos que mais chamam a nossa
atenção:
Primeiro: os prejuízos sofridos pelo administrado,
em razão da demora em declarar-se, de inicio, liminarmente,
e, se caso for, posteriormente, em caráter definitivo,
inconstitucional, determinado dispositivo da Emenda
Constitucional, poderiam ensejar a responsabilização
extracontratual do Estado? A prestação da atividade
jurisdicional, sobretudo por parte da Alta Corte, a
nosso ver possui um tempo razoável para ser proferida,
especialmente ao envolver situações cuja repercussão geral
revela-se marcantemente indiscutível, caso do pagamento
dos chamados “precatórios”; uma vez ultrapassado, em
muito, vislumbramos, sim, a possibilidade do Estado vir
a ser responsabilizado, especialmente por infringir os
princípios da segurança jurídica, da confiança legítima e
da razoabilidade.
Segundo: parte dos Ministros do STF faz referência
ao entendimento de que a Constituição Federal de 1988 fora
editada a partir de uma Assembléia Constituinte dotada de
poderes originários. Entendemos, diferentemente, que
a Assembléia em questão deteve poderes constituintes
derivados, pois teve, indiscutivelmente, seus trabalhos
antes perimetrados pelo regime político e jurídico que a
precedera, aliás num clima de distensão e abertura, lenta e
gradual, expressão reiteradamente apregoada ao longo dos
anos que precederam a promulgação da CF de 1988.
Terceiro: diz-se que a Emenda Constitucional não
poderia contrariar a coisa julgada, vez que pretendera
desconhecer as decisões e ordens provenientes do Poder
Judiciário. Este aspecto é interessantíssimo, especialmente
se examinado sob a dialética do direito adquirido “versus”
alteração de regime jurídico, merecendo destaque bem
aclarar-se até onde poderá se instalar novo regime jurídico.
Quarto: a prevalecer o entendimento liminar, podese concluir que a Emenda Constitucional 62/2009 terá o
mesmo fim? O ponto de identidade entre ambas as emendas
é o de procrastinar, prolongadamente, a satisfação de um
débito detido pelo Estado em relação ao administrado,
em flagrante assimetria com o tratamento dispensado aos
administrados devedores, fazendo tabula rasa em relação
aos princípios, mais uma vez, da segurança jurídica, da
confiança legítima, da razoabilidade e, ademais, no ponto,
da moralidade e da eficiência que se alojam, expressamente,
no art. 37, da CF.
Quinto: o periculum in mora, um dos requisitos
necessários para a concessão de decisão em caráter
liminar, costumeiramente associa-se ao fator tempo. No
caso de um processo cautelar iniciado em 2002, decidido,
liminarmente, em 2010, com publicação do respectivo
Acórdão em 2011, observam-se nuances jurídicos que
exigem, no mínimo, a nossa reflexão acerca do conteúdo
de tal requisito de concessão cautelar.
Sexto: diz-se que o corte temporal autorizador do
parcelamento, em 10 anos, tal como preconizado pela EC
30/2000, não se conformaria com o conteúdo normativo
assentado no “caput” do art. 5º, da CF. Mas, pergunta-se: o
parcelamento em 8 anos, assegurado pela CF na sua versão
originária, de certa maneira também não contrariaria
o próprio art. 5º, da CF? Não nos parece suficiente,
para concordar-se com a distinção, a argumentação de
que lá, diferentemente daqui, a disposição proviria de
uma Assembléia Constituinte com poderes originários,
enquanto aqui, derivados, especialmente se reiterarmos o
nosso entendimento de que o Constituinte de 1988 possuíra
competência derivada.
Sétimo: o instituto constitucional da intervenção
federal e estadual encontra-se, indiscutivelmente, em crise.
117
O inadimplemento das obrigações de diversos Estados
e Municípios admitiria a sua decretação; contudo, na
prática, o que se observa, é a não utilização dessa solução
constitucional, sob os mais variados argumentos, todos
eles se colocando num patamar axiológico e jurídico
de proeminência em relação a aquele que diz respeito à
intervenção efetiva, para que o Estado, em sentido amplo,
salde as suas dívidas e, exemplarmente, estimule que o
administrado também o faça em relação aos débitos que
possua em face do Estado.
Oitavo: qual é o real conteúdo do princípio do acesso
à justiça? Não é meramente a possibilidade que se abre – e
que a CF assegura - para o administrado adentrar ao portal
judicial para obter uma decisão; o acesso à justiça somente
estará materializado, em sentido substancial, se houver
uma decisão tomada em tempo razoável e compatível
para o caso concretamente considerado. Não o sendo, o
acesso à justiça será meramente formal, não satisfazendo,
integralmente, ao aludido principio constitucional.
Nono: o exame, pelo STF, de medidas judiciais
envolvendo Emendas Constitucionais não mereceria ter
um tratamento mais privilegiado e célere por parte da Alta
Corte? Tendo em vista que a mudança constitucional altera
a cúspide do ordenamento jurídico, irradiando efeitos
para a base da pirâmide, com destaque, no ponto, para a
Administração Pública e para o Poder Judiciário, trazendo
reflexos em praticamente toda a coletividade, cremos
ser de todo apropriado atribuir-se absoluta prioridade na
apreciação de processos que versem sobre modificações na
CF.
Décimo: as decisões tomadas em instancias judiciais
inferiores, especialmente envolvendo a fixação do termo
inicial e termo final de contagem de juros para o pagamento
dos “precatórios”, parcelados em 10 anos, admitiriam ser
reexaminadas, mesmo à vista da coisa julgada e do prazo
prescricional qüinqüenal dos pleitos apresentados perante a
Administração Pública?
Como podemos observar, esse julgamento
proferido pelo STF é riquíssimo no tocante às matérias
apreciadas, convidando a que todos nós examinemos,
com a devida detença, os aspectos aqui sublinhados, sem
prejuízo daqueles outros que, naturalmente, persistam
fluindo e gerando perplexidades a partir de cada releitura
do seu conteúdo. Com isso poderemos, mais e mais,
contribuir para o fortalecimento das instituições e para o
aprimoramento do próprio sistema jurídico brasileiro.
______________________________________________
“EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º
DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 30, DE 13 DE
SETEMBRO DE 2000, QUE ACRESCENTOU O ART.
78 AO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS
TRANSITÓRIAS.
PARCELAMENTO
DA
LIQUIDAÇÃO DE PRECATÓRIOS PELA FAZENDA
PÚBLICA. 1. O precatório de que trata o artigo 100 da
118
Constituição consiste em prerrogativa processual do
Poder Público. Possibilidade de pagar os seus débitos
não à vista, mas num prazo que se estende até dezoito
meses. Prerrogativa compensada, no entanto, pelo rigor
dispensado aos responsáveis pelo cumprimento das ordens
judiciais, cujo desrespeito constitui, primeiro, pressuposto
de intervenção federal (inciso VI do art. 34 e inciso V
do art. 35, da CF) e, segundo, crime de responsabilidade
(inciso VII do art. 85 da CF). 2. O sistema de precatórios é
garantia constitucional do cumprimento de decisão judicial
contra a Fazenda Pública, que se define em regras de
natureza processual conducentes à efetividade da sentença
condenatória trânsita em julgado por quantia certa contra
entidades de direito público. Além de homenagear o direito
de propriedade (inciso XXII do art. 5º da CF), prestigia
o acesso à jurisdição e a coisa julgada (incisos XXXV e
XXXVI do art. 5º da CF). 3. A eficácia das regras jurídicas
produzidas pelo poder constituinte (redundantemente
chamado de “originário”) não está sujeita a nenhuma
limitação normativa, seja de ordem material, seja formal,
porque provém do exercício de um poder de fato ou supra
positivo. Já as normas produzidas pelo poder reformador,
essas têm sua validez e eficácia condicionadas à legitimação
que recebam da ordem constitucional. Daí a necessária
obediência das emendas constitucionais às chamadas
cláusulas pétreas. 4. O art. 78 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, acrescentado pelo art. 2º da
Emenda Constitucional nº 30/2000, ao admitir a liquidação
“em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo
máximo de dez anos” dos “precatórios pendentes na data
de promulgação” da emenda, violou o direito adquirido
do beneficiário do precatório, o ato jurídico perfeito e a
coisa julgada. Atentou ainda contra a independência do
Poder Judiciário, cuja autoridade é insuscetível de ser
negada, máxime no concernente ao exercício do poder de
julgar os litígios que lhe são submetidos e fazer cumpridas
as suas decisões, inclusive contra a Fazenda Pública,
na forma prevista na Constituição e na lei. Pelo que a
alteração constitucional pretendida encontra óbice nos
incisos III e IV do § 4º do art. 60 da Constituição, pois
afronta “a separação dos Poderes” e “os direitos e garantias
individuais”.5. Quanto aos precatórios “que decorram de
ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999”, sua
liquidação parcelada não se compatibiliza com o caput do
art. 5º da Constituição Federal. Não respeita o princípio
da igualdade a admissão de que um certo número de
precatórios, oriundos de ações ajuizadas até 31.12.1999,
fique sujeito ao regime especial do art. 78 do ADCT, com
o pagamento a ser efetuado em prestações anuais, iguais
e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, enquanto os
demais créditos sejam beneficiados com o tratamento mais
favorável do § 1º do art. 100 da Constituição. 6. Medida
cautelar deferida para suspender a eficácia do art. 2º da
Emenda Constitucional nº 30/2000, que introduziu o art.
78 no ADCT da Constituição de 1988”.
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Deus não abandona
VANDA AMORIM
A comovente trajetória de um pai em busca do filho desaparecido
“Vanda Amorim, que estreou muito bem na literatura
com Crocodilo sonhador (Editora Globo), consegue algo
raro neste novo romance: contar uma comovente história
de amor, ação e suspense e manter o leitor, até o fim, atento
para o desfecho da intricada trama. Aqui vamos conhecer
os destinos de Norah e Ollavo, duramente separados após
o rapto de seu filho, Lorenzo, aos dois anos de idade. E
também poderemos refletir sobre o valor da amizade
através da relação de Norah com Beatrice. Mas este
romance é atual principalmente por enfrentar com destemor
um dos temas mais complexos da contemporaneidade: a
perversão afetiva e sexual. Seus personagens são claros,
traçados com a precisão de quem conhece a alma humana
em todas as suas formas, das mais rudes às mais delicadas.
Pois é exatamente disso que a autora trata: a possibilidade
de a delicadeza vencer a brutalidade, de a verdade e a fé
sobrepujarem a inveja, a mentira e a falsidade.”
Apresentando o livro, Nora Longgren Tarabini
disse: “Os personagens da escritora são cativantes. Temas
como valores, amor, inveja, intriga, justiça são abordados
de forma que só ela sabe fazer. Nesta obra, Norah (com
“h”) me prendeu sobremaneira; uma mulher nobre, que
luta muito para chegar longe, mas no decorrer de sua
trajetória leva diversas “bofetadas” da vida. Ollavo, seu
marido, homem quase perfeito, busca provar o seu amor de
vários modos, tendo por vezes de se sacrificar para chegar
à implacável e cruel verdade. João, o bom menino, a duras
penas, sobrevive às torturas de um pedófilo e, ainda que
com o coração dilacerado, com o corpo maculado e a alma
ferida, aprende a driblar o sofrimento para quem sabe ser
um homem vencedor! Estes são só três personagens de
uma história que irá fazer com que o leitor fique preso
do começo ao fim, sem sequer ter tempo para um simples
cafezinho!”
pode, com sucesso artístico, ser levado ao cinema ou ao
teatro. É certo que cinema e teatro exigem linguagem
diversa da linguagem literária, como também é diversa a
linguagem cinematográfica da teatral. Contudo, o romance
da autora já parece de braços abertos à espera de outras
linguagens. As linguagens cinematográfica e teatral
acomodar-se-iam no romance como as luvas nas mãos. Mel
na sopa.”
A cena final envolvendo mãe, pai e filho, se passa
diante do altar da igreja. Bem próximo de Deus. Que bom!
Vanda Lúcia Cintra Amorim é advogada atuante
na área de família e sucessões na capital paulista,
Administradora do Instituto “A Casa” e Diretora do
Instituto de Pesquisas e Estudos em Humanização e
Políticas de Saúde. Publicou dois outros livros: Direito ao
nome da pessoa física e o romance Crocodilo Sonhador.
Deus não abandona foi lançado pela Editora Globo.
São 254 páginas.
Em determinado trecho do excelente prefácio,
a Presidente do Conselho de Curadores da Fundação
Armando Alvares Penteado, Celita Procópio de Araújo
Carvalho, escreveu: “Tomo a liberdade de falar agora,
em especial, aos cineastas e teatrólogos. Esta foi a razão
por que iniciei este prefácio invocando Victor Hugo, na
oportunidade em que o consagrado autor francês elenca os
leitores da obra dramática. O romance de Vanda Amorim
119
Muito além da responsabilidade social
JEFFREY HOLLENDER E BILL BREEN
Como preparar a próxima geração de líderes e empresas para um mundo sustentável
“Em Muito além da responsabilidade social, Jeffrey
Hollender, cofundador da Seventh Generation, e Bill Breen,
coautor de O futuro da administração, revelam como as
organizações mais inteligentes competem em um mundo
onde o mercado exige que todas as empresas construam
um futuro melhor. Com um relato vigoroso e uma análise
perspicaz, Hollender e Breen produzem um roteiro para a
criação de empresas financeira, social e ambientalmente
sustentáveis. Muito além da responsabilidade social reúne
uma combinação poderosa de gigantes empresariais,
grandes marcas e empresas emergentes – de pioneiros
em sustentabilidade aos que estão construindo o próprio
caminho – como Nike, Timberland, eBay, IBM, Marks &
Spencer, Patagônia, Novo Nordisk, Organic Valley, Etsy,
Linden Lab e Seventh Generation. Revelando como essas
organizações redefinem o que significa, para elas, agir de
forma responsável, cada capitulo apresenta novos modelos
para criar o tipo de empresa que irá prosperar nesta nova
era de sustentabilidade.”
No prefácio, Peter Senge destaca aspectos que
podem representar o grande diferencial do livro cuja
leitura está sendo sugerida: “Durante muito tempo, nossa
definição de comportamento empresarial ‘responsável’ foi
perigosamente limitada e tímida. Muitas vezes, louvamos
nossos esforços como sendo um pouco menos ruins,
saudando-os como exemplos de mudanças importantes.
Ocultamos nosso comportamento irresponsável com
campanhas de marketing ‘relacionado a causas sociais’
e comemoramos o ‘progresso’, que geralmente é pouco
mais que o cumprimento das regulamentações existentes.
Publicamos milhões de relatórios de responsabilidade
empresarial repletos de belas fotos, mas pobres de reveses
e fracassos. A revolução da responsabilidade consiste em
mais do que reduzir emissões de dióxido de carbono, reduzir
o uso de energia, monitorar fábricas ou fazer doações para
instituições beneficentes. Consiste em reinventar empresas
de dentro para fora: inventar novas formas de trabalho,
incutir uma nova lógica de concorrência, identificar novas
possibilidades de liderança e redefinir o próprio propósito
do negócio.”
também solucioná-los. Ao tirar partido do dever de ser
transparente, aproveitamos as idéias do público, bem como
suas críticas – e criamos a oportunidade de transformar
relacionamentos antagônicos em parcerias proveitosas.
Para quem duvidar dessa necessidade, basta recordar as
recentes histórias da Nike e da Gap – como cada uma delas,
ao publicar relatórios com a verdade nua e crua sobre as
condições de trabalho de suas fábricas terceirizadas,
acabaram construindo acordos baseados em soluções com
alguns de seus mais duros críticos.”
Jeffrey Hollender é cofundador e chairman da
Seventh Generation, marca de produtos naturais de limpeza
e higiene pessoal. É diretor do Greenpeace nos Estados
Unidos e, com freqüência, discursa sobre questões de
responsabilidade ambiental e social em eventos nacionais
e internacionais. Bill Green é diretor editorial da Seventh
Generation e coautor, com o estrategista de negócios Gary
Hamel, de O futuro da administração, considerado pela
Amazon.com o melhor livro de negócios de 2007.
Muito além da responsabilidade social foi lançado
pela Elsevier. São 212 páginas.
Assumindo a idéia de que “num mundo transparente,
não compensa ser opaco”, os autores afirmam: “O objetivo
de ser transparente não é apenas revelar problemas, mas
120
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
Os melhores diálogos do cinema
PAULO FENDLER
O que você vai encontrar aqui, nesse livro?
“Uma coletânea de mais de 150 histórias breves,
mas de intensas emoções. Situações inusitadas, diálogos
inteligentes, sacadas inesperadas que nos fazem rir e
refletir, enriquecendo nossa experiência de vida. Como o
cinema que habituou-nos ao encantamento. Até mesmo por
alguns episódios heróicos e altruístas que podem umedecer
nossos olhos, esses, já brilhantes por essa bem-humorada
leitura, universalmente inédita.”
Nos cinco anos anteriores a 2010, o autor assistiu
centenas de filmes, muitos dos quais já vistos anteriormente,
durante sua vida, com o propósito de selecionar os 150
diálogos que compõem o livro. E diz, na apresentação:
“Separo esses cinco anos, pois os assisti com outros olhos e
ouvidos, quer fossem romances, dramas, ficções, comédias,
épicos e até mesmo desenhos animados. Assistimos a todos
em busca de diálogos e citações notáveis, e os achamos,
independente de qualquer julgamento, de serem bons
ou maus filmes, Assim, recomendamos ao leitor não dar
importância, não privilegiar escolhas por títulos, ou filmes
de preferência. E, também, porque tivemos a sorte desse
livro ser capaz de ocupar, de maneira agradável, os nossos
momentos de lazer, qualquer que seja a sua duração, pois
uma das vantagens dessa leitura é poder ser iniciada e
retomada em qualquer parte e a qualquer instante, seja por
alguns minutos, ou horas.”
Conheça previamente esse diálogo entre Harry
e Érica, personagens do filme “Alguém tem que ceder
(Something’s gotta give), ocorrido após um primeiro e
apaixonado beijo:
pago parra vir a esse tribunal?
Testemunha – Sim, exatamente como o senhor!
Em uma das versões de O poderoso chefão (The godgather),
Michael Corleone (Al Pacino) trava o seguinte diálogo
com sua esposa Kay (Diane Keaton):
Michael – Meu pai é como um homem qualquer do poder.
Qualquer homem responsável por outros. Como um
senador ou presidente...
Kay – Você é ingênuo. Senadores e presidentes não matam
outras pessoas.
Michael – Quem é ingênuo, Kay?
Paulo Fendler, o autor, é publicitário que integrou
os quadros funcionais de importantes agências de
propaganda. Na apresentação feita por seu filho, consta a
criação de várias peças publicitárias e roteiros e direção
de filmes de propaganda., trajetória que o manteve
próximo de usa grande paixão, o cinema. Foi editor-chefe
de revistas técnicas e empresário, o que lhe possibilitou
uma visão privilegiada, capaz de permitir a associação do
comportamento das pessoas com o comportamento dos
personagens dos filmes. É paulistano e mora em São Paulo.
Os melhores diálogos do cinema foi lançado pela
Linear B, Gráfica e Editora. São 263 páginas.
Harry – Lábios macios, o seus...
Érica – Que bom que ainda funcionam. Fazia tanto tempo
que não os usava para beijar. Uso mais para passar batom,
assoprar, assobiar...
Conheça mais esse, extraído do filme O veredito
(The veredict) e ocorrido entre o advogado (James Mason)
de um médico acusado de negligência profissional e a
testemunha arrolada pelo advogado (Paul Newman) da
parte contrária:
Advogado, dirigindo-se à testemunha - O Sr. Está sendo
121
Titília e o Demonão
PAULO REZZUTTI
Cartas inéditas de D. Pedro I à Marquesa de Santos
“Se existem mulheres ocasionalmente elevadas
à categoria de “namorada do Brasil”, só uma pode ser
chamada de “amante do Brasil”: Domitila de Castro Canto
e Melo, a jovem divorciada cujo tórrido affair com dom
Pedro I constitui o maior romance da nossa história,”
“No segundo semestre de 2010, nada menos que
94 cartas inéditas do Imperador Pedro I à sua famosa
amante, Domitila de Castro, escritas entre 1823 e 1827,
posteriormente desaparecidas e esquecidas, foram
encontradas quase por acidente em um museu nos EUA,
por um pesquisador brasileiro com alma de detetive,
faro de sabujo e paciência de Jô. Tais cartas, transcritas e
comentadas neste livro, nos mostram o primeiro imperador
do Brasil totalmente despojado de seus títulos, manto e
coroa e, até mesmo, numa das cartas, de qualquer roupa,
quando diz à amante que lhe perguntou algo: ‘Nu em pelo
respondo (carta 52). Ontem mesmo fiz amor de matrimônio
para que hoje, se você estiver melhor e com disposição,
fazer o nosso amor por devoção.Talvez o mais divertido
desta correspondência sejam os insistentes protestos de
fidelidade do mulherengo coroado, tentando acalmar as
crises de ciúme da amante, ao mesmo tempo em que também
esbraveja de ciúme dela. Outras cartas, por sua vez, revelam
um homem atencioso com a mulher amada, os conflitos
dele, sua preocupação com os negócios brasileiros, seu
interesse e carinho pelos filhos, mas todas, sem exceção,
nos permitem ver o lado profundamente humano do
imperador, ao mesmo tempo em que descortinam, por meio
dos detalhes prosaicos, um rico painel da vida cotidiana e
dos costumes do Brasil durante o Primeiro Reinado.”
“Não só a transcrição das cartas, feitas por Rezzutti
é impecável, como também o são os comentários com
que ele as explica e lhes dá contexto, proporcionando ao
leitor uma aula enriquecedora e muitíssimo agradável
sobre um dos períodos – e sobre alguns dos personagens
– mais fascinantes da nossa História. Além da transcrição
das 94 cartas inéditas, esta edição traz mais 17 que as
complementaram, algumas inéditas, outras não, todas
transcritas diretamente dos originais, corrigindo inexatidões
anteriores. Entre esses anexos estão algumas das poucas
cartas de Domitila para D. Pedro de que temos notícia.
Doravante nenhum estudo abrangente sobre o Libertador
do Brasil poderá prescindir do exame destas cartas, escritas
sob o calor das mais humanas emoções – o amor e a paixão
– por um dos mais humanos vultos da nossa História.”
Paulo Rezzutti é paulistano, arquiteto e urbanista
formado pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo.
Pesquisador independente e estudioso da história de São
Paulo, organizou o blog “São Paulo Passado”.
Titília e o Demonão foi lançado pela Geração
Editorial. São 350 páginas.
Conheça, desde já, esta carta que o Imperador
escreveu após Domitila ser proibida de entrar no Teatrinho
Constitucional São Pedro, na segunda quinzena de
setembro de 1824, comunicando o fechamento do Teatro,
por ordem sua e em reação à proibição de entrada imposta
à sua querida amante: “Aí vai o remédio que chegou neste
momento da cidade, não me esqueço de nada seu. Já se
mandou fechar o teatro, apreender papéis e proceder a
devassa do que se sabe para meu esclarecimento. Vai o
folheto para José aprender as manobras de cavalaria. Hoje
já não trabalha o teatro, e estão todos de boca aberta.”
122
Revista Juris da Faculdade de Direito, São Paulo, v.5, jan/junho. 2011.
ESCLARECIMENTOS AOS SENHORES PROFESSORES SOBRE ELABORAÇÃO DOS ARTIGOS
PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA JURIS DA FACULDADE DE DIREITO DA FAAP
•
O Conselho Editorial utilizará, para publicação na Revista Juris da Faculdade de Direito, entrevistas, artigos
científicos, material jurisprudencial, questões polêmicas, resenhas e sugestões de leituras.
•
Para os artigos científicos, vigoram as seguintes regras de padronização:
1. Letra Times New Roman, tamanho 14 para títulos, 12 para textos e 10 para notas de rodapé;
2. Espaço entre linhas: 1,5;
3. Alinhamento: justificado;
4. Recuo de 2 cm. na primeira linha de cada parágrafo;
5. Margens direita e inferior: 2 cm.;
6. Margens esquerda e superior: 3 cm.;
7. Título na língua original, acompanhado de breve currículo qualificativo na área do conhecimento abordada
pelo artigo;
8. Em seguida, deverá constar um resumo, contendo entre 100 e 250 palavras, cuja função é sintetizar os
objetivos pretendidos, a metodologia usada, os resultados e as conclusões alcançadas no artigo. Referido resumo
deverá ser composto por uma sequência correta de frases concisas e não por uma enumeração em tópicos;
9. Após o resumo, deverá constar uma relação de palavras chaves, que são termos indicativos do conteúdo do
artigo, escolhidos em vocabulário adequado;
10. Em seguida, o texto do artigo;
11. Após o texto do artigo, uma tradução do resumo para a língua inglesa, denominada Abstract, e uma tradução
das palavras chaves para a língua inglesa, denominada Key-words;
12. Os artigos deverão ser divididos em títulos e subtítulos, apresentando conclusão e bibliografia (incluindo
todos os autores citados em notas de rodapé);
13. No texto, não deverá ser utilizado negrito, nem sublinhado, destacando-se termos somente com itálico;
14. As citações de notas de rodapé deverão ser grafadas seguindo o modelo: sobrenome do autor, título da obra
(em negrito), data de publicação, página da citação;
15. As resenhas deverão conter, na abertura, a título de introdução, um breve relato da obra resenhada;
16. Os artigos serão submetidos a revisão antes da sua publicação e, a título de sugestão, deverão conter o
mínimo de 10 folhas e o máximo de 15;
17. As referências bibliográficas deverão constar no final de cada artigo, organizadas segundo a ordem alfabética
dos nomes dos autores mencionados e respeitar padrões da ABNT 2009, como segue no exemplo: SANTOS,
Boaventura de Souza. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. ;
18. Os autores cedem os direitos autorais para a Faculdade de Direito da FAAP, que fica autorizada a publicá-los
na Revista Juris.
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