a responsabilidade civil extracontratual no direito

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A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL NO
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO BRASILEIRO
Luciane Klein Vieira
1 – Introdução
A responsabilidade civil extracontratual derivada de relações jurídicas
com elementos estrangeiros é uma questão que tem ganhado especial
relevância na atualidade, em razão do aumento no número de casos que se
conectam a mais de um sistema jurídico, os quais podem estar vinculados a um
acidente de trânsito, a um produto defeituoso, à contaminação ambiental, ao
enriquecimento ilícito, à concorrência desleal, ao emprego da energia nuclear, à
violação dos direitos de propriedade industrial e ao ato ilícito em sua acepção
genérica 1.
Desta forma, de acordo com o Professor Irineu Strenger,
“a quantidade quase incomensurável de relações obrigacionais que se formam
diariamente explica o fundado interesse que desperta no jurista o estudo
esmiuçado
da
matéria,
hoje
com
referibilidade
internacional,
1
pela
Segundo Carlos Manuel Vásquez: “El término ‘responsabilidad extracontractual’ incluye también a
numerosas formas de responsabilidad que generalmente no se reputan como ilícitos en el sentido tradicional
– tal como la responsabilidad por violaciones al derecho de autor y de patentes así como por discriminación
basada en la raza, género y otras clasificaciones no permitidas. Además, las nuevas tecnologías (tal como –
––––ProductID–la Internetla Internet– y los exámenes genéticos) y nuevas plagas (tales como el SIDA) han
exigido la extensión de los ilícitos tradicionales hacia nuevos contextos o la creación de bases
completamente nuevas en el área de la responsabilidad” (Vásquez, Carlos Manuel. La Jurisdicción
Competente y la Ley Aplicable en Casos de Responsabilidad Extracontractual – Parte I: normas aplicadas en
el hemisferio para determinar la jurisdicción y ley aplicable en casos de Responsabilidad Civil
Extracontractual. Disponível em: <http://www.oas.org/DIL/ESP/Doc122corr1.esp.pdf>. Acesso em 19 nov.
2009).
1
impossibilidade de circunscrever eficazmente ao direito local as soluções
envolventes de vários sistemas jurídicos” 2.
No âmbito internacional, a matéria já foi objeto de debate em distintos
foros, em que pese haver sido esquecida pelos juristas durante muito tempo.
Dignos de menção são os trabalhos da Conferência de Haia, dos quais resultou
a Convenção sobre Acidentes de Circulação Rodoviária, de 1971, e a
Convenção sobre Responsabilidade pelo Fato do Produto, de 1973. Na União
Europeia, recentemente, em 11.01.2009, entrou em vigência o Regulamento CE
nº 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à Lei Aplicável às
Obrigações Extracontratuais, conhecido como Roma II 3 .
No âmbito interamericano, a VI Conferência Especializada Interamericana
sobre Direito Internacional Privado (CIDIP VI) trabalhou, não faz muito, o tema
da lei aplicável e da jurisdição competente em matéria de responsabilidade civil
extracontratual. Dos estudos realizados, resultou a aprovação da Resolução nº
07/2002, que determina que as pesquisas sejam retomadas e que sejam feitas
reuniões com expertos para a elaboração de um instrumento internacional.
Infelizmente, até a presente data, os trabalhos realizados não conseguiram
lograr um consenso em razão da disparidade de normas existentes no
continente, o que impediu a elaboração de regras uniformes 4 .
2
Strenger, Irineu. Direito Internacional Privado. 5.ed. São Paulo: LTr, 2003, p.705.
Segundo a Professora Liliana Rapallini, o Regulamento Roma II se baseia no critério tradicional da lex loci
delicti, mas apresenta conexões subsidiárias, como a lei da residência habitual comum do autor e da vítima
e o princípio da proximidade (Rapallini, Liliana Etel. Los Supuestos de Obligaciones Extracontractuales
Internacionales en el Derecho Europeo. Revista del Colegio de Abogados de La Plata, n.67, p.29, dic. 2006).
Apesar de que adote como regra geral o critério mencionado, o certo é que o Regulamento é uma tentativa
de codificar todos os casos de responsabilidade civil extracontratual, uma vez que estão presentes regras de
conflito específicas para a responsabilidade por danos causados por produtos defeituosos, competência
desleal e atos que restrinjam a livre competência, dano ambiental, infração dos direitos de propriedade
intelectual, gestão de negócios, enriquecimento injusto, etc., possibilitando às partes, ademais, a escolha da
lei aplicável mediante acordo posterior ao fato gerador do dano (art. 14).
4
Neste sentido, são interessantes as observações dos expertos reunidos pelo Comitê Jurídico
Interamericano, as quais estão disponíveis no documento: Informe Anual del Comité Jurídico Interamericano
a la Asamblea General. Rio de Janeiro: OEA, 2003.
Parte superior do formulário
3
2
O Direito Internacional Privado brasileiro deixou de regulamentar as
especificidades do tema no âmbito interno. Da mesma forma, a doutrina
nacional pouco evoluiu sobre a questão.
Diante deste panorama, delinear a lei aplicável e a jurisdição competente
no Direito brasileiro de fonte convencional e interna é o desafio proposto e o
objeto do presente artigo.
2
–
O
Conceito
de
Responsabilidade
Civil
Extracontratual
e
Sua
Classificação
De acordo com a exposição feita pela Drª Ana Elizabeth Villalta Vizcarra,
ao momento de relatar os trabalhos da CIDIP VI:
“Responsabilidad
Civil
Extracontractual
son
aquellas
obligaciones
no
provenientes de un contrato sino por el contrario nacidas al margen de la
autonomía de la voluntad de las personas, es decir, se originan en obligaciones
que nacen fuera del ámbito convencional y pueden provenir de diversas fuentes:
las cuasi-contractuales, las delictuales, las cuasi-delictuales y de fuente legal.”
A
respeito
da
classificação
das
obrigações
extracontratuais,
é
interessante destacar as observações da Professora Liliana Etel Rapallini, para
quem:
“Las legales surgen de una obligación jurídica principal que le sirve de base y
constituye su causa; las cuasi-contractuales constituyen una noción difícil para
la ciencia del derecho tanto que civilistas de la talla de Albaladejo, Castán
Tobeñas o Puig Peña consideran que estos vínculos jurídicos no tienen entidad
propia, que no existen como tales; se les reconoce ser hechos lícitos y
3
puramente voluntarios de los que resulta obligado su autor para con un tercero
y a veces una obligación recíproca entre los interesados, es casi un contrato
que carece de su elemento constitutivo esencial en suma, le falta un acuerdo
efectivo y manifiesto de voluntades. Finalmente ubicamos a las obligaciones
nacidas de delitos o faltas que se regirán por las disposiciones del Código Penal
motivo en el que será menester reparar.” 5
Ou seja, diante de obrigações nascidas sem convenção ou acordo entre
as partes, as quais podem ter diversas origens, como assinalado anteriormente,
surge o dever de indenizar os danos causados, se existe nexo de causalidade
entre a conduta do agente e o resultado produzido. Ademais, tal resultado vem
representado pela lesão no patrimônio ou na integridade física de uma pessoa,
que, por conseguinte, pode ser material ou imaterial.
De qualquer forma, o que se observa a respeito da matéria, de acordo
com Hee Moon Jo, é que nas obrigações extracontratuais que dão origem ao
dever de reparação do dano está presente, em grande medida, o interesse
público em manter a justiça e o equilíbrio entre as partes. Assim, conforme o
professor mencionado: “Para atender a esse objetivo público da autoridade
local, o lugar de ocorrência tem prioridade tanto sobre a jurisdição quanto sobre
a lei aplicável, não importando a nacionalidade ou o domicílio das partes” 6 .
Seguindo esta ordem de ideias, no mundo todo, o princípio mais aceito em
matéria de responsabilidade civil extracontratual continua sendo o da lex loci
delicti, conhecido como lei do lugar de ocorrência do dano 7, o qual exerce forte
5
Rapallini, Liliana Etel. Tratamiento de las Obligaciones Extracontractuales en el Derecho Internacional
Privado, Regional y Comunitario Argentino. El Derecho. Buenos Aires: ED, t.202, p.764, 2003.
6
Jo, Hee Moon. Moderno Direito Internacional Privado. São Paulo: LTr, 2001, p.464.
7
É interessante mencionar que: “En la segunda mitad del Siglo XX, no obstante, muchas jurisdicciones del
derecho común se apartaron de la lex loci delicti en favor de la norma crecientemente popular de aplicar la
ley que guarda una relación más significativa con el caso” (Vásquez, Carlos Manuel. Op. cit.) Isto deu origem
à teoria da proximidade ou dos vínculos mais estreitos.
4
influência no Direito brasileiro de fonte convencional e interna, conforme será
analisado adiante.
3 – Direito Internacional Privado de Fonte Convencional
Em
matéria
de
responsabilidade
civil
extracontratual
que
envolve
elementos estrangeiros, existem quatro grandes convenções com as quais o
Brasil está vinculado: a primeira, no âmbito americano, aborda praticamente
todos os temas do Direito Internacional Privado e, por sua vez, destina alguns
dispositivos para as obrigações que não nascem da vontade; a segunda, no
âmbito regional integrado, trata especificamente dos acidentes de trânsito
ocorridos no território dos Estados-Membros do Mercosul; a terceira, de alcance
mundial, desenvolve o tema da responsabilidade civil extracontratual decorrente
da contaminação do mar pelo derramamento de petróleo; e a última, também de
extensão mundial, trata da responsabilidade civil derivada de danos nucleares.
Estes quatro instrumentos internacionais serão analisados a seguir, para
determinar a lei aplicável e a jurisdição competente no Direito Convencional
brasileiro.
3.1 O Código Bustamante
O Código de Direito Internacional Privado ou simplesmente Código
Bustamante, adotado na VI Conferência Interamericana realizada em 1928, em
Havana, além do Brasil, tem como Estados ratificantes: Bolívia, Costa Rica,
Chile,
República
Dominicana,
Equador,
El
Salvador,
Guatemala,
Haiti,
Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru e Venezuela.
Este Código, no art. 167, estabelece que as obrigações originadas de
delitos ou faltas se regulam pelo mesmo direito que o delito ou a falta de que
procedem. No artigo seguinte, da mesma forma, segue o critério clássico da lex
5
loci delicti, dizendo que a lei aplicável será a do Estado onde se produziu o fato
causador do dano. Neste sentido, destaca o Professor Jacob Dolinger:
“O Código Bustamante dispõe no artigo 168 que as obrigações decorrentes de
atos ou omissões que envolvam culpa ou negligência que a lei não pune serão
regidas de acordo com a lei do lugar da ocorrência da negligência ou da culpa –
lex loci delicti, na clássica versão do local da causa.” 8
Com relação aos quase contratos, a matéria vem regulada nos arts. 220 a
222 do Código citado. Ou seja, a gestão de negócios alheios é regulada pela lei
do lugar em que se efetua dita gestão, o enriquecimento sem causa é regido
pela lei pessoal comum das partes e, no seu defeito, pela lei do lugar em que se
fez o pagamento. Para todos os demais quase contratos, se aplica a lei que
regula a instituição jurídica do qual se originam.
Especificamente no que se refere à lei aplicável às colisões em águas
territoriais ou no espaço aéreo territorial, esta vem estabelecida nos arts. a 289
a 294 do Código mencionado. Sintetizando estes dispositivos, Carlos Manuel
Vásquez destaca que:
“Bajo el Código Bustamante, las colisiones que tienen lugar en el territorio
nacional están regidas por la bandera común, o si no existe bandera común,
entonces la ley del lugar donde se produjo la colisión, mientras que las
colisiones en o por encima del alto mar se rigen por la bandera común, o si no
existe bandera común, por la ley de bandera del navío infractor. Si la colisión
está exenta de culpa, entonces cada uno es responsable por la mitad de los
daños causados.” 9
8
Dolinger, Jacob. Contratos e Obrigações no Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Renovar, 2007,
p.416.
9
Vásquez, Carlos Manuel. Op. cit.
6
No tocante à jurisdição internacional, convém destacar que o Código em
estudo não estabelece uma norma específica que indique o juiz competente
para os casos de responsabilidade civil extracontratual. Segundo Cecília
Fresnedo de Aguirre,
“el Código Bustamante establece de forma general, para acciones civiles y
comerciales, la competencia del juez ‘a quien los litigantes se sometan expresa
o tácitamente, siempre que uno de ellos por lo menos sea nacional del Estado
contratante a que el juez pertenezca o tenga en él su domicilio y salvo el
derecho local contrario’ (art. 318). Y fuera de los casos de sumisión, la de los
jueces ‘del lugar del cumplimiento de la obligación o el del domicilio de los
demandados y subsidiariamente el de su residencia’ (art. 323)” 10 .
Como se pode observar, o Código Bustamante brinda às partes um leque
de jurisdições competentes, já que não possui uma regra determinada para os
casos
de
danos
decorrentes
de
atos
ilícitos
ou
outras
hipóteses
de
responsabilidade extracontratual.
3.2 O Protocolo de San Luis em Matéria de Responsabilidade Civil
Emergente de Acidentes de Trânsito Entre os Estados-Partes do Mercosul
No Mercosul, em 25.06.1996, foi aprovada a Decisão CMC nº 01/96,
segundo a qual se estabeleceu o Protocolo de San Luis em Matéria de
Responsabilidade Civil Emergente de Acidentes de Trânsito entre os EstadosPartes do Mercosul 11, o qual entrou internacionalmente em vigor no dia
19.08.1999 12.
10
Fresnedo De Aguirre, Cecilia. Obligaciones Extracontractuales. In: Fernández Arroyo, Diego P. (coord.).
Derecho Internacional Privado de los Estados del Mercosur: Argentina, Brasil, Paraguay y Uruguay. Buenos
Aires: Zavalia, 2003, p.1182.
11
Este Protocolo recepcionou as soluções adotadas pelo Convênio sobre Responsabilidade Civil Emergente
de Acidentes de Trânsito, celebrado entre Argentina e Uruguai, em 08.07.1991, e, ademais, leva em
7
Conforme determina o art. 1º, este Protocolo regulamenta a lei aplicável e
a jurisdição competente nos casos de acidentes de trânsito que ocorram no
território de um Estado-Parte, nos quais participem ou resultem afetadas
pessoas domiciliadas no território de outro Estado-Parte.
Para auxiliar a aplicação das disposições legais contidas no seu texto, o
art. 2 traz a qualificação autárquica de “domicílio” das pessoas físicas e
jurídicas. Neste sentido, segundo Cecília Fresnedo de Aguirre, o Protocolo, no
artigo mencionado, agrega “conexiones subsidiarias tomadas del art. 2 de a
Convenci?n Interamericanala Convención Interamericana sobre domicilio de las
personas físicas en el DIPr (CIDIP II): residencia habitual, centro principal de
sus negocios y simple residencia. Si se tratare de personas jurídicas se
considerará que tienen su domicilio en la sede principal de su administración, y
si poseen sucursales, establecimientos, agencias o cualquier otra especie de
representación, el lugar donde cualquiera de éstas funcionen” 13.
No que tange ao direito aplicável, o Protocolo regulamenta a matéria nos
arts. 3 a 6, consagrando o princípio da lex loci delicti, ao determinar que: “A
responsabilidade civil por acidentes de trânsito será regida pelo direito interno
do Estado-Parte em cujo território ocorreu o acidente” (art. 3, primeira parte).
Adotando tal redação, segundo destaca Liliana Etel Rapallini, o Protocolo se
vale de uma técnica codificadora atualizada, uma vez que elimina o reenvio, ao
estabelecer que se aplica o direito interno do Estado onde o fato danoso
ocorreu 14.
consideração o Convênio de Haia, de 04.05.1971, sobre Lei Aplicável em Matéria de Acidentes de
Circulação Rodoviária.
12
No Brasil, este Protocolo foi aprovado pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 259, de 15.12.
2000, e finalmente promulgado pelo Decreto Presidencial nº 3.856, de 03.07.2001.
13
Fresnedo de Aguirre, Cecilia. Op. cit., p.1192.
14
Rapallini, Liliana Etel. Tratamiento de las Obligaciones Extracontractuales en el Derecho Internacional
Privado, Regional y Comunitario Argentino. Op. cit. p.768.
8
Por outro lado, é de se destacar que o tratado igualmente incorpora uma
regra alternativa e mais flexível, na segunda parte do artigo mencionado,
quando adota o critério da proximidade, de forma que: “Se no acidente
participarem ou resultarem atingidas unicamente pessoas domiciliadas em outro
Estado-Parteem outro Estado-Parte, o mesmo será regido pelo direito interno
deste último” 15. Ou seja, se no desastre automobilístico ocorrido no Estado A
estão envolvidas unicamente pessoas domiciliadas no Estado B, não há por que
aplicar o direito do lugar onde aconteceu o acidente, uma vez que o direito mais
próximo às partes, que são domiciliadas no mesmo território, é justamente o do
seu domicílio 16.
Com relação à responsabilidade por danos em coisas alheias aos veículos
acidentados como consequência do sinistro, o art. 4 determina que será
aplicado o direito interno do Estado-Parte no qual ocorreu o fato 17, seguindo,
portanto, a regra geral lex loci delicti.
Independentemente de qual seja o direito aplicável, o art. 5 dita que
sempre serão levadas em consideração as regras de circulação e segurança
vigentes no lugar e no momento da produção do acidente, seguindo o
15
Segundo María Elsa Uzal, existe “una corriente favorable a la aplicación de la ley común de las partes
sobre las lex loci” (Uzal, María Elsa. Determinación de la Ley Aplicable en Materia de Responsabilidad Civil
Extracontractual en el Derecho Internacional Privado. El Derecho. Buenos Aires: ED, t.140, p.848, 1990). É o
caso, por exemplo, do Protocolo de San Luis, que adota a regra da lex communis na segunda parte do já
mencionado art. 3º.
16
A Convenção sobre Lei Aplicável aos Acidentes de Circulação Rodoviária, de Haia, igualmente fixa como
lei aplicável a lei do país onde se produziu o acidente, mas estabelece exceções, principalmente a favor da
lei do país no qual o veículo está registrado (Dolinger, Jacob. Op. cit., p.384).
17
É importante destacar que, conforme Maria do Carmo Caminha, nos casos de responsabilidade civil por
danos causados a coisas alheias, não se alterará o direito aplicável em nenhuma hipótese, o qual segue
sendo o do lugar de comissão do delito, mesmo que a lei aplicável às demais hipóteses seja a do domicílio
das partes. Segundo a professora: “Para essas hipóteses, como por exemplo, se em acidente restar
danificado o muro de um prédio, o seu proprietário, quando requerer a indenização, deverá valer-se da lex
fori, do local onde ocorreu o acidente, mesmo que a competência legislativa desloque-se em razão do
domicílio dos protagonistas do sinistro para o país daqueles” (Puccini Caminha, Maria do Carmo.
Responsabilidade Civil por Acidente de Trânsito no Mercosul e o Protocolo de San Luis. In: Colegio de
Abogados
de
Quilmes
–
Instituto
de
Derecho
de
la
Integración.
Disponível
em:
http://www.caq.org.ar/img/G.pdf. Acesso em: 15 nov. 2009).
9
antecedente instaurado pela Convenção de Haia sobre Lei Aplicável em Matéria
de Acidentes de Circulação Rodoviária, art. 7.
Por fim, o Protocolo ainda menciona, no seu art. 6, que a lei aplicável se
determinará com relação: a) às condições e extensão da responsabilidade; b) às
causas de exoneração, assim como toda delimitação de responsabilidade; c) à
existência e à natureza dos danos suscetíveis de reparação; d) às modalidades
e extensão da reparação; e) à responsabilidade do proprietário do veículo pelos
atos ou fatos produzidos pelos seus dependentes, subordinados ou qualquer
outro usuário a título legítimo; e f) à prescrição e caducidade.
No
pertinente à
jurisdição,
segundo destaca o Professor Eduardo
Tellechea Bergman:
“El art. 7 del Protocolo de San Luis reproduce el artículo de igual numeración
del Convenio uruguayo-argentino en la materia y realiza al igual que aquel una
apertura de foros, consagrando a elección del actor una triple opción entre los
tribunales del Estado Parte de: a – donde se produjo el accidente; b – del
domicilio del demandado; y c – del domicilio del demandante. Opciones
jurisdiccionales
que
comienzan
a
registrarse
conjuntamente
con
relativa
frecuencia en un mismo caso judicial a causa del notorio incremento del
transporte automotor entre los Estados de la región, pues, v.g., un accidente de
tránsito puede ocurrir en Uruguay, el demandado domiciliarse en Brasil y el
actor en Argentina o Paraguay.” 18
A respeito da questão de ser competente o juiz do domicílio do
demandado, seguramente este critério possibilita ao suposto produtor do dano
melhores possibilidades de defesa. Da mesma forma, quando o juiz competente
18
Tellechea Bergman, Eduardo. Nuevas Regulaciones Regionales en Materia de Jurisdicción Internacional.
Los vigentes Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdicción Internacional en Materia Contractual y de San
Luis en Materia de Responsabilidad Civil Emergente de Accidentes de Tránsito. El Dial – Suplemento de
Derecho Internacional Privado y de la Integración, 29 set. 2006.
10
é o do domicílio do autor, verifica-se claramente a intenção do legislador
mercossulino de proteger o danificado. Porém, quando tem jurisdição o juiz do
lugar onde se produziu o acidente, aparecem questões distintas. Neste sentido,
de acordo com o Professor supracitado:
“Atribuye competencia internacional a tribunales razonablemente vinculados con
el accidente y muy especialmente con la prueba de los hechos acaecidos.
Asimismo en el caso de accidentes entre personas domiciliadas en distintos
Estados Parte, los magistrados del lugar del siniestro serán además los del
Estado a cuya ley corresponda regular la responsabilidad emergente del mismo,
art. 3. Por lo que en esta hipótesis la conexión resulta coincidente con la
tradicional solución del forum causae u objetiva indirecta, básica en el Derecho
Internacional Privado regional, atributiva de jurisdicción a los jueces del Estado
a cuya ley se encuentra sujeta la relación jurídica materia del juicio.” 19
Finalmente, é importante registrar que o Protocolo de San Luis, ao
permitir às partes a eleição da jurisdição competente através de critérios
alternativos que instauram jurisdições concorrentes, abre a possibilidade de que
sejam propostas ações judiciais em diversos Estados-Membros, uma vez que
nada disciplina sobre a questão da litispendência internacional. Neste sentido,
são valiosas as observações do Professor Beat Walter Rechsteiner, para quem:
“Com relação às partes de um processo civil, ao qual é aplicável o protocolo,
isso significa que podem ser instaurados processos judiciais em diversos
Estados-Membros do Mercosul, por se tratar de foros relativos ou concorrentes.
Quando essas lides entre as partes são idênticas e ambas são partes
demandantes
em
diversos
países-membros
do
Mercosul,
podem
ocorrer
sentenças contraditórias, o que não é desejável. Nesses casos, o objetivo
principal do protocolo, que é a segurança jurídica que garanta soluções justas e
a harmonia das decisões, justamente não é atingido. Por esse motivo, a nosso
19
Tellechea Bergman, Eduardo. Op. cit.
11
ver, é fundamental que o protocolo no futuro preveja o reconhecimento da
litispendência internacional nas mesmas condições em todos os EstadosMembros do Mercosul.” 20
3.3 A Convenção de Bruxelas de 1969 Sobre Responsabilidade Civil por
Danos Causados pela Poluição por Óleo
A respeito dos danos ambientais causados por derramamento de petróleo
no mar, cabe destacar que o Brasil faz parte da Convenção de Bruxelas, de
29.11.1969, sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados por Poluição por
Hidrocarbonetos 21.
Segundo esta Convenção, a qual sofreu posteriores modificações 22,
ocorrendo um sinistro ambiental no território de um Estado Contratante, incluído
o seu mar territorial, o proprietário do navio será obrigado a indenizar todos os
prejuízos sofridos, estando definidos no art. 5º deste Tratado os limites
indenizatórios 23.
De fato, o objetivo buscado por esta Convenção, segundo Irineu Strenger,
é
“garantir uma indenização equitativa e satisfatória às pessoas vítimas dos
danos causados por uma poluição devida aos hidrocarburos, depois de um
20
Rechsteiner, Beat Walter. Direito Internacional Privado: teoria e prática. São Paulo: Saraiva, 2007, p.373.
Cumpre destacar que o Direito brasileiro não admite a litispendência internacional, segundo determina o art.
90 do Código de Processo Civil: “A ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem
obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas”.
21
Esta Convenção foi promulgada pelo Decreto nº 79.437, de 28.03.1977.
22
As modificações posteriores foram feitas: a) pela Convenção de 1971, que criou um Fundo de Indenização
para os Prejuízos Ocasionados por Hidrocarbonetos, revisada em 2003, e b) pelos Protocolos de 1976,
1984,
1992
e
2000,
a
respeito
dos
limites
de
indenização
(Disponível
em:
<http://www.imo.org/Conventions/mainframe.asp?topic_id=256&doc_id=660> Acesso em: 24 nov. 2009).
23
No caso de falta ou culpa do proprietário, segundo a Convenção de 1969, este perde o direito a limitar sua
responsabilidade.
12
acidente
ocorrido
no
mar
num
navio
transportando
hidrocarburos.
A
responsabilidade desses danos é imputada ao proprietário do navio de onde
provém a FRITE ou o dejeto de hidrocarburos. A responsabilidade de que fica
assim encarregado o proprietário do navio é uma responsabilidade objetiva,
independente de qualquer ideia de falta sem reserva de certas exceções
particulares” 24.
No que tange à jurisdição internacional, da redação do art. 9º 25 se verifica
que serão competentes os juízes do Estado Contratante (ou dos Estados
Contratantes) onde se produziu a contaminação 26, seguindo o ponto de conexão
tradicional da lex loci delicti.
Com relação à lei aplicável, a Convenção mencionada nada diz a respeito.
Não obstante, é possível desenvolver o seguinte raciocínio: se é competente o
tribunal do lugar onde se produziu o dano, o juiz deste local aplicará o seu
direito interno 27, que será então o direito do lugar onde ocorreu a contaminação
ambiental.
24
Strenger, Irineu. Responsabilidade Civil no Direito Interno e Internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2000,
p.370.
25
Dita o art. 9º, inciso 1: “quando um incidente tiver causado dano por poluição num território, incluindo o
mar territorial de um ou mais Estados Contratantes, ou quando em tal território, incluindo o mar territorial,
foram tomadas medidas preventivas para evitar ou minimizar o dano pela poluição, as ações para
indenização somente poderão ser impetradas nos tribunais desse ou desses Estados Contratantes. A
existência de tais ações deverá ser comunicada, dentro de um prazo razoável, ao demandado”.
26
Este é o mesmo critério adotado pela Convenção sobre Responsabilidade Civil por Danos por Poluição de
Hidrocarbonetos, derivada da Exploração dos Recursos Minerais do Setor Marinho (Londres, 17.12.1976),
não ratificada pelo Brasil. Esta Convenção, no seu art. 11.1, determina que: “las acciones para resarcimiento
de daños en virtud del presente Convenio podrán ser interpuestas solamente ante los tribunales del Estado
Parte en el que se produjeron los daños por contaminación como consecuencia del siniestro o ante los
tribunales del Estado controlador. A los efectos de determinar dónde se produjeron los daños, los daños
sufridos en una zona donde, de conformidad con el Derecho Internacional, un Estado tiene derechos
soberanos sobre los recursos naturales, se considerará que fueron sufridos en dicho Estado”. O mesmo
ponto de conexão também foi adotado pela Convenção sobre Responsabilidade Civil por Danos devidos à
Poluição por Hidrocarboneto para Combustível de Navios, de 23.03.2001. O art. 9º deste Convênio
estabelece a jurisdição exclusiva do Estado-Parte no qual se produziram os danos por poluição. Esta
Convenção entrou em vigência recentemente, em 21.11.2008, e conta atualmente com 40 ratificações,
sendo
que
o
Brasil
não
é
ratificante
(Informações
disponíveis
em:
<http://www.imo.org/Conventions/mainframe.asp?topic_id=248>. Acesso em: 25 nov. 2009).
27
No famoso caso “Amoco-Cádiz”, um petroleiro de bandeira liberiana que derramou 230.000 litros de
petróleo na costa da França, em 16.03.1978, o juiz norte-americano que julgou a ação indenizatória
destacou que: “De acuerdo al lugar donde se produjeron los daños, debería aplicarse el derecho francés”.
13
Por fim, é necessário mencionar que devido à importância do tema do
dano ambiental e seus reflexos, desde a segunda metade do século passado, se
registra um aumento no número de instrumentos internacionais que estão sendo
elaborados com o objetivo de buscar uma progressiva proteção do meio
ambiente, com base no desenvolvimento sustentável e na responsabilidade civil
do causador do dano ambiental.
3.4 A Convenção de Viena de 1963 Sobre Responsabilidade Civil Por Danos
Nucleares
A partir das duas explosões atômicas, ocorridas em agosto de 1945,
cresceu no mundo a preocupação pela regulação das atividades vinculadas à
energia nuclear. Neste contexto, em 21.05.1963, em Viena, foi celebrada a
Convenção Sobre Responsabilidade Civil por Danos Nucleares, incorporada ao
ordenamento brasileiro pelo Decreto nº 911, de 03.09.1993.
O tratado mencionado, em termos de direito aplicável, estabelece em seu
art. 8º que será aplicada a lei do tribunal competente em matéria de natureza,
forma,
extensão
da
indenização
e
distribuição
equitativa
do
montante
indenizatório. Ou seja, a lei aplicável dependerá de quem for o juiz competente,
o qual, por consequência, aplicará seu direito interno para solucionar o conflito.
Em razão de que a ação foi apresentada ante os tribunais norte-americanos e que não foi provado que o
direito francês era diferente do direito dos Estados Unidos, se terminou solucionando a demanda com base
no direito norte-americano (Castelli, Luis. La Contaminación de las Aguas Marinas (El Caso Amoco-Cádiz).
La Ley. Buenos Aires: LL, t.1993-D, 1993). No famoso caso “Amoco-Cádiz”, um petroleiro de bandeira
liberiana que derramou 230.000 litros de petróleo na costa da França, em 16.03.1978, o juiz norte-americano
que julgou a ação indenizatória destacou que: “De acuerdo al lugar donde se produjeron los daños, debería
aplicarse el derecho francés”. Em razão de que a ação foi apresentada ante os tribunais norte-americanos e
que não foi provado que o direito francês era diferente do direito dos Estados Unidos, se terminou
solucionando a demanda com base no direito norte-americano (Castelli, Luis. La Contaminación de las
Aguas Marinas (El Caso Amoco-Cádiz). La Ley. Buenos Aires: LL, t.1993-D, 1993).
14
Com relação à jurisdição competente, o art. 11 segue a regra da lex loci
delicti, estabelecendo, no § 1º, que: “Os únicos tribunais competentes para
conhecer das ações movidas de conformidade com o disposto no art. 2º serão
os da Parte Contratante em cujo território tenha ocorrido o acidente nuclear”.
Porém, para determinar o juiz competente quando o fato gerador do dano
ocorreu fora do território de um Estado contratante ou quando não seja possível
determinar precisamente o lugar do acidente, o tratado fixa como competentes
os tribunais “do Estado da instalação do operador responsável” (§ 2º).
Por outro lado, em matéria de jurisdição concorrente, o § 3º do artigo
mencionado estabelece que:
“Quando, de conformidade com o disposto nos §§ 1º e 2º deste artigo, forem
competentes os tribunais de duas ou mais Partes Contratantes, a competência
será atribuída:
a) se o acidente nuclear ocorrer parcialmente fora do território de qualquer
Parte Contratante ou parcialmente no de uma única Parte Contratante, aos
tribunais desta última;
b) em todos os demais casos, aos tribunais da Parte Contratante designada de
comum acordo pelas Partes Contratantes, cujos tribunais sejam competentes de
conformidade com o disposto nos §§ 1º e 2º deste artigo.”
4 – Direito Internacional Privado de Fonte Interna
Uma vez já analisado o Direito de fonte convencional, convém, agora,
determinar, no Direito de fonte interna, qual a lei aplicável aos casos de
responsabilidade civil extracontratual e qual a jurisdição competente, conforme
as normas brasileiras.
15
Não obstante, é importante destacar que o Direito Interno brasileiro não
aborda a matéria de forma específica, sendo necessário, para poder determinar
os pontos de conexão que indicam o direito aplicável e o juiz competente,
recorrer às regras gerais do Direito Internacional Privado que estão vigentes no
País.
4.1 Lei Aplicável
As regras pertinentes à lei aplicável para o Direito Internacional Privado
brasileiro vêm contidas na Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), Decreto-Lei
nº 4.657/1942.
Assim, a LICC, em seu art. 9º, determina que: “Para qualificar e reger as
obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”. Ou seja, em
matéria de obrigações, sem se fazer a devida distinção entre obrigação
contratual e extracontratual, a lei aplicável será a do país onde se constitui o
ato ou o fato que lhe deu origem. Neste sentido, Cecília Fresnedo de Aguirre
destaca que: “En Brasil, se ha producido una aproximación de dos regímenes
obligacionales (extracontractual y contractual). El denominado régimen unitario
intenta unirlos (art. 9º, LICC)” 28.
Desta forma, se é aplicada a lei do lugar onde se constitui a obrigação, o
sistema brasileiro de fonte interna nos remete à lei do lugar de comissão do ato
ou fato ilícito, seguindo os delineamentos gerais da regra lex loci delicti.
Especificamente com relação à gestão de negócios, não existem, no
direito interno, regras de conflito. Deste modo, quando se buscam soluções para
os casos nos quais um terceiro administrou, sem autorização expressa do
titular, os seus negócios, causando-lhe um dano, é necessário recorrer à
28
Fresnedo de Aguirre, Cecilia. Op. cit., p.1195.
16
doutrina, que também é escassa sobre o tema. Na tentativa de elucidar a
questão, Hee Moon Jo assevera que: “O DIPr não disponibiliza expressamente
esse sistema, deixando-se a solução para a doutrina, em que a teoria da lei do
lugar de gestão é dominante” 29. Para este professor, a lei do lugar onde ocorreu
a gestão dos negócios resolverá todas as questões relacionadas à constituição
e aos efeitos dos atos adotados 30.
No pertinente ao enriquecimento sem causa e à responsabilidade do
produtor 31 pelos danos causados pelo produto, igualmente o direito de fonte
interna nada diz a respeito. A doutrina, da mesma forma, se contenta com o
estudo do direito comparado, sem indicar soluções para o sistema brasileiro. De
qualquer modo, parece que a adoção da regra da aplicação do direito do lugar
onde se deu o enriquecimento sem causa, adotada nos Estados Unidos, França,
Itália, Portugal, Suíça e Japão, entre outros países, poderia ser a mais
adequada 32, por se aproximar ao sistema da regra geral da lex loci delicti. Ou
seja, se aplicaria a lei do lugar de comissão do ato que deu origem ao
enriquecimento ilícito. Adotando-se o mesmo raciocínio para o tema da
responsabilidade do produtor, se poderia chegar à aplicação da lei do lugar de
29
Jo, Hee Moon. Op. cit., p.465.
Jo, Hee Moon. Op. cit., p.465.
31
É de se destacar que no âmbito internacional existem dois grandes instrumentos que regulam a questão
da responsabilidade do produtor, que são: a) a Convenção de Haia sobre Lei Aplicável à Responsabilidade
Civil pela Fabricação de Produtos, de 1973; e b) a Diretriz sobre Responsabilidade de Produtos da União
Europeia, do mesmo ano. Com relação à Convenção de Haia, ainda que esta parta da regra clássica da lex
loci delicti, introduz ajustes para equilibrar os interesses entre a vítima do dano e o responsável pela sua
produção, levando em consideração os critérios de previsibilidade do mercado onde os produtos do
fabricante são comercializados. Neste sentido, conforme Jacob Dolinger, a Convenção mencionada adota
basicamente quatro pontos de conexão: “1) lugar da residência habitual da pessoa que diretamente sofreu o
dano; 2) principal local de negócios da pessoa considerada responsável; 3) local onde o produto foi
adquirido pela pessoa diretamente vitimada; 4) local em que ocorreu o dano” (Dolinger, Jacob. Op. cit.,
p.396) Já com relação à União Europeia, em 1985, foi editada a Diretiva nº 374, do Conselho, relativa à
aproximação das disposições legais, regulamentárias e administrativas dos Estados-Membros em matéria de
responsabilidade pelos danos causados por produtos defeituosos, a qual teve seu âmbito de aplicação
ampliado para as matérias-primas agrícolas e os produtos da caça, em 1999, pela Diretiva nº 34.
32
Para a determinação da lei aplicável ao enriquecimento sem causa, existem várias teorias. Entre estas, se
destacam a teoria da lex fori, a teoria da lei do país da nacionalidade do devedor, a da lei do país do
domicílio do devedor, a da lei aplicável às relações básicas ocorridas e a do local do enriquecimento (Jo,
Hee Moon. Op. cit., p.466).
30
17
ocorrência do fato gerador do dano como sendo o local onde se produziram
objetivamente os resultados, para efeitos de lei aplicável 33.
Com relação ao ato ilícito propriamente dito, o Direito Internacional
Privado brasileiro tampouco tem uma disposição específica a respeito 34,
deixando a solução para a doutrina, a qual demonstra uma forte inclinação pela
adoção da teoria da lex loci delicti comissi
35
. Neste sentido, adverte Cecília
Fresnedo de Aguirre:
“La regla de conexión de la lex loci, que hasta hoy es la norma del DIPr
brasileño, ha sido muy criticada, porque el elemento de conexión es abstracto,
siendo muy rígido para ser aplicable a una variedad de casos. A pesar de las
tendencias a la flexibilización en el derecho comparado, en el sistema autónomo
brasileño la regla sigue siendo, por ejemplo en materia de accidentes, la ley del
lugar donde éstos se producen.” 36
Não obstante, é necessário destacar os esforços realizados pelos
redatores do Projeto de Lei nº 4.905/1995, o qual, em seu art. 12, buscou
introduzir no âmbito nacional, ainda que de forma incipiente, a regra dos
vínculos mais estreitos ou princípio da proximidade, o que representou uma
tentativa de flexibilização do ponto de conexão tradicionalmente adotado.
Segundo o dispositivo mencionado:
33
Neste sentido, o Professor Hee Moon Jo destaca que: “Com relação à determinação do direito aplicável,
tem-se visto que, na relação jurídica da responsabilidade do produto por ato ilícito, a lei aplicável seria a lei
da ocorrência. Para o efeito de interpretação do local de ocorrência, isso deve ser entendido pelo local onde
ocorreu efetivamente o resultado, em vez do local onde foi cometido o ato. Isso é lógico, porque a
responsabilidade do produto é a responsabilidade sem culpa; portanto, o local onde ocorreu efetivamente o
dano pelo uso do produto é a base jurídica para responsabilizar o fabricante” (Jo, Hee Moon. Op. cit., p.471).
34
Conforme Haroldo Valladão, “o princípio tradicional aparece nos Projetos Coelho Rodrigues, art. 29,
Beviláqua, 36, Revisto, 35, desaparecendo no Código afinal qualquer texto sobre a matéria” (Strenger,
Irineu. Direito Internacional Privado. Op. cit., p.728).
35
Jo, Hee Moon. Op. cit., p.469.
36
Fresnedo De Aguirre, Cecilia. Op. cit., p.1196.
18
“Art. 12. – Obrigações por atos ilícitos – As obrigações resultantes de atos
ilícitos serão regidas pela lei que com elas tenha vinculação mais estreita, seja
a lei do local da prática do ato ou a do local onde se verificou o prejuízo.”
Em que pese o esforço referido, a opção feita pelo Projeto de Lei em
destaque não foi acolhida pelo Congresso Nacional 37.
4.2 Jurisdição Competente
Em matéria de jurisdição, as regras de conflito vêm dispostas no Código
de Processo Civil, Lei nº 5.869/1973, que nos seus arts. 88 a 90 regula a
competência internacional.
À responsabilidade civil extracontratual se aplica o art. 88, incisos I e III,
do Código mencionado. Por estes dispositivos, é competente a autoridade
judicial brasileira quando o demandado esteja domiciliado no Brasil (art. 88, I)
ou se a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no país (art. 88,
III) 38.
Ou seja, o art. 88, no seu inciso I, recepta a norma do actor sequitur
forum rei, conforme a qual o autor vai ao foro do demandado. Isto porque
“siempre será competente la autoridad jurisdiccional brasileña cuando el
demandado esté domiciliado en Brasil. La norma consagra el principio general
del domicilio (arts. 31 y 32 del CC) como definidor de la competencia, sin
prestar relevancia al concepto de nacionalidad. En este caso no basta con la
residencia para que se pueda invocar esta regla jurídica. En el caso de
37
Infelizmente, o Projeto de Lei mencionado foi retirado de votação enquanto tramitava na Câmara de
Deputados, em 1997. O Projeto seguinte, de nº 243/2002, sequer aborda a temática.
38
Segundo Carlos Manuel Vásquez: “En los países del derecho civil en América Latina, la ley nacional
normalmente autoriza la jurisdicción personal del tribunal en el domicilio del demandado o donde se produce
el acto/hecho ilícito. Esta autorización se encuentra en los Tratados de Montevideo así como en los códigos
civiles nacionales, incluyendo el Código Brasileño de Proceso Civil” (Vásquez, Carlos Manuel. Op. cit.).
19
pluralidad de domicilios, basta que uno de ellos esté en Brasil (Pontes de
Miranda)” 39.
Por outro lado, o inciso III do artigo mencionado reconhece a teoria do
actor sequitur forum factis causans, segundo a qual o autor vai ao foro
determinado pelo lugar de ocorrência do fato. Assim, conforme a doutrina, o art.
88, inciso III: “determina la competencia brasileña en relación con los actos
practicados en el territorio nacional; en la idea de hecho, debe incluirse el
hecho ilícito” 40.
Ademais, convém destacar que o art. 88 traz as hipóteses de competência
concorrente da justiça brasileira, onde a norma nacional não exclui a
competência de outros Estados.
5 – Considerações Finais
O tema da responsabilidade civil extracontratual internacional, durante
muitos anos, foi deixado à margem das preocupações dos juristas. Entretanto, a
partir do incremento das relações jurídicas que se conectam com mais de um
ordenamento jurídico, a busca de soluções adequadas em matéria de danos
vem crescendo gradualmente.
Com relação ao Direito Internacional Privado brasileiro, nota-se que a
doutrina é escassa, assim como não existe um desenvolvimento jurisprudencial
sobre a temática nos tribunais supremos. Desta forma, para a construção dos
pilares nos quais se baseia a responsabilidade civil extracontratual com
elementos estrangeiros, é necessário recorrer a uma análise generalizada do
39
Dreyzin de Klor, Adriana y otros. Dimensión Autónoma de los Sistemas de Jurisdicción Internacional de los
Estados Mercosureños. In: Fernández Arroyo, Diego P. (coord.). Derecho Internacional Privado de los
Estados del Mercosur: Argentina, Brasil, Paraguay y Uruguay. Buenos Aires: Zavalia, 2003, p.241-242.
40
Dreyzin De Klor, Adriana e outros. Op. cit. p.242.
20
sistema jurídico do País, de fonte convencional e interna, para então extrair
quais são as regras de conflito em matéria de lei aplicável e jurisdição
competente.
Em nível convencional, verifica-se que o critério geral adotado para a
determinação da lei aplicável é o da lex loci delicti, o qual igualmente está
presente no direito interno. Não obstante, o Protocolo de San Luis em Matéria
de Responsabilidade Civil Emergente de Acidentes de Trânsito entre os
Estados-Partes do Mercosul, além de adotar o critério da lei do lugar de
comissão do ato, emprega um ponto de conexão mais flexível, que é o da lei do
domicílio comum das partes, como determinante do direito aplicável. Outros
pontos de conexão, além da lex loci delicti, também são adotados pelo Código
Bustamante, para a determinação da lei aplicável ao enriquecimento sem causa,
à gestão de negócios e às colisões em águas territoriais ou no espaço aéreo
territorial.
Em matéria de jurisdição, tanto no âmbito convencional quanto no interno,
está igualmente presente a regra do lugar de comissão do ato, acrescentando,
ademais, como juízes competentes os do domicílio do demandado (Bustamante,
Protocolo de San Luis e fonte interna), do domicílio do demandante (Protocolo
de San Luis) e do lugar onde esteja a instalação do operador responsável
(Convenção de Viena).
Como se verifica, é notória a necessidade de buscar pontos de conexão
que sejam alternativos à lex loci delicti, critério extremamente rígido e
tradicional, para brindar soluções mais justas às demandas propostas. Com
isso, o que se busca não é o abandono absoluto desta regra, mas, sim, o uso de
outras normas de conflito que, adotando o princípio da proximidade ou dos
vínculos mais estreitos, possam indicar o direito aplicável e a jurisdição
competente aos casos de responsabilidade civil extracontratual.
21
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