Abril/ Maio

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Abril/ Maio
¿?
editorial
De onde vêm os temas?
Texto de José Carlos Dias
Como todos já se puderam aperceber, a escolha do tema para
os ¿? é sempre um processo demorado, meticuloso ou misterioso, onde são equacionadas inúmeras variáves, de forma a que
o mote escolhido garanta aprendizagens únicas e inesquecíveis
a todos os participantes.
E mais uma vez assim se passou com o tema deste número.
Mal o grafiti do caracol de olhos rechonchudos nos chegou à
direcção, o tema impôs-se misteriosamente, pelos motivos óbvios que a capa e as páginas centrais deixam transparecer. Uma
vez encontrado o motivo (e a capa também, coisas que nem
sempre andam juntas) só precisávamos de nos concentrar em
encher umas boas dezenas de páginas sobre caracóis. Estava,
portanto, na altura de apregoar o tema pelos corredores da redacção e deixar que o caracol, esse bichinho com tão poucas
possibilidades de expressão, começasse a filtrar o nosso olhar e
o nosso pensamento. E vencida a inicial sensação de parafuso,
foi fácil encontrá-lo em espirais, labirintos, cabelos, receitas, filmes, crenças, línguas.... muitas línguas, na história, na filosofia e
literatura, no amor e nas metáforas e em tantas outras histórias
que hoje podem ser lidas neste número - o maior de sempre e
que dá as boas vindas ao ladino, a língua dos judeus sefarditas,
a língua peninsular que faltava à nossa publicação.
Porque quanto mais o tema se oferece misterioso, mais demorada e meticulosamente nos paramos nele. E pára-se numa
língua estrangeira que usamos para pensar e reflectir sobre o
mundo que nos rodeia, e não apenas para fazer os exercícios
da sala de aula ou os trabalhos de casa. E devagarinho essa língua estrangeira que trazemos connosco, vai-se tornando mais
forte e mais confortável, como uma casa onde podemos e queremos morar. $
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O caracol e a arte rupestre galega
O caracol, coa súa prehistórica espiral, no universo galego leva
o noso pensamento ata os petroglifos. Do período que comprende a Idade do Bronce, comenzando posiblemente antes,
en Galiza temos unha gran cantidade de gravados rupestres,
insculturas en penedos ao aire libre ou petroglifos, tres xeitos
de referirse a unha mesma realidade. En canto á temática representada existen dous grandes bloques intimamente vencellados: un de modalidade máis ou menos naturalista, e outro,
de carácter simbólico e abstracto, tradicionalmente coñecido
Texto de Lucía R. Caeiro
como temática xeométrica. Entre os motivos que podemos
atopar están presentes os círculos concéntricos, os cérvidos,
as serpes, as pegadas de animais, os laberintos, as espirais...
Os historiadores afirman que aínda estamos moi lonxe de
chegar a dotar de significado a estes enigmáticos signos.
Porén, podemos deixar voar a nosa imaxinación para tratar de
entender estas misteriosas insculturas que nos acompañan
dende miles de anos.... $
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PAS de cargol
Text de Josep Antoni Clement
En ma estora dels pensaments diürns s’escapoleix un cargol
de closca incerta, un llimac que marca un pas i un ritme que
no se’m permet seguir. El rellotge d’un mòbil, el canell recobert d’agulles metàl•liques i el rebombori de l’escala, acceleren
la mecànica cognitiva del meu cos ciutadà. Un cop arribat al
carrer, faig via tot destriant les percepcions que rebo; un tramvia de xiulets amenaçadors, rengleres de cotxes-fumerols, autobusos groguencs i ,sobretot, el xiuxiueig de les multituds.
Amb 33 minuts s’arriba a l’aula, amb 33 alumnes es fa
una classe, amb 33 anys es pot morir i esdevenir etern.
¿?
Abril / Mayo
Jo cerco l’amic Copèrnic entre lluents rajols que renovaran superfícies il•lusòries. Tombo i Obozna avall faig cap a la Ibèria
polonesa, m’endinso en l’atrotinat edifici i ja puc distingir la sala
d’operacions catalanístiques (s.222). Un cop oberta la porta ens
mirem de fit a fit els alumnes i jo, jo i els alumnes i un plegat de
coses més. No em confonc, tots em, hem, ehem seguit un procés
similar que ens ha menat fins aquí corglaçadament compungits.
Quant al lector d’aquests mots, què pot afegir-hi?
Tranquil•lament hauria de passar pàgina i sense fer fressa fer
d’epíleg d’aquesta tan nostrada editorial.$
crónica
Caracol, caracol, onde vais?
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Texto de Jakub Jankowski
(Um homem vai a caminho do emprego quando é assaltado
por uma recordação de férias, não tão remotas.)
É verão, mas as montanhas de Bieszczady ainda estão verdes,
como se fosse na Primavera. Normalmente, nesta altura do ano,
o sol já está desraiado por entre vales e picos, deixando tudo
em cor-de-feno.
Ele tem 22 anos, caminha na berma da estrada, junto com os
seus três amigos, tentando subir do vale para as prometidas
alturas dos picos verdes (A evocação daqueles acontecimentos,
não tão distantes, leva-o a abrandar o passo). As cigarras fazem
o seu ruído que só vai atingir o máximo pelas horas da muito
boa noite. Saindo do pleno sol, entrando na penumbra, cruza-se
o caminho dos quatro com o de um só. Aproximam-se a passo
de caracol para ver quem é o pequeno vagabundo, como eles,
e aonde vai, por estrada tão larga para um pé tão pequeno.
E o caracol, com a sua casa, tenta atravessar a estrada. Os quatro
param por um instante e pensam como salvar este lento. Pois,
os carros podem esmagar o pobrezinho do caracol. Então deci-
dem pegar nele, e deslocá-lo para além do arbusto da berma. E
vão indo, convencidos de terem realizado um bom feito. E nem
pensam que este feito possa não valer um caracol…
Só no pico da montanha, no destino do dia, que alcançam com
um esforço enorme mas completamente satisfatório, o caracol,
o seu destino, surge mais nítido perante os olhos dos quatro. E
vem também uma reflexão: onde é que, na verdade, o bichinho
ia? E se ele tivesse caminhado mesmo na direcção contrária?
Nós tínhamos-lhe mudado o percurso… E para aquele pé tão
lento e pequeno, quanto tempo vai levar a voltar ao percurso
certo, desejado? Mas agora não dá para consertar o mal já feito… Agora a culpa e a responsabilidade serão exclusivamente
nossas… E se encontrarmos o pobrezinho? E se o ajudarmos a
passar para outra berma? Mas como? Se à noite todos os caracóis são pardos, e de dia todos são brancos?
(O homem que vai a caminho do emprego treme ao pensar em
si como caracol, diminui a marcha aperfeiçoando o seu exercício da sua memória, caminha cada vez mais devagar até ouvir
do alto: Caracol, caracol, deita as gaitinhas ao sol...)$
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Universidade dos caracóis
Texto de Kornel Stanisławski
Imaginemos que existe uma certa universidade dos caracóis.
Imaginemos que ela tem um acordo secreto com uma outra
universidade num outro país. Podíamos pensar que se tratasse de uma colaboração ilegal para construir uma bomba
nuclear. Na verdade, porém, tratar-se-ia de um plano muito
mais grave e perigoso: uma cooperação bilateral (dêmoslhe um criptónimo, por exemplo: “Marasmus”). Os planos
incluiriam saídas dos estudantes-caracóis para o estrangeiro
e outras coisas que tais. Haveria um professor caracol-coordenador acompanhado por uma comissão fictícia. Juntos, o
professor e a imaginária associação decidiriam, consultando
regras desconhecidas e condições inexistentes, quais os estudantes que iriam obter as ditas bolsas. A mencionada as-
sembleia juntar-se-ia o mais tarde possível e, consagrando
a cada um dos estudantes uns quatro minutos, tomaria decisões necessárias. Os estudantes descontentes que obtivessem as bolsas menos desejadas (para Ceuta) iriam ter com o
professor coordenador na busca de explicações. Ele, inocente,
mandá-los-ia à comissão quimérica. A comissão – como não
existiria – não seria muito capaz de resolver o problema. Já
com uma pequena dose de irritação, os estudantes iriam falar
com o coordenador só para serem assegurados de que, na
verdade, não foi ele a decidir. Foi a comissão. O facto de ela
não existir não a impediu. Tais e outros problemas experienciariam os estudantes daquela universidade encaracolada e
imaginária. Consideremo-nos felizes por não ser a nossa. $
Abril/ Maio
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Caracóis
Apoteose de caracóis
ou o breve relato sobre penteados
encaracolados no século XVIII
Texto de Martyna Gajewska
O período barroco, cujas características são o dinamismo, o dramatismo, a riqueza de formas e o exagero
em adornos, influenciou nem só a literatura e as artes,
mas também a moda daquela altura. Em consequência, os nobres setecentistas assombravam com o luxo de
trajes e a diversidade de penteados. Na Europa reinava a
moda transplantada directamente da corte de Versalhes.
variavam de branco e rosado até preto, este para as ocasiões fúnebres. O pó e a pomada conservavam o penteado
fantástico. Arranjar e enfeitar o cabelo era uma actividade
tão duradoura e complicada que as senhoras eram forçadas a dormir em posição quase sentada e a não lavarem
tocar o cabelo, para não destruir o penteado. A protecção
contra o mau tempo era o capuz dobrável em esqueleto.
A Senhora dos Anéis
A história narrada pelo caracol
Estudando a história dos penteados através dos séculos é
visível a apetência pelo cabelo ondulado entre as mulheres
e os homens. No século XVII os cabelos já tinham a relevante altura, sendo arranjados em bandejas e adornados
com jóias, contas e flores. Para preservar a frescura das flores,
estas eram postas em pequenos frasquinhos com água dispostos entre as ondas de cabelos. No entanto, o toucado
nunca foi maior e mais decorado que na época barroca e
no Rococó, quando os estilos dictavam as modistas de Maria
Antonieta. Quem não era agraciado pela natureza arranjava
perucas, que também estavam na moda. O cabelo devia ser
ondulado com ferro e depois pulverizado com pó, cujas cores
O ornamento do penteado tornou-se mais abundante e extravagante, atingindo na década de 70 um tamanho monstruoso.
As damas traziam nas suas cabeças altíssimas construções e
na base desses pufes os cabeleireiros desenvolviam os fantasmagóricos penteados. Estes exprimiam a disposição da dama,
os sentimentos e pensamentos dela. Até mesmo estavam ligados aos eventos correntes – por exemplo, a coroação do rei ou
a estreia de uma peça de teatro. A mãe e esposa tinha em cima
as figuras da família, sentadas entre caracóis. Famoso foi o penteado da viúva dum almirante, cujo cabelo enfeitava um modelo de navio que mareava sobre as ondas de tule. Infelizmente,
quanto mais chique o penteado, mais fastidioso era de suportar.
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Sofrer para ser bonita
Quantos obstáculos encontravam as donzelas no seu caminho
para ficarem lindas! Ter o penteado espantoso significava um
martírio. Posto que o peso do penteado era enorme, as mulheres encontravam dificuldades para se deslocar. Para apoiar‑se, elas tinham de estar providas de bengala, sendo privadas de
sossego. O tamanho do cabelo exigia cautela para entrar e sair
da carruagem – a presença de plumas compridas de avestruz
em cima, com certeza, não ajudava. A altura dos bucles determinava o modo de mover-se, sentar e posicionar a cabeça.
postos a fazer piadas ou críticas. Um poeminha satírico de Jakub
Łącznowski, o escritor seiscentista que ridicularizava os costumes
polacos do seu tempo, exprime perfeitamente essa postura:
W roku tym, gdy to piszę, w samo Boże Ciało,
W Haczowie, mila z Krosna, to się cudo zstało:
Uderzył z nagła piorun, zausznice skruszył,
Ogień kwef cały spalił, a włosów nie ruszył!
O maior problema era, porém, a presença de piolhos dentro dos
caracóis de cabelo, causada pela falta da higiene – pois o banho era
considerado mórbido! Para combater o insuportável parasita no cabelo, instalavam-se no belo penteado umas armadilhas pequenas
com sangue dentro. Apesar disso, existiam os martelinhos dourados para bater na cabeça e matar os insectos, e os riscadores em
forma de garfo usados no caso de comichão. Felizmente não se
julgava falta de educação o utilizar daquele leque de ferramentas
em público – antes, pelo contrário, isso era natural. Uma vez que
pulgões habitavam o couro cabeludo, as mulheres sofriam de plica
polónica [kołtun], uma doença comum em todas as classes sociais.
Neste ano em que estou a escrever, no dia do Corpo de Cristo,
Em Haczów, a uma milha de Krosno, maravilhosamente aconteceu isto:
Relâmpago bateu, os brincos triturou,
O barrete fogo queimou, mas o cabelo não tocou!
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As histórias repetem-se
Passar horas na frente do espelho, encaracolar o cabelo, enfeitar
o penteado, escolher lentamente o vestido, maquiar-se… são actividades naturais para as mulheres. Embora tanto tempo tenha
passado desde a época barroca, o que diz respeito às mulheres
na prática de embelezar-se quase nada mudou. Sempre preocupadas com o seu aspecto físico e prontas para açacalar-se! E a
atitude dos homens também parece não ter mudado: ora aborrecidos, ora irritados com os exageros de mulheres, sempre dis-
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Caracóis
Escargot
Texto de Marta
Lembram-se das aventuras de Julia Roberts em Pretty Woman? Mais exactamente da cena num restaurante muito elegante, quando a personagem de Julia tem de seguir uma complicadíssima etiqueta de como portar-se à mesa, sem saber
qual talher deve usar com que prato? E o utensílio mais pavoroso chega com o ponto alto do jantar – os caracóis. Pretty
Woman ensina-nos duas coisas básicas sobre estes moluscos:
são extremamente chiques e ainda mais difíceis de comer.
O que o filme não explica, contudo, é que os caracóis nem
sempre gozaram desta fama. Dados os muitos restos de conchas achadas nas escavações arqueológicas, os cientistas afirmam que o caracol foi uma das primeiras comidas conhecidas
pela humanidade. Na Roma Antiga chegou a ser apreciado
pelo sabor e pelas qualidades farmacológicas e nutritivas (a
carne é magra e tem muitas proteínas e minerais: cálcio, magnésio, iodo, zinco e cobre). Os romanos até consideravam-no
um afrodisíaco. Junto deles, então, o molusco espalhou-se pela
Europa toda. Na Idade Média perdeu a reputação de ser uma
delícia e começou a ser servido como um prato de jejum. Passou um bom tempo, até ao século XIX, como uma comida
muito democrática – devoravam-na todas as classes sociais.
Só no século XX ganhou de novo boa fama e mudou-se das
cozinhas populares aos restaurantes mais elegantes do mundo.
Agora serve como símbolo à associação ”Slow Food”, cujo objectivo é contrariar os “fast-foods” e promover as tradições da cozinha
lenta, saborosa e fresca. E o caracol é um símbolo perfeito para
ela – a lentidão e um grande sabor ligados no mesmo animal.
Na Polónia a associação tem poucos membros, um dado
pouco importante, mas que nos pode fazer pensar como se
desenvolve a cozinha “slow” na nossa terra. Infelizmente, ainda não saímos da fase inicial do processo; parece que só
seguimos vogas periódicas. Novos bares de sushi vão aparecendo todos os dias, mas os caracóis podem-se comer
em poucos sítios e só na Primavera – a época dos caracóis.
O único destino de quem quer gozá-los fora da época é Absynt
– um dos restaurantes mais lindos e elegantes em Varsóvia.
Provar caracóis lá é um ritual: aparece um empregado extremamente profissional (tão profissional que até dá medo ver a
perfeição com que exerce o seu ofício) e traz um prato com
uns animaizinhos colocados em simetria e harmonia absoluta.
Os caracóis estão a banhar-se num molho de manteiga.
Tudo seria perfeito, não houvesse o já mencionado utensílio assustador que acompanha o prato (uma espécie de alicate, um pouco mais fino do que o conhecido da garagem)
e que supostamente ajuda a comer de maneira estética. Creiam – impossível de utilizar! Lembrem-se do resultado das
tentativas que a Pretty Woman fez com ele. Mas, domesticado o aparelho ou superada a vergonha de comer com
as mãos, a comida é óptima. A carne é muito delicada e a
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Abril / Mayo
pessoa nem se lembra do que exactamente está a devorar.
Antes de comê-lo, convém saber como se preparam os caracóis. A melhor época para os consumir é a primavera,
quando os animais são novos. Antes de serem cozidos, os
moluscos devem passar fome por 10 dias para os organismos ficarem limpos de substâncias que possam ser tóxicas
para nós. Mas os cozinheiros mais misericordiosos servemlhes algumas ervas. Depois, os caracóis são lavados três
vezes, cada vez numa mistura diferente. Só após este processo longo podem ser cozidos e preparados a mil maneiras.
Para quem tem vontade de provar este prato, há algumas
hipóteses: ir a um restaurante bonito; ir a um supermercado e
comprar um pacote congelado (de qualidade duvidável); ir ao
campo, apanhar uns caracóis e prepará-los à sua própria maneira; ou, conhecido o processo de preparação, tornar-se vegetariano. Eu estou entre a primeira e a última possibilidade. $
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Caracóis
Montanha Russa
Texto de Iwona Cellary
Estás numa fila enorme. Já passaste horas nela e em frente de
ti ainda há mil pessoas. Pensas: ai, tanto tempo para esperar a
minha vez... De repente ouves de longe um grito horrível, as vozes dos homens e das mulheres assustados e o som metálico
das rodas nas calhas. Sentes um abalo que toca o teu corpo dos
pés até a cabeça e um frio que gela o peito. Vês as pessoas perto de ti e sabes que sentem o mesmo: um pavor de algo desconhecido. O ar está cheio de adrenalina. Cada vez que a fila move,
sentes os batimentos do coração na garganta. Finalmente és o
quinto. Já sabes que vais viajar no próximo carrinho. As mãos
estão molhadas, respiras cem vezes mais rápido do que normalmente. Chega o teu vagonete, está em frente de ti. Ainda um
suspiro, um último pensamento sobre fugir e já estás sentado
no – pensas – lugar da morte. Fecha-se o sistema de segurança,
os empregados verificam se tudo está bem e gritam: “pronto!”...
Outra vez queres fugir, quando à tua memória chegam os gritos
das pessoas que ouviste antes. Mas sentes que o carrinho move-­
‑se delicadamente. Última prece e estás no ponto máximo da
construção, vês todos os caracóis abaixo, mas não tens mais tempo para pensar, porque o carrinho põe-se em marcha com tanta
velocidade que sentes só o teu estômago soltar. Gritas de alegria,
sorris, sim!, era isto o que esperava há tanto tempo! De repente
o carrinho pára. Já terminou? - perguntas. Mas sentes-te mais
bravo e orgulhoso, desces do vagonete e outra vez esperas a tua
vez, já com cabeça levantada e um pequeno sorriso nos lábios.
Um pouco da história das montanhas russas
As primeiras montanhas
russas,
como o nome
indica,
foram
construídas
na
Rússia, no século
XVII. Num grande
bloco de gelo faziam-se pistas parecidas àquelas de
bobsleds, com altitude de 20 – 24
metros e até 50
graus de queda.
Mas podia-se fazer
uso da invenção
somente durante
o Inverno. Nos
primórdios do século XVIII, no entanto, o interesse
por montanhas
russas começou
a aumentar e,
um século de-
pois, em 1812, finalmente foi construída a primeira montanha
russa que não exigia o uso de gelo, em Paris. As pistas eram de
madeira, os carrinhos tinham rodas e todo o mecanismo funcionava pela gravidade. O primeiro looping (que provoca mais
medo nas pessoas) foi feito em 1846 e foi um projeto inglês,
mas, como não era seguro, teve de esperar quase cinquenta
anos para ser melhorado. Em 1912 um americano inventou
as rodas debaixo dos carris para manter o vagonete na pista.
Desde então as montanhas russas começaram a ser populares
nos parques de diversão em todo o mundo. Só em 1959 foi
construído na Disneylândia o primeiro modelo de metal, que
permitiu diminuir o risco e ao mesmo tempo aumentar a velocidade e a altitude. E desde 1992 constroem-se montanhas
russas convertidas, quer dizer, as pessoas estão sentadas com as
pernas soltas e os vagonetes viram em volta do seu próprio eixo.
Os recordes
As empresas que constroem montanhas russas tentam bater recordes quanto a velocidade, altitude, comprimento e declive. Recentemente, em 2005, foi aberta a Kingda Ka, em New Jersey,
no parque de diversão Six Flags Great Adventure. É ela a mais
rápida (pode atingir 206 km/h), a mais alta (139 m) e a que
tem maior declive (127 m) em todo o mundo. A grande atração
dura, entretanto, só 28 segundos. O interessante é que o carrinho
não funciona quando há chuva, mesmo fraca, porque as gotas
d’água, com a velocidade de 200 km/h dos carrinhos, podem
ser perigosas para
os passageiros.
Já a mais comprida é Steel Dragon
2000, localizada
em Nagashima
Spa Land Amusement Park, no
Japão. Tem 2479
metros! O nome
dela foi inspirado
na estrela do
filme The Year
of the Dragon,
de 2000, e também na enorme
quantidade
de
aço (steel) de
que necessitava
para ser construída por causa
dos movimentos
tectónicos e terramotos, frequentes
naquela região. $
Abril/ Maio
¿?
caracóis
Karol, o caracol, vai a...
Texto de Marek Cichy
Um caracol é, no fundo, um ser que traz a casa no seu dorso
e que se move com extrema lentidão. Quando consideramos
só estas duas qualidades, não há diferenças entre o caracol e
o turista. Falamos, naturalmente, dum turista verdadeiro, cuja
mochila é capaz de conter tudo o que o dono dele quiser...
Karol, o nosso bravo caracolinho, é um turista deste tipo.
é simples: deixe o guia em casa, vá em frente e conheça
pessoas. Escolha uma região em que a população não identifique turistas com dinheiro. Uma terra em que uma pessoa
com mochila é percebida como hóspede especial. Ele é um
mensageiro que paga com novidades a hospitalidade que
recebe.
Ola! Sou Karol, o vosso guia. O que queria apresentar hoje
chama-se PEDESTRIANISMO. O que é isto? Como diz o site
da Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal
(FCM) (www.fcmportugal.com), “o pedestrianismo procura
os caminhos tradicionais e de montanha, no meio rural, nos
interiores e nas faixas costeiras e às vezes, também, nos
parques de cidade, tornando-se uma prática desportiva acessível a todos.” Quer dizer : ir a pé, pelos percursos marcados
ou não.
Isto é o que percebi: um turista com todo o equipamento,
que aparece à noite numa aldeia remota, tem a mesma
função que os viajantes sempre tiveram. A presença deles
faz os aldeões relembrarem que algures, não sei onde, há
um mundo muito diferente. Para a maioria deles, é impensável deixar a sua Vila de Nossa Senhora de Não Sei Quê,
mesmo que gostem de encontrar, de vez em quando, esses mensageiros do Outro Mundo. Para outros (em geral, os
mais jovens), um turista pode trazer um sopro de ar fresco.
Qualquer que seja a reacção deles, serás recebido com muita cordialidade. Mas, atenção! Amor com amor se paga! Sê
leal com os outros turistas que talvez sigam as tuas pisadas!
És o embaixador do Outro Mundo entre pessoas que se podem tornar desconfiadas... cuidado!
Se você, caro(a) leitor(a), é polaco(a), a ideia dos percursos
turísticos marcados não é nada novo para si. Mas, aparentemente, em Portugal podêmo-lo chamar o último grito da
moda: “só em 1997, com a implantação da “Rota da Serra”,
na Serra de Grândola, este tipo de infra-estruturas levou um
grande impulso” (www.fcmportugal.com). O que os portugueses ainda não sabem é que já em 1880 o polaco Leopold Wajgel marcou o caminho de Krasny Łuh a Howerla
(hoje Ucrânia). Na América do Norte, a marcação de pistas
foi um dos métodos para combater o desemprego durante a
Grande Depressão de 1929. Dois factos que, claramente, a
FCM não conhece quando diz: “A implantação destes percursos iniciou-se em França no pós-guerra, chegando a Portugal
nos anos oitenta.”
Seja como for, é bom ir-se embora! Parar o nosso dia-a-dia,
pensar nas questões da vida mais profundas do que: “Qual
é o trabalho de casa para a próxima aula?” “O que vamos ver
no cinema no fim-de-semana?”. Como disse o meu amigo
Jacek: “Um percurso pelas montanhas é importantíssimo
para a nossa higiene mental. Ela lava o nosso espírito, que
assim fica limpo da estupidez quotidiana”.
Naturalmente, temos de nos preparar bem para cada viagem. Botas de montanha fortes, uma mochila resistente,
mapas, bússola são o equipamento básico. O resto depende
do carácter do percurso. Eu promovo viagens longas que
duram (pelo menos!) dez dias. Nesse caso, vale a pena investir numa tenda, num saco de dormir (leve! Portugal não
é a Sibéria), uns bastões para nordic walking...(é dificil propor uma outra expressão porque, se tenho razão, a actividade não é popular em Portugal e como tal não tem outro
nome...)
Agora, como fazer isto? Durante as minhas viagens, descobri
um modo de percorrer que me parece óptimo. A filosofia
¿?
Abril / Mayo
(Eu, por exemplo, não posso ser chamado um viajante banal. Eu prefiro roupa simples e folgada que não mostre o
corpo em demasia, mas qualquer que seja o meu disfarce,
a concha chama sempre a atenção. As questões começam
sempre quando alguém nota a minha concha. Graças a Deus
pelos séculos da história de Portugal como país multirracial.
De qualquer modo, houve uns momentos em que eu tive
de me explicar quando alguma pessoa escorregou no meu
muco.)
Então, onde em Portugal podemos encontrar a terra e o povo
deste tipo tão desejado? Por mim, temos de evitar o litoral
e o Sul – que são os mais turísticos. O nosso alvo é Trás-os-Montes e Beira Alta. Ambas são regiões remotas, com um
povo sincero e clima frio – mais adequado para percursos a
pé do que, por exemplo, o Alentejo. Lá encontrei o ambiente
que tinha procurado. Um ambiente que é também possível
encontrar nas regiões esquecidas da Polónia.
Mas o que não há na Polónia é a tal intensidade dos vestígios: romanos, românicos, góticos... O nosso material de
construção, a madeira, não podia resistir tanto como o granito e o xisto. Isso também se mostra na atitude das pessoas:
os transmontanos (para quem os últimos séculos não foram
tão violentos como para os nossos aldeões) personificam a
tradição. Quando fazem uma coisa, é claro que assim faziam
o pai, o avô, os bisavôs e os bisavôs dos bisavôs dele.
Como disse, não consulte o guia, mas vá à tasca, bebe com
a gente, viaje à boleia...conhecer as pessoas – isto é o que
vale a pena! $
Caracóis
Caracol, Caracol... e o quê?
Texto de Johnathan aka Grzegorz Pożycka
Quando soube do tema da próxima revista lamentei muito.
Caracóis...que ideia! Para escrever um texto bom, sempre
preciso de uma iluminação divina, uma força santa que caia do
céu e encha minha alma com núcleos criativos! E, digam-me,
como os caracóis podem provocar um sentimento parecido?!
Eu não imagino que possam provocar sentimento qualquer,
não mencionando sentimentos inspiradores para escrever
um texto. Bem, assumo que o tema de caracóis é original,
mas também original seria um tema de alfinete, peixe-espada
ou baratas, o que não significa que são temas para serem
tratados num artigo, não dizendo sobre
uma revista inteira!
Podem pensar (eu digo “podem” porque
espero que este texto seja publicado,
ai esperança-mãe dos estúpidos!) que
sou anti-caracol porque me falta o
talento para escrever o texto, porque
me faltam as ideias e a criatividade ou
simplesmente porque sou preguiçoso e
não tenho vontade nenhuma de escrever
artigo qualquer. Confesso sinceramente
que todas as respostas são verossímeis.
leitores. Sei que não sou eu, mas parabéns ao redactor(a)
que tentar.
Podíamos tentar falar dos caracóis baseando-nos nas
associações directas, como: caracol - concha - praia - mar
- Rio de Janeiro - Brasil, ou metafóricas: caracol - lentidão anemia - doença. Mas usando esta técnica é possível escrever
sobre tudo e nada. E, naturalmente, isso não é o objectivo
da nossa revista (ou é…?). Escrever um artigo sobre anemia,
por causa da ligação indirecta com caracol, acho ridículo
(depois alguns segundos de hesitação
achei-o mesmo engraçado).
¿?
Devo confessar que no início tive uma
ideia da minha participação na criação
da revista actual, mas ela desapareceu
Por isso resta deixar
muito rapidamente. Queria traduzir um
pequeno poema polaco que se refere
“pierogi” no seu lugar,
directamente a caracol, nomeadamente
“Slimak slimak pokaz rogi”. Um poema
uma palavra que nem é
famoso que todas as crianças conhecem.
traduzível, nem rima com Um desafio que me parecia simples
demais (até não me parecia desafio
as palavras portuguesas
nenhum), mas que depois me ocorreu
Mas analisemos mais pormenoriimpossível de executar! Assumo, faltoue até nem deixa decair
zadamente o sujeito. Quantos temas
-me o talento para traduzir um poema,
ligados a caracóis, no total, podíamos
poemeto para as crianças. Seja perdida
o ritmo! Uma catástrofe!
enumerar? Cinco, seis...? Entre eles alguns
minha alma, mas não consegui. Como
Tragédia antiga! E
ligados muito fracamente. Primeiro,
manter o ritmo e o senso do poema
caracolus conchonus animalus, então,
não esquecendo das rimas?! Não estou
eu, coitado, no centro
caracóis como uma espécie de animal,
seguro se o enredo do poema tinha
do ponto de vista biológico. O tratamento daquele furacão de ideias! qualquer senso para os nativos da língua
do tema deste lado pode inspirar só um
portuguesa, mesmo se não rimado
sorriso irónico de um leigo, quer dizer, Imaginem minha desilusão, e sem ritmo, na forma mais simples
não um biólogo profissional. O que eu
possível. Tentemos, assim, em primeiro
o meu fracasso criador e lugar, a versão polaca: “Slimak slimak
sei desta matéria é que o caracol é mole,
molhado, tem concha e ao mesmo tempo
artístico, que me motivou pokaz rogi, dam ci sera na pierogi”.
é feminino e masculino, tudo. Pouco
Agora uma tradução simples e directa
para escrever um artigo. E mesmo que
para o português: “Caracol, Caracol,
a escrever este texto
escrevesse um artigo assim, tendo feito
mostra as antenas, vou te dar queijo
lastimável. Ponto.
anteriormente uma pesquisa cansativa,
para (preparar) pierogi”. Engraçado, não
duvido que vocês tivessem algum prazer
é? Uma versão mais rítmica (acho que é
em lê-lo.
o pico das minhas aptidões) vai assim:
“Caracol, Caracol, mostra as antenas, se mostrares dou-te
Segunda proposição para um artigo: cabelo encaracolado. queijo para *nas”. Seria ideal substituir ´*´ por uma sílaba...
Bem, pode-se escrever que o cabelo assim é mais atraente mas não achei nenhuma que formasse algo lógico.
aos homens, que os negros têm-no mais encaracolado, os
brancos menos e os asiáticos não o têm. Seria possível, Por isso resta deixar “pierogi” no seu lugar, uma palavra que
então, tratar o tema do ponto de vista cosmético: cabeleireiro. nem é traduzível, nem rima com as palavras portuguesas e
Seria possível, sim… mas se seria interessante? Depende até nem deixa decair o ritmo! Uma catástrofe! Tragédia antiga!
da maneira de tratar o tema. Se alguém é capaz de falar E eu, coitado, no centro daquele furacão de ideias! Imaginem
sobre o cabelo encaracolado não caindo no esquema típico minha desilusão, o meu fracasso criador e artístico, que me
para as revistas femininas, talvez consiga atrair a atenção dos motivou a escrever este texto lastimável. Ponto.$
Abril/ Maio
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caracóis
Caracóis para Iemanjá
Texto de Magda Pielak
Comida é uma parte integral da vida de cada um de nós.
Não é nada de estranho que também faça parte integral de
uma religião. Especialmente nas religiões afro-brasileiras,
a comida ritual desempenha um papel muito importante.
Até diz-se que as religiões de Orixás, então de divindades
originárias da região de Yorubá, na
África Ocidental, são as religiões de
festa e partilha de alimentos. Por isso
a preparação de votos de comida para
todos os deuses constitui elemento
indispensável para o seu culto.
Iemanjá (Yèyé omo ejá = Mãe cujos filhos são peixes), a
rainha do mar, e quem preferia nozes de coco ou caracóis,
uma comida muito popular entre as divindades. O único
Orixá considerado carnívoro era Ogun, senhor dos metais,
por causa do seu carácter guerreiro, para quem o prato
mais gostoso eram cães oferecidos
pelos crentes. Os outros, como Xangô
ou Iansã, preferiam oferendas menos
cruéis.
¿?
A importância da comida
Cada um dos Orixás requer um prato
especial e único, que é preparado
segundo um ritual particular e ofertado
depois, durante uma cerimónia solene.
Quem sabe como preparar os pratos
excelentes é a Iyabassê, a pessoa
responsável por cumprir esse ritual.
Outros membros do terreiro (onde
se realizam os cultos) podem assistir
ao preparo da comida, mas é ela que
é responsável pelas falhas. Depois
de oferecer uma parte dos votos ao
Orixá, o que é acompanhado pelas
rezas e cantigas majestosas, o resto
é partilhado entre os participantes do
ritual. Graças a isso os Orixás podem
usar os elementos símbolos da comida
e transformá-los em energia positiva,
poder e força, que se chama “axé” e é
específico para cada iguaria. E esse acto
garante, por sua vez, ajuda por parte
das divindades em várias esferas de
nossa vida – os Orixás podem utilizar
axé para auxiliar os seus protegidos.
Caso contrário, se os Orixás não se
sentem satisfeitos, podem zangar-se e
condenar os seus crentes.
ritual no Candomblé ou na
Umbanda tem sua origem
ainda na África, de onde
são oriundas aquelas religiões (a Umbanda apenas
em parte). O panteão de
Orixás lá cultivado atingia
o número de mais de 200
Depois da chegada à América, as religiões
africanas sofreram muitas mudanças,
que eram o resultado do ambiente novo,
afastado do natural. Primeiro, tornaramse mais diversificadas e sincréticas por
causa das influências de várias tribos
que foram levadas para o Brasil. Por
outro lado, transformaram-se os rituais
que no novo mundo já não podiam ser
cultivados – por exemplo, o culto aos
ancestrais. Mesmo o número de Orixás
cultivados diminuiu até menos do que
20. Era natural, portanto, que também
a comida para os Orixás mudasse o
seu carácter original e fosse ajustada às
condições brasileiras.
Mesmo assim, o que continua é
a importância da alimentação no
deuses, especialmente
culto a essas divindades. Para a
preparação dessa comida usa-se agora
porque cada um deles
principalmente inhame, milho, feijão,
quiabo e mandioca. Os pratos mais
estava ligado a uma cidade conhecidos são, entre outros, asoso
(comida de Ogun), buruku (Comida de
e somente alguns mais
Omolu), amalá (Comida de Xango) ou
ebo pupá (Comida de Iemanjá). A Orixá
importantes pertenciam ao Iansã come, por exemplo, um prato ritual
chamado acarajé, na África conhecida
culto dum país inteiro.
como àkàrà, que significa “bola do fogo”
A importância da comida ritual no
e é o bolo principal do Candomblé. As
Candomblé ou na Umbanda tem
receitas para pratos desse tipo são fáceis
sua origem ainda na África, de onde
de preparar, agora não necessariamente
são oriundas aquelas religiões (a Umbanda apenas em pela Iyabassê, mas também pelos outros membros da
parte). O panteão de Orixás lá cultivado atingia o número comunidade no culto de todos os dias.
de mais de 200 deuses, especialmente porque cada um
deles estava ligado a uma cidade e somente alguns mais Ainda que as receitas se diferenciem entre um terreiro
importantes pertenciam ao culto dum país inteiro. Por isso e outro, a ideia e os ingredientes básicos permanecem
o conhecimento de preferências culinárias de cada um era os mesmos. As religiões mudam e se desenvolvem
bastante difícil, mas ao mesmo tempo decisivo. Dever-se-ia continuamente, mas a importância da comida continua
sempre lembrar qual Orixá não aceitava mel, qual detestava desempenhando papel de grande relevância. Não se devia
sal e para qual o azeite seria uma ofensa. Era crucial saber ficar surpreendido - afinal, desse ritual depende a felicidade
qual deles evitava votos de sangue, como, por exemplo de todos os crentes. $
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Abril / Mayo
Caracóis
Caracóis sanguinários?
Texto de Aleksandra Opara
O cinema de horror e suspense, apesar de já ter inventado
muitos monstros, fantasmas e psicopatas para o deleite
e o medo da platéia, mostrou também vários tipos de
animais assassinos. Alguns convencem por serem naturalmente agressivos e apavorantes. Outros, nem tanto...
Temos na categoria dos bichos horrendos e dignos de
filmes cruéis, por exemplo, o clássico Tubarão, de Steven
Spielberg; os dinossauros do mesmo director em Jurassic Park; ou as serpentes em um filme recente, Snakes
on a plane, de David R. Ellis. Há também outros filmes
onde os produtores e roteiristas tentaram surpreender
o público com ideias muito excêntricas, mas ainda aceitáveis, como a das aranhas sanguinárias em Aracnofobia,
de Frank Marshall, ou até a muito famosa de aves hostis
em Pássaros, de Alfred Hitchcock. Tudo bem, são todos
mesmo horripilantes. Mas... e os caracóis?
até o fim. O final é feliz e também banal - os protagonistas corajosos conseguem eliminar a prole de lesmas
e acabam, assim, com o pavor dos cidadãos (se calhar
também dos espectadores…?).
Slugs é, então, um filme só para as pessoas extremamente persistentes ou... para todos que querem encontrar uma comédia de absurdo, pois ao ver esta produção
espanhola não se pode parar de rir! Ou, por outro lado,
se calhar a plateia vai ainda apreciar a inovação de Juan
Piquer Simón e dos seus roteiristas – em meio a tantos
movimentos do tipo “slow”, foram os primeiros a inventar
o “slow terror”! $
Um caracol, coitadinho, parece inofensivo demais para
protagonizar qualquer história de terror. Acham pouco
provável, portanto, que os cineastas tenham conseguido
imaginá-los como animais assassinos? Nada mais errado!
A criatividade dos realizadores ultrapassou todos os limites (da lógica?) quando em 1988 apareceu Slugs – uma
produção espanhola sobre lesmas que se contaminam
por lixo radioactivo e se transformam em mutantes com
especial apetite por carne humana. Brrrr, já têm medo
dos moluscos predadores???
Slugs começa com a morte inesperada dum homem
que se afoga num lago (já podem adivinhar que foi um
montão dos caracóis transmutados os responsáveis pela
tragédia), deixando a sua namorada em lágrimas. Depois, a cada minuto aparecem mais vítimas do apetite
voraz das lesmas (por favor, não perguntem por que os
protagonistas não fogem dos caracóis que, mesmo que
sejam transmutados, andam à velocidade normal para o
seu género) e a narrativa torna-se, assim, claro!, cada vez
mais cativante...
Os protagonistas do filme (leia-se: os que vão lutar contra a praga dos moluscos atacantes) são Mike Brady e
a sua esposa, Kim Brady. O casal tenta reunir os outros
cidadãos para destruir a ameaça das lesmas antes que
devorem toda a cidade, mas esta tarefa não parece nada
fácil... Obviamente os heróis têm de enfrentar não só os
nojentos moluscos assassinos, mas também os seus vizinhos, que não acreditam na incrível história dos caracóis
(pois, como se pode acreditar nisso???) e não querem
cooperar.
Parece-lhes conhecido o esquema do filme? Provavelmente a resposta é ‘sim’… e a narrativa continua trivial
SLUGS
(Slugs: The Movie, EUA/Espanha, 1988). 92 minutos
Direcção: Juan Piquer Simón
Roteiro: Ron Gantman; José Antonio Escrivá; Juan Piquer
Simón, baseado numa obra de Shaun Hutson
Produção: Francesca DeLaurentiis; José Antonio Escrivá; Juan
Piquer Simón
Fotografia: Julio Bragado
Edição: Antonio Gimeno; Richard E. Rabjohn
Direcção de Arte: Gonzalo Gonzalo
Figurino: María Eugenia Escrivá
Maquiagem: Manu Moreno; Pedro Camacho
Elenco: Michael Garfield (Mike Brady); Santiago Álvarez (John
Foley); Philip MacHale (Don Palmer); Alicia Moro (Maureen
Watson); Kim Terry (Kim Brady); Emilio Linder (David Watson);
Concha Cuetos (Maria Palmer); John Battaglia (Xerife Reese);
Manuel de Blas (Mayor Eaton); Frank Brańa (Frank Phillips); Kris
Mann (Bobby Talbot); Kari Rose (Donna Moss); Juan Maján
(Harold Morris); Lucía Prado (Jean Morris) $
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caracois
Viaxando por Galicia
A Costa da morte e o Faro de Punta Nariga
Os verdes anos primeiros
foxen como o vento soán,
do esquivo cabo Nariga
antre o espeso matorral.
Eduardo Pondal,
Queixumes dos pinos
Hoxe empezamos a nosa viaxe pola costa da morte, na
comarca de Bergantiños, situada na faixa máis occidental da provincia da Coruña. É un tramo de costa brava
e pouco poboada. O nome da Costa da Morte aparece
por primeira vez en 1928 no libro de Xosé Mas A costa
da Morte. Esta denominación ten unha dobre orixe: os
centos de naufraxios ao longo dos séculos neste mar embravecido e a crenza dos antigos celtas, gregos e romanos
de que neste lugar se producía a morte do sol, o Ara
Solis.
Desde finais de 1997, os navegantes da Costa da Morte
teñen como referencia o Faro de Punta Nariga, que poden
enxergar a máis de once millas. Deseñado por César Portela intégrase na natureza que ocupa e ten como mascarón de proa un atlante de Manolo Coia que nos inza
cara á inmensidade.
É unha zona rochosa moi venteada e con impresionantes
vistas. Podemos admirar aquí
como o bater do vento nordés e soán, xunto co golpear
devastador da choiva, foron
modelando as curiosas siluetas pétreas, por exemplo: un elefante de longa
trompa, un can con boina,
a forma dun oso, dunha tartaruga, dun caracol ... pero
todo está nas mans da
nosa imaxinación...
non preguntés por qué causa
o fero mar desfigura,
co eterno e duro combate,
de Nariga a ruda punta.
Eduardo Pondal,
Queixumes dos pinos
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Abril / Mayo
Viaxando por Galicia
A Illa de Ons
Textos e fotos de Joanna Włodarczyk e Lucía R. Caeiro
Ons constitúe un pequeno arquipélago formado por illas e
illotes. A Illa de Ons, cunha lonxitude aproximada de 5 km
e unha anchura de 1500 metros, está situada á entrada da
Ría de Pontevedra. A altura máxima atópase a 128 metros
onde está situado o faro. A zona occidental é a máis escarpada, con acantilados abruptos, en cambio a oriental é
máis suave e conta con numerosas
praias. Pola súa
riqueza
natural
e paisaxística, a
illa de Ons forma
parte do Parque
Nacional das Illas
Atlánticas.
ataques de piratas e viquingos.
A primeira referencia histórica
data do ano 899, na que foi
doada ao Cabildo Compostelán polos reis Alfonso III, Ordoño II e Alfonso V. En 1955
contaba con máis de 500 habitantes e a partir desa data
o censo foi descendendo. O
padrón do ano 2004 ten 63
habitantes. A propiedade da
illa pasou ao longo da historia polas mans de diversos
particulares que arrendaban
as terras aos habitantes. Estes
xamais puideron ser donos
da casa que habitaban nin da
terra que cultivaban. O aillamento durante longos períodos de tempo ao que se viron
sometidos provocou o nacemento dunha forte cultura insular posuidora de numerosas
lendas. Como as que rodean
os “Buraco do Inferno”, perigosa greta que descende verticalmente ata o mar situada na zona sur da illa, e á que se
pode chega en barca pola parte inferior.
Hoxe este paraíso atlántico de arquitectura popular mariñeira e excelente gastronomía constitúe un ben de dominio
público, mentres
os veciños reclaman o dereito á
propiedade das
casas que eles e
os seus antepasados construíron.
Podemos percorrela polas súas
rutas, seguindo
os sendeiros que
nos levan, coma
nun trazado de
espiral, de caracol, ata fermosos
recunchos
onde
sempre
nos acompañan
o mar, as pedras,
o arrecendo a salitre, o vento do
nordés... $
Xa estaba habitada na Idade
de Bronce, como
poñen de manifesto os numerosos
materiais
desta época atopados. Na illa
existen dous castros: Castelo de
Mouros e Cova
da Loba. Sufriu ao
londo da historia
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Caracóis
O caracol e a arte
Texto de Joanna Pobieżyńska e Martyna Szymańska
“ De Lombardo et Lumaca”.
Os motivo do combate com um caracol
surgiam, frequentemente, nas margens
dos manuscritos medievais franceses
(norte de França), ingleses e flamengos. Na maior parte das vezes, a figura
do caracol foi representada a combater
um cavaleiro com uma espada ou lança.
Inicialmente, este tipo de cenas eram associadas ao tema de “monde renverse”, o
mundo às avessas. Mais tarde, o caracol
transformou-se num motivo político, pois
destacava a luta entre as classes baixas e
a aristocracia.
Depois do período de esplendor na
primeira metade do século XIV, o motivo do caracol desapareceu no fim desse
mesmo século para voltar a tornar-se
popular na segunda metade do século
XV.
Assim, no quadro intitulado “Anunciação”,
pintado por Francesco del Cossa entre
1470 e 1472, pode ver-se um caracol
a passear em frente da Virgem. Embora
este facto possa surpreender, a presença
do caracol consegue atribuir um grande
valor à obra, pois evidencia a ideia de que
Fig. 1. Baltimore, Walters Art Gallery, MS 45, fol. 52v. Homem a lutar contra o caracol
se o ar pode fertilizar um caracol (que era
O caracol, um molusco que, para muitos só parece um uma ideia generalizada de acordo com os convicções
pequeno ser sem importância e sobre o qual não se fala desses tempos), Maria, graças ao Espírito Santo, pôde fiem contextos literários e artísticos, teve um papel essen- car grávida, permanecendo, ao mesmo tempo, Virgem.
cial na simbologia até ao século XV. Já na Antiguidade,
era-lhe atribuída uma significação simbólica relativa ao Infelizmente, após o século XVI, não se pode encontrar
facto de carregar a casa “às costas”, o que era, naquele nenhum traço nem referência ao caracol na arte e o
tempo, um exemplo de desconfiança – pois isto asso- motivo parece ter sido esquecido. Só poucas pessoas
ciava-se ao medo dos ladrões.
conhecem o caracol enquanto símbolo artístico, preferindo aproveitar as suas características nutritivas e coziA alteridade entre aparência e desaparecimento, morte nhando-o como um verdadeiro petisco. $
e ressurreição motivou, neste século, diversas comparações entre o caracol e a Lua. Além disso, o facto de
se terem encontrado numerosas cascas de caracóis em
túmulos merovigianos atribuiu a este molusco um significado místico ligado à teoria de resurreição.
No imaginário medieval, o caracol era associado aos
chamados “alpinistas sociais”, que, mesmo abandonando o seu estatuto inicial (casca), preservavam um
carácter repugnante e viscoso, como o de uma lesma
restejante. É também num contexto pejorativo que os
franceses inserem o caracol, usando-o para descrever
os camponeses da Lombardia e o seu medo de combater “caracóis armados”, como se pode ler no poema
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Fig. 2. New Haven, Biblioteca da Universidade de Yale, Lancelot du Lac,
169. Cavaleiro empinando o cavalo contra o caracol
fol.
caracoles
Caracoles, ¡Animaros!
Texto de Bożena Gąsienica-Daniel
Traducción de Magdalena Guziejko
Od dziecka bałam się ślimaków. Działały na mnie jak Baba Jaga
na inne dzieci. Wydawało mi się, że „takie coś” może do mnie
podejść i zjeść w całości. Uciekałam gdzie pieprz rośnie!
Nawet jeśli ten straszny potwór miał co najwyżej 3 cm długości
i poruszał się z prędkością muchy bez 4 nóg. W rzeczywistości
to ja pędziłam jak szalona, czasami na oślep i tylko cudem nie
rozdeptywałam innych, a mój agresor ( Pan ślimak) ślimaczył się
gdzieś w tyle. Kto wie, może nawet mnie nie zauważył i poszedł
sobie spokojnie swoją drogą, na spotkanie z innym panem
ślimakiem albo panią ślimakową.
Tak mijały miesiące i lata mojego dzieciństwa, w strachu czy oby
podczas zabawy w ogrodzie nie natknę się na tą „ dziką bestię”.
Sytuacja diametralnie zmieniła się gdy powiedziano mi, że ten
„straszny potwór” to prawdziwy rarytas! Ulubieniec kucharzy w
białych czepkach, w najlepszych paryskich restauracjach.
Jakież było moje zdziwienie!
Okazało się ,że kuchnia francuska uwielbia dalszego kuzyna
naszego winniczka-ogrodniczka. Może nawet nim samym nie
pogardzi.
To uwielbienie działa jednak chyba tylko w jedną stronę,
przynajmniej powinno. Ale czy ślimaki o tym wiedzą. Czy ich
przodkowie w swej kulturalno-naukowej spuściźnie zostawili
im jakieś ostrzeżenie przed homo sapiens sapiens (de Francia
w szczególności)?
Ciekawe co mogliby im napisać w takim dokumencie! Może
ślimakową dezyderatę? Na pewno zaczęliby ją od: Nie pędź
przez życie….
Pewnie zamieściliby także krótką historię swojej kultury! W której
opisywali by nas jako WIELKICH intruzów w swoim świecie? Na
dodatek intruzów, którzy nie rozumieją ich i co gorsza nawet
nie chcą zrozumieć. Pojawią się, złowią co lepsze okazy i już ich
nie ma! A co ma zrobić panna ślimakówna jeśli akurat złowiono
jej niedoszłego męża?
Taka księga, Księga Wielkiej Rodziny Caracoles byłaby
niezastąpionym źródłem wiedzy dla współczesnych ślimaków.
Gdyby i nam udało się ją rozszyfrować ( bo nie wiadomo w jakim
języku mogłaby powstać- klasyczny ślimaczy?), może inaczej
spojrzelibyśmy na biednego winniczka napotkanego w parku.
Desde pequeña le tuve miedo a los caracoles. Producían en mí
el mismo sentimiento que las brujas en otros niños. Me parecía
que “algo así” se me puede acercar y comerme entera. ¡Huía
lo más lejos posible!
No importaba que ese horroroso monstruo tuviera cuando
mucho tres centímetros de longitud y se moviera con la rapidez
de una mosca sin cuatro patas. En realidad, era yo quien corría
como loca -a veces a ciegas y sin pisar a otros monstruos solamente de milagro-, mientras que mi agresor (el señor caracol)
quedaba muy detrás de mí. Quién sabe, quizás él ni siqiuera
me había visto e iba por su camino a una cita con otro señor
o señora caracol.
Así pasaron los meses y los años de mi infancia, con el temor
de encontrarme con esa “bestia salvaje” mientras jugaba en el
jardín. .
La situación cambió diametralmente cuando alguien me dijo
que ese “horroroso monstruo” ¡es un manjar! El favorito de
los cocineros de cofias blancas en los mejores restaurantes de
París.
¡Cuál habrá sido mi sorpresa!
Resulta que la cocina francesa adora a un primo lejano de
nuestro viñero-jardinero. Y tal vez a él mismo no lo desprecia.
Sin embargo, es probable que esta adoración funcione solamente de un lado, por lo menos así debería ser. ¿Pero lo saben
los caracoles? ¿Les han dejado sus ancestros, como herencia
científica y cultural, alguna advertencia en cuanto al homo sapiens sapiens (de Francia en particular)?
Me parece interesante qué les habrían escrito en semejante
documento. ¿Tal vez un desiderátum caracólicum? Seguro lo
habrían comenzado: “no vueles por la vida…”
¡Seguramente habrían también incluido una breve historia de
su cultura! ¿Nos habrían descrito en ella como GRANDES intrusos en su mundo? Además, como intrusos que no los comprenden y, por si fuera poco, no los quieren comprender. ¡Aparecen,
cogen los mejores ejemplares y se van! ¿Y qué debe hacer la
señorita caracol si justo se han llevado a su futuro marido?
Ese libro, El libro de la gran familia de los caracoles habría
sido una insustituible fuente de saber para los caracoles contemporáneos. Si lo pudiéramos descifrar (ya que quién sabe
en qué lengua lo habrían creado, ¿caracolés clásico?), tal vez
habríamos visto de otro modo al pobrecito chupalandero encontrado en el parque.
Niestety przodkowie chyba jednak nie zdążyli nic napisać.
Desgraciadamente, creo que sus ancestros no llegaron a escribir nada.
Mogli nie zdążyć! W końcu nie bez przyczyny ślimak w języku
polskim jest bliskim kuzynem żółwia, przecież obaj ślimaczą się
w żółwim tempie! $
¡Pudieron no haber llegado a tiempo! Finalmente, no sin razón,
el caracol en polaco es primo cercano de la tortuga, pues los
dos caracolean a paso de tortuga. $
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caracóis
Receitas de caracóis
Texto de Iwona Śniadecka e Joanna Moszczyńska
Caracóis...Quem não os colhia na sua infância? Lembram-se
daqueles dias quentes de Verão, o sol brilhante, a erva divinalmente verde, fina e baixinha, coberta ainda do orvalho restante
de um leve chuvisco matinal, onde nada mais existia ou brincava, a não ser os caracóis! Se calhar dizer “brincavam” não é o
melhor para descrever o passatempo deles, pois, eles até são
muito preguiçosos e, por sinal, adoram estar de “papo para o
ar”, quer dizer... “de concha para o ar”. Vendo bem as coisas,
somos nós que lhes tiramos o sossego e a pacatez das suas
vidas. Quem pensou pelo menos uma vez como saborear estas pequenas bestinhas ? Que levante a mão quem já pensou
nisto! E quem ousou ponderar quanto custa um...quilo deles?
Posso informar-vos de que os preços nas feiras grossistas na
Polónia não são elevados – de 1,5 a 2 zlotys por quilo – o
que não recompensa o trabalho de os apanhar, com certeza.
Tanto mais que na Europa são considerados uma delícia rara,
mas bem preparados podem atingir preços astronómicos nos
restaurantes, uma vez que são um petisco apreciado.
O que eu acho bastante interessante é que os caracóis foram
um dos primeiros alimentos de origem animal do homem préhistórico. Porém, os Romanos, considerados grandes amantes
dos gastrópodes (grego: gaster = estômago, poda = pé), não
só os comiam mas também os usavam como medicamentos e
até, quem diria... como afrodisíacos. Na natureza existem muitas espécies de caracóis – mais de 40 mil (sic!), entre as quais
se podem encontrar algumas espécies que até são bonitas,
maravilhosamente coloridas, enquanto existem outras que são
bastante venenosas.
Existem dois tipos/géneros de caracóis comestíveis: Helix (da
família Helicidae) e Achatina (família Achatinidae). No mundo
da gastronomia temos, então, Escargots, Escargots de Bourgogne, Escargots Petit-Gris e Gros-Gris (pequenos e grandes
cinzentos) e Achatines. É melhor saborearem cada um destes
tipos – para saberem quais são os vossos predilectos. Portanto,
nem se preocupem com manter a linha, pois os caracóis são
fáceis de digerir e até são dietéticos! Aqui têm algumas receitas
para experimentar:
Pastéis de caracóis
Ingredientes:
Receitas:
Para o recheio:
500g caracóis tirados das conchas
300g de cebola
1 lata de milho
2 pimentos vermelhos
sal e pimenta
manteiga para fritar
Para a massa:
250g de farinha de trigo
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120g de manteiga
sal
água
Preparação:
Corte a carne dos caracóis e refogue-a na manteiga, tempere-a.
Aloure a cebola cortada em rodelas e os pimentos em palitos
curtos, mexa com o milho, junte os caracóis.
Massa:
Faça a massa com todos os ingredientes, acrescentando água
fria, para que fique mole, mas flexível. Alise-a e corte rodelas
de 10cm de diâmetro. Ponha as porções do recheio preparado nas rodelas, dobre e cole-as como empanadas ou tortellini. Ponha-os no forno aquecido até 200 graus e asse até que
fiquem dourados.
Tagliatelle com caracóis
Ingredientes:
400g de tagliatelle grosso
300g de caracóis pequenos tirados das conchas
2 cebolas
1 lata de tomates em pedaços
50g de azeitonas pretas
azeite
sal, pimenta, orégãos
Preparação:
Corte os caracóis em pequenos cubos, frite-os com cebola cortada em rodelas. Quando a cebola ficar loira, junte os tomates
e as azeitonas bem picadas. Tempere o preparado.
Coza a massa em água salgada com uma colher de azeite.
Quando a massa estiver preta, misture-a com os caracóis numa
caçarola. Sirva o prato quente acompanhado com vinho tinto.
Caracóis grelhados
Ingredientes:
20 caracóis tirados das conchas
3 cebolas grandes
½ chávena de azeite
2 ramos de alecrim
sal, pimenta
Preparação:
Prepare uma marinada de cebolas cortadas em azeite, junte
também alecrim, sal e pimenta a gosto . Adicione os caracóis
cortados em pedaços grandes, mexa bem e deixe ganhar paladar por uma noite. Grelhe os caracóis com a cebola da marinada. Sirva o prato quente com torradas.
Bom Apetite! $
caracóis
Caracol-um animal filosófico
Texto de Maria Wróblewska
O caracol não é para nós um bichinho importante. Os mosquitos, as vespas ou formigas muito mais frequentemente atraem
a nossa atenção. Temos de lutar contra eles durante todo o
verão, proteger o nosso corpo das suas picadas, fazemo-nos
queixar sobre os incómodos da vida. Os caracóis são visíveis só
nas aldeias com as ruas cheias de lama. Mas inesperadamente,
às vezes o caracol pode tornar-se um ponto de começo da
nossa reflexão filosófica.
vão chegar a horas a casa da compra dos caracóis, decidem
devolvê-los à liberdade. Neste momento acontece algo estranhíssimo. De todos os arbustos saem centenas de caracóis que
formam uma linha e como numa romaria sobem ao pico da colina. Fascinados com esse comportamento extraordinário, pai e
filho seguem os animais para saber o que se está a passar. No
cume encontram uma rocha da altura dum homem, abrupta e
completamente lisa. Apesar de os caracóis não desistirem da
sua subida à rocha, não são capazes de vencer esta batalha
contra a massa rija do granito e a gravitação de terra.
Paweł Hille é um autor muito benemérito para a cidade de
Gdańsk. A acção de todos os seus livros tem lugar ali. No conto
“Os caracóis, os charcos, a chuva”, Gdańsk é o fundo da história
sobre uma aventura excepcional dum pai e do seu filho.
O pai é um construtor de navios a trabalhar num estaleiro nos tempos do comunismo. Quando se recusa a aceitar a data
da primeira saída dum navio no dia da
festa nacional de 22 julho (A Festa Nacional de Renascimento da Polónia – fixada
um ano depois de assinatura do manifesto
do Comitê Polaco da Libertação Nacional),
perde o trabalho. Não importa que o navio
tenha defeitos muito graves, ele foi nomeado “um inímigo da nação”. Com isso,
é condenado a passar a vida na pobreza,
porque ninguém quer contratá-lo. Para
ganhar um pouco de dinheiro tenta fazer
de tudo. Por isso, quando sabe da apanha
dos caracóis, leva o cesto e o seu filho e
começa a caminhada mágica.
O pai e o filho observam este mistério do mundo animal com
espanto. É um momento muito significante para os dois. Por
que os caracóis tentam subir a pedra?
Talvez esse seja um lugar duma esfera
santa ou um tipo de accis mundi dos bichinhos? O que podia acontecer se conseguissem alcançar o pico da rocha? - só
caracóis sabem a resposta para estas peré sobretudo
guntas.
¿?
Para o rapaz
o momento da
Mesmo que os dois não tenham nenhuma
ideia sobre os motivos dos caracóis, há um
profundo sentido nesse quadro. A subida
a vida humana, como a
cansativa dos caracóis é como a metáfora
vida do pai, da sua resistência e o invida de qualquer outro bichi- da
justo combate com o sistema irracional do
nho, está cheia de segredos. comunismo. Ele tem as suas regras, é um
homem de honra. Mesmo numa situação
Nem sempre se pode encon- perigosa, quando a sua decisão de não assinar o acordo para a saída dum navio tem
trar uma boa resposta para consequências para toda a sua familia, ele
Para o filho, esta viagem de vagabundos
não desiste dos seus ideais. Como o caraas perguntas que não nos col, tem de esforcar-se imensamente para
está ligada à exploração dum mundo que
desapareceu há trinta anos. Quando, às
viver com dignidade nos tempos onde o
deixam de dormir.
tardes, os dois planeiam aonde ir no dia
que se conta é a flexibilidade e lealdade
seguinte, o rapaz, abaixado sobre o mapa,
a um partido comunista. A demissão do
vê nomes de ruas que não conhece. No
trabalho é como a queda dum caracol
fundo da sua própria cidade é inundado o outro, com o nome subindo a pedra. Mas como o caracol, o homem começa a
estrangeiro “Danzig”. Nesta reflexão de espelho, as ruas são subida outra vez.
mais limpas e elegantes e nas ruas e casas ouve-se só uma
língua estranha. O presente mistura-se com o passado. O rapaz Para o rapaz é sobretudo o momento da descoberta de que
começa a reparar nos detalhes duma realidade de antes da Se- a vida humana, como a vida de qualquer outro bichinho, está
gunda Guerra, quando Gdańsk era mais uma cidade alemã do cheia de segredos. Nem sempre se pode encontrar uma boa
que polaca. Mas isso é só um dos descobrimentos dum par de resposta para as perguntas que não nos deixam dormir. Nem
aventureiros. Um dia os dois chegam a saber que os caracóis sempre sabemos aonde vamos e qual é o objectivo da nossa
gostam muito dos cemitérios arruinados. Não podendo expli- caminhada. Nem sempre alcançamos o que queremos. Mas
car este fenómeno, o rapaz começa a supor que os animais sempre queremos e fazemos esforços. A aura especial desse
são mensageiros de outro mundo, criaturas de Hades enviadas conto faz-nos pensar sobre a nossa própria vida. Quem sabe,
para uma missão secreta à nossa realidade.
talvez para nós a pedra acercada pelos caracóis signifique uma
outra coisa. Na próxima vez, quando virem o caracol, por favor,
No último dia da apanha dos caracóis, o pai e o filho trabalham lembrem-se de que tudo ao nosso redor tem algo importante
até ao lusco-fusco. Quando reparam que já é muito tarde e não para nos dizer. $
descoberta de que
Abril/ Maio
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Criação literária
Náuseas
Poema futurista transcultural ao gosto de Ultimatum
de Álvaro de Campos
por Anna Kalewska
Nunca comi caracóis. Comer caracóis é para mim uma vaga perspectiva do futuro. Não comi porque ... porque são
amigos da aranha Leopoldina, que além de fazer teia e maia fazia também versos, contava histórias, harmonizava
as cores do árco-íris e tinha coração azul, «parecendo uma teia de emoção», como escreveu Ana Luísa Amaral n´A
história da aranha Leopoldina.
Acredito que os caracóis, os aranhiços, os sapinhos e os golfinhos são totens (e tabus) do nosso quotidiano,
simpáticos seres não-comestíveis com que nos identificamos. Vá a uma marisqueira a um jardim zoológico e salve
o seu molusco ou animal preferido! Se não puder, invente um conto sobre uma menina que não comia caracóis.
Está por escrever.
$
Oh, que fazes tu, ó caracol descascado em Cascais,
Canhoto maneta do corno esquerdo,
Aranha imperfeita sem tampa a cobrir as desinqueitadas narinas
Finas.
Quem és tu, ó marisco do pobre, a carregar a tua casinha às costas?
Custava-me olhos da cara içar-te num palito e levantar à boca
Roca
Não posso.
Tusso.
Tirem o caracol da minha frente!
Arranjem-me uns couves e umas costeletas da carne de porco (panada)
Ponham os mariscos na frigideira a fingir que sejam ovos!
Tudo de aqui para fora!
Ultimatum a todos em caracóis e a todos os outros que sejam como eles!
Falência geral de tudo por causa dos mariscos!
Falência geral de tudo por causa de caracóis!
Falência geral de gostos, de raças e de culturas!
Fora! Fora! Fora!
Tirem este prato da minha frente!
E se houver caracóis que se mexam,
Ponham-os aí no canto.
Ó caracol da baixa imortalidade!
Ó amigo de lesmas alfacinhas!
A Europa tem fome de ti e não te conhece
Ó amigo lonquínquo de oscypek e de bolotus-bolotus
A Europa teme-te e deseja
A Europa fome de caracóis!
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Abril / Mayo
A Europa tem fome de futuro, tem fome de caracol.
A Europa não come caracóis porque não tem grandes Poetas
Grandes Estadistas
Grandes Generais
Grandes Cozinheiros
A Europa sem o caracol é apenas o Portucale de Varsóvia!
Ó caracol da Raça dos Navegadores!
Afirmo que vais perecer brevemente porque te falta
Um tanto de muco
Um rasto quente e viscoso de caracol
Deixado no gaurdanapo cor-de-rosa serviette
Tú, da Raça dos Descobridores
Desprezado mais que o alho da açorda
Ó tu, blague comestível de Pedro Álvares Cabral que não te qeuria descobrir!
Mostra o corninho e traz-me um tanto de queijo
Amigo da joaninha que não voa!
Mais vinho, por favor.
Viiiiiiinho!
Vodka!
Schnaps!
Tapem-me o nariz com o pano por cima de tudo isso!
Fechem os caracóis à chave e deitem a chave fora!
Deixem-me respirar!
Agora a arte é ter fotografado um caracol de Cascais
E «os caracóis das melhores regiões»
Fornecidos por ....
Magalhães!
Colombo!
Mima-Fataxa!
Agora a literatura é o conto do caracol apaixonado
Contado para uma menina que nunca comia caracóis
Agora a crítica é haver bestas bicornudas que se chamam caracóis
E deitam os corninhos fora, pondo-os ao sol a sair da casca
Montando devagarinho a flor do caracoleiro
Na hélice do vomitório
Zigzagueando
Chamando pelo Gregório.
Passem, absolutalmente, passem
Caracóis saltimbancos arlequins celestiais girassóis
Zomba
Bamba
Cacimba
Vomito
Vomito vomito vomito!
Bláaaaaaaaaaaaaaaa!
O caracol vomitado jaz e apodrece.
A Europa cara-colada suas malhas tece.
Abril/ Maio
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Creación literaria
por Katarzyna Hajost-Żak
EL DIBUQ
Hermano menor del dybuk (tan odiado por los alumnos de la yeshiva). Igual que el dybuk, el dibuq tiene patas de ganso y cuernos de chivo. Siempre tiene hambre y siempre la puede saciar, ya que se alimenta de los pensamientos impuros de las mujeres
infieles. Sin embargo, es muy flaco, porque gasta mucha energía provocando celos en las mentes de los maridos engañados.
Algunos dicen que huele a sudor y lágrimas, otros que deja olor a ajo. De la relación entre un dibuq y una mujer de Pułtusk nació
un caracol con cara de mono. Pero eso ya es otra historia. $
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Abril / Mayo
Criação literária
Depois da chuva chegam os caracóis
por Barbara Szlachta
O céu, há alguns momentos ainda sereno e turquesado, começou a
cobrir-se de nuvens. Cada vez mais a tênebra escorreu pela cidade, não
deixando nem um pontinho claro.
“Obrigadinho!” – disse o bicho depois de alcançar a relva no parque.
“Ai! Tenho de apressar-me. Logo vai chover a cântaros!” – murmurou
uma velhinha ganhando a guia.
“Não! Eu canto!” – indignou-se o caracol – “Claro que falo! E queria
agradecer-te pela ajuda, ou antes pela salvação da minha vida.”
De repente um relâmpago luminoso cortou o céu como se quisesse
quebrar a pavorosa escuridão. E logo depois deixou-se ouvir um estrondo potente de trovão, repreendendo o raio pela demasiada clareza.
Mas a avozinha não se preocupava nada com essa briga dos fenómenos atmosféricos.
“Não há de que.” – a velhinha sorriu-se lentamente.
“Ai! Rapidinho! O meu precioso não pode molhar-se! Ainda alguns passos...”
“Desculpe? Tu falas?” – a avozinha arregalou os olhos.
Somente agora examinou o animal com todos os pormenores. Não
tinha nada em comum com esses caracóis repugnantes e lamacentos. Quando mostrou meio corpo para fora da concha e esticou seus
tentáculos, podia-se ver toda a sua beleza: as torceduras da concha
decorada com as finas guarnições, o brilho do corpo que reflectia todos
os raios do sol. Uma verdadeira maravilha!
“Agora estás seguro.” – disse com um sorriso a velha mendiga, tirando
de um saco o seu tesouro, o único que tinha – um cobertor usado.
Deitou-se na terra, cobriu-se e caiu no sono.
“Que feliz tens de ser! Tão bonito com a tua própria casinha no dorso.
Sempre quando estás farto do mundo podes acolher-te nela. Um pouco assim como eu quando me refugio da chuva debaixo deste cobertor.
Sabes, é a única coisa que tenho.” – os olhos da avozinha encheram-se
com as lágrimas – “É preciso ter um lugar aprazível e quentinho aonde
se possa voltar, mesmo se só uma concha...”
Como nenhum aguaceiro dura a eternidade, logo as nuvens desapareceram e surgiu o sol. A avozinha levantou-se, enrolou o seu cobertor
na trouxinha e dirigiu-se ao parque que ficava no outro lado da rua.
“És uma pessoa muito boa e mereces o melhor. Fecha os olhos e
pensa um desejo!”
...
Quando já queria atravessar, um pequeno ponto tremendo como varas
verdes atraiu a sua atenção. Acocorou-se para ver melhor aquele bicho.
Era um caracol que também tinha vontade de ir ao parque depois da
chuva. A mendiga teve pena do animal:
O céu, há alguns momentos ainda sereno e turquesado começou
a cobrir-se de nuvens. Acima da cidade rompeu o novo espectáculo
tenebroso da tempestade. No entanto, desta vez a velhinha não tinha
pressa, não tinha de proteger o seu cobertor para que a chuva não o
molhasse. Estava quietinha na sua concha esperando pelo fim da corda
d’água.
No momento quando conseguiu esconder-se debaixo do teto de um
barraco de chapas abandonado, começou a chover.
“Tu sozinho nesta estrada enorme, no meio de tantos carros!” – ao
dizê-lo, apanhou delicadamente o caracol do chão e atravessou com
ele a rua.
Logo que sentiu o calor dos primeiros raios do sol esticou os tentáculos.
O arco-íris era maravilhoso... $
Abril/ Maio
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Criação literária
Uma casa dentro das mãos
por Manuela Teixeira Pinto
Ela acordou num dia ensolarado. Num dia em que a
cidade era fácil de se dizer. Ela acordou nessa casa branca
onde vivia devagar há muito tempo. Lembrava-se de
poemas onde os poetas diziam as casas, o lado de dentro
das casas. Eu comia nesta sala e dormia neste quarto e
descia estas escadas e descansava. E enchia o quarto do
meio, mais pequeno, de livros onde às vezes escrevia nas
margens como quem semeia flores nos parapeitos das
janelas. As flores a escorrer pelas paredes, entre as fendas
brancas, as flores, as raízes, as flores a crescer na casa. A
casa inteira a crescer, em cada dia, silvestre e branca a
esfregar os olhos ao acordar. A casa
em cada dia, um dia mais.
Nesse dia ela era as suas mãos abertas,
a esticar-se no branco dos lençóis,
o seu cabelo breve despenteado a
escorrer pelo cheiro da manhã, pelo
cheiro do pão e do café, pelo cheiro do
mel e das cerejas, da soleira da porta,
essa pedra antiga, onde se esticava e
respirava fundo. Nesse dia ela sentouse na soleira branca, enrolou os braços
nos joelhos e os olhos grandes no ar
doce e perguntou. Perguntou se as
casas eram uma vida inteira a arrastarse inteira pela vida.
dos livros o lado de dentro das coisas. O lado inteiro
das coisas. A transbordar. A dizer uma manta vermelha
nas costas de uma cadeira onde crescia um vaso de
lavanda. A dizer um vaso de lavanda que ficava o dia
inteiro a apanhar sol. A dizer o sol a deslizar na pele que
amanhecia, a passar os dedos pelas mãos, a dizer que a
casa inteira existia devagar, naquele dia. Nas suas mãos, a
casa existia devagar, há muito tempo. A casa escrevia-se
devagar há muito tempo, ordenava-se devagar há muito
tempo. Nesse dia ela perguntou pelas suas mãos.
¿?
E pensou que a casa era
tantas coisas e por isso
andava devagar. Uma casa
inteira devagar, a deixar
rasto num caminho. Uma
casa inteira num caminho.
E pensou que a casa era tantas
coisas e por isso andava devagar.
Uma casa inteira devagar, a deixar
rasto num caminho. Uma casa inteira
num caminho. Sozinha a subir uma
montanha, a descer a uma praia, a
mergulhar num barco, a levantar num
voo. A ficar. Uma casa inteira num
mundo tão grande. Uma casa inteira
numa mala grande. A deixar rasto, a
sua casa, a caminhar. Nesse dia ela
lembrou-se de um livro muito antigo,
de um homem a subir uma montanha,
um homem a empurrar encosta acima
outra montanha, essa pedra imensa
que desliza, essa pedra imensa que
se agarra às mãos. Ela lembrou-se
que o livro dizia, com a sinceridade
dos desejos sinceros, que era preciso
imaginar esse homem feliz. Era preciso
imaginar. A casa a imaginar. A casa a
tremer devagar na brisa fresca que não
havia. Nesse dia ela perguntou pela
sua vida, silvestre e branca ao acordar.
Nesse dia ela lembrou-se que seSozinha a subir uma monmeava moedas nos potes de barro
que trazia de países muito distantes
tanha, a descer a uma
e que espalhava pela sala grande. Ela
lembrou-se que espalhava desejos
praia
pela casa, que escondia segredos pela
casa, a respirar fundo pela casa. Nesse
dia ela era cúmplice da sua casa, ela
era os seus pés descalços a segredar carinhos na soleira E nesse dia ele respondeu. Ele disse, fazer amor contigo
branca da porta. Ela era as suas mãos abertas a perguntar é como escrever nas margens de um livro. Ela não estava
se as casas eram uma vida inteira que se arrasta toda certa de perceber. Mas estava inteira nos seus braços. Era
pela vida.
como semear flores nos parapeitos das janelas. Era como
subir uma montanha e acreditar na verdade das pedras.
Nesse dia ela era os seus livros na mesa e nas escadas. Era como abrir a bolsinha dos perfumes e pintar os olhos
Ela era as folhas brancas e as canetas, os postais coloridos de azul silvestre, se existisse uma cor assim. Era como dizer
e as fotografias. As fotografias de tantos lugares. Ela era os segredos, um a um. Era como despejar a casa inteira
os anjos pequenos, sorridentes, os móveis que cheiravam numa mala grande, num comboio que serpenteasse por
a um lugar distante, os ovos de Páscoa pintados de azul um país distante imaginário. A casa num país distante
e cor-de-rosa. Ela era as roupas no cesto ensolarado, era imaginário. A casa devagar a ser escrita nas margens de
as janelas abertas, as janelas fechadas, as portas grandes um livro. A ser escrita com as duas mãos. A casa inteira a
e as gavetas. As gavetas forradas de memórias, a voltar adormecer nas tuas mãos, a dizer um poema que nunca
agora, a ganhar cor, as memórias forradas de promessas, te disse. O lado de dentro de um poema que nunca te
de bilhetes de cinema, de avião, de pedras azuis, de disse. Nas minhas mãos nas tuas mãos a transbordar um
conchas brancas, de areia preta, de poemas. De poemas poema que nunca te disse. Num dia ensolarado, um dia
a dizer o lado de dentro das coisas. A dizer nas margens que fosse fácil de dizer. $
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Abril / Mayo
Criação literária
Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos,
Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Abril/ Maio
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A HURTADILLAS
Discretamente, a hurtadillas,
levanto del sendero
a mi hermano mayor,
el caracol,
para que nadie lo pise.
Mayor quizá millones de años.
Hermano en la inseguridad de la existencia.
Los dos ignoramos por igual
para qué fuimos creados.
Los dos inscribimos por igual preguntas mudas,
cada uno con su más íntima escritura:
con sudor de miedo, con semen, con baba.
traducción de Gerardo Beltrán
D’esquitllentes
Discretament, d’esquitllentes,
lecullo del corriol
el meu germà major,
el cargol,
perquè ningú no el trepitgi.
Major, tal vegada, milers d’anys.
Germà en la inseguretat de l’existència.
Ambdós, però, ignorem
per a què creats fórem.
Ambdós, però, preguntes mudes anotem,
cadascú amb la seva més íntima escriptura:
amb la suor de la por, amb semen, amb baba.
traducció de Josep Antoni Clement
ÁS AGACHADAS
Às furtadelas
Ás agachadas, discretamente
levanto do sendeiro
ó meu irmán maior,
o caracol,
para que ninguén o pise.
Maior probablemente millóns de anos.
Irmán na inseguridade da existencia.
Ambos igualmente non sabemos
para que fomos creados.
Ambos igualmente apuntamos mudas preguntas,
cada un coa súa letra máis íntima:
coa suor do medo, con seme, con baba.
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Abril / Mayo
traducción de Lucía R. Caeiro
Discretamente, às furtadel
levanto da vereda
o meu irmão mais velho,
o caracol,
para que ninguém o pise.
Mais velho talvez milhões
Irmão na insegurança da e
Nós dois ignoramos por ig
para quê fomos criados.
Nós dois inscrevemos por
cada um com sua mais ínt
com suor de medo, com s
Ryszard Kryinicki, poeta, traductor, editor. “Ukradkiem” procede del libro Kamień, szron (Piedra, escarcha), a5, Cracovia, 2005.
UKRADKIEM
UKRADKIEM
Ukradkiem, dyskretnie
podnoszę ze ścieżki
Ukradkiem,
dyskretnie
swojego
starszego brata,
podnoszę
ze
ślimaka, ścieżki
swojego
brata,
żebystarszego
go nikt nie
nadepnął.
ślimaka,
żebyStarszego
go nikt niepewnie
nadepnął.
o miliony lat.
Brata w niepewności istienia.
Starszego
pewnie onie
miliony
lat.
Obaj jednako
wiemy,
Bratapo
w co
niepewności
istienia.
zostaliśmy stworzeni.
ObajObaj
jednako
nie wiemy,
jednako
zapisujemy nieme pytania,
po co
zostaliśmy
każdy swoimstworzeni.
najbardziej intymnym pismem:
Obaj jednako zapisujemy nieme pytania,
każdy
swoimstrachu,
najbardziej
intymnym
pismem:
potem
nasieniem,
śluzem.
potem strachu, nasieniem, śluzem. Ryszard Krynicki
Ryszard Krynicki
las,
de anos.
existência.
gual
igual perguntas mudas,
tima escritura:
sêmem, com baba.
tradução de Daniela Capillé
traducción de Gerardo Beltrán
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Abril / Mayo
La versión portuguesa es de José Carlos Dias, la catalana de Josep Antoni Clement, la gallega de Lucía Rodríguez Caeiro. Al griego antiguo tradujo Marta Machowska, al hindi y al sánscrito, Filip
Ruciński. La versión castellana, así como las traducciones al ladino, yídish, polaco, lituano, esperanto y latín son de Gerardo Beltrán. Paradójicamente, el original fue escrito en inglés, también por GB.
Abril/ Maio
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entrevista
El caracol en su laberinto
entrevista com Andreia Correia
Entrevista de Gerardo Beltrán
Andreia Correia é uma jovem poeta portuguesa de cabelos encaracolados, da cidade de Faro. Mora há
dois anos em Varsóvia, cidade aonde chegou estrangeira de terra e onde se descobriu estrangeira de
si mesma, mas onde também aprendeu a olhar mais fundo. Desde então, a solidão e o exílio marcam
a sua poesia. Nesta entrevista bilingue e labiríntica, conversámos e rimo-nos sobre a vida, a poesia,
Varsóvia e caracóis.
Gerardo Beltrán - Andrea, tengo que hacerte una
pregunta obligada en este número de nuestra
revista: ¿te gustan los caracoles?
Andreia Correia – Se gosto de caracóis? Adoro
caracóis! Adoro comer caracóis e gosto de ver
caracóis nos cabelos das pessoas.
G.B – ¿Y los caracoles como animalitos, como
seres vivos?
A.C – Sim, como animais. É muito comum em
Portugal comer caracóis.
G.B – Pero no digo como comida, sino como
amigos.
A.C – Não, como amigos, não. Também não são
muito activos...
G.B – Claro, además no queda bien comerse a
sus amigos...
A.C – Não. Mas decididamente os caracóis estão
longe de ser meus amigos...
G.B – Crees que hay alguna relación entre los
caracoles y la poesia?
A.C – Depende sempre do olhar. Depende sempre
de quem vê. Para mim os caracóis não são
particularmente interessantes. Confesso que nunca
escrevi sobre caracóis, mas certamente deve haver
algum ponto de interesse; depende sempre da
perspectiva, como referi.
G.B – Me parece que en tus poemas hay algunos
motivos caracólicos, por ejemplo el laberinto
del minotauro, algunos ojos sin espirales, un
ombligo por allí y el viento que da vueltas, el
tiempo...
A.C - Talvez haja um sentido circular no poema,
mas não é propositado. O tempo é
muito
importante, mas mais como devir, como agente que
permite a passagem e não como a porta que se
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Abril / Mayo
abre para o regresso a, para a repetição. As coisas
transformam‑se, não se repetem, e daí que aquela
circularidade, em que se falava, seja falível. O mais
importante é a continuidade. Se há um caracol, se
há uma linha circular no poema, ela desfaz-se no
meio. É essa, pelo menos, a minha perspectiva, é
esse o meu olhar quando escrevo... é sempre num
sentido contínuo.
G.B – ¿Ese continuo es una progresión o es
solamente una línea que va?
A.C – Se há progressão? Bem, eu acho que tenho
tendência a repetir os temas e, nesse aspecto, talvez
vá ao encontro da circularidade, mas essa repetição
vai sempre no sentido de explorar uma temática
mais intensamente, de ir mais além. Portanto, o meu
objectivo é sempre a progressão... uma progressão
que se pretende mais profunda. E por querer ir
mais fundo, à essência, e nunca conseguir lá chegar,
perpetuo o movimento de tentar compreender por
dentro as coisas... é isso que me faz continuar a
escrever.
G.B – Hay otro elemento de repetición en tus
poemas: la repetición de sonidos, porque sueles
rimar.
A.C – Nem sempre. Neste conjunto de textos talvez
sim, mas, regra geral, é em versos livres.
G.B – ¿Cuál es tu relación con la forma en la
poesía?
A.C – O meu modo de me relacionar com o poema
é muito livre, muito espontâneo, isto quer dizer que,
à partida, eu não faço grandes estruturações... ou
melhor, grosso modo, eu não penso em nenhuma
forma específica que sirva de apoio para o conteúdo
poético e, uma vez escrito o texto, praticamente
não o altero. Acho que olho para o poema como
qualquer coisa que tem vida e não posso mexer.
Se calhar, se mexesse, ficaria até melhor, poderia
arranjá-lo e poderia procurar uma maior harmonia,
mas acho que a desarmonia também faz parte
dessa existência do poema e, por essa razão,
quando escrevo é um acto muito instintivo. Regra
geral, não vai rimar precisamente por isso, porque
é como se me ditassem. As palavras surgem muito
espontaneamente, logo a forma para mim não é
particularmente interessante, não é um elemento
importante para ler a maior parte dos meus poemas.
Eu sou a favor da não-forma, isto significa que não
busco na forma poética um sentido. Ela surge
naturalmente, consequência das várias leituras que
fiz, em suma da minha biblioteca interior. Há um
programa natural que está inscrito na minha forma
de escrever, mas não é pensado. Gosto sobretudo
de escrever poemas de verso livre, rima branca.
Cheguei à universidade para frequentar o curso de
Línguas e Literaturas Modernas – variante Estudos
Portugueses e apercebi-me, por professores meus,
de que há essa teoria. E é uma desilusão, confesso,
porque gosto muito mais da teoria romântica de que
é 99% de inspiração e 1% de transpiração. No meu
caso, pura e simplesmente, o que sucede é que se
trata de 90% inspiração e 10% de transpiração.
É como eu te dizia há pouco: eu quase que me
recuso a mexer no poema, a menos que esteja
com uma intenção muito específica. Se existir um
propósito a presidir o poema, aí sim procuro que
o texto seja uma construção consciente, procuro
a harmonia no poema,
porque há um sentido
latente nessa harmonia,
uma mensagem subliminar que pauta a estrutura. Caso contrário,
é a inspiração, deixome levar pela voz
interior. Porque gosto
particularmente de me
deixar levar e de ver
as palavras surgirem...
é isso que sinto: que
elas surgem. Eu não
as procuro, mas elas
surgem.
G.B – ¿Sentistes que,
de alguna manera, los
estudios te limitaban?
De não valorizar os sons, mas sim as palavras, o
que elas nos dizem ou podem dizer. Eu fascino-me
muito mais pelas palavras, o seu lado semântico,
do que propriamente pelos sons delas, quando
articuladas.
G.B – Mencionaste que para ti la poesía es
algo institivo. ¿Eso tiene algo que ver con la
inspiración?
A.C – Creio que tem tudo a ver com a inspiração,
seja ela de que tipo for... Escrever passa pelo instinto
e passa por uma necessidade de me procurar a
mim mesma no poema.
G.B – ¿Y aquello de la transpiración? Por que
alguien decía que la poesía es uno porciento
inspiración y noventa y nueve transpiración.
A.C – Isso foi um choque que tive quando cheguei
à universidade, porque a minha perspectiva pessoal
sempre foi muito inversa a essa linha de escrever.
A.C – Não, o que sinto
é que quando leio
literatura
ou
crítica
literária, quando entro
naquele domínio da linguagem mais específico,
do
literário,
tenho
tendência a escrever
textos mais autoreflexivos, em que jogo com
questões literárias de uma forma muito consciente,
com questões específicas da língua e não tanto com
o instinto e com o sentimento. E, portanto, entra aqui
um trabalho intelectivo, a roçar a ironia muitas das
vezes, aparecendo os textos mais pensados e mais
programados, porque se tem presente estéticas
ou conteúdos específicos de qualquer disciplina,
cânones que servem de suporte. Mas, como digo,
são poucas as situações. Acontece quando há o
estímulo. Depois surge a ideia e vou explorá-la ...
G.B – El poeta portugués Nuno Júdice –que tú
conoces bien, porque escribes sobre él– tiene
una idea de la poesía como lengua extranjera,
del lenguaje de la poesía como un lenguaje que
hay que aprender como si fuera otro idioma. ..
A.C – Sim, a especificidade da língua poética,
cria um universo extra-ordinário. Eu acho
no caso do Nuno Júdice, esta perspectiva
diferentes matizes em função das fases da
Abril/ Maio
¿?
que
que,
tem
sua
35
entrevista
poesia. Há momentos específicos, sobretudo na
fase inicial da sua escrita (década setenta), em
que isso particularmente se nota. Há uma grande
preocupação com o fenómeno literário e com o
que é o poema. Conhece-se o poema dentro do
poema. A poesia tem a sua linguagem e é uma
linguagem muito primitiva, não por ser rudimentar,
mas por que vai além da linguagem humana
enquanto veículo comunicacional. A linguagem
poética é deificada e estabelece uma ligação de
cariz transcendental com o poeta. A poesia é uma
forma de conhecimento e as palavras são um meio
para nos aproximarmos do mundo empírico, ainda
que haja uma distância abismal entre o mundo,
esse mundo real, e o poema...
vontade de o reconfigurar. Mas, assim a quente,
olho para os textos com algum carinho, porque
revelam sempre alguma parte do que ocupava os
meus pensamentos naquela altura, do que vivi, do
que eu senti ou não senti, o vazio, o cheio.
G.B – En ese momento el tiempo vuelve a dejar
de ser lineal y da unas vueltas.
A.C – Sim, o tempo para mim é muito importante,
porque acho que todos nós somos feitos de tempo
G.B – Tú tienes una concepción del lenguaje
quizá más viceral, más violenta. En tu poema “a
linguagem” hay imagenes incluso sangrientas.
A.C – Sim, eu acho que a linguagem tem esse lado
áspero, tem esse lado difícil de tocar. Portanto,
podemos aproximarmo-nos, mas é difícil manuseála. E eu gosto disso, gosto da complexidade. Tanto
que muitas das vezes o fascínio é tal que o poema
se torna quase indecifrável, até para mim. Foi como
eu disse há pouco... eu fascino-me pelas palavras e
daí o processo ser muito espontâneo e ininterrupto,
chegando a criar um efeito de violência, às vezes.
Há um fascínio pelas imagens, que a linguagem
despoleta, e quando eu encontro uma que me
agrada, sinto as palavras com vida, a subir-me, pela
boca, e sigo-as. No caso deste poema, a janela de
sentido que abri era de uma natureza mais agressiva.
Acredito que as palavras são mesmo isso, têm uma
vida própria que, como tu deves saber, fogem ao
poeta. Fogem à vontade de querer dizer e à vontade
de traduzir o que se vê e o que se sente... para mim,
sobretudo o que se sente, porque o que se vê é
sempre uma forma de se chegar aos sentimentos e,
consequentemente, ao que sou.
G.B – El sentimiento como código....
A.C – Sim, acredito que sim. Acredito que o poema
é sempre um modo de nos aproximarmos do Eu,
com as suas faces várias, porque deixo partes de
mim no poema. E mesmo que esse processo seja
codificado, quando leio os textos sei o que estou a
deixar neles abrigado. A leitura é um processo de
recolha desses ecos abandonados nos versos.
G.B – Volvemos al laberinto del minotauro...
A.C – Há sempre uma margem de labirinto e de caos
e falta o tal fio de Ariadne para nos encontrarmos
nesse espaço enredado. Mas gosto de sentir essa
complexidade, como uma marca que identifica o
poema como sendo meu. Talvez por isso prefira
não mexer nele, porque o sinto hermético e gosto
depois de funcionar como leitora, de me perder e
de me encontrar nele. Claro que, passado algum
tempo, se houver distância suficiente, irrompe um
sentido crítico mais acurado e, por conseguinte, a
36
¿?
Abril / Mayo
e acho que sinto isso fortemente, eu Andreia, eu
pessoa. Sinto que estou sempre em mudança,
sinto que as coisas estão sempre a acabar e isso
deixa um profundo sentimento de nostalgia e,
consequentemente, imprime nos versos o tempo,
porque o estou sempre a sentir na minha pele, no
meu corpo, na minha alma. Acho que o poema é
sempre isso, a percepção do tempo e do Ser no
tempo.
G.B - En ese fragmento de tiempo que se llama
2006, cuando escribiste estos poemas, se daba
una circunstancia particular en tu vida. ¿Qué
implica para una poeta portuguesa escribir
poemas en portugués rodeada por una lengua
que no es la suya y rodeada por una cultura que
tampoco es la cultura portuguesa?
A.C – Acho que essa é a questão mais importante
de todas. Curiosamente, quase todos os poemas
que eu escolhi acabam por não falar directamente
de Varsóvia, mas, no fundo, Varsóvia está neles
todos, porque vim para cá sozinha, porque cresci
não compreendemos, esta negatividade toda da
linguagem aumentou a agudeza com que olho
para o espaço. No entanto, por existirmos só nós,
por sentirmos que somos estrangeiros, literalmente,
às vezes dentro de nós próprios, entramos num
processo de auto-aprendizagem complexo e
interminável. De facto, eu não me sinto só
estrangeira por estar em Varsóvia... sinto‑me assim,
também, porque me descobri outra à luz da actual
vivência. Acho que o processo começou por aí e
teve início já há dois anos. Comecei a sentir que
precisava de encontrar um novo veio para seguir,
para me poder re-definir e o poema serviu de
espelho. É a tal questão autoreflexiva, o poeta a
olhar‑se e a querer encontrar uma definição para si
próprio, neste anonimato, neste espaço estrangeiro
(a cidade e o Eu). De certa forma, este processo
de esvaziamento também é bom e tem qualquer
coisa de aprazível.
G.B - Una pregunta más (por deformación
profesional): esos instintos que han surgido
en una tierra estraña, esas sensaciones que se
te presentan todos los días, ¿te han llevado de
alguna manera a la necesidad de la traducción?
¿Te parece que la tradución podría ser una
manera de balancear la incertitumbre?
A.C - Por algum motivo é que o homem inventou a
linguagem. Porque nós precisamos de comunicar,
de nos compreendermos e de sentir que
pertencemos a. Esse sentimento de pertença passa,
sem dúvida alguma, pela linguagem, passa pela
tradução, como estás a colocar. Porque se aquilo
que tu dizes não for inteligível para mim, cria-se a
barreira do humano, do pessoal. Nunca chegarei
a ti e tu nunca chegarás a mim, criando-se um
fosso enorme entre o eu e o Tu. Talvez eu tenha
sentido mais isso porque é difícil aprender a língua
polaca. Não é uma língua que tenha proximidade
com a língua portuguesa e que me seja facilmente
apreensível. O que intensifica o desafio, sabendo
eu que, se conseguir derrubar esse obstáculo, será
uma forma de me sentir mais em casa, menos
estrangeira. Porém, devo dizer-te que me sinto
já, de certa forma, em casa. Depois das férias,
quando regressei, senti um pouco isso: que estava
a regressar ao meu lar.
G.B - La nostalgia produce caracoles en el
tiempo...
muito neste ambiente, porque quando saio à rua há
sempre o abismo da linguagem, há sempre aquilo
que vai de mim ao outro e que não é traduzível, e
que não é expressável, em suma, que não pode
ser dito... e esse não dito teve de encontrar uma
fórmula num outro mundo que lhe fosse natural,
neste caso, o texto, o poema. Acho que desde que
estou cá, e já estou cá há dois anos, aumentou,
em mim, qualquer coisa de mais profundo e
trágico e isso reflecte-se nos textos escritos nesta
fase. A solidão, o andar na rua e estar totalmente
sozinho porque não somos compreendidos, porque
A. C - Acho que a nostalgia é mesmo isso...um
constante regressar a.. e que, nesse aspecto,
Varsóvia será então um eterno caracol, porque vai
sempre trazer esses momentos, esses dias, essas
horas, em que não só realmente sorri muito, mas
também me senti triste... senti-me vazia e cresci
com isso. A diversidade de experiências enriquecenos, dá novas formas e sentidos ao Eu, produz um
efeito de rebuscado no sujeito, complexifica-nos...
esse eterno caracol vai estar sempre comigo. Mais
um caracol, para juntar aos meus. $
Abril/ Maio
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37
Publicação
Poesia de Andreia Correia
Aqui publicamos, em exclusivo, seis poemas de Andreia Correia, traduzidos para polaco.
$
“Reconhecimento”
Colidi com a minha janela,
Vírgula assomada à boca do mundo,
Pausa na noite jazida,
No beiral dos teus lábios .
„Rozpoznanie”
Zderzyłam się z moim oknem,
Przecinkiem zawieszonym na ustach świata,
Pauzą w spokojnej nocy,
Na krawędzi twoich warg.
Colidi,
Brutalizada de sentidos,
Amante oca de águas profundas.
Imprimi na ponta dos dedos
O mapa do teu corpo e saí, mundo fora, cega,
Tacteando a epiderme da vida,
Tal qual Édipo,
Em busca da tua pele, cor de fundo...
Zderzyłam się,
Wypotworniała od zmysłów
Kochanka pusta głębinami wody.
Odbiłam na opuszkach palców
Mapę twojego ciała i ruszyłam, w świat, oślepiona,
Błądząc dotykiem po naskórku życia,
Tak jak Edyp,
W poszukiwaniu twojej skóry, spragniona...
16/05/2006
Tradução de Dorota Kwinta
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“Labirinto”
Minotauro,
Afogado,
Pelas trevas dedilhado,
Chegaste aqui...
Minotauro
De rascunho,
Que te invento pelo punho,
Para que nasças de mim....
Minotauro
de tantos dias,
De tantos caminhos arauto.
Minotauro,
ébrias fatias,
Fatias de um tempo incauto.
Devorada,
Como tu,
Minotauro,
Aqui estou.
Ao sacrifício deitada,
Minotauro,
Degolada,
O poema me ceifou.
12/03/2006
„Labirynt”
Minotaurze,
Zatopiony,
Przez ciemności podrapany,
Tutaj dotarłeś...
Minotaurze
Jesteś szkicem,
Który wymyślam i widzę,
Jak się ze mnie narodziłeś...
Minotaurze
tak wielu dni
i wielu dróg posłańcu.
Minotaurze,
pijany kawałku,
Kawałku niebacznego czasu.
Tak jak ty
Pożarta,
Minotaurze,
Jestem tu.
W ofierze złożona,
Minotaurze,
Wypatroszona,
Ścięta ostrzem poematu.
Tradução de Dorota Kwinta
38
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Abril / Mayo
“A linguagem”
Experimento a linguagem
Enquanto bebo um copo de palavras...
(‘Para que serve a vida?’)
As palavras agarram-se à boca,
Ferros na língua estagnada,
Não se querem misturar...
(‘O que é importante, neste caminho de dias e curvas,
[onde tudo se amontoa e desmorona?’)
Experimento a sua luta lasciva.
Derrubam-se umas às outras...
Umas com vertigens,
Outras com agorafobia.
A língua estagnada.
(‘Para onde irei amanhã e quem quero ser amanhã’?)
Sinto as facadas,
Os queixumes,
As verborreias contidas a doerem-me,
Na boca de sangue.
Experimento a linguagem
Na vertigem de mim
E descubro-me enumerada
Pelo silêncio,
Diante do esplendor deste combate viril:
corpos sôfregos em movimento desarticulado,
Mãos, escalando-me até aos olhos!
17/03/2006
„Język”
Wypróbowuję język
Kiedy wypijam szklankę słów...
(„Do czego jest życie?”)
Te słowa wgryzają się w usta,
Ostrza w zdrętwiałym języku,
Nie chcą się wymieszać...
(„Co jest ważne w tej drodze dni i zakrętów,
[gdzie wszystko się spiętrza i wali?”)
Wypróbowuję ich lubieżną walkę
Powalają się, jedne drugie...
Jedne z zawrotami głowy,
A drugie z agorafobią.
Odrętwiały język.
(„Dokąd pójdę jutro i kim chcę być jutro?”)
Czuję pchnięcia nożem,
Lamenty,
i hamowane słowotoki, jak bolą mnie
W krwawiących ustach.
Język wypróbowuję
W pragnieniu siebie
I odkrywam się wyliczoną
Przez ciszę,
Wobec całego splendoru tej mężnej walki:
łapczywe ciała w nieuporządkowanym ruchu,
Dłonie, pnące się po mnie aż do oczu!
Tradução de Dorota Kwinta
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$
“Varsóvia à luz da neve”
O manto que caiu trouxe com ele
O reflexo de mil rios
E de um oceano maior à minha espera.
Não há neste cruzamento virginal
A lembrança de um sonho maior do que este...
Como se o céu e a terra, por fim noivos,
Se preparasse para a noite de núpcias:
Ela vestida de branco...
Ele desligando a luz do mundo para secretamente
[a abraçar....
21/11/2006
“Warszawa w świetle śniegu”
Zasłona, która opadła, przyniosła ze sobą
Odbicie tysiąca rzek
I jednego bezkresnego oceanu, które mnie oczekiwały.
Nie ma w tym dziewiczym spotkaniu
Wspomnienia snu, marzenia silniejszego niż to…
Jakby niebo i ziemia, w końcu zaślubione,
Szykowały się do nocy poślubnej:
Ona w bieli…
On światła wygaszający świata, aby ją objąć w tajemnicy…
Tradução de Dorota Wadełek e
Joanna Rożycka
Abril/ Maio
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39
Publicação
“Contrabando”
Quero o guindaste das horas
Puxando o tempo para longe de mim...
E no céu uma nuvem navegada
Rumo ao sol, traficante da luz,
Neste poema de marfim.
„Kontrabanda”
Pragnę tego żurawia czasu
By odciągał czas daleko ode mnie...
A na niebie chmury żeglującej
W stronę słońca, przemytnika światła,
W tym wierszu z kości słoniowej.
Quero ser o barqueiro, o ilusionista terrestre,
[o trapezista arauto.
Quero as palavras em fogo,
Em fogo, as palavras, na ânsia do salto.
Pragnę być wioślarzem, ziemskim iluzjonistą,
[trapezistą wysłannikiem.
Chcę słów całych w ogniu,
W ogniu, słów, na chwilę przed skokiem.
Quero ser a embarcação,
deitada ao mar fundo dos dias,
Carregada de sonhos para contrabando...
E palavras alfandegárias, vazias.
Pragnę być transatlantykiem,
Na powierzchni głebokiego morza dni,
Wyładowanym po brzegi kontrabandą snów...
I słowami do oclenia, pustymi.
19/03/2006
Tradução de Dorota Kwinta
$$
$
“Ânsia”
Mulher,
Estandarte que o vento anseia,
Pela mão íngreme da vida, desfraldar,
Os olhos não têm espirais
Para que ninguém os saiba escalar…
Mulher,
Alma ou barco de inteiros abraços
Equidistantes,
Rumo febril de segredos e cansaços,
Tremeluzentes horas e espaços,
Arestas de voos marítimos, amantes…
Mulher,
Não és resto ou rastilho,
Em palavras nunca te poderia dizer…
És, e eu sou contigo, rasto que arde sem caudilho
E por não seres infindo, caminho não podes ser…
„Pragnienie”
Kobieto,
Chorągwio, którą wiatr ciągle pragnie
Twardą ręką życia koniecznie rozwinąć,
Oczy pozbawione są spirali
Tak, żeby nikt nie umiał się po nich wspiąć...
Kobieto,
Duszo albo okręcie całkowitych objęć
Jednakowo dalekich,
Gorączkowy kursie sekretów i zmęczeń,
Migotliwościo godzin i przestrzeni,
Krawędzio lotów morskich, ukochanych...
Mulher,
Corpo grávido de marés em desalinho,
Carrego-te aos ombros do poema que te dignifica…
Kobieto,
Nie jesteś lotką ani lotem,
Nie zdołam cię słowami wypowiedzieć...
Jesteś, a ja wraz z tobą, samoczynnie płonącym lontem
I, nie będąc nieskończoną, drogą nigdy nie będiesz...
Porque és tu a indigência do gatilho
Porque és tu a ânsia frondosa do destino ,
que dispara a essência que em mim habita…
Kobieto,
Ciało ciężarne przypływami w nieładzie ,
Niosę cię na ramionach wiersza, który cię zaszczyca...
24/1/2006
Bo to ty jesteś całym nieszczęściem spustu
Bo to ty jesteś gęstym lękiem przeznaczenia,
strzelającym esencją co we mnie zamieszka...
Tradução de Dorota Kwinta
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Abril / Mayo
traducción
Hipólito G. Navarro
Środek zastępczy: Latająca ryba
(opowiadanie w różnych czasach i higienach)
Traducción de Kamila Gądek
Por si no lo sabéis, en una sala de la segunda planta de un muy conocido edificio, los lunes, a una hora muy temprana, se reúne un
grupo de estudiantes que trabaja duro haciendo traducciones, criticando traducciones y teorizando sobre traducciones. Allí surgen
nuevos talentos. El texto que aquí presentamos inaugura la serie de traducciones hechas por los que participan con mucho empeño
en este curso que llamamos “Traducción Artística”. Hay una razón fundamental para darle a esta traducción la primacía para inaugurar nuestro proyecto: la estadística dice que –indudablemente– entre todas, ésta contiene el mayor número de caracoles.
$
1.a.
Latająca ryba przeskoczyła nad jego ramieniem.
2.a.
Korek od wanny zablokował mu się już ponad trzy lata
temu; woda była bagnista, wysepki, plamy oleju, mech na metalowym sznurze od prysznica. Gumowa kaczka, z wielkim trudem
utrzymująca niezrozumiały fioletowy uśmiech, o kolorze niewątpliwie
zakamuflowanym, pokrytym zielonkawymi algami, tkwiła na mieliźnie
pomiędzy sitowiem, które rosło wysoko i pokrywało, zdziczałe, już
prawie połowę wykafelkowanej ściany.
W swoich ulubionych miejscach, małże, żółwie i dżdżownice. Był
poniedziałek.
3.a.
Ale, do cholery, latająca ryba?
4.a.
No bo rzeczywiście, trzy lata brudów wrzucanych do wanny, kolekcja różowych i niebieskich muszli, trzy żółwiki, które kupił w
sklepie zoologicznym na ulicy Segundo Maestre i urządził jak mógł na
śliskim wsporniku z alg i grzybów, między starymi żelami do kąpieli,
okropny błąd z pierwszych miesięcy, pirania, która niszczy wszystko,
jeśli nie wyciągnie się jej na czas...; tak, to było swojskie i powszednie,
nawet przesadny rozpłód dżdżownic. Ale latająca ryba? Kiedy, do cholery, wsadził tam latającą rybę, która, z sześcioma tuzinami różnych
kolorów na swoich skrzydłach, przeskoczyła mu nad ramieniem, żeby
narysować zdziwienie tęczy, która oślepiła na moment całą łazienkę
kiedy najspokojniejsze było popołudnie?
5.a.
„To jest lapsus wizualny”, powiedział do siebie, ale mimo to
wydało mu się, że dzięki temu zdaniu nie tyle uciekł od niepewności
wywołanej przez tę nigdy niewidzianą rybę, co nadał temu stworzeniu
określenie naukowe: lapsus visualis. Nawet Linneusz nie sklasyfikowałby
go szybciej i pewniej.
6.a.
Później zapomniał o tym, kiedy poczuł na swoich stopach,
zagrzebanych w błotnistej masie pokrywającej dno, zwykłe poruszenia ślimaków, delikatne przyssawki kałamarnicy otaczającej jego przyrodzenie.
7.a.
Obok zwisających z wieszaka okularów do nurkowania
widać było na kafelkach udające Kandinskich i Tàpiów oleiste plamy.
Bardziej na prawo, kilka fioletowych strug malowało od tygodni, nie
mogąc całkiem ukończyć, coś, co czasami zbliżało się do Picassa, a
innym razem do Klee, chociaż w większości przypadków mierzyło w
jakiegoś nieodkrytego jeszcze malarza. I już w głębi, na ścianie naprzeciwko, bazgroły, które tworzyło kilka par pająków i kupki włosów; widziane z ukosa w określonym momencie popołudnia upodabniały się
prawie do starych szkiców aeronautycznych Leonarda, może o włos
dokładniejsze od tych tymczasowych Da Vinciego, aż do tego stopnia
umożliwiała to nagła i barokowa pracowitość rozpoczynającego się
łysienia i pająki.
8.a.
Żółwie niekiedy wychodziły na powierzchnię i wspinały się
na śliską platformę z żelów do kąpieli. Tego, który spędzał najwięcej
czasu na zewnątrz i miał zielone plamy w formie pięciokątów, nazywał
Eloísa. Eloísa wdrapywała mu się na brzuch (łaskotki!) i, szczególnie w
środy, kontynuowała swój spacer aż do klatki piersiowej, pozostawiając
na jego skórze błyszczący, pomarańczowy podpis, autograf swojej
wystudiowanej powolności. Natychmiast, dla zrównoważenia powagi Eloísy, dżdżownice wyruszały na swoje zwinne wędrówki przez
ręce, ramiona, aż do labiryntowego, niebieskawozielonego lasu, jaki
tworzyły jego włosy, i tam tkwiły godzinami, przypatrując się frenetycznej i zuchwałej wrzawie, jaką w rogu wanny urządzały krewetki, te
owoce morza dla ubogich.
9.a./1.b.
Kiedy wychodził z wanny, poplamiony zestawem zapachów,
można by powiedzieć…mdlących? – nie, powiedzmy, że oceanograficznych, zawijał się w żółty ręcznik, ten duży, i powoli, po cichu,
wchodził do drugiej łazienki, na końcu korytarza, i brał długi prysznic, a
potem czesał się i atkinsony, i wtedy nazywał się Alejandro, wtedy tak.
2.b.
Alejandro w biurze od ósmej do trzeciej.
3.b.
Alejandro ze swoją pracą uporządkowaną na stole, w rogu
praca jego współpracownika Ernesto, który jest chory, i o dwunastej
Arcadio no bo muszę iść, bo dziecko tu boli, tutaj, popatrz, w wątrobie,
niedobrze, i idziemy do lekarza, no to powodzenia, mówi mu Alejandro zobaczysz, że to nic takiego, dzieci mają lepszy system obronny
od naszego, i zbiera pracę i też zanosi ją na swój stół, kiedy Arcadio
już łapie płaszcz i kapelusz z wieszaka-kręczoszyjno-skrzywionego i do
środy, do zobaczenia i w takim razie tak, w takim razie Alejandro.
Abril/ Maio
¿?
41
traducción
4.b.
Alejandro, który spędzał poranek wśród stosów papierów,
umów sprzedaży, z których jedna się zapodziała i trzeba było ją
znaleźć, bo don Jaime miał zaraz przyjść dyrektor Alejandro zostaw
to czym się zajmujesz i poszukaj mi tej umowy co zgubiła się już
ponad miesiąc temu, niech się pan nie martwi na pewno jest w archiwach z lutego, no zobaczymy zobaczymy.
5.b.
No zobaczymy zobaczymy Alejandro i cztery sekretarki,
ludzie z magazynu i Vicente, połowa personelu z departamentu
szukając, jak gdyby nigdy nic, no nie znaleźli już jedenasta na
śniadanie do baru obok.
6.b.
Niektóre dni w barze, podczas „wędlina czy margaryna?”,
kawy i grzanek, rozmowa. Na rzecz tej historii, następująca:
ERNESTO: Jak tam Eloísa?
ALEJANDRO: Dobrze, ale pozostałe wciąż nie wychodzą z wody.
(PROSZĘ ZAUWAŻYĆ: Nie wie Ernesto, że Alejandro (to znaczy, Alejandro) pogrąża się w tej trzyletniej przygodzie, odkąd zablokował
mu się korek od wanny, i że dzięki okularom do nurkowania może
niekiedy odnaleźć w błocie ślimaka, tego z tych prążkowanych…jak
on się nazywa?... no dobrze, nieważne.)
ERNESTO: Załatwiłeś tę sprawę z don Jaime?
ALEJANDRO: Nie, ta umowa narobi problemów.
ERNESTO: No wiesz, też zgubiła się ta ze sklepem Braci Sergio
(naprawdę, nie widzę w tym nic śmiesznego, dwaj bracia, którzy
mieliby na imię Sergio, no sam powiedz), i to już dwa długie lata
temu, i nic.
ALEJANDRO: Daj spokój, ja stawiam.
7.b.
Następna rundka z tymi z magazynu, niemożliwe. Dobrze,
zostaw to, Alejandro znów przy swoim stole z papierami i kalkulatorami, naprzeciwko nogi Conchity, która zakrywa się gorliwa jak co dzień,
wędlina, tak donośnie hałasująca pod krawatem, że zagłusza mu
muzykę tak łagodny Hilario Camacho, że ledwo można go usłyszeć,
tak do za piętnaście trzecia Alejandro więc.
8.b./1.c.
W końcu wychodził i w kilka minut docierał do domu ( mniej
więcej dziesięć czy dwanaście, najwyżej piętnaście, oprócz dni, kiedy
wystawy, ogrodzenia co za niesamowite zdjęcie, czerwone światła
wszystkie zgodnie czerwone, ta na motorze skurczysyński wiatr spódnica nie ma nic pod spodem ja pierdolę no nie ma, później głowy jak
bębny i wędlina… ale to rzadko, zwykle w dziesięć minut byłby już z
kluczem cholera zaczepionym w kieszeni zanim otworzy drzwi).
2.c./10.a.
Zostawiał go na stole, bo zaraz po wejściu ściągał z siebie
ubranie i, nagi, przygotowywał sobie gotowe danie z puszki (patrz fasola, patrz soczewica...) żeby podgrzać kąpiel maryśka.
11.a.
Następnie talerz obok wanny na taborecie, a on zanurzał się
w swoim bagnie z żółwiami, dżdżownicami, kałamarnicą, krewetkami…
Jadł spokojnie, aż pozostawała taka ilość, która według niego byłaby
dobra, żeby wrzucić ją do wanny jako pożywienie i rozrywkę dla jej
mieszkańców, i przygotowywał się wtedy do sjesty i koncertu: różne
tony i dzwonienie niewielkiego roju zielonych i niebieskich bąków,
które brzęczały bez przerwy, aż na dobre rozpoczęło się popołudnie.
Nieraz, być może nawet większość razy, żeby nie odbiegać od prawdy,
koncerty te nie były niczym innym jak tylko prawdziwym i nieznośnym
pieprzeniem.
42
¿?
Abril / Mayo
12.a.
Kiedy już przysypiał, nagle latająca ryba znów przeskoczyła
mu nad ramieniem.
13.a.
Zaopatrzona w okulary do nurkowania, jego głowa
zanurzyła się w pokrywającą dno ziemię z fasoli i groszku, zbadała
ciemność między sitowiem i grupkami korali, jednak nie tylko nie
znalazła ani nawet śladu lapsusa, ale na dodatek jego oczy rozwarły się
do ostatnich granic, kiedy instynktownie wyczuły w całym tym stosie
na wpół zniszczonych papierów zaginioną umowę z don Jaime.
14.a.
Nie miał nawet czasu, żeby wybrać którąś z możliwości:
- przyniosłem ją do domu, żeby skończyć redagować?
-ostatnie poprawki, tu, w łazience?
-drzemka podczas lektury?
kiedy dzwonek do drzwi zanadto zbił go z tropu; okrył się częściowo
ręcznikiem i wlepił oczy w dyrektora kiedy otworzył mu drzwi tak z
dżdżowniczkami wkręconymi we włosy i zapachami wszyscy się
witają.
15.a.
Rozmowa, w dużym przybliżeniu, brzmiała tak:
DYREKTOR: Ależ... Alejan... (apokopa? amnezja?)
ALEJANDRO: Pan dyrektor! Proszę, proszę, niech się pan czuje jak u
siebie w domu!
DYREKTOR: Alealej... odr... (ormiański? mdłości?)
ALEJANDRO: Ależ proszę wejść, no przecież nie będzie pan tu tak
stał.
DYREKTOR: Nie, nie, przechodziłem tędy i powiedziałem sobie.
ALEJANDRO: Aaa... jeśli tak... Ma pan szczęście, mam tutaj umowę z
don Jaime, proszę.
16.a./9.b.
Później szybki łańcuch wydarzeń, żeby nie przepełnić za
bardzo: dyrektor schodami w dół, mydło, atkinsony, w czystym łóżku,
rozłożony, czytając stare pisma sąsiadki z dołu, sen bez przerwy. Bardzo prawdopodobnie był czwartek.
10.b.
Następnego ranka jeszcze dobrze nie usiadł przed papierami w biurze, kiedy dyrektor proszę wpaść do mojego biura dzień
dobry do czego jestem potrzebny? proszę usiąść. Dyrektor obejrzał
go z góry do dołu i z dołu do góry, szukając odpowiedzi na okropną,
bezsenną noc jak przenigdy wcześniej (tak przestraszyły go przewidywane koszmary, gdy tylko zamykał choćby jedno oko). W tym czasie,
jak na filmie, otwierał po kryjomu jedną z szuflad swojego biurka,
ale zamiast pistoletu (to już inna historia) wyciągnął przezroczystą
torebkę, a w niej, proszę, proszę, umowa z don Jaime, wciąż pełna
różnych paskudztw i, co to ma być?
ALEJANDRO: Umowa z don Jaime.
DYREKTOR (Aguilar? Ponce? Rosell?): Tak, to widzę, ale… jej stan?
ALEJANDRO: Wpadła do wanny.
DYREKTOR (zdumiony): Do wanny?!?
11.b.
Mogę to wyjaśnić odpowiedział spokojnie przynajmniej
tego od pana oczekiwałem, po czym wysłuchał wstrząśnięty czy
dokładniej mówiąc walczący z mdłościami historii dziwnego zajęcia
Alejandryjskiego stres i te rzeczy zdrowie skóry pożywienie dla ducha i następnie galimatias biochemiczno-filozoficzny dla otwartych
umysłów Heisenberg Ortega i Aranguren, ostatecznie, jeśli pan to
lubi, ale następnym razem proszę bardziej uważać niech się pan nie
martwi to się już nie powtórzy.
12.13.14.15.16.17. i tak dalej b.
Każdego ranka dzień dobry Ernesto Arcadio to samo Conchita nogi góry papierów czysty Alejandro krawacianie atkinsony
obsługując klientów Vicente ci z magazynu był bystry żadna mu się
nie wymknęła. Od ósmej do trzeciej od poniedziałku do piątku.
17.18.19.20.21.22. i tak dalej a.
Każdego popołudnia każdego jego ciało zanurzone po szyję
rysujące powierzchnię oceanu w miniaturze, bawiąc się ze swoim
żółwiem Eloísą faworytą w przemieszczanie i zmienianie położenia
wysp z fasoli i makaronowych alg, ostatnio przedłużając aż do późna
prysznic w drugiej łazience, bo właśnie po to miał już zainstalowane radio, i w bagnie, i tam, wśród bzyku much czytał raz i drugi stare gazety,
które dawała mu sąsiadka, czekając, jak żółtodziób jakiś, aż zobaczy
latającą rybę, cholerny lapsus, który już ze trzy miesiące nie przeskoczył
mu nad ramionami.
1.d.
Tak jak mijają lata, mijają śniadania w barze obok i byli więc
była gdzieś jedenasta znowu z wędliną, smarując grzanki en plus jeden,
kiedy przyszedł Arcadio, który nigdy przenigdy, on zawsze masło.
2.d.
Wymieniając papierosy, zapytał go o żółwia Eloísę, tak samo
nieświadomy jak i Ernesto uczonego i bagnistego zajęcia Alejandro.
ALEJANDRO: Bardzo dobrze, każdego dnia dłużej poza wodą.
ARCADIO: No to dzisiaj po południu, skoro już mam wolne, mógłbyś
zaprosić mnie do siebie, żebym zobaczył te żółwie i przy okazji
poduczył cię szachów.
ALEJANDRO: Niemożliwe. Idę do domu dyrektora zrobić mu
niespodziankę: umowa z Braćmi Sergio, co się zgubiła ponad trzy lata
temu, ty wiesz, znalazłem ją między książkami w moim gabinecie.
ARCADIO: O kurwa, no to, to jest nowina.
3.c.
Wbrew zwyczajowi, Alejandro zjadł soczewicę prosto z puszki,
siedząc w salonie, i natychmiast ruszył do domu dyrektorskiego, który
znajdował się mniej niż dziesięć minut od jego (minuty wydłużone
przez ogrodzenia światła te od motorów i ich nogi (tamto to był biały
kruk)). Umieścił sobie teczkę z umową między swoimi i tymi samymi
palcami zacisnął sobie zasadniczo węzeł krawata i nacisnął – już bez
sobie – następnie dzwonek do drzwi. Przyjął natychmiast, robiąc trzy
kroki, odpowiednią do takich wypadków pozycję (rozważną i czujną,
kroki były bowiem cofnięciem się w stosunku do drzwi).
1.e. (tak jak e i nie trzeba tego poprawiać)
Kiedy Alejandro zobaczył, że gdzieś ponad dwadzieścia
dżdżownic wieńczyło głowę półnagiego dyrektora, którego tłuszcz i
genitalia przykrywał malutki ręcznik o nieokreślonym kolorze, stawił
czoło rozmowie, której nie przyćmiewa następująca:
DYREKTOR: I o co chodzi?
ALEJANDRO: Umow (apokopa amnezyjna).
DYREKTOR: Że jaki umow?
ALEJANDRO: Umobrasergio (armeński po kieliszku)
DYREKTOR: Dobrze, już dobrze, proszę się uspokoić.
2.e.
Dyrektor uśmiechnął się do niego, przesuwając jednocześnie
wilgotną i żółtawą rękę po jego ramieniu a umowa proszę położyć
ją na krześle co jak co ale nie można powiedzieć że to coś pilnego
dziękuję. Tak więc wprowadził go proszę czuć się jak u siebie w domu
w małym saloniku z czerwonym dywanem ślady stóp utworzone z
tłuszczu, który ciągnął się tędy przez korytarz docierając do obszernej
łazienki z wielką okrągłą wanną ozdobioną o rany dokładnie tak samo
jak moja pomyślał, za wyjątkiem żony dyrektora, która, nagusieńka,
wykręcała sobie dżdżownice z tych blond włosów o zielonym odcieniu. Dzień dobry powiedział to jest Alejandro kochanie i, odwracając się
do Alejandro, przedstawił mu ją moja żona, możesz nazywać ją Eloísa.
3.e.
Eloísa pewnie była kiedyś piękna, jej wargi tak mięsiste,
mówiące mu zdejmij z siebie ubranie i też tu wejdź, właśnie w tym
momencie szukaliśmy latającej ryby, która przeskoczyła mi nad ramieniem.
4.e.
Z założonymi okularami do nurkowania zbadał dno, nie
tyle szukając ryby, co zabawiając się zazdrością o pewne różnice w
stosunku do jego historii, najwidoczniejsze w przypadku owoców
morza, bo to, co w jego wannie stanowiło zaledwie dwie setki elektrycznych krewetek, tu formowało całe kolonie raków i ściśniętych gron
krewetkowych. Pomysł z ośmiornicą już mniej mu się spodobał.
5.e.
Nic nie znaleźli. Później usiedli w trójkę, dyrektor, nie przeszkadza to panu? włączył radio i poczęstował go hawańskimi cygarami, i tak trwali, paląc, patrząc sobie w oczy, kontemplując nagie
piękno Eloísy, przez której piersi ciągnęły się ślady pleśni, a na uchu
usadowiła się małża udająca kolczyk. Na brzuch wspinał jej się żółw,
podobny do tych jego, kiedy nagle zadzwonił dzwonek do drzwi
gorliwy jak w godzinach pracy powiedział no spokojnie spokojnie już
ja pójdę jaki dobry chłopiec powiedziała widząc jak wychodzi i jakie
ma jędrne ciało dyrektor spojrzał na swoje no tak tak powiedział.
6.e.
ALEJANDRO (nie otwierając drzwi): Kto tam?
GŁOS: Don Sergio.
ALEJANDRO: Który z dwóch Sergiów?
GŁOS: Jak to który z dwóch Sergiów? To jest jakiś inny?
ALEJANDRO: Pan nie jest z Braci Sergio?
GŁOS: Oczywiście; wstąpiłem do domu Arcadia i powiedział mi, że w
końcu znalazł się mój kontrakt.
ALEJANDRO: Czyli jest pan bratem Sergia?
GŁOS: Jak to bratem? Słuchaj pan, ja jestem jedynakiem.
ALEJANDRO: Ale jest pan czy nie z firmy Bracia Sergio?
GŁOS: No dobrze, ale co ma do rzeczy nazwa firmy? I kim pan jest?
Otwiera mi pan czy nie?
7.e.
Kiedy w końcu otworzył drzwi, wykapał już z siebie Alejandro na podłogę część cieczy z niektórymi algami i ślimakami,
tak że don Sergio (głos już zidentyfikowany) prawie się poślizgnął,
jednocześnie pytając: Aaa, pan też? Jak to? – spytał Alejandro; no to
z wanną, człowieku; aaa! pan też?
8.e.
Zostawił go w przedpokoju, podczas gdy sam poszedł
po kontrakt. W lustrze w salonie, wracając, mógł potwierdzić z całą
pewnością dwie rzeczy: że to, co przylegało mu do pośladków, to
była z pewnością pleśń i że nie zajęło mu dużo czasu zabranie niebieskiej teczki i powrót na miejsce, gdzie don Sergio cholera cholera
kończył się już rozbierać.
9.e./X.Y. i Z.
Wtedy rzucając umowę na podłogę powiedział mu
próbujemy złapać latającą rybę, ale stawia dość silny opór, na co don
Sergio wyjaśnił spokojnie zawsze jest tak samo, byliśmy ponad dwie
godziny w domu Arcadia razem z Ernestem, Vicentem i Conchitą i
jej nogami i nic, te ryby pojawiają się, kiedy najmniej można się tego
spodziewać. $
Abril/ Maio
¿?
43
traducció
Màrius Torres
“...en la fondària dels meus cargols marins”
Traducció de Anna Płocica
Quan convius amb una malaltia que a poc a poc et venç, quan sents com el teu país cau pres del dolor i la mort,
potser llavors pots capir amb major intensitat els tons del passat, les melangies que perviuen en el record i la remor
dels sons d’un cargol marí. I així li succeí a aquest poeta fill de Lleida, ajagut en un sanatori qualsevol veia com se li
esfumava la seva vida i ensems la de Catalunya. Tot seguit, un bri de passat. $
Vora la mar, sobre l’arena clara,
L’aigua mor als meus peus.
Màgica riu, i tremola; i encara
Plena d’estranyes veus,
Desvetlla al fons de la meva peresa
Una llarga remor
D’onades mortes. Cançons de tristesa,
Paraules de dolor,
Crits de passió, recances antigues
-solada del meu cor!-.
Onada del record, quan et deslligues,
Safir i porpra i or,
Com la veu de l’aigua, única i vària,
Venint de molt endins,
El meu passat ressona en la fondària
Dels meus cargols marins.
Juliol, 1937.
Nad brzegiem morza, na piasku złocistym
Woda u mych stóp kona
Śmieje się zaklęta i drży; perlistym
Nadal głosem zmącona,
Rozbudza w głębi mojego niechcenia
Martwych fal niepojęty
Miarowy szum. Pieśni-studnie cierpienia
Wyraz bólem dotknięty.
Zapomniane żale, krzyki żarliwe
-osad serca ponuryFala wspomnień, obrazy znowu żywe
Złoto, szafiry, purpury
Jak szum wody, choć różny to jedyny,
Napływający z oddali
Przyszłość moja wynurza się z głębiny
Much muszli morskich spirali.
Lipiec, 1937
44
¿?
Abril / Mayo
tradución
Marta Dacosta
Tradución de Anna Rojek e Małgorzata Szczepkowska
A seguir presentamos a tradución de dous poemas de Marta Dacosta (Vigo, 1966), poeta e licenciada en filoloxía
galego-portuguesa, pertencentes á obra En atalaia alerta, accésit do premio de poesía “Esquío” en 1999.$
Orfa estou sobre este marzo incrible
lanzando miles de palabras ao centro do abandono
e coa pel do deserto vestindo as miñas pernas.
Os cabelos son de area e a boca
pedra ferida polo vento.
Non podo abrir os ollos á ventisca
e non os vexo, non vexo as vosas mortes sobre o entroido
no centro do balbordo,
no extremo da corda que voaba
desde a escada de caracol hai tantos anos.
hai un tempo en que a morte
rodea esta distancia e se aproxima
sobre o deserto e o vento
no abandono
En atalaia alerta, 2000
Sierotą jestem w tym niewiarygodnym marcu
Rzucając tysiące słów w środek samotności
Pustynną skórą otulając me nogi
Włosy są z piasku a usta
Kamieniem zranionym przez wiatr
Nie mogę otworzyć oczu na deszczu
I nie widzę was, nie widzę waszych śmierci podczas karnawału
W samym środku zgiełku
Na końcu liny zwisającej
Tak dawno temu ze schodów w kształcie ślimaka
Jest taki czas, w którym śmierć
Okrąża tę odległość i zbliża się
Na pustyni i wietrze
W samotności
Tradución de Anna Rojek
É imposíbel entender o tempo,
este tempo que nos levou desde os charcos silenciosos
polo camiño dunha escola afastada,
nese lugar distante
ao que non volverei.
Son poucos os recordos que gardei de entón,
e aínda menos os que viñeron máis tarde,
practicamente non hai memoria,
só un caracol enorme que persiste,
unha ameixa e o can
que morreu coa infancia
precipitándose a un tempo de soidade.
En atalaia alerta, 2000
Niemożliwym jest zrozumieć czas
Ten czas który przywiódł nas od cichych kałuż
Przez drogę do oddalonej szkoły
Do tego odległego miejsca.
Do którego nigdy nie wrócę.
Jest niewiele wspomnień które zachowałam
[od tamtego momentu
I jeszcze mniej które przyszły później
Prawie nie ma pamięci
Tylko ogromny ślimak wytrwa,
Migdał i pies
Który umarł z dzieciństwa
Rzucając się w czas samotności
Tradución de Małgorzata Szczepkowska
Abril/ Maio
¿?
45
tradución
Poesía Contemporánea Galega
sen caracois...
Tradución de Marlena Kalińska, Ewa Oknińska,
Katarzyna Sitarska e Anna Trzcianka
Tradución de poesía contemporánea galega da man de Celso Emilio Ferreiro (Onde o mundo se chama Celanova, 1975), Antón
Tovar (Calados esconxuros, 1980) e Luz Pozo Garza (Códice Calixtino,1986).$
Xaneiro 1972, II
Styczeń 1972, II
O pan é máis útil que a poesía,
pro ¿como comer o pan
sen o compango da poesía?
Chleb jest pożyteczniejszy niż poezja,
ale jak jeść chleb
bez towarzystwa poezji?
A. S.
A.S.
Cando quero vivir
digo Moraima.
Digo Moraima
cando semento a espranza.
Digo Moraima
e ponse azul a alba.
Kiedy chcę żyć
mówię Moraima.
Mówię Moraima
kiedy zasiewam nadzieję.
Mówię Moraima
i nastaje świt.
Cando quero soñar
digo Moraima.
Digo Moraima
cando a noite é pechada.
Digo Moraima
e ponse a luz en marcha.
Kiedy chcę śnić
mówię Moraima.
Mówię Moraima
kiedy zapada noc.
Mówię Moraima
i nastaje jasność.
Cando quero chorar
digo Moraima.
Digo Moraima
cando a anguria me abafa.
Digo Moraima
e ponse a mar en calma.
Kiedy chcę płakać
mówię Moraima.
Mówię Moraima
kiedy dławi mnie niepokój.
Mówię Moraima
i morze staje się spokojne.
Cando quero surrir
digo Moraima.
Digo Moraima
cando a mañá é clara.
Digo Moraima
e ponse a tarde mansa.
Kiedy chcę się uśmiechnąć
mówię Moraima.
Mówię Moraima
kiedy jaśnieje poranek
Mówię Moraima
i nastaje łagodny wieczór.
Cando quero morrer
non digo nada.
E mátame o silencio
de non decir Moraima.
Kiedy chcę umrzeć
nie mówię nic.
I zabija mnie cisza
kiedy nie mówię Moraima.
46
Celso Emilio, Onde o mundo se chama Celanova
¿?
Abril / Mayo
Tradución de Marlena Kalińska e Anna Trzcianka
Far blues
Naquela cidade
onde unha rapaza escribía un diario secreto
na noite
mentres o soño desvalido semellaba finxir
silencios compartidos
nesa vella cidade do norte
o primeiro poema de amor flutuaba
coma un blues nostálxico
na noite.
Só quería saber
por que as cordas permanecen vibrando coma labios
e que queda do diario secreto
na noite desvelada.
Querería saber daquel río esvaído do soño
tal unha despedida sen retorno,
do silencio curvado nunha praza deserta e antiga.
¿Onde vai o primeiro poema de amor
a materia sonora dun blues fuxidío
a inocencia primeira?
Luz Pozo Garza, Códice Calixtino
Far blues
W tamtym mieście
gdzie pewna dziewczyna pisała sekretny dziennik
nocą
podczas gdy samotny sen upodabniał się udając
współgrające odgłosy ciszy
w tym starym mieście północy
pierwszy wiersz o miłości dryfował
jak nostalgiczny blues
nocą.
Chciałem tylko wiedzieć
dlaczego struny nadal drżą jak wargi
i co pozostaje z sekretnego dziennika
w bezsenną noc.
Chciałbym wiedzieć o znikającej rzece snu
jak pożegnanie bez powrotu,
o ciszy skręcającej na stary, pusty plac.
Dokąd zmierza pierwszy wiersz o miłości
dźwięczna materia ulotnego bluesa
pierwsza niewinność?
Tradución de Katarzyna Sitarska
Lingua que rexeitaron os meus pais
Borraran os letreiros dos camiños
cos ben amados nomes das antergas vilas,
dos silabarios das escolas algareiras
borraran o cantar humilde e puro
da lingua popular.
Sóio no escuro das lareiras
no apartado silencio dos labregos labios,
esquecida das espadas poderosas,
borboñaba a nosa lingua triste.
Aferrollada fora coma unha delincuente.
As maos sen calos do traballo,
requintadas e doces, relixiosas,
enfeitadas co ouro dos aneis
roubados ó suor dos pobres
empurraran a lingua nobre e pura
a un cadafalso de vergoñas.
Meus pais, tamén, amados ignorantes,
obedeceran as ordes que o espadón
deborcara na poza de Galicia.
Antón Tovar, Calados esconxuros
Język, którym mówili moi rodzice
Wymazali litery tych dróg
razem z ukochanymi nazwami odległych miasteczek,
z sylab pełnych głosów szkół
wymazali tę czystą i łagodną pieśń
języka każdego człowieka.
Tylko w ciemności palenisk
w podzielonej ciszy pracowitych ust
oszukując szpady mających władzę
rozbrzmiewał nasz smutny język.
Ukrywany na zewnątrz jak jakieś przestępstwo.
Ręce bez blizn powstałych przy pracy,
delikatne i słodkie, przepełnione wiarą,
ozdobione złotem łańcuszków ukradzionych podczas
[pracy biednym
przyciągały język pełen godności i czysty
na szubienicę wstydu.
Moi rodzice również, kochani ignoranci,
respektowali nakazy jakie ów miecz
wydawał na brzegach rzek Galicji.
Tradución de Ewa Oknińska
Abril/ Maio
¿?
47
ensaio
Xeometría e Metamorfose como imaxinación natural
Texto de Martín R. Caeiro, Universidade de Vigo,
Faculdade de Belas Artes,
Departamento de Pintura
O Caracol arrastra na súa forma de existencia principios elementos do camiño, dende a herba á area, do asfalto
de lóxica xeométrica e ó mesmo tempo principios de ata o fío dun coitelo. A natureza, para xerar a especie,
deformidade, de transformación e de alteridade. O semella que actúa impulsando ó mesmo tempo
programa xenético do caracol ten coma obxectivos forzas controlables e forzas incontrolables; organismos
producir un ser que babea por onde pasa ó mesmo capaces de actuar performativamente. En calquera reino
tempo que arrastra unha imaxinería xerada por patróns atopamos modelos onde se manifestan os principios
de harmonía e de precisión matemática: a cuncha. da xeometría e da metamorfose: o bico dos paxaros,
Non se pode concibir o “ser do caracol” sen estas dúas a simetría dos animais, as cristalizacións dos minerais,
rexións, a do detritos e a da razón, dous tipos de discurso incluso no microscópico, esta relación entre o amorfo e
que exercen coma dúas ideoloxías sobre a existencia. o informado ponse a cotío de manifesto, por exemplo na
Dependendo do punto de vista, a cuncha adopta diversas neve, que a escala humana se pode amontoar, amasar,
figuras xeométricas: de perfil un semicírculo, dende arriba deformar, facer un moneco, e porén, ollada a través
un círculo, dende atrás
do
microscópico
unha elipse, e no seu
cada molécula ten a
crecemento segue a
forma dunha figura
traxectoria da espiral.
xeométrica que se
Pero
todas
estas
repite en base a un
formas
perfectas,
patrón
matemático,
conviven no espazo e
como por exemplo a
coinciden no tempo
estrela.
dialogando coa lesma.
O
caracol
–coma
Mais alá das ciencias
nos grandes mitos–
que estudan estes
está condenado a
comportamentos
arrastrar durante a súa
– bioloxía, zoografía,
existencia esa dobre
anatomía comparada,
condición:
de
ser
paleontoloxía, xenétiestabilidade e desorde.
ca, mineraloxía, cristaA cuncha do caracol,
lografía, etcétera –
como espiral evócanos
aquí interésanos a dios ciclos estacionais
mensión imaxinativa
da
natureza,
do
da natureza. Para nós,
que volve sempre ó
o programa xenético
centro. Pero o corpo
é “imaxenético”, en
da lesma intenta saír,
tal ou cal planta ou
escapar desa espiral
animal ou paisaxe
e ir ó abismado, saír
maniféstase a pulsión
á intemperie, pasar
dunha natureza, dun
Caracol, Serie “Xeometría e Metamorfose, Martín Rodríguez Caeiro
tinta china a pluma sobre papel, 15x15cm, Marzo 2007
á
ex-centricidade.
universo que desexa
No caso do humano,
adquirir imaxe, pór de
saír dos ciclos da natureza, do estacional e cambiar a manifesto unha imaxinación. A mazá é a imaxe da árbore,
relación coa natureza mesma, a condición biolóxica a árbore a imaxinación da natureza (a bioloxía define
da existencia. Iso é en realidade o que representa a mesmo co nome de imago ó individuo cando chega a
industria dos obxectos: o mundo das máquinas. A liña idade adulta, cando adquire o pleno desenvolvemento).
recta é máquina, o obxecto que permite pór límites ó Xeometría e metamorfose coma os impulsores da
intempestivo. Por iso a casa para nós é – coma a cuncha imaxinación, coma os dous elementos indispensables
no caracol – a máquina que permite delimitar o noso para que a imaxinación actúe, e a forma de existencia
universo. No ser humano, a culminación deste proceso do espécime logre os seus obxectivos de sobrevivir ó
- de colaboración entre o codificado e o imaxinado - paso do tempo.
reflíctese nos obxectos elaborados.
Separar os reinos da natureza (mineral, animal, vexetal)
Logo, o previsible, a lóxica lineal convive co impredicible, do reino das ideas, dos pensamentos, do cultural, ou,
coas flutuacións dun corpo que debe adaptarse ós coma expresan certos físicos, entre “materia inerte,
48
¿?
Abril / Mayo
materia viva, e materia culta” é traizoar a condición
biolóxica das cousas. Se existiu dende as primeiras
civilizacións unha actividade capaz de dar ó mesmo
tempo mostra do que se petrifica e do que se transfigura,
esa é a actividade (e destino) da Arte. En calquera gran
obra que escollamos, dende as pinturas prehistóricas
de Altamira ou Lascaux ou a Cova dos nadadores do
Sáhara, ata Rembrandt, Velázquez, Picasso ou Francis
Bacon; dende o Mundo Exipcio ó Románico ó Barroco
ou á obra dos Minimalistas, en todas esas poéticas
desvélanse aspectos dunha anatomía que transita por
un espazo que permite transformarse ata certos albores
de excentricidade, sen perder a identidade das formas.
Coma exemplo, propoñemos aquí a obra “A escola
de Atenas” (1509-1510) de Rafael Sanzio, un dos
símbolos e paradigmas do Renacemento italiano. Nesta
obra séguense os ideais da Arquitectura grecolatina,
modelo de revisión histórica que se impulsa co espírito
renacentista, que busca a súa imaxe existencial na
antropoloxía do mundo clásico. Inmersas baixo unha
arquitectura fermosísima, Rafael pinta a persoas
célebres: sabios, artistas e filósofos tanto da antigüidade
coma da actualidade italiana. No centro, representando a
Platón (co libro do Timeo baixo o brazo) recoñecemos a
Leonardo da Vinci, e ó seu carón a Aristóteles (sostendo
a Ética); á esquerda destas dúas figuras recoñecemos
a Sócrates cun grupo de alumnos; sentado en actitude
malhumorada a Miguel Anxo Buonarotti caracterizado
coma Heráclito; a Ptolomeo falando cuns alumnos
sostendo un globo terráqueo (esfera perfecta, símbolo
da filosofía imperante), a Averroes, Epicuro, Heráclito,
Dióxenes... todos paseando entre as formas harmónicas
dun espazo en perspectiva que é proxección da
dimensión racional do home. Baixo esa inmensa cúpula
(ou cuncha) o home discorre, maquina, inventa, fai
ciencia, transforma as cousas, mesmo á natureza. Pero
no seu pensamento, nos seus xestos ocúltanse os
resultados das súas accións, pois, coma o caracol, o
home é discurso e xestualidade. E nas súas accións, nos
seus movementos están escritos os excrementos, os
desperdicios, as destrucións das paisaxes, a metamorfose
do medio, do entorno; para xerar os elementos da súa
civilización ten que transgredir as condicións ecolóxicas
do planeta; casas, utensilios, cidades, avións... son as
anomalías da especie humana, artefactos que teñen
que convivir cos elementos que enxendra a natureza.
Non podemos esquecer que, incluso na época
renacentista, as persoas que pasean, que discorren por
ese espazo idealizado de Rafael Sanzio, tamén padecen
as continxencias do corpo humano (excrecencias,
diarreas...), e que nelas coinciden o pensamento en
deus ou nunha razón transcendental e as necesidades
fisiolóxicas (coma defecar ou ouriñar); no Renacemento
conviven e compiten filosofía e bioloxía.
O caracol, condúcenos a imaxinar que “razón” e “detritos”
(ou “sacramento” e “excremento”) son dous termos
que nun tempo determinaron o eterno e inmutable e á
metamorfose da existencia. Pero, ¿isto que significa? ¿que
é preciso ser caracol, sentirse caracol para experimentar
a felicidade da existencia, non separar a vontade racional
da tolemia de vivir por estar constantemente inmersos
nun mundo irregular, impredicible, dominado polas
imaxinacións da ciencia e da técnica, ou cando menos,
para non acabar transfigurados en escargot ó punto de
sal? ¿E quen coñece mellor ó caracol que el mesmo?
¿Acaso non será soamente outro caracol?$
Abril/ Maio
¿?
49
ensaio
A imagem literária de um caracol
ou a aventura luso-polaca «dos roxos e enroscados caracóis»
Texto de Anna Kalewska
O chegar-nos pela imitação ao Ser supremo, que é a fonte e origem primeira de toda
a felicidade, nos pode fazer em certo modo participantes dele: ora entendo que o
imitará nobremente, quem concorrer para a felicidade de outros.
Pe. Teodoro de Almeida (2001: 66).
O Feliz Independente do Mundo e da Fortuna ou Arte de Viver
Contente em quaesquer Trabalhos da Vida foi publicado pela
primeira vem em 1779, na Régia Oficina Tipográfica em Lisboa,
em dois volumes. O autor da obra, padre oratoriano Teodoro de
Almeida (1722-1804), tinha já editado os primeiros volumes
da Recreação Filosófica (opúsculo de dez tomos, publicado
entre 1751 e 1800) e algumas obras devocionárias. O nome de
Teodoro de Almeida tornar-se-á célebre através das traduções
dos textos citados, de intensa divulgação filosófica, científica e
literária. A moldura de interesses do Pe. Almeida foi construída do
tópico horaciano utile dulci (ensinar, deleitando), incorporando
os métodos da ´´ciência nova´´ ou da filosofia do iluminismo
francês, encaixados no modelo pedagógico oratoriano.
Ao escrever sobre o estilo poético da obra em questão, o autor de
um Discurso Preliminar sobre o Poema do Feliz Independente
por António das Neves Pereria, Pésbítero e Professor Régio
de Retórica e Poética em Penafiel da obra tentou meter os
caracóis numa aventura mimética. Como, pois, representar
um caracol numa obra de arte? «Quereis representar-vos a
vistosa formosura dos caracóis» - desafia Pereira , adivinhando
a célere necessidade de socorro às faculdades miméticas de
um escritor que se calhar nunca tinha visto um caracol; pois
«a imaginação recavando devagar neste objecto, o contempla
´´enroscando-se a si mesmos e fazendo-se de mil cores como
envergonhados´´» (ap. Almeida 2001: 59). A citação dentro da
citação remete para o tomo II das Cartas Físico-Matemáticas de
Teodoro de Alemida, onde vem o pensamento acomodado ao
discurso sinuoso. Como representar um caracol? Enroscandose, como ele faz, e fazendo de protéo, i.e. mudando de aspecto
cromático. O básico é escavar na imaginação, sem deixar de
imitar a natureza.
Vejamos o exemplo. O protagonista de O Feliz Independente,
o conde de Morávia (cunhado de André Rei de Hungria que
conforme a lenda teria sido o pai de Santa Isabel, chamada
Rainha de Hungria), buscando a felicidade da vida, topou
com uma cabana no alto da montanha, onde vivia Misseno,
«um venerando velho» com «o cabelo de todo branco, a barba
veneranda, o semblante formoso e um ar nobre» (64). É de
acrescentar que Misseno era nome de disfarce de Vladislau
Loripex (Władysław Plątonogi), que no século XII fora rei da
Polónia, entre Miecisclau I, seu pai, e Lesko seu primo que o
afastara do trono. O conde-peregrino e sua irmã, a princesa
Sofia, respirando os ares do clima leste-europeu e gozando
das delícias de um sítio ameno colocado perto da Polónia, nas
50
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Abril / Mayo
agradeáveis margens do caudaloso rio Dniester, foram bem
acolhidos por Misseno. O antigo rei da Polónia
(...) lhes deu assento debaixo de uma
parreira, que formava um bem engraçado
gabinete. Ali, as longas vides, que pendiam
em roda, faziam um como dossel, a
verde relva servia de alcatifa, formava-se e
espaldar de uma latada, em que os roxos
e enroscados caracóis, embaraçandose com o legação cheiroso, trepavam até
cima e deste modo vedavam a entrada
ao sol, para que os não molestasse.
Aqui, pois, sobre almofadas de mimoso
musgo, recebeu Misseno os seus honrados
hóspedes (66).
Na visão dos caracóis no aposento de Misseno encontramse os dois tópico antigos conjugados: do sítio ameno (locus
amoenus) e o da feliz mediania (aurea mediocritas) horaciana.
Longe da vida na corte, algures nos bosques da Silésia.
Neste belo fragmento da Literatura Portuguesa a imagem do
caracol tem, portanto, a ver com a tradicional hospitalidade
polaca. Encontrámos, enfim, um lugar feliz onde o mito histórico
da Polónia da Idade Média serviu de pretexto para as reflexões
sobre Portugual iluminista, da conturbada época pombalina.
Um pequeno caracol tornou-se portador da felicidade universal.
Bendita suficiência dos caracóis e o inegável estoicismo
providencial da sua sorte na obra do Padre Teodoro são dignos
de grata memória.
Imaginemos, ainda, um conto dos caracóis contado por um
deles. Ou um caracol leitor/escritor de caracol (a snail told by
a snail). Se a memória nacional é sempre um corolário, uma
marca da memorabilidade objectiva do texto literario, podemos
interrogar-nos (como o fizera Gianfranco Contini no ensaio
Dante e a memória poética, 1970) se esta história não começa
por agir sobre nós.
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Referência bibliográfica:
P. Teodoro de Almeida, O Feliz Independente, ed. Zulmira C. Santos,
Campo das Letras, Porto 2001.
ensaio
Dum caracol até à África..
Texto de Aneta Dawidziuk
Estava a ler o último número da nossa Revista e fiquei
muito contente quando vi aí também alguns traços
afri-canos. E como a maioria de nós sabe muito pouco
sobre África, pensei que seria bom que neste número também houvesse algo daquela parte do mundo!
Quando soube qual era o tema do número comecei a procurar coisas ao mesmo tempo relacionadas com caracóis
e o Continente Negro. Não foi tão difícil como tinha pensado! Consegui, entre outras coisas, encontrar algo, para
mim, interessantíssimo – um conto tradicional moçambicano sobre um caracol. Para dizer a verdade, encontrei
duas versões do mesmo conto - uma chamada “O Caracol e a Impala” e outra chamada “O Caracol e a Gazela”.
As sociedades africanas tradicionais são sociedades
de tradição oral. Então não costumam registar os
seus contos por escrito. Alguns de vocês podem pensar que esta diferença não é importante e que o conto escrito se parece com o oral, mas só com a diferença do registo num papel. Nada mais errado.
Transportar os contos africanos para o papel é, na minha
opinião, um pouco como tirar-lhes o seu carácter único,
cujos diversos componentes os tornam tão diferentes
e interessantes. É simplesmente europeizá-los. Obviamente, é óptimo que queiramos e tentemos conhecer a
cultura africana e concordo inteiramente que transcrever
e traduzir estes contos é importante e necessário. Mas...
Em África contar é uma coisa mais complexa, o que quer
dizer que muitas vezes existem regras exactas: obri-gações e proibições. Por exemplo, nem todas as pessoas
podem contar ou os contos podem ser narrados só
nesta ou naquela altura. Obviamente, quando alguém
viola uma regra, alguma coisa má pode acabar por lhe
acontecer. Então vemos que em África contar é um rito.
Perguntam, procuram soluções, especulam, reflectem,
tentam prever o fim do conto e assim por diante.
A temática muda de um conto para o outro, mas tem sempre a ver com o que rodeia os africanos, portanto, há contos
sobre relações interpessoais em geral, sobre secas, fome,
amores e guerras, morte e nascimentos, tristeza e alegria etc.
Quanto ao nosso “O Caracol e a Impala”, podemos
reparar que um dos seus temas mais importantes é o
problema do analfabetismo e, mais precisamente, a necessidade de aprender. Este tema é muito frequente
na Literatura Africana, o que não é estranho, pois o
nível de analfabetismo aí sempre é muito elevado (em
Moçambique 51,9%, dados de 2006). No fim da outra versão deste conto está até escrito directamente:
«Como tu sabes escrever e nós não, nós cansamo-nos
mas tu não. Nós nada sabemos!».
(Comentário do narrador)
As personagens de contos são tradicionalmente pessoas ou animais com qualidades humanas. O que pode
ser (para nós europeus) um pouco surpreendente é
que nem sempre vence quem na nossa opinião devia.
E, assim, às vezes uma personagem desonesta e vaidosa (mas também mais perspicaz) acaba por se tornar o
vencedor, enquanto aquela que foi honesta perde. Outra
coisa que podemos achar estranha é a descrição muito
directa (para nós de vez em quando simplesmente brutal). Por exemplo, eu fiquei muito surpreendida quando
num conto que estava a ler um menino foi castigado por
um corte dum dos seus dedos! No nosso conto sobre
o caracol essa descrição directa pode ser verificada no
desfecho com a morte da Impala. Numa versão “mais
europeia” este facto seria provavelmente silenciado.
Estas histórias são tipicamente narradas por adultos, com
o objectivo de ensinar (principalmente) as crianças, transmitindo-lhes certas regras de conduta, tradições, histórias da
tribo ou explicando vários fenómenos e situações que ocorrem na vida. Simultaneamente, os narradores têm também
a tarefa de desenvolver a imaginação e as várias aptidões
do seu público, que não fica passivo durante a narração.
No entanto, em vez de rotular estas histórias como violentas e as repelir à primeira impressão, desistindo de as ler,
devíamos pensar porque são como são. Recordemo-nos
do seu objectivo fundamental – ensinar. Às vezes ensinar
não só princípios de moral mas também estratégias de
sobrevivência e isto é simples: quem não ganha, perde,
quem não sobrevive, morre. Sim, é brutal, mas tal como
pode ser a vida de alguns africanos nestas sociedades.
O papel de narrador não é fácil. Tem que intrigar o público, manter o interesse e responder às suas reacções,
sem esquecer o objectivo que queria atingir com a
narração. Tem também que combinar as próprias palavras e expressões com os gestos adequados. O auditório, por sua vez, tem um papel não menos importante. Como já disse, os ouvintes não ficam passivos.
É tudo isto que torna os contos africanos muito interessantes. Infelizmente, não é possível meter todos
os seus componentes num só papel. Um conto escrito
não tem (nem pode ter) todos os elementos que criam
narrativas orais. Obviamente, isso não significa que não
valha a pena lê-los! Porque vale! E o melhor era que
vocês os lessem e contassem aos vossos amigos! $
Abril/ Maio
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Qué bonito...
El karacol de tu boka
Texto de Gerardo Beltrán
El Marqués retratado por Dali
Seguramente, una de las más elevadas formas del amor es la
amistad, la amistad desinteresada, como, por ejemplo, la que se
da entre un ser humano y un caracol, que poco o nada necesitan
uno del otro -aparte de su amistad, precisamente. Yo tengo un
amigo caracol. Lo conocí en Granada, concretamente en Supercor,
comprando uvas moscatel. El Marqués -que así le decimos sus
amigos-, además de aristócrata es un gran catador, y me introdujo
en los más antiguos secretos de los viñedos, guiándome por los
mejores vinos de España. Antiguos secretos, porque él mismo,
August Mayer von Helix Pomatia, Marqués de Borgoña y Caracol
(n. Mayer ben Kalman Muschel), procede de una familia del más
rancio abolengo, cuyo origen está datado –con carbono 14- hacia
finales de la época Precámbrica, hace más o menos 600 millones
de años1.
Entre otras cosas, algunos ancestros del Marqués dominaban
completamente la región ribereña del Yam-sof (Mar de los Juncos
conocido como Rojo) en los tiempos en que Moisés y los israelitas
lo cruzaron, e incluso sirvieron voluntariamente de alimento a las
luciérnagas que alumbraron a éstos últimos el camino (ya que, según
dicen algunos, el paso por el mar se realizó de noche). Después de
eso, la Torá (Lev. 11) –aunque sin mencionarlos explícitamente- los
incluyó en la lista de los animales treifá (no aptos para ser ingeridos),
para evitar que otras especies se aprovecharan de su altísimo
sentido de responsabilidad moral (precepto que, como sabemos,
no siempre se ha guardado rigurosamente).
y disfrutando de su característico y muy agudo sentido del humor.
No cabe duda de que es un gran convensador, un sagaz analista y
un discreto y acertado confidente.
Un día gris de diciembre, mientras yo daba clases en la Universidad,
el Marqués decidió irse sin decir palabra, tal vez para evitar el dolor
que toda despedida conlleva.
La poeta canadiense de origen lituano y sangre real Medeine
Tribinevicius dice habérselo encontrado comprando naranjas en
Venecia a principios de enero3. No quiso molestarlo porque parecía
andar de prisa (por esas fechas alguna caracola de Esmirna cantaba:
Dicho, me han dicho / ke mi amor ´stá en Venezia / dando y
baratando / kon una nave inglesa). Por su parte, Abel Murica, poeta
también, pero español y catalán, supo que estaba en París, posando
para un famoso escultor en metal. Borgiano, tanguero y seductor,
alguien lo vio en Buenos Aires, y dicen las buenas lenguas que se
esconde en el origen de este djudeoespanyol poema de Beatriz
Masliah4:
Hasta ahora, no se ha calculado el número de caracoles que han
muerto durante todas las guerras de la historia, pero su heroísmo ha
quedado documentado en numerosas ocasiones y están presentes
en los escudos de armas desde los comienzos mismo de la heráldica
en el sigo XII.
Pasé con él algunos de los momentos más iluminados de mi vida,
hablando de los temas más profundos y de los asuntos más banales,
52
¿?
Abril / Mayo
Kon la flor del limonero
se embelekan tus dedikos
i a los mis suenyios de amores
los aboltas juguetikos
¡Ai si tu manyana
despertaras en mi lecho!
Las espinas del kamino
al dip de la mar las echo.
De tus manos komo rozas
ió kero komer un dya,
kabrytiko en la muntanya
a tus pieses me echaría
El karakol de tu boka
se me enreda en el pensiero.
palabras de amor no dizes
ma en los tus oyos las veo.
Ven, asiéntate a mi lado
kontamé de tus pesares,
mientras peyno tus kaveyos
kon el peyne de mis males.
En la familia del Marqués ha habido también grandes filósofos,
científicos, artistas, escritores, arquitectos y poetas, y él mismo ha
destacado en varios campos2. Esto por no hablar de su papel como
inspirador, mecenas, personaje mitológico, símbolo, arquetipo, etc.
Como sea, y a pesar de sus múltiples ocupaciones, el Marqués
aceptó mi invitación a venir a Varsovia, y viajamos juntos, en
septiembre pasado, primero por carretera hasta Málaga y luego
en avión (él montado en su ya legendaria uva moscatel). Juntos
visitamos Cracovia, paseamos por Kazimierz, y juntos recorrimos
todos los rincones de Varsovia. Fuimos también a Vilnius, cuna de
algunos de nuestros antepasados comunes (que resulta que los
tenemos), y llegamos hasta la República de Užupis (donde soy
embajador). Es conocida la vocación casi religiosa del Marqués por
las mujeres hermosas (sin despreciar el buen vodka), de modo que
en estas tierras pronto se sintió como en casa (es decir, como en la
Tierra Prometida).
El Marqués capatado en Užupis por Medeine Tribinevicius
El Marqués durante su infancia en Granada
Estés dondequiera que estés, querido amigo, ésta seguirá siendo tu
casa. Y, por supuesto, siempre tendremos Granada...
$
Según el calendario bíblico, los primeros antepasados del Marqués habrían aparecido en
las tempranas horas del cuarto día de la Creación (Gen. 1:11), ya que, según los científicos,
además de las algas y las bacterias, al final del Precámbrico aparecieron los animales con
esqueletos externos en forma de concha. Otros exégetas, sin embargo, los colocan en las
primeras horas del sexto día (Gen. 1:24). Los comentadores del Talmud se muestran escépticos en lo que se refiere a la efectividad del carbono 14 y no hay acuerdo al respecto.
1
2
Baste mencionar el diseño de la escalera de cracol, el dasarrollo de precisas piezas de relojería,
innovaciones en el cante andaluz y en la equitación, el descubrimiento de una de las cavidades
que constituyen el laberinto del oído, etc. Tuvo también algo que ver en la evolución de la filosofía
panteísta de su primo Baruch Spinoza, pero de esto, por modestia y precaución, prefiere no hablar.
3
4
El Marqués siempre ha tenido una actitud más bien crítica hacia los vinos italianos.
“Kon la flor del limonero” apareció originalmente en SEFARAires n.11, marzo de 2003, p. 7.
... es el amor
Sobre gatos e caracóis
Texto de Daniela Capillé
Seus olhos amarelos/deixaram uma única/
ranhura/para lançar as moedas da noite.
Pablo Neruda
Ela pintou as unhas de uma cor forte, densa. Algo entre
o vinho e o café. Um pouco amargo. Depois olhava pras
próprias unhas maravilhada. Ela move as mãos de outra
maneira quando pinta as unhas de uma cor escura. É
como se de repente se enchesse de força e confiança.
Como garras que se afiam em patas de onça. Algo indomável que a arranha por dentro. Por vezes uma gata.
Uma vez estava um tanto entediada na casa de amigos.
Amigos do namorado, é claro. Não queria estar ali mas
estava. Como de costume, deitou-se no sofá se acomodando. Um sofá antigo, mas que era novo ali. Era da minha
mãe, disse a anfitriã, meio chorosa, meio bêbada. Isabel
sabia que a mãe morrera há uns meses. O que se diz
quando a mãe de alguém morre?
Então a campanhia tocou e entrou Fernanda como que para salvar a noite.
Aconchegou-se no mesmo sofá que
ela, como que impondo um espaço.
Cúmplices de algo estranho e novo,
de uma coragem desafiadora de quem
não tem medo de se pôr a dormir no
sofá dos outros. Você é como uma gata
que vai se ajeitando e se enroscando.
E havia algo de sensual na voz de Fernanda. Algo que fez Isabel tremer um
pouco, sorrindo já no seu papel de
gatinha doce. O mau das gatas é que
nunca se sabe até onde se pode confiar. Por que às vezes Isabel é tão doce,
um doce quase todo o tempo, mas vez
ou outra se vê que dentro dela borbulha alguma coisa quente e viscosa,
algo que só se explica com rangidos.
vinho e fumaram um beck. Isabel não fumava por um
número de desculpas, mas na verdade, gostava muito de
observar as pessoas naquele momento. Pais e filhos fumando juntos, uma música estranha e velha num rádio
de outros tempos. E Fernanda, na cama, fumava e bebia
um pouco do vinho de seu país. Sabe, para mim, você
pode fazer o que quiser, qualquer coisa. Um voto de
confiança que Isabel talvez não esperasse. Não quando
não se conhece assim a pessoa, principalmente de alguém tão forte. Um inchaço de palavras, talvez marijuana.
A chuva caía tão forte, num desses meses em que a cidade desaba. Algo também sempre desabava dentro dela.
Um mundo de possibilidades lá fora. Um mundo alagado,
escorrendo, e ela só precisava de um
barco, algo com que remar. Conseguir
assim a confiança de alguém é muito
mais difícil do que pintar as unhas. Sozinha, em casa, a acetona escorrendo petão forte nes- los cantos, uns borrões incalculados e
inevitáveis. Algo entre o sujo e o prazer.
¿?
O que há de
sas mulheres com caracóis
na cabeça?
Uma conversa que se vai
como que naqueles fios antigos de telefone. Girando,
girando, lentamente, como
um caracol perdido em sua
própria
Quando uma coisa te toca, é difícil saber o ponto exato do estrago. Resultou
então que Fernanda tinha muitos gatos,
uma afinidade de irmã. Mostrou os braços arranhados e eram
mesmo como as marcas de um prazer. Isabel segurou um
pouco a saliva dentro da boca e escutou a moça. Um sotaque
de algum lugar. Alguém perdido entre o mundo e outra coisa.
Alguma coisa ali parecia fora de lugar. Fernanda com umas
roupas antigas, como a fotografia de uma avó, perdida
numa parede qualquer da sala de jantar. Algo em preto e
branco. Mas, ao mesmo tempo, havia algo tão vivo e tão
claro que Isabel não pôde parar de olhar-lhe a cara. Foi
então que viu que trazia o cabelo preso, mas que de um
lado e de outro lhe escapavam alguns caracóis mais fujões.
Outro dia deitaram-se todos na cama e então beberam
casa.
Como Fernanda. Uns caracóis castanhos
que não se doma com facilidade. Uma
espiral que desce e se perde sem razão.
O que há de tão forte nessas mulheres
com caracóis na cabeça? Uma rebeldia
de não se ter o cabelo lambido, de se
nadar contra a maré, de sorrir de maneira imprópria e saber estremecer alguém. Uma força de quem faz perguntas estranhas e abre os olhos esperando
a resposta. E você se dá bem com a sua
família? Uma conversa que se vai como
que naqueles fios antigos de telefone.
Girando, girando, lentamente, como um
caracol perdido em sua própria casa.
Uma fronteira do acaso, nada fácil
de explicar. Uma mistura de ridículo, admiração, literatura, feminismo e um prazer inexplicável de quem
nem sempre quer concretizar as coisas. Uma unhada profunda de quem diz que não gosta de demonstrar afeto em público. Mas que público é esse?
Isabel move as mãos de uma maneira estranha quando pinta as unhas de uma cor escura. Coça o nariz e
mexe no cabelo, um pouco irritada, um pouco pensativa. As coisas vão surgindo de uma maneira rara. Ela
já é tão estranha por si só. Algo que não se explica em
duas linhas. Nem vinte. Nada que se possa fazer num
romance. Uma estranheza de quem sabe que está aqui
porque é assim. E só isso por enquanto já basta. $
Abril/ Maio
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53
Traducción
Un caracol existencialista
Traducción de Sylwia Jakubas, Katarzyna Hajost-Żak
Manolo Romero (Guareña, 1948), poeta, escritor, ha publicado: Bestiario I, Corral de versos y buriles, Bestiario II, Bestiario de Cabárceno, Bestiario andaluz, Bestiario III, Bestiario de los fogones. El poema “Caracol existencialista” procede de
Bestiario de los fogones, inspirado en el antiguo recetario de su abuela.
$
CARACOL EXISTENCIALISTA
ŚLIMAK EGZYSTENCJALISTA
Lleva encerrado veintitantos días
sin salir de su carricoche,
con fotofobia y agorafobia,
junto a la mata de marihuana.
La lluvia con su cháchara le anima:
Mi amor, saca los cuernos,
ven a los charcos,
embiste al mundo, motorista mío.
Deja que te sicoanalice.
W zamknięciu od ponad dwudziestu dni
bez opuszczania swojego wraku,
ze światłowstrętem i lękiem przestrzeni,
obok krzewu marihuany.
Deszcz go zachęca swoją paplaniną:
Kochanie, pokaż rogi,
chodź do kałuży,
wyjdź naprzeciw światu, mój ty motocyklisto.
Poddaj się psychoanalizie.
Dice el análisis que andas pachucho;
bajo de hemoglobina;
estás anémico, compadre,
inmunodeficiente y deprimido.
Według analizy podupadasz na zdrowiu;
brak ci hemoglobiny;
jesteś anemiczny, kolego,
nieodporny i zdołowany.
A comer perejil, que tiene hierro
y sube la autoestima.
Vete al librero y pídele:
“La individualidad centrípeta
del caracol”.
Si dice que no existe,
ya tienes un motivo
para salir de la espiral;
escríbete un best-seller:
El caracol recluye su individuo
en la cripta de la obsesión…
Hay que purgarla con verdín de hinojo,
carminativo para el narcismo;
salvado de centeno y trigo,
para el regüeldo de la vanidad;
etc., etc…
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Jedz pietruszkę, bo ma żelazo
i podnosi samoocenę.
Idź do księgarza i poproś o
„Dośrodkową osobowość
ślimaka”.
Jeśli powie, że nie istnieje,
będziesz miał powód,
żeby wyjść ze spirali;
napisz jakiś bestseller:
Ślimak zamyka swoje jestestwo
w krypcie obsesji…
Trzeba ją oczyścić natką koperku,
wiatropędną dla narcyzmu;
otrębami z żyta i pszenicy
dla odgazowania próżności;
etc., etc…
Cuando termines, vete al Bar “La Espiga”,
en la Calle San Pablo, 4. Córdoba.
Pregunta por Antonio, que es mi hermano;
le dices que te edite, de mi parte;
verás como se porta.
Jak skończysz, idź do Baru „La Espiga”,
na ulicy San Pablo, 4. Córdoba.
Zapytaj o Antonio, mojego brata;
powiedz mu ode mnie, żeby cię opublikował;
zobaczysz, że nie odmówi.
Que te eutanasie con orégano;
algo así hicieron con Diógenes
y Socrates,
que les pasaba lo que a ti,
filósofo piltrafa de la búsqueda.
Niech cię uśmiercą oregano;
podobnie zrobili z Diogenesem
i Sokratesem,
którym przydarzyło się to samo co tobie,
filozofie mizerny w poszukiwaniach.
Después te ofrecerá de aperitivo
con una copa de Montilla…
Następnie podadzą cię jako przystawkę
do kieliszka wina z Montilli…
Y que te trague un poeta.
I niech cię połknie jakiś poeta.
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Abril / Mayo
traducció
Mots Kapuscinskians, gens recargolats.
Traducció de Jan Chojnacki, Karolina Franaszczuk,
Katarzyna Samoń, Magdalena Czyżewska
Potser acaba de marxar tot un referent, si més no ho
hauria de ser, de la cultura europea actual. Poques
persones tenen el talent de comunicar idees i fets
de manera tan clara i diàfana i alhora han tingut
l’ocasió de recórrer mig món cercant els moments
històrics més importants que han tingut lloc en un
munt de països de realitat ben diversa. Kapuscinski n’és un d’ells. Per sort, els catalans podem trobar
les traduccions en la nostra llengua d’Eben, Un dia
més de vida i Viatges amb Heròdot gràcies a la tasca
feta per l’Anna Rubió i en Jerzy Sławomirski.
En aquesta revista només us oferim un fragment del
seu llibre Szachinszach on ens parla de la revo-lució islàmica a l’Iran amb l’esperança que aquest
país no sigui alliberat com ho ha estat l’Iraq. $
$
L’Iran era la vint-i-setena revolució que veia al Tercer Món. En el fum i en el soroll l’intercanvi de poderosos, queien els governs i a
les butaques s’asseien altres persones.Però hi havia quelcom invariable, indestructible, em fa por dir-ho, etern: la impotència. Com
em recordaven les seus dels comitès iranians el que havia vist a Bolívia, a Moçambic, al Sudan i a Benín. Què calia fer? I tu saps
que cal fer? Jo? No ho sé. Potser tu ho saps? Jo? Ho arriscaria tot. Però com? Com arriscar-ho tot? Sí, això és un problema. Tothom
estarà d’acord que això és un problema sobre el qual paga la pena discutir-ne. Les sales sense aire fresc i plenes de fum. Els parlaments: uns de millors i altres de pitjors, alguns realment excel•lents. Després dels bons discursos tothom es mostra content, és
clar, participaren en alguna cosa realment reeixida.
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Iran-była to dwudziesta siódma rewolucja, jaką wiedziałem w Trzecim Świecie. W dymie i w huku zmieniali się władcy, upadały rządy, na
fotelach zasiadali nowi ludzie. Ale jedno było niezmienne, niezniszczalne, boję się powiedzieć-wieczne: bezradność. Jakże mi te siedziby
komitetów irańskich przypominały to, co widziałem w Boliwii i w Mozambiku, w Sudanie i w Beninie. Co robić? A ty wiesz, co robić? Ja?
Nie wiem. A może ty wiesz? Ja? Poszedłbym na całość. Ale jak? Jak pójść na całość? Tak, jest to problem. Wszyscy zgodzą się, że jest to
problem, nad którym warto dyskutować. Duszne, zadymione sale. Wystąpienia lepsze i gorsze, kilka naprawdę świetnych. Po dobrym
wystąpieniu wszyscy odczuwają zadowolenie-przecież uczestniczyli w czymś, co było rzeczywiście udane.
Abril/ Maio
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Un català perdut a...
Romania, tot recollint cargols després de la ruixada.
Text de Josep Antoni Clement
Cap a on? Ells tampoc no ho sabien ni tenia gaire importància. Poques vegades m’han ofert amb tanta generositat el que
hom té, encara que sigui dins l’escassetat. Les menges de
Nadal me les serviren a taula abans de l’àpat sagrat en una vila
vora Ucraïna on tothom era ros, d’ulls blaus i somriure etern,
a Maramures àdhuc en un restaurant se’m convidà a devorar
els millors sarmale (golabki) que hagi tastat mai (espero ésser
perdonat pels moldaus!) i no pas lluny del cimitir vesele no
vam deixar ni gota del tuica local (bimber romanès) que ens
fou ofert per l’afable alcalde. I així podria anar narrant un munt
de situacions on em sentí aclaparat davant de tanta mostra de
generositat sense interès (no com succeeix entre el comú dels
catalans). Després, amb el pas del temps i la posterior onada
migratòria de romanesos arribada a Catalunya que ha generat
el menyspreu més absolut cap al poble romanès, no puc sinó
romandre perplex i mut, dar ce sa facem? (Però què s’hi pot
fer?) Pregunta sense resposta utilitzada per la gent que tragina
la vida. I és ver, tot acaba sempre així.
Malgrat tot, ens queda delectar-nos de la saviesa que s’amaga
entre els mots escollits de George Bacovia, poeta fill de Bacau:
“Catre lumina
Catre intuneric
Cum timpul trece
Si nu e de ajuns
Si poate tot gandul e spus”
La fi del mil•lenni m’atrapà estudiant mots romànics aïllats en
la variada geografia dels Balcans. La primera recerca no fou
pas lingüística... Ai las! Si parlessin els esporuguits cargols romanesos ja passaríem comptes! Però muts, temen encara la
venjança catalana...
Suposo, més aviat n’estic convençut, que l’escena que tingué
lloc en ple Boulevard Copou tenia quelcom de surrealista als
ulls dels transeünts que es dirigien vers els seus tràfecs quotidians. Un català, temporalment associat amb un de Palència (un
om botezat de cuvant, com cantava l’imperible Maria Tanase),
es dedicava a arreplegar tota bestiola amb baba que s’atrevís
a treure el cap d’entre les herbotes que voltaven els grisosos blocs (idèntics als de Polònia, curiós...) de la majestuosa
capital de la històrica Moldàvia, Iasi, amb l’objectiu d’omplir la
panxa amb tan preuada menja. Pofta buna! (Bon profit!)
I aquesta Moldàvia del dos mil m’acollí i em mostrà els seus
racons inhòspits i les seves meravelles que m’esperaven al
llarg d’aquesta magnífica terra. La tàctica era ben fàcil, es
tractava d’anar dient: Cineva primeste in gazda? I sempre en
qualsevol llogaret i poblet de cases soltes algú tenia un llit a
punt per a donar refugi a dos estrangers que anaven de camí...
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Abril / Mayo
“Cap a la llum
Cap a la foscor
Així el temps passa
Sens dar-ne abast
I potser, el pensament ja hi és expressat.”$
Abril/ Maio
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58
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Abril / Mayo
Abril/ Maio
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59
Director:
José Carlos Dias
Coordinadora da Sección Galega:
Lucía Rodríguez Caeiro
Coordinador de la Sección Española e
Djudeoespanyola:
Gerardo Beltrán
Coordinador de la Secció Catalana:
Josep Antoni Clement
Coordenadoras da Secção Portuguesa:
Ana Carolina Beltrão e Rita Rolim
Cronistas/Columnistas:
Jaukub Jankowski, Josep Antoni Clement,
Kornel Stanisławski
Jornalistas/Periodistas:
Aneta Dawidziuk
Anna Płocica
Anna Rojek
Anna Trzcianka
Aleksandra Opara
Barbara Szlachta
Bożena Gąsienica-Daniel
Ewa Oknińska
Iwona Cellary
Iwona Śniadecka
Jakub Jankowski
Jan Chojnacki
Joanna Moszczyńska
Joanna Pobieżyńska
Joanna Włodarczyk
Johnathan
Kamila Gądek
Katarzyna Samoń
Katarzyna Sitarska
Karolina Franaszczuk
Magda Pielak
Magdalena Czyżewska
Magdalena Gazda
Magdalena Guziejko
Małgorzata Hanh
60
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Abril / Mayo
Número dedicado al Marqués de Caracol
Małgorzata Szczepkowska
Maja Reguła
Maria Wróblewska
Marek Cichy
Marta Machowska
Martyna Gajewska
Martyna Szymańska
Marlena Kalińska
Colaboradores:
Anna Kalewska
Ana Carolina Beltrão
Daniela Capillé
Josep Antoni Clement
Katarzyna Dłużniewska
Katarzyna Hajost-Żak
Sylwia Jakubas
ColaboraçãoEspecial:
Manuela Teixeira Pinto
Martín R. Caeiro
Convidados Especiais:
Andreia Correia
Ryszard Krynicki
Design Gráfico:
José Carlos Dias e Josep Antoni Clement
Capa:
Jakub Jankowski
Fotógrafos:
Lucía R. Caeiro, JoannaWłodarczyk e Medeine
Tribinevicius
Cartonista:
Jakub e Jasiek
Tiragem:
200 exemplares
Impressão:
Zaklad Graficzny Uniwersytetu Warszawskiego
Editora:
Instituto de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos
da Universidade de Varsóvia
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