Os Contratos de Consumo Reflexão sobre a Autonomia Privada no Direito do Consumo RESUMO O objecto da presente dissertação consiste na análise geral, por um lado, dos contratos de consumo e, por outro lado, da autonomia privada e dos seus limites. O objectivo final passa pela ligação entre estes dois pontos, aplicando às relações de consumo as conclusões extraídas a propósito das normas imperativas. O estudo do regime jurídico aplicável aos contratos de consumo (formação, direito de arrependimento, conteúdo e cumprimento e incumprimento) constitui um elemento necessário para a compreensão dos problemas colocados, permitindo a interpretação correcta das normas e dos interesses subjacentes a estas. A liberdade contratual, princípio fundamental do direito privado, encontra-se limitada com vista a salvaguardar interesses relevantes de natureza variada. Por um lado, a limitação pode resultar da lei. Por outro lado, o contrato tem de passar pelo crivo da ordem pública, dos bons costumes e da boa fé, que visam garantir, em última instância, a conformidade do contrato com os princípios fundamentais do ordenamento jurídico e da vida em sociedade num determinado contexto histórico e geográfico. No que respeita à contrariedade à lei, a tarefa do aplicador do direito consiste em determinar o âmbito de imperatividade do conteúdo de uma norma. O principal elemento interpretativo para o efeito resulta da verificação dos interesses que, em concreto, a lei visa salvaguardar, os quais podem ser classificados em interesses gerais, interesses de terceiros, interesses de ambas as partes ou interesses de uma das partes. No direito do consumo, o conteúdo imperativo das normas visa tendencialmente a protecção exclusiva de interesses de uma das partes do contrato, o consumidor. Este aspecto conduz, em regra, a um regime específico de invalidade, nos termos do qual o destino do contrato depende apenas da intenção manifestada pelo consumidor. Depois de determinar, em relação a cada norma, os limites precisos da imperatividade, o aplicador do direito deve analisar se os interesses subjacentes ao conteúdo imperativo identificado se encontram contratualmente acautelados de outra Jorge Morais Carvalho Os Contratos de Consumo Reflexão sobre a Autonomia Privada no Direito do Consumo forma ou compensados por outros interesses igualmente relevantes face às circunstâncias concretas. Nos contratos de consumo, uma vez que o conteúdo imperativo das normas visa a protecção exclusiva do consumidor, o âmbito dessa protecção não deve contrariar o seu próprio interesse, pelo que nada justifica que este se encontre impedido de negociar termos mais favoráveis do que os resultantes da lei. Neste caso, se o equilíbrio de interesses previsto legalmente não for posto em causa no contrato, por via de os interesses do consumidor se encontrarem acautelados ou compensados, deve considerarse que o acordo é válido. Jorge Morais Carvalho Os Contratos de Consumo Reflexão sobre a Autonomia Privada no Direito do Consumo ABSTRACT The object of this thesis consists of a general analysis of both consumer contracts and private autonomy and its limits. The final objective is to connect these two aspects, applying to consumer contracts the conclusions drawn from mandatory rules. The study of the legal regime applicable to consumer contracts (formation, right of withdrawal, content, performance and breach) is necessary to understand the issues that are raised, and is important to a correct interpretation of the rules and their underlying interests. The freedom of contract – fundamental principle of private law – is subject to limitations in order to safeguard relevant interests of a different nature. On the one hand, such limitations may stem directly from statutory law. On the other hand, the contract has to stand to the review of public policy, morality and good faith, that are intended to ensure that the contract complies with the fundamental principles of law and society in a particular historical and geographical context. With regard to solutions that can be considered to contradict applicable legal provisions, the task of the person applying the law is to determine the scope of the mandatory nature of a legal provision. The main interpretive element to this regard is the verification of the interests that, in concrete, the law seeks to protect, and these can be classified as general interests, third parties’ interests, common interests of the parties or interests of a single party. In consumer law, the mandatory content of the legal provisions seeks frequently to protect only the interests of one of the parties to the contract, in the case the consumer. This leads, as a general rule, to a particular legal regime for the invalidity of the contract, where the fate of the contract depends only on the expression of the consumer’s intention. After determining, for each type of rule, the precise limits to the mandatory nature of the rule, the interpreter has to evaluate whether the underlying interests in the Jorge Morais Carvalho Os Contratos de Consumo Reflexão sobre a Autonomia Privada no Direito do Consumo imperative nature identified in the rule are contractually protected through another way or are effectively balanced by other equally relevant interests in the particular case. As in consumer contracts the mandatory content of the existing rules seeks exclusively to protect the consumer, the scope of that protection should not be too wide as to be contrary to the consumer’s own interest. Nothing would justify that the consumer would be prevented to negotiate on more favourable terms than those resulting from the law. In this case, if the balance of interests envisaged by the law isn’t put into question by the contract, because consumer’s interests are adequately protected or duly compensated, the agreement should be considered valid. Jorge Morais Carvalho Os Contratos de Consumo Reflexão sobre a Autonomia Privada no Direito do Consumo R ÉSUMÉ Le sujet de cette thèse consiste en une analyse générale, d’une part, des contrats de consommation et, d’autre part, de l’autonomie privée et de ses limites. L’objectif ultime est de relier ces deux points, en appliquant aux relations de consommation les conclusions tirées à propos des normes impératives. L’étude du régime juridique applicable aux contrats de consommation (formation, droit de repentir, contenu et exécution et inexécution) est un élément nécessaire pour interpréter correctement les normes et les intérêts sous-jacents. La liberté contractuelle, un des principes fondamentaux du droit privé, est limitée afin, notamment, de sauvegarder d’autres intérêts majeurs de diverses natures. D’une part, cette limitation peut avoir pour origine la loi. D’autre part, le contrat doit être conforme à l’ordre public, aux bonnes mœurs et à la bonne foi, principes qui visent à garantir le respect des principes fondamentaux de l’ordre juridique et de la société dans un contexte historique et géographique particulier. En ce qui concerne la non-conformité à la loi, la tâche de l’interprète consiste à déterminer la portée de l’impérativité d’une norme. A cet égard, le principal élément d'interprétation est la vérification des intérêts que la loi cherche, dans le cas concret, à sauvegarder, lesquels peuvent être considérés comme intérêts généraux, intérêts des tiers, intérêts communs aux parties ou intérêts d'une des parties au contrat. En droit de la consommation, le contenu impératif des règles ne cherche tendanciellement qu’à protéger les intérêts des consommateurs. Cet aspect conduit, en règle générale, à un système spécifique de nullité, dans lequel le sort du contrat ne dépend que de l’intention manifestée par le consommateur. Après avoir déterminé, pour chaque règle, les limites précises de leur impérativité, l’interprète doit examiner si les intérêts, sous-jacents au contenu impératif identifié, sont sauvegardés dans le contrat ou s’ils sont compensés par d’autres intérêts également pertinents dans chaque situation concrète. Jorge Morais Carvalho Os Contratos de Consumo Reflexão sobre a Autonomia Privada no Direito do Consumo Dans les contrats de consommation, comme le contenu impératif des règles vise la seule protection du consommateur, la portée de cette protection ne doit pas porter atteinte aux intérêts propres de chaque consommateur et rien ne justifierait qu’il soit empêché de négocier des conditions plus favorables que celles fixées par la loi. Dans ce cas, si l’équilibre des intérêts prévu par la loi n’est pas mis en cause, les intérêts des consommateurs étant protégés ou compensés, on sera donc en mesure de reconnaître la validité du contrat. Jorge Morais Carvalho Os Contratos de Consumo Reflexão sobre a Autonomia Privada no Direito do Consumo RESUMEN Esta disertación tiene como objetivo principal el análisis, por una parte, de los contratos de consumo y, por otra parte, de la autonomía privada y de sus límites. El objetivo final es la interconexión entre estos dos puntos, aplicando a las relaciones jurídicas de consumo lo que se concluyó sobre las normas imperativas. El estudio del régimen jurídico aplicable a los contratos de consumo (formación, derecho de desistimiento, contenido y cumplimiento e incumplimiento) constituye un elemento necesario para la comprensión de los problemas planteados, permitiendo la interpretación correcta de las normas y de los intereses subyacentes a estas. La libertad contractual, principio fundamental del derecho privado, está limitada en los casos en que sea necesario salvaguardar intereses relevantes de diversa naturaleza. Por un lado, la limitación puede ser consecuencia de un comportamiento contrario a la ley. Por otro lado, el contrato debe pasar el control del orden público, las buenas costumbres y la buena fe, destinados a garantizar, en última instancia, la conformidad del contrato con los principios fundamentales del derecho y de la sociedad en un determinado contexto histórico y geográfico. En cuanto a la ley, la tarea del intérprete es determinar el alcance de la imperatividad del contenido de una norma. El elemento clave para la interpretación es la verificación de los intereses que la ley trata de proteger, que pueden ser clasificados en intereses generales, intereses de terceros, intereses de ambas partes o intereses de una parte. En el derecho del consumo, el contenido imperativo de las normas trata tendencialmente de proteger intereses del consumidor. Esto conduce, en general, a un régimen específico de invalidez, en el cual el destino del contrato depende sólo de la intención manifestada por el consumidor. Después de determinar, para cada norma, los límites precisos de la imperatividad, el intérprete debe examinar si los intereses que subyacen en el contenido imperativo Jorge Morais Carvalho Os Contratos de Consumo Reflexão sobre a Autonomia Privada no Direito do Consumo identificado están salvaguardados en el contrato de otra manera o compensados por otros intereses también relevantes ante las circunstancias concretas. En los contratos de consumo, como el contenido imperativo de las normas se destina a la protección exclusiva del consumidor, el alcance de dicha protección no debe socavar su propio interés, por lo que no hay ninguna razón para que éste no pueda negociar términos más favorables que los derivados de la ley. En este caso, el equilibrio de intereses previsto en la ley no es contrariado por el contrato, una vez que los intereses del consumidor están salvaguardados o compensados, por lo que se debe considerar que el acuerdo es válido. Jorge Morais Carvalho