Tronco celiaco-mesentérico em gato Celiac mesenteric trunk in

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COMUNICAÇÃO BREVE
R E V I S TA P O R T U G U E S A
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
Tronco celiaco-mesentérico em gato
Celiac mesenteric trunk in cat
Magno S. Roza, Fernanda M. Pestana, José M.F. Hernandez,
Bárbara X. Silva, Marcelo Abidu-Figueiredo*
UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/Instituto de Biologia/Anatomia Animal. Br 465 Km 07 s/n.Seropédica
Resumo: Com o objetivo de relatar uma variação vascular não
descrita anteriormente em felinos, descreve-se neste trabalho a
origem comum das artérias celíaca e mesentérica cranial através
de um tronco comum em três gatos, sem raça definida, machos,
adultos e de porte médio. Esta variação denominada então de
tronco celíaco-mesentérico já foi descrita em algumas espécies
de animais domésticos, como em cães, ovinos, caprinos,
bovinos, e também em humanos. Essa variação foi analisada,
medida e descrita no presente trabalho. O conhecimento da
presença do tronco celíaco-mesentérico em felinos contribuirá
para um melhor entendimento das alterações anatômicas que
possam ocorrer na vascularização abdominal desta espécie, bem
como é de fundamental importância para realização de
angiografias e procedimentos clínico-cirúrgicos que envolvam
esta região.
Palavras-chave: tronco celíaco-mesentérico, gato, variação
vascular
Summary: With the intention to report a vascular variation not
previously noticed in felines, this article describes the single
origin of the celiac and cranial mesenteric arteries through a
common trunk in three adult, cross breed male cats. This vascular variation is called celiac mesenteric trunk and was already
described in some species of domestic animals, such as dogs,
sheep, goats, cows and also in humans. This variation was
analyzed, measured and described in this report. The knowledge
of the presence of the celiac mesenteric trunk in cats will
contribute to a better understanding of the anatomical alterations that may occur in the abdominal vascularization, and is
also important for angiographic and surgical procedures that
involve this region.
Keywords: cat, vascular variation, celiac mesenteric trunk
Introdução
Dentre os ramos viscerais da porção abdominal da
aorta, as artérias celíaca e mesentérica cranial
possuem grande relevância em anatomia clínico –
cirúrgica e nos procedimentos angiográficos, pois são
responsáveis pela irrigação de importantes vísceras
*Correspondência: [email protected]
como fígado, estômago, baço, pâncreas e intestinos
(Nayar et al., 1983).
Esses vasos emergem da face ventral da artéria aorta
abdominal em sua porção mais cranial. Geralmente, a
artéria celíaca origina-se logo após a passagem da
artéria aorta pelo hiato aórtico do diafragma,
enquanto a artéria mesentérica cranial situa-se caudalmente em relação à primeira, afastando-se por
milímetros de distância (Getty, 1981; Berg, 1978;
Evans e Christensen, 1979; Nickel et al., 1981; Dyce
et al., 1997; Schaller, 1999; König e Liebich, 2004).
Vários autores estudaram a ramificação da artéria
celíaca em animais domésticos (Sleight e Thomford,
1970; Enge e Flatmark, 1972; Borelli e Boccalletti,
1974; Schmidt et al., 1980; Bednarova e Malinovsky,
1984; Machado et al., 2000; Niza et al., 2003; AbiduFigueiredo et al., 2005, 2008), demonstrando que seu
arranjo e ramificações são muito variáveis e que o
conhecimento exato desta variabilidade é de grande
importância no estudo prático e teórico, em animais
de experimentação e domésticos (Bednarova e
Malinovsky, 1984).
Estudos sobre as diferenças da vascularização
abdominal existente entre ovinos, cães, suíno e coelhos
demonstraram que as artérias celíaca e mesentérica
cranial têm sua emergência separadamente uma da
outra, sendo a primeira mais cranial (Nayar et al.,
1983). Entretanto, na literatura existem relatos de
casos em que as ambas as artérias tiveram sua origem
em um único ramo denominado de tronco celíacomesentérico. Esta variação anatômica foi relatada em
ovinos (Langenfeld e Pastea, 1977); bubalinos
(Machado et al. 2000); caprinos (Ferreira et al. 2001);
cães (Schmidti e Schoenaui, 2007) e humanos (Çavdar
et al., 1997; Çiçekcibasi AE et al., 2005).
Tendo em vista que esta é uma variação vascular
rara em gatos, e que possui importância clínico-cirúrgica, relatamos a origem das artérias celíaca e mesentérica cranial por um tronco comum, denominado
tronco celíaco-mesentérico.
No decorrer das atividades práticas de dissecção
realizadas nas disciplinas do Laboratório de Anatomia
83
Roza MS et al.
Animal do Departamento de Biologia Animal da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ), observou-se alteração na origem da artéria
celíaca em três gatos.
Os gatos foram posicionados em decúbito lateral
direito. Em seguida, o tórax foi aberto e dissecado
para evidenciação da porção torácica da artéria aorta,
que foi canulada utilizando sonda plástica flexível de
aproximadamente 0,4 cm de diâmetro e 10 cm de
comprimento. Desse modo, o sistema arterial foi
"lavado" com solução fisiológica de NaCl a 0,9%,
sendo realizado a seguir a fixação com solução de
formaldeído a 10% conforme técnica anatômica
padrão. Os vasos foram preenchidos com solução de
Petrolátex S65 corado. As peças permaneceram acondicionados em cubas com solução de formaldeído a
10% por 5 dias para polimerização do látex. Os
cadáveres foram dissecados, rebatendo-se as vísceras
abdominais para a evidenciação dos ramos viscerais
da porção abdominal da artéria aorta. Com um
paquímetro de precisão, foram obtidas medidas de
largura e comprimento do tronco e de seus ramos, bem
como da distância entre a emergência do tronco até a
emergência da artéria renal esquerda. Todas as
fotomacrografias foram obtidas com máquina digital
Nikon coolpix 4300.
Animal 1: Gato de aproximadamente três anos de
idade, mestiço, do sexo masculino. O tronco comum
denominado celíaco-mesentérico emergiu entre a
segunda e terceira vértebras lombares (L2-L3).
Apresentou 0,3 cm de comprimento e 0,5 cm de
largura, desde a sua origem até a bifurcação nas
artérias celíaca e mesentérica cranial. A artéria celíaca
apresentou 0,5 cm de comprimento e 0,3 cm de
largura, enquanto para a artéria mesentérica cranial as
medidas foram 3,5 e 0,3 cm, respectivamente. Essa
variação vascular posicionou-se a 2,4 cm da artéria
renal esquerda. Os principais ramos da artéria celíaca
foram a artéria hepática, seguida pela formação de um
tronco comum entre as artérias gástrica esquerda e a
lienal, o tronco gastro-lienal.
Animal 2: Gato de aproximadamente três anos de
idade, mestiço, sexo masculino. O tronco celíacomesentérico emergiu na segunda vértebra lombar
(L2). Apresentou 0,4 cm de comprimento e 0,44 cm de
largura, desde a sua origem até a bifurcação nas
artérias celíaca e mesentérica cranial. A artéria celíaca
apresentou 0,9 cm de comprimento e 0,3 cm de
largura e a artéria mesentérica cranial 2,1 cm de comprimento e 0,34 cm de largura. Essa variação
vascular posicionou-se a 2,2 cm da artéria renal
esquerda. Os principais ramos da artéria celíaca
observados foram a artéria hepática, seguida pela
formação de um tronco comum entre as artérias
gástrica esquerda e a lienal, o tronco gastro-lienal.
Animal 3: Gato de aproximadamente 4 anos de
idade, mestiço, sexo masculino. O tronco comum
denominado celíaco-mesentérico emergiu na terceira
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Figura 1 - Fotomacrografia da origem comum entre as artéria celíaca
(ac) e a artéria mesentérica cranial ( amc ) formando o tronco celíacomesentérico (tcm) no animal 1.
aa = artéria aorta ; tcm= tronco celíaco-mesentérico ; amc = artéria
mesentérica cranial;
ac = artéria celiaca; ah = artéria hepática; tgl = tronco gastro-lienal ; age
= artéria gástrica esquerda; al = artéria lienal.
vértebra lombar (L3). Apresentou 0,3 cm de comprimento e 0,4 cm de largura, desde a sua origem até a
bifurcação nas artérias celíaca e mesentérica cranial.
A artéria celíaca apresentou 0,5 cm de comprimento e
0,3 cm de largura e a artéria mesentérica cranial 3,1 cm
de comprimento e 0,3 cm de largura. Essa variação
vascular posicionou-se a 2,2 cm da artéria renal
esquerda. Os principais ramos da artéria celíaca
observados foram a artéria hepática, seguida pela
formação de um tronco comum entre as artérias
gástrica esquerda e a lienal, o tronco gastro-lienal.
Discussão
Embora vários autores tenham descrito com
uniformidade a artéria celíaca e os seus ramos, este
vaso apresenta freqüentes variações, que podem
ocorrer em todos os níveis (Niza et al., 2003).
Em relação ao local da origem, o tronco celíacomesentérico emergiu da porção ventral da aorta
abdominal, próximo ao hiato aórtico do diafragma,
concordando com os resultados obtidos por outros
autores, que estudaram o comportamento da artéria
celíaca em outros mamíferos e relataram que ambas as
artérias celíaca e mesentérica cranial emergem da face
ventral da aorta abdominal (Kennedy and Smith,
1930; Sleight and Thomford, 1970; Enge and
Flatmark, 1972; Berg, 1978; Evans and Christensen,
1979; Schmidt et al., 1980; Getty, 1981; Nickel et al.,
1981; Bednarova and Malinovsky, 1984; Dyce et al.,
1997; Schaller, 1999; Niza et al., 2003; König e
Leibich, 2004; Abidu-Figueiredo et al., 2005, 2008).
Machado et al. (2000) porém relatam que a origem da
artéria celíaca em fetos de bubalinos ocorre em nível
da aorta torácica, independentemente da artéria
Roza MS et al.
RPCV (2009) 104 (569-572) 83-86
Figura 3 - Fotomacrografia da origem comum entre a artéria celíaca (ac)
e a artéria mesentérica cranial (amc) formando o tronco celíaco-mesentérico (tcm) no animal 3.
aa = artéria aorta; tcm = tronco celíaco-mesentérico; amc = artéria
mesentérica cranial;
ac = artéria celiaca; ah = artéria hepática; tgl = tronco gastro-lienal;
age = artéria gástrica esquerda; al = artéria lienal.
Figura 2 - Fotomacrografia da origem comum entre a artéria celíaca (ac)
e a artéria mesentérica cranial (amc) formando o tronco celíaco-mesentérico (tcm) no animal 2.
aa = artéria aorta; tcm = tronco celíaco-mesentérico; amc = artéria
mesentérica cranial;
ac = artéria celiaca; ah = artéria hepática; tgl = tronco gastro-lienal;
age = artéria gástrica esquerda; al = artéria lienal.
mesentérica cranial.
Variações na forma da emergência da artéria celíaca
têm sido relatada em outros mamíferos, como a
presença do tronco celíaco-mesentérico formado pela
artéria celíaca e mesentérica cranial em ovinos
(Lancenfeld e Pastea, 1977), búfalos (Machado et al.,
2000), caprinos (Ferreira et al., 2001), bovinos
azebuados (Peduti Neto e Santis Prada, 1970), cães
(Schmidti e Schoenaui, 2007) e humanos (Çavdar et
al., 1997; Çiçekcibasi AE et al., 2005). Ainda no
homem uma ocorrência rara tem sido verificada, que
é a formação de um tronco único denominado tronco
celíaco-bimesentérico, formado pelas artérias celíaca,
mesentérica superior e mesentérica inferior (Bergman
et al., 1988; Nonent et al., 2001).
Variações anatômicas, raridades e má formações são
achados clínicos pouco freqüentes, e como os próprios
nomes sugerem, fogem do padrão pré-estabelecido
para a espécie em questão, aquele que ocorre com
maior freqüência, claramente conhecido como normal. Na tentativa de adotar uma nomenclatura mais
esclarecedora possível, será considerada variação
aquela alteração morfológica ou topográfica de certo
órgão, desde que não altere sua fisiologia (Sykes et
al., 1963), embora Willam e Humpherson (1999)
correlacionem estas variações com predisposições à
certas enfermidades. Já Sanudo et al. (2003), afirmam
que anomalias e má formações acarretam de alguma
forma alterações na fisiologia do órgão. De acordo
com Didio (1998), pode ser considerada raridade toda
estrutura que ocorra com uma freqüência de 1 a 2%
dentro de uma população.
Estudos complementares com número maior de
animais podem esclarecer em que situação se
enquadra os gatos. A observação da emergência
comum das artérias celíaca e mesentérica cranial por
um tronco comum observado em gato diverge da
origem individualizada dessas artérias mencionada
por Getty (1981), Nickel et al. (1981) e Dyce et al.
(1997).
Conclusão
A emergência das artérias celíaca e mesentérica
cranial por tronco comum em gatos é um achado
importante, pois esta variação, mencionada por
diversos pesquisadores em outras espécies, é rara em
gatos. A existência do tronco celíaco-mesentérico
nessa espécie tem importância significativa do ponto
de vista clínico-cirúrgico, com aplicabilidade prática
nos procedimentos que envolvam a vascularização
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Roza MS et al.
da região abdominal. Além disso, estudos futuros,
baseados na freqüência da aparição dessa alteração
vascular, poderão elucidar a sua classificação, sendo
considerada raridade ou variação anatômica, proporcionando a inclusão do assunto nos compêndios de
anatomia veterinária comparativa.
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