Capítulo 6 - Fundamentos da administração pública e novos

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XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012
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A reforma gerencial e os novos modelos de gestão em saúde pública no Brasil
Christian Mendez Alcantara
Introdução
Ao abordar a administração pública e os diferentes modelos de gestão em saúde no Brasil, preliminarmente é necessário frisar a sua complexidade e peculiaridade, que a torna necessariamente distinta das organizações privadas. E por isso requer uma abordagem diferenciada. Bresser Pereira (2000), provavelmente o autor brasileiro que mais escreveu sobre o tema, considera que existem três formas de administrar ou gerir a organização do Estado: o patrimonialismo, a burocracia e a abordagem gerencial. Estes três modelos atualmente coexistem em praticamente todas as organizações públicas. No Brasil, estado federado ­União, estados e municípios ­ não é diferente. O texto a seguir abordará os três tipos de gestão citados; logo após será comentado o processo de reforma administrativa e alguns modelos de gestão propostos recentemente na área de saúde no Brasil.
Patrimonialismo
No patrimonialismo, a administração não visa ao interesse público. Está presente a fidelidade do servidor ao suserano e não ao cidadão, usuário do serviço público. Assim, há indefinição entre o patrimônio do governante e o patrimônio público. Raymundo Faoro (2001) afirma que a propriedade do rei se confunde nos seus aspectos público e particular. Rendas e despesas se aplicam nos gastos de família ou em obras e serviços de utilidade geral. Max Weber (1999) observa que no patrimonialismo predominam as considerações pessoais, os atos de graça, promessas e os privilégios. O funcionário patrimonial tem dependência e fidelidade ao “senhor” e não a regras e princípios. Na administração patrimonialista estão presentes o nepotismo, o empreguismo e a corrupção (ALCANTARA, 2009). Burocracia e Administração Pública Burocrática
Para Max Weber (1999) o servidor burocrático costuma atuar com maior exatidão e eficiência. Sua superioridade técnica dá­se pela precisão, rapidez, conhecimento da documentação, continuidade, discrição, uniformidade, subordinação rigorosa, diminuição de atritos e menores custos materiais e pessoais. O conceito weberiano de burocracia relaciona­se à especialização e a treinamento racionais, com competências ordenadas através de leis ou regulamentos, com a hierarquia e a carreira, com a vitaliciedade do cargo, treinamento especializado e divisão de trabalho.
Entretanto, é preciso ressaltar que o próprio Weber reconheceu e alertou sobre possíveis problemas na organização burocrática. Ela conduziria à oligarquização, ao monopólio do poder, ao conservadorismo, transformação dos meios em fins e ao apego rígido e sentimental a regras e a instrumentos. 1
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Merton (1957) explicita as disfunções burocráticas que são consequências imprevistas do modelo weberiano, tais como: internalização das regras e exagerado apego aos regulamentos, excesso de formalismo e conformidade excessiva às rotinas e procedimentos. Guerreiro Ramos (1983), autor brasileiro com carreira acadêmica nos Estados Unidos da América, considera que a burocracia, intrinsecamente, não é nem positiva nem negativa. Julga como inconcebível o desaparecimento da burocracia no futuro. A sociedade de massas e o Estado contemporâneo a demandariam cada vez mais. Entendemos que a burocracia é um avanço em relação à administração patrimonial. É componente necessário a todas organizações, especialmente as da administração pública. Contudo, cabe controlar e limitar as distorções e disfunções da burocracia, o que não é tarefa fácil. Neste sentido, além dos mecanismos tradicionais de controle formal externo e interno da administração pública, a participação popular e o controle social por parte dos usuários são fundamentais. O Modelo Gerencial na Administração Pública A administração gerencial, também denominada “Nova Gestão Pública” (“New Public Management”), procura possibilitar maior eficiência e eficácia à administração pública. As principais características da administração pública gerencial são: orientação ao cidadão usuário­cliente, ênfase no controle de resultados por meio de contratos de gestão e transferência para o setor privado sem fins lucrativos de serviços sociais (BRESSER PEREIRA, 2000). Segundo David Osborne (1994), este modelo propicia maior agilidade e flexibilidade para a administração pública atuar numa sociedade pós­industrializada, baseada no conhecimento e na informação. A administração burocrática clássica weberiana não conseguiria atuar com desenvoltura em um mundo fragmentado e pós­moderno. O mesmo autor relaciona a administração gerencial com a criação de agências, valores da iniciativa privada, a orientação ao consumidor­cidadão e seu direito de escolha, plano de negócios e a contratos com metas e indicadores de desempenho. Lourdes Torres e Vicente Pina (2004) realizam importante ponderação sobre a “New Public Management” (NPM), válida também para o Brasil e demais países da América Latina. Ressaltam que a “NPM” tem apresentado melhor implementação em países anglo­saxões, em especial, Reino Unido e Estados Unidos da América. Nos países germânicos e do sul da Europa, como Portugal e Espanha, este modelo está representado mais por alterações pontuais na administração pública, predominando a administração burocrática com forte presença da lei administrativa. Observam também que a “NPM” pode proporcionar diferentes resultados em cada país, devido a sua história, cultura e suas instituições. No Brasil a concretização do modelo gerencial deu­se especialmente através da aprovação da Emenda Constitucional 19/1998 e uma série de leis federais que estabeleceram as agências reguladores e executivas, as organizações sociais (OSs) e as organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIPs), entre outras medidas. As OSs e OSCIPs apresentam forte atuação no nosso Sistema Único de Saúde (SUS), sistema de saúde público brasileiro, e serão analisados mais a frente. 2
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O modelo gerencial, especialmente no Brasil, necessita de avaliações mais rigorosas, imparciais e sistematizadas. Há poucas análises realizadas, algumas vezes feitas pelo próprio gestor que decidiu por delegar serviços a organizações sociais ou a OSCIPs. E nesses casos, pode ocorrer certo viés no processo avaliativo. As inovações propostas por este modelo, em alguns casos, parecem estar mais relacionadas ao descrédito do serviço público, visto como ineficiente e ultrapassado. Outras vezes, estes novos desenhos organizacionais como as OSs e OSCIPs têm como objetivo básico escapar da alegada rigidez do direito público, licitações e concursos públicos para admissão de pessoal. Na Espanha e na Europa esse movimento é motivo de grande polêmica e conhecido como “la huida del derecho administrativo” (RODRIGUEZ­ARANA, 2007), equivalente à “fuga” do direito administrativo (ALCANTARA, 2009).
O processo de flexibilização na administração pública proposto pelo modelo gerencial, pode reduzir o ordenamento e controle organizacional, ocorrendo a possibilidade de retrocesso do exercício patrimonial pré­burocrático: nepotismo, empreguismo e incremento da corrupção. Essa é uma das principais ameaças num país com forte tradição patrimonialista em seu estado, mas também na sua sociedade, como o Brasil. O modelo gerencial traz uma preocupação saudável e necessária em relação à eficácia e à eficiência na administração pública. Entretanto é importante frisar que este modelo é oriundo de países anglo­saxões que apresentam cultura, administração pública e organizações bastante diferentes das do Brasil e dos demais países da América Latina. Será apresentada, na sequência, uma abordagem sobre a “reforma administrativa” que tem características próprias, mas também reflete uma transição entre os principais modelos de administração pública. Reforma Administrativa
Para Bresser Pereira (2000), somente merecem ser chamadas de reformas administrativas as que alteram substancialmente a forma e o funcionamento do aparelho do Estado. Geralmente elas apresentam uma mudança institucional, longo processo de implementação, estendendo­se por anos, com avanços e retrocessos. Então, para o mesmo autor, são apenas duas reformas na administração pública: a burocrática e a gerencial. Patrick Dunleavy e Christopher Hood (1995) consideram que as reformas geralmente se desenvolvem de duas maneiras. A primeira se dá de forma incremental e durante um longo período, até que seus valores sejam incorporados. Na segunda predomina a tentativa de implementação rápida com práticas inovadoras e “da moda”, que geralmente redundam em fracasso. Neste caso, um exemplo explícito no Brasil foi a tentativa fracassada de reforma administrativa no Governo Fernando Collor, primeiro governo eleito por eleições diretas após o Golpe Militar de 1964.
Joan Prats y Catalá (2005) relata que nos países da América Latina há grande número de tentativa de reformas, clientelismo, autoritarismo estatal, corporativismo, patrimonialismo e escassa responsabilização do gestor público. Predominam burocracias imperfeitas e patrimoniais. 3
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Propõe que as reformas na América Latina tenham como seu primeiro objetivo criar uma burocracia realmente profissional e weberiana.
Belmiro Valverde Jobim Castor (2000) observa que as reformas administrativas no Brasil revestem­se de duas características principais: a primeira pelos objetivos globais e ambiciosos, mas com resultados muitas vezes parciais ou específicos em algumas áreas. A segunda apresenta um movimento de reforma/contrarreforma. Neste movimento pendular de reforma e contrarreforma, é possível observar muitas vezes a transição da administração pública direta para indireta, no Decreto­Lei 200, e vice­
versa, como na Constituição de 1988. Na reforma gerencial, o pêndulo agora se aproxima da administração e organizações privadas (ALCANTARA, 2009). A reforma burocrática ocorreu no final do século XIX na Europa e início do século XX nos Estados Unidos da América do Norte. No Brasil dá­se principalmente a partir de 1930, no período Vargas. Ela se caracterizou pela adoção de princípios da administração burocrática clássica já comentados anteriormente e pela criação do Departamento de Administração e Serviço Público (DASP) em 1938. A reforma mais recente, a gerencial, apresenta essa designação, pois buscou inspiração nas organizações privadas e visa essencialmente possibilitar maior eficiência à administração pública (BRESSER PEREIRA, 2000). Essa reforma teve início a partir dos anos 1980 no Reino Unido. Nos anos 1990 ela se estendeu para os Estados Unidos da América do Norte (EUA), Espanha, Chile e Brasil. Depois de abordar os principais aspectos dos modelos de administração pública e da reforma administrativa procurando fundamentar uma teoria geral da administração pública no Brasil, a seguir veremos os novos modelos aplicados de gestão e gerência, presentes ou propostos para o sistema de saúde brasileiro.
Organizações Sociais
As organizações sociais (OSs) são pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos e foram disciplinadas pela Lei Federal nº 9.637/1998. A organização social é um modelo que foi criada no período da reforma administrativa implantada pelo então Ministro Bresser Pereira. Há também leis sobre organizações sociais em estados federados como Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Pará, Paraná, Pernambuco e São Paulo, neste último com forte atuação. O Distrito Federal também apresenta legislação específica e teve uma organização social, o “Instituto Candango da Solidariedade”, envolvida em várias denúncias do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios. Essa OS foi extinta em 2007 (SANO, 2008). No município de São Paulo foi aprovada Lei Municipal nº 14.134, de 24 de janeiro de 2006. Neste município, as organizações sociais também têm atuado na atenção básica ou primária. Em estudo analisando as unidades de assistência médica ambulatorial (AMAs), Paulo Puccini (2008) relatou que as organizações sociais eram responsáveis por duas até dez unidades ambulatoriais. Observou duplo comando nessas unidades, um do gestor público e outro do parceiro, até seis empresas privadas coexistindo na mesma AMA e quarteirização do trabalho dos profissionais de saúde. 4
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Estas questões dificultam, sem dúvida, a gerência dessas unidades. É oportuno ressaltar que o jornal Folha de S. Paulo registrou críticas do Presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) ao modelo das OS (FOLHA S. PAULO, 2009). O presidente do TCESP questionou a capacidade de fiscalização do estado sobre as OS e a de estabelecer preços justos pelos serviços que compra. Em agosto de 2010, o mesmo jornal informa que a prefeitura de São Paulo cogitava contratar uma empresa externa para avaliar as organizações sociais, tendo em vista que não teria auditores em número suficiente para realizar essa tarefa (WESTIN, 2010). Ou seja, o gestor municipal paulista reconhecia que não tinha condições técnicas e nem servidores públicos para avaliar, regular e fiscalizar as organizações sociais que prestavam serviços de saúde ao município de São Paulo.
E mais recentemente a polêmica que envolve as organizações sociais no Estado de São Paulo é a possibilidade de elas atenderem pacientes particulares e de planos de saúde, estabelecendo a conhecida “dupla porta de entrada” (SÃO PAULO, 2010). A lei estadual que autoriza a oferta de 25 % dos leitos de hospitais gerenciados por organizações sociais para pacientes particulares ou de planos de saúde, encontra­se liminarmente paralisada por medida judicial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (ESTADO S. PAULO, 2012).
As organizações sociais são alvo de severas críticas. As mais frequentes, para Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010), são o possível uso de patrimônio e de servidores públicos, a ausência de licitação para a escolha das mesmas e a criação de entidades “fantasmas” como organizações sociais. A dispensa de licitação na contratação de OS é um dos principais problemas nesta questão. Essa dispensa é um grande risco, podendo em alguns casos propiciar a fuga do direito administrativo. Aqui há uma porta para o reincremento do denominado patrimonialismo profundo brasileiro (ALCANTARA, 2009). Marçal Justen Filho (2004) alerta para eventuais vícios na configuração da organização social. Um deles é a manutenção da existência de ente público mascarado sob organização social, o que para o autor é inaceitável. Toda estrutura material e humana continua sendo da administração pública e a constituição da entidade tem como objetivo basicamente escapar do regime jurídico público, denominado na Espanha “La huida del derecho administrativo” (RODRÍGUEZ­ARANA, 2007). No Brasil, Hironobu Sano (2003) observou que boa parte das organizações sociais têm sido usadas para a administração pública fugir da alegada “rigidez” do Direito Administrativo. Têm seu controle basicamente realizado pelo Poder Executivo a que estão prestando serviços, não realizam avaliações periódicas sobre as metas e os objetivos estabelecidos nos contratos de gestão e não estão inseridas num contexto de reforma administrativa. Pela dimensão da delegação de serviços para as OS, especialmente em São Paulo, estado e município, a administração pública precisa ter grande capacidade regulatória para escolher, avaliar, fiscalizar e controlar a atuação das OS. Para isso, necessita ter um corpo técnico qualificado de servidores em número significativo. Caso isso não ocorra, corre o risco de não ter informação de qualidade, tornar­se refém e dependente dos parceiros, ou seja, capturado pelas organizações sociais. 5
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Não havendo uma adequada regulação do poder público, uma organização privada não fará melhor que a administração pública, podendo inclusive ser mais ineficiente. Nesse sentido, destaca­se a posição de Fernando Abrucio (2007:83):
O fortalecimento da regulação de serviços públicos é outro ponto fundamental em prol de um governo mais efetivo. Como muitas tarefas antes realizadas pelo Estado foram repassadas ao setor privado ou mesmo ao terceiro setor, mas continuam sob supervisão estatal, é preciso ter marcos e aparatos regulatórios que funcionem a contento. Regular bem, é bom ressaltar, significa não só garantir o caráter público dos serviços, mas também a sua qualidade – e nenhum ente privado ou ONG fará melhor que o Estado caso não seja regulado (sem grifo no original). Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs)
No ano de 1999, foram criadas as “Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público” (OSCIP), regulamentadas pela Lei nº 9.790/1999. São pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, qualificadas como OSCIPs pelo Ministério de Justiça. Alguns autores consideram que estas entidades fazem parte do chamado “terceiro setor” e tal como as OS, também poderiam ser consideradas organizações não governamentais (ONGs). Entretanto observamos que algumas OSCIPs e OS dependem excessivamente de recursos públicos. Algumas, inclusive, têm sua direção indicada pelo poder público; neste caso funcionam basicamente como órgãos disfarçados da administração pública, mas sem se submeter aos mecanismos tradicionais de controle da administração pública. São as ONGs com DNA estatal (ALCANTARA, 2010). A forma de escolha da OSCIP para celebrar o termo de parceria é motivo de polêmica na doutrina jurídica, pois não há necessidade de procedimento licitatório prévio para escolhê­las, tal como acontece com as organizações sociais. Recentemente, em maio de 2011, quinze pessoas foram presas no município de Londrina, em escândalo envolvendo a prefeitura municipal e duas OSCIPs (GAZETA DO POVO, 2011). Dois desses presos eram conselheiros municipais de saúde e as OSCIPs envolvidas atuavam na Estratégia Saúde da Família (ESF). Belmiro Valverde Jobim Castor (2011) faz severas críticas a esse modelo de ONGs e o OSCIPs com pouco ou nenhum controle público. Ele as denomina de ONGs “chapa branca”. Escândalos com OSCIPs no SUS no Estado do Paraná infelizmente são comuns e devem ser observados com atenção. Curiosamente ou com intenções, boas ou más, algumas dessas OSCIPs têm nomes pomposos e imponentes. Recentemente numa escuta telefônica autorizada pelo Poder Judiciário, o secretário executivo do Ministério do Turismo brasileiro recomendava a um interlocutor: “Pega um prédio moderno aí... Mas o importante é a fachada. Tem que ser uma coisa moderna que inspira confiança...”.(O GLOBO, 2011). A dimensão do problema com OSCIPs pode ser observada com anúncios eletrônicos como “compre sua OSCIP aprovada e comece a operar imediatamente” (VIEIRA CONSULTORIA, 2011). Posteriormente o anúncio foi mudado para “OSCIP já legalizada – cessão de direitos de OSCIP e comece a operar imediatamente”. Na página eletrônica do Ministério da Justiça também há menção de problemas com OSCIPs e alerta que não credencia consultores ou intermediários para o credenciamento dessas organizações (BRASIL, 2011a). 6
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A confusão entre entidades particulares e o poder público não é boa e deve ser evitada. As OSCIPs quando prestarem atividades de interesse público e coletivo podem ser incentivadas, mas de forma clara e transparente pelo poder público. Mesmo assim, é mais apropriado que não dependam apenas de governos para obterem recursos para suas atividades. É necessário e salutar que tenham independência. Uma das possíveis saídas para maior controle das OS e OSCIP pode estar numa lei que recentemente entrou em vigor no Brasil, conhecida de “lei da transparência ou da informação pública” (BRASIL, 2011d). Em seu artigo segundo estabelece:
Art. 2O Aplicam­se as disposições desta Lei, no que couber, às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de ações de interesse público, recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres.
Ou seja, mesmos os entes privados sem fins lucrativos e isso se aplica a organizações sociais e a OSCIPs explicitamente passarão a ter obrigação de prestar informações sobre os recursos públicos que recebem e utilizam.
A proposta da fundação estatal do governo federal Em 2007 o governo federal apresentou ao Congresso Nacional projeto de lei complementar 92/2007, autorizando a criação de fundações de direito público ou privado em áreas como saúde, assistência social, entre outras (BRASIL, 2007). No setor saúde, ficaram mais conhecidas como fundações estatais, referindo­se a fundações públicas de direito privado. Elas fariam parte da administração pública indireta. Esta proposta retoma o movimento cíclico administração direta e indireta. O administrador público objetivando mais autonomia e flexibilidade procura criar organizações situadas na administração indireta. Isso não é novo e gerou uma série de distorções em nossa Administração Pública. Belmiro Valverde Jobim Castor (2000: 138) observou com muita propriedade: As coisas ficaram espantosamente simples: caso o governo decidisse dar prioridades a uma atividade qualquer, criava uma autarquia, empresa estatal ou fundação para explorá­la ou desenvolvê­la, pois essa nova organização estaria desobrigada de cumprir as regras restritivas que se aplicavam à administração pública convencional, podendo assim agir com incrível agilidade e independência. Encantados pela facilidade de que passaram a gozar, os governantes multiplicaram as organizações dotadas de autonomia financeira e operacional de maneira indiscriminada (sem grifo no original). O projeto de fundações tinha grande apoio do então Ministro da Saúde do Brasil no segundo mandato do governo Presidente LULA (2007­2010). José Gomes Temporão (2007: 3) usava na defesa das fundações estatais termos gerenciais como: “autonomia, contratos de desempenho, modelos mais eficientes de gestão, cobrança de resultados e remuneração por bom desempenho”. Também contou com a aprovação do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS, 2008: 13), que referendou também as organizações sociais como gerentes de unidades hospitalares. 7
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Lembremos que na década de 1990, o Partido dos Trabalhadores, atualmente no governo federal, foi ferrenho opositor da reforma gerencial de Bresser Pereira e das organizações sociais.
Contrários à proposta das fundações, estavam sindicatos de servidores públicos e o Conselho Nacional de Saúde que se manifestou em 2009 (CNS, 2009). É importante também observar que a proposta de fundações estatais não foi aprovada na XIII Conferência Nacional de Saúde realizada em novembro de 2007. O projeto das fundações apresentou sua última tramitação em junho de 2009 no Congresso Nacional (BRASIL, 2011b), ou seja, provavelmente não será aprovado como lei federal. Em 2010, em entrevista, o então Ministro Temporão reconheceu que o projeto de lei, que tinha apostado tanto, tinha poucas possibilidades de aprovação. O governo federal passa então a priorizar um novo modelo para gerenciar os hospitais federais, o de empresa brasileira que será visto a seguir. Entretanto é preciso lembrar que alguns estados federados e municípios aprovaram leis específicas criando fundações públicas de direito privado com diferentes níveis de implantação. Pode­se citar os estados da Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e Sergipe e municípios como Curitiba (2010) e Nova Iguaçu.
Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A. (EBSERH) Em 31 de dezembro de 2010 foi adotada a Medida Provisória 520 que autorizou o poder executivo federal a criar a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A. ­ EBSERH (BRASIL, 2010). Como esta medida não foi apreciada no Congresso Nacional no prazo definido na constituição brasileira, perdeu sua eficácia. O governo federal então apresenta o projeto de lei 1749/2011 (BRASIL, 2011c) para criar ou recriar a EBSERH, a fim de gerenciar os quarenta e cinco hospitais universitários federais. O projeto é aprovado e se torna lei 12.550 (BRASIL, 2011e) autorizando a criação da EBSERH, empresa pública de personalidade jurídica de direito privado. Logo seus funcionários serão regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), regime similar aos dos “laborales” na Espanha. Na justificativa do projeto de lei, o governo federal frisa a dupla finalidade destes hospitais: ensino e a assistência à saúde de média e alta complexidade. Prossegue questionando a adequação do regime jurídico público para estas organizações, especialmente no que se refere à contratação e à gestão da força de trabalho. E cita como exemplos, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, empresa pública federal vinculada ao Ministério da Educação e o Grupo Hospitalar Conceição, sociedade de economia mista vinculada ao Ministério da Saúde. Sem dúvida, a gestão e gerência de hospitais de alta complexidade não é tarefa fácil. Com dupla função, de ensino e assistência à saúde, submetido ao regime jurídico de direito público, a tarefa é ainda mais árdua. Agora não parece o mais adequado o formato de empresa pública cujo objetivo, conforme o decreto­lei 200/1967 (BRASIL, 1967) é a exploração de atividade econômica. Ora, pelo caráter desses hospitais federais talvez fosse o caso de possibilitar a estes maior autonomia, tendo em vista que seus procedimentos administrativos, muitas vezes, são bastante complexos. Talvez o formato jurídico mais adequado para estas organizações fosse o de fundação pública ou de autarquia. 8
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Considerações finais
O modelo burocrático proposto por Max Weber trouxe e traz uma grande contribuição para o aprimoramento da administração pública, em especial para superar o patrimonialismo. Entretanto, apresenta disfunções e alguns sinais de esgotamento. Uma maior flexibilidade, agilidade e preocupação com eficiência e resultados, propostos pelo modelo gerencial, são bem­vindos na administração pública. A questão é como efetivamente fazer isso com metas, indicadores e prazos avaliáveis pela população, e, em especial, mantendo o controle sobre o administrador público, a fim de evitar desvios e, eventualmente, corrupção. O modelo gerencial não é a superação da burocracia, pois ambos são importantes e úteis para a gestão pública. A administração pública pode buscar novos modelos de gestão e parcerias. Entretanto, se seus recursos forem, na sua maior parte, públicos; preferencialmente devem ser controlados como sendo públicos, submetendo­se a regras do Direito Público: concurso ou teste seletivo para seleção de pessoal, licitações e prestações de contas. Aprimorar a gestão pública não se faz apenas com boa vontade, novas leis ou criação de novas estruturas. Ela ocorrerá efetivamente se for desenvolvida uma nova cultura na organização pública na qual estejam valores como: transparência, controle e participação por parte do cidadão. A busca por resultados, com metas e prazos claros e mensuráveis, também é importante desde que efetivamente tenham impacto positivo para a sociedade. O sistema de saúde público brasileiro é estabelecido pela constituição federal como universal e integral. Sua gestão não é tarefa fácil. Não há fórmulas milagrosas ou passes de mágica para melhorá­lo. É uma construção paulatina e processual. A busca por parceria com instituições privadas, na verdade, não é grande novidade, podendo ser positiva ou negativa, dependendo dos parceiros e da administração pública. O mero repasse a organizações privadas não soluciona o problema de gestão e de gerência do SUS. Continua sendo fundamental o papel do Estado (no Brasil: União, estados federados e municípios) na efetiva regulação e avaliação dos serviços de saúde. Somente assim essas parcerias contribuirão para maior eficiência e eficácia no SUS. Bibliografia
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SANO, Hironobu. ABRUCIO, Fernando. Promessas e resultados da nova gestão pública no Brasil: o caso das organizações sociais de saúde em São Paulo. RAE, v. 48, n. 3, p. 64­80, 2008. SÃO PAULO. Lei Complementar nº 1.131, 27 dez. 2010. Altera a Lei Complementar nº 846, 4 de jun. 1998, que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais.
TEMPORÃO, José Gomes. A fundação estatal fortalecerá o SUS. Folha de S. Paulo. 2007. TORRES, Lourdes; PINA Vicente. Reshaping public administration: the spanish experience compared to the UK. Public Administration, v. 82, n. 2, 2004, p. 445­464.
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WEBER, Max. Economia e Sociedade. Trad. Regis Barbosa e Karen Barbosa, revisão técnica Gabriel Cohn. 3ª ed., 2 v. Brasília: Ed. UNB, 1999. WESTIN, Ricardo. Prefeitura de SP estuda contratar auditoria externa para organizações sociais privadas. Folha de S. Paulo. 12 set. 2010.
Resenha Biográfica
Christian Mendez Alcantara é Professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Coordenador do Curso de Gestão Pública ­ SEPT/UFPR. Membro do Comitê de Assessoramento em Saúde Bucal – Ministério da Saúde (Brasil). Foi Coordenador de Saúde Bucal do Estado do Paraná (2003­2006) e Diretor da Escola de Saúde Pública do Paraná (2007­2008). É Graduado em Odontologia e em Direito, Mestre em Administração e Doutor em Direito. Realizou Estágio de Doutoramento no Exterior (CAPES­Brasil) e Pós­Doutorado na Universidad da Coruña (Fundación Carolina) – Espanha. Endereço: Rua Alcides Vieira Arcoverde, 1225, Curitiba –PR ­ Brasil. CEP: 81520­260. Telefone (55 41) 3361­4912. E­mail: [email protected]
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