luiz Antônio Marcuschi I Produ,ão textual, análise de gêneros e compreensão Nota prévia =' de iI11pressionar a guantidade de livros, coletâneas, números ten1áticos de revistas e teses que surgiram nesses últimos anos em tomo da questão dos gêneros tex:l11ais e seu 'ensino' no Brasil. Podemos afirmar que estamos presenciando uma espécie de 'explosão' <le estudos na área, a ponto de essa vertente de trabalho ler-se ton1aclo u111a moda . A qualidade elos trabalhos é 1nuito variada e não se pode esguecer que n1uita coisa publicada é de grande vaUosidade, ,nas boa parte é repetitiva e pouco provettosa. Não é possível fazer justiça a essa produção cm uma abordagen1 tão breve como esta. Mas é conveniente saber de sua existência. Da produção n1ais recente, ressalto pelo menos estas obras cuja leitura poderá ser de grande proveito. Outros trabalhos recentes pode111 ser vistos na bibliografia anexa no final. B,\ZER\IIIN, Cllllrle~ (2005). Gêneros textuais, tipificação e 111/eração. São Paulo: Cortcz (Esta obra tem um nlto potc-nc,al aplicativo. Tmta os aspectos funcionai; e hi5tóncos do; gêneros. O primeiro capítulo é essencial parn se ter um~ noção clara da posição do autor qua.nto à noção de gênero. siste ma de gêneros e conjunlo de gêneros na ~ociedade. ) CRISTóVAO, Vera Lucia Lopes e NASCl\1E1'."TO, Elvira Lopes (orgs.) (2004). Géneros textuais: teoria e prática 1. Lo11drina: F'undaçào Araucária. (E~ta coletih11.:a de tmhalhos é fruto ele ou tro congre5!io de gêneros e te,n trabalhos voltados para o problema do ensino.) CRISTôVÃO. Vera Lúcia Lopes e J\ASCl~1El1,TO. Elvira Lopes (orgs.) (2005). Gêneros textuais: teoria e prcílica 11. Palmas e União da Vitória: Kaygangue. (E~ta coletânea é a st:gnnda produzida a partir do congresw de gêneros em União dt:1 Vitória- PR e tem uma seção especial sobre temas voltados para o ensino.) l<ARWOSKI, Acir Mário; G ,WD~.CZKA, Beatriz; BRITO, Karim Siebeneicher (orgi;.l (2006) Gêneros textuais- reflexões e ensino. Rio de Janeiro: Lucema. ( Esta coletânea é produto das conferência~ de um congresso sobre gêneros em União da Vitória - PR e con tém estudos irnportantcs para se lei uma idéia do que vem sendo debatido neste momento cm termo~ de gênero~ tcxluah entre nós.) MP.URFR. José Luiz; 80N1-.1. Adair . .\-ICYITA-ROTH. Desirée (orgs.) (2005). Gêneros- teorias. métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial. (Te1uo~ aqui a n1ah recenle t>bra sobre gênero~ com um.1 proveito~a revisão d,1s teorias hoje cm voga. É :rconselhlivel para quem qui~er aprofundar os aspectos teóricos de maneira m.ris ampla. Os textos aprofundam as teonas e não ~ão simple~. ) Z•\\JO'n o. Normelio (200:i). E-mail e carta comercial· e.çtudo contrastivo de gênero textual. Rio de Janeiro e Caxias do Sul: Lucerna e EDUCS. (Este trabalho é fruto de uma tese de doutorndo e tem uma pro, eitosa inlrocl ução aos e~tudos lingüí~t-icos no início, bem corno uma análhc bastanlc clara elo F11ncionarnenlo dos gêneros textuais, particularmcnlc as cartas comerciais e os e-mails, que são compan1dos com muitos exemplos analisados. A obra é aconselhá\'el quem quiser trabalha r o problema dos gêneros nesses dois casos.) Con1 estas obras, já podemos formar uma idéia clara de algumas posições recenles. Traia-se de un1a série de novas fontes de leilura, i.nforn1ação e formação, ben1 co1110 alten1ativas de trabalho. Ao longo do curso, deveremo Segundo Porte I Gêneros textuais no ensino de l1nguu voltar a esses esh1dos e seria aconse lhável sua leitura a té para u1n aprofundan1ento na questão, tendo em vista que hoje o ensino de língua anda bastante centrado en1 gêneros e isso não é tão simples nem pode ser realizado de n1odo ingênuo. A coletânea organizada por Meurer; Bonini & Motta-Roth (2005) contém uma série de estudos cuja leitura pode dar uma idéia ben1 mais clara da diversidade de teorias existentes hoje nos diversos países. Sua leitura será aqui aconselhada de ,nodo enfático porque pode conduzir a um aprofunda1nento dos temas centrais tratados. 2.1. O estudo dos gêneros não é novo, mas está na moda O estudo dos gêneros textuais não é novo e, no Ocidente, já tem pelo menos vinte e cinco séculos, se considerarmos que sua observação sistemática iniciou-se en1 Platão. O que hoje se tem é u1na nova visão do mesmo tema . Seria gritante ingenuidade histórica 1m.aginar que foi nos últimos decênios do sécu lo XX que se descobriu e iniciou o estudo dos gêneros textuais. Portanto, uma dificuldade natural no tratamento desse tema acha-se na abundância e diversidade das fontes e perspectivas de anál ise. ão é possível realizar aqui um levantamento sequer das perspectivas teóricas atuais. A expressão "gênero" esteve, na tradição ocidental, especial111enle ügada aos (gêneros literários, cuja análise se inicia co1n Platão para se finnar coLn Aristóteles, passando por [-lorácio e Quintiliano, pela Idade Média, o Renascimento e a Modernidade. até os primórdios do século XX. Atual1uente. a noção de gênero já não mais se vincula apenas à literah1ra, como lembra Swales (1990: 33), ao dizer que "hoje, gênero é facilmente usado para referir uma categoria distintiva de discurso de qualquer tipo, falado ou escrito, con, ou sen1 aspirações Üterárias". É assun que se usa a noção de gên ero texh1al en1 etnografia, sociologia, antropologia , retórica e na lingüística. É nesta ú ltin1a que nos interessa analisar a noção de gênero. É com Aristóteles que surge uma teoria mais sisten1ática sobre os gênerol> e sobre a n ah1reza do discurso. No cap. 3 da Retórica [13 58a], Aristóteles diz que há três elementos con1pondo o discurso: (a) aquele que fala; (b) aquilo sobre o que se fala e (e) aquele a quen1 se fala . Luix António Marcuschi I Producão textual, análise de gêneros e compreensão Num discurso existem, segundo Aristóteles, três tipos de ouvinte que operam: (i) como espectador que olha o presente; (ü) como assc1nbléia que olha o futuro; (iii) como juiz que julga sobre coisas passadas. E a esses três tipos de julgamento Aristóteles associa três gêneros de discurso retórico: (i) discurso deliberativo; (ü) discurso judiciário; (iii) discurso demonstrativo (epid{tico). Do ponto de vista funcional, o discurso deliberativo servia para aconselhar/desaconselhar, e voltava-se para o futuro por ser exortativo por natureza; já o discurso judiciário tem a função de acusar ou defender e reflete-se sobre o passado, enquanto o discurso demonstrativo tem caráter epidítíco, ou seja, de elogio ou censura, situando-se na ação presente. Em Aristóteles, tem-se uma construção teórica associando fonnas, funções e tempo, gue se vê no csquen1a de Reboul ( 1998). OS TRÊS GÊNEROS DO DISCURSO SEGUNDO ARISTÓTELES 1 Gênero I Auditório I Tempo I Ato Assembléia Passado (fatos a julgar) Futuro Acusar; defender Aconselhar desaconselhar Espectador Presente Louvar; censtlllr Judiciáio Juízes Deliberativo Epidítico I Valores Argumento-tipo Justo; injusto Entimema (dedutivo) útit nocivo Exemplo (indutivo) Nobre; vil Amplificação R1N1& Olívier Reboul. 1998: 47. A visão de Aristóteles sobre as estratégias e as estr11turas dos gêneros foi desenvolvida an1pla1nente na Idade Média. Ton1ou-se inclusive a ênfase pela qual a retórica se desenvolveu e propiciou a tradição estrutural. Aristóteles distinguiu entre a epopéia, a tragédia, a comédia, cujos tratados foram conservados e ainda a auléti.ca, o ditira1nbo e a citarística, cujas análises perderam-se. Hoje o estudo dos gêneros textuais está na moda, mas em perspectiva , diferente da aristotélica. E o que Bhatia ( 1997) constata en1 sua revisão sobre o tema. Assim, a eÃ-pressão "gênero" vem sendo atualmente usada de maneira cada vez mais freqüente e em número cada vez maior de áreas de investigação. Para Candlin, citado por Bhatia (1977: 629), trata-se de "um conceito que achou o seu tempo". E muitos estudiosos de áreas diversas estão se interessando cada vez mais por ele, tais como: Segunda Parte I Gêneros textuais no ensino de lingua Teóricos da literalnra, retóricos, sociólogos, cientistas da cognição, tradutores, lingüistas da computação, ana listas do discurso, especialistas 110 Ensino de Inglês para Fins Específicos e professores de língua. lsso está tornando o estudo de gêneros textuais um empreendimento cada vez n1ais multidisciplinar. Assi1n, a análise ele gêneros engloba uma análise do texto e do discurso e u1na descrição da língua e visão da sociedade, e ainda tenta responder a questões de natureza sociocultural no uso da língua de n1aneira geral. O trato dos gêneros diz respeito ao trato <la língua em seu cotidiano nas mais diversas fo rmas. E se adotarmos a posição de Carolyn Miller (1984), poden10s dizer que os gêneros são 11n1a ''fonna de ação social". Eles são tun "artefuto cultural" importante co1no parte integrante da estrutura comunicativa de nossa sociedade. Neste sentido, há n1uilo a discutir e tentar distinguir as idéias de que gênero é: uma categoria cultural um esquema cognitivo uma forma de ação social uma estrutura textual uma forma de organiz.ação social uma ação retórica Ccrtan1enle, gênero pode ser isso tudo ao n1esn10 tempo, já que, em certo sentido, cada un1 desses indicadores pode ser tido con,o un, aspecto da observação. lsso dá a noção n,ais aprOÃ'Ímada da complexidade da questão e o porquê da ausência de trabalhos sistemáticos que até recenten1ente dessen, conta do problen1a na perspecliva didática. 2.2 O estudo dos gêneros mostra o funcionamento da sociedade TAREFA PAR:-\ O ESTl fDO DOS GÊNEROS: para introduzir este capítulo, sugiro a leitura do texto de Charles Bazem1an (2005: 19...+6), intitulado ''Atos de fala, gêneros textuais e sistemas de atividades: como os textos organizam atividades e pessoas"1• Aqui se pode observar os n1ais diversos a~pcclos relativos aos gêneros cn1 1. O texto enconlrn-se em Charle, 13azerman (200:i 1. Gêneros textuais. lipificaçiio e interação. ..)rganiLação: Ângela Paiva Dionísio & Judith Chan1bliss l loffnagel São Paulo: Corlez. luiz Antônio Marcuschi I Proch1<ão textual, análise de g~neros e compreensão seu funcionan1enlo e a noção de fato social, bem con10 outros conceitos básicos para o tratan,ento dos gêneros. Ua, fato social é aqailo e1n que as pessoas acreditanJ e passam a lon1ar co1110 se fos~e verdade, agindo de acordo co1n essa crença. t\luitos fatos sociais são realidades constituídas tão-somente pelo discurso situado. Daí a importância de se trabalhar esse aspecto central. Para Bhatia ()997: 629), os gêneros pennitem o tratamento ela intrigante e difícil questão gue indaga: Por que os 1ne1nbros de comunidades discursivas específicas usam a língua da maneira con10 o fazc1n? Por exe1nplo, por gue todos os que escreven1 un1a nio11ografia de final de curso fa7.e1n mais ou menos a mesma coisa? E assim tan1bém ao pronunciar1110s uma conferência, darmos uma aula expositiva, escrevermos uma tese de doutorado, fa7.ermos un, resu,no, urna resenha, produzimos textos similares na estrutura, e eles ci rculam en1 an1bientes recorrentes e próprios. lsso ocorre tamhém ntuna en1presa com os 1nemorandos, os pedidos de venda, as prornissórías, os contratos e assim por diante. Vai ocorrer na esfera jurídica, na esfera jornalística, religiosa e e1n lodos os demais domínios. Na resposta a esta indagação estão envolvidas questões mais do que apenas socioculturais e cognitivas, como observa Bhatia (1997: 629), pois há aí ações de orden, comunicativa com estratégias convencionais para atingir determinados objetivos. Por exen1plo. uma n1onografia é produzida para obter uma nota, uma publicidade serve para promover a venda de um produto, nina receita culinária orienta na confecção ele urna co1nicla etc., pois cada gênero textual te1n um propósito bastante claro que o determina e lhe dá u1na esfera de circulação. Aliás. esse será um aspecto bastante interessante, pois todos os gêneros tên1 uma fom,a e uma função, bem como um estilo e u111 conteúdo, mas sua detemlinação se dá basicainente pela função e não pela forma. Daí falharem os estudos estrita1nente formais ou estruturais do gênero. Tendo isto en1 vista, Bhatia ( 1997: 629) frisa: Esse aspecto tático ela construção do gênero, sua interpretação e uso é provavelmente un1 dos fatores mais relevantes para dar conta de sua popu laridadc atual no campo dos estudos do discurso e da con1unicação. E con10 ocorre com todos os conceitos ou áreas que se tornam populares, proli feram e variam neles as teorias e as interpretações. o que acaba se transformando num inconveniente para o estudo. A variação dos entendin1entos existentes é un1 problema que ocorre hoje nos estudos de gêneros que rcccben1 todo tipo de contribuição teórica. Segunda Parte I Gêneros textuais no ensino de língua Na realidade, o estudo dos gêneros textuais é hoje urna fértil área interdisciplinar, com atenção especial para a linguagem em funcionan1ento e para as aüvidades culturais e sociais. Desde que não concebamos os gêneros como modelos estanques ne1n como estruturas rígidas, mas como fonnas culturais e cognitivas de ação social (:tvWler, 1984) corporificadas na 1inguagem, s01nos levados a ver os gêneros como entidades dinaniicas, cujos lin1ites e den1arcação se tornarr1 fluidos. Diante desse interesse, pode-se dizer que ao ta1nanho das preocupações ta1nbém corresponde un1a tamanha profusão de terminologias, teorias e posições a respeito da questão. Em princípio, isso seria n1uito bom se não fosse desnorteante. É quase impossível hoje dominar com satisfatoriedade a quantidade de sugestões para o tratamento dos gêneros textuais. Muitas são as perspectivas teóricas nos estudos dos gêneros. Podemos aqu i, brevemente, indicar pelo menos algumas dessas linhas sem nos determos n1uito. Vou somente situar os autores e nada mais. O quadro a ,;egui r dá essa visão que pode ser tida co1no un-1a "tipologia de tipologias" 2. Dominique 1\tlaingueneau (2004· 107-108) lembra que há uma profusão de tipologias e elas segue111 em geral certos critérios que dão uma orientação básica'. O problen1a é que essas tipologias não servem para entender o funcionamento dos gêneros e sim para entender o que os autores estão fazendo para agrupar os gêneros. U1n esforço que nem sempre dá certo. Para Nlaingucneau (2004: 108), o costu1ne mais comun1 na análise do discurso é categorizar os gêneros por critérios sih.1acionais, observando-se os dispositivos comunicativos sóciohistoricamente definidos. 2. Essa aná lise encontra-se em Bernard Schneuwly ( 1986). Quelle t)'pologie de textes pour l"eriseígnement? Une typologie de typologies. Texto apre~entado ,10 Terceiro Colócnio Internacional ele D1d:ítica do Francês, Namur. Frauça. 3. Refiro-me aqui ao trabalho ele Dommique lvlaingueneau (200➔ ). Retour sur une calégorie: le ~nre. ln: Jean-.Yl.ichel Adam; )ean-Bhiise Cri.r.e & f-.lagid Ali Bouacha (org1>.). Texteet discours: catégorie, paur /'anal)'se Dijon: Editions Universitaires de Dijon, pp. 10í-118. O autor cita as seguintes lipolo,~ias 1esenvolvidas (p. 108): ( J) Os textos foram categorizados com base em critérios lingliísticos: enunciação: clhlrihuição estatf~tica de marcas linguísticas; organi1.ação textuol; (2) A classificação pode ser feita também co111 critérios funciontlÍ~; ( ~) /\,, hpolog1as ma 1, complexas li.melam-se e1n critérios s1l11acionaís; o tipo de atores sociais, :is circunstãnuas da comunicação. os papéi~. sociais, o canal utiliLado, a lenu\t1ca; (4) Também podemos Falarem tipologias discuI$ivas, combinam características lingü!slicas, funcionais e sit11acicnais. Aqui tem-se categoria~ mais ampla~. tllis como "discul'l>o de vulgarização", "discurso iomalfshco.. etc. luiz António Marcuschi I Producão textual, análise de géneros e compreensão 2.3 Algumas perspectivas para o estudo dos gêneros O estudo dos gêneros textuais é muito antigo e achava-se concentrado na üteratura. Corno vi.mos, ele surgiu con1 Platão e Aristóteles, tendo origem em Platão a tradição poética e en1 Aristóteles a tradição retórica. Agora sai dessas fronteiras e vem para a lingüística de maneira geral, mas em particular nas perspectivas discursivas. Vejamos primeiro como se achan1 essas correntes hoje no Brasil, onde temos várias tendências no tratan1ento dos gêneros te.xiuais: 1) U,na linha bakhtiniana alin1entada pela perspectiva de orientação vygotsl-yana socioconstrutivista da Escola de Genebra representada por Schneuwly/Dolz e pelo interacionismo sociodiscursivo de Bronckart Essa linha de caráter es.sencialmente aplicativo ao ensino de lingua materna é desenvolvida particularmente na PUC/SP. 2) Perspectiva "swalesiana", na linha da escola norte-a1nericana mais forn1al e influenciada pelos estudos de gêneros de John Sv;ales ( 1990) tal con10 se observa nos estudos da UFC. UFSC, UFSM e outros pólos. 3) Uma linha marcada pela perspectiva sistê,nico-funcional é a Escola Australiana de Sydney, alimentada pela teoria sistêmico-fi..1nciona lista de Halliday con, interesses na análise lingüística dos gêneros e jnfluente na UFSC. 4) Urna quarta perspectiva menos marcada por essas linhas e 111ais geral, con1 influências de Bakhtin, A<la1n, Bronckart e também os norte-americanos como Charles Bazerman, Carolyn Miller e outros ingleses e australianos como Günther Kress e Norman Fairclough, é a que se vem desenvolvendo na UFPE e UFPB. De maneira geral, o que se tem notado no Brasil foi uma enorme proliferação de trabalhos, inicialn1ente na linha de Swales e depois da Escola de Genebra com influências de Bakhtin e hoje com a influência de norte-americanos e da análise do discurso crítica. Co1no Bakhtin é wn autor que apenas fornece subsídios teóricos de ordem macroanalítica e categorias n1ais amplas, pode ser assinulado por todos de forma bastante proveitosa. Bakhtin representa un1a espécie de bom-senso teórico e111 relação à concepção de linguagem. Ao lado dessas perspectivas em curso no Brasil, poden10s, de un1 modo mais amplo, indicar algumas perspectivas teóricas em curso internacionalmente: (a) perspectiva sócio-histórica e dia.l ógica (Bakhtin); {b ) perspecLiva co1nunicativa (Steger, Cülich, Bergn1ann, Berkenkotter); (e) perspectiva sistêmi co-funcional (Halliday): análise da relação texto e Segunda Parte I Gêneros textuais no ensino de língua contexto, estrutura esquen1ática do texto em estágios, relação situacional e cultural e gênero como realização do registro (Hasan, l\/Iartin, Eggins, Ventola, Hoey, Dudley-Evans); (d) perspectiva sociorretórica de caráler etnográfico volLada para o en sino de segunda língua (S\vales, Bhatia): basicamente, analisam e identificam estágios [n1ovimentos e passos] na estrutura do gênero. Persiste um caráter prescritivo nessa posição teórica. 1-Iá também preocupação con1 o aspecto socioinstitucional dos gêneros. Vinculação particular com gêneros do domínio acadêmico e forte "inculação institucional. Maior preocupação con1 a escrita do que com a oralidade. Há uma visão njtida1nente marcada pela perspectiva etnográfica con1 os conceitos de comunidlade, propósito de atores sociais; (e) perspectiva interacioni sta e socio<liscursi\'a de caráter psiculi ngüíslico e atenção didática voltada para língua materna [(Bronckart, Doiz, Schneuv.-ly): com vinculação psicológica (inFl uências de Bakhtin. e Vygotsky) estão preocupados en1 particular ,com o ensino dos gêneros na língua 1naterna. Preocupação maior con1 o ensino Iundamental e tanto com a oral idade como a escrita. A perspccliva geral é de caráter psicolingüístico ligado ao sociointeracionisn10; (f) perspecti\'a da análise crítica (N. Fairclough; G. Kress), para a quali o discurso é un1ç1 prática social e o gênero é uma 1nanci.ra sociaL11ente ratificada de usar a língua com um tipo particular de atividade social; (g) perspectiva sociorretórica/sócio-históri ca e cultural (C. Miller, Bazerman, FreccLnan ): escola an1ericana influenciada por Bakhtin, mas em especial pelos antropólogos, sociólogos e etnógrafos, preocupa-se co1n a organização social e as relações de poder que os gê11eros encapsulan1. Tem uma visão histórica dos gêneros c os toma como altan1ente vinculados com as instituições que os produzem. A atenção não se volta para o ensino e sim para a co1npreensão do funcionamento social e histórico, bem co1110 sua relação com o poder. Fique, no entanto, claro que esses enquadres são precários, tendo em vista o fato de não representare1n de n1odo completo todos as possibilidades teóricas existentes no n1omento. 1àmbé1n não é uma classificação rígida, 111as aberta e sujeita a discussão. Por fin1, seria interessante fazer essa classificação com base em critérios 1nais 6nos e teorican1ente n1ais detalhados, o que aqui é totalmente impossível. luiz Antônio Marcuschi I Produ<ão te11tuol, análi se de gêneros e compreensão 2.4 NoJão de gênero textual, tipo textual e domínio discursivo Uma das teses centrais a ser defendida e adotada aqui é a de que é in1possível não se comunica r verbalmente por algum gênero, assim como é impossível não se comunicar verbaltnente por algu111 texto. Isso porqL1e toda a manifestação verbal se dá sempre por meio de textos realizados e1n algum gênero. Em outros termos, a con1unicação verbal só é possível por algum gênero textual. Daí a centralidade da noção de gênero textual➔ no trato sociointerativo da produção lingüística. Em conseqüência, estamos submetidos a lal variedade de gêneros textuais, a ponto de sua identificação parecer difusa e aberta, sendo eles inúmeros, tal con10 lembra n1uito ben1 Bakhtin (1979), n1as não infinitos. Quando don1inainos um gênero texh1al, não do1ninamos uma forn1a lingüística e sim w11a forn,a de realizar lingüistica1nente objetivos específicos em situações sociais particulares. Esta idéia foi defendida de n1aneiTa similar também por Carolyn ivliller (1984). Como afirn1ou Bronckart (1999: 103), "a apropriação dos gêneros é uni 1necanisn10 fundan,ental de socialização, de inserção prática nas atividades co1nun.icativas huma11as'', o que permite dizer que os gêneros textuais operam, em certos contextos, corno fonnas de legitin1ação discursiva, já que se situam nun1a relação sócio-histórica con1 fonles de produção que lhes dão sustentação além da justificativa individual. Para deixar alguns conceitos claros nesta exposição, trazen10s umas poucas definições co1n as quais depois vamos trabalhar para observar a possibilidade de traduzir isso para o ensino . Vejan,os de maneira mais sistemática como devemos entender os termos que estamos usando, já que eles raramente são definidos de n1odo explícito. a. Tipo lextual designa w11a espécie de construção teórica {em geral uma seqüência subjacente aos texlos} definida pela natureza lingüística de sua con1posição {aspectos lexicais, sintálicos, tempos verba is, relações lógicas, estilo}. O tipo caracteriza-se muito mais como seqüências lingüísticas (seqüências retóricas) cio que como textos materializados; a rigor, são n1odos textuais. En.1 geral, os tipos textuais abrangem cerca de n1eia dúzia de categorias conhecidas con10: narração, argumentação, 4. Não vamos discutir aqui se é mais pertinente a expressão "gênem textual" ou a expressão ·'gênero discursivo'' ou "genero do discurso·. Vamos adotar a po~ição de que Iodas essas expressões podem ser usadas intercambiavelmente. salvo naqueles momentos ein que se pretende, de 1nodo explícito e cl:iro, identificar algum fenômeno específico. Segunda Parte I Gêneros textuais no ensino de língua exposição, descrição, injunção. O conjunto de categorias para designar tipos textuais é lin1itado e sen, tendência a aun,entar. Quando predon1ina um 1nodo nun1 dado texto concreto, dize1nos que esse é urn texto argumentativn ou narrativo ou exposiliro ou descritivo ou in;untivo. b. Gênero textual refere os textos 1naterializados en1 situações con1unicativas recorrentes. Os gêneros textuais são os textos que encontraa1os e111 nossa vida diária e que apresentam padrões socioco1nunicativos característicos dcfini<los por con1posiçõcs funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração <le forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. Em contraposição aos tipos, os gêneros são entidades en1pmcas em situações comunicativas e se expressam em designações diversas, constituindo en1 princípio listagens abertas. Alguns exemplos de gêneros textuais seria1n: telefone,na, sennão, carta con1ercíal, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem, aula expositiva, reunião de condomfn.io, notícía jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de re1nédio, lista de compras, cardápio de restaurante, instruções de uso, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo por con1putador, aulas virtua~~ e assi,n por diante. Con10 tal, os gêneros são formas textuais escritas ou orajs bastante estáveis, histórica e socialmente situadas. c. Do,nínio discursi\'o constitui rnu ito n,ais w11a "esfera da atividade hu1nana" no sentido bakhtiniano do tcnno do que um princípio de classificação de texios e indica í11stâ12cias discursivas (por exemplo: djscurso jurídico, discurso jornalístico, discurso religioso etc.). Não abrange u1n gênero en1 particular, n1as dá origen1 a vários deles, já que os gêneros são institucionalmente marcados. Constituem práticas discursivas nas quais podemos identificar u1n conjunto de gêneros textuais que às vezes lhe são próprios ou específicos con10 rotinas comunicativas institucionalizadas e inslauradoras de relações de poder. Para defender essas posições, adnutimos, co1n Bakhtin, que todas as atividades hu,nanas estão relacionadas ao uso da língua, que se efetiva através de enunciados (orais e escritos) "concretos e únicos, que emanan, dos integranles de uma ou de outra esfera da atividade humana" (1979: 279). E con1 essa posição teórica chegamos à união do gênero ao seu envolvimento social. Não se pode tratar o gênero de discurso independentemente de sua realidade social e ele su., relação com as atividades humanas. Na realidade, o estudo dos gêneros textua is é u1na fér1il área interdiscipl inar, com atenção especial para o funcionamento da Iíngua e para as atividades culturais luiz Antônio Murcuschi I Producão textual, análise de gêneros e compreensão e sociais. Desde que não concebamos os gêneros co1110 modelos estanques, nem como estruh.tras rígidas, mas como forn1as culturais e cognitivas de ação social corporificadas de n1odo particular na linguagc1n, temos de ver os gêneros corno entidades dinâ111icas. Mas é claro que os gê11eros têm uma identidade e eles são entidades poderosas que, na produção textual, nos concliciona1n a escolhas que não podem ser total1nente livres nern aleatórias, seja sob o ponto de vista do léxico, grau ele forn1a lidade ou natureza dos temas, como bem lembra Bronckart (200 l ). Os gêneros li1nita1n nossa ação na escrita. Isto faz co1n que Amy J. Devitt (1997) identifique o gênero como nossa "linguagem estéindar", o que por u1n lado i.Jnpõe restrições e padronizações, mas por outro lado é u111 convite a escolhas, estilos, criatividade c variação. Vejamos agora um sit11ples exe,nplo para ter clara a questão relativa à inserção de seqüências tipológicas (os tnodos textuais) subjacentes à organização inlema do gênero. Isto serve para co111provar que os gêneros não são opostos a tipos e que a1nbos não formam uma dicotomia e sim são con1plementares e integrados. Não subsiste1n isolados nen1 alheios um ao outro, são formas constih.ttivas do texto em funciona1nento. Gostaria de frisar um pouco n1ais esse aspecto pela sua importância: não devemos in1aginar c1ue a distinção entre gê□ e ro e üpo te?.1l1al forme unia visão dicotôn1ica, pois eles são dois aspectos constitutivos do funcionamento da língua em sihtações comunicativas da vida diária. Como ainda veremos, toda vez que desejan,os produzir algun,a ação lingüística em situação real, recorremos a algum gênero textual. Eles são parte integrante da sociedade e não apenas elerr,entos que se sobrepõe1n a ela. Vejamos agora un1a carta pessoal, observando-lhe as seqüências tipológicas subjacentes. Seria 1nuito interessante realizar estudos variados de gêneros para idenlificar quais são as seqüências mais comuns em cada un, deles. lsso permitiria observar não apenas as estruturas textuais 1 mas sobreh.tdo os atos retóricos praticados nos gêneros. Exemplo (2): NELFE-003 - Carta pessoal Seqüências tlpol6glcas Gênero textual: carta pessoal Descritiva Rio, 1V08/1991 lnjuntiva Amiga A.P. 01.·1 1 Descritiva Para ser mais preciso estou no meu quarto, escrevendo na escrivaninha. com um Micro System ligado na minha frente (bem alto, por sinal). Segunda Parte I Gêneros textuais no ensino de língua 1 Expositiva Estã ligado na Manchete FM - ou rádio dos funks - eu adoro funk, principalmente com passos marcados. Aqui no Rio é o ritmo do momento_ e você, gosta? Gosto tamlbém de house e dance music. sou fascinado por discotecas! Sempre vou à Ili, Narrativa ontem mesmo (sexta·feíra ) eu fui e cheguei quase quatro horas da madrugada. Expositiva Dançar é muito bom, principalmente em uma discoteca legal. Aqui no condomínio onde moro têm muitos jovens, somos todos muito amigos e sempre vamos todos juntos. Émuito maneiro! Narrativa e. foi três veres àIli., lnjuntiva pergunte só a ele como é! Expositiva Está tocando agora o "Melô da Mina Sensual", super demais! Aqui ouço também a Transamérica e RPC FM. lnjuntiva E você, quais rádios curte? Expositiva Demorei um tempão pra responder, espero sinceramente que você não esteja chateada comigo. Eu me amarrei de verdade em vocês aí, do Recife, principalmente a galera da rr, vocês são muito maneiros! Meu maior sonho é viajar, ficar um tempo por a!, conhecer legal vocês todos, sairmos juntos_ Só que não sei ao certo se vou realmente no inicio de 1992. Mas pode ser que dê, quem sabe! /__J Não sei ao certo se vou ou não, mas fique certa que farei de tudo para conhecer vocês o mais rápido possível. Posso te dizer uma coisa? Adoro muito vocês! Narrativa Agora, a minha rotina: às segundas, quartas e sextas-feiras trabalho de 8:00 às 17:00h, em Botafogo. De lá vou para o T. minha aula vai de 18:30 ãs 10:40h. Chego aqui em casa quinze para meia-noite. Eàs terças e quintas fico 050 em F. só de 8:00 às 12:30h. Vou para o T~ às 13:30 começa o meu curso de Francês (vou me formar ano que vem) e vai atê 15:30h. 16:00h vou dar aula e fico até 17:30h. 17:40h às 18:30h faço natação (no T. também) e até 22:40h tenho aula. '---~·-·' Ontem eu e Simone fizemos três meses de namoro; lnjuntiva você sabia que eu estava namorando? Expositiva Ela mora aqui mesmo no ((ilegível)) (nome do condomínio). A gente se gosta muito. às veres eu acho que nunca vamos terminar, depois eu acho que o namoro rião vai durar muito, entende? Argumentativa Narrativa lnjuntiva Narrativa O problema é que ela é muito cit.menta, principalmente porque eu já fui afim da 8., que mora aqui também. Nem posso falar com a garota que S. já fica com raiva. - - - - -- - - - - - - - /.............. I t acho que vou terminando escrevll Faz um favor? Olga pra M., A. P. e C. que esperem, não demoro a escrever Adoro vocês! Um beijão! Do amigo P. P. 15:16h luiz António Marcuschi I Producão textual, análi se de géneros e ,ompreensào , E notáve] a variedade de seqüências tipológicas nessa carta pessoaJ, en1 que predo111ina1n descrições e exposições, o que é muito comum para o gênero. Esse tipo de análise pode ser desenvolvido co1n todos os gêneros e, de n1aneira geral, vai-se notar que há u11U1 grande heterogeneidade tipológica nos gêneros textuais. ,A,s definições aqui trazidas de gênero, tipo, domínio discursivo são 1nuito mais operacionais do que formais e seguem de perto a posição bakhtiniana. Assim, para a noção de tipo textual. predomina a identificação de seqüências lingüísticas como norteadora; e para a noção de gênero textual, predon1inam os critérios de padrões comunicativos. ações, propósitos e inserção sócio-histórica. No caso dos do1n(11ios discursivos, não lidan10s proprian,entc com textos e sim com formações históricas e socia is que origina111 os discursos. Eles ainda não se acham bem definidos e oferecen1 alguma resistência, mas segura1nente, sua definição deveria ser na base de critérios etnográficos, antropológicos e sociológicos e históricos. En1 trabalho sobre o don1ínio pedagógico, Kazue Saito Monteiro de Barros (2004) 5 sugere vários critérios para o lratan1enlo dos don1ínios e conclui afim1ando que: • Abusca de definição do domínio pedagógico (ou qualquer domínio) deve partir de diferentes perspectivas de observação, considerando aspectos formais, funcionais e contextos de circulação. Vistos isoladamente, nenhum dos critérios parece ser suficiente para definição. • Éurgente (re)pensar o conceito de domínio em bases menos intuitivas, através da análise detalhada de gêneros que parecem compartilhar caracterlsticas (não só formais) comuns. • Aanálise deve priorizar o ponto de vista dos interactantes, observando as marcas que deixam no discurso. • No domínio pedagógico, o aspecto formal mais observado em estudos anteriores (gêneros da oralidade) - a organização dos turnos - não é (obviamente) definitivo, mas pode apresentar especificidades. • No domínio pedagógico, os papéis sociais são bem marcados e podem ser evocados em situações de conflito, deixando marcas formais no texto. • No domínio pedagógico, a interação envolve regras especiais e particulares que os participantes consideram no julgamento do que são contribuições permitidas na atividade. • No domínio pedagógico, a interação incorpora regras "técnicas" especificas que se concretizam em marcas formais nos textos, por exemplo. o emprego de termos técnicos e c.ientfficos. • Ointeressante não é descobrir que estruturas são típicas ou exclusivas do discurso peda· gógico, mas identificar porque elas são recorrentes. 5. Kazue Sai to 1vlonlciro de Barros (2004). ~neros textuais do domínio pedagógie-0: aproximações e dfrergênctas. Apre~enla<lo na XX Jornada Nacional de E,ludos LingüfaLico, do GF.L!\TE. João Pessoa: Umvcrsiclade Federal dn Paraíba, í a I Ode setemhro de 200-+ Seg•nda Parte I Gên•ros textuais 110 ensino de língua Já com estas observações podemos notar que não é fácil determínar para cada domínio discursivo suas coordenadas, tendo e,n vista o conjunto de variáveis a seren1 observadas. Mas seria relevante e de interesse tratar a questão de ,nodo n.1ais sistemático e menos intuitivo. Esse é um campo aberto ao debate e à investigação. Por todas essas observações, já podemos afirmar que os gêneros não são entidades fonnais, mas sin1 entidades con,unicativas em que predominam os aspectos relativos a funções, propósitos, ações e conteúdos. esse sentido, podese dizer que a tipicidade de um gênero vem de suas características funcionais e organização retórica. Segundo sugestão de Carolyn Miller (1984), os gêneros são formas verbais de ação social estabilizadas e recorrentes cm textos situados e1n comtu1idacles de práticas em don,ínios discursivos específicos. Assim os gêneros se ton1am propriedades inalienáveis dos textos e1npfricos e serven1 de guia para os interlocutores, dando inteligibilidade às ações retóricas. Resun1idan1ente, poderia dizer que os gêneros são entidades: a) dinâmicas b) históricas e) sociais d) situadas e) comunicativas Oorientadas para fins específicos g) ligadas a determinadas comunidades discursivas h) ligadas a domínios discursivos i) recorrentes j) estabilizadas em formatos mais ou menos claros. As distinções entre um gênero e outro não são predominante1nente lingüísticas e sin, funcionais. Já os critérios para distinguir os tipos textuais seriam 1ingüísticos e estruturais, de modo que os gêneros são designações sociorretóricas e os tipos são designações teóricas. Temos n1u ito 111ais designações para gêneros con10 n,anifestações empíricas do que para tipos. Os gêneros textuais são dinân1icos, de complexidade variável e não sabemos ao certo se é possível contá-los lodos, pois con10 são sócio-históricos e variáveis, não há como fazer uma lista fechada, o que dificulta ainda 1nais sua classificação. Por isso é muito difícil fazer uma classificação de gêneros. Aliás, quanto a isso, hoje não é mais u111a preocupação dos estudiosos fazer tipologias. A tendência hoje é explicar como eles se constituem e circuJan1 socialn1ente. Reton1ando ao lTabalho de Maingueneau (2004), já citado aqui, len1bro que o autor se1npre foi cético quanto à classificação dos gêneros. Ern artigo de l 9996, ele propôs uma divisão dos gêneros em três grandes conjuntos de acordo com o seu "regime de genericidade", do seguinte ,nodo: 6. Dominique l\1aingueneau ( l 999). Analysing Self-Con~Hluting Discourscs. Discourse St11d1es, vol. 1. 2( 1999). 175- l 99. luh: Antônio Marcuschi I Produ1ão textual, analise de gêneros e compreensiio (a) Gêneros autorais: são os textos que n1antêm uni caráter de autoiia pelos traços ele estilo, caráter pessoal e se situa1n en1 especial na literalura, jornalismo, política. religião, filosofia etc. (b) Gêneros rotineiros: são os comuns de nosso dia-a-dia, tal como aqueles que se realizam em entrevistas radiofônicas, televisivas, jornalísticas, consultas, n1édicas, debates etc. Seus papéis são fixados a priori e não mudam muito de situação para situação e neles as n1arcas autorais se manifestam menos. Tên1 unia estabilidade institucional bastante definida. (e) Gêneros conver.~ac,onais: são os gêneros de menor estabilidade e se1n uma organização temática previsível como as conversações. E1n seu conjunto, são de difícil distinção e divisão como gêneros em categorias bem definidas. Esta classificação foi n1odificada pelo autor, pois, segundo ele, a tripartição aqui postulada não era pertinente (Maingueneau, 2004: 110). O próprio termo "roti neiro" não parece adequado, já que daria a impressão de que as conversações não seriam rotineiras quando elas são rotinas muito comuns. tvlas o n1ais complicado era distinguir de n1aneira tão rigorosa entre os gêneros autorais e os gêneros rotineiros, pois uma crônica jornalística tem sem dúvida marcas autorais e não poderia ser incJuída ao pri1neiro conjunto. Assim, i\llaingueneau sugere que se parta para um "regime de generici_dade" em duas categorias e não mais en1 três. Co1n isso, ele defende que se distinga entre: (a) regin,e de gêneros co111'ersacionais e (b) regi1ne de gêneros 1nstiluídos. O segundo grupo conteria agora os gêneros autorais e os rotineiros. A análise desenvolvida pelo autor é minuciosa e complexa e apresenta wua série de critérios para acomodar os gêneros nessa classificação. Não nos interessam os detalhes dessa teoria, mas interessam si1n os propósitos da mesma, ou seja, a idéia de que é possíve1 distinguir regimes de produção texiual no contexto da interdiscursividade. E com isso sabemos que a escolha de um ou outro gênero em nossa atividade discursiva nãc é uma escolha aleatória e sim comandada por interesses específicos. Deve aqui ficar claro, tal como visto acima, que não há uma dicotom= entre gênero e tipo. 'frata-se du111a relação de complementaridade. Ambos e~ ex.iste1u e não são dicotômicos. Todos os textos realizam un1 gênero e todos agêneros realizam seqüências tipológicas diversificadas. Por isso n1esmo, os gêneros são e1n geral Lipologican1ente heterogêneos. Vejamos isto num exemplo: Segunda Parte I Gêneros textuais no ensino de língua Ton1e-se o caso do telefonema. Con10 gênero textual. trata-se de um evento falado n,uilo claro e defi11ido cm suas rotinas, idcnlificável pela maioria dos indivíduos que viven1 en1 culturas cm que lelefonar é uma prática usual. Caracteriza-se con10 un, diálogo 1nediado pelo telefone, sem a presença fís ica dos falanlcs. Contudo, do ponto ele vista de tipo textual, um telcfone111a pode envolver argun1entações, narrativas e descrições, ou seja. ele é heterogêneo. Podcn10s, pois, indagar se a noção <le telefonen1a é clara hoje ern dia. Observen1-se algun1as das diversas maneiras de usar o telefone: • • • • há a conversa lelefônica (por telefone celular ou fixo) que n1antc1nos todos os dias com nossa n1ãe, filhos, amigos, colegas de trabalho ao qtrnl chan1an10s <le telefonenia; há o telefonema que n1anda1nos a companhia telefônica dar por nós e se chama de telegrama fonado; há o telefonema na fonna de um recado gravado ou recado e111 secretária eletrônica; há os telefonemas de anivers,irio, casamento etc., através de agências e que eha1nan1os con1un1ente de tele,nensagens. Con, efeito, há muito n,ais formas de usar o telefone do que o simples lclefooen,a. O que é então um telefonema (enquanto gênero) diante de tanta variação na fo nna e nos recursos utilizados? Essa situação vai repetir-se com a carta, o fon11ulário, o resun,o, a lista e assin, por diante, ele n1odo que a questão de dar nome aos gêneros é algo de enorme con1plexiclade. Poderíamos ape lar aqui para a conhecida noção de constelação textual ou colônia ele textos ou então a idéia de sistema de gêneros. tal con,o o faz Charles Bazern,an (2005). con,o ainda veremos n,ais :idianle. 2.s Gêneros textuais como sistema de controle social Os gêneros são atividades discursivas socialrnente estabil izadas que se prestam aos mais variados tipos de controle social e até 111esn10 ao exercício de poder. Pode-se, pois, di7er que os gêneros textuais são nossa fonna de inserção, ação e co11trole social no dia-a-dia. Toda e qualquer atividade discursiva se dá cn1 algu.01 gênero que não é decidido acl hoc. con10 já lembrava Bakhtin ([ 1953)1979) en1 seu célebre cusaio sobre os gêneros do discurso. Daí tan,bém a í111ensa pluralidade de gêneTos e seu caráter essenciahnenle sócio-histórico. Os gêneros são também necessários para a interlocução humana. luiz Antônio Marcuschi I Produ4ão textual, onálls• de gêneros e compreensão Um si1nples exemplo pode dar a dimensão disso: tomen10s a atividade discursiva na vida acadên1ica: quem controla a científicidade em nosso trabalho investigativo diário? En, boa medida, os gêneros por nós produzidos dão, pelo menos em uma primeira instância, legitin1idade ao nosso discurso. Nesse particular, certos gêneros tais como os ensaios, as teses, os artigos científicos, os resumos, as conferências etc., assumem um grande prestígio, a ponto de lcgitin1arem e até in1poren1 determinada fom1a de fazer ciência e decidir o que é científico. E com isso chega-se inclusive à idéia de que não são ciência os discursos prodL12idos fora de utn certo cânon ele gêneros da área acadêmica. Assim, podemos dizer que o controle social pelos gêneros discursivos é incontornável, mas não determinista. Por uni lado, a romântica idéia de que so1nos livres e de que lcnios cm no~as mãos todo o sisten1a decisório é unia quimera, já que eslamos uuersos nwna sociedade que nos 111olda sob vários aspectos e nos conduz a detemiinadas ações. Por oulro lado, o gênero te>.tual não cria relações deterministas nem perpetua relações, apenas manifesta-as em certas condições de suas realizações. Desde que nos conslituín1os co1no seres sociais, nos achamos envolvidos numa máquina sociocliscursiva. E un1 cios instn1mcntos mais poderosos dessa 111áquina são os gêneros textuais, sendo que de seu domínio e manipulação depende boa parte da forma de nossa inserção social e de nosso poder social. Enfin1: quem pode e>.-peclir um diplo1na, uma carteira de identidade, um alvará de soltura, uma certidão de casa1nento, um porte de anna1 escrever uma reportagen1 jon1alfstica, u1na tese de doutorado, dar u1na conferência, unia aula expositiva, reali7.ar um inquérito judicial e assiin por diante? Diante disso, parece possível dizer que a produção discursiva é um tipo de ação que transcende o aspeclo n1era1nente comunicativo e informacional. Daí que não se pode ter na atividade informacional a função n1ais importante da língua. Eu 01e atreveria a dizer que a inforniação é u1u fenômeno eventual e talvez um simples efeito colateral do funeiona1nento da língua. Todos nós sabemos que a língua não é apenas um sistema de comunicação nen1 um sin1ples sislema simbólico para expressar idéias. !vias n1uito mais uma fonna de vida e uma fonna de ação, como dizia o velho Wittgenstein. 'talvez seja possível defender que boa parte de nossas atividades discursiva~ servem para atividades de controle social e cognitivo. Quando queremos exercer qualquer tipo de poder ou de influência, recorremos ao discurso. Ninguém fala só para exercitar as próprias cordas vocais ou os lín1panos alheio a realidade, o meio en1 que o ser humano vive e no qual se acha imerso - Seg11ndu Parte I Gênetoli textuais no ensino de língua muilo n1aior que seu an1biente físico e contorno imediato, já que está envolto também por sua história e pela sociedade que (o) criou e pelos seus discursos. A vivência cultural hun, ana está sempre envolta e1n li nguage1n, e todos os nossos textos situan1-se nessas vivências estabilizadas em gêneros. Nesse contexto, é cenlral a idéia de que a língua é uma atividade socíoínterativa de caráter cognitivo, sistemática e instau radora de ordens diversas na sociedade. O funcionamento de uma língua no dia-a-dia é, mais do que tudo, um processo de integração social. Claro que não é a língua que discrimina ou que age, n1as nós que com ela agimo~ e produzin10s senlidos. Aspecto que mereceda aqui pelo menos uma nota é a distinção que pode1nos íazer entre um evento e um gênero textual. Sabemos que consolar uma criança chorosa é u1n evento ou uma ação bastante co1nplexa e, nesse caso, não vamos recitar u111 poema, n1as dar un, conselho, contar algo alegre etc. O gênero investido para consolar distingue-se do evento, assim con10 uma audiência no tribunal é u1n evento e neste evento ocorrem alguns gêneros específicos. O evento é marcado por un1 conj unto de ações e o gênero é a ação lingüística praticada como recorrente cm situações típicas marcadas pelo evento. Um jogo de futebol é un, evento, assin, como um congresso acadêmico ou uma sessão do Congresso Nacional. Mas en1 cada situação dessas temos gêneros adequados e não adequados. Portanto, poden1os distinguir co1n alguma clareza entre um evento e um gênero. 2.6 A questão da intergenericidade: que nomes dar aos gêneros? Con10 é que se chega à denominação dos gêneros? Com certeza, as designações que usa1nos para os gêneros não são u1na invenção pessoal, n-ias unia deno111inaçâo histórica e socialmente constituída. E cada un1 de nós já deve ter notado como costumamos con1 alta fregüência designar o gêocro que produzi1nos. PossuínJOS, para tanto, u1na metalinguagem riquíssima, intuitivamente 11tiliz::id::i P , nn geral, confiável. Contudo, é difícil determinar o nome de cada gênero de texio. Como já nota ram muitos autores, en1 especial Bakhtin ( 1979), os gêneros se imbricam e interpenetran1 para constiluiren1 novos gêneros. Co1no observamos anterionncnte, não é uma boa atih1de imaginar que os gêneros tê1n urna relação biunívoca con1 fonnas textuais. E isso fica co1uprovado no caso de um gênero que têm a função de outro, como é