Subido por João Ricardo Milliet

ARTAUD, Antonin. O teatro que vou fundar.

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O TEATRO QUE VOU FUNDAR1
Eu tenho um projeto de teatro que conto realizar com o apoio da NRF;
ela me oferece suas páginas para que eu possa definir a orientação desse teatro,
objetivamente e do ponto de vista ideológico. O artigo, no qual vou expor meu
programa e definir minhas diretrizes, será constituído por uma espécie de manifesto que vários escritores da NRF deverão assinar. Além disso, André Gide,
Julien Benda, Albert Thibaudet e Jean Paulhan constituem o comitê que patrocinará esse empreendimento. Como membros desse comitê eles tomarão parte
em todas as discussões concernentes aos espetáculos que serão montados nesse
teatro.
Ainda não examinei a questão do local e pode ser que eu me decida por
um galpão, o qual mandarei arrumar e reconstruir segundo princípios que tendem
a se aproximar da arquitetura de certas igrejas, ou melhor, de certos lugares
sagrados e de certos templos do Alto Tibete. Eu tenho do teatro uma idéia
religiosa e metafísica, porém no sentido de uma ação mágica, real, absolutamente
efetiva. E é preciso entender que tomo as palavras "religioso" e "metafísico"
em um sentido que não tem nada a ver com a religião ou com a metafísica, da
maneira que são entendidas habitualmente. Demonstrando, assim, até que ponto
esse teatro tem intenção de romper com todas as idéias que alimentam o teatro
na Europa em 1932.
1. Paris-Soir, 14 de julho de 1932.
LINGUAGEM E VIDA
Eu creio na ação real do teatro, mas não exercida no plano da vida. Depois
disso, é inútil dizer que considero vãs todas as tentativas feitas na Alemanha, na
Rússia ou na América, nesses últimos tempos, para submeter o teatro às finalidades sociais e revolucionárias imediatas. Esses procedimentos de encenação empregados, pelo fato de se deixarem submeter aos dados mais rigorosos do materialismo dialético, pelo fato de voltarem as costas à metafísica que menosprezam,
persistem, por mais modernos que sejam, numa encenação segundo a acepção a
mais grosseira dessa palavra. Eu não tenho tempo, nem aqui é o lugar, para
aprofundar essa discussão. Existem aqui, como os senhores podem notar, duas
concepções de vida e poesia que se opõem. Concepções com as quais o teatro é
solidário em sua orientação.
Em todo caso e do ponto ae vista objetivo, eis o que posso dizer: Está em
meu projeto encenar o Woyzeck de Büchner e várias outras obras tiradas de
dramaturgos elisabetanos: A Tragédia do Vingador, de Cyril Tourneur; A Duquesa
de Amalfi e O Demônio Branco, de Webster, algumas obras de Ford etc, porém
apresentar um programa não é na realidade meu objetivo, como tampouco representar peças escritas. Eu creio que o teatro só poderá voltar a ser ele próprio no
dia em que os autores dramáticos mudarem completamente sua inspiração e sobretudo seus meios de escritura.
Para mim, a questão que se impõe é de se permitir ao teatro reencontrar
sua verdadeira linguagem, linguagem espacial, linguagem de gestos, de atitudes,
de expressões e de mímica, linguagem de gritos e onomatopéias, linguagem sonora, mas que terá a mesma importância intelectual e significação sensível que
a linguagem das palavras. As palavras serão apenas empregadas em momentos
determinados e discursivos da vida como uma luz mais precisa e objetiva aparecendo na extremidade de uma idéia.
Eu me proponho tentar fazer em torno de um tema conhecido, popular
ou sagrado, um ou mais ensaios de realização dramática, onde os gestos, as atitudes, os signos, serão inventados à medida que forem pensados, e diretamente
no palco, onde as palavras nascerão para rematar e concluir esses discursos líricos
feitos de música, de gestos e de signos ativos. Será necessário encontrar um meio
de escrever, como nas pautas musicais, com uma linguagem cifrada de um novo
gênero, tudo aquilo que foi composto.
Tradução de Regina Corrêa Rocha
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