Resenha DOI: 10.20396/riesup.v4i3.8651658 A NOVA RAZÃO DO MUNDO ENSAIO SOBRE A SOCIEDADE NEOLIBERAL THE NEW WAY OF THE WORLD ON NEOLIBERAL SOCIETY LA NUEVA RAZÓN DEL MUNDO ENSAYO SOBRE LA SOCIEDAD NEOLIBERAL DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução Mariana Echalar. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016. Aline Bettiolo dos Santos ¹i1 O livro A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal, lançado em 2016 pela Editora Boitempo – SP, traz um debate sobre o que é o neoliberalismo, sua gênese, seus aspectos e sua influência não apenas sobre o Estado e a sociedade, mas também sobre os sujeitos, de modo que esse debate destaca ainda, como “a nova razão do mundo” foi se consolidando ao longo de um processo histórico. A obra de Pierre Dardot e Christian Laval contém nove capítulos distribuídos em duas partes, sendo que na primeira, os autores exploram a “refundação intelectual” e anotam como fraturas no liberalismo clássico, a partir de meados do século XIX, levaram a repensar os dogmas do laissez-faire. Assim, dois grupos divergentes surgiram e foram favoráveis a uma maior ou a uma menor renovação no sistema capitalista, o que faz com que um desses grupos simpatizasse com maiores transformações dos dogmas liberais, enquanto que o outro se mantinha mais conservador em relação às mudanças dos princípios do liberalismo. Já na segunda parte, os autores ponderam acerca da “nova racionalidade”, destacando um 1 Submetido em: 08/02/2018 – Aceito em: 27/02/2018 – Publicado em: 17/07/2018. © Rev. Inter. Educ. Sup. Campinas, SP v.4 n.3 p.761-764 [761] set./dez. 2018 Resenha DOI: 10.20396/riesup.v4i3.8651658 processo no qual o neoliberalismo veio ganhando força e por conseguinte, imprimiu suas marcas no governo, que passou a expressar cada vez mais seus traços empresariais, assim como nos sujeitos, “fabricados” com excelência de acordo com a razão neoliberal. Considerando que ao haver queda nas taxas de lucro há “mutações” no capitalismo, isto é, ele se reconfigura, Dardot e Laval discorrem no primeiro capítulo acerca da Crise do liberalismo e nascimento do neoliberalismo. Eles destacam que o sistema em crise levou à revisão dos dogmas do liberalismo, originando como alternativas o “Novo liberalismo” e o “Neoliberalismo”, cujo um dos pontos de tensão entre um tipo e outro, reside no fato de maior ou menor “[...] intervenção política em matéria econômica e social [...]” (p. 38). Para pensar uma intervenção, significá-la e dar a ela novos limites, realizou-se a partir de 26 de agosto de 1938, em Paris, o Colóquio Walter Lippmann, encontro de cinco dias que reuniu expoentes da economia, tais como Friedrich Hayek, Jacques Rueff, Raymond Aron, Wilhelm Röpke, Alexander von Rüstow, dentre outros. Sendo o Colóquio a tônica do segundo capítulo da obra, os autores sublinham que nessa reunião internacional ficou clara a discordância entre os intelectuais, que se dividiam entre a corrente norte-americana “[...] fortemente influenciada pelos ‘neoaustríacos’ Friedrich Hayek e Ludwig von Mises e a corrente alemã [...]” (p. 73). Apesar da divergência entre os conservadores e os partidários de uma renovação do liberalismo, o objetivo maior era a busca por alternativas que salvaguardassem o modo de produção capitalista e aquilo que o mantém vigoroso, ou seja, as taxas de lucro. Aspectos da corrente alemã são explorados no terceiro capítulo, O ordoliberalismo entre “política econômica” e “política de sociedade”. Segundo os autores, “[...] o ordoliberalismo é a forma alemã do neoliberalismo [...]” (p. 101) e o uso daquele termo “[...] resulta da ênfase em comum desses teóricos na ordem constitucional e procedural que se encontra na base de uma sociedade e de uma economia de mercado”. Por mais que haja variações nessa corrente o que faz com que, de um lado estejam os economistas e juristas da Escola de Freiburg, como Walter Eucken e Franz Böhm, e de outro, os liberais de inspiração sociológica Alfred MüllerArmack, Wilhelm Röpke e Alexander von Rüstow - os ordoliberais se preocupam em “[...] institucionalizar a economia de mercado na forma de uma ‘constituição econômica’, [...] de maneira a desenvolver a forma de mercado mais completa e mais coerente” (p. 112). Diferente dos ordoliberais alemães, favoráveis a uma reinvenção do liberalismo, os neoliberais austro-americanos podem ser considerados mais conservadores em relação aos dogmas do laissez-faire, os quais são entendidos como “[...] fonte de prosperidade para todos e cada um” (p. 133), além de ser característica dessa corrente de intelectuais a “[...] valorização da concorrência e da empresa como forma geral da sociedade”. Assim, no capítulo O homem empresarial, os autores ressaltam como esse grupo de neoliberais valoriza a lógica da empresa para moldar os sujeitos, de modo que todos se tornem empreendedores, pois o empreendedorismo é uma “dimensão do homem”, o que justifica o fato de a cultura da © Rev. Inter. Educ. Sup. Campinas, SP v.4 n.3 [762] p.761-764 set./dez. 2018 Resenha DOI: 10.20396/riesup.v4i3.8651658 empresa e o espírito de empreendimento serem aprendidos desde a escola. A lógica da empresa também está impregnada no Estado, dessa forma, longe de um Estado entendido como provedor de direitos, os neoliberais consideram-no “guardião do direito privado”. Por isso, o quinto capítulo da obra versa sobre um Estado forte, cuja interferência está na direção de “[...] apenas velar pelo respeito às regras de conduta justa que são igualmente válidas para todos [...]” (p. 177). A interferência política e econômica característica do Estado de bem-estar social entrou em colapso e com isso, na esteira de um cenário de crise, que envolvia uma inflação galopante, queda dos lucros e desaceleração do crescimento (p. 189), havia a necessidade de nova regulação do Estado e por consequência, novas configurações tanto para o político, quanto para o econômico. Nesse sentido, no sexto capítulo os autores abordam a Grande virada, período de uma política conservadora e neoliberal que marcou os anos 1980, cujos os nomes de Ronald Reagan e de Margaret Thatcher são símbolos. A “grande virada” se caracteriza pela “[...] implantação geral de uma lógica normativa [...]”, que em termos do Estado, nas palavras de Dardot e Laval, não se trata de uma “simples retirada de cena”, mas sim, “[...] um reengajamento político [...] sobre novas bases, novos métodos e novos objetivos” (p. 190). Uma lógica normativa não deixa de existir também na corrente ordoliberal, apesar de o ordoliberalismo ser “[...] anterior à difusão da ideologia neoliberal nos anos 1970 e à crise de regulação do capitalismo fordista” (p. 245). Assim, no sétimo capítulo, os autores ponderam sobre As origens ordoliberais da construção da Europa, mostrando que a ideia de reformas, que implicam a flexibilização de salários, o sistema de aposentadorias e ainda, “a promoção do espírito de empreendimento”, existem desde longa data, tendo em conta uma “economia social de mercado”, cujos pilares são “[...] o princípio supremo da concorrência e a estabilidade dos preços, garantida por um Banco Central independente” (p. 250). As regras de concorrência, portanto, são imprescindíveis para reger o Estado, segundo a ótica neoliberal. Desse modo, importa em grande medida uma reestruturação do Estado e uma “transformação da ação pública”, sendo um desses aspectos as privatizações, as quais sinalizam o fim de um Estado produtor. Nesse sentido, no oitavo capítulo da obra os autores discutem O governo empresarial, como ele se fortalece na sociedade, como a lógica da empresa invade o Estado, já que as regras de funcionamento do mercado concorrencial são importadas para o setor público (p. 274) e enfim, essa lógica da empresa também fortalece a instauração de um Estado avaliador e regulador. Além de sua influência no Estado e na gestão, a lógica da empresa implica ainda, na fabricação do sujeito neoliberal, que é bem-sucedido, empoderado para cumprir seus objetivos e dentre outros aspectos, “[...] deve maximizar seus resultados, expondo-se a riscos e assumindo inteira responsabilidade por eventuais fracassos” (p. 328). O último capítulo da obra - A fábrica do sujeito neoliberal - evidencia, ao fim e ao cabo, uma “nova definição de © Rev. Inter. Educ. Sup. Campinas, SP v.4 n.3 [763] p.761-764 set./dez. 2018 Resenha DOI: 10.20396/riesup.v4i3.8651658 homem” cunhada pela racionalidade neoliberal. A obra A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal proporciona ao leitor entendimento de como o neoliberalismo se originou e se consolidou ao longo de um processo histórico, além de esclarecer que isso não foi simples, pois desde “as fraturas do liberalismo clássico” a partir de meados do século XIX, houve disputas e divergências entre intelectuais e economistas, fossem eles da corrente ordoliberal alemã ou então da neoaustríaca, acerca de qual seria a melhor alternativa para salvaguardar o modo de produção capitalista e sem dúvida, aumentar as taxas de lucro. Por isso, uma obra como essa de Dardot e Laval não pode deixar de ser lida, pois nesse momento histórico vemos o recrudescimento da relação capital X trabalho, a perda de direitos sociais e assim, ao considerarmos o influxo neoliberal, percebemos que essas são estratégias que fortalecem “a nova razão do mundo” e por conseguinte, o capitalismo. Sobre o Resenhista ¹ Aline Bettiolo dos Santos E-mail: [email protected] Universidade do Oeste de Santa Catarina – Brasil Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC) © Rev. Inter. Educ. Sup. Campinas, SP v.4 n.3 [764] p.761-764 set./dez. 2018