ESTUDO DA ESCALA DE GOODENOUGH (~) LECYR MIRANDA DE PAIVA LESSA I) NOME DO TESTE cala de Goodenough. Es- lI) AUTORES - Florence L. Goodenough, dos Estados Unidos da América do Norte, é a autora do teste acima mencionado. IlI) EDITORES - Entre os àutores que procuraram divulgar o teste podemos citar Jaime Bernstein, diretor da Biblioteca de Psicometria, de Buenos Aires, comentàdor de excelente trabalho a resp~ito, da autoria da criadora do t e s t e, Florence Goodenough : "Test de inteligência infantil por medio deI dibujo de la figura humana", publicado pela Editôra Paidos. IV) PROP6SITO DO TESTE A escala de Goodenough constitui um teste de inteligência infantil "pela análise dos pormenores de uma mera e ínfima expressão de sua totalidade: a representação da figura do homem". Note-se que, nos E. Unidos, o teste está sendo usado como diagnóstico da personalidade, quando aplicado em adulto1'!. A) FUNDAMENTOS DO TESTE - Goodeno~h partiu do , : . (*) ~~.~íc:~al e seguinte ponto para explicar porque a análise do desenho da figura humana permite avaliar a inteligência de quem fêz o desenho: quando a criança desenha a figura humana não desenha "o que vê senão o que sabe a seu respeito", isto é, não realiza um trabalho estético e sim intelectual. O volume dêste saber aumenta com a idade mental (I. M.) e êste progresso se reflete no desenho da figura humana que faz o menino de 5 até 10 anos. A derivação psicométrica é lógica: a valorização quantitativa do "saber" pressupõe uma norma para estabelecer, diante do desenho, a I. M. da criança". Poder-se-ia, então, perguntar: por que a medida dêste "saber" comporta a medida da inteligência? De acôrdo com Goodenough, ao medir o valor de um desenho, se mede o valor das funções de associação, observação analítica, discriminação, memória de detalhes, sentido espacial, juízo, abstração, coordenação visomanual e adaptabilidade. Quando a criança expressa seu "saber" da figura humana, isto é, quando desenha um "homem" ativa diversos recursos mentaie: associar os traços gráfi- Trabalho tiaal da cadeira de T.Lts t Medidae do CUiO de Pré-pror..waal. Orien~.~o Edu- ·1 I l t I i I 108 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PS[COTÉCNICA cos com o objeto real; analisar os componentes do objeto a ser representado; valorizar e selecionar os elementos essenciais, característicos; analisar as relações espaciais (posição) ; formular juízos de relação quantitativos (proporcionalidade) ; reduzir e simplificar as partes de objeto em traços gráficos; coordenar o trabalho visomanual e adaptar o esquema gráfico a seu conceito do objeto que deve representar. Como diz Luquet: "A criança representa nos seus desenhos tudo o que faz parte de sua experiência, tudo o que se refere a sua percepção". E ainda acrescenta em outro tópico de seu trabalho "Le dessin enfantin: "O modêlo corresponde, pois, a uma realidade psíquica existente no seu espírito e que pode ser chamada de "modêlo interno" . B) CONSTRUÇÃO DO TESTE revisão histórica em relação ao teste a) Os estudos assistemáticos - Muitos estudos foram realizados, desde o século XIX, visando desenhos realizados por crianças. J á em 1885, Ebenezer Cooke escrevia um artigo sôbre os desenhos infantis onde descrevia as fases de desenvolvimento, tal como êle as observara e na qual instava para que a instrução artística, nas escolas, se efetuasse de modo mais ajustado à mentalidade e interêsses infantis. Em 1887, Corrado Ricci publicou uma coletânea de desenhos de um grupo de crianças, nascidas na Itália, às quais observara durante largo tempo. O informe de desenhos infantis de Ricci é, sem dúvida, a mais antiga publicação, sôbre o assunto, que possuímos. Perez, Sully, Barnes, Baldwin, Shinn, Brown, Clark, Herrick, Lukens, Maitland, O'Shea e G6tze são os mais conhecidos autores entre os que, primeiramente, estudaram tal tema. b) Os estudos sistemáticos Foi, entretanto, o período entre 1900 e 1915 o de apogeu no que se refere ao interêsse científico pelos desenhos de crianças pois, até então, nenhum meio objetivo houvera para catalogar as características surgidas do estudo dos desenhos. E' desta época a afirmativa: "A criança mais do que vê, desenha o que sabe". Sem nos determos em considerações sôbre cada estudo, já que foge ao plano de nosso trabalho, citaremos: plano de Lamprecht, baseado em Earl Barnes, estudos de Clapared.e (1907), Ivanoff, Katzaroff, Maitland, Schuyten (série de normas por idades; primeiros intentos de estabelecer uma escala de medida objetiva baseada nas normas de cada idade), Lobsien, Kerschensteiner, Lena Partridge, Stern, Rouma (seu estudo talvez seja o mais amplo e valioso publicado acêrca dos desenhos infantis), Luquet (fêz experiências com sua própria filha, Kik, Manuel) . c) O estudo sistemático e objetivo: o método de Goodenougp,. - Os estudos acima mencionados demonstraram, com acêrto, que é o desenvolvimento intelectual que rege a índole e conteúdo dos desenhos infantis. Entretanto, como se tentou fazer ver, as primeiras ESTUDO DA ESCALA DE GOODENOUGH tentativas de classificá-los foram bem defeituosas. O "método de enfoque", método Goodenough, empregado na dedução de uma escala que presidisse o estudo dos desenhos infantis, diferiu do dos investigadores anteriores, nos seguintes pontos: 1. Não se admitiu decisão arbitrária alguma para o que constituía 'ou não mérito intelectual do desenho. 2. Procurou afastar-se, dentro das medidas possíveis, o elemento subjetivo na avaliação dos desenhos. 3. A fim de serem estabelecidas "normas", adotou-se o seguinte critério para o julgamento do desenvolvimento mental: a avaliação, ou melhor, a consideração da idade cronológica (1. C.) e o grau de escolaridade. 4. Foi escolhido um tema para o desenho, embora, a princípio, se pensasse em deixar à livre escolha da criança o desenho a ser feito; tal medida foi abandonada, pois implicaria numa menos objetividade de valorização do teste. O tema, então, deveria reunir as seguintes condições essenciais e imprescindíveis: 1) Tratar-se de alguma coisa familiar a tôdas as crianças. 2. Apresentar a maior variabilidade possível em suas características essenciais. 3. Ser bastante simples a fim de que pudesse ser feito por uma criança de pouca idade e bastante minucioso para que pudesse medir as capacidades de cada aluno. 4. Atrair e ser de interêsse universal. Dentro das condições exigidas, verificou-se que a "figura humana" era o tema mais indicado. 109 Dada a maior uniformidade da vestimenta masculina, considerouse que o desenho de um "homem" constituiria o tema ideal, sendo, assim, escolhido, finalmente. V) PARA NíVEL DE ESCOLARIDADE - A escala Goodenough se aplica a crianças de 4 a 10 anos, em sua preferência, podendo estender-se até os 12 e 15 anos, segundo alguns autores, no máximo. E' empregada, pois, especificamente, para o nível primário. Mais adiante, trataremos das idades a ser empregado o teste, com mais detalhes. Nos E. Unidos, como já se disse, é aplicado o teste como diagnóstico da personalidade, após os 12 anos. A) PROGNóSTICOS DO RENDIMENTO ESCOLAR- Goodenough estudou os Q. 1. de 162 crianças, do 1. 0 grau, comparando-os com seu rendimento escolar, durante o período de 3 (três) meses e constatou que nenhuma criança com Q. I. inferior a 100 se destacara e que todos os de Q. 1. inferior a 70 fracassaram, pelo menos, uma vez neste período. O teste possui, assim, firme valor prognóstico do futuro rendimento escolar. VI) CUSTO O custo na aplicação da prova é mínimo, já que o material necessário reduz-se a uma fôlha de papel, em branco, para a construção do desenho e um lápis. Goodenough confeccionou um papel especial de prova que facilita a contagem de pontos, sobremodo. Ao nos referirmos à apu- 110 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOTÉCNICA ração do teste, explicaremos, melhor, êste ponto. E' lógico que a confecção dêstes papéis especiais encarece, - um pouco, a prova. VII) ÚLTIMA REVISÃO Em fins de 1920 recolheram-se quase 4.000 desenhos de crianças de Jardim de Infância e dos quatro primeiros graus das escolas públicas de Perth Amboy, Nova J ersey. A fim de realizar um estudo preliminar dêstes desenhos, selecionou-se um grupo de 100 (a seleção se fêz à base da qualificação: idade-grau e, quanto aos demais fatôres, a seleção foi deixada ao acaso) ; foram, então, catalogados, ordenadamente, e foram feitas cuidadosas observações a fim de verificar em que aspectos se diferenciavam os desenhos dos grupos inferiores e superiores. Além das observações de Goodenough, os desenhos foram comparados por outros estudiosos a fim de que o julgamento fôsse o mais objetivo possível. Idealizou-se, daí, uma escala rudimentar de quase 40 pontos por separado. Baseava-se ela na presença de certas partes do corpo humano assim como na relação destas partes entre si. Notou-se a necessidade de modificação da pontuação de vários itens, sendo feita, então, revisão na "escala", revisão esta renovada e corrigida por 5 (cinco) vêzes consecutivas. Muitos pontos conservam - se iguais à primeira organização; o método de pontuação, entretanto, difere muito. VIII) EVIDtNCIAS DE V ALIDADE - A validade é, junto da fidedignidade, uma das medi- das da segurança de um teste. Denuncia ela o grau em que um teste mede aquilo para o qual se destina. A fim de ser estabelecido o grau de validade, se correlaciona o teste com algum critério (exterior). Por exemplo: comparar os resultados obtidos por indivíduos de diversos graus de inteligência obtidos no teste cuja validade quer averiguar com os obtidos noutro teste de validade já provada como o Terman Merrill ou com o êxito ou fracasso ulterior, empiricamente observado. Aí, então, se o teste apresenta resultados que denunciem as mesmas diferenças apresentadas, num teste de validade segura, será válido. O resultado desta comparação se expressa num coeficiente: "coeficiente de validade" . Um baixo coeficiente de correlação prova que o teste oferece escassa exatidão no que diz respeito à função que se propõe avaliar. O coeficiente de validade, segundo as mais abalizadas opiniões, deverá estar compreendido entre . 90 e .94, podendo apresentar resultado mais baixo nos testes coletivos. Goodenough obteve uma correlação promédio de .76 com a revisão Stanford em crianças de 4 a 10 anos e um índice de aproximação .44 entre as qualificações de seu teste e a estima da inteligência destas crianças formulada pelos professôres. Também se encontrou correlação significativa com diversos testes coletivos. Ansbacher: "Goodenough tem sido correlacionado, somente, com medidas de inteligência geral, nunca com alguns fatôres da inteligência." '. ESTUDO DA ESCALA DE GOODENOUGH IX) EVIDtNCIAS DE FIDEDIGNIDADE Quando se aplica um teste, em idênticas ou diversas condições, podem ser obtidos diferentes resultados sem que se tenha segurança, assim, de qual é o exato. E' preciso, pois, conhecer a "fidedignidade" que nada mais é do que o grau de correlação do teste consigo mesmo ou em outras palavras, sua autocorrelação. O grau de fidedignidade se expressa pelo "coeficiente de fidedignidade" . A fidedignidade apresentada com um alto resultado significa que o teste ao ser reaplicado, em condições semelhantes, dará resultados semelhantes. Não há critérios quantitativos precisos de quando é que um teste, ou melhor, um coeficiente de fidedignidade, pode ser considerado alto pois o teste que se destina à valorização individual d e ver á apresentar um coeficiente superior (.90 e .94) ao que serve para a medição de grupos. Utilizando a fórmula de Spearman-Brown, Goodenough obteve, entre 4 e 10 anos, uma fidedignidade entre .80 e . 90 . A exatidão de um coeficiente de fidedignidade se mede pelo seu "êrro provável". No caso do presente teste obteve-se um coeficiente de fidedignidade de .937 -+-+- 0,06, para 194 escolares do primeiro grau (50 probabilidades de que a correlação verdadeira caia entre .943 e .931, em 100), sendo o coeficiente de correlação, realmente, .937. + X) CONTEÚDO DO TESTE A) DescriçiúJ - O teste, como já dissemos, é por demais simples 111 Ja que exige, apenas, do propositua o desenho da figura humana, ou melhor, o desenho de um "homem". B) A escala; número de "itens" - Com base experimental e estatística, Goodenough logrou, finalmente, estabelecer sua "escala", selecionando 51 "itens" (unidades da escala) ; catalogou-os em ordem de complexidade crescente. Sua "escala" nada mais é de que o inventário dos traços gráficos (itens) que melhor traduzem o já mencionado "saber" da criança em relação à figura humana. ~ste catálogo permite verificar o grau de complexidade e perfeição de um desenho pela simples presença ou não de seus "itens" estabelecidos, em grande medida, emplricamente. Podemos distinguir oito: 1. Número de detalhes apresentados: representou a cabeça,? pernas? braços? número exato de dedos? cabelo? etc. 2. Proporcionalidade: a cabeça está proporcional? e as pernas? e os braços? etc. 3. Bidimensionalidade: as partes do corpo estão representadas por meio de uma linha ou duas? 4. Intransparência: as roupas são opacas ou transparentes? e os cabelos? etc. 5. Congruência: os membros estão unidos ao tronco? o cabelo não excede o contôrno da cabeça? as roupas se harmonizam ou são discordantes? etc. 6. Plasticidade: a mão se diferencia dos dedos e braços? 7. Coordenação visomotora: o desenho demonstra segurança de traçado? as partes estão bem distribuídas? ! I t i I j I f 112 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOTÉCNICA 8. Perfil: conseguiu desenhar o perfil? Goodenough contou, então, o número de "itens" (contagem bruta) reunidos por uma grande quantidade de crianças nas quais o teste foi aplicado, calculou a contagem média ou escore médio ("normas") das crianças normais de cada idade, tabulou-os e obteve a "tabela" (barema) para medir a L M. de qualquer criança, através de seu escore bruto ou contagem bruta. C) Forma dos "itens" Transcreveremos, então, a "escala" de Goodenough a fim de que sejam conhecidos todos os seus "itens" : CLASSE A Desenho em que a figura humana resulta irreconhecível. 1. Rabisco casual, incontrolado. 2: Linhas algo controladas que pareçam toscas formas geométricas. CLASSE B Desenhos em que a figura humana pode ser identificada. 1. Presença da cabeça. 2. Presença de pernas. 3. Presença de braços. 4a. Presença de tronco. 4b. Tronco mais longo que largo. 4c. Indicação de ombros. 5a. Braços e pernas unidos ao tronco. 5b. Pernas unidas ao tronco. Braços unidos ao tronco em correta ligação. 6a. Presença de pescoço. 6b. Contôrno do pescoço como continuação da cabeça ou do tronco ou de ambos. 7a. Presença de olhos. 7b. Presença de nariz. 7c. Presença de bôca. 7d. Bôca e nariz em duas dimensões; lábios assinalados. 7e. Orifícios do nariz indicados. 8a. Cabelos indicados 8b. Cabelos que não excedam a circunferência da cabeça e que não sejam transparentes. 9a. Presença de vestimenta. 9b. Duas roupas não transparentes. 9c. Desenho completo, sem transparências quando indiquem mangas e calças. 9d. Quatro ou mais artigos de vestir definidamente indicados. ge. Vestimenta completa sem incongruências . 10a. Indicação de dedos. 10b. Número correto de dedos. 10c. Dedos representados em duas dimensões, mais largos que compridos e que, em conjunto, formem um ângulo não maior de 180°. 10d. Indicação do polegar em oposição. 10e. Indicação da mão diferenciada do braço ou dos dedos. lIa. Articulação do braço: cotovelo, ombro ou ambos. 11b. Articulação da perna: joelho, cadeira ou ambos. 12a. Cabeça proporcional. 12b. Braços proporcionais. 12c. Pernas proporcionais. 12d. Pés proporcionais. 12e. Braços e pernas em duas dimensões. 13. Indicação de "tacos". 14a. Coordenação motora. Linhas A. I, i ESTUDO DA ESCALA DE GOODENOUGH 14b. Coordenação motora. Linhas B. 14c. Coordenação motora. Contôrno da cabeça. 14d. Coordenação motora. Contôrno do tronco. 14e. Coordenação motora. Contôrno de braços e pernas. 14f. Coordenação motora. Feições. 15a. Presença de orelhas. 15b. Orelhas proporcionadas e corretamente localizadas. 16a. Detalhe do ôlho. Indicação de sobrancelhas ou pestanas. 16b. Detalhe do ôlho. Indicação de pupila. 16c. Detalhe do ôlho. Proporção. 16d. Detalhe do ôlho. Olhar dirigido para frente, em figuras de perfil. 17a. Indicação de frente e queixo. 17b. Indicação da projeção do queixo. 18a. Perfil sem mais de um êrro. 18b. Perfil correto. Nota: Como se verificou, os 51 "itens" referem-se aos desenhos desta classe. ~stes "itens" se obtiveram, pois, em conclusão: a) mediante a observação de diferenças que pareciam características das manifestações infantis em idades e graus escolares sucessivos. b) mediante a formulação de definições ou descrições objetivas destas diferenças. c) mediante sua avaliação estatística baseada na comparação dos rendimentos de crianças de idades diferentes e, também, entre crianças de escolaridade adiantad,a ou retardada. 113 D) CHAVE DE AVALIAÇÃO - O teste se avalia muito simplesmente, verificando-se, no desenho, a presença ou ausência de cada um dos "itens" da "escola" e dando-se um ponto por cada "item" que satisfaça os requisitos exigidos: desde o primeiro, em que se dá um ponto pela presença da cabeça até o último, em: que se exige, já, a difícil representação de um perfil correto. E) CRíTICA DOS "ITENS" E DA CHAVE DE AVALIAÇÃO Além de considerarmos os "itens" bem significativos achamos, também, bem natural que Goodenough tivesse dado o mesmo valor a "itens" de dificuldades bem diferentes, crítica esta feita por vários autores, já que seu teste vale pelo seu conjunto e não por suas partes. O resultado, o escore final, é o que importa no teste. Cada "item" revela um aspecto do grau intelectual da criança por assim dizer. Goodenough não pensou em "itens" fáceis ou difíceis e, sim, em "itens" significativos. A-Iém do mais, a execução de cada "item" apresenta um campo bem largo de aceitação, já que não se trata de uma prova de desenho e sim de um teste de inteligência. Daí vários problemas serem considerados a) Influência do talento artístico sôbre o escore - Tem-se procurado averiguar se as crianças dotadas de um talento artístico especial estão em melhores condições de um escore superior ao de outras crianças, de capacidade geral idêntica, porém, sem tais dotes. Tropeçou-se, então, com uma enorme dificuldade: a de reconhecer essas crianças, já que a maioria dos estudiosos acham que, ra- • 114 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOTÉCNICA rlssimamente, em seus primeiros anos, as crianças manifestam excepcionais e genuínas capacidades artísticas, revelando-se, então, somente, depois de 12 anos (veja: estudo comparativo do material bibliográfico consignado por Champlin em seu "Cyclopedia of Painters and Paintings Y Cyclopedia of Music and Musicians" que confirma êsse conceito) . Assim sendo, um escore elevado faz mais pensar num agudo poder de observação analítico e uma boa memória de detalhes que em capacidade artística, no sentido ordinário do têrmo. Daí Luquet fazer diferença entre "realismo intelectual" (próprio das crianças: representar os objetos como os vêem) e "realismo visual" (próprio dos adultos: submissão, na execução, à perspectiva) . b) Influência da aprendizagem especial sôbre o escore - Pensouse que as crianças que aprendem desenho, nas escolas primárias, pudessem, por êste motivo, apresentar um mais alto escore no teste em questão. Entretanto, tal não ocorre, já que o desenho ensinado, no grau primário, se reduz a trabalhos decorativos que nenhuma relação oferecem com o desenho da figura humana. Foi feito, mesmo, um estudo comparativo a respeito, não sendo encontrada diferença significativa, de rendimento, entre crianças que aprendiam desenho e crianças que nunca haviam aprendido a desenhar. E' necessário que se diga, porém, que o preparo específico do desenho da figura humana afeta, em certa medida, o resultado da prova. Foi realizado, também, um estudo, a respeito, que consistiu na dupla aplicação desta prova, ensinando-se como deveria ser feito o desenho na primeira vez. Constatou-se que 70% aumentou seu escore, 8 % não ganhou nem perdeu e 22% diminuiu seu escore. Achamos, entretanto, que nestes 22% o escore apresentou-se diminuído, por outros fatôres. Consideramos que o texte Goodenough, aplicado em qualquer situação, será, sempre, significativo já que caso venha a perder seu valor, como teste de inteligência (ocorrência, esta, a nosso ver. inadmissível) será útil, entretanto, como um poderoso teste psicológico, embora não seja usado, especificamente, neste aspecto, em relação a crianças. Vários estudos estão sendo presentemente intensificados neste aspecto, distinguindo-se os do "Departamento de Psicometria ou melhor, de Psicologia Educacional da Província de Buenos Aires" . c) Outros fatôres - Ainda podem ser mencionados: 1. Não saber a criança lidar com um lápis. 2. Autocrítica das crianças mais velhas. Daí considerar-se que só deverá ser usado até os 10 a 12 anos. d) Diferença de sexo - Podemos citar, apenas, a coleção de 100 desenhos de crianças de ambos os sexos, nível social e tipo racial diversos, todos com escore entre 22 e 26, selecionadas ao acaso. Entre as crianças havia: negros de Tennessee, brancos de Louisiania, italianos de São José, mexicanos de Los Angeles, índios de Roa- ESTUDO DA ESCALA DE GOODENOUGH pa Valley, chineses e japonêses de várias cidade da Califôrnia, judeus de São José e Fresno e dois grupos de crianças americanas (de escolas californianas de densa povoação estrangeira e dos bairros opulentos de Nova J ersey) . As diferenças encontradas são, a princípio, consideradas tão triviais que não parecem merecer atenção mas, se atentarmos bem, elas talvez possam emitir grande significação, se possuirmos a sagacidade necessária para interpretá-Ias. As diferenças são mais qualitativas que quantitativas. Goodenough selecionou as características mais representativas que achou em cada sexo (sete nos meninos e onze nas meninas) e com elas organizou uma tabela de diferença de sexos que aqui transcreveremos: CARACTERíSTICAS MASCULINAS 1. Pelo menos a cabeça e os pés estão de perfil e na mesma direção. 2. Presença de alguns acessórios, característicos, como: cachimbo, bengala, guarda-chuva, casa ou ambiente. 3. Calças transparentes. 4. Indicação de "tacos". 5. Figura. que caminha ou corre. 6. Braços que chegam abaixo dos joelhos. 7. Gravata. CARACTERíSTICAS FEMININAS 1. Nariz representado somente, por dois pontos. 115 2. Pés menores que 1/20 do comprimento total do cürpo. 3. Olhos com dois ou mais dos detalhes seguintes: sobrancelhas, pestanas, pupilas, íris. 4. Cabelos alisados ou elegantemente divididos. 5. Bôca em "arco de Cupido". 6. Indicação de faces. 7. Calças com base acampanada. 8. Cabeça maior que o trünco. 9. Braços não mais longos que a cabeça. 10. Cabelos encrespados. 11. Pernas não maiores que 1/4 do tamanho do tronco. A maior tendência dos meninos a exagerar o tamanho dos pés, pernas, braços e mãos assim como de apresentá-los em movimento, em contradição às tendências femininas, expressa, segundo Goodenough, a diferente atitude dos sexos frente à atividade física. A tendência do menino ao "perfil" expressa, segundo a mesma autora, a evasividade, mais comum nos meninos, menos sociáveis e acessíveis que as meninas. As meninas tendem a enfeitar, demasiado, os "olhos", como uma manifestação do maior valor de adaptação social e estímulo sexual que lhe conferem e a representar as figuras de frente que pode ser interpretado com uma inclinação ao exibicionismo e ostentação. Quanto à representação do nariz por somente dois orifícios e a bôca em "arco de Cupido" são consideradas, por Machover, como índices de sexualidade precoce. E' freqüente encontrar-se crianças cujos desenhos acusem grande semelhança com os do sexo opôs to. Resulta interessante, a propósito, 116 ARQUIVOS BRASILEIROS DE P9ICOTÉCNICA dizer que 14 desenhos executados por crianças diagnosticadas, como psicopatas, no "Lane Hospital", de São Francisco, pertenciam ao tipo acima mencionado. O que dissemos, porém, de modo algum pretende dar a impressão de que o teste está em situação de prognosticar tendências psicopáticas nas crianças, mediante o desenho. Karen Machover, tàmbém, numa investigação clínica, pôde observar que os meninos extrovertidos, com tendência homossexual, produziam, muitas vêzes, desenhos, cujos olhos se apresentavam cercados de pestanas que, na tabela de Goodenough, figura como característica do sexo feminino. Como se pode deduzir, o teste Goodenough apresenta as mais variadas possibilidades no estudo da criança, em todos os seus aspectos, bastando, para isto, que técTABELA DE AnOi I 3 -! ------ 5 6 7 nicos competentes se encarreguem de seu estudo a fim de que seja tirado o maior proveito possível do teste ao qual nos referimos. XI) NORMAS E PADRONIZAÇÃO 1. Normas - Os escores expressos em promédio ou em qualquer outra medida de tendência central, obtidos por grande número de crianças, de ambos os sexos, de zonas, idades e graus diversos, constituem os "escores médios" ("average score") que, por sua vez, constituem as "normas". Estas agrupadas por idade, em uma "tabela" servem para que se interprete, comparativamente, os diversos "escores brutos" obtidos pelas crianças, no mesmo teste, convertendo-os em L M.; e, em Q. L, quando se deseja medir o nível mental. I.M. 8 ----- ---- ---- --- 9 10 11 12 13 -----------~------------ - PONTOS- o <I 8 12 16 20 24 28 32 36 40 3 fi 9 lJ 17 21 25 29 33 37 4l 2 ti 10 14 18 22 26 30 34 38 42 93 7 11 L5 19 2:~ 27 31 :35 39 ti Para determinar-se o Q. L ("quociente intelectual") basta dividir-se a L M. pela I. C. (idade cronológica) e multiplicar-se por 100. Há tabelas já prontas de Q. I. (ver pág. 247 a 265 no livro: "Teste de inteligência infantil por meio do desenho da figura humana, da autoria de Goodenough). ESTUDO DA ESCALA DE GOODENOUGH 117 TABELA DE NtvEIS (conversão de "quocientes intelectuais" em níveis de inteligência) DIAGN6STICOS Q.I. 150 140 139 -120 119 -110 109 - 90 89 - 80 79 6949 10 - 70 50 20 O Genialidade (gênio) Quase genialidade (quase gênio) Inteligência muito superior Inteligência superior Inteligência normal ou média Inteligência lenta (inferior) Debilidade mental leve Debilidade mental bem definida Imbecilidade Idiotice 2. Padronização Um teste está padronizado quando satisfaz os seguintes requisitos: a) seus "itens" estão "graduados", por um trabalho experimental e estatístico foram selecionados e distribuídos numa "escala" de "itens" ou idades, seriados por ordem de dificuldade crescente. b) sua "administração" (a presentação e manejo) se executa de conformidade com instruções fixas. c) sua "pontuação" se efetua de um modo objetivo mediante chaves e regras uniformes e constantes para a avaliação parcial e total das provas, de modo que a "equação pessoal" do examinador fica excluída ao máximo. d) sua interpretação se faz por uma apreciação objetiva do rendimento do indivíduo por comparação com tabelas de normas de idade, sexo, etc. O teste Goodenough preenche todos os requisitos acima citados. A padronização final da "escala" se efetuou através de uma amostra de 3593 crianças de 4 a 10 anos. A) POPULAÇÃO USADA Em uma investigação psicológica, é impossível examinar-se todos os indivíduos. Por isto, se estuda só uma "amostra" que deve ser representativa da população total. Desenhos de 3.593 crianças, cujas idades estavam compreendidas entre os 4 e 10 anos, serviram para que se efetuasse a padronização da "escala", como já dissemos. ~stes desenhos foram obtidos das seguintes escolas: 1 - Perth Amboy, Nova Jersey - 6 escolas. Desde o jardim de infância ao 4.° grau, mais duas classes do 5.° grau. Idades compreendidas: 4 a 10 anos. Total 2.995 desenhos. 2 - South Orange, Nova Jersey. 6 classes do 1.0 ao 5.° grau. Idades compreendidas: 5 a 10 anos. 247 desenhos. II ,i I I \ I t I I ! ! \ ! I Ii i i I I l I I l 118 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOTÉCNICA 3 - East Orange, Nova Jersey. Do 1.0 ao 2.° grau. Total: 86 desenhos. 4 - Bogotá, Nova J ersey. Cinco classes do 2.° ao 5.° graus. Idades compreendidas: 6 a 10 anos. Total: 167 desenhos. 5 Escola privada, Nova York. Idades compreendidas: 4 a 10 anos, sem ter em conta o grau total: 44 desenhos. 6 - Pequenos grupos vários, idades de 4 a 10 anos. Total: 54 desenhos. B) INDICAR SE A CONSIDERA REPRESENTATIVA - Consideramos, sim, a amostra representativa, já que satisfaz os seguintes requisitos: a) a escolha se procedeu ao acaso; tomaram-se indivíduos de diferentes idades, sexo, zona, escolaridade, etc. b) sua magnitude é suficientemente grande (mais de 1 000 casos) pois o maior tamanho da amostra implica em que a amostra seja representativa. Assim sendo, a amostra de 3593 crianças, usada por Florence Goodenough, de 4 a 10 anos, cumpre as condições assinaladas. C) TIPOS DE ESCORES Na escala "Goodenough" têm-se três espécies de escores: 1 - "escore bruto" (raw score") que é a expressão numérica do rendimento da criança, dado no teste. Assim: "escore bruto" 25, indica que a criança teve 25 pontos pela correta solução de 25 "itens". tste escore não tem significação própria; para interpretá-lo, é preciso convertê-lo em: 2. "escore derivado" (em I. M. e em Q. I.) ; para isto é necessário converter o "escore bruto" da criança no equivalente do escore médio obtido por uma amostra de crianças da mesma idade. 3. "escore médio" ("average score") são os escores expressos em premédios ou outra qualquer medida de tendência central obtidos por grande quantidade de crianças das mais variadas idades, sexos, zonas e graus. Constituem, como já dissemos, as "normas" (ver "tabelas") . D) IDADE - A nosso ver, o teste Goodenough deve ser empregado em crianças de 4 a 10 anos, embora alguns autores estendam seu emprêgo até 12 ou 15 anos. A própria tabela Goodenough, de I. M, apresenta os "escores brutos", até a idade de 13 anos e 9 meses. Achamos que, além dos 10 anos, não deverá ser empregado, já que, após esta idade, como vimos anteriormente, poderá influir, no teste, a capacidade artística da criança e sua auto-crítica; não deverá ser empregado, é bom que se diga, como teste de inteligência, pois nos E. Unidos, após esta idade, já é usado como teste de personalidade. E) ANO - O teste foi padronizado em fins de 1920. F) COMENTÁRIO E CRíTICA - Pese o coeficiente de fidedignidade, na Argentina, o teste não recebeu, até o presente, um pronunciamento decisivo acêrca de seu valor. E' êle aplicado mas há discordância de opiniões. E, inclusive, ao que parece, houve certas decepções em trabalhos com grupos pouco numerosos. Três fatôres são considerados acêrca da razão dês se fracasso inesperado: I I ESTUDO DA ESCALA DE GOODENOUGH 119 I 1 I Ii ! a) ausência de uma investigação na vasta escala. b) falta de um barema nacional. c) deficiências das "escalas" vertidas ao castelhano. A última hipótese é, a nosso ver, a principal, já que, se quisermos comprovar tal fato, basta que se vejam as alterações sofridas por muitos "itens" que influem, como ·é óbvio, decisivamente na avaliação e, conseqüentemente, no "escore" final (veja tabela da página 15 do livro de Goodenough: "Test de inteligência infantil".) E' necessário, pois, que sejam seguidos e utilizados, à risca, os "itens" da original tabela, ou melhor, "escala" de Goodenough. XII) A) APLICAÇÃO Direção: a) M ateria! - Dá-se a cada propositus um lápis, uma fôlha de ,papel em branco. E' mais conveniente excluir-se o uso de lápis de côr. b) Técnica - Devem ser retirados todos os livros, ilustrações, etc. a fim de evitar-se qualquer ~ossibilidade do desenho ser copiado. Após, deve ser dito o seguinte: "Nestas fôlhas vocês devem desenhar um "homem';. Façam o desenho mais bonito que possam. Trabalhem com muito cuidado e empreguem o tempo que necessitem. Gostaria de que o desenho de vocês fôsse tão bom como os de outras crianças de outras escolas. Façam-no com entusiasmo e verão que lindos desenhos farão." Durante a execução da prova, o examinando deverá ver se as instruções estão sendo seguidas e animar os que se julgar necessário, por meio de pequenos elogios. Não deverá o examinador chamar a atenção sôbre cada desenho, em particular, a fim de evitar possível inibição. Poderá, entretanto, fazer comentários em geral: "que lindos desenhos", etc. Nunca deverá expressar críticas desaprovadoras dos trabalhos e, às perguntas formuladas, deverá dizer somente: "façam como melhor lhes parecer". O examinador não deixará que as crianças falem durante a execução da prova, pois poderá influir nos outros desenhos, desviando a atenção dos menos concentrados, assim como não deverá permitir que se levantem para examinar os desenhos alheios. O examinador deverá apresentar uma atitude favorável, simpática e afetuosa, já que o teste será válido se, cada criança, realizar o máximo de que seja capaz. Deverá, portanto, ser formado o "rapport" entre examinador e aluno. No caso de um desenho muito rabiscado, deverá ser dada nova oportunidade à criança; no reverso da prova deverá ser consignado tal fato. Crianças maiores, muitas vêzes, desenham um "busto"; então, serlhes-á pedido que desenhem, noutra fôlha, um "homem" completo e conservar-se-á o desenho anterior para efeito de comparação. B) TEMPO - Crianças pequenas, não demoram mais de 5 ou 10 minutos. Se alguma criança demorar mais tempo, convém retirar as fôlhas dos que já tiverem terminado a prova e fazer com que os outros ! !! I I ; t ! I II I !I I I i , l 120 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOTÉCNICA terminem, já qüe a prova não tem tempo limite. C) COMENTARIO - O teste Goodenough poderá ser aplicado individual ou coletivamente. O examinador deverá ter pleno conhecimento das técnicas de aplicação já que sua atitude influirá, sobremodo, na plena consecução da prova. XIII) APURAÇÃO A) Método - Reduz-se, como já dissemos, a contar o número de detalhes certos que a figura apresenta, constituindo, assim, seu "escore bruto". Converte-se, então, êste escore em Idade Mental e esta em Quociente Intelectual. Para assegurar a condição de avaliar a prova com acêrto e facilitar o trabalho da pontuação, contagem e contrôle, Goodenough confeccionou um protocolo especial de prova. Consiste em uma fôlha que leva impresso um retângulo cujo espaço se destina a encerrar o desenho; atrás, em coluna dupla, estão as cifras-chaves dos 51 "itens", seguidos de um espaço onde deverá ser colocada a qualificação positiva (+) ou negativa (-) que corresponde a cada "item". Deverão ser seguidas, ademais, as seguintes instruções gerais: 1. Em caso de não se compreend~r qualquer desenho, deverá ser chamada a criança e praticar a contagem tendo em base sua explicação, que deverá preencher os mesmos requisitos especiais, no tocante à representação de qualquer "item" particular. 2. Tôda contagem deverá ser revista. Considerar-se-á a I. C. segundo o mês seguinte. 3. Se se tem mais de um desenho, deverão ser contados os pontos do melhor desenho. 4. As emendas e rabiscos deverão ser, sempre, tomadas em consideração, já que pode significar auto-crítica do examinando. Há duas classes às quais poderá o desenho pertencer: A e B. Pertencerá à classe A quando a própria criança não sabe distinguir seus rabiscos às perguntas do examinador. Pertencerá à classe B quando tal não acontece e em todos os demais casos. Cada "item" oscila de valor O a 1. Terá valor {J se o desenho só está constituído de rabiscos intencionais e sem contrôle; terá valor 1 se as linhas acusam certo contrôle e parecem ser tencionais e conscientes. Como é claro, é necessário que haja uma norma para a consideração de ambos os valores a fim de que se saiba quais os requisitos necessários que cada "item'P deverá apresentar para ser válido. Assim: 1 - Presença da cabeça. Requisito: Tôda forma clara que represente a cabeça. Somente a indicação das feições, faltando o contôrno da cabeça, tem valor negativo para êste "item" . etc., etc. (ver: Normas para pontuação. pág. 117: "Test de inteligência infantil" de Florence L. Goodenough) . B) CRiTICA - A crítica que fazemos a êste respeito é que o teste se nos parece muito subjetivo, ainda que seguidas, bem de perto, as "normas de pontuação" P ESTUDO DA ESCALA DE GOODENOUGH já que consideramos um tanto vagos os requisitos exigidos para cada "item", podendo ocasionar, assim, várias interpretações por parte dos examinadores. C) COMENTÁRIO FINALA "escala de Goodenough" caracteriza-se, em resumo, dêste modo: 1 - Só utiliza a simples figura de um "homem", desenhada por uma criança. 2 - E' não verbal, tornando-se, pois, conveniente para o exame mental de crianças estrangeiras ou surdo-mudas (mais válido que o Binet em crianças de lugares estrangeiros) . 3 - Não requer mais de dez minutos para o exame de uma classe completa e, aproximadamente, dois para o resultado de cada criança. 4 - Resulta particularmente útil quando se trata de crianças entre 4 e 10 anos de I. M. 5 - Para o dito período e com um grupo de idades sem selecionar sua fidedignade oscila entre .80 e .90. 6 - Para o mesmo período, e eom um grupo de crianças homogêneas, apresenta uma correlação promedio de .76 com a revisão Stanford da escola de Binet. O teste Goodenough, a nosso ver, deverá ser aplicado por quem conheça bem tôdas as técnicas de aplicação, apuração, avaliação, já que embora o teste seja bem simples de execução, se nos parece bastante complexo em sua interpretação final. Consideramos, entretanto, que tal teste deverá ser aplicado, sistemàticamente, em tôdas as escolas, pois o consideramos como uma prova de alta significação quanto ao que pretende medir e quanto 121 ao que poderá medir, após uma sistematização final: a personalidade infantil. A autora não pretende que sua "escala" substitua, satisfatoriamente, os testes individuais como o de Binet. Serve para exames ge. rais e ensaios de classificações. Daí dizer Lewis Terman: "A familiaridade desta prova deverá tomar parte na bagagem básica dos professôres de Jardim de Infância e primeiros anos". "O teste Goodenough mede a inteligência, o nível mental da criança além de, como já dissemos, apresentar magníficas oportunidades de examinar a personalidade infantil, estudo êste que vem sendo intensificado nos últimos anos" (J aime Bernstein). "O teste não é inteiramente mental, de inteligência, já que o desajustado emocionalmente apresenta baixo escore". Como já se disse, "a criança desenha o que sabe e não o que vê", tendo mesmo Kerchensteiner provado tal afirmativa ao comparar desenhos de crianças pequenas realizados, de memória, e, com um modêlo à vista; as crianças acostumadas a desenhar a figura humana,de frente, continuavam a proceder assim, ainda que o modêlo estivesse de perfil. Na concepção infantil, um desenho, para ser exato, deverá conter todos os elementos reais do objeto, mesmo que não estejam presentes no modêlo apresentado. E' o que Luguet chama de "realismo intelectual", que faz com que sejam representados não só os elementos concretos invisíveis mas também os abstratos. Por conseguinte, parece evidente que "a explicação das funções 122 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOTÉCNICA psicológicas que intervêm no desenho espontâneo das crianças pequenas excede o terreno da mera imaginação visual e da coordenação viso-manual e se relaciona com processo de pensar superior." Quando se pede a uma criança para desenhar um "homem", deriva-se um processo psicológico que, segundo Goodenough, poderá ser assim descrito: 1. Associação por semelhança. A criança nota uma semelhança entre uma série de linhas traçadas sôbre o papel e o objeto concreto que elas representam. E' a etapa prévia a todo intento ativo de representação por parte da própria criança. 2. Análise. Decomposição nos elementos do objeto a desenhar. 3. Valorização destas partes e seleção das que parecem essenciais ou características. No que se refere à criança, êste processo é, em grande parte, inconsciente, porém muito significativo, pois se julga determinado pela nobreza de seus interêsses e pelos seus hábitos fundamentais de pensar. 4. Análise das relações espaciais; da posição relativa. 5. Juízos de relações quantitativas; de proporção relativa. 6. Mediante um processo ulterior de abstração, redução e simplificação das diversas partes do objeto em contornos gráficos. 7. Coordenação dos movimentos visomanuais no ato de desenhar. 8. Adaptabilidade. Capacidade de ajustar o esquema desenhado a novos traços que se agregam progressivamente, conforme evoluciona o conceito. o teste Goodenough, em seu aspecto intrínseco, não esgotou tôdas as possibilidades que êstes desenhos encerram para o estudo da evolução infantil. Muito ao contrário, opina a própria autora que, bem interpretados, contribuirão muito, sôbre os traços da personalidade e interêsses da criança. Assim, ulteriores investigações mostrarão, bem claro, o caminho de novas possibilidades dentro desta forma de expressão infantil, investigações estas que já se vêm processando em ritmo bem acelerado pelos esclarecidos espíritos da gente estudiosa. BIBLIOGRAFIA "Test de inteligência infantil por médio deI dibujo de la figura humana" - Florence L. Goodenough. Les Testes" Bela Székely (págs. 168 a 171). "Le dessin enfantin" - G. L. Luquet - (pgs. 15, 16,21, 80, 165, 166, 223, 226, 242, 243). "American J ournal of Arthopsychiatry" - (volume XXI n. o 3 - págs. 586, 594) . "Journal of consulting psychology" - (volume XVI - n. o 3 pág. 176 a 180). "O método dos testes" - René Nihard. "Testes mentais" - Henri Piéron. "Manual de mediciones de la inteligencia" Carlota Felix de Garcés. "Mental testing,· its history, principIes and applications" Florence L. Goodenough.