Subido por Vitor Torga

Avifauna Serra do Lenheiro

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Caracterização da avifauna de ocorrência potencial no
Parque Municipal da Serra do Lenheiro
Vitor Torga Lombardia,b
a
Biólogo, CRBio 080191/4-D
b
Pós-graduação em Manejo e Conservação de Ecossistemas Naturais e Agrários, Universidade
Federal de Viçosa - Campus Florestal, Florestal, Minas Gerais, Brazil, 35690-000
A Serra do Lenheiro, situada nos contrafortes continentais do sistema de
serras da Mantiqueira, ocupa um local privilegiado em termos biogeográficos.
Além de estar localizada em uma mancha (ou enclave) de campos e cerrados
em meio a floresta atlântica do interior (região do Campo das Vertentes), suas
terras altas estabelecem uma conexão entre a porção norte da Serra da
Mantiqueira e o setor sul da Cadeia do Espinhaço. Essa complexa paisagem
em forma de mosaico, composta por diversos tipos vegetacionais, reflete
diretamente em uma riquíssima avifauna regional, constituída por elementos
com diferentes afinidades biogeográficas e que ocupam os diversos habitats
disponíveis.
A região do Campo das Vertentes abriga cerca de 400 espécies de aves
(V. T. Lombardi, observação pessoal), sendo muitas delas de grande interesse
conservacionista. Embora a comunidade de aves da Serra do Lenheiro ainda
não tenha sido alvo de estudos sistemáticos mais completos, visitas
esporádicas em sua área e os resultados obtidos de outras localidades mais
bem amostradas dos arredores imediatos (ex.: Serra de São José) permitem
inferir, através de interpolação, sobre a composição de sua avifauna,
ressaltando-se sua importância para a conservação da biodiversidade regional,
especialmente com relação aos campos rupestres.
As aves dependentes de ambientes florestais do Campo das Vertentes,
representados na Serra do Lenheiro pelas matas ripárias e de encostas, em
sua maioria correspondem a espécies endêmicas e ou representativas da Mata
Atlântica, como o jacuaçu (Penelope obscura), o pica-pau-rei (Campephilus
robustus), o limpa-folha-de-testa-baia (Philydor rufum), o tangará (Chiroxiphia
caudata), o barbudinho (Phylloscartes eximius), o pula-pula-assobiador
(Myiothlypis leucoblephara) e as saíras douradinha (Tangara cyanoventris) e
ferrugem
(Hemithraupis
ruficapilla).
O
macuquinho-serrano
(Scytalopus
petrophilus) é uma pequena ave florestal terrícola que foi recentemente
descrita e é típica para o sub-bosque escuro das matas da região. Ocorre
exclusivamente nas florestas montanas ao longo das vertentes continentais da
Serra da Mantiqueira e do setor sul do Espinhaço, sendo uma espécie com
distribuição restrita praticamente ao estado de Minas Gerais.
Ainda em tais matas, especialmente em áreas de menor altitude,
também cabe destacar a presença de espécies florestais endêmicas do
Cerrado, como o fura-barreira (Clibanornis rectirostris), o soldadinho (Antilophia
galeata),
e
o
tico-tico-do-mato
(Arremon
flavirostris)
além
daquelas
representativas das florestas interioranas mais secas, como o chorozinho-dechapéu-preto (Herpsilochmus atricapillus), a maria-ferrugem (Casiornis rufus), o
vite-vite-de-olho-cinza (Hylophilus amaurocephalus) e o canário-do-mato
(Myiothlypis flaveola).
Não obstante menos ricos em espécies, uma avifauna completamente
diferente está presente nos ambientes naturalmente abertos da região do
Campo das Vertentes. Essa diferença na composição de espécies contribui de
forma substancial para a diversidade regional do grupo. Nessa categoria de
vegetação se incluem os campos nativos e no caso da Serra do Lenheiro
principalmente os cerrados, os quais predominam sobre os solos mais
desenvolvidos dos seus contrafortes. Dentre as aves exclusivamente
dependentes da vegetação de cerrado registradas na região estão o pica-pauchorão (Veniliornis mixtus), a guaracava-de-topete (Elaenia cristata), o tiê-docerrado (Neothraupis fasciata), a bandoleta (Cypsnagra hirundinacea) e o
campainha-azul (Porphyrospiza caerulescens). Outras espécies típicas para o
cerrado, mas menos exigentes com relação ao habitat, são o pica-pau-docampo (Colaptes campestris), o joão-bobo (Nystalus chacuru), o tucanuçu
(Ramphastos toco), a gralha-do-cerrado (Cyanocorax cristatellus) e o bico-depimenta (Saltatricola atricollis).
Aves especialistas dos campos nativos (onde estão ausentes as plantas
exóticas e invasoras como a braquiária e o capim-gordura) possivelmente
ocorrem apenas de forma pontual na Serra do Lenheiro em vista da pouca
representatividade desse ambiente em sua área. Entretanto, tais espécies
alcançam grande contingente populacional na extensa formação conhecida
como Planalto do Alto Rio Grande, situado logo ao sul da Serra do Lenheiro e
que é vastamente recoberta por uma vegetação campestre ainda bem
conservada. Neste conjunto estão, por exemplo, o andarilho (Geositta
poeciloptera), o papa-mosca-do-campo (Culicivora caudata), a corruíra-docampo
(Cistothorus
platensis)
e
o
tico-tico-de-máscara
(Coryphaspiza
melanotis). Tais aves estritamente campestres são altamente exigentes com
relação à qualidade do ambiente em que vivem, possuem histórias de vida
muito peculiares e não sobrevivem em áreas de pequeno tamanho,
completamente tomadas por gramíneas exóticas ou com alterações drásticas
na dinâmica natural da vegetação provocada pelo pastejo excessivo e ou
incêndios frequentes.
No contexto do Campo das Vertentes, os campos rupestres ocorrem de
forma esparsa e atualmente se encontram isolados nos topos de serras onde
existem afloramentos rochosos em abundância; como por exemplo, as do
complexo de Lavras, Carrancas e Luminárias além das serras do Lenheiro e de
São José. Acompanhando as particularidades históricas e ecológicas dessa
vegetação, que possui um alto grau de endemismo, uma avifauna altamente
especializada em ambientes abertos de topo de montanha também pode ser
observada nestes locais. Neste conjunto se enquadram a águia-serrana
(Geranoaetus melanoleucus), o bacurau-de-telha (Systellura longirostris), o
papa-mosca-de-costas-cinzentas (Polystictus superciliaris), a maria-preta-degarganta-vermelha
(Knipolegus
nigerrimus)
e
o
rabo-mole-da-serra
(Embernagra longicauda) que vivem em meio às rochas e vegetação arbustiva
no alto das serras. Essas espécies são de ocorrência restrita e só podem ser
encontradas nas serras do Lenheiro e de São José dentro dos municípios de
São João del Rei, Tiradentes, Santa Cruz de Minas, Prados e Coronel Xavier
Chaves, raramente ocupando outros tipos de ambiente além dos campos
rupestres. O rabo-mole-da-serra não foi encontrado em outras serras da região,
possuindo como limite sul de sua distribuição geográfica global (que inclui
serras desde a Bahia até Minas Gerais) as serras de São José e do Lenheiro.
Outro componente da avifauna regional de importância secundária para
sua caracterização, mas que também está presente na Serra do Lenheiro são
as espécies com tendências sinantrópicas, que invariavelmente ocupam
ambientes alterados e se beneficiam das modificações realizadas pelo homem
nos ecossistemas originais, substituindo as aves mais exigentes em termos de
qualidade do habitat. Estão presentes em pastagens cultivadas, plantações,
capoeiras e ambientes fazendeiros e periurbanos, como pomares, hortas e
praças. Como exemplos clássicos deste conjunto estão a asa-branca
(Patagioenas picazuro), o anu-preto (Crotophaga ani), o joão-de-barro
(Furnarius rufus), o bem-te-vi (Pitangus sulphuratus) e o canário-da-terra
(Sicalis flaveola).
A Serra do Lenheiro é historicamente impactada por atividades de
mineração, incêndios, extração de madeira e ocupações irregulares, as quais
vêm promovendo alterações profundas em seus ecossistemas, como a
degradação dos solos e da vegetação autóctone, além facilitar o assoreamento
dos corpos d’água e a invasão de espécies exóticas. Atualmente, os incêndios
regulares, a prática de motocross, a presença de animais exóticos pastadores
e a coleta de plantas ornamentais também contribuem para degradação da
área, majoritamente dos sensíveis campos rupestres.
Assim, a consolidação do Parque Municipal da Serra do Lenheiro e a
simultânea diminuição ou eliminação desses impactos de grande custo
ambiental é de fundamental importância não só para a história e patrimônio
paisagístico do município de São João del Rei, mas também ao incluir e
proteger mais uma área natural de alta prioridade para a conservação da
avifauna regional, garantindo a integridade dos seus ecossistemas e serviços
ambientais, além de resguardar populações importantes
de espécies
especialistas em ambientes abertos de topos de montanha e ou endêmicas do
leste do Brasil, como o papa-mosca-de-costas-cinzentas, a maria-preta-degarganta-vermelha e o rabo-mole-da-serra.
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