CIÊNCIA & ENSINO ANÁLISE DO PROCESSO ARGUMENTATIVO NA CONSTRUÇÃO DE MAPAS CONCEITUAIS E SUAS RELAÇÕES COM A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA CRÍTICA NO ENSINO DE CIÊNCIAS ____________________________________ ISSN: 1980-8631 Vol. 8 | Nº. 2 | Ano 2019 Lívia da Silva Santos Universidade Federal de Pernambuco [email protected] Sylvia De Chiaro Universidade Federal de Pernambuco [email protected] RESUMO Esse estudo propôs analisar o processo argumentativo na construção de Mapas Conceituais e suas relações com a Aprendizagem Significativa Crítica, no âmbito do ensino de Ciências. Foram analisados movimentos de argumentação na elaboração de Mapas sobre os "Efeitos da Gravidade sobre o nosso organismo" por grupos de estudantes em momentos distintos: (1) na construção de um primeiro mapa após leitura de um texto fornecido pelo professor – neste momento, três grupos receberam um diferente texto que enfocava elementos de Biologia, Química ou Física, e (2) na construção de um segundo mapa feito por um quarto grupo composto por estudantes provenientes dos três diferentes grupos do momento anterior. Os resultados mostram que o caráter eminentemente argumentativo da elaboração dos Mapas Conceituais, nos leva a compreender essa atividade como significante estratégia de ensino e aprendizagem em situações em que a integração de conceitos entre disciplinas de maneira significativa e crítica seja o objetivo. Palavras-chave: Mapa Aprendizagem significativa Interdisciplinaridade. conceitual. Argumentação. crítica. Ensino de ciências. ___________________________________ ABSTRACT This study proposed analyzing the argumentative process in the construction of concept maps and their relationships with Significant critical learning in science education. Movements of argument were analyzed in the preparation of Maps on the "effects of gravity on our body" for groups of students in different moments: (1) the construction of a first map after reading from a text provided by the teacher – at this time, three groups were given a different text that focused on elements of biology, chemistry or physics, and (2) in the construction of a second map made by a fourth group consisting of students from the three different groups of the earlier time. The results show that the eminently argumentative nature of the elaboration of conceptual maps, leads us to understand this activity as meaningful learning and teaching strategy in situations where the integration of concepts between significant and critical disciplines is the goal. Keywords: Concept map. Argumentation. Critical meaningful learning. Science teaching.Interdisciplinarity. p.1 Processo Argumentativo Mapas Conceituais Aprendizagem Significativa Crítica Ensino de Ciências 1 INTRODUÇÃO Este estudo parte do interesse no desenvolvimento de estratégias de ensino e aprendizagem que possibilitem o diálogo entre as disciplinas das ciências da natureza no ensino médio, visando uma aprendizagem significativa e crítica nessa área. Esse interesse surgiu a partir de experiências anteriores da primeira autora em sala de aula, nas quais foi possível perceber, nos discursos dos estudantes de Física do ensino médio, a passividade com que os estudos nas disciplinas de Ciências são conduzidos, raramente sendo construídas relações entre os assuntos estudados. Por vezes, foi revelada a crença implícita desses estudantes do pertencimento exclusivo de determinados temas a determinadas disciplinas. O ingresso no ensino médio é essencialmente marcado pela introdução de novas disciplinas no currículo dos estudantes, cujos conteúdos conceituais normalmente não são explicitamente tratados naquilo que eles conhecem como "Ciências da Natureza" (ou "Ciências", simplesmente) durante todo o ensino fundamental. A atribuição de temas ligados à saúde humana, animal e ao meio ambiente à quase totalidade dos conteúdos da disciplina de Ciências do ensino fundamental intensifica a associação direta, feita pelos discentes de nível médio, entre Ciências (do ensino fundamental) e Biologia (do ensino médio). Entretanto, é sabido que as ciências naturais se constituem também pela Química e pela Física ‒ então apoiadas pelos conhecimentos da Matemática ‒ e possuem objetos de compreensão mais amplos. Obviamente, haja vista a complexidade inerente aos conteúdos estudados nessas áreas do conhecimento durante o ensino médio, não é esperado que sejam igualmente discriminados no fundamental. É necessário, no entanto, que nesse nível escolar essa associação limitada seja desconstruída e dê lugar a mais do que novas disciplinas, mas a uma visão integradora dos ramos que constituem as ciências naturais. A visão integradora que aqui se fala diz respeito à compreensão de que, por mais que os estudos científicos estejam fragmentados em áreas específicas (e no ensino médio sejam tratados em disciplinas específicas), todos concorrem para um objetivo comum: a compreensão dos fenômenos da natureza, bem como suas aplicabilidades tecnológicas. Quando a construção dessa compreensão se torna realidade nas atividades escolares, os alunos se tornam mais propensos a estabelecerem conexões entre os temas analisados nas diferentes disciplinas, perceberem os pontos de interesse em comum elas têm e como se complementam. São essas relações, afinal, que dão sentido às ciências naturais como área do conhecimento e são imprescindíveis para que uma nova visão de Ciências seja construída. Não são raras as vezes que os discentes, quando colocados diante de determinados conceitos em aulas de Física, reagem: “Ah, é aquele assunto da Química”, ou “Essa aula é de Física ou de Química?”, discursos que denotam a ideia implícita do pertencimento (até então exclusivo) de determinados temas a uma disciplina única. Quando essa “categorização congelada” de conceitos é cultivada na sala de aula, ou seja, quando momentos de articulação Ciência & Ensino | Vol.8 | Nº. 2 | Ano 2019 | p. 2 Lívia da Silva Santos; Sylvia De Chiaro não são explorados, o aluno perde a chance de refletir significativamente sobre eles, e as associações necessárias para que se alcance uma compreensão mais amadurecida dos fenômenos naturais, que constitui o objetivo maior do estudo dessas disciplinas, é substituído por memorizações estanques, que geralmente objetivam somente a aprovação em avaliações do conhecimento e muitas vezes não são úteis quando da necessidade de resolver problemas que solicitem o conhecimento desses conceitos. Em contrapartida, tendo em vista que muitos dos conceitos estudados na Física são também objetos de interesse da Química, estão modelados nas aulas de Matemática, são de interesse da Biologia e muitas vezes são abordados em períodos muito próximos do ano letivo, faz sentido que o professor considere os conhecimentos prévios que os alunos trazem de outras disciplinas para que a construção dos novos conhecimentos passe por relações, conflitos e conexões com os anteriores e os faça se estabelecer na estrutura cognitiva dos estudantes de maneira significativa. Para Ausubel (2003), quando os novos conhecimentos apresentados aos estudantes são potencialmente significativos e se relacionam de maneira não arbitrária e não literal (ou seja, de maneira lógica e não aleatória) com seus conhecimentos prévios ‒ que ele chama de subsunçores ‒ esses últimos servem de ancoragem para as novas ideias e aí existe um processo de aprendizagem significativa. Dessa maneira, além da construção verdadeira de significados, há também uma memorização significativa de conceitos, que difere de uma memorização mecânica justamente por estar bem fundamentada e ancorada pelas relações bem estabelecidas com os conhecimentos prévios. É importante, no entanto, destacar a relevância da memorização mecânica e salientar que a proposta deste trabalho não é descartá-la em detrimento da aprendizagem significativa como única forma de aprendizagem, mesmo porque a própria aceitação dessa última compreende a existência de conceitos preexistentes na estrutura cognitiva do aluno que a ela pode ter sido incorporada de diversas maneiras que não por significação, mas aleatoriamente, sem lógica associada. No entanto, o que aqui se defende é que o professor deve, em suas práticas pedagógicas, se aproveitar desses conceitos, explorá-los, fazê-los interagir com as novas ideias por ele propostas para que o aluno possa estabelecer conexões entre ambos e não somente reter o novo conhecimento, mas ter a chance de atribuir significados aos anteriores, caso ainda não tenham, ou modificar os existentes. Além disso, tendo em vista o contexto no qual a aprendizagem significativa é aqui inserida, defender o uso de conhecimentos prévios como forma absoluta de condução do processo de ensino e aprendizagem poderia levar o leitor a pensar na sujeição do professor às atividades de outros, já que os conhecimentos prévios aqui tratados têm a ver, além dos trazidos de fora do âmbito escolar, com os conceitos que os discentes trazem de outras disciplinas.Então, por exemplo, quando do não cumprimento do currículo por parte de outros, o professor estaria impossibilitado de exercer suas atividades, o que não é verdade. Ciência & Ensino | Vol.8 | Nº. 2 | Ano 2019 | p. 3 Processo Argumentativo Mapas Conceituais Aprendizagem Significativa Crítica Ensino de Ciências Entretanto, vê-se na integração das disciplinas de Ciências a possibilidade de uma aprendizagem significativa na medida em que relações não arbitrárias entre os conceitos nelas estudados resultam na construção de conhecimentos com sentido associado a eles, ao contrário das memorizações aleatórias que, por não estabelecerem relações lógicas, facilmente podem ser confundidas ou esquecidas e, ainda, perpetuar ideias erradas. Atividades que proporcionem o movimento de relacionar esses conceitos interdisciplinares são, sobretudo, potencializadoras da Aprendizagem Significativa Crítica de que trata Moreira (2010) na medida em que nelas o discente pode abandonar o posicionamento passivo e se posicionar criticamente, podendo propor afirmações e opiniões, justificativas e pontos de vista, acerca de questões da ciência, que se alicercem em bases igualmente científicas, que são os conhecimentos prévios oriundos de outros ramos da ciência. Como estratégia de ensino e aprendizagem que busque integrar diferentes conceitos das disciplinas de Ciências, esse estudo traz a construção de Mapas Conceituais e se propõe a analisar o processo argumentativo inerente à sua elaboração identificando que relações têm esse processo com a obtenção de uma Aprendizagem Significativa Crítica no âmbito do Ensino de Ciências. Em estudo anterior, Aquino & De Chiaro (2013) já haviam demonstrado a efetividade do uso dos Mapas Conceituais em aulas de ciências a partir da temática “Radioatividade”, na construção de conhecimentos de forma significativa, crítica e interdisciplinar. No estudo citado, embora o foco não tenha sido a argumentação nesse processo de construção dos mapas, as autoras pontuaram o quanto a negociação de significados entre os alunos e entre os conhecimentos prévios e novos inerente a essa atividade, reorganiza a estrutura cognitiva dos estudantes e facilita que a Aprendizagem Significativa ocorra. O presente estudo segue a mesma linha de reflexões, colocando agora como ponto central a Argumentação dentro desse processo. 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 O papel da argumentação no processo de aprendizagem significativa (AS) A relação não arbitrária de que trata a Aprendizagem Significativa passa necessariamente pela negociação de significados entre conhecimentos antigos e novos, o que exige que pontos de vista acerca dos conhecimentos prévios estejam bem definidos e claros para que, quando confrontados pelos novos, sejam bem defendidos. Nesse processo, o aprendiz se situa em uma condição metacognitiva, na qual reflete sobre a própria estrutura do pensamento, ordena-a, define bem conceitos e, a partir daí, toma posicionamento a respeito dos seus conhecimentos prévios, possibilitando que haja uma negociação de significados com os novos. Ao final da negociação, decide quais parcelas de ambos são mais significantes para a composição de um conhecimento novo que, por sua vez, integrará sua estrutura cognitiva. A negociação de significados aqui tratada é um movimento típico de atividades de argumentação segundo Leitão(2011). Nessa concepção, a argumentação é compreendida como uma atividade discursiva que, independente do contexto em que se insere, envolve a Ciência & Ensino | Vol.8 | Nº. 2 | Ano 2019 | p. 4 Lívia da Silva Santos; Sylvia De Chiaro negociação de duas partes que divergem em relação a um assunto posto em questão. Nesse processo, uma das partes assume o caráter de proponente e lança determinado ponto de vista, tomando posição acerca dele e defendendo-o, dando razões para que seja sustentado (argumento). A outra parte assume o caráter de oponente e lança pontos de vista contrários (contra-argumentos) no sentido de diminuir ou modificar o ponto de vista defendido pelo proponente. Este agora, após refletir criticamente sobre os contra-argumentos lançados, pode manter os pontos de vista iniciais; elaborá-los, ampliando-os ou, ainda, reconstruí-los, assumindo um novo posicionamento (DE CHIARO, 2006, DE CHIARO; AQUINO, no prelo). É interessante notar que, nesse movimento de ideias propiciado pela atividade argumentativa, novas possibilidades de compreensão do assunto discutido são geradas – o que está fortemente relacionado com AS – e, mais do que isso: esse movimento não precisa necessariamente envolver mais de um indivíduo. Basta que diferentes posicionamentos estejam em questão para que exista a argumentação. Segundo Leitão (2011), quando o indivíduo argumenta consigo mesmo, se envolvendo em algo como um diálogo interno que permite a exploração de prós e contras de questões controversas e a decisão entre diferentes caminhos que se apresentam, aí há argumentação. Se em uma aula de Física sobre eletrodinâmica, por exemplo, o professor propõe a seguinte pergunta: “Que partícula subatômica vocês acreditam que tem mais facilidade de movimentação: prótons ou elétrons?”, o aluno reponde: “elétrons”, e o professor rebate: “por quê?”, havendo no aluno o desejo de se engajar num processo argumentativo, ele vai necessariamente posicionar-se acerca do seu ponto de vista para defendê-lo. Nesse caso ele se coloca em um nível metacognitivo, do qual lança olhar sobre a própria estrutura cognitiva onde buscará, nos seus conhecimentos prévios, as justificativas cabíveis àquela questão, formulando argumentos no sentido de tornar aceita a sua proposição. Se o aluno aprendeu, das suas aulas de Química, que os elétrons são cerca de duas mil vezes mais leves que os prótons, ele pode se posicionar sobre este conhecimento prévio e se utilizar dele para argumentar sobre sua afirmação: “Porque os elétrons são muito mais leves que os prótons, professor”. Vê-se na resposta do aluno uma relação não arbitrária estabelecida entre os seus conhecimentos prévios, advindos de aulas de Química anteriores, com o conhecimento novo proposto pelo professor de Física. Percebe-se que o processo argumentativo está intimamente relacionado à AS já que o posicionamento tomado pelo aluno a respeito do conhecimento prévio para construir seu argumento constitui, nesse caso, uma relação não arbitrária e, ainda, que é possível acontecer a integração de conceitos interdisciplinares de que trata a problemática que motivou o presente estudo. Por outro lado, pode ser que o aluno precise argumentar consigo mesmo se, ao mesmo tempo em que encontrou essa ideia prévia, ele também encontrou internalizada a informação, igualmente proveniente de aulas de Química, de que os elétrons se distribuem em camadas de valência e que os elétrons nas camadas mais externas são menos ligados ao núcleo atômico, sendo chamados de elétrons livres. Então ele terá que decidir, entre esses dois caminhos Ciência & Ensino | Vol.8 | Nº. 2 | Ano 2019 | p. 5 Processo Argumentativo Mapas Conceituais Aprendizagem Significativa Crítica Ensino de Ciências internamente apresentados, qual a melhor justificativa, exercendo assim a argumentação, segundo Leitão (2011), no seu caráter dialógico e metacognitivo. Ora, se a negociação de ideias que se dá no plano intrapessoal também constitui argumentação, então a construção significativa de conhecimentos, pelo caráter não arbitrário das relações estabelecidas entre conhecimentos prévios e novos, é uma atividade eminentemente argumentativa. Percebe-se que o papel da argumentação no processo de AS consiste justamente na natureza argumentativa desse processo, afinal os conhecimentos prévios são, para o aprendiz, os pontos de vista sobre os quais deverá se posicionar, refletir criticamente (durante todo o processo argumentativo) e então estabelecer razões bem definidas para que sejam aceitos. Da mesma maneira, os novos conhecimentos ‒ quando diferentes dos prévios ‒ farão para eles o papel de contra-argumentos e deverá haver entre ambos os posicionamentos uma negociação entre aspectos mais ou menos relevantes, que resultará na construção e retenção significativas de um conhecimento novo. 2.2 Papel da atividade argumentativa para o processo de aprendizagem significativa crítica (ASC) Quando se fala em reflexão crítica, outra concepção de Aprendizagem Significativa – trazida por Moreira (2010) – está em questão. Nela, mais do que considerar os conhecimentos prévios do aluno como ancoragem para os novos, o professor deve ter em mente que a negociação de significados entre eles deve acontecer de maneira crítica e que, portanto, as condições segundo as quais a aula será conduzida e a forma como os conhecimentos canônicos serão compartilhados entre professor e alunos pode ser determinante nesse movimento. Segundo Moreira (2010), numa aula onde a aprendizagem significativa crítica é o objetivo, o aluno deve ser ativo. Ele deve aprender a negociar significados, a ser crítico e aceitar críticas, abandonando a prática de aceitar acriticamente a narrativa do professor. Nesse sentido, o professor deve se empenhar na promoção de um ambiente onde os alunos pensem reflexivamente, negociem significados entre si, discutam ideias, agindo ele, como mediador dessa negociação. Outra vez, a negociação de significados revela a indissociabilidade existente entre a atividade argumentativa e a construção do conhecimento de maneira significativa e crítica. Mas, além disso: vê-se que a forma como a argumentação é trazida para a sala de aula também tem influência nesse processo. Por mais que o professor seja capaz de estabelecer conexões entre conteúdos e articular bem ideias se utilizando de momentos de argumentação, tais ideias podem ser melhor aprendidas significativa e criticamente quando da promoção de atividades específicas que exercitem a capacidade de argumentação dos discentes e aumentem as possibilidades de geração de novas ideias e novas formas de pensamento. Para Leitão (2011), o trabalho com argumentação em sala de aula demanda do professor disposições e ações específicas. Ela destaca que, além de se dispor a trabalhar com Ciência & Ensino | Vol.8 | Nº. 2 | Ano 2019 | p. 6 Lívia da Silva Santos; Sylvia De Chiaro argumentação em sala de aula, o professor deve manter sempre empenho e atenção no desenvolvimento das atividades de argumentação, sobretudo não deixando passar oportunidades de argumentação sejam elas espontâneas ou intencionais. Além disso, para desempenhar bem o papel de mediador, o professor deve possuir domínio dos conceitos e dos tipos de raciocínios característicos da sua área de atuação (modos de pensar e argumentar). Essa última afirmação é importante, e merece destaque, pois é a forma como o professor vai intermediar as discussões que vai estimular a construção de maneiras de pensar, refletir, raciocinar, típicas da área do conhecimento em questão. Segundo De Chiaro & Leitão (2005), a apropriação do conteúdo curricular depende especialmente da mediação do professor. Então, a contribuição do professor de Ciências na atividade de argumentação vai dizer muito sobre como os pontos de vistas (subsunçores) serão, pouco a pouco, avaliados criticamente pelos aprendizes. Portanto, quando se fala em permitir o engajamento dos estudantes em discussões, reflexões e críticas, significa que sob a mediação do professor, o grupo caminhará na construção de um pensamento e de uma compreensão crítica acerca do conteúdo e, sobretudo, com influências da maneira de pensar da área de estudo em questão. Ainda em posse do exemplo anterior, se o aluno se posicionasse sobre seus conhecimentos prévios e decidisse que a melhor justificativa é a de que os elétrons são mais leves que os prótons, o professor poderia (mesmo sem saber que considerações o aluno fez para formular essa resposta), rebater: “Interessante, essa colocação. Para mim, ela faz sentido. Eu vinha pensando sobre as camadas de valência do átomo e os elétrons presentes nas camadas mais externas. Faz algum sentido para vocês?” Assim, além de articular ideias trazidas de aulas anteriores de outra disciplina (sem necessariamente fazer menção direta a ela), o professor daria espaço e mediaria uma negociação de ideias, tanto entre professor e aluno, como entre os alunos, dando oportunidade de discussão de ideias e tpomada de posicionamentos críticos entre os discentes , o que propõe a teoria da ASC. No que se refere à argumentação, o exemplo revela novamente o movimento argumentativo que vem sendo adotado nesse estudo uma vez que, nessa situação, o aluno se posiciona sobre uma questão proposta, formula e expõe um argumento que defende seu posicionamento e, o considerando, o professor formula um contra-argumento, no sentido de testar ou modificar as concepções iniciais do aluno. Vale salientar que, quando o aluno se posiciona sobre ideias, ele intrinsecamente está fazendo especulações e buscando soluções lógicas para elas, característica importante da área de Ciências Naturais. Por outro lado, levando em consideração as ações específicas e as oportunidades de argumentação propositalmente criadas de que trata Leitão (2011), o professor poderia propor atividades específicas que propiciassem momentos planejados de argumentação e de integração entre as disciplinas de Ciências: propor a leitura de estudos publicados em artigos científicos e a defesa de opiniões acerca do tema, a análise de uma atividade experimental na qual os alunos pudessem usar seus conhecimentos prévios para justificar os fenômenos observados, ou ainda a construção de Mapas Conceituais, objeto de interesse desse estudo. Ciência & Ensino | Vol.8 | Nº. 2 | Ano 2019 | p. 7 Processo Argumentativo Mapas Conceituais Aprendizagem Significativa Crítica Ensino de Ciências 2.3 O processo argumentativo na construção de mapas conceituais Mapa Conceitual é o nome dado a uma ferramenta gráfica utilizada na representação e organização dos conceitos que constituem o conhecimento. Nela, os conceitos são normalmente enquadrados em retângulos ou círculos e são relacionados entre si através de linhas sobre as quais se escrevem palavras ou frases de ligação, que revelam que tipos de relações são estabelecidas entre esses conceitos.(CAÑAS; NOVAK, 2010) Figura 1: Possível Mapa Coneitual sobre argumentação na construção de Mapas Conceituais e suas relações com a Aprendizagem Significativa Crítica. A proposta de construção de Mapas Conceituais surge com Novak, já por volta de 1972, da necessidade de identificar melhor as mudanças na compreensão de conceitos científicos por crianças. Durante pesquisa realizada na Universidade de Cornell, que se baseava na teoria da AS de Ausubel e na qual procurava acompanhar e entender as mudanças na maneira como as crianças aprendiam ciência, ele percebeu que a análise das entrevistas transcritas realizadas com essas crianças não se mostravam suficientes por não tornarem claras as relações estabelecidas entre seus conhecimentos prévios e novos, e, portanto, a maneira pela qual se dava essas mudanças. Diante dessa necessidade, propôs que a compreensão desses conceitos fosse representada pelas crianças através de Mapas Conceituais. (CAÑAS; NOVAK, 2010) Nesse contexto, percebe-se que a proposta de construção de Mapas Conceituais surge já revelando seu caráter avaliativo, a partir do qual o sujeito interessado em analisar o conhecimento de outrem pode fazê-lo investigando que relações entre conceitos são feitas por meio da representação grafada nesses mapas, o que inevitavelmente constitui uma de suas aplicabilidades. Mais do que avaliação do conhecimento e da aprendizagem, vê-se nesses mapas a possibilidade de avaliar se há um movimento de ASC. Segundo Moreira (1997), outras finalidades, além da avaliativa, podem ser atribuídas à construção dos Mapas Conceituais no contexto escolar, tais quais estratégia de planejamento Ciência & Ensino | Vol.8 | Nº. 2 | Ano 2019 | p. 8 Lívia da Silva Santos; Sylvia De Chiaro de aulas e cursos ‒ no sentido de que o próprio professor pode construí-los no intuito de mapear os conceitos do currículo a serem trabalhados ‒ ou como estratégia didática, na medida em que o professor pode construir mapas conceituais para mostrar aos seus alunos as possíveis relações entre os conceitos que vai apresentar. Ainda segundo Moreira (1997), quando os alunos se engajam na construção de Mapas Conceituais, utilizando essa técnica para integrar, reconciliar e diferenciar conceitos durante a análise de artigos, atividades experimentais e outros materiais, ela serve como o que ele chama de “recurso de aprendizagem”. Percebe-se que, enquanto recurso de aprendizagem, há um processo eminentemente argumentativo envolvido na construção de Mapas Conceituais, uma vez que o movimento de estabelecer relações entre conceitos, seja atribuindo palavras ou frases de ligação que tenham sentido claro para o(s) autor(es) do mapa, seja na tomada de decisão sobre a alocação de conceitos em uma ou outra região do mapa – próximo a esse ou aquele conceito –,dá margem para uma negociação de ideias característica da teoria de argumentação trazida por Leitão(2011). Assim, se o(s) autor(es) do mapa dialogam entre si (ou, no plano intrapessoal, consigo mesmo) para decidir quais relações existem entre determinados conceitos, havendo posicionamentos acerca de pontos de vista no sentido de torná-los aceitos, pontos de vista contrários e respostas a esses últimos, há um movimento de argumento – contra-argumento – resposta que constitui argumentação. 2.4 Relações entre o processo argumentativo na construção de mapas conceituais e a aprendizagem significativa crítica no ensino de ciências A elaboração de Mapas Conceituais é uma importante estratégia para a construção de uma Aprendizagem Significativa Crítica, sobretudo no âmbito do Ensino de Ciências, já que essa última trata das relações estabelecidas entre os conceitos que constituem os conhecimentos prévios dos estudantes e os novos, quando se dão de maneira crítica, e que os conceitos mapeados podem ser tanto esses conceitos já existentes na cognição do estudante quanto os novos. Mais que isso: Mapas Conceituais estimulam que esses conceitos sejam relacionados de maneira lógica e com determinado grau de clareza já que, para que as palavras de ligação que unem esses conceitos sejam graficamente determinadas, essas relações devem estar mentalmente claras para os estudantes. Quando uma problemática – que, necessariamente, envolve conceitos de mais de uma disciplina – é trazida para a sala de aula e a construção de Mapas Conceituais é proposta para que esses conceitos sejam sistematizados no intuito de alcançar a compreensão do tema tratado, claramente a discutibilidade do tema está sendo proposta e, por isso, um potencial processo de argumentação emerge, no qual as justificativas para a alocação de determinados conceitos nesses mapas, assim como para as relações estabelecidas entre eles (palavras ou frases de ligação), partem de posicionamentos sobre determinadas ideias e conceitos prévios (subsunçores) que, relacionando-se com conceitos novos, ganham novos significados em um Ciência & Ensino | Vol.8 | Nº. 2 | Ano 2019 | p. 9 Processo Argumentativo Mapas Conceituais Aprendizagem Significativa Crítica Ensino de Ciências movimento cuja intenção inicial é atribuir sentido aos conceitos novos. Ou seja, há uma negociação de significados que envolve ambos os conceitos e que, portanto, revela o caráter argumentativo da elaboração desses mapas, que vem sendo explorado nesse estudo. É importante destacar que o processo argumentativo na elaboração de Mapas Conceituais independe do número de indivíduos envolvidos, uma vez que a própria tomada de decisão entre as diferentes possibilidades que surgem no momento de articulação de conceitos constitui – no caso de um mapa construído por um único indivíduo – a argumentação na dimensão dialógica, proposta por Leitão (2011), que ocorre no plano intrapessoal, na medida em que nesse processo o indivíduo precisa argumentar com diferentes vozes internas. Ainda nesse contexto, se verifica na elaboração desses mapas a possibilidade de um estímulo ao não fracionamento das Ciências da Natureza em disciplinas isoladas, isto é, a depender do tema proposto, pode haver um incentivo, na construção dos mapas, para a percepção de que os conceitos adquiridos em outras disciplinas podem (e devem) dialogar entre si no intuito de solucionar problemáticas, mesmo porque na natureza não existem essas dissociações, e o aluno, enquanto ser crítico que é, está apto a mediar esse diálogo. Já que a discutibilidade do tema significa que o estudante pode refletir criticamente, emitir opiniões, críticas (e recebê-las), então há um processo de ASC em potencial. Para o âmbito do Ensino de Ciências, essa possibilidade de fazer especulações, afirmações sujeitas a contraposições, defender teorias, é um ganho significativo no sentido de que o estudante passa a ser encorajado a não aceitar quaisquer afirmações como verdadeiras mas, a partir de reflexões críticas, obter suas próprias opiniões e conclusões o que, afinal de contas, é um prenúncio das atitudes que compõem o saber e o fazer científicos. Em síntese, a elaboração de Mapas Conceituais revela um processo eminentemente argumentativo que é indissociável da ASC, o que os torna uma estratégia de ensino e aprendizagem importante em contextos onde uma aprendizagem significativa e crítica é o objetivo, sobretudo no âmbito do Ensino de Ciências. Tendo como base esses pressupostos, este estudo buscou analisar empiricamente o exercício da argumentação na construção de Mapas Conceituais e verificar nela movimentos característicos de uma Aprendizagem Significativa Crítica em uma aula de Física. 3 METODOLOGIA As atividades de elaboração de Mapas Conceituais analisadas nesse estudo foram produzidas em uma turma de primeiro ano de uma Escola Estadual de Referência em Ensino Médio do Recife durante aulas cedidas ao Pibid de Física da Universidade Federal de Pernambuco. Na ocasião, o conteúdo conceitual que vinha sendo discutido nas aulas normais de Física era Movimento Vertical, o qual já introduz conhecimentos relacionados à Gravidade na medida em que o aluno é levado a compreender que objetos, quando abandonados a uma determinada altura, adquirem uma aceleração – a aceleração da gravidade – e, posteriormente, que essa aceleração se deve a uma força de atração exercida pela terra nesses objetos. Dessa Ciência & Ensino | Vol.8 | Nº. 2 | Ano 2019 | p. 10 Lívia da Silva Santos; Sylvia De Chiaro maneira, não havia a intenção, na execução dessa atividade, de introduzir as ideias mais gerais de Gravitação Universal dos Corpos, mas de aproveitar os conhecimentos prévios dos estudantes acerca da Gravidade, enquanto força exercida em objetos que se situam nas mediações de corpos com diferentes intensidades de atração gravitacional, na análise do tema proposto, por meio da elaboração de Mapas Conceituais. As atividades, que tiveram como problemática central o tema "Efeitos da Gravidade sobre o nosso organismo" se dividiram em três momentos. No primeiro, a professora (e autora desse estudo) reuniu toda a turma em um grande círculo e deu início a uma atividade discursiva no intuito de situar a problemática e levantar questionamentos que evidenciassem, nas respostas dos alunos, a presença de subsunçores relacionados ao tema. De fato, quando questionados sobre Gravidade, alguns estudantes revelaram seus conhecimentos prévios, um sugerindo ser alguma força feita sobre um corpo, outro que na sua ausência seus corpos flutuariam, um terceiro propondo que sem os efeitos da gravidade os corpos crescem. A atividade discursiva foi guiada por problematizações e questionamentos, por parte da professora, pelas respostas dos alunos, e culminou na proposta temática, quando a professora sugeriu que as questões, ideias e conceitos emersos poderiam ser considerados na elaboração de Mapas Conceituais, no sentido de realizar o mapeamento e encadeamento desses conceitos, em um movimento cujo objetivo era encontrar maneiras de explicar a problemática em questão e obter respostas imbuídas de sentido para os questionamentos levantados. Então, foi explicado como são construídos os mapas conceituais e alguns exemplos foram projetados na lousa. Posteriormente, os estudantes foram divididos, de forma aleatória, em três grandes grupos (Verde, Amarelo e Salmão) e cada grupo recebeu um artigo relacionado ao tema "Efeitos da Gravidade sobre o nosso organismo". Embora os três artigos tivessem vários pontos em comum, cada um deles trazia conceitos bem característicos de determinadas disciplinas de Ciências: o artigo destinado ao grupo Verde fazia referência a vários conceitos estudados em Biologia (células, mitocôndrias, membrana celular). Já o do grupo Amarelo trazia conceitos estudados em Física (Força, Pressão, Gravidade) e o texto designado ao grupo Salmão fazia referências às reações químicas que acontecem nas células musculares. Esses textos foram propostos como norteadores das atividades seguintes e não houve nenhum critério específico para a determinação de quais grupos de estudantes trabalhariam com quais textos, a única condição nesse primeiro momento era que cada grupo trabalhasse somente com o texto que recebeu e com seus conhecimentos prévios. No segundo momento, foi proposto que cada grupo, tendo realizado a leitura do texto, elaborasse um Mapa Conceitual. Os mapas foram construídos em folhas de papel A4, seus conceitos enquadrados em post-its – para que a movimentação pudesse ser facilitada – e as palavras e setas de ligação escritas sobre o próprio papel. O terceiro momento consistiu da elaboração de um único Mapa Conceitual por um grupo formado por estudantes oriundos dos grupos anteriores. A professora solicitou que pelo menos Ciência & Ensino | Vol.8 | Nº. 2 | Ano 2019 | p. 11 Processo Argumentativo Mapas Conceituais Aprendizagem Significativa Crítica Ensino de Ciências três alunos de cada equipe se voluntariasse para integrar esse novo grupo. A redução do número de participantes teve por objetivo reduzir os ruídos nas videogravações dessa atividade, provenientes do excesso de falas sobrepostas. De maneira geral, essa sequência de atividades intencionou conhecer, em um primeiro momento, as concepções prévias (subsunçores) dos estudantes acerca do tema tratado, além de situar a proposta temática, antes de dar início às atividades de construção dos mapas. Em um segundo momento, verificar o exercício da argumentação na elaboração dos primeiros Mapas Conceituais. Nele, os textos propostos tinham por finalidade nortear possibilidades de raciocínios que resgatassem conceitos de disciplinas específicas de Ciências, além de servir como mais um recurso conceitual (na medida em que traziam vários conceitos, possíveis de se relacionarem com os subsunçores dos estudantes), de modo que esses diferentes conceitos surgissem no mapa e os elementos da argumentação (argumento, contra-argumento e resposta) pudessem emergir, no sentido de relacioná-los logicamente. Por fim, em um terceiro momento, analisar a atividade argumentativa, na elaboração de um último Mapa Conceitual, na qual conceitos característicos das diferentes disciplinas pudessem emergir e se relacionar (interdisciplinaridade) e argumentos, contra-argumentos e respostas pudessem contribuir para a negociação de significados, entre os membros do grupo, na decisão da alocação desses conceitos no mapa e dos elementos de ligação entre eles. Uma vez que o objetivo desse estudo é analisar a ASC no âmbito das Ciências a partir do exercício da argumentação na elaboração de Mapas Conceituais, esta análise enfocará o segundo e terceiro momentos – embora todos tenham sido videogravados – quando há, de fato, a elaboração dos mapas. O critério adotado nesse estudo se baseia na análise – fundamentada no estudo de marcadores conversacionais (MARCUSCHI,1999) e de operadores argumentativos (KOCH,2000) – das transcrições de discussões dos estudantes no momento da elaboração desses mapas. Os marcadores conversacionais são recursos verbais, não-verbais, ou suprasegmentais que podem sinalizar, no contexto da conversação, o papel, o posicionamento, as ações e as intenções dos interlocutores. Os operadores verbais, que podem ser apenas expressões como "an", "né", "oxe", não necessariamente agregam informações à conversação, mas podem situar o posicionamento do interlocutor nela. Já os recursos não-verbais, que podem ser gestos, apontamentos, risadas, interrupções, podem sinalizar a existência de alguma espécie de contato entre os interlocutores. Os supra-segmentais, tais como pausas e tom de voz, são igualmente relevantes na medida em que podem sinalizar momentos de planejamento verbal ou de organização do pensamento.Os operadores argumentativos, por sua vez, são elementos gramaticais que sinalizam o caráter argumentativo de determinados enunciados dos falantes. A depender do elemento gramatical, eles podem somente indicar a característica argumentativa do enunciado ou ainda determinar sua força. Nesse sentido, buscou-se analisar nas falas, gestos e atitudes dos estudantes nas discussões referentes a Ciência & Ensino | Vol.8 | Nº. 2 | Ano 2019 | p. 12 Lívia da Silva Santos; Sylvia De Chiaro elaboração dos mapas, sinais de elementos de argumentação que indicassem o caráter eminentemente argumentativo dessa atividade. Os símbolos utilizados nas transcrições aqui analisadas seguem a seguinte convenção: (incompreensível) para falas não compreendidas, ( ) para dúvidas ou sugestões, [[ para falas simultâneas, [ para sobreposição de vozes, [ ] para sobreposições localizadas, (+) ou (4.0) para pausas – onde o número em parênteses sinaliza o tempo da pausa, em segundos, / para falas bruscamente truncadas ou interrompidas, ::: para alongamento de vogal, /.../ para trechos cortados. Para preservar a identidade dos estudantes, seus nomes foram substituídos pela inicial do grupo que integrou no segundo momento de atividades, seguido de uma vogal maiúscula. Assim, por exemplo, V_B entende-se como aluna B do grupo Verde. 4. ANÁLISE DOS DADOS 4.1 Análise do processo argumentativo na elaboração de mapas conceituais: segundo momento de atividades O fragmento analisado a seguir é parte da discussão entre estudantes do grupo Verde na elaboração de seu Mapa Conceitual, que se deu após terem lido um artigo que discorria sobre pesquisas científicas recentes acerca da compreensão de como as células musculares sentem a força da gravidade. Essa análise se volta para a identificação dos elementos argumentativos sinalizados nas falas e demais marcadores conversacionais, que nos permitam caracterizar a elaboração de Mapas Conceituais como uma atividade eminentemente argumentativa e, pelo até então exposto, capaz de construir conhecimento significativa e criticamente, sobretudo articulando conceitos característicos de diferentes disciplinas de Ciências. [T02] V_A: Bota aqui ó (+) a Gravidade é uma força, abre outra, ((referindo-se a outro conceito)) aplicada sobre um certo corpo (incompreensível) [T03] P: Ah, entendi. [T04] V_B: Então tira essa leveza e só (coloca só) Força. [T05] V_A: Vai ter que tirar tudo [T06] V_B: (Que tudo rapaz?) (incompreensível) só esse aqui, a força e sei que /sei que /sei que (+) só tira só a leveza ((retira o conceito leveza do mapa)) [T07] V_A: Bota/ (+) a Gravidade é uma força exercida sobre um certo corpo ((sinaliza ligações entre conceitos no mapa com o dedo indicador)) [T08] V_B: [T09] P: [exercida sobre um determinado corpo] Vocês acham que esse conceito leveza pode entrar em outro lugar? [T10] V_B: [então tira esse daqui ((retira outro conceito do mapa)) [T11] V_C: Po:/ (+) eu acho que pode entrar aí na Gravidade porque (com a presença) da gravidade [T12] V_A: [pode aqui na perd a muscular ((aponta para região do mapa)) Ciência & Ensino | Vol.8 | Nº. 2 | Ano 2019 | p. 13 Processo Argumentativo Mapas Conceituais Aprendizagem Significativa Crítica Ensino de Ciências [T13] V_C: Não, mas eu acho que pode entrar aí na força da gravidade porque quando/ [T14] V_A: [Dependendo da gra- vidade] [T15] V_C:é (+) ((fala acelerada))(cai em reação) (+) Porque eu acho que quando (incompreensível) o corpo da pessoa fica mais leve. Eu acho sa/ porque eu não sei o que/ eu não sei muito o que é né? [T16] V_B: Exercida(+) em (+) determinado corpo ((fala para outra colega escrever no mapa)) [T17] V_A: (Agora tem que ter cuidado) no espaço, tá ligado? aqui porque a gente já colocou leveza/ /.../ [T18] P: Sim, vamo voltar aqui (+) aí o conceito de leveza vocês vão simplesmente tirar? ou vão colocar em outro lugar? [T19] V_A: É (+) porque eu acho que ela já tá aqui (em perda) muscular ((aponta para região do mapa)) porque eu acho que quando a pessoa ela vai (perdendo) a força muscular eu acho que ela vai se sentir mais leve (2.0) então eu acho que já tava encaixado. [T20] V_B: é: No início do trecho, [T02 à T08], os alunos V_A e V_B opinam a respeito de conceitos que devem entrar ou sair do mapa e de como eles devem se relacionar. Quando V_B sugere retirar o conceito "leveza" do mapa [T06], V_A demonstra se opor, apesar de não questionar os motivos que levam V_B a propor sua retirada. Sua fala sugere que, para ele, o conceito "leveza" é importante para o contexto do mapa, na medida em que, sob a ideia da retirada desse conceito, ele emite o ponto de vista de que, dessa maneira, todos os outros conceitos também precisam ser retirados.V_B, por sua vez, não concorda com o ponto de vista de V_A e mantém o seu, de que o conceito pode ser retirado do mapa sem que haja perda de sentido, retirando-o de fato. Apesar disso, V_A apenas retoma sua sugestão inicial [T02], não sinalizando estar contra nem a favor da retirada, mas estar aceitando a decisão de V_B. Embora não hajam marcadores conversacionais nem operadores argumentativos clássicos (de justificativa ou contraposição) que denotem a presença dos três movimentos da argumentação no início desse trecho (argumento, contra-argumento, resposta), é possível perceber a presença de diferentes pontos de vista, potencializadores de argumentação, sendo, de fato, negociados. Por outro lado, a elaboração do Mapa Conceitual já revela seu caráter propiciador de reflexões significativas e críticas quando V_B, no turno [T04], traz o elemento gramatical "Então" seguido da proposta de mudança de conceitos, demonstrando na sua fala que a mudança que propõe se deve a uma consideração feita da fala de V_A em [T02]. Ou seja, quando V_B sugere "Então tira essa leveza e só (coloca só) Força" ela demonstra que os conceitos trazidos por V_A se relacionaram de alguma maneira com seus subsunçores, modificando-os de tal maneira que o conceito "leveza", antes aceito naquele contexto, não só não se fez mais necesCiência & Ensino | Vol.8 | Nº. 2 | Ano 2019 | p. 14 Lívia da Silva Santos; Sylvia De Chiaro sário para ela, como pode ser substituído por um outro, proveniente da fala de V_A, igualmente carregado de sentido. No turno [T09], a professora se insere na discussão como uma integrante do grupo e questiona se os alunos acham que o conceito "leveza" pode continuar no mapa se relacionando de alguma maneira com algum outro conceito. A aluna V_C, em [T11] afirma que sim, que pode se relacionar com o conceito "Gravidade", e segue trazendo um operador argumentativo, segundo KOCH(2000), de justificativa ("porque") relacionando-o à sua afirmação anterior. Em outras palavras, V_C formula um argumento de defesa do seu ponto de vista, que é contraposto em [T12] quando V_A a interrompe para sugerir outra associação. Embora não haja um operador argumentativo de contraposição explicito na fala de V_A no turno [T12], percebe-se que ele se utiliza de um recurso não verbal para trazer uma ideia contrária à de V_C, na medida em que a interrompe antes que conclua sua fala, sinalizando sua discordância ao mesmo tempo em que expõe seu ponto de vista, isto é, V_A lança um contra-argumento. A aluna V_C rebate, no turno seguinte [T13], discordando de V_A – o que fica explicito pelo uso do operador argumentativo de contraposição "mas" – e retoma seu posicionamento anterior, seguido mais uma vez pelo operador argumentativo de justificativa "porque". Esse movimento de resposta ao contra-argumento do interlocutor encerra um ciclo argumentativo e dá início a um outro, iniciado por V_A no turno [T14], no qual ele interrompe a justificativa de V_C e insere um outro posicionamento. Na fala de V_A, entende-se que o elemento gramatical "dependendo", usado por ele, caracteriza sua fala como um novo argumento, dado à resposta de V_C, na medida em que esse elemento denota que, para V_A, a resposta de V_C não é válida (ou seja, dá indícios de discordância), a menos que outros pontos de vista, que ele já considera e insere na sua fala, sejam considerados – nesse caso, a que intensidade de força gravitacional o indivíduo é submetido. Quando V_C retorna, no turno [T15], sua fala é logo pausada, acelerada, pausada outra vez, e seguida por um operador argumentativo de justificativa. Essas pausas, por surgirem logo após as ideias de V_C terem sido confrontadas e serem seguidas de um operador de justificativa, são interpretadas como pausas de hesitação que, segundo MARCUSCHI(1999), servem para o planejamento verbal e têm motivações cognitivas, sobretudo metacognitivas, denotando que o indivíduo está refletindo sobre os próprios pensamentos. Em outras palavras, percebe-se na fala de V_C que ela considera o argumento de V_A e se posiciona no sentido de contraargumentar com ele. Suas pausas sugerem a busca por elementos (subsunçores) que fundamentem a justificativa dada ao seu ponto de vista. Não encontrando as bases fortes que sustentem um contra-argumento,V_C conclui a fala dizendo que não sabe muito bem o que é. No turno [T19], após a professora ter estimulado a continuidade da discussão acerca da retirada ou não do conceito "leveza", o aluno V_A conclui (o que constitui uma resposta, no ciclo argumentativo) que o conceito não precisa estar no mapa porque já está implícito em um outro. Sua fala já se inicia com o operador de justificativa "porque", associado ao seu posicionamento em relação à questão da retirada ou permanência do conceito no mapa, seguido de Ciência & Ensino | Vol.8 | Nº. 2 | Ano 2019 | p. 15 Processo Argumentativo Mapas Conceituais Aprendizagem Significativa Crítica Ensino de Ciências um ponto de vista seu, evidenciado pelo "acho". Seu próprio ponto de vista é justificado por um outro, de caráter eminentemente conceitual que, por sua vez, relaciona os conceitos "força", "músculos" e "leveza" – esse último podendo ser entendido como sinônimo de perda de peso associada à perda de massa muscular – também sinalizado pelo operador "porque" seguido de "acho". V_A sugere refletir sobre seus próprios pontos de vista, sinalizado pela pausa de dois segundos – recurso supra-segmental (MARCUSCHI, 1999) – e introduz o operador de conclusão "então" relativo aos argumentos apresentados no início da fala. A fala de V_A, no turno [T19], além de denotar o acontecimento da argumentação entre diferentes vozes (na medida em que ele reflete sobre as próprias concepções) e pessoas (por constituir uma resposta ao contra-argumento de V_C), revelando o caráter eminentemente argumentativo da atividade de elaboração de Mapas Conceituais, sinaliza também como essa atividade pode ser potencializadora do exercício de integração de conceitos interdisciplinares, no âmbito das ciências da natureza, de maneira significativa e crítica. Vê-se, na análise desse trecho, que a tomada de posicionamentos inerente à elaboração de mapas conceituais, seja quanto aos conceitos que ficam ou saem, seja quanto aos elementos de ligação entre esses conceitos, faz emergir o caráter eminentemente argumentativo dessa atividade, já que todos os elementos de um ciclo argumentativo foram identificados. Além disso, percebe-se a relação que a atividade argumentativa na construção de Mapas Conceituais tem com uma aprendizagem significativa crítica, o que fica evidente especialmente quando a aluna V_C se posiciona criticamente quanto ao argumento de V_A, em [T15], no intuito de defender seu ponto de vista, sua concepção, e vai buscar nos seus subsunçores elementos para que possa negociar o novo posicionamento de V_A e os seus próprios pontos de vista, formulando daí argumentos que sustentem, apesar da fala de V_A, suas concepções. É quando V_C demonstra que não está envolvida em uma argumentação somente com V_A, mas, de acordo com uma concepção dialógica e metacognitiva, com vozes internas no plano intrapessoal, auto-regulando seus pensamentos, o que é refletido nas pausas de sua fala. 4.2 Análise do processo argumentativo na elaboração de mapas conceituais: terceiro momento de atividades O fragmento analisado a seguir é parte da discussão entre estudantes oriundos dos grupos Verde, Amarelo e Salmão – formados no segundo momento das atividades –, durante a elaboração de um Mapa Conceitual. Ainda nesse momento, a problemática que motivou a elaboração do mapa foi o Tema “Efeitos da Gravidade sobre o nosso organismo”, mas os alunos não tiveram acesso aos mapas elaborados pelos grupos anteriores, nem aos textos. A discussão se dá após os alunos decidirem iniciar o mapa centralizando o conceito “Gravidade” e dispondo os conceitos “ausência” e “presença” em lados opostos, sugerindo que as futuras associações seriam feitas em dois ramos. O trecho se inicia em um momento em que os estudantes discutiam que conceitos estariam associados à presença de Gravidade: [T23]V_D: Ganha movimento? ((sugerindo possível relação entre conceitos do mapa)) Ciência & Ensino | Vol.8 | Nº. 2 | Ano 2019 | p. 16 Lívia da Silva Santos; Sylvia De Chiaro [T24]A_F: Movimento?Ganha movimento e tipo (incompreensível) [T25]S_B: Não, mas tipo/ [T26]A_E: E o bom funcionamento/ [T27]S_A: [[Faz o corpo funcionar [T28]S_B: Ó (+) com a grav/ sem a gravidade a gente tem movimento também [T29]A_F: Mas a gente tem mui/ quase (+) relativamente quase nada [T30]A_E: [Sim mas (+) enfim gente… [T31]P: Continua… [T32]A_F: Porque tipo quando/ [T33]A_E: [(no) sentido que eu tou querendo falar é que a gente ganha o nosso::: movimento, não só movimento, tipo o funcionamento normal do nosso corp/ [T34]A_F: Livre arbítrio (+) tipo não ficar pulando de um lado pra outro? [T35]A_E: [não] [T36]A_E: Não (+) não movimento (+) a gente ganha o::: funcionamento do nosso corpo [T37]V_B: [funcionamento do nosso organismo, é isso que tá querendo dizer? [T38]A_E: É (+) do nosso corpo/ [T39]S_B: [(Pronto) (+) funcionamento do nosso organism/ não mas tipo (+) [T40]A_E: Não (+) do corpo minha gent/ [T41]V_B: Do corpo, do organismo, do movimento e por aí vai [T42]S_B: [[Calma (+) na (+) na ausência da Gravidade (+) na ausência da Gravidade isso também funciona (+) se não/ [T43]A_E: Sim, mas perde você (+) olha (+) (exemplo) o sangue (você) fica com (incompreensível) por cento de perda/ É só você chegar lá [T44]S_B: [Calma (+) a gente tem / a gente tem que fal/ aí a gente tem que chegar na palavra certa (+) o problema é esse (+) porque a gente vai/ ganha movimento na/ e na ausência da Gravidade a gente também tem movimento É possível observar o início de um ciclo argumentativo, já no turno [T25], quando S_B inicia uma fala de oposição às propostas de relações entre conceitos sugeridas pelas alunas V_D e A_F, sinalizada pelo operador argumentivo de negação "não" seguido do operador argumentativo de contraposição "mas". Ela continua em [T28] com uma fala de caráter eminentemente argumentativo (argumento), assinalado pelo mesmo operador argumentativo de contraposição "mas" implícito na sua pausa. Marcuschi (MARCUSCHI,1999) chama de pausa de ligação, pela maneira como essa pausa denota a substituição de um conector, nesse caso o "mas". S_B se opõe porque, segundo seus conhecimentos prévios, na ausência da gravidade também é possível que os indivíduos movimentem seus corpos. Ciência & Ensino | Vol.8 | Nº. 2 | Ano 2019 | p. 17 Processo Argumentativo Mapas Conceituais Aprendizagem Significativa Crítica Ensino de Ciências A aluna A_F refuta o ponto de vista de S_B, no turno seguinte, trazendo também o operador argumentativo de contraposição “mas” (KOCH,2000) na sua fala e sinalizando que, apesar do argumento de S_B, ela continua achando válidas as propostas anteriores. A_F e A_E, turnos [T29] à [T33] contra-argumentam com S_B, o que fica evidente pelo uso de operadores argumentativos de contraposição "mas" e de justificativa "porque". É importante destacar o papel do professor nessa atividade, no sentido de que ele precisa se manter atento e não deixar passar oportunidades de argumentação, o que se vê no turno [T31]. A professora, ao ver na fala de A_E [T30] um operador argumentativo seguido de pausa e desistência de argumentação, entende que há um movimento de argumentação em potencial e estimula a aluna a prosseguir. De fato, a estudante procura formular um argumento de defesa do seu ponto de vista, e a própria extensão da palavra "nosso:::" denota o envolvimento em um processo de reflexão em que ela procura, nos seus subsunçores, o conceito que melhor represente aquilo que busca defender. Por outro lado, é interessante notar que depois que A_E expõe seu contraargumento, A_F e A_E percebem que partilham de algum ponto de vista em comum e nos turnos seguintes [T34] à [T36] negociam conceitos entre si no sentido de formular um contraargumento consistente. V_B, considerando os posicionamentos de A_F e A_E, sugere que o conceito "funcionamento do organismo" representa bem o ponto de vista das alunas, questionando se é mesmo esse conceito que elas estão buscando. A_E sinaliza concordância, no turno [T37], mas substitui "organismo" por "corpo", o que reitera em [T40]. Um movimento interessante ocorre em [T39] quando S_B sinaliza, inicialmente, concordar com a aplicabilidade do conceito "organismo", associado à ideia da perda de seu funcionamento na ausência de gravidade, o que é sugerido pelo uso que faz do elemento gramatical "pronto", mas, ao repetir a formulação da relação estabelecida entre ausência de gravidade e perda do funcionamento do organismo, ela volta a se opor aos argumentos de A_F e A_E, na medida em que ela própria interrompe a sua fala, retoma negando o contra-argumento proposto pelas colegas, e lança uma resposta a ele – sinalizada pelo uso do operador de contraposição "mas", que segue o elemento gramatical de negação "não". Esse movimento sinaliza a reorganização do pensamento (refletida na reorientação do discurso) e sugere que S_B está envolvida em um processo argumentativo não só com diferentes pessoas, mas com diferentes vozes, no plano intrapessoal. Vê-se a potencialidade que os argumentos dos interlocutores têm de provocar a negociação de significados entre conceitos novos e as concepções prévias dos estudantes (subsunçores), levando o indivíduo a refletir sobre o próprio pensamento (metacognição), e dando margem a novas possibilidades de compreensão da problemática discutida. A_E, em [T40], aproveita a pausa de S_B no turno anterior para reiterar a sua proposta de utilizar o conceito "corpo" ao invés de "organismo", negando o emprego desse último. Já a fala de V_B, no turno [T40], sugere que para ela é indiferente qual conceito será escolhido. Em [T42], S_B retoma a fala exibindo seu posicionamento contrário aos pontos de vista de A_E, argumentando que os organismos das pessoas também funcionam na ausência de gravidade. Na fala de S_B nesse turno, entende-se que o caráter argumentativo da sua fala Ciência & Ensino | Vol.8 | Nº. 2 | Ano 2019 | p. 18 Lívia da Silva Santos; Sylvia De Chiaro provêm do fato de dar continuidade ao turno [T39], no qual sinaliza o início de um argumento pelo uso do operador argumentativo de contraposição "mas". O próprio elemento gramatical "calma", que S_B usa no começo do turno [T42], denota uma tomada de turno na medida em que sugere o apelo de S_B para que seu argumento seja concluído antes que novos contraargumentos emirjam. É importante destacar que, embora a pausa de S_B no final do turno [T39] denote reflexão e negociação de conceitos para organização do pensamento e da fala, as pausas no turno [T42], por sua vez, não podem ser simplesmente associadas à uma reflexão interna, uma vez que podem decorrer da sobreposição de falas de V_B e S_B. Mais uma vez, o operador argumentativo "mas" surge, na fala de A_E ([T43]), denotando contra-argumentação ao posicionamento de S_B. As pausas na sua fala são interpretadas como pausas de hesitação (MARCUSCHI,1999) na medida em que dão indícios do planejamento verbal e do posicionamento metacognitivo da estudante (argumentação no plano intrapessoal), que logo justifica seu ponto de vista fazendo emergir a associação entre os conceitos "organismo", "sangue" e "gravidade". Nesse sentido, pode-se destacar o papel de recurso conceitual dos textos (uma vez que a aluna resgata conceitos trazidos no texto lido) e o potencial papel de estimulador da integração de conceitos característicos de determinadas disciplinas de Ciências, revelado no exercício da argumentação na elaboração de Mapas Conceituais. Já no turno [T44], S_B responde ao contra-argumento de A_E sugerindo uma solução para o problema que norteia a discussão: determinar um conceito que agregue sentido ao mapa. Percebe-se então que a própria elaboração de um Mapa Conceitual, pela necessidade que ela traz de relacionar conceitos logicamente, potencializa o surgimento de situações de argumentação que, por sua vez, leva a reflexões e posicionamentos significativos e críticos, revelando a relação íntima entre o processo argumentativo na construção desses mapas e a aprendizagem significativa crítica, sobretudo possibilitando a emergência de conceitos interdisciplinares e de relações significativas e críticas entre eles. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse estudo teve o objetivo de analisar o exercício da argumentação na elaboração de Mapas Conceituais e verificar como a Aprendizagem Significativa Crítica pode estar relacionada ao processo argumentativo na construção desses mapas, revelando-a como uma significante estratégia de ensino e aprendizagem e , sobretudo, potencializadora da integração de conceitos interdisciplinares, no âmbito do ensino das ciências da natureza, de maneira significativa e crítica. De fato, a necessidade de relacionar conceitos de maneira lógica e imbuída de sentido em um Mapa Conceitual revelou a potencialidade que essa atividade tem de fazer emergir movimentos de argumentação (argumento, contra-argumento e resposta), o que a caracteriza como uma atividade eminentemente argumentativa. As maneiras pelas quais se verificou movimentos de argumentação na tomada de decisão entre diferentes pontos de vista que se dispuseram no plano cognitivo e metacognitivo dos Ciência & Ensino | Vol.8 | Nº. 2 | Ano 2019 | p. 19 Processo Argumentativo Mapas Conceituais Aprendizagem Significativa Crítica Ensino de Ciências estudantes, pelo caráter não arbitrário estabelecido nas relações entre diferentes conceitos e concepções e pela possibilidade de posicionamentos e reflexões críticas por parte dos alunos, revela a indissociabilidade entre a Argumentação e a Aprendizagem Significativa Crítica. Na medida em que conceitos (normalmente estudados de forma estanque em disciplinas específicas de ciências) foram surgindo na elaboração dos mapas, a integração de conceitos de forma interdisciplinar foi acontecendo de maneira significativa e crítica, sobretudo porque as decisões a respeito da alocação e das relações entre esses conceitos no mapa, segundo as análises das transcrições, passaram pelas reflexões e posicionamentos críticos dos alunos. Esses conceitos não só foram inseridos nos mapas, mas emergiram em momentos da discussão em que os falantes intencionavam convencer os interlocutores acerca dos seus pontos de vista, como quando em [T43] a aluna A_E traz o conceito "sangue", associando-o a perda, para defender o uso do conceito "perda" relacionado ao funcionamento do organismo. Embora "sangue" e "organismo" sejam conceitos normalmente associados aos estudos de Biologia, os alunos mostram que a ponte entre conceitos associados aos estudos de outras disciplinas (como "gravidade" está para a Física) pode ser construída pelo exercício da argumentação (e, portanto, de maneira reflexiva e crítica). O próprio movimento de reflexão (que os alunos sinalizaram em suas pausas) estimulado pelo exercício da argumentação na elaboração dos Mapas Conceituais, remonta à inseparabilidade entre esse último e a Aprendizagem Significativa que se dá de maneira crítica, uma vez que esses momentos de reflexão decorreram do engajamento dos alunos em formular argumentos bons o suficiente para convencer os colegas de seus posicionamentos e como esses argumentos tivessem que se sustentar em algo, eles indicavam surgir da negociação entre os conceitos e concepções prévias dos falantes (subsunçores) e os novos posicionamentos, trazidos pelos interlocutores. Assim, os resultados desse estudo sugerem que a elaboração de Mapas Conceituais é uma atividade eminentemente argumentativa que propicia a articulação de conceitos interdisciplinarmente, especialmente no campo das ciências da natureza, de maneira significativa e crítica, configurando-a, portanto, como uma importante estratégia de ensino e aprendizagem. REFERÊNCIAS AQUINO, Kátia Aparecida da Silva; DE CHIARO, Sylvia. Uso de Mapas Conceituais: percepções sobre a construção de conhecimentos de estudantes do ensino médio a respeito do tema radioatividade. Ciências & Cognição 2013. Vol. (18)2. p. 158-171. 2013. AUSUBEL, David P. Aquisição e Retenção de Conhecimentos: Uma perspectiva Cognitiva. 1. ed. The City University of New York, E.U.A.: Plátano Edições Técnicas, 2003. CAÑAS, Alberto J.; NOVAK, Joseph D. A teoria subjacente aos mapas conceituais e como elaborá-los e usá-los. Práxis Educativa. Ponta Grossa. v.5. n.1. p. 9-29. jan.-jun. 2010. Disponível em: < http://www.periodicos.uepg.br>. Acesso em: 11 jul. 2016. Ciência & Ensino | Vol.8 | Nº. 2 | Ano 2019 | p. 20 Lívia da Silva Santos; Sylvia De Chiaro DE CHIARO, Sylvia; LEITÃO, Selma. O Papel do Professor na Construção Discursiva da Argumentação em Sala de Aula. Psicologia: Reflexão e Crítica. Vol. 18(3). p. 350-357. 2005. DE CHIARO, Sylvia. Argumentação em sala de aula: um caminho para o desenvolvimento da autorregulação do pensamento, 2006. Tese (Doutorado em Psicologia Cognitiva) – Universidade Federal de pernambuco, Recife, 2006. DE CHIARO, Sylvia; AQUINO, Kátia Aparecida da Silva. Argumentação na sala de aula e seu potencial metacognitivo como caminho para um enfoque CTS no ensino de química: uma proposta analítica. Educação e Pesquisa. No prelo. KOCH, Ingedore Villaça. A inter- ação pela linguagem. 5. ed. São Paulo, SP. Contexto, 2000. LEITÃO, Selma. O lugar da argumentação na construção do conhecimento em sala de aula. 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