Subido por janarossim

13 outubro Rebeldias Lesbicas - Jan Rossi

Anuncio
13 de outubro – Dia das Rebeldias Lésbicas, Memória das raízes
lesbofeministas na Latinoamérica/Abya Yala
Jan Rossi.
“A igualdade implica um caminho de comparação”
(Luce Irigaray)
“Somos fugitivas da nossa classe
assim como os escravos americanos
fugiam da escravidão para serem livres”
(Monique Wittig)
Em 2006, no Chile, país marcado pela mais sanguinária ditadura no continente,
e igualmente com combativas resistências, ocorreu o VII Encontro Lésbico
Feminista Latinoamericano e Caribenho, que levava o título de “Pensando
Autonomias desde uma Rebeldia Cúmplice”. O encontro foi marcado desde o
começo pela aspiração a algo diferente do caminho que vinha levando muitos
movimentos feministas nos anos 90 em diante: institucionalização,
burocratização e cooptação para esferas governamentais e agendas de
financiadoras internacionais. Segundo analisa Ochy Curiel na cartilha que
registra a Memória do ELFLAY Colombia de 2014, a abertura democrática se
deu conjuntamente com o interesse da globalização e do imperialismo de
instalar o Neoliberalismo no território latinoamericano, recém saído da era dos
regimes militares, e para isso necessitava de uma estabilidade política. Para
isso promoveu um cidadanismo liberal por meio da cooptação das lideranças
populares para cargos em organismos internacionais e financiamento de ONGs.
O movimento lésbico sempre ficou um tanto a parte dessa tendência, talvez
justamente por sua condição abjeta e ininteligível à heterorrealidade: o fato da
não reprodução. Boa parte do ativismo feminista vinha sendo financiado por
editais de direitos reprodutivos. Isso mostra o primeiro ponto da rebeldia
lésbica: o lugar favorável da estrangería à cultura masculina, possibilidade de
criação de Outra cultura e éticas, de outra perspectiva de mundo.
O encontro foi marcado pela discussão sobre Lesbiandade para além da
sexualidade ou de uma identidade reivindicatória ante ao Estado (como é a
política da Visibilidade), mas como projeto político emancipatório para todas
mulheres, sendo as lésbicas prófugas do sistema heterossexual. Se aprofundou
ali a formação política, facilitado pelo fato de que já havia lá um trabalho
anterior e tradição de lutas graças ao ativismo e teoria de lésbicas como
Margarita Pisano, Edda Gaviola, que com a heterofeminista Sandra Lidid
fundaram o movimento autonomo feminista no Chile e formaram o grupo
Complices, e o grupo Afuera de lésbicas radicais criado também por Pisano. As
discussões se deram em torno a história do movimento, teoria lésbica,
autonomia, rebeldia, radicalidade, utopia, e contexto no qual se encontravam
enquanto lésbicas, analisando a vida das lésbicas em relação à fenômenos
estruturais, sistêmicos e regionais destas. Um continente marcado por
ditaduras, invasões colonialistas, intervenções militares, guerras civis,
paramilitarismo, feminicídio, racismo, pobreza, ataque à indigenas,
privatizações, resistências populares, exploração humana, animal e da
Natureza. E desde toda essa reflexão, definir coletivamente qual projeto político
se quer fazer da Lesbiandade.
Isso se deveu à vantagem da condição lésbica de marginalidade: no contexto
latinoamericano por exemplo, foi fundamental o trabalho do GALF, que chegou
a se replicar no Peru enquanto grupo lésbico. Nos periódicos Chana com
Chana brasileiros, frequentemente vemos o debate de autonomia, com algumas
páginas com o logotipo do Mujeres Libres por exemplo. Especialmente Rosely
Roth tem um artigo de 1983 no número 4 do boletim, sobre Autonomia dos
movimentos sociais, onde relata como a cooptação por partidos reduzia a
potência política dos movimentos. As lésbicas sempre sofreram extrema
exclusão nos movimentos [hetero]feministas, que as queriam esconder, e
dentro dos espaços de homens homossexuais, gays, elas também eram
invisibilizadas, e também os partidos políticos e a esquerda sempre
subestimaram, invisibilizaram e diminuíram as lutas “homossexuais”. E isso
impulsionou sua autonomia, a mesma história se repetindo nos EUA, Mexico ou
Brasil. Essa exclusão se fez vantajosa para perceber como estes movimentos
tendiam ao reformismo e a se firmar no aspecto contracultural do ser lésbica, a
refletir por que essa exclusão acontecia: o quão desestabilizadora é a
lesbianidade para o sistema, para a dominação masculina, e quanto a
heterossexualidade é uma ferramenta política de manutenção dessa
dominação. As lésbicas estando fora, criam comunidade, autonomia e ações
diretas, tomando responsabilidades de moldar suas vidas dentro dos seus
ideais separatistas de autogestão das sapatonas.
Foi um encontro marcado pelos avanços políticos do movimento de lésbicas,
em clara ruptura e reação à tendência de LGBTização das lésbicas, e
assimilação ao conceito de Diversidade Sexual, que esvazia a aposta e
discurso lésbico. Neste encontro se profundizou a Lesbiandade como projeto
político transformador, impactando ao neoliberalismo patriarcal, o racismo, o
militarismo, a colonização, o etnocídio… Uma proposta de mudança
civilizatória, propondo uma outra cultura fora da história masculina do Domínio.
A data foi decidida em Assembléia, com umas 300 lésbicas feministas de vários
países. O primeiro encontro Lésbico Feminista ocorreu no México em 1987 e
também ocorreu em um 13 de outubro, iniciando numa sexta-feira, dia das
bruxas. E assim se decidiu pela data, impulsada pela sincronicidade. Também o
13 de outubro foi data escolhida para o primeiro encontro no México porque “é
o dia seguinte à maldita chegada dos colonizadores às terras indígenas”
segundo Angelina Marín, ativista lesbiana feminista da coletiva Moiras, em seu
discurso na Plaza de las Armas, onde ocorreu a concentração para a marcha
das Rebeldias Lésbicas após o encontro chileno. Ponto escolhido devido à
história de assassinados e desaparecidos pela ditadura pinochetista. (fonte:
blog Memoria Feminista Autonoma, texto de Victoria Adulnate). Todos encontros
latino-americanos terminam com uma marcha ao final com 300 lésbicas
feministas de várias partes do continente. Então foram convocadas ações no
continente todo nessa data, de coletivas lésbicas que não de dobram ao
opressor e nem mendigam direitos, senão que os exercem. A idéia da data é
que ocorram atividades das mais variadas, marchas, exibições de filmes,
pixações, discussões, festivais culturais… que celebrem as existências lésbicas
como ato de rebeldia ante a heterosexualidade como sistema político normativo
e obrigatório que explora e oprime as mulheres, recuperando as histórias e
genealogias lésbicas em suas teorias, acionar político e no prazer de ser
lésbica, celebrando também nossos erotismos como forma radical de alegria,
descolonização e sanação dos primeiros territórios invadidos: nossas corpas.
Retomar o dia das Rebeldias Lésbicas é importante no Brasil em tempos em
que a lesbianidade vem sendo esvaziada enquanto proposta política, sendo
assimilada para dentro da idéia de “Diversidade Sexual”. O conceito de
Diversidade vem do que mencionei no começo – a ação da globalização
neoliberal em países de terceiro mundo, e suas agentes ONGs, financiadoras,
partidos políticos, buscando acomodar movimentos de resistência como
minorias identitárias que apelam direitos ao mesmo Estado genocida que as
esmaga. Diversidade esconde políticas de acomodação ao sistema, e a idéia
de Inclusão, que dilui a nossa potente Diferença, oferecendo a pobre Igualdade
com os heterossexuais ou como mulheres, com os homens. O Lesbianismo
como ética da Diferença não se basta em obter os mesmos privilégios heteros
como casar, adotar, formar família, ou aparecer na mídia (representatividade).
Nem em obter, enquanto mulheres, igualdade com homens ou escalar no seu
regime de opressão e colonização, suas estruturas de dominação como
empresas ou secretarias governamentais. A Lésbica Rebelde entende que
nossa opressão só terá fim quando esses sistemas forem desmantelados
conjuntamente, e a nossa inclusão nele ou algumas migalhas não serão
suficiente para libertar a todas e todos povos oprimidos, animais ou a planeta.
Então a Ética da Igualdade, Liberal, sob o discurso de “Diversidade”, se
constitui numa estratégia de fragmentação e diluição da proposta lésbica.
Quando mal vemos, nos tornamos uma mera letra insignificante no amontado
de signos e bandeiras da hoje enorme sigla LGBTTQIetc, com quem dizem que
temos que nos unir muitas vezes por meio de pânico quanto à violência
heterossexual (como se homens fossem nos proteger). Basta ver o que
aconteceu com as caminhadas lésbicas em São Paulo, que este ano foi
encabeçada por uma faixa no estilo institucional, aquelas impressas em gráfica
provavelmente com algum financiamento estatal ou partidário pelo preço que
custam, levando o enorme mote: “Mulheres Lésbicas e Bis, Trans e Cis: Na
mesma luta pela vida e por liberdade”. O sistema realmente tenta convencer
que se trata de uma mesma luta e nos enfiar “todes” no mesmo saco para
assim nos administrar melhor. As marchas lésbicas brasileiras inspiraram as
marchas das rebeldias lésbicas, por termos sido pioneiras nesse tipo de
manifestação pública levando a Lesbiandade às ruas como forma de
visibilidade rebelde e redefinição do ser lésbica não como algo privado, mas
político. Mas agora, estão deixando de existir para serem renomeadas e
apagadas em sua história, enquanto Caminhada “Lesbi”, os seminários de
lésbicas são agora “seminários Lesbi”, e votam para que se tornem
“Lesbitrans”, fazendo sem sentido a própria existência de um movimento
lésbico próprio, que sem nem perceberem, foi assimilado ao LGBT se tornando
ele. Aqui não estou a negar a importância de que todos movimentos dissidentes
sexuais se organizem politicamente e se unam em momentos em que seja
necessário e estratégio, mas que devemos nos perguntar de quem é o
interesse em desarticular os espaços próprios de luta e fortalecimento de cada
questão, porque são questões diferentes. Não somos a versão feminina do
homem gay e a corpa - diferença sexual – importa, quando falamos em
Patriarcado que enxerga corpos femininos como recursos e mais antigo capital,
o reprodutivo.
Assim o neoliberalismo na sua forma de colonização de territórios lésbicos
autônomos pela propaganda ideológica do queer (ideologia colonial norteamericana que se impôs com sucesso bastante devido aos homens gays já
serem parte do problema sendo homens) e pela demanda de partidos políticos
oportunistas e eleitoreiros do qual essas mulheres fazem parte, se impôs nos
movimentos lésbicos. Também minha hipótese do por que isso veio ocorrendo,
é pelo próprio sucesso da implantação cultural do neoliberalismo, que produziu
subjetividades próprias do liberalismo: individualistas, consumistas, sem
história, ou na pós-história, onde não importa mais lutar os regimes opressivos
e sim, aplaudir a propaganda da uber com a sua bandeira identitária. A
Diversidade de Mercado é a liberdade de consumir o que quiser, a falsa
liberdade capitalista.
E saber sua história, fazer formação política como fizeram as chilenas em 2006,
talvez seja nossa aposta para rearticular o movimento lésbico enquanto
resistente, rebelde e combativo, para longe de uma inclusão que é falsa,
romântica, maternal e conciliadora como a boa e velha feminilidade, mais antiga
colonização mental masculina sobre mulheres.
FONTES:
ADULNATE, Victoria. 13 DE OCTUBRE: DÍA DE REBELDÍAS LESBIANAS
FEMINISTAS LATINOAMERICANAS Y CARIBEÑAS. 2006. Em
http://feministautonoma.blogspot.com/2007/10/13-de-octubre-da-de-rebeldaslesbianas.html
CURIEL, OCHY. EL 7MO ENCUENTRO LÉSBICO FEMINISTA:
TRASCENDENTE e HISTÓRICO. 2006. Em https://elflacguate.blogspot.com/p/
los-elflacs.html
FRANULIC, Andrea. Fala Sobre dia das Rebeldias Lésbicas “MOVIMIENTO
REBELDE DEL AFUERA PLAZA YUNGAY”, 2012. Em:
https://www.youtube.com/watch?v=sQK1QfFxYbA
MOGROVEJO, Norma. Un amor que se atrevio a decir su nombre. La Lucha de
las Lesbianas y su relacion con los movimentos homossexual y feminista en
latinoamerica. Plaza y Valdes editores. México, DF. 2000.
MOGROVEJO, Norma. VIII ELFLAC GUATEMALA. ¿DE QUE NOS TIENEN
QUE CON-VENCER? 2010. Em:
https://normamogrovejo.blogspot.com/2016/02/viii-elflac-guatemala-de-que-nostienen.html
Memórias X ELFLAY (ENCUENTRO LÉSBICO FEMINISTA DE ABYA YALA)
2014.
ROTH, Rosely. Autonomia. Chana com Chana. n. 4. 1983.
Descargar