A Iconografia numa perspetiva histórica: • A evolução do conceito de iconografia ao longo do tempo. • A contra-reforma e os primeiros manuais de iconografia. • Os bollandistas e as Acta Sanctorum. • A Iconologia de César Ripa (1593). • Os desenvolvimentos da iconografia nos séculos XIX e XX em França (Adolphe-Napoléon Didron, Henri Leclercq, Émile Mâle, Louis Réau, Jérôme Baschet). • Os desenvolvimentos da iconografia nos séculos XIX e XX na Alemanha (Anton Springer, Karl Künstle, Aby Warburg, Erwin Panofsky, Engelbert Kirschbaum). Iconografia – descrição da imagem: eikon (imagem) e graphein (escrever). Iconologia – ciência da imagem: eikon (imagem) e logos (palavra/discurso/pensamento/razão). Parece simples, não é? ICONOGRAFIA – sécs. XVI-XVIII Na história do conceito de iconografia o termo foi empregue: 1. no sentido de recolha de retratos de personagens históricas, no âmbito do estudo de antiguidades (arqueologia). Ex.: Fulvio Orsini, Imagines et Elogia Virorum Illustrium, 1570. Paulatinamente foram aparecendo recolhas «iconográficas» que não diziam respeito só a figuras históricas, mas também a alegorias. 2. no sentido de descrição de imagens cristãs e de identificação das suas associações textuais. Esta aceção desenvolveu-se sobretudo no contexto da Contra-Reforma e em relação com os manuais iconográficos para artistas. ICONOGRAFIA • Até c.1550 não existiam manuais de iconografia para representar temas religiosos. Bastavam a Bíblia, os florilégios, a tradição. • Nos fins do séc. XVI, a Contra-Reforma veio alterar este estado de coisas procurando dar indicações que evitassem erros de iconografia e que impusessem o decoro. Exemplos: – De picturis et imaginibus sacris de Ioannes Molanus (Lovaina, 1570, muito crítico a respeito da representação do nu); – De pictura sacra de Federico Borromeo (Milão, 1625); – parte do tratado Arte de la pintura de Francisco Pacheco (Sevilha, 1649). ICONOGRAFIA • Os bollandistas belgas (padres jesuítas seguidores de Jean Bolland, 1596-1665) desempenharam um papel fulcral na recolha crítica de fontes hagiográficas, através das Acta Sanctorum, publicadas desde os meados do século XVII em Antuérpia. Nos finais do séc. XIX instalam-se em Bruxelas onde passam a publicar as Analecta Bollandiana até ao presente. ICONOGRAFIA • Iconografia como indicação e explicação de temas alegóricos e personificações. Exemplos: – Cesare Ripa Iconologia (1593; 1ª ed. ilustrada, 1603); – Bellori Veterum Illustrium Imagines (1685) – com indicações iconográficas importantes; e Le vite de’ pittori, scultori ed architetti moderni (1672) – equivalente para os artistas barrocos ao estudo de Vasari. Bellori foi antiquário, bibliotecário, coleccionista. • De qualquer modo, até ao século XIX, ‘iconografia’ era empregue, sobretudo, para a descrição de retratos de figuras históricas e de antiguidades. Retrato de Cesar Ripa, em Iconologia, edição de Padova, 1624 Iconologia, Cesar Ripa (Roma,1593) • É a «ciência das imagens» (deveria ser a «ciência das personificações»). Figuras humanas acompanhadas por atributos que personificam noções gerais ou ideias filosóficas e morais (virtudes, vícios, emoções, paixões humanas, conceitos filosóficos, morais, etc.). • Criou corpus de imagens alegóricas com os respetivos atributos (c. de 1250 imagens, descritas por ordem alfabética) . • Edições italianas: 1ª 1593 (sem imagens); 2ª 1602 (sem imagens); 3ª 1603 (com imagens). • Traduções: 1644 (francesa e holandesa); 1669 (alemã); 1709 (inglesa). Iconologia, Cesar Ripa (1593) Ripa recorreu: • manuais de hieróglifos (Horapolo e Valeriano), manuais mitográficos (Cartari) e emblemáticos (Alciato). • medalhística, arte e literatura. • No entanto, muitas das criações são inventadas pelo autor (sobretudo os atributos e os seus significados). SÉCULO XIX Francisco de Assis Rodrigues, Diccionario Technico e Historico de Pintura, Esculptura, Architectura e Gravura, 1875 • Ichnographia • Iconographia • Iconologia Ichnographia: do grego ikhnos, traço, e graphô, escrever ou delinear, (archit.) plano geometrico ou planta horizontal de um edificio ou de uma fortaleza, etc. Iconografia s.f. do gr. eikon, imagem, e graphôn, suff.: descripção de imagens, estatuas, pinturas, medalhas, e mais particularmente das obras e fragmentos notaveis de esculptura antiga. Depois do seculo XIII cultivou-se muito esta sciencia, e escreveram-se memorias e investigações muito importantes sobre este assumpto, de que apôntamos as principaes: * Imagines et Elogia Virorum Illustrium, Illustrium imagines, de Fulvio Orsini*, Roma, repertório ilustrado com retratos 1569; Veterum illustrium imagines, de antigos. Fulvio Orisini detinha uma das maiores colecções de bustos, gemas, Bellorio, Roma, 1685; Iconographia grega, de moedas e baixos relevos antigos da Visconti, 3 vol.; L’iconographie des Renascença. O livro tinha entradas por personalidade feitas com dados contemporains, de Delpech, Paris, 1824, etc. epigráficos, numismáticos e escultóricos, além de algumas linhas biográficas copiadas de um autor da Antiguidade. Iconologia s.f. do gr. eikon, imagem, e logos, discurso (pint. e esculp.). É a linguagem das imagens, ou a significação das figuras allegoricas e seus emblemas, ou mais claro: é a arte de representar as imagens dos deuses da gentialidade, dos homens, das virtudes, dos vícios, das paixões, das cidades reinos e imperios; das sciencias, das artes, etc., por meio de figuras, emblemas e attributos que os distinguam, não omitindo a expressão dos sentimentos que deve sobretudo traduzir-se bem claramente nas figuras iconologicas. Podem consultar-se a Iconologia, de Cesar Ripa (1764); a Iconologia de Cochin (1796); a Iconologie historique, de Ch. Delafosse, Paris, 1768. Iconológico (adj.) – representado por símbolos. Expresso por figuras simbólicas. Iconológico (subst.) – o que pinta ou representa entes morais por meio de formas sensíveis e alegóricas. Em suma (Francisco Rodrigues): • Icnographia – desenho arquitetónico • Iconographia – identifica e descreve as imagens, estátuas, pinturas, medalhas, retratos, etc. (figuras concretas, históricas) (i.e, representação do real/histórico) • Iconologia – estuda figuras alegóricas e deuses (i.e., representação do abstrato através de formas visíveis) A Escola Francesa de iconografia - ênfase nas fontes escritas • Interesse do Romantismo francês pela religiosidade medieval conduziu ao estudo do simbolismo da arte – iconografia religiosa • Figura central: Adolphe-Napoléon Didron autor de um manual de iconografia intitulado Iconographie chrétienne: Histoire de Dieu (1843) . Este autor visitou mosteiros bizantinos (Monte Athos) para estudar a génese da iconografia cristã. • Um dos momentos altos desta escola corresponde ao Dictionnaire d’archéologie chrétienne et de liturgie (1907–53) de Fernand Cabrol (1855–1937) e de Henri Leclercq (1869–1945) (15 volumes). A Escola Francesa de iconografia Émile Mâle (1862-1954) A Escola Francesa de iconografia Émile Mâle • Figura de referência do estudo da iconografia cristã. Publicou 4 obras dedicadas à Arte Medieval e da Contra-Reforma: – L’Art religieux du XIIIe siècle en France (1898 – tese de doutoramento); – L'Art religieux de la fin du Moyen Âge en France (1908); – L’Art religieux au XIIe siècle en France (1922); – L'Art religieux après le Concile de Trente, étude sur l'iconographie de la fin du XVIe, du XVIIe et du XVIIIe siècles en Italie, en France, en Espagne et en Flandre (1932). A Escola Francesa de iconografia Émile Mâle • O método desenvolvido por E. Mâle baseava-se na identificação de temas, motivos e fontes textuais das imagens. • As suas obras constituem uma espécie de grande enciclopédia da iconografia medieval e o seu conteúdo ordena-se seguindo o argumento dos quatro Espelhos (Specula) de Vicent de Beauvais (1190-1264), na sua obra Speculum maius: 1) Espelho da Natureza (a Criação); 2) Espelho da Ciência (os trabalhos e os meses, as sete artes liberais, as artes mecânicas); 3) Espelho Moral (Vícios e Virtudes); 4) Espelho Histórico (o Antigo e o Novo Testamento, as hagiografias, a história profana e o Juízo Final). A Escola Francesa de iconografia • Depois de Mâle destaca-se Louis Réau (Iconographie de l’Art Chrétien, 1955-58), que ainda hoje constitui uma das principais ferramentas no estudo da iconografia cristã. • A Escola Francesa de Iconografia sistematizou toda a iconografia cristã. Deu a conhecer que a arte cristã apresenta um caráter simbólico e um caráter didático. Afirmou a importância do estudo da liturgia e da patrística para compreender a arte cristã e os seus significados. A Escola Alemã de iconografia - ênfase em abordagens interculturais e interdisciplinares • Os estudos de iconografia cristã iniciaram-se mais tarde do que em França. A figura fundadora foi Anton Springer (1825-1891), autor que procurou uma abordagem mais objetiva e histórica à arte medieval e às fontes escritas (Ikonographische Studien, Viena, 1860). • As regras que estabeleceu foram seguidas por Karl Künstle autor da Ikonographie der christlichen Kunst (1926–8). A Escola Alemã de iconografia • A primeira recolha exaustiva de iconografia secular, não- religiosa, foi realizada por Raymond van Marle’s Iconographie de l’art profane (1931–2), mas os desenvolvimentos mais importantes nesta área foram realizados por Aby Warburg (1866-1929) e Erwin Panofsky (1892-1968). • A partir de Warburg, Hoogewerff e Panofsky a iconografia tornou-se indissociável da iconologia. • O Lexicon der christlichen ikonographie de Engelbert Kirschbaum (1902-1970), constitui outra das ferramentas mais utilizadas nos estudos de iconografia cristã.