Edição nº 08 - Associação Brasileira de Cuidados Paliativos

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2010
CuidadosPaliativos
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REVISTA BRASILEIRA DE CUIDADOS PALIATIVOS 2012; 3 (4)
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• Cuidados Paliativos: a quem cabe esta responsabilidade?
• Pesquisa em Cuidados Paliativos
• Cuidados Paliativos e Oncologia: experiência de implantação
de serviço no Hospital A.C. Camargo
• Humanização no cuidar: Uma proposta de desenvolvimento
de equipe
R e v i s t a
B r a s i l e i r a
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C u i d a d o s
P a l i a t i v o s
2 0 1 0 ;
3
( 2 )
ERBITUX : aprovado para o
tratamento de 1 linha do câncer
de cabeça e pescoço de células
escamosas recorrente e/ou metastático
em combinação com regime de
quimioterapia baseada em platina.
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a
Merck Serono Oncology | Combination is key TM
Erbitux™ cetuximabe 5mg/mL. Para uso intravenoso. USO ADULTO. Indicações: Erbitux™ é indicado para o tratamento de pacientes com câncer colorretal metastático com expressão de EGFR, sem mutação do gene K-Ras:
em combinação com quimioterapia, ou como agente único em pacientes que tenham falhado à terapia baseada em oxaliplatina e irinotecano, e que sejam intolerantes ao irinotecano. Erbitux™ é indicado para o tratamento
de pacientes com carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço em combinação com radioterapia para doença localmente avançada em pacientes que, de acordo com critério médico, não podem ser tratados com
a associação de quimioterapia mais radioterapia, ou em combinação com quimioterapia baseada em platina para doença recidivada e/ou metastática. Contraindicações: Hipersensibilidade grave ao cetuximabe. Cuidados e
Advertências: Reações relacionadas à infusão: Reações graves foram relatadas, sendo mais frequentes durante a infusão inicial e em até uma hora após o término da mesma. Em casos de reações graves, o tratamento com
Erbitux™ deve ser imediata e permanentemente interrompido, podendo ser necessário tratamento de emergência. Distúrbios respiratórios: Foram descritos casos de pneumonite intersticial de relação causal desconhecida
com Erbitux™. Reações cutâneas: Em caso de reações cutâneas graves (≥ grau 3), o tratamento deve ser interrompido e poderá ser retomado quando regredirem para grau 2. Caso ocorram reações cutâneas graves pela
segunda ou terceira vez, o tratamento poderá ser reiniciado com dose menor (200 mg/m2 e 150 mg/m2, respectivamente), se a reação regredir para grau 2. No caso de uma quarta recorrência ou não regressão ao grau 2,
é necessária a descontinuação permanente do tratamento. Distúrbios eletrolíticos: Hipomagnesemia é ocorrência comum e reversível. Efeitos na habilidade de dirigir e operar máquinas: Não foram realizados estudos referentes
a efeitos na habilidade de dirigir e operar máquinas. Gravidez e lactação: Erbitux™ não deve ser usado por gestantes sem orientação médica; lactantes não devem amamentar durante o tratamento, nem durante 2 meses após
a última dose. Uso em idosos e grupos de risco: A segurança e eficácia de cetuximabe não foram estabelecidas para pacientes pediátricos. Não há necessidade de ajuste de dose para os idosos. Reações adversas: Cefaleia,
conjuntivite, blefarite, ceratite, embolia pulmonar, diarreia, náusea, vômitos, reações cutâneas, superinfecções de lesões cutâneas, hipomagnesemia, anorexia, trombose venosa profunda, reações no local de administração,
mucosite, fadiga, elevação de enzimas hepáticas. Interações medicamentosas: Em combinação com o 5-fluorouracil infusional, há maior frequência de eventos cardiovasculares graves, assim como síndrome palmo-plantar.
Em combinação à radioterapia há maior ocorrência de mucosite, dermatite por radiação, disfagia e leucopenia. Não há evidência de interação com irinotecano, cisplatina ou carboplatina. Posologia: Antes das infusões de
Erbitux™, os pacientes devem receber anti-histamínico e corticosteroide. Erbitux™ deve ser administrado uma vez por semana, na dose inicial de 400 mg/m2 em infusão de 120 minutos. As doses subsequentes são de 250
mg/m2, em infusão de 60 minutos. A velocidade máxima de infusão é de 10 mg/min. Não é necessário o uso de filtros em linha. Cuidados de conservação: O produto deve ser armazenado em temperatura entre 2°C e 8°C.
Não deve ser congelado. A estabilidade do Erbitux™ foi demonstrada por um período de 48 horas a 25°C. Venda sob prescrição médica. Registro MS: 1.0089.0335. SAC 0800 727 7293.
Referência Bibliográfica: 1. BRASIL. Resolução-RE no.5988 de 22 dez. 2010. Diário Oficial da União (Suplemento) no.247, de 27 dez. 2010, página 03. Disponível em http://www.anvisa.gov.br/legis/suplemento/27122010_suplemento_1.pdf. Acesso em 27/01/2011.
Contraindicação: hipersensibilidade ao cetuximabe. Interação Medicamentosa: em combinação ao 5-fluorouracil, pode ocorrer síndrome palmo-plantar.
Merck Serono é uma divisão da Merck
Av. das Nações Unidas, 12.995 - 30º e 31º andares
Brooklin Novo - 04578-000 - São Paulo / SP
www.merckserono.net
Fevereiro/2011
Revista Brasileira de Cuidados Paliativos __________________________________________________________________________________________
Revista Brasileira de Cuidados Paliativos
• 2012 •
3
Cuidados Paliativos
Sumário - Contents
Revista Brasileira de Cuidados Paliativos 2012; 3 (4)
ISSN 1984-087X
REVISTA BRASILEIRA DE CUIDADOS PALIATIVOS
BRAZILIAN JOURNAL OF PALLIATIVE CARE
ARTIGOS/RESEARCHS/REPORTS
05
Cuidados Paliativos: a quem cabe esta responsabilidade?
Rafael Aron Schmerling
07
Pesquisa em Cuidados Paliativos
Sandra Caíres Serrano
09
Cuidados paliativos e Oncologia: experiência de implantação
de serviço no Hospital A.C. Camargo
Aldo L A Dettino, Ana L Teodoro, Marcello F Fanelli,
Tatiana H Cotrim, Luciana L Zeni, Renata R L Fumis,
Sandra C Serrano.
19
Humanização no Cuidar: Uma Proposta de Desenvolvimento
de Equipe
Paula Camargo Roscio
__________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos
4
• 2012 • Revista Brasileira de Cuidados Paliativos
Cuidados Paliativos
REVISTA BRASILEIRA DE CUIDADOS PALIATIVOS
BRAZILIAN PALLIATIVE CARE JOURNAL
É uma publicação científica dirigida a médicos e profissionais
de saúde, que atuam na área de dor e cuidados paliativos em
doenças crônico-evolutivas.
Tal publicação visa divulgar artigos científicos nacionais e internacionais, promovendo a troca de conhecimento científico entre
os profissionais.
Editora Chefe
Ana Georgia Cavalcanti
de Melo
Editor Científico
Ricardo Caponero
Conselho Editorial
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Assessoria Editorial
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CONSELHO CIENTÍFICO
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de Câncer, Chefe do Departmento de
Cuidados Paliativos e Reabilitação em
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William S. Breitbart
Professor de Psiquiatria Faculdade
de Medicina Weill da Universidade
de Cornell; Chefe do Serviço de
Psiquiatria
do Departamento de Psiquiatria e Ciências Comportamentais Responsável
pelo Serviço de Psiquiatria, Dor e
Cuidados Paliativos Departamento de
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Cibele Andrucioli
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Universidade de São Paulo.
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de Cirurgia do Aparelho Digestivo
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Leo Pessini
Professor Doutor em Bioética
e Teologia Moral Superintendente
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Auro Del Giglio
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Doutor em Hematologia- FMUSP
Prof. Titular de Oncologia
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MD Anderson Cancer Center -EUA
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Matti Aapro
Diretor Instituto Multidisciplinar de
Oncologia, Suiça; Consultor do
Conselho Diretor do Instituto Europeu
de Oncologia, Itália; Consultor da
Divisão de Oncologia do Hospital da
Universidade de Genebra,Suiça.
Yvonne Capuano
Presidente da Academia de Medicina
de São Paulo; Diretora da Associação
Paulista de Medicina Faculdade de
Medicina da Universidade de São
Paulo.
Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus
autores A Revista Brasileira de Cuidados Paliativos é uma
publicação da YPÊ Editora e Publicações Ltda
Alameda Lorena 1470
01424-001
São Paulo/SP
Brasil
A Revista Brasileira de Cuidados Paliativos (RBCP) é
um veículo que tem como objetivo: publicar trabalhos relacionados as áreas de dor e cuidados paliativos em doenças crônico-evolutivas. Serão considerados para publicação os seguintes
tipos de manuscritos:
• Artigos Originais - artigos nos quais são informados
os resultados obtidos, são descritos métodos, técnicas e processos, apresentando novasidéias.
• Breves Comunicados - são comunicações originais
importantes, curtas, redigidas com um único objetivo de assegurar os direitos autorais de uma pesquisa em andamento.
• Relato de Casos - é a descrição detalhada e análise
crítica de um caso típico ou atípico. O autor deve apresentar
um problema em seus múltiplos aspectos, sua relevância e revisão bibliográfica sobre o tema.
• Revisões e Mini-Revisões - uma revisão da literatura
sobre um assunto específico, geralmente contendo análise crítica e síntese da literatura, que irá dar ao leitor uma cobertura
geral de um assunto.
• Opiniões - opinião qualificada sobre tema específico em dor e cuidados paliativos.
• Notas e/ou Notícias - informações objetivas de interesse da comunidade médico-científica.
• Debates - artigo teórico que se faz acompanhar de
cartas críticas assinadas por autores de diferentes instituições,
seguidas de resposta do autor do artigo principal.
• Resumos de Teses - é a informação sucinta do trabalho realizado. Deve conter a natureza e os propósitos da
pesquisa e comentário sobre a metodologia, resultados e conclusões mais importantes. Seu objetivo é informar aos pesquisadores de maneira objetiva qual é a natureza do trabalho,
suas características básicas de realização e alcance científico
afirmado.
• Cartas ao Editor - crítica a artigo publicado em
fascículo anterior da Revista. Os textos devem ser inéditos e
destinar-se exclusivamente à (RBCP), não sendo permitida sua
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Revista Brasileira de Cuidados Paliativos
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Cuidados Paliativos
Cuidados Paliativos:
a quem cabe esta responsabilidade?
Rafael Aron Schmerling
Oncologista Clínico do Hospital São José – Beneficência Portuguesa de São Paulo
Coordenador do Programa de Oncologia Clínica da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Com o desenvolvimento da oncologia no Brasil, temos visto felizmente a crescente preocupação com
cuidados do paciente cujo foco não é direcionado
à doença, mas ao cuidado global do paciente: seus
sintomas, anseios e outros pontos que podem comprometer sua qualidade de vida. Ainda que a definição de cuidados paliativos seja ampla e abranja
diversas variações, o senso comum denomina “Cuidados Paliativos” o conjunto de intervenções com o
objetivo de otimizar a qualidade de vida, em suas
diversas dimensões, sem a necessária intervenção
direta na doença de base.
De maneira interessante, os cuidados paliativos não vêm se desenvolvendo como especialidades clássicas. Estas têm como característica serem
constituídas por uma única classe de profissional
(médico, enfermeiro, psicólogo etc.), ao passo que
a visão do cuidado é mais abrangente e invariavelmente depende de profissionais de diferentes áreas, sobretudo pela diversidade de suas visões. Assim, mesmo que encontremos médicos dedicados
aos cuidados paliativos, como área de atuação, o
impacto de suas intervenções será pequeno sem o
trabalho conjunto com os demais profissionais de
saúde.
Em 2010, foi publicado no New England
Journal of Medicine, um estudo randomizado que
avaliou os resultados de pacientes com câncer de
pulmão metastático tratados por oncologistas em
comparação com um grupo que, além dos oncologistas, recebia acompanhamento do grupo de cuidados paliativos desde o início de seu tratamento.
O estudo mostrou que os pacientes acompanhados
em conjunto tiveram melhor qualidade de vida, aferida por instrumentos validados; tiveram indícios de
melhor cuidado, baseado na análise de consultas,
visitas e padrão hospitalização; e mais importante,
um maior tempo de sobrevida.
Isso que dizer, portanto, que “todo paciente
com câncer de pulmão metastático deve ser acom-
panhado por um grupo de cuidados paliativos” ? A
melhor resposta deve ser: SIM e NÃO.
Por que, SIM? Seria muito interessante que
houvesse um grupo de profissionais acompanhando, em paralelo, todos os pacientes acompanhados por um oncologista. O paciente teria certamente uma maior atenção para todas as suas queixas
e suas dúvidas e angústias poderiam se discutidas
em dois momentos distintos. Há porém alguns limitantes. Sobre quem o incremento do custo recairia?
Do ponto de vista logístico, para serviços de alto
volume (públicos ou privados), como se organizaria
“mais um compromisso” para todos os pacientes.
Além disso, há diversos pacientes com doença metastática sem qualquer sintoma e que talvez tivessem
maior proveito, e valorizassem mais esta estratégia,
no momento em que a doença estivesse mais avançada.
Por que, NÃO? Além de questões como custo e logística, o motivo fundamental para que nem
todo paciente demande de acompanhamento de
um grupo a parte é que, ao fazer isso, o oncologista estará deixando de cumprir o seu papel. O
cuidado da dor, de sintomas em geral, angústias
emocionais faz parte do cuidado do paciente com
câncer e, portanto é dever também do oncologista.
Se o oncologista também exerce cuidados
paliativos, qual seria o papel de um grupo dedicado? Cuidar somente de pacientes em condição
terminal ou sem perspectiva de tratamento? NÃO.
Dentre a diversidade dos pacientes com
câncer, haverá sempre uma grande variedade de
sintomas e pacientes de diferentes graus de demanda. Sempre haverá aqueles que demandarão mais
cuidados, por sua doença ou mesmo por sua relação emocional com a doença. Há ainda aqueles
que por melhor que estejam, a família demandará
uma atenção diferenciada. Oncologistas não têm
uma formação que compreenda todas as variações
de cuidados que um paciente o com câncer ou sua
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• 2012 • Revista Brasileira de Cuidados Paliativos
Cuidados Paliativos
família possa precisar e, por isso, a necessidade
do apoio de uma equipe de cuidados paliativos.
A exemplo do clínico geral, que é treinado para
cuidar de diabetes ou depressão, em diversas situações é necessário o encaminhamento para outros
especialistas. A diferença é que no cuidado do paciente com câncer, este pode precisar de um outro
profissional. Psicólogos, enfermeiros, fisioterapeutas, assistentes sociais podem representar o apoio
necessário para questões que sequer são discutidas
com o médico.
O que não pode ser deixado de lado é a
missão de educação daqueles que se envolvem com
os cuidados paliativos. Médicos de todas especialidades são responsáveis por cuidados sintomáticos
dos pacientes que atendem. E deve fazer parte de
seu treinamento (mesmo após a conclusão), os preceitos fundamentais dos cuidados paliativos. Não
pode ser diferente com enfermeiros. Haverá aqueles com maior ou menor afinidade, mas mesmo a
enfermeira do setor diagnóstico deverá estar atenta
para a dor de um paciente, antes de entrar em uma
ressonância e intervir. Psicólogos vinculados a hospitais são os que tem maior habitualidade com as
questões pertinentes ao câncer mas, mesmos os que
praticam clínica podem se deparar com pacientes
com câncer ou familiares, e têm a responsabilidade
de não aumentar angústia destes.
Desde os pacientes curáveis até os terminais, todos demandarão algum grau de intervenção
orientada para a qualidade de vida e não diretamente relacionada a doença. O primeiro profissional a se deparar com estas necessidades deve ser
o médico, que avaliando a necessidade de apoio
incorporará os demais profissionais. Para isso precisamos de profissionais bem treinados e disponíveis
e médicos atentos e que acreditem neste sistema,
mas a responsabilidade pelos cuidados paliativos
é de todos.
Referências bibliográficas:
Temel JS et al. Early Palliative Care for Patients with Metastatic Non-Small-Cell Lung Cancer. N Eng J Med
2010; 363:733-42
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Cuidados Paliativos
Pesquisa em Cuidados Paliativos
Sandra Caíres Serrano
Oncologista
Responsável pelo Serviço de Cuidados Paliativos
Hospital A.C. Camargo – São Paulo.
Alguns dos desafios inerentes à pesquisa
em cuidados paliativos podem ser identificados na
própria definição de cuidados paliativos. Embora
a definição estabeleça que os cuidados paliativos
devam ser aplicáveis precocemente no curso da
doença, na prática, a maior parte dos pacientes
que o recebem encontra-se com doença avançada,
nos últimos meses, semanas ou dias de vida1. A
definição de cuidados paliativos da Organização
Mundial de Saúde (OMS) expande a questão do
foco de pesquisa na área, uma vez que inclui a
proposta de oferecer um sistema de apoio para ajudar a família a enfrentar a doença do paciente e o
período de luto. A deficiência em relação à assistência ao luto no país torna-se um desafio, além da
ausência de políticas de incentivo nas redes pública e privada, e a carência de pessoal qualificado
na área.
A população em cuidados paliativos é extremamente heterogênea, e os serviços de cuidados
paliativos refletem variações diagnósticas e prognósticas dentro da complexidade dos pacientes
atendidos. A característica que une pacientes em
cuidados paliativos é a doença em um grupo de
pacientes que está ficando cada vez mais doente,
gerando um desafio adicional que é a condução
de estudos éticos nesta população. Há dificuldade
no recrutamento de pacientes para participação
em estudos em função da doença, pois muitos morrem antes do início do estudo, ou mesmo durante
o estudo2. Outro desafio na pesquisa em cuidados paliativos diz respeito não com o que tradicionalmente valorizamos como resultado objetivo em
pesquisa, como por exemplo, sobrevivência, indicadores físicos de regressão de doença, etc, mas
com resultados subjetivos, tais como qualidade de
vida e dor. Há sutilezas relacionadas aos métodos
de pesquisa e ferramentas empregadas, escassez
de questionários validados e de questionários transculturais, além da dificuldade adicional em estimar
prognóstico e sobrevida, que prejudicam a mensuração do resultado2. O recrutamento e a retenção
destes pacientes em pesquisa são desafiadores,
mas o próprio estado de saúde deteriorado causado pela doença avançada impacta a coleta dos
dados, que é prejudicada pela perda de concentração e cansaço fácil.
A prática clínica em cuidados paliativos é
direcionada para a melhora da qualidade de vida,
sendo um dos elementos chave deste processo a intervenção para controlar sintomas da doença avançada. Estas intervenções clínicas ou tratamentos podem ser feitas de várias formas, incluindo avaliação
e orientação profissional, medicações, procedimentos cirúrgicos e terapias complementares.
Estudos Clínicos são experimentos para testar e quantificar os benefícios e malefícios de uma
intervenção em particular, em uma situação específica, gerando resultados reprodutíveis e fornecendo
evidência de boa qualidade para tomada de decisões. A ausência de evidência de boa qualidade
gera o risco de expor os pacientes a tratamentos
desnecessários por um lado, e, por outro lado, a
negar tratamentos e intervenções que seriam mais
efetivas aos pacientes. Estudos clínicos proporcionam o mais forte nível de evidência sobre efetividade, eficiência e aceitabilidade de intervenção
clínica2. Sem evidências provenientes de estudos
clínicos, falta aos clínicos uma fonte importante de
informação para guiar sua prática diária. Esta é
uma questão particular em cuidados paliativos,
onde a pesquisa clínica não evolui com a mesma
rapidez que os programas educacionais na área.
Como conseqüência, há evidências limitadas para
a maioria das intervenções de uso rotineiro na prática clínica, dentre as quais destacamos a hidratação, uso de oxigênio, aspectos de nutrição, uso de
analgesia, antibióticos, etc. A pesquisa é essencial
para a certeza de que o tratamento que está sendo
usado é a melhor prática disponível para o pacien-
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8
• 2012 • Revista Brasileira de Cuidados Paliativos
Cuidados Paliativos
te.
A obtenção do número suficiente de pacientes é uma dificuldade particular da pesquisa
em cuidados paliativos, e a expectativa de vida
limitada dos pacientes justifica a tendência atual
de realizar estudos multicêntricos de curto prazo.
Segundo Hagen et al2, há dez áreas com necessidade urgente de pesquisa em cuidados paliativos:
1.Mensuração de sintomas e sintomas “clusters”,
2. Estudo das bases biológicas de “clusters” complexos de sintomas,
3. Aprimorar pesquisa em intervenção de sintomas,
4. Cuidador informal e família,
5. O impacto da pobreza,
6. Crenças sociais e enfrentamento da morte e cuidados de final de vida,
7. Mensuração de qualidade de vida dentro dos diferentes ambientes culturais,
8.Desenvolvimento do sistema de atendimento à saúde,
9. Compreender e responder a transição do tratamento curativo para paliativo,
10. Uso de tecnologia para aprimorar cuidado e
transferência de conhecimento.
A pesquisa em cuidados paliativos deve ser
considerada parte integral e essencial da disciplina, o
que contribuirá para melhor qualidade de atendimento e gerenciamento de recursos em nossa população.
Referências bibliográficas:
1. Hagen NA, Addington-Hall J, Sharpe M, Richardson A, Cleeland CS (2006). The Birmingham International Workshop on Supportive, Palliative, and End-of-Life Care Research. Cancer 107:874-81.
2. Kaasa S, De Conno F (2001) Palliative care research. European Journal of Cancer 37 Suppl 8:S153-9.
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Cuidados Paliativos
Cuidados paliativos e Oncologia:
experiência de implantação de serviço
no Hospital A.C. Camargo
Aldo L A Dettino1,2,3,4, Ana L Teodoro5, Marcello F Fanelli1,2, Tatiana H Cotrim6,
Luciana L Zeni6,7, Renata R L Fumis6,8, Sandra C Serrano9.
1- Hospital A. C. Camargo, Oncologia Clínica, & Centro Internacional de Pesquisa e Ensino
Fundação Antônio Prudente; 2- Instituto de Oncologia, de Jundiaí-SP; 3- ATDP Saúde; 4- Consultório
Clínica D. Erlich, 5- Hospital A. C. Camargo, Cuidados Paliativos-Enfermagem; 6- Hospital A.C.
Camargo, Cuidados Paliativos, Psicologia e Nutrição; 7- Centro de Infusões Pacaembu (CIP),
Psicologia Organizacional; 8- Faculdade de Medicina do ABC, Psico-oncologia; 9- Hospital A.C.
Camargo, Cuidados Paliativos e Central da Dor; São Paulo-SP, Brasil
RESUMO
tendiam a ir mais freqüentemente ao pronto socorro e, adicionalmente, estiveram hospitalizados por
mais tempo - mediana de 5 dias (faixa de 0-113);
após serem incluídos no programa de cuidados
paliativos, a mediana de hospitalização foi de 4
dias (faixa de 0-34),cuja comparação mostra diferença significante (p=0,049). A mediana de sobrevida após a inclusão nos atendimentos do Serviço
Objetivos
de Cuidados Paliativos foi de 1,9 meses (faixa:
Apresentar a experiência do maior hospital de cân- 0-23,3; intervalo interquartil: 5-5,3). Ao fim do pecer da América Latina na implantação de seu Servi- ríodo apresentado (06/2006), a situação era de
ço de Cuidados Paliativos.
69% de óbitos, 30% vivos e 1% de perda de seguimento. O local do óbito foi o hospital em 94% dos
Métodos
casos.
Descrição dos resultados dos trabalhos realizados
nas fases piloto e inicial da implementação do Ser- Conclusão
viço de Cuidados Paliativos do Hospital do Câncer O serviço de Cuidados Paliativos do Hospital A.
A. C. Camargo, em São Paulo-SP, Brasil (04/2004 C. Camargo foi implantado com sucesso desde
a 06/2006), através da revisão de dados de uma 04/2004. O plano futuro é de melhorar a quasérie de casos.
lidade de atendimento a pacientes sob cuidados
paliativos, seja por doença oncológica, seja por
Resultados
outras comorbidades; além disso, seguir na divulgaUma série de 119 casos é apresentada, com maio- ção deste importante trabalho, tanto no âmbito de
ria de mulheres (72%); mediana de idade: 63 anos ensino, quanto no de pesquisa.
(faixa 23-92). A maioria dos pacientes tinha câncer
localmente avançado ou metastático e a forma de
chegada aos cuidados do serviço foi: 20% internado; 80% ambulatório. Antes de serem avaliados
pelo serviço de cuidados paliativos, os pacientes
Introdução
O Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital do
Câncer A. C. Camargo, em São Paulo-SP, Brasil,
foi implantado em 04/2004. Para implementar
cuidados de suporte e controle de sintomas de alta
qualidade, em centros oncológicos, é importante a
contextualização local.
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• 2012 • Revista Brasileira de Cuidados Paliativos
Cuidados Paliativos
ARTIGO ORIGINAL
Resultados
No Hospital A. C. Camargo, resumidamente, teIntrodução
mos o histórico de implementação do Serviço de
Cuidados paliativos são uma parte importante da Cuidados Paliativos:
atenção à saúde de pacientes com câncer. É funda- • 4/2004-7/2004 – Projeto piloto: 4 médicos, 1 enmental conhecer as características do serviço, para fermeira, 1 psicóloga.
implementar cuidados de suporte e controle de sin- • 8/2004-7/2005 – Formalização do serviço: 3 métomas de alta qualidade em centros oncológicos. A dicos, 1 enfermeira.
fim de apresentar a experiência de um grande cen- • 8/2005-11/2006: consolidação do serviço, com 3
médicos, 1 enfermeira e 1 nutricionista.
tro oncológico da América Latina, apresentamos os
• 11/2006 – re-estruturação da equipe.
resultados dos trabalhos realizados nas fases piloto
A rotina dos Cuidados Paliativos do Hospital A. C.
e inicial da implantação do Serviço de Cuidados
Camargo: os pacientes, seja por encaminhamento
Paliativos do Hospital A. C. Camargo, em São
de outras equipes, seja por busca espontânea, faPaulo-SP, Brasil. O Hospital A. C. Camargo, preziam consulta de ambulatório, ou interconsulta de
viamente com nome de Hospital do Câncer, existe
internado, dando sequência ao seu atendimento
desde 1953. Em 2004, tinha cerca de 185 leimulti e interdisciplinar em nova consulta de ambulatos de adultos e mais leitos de pediatria; em 2011
tório, ou podendo seguir acompanhamento conjunjá eram 341 leitos, com plano de expansão para
to na hospitalização, ou esses serviços, associados
441 leitos com o prédio novo (Torre Tamandaré), a
ao apoio de cuidados domiciliares (oferecido por
ser inaugurado em 2012 (Rydlewski 2011). É um
terceiros ou operadoras de saúde).
serviço especializado, inclusive com procedimentos
Na época, a pacientes de serviço público, convêde alta complexidade, como transplantes de medunios e particulares, o serviço disponibilizava de:
la óssea/células-tronco, quimioterapias, cirurgias,
• 2 a 3 ambulatórios por semana - consultas: médica,
radioterapia, etc.
de enfermagem, de psicologia e de nutrição;
Métodos e objetivos
Para descrever o perfil de pacientes e as situações
da implantação do Serviço de Cuidados Paliativos
do Hospital A. C. Camargo, prontuários dos casos
oncológicos encaminhados foram revisados, do período de abril de 2004 a junho de 2006. Aspectos
clínicos, terapêuticos e sobrevida foram as variáveis
de interesse. A assistência paliativa foi oferecida
de maneira planejada por: médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, assistentes
sociais e outros profissionais, conforme necessário.
Para exemplificação, a série de pacientes apresentada é de uma amostra de conveniência de
119 pacientes não consecutivos aleatórios, de
7/4/2004 a 06/2006. As variáveis categóricas
tem apresentadas a freqüência absoluta e relativa
dos dados encontrados. Para as variáveis quantitativas, utilizamos estatísticas descritivas e mostramos
os achados em forma de média e desvio-padrão,
com medidas de variação mínima e máxima, ou
medidas da mediana e do intervalo interquartil,
quando convenientes.
• visitas diárias a internados;
• interconsultas para casos hospitalizados;
• atendimentos telefônicos de enfermagem (TEODORO
2012);
• plantão de cobertura a distância;
• avaliação interdisciplinar, quando necessária, de
quaisquer equipes do hospital.
A maioria dos pacientes eram mulheres (72%); mediana, média e desvio-padrão (d.p.) de idade foram: 63; 59,5±14,3 anos (faixa: 23-92). Escala
de performance paliativa (palliative performande
scale - PPS) teve mediana, média e d.p de 60;
54±16,9% (faixa: 10-80%). A maioria dos pacientes tinha câncer localmente avançado ou metastático, por um período com mediana de 43 meses;
média de 52,5±12.1 meses (faixa: 0-10 anos).
A forma de chegada aos cuidados do serviço foi:
20% internado; 80% ambulatório.
A tabela 1 discrimina os diagnósticos de sítios primários de neoplasias dos pacientes, sendo os de
TGI, mama e gênito-urinários os mais prevalentes.
Em 4% da amostra, os pacientes tinham síndrome
de imunodeficiência adquirida (SIDA) como co-morbidade.
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Cuidados Paliativos
SÍTIO PRIMÁRIO DA NEOPLASIA
Trato gastrointestinal (TGI)
Mama
Genito-urinário
Pulmão
Cabeça e pescoço
%
26%
15%
10%
9%
9%
Ginecológicos
Sarcomas
9%
8%
Hematológicos
SNC
5%
3%
Outros cânceres
6%
Tabela 1. Diagnósticos oncológicos dos pacientes encaminhados ao Serviço de Cuidados Paliativos do
Hospital A. C. Camargo (04/2004-06/2006).
A figura 1 apresenta os sintomas de queixa principal à chegada ao serviço, majoritariamente dor,
astenia e dispnéia. Em seguida, a figura 2 ilustra a prevalência de sintomas da amostra, de novo principalmente dor, além de astenia e obstipação intestinal.
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Figura 1. Queixas principais dos pacientes encaminhados ao Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital A. C. Camargo (04/2004-06/2006).
Figura 2. Prevalência de sintomas dos pacientes encaminhados ao Serviço de Cuidados Paliativos do
Hospital A. C. Camargo (04/2004-06/2006).
Os problemas, além de físicos, foram: familiares 20%, financeiros 11%, sociais 10%, espirituais expressos
raros.
No complexo hospitalar, os recursos e atendimentos utilizados foram:
Pronto socorro
Enfermaria
Central de QT
UTI
Cirurgia ambulatorial
90%
81%
21%
3%
3%
Médicos e enfermeiros
Nutricionistas
Fisioterapeutas
Psicólogos
Assistentes sociais
Fonoaudiólogos
100%
80%
46%
41%
5%
1%
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Cuidados Paliativos
Os tratamentos principais utilizados estão apresentados na figura 3, notadamente analgésicos,
laxativos, corticoterapia, anti-eméticos e ansiolíticos.
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Figura 3. Tratamentos paliativos dos pacientes encaminhados ao Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital A.
C. Camargo (04/2004-06/2006).
Como a dor foi o sintoma mais prevalente, apresentamos os tratamentos farmacológicos mais
utilizados no gráfico da figura 4. Na época, foram utilizados principalmente: os analgésicos comuns
(dipirona), os opióides fortes (morfina) e fracos (codeína e tramadol) e os antidepressivos tricíclicos.
D
ip
iro
Pa
n
ra
ce a 8
9
ta
m %
o
C
od l 11
%
eí
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et
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on
a
Fe 16%
nt
an
O
xi
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%
do
Tr
n
C i cíc a 1
lo
%
rp li co
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2
m
az 4%
in
a
20
%
AI
G
N
ab
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C
ar
e
%
ba nti
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m
az
5
ep %
in
a
5%
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
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Cuidados Paliativos
Figura 4. Tratamento farmacológico da dor, dos pacientes encaminhados ao Serviço de Cuidados
Paliativos do Hospital A. C. Camargo (04/2004-06/2006).
A sedação paliativa foi um recurso terapêutico aplicado em 57 casos (65% dos 88 óbitos; 48%
dos casos), por vias endovenosa, enteral ou subcutânea (SC)/hipodermóclise. Vale ressaltar que a implementação do uso de hipodermóclise de rotina no serviço aconteceu em 2006. A tabela 2 lista os principais motivos de sintomas refratários que levaram à necessidade de sedação paliativa, além de mostrar os
principais fármacos utilizados.
Sintoma
Dispnéia
Agitação
Dor
Sangramento ou outros
%
57%
7%
7%
5%
Medicação
Morfina
Clorpromazina
Midazolam
Prometazina
Fentanil TD
%
97%
58%
48%
16%
6%
Tabela2. Sintomas refratários e medicações em sedação paliativa dos pacientes encaminhados ao
Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital A. C. Camargo (04/2004-06/2006).
Alguns intervalos de tempo importantes de serem analisados são apresentados na tabela 3.
Intervalo
Mediana
Mínimo
Máximo
Diagnóstico de câncer até referência
para Cuidados Paliativos
2,33 anos
7 dias
12,6 anos
Diagnóstico de doença avançada até
referência para Cuidados Paliativos
12 meses
0
9,3 anos
Queixa principal até referência para
Cuidados Paliativos
1,7 meses
2 dias
24,8 meses
Cuidados paliativos até óbito
1,9 meses
0
23,3 meses
Tabela 3. Intervalos importantes dos pacientes encaminhados ao Serviço de Cuidados Paliativos do
Hospital A. C. Camargo (04/2004-06/2006).
Antes de serem avaliados pelo serviço de
cuidados paliativos, ao longo do tempo, os pacientes tendiam a ir mais frequentemente ao pronto socorro (mediana de vezes e faixa) - 12 meses
antes: 3 (0-26); 3 meses antes: 2 (0-10); 1 mês
antes:1 (0-5). Após a implantação do serviço, 1
vez (0-19). Adicionalmente, estiveram hospitalizados por mediana de 5 e média de 8,4 dias (faixa
de 0-113 dias); após serem incluídos no programa
de cuidados paliativos, a mediana e a média de
hospitalização foi de 4 e 5,5 dias (faixa de 0-34
dias) – comparação com teste t pareado: p=0,049
(diferença significante).
As mediana e média de sobrevida após inclusão nos atendimentos do Serviço de Cuidados
Paliativos foi de 1,9 e 2,59 meses, respectivamente
(intervalo interquartil: 5-5,3; faixa: 0-23,3). Ao fim
do período (06/2006), a situação era de 74% de
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• 2012 • Revista Brasileira de Cuidados Paliativos
Cuidados Paliativos
óbitos, 25% vivos e 1% de perda de seguimento. O
local do óbito foi o hospital em 94% dos casos.
Discussão e conclusões
A fim de implantar o Serviço de Cuidados
Paliativos do Hospital A. C. Camargo, foi necessário um esforço conjunto multiprofissional, desde as
reuniões de elaboração do funcionamento e rotinas
do serviço, em 2004, estimando as demandas e
necessidades da população institucional, até a efetiva realização dos trabalhos de atendimento aos
pacientes oncológicos encaminhados. Isto pode
ser observado pela ampla gama de profissionais
necessários para o atendimento interdisciplinar dos
casos, bem como pelos vários setores do hospital
utilizados para isso. De fato, a interdisciplinaridade
é uma das características mais importantes necessárias para a boa qualidade de atenção à saúde
de pessoas com problemas complexos, como é a
situação de pacientes oncológicos sob cuidados
paliativos (DETTINO 2009c). A contextualização
local, notando as características institucionais para
elaborar e adequar o funcionamento do serviço, foi
fundamental para o sucesso de sua implementação.
A prevalência dos sítios primários de tumor dos casos encaminhados, notadamente de TGI, mama e
gênito-urinários, reflete em parte a prevalência dessas doenças na população brasileira. No entanto,
reflete também o fluxo de pacientes atendidos no
hospital como um todo, que historicamente tem um
notável reconhecimento em sua capacidade de ensino, pesquisa e tratamento, inclusive nas áreas de
cancerologia cirúrgica.
Conforme esperado em serviços de cuidados paliativos oncológicos, a dor foi a queixa
principal e mais prevalente, de novo onde a interdisciplinaridade se mostra importante, por se tratar
de um sintoma com composição multifatorial. Seja,
por exemplo, para seu adequado diagnóstico, com
os métodos de imagem da Radiologia; para sua
adequada avaliação clínica, pelas equipes várias,
como da Central da Dor ou da Oncologia Clínica;
seja para sua paliação, por essas mesmas equipes,
tanto com uma abordagem terapêutica sintomática,
inclusive com procedimento neurocirúrgicos antálgicos, apoio psicológico (ZENI 2011), quanto para
uma terapia específica voltada às causas de base
da dor, como tratamento sistêmico para o câncer
pela Oncologia Clínica – atualmente numa era de
aumento dos conhecimentos de biologia molecular
(HANAHAN 2011), terapias-alvo e medicina personalizada (SCHILSKY 2011), Radioterapia para
lesões sintomáticas, ou mesmo Cirurgia Oncológica
para alívio do desconforto gerado por essas lesões,
quando possíveis. Os sintomas de astenia e dispnéia também são sintomas freqüentes em pacientes
com necessidades de cuidados paliativos, além de
obstipação intestinal, esta tanto pela debilidade física e anorexia dos pacientes, quanto pelos efeitos
colaterais dos tratamentos de dor, como o uso de
opióides.
Sintomas depressivos e ansiosos também se
mostraram importantes e são esperados nessa situação, seja pela situação mental de enfrentamento do
diagnóstico de câncer avançado ou recaído, muitas
vezes incurável, seja pelo componente psicoafetivo
associado aos sintomas frequentes, como dor, dispnéia, debilidade por síndrome de caquexia-astenia,
exacerbados por distúrbios do sono como insônia.
Em relação à sobrevida mediana de pacientes, esta se mostrou curta, de apenas 1,9 meses, o
que pode refletir uma característica de fases iniciais
do serviço de cuidados paliativos, até que se crie
uma cultura de encaminhamento precoce, que permita melhor acolhimento e vínculo dos envolvidos
(pacientes, familiares e profissionais de saúde). Isso
é importante porque já há estudos que mostram melhores resultados com o uso precoce de cuidados
paliativos (TEMEL 2010). Mesmo assim, a faixa de
sobrevida é muito ampla, o que permite vislumbrar
estratégias com metas de aumento de sobrevida,
mesmo em cuidados paliativos exclusivos, mantendo bons índices de qualidade de vida (DETTINO
2008a). Com as melhores opções terapêuticas oncológicas desenvolvidas até o momento e que continuam a serem aprimoradas, os pacientes podem
passar longos tempos com suas doenças em remissão ou controladas, por isso pudemos observar intervalos extensos entre o diagnóstico de câncer e o
encaminhamento para o serviço. No entanto, não
podemos deixar de ressaltar o intervalo de 2 dias
a 24,8 meses de ocorrência da queixa principal
até o encaminhamento ao Serviço de Cuidados
Paliativos, o que pode se dever ao fato de anteriormente o serviço não estar formalmente constituído e
atuante, mas é importante ponderar se as queixas
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Revista Brasileira de Cuidados Paliativos
• 2012 •
15
Cuidados Paliativos
não podem ter sido de certa forma negligenciadas,
numa situação potencialmente de menos opções terapêuticas específicas para a neoplasia de base.
De qualquer forma, a mediana de 1,7 meses de
intervalo entre o início da queixa principal e o encaminhamento ao serviço especializado de controle
de sintomas nos parece aceitável, a depender da
sua intensidade e do grau de desconforto gerado
por ela.
Em relação à sedação paliativa desta série
de casos, as taxas se assemelham às taxas de sedação de outros períodos do serviço, por exemplo,
05-09/2009: 62% (n=54/87 óbitos) [dados não
publicados, apresentação em congresso] (DETTINO
2009). O quadro a seguir compara os resultados
do presente estudo e outras publicações:
Estudo
N
Prevalência
de sedação
Causas principais
Van Zuylen 2006
– J Clin Oncol
24:8576
157
43%
1)
2)
Ferreira 2006
- Revista Prática Hospitalar
47:55-8
98
37%
Delirium/agitação 61%
Dispnéia 28%
Náuseas/vômitos 6%
1) Opióides associados 86%
2) Midazolam + clorpromazina
58%
3) Midazolam + haloperidol 19%
Santos 2009 –
Rev Méd Urug
25:78-83
274
21%
Delirium 60%
Dor 45%
Dispnéia 17%
Midazolam 97%
Haloperidol 40%
Pinto 2009 – Eur
J Palliat Care PE
1.F159
2375
3,2%
Dispnéia 55%
Barbosa 2009 Eur J Palliat Care
PE 2.S454
36
1,75%/mês
1)
2)
Ferraz Gonçalves
2011
170
16%
1)
2)
3)
4)
Dettino 2009
175
63%
Dispnéia 57%
Agitação 7%
Dor 7%
Dispnéia
Delirium
Drogas principais
-
Dispnéia
Delirium
Delirium 43%
Dyspnea 14%
Both above 14%
Pain 7%
A sedação, como recurso terapêutico de administração deliberada de fármacos, para rebaixamento
do nível de consciência, a fim de aliviar adequadamente sintoma(s) refratário(s) (LEVY 2005; FERREIRA
2008; MORITA 2009; DETTINO 2009 e 2006;
KIRA 2009), em nossa amostra, foi mais prevalente-
1)
2)
Midazolam
Morfina com midazolam
Midazolam 67%;
Midazolam+haloperidol 17%;
Midazolam+morfina 7%; Levoprometazina 3%
Opióides/morfina 97%; Clorpromazina 58%; Midazolam 48%;
Prometazina 16%
mente utilizada do que o reportado em outras séries
(quadro acima). As possíveis explicações para isso
são o tipo de população atendida - casos oncológicos, eventualmente encaminhados após fase
muito avançada de doença ou mesmo apenas em
fase final de vida, quando nas fases iniciais de im-
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• 2012 • Revista Brasileira de Cuidados Paliativos
Cuidados Paliativos
plantação do serviço, ou mesmo um menor suporte
psicossocial e espiritual frente à complexidade dos
sintomas físicos em casos oncológicos associados
às co-morbidades não controladas, numa fase da
equipe um pouco menos experiente em relação ao
serviço atualmente já consolidado. Vale ressaltar
que vários estudos mostram a segurança do procedimento, sem piora de mortalidade por sua utilização (MORITA 2009, 2002). Portanto, é etico
limitar ou suspender procedimentos que prolongam
a vida de doente terminal, a fim de prevalecer a
vontade do paciente ou seu representante legal, de
forma que a sedação paliativa é um procedimento
terapêutico com possibilidade de compaixão dos
familiares e profissionais de saúde para alívio de
sintomas extremamente desconfortáveis e refratários
em pacientes sob cuidados paliativos (CAMALIONTE 2011; DETTINO 2011; CONSELHO FEDERAL
DE MEDICINA 2006). Este processo é bastante melhorado em casos expressos de diretiva antecipada
de vontade (BACHESCHI 2010).
Após as primeiras fases de implantação do serviço,
seguiram-se os principais objetivos de:
• continuar com implementação e otimização do
serviço; melhorar a qualidade dos atendimentos em
cuidados paliativos;
• dar apoio interdisciplinar ao atendimento de outras equipes, como por exemplo em situações complexas biopsicossociais de período de cuidados
terminais e fase final de vida, com necessidade de
tomadas de decisão de limitação de suporte (CAMALIONTE 2011);
• divulgar a especialidade;
• aprimorar o ensino em cuidados paliativos;
• aumentar a produtividade científica e financeira,
com redução de custos desnecessários (p. ex.: menos vindas ao PS, menos necessidade de e do tempo de internação) (TEODORO 2012);
• realizar e apresentar estudos clínicos (p. ex. teses de pós-graduação – DETTINO 2006, 2007,
2008a e 2008b, 2009; ZENI 2011;TEODORO
2012, SERRANO 2012).
Finalmente, a experiência do serviço consolida as
noções de importância da interdisciplinaridade, em
situações difíceis muitas vezes, com complexidade
de visões, reforçando a necessidade de foco voltado principalmente ao paciente, a sua família e ao(s)
cuidador(es). Além disso, ressalta a importância da
comunicação adequada (vs. “conspirações” de silêncio, mentira, omissão), com vínculos precoces de
franqueza entre paciente, família, profissionais de
saúde do Serviço de Cuidados Paliativos e de outras equipes, melhorando a aceitação da situação
e seu enfrentamento, tendo em mente os aspectos
humanos, éticos e legais envolvidos. Permite-se, assim, planejamento precoce de intervenções, com
ação precoce em cuidados paliativos, redução da
sobrecarga de desconfortos aos pacientes e familiares, bem como dos profissionais envolvidos na
atenção à saúde.
Agradecimentos
À fisioterapeuta Tathiana Pagano, pela revisão do texto do artigo, ao médico e professor Dr. Maurício
Seckler, pela preocupação com o ensino e assistência com focos voltados para a aplicabilidade de cuidados paliativos e de fase final de vida, aos médicos Agnaldo Anelli e Daniel Deheinzelin, pelo convite à
participação nas fases iniciais de elaboração e implantação do serviço, e aos médicos Cintia de A. Mendonça, Sâmio F. Pimentel, Císio de O. Brandão, Fabiana e Bethina Aronovich, pelo apoio de trabalho
em equipe de cuidados paliativos em algumas fases da implantação do Serviço de Cuidados Paliativos
do Hospital A. C.Camargo, ou pela continuidade dos esforços de seguir no aprimoramento contínuo do
serviço.
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Cuidados Paliativos
Humanização no Cuidar: Uma Proposta
de Desenvolvimento de Equipe
Paula Camargo Roscio
Psicóloga e Administradora de Empresas. Pós-graduada em Psicologia Junguiana pelo Instituto de
Medicina de Reabilitação – Rio, em Psico-Oncologia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas
Gerais (FELUMA), em Recursos Humanos pela PUC/RS, e certificada pela Sociedade Brasileira de
Psico-Oncologia do Rio de Janeiro – SBPO/RJ. Recentemente, desenvolveu para o curso avançado
em Cuidados Paliativos pela Casa do Cuidar o trabalho de Conclusão de Curso “Humanização no
Cuidar: Uma Proposta de Desenvolvimento de Equipe”.
Resumo: O interesse por este tema é decorrência de uma série de estudos que se iniciaram com
o despertar da importância da qualidade de vida
diante da finitude. Cuidados paliativos e humanização, inexoravelmente compõem este cenário, necessitando de aportes que equilibrem saber e sentir,
levando-se em consideração os aspectos intersubjetivos e interdisciplinares que constituem sua equipe
de saúde. Um modelo de proposta de desenvolvimento de equipe é apresentado com a finalidade
de estreitar laços que priorizem a arte do cuidado
de forma compartilhada e totalmente comprometida
com sua concepção de integralidade no cuidar.
Palavras chave: Cuidados paliativos, humanização, instituição hospitalar e equipe multiprofissional.
Introdução: Atualmente, à concepção de morrer
em nossa sociedade, implica em expor demasiadamente as fragilidades naturais do doente, como
também as dificuldades dos familiares em sustentar,
financeiramente, todo um aparato tecnológico que
não soluciona e nem ameniza a dor e o sofrimento
de quem vai deixar de existir. Isso sem contar com
a inabilidade e falta de competência de alguns profissionais em lidar com uma questão tão delicada
onde envolve sentimentos de profunda simplicidade
que muitas vezes assusta.
Socialmente, o que parece diferenciar o passado
do presente, é a predisposição de encarar a morte de uma maneira mais equilibrada e humanizada, respeitando o limite natural que ela representa.
Aquela ideia de que com a evolução tecnológica,
supostamente o homem seria capaz de controlar
o seu próprio fim, levou a humanidade a coisifi-
car a morte, resultando num processo de profundo
sofrimento e solidão. Hoje, em pleno século XXI,
percebe-se que a morte existe, está muito mais próxima do homem; enquanto pensamento, cabendo
a ele mesmo buscar a alternativa para lidar com a
sua subjetividade frente à finitude.
A repercussão desta nova atitude, forçosamente instaura um novo paradigma no contexto institucional,
na medida em que a dor, o sofrimento e o tempo de
sobrevida passam a ser questionados pelo próprio
doente ou por sua família, exigindo do profissional de saúde uma postura diferenciada diante da
vida e da morte, legitimado pelo novo código de
ética médica. Cuidar de forma humanizada, estabelecendo um equilíbrio entre competências técnica
e emocional, sugere promover emergência no estabelecimento de articulações que visem introduzir
a concepção de integralidade de cuidados, cujos
preceitos se fundamentam numa multidimensionalidade de sistemas constituídos por doença – paciente – familiar – equipe de saúde e a instituição
hospitalar.
Sob a perspectiva da humanização na saúde, dentre seus pressupostos, são encontrados de forma
clara e abrangente a importância de um aprimoramento no campo de interações entre todos os
envolvidos no processo saúde – doença, visando
melhorias de qualidade e prestações de serviços
ofertados pela rede de saúde. Esta preocupação se
intensifica na medida em que se constatam deficiências no eixo comunicacional, mais precisamente na
rede pública hospitalar, prejudicando sensivelmente
a execução de cuidados, tanto na condição de usuário, quanto na de cuidador profissional.
Esta lacuna, por sua vez, parece suscitar uma ausência de comprometimento emocional projetada
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Cuidados Paliativos
sob a forma de descontentamento profissional,
transparecendo em inúmeras situações tais como,
discrepâncias entre colegas de equipe dificultando
uma adequada abordagem de cuidados na condição de interdisciplinaridade, descrédito nos desígnios institucionais, incidência de bournout entre os
profissionais devido aos excessivos desgastes frente
às exigências instituídas pela própria rotina de trabalho, ausência do espírito de equipe, dificuldade
em lidar com situações de intenso sofrimento provocadas pela experiência do processo de morrer e da
morte e não elaboração do luto. Desta forma, este
artigo apresenta como propósito aprofundar conceitos levando em consideração as contribuições
dos cuidados paliativos e da humanização para
a busca de uma reeducação que promova à conscientização e sensibilização do cuidador profissional sob a perspectiva de integralidade no cuidar.
1. Cuidados Paliativos:
O Renascer das Cinzas
Com base na definição estabelecida pela
Organização Mundial da Saúde (2002), juntamente com os princípios que o legitimam, cuidados
paliativos surgem como uma nova modalidade de
assistência, priorizando a relação dialógica entre
paciente fora de possibilidade de cura, família e
equipe de saúde, integrando aspectos de natureza biopsicossocial e espiritual. Este é o cenário da
morte contemporânea, instaurado na década de
1970, promovedora de profundas transformações
no que diz respeitos às atitudes diante da morte. De
acordo com Menezes¹, “o ideal é que o indivíduo
que está morrendo tenha controle do processo de
morte, realizando escolhas a partir de informações
sobre as técnicas médicas e espirituais que achar
adequadas. A palavra de ordem é a comunicação
franca entre profissionais de saúde e pacientes: o
tratamento deve ser discutido, em suas várias etapas, entre enfermos, seus familiares e o médico responsável.”
Em se tratando de comunicação em cuidados paliativos, imprescindível reconhecer a peculiaridade da experiência pessoal, tanto no cuidador
quanto naquele que é cuidado, no intuito de viabilizar o vínculo necessário para que o desligamento
da vida aconteça. Segundo Kovács², “aprender a
escutar e a falar, a dar más notícias e manter-se
parceiro, compreender que cuidadores e doentes
podem cuidar uns dos outros, autocuidar-se e ser
cuidado e reconhecer e aprender a lidar com a
angústia que a fase final da vida traz são aspectos básicos para a boa comunicação em cuidados
paliativos.” Pondera Menezes¹ que a inclusão do
diálogo na assistência paliativa, além de dignificar
a condição da mortalidade humana, promove o reconhecimento dos limites reais, seja no contexto individual quanto profissional, de todos os envolvidos
no processo de morrer.
O ingresso da equipe multiprofissional evidencia a mudança de paradigma na medida em
que a visão tradicional do modelo institucional cede
lugar ao modelo sistêmico, cuja epistemologia incorpora os conceitos de multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, na dimensão do cuidar. A importância dos mesmos consiste
na busca da integração do conhecimento científico
e da humanização junto à intervenção da medicina
paliativa. Bowlby³ esclarece que a compreensão
da formação e rompimento dos vínculos afetivos
desde os primórdios da vida humana são de fundamental importância na relação de base segura, em
virtude de serem sinalizadores das diversas formas
de padrões de comportamento de ligação instaurados nas relações onde o vínculo afetivo se faz
presenciar, dos quais são largamente utilizados no
decorrer da vida. Compreender a formação e rompimento de vínculos como uma atitude inerente a
singularidade do indivíduo, presente tanto nas situações de vida e de morte, sugere uma reflexão acerca dos sofrimentos instaurados mediante condições
limitantes, tais como a finitude humana.
De acordo com Ferreira4, os termos vínculo
e vincular-se suscitam uma diversidade de significados, tais como, respectivamente, ligação moral,
nó, liame, ônus, restrições, relação, subordinação,
nexo, sentido, eternizar-se, perpetuar-se, imortalizar-se, sujeitar, obrigar, submeter coisas a vínculo,
entre outras coisas mais, quando relacionados à
experiência da morte e do morrer. Estas definições
permitem um olhar e uma escuta acerca dos arcabouços psicológicos construídos ao longo da vida
no que diz respeito às relações primárias no campo
da inter-relação e da afetividade. Na perspectiva
psicanalítica, segundo Pichon-Rivière5 o vínculo
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normal é proveniente da “primeira relação da criança com o peito da mãe”, por meio das situações
parasitárias e simbióticas, onde acontece um “intercâmbio de situações emocionais e de afeto”, e que
quando minimizados por meio do desenvolvimento
do bebê, permite uma diferenciação entre o objeto
e o sujeito. Sugere ainda que por mais gradativo
que seja este afastamento mãe-bebê ele é passível
de uma ligação afetiva que orienta o próprio sujeito
em sua sedimentação egóica.
Tal colocação permite considerar que em
se tratando de relações sedimentadas por meio de
uma vivência primordial com a mãe, onde a dualidade de se estar vinculado – desvinculado permeia em tempo integral, imprescindível considerar
a diversidade da natureza do vínculo, tão presentes
na interação de fatores humanos e físicos, na conduta exterior, na vivência, nas somatizações e nas
questões trazidas pelo próprio indivíduo, seja no
nível concreto ou abstrato. Para Taragano5, “o vínculo configura uma estrutura dinâmica em contínuo
movimento, que funciona acionada por motivações
psicológicas, resultando daí uma determinada conduta, que tende a se repetir tanto na relação interna
quanto na relação externa com o objeto”, sugerindo que este intercâmbio se manifesta em diversas
situações, podendo estas pertencer à dimensão da
vida ou da morte.
Em situações de adoecimento cujo prognóstico conduz aos caminhos da terminalidade, vincular-se e desvincular-se neste contexto implica na
capacidade de enfrentamento diante do inevitável.
A partir deste cenário, onde incertezas e mudanças
remetem à sensação de separação, desconexão ou
desamparo, aparentemente relacionado apenas a
questões extrínsecas, a angústia da morte parece
mobilizar aspectos intrínsecos, relacionados a crenças e padrões inatos e herdados que entremeiam
nossas teias de relações no decorrer de nossa existência até o momento da finitude, possibilitando refletir sobre as formas de enfrentamento. De acordo
com Lipp6, “o termo enfrentamento, usado com o
mesmo sentido da palavra inglesa coping, significa
a estratégia ou o esforço cognitivo e comportamental que o indivíduo emprega para administrar as exigências impostas por um agente estressor” e apresenta cinco funções principais que visam reduzir as
condições ambientais que causam dano, tolerar ou
adaptar-se a situações negativas, manter uma auto-imagem positiva diante da adversidade, manter o
equilíbrio emocional bem como um relacionamento
satisfatório com os outros.
Sendo assim, dois aspectos parecem ser
de fundamental importância para o fornecimento
da relação da base segura por parte do cuidador:
seu autoconhecimento frente aos comportamentos
de ligação que foram estabelecidos nas suas relações afetivas, bem como a exploração e cuidados
dos mesmos, para melhor compreensão das possíveis formas de estabelecimento de ligação afetiva
emanadas, principalmente, pelo paciente fora de
possibilidade de cura. Desta forma, imprescindível
uma reflexão sobre a consciência do morrer e da
morte. As reações de temor e horror frente à morte
e ao processo de morrer, que sugerem acompanhar
o indivíduo na medida em que ele se conscientiza de sua própria condição de mortal, chamam
atenção pelo seu comportamento desproporcional.
Segundo Kastenbaum e Aisenberg7, o filósofo Jacques Choron elaborou uma análise sobre o medo
à morte relacionado com a distinção eu/outro. De
acordo com seus estudos, coloca que o indivíduo
teme à morte em três situações específicas, sendo
respectivamente; o medo de morrer, o medo da
pós-morte e o medo da extinção. Em cada um desses medos, o filósofo diz que existem variados sentimentos manifestos, quando estudados na perspectiva morte do eu e morte do outro, justificando desta
forma a atitude antagônica dos indivíduos frente à
morte em nossa sociedade. Ressalta também que o
maior temor do homem está ligado a possibilidade
da sua não existência.
2. Multidimensões da Humanização:
Uma Questão de Consciência
Ao iniciar o estudo sobre humanização do
setor de saúde, bem como suas contribuições na
abordagem paliativa, imprescindível compreender
o desenvolvimento do conceito humanismo, que se
originou na Grécia Antiga, demarcando suas passagens em períodos mais significativos ao longo
da História, levando em consideração aspectos
relacionados aos condicionamentos herdados. De
acordo com a cronologia da História, o Renascimento foi um período marcado por transformações
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em muitas áreas da vida humana, que assinalam o
final da Idade Média e o início da Idade Moderna,
recebendo tal designação em virtude da redescoberta e revalorização das referências culturais, que
nortearam as mudanças deste período em direção
a um ideal humanista e naturalista. Importante considerar que esta fase parece implicar num resgate
de valores e princípios vivenciados sob o predomínio de uma consciência coletiva em detrimento da
consciência individual.
De acordo com Minayo8, as contribuições
do período Renascentista no que diz respeito a este
conceito estão “relacionadas ao resgate do humanismo preconizado na Antiguidade”, sendo uma de
suas mudanças estruturais a busca de “uma nova
atitude em relação à humanidade”, já que a época
precedente fora delimitada pelo obscurantismo, caracterizada pelo domínio da religião sobre o poder
e as consciências humanas. Surge então o antropocentrismo, que instaura um novo paradigma calcado na racionalidade humana, cuja ênfase consiste “no ideal de autonomia do homem e a crença
de que toda sabedoria pode ser transformada em
conhecimento”, concedendo à ciência o lugar da
formalização e legitimação da vida manifesta, conforme consta no artigo de revisão A Humanização
na Assistência de Saúde9.
Na fase do Iluminismo, o aprofundamento
de questões relacionadas aos direitos dos indivíduos e dos cidadãos funda um movimento de busca
que unifica existência humana, faculdade de pensar, articulações entre a experiência vivida e a razão
lógica. Com o advento da Modernidade, caracterizado pelo desenvolvimento industrial, mudanças
sensíveis repercutem em nível de mentalidades, no
que diz respeito à definição inicial concedida a
qualidade de humano, onde demarca a presença
de uma integralidade de sistemas que legitimam a
produção e atuação de cada indivíduo. Devido às
transformações ocasionadas pelo conhecimento e
utilização da tecnologia, o desarraigar dos pressupostos humanistas parecem emergir quando o foco
não está mais destinado à necessidade humana e
sim, a eficiência de resultados, que na área de saúde parece se estabelecer mediante a inserção do
processo de medicalização . Com seu ingresso, a
partir do final do século XIX, consolida-se a instituição hospitalar representada pela sistematização
e, consequentemente instauram-se os processos de
medicalização do social aliado individualização,
transformando sensivelmente condutas e comportamentos humanos na área da saúde, principalmente
em relação à morte. Assim sendo, o humanismo
no século XXI pressupõe uma sucessão de ressignificações onde procuram coadunar multidimensões
subjetivas associadas às necessidades de aprimoramento técnico e científico. Na atualidade, esta
busca de equilíbrio acerca do conceito humanismo
transparece, através do “vocábulo humanização”,
tendo na área da saúde a representação de “um
movimento instituinte do cuidado e da valorização
da intersubjetividade das relações”, conforme afirma Minayo8.
Sob a perspectiva de cuidados paliativos,
cuja abordagem de assistência visa aliviar a dor
e o sofrimento, preconizando a importância de um
trabalho integrado urgem a necessidade de um
despertar para a sensibilização profissional, quesito indiscutível para a dimensão psicológica nos
fatores de humanização. No Brasil, a conceituação
e a análise da humanização do cuidado provieram de uma pesquisa realizada na rede pública
dos serviços de saúde, cujos resultados implicaram
na constituição de uma política ministerial a partir
do ano de 2000. De acordo com Deslandes10, a
preocupação com o atendimento à saúde e a inserção da humanização no setor público é legitimada
através do Programa Nacional de Humanização
da Assistência Hospitalar (PNHAH) na intenção
de “promover uma nova cultura de atendimento à
saúde” e “aprimorar as relações entre profissionais,
entre usuários/profissionais (campo das interações
face-a-face) e entre hospital e comunidades (campo
das interações sociocomunitárias), visando à melhoria da qualidade e eficácia dos serviços prestados
por estas instituições”.
Na abordagem paliativa, a subjetividade
exerce um papel fundamental nesta modalidade de
assistência em virtude dinâmica interacional, provenientes das sucessivas relações interpessoais exigidas pela rede de cuidados ao qual o indivíduo está
inserido. Muito embora, de modo geral, a atenção
recaia na relação paciente – família, imprescindível
analisar como o profissional de saúde lida com sua
dimensão emocional ao se deparar com a dualidade humanização – desumanização, tão presentes
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em sua prática cotidiana. A presença de uma articulação constante entre linguagem, verbal ou não
verbal, e, realidade, oriundos dos diversos modos
de existir do ser humano, promove uma reflexão
acerca da comunicação e do estabelecimento de
relação empática num universo composto por sujeitos capazes de “construir rede de significados que,
ao serem compartilhadas, conformam uma identidade cultural”. Segundo Deslandes10, a inviabilidade
e o estreitamento das comunicações, detectados na
atualidade nos serviços de saúde, sugerem ser provenientes de condicionamentos herdados no que
diz respeito ao uso da palavra e o estabelecimento
da linguagem médico científica.
O papel da comunicação na humanização
parece ocupar grande parte das carências existentes nas relações estabelecidas, sejam elas de nível
pessoal quanto profissional. Outra questão de suma
importância é atribuída à empatia, cuja habilidade
consiste na capacidade de colocar-se no lugar do
outro, avaliando aspectos de cunho emocional e
subjetivo. Tal atitude merece consideração, pois, a
incapacidade do estabelecimento de uma relação
empática repercute sensivelmente sob a forma de
obstáculos, podendo emergir em várias situações,
como por exemplo, na constituição e desenvolvimentos de equipes interdisciplinares, na estruturação de diretrizes de tratamento, na qualidade da
assistência em cuidados, no alcance de metas estabelecidas pela instituição, dentre outros.
O despreparo e a suscetibilidade emocional
frente à incapacidade do cuidador profissional em
estabelecer vínculos saudáveis sugerem dificultar
ainda mais o exercício de uma assistência pautada no cuidar e assegura a crença arquetípica de
que os ensejos cognitivos atribuídos à mentalidade
do curar ainda prevalecem, inviabilizando, desta
forma, a inserção de uma atenção humanizada e
compartilhada entre todos os envolvidos. De acordo
com pesquisa sobre o luto do profissional de saúde11 realizada com dezoito profissionais da área
de saúde, com a finalidade de investigar como os
mesmos lidam com situações de perda em sua roti-
na de trabalho, um de seus resultados aponta para
a dificuldade de autopercepção e expressão de
sentimentos relacionados ao processo de morrer e
a morte, e posteriormente, a elaboração do luto da
equipe, questão bastante presente em se tratando
de abordagem paliativa.
Refletir sobre a importância dos cuidados
paliativos bem como elencar possíveis fatores estressores que se evidenciam mediante a assistência
prestada pelos seus profissionais de saúde, envolvendo o contexto de humanização de saúde aliado
às experiências existenciais que envolvem o processo de morrer e à morte, solicita atenção na medida
em que ainda se detecta deficiências no que diz
respeito às questões emocionais, conforme afirma
uma pesquisa denominada A Relação Docente-Acadêmico no Enfrentamento do Morrer12, tais
como carências existenciais, ausência de sentido e
sentimentos de onipotência. Outro artigo, intitulado
Papel dos Profissionais de Saúde na Política de Humanização Hospitalar13, corrobora tal pensamento
quando afirma que “continua ser importante curar
doenças, mas sem esquecer que mais importante
ainda é curar o doente; e não somente curá-lo, mas
também cuidar dele”. Na pesquisa acima mencionada, dentre as limitações e dificuldades existentes
por parte do cuidador profissional em situações de
dor, sofrimento e perda, destaca-se a não expressão de emoções ou o manejo de questões afetivas,
como forma de assegurar crenças preestabelecidas, tanto na formação acadêmica quanto na institucional, principalmente em se tratando da temática
morte.
Averiguar o ponto de encontro entre humanização
e cuidados paliativos, bem como elencar possíveis
dimensões que possam interferir na atuação do
profissional de saúde, parece ser o grande desafio da atualidade, na medida em que se sinaliza
a inexistência de um espaço de escuta que coadune ambas as necessidades. Cada vez mais na
prática hospitalar a presença de situações limites,
como por exemplo, escolher e testemunhar os últimos momentos de vida do paciente juntamente com
A medicalização pode ser compreendida como um processo pelo qual a continuada evolução tecnológica modifica as práticas da medicina por meio de inovações em várias áreas, como métodos diagnósticos e terapêuticos, indústria farmacêutica e equipamentos médicos. A
medicalização do social pode ser referida à redescrição médica de eventos de gravidez, parto, menopausa, envelhecimento e morte, bem
como de comportamentos sociais tidos como desviantes, como alcoolismo e uso de drogas. A medicalização refere-se à ampliação de atos,
produtos e consumo médico e a interferência crescente da medicina no cotidiano individual, com a imposição de normas de conduta social.
(Menezes, 2004; apud Corrêa, 2001 pg. 24).
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seus familiares, vem exigindo dos profissionais de
saúde condutas individuais e sociais que viabilizem
o equilíbrio entre viver e morrer de forma cuidadosa. Esta afirmação permite uma análise exploratória
acerca daquele que cuida.
3. Cuidando de Quem Cuida: Entre
o Conhecimento e a Vivência
Por definição, intersubjetividade14 “pressupõe a existência de um espaço relacional entre
duas ou mais pessoas envolvendo suas subjetividades, no campo da linguagem, local de compreensão de diferenças de ponto de vista, necessidades
e desejos, e construção de respostas conjuntas para
questões de interesse comum”, e interdisciplinaridade, visa a buscar a “compreensão integral do ser
humano no contexto das relações sociais e do processo saúde – doença, assim como, em sua prática, uma maior abrangência e melhor qualidade
na assistência prestada ao paciente”. Carvalho6
afirma que, “equipe é um grupo de trabalho altamente efetivo, coeso, constituído por indivíduos que
atuam juntos, comprometidos em alcançar um objetivo comum”, demandando trabalho sistematizado
e presença de elementos que o constituam com tal,
como por exemplo, “liderança compartilhada, habilidades de trabalho em grupo, clima coesão e
nível de contribuição dos membros do grupo”. Tal
afirmação parece sugerir a existência de um distanciamento emocional no que diz respeito à intersubjetividade de seus integrantes, priorizando apenas
os aspectos de natureza formal acerca do trabalho
em grupo, característica muito peculiar nas esferas
acadêmicas e institucionais.
Esta deficiência também foi evidenciada no documento oficial do Programa Nacional de Humanização de Assistência Hospitalar (PNHAH), realizados
a partir de 2000, onde uma das propostas a serem
trabalhadas eram a articulação dos avanços tecnológicos com o bom relacionamento no eixo relacional existente entre usuários de sistema de saúde, profissionais de saúde e a própria instituição,
devido à existência de ações desumanizadoras na
rede de cuidados. Importante salientar que a busca da conscientização e reintrodução da dimensão
subjetiva no contexto da assistência e atenção em
saúde, abrangendo todos os envolvidos no proces-
so de cuidados inclusive os aspectos socioculturais
e institucionais, vem a ser um dos pressupostos da
humanização na assistência hospitalar.
Transformar o conhecimento em experiência vivencial implica na permissão de um espaço
interacional onde reúnam interesses institucionais e
grupais, rompendo com a mentalidade paternalista
focada na decisão médica como única alternativa,
no que diz respeito à assistência e cuidados. Deslandes10 mostra que a “leitura paternalista” vem a
ser fruto de uma cultura de atendimento instituída em
decorrência de barreiras comunicacionais, onde a
instituição de uma linguagem diferente e interdita,
por si só, propiciava um distanciamento natural na
relação profissional de saúde – paciente.
Esta atitude, ainda vigente na atualidade,
sugere reforçar a ideia da unidisciplinaridade, contrapondo os pressupostos da visão interdisciplinar
bem como, assegura ao profissional julgar “saber
o que é melhor para o paciente e tenta prover os
meios para satisfazer pretensas expectativas, o que
não dá resposta satisfatória ao problema”, devido
a sua incapacidade de se colocar no lugar do outro. Pensar sobre a qualidade das relações intersubjetivas no contexto da instituição hospitalar remete
inevitavelmente à importância das equipes interdisciplinares no que diz respeito à busca de humanização da assistência em saúde, principalmente nos
cuidados paliativos. Esta correlação entre os termos
transparece na medida em que a integralidade de
cuidados passa a ser inserida no campo da prática, principalmente em situações de final de vida,
conforme pondera Rios14 quando afirma que, “os
cuidados paliativos, como modelo de atenção que
escapa ao reducionismo biológico, operariam os
valores da humanização das práticas de saúde,
particularmente nos aspectos considerados essenciais para o cuidado integral da pessoa em momento significativo da história”.
De modo geral, na dinâmica do cuidar e
ser cuidado emerge questões de cunho sociopsicológico relacionadas ao convívio com o processo
do adoecer, padrões funcionais ou disfuncionais
existentes na interação familiar, luto antecipatório,
conspiração do silêncio, oscilação permanente das
formas de enfrentamento, diversidade emocional
quanto à aceitação de um diagnóstico desfavorável, sentimentos de impotência, incertezas, mudan-
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ças, perdas, a iminência da morte, conduzindo
seus cuidadores profissionais a fatores estressores
despendendo intensa carga emocional. O processo
de cuidar exige por parte da equipe interdisciplinar
uma percepção consciente sobre estas inúmeras formas em estar se colocando junto ao paciente, ou
seja, através do olhar, da proximidade corporal;
respeitando-se evidentemente os espaços interpessoais estabelecidos pela interação, do toque e do
tom da voz, bem como oferecer, em momentos críticos do adoecer, o reconhecimento de estar sendo
visto, em ambas as perspectivas.
Sendo assim, no exercício dos cuidados
paliativos, a equipe de saúde se depara com a
dualidade vida-morte de modo a instigar seus movimentos de defesa ou enfrentamento. As exigências externas e internas incitadas pelo ato de cuidar, neste caso, permitem uma reavaliação sobre a
prioridade do cuidado, uma vez que a atitude da
equipe de saúde pode recorrer a um distanciamento emocional em circunstâncias cuja aproximação
do espelhamento do medo, da dor e sofrimento vicário, atesta a inviabilidade dos preceitos da cura.
Desta forma, refletir sobre o limite real ou imaginário originado ao se estar em contato direto com a
morte, por intermédio do relacionamento equipe de
saúde e paciente, parece constituir uma questão importante a ser compreendida. Esta questão sinaliza
a necessidade de atenção ao cuidador no que diz
respeito ao exercício ético de sua profissão, bem
como a qualidade relacional despendida ao paciente no que diz respeito aos limites da possibilidade terapêutica.
A intensa rotina de cuidados com o paciente
fora de possibilidade de cura instiga uma aproximação constante com a dor e o sofrimento, podendo conduzir o cuidador profissional a um profundo
desgaste físico, psíquico e emocional, levando-o
a um nível de estresse conhecido como síndrome
de burnout, conforme aponta a revisão de literatura
denominada Síndrome de Burnout ou Estafa Profissional e os Transtornos Psiquiátricos16. Muito embora esta pesquisa tenha sido realizada no ano de
2007, seus dados conclusivos parecem contribuir
sensivelmente para a questão apresentada. Com
base no pensamento destes autores, conceitualmente, a síndrome de burnout é um processo iniciado
com excessivos e prolongados níveis de estresse no
trabalho. Para o diagnóstico, leva-se em consideração a concepção sociopsicológica, cujas características individuais estão associadas as do ambiente
e as do trabalho propiciando o aparecimento dos
fatores multidimensionais da síndrome, dentre eles,
exaustão emocional, distanciamento afetivo e baixa
realização profissional. Estes por sua vez, surgem
com intensidade quando o profissional de saúde
lida com situações-limite, deflagrando alguns distúrbios.
Conforme explica Carvalho15 os fatores
estressores de natureza interna e externa, prevalecentes na tarefa do cuidador, se caracterizam, respectivamente, pela característica pessoal do profissional e pelas respostas decorrentes da assistência
imbricada no contexto do adoecer, envolvendo relacionamento interpessoal com todos os envolvidos.
Desta forma, imprescindível considerar questões de
ordem ética e bioética na dimensão do cuidar. De
acordo com Pessini15, os cinco referenciais éticos
cruciais para o exercício da medicina paliativa são:
a veracidade, a proporcionalidade terapêutica, o
referencial duplo efeito, prevenção e o não-abandono. Em relação à bioética, o autor compreende
a mesma como sendo “o resgate da dignidade humana e qualidade de vida, num momento crítico da
existência humana em que as pessoas estão enfrentando a morte iminente e inevitável”.
Nos cuidados com pacientes fora de possibilidade de cura, a função do cuidar consiste
em paliar nos momentos em que já não há mais
possibilidade de cura, podendo o paciente incidir
nos caminhos do desejo de morrer, da obstinação
terapêutica ou da supressão do tratamento, denominadas eutanásia, distanásia e ortotanásia, respectivamente. Sob a perspectiva da boa morte, cujas
concepções se diferenciam em detrimento das necessidades tanto do paciente quanto do cuidador,
os cuidados paliativos priorizam a visão da ortotanásia no que diz respeito à garantia dos preceitos
éticos e bioéticos no encontro do viver e morrer.
Estas situações, por sua vez, são geradoras de profundos desgastes emocionais em virtude de acionar
aspectos subjetivos e singulares existentes na formação pessoal e profissional de cada integrante da
equipe, reacendendo sentimentos de vulnerabilidade e impotência, além de instigar aspectos referentes à conduta profissional mediante a disponibiliza-
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ção tecnológica ofertada pela instituição hospitalar.
Desta forma, o encontro entre vida e morte se instaura no papel do cuidador, convidando-o à busca da conscientização da morte contemporânea,
cujo maior desafio consiste em aliar conhecimento
técnico, autoconhecimento e humanização através
dos caminhos “da aceitação e da assimilação do
cuidado da vida humana no adeus final”.
Recentemente foi divulgado um estudo inédito realizado pela unidade de inteligência da revista
The Economist17, onde atribui ao Brasil indicadores qualitativos e quantitativos que indica seu mau
desempenho na qualidade da morte, englobando
questões relacionadas à formação do profissional,
o uso adequado da medicação em situações de
assistência paliativista, bem como, um forte determinismo acerca do poder medicalizado, atribuindo
à figura do profissional de saúde à representação
do curador. Aliado a estes resultados, sob a perspectiva do luto na área da saúde, em Casellato11
consta a falta de apoio por parte das instituições
hospitalares no que diz respeito ao estabelecimento
e a preservação de um espaço de escuta, onde
trocas comunicativas entre os profissionais de saúde
pudessem existir, em consonância com as necessidades pessoais, profissionais e institucionais.
4. Humanização no Cuidar: Uma Proposta de Desenvolvimento de Equipe
Promover uma conscientização e sensibilização no nível de equipe, levando em consideração
a rede de sistemas operacionais e administrativos
que contemplam o alcance de uma missão assistencial, assegurando um espaço de escuta seguro e protegido com a intenção e propósitos bem
delineados pelo grupo, pode propiciar resultados
calcados em mudanças de atitudes compartilhadas
que, invariavelmente, irá repercutir nos propósitos
e metas preestabelecidos. Estas modificações de
comportamento frente à morte, manifestada tanto
no campo individual quanto no social possibilita
refletir sobre quais os fatores que vem determinando esta nova atitude no âmbito hospitalar, além de
ofertar assistência dos cuidados paliativos; um espaço promissor no que diz respeito à integralidade
dos cuidados, que vai desde a aplicabilidade de
medidas de conforto até o momento da passagem.
Ressalta-se que a concepção de integral abrange
questões de natureza física, emocional, social e
espiritual, tanto do paciente quanto daqueles que
o assistem, bem como a instituição aos quais seus
atores estão vinculados.
A problemática existente entre falta de apoio
institucional frente a experiências cotidianas que
acionam aspectos de natureza emocional chama
atenção pela ausência de cuidado da alta administração quanto às necessidades da equipe no que
diz respeito à melhoria de desempenho da própria
equipe e mudanças comportamentais a nível institucional. Segundo Katzenbach18, existe uma sutil diferença nestas definições no que diz respeito
aos fundamentos de cada um, quando explica que
“equipes são mais flexíveis do que grupamentos
organizacionais maiores, porque podem ser mais
rapidamente montadas, ativadas, redirecionadas
e dissolvidas, geralmente de maneira que realce
em vez de romper as estruturas e processos mais
permanentes. As equipes são mais produtivas do
que os grupos que não possuem objetivos claros
de performance, porque seus participantes estão
compromissados com a obtenção de resultados tangíveis”. Esta afirmação permite deduzir a existência
de fragmentação estrutural, dificultando à interação
e comunicação entre os profissionais que compõe o
corpo institucional, assinalando uma linguagem específica correspondente a cada área de atuação,
bem como, estabelecendo uma gradativa perda de
foco e objetivos a ser alcançada coletivamente, fortalecendo deste modo a postura individualizada,
traço marcante da abordagem grupo de trabalho.
Para um gestor institucional, usualmente a
atenção ao cuidador profissional está delimitada
à oferta de um aparato tecnológico e educacional
onde assegure resultados que alcancem metas estipuladas e controles de qualidade, muitas vezes eximindo o lugar da ação e expressão espontâneas,
conforme pondera Deslandes10 num dos eixos discursivos do PNHAH designado humanização como
melhoria das condições de trabalho do cuidador.
No ambiente hospitalar da rede pública,
por exemplo, comumente são verificados níveis de
desmotivação dos profissionais de saúde através
do desinvestimento emocional do profissional aos
objetivos e metas estipuladas pela instituição, em
decorrência das constantes desvalorizações e au-
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sências de reconhecimento, refletidas na falta de
recursos materiais e pessoais, tendendo ao profissional não se reconhecer como pessoa que atua
e contribui para aquisição dos pressupostos organizacionais sob a perspectiva de uma equipe de
atuação, e sim, como um elemento individualizado,
setorizado, contratado para garantir e realizar apenas o ofício de cuidados em saúde estabelecidos
pelo seu grupo de trabalho.
Outros parâmetros detectores da falta de
motivação de um grupo de trabalho num ambiente
institucional rondam em torno da alta rotatividade
de pessoal, absenteísmo, baixos resultados operacionais, custos elevados, além dos altos índices de
acidentes no trabalho. Traçando um paralelo com
as manifestações desencadeadas pela síndrome
de burnout, já mencionadas anteriormente, possível
deduzir que tanto o cuidador profissional quanto a
instituição carecem da identificação de necessidades prementes para inclusão de uma abordagem
de equipe mais efetiva.
Moscovici19 afirma que “um grupo se transforma em equipe quando passa a prestar atenção à
sua própria forma de operar e procurar resolver os
problemas que afetam seu funcionamento. Esse processo de autoexame e avaliação são contínuos, em
ciclos recorrentes de percepção dos fatos, diagnóstico, planejamento de ação, prática, resolução de
problemas e avaliação”, sugerindo a necessidade
de conscientização e sensibilização de seus integrantes quanto à vinculação de variáveis internas e
externas que influenciam o comportamento humano existente na instituição. Para que tal metamorfose aconteça, imprescindível avaliar os elementos
constituintes de um grupo de trabalho, levando em
consideração os modos de enfrentamento mediante situações de conflito, estratégias de atuação,
funcionamento, graus de autonomia, resistências,
crenças, além de questões comportamentais, campo complexo e multidimensional quando analisado
sob a perspectiva de relações humanas, além de
abranger todos os níveis hierárquicos que contribuem para o funcionamento do trabalho.
Criar um espaço de valorização da escuta verbal e não-verbal instituída pela linguagem de
cuidados, abordando assuntos ainda considerados
tabu; como por exemplo, processo de morrer, luto
antecipatório e morte inevitavelmente revelam uma
necessidade de desenvolvimento de equipe, através de um programa educacional dirigido a grupos
de pessoas interdependentes que precisam unir esforços tanto nos procedimentos de trabalho quanto
na resolução de problemas. A autora explica que
desenvolvimento de equipe vem a ser “uma intervenção psicossocial no sistema humano da organização”, levando-se em consideração aspectos que
abrange necessidades, objetivos, características do
grupo e da organização, dentro da perspectiva espaço – tempo – contexto.
Por definição, desenvolvimento de equipe
contempla “incrementar a efetividade de um grupo
trabalhar colaborativamente para alcançar resultados”, e pressupõe “mudanças significativas pessoais e interpessoais dentro dos conhecimentos,
sentimentos, atitudes, valores, motivação, postura
comportamento”, apresentando como desafio desenvolver um processo de integração que englobe
variadas unidades de trabalho, com suas diversas
representações funcionais numa proposta de respeito e potencialização de cada empreendimento
humano para a produtividade almejada pela instituição.
Trata-se, portanto, de um trabalho de resgate do processo de interação que ainda prima pela
abordagem racional, ampliando novos espaços
de compartilhamento que coadunem nível tarefa e
socioemocional de forma equilibrada, sendo estes
respectivamente, “atividades visíveis e observáveis,
acordadas tanto nos grupos formais de trabalho
quanto nos grupos informais e as sensações e sentimentos variados, já existentes ou gerados pela convivência e atividade no grupo”, conforme salienta
Moscovici19. Aspectos dimensionais de natureza
intrapessoal e interpessoal demarcam os processos
grupais através da relação eu/eu e eu/outro, sendo que muitos problemas de participação no grupo
se originam de dificuldades provenientes destas etapas de desenvolvimento, quando mal estruturadas.
Detectar estas limitações e trabalhá-las dentro de
um grupo possibilita o indivíduo a buscar novas formas de confrontação, pois “o grupo, quando bem
conduzido, pode ajudar os participantes a enfrentarem suas dificuldades pessoais”.
Face aos benefícios expostos pelo trabalho
de desenvolvimento de equipe e, concomitantemente, às necessidades do cuidador profissional
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detectada ao longo deste estudo realizado sobre
a temática cuidados paliativos e humanização, o
projeto Humanização no Cuidar é um projeto que
apresenta como objetivo transformar este campo de
saber em um curso de capacitação de abordagem
vivencial, destinado aos profissionais da área da
saúde que lidam com a prática dos cuidados paliativos e humanização. Trata-se de um treinamento
que intenciona identificar grupos e sensibilizar equipes sobre a importância de desenvolver uma nova
postura comportamental frente aos desafios propostos pela Instituição na busca de maior qualidade e
produtividade em seus resultados.
Projeto Humanização no Cuidar
Objetivo Geral
Conscientizar e sensibilizar os profissionais da área
da saúde sobre a importância nos cuidados paliativos e humanização, no intuito de viabilizar uma
maior receptividade às situações suscitadas através
desta experiência.
Objetivos Específicos
Integrar e capacitar o profissional da saúde frente à experiência de sobrevida em nível de doença, do processo de morrer e a morte; desenvolver
recursos internos para estudar, analisar e debater
com base em conhecimento teórico-prático sobre
o sentido e o significado que a morte pode adquirir no decorrer do tratamento paliativo; propiciar
um espaço terapêutico para que os profissionais
da saúde possam compartilhar e aprender a elaborar situações relacionadas à temática da finitude,
através da abordagem vivencial, promover entre os
integrantes eventos de natureza informativa sobre a
experiência de sobrevida em nível de doença, do
processo de morrer e a morte, através da vivência
prática numa abordagem multiprofissional.
Público Alvo
Enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, médicos,
assistente social, nutricionista, e demais profissionais da área de saúde que abordem pacientes sob
cuidados paliativos em assistência hospitalar.
Metodologia
Técnicas de dinâmica de grupo e jogos empresariais, permitindo criar dentro do ambiente de trabalho de treinamento um espaço necessário para que
o grupo possa vivenciar de forma lúdica e espontânea suas atitudes concretas diante das tarefas propostas. Será utilizado junto ao grupo material de
apoio atendam a demanda dos módulos mencionados abaixo, aliados aos aspectos psicossociais
e culturais na prática do cuidado.
Módulo 1
Módulo 2
Cuidado Paliativo – Afinal, curar
ou cuidar?
Apresenta como finalidade abordar o princípio do cuidado paliativo, bem como inserir seu campo de atuação, levando em
consideração o papel do cuidador neste
processo diante da inviabilidade da cura.
Comunicação – Você sabe com
quem está falando?
Visa capacitar e aprimorar o profissional
da área da saúde em identificar, apurar e
compreender os diversos níveis de linguagem estabelecidos na relação do cuidado
diante da inviabilidade da cura.
Módulo 3
Módulo 4
Cuidando de quem cuida – Quem
somos nós?
Introduz a perspectiva da representação
simbólica do cuidador e da morte na dimensão do cuidado, bem como incita uma
reflexão acerca do autocuidado.
Equipe – Cuidar junto ou em conjunto?
Sensibilizar os profissionais da área da
saúde sobre o sentido e significado do trabalho multidisciplinar, bem como ressaltar
a importância do mesmo mediante o processo de morrer.
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Módulo 5
Módulo 6
Humanização do cuidado – Quando o cuidar é humano?
Trabalhar aptidões individuais e grupais
acerca do SER humano, nas etapas que
conduzem ao final do ciclo da vida, levando em consideração as emoções no cuidar, oriundas do paciente, família e cuidador profissional.
Integralidade do cuidado – Da
dimensão física à espiritual: um
desafio no cuidar.
Abordar a concepção do conceito de dor
total, preconizado no Cuidado Paliativo,
levando em consideração a postura do
profissional da área de saúde frente à visão do cuidado integrado.
Módulo 7
Módulo 8
Morte – O percurso do cuidador.
Aproximar o arquétipo da morte bem como
a sua representação simbólica mediante a
finalização dos cuidados. Trabalhar aspectos culturais, sociais e emocionais suscitados no percurso do cuidador.
Luto – O cuidar de si-mesmo.
Capacitar o profissional a lidar com a perspectiva do luto na dimensão do cuidado e
autocuidado.
Duração
A carga horária para realização do projeto
consistirá de oito encontros mensais, com duração
de 08 horas, distribuídos em 04 horas no turno da
manhã e 04 horas no turno da tarde, uma vez por
mês, distribuídos de acordo com a disponibilidade
do grupo institucional.
Considerações Finais
Atualmente incessantes estudos e pesquisas
são realizados sobre cuidados paliativos e humanização, no intuito demonstrar e comprovar cientificamente os inúmeros benefícios deste novo paradigma
de atenção à saúde a todos os envolvidos. Todavia, pensar em cuidados paliativos e humanização
como modalidades de assistência acessível a todos
aqueles que se enquadrem nas suas indicações, inevitavelmente conduz a questionamentos acerca do
amadurecimento pessoal, profissional e institucional
para lidar com uma abordagem que não comporta
mais a profilaxia terapêutica, contrapondo um dos
ensinamentos básicos da ciência médica, círculo
vicioso aos quais os profissionais da saúde ainda
retroalimentam. Importante considerar que neste contexto, estamos falando de profissionais de saúde que
constituem diferentes áreas de saber.
Segundo o Conselho Federal de Medicina,
na normatização que legitima a prática de cuidados
paliativos, através do sexto Código de Ética Médica
reconhecido no Brasil e em vigor desde 13 de abril
de 2010, na cláusula XXII consta que “nas situações
clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a
realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes
sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados ”. Indubitavelmente, trata-se de um reconhecimento valioso sobre a abordagem da assistência
paliativa em nosso país, que convoca ao estabelecimento de cuidados especializados aliado a preparação de profissionais aptos a sua implantação, desde
nos meios institucionais até os meios acadêmicos.
O paradoxo parece se instalar quando se
constatam indicadores negativos no que diz respeito
à assistência e atenção à saúde, objeto de estudo
do Programa Nacional de Humanização de Assistência Hospitalar, onde se identifica a existência de
um desinvestimento do cuidado, na medida em que
os níveis de insatisfação de cuidadores profissionais
e usuários do sistema de saúde pública são temas
motivacionais constantes em pesquisas acadêmicas,
com absoluta ausência de medidas pautadas na integralidade de cuidados que visem modificar este
cenário. A questão parece se tornar mais delicada
ainda quando se constata, no campo da prática,
elevados índices de medidas desumanizadoras em
detrimento de medidas de conforto e alívio de dor e
sofrimento, favorecendo a busca de uma fragmentação através do reconhecimento de uma especialida-
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de médica. Sabe-se, portanto, que cuidados paliativos e a prática da humanização na assistência em
saúde não exigem título de reconhecimento, mas sim,
a necessidade de conscientização e sensibilização
das intenções de cada componente deste processo,
mobilizando indivíduos ao aprendizado e a unificação entre o saber e o sentir, de forma abrangente,
disponibilizando estes recursos todos os indivíduos
que necessitam de cuidados e atenção.
Portanto, edificar novos caminhos que conduzam
à sensibilização e conscientização frente ao reconhecimento das próprias limitações diante do desconhecido, ou seja, promover o religar dos aspectos materiais e espirituais que compõe a natureza
humana, expansão horizontes onde oportunidades
e possibilidades coadunem em seus princípios, invariavelmente perpassa pela reavaliação de valores
morais e éticos, que constituem a qualidade do ser,
em consonância com propósitos institucionais. Sob
este aspecto, o atual desafio perpassa pela validação de uma teia relacional que ultrapasse as limitaReferências bibliográficas
ções demarcadas pela ausência de ressonância e
pela presença de solidão, ambas originárias de um
condicionamento herdado proveniente de padrões
arcaicos, estipulados ao longo das décadas.
Para finalizar, cabe relembrar que na trajetória de
Saunders e Kübler-Ross, estas sistematizações ressurgiram sob diversas formas, e, soberanamente foram
molas propulsoras para que a incorporação de uma
nova filosofia de cuidados frente à temática morte fosse uma realidade. Atualmente, esta iniciativa ainda
ressona em nossa mentalidade no que diz respeito
às atitudes e comportamentos mais humanizados despertando constantes reformulações, seja na dimensão
das relações intersubjetivas, compostas por todos os
seus integrantes, seja através do meio sociocultural,
através da opção de uma morte digna de forma compartilhada. Um caminho sem volta, que certamente,
irá exigir de seus seguidores a constante presença
da unicidade de valores e princípios constituintes dos
desígnios do viver e morrer cercado de cuidados, de
forma consciente, sensível e humanizada.
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