LISBOA Jorge Gaspar Razão de Ser A foz do rio Tejo, a meio da

LISBOA
Jorge Gaspar
Razão de Ser
A foz do rio Tejo, a meio da fachada atlântica da Península Ibérica, constitui uma
excelente localização, vocacionada para atrair o estabelecimento de populações e
desenvolver actividades relacionadas com o interface mar/terra.
A excelência da localização é potenciada pelo facto de aí se desenvolver um amplo
complexo estuarino-deltaico, que corresponde à parte inferior do curso do Tejo onde,
por deposição de aluviões, se originou uma série de ilhas (os "mouchões"), formando
um delta que constitui a "primeira" foz do Tejo, que desagua num vasto regolfo
designado por Mar da Palha que, por sua vez, contacta com o mar por um estreito
gargalo, entre Cacilhas e a Cova do Vapor - a "segunda" foz do Tejo. Acresce que o
maior rio da Península é navegável até ao seu interior, o que aumenta o potencial
atractivo daquela posição.
Lisboa está assim "predestinada" pela sua excelente localização e o seu "destino"
associado aos contactos terra-mar e a sua razão de ser resulta, antes de mais, desse
potencial de interacção que foi, sob formas diversas, valorizado ao longo dos dois mil
anos de história da urbe.
A grandiosidade do cenário do sítio de Lisboa assenta no Tejo espraiando-se no Mar
da Palha, de margens assimétricas,: a sul, baixas e planas, irrigadas por muitos braços,
os esteiros,; a norte, enquadradas por sucessivas encostas em que se destacam
algumas colinas calcárias e montes vulcânicos. Não é a Lisboa das 7 colinas, como se
qualificou a cidade à imagem da “mãe” Roma, mas a Lisboa das múltiplas elevações,
donde é possível ver sempre o outro lado, num percurso de reencontros.
Foi numa dessas situações que nasceu Lisboa:, junto à praia do Mar da Palha, numa
encosta que sobe para o natural oppidum, onde os povos do mediterrâneo (fenícios,
gregos, cartagineses, romanos), encontraram um aglomerado, defensivo, um castro de
influências cruzadas, com destaque para o contributo celta. A opção definitiva, como
em tantas outras decisões que determinam a organização do território na Europa,
pertenceu aos romanos: Lisboa seria uma cidade-porto, drenando os produtos que a
navegação fluvial trazia do interior, ao mesmo tempo que a pesca local constituía uma
base exportadora própria e, aparentemente, inesgotável.
O Mar da Palha e os seus esteiros que penetravam a terra, fornecendo a possibilidade
de um transporte rápido, eficaz, barato, vão criar um sistema territorial com
actividades especializadas, à volta de um plano de água não só navegável, como rico
em peixe, articulando, assim, o Continente (pela navegação fluvial) com o Oceano
(pela navegação marítima).
À localização privilegiada, juntam-se as excelentes condições do sítio, quer do ponto
de vista da defesa, quer da facilidade das trocas e, consequentemente, da geração de
riquezas, facultando ainda aos habitantes as condições de higiene e de fácil
abastecimento nos mais variados produtos. Para os antigos, o sítio de Lisboa
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respondia perfeitamente às condições exigíveis para edificar uma cidade, tal como nos
deixou escrito Aristóteles, no seu Tratado de Política.
Às excelentes acessibilidades - locais, regionais e para mundos mais longínquos juntava-se a bondade do clima, mormente a vantagem da dominância dos ventos de
Oeste e de Noroeste, vindos do lado do Mar e soprando sobre o Mar da Palha.
O relevo ribeirinho era marcado por um certo número de pequenas linhas de água, que
desaguavam em enseadas imperfeitas, por onde penetrava a maré em curtas
distâncias. E, separando esses elementos fluviais, elevavam-se colinas, abruptas, que
sugeriam boas condições para a defesa em relação a ataques do exterior. Para o
interior, estendiam-se superfícies mais ou menos planas e alguns fundos aluviais, que
ofereciam boas perspectivas para uma agricultura de apoio local.
As águas eram variadas e abundantes. As características tectónicas do sítio explicam a
existência de águas termais, aproveitadas desde a Antiguidade, para banhos, que se
tornaram afamados. A estrutura geológica originava excelentes condições para a
constituição de lençóis freáticos, a diferentes níveis, que eram explorados em poços,
fontes e minas. Certas nascentes, a poucos quilómetros da orla ribeirinha, eram tão
abundantes que alimentavam alguns ribeiros, cujas águas se mantinham ao longo de
todo o ano, proporcionando verdura para os gados e, com o tempo, alimentando
regadios.
O subsolo tinha uma composição geológica variada, que proporcionava não só um
bom apoio para diferentes tipos de construções, como, por alteração, originava solos
aráveis com diversificadas aptidões agrícolas.
A argila, abundante e de qualidade, alimentou cerâmicas e olarias - até à actualidade.
Os calcários têm sido extensivamente utilizados na construção, das mais modestas
residências às mais monumentais edificações, servindo ainda para a produção de cal,
utilizada como cimento e também para dar a cor branca aos rebocos, adobes e taipas.
O basalto serviu para alvenarias menos apuradas, mas ficou sobretudo marcado como
elemento de pavimentação de ruas e calçadas. A série estratigráfica do miocénico,
além das argilas, margas e calcários de tipo variado, é rica em areias, que originaram
areeiros, explorados até aos nossos dias.
As rochas vulcânicas, que constituem o chamado Manto Basáltico, proporcionam
excelentes solos, adequados às culturas cerealíferas; os terrenos resultantes da
"mistura" miocénica originam, em geral, solos de aptidão variável, mas onde se
adaptaram muito bem a vinha, o olival, os pastos e os hortejos, - estes favorecidos
pela possibilidade de regadio feito nas margens das ribeiras e, sobretudo, a partir dos
inúmeros poços que polvilhavam o território do Termo de Lisboa.
Desde cedo se destruiu a cobertura florestal mas, a sul, facilmente acessível pela
navegação fluvial, existiam excelentes condições para a produção de lenha e carvão,
um potencial que sucessivas determinações do poder local e central permitiram que se
mantivesse eficaz até ao advento do uso dos combustíveis fósseis, do gás e da
electricidade.
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A madeira para a construção, embora não abundasse no Termo e na envolvente,
chegava, com relativa facilidade, do interior do País ou dos mares do Norte e Báltico,
em barcos que carregavam, no regresso, as produções locais: vinho, sal, frutos.
A Descoberta Do Sítio: O Sagrado E O Profano
A descoberta do sítio e das suas vantagens, foi um processo longo e continuado,
aprofundado à medida que se alargavam os contactos de civilização e a cidade crescia
com mais exigências a implicar novas soluções.
O sítio povoava-se, estendendo a sua influência ao território envolvente, descobrindo
e valorizando as dimensões do material e do espiritual. Neste processo, a tudo
sobreleva a relação terra-mar, de onde emerge a essência de Lisboa, desde as
suposições sobre o significado do próprio nome, à base económica e às maravilhas da
sagração de lugares que desde a pré-História são entendidos na sua espiritualidade.
Arrábida, a sul, e Sintra, a norte, são as duas montanhas geradoras, as serras-madres
de Lisboa, que se terminam Oceano dentro por promontórios sacralizados da
Antiguidade até hoje: em qualquer deles se localizam azóias, túmulos de homens
santos muçulmanos, que deram nome a aldeias; em qualquer deles os cristãos viram
milagres; ao da Roca, a norte, o ponto mais ocidental da Europa Continental, vão
todos os anos milhares e milhares de "peregrinos" olhar o Mar Oceano e aos fins-desemana têm aí encontro ritual muitas dezenas/centenas de motociclistas/cavaleiros do
asfalto. Sagração e Consagração dos nossos dias: depois de monges que aí edificaram
conventos e de poetas que cantaram os mistérios revelados, Arrábida e Sintra
tornaram-se, oficialmente, Parques Naturais, santuários de uma religião dos nossos
dias - o culto da Natureza..
Aos pontos altos do sítio foram-lhes atribuídas funções defensivas, fortificações ou
atalaias. O oppidum-alcácer-castelo (de São Jorge) viria e ser o eleito entre todos, mas
essas elevações também foram marcadas por instituições religiosas, sobretudo após a
conquista aos muçulmanos: capelas, igrejas, conventos e mosteiros, que funcionaram
como pólos irradiadores do povoamento e da ocupação agrária do território. Por isso,
um dia, Lisboa pode aspirar à assimilação a Roma, a metrópole por excelência,
considerando-se também detentora de sete colinas - todas mais ou menos
"santificadas" ou sacralizadas.
Outra função dos cerros e outeiros, que também marcou a paisagem e a toponímia de
Lisboa e do Termo, foi a dos moinhos de vento que, como os moinhos de maré,
abasteciam a cidade, contribuindo para o seu engrandecimento.
Alguns plainos, mais acessíveis, no caminho da cidade ou logo à sua entrada, terão
sido alvo de uma apropriação colectiva, destinando-se-lhes uma polivalência de
funções: são os rossios, bem documentados desde o tempo dos muçulmanos. O actual
Rossio, tem essa origem, realizando-se aí, desde o século XIII, a feira que antes se
efectuava às portas do Alcácer, onde ainda persiste o topónimo "Chão da Feira"; a
esta função vieram juntar-se, como em tantas outras cidades, actividades lúdicas como
as touradas ou actos públicos de demonstração do poder, como os autos de fé. O
actual Rossio rapidamente se integrou na cidade, com funções orientadas para a
população da urbe e do Termo - além da feira, do hospital, de sede da inquisição, de
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estalagens, de comércio, e de local de corridas de toiros - mais tarde, com a chegada
do caminho-de-ferro, a sua centralidade cresceu, tornando-se o centro de gravidade da
capital e do País – e adquirindo, acima de todas, uma dimensão simbólica.
Dois Mil Anos De Urbanidade No Espírito Do Tempo
A urbanidade de Lisboa remonta ao Império Romano, em cujo contexto o porto
piscatório da foz do Tejo, adquiriu o estatuto de município regido pelo mesmo direito
da capital imperial. Durante o domínio muçulmano (791-1146), foi um importante
porto de ligação entre o Mediterrâneo e a Fachada Atlântica. Todavia, só com a
configuração territorial definitiva do Estado português (meados do século XIII),
Lisboa encontra a sua vocação integral e inicia um processo de engrandecimento
como capital política e económica, porto fluvial e marítimo, centro de ligação entre o
Mediterrâneo e o Atlântico e plataforma de apoio às navegações oceânicas iniciadas
pelos portugueses no século XV.
O Centro Tradicional e as envolventes imediatas
O centro tradicional de Lisboa, tal como chega até aos nossos dias, corresponde,
grosso modo, à parte ocidental da área circunscrita pela Cerca Fernandina., Esta
estendeu-se a nascente e a poente para abranger, na primeira situação, o arrabalde
muçulmano de Alfama e os subúrbios de génese cristã de São Vicente e da
Graça/Santa Marinha, e na segunda alem do arrabalde de comerciantes e artesãos que
ocupara através de sucessivos aterros o esteiro da baixa, os núcleos que se
desenvolveram em torno de importantes estabelecimentos religiosos: São Francisco,
Carmo, Trindade, São Domingos. A Mouraria, a norte e nascente, arabalde do séculoi
XII, para onde foram deslocados os mouros após a conquista cristã, ficou de fora das
muralhas de D. Fernando.
No interior persistiu a Cerca Moura, encerrando o alcácer, voltado a norte, no ponto
mais declivoso e por isso melhor defensável, e a medina ou cidade propriamente dita,
que descia até à praia, no troço que corresponde hoje ao trajecto Terreiro do
Trigo - Campo das Cebolas. No interior da medina, localizava-se a mesquita maior,
provavelmente no local onde se veio a edificar a Sé Catedral.
Desde o período muçulmano que o arrabalde ocidental adquiriu mais importância
económica e social, o que se acentua a partir de D. Afonso III, que investe na
principal rua, a dos Mercadores, e desloca o mercado das 3as feiras da porta da
Alcáçova, actual Chão da Feira para o Rossio. O seu filho, D. Dinis, continua esta
estratégia, promove a construção de uma muralha ao longo da Ribeira e no seu
interior, abre a que será a grande rua de Lisboa até 1755 - a Rua Nova (dos Ferros),
paralela à linha de água
Com a vinda, no início do século XVI, do Palácio Real para a Ribeira, cria-se um
novo pólo de vida urbana: o Terreiro do Paço que, com a Praça do Rossio, marca o
eixo norte-sul da cidade.
A expansão urbana dos séculos XV e XVI dá-se com maior força para poente e a
realização urbanística mais relevante deste período é o Bairro Alto, a Vila Nova de
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Andrade, amplo espaço planeado segundo os padrões urbanísticos tardo-medievais, já
fora da Cerca Fernandina.
Ainda mais a poente, além do vale e esteiro de S. Bento, cresce, anarquicamente, um
bairro periférico e ribeirinho, associado às gentes marítimas e alguns grupos
marginais, o Mocambo.
Lisboa era, e continuou a ser até finais do século passado, uma cidade com um
desenvolvimento longitudinal, numa estreita faixa ao longo da praia que, em 1880, na
sua maior "espessura", terminava no que é hoje, mais ou menos, a Rua das
Pretas - Praça da Alegria.
A expansão dá-se para nascente e poente, ao longo da ribeira: em 1611 noticiam-se os
primeiros transportes públicos em Lisboa - de barco e no percurso Belém - Xabregas,
na realidade os limites da urbe.
Ao longo dos séculos XVI e XVII Lisboa, além de continuar a prolongar-se segundo
alguns dos eixos de acesso e em particular pelo ribeirinho e pelos que acedem
directamente ao vale da Baixa, concentra-se no perímetro fernandino e nos bairros
envolventes a nascente e, sobretudo, a poente. Os limites do continuum urbano não
vão além das barreiras naturais que são os vales de Chelas e de Alcântara.
A Primeira Coroa Residencial - Séculos XVIII-XIX
É no século XVIII, na sequência do terramoto, que se define um primeiro conjunto de
novos bairros com características residenciais, que se distribuem de poente para
nascente, respondendo a diferentes estratos sociais.
A Lapa, próximo do rio, entre Mocambo e as Necessidades, é um loteamento de ruas
largas e rectilíneas, onde se inscrevem lotes de diferentes dimensões, desde o que se
destina à pequena residência de trabalhadores até a grandes talhões, destinados a
palácios, com os respectivos jardins nas traseiras. Este conjunto vai ser dominado pela
colónia britânica e manter-se-á como o bairro da alta burguesia.
Os eixos da Rua da Escola Politécnica e Rua de São Bento, do Príncipe Real ou do
Convento Beneditino até ao Rato, apoiam uma vasta área de expansão residencial do
século XVIII, que se consolida após o Terramoto de 1755. Albergando, como todas as
áreas residenciais, diferentes estratos sociais, é mais homogénea que a expansão no
eixo ribeirinho (Mocambo-Lapa-Necessidades).
Nas secções iniciais faz-se a ligação à Baixa/Valverde, pela encosta da Mãe de
Água/Praça da Alegria e à Estrela/Lapa, pela encosta poente de São Bento.
Este sector São Bento-Politécnica, prolonga-se para norte e poente, numa área
programada do século XVIII, onde se integram a habitação, o comércio e a indústria:
a área de Santa Isabel-Rato-Amoreiras. O pluralismo na integração também é patente
no plano social, coexistindo mansões da aristocracia, com tipologias habitacionais do
operariado que despontava, associado às novas fábricas (sedas, cerâmica, pentes).
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A reconstrução da Baixa, na sequência do terramoto, favoreceu o desenvolvimento
desta área de Santa Isabel-Rato-Amoreiras, que funcionou como alternativa ao centro
citadino, recebendo muitas actividades de comércio e de serviços, transformando-se
num importante centro secundário da cidade.
O sector, de encosta, definido pelos eixos de Portas de Santo Antão-Rua de S. José e
Calçada de Santana-Campo de Santana, embora de génese anterior, estrutura-se no
século XVIII, mas sem a componente "programática" dos dois casos antecedentes. É
patente o pluralismo social e funcional, embora seja aqui relevante a função de
"porta" e a articulação com o mundo rural, bem patente até 1755, no papel de mercado
semanal desempenhado pelo Rossio e, depois, nas actividades do mesmo tipo que têm
lugar no Campo de Santana.
Com a reconstrução pombalina e com o aparecimento da Praça da Figueira a
substituir o Rossio como "interface" campo-cidade, aquela dimensão de "porta" é
compartida com o eixo do Intendente-Porta da Mouraria (Arco do Alegrete).
Outra grande expansão residencial pós-terramoto dá-se a nascente, na Graça,
ocupando a encosta limitada pelos eixos da Rua da Graça e dos Barbadinhos. Trata-se
de um vasto programa habitacional que será ocupado desde finais do século XVIII e
ao longo do século XIX, com o predomínio das classes populares.
OS “bairros Modernos” (1870-1930) e a Definição do Crescimento Radial
Com a consolidação do Liberalismo e da Monarquia Constitucional Lisboa, como
capital política e económica, sofre grandes transformações que correspondem, por um
lado, à nova realidade política, social e económica do País e, por outro lado, à
introdução de um certo número de inovações tecnológicas.
O novo ordenamento do Estado reflecte-se no aparecimento de situações urbanas que
geram centralidades, funcionais ou simbólicas. A expansão do ensino nos níveis
secundário e superior tem reflexos, não só sociais como também no "mapa" da cidade.
Mas é sobretudo a nova industrialização, associada ao aumento do comércio externo e
às inovações resultantes da generalização da máquina a vapor que vão dar uma nova
feição a Lisboa.
Já no virar do século, a introdução da energia eléctrica nos transportes urbanos vai
permitir o alargamento da cidade, que deixa de ter apenas um grande eixo
acompanhando a frente ribeirinha, para se expandir para Campo de Ourique,
Campolide, Sete Rios-Benfica e Luz, Entrecampos-Campo Grande-Lumiar,
Arroios-Areeiro e Alto de São João. Naturalmente que a primeira linha do "eléctrico"
aproveitou a faixa de maior desenvolvimento contínuo, do Poço do Bispo a Belém,
ligando, por um lado, as duas principais concentrações industriais a nascente
(Xabregas-Poço do Bispo) e a poente (Alcântara) e, por outro lado, três dos quatro
terminais ferroviários que convergiam no centro da cidade.
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O início deste período é também marcado pela construção do moderno Porto de
Lisboa que implicou um grande aterro, do Cais do Sodré até Alcântara. A nascente
criaram-se novas instalações portuárias, do Jardim do Tabaco ao Poço do Bispo.
O crescimento mais intenso de novas áreas residenciais dentro daquele período dá-se
entre 1880 e 1916 – período em que se configura a "Lisboa Moderna", de que as
imagens mais fortes são a Avenida da Liberdade e as chamadas "Avenidas Novas".
A Avenida da Liberdade, que arranca (1880) "quase" no limite da muralha Fernandina
(!), rompendo sobre o Passeio Público, herança da Lisboa Pombalina, vai não só
"apoiar" as áreas residenciais pombalinas e pré-pombalinas, de uma e outra encosta
do vale, como promover o aparecimento de novos bairros: a oeste, o que se estende
até ao Rato, dirigido à média e alta burguesia, e a nascente, o Bairro Camões
(primeira pedra lançada no ano do III centenário da morte do poeta, nos terrenos da
Quinta dos Condes de Redondo) dirigido mais para a pequena burguesia.
As "Avenidas Novas" vão prolongar este primeiro "alargamento" da cidade para
norte, ultrapassando a antiga estrada militar. Define-se assim o principal eixo de
crescimento de Lisboa para o interior e que será secundado por um a leste, que
aproveita outra linha de água (o Vale de Arroios-Anjos-Mouraria-Baixa),
representava um dos principais acessos por terra a Lisboa (Rua Direita de Arroios,
Rua Direita dos Anjos, Rua do Benformoso, Porta da Mouraria/Arco do Marquês de
Alegrete) e que a partir de 1900 é "duplicado" pela Avenida Rainha D. Amélia, hoje
Avenida Almirante Reis, mais consequente no seu traçado, penetração rectilínea com
carácter evolutivo, do que o foi o da Avenida da Liberdade.
Enquanto o eixo Avenida da Liberdade - Avenida da República apoia, como vimos,
sobretudo três grandes extensões urbanas, o da Avenida D. Amélia/Almirante Reis,
até à 1ª Grande Guerra (chega a Arroios/Praça do Chile/Morais Soares) será o suporte
de um certo número de pequenos bairros de iniciativa privada, alguns anteriores a
1900: Bairro Andrade; Bairro Maria, Bairro das Colónias - Bairro de Inglaterra,
Bairro Estefânia e, por extensão a oeste, Bairro Açores, Bairro Catarino, e a leste,
Bairro da Penha de França, Bairro do Alto Pina.
Qualquer destes dois grandes eixos se apoia, entre 1900 e 1946, exclusivamente no
"carro eléctrico
O crescimento sectorial é acompanhado, embora de forma descontínua, por um
crescimento concêntrico. Assim, começando de oeste para leste, temos que, no
mesmo período, se definem dois grandes bairros a poente, um próximo do rio, nos
antigos terrenos da cerca do Palácio Real do Calvário, e outro em Campo de Ourique,
em terrenos que tinham pertencido a unidades militares, sobre o Vale de Alcântara,
limitados pela estrada militar (aqui, a actual Rua Maria Pia). Os dois bairros iniciados
ainda na década de 80, terão com o carro eléctrico, já no século XX, o seu principal
instrumento de sucesso, pela criação de excelente acessibilidade à Baixa, onde
trabalhava a maior parte da população activa (funcionários públicos, empregados do
comércio e dos serviços).
No mesmo período, entre o eixo Estrela-Campo de Ourique e o da Avenida da
Liberdade-Avenidas Novas, vai verificar-se o prolongamento do Rato/Santa Isabel
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para Noroeste, pelas Amoreiras, originando-se o novo bairro de Campolide, também
apoiado no carro eléctrico, que não só liga à Baixa e à Zona portuária (Santos) como
pela antiga estrada militar (Marquês de Fronteira, Duque de Ávila, Praça do Chile,
Morais Soares e mais tarde Afonso III) faz a primeira circular de Lisboa por
transporte público, de Santos até Xabregas/Caminhos-de-Ferro.
A nascente, a partir dos Caminhos-de-Ferro, vão aparecer novos bairros, para as
classes de menor rendimento (em geral, operários fabris), além de se ter acentuado a
ocupação linear até ao Poço do Bispo, prolongando-se mais para nascente já com o
apoio do caminho-de-ferro e a partir de antigas aldeias (Braço de Prata/Marvila,
Olivais, Sacavém
A esta incipiente estrutura radio-concêntrica, com uma oposição social Oeste-Este,
contrapunham-se de certo modo algumas simetrias, que desde logo estavam
prefiguradas nos dois "limites" naturais da cidade do fim do século passado, a Oeste
(Vale de Alcântara) e a Leste (Vale de Chelas). A industrialização que se opera na foz
destas ribeiras para o Mar da Palha, aproveitando a acessibilidade marítima e a
existência de água abundante e terrenos disponíveis, vai originar, num e no outro
extremo da cidade, formas de habitat operário, típicos desta época: são as vilas e
pátios operários
6. Os bairros do Estado Novo: de Belém à Madre de Deus
No fim da 1ª Grande Guerra Lisboa está já numa crise de desenvolvimento, findo o
ciclo das "Avenidas Novas". Em 1919 é lançado pela primeira vez um programa de
bairros sociais, que arranca com os bairros do Arco do Cego e da Ajuda: estes só
viriam a ser inaugurados em 1933 pelo então Subsecretário de Estado das
Corporações e Providência Social, Pedro Teotónio Pereira. A década de 20 foi, de
facto, um período de quase total estagnação urbanística de Lisboa, podendo
enumerar-se um número limitado de edifícios valiosos (Baixa, Avenida/Avenidas
Novas), mas nenhum conjunto ou bairro digno de destaque: apenas desenvolvimento
de pequena escala e má qualidade como o Bairro de Santos ou o Bairro da Bélgica, no
Rego, parte da Penha de França e do Bairro Lopes, a Oriente.
Nos anos 30 o Estado Novo lança um programa de habitação orientado para diferentes
estratos sociais. Os bairros de índole mais popular, pensados num misto dos princípios
da cidade-jardim e de um paternalismo ruralista, casas de um ou dois pisos, com
pequeno quintal/jardim, em conjuntos autonomizados fisicamente, mas quase
exclusivamente residenciais. Os primeiros iniciaram a construção ainda nos anos 30,
os últimos são já do início dos 50.
Estes bairros sociais formam como que uma coroa à volta de Lisboa: Pedrouços.
Belém, Caramão da Ajuda, Quinta do Jacinto, Alto da Serafina, Campolide (Calçada
dos Mestres), Alto de São João (Paiva Couceiro), Madre de Deus. Mais excêntrico, a
norte, junto ao "novo" aeroporto da Portela, o Bairro da Encarnação. Constituídos em
grande parte por moradias geminadas, na maior parte das casas de dois pisos, com
rendas de baixo valor e resolúveis.
Um caso particular de iniciativa pública corresponde ao Bairro de Alvalade, com
plano de 1945 de autoria do arquitecto Faria da Costa. Trata-se do projecto
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urbanístico mais ambicioso do Estado Novo e também o melhor sucedido. Houve a
preocupação de integrar diferentes classes sociais, bem como diversas actividades
económicas (equipamentos, comércio, serviços, indústrias não poluentes, artesanato).
Do ponto de vista urbanístico observa-se uma boa articulação com a cidade
pré-existente, tendo beneficiado tanto da acessibilidade do carro eléctrico como do
autocarro (inaugurado em 1946) e, mais tarde, do metropolitano. Conceptualmente
obedece ao espírito do funcionalismo, que se manifesta também na arquitectura:
simples, moderna e funcional, tanto a que se destina às classes mais carentes (casas
económicas) como a das classes intermédias (rendas limitadas) ou das classes de
maior rendimento (moradias e prédios de andares de renda livre).
O sucesso do Bairro de Alvalade prolonga-se até aos nossos dias, tendo-se verificado
uma cada vez maior integração funcional na cidade, bem como uma gradual
substituição de gerações. É um caso a estudar atentamente, enquanto intervenção
exemplar.
Do mesmo arquitecto-urbanista é o plano de 1940 para a encosta do Restelo, lançado
no contexto dos melhoramentos que Duarte Pacheco promoveu na zona de Belém. No
Bairro do Restelo a componente social (casas económicas) é suplantada pela
componente de habitação de luxo, faltando a dimensão integradora que se observa em
Alvalade. No entanto, a iniciativa além de responder a uma procura, marca o processo
de qualificação da área ocidental (Belém, Pedrouços).
Mas o urbanismo do Estado Novo não se limitou (embora fosse a faceta dominante) a
realizações directas, também influenciou de forma determinante a intervenção dos
privados, através de vários esquemas. Um dos casos mais interessantes é o do sector
entre a Alameda D. Afonso Henriques e o Bairro de Alvalade, onde predomina o
investimento privado, mas condicionado não só pelos planos elaborados e da
responsabilidade do Município, mas também pelos esquemas de financiamento e
algumas modalidades de concertação como seja a venda de solo infra-estruturado pelo
Município e exigência de prática de alugueres a custo controlado ou a cedência de
terrenos para usos públicos.
É também neste contexto que se conseguem espaços para a implantação de novos
equipamentos públicos - ensino, desporto, religioso, jardins. Mas neste domínio há
uma política definida mais sectorialmente e que tem a sua principal área de
implantação entre o Campo Grande e Sete Rios, de que resultou a Cidade
Universitária, em que se inscreve o Hospital Escolar (depois de Santa Maria), ao
mesmo tempo Faculdade de Medicina e novo hospital central. Cidade Universitária
que ficaria com uma concretização limitada devido, por um lado, à escassez de meios
a partir do início da Guerra Colonial.
7. Os grandes conjuntos periféricos
Nos anos 50 começou a desenhar-se uma alteração na correlação de forças no interior
do regime salazarista que, embora mais evidente no domínio da política económica
(aposta na industrialização), da política internacional (abertura: entrada na ONU, na
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NATO), teve também consequência no planeamento urbanístico e na arquitectura,
com a introdução das novas correntes, com destaque para os princípios da Carta de
Atenas.
Com um vastíssimo património fundiário, o Município tem condições ideais para
escolher o seu futuro. Uma das grandes apostas foi a solução do problema da
habitação, para o que foi criado o Gabinete Técnico da Habitação, que ao longo de
algumas décadas iria desenvolver um trabalho extenso no âmbito do planeamento
urbanístico. São da responsabilidade deste organismo os planos de urbanização de
Olivais Norte (1959) e de Olivais Sul (1960), ambos incluídos ainda no conceito de
"bairros sociais", mas com características distintas dos anteriores: traçado urbano e
conceito funcional obedecendo aos princípios da Carta de Atenas, com organização
polinucleada da hierarquia, com compartimentação em unidades de vizinhança. Como
já acontecera em Alvalade procurou-se uma diversificação/integração social, embora
em Alvalade fosse maior a abertura à intervenção privada e a cooperativas.
Na sequência de críticas à carência de “urbanidade” de Olivais Sul e assumida uma
opção distinta para o Plano de Chelas (1965), que se seguiu, cronologicamente, nas
iniciativas camarárias. Assim, em vez de uma estrutura polinucleada e celular, foi
proposta uma estrutura linear.
Se em pequena escala o desenho sugere a referida linearidade, uma análise mais
pormenorizada e, sobretudo, uma visita ao terreno, evidencia que a realidade é outra:
segmentação, isolamento, descontinuidade e existência de barreiras ao relacionamento
interno do conjunto habitacional. A maior uniformidade do contendo social contribui
também para a configuração de um ambiente urbano bastante inóspito e repulsivo. A
introdução do metropolitano e a atracção de algum terciário de qualidade, a
complementar os equipamentos públicos, e sobretudo a afirmação do Parque das
Nações na sequência da Expo 98 contribuíram para uma certa regeneração desta vasta
zona, cuja imagem não é nada atraente
Entretanto, a Câmara Municipal tomou outras iniciativas no sentido de resolver o
problema habitacional dos mais necessitados e em particular dos habitantes de bairros
de lata. Aqui coexistiram duas filosofias: o "empurrar" das populações para a periferia
(expansão e "actualização" do Bairro da Boavista; Bairro do Padre Cruz; Bairro da
Horta Nova; Charneca do Lumiar; o promover o realojamento no próprio local ou
muito próximo (casos na malha de Chelas). Esta 2ª orientação verificou-se sobretudo
a partir do 25 de Abril de 1974.
Alguns grandes eventos constituíram oportunidades para investimentos de valorização
patrimonial, como foram os casos da 17ª……., da Lisboa Capital Europeia da Cultura
e, sobretudo a exposição mundial de 1998.
No plano urbanístico verificaram-se altos e baixos, do abandono a que estiveram
votadas áreas históricas, à reabilitação de extensas áreas degradadas passam pela
perda de oportunidades de fazer “boa” cidade moderna, caso da intervenção em
Chelas após 1990 e da “destruição” dos sectores entre a Cidade Universitária e a
estrada da Luz, compreendendo duas violências viárias: o Eixo Norte-Sul e a chamada
Avenida Lusíada.
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Mas os grandes empreendimentos operaram-se com diferentes metodologias,
diferentes escalas e diferentes dificuldades: Telheiras, ainda na linha da intervenção
camarária que vinha de trás, constituiu um sucesso, que só não foi equivalente a
Alvalade por falta de escola, de ambição e … de desenho… Mas apesar de tudo fez-se
a cidade e fez-se o bairro, na boa tradição Lisboeta; no mega empreendimento do Alto
do Lumiar, hoje designado Alta de Lisboa, em que a Câmara Municipal fez uma
parceria com um agrupamento de empresas para resolver o problema de dezenas de
milhares de pessoas alojadas em barracas, nas freguesias de Lumiar, Charneca e
Ameixoeira – aproveitou-se para desenhar este conjunto urbano de molde a integrá-lo
na cidade – ainda é cedo para uma avaliação, mas as múltiplas vicissitudes que o
processo tem atravessado também não ajudaram; por último, o Parque das Nações,
construído com e a partir da Expo 98, conseguiu os ambiciosos objectivos e é hoje a
principal novidade no urbanismo lisbonense das últimas décadas.
Lisboa hoje procura um futuro ou vários futuros, se possível coexistentes.
Consolidado o extremo este, com o Parque das Nações, que se povoa, densifica,
ganha urbanidade, pretende agora actualizar o extremo ocidental, a Lisboa das
descobertas, com novos museus e substituição de funções que abandonaram a cidade,
caso da doca de pesca em Pedrouços. E entre os extremos são variadas as ambições:
renovar Belém-Ajuda, modernizar o Porto, a primeira razão de ser de Lisboa, hoje
com novas especializações (contentores, cinzeiros, náutica de recreio), instalar no Sais
do Sodré agência europeias, símbolo e realidade da nova capacidade de Lisboa – a
Europeia, recuperar a monumentalidade e a vida dos centros: o Terreiro do Paço e a
Baixa. Actualizar funções, reabilitar os valores esquecidos, refazer património, tanto
na frente ribeirinha, como por todo o restante tecido urbano. Tudo isto, como se
impõe nas cidades vivas e ambiciosas, com muitas polémicas, múltiplos interesses e
diversas ideias de cidade-capital
LISBOA - A Cidade do Poder
Com a conquista do Algarve, em meados do século XIII, Portugal adquire a expressão
territorial que mantém ainda hoje e Lisboa posiciona-se como a principal centralidade
para o exercício do poder, económico e político. Assim aconteceria.
Desde então que, enquanto capital e maior cidade do País, Lisboa concentra um
elevado grau de poder, que é muitas vezes percepcionado apenas no domínio da
política, daí a dimensão simbólica do Terreiro do Paço, metáfora hiperbólica da
multivariada retórica localista e regionalista.
Ao Terreiro do Paço, símbolo do poder quase absoluto da cidade do despotismo
esclarecido, que em Portugal ficou conhecido por período pombalino, por via do
Terramoto de 1755, correspondeu ainda um estilo urbanístico e arquitectónico.
Também neste sentido o Terreiro do Paço é impressionante, sobretudo quando o seu
poder irradiava para quase todas as parcelas do Império através da navegação fluvial
de cabotagem ou oceânica. O Terreiro do Paço, o Cais das Colunas, o Cais dos
Soldados e o Arsenal constituíram um conjunto concentrado de poder, real e
simbólico.
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Entretanto, a geografia do poder foi-se dispersando no interior da cidade, primeiro o
Palácio Real, depois o Parlamento, a Presidência da República, o Chefe do Executivo
e, por último, vários dos ministérios, senão a maior parte, e secretarias de estado que
se "perdem" no tecido urbano, numa deslocação contínua que acompanha a própria
evolução da cidade.
Também mudaram as relações entre o poder e os meios de transporte e a localização
no Terreiro do Paço tornou-se a mais inconveniente porque excêntrica em relação ao
aeroporto e às auto-estradas, já que os ministros raramente utilizam o comboio e os
únicos barcos que chegam à Praça do Comércio são os "cacilheiros" e seus "parentes"
vindos do Seixal, do Barreiro e do Montijo.
Mas há de facto razão para continuar a associar o poder político ao Terreiro do Paço,
já que é o único espaço concebido originalmente para o exercício dessa função. Todos
os outros são adaptações. A Assembleia da República, herdeira dos Parlamentos,
sucessivamente monárquico e republicano, instalou-se num antigo Convento,
adaptado e actualizado, e na sua cerca se construiu-se a residência oficial do PrimeiroMinistro. Mesmo o palácio da Presidência da República, herdeiro de um Palácio Real,
começou por ser uma residência secundária de um alto dignatário da nobreza. E hoje,
alguns ministérios e secretarias de estado ocupam prédios que nem sequer foram
construídos para o exercício de actividades terciárias, sendo adaptações de espaços
residenciais, civis ou religiosos. Por isso, não admira que o único alvo credível tenha
que ser ainda o Terreiro do Paço.
Com a emergência e consolidação do liberalismo, um segundo poder se foi-se
associando ao Terreiro do Paço, ocupando progressivamente quase todas as suas
"traseiras", centradas na Rua do Comércio: o poder da finança, exercido através dos
bancos, que ainda hoje têm a sua maior concentração na parte inferior da Baixa,
"aconchegados" pelo poder político da Praça do Comércio.
Entretanto, desde os anos 70, também esse poder migrou, primeiro para a Avenida
Fontes Pereira de Melo, depois para o eixo da Avenida de Berna - Campo Pequeno.
Recentemente, com o aparecimento de um sem número de bancos, tende-se para a
dispersão e é cada vez mais complexo tipificar os espaços do poder financeiro: da
"majestática" Caixa Geral de Depósitos, ao pós-modernista Banco Nacional
Ultramarino, e aos jovens da Avenida José Malhoa, passando pelos modernos da
Avenida da Liberdade e adjacentes, sem esquecer que nascem outras unidades em
escritórios da área central de Lisboa.
Idêntico exercício de busca para outros poderes, das multinacionais aos maiores
grupos económicos portugueses, levar-nos-ia à mesma conclusão: em Lisboa o Poder
dispersa-se! O que de resto é uma das atitudes estratégicas preconizadas. A outra, é o
oposto.
Lisboa está a renascer?
Todas as cidades com um passado rico têm uma memória marcada pelos períodos ou
tão só pelos momentos de maior esplendor. Por isso, essas cidades, quando
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atravessam períodos de menor relevância no conspecto das suas congéneres, vivem
uma certa saudade de outros tempos e projectam o seu renascimento.
Assim acontece com Viena de Áustria, sonhando com uma nova centralidade na
Europa Central, revive os tempos áureos do Império; com Copenhaga que quer voltar
a ser a capital do Oresund, estendendo a sua influência até à Scânia e aos países da
margem oriental do Báltico; também Berlim e outras capitais da Europa Central
buscam formas de renascimento de antigos esplendores.
Também Lisboa vive continuadamente na procura das grandezas de outros tempos,
imaginando um devir de novos prestígios. Por isso, um número da revista francesa
Autrement dedicada à capital portuguesa notou que Lisboa era uma cidade “com
saudade do futuro”.
Só que há muitas formas e conteúdos possíveis para atingir a grandeza. Como vimos,
já os antigos se interrogavam sobre o significado dessa grandeza que não
corresponderia necessariamente à dimensão - física ou demográfica. Mas para muitos
ainda será a crescer que Lisboa se afirmará; outros, minimalistas, apostam no "reviver
o passado" e gostariam de ver a cidade "encerrada" no somatório dos seus passados.
Ora Lisboa deve aspirar a um renascimento pela actualização, colocando-se
continuadamente no espírito do tempo. Engrandecendo o seu património, não só
através da valorização das heranças mas também pela edificação de novos espaços
urbanos, que assegurem o diálogo com o passado: diálogo enquanto identidade,
enquanto emulação pela qualidade.
O renascimento "físico" de Lisboa é fundamental mas ele só será possível se se
verificar também a emergência de uma nova realidade económica e social. É no
encontro destas três dimensões que se deve construir a nova cultura urbana, a mais
relevante expressão de uma cidade e que, por isso mesmo, transmite a sua imagem
para fora de muros.
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