Cuadernos de las Olimpíadas NÚMERO 2 - 22 DE AGOSTO DE 2016 Pensar el deporte, pensar la sociedad Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales | Conselho Latino-americano de Ciências Sociais | Latin American Council of Social Sciences O Brasil visto do Rio de Janeiro Simoni Lahud Guedes* Isso aqui, ô, ô É um pouquinho de Brasil, Iaiá Desse Brasil que canta e é feliz, Feliz, feliz É, também um pouco de uma raça, Que não tem medo de fumaça, ai, ai Que não se entrega, não1 F oi um alívio. Nas horas seguintes ao término da Cerimônia de Abertura dos XXXI Jogos Olímpicos de Verão 2, no Maracanã, na noite do dia 05 de agosto de 2016, nos periódicos online e nos posts das redes sociais, havia muito júbilo e uma evidente supresa com o que foi considerado uma festa de sucesso. Esta avaliação se reproduziu em toda a mídia nacional no dia seguinte, que repercutiu também comentários de alguns veículos internacionais, muito considerados no Brasil. De fato, houve uma reversão das expectativas de que não apenas a festa de abertura mas todos os Jogos Olímpicos seriam um desastre. 1 Trecho da música Isso aqui é o que é, de Ary Barroso, 1942, cantada na cerimônia, pelos cantores/compositores cult Caetano Veloso e Gilberto Gil, juntamente com Ludmila, uma cantora popular, considerada funkeira. * Doctora en Antropología por el Museu Nacional (RJ) y Profesora-Investigadora de la Universidade Federal Fluminense-CNPq. Es una de las grandes figuras de la antropología del deporte latinoamericana. www.clacso.org NÚMERO 2 | AGOSTO DE 2016 2 Sabe-se que nomeá-los como jogos de verão indica as modalidades esportivas praticáveis em temperturas amenas ou altas, opondo-se aos jogos de inverno nos quais se praticam modalidades que necessitam, geralmente, de neve ou muito frio. Entretanto, mesmo assim, o eurocentrismo, ou melhor, “nortecentrismo” desta designação é evidente: neste período, verão só ocorre no hemisfério norte. 1 Havia muitos motivos para isso. Havia os protestos, iniciados em 2013, contra os gastos na Copa do Mundo e nos Jogos Olímpicos, transformados, em 2015, em luta política, num país dividido em torno do processo de impedimento da presidenta Dilma Roussef, subvertendo a frágil e jovem democracia brasileira. Havia a resistência, muito grande no Rio de Janeiro, às remoções para a construção de equipamentos olímpicos e novos meios de transporte, referidos como legado. Havia uma Baía de Guanabara ainda muito poluída apesar dos milhões gastos para sua limpeza. Havia uma ciclovia recém-construída e desmoronada poucos dias antes do início do evento. Havia equipamentos inacabados, novos meios de transporte ainda em teste. Havia zika, chikungunya, dengue. Havia a violência cotidiana. E havia a memória recente da cerimônia de abertura da Copa do Mundo 2014, no mesmo Maracanã considerada, de forma quase unânime, uma “vergonha nacional”3, não fazendo juz à tradição brasileira de grandes espetáculos em espaços públicos4. Mas tudo isso desapareceu, como num passe de mágica, na noite da Cerimônia de Abertura. Foi reproduzida e recriada, de um modo muito elogiado pela maioria das avaliações5, uma das narrativas mais poderosas sobre o Brasil e a brasilidade, dentro do figurino deste tipo de espetáculo que visa enaltecer o país receptor dos jogos. Na verdade, os torneios esportivos internacionais são espaços privilegiados para a reprodução destas narrativas, muitas vezes realizando mudanças sutis que respondem aos contextos sociais. Como afirma Sahlins (1990)6 os acontecimentos agem sobre as estruturas simbólicas, ou seja, “as categorias estão sempre em risco na ação”. São, também, espaços privilegiados para a invenção da diversidade no encontro com o outro. No mundo contemporâneo, em que não há barreiras para a economia e em que a política internacional age sobre a política nacional, muito se indagou sobre a persistência das nações, dada a porosidade de suas fronteiras, e, consequentemente das nacionalidades. Entretanto, como já nos ensinara Eduardo Archetti, há liberdade e criatividade nas franjas e interstícios dos sistemas sociais, espaços nos quais corporalidades, musicalidades, nacionalidades e, mesmo, movimentos de revolta ou resistência são gestados. Nestes espaços são elaboradas e reelaboradas as formas de narrar a nação e os nacionais, quase nunca de modo unívoco: há elaborações que se aglutinam e se complementam mas há muitas que se opõem. São contextualmente selecionadas e revividas. Há muitos setores sociais que produzem ou reproduzem tais narrativas (destacando-se a mídia e o marketing). No caso brasileiro, como venho demonstrando há muitos anos, é na avaliação do desempenho da seleção brasileira de futebol (masculino)7 que foram produzidas as principais avaliações do ser brasileiro e do Brasil. O sujeito é o brasileiro, generalizado assim mesmo, abstraindo-se toda a diversidade (social, cultural, regional, étnica etc), em narrativas que consagram categorias que escapam do território limitado dos esportes e passam a ser definidoras da auto-imagem de boa parte da população. Consideremos, por exemplo, as muito conhecidas categorias futebol mulato (originalmente foot-ball mulato) e complexo de vira-latas, respectivamente elaboradas por Gilberto Freyre e Nelson Rodrigues. A categoria futebol mulato é uma das raízes de uma categoria central neste campo, endêmica nas análises do futebol brasileiro: futebol arte, opondo-se ao futebol força, futebol máquina. Inspirada no desempenho de Leônidas, o Diamante Negro, na III Copa do Mundo, em 1938, na França, a crônica publicada no Diário de Pernambuco (Freyre, 1938)8 enfatiza um estilo brasileiro de jogar futebol, herdeiro da capoeira e do samba, tese com evidentes conexões com sua interpretação das relações raciais no Brasil. Ou seja, o futebol está veiculando uma visão sobre a sociedade, visão que acentua a miscigenação, transformado em tema absolutamente central do pensamento social brasileiro, para o bem ou para o mal. Esta interpretação cria uma esta visão positiva do devir e das potencialidades do brasileiro que, sob tal ponto de vista, é agregada na interpretação de Nelson Rodrigues, cristalizada na famosa categoria do viralatismo. Tema surgido da inesquecível derrota do selecionado brasileiro para o selecionado uruguaio em 1950, enfatiza, tal como o faz Freyre, a capacidade de fantasia, improvisação, invenção do jogador brasileiro. Entretanto o complexo de vira-latas, sentimento de inferioridade diante do outro, impede a vivência destas qualidades: em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. (Rodrigues, Nelson, 1993)9 Tanto o tema da miscigenação positiva quanto o do viralatismo são endêmicos no pensamento social brasileiro, sendo, sem dúvida, duas das principais representações sobre a brasilidade. Pois bem. A cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, tanto nas imagens féericas que se sucediam, amplificadas por efeitos visuais bastante impressionantes, quanto na trilha sonora, incorporava, entre outras, estas duas representações. A história do Brasil que foi contada era, em primeiro lugar, a história de um território coberto por florestas que foi sendo devastado e coberto por cidades. Os elementos formadores e miscigenados foram destacados, mas dando o papel condutor aos grupos indígenas, no que subvertiam o modelo das 3 raças, também subvertido pelo acréscimo de árabes e orientais. Os negros foram apresentados em seus grilhões. Tudo se mesclava, riqueza e pobreza, Tom Jobim e Diogo Nogueira, Caetano Veloso e Ludmila, Paulinho da Viola e Anitta10 , Gisele Bundchem e Wilson das Neves. A exploração dos trabalhadores esteve longamente representada pela música Construção de Chico Buarque, também objeto de performance de jovens realizando parkour numa cidade virtual. Conhecidos modelos transsexuais conduziam os atletas para suas apresentações...En fim, era sim um Brasil que canta e é feliz, que não tem medo de fumaça, que não desiste, tal como o imaginara Ary Barroso em 1942. Era um Brasil miscigenado como o imaginara Gilberto Freyre em 1938. Era um Brasil vira-lata, humilde, como o imaginara Nelson Rodrigues em 1958. Mas era também um Brasil imaginado em 2016 que aponta para a desigualdade, a destruição da mata e do outro, que não distingue arte cult e arte popular, que reconhece vários gêneros, que está consciente da sua pobreza (tudo foi feito com materiais baratos, segundo Fernando Meirelles, pois não havia dinheiro) e também da sua riqueza. Talvez, por isso tudo, o articulista Gabriel de Arruda Castro de um periódico online conservador (National Review, 06/08/2016) tenha classificado a cerimônia como marxismo cultural. Desse modo, a miscigenação foi reinventada, assim como o viralatismo neste Brasil visto do Rio de Janeiro. E o contexto político se apresentou, ao final, quando o presidente interino fez a declaração de abertura dos jogos, em 10 segundos, recebendo em troca muito mais tempo de vaias. Cuadernos del Mundial - Brasil 2014 | CLACSO Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade 3 Aliás, diga-se, en passant, vergonha ofuscada por outra maior, posteriormente, no dia 08 de julho de 2014, na derrota de 7 X 1 para a Alemanha, no Mineirão. 4 Muito se criticou o fato desta cerimônia ter sido idealizada e dirigida por uma belga (Daphne Cornez). 5 Os diretores do espetáculo foram dois cineastas (Fernando Meirelles e Andrucha Waddington), uma teatrológa (Daniela Thomas) e um cenógrafo (Abel Gomes) 6 Sahlins, Marshall. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. 7 Nas Copas do Mundo, torneio eleito como o locus da nação e da nacionalidade. 8 Freyre, Gilberto. Foot-ball mulato. Diário de Pernambuco, 1938 9 Crônica originalmente publicada em Manchete Esportiva, 31 de maio de 1958. 10 Antes do espetáculo, a presença de Anitta e Ludmila, artistas populares, foi bastante debatida em alguns meios e nas redes sociais. Carmen Rial* e Miriam Grossi** Gênero, Raça e Violência nas Olimpíadas do Rio G randes eventos desportivos, como as Olimpíadas, são momentos em que se pode observar mudanças no esporte: são incorporadas novas modalidades –ou reincorporadas, como é o caso nesse ano do rúgbi–, novas tecnologias nos equipamentos, e novos gestos esportivos. E são momentos também em que se pode observar mudanças em dimensões sociais e políticas, como é o caso em 2016 no que diz respeito à questões de gênero e representações raciais. Além disso, o que nos traz a Olimpíada do Rio de novo em relação as representações de gênero e raça? Refletindo os diferentes momentos políticos mundiais, esta Olimpíada ecoa também a tensa e complexa situação global e nacional envolvendo guerras, violências e estratégias de segurança. Inicialmente é importante destacar que estas foram questões que aparecem de forma marcante desde a cerimônia de abertura, com uma equilibrada presença de artistas mulheres e homens e com clara opção pela representação de um país multirracial e cultural. A fabula das três raças, tradicional modelo de representação da mestiçagem brasileira, foi revisitada com a valorização de novas imigrações como a dos japoneses (próximo país a sediar os jogos olímpicos) e sírios (pais em guerra que representa hoje os refugiados do mundo), com uma breve representação da dominação europeia no período colonial, através de cenas do trabalho negro escravo mas sem uma clara critica à dizimação indígena, que perdura até hoje no país. 3 No que diz respeito às representações de gênero, vimos uma oscilação entre modelos emancipatórios, na presença de cantoras negras de várias gerações e estilos (do samba ao rap) mas uma ambiguidade na forma de representação das mulheres brasileiras através de corpos, ora sensuais de dançarinas negras de funk, ora “embranquecidos” pelo desfile da modelo Gisele Bundchen ao som de “garota de Ipanema”. Também surpreendeu, na cerimônia da abertura – mas com pouco destaque na mídia – a escolha de uma mulher transgênero na bicicleta que antecedia a entrada da delegação brasileira. Mas, se a abertura já apontava para uma forte presença feminina, foi no decorrer das Olimpíadas que as questões de gênero e raça emergiram em discursos imagéticos e textuais. * Professora titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem escrito sobre futebol e migração e editou recentemente o livro “Migration of Rich Immigrants: gender, ethnicity and class” (NY: Palgrave). Presentes massivamente em todas as modalidades, as mulheres brasileiras se destacaram em alguns lugares tradicionalmente dominados pelo esporte masculino. O exemplo mais visível foi no futebol onde o time feminino deu uma demonstração de profissionalismo e competência, denunciando por sua própria presença a subalternidade e discriminação que sofre cotidianamente em um país dominado pelo futebol masculino. Uma imagem representa bem esta critica: um menino que riscou em sua camiseta oficial da seleção o nome de Neymar Jr., escrevendo Marta em seu lugar. ** Professora titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem escrito e orientando trabalhos sobre gênero e sexualidade, teorias queer e feministas, violência contra mulheres e lesbo-trans-homofobia, parentalidade e conjugalidades LGBTT. Essa foi a Olimpíada com o maior número de participantes “fora do armário” –mais de dez atletas se diziam abertamente gays ou lésbicas, a grande maioria sendo mulheres brasileiras. E até um pedido de casamento entre duas mulheres ocorreu, com um beijo 1 Lei nº 12.035, DE 1º DE OUTUBRO DE 2009, item II do Artigo 14. NÚMERO 2 | AGOSTO DE 2016 A história dos Jogos Olímpicos é repleta de acontecimentos marcantes nesses planos, e especialmente na contestação de racismos: o negro corredor americano Jesse Owens e a equipe do Peru de futebol (vencedora da Áustria, terra natal do Fuhrer) contestando com suas vitórias nas Olimpíadas de Berlim em 1936 contra as teorias eugenistas nazistas; o punho erguido fechado no pódio dos negros norte-americanos Tommie Smith e John Carlos no México, numa alusão ao movimento Black Power (que lhes custou a medalha, retirada pelo Comitê Olímpico Internacional, o COI), ou o simbolicamente poderoso gesto de Mohamed Ali de jogar fora sua medalha, conquistada sob uniforme norte-americano, diante da recusa, por ser negro, de ser servido em um bar nos Estados Unidos, são alguns dos exemplos mais conhecidos. Todavia no que diz respeito à questões de gênero, apesar de estarem presentes nas primeiras edições, houve importante retrocesso na exclusão das mulheres de várias edições. Impulsionada pela recusa do misógino Barão Pierre de Coubertin de incorporar as mulheres nos Jogos Olímpicos de 1924, a feminista Alice Milliat liderou a criação da Federação Esportiva Feminina Internacional (FEFI) e organizou em Paris, os Jogos Olímpicos Femininos, com a participação de 77 concorrentes de 5 nações (Estados-Unidos, Reino Unido, Suíça, Tchecoslováquia e França). Furiosos pelo uso da palavra “Olímpico” no evento das mulheres, o COI negociou a troca do nome dos eventos seguintes da FEFI pela inclusão de 10 modalidades para mulheres nos Jogos Olímpicos de 1928, realizados em Amsterdam – fato que fez com que Coubertin discursasse na Abertura considerando-se traído e anunciando sua demissão da Presidência do COI. Mas, mesmo tendo garantida sua presença já há quase um século, a participação das mulheres nas Olimpíadas tem sido um longo caminho de lutas. Ainda minoritárias no conjunto dos jogos, é no Rio de Janeiro que encontramos o maior numero de atletas mulheres competindo. São 11.437 mil atletas dos quais 5.180 mil mulheres, o que, representa 45.29% dos participantes. A presença maior de mulheres competindo já é um indicador de igualdade de gênero. Cabe lembrar, também, que o respeito à diversidade étnica brasileira, no corpo da organização das Olimpíadas, consta no texto de uma lei que: “(…) estabelece a “adoção de ações afirmativas para garantir a reprodução da diversidade étnica brasileira nas diversas atividades relacionadas aos Jogos Rio 2016.”1 público entre a jogadora da seleção de rúgbi brasileira Izzy Cerullo e a gerente desportiva Marjorie Enya. A primeira medalha de ouro do Brasil no judô foi conquistada por outra atleta fora do armário: Rafa Santos, que é exemplar também dos casos de racismo no esporte, pois, ao ser derrotada nas Olimpíadas de Londres recebeu xingamentos de macaca, o que lembrou agora, na vitória. As reações nas redes sociais contra Joana Maranhão, (“você merece ser estuprada”) levaram a nadadora a buscar assessoria jurídica para se contrapor a cultura nacional machista. Mas a intolerância dos espectadores em relação à forma como mulheres atletas são representadas, como inferiores ou dependentes de homens para ganhar apareceu também em vários lugares do mundo, através de comentários esportivos machistas em relação as mulheres atletas. Depois que a húngara Katinka Hosszú quebrou um recorde Olímpico de natação, o narrador da NBC (cadeia de TV norte-americana) creditou a vitória ao seu marido (“and this is the guy, responsable”), gerando protestos nas redes sociais. Do mesmo modo, o jornal Chicago Tribune foi obrigado a desculpar-se por noticiar a medalha de bronze em tiro de Corey Cogdell-Unrein: “Wife of a Bears’ lineman wins a bronze medal in Rio Olympics” (Esposa do atacante dos Ursos ganha medalha de bronze nas Olimpíadas do Rio”). Apesar de um crescimento de suas presenças na mídia, tópicos como idade, aparência e o seu papel na família (esposa, mãe, filha) ainda aparecem fortemente nas reportagens envolvendo atletas mulheres. Todavia, apesar das frequentes “derrapagens”, pudemos observar grandes avanços, como o aumento da presença das mulheres jornalistas na cobertura midiática no mundo. Voltando ao exemplo brasileiro, observamos que nos canais de TV por assinatura, muitas jornalistas e atletas mulheres foram escaladas como comentaristas, seres pensantes capazes de dar opinião saindo do lugar que tinham até então de apresentadoras que liam nos teleprompters suas falas, ou as mensagens dos espectadores que chegavam pela internet, servindo para “enfeitar” as bancadas de comentaristas homens. Se ainda são mais frequentes comentando modalidades esportivas femininas, já aparecem em outras e, caso extremo e promissor, duas delas apresentam –sem a presença de homens– um programa esportivo matinal, inclusive comentando no tablado tático os movimentos dos jogadores de futebol2. DESIGUALDADE, VIOLÊNCIA E SEGURANÇA Cuadernos de las Olimpíadas | CLACSO “Esse aqui, é um pouquinho do Brasil ai, ai” cantaram lindamente na festa de abertura os baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil, artistas reverenciados pelo publico intelectual, e Anita, a cantora considerada brega pela elite que Caetano escolheu para acompanha-los, numa justa opção pois o Brasil é também (e muito) kitsch. Porem, outro Brasil ficou de fora da feérica Abertura oficial o que está nos serviços subalternos e que não tinha como pagar as entradas para o Maracanã, o que construiu os equipamentos das Olimpíadas (e no qual mais de dez operários morreram em “accidentes de trabalho”). Por isso, tivemos mais uma vez no estádio uma plateia formada por brasileiros brancos e das elites econômicas, como já tinha ocorrido na Copa do Mundo de 2014. O Brasil mais pobre teve que se contentar em ver pelos telões e enfrentou dificuldade para se locomover no Rio de Janeiro pois muitos dos trens do subúrbio foram deslocados para atender a mobilidade dos turistas e visitantes das Olimpíadas. Esse Brasil das favelas e periferias –lugar da violência cujas estatísticas assombram e são comparáveis as de países em guerra– foi um intruso na festa. Como revela a morte do soldado Hélio Andrade, da Polícia Militar de Roraima (na Amazônia) e membro da Força Nacional, que por engano entrou na favela da Maré, na zona conhecida como “Vila do João”. Foi alvejado no interior de uma viatura da corporação em um território dominado pelo trafico, onde representantes do Estado ou de classes mais altas correm risco de vida se ingressarem. As UPP (Unidades de Policias de pacificação) foram instaladas apenas nas favelas centrais do Rio, nas que pela proximidade com a zona sul e os bairros envolvidos com as Olimpíadas poderiam prejudicar o espetáculo. Essa seja a Olimpíada com mais gastos em segurança –41% será pública e 59% privada–, contando com 47 mil homens da Força Nacional e um total de 85 mil agentes de segurança, o que não chega a ser um número extraordinário pois a Eurocopa 2016, com risco alto de terrorismo, teve cerca de 90 mil agentes de segurança envolvidos. 2 Programa do Sport TV, canal pago. De fato, se fossem distribuídos pódios e medalhas aos países lideres em homicídios, o Brasil estaria entre os candidatos favoritos. O Brasil fica bem a frente de muitos dos participantes pois apresenta, por exemplo, 275 vezes mais homicídios que o Reino Unido, a Bélgica e a Áustria. O nordeste tem a mais alta taxa de homicídio, mas a violência está presente também no sul e sudeste: na ultima década 8 mil pessoas foram mortas pela policia na cidade Olímpica do Rio de Janeiro; 645 em 2015, muitas das execuções tendo sido filmadas por telefones móveis mas ainda assim são raras as condenações dos policiais envolvidos3. De fato, os números desse Brasil violento são de recorde: dez adolescentes são mortos todos os dias no país, o que coloca o Brasil no pódio das mortes de jovens, ocupando o terceiro lugar entre 85 países (atrás apenas do México e de El Salvador) 4. O Brasil está entre os países com maiores índices de violências de gênero. A taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, não garante pódio mas coloca o Brasil em quinto lugar no ranking dos 83 países com dados homogêneos fornecidos pela Organização Mundial da Saúde, apresentando 48 vezes mais feminicídios do que o Reino Unido, 24 vezes mais do que a Irlanda e a Dinamarca (Waiselfisz 2015:27). Raça e gênero são marcadores que pesam nessa violência. Como tem mostrado o Mapa da Violência (Waiselfisz 2016), os homicídios de jovens concentra-se entre negros, e vem crescendo: em 2003 a vitimização de negros jovens era de 71,8% e passou para 173% em 2013. Também a homofobia mata. O Brasil é ouro em homicídios de travestis e transexuais, com quase 500 mortes entre janeiro de 2008 e abril de 2013, bem a frente do México, que teve 4 vezes menos homicídios homofóbicos5. Os casos de violência são cotidianos, e como para as mulheres6 e crianças, muitos são invisibilizados por não serem reportados. A declaração de Caio Bomfim, atleta brasileiro quarto colocado na marcha Olímpica, mostra bem a cultura homofóbica que está por trás desses números: a cada treino, todos os dias dos nove anos de treino, Caio teve que ouvir chingamentos como “Vira homem”, “para de rebolar”, “viado”, “vai para casa trabalhar, vagabundo” 7. Chingamentos comuns também nos estádios: quem viu Brasil e Colômbia no futebol masculino ouviu os torcedores em São Paulo saudarem o goleiro colombiano com um “ohhhhhh, bixa!” a cada tiro de meta. Entre o país mostrado no espetáculo Olímpico e o Brasil do dia a dia, ainda há um abismo a ser superado. REFERENCIAS Waiselfisz, Julio Jacobo. 2015. Mapa da Violencia 2015: homicídio de mulheres no Brasil. Brasília: Flacso Disponível em http:// www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2015/11/ MapaViolencia_2015_homicidiodemulheres.pdf . _____ 2016. Mapa da Violência. Adolescentes de 16 e 17 do Brasil. Brasília: Flacso. http://espnw.espn.uol.com.br/rio-2016-deve-ter-maior-porcentagem-de-mulheres-na-historia-da-olimpiada-trajetoria-comecou-com-apenas-22/ http://www.geledes.org.br/acoes-afirmativas-nas-olimpiadas-do-rio-de-janeiro-2016/?gclid=CjwKEAjw3Nq9BRCw8OD6s4eI5HASJABsfCIarwD6MyCcJDMPm5_6dF15-sUy_D1vpiVEUzmWsNi6MRoCkzzw_wcB 3 https://www.hrw.org/americas/brazil em Julho de 2016. 4 WHOSIS, World Mortality Databases. Consultado em http://www. mapadaviolencia.org.br/pdf2015/mapaViolencia2015_adolescentes. pdf. A taxa de homicídio para jovens de 15-19 anos é de 54,9 para 100 mil habitantes (2015). 5 http://odia.ig.com.br/noticia/brasil/2014-01-29/brasil-lidera-numerode-mortes-de-travestis-e-transexuais-aponta-ong.html 6 Em 2013, o feminicidio chegou a 13 mulheres mortas no Brasil diariamente.http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/ uploads/2015/11/MapaViolencia_2015_homicidiodemulheres.pdf consultado em 14 de agosto de 2016. 7 http://globoesporte.globo.com/olimpiadas/atletismo/noticia/2016/08/ por-pouco-caio-bonfim-chega-em-quarto-na-marcha-e-fantastico.html Julia Hang* y Verónica Moreira** “O tempo dos Jogos” A * Julia Hang es Socióloga, graduada por la Universidad Nacional de La Plata, donde cursa su doctorado en Ciencias Sociales. Es Becaria Doctoral de CONICET (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas). ** Verónica Moreira es antropóloga, Doctora en Ciencias Sociales por la Universidad de Buenos Aires, Docente de la carrera de Ciencias de la Comunicación en la Facultad de Ciencias Sociales, UBA, e Investigadora Adjunta de CONICET (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas). Si, como sostiene Archetti (1985), el deporte es una arena social en la que podemos mirar procesos sociales más amplios, la riqueza de colocar el foco analítico en los Juegos Olímpicos fue la multiplicidad de planos y dimensiones que surgieron para pensar. Como investigadoras, deportistas, amantes del deporte, mujeres y militantes sociales, pasamos revista por varios temas: cuestiones de género, clase social, urbanismo, racismo y otros tópicos que emergieron en cada conversación. Uno nos interpeló directamente. Los medios, tanto en Río como en Buenos Aires, no tardaron en instalar como tema el de la acción “pasional” de las hinchadas y torcidas. Luego de algunos episodios en los que las prácticas de los espectadores argentinos y brasileros cobraron visibilidad (una disputa entre hinchas en un partido de tenis, el pedido del líder de la selección de básquet argentina para que no se insulte a los hinchas brasileros, los silbidos para la nadadora rusa sospechada de doping, o el descargo de un atleta francés contra el “público de mierda”1 que lo abucheaba), pensamos que en “el tiempo de los juegos” era posible hablar de una futbolización de las disciplinas deportivas. 1 En razón de la nota de la BBC “Olimpiadas Río 2016: ¿un “público de mierda” o simple pasión latinoamericana? http://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-37103374 5 Cuando comenzaron los Juegos, desde el primer día no paramos de enviarnos mensajes, una desde Buenos Aires, otra –la afortunada– desde Río. El intercambio fue, desde el inicio, desigual: una a la distancia informándose de los acontecimientos a través de las redes sociales, la prensa y la televisión, la otra disfrutando de la participación directa en la fiesta deportiva. Había comenzado “el tiempo de los juegos”, una suerte de temporalidad que nos habitó y habilitó, en continuado en diversos espacios y contextos, de manera compulsiva, a participar como espectadoras –directa e indirectamente– de distintas disciplinas. El deporte invadió nuestra cotidianidad para transformarla momentáneamente; no modificó nuestro interés sobre Brasil, sus injusticias y desigualdades, ya que por extensión representaban la preocupación por el avance de la derecha y el neoliberalismo en Argentina. Sí agregó nuevas inquietudes y reflexiones. Tanto en Río como en Buenos Aires, pospusimos nuestras actividades regulares en pos de participar – de– y observar las diversas actividades ofrecidas por los juegos. NÚMERO 1 | AGOSTO DE 2016 medida que se acercaba el inicio de los Juegos Olímpicos, la escena parecía estar tomada por la situación socio-política de Brasil. Un país convulsionado, con una presidenta suspendida acusada de corrupción y un gobierno para muchos ilegítimo, sería el primer país sudamericano en albergar un evento de esta envergadura. Los medios en Argentina y Brasil auguraban protestas y manifestaciones, tal como había sucedido durante la Copa Confederaciones en 2013 y el Mundial de Fútbol en 2014. Los juegos, creíamos, conformarían un escenario privilegiado para visibilizar mundialmente la crisis brasilera. Dichas protestas sucedían en un contexto diferente a aquellas masivas que tuvieron lugar años antes. Con consignas variadas, las manifestaciones reunían unos pocos miles de personas contra Michel Temer –el actual presidente interino–, los gastos del Estado para el evento deportivo en desmedro de la educación y la salud, el desalojo y relocalización de familias en zonas utilizadas para los juegos, la violencia policial contra los jóvenes pobres. Sus protagonistas eran las clases medias universitarias, algunas organizaciones de trabajadores y grupos de artistas movilizados. “Jogos da Exclusão” y “Calamidade Olimpica” fueron algunos de los slogans de los manifestantes. La pregunta acerca de la relación entre la organización de un mega-evento y los procesos políticos en una sociedad con múltiples desigualdades era nuestra principal inquietud académica. Esto se dio, puntualmente para el caso argentino, cuando los espectadores hicieron valer la identidad nacional a través de una performance con décadas de tradición en nuestro país. En distintos recintos olímpicos aparecieron los clásicos cánticos de tribuna, dirigidos no sólo a alentar al equipo sino también, y principalmente, a degradar –vía metáforas de sometimiento sexual– a los rivales. La afirmación de localismos, otro gesto común en el fútbol, apareció cuando los espectadores usaron en distintas competencias (hockey, vóley, básquet, tenis) banderas nacionales para escribir los nombres de los lugares de origen. Todo esto estuvo acompañado de saltos, aplausos, movimientos acompasados, revoleo de remeras y banderas, en un doble movimiento que buscaba ser captado por los rivales y las cámaras de televisión. En el fútbol, el adversario es un enemigo, y ese enemigo en Rio, para los argentinos, era Brasil. Y viceversa, también. El antropólogo brasileño Da Matta relata en un reconocido ensayo sobre el lugar del fútbol en la sociedad brasilera: “Me acuerdo de las veces en que escuchaba a los adultos de mi casa discutir de fútbol. Era cuando el equipo de Brasil jugaba contra Argentina en aquellos famosos campeonatos sudamericanos de los años 1940, en partidos que eran verdaderas batallas campales y los odios y rivalidades entre los participantes ascendían de modo impactante” (2011: 94). La rivalidad-enemistad ya existía en los años 40. ¿Por qué llama la atención hoy? Una respuesta que podemos esbozar es que la novedad aquí es que la disputa sale del fútbol para instalarse en otros deportes, manifestándose bajo una performance que resulta ajena. En un partido de la selección argentina de hockey femenino contra la de Japón, el público, en su mayoría argentinos y brasileros, tomaba posición a favor o en contra de los equipos, expresando tanto cantos de aliento como agravios mutuos. “Maradona es más grande que Pelé”, “Brasileros pecho frío”, los chiflidos brasileros hacia las jugadoras argentinas y el aliento a las jugadoras japonesas denotan la adopción de cantos y prácticas claramente futbolísticas, por parte de un público que, en su mayoría, se jacta de “no gustarle el fútbol” y de ser experto y amante del hockey. En el mismo sentido, un ex basquetbolista argentino comentó en Río, sorprendido, que nunca había visto algo igual en el básquet. “El público de básquet es más educado” sostenía, y agregaba que a pesar de que a él no le gusta el fútbol, se vio inmerso en un clima futbolístico. Narró incluso la discusión con hinchas brasileros en un fuerte tono, algo que nunca había vivido. Cuadernos de las Olimpíadas | CLACSO Los medios de comunicación se encargaron de convertir los comportamientos del público y las quejas de los atletas en excelentes titulares. Las versiones exotizantes de las sociedades latinoamericanas no se hicieron esperar, tanto de medios extranjeros como locales. Representaciones que simplificaron el fenómeno diciendo que los públicos de Brasil y Argentina eran “más pasionales” (¿menos racionales?). Los discursos daban cuenta de visiones moralizantes en torno a los modos correctos de comportarse en un estadio. Si recorremos los lugares por los cuales éstos circulan (medios de comunicación de todo el mundo, sentido común e, incluso, entre académicos) encontramos gestos que esencializaban las identidades argentinas y brasileras. Edward Said muestra en Orientalismo (2007) cómo Occidente creó Oriente a partir de un sistema discursivo, literario, científico, basado en prejuicios y estereotipos que permiten ejercer la dominación europea sobre Oriente. En este caso, los medios hegemónicos y los sectores medios y altos que concurren a estos juegos contribuyen a la creación de unas representaciones sobre los públicos brasileros y argentinos que, al futbolizar el deporte, ponen a jugar todas las características “negativas” de nuestras sociedades. Se filtra en estas representaciones que el público latinoamericano no es lo suficientemente “civilizado” para albergar los JJOO. Nuestra posición es no sólo criticar los esencialismos sino también desactivar el sentido común hegemónico para sugerir la confluencia de comportamientos diversos en un mundo complejo. La participación y observación directa en Brasil dio cuenta de comportamientos diferenciales del público, atravesados por múltiples dimensiones. La nacionalidad de origen jugó un papel importante, no como esencia, sino como diacrítico identitario que apareció de manera diferencial en los diversos contextos. Las identidades, como bien muestran la antropología y los estudios culturales, son dinámicas, relacionales, contrastivas y cambiantes. De este modo, los públicos brasileros y argentinos se comportaron de manera diferencial en los distintos contextos. Por ejemplo, en natación muchos espectadores apreciaron la disciplina, siendo indistinta la nacionalidad del deportista, aplaudiendo enfáticamente los récords mundiales y los finales cerrados. Podríamos sostener, a priori, que las disciplinas deportivas habilitan maneras de vivir el espectáculo. En natación se requiere silencio absoluto al momento de la largada, debiendo el público respetar esa regla a rajatabla. No obstante, aquí, en los Juegos, esa forma se mezcló, por momentos, con abucheos y gritos contra algunos nadadores. Los públicos “expertos” rechazaron estas actitudes “futboleras” que “denigraban” la “pureza” de los deportes olímpicos. Mientras que en Beach Volley, el espectáculo fue diferente. Un presentador guiaba los intervalos en los cuales bailarines cariocas realizaban una coreografía, o entre saque y saque se alentaba a los asistentes a aplaudir, bailar, en un registro más similar a los espectáculos de la NBA, como coincidíamos con un colega sociólogo tras presenciar un juego. El espíritu festivo parecía prevalecer por sobre la disputa deportiva. “El tiempo de los Juegos” se entrelaza con –porque es inseparable de– los procesos políticos. Frente a la prohibición de las expresiones de protesta contra funcionarios y políticos, aparece en los intersticios del espectáculo la astucia del “débil”, cual cazador furtivo que aprovecha la ocasión (de Certeau 1996). Cobra visibilidad fugazmente el espectador que, luego de insultar a su enemigo, levanta un cartel para decir: “Fora Temer”. Las contradicciones de la sociedad se ponen de manifiesto en Río 2016. Nosotras nos sentirnos atravesadas, interpeladas, confundidas, pero profundamente apasionadas por la magnitud de los eventos deportivos, sociales y políticos del tiempo de los juegos. Disfrutamos de los juegos, sí. Nos emocionamos y desbordamos con los cánticos argentinos, sí. Pero también nos levantamos para decir, con grito futbolero, “Fora Temer”, en defensa de la democracia brasilera. BIBLIOGRAFÍA Archetti, Eduardo, 1985: “Fútbol y Ethos” en Monografías e Informes de Investigación. Serie Investigaciones. Nº 7. FLACSO. Buenos Aires. Da Matta, Roberto, 2011: “O futebol de Brasil e a tragédia de Heysel”, en Exploraçoes. Ensaios de sociología interpretativa. Rio de Janeiro, Ed. Rocco De Certeau, Michel, 1996: Invención de lo cotidiano. I. Artes de hacer. México, Universidad Iberoamericana Said, Edward, 2007: Orientalismo. Barcelona, De Bolsillo. Luiz Fernando Rojo* De perto e de dentro do esporte paralímpico: um “legado” dos megaeventos esportivos no Brasil O Brasil está vivendo os últimos momentos de um ciclo de megaeventos esportivos que se iniciou com a realização dos Jogos Mundiais em Cadeira de Rodas e para Amputados (World Wheelchair and Amputee Games), em 2005, e que irá concluir com a disputa dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016. Entre estes, tivemos ainda a organização dos Jogos Mundiais Militares, a Copa das Confederações e a Copa do Mundo de Futebol Masculino, que movimentaram política, social e esportivamente a cidade, o país e a América Latina. Neste texto apresento algumas questões sobre como um determinado grupo – atletas, técnicos e dirigentes esportivos da Associação Niteroiense do Deficiente Físico (ANDEF) –interpreta este movimento e como atribui significados particulares, a partir de suas posições específicas, ao que se entende como possíveis “legados” da realização deste processo, desdobrando algumas das reflexões sobre a relativa invisibilidade dos eventos paralímpicos no Brasil (Rojo, 2013). Esta fala, ao mesmo tempo em que demarca uma transformação no apoio ao esporte adaptado – iniciado com a definição do Brasil como sede dos Jogos Parapanamericanos de 2007 e a necessidade de “fazer bonito em casa” – também insere uma advertência e um receio. Ao enfatizarem que esta geração mais nova deve aproveitar este momento, é comum eles expressarem a incerteza de que, após a realização dos Jogos Paralímpicos de 2016, este nível de investimento irá se manter. É a partir desta perspectiva que analiso como estes atores sociais buscam usufruir das possibilidades abertas por estas competições para estabelecer seus próprios encontros e projetos e tentar construir os “legados” possíveis para a continuidade de sua prática. Os dirigentes do CBP, por exemplo, buscam garantir as melhores condições para a continuidade do crescimento da participação brasileira nas competições internacionais. Isto se dá, por um lado, através do desenvolvimento das Paralimpíadas Escolares, através do qual se investe na ampliação do número de praticantes, bem como em reduzir a idade em que os futuros atletas de alto rendimento iniciam os treinamentos específicos, procurando garantir a renovação dos atletas de elite. Por outro lado, houve a inauguração de um centro de treinamento esportivo de excelência, voltado para o esporte adaptado, o que contribui para a construção de estruturas físicas mínimas voltadas para este grupo. 1 Esta lei determinou, entre outras medidas, um aporte anual de recursos para o esporte olímpico e paralímpico a partir de porcentagens das receitas das loterias federais. Este tipo de presença familiar, vista de fora e de longe, pode ser naturalizada como sendo simplesmente para estarem presentes com sua torcida, ou como auxiliares na locomoção dos que necessitam deste tipo de apoio. Embora alguns dentre eles possam ser enquadrados apenas nestas categorias, quando se observa “de perto e de dentro” outros significados se somam, como a fala abaixo permite compreender melhor. Meu primeiro contato com Renata2 foi durante seu processo de classificação funcional3. Era sua primeira competição nacional e ela entrou na sala acompanhada de sua mãe. A análise do caso de Renata foi bastante complexa, levando um tempo maior do que a média dos demais atletas. Isso se deveu ao fato de que não havia certeza de que a atleta seria elegível, o que implicaria na sua eliminação da competição. Por fim, os envolvidos optaram por classifica-la na classe mais elevada e, mesmo assim, mantê-la sob observação, de modo a reavaliar seu desempenho durante as provas. Ao final das Paralimpíadas Escolares, com Renata tendo obtido uma das três primeiras colocações em sua prova, conversei com sua mãe sobre todo este processo: “Estávamos muito nervosos, viemos de muito longe e foi bem difícil para vir para cá e ainda passar por isso 2 De modo a preservar o anonimato da pessoa envolvida, seu nome foi aqui substituído por um pseudônimo, assim como foi ocultada a modalidade envolvida. * Profesor-Investigador en la Universidade Federal Fluminense, en su Programa de Pós-Graduação em Antropologia – PPGA/UFF. 3 Para saber mais sobre o processo de classificação funcional, ver HOWE, David; JONES, Carwyn (2006) e NOGUEIRA, Claudio (2008). 7 Por mais de uma vez, durante o trabalho de campo, ouvi técnicos, dirigentes e mesmo alguns atletas mais velhos comentarem com os mais novos que “hoje em dia, está tudo mais fácil, aproveitem essa moleza aí que na nossa época era muito mais difícil. Hoje em dia tem bolsa, tem patrocínio, um monte de coisa com que a gente nem sonhava há alguns anos atrás”. Entre os atletas, estas perspectivas são, também, voltadas para algumas destas questões estruturais, mas principalmente, para a possibilidade de garantir melhores condições financeiras, tal como foi expresso por um dos atletas da ANDEF, que recebe uma bolsa-atleta do governo federal: “tem quem fazer o pé-de-meia agora, porque a gente não sabe até quando estas bolsas vão durar”. Este programa, criado pelo governo federal durante a presidência de Luís Inácio Lula da Silva, investe na formação de atletas olímpicos e paralímpicos, através de uma série de bolsas que cobrem desde as faixas mais jovens até aqueles nos quais se espera um desempenho de excelência nos Jogos de 2016. Os três primeiros colocados em cada modalidade das Paralimpíadas Escolares recebem bolsas de R$ 370,00, lembrando que nesta categoria são jovens entre 14 e 17 anos de idade. Isto remete para uma outra dimensão deste “legado” e impõe a necessidade de inserir outra categoria para a compreensão de como estes eventos implicam novos arranjos sociais, quando se olha para eles “de perto e de dentro” (Magnani, 2002). Quando acompanhei uma das edições das Paralimpíadas Escolares, pude perceber a presença de vários familiares que acompanhavam este evento. NÚMERO 1 | AGOSTO DE 2016 Mesmo que lentamente, o Brasil começou a se inserir no esporte adaptado, primeiro no âmbito continental e, em 1972, com a sua primeira participação nos Jogos Paralímpicos. Estas participações levaram a fundação, em 1975, da Associação Nacional de Desporto de Deficientes (ANDE) e, em 1995, do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). Este processo de estruturação e a decisiva aprovação da Lei Agnelo-Piva1, em 2001, contribuíram para o desenvolvimento do esporte adaptado. tudo, sabe? Ela gosta muito de competir, gosta de jogar praticamente tudo e eu tento ao máximo ajudar no que eu posso, mas é tudo muito caro e agora, com essa bolsa, mesmo sendo pouco, já ajuda muito. Vai dar para comprar mais algumas coisas para ela, que esse dinheiro não é para mim não, é todo para ela, mas já alivia um pouco mais as despesas que eu tenho com ela”. tem crescido de forma expressiva. Ou seja, já não nos encontramos mais naquela situação descrita por DaMatta, quando analisou os Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles: São estas transformações nos arranjos familiares e na construção de novas identidades sociais associadas com os portadores de deficiências que este momento possibilita, mas que, ao mesmo tempo, gera a incerteza sobre a sua continuidade depois que “se fizer bonito em casa”. Ao mesmo tempo, eles nos falam sobre um tipo de “legado” que dificilmente pode ser mensurável nas análises estatísticas sobre os megaeventos esportivos, mas que a perspectiva etnográfica permite captar. Assim, no caso deste ciclo de megaeventos esportivos, a dimensão das obras físicas, principalmente aquelas voltadas para as competições, foram as que mais sofreram críticas daqueles que se posicionaram de forma contrária à realização destes eventos4. Duas destas críticas foram relacionadas com os custos envolvidos para a edificação destes estádios e com os processos de remoção da população de mais baixa renda dos setores que foram valorizados com as obras referentes à Copa do Mundo e aos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. É, portanto, neste legado imaterial da maior visibilidade que se concentram não apenas as avaliações positivas deste ciclo de megaeventos, mas também alguma esperança de que isso possa se constituir em um ponto de partida para futuras melhorias. Como afirmou um dos atletas com quem conversei: “para que a gente possa conseguir alguma coisa, a gente precisa primeiro ser visto, precisamos ter algum peso na sociedade e, de repente, a gente que está ali na televisão, que consegue essas medalhas, pode começar a tentar mudar alguma coisa”. Parte desta visibilidade é percebida, também, pelo número de trabalhos acadêmicos sobre o esporte adaptado. Até pouco tempo atrás, apenas a área de Educação Física dedicava alguma atenção para os aspectos específicos do esporte adaptado e, em geral, somente através daqueles envolvidos diretamente com a sua prática ou gestão. Nos últimos anos, no entanto, este número tem não apenas crescido, mas envolvido um leque considerável de áreas. Na Antropologia, tivemos o trabalho pioneiro de Araújo (2011), primeira tese de doutorado sobre o tema, que abordou a dimensão da corporalidade entre atletas de natação e a dissertação de mestrado de Fremlin (2011), que embora não focasse exclusivamente sobre o esporte, abordou a prática do rúgbi em cadeira de rodas. Ela também se encontra no crescimento da cobertura midiática que envolve o esporte adaptado. Neste aspecto, inclusive, é possível falar de um legado mais amplo em relação a uma redução da monocultura futebolística no país. Embora o Brasil siga sendo – e penso que o permanecerá ainda por muito tempo – o “país do futebol”, é visível que o interesse, tanto da mídia quanto do público, 4 Há que se ter em mente que Correia e Soares (2015) já apontaram que, também na Copa de 1950, houve uma série de críticas ao valor gasto para construir o Maracanã. “Tento compreender por que os esportes olímpicos e a própria idéia de Olimpíada não despertam muito entusiasmo no Brasil, em contraste com o que ocorre com a ‘Copa do Mundo’ que, como diz a música, ‘é nossa!’. Assim sendo, o primeiro objetivo deste ensaio é discutir o espaço simbólico dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo de Futebol na sociedade brasileira. Para tanto, faço uma pergunta simples, direta, mas crucial: por que as Olimpíadas não são capazes de capturar nossa imaginação e o nosso entusiasmo do mesmo modo que a Copa do Mundo?” (2003:19). Pouco mais de trinta anos depois deste artigo, entendo que é possível afirmar que se é verdade que os Jogos Olímpicos continuam sem rivalizar, em termos de entusiasmo, com a Copa do Mundo, tanto eles quanto os Jogos Paralímpicos já despertam um nível muito maior de interesse do que ocorria em 1984, principalmente pela oportunidade de sediar, pela primeira vez na história, este tipo de evento. BIBLIOGRAFIA: Araújo, Monica da Silva (2011), O corpo atlético da pessoa com deficiência: uma etnografia sobre corporalidade, emoção e sociabilidade entre nadadores paraolímpicos. Tese de doutorado. Museu Nacional, PPGAS/UFRJ, Rio de Janeiro. Correia, Carlos; Soares, Antônio (2015), “Aproximações e distanciamentos entre as Copas de 1950 e de 2014: apontamentos sobre transformações no futebol e no Brasil”, Recorde, vol. 8, nº 1, jan/jun. de 2015, Rio de Janeiro, pp 1-24. DaMatta, Roberto (2003), “Em torno da dialética entre igualdade e hierarquia: notas sobre as imagens e representações dos Jogos Olímpicos e do futebol no Brasil”, Antropolítica, nº 14, Niterói, pp. 17-39. Fremlin, Peter (2011), Corporalidade de chumbados: uma etnografia de pessoas com deficiências físicas no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Museu Nacional, PPGAS/UFRJ, Rio de Janeiro. Howe, David; Jones, Carwyn (2006), “Classification of disabled athletes: (dis)empowering the Paralympic practice community”, Sociology of Sport Journal, nº 23, pp. 29-46. Magnani, José Guilherme (2002), “De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol.17, nº 49, jun. 2002, pp. 11-29. Nogueira, Claudio Diehl (2008), “O sistema de classificação funcional para atletas portadores de paralisia cerebral”, Novos Enfoques, vol. 6, nº 6, Rio de Janeiro, mar.2008, pp. 1-9. Rojo, Luiz Fernando (2013), “A Bridge from 2007 to 2016: a way to make adapted sports more visible in Brazil”. International Journal of Humanities and Social Science, v. 3, dec. 2013, pp.95-101. EQUIPO Coordinación Periodística: Pablo Alabarces Diseño y arte: Marcelo Giardino Producción web: Juan Sebastián Higa Editor: Pablo Gentili www.facebook.com/CLACSO.Oficial @_CLACSO cuadernosdelasolimpiadas.clacso.org clacso.org Secretaría Ejecutiva Estados Unidos 1168 | C1011AAX | Ciudad de Buenos Aires, Argentina Tel. [54 11] 4304 9145 | Fax [54 11] 4305 0875 | [email protected] | www.clacso.org