O Brasil visto do Rio de Janeiro

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Cuadernos de
las Olimpíadas
NÚMERO 2 - 22 DE AGOSTO DE 2016
Pensar el deporte, pensar la sociedad
Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales | Conselho Latino-americano de Ciências Sociais | Latin American Council of Social Sciences
O Brasil visto do Rio de Janeiro
Simoni Lahud Guedes*
Isso aqui, ô, ô
É um pouquinho de Brasil, Iaiá
Desse Brasil que canta e é feliz,
Feliz, feliz
É, também um pouco de uma raça,
Que não tem medo de fumaça, ai, ai
Que não se entrega, não1
F
oi um alívio. Nas horas seguintes ao término da Cerimônia de Abertura dos XXXI
Jogos Olímpicos de Verão 2, no Maracanã,
na noite do dia 05 de agosto de 2016, nos periódicos online e nos posts das redes sociais, havia
muito júbilo e uma evidente supresa com o que
foi considerado uma festa de sucesso. Esta avaliação se reproduziu em toda a mídia nacional
no dia seguinte, que repercutiu também comentários de alguns veículos internacionais, muito considerados no Brasil. De fato, houve uma
reversão das expectativas de que não apenas a
festa de abertura mas todos os Jogos Olímpicos
seriam um desastre.
1 Trecho da música Isso aqui é o que é, de Ary Barroso, 1942, cantada na cerimônia, pelos cantores/compositores cult Caetano Veloso e
Gilberto Gil, juntamente com Ludmila, uma cantora popular, considerada funkeira.
* Doctora en Antropología por el Museu Nacional (RJ) y Profesora-Investigadora de la Universidade Federal Fluminense-CNPq. Es una de las
grandes figuras de la antropología del deporte latinoamericana.
www.clacso.org
NÚMERO 2 | AGOSTO DE 2016
2 Sabe-se que nomeá-los como jogos de verão indica
as modalidades esportivas praticáveis em temperturas amenas ou altas, opondo-se aos jogos de inverno
nos quais se praticam modalidades que necessitam,
geralmente, de neve ou muito frio. Entretanto, mesmo assim, o eurocentrismo, ou melhor, “nortecentrismo” desta designação é evidente: neste período,
verão só ocorre no hemisfério norte.
1
Havia muitos motivos para isso. Havia
os protestos, iniciados em 2013, contra os gastos
na Copa do Mundo e nos Jogos Olímpicos,
transformados, em 2015, em luta política, num país
dividido em torno do processo de impedimento
da presidenta Dilma Roussef, subvertendo a
frágil e jovem democracia brasileira. Havia a
resistência, muito grande no Rio de Janeiro, às
remoções para a construção de equipamentos
olímpicos e novos meios de transporte, referidos
como legado. Havia uma Baía de Guanabara ainda
muito poluída apesar dos milhões gastos para sua
limpeza. Havia uma ciclovia recém-construída
e desmoronada poucos dias antes do início do
evento. Havia equipamentos inacabados, novos
meios de transporte ainda em teste. Havia zika, chikungunya,
dengue. Havia a violência cotidiana. E havia a memória recente
da cerimônia de abertura da Copa do Mundo 2014, no mesmo
Maracanã considerada, de forma quase unânime, uma “vergonha
nacional”3, não fazendo juz à tradição brasileira de grandes
espetáculos em espaços públicos4.
Mas tudo isso desapareceu, como num passe de mágica,
na noite da Cerimônia de Abertura. Foi reproduzida e recriada, de
um modo muito elogiado pela maioria das avaliações5, uma das
narrativas mais poderosas sobre o Brasil e a brasilidade, dentro do
figurino deste tipo de espetáculo que visa enaltecer o país receptor
dos jogos. Na verdade, os torneios esportivos internacionais são
espaços privilegiados para a reprodução destas narrativas, muitas
vezes realizando mudanças sutis que respondem aos contextos
sociais. Como afirma Sahlins (1990)6 os acontecimentos agem
sobre as estruturas simbólicas, ou seja, “as categorias estão sempre
em risco na ação”. São, também, espaços privilegiados para a
invenção da diversidade no encontro com o outro. No mundo
contemporâneo, em que não há barreiras para a economia e em
que a política internacional age sobre a política nacional, muito
se indagou sobre a persistência das nações, dada a porosidade
de suas fronteiras, e, consequentemente das nacionalidades.
Entretanto, como já nos ensinara Eduardo Archetti, há liberdade
e criatividade nas franjas e interstícios dos sistemas sociais,
espaços nos quais corporalidades, musicalidades, nacionalidades
e, mesmo, movimentos de revolta ou resistência são gestados.
Nestes espaços são elaboradas e reelaboradas as formas de
narrar a nação e os nacionais, quase nunca de modo unívoco: há
elaborações que se aglutinam e se complementam mas há muitas
que se opõem. São contextualmente selecionadas e revividas.
Há muitos setores sociais que produzem ou reproduzem
tais narrativas (destacando-se a mídia e o marketing). No caso
brasileiro, como venho demonstrando há muitos anos, é na
avaliação do desempenho da seleção brasileira de futebol
(masculino)7 que foram produzidas as principais avaliações do
ser brasileiro e do Brasil. O sujeito é o brasileiro, generalizado
assim mesmo, abstraindo-se toda a diversidade (social, cultural,
regional, étnica etc), em narrativas que consagram categorias
que escapam do território limitado dos esportes e passam a
ser definidoras da auto-imagem de boa parte da população.
Consideremos, por exemplo, as muito conhecidas categorias
futebol mulato (originalmente foot-ball mulato) e complexo de
vira-latas, respectivamente elaboradas por Gilberto Freyre e
Nelson Rodrigues. A categoria futebol mulato é uma das raízes
de uma categoria central neste campo, endêmica nas análises do
futebol brasileiro: futebol arte, opondo-se ao futebol força, futebol
máquina. Inspirada no desempenho de Leônidas, o Diamante
Negro, na III Copa do Mundo, em 1938, na França, a crônica
publicada no Diário de Pernambuco (Freyre, 1938)8 enfatiza um
estilo brasileiro de jogar futebol, herdeiro da capoeira e do samba,
tese com evidentes conexões com sua interpretação das relações
raciais no Brasil. Ou seja, o futebol está veiculando uma visão
sobre a sociedade, visão que acentua a miscigenação, transformado
em tema absolutamente central do pensamento social brasileiro,
para o bem ou para o mal. Esta interpretação cria uma esta visão
positiva do devir e das potencialidades do brasileiro que, sob tal
ponto de vista, é agregada na interpretação de Nelson Rodrigues,
cristalizada na famosa categoria do viralatismo. Tema surgido da
inesquecível derrota do selecionado brasileiro para o selecionado
uruguaio em 1950, enfatiza, tal como o faz Freyre, a capacidade de
fantasia, improvisação, invenção do jogador brasileiro. Entretanto
o complexo de vira-latas, sentimento de inferioridade diante do
outro, impede a vivência destas qualidades:
em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do
resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no
futebol. (Rodrigues, Nelson, 1993)9
Tanto o tema da miscigenação positiva quanto o do
viralatismo são endêmicos no pensamento social brasileiro, sendo,
sem dúvida, duas das principais representações sobre a brasilidade.
Pois bem. A cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, tanto nas
imagens féericas que se sucediam, amplificadas por efeitos visuais
bastante impressionantes, quanto na trilha sonora, incorporava,
entre outras, estas duas representações. A história do Brasil que foi
contada era, em primeiro lugar, a história de um território coberto
por florestas que foi sendo devastado e coberto por cidades. Os
elementos formadores e miscigenados foram destacados, mas
dando o papel condutor aos grupos indígenas, no que subvertiam o
modelo das 3 raças, também subvertido pelo acréscimo de árabes
e orientais. Os negros foram apresentados em seus grilhões. Tudo
se mesclava, riqueza e pobreza, Tom Jobim e Diogo Nogueira,
Caetano Veloso e Ludmila, Paulinho da Viola e Anitta10 , Gisele
Bundchem e Wilson das Neves. A exploração dos trabalhadores
esteve longamente representada pela música Construção de Chico
Buarque, também objeto de performance de jovens realizando
parkour numa cidade virtual. Conhecidos modelos transsexuais
conduziam os atletas para suas apresentações...En fim, era sim
um Brasil que canta e é feliz, que não tem medo de fumaça, que não
desiste, tal como o imaginara Ary Barroso em 1942. Era um Brasil
miscigenado como o imaginara Gilberto Freyre em 1938. Era um
Brasil vira-lata, humilde, como o imaginara Nelson Rodrigues em
1958. Mas era também um Brasil imaginado em 2016 que aponta
para a desigualdade, a destruição da mata e do outro, que não
distingue arte cult e arte popular, que reconhece vários gêneros,
que está consciente da sua pobreza (tudo foi feito com materiais
baratos, segundo Fernando Meirelles, pois não havia dinheiro) e
também da sua riqueza. Talvez, por isso tudo, o articulista Gabriel
de Arruda Castro de um periódico online conservador (National
Review, 06/08/2016) tenha classificado a cerimônia como marxismo
cultural. Desse modo, a miscigenação foi reinventada, assim como
o viralatismo neste Brasil visto do Rio de Janeiro.
E o contexto político se apresentou, ao final, quando o
presidente interino fez a declaração de abertura dos jogos, em 10
segundos, recebendo em troca muito mais tempo de vaias.
Cuadernos del Mundial - Brasil 2014 | CLACSO
Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade
3 Aliás, diga-se, en passant, vergonha ofuscada por outra maior, posteriormente, no dia 08 de julho de 2014, na derrota de 7 X 1 para a
Alemanha, no Mineirão.
4 Muito se criticou o fato desta cerimônia ter sido idealizada e dirigida por uma belga (Daphne Cornez).
5 Os diretores do espetáculo foram dois cineastas (Fernando Meirelles e Andrucha Waddington), uma teatrológa (Daniela Thomas) e
um cenógrafo (Abel Gomes)
6 Sahlins, Marshall. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.
7 Nas Copas do Mundo, torneio eleito como o locus da nação e da
nacionalidade.
8 Freyre, Gilberto. Foot-ball mulato. Diário de Pernambuco, 1938
9 Crônica originalmente publicada em Manchete Esportiva, 31 de
maio de 1958.
10 Antes do espetáculo, a presença de Anitta e Ludmila, artistas populares, foi bastante debatida em alguns meios e nas redes sociais.
Carmen Rial* e Miriam Grossi**
Gênero, Raça e Violência
nas Olimpíadas do Rio
G
randes eventos desportivos, como as Olimpíadas, são momentos em que se pode
observar mudanças no esporte: são incorporadas novas modalidades –ou reincorporadas,
como é o caso nesse ano do rúgbi–, novas tecnologias nos equipamentos, e novos gestos esportivos.
E são momentos também em que se pode observar
mudanças em dimensões sociais e políticas, como
é o caso em 2016 no que diz respeito à questões de
gênero e representações raciais.
Além disso, o que nos traz a Olimpíada do Rio de novo em
relação as representações de gênero e raça? Refletindo os diferentes momentos políticos mundiais, esta Olimpíada ecoa também a
tensa e complexa situação global e nacional envolvendo guerras,
violências e estratégias de segurança.
Inicialmente é importante destacar que estas foram questões
que aparecem de forma marcante desde a cerimônia de abertura, com
uma equilibrada presença de artistas mulheres e homens e com clara
opção pela representação de um país multirracial e cultural. A fabula
das três raças, tradicional modelo de representação da mestiçagem
brasileira, foi revisitada com a valorização de novas imigrações como
a dos japoneses (próximo país a sediar os jogos olímpicos) e sírios
(pais em guerra que representa hoje os refugiados do mundo), com
uma breve representação da dominação europeia no período colonial,
através de cenas do trabalho negro escravo mas sem uma clara critica
à dizimação indígena, que perdura até hoje no país.
3
No que diz respeito às representações de gênero, vimos uma
oscilação entre modelos emancipatórios, na presença de cantoras
negras de várias gerações e estilos (do samba ao rap) mas uma ambiguidade na forma de representação das mulheres brasileiras através
de corpos, ora sensuais de dançarinas negras de funk, ora “embranquecidos” pelo desfile da modelo Gisele Bundchen ao som de “garota
de Ipanema”. Também surpreendeu, na cerimônia da abertura – mas
com pouco destaque na mídia – a escolha de uma mulher transgênero na bicicleta que antecedia a entrada da delegação brasileira.
Mas, se a abertura já apontava para uma forte presença feminina, foi no decorrer das Olimpíadas que as questões de gênero e
raça emergiram em discursos imagéticos e textuais.
* Professora titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem escrito sobre futebol e
migração e editou recentemente o livro “Migration of Rich Immigrants: gender, ethnicity and class” (NY: Palgrave).
Presentes massivamente em todas as modalidades, as mulheres brasileiras se destacaram em alguns lugares tradicionalmente dominados pelo esporte masculino. O exemplo mais visível foi
no futebol onde o time feminino deu uma demonstração de profissionalismo e competência, denunciando por sua própria presença
a subalternidade e discriminação que sofre cotidianamente em um
país dominado pelo futebol masculino. Uma imagem representa
bem esta critica: um menino que riscou em sua camiseta oficial da
seleção o nome de Neymar Jr., escrevendo Marta em seu lugar.
** Professora titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem escrito e orientando
trabalhos sobre gênero e sexualidade, teorias queer e feministas,
violência contra mulheres e lesbo-trans-homofobia, parentalidade
e conjugalidades LGBTT.
Essa foi a Olimpíada com o maior número de participantes
“fora do armário” –mais de dez atletas se diziam abertamente gays
ou lésbicas, a grande maioria sendo mulheres brasileiras. E até um
pedido de casamento entre duas mulheres ocorreu, com um beijo
1 Lei nº 12.035, DE 1º DE OUTUBRO DE 2009, item II do Artigo 14.
NÚMERO 2 | AGOSTO DE 2016
A história dos Jogos Olímpicos é repleta de
acontecimentos marcantes nesses planos, e especialmente na contestação de racismos: o negro corredor americano Jesse Owens e a equipe do Peru de
futebol (vencedora da Áustria, terra natal do Fuhrer)
contestando com suas vitórias nas Olimpíadas de
Berlim em 1936 contra as teorias eugenistas nazistas; o punho erguido fechado no pódio dos negros
norte-americanos Tommie Smith e John Carlos no
México, numa alusão ao movimento Black Power
(que lhes custou a medalha, retirada pelo Comitê
Olímpico Internacional, o COI), ou o simbolicamente poderoso gesto de Mohamed Ali de jogar fora sua
medalha, conquistada sob uniforme norte-americano, diante da recusa, por ser negro, de ser servido
em um bar nos Estados Unidos, são alguns dos exemplos mais conhecidos. Todavia no que diz respeito à questões de gênero, apesar
de estarem presentes nas primeiras edições, houve importante retrocesso na exclusão das mulheres de várias edições. Impulsionada
pela recusa do misógino Barão Pierre de Coubertin de incorporar
as mulheres nos Jogos Olímpicos de 1924, a feminista Alice Milliat
liderou a criação da Federação Esportiva Feminina Internacional
(FEFI) e organizou em Paris, os Jogos Olímpicos Femininos, com
a participação de 77 concorrentes de 5 nações (Estados-Unidos,
Reino Unido, Suíça, Tchecoslováquia e França). Furiosos pelo uso
da palavra “Olímpico” no evento das mulheres, o COI negociou a
troca do nome dos eventos seguintes da FEFI pela inclusão de 10
modalidades para mulheres nos Jogos Olímpicos de 1928, realizados em Amsterdam – fato que fez com que Coubertin discursasse
na Abertura considerando-se traído e anunciando sua demissão da
Presidência do COI. Mas, mesmo tendo garantida sua presença já
há quase um século, a participação das mulheres nas Olimpíadas
tem sido um longo caminho de lutas. Ainda minoritárias no conjunto dos jogos, é no Rio de Janeiro que encontramos o maior numero
de atletas mulheres competindo. São 11.437 mil atletas dos quais
5.180 mil mulheres, o que, representa 45.29% dos participantes.
A presença maior de mulheres competindo já é um indicador de
igualdade de gênero. Cabe lembrar, também, que o respeito à diversidade étnica brasileira, no corpo da organização das Olimpíadas,
consta no texto de uma lei que: “(…) estabelece a “adoção de ações
afirmativas para garantir a reprodução da diversidade étnica brasileira nas diversas atividades relacionadas aos Jogos Rio 2016.”1
público entre a jogadora da seleção de rúgbi brasileira Izzy Cerullo
e a gerente desportiva Marjorie Enya.
A primeira medalha de ouro do Brasil no judô foi conquistada por outra atleta fora do armário: Rafa Santos, que é exemplar
também dos casos de racismo no esporte, pois, ao ser derrotada nas
Olimpíadas de Londres recebeu xingamentos de macaca, o que lembrou agora, na vitória. As reações nas redes sociais contra Joana Maranhão, (“você merece ser estuprada”) levaram a nadadora a buscar
assessoria jurídica para se contrapor a cultura nacional machista.
Mas a intolerância dos espectadores em relação à forma
como mulheres atletas são representadas, como inferiores ou dependentes de homens para ganhar apareceu também em vários lugares do mundo, através de comentários esportivos machistas em
relação as mulheres atletas. Depois que a húngara Katinka Hosszú quebrou um recorde Olímpico de natação, o narrador da NBC
(cadeia de TV norte-americana) creditou a vitória ao seu marido
(“and this is the guy, responsable”), gerando protestos nas redes
sociais. Do mesmo modo, o jornal Chicago Tribune foi obrigado a
desculpar-se por noticiar a medalha de bronze em tiro de Corey
Cogdell-Unrein: “Wife of a Bears’ lineman wins a bronze medal
in Rio Olympics” (Esposa do atacante dos Ursos ganha medalha
de bronze nas Olimpíadas do Rio”). Apesar de um crescimento de
suas presenças na mídia, tópicos como idade, aparência e o seu
papel na família (esposa, mãe, filha) ainda aparecem fortemente nas reportagens envolvendo atletas mulheres. Todavia, apesar
das frequentes “derrapagens”, pudemos observar grandes avanços, como o aumento da presença das mulheres jornalistas na
cobertura midiática no mundo. Voltando ao exemplo brasileiro,
observamos que nos canais de TV por assinatura, muitas jornalistas e atletas mulheres foram escaladas como comentaristas, seres
pensantes capazes de dar opinião saindo do lugar que tinham até
então de apresentadoras que liam nos teleprompters suas falas,
ou as mensagens dos espectadores que chegavam pela internet,
servindo para “enfeitar” as bancadas de comentaristas homens.
Se ainda são mais frequentes comentando modalidades esportivas
femininas, já aparecem em outras e, caso extremo e promissor,
duas delas apresentam –sem a presença de homens– um programa esportivo matinal, inclusive comentando no tablado tático os
movimentos dos jogadores de futebol2.
DESIGUALDADE, VIOLÊNCIA E SEGURANÇA
Cuadernos de las Olimpíadas | CLACSO
“Esse aqui, é um pouquinho do Brasil ai, ai” cantaram lindamente na festa de abertura os baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil,
artistas reverenciados pelo publico intelectual, e Anita, a cantora
considerada brega pela elite que Caetano escolheu para acompanha-los, numa justa opção pois o Brasil é também (e muito) kitsch. Porem, outro Brasil ficou de fora da feérica Abertura oficial
o que está nos serviços subalternos e que não tinha como pagar
as entradas para o Maracanã, o que construiu os equipamentos
das Olimpíadas (e no qual mais de dez operários morreram em
“accidentes de trabalho”). Por isso, tivemos mais uma vez no estádio uma plateia formada por brasileiros brancos e das elites
econômicas, como já tinha ocorrido na Copa do Mundo de 2014.
O Brasil mais pobre teve que se contentar em ver pelos telões e
enfrentou dificuldade para se locomover no Rio de Janeiro pois
muitos dos trens do subúrbio foram deslocados para atender a
mobilidade dos turistas e visitantes das Olimpíadas.
Esse Brasil das favelas e periferias –lugar da violência cujas
estatísticas assombram e são comparáveis as de países em guerra–
foi um intruso na festa. Como revela a morte do soldado Hélio Andrade, da Polícia Militar de Roraima (na Amazônia) e membro da
Força Nacional, que por engano entrou na favela da Maré, na zona
conhecida como “Vila do João”. Foi alvejado no interior de uma viatura da corporação em um território dominado pelo trafico, onde
representantes do Estado ou de classes mais altas correm risco de
vida se ingressarem. As UPP (Unidades de Policias de pacificação)
foram instaladas apenas nas favelas centrais do Rio, nas que pela
proximidade com a zona sul e os bairros envolvidos com as Olimpíadas poderiam prejudicar o espetáculo. Essa seja a Olimpíada
com mais gastos em segurança –41% será pública e 59% privada–,
contando com 47 mil homens da Força Nacional e um total de 85
mil agentes de segurança, o que não chega a ser um número extraordinário pois a Eurocopa 2016, com risco alto de terrorismo, teve
cerca de 90 mil agentes de segurança envolvidos.
2 Programa do Sport TV, canal pago.
De fato, se fossem distribuídos pódios e medalhas aos
países lideres em homicídios, o Brasil estaria entre os candidatos favoritos. O Brasil fica bem a frente de muitos dos participantes pois apresenta, por exemplo, 275 vezes mais homicídios
que o Reino Unido, a Bélgica e a Áustria. O nordeste tem a mais
alta taxa de homicídio, mas a violência está presente também
no sul e sudeste: na ultima década 8 mil pessoas foram mortas
pela policia na cidade Olímpica do Rio de Janeiro; 645 em 2015,
muitas das execuções tendo sido filmadas por telefones móveis
mas ainda assim são raras as condenações dos policiais envolvidos3. De fato, os números desse Brasil violento são de recorde:
dez adolescentes são mortos todos os dias no país, o que coloca
o Brasil no pódio das mortes de jovens, ocupando o terceiro lugar entre 85 países (atrás apenas do México e de El Salvador) 4.
O Brasil está entre os países com maiores índices de violências
de gênero. A taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, não
garante pódio mas coloca o Brasil em quinto lugar no ranking
dos 83 países com dados homogêneos fornecidos pela Organização Mundial da Saúde, apresentando 48 vezes mais feminicídios do que o Reino Unido, 24 vezes mais do que a Irlanda e a
Dinamarca (Waiselfisz 2015:27).
Raça e gênero são marcadores que pesam nessa violência.
Como tem mostrado o Mapa da Violência (Waiselfisz 2016), os homicídios de jovens concentra-se entre negros, e vem crescendo: em
2003 a vitimização de negros jovens era de 71,8% e passou para
173% em 2013.
Também a homofobia mata. O Brasil é ouro em homicídios de travestis e transexuais, com quase 500 mortes entre janeiro de 2008 e abril de 2013, bem a frente do México, que teve
4 vezes menos homicídios homofóbicos5. Os casos de violência são cotidianos, e como para as mulheres6 e crianças, muitos são invisibilizados por não serem reportados. A declaração
de Caio Bomfim, atleta brasileiro quarto colocado na marcha
Olímpica, mostra bem a cultura homofóbica que está por trás
desses números: a cada treino, todos os dias dos nove anos de
treino, Caio teve que ouvir chingamentos como “Vira homem”,
“para de rebolar”, “viado”, “vai para casa trabalhar, vagabundo” 7. Chingamentos comuns também nos estádios: quem viu
Brasil e Colômbia no futebol masculino ouviu os torcedores em
São Paulo saudarem o goleiro colombiano com um “ohhhhhh,
bixa!” a cada tiro de meta.
Entre o país mostrado no espetáculo Olímpico e o Brasil do
dia a dia, ainda há um abismo a ser superado.
REFERENCIAS
Waiselfisz, Julio Jacobo. 2015. Mapa da Violencia 2015: homicídio de mulheres no Brasil. Brasília: Flacso Disponível em http://
www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2015/11/
MapaViolencia_2015_homicidiodemulheres.pdf .
_____ 2016. Mapa da Violência. Adolescentes de 16 e 17 do
Brasil. Brasília: Flacso.
http://espnw.espn.uol.com.br/rio-2016-deve-ter-maior-porcentagem-de-mulheres-na-historia-da-olimpiada-trajetoria-comecou-com-apenas-22/
http://www.geledes.org.br/acoes-afirmativas-nas-olimpiadas-do-rio-de-janeiro-2016/?gclid=CjwKEAjw3Nq9BRCw8OD6s4eI5HASJABsfCIarwD6MyCcJDMPm5_6dF15-sUy_D1vpiVEUzmWsNi6MRoCkzzw_wcB
3 https://www.hrw.org/americas/brazil em Julho de 2016.
4 WHOSIS, World Mortality Databases. Consultado em http://www.
mapadaviolencia.org.br/pdf2015/mapaViolencia2015_adolescentes.
pdf. A taxa de homicídio para jovens de 15-19 anos é de 54,9 para 100
mil habitantes (2015).
5 http://odia.ig.com.br/noticia/brasil/2014-01-29/brasil-lidera-numerode-mortes-de-travestis-e-transexuais-aponta-ong.html
6 Em 2013, o feminicidio chegou a 13 mulheres mortas no Brasil
diariamente.http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/
uploads/2015/11/MapaViolencia_2015_homicidiodemulheres.pdf consultado em 14 de agosto de 2016.
7 http://globoesporte.globo.com/olimpiadas/atletismo/noticia/2016/08/
por-pouco-caio-bonfim-chega-em-quarto-na-marcha-e-fantastico.html
Julia Hang* y Verónica Moreira**
“O tempo dos Jogos”
A
* Julia Hang es Socióloga, graduada por la Universidad Nacional de
La Plata, donde cursa su doctorado en Ciencias Sociales. Es Becaria
Doctoral de CONICET (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas).
** Verónica Moreira es antropóloga, Doctora en Ciencias Sociales
por la Universidad de Buenos Aires, Docente de la carrera de Ciencias de la Comunicación en la Facultad de Ciencias Sociales, UBA, e
Investigadora Adjunta de CONICET (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas).
Si, como sostiene Archetti (1985), el deporte es una arena
social en la que podemos mirar procesos sociales más amplios, la
riqueza de colocar el foco analítico en los Juegos Olímpicos fue la
multiplicidad de planos y dimensiones que surgieron para pensar.
Como investigadoras, deportistas, amantes del deporte, mujeres y
militantes sociales, pasamos revista por varios temas: cuestiones
de género, clase social, urbanismo, racismo y otros tópicos que
emergieron en cada conversación. Uno nos interpeló directamente.
Los medios, tanto en Río como en Buenos Aires, no tardaron en
instalar como tema el de la acción “pasional” de las hinchadas y
torcidas. Luego de algunos episodios en los que las prácticas de
los espectadores argentinos y brasileros cobraron visibilidad (una
disputa entre hinchas en un partido de tenis, el pedido del líder de la
selección de básquet argentina para que no se insulte a los hinchas
brasileros, los silbidos para la nadadora rusa sospechada de doping,
o el descargo de un atleta francés contra el “público de mierda”1
que lo abucheaba), pensamos que en “el tiempo de los juegos” era
posible hablar de una futbolización de las disciplinas deportivas.
1 En razón de la nota de la BBC “Olimpiadas Río 2016: ¿un “público de
mierda” o simple pasión latinoamericana? http://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-37103374
5
Cuando comenzaron los Juegos, desde el primer día no
paramos de enviarnos mensajes, una desde Buenos Aires, otra –la
afortunada– desde Río. El intercambio fue, desde el inicio, desigual:
una a la distancia informándose de los acontecimientos a través de
las redes sociales, la prensa y la televisión, la otra disfrutando de
la participación directa en la fiesta deportiva. Había comenzado
“el tiempo de los juegos”, una suerte de temporalidad que nos
habitó y habilitó, en continuado en diversos espacios y contextos,
de manera compulsiva, a participar como espectadoras –directa e
indirectamente– de distintas disciplinas. El deporte invadió nuestra
cotidianidad para transformarla momentáneamente; no modificó
nuestro interés sobre Brasil, sus injusticias y desigualdades, ya
que por extensión representaban la preocupación por el avance
de la derecha y el neoliberalismo en Argentina. Sí agregó nuevas
inquietudes y reflexiones. Tanto en Río como en Buenos Aires,
pospusimos nuestras actividades regulares en pos de participar –
de– y observar las diversas actividades ofrecidas por los juegos.
NÚMERO 1 | AGOSTO DE 2016
medida que se acercaba el inicio de los Juegos Olímpicos,
la escena parecía estar tomada por la situación socio-política de Brasil. Un país convulsionado, con una presidenta
suspendida acusada de corrupción y un gobierno para muchos
ilegítimo, sería el primer país sudamericano en albergar un evento de esta envergadura. Los medios en Argentina y Brasil auguraban protestas y manifestaciones, tal como había sucedido
durante la Copa Confederaciones en 2013 y el Mundial de Fútbol
en 2014. Los juegos, creíamos, conformarían un escenario privilegiado para visibilizar mundialmente la crisis brasilera. Dichas
protestas sucedían en un contexto diferente a aquellas masivas
que tuvieron lugar años antes. Con consignas variadas, las manifestaciones reunían unos pocos miles de personas contra Michel
Temer –el actual presidente interino–, los gastos del Estado para
el evento deportivo en desmedro de la educación y la salud, el
desalojo y relocalización de familias en zonas utilizadas para los
juegos, la violencia policial contra los jóvenes pobres. Sus protagonistas eran las clases medias universitarias, algunas organizaciones de trabajadores y grupos de artistas movilizados. “Jogos da Exclusão” y “Calamidade Olimpica” fueron algunos de los
slogans de los manifestantes. La pregunta acerca de la relación
entre la organización de un mega-evento y los procesos políticos
en una sociedad con múltiples desigualdades era nuestra principal inquietud académica.
Esto se dio, puntualmente para el caso argentino, cuando los
espectadores hicieron valer la identidad nacional a través de una
performance con décadas de tradición en nuestro país. En distintos
recintos olímpicos aparecieron los clásicos cánticos de tribuna,
dirigidos no sólo a alentar al equipo sino también, y principalmente,
a degradar –vía metáforas de sometimiento sexual– a los rivales.
La afirmación de localismos, otro gesto común en el fútbol,
apareció cuando los espectadores usaron en distintas competencias
(hockey, vóley, básquet, tenis) banderas nacionales para escribir los
nombres de los lugares de origen. Todo esto estuvo acompañado de
saltos, aplausos, movimientos acompasados, revoleo de remeras y
banderas, en un doble movimiento que buscaba ser captado por los
rivales y las cámaras de televisión.
En el fútbol, el adversario es un enemigo, y ese enemigo
en Rio, para los argentinos, era Brasil. Y viceversa, también. El
antropólogo brasileño Da Matta relata en un reconocido ensayo
sobre el lugar del fútbol en la sociedad brasilera: “Me acuerdo de
las veces en que escuchaba a los adultos de mi casa discutir de
fútbol. Era cuando el equipo de Brasil jugaba contra Argentina
en aquellos famosos campeonatos sudamericanos de los años
1940, en partidos que eran verdaderas batallas campales y los
odios y rivalidades entre los participantes ascendían de modo
impactante” (2011: 94). La rivalidad-enemistad ya existía en
los años 40. ¿Por qué llama la atención hoy? Una respuesta que
podemos esbozar es que la novedad aquí es que la disputa sale
del fútbol para instalarse en otros deportes, manifestándose bajo
una performance que resulta ajena. En un partido de la selección
argentina de hockey femenino contra la de Japón, el público, en
su mayoría argentinos y brasileros, tomaba posición a favor o en
contra de los equipos, expresando tanto cantos de aliento como
agravios mutuos. “Maradona es más grande que Pelé”, “Brasileros
pecho frío”, los chiflidos brasileros hacia las jugadoras argentinas
y el aliento a las jugadoras japonesas denotan la adopción de
cantos y prácticas claramente futbolísticas, por parte de un
público que, en su mayoría, se jacta de “no gustarle el fútbol”
y de ser experto y amante del hockey. En el mismo sentido, un
ex basquetbolista argentino comentó en Río, sorprendido, que
nunca había visto algo igual en el básquet. “El público de básquet
es más educado” sostenía, y agregaba que a pesar de que a él no
le gusta el fútbol, se vio inmerso en un clima futbolístico. Narró
incluso la discusión con hinchas brasileros en un fuerte tono,
algo que nunca había vivido.
Cuadernos de las Olimpíadas | CLACSO
Los medios de comunicación se encargaron de convertir
los comportamientos del público y las quejas de los atletas en
excelentes titulares. Las versiones exotizantes de las sociedades
latinoamericanas no se hicieron esperar, tanto de medios
extranjeros como locales. Representaciones que simplificaron el
fenómeno diciendo que los públicos de Brasil y Argentina eran
“más pasionales” (¿menos racionales?). Los discursos daban
cuenta de visiones moralizantes en torno a los modos correctos
de comportarse en un estadio. Si recorremos los lugares por los
cuales éstos circulan (medios de comunicación de todo el mundo,
sentido común e, incluso, entre académicos) encontramos gestos
que esencializaban las identidades argentinas y brasileras. Edward
Said muestra en Orientalismo (2007) cómo Occidente creó Oriente
a partir de un sistema discursivo, literario, científico, basado en
prejuicios y estereotipos que permiten ejercer la dominación
europea sobre Oriente. En este caso, los medios hegemónicos y los
sectores medios y altos que concurren a estos juegos contribuyen a
la creación de unas representaciones sobre los públicos brasileros
y argentinos que, al futbolizar el deporte, ponen a jugar todas las
características “negativas” de nuestras sociedades. Se filtra en
estas representaciones que el público latinoamericano no es lo
suficientemente “civilizado” para albergar los JJOO.
Nuestra posición es no sólo criticar los esencialismos sino
también desactivar el sentido común hegemónico para sugerir la
confluencia de comportamientos diversos en un mundo complejo.
La participación y observación directa en Brasil dio cuenta
de comportamientos diferenciales del público, atravesados por
múltiples dimensiones. La nacionalidad de origen jugó un papel
importante, no como esencia, sino como diacrítico identitario
que apareció de manera diferencial en los diversos contextos.
Las identidades, como bien muestran la antropología y los
estudios culturales, son dinámicas, relacionales, contrastivas y
cambiantes. De este modo, los públicos brasileros y argentinos
se comportaron de manera diferencial en los distintos contextos.
Por ejemplo, en natación muchos espectadores apreciaron la
disciplina, siendo indistinta la nacionalidad del deportista,
aplaudiendo enfáticamente los récords mundiales y los finales
cerrados. Podríamos sostener, a priori, que las disciplinas
deportivas habilitan maneras de vivir el espectáculo. En natación
se requiere silencio absoluto al momento de la largada, debiendo
el público respetar esa regla a rajatabla. No obstante, aquí, en los
Juegos, esa forma se mezcló, por momentos, con abucheos y gritos
contra algunos nadadores. Los públicos “expertos” rechazaron
estas actitudes “futboleras” que “denigraban” la “pureza” de los
deportes olímpicos. Mientras que en Beach Volley, el espectáculo
fue diferente. Un presentador guiaba los intervalos en los cuales
bailarines cariocas realizaban una coreografía, o entre saque y
saque se alentaba a los asistentes a aplaudir, bailar, en un registro
más similar a los espectáculos de la NBA, como coincidíamos con
un colega sociólogo tras presenciar un juego. El espíritu festivo
parecía prevalecer por sobre la disputa deportiva.
“El tiempo de los Juegos” se entrelaza con –porque es
inseparable de– los procesos políticos. Frente a la prohibición
de las expresiones de protesta contra funcionarios y políticos,
aparece en los intersticios del espectáculo la astucia del “débil”,
cual cazador furtivo que aprovecha la ocasión (de Certeau
1996). Cobra visibilidad fugazmente el espectador que, luego de
insultar a su enemigo, levanta un cartel para decir: “Fora Temer”.
Las contradicciones de la sociedad se ponen de manifiesto en
Río 2016. Nosotras nos sentirnos atravesadas, interpeladas,
confundidas, pero profundamente apasionadas por la magnitud
de los eventos deportivos, sociales y políticos del tiempo de
los juegos. Disfrutamos de los juegos, sí. Nos emocionamos y
desbordamos con los cánticos argentinos, sí. Pero también nos
levantamos para decir, con grito futbolero, “Fora Temer”, en
defensa de la democracia brasilera.
BIBLIOGRAFÍA
Archetti, Eduardo, 1985: “Fútbol y Ethos” en Monografías
e Informes de Investigación. Serie Investigaciones. Nº 7. FLACSO.
Buenos Aires.
Da Matta, Roberto, 2011: “O futebol de Brasil e a tragédia
de Heysel”, en Exploraçoes. Ensaios de sociología interpretativa. Rio
de Janeiro, Ed. Rocco
De Certeau, Michel, 1996: Invención de lo cotidiano. I. Artes
de hacer. México, Universidad Iberoamericana
Said, Edward, 2007: Orientalismo. Barcelona, De Bolsillo.
Luiz Fernando Rojo*
De perto e de dentro do esporte
paralímpico: um “legado” dos
megaeventos esportivos no Brasil
O
Brasil está vivendo os últimos momentos de um ciclo de megaeventos esportivos que se iniciou com a realização dos Jogos
Mundiais em Cadeira de Rodas e para Amputados (World Wheelchair and Amputee Games), em 2005, e que irá concluir com a disputa
dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016. Entre estes, tivemos ainda
a organização dos Jogos Mundiais Militares, a Copa das Confederações
e a Copa do Mundo de Futebol Masculino, que movimentaram política,
social e esportivamente a cidade, o país e a América Latina.
Neste texto apresento algumas questões sobre como um
determinado grupo – atletas, técnicos e dirigentes esportivos da
Associação Niteroiense do Deficiente Físico (ANDEF) –interpreta este
movimento e como atribui significados particulares, a partir de suas
posições específicas, ao que se entende como possíveis “legados” da
realização deste processo, desdobrando algumas das reflexões sobre a
relativa invisibilidade dos eventos paralímpicos no Brasil (Rojo, 2013).
Esta fala, ao mesmo tempo em que demarca uma transformação
no apoio ao esporte adaptado – iniciado com a definição do Brasil como
sede dos Jogos Parapanamericanos de 2007 e a necessidade de “fazer
bonito em casa” – também insere uma advertência e um receio. Ao
enfatizarem que esta geração mais nova deve aproveitar este momento,
é comum eles expressarem a incerteza de que, após a realização dos
Jogos Paralímpicos de 2016, este nível de investimento irá se manter.
É a partir desta perspectiva que analiso como estes atores sociais
buscam usufruir das possibilidades abertas por estas competições para
estabelecer seus próprios encontros e projetos e tentar construir os
“legados” possíveis para a continuidade de sua prática.
Os dirigentes do CBP, por exemplo, buscam garantir
as melhores condições para a continuidade do crescimento da
participação brasileira nas competições internacionais. Isto se
dá, por um lado, através do desenvolvimento das Paralimpíadas
Escolares, através do qual se investe na ampliação do número de
praticantes, bem como em reduzir a idade em que os futuros atletas
de alto rendimento iniciam os treinamentos específicos, procurando
garantir a renovação dos atletas de elite. Por outro lado, houve a
inauguração de um centro de treinamento esportivo de excelência,
voltado para o esporte adaptado, o que contribui para a construção
de estruturas físicas mínimas voltadas para este grupo.
1 Esta lei determinou, entre outras medidas, um aporte anual de recursos para o esporte olímpico e paralímpico a partir de porcentagens das
receitas das loterias federais.
Este tipo de presença familiar, vista de fora e de longe, pode
ser naturalizada como sendo simplesmente para estarem presentes
com sua torcida, ou como auxiliares na locomoção dos que
necessitam deste tipo de apoio. Embora alguns dentre eles possam
ser enquadrados apenas nestas categorias, quando se observa “de
perto e de dentro” outros significados se somam, como a fala abaixo
permite compreender melhor.
Meu primeiro contato com Renata2 foi durante seu processo
de classificação funcional3. Era sua primeira competição nacional e ela
entrou na sala acompanhada de sua mãe. A análise do caso de Renata
foi bastante complexa, levando um tempo maior do que a média dos
demais atletas. Isso se deveu ao fato de que não havia certeza de que a
atleta seria elegível, o que implicaria na sua eliminação da competição.
Por fim, os envolvidos optaram por classifica-la na classe mais elevada
e, mesmo assim, mantê-la sob observação, de modo a reavaliar seu
desempenho durante as provas. Ao final das Paralimpíadas Escolares,
com Renata tendo obtido uma das três primeiras colocações em sua
prova, conversei com sua mãe sobre todo este processo:
“Estávamos muito nervosos, viemos de muito longe e
foi bem difícil para vir para cá e ainda passar por isso
2 De modo a preservar o anonimato da pessoa envolvida, seu nome
foi aqui substituído por um pseudônimo, assim como foi ocultada a
modalidade envolvida.
* Profesor-Investigador en la Universidade Federal Fluminense, en
su Programa de Pós-Graduação em Antropologia – PPGA/UFF.
3 Para saber mais sobre o processo de classificação funcional, ver
HOWE, David; JONES, Carwyn (2006) e NOGUEIRA, Claudio (2008).
7
Por mais de uma vez, durante o trabalho de campo,
ouvi técnicos, dirigentes e mesmo alguns atletas mais velhos
comentarem com os mais novos que “hoje em dia, está tudo mais
fácil, aproveitem essa moleza aí que na nossa época era muito mais
difícil. Hoje em dia tem bolsa, tem patrocínio, um monte de coisa
com que a gente nem sonhava há alguns anos atrás”.
Entre os atletas, estas perspectivas são, também, voltadas
para algumas destas questões estruturais, mas principalmente, para a
possibilidade de garantir melhores condições financeiras, tal como foi
expresso por um dos atletas da ANDEF, que recebe uma bolsa-atleta
do governo federal: “tem quem fazer o pé-de-meia agora, porque a
gente não sabe até quando estas bolsas vão durar”. Este programa,
criado pelo governo federal durante a presidência de Luís Inácio Lula
da Silva, investe na formação de atletas olímpicos e paralímpicos,
através de uma série de bolsas que cobrem desde as faixas mais jovens
até aqueles nos quais se espera um desempenho de excelência nos
Jogos de 2016. Os três primeiros colocados em cada modalidade das
Paralimpíadas Escolares recebem bolsas de R$ 370,00, lembrando que
nesta categoria são jovens entre 14 e 17 anos de idade. Isto remete
para uma outra dimensão deste “legado” e impõe a necessidade de
inserir outra categoria para a compreensão de como estes eventos
implicam novos arranjos sociais, quando se olha para eles “de perto
e de dentro” (Magnani, 2002). Quando acompanhei uma das edições
das Paralimpíadas Escolares, pude perceber a presença de vários
familiares que acompanhavam este evento.
NÚMERO 1 | AGOSTO DE 2016
Mesmo que lentamente, o Brasil começou a se inserir no
esporte adaptado, primeiro no âmbito continental e, em 1972, com a
sua primeira participação nos Jogos Paralímpicos. Estas participações
levaram a fundação, em 1975, da Associação Nacional de Desporto
de Deficientes (ANDE) e, em 1995, do Comitê Paralímpico Brasileiro
(CPB). Este processo de estruturação e a decisiva aprovação da Lei
Agnelo-Piva1, em 2001, contribuíram para o desenvolvimento do
esporte adaptado.
tudo, sabe? Ela gosta muito de competir, gosta de jogar
praticamente tudo e eu tento ao máximo ajudar no que
eu posso, mas é tudo muito caro e agora, com essa bolsa, mesmo sendo pouco, já ajuda muito. Vai dar para
comprar mais algumas coisas para ela, que esse dinheiro não é para mim não, é todo para ela, mas já alivia um
pouco mais as despesas que eu tenho com ela”.
tem crescido de forma expressiva. Ou seja, já não nos encontramos
mais naquela situação descrita por DaMatta, quando analisou os
Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles:
São estas transformações nos arranjos familiares e na construção
de novas identidades sociais associadas com os portadores de
deficiências que este momento possibilita, mas que, ao mesmo
tempo, gera a incerteza sobre a sua continuidade depois que “se
fizer bonito em casa”. Ao mesmo tempo, eles nos falam sobre um
tipo de “legado” que dificilmente pode ser mensurável nas análises
estatísticas sobre os megaeventos esportivos, mas que a perspectiva
etnográfica permite captar.
Assim, no caso deste ciclo de megaeventos esportivos, a
dimensão das obras físicas, principalmente aquelas voltadas para as
competições, foram as que mais sofreram críticas daqueles que se
posicionaram de forma contrária à realização destes eventos4. Duas
destas críticas foram relacionadas com os custos envolvidos para a
edificação destes estádios e com os processos de remoção da população
de mais baixa renda dos setores que foram valorizados com as obras
referentes à Copa do Mundo e aos Jogos Olímpicos e Paralímpicos.
É, portanto, neste legado imaterial da maior visibilidade
que se concentram não apenas as avaliações positivas deste ciclo de
megaeventos, mas também alguma esperança de que isso possa se
constituir em um ponto de partida para futuras melhorias. Como
afirmou um dos atletas com quem conversei: “para que a gente
possa conseguir alguma coisa, a gente precisa primeiro ser visto,
precisamos ter algum peso na sociedade e, de repente, a gente que
está ali na televisão, que consegue essas medalhas, pode começar a
tentar mudar alguma coisa”.
Parte desta visibilidade é percebida, também, pelo número
de trabalhos acadêmicos sobre o esporte adaptado. Até pouco
tempo atrás, apenas a área de Educação Física dedicava alguma
atenção para os aspectos específicos do esporte adaptado e, em
geral, somente através daqueles envolvidos diretamente com a sua
prática ou gestão. Nos últimos anos, no entanto, este número tem
não apenas crescido, mas envolvido um leque considerável de áreas.
Na Antropologia, tivemos o trabalho pioneiro de Araújo (2011),
primeira tese de doutorado sobre o tema, que abordou a dimensão
da corporalidade entre atletas de natação e a dissertação de mestrado
de Fremlin (2011), que embora não focasse exclusivamente sobre o
esporte, abordou a prática do rúgbi em cadeira de rodas.
Ela também se encontra no crescimento da cobertura
midiática que envolve o esporte adaptado. Neste aspecto, inclusive,
é possível falar de um legado mais amplo em relação a uma redução
da monocultura futebolística no país. Embora o Brasil siga sendo
– e penso que o permanecerá ainda por muito tempo – o “país do
futebol”, é visível que o interesse, tanto da mídia quanto do público,
4 Há que se ter em mente que Correia e Soares (2015) já apontaram
que, também na Copa de 1950, houve uma série de críticas ao valor
gasto para construir o Maracanã.
“Tento compreender por que os esportes olímpicos e a própria idéia de Olimpíada não despertam muito entusiasmo
no Brasil, em contraste com o que ocorre com a ‘Copa do
Mundo’ que, como diz a música, ‘é nossa!’. Assim sendo, o
primeiro objetivo deste ensaio é discutir o espaço simbólico dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo de Futebol na
sociedade brasileira. Para tanto, faço uma pergunta simples, direta, mas crucial: por que as Olimpíadas não são capazes de capturar nossa imaginação e o nosso entusiasmo
do mesmo modo que a Copa do Mundo?” (2003:19).
Pouco mais de trinta anos depois deste artigo, entendo que é possível
afirmar que se é verdade que os Jogos Olímpicos continuam sem
rivalizar, em termos de entusiasmo, com a Copa do Mundo, tanto eles
quanto os Jogos Paralímpicos já despertam um nível muito maior de
interesse do que ocorria em 1984, principalmente pela oportunidade
de sediar, pela primeira vez na história, este tipo de evento.
BIBLIOGRAFIA:
Araújo, Monica da Silva (2011), O corpo atlético da pessoa
com deficiência: uma etnografia sobre corporalidade, emoção e
sociabilidade entre nadadores paraolímpicos. Tese de doutorado.
Museu Nacional, PPGAS/UFRJ, Rio de Janeiro.
Correia, Carlos; Soares, Antônio (2015), “Aproximações e
distanciamentos entre as Copas de 1950 e de 2014: apontamentos
sobre transformações no futebol e no Brasil”, Recorde, vol. 8, nº 1,
jan/jun. de 2015, Rio de Janeiro, pp 1-24.
DaMatta, Roberto (2003), “Em torno da dialética entre
igualdade e hierarquia: notas sobre as imagens e representações
dos Jogos Olímpicos e do futebol no Brasil”, Antropolítica, nº 14,
Niterói, pp. 17-39.
Fremlin, Peter (2011), Corporalidade de chumbados: uma
etnografia de pessoas com deficiências físicas no Rio de Janeiro.
Dissertação de Mestrado. Museu Nacional, PPGAS/UFRJ, Rio de
Janeiro.
Howe, David; Jones, Carwyn (2006), “Classification of
disabled athletes: (dis)empowering the Paralympic practice
community”, Sociology of Sport Journal, nº 23, pp. 29-46.
Magnani, José Guilherme (2002), “De perto e de dentro:
notas para uma etnografia urbana”, Revista Brasileira de Ciências
Sociais, vol.17, nº 49, jun. 2002, pp. 11-29.
Nogueira, Claudio Diehl (2008), “O sistema de classificação
funcional para atletas portadores de paralisia cerebral”, Novos
Enfoques, vol. 6, nº 6, Rio de Janeiro, mar.2008, pp. 1-9.
Rojo, Luiz Fernando (2013), “A Bridge from 2007 to
2016: a way to make adapted sports more visible in Brazil”.
International Journal of Humanities and Social Science, v. 3,
dec. 2013, pp.95-101.
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