Montevideo fortificado es otro Gibraltar

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ESTUDIOS HISTORICOS – CDHRP- Diciembre 2009 - Nº 3 – ISSN: 1688 – 5317
“Montevideo fortificado es otro Gibraltar”:
As tentativas dos portugueses em ocupar Montevidéu no século XVIII
Dr. Paulo Possamai
RESUMO: Este artigo visa apresentar uma análise dos fatos que levaram à tentativa malograda de fundar
uma povoação portuguesa em Montevidéu e as conseqüências que esse malogro representou para a
política expansionista lusa no Rio da Prata. Buscamos entender os diferentes interesses em jogo, na
metrópole e na colônia, assim como examinar os diferentes modos de atuação da coroa portuguesa na
condução de uma política expansionista agressiva no Rio da Prata durante o século XVIII.
PALAVRAS-CHAVES: diplomacia, expansionismo, colonização, guerra.
Se a fundação da Colônia do Sacramento foi vista pelos contemporâneos
espanhóis e por boa parte da historiografia como a criação de um enclave português
entre os domínios espanhóis, a fundação de Montevidéu pelo governador de Buenos
Aires foi vista pela corte de Lisboa como a ocupação de parte da América portuguesa.
Numa época em que ainda não havia instrumentos precisos para delimitar o Tratado de
Tordesilhas, as coroas de Espanha e Portugal defendiam diferentes pontos de vista sobre
o alcance da linha demarcatória. Como veremos nas páginas seguintes, para os
portugueses a maior parte do território da atual República Oriental do Uruguai fazia
parte do Estado do Brasil, cujo limite sul, segundo a coroa portuguesa, era o Rio da
Prata. O fracasso em ocupar Montevidéu e a subseqüente fundação espanhola
significaram um duro golpe no projeto expansionista lusitano na região platina.
Mas, antes de nos debruçarmos sobre o caso de Montevidéu é conveniente nos
perguntarmos por que a primeira fundação portuguesa no Rio da Prata se deu em frente
à ilha de São Gabriel, muito próxima de Buenos Aires. Luís Enrique Azarola Gil definiu
a escolha das terras de São Gabriel como “el error inicial de la colonización
portuguesa”. Segundo o mesmo, ela deveria ter acontecido em Maldonado, onde a
distância de cinqüenta léguas de Buenos Aires, contra as oito léguas que separam a
cidade da ilha de São Gabriel, facilitaria a resistência aos ataques dos espanhóis, já que
ela estaria mais próxima das bases portuguesas e mais distante de Buenos Aires.1 A esse
1
AZAROLA GIL, Luís Enrique. 1931. La epopeya de Manuel Lobo. Madrid: Compañía IberoAmericana de Publicaciones, p. 30.
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respeito, Capistrano de Abreu levantou a hipótese de que “julgou El-Rei que o melhor
meio de sustentar e afirmar seus direitos era levá-los ao extremo”.2
Há muita controvérsia sobre o assunto, mas é provável que a escolha das terras
de São Gabriel como o local da fundação da fortaleza do Santíssimo Sacramento
obedeceu antes às conveniências que o local oferecia ao comércio ilícito com Buenos
Aires que a uma busca de estabelecer limites e ocupar terras, embora estas finalidades
não fossem alheias ao plano do príncipe regente D. Pedro.3 Segundo o regimento levado
pelo fundador, D. Manuel Lobo, a ilha de São Gabriel era “a de melhor surgidouro,
fundo, com água, lenha, sítio sadio e fácil ao desembarque dos navios e resguardo dos
tempos, e dentro da demarcação e senhorio desta coroa”.4 Embora a fundação não se
desse exatamente na ilha, foi executada na margem continental defronte a ela, em
janeiro de 1680.
A partir da fundação da Colônia do Sacramento se iniciou uma disputa acirrada
entre as duas coroas ibéricas para conquistar a região. Contudo, as repetidas ordens
régias aos governadores de Buenos Aires para que dessem início à fortificação de
Maldonado ou Montevidéu, antes que os portugueses o fizessem, não foram cumpridas.
Provavelmente os governadores cederam às pressões dos bonaerenses, aos quais não
interessava povoar a Banda Oriental, já que ela lhes servia como uma gigantesca reserva
de gado, onde podiam extrair couros e buscar reses para repovoar as suas estâncias. A
criação de novas povoações na região, mesmo que espanholas, pressupunha a chegada
de novos concorrentes na exploração do gado selvagem.5
Nesse sentido, para defender os interesses da população e do fisco portenho, os
governadores resistiam às ordens de estabelecer povoados na margem norte do Rio da
Prata. Mesmo o progresso da redução de Santo Domingo Soriano, na margem esquerda
do rio Uruguai, era mais contido do que estimulado pelas autoridades de Buenos Aires.6
Em 1725, quando a coroa espanhola voltou a ordenar o povoamento de Montevidéu, ela
2
CAPISTRANO DE ABREU, João. 1900. “Sobre a Colônia do Sacramento”, in: SÁ, Simão Pereira de.
História Topographica e Bellica da Nova Colônia do Sacramento do Rio da Prata. Rio de Janeiro:
Leuzinger, p. XXVII.
3
Sobre a questão dos limites entre Portugal e Espanha no Rio da Prata quando da fundação da Colônia do
Sacramento, consultar: POSSAMAI, Paulo César. 2005. “O papel da Colônia do Sacramento na formação
do espaço platino: o Tratado Provisional de 1681 e a questão dos limites entre Espanha e Portugal na
região platina”, in: Territórios e Fronteiras, Cuiabá, (UFMT) v. 6, p. 11-34.
4
“Regimento de D. Manuel Lobo (1678)”, in: ALMEIDA, Luís Ferrand de. 1981 “Origens da Colónia do
Sacramento”. Separata da Revista da Universidade de Coimbra, XXIX, p. 118.
5
POSSAMAI, Paulo. 2006. A vida quotidiana na Colónia do Sacramento. Lisboa: Livros do Brasil, pp.
123-124.
6
ZUM FELDE, Alberto. 1991. Proceso Histórico del Uruguay. 11ª ed. Montevideo, pp. 16-17.
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salientou a conveniência da povoação para os portenhos, dizendo que com ela se
“asegura las campañas de la otra banda a donde es preciso se recurrirá [sic] por la falta
de ganados que se experimenta en esas de Buenos Aires y no asegurándose este sitio
queda expuesta dicha ciudad”.7 Somente então, quando havia o risco de que a ocupação
portuguesa representasse o fim do controle dos bonaerenses sobre a margem norte do
Rio da Prata, as autoridades coloniais colaboraram com a estratégia metropolitana.
O projeto de povoar o sítio de Montevidéu também enfrentava resistências na
Colônia do Sacramento. O governador Sebastião da Veiga Cabral (1699-1705) julgava
que o local não contava com um porto conveniente, nem com água e lenha suficientes
para sustentar uma povoação. Argumentava então que para ocupar a região em nome de
Portugal bastava a construção de um pequeno forte, com reduzida guarnição. Porém,
tudo leva a crer que o governador estava preocupado com o prejuízo que uma nova
povoação traria aos moradores de Colônia, já que na região que vai de Montevidéu a
Castilhos é onde se encontravam as maiores manadas de gado selvagem.8 Mais tarde,
em 1713, quando redigiu um plano para a ocupação da Banda Oriental, Veiga Cabral
sugeriu a criação de diversas fortalezas ao longo da margem norte do Rio da Prata, mas
não em Montevidéu.9
Por fim os interesses metropolitanos venceram as resistências da população
platina. Com a conclusão de um tratado de aliança entre Portugal e Espanha, em 1701,
pelo qual a coroa espanhola renunciava a qualquer direito que tivesse sobre as terras de
que tratou o Tratado Provisional de 1681, o governo português elaborou um projeto
para fortificar o sítio de Montevidéu. Porém, o artigo 14 do tratado que dava “el
dominio de la dicha Colonia y uso del campo a la corona de Portugal, como al presente
lo tiene”10 possibilitava uma interpretação contrária aos interesses expansionistas dos
portugueses e traria conseqüências no futuro, como veremos a seguir.
O plano de povoação de Montevidéu incluía a construção de uma fortaleza em
pedra e cal, feita de acordo com as plantas mandadas de Lisboa. D. Pedro II encarregou
7
Real cédula al gobernador de Buenos Aires. Aranjuez, 16 de abril de 1725, in: CORREA LUNA,
Carlos. 1931. Campaña del Brasil. Buenos Aires: Archivo General de la Nación, tomo 1, p. 490.
8
ALMEIDA, Luís Ferrand de. 1973. A Colónia do Sacramento na Época da Sucessão de Espanha.
Coimbra: Universidade de Coimbra, pp. 220-222.
9
Segundo o governador, se deveria ocupar e fortificar Rio Grande, Maldonado, reconstruir a Colônia do
Sacramento (que seria a capital da nova área colonizada), São João, Ponta Gorda, a ilha de Martin Garcia
e a foz do rio Biscainho. CABRAL, Sebastião da Veiga. 1965. “Descrição corográfica e coleção histórica
do continente da Nova Colônia da Cidade do Sacramento” [1713]. Montevideo: Apartado de la Revista
del Instituto Histórico y Geográfico del Uruguay, tomo XXIV, pp. 137-143.
10
“Extracto del Tratado de alianza entre España y Portugal, firmado en Lisboa el 18 de junio de 1701”,
in: AZAROLA GIL, Luís Enrique. 1931. Op. cit., pp. 207-208.
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o governador militar de Entre-Douro-e-Minho de recrutar quatrocentos e sessenta
homens para guarnecer a nova fortaleza, comandada por um governador que não seria
subordinado ao de Colônia. Porém, imprecisões nos termos do tratado quanto aos
limites do território cedido aos portugueses e, principalmente, à mudança da orientação
política de Portugal, que se aliou contra Filipe V na Guerra de Sucessão Espanhola,
foram os principais fatores que levaram ao malogro do plano de povoar Montevidéu
naquele momento.11
Como conseqüência do conflito europeu, a Colônia do Sacramento foi atacada e
tomada pelos espanhóis em 1705. Porém, dez anos após, o Tratado de Utrecht, que
selou a paz entre Portugal e Espanha, ordenou a sua devolução aos portugueses. Os
plenipotenciários portugueses na Holanda foram o conde de Tarouca e D. Luís da
Cunha. Tarouca buscou mais do que simplesmente a devolução de Colônia na
negociação com os espanhóis, pois visava garantir a expansão da colonização
portuguesa no Rio da Prata:
“Porque escrevendo ouvi da parte de El Rei de Castela que se não
dissesse no tratado Colônia pois já não havia tal Colônia, mas dissemos
o terreno donde estava a Colônia, daqui tirei a ocasião para uma grande
negociação, e nesta água em volta, como se diz vulgarmente encaixei um
plural dizendo o território e a Colônia; esta malícia não percebeu o
Duque de Osuna [plenipotenciário espanhol], nem o embaixador de
França e assim passou o plural; e assim direi a VS.ª o desígnio com que
o fiz. El Rei nosso senhor não possuía mais que a Colônia simplesmente,
antes quando ultimamente lha cedeu Felipe 5º pôs-lhe uma cláusula
dizendo como al presente la tiene – de sorte que não possuíamos de jure
um palmo de terra fora da Colônia, mas presentemente em virtude desta
paz há de El Rei entrar de posse, há de fortificá-la, há de começar a
lograr toda a campanha e terra que lhe parecer e se os castelhanos
quiserem embaraçar-lhe há de responder-lhes que aquele território lhe
há de ser cedido juntamente com a Colônia e que não põem em dúvida a
que se faça a demarcação pois que no tratado de paz se vê que não só
lhe deram a Colônia mas o território”.12
11
ALMEIDA, Luís Ferrand de. 1973. Op. cit., pp. 210-236.
In: CLUNY, Isabel. 2006. O conde de Tarouca e a diplomacia na época moderna. Lisboa: Horizonte,
p. 319.
12
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Contudo, a notícia da entrega da “Colônia do Sacramento e seu território”,
segundo os termos do tratado, não foi bem recebida em Buenos Aires. O cabildo
escreveu ao rei que a devolução de Colônia aos lusos resultaria num gravíssimo prejuízo
à coroa espanhola e aos habitantes das províncias de Buenos Aires, Paraguai e Tucumã,
assim como também aos índios das missões jesuíticas. Dizia que todos necessitavam da
caça do gado selvagem que vivia na Banda Oriental, uma vez que a contínua exploração
e a seca haviam extinguido o gado na campanha bonaerense.13 Para o governador de
Buenos Aires, o território de Colônia, não delimitado pelo Tratado de Utrecht, era
somente o coberto pela artilharia da praça. Segundo ele, se antes os portugueses tinham
o usufruto da campanha, o mesmo não passava de roubo, o que seria evitado com o
povoamento da margem norte do Rio da Prata pelos espanhóis.14
Na tomada de posse, o governador Manuel Gomes Barbosa expôs o que os
portugueses entendiam como sendo o território de Colônia: “tanto para a parte do norte,
por onde se continua atualmente o domínio de Portugal, como para a parte do leste, e
foz do Rio da Prata”.15 Por isso pediu aos comissários espanhóis a retirada da guarda do
rio San Juan, situada a cinco léguas de Sacramento. Recebeu uma negativa com base no
argumento de que o território da Colônia do Sacramento se restringia ao alcance de um
tiro de canhão disparado da fortaleza, idéia do governador de Buenos Aires aprovada
pela coroa espanhola. Seguindo as ordens de Lisboa, Gomes Barbosa fez registrar seu
protesto contra a limitação imposta pelos espanhóis e deu início às obras de
reconstrução da fortaleza.
A restituição da Colônia do Sacramento aos portugueses levou a coroa espanhola
a retomar seus projetos de povoamento da margem norte do Rio da Prata. Em 1719, o
governador Manuel Gomes Barbosa informou o governo metropolitano de que naus
espanholas sondaram a enseada de Montevidéu e que fora enviada à Espanha uma
planta da nova fortificação a ser erigida no local.16 Ao analisar a carta, o Conselho
13
“Resolución capitular de pedir a S. M. que en vez de la Colonia se entregara „otra cosa de menos atraso
y perjuicio a sus reales haberes”. Buenos Aires, 20 de noviembre de 1715, in: CORREA LUNA, Carlos.
1931. Op. cit., pp. 452-453.
14
“Carta de D. Balthasar García Ros, gobernador interino de Buenos Aires al rey...” Buenos Aires, 7 de
diciembre de 1715. in: CORREA LUNA, Carlos. 1931. Op. cit., pp. 453-457.
15
“Protesto do governador da Colônia do Sacramento, Manuel Gomes Barbosa, feito a D. Balthasar
Garcia Ros, governador de Buenos Aires”. Colônia do Sacramento, 29 de janeiro de 1721, in:
MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. 1937. A Colônia do Sacramento (1680-1777). Porto Alegre:
Globo, v. 2, pp. 58-59.
16
ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO: AHU_ACL_cu012, Cx. 1, D. 51.Carta de Manuel Gomes
Barbosa para Diogo de Mendonça Corte Real. Colônia, 26 de dezembro de 1719.
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Ultramarino foi de parecer de que pusesse em prática o projeto de se povoar
Montevidéu e Maldonado.17
Ao saber “do intento que tinham os castelhanos de fortificarem Montevidéu,
com o que fica cortada e exposta a dita Colônia [do Sacramento]”, D. João V ordenou
ao governador do Rio de Janeiro o envio de uma fragata guarda costa a fim de fortificar
o sítio Montevidéu, se ele ainda não estivesse ocupado. As instruções eram precisas: se
os espanhóis já tivessem ocupado o local, mas não pudessem se defender da expedição,
reforçada pela tropa de Sacramento, o rei ordenava que “os faça desalojar e se meta da
posse do dito sítio [...] por pertencer sem disputa alguma aos domínios desta coroa”.
Porém, se a força espanhola fosse maior que a portuguesa, a fragata “dissimulará o
intento com que ia, cruzando alguns dias naquelas costas e fazendo entender aos
mesmos castelhanos [que] lhe fora preciso chegar àquele sítio a dar caça aos piratas que
o infestavam”.18
Embora disposto a expandir seus domínios no Rio da Prata, D. João V não
garantiu ajuda ao governador do Rio de Janeiro como havia previsto seu pai, quando do
primeiro projeto de ocupação de Montevidéu. O governador Aires de Saldanha e
Albuquerque comunicou ao rei que escolheu os melhores soldados da guarnição para
embarcar na fragata: cento e cinqüenta soldados e alguns oficiais. Escusava-se dizendo
não se atrevia a enviar mais gente, embora soubesse da necessidade, por que a guarnição
do Rio de Janeiro compunha-se de somente seiscentos homens, “entre os quais há
muitos velhos quase estropiados e muitos soldados novos”.19 Informava ainda que
pediria o reforço da guarda costa da Bahia ao vice-rei e que mandaria alimentos e
munição em dois navios que estavam para partir para Sacramento. Também
providenciava a compra de uma sumaca para o transporte de lenha e mais materiais.
Porém, para fazer frente aos gastos da expedição, teve que pegar emprestado quarenta
mil cruzados da casa da moeda, pois o provedor da Fazenda Real alegou que não
dispunha de recursos.
Para o comando da expedição foi escolhido o mestre de campo Manuel de
Freitas da Fonseca. Nas instruções que levava, Fonseca foi informado das ordens régias
referentes à fundação. Também recebeu a ordem de que toda a embarcação que se
17
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO: Arq. 1.1.21, f. 23v-24. Consulta do
Conselho Ultramarino de primeiro de março de 1721.
18
Carta de D. João V para Aires de Saldanha. Lisboa, 29 de junho de 1723, in: Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (RIHGB), tomo 32, I trim. de 1869, pp. 22-25.
19
Carta de Aires de Saldanha para o rei. Rio de Janeiro, 30 de setembro de 1723, in: RIHGB, tomo 32, I
trim. de 1869, p. 23.
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dirigisse ou saísse da Colônia do Sacramento deveria entrar no porto de Montevidéu.20
Provavelmente, com esse acréscimo às ordens de Lisboa, Aires de Saldanha desejava
garantir o desenvolvimento da nova povoação.
O governador do Rio de Janeiro escreveu ao governador da Colônia do
Sacramento, informando-lhe da expedição para Montevidéu, composta de “cento e
cinqüenta soldados, que com degredados, índios e mais serventes e oficiais de ofício
fazem duzentas e cinqüenta pessoas”, embarcadas na fragata guarda costa e no navio
Chumbado. Ordenava-lhe que ajudasse a nova povoação com a maior quantidade de
gado que pudesse arrebanhar e que buscasse a aliança dos minuanos contra os índios
missioneiros, súditos da Espanha.21
Quando chegaram à enseada de Montevidéu, em novembro de 1723, os
portugueses encontraram uma lancha espanhola que não tardou a levar a Buenos Aires a
notícia da presença dos lusos na região. Ao tomar conhecimento da ocupação
portuguesa, o governador de Buenos Aires, D. Bruno de Zabala, escreveu ao governador
da Colônia do Sacramento, Antônio Pedro de Vasconcelos, protestando contra o fato,
mas não perdeu tempo em iniciar os preparativos para desalojar os portugueses da nova
fundação. Convocou as tropas da província do Rio da Prata e pediu reforços aos
governos de Corrientes e Mendoza e aos jesuítas das Missões. Armou ainda dois navios
para impedir a comunicação dos homens de Freitas da Fonseca com Colônia e enviou
para a guarda de San Juan cerca de duzentos e cinqüenta cavaleiros. Esse destacamento,
sob as ordens do tenente Alonso de la Veja, dirigiu-se para Montevidéu e, no caminho,
devastou as cercanias de Sacramento, arrebanhando gado vacum e cavalar, destruindo
plantações e incendiando colheitas e ranchos.22
Manuel de Freitas da Fonseca avisou o governador do Rio de Janeiro das
dificuldades que encontrou, informações que foram repassadas ao Secretário de Estado.
A notícia de que o governador de Buenos Aires arregimentava reforços em Córdoba e
Mendoza não assustava Aires de Saldanha que dizia que “são paisanos acostumados só
as suas lavouras, creio firmemente que a maior parte deles desertará no caminho”. Dizia
que o que mais temia eram os índios das missões espanholas, embora completasse
dizendo que “ainda que os índios sejam muito superiores em número à nossa gente,
20
“Ordem que há de observar o Sr. Mestre de campo Manuel de Freitas da Fonseca na expedição a que
vai da fortificação de Montevidéu”, in: RIHGB, tomo 32, I trim. de 1869, pp. 25-28.
21
Carta de Aires de Saldanha de Albuquerque para Antônio Pedro de Vasconcelos. Rio de Janeiro,
primeiro de novembro de 1723, in: RIHGB, tomo 32, I trim. de 1869, pp. 31-33.
22
MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. 1937. Op. cit., vol. 1, p. 186.
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qualquer destacamento de cem homens faz fugir mil e dois mil dos ditos índios”. Apesar
dessa demonstração de desprezo, Aires de Saldanha pediu reforços urgentes à
metrópole, pois boa parte dos soldados de Montevidéu estava doente e o governador da
Colônia do Sacramento só pôde ajudar com quarenta cavaleiros, já que a guarnição
estava reduzida a cento e noventa homens, devido ao grande número de desertores.
Concluía dizendo que “se não fossem os lavradores [de Colônia], que com seus filhos
fazem hoje já bastante número, que de alguma maneira suprem, estivera aquilo em mui
mau estado”.23 A conclusão era uma defesa da política de povoamento com casais, o
que dá a entender que Aires de Saldanha pretendia utilizar a mesma estratégia para
povoar Montevidéu.
Na relação que Manuel de Freitas da Fonseca escreveu ao rei, disse que ao
examinar o local mais apropriado para a nova fundação escolheu a ponta leste, onde
achou água. Porém o terreno não era favorável, pois a terra era solta e não achou na
campanha madeira suficiente para sustentar os parapeitos de terra. No interior eles
foram revestidos com as tábuas requisitadas de um navio que as transportava para a
Colônia do Sacramento, mas, mesmo assim, eram tão frágeis que desmoronaram no
fosso quando Fonseca mandou saudar a bandeira com uma salva de artilharia. Também
faltaram pranchas para fazer as esplanadas onde se poriam os canhões, o que prejudicou
a sua eficácia.
Os portugueses não tiveram tempo de cuidar da fortificação, mesmo que
tivessem os materiais necessários, pois no dia seguinte ao seu desembarque apareceu
uma tropa de trinta índios missioneiros e, em dois de dezembro, chegaram cerca de
duzentos soldados espanhóis, os quais recebiam constantes reforços no cerco aos
portugueses. Por sua vez, o governador de Colônia enviara somente quarenta cavaleiros,
dos quais pedia de volta dez e avisava que a comunicação por terra era perigosa e que os
espanhóis tratavam de cortar a ligação fluvial entre a Colônia do Sacramento e
Montevidéu.
A fome atormentou os expedicionários depois que os inimigos tomaram os
cavalos e o gado enviados pelo governador de Colônia. Segundo Fonseca, dos
mantimentos que havia, “achou-se que só vinte dias podiam durar, dando só meia ração,
porque além de irem poucos, tinha apodrecido parte deles”. As informações do mestre
de campo mostram como estava mal organizada a expedição, não somente por falta de
23
Carta de Aires de Saldanha para Diogo de Mendonça Corte Real. Rio de Janeiro, 12 de janeiro de 1724,
in: RIHGB, tomo 32, I trim. de 1869, pp. 33-38.
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apoio logístico como também por falta de pessoal, “pois só tinha 150 soldados e poucos
artilheiros, uns sem terem visto fogo e outros sem nenhum exercício”.24
Ao saber da aproximação de quatro navios e algumas lanchas inimigas, o capitão
que comandava os navios portugueses solicitou a Fonseca a retirada de vinte soldados e
seis artilheiros do reduto para embarcá-los. Mas, ao invés de defender o porto, anunciou
o afastamento de seu navio e da embarcação de apoio, que servia de armazém e
hospital. Fonseca escreveu que, assim que se espalhou a notícia da retirada dos navios,
os soldados desanimaram e por isso solicitou ao capitão o embarque de todo o seu
pessoal para a Colônia do Sacramento. Porém o capitão respondeu-lhe que seguiria para
o Rio de Janeiro a fim de receber ordens do governador. Com poucas forças e sem apoio
naval, Manuel de Freitas da Fonseca decidiu abandonar Montevidéu em 19 de janeiro de
1724, decisão aprovada pelos oficiais da expedição. Ao desembarcar no Rio de Janeiro,
Fonseca e seus oficiais foram presos na fortaleza de Santa Cruz por ordem do
governador.
Ao escrever ao Secretário de Estado, o governador do Rio de Janeiro pôs a culpa
do fracasso da expedição na “desordenada retirada que o mestre de campo Manuel de
Freitas da Fonseca fez de Montevidéu”. Dizia que tinha enviado um navio de socorro
com soldados, mantimentos e munições, mas que ao chegar ao sítio de Montevidéu
encontrou-o já ocupado pelos espanhóis. Segundo uma informação do governador da
Colônia do Sacramento, os espanhóis possuíam então uma bateria de quinze peças na
praia e quinhentos índios missioneiros trabalhavam na construção de uma cidadela.25
O Conselho Ultramarino não deixou de avaliar corretamente os prejuízos
trazidos pela nova fundação espanhola, “a qual necessariamente há de impedir o uso da
campanha aos nossos e sem ela totalmente fica inútil a nova Colônia”. Por isso,
aconselhou o rei para que ordenasse a criação urgente de novas povoações entre a ilha
de Santa Catarina e o Rio Grande de São Pedro, sem deixar de apontar a conveniência
de “ocupar a ilha de Maldonado, porque nesta forma ficará bloqueada Montevidéu, e
Vossa Majestade senhor da entrada do Rio da Prata”.26 Contudo, a fundação de Rio
Grande foi adiada até 1737, quando o governo de Lisboa foi forçado a agir em resposta
a um novo ataque espanhol contra a Colônia do Sacramento.
24
“Carta do mestre de campo Manuel de Freitas Fonseca sobre a tentativa da fundação de Montevidéu
pelos portugueses”. Rio de Janeiro, 20 de março de 1724, in: CORTESÃO, Jaime. 1950. Alexandre de
Gusmão e o Tratado de Madrid (1695-1735). Rio de Janeiro, parte III, tomo I, pp. 123-128.
25
Carta de Aires de Saldanha de Albuquerque para Diogo Mendonça Corte Real. Rio de Janeiro, 30 de
maio de 1724, in: CORTESÃO, Jaime. 1950. Op. cit., pp. 129-130.
26
IHGB: Arq. 1.1.26, f. 41. Consulta do Conselho Ultramarino de 07 de fevereiro de 1728.
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O fracasso sairia bastante caro aos portugueses, pois, logo após a sua retirada, D.
Bruno de Zabala ordenou a construção de uma fortificação no local. A colonização da
região ficou sob a responsabilidade de alguns casais de Buenos Aires, aos quais se
juntaram, algum tempo depois, casais vindos das ilhas Canárias. O governador de
Buenos Aires também criou uma companhia de “migueletes”, cujos cavaleiros foram
encarregados de impedir os movimentos dos portugueses na campanha. Com o forte
incentivo de ficar com as presas tomadas ao inimigo, os “migueletes” se tornaram o
flagelo dos campos vizinhos a Sacramento. Em 1725, o governador Vasconcelos
escrevia ao rei que os castelhanos já haviam levado para Buenos Aires dois mil e cem
cavalos, capturados das estâncias portuguesas.27
Os habitantes da Colônia do Sacramento se queixavam de que, desde a fundação
de São Filipe de Montevidéu, estavam privados do comércio de couros com os
espanhóis que viviam na campanha. As constantes patrulhas que saíam de Montevidéu e
da guarda de San Juan assolavam os campos, queimando couros e sebo e confiscando
gado, cavalos e carretas. Os portugueses que caíam nas mãos dos inimigos só voltavam
à liberdade após a chegada de ordens do governador de Buenos Aires nesse sentido.
Ainda assim, os soldados só libertavam os prisioneiros depois de lhes roubarem até as
roupas.28
Porém, a conjuntura internacional era desfavorável a Portugal, que precisava de
apoio para reivindicar a devolução de Montevidéu. As principais potências européias
estavam então reunidas na conferência de Cambrai (1720-1725), numa tentativa de
resolver as discórdias criadas pelo Tratado de Utrecht, que provocaram uma guerra
entre a Espanha e a Quádrupla Aliança (Inglaterra, França, Holanda e Áustria) em 1719.
O fato de Portugal ter permanecido neutro no conflito gerou preocupações de que não
seria aceito na conferência. Entretanto, foram enviados para representar Portugal os
mesmos diplomatas que estiveram em Utrecht, o conde de Tarouca e D. Luís da Cunha.
Em 1724, Tarouca defendia que se deveria “fechar o Brasil entre dois grandes
rios Amazonas e Prata e, por esse modo preservar toda aquela costa”. Sua atuação no
congresso visava garantir a posse do litoral, mesmo que deixando a campanha da Banda
Oriental aos espanhóis:
27
IHGB: Arq. 1.1.21, ff. 346-347v. Consulta do Conselho Ultramarino de 25 de janeiro de 1726.
ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO (AHU). Rio de Janeiro, cx. 33, doc. 7695. Representação
dos povoadores da Nova Colônia do Sacramento. Colônia, 9 de maio de 1732
28
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“o meu principal empenho era que dominássemos da Colônia pelo rio
abaixo, nunca me pareceu impossível achar um meio de acomodamento
visto que poderíamos contentar os castelhanos largando-lhes o uso e
domínio inteiro das férteis campanhas, que estão da Colônia para cima,
e guardando para nós toda a margem pelo rio abaixo até ao cabo de
Santa Maria, e dali à costa da Capitania del Rey até a Capitania de S.
Vicente”29
Em Lisboa, o secretário de Estado, Diogo de Mendonça Corte Real, insistia nas
suas instruções que a margem norte do Rio da Prata deveria ser considerada domínio
exclusivo de Portugal. Escreveu ao conde de Tarouca dizendo que por “baliza dos
domínios de uma e outra coroa a dita Colônia e de tudo que ficava para a boca do Rio
da Prata ficava pertencendo a esta coroa, pois nós nunca pretendemos que Castela nos
desse nos seus domínios praça alguma, mas que nos deixassem edificar nos que nos
pertenciam”.30
Apesar dos esforços, a diplomacia portuguesa não conseguiu o que queria em
Cambrai. Porém, a recusa de Luís XV em se casar com a infanta espanhola provocou
uma mudança completa nas relações luso-espanholas. A mão da infanta foi então
oferecida ao príncipe do Brasil, futuro D. José I. Por sua vez, Portugal ofereceu a mão
da infanta portuguesa ao príncipe das Astúrias, futuro Fernando VI. Nas instruções a
José da Cunha Brochado, enviado a Madri a fim de negociar o casamento dos príncipes,
em 1725, D. João V insistiu para que ele obtivesse o reconhecimento do domínio
português sobre a margem norte do Rio da Prata, dizendo que “só da Colônia para a
parte do ocidente é que se há de limitar o distrito dela, até o tiro de canhão da sua
fortaleza, e por que da dita fortaleza para a mesma parte começa o território de Castela”.
Da Colônia do Sacramento para o oriente começava o domínio português: “e [como] no
sobredito território se inclui Montevidéu, deveis solicitar que El Rei Católico mande
expedir as ordens necessárias ao governador de Buenos Aires para que retire a gente que
ainda ocupa injustamente aquele sítio”.31
Entretanto, as negociações para os casamentos dos príncipes incluíam a proposta
de uma aliança ofensiva e defensiva entre Espanha e Portugal, coisa que não agradava à
29
In: CLUNY, Isabel. 2006. Op. cit., p. 411.
Carta de Diogo Mendonça Corte Real para o conde de Tarouca. Lisboa, 4 de julho de 1724, in:
CORTESÃO, Jaime. 1950. Op. cit., pp. 253-254.
31
Instruções de D. João V a José da Cunha Brochado. 24 de maio de 1725, in: CORTESÃO, Jaime. 1950.
Op. cit., pp. 133-142.
30
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coroa portuguesa. Por sua vez, não era do agrado da coroa espanhola a entrega da Banda
Oriental aos portugueses. Cunha Brochado encontrou muita dificuldade em conseguir
concessões da Espanha no Rio da Prata e confessou em carta ao Cardeal da Cunha que
era melhor “largar a Colônia que não vale nada e não tem utilidade nem serventia mais
que para dar-nos desgostos e cedo ou tarde hão de tomá-la”. Por isso, era de opinião de
que “para largar a Colônia com mais decoro podia El Rei dizer que a dava em dote a sua
filha e que logo celebrado o desposório a mandaria largar a El Rei católico, ainda que o
matrimônio não se seguisse”.32
Porém, para D. João V a conservação da Colônia do Sacramento tornara-se “um
ponto de Estado e de honra”.33 As negociações arrastaram-se até 1729, quando se deram
os matrimônios, sem que eles representassem uma maior aproximação entre as coroas
ibéricas. Futuramente dariam seus frutos, pois a ascensão de Fernando VI ao trono
espanhol possibilitou a redação do Tratado de Madri, que traçaria novos limites entre os
domínios espanhóis e portugueses na América. Entretanto o problema no Rio da Prata
persistia e, para melhor se informar sobre seus domínios americanos, D. João V enviou
os chamados “padres matemáticos” ao Brasil, pois até então os diplomatas não
dispunham de mapas precisos sobre as terras que deveriam negociar.34
Em 1730, os jesuítas Diogo Soares e Domingos Capassi chegaram ao Rio de
Janeiro com a missão de elaborar mapas da América portuguesa. Eles deveriam
possibilitar um maior conhecimento sobre o território, com a finalidade de se melhorar a
exploração dos recursos e aumentar a eficácia da administração civil e eclesiástica,
assim como se prevenir contra as pretensões de outras nações colonizadoras. Em
outubro do mesmo ano, os jesuítas deslocaram-se para a Colônia do Sacramento com o
objetivo de mapear a região platina.35 Na “Carta topográfica da Nova Colônia e cidade
do Sacramento no grande Rio da Prata” e no mapa intitulado “O grande Rio da Prata na
América portuguesa e austral”, ambos assinados pelo padre Diogo Soares, estão em
destaque os desenhos das enseadas de Maldonado e Montevidéu.
32
Carta de José Cunha Brochado para o Cardeal da Cunha. Madrid, 9 de agosto de 1725, in:
CORTESÃO, Jaime. 1950. Op. cit., pp. 150-151.
33
CORTESÃO, Jaime. 2001. O Tratado de Madrid. Brasília: Edições do Senado Federal, p. 310.
34
“Quanto ao território da Colônia do Sacramento, seria mui conveniente que se me mandasse um mapa
especial daquele país, se é que o há, declarando quais são os limites que Sua Majestade deseja; por que
pedimos um território sem recorrer àquela antiga e quimérica demarcação sobre que houve tanta disputa”.
Carta de D. Luís da Cunha para Diogo de Mendonça Corte Real. Madrid, 15 de dezembro de 1719, in:
CORTESÃO, Jaime. 1950. Op. cit., pp. 188-190.
35
ALMEIDA, André Ferrand de. 2001. A formação do espaço brasileiro e o projecto do Novo Atlas da
América Portuguesa (1713-1748). Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses, pp. 110-112.
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A realização dos casamentos dos príncipes em 1729, não impediu a deterioração
das relações entre as coroas ibéricas poucos anos depois. Um incidente diplomático em
Madri, sem maiores conseqüências na Europa, forneceu aos espanhóis um motivo para
tentar desalojar os portugueses do Rio da Prata, dando início ao cerco de Colônia, que
se estendeu de outubro de 1735 a setembro de 1737. O envio de reforços e expedições
navais conseguiu impedir a retomada de Sacramento, mas não teve sucesso em romper o
cerco espanhol, que foi mantido após o armistício, marcando o fim da crescente
expansão portuguesa pelo interior do território.
A primeira expedição de socorro, sob o comando do sargento-mor Tomás
Gomes da Silva, deixou o Rio de Janeiro em 15 de dezembro de 1735. Compunha-se de
seis embarcações que levavam trezentos e sessenta marinheiros, duzentos e cinqüenta
infantes, quarenta e dois Dragões das tropas de Minas Gerais e trinta e cinco artilheiros.
Ao lado dos militares seguiam ainda oitenta e seis prisioneiros e vinte e cinco índios,36
o que sugere que o sistema de recrutamento compulsório aplicado à população
masculina do Rio de Janeiro foi insuficiente para completar o número de soldados
necessários. Em 11 de março de 1736, outra frota, composta de três navios de alto bordo
e quatro sumacas, deixou o porto do Rio de Janeiro com os reforços enviados da Bahia.
Transportava duzentos infantes, cinqüenta artilheiros e cento e cinqüenta recrutas, além
de provisões para os sitiados.37
A Coroa portuguesa também não deixou de incluir o reino no esforço de guerra.
A notícia de que, na Espanha, se preparavam duas naus com reforços para o governador
de Buenos Aires, levou D. João V a ordenar o apresto de alguns navios de guerra com
destino a Colônia.38 A 25 de março de 1736, zarpavam de Lisboa duas naus e uma
fragata sob o comando do coronel Luís de Abreu Prego que, com o pretexto de
acompanhar a frota mercante do Rio de Janeiro, destinavam-se a reforçar a presença
naval portuguesa no Rio da Prata. Seguia com o coronel Luís de Abreu Prego o mestre
de campo André Ribeiro Coutinho, considerado um dos mais brilhantes oficiais
portugueses, com larga experiência na Índia. Coutinho seria o futuro governador de
Montevidéu, caso a praça fosse conquistada pelos portugueses.39
36
SÁ, Simão Pereira de. História Topográfica e Bélica da Nova Colônia do Sacramento do Rio da Prata.
[1737] Porto Alegre: Arcano, 1993, p. 87.
37
Idem, p. 95.
38
Idem, p. 107.
39
Carta de Gomes Freire de Andrada para André Ribeiro Coutinho. Rio de Janeiro, 22 de junho de 1736
in: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (RIHGB), 1869, tomo 32, pp. 41-42.
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Em 21 de agosto partiram de Lisboa mais duas fragatas, que deveriam
acompanhar a frota da Bahia. Os navios de guerra seguiam com uma tripulação maior
do que a necessária, à qual se acrescentaria um destacamento a ser retirado da guarnição
do Rio de Janeiro, onde o governador interino, o brigadeiro José da Silva Pais, fora
encarregado de armar alguns navios leves para se juntarem aos reforços. O mesmo
deveria se incorporar à expedição de socorro para comandar as operações terrestres
contra os espanhóis.40
As instruções dadas ao coronel Luís de Abreu Prego diziam que “Sua Majestade
no caso de estar socorrida a praça da Nova Colônia [...] prefere o ataque da praça de
Montevidéu a qualquer outra operação que possamos intentar contra a coroa de
Castela”.41 Nas instruções dadas ao brigadeiro José da Silva Pais se acrescentava que
após a tomada de Montevidéu “se fortifique e guarneça em forma que nos livre de
passar pela indecência de a abandonar ao primeiro ataque”.42 Nota-se que a perda de
Montevidéu sem batalha em 1724 ainda não fora esquecida.
Porém, ao se posicionar ao largo de Montevidéu, os portugueses deram-se conta
de que, ao contrário das informações recebidas,43 as fortificações da praça eram
defensáveis e que o bloqueio da frota não forçaria a sua rendição caso não conseguissem
também estabelecer um bloqueio terrestre.44 André Ribeiro Coutinho descreveu a
situação que encontrou:
“assim a praça como a esquadra tinha mudado de estado, aquela por
aumento e esta por diminuição. Crescendo a praça com obras, em
baterias, em guarnição e em munições e diminuindo-se a esquadra por
40
BARRETO, Abeillard. 1975. “A Expedição de Silva Pais e o Rio Grande de São Pedro”, in: História
Naval Brasileira. Rio de Janeiro: Ministério da Marinha, vol. 2, tomo 2, pp. 9-17.
41
“Instrução que deve seguir o senhor coronel do mar Luiz de Abreu Prego na expedição que vai por
ordem de Sua Majestade”. Rio de Janeiro, 18 de junho de 1736, in: MONTEIRO, Jonathas da Costa
Rego. 1937. Op. cit., vol. 2, pp. 92-94.
42
“Instrução que deve seguir o senhor brigadeiro José da Silva pais na expedição a que vai por ordem de
Sua Majestade”. Rio de Janeiro, 18 de junho de 1736, in: MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. 1937.
Op. cit., vol. 2, pp. 95-98.
43
O vice-rei do Brasil escrevia que: “Montevidéu, pela parte que olha a campanha se acha com pouca ou
nenhuma defesa e pela do mar não tem mais que dois meios baluartes que guardam a entrada do porto”.
Carta do conde das Galveas para Diogo de Mendonça Corte Real. Salvador, 6 de julho de 1736, in:
MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. 1937. Op. cit., vol. 2, pp. 87-91.
44
“Quando eu parti do Rio de Janeiro e se preparou a expedição e surpresa de Montevidéu, se nos disse o
mesmo da pouca gente e munições, com que a dita fortaleza e a tenuidade dos seus muros (que não era
tão débil como eu vi) e ainda assim se considerou ser preciso mais de 1.000 homens”. Carta de Silva Pais
para Gomes Freire. Rio Grande de São Pedro, 20 de agosto de 1737 in: RIHGB, 1869, tomo 32, p. 85.
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parte da gente, dos petrechos, das munições e das embarcações miúdas
que eram totalmente precisas para os desembarques”.45
Deixando a maior parte da frota no bloqueio a Montevidéu, Silva Pais e Ribeiro
Coutinho seguiram com as embarcações pequenas para Maldonado, onde a falta de água
e madeira deitou por terra os planos de criar um forte.46 Restava como única alternativa
fortificar o Rio Grande de São Pedro, o que se fez em princípios de 1737.
Apesar do imenso esforço de guerra, que possibilitou o envio para a Colônia do
Sacramento de navios, homens e mantimentos, os resultados não foram os esperados. A
superioridade naval dos portugueses no Rio da Prata não possibilitou a tomada de
Montevidéu, como era o desejo de D. João V, e os reforços não foram suficientes para
obrigar os espanhóis a levantar o cerco a Colônia, embora conseguissem impedir a
tomada da fortaleza pelo inimigo. A atuação da frota foi prejudicada pela falta de um
comando centralizado, pois a carta régia em que constavam as ordens ao comandante da
frota, Luís de Abreu Prego, não estabelecia precedências entre ele, o comandante da
expedição de socorro, José da Silva Pais, e o governador da Colônia do Sacramento,
Antônio Pedro de Vasconcelos. O comando superior ficara a cargo do governador do
Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrada, que se conservava longe do teatro de
operações.47
Cristóvão Pereira de Abreu, sertanista encarregado pelo governador de São
Paulo de socorrer a Colônia do Sacramento por terra, criticou o fato de que a estratégia
portuguesa para salvar Sacramento concentrava-se unicamente na atividade da marinha.
Argumentava então que, sem o domínio do interior, “pouco importará conservar a
Colônia e ganhar Montevidéu sem termos cavalos com que nos façamos senhores da
campanha, que o inimigo facilmente pode conservar e ter-nos em dois currais”.48
45
Carta de André Ribeiro Coutinho para o mestre de campo Pedro Gomes da França Corte Real. Ilha de
Santa Catarina, 21 de março de 1737, in: MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. 1937. Op. cit., vol. 2, pp.
113-129.
46
“resolveu o brigadeiro ir ver na baía de Maldonado se na sua ilha ou terra firme havia capacidade de
fazer uma fortificação [...] e saindo ele e eu logo em terra vimos um sítio a quem a natureza se enriqueceu
[sic] de excelente matéria e forma, esterilizou de água e lenha, deixando-o tão inabitável dos estranhos
como aos naturais e passando à ilha achamos um punhado de areia sustentado por várias partes de rocha
sem lenha nem mais água que a de cacimbas que, entre salobra e barrenta, não possa se manter de 40 a 50
homens”. Carta de André Ribeiro Coutinho ao mestre de campo Pedro Gomes da França Corte Real. Ilha
de Santa Catarina, 21 de março de 1737, in: MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. 1937. Op. cit., vol. 2,
pp. 113-129.
47
BARRETO, Abeillard. 1975. Op. cit., p. 15.
48
Carta de Cristóvão Pereira de Abreu para Gomes Freire. Rio Grande de São Pedro, 8 de novembro de
1736, in: Revista do IHGRS, 1948, nos 109 a 112, p. 16.
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Entretanto, a concentração do esforço de guerra nas operações marítimas não se
devia à falta de visão dos estrategistas portugueses, mas sim à falta de homens para
organizar um maciço ataque terrestre. Os paulistas, que eram os homens a quem a coroa
freqüentemente recorria quando precisava de gente para desbravar o sertão, estavam
dispersos pelas minas. Mesmo que o conde de Sarzedas, governador de São Paulo,
tivesse conseguido recrutar mais do que os cento e sessenta homens que se juntaram a
Cristóvão Pereira de Abreu,49 a guerra platina exigia bons cavaleiros. Como advertia o
brigadeiro José da Silva Pais “o ponto é criar gente de cavalo e que saiba fazer o serviço
como cá se costuma”.50 Por isso o auxílio fornecido pela pequena tropa de Cristóvão
Pereira de Abreu foi de importância fundamental para a fortificação do Rio Grande de
São Pedro por Silva Pais.
A dificuldade em manter uma fortificação sem o domínio do território
circunstante foi apontada por Silva Pais, que achava melhor investir na fortificação do
Rio Grande de São Pedro do que na conquista de Montevidéu, alegando que:
“nos seria mui custoso ainda quando a tomássemos o conservá-la [...] os
mesmos inconvenientes acho em Maldonado, porque qualquer dos dois
presídios seria mais custoso a Sua Majestade o querê-los conservar,
tanto e mais que a praça de Mazagão [no Marrocos], porque, não tendo
a campanha por nós, quanto maior for o número da sua guarnição maior
será a dificuldade de manter de tudo e ainda de lenha para o comer, pois
sem isso se não passa, e em qualquer dos ditos portos também de água,
que a não tem para a sua guarnição senão distante da praça”.51
Martinho de Mendonça de Pina e de Proença, que governou interinamente a
capitania de Minas Gerais durante o cerco à Colônia de Sacramento previa grandes
problemas em manter duas fortalezas tão distantes entre si como Colônia e Rio Grande,
sendo “necessário sustentar presídios, como Inglaterra a Gibraltar”.52 A mesma
comparação também era feita pelos espanhóis. “Montevideo fortificado es otro
49
TAUNAY, Affonso de E. 1946. História geral das bandeiras paulistas. São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado, tomo VIII, pp. 509-513.
50
Carta de Silva Pais para Gomes Freire. Rio Grande de São Pedro, 12 de abril de 1737, in: RIHGB,
1869, tomo 32, p. 105.
51
Carta de Silva Pais para Gomes Freire. Rio Grande de São Pedro, 12 de abril de 1737, in: RIHGB,
1869, tomo 32, p. 105.
52
Carta de Martinho de Mendonça para Gomes Freire. Vila Rica, 26 de outubro de 1736, in: Revista do
Archivo Publico Mineiro. Belo Horizonte, 1911, p. 372.
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Gibraltar, y con su territorio, un reino entero”,53 escrevia um militar que participava das
operações contra os lusitanos numa carta endereçada a um jesuíta.
A disputa pelo território da Colônia do Sacramento não implicava somente
razões econômicas e estratégicas importantes para as coroas ibéricas. Para a Espanha,
era de importância vital para a defesa do monopólio comercial com as suas colônias na
América do Sul o controle das duas margens do Rio da Prata. Para Portugal, a posse da
Banda Oriental significava o acesso à prata através do contrabando, além da
participação no lucrativo negócio do comércio de couros. Mas, se o domínio da Banda
Oriental era muito importante para instigar os interesses metropolitanos, a disputa pelos
seus recursos era ainda mais intensa pelas pessoas que habitavam a região, um fator de
atrito a mais a se acrescentar na tradicional rivalidade luso-espanhola. Enquanto os
colonos espanhóis aumentavam a exploração do atual Uruguai, os súditos portugueses
iniciavam a exploração do atual Rio Grande do Sul. O avanço das colonizações
portuguesa e espanhola tendia a aumentar a intensidade dos choques, antes restritos às
proximidades da Colônia do Sacramento.
FONTES IMPRESSAS
ALMEIDA, Luís Ferrand de. 1981. “Origens da Colónia do Sacramento”. Separata da
Revista da Universidade de Coimbra. Coimbra, vol. XXIX, pp. 101-128.
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continente da Nova Colônia da cidade do Sacramento” [1713]. Apartado de la
Revista del Instituto Histórico y Geográfico del Uruguay. Montevideo, tomo
XXIV.
CORREA LUNA, Carlos (dir.). 1931. Campaña del Brasil - antecedentes coloniales.
Buenos Aires: Archivo General de la Nación, tomo 1 (1535-1749).
CORTESÃO, Jaime (org.). 1950. Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid Antecedentes do Tratado. Rio de Janeiro: Instituto Rio Branco, tomo I, parte III.
MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. 1937. A Colônia do Sacramento (1680-1777).
Porto Alegre: Globo, volume 2.
53
Carta de Francisco de Alzaibar al M. R. Padre Ignacio Arcaya. Buenos Aires, 24 de octubre de 1736,
in: PASTELLS, Pablo. 1948. Historia de La Compañía de Jesús en la Provincia del Paraguay. Madrid:
Consejo Superior de Investigaciones Científicas; Instituto Santo Toribio de Mogrovejo, tomo VII, p. 275.
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PASTELLS, Pablo. 1948. Historia de la Compañía de Jesús en la Provincia del
Paraguay. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas; Instituto
Santo Toribio de Mogrovejo.
SÁ, Simão Pereira de. 1993. História topográfica e bélica da Nova Colônia do
Sacramento do Rio da Prata [1737]. Porto Alegre: Arcano 17.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Espanha. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
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Sacramento do Rio da Prata. Rio de Janeiro: Leuzinger.
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POSSAMAI, Paulo. 2006. A vida quotidiana na Colónia do Sacramento. Lisboa: Livros
do Brasil.
TAUNAY, Affonso de E. 1946. História geral das Bandeiras paulistas. São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado.
ZUM FELDE, Alberto. 1991. Proceso histórico del Uruguay. 11ª ed. Montevideo:
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