Criminalidade e Análise de Gênero

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CRIMINALIDADE E ANÁLISE DE GÊNERO: A MULHER E O CRIME. UM
ESTUDO NA PENITENCIÁRIA DE GARANHUNS – PE
Ana Maria de Barros
Ana Maria de Sá Barreto Maciel
Isabelle Ramos Freire
Maria Perpétua Dantas Jordão
CRIMINALIDADE E ANÁLISE DE GÊNERO: A MULHER E
O CRIME. UM ESTUDO NA PENITENCIÁRIA DE
GARANHUNS – PE
Ana Maria de Barros
Profa. da UFPE, Doutora em Ciência Política e Mestre em Educação,
Coordenadora do Núcleo de formação Docente - UFPE, Campus do
Agreste.
Ana Maria de Sá Barreto Maciel
Psicóloga, Profa. da ASCES e da FAVIP - Caruaru - PE.
Isabelle Ramos Freire
Graduada em Direito pela ASCES - Caruaru. PE.
Maria Perpétua Dantas Jordão
Mestre em Ciência Política, Advogada, Profa. da Faculdade ASCES,
Coordenadora do Núcleo Prática Jurídica e do Projeto de Adoção
de cidadãos Presos do Curso de Direito da Faculdade ASCES em
Caruaru.
Sumário
I – Introdução; II – Refletindo Sobre a Relação de Gênero; III –
Execução Penal e Relação de Gênero; IV - Apresentação dos
Resultados obtidos na Penitenciária de Garanhuns – PE; IV – Análise
dos Resultados e Notas Conclusivas; Referências.
Palavras – Chave
Crime – Mulher – Exclusão – Sistema Penitenciário.
I - Introdução
Nos últimos dez anos temos assistido o crescimento
vertiginoso da criminalidade em nosso país, um aspecto tem
chamado
à
atenção
de
estudiosos
no
assunto:
O
aumento
considerável do número de mulheres aprisionadas ou acusadas de
envolvimento com a criminalidade. Esse fenômeno, no entanto, não
vem sendo acompanhado pelas Ciências Sociais no ritmo do seu
crescimento. Ainda são insuficientes as informações e os dados sobre
esta criminalidade, razão pela qual, desde 2002, iniciamos um grupo
de pesquisa na ASCES (Faculdade de Direito de Caruaru) para
estudar este fenômeno social crescente, a partir de uma visão
multidisciplinar, que prioriza aspectos sócio- jurídico – penais, e da
psicologia social.
No presente artigo, as pesquisadoras apresentam um primeiro
ensaio do conhecimento produzido pelo grupo de pesquisa, enfocando
inicialmente a realidade da única unidade prisional feminina do
interior do Estado de Pernambuco, verificando como a partir dos
dados obtidos podemos compreender melhor a relação entre gênero e
crime e a importância dessa temática como objeto de estudo.
Partimos da perspectiva da metodologia quali-quantitativa
como caminho para a realização do estudo, dada a complexidade do
objeto de estudo das ciências humanas e sociais. Nesse percurso nos
valemos de instrumentos também da pesquisa quantitativa, não
percebendo antagonismo entre as ciências humanas e naturais, mas
em função da sua complementaridade. Por mais que possamos
utilizar as ferramentas de pesquisa quantitativa, reconhecemos a sua
insuficiência para os fenômenos sociais.
O rigor das ciências da natureza não se deve, em
absoluto, a que elas sejam mais rigorosas e seus
métodos mais preciosos. Acontece que o bicho com que
lidam é muito doméstico, manso, destituído de
imaginação, faz sempre as mesmas coisas, numa rotina
enlouquecedora, freqüenta os mesmos lugares. Tanto
assim, que é possível prever onde estarão terra, sol, e
lua daqui a 100 mil anos [...] É isso que torna tão difícil
fazer uma ciência rigorosa do mundo humano. O
problema não está nem nas teorias, nem nos métodos,
mas na própria natureza do objeto1 .
O mundo das relações sociais não é tão previsível como as
relações do mundo da natureza, suas leis não são tão visíveis, e não
podem ser facilmente mensuradas. À medida que nos relacionamos
estabelecemos
uma
maior
complexidade
nas
interações,
e
encontramos uma maior dificuldade de prevermos as ações dos
sujeitos. A compreensão qualitativa não rejeita a utilização do dado
objetivo: visível, quantificável, observável, propõe ir além dele,
mergulhar nas tramas, nas teias de relações que enriquecem e
oferecem complexidade ao objeto de estudo.
A compreensão qualitativa reúne a condição original, o
movimento
significativo
do
presente
e
a
intencionalidade em direção ao projeto futuro [...]
reconhece o sujeito como autor, sob condições dadas,
capaz de retratar e refratar a realidade. Não apenas
como sujeito sujeitado, esmagado e reprodutor das
estruturas e relações que o produzem e nas que ele
produz [...] nossa busca sem fim, nesse processo
inacabado, cheio de contradição e solitário, nesse
terreno que não tem donos e nem limites, o significado
e a intencionalidade são os mesmos da primeira a
última linha2 .
Os
instrumentos
de
coleta
de
dados
foram:
observação
participante, questionário, entrevista semi–estruturada e pesquisa
documental. A variedade de instrumentos utilizados na coleta de
dados possibilitou uma melhor triangulação dos dados, interpondo:
entrevistas e documentos, nos permitindo uma visão mais ampla da
realidade estudada. Aplicados um total de 35 questionários e 16
entrevistas.
A triangulação dos dados consiste na combinação e
cruzamento de múltiplos pontos de vistas através do
trabalho conjunto de várias pessoas pesquisadas e
1
- ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência. Introdução ao Jogo e as Suas Regras. São Paulo: Loyola,
2000, p.104-105.
2
- MINAYO, Maria Cecília. O Desafio do Conhecimento. SP: Hucitec, RJ: Abrasco, 2000, p.252 – 254.
diversos informantes e diferenciadas técnicas de coleta
de dados3.
As
informações
foram
registradas
através
de
anotações
simultâneas nas entrevistas, não utilizamos o gravador para não
constranger as presas. Fotografamos para ilustrar o cotidiano
vivenciado, o ambiente, a arquitetura, a limpeza da unidade com a
autorização da gerência da unidade prisional4: instalações físicas,
organização
de
celas,
laborterapia.
Também
trabalhamos
com
questionários aplicados pelos estudantes de Direito da ASCES. Como
forma complementar de registro, trabalhamos com o caderno de
campo onde registramos nossas impressões cotidianas, as angústias
do grupo de trabalho, as dificuldades vivenciadas durante a pesquisa
de campo e novas informações não obtidas nos instrumentos
definidos para a pesquisa.
No dia 29 de Setembro de 2004 trabalhamos durante 10 horas
na unidade prisional, agendamos com antecedência. Negociamos com
a gerência da unidade prisional, apresentamos teatro com os Grupos
da ASCES “O Direito na Rua” e “Projeto de Adoção de Presos”,
a idéia era quebrar o gelo e pelo teatro, pela comédia com situações
comuns às mulheres, buscar proximidade e distencionar o ambiente.
Pela manhã iniciamos os registros: Questionários, entrevistas e
anotações no caderno de campo. Almoçamos com as detentas, à
tarde assistimos suas apresentações de música e teatro. Concluímos
o trabalho completando os questionários, as entrevistas e a pesquisa
documental. O resultado da tabulação dos dados do questionário que
serviu para coleta de dados sobre o perfil sócio-econômico das
presas, poderá ser observado no decorrer deste artigo. Partimos de
algumas hipóteses: A mulher criminosa reproduz o mesmo modelo de
subordinação
3
encontrado
no
meio
social,
as
criminosas
- Ibdem, p.240.
- Que também nos forneceu mapas com população prisional, estatísticas e outros documentos que
complementaram nossa análise documental.
4
pernambucanas em sua maioria estão ligadas às práticas dos crimes
masculinos e atuaram como comparsas dos seus companheiros, as
mulheres criminosas são abandonadas pelos companheiros e pela
família após a prática delituosa em função da não – aceitação do seu
novo papel social.
II. Refletindo Sobre a Relação de Gênero
Inúmeros estudos a cerca das relações de gênero vem sendo
desenvolvidos pelas diversas áreas das Ciências Sociais, em diversos
sentidos: sobre a ocupação da mulher no mercado de trabalho, sua
ascensão política, participação em ONGs e Movimentos Sociais,
porém
ainda
são
incipientes
os
estudos
interdisciplinares
que
estabeleçam pontes entre essa intensa participação da mulher na
sociedade e suas implicações como praticantes de atos violentos.
Na sociedade patriarcal, desde a formação da sociedade de
classes, podemos observar a dominação da mulher. ENGELS5 analisa
esse processo de dominação a partir da substituição da propriedade
coletiva pela propriedade privada, demonstra que na sociedade
primitiva
o trabalho de todos
era valorizado igualmente, as
diferenças de sexo e idade não expressavam desigualdades sociais
onde o trabalho de todos tinha sua importância para a comunidade. O
aumento da produção de excedentes conduz ao desejo do aumento
da propriedade que produz a necessidade do aumento da mão-deobra, mas também à
garantia
da
herança
aos descendentes
consangüíneos contribui decisivamente nos processos de dominação
dos homens e das mulheres. Esta garantia se consolida na exigência
da virgindade feminina para o casamento como forma de se garantir
a herança para os descendentes consangüíneos.
5
- ENGELS, Friederick. A Origem da Família, do Estado e da Propriedade Privada. 5a edição,
Civilização Brasileira, RJ, 1979, p. 23
O autor nos oferece algumas pistas, apesar de sua análise ser
considerada economicista, porém, nos ajuda a compreender os
papéis sociais e sexuais que irão se definindo culturalmente para
homens e mulheres em todas as sociedades a partir da consolidação
das sociedades de classes. Nesse caminho, também Simone de
Beauvoir nos remete a compreensão da dominação econômica da
mulher
como
fator
determinante
de
seu
papel
socialmente
dependente e dominado.
Pode-se admitir que a família monogâmica tenha suas
estreitas vinculações com a propriedade privada. Ou
melhor, com o modo da produção capitalista, sobretudo
em seus aspectos reprodutivos. Ou seja, no que tange
ao direito de sucessão. Todavia, seria simplificar
demais a realidade asseverar que a propriedade
privada constitui a fonte exclusiva de inferiorização da
mulher na sociedade6.
Nesta análise a autora nos diz que a repressão da sexualidade
precoce não ocorreu sincronicamente com o estabelecimento da
propriedade que caracteriza o patriarcado. Este é mais um ponto de
dominação da mulher e da consolidação da desigualdade. No entanto,
é preciso considerar as visões religiosas, a exemplo do Cristianismo
que contribuíram na formação de um papel de docilidade e pureza da
alma feminina, aproximando a idéia de pureza da mãe de Jesus
fragilizada na perspectiva tradicional da religião cristã.
Hoje nas leituras Mariais feitas por mulheres abrem
novas perspectivas de Nossa senhora como uma
mulher lutadora, corajosa. No caso da própria teologia
da Libertação vista como uma libertadora dos
oprimidos, negando á perspectiva de uma Maria
submissa. “mas, sabemos que a teologia Marial
tradicional, estruturou-se a partir de uma espécie de
cooptação de Maria ao projeto de seu filho e de uma
obediência em condições à vontade de Deus pai,
entendida numa perspectiva patriarcal7.
6
7
- BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo.Galimard, Paris, 1974, p.72.
- GEBARA, Ivone. Conhece-te a Ti Mesma. São Paulo, Edições Paulinas, 1991, p.18.
A criminologia positivista nos estudos de Lombroso e Ferrero
vamos encontrar
a
definição
das
prostitutas como
criminosas
potenciais, ou nos estudos da escola positivista francesa encontramos
a teoria da degeneração, reconhecendo o ambiente e a moralidade
como elementos que reforçaram os estereótipos que perseguiram as
prostitutas como criminosas, justificando inúmeras perseguições e
preconceitos,
tornando-as
vulneráveis
aos
tratamentos
mais
degradantes destinados às mulheres8.
A mulher tem tendência ao homicídio passional, movida
pelo ciúme e pela vingança. Para ele, essa tendência
tem perfeito lugar na mulher prostituta, derivativo
criminal das mulheres. A mulher normal, do ponto de
vista de Lombroso e Ferrero, é um ser inferior, dada ao
instinto e não à inteligência, próxima dos selvagens,
malvada por índole. A mulher criminosa é ainda mais
inferior, aproxima-se da figura do delinqüente
(criminoso nato) que se aproxima do monstro pelos
traços físicos de regressão da espécie9.
Os
estudos
de
Afrânio
Peixoto
no
Brasil
reforçaram
os
preconceitos das teorias européias: italianas e francesas. No Brasil,
reforçadas com o racismo, pela não aceitação da miscigenação.
Observaremos um recorte extremamente racista, onde a população
negra constituída predominantemente de pessoas pobres serão
principalmente vitimadas pela visão determinista da criminologia
positivista, para qual a descendência (herança genética) ou o meio
ambiente contribuíam de forma determinante para a formação de
mentes criminosas. No caso das mulheres, além da descendência, do
meio degenerado produzido pela pobreza, se acrescentou ainda os
problemas de ordem hormonal que influenciaram e tornariam estas
mulheres mais propensas aos atos criminosos10.
8
- Ver, LOMBROSO, Cesare. FERRERO, Guglielmo. La Donna Delinqüente, Prostituta e
Normale.Torino: Bocca, 1983, p.65 - 72.
9
- ALMEIDA, Rosimary de O.Mulheres Que Matam. Universo Imaginário do Crime Feminino. Rio de
Janeiro – Relumé - Dumará, p. 75.
10
-PEIXOTO, Afrânio, apud. Almeida. Mulheres Que Matam. Universo Imaginário do Crime Feminino.
Rio de Janeiro – Relumé - Dumará, p. 45 - 50
Essa pseudo–ciência que durante muito tempo tratou a mulher,
fosse criminosa ou não, como um ser desequilibrado, inconstante,
mesquinho,
incapaz
de
tomar
uma
decisão
racional
sozinha
impossibilitou que em algumas áreas ditas como essencialmente
masculinas, que mulheres ocupassem cargos de decisão e poder (a
exemplo do poder judiciário) só recentemente através dos concursos
públicos as mulheres puderam ter acesso aos cargos de decisão. Esta
posição excludente demonstra como na História do Brasil de sinhás e
mucamas, as mulheres brancas herdam o estigma da visão européia
medieval do culto a Virgem Maria. Eram destinadas ao casamento,
privadas do sexo com prazer, rainhas do lar e incapazes de
compreender as tramas políticas e econômicas da sociedade que se
desenvolvem fora do lar, lugar de onde são “rainhas”. As mulheres
negras além da condição de escravas eram obrigadas a prestar
serviços sexuais aos seus senhores, as mulatas eram vistas como
objetos de prazer. Tal comportamento contribuiu decisivamente para
a formação de famílias ilegítimas, na maioria das vezes com a
complacência das esposas que para manterem seus casamentos
faziam vistas grossas para o adultério masculino,11 justificando a
dupla moralidade de nossa sociedade. O adultério feminino sempre
foi visto como crime grave, justificando em passado recente o
assassinato da mulher adúltera como legítima defesa da honra do
marido traído12.
A partir do século XX o processo de emancipação da mulher se
iniciou com a sua independência econômica, sindicalização, controle
de
natalidade,
divórcio,
liberação
sexual,
parceria
tecnológica
(remédios de controle da natalidade e produção de eletrodomésticos,
entre outros). Por outro lado, é importante perceber que tais
mudanças dentro do capitalismo se beneficiaram a mulher, estão na
11
- FREIRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala.40a edição, Rio de Janeiro,2000, p.167.
- D’ AVILA, NETO. O Autoritarismo e a Mulher: O Jogo da Dominação Macho – Fêmea no Brasil.
Rio de Janeiro: Artes e Contos, 1994, p. 37.
12
verdade a serviço do capital. O que nos leva a perceber o quanto a
independência feminina se liga a sua independência econômica,
política e autonomia na formação de sua vontade, na luta pela
consolidação dos seus projetos de vida e de vivência dos seus
desejos. A redução do tamanho das famílias importa ao capitalismo
por que esta mulher é essencial como mão - de- obra dentro do
mercado. A redução da família disponibiliza-a para o trabalho na
indústria, no comércio, no setor de serviços a mulher é transformada
em assalariada e transferida a condição de consumidora.
A mulher criada para ser reprodutora e doméstica tragada da
unidade familiar para o mercado formal de trabalho defronta-se com
alguns desafios: a sexualidade precoce, grande quantidade de
famílias chefiadas por mulheres, o crescimento da violência contra a
mulher: violência doméstica, assédio sexual, aumento do número de
estupros, discriminação no mercado de trabalho, exclusão social.
Sobre esta questão no que se refere ao problema da mulher das
camadas populares, observemos a reflexão de GEBARA13:
A sociedade capitalista que vivemos, produzindo o
desemprego em grande escala, diminuindo as
condições humanas de vida, provocou também uma
profunda crise de identidade do homem e reforçou a
imagem doméstica da mulher. Alegramo-nos então que
muitas vezes, sobretudo entre os empobrecidos, a
mulher cumpre não só seu papel de mulher, mas
também assume a tarefa de ser o “homem da casa”.
Ela fica com os filhos e com a responsabilidade de
mantê-los e educá-los14.
A
análise
da
autora
busca
evidenciar
a
ampliação
das
responsabilidades femininas no capitalismo em relação à mulher
pobre, ressalta a necessidade de se compreender que esse novo
papel, não deverá se construir sobre a destruição da imagem do
homem, ou como situação de martírio. Ao contrário, ao acumular
13
14
-GEBARA, Ivone, Conhece-te a ti mesma. São Paulo, Edições Paulinas, 1991, p. 34.
- GEBARA, Ivone, Conhece-te a ti mesma. São Paulo, Edições Paulinas, 1991, p.36.
estas responsabilidades esta nova mulher mostra-se mais autônoma,
mais
cidadã.
No
que
diz
respeito
à
mulher
criminosa,
predominantemente são mães, oriundas de famílias pobres, com
baixo nível de escolarização, a maior parte delas são réus primárias,
encontram-se com o Estado no Sistema Penitenciário, em suas
trajetórias
de
vida
foram
vitimizadas
pela
pobreza
e
pela
desigualdade social.
A globalização e o neoliberalismo trazem outros aspectos de
mudanças para a mulher contemporânea, qualificação profissional é
uma delas, modelos de administração centrados nas características
femininas. Também joga a mulher em maiores disputas por espaço e
poder no campo da política e do mercado de trabalho como no
ambiente familiar. Tal realidade se evidencia nos campos do mercado
onde as mulheres, principalmente das camadas médias e dominantes
se situam. Espaço onde não encontramos nem as mulheres pobres
nem as prisioneiras. E sim as mulheres que podem freqüentar
universidades, acessar os códigos das novas tecnologias. Estão
distantes da realidade imediata da mulher pobre, sem escolarização
semi-analfabeta, como é o caso específico das mulheres criminosas
que lotam as unidades prisionais em Pernambuco ou das pessoas,
independente de sexo, situados na linha da miséria. Nesse sentido,
toda discussão em torno do papel da mulher na sociedade, seja do
seu papel social, sexual ou no mundo do crime, deve tomar como
ponto de partida seu processo de dominação social, fato que também
se reproduzirá no mundo do crime, espaço onde além de criminosas,
essas mulheres também são vitimizadas.
III – Execução Penal e Relação de Gênero
Assim como nos processos de natureza cível ou trabalhista, nos
processos criminais a fase de execução penal tem início com o
trânsito em julgado da sentença penal condenatória. A fase de
execução penal de penas cumpridas por apenados ou apenadas segue
a mesma legislação: Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal – LEP).
Segundo a LEP na Execução da pena da mulher, em seu Art. 83 – O
estabelecimento penal, conforme sua natureza, deverá contar em
suas dependências com áreas e serviços a dar assistência, educação,
recreação e prática esportiva. § 1º - Haverá instalação destinada a
estágio de estudantes universitários. § 2- Os estabelecimentos penais
destinados
às
mulheres
serão
dotados
de
berçário,
onde
as
condenadas possam amamentar os filhos.
Por força da Lei 9.046/ 95 foi acrescentado o parágrafo
segundo ao Art. 83 da LEP, cumprindo determinação da Constituição
Federal de 1988 (Art 5º, L) “Às presidiárias serão asseguradas
condições para que possam permanecer com seus filhos durante o
período da amamentação”. Segundo o Art.8 da LEP – O condenado
será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho
sanitário e lavatório. Parágrafo único: São requisitos básicos da
unidade celular: a) salubridade do ambiente pela concorrência dos
fatores de aeração; b) área mínima de seis metros quadrados.
Em seu Art. 89 – Além dos requisitos no artigo anterior, a
penitenciária de mulheres poderá ser dotada de seção para gestante
e parturiente e de creche com a finalidade de assistir ao menor
desamparado cuja responsável esteja presa. É necessário realizar um
novo olhar sobre a execução penal feminina, levando-se em conta o
aumento
da
população
carcerária.
Anteriormente
as
apenadas
caracterizavam-se por sanções leves e por uma permanência rápida
no Sistema Prisional. Hoje, a maioria das presas cumpre pena por
crime hediondo, com a Lei 8.072/90 a porta para a liberdade ficou
bem mais distante15. Hoje as mulheres são co-autoras de crimes
violentos, geralmente praticados pelos companheiros, ou são autoras
15
- Lei de Crimes Hediondos.
de crimes como tráfico de drogas, tendo comumente uma história de
romance como pano de fundo16.
De acordo com dados do Ministério da Justiça17, número de
mulheres condenadas à prisão no Brasil cresceu 29,5% de janeiro a
novembro, passando de 5.075 para 6576, e ainda há 3.683 mulheres
presas em cadeias, esperando julgamento. O tráfico de drogas é hoje
o principal motivo da prisão de mulheres. Também no Sistema
Penitenciário observamos significativas e inquietantes relações de
gênero
que
demonstram
que
mulheres
se
encontram
em
desvantagem em relação aos homens encarcerados. Se tomarmos o
exemplo do Estado de Pernambuco, uma vez por semana as
penitenciárias abrem seus portões às companheiras dos detentos
para o encontro conjugal18. Uma vez por mês há o pernoite de
sábado para o domingo. Nas colônias penais femininas quase
nenhuma presa têm encontro conjugal (a maioria não consegue
cumprir as exigências) e não existe o pernoite.
Nos domingos são realizadas as visitas dos familiares e amigos
nas penitenciárias. As filas são intermináveis e a visita só termina no
final da tarde. Nas colônias penais femininas também ocorre a
visitação aos domingos. Mas, devido a situação de abandono das
encarceradas poucos são os parentes que aparecem e quase nenhum
companheiro da época da liberdade. Algumas presas que têm
companheiro fixo em outra unidade prisional conseguem uma vez por
mês serem beneficiadas com o encontro conjugal. Em todo Sistema
Penitenciário de Pernambuco há apenas três casais nesta situação. A
conclusão que se poderia chegar é que o cárcere é incompatível com
a manutenção da vida conjugal e familiar da mulher criminosa.
16
- Realidade também observada na Penitenciária de Garanhuns em entrevistas com as detentas.
- DEPEN - Ministério da Justiça, 2005.
18
- Também conhecida como visita Íntima.
17
Em Pernambuco encontramos duas colônias penais femininas:
A Colônia Penal do Recife, localizada em Engenho do Meio em
Recife, com capacidade para 154 detentas regime fechado e semi–
aberto, com população Carcerária de 325 detentas. Possui uma
mulher como gerente, as visitas ocorrem aos domingos das 8 às 12h
e das 14 às 17h, possui dois assessores jurídicos, três agentes de
saúde, dois médicos e sete técnicos de nível superior. Na Colônia
Penal de Garanhuns (Região Agreste) o regime é fechado, com
capacidade para 48 detentas, abriga 93, possui uma mulher como
gerente. As visitas ocorrem aos domingos das 8 às 12h e das 14 às
17h. Possui um assessor um jurídico, seis agentes de saúde e um
médico.
São precárias condições arquitetônicas das prisões femininas
em Pernambuco, ao contrário do que consta na LEP, as prisões
femininas do nosso Estado, não têm instalações adequadas para
proporcionar as presas: lazer, prática de esportes, recreação ou
alguma atividade laboral. Nas penitenciarias femininas é quase
inexistente
a
existência
das
atividades
culturais,
esportivas,
educacionais e de lazer. Este tipo de atividade é mais comum em
penitenciárias masculinas. Algumas justificativas fundamentam-se na
dificuldade de acesso físico às unidades, ou na falsa idéia de que a
mulher não daria muita importância ao conteúdo destas atividades. O
acesso a laborterapia é também mais limitada nas unidades prisionais
femininas, restringindo-se à concessão de algumas presas ou ao
artesanato feito pelas presas nas celas ou no pátio da prisão. Na
colônia Penal Bom Pastor pode se verificar a presença de maquinário
doado por empresas onde são confeccionadas etiquetas e peças de
roupas. A falta de investimento do Estado em Laborterapia também
dificulta
a
remissão
de
pena
das
apenadas.
Tais
realidades
desumanizantes fazem das prisioneiras vítimas de violações de
direitos, de forma desleal e degradante e a prisão como um modelo
muito mais punitivo e vingativo do que ressocializador.
IV
-Apresentação
dos
Resultados
da
Pesquisa
na
Penitenciária Feminina de Garanhuns - PE
De acordo com os questionários aplicados a média de idade das
presas de Penitenciária de Garanhuns-PE é a seguinte: 37% das
presas e encontram entre a faixa etária de 20 a 30 anos; 23% de 30
a 40 anos; 20% de 18 a 20 anos; 20% de 40 a 50anos. O que
demonstra certo equilíbrio entre as várias faixas de idade. Sendo a
maior surpresa encontrar na faixa de 40 a 50 anos um número de
20% na medida em que, a expectativa de gênero aponta para que
nessa faixa de idade às mulheres já se encontrassem em uma fase
mais tranqüila e menos aventureira no que diz respeito à prática
criminal. Sobre o tempo em que já se encontram na unidade prisional
responderam da seguinte forma: 77% das detentas estão na prisão a
menos de um ano, 17% de 1 a 2 anos, apenas 6% de 3 a 5 anos. O
que demonstra o crescimento do envolvimento das mulheres do
interior de Pernambuco com crime. São mulheres de todas as faixas
de idade e de diversas cidades do Estado de Pernambuco e de outros
estados.
Como a sexualidade é um tema tabu, mesmo sabendo do
quanto
este
dado
poderia
ser
respondido
superficialmente,
arriscamos conversar com elas sobre opção sexual, em função do
confinamento e também em função da dificuldade de garantir a visita
íntima às mulheres aprisionadas, 76% das prisioneiras se declararam
heterossexuais, 18% se declararam homossexuais e apenas 6% delas
se declararam bissexuais. Perguntadas sobre o seu grau de instrução
responderam: 57% responderam que fizeram o Ensino Fundamental
Incompleto (antigo primeiro grau); 26% das presas declararam ser
analfabetas, 14% declaram ter o Ensino Fundamental Completo
(antigo primeiro grau), apenas 3% declararam ter o Ensino Médio
Incompleto.
Não
entrevistamos
nenhuma
que
declarasse
ter
completado o Ensino Médio, nem o Ensino superior. Como no país
inteiro, a baixa escolaridade é um dos graves problemas de acesso à
cidadania das prisioneiras. Entre as que estudaram perguntamos qual
o tipo de escola que freqüentaram, as prisioneiras declararam que
86%
haviam
estudado
em
escolas
públicas
e
apenas
14%
freqüentaram instituições privadas. Em relação ao Estado Civil 51%
das presas se declararam solteiras; 37% outros, 6% se declararam
casadas
e
6%
se
declararam
viúvas.
Número
que
revela
o
crescimento da participação de mulheres solteiras na prática de
crimes, alterando o perfil daquelas que anteriormente entravam no
crime como comparsas de maridos, companheiros e amantes. No
entanto, das que se declararam solteiras, 50% acompanharam os
seus namorados na prática de delitos.
Cidade da origem da prisão
Cidade
Arcoverde – PE
Betânia- PE
Bezerros – PE
Bom Conselho – PE
Buíque – PE
Caruaru – PE
Campina Grande – PB
Guarulhos – SP
Natal – RN
Patos – PB
Pesqueira – PE
Recife –PE
Rio de Janeiro – RJ
São Caetano – PE
Serra Talhada – PE
Taquaritinga – PE
Toritama – PE
Total
05
01
02
02
01
10
01
01
01
01
03
02
01
01
01
01
01
35
Pessoas com as quais residiam
Morava sozinha
Com Companheiro
Com Companheiro e filhos
Apenas com os filhos
Outros
Naturalidade
Cidade
Angra dos Reis
Arcoverde – PE
Alagoinha – PE
Betânia- PE
Bezerros – PE
Brejo da Madre de Deus
Bom Conselho – PE
Caruaru – PE
Campina Grande – PB
Camucim – PE
Ibimirim – PE
Itaiba – PE
Jaboatão – PE
Natal – RN
Patos – PB
Pesqueira – PE
Recife –PE
São Caetano – PE
Toritama – PE
Total
01
02
11
05
16
35
Total
01
02
01
01
01
01
01
07
01
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Observamos entre as entrevistadas o recorte de classe e
exclusão, buscamos perguntá-las sobre a situação social e econômica
das suas famílias antes da prisão. Sobre as pessoas que trabalhavam
em casa antes da prisão fizeram a seguinte declaração: 57%
afirmaram que todos na família trabalhavam, faziam bicos, se
viravam para manter o sustento da família, 31% das presas
declararam que apenas uma pessoa da família trabalhava, 6%
afirmaram que nenhuma pessoa; 6% outros. Perguntamos se a
prisioneira era portadora de algum tipo de doença antes da prisão,
elas responderam: 80% não e apenas 20% sim. No entanto, após a
prisão, afirma serem doentes hoje, 65% não, 37% sim. O que
demonstra que 17% adoeceram após da prisão. Das presas doentes,
apenas 34% afirmaram está realizando tratamento médico e 66%
não declararam está fazendo tratamento médico. Situação que
demonstra o quanto o problema de atendimento à saúde da mulher é
um problema grave em todo o sistema penitenciário e Garanhuns não
foge à regra.
As prisioneiras foram questionadas sobre a existência de
pessoas na sua família envolvidas no mundo do crime, responderam
da seguinte forma: 60% não e 40% sim. Para verificar se havia
presença de tensão familiar e violência doméstica nas suas casas, e
nas relações familiares, perguntamos se havia envolvimento pessoal
ou dos seus familiares em situações de brigas e declararam que 54%
sim e apenas 46% não. Também foi perguntado se haviam sofrido
situações de maus-tratos em suas família e declararam: 60% não e
40% sim. Foi perguntado se na comunidade ou na família, alguém
havia sido preso, 60% responderam não e 40% responderam que
sim. No entanto, ao perguntarmos se na sua comunidade ou na
família, conheciam alguém que estivesse preso, 71% responderam
que sim e 29% responderam que não. Podemos observar a presença
de vários fatores de vulnerabilidade ao crime, na comunidade, nos
ambientes e na exclusão social em que se encontram. Perguntadas se
tinham
alguma
religião,
86%
responderam
que
sim
e
14%
responderam que não, fato importante, na medida em que a religião
ajuda a prisioneira a ter esperança e vislumbrar alguma chance de
retomar a vida após a prisão. Ao mesmo tempo em que a religião
diminui o sentimento de revolta e vingança e contribui para a
segurança de qualquer unidade prisional, na medida em que o preso
que tem alguma crença religiosa é tranqüilo e ajuda na pacificação
dos companheiros (as).
Crime Cometido
Total
Droga
12
Roubo
09
Estelionato
02
Homicídio
03
Furto
04
Tráfico
16
Outros
03
Pelo quadro acima, podemos observar o crescimento da
criminalidade feminina se caracterizando pela relação com o tráfico
ou com o consumo de drogas, padrão que segue o perfil nacional.
Questionadas se haviam sofrido algum tipo de violência após a
prisão, responderam: 54% não, 46% sim. Como a prisão fica numa
área muito distante da cidade, além da característica de abandono
que marca a vida das mulheres presas, perguntamos se elas
recebiam visitas de familiares ou de amigos, situação que demonstra
o abandono em que se encontram: 54% declararam não receber
visitas e 46% responderam que recebiam visitas. Das prisioneiras
entrevistadas 83% não tinham encontros conjugais e 17% afirmaram
tê-los. Além do abandono da família ocorre o abandono do marido,
companheiro ou namorado. Perguntamos alguém na sua família
consumia álcool, fazia uso medicação controlada, ou de algum tipo de
droga: 57% declararam que sim e 43% não. Dados que aproximamse daqueles referentes ao convívio com a violência e a criminalidade.
Ainda sobre vícios, perguntamos se haviam membros da família que
faziam uso de cigarros, 54% declararam que sim e 46% declararam
que não.
Sobre a vida na prisão, perguntamos se tinham bom
relacionamento com as companheiras presas, agentes Penitenciários
(as) e com gerência da unidade, responderam: 91% afirmaram ter
bom
relacionamento
e
9%
relataram
não
ter
um
bom
relacionamento. Das presas entrevistadas 69% desenvolvem algum
tipo de atividade laboral e 31% não desenvolve nenhuma atividade.
Observamos uma relação respeitosa entre as prisioneiras e a
administração, podemos realizar o trabalho sem a vigilância dos
agentes ou da direção, usamos o teatro para nos comunicar sobre os
assuntos e apenas as prisioneiras que se sentiram à vontade
participaram das entrevistas e responderam aos questionários.
Assistimos sua apresentação de teatro, almoçamos, lanchamos,
passamos um dia inteiro na unidade prisional, onde verificamos as
limitações do espaço físico e um calor humano confortante das
prisioneiras e dos profissionais daquela prisão. Na medida em que já
conhecíamos outras prisões, não sentimos nenhum clima de tensão
ou
dificuldade
dos
profissionais
de
segurança,
situação
que
enfrentamos em outras unidades prisionais do Estado.
V - Análise dos Resultados e Notas conclusivas
O perfil detectado na pesquisa na Colônia penal de Garanhuns
não se diferencia muito do perfil da mulher presa encontrada nos
dados do Ministério da Justiça, disponibilizados pelo DEPEN. São
mulheres Jovens, mais da metade delas se encontram entre dezoito e
trinta anos de idade, são de famílias muito pobres, são em
esmagadora maioria oriundas de cidades do interior de Pernambuco.
Identificam-se como católicas ou protestantes. Envolveram-se no
mundo do crime por influência das amizades, do companheiro, das
bebidas, das drogas, por engano, por falta de emprego, por
dificuldades financeiras e dívidas. Apresentam quadros de tristeza e
depressão
por
se
sentirem
abandonadas.
Estudaram
pouco,
conviveram em ambientes pobres e conheceram de perto a violência
doméstica e do bairro. São oriundas de famílias trabalhadoras que
rejeitam a sua condição de criminosa. Em geral se envergonham da
sua condição, uma das razões do abandono.
Sonham com trabalho remunerado na prisão, com cursos de
profissionalização: cabeleireira, bijuterias e artesanato. A grande
maioria sugere que se faça uma quadra de esportes para elas
recrearem, jogarem e fazerem educação física. Elas sugerem ainda,
mais computadores para aprenderem a lidar com eles. Revelam a
necessidade de aumentar os materiais de limpeza pessoal como papel
higiênico, sabonete, pasta, absorventes etc. Ainda sugerem que seja
diminuído o tempo de seis meses para se ter o encontro conjugal,
relato de uma das poucas detentas que revelaram ter companheiro
ou namorado. Elas dizem que ao sair da prisão irão trabalhar,
negociar, ajudar a família e os filhos, reconstruir a vida e voltar a
estudar.
Observamos as Condições Físicas do prédio: No que tange
as
estruturas
físicas
da
penitenciária
feminina
de
Garanhuns
verificamos uma precariedade enorme principalmente porque a
mesma foi elaborada para permitir uma capacidade de 44 detentas,
sendo seis pessoas por cela. No entanto a penitenciária tem uma
superlotação que vai de 10 a 16 presas por cela aproximadamente,
suportando um total de 98 detentas. Nas celas existem infiltrações, e
os banheiros são pequenos para a quantidade de pessoas que ali se
abrigam. Quase não tem espaço para o lazer, pois a penitenciária é
pequena, tendo apenas um único corredor “a céu aberto” que serve
tanto para o espaço de lazer como para servir a alimentação das
presas. O local, porém, é arejado e bem iluminado. As celas, por sua
vez, se encontram nas laterais deste corredor. Não só as celas, o
pátio que é o corredor a céu aberto, todo o espaço é bem reduzido, a
penitenciária
é
toda
adaptada
com
pequenas
salas
para
a
administração e para o ambulatório, estas por sua vez, são muito
organizadas e possuem os devidos materiais para o trabalho.
Podemos perceber a ausência
de tensão e conflito entre as
presidiárias, o corpo de funcionários e a gerência. Apesar do
ambiente inóspito os recursos humanos qualificados e comprometidos
que atuam na unidade em nenhum momento deixaram transparecer
qualquer
neurose
sobre
as
questões
de
segurança,
podemos
trabalhar sem nenhum tipo de ingerência dos funcionários ou da
direção no nosso trabalho, sem nenhum clima de tensão. As
denúncias recebidas das presas pelos estudantes, se referiam ao
acesso a Justiça, a família e a oferta de trabalho dentro da prisão.
A sala de atividade laboral possui três máquinas de costura e
um computador, algumas carteiras escolares e lá, se aprende a fazer
tricô, crochê, tapeçaria e outras atividades. Há também uma pequena
biblioteca com livros e revistas de acesso às presas e uma sala de
estudos. No final do corredor há ainda uma cela disciplinar. Há
também um quarto com banheiro para a visita conjugal que por sinal,
é muito organizado, limpo e todo ornamentado para acolher os casais
que estão com todos os exames em dia e já estão juntos a
aproximadamente seis meses. No entanto, é pouquíssima a sua
rotatividade
em
função
do
abandono
das
detentas
pelos
companheiros ou maridos após a sua prisão. A cozinha é bem
pequena, mas equipada, limpa e organizada. O tamanho é limitado e
por isso, é motivo de queixa por parte das detentas. Elas prepararam
nossa refeição, vale salientar o capricho e a limpeza de todos os
ambientes, sem nenhum cheiro desagradável. Mesmo com o tamanho
diminuto das celas, verificamos boas condições de higiene das
mesmas. A limpeza é predominante em todos os ambientes, no
entanto vale salientar que há celas mais arrumadas que outras e com
odores melhores. Nas condições ambientais observamos que as
camas são feitas de cimento batido acomodadas por colchões e
materiais de limpeza e de uso pessoal, colocados em prateleiras ou
fixados nas paredes laterais. As celas têm quatro camas de cimento,
as outras presas “excedentes” dormem amontoadas em pequenos
colchões. As celas são bastante enfeitadas com mensagens de
motivação
geralmente
voltadas
para
Deus
ou
para
seus
companheiros apresentando riscos e desenhos pelas paredes. Há
também muitos ursinhos de pelúcia das detentas enfeitando quase
todas as celas. O pátio, apesar de pequeno, é limpo com mesas e
cadeiras na área coberta, lixeiros, algumas plantas e cartolinas nas
paredes com mensagens de fé.
A predominância da cor da pele das detentas é a cor morena e
morena clara, com estatura mediana, aparentando ter de 50 a 70kg e
usam roupas e sandálias populares. A cor de seus cabelos predomina
o castanho escuro, algumas usam o cabelo preso e outras usam o
cabelo solto. Há, porém aquelas que conservam o cabelo bem
curtinho aparentando uma forma masculina, essas usam toucas,
bonés e tatuagens e não pintam suas unhas, diferentemente da outra
grande maioria das detentas que pintam suas unhas e mantêm
cabelos femininos. No momento há quatro casais que se assumem
como homossexuais na penitenciária. Na penitenciária existe uma
escola
de
alfabetização
que
não
funciona.
Há
também
uma
enfermaria, uma assistência médica, odontológica, psicológica e
assistência social, estas funcionam com atendimentos regulares
durante o mês. Há também missas e cultos durante a semana,
respeitando a individualidade religiosa de cada detenta. Ainda tem a
visita íntima uma vez por mês, onde as detentas contam com um
programam de prevenção de DST/AIDS e Gravidez. Há ainda a visita
de familiares quinzenalmente para aquelas que os familiares moram
perto da localidade. Esse é um motivo de muita queixa por parte das
detentas, a falta de assistência familiar. No mais, as condições físicas
e mentais das detentas são boas, apenas aparentando aspectos e
discurso
ansioso,
umas
são
tranqüilas,
outras
desconfiadas
e
agitadas. Outro aspecto comum identificado nos dados do DEPEN o
sistema penitenciário aprofunda os quadros doentios trazidos pelos
reclusos e cria novas doenças. No caso das detentas de Garanhuns
quadros de tristeza e depressão por solidão e abandono.
São comuns as reclamações sobre o andamento dos
processos.
Verificamos
esse
problema
levantado
na
literatura
consultada e nas dúvidas contidas na perguntas feitas pela detentas
aos estudantes do Curso de Direito e a Professora de Direito Penal do
grupo de pesquisa. As mulheres pobres são, geralmente, indiciadas,
presas, processadas e julgadas, sem um acompanhamento jurídico
coeso, pois, muitas vezes, a defesa a que todos tem direito, conforme
a lei brasileira, é proporcionada de forma insuficiente pelo Estado19. É
preciso reconhecer a relação da mulher com o crime como uma
relação de gênero, pois, a mulher criminosa rompe com o modelo
cultural e social que foi moldado para ela, como se quisesse ocupar o
lugar “valente” e “viril” do homem. Esse desmonte se pode observar
no número cada vez maior de mulheres recrutadas pelo crime
organizado, a criminalidade lhe oferece uma visibilidade que ela
dificilmente teria na vida comum de dona de casa. Um aspecto
importante é que quanto mais próxima dos crimes femininos
tradicionais, onde reagem ao marido violento e perseguidor, mais
próximas estão da sensibilidade do público para situação, ou
abrandamento da pena. No entanto, quanto mais se distanciam deste
perfil, mais se aproximam dos crimes masculinos. Nesse caso, são
demonstradas como monstruosas perante a opinião pública. No
mundo do crime, a conduta da mulher é julgada também pelo
estereótipo, ou melhor, pela aceitação e reprodução da conduta que a
sociedade definiu para ela, há uma expectativa sexual e social para a
19
- ALMEIDA, Rosemary de O. Mulheres Que Matam. Universo Imaginário do Crime Feminino. Rio de
Janeiro – Relumé - Dumará, p.17.
mulher, quanto mais distante ela se põe desta expectativa de gênero,
mais discriminada ela se torna20.
Essa expectativa de Gênero será cobrada pela sociedade e
se refletirá no quantitativo da pena, facilitando ou não que os pedidos
dos advogados na Execução Penal sejam ou não atendidos. É
importante aqui ressaltar que o crime feminino além se constituir em
uma relação de gênero é também marcado pela relação de classe.
Mulheres das classes médias também cometem crimes, estão
envolvidas em homicídios, tráfico de drogas, escândalos financeiros,
seqüestros, entre outros. Em nossa visita à unidade prisional
percebemos o quanto o sistema de Justiça não consegue chegar
nesses grupos. O que faz também da prisão feminina em nosso país,
um espaço de repressão social para mestiços, negros e pobres.
VI - Referências
ALMEIDA, Rosemary de O. Mulheres Que Matam. Universo Imaginário
do Crime Feminino. Rio de Janeiro – Relumé - Dumará, 2001.
ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência. Introdução ao Jogo e as Suas
Regras. São Paulo: Loyola, 2000.
BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo.Galimard, Paris, 1974.
D’AVILA NETO, Maria Inácia. O Autoritarismo e a Mulher. O Jogo da
Dominação Macho – Fêmea no Brasil. Rio de Janeiro: Artes e Contos,
1994.
DEPEN – Ministério da Justiça – 2005.
ENGELS, Friederick. A Origem da Família, do Estado e da Propriedade
Privada. 5a edição, Civilização Brasileira, RJ, 1979.
FREIRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. 40a edição, Rio de Janeiro,
2000.
GEBARA, Ivone, Conhece-te a ti mesma. São Paulo, Edições Paulinas,
1991.
20
- PERROT, Michele. História dos Excluídos, Escravos e Prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1992, p. 76.
Lei Nº. 7.210/84 (Lei de Execução Penal – LEP).
MINAYO, Maria Cecília. O Desafio do Conhecimento. SP: Hucitec, RJ:
Abrasco, 2000.
PERROT, Michele. História dos Excluídos, Escravos e Prisioneiros. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
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