O INFANTE D. F E R N A N D O DE P O R T U G A L , S E N H O R DE SERPA (1218-1246): H I S T Ó R I A DA VIDA E DA M O R T E DE UM CAVALEIRO A N D A N T E * A R M A N D O DE SOUSA PEREIRA E d i f i c a d a s o b r e uma r e l i g i ã o de r e c o r d a ç ã o , a I g r e j a m e d i e v a l i n t e g r a d e s d e c e d o n o s s e u s r i t u a i s as o r a ç õ e s p e l o s m o r t o s , d e s e n v o l v e n d o - s e em p a r a l e l o os c h a m a d o s libri memoriales, listas n o m i n a i s , o r g a n i z a d a s em f o r m a de c a l e n d á r i o , que r e g i s t a m os óbitos d o s b e n f e i t o r e s d a s i g r e j a s , g e r a l m e n t e os seus p r ó p r i o s m e m bros, p e r s o n a g e n s i l u s t r e s ou o u t r o s p a r t i c u l a r e s , e as r e s p e c t i v a s d o a ç õ e s para por e l e s se c e l e b r a r e m m i s s a s de a n i v e r s á r i o '. A Sé de L a m e g o possui um d e s s e s l i v r o s , um Obituário composto no f i m do s é c u l o X I I I . por volta de 1293, o n d e f o m o s e n c o n t r a r , n a q u e l e i n c ó g n i t o e m a r a n h a d o de m u i t o s n o m e s , a s e g u i n t e o c o r rência: Obijt domnis domnus Jnfans fernandus de Serpa. E." M." CC." * E s t u d o a p r e s e n t a d o e m S e t e m b r o d e 1997 a o s e m i n á r i o «A n o b r e z a m e d i e v a l p o r t u g u e s a : p a r e n t e s c o , i d e n t i d a d e e p o d e r » , d i r i g i d o p e l o Prol'. D o u t o r B e r n a r d o V a s c o n c e l o s e S o u s a 110 â m b i t o d o M e s t r a d o d e H i s t ó r i a M e d i e v a l . F C S H / / U N L . Q u e r e m o s deixar aqui expresso o nosso agradecimento ao Professor Luís Krus e à Professora Maria João Branco, pelas suas anotações críticas à versão ori-ginal deste texto. T a m b é m à Natália T o j o e ao Luís Miguel Carolino, pelo estimu-lante diálogo sobre estas e muitas outras coisas. 1 Sobre a memória dos mortos, e a forma c o m o era ritualizada durante a Idad e M é d i a , c f . J a c q u c s L E G O F F , « M e m ó r i a » in Enciclopédia F.inaudi. L i s b o a , 1 9 8 4 . v o l . 1. p p . 2 4 - 3 3 ( 1 1 - 5 0 ) . A l é m d o s necrológios, h á um o u t r o t i p o d e l i t e r a t u r a c o n e x a , o s martirológios, que associam os mortos aos mártires fixados e celebrados p e l o c a l e n d á r i o l i t ú r g i c o ; c f . J a c q u e s D U B O I S , Les martyrologes du Moyen Âge latin. Typologie des soitrces du Moyen Âge occidental ( d i r . L. G é n i c o t ) , T u r n h o u t , 1978, f a s e . 26. hVSITAMA SACHA. 2" s é r i e , 10 ( 1 9 9 8 ) 95-121 Lxxx." iiij."2. T r a t a - s e do r e g i s t o da m o r t e do i n f a n t e D. F e r n a n d o de S e r p a , n e u t r o e d e s p o j a d o de q u a l q u e r a d j e c t i v a ç ã o que n o s i n f o r m e s o b r e a n a t u r e z a do seu p a s s a m e n t o , n ã o m e n c i o n a n d o s e q u e r os sup o s t o s b e n s q u e seria n o r m a l d e i x a r para a n i v e r s á r i o . D i f i c i l m e n t e u l t r a p a s s a r i a o a n o n i m a t o d a s p a l a v r a s que a q u e l e livro d a m o r t e enc e r r a , n ã o f o s s e a e s p e c i f i c i d a d e v o c a b u l a r q u e o i d e n t i f i c a e qualifica p e r a n t e os d e m a i s : na q u a l i d a d e de s e n h o r , p o s s u i d o r de potestas, t e r r i t o r i a l i z a d a no n o m e da sua t e r r a ; d e p o i s , na sua p e r t e n ç a à m a i s i m p o r t a n t e l i n h a g e m n o b i l i á r q u i c a , a da r e a l e z a . A s c e n d ê n c i a r é g i a e v o c a d a no título infans q u e a n t e c e d e o seu n o m e , c o m o qual e r a m d e s i g n a d o s o s f i l h o s e f i l h a s de reis, s o b r e t u d o a p a r t i r do i n í c i o do s é c u l o XIII. A m o r t e s u r p r e e n d e u - o no dia 19 de J a n e i r o de 1246, a t e r com o c e r t o o r e g i s t o do r e f e r i d o Obituário. N a s c i d o , c o m toda a prob a b i l i d a d e , em S a n t a r é m no m ê s de M a r ç o de 1218, c i d a d e q u e o seu pai e s c o l h e u para e s t a c i o n a r d u r a n t e t o d o o I n v e r n o , de Dez e m b r o de 1217 a Abril do a n o s e g u i n t e ', teria 2 8 a n o s à data da sua m o r t e . Filho do c o n s ó r c i o do rei A f o n s o II, n e t o de A f o n s o H e n r i q u e s , e da r a i n h a D. U r r a c a , f i l h a de A f o n s o VIII de C a s t e l a , o que venceo a batalha das Naves de Tollosa \ era o t e r c e i r o f i l h o varão, i r m ã o m a i s n o v o d o s i n f a n t e s D. S a n c h o , o h e r d e i r o d a c o r o a , e D. A f o n s o , a q u e l e que irá ter g r a n d e p r o t a g o n i s m o o c u p a n d o o trono na s e q u ê n c i a da g u e r r a civil de 1 2 4 5 - 1 2 4 8 , e da i n f a n t a D. L e o n o r , 2 A N T T . Sé de Lamego, Martirológio e óbitos. L. I, f l . 9 0 . P a r a a i d e n t i f i c a ç ã o e d e s c r i ç ã o d e s t e c ó d i c e vd. I s a í a s d a R o s a P E R E I R A , Martirológio-Obituário da Sé de Lamego. B r a g a , s e p . d a R e v i s t a Theologica, II s é r i e , 1 9 9 3 , v o l . X X V I I I . f a s e . 2. 1 Um d o c u m e n t o d a t a d o de M a r ç o de 1218, p a s s a d o em S a n t a r é m , ainda n ã o i n c l u i F e r n a n d o e n t r e o s f i l h o s d e A f o n s o II, e n q u a n t o q u e n u m o u t r o d o m e s m o m ê s e l e já a í c o n s t a c o m o f a z e n d o p a r t e d a s u a f i l i a ç ã o ; c f . A N T T , Forais Antigos. m ç . 12. n" 3 . f l s . 3 4 - 3 4 v ; Gavetas. I I I . m ç . 1, n° 10. A p r e f e r ê n c i a d e A f o n s o II pela c i d a d e de S a n t a r é m , s o b r e t u d o nos ú l t i m o s a n o s d o seu r e i n a d o , d e d u z - s e d a a n á l i s e d a i t i n e r â n c i a d a s u a c o r t e ; c f . R u i P i n t o d e A Z E V E D O , O livro de registo da chancelaria de D. Afonso II de Portugal (1217-1221). s e p . d e Annuario de Estúdios Medievales, B a r c e l o n a , 1967, n° 4 , e J o ã o A l v e s D I A S . Itinerário de D. Afonso II <1211-1223), s e p . d e Estudos Medievais. P o r t o . 1986, n" 7 . 4 Crónica Geral de Espanha de 1344. L i s b o a , 1990, vol. I V , p. 2 3 8 , e d . c r í t i c a d o t e x t o p o r t u g u ê s p o r L u í s F i l i p e L i n d l e y C I N T R A ( = Cr. 1344): Livro de Linhagens do conde D. Pedro, L i s b o a , 1980, 7 C 5 , e d . d e J o s é M A T T O S O <= LL). e f é m e r a R a i n h a , a que casou em 1229 c o m o rei W a l d e m a r III da Dinamarca5. U m a m o r t e j o v e m , p r e m a t u r a até. P e l o m e n o s a s s i m o e n t e n demos hoje; porém, a realidade daqueles tempos tão longínquos é o u t r a , de m a i s d i f í c i l a p r e e n s ã o . E n t ã o , a e s p e r a n ç a m é d i a de vida p o d i a não u l t r a p a s s a r o s 32 a n o s , a c h a m a d a m a i o r i d a d e a t i n g i a - s e b e m mais c e d o e o t u r b u l e n t o p e r í o d o da sua juvenilitas j á tinha p a s s a d o h a v i a m u i t o 6 . O t e m p o a p e n a s , p o r q u e as t u r b u l ê n c i a s , e s s a s perm a n e c e m c o m o o t r a ç o m a i s m a r c a n t e da sua p e r s o n a l i d a d e , ou p e l o m e n o s o m a i s e v i d e n t e . De q u a l q u e r m o d o , u m a m o r t e tão j o v e m n ã o p o d e d e i x a r de nos i m p r e s s i o n a r , s o b r e t u d o q u a n d o nos a p e r c e b e m o s da i m e n s a v i t a l i d a d e que d e m o n s t r o u . S e r i a m e s t a s as causas da sua m o r t e ? É p o s s í v e l que sim, que tenha tido uma m o r t e violenta. Na v e r d a d e , o seu t e s t a m e n t o , a ter e x i s t i d o , não se c o n h e ce, e q u a n t o ao p a r a d e i r o do seu t ú m u l o nada se s a b e , a p e s a r de se l e v a n t a r a h i p ó t e s e de a sua s e p u l t u r a se e n c o n t r a r na igreja c a t e d r a l de B u r g o s , da q u a l sua m u l h e r foi g e n e r o s a b e n f e i t o r a e c o m a qual t r a n s a c c i o n o u a l g u m a s p r o p r i e d a d e s 7 . Ou t a l v e z ein L a m e g o , q u e o r e g i s t a no seu livro de ó b i t o s 8 . L i v r o que i n v o c a e r e a c t u a l i z a a m e m ó r i a d o s m o r t o s , c o n f i n a d a ao e s p a ç o s a c r a l i z a d o d o t e m p l o . Os o u t r o s , os livros da vida, m e r g u l h a m - n o no e s q u e c i m e n t o . I n c o m p r e e n s i v e l m e n t e . De f a c t o , nobiliários e c r ó n i c a s n ã o p o d i a m ser m a i s l a c ó n i c o s a seu r e s p e i t o , m e n c i o n a n d o - o a p e n a s na linha de d e s c e n d ê n c i a de A f o n s o II, s e m q u a l q u e r m e n ç ã o de r e l e v o . D e s a p a r e c i d o o seu c o r p o , p e r d i d o o nome e n t r e as e p i s ó d i c a s e v a g a s a n o t a ç õ e s d o s p e r g a m i n h o s , e s q u e - 5 Idem, ibidem. S o b r e estes e o u t r o s aspectos, r e l a c i o n a d o s com os t e m p o s da vida do H o m e m m e d i e v a l , vd. M a r i a H e l e n a d a C r u z C O E L H O , « O s h o m e n s a o l o n g o d o e s p a ç o e d o t e m p o » in Portuga! em definição de fronteiras (1096-1325). Do Condado Portucalense à crise do século XIV ( c o o r d . de M a r i a H e l e n a da C r u z C o e l h o e A r m a n d o Luís de C a r v a l h o H o m e m ) . Nova História de Portugal (dir. Joel S e r r ã o e A. H. d e O l i v e i r a M a r q u e s ) , v o l . III. L i s b o a , 1 9 9 6 , p p . 1 7 8 - 1 8 2 ( 1 6 6 - 1 8 4 ) . 6 7 É esta a proposta a v a n ç a d a por Luís de S A L A Z A R Y C A S T R O . Historia Genealógica de la Casa de Lara, M a d r i d , 1 6 9 7 . t. I l l , L . X V I , c a p . VI, p p . 3 5 - 3 7 . 8 Para reforçar a hipótese de L a m e g o , d e v e m o s acrescentar que Fernando d e S e r p a m a n i f e s t o u um g r a n d e i n t e r e s s e p o r e s t a r e g i ã o na ú l t i m a f a s e d o seu percurso político; seria, portanto, m u i t o natural, que tivesse t o m a d o a l g u m a s diligências para aí ficar s e p u l t a d o a q u a n d o da sua morte. e i d o o p e r s o n a g e m n o s d e n s o s t e x t o s p o n t i f í c i o s q u e , ora c o m viol ê n c i a ora c o m c o m p a i x ã o , o e v o c a m , a s s i m tem p e r m a n e c i d o olvid a d a a sua m e m ó r i a ' ' . 1. Q u a n d o F e r n a n d o n a s c e u , o seu pai d e v i a c o m e m o r a r a i n d a c o m j ú b i l o a vitória sobre A l c á c e r d o Sal, c o n s e g u i d a a l g u n s m e s e s a n t e s , em O u t u b r o do a n o de 1217; a p e s a r de aí n ã o ter p a r t i c i p a d o d i r e c t a m e n t e , a t a c a d o p e l a d o e n ç a e e n v o l v i d o que a n d a v a na a d m i n i s t r a ç ã o d o Reino, t r a t a - s e d o ú n i c o g r a n d e t r i u n f o sobre o Islão d u r a n t e o seu r e i n a d o " 1 . Já d e s d e 1212 que o p o d e r i o a l m ó a d a d e c l i nava na P e n í n s u l a , e o A n d a l u z era uma f a i x a de terra c a d a vez m a i s e s t r e i t a em a c e l e r a d a r e g r e s s ã o para o M e d i t e r r â n e o , m a s s e r á sob r e t u d o a p a r t i r dos ú l t i m o s a n o s d a d é c a d a de vinte do s é c u l o XIII. q u a n d o s u r g e m as t e r c e i r a s taifas, q u e a g r a n d e Reconquista avança em todas as f r e n t e s : c a t a l ã e s e a r a g o n e s e s o c u p a m as B a l e a r e s em 1229 e o R e i n o de V a l ê n c i a a p a r t i r de 1232; d e p o i s d a s c o n q u i s t a s de C á c e r e s , em 1227, e B a d a j o z , em 1230, c a s t e l h a n o s e l e o n e s e s , unid o s em F e r n a n d o III, l a n ç a m - s e à c o n q u i s t a d a s p r a ç a s da E s t r e m a dura e a v a n ç a m s o b r e o vale do G u a d a l q u i v i r d u r a n t e a d é c a d a de * O i n f a n t e D. F e r n a n d o a p a r e c e m u i t a s v e z e s c i t a d o p o r A l e x a n d r e H E R C U L A N O a p r o p ó s i t o da s u a i n t e r v e n ç ã o n a c r i s e d o r e i n a d o d e S a n c h o II. e m p a r t i c u l a r s o b r e o s s e u s c o n f l i t o s c o m a I g r e j a ; c f . História de Portugal. Desde o começo da monarquia até o fim do reinado de Afonso III. L i s b o a , 1 9 8 0 , t. I I . e d . crít i c a de J o s é M a t t o s o ; e é n e s t a p e r s p e c t i v a q u e t e m s i d o e v o c a d o o s e u n o m e n a s histórias gerais de Portugal, de que basta citar a mais recente, de José M A T T O S O , História de Portugal. L i s b o a , 1992, vol. II. e m e s p e c i a l as pp. 1 2 8 - 1 3 0 . A f i g u r a d o i n f a n t e m e r e c e u um e s b o ç o b i o g r á f i c o m a i s d e t a l h a d o a o C o n d e d e F I C A L H O . « O i n f a n t e D. P e r u a n d o d e S e r p a » in Notas históricas acerca de Serpa, L i s b o a , 1 9 7 9 (a 1" e d . é d e 1904), p p . 9 9 - 1 0 7 . D e p o i s d a p e q u e n a n o t a b i o g r á f i c a da Grande enciclopédia portuguesa e brasileira, L i s b o a - R i o d e J a n e i r o , s / d , vol. X I . p p . 1 2 9 - 1 3 0 , o Dicionário de História de Portugal ( d i r . J o e l S E R R à O ) , P o r t o . 1 9 8 4 . vol. II, p. 5 5 0 , r e d u z e - o a a l g u m a s p o u c a s p a l a v r a s . O s e l e m e n t o s p r o s o p o g r á f i c o s d a s u a v i d a f o r a m a c t u a l i z a d o s p o r L e o n t i n a V E N T U R A . A nobreza da corte de Afonso III, C o i m b r a . 1992, vol. II. pp. 5 5 3 - 5 5 5 . t e s e d e d o u t o r a m e n t o p o l i c o p i a d a . 10 S o b r e A f o n s o II e o s i g n i f i c a d o d a c o n q u i s t a d e A l c á c e r no c o n t e x t o d o s e u r e i n a d o , c f . L u í s KR U S . « A f o n s o II. D. (I 1 8 5 - 1 2 2 3 ) » in Dicionário ilustrado da História de Portugal, L i s b o a , 1 9 8 5 , v o l . I, p p . 2 3 - 2 4 . U m e s t u d o m u i t o m i n u c i o s o , com recurso a fontes coevas, encontra-se em Maria Teresa Lopes PEREIRA. «Memória c r u z a d í s t i c a d o f e i t o d a t o m a d a d e A l c á c e r ( 1 2 1 7 ) , s e g u n d o o C a r m e n d e G o s u í n o » in 2 " Congresso histórico de Guimarães, D. Afonso Henriques e a sua época. Actas, G u i m a r ã e s , 1 9 9 7 . v o l . 2 . p p . 3 1 9 - 3 5 8 . trinta, em d i r e c ç ã o às v a s t a s , ricas e u r b a n i z a d a s p l a n í c i e s do Sul. É t a m b é m por e s t e s a n o s que os p o r t u g u e s e s o c u p a m o v a l e do B a i x o G u a d i a n a : a p ó s o f r a c a s s o de E l v a s em 1226, a o c u p a ç ã o do A l e n t e j o e do A l g a r v e é r e l a t i v a m e n t e r á p i d a , p e l o a b a n d o n o de a l g u m a s p r a ç a s p o r um Islão f r a g m e n t a d o e d i v i d i d o , pela s i m u l t a n e i d a d e da r e c o n q u i s t a c a s t e l h a n a , pela p a r t i c i p a ç ã o d o s p r o f i s s i o n a i s da g u e r r a que e r a m o s c a v a l e i r o s d a s o r d e n s m i l i t a r e s e a i n d a c o m o a u x í l i o d a s m i l í c i a s c o n c e l h i a s , mais do que por u m a s u p o s t a a c t u a ç ã o e i n i c i a tiva de um rei de i n f r u t í f e r a b e l i c o s i d a d e . É neste p a n o r a m a que tem l u g a r a c o n q u i s t a de S e r p a , c o n s e g u i d a pela a c ç ã o de A f o n s o P e r e s F a r i n h a , p r i o r d o H o s p i t a l , O r d e m que p a s s a a c o n t r o l a r as p r i n c i p a i s p r a ç a s da m a r g e m e s q u e r d a d o G u a d i a n a " . C o r r i a o a n o de 1232 e o i n f a n t e D. F e r n a n d o , a g o r a c o m 14 a n o s , a m e s m a idade c o m q u e o seu b i s a v ô se a r m o u c a v a l e i r o na c a t e d r a l de Z a m o r a , j á se p o d i a o r g u l h a r de t a m b é m ele ser c a v a l e i r o , uma vez a l c a n ç a d a a idade de rebora, e n t r a n d o a s s i m no m u n d o d o s a d u l t o s , um m u n d o de g u e r r e i r o s e a v e n t u r a , o n d e o p r e s t í g i o se a l c a n ç a p e l a q u a l i d a d e d a s f a ç a n h a s r e a l i z a d a s . Foi n e s t a a m b i ê n c i a q u e c r e s c e u e se f e z h o m e m , e n t r e as a r m a s , a v i o l ê n c i a , o s a n g u e e as h i s t ó r i a s das p r o e z a s , m a i s ou m e n o s f a n t a s i o s a s , que o u v i a c o n t a r . N ã o se sabe q u e m foi o r e s p o n s á v e l p e l a sua e d u c a ç ã o , ou q u e m o a c o m p a nhou de p e r t o n e s t a p r i m e i r a f a s e d a sua v i d a , m a s se q u i s e r a m f a z e r dele um h o m e m de g u e r r a , c o n s e g u i r a m - n o p e r f e i t a m e n t e l2 . A atri- " O e s t a b e l e c i m e n t o desta c r o n o l o g i a foi feito c o m o r e c u r s o às s e g u i n t e s o b r a s : V i c e n t e A. A L V A R E Z P A L E N Z U E L A e L u í s S U A R E Z F E R N Á N D E Z , La consolidación de los reinos hispânicos (1157-1369), Historia de Espana (coord. d e A. M o n t e n e g r o D u q u e ) , M a d r i d , 1 9 8 8 , t. 6; J o s é A n g e l G A R C I A D E C O R T Á Z A R , La época medieval. Historia de Espana (dir. por Miguel Artola), Madrid, 1988, t. 2; p a r a o t e r r i t ó r i o p o r t u g u ê s vd. a s í n t e s e d e J o s é M A T T O S O , op. cit., s o b r e t u d o a s p p . I 16-1 2 6 . e a d e M a r i a A l e g r i a F e r n a n d e s M A R Q U E S , « A s e t a p a s d e c r e s c i m e n t o d o r e i n o » in Portugal em definição de fronteiras.... op. cit., p p . 4 3 - 4 7 ( 3 7 - 6 4 ) . S o b r e a Reconquisto e o o r d e n a m e n t o d o espaço no território de que Serpa faz p a r t e . c f . J o ã o C a r l o s G A R C I A , O espaço medieval da Reconquista no sudoeste da Península Ibérica, L i s b o a . 1986. pp. 5 9 - 7 2 . Para as o r i g e n s , i m p l a n t a ç ã o e actividade da O r d e m d o Hospital em P o r t u g a l , vd. o e s t u d o p i o n e i r o de J o s é A n a s t a c i o de F I G U E I R E D O , Nova historia da militar Ordem de Malta. L i s b o a , 1 8 0 0 , 3 v o l s . , e o m a i s r e c e n t e d e P a u l a M a r i a d e C a r v a l h o P i n t o C O S T A , A Ordem Militar do Hospital em Portugal (séculos XII-XIV). Porto, 1994. tese de m e s t r a d o p o l i e o p i a d a . 12 S o b r e as r e p r e s e n t a ç õ e s m e n t a i s q u e m o d e l a m e d ã o c o n s i s t ê n c i a a o g r u p o nobre, e o c o m p o r t a m e n t o social daí resultante, m a r c a d o pela guerra, pela violência b u i ç ã o q u e lhe é f e i t a do s e n h o r i o da terra de m e r i d i o n a l c o m o Islão, s u r g e q u a s e c o m o c i m e n t o d e s t a sua m a i o r i d a d e , e c o m o terra p o d i a e x e r c i t a r a m p l a m e n t e as s u a s v i r t u d e s S e r p a , na f r o n t e i r a m a i s um p r é m i o ou r e c o n h e de f r o n t e i r a que era, aí guerreiras. N ã o s ã o c l a r a s as c i r c u n s t â n c i a s em que este s e n h o r i o lhe foi atribuído, na a u s ê n c i a de d o c u m e n t o que o c o n f i r m e , m a s é prova c o n c l u d e n t e o f a c t o de a s s i m s e m p r e se i n t i t u l a r e ser d e n o m i n a d o . M e s m o a s s i m , v e j a m o s , em h i p ó t e s e , c o m o isto se p r o c e s s o u . N o seu ú l t i m o t e s t a m e n t o , de N o v e m b r o de 1221, A f o n s o II d e i x a v a parte d o s s e u s b e n s m ó v e i s aos filij mei et filia me a quos habeo de Regina doitina Vrraca et inter ipsos equaliter dividantur A v a n c e m o s um p o u c o no t e m p o . Em 22 de D e z e m b r o de 1239, na bula Constitutus in presentia nostra. G r e g ó r i o IX o r d e n a v a ao b i s p o de O s m a e ao a b a d e de V a l l a d o l i d q u e a n u l a s s e m o c o n t r a t o f e i t o e n t r e o i n f a n t e e o rei S a n c h o , seu i r m ã o , no qual o p r i m e i r o r e n u n c i a v a a o s b e n s a q u e tinha d i r e i t o p e l o t e s t a m e n t o p a t e r n o e à q u e l e s q u e lhe e r a m d e v i d o s pela m o r t e de s u a irmã L e o n o r e m 1231; p r o v a v e l m e n t e teria s i d o a p e d i do s e u . ao q u e i x a r - s e ao p a p a d o f a c t o de n a q u e l a altura a i n d a ser minar, e por isso ter f i c a d o l e s a d o e m tal a c o r d o l4 . Na v e r d a d e , o testam e n t o p a t e r n o e s t a b e l e c i a que os i n f a n t e s só r e c e b e s s e m a sua resp e c t i v a p a r t e q u a n d o habeant roboram. F e r n a n d o a t i n g e o s 14 a n o s em 1232. a n o da c o n q u i s t a de S e r p a , e x i g e o que lhe é d e v i d o e é e n tão que o seu i r m ã o e s t a b e l e c e tal a c o r d o : c o n c e d e - l h e o s e n h o r i o d a q u e l a terra a par de uma c e r t a q u a n t i a em d i n h e i r o , em troca da renúncia àqueles bens. e pelo c u l t o da força física, v e i c u l a d a s e c r i s t a l i z a d a s num d e t e r m i n a d o m o d e l o educ a t i v o . c f . J o s é M A T T O S O , Identificação de um país. Ensaio sobre as origens de Portugal (1096-1325), 5" e d . . L i s b o a . 1 9 9 5 . v o l . I. p p . 2 2 9 - 2 4 1 . P a r a u m a i n t e r p r e t a ç ã o do papel da a g r e s s i v i d a d e no c o n t e x t o d a s e s t r u t u r a s s o c i a i s da Idade M é d i a , v d . N o r b c r t E L I A S , La civilisation des moeurs. P a r i s . 1 9 9 5 . pp. 2 7 9 - 2 9 7 . 13 A N T T . Gavetas, X V I , m ç . L n" 17. E s t a é u m a d a s m u i t a s b u l a s r e l a t i v a s à questão do infante de Serpa, t o d a s p u b l i c a d a s p o r A. D o m i n g o s d e S o u s a C O S T A , Mestre Silvestre e Mestre Vicente, juristas da contenda entre Afonso II e suas irmãs. B r a g a . 1 9 6 3 , p p . 2 7 0 - 2 7 1 . n. 4 0 0 (= MSMV), a l g u m a s d a s q u a i s j á i n c l u í d a s na Monumento Henricina, Coimbra. 1 9 6 1 , vol. 1 ( = MH). P a r a o c o n j u n t o d a s b u l a s d o p o n t i f i c a d o d c G r e g ó r i o IX rel a t i v a s a P o r t u g a l , v d . o V i s c o n d e d e S A N T A R É M . Quadro elementar das relações políticas e diplomáticas de Portugal. L i s b o a , 1 8 6 4 . t. IX, e J o a q u i m d o s S a n t o s A B R A N C H E S , Summa do Bullario Portuguez, C o i m b r a , 1895. 14 H o m e m m u i t o a c t i v o mas c o m f r a c a c a p a c i d a d e de g e s t ã o , p o u c a a t e n ç ã o p a r e c e ter d a d o à sua t e r r a . E s t a b e l e c i d a aqui a sua resid ê n c i a , é p r o v á v e l q u e nos p r i m e i r o s a n o s d a q u i t e n h a p a r t i d o c o m a sua m e s n a d a em c o r r e r i a s c o n t r a os m u ç u l m a n o s , p o d e n d o até ter part i c i p a d o nas t o m a d a s de B e j a , A l j u s t r e l e A l v i t o , e n t r e 1 2 3 2 - 1 2 3 4 . É t a m b é m v e r d a d e que m o s t r a a l g u m a p r e o c u p a ç ã o em se e n q u a d r a r nas redes de p o d e r q u e se iam t e c e n d o na região: em 1235 e n v i a uma c a r ta ao seu h o m ó n i m o D. F e r n a n d o , b i s p o de É v o r a , s u b m e t e n d o à sua j u r i s d i ç ã o o castelhim meum de Serpa, e d e c l a r a n d o o m e s m o bispo patri meo spirituali fidelis filius, e n t r e g a n d o - s e à sua v a s s a M a s a e s t a b i l i d a d e que as t a r e f a s d e g e s t ã o p a t r i m o n i a l e x i lidade g i a m , s o b r e t u d o n u m a r e g i ã o tão instável e p o b r e c o m o era a de f r o n teira, era a v e s s a a um p r o t a g o n i s m o p o l í t i c o que d e s d e c e d o c o m e ç a a a f i r m a r . P o r volta d o s a n o s de 1 2 3 6 - 1 2 3 7 já se e n c o n t r a e n v o l v i d o em g r a v e s c o n f l i t o s que o c o r r e r a m em a l g u m a s r e g i õ e s do p a í s , depois as v i a g e n s a R o m a e C a s t e l a , que s ã o o s p e r c u r s o s de um atrib u l a d o i t i n e r á r i o que t e r m i n a em d e a m b u l a ç õ e s e g u e r r i l h a s lá para as terras altas da Beira. T a l v e z , e em p a r t e c o m o c o n s e q u ê n c i a de t u d o isto, n u m a c a r t a de 16 de O u t u b r o de 1273 A f o n s o III o r d e n a v a ao a l c a i d e , j u í z e s e t a b e l i ã o de Évora q u e i n q u i r i s s e m sobre as pres ú r i a s que t i n h a m s i d o r e a l i z a d a s desque Serpa fora filhada a Mouros aca o r d e n a n d o q u e , a p a r t i r d a q u e l a d a t a , p a s s e m a ser o s sesmeiros indigitados pelo concelho a organizar e controlar essas acções p o p u l a r e s c o n d u c e n t e s à r e p a r t i ç ã o e a m a n h o d a s terras. P a r e c e , portanto, que o i n f a n t e , c o m o u t r o s o b j e c t i v o s em m e n t e , p o u c o c u i d a d o pôs no o r d e n a m e n t o j u r í d i c o e a d m i n i s t r a t i v o d a q u e l e e s p a ç o que era o s e u . d e i x a n d o - o à livre i n i c i a t i v a d o s p r e s o r e s . P e r d e u , p o r é m , a o p o r t u n i d a d e de c r i a r um p o d e r o s o s e n h o r i o , e n q u a n t o e s p a ç o p o l i t i c a m e n t e d e f i n i d o e a u t ó n o m o , t e n d o em c o n t a a f a v o r á v e l p o s i ç ã o g e o g r á f i c a em q u e se e n c o n t r a v a , um e n c l a v e d u p l a m e n t e f r o n t e i riço, c o m C a s t e l a e c o m o Islão, o que lhe p e r m i t i r i a ter e s t a b e l e c i d o p a c t o s e a l i a n ç a s , o q u e lhe teria d a d o a p o s s i b i l i d a d e de p a r t i c i p a r dir e c t a m e n t e na Reconquista e e n g r a n d e c e r - s e c o m o s r é d i t o s , territoriais e m ó v e i s , que d a í p o d e r i a ter u s u f r u í d o . T a l c o m o o s e n h o r i o q u e , 11 Documento depositado no Arquivo do p o r J ú l i o C é s a r B A P T I S T A , Limites da diocese ra, É v o r a . n° 5 5 . A n o X X I X , 1 9 7 2 , pp. 2 8 - 2 9 , 16 A N T T , Chancelaria de D. Afonso Hl, C a b i d o da Sé de Évora, e p u b l i c a d o de Évora. s e p . d e A cidade de Évon° 3 ( = LDE). L. I, f l . 126. m a i s t a r d e , o i n f a n t e D. A f o n s o , s e g u n d o f i l h o de A f o n s o III, t e n t o u c r i a r na z o n a de P o r t a l e g r e , em 1271 l7 . M a s as s u a s p r e o c u p a ç õ e s e r a m , d e c e r t o , o u t r a s , os seus o l h o s de h o m e m da g u e r r a v i r a v a m - s e para o u t r o s h o r i z o n t e s . H o r i z o n t e s políticos, n ã o e s p a c i a i s , p o i s na v e r d a d e a e s t r a t é g i c a p o s i ç ã o de f r o n teira em que se e n c o n t r a v a p r o p o r c i o n a v a - l h e m u i t o e s p a ç o de a c t u a ção, se f o s s e e s s a a sua v o n t a d e . Ao m e s m o t e m p o que l i m i t a v a a sua a m b i ç ã o , pois aí e s t a v a r e d u z i d o a p e q u e n o s e n h o r r o d e a d o de o u t r o s m a i o r e s , q u e r f o s s e m os b i s p o s d a s d i o c e s e s q u e r f o s s e m m e s t r e s e c o m e n d a t á r i o s das o r d e n s m i l i t a r e s lí!. E a s s i m q u e , por sua p r ó p r i a i n i c i a t i v a ou por a l g u é m q u e o i m p e l e a isso, F e r n a n d o c o m e ç a a i n t e r v i r , de u m a f o r m a e s p e c i a l m e n t e b r u t a l , na e n t ã o c o n f l i t u o s a vida p o l í t i c a do R e i n o . O seu c o m p o r t a m e n t o a p a r e c e , neste c o n t e x t o , c o m o o r e f l e x o d a s p r o f u n d a s m u t a ç õ e s s o c i a i s e p o l í t i c a s da primeira m e t a d e do s é c u l o XIII, que a t i n g e m o seu p o n t o c r í t i c o no rein a d o de S a n c h o II, l e v a n d o , i n c l u s i v é , ao seu a f a s t a m e n t o do g o v e r no, porque leyxou de fazer justiça l 9 , e a uma g u e r r a civil que d i v i d e o s g r a n d e s do país 20 . 17 S o b r e as c i r c u n s t â n c i a s da política p o r t u g u e s a e p e n i n s u l a r s u b j a c e n t e s à f o r m a ç ã o d e s t e s e n h o r i o , c f . B e r n a r d o d e Sá N O G U E I R A , «A c o n s t i t u i ç ã o d o s e n h o rio f r o n t e i r i ç o de M a r v ã o . Portalegre e A r r o n c h e s em 1271. A n t e c e d e n t e s r e g i o n a i s e s i g n i f i c a d o p o l í t i c o » in A cidade. Revista cultural de Portalegre, nova série, P o r t a l e g r e . 1 9 9 1 , n° 6 . p p . 1 9 - 4 5 . L i m i t a d o pela f r o n t e i r a natural q u e era o p r ó p r i o G u a d i a n a , o i n f a n t e teria as suas p o s s í v e i s p r e t e n s õ e s dc e x p a n s ã o c o n t r o l a d a s , a Norte pelos d o m í n i o s da O r d e m de A v i s e a s u d o e s t e p e l a f o r t e p r e s e n ç a d a O r d e m d e S a n t i a g o . P a r a O r i e n te d e f r o n t a v a - s e c o m o a v a n ç o r e c o n q u i s t a d o r c a s t c l h a n o - l e o n è s , e s e d e f a c t o e r a seu d e s e j o a p a r t i c i p a ç ã o na g u e r r a , era aí q u e teria m a i o r e s e m a i s f e c u n d a s oportunidades de o fazer. " Cr. 1344, p. 2 3 8 . P a r a a c o m p r e e n s ã o d e s t a c o n j u n t u r a , c f . J o s é M A T T O S O . História de Portugal. op. cit., p p . 1 2 6 - 1 3 3 , e L u í s K R U S , « S a n c h o 11. D. ( c . 1 2 0 9 - 1 2 4 8 ) » in Dicionário ilustrado..., op. cit., v o l . II, p . 2 0 4 . U m a i n t e r p r e t a ç ã o d a c r i s e d o r e i n a d o d e S a n c h o II, q u e u l t r a p a s s a o d o m í n i o r e d u t o r d o f a c t o r p o l í t i c o p a r a a s s e n t a r , s o b r e t u d o , e m a s p e c t o s de o r d e m e c o n ó m i c a e s o c i a l , e n c o n t r a - s e n o e s t u d o m u i t o e s c l a r e c e d o r d e J o s é M A T T O S O , «A c r i s e d c 1 2 4 5 » in Portugal medieval. Novas interpretações, 2' e d . , L i s b o a , 1992, p p . 5 7 - 7 5 . E t a m b é m m u i t o útil o t r a b a l h o de José A N T U N E S , António Resende de O L I V E I R A e João Gouveia M O N T E I R O , « C o n f l i t o s p o l í t i c o s n o r e i n o d e P o r t u g a l e n t r e a R e c o n q u i s t a e a E x p a n s ã o » in Revista de História das Ideias, C o i m b r a , 1984, v o l . VI, p p . 2 5 - 1 6 0 . e m e s p e c i a l a s pp. 7 3 - 1 0 3 , q u e e s t a b e l e c e m a t i p o l o g i a d o s c o n f l i t o s o c o r r i d o s d u r a n t e o r e i n a d o de 211 S o b r e a i n t e r v e n ç ã o do i n f a n t e neste p r o c e s s o , o s i n f o r m e s que nos c h e g a r a m p r o v ê m e x c l u s i v a m e n t e do o l h a r da I g r e j a , p a r t i c u l a r m e n t e lesada p e l a s v i o l ê n c i a s que c o n t r a ela f o r a m e x e r c i d a s : s ã o as n u m e r o s a s b u l a s que U g o l i n o de Ó s t i a , o papa G r e g ó r i o IX, e m i t i u , em curto e s p a ç o de t e m p o , s o b r e o a s s u n t o , u m a s d i r i g i d a s aos p r e l a d o s p o r t u g u e s e s e p e n i n s u l a r e s , o u t r a s ao p r ó p r i o i n f a n t e , a t r a v é s d a s quais p o d e m o s tentar d e l i n e a r os seus p r o j e c t o s e a m b i ç õ e s , os s e u s a p o i o s e as c o n s e q u ê n c i a s da sua a c t u a ç ã o . A p e s a r de ser um ú n i c o ponto de vista a p e n a s , o c l e r i c a l . Um atrito e n t r e o i n f a n t e D. F e r n a n d o e M e s t r e V i c e n t e , b i s p o da G u a r d a , l e v o u - o a p r o v o c a r u m a série de t u m u l t o s na d i o c e s e egitan e n s e em 1236 ou 1237. É d e s t e ú l t i m o a n o , de 2 9 de A b r i l , a bula Laerimabilem siquidem Venerabilis fralris, que G r e g ó r i o IX e n v i a ao a r c e b i s p o de T o l e d o e ao b i s p o de L e ã o , i n c u m b i n d o - o s de e x c o m u n garem o i n f a n t e e o s seus c ú m p l i c e s e de l a n ç a r e m o i n t e r d i t o e c l e s i á s t i c o em t o d o s os l u g a r e s o n d e eles e s t a c i o n a r e m , d e v i d o às atroc i d a d e s q u e , c o m audacia delinquendi, c o m e t e r a m c o n t r a as i g r e j a s e p r e l a d o s de P o r t u g a l , d i s s i p a n d o o s b e n s que o b i s p o e f a m í l i a possuíam e m L i s b o a e na G u a r d a e m a t a n d o v á r i o s c l é r i g o s em S a n t a r é m , entre os quais se c o n t a v a m a l g u n s que e r a m scriptores Régis2*. Os atent a d o s p e r p e t r a d o s por D. F e r n a n d o c o n t r a a i g r e j a e o s s e u s m e m b r o s f o r a m b e m m a i s g r a v e s : além d a s s a n g u i n o l e n t a s p e r s e g u i ç õ e s movidas c o n t r a a p a r e n t e l a de D. J o ã o R o l i s , d e ã o da Sé de L i s b o a , teria a i n d a r o u b a d o a o s seus f a m i l i a r e s , e n t r e o u t r o s b e n s , g r a n d e s p o r ç õ e s de trigo, c e v a d a e v i n h o e e x e c u t a d o d e s t r u i ç õ e s várias, a c t o s em que se teriam e n v o l v i d o t a m b é m , g r a n d e s a c r i l é g i o , a l g u n s m u ç u l m a n o s a s o l d o do i n f a n t e . N ã o se fica por aqui. A c o m e t i d o de audacia et potentiatn e c o m manus uiolentas, é r e s p o n s á v e l por m u i t o s o u t r o s c r i m e s c o n t r a a c l e r e z i a de d i v e r s a s i g r e j a s e m o s t e i r o s . T u d o isto c o n s t a da bula Ad instantiam, q u e em 20 de D e z e m b r o de 1239 G r e g ó r i o IX e n v i a ao b i s p o de O s m a a d a r - l h e c o n h e c i m e n t o das p e s a d a s p e n i t ê n c i a s i m p o s t a s ao i n f a n t e p o r tão g r a v e s v i o l ê n c i a s c o m e t i d a s 2 2 . M a s já uma o u t r a bula do a n o a n t e r i o r , a Tjrannidem quam, d i r i g i d a em S a n c h o II. A c r i s e n u m a p e r s p e c t i v a e s t r i t a m e n t e e c l e s i á s t i c a e n c o n t r a - s e e m F o r t u n a t o d e A L M E I D A , História da Igreja em Portugal, nova ed. dir. por D a m i ã o Peres, P o r t o , 1 9 6 7 . vol. I, p p . 1 7 6 - 1 8 7 . 31 MSMV. p p . 2 6 1 - 2 6 2 , n. 3 8 7 . 22 MSMV. p p . 2 6 4 - 2 6 6 . n. 3 8 9 . 6 de M a i o ao a r c e b i s p o de T o l e d o a a c u s a r de tirania o rei de P o r t u g a l , r e v e l a v a as d e p r a d a ç õ e s q u e o seu i r m ã o F e r n a n d o e x e r c e u c o n t r a D. J o ã o R o l i s , r o u b a n d o b e n s e d e s t r u i n d o i g r e j a s , n a s q u a i s se teria s e r v i d o t a m b é m d o s v a l i o s o s p r é s t i m o s d o s m u ç u l m a n o s para destruir e p r o f a n a r o i n t e r i o r de u m a i g r e j a 2 1 . P o r t a n t o , as l a m e n t á v e i s f a ç a n h a s aqui a r r o l a d a s d e v e m ter s i d o c o m e t i d a s no d e c u r s o de 1237 e p r i n c í p i o s de 1238, e e s t ã o d i r e c t a m e n t e r e l a c i o n a d a s c o m a prob l e m á t i c a q u e s t ã o d a s e l e i ç õ e s para o b i s p a d o de L i s b o a . U m a Sé v a c a n t e , uni c a b i d o c o m p r o m e t i d o e d i v i d i d o , um rei i n d e c i s o . E uma s i t u a ç ã o que p a r e c e insolúvel e p r o m e t e a r r a s t a r - s e . A s s i m , a instâncias do papa, é n o m e a d o b i s p o o d e ã o da Sé, J o ã o R o l i s , a n t i g o cap e l ã o p o n t i f í c i o , ao que se o p õ e m v i o l e n t a m e n t e a l g u n s c ó n e g o s , o c h a n c e l e r e o rei, em c o n f l i t o c o m ele d e s d e 1223, no intuito de o s u b s tituírem p o r D. E s t e v ã o G o m e s . O q u e é c u r i o s o é que a i n d a há b e m p o u c o t e m p o t a m b é m este tinha sido alvo da ira régia. A c o n t e c i m e n tos q u e . no seu c o n j u n t o , l e v a m o rei a ser e x c o m u n g a d o e o Reino i n t e r d i t a d o , d u r a n t e a l g u n s m e s e s d o a n o de 1238 24. Foi nesta c o m p l e x a trama de r e l a ç õ e s q u e F e r n a n d o se e n v o l v e u activamente. Tentemos perceber porquê. Agressividade gratuita, aprov e i t a n d o a f r a q u e z a de um p o d e r c e n t r a l i n c a p a z de s u s t e n t a r a o r d e m p ú b l i c a , s i m p l e s a c t o s de b a n d i t i s m o c o m o ú n i c o f i t o de s a q u e a r b e n s ou p e r s e g u i ç ã o política r e l a c i o n a d a c o m o p r o b l e m a da v a c â n cia da Sé lisboeta, t e n d o e m c o n t a a l o c a l i z a ç ã o p r e c i s a d o s c o n f l i tos? T a l v e z a s i t u a ç ã o de c a o s e p e r m i s s i v i d a d e em que se e n c o n t r a va o R e i n o p o s s i b i l i t a s s e a c o n f l u ê n c i a de t o d a s e s t a s m o t i v a ç õ e s q u e , a c t u a n d o em c o n j u n t o , d e r a m o r i g e m a um q u a d r o d r a m á t i c o , c o m p o s t o de v i o l ê n c i a s de toda a e s p é c i e . E o i n f a n t e n ã o era o ú n i c o . Parece q u e t a m b é m em 1237 o seu tio b a s t a r d o , D. R o d r i g o S a n c h e s , teria c o m e t i d o v i o l ê n c i a s s e m e l h a n t e s na d i o c e s e d o P o r t o . D i s s o se q u e i x o u ao rei o r e s p e c t i v o b i s p o , D. P e d r o S a l v a d o r e s 2 5 . N ã o era o ú n i c o nem a g i a s o z i n h o o i n f a n t e de S e r p a . Para além d a q u e l e s m u ç u l m a n o s a c u j o s e r v i ç o n ã o hesitou em r e c o r r e r p o n t u a l m e n t e , a bula Ad instantiam i d e n t i f i c a c l a r a m e n t e os seus c ú m plices no c a s o da p e r s e g u i ç ã o a D. J o ã o Rolis. São a l g u n s c l é r i g o s de " MSMV, pp. 2 5 9 - 2 6 0 , n. 3 8 5 . -J U n i r e l a t o p o r m e n o r i z a d o d o s p r o b l e m a s e c o n f l i t o s q u e e n v o l v e r a m S a n c h o II e a I g r e j a p o r t u g u e s a , e n c o n t r a - s e e m F o r t u n a t o d e A L M E I D A , op. cit., pp. 176-187. 2S Idem, p. 183. S a n t a r é m , L i s b o a e Braga, q u e o i n s t i g a m e lhe d ã o d i n h e i r o para f a zer t o d o o mal que p u d e r ao b i s p o e seus f a m i l i a r e s 2 6 . T e m p o s de cólera e s t e s , em q u e a p r ó p r i a casa de D e u s se e n c o n t r a d i v i d i d a e se v i o l e n t a e n t r e si. E n e s t a s s i t u a ç õ e s , em que i m p e r a tão hostil rivalid a d e , há s e m p r e a l g u é m s u f i c i e n t e m e n t e p e r s p i c a z para d i s s o se a p r o v e i t a r : á v i d o por d i n h e i r o , é t r a b a l h o de m e r c e n á r i o o q u e o inf a n t e D. F e r n a n d o p a r e c e f a z e r . D e p o i s , t a m b é m se diz que o p r ó p r i o rei, que s a b e n d o d o q u a n t o o seu i r m ã o era c a p a z , teria s o l i c i t a d o os s e u s s e r v i ç o s a q u a n d o da v i o l e n t a p e r s e g u i ç ã o m o v i d a a D. J o ã o R o l i s , m e n c i o n a n d o o papa, a este p r o p ó s i t o , a Régis conniuentia em tal a c t u a ç ã o 27 ; o b i s p o da G u a r d a a l u d e t a m b é m à benignitatis do rei para c o m as t r o p e l i a s do i r m ã o 2 8 . P o r o u t r o lado, t e m - s e a f i r m a d o que o i n f a n t e n ã o f r e q u e n tava muito a corte, o que indicia relações não muito cordiais entre ambos, e na v e r d a d e a p e n a s se c o n h e c e um d o c u m e n t o da c h a n c e l a r i a de S a n c h o II o n d e a p a r e c e c o m o testis o Jnfans domnus fernandus, pass a d o em S a n t a r é m aos 4 de N o v e m b r o de 1237 29 . P o r t a n t o , a c a t e g ó rica a f i r m a ç ã o da c o m p l a c ê n c i a do rei para c o m a a g r e s s i v i d a d e dem o l i d o r a do i r m ã o p o d e ser d u v i d o s a e teria c o m o o b j e c t i v o d e n e g r i r a i n d a m a i s a i m a g e m de S a n c h o em S. J o ã o de L a t r ã o , e o i n f a n t e b e m que p o d i a ter p e r p e t r a d o a q u e l e s a c t o s p o r c o n t a p r ó p r i a e em prov e i t o p e s s o a l . Se o rei f o i , na r e a l i d a d e , n e g l i g e n t e na p r o t e c ç ã o aos p e r s e g u i d o s , e n t r e os q u a i s se c o n t a v a m a l g u n s d o s seus ministeriales, foi a p e n a s por n ã o p o s s u i r a a u t o r i d a d e e f o r ç a s u f i c i e n t e s para i m p e d i r e c o n t r o l a r as d e s t r u i ç õ e s c o m que F e r n a n d o , e m u i t o s outros, a s s o l a v a m o R e i n o . S e r i a , p o r t a n t o , f o r ç a d a a c o n i v ê n c i a de que G r e g ó r i o IX o a c u s a . Por f i m , resta i d e n t i f i c a r o s s e u s p r i n c i p a i s c o m p a n h e i r o s , os vass a l o s e c a v a l e i r o s da sua p e q u e n a c o r t e s e n h o r i a l , os fautoribus suis a que se r e f e r e a Lacrimabilem siquidem Venerabilis fratris30. S ã o alg u n s d o s que a p a r e c e m c o m o t e s t e m u n h a s da j á citada carta que em 1235 é d i r i g i d a ao b i s p o de É v o r a 31. G o n ç a l o R o d r i g u e s é aí a p o n t a do c o m o m o r d o m o do i n f a n t e , e V i c e n t e M i g u e l o seu dapifer, o c a v a - 26 27 28 2 '' 30 51 MSMV. MSMV, MSMV. ANTT. MSMV. LDE. 2 6 4 - 2 6 6 . n. 3 8 9 . p p . 2 5 9 - 2 6 0 , n. 3 8 5 . pp. 2 6 1 - 2 6 2 , n. 387. Gavetas. V , m ç . I, n° 2 0 ; Leitura pp. 2 6 1 - 2 6 2 . n. 387. pp. 2 8 - 2 9 , n° 3 . Nova. Mestrados. L . 1, f l . 172. Ieiro que a s s u m i a as f u n ç õ e s de a l f e r e s - m o r ; d e p o i s , e s e g u i n d o a ord e m a p r e s e n t a d a no d o c u m e n t o , F e r n ã o P e r e s de B a l e i x , F e r n ã o V a s q u e s , P e r o S o e i r o , pretor da c i d a d e de É v o r a , E s t e v ã o S o a r e s da C o s ta, Paio A n e s , J o ã o A n e s , M a r t i m A n e s , D o m i n g o s A n e s , J o ã o G o n ç a l v e s O u r i n a z a , P e r o F e r n a n d e s , M a r t i m M e n d e s , Pero G a l e g o , M a r tim G o m e s , A f o n s o G o d i n s , P a i o G a r c i a e J o ã o S o a r e s C o e l h o . D a q u i se c o n c l u i que a p e n a s d o i s u s a m j á o a p e l i d o de f a m í l i a : o b e m c o n h e c i d o t r o v a d o r 3 2 , r a m o b a s t a r d o d o s R i b a d o u r o , e o tal C o s t a , de orig e n s m a i s o b s c u r a s e de q u e m n ã o e n c o n t r á m o s rasto. O u t r o s t r a z e m um t o p ó n i m o a s s o c i a d o ao n o m e : o de B a l e i x , q u e n ã o foi possível l o c a l i z a r , e o G a l e g o , q u e d e n u n c i a c l a r a m e n t e a sua p r o v e n i ê n c i a g e o g r á f i c a . Q u a n t o ao O u r i n a z a , é um a p e l i d o c u j o s i g n i f i c a d o e origens também não conseguimos encontrar. A maioria destes indivíd u o s , os que a p e n a s p o s s u e m n o m e p r ó p r i o e p a t r o n í m i c o , s e r ã o c e r t a m e n t e o r i u n d o s de f a m í l i a s da p e q u e n a n o b r e z a ou m e s m o e l e m e n tos d a s m i l í c i a s c o n c e l h i a s , que t i n h a m no s e r v i ç o m i l i t a r u m a f o r m a p r i v i l e g i a d a de a s c e n s ã o e c o n ó m i c a e s o c i a l . Parece b e m c l a r o , p o r t a n t o , que D. F e r n a n d o a g r e g o u a si e s t e b a n d o de f i l h o s s e g u n d o s q u e , a f a s t a d o s da h e r a n ç a d e v i d o a u m a p r o g r e s s i v a a d o p ç ã o d o a g n a t i s m o por p a r t e das f a m í l i a s da n o b r e z a , no s e n t i d o de m a n t e r e m uno e f o r t a l e c i d o o p a t r i m ó n i o da l i n h a g e m , p r o c u r a m em terras l o n g í n q u a s e s e l v a g e n s as s u b s i s t ê n c i a s que e s c a s seiam num N o r t e s e n h o r i a l c a d a vez m a i s p o v o a d o e r e t a l h a d o , nesta p r i m e i r a m e t a d e do s é c u l o X I I I . S e r p a , e n q u a n t o terra de f r o n t e i r a a b e r t a a toda a e s p é c i e de a v e n t u r e i r o s e m a r g i n a i s , o f e r e c i a as c o n d i ç õ e s ideais a q u e m era o b r i g a d o a p r o c u r a r f o r t u n a e r r a n d o para longe da casa p a t e r n a . D e v i d o a o s p r o b l e m a s i n t e r n o s do R e i n o , e mal a p r o v e i t a d o s por um rei i n c a p a z de o s c a n a l i z a r para as c a m p a n h a s da Reconquista, e s t e s c a v a l e i r o s a n d a n t e s e a u d a z e s a c o r r e m às c o r t e s d o s m o n a r c a s p e n i n s u l a r e s o n d e i n t e g r a m os s e u s s é q u i t o s e p a r t i c i p a m nas g u e r r a s c o n t r a o Islão, p o r eles h a b i l m e n t e c o n d u z i d a s , ou j u n t a m - s e nas m e s n a d a s de p e q u e n o s s e n h o r e s f e u d a i s , c o m o a que o i n f a n t e D. F e r n a n d o m a n t é m em seu r e d o r , t a m b é m ele um « d e s e r d a d o » , d a n d o voz à sua i n s a t i s f a ç ã o e d e s c o n t e n t a m e n t o a t r a v é s d a s v i o l ê n c i a s que a m p l a m e n t e c o m e t e r a m , p r ó p r i a s , aliás, do modus vivendi do g r u p o a r i s t o c r á t i c o a q u e p e r t e n c e m 31 " LL, 3 6 A 8 . Sobre o c o m p o r t a m e n t o ousado e errante, agressivo c m e s m o muito vio- 2. M a s n ã o era s o b r e a f r á g i l s o c i e d a d e c r i s t ã , por eles tão f e r o z m e n t e v i o l e n t a d a , q u e o papa q u e r i a ver d e s c a r r e g a d a tanta o p r e s são. m u i t o m e n o s s o b r e os m i n i s t r o s de D e u s e os locais de c u l t o 54. A d m o e s t a d o c o m d u r e z a por G r e g ó r i o IX, o i n f a n t e a r r e p e n d i d o dirige-se a R o m a , o n d e j á se e n c o n t r a d e s d e o s f i n s de N o v e m b r o e dur a n t e o m ê s de D e z e m b r o de 1239, para a í s u p l i c a r o p e r d ã o . Vai m a i s longe e f a z - s e v a s s a l o da S a n t a Sé. A f ó r m u l a de s u b m i s s ã o utilizada por F e r n a n d o é esta: Ego Fernandus, jnfans de Serpa, natus clare memorie Afonsi Regis Portugalie ab hac hora in antea, fidelis et obediens ero beato Petro sancteque Romane ecclesie et domino me o pape Gregorio suisque successoribus canonice intrantibus. Constitui u m a d a s m u i t a s b u l a s c o m q u e G r e g ó r i o IX o a g r a c i o u , a Cum venisses ad sedem apostolicam, e m i t i d a em 1 1 de D e z e m b r o de 1239 " . É s u r p r e e n d e n t e t a m a n h a d e v o ç ã o . O que se teria p a s s a d o e n t r e t a n t o , que p r o v o c o u uma m u d a n ç a tão radical no c o m p o r t a m e n t o de Fern a n d o ? S i m p l e s t e m o r a D e u s ou o u t r a s a m b i ç õ e s m a i s t e r r e n a s ? M u i ta c o i s a nos e s c a p a 3 6 . Na i m p o s s i b i l i d a d e de p o d e r m o s e n t r a r na ló- l e n t o . d a c a v a l a r i a n o b r e m e d i e v a l , d e q u e o i n f a n t e d e S e r p a é um c l a r o e x e m p l o , c f . o s s u g e s t i v o s e s t u d o s d e G e o r g e s D U B Y , « O s ' j o v e n s ' na s o c i e d a d e a r i s t o c r á t i c a d o N o r o e s t e d a F r a n ç a , n o s é c u l o X I I » in A sociedade cavaleiresco. Lisboa. 1989, pp. I 1 9 - 1 3 2 ; i d e m . Guilherme o marechal, o melhor cavaleiro do mundo. Lisboa. 1986. O m o d e l o i n t e r p r e t a t i v o e n u n c i a d o n e s t e s e s t u d o s foi t a m b é m a p l i c a d o à análise d e d e t e r m i n a d o s a s p e c t o s da n o b r e z a m e d i e v a l p o r t u g u e s a , p o r J o s é M A T T O S O , « C a v a l e i r o s a n d a n t e s : a f i c ç ã o e a r e a l i d a d e » in A nobreza medieval portuguesa. A família e o poder, 2' e d . , L i s b o a . 1 9 8 7 . pp. 3 5 5 - 3 7 1 ; i d e m . Identificação de um país..., op. cit., v o l . I. pp. 2 3 5 - 2 3 8 , s o b r e a i d e o l o g i a g u e r r e i r a q u e i m p r e g n a a sua mentalidade. Uma visão de c o n j u n t o encontra-se em Franco C A R D I N I , «O g u e r r e i r o e o c a v a l e i r o » in O Homem medieval (dir. J a c q u e s L e G o f f ) , L i s b o a , 1 9 8 9 , pp. 5 7 - 7 8 . 14 Já o s m o v i m e n t o s d a pax e d a trégua Dei. p l e n a m e n t e i m p l a n t a d o s na F r a n ça do s é c u l o XI e c o n s e g u i d o s n u m a a s s o c i a ç ã o de i n t e r e s s e s da a u t o r i d a d e eclesiástica, da a u t o r i d a d e condal e dos c a m p o n e s e s , tinham c o m o o b j e c t i v o c o n t r o l a r a v i o l ê n c i a e n d é m i c a p r o d u z i d a pela p e q u e n a n o b r e z a e o s c a v a l e i r o s d o s s e u s séde la chevalerie. Geneq u i t o s : c f . J e a n F L O R I . L' idéologie du glaive. Préhistoire bra, 1983. pp. 152-157. MSMV. 2 6 9 - 2 7 0 . n. 3 9 8 . É i n t e r e s s a n t e v e r i f i c a r o p a r a l e l i s m o , n o t i p o d e a r g u m e n t a ç ã o utilizada para captar a benevolência d o S u m o Pontífice, entre esta carta de c o m p r o m i s s o do infante de Serpa e aquela que A f o n s o Henriques enviou a I n o c ê n c i o II e m 13 d e D e z e m b r o d e 1 143. o n d e s e d e c l a r a v a s s a l o d o p a p a e s e c o l o c a , a si e a o R e i n o , s o b a p r o t e c ç ã o d e S . P e d r o e d a S a n t a S é ; d o e . p u b l i c a d o em MH, p p . 1 - 2 , n° I. 16 Revela-se-nos contraditório o comportamento colérico e brutal do infante, g i c a do seu p e n s a m e n t o e s e m p o r m o s em c a u s a a i n t e n s i d a d e e v e r a c i d a d e da sua fé, p r o c u r e m o s j u n t a r o s d a d o s que p o s s u í m o s . Em Port u g a l , o rei e o R e i n o c a m i n h a m d e s c o n t r o l a d a m e n t e para a r u í n a , e em R o m a n ã o s a b e m o s que c o n v e r s a ç õ e s o p a p a teria e n t a b u l a d o c o m o i n f a n t e . O q u e s a b e m o s é a p e n a s o que o s t e x t o s d a s bulas nos transm i t e m , n a s q u a i s , e a p e s a r d a s p e s a d a s p e n i t ê n c i a s c o m que o repree n d e u , lhe c o n c e d e u t a m b é m i n ú m e r o s p r i v i l é g i o s . As p e n i t ê n c i a s , p r i m e i r o . O i n f a n t e D. F e r n a n d o de S e r p a era o b r i g a d o a r e s t i t u i r os b e n s r o u b a d o s e a p r o t e g e r o p r e l a d o , d e ã o e c a b i d o da Sé de L i s b o a , e r e s p e c t i v o s f a m i l i a r e s e a m i g o s ; a n ã o assass i n a r c l é r i g o s n e m d e s b a r a t a r os b e n s d a s i g r e j a s e m o s t e i r o s e a respeitar o d i r e i t o de asilo; d e p o i s de c h e g a d o à sua terra n ã o p o d i a f a z e r a b a r b a n e m lavar a c a b e ç a , s e n d o - l h e t a m b é m p r o i b i d o o uso de vest u á r i o de seda, e s c a r l a t e e o u r o d u r a n t e o p e r í o d o da Q u a r e s m a ; apenas na q u i n t a - f e i r a S a n t a tinha livre a c e s s o à igreja, s e n d o aí c o n d u z i d o pelo r e s p e c t i v o s a c e r d o t e , d e v e n d o no m e s m o dia vestir e lavar o s pés a dez p o b r e s ; d u r a n t e t o d o s os dias da Q u a r e s m a era seu d e v e r a l i m e n t a r c i n c o pauperes; às s e x t a s - f e i r a s c o m e r no c h ã o e só, e na s e x t a - f e i r a S a n t a p e r c o r r e r d e s c a l ç o t o d a s as i g r e j a s da terra o n d e e s t i v e s s e : p e l o t e m p o de sete a n o s j e j u a r em d e t e r m i n a d o s dias d o c a l e n d á r i o l i t ú r g i c o e n ã o c o m e r c a r n e ao s á b a d o , e x c e p t o se f o s s e dia de Natal ou em c a s o de n e c e s s i d a d e ; em S a n t a r é m d e v i a p e r c o r r e r , c o m v e s t e s s i m p l e s , c o r r e i a ao p e s c o ç o e p e c l i b u s nudis, o c a m i n h o que vai do m o s t e i r o d o s d o m i n i c a n o s a S.' a M a r i a da A l c á ç o v a , o n d e seria a ç o i t a d o por um s a c e r d o t e ; r e m i r , no p e r í o d o de três a n o s , vinte c r i s t ã o s c a t i v o s ao infiel, ao q u a l d e v i a dar g u e r r a c o n s t a n t e De um rigor e x c e p c i o n a l e s t a s p e n i t ê n c i a s , que o p o b r e i n f a n t e devia ter a l g u m a d i f i c u l d a d e em c u m p r i r . E se o f e z ou n ã o , n u n c a o saberemos. V e j a m o s , a g o r a , o s p r i v i l é g i o s , em n ú m e r o b e m c o n s i d e r á v e l , sob r e t u d o se p e n s a r m o s que s ã o a t r i b u í d o s e m b e n e f í c i o de um ú n i c o p e r s o n a g e m , c u j o m a i o r e m a i s n o t á v e l d e s e m p e n h o foi o de ter sido quando c o m p a r a d o c o m a intensa fé e os sentimentos de m e d o e culpa que agora manifesta. M a s a verdade é que não p o d e m o s c o n h e c e r nunca as suas reais intenções; por outro lado. atitudes tão radicalmente o p o s t a s d e v e m ser interpretadas à luz das estruturas mentais e emocionais do Homem medieval, caracterizado pela expressão livre e espontânea das suas pulsões interiores, quaisquer que elas sejam. Sobre i s t o c f . N o r b e r t E L I A S , op. cit.. p. 2 9 1 . " MSMV. pp. 2 6 4 - 2 6 6 . n. 3 8 9 . e s p e c i a l m e n t e brutal c o n t r a a I g r e j a . P r i v i l é g i o s que v i s a v a m a l c a n çar um s ó o b j e c t i v o : i n c e n t i v a r o i n f a n t e a c o m b a t e r e d e s t r u i r o poder d o s m u ç u l m a n o s in Jspania et specialiter in frontaria Regni Port liga lie, na qual o seu s e n h o r i o a l e n t e j a n o o c u p a v a uma i m p o r t a n t e p o s i ç ã o g e o e s t r a t é g i c a , e por isso p a l c o p r i v i l e g i a d o de a c ç ã o 3 8 . O que se p r e t e n d i a não era c o n d e n a r e n e u t r a l i z a r a f e r o z a c t i v i d a d e g u e r reira do i n f a n t e , m a s s o m e n t e c a n a l i z a r tal f e r o c i d a d e para o s reais i n i m i g o s da C r i s t a n d a d e , os m u ç u l m a n o s . Ou s e j a , t r a n s f o r m a r este Nobilis vir num a u t ê n t i c o miles Christi. D e f a c t o . G r e g ó r i o IX, que p e r c o r r e u u m a notável c a r r e i r a c u r i a l no p o n t i f i c a d o de I n o c ê n c i o III, c u j o g o v e r n o t o m a c o m o m o d e l o , e s t a v a t ã o e m p e n h a d o q u a n t o ele na p r o m o ç ã o d a C r u z a d a 3 9 , i m p o n d o a o i n f a n t e D. F e r n a n d o a g u e r r a c o n t r a o Islão c o m o o m e i o m a i s e f i c a z de se p e n i t e n c i a r . A n a l i s e m o s c o m mais p o r m e n o r esta q u e s t ã o . A s s i m q u e c h e g o u a R o m a , p a r e c e q u e o i n f a n t e se p r e d i s p ô s , assumpto crucis signaculo ( f ó r m u l a p r e s e n t e em todas as bulas d i r e c t a m e n t e r e l a c i o n a d a s c o m a g u e r r a santa), a c o m b a t e r o infiel em c o n j u n t o c o m o p r í n c i p e l e o n ê s D. A f o n s o , o f u t u r o rei A f o n s o X e consanguíneo seu 4 ". Por isso o papa lhe c o n c e d e a g r a ç a de não p o d e r ser e x c o m u n g a d o na sua pessoa nem ser interditada a sua terra, nesse dia 25 de N o v e m b r o de 1239 4 1 . E s c a s s o s dias d e p o i s , e a p e d i d o do m e s m o i n f a n t e , o papa c o n c e d e a o s que o a u x i l i a r e m c o m subsidij para a g u e r r a as i n d u l g ê n c i a s da T e r r a S a n t a , e q u i p a r a n d o p o r t a n t o a Reconquista por ele c o n d u z i d a a u m a Uem, i b i d e m . U m a b r e v e r e f e r ê n c i a a e s t a s b u l a s , na p e r s p e c t i v a d a i n t e g r a ç ã o , p e l a c ú r i a p o n t i f í c i a , d a Reconquista c r i s t ã p e n i n s u l a r na i d e o l o g i a d a C r u z a d a , é f e i t a p o r S t e p h a n e B O i S S E L L I E R . Réflexions sur /' Ideologie portugaise de la Reconquête. XH'-XIV' siècles. s e p . de Mé langes de la Casa de Velazquez. M a d r i d , t. X X X . n" 1, 1994, p. 143. n. 17; c f . t a m b é m A n t ó n i o J o s é D i a s D I N I S , Antecedentes da expansão ultramarina portuguesa. Os diplomas pontifícios dos séculos XII a XV. s e p . da Revista Portuguesa de História. C o i m b r a . 1962. vol. X . p p . 5 2 - 5 4 . 19 S o b r e o p o n t i f i c a d o d e I n o c ê n c i o III e a f o r m a e n é r g i c a c o m q u e p r o m o v e a C r u z a d a , v d . A c h i l l e l . U C H A I R E , Innocent 111. La question d' Orient. P a r i s . 1 9 0 7 ; G i u l i o C I P O L L O N E , Cristianità - Islam, caltività e liberaiione in nome di Dio. II tempo di Innocenzo III dopo il 11X7', R o m a , 1 9 9 2 . P a r a u m a s í n t e s e da v i d a e p e r c u r s o p o l í t i c o de G r e g ó r i o IX, vd. A g o s t i n o P a r a v i c i n i B A G L I A N I . « G r é g o i r e I X » in Dictionnaire historique de la papauté (dir. Philippe Levillain), Paris. 1994. pp. 7 5 1 - 7 5 4 . 40 41 MSMV, MSMV, p p . 2 6 6 - 2 6 7 . n. 3 9 0 . p. 267, n. 391. a u t ê n t i c a C r u z a d a 4 2 . N o m e s m o s e n t i d o vai a bula Cum sicut Nobilis vir e n v i a d a em 28 de N o v e m b r o a o s b i s p o s de P o r t u g a l , para que a b s o l v a m o s e x c o m u n g a d o s e os p e c a d o r e s que se p r o n t i f i c a r e m a Sarraa p o i a r o i n f a n t e na d e f e s a de S e r p a , Castro quod, in médio cenorum existens4\ A c o n c r e t i z a r e i n - s e e s t a s p r e s c r i ç õ e s , n o r m a l seria que aqui a c o r r e s s e toda a e s p é c i e de m a r g i n a i s , d e s e j o s o s de e x p i a r os p e c a d o s e s o b r e t u d o de l i b e r d a d e . M a s n ã o se p o d i a o l h a r a m e i o s , e r a m n e c e s s á r i o s m u i t o s p o v o a d o r e s para um A l e n t e j o e r m o e i n s e g u r o 4 4 . N o u t r a bula da m e s m a d a t a , o papa e n c a r r e g a o a r c e b i s p o de C o m p o s t e l a de p e r s u a d i r os b i s p o s de P o r t u g a l a a p o i a r e m a c a u sa do i n f a n t e c o m m e i o s p e c u n i á r i o s 4 5 . O a s s u n t o é s e m p r e o m e s m o , a g u e r r a , e p o d e r i a até p e n s a r - s e que o i n f a n t e p l a n e a v a , l o g o que reg r e s s a d o a P o r t u g a l , uma g r a n d e c a m p a n h a em t e r r i t ó r i o i n i m i g o , tão n e c e s s i t a d o que p a r e c e estar de m e i o s h u m a n o s e m a t e r i a i s . M a s há m a i s . As b u l a s s ã o m u i t a s e m ú l t i p l o s são os b e n e f í c i o s . A 1 1 de Dez e m b r o o p a p a c o n c e d e - l h e , a ele e a o s que o s e g u i r e m , a indulgen46 tiam peccatorum dos q u e iam à T e r r a S a n t a , ao m e s m o t e m p o que o r d e n a v a ao a r c e b i s p o de T o l e d o que o b r i g a s s e os milites p o r t u g u e ses a c u m p r i r e m o voto que t i n h a m f e i t o de c o m b a t e r o infiel i n i m i g o 4 7 . Por f i m . G r e g ó r i o IX a u t o r i z a v a o i n f a n t e a c o m e r c i a r c o m os m u ç u l m a n o s , à e x c e p ç ã o de f e r r o , c a v a l o s , a r m a s , m a d e i r a para g a l é s e o u t r a s c o i s a s c o m que e s t e s p u d e s s e m c o m b a t e r o s c r i s t ã o s , i n f r a c ç ã o q u e o III e IV c o n c í l i o s de L a t r ã o , de I 179 e 1215, r e s p e c t i v a m e n t e , p u n i a m c o m a e x c o m u n h ã o 4X. Mas, a p e s a r de na P e n í n s u l a 13 41 MSMV. MSMV. p. 2 6 7 , n . 3 9 2 . p. 2 6 8 , n . 3 9 3 . 44 S o b r e e s l e s i g n i f i c a d o d a s f r o n t e i r a s , c f . L u í s K R U S , -4 concepção nobiliárquica do espaço ibérico. Geografia dos livros de linhagens medievais portugueses (1280-1380). L i s b o a , 1994, p . 6 9 ; R o b e r l I. B U R N S . « T h e s i g n i f i c a n c e o f t h e f r o n t i e r in t h e M i d d l e A g e s » in Medieval frontier societies (ed. Roberl Bartlett e A n g u s M a c k a y ) , O x f o r d . 1989, p p . 3 0 7 - 3 3 0 . A c o n f i r m a r e s l a s u a s i t u a ç ã o p e r i f é rica. e a necessidade do seu d e s e n v o l v i m e n t o s ó c i o - e c o n ó m i c o , note-se q u e cerca de 1510 S e r p a se vai t o r n a r c o u t o d e h o m i z i a d o s ; c f . H u m b e r t o B a q u e r o M O R E N O . « E l e m e n t o s p a r a o e s t u d o d o s c o u t o s d e h o m i z i a d o s i n s t i t u í d o s p e l a c o r o a » in Porlugaliae Histórica. L i s b o a , 1974, v o l . II, p. 6 1 ( 1 3 - 6 3 ) . 45 MSMV, p . 2 6 8 . n. 3 9 4 . MSMV. p p . 2 6 8 - 2 6 9 . n. 3 9 5 . 47 MSMV, p . 2 6 9 . n. 3 9 6 . 48 V e j a m - s e e s t e s c â n o n e s e m R a y m o n d e F O R E V I L L E , l.atran I, II, III et Latran IV, H i s t o i r e d e s C o n c i l e s E e u m é n i q u e s ( d i r . G e r v a i s D u m e i g e ) , P a r i s , 1 9 6 5 , i. 6, p p . 2 2 1 e 3 8 2 - 3 8 6 . 46 d o s ú l t i m o s t e m p o s da Reconquista a h o s t i l i d a d e e n t r e c r i s t ã o s e muç u l m a n o s se a c e n t u a r c a d a vez mais, não era um d e c r e t o papal q u e iria r o m p e r c o m o c o n v í v i o a n c e s t r a l , a t o d o s o s níveis, e n t r e as g e n t e s que p a r t i l h a v a m um m e s m o e s p a ç o t e r r i t o r i a l . D i s s o t e m o s m u i t o s e x e m plos c o n c r e t o s , e o r e f o r ç o d a q u e l a p r o i b i ç ã o só p o d e ser u m a prova da p e r s i s t ê n c i a de tal prática. Por o u t r o lado, não d e i x a de ser c u r i o sa a t o l e r â n c i a de R o m a no r e s p e i t a n t e ao c o m é r c i o c o m o s infiéis, que mal se c o a d u n a c o m a intensa p r o p a g a n d a c r u z a d í s t i c a d e s t e p e r í o do 4 ''. Os l u c r o s de tais t r a n s a c ç õ e s c o m o Islão d e v i a o i n f a n t e a p l i c á -los pro redemptione captiuorum et defensione Castri tui de Serpa50. Esta c l á u s u l a , a de r e m i r os c r i s t ã o s c a t i v o s em p o d e r d o s m u ç u l m a n o s , e s t á t a m b é m p r e s e n t e na bula Ad instantium, a das p e n i t ê n cias, na qual o papa o e x o r t a a n u n c a c o l a b o r a r c o m o i n i m i g o c o n t r a o u t r o s c r i s t ã o s , e s t r a t é g i a política m a i s d o que f r e q u e n t e e n t r e o s mon a r c a s c r i s t ã o s p e n i n s u l a r e s e o s s e u s c o n g é n e r e s do A n d a l u z / 1 . A i n d a c o m o p e n s a m e n t o no c a t i v e i r o , d e s l o q u e m o - n o s por mom e n t o s ao s é c u l o X V I I I e à leitura da c r ó n i c a em que f r . J e r ó n i m o de S. J o s é narra os s u c e s s o s da O r d e m da S a n t í s s i m a T r i n d a d e " , instit u i ç ã o r e l i g i o s a o r i e n t a d a para a r e m i s s ã o de c a t i v o s , f u n d a d a c o m a a p r o v a ç ã o de I n o c ê n c i o III em I 198 e c o m r e p r e s e n t a ç ã o p o r t u g u e sa em S a n t a r é m e L i s b o a , logo a p a r t i r d o s p r i m e i r o s a n o s do s é c u l o X I I I 5 \ E s c r i t o r i n s p i r a d o , c o n h e c i a por c e r t o as b u l a s q u e aqui utili- 49 A d i n a m i z a ç ã o d a g u e r r a c o n t r a o I s l ã o f o i p a r a I n o c ê n c i o III u m d o s principais c a m p o s de batalha, e m p e n h a n d o - s e vivamente no apelo a todos os mon a r c a s c r i s t ã o s p a r a a s u a c a u s a , o r g a n i z a n d o , c o m o m e s m o o b j e c t i v o , o IV c o n c í lio de Latrão e e n v i a n d o os seus legados pelo O c i d e n t e a p r e g a r a C r u z a d a ; cf. Paul A L P H A N D É R Y e A l p h o n s e D U P R O N T . La Clirétienté et I' idée de Croisade. nova e d . . P a r i s , 1 9 9 5 . e m e s p e c i a l a s pp. 2 6 5 - 2 8 8 e 3 7 3 - 3 8 9 . ,n MSMV, p. 2 6 9 . n. 3 9 7 . 51 MSMV. pp. 2 6 4 - 2 6 6 , n. 3 8 9 . S o b r e o r e s g a t e d e c a t i v o s vd. M a r i a  n g e l a B E I R A N T E , «O resgate de cativos nos reinos de Portugal e Algarve (séculos Xll a X V ) » in Actas das III Jornadas de História Medieval do Algarve e Andaluzia, Loulé. 1 9 8 9 , pp. 2 7 3 - 2 8 2 ; G i u l i o C I P O L L O N E , «II P o r t o g a l l o p u n t o s t r a t e g i c o d e l i ' o p e r a di r i s c a t t o d e i T r i n i t a r i ( X I I I - X V ) » in Congresso internacional Bartolomeu Dias e a sua época. A c t a s . P o r t o . 1 9 8 9 , v o l . V , p p . 5 8 9 - 6 0 3 . 52 C f . Fr. J e r ó n i m o d e S. J O S É . Historia chronologica da esclarecida ordem da SS. Trindade, redempção de cativos da provinda de Portugal. L i s b o a , I 7 8 9 , t. I. pp. 2 2 0 - 2 2 4 . " Na ausência de uma monografia sobre a instalação e actividade desenv o l v i d a p e l a O r d e m d a S a n t í s s i m a T r i n d a d e n o P o r t u g a l m e d i e v a l , vd. o a r t i g o d e A n t ó n i o D o m i n g u e s d e S o u s a C O S T A , « T r i n i l í i r i o s » in Dicionário de História de z a m o s ou o s seus r e s u m o s , c o n s e r v a v a t a m b é m o s t e s t e m u n h o s de a n t i g o s c r o n i s t a s , t r a n s m i s s o r e s de uma t r a d i ç ã o t e x t u a l que transf o r m a o v i o l e n t o i n f a n t e no m a i s p i e d o s o d o s h o m e n s . P a s s e m o s a o s f a c t o s . Em 1239, a f i r m a o c r o n i s t a , r e s i d i a D. F e r n a n d o de S e r p a em Silves, no p a l á c i o que a í p o s s u i a . I n t e r e s s a d o pela p i e d o s a a c ç ã o de fr. J o ã o V a s q u e s e f r . M i g u e l R e b o l o , que f r e q u e n t e m e n t e r e s g a t a vam c a t i v o s no A l g a r v e , logo se p r o n t i f i c o u a e d i f i c a r n a q u e l a c i d a de um c o n v e n t o da sua O r d e m , a l é m d a s a v u l t a d a s e s m o l a s o f e r e c i d a s para um e f i c a z d e s e m p e n h o da sua m i s s ã o . O r a , no f i m d e s s e a n o e s t a v a o i n f a n t e em R o m a . S i l v e s a i n d a na posse d o Islão e d o s f r e i res, a que tão a f e c t i v a m e n t e se q u i s a s s o c i a r , p o u c o ou nada se con h e c e da sua e x i s t ê n c i a 5 4 . Das a t r o c i d a d e s que c o m e t e u , nem u m a s ó palavra55. P o r t a n t o , s ó nos resta v o l t a r à c o r t e de G r e g ó r i o IX. Se c o m tantas m e r c ê s p r e t e n d i a o p o n t í f i c e i m p u l s i o n a r a Reconquista portug u e s a , c o n c e d e n d o - l h e t o d o o a p o i o e s p i r i t u a l , na m e d i d a em q u e t a m b é m deu a S a n c h o bulas de igual s i g n i f i c a d o , é, no e n t a n t o , pouco p r o v á v e l que os dois i r m ã o s t e n h a m a l g u m a vez p l a n e a d o c a m p a n h a s m i l i t a r e s em c o n j u n t o . A p e s a r de s e r e m c o n s t a n t e s o i n t e r e s se e o a p o i o c o m que R o m a v i n h a a c o m p a n h a n d o a s i t u a ç ã o m i l i t a r p o r t u g u e s a , p a t e n t e nas d u a s bulas d i r i g i d a s a o s c r i s t ã o s de P o r t u g a l em 1234 e 1241, nas q u a i s se lhes c o n c e d e m as i n d u l g ê n c i a s da T e r ra S a n t a se a j u d a r e m o m o n a r c a na g u e r r a c o n t r a o s m u ç u l m a n o s 56 , além de m u i t a s o u t r a s c o n c e d i d a s e n t r e o s a n o s de 1224 e 1241. M a s n e m S a n c h o se d e v e ter e m p e n h a d o m u i t o , d e i x a n d o tal t a r e f a para ou- Portugal ( d i r . Joel S e r r ã o ) , P o r t o , 1 9 8 4 . v o l . V I , p . 2 1 4 ; G i u l i o C I P O L L O N E , «II P o r t o g a l l o . . . » . op. cit., p p . 5 8 9 - 6 0 3 . 51 A l i n h a g e m d o s R e b o l o (LL. 6 8 1 2 ) t e r i a s i d o f u n d a d a p o r um tal M a r t i n h o , irmão do conhecido chanceler Mestre Julião Pais. e um dos muitos e obscuros caval e i r o s q u e b u s c a r a m f o r t u n a e a v e n t u r a nas t e r r a s d o S u l . a p ó s a s c o n q u i s t a s d e S a n t a r é m e L i s b o a ; d e s t a f a m í l i a s a b e - s e d a e x i s t ê n c i a de d o i s c ó n e g o s , d e L i s b o a e É v o r a . C f . J o s é M A T T O S O . Identificação de um país.... op. cit., vol. I. p. 190, vol. II, p. 1 0 5 . " Se é v e r d a d e q u e a s a f i r m a ç õ e s d e f r . J e r ó n i m o d e S . J o s é n ã o p o d e m s e r c o m p r o v a d a s , a a s s o c i a ç ã o d e i d e i a s p o r e l e e s t a b e l e c i d a é , no e n t a n t o , p e r f e i t a mente lógica. Sendo o infante obrigado a remir determinado número de cristãos cativos, e havendo uma instituição especialmente fundada para o efeito, normal seria que ele se colocasse ao seu serviço. Porém, ao contrário d o que afirma o c r o n i s t a , n ã o h á q u a l q u e r d o c u m e n t o c o n h e c i d o q u e p r o v e tal e n v o l v i m e n t o . w MSMV. p p . 2 0 4 - 2 0 5 . n. 3 2 5 : p. 4 2 5 , n. 5 3 3 . tros m a i s c a p a z e s , nem F e r n a n d o d e v e ter a p r o v e i t a d o d u r a d o u r a m e n t e as b e n e s s e s p a p a i s no p r o j e c t o em q u e se c o m p r o m e t e u . P r o c u r e m o s e n t ã o uma o u t r a leitura d o s m e s m o s t e x t o s . P o l í t i c o e x p e r i e n t e e hábil d i p l o m a t a , G r e g ó r i o IX n ã o se c o n t e n t o u em lançar-lhe a a b s o l v i ç ã o a t r o c o de p e n i t ê n c i a s de d i f í c i l c u m p r i m e n t o , n e m lhe c o n c e d e u t a n t o s p r i v i l é g i o s a t r o c o de c a m p a n h a s m i l i t a r e s c u j a r e a l i z a ç ã o n ã o p o d i a c o n t r o l a r . Para além do seu munus e s p i r i t u a l , era n o s n e g ó c i o s do m u n d o , q u e t a m b é m e r a m os seus, q u e se e s t a v a a g o r a a i m i s c u i r . E n ã o f a l a m o s a p e n a s da Reconquista. Parece-nos difícil que o i n f a n t e , u m a vez c h e g a d o a R o m a , t i v e s s e s i d o de i m e d i a t o c o l o c a d o em c o n t a c t o d i r e c t o c o m o S u m o P o n t í f i c e ; h a v e r i a por c e r to i n t e r m e d i á r i o s , e o m a i s natural é que t e n h a m sido o s p r e l a d o s p o r t u g u e s e s que aí p r o c u r a r a m e x í l i o d e v i d o às p e r s e g u i ç õ e s de S a n c h o II. e n t r e os q u a i s se e n c o n t r a v a o p r ó p r i o D. J o ã o R o l i s . T ã o malt r a t a d o pelo i n f a n t e , p r e o c u p a - s e a g o r a em c o n s e g u i r para ele o perdão. Esta p o d e ser u m a i n t e r p r e t a ç ã o um p o u c o m a i s o u s a d a , m a s parece ser um c l a r o p r o g r a m a p o l í t i c o o que se e s t á aqui a v i s l u m b r a r . Não se trata de p ô r eni c a u s a o a r r e p e n d i m e n t o de F e r n a n d o , p o i s devia ser p r e o c u p a n t e a s e n s a ç ã o de m o r r e r em p e c a d o , e a q u e l a e s p é cie de p e r e g r i n a ç ã o a R o m a d e v e ter sido f e i t a c o m f é . C o m a sua fé. O que a c o n t e c e é que os e c l e s i á s t i c o s p o r t u g u e s e s aí r e u n i d o s pod e m ter a p r o v e i t a d o a sua p r e s e n ç a , e a sua f r a q u e z a , para o aliciar para a c a u s a da I g r e j a c o n t r a o seu i r m ã o S a n c h o , i n c i t a n d o - o a reclamar para si o trono. A l i á s , a bula em q u e se d e c l a r a v a s s a l o da S a n t a Sé, a última a ser e m i t i d a em seu f a v o r e que é d i r e c t a m e n t e d i r i g i d a à sua p e s s o a , p o d e ser vista c o m o o j u r a m e n t o , e o c o r o l á r i o , de um c o m p r o m i s s o c o m a Igreja, d e p o i s de e s c l a r e c i d a s e s t a s n e g o c i a ç õ e s c o m o p a p a . E m o s t r a r - s e um i n t r é p i d o g u e r r e i r o c o n t r a o Islão era uma f o r m a de r e c u p e r a r e i n c a r n a r o v e r d a d e i r o f u n d a m e n t o da realeza, a c o n d u ç ã o a u d a z da g u e r r a c o n t r a os i n i m i g o s da C r i s t a n d a d e 5 7 . M a s se era a s s i m q u e p e n s a v a , e o t r o n o o seu o b j e c t i v o , n ã o o p o d e m o s s a b e r c o m c l a r e z a ; s a b e m o s a p e n a s q u e , se o d e s e j a v a , não o c o n s e g u i u , e se o b t e v e g r a n d e s u c e s s o a c o m b a t e r o I s l ã o na f r o n teira de S e r p a , t a m b é m n ã o o s a b e m o s . Mas n ã o p a r e c e q u e tal t e n h a a c o n t e c i d o , e o que se s a b e é que a p a r t i r de 1240 j á está em C a s t e l a , " S o b r e o v a l o r g u e r r e i r o c o m o f u n d a m e n t o da r e a l e z a h i s p â n i c a , vd. J o s e M A T T O S O , «A r e a l e z a d e A f o n s o H e n r i q u e s » in Fragmentos de uma composição medieval. L i s b o a . 1 9 8 7 . pp. 2 1 3 - 2 3 2 . se ao lado do p r í n c i p e A f o n s o na luta c o n t r a o s m u ç u l m a n o s , é c a s o para d u v i d a r . D i z - s e q u e teria e n t r a d o na c o n q u i s t a de M u r c i a em 1243, mas os d o c u m e n t o s n ã o o c o n t a m e n t r e os s e u s p a r t i c i p a n t e s 5 8 . I n c o n s t a n t e s , p o r t a n t o , as v o n t a d e s d e s t e i n f a n t e . Ou a a m b i ç ã o desm e d i d a , s e m a c a p a c i d a d e para se m o v e r c o m s u c e s s o na c o m p l e x a t r a m a da política p e n i n s u l a r e p o n t i f í c i a . 3. A p ó s o r e g r e s s o , d e v e ter s i d o f u g a z a sua p e r m a n ê n c i a em P o r t u g a l . N ã o c o n s e g u i n d o , de i m e d i a t o , a l c a n ç a r o s seus p r o p ó s i t o s , p a s s a - s e para C a s t e l a . E aqui q u e o e n c o n t r a m o s em 1240, na qualid a d e de v a s s a l o de F e r n a n d o III e de seu f i l h o , o i n f a n t e D. A f o n s o , f u t u r o A f o n s o X, o Sábio™. M a i s do que para p a r t i c i p a r em h i p o t é ticas c a m p a n h a s m i l i t a r e s , foi. t a l v e z , c o m a ideia de r e c r u t a r a p o i o s c a s t e l h a n o s para a sua c a u s a q u e a í se d e s l o c o u , ou s e j a , o r g a n i z a r uma o f e n s i v a a n t i - i s l â m i c a s i s t e m á t i c a a partir da f r o n t e i r a p o r t u g u e s a e c o n c r e t i z a r , a s s i m , o seu c o m p r o m i s s o c o m o p a p a . A p o i o s que n ã o terá o b t i d o . Na r e a l i d a d e , s e r á a S a n c h o II q u e a q u e l e p r í n c i p e vai p r e s t a r a p o i o , q u e r d i p l o m á t i c o , i n t e r c e d e n d o por ele na cúria p o n t i f í c i a . q u e r militar, i n v a d i n d o o país pela f r o n t e i r a da B e i r a no a u g e da g u e r r a civil, no I n v e r n o de 1 2 4 6 - 1 2 4 7 , c o n d u z i n d o d e p o i s o rei d e p o s t o no seu e x í l i o para T o l e d o . M e l h o r a c o l h i m e n t o no c í r c u l o de D. A f o n s o d e v e ter tido o trov a d o r J o ã o S o a r e s C o e l h o . C a v a l e i r o e v a s s a l o d o i n f a n t e D. Fern a n d o , que era por c e r t o bom a p r e c i a d o r d o s escamhos que ele c o m p u n h a . e a p r o x i m a d a m e n t e da m e s m a i d a d e , é m u i t o p r o v á v e l q u e o t e n h a a c o m p a n h a d o na sua d e a m b u l a ç ã o p o r terras c a s t e l h a n a s , o n d e 58 C f . A n t ó n i o C a e t a n o d e S O U S A . História Genealógica tia Casa Real Portuguesa, n o v a ed. revista por M. L o p e s de A l m e i d a e C é s a r P e g a d o , C o i m b r a . 1946. l. I. p. 9 0 . S o b r e a p a r t i c i p a ç ã o d e c a v a l e i r o s p o r t u g u e s e s n a r e c o n q u i s t a d e M u r c i a , e s t u d a d a a p a r t i r d o s l i v r o s d e repartimiento, cl". H e n r i q u e D A V I D , « O s p o r t u g u e s e s e a r e c o n q u i s t a c a s t e l h a n a e a r a g o n e s a d o s é c u l o X I I I » in Actas das II Jornadas iuso-espanholas de História Medieval, P o r t o . 1 9 8 9 . v o l . III. p p . 1 0 3 0 -1038 (1029-1041). w C f . J u l i o G O N Z A L E Z , Reinado y diplomas de Fernando III, C ó r d o v a , v o l . I, p p . 9 2 - 9 4 . O i n f a n t e d e S e r p a n ã o f o i o ú n i c o a p r o c u r a r f o r a d e P o r t u g a l a sua p r o m o ç ã o p o l í t i c o - e c o n ô m i c a ; s e m e l h a n t e trajectória já os seus tios, Pero e Marlim Sanches, haviam e f e c t u a d o antes, tendo este último o c u p a d o importantes c a r g o s m i l i t a r e s na c o r t e de A f o n s o IX d e L e ã o : e f . L u í s K.RUS, « S a n c h e s . M a r t i n i ( m . 1 2 2 9 ) » in Dicionário ilustrado..., op. cit.. vol. II. p. 2 0 2 . teve a o p o r t u n i d a d e de d e s e n v o l v e r e a p e r f e i ç o a r a sua arte no cont a c t o c o m o u t r o s t r o v a d o r e s e j o g r a i s . C a v a l e i r o no exílio, c o m o t a n tos o u t r o s , à p r o c u r a de m e l h o r s o r t e , d e v e ter a b a n d o n a d o o i n f a n t e de S e r p a seu s e n h o r , em q u e m rtãó v i s l u m b r a v a um f u t u r o p r o m i s s o r , a s s i m c o m o n ã o hesita t a m b é m em d e i x a r a c o r t e c a s t e l h a n a para voltar a P o r t u g a l em 1249 e t o r n a r - s e p a r t i d á r i o fiel d o c o n d e de Bolonha60. Q u a n t o a D. F e r n a n d o , t a m b é m não d e v e ter s i d o de todo i n f r u t í f e r o o t e m p o que p a s s o u em C a s t e l a . Aqui terá e n c o n t r a d o m u l h e r , p r i m e i r o p a s s o para a c o n s t i t u i ç ã o de casa p r ó p r i a . O que, no seu caso, n ã o s i g n i f i c a e s t a b i l i d a d e . M e s m o s e n d o a sua e s p o s a D. S a n c h a F e r n a n d e s de Lara, f i l h a p r i m o g é n i t a do c o n d e F e r n a n d o N u n e s de Lara, p e r t e n c e n t e , p o r t a n t o , a uma d a s m a i s p o d e r o s a s c a s a s nobil i á r q u i c a s de C a s t e l a 6 1 , q u e nesta é p o c a o c u p a v a a l t o s c a r g o s na C ú ria de F e r n a n d o III. S e n h o r a de m u i t a s p o s s e s e de i n f l u e n t e f a m í l i a , p r o c u r a r i a o i n f a n t e c o m esta aliança o s a p o i o s q u e n ã o c o n s e g u i u j u n t o da r e a l e z a ? E u m a ' h i p ó t e s e a c o n s i d e r a r 6 2 . P o d e ser que no fim de 1242 ou i n í c i o de 1243 e s t i v e s s e m j á c a s a d o s . Em J a n e i r o deste ú l t i m o a n o , e num d o c u m e n t o da C a t e d r a l de B u r g o s , a i n d a D. Sancha a p a r e c i a s ó 6 1 , e n q u a n t o q u e esta m e s m a i n s t i t u i ç ã o possui c i n c o o u t r o s d o c u m e n t o s o n d e F e r n a n d o de S e r p a a p a r e c e j á c o n s o r c i a d o a S a n c h a de L a r a . c o m o c o n f i r m a n t e d a s v e n d a s e d o a ç õ e s que ela f a z a 60 A mais recente e actualizada resenha biográfica deste trovador encontra-se em A n t ó n i o R e s e n d e d e O L I V E I R A , Depois do espectáculo trovadoresco. A estruturo dos cancioneiros peninsulares e as recolhas dos séculos XIII e XIV, L i s b o a , 1 9 9 4 . p p . 3 7 0 - 3 7 1 ; idem, « T r o v a d o r e s p o r t u g u e s e s na c o r t e d e A f o n s o X » in Actas das 11 Jornadas litso-espanholas de História Medieval, P o r t o . 1 9 9 0 . vol. IV. pp. 1335-1348. 61 Livro de Linhagens do Deão, L i s b o a , 1 9 8 0 . 1 9 J 5 . e d . d e J o s e p h PI E L e J o s é M A T T O S O (= / . / ) ) ; R o d e r i c i X 1 M E N I I D E R A D A . Historia de rebus Hispanie, T u r n h o u t , 1987, L. V I I , c a p . V . p. 2 2 7 ( e d . d e J u a n F e r n á n d e z V a l v e r d e ) . 6 - Se é verdade que o infante procurava unir-se a uma poderosa família, tamb é m é c e r t o q u e a l i n h a g e m d o s L a r a , s e m p r e d e s e j o s a de u m a a p r o x i m a ç ã o c a d a v e z m a i o r à r e a l e z a , d e v e ter a p o i a d o e p r o m o v i d o e s t a a l i a n ç a , p e l o a c r é s c i m o d e i n fluência política que assim podia alcançar. 1,3 T o d a a d o c u m e n t a ç ã o medieval do A r q u i v o da C a t e d r a l de Burgos foi s u m a r i a d a p o r D e m e t r i o M A N S I L L A . Catalogo documental dei Archivo Catedral de Burgos (804-1416). M a d r i d - B a r c e l o n a , 1 9 7 1 , p . 1 6 6 , n" 6 4 1 ( = A C B ) , c o r r i g i n d o em vários a s p e c t o s a c o m p i l a ç ã o d o c u m e n t a l seiscentista e f e c t u a d a por Salazar y C a s t r o , n a s Pruebas que a seguir se indicam. D. J o ã o . b i s p o de B u r g o s e c h a n c e l e r do rei D. F e r n a n d o , o Sumo. Um d e s t e s d o c u m e n t o s , n o s q u a i s se intitula s e m p r e infante D. Fernando de Portugal, senhor de Serpa, possui um s e l o p e n d e n t e que r e p r o d u z o s seus m o t i v o s h e r á l d i c o s : u m a s e r p e n t e alada d e n t r o de um e s c u d o , por sua vez l a d e a d o p e l a s q u i n a s de P o r t u g a l s o b r e p o s t a s em c a s t e l o s , o s de D. U r r a c a sua mãe'' 4 . O p r i m e i r o d e s t e s d o c u m e n t o s , por o r d e m c r o n o l ó g i c a , data de F e v e r e i r o de 1243, p a s s a d o em V a l l a d o l i d . no qual D. F e r n a n d o conf i r m a a v e n d a de d e t e r m i n a d o s b e n s f e i t a por sua e s p o s a ao bispo de Burgos. D o c u m e n t o o n d e uma d a s t e s t e m u n h a s é um tal P e d r o B r a v o de P o r t u g a l , ao q u a l o i n f a n t e se teria a s s o c i a d o d u r a n t e a sua d i g r e s s ã o por Castela 1 ' 5 . Será p r o v a v e l m e n t e o c a v a l e i r o Pero Pires B r a v o , a s s i m m e n c i o n a d o nos livros de l i n h a g e n s 6 6 , e que teria sido um d o s b e n e f i c i a d o s n o s repartimientos de B a e z a e U b e d a , em 1226 e 1233, e no de A r c o s de la F r o n t e r a em 1264, por ter p a r t i c i p a d o na c o n q u i s ta de S e v i l h a , t r a n s f o r m a n d o - s e d e p o i s em g r a n d e p r o p r i e t á r i o do F,ntre-Cávado-e-Minhoh7. O último d o s d o c u m e n t o s d a q u e l a s é r i e e s t á d a t a d o de 6 de Junho de 1243, d e r r a d e i r a n o t í c i a da sua p r e s e n ç a em t e r r a s de Castela 6 8 . De f a c t o , neste m e s m o a n o já o i n f a n t e se e n c o n t r a de n o v o em Portugal, e d a q u e l e c a s a m e n t o p a r e c e que n a d a r e s t o u . No Livro do Deão d i z - s e que nom houverom sé melenquanto que um t e s t e m u n h o b e m m a i s t a r d i o , a Crónica de Portugal de 1419. a f i r m a que D. F e r n a n d o cassou em Castela com Sancha Fernandiz (...) e ouue dela huma filha, que ouue nome D." Lia no r, que depojs foy casada com el Rey de Dacya, e moreo sem filhos1". Esta última a f i r m a ç ã o é i n c o r r e c t a e c o n s t i t u i um e q u í v o c o de fácil s o l u ç ã o , pois a ú n i c a L e o n o r que casou "J S e l o d e s c r i t o e r e p r o d u z i d o p o r F a u s t i n o M E N E N D E Z P 1 D A L D E N A V A S C U É S , « A l g u n o s m o n u m e n t o s h e r á l d i c o s p o r t u g u e s e s e n E s p a n a » in Armas e Troféus, I . i s b o a . 1963, t. IV. p. 4 1 ( 3 4 - 4 3 ) . 65 D o c u m e n t o p u b l i c a d o p o r L u í s de S A L A Z A R Y C A S T R O , Pruebas de ta Historia de la casa de l.ara. M a d r i d . 1 6 9 4 . p . 6 2 5 ( = PH CL), ACB, p. 168. n° 6 4 9 . "" LL, 4 2 E 7 , 5 6 B 6 . C f . H e n r i q u e D A V I D , « O s p o r t u g u e s e s n o s l i v r o s de r e p a r t i m i e n t o ' d a A n d a l u z i a ( s é c u l o X I I I ) » in Actas das I Jornadas de História Medieva! do Algarve e du Andaluzia, L o u l é , 1987, p p . 281 e 2 8 3 ( 2 7 1 - 2 9 6 ) . PH CL, p p . 6 2 5 - 6 2 6 : ACB, p. 167, n"~ 6 4 4 e 6 4 5 . M LO, 19.15. 70 Crónica dos sete primeiros reis de Portugal. L i s b o a . 1 9 5 2 , v o l . I, p p . 181-1 8 2 . e d . d e C a r l o s d a S i l v a T A R O U C A . na D i n a m a r c a foi a irmã, e n ã o f i l h a , do i n f a n t e de S e r p a . Por o u t r o lado s a b e m o s q u e . a f i n a l , teve f i l h o v a r ã o . Se l e g í t i m o ou n ã o , e s s e é um o u t r o a s s u n t o . É ele uma d a s t e s t e m u n h a s que está p r e s e n t e na d e m a r c a ç ã o do c o u t o de Portel em 1 de N o v e m b r o de 1261, a p r e s e n t a d o no r e s p e c t i v o d o c u m e n t o c o m o Saneio fernandi priore Sancti Stephani UHxbone filio Jnfantis domnj fernandi de Serpa71. Em v ã o o p e r s e g u i m o s nos f u n d o s d o c u m e n t a i s da c o l e g i a d a de S a n t o E s t e v ã o de A l f a m a , o n d e o c u p a v a e n t ã o o c a r g o de p r i o r , a l g u n s a n o s d e p o i s j á p r e e n c h i d o p o r o u t r o i n d i v í d u o 7 2 ; do f i l h o de F e r n a n d o , n a d a m a i s se s o u b e . C u r i o s a é a c o m b i n a ç ã o d o s n o m e s : ao p a t r o n í m i c o j u n t o u - s e um n o m e p r ó p r i o , S a n c h o , q u e p a r e c e e v o c a r o de D. S a n c h a . M e r a c o i n c i d ê n c i a ou o u t r o s d e s í g n i o s c u j a s u b t i l e z a nos e s c a p a ? C r e m o s , p o r é m , q u e se f o s s e t a m b é m seu f i l h o não seria o m i t i d o , c o m o o foi, na sua d e s c e n d ê n c i a , a não ser q u e ela q u i s e s s e a p a g a r para s e m p r e da sua m e m ó r i a a f i g u r a , t ã o p r o b l e m á t i c a , do m a r i d o . É s a b i d o que t a m b é m os Lara i n t e g r a m o e x é r c i t o que o p r í n c i p e A f o n so c o n d u z em s o c o r r o de S a n c h o II. 4. A partir de C a s t e l a , o i n f a n t e d e v e ter s e g u i d o de m u i t o p e r t o o d e s e n r o l a r d o s a c o n t e c i m e n t o s no R e i n o . N e g r o p a n o r a m a a q u e l e a que a s s i s t i a , s o b r e t u d o em T r á s - o s - M o n t e s e nas B e i r a s , pois o s prim e i r o s a n o s da d é c a d a de q u a r e n t a do s é c u l o XIII f o r a m de g r a n d e a n a r q u i a , q u a n d o nobres da m e s m a ou de l i n h a g e n s r i v a i s se e n f r e n t a v a m e n t r e si c o m d e s m e s u r a d a v i o l ê n c i a , a p r o p ó s i t o da r e p a r t i ç ã o de h e r a n ç a s , de v i n g a n ç a s p r i v a d a s ou por r a z õ e s de p r o e m i n ê n c i a política, e e r a m m u i t a s as c a l a m i d a d e s q u e a f l i g i a m o s c a m p o n e s e s , q u o t i d i a n a m e n t e c o n f r o n t a d o s c o m p i l h a g e n s , d e s t r u i ç ã o de bens, m o r t e s e a b u s o s de toda a e s p é c i e , que s o b r e e l e s e x e r c i a m o s p o d e r o sos, na a u s ê n c i a de um poder p ú b l i c o c a p a z de c o n t r o l a r e travar o f u r o r d a s suas a r m a s . E F e r n a n d o n ã o vai p e r d e r esta o p o r t u n i d a d e para, m a i s uma vez, ser p r o t a g o n i s t a a c t i v o em tais a c o n t e c i m e n t o s , a c a l e n t a n d o , t a l v e z , a e s p e r a n ç a de a i n d a p o d e r vir a s u b s t i t u i r o irm ã o no t r o n o . M a s a f o r t u n a n ã o c o r r e a seu f a v o r . P e r d i d o o a p o i o da c o r t e p o n t i f í c i a , e n v o l v i d a a g o r a em p r o b l e m a s i n t e r n o s , a p ó s a 71 P u b l i c a d o p o r P e d r o d e A Z E V E D O e A n s e l m o B r a a m c a m p F R E I R E . Livro de bens de D. João de Portel. Cartuldrio do século XIII. L i s b o a . 1 9 0 6 - 1 9 1 0 . p p . 12- 1 3 , n° IX. 72 A N T T . Colegiada de Santo Estevão de Alfama, m ç . 14, n° 2 7 8 . m o r t e de G r e g ó r i o IX em 1241. p r o v á v e l i m p u l s i o n a d o r d a s suas pret e n s õ e s , e f r a c a s s a d a a sua d i p l o m a c i a por t e r r a s c a s t e l h a n a s , o i n f a n te e n c o n t r a - s e s o z i n h o . Q u e r I n o c ê n c i o IV. n o v o papa eleito em 1243, q u e r os r e p r e s e n t a n t e s d a Igreja p o r t u g u e s a q u e , s e g u i n d o a t e n t a m e n te o e v o l u i r da s i t u a ç ã o , n ã o d e v e m ter a c h a d o F e r n a n d o s u f i c i e n t e m e n t e c a p a z para se o c u p a r da p e s a d a t a r e f a de r e p o r e m a n t e r a ord e m no R e i n o , i n c l i n a m - s e a g o r a para u m a m a i s s e g u r a e e f i c a z hip ó t e s e de s u b s t i t u i ç ã o , o seu i r m ã o A f o n s o , c o n d e de B o l o n h a . U m a vez p e r d i d o s tão d e c i s i v o s e i n f l u e n t e s a p o i o s , qual é a g o r a o itiner á r i o s e g u i d o por D. F e r n a n d o ? O b r i g a d o , por e s t a s c i r c u n s t â n c i a s , a m u d a r de r u m o , vai, p r o v a v e l m e n t e , a c t u a r por c o n t a p r ó p r i a e t e n t a r g r a n g e a r a p o i o s m e n o s c o m p r o m e t i d o s para o seu p r o j e c t o . E em N o v e m b r o de 1243 j á o Jnfans dominus fernandus se e n c o n tra na r e g i ã o da Beira, o n d e é i n t i t u l a d o dominus terre de Viseu 73 . E x c l u í d a a h i p ó t e s e de ter sido o f i c i a l m e n t e n o m e a d o , uma vez que o g o v e r n o d e s t a t e n ê n c i a p e r t e n c i a , d e s d e longa d a t a , a Abril Peres de L u m i a r e s , que não p e r m i t i r i a t ã o o u s a d a i n t r o m i s s ã o , F e r n a n d o de S e r p a d e v e ter o c u p a d o tal c a r g o pela f o r ç a das a r m a s 7 4 . Um c e n á r i o d i f e r e n t e e um n o v o p e r s o n a g e m e n t r a m a g o r a na história, e neste per í o d o da sua vida é a q u e l e c o m q u e m m a i s a c t i v a m e n t e c o n t r a c e n a o i n f a n t e . R e p r e s e n t a n t e de uma d a s m a i s a n t i g a s f a m í l i a s n o b r e s port u c a l e n s e s , o s de R i b a d o u r o , Abril Peres possui forte e vasta i m p l a n t a ç ã o s e n h o r i a l e d o m i n i a l na B e i r a Alta, e x e r c e n d o um g o v e r n o quase a u t ó n o m o nas terrae de L a m e g o , V i s e u , T r a n c o s o , G u a r d a , Pinhel e T a r o u c a . A p a r e n t a d o c o m a r e a l e z a , é s o b r e t u d o d u r a n t e os a n o s do r e i n a d o de S a n c h o II, p a r t i c i p a n d o na sua c o r t e e e m p e n h a n d o - s e dep o i s na sua d e p o s i ç ã o , que c o n q u i s t a t ã o i m p o r t a n t e s p o s i ç õ e s , s e n d o um d o s g r a n d e s r e s p o n s á v e i s pela intensa s e n h o r i a l i z a ç ã o d a q u e l a s terras d u r a n t e a p r i m e i r a m e t a d e do s é c u l o X I I I 7 5 . 1J A N T T . Sé de Viseu. Documentos Particulares, m ç . 8 . n" 13. " P o d e m o s , no e n t a n t o , t r a ç a r uni o u t r o p o s s í v e l p e r c u r s o p a r a o i n f a n t e . F e r n a n d o de S e r p a p o d e t e r s i d o n o m e a d o para a q u e l a t e n ê n c i a p o r S a n c h o II, seu irm ã o . q u e veria n e l e um p o t e n c i a l a l i a d o c o n t r a A b r i l P e r e s , i n d i v í d u o q u e c o m e ç a r a já a demonstrar sinais de declarada oposição à causa régia. E c o m o poderoso senhor que era, f a c i l m e n t e levaria avante os seus projectos, j u s t i f i c a n d o - s e assim a luta que F e r n a n d o lhe m o v e c o m o o b j e c t i v o d e o n e u t r a l i z a r , e n f r a q u e c e n d o a s b a s e s d o s e u poder. " O s e l e m e n t o s da sua b i o g r a f i a f o r a m r e u n i d o s por L u í s K R Ü S , «Abril Peres ( m . 1 2 4 5 ) » in Dicionário ilustrado.... op. cit., v o l . II. p . 103. É um p o d e r o s o rival este. o q u e o i n f a n t e p a r e c e q u e r e r d e s t r o nar. Se a p o s s e de Viseu foi e f é m e r a , a sua p r e s e n ç a passa a ser c o n s t a n t e e activa em o u t r a s t e n ê n c i a s da r e g i ã o . N u m a carta de venda de bens ao M o s t e i r o de S. J o ã o de T a r o u c a , de N o v e m b r o de 1243, D. F e r n a n d o é a p r e s e n t a d o c o m o g o v e r n a d o r da terra de L a m e g o 76 ; t e n ê n c i a que d e v e ter v o l t a d o , a p e n a s t e m p o r a r i a m e n t e , à p o s s e de Abril Peres, p o r q u e é de n o v o r e a v i d a p e l o i n f a n t e , q u e já lá se e n c o n t r a em M a r ç o de 1244 7 7 . Esta m e s m a a l t e r n â n c i a de p o s i ç õ e s t a m bém se v e r i f i c a na t e n ê n c i a de T r a n c o s o , q u e em A g o s t o de 1245 a i n da p e r t e n c i a ao s e n h o r de L u m i a r e s m a s q u e l o g o no m ê s s e g u i n t e j á e s t a v a s o b o c o m a n d o do i n f a n t e 7 8 , c o n s e r v a n d o - a , p r o v a v e l m e n t e , até J a n e i r o d e 1246, d a t a da sua m o r t e . A v e r d a d e é q u e t a m b é m a tinha c o n s e g u i d o em c o n s e q u ê n c i a da m o r t e do seu rival na lide da G a i a , s a n g r e n t o e p i s ó d i o do c o n f r o n t o i n t e r n o b i l i á r q u i c o c o m que se dá início à g u e r r a civil, o c o r r i d o em A g o s t o d e 1245 e o n d e e n c o n tram a m o r t e Abril Peres e R o d r i g o S a n c h e s , d e r r o t a d o s p o r Martini Gil de S o v e r o s a , p r i n c i p a l p a r t i d á r i o d a c a u s a r é g i a e t a m b é m ele p o s s i d e n t e na r e g i ã o da B e i r a . T e n t e m o s e n t ã o c o m p r e e n d e r o e s f o r ç o d o i n f a n t e para c o n t r o l a r política e m i l i t a r m e n t e toda a z o n a s e t e n t r i o n a l da B e i r a . I n t e r e s s a d o em c a p t a r em seu p r o v e i t o as r e n d a s a d v i n d a s do e x e r c í c i o do p o d e r s e n h o r i a l , c o m as q u a i s m a n t i n h a o seu s é q u i t o ; i n t e r e s s a d o t a m b é m , e s o b r e t u d o , na o c u p a ç ã o d a s f o r t a l e z a s f r o n t e i r i ç a s a t r a v é s das q u a i s se f a z i a a d e f e s a c o n t r a p o s s í v e i s i n c u r s õ e s c a s t e l h a n o - l e o n e s a s que a partir d a í p e n e t r a v a m no p a í s 7 9 , era seu d e s e j o c o n t r o l a r e s t a i m p o r tante r e g i ã o d o n d e p o d i a m a n t e r a r e s i s t ê n c i a e e n f r e n t a r os p a r t i d á rios r é g i o s . N ã o d e v i a ser fácil c o n t e m p o r i z a r n e s t e s p r o j e c t o s c o m Abril P e r e s , um s e n h o r já há m u i t o a í e s t a b e l e c i d o , e por isso é o seu fiel a l c a i d e , S o e i r o G o n ç a l v e s B e z e r r a , q u e o i n f a n t e vai a l i c i a r . Indiv í d u o que o c u p a v a j á d e s d e os a n o s vinte, e c o m uma r e g u l a r i d a d e Tarauca• Monumento Histórica. Livro das Doações de Tarouca, Braga, 1 9 9 1 . t. 1. p p . 3 2 4 - 3 2 5 . n° 3 9 4 ; l e i t u r a , s u m á r i o s e n o t a s d e A. d e A l m e i d a F E R N A N D E S ( = LDT). 77 LDT, p p . 5 4 7 - 5 4 8 . n° 6 4 0 . LDT, p. 3 9 1 . n° 4 7 5 . ''' S o b r e a i m p o r t â n c i a m i l i t a r d a r e g i ã o d a B e i r a e d a s s u a s f o r t i f i c a ç õ e s , e n tre o s s é c u l o s XI e X V , c f . C a r l o s G u i l h e r m e R I L E Y , «A g u e r r a e o e s p a ç o n a f r o n t e i r a m e d i e v a l b e i r ã . U m a a b o r d a g e m p r e l i m i n a r » in Revista de Ciências Históricas. P o r t o , 1991, v o l . V I , p p . 1 4 5 - 1 5 9 . 78 n o t á v e l , as a l c a i d a r i a s da B e i r a . P o r isso n o s p a r e c e um p o u c o est r a n h o o seu a f a s t a m e n t o d e s t e c a r g o em J u n h o de 1243. data em que Abril P e r e s r e s o l v e n o m e a r um n o v o a l c a i d e , P e d r o L a m e l a s ; e s t r a t é gia q u e c o i n c i d e c o m a e n t r a d a em c e n a de F e r n a n d o de S e r p a . C o m o devemos interpretar, então, estas manobras? O mais provável é que B e z e r r a a p o i a s s e d e c l a r a d a m e n t e o i n f a n t e na sua o p o s i ç ã o a Abril P e r e s , que p o r isso se vê o b r i g a d o a a f a s t á - l o ; e a prova d i s t o é q u e , logo que o i n f a n t e o c u p a T r a n c o s o em 1245, t a m b é m B e z e r r a volta a e s s a a l c a i d a r i a ao seu serviço 1 "'. P o r t a n t o , é neste t r a i d o r de mãos feitos*1, c e l e b r i z a d o p e l a s c a n t i g a s de e s c á r n i o e mal d i z e r 8 2 , que Fern a n d o busca a p o i o . Para q u e p r o j e c t o s , não o s a b e m o s , s o b r e t u d o n u m a altura em q u e era já c l a r o o a p o i o , q u e r da Igreja q u e r das g r a n des l i n h a g e n s do R e i n o , ao c o n d e de B o l o n h a , para este o c u p a r o trono. É p r o v á v e l , p o r t a n t o , que u m a vez p e r d i d a s as e s p e r a n ç a s de ser rei, e f o r ç a d o a a d a p t a r - s e às c i r c u n s t â n c i a s q u e e n t ã o se v i v i a m . Fern a n d o se t e n h a a s s o c i a d o ao seu i r m ã o A f o n s o , j u s t i f i c a n d o - s e a s s i m a sua a l i a n ç a c o m o a l c a i d e t r a i d o r , c o m o a p o i o do qual m a n t i n h a as f o r t a l e z a s que n e u t r a l i z a v a m os p o s s í v e i s a p o i o s a S a n c h o v i n d o s de C a s t e l a . P a r t i d á r i o d o i r m ã o , i m a g i n a r - s e - i a já c o m o o g o v e r n a d o r da vasta r e g i ã o da Beira, se a m o r t e o n ã o t i v e s s e c o l h i d o num d e s s e s enf r e n t a m e n t o s m i l i t a r e s que m a r c a r a m a g u e r r a civil. Foi no I n v e r n o de 1 2 4 5 - 1 2 4 6 , em J a n e i r o , e no a n o s e g u i n t e os e x é r c i t o s do seu p r i m o e n t r a v a m na Beira em d e f e s a de S a n c h o II. O p t a n d o p e l o a p o i o ao seu i r m ã o A f o n s o , a t i t u d e q u e lhe valeu o e p í t e t o de t r a i d o r , a s s i m s e c o m p r e e n d e q u e o c o n d e de B a r c e l o s o t e n h a p r a t i c a m e n t e i g n o r a d o na c o m p o s i ç ã o d o s r e g i s t o s d o s nobiliários, o c u l t a n d o esta t r a i ç ã o e o u t r o s a c t o s de b a r b á r i e p o r e l e amp l a m e n t e c o m e t i d o s , c o m p o r t a m e n t o s que tão a f a s t a d o s e s t a v a m da honra c o m q u e se d e v i a o r i e n t a r um n o b r e f i l h o de rei. Foi na g u e r r a c o n t r a os s e u s i g u a i s , o u t r o s t a n t o s c a v a l e i r o s tão c r i s t i a n í s s i m o s q u a n t o ele, que e n c o n t r o u a m o r t e . O s c a v a l e i r o s do E s t a i n t e r p r e t a ç ã o f o i j á e x p o s t a p o r A. d e A l m e i d a F E R N A N D E S . Esparsos de. História Isécs. XII e XIII), P o r t o , 1 9 7 0 , pp. 9 3 - 1 0 3 . 81 LL. 6 6 G I . 8: T r a t a - s e da f a m o s a cantiga de A i r a s Pérez V u i t o r o n . da qual o p r i m e i r o vers o é e x t r e m a m e n t e e x p r e s s i v o d e s t a s i t u a ç ã o : A lealdade da Bezerra pela Beira muito anda...-, c f . Cantigas d' escarnho e de mal dizer dos cancioneiros medievais galego-portugueses, 3 a e d . , L i s b o a , 1 9 9 5 . p. 6 8 , n° 7 8 . e d . c r í t i c a e v o c a b u l á r i o p o r M. R o d r i g u e s L A P A . Islão, e s s e s e s t a v a m m u i t o l o n g e , em terras d i s t a n t e s e p o u c o prom i s s o r a s , tal c o m o e s q u e c i d o d e v i a e s t a r j á esse o u t r o c a m p o de b a t a l h a que e r a m as p e n i t ê n c i a s . Das á r i d a s p l a n í c i e s d o A l e n t e j o às v e r d e s e h ú m i d a s t e r r a s da B e i r a , vai um l o n g o e p e n o s o c a m i n h o . 5. R e g r e s s e m o s f i n a l m e n t e a S e r p a , i n í c i o do n o s s o i t i n e r á r i o e de t o d o alheia a e s t e s p r o b l e m a s . N o Livro dos herdamentos e doações do C a r t ó r i o do B a i l i a d o de L e ç a . da O r d e m do H o s p i t a l , e num c o n j u n t o d o c u m e n t a l do s é c u l o X I V r e l a t i v o à c o m e n d a de M o u r a , e n c o n t r a mos o título, e s o m e n t e o título, de um d e s s e s d o c u m e n t o s : Doaçom que fez Sancha fernandez ao spital do Castelo de serpa 83 . T r a t a se, s e g u r a m e n t e , de D. S a n c h a F e r n a n d e s de Lara, v i ú v a e l e g í t i m a h e r - d e i r a d o i n f a n t e , que c o n c e d e à O r d e m do H o s p i t a l , por c e r t o d e p o i s de 1246, o s e n h o r i o da terra de S e r p a , e s ó a s s i m se c o m p r e e n d e q u e , dois a n o s mais t a r d e , em O u t u b r o de 1248, s e j a m o s h o s p i l a l á r i o s a f a z e r u m a c o m p o s i ç ã o c o m o b i s p o de É v o r a , D. M a r t i n h o Pires, o n d e r e c o n h e c e m a j u r i s d i ç ã o que este e x e r c e sobre as i g r e j a s de S e r p a 84 ; o b i s p o , uma vez q u e a terra m u d a de s e n h o r , um s e n h o r c u j a a u t o r i d a d e m á x i m a se e n c o n t r a f o r a de P o r t u g a l , a p r e s s a - s e a a s s e g u r a r para si a j u r i s d i ç ã o e c l e s i á s t i c a n o s m e s m o s t e r m o s d a q u e l a que f o r a e s t a b e l e c i d a em 1235. S e r p a entra a g o r a n u m a o u t r a d i n â m i c a da qual d e p e n d e o seu f u t u r o , a d a s c o n f l i t u o s a s r e l a ç õ e s f r o n t e i r i ç a s e n t r e P o r t u g a l e C a s t e l a d u r a n t e a s e g u n d a m e t a d e do s é c u l o XIII, a que A l c a n i c e s põe f i m em 1297. O c o r p o do i n f a n t e , c o m i d o pela terra lá para as b a n d a s da B e i r a , n ã o m a i s voltou ao s e n h o r i o que s e m p r e , o r g u l h o s a m e n t e , o s t e n t o u no seu n o m e . 85 84 A N T T , Ordem de Mal la, Colecção Cosia A N T T , Gavetas. X I V . m ç . I. n u 9 . Bastos, n° 4, f l . 7 1 .