Damon, o regresso Meia-Noite g

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L. J. Smith
Damon, o regresso
g
Meia-Noite
CrÓnIcAs VaMpÍrIcAs VII
Tradução de Carlos Pereira
Capítulo 1
Querido Diário,
Estou tão assustada que mal consigo segurar nesta caneta. Escrevo
com letra de imprensa em vez de usar o cursivo porque assim tenho mais
controlo.
Estou aterrorizada com o quê?, perguntarás. E se eu responder com
o «Damon», é provável que não acredites, pelo menos se nos tiveres visto
juntos há uns dias. Mas, para perceberes, tens de conhecer alguns factos.
Já alguma vez ouviste a frase «As apostas ficam sem efeito?»
Significa que tudo, tudo, pode acontecer. De tal modo que a pessoa que
calcula as probabilidades e aceita as apostas de outras pessoas lhes devolve
o dinheiro. Porque entrou em cena uma carta fora do baralho. Nem sequer
se conseguem calcular as probabilidades para fazer uma aposta.
É a situação em que me encontro. É por essa razão que tenho o coração amedrontado a martelar na garganta e na cabeça e nos ouvidos e na
ponta dos dedos.
As apostas ficaram sem efeito.
Podes ver como até a minha letra está tremida. E se as minhas mãos
tremerem assim quando eu for lá ter com ele? Posso deixar cair o tabuleiro.
Posso aborrecer o Damon. E depois tudo pode acontecer.
Eu não estou a explicar isto como deve ser. O que eu devia estar a dizer
é que estamos de volta: o Damon, a Meredith, a Bonnie e eu. Fomos à
Dimensão das Trevas e agora estamos de novo em casa, com uma bola
estrelada, e com o Stefan.
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O Stefan foi atraído para lá pelo Shinichi e pela Misao, os irmãos
kitsune, ou espirítos-raposa malignos, que lhe disseram que se ele fosse
à Dimensão das Trevas podia conseguir que lhe retirassem a maldição
de ser vampiro e tornar-se de novo humano.
Os kitsune mentiram.
Limitaram-se a deixá-lo numa prisão fedorenta, sem comida, sem luz,
sem calor… até o Stefan se encontrar quase a morrer.
Mas o Damon, que era tão diferente nesses tempos, concordou em
conduzir-nos para tentar encontrá-lo. E, oh, eu nem sequer consigo começar a descrever a Dimensão das Trevas. Mas o importante é que acabámos
por encontrar o Stefan e que, nesse momento, já tínhamos descoberto a chave
das Raposas Gémeas de que necessitávamos para o libertar. Mas ele estava
um esqueleto, o pobre rapaz. Transportámo-lo para fora da prisão no catre
dele, que estava infestado de insectos horripilantes e que mais tarde foi queimado pelo Matt. Mas nessa noite demos-lhe um banho, pusemo-lo na cama
e… e depois alimentámo-lo. Sim, com o nosso sangue. Todos os humanos
lho deram com excepção da senhora Flowers, que estava ocupada a fazer
emplastros para os sítios onde os seus pobres ossos quase lhe saíam da pele.
Eles tinham-no feito passar fome até esse ponto! Eu estava capaz de os
matar, a Eles, com as minhas próprias mãos… ou com os meus Poderes
das Asas – se ao menos conseguisse usá-los devidamente. Mas não consigo.
Sei que existe um feitiço para as Asas de Destruição, mas não faço ideia
de como o conjurar.
Pelo menos pude ver como o Stefan melhorou ao ser alimentado com
sangue humano. (Admito que lhe dei algumas doses suplementares que
não estavam na sua ficha e teria de ser idiota para não saber que o meu
sangue é diferente do das outras pessoas; tem muitos mais nutrientes e fez
muitíssimo bem ao Stefan.)
Assim, o Stefan recuperou o suficiente para, na manhã seguinte, estar
capaz de descer as escadas sozinho e agradecer à senhora Flowers as suas
poções!
Os restantes de nós, isto é, todos os humanos, estávamos exaustos. Nem
sequer pensámos no que tinha acontecido ao bouquet, porque não sabíamos que continha algo de especial. Tínhamo-lo obtido no momento em
que saíamos da Dimensão das Trevas, de um bondoso kitsune branco que
se encontrava na cela em frente à do Stefan antes de combinarmos a fuga
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Damon, o regresso: Meia-Noite
da prisão. Era tão belo! Eu não sabia que um kitsune podia ser bondoso.
Mas ele tinha dado aquelas flores ao Stefan.
Fosse como fosse, naquela manhã, o Damon estava a pé. Claro que ele
não podia contribuir com o seu próprio sangue, mas penso com sinceridade
que o teria oferecido, se pudesse. Ele era assim, naqueles tempos.
É por isso que não compreendo como posso sentir o medo que sinto
agora. Como pode uma pessoa sentir-se aterrorizada com alguém que
a beijou e a beijou… E lhe chamou a sua querida e o seu doce e a sua
princesa? E que se riu comigo com os olhos a dançar de malícia? E que me
amparou quando eu estava assustada, e me disse que não havia nada a
temer enquanto ele lá estivesse? Alguém para quem eu só tinha de olhar
para saber o que estava a pensar? Alguém que me protegeu, independentemente do custo para si próprio, durante infindáveis dias?
Conheço o Damon. Conheço os defeitos dele, mas também sei como é
por dentro. E ele não é como quer que as pessoas pensem que é. Não é frio,
ou arrogante, ou cruel. Essas são fachadas que arranja para se proteger,
como se fossem roupas.
O problema é que não tenho a certeza se ele sabe que não é nenhuma
destas coisas. E, neste preciso momento, está confuso. Pode vir a mudar
e passar a ser todas elas… porque está tão confuso.
O que estou a tentar dizer é que, naquela manhã, apenas o Damon se
encontrava desperto. Ele foi o único que viu o bouquet. E a curiosidade é
uma das suas características.
De modo que desembrulhou todas as protecções mágicas do bouquet,
que continha no centro uma única rosa, negra como breu. O Damon anda
há anos a tentar encontrar uma rosa negra, só para a admirar, acho. Mas
quando viu esta, cheirou-a… e bum! A rosa desapareceu!
E ele ficou subitamente enjoado e estonteado e não conseguia cheirar
nada e todos os seus outros sentidos ficaram também adormecidos. Foi
quando o Sage – oh, eu nem sequer tinha ainda falado no Sage, mas ele é
um vampiro giríssimo, alto e bronzeado, que tem sido um grande amigo
de todos nós – lhe disse para respirar fundo e suster a respiração, empurrando o ar para os pulmões.
Os humanos têm de respirar dessa maneira, sabes…
Eu não sei quanto tempo levou o Damon a aperceber-se de que era, de
facto, humano, a sério, sem que ninguém pudesse fazer nada acerca disso.
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A rosa negra era para o Stefan, e teria tornado realidade o seu sonho de
voltar a ser humano. Mas quando o Damon se apercebeu que a rosa tinha
operado a magia nele…
Foi quando o vi olhar para mim e considerar-me como o resto da minha
espécie… uma espécie que veio a odiar e a desprezar.
Desde esse momento que não me atrevo a olhá-lo nos olhos. Sei que
ele me amava há apenas alguns dias. Não sabia que o amor podia
transformar-se em… bem, em todas as coisas que ele agora sente acerca
de si próprio.
Pensar-se-ia que seria fácil para o Damon transformar-se de novo em
vampiro. Mas ele quer ser um vampiro tão poderoso como era antes; e
não há ninguém desse género com quem possa trocar sangue. Até mesmo
o Sage desapareceu antes que o Damon lho pudesse pedir. De maneira que
o Damon está preso nesta situação até encontrar alguém forte e poderoso
e que seja um vampiro com prestígio para passar por todo o processo de
o transformar.
E sempre que olho o Stefan nos olhos, aqueles olhos verde-esmeralda
quentes de confiança e gratidão… também sinto terror. Pavor de que, de
alguma forma, ele seja levado de novo, arrancado aos meus braços. E…
pavor que descubra a razão por que sinto o que sinto pelo Damon. Eu nem
sequer compreendi ainda o quanto o Damon significa para mim. E não
consigo… impedir… os meus sentimentos… mesmo que agora ele me odeie.
E, sim, maldição, estou a chorar! Daqui a um minuto, vou ter de lhe
levar o jantar. Deve estar esfomeado, mas quando há pouco o Matt lhe
tentou levar algo, ele atirou-lhe o tabuleiro para cima.
Oh, por favor, meu Deus, por favorr não permitas que o Damon me odeie!
Estou a ser egoísta, eu sei, ao falar apenas do que se passa entre mim
e o Damon. As coisas em Fell’s Church nunca estiveram piores. Todos
os dias há mais crianças a ficarem possuídas e a aterrorizarem os pais.
À medida que os dias passam, os pais ficam cada vez mais zangados
com os filhos possuídos. Não quero sequer pensar no que possa estar a
acontecer. Se nada mudar, a cidade será destruída, tal como a última
que o Shinichi e a Misao visitaram.
O Shinichi… fez imensas predições acerca do nosso grupo, acerca de
coisas que conservámos em segredo para que os outros não soubessem.
A verdade é que não sei se quero ver resolvido algum dos seus enigmas.
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De certa forma, temos sorte. Temos a família Saitou para nos ajudar.
Lembras-te da Isobel Saitou, que se cortou horrivelmente a si própria
quando estava possuída? Agora está melhor, tornou-se uma boa amiga, e
a mãe dela também, a senhora Saitou, assim como a avó, a Obaasan. Elas
dão-nos amuletos… feitiços para manter o mal afastado, escritos em post-it ou em pequenos cartões. Nós estamos tão agradecidos por esse género
de ajuda. Talvez um dia possamos pagar-lhes tudo.
Elena Gilbert pousou a caneta com relutância. Fechar o diário significava
ter de enfrentar as coisas acerca das quais tinha estado a escrever.
No entanto, acabou por conseguir obrigar-se a descer as escadas até à
cozinha e a aceitar o tabuleiro das mãos da senhora Flowers, que lhe sorriu
de uma maneira encorajadora.
Enquanto se dirigia para a arrecadação da hospedaria, reparou que as
mãos lhe tremiam tanto que todo o tabuleiro da comida oscilava. Uma
vez que a arrecadação não tinha acesso pelo interior, quem quisesse ver
Damon devia sair pela porta da frente e dar a volta até ao anexo construído junto ao jardim da cozinha. A toca do Damon, era o que as pessoas
lhe chamavam agora.
Ao passar pelo jardim, olhou de lado para o buraco no meio do canteiro
de angélicas que era o Portal desactivado por onde tinham regressado da
Dimensão das Trevas.
Elena hesitou ao chegar à porta da arrecadação. Ainda estava a tremer e
sabia que aquela não era a melhor maneira de enfrentar Damon.
Tem calma, disse a si própria. Pensa no Stefan.
Stefan sofrera um duro revés quando descobriu que não sobrara nada da
rosa, mas logo recuperara a sua humildade e graça habituais, tocando na
face de Elena e dizendo que estava grato só por poder estar ali com ela. Que
a sua proximidade era tudo o que queria da vida. Roupas lavadas, comida
decente, liberdade; valia a pena lutar por todas estas coisas, mas Elena era
a mais importante. E Elena chorara.
Por outro lado, sabia que Damon não tinha qualquer intenção de permanecer como se encontrava agora. Ele faria tudo, arriscaria tudo… para
voltar a transformar-se no que era antes.
Fora, na verdade, Matt quem sugerira a bola estrelada como solução
para a condição de Damon. Matt não compreendera a rosa nem a bola
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estrelada até lhe ter sido explicado que esta bola estrelada, que pertencia
provavelmente a Misao, continha no seu interior grande parte ou até a
totalidade do seu Poder, e que se tinha tornado cada vez mais brilhante à
medida que absorvia as vidas que Misao tomava. Era provável que a rosa
negra tivesse sido criada com o líquido de uma bola estrelada semelhante,
mas ninguém sabia em que quantidades ou se tinha sido combinada com
ingredientes desconhecidos. Matt franzira o sobrolho e perguntara se uma
bola estrelada podia transformar um humano num vampiro, já que a rosa
podia transformar um vampiro num humano.
Elena não fora a única a notar o lento erguer da cabeça inclinada de
Damon e o brilho no olhar que atravessou a sala até à bola estrelada
repleta de Poder. Elena quase conseguia ouvir a sua lógica. Matt podia
ter tido uma ideia completamente errada… mas havia um lugar onde
um humano podia ter a certeza de encontrar vampiros poderosos: na
Dimensão das Trevas, para onde existia um Portal no jardim da hospedaria. Neste momento o Portal encontrava-se fechado… por falta de
Poder.
Ao contrário de Stefan, Damon não teria quaisquer escrúpulos sobre o
que poderia acontecer se tivesse de usar todo o líquido da bola estrelada,
o que resultaria na morte de Misao. Ela era, afinal, uma das duas raposas
que tinham abandonado Stefan para este ser torturado.
Portanto as apostas ficavam todas sem efeito.
Muito bem, estás assustada. Agora lida com isso, disse Elena a si própria
com veemência. Damon encontrava-se naquela divisão há quase cinquenta
horas; quem sabe o que teria estado a congeminar para se apoderar da bola
estrelada. Ainda assim, era preciso que alguém o fizesse comer; e quando
falas em «alguém», reconhece-o, esse alguém és tu.
Elena estava há tanto tempo à porta que os joelhos lhe começavam a
ficar rígidos. Respirou fundo e bateu.
Não houve resposta e não se acendeu qualquer luz no interior. Damon
era humano e já estava bastante escuro cá fora.
– Damon? – era para ser um chamamento. Saiu-lhe um sussurro.
Não houve resposta. Nem luz.
Elena engoliu em seco. Ele tinha de estar ali dentro.
Bateu com mais força. Nada. Por fim, experimentou o puxador. Para
seu horror a porta não se encontrava fechada e abriu-se para revelar um
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Damon, o regresso: Meia-Noite
interior tão escuro como a noite em redor de Elena, como a boca de um
poço negro.
A penugem na nuca de Elena estava em pé.
– Damon, vou entrar – conseguiu dizer num sussurrar ligeiro, como a
convencer-se a si própria com a sua voz baixa de que não estava ali ninguém. – A minha silhueta está visível contra a luz que vem do alpendre.
Eu não consigo ver nada, de maneira que as vantagens são todas tuas.
Trago-te um tabuleiro com café muito quente, bolachas e bife tártaro, sem
tempero. Deves conseguir cheirar o café.
No entanto era esquisito. Os sentidos de Elena diziam-lhe que não se
encontrava ninguém à sua frente, em quem pudesse embater no sentido
literal da palavra. Muito bem, pensou. Começa com passinhos de bebé. Passo
número um. Passo número dois. Passo número três. Agora já devo estar bem
dentro da divisão, mas ainda está muito escuro para conseguir ver alguma
coisa. Passo número quatro…
Da escuridão apareceu um braço forte que lhe rodeou a cintura como
um torno e alguém lhe pressionou uma faca contra a garganta.
Elena viu a escuridão ser injectada com uma súbita grelha acinzentada,
para depois se abater sobre si o negrume de uma forma avassaladora.
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Capítulo 2
Elena não ficara desmaiada mais de alguns segundos. Quando veio a si,
estava tudo na mesma, embora tenha ficado admirada por aquela faca não
lhe ter cortado a garganta de forma fatal.
Sabia que o tabuleiro com os pratos e a chávena tinha voado para a
escuridão naquele primeiro instante em que não conseguiu evitar o agitar dos braços. Mas agora reconhecia a força que a segurava, reconhecia o
cheiro e compreendeu a razão de ser da faca. E estava satisfeita com essa
compreensão, porque se encontrava tão orgulhosa por ter desmaiado como
Sage se encontraria nas mesmas circunstâncias. Ela não era do género de
desmaiar!
Dispunha-se a relaxar nos braços de Damon, excepto em direcção à faca.
Para lhe mostrarr que não constituía uma ameaça.
– Olá, princesa – disse-lhe ao ouvido uma voz que parecia veludo negro.
Elena sentiu um estremecimento interior, mas não de medo. Não, era mais
como se as suas entranhas se estivessem a derreter. Mas Damon não alterou
a maneira como a segurava.
– Damon… – disse ela com voz rouca –, estou aqui para te ajudar. Deixa-me ajudar, por favor. Para teu bem.
De forma tão abrupta como surgira, o torno foi-lhe retirado da cintura.
A faca deixou de lhe pressionar a carne, embora a sensação da lâmina
afiada e picante na garganta fosse mais do que suficiente para lhe recordar
que Damon a teria pronta a utilizar. Em substituição das presas.
Ouviu-se um estalido e a divisão ficou, de súbito, demasiado brilhante.
Lentamente, Elena voltou-se para olhar Damon. E mesmo agora, quando
estava pálido, amarfanhado e exausto por não comer, era tão giro que o
coração dela pareceu mergulhar na escuridão. O cabelo negro, caindo-lhe
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Damon, o regresso: Meia-Noite
ao acaso sobre a fronte, as feições esculpidas de uma forma perfeita; a boca
arrogante e sensual… neste momento comprimida numa linha estreita…
– Onde está, Elena? – perguntou ele, com secura. Não o quê. Onde. Ele
sabia que ela não era estúpida e, naturalmente, sabia que os humanos da
hospedaria estavam a esconder-lhe a bola estrelada de forma deliberada.
– É tudo o que tens para me dizer? – sussurrou Elena.
Viu os olhos de Damon suavizar-se e este deu um passo na sua direcção,
como se não conseguisse impedir-se de o fazer, mas, no instante seguinte,
ficou com um ar sombrio.
– Diz-me, e depois talvez haja mais qualquer coisa.
– Estou a ver. Bem, então, nós arranjámos um sistema, há dois dias –
disse Elena em voz baixa. – Tiramos à sorte entre todos. E depois a pessoa
a quem calhou o papel com o X leva-a da mesa da cozinha e vamos todos
para os nossos quartos e lá ficamos até que a pessoa a quem calhou a bola
estrelada a esconda. Hoje não me calhou a mim, de modo que não sei
onde está. Mas podes tentar… testar-me. – Elena podia sentir o corpo a
arrepiar-se quando disse as últimas palavras, sentindo-se mole e impotente
e fácil de magoar.
Damon estendeu o braço e enfiou a mão no cabelo dela. Podia bater-lhe
com a cabeça contra uma parede ou atirá-la ao longo da divisão. Podia
apenas empurrar-lhe o pescoço para a faca e só parar quando a cabeça lhe
caísse. Elena sabia que ele se encontrava com disposição para demonstrar
as suas emoções com um humano, mas não fez nada. Não disse nada.
Limitou-se a ficar ali a olhá-lo nos olhos.
Damon inclinou-se para Elena e roçou os lábios, com grande suavidade,
nos dela. Os olhos de Elena fecharam-se. No momento seguinte, porém,
Damon estremeceu e retirou a mão do cabelo.
Foi nesse instante que Elena voltou a pensar no que devia ter acontecido
à comida que lhe trouxera. O café quase escaldante parecia ter-lhe salpicado
uma das mãos e um braço e molhado as calças de ganga numa das coxas.
A chávena e o pires jaziam em pedaços no chão. O tabuleiro e as bolachas
tinham caído para trás de uma cadeira. O prato do bife tártaro, no entanto,
aterrara, como que por milagre, no sofá, com o conteúdo para cima. Havia
talheres diversos por todo o lado.
Elena sentiu a cabeça e os ombros a descair com o medo e a dor. Esse era
o seu universo neste preciso momento: medo e dor. Dominando-a. Elena
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L. J. Smith
não costumava choramingar, mas não conseguiu evitar que as lágrimas lhe
enchessem os olhos.
Bolas!! Estava a pensar Damon.
Era ela: a Elena. Damon tivera tanta certeza de que estava a ser espiado
por um adversário, que um dos seus muitos inimigos o localizara e lhe
montara uma armadilha… alguém que descobrira que se encontrava agora
fraco como uma criança.
Nem sequer lhe ocorrera que pudesse ser Elena, até se encontrar a apertar o suave corpo com um braço e a cheirar o perfume do cabelo enquanto
empunhava uma lâmina afiada contra a sua garganta com a mão.
E depois acendera a luz e viu o que tinha já adivinhado. Inacreditável!
Não a reconhecera. Encontrava-se lá fora no jardim quando vira a porta da
arrecadação aberta e soubera que estava ali um intruso. Mas com os sentidos degradados como estavam, não fora capaz de saber quem se encontrava no interior.
Não havia desculpas que pudessem encobrir os factos. Ele ferira e aterrorizara Elena. Magoara-a. E em vez de pedir desculpa tentara sacar-lhe a
verdade à força para os seus próprios desejos egoístas.
E agora, a garganta dela…
Os olhos dele foram atraídos para a fina linha de gotículas de sangue
na garganta de Elena no sítio onde a faca a cortara quando se agitara com
medo antes de perder os sentidos. Teria ela desmaiado?? Elena podia ter
morrido naquele preciso momento, nos braços dele, se não tivesse sido
rápido o suficiente a desviar a faca.
Damon continuava a dizer a si próprio que não tivera medo dela. Que
estava apenas distraído com a faca na mão. Não se conseguia convencer
de tal coisa.
– Eu estava lá fora. Sabes que nós os humanos vemos mal, não é? –
disse Damon, sabendo que soava indiferente e convicto. – É como andar
sempre embrulhado em algodão, Elena: não vemos, não cheiramos, não
ouvimos. Os meus reflexos são como os de uma tartaruga e eu estou
esfomeado.
– Então por que não experimentas o meu sangue? – perguntou Elena,
com a voz inesperadamente calma.
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Damon, o regresso: Meia-Noite
– Não posso – disse Damon, tentando não olhar para o delicioso colar
de rubis que escorria pela garganta branca e esbelta de Elena.
– Acontece que já me cortei sozinha – disse Elena, e Damon pensou,
cortou-se sozinha? Pelos deuses, a rapariga era impagável. Como se tivesse
sido apenas um ligeiro acidente na cozinha.
– Portanto o melhor é vermos a que te sabe agora o sangue humano –
continuou Elena.
– Não.
– Sabes que o vais provar. Eu sei que tu sabes. Mas não temos muito
tempo. O meu sangue não correrá para sempre. Oh, Damon, depois de
tudo… ainda a semana passada…
Damon sabia que estava há demasiado tempo a olhar para ela. E não
apenas para o sangue. Também para a gloriosa beleza dourada dela, como
se a filha de um raio de Sol e o luar tivessem entrado no seu quarto e estivessem a banhá-lo em luz.
Com um silvo e estreitando os olhos, Damon agarrou os braços de Elena.
Esperava um encolher automático como acontecera quando a agarrara
por detrás. Mas não houve qualquer movimento para trás. Pelo contrário,
houve algo como o faiscar de uma chama de desejo naqueles grandes olhos
de malaquite. Os lábios de Elena abriram-se de modo involuntário.
Damon sabia que fora involuntário. Tivera muitos anos para estudar as
reacções das mulheres jovens. Sabia o que isso significava, quando o olhar
se deslocava primeiro para os seus lábios antes de se erguer para os olhos.
Eu não a posso beijar de novo, não posso. É uma fraqueza humana, a
maneira como ela me afecta. Ela não se apercebe do que é ser tão nova
e bela. Um dia vai saber. De facto, eu posso até ensinar-lho agora por
acidente.
Como se o pudesse ouvir, Elena fechou os olhos. Deixou cair a cabeça
para trás e de súbito Damon deu consigo quase a suportar-lhe o peso todo.
Elena estava a apresentar-lhe a rendição de toda a consciência de si própria,
demonstrando-lhe que apesar de tudo ainda confiava nele, ainda…
… ainda o amava.
O próprio Damon não sabia o que ia fazer quando se inclinou para
Elena. Estava mesmo esfomeado. A fome dilacerava-o como as garras de
um lobo. Fazia-o sentir-se atordoado e estonteado e sem controlo. Meio
milhar de anos tinha feito que Damon acreditasse que a única coisa que
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L. J. Smith
lhe aliviaria a fome era a fonte púrpura de uma artéria aberta. Uma voz das
trevas que podia muito bem vir da própria corte Infernal sussurrava-lhe
que podia fazer o que alguns vampiros faziam, rasgar uma garganta como
se fosse um lobisomem. Que faria ele, tão próximo dos lábios de Elena, tão
próximo da sua garganta que gotejava sangue?
Duas lágrimas deslizaram por debaixo das pestanas escuras e desceram
um pouco pela face antes de caírem sobre o cabelo dourado. Damon deu
consigo a saborear uma delas antes de poder pensar.
Ainda donzela. Bem, era de esperar; o Stefan encontrava-se ainda demasiado fraco para se levantar. Mas sobrepondo-se ao pensamento cínico
surgiu-lhe uma imagem e apenas algumas palavras: um espírito tão puro
como a neve acabada de cair.
Damon conheceu de súbito uma fome diferente, uma sede diferente.
O único lugar para aliviar esta necessidade era estar próximo. Desesperado, procurou com urgência e encontrou os lábios de Elena. E depois deu
consigo a perder todo o controlo. O que mais necessitava encontrava-se ali
e Elena podia tremer mas não o afastou.
Assim tão próximo, Damon banhou-se numa aura tão dourada como
o cabelo que tocava com delicadeza nas pontas. Ficou satisfeito quando
Elena estremeceu de prazer e apercebeu-se de que conseguia sentir os seus
pensamentos. Elena projectava-os com intensidade e a telepatia dele era o
único Poder que lhe restava. Damon não fazia ideia da razão por que ainda
o possuía, mas era um facto. E neste preciso momento queria orientá-lo
para Elena.
A rapariga! Ela nem sequer estava a pensar! Estivera a oferecer a garganta, rendendo-se, abandonando todos os pensamentos menos o de que
o queria ajudar e que os desejos dele eram os seus. E agora encontrava-se
demasiado embrenhada na profundidade do beijo para sequer fazer planos,
o que para ela era extraordinário.
A Elena está apaixonada por ti, disse a minúscula parte de si que ainda
conseguia pensar.
Ela nunca o disse! Ela está apaixonada pelo Stefan!! A resposta veio de
algo visceral dentro de Damon.
Ela não tem de o dizer. Está a demonstrá-lo. Não finjas que não o tinhas
já visto antes!
Mas o Stefan…!
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Damon, o regresso: Meia-Noite
Estará a pensar no Stefan neste preciso momento? Ela abriu os braços à
tua fome de lobo. Isto não é uma coisa passageira, não é uma refeição rápida,
nem sequer é uma dadora regular. Esta é a Elena em pessoa.
Então eu aproveitei-me dela. Se está apaixonada, não se consegue proteger
a si própria. Ela ainda é uma criança. Tenho de fazer alguma coisa.
Os beijos tinham chegado ao ponto em que a minúscula voz da razão
começava a desvanecer-se. Elena perdera a capacidade de estar de pé.
Damon ia ter de a deitar algures ou dar-lhe a oportunidade de recuar.
Elena! Elena! Bolas, eu sei que consegues ouvir-me. Responde!
Damon? Muito sumida. Oh, Damon, compreendes agora…?
Demasiado bem, minha princesa. Eu Influenciei-te e portanto tenho obrigação de saber.
Tu…? Não, estás a mentir!
Por que havia eu de mentir? Por qualquer razão a minha telepatia está
mais forte do que nunca. Eu continuo a querer o que quero. Mas tu talvez
queiras pensar por momentos, donzela. Eu não preciso de beber o teu sangue.
Sou humano e neste preciso momento estou esfomeado. Mas não daquela
porcaria de hambúrguer sanguinolento que me trouxeste.
Elena quebrou a ligação. Damon deixou-a ir.
– Acho que estás a mentir – disse Elena, olhando-o nos olhos, com a
boca inchada pelo beijo.
Damon trancou a visão dela no interior do pedregulho repleto de segredos que arrastava por todo o lado atrás de si. Assestou em Elena o seu
melhor olhar de ébano opaco.
– Por que havia eu mentir? – repetiu. – Pensei apenas que merecias uma
oportunidade para fazeres a tua própria escolha. Ou já decidiste abandonar
o mano mais novo enquanto ele está fora de serviço?
A mão de Elena ergueu-se com rapidez, mas depois voltou a cair.
– Usaste a Influência comigo – disse Elena com amargura. – Eu não
estou em mim. Eu nunca abandonaria o Stefan, em particular quando ele
precisa de mim.
Ali estava, o fogo essencial do núcleo dela, e a intensa verdade dourada.
Agora podia sentar-se e deixar a amargura roê-lo, enquanto este espírito puro
seguia a sua consciência.
Damon pensava isto, sentindo desde logo a perda da deslumbrante luz
de Elena que recuava quando se apercebeu de que ele já não tinha a faca.
21
L. J. Smith
Instantes depois, quando o horror se encontrava prestes a dominar-lhe a
mão, Damon tirava-lhe a faca da garganta. A sua projecção telepática foi
reflexiva:
Que diabo estás tu a fazer? Queres matar-te por causa do que eu disse?
Esta lâmina está afiadíssima!
Elena vacilou.
– Eu ia fazer apenas uma pequena incisão…
– A incisão que quase ias fazendo punha-te a esguichar sangue a dois
metros de altura! – pelo menos era de novo capaz de falar apesar da constrição na garganta.
Elena também se encontrava mais uma vez em terreno estável.
– Eu disse-te que sabia que tu sabias que terias de experimentar sangue
antes de tentares comer. Parece-me que está a correr outra vez do meu
pescoço. Não o desperdicemos desta vez.
Elena estava apenas a dizer a verdade. Pelo menos não se tinha magoado
de forma séria. Damon via o sangue fresco a escorrer do corte mais recente
que Elena fizera com tanta imprudência. Seria uma idiotice desperdiçá-lo.
Agora desapaixonado por completo, Damon agarrou-a de novo pelos
ombros. Ergueu-lhe o queixo para ver a garganta macia e arredondada.
Diversas gotículas rubi mais recentes escorriam sem restrição. Meio milénio de instinto disse a Damon que ali mesmo à sua frente tinha néctar e
ambrósia. Ali mesmo à sua frente tinha sustento e repouso e euforia. Aqui
mesmo onde se encontravam os seus lábios enquanto se inclinava uma
segunda vez para Elena… e só tinha de o saborear, de o beber…
Damon recuou, tentando forçar-se a engolir, determinado a não cuspir. Não
era… não era absolutamentee revoltante. Damon conseguia perceber como
podiam os humanos, com os seus sentidos degradados, dar uso às variedades
animais. Mas esta coisa coagulante e com um gosto mineral não era sangue…
não possuía de todo o bouquett perfumado, a intensidade, os inefáveiss atributos
do sangue, doces, aveludados, provocativos… e dadores de vida.
Era como uma piada de mau gosto. Damon esteve tentado a morder
Elena, raspando apenas um canino sobre a carótida, produzindo um
minúsculo arranhão, de modo a poder saborear o pequeno esguicho que
lhe explodiria no palato, para comparar, para se certificar de que o produto
verdadeiro se encontrava algures por ali. De facto esteve mais do que tentado. Damon estava a fazê-lo. Mas não saía sangue algum.
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Damon, o regresso: Meia-Noite
A sua mente fez uma pausa a meio do pensamento. Arranhara-a de
facto; um arranhão que foi mais como esfregar. Nem sequer rompera
a camada exterior da pele de Elena.
Dentes rombos.
Damon deu consigo a pressionar um canino com a língua, querendo que
o dente se alongasse, querendo com toda a sua amarfanhada e frustrada
alma que o dente ficasse afiado.
E… nada. Nada. Mas passara de facto o dia todo a fazer a mesma coisa.
Miseravelmente, Damon deixou que a cabeça de Elena se virasse para si.
– Já está? – disse ela, abalada. Elena estava a tentar imenso ser corajosa
com Damon! Pobre e condenada alma branca com o seu amante demónio. – Podes tentar outra vez, Damon – disse ela. – Podes morder com
mais força.
– Não serve para nada – disse ele com brusquidão. – Tu não estás
capaz…
Elena quase se deixou cair para o chão. Damon manteve-a de pé
enquanto lhe rosnava ao ouvido.
– Sabes o que eu queria dizer. Ou preferias ser o meu jantar em vez de
seres a minha princesa?
Elena abanou a cabeça com simplicidade e conservou-se em silêncio.
Repousava no círculo dos braços dele, a cabeça contra o ombro de Damon.
Não era de admirar que precisasse de descansar depois de tudo o que ele a
fizera passar. Mas quanto à razão por que achava confortável o seu ombro…
bem, isso encontrava-se para lá da sua compreensão.
Sage! Damon projectou o pensamento furioso em todas as frequências
a que podia aceder, tal como fizera durante todo o dia. Se ao menos conseguisse encontrar Sage, todos os seus problemas ficariam resolvidos. Sage,
exigiu, onde estás?
Não houve resposta. Tanto quanto Damon sabia, Sage conseguira operar o Portal para a Dimensão das Trevas que se encontrava neste preciso
momento desligado e inútil no jardim da senhora Flowers. Deixando
Damon encalhado aqui. Sage era sempre rápido de mais para ser visto
quando partia.
E por que partira ele?
Uma Convocação Imperial? Por vezes Sage recebia-as. Do Caído, que
vivia na Corte Infernal, na mais baixa das Dimensões das Trevas. E quando
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L. J. Smith
Sage as recebia mesmo, esperava-se dele que chegasse instantaneamente a
essa dimensão, a meio de uma palavra, a meio de uma carícia, a meio do
que… do que calhasse. Até agora Sage cumprira sempre o prazo, Damon
sabia isso. Sabia-o porque Sage continuava vivo.
Na tarde da catastrófica investigação que Damon efectuara ao bouquet,
Sage deixara um bilhete polido sobre a lareira agradecendo a hospitalidade à
senhora Flowers, e o seu gigantesco cão, Saber, e o falcão, Talon, para proteger
a residência, um bilhete sem dúvida preparado de antemão. Partira como
sempre o fazia, tão imprevisível como o vento e sem dizer adeus. Era claro
que pensara que Damon se desenvencilharia do seu problema com facilidade.
Havia um certo número de vampiros em Fell’s Church. Sempre houvera.
As linhas de Poder absoluto atraíam-nos mesmo em tempos normais.
O problema era que neste preciso momento todos esses vampiros se
encontravam infestados com malach, parasitas controlados pelos malignos
espirítos-raposa. Não podiam senão pertencer à mais baixa hierarquia dos
vampiros.
E claro que Stefan era inadequado. Mesmo que não se encontrasse tão
fraco que pudesse morrer ao tentar transformar Damon em vampiro,
mesmo que a ira por Damon lhe ter «roubado a sua humanidade» pudesse
ser apaziguada, Stefan nunca teria concordado, por sentir que o vampirismo era uma maldição.
Os humanos nunca chegavam a ter conhecimento de coisas como a hierarquia dos vampiros porque o assunto não lhes dizia respeito; até que, de
súbito, passava a dizer, por norma quando eles próprios tinham acabado
de ser transformados em vampiros. A hierarquia dos vampiros era rígida,
desde os inúteis e ignóbeis até à aristocracia com belas presas. Os Antigos
pertenciam a essa categoria, mas também outros que fossem particularmente ilustres ou poderosos.
O que Damon queria era ser transformado em vampiro por mulheres
do género das que Sage conhecia e estava determinado a que Sage lhe
encontrasse uma senhora vampira de qualidade, alguém que fosse de facto
merecedora dele.
Havia outras coisas a atormentar Damon, que passara dois dias inteiros
sem dormir a ponderá-las. Seria possível que o kitsune branco que dera o
bouquett a Stefan tivesse concebido uma rosa que tornasse a primeira pessoa
que a cheirasse permanentementee humana? Esse fora o maior sonho de Stefan.
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Damon, o regresso: Meia-Noite
A raposa branca ouvira os desabafos de Stefan durante dias a fio, não
ouvira? Vira Elena a chorar por Stefan. Vira os dois pombinhos juntos, Elena
a alimentar um Stefan moribundo com o seu sangue usando arame farpado. Só a Providência sabia que ideias metera a raposa naquela sua cabeça
branca e peluda quando preparara a rosa que «curara» Damon da sua «maldição». Se a «cura» acabasse por ser irreversível…
Se Sage ficasse incomunicável…
De súbito, irrompeu nos pensamentos de Damon que Elena estava com
frio. Era estranho, já que a noite continuava quente, mas Elena tremia com
violência. Ela precisava do seu casaco ou…
Ela não está com frio, disse-lhe a vozinha que se encontrava algures
dentro de si. E não está com arrepios. Está a tremer por causa de tudo o que
a fizeste passar.
Elena?
Esqueceste-te de mim. Estavas a abraçar-me, mas esqueceste-te por completo da minha existência…
Se ao menos, pensou Damon com amargura. Estás gravada na minha
alma.
Damon ficou furioso de repente, mas era diferente da sua fúria com o
kitsune e com Sage e com o mundo. Era o género de fúria que lhe cerrava
a garganta e lhe fazia sentir o peito demasiado apertado.
Era uma fúria que o fez pegar na mão escaldada de Elena, que estava a
tornar-se rapidamente escarlate nalguns sítios, para a examinar. Damon
sabia o que teria feito se fosse vampiro: acariciaria as queimaduras com
uma língua fresca e sedosa, gerando químicos para acelerar a cura.
E agora… nada havia que pudesse fazer.
– Não me dói – disse a rapariga. Elena já se conseguia manter de pé.
– Estás a mentir, princesa – disse Damon. – A parte de dentro das
tuas pálpebras está levantada. Isso significa dor. E a tua pulsação está
acelerada…
– Consegues sentir isso sem me tocar?
– Consigo vê-lo, nas tuas têmporas. Os vampiros – afirmou Damon com
perversa ênfase no que na essência ainda era – reparam em coisas desse
género. Eu fiz que te magoasses a ti própria. E nada posso fazer para te
ajudar. E também és – Damon encolheu os ombros – uma bela mentirosa.
Refiro-me à bola estrelada.
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L. J. Smith
– Consegues sentir sempre quando eu estou a mentir?
– Meu anjo – disse ele num tom fatigado –, é fácil. Ou tu és hoje a feliz
contemplada com a bola estrelada… ou sabes quem é.
A cabeça de Elena descaiu mais uma vez de consternação.
– Ou então – disse Damon em tom ligeiro – a história de tirar à sorte é
uma mentira pegada.
– Pensa o que quiseres – disse Elena, com pelo menos algum do seu fogo
habitual. – E já agora trata de limpar esta porcaria toda.
No momento em que ela se voltava para sair, Damon teve uma revelação.
– A senhora Flowers! – exclamou.
– Errado – disparou Elena.
Elena, eu não estava a falar da bola estrelada. Dou-te a minha palavra
de honra. Sabes que é muito difícil mentir por via telepática…
Sei, e portanto eu sei que se há alguma coisa que tu pratiques é…
Não conseguiu terminar. Não conseguiu pregar-lhe o sermão. Elena
sabia o quanto significava para Damon a sua palavra de honra.
Não te vou dizer onde está a bola estrelada, enviou Elena a Damon por
via telepática. E juro-te que a senhora Flowers também não te dirá.
– Acredito em ti, mas vamos na mesma ter com ela.
Damon pegou em Elena com facilidade e passou por cima da chávena e
do pires quebrados. Elena agarrou-se de imediato ao pescoço dele com as
duas mãos para se equilibrar.
– Querido, o que estás a fazer…? – clamou Elena e depois deteve-se,
de olhos muito abertos, com dois dedos escaldados a voar para os lábios.
Junto à porta, a menos de dois metros deles, encontrava-se a pequena
Bonnie McCullough, com uma garrafa de vinho Magia Negra, não alcoólico mas misticamente excitante, na mão erguida bem alto. Mas enquanto
Elena a observava, a expressão de Bonnie alterou-se num instante. Começara por ser de alegria triunfante. Mas agora era de choque. Era de uma
incredulidade que não duraria. Elena sabia o que Bonnie estava a pensar.
A casa dedicara-se na íntegra ao conforto de Damon… enquanto Damon
roubava o que por direito pertencia a Stefan: Elena. E ainda por cima mentira acerca de já não ser vampiro. E Elena nem sequer estava a lutar contra
ele. Acabara de lhe chamar «querido»!
Bonnie deixou cair a garrafa e virou-se, fugindo.
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