Teorias da Demanda Efetiva - Programa de Pós

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Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira
De 11 a 13 de agosto de 2010
Teorias da Demanda Efetiva: Keynes, Kalecki e algumas implicações *
Marcos Vinicius Chiliatto-Leite **
III Encontro Internacional da AKB - São Paulo, 2010.
Área: Macroeconomia e Política Econômica.
Resumo
A demanda efetiva foi postulada contemporânea e independentemente por Keynes e
Kalecki e consolida um princípio fundamental da teoria econômica heterodoxa, a qual entende
que o produto é resultado da demanda. As formulações de Keynes e de Kalecki têm diferentes
especificidades e seu próprio foco analítico. Por exemplo: no primeiro há o destaque à
determinação do emprego, com estoque de capital dado; no segundo se destaca a
determinação dos lucros e as implicações de longo prazo da demanda efetiva. Independente
dessas, e outras, diferenças entre Keynes e Kalecki, o princípio da demanda efetiva está
presente e as abordagens são plenamente compatíveis. O artigo apresenta a demanda efetiva
segundo Keynes e keynesianos, bem como segundo Kalecki e kaleckianos. Ademais, são
discutidas implicações fundamentais, tais como: a derrocada da “Lei de Say”; a
desmistificação da poupança; a determinação do emprego e da renda; e uma implicação para a
dinâmica do capitalismo.
Palavras-chave: Demanda efetiva; Keynes; Kalecki.
Abstract
The effective demand was postulated contemporarily and independently by Keynes
and Kalecki and consolidates a fundamental principle of the heterodox economics theory,
which considers that the product is a result of demand. The formulations of Keynes and
Kalecki have different characteristics and its own analytical focus. For example: the first
emphasizes the determination of employment, with a given capital stock; the latter
emphasizes the determination of profits and the long-term implications of effective
demand. Regardless of these, and other differences between Keynes and Kalecki, the principle
of effective demand is present and the approaches are fully compatible. The paper presents the
effective demand by Keynes and Keynesians, as well as by Kalecki and
Kaleckians. Furthermore, we discuss basic implications such as: the fall of the "Say's Law";
the demystification of savings; the determination of employment and income; and an
implication for the dynamics of capitalism.
Keywords: Effective demand; Keynes; Kalecki.
*
O presente artigo é uma versão adaptada do capítulo II da dissertação de mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Economia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ),
com o título “A teoria do subdesenvolvimento de Celso Furtado: uma discussão à luz da questão do papel do
consumo e da controvérsia do estagnacionismo” (CHILIATTO-LEITE, 2010). O autor agradece, eximindo-os de
culpa por eventuais imprecisões do texto, a André Modenesi, Camila Ferraz, Félix Manhiça, Lucas Teixeira e
Salvador Werneck Vianna pelas discussões e comentários durante os anos de colaboração no IPEA-RJ; bem
como às discussões com Fábio Freitas.
**
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Economia do Instituto de Economia da Universidade Estadual
de Campinas (IE/Unicamp). Contato: [email protected] .
1
Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira
De 11 a 13 de agosto de 2010
1. Introdução
O presente trabalho – a ser apresentado em uma Associação Keynesiana – tem como
pano de fundo a contigüidade das teorias de Keynes e Kalecki. Isso não significa
desconsiderar diferenças nas abordagens, mas significa focar nos pontos em comum, nas
convergências teóricas e nas complementaridades entre Keynes e Kalecki. O que contribui
para se discutir e compreender, no campo heterodoxo, a essência e a dinâmica de economias
capitalistas.
Este artigo apresenta uma discussão teórica a respeito do ponto nodal na
macroeconomia heterodoxa, qual seja, a demanda efetiva. Formulada por Keynes e Kalecki,
este princípio fundamental é a âncora da teoria econômica proposta por esses autores e tem
implicações importantes, tais como: a derrocada da “lei de Say”; a desmistificação da
poupança; a determinação do emprego e da renda; e a compreensão da dinâmica cíclica do
capitalismo.
A Lei de Say postula que a demanda, em termos agregados, é conseqüência da criação
de oferta. Antiteticamente, o Princípio da Demanda Efetiva (doravante PDE) formula
fundamentalmente o oposto, pois a demanda, em geral (ou o gasto, qualquer que seja), passa a
ser a variável independente.
O presente artigo buscará apresentar o PDE, discutindo duas diferentes (porém
compatíveis) formulações. Então, com o arcabouço das teorias de Keynes e Kalecki, discutirse-ão os determinantes do nível de emprego, renda e o comportamento dinâmico de uma
economia capitalista de modo geral.1
Para contextualizar a discussão, vale destacar que Keynes e Kalecki, apesar de
procedências teóricas distintas, formularam o que ficou conhecido na literatura como o
Princípio da Demanda Efetiva. Keynes fora um autor da Escola de Cambridge, que em sua
época estava sob forte influência de Alfred Marshall. Kalecki, por sua vez, foi um polonês de
formação marxista que, contemporaneamente a Keynes, deu contribuições à compreensão de
princípios básicos da economia heterodoxa. Nesse sentido, como propõe Macedo e Silva
(1995a; 1995b), o PDE devidamente formulado pode ser considerado como um dos elementos
centrais e ponto de partida de uma teoria econômica heterodoxa.
A primeira parte deste artigo buscará mostrar que a demanda efetiva em Keynes
(1992) é tratada na esfera das decisões de produção (curto prazo), em que a estrutura
produtiva e as expectativas de longo prazo são dadas. O princípio é explicitado como um
“ponto” de intersecção de funções de demanda e oferta agregadas, em termos de renda
esperada, que determina o nível de emprego e conforma um “equilíbrio”, i.e., sem tendência
de ajuste automático ao pleno emprego. Ao longo da seção sobre a formulação keynesiana, o
leitor perceberá que a dissertação faz uso da contribuição de diferentes economistas, tais
como Paul Davidson, Smolensky, Minsky, Sidney Weintraub, Fernando Cardim, Macedo e
Silva, Luiz Gonzaga Belluzo e Júlio Gomes de Almeida, que ajudam a esclarecer (ou até
mesmo adicionam elementos novos) pontos importantes da teoria de Keynes.
A segunda parte do trabalho discutirá a exposição de Kalecki (1983a), na qual o PDE
baseia-se em uma “determinação unilateral das receitas (rendas) pelo gasto” (POSSAS, 1999:
p. 19). Implicitamente, o princípio aparece por meio dos gastos agregados, separados em
classes: consumo capitalista, investimento e mais os salários (em princípio sendo
integralmente consumidos pelos trabalhadores). Na esquemática do autor, será visto como os
lucros (e, conseqüentemente, as rendas) são determinados pelos dispêndios capitalistas em
consumo e investimento (considerando governo com orçamento equilibrado e setor externo
com saldo nulo). Assim como na seção dedicada a Keynes, o entendimento da teoria de
1
O termo geral aqui utilizado busca explicitar a abordagem generalizada das relações econômicas capitalistas,
sem contemplar especificidades importantes para o entendimento de uma economia segundo seu momento
histórico e especificidades estruturais.
2
Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira
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Kalecki é apresentado a partir do original, mas também com o auxílio das obras de Jorge
Miglioli, Mário Possas e Paulo Baltar.
Com fins introdutórios, deve-se apreender que o princípio que inverte a Lei de Say, o
PDE, é geral e trata da compreensão do gasto, qualquer que seja, como a variável
independente. Belluzzo e Almeida (2002) resumem a demanda efetiva com a compreensão de
que “o conjunto das decisões de gasto determina em cada momento qual será o nível de renda
da comunidade” (BELLUZZO & ALMEIDA, 2002: p. 65).
Adicionalmente, a formulação de Possas (1987) é simples, direta e elucidativa. O PDE
pode ser sistematizado em forma geral partindo-se de uma economia mercantil simples e
monetária (analogamente à construção lógica de Marx, na qual a circulação de mercadorias
segue a lógica M–D–M). Assim, sem a necessidade de se definir o PDE em uma economia
capitalista plenamente constituída, ou ainda, sem qualquer “roupagem” de agregação,
distribuição de renda, componentes ex ante etc. Basta uma economia de trocas com o dinheiro
cumprindo suas funções básicas2. O PDE acusa que, nas transações econômicas, existe apenas
uma única decisão autônoma: gastar. Implica que cada gasto, qualquer, gera uma renda de
igual magnitude. Agregando em um período contábil definido: o somatório dos gastos
determina e é idêntico ao somatório de receitas (POSSAS, 1987).
2. Formulação keynesiana
A década de 1930 trouxe recessão profunda, desemprego involuntário persistente3 e
explicitou a incapacidade de auto-ajuste das economias capitalistas. Foi um período em que o
colapso econômico e social trazia o “risco” de colapso político, e setores mais conservadores
temiam as idéias de planificação da produção, contra a economia de mercado. A Teoria Geral
do Emprego, do Juro e da Moeda4 (doravante Teoria Geral) foi publicada nesse contexto e
proveio de Cambridge, um meio em que Marshall e seus discípulos postulavam teorias cujas
conclusões eram mais otimistas com relação a forças imanentes do mercado. Ainda que
admitissem imperfeições e falhas nos mecanismos de mercado que justificariam intervenções
do Estado, havia uma tendência dos desequilíbrios se ajustarem automaticamente.
Foi nesse ambiente, cultivado em Cambridge, onde Keynes publicou sua obra e o
termo “revolução” keynesiana é compreensível. A Teoria Geral, alternativamente e em
oposição às idéias anteriores, conclui, basicamente, que a economia pode sofrer com
insuficiência de demanda, o que implica em desemprego involuntário; diante de tais situações
de baixa demanda e desemprego persistente, Keynes argumentava que não há motivos
teóricos, nem indícios na realidade, para crer que a economia seja, por si só, auto-ajustável.
Segundo Keynes (1992), a ênfase no termo “geral” se justifica por ser uma teoria que
se aplica não só ao caso especial do pleno emprego, como ocorria na abordagem ortodoxa,
mas também aos casos que coadunam com a realidade observada nas economias capitalistas.
Essa primeira parte do artigo busca contribuir para compreender que se inverte o
postulado de Say ao definir que a renda e o emprego, em cada instante, são determinados pela
demanda agregada. Para isso, a próxima seção do texto discute o princípio da demanda efetiva
inspirado em Keynes. Seguida por apresentação sintética da teoria de determinação da renda e
do emprego de Keynes (1992) e keynesianos (seção 2.2).
2
Quais sejam, a de reserva de valor, unidade de conta e meio de troca.
3
No caso da Inglaterra o desemprego persistente caracterizou todo o pós-primeira guerra. Isso certamente teve
influência na reflexão dos economistas ingleses a respeito do tema do desemprego, que já estava em evidência
por mais de uma década quando teve início a grande depressão.
4
Keynes (1992).
3
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2.1. Demanda efetiva em Keynes e keynesianos
A demanda efetiva na Teoria Geral é apresentada por meio de um “ponto” formado
pela intersecção de curvas (diferentes das tradicionais curvas neoclássicas): uma de “oferta
agregada” e a outra de “demanda agregada”, ambas em termos de renda esperada. O esquema
sistematiza o arcabouço teórico de Keynes (1992) de determinação do emprego, discutido na
seção posterior.
Os gráficos da presente seção são construídos a partir das leituras de Weintraub
(1966), Davidson e Smolensky (1964) e contribuem para a visualização do que Keynes
denominou de “ponto de demanda efetiva”. Para cumprir com esse objetivo, primeiramente
analisam-se a função de oferta (Z) e posteriormente a de demanda (D).
Os valores de Z representam a quantia monetária (em termos esperados) necessária
(custos dos fatores) e compensadora (lucros mínimos desejados) das vendas para os diferentes
níveis de mão-de-obra ocupada pelos empresários (N). Em outras palavras, para entender a
essência da idéia representada pela função, pode-se afirmar que a curva de oferta expressa
aquilo que os empresários esperam (em cada patamar de emprego de uma dada estrutura de
capital) receber somando despesas de salários (W=w.N, onde w representa o salário médio);
custos fixos e variáveis (F), de modo que os custos marginais podem ser supostos constantes
até o ponto em que elevada ocupação da capacidade faz o custo marginal se tornar crescente;5
e um montante de lucro mínimo bruto (R), que além de incluir depreciação, abarca impostos e
despesas financeiras. Z representa os valores a partir dos quais passa a ser viável, na ótica dos
empresários, o emprego de mais trabalho. Nesse sentido, entende-se o lucro como função
crescente do emprego em R=R(N) na medida em que: “the one axiom that embodies is that
entrepreneurs will ordinarily give more employment, and produce more output, only if they
expect higher levels of sales proceeds (WEINTRAUB, 1966, p. 15, destaque no original).
Com esses elementos, a função Z se expressa na equação 1 e 1‟, também representada
no gráfico 1:
Z  W  F  R  Z ( N ; w)
(1)
Z  Z ( N ; w)
(1’)
Z ($)
Gráfico 1: Curva de oferta agregada (Z) e componentes
N
Z
W
F
R
A partir de Weintraub (1966), supõe-se que na função Z i) os salários são constantes e
5
Weintraub (1966, p. 21) faz a curva de custo F com taxa de crescimento constante em todos os períodos. Aqui,
optou-se por acrescentar os custos marginais crescentes, como supõe Keynes na Teoria Geral, mas não em todos
os pontos da curva, apenas a partir de alto nível de ocupação da capacidade.
4
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o trabalho é homogêneo; ii) o estoque de capital não varia, portanto a análise empreendida é
de curto prazo; iii) a função de produção está dada; e, por fim, iv) há um determinado estado
de competitividade, que não precisa ser de concorrência perfeita6. Para os fins da presente
discussão, essas suposições não interferem decisivamente nos argumentos. Ademais,
poderiam deslocar a função Z, por exemplo, variações no salário, mudanças no volume de
equipamento instalado, novas técnicas produtivas, grau de concorrência, ou nova variedade de
bens produzidos.
É interessante destacar que a função de oferta na concepção keynesiana, aqui
discutida, permite observar que com o salário médio constante7, ainda que os custos marginais
fossem constantes ao longo de toda a curva, a decisão de produção (e emprego) apenas se
justifica por lucros crescentes, o que garante, por si só, que a curva Z além de ser crescente
seja, também, a taxas crescentes.
Portanto, para condições técnicas e de custo do trabalho dados, trata-se de uma função
dZ

crescente em relação ao emprego 
 0  e supõe-se também que os custos podem ser
 dN

constantes ou a taxas crescentes (a partir de certo nível de ocupação da capacidade) com
crescente participação dos lucros em relação aos salários, em termos de distribuição
d ²Z
 0 . Ilustrativamente, poder-se-ia supor Z apenas como
funcional, o que garante que
d ²N
uma reta crescente, ou ainda traçar a curva de requintadas maneiras que contemplassem outras
especificidades da estrutura de oferta; mas essa questão em nada afeta o que se quer
demonstrar neste texto. Sobre esses detalhes vale consultar Davidson e Smolensky (1964).
Por sua vez, a curva D expressa a quantia monetária esperada das vendas provenientes
do consumo e investimento de cada nível de emprego (N). Weintraub (1966) decompõe a
curva em três componentes principais, quais sejam, o consumo (Dc), o investimento (Di) e a
despesa do governo (Dg), assim, a função D fica como:
D  Dc  Di  Dg
(2)
O componente do consumo (Dc) pode ser decomposto segundo múltiplas propensões a
consumir, multiplicadas por cada uma das rendas das diferentes categorias da sociedade:
assalariados, funcionários públicos, altos executivos, rentistas e aqueles que obtêm lucros e
dividendos. Apenas por simplificação, sem prejuízo aos objetivos da presente seção, pode-se
apresentar uma propensão média a consumir multiplicada pela renda dos assalariados e outra
aos que obtêm renda de alugueis, juros, lucros e dividendos (L) – essa última também como
função do nível de emprego (N):
Dc  cw wN  cl L  A
(3)
Nas vezes em que se vê c, as variáveis representam as propensões a consumir daqueles
cuja renda provém de salários e de lucros somados a rendas não-assalariadas listadas
anteriormente.8 Por fim, o componente A compõe todo o consumo “autônomo” proveniente de
6
Embora para Keynes (1992) seja o caso.
Os salários podem até ser pensados como crescentes, desde que a expectativa de receitas seja crescente a ponto
de garantir crescimento absoluto dos lucros de modo satisfatório aos empresários. Ademais, o resultado de
variação dos salários torna-se ainda mais incerto quando se considera a função de demanda, que se desloca com
mudanças no salário.
8
Vale destacar que Keynes (1992) apresenta uma única propensão a consumir para toda a sociedade.
7
5
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variadas formas de poder de compra como acumulação de lucros passados, diversos ativos,
crédito, aposentadorias, heranças etc.
O componente do investimento (Di) engloba as características determinantes dessa
variável, como se discutirá na seção ulterior. Basicamente, Di depende: i) do estoque de
capital (K), bem como dos preços dos equipamentos; ii) lucros do passado imediato (R-1); iii)
lucros esperados (R*); iv) taxa de juros (r); assim como os salários monetários futuros
(WEINTRAUB, 1966). Assim, tem-se:
Di  Di ( N ; R1, R*, w, r, K )
(4)
Por fim, o componente do governo pode ser pró-cíclico, ou anticíclico em relação ao
emprego e renda, mas por ser determinado por questões eminentemente políticas ou exógenas,
define-se simplesmente como um item dado na demanda:
Dg  Dg
(5)
Desse modo, agregando os três elementos, destacando as variáveis fundamentais e,
como faz Weintraub (1966), omitindo parâmetros exógenos define-se:
D  Dc ( N ; w)  A  Di ( N ; w, r )  Dg
D  D( N ; w, r )  A
(6)
(6’)
Analisando a curva de demanda em conjunto com a oferta e as implicações em termos
de uma teoria do emprego, tal qual Keynes se preocupa na Teoria Geral, D implica que é em
função dos gastos agregados esperados que os empresários tomam a decisão, ex ante, de
produzir (de acordo com uma dada estrutura produtiva e tecnológica) e de empregar
determinada quantia de mão-de-obra. Isso quer dizer que há uma relação positiva entre as
dD

variáveis emprego e demanda 
 0  (num dado quadro expectacional). Admitir
 dN

mudanças, por qualquer motivo, nas expectativas implica em instabilidade das curvas, afinal,
as mesmas dependem da variável “expectativa”.
Ademais, supõe-se que apesar de a curva D ter inclinação positiva, as taxas são
d ²D

decrescentes 
 0  como conseqüência da propensão marginal a consumir diminuir com
d
²
N


o crescimento da renda.Vale destacar que é suficiente que a propensão marginal a consumir
seja menor que 1, isso garantiria que a curva de demanda seja crescente, mas com inclinação
inferior a curva de oferta e, então, necessariamente haveria um ponto de encontro entre as
curvas. Analogamente à ressalva feita com a curva Z, poder-se-ia supor D como uma reta
simplesmente crescente, ou com outro formato (desde que mais horizontal que Z, para
permitir a existência de solução), mas aquilo que este texto discute independe dessas
diferentes possibilidades teóricas.
O que Keynes (1992) chamou de ponto de demanda efetiva (p, no gráfico 2) determina
o nível de emprego (também a renda e produto da economia) e forma um “equilíbrio”
independente do nível de pleno emprego. Desse modo, de acordo com as expectativas, os
6
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empresários tomam suas decisões de produção; o grau de incerteza e confiança definem o
comportamento dos agentes com relação à demanda por moeda como ativo e empregam os
fatores de produção de acordo com a demanda efetiva. Caso este ponto esteja abaixo do pleno
emprego, trabalhadores involuntariamente ficam desocupados e não há mecanismos autoajustáveis. Sendo assim, o ponto de demanda efetiva conforma-se como um “equilíbrio” que
apenas eventualmente se dá com pleno emprego da força de trabalho.
Z, D ($)
Gráfico 2: Ponto de demanda efetiva e determinação do emprego
p
Emprego
segundo DE
Z
Pleno
emprego
N
D
Com o esquema do ponto de demanda efetiva, Keynes explicita que a determinação do
nível de emprego em uma economia capitalista não é dada na esfera do mercado de trabalho.
Segundo a teoria do emprego de Keynes – discutida a seguir – a ocupação da força de
trabalho é resultado das decisões de produção dos empresários, o que está ancorado nas
condições esperadas da demanda agregada. Assim, caso exista desemprego involuntário em
uma economia, em primeiro lugar, não há mecanismos de ajuste automático; em segundo,
mudanças no âmbito do mercado de trabalho (como, por exemplo, reduções salariais),
coeteris paribus, não devem afetar o nível de emprego.
Note-se, adicionalmente, que o pleno emprego em Keynes não significa plena
ocupação de capacidade, mas se refere à ocupação de toda oferta de trabalhadores no mercado
de trabalho. Isso explica o porquê de a linha pontilhada que indica o pleno emprego no
gráfico 2 não ser assintótica com a curva Z.
2.2. Teoria do emprego e da renda em Keynes e keynesianos
Em artigo de 1937, Keynes, ao debater com críticos da recém publicada Teoria Geral,
reforça contribuições fundamentais de sua obra, como o tratamento da incerteza e sua relação
com a moeda. Segundo Keynes (1937), a incerteza9 é um conceito fundamental, pois, diante
do desconhecimento sobre o futuro os agentes podem preferir, no presente, reservar sua
riqueza na forma mais líquida possível. Uma vez que a moeda é socialmente aceita como
forma de liquidar contratos, também serve como unidade de conta, meio de troca e reserva de
valor. Essas funções exercidas pela moeda em uma economia monetária justificam sua posse
num ambiente cujo futuro é necessariamente incerto (mesmo que sua propriedade não
implique rentabilidade, ou juros). Do contrário aplicar-se-ia a indagação de Keynes (1937:
p.115 e 116): “Why should anyone outside a lunatic asylum wish to use money as a store of
wealth?”. Assim, supondo que as propriedades da moeda não estejam sendo afetadas por
complicações quaisquer, como situações hiperinflacionárias, a moeda é capaz de oferecer, ao
9
Maiores detalhes sobre incerteza, ver Davidson (1972).
7
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longo do tempo, defesa para a riqueza dos agentes, por isso, denominada de “liquidity timemachine” (Davidson, 1994).
No capítulo 18 da Teoria Geral, Keynes organiza a argumentação sob a forma de um
modelo sintético em três equações, com três variáveis endógenas, as quais seguem em ordem
causal e seqüencial10: i) o esquema da preferência pela liquidez (PL), o qual, com dada oferta
de moeda, define “a” 11 taxa de juros; ii) determinado os juros, diante do esquema da
Eficiência Marginal do Capital (EMgC) define-se o investimento; iii) dado o investimento, a
partir da propensão a consumir e do multiplicador determinam-se a renda agregada e o nível
de emprego.
Vejamos esses pontos em síntese. No capítulo 13 da Teoria Geral, Keynes supõe um
dado nível de oferta de moeda, ao qual se associa um estado da PL que é resultado do grau de
incerteza dos agentes, de modo que quanto mais incerteza e insegurança, maior a preferência
pela moeda. Esses fatores determinam o nível dos juros, o qual é concebido no modelo da
Teoria Geral como uma recompensa por abrir mão da liquidez.12 Conjugada à teoria da PL,
Keynes (1992) desenvolve uma teoria do investimento, a qual se fundamenta na EMgC 13 em
comparação com a alternativa dos ativos que rendem a taxa de juros vigente, que, então,
define o nível de investimento de uma economia monetária empresarial.
Determinado o nível de investimento, por meio das teorias da PL e do investimento,
Keynes (1992) conclui a seqüência de determinação da renda e do emprego com um
mecanismo de propagação denominado “multiplicador”, que resulta da propensão a consumir
da sociedade – que o autor também destacou no artigo de 1937. Então, dado o investimento,
há a multiplicação do gasto, segundo uma propensão a consumir, que determina o nível de
renda agregada e o nível de emprego.
No capítulo 17, Keynes (1992) aponta que a moeda possui qualidades especiais, quais
sejam: a elasticidade nula (ou negligenciável) da substituição e da oferta (produção) da moeda
em resposta a demanda; e seu “prêmio de liquidez” (máximo) é muito maior que seu “custo
de carregamento” (negligenciável ou nulo). Com apoio da leitura de Minsky (2008: cap.4 e
5), o capítulo 17 pode ser compreendido como um “modelo geral de escolha de ativos”, em
que cada um dos ativos possui sua “taxa própria de juros” e seus preços relativos medem as
diferenças de seus retornos esperados. Todos eles têm que compensar, em remuneração
monetária, seu risco em relação ao “ativo de referência” (moeda), de modo que, em equilíbrio,
cada ativo oferece retornos monetários proporcionais ao seu risco de iliquidez (CARVALHO,
1996). Dado o fato de que aplicar capital em moeda (ou bens não-reprodutíveis quaisquer) em
busca de seu prêmio de liquidez (para se proteger do risco e incerteza de alocar riqueza em
10
Como propõe Carvalho (1992).
Lembrando que Keynes (1992) apresenta “uma” taxa de juros no capítulo 15, no qual ele organiza a
argumentação sob a abstração de dois ativos: a moeda (líquido) e títulos (ilíquidos). No controverso capítulo 17,
Keynes (1992) muda o enfoque e considera n classes de ativos e, portanto, n taxas de juros. Dentre os ativos está
a moeda, cuja taxa de juros está relacionada com o prêmio de liquidez.
12
Não é o foco deste artigo a discussão sobre a exogeneidade ou endogeneidade da oferta da moeda. Para
detalhes, ver a discussão do verticalismo e horizontalismo em Kaldor (1970, 1982, 1985), Davidson (1977),
Weintraub (1978a; 1978b), Minsky (1982) e Moore (1979; 1985; 1988; 1989). Parte da literatura interpreta que
Moore está entre os principais autores da teoria da moeda endógena (Fontana, 2001; 2002) – pedra fundamental
da abordagem pós-keynesiana –, considera a moeda endogenamente determinada pela preferência pela liquidez
dos agentes econômicos (Lavoie, 1984; 1985; 1996; 2005; Chick e Dow, 2002; Monvoisin e Pastoret, 2003;
Fontana e Palacio-Vera, 2003; Palley, 2003; Rochon, 2003). Outra frente de discussão importante, mas não em
foco neste trabalho, aborda a taxa de juros como exógena, sobre o tema, ver Lavoie (1992) e Pivetti (1991).
13
Sinteticamente, Keynes determina a EMgC pela abundância (ou escassez) de bens de capital e, mais
importante do que isso, pelas expectativas correntes dos rendimentos futuros, dos mesmos bens de capital, vis-àvis seus custos. Tais expectativas estão fundadas, como demonstra Keynes na Teoria Geral, em fracos indícios
incertos e sujeitos a grandes variações repentinas, capazes de fazer o investimento flutuar rápida e intensamente
como resultado da flutuação da EMgC. (Keynes, 1992: capítulo 11 e outros).
11
8
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ativos reais) é uma decisão possível (e provável dependendo das circunstâncias); a maior
preferência por liquidez (ou, se quiser, propensão a entesourar) afeta o valor da taxa de juros;
caso isso implique em baixa efetivação de demanda, por sua vez afetaria o nível de ocupação
da força de trabalho. Portanto, explicita-se a possibilidade de insuficiência de demanda efetiva
e, por conseqüência, baixa renda agregada e desemprego involuntário.
Neste caso, a abordagem keynesiana edifica uma importante preocupação do ponto de
vista da renda e ocupação da força de trabalho. Caso se conforme uma situação de
desemprego, no arcabouço keynesiano não há mecanismos automáticos que fariam a demanda
se reativar e, então, constituir uma tendência ao pleno emprego. Assim, o desemprego
involuntário pode persistir e ser um ponto estável de “equilíbrio”. O nível de renda e emprego
são vulneráveis aos estados das expectativas e da incerteza, variáveis essas que não
apresentam comportamentos auto-ajustáveis e são determinadas por múltiplos motivos, cujos
determinantes são pouco objetivos e comumente os agentes optam por simplesmente adotar o
comportamento da maioria diante do receio das perdas.
Vale comentar que na Teoria Geral, Keynes apresenta-se mais preocupado com os
impulsos do que com a propagação, ciclos e a dinâmica. O foco parece ser discutir que a partir
de expectativas que configuram baixo nível de demanda efetiva, o desemprego pode ser um
“equilíbrio final”; e não um momento passageiro que, per se, rumará para o pleno emprego.
Ou seja, Keynes se concentra em demonstrar que o capitalismo não tem “mecanismos
endógenos de promoção e manutenção do pleno emprego”. (CARVALHO, 1988: p. 757). Os
ciclos econômicos estão na Teoria Geral, mas em “segundo plano”, considerados no capítulo
22 como “uma variação cíclica da eficiência marginal do capital” (Keynes, 1992: p. 243). Do
ponto de vista de Carvalho (1988), a propagação e flutuações se tornam um problema de
adaptação, certamente interessante, mas compreensivelmente “secundário” na Teoria Geral.14
É importante destacar que Keynes divide a decisão do empresário entre o curto prazo e
o longo, cada qual com suas especificidades na formação de expectativas, como se pode ver
em Keynes (1992, cap. 5 e 12). O curto prazo se refere às decisões de ocupação da capacidade
já instalada. Desse modo, o empresário decide colocar seu capital em ação com base nas
previsões de venda que, no caso do curto prazo, são muito influenciadas pelos dados correntes
e pelo passado mais recente. Quanto ao longo prazo, este trata das decisões sobre criação de
capacidade produtiva, na qual as peculiaridades da formação de expectativas e a tomada de
decisões são mais complexas. Afinal, uma vez que se opta pela criação de capacidade, não é
mais possível rever tal tipo de decisão a cada instante, como ocorre com o curto prazo. A
instalação de um equipamento implica em imobilização de capital por longos períodos, que
caso precisem ser revistos, levaria a perdas substanciais.
Com isso em mente, é possível concluir que as expectativas de longo prazo são
cruciais para Keynes (1992). As decisões de investimento são tomadas com base no “retorno”
esperado para muitos períodos subseqüentes; em outras palavras, o estado das expectativas e a
confiança na mesma orientam planos de investimento (ou em caso de optar pelo nãoinvestimento: a precaução), que então geram diferentes resultados macroeconômicos. Isso
significa que na Teoria Geral, as informações correntes e passadas não compõem toda a base
para a tomada de decisões (nem mesmo no caso das expectativas de curto prazo). Algo que
14
Apesar de o ciclo econômico ser tratado em “segundo plano” na Teoria Geral é possível que a obra seja
interpretada com destaque à perspectiva cíclica. Minsky (2008: cap. 3) aponta o caráter cíclico como uma das
“perspectivas fundamentais” que permitem uma leitura da Teoria Geral alternativa à síntese neoclássica e
adequada à teoria de Keynes. Talvez, o mais importante seja destacar que Keynes (1992) afirma (cap. 18) que as
flutuações podem ocorrer não em torno de uma tendência de pleno emprego, mas, sim, em torno de um nível de
produto abaixo do pleno emprego.
9
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De 11 a 13 de agosto de 2010
anteriormente o próprio autor sugeria no Tratado sobre a Moeda15, obra essa que enfatiza a
importância do lucro (ou perda) corrente nas decisões futuras. 16 Assim, a partir da Teoria
Geral, o autor compreende que a compra de um ativo – cujo objetivo é gerar retornos ao
longo de anos – não pode ser uma decisão ligada meramente aos dados correntes e passados.
Esses últimos não se afirmam irrelevantes, mas insuficientes. A decisão empresarial depende
das expectativas e do grau de confiança dos agentes sobre suas próprias previsões, o que não
significa que o tão conhecido animal spirits seja um “impulso” injustificado que faz o
investimento ser uma decisão meramente “irracional”, mas admite-se que as deliberações que
afetam o futuro estão sujeitas às questões de ordem política, econômica, subjetivas, aos
diferentes interesses ou hábitos. Destarte, não se conformando como um fenômeno
meramente probabilístico e matemático.
Sendo assim, no modelo da Teoria Geral, seja o receio (ou o otimismo) em ocupar
capacidade instalada diante da possibilidade de não efetivação de demanda (ou esgotamento
de estoques), sejam as expectativas de longo prazo, são maneiras pelas quais o futuro traz
resultados reais ao presente. Dessa forma, as decisões de investimento são afetadas e a
“expectativa sobre o futuro influencia o presente” (Keynes apud Carvalho, 1988: p. 757) em
termos da renda e do emprego.
Com a compreensão do esquema Keynesiano, conclui-se a seção com a possibilidade
teórica de desemprego involuntário persistente. O nível de emprego e renda são resultados da
demanda e dos dispêndios da economia, a possibilidade dos empresários aplicarem seus
capitais em ativos não reprodutíveis (como a própria moeda) abre a possibilidade de haver
insuficiência de demanda por bens e serviços. Tornando o pleno emprego, no bojo da teoria
keynesiana, uma mera eventualidade.
3. Formulação kaleckiana
Michal Kalecki, segundo a apresentação de Miglioli (1983), foi um autodidata em sua
formação como economista, que esteve sob forte influência das obras de Marx e de autores
marxistas. Kalecki iniciou sua graduação na Escola Politécnica de Varsóvia, mas não chegou
a concluir o curso. Em 1927 ingressou em emprego no Instituto de Pesquisa de Conjuntura e
Preços, de Varsóvia. No ano de 1935, quando já publicara inovadoras idéias em artigos sobre
teoria dos ciclos econômicos em 1933 e 1935,17 foi à Suécia com bolsa de estudos. Também
foi à Inglaterra e esteve na Universidade de Cambridge de 1937 a 1939, posteriormente em
Oxford de 1940 a 1945. Somente aos 57 anos obteve título acadêmico, quando, já
reconhecido internacionalmente, foi nomeado professor universitário pelo governo polonês.
Em seguida, no ano de 1964, recebeu da Universidade de Varsóvia o título de Doutor honoris
causa.
Ao longo da discussão sobre a determinação dos lucros e da renda na teoria de
Kalecki, buscar-se-á deixar claro que sua formulação não representa uma quebra, ou uma
“revolução” teórica como fora Keynes em Cambridge. Kalecki parte da obra de Marx e das
discussões de marxistas como Rosa Luxemburgo e Tugan-Baranowski para, então, avançar no
entendimento da demanda efetiva. A formulação do PDE permitiu a conformação de uma
teoria capaz de explicar a produção a partir da demanda, fato que – apesar de conformar um
15
Nesse ponto, Keynes mudou bastante de idéia entre o Tratado sobre a Moeda (Keynes, 1971) e a Teoria
Geral. Ademais, o desequilíbrio de curto prazo (variação indesejada de estoques e/ou preços diferentes do preço
normal de oferta) não é de maneira nenhuma necessário para as suas principais conclusões, em particular aquela
referente à possibilidade de uma situação permanente de produto e emprego abaixo dos seus níveis de plenos.
16
Ou ainda em Kalecki, como será discutido a seguir, que propõe um “acelerador” do investimento do tipo
backward looking.
17
Respectivamente Kalecki (1983e; 1983d).
10
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De 11 a 13 de agosto de 2010
desenvolvimento de grandes proporções – não rompeu (tal qual fora com Keynes, que negava
a teoria neoclássica) com o passado da tradição marxista.
Esta segunda parte do texto buscará apresentar que na teoria de Kalecki, o autor parte
do entendimento que a única decisão autônoma numa economia capitalista é a de gastar. Na
seguinte seção, a partir de Kalecki (1983a; 1983b), será discutido o esquema de
departamentos kaleckiano, a partir do qual a lógica do PDE fica explícita e, então, a
sistemática da determinação da renda. Posteriormente discute-se o porquê da poupança não
financiar o investimento (seção 3.2) e, por fim, o comportamento dinâmico em economias
capitalistas é brevemente abordado (seção 3.3).
3.1. Determinação dos lucros, da renda e a demanda efetiva em Kalecki
Com fins de entendimento teórico, Kalecki (1983a; 1983b) propõe uma divisão da
economia inspirada na departamentalização proposta por Marx (1985), 18 mas com
importantes diferenças. Marx havia traçado a divisão entre a categoria de “produtor de bens
de produção” e a de “produtor de bens de consumo”, respectivamente departamento I e II.
Segundo Kalecki, a reformulação dos departamentos de Marx foi feita com o fim de
simplificar a argumentação e se concentrar no “problema básico dos esquemas de
reprodução” (KALECKI, 1983b, p. 1). O autor se refere a focalizar as atenções na
compreensão da demanda efetiva, cujas idéias seminais (na interpretação do próprio Kalecki)
já estavam presentes em Marx, mas sem a devida atenção e investigação. Desse modo, em
Kalecki a demanda efetiva se consolida como uma teoria que “continua” 19 a trajetória da
tradição marxista e, portanto, não foi uma cisão teórica, tal qual ocorrera com a Teoria Geral
em Cambridge. Nesse sentido, deve-se retomar brevemente o esquema de circulação de Marx
que permite fundamentar sua crítica à Lei de Say.
Para refutar a Lei de Say, Marx (1985) o faz antes de chegar na fórmula do capital, 20
i.e., por meio da forma de circulação de mercadorias (M – D – M), o motivo é que a mera
existência do dinheiro com suas funções básicas, em uma economia mercantil simples, é
suficiente para concluir que não necessariamente todo o produto gerado, convertido em
dinheiro, será então convertido em demanda. Portanto, para compreender a inadequação do
postulado de Say é suficiente o esquema simples de circulação M – D – M, que se apresenta a
seguir.
18
Analisando a acumulação de capital no conjunto econômico, Marx (1985) dividiu a economia em dois
departamentos, quais sejam, o produtor de bens de produção e o produtor de bens de consumo, respectivamente
departamento I e II, os quais subdividem-se entre os três elementos apresentados (capital constante, variável e
mais-valia):
I=C1+V1+M1
II=C2+V2+M2
Na situação de reprodução simples, isto é, na qual não há investimento líquido positivo, a produção, ou o valor
criado no departamento I compreende exatamente à reposição de capital de ambos os departamentos. Não há,
portanto, acumulação, pois a conversão de mais-valia em capital não é suficiente para extrapolar a reposição do
capital. No caso da acumulação de capital – a reprodução ampliada – parte da mais-valia deve ser consumida
pelos capitalistas (  ), e o restante aplicado em capital constante e variável (respectivamente M c e Mv), segundo
o esquema:
I=C1+V1+  1+M1c+M1v
II=C2+V2+  2+M2c+M2v
19
Adicionalmente, destaca-se que na tradição marxista, alguns autores haviam se preocupado em investigar a
problemática, também de modo seminal, e Kalecki (1983c) se empenha em analisar e discutir a produção desses
autores, os quais são representados por Rosa Luxemburgo e Tugan-Baranowski.
20
A fórmula do capital surge, analiticamente, quando dinheiro se converte em capital, ou consolida-se na
fórmula: Dinheiro (D) – Mercadoria (M) – Dinheiro adicinal (D‟). Desenvolver esse tema não é objetivo do
artigo, o que pode ser visto em Marx (1985, Vol. I, cap. 1, 2 e 3).
11
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O movimento de intercâmbio de mercadorias M – M se conforma em dois processos
distintos – separados temporal, espacial e logicamente – que Marx (1985) denominou de
“metamorfoses da mercadoria”, quais sejam: M – D, a venda; e D – M, a compra.
Primeiramente, analisa-se a metamorfose M – D (venda), que foi também considerada
pelo autor como o “salto mortal da mercadoria”. Com a divisão social do trabalho, qualquer
pessoa que produza uma mercadoria – que a seu possuidor não há atribuição de valor de uso,
mas, sim, valor de troca – deve encontrar outrem que possua dinheiro e atribua a esse produto
do trabalho um valor de uso. Dessa maneira, o trabalho despendido na gestação de tal
mercadoria se conforma como socialmente aceito, realiza-se, e permite à mercadoria dar o
“salto mortal” transformando-se em dinheiro. Caso a mercadoria não se converta em dinheiro,
afirma Marx (1985, Vol. I, p. 95): “não é a mercadoria que é depenada, mas sim o possuidor
dela”. Com a divisão social do trabalho, as diversas necessidades devem ser obtidas com
mercadorias de outros, o que se viabiliza somente por meio da posse do dinheiro, assim quem
não tem dinheiro é “depenado”. Se certa pessoa não é capaz de cumprir com o “salto mortal”,
é, portanto, incapaz de fazer com que o próprio trabalho garanta atender suas “multilaterais
necessidades”.
A segunda, ou final, metamorfose da mercadoria é D – M (compra). Com a capacidade
que o dinheiro tem de expressar o valor de qualquer outra mercadoria e nela se
metamorfosear, a metamorfose se completa na conformação de uma compra, que só pode ser
decidida pelo possuidor de dinheiro, que ao fazer, garante simultaneamente o “salto mortal”
de outrem. Afinal, por óbvio, um ato de compra é também um ato de venda. Assim, a última
etapa da metamorfose da mercadoria é também o princípio de outra. Destaca-se, novamente,
que aquele que possui o dinheiro é o único que tem o “poder”, ou a capacidade, de garantir
que um produto do trabalho seja convertido em dinheiro (renda).
Marx (1985) insiste que a realização de uma venda, um salto mortal M – D, é a
recíproca de uma compra de outrem, em estágio D – M. A divisão do trabalho garante que os
indivíduos precisem intercambiar mercadorias e assim a produção está separada das vendas
em termos de indivíduos, mas também em espaço e tempo. Produz-se em locais e períodos
distintos de suas vendas. Ademais, a separação lógica entre os processos evidencia que não
necessariamente a posse de dinheiro (obtida em M – D, que ao mesmo tempo a outro foi um
D – M) implicará em realização de outra compra.
Destaca-se, por fim, o que já deve estar claro. O que se apresentou acima acerca das
funções da moeda (em especial a sua capacidade de reservar valor) e a explícita separação de
metamorfoses, feita por Marx, em dois processos autônomos, quais sejam, a produção de uma
mercadoria aliada a sua realização dissociada da compra de outra mercadoria, permite
compreender que existe a possibilidade de nem todo o dinheiro obtido em M – D ser efetivado
em demanda, D – M.
Com essa formulação em mente, na qual se discutiu que na circulação de mercadorias
a separação lógica feita por Marx, entre a produção e a realização, abria a possibilidade de
não efetivação de demanda e crise, tal compreensão orientaria os rumos do entendimento da
demanda efetiva nos estudos de Kalecki, que afirma:
“Que Marx estava profundamente consciente do impacto da demanda
efetiva sobre a dinâmica do sistema capitalista pode-se ver claramente no
seguinte trecho do terceiro volume de O Capital: „As condições da
exploração direta [(entenda-se produção)] e as condições da realização da
mais-valia não são idênticas. Elas estão separadas não apenas pelo tempo e
espaço mas também logicamente. As primeiras estão limitadas meramente
pela capacidade produtiva da sociedade, e as segundas pelas proporções dos
diversos ramos de produção e pelo poder de consumo da sociedade.‟
12
Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira
De 11 a 13 de agosto de 2010
Marx, contudo, não investigou sistematicamente o processo descrito por
seus esquemas de reprodução, do ponto de vista das contradições inerentes
ao capitalismo resultantes do problema da demanda efetiva” (KALECKI,
1983b, p. 8).
Portanto, Marx tratou da possibilidade de não efetivação da demanda, mas a
formulação de uma teoria e uma esquemática de determinação do produto pela demanda, que
explicita tal variável como independente, como a que causa a renda e o emprego, e
determinante para a dinâmica econômica também no longo prazo, só viria a se consolidar com
Keynes e Kalecki.
A formulação keynesiana já foi discutida, então, a compreensão da kaleckiana
principia-se pela “nova” divisão da economia, na qual o departamento I deve ser
compreendido como aquele que compõe o investimento bruto, também incluindo todas as
matérias-primas e insumos ligados ao investimento. Esta composição é uma abstração que
compreende toda a cadeia produtiva relacionada exclusivamente com os bens correspondentes
aos investimentos brutos realizados na economia.
Os departamentos II e III passam a ser referentes aos bens de consumo da classe
capitalista e da classe trabalhadora, respectivamente. Assim como na primeira subdivisão,
vale a mesma abstração que funde toda a cadeia produtiva com a exclusividade de
fornecimento de insumos e matérias-primas para cada departamento, desse modo, no setor de
consumo capitalista (ou de trabalhadores) estão inclusas as etapas produtivas que antecedem e
compõem o produto final.
Sem embargo, os departamentos Kaleckianos são didaticamente representados na
tabela 1, na qual P1, P2 e P3 são os lucros brutos de cada um dos departamentos; W1, W2 e W3
são os salários agregados nas respectivas subdivisões; Cc e Cw são, nessa ordem, as despesas
em consumo por parte dos capitalistas e trabalhadores, por fim, I e Y, como de praxe, são o
agregado do investimento e da renda bruta. Nesta forma geral e simplificada, abstrai-se o
comércio exterior e as contas governamentais.
I
Tabela 1: Departamentos kaleckianos da renda nacional
II
III
Total
P1
P2
P3
P
W1
W2
W3
W
I
Cc
Cw
Y
Fonte: Kalecki (1983b, p. 1).
Mais do que dividir a contabilidade nacional, o esquema de Kalecki permite elucidar
relações de determinação entre as variáveis. O autor parte de básicas e óbvias identidades
contábeis macroeconômicas, para, então, destacar a variável independente e o sentido de
determinação causal.
Supondo que os salários são consumidos integralmente, isto é, os trabalhadores não
poupam, e também admitindo por hipótese que não há acumulação de estoques, Kalecki
(1983b) evidencia (o que o autor se refere como “equação de troca de Marx”, não de si
mesmo) a relação entre os departamentos. A primeira observação é feita nos lucros do
departamento III, produtor de bens para consumo dos trabalhadores. Já foi dito que os salários
são consumidos em sua totalidade, assim, a receita total dos capitalistas que produzem para
consumo de trabalhadores corresponde ao somatório de salários da economia; representandose na equação 7:
13
Artigo aceito para apresentação no III Encontro da Associação Keynesiana Brasileira
De 11 a 13 de agosto de 2010
Receita III  W1  W2  W3
(7)
Como os departamentos constituem uma abstração em que cada subdivisão está
totalmente integrada verticalmente, para obter o lucro dos capitalistas do departamento III,
basta descontar de sua respectiva receita as despesas com os salários de seus trabalhadores,
como se vê na equação 8 e chegar na equação 9 que está exposta em Kalecki (1983b):
Receita III  W3  P3
(8)
P3  W1  W2
(9)
Com dada distribuição entre lucros e salários, bem como se valendo das hipóteses
acima aventadas, é possível partir da equação 9, a ela acrescentar P1 + P2 em ambos os lados
da equação, e concluir que os lucros da economia são iguais aos dispêndios dos capitalistas
em investimentos e consumo:
P1  P2  P3  P1  W1  P2  W2
(10)
Como:
P1  P2  P3  P ;
P1  W1  I ;
PI  Cc
P2  W2  Cc
(10’)
(11)
A seta na equação 11 indica um elemento importante da teoria proposta por Kalecki, a
qual parte do princípio que a única decisão logicamente possível seja a de quanto gastar, e
não seja a decisão sobre o quanto ganhar. Assim, a identidade contábil que se forma entre o
lucro bruto e os dispêndios capitalistas possui uma determinação causal, que enceta dos gastos
e determina as rendas imediatamente. Toda decisão de gasto capitalista implica
necessariamente numa renda equivalente. Como os capitalistas não decidem o quanto ganham
diretamente, mas decidem o quanto gastam (claro que individualmente), então, no agregado,
“ganham o que gastam”, ao passo que os trabalhadores “gastam o que ganham”. A
independência dos gastos na determinação dos lucros, na lógica capitalista, é a maneira pela
qual a demanda efetiva está presente na teoria de Kalecki, ainda que “implícita”.
Denotando, como faz Kalecki (1983b), as participações dos salários no produto de
cada um dos departamentos correspondentes, quais sejam, W1/I ; W2/Cc ; W3/Cw por w1, w2 e
w3, respectivamente. A partir da equação 9 explicita-se o elemento da distribuição e obtém-se
a equação 12, que, por sua vez, ao isolar Cw, alcança a equação do consumo dos trabalhadores
na equação 13:
(1  w3 )Cw  w1I  w2Cc
(12)
14
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Cw 
w1I  w2Cc
(1  w3 )
(13)
Por meio da equação 13, nota-se que o consumo dos trabalhadores é resultado dos
gastos capitalistas em investimento e consumo próprio, mas também depende da participação
dos trabalhadores nesses itens, então, o consumo dessa classe será tão maior (ou menor)
quanto maior (ou menor) o dispêndio capitalista e quanto maior (ou menor) a parcela
apropriada pelos trabalhadores em termos distributivos.
Por fim, essas identidades contábeis básicas permitem a Kalecki (1983a; 1983b)
compor a renda nacional agregada como:
Y I  Cc  Cw
(14)
Ou, substituindo na equação 14 o Cw definido em 13 se obtém:
Y I  Cc 
w1I  w2Cc
(1  w3 )
(14’)
A equação 14‟ explicita a lógica de conformação do produto nacional segundo o
entendimento de Kalecki, então, sistematizando logicamente a determinação da renda, temse:21 i) dado o investimento e a decisão de consumir dos capitalistas, definem-se os lucros
agregados; ii) em conseqüência, dada a distribuição de lucros e salários, determinam-se a
massa de salários (integralmente consumidos, como simplificação) e a renda agregada.
Por fim, podem ser relaxadas as hipóteses de orçamento governamental equilibrado e
comércio exterior com saldo nulo. Basta acrescentar nas equações de determinação do lucro e
da renda (enumeradas por 11 e 14‟) o saldo da balança comercial (X-M) e o déficit
orçamentário – composto pela diferença entre os gastos públicos (G) e os impostos menos
transferências (T). Ademais, é possível relaxar a hipótese de que os salários são integralmente
consumidos, bastando subtrair a parcela dos salários poupada (Sw), como se vê a seguir, em
que o P’ representa o lucro bruto que passa a ter impostos deduzidos:
P' I  Cc  (G  T )  ( X  M )  Sw
(11’)
A renda nacional, por sua vez:22
Y I  Cc  Cw  G  ( X  M )
(14’’)
Na equação de determinação da renda nacional mantém-se a seta de causalidade,
portanto o produto de um determinado período de tempo é resultado de uma série de variáveis
21
22
Como propõe Possas (1987: p. 93).
Assim como em Possas (1999).
15
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de dispêndio agregadas, quais sejam, o investimento, o consumo dos capitalistas e
trabalhadores, a despesa governamental e, ainda, a demanda internacional líquida.
3.2. Relação poupança e investimento
A sistematização do PDE discutida até o presente momento permite superar uma
dificuldade comum na teoria econômica em geral, qual seja, o entendimento da “relação”
entre poupança e investimento. Essa discussão poderia, tranquilamente, ser feita com base na
Teoria Geral, em que Keynes (1992) expõe o tema nos capítulos 6 e 7. Apenas por uma
questão de conveniência, o presente trabalho apresenta a relação investimento-poupança
somente com base em Kalecki. A presente seção buscará discutir o porquê de a poupança não
financiar o investimento, e que, portanto, tal implicação da Lei de Say é lógica e teoricamente
inválida.
Já se discutiu que o PDE garante que os gastos determinam a renda, parte-se, então, do
desenvolvimento da seção anterior, que definiu a equação 14‟‟. Introduzindo-se nessa equação
os impostos menos transferências e finalmente subtraindo-se da renda os consumos
capitalistas e de trabalhadores, determina-se exatamente o que se denomina por poupança (S):
S I  (G  T )  ( X  M )
(15)
As equações 14‟‟ e 15 expõem que na perspectiva do PDE, a renda e a poupança,
ambas, são determinadas unilateralmente pelos gastos. Portanto, logicamente, do mesmo
modo como não é possível decidir o quanto ganhar (no agregado a renda Y), também não é
possível decidir o quanto poupar (no agregado a poupança S, seria decidir o quanto ganhar
além do quanto consumir, que corresponde a Y-T-Cc-Cw). A decisão conceitualmente possível
é a de gastar, então, como conseqüência determinam-se as rendas e a poupança,
residualmente.
É importante ter claro que os gastos dependem de poder de compra (estoque), como
demonstra Kalecki (1983d)23, o qual conceitualmente não se liga à noção de poupança, que é
um mero fluxo resultado da diferença entre a renda e o consumo num instante econômico. O
poder de compra está logicamente relacionado ao crédito, criado ex nihil pelo sistema
bancário, ou a algum estoque de riqueza próprio, que por sua vez pode ser resultado de lucros
acumulados, ou ainda resultar de poupança em períodos passados, o que é absolutamente
irrelevante para o resultado seguinte. Ora, independente da fonte de geração de poder de
compra, supor que a riqueza acumulada no período em análise é gasta seria incorrer em Lei de
Say, ao passo que os postulados da demanda efetiva já demonstraram a incoerência disso.
Daquilo que se discutiu até aqui, está evidente que poupança e investimento, além de
uma identidade contábil, trata-se de uma igualdade com determinação causal (com base no
PDE), como explicitou a equação 15. A poupança, como foi discutida, é resultado residual das
decisões de gasto e não financia o investimento. Desse modo, a poupança não é uma “oferta
de recursos líquidos”, mas, sim, um fluxo decorrente e idêntico ao dispêndio em investimento.
As teorias da demanda efetiva buscaram demonstrar que o investimento é resultado das
decisões capitalistas e possível de ser executado a partir da criação de poder de compra por
meio do sistema bancário. 24 Portanto, afirmar que a poupança é uma “oferta de recursos
líquidos” que se equilibra com sua demanda (investimento) viola o princípio da demanda
23
Mais detalhes em Possas e Baltar (1981) ou, ainda, em Possas (1999).
Kalecki (1983d: pp.23-24) deixou claro: “é possível estimular seus [(dos capitalistas)] investimentos, mesmo
se os lucros não aumentaram (...) ou se seu consumo não foi diminuído ad hoc (...). O financiamento adicional
do investimento é realizado pela assim chamada criação de poder de compra. Há um aumento da demanda por
créditos bancários e estes são concedidos pelos bancos”.
24
16
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De 11 a 13 de agosto de 2010
efetiva. A causalidade unilateral do PDE deixa claro que o investimento gerará poupança em
idêntica magnitude; a poupança será tanto maior, ou menor, quanto for o investimento.
Segundo Possas (1999: p.29): “pela determinação contábil e causal do PDE (...) a poupança
permanecerá continuamente igual ao investimento”.
Vale explicitar outra incoerência do tratamento convencional dado por economistas
neoclássicos, ou mesmo clássicos, à poupança. Viu-se que o PDE deixa claro que a poupança
não é “ato” voluntário, nem “esforço”, dos agentes econômicos. Pelo que foi discutido até
aqui, é logicamente incorreto que haja decisão de poupar, ou que se poupe no presente para
consumir e/ou investir no futuro, ou tampouco que níveis maiores de taxa de juros
estimulariam positivamente a decisão de poupar. Além disso, é comum aos economistas
convencionais converterem (T–G) e (M–X) em poupança do governo (Sg) e poupança externa
(Sx), travestindo a equação 15 em:
S p  Sg  Sx  I
(15’)
Note que a equação 15‟ explicita o tratamento convencional da “poupança privada”,
“poupança do governo”, “poupança externa” e investimento. A equação perde a seta de
determinação causal vista na equação 15. Supor que a equação 15‟ possui uma determinação
causal da poupança ao investimento (comum na teoria ortodoxa), de modo que seja um
“esforço” de poupanças interna e externa por maior investimento é equivocado; e já discutiuse a incoerência da idéia de que a poupança financia o investimento. Com base no PDE, o
investimento sempre determina a poupança de seu período.
Por fim, está claro que na identidade poupança-investimento a teoria deve preocuparse com o investimento. A poupança, como mero resíduo macroeconômico, é um conceito
irrelevante à luz do PDE. “Simplesmente desaparece a „relação‟ poupança-investimento para
qualquer efeito teórico ou prático relevante, em detrimento de toneladas de papel produzidas
sobre ela”. (POSSAS, 1999: p.30).
3.3. Dinâmica capitalista: ciclo e tendência
Por fim, outro importante elemento decorrente da forma proposta por Kalecki é sua
implicação dinâmica, e de longo prazo, do princípio da demanda efetiva. A presente seção
buscará apresentar brevemente de que maneira uma economia capitalista possui um
comportamento cíclico, no qual a tendência não é pré-determinada.
O modelo de investimento de Kalecki (1983a) permite construir uma dimensão
dinâmica do PDE. Por meio de elementos característicos do investimento, o autor explicita o
comportamento de uma economia capitalista ao longo de sucessivos períodos, no qual as
flutuações do investimento, renda e estoque de capital são endógenas. A presente seção
apresentará o modelo,25 suas intuições econômicas e as representações formais fundamentais,
para, então, elucidar os elementos que fazem com que o modelo seja uma representação
dinâmica da economia capitalista, cujas flutuações são desdobramento da atuação de um
componente essencial: o investimento.
O modelo teórico de investimento de Kalecki é enunciado em termos de “decisão” de
investir (D), fato que remete a uma característica fundamental da variável investimento: o seu
comportamento “dual”. Isso significa que por um lado o investimento, no momento da
decisão (em t), é um gasto e, portanto, um estímulo à demanda agregada; mas, por outro lado,
transcorrido um lapso de tempo (t+), o investimento conforma-se em aumento da capacidade
produtiva, que desestimula investimentos futuros. Nesse sentido, a primeira equação da seção:
25
Tratar-se-á do modelo de Kalecki (1983a), também com o apoio das interpretações e reflexões de Possas e
Baltar (1981) e Possas (1987, 1999). E, ainda, Kalecki (1973).
17
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De 11 a 13 de agosto de 2010
Ft   Dt
(16)
Na equação 16, F representa o investimento agregado bruto em capital fixo, em que há
um “retardo” entre as decisões de investir (em t) e a consolidação da capacidade produtiva
(t+), considerando, portanto, um hiato temporal entre “encomendas” e “entregas” 26; e Dt
representa as decisões de investir em um dado período de tempo. Por sua vez, Kalecki define
Dt , em termos de Ft+, como:
Ft   aSt  b
Pt
Kt
c
d
t
t
(17)
Antes de definir os termos da equação, em se tratando da teoria dinâmica de Kalecki, é
importante considerar uma premissa lógica central: a “estrutura econômica estável”, que
significa ausência de mudanças tecnológicas, de mercados, de estruturas produtivas, ou de
política econômica.27
O componente aSt manifesta a influência do nível de atividade corrente. Trata-se da
poupança bruta agregada como proxy28 de lucros acumulados, que reflete a capacidade de
autofinanciamento, ou a aptidão de tomada de crédito. 29 Quanto maior for a acumulação
interna, maior o capital empresarial, maiores as capacidades de financiamento e de lidar com
o “risco crescente”, como discute Miglioli (1981, pp.280-282). Kalecki introduz com esse
componente um elemento inercial ao modelo de ciclos (que decorre da função de
investimento parcialmente descrita aqui), pois supõe um grau de reinversão de lucros, o que
contribui em impedir que a dinâmica tenha um comportamento “explosivo”.30
Os componentes segundo e terceiro da equação devem ser discutidos em conjunto e
representam variações no nível de atividade. Numa representação linear, na ótica de uma
“estrutura econômica estável”, exprimem fatores “conjunturais” que afetam a taxa de lucro,
em especial o grau de utilização da capacidade. O termo Pt (variação dos lucros) reflete o
efeito positivo na decisão de investir decorrente de elevação do nível de atividade, ao passo
que Kt (variação do estoque de capital) representa o impacto negativo de alta na capacidade
instalada. Considerando esse “duplo” efeito do investimento, em conjunto e dinamicamente,
refletem-se as rentabilidades esperadas do capital fixo aplicado, projetadas a partir do
comportamento corrente. Conforma-se, então, num “acelerador” do investimento do tipo
backward looking.
Sobre esse acelerador, Kalecki deu destaque às variáveis correntes: “Pode-se supor
que a taxa de lucros esperada seja função crescente dos lucros correntes „reais‟ e decrescente
do estoque de capital em equipamento” (KALECKI, 1983a: p. 84). Possas (1987) sistematiza
uma crítica com base na contribuição de Keynes (1992) do conceito de “expectativas”,
26
Possas (1987: p. 124 e 125) explicita que nessa versão do modelo também está considerado, implicitamente,
um tempo de reação dos empresários ao nível, ou variações, correntes de variáveis; juntamente ao tempo de
produção e implantação dos bens de capital.
27
A respeito deste tema Possas (1999: p.32).
28
As dificuldades lógicas da utilização desse termo, ainda que como instrumento meramente estatístico, à luz do
PDE constam em Possas (1987).
29
Seja pelos impactos que o volume de lucros retidos traz ao risco do credor, ou ao risco do próprio tomador.
Em artigo, Kalecki (1937) aborda os riscos crescentes e os limites ao investimento. O tema do risco foi
amplamente desenvolvido posteriormente por Hyman Minsky.
30
Vale comentar, criticamente, que o termo em discussão poderia ser especificado como uma restrição financeira
ao investimento e, portanto, como um componente não-linear, o que evitaria o “automatismo” do reinvestimento.
A respeito desse tema ver Possas (1987: p. 125-128) e Possas (1999: nota 36).
18
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argumentando que o acelerador não pode apenas se basear no passado. Acrescenta que as
expectativas “keynesianas”, apesar de ausentes em Kalecki, são compatíveis ao modelo. Ou
seja, um acelerador à lá Kalecki que contemple a noção de expectativas de Keynes parece a
forma mais adequada: conformando um acelerador que além de “olhar” para o passado e
presente é capaz, também, de “olhar” para frente.
O componente d reflete um conjunto de elementos autônomos do investimento, dito
“constante” 31 e sujeito a alterações exógenas de longo prazo. É formado pelos gastos não
induzidos endogenamente pelas variáveis do modelo, podendo abranger investimentos em
inovações, relacionados às demandas finais exógenas, investimentos de longa maturação com
pouca (ou nenhuma) relação com questões correntes. Ademais, deve abarcar reposições de
capital uma vez que o termo induzido é líquido e F está em termos brutos. Na análise
dinâmica do ciclo econômico, a ausência do componente autônomo (considerando apenas
reposição da depreciação) fará com que as flutuações não sigam tendência de crescimento de
longo prazo.32
Do ponto de vista teórico, Kalecki, diferente de Keynes, não dá grande destaque aos
juros na determinação do investimento. Em Kalecki o papel dos juros no processo de decisão
capitalista é secundário. Como aponta Miglioli (1981), os juros de curto prazo tendem a se
elevar no momento ascendente do ciclo (como conseqüência do maior volume de transações),
porém os juros de longo prazo (relevantes ao investimento por seus efeitos em custos)
ficariam pouco alterados ao longo do ciclo, segundo Kalecki (1983a).
Voltando às equações de investimento e considerando-se K/t=F– (em que 
representa a depreciação do capital) e substituindo-se na equação 17; para depois isolar os
termos Ft+ e cFt, dividir todos os termos da equação por 1+c e definindo-se b’=[b/(1+c)] e
d’=[(c+d)/(1+c)], chega-se na equação 18:
Ft  
a
P
St  b ' t  d '
1 c
t
(18)
Na equação 18 o termo à esquerda representa uma média ponderada de Ft+ e cFt,
como c é provavelmente uma “fração muito pequena”, t+ deve estar próximo da ordem de
t+ . Adicionando à equação 18, de investimentos em capital fixo, um componente de
investimentos em estoques (Jt+=e.O/t), no qual Kalecki (1983a) entende como
relacionado à taxa de modificação da produção do setor privado com uma defasagem. Tal
lapso temporal, segundo informações de Kalecki (1983a), são semelhantes a  , por isso (para
simplificar) o autor aproxima de  . Então, define-se a fórmula do investimento total (I):33
I t  
a
P
Ot
St  b ' t  e
 d'
1 c
t
t
(19)
Dado o que se discutiu até aqui e com auxílio da equação 19, nota-se: i) a relação, com
hiato temporal, do investimento em capital fixo com o nível de atividade corrente
(“poupança”) com a taxa de modificação do estoque de capital (pelo denominador 1+c); ii) a
31
Provavelmente Kalecki descreve “constante” à luz da premissa de “estrutura econômica estável” e em busca
de um modelo teórico linear, portanto simplificado, mas suficiente para explicar a essência do investimento.
32
“Se não houver investimento líquido „autônomo‟, a tendência subjacente ao ciclo se reduz aproximadamente
às necessidades de reposição do capital” (Possas, 1987: p. 131).
33
Os passos das transformações brevemente apresentadas nos últimos parágrafos constam em Kalecki (1983a:
p.84-88), com mais detalhes em Possas (1987: p.146-148).
19
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taxa de modificação dos lucros; iii) a relação do investimento em estoques com a taxa de
variação da produção (O); e iv) o componente autônomo.
Uma vez apresentado o modelo de investimento de Kalecki, é importante frisar os
elementos básicos de sua teoria e destacar as bases para a dinâmica, que leva a flutuações
endógenas. No capítulo 5, Kalecki (1983a) demonstra que o investimento determina o nível
de atividade. Em seguida, Kalecki (1983a) explicitou, no capítulo 9, que o investimento é
determinado, com certo hiato temporal, pelo nível de atividade econômica e pela taxa de
variação desse nível. Ademais, o investimento tem um caráter “dual” de estimular a demanda
efetiva, porém gerar capacidade – após hiato temporal – e prejudicar a rentabilidade. Essas
características básicas, mais o progresso técnico e os componentes autônomos, são a essência
do processo dinâmico de uma economia capitalista e, particularmente, permitiu a Kalecki
demonstrar que essa dinâmica envolve fenômenos cíclicos do investimento, da renda e do
estoque de capital. Para haver tendência, na dinâmica cíclica, os componentes autônomos do
modelo, como inovações técnicas ou, ainda, podendo-se incluir ações “decididas” do Estado
com o fim de criar uma tendência, possuem papel central.
Neste momento é importante acrescentar os multiplicadores kaleckianos, no plural,
pois, o autor não faz um único multiplicador para a economia toda, como faz Keynes, mas
apresentam-se dois diferentes multiplicadores, quais sejam, o dos trabalhadores e o dos
capitalistas. O multiplicador capitalista é composto pela propensão a consumir de capitalistas
(1/1–q) e no caso dos trabalhadores pela participação dessa classe na renda (1/1–). 34
Ademais, entre uma despesa “inicial” e a efetivação (ou atuação) do multiplicador há um
hiato temporal  (que poderia ser desprezado, como faz Possas (1987) em sua solução
formal).
Utilizando-se dos multiplicadores, com o que já se obteve, tem-se as equações que
relacionam os lucros (P) – com hiato temporal – ao investimento; a relação do produto com os
lucros 35 ; e, conseqüentemente, a relação investimento e produto. 36 Por fim, como S=I,
substituindo-se as equações da nota 36 na equação 19 e fazendo remanejamentos:
I t  
a
b I t 
e
I t 
It 

 d'
1 c
1  q t
(1  q)(1   ' ) t
(20)
Fica evidente que o investimento em t+ depende do investimento em t e da taxa de
variação do investimento em t– . O componente a expressa o efeito da retenção de lucros; o
componente (1+c) trata do efeito negativo do aumento dos equipamentos e garante a reversão
para a formação do ciclo 37 ; além da taxa de modificação dos lucros [b/(1–q)] e da
produção[e/(1–q)(1–‟)].
Kalecki, analisando o “ciclo puro”, supõe ausência de investimento autônomo
(tendência) e, então, investimento estável ao nível da depreciação. Representando por i o
34
Os multiplicadores estão descritos em Kalecki (1983a: cap. 5). Optou-se por não desenvolvê-los para manter o
texto focado nos objetivos propostos, ademais eles seguem, basicamente, a idéia do multiplicador de Keynes,
apesar de dividido em categorias distintas.
35
Relação definida em Kalecki (1983a: cap. 4 e 5).
36
O que significa que chegamos em:
I t  
 Ot
1
 Pt
1 Pt 
1 I t  
 Ot






 t  (1  q)(1   ' ) t 
1   ' t  => 
.
 t 1  q t  ; e  t
37
Kalecki (1983a: p.86) supõe (a/1+c)<1 e ibidem, p.91 estima em torno de 0,634. Destaca-se que ser menor que
1 permite flutuações.
20
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desvio do investimento em relação à depreciação (investimento líquido), define-se a seguinte
equação dinâmica:
it  
i
a
it   t   g
1 c
t
(21)
Onde  é função do multiplicador38 e g representa o componente autônomo, o qual,
como dito anteriormente, é suposto nulo pelo autor.
A equação 21 em diferenças, finita e linear, possui solução formal – apresentada por
Possas (1987) – que elucida os ciclos com conclusões mais “gerais e rigorosas”. Kalecki
apresenta intuitivamente como que em conseqüência do investimento (que estimula, porém,
passado hiato temporal, desestimula) a dinâmica capitalista está sujeita a reversões
endógenas.
Pela intuição econômica, uma economia em depressão está com destruição de
capacidade produtiva, a qual inicia a recuperação uma vez que a demanda passa a ser atendida
por maior utilização da capacidade (restante), elevando sua rentabilidade. O que induz
elevação do investimento (com criação de poder de compra), aumentando a produção e
emprego de bens industriais, via consumo de trabalhadores e lucros (multiplicador) que
afetam as indústrias restantes. A recuperação segue até o auge, em que as entregas (após hiato
temporal do período de encomendas na recuperação) de equipamentos superam as
necessidades a ponto de reduzir a rentabilidade e reverter o ciclo.
Kalecki (1983a: cap.11) supõe (a/1+c)<1, o que permite a reversão dos componentes
it e it+ ; expõe que a intensidade dos movimentos se liga a  e o sentido de alta, ou baixa, do
ciclo se dão por meio do componente (it-/t). Assim, a esquemática formalizada aliada à
intuição econômica permite melhor compreensão do tema e por isso contribui aos propósitos
da presente seção.
Com base no que foi brevemente exposto aqui, a dinâmica capitalista do PDE,
induzida pelo investimento, apresenta um comportamento cíclico, no qual (em ausência de
investimentos líquidos autônomos e progresso técnico) a economia deve flutuar em “estado
estacionário” (POSSAS, 1999: p.40). O que significa que a economia capitalista não pode
tender, por meio dos componentes endógenos discutidos, a uma dinâmica de crescimento de
longo prazo. Portanto, a dinâmica capitalista garante trajetória cíclica, porém a tendência a
crescer (ou contrair) não está garantida, pois a tendência será determinada por componentes
exógenos como inovações técnicas, investimentos de longa maturação, ou a atividade
planejadora do Estado com fins de garantir uma trajetória crescente de acumulação de capital.
4. Considerações finais
Por meio do esforço empreendido neste trabalho, a fim de apresentar o PDE segundo a
formulação keynesiana e kaleckiana, espera-se colaborar para a compreensão de um elemento
básico dessas teorias, e que marca diferença fundamental com as teorias convencionais que
explícita ou implicitamente se fundamentam em Lei de Say.
O PDE postula, em síntese, que o conjunto de decisões de gastos de uma comunidade,
num determinado período contábil, determina a renda agregada. O que se sustenta
logicamente, pois, como discutido, a decisão possível em economias mercantis monetárias é o
quanto gastar, nunca o quanto ganhar. Uma vez que um gasto, qualquer que seja, implica em
uma renda idêntica para outrem; no agregado, o conjunto de dispêndios é igual e determina a
renda num período específico.
38
=[1/(1-q)] [b/(1+c)+e/(1-‟)].
21
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Nesse sentido, apesar das diferentes abordagens de Keynes, Kalecki e seus discípulos,
por meio do que foi aqui discutido é possível perceber a inadequação lógica e teórica da Lei
de Say. Em decorrência, entende-se que não é correto supor que a poupança financia o
investimento, mas, ao contrário, o investimento é sempre idêntico e determina a poupança.
Mais do que isso, o PDE permite compreender que os níveis de lucros, renda agregada e
emprego são, basicamente, resultado dos dispêndios da economia e oscilam de acordo com
variações dos componentes da demanda.
Em Keynes, destaque é dado para a decisão empresarial de produção – com estoque de
capital dado (curto prazo) – sob incerteza e papel central é atribuído à moeda. O que se
justifica pelo objetivo do autor de explicitar que a determinação do emprego é resultado da
decisão, ex ante, de produção capitalista com base em sua expectativa de demanda e renda a
ser auferida numa economia monetária.
No caso da formulação kaleckiana, em específico, sua abordagem ilumina para uma
dimensão dinâmica e de longo prazo do PDE, que descreve um comportamento econômico
endogenamente cíclico e sem tendência autodeterminada. Kalecki permite a compreensão
clara de que o conjunto de gastos (além de determinar a renda e o emprego num determinado
período contábil) tem papel fundamental na formação do estoque de capital. Este fato é
descrito no esquema do “acelerador”, em que o aquecimento da atividade corrente pressiona a
utilização da capacidade instalada, o que induz os capitalistas a investirem e criarem nova
capacidade.
Concluindo, deve-se destacar a necessidade de se estudar as abordagens de Keynes e
Kalecki em conjunto e em complementaridade. Isso significa, por exemplo, que é importante
se entender, teoricamente, o comportamento dinâmico do capitalismo com sua essência
cíclica, com elementos endógenos de reversão e que o investimento pode ser induzido pelo
nível de atividade – da forma como sugere a leitura kaleckiana. Porém, é importante
considerar elementos tipicamente keynesianos, como o efeito das expectativas e incerteza no
acelerador, ou ainda, o efeito monetário e financeiro na atividade econômica – elemento que
Kalecki coloca em seu modelo com certa passividade.
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