as virtudes no pensamento de santo tomás de aquino

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AS VIRTUDES NO PENSAMENTO DE SANTO TOMÁS DE AQUINO
Paulo Roberto da Rocha
Prof. Dr. Carlos Alberto Albertuni (Orientador)
Prof. Dr. Arlei de Espíndola (Coordenador)
RESUMO
O tratado das virtudes de Tomás de Aquino, tendo como base a ética de
Aristóteles que é um verdadeiro tratado sobre moral e a tradição cristã,
tem como objetivo esclarecer qual a finalidade do homem em suas ações.
No tratado das virtudes, Tomás faz uma distinção entre virtudes morais e
virtudes intelectuais. Segundo ele, as virtudes intelectuais aperfeiçoam o
intelecto especulativo e prático, enquanto que as virtudes morais
aperfeiçoam a potência apetitiva. Ambas funcionam como motores com a
função de aperfeiçoar o homem. Tomás define como principais as virtudes
morais, juntamente com a virtude intelectual da Prudência, sendo que
exigem a retidão do apetite. Mas não bastam ao homem somente os
princípios naturais pelos quais o homem consegue agir bem de acordo
com suas possibilidades. De acordo com Tomás, é necessário que lhes
sejam acrescentados por Deus certos princípios pelos quais ele se ordene
a bem-aventurança sobrenatural que se chamam virtudes teologais,
porque tais virtudes são transmitidas unicamente pela revelação divina,
através da sagrada escritura. Trabalhamos aqui com a hipótese de que
Tomás, a exemplo da virtude teologal da caridade, tenha considerado
também a virtude da prudência como excelência.
PALAVRAS- CHAVE: Virtude, hábito, ações humanas.
1677
A moral no pensamento de Tomás de Aquino é uma ciência do
ato humano, ou seja, prática. Como o fim do homem é a felicidade eterna,
Tomás propõe um estudo dos princípios gerais da moral, que poderiam
conduzir o homem a esse fim. Mas sem a liberdade não há moral, e esta
tem seu fundamento na razão. Diante dos bens particulares, nossa
vontade permanece livre, sendo ela determinada apenas pelo bem
absoluto. O que ocorre é que o homem pode errar nas escolhas concretas
em sua vida, o que poderá torná-lo apto ou não em possuir a bemaventurança prometida por Deus. De acordo com Tomás, o homem deve
agir em vista do fim, sendo ele racional e tendo, portanto, domínio sobre
os seus atos pela razão prática e pela vontade. Na intenção de distinguir
fim e bem, Tomás define o bem como algo “que toda coisa deseja” e este
se apresenta ao intelecto como verdadeiro e, portanto, algo desejável à
vontade. O papel da razão prática, portanto, é de suma importância, pois,
por meio dela, o homem tem a possibilidade de conhecer as realidades
contingentes, e estas ficam a mercê da vontade. A faculdade da razão e
da vontade é por ele denominada de livre-arbítrio, onde a própria vontade
com seu poder de escolha enquanto penetrada pela razão tem como
objeto próprio a escolha dos meios para alcançar o bem como um fim. A
concepção de liberdade de Santo Tomás repousa sobre uma espécie de
“colaboração harmônica” entre o Intelecto que apreende o verdadeiro e a
Vontade que tende para o bem, compondo, portanto, a ação humana.
Para falar sobre virtudes na concepção de Tomás de Aquino,
primeiramente seria fundamental definir como Tomás classifica e como
elas atuam no agir humano conforme seu pensamento. Na Iª seção da IIª
parte da Suma Teológica, antes de abordar acerca das virtudes, Tomás
faz uma espécie de preparação, partindo da questão 49 até a questão 54,
por meio de considerações muito relevantes acerca dos princípios dos atos
humanos, dando ênfase neste caso a um princípio segundo ele intrínseco
denominado de hábito. Mas qual a relevância desse princípio no agir
1678
humano na ética de Tomás de Aquino? Na questão 55, ele faz a seguinte
observação:
“A virtude designa certa perfeição da potência.
Mas a perfeição de uma coisa é considerada,
principalmente, em ordem do seu fim. Ora, o
fim da potência é o ato. Portanto, a potência
será perfeita na medida em que é determinada
por seu ato. As potências racionais próprias do
homem não são determinadas a uma coisa só,
antes se prestam, indeterminadamente, a
muitas coisas. Ora, é pelos hábitos que elas se
determinam aos atos. Por isso as virtudes
humanas são hábitos.” (Suma Teológica, Iª
seção, IIª parte, q. 55 a.1).
Influenciado pela tradição tanto filosófica quanto teológica,
Tomás classifica as virtudes como hábitos, ou seja, um estado, uma
maneira de ser. “É uma disposição, uma capacidade da natureza humana,
a qual se enraíza em sua natureza específica e individual, finalizada pelo
agir”
645
. Assim define Tomás:
“O filósofo define o hábito como uma
disposição segundo a qual alguém se dispõe
bem ou mal, e no livro II da Ética, diz que é
segundo os hábitos que nos comportamos em
relação com as paixões, bem ou mal. Quando,
pois, é um modo em harmonia com a natureza
da coisa, então tem a razão de bem; e quando
em desarmonia, tem a razão de mal.” (Suma
Teológica, Iª seção, IIª parte, q. 49 a.2).
Tomás, portanto, não qualifica o hábito a um determinismo como
um único tipo de agir, a certo condicionamento ou domesticação; como é
uma disposição natural não regrada pelo instinto ou por qualquer tipo de
determinismo, está sempre aberto, buscando descobrir a melhor maneira
de agir concretamente no singular, em fidelidade a especificidade da
natureza humana, ou seja, a inteligência que deseja. Mas tanto a virtude,
645
Introdução da Suma Teológica das Edições Loyola sobre os Hábitos e Virtudes por Albert Plé.
1679
que orienta o homem para a bem-aventurança como também seu oposto,
o vício, que faz com que o homem se afaste dela, são hábitos. O
verdadeiro sentido do hábito, segundo Tomás, é pura e simplesmente
uma qualidade adquirida646 e livremente desenvolvida que facilita e
aperfeiçoa a ação e o próprio homem. Como o hábito é “aquilo de que
alguém se vale quando quer”, Tomás afirma na questão 50, artigo 5 que
“a própria razão de hábito revela que ele é ordenado sobretudo a
vontade”.
No artigo 1 da questão 51, Tomás faz uma espécie de
classificação do hábito quanto ao seu caráter inato. Segundo ele existem
hábitos que são inatos647, dados prontos ao agir e outros são adquiridos
como vimos anteriormente, mas a partir de uma disposição inata
presentes no homem em conformidade com a sua natureza. Tomás,
seguindo os passos de seu “mestre” Alberto Magno propõe, então, essa
inovação referente à questão do Hábito, ou seja, existem no homem
também hábitos inatos, uma espécie de princípio evidente da razão
prática648, denominado de sindérese que são os fins das virtudes morais e
o fim de tais virtudes é o bem humano, que consiste na conformidade com
a razão. Segundo a definição de Tomás na Suma649, os fins das virtudes
morais devem preexistir na razão. Cabe, portanto, a razão prática, por
meio da sindérese, preestabelecer o fim das virtudes morais. A sindérese
pode ser definida como uma espécie de “intuição” dos primeiros princípios
da lei moral, constituindo não uma potência, mas um hábito inato, infuso
por Deus e distinto da consciência. O papel da consciência seria de julgar
um ato que se realizou ou que será realizado e sua função, sendo em ato
e não em potência, é de fazer a ligação da sindérese com a prática. Pela
lógica podemos entender qual a função da consciência pelo seguinte
exemplo: temos como premissa maior a concepção de que Deus é o sumo
646
No artigo 1 da questão 49, Tomás define o hábito como uma qualidade que se pode ter.
Nota de rodapé da q. 51, a. 1.
648
NASCIMENTO, Carlos A. Ribeiro do. A Prudência Segundo Tomás de Aquino. Revista Síntese Nova fase.
Belo Horizonte, v.20 n. 62, PP. 365-385, 193.
649
Nota de rodapé da Suma Teológica. Q. 79, artigo 12. Iª parte. p. 460
647
1680
bem; a premissa menor afirma que o adultério fere o mandamento de
Deus; com isso, a conclusão é de que o adultério é pecado e é mal. A
consciência seria responsável pela conclusão do silogismo.
A sindérese, portanto, é como que uma espécie de “centelha” da
consciência com a função de direcionar o comportamento. Quanto a essa
questão, Tomás afirma que:
“...para compreender a sindérese é preciso
considerar que o raciocínio humano, sendo
uma espécie de movimento, procede da
intelecção de algumas coisas naturalmente
conhecidas sem pesquisa racional como um
princípio imóvel e termina igualmente em uma
intelecção , na medida em que, mediante
princípios naturalmente conhecidos por si
mesmos (hábito natural), julgamos as
conclusões que encontramos raciocinando, no
caso da razão prática, sobre as coisas que tem
relação com a ação.”(Aquino, Tomás de. Suma
Teológica. Iª Iªe, V.II, Q. 79, a. 12. São
Paulo: Loyola, 2004)
Em outras palavras, a função da sindérese é de apreender a lei
natural que nos é proporcionada por pura graça de Deus e preestabelecer
um fim para a virtude moral que é o bem humano, em conformidade com
a razão. A inovação de Tomás em relação ao pensamento aristotélico está
no fato de admitir que existe, além de um princípio de ordem
especulativa, um princípio da ordem da ação, como um hábito natural
chamado sindérese que incita o bem e condena o mal. Diferentemente da
vontade que tende a ser boa ou má, a sindérese, por ter como objetivo
principal a apreensão da lei natural, tende somente para o bem. Em sua
tese de Doutorado, o prof. Albertuni650 afirma que Tomás, na solução da
questão ratifica as relações e diferenciações entre a lei natural, a
sindérese e a consciência. A lei natural é apresentada como os princípios
650
Albertuni, Carlos Alberto. Tese: O conceito de Sindérese na moral de Tomás de Aquino. Campinas:
UNICAMP, 2006.
1681
universais, sendo a sindérese o hábito desses princípios e a consciência
aparece como certa aplicação da lei natural àquilo que se deve fazer.
A partir da questão 55, Tomás começa o seu tratado das virtudes
partindo de sua essência. Como já foi definido, Tomás classifica as
virtudes como hábitos bons. É essa habilidade que torna o homem bom,
dando condições de fazer o melhor uso possível de sua liberdade, com o
intuito de colocar em ordem harmoniosa suas paixões no caminho das
bem-aventuranças651.
Tomás, a partir da questão 58, faz uma distinção entre virtudes
morais e virtudes intelectuais. Ele começa afirmando que, “para poder
definir virtudes morais é preciso considerar o que é o costume”. Em sua
concepção moral, as virtudes morais são vivenciadas na afetividade
humana, ou seja, em seus desejos e aversões, motivações, prazeres e
tristezas. Por meio dos costumes652, os homens entendem suas maneiras
de viver de acordo com uma espécie de inclinação natural para alguma
ação, tendo a capacidade de exercer o seu império sobre as paixões.
Segundo Tomás:
“para agir bem, é necessário que não só a
razão esteja bem disposta pelo hábito da
virtude intelectual, mas que a potência
apetitiva também o esteja pelo hábito da
virtude moral. Tal como o apetite se distingue
da razão, assim também a virtude moral se
distingue da intelectual. E como o apetite é
princípio
dos
atos
humanos
enquanto
participa, de algum modo, da razão, assim o
hábito moral tem a razão de virtude humana,
na medida em que se conforma com a razão.”
(Aquino, Tomás de. Suma Teológica. Iª IIªe,
V.IV, Q. 58, a. 2. São Paulo: Loyola, 2004)
651
652
Nota de rodapé da Suma, q.55, a.1. Edições Loyola, p. 94.
Nota de rodapé da Suma, q.58, a.1. Edições Loyola, p. 129.
1682
Portanto, segundo Tomás no artigo seguinte, enquanto as
virtudes intelectuais aperfeiçoam o intelecto especulativo e prático, as
virtudes morais aperfeiçoam a potência apetitiva. Ambas funcionam como
motores com a função de aperfeiçoar o homem (q. 58, a. 3).
Virtude moral, segundo Tomás, vem do latim “mos” que pode ter
o sentido de costume ou com o sentido de inclinação natural ou quase
natural para alguma ação. Mas ambos os significados são bem próximos,
de acordo com a concepção tomásica no artigo 2 da questão 58. Essa
espécie de inclinação para o ato convém da virtude apetitiva, pois move,
com isso, todas as outras potências para a ação. Por isso, as virtudes
morais estão presentes na faculdade apetitiva. Mas para que aja uma
ação boa é necessário que a potência apetitiva esteja bem disposta pelo
hábito das virtudes morais e este tem a razão de virtude humana, na
medida em que se conforma com a razão.
Partindo da questão 4, percebemos a importância que Tomás dá
para a virtude da Prudência653 que, segundo ele é a reta razão do agir de
modo tanto geral como particular, pois sem ela, não pode existir virtude
moral, já que é um habito que faz escolhas e, para que estas sejam certas
ou boas é necessário que haja primeiro a devida intenção na busca de um
fim, que se faz pelas virtudes morais com sua função específica de inclinar
as potências apetitivas para o bem conveniente com a razão, que é o fim
devido, e segundo “que se usem corretamente os meios, e isso só se
alcança por uma razão que saiba aconselhar, julgar e decidir bem, o que é
próprio da Prudência. Logo, a virtude moral não pode existir sem a
Prudência” (1ª seção, II parte, q. 58, a. 4). Mas Tomás afirma que a reta
razão pressupõe princípios tanto universais como particulares, pelos quais
ela possa proceder. Segundo ele:
653
“Transposição operada por Tomás de Aquino do conceito de phronesis, principal virtude intelectual segundo
Aristóteles.” (Vaz, Lima. Escritos de Filosofia IV. São Paulo: Loyola, 2002.)
1683
“assim como nos dispomos a proceder
retamente
em
relação
aos
princípios
universais, pelo intelecto naturalmente, ou
pela ciência habitual, assim também, para nos
dispormos bem em relação aos princípios
particulares de nossas ações, que são os fins,
é preciso que sejamos aperfeiçoados por
certos hábitos que, de alguma forma nos
tornam conatural o correto julgamento do fim.
E isso se faz pela virtude moral, porque o
virtuoso julga retamente sobre o fim da
virtude. Logo, a razão reta do agir, ou seja, a
Prudência, exige que o homem tenha a virtude
moral”. (Aquino, Tomás de. Suma Teológica.
Iª IIªe, v.IV, Q. 58, a. 5. São Paulo: Loyola,
2004)
As virtudes morais, juntamente com a virtude intelectual da
Prudência porque esta é de certa forma uma virtude moral também,
sendo as que exigem a retidão do apetite, pois produzem a potência de
agir bem e são a causa do exercício da boa ação, Tomás as define na
questão 61, artigo1 como virtudes principais ou cardeais 654. No artigo 2
Tomás descreve quais são as virtudes cardeais. Segundo ele estas podem
ser estabelecidas tanto por princípios formais como pelos sujeitos. Por
meio de princípios formais descreve primeiramente a prudência como já
foi indicado, como sendo uma virtude tanto intelectual como moral sendo
ela a própria consideração da razão e uma virtude principal; e outras três
virtudes morais, mas agora enquanto se afirma a razão em relação a
alguma coisa, sendo, pois, a justiça em relação às ações e, em relação às
paixões, é preciso que haja duas virtudes, pois, para se afirmar a ordem
da razão nas paixões, é necessário levar em conta a oposição delas à
razão, sendo, portanto, a temperança que tem a função de controlar a
paixão quando essa se impele a algo contrário a razão, e a fortaleza que
654
A virtude humana e humanizante, levada a perfeição, habilita o homem a agir com todo o seu ser em
conformidade com sua natureza racional. É dessa forma que ela assegura, de uma vez só, tanto o bem da obra
cumprida quanto o do sujeito que age. Já as virtudes da inteligência e da arte não tornam moralmente bom o
sujeito. Elas são, portanto imperfeitas quanto à total realização do homem; falta-lhes, tomadas em si mesmas,
retificar o apetite, o que justamente realizam as virtudes morais. (Nota de rodapé da Suma Teológica. Iª IIªe,
v.IV, Q. 61, a. 1, p. 162. São Paulo: Loyola, 2004)
1684
nos firma inarredavelmente no que é racional quando a paixão tende a
nos afastar das normas da razão como o temor do perigo ou do
sofrimento. Em relação ao sujeito, Tomás afirma que chegamos ao mesmo
número de virtudes:
“... pois são quatro os sujeitos da virtude que
estamos falando aqui, a saber: o racional por
essência, que a Prudência aperfeiçoa, e o
racional por participação, que se divide em
três, ou seja, a vontade, sujeito da justiça; o
apetite concupiscível, sujeito da temperança e
o irascível, sujeito da fortaleza.” (Aquino,
Tomás de. Suma Teológica. Iª IIªe, v.IV, Q.
61, a. 2. São Paulo: Loyola, 2004)
Como vimos, Tomás faz uma distinção entre as virtudes morais e
intelectuais. Para ele, as virtudes morais são consideradas principais em
relação às outras virtudes, “devido à principalidade da matéria” (q.61,
a.3). Mas devido a essa distinção e considerando que a função da virtude
intelectual é de aperfeiçoar o intelecto especulativo e prático para o bom
agir do homem e que para que haja uma ação boa, tanto a potência
apetitiva como a razão devem estar bem dispostas. Se faz necessário,
portanto, uma análise das virtudes intelectuais. Tomás, na questão 57,
classifica as virtudes intelectuais em especulativas, que tem por objeto o
necessário, a verdade, ao passo que as virtudes práticas se ocupam do
contingente. No artigo 1 afirma que os hábitos intelectuais especulativos,
apesar de não influenciarem na parte apetitiva, poderão ser chamados de
virtudes, pois auxiliam na busca da verdade nas boas ações, tornando o
sujeito apto a contemplá-la nas coisas das quais tem conhecimento, por
moção da vontade. Como a finalidade do homem está presente na vida
contemplativa,
a
inteligência
especulativa
tem
uma
função
muito
significativa, pois o que se deseja contemplar é justamente a verdade que
está presente em Deus. Herdando de Aristóteles, Tomas faz a mesma
1685
distinção das atividades da inteligência em três categorias 655: a sabedoria
onde temos o desenvolvimento da inteligência, capacitando o sujeito em
emitir um julgamento definitivo e universal sobre todas as coisas e dois
outros hábitos considerados como partes potenciais da sabedoria, a
ciência que tem a função de aperfeiçoar os múltiplos processos da
inteligência e o intelecto que habilita o sujeito a fazer um bom uso dos
primeiros princípios. A distinção das virtudes intelectuais práticas das
intelectuais está justamente no seu objeto, ou seja, no contingente, e são
elas: a arte enquanto se ocupa do contingente no domínio da produção e
a prudência, que se ocupa do contingente no domínio da ação. No artigo
3, Tomás classifica a arte como “a razão reta de fazer algumas obras”, ou
seja, um hábito operativo e se identifica como um hábito especulativo pois
esta também torna a obra boa a partir da faculdade de bem agir e não
pelo aperfeiçoamento do apetite. Mas a arte se distingue da prudência,
pois esta se ocupa do contingente da ação e, como vimos acima, é uma
virtude especial, justamente por ter como objeto “a totalidade da conduta
da vida e o fim último da vida humana”, e é considerada tanto uma
virtude intelectual como moral, pois “não faz somente essa faculdade agir
bem, como também o exercício, já que diz respeito ao apetite, por lhe
pressupor a retidão” (a.4).
Mas, segundo Tomás, não basta ao homem somente os princípios
naturais pelos quais o homem consegue agir bem de acordo com suas
possibilidades, para ordená-lo a bem aventurança, pois, estes excedem a
natureza humana.
“É
necessário,
pois,
que
lhes
sejam
acrescentados por Deus certos princípios pelos
quais ele se ordene a bem-aventurança
sobrenatural, tal como está ordenado ao fim
que lhe é conatural por princípios naturais
que, porém, não excluem o auxílio divino. Ora,
esses princípios se chamam virtudes teologais,
655
Nota de rodapé da Suma, v. IV, q.57, a.2. Edições Loyola, p. 117.
1686
primeiro por terem Deus como objeto, no
sentido que nos orientam retamente para ele;
depois por serem infundidos só por Deus; e,
finalmente,
porque
essas
virtudes
são
transmitidas unicamente pela revelação divina,
na sagrada escritura”. (Aquino, Tomás de.
Suma Teológica. Iª IIªe, v.IV, Q. 62, a. 1. São
Paulo: Loyola, 2004)
Tomás, no artigo 2 afirma que a distinção das virtudes teologais
em relação as virtudes morais e intelectuais está no objeto. Nas virtudes
teologais é o próprio Deus, fim último das coisas, enquanto ultrapassa o
conhecimento da nossa razão, enquanto que nas virtudes morais e
intelectuais, o objeto é algo que a razão humana pode compreender. As
virtudes teologais têm, portanto, a função de ordenar o homem à bem
aventurança sobrenatural:
“Primeiramente, no que diz respeito ao
intelecto, são acrescentados ao homem e
apreendidos por iluminação divina alguns
princípios sobrenaturais, que são o conjunto
do que se deve crer, o objeto da fé; em
segundo lugar, a vontade se ordena para o fim
sobrenatural, seja pelo movimento de intenção
que tende parta esse fim, como para algo
possível de se obter e isso é a esperança;
seja por uma união espiritual, pela qual a
vontade é de certa forma transformada nesse
fim, o que se concretiza na caridade. (Aquino,
Tomás de. Suma Teológica. Iª IIªe, v.IV, Q.
62, a. 3. São Paulo: Loyola, 2004)
Para Tomás, o essencial na virtude da Fé é a verdade. Por esse
motivo, quando avalia o objeto da fé na 2ª seção da 2ª parte, ele começa
pela verdade primeira. É a verdade que comanda, e é ela que Deus quer
nos transmitir. De acordo com Tomás na questão 1, artigos de 1 a 10, o
que está sob a fé está ordenado para Deus e implica o assentimento do
intelecto àquilo em que se crê, e este adere ao objeto por escolha
voluntária, com certeza e sem qualquer temor. “O primeiro artigo diz o
1687
essencial: só se deve crer em Deus. Os nove outros: como Deus se deu a
crer.”656 No artigo 1 da questão 4, Tomás relaciona os dois elementos que
compõem a fé, a saber, a inteligência e a afetividade. “A fé reside
essencialmente na inteligência, mas ela começa na afeição que inclina o
espírito a assentir e o fixa; e termina na afeição, pois só a caridade 657 faz
dela de fato uma virtude”658. Assim, Tomás define no artigo 1 da questão
4 que: “o ato de fé é crer; é um ato do intelecto que se define por um
objeto, por ordem da vontade”.
A esperança é uma virtude bem distinta da fé e da caridade.
Enquanto a fé é uma virtude intelectual que leva o homem a aderir a Deus
enquanto este é para nós princípio do conhecimento da verdade, como
vimos acima, a esperança é uma virtude da vontade, ou seja, um impulso
do apetite rumo ao Bem absoluto tão distante de nós, que é Deus. No
artigo 1 da questão 17 Tomás afirma que é justamente a espera do auxílio
divino que torna a esperança uma virtude, pois ela pode tornar bom o ato
humano, e como a nossa esperança como criatura de Deus é alcançar a
bem-aventurança eterna, este se torna o objeto próprio e principal dessa
virtude.
“A esperança faz com que o homem se ligue a
Deus, enquanto ele é para nós princípio da
bondade perfeita, enquanto pela esperança
apoiamo-nos no auxílio divino para obter a
bem-aventurança eterna.” (Aquino, Tomás de.
Suma Teológica. IIª IIªe, v.V, Q. 17, a. 6. São
Paulo: Loyola, 2004)
A palavra Caridade em nossa sociedade é de certa forma uma
distorção da proposta bíblica apresentada por Tomás na Suma. O artigo 1
da questão 23 sobre a caridade já esclarece bastante coisa, pois define ela
656
Nota de rodapé da Suma, v. V, q.1, a.1. Edições Loyola, p. 47.
É importante ressaltar que Tomás destaca no artigo 3 da questão 4 que o ato de fé ordena-se ao objeto da
vontade, que é o bem, como a um fim. Este bem, que é o fim da fé, isto é, o bem divino, é o objeto próprio da
caridade.
658
Nota de rodapé da Suma, v. V, q.4, a.1. Edições Loyola, p. 96.
657
1688
como uma espécie de amizade do homem para com Deus que nos torna
participantes de sua bem-aventurança. E o amor, palavra que se identifica
mais com a definição tomásica de Caridade, é o que se funda nessa
comunhão de Deus e o homem. Assim como as demais virtudes teologais,
a caridade é uma virtude, pois está relacionada a Deus, e uma virtude
especial, sendo que o objeto próprio do amor de caridade é o bem divino,
e, por isso, um amor especial. Segundo Tomás no artigo 7, não pode
haver verdadeira virtude sem a caridade, pois ela é considerada uma
virtude absolutamente verdadeira enquanto ordenada ao bem principal do
homem, que é Deus. No artigo anterior, Tomás define assim a caridade:
“...entre as virtudes teologais, será mais excelente aquela que mais
alcançar a Deus. Ora, a fé e a esperança alcançam Deus na medida em
que recebemos dele ou o conhecimento da verdade ou a posse do bem.
Mas a caridade alcança Deus para que nele permaneça e não para que
dele recebamos algo.” (Aquino, Tomás de. Suma Teológica. IIª IIªe, v.V,
Q. 23, a. 6. São Paulo: Loyola, 2004)
Portanto, Tomás considera que as virtudes teologais, que
consistem em alcançar a regra primeira que é Deus, são mais excelentes
que as virtudes morais e intelectuais, que consistem em alcançar a razão
humana. É importante ressaltar que Tomás de Aquino, no tratado da
caridade, ressalta a excelência dessa virtude em relação às demais, mas
considera também a virtude da Prudência como excelência diante das
virtudes morais:
“Daí resulta que a caridade é mais excelente
que a fé e a esperança e, por conseguinte, que
todas as outras virtudes. Assim também a
prudência, que alcança a razão em si mesma,
é também mais excelente que as outras
virtudes morais, as quais alcançam a razão na
medida em que a prudência se constitui como
meio termo nas operações ou paixões
humanas.”
(Aquino,
Tomás
de.
Suma
1689
Teológica. IIª IIªe, v.V, Q. 23, a. 6. São Paulo:
Loyola, 2004)
Carlos Nascimento659 destaca o fato de que, em nosso tempo a
palavra prudência tem sido vítima de desqualificação, a exemplo tanto da
palavra virtude como também da palavra moral. Além disso, destaca uma
critica feita por A. Gauthier que considera a construção de Tomás sobre a
virtude da prudência uma “desfiguração” da phrónesis-prudência de
Aristóteles. Mas ressalta que a phrónesis-prudência foi o centro da análise
da práxis por Aristóteles e foi posta por Tomás em lugar bem privilegiado
e, apesar de apresentar pontos de divergência da concepção aristotélica,
esta não fica reduzida a uma “rotina moral”. Na IIª parte da Suma
Teológica, Tomás dedica 56 artigos divididos em 9 questões somente para
esclarecer e fundamentar a virtude da Prudência. Como mostra a citação
acima, a função da virtude da prudência é alcançar a razão em si mesma,
e fazer com que esta alcance também o meio termo nas operações ou
paixões humanas. O papel da prudência dentro da ética proposta por
Tomás de Aquino ocupa um lugar privilegiado dentro da sua concepção
ética. Em seu tratado da prudência, Tomás afirma na questão 47, artigo 1
que “a prudência reside propriamente na razão” e que é próprio dela
conhecer o futuro a partir das coisas presentes e futuras. Cabe, portanto,
ao prudente auxiliar na ordenação ou impedimento das coisas que devem
ser feitas no presente e seu mérito está no fato dessa aplicação
contingente, que é o fim da razão prática.
659
NASCIMENTO, Carlos A. Ribeiro do. A Prudência Segundo Tomás de Aquino.
Revista Síntese Nova fase. Belo Horizonte, v.20 n. 62, PP. 365-385, 1993.
1690
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Referências utilizadas
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. IIª Seção da IIª Parte, Introdução
e notas das virtudes teologais por Antonin-Marcel Henri e da prudência
por Albert Raulin. São Paulo: Loyola, 2004.
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Volume I, III e IV. São Paulo:
Loyola, 2004
NASCIMENTO, Carlos Arthur Ribeiro do. A Prudência Segundo Tomás de
Aquino. Revista Síntese Nova Fase. Belo Horizonte, v.20 n. 62, PP.
365-385, 1993.
ALBERTUNI, Carlos Alberto. Tese: O conceito de Sindérese na moral de
Tomás de Aquino. Campinas: UNICAMP, 2006.
Referências consultadas
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Idade Média. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1966.
TORRELL, Jean-Pierre. Iniciação a Santo Tomás de Aquino – Sua
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GARDEIL, H. D. Iniciação à Filosofia de S. Tomás de Aquino. Tradução
Pe. Augusto J. Chiavegato. São Paulo: Duas Cidades, 1967.
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