O cOmplexO de ÉdipO nas Obras de Klein e WinnicOtt: cOmparações

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O complexo de Édipo nas obras
de Klein e Winnicott: comparações
Priscila Toscano de Oliveira Marchiolli e Leopoldo Fulgencio
Priscila Toscano de
Oliveira Marchiolli
Psicóloga, mestre
em Psicologia como
profissão e ciência
pela Pontifícia
Universidade
Católica de
Campinas (PUCCamp).
Leopoldo Fulgencio
Psicanalista, doutor
em Psicologia
pela Pontifícia
Universidade
Católica de São
Paulo (PUCSP), professor
do programa de
Pós-graduação
em Psicologia
da Pontifícia
Universidade
Católica de
Campinas (PUCCamp).
Resumo: Este trabalho objetiva a análise comparativa da noção de
complexo de Édipo nas obras de Klein e de Winnicott, como forma
de explicitar algumas diferenças e proximidades entre esses autores.
Mostrou-se que, enquanto em Klein há a ideia de um Édipo precoce,
base para a constituição do ser humano, ligado a fases pré-genitais e
à relação do tipo parcial com os objetos, em Winnicott o complexo
de Édipo aparece somente numa fase tardia do amadurecimento,
quando o indivíduo já está integrado, caracterizando um desenvolvimento saudável.
Palavras-chave: Psicanálise, complexo de Édipo, Winnicott, Klein,
sexualidade, amadurecimento emocional.
Abstract: Oedipus complex in Klein and Winnicott’s works: Com-
parisons.This work introduces a comparative analysis of the concept
of the Oedipus complex in the works of Klein and Winnicott, as
a way to demonstrate some differences and proximities between
these authors. It was shown that, while in Klein there is the idea of
an early Oedipus complex, the basis for the constitution of human
being, related to pre-genital phases and to a partial relationship
with objects, in Winnicott the Oedipus complex appears only as
a late phase of growth, when the individual is already integrated,
featuring a healthy development.
Keywords: Psychoanalysis, Oedipus complex, Winnicott, Klein,
sexuality, emotional maturation.
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P
retende-se demonstrar as principais diferenças entre Klein e Winnicott
quanto às compreensões desses autores com relação ao complexo de Édipo
e, sobretudo, com relação ao momento em que o mesmo se estabelece no desenvolvimento emocional e quais são as condições envolvidas nesse processo.
No estudo da história da psicanálise, no que concerne à leitura sobre as
relações de continuidades e rupturas entre as propostas desses autores, pode-se
reconhecer, ao menos, duas posturas opostas: uma diz respeito ao entendimento
de que Winnicott construiu uma obra alicerçada pelos pressupostos kleinianos,
mantendo-se dentro do quadro conceitual da autora (AGUAYO, 2002; MEYER,
1994); outra entende haver, em Winnicott, rupturas significativas em relação
a Klein (PHILLIPS, 1988; LOPARIC, 1997a, 1997b, 2001, 2006; DIAS, 2003;
ROUSSILLON, 2009).
O texto winnicottiano apresenta, por vezes claramente, momentos de concordância e de divergência em relação a Klein (cf. WINNICOTT, 1965va e 1987b)1,
não só com respeito às formulações sobre o Édipo precoce (WINNICOTT, 1988)
mas também a conceitos, como o de inveja inata (WINNICOTT, 1989xf) e posição depressiva (WINNICOTT, 1955c).
Um delineamento mais preciso das rupturas entre os teóricos em questão
é tarefa considerada por autores como Aguayo (2002) e Loparic (1997b) um
desafio para os pesquisadores da atualidade. Nesse mesmo sentido, entende-se
como necessário esse tipo de elucidação porque concepções teóricas divergentes
orientam ações clínicas diferentes.
Indubitavelmente, o complexo de Édipo é o conceito central e fundamento
da teoria psicanalítica. Sua importância para a psicanálise é de tal ordem que
Freud considerou-o o xibolete2 (FREUD, 1905/1989, p.214) de sua ciência, ou
seja, condição sine qua non para a prática da psicanálise. Tanto Klein como Winnicott tecem afirmações ao longo de suas obras que revelam sua concordância
com certos aspectos desta descoberta freudiana. Klein afirma que “a psicanálise
provou que o complexo de Édipo é o fator mais importante de todo o desenvolvimento da personalidade” (KLEIN, 1927b/1996, p.200-201); Winnicott, por
sua vez, considera que o complexo de Édipo permanece “(...) como um fato
central, infinitamente elaborado e modificado, mas irrefutável” (WINNICOTT,
1947a, p.167-168).
1 A obra de Winnicott será apresentada segundo a classificação proposta por Knud Hjulmand
(1999). Jan Abram (2008) informou, em artigo recente, que as obras completas de Winnicott
seriam publicadas respeitando-se tal classificação.
2 Xibolete é uma palavra de origem hebraica que significa espiga e, como consta no Velho
Testamento, trata-se de uma prova de pertinência a um grupo que resulta numa questão de
vida ou morte. Para uma análise sobre os xiboletes da psicanálise para Freud, sugerimos
Fulgencio 2008.
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No entanto, é possível reconhecer diferenças entre suas concepções sobre o
Édipo, tanto em relação a Freud quanto em relação a suas próprias produções:
Klein apresenta ao mundo psicanalítico o Édipo precoce (KLEIN, 1928/1996,
1945/1996) vivido em termos de relações parciais de objetos; em Winnicott,
encontra-se a recusa do Édipo precoce e uma redescrição stricto sensu do complexo
de Édipo vivido quando a criança atinge a maturidade, que a caracteriza como
sendo uma pessoa inteira (WINNICOTT, 1988, Parte II).
Segue-se uma análise dos aspectos principais das compreensões desses dois
autores sobre o complexo de Édipo, buscando-se explicitar as principais diferenças e proximidades entre eles.
O CONCEITO KLEINIANO DO COMPLEXO DE ÉDIPO
A compreensão da concepção kleiniana sobre o momento e a maneira como é
vivido o complexo de Édipo depende da sua reformulação da teoria da sexualidade, baseada nas posições esquizoparanoide e depressiva.
Esta teoria das posições corresponde, como comentam Greenberg & Mitchell
(1994), a uma reformulação da teoria das fases psicossexuais de Freud, dado
que, para ela, na verdade, as fases freudianas se justapõem e se misturam umas
às outras. As posições, para Klein, correspondem a modos de funcionamento das relações com os objetos e os mecanismos de defesa a eles associados,
sendo que na posição esquizoparanoide “(...) o amor e o ódio, bem como os
aspectos bons e maus do seio, são mantidos amplamente separados um do
outro” (KLEIN, 1952/1991, p.71-72), e na posição depressiva são unificados,
pois “a ansiedade depressiva é intensificada (...) o bebê sente que destruiu ou
está destruindo um objeto inteiro com sua voracidade e agressão incontroláveis
(...) sente que esses impulsos destrutivos são dirigidos contra uma pessoa amada”
(KLEIN, 1952/1991, p.73).
No artigo “O desenvolvimento de uma criança” (1921/1996), Klein faz seu
primeiro comentário sobre o complexo de Édipo. Ela apresenta sua leitura, claramente edípica, do caso de Fritz, menino descrito como filho de um casal de
sua vizinhança3. Afirma esta autora que, uma vez sanadas as dúvidas da criança
sobre sexualidade, “o complexo de Édipo começou a ocupar o primeiro plano”
(idem, p.57), o que lhe permitiu fazer intervenções como: “a mamãe não pode
ser sua mulher porque ela já é mulher do papai, e aí o papai ia ficar sem mulher” (idem, p.56).
Em “Análise de crianças pequenas” (1923/1996) e “Princípios psicológicos
da análise de crianças pequenas” (1926/1996), nota-se um início de afastamento
3
Grosskurth (1992) aponta que Fritz, na verdade, é o próprio filho de Klein, Erich.
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da descrição clássica do complexo de Édipo, passando a autora a introduzir em
seus escritos sua ideia de que ele ocorria muito antes do que Freud postulara.
Inicialmente, considerou que o complexo já estaria presente por volta dos 2
ou 3 anos de idade (KLEIN, 1923/1996), deslocando-o depois para o início do
segundo ano de vida (KLEIN, 1926/1996).
Argumenta, mais à frente, que o referido complexo já podia ser percebido
no desmame, desencadeado pelas frustrações que dele surgiam e pelas que eram
geradas no treinamento dos hábitos de higiene (KLEIN, 1926/1996, 1927a/1996,
1927b/1996). Por isso, Klein também propõe modificações ao conceito de superego, porque percebia que crianças muito pequenas já expressavam a existência
de um superego muito mais cruel do que o dos adultos, devido à fantasia de
“punições como ser castrado, cortado em pedaços, devorado, etc.” (KLEIN,
1927a/1996, p.182), derivada da destruição do objeto por suas pulsões sádicoorais e sádico-anais.
Finalmente, em 1928, Klein escreve Estágios iniciais do conflito edipiano, no qual
reitera que o início do complexo de Édipo se dá com a frustração gerada no
desmame. Esse texto abre passagem para a consideração de que o complexo de
Édipo tem seu início ainda em “fases pré-genitais do desenvolvimento” (KLEIN,
1928/1996, p.217), quando o objeto ainda é parcial. A autora afirma, além disso,
que o medo da castração e sentimento de culpa relacionados à formação do superego aparecem desde o início do complexo. Essa afirmação a afasta mais uma
vez de Freud, embora Klein tenha tentado se mostrar fiel a ele, pois o primeiro
considerou tais elementos produtos finais do complexo (FREUD,1931/1989).
A ansiedade inconsciente é um dos pontos mais importantes do pensamento
de Klein (SEGAL, 1975). Em 1928, tal conceito começa a ganhar destaque no
pensamento da autora ao considerar que, para meninos e meninas, o processo inicial das tendências edípicas provoca grandes quantidades de ansiedade,
resultantes das fantasias de ataques contra o corpo da mãe, o que faz emergir
uma imago de uma mãe hostil, que “desmembra e castra” (KLEIN, 1928/1996,
p.220). No caso do menino, a ansiedade de castração é derivada dessa primeira
ansiedade, abrindo espaço para o “complexo de feminilidade” (idem, p.219),
relacionado aos desejos frustrados de possuir um órgão especial, gerador da
vida, assim como o da mãe.
Esse desejo é, mais tarde, transformado em atitude de agressividade e desprezo em relação à figura feminina e seguido pela fantasia de “superioridade”
(idem, p.220), após a descoberta de seu pênis. Quanto à menina, a ansiedade
está relacionada ao medo de ter seu interior atacado pela mãe ameaçadora;
secundariamente, surge o medo de perder seu amor. A ansiedade, gerada pelo
medo da menina de ter sua feminilidade devastada e, do menino, de perder o
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pênis pela ação retaliadora do pai, “colabora para refrear os impulsos edipianos”
(idem, p.224).
Claramente, Klein propõe a existência de processos mentais logo no início
da vida, que têm como “principal objetivo (...) se apossar do conteúdo do corpo
da mãe e (...) destruí-la com todas as armas ao alcance do sadismo” (KLEIN,
1930/1996, p.251). Os ataques são, na verdade, direcionados ao pai e à mãe, já
que, em sua fantasia, a vagina da mãe incorpora o pênis do pai, o que a autora
nomeia figura dos pais combinados. A ansiedade desencadeada, segundo Klein, “põe
em movimento os métodos de defesa mais arcaicos do ego” (idem, p.252), ainda
anteriores à capacidade do uso da repressão inconsciente como defesa. Esta tem que
lidar com o sadismo do próprio sujeito e com a fantasia de retaliação por parte
do objeto. Sendo assim, o ego se defende através do mecanismo da “expulsão”
do sadismo e da “destruição” do objeto (ibidem).
O ego da criança, ainda frágil, fica, portanto, submetido a impulsos sádicos
e sexuais, os quais se opõem, e sujeito a um superego extremamente cruel
(KLEIN, 1928/1996). Nesse momento da obra de Klein, o entendimento é que
“uma quantidade extraordinária de ódio” (idem, p.218) advém do fato de o ego
ser pouco desenvolvido e ser arrebatado por sentimentos tão fortes, somado à
curiosidade sobre a vida sexual, em uma etapa em que a criança ainda não possui
domínio do código linguístico; é o ódio a base do conflito edípico.
A ansiedade emergida nessa fase, conforme Klein, é responsável pelo início
do mecanismo de identificação, e faz com que a criança “iguale os órgãos” (KLEIN,
1930/1996, p.252) que desejou destruir (pênis, vagina, seio) a outros objetos
do mundo que possam lhes ser equivalentes. Obviamente, os novos objetos
escolhidos passam a ser suas novas fontes de perigo, uma vez que a ansiedade
continua na base dessa relação, compelindo a criança a se deslocar para outros objetos e assim por diante. Essas “novas equiparações” feitas pela criança
“formam a base do simbolismo e de seu interesse nos novos objetos” (KLEIN,
1930/1996, p.253).
Para a autora, a saúde, isto é, o contato com a realidade tal como ela é, depende da “capacidade do indivíduo de tolerar a pressão das primeiras situações de
ansiedade, já num período muito inicial” (KLEIN, 1930/1996, p.253). No caso
de Dick, paciente de 4 anos de idade (descrito como caso de psicose infantil),
Klein acredita que o ego da criança, constitucionalmente muito fraco, lançou
mão das defesas que inviabilizaram suas experiências de ansiedade. No entanto,
acredita que, mesmo mediante tamanha inibição egoica, tenha conseguido criar
na análise situações que fizeram com que o menino fosse tomado pela ansiedade, o que permitiu que o trabalho pudesse ser realizado normalmente, tendo a
criança retomado seu desenvolvimento (por exemplo, colocou trens em frente
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ao paciente e nomeou um como Papai e o outro como Dick, dizendo que Dick
queria entrar na ‘estação Mamãe’, etc.).
Klein narra que diante desse tipo de paciente ela não pôde esperar para fornecer a interpretação do material inconsciente até que ele tivesse sido comunicado
em várias representações, visto que elas eram quase inexistentes: Klein sentiu
que suas interpretações precisavam ser desenvolvidas a partir de seu “conhecimento geral” (KLEIN, 1930/1996, p.260). O tratamento deu-se, portanto, a
partir dessa via de acesso ao inconsciente e da apresentação, para o sujeito, da
relação causadora de ansiedade.
Em 1940, no artigo “O luto e suas relações com os estados maníaco-depressivos”, Klein termina sua exposição sobre a teoria da posição depressiva e passa
a relacionar o conflito edípico ao medo da perda do objeto bom. Levando em
conta suas reformulações teóricas — sobre o funcionamento mental ser baseado
na interação entre amor e ódio, e mais a própria teoria das posições —, Klein
viu necessidade de reapresentar seu conceito de complexo de Édipo em 1945,
no artigo “O complexo de Édipo à luz das ansiedades arcaicas”. Nele, passa a
relacionar diretamente o complexo à posição depressiva e propõe que o caminho natural da ansiedade, culpa e sentimentos depressivos seja a necessidade de
reparação dos objetos. O ódio não é mais encarado como o fator que dispara e
fundamenta o conflito edípico. Para Klein, quando a ansiedade persecutória diminui, os sentimentos amorosos podem ocupar o primeiro plano, pois a criança
é impelida “por sentimentos de amor e culpa a preservar” (KLEIN, 1945/1996,
p.462-463) o pai ou a mãe como figura interna e externa.
Em “Inveja e gratidão” (1957), Klein enfatiza que “todo o desenvolvimento
do complexo de Édipo é fortemente influenciado pela intensidade da inveja,
a qual determina a força da figura dos pais combinados” (KLEIN, 1957/1991,
p.229). A fantasia da mãe contendo o pênis do pai e do pai dentro do corpo da
mãe “sempre obtendo gratificação sexual um do outro” (idem) precisa dar lugar
à percepção dessas figuras como separadas e ao relacionamento positivo com
elas, o que só acontece se a “a inveja do objeto originário” (idem) não tiver sido
excessiva. No ano seguinte, em “Sobre o desenvolvimento do funcionamento
mental” (1958), Klein declarou-se, por fim, contrária a Freud: “o início do superego antecede de alguns meses o início do complexo de Édipo (...) no segundo
trimestre do primeiro ano de vida, junto com o começo da posição depressiva”
(KLEIN, 1958/1991, p.273), e é formado pelas “primeiras introjeções do seio
bom e do seio mau” (idem).
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CONSIDERAÇÕES DE WINNICOTT SOBRE O COMPLEXO DE ÉDIPO
Para proporcionar ao leitor uma melhor interpretação acerca das relações teóricas
entre os autores em questão, faz-se necessária a retomada da avaliação crítica de
Winnicott às propostas de Klein, diferenciando o que ele avalia como contribuições positivas das que considera duvidosas ou que necessitam de revisão.
Como positivas, Winnicott destaca a descoberta das ansiedades primitivas,
dos mecanismos de projeção e de introjeção, a proposição do uso da brincadeira
como via de acesso ao inconsciente da criança, bem como a descoberta da posição
depressiva, considerada por ele a grande contribuição de Klein, porque implica a
identificação dos mecanismos referentes ao processo de integração do ego, que
engloba “aceitação da responsabilidade por toda a destrutividade que está ligada
ao viver” (WINNICOTT, 1965va, p.160).
Embora tenha equiparado o peso desta descoberta kleiniana ao da descoberta freudiana do complexo de Édipo, Winnicott critica a expressão “posição
depressiva”, por julgar inapropriado o uso do nome de uma patologia para
caracterizar uma etapa do desenvolvimento que considera tão saudável. O autor
prefere a designação, não totalmente precisa, de “fase do concernimento” (cf.
WINNICOTT 1958b, p.291; 1955c, p.358; 1955d, p.376).
Como aspectos que necessitam de revisão, Winnicott elenca a compreensão
kleiniana do sentimento de culpa, assim como a capacidade de se preocupar,
que, para ele, devem ser entendidos não como aspectos inatos, mas sim aquisições do processo de desenvolvimento (WINNICOTT, 1965va). Além disso,
Winnicott critica o fato de Klein ter considerado “superficialmente” (WINNICOTT, 1965va, p.161) o fator ambiental, o que teria causado em sua argumentação problemas de ordem fundamental, visto que há um período da vida do
lactente em que é impossível descrevê-lo sem que se descreva também a mãe,
de quem ele “ainda não se tornou capaz de se separar para se tornar um self”
(WINNICOTT, 1965va, p.161).
Sobre a teoria da posição esquizoparanoide, Winnicott considera que um
ambiente suficientemente bom no início da vida pode transformar seus dois
mecanismos básicos — o medo de retaliação e a cisão do objeto em objeto bom e
objeto mau — em algo “relativamente sem importância até que a organização do
ego torne o bebê capaz de usar mecanismos de introjeção e projeção para obter
controle sobre os objetos” (WINNICOTT, 1965va, p.161).
Como “contribuições duvidosas” (1965va, p.162), Winnicott cita a insistência de Klein em manter a teoria das pulsões de vida e de morte, bem como
sua compreensão acerca da destrutividade do bebê baseada na hereditariedade
e na inveja. Ele também enfatiza sua crítica em relação à tendência da autora
de “empurrar a idade em que os mecanismos mentais aparecem cada vez mais
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para trás” (WINNICOTT, 1965va, p.161), confundindo o que é ‘profundo’ com
o que é ‘precoce’.
No desenvolvimento da teoria psicanalítica há autores que fazem críticas a
Klein similares às de Winnicott. Greenberg & Mitchell (1994) e comentam três
grandes ressalvas às contribuições de Klein: “adesão ao conceito do instinto de
morte, a sua pressuposição de extensos conhecimentos e imagens constitucionais
e a sua atribuição ao bebê de elaboradas capacidades cognitivas no nascimento, ou
pouco antes” (GREENBERG & MITCHELL, 1994, p.108). Agregando o comentário
geral de Greenberg & Mitchell aos de Winnicott, pode-se afirmar que a grande
divergência deste em relação a Klein é a consideração de que ela teria projetado
a vivência edípica para um momento em que a criança não tem maturidade para
esse tipo de experiência relacional.
Enquanto Klein pressupõe que no início do desenvolvimento o bebê já pode
estabelecer relações com objetos (KLEIN, 1952/1991), Winnicott argumenta que
ele seria imaturo demais para essa capacidade cognitiva e afetiva (WINNICOTT,
1988). Noutra ocasião, ele comenta a impossibilidade de o bebê sentir inveja,
porque tal condição demandaria alto grau de desenvolvimento cognitivo e
“sofisticação, isto é, um grau de organização do ego no sujeito que não se acha
presente no início da vida” (WINNICOTT, 1959b, p.53), como reconhecer um
objeto, suas qualidades, reconhecer o ‘eu’ com outras qualidades.
No trabalho de Winnicott deve ser, portanto, destacada sua preocupação
com modos de relações de objetos mais primitivos do que os que podem ser
reconhecidos nos relacionamentos interpessoais, quando o indivíduo já é uma
pessoa inteira, que se relaciona com os outros como pessoas inteiras. Assim,
já em 1945, Winnicott explicita sua posição de que alguém só vem a se tornar
uma pessoa passível de se relacionar com outras pessoas a partir de determinado ponto de seu desenvolvimento e, principalmente, mediante os cuidados do
ambiente, realizados de maneira satisfatória (WINNICOTT, 1945d). Para Winnicott, antes de haver a possibilidade do estabelecimento de relações de objeto
e, consequentemente, a vivência do complexo de Édipo, uma série de etapas
devem ser cumpridas no desenvolvimento emocional, que vão lhe permitindo,
gradativamente, a conquista de recursos nessa direção.
Na teoria winnicottiana, o amadurecimento emocional é uma progressão
que parte de um estado primeiro de dependência absoluta, momento inicial em que
não há uma realidade não-self (WINNICOTT, 1988), que envolve a adaptação
suficientemente boa da mãe às necessidades de seu bebê. Esse processo leva a
um estado de dependência relativa, ou seja, de amadurecimento no sentido de uma
integração que diferencia o Eu do Não-Eu (WINNICOTT, 1969i, 1970b, 1984h) e
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cria condições para a independência quando o indivíduo, na saúde, chega a integrarse como pessoa inteira (WINNICOTT, 1965r).4
É somente a partir dessas conquistas que a vida instintual tal como descrita
por Freud pode acontecer, e o complexo de Édipo, a fantasia erótica e o desejo
pelo objeto podem aparecer. Todo o processo integrativo anterior permite ao
indivíduo que integre também seus instintos como elementos advindos de seu
próprio eu (WINNICOTT, 1988, 1989vl).
Nessa direção, Winnicott propõe que somente a criança saudável, com desenvolvimento inicial favorável, é capaz de manifestar o sentimento de culpa de
forma verdadeira, sem que seja imposta pelo externo, o que seria falso para o self
(WINNICOTT, 1955c). O autor também rechaça o estabelecimento de tratamento
para a psicose pela via edípica, visto que tal problemática tem origem em fases
precoces, fruto de uma provisão ambiental falha ou inexistente (WINNICOTT,
1963c, 1965h, 1989xa).
Todos esses aspectos da teoria winnicottiana são pontos fundamentais para
a compreensão da recusa do autor com relação à proposta de Klein do Édipo
precoce. Diz Winnicott: “Não posso ver nenhum valor na utilização do termo
‘Complexo de Édipo’ quando um ou mais de um dos três que formam o triângulo
é um objeto parcial” (WINNICOTT, 1988, p.67).
No entanto, percebe-se que as diferenças entre Klein e Winnicott em relação
ao complexo de Édipo não se restringem à recusa da noção de Édipo precoce.
Trata-se também de uma redescrição winnicottiana do complexo em meninos
e meninas e também de sua vinculação apenas à dinâmica neurótica. Salientamse, aqui, quatro aspectos, sem que eles tenham, contudo, a pretensão de esgotar
o assunto:
1. Em Winnicott, o complexo de castração no menino traz um elemento novo:
a castração não é entendida apenas como angustiante, derivada de uma constante
ameaça paterna como sanção aos desejos edípicos, mas é também vista como um
alívio ante a imaturidade (sentimento de impotência) da criança para satisfazer,
em sua fantasia, o desejo de união erótica com a mãe (WINNICOTT, 1988);
2. O complexo de castração na menina é considerado como fase que será
ultrapassada (WINNICOTT, 1986g), o que é diferente de Klein: ainda que esta
autora discorde de Freud quanto à importância conferida por ele à descoberta
da menina de que não possui um pênis, ela continua a conceber os processos de
formação do feminino calcados pela ideia do macho castrado: para ela, a menina
se dirige ao pai porque é tomada por ódio e frustração na relação com a mãe,
primeiramente pelo desmame, e depois, pela fantasia de que a mãe possui o
4 Para a compreensão da teoria do amadurecimento de Winnicott tomou-se por base o trabalho
de sistematização e interpretação da obra deste autor feito por Dias (2003).
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pênis do pai (KLEIN, 1928/1996). Para Winnicott, faz mais sentido considerar
que a mulher é sempre um trio: o bebê, a mulher-mãe e a mãe da mãe (WINNICOTT, 1986g), e que trava mais batalhas do que o menino, uma vez que se
volta contra sua própria fonte de vida.
3. A gênese da psicose é afastada do complexo de Édipo e é relacionada a falhas
ambientais em etapas primitivas do desenvolvimento, quando não há ainda uma
pessoa integrada (WINNICOTT, 1955d, 1968a); a ação clínica para estes casos
se afasta da interpretação do material edípico. Winnicott considera que, para as
dinâmicas de personalidade não neuróticas, o trabalho tradicional não atinge
resultado positivo, mas “fenômenos da vida cotidiana” (WINNICOTT, 1955d,
p.466), como uma amizade ou um período de cuidado durante uma doença
física, têm para elas um “poder curativo” (idem).
4. Considera-se a existência real dos pais, e não somente suas imagos introjetadas
pela criança, no que diz respeito à importância do ambiente durante a vivência
do Édipo. Nessa etapa, o ambiente não tem mais a função de estruturação da
personalidade, mas pode, através de sua estabilidade, possibilitar à criança uma
passagem tranquila pelo Édipo, sem construções excessivas de defesas (WINNICOTT, 1989xi, 1986g, 1989xa).
Pode-se dizer, portanto, que Winnicott deu novo valor e novo lugar ao complexo de Édipo: se por um lado ele destituiu a importância que lhe dera Klein,
por outro tornou mais precisa sua dinâmica.
CONCLUSÕES
A trama básica do complexo de Édipo, esboçada pelos autores, não diz respeito às
mesmas dinâmicas psicoafetivas. A maior discordância entre os teóricos em foco
certamente é a questão do momento em que se estabelece o complexo de Édipo
e as condições envolvidas no processo: para Klein, ele se inicia na vida do bebê
em fase pré-genital e este bebê é maduro emocionalmente, capaz de se relacionar
com os objetos e de fantasiar sobre eles (KLEIN, 1928/1996, 1945/1996); para
Winnicott, a vivência do Édipo em termos de objetos parciais é impraticável:
o bebê não é uma pessoa total e não pode se integrar sem o desenvolvimento
anterior saudável. Este lhe possibilitará, depois, a integração dos instintos, as
condições para discriminar objetos e vivenciar o Édipo (WINNICOTT, 1965vc,
1970b). Para Winnicott, a separação entre “eu” e “não-eu” e a possibilidade de
“sentir que a vida é real” ou “digna de ser vivida” (WINNICOTT, 1967b, p.137)
são conquistas do desenvolvimento saudável.
Além disso, nota-se também que aspectos inerentes à dinâmica edípica são
compreendidos de forma diferente por Klein e por Winnicott. É o caso da fantasia
de castração masculina, vista por Klein como aterrorizante (KLEIN, 1928/1996)
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e, por Winnicott, como um alívio para o sentimento de impotência (WINNICOTT, 1988). A formação da identidade feminina também é divergente, pois
em Klein, a fantasia do macho castrado é base do psiquismo feminino e em
Winnicott há o reconhecimento de outros aspectos como fundamentais para os
processos psíquicos da mulher.
Com relação às diferentes dinâmicas de personalidade e sua ligação com o
complexo de Édipo, também se notam divergências bem precisas. Klein entende
a psicose como um problema que também tem sua gênese na ansiedade gerada
com as tendências edípicas (KLEIN, 1930/1996). Mas Winnicott assevera que o
complexo de Édipo não se relaciona de maneira alguma com a dinâmica psicótica, uma vez que esta se origina em fases mais primitivas do desenvolvimento
(WINNICOTT, 1963c).
A clínica winnicottiana dos estados não neuróticos, sejam eles psicóticos,
depressivos, antissociais, etc., pressupõe encaminhamentos que se afastam do
setting tradicional, pois a conduta do analista está ligada muito mais ao “manejo”
(WINNICOTT, 1955d, p.460), ou seja, ao oferecimento de condições (holding,
handling) que permitam ao paciente o descongelamento das “situações de fracasso
ambiental” (WINNICOTT, 1955d, p.466).
No que concerne à neurose, ainda que o tratamento transcorra sobre as bases da análise e interpretação5 do material edípico, observam-se em Winnicott
elementos novos, como as compreensões sobre a castração masculina, sobre os
processos identificatórios femininos e a consideração da figura real dos pais e
de seu modo de se relacionar com a criança também durante o conflito edípico.
Esses elementos podem apontar (transferido o cenário para a situação analítica)
para uma postura do analista que envolva o oferecimento ao paciente de uma
situação de confiabilidade e previsibilidade, em que este possa ser tolerado em
suas deslealdades e ataques provenientes da dinâmica edípica. Tal tolerância
poderia implicar, ainda, momentos nos quais a interpretação de tais ataques
não seria o elemento mais importante. O próprio Winnicott considera que,
em muitas situações, é mais proveitoso “esperar” (WINNICOTT, 1969i, p.121)
pela evolução natural da confiança do paciente em relação ao analista do que
preocupar-se com a “produção de interpretações” (idem). Embora ele não estivesse se referindo especificamente à dinâmica neurótica, acreditamos que sua
descrição do complexo de Édipo também possa abarcar, de certa forma, esses
aspectos clínicos.
5 O tema da interpretação na obra de Winnicott também pode ser desenvolvido em termos
de aproximações e afastamentos em relação à teoria clássica. Para uma apreciação das colocações de Winnicott sobre a interpretação na psicanálise, indicamos Winnicott (1989o)
e Sipahi (2006).
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O caminho percorrido até aqui possibilita explicitar a divergência radical
entre os autores quanto ao tema. Enquanto Klein tentou nitidamente aproveitar
o material freudiano para explicar até mesmo os fenômenos da pré-genitalidade,
Winnicott considerou que a chegada ao complexo de Édipo corresponde a um
grande ganho em termos de saúde (ausência de psicose), mediante cuidados
ambientais prévios satisfatórios.
A comparação teórica entre os autores leva esta pesquisa, invariavelmente,
à comparação entre as clínicas de Winnicott e de Klein, tratando-se de uma
tarefa árdua e vasta e que ultrapassa os objetivos aqui pretendidos. O intuito
da argumentação foi tão somente o apontamento de novos direcionamentos
de pesquisa que possam servir de orientação para ações efetivas junto aos que
necessitam de ajuda profissional.
Recebido em 8/1/2010. Aprovado em 19/12/2010.
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