UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO “ADOLESCENTE INFRATOR: uma questão jurídica ou uma questão social?” REGIANE MARIA SANTANA Itajaí (SC), Junho/2006. UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO “ADOLESCENTE INFRATOR: uma questão jurídica ou uma questão social?” REGIANE MARIA SANTANA Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor MSc. José Ildefonso Bizatto Itajaí (SC), Junho/2006. ii AGRADECIMENTO À Deus, pela saúde, cuidado e proteção concedidos a cada dia, mesmo quando esquecemos de agradecê-lo pelo milagre de nossa existência. Aos meus pais, Olímpio Antonio Santana e Sandra Maria Santana, pelo esforço e abdicações que se fizeram necessárias para que este sonho se tornasse realidade. Aos meus queridos irmãos, Reginaldo, Rinaldo e Rodrigo, por serem, além de grandes irmãos, grandes amigos, com os quais sei que sempre poderei contar. Ao meu orientador, MSc. José Ildefonso Bizatto, por ter acreditado em minha capacidade para produzir este trabalho, pela dedicação e confiança em mim depositadas, por todas as palavras de incentivo e, principalmente, por ser além de excelente mestre, este admirável ser humano. DEDICATÓRIA Ao meu amor, Ataíde João dos Passos, pelo carinho, compreensão, dedicação e paciência. pelo amor verdadeiro e pelas esperanças compartilhadas. por me fazer sentir forte, nos meus momentos de fraqueza; por não me deixar desistir, nos momentos em que achei que este era caminho difícil demais para ser percorrido. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a universidade do vale do Itajaí, a coordenação do curso de direito, a banca examinadora e o orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí (SC), 02 de Junho de 2006 Regiane Maria Santana Graduando PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Regiane Maria Santana, sob o título Adolescente Infrator: uma questão jurídica ou uma questão social?, foi submetida em 02/06/2006 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Professor MSc. José Ildefonso Bizatto (Presidente da Banca), Professor Esp. Renato Massoni Domingues, Professor Esp. Fabiano Oldoni , e aprovada com a nota 9,2 (nove vírgula dois). Itajaí (SC), 02 de Junho de 2006. Professor MSc. José Ildefonso Bizatto Orientador e Presidente da Banca Professor MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS ATUAL. Atualizada CEJURPS Centro de Ciências Jurídicas, Políticas e Sociais CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ECA Estatuto da Criança e do Adolescente ED Edição ETC Et cetera EUA Estados Unidos da América Nº Número ONU Organização das Nações Unidas ORG Organizador P. Página REV. Revisada UNESCO UNIVALI Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura Universidade do Vale do Itajaí ROL DE CATEGORIAS Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais. Adolescente Pessoa entre doze e dezoito anos de idade1. Ato Infracional Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal2. Criança A pessoa até doze anos de idade incompletos3. Delinqüência juvenil É o ato anti-social, a infração à lei penal cometida por menor de idade4. Inimputável É a pessoa irresponsável perante a lei penal. Aquele a quem não se pode imputar crime. Inculpável5. Medidas Sócio-Educativas São atividades impostas aos adolescentes quando considerados autores de ato infracional.6 Políticas de Atendimento 1 ISHIDA,Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 24. 2 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p.171. 3 4 5 6 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p. 24 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 44. DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico, p. 843. LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 82. São todas as ações governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como as ações não-governamentais que também visam proteger e assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes7. 7 MARTINS, Daniele Comin. Estatuto da Criança e do Adolescente e Política de Atendimento. Curitiba: Juruá. p. 51. SUMÁRIO RESUMO ........................................................................................... XI INTRODUÇÃO ................................................................................... 1 CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 4 A DELINQUÊNCIA JUVENIL ............................................................. 4 1.1 ASPECTOS GERAIS DA DELINQUÊNCIA JUVENIL .....................................4 1.1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEGISLAÇÃO MENORISTA NO BRASIL .....8 1.2 CAUSAS , CONSEQUÊNCIAS E PREVENÇÃO DA DELINQUÊNCIA JUVENIL...............................................................................................................12 1.2.1 CAUSAS ......................................................................................................12 1.2.1.1 falta de amparo familiar .........................................................................13 1.2.1.2 lazer e condição social ...........................................................................16 1.2.1.3 violência doméstica ................................................................................18 1.2.1.4 drogas ......................................................................................................20 1.2.1.5 mudanças físicas e psíquicas................................................................21 1.2.2 CONSEQÜÊNCIAS E PREVENÇÃO DA DELINQÜÊNCIA JUVENIL .........22 1.2.2.1 Diretrizes das Nações Unidas para a prevenção da delinqüência juvenil (Diretrizes de Riad) .................................................................................23 CAPÍTULO 2 .................................................................................... 26 DO ADOLESCENTE INFRATOR .................................................... 26 2.1 DEFINIÇÕES ACERCA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE....................26 2.2 CONCEITO DE ADOLESCENTE INFRATOR...............................................28 2.3 O PERFIL DO ADOLESCENTE INFRATOR..................................................32 2.3.1 INADAPTADOS SOCIAIS............................................................................33 2.3.2 ASSOCIAIS..................................................................................................33 2.3.3 PRÉ-DELINQÜENTES.................................................................................34 2.3.4 DELINQÜENTES .........................................................................................34 2.4 DA INIMPUTABILIDADE PENAL DO ADOLESCENTE ................................34 2.5 DO ATO INFRACIONAL.................................................................................37 2.5.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS .......................................................................37 2.5.2 PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DO ATO INFRACIONAL .....................39 2.5.3 APLICAÇÃO DA PRESCRIÇÃO PENAL AO ATO INFRACIONAL.............44 CAPÍTULO 3 .................................................................................... 47 ADOLESCENTE INFRATOR: UMA QUESTÃO JURÍDICA OU UMA QUESTÃO SOCIAL? ....................................................................... 47 3.1 A QUESTÃO JURÍDICA .................................................................................47 3.2 A QUESTÃO SOCIAL ....................................................................................49 3.2.1 A RESSOCIALIZAÇÃO DO ADOLESCENTE INFRATOR ..........................49 3.2.2 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENDIMENTO AO ADOLESCENTE INFRATOR............................................................................................................50 3.3 AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS.............................................................56 3.3.1 ADVERTÊNCIA ...........................................................................................59 3.3.2 OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO ........................................................61 3.3.3 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE .........................................63 3.3.4 LIBERDADE ASSISTIDA.............................................................................64 3.3.5 SEMILIBERDADE........................................................................................67 3.3.6 INTERNAÇÃO .............................................................................................68 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 73 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 76 xi RESUMO O presente trabalho monográfico discorre acerca do estudo do Adolescente Infrator, enfocando os diversos aspectos da delinqüência juvenil. Apresenta-se um breve histórico sobre a evolução da legislação menorista brasileira, desde os tempos do Brasil colônia, passando pelas Ordenações Filipinas, pelo Código Republicano, seguido do Código de Menores, do Projeto Hungria, da CRFB/88, até os dias atuais com a vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente. Busca-se evidenciar as causas que levam o adolescente a praticar atos infracionais, dentre as quais se aborda a falta de amparo familiar, o lazer e a condição social, a violência doméstica, as drogas e as mudanças físicas e psíquicas sofridas pelo adolescente. Também estuda as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil, ou Diretrizes de Riad. Analisase o perfil do adolescente infrator, apresentando-se a classificação doutrinária, na qual são classificados em Inadaptados Sociais, Associais, Pré-Delinqüentes e Delinqüentes. Aborda-se o ato infracional, tratando-se do seu procedimento de apuração e, oportunamente, faz-se uma análise se, ao ato infracional, cabe a aplicação do instituto da prescrição penal. Enfoca-se, ainda, a questão jurídica e a questão social, nas quais está inserido o problema do adolescente infrator, e destacando-se as políticas públicas e as Medidas Sócio-educativas que são aplicadas ao adolescente, com o objetivo de reintegrá-lo no convívio social. INTRODUÇÃO A presente monografia foi elaborada com o objetivo de investigar o Adolescente Infrator, enfocando-se os aspectos gerais da delinqüência juvenil e tentando elucidar a problemática do adolescente em conflito com a lei. Seus objetivos são: institucional: produção de Monografia para a obtenção do Título de Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI; geral: estudar os diversos aspectos da delinqüência juvenil, as causas que levam o adolescente a delinqüir, o perfil do adolescente infrator, o ato infracional e seu procedimento de apuração, as políticas públicas e as Medidas Sócio-educativas aplicadas ao adolescente, as quais objetivam sua ressocialização; específico: investigar se a problemática na qual está envolvido o adolescente infrator trata-se de uma questão de ordem jurídica ou de ordem social. Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando os aspectos gerais da delinqüência juvenil, apresentando-se um breve histórico da legislação menorista no Brasil, destacando-se as causas e conseqüências da delinqüência juvenil. Dentre as causas, serão destacadas a falta de amparo familiar, o lazer e a condição social, a violência doméstica, o problema das drogas, bem como as mudanças físicas e psíquicas ocorridas na fase da adolescência. Ao tratar-se da questão da prevenção, serão estudadas as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil. No Capítulo 2, tratando do Adolescente Infrator, serão elencadas as definições entre criança e adolescente dadas pela legislação pertinente, qual seja o ECA, fazendo-se uma análise do perfil do adolescente infrator. Enfocar-se-á a classificação feita pelos doutrinadores a partir da oscilante personalidade destes indivíduos, quais sejam: Inadaptados Sociais, Associais, Pré-Delinquentes e Delinqüentes. Neste capítulo também será estudada a 2 inimputabilidade penal do adolescente, o ato infracional, seu procedimento de apuração e a possibilidade de a ele aplicar-se o instituto da prescrição penal. No Capítulo 3, estudando o problema do adolescente infrator no âmbito jurídico e no âmbito social, serão destacadas a ressocialização e as políticas públicas de atendimento ao adolescente infrator, cujo objetivo é a sua reinserção ao meio do qual foi excluído, em conseqüência do seu desvio de conduta. Finalizando este capítulo, serão estudadas, individualmente, as Medidas Sócio-educativas, previstas no ECA, e aplicáveis ao adolescente que pratica o ato infracional. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos importantes , seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o Adolescente Infrator e a delinqüência juvenil de maneira geral. Para a presente monografia foram levantadas as seguintes hipóteses: No que se refere às principais causas que levam o adolescente à prática de atos infracionais, poderia-se destacar a falta de estrutura familiar; a condição social do adolescente que, muitas vezes, seria fruto de uma realidade miserável, repleta de privações; possivelmente teria crescido presenciando ou até mesmo sendo vítima de violência dentro do próprio lar; e, ainda, o envolvimento com entorpecentes, bem como as próprias mudanças físicas e psíquicas que ocorrem no indivíduo na fase da adolescência. Quanto ao perfil do adolescente que se revela capaz de cometer as piores atrocidades contra a vida humana, na maioria das vezes, este indivíduo já traz consigo um histórico bastante comprometedor, no que tange à formação de sua personalidade. Independentemente do aspecto social, econômico ou cultural em que vive o adolescente, frente à prática de um ato infracional deverá responder em conformidade com a legislação específica vigente, ou seja, o ECA. 3 Com relação ao problema do adolescente infrator, este pode ser enfocado como sendo um problema mais de ordem social do que de ordem jurídica, visto que faltam empregos, há carência educacional, habitacional, etc. Na busca pela ressocialização do adolescente infrator, o principal obstáculo enfrentado é o retorno ao convívio social. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica. CAPÍTULO 1 A DELINQUÊNCIA JUVENIL 1.1 ASPECTOS GERAIS DA DELINQUÊNCIA JUVENIL Ao iniciar-se a investigação acerca da delinqüência juvenil e seus aspectos gerais, é válido acolher-se o entendimento de Queiroz8 que, oportunamente apresenta sua exposição distinguindo a delinqüência da infração: A delinqüência e a infração são separadas por limites estreitos. A primeira deve ser entendida como sendo uma estratégia de vida, enquanto a infração como o fato ilegal. No entanto, elas não são consideradas em suas especificidades em relação ao contingente que será recolhido institucionalmente para que se reajustem ao ambiente social. Na concepção de Trindade9 “não é possível, (...) partir de um conceito unitário, universalmente válido e aceito, de delinqüência juvenil”. Izquierdo apud Trindade10 “entende a delinqüência juvenil como um fenômeno específico e agudo de desvio e inadaptação, mas admite que é diversa a visão que tem o jurista, o psicólogo, o educador e o homem de rua”. Todavia, desde os tempos mais remotos na história da humanidade, a delinqüência praticada por menores ocupa lugar de destaque no cenário social, sendo que, nos últimos anos, estes atos vêm crescendo de maneira assustadora e desordenada, de forma que, de modo geral, têm-se verificado cada vez mais requintes de crueldade em tais atos. Mas isto é resultado do próprio desenvolvimento dos povos, haja vista que, a partir do momento em 8 QUEIROZ, José J.(org). O Mundo do Menor Infrator. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1984. p. 35. 9 TRINDADE, Jorge. Delinqüência Juvenil: uma abordagem transdisciplinar. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1993. p.38. 10 TRINDADE, Jorge. Delinqüência Juvenil: uma abordagem transdisciplinar, p. 39. 5 que o homem passa a viver em sociedade, traz consigo uma triste e inevitável conseqüência desta evolução: o delito Assim, como o desenvolvimento do próprio homem, desenvolveram-se também os atos considerados como ilícitos, em especial aqueles praticados por menores, os quais integram a delinqüência juvenil. Isto se deve ao fato de ser a adolescência uma fase geradora de inúmeros conflitos na vida do indivíduo, os quais podem ser atribuídos às novas descobertas que passam a integrar o cotidiano do adolescente, quer sejam acerca do mundo e das pessoas que o rodeiam, quer sejam acerca do próprio indivíduo, enquanto ser em desenvolvimento. Nesta fase, o adolescente tem uma “visão de mundo” bem diferente daquela que têm os adultos, visão esta, que pode ser atribuída ao fato dele ter uma personalidade ainda em formação e que, por isso, muitas vezes vê o mundo e as situações de forma destorcida, fator que pode ser gerador de conflitos psicológicos e de revolta com a sociedade em que vive. Há que se ressaltar que a adolescência é também um período de adaptação a um novo ciclo de vida que se inicia, o qual expõe o indivíduo de todas as formas possíveis, quer seja aos acontecimentos sociais, quer seja às dificuldades de sobrevivência pelas quais muitos têm que passar. Este fator, em especial, é um sério agravante e que o torna ainda mais vulnerável ao delito. Para Abreu:11 A vulnerabilidade infanto-juvenil também se revela evidente na fácil passagem da condição de vítima a infrator. Já nem se falando dos menores em extrema miséria, como os meninos de rua, alvos de todas as violências até ao sumário extermínio e sobrevivendo, em geral, a custa de pequenos furtos e roubos. 11 ABREU, Waldyr de. A Corrupção Penal Infanto-Juvenil. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p.32. 6 Entende este mesmo autor que “quanto aos menores (...), ainda mais pressionam os fatores sociais, pela fragilidade de pessoas ainda em formação, na difícil fase da adolescência e pré-puberdade”.12 Grünspun13 orienta que a delinqüência juvenil pode manifestar-se tanto de forma individual quanto de forma coletiva, sendo que esta última é a mais comum: Delinqüência é a conduta anti-social manifestada durante o desenvolvimento dos menores. (...) A delinqüência pode ser conduta individual ou em grupo. A delinqüência mais freqüente é em grupo ou bando. Na lição de Trindade14: Definir delinqüência juvenil resulta, portanto, difícil, posto que alguns teóricos incluem nesse conceito não só comportamentos delitivos, senão condutas irregulares e anômicas, como, por exemplo, a indisciplina, as fugas do domicílio familiar, o consumo de drogas, os transtornos afetivos e os fenômenos de inadaptação, que tendem a se confundir, apesar da possibilidade de um menor ser inadaptado sem, todavia, ser delinqüente. Para Diniz15 “(...) Em sentido estrito, é o ato anti-social, ou melhor, a infração à lei penal cometida por menor de idade”. Na concepção da maioria dos doutrinadores, a compreensão do problema da delinqüência atual somente é possível se forem levados em consideração os fatores sociais, o ambiente familiar e a organização própria da personalidade do sujeito. 12 ABREU, Waldyr de. A Corrupção Penal Infanto-Juvenil. p.2. 13 GRÜNSPUN, Haim. Direito dos Menores. São Paulo: Almed, 1985. p. 84-85. 14 TRINDADE, Jorge. Delinqüência Juvenil: uma abordagem transdisciplinar. p. 44. 15 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico, p. 44. 7 D’ Agostini16 analisa que “quando se trata de delinqüência e criminalidade humanas, principalmente cometidas por crianças e adolescentes, a pobreza e a desigualdade são teses muito aludidas para explicar o fenômeno”. Por tratar-se a delinqüência juvenil de um assunto de caráter bastante específico, e que difere visivelmente daquela em que os autores são adultos, explica Farias17 : a noção de que os menores são delinqüentes especiais, merecendo por isso tratamento distinto do que se impõe aos adultos, é observada em todas as legislações antigas, sobretudo entre os romanos, cuja cultura jurídica se projetou pelos séculos a ponto de filiar os códigos modernos às suas instituições. Desta forma, no estudo da delinqüência juvenil, não se encontra facilidade para entender os motivos que levam o adolescente a praticar um ato infracional, isto porque, são inúmeras as razões que podem ser apontadas como desencadeadoras da violência juvenil, razões estas, que vão desde a condição social do indivíduo até o desvio de personalidade, mas que serão abordadas detalhadamente mais adiante. Porém, é preciso atentar-se para o fato de que a violência juvenil é um problema sério, que reflete de forma danosa à sociedade, principalmente pelo alto grau de crueldade que tem se verificado no cometimento de tais delitos. Na busca de uma explicação para os fatores que contribuem para a delinqüência juvenil, assim se manifesta Trindade18: O estudo da delinqüência juvenil, antes de tudo, exige audácia, por ser uma área de convergência de diferentes enfoques e métodos de trabalho, com o mesmo propósito: investigar os principais fatores que contribuem para o seu desenvolvimento e propor as soluções adequadas. 16 D’AGOSTINI, Sandra Mári Córdova. Adolescente em Conflito com a Lei...e a Realidade. Curitiba: Juruá, 2003. p.45. 17 FARIAS, Terezinha de Jesus Almeida Noronha de. Traços Históricos da Delinqüência Juvenil. João Pessoa: S.N.J, 2004. p.18. 18 TRINDADE, Jorge. Delinqüência Juvenil: uma abordagem transdisciplinar, p.37. 8 1.1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEGISLAÇÃO MENORISTA NO BRASIL Estudando a evolução da legislação de menores, Oliveira19 explica que a partir do século XX o problema do menor começou a atingir o mundo inteiro, não sendo diferente no Brasil. O crescente desenvolvimento das indústrias, a urbanização, o trabalho assalariado, notadamente das mulheres, que tendo que sustentar os lares, tiveram que ir trabalhar fora de casa, deixando os filhos ao ócio, concorreram para a instabilidade e a degradação dos valores dos menores, culminando com o crime. Explica este autor que muitas foram as legislações criadas e aplicadas no Brasil. Cada uma, à sua época, foi demonstrando-se ineficaz à descontrolada arrancada da criminalidade juvenil. Outro dos mais combatidos problemas relacionados com as normas menoristas repousa no discernimento que até hoje é reservado ao juiz de menores. Não há reprimendas com penas fixas para os infratores. Essa discricionariedade atribuída ao Juiz, dificulta a eficácia da aplicação das medidas sócio-educativas. No Brasil colônia, os espaços sociais eram absolutamente distintos e imóveis. Assim, havia duas infâncias e adolescências e duas formas sociais de construção dessa fase da vida humana: a infância e adolescência dos filhos brancos portugueses e a infância e adolescência dos índios.20 Conforme se observa, durante o período colonial, no Brasil, não era dispensado nenhum tipo de proteção legal às crianças filhas de índios e de escravos. Ressalta-se, ainda, que nesta época, estas crianças nem sequer podiam dispor de um documento de identidade, fato este que, mais uma vez, evidencia que nenhum direito lhes era assegurado legalmente. 19 OLIVEIRA, Raimundo Luiz Queiroga de. O menor infrator e a eficácia das medidas sócioeducativas. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 162, 15 dez. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4584>. Acesso em: 12 set. 2005. p. 5. 20 COLPANI, Carla Fornari. A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 162, 15 dez. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4600>. Acesso em: 13 set. 2005. p.6. 9 Saraiva21 relata que até 1830, vigoravam, no Brasil, as Ordenações Filipinas, e a imputabilidade penal iniciava-se aos sete anos, eximindo-se o menor da pena de morte e concedendo-lhe redução da pena. Complementa que o primeiro Código Penal Brasileiro fixou a idade de imputabilidade plena em 14 anos, prevendo um sistema biopsicológico para a punição de crianças entre 07 e 14 anos. Esta fase apresenta uma tímida evolução no que concerne a aplicação da legislação aos menores infratores, tendo em vista que, na fase anterior não dispunham de nenhuma proteção legal. Com o Código Penal Republicano de 1890, (...), adotou-se, em nosso País, critério diferenciado pela idade, para a afirmação ou não da responsabilidade penal. Irresponsável seria o menor infrator com idade até 9 anos (...). O maior de 9 e menor de 14 anos submeter-se-ia à avaliação de magistrado (..) sobre “a sua aptidão para distinguir o bem e o mal, o reconhecimento de possuir ele relativa lucidez para orientar-se em face das alternativas do justo e do injusto, da moralidade e da imoralidade, do lícito e do ilícito”.22 Com a adoção deste critério pelo Código Republicano, levantou-se a questão acerca do discernimento do menor, ou seja, até atingir nove anos de idade o menor era considerado irresponsável penalmente pelos atos infracionais que praticasse. Porém, entre os nove e catorze anos de idade, era o magistrado quem avaliava se o menor ao praticar a conduta tinha ou não consciência de que a mesma era incorreta. Em 1926 passou a vigorar o Código de Menores, instituído pelo Decreto Legislativo de 1º de dezembro do mesmo ano, prevendo a impossibilidade de recolhimento do menor de 18 anos que houvesse praticado ato infracional à prisão comum. Em relação aos menores de 14 anos, consoante fosse a sua condição peculiar de abandonado ou pervertido, ou nenhuma dessas 21 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em Conflito com a Lei – da indiferença à proteção integral: Uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 23. 22 VOLPI, Mário (org). Adolescentes Privados de Liberdade: a normativa nacional e internacional e reflexões acerca da responsabilidade penal. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1998. p. 125. 10 características, seria abrigado em casa de educação ou preservação, ou ainda, confiado à guarda de pessoa idônea até a idade de 21 anos. Poderia ficar, outrossim, sob a custódia dos pais, tutor ou outro responsável, se a sua periculosidade não reclamasse medida mais assecuratória.23 Em 1940, com o advento do Código Penal que, nesse passo, foi influenciado pelo Projeto Alcântara Machado, o legislador aumentou para 18 anos a idade ou “os menores de 18 anos são penalmente irresponsáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”.24 E como a regra fundamentava-se em presunção jure et de jure25, não havia como os considerar diferentemente. Pelo Código Penal Brasileiro de 1940, os menores de 18 anos que infringissem a lei penal não poderiam ser submetidos ao processo criminal comum, isto porque, baseando-se na presunção jure et de jure, estava o Código adotando a presunção absoluta de falta de discernimento, ou seja, acreditava-se que ele não sabia o que estava fazendo quando cometia um ato infracional, por entender o legislador que sua personalidade ainda não estava formada por completo. No Projeto Hungria, de 1963, fixava-se a maioridade penal aos 18 anos. Admitia, todavia, quando provada a maturidade, excepcionalmente, a imputabilidade do maior de 16 anos.26 Porém, a partir do Decreto-Lei 1004 de 21 de outubro de 1969, voltou-se a adotar o caráter da responsabilidade relativa aos maiores de 16 anos, de modo que a estes seria aplicada a pena reservada aos imputáveis reduzida de 1/3 (um terço) até a metade. 23 OLIVEIRA, Raimundo Luiz Queiroga de. O menor infrator e a eficácia das medidas sócioeducativas, p.6. 24 VOLPI, Mário (org). Adolescentes Privados de Liberdade: a normativa nacional e internacional e reflexões acerca da responsabilidade penal, p. 127. 25 jure et de jure é locução latina que significa: de direito e por direito. (DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico, p.23.) 26 VOLPI, Mário (org). Adolescentes Privados de Liberdade: a normativa nacional e internacional e reflexões acerca da responsabilidade penal, p. 127. 11 Em detrimento às muitas críticas quanto às alterações anteriores, em 1973, através da Lei 6061 de 31 de dezembro, mais uma vez o Código Penal sofre modificações. Desta vez, tem alterado o texto do seu artigo 33 que novamente passa a considerar os 18 anos como a idade limite da inimputabilidade penal. O Código de Menores, instituído pela Lei nº 6697/79, disciplinou a lei penal de aplicabilidade aos menores, mas foi no âmbito da assistência e da proteção que alcançou os mais significativos avanços da legislação menorista brasileira, acompanhando as diretrizes das mais eficientes e modernas codificações aplicadas no mundo. Contudo, ressalte-se que essa legislação não tinha um caráter essencialmente preventivo, mas um aspecto de repressão de caráter semi-policiais. Evidentemente que durante sua vigência surgiram algumas leis específicas que o adequaram à realidade, suprindo-lhe algumas lacunas. Em 1988, a CRFB, através de seu dispositivo 228, fortificou os artigos 1º, II e 41 § 3º do então Código de Menores, no sentido de confirmar a inimputabilidade penal dos indivíduos menores de 18 anos. O Art. 228 da CRFB/8827 dispõe que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Finalmente, em 1990 cria-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por meio da Lei nº 8069/90, que revoga o Código de Menores. Pelo ECA, estabelece-se a doutrina da proteção integral ao menor, e não mais a da situação irregular. Sobre esse assunto, Oliveira28 destaca que o ECA trouxe grandes avanços para a responsabilidade menoril, tentando aproximar-se da realidade social desfrutada pelo Brasil, que é das mais amargas, face ao 27 ANGHER, Anne Joyce (org). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 2. ed. São Paulo: Rideel, 2005. p.89. 28 OLIVEIRA, Raimundo Luiz Queiroga de. O menor infrator e a eficácia das medidas sócioeducativas, p.6. 12 vertiginoso crescimento da marginalização de menores. Promotores e Juízes da Infância e da Juventude são categóricos ao afirmar que tal diploma determinou critérios bem mais rígidos de punição, ao mesmo tempo em que criou medidas de recuperação aplicáveis aos menores que ainda possuem condição para tal. Ressalta-se que o ECA, além de prever a proteção integral, elevou o adolescente à categoria de responsável pelos atos considerados infracionais que cometer, através da aplicação das medidas sócio-educativas, revolucionando assim o entendimento até então existente, e servindo de alento para a sociedade vitimada pela falta de segurança.29 1.2 CAUSAS , CONSEQUÊNCIAS E PREVENÇÃO DA DELINQUÊNCIA JUVENIL 1.2.1 CAUSAS Importa considerar que não há uma opinião pacífica na doutrina sobre as possíveis causas da delinqüência juvenil. O que há são suposições, primordialmente de caráter social acerca desses desvios de conduta que culminam com a reprovação da sociedade. As causas da marginalidade entre os adolescentes, são, pois, muito amplas e desconhecidas, não se restringindo somente à vadiagem, mendicância, fome ou descaso social. Tende ainda pelo lado das más companhias, formação de bandos, agrupamentos excêntricos, embriaguez, drogas, prostituição, homossexualismo, irreverência religiosa ou moral e vontade dirigida para o crime, que configuram-se como as principais delas.30 Além destas, podem também ser apontadas como causas da delinqüência juvenil a desestruturação familiar, a violência doméstica, a falta 29 COLPANI, Carla Fornari. A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade, p. 9. 30 OLIVEIRA, Raimundo Luiz Queiroga de. O menor infrator e a eficácia das medidas sócioeducativas, p. 7. 13 de opções para o lazer, as mudanças físicas e psíquicas sofridas nesta fase, a falta de instrução e a evasão escolar. Tais causas serão objeto de estudo e posicionamentos doutrinários a seguir. 1.2.1.1 falta de amparo familiar A família tem sido apontada por muitos autores como sendo um fator de extrema importância e influência, tanto positiva quanto negativa, no engresso do menor no mundo do crime, já que este, nesta fase da adolescência, torna-se muito mais frágil e vulnerável. Neste sentido, salienta Trindade31: (...) a educação é sempre uma tarefa pessoal dos pais, que não podem ser substituídos por uma fantasmática escolarização precoce, nem pelo assessoramento pedagógico e, muito menos, pela delegação indireta aos meios de comunicação social. A importância da família pode ser atribuída ao fato de ser ela a estrutura fundamental capaz de moldar o desenvolvimento psíquico do adolescente, uma vez que é o local onde acontecem as trocas emocionais e as experiências de vida, que muito influenciam na formação de sua personalidade. Sobre a influência fundamental exercida pela família sobre o adolescente, opina Leal32: É notório o caráter ambivalente da família, a sua índole construtiva e destrutiva, ou melhor dizendo: se por um lado reconhecesse a importância da família estável, bem constituída, onde a harmonia, o afeto e a confiança se unem na síntese do “home sweet home”, por outro lado há de se ter em conta que é na família desajustada, mas estruturada, sem coesão afetiva, que se origina grande parte dos transviamentos dos menores. 31 TRINDADE, Jorge. Delinqüência Juvenil: uma abordagem transdisciplinar, p. 78. 32 LEAL, Cezar Barros. A Delinqüência Juvenil: seus fatores exógenos e prevenção. Rio de Janeiro: Aide, 1983. p. 104. 14 Não há dúvidas, convém repetir, que o lar pode vir a ser exatamente o inverso daquele ambiente amável e salutar que se destina a ser; as desinteligências rotineiras, as relações patológicas entre pais e filhos, a existência de membros delinqüentes, são, extremamente lesivas aos integrantes da família, sobretudo aos menores. Desta forma, apesar de tamanha importância exercida pela família na vida do adolescente, percebe-se que a mesma também pode interferir de forma negativa, deixando de ser um auxílio e tornando-se, muitas vezes, também responsável pelos desvios de conduta de seus filhos. Sobre este aspecto explica Abreu33: Diante destas fragilidades, a própria família, que deveria atenuálas, sendo imperfeita, não raro as agrava. E pode chegar a ser corruptora a ponto de conduzir o adolescente a práticas criminosas, às vezes desde a infância. Mais comumente, negligencia na observância do relacionamento externo dos filhos; ou, ao contrário, lhes impõe restrições excessivas, provocadoras de reações. Há, enfim, os lares miseráveis, tumultuados, conflitantes e insuportáveis, a estimularem, pelo menos, as fugas dos filhos. Compartilhando deste mesmo entendimento, no qual é analisado o papel da família enquanto instituição responsável pelo menor, expressa D’Agostini34: (...) são resultantes, na grande maioria das vezes, da falta ou omissão do Estado, da sociedade e da própria família, sendo que a última muitas vezes encontra-se também em total violação de direitos humanos e constitucionais, a chamada situação de risco, portanto, passível de cometer transgressões. As Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil, em seu capítulo IV, ao tratar dos Processos de Socialização, assim dispõe35: 33 34 ABREU, Waldyr de. A Corrupção Penal Infanto-Juvenil, p. 12. D’AGOSTINI, Sandra Mári Córdova. Adolescente em Conflito com a Lei ...e a Realidade, p. 81. 15 Como a família é a unidade central encarregada da integração social primária da criança, deve-se prosseguir com os esforços governamentais e de organizações sociais para a preservação da integridade da família, incluída a família numerosa. A sociedade tem a obrigação de ajudar a família a proteger a criança e garantir seu bem-estar físico e mental. Ademais, o dever da família de assegurar à criança e ao adolescente o mínimo necessário a uma vida digna, trata-se de uma determinação constitucional, no qual a CRFB/8836, por meio de seu artigo 227 dispõe: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Desta forma, entende-se que a família é o primeiro centro de referência da criança, a responsável por sua integração social e que seu papel é de extrema importância, haja vista que é a base primeira na qual o menor poderá encontrar tanto o equilíbrio, quando a integridade familiar for preservada, o que contribuirá para crescer e desenvolver-se de forma centrada, quanto a desordem, quando viver em um ambiente familiar conturbado e desestruturado. Neste caso, trata-se de um fator negativo, capaz de desencadear no adolescente o desejo de livrar-se deste ambiente contaminado, optando, assim, pelo caminho da delinqüência. 35 VOLPI, Mário (org) – Adolescentes Privados de Liberdade: a normativa nacional e internacional e reflexões acerca da responsabilidade penal, p. 96. 36 ANGHER, Anne Joyce (org). Vade Mecum Acadêmico de Direito, p.89. 16 1.2.1.2 lazer e condição social É sabido que a falta de lazer pode ser apontada como uma das causas da delinqüência praticada por menores no Brasil. O lazer pode servir tanto como um remédio quanto como um estímulo para a violência. O limite é o controle e a orientação do jovem. Na lição de Abramovay37: A carência de atividades de diversão na comunidade é explorada pelo tráfico que, em muitos lugares, marca presença, ocupando um espaço deixado aberto pelo poder público, constituindo-se em referência para os jovens. No que se refere à condição social do menor infrator, é o entendimento de Queiroz:38 O problema do menor é um problema de classe. De classe em ambos os sentidos. Para a classe dominante é uma força insurgente, que potencializa as condições sócio-econômicas do proletariado. Para as classes subalternas, é seu filho bastardo, portanto um perigo que lhe ameaça no cotidiano. Em breve esse contingente entrará na maioridade e, com isso, inserir-se-á na qualidade jurídica de imputável e dirigir-se-á para as prisões. Rosa apud Abreu39 acentua que a delinqüência “está em relação direta com o grau de desorganização social. Quanto mais intensos os processos de desorganização, mais aguda a incidência de criminalidade”. O problema da condição social deve ser encarado como uma das principais causas da delinqüência juvenil, sendo necessário abordá-lo levando-se em conta o desemprego, a pobreza, a exclusão social e a falta de oportunidades, problemas estes, cotidianamente enfrentados pelos adolescentes nascidos nos locais menos favorecidos e que, não raramente, geram sentimentos de revolta e rebeldia. 37 ABRAMOVAY, Miriam. Escola e Violência. Brasília: UNESCO, UCB, 2003. p. 38. 38 QUEIROZ, José J.(org). O Mundo do Menor Infrator, p. 36 39 ABREU, Waldyr de. A Corrupção Penal Infanto-Juvenil, p. 2. 17 Marques apud Grünspun40 faz a seguinte explanação: (...) no Brasil, regra geral, esse menor pertence a uma família em vias de marginalização nas grandes cidades, por baixos níveis de renda, habitação subumana, subalimentação, analfabetismo e baixo nível de escolaridade, baixos níveis sanitários e de higiene, falta de qualificação profissional, insegurança social. Abreu41 complementa que: Numa observação mais ampla da criminalidade, assinala que a desorganização social, que conduz à anomia, não afeta da mesma maneira todas as camadas sociais. E nas mais atingidas estabelecem-se normas de conduta diferentes e afrontosas das que imperam na sociedade dominante. (...) Os mesmos conflitos de culturas são facilmente verificáveis no mundo em desenvolvimento, principalmente em favelas, ou onde impere o crime organizado, desde a exploração dos tóxicos e o jogo de azar clandestino, até a corrupção administrativa e política. (...) Nestas zonas, menos permeáveis à civilização, e sem o predomínio indiscutível da autoridade pública, existem as subculturas. Nas palavras de Queiroz42 inclui, ainda, as necessidades pelas quais passam as famílias que obrigam os menores exercerem algum tipo de trabalho para ajudar no orçamento familiar. Nas palavras do autor “a participação do menor no mercado é decorrência das necessidades e carências familiares e, nesse contexto, a contrapartida do trabalho acaba sendo a delinqüência”. 40 GRÜNSPUN, Haim. Os Direitos dos Menores, p. 83. 41 ABREU, Waldyr de. A Corrupção Penal Infanto-Juvenil, p. 4 42 QUEIROZ, José J.(org). O Mundo do Menor Infrator, p.22. 18 1.2.1.3 violência doméstica Em muitos casos, o primeiro contato que o menor tem com a violência é no próprio seio familiar, seja assistindo ao pai espancar a mãe, seja sendo ele o próprio espancado. Esta exposição precoce à violência ou à cenas de violência, faz com que o menor, sendo vítima de maus-tratos pelos próprios pais, acabe por abandonar o lar. Abandonando o lar e indo morar nas ruas o menor, sentindo-se inseguro, frágil e ao mesmo tempo coberto de revolta, inevitavelmente, irá delinqüir. A partir de dados fornecidos por pesquisas realizadas pela UNESCO em 2001 acerca da delinqüência juvenil, tem-se a confirmação de que a violência doméstica mostra-se como uma das suas causas. Destes dados colhem-se os seguintes depoimentos de técnicos e coordenadores do projeto que realizaram os trabalhos: Os meninos que estão na rua sempre têm uma história que vem da família. É um padrasto que espanca, uma mãe que espanca, é um abuso, um irmão, um padrasto que tenta abusar, é uma morte. Às vezes, no interior, a família se desmancha mesmo. Cada um vai para um lado, a criança fica só, fica abandonada. Já foram muitos padrasto, do pai, muito triste, tanto com uma família velho.43 os casos de violência familiar! Por parte de as meninas vítimas de estupro. É uma coisa que muitos nem moram com a família, moram alternativa, tio, avô, ou algum parente mais Azevedo e Guerra apud D’Agostini44, atribuem à violência doméstica a formação de adolescentes delinqüentes que, em função da violência sofrida dentro do lar, acabam tendo conseqüências estruturais em sua personalidade. Assim entendem as autoras: A esta hora, exatamente, uma, duas, três, muitas crianças estão sendo vítimas da violência em seus lares (...) A violência 43 ABRAMOVAY, Miriam. Escola e Violência, p. 51 44 D’AGOSTINI, Sandra Mári Córdova. Adolescente em Conflito com a Lei...e a Realidade, p. 58. 19 doméstica constitui a face oculta da violência de rua que se abate cotidianamente sobre nossa infância. Como tudo que ocorre entre as quatro paredes “do que chamam Lar”, esse tipo de violência costuma ser camuflado por um amplo e persuasivo complô de silêncio. Desse, costumam participar os pais abusivos, seus parentes, vizinhos, a sociedade em geral (...) Ainda sobre esta matéria da violência doméstica, opina Abramovay45, fazendo um alerta para a questão da cadeia de violências, ou seja, da reprodução pelos menores dos mesmos atos de violência praticados por seus pais: A exposição a atos de violência no âmbito doméstico destruiria a auto-estima dos jovens, que se encontrariam inseguros, sem referências, já que os pais seriam os agressores, seus algozes. A violência doméstica seria um elemento desencadeador do que poderia ser denominado cadeia de violências ou reprodução de violências. Pais e mães violentos que têm os filhos como suas vítimas, que, por sua vez, se tornariam violentos, fazendo outras vítimas. O alerta para o terrível e perigoso efeito da violência doméstica na constituição do que se denomina cadeia de violências ou de sujeitos violentos não necessariamente se destaca com o intuito de culpar os pais ou mães, mas para chamar a atenção para contextos de violência. Embora a questão da violência contra a criança e o adolescente e aquela por eles praticada seja alvo de grande interesse social, estando freqüentemente em destaque nos meios de comunicação e nas conversas habituais, a verdade é que, na maioria das vezes, tais abordagens são demasiadamente simplistas. Não conseguem distinguir o que é crença e o que é verdade, nem mesmo desligar os esteriótipos constituídos sem qualquer critério cientifico. É justamente por isso, que sempre houve um consenso acerca da violência contra a população infanto-juvenil: na visão da sociedade, a maioria das 45 ABRAMOVAY, Miriam. Escola e Violência, p.51-52. 20 vítimas seria representada pelos indivíduos que habitam as ruas, em meio a ladrões e viciados, e oriundos de classes menos favorecidas.46 1.2.1.4 drogas As drogas ganham papel de destaque no cenário do estudo das causas da delinqüência juvenil, seja sendo o menor apenas um mero usuário das substâncias entorpecentes, seja atuando na rota do tráfico, a serviço do traficante que, literalmente, o adota. Schall apud Abramovay47, acredita que o início do consumo de drogas “é favorecido pela pressão do grupo e pela vulnerabilidade à influencia dos colegas, associada à insegurança típica da idade e necessidade de aceitação”. Quanto ao crescimento assustador do número de adolescentes envolvidos com o problema das drogas, adverte D’Agostini48: Hoje, um dos fatores responsáveis pelo aumento da criminalidade está ligado ao tráfico de drogas, e, nas grandes cidades, o crescimento da violência e as disputas entre as quadrilhas do crime organizado estão diretamente relacionados. As drogas podem ser consideradas uma das mais importantes e polêmicas causas da delinqüência entre menores, haja vista que, depois de se tornar um dependente, o adolescente depara-se com a necessidade de manter o vício e, para isto, torna-se capaz de cometer as piores atrocidades contra a vida humana. Nesse sentido, tem-se a lição de Abramovay49: 46 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente. Rio de janeiro: Renovar, 1996. p. 483. 47 ABRAMOVAY, Miriam. Escola e Violência, p. 123 48 D’AGOSTINI, Sandra Mári Córdova. Adolescente em Conflito com a Lei...e a Realidade, p. 53. 49 ABRAMOVAY, Miriam. Escola e Violência, p. 55-56. 21 Vários jovens apontam as drogas como um dos principais e graves problemas enfrentados por eles. Na sua concepção, a morte aparece como evento próximo de jovens dependentes de droga. É importante frisar que os jovens se referiram tanto à drogas ilícitas, em especial a maconha, quanto às lícitas com destaque para as bebidas alcoólicas. (...) O envolvimento com o tráfico de drogas pode estar relacionado com o financiamento do próprio vício. Porém, mais freqüentemente, no ambiente de exclusão social a que estão submetidas as comunidades onde vivem os jovens, a atividade no tráfico é uma via para a satisfação de aspirações de consumo para a qual a sociedade não oferece meios legítimos. Para esses jovens, o tráfico representa a possibilidade de atingir um status50 social e obter respeito da sociedade. O traficante é visto como um indivíduo respeitado, que possui poder e dinheiro, algo quase inatingível em uma comunidade de baixa renda. No imaginário de vários jovens, é o traficante quem zela pelo bemestar da comunidade, na medida em que faz benfeitorias (muitas vezes substituindo o papel do Estado). 1.2.1.5 mudanças físicas e psíquicas Um outro fator que muito contribui para que o adolescente enverede para o cometimento de atos infracionais são as alterações físicas e psíquicas sofridas por ele nesta fase. Hentig apud Abreu51 assinala que: durante esse período fazem aparição, com reserva, muitas perturbações mentais. As cifras de suicídio e dos acidentes fatais aumentam. A puberdade parece mobilizar todas as debilidades mentais e físicas do jovem para um processo perigoso. 50 Status significa prestígio, posição social. (MICHAELIS: pequeno dicionário inglês-português. São Paulo: Melhoramentos, 1999. p.280.) 51 ABREU, Waldyr de . A Corrupção Penal Infanto-Juvenil, p. 12. 22 Sobre esta temática adverte Mucchielli apud Abreu52: os perigos da puberdade e da pré-puberdade, são ocasiões de grande risco para o menor e a sociedade. Em geral ocorrem (...) entre 14 e 15 anos para os meninos e quanto às meninas, aos 12 e 13 anos de idade. Como ressalta o pesquisador alemão Albrecht apud Abreu53 “os jovens são diferentes dos adultos psicológica, fisiológica e socialmente, e muito mais sensíveis ao bem como ao mal”. 1.2.2 CONSEQÜÊNCIAS E PREVENÇÃO DA DELINQÜÊNCIA JUVENIL É praticamente impossível, nos tempos atuais, cogitar de uma vida social distante da delinqüência juvenil e da criminalidade de maneira geral, haja vista que são dois elementos quase que inseparáveis. É preciso questionar o fato e as conseqüências dele advindas, bem como trabalhar intensamente na formulação de políticas de prevenção, objetivando diminuir a ocorrência de tais fenômenos, não só a nível local mas também a nível mundial. Leal54 entende que a repressão somente deve ser utilizada nos casos mais extremos de violência praticada por menores, pois, segundo o autor: Preveni-la, a delinqüência juvenil, é impedir um genocídio social que se permite esteja sendo praticado contra milhares de menores, espalhados nos quatro cantos deste país e que, produtos de um processo de socialização divergente, disfuncionados, convertem-se em infratores porquanto não se lhes oferecem outras opções, não se satisfazem, a tempo próprio, as suas necessidades básicas (suas carências, isoladas ou não, são múltiplas: econômicas, sociais, físicas e psíquicas) nem se busca desenvolver suas potencialidades positivas. 52 ABREU, Waldyr de. A Corrupção Infanto-Juvenil, p. 12. 53 ABREU, Waldyr de. A Corrupção Penal Infanto-Juvenil, p. 15. 54 LEAL, Cezar Barros. A Delinqüência Juvenil: seus Fatores Exógenos e Prevenção, p.127-128. 23 Neste sentido, com o propósito de prevenir a ocorrência de atos infracionais, as Nações Unidas desenvolveram diretrizes de prevenção, também conhecidas por Diretrizes de Riad, cujos princípios básicos passarão a ser estudados a seguir. 1.2.2.1 Diretrizes das Nações Unidas para a prevenção da delinqüência juvenil (Diretrizes de Riad) O 8º Congresso das Nações Unidas, de Prevenção do Crime e Tratamento de Criminosos, realizado no ano de 1990, recomendou as Diretrizes Fundamentais de Riad, das quais serão abordados apenas os Princípios Fundamentais. Destes, é válido citar o 1º e o 2° princípio que assim dispõem sobre o assunto em questão55. A prevenção da delinqüência juvenil é parte essencial da prevenção do delito na sociedade. Dedicados a atividades lícitas e socialmente úteis, orientados rumo à sociedade e considerando a vida com critérios humanistas, os jovens podem desenvolver atitudes não criminais. Para ter êxito, a prevenção da delinqüência juvenil requer, por parte de toda a sociedade, esforços que garantam um desenvolvimento harmônico dos adolescentes e que respeitem e promovam a sua personalidade a partir da primeira infância. Além dos princípios supra citados, é oportuno destacar, ainda, os demais princípios e orientações deliberados pelas Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil56, a saber : 1) Na aplicação das presentes Diretrizes, os programas preventivos devem estar centralizados no bem-estar dos jovens desde sua primeira infância, de acordo com os ordenamentos jurídicos nacionais. 55 VOLPI, Mário (org). Adolescentes Privados de Liberdade: a normativa nacional e internacional e reflexões acerca da responsabilidade penal, p.92-93. 56 VOLPI, Mário (org). Adolescentes Privados de Liberdade: a normativa nacional e internacional e reflexões acerca da responsabilidade penal, p. 92-93. 24 2) É necessário que se reconheça a importância da aplicação de políticas e medidas progressistas de prevenção da delinqüência que evitem criminalizar e penalizar a criança por uma conduta que não cause grandes prejuízos ao seu desenvolvimento e que nem prejudique os demais. Essas políticas e medidas deverão conter o seguinte: a) criação de meios que permitam satisfazer às diversas necessidades dos jovens e que sirvam de marco de apoio para velar pelo desenvolvimento pessoal de todos os jovens, particularmente daqueles que estejam permanentemente em perigo ou em situação de insegurança social e que necessitem um cuidado e uma proteção especiais. b) critérios e métodos especializados para a prevenção da delinqüência, baseados nas leis, nos processos, nas instituições, nas instalações e uma rede de prestação de serviços, cuja finalidade seja a de reduzir os motivos, a necessidade e as oportunidades de cometer infrações ou as condições que as propiciem. c) uma intervenção oficial cuja principal finalidade seja a de velar pelo interesse geral do jovem e que se inspire na justiça e na eqüidade. d) proteção do bem-estar, do desenvolvimento, dos direitos e dos interesses dos jovens. e) reconhecimento do fato de que o comportamento dos jovens que não se ajustam aos valores e normas gerais da sociedade são, com freqüência, parte do processo de amadurecimento e que tendem a desaparecer, espontaneamente, na maioria das pessoas, quando chegam à maturidade, e f) consciência de que, segundo a opinião dominante dos especialistas, classificar um jovem de "extraviado", "delinqüente" ou "prédelinqüente" geralmente favorece o desenvolvimento de pautas permanentes de comportamento indesejado. 25 3. Devem ser desenvolvidos serviços e programas com base na comunidade para a prevenção da delinqüência juvenil. Só em último caso recorrer-se-á a organismos mais formais de controle social. Conforme se verifica, por meio de uma análise atenta aos Princípios Fundamentais em destaque, a melhor forma de combater os delitos na sociedade, em especial aqueles praticados por menores, é a sua prevenção. Esta, por sua vez, não é uma tarefa singular, mas sim coletiva, na qual devem estar envolvidos a família, a comunidade, os educadores e, fundamentalmente o Estado. 26 CAPÍTULO 2 DO ADOLESCENTE INFRATOR 2.1 DEFINIÇÕES ACERCA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE O Estatuto da Criança e do Adolescente57, em seu artigo 2º faz a seguinte definição, in verbis58, sobre a criança e o adolescente: Art. 2º - Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. § Único – nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. O mencionado artigo revela a diferença técnica entre criança e adolescente. Sendo a criança o menor entre zero e doze anos e adolescente, o menor entre doze e dezoito anos de idade. Esta denominação implica, na prática, em questões como a de se definir a competência da Vara da Infância e da Juventude em relação a Vara da Família. Há a necessidade de análise do alcance que tem o parágrafo único do artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Referindo-se no parágrafo único às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade, o Estatuto claramente as relaciona à hipótese da maioridade civil. Por ocasião da entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código Civil em vigência era o de 1916 (Lei nº 3.071/16) o qual previa em seu artigo 9º : “Aos vinte e um anos completos acaba a menoridade, 57 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p. 24. 58 In verbis é locução latina que significa: nestes termos, nestas palavras. (SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 451.) 27 ficando habilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil”. Todavia, o Código Civil Brasileiro de 2002 alterou a maioridade civil, diminuindo-a para dezoito anos. Este fato revoga tacitamente a norma contida no parágrafo único do artigo 2º do ECA, deixando de existir a hipótese de aplicação da lei menorista nesta faixa etária entre dezoito e vinte e um anos de idade59. Ainda buscando uma melhor definição para os termos criança e adolescente, traz-se a contribuição de De Plácido e Silva apud 60 Pereira , que assim os conceitua: criança é o indivíduo da espécie humana na infância, que por sua vez deriva do latim infantia (incapacidade de falar) ou de infans, que originalmente quer exprimir a situação de quem não fala ou de quem ainda não fala (...) Na acepção jurídica, assinala o período que vai do nascimento à puberdade (...) Adolescente é o indivíduo na adolescência, que se entende como o período que sucede à infância. Inicia-se com a puberdade e acaba com a maioridade. Deriva do latim adolescer, que significa crescer. A partir da promulgação da CRFB/88, que em seu artigo 227 declarou os Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente, um novo paradigma passou a orientar o Brasil nas questões inerentes à infância e à adolescência; em especial, com o artigo 6º do ECA, em que crianças e adolescentes passaram a ser considerados seres em desenvolvimento, adquirindo, assim, o status de sujeitos de direitos e prioridade constitucional absoluta. Assim dispõe o artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente61: Art. 6º - Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os 59 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p.25. 60 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente, p. 45. 61 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p.32. 28 direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoa em desenvolvimento. Neste contexto, Seda62 traz o seguinte ensinamento: (...) os conceitos de infância e adolescência, com seu profundo conteúdo ontológico, foram acolhidos por nosso Direito Positivo. É menor quem não é maior. É maior quem a lei convenciona que pode se auto-determinar na sociedade. É criança ou adolescente quem, perante a natureza, (ontológica), vive a condição infantojuvenil objetivamente observável no desenvolvimento pessoal de cada um (...) O ordenamento jurídico brasileiro acolheu crianças e adolescentes para o mundo dos direitos e deveres: o mundo da cidadania (...) Neste mesmo diapasão, importante destacar a contribuição de Pontes Jr. apud Pereira63 acerca das crianças e adolescentes enquanto sujeitos de direitos, que assim se manifesta: (...) crianças e adolescentes são sujeitos de direitos universalmente conhecidos, não apenas de direitos comuns aos adultos, mas, além desses, de direitos pessoais provenientes de sua condição de pessoas em desenvolvimento que devem ser assegurados pela família, Estado e sociedade. Inclui-se nesse desenvolvimento a preocupação por todos os aspectos – seja físico, moral, espiritual, social, etc, - que possam convergir para o estabelecimento de condições de liberdade e dignidade, e garantam a satisfação de todas as suas necessidades, vale dizer, que possam promover a proteção integral de crianças e adolescentes. 2.2 CONCEITO DE ADOLESCENTE INFRATOR Vencida a etapa das definições de criança e adolescente, passar-se-á a busca pelo estudo que melhor define o adolescente infrator. 62 SEDA, Edson. Construir o Passado ou Como mudar hábitos, usos e costumes tendo como instrumento o Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 25-26. 63 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente, p. 59. 29 Franckini e Francesco apud Trindade64 consideram “delinqüente juvenil a pessoa em idade evolutiva, de conduta anti-social, a quem devem ser aplicados os meios mais adequados a sua recuperação e à defesa da sociedade”. Queiroz apud Grünspun65, na busca de um conceito para o adolescente infrator, considera fatores de sua personalidade, genéticos e psicossociais. No seu entendimento: “(...) o infrator é o marginal, indivíduo cuja personalidade deformada por fatores genéticos ou psicossociais, merece, de qualquer forma, ser isolado do convívio social.” Ainda não se tem um consenso geral acerca da denominação que deve ser dada aos adolescentes que praticam atos infracionais. O que se vê, na realidade, são formas estigmatizantes utilizadas pelos meios de comunicação social, os quais referem-se aos menores infratores como delinqüentes, pivetes e, mais recentemente, tem-se ouvido a expressão “pequenos predadores”, expressão esta, diga-se de passagem, importada dos EUA e utilizada por diversas revistas de edição semanal.66 Quando o adolescente comete uma conduta tipificada como delituosa no Código Penal Brasileiro ou nas leis especiais, ele passa a ser chamado de “adolescente infrator”, e não de “menor” como era previsto nas legislações anteriores, apesar da insistência dos diversos meios de comunicação em referirem-se a estes indivíduos de forma errônea e grotesca, utilizando-se de expressões do tipo “menor assalta criança”.67 O fator mais preocupante sobre estas expressões utilizadas pela mídia para designar o menor que pratica um ato infracional, é que a população, em geral, tende a repetir tais expressões e, à elas, também acrescenta suas contribuições pessoais, taxando-os também como bandidos, 64 TRINDADE, Jorge. Delinqüência Juvenil: uma abordagem transdisciplinar, p. 45. 65 GRÜNSPUN, Haim. Os Direitos dos Menores, p. 83-84. 66 VOLPI, Mário. Adolescente e Ato Infracional. São Paulo: Cortez, 1997. p.7. 67 COLPANI, Carla Fornari. A Responsabilização Penal do Adolescente Infrator e a Ilusão da Impunidade, p.03. 30 trombadinhas, marginais, dentre outros. Apesar de todas estas expressões utilizadas por diversos profissionais da imprensa, existem outros que se referem à eles apenas como o que eles realmente são, ou seja, adolescentes. No entendimento de Queiroz68, “menor infrator é uma categoria jurídica para designar menores de 18 anos que tenham cometido infração penal”. Alguns autores acreditam que a visão que se tem do menor praticante de ato infracional, diversifica-se de acordo com cada setor social. Neste contexto, Izquierdo apud Trindade69 faz as seguintes colocações: Para o jurista, o delinqüente é todo aquele que infringe qualquer das leis sancionadas pelo código. Trata-se de aplicação de uma normativa vinculada a uma conduta considerada contra a lei. Para o psicólogo, o comportamento delinquencial obedece uma série de causas, a uma constelação ou feixe de fatores etiológicos. Uns serão predisponentes e outros desencadeantes propriamente da conduta delinquencial. Para o educador, o delinqüente é o resultado de uma série de condicionamentos que o sujeito encontrou sem buscar; é um enfermo da conduta com direito a tratamento e sem outros limites que os impostos pela impotência humana. Já o homem da rua oscila, desde o que crê na solução pela repressão carcerária, até o ingênuo que diz ser questão de oferecer um ambiente de tolerância e cuidados sentimentais. O sociólogo, acrescenta mais adiante, à exceção dos casos patológicos, tem que conceder maior importância aos fatores ambientais, pois, com alguma freqüência, não só o menor é inadaptado, mas também o meio em que ele vive. 68 QUEIROZ, José J. (org). O Mundo do Menor Infrator, p.43. 69 TRINDADE, Jorge. Delinqüência Juvenil: uma abordagem transdisciplinar, p. 39. 31 Desta forma, os adolescentes em conflito com a lei acabam por não encontrarem eco na defesa de seus direitos, haja vista que o fato de terem praticado um ato infracional os desqualifica enquanto adolescentes. A segurança é vista como um meio de proteger as pessoas que integram a sociedade, bem como o seu patrimônio. Sobre este enfoque, ensina Volpi70 que “é difícil, para o senso comum, juntar a idéia de segurança e cidadania. Reconhecer no agressor um cidadão parece ser um exercício difícil e, para alguns, inapropriado”. Assim, diante deste mar de indefinições, uma drástica conseqüência que pode ser verificada é o aumento do preconceito da sociedade com relação aos menores violadores da norma legal. Na concepção de Queiroz71: (...) trata-se de um problema que cada vez mais sensibiliza e mobiliza a sociedade que, se de um lado se percebe ameaçada, de outro, superpõe a imagem do marginal, da criança e do adolescente que necessitam de cuidados e atendimento. (...) Se o menor é vítima de uma sociedade de consumo desumana e muitas vezes cruel, há que ser tratado e não punido, preparado profissionalmente e não marcado pelo rótulo fácil de infrator, pois foi a própria sociedade que infringiu as regras mínimas que deveriam ser oferecidas ao ser humano quando nasce, não podendo depois, hipocritamente, agir com rigor contra o ser indefeso e sub-produto de uma situação social anômala. A dominação e a violência aparecem como consciência ingênua do Direito e da Justiça que objetivam recuperar o infrator. O infrator é o marginal, indivíduo cuja personalidade deformada por fatores, seja, genéticos ou psicossociais, merece, de qualquer forma, ser isolado e afastado do convívio 70 VOLPI, Mário. O Adolescente e o Ato Infracional. São Paulo: Cortez, 1997. p. 9. 71 QUEIROZ, José J. (org). O Mundo do Menor Infrator. São Paulo: Autores Associados, 1984. p.42. 32 social. Mas o marginal é também o morador de favelas e cortiços, da periferia dos centros urbanos.72 A marginalidade menorista é vista como um problema social. O adolescente é, na verdade, vítima do processo de marginalização que incide sobre aquela parcela da população que não é detentora de recursos para prover as suas necessidades de sobrevivência. Vive em condições de extrema carência, tanto econômica quanto social, cultural e familiar. 2.3 O PERFIL DO ADOLESCENTE INFRATOR A adolescência é uma fase de indagações, questionamentos e reflexões. Esse momento torna difícil a relação do adolescente com o ambiente em que vive. Sabe-se que, nesta fase, o adolescente está a procura da sua própria identidade. Na lição de Grünspun73: Os menores não são anjos e não devem ser idolatrados ou idealizados. Podem ser até perversos e muitas vezes demonstram sua maldade, sua agressividade e sua perversidade. Por isso mesmo têm direitos múltiplos e precisam ser defendidos. Ressalta-se que, perante as cominações previstas no Código Penal, o adolescente infrator é Inimputável, ou seja, quando comete uma conduta delitiva ele não recebe as mesmas sanções que as pessoas maiores de dezoito anos de idade, uma vez que a inimputabilidade penal, prevista no artigo 227 da Carta Magna fixa em dezoito anos a responsabilidade penal.74 72 QUEIROZ, José J. (org). O Mundo do Menor Infrator, p.45. 73 GRÜNSPUN, Haim. Os Direitos dos Menores, p. 84. 74 COLPANI, Carla Fornari. A Responsabilização Penal do Adolescente Infrator e a Ilusão de Impunidade, p. 03. 33 Todavia, mesmo sendo inimputável, o adolescente sofre uma sanção por seus atos, através da aplicação das medidas sócio-educativas, que serão objeto de estudo mais adiante. O perfil do menor infrator é variável. Sua personalidade é oscilante. Segundo Isquierdo apud Trindade, os menores infratores estão classificados em quatro momentos: Inadaptados Sociais, Associais, PréDelinqüentes e Delinqüentes.75 A seguir, serão destacados individualmente cada um destes quatro tipos de adolescentes, com o intuito de verificar suas peculiaridades bem como de que forma diferem entre si. 2.3.1 INADAPTADOS SOCIAIS Como o próprio nome diz, os Inadaptados Sociais são aqueles incapazes de adaptação ao meio social, que não dirigem seu comportamento de modo a respeitar as normas da convivência social. As razões desta situação se deve ao fato de não terem se identificado e socializado, e acabam por substituírem as normas e valores por regras próprias, que vão contra o estabelecido pelas leis. 2.3.2 ASSOCIAIS Como adolescentes Associais pode-se destacar os que, devido a sua estrutura, perturbam e danificam os interesses da comunidade como tal e de seus membros, uma vez que não podem ou não querem se subordinar à ordenação social que lhes é imposta. 75 TRINDADE, Jorge. Delinqüência Juvenil: uma abordagem transdisciplinar, p.39. 34 2.3.3 PRÉ-DELINQÜENTES Na classe dos Pré-Delinqüentes, estão inseridos aqueles indivíduos que, não tendo chegado a uma idade que costuma coincidir com a maioridade penal, ainda não cometeram um delito, porém, podem ser considerados anti-sociais, tendo em vista que, muito provavelmente, irão se converter em delinqüentes declarados, se não forem submetidos a um tratamento preventivo, pois suas ações encontram-se no limite da delinqüência. 2.3.4 DELINQÜENTES Por fim, chega-se aos Delinqüentes propriamente ditos. Estes sujeitos são aqueles que estão numa situação associal da conduta humana, mas no fundo, numa ruptura de possibilidade normal da relação interpessoal. Devido à sua inadaptação familiar, escolar ou social, este, pode ser considerado um sociopata. A incapacidade de adaptação apresentada pelo adolescente delinqüente é relacionada à integração social.76 Desta maneira, analisando-se as particularidades inerentes a cada um destes grupos de adolescentes, percebe-se o quão difícil é estabelecer definições únicas acerca da personalidade deste indivíduo que, desde tão cedo, passam a integrar o rol dos cometedores de condutas delitivas contra a sociedade, o rol dos fora da lei. 2.4 DA INIMPUTABILIDADE PENAL DO ADOLESCENTE Quando um adolescente comete uma infração não pode estar sujeito às normas previstas na legislação penal brasileira comum, uma vez que a Carta Magna, em seu artigo 228 dispôs que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”, elevando, assim, a nível de categoria constitucional, a criança e o adolescente. 76 TRINDADE, Jorge. Delinqüência Juvenil: uma abordagem transdisiplinar, p. 40. 35 No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do 77 Adolescente , adotou as disposições constitucionais: Art. 104 – São penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei. Parágrafo Único - Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato. Na definição de Diniz78, “inimputável é a pessoa irresponsável perante a lei penal. A quem não se pode imputar crime. Inculpável”. O limite de dezoito anos para a imputabilidade penal adotado pela legislação brasileira, segue a linha das mais modernas concepções da criminologia, que enfatiza o sistema da prevenção ao invés da política de penalização e controle social. Segundo Pereira79 “a inimputabilidade no Direito Brasileiro segue o critério puramente biológico, nele não interferindo o maior ou menor grau de discernimento considerado nas leis anteriores”. Acerca da questão da inimputabilidade penal do adolescente infrator, existe ainda muita divergência doutrinária. Enquanto alguns apontam a precocidade da consciência delitual, que resulta do acelerado processo de comunicação predominante nos tempos atuais; outros, acreditam que como o menor pode votar aos 16 anos, também pode responder criminalmente pela prática dos atos infracionais, o que importaria na conseqüente redução da maioridade penal. Contudo, tal polêmica não cabe ser discutida no presente estudo. É certo dizer que, não há que se falar em responsabilidade penal para menores de dezoito anos, no Brasil. Todavia, não se pode acreditar 77 ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e Jurisprudência, p.172. 78 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico, p. 843. 79 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente, p. 539. 36 que isto representa a impunidade, haja vista que aos menores praticantes de atos infracionais são aplicadas as medidas sócio-educativas. Matos apud Farias80, encontra justificativa para a inimputabilidade concedida aos menores de dezoito anos, no fato de, ser esta, a fase da puberdade, na qual estão presentes as mais diversas modificações e alterações, de cunho físico e psicológico. Na puberdade, a aparição no começo da consciência de novas sensações, derivadas dos órgãos genitais até então silenciosos, determina uma estranha e profunda modificação do Eu, que apenas se reconhece e se julga idêntico a si mesmo através dessa crise, porque ela se faz lentamente e não implica perturbações da memória. Em segunda linha, vêm os afetos, os desejos e as inclinações, fenômenos mais ou menos diferenciados, construindo um núcleo intelectual com afinidades e repulsões próprias, ora permitindo, ora impedindo a associação de novos estados de consciência. Assim, tem-se que a puberdade trata-se de uma fase, não apenas psicológica, mas também de cunho psico-fisiológico. Nesta etapa o jovem sofre alterações hormonais que refletem no seu comportamento. Ainda, no que concerne à inimputabilidade penal do adolescente infrator, vale destacar a opinião crítica de Oliveira81, o qual acredita que ao mesmo são concedidos certos privilégios por parte do próprio legislador: Segundo o sistema jurídico-penal brasileiro, o menor de 18 anos é inimputável e está sujeito à uma legislação específica, mais branda, dado o seu peculiar estado de desenvolvimento psicossocial que, entendem os legisladores, não torná-os aptos a serem punidos por suas ações delituosas como se adulto fosse. (...) Ora, é sabido que o mundo evoluiu e que as crianças e jovens, cada vez mais precoces, bem como, tendo acesso a muitas informações e experiências que antes eram restritas aos 80 FARIAS, Terezinha de Jesus Almeida Noronha. Traços Históricos da Delinqüência Juvenil, p. 33. 81 OLIVEIRA, Raimundo Luiz Queiroga. O Menor Infrator e a Eficácia das Medidas SócioEducativas, p. 1-2. 37 adultos, evoluíram também e atingem um grau de desenvolvimento mental muito antes do que pregam os arcaicos comandos legais. Assim, gozam de uma situação relativamente privilegiada quando praticam um ato criminoso, visto que o legislador o vê como vítima e não como agressor. Como visto, enquanto alguns acreditam ser justo o limite de dezoito anos para a imputabilidade penal, outros, porém, defendem a idéia de que os menores que cometem um ato infracional já têm discernimento e consciência suficientes para saber o que fazem, motivo pelo qual, deveriam, também, estar sujeitos às sanções da norma penal brasileira. Em suma, embora frente ao Direito Penal comum os adolescentes sejam inimputáveis, são eles imputáveis perante a lei especial, ou seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente. 2.5 DO ATO INFRACIONAL 2.5.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS Iniciando a temática acerca do ato infracional, tem-se o disposto no artigo 103 do estatuto da Criança e do Adolescente82, onde “considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.” Tem-se pela definição finalista que o crime é todo fato típico e antijurídico. A criança e o adolescente podem vir a cometer um crime, todavia, não preenchem os requisitos para que se lhe possa aplicar uma sanção. Isto se deve ao fato de que, é somente aos dezoito anos que se inicia a imputabilidade penal. 82 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p.171. 38 No entendimento de Oliveira83, “o ato infracional nada mais é do que a conduta descrita como tipo ou contravenção penal, cuja denominação se aplica aos inimputáveis”. Sendo assim, a conduta delituosa praticada por um adolescente é definida como ato infracional e abrange tanto o crime quanto as contravenções. Colhe-se, nesse sentido, a lição de Grünspun84 a respeito das condutas delitivas praticadas por adolescentes. Para o autor, as legislações menoristas acabam, muitas vezes, sendo mais severas do que a própria legislação penal. (...) Aceitando as Declarações de Haia de 1924 e a Declaração dos Direitos dos Menores, pela ONU, de 20 de novembro de 1959, os países transformaram em lei estas declarações. Os menores passaram a não sofrer penas pelas infrações legais que cometem e são amparados e julgados por leis, dispositivos e tribunais especiais. Chegamos à noção de que o infrator não é um criminoso, mesmo quando comete crime grave. Não obstante a esquivar-se nossa sociedade de nominar o menor de criminoso, o infrator está sujeito a legislações protetoras, de assistência, vigilantes, preventivas e tutelares, que muitas vezes apenam o infrator com maior severidade do que o Direito Penal faz com os adultos. Tomás apud Trindade85, acredita que, para a determinação da conduta delitiva, existem três correntes primeira delas, doutrinárias consideradas fundamentais. Na encontra-se um ponto de vista rigorosamente restritivo, na qual o delito é considerado tão somente a 83 OLIVEIRA, Raimundo Luiz Queiroga de. O Menor Infrator e a Eficácia das Medidas SócioEducativas, p. 4. 84 GRÜNSPUN, Haim. Os Direitos dos Menores, p. 83 85 TRINDADE, Jorge. Delinqüência Juvenil: uma abordagem transdisciplinar, p. 41. 39 manifestação ou conduta dos menores correspondente à descrição objetiva que é feita das leis penais. Na segunda corrente, já um pouco mais abrangente, a estimativa é de que a delinqüência juvenil não pode ser definida apenas em termos jurídicos. Deve, todavia, incluir tanto as condutas tipificadas nas leis quanto os comportamentos anormais, irregulares ou indesejáveis, inerentes ao indivíduo. Por fim, a terceira corrente doutrinária, inclui termos ainda mais amplos. Nesta, a delinqüência deve ser interpretada no sentido de abarcar não somente condutas delituosas ou comportamentos irregulares, mas todos os menores em circunstâncias ou condutas que inspirem cuidado, proteção ou reeducação, sejam elas advindas de negligência dos pais ou da própria sociedade. É importante destacar que, enquanto no Direito Penal o delito constitui ação típica, antijurídica, culpável e punível, no direito de menores, leva-se em consideração todos os aspectos inerentes à sua vida, tais como sua saúde física e emocional, os conflitos próprios da idade, as condições econômicas e familiares nas quais vive este adolescente. Porém, mesmo sendo necessária a observação de todos estes fatores, é inegável que estes menores são responsáveis por problemas sociais extremamente graves e, muitas vezes, assustadores, mesmo sendo considerados pessoas em desenvolvimento.86 2.5.2 PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DO ATO INFRACIONAL Quando se fala em apuração de um ato infracional, inevitavelmente duas fases precisam ser destacadas. A primeira delas é a Fase Policial, a qual tem início no exato momento em que o adolescente infrator é 86 VIEIRA, Henriqueta Scharf. Perfil do Adolescente Infrator no Estado de Santa Catarina: Cadernos do Ministério Público. Florianópolis: Assessoria de Imprensa da Procuradoria Geral da Justiça, 1999. p.15. 40 detido. A segunda, é a Fase Judicial, que, como o próprio nome diz, é aquela que ocorre por força de uma ordem judicial ou em flagrante. Vale salientar que, em detrimento ao disposto no artigo 107 do ECA87, o menor infrator somente poderá ser apreendido, sendo vedada sua prisão. Art. 107 – A apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontra recolhido serão incontinenti comunicados à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada. Parágrafo Único – Examinar-se-á, desde logo e sob pena de responsabilidade, a possibilidade de liberação imediata. Quando a infração for praticada mediante violência ou ameaça grave a autoridade policial deverá lavrar o Auto de Investigação do Ato Infracional. Este, trata-se de um procedimento policial administrativo, cujo objetivo é a apuração da prática do ato infracional, bem como as circunstâncias em que o mesmo fora praticado, possibilitando, assim, a atuação do Ministério Público e a conseqüente aplicação da medida sócio-educativa adequada, em se tratando de apreensão em flagrante. Contudo, não havendo a constatação da violência ou da grave ameaça, lavrar-se-á apenas o Boletim de Ocorrência Circunstanciado. Sobre a apreensão em flagrante do menor, assim dispõe o artigo 106 do Estatuto da Criança e do Adolescente88: Art. 106 – Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. Parágrafo único. O adolescente tem direito à identificação dos responsáveis pela sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos. 87 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p. 176. 88 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p.175176. 41 A chamada fase policial, encerra-se no momento em que este procedimento é encaminhado pela autoridade policial ao Ministério Público, independente de estar o adolescente apreendido ou não. Iniciando a fase judicial, o Promotor de Justiça fará a notificação do adolescente infrator para que o mesmo compareça, acompanhado de seu responsável, na Promotoria de Justiça para a Audiência de Apresentação. Nesta ocasião, o Promotor de Justiça irá conversar com o adolescente, onde, após verificar as provas colhidas, a gravidade da infração e se é caso ou não de reiteração da prática do ato infracional, tomará as providências cabíveis, dentre as quais poderão ser: o arquivamento, a aplicação de uma das medidas sócioeducativas, a remissão ou, ainda, a representação.89 Para conceituar, de forma simplificada, o que seja a Remissão, tem-se as palavras de Silva90, para o qual “juridicamente, a remissão exprime sempre a renúncia voluntária ou a liberação graciosa a respeito de uma dívida, de um direito. E, por ela, também se extingue a obrigação ou o direito”. Desta maneira, ao se referir à remissão, não se está falando em perdão do ato infracional; busca-se a supressão do processo judicial, porém, sem prejuízo da aplicação da medida sócio-educativa cabível. Ressalta-se, ainda, que poderá ser aplicada a remissão mesmo que existam somente indícios da autoria e da materialidade. Nesse sentido, é a lição de Liberati91: Para a concessão da remissão não é necessário o reconhecimento ou a comprovação da responsabilidade do infrator, ou seja, que existam provas suficientes da autoria e da materialidade do ato infracional. Se existirem apenas indícios do ilícito, o perdão poderá ser aplicado, de modo que o representante 89 COLPANI, Carla Fornari. A Responsabilização Penal do Adolescente Infrator e a ilusão da impunidade, p.06. 90 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, p. 699. 91 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 108. 42 do Ministério Público não dará prosseguimento ao caso, deixando de coletar provas e requisitar diligências complementares. Ainda, neste enfoque da remissão, vale destacar o artigo 127 do ECA92, in verbis : Art. 127 – A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semiliberdade e a internação. Outra providência que poderá ser tomada pelo Promotor de Justiça, será o oferecimento da Representação. Esta, será oferecida caso o Promotor entenda que a remissão não alcançará seus objetivos. Nela, será narrada a conduta cometida pelo adolescente, iniciando-se, desta forma, a apuração do ato infracional, na Fase Judicial, sendo respeitado o contraditório e a ampla defesa, culminando com a aplicação das medidas sócio-educativas, elencadas no artigo 112 do ECA. Sobre a Representação, cabe a definição de Silva93, que sobre este instituto, assim discorre: (...) juridicamente, a representação é a instituição, de que se derivam poderes, que investem uma determinada pessoa ou autoridade para praticar certos atos ou exercer certas funções, em nome de alguém ou de alguma coisa (...) Em qualquer hipótese, a representação exerce a precípua função de trazer ao cenário jurídico a pessoa, que age, investindo a personalidade de outrem ou personalizando uma instituição (...) O passo seguinte, após o oferecimento da Representação, será marcar a Audiência de Apresentação, onde o juiz, tendo ouvido o representante do Ministério Público, poderá aplicar a Remissão ou dar 92 ISHIDA, Válter Kenji . Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência p. 216. 93 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, p. 704. 43 prosseguimento ao feito e onde o adolescente produzirá provas testemunhais ou qualquer outra prova contando, para isto, com o auxílio de um advogado. O representante do Ministério Público poderá determinar a condução coercitiva do adolescente infrator, seus pais, vítimas e testemunhas, caso seja necessário, em conformidade com as disposições do artigo179, parágrafo único do ECA94: Art. 179 – Apresentado o adolescente, o representante do Ministério Público, no mesmo dia e à vista do auto de apreensão, boletim de ocorrência ou relatório policial, devidamente autuados pelo cartório judicial e com informações sobre os antecedentes do adolescente, procederá a mediata e informalmente à sua oitiva e, em sendo possível, de seus pais ou responsável, vítima e testemunhas. Parágrafo Único – Em caso de não apresentação, o representante do Ministério Público notificará os pais ou responsável para apresentação do adolescente, podendo requisitar o concurso das Polícias Civil e Militar. É preciso ressaltar, porém, que não trata-se de privação de liberdade, haja vista que estas pessoas, após a consecução do ato, serão liberadas. Em função de ter o Estatuto da Criança e do Adolescente adotado subsidiariamente as normas contidas no direito processual penal na apuração do ato infracional, conforme previsão em seu artigo 152 e, não tendo fixado um prazo legal para o oferecimento da Representação, entende-se que esta deverá ser oferecida no prazo de cinco dias, utilizando-se, aí, a regra do artigo 46 do Código de Processo Penal. 94 ISHIDA, Válter Kenji . Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p. 300. 44 Nas palavras de Ishida95 “a utilização subsidiária da legislação processual penal realmente melhor se adeqüa a atos infracionais e às decisões a eles relacionadas”. Ainda, referente à utilização subsidiária de outras legislações processuais na apuração do ato infracional, vale salientar que caberão os recursos previstos no Código de Processo Civil Brasileiro, após a sentença final, contra decisões extintivas do processo, com ou sem julgamento do mérito, contra decisões homologatórias de remissão com extinção do processo, bem como contra decisões interlocutórias, pois assim estabelece o artigo 198 do ECA. 2.5.3 APLICAÇÃO DA PRESCRIÇÃO PENAL AO ATO INFRACIONAL Na análise do ato infracional, é importante ressaltar sobre sua aplicabilidade e prescrição. Führer96, assim dispõe acerca da prescrição penal: A prescrição extingue a punibilidade, baseando-se na fluência do tempo. Se a pena não é imposta ou executada dentro de determinado prazo, cessa o interesse da lei pela punição, passando a prevalecer o interesse pelo esquecimento e pela pacificação social. A pena, quando por demais tardia, deixa de ser justa, perdendo no todo ou em parte o seu sentido. É preciso lembrar que, em se tratando de ato infracional e adolescente infrator, não há que se falar em pena, mas sim, em medidas sócioeducativas, cuja aplicação não tem como objetivo a punição e sim a ressocialização do menor e, conseqüentemente, sua reinserção na sociedade. 95 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p. 264. 96 FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de Direito Penal: parte geral. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 33. 45 Entendimento favorável a aplicação da prescrição aos casos de ato infracional, tem Pacagnan97, para o qual é “aplicável a prescrição penal reduzida à metade em face da idade do adolescente, aplicando-se a analogia”. Diferente entendimento tem de Campos Viana apud Ishida98 que, refletindo sobre este tema, entende que deve ser analisado caso a caso, conforme a necessidade de aplicação da medida sócio-educativa: Portanto, a personalidade do infrator na época da aplicação da medida e não na época do fato, deve ser a protagonista da justiça infracional, devendo-se analisar, caso a caso, a necessidade pedagógica ou não de se destruir o homem delinqüente no homem e não destruir o homem delinqüente. Se há necessidade de se impor uma medida, não importa o lapso temporal entre o fato e o julgamento ou entre qualquer deles e a execução da medida, deve-se atribuir ao infrator uma medida adequada para que a sociedade não receba, para que a família não receba de volta uma pessoa inadaptada e irredutível a uma vida normal sem uma tentativa de recuperação. Percebe-se que a divergência entre os doutrinadores sobre a aplicação ou não da prescrição penal aos atos infracionais, ainda é bastante acentuada. Contudo, analisando o artigo 99 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual dispõe que as medidas previstas poderão ser aplicadas ou substituídas a qualquer tempo, subtende-se que o intuito da lei é a não aplicação da prescrição aos atos infracionais. Este entendimento encontra amparo legal no artigo 100 do ECA99 que assim dispõe: Art. 100 – Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. 97 PACAGNAN, Rosaldo Elias. Prescrição e Remissão no Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Lexbook, 1999. p.09. 98 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p.173. 99 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p. 164. 46 Desta feita, tal dispositivo fortalece ainda mais a idéia de que não cabe a aplicação da analogia aos atos infracionais para que se aplique a prescrição, tendo em vista que pena e medidas sócio-educativas são institutos de natureza diversa. Enquanto aquela tem como objetivo a pretensão punitiva, esta, busca a ressocialização e a recuperação do menor. 47 CAPÍTULO 3 ADOLESCENTE INFRATOR: UMA QUESTÃO JURÍDICA OU UMA QUESTÃO SOCIAL? 3.1 A QUESTÃO JURÍDICA Conforme breve histórico já apresentado no primeiro capítulo desta pesquisa, o tratamento jurídico dispensado ao adolescente infrator sofreu alterações ao longo dos séculos. Contudo, faz-se necessária uma análise mais profunda e atenta acerca da questão jurídica na qual está envolvido o adolescente que comete um ato infracional. As importantes conquistas trazidas à civilização pelo século XVIII refletiram também no Direito Penal, onde os princípios iluministas deram origem à Escola Clássica100. Nesta fase, o ser humano era entendido como ser dotado de livre arbítrio, devendo ser punido pelos atos que praticava sempre na mesma proporção do mal que causava à sociedade. O delito deveria ser previsto em lei e ao acusado eram dadas as garantias do devido processo legal. Assim, esta nova era constituía a legalidade e a proporcionalidade como seus princípios fundamentais. Contudo, crianças e adolescentes eram submetidos a estas mesmas regras, sendo julgados e punidos da mesma forma que os adultos. Já no século XIX, o criminoso passou a ser visto pelo Direito Penal como um doente social, fruto da sua constituição biológica e do meio em que vivia, onde o crime tratava-se apenas de um efeito dessas causas. A punição 100 Escola Clássica. Foi assim denominada de modo pejorativo pelos positivistas. Vale-se do método dedutivo ou lógico-abstrato e não experimental, próprios das ciências naturais. Para esta escola crime não é um ente de fato, mas entidade jurídica; não é uma ação, mas infração. É a violação de um direito. ( ! " ## $%%$ & ' ( )* &( + + , $ + + . &/ 0$12#3 ( 4% $%%" 48 do indivíduo não seria regulada pela gravidade do ato, já que ele não o controlava, regulava-se pela necessidade de tratamento do paciente. Em alguns casos extremos, chegou-se a admitir que o individuo fosse apenado sem que houvesse praticado algum delito, mas apenas, porque apresentava as características típicas de um criminoso. Em 1927 no Brasil, instituiu-se o já extinto Código de Menores tendo por base as experiências dos chamados Tribunais de Menores, que tinham a função de exercer o controle de determinados grupos de crianças e adolescentes excluídos. Não era permitida a privação da liberdade de nenhum indivíduo sem o devido processo legal, inclusive com a ampla defesa, fato que tornou-se um empecilho para a utilização do Direito Penal contra tais grupos, haja vista que não era possível alterar a essência das medidas a serem aplicadas, em especial a privação de liberdade. Finalmente, em 1990, no Brasil, com a criação do ECA, instituiu-se a doutrina de proteção integral e prioritária da criança e do adolescente em sintonia com o Direito Internacional. O ECA, advindo da Escola Social101, preconiza que a sociedade, ao retirar o delinqüente do convívio social deve tratá-lo de modo a readaptá-lo às normas de convivência102. Desta feita, resta evidenciado, do âmbito da questão jurídica, que o ECA prevê aos adolescentes infratores tratamento diferenciado, a partir do momento em que os coloca como sujeitos de direitos especiais e procura garantir sua sólida e harmoniosa formação perante a sociedade. Graças ao ECA, os adolescentes infratores têm garantida, ainda, a retomada de sua vida social plena sem problema, com base em valores éticos, sociais e familiares, afastando-os de 101 Escola Social. Segundo seus postulados não visa punir a culpa do agente criminoso, apenas proteger a sociedade das ações delituosas. Essa concepção rechaça a idéia de um direito penal repressivo, que deve ser substituído por sistemas preventivos e por intervenções educativas e reeducativas, postulando não uma pena para cada delito, mas uma medida para cada pessoa. (MARCÃO, Renato; MARCON, Bruno. Rediscutindo os fins da pena . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2661>. Acesso em: 10 mai. 2006.) 102 FARIAS, Terezinha de Jesus Almeida Noronha de. Traços Históricos da Delinqüência Juvenil, p. 47 49 uma vida de abandono que, em nenhuma hipótese, deve prevalecer durante o seu desenvolvimento, sob pena de ser tornar um doente incurável. 3.2 A QUESTÃO SOCIAL Quando se aborda os aspectos relacionados à questão social, no que se refere aos problemas enfrentados pela sociedade nos últimos tempos, ligados ao crescente e alarmante número de ocorrências de atos infracionais praticados por menores, inevitavelmente, o tema nos remete à questão da ressocialização, bem como das políticas públicas de atendimento aos menores infratores, ou seja, da reinserção destes menores ao meio do qual foram excluídos em conseqüência da prática de condutas anti-sociais. 3.2.1 A RESSOCIALIZAÇÃO DO ADOLESCENTE INFRATOR Ressocializar significa socializar novamente, ou seja, fazer com que o indivíduo, neste caso o adolescente, possa voltar ao convívio social. Ressocializar tem o sentido de recuperar, de dar assistência psicológica e profissional para que o indivíduo possa voltar à sociedade como um cidadão útil. Por isso, para saber se a ressocialização de um adolescente infrator é possível, devem ser analisados alguns fatores, tais como as possíveis causas que o levaram a delinqüir, seu histórico familiar, as condições de vida em que este ser nasceu e cresceu, os possíveis traumas e violências que possa ter sofrido, enfim, fatores dos mais diversos, que já foram anteriormente abordados, e que podem fornecer informações preciosas na escolha da medida que a ele deve ser aplicada para que sua recuperação seja possível. 50 Quando o tema é a ressocialização do adolescente infrator, orienta Barroso Filho103 acerca da consciência que a família deve ter sobre a necessidade de recuperar este adolescente: Importante é que tenhamos consciência de que, tratar e recuperar o adolescente infrator, implica, necessariamente, em tratar e recuperar a família deste jovem, para que possamos resgatá-lo como elemento útil à sociedade. A incansável busca pela melhor maneira de atingir o objetivo de ressocializar o adolescente infrator é bastante antiga e, assim como a própria humanidade, também veio evoluindo ao longo dos séculos. 3.2.2 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENDIMENTO AO ADOLESCENTE INFRATOR Quando se fala em política de atendimento, deve-se compreender todas as ações governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além das ações não-governamentais que também visam a proteger e assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes104. O ECA105, em seu artigo 86, dispõe acerca das políticas de atendimento: Art. 86 – A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Os primeiros registros relativos a medidas educativas ou de políticas públicas para a infância brasileira, são o da criação das “Casas de 103 BARROSO FILHO, José. Do Ato Infracional. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 52, nov.2001.Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2470.Acesso em: 08 fev. 2006. p.3. 104 MARTINS, Daniele Comin. Estatuto da Criança e do Adolescente e Política de Atendimento, p.51. 105 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p.147. 51 Roda”, fundada na Bahia em 1726, a “Casa dos Enjeitados”, no Rio de Janeiro em 1738 e a “Casa dos Expostos”, no Recife em 1789, todas destinadas a abrigar crianças e adolescentes.106 Segundo Martins107, a “Roda” era um dispositivo engenhoso, composto por um cilindro, fechado por uma dos lados, que girava em torno de um eixo e ficava nos muros dos conventos, com uma campainha a ser acionada quando uma criança era colocada na roda e esta era girada, de modo que o “doador” do recém-nascido não fosse visto. Pode-se dividir a história da política social brasileira em três fases108: Na primeira fase, até o começo deste século, os programas destinados à assistência ao menor no Brasil estavam a cargo da assistência médica, em que as principais medidas utilizadas eram de caráter profilático (emprego de meios para evitar doenças) e se baseavam nos ensinamentos da higiene e da eugenia (estudo cujo objetivo era o aprimoramento das características da raça humana, especialmente pela seleção dos indivíduos submetidos ao processo reprodutivo). Na segunda fase, que se inicia a partir da promulgação do primeiro Código de Menores, em 1927, foram criadas colônias correcionais para a reabilitação de delinqüentes e internatos para o acolhimento de menores abandonados. Neste período, conforme salienta Martins109, o objetivo era manter sob a égide da “proteção especial” somente os menores que se encontrassem em abandono material, abandono moral, que fosse vitimizado, que estivesse em abandono jurídico, em desvio de conduta ou que tivesse praticado uma infração penal. 106 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em Conflito com a Lei – da indiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil, p. 23. 107 MARTINS, Daniele Comin. Estatuto da Criança e do Adolescente e Política de Atendimento, p.29. 108 RUSSO, J. A. Assistência e Proteção à Infância no Brasil: a moralização do social. São Paulo: Cadernos de Cultura USU, 1985. p.69. 109 MARTINS, Daniele Comin. Estatuto da Criança e do Adolescente e Política de atendimento, p.52. 52 Na terceira fase, com a criação do Serviço de Assistência ao Menor e da Fundação Nacional do Bem Estar do Menor, o Estado assumiu a tutela do menor abandonado ou infrator e a política passou a ter um caráter assistencialista, cuja principal ação foi a de abrigar e alimentar as crianças e adolescentes abandonados do país. O ECA positivou uma política funcional voltada à proteção de todos os direitos, baseada em mecanismos não mais repressores, mas pedagógicos, e de respeito à condição peculiar de desenvolvimento em que se encontram as crianças e adolescentes. As linhas de ação da política de atendimento, encontram-se dispostas no artigo 87 do ECA110: Art. 87 – São linhas de ação da política de atendimento: I – políticas sociais básicas; II – políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que deles necessitem; III – serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão; IV – serviço de identificação e localização de pais, responsáveis, crianças e adolescentes desaparecidos; V – proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente. Acerca das políticas de atendimento ao adolescente infrator, ressalta-se o entendimento de Martins111: Nesse sentido, pode-se dizer que a política de atendimento tem, antes de tudo, a preocupação com a proteção dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes através, primeiramente, 110 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p.147148. 111 MARTINS, Daniele Comin. Estatuto da Criança e do Adolescente e Política de Atendimento, p.53. 53 de políticas sociais básicas, o que demonstra que o Estatuto reflete o conhecimento pleno da realidade social daqueles que colaboraram em sua confecção. Quanto aos serviços já criados pelo Estado a fim de encontrar uma solução para o problema do adolescente infrator, Grünspun112 destaca que os serviços públicos na atualidade procuram enfrentar problemas que se criam sem terem encontrado, ainda, as soluções adequadas. Novos campos de competência surgiram. Em muitos países não se tornaram mais do que prisões para menores delinqüentes ou menores abandonados. Em outros, adotaram a forma de estudo e pesquisa, com o fim de conhecer cientificamente a problemática das novas gerações. Alguns poucos países, como Alemanha e França, criaram Ministérios da Juventude e da Família. A maioria dos países desenvolvidos criou Conselhos ou Serviços ligados a diferentes Ministérios, como de Educação, de Cultura ou de Previdência Social. Já com relação ao Brasil, opina o autor: No Brasil foram criados, nos Estados da União, as Febens. Em poucos anos de sua existência, não há criança ou adulto que não reconheça na palavra Febem uma tragédia. Tragédia para os maiores e tragédia para os menores. Ainda enfocando a questão dos programas de atendimento que buscam a ressocialização do adolescente infrator, é importante salientar que posturas institucionais autoritárias e repressivas devem ser substituídas por práticas educacionais que vençam os conflitos e o ambiente hostil. Assim, faz-se necessário um projeto pedagógico orientador dos programas que tenha condições de prever o cotidiano organizado e sistematizado, que estabeleça normas coletivas, sem desprezar o contexto cultural familiar do jovem que comete delitos. Sua reeducação não deve desprezar sua origem, seu mundo de fragilidades e desafios. Contudo, deve provocar sua inserção em um novo meio social que 112 GRÜNSPUN, Haim. Os Direitos dos Menores, p. 120. 54 propiciará condições para que ele possa se expressar, fazer-se respeitar e ouvir.113 Em complemento ao raciocínio da autora, cabe destacar o entendimento de Gomes da Costa114, que explica: A maior aquisição que um jovem pode fazer na comunidade educativa é a do seu próprio projeto de vida. Se isso não ocorrer, todo o trabalho realizado, todo o esforço despendido não significará mais do que assegurar-lhe, por um determinado tempo, a nossa assistência. Analisando a questão social do adolescente infrator, percebe-se que, tanto os estatutos quanto as instituições de proteção ao menor buscam o mesmo objetivo: reeducá-lo e reintegrá-lo à sociedade e à família. Todavia, coincidentemente, são também os mesmos obstáculos encontrados e apontados como os responsáveis por não se atingir tal objetivo, dentre os quais aparecem com mais freqüência a falta de infra-estrutura, de equipe técnica e especializada, a falta de verbas, etc. Entende a maioria dos doutrinadores que a melhor forma para o enfrentamento de atos infracionais praticados por adolescentes, é por meio da adoção de um modelo teórico, que deve resultar de um compromisso científico e também político. Defendem o ideal de que é preciso romper os mitos e modelos ultrapassados que há muito vigoram e são visíveis ainda nos dias de hoje. Nesse sentido, acrescenta D’Agostini115: Sendo assim, há que se fazer uma leitura ampla e maior dos impeditivos às transformações que desejamos para nossa sociedade, a partir de políticas públicas que verdadeiramente incluam os “barrados no baile”, entre eles, nossas crianças e adolescentes, sob pena de, em assim não sendo, continuarmos a 113 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente, p. 576-577. 114 GOMES DA COSTA, Antonio Carlos. Aventura Pedagógica: Caminhos e Descaminhos de uma Ação Educativa. São Paulo: Columbus Cultural, 1990. p. 59. 115 D’AGOSTINI, Sandra Mári Córdova. Adolescente em Conflito com a Lei...e a Realidade, p. 129-130. 55 transferir responsabilidades: ao Estado, pela falta de vontade política; ao sistema, através de suas instituições burocráticas e arcaicas; ao “endurecimento humano”, das pessoas e da sociedade em geral; à mídia por ser formadora de opinião, que reflete ainda, o desconhecimento geral das questões contidas no ECA, principalmente quanto aos atos infracionais cometidos por adolescentes e outros que, pela enorme abstração para achar-se o culpado pela presente situação, acaba-se perpetuando em injustiças sociais de toda ordem, principalmente as afetas a crianças e adolescentes e desmobilizando as ações urgentes e necessárias à modificação da situação real, triste e desagradante de grande parte da nossa população e suas famílias. (...) Há que se pensar verdadeiramente, também, em políticas públicas locais mais pontuais, criadas a partir de diagnóstico o mais próximo possível da realidade.(...) Para a elaboração e execução de um trabalho verdadeiramente preventivo, reeducador e ressocializante na área estudada, é importante que se conheçam as questões conceituais, casadas às realidades que as envolvem, porque definitivamente, ser vítima e vitimizador não é um ‘estado natural’. Compartilhando deste entendimento, acrescenta Martins116: No campo de atendimento à infância e à adolescência, o ECA substituiu o assistencialismo filantrópico vigente por propostas de trabalhos socioeducativos voltados à cidadania, ao mesmo tempo que criou uma nova estrutura para a política de defesa e promoção dos direitos da criança e do adolescente baseada na descentralização, participação popular efetiva e na responsabilização pelo atendimento ausente ou deficiente prestados pelos entes responsáveis. Desta forma, resta fazer com que o Estatuto da Criança e do Adolescente seja efetivamente implementado. Contudo, esta é uma tarefa coletiva, que envolve não somente o Estado, as lideranças públicas, mas envolve 116 MARTINS, Daniele Comin. Estatuto da Criança e do Adolescente e Política de Atendimento, p.55. 56 também as lideranças religiosas, comunitárias, líderes privados; entes capazes de mobilizar a opinião pública. 3.3 AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS Com o advento da Lei nº 8.069/90, cujas fontes formais foram os Documentos de Direitos Humanos das Nações Unidas, introduziu-se no Brasil os princípios garantistas do chamado Direito Penal Juvenil. Ela reconheceu o caráter sancionatório das medidas sócio-educativas, enfatizando, ainda, o seu aspecto predominantemente pedagógico. Tal Lei ressaltou também que as medidas sócio-educativas somente podem ser aplicadas dentro da estrita legalidade e pelo menor espaço de tempo possível. Aplicando aos casos de delinqüência juvenil estas medidas sócio-educativas, de caráter estritamente pedagógico, em vez da severidade das penas criminais, o Estatuto da Criança e do Adolescente afastou dos menores os males encontrados no sistema carcerário dos adultos. A finalidade das medidas sócio-educativas é corrigir o adolescente infrator, e sua aplicação requer como pressuposto a prática de um ato infracional. São elas aplicáveis somente aos adolescentes, haja vista que às crianças são aplicadas as medidas específicas de proteção, as quais não serão objeto deste estudo. Vale lembrar que à luz do ECA, em seu artigo 2º, criança é a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. O Estatuto da Criança e do Adolescente117, em seu artigo 112, assim dispõe sobre as medidas sócio-educativas: Art. 112 – Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: 117 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p. 185. 57 I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semiliberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3º Os adolescentes portadores de doenças ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições. As medidas acima mencionadas serão estudadas individualmente na seqüência deste estudo. Todavia, antes é necessário salientar que tais medidas não são penas, são providências judiciais cujo principal objetivo é proteger o adolescente e, conseqüentemente, promovendo a ele um desenvolvimento pleno e sadio. Até mesmo algumas medidas consideradas um pouco mais hostis como a restrição parcial ou a privação da liberdade do infrator não podem ser vistas como penas, haja vista que estas medidas são tomadas para que o adolescente possa ser tratado, reeducado e reintegrado à vida social. Liberati118 entende que: 118 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 82. 58 As medidas sócio-educativas são aquelas atividades impostas aos adolescentes quando considerados autores de ato infracional. Destinam-se elas à formação do tratamento tutelar empreendido a fim de reestruturar o adolescente para atingir a normalidade da integração social. Os métodos para o tratamento e orientação tutelares são pedagógicos, sociais, psicológicos e psiquiátricos, visando, sobretudo, à integração da criança e do adolescente em sua própria família e na comunidade local. Apesar da sociedade acreditar que os menores de 18 anos que praticam atos infracionais permanecem impunes, as medidas sócioeducativas estabelecidas pelo ECA são a prova de que os menores respondem sim pelos delitos que praticam. Todavia, o objetivo essencial dessa legislação não é a punição do menor, mas antes de tudo, o amparo e a proteção destes adolescentes envolvidos com o ato infracional. É preciso ressaltar quantas vezes forem necessárias que a legislação menorista busca a recuperação, a ressocialização e a reintegração social daquele que cometeu um ilícito. Conforme o entendimento de Volpi119, para que sejam aplicadas as medidas sócio-educativas, devem ser observadas as características da infração cometida, as circunstâncias familiares e a disponibilidade de programas específicos para o atendimento do adolescente infrator, devendo serlhe garantido a reeducação e a ressocialização, tendo-se como base o Princípio da Imediatidade, isto é, que elas sejam aplicadas logo após a prática do ato infracional: A aplicação das medidas sócio-educativas não pode acontecer isolada do contexto social, político e econômico em que está envolvido o adolescente. Antes de tudo é preciso que o Estado organize políticas públicas para assegurar, com prioridade absoluta, os direitos infanto-juvenis. Somente com os direitos à convivência familiar e comunitária, à saúde, à educação, à cultura, esporte e lazer, e demais direitos universalizados, será possível diminuir significativamente a prática de atos infracionais cometidos por adolescentes. 119 VOLPI, Mário. O Adolescente e o Ato infracional, p. 42. 59 Ainda acerca da aplicação das medidas sócio-educativas, 120 Pereira , compartilhando deste mesmo entendimento, ressalta que tais medidas devem ser aplicadas somente pelo juiz da Infância e Juventude, devendo-se ser considerados, ainda, os aspectos pessoais subjetivos que fizeram com que o adolescente cometesse o ato infracional. As medidas, enumeradas no art. 112-ECA, serão aplicadas exclusivamente pelo juiz da Infância e Juventude, o qual levará em conta a capacidade (do adolescente) de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração (...). Devem ser analisados, primordialmente, os aspectos pessoais e subjetivos que levaram o adolescente ao cometimento do ato infracional. Sendo assim, conclui-se que ao administrar as medidas sócio-educativas, o juiz da Infância e da Juventude não deverá se ater somente às circunstâncias e à gravidade do delito praticado pelo adolescente, deverá, sobretudo, se ater às condições pessoais do adolescente, sua personalidade, as referências familiares e sociais, assim como a sua capacidade para cumprir a medida. São Medidas Sócio-educativas: 3.3.1 ADVERTÊNCIA A primeira medida sócio-educativa está elencada no artigo 115 do Estatuto da Criança e do Adolescente121, o qual dispõe que “a advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada”. Esta medida consiste numa conversa entre o adolescente infrator e a autoridade competente na presença de seus pais ou responsáveis, em que lhe será explicada a ilegalidade da sua conduta, bem como as conseqüências que virão no caso da reiteração da prática da infração. Seu objetivo é a recuperação do menor e por isso, é considerada a medida sócio-educativa mais branda. 120 121 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente, p. 566. ISHIDA, Válter Kenji, Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p. 188. 60 Neste sentido, acerca da advertência discorre Volpi122: A advertência constitui uma medida admoestatória, informativa, formativa e imediata, sendo executada pelo juiz da Infância e Juventude. A coerção manifesta-se no seu caráter intimidatório, devendo envolver os responsáveis num procedimento ritualístico. A advertência deverá ser reduzida a termo e assinada pelas partes. A aplicação da Advertência destina-se aos adolescentes que praticam infrações de pequena gravidade, tais como pequenos furtos, vadiagem e agressões leves, bem como aos adolescentes que não tenham antecedentes de atos infracionais. A medida é passível de aplicação tanto na fase extrajudicial, na concessão da remissão pelo representante do Ministério Público, homologado pelo juiz, quanto na fase judicial, em que a medida é aplicada pela autoridade judicial, durante o curso da apuração do ato infracional ou após a sentença final. Por tratar-se, a advertência, apenas de uma admoestação verbal, ou seja, de uma leitura do ato cometido e o comprometimento de que a situação não se repetirá, Nogueira123 acredita que, na aplicação desta medida, poderia ser dispensado até mesmo o procedimento contraditório. A advertência poderia dispensar perfeitamente o procedimento contraditório, pois trata-se de admoestação verbal, que deveria ser imposta de plano em face do boletim de ocorrência ou relatório policial. E sua imposição estender-se-ia aos pais ou responsáveis, o que tornaria a medida mais abrangente e eficaz, sendo apenas reduzida a termo. No entanto, dado o formalismo do processo legal, que pressupõe contraditório e amplitude de defesa, assim como apego às formalidade, também a advertência como medida sócio-educativa não pode prescindir do processo legal, como aliás, têm reconhecido os tribunais. Vale ressaltar, ainda, que a advertência diferencia-se das outras medidas sócio-educativas porque sua aplicação independe de prova de 122 123 VOLPI, Mário. O Adolescente e o Ato Infracional, p.23. NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 4 ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p.170. 61 materialidade e de autoria, enquanto que para a aplicação das outras medidas a presença destes elementos é essencial. Para encerrar o estudo acerca da primeira medida sócioeducativa, qual seja a advertência, destaca-se o ensinamento de Nogueira124, no qual evidencia-se o real objetivo de tal medida, ou seja, o da reintegração familiar e social do adolescente que cometeu um ilícito. Toda medida aplicável ao adolescente deve visar fundamentalmente à sua integração sócio-familiar, por isso a advertência deve ser a mais usada, como forma de tomada de consciência e de alerta, tanto para o adolescente como para o próprio pai ou responsável que esteja concorrendo para o ato infracional. 3.3.2 OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO Com finalidade basicamente educativa e o objetivo de despertar e desenvolver o senso de responsabilidade do adolescente em face do que não lhe pertence, tem-se, disposto no artigo 116 do ECA125, a obrigação de reparar o dano como a segunda medida sócio-educativa. Art. 116 – Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima. Parágrafo Único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada. Esta medida consiste em fazer o adolescente reconhecer o erro e repará-lo. Esta reparação, conforme o enunciado do supra citado artigo poderá ser feita de três formas: fazendo a devolução da coisa, efetuando o 124 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, p. 159. 125 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p.189. 62 ressarcimento do prejuízo ou através da compensação deste prejuízo por algum outro meio que se mostre adequado. Na concepção de Nogueira126, cabe à vítima entrar com o pedido de reparação, ou executar a sentença penal condenatória, para que obtenha o ressarcimento do dano causado pelo infrator. Para o autor, a constitucionalidade desta medida pode ser questionada. Em suas palavras: A medida de obrigação de reparar o dano, salvo melhor juízo, parece-nos de duvidosa constitucionalidade, pois não pode o Juiz de Menores impô-la como medida obrigatória, mas apenas tentar a composição do dano como previa o Código de Menores revogado (art. 103), já que nem mesmo ao adulto condenado criminalmente pode ser imposta pelo juiz a obrigação de reparar o dano causado, nem mesmo como condição do sursis, embora a não reparação do dano causado pelo condenado constitua causa obrigatória de revogação desse benefício. Entendimento diferente tem Liberati127, para o qual é preciso considerar que se trata de uma medida de caráter pedagógico, pois ensina ao adolescente o respeito por tudo que pertence às outras pessoas, proporcionando o desenvolvimento “do senso por responsabilidade daquilo que não é seu”. É preciso salientar, ainda, no que diz respeito a esta medida, que a obrigação de reparar o dano por meio do ressarcimento dos prejuízos causados, muitas vezes, é inviabilizada em função da condição financeira do infrator e sua família, casos em que é substituída por outra de igual adequação. Neste sentido, segue o entendimento doutrinário de Oliveira128: (...) Havendo, contudo, manifesta impossibilidade, a medida pode ser substituída por outra adequada. Assim, a obrigação de reparar o dano imposta ao infrator não tem somente o escopo literal da 126 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, p. 180. 127 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 90. 128 OLIVEIRA, Raimundo Luiz Queiroga de. O Menor infrator e a eficácia das medidas sócioeducativas, p. 9. 63 medida, mas visa inserir no menor as conseqüências do ato ilícito que praticou, atendendo mais uma vez a finalidade da medida, qual seja, a sua ressocialização. Volpi129 destaca, que “a responsabilidade pela reparação do dano é do adolescente, sendo intransferível e personalíssima”. 3.3.3 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE A prestação de serviços à comunidade é a medida sócioeducativa prevista no artigo 117 do ECA130 que assim dispõe: Art. 117 – A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais. Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante a jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência à escola ou a jornada normal de trabalho. Como define o próprio enunciado da legislação, a prestação de serviços à comunidade é a medida na qual o adolescente infrator terá que efetuar tarefas de interesse geral, de acordo com suas aptidões e sem prejuízo da freqüência escolar ou da jornada de trabalho. Percebe-se presente em tal medida o forte apelo comunitário e educativo, não só para o infrator, mas, também, para a comunidade, a qual se responsabiliza pelo desenvolvimento integral do adolescente. Com esta medida, é proporcionado ao jovem a possibilidade de viver experiências da vida comunitária, 129 130 VOLPI, Mário. O Adolescente e o Ato Infracional, p.23. ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p. 192. 64 aprendendo sobre os valores sociais e, conseqüentemente, valorizando mais os compromissos sociais. Todavia, é preciso ressaltar que a aplicação desta medida somente terá eficácia e atingirá os objetivos a que se destina se for devidamente fiscalizada pela autoridade judiciária, pelo Ministério Público e pela própria comunidade, caso contrário, sua aplicação não apresentará nenhum resultado. Neste sentido, é o entendimento de Cury131: Inserida num contexto comunitário abrangente (entidades assistenciais, hospitais, escolas, programas comunitários, governamentais, etc.), a medida possibilita o alargamento da própria visão do bem público e do valor da relação comunitária, cujo contexto deve estar inserido numa verdadeira práxis, onde os valores de dignidade, cidadania, trabalho, escola, relação comunitária e justiça social não para alguns, mas para todos, sejam cultivados durante sua aplicação. Assim, a prestação de serviços à comunidade favorece o desenvolvimento, no adolescente infrator, do sentimento de solidariedade, já que lhe oportuniza a convivência com desfavorecidos, desvalidos, doentes mentais e excluídos sociais, através do desenvolvimento das tarefas de interesse coletivo que lhe são atribuídas. 3.3.4 LIBERDADE ASSISTIDA A Liberdade Assistida é mais uma das soluções apresentadas pelo Estatuto para o enfrentamento da criminalidade juvenil. Com disposição prevista no artigo 118 da supra citada Lei, esta medida possibilita ao adolescente cumpri-la em liberdade, em meio a sua família, porém sob o controle do juizado e da comunidade. Por este motivo, tem sido apontada pelos 131 CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p.387. 65 especialistas nesta matéria como a mais gratificante e importante de todas as medidas. Assim dispõe o artigo 118 do ECA132: Art. 118 – A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. § 1º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento. § 2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor. De acordo com Barroso Filho133, a participação da família é de fundamental importância para o efetivo cumprimento desta medida. Assim manifesta-se o autor: A participação da família permite o estabelecimento de um contrato de ajuda mútua em torno das necessidades do adolescente e os limites que o cumprimento da medida contempla. O programa também tem por objetivo o auxílio à família na busca de serviços adequados que possam suprir suas necessidades e as do adolescente; a obtenção de um diagnóstico psicossocial da família, no sentido de facilitar a compreensão do adolescente em atendimento; propiciar aos responsáveis um reflexo sobre as questões particulares e singulares. Esta medida consiste no acompanhamento e orientação do adolescente infrator, buscando-se sua integração familiar e comunitária, manifestando-se através do acompanhamento personalizado em que lhe são 132 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p. 195. 133 BARROSO FILHO, José. Do Ato Infracional, p.7-8. 66 garantidos os aspectos de proteção, inserção comunitária, freqüência escolar, inserção no mercado de trabalho, entre outros. Nos ensinamentos de Liberati134: O programa de liberdade assistida, exige uma equipe de orientadores sociais, que são designados pelo juiz, sendo que deverão os técnicos ou as entidades desempenhar sua missão através de estudo de caso, de métodos de abordagem, organização técnica da aplicação da medida e designação de agente capaz. Sua aplicação destina-se aos adolescentes reincidentes ou habituais na prática de infrações e que apresentam tendência a reincidir. Neste sentido, esta medida oferece ao infrator a oportunidade de reconhecer a responsabilidade de seus atos e, conseqüentemente, repensar sua conduta. Na lição de Farias135: (...) há casos de menores infratores que não comportam total liberdade de ação, sendo que, mesmo que permaneçam em meio à sociedade, necessitam de maior fiscalização e acompanhamento. Para a efetiva aplicação da medida em estudo, é necessário disponibilizar ao adolescente assistência em vários aspectos, tais como psicoterapia de suporte e orientação pedagógica, encaminhamento ao trabalho, profissionalização, saúde , lazer, etc. Salienta-se, ainda, que o juiz, ao fixar a medida de liberdade assistida, fixa também determinadas regras que devem ser cumpridas pelo adolescente, tais como não se envolver em novos atos infracionais, não andar armado, não freqüentar certos locais, retornar aos estudos, recolher-se cedo à habitação e obedecer aos pais. 134 135 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 93. FARIAS, Terezinha de Jesus Almeida Noronha de. Traços Históricos da Delinqüência Juvenil, p. 52. 67 3.3.5 SEMILIBERDADE Prevista no artigo 120 do ECA136, a medida sócio-educativa de semiliberdade trata-se de uma medida coercitiva, pois afasta o adolescente do convívio familiar e comunitário, porém, sem restringi-lo totalmente do seu direito de ir e vir. Art. 120 – O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como formas de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial. § 1º É obrigatória a escolarização e a profissionalizarão, devendo, sempre que possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade. § 2º A medida não comporta prazo determinado, aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação. Conforme o dispositivo acima, são dois tipos de semiliberdade: o tratamento tutelar determinado desde o início pela autoridade judicial, mediante aplicação do devido processo legal; e a progressão de medida, em que o adolescente passa do regime de internato para a semiliberdade. A medida consiste na permanência do adolescente infrator em alguns estabelecimentos próprios, determinados pelo Juiz. Destina-se aos adolescentes infratores que trabalham e estudam durante o dia, porém, à noite, devem recolher-se a estas entidades. Uma das dificuldades na aplicação desta medida no Brasil, é a falta de unidades específicas para abrigar os adolescentes somente durante a noite, e, durante o dia, realizar a aplicação das medidas pedagógicas. Neste sentido, manifesta-se Volpi137: 136 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p.197. 137 VOLPI, Mário. O Adolescente e o Ato Infracional, p.26. 68 A falta de unidades nos critérios, por parte do judiciário na aplicação de semiliberdade, bem como a falta de avaliações das atuais propostas, têm impedido a potencialização dessa abordagem. Por isso propõe-se que os programas de semiliberdade sejam divididos em duas abordagens: uma destinada a adolescentes em transição da internação para a liberdade e/ou regressão da medida; e a outra aplicada como primeira medida sócio-educativa. Assim como muitas das leis brasileiras, por diversas vezes ocorre a impossibilidade de aplicação da medida de semiliberdade, uma vez que a mesma pressupõe a existência de casas especializadas para o recebimento dos adolescentes e programas específicos, mesmo sendo evidentes sua importância e seu caráter pedagógico, haja vista que permite ao adolescente que trabalhe e estude durante o dia. Sobre esta questão da falta de aplicação e da importância da medida de semiliberdade, adverte Nogueira138: Não temos prisões suficientes, casas de albergado, recolhimentos de menores e abrigos de velhos, e demais prédios indispensáveis, previstos em diversas leis, justamente pela falta de interesse dos homens públicos e dos governantes (...) Os próprios legisladores têm conhecimento de nossa realidade ao promulgarem determinada lei, mas assim mesmo a aprovam, conscientes de que não será devidamente cumprida, o que concorre para que seja desmoralizada, tornando-se inexeqüível. 3.3.6 INTERNAÇÃO Elencada no artigo 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente, tem-se a última das medidas sócio-educativas, a internação. É considerada a mais grave das medidas, devendo ser proposta pelo representante do Ministério Público e aplicada pelo juiz, destinando-se somente aos casos de extrema necessidade, aos adolescentes que cometem atos infracionais graves. 138 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, p. 169-170. 69 Assim dispõe o artigo 121 do ECA139: Art. 121 – A internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. § 1º Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expresso determinação judicial em contrário. § 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses. § 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos. § 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida. § 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade. § 6º Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público. A medida deve ser cumprida em estabelecimento exclusivo para adolescentes, que adotem o regime fechado. Esta é a única das medidas que priva o infrator totalmente de sua liberdade. Há casos, que são exceções, em que o infrator poderá realizar atividades externas, as quais ficam a critério da equipe técnica responsável. Desta forma, complementa Tavares140: É a mais severa das medidas sócio-educativas estabelecidas no Estatuto. Priva o adolescente de sua liberdade física – direito de ir 139 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p. 198. 140 TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p.118. 70 e vir – à vontade (...) O adolescente poderá trabalhar e estudar fora do estabelecimento onde é recolhido, se não oferecer perigo à segurança pública ou à sua própria incolumidade, segundo avaliação criteriosa da equipe interprofissional que assessora a Justiça da Infância e da Juventude. O prazo máximo que o adolescente pode ficar internado é de três anos, jamais devendo ser ultrapassado. Apesar do objetivo desta medida ser a correção, por melhor que seja a entidade de atendimento, ela somente deve ser aplicada nos casos excepcionais, conforme preconiza o próprio dispositivo legal, haja vista que provoca no adolescente os sentimentos de insegurança, frustração e agressividade, daí a necessidade de que as entidades destinadas a este fim sejam compostas por profissionais especializados, que tenham propostas pedagógicas, baseadas em critérios de criminologia, para que seja permitido ao adolescente infrator uma verdadeira reeducação. Sobre a medida de internação e a responsabilidade conjunta da sociedade e do Estado para com o adolescente, destaca-se o posicionamento de Farias141: O Estado é responsável pela política de bem-estar do menor. Contudo, o que se vê, são crianças e jovens nas ruas, sem condição de sobrevivência digna, desenvolvimento, saúde e educação. A sociedade tem que se conscientizar da sua co-responsabilidade, sob pena de malogro na realização dessa política social, que visa resgatar a infância abandonada e a adolescência sem rumo. Cumpre ressaltar que a aplicação da medida de internação deverá paltar-se em algumas condições essenciais, tais como, destinar-se aos adolescentes que praticarem atos infracionais mediante grave ameaça ou violência à pessoa; no caso de reiteração do cometimento de outras infrações graves e no descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. 141 FARIAS, Terezinha de Jesus Almeida Noronha de. Traços Históricos da Delinqüência Juvenil, p. 53. 71 Colpani142 faz algumas considerações acerca das finalidades da medida sócio-educativa de internação: A internação objetiva, assim, através da privação da liberdade do adolescente infrator, a ressocialização e reeducação, demonstrando ao adolescente que a limitação do exercício pleno do direito de ir e vir é a conseqüência da prática de atos delituosos. Ainda enfocando destaca-se o entendimento de a finalidade da medida em estudo, De Paula apud Liberati143, para o qual esta medida também se reveste do caráter educativo e curativo. A internação tem finalidade educativa e curativa. É educativa quando o estabelecimento escolhido reúne condições de conferir ao infrator escolaridade, profissionalização e cultura, visando a dotá-lo de instrumentos adequados para enfrentar os desafios do convívio social. Tem finalidade curativa quando a internação se dá em estabelecimento ocupacional, psicopedagógico, hospitalar ou psiquiátrico, ante a idéia de que o desvio de conduta seja oriundo da presença de alguma patologia, cujo tratamento em nível terapêutico possa reverter o potencial criminógeno do qual o menor infrator seja o portador. Desta forma, cumpre destacar que a internação é, sem dúvida a mais grave das medidas sócio-educativas e, dentre suas principais características cabe ressaltar que deve sempre ter por base os princípios da brevidade, ou seja, ter um tempo determinado para sua aplicação, da excepcionalidade, o que significa dizer que somente deve ser aplicada se não houver outra adequada e do respeito ao adolescente, devido a sua peculiar condição de ser em desenvolvimento. Conforme analisado nesta monografia, surge a indagação: a questão do adolescente infrator, é jurídica ou social? A questão jurídica deve ser aprimorada, uma vez que as instituições jurídicas são vulneráveis. Segundo a 142 COLPANI, Carla Fornari. A Responsabilização Penal do Adolescente Infrator e a Ilusão de Impunidade, p. 15. 143 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 95. 72 pesquisa, o grande problema do adolescente está ligado a área social. O Estado tem uma dívida impagável para com a sociedade: faltam moradias, faltam empregos, hospitais, educação, e, nesta questão, incidem os delitos. 73 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao final da presente investigação, na qual foi proposto o estudo acerca do Adolescente Infrator e da delinqüência juvenil em seus aspectos gerais, por meio das hipóteses, questionamentos e variáveis, é oportuno e necessário analisar determinadas questões pertinentes ao estudo, tais como as principais causas que levam o adolescente a delinqüir, o perfil do adolescente infrator; o ato infracional e qual a conseqüente sanção aplicada aos que praticam tal infração; a ressocialização, bem como a principal indagação desta pesquisa, qual seja, se o problema do adolescente infrator é uma questão jurídica ou uma questão social. Desta forma, será possível verificar a confirmação ou não das hipóteses inicialmente levantadas. A pesquisa constatou que as causas da criminalidade entre os adolescentes são muito amplas. Todavia, a desestruturação familiar, o lazer e a condição social, as mudanças físicas e psíquicas inerentes à fase da adolescência, podem ser apontadas como sendo as que mais influenciam o adolescente na prática do ato infracional. Verificou-se que a fome, os maus-tratos, o convívio com o tráfico, a carência familiar, a carência das condições mínimas necessárias para se crescer e viver com dignidade, são fatores decisivos na escolha pela delinqüência. A questão da violência, seja sofrida ou presenciada, dentro do próprio lar é extremamente preocupante, pois, além atirar o adolescente “nos braços” da criminalidade, o faze repetir no convívio social o que presenciou dentro de casa. Quanto ao perfil do adolescente infrator, permitiu-se verificar que estes indivíduos possuem personalidade variável e que, muitas vezes, já trazem consigo um histórico comprometedor com relação a formação desta personalidade. Assim, de acordo com esta oscilação de personalidade, os adolescentes infratores recebem a seguinte classificação: a) Inadaptados Sociais, quais sejam, os incapazes de se adaptarem às normas da convivência em sociedade; b) Associais, os quais tendem a perturbar e danificar os interesses comunitários, tendo em vista que não se sujeitam a ordenação social que lhes é 74 imposta; c) Pré-Delinqüentes, inseridos nesta classe os adolescentes que ainda não atingiram a maioridade penal, ainda não cometeram qualquer infração, mas que, certamente se converterão em delinqüentes declarados caso não sejam submetidos a um tratamento preventivo, haja vista que as ações por eles praticadas encontram-se no limite da delinqüência. Tendo praticado um ato infracional, o adolescente fica sujeito às previsões do ECA, a ele podendo ser aplicadas uma das seguintes Medidas Sócio-educativas: a) advertência; b) obrigação de reparar o dano; c) prestação de serviços à comunidade; d) liberdade assistida; e) inserção em regime de semiliberdade; f) internação em estabelecimento educacional. Por fim, ao tratar-se das Políticas Públicas para adolescentes infratores e das Medidas Sócio-educativas, a eles aplicáveis e buscando a melhor resposta para a indagação central deste trabalho, qual seja se a problemática na qual está envolvido o adolescente infrator é uma questão jurídica ou uma questão social, a pesquisa registrou que, na maioria dos casos, é possível reinserir o adolescente no convívio social, uma vez que o próprio ECA prevê as medidas aplicáveis a cada caso, as quais, se devidamente aplicadas na prática, o tornariam um instituto mais eficaz. Todavia, devido aos diversos obstáculos encontrados, como a falta de recurso financeiros e a falta de instituições com infra-estrutura adequada para o cumprimento das medidas sócioeducativas, esta eficácia não se efetiva. Constatou-se, ainda, que, mesmo tendo cumprido a medida imposta, o adolescente infrator encontra muita dificuldade para retornar ao convívio social em razão da própria sociedade, a qual lhe nega cooperação, fechando-lhe todas as portas. Desta forma, evidenciou-se que o problema do adolescente infrator, e da delinqüência juvenil de maneira geral, é uma questão de cunho social. As evidências estão em toda parte. Basta olhar atentamente ao redor, na própria cidade, e até mesmo no próprio bairro, e é possível verificar-se que os contrastes sociais são gritantes. Faltam moradias, faltam empregos, o sistema educacional é falho, a população vive a mercê dos marginais, e, para boa parte da sociedade, falta até mesmos as condições mínimas necessárias para se viver 75 dignamente. Contudo, esta é uma dívida do Estado para com a sociedade e, conseqüentemente, do Estado para com o adolescente que, por sua vez, tendo nascido e crescido em meio a tantas privações e necessidades, torna-se um alvo fácil da criminalidade. Exalta-se que, com o exaustivo trabalho de pesquisa, tenhase realizado uma abordagem geral acerca do adolescente infrator e da delinqüência juvenil, estudando-se o perfil deste adolescente que pratica atos infracionais, bem como sua ressocialização através das Políticas Públicas e das Medidas Sócio-educativas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A contribuição desse trabalho tem fins imediatos. Não é mais possível aguardar o futuro, nem tampouco as propostas políticas a longo prazo. O momento é agora e para isso é preciso começar uma reflexão séria, comprometida e lógica, em relação à situação do adolescente infrator. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ABRAMOVAY, Miriam. Escola e Violência. Brasília: UNESCO, UCB, 2003. ABREU, Waldyr de. A Corrupção Penal Infanto-Juvenil. Rio de Janeiro: Forense, 1995. ANGHER, Anne Joyce (org). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 2. ed. São Paulo: Rideel, 2005. BARROSO FILHO, José. Do ato infracional. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 52, nov.2001.Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2470.Acesso em: 08 fev. 2006. CAPELA, Fábio Bergamin. Pseudo-evolução do Direito Penal . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2795>. Acesso em:10 mai. 2006 COLPANI, Carla Fornari. A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade . Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 162, 15 dez. 2003. 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