II Colóquio da Pós-Graduação em Letras UNESP – Campus de Assis ISSN: 2178-3683 www.assis.unesp.br/coloquioletras [email protected] O ESTUDO ETNOGRÁFICO DO DISCURSO ADOLESCENTE: EM BUSCA DO PRÍNCIPE ENCANTADO CONTEMPORÂNEO SOB O OLHAR DE STEPHENIE MEYER Maria das Graças Alves Rodrigues (Especialista – GEBRAS) Maria do Rosário Silva Leite (Mestranda – GEBRAS) Mauriene Silva de Freitas (Mestranda – GEBRAS) De onde vem a estranha familiaridade que certos textos parecem evocar, como se estivessem sempre à espera da interpretação, reclamando leituras, expondo ao leitor a direção dos seus sentidos? Por que alguns textos, ao contrário, evocam estranhezas, dispõem enigmas, guardando-se para certos leitores que possam restabelecer os seus trajetos de leitura? (Maria do Rosário Valencise Gregolin) De acordo com a epígrafe, nesses novos tempos, os príncipes de outrora ressurgem sob nova roupagem, deram adeus ao cavalo branco e aos trajes pomposos, nessa perspectiva os príncipes da contemporaneidade surgem montados em carros velozes como Volvos, Ferraris e potentes motocicletas. Concomitantemente a este ressurgimento cavalheiresco, a autora Stephenie Meyer, escritora estadunidense, se apropria da temática do homem idealizado, numa versão não convencional, causando frisson entre as jovens que buscam o arquétipo do príncipe encantado. Assim, a escritora obteve respaldo pelos Best-sellers da série Crepúsculo (Twilight), que narra a relação entre a jovem Isabella Swan (Bella), uma garota tímida e sem auto-estima que se muda para a cidade de Forks e um vampiro, que mesmo vegetariano, chamado Edward Cullen, segue seus instintos de vampiro detendo um forte apelo ao sangue da garota. Personagens contrastantes que se enamoram e se envolvem sem medir riscos. Numa história composta pelo romance, a presença de 780 seres fantásticos, nos retoma as histórias de amor dos contos de fada, em que o romance, a aventura e a busca pelo príncipe encantado está sempre presente, assim como os finais felizes. Segundo Irene Machado, com base em Bakhtin “o romance surge como um gênero de possibilidades combinatórias não apenas de discursos como também de gêneros” (2008, p. 153). Nesta ressurreição ideológica da tipologia do príncipe encantado, que retoma o mundo onírico dos contos de fada, para numa nova roupagem construir na figura de um ser mitológico, como o vampiro, um novo príncipe dos tempos modernos. O príncipe encantado desperta a Bela Adormecida e a princesa distante faz sonhar os jovens, ele exprime, por outro lado, as virtudes régias do estado da adolescência ainda não dominadas nem exercidas. [...] a ele pertencem os grandes feitos, mais que a manutenção da ordem. (CHEVALIER, 2007, p. 744) Nesse sentido, retornando aos primeiros contos, nos quais a figura do príncipe encantado adquire destaque como nos contos, Branca de Neve, Rapunzel, Cinderela, A Bela e a Fera e A Bela Adormecida, cuja imagem remonta ao herói de outrora, invencível, de beleza divinal, disposto aos atos mais laboriosos e perigosos em prol da mocinha. A simbologia contida nos contos de fada, juntamente com suas representações do ideal romântico perpassam gerações, “educando” as jovens para o papel do “eterno feminino”. Apesar das diversas transformações e revoluções feministas, as jovens adolescentes resguardam em seu íntimo o desejo contido nos diversos contos de fada, aquela imagem do homem idealizado, que se configura dentro da saga Crepúsculo, por meio da imagem do príncipe encantado da atualidade. Esses caracteres se estendem para a pós-modernidade, sob a releitura do mito do vampiro, agora com ares de príncipe encantado. A ameaça vampírica de outrora é suavizada dispondo num jovem garboso de 17 anos, trocando o cavalo branco pelo Volvo, a velha capa preta pela jaqueta de couro, mas todos eles envolvidos na invencibilidade e mistério do amor eterno e cortês, segundo Robert Johnson (1993, p. 13), “O amor romântico não é apenas uma forma de “amor”, mas é todo um conjunto psicológico – uma combinação de ideais, crenças, atitudes e expectativas”. Portanto, partimos do princípio de que há na saga Crepúsculo, elementos estruturais pertinentes na emblemática figura do príncipe de outrora e no príncipe da contemporaneidade, na visão feminina adolescente brasileira, que busca o príncipe 781 encantado, devido ao complexo de Cinderela, contido no universo feminino. Sigmund Freud afirma que: Se amo uma pessoa, ela tem de merecer meu amor de alguma maneira. [...] Ela merecerá meu amor, se for de tal forma semelhante a mim, em aspectos importantes, que eu me possa amar nela; merecê-lo-á também, se for de tal modo mais perfeita do que eu, que nela eu possa amar meu ideal de meu próprio eu (self) (1976, p. 130131). Na busca por esta identificação temos no Complexo de Cinderela o conflito entre a ambivalência e a inópia de ser amada, desejo contido no inconsciente, gerando uma certa dependência emocional, ou seja, o desejo inconsciente de transferir a responsabilidade dos cuidados com o próprio eu por outra pessoa. Iniciadas na infância, memórias e atitudes estimuladas pelos contos de fada, a menina formará uma imagem de apoio num outro mais forte para protegê-la, no caso um príncipe A idéia de identidade nasceu da crise do pertencimento e do esforço que esta desencadeou no sentido de transpor a brecha entre o “deve” e o “é” e erguer a realidade ao nível dos padrões estabelecidos pela idéia – recriar a realidade à semelhança da idéia. (BAUMAN, 2005 p. 26) O best-seller, Complexo de Cinderela publicado em 1981, por Colette Dowling, descreve um modelo de mulher dependente de uma figura masculina idealizada, resumidamente afirma que, "As mulheres são educadas para se sentirem sempre parte de uma outra pessoa e, quando têm chance de se libertarem, assustamse e rejeitam a oportunidade". A mulher como dependente do ser amado, característica esta presente nos clássicos feéricos e na atualidade através de alguns discursos das jovens leitoras. Constatamos também, que apesar da forte influência e desejo de emancipação feminina, o amor romântico e a busca pelo príncipe encantado continua presente no universo feminino adolescente. Estas são as fraturas terríveis que todos carregamos dentro de nós. Por um lado, queremos estabilidade e um relacionamento afetivo com um ser humano comum; por outro, inconscientemente, exigimos alguém que seja a encarnação da alma, que desvele a divindade e o Reino da Luz, que nos transporte a um estado de adoração religiosa e que torne a nossa vida um permanente êxtase. E eis que encontramos, disfarçado, mas vivo dentro de nós, o ideal religioso, a fantasia dos cátaros. (JOHNSON, 1993, p. 106-107) Como pudemos observar no estudo etnográfico em vários sites de relacionamento e grupos de discussão na internet, trazemos a esse artigo uma 782 pequena parcela desses diálogos, onde comprovamos as reminiscências da busca do príncipe encantado na contemporaneidade: Pros meninos ñ é tão difícil ganhar um presente desses neh? Mas pra nós a situação é deprimente... PRECISA-SE DE EDWARDS URGENTEMENTE! p.s:Contra-indicado para pessoas com problemas respiratórios e de memória, por causar falta de ar, simplesmente por nos fazer esquecer como se respira!! Concordo xará , hoje em dia não se encontram garotos como o Edward. Como será que era viver no século 18 ? será que naquele tempo os meninos eram romanticos com ele ? Se fosse assim eu adoraria ter nascido no século 18....rsrsrsrs Eu também, aliás onde estao os homens romanticos tipo chiclete hoje em dia hein?? Se vampiros jah ñ se veem por aí, imagina vampiros q sejam pel menos 1/3 de Edward Cullen, ou de Emmett, Carlisle... q situação difícil!!! Esqueça o príncipe em seu cavalo branco. Eu quero Edward Cullen em seu volvo prateado! Eu mereço o meu próprio Edward! Quero o meu agora!!!!!!!!!!! AA EU QUEROO UM ! *_* É o Edward virou um vício... EU Tbm queria um Edward da vida!! quem nao quer um menino romantico que cuida de voce!!! hehehehe!!! Eu quero um Edward pra mim! Eu tb quero o meu!!!!!!!!!!!!!! Tá demorando para aparecer!!!!!!!! Acredito que ele seria a mais nova e viciante droga no mercado, e claro o melhor presente de Natal que uma garota poderia ganhar. 783 haaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!! alguem sabe aonde eu compro um edward??? ah como o mundo é injusto! pow...a meyer é de certa forma muito má...ela nos mostra o "paraiso" impossivel de ser alcaçado! literalmente um sonho!! como o mundo real ficou sem graça!!! Analisar o discurso seria rever as relações históricas concretas, pertinentes a estes, a exemplo da análise de textos consagrados para, nessa perspectiva, interpretar os aspectos sociais femininos embutidos nas narrativas de contos de fadas e suas releituras ou visões tanto da parte da autora quanto das adolescentes, num processo de construção do discurso, na medida em que as palavras são também construções, apoiadas em signos, caracterizando os quatro elementos básicos, um referente, um sujeito, um campo associado e uma materialidade específica. Sendo assim, os diversos mitos difundidos pela humanidade, com o intuito primordial de conceder uma lógica ou fundamento para a existência humana e dos elementos que os cercam, fazem uso de uma simbologia diversificada e pungente, como apresentada pela autora Stephenie Meyer em seus escritos. Tomados pelo mito em seu caráter interpretativo e narrativo, o que segundo Untersteiner, nada mais é do que “uma forma poética de compreender, gerada pela inspiração” como verificamos no discurso dessas novas leitoras traços patriarcais. Em seu livro Mitologia Grega, Junito Brandão afirma que “o mito se apresenta como um sistema, que tenta, de maneira mais ou menos coerente, explicar o mundo e o homem”(1998, p. 13). Contudo, o mito não se detém apenas em explicar, mas relata fatos e tradições de sociedades antigas, demonstrando a forma de convívio entre os povos e auxiliando no entendimento da história; digamos que o mito contenha em si, resquícios fósseis da antiguidade em sua essência preservada e transmitida primeiramente oralmente, chegando até a contemporaneidade pela escrita. Apesar de estabelecermos esta função narrativa das sociedades, deve ficar claro a complexidade interiorizada do mito e suas possibilidades de interpretação. Relata Everardo Rocha: A Antropologia usualmente assume a existência de uma relação entre o mito e o contexto social. O mito é, pois capaz de revelar o pensamento de uma sociedade, a sua concepção da existência e das relações que os homens devem manter entre si e com o mundo que os cerca. (1985, p. 12). 784 Acreditamos que a releitura de um clássico em pleno século XXI demonstra que não foram ainda esgotadas as possibilidades interpretativas em meio às constantes mudanças que perpassam a humanidade. Assim, verificamos que a releitura dos contos de fada e sua representação na saga Crepúsculo é claramente uma adequação às mudanças nos padrões sociais, sejam estéticos ou culturais. Referências bibliográficas Fontes Primárias GRIMM, Jacob; GRIMM, Wilhelm. Os clássicos das fábulas reinventados pela nova geração de quadrinistas brasileiros. Rio de Janeiro: Desiderata, 2007. MEYER, Stephenie. Crepúsculo. Trad. Ryta Vinagre. 2ª ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2005. ________. Lua Nova. Trad. Ryta Vinagre. 2ª ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2008. ________. Eclipse. Trad. Ryta Vinagre. 2ª ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2008. ________. Amanhecer. Trad. Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2009. PERRAULT, Charles. A bela adormecida no bosque. Trad. Ana Maria Machado. 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