UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO DO CRIME DE HOMICÍDIO: PROCEDIMENTO E QUESTÕES CONTROVERTIDAS LEANDRO TEODORO NEPOMUCENO Itajaí, novembro de 2.008 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO DO CRIME DE HOMICÍDIO: PROCEDIMENTO E QUESTÕES CONTROVERTIDAS LEANDRO TEODORO NEPOMUCENO Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor MSc. Rogério Ristow Itajaí, novembro de 2.008 AGRADECIMENTO Agradeço a todos os amigos que me apoiaram durante essa fase da minha vida e a toda minha família que sempre esteve ao meu lado, na hora em que eu precisava. DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos meus pais Luiz Wagner Nepomuceno e a minha mãe Solange Teodoro Nepomuceno, por terem me dado condições de cursar a faculdade de Direito, que sempre sonhei em fazê-la para poder seguir profissionalmente nesta carreira tão bonita e querida por todos, dedico também aos meus irmãos Sandro Luiz Teodoro Nepomuceno e Laiane Teodoro Nepomuceno, e por fim ao meu professor e orientador Rogério Ristow pela atenção que tem me dado durante o desenvolvimento deste trabalho. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí, 21 de novembro de 2.008 Leandro Teodoro Nepomuceno Graduando PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduando Leandro Teodoro Nepomuceno, sob o título Do Crime de Homicídio: Procedimento e Questões Controvertidas, foi submetida em 21 de novembro de 2.008 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: MSc Rogério Ristow (orientador) e MSc. Rodrigo Leal (examinador), e aprovada com a nota ______ (_______________________). Itajaí, 21 de novembro de 2.008 Professor MSc. Rogério Ristow Orientador e Presidente da Banca Professor MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS CP Código Penal CPP Código de Processo Penal CF/1988 Constituição Federal de 1988 ART. Artigo § Parágrafo ROL DE CATEGORIAS Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais. Homicídio “É a morte de um homem provocada por outro homem. É a eliminação da vida de uma pessoa praticada por outra. O homicídio é o crime por excelência”.1 Objeto Jurídico Objeto jurídico do crime é o bem jurídico, isto é, o interesse protegido pela norma penal. Objeto Material O objeto material do crime de homicídio é a pessoa sobre quem recai a ação ou omissão. Tribunal do Júri Tem por finalidade a de ampliar o direito de defesa dos réus, funcionando como uma garantia individual dos acusados pela prática de crimes dolosos contra a vida e permitir que, em lugar do juiz togado, preso as regras jurídicas, sejam julgados pelos seus pares. Soberania dos Veredictos Princípio que garante aos jurados decidirem de acordo com a sua consciência e não seguindo a lei. 1 HUNGRIA, Nélson e FRAGOSO, Heleno, Comentários ao Código Penal, 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, v.V, p.25. SUMÁRIO RESUMO ............................................................................................XI INTRODUÇÃO .................................................................................... 1 CAPÍTULO 1 ....................................................................................... 3 HOMICÍDIO ............................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 1.1 INTRODUÇAO....................................................... Erro! Indicador não definido. 1.2 CONCEITO ....................................................................................................... 3 1.3 OBJETO JURÍDICO ..........................................................................................4 1.4 OBJETO MATERIAL ........................................................................................4 1.5 SULEITO ATIVO................................................................................................4 1.6 SUJEITO PASSIVO ...........................................................................................5 1.7 MOMENTO CONSUMATIVO E PERÍCIA MÉDICO-LEAGL REALIZADA PARA CONSTATAÇAO DA "CAUSA MORTIS"....................................................5 1.7.1 CRIME CONSUMADO .........................................................................................5 1.7.2 Perícias Médicos-Legais..............................................................................6 1.8 TENTATIVA.......................................................................................................8 1.9 MODALIDADES DE HOMICÍDIO......................................................................9 1.9.1 Homicídio Simples......................................................................................10 1.9.2 Homicídio Privilegiado...............................................................................10 1.9.2.1 Motivo de Relevante Valor Social ou Moral...........................................11 1.9.2.1.1 Domínio de Violenta Emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima..........................................................................................12 1.10.2 HOMICÍDIO QUALIFICADO.......................................................................17 1.10.2.1 Hipóteses previstas no art.121, §2°, I a V, do Código Penal..............18 1.10.2.2 Inciso I- Mediante paga ou promessa de recompensa, ou outro motivo porte.........................................................................................................18 1.10.2.3 Inciso II- Motivo Fútil.............................................................................19 1.10.2.4 Inciso III- Emprego de veneno, fogo, explosivos, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum......19 1.10.2.5 Inciso IV- Traição, emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido....................23 1.10.2.6 Inciso V- Assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime....................................................................................25 1.10.2.7 Causa especial de aumento de pena. Homicídio doloso contra menor de 14 anos ou maior de 60 anos (§4°)....................................................26 1.11.3 HOMICÍDIO CULPOSO (§3°).....................................................................27 1.11.3.1 Modalidade de Culpa.............................................................................28 1.11.3.2 Homicídio culposo. Causa especial de aumento de pena (§3°)........29 1.11.4 PERDÃO JUDUCIAL................................................................................. 30 CAPÍTULO 2 ..................................................................................... 32 ASPECTOS PROCEDIMENTAIS ...................................................... 32 2.1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 32 2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS RELEVANTES.....................................................32 2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO TRIBUNAL DO JÚRIERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.3.1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................37 2.3.2 PLENIUDE DE DEFESA ........................................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.3.3 SIGILO DAS VOTAÇÕES ...................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.3.4 SOBERANIA DOS VEREDICTOS ............................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.3.4.1 COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA ....42 3 PROCEDIMENTO ESPECIAL TRIFÁSICO .......................................................45 3.1 VISÃO GERAL DAS TRÊS FASES .........................................................................45 3.2 Juízo de Formação de Culpa........................................................................ 47 3.2.1 DECISÃO JUDICIAL DE FINALIZAÇÃO ................................................................47 3.2.1.1 PRONÚNCIA.................................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.2.1.1.1 CONCEITO ................................................................................................48 3.2.1.1.2 Conteúdo...............................................................................................48 3.2.1.1.3 Fundamentação.....................................................................................50 3.2.1.2 IMPRONÚNCIA.........................................................................................50 3.2.1.2.1 Conceito.................................................................................................50 3.2.1.2.2 Conteúdo e Fundamentação................................................................52 3.2.1.3 DESCLASSIFICAÇÃO..............................................................................53 3.2.1.3.1 Conceito.................................................................................................53 3.2.1.3.1.2 Hipóteses Legais................................................................................54 3.2.1.4 Absolvição Sumária.................................................................................54 3.2.1.4.1 Conceito e Hipóteses Legais...............................................................54 3.2.2 JUÍZO DE PREPARAÇÃO DO PLENÁRIO.................................................55 3.2.3 JUÍZO DE MÉRITO.......................................................................................56 4.JULGAMENTO EM PLENÁRIO........................................................................ 56 4.1 Organização do Júri.......................................................................................56 4.2 Jurados...........................................................................................................57 4.3 Preparação da Sessão de Julgamento........................................................57 4.4 Partes em Plenário........................................................................................57 4.5 Procedimento em Plenário...........................................................................58 CAPÍTULO 3 ..................................................................................... 59 QUESTÕES CONTROVERTIDAS..................................................... 59 3.1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 59 3.2 QUESTÕES CONTROVERTIDAS NO HOMICÍDIO CULPOSO .................... 59 3.2.1 Culpa Consciente e Dolo Eventual ........................................................... 59 3.2.2 Previsibilidade do Evento.......................................................................... 60 3.2.3 Imperícia ou Erro Profissional .................................................................. 60 3.2.4 QUESTÕES CONTROVERTIDAS NO HOMICÍDIO PRIVILEGIADO ......... 61 3.2.5 QUESTÕES CONTROVERTIDAS NO CRIME DE TRÂNSITO................... 65 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................... 69 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................... 72 ANEXOS................................................................................................ RESUMO A presente pesquisa tem o escopo de discorrer acerca do Crime de Homicídio, suas formalidades, seus procedimentos, legislações aplicáveis, enfim, considerar os pontos cruciais deste tema. Nota-se que este instituto é muito abrangente, pois ele engloba diversos assuntos. No presente trabalho foi abordado apenas sobre o homicídio sem relacionar ele com outros assuntos, a não ser no caso do crime de homicídio culposo no trânsito, assunto este tratado no capítulo terceiro. O referido tema está disposto no artigo 121 do Código Penal. Verificou-se que na ocorrência deste crime o agente é submetido ao Tribunal do Júri, mas para isso o crime tem que ser doloso contra a vida. Este instituto foi criado em nosso país em 1822, por decreto do Príncipe Regente e permanece até hoje em nossa Constituição expresso no artigo 5°, XXXVIII. Como todo e qualquer instituto o Tribunal do Júri também possui princípios constitucionais, tendo como principal a Soberania dos Veredictos, no qual cabe aos jurados decidir o futuro do réu de acordo com a sua consciência. Por fim foram levantas questões controvertidas acerca do homicídio. A mais discutida dela diz respeito à possibilidade do homicídio privilegiado qualificado. Vários doutrinadores trataram do assunto, e a conclusão a que chegaram foi a de ser possível a coexistência do homicídio privilegiado qualificado desde que a qualificadora seja objetiva para assim haver compatibilidade com a privilegiadora subjetiva. No entanto esse instituto merece maior atenção não só dos acadêmicos de Direito, mas como todos os cidadãos, pois, todos estão sujeitos a sofrer ou cometer este delito, que é considerado inaceitável para a população. INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto tratar sobre o crime de homicídio. O seu objetivo é propiciar uma visão geral do crime de homicídio, previsto no artigo 121 do Código Penal Brasileiro, ressaltando algumas curiosidades e interpretações controvertidas, porém, sem qualquer pretensão de esgotar o tema. A intenção é apenas relembrar alguns aspectos que foram estudados durante a graduação e que devem ser considerados durante a graduação. Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando-se sobre a forma básica do delito de homicídio discorrendo sobre o seu tema, conceito, objeto jurídico, objeto material, sujeito ativo, sujeito passivo, bem como o momento consumativo, do homicídio, e suas forma de tentativa. Tratou-se ainda das modalidades de homicídio. No Capítulo 2, tratou-se do procedimento no Tribunal do Júri, constatou-se que esse instituto foi acrescentado em nossa Constituição no ano de 1988, com o objetivo de julgar os crimes doloso contra a vida. Foi também verificado que com a reforma trazida pela Lei 11.689/2008 o procedimento passou a ter três fases com o intuito de tornar mais prático o seu procedimento. No Capítulo 3, trata-se acerca das questões controvertidas, trazendo opiniões diferentes de alguns doutrinadores acerca da tipificação no caso do homicídio culposo, da coexistência ou não da qualificadora e da privilegiadora. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas destacados durante a pesquisa. quais são apresentados pontos conclusivos 2 Para a presente monografia foram levantadas as seguintes hipóteses: O crime de homicídio é considerado hediondo, desde que praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que executado por um só agente O Tribunal do Júri tem competência para julgar somente os crimes dolosos contra a vida O crime de homicídio está tipificado no artigo 121 do Código Penal, existe a possibilidade de aplicar a privilegiadora e a qualificadora ao mesmo tempo Diante desses tópicos, o presente trabalho vislumbrará de forma simples, o Crime de Homicídio, apresentando entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, a fim de contribuir para o estudo deste tema no Direito Penal. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica. CAPÍTULO 1 HOMICÍDIO 1.1 Introdução O crime de homicídio, previsto normativamente na estrutura penal, estabelece essencialmente a preservação da vida humana. Com esta exposição, procura-se trazer este instituto, a fim de que sejam delimitados os aspectos, características, qualificadoras e privilégios existentes com relação ao crime de homicídio no ordenamento jurídico nacional. 1.2 Conceito Homicídio é a morte de um homem provocada por outro homem. É a eliminação da vida de uma pessoa praticada por outra. O homicídio é o crime por excelência1. Como dizia Impallomeni, todos os direitos partem do direito de viver, pelo que, numa ordem lógica, o primeiro dos bens é o bem vida. O homicídio tem a primazia entre os crimes mais graves, pois é o atentado contra a fonte mesma da ordem e segurança geral, sabendo-se que todos os bens públicos e privados, todas as instituições se fundam sobre o respeito à existência dos indivíduos que compõem o agregado social2. Portanto o crime de homicídio viola o bem mais valioso do homem que é a vida. 1 2 HUNGRIA, Nelson. FRAGOSO, Heleno, Comentários ao Código Penal, 5. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1979, v.V, p.25. HUNGRIA, Nelson. FRAGOSO, Heleno, Comentários ao Código Penal, 5. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, v.V , p.26 e 27. 4 1.3. Objeto Jurídico Objeto jurídico do crime é o bem jurídico, isto é, o interesse protegido pela norma penal. A disposição dos títulos e capítulos da Parte Especial do Código Penal obedece a um critério que leva em consideração o objeto jurídico do crime, colocando-se em primeiro lugar os bens mais importantes: vida, integridade corporal, honra, patrimônio etc. Desse modo, a Parte Espacial do Código Penal é inaugurada com o delito de homicídio, que tem por objeto jurídico a vida humana extra-uterina. O ataque à vida intrauterina é incriminado pelos tipos de aborto (arts.124 a 126). Discute-se acerca do conceito de vida. É conhecido o aforismo de Galeno “viver é respirar” e por extensão o de Casper “viver é respirar; não ter respirado é não ter vivido”3. 1.4. Objeto Material Genericamente, objeto material de um crime é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta. É o objeto da ação. Não se deve confundilo com o objeto jurídico, que é o interesse protegido pela lei penal. Assim, o objeto material do homicídio é a pessoa sobre quem recai a ação ou omissão. O objeto jurídico é o direito à vida. 1.5. Sujeito Ativo “Sujeito ativo da conduta típica é o ser humano que pratica a figura típica descrita na lei, isolada ou conjuntamente com outros autores”.4 Assim sendo, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, não requerendo nenhuma condição particular. Ressalva-se que dever ser excluídos de tal conceituação aqueles que atentam contra a própria vida, eis que se trata de suicídio, o qual é considerado atípico. 3 NORONHA, E. Magalhães, Direito Penal; dos crimes contra a pessoa – dos crimes contra o patrimônio, 26 ed., São Paulo, Saraiva, 1994, v.2, p.14. 4 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2 Saraiva, 2007, p.10. 5 O conceito abrange não só aquele que pratica o núcleo da figura típica (quem mata), como também o partícipe, que é aquele que, sem praticar o verbo (núcleo) do tipo, concorre de algum modo para a produção do resultado; por exemplo: o agente que vigia o local para que os seus comparsas tranqüilamente pratiquem o homicídio, nesse caso sem realizar a conduta principal, ou seja, o verbo (núcleo) da figura típica – matar -, colaborou para que os seus comparsas lograssem do resultado morte. Trata-se de crime comum, que poder ser cometido por qualquer pessoa. A lei não exige nenhum requisito especial. Não se trata de crime próprio, que exige legitimidade ativa especial; nem mesmo reclama pluralidade de agentes (não é crime plurissubjetivo). Porém, com a inovação da legislativa trazida pela Lei n° 8.930/94, que alterou a redação do art.1° da Lei n° 8.072/90, o homicídio será considerado crime hediondo quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que executado por um só agente. Se for cometido por intermédio de conduta omissiva, deve o sujeito ativo ter condições pessoais que o fazem juridicamente obrigado a impedir o resultado, nos termos do art. 13, §2°, do Código Penal. 1.6. Sujeito Passivo “É o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado. Pode ser direto ou imediato, quando for a pessoa que sofre diretamente a agressão (sujeito passivo material), ou indireto ou mediato, pois o Estado (sujeito passivo formal) é sempre atingido em seus interesses, qualquer que seja a infração praticada, visto que a ordem pública e a paz social são violadas”5. Portanto o sujeito passivo do crime de homicídio é qualquer ser vivo, nascido da mulher. 1.7. Momento Consumativo e Perícias Médico- Legais Realizadas para Constatação da “Causa Mortis” 1.7.1. Crime consumado 5 CAPEZ Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.10. 6 É aquele em que foram realizados todos os elementos constantes de sua definição legal (CP, art.14, I). A consumação do delito nada mais é que a última fase das várias pelas quais passa o crime (é o chamado iter criminis). No caso dos crimes materiais, como o homicídio, a consumação se dá com a produção do resultado naturalístico morte. Trata-se de crime instantâneo de efeitos permanentes. É instantâneo porque a consumação se opera em um dado momento, e de efeitos permanentes na medida em que, uma vez consumado, não há como fazer desaparecer os seus efeitos. A morte é decorrente da cessação do funcionamento cerebral, circulatório e respiratório. Distinguem-se a morte clínicaque ocorre com a paralisação da função cardíaca e da respiratória-, a morte biológica- que ocorre com a paralisação das funções cerebrais. A morte cerebral “na parada das funções neurológicas segundo os critérios da inconsciência profunda sem reação a estímulo dolorosos, ausência de respiração espontânea, pupilas rígidas, pronunciada hipotermia espontânea (temperatura excessivamente baixa), e abolição de reflexos”6. O critério legal proposto pela medicina é a chamada morte encefálica, em razão da Lei nº 9.434/97, que regula a retirada e transplante de tecidos,órgãos e partes do corpo humano, com o fins terapêuticos e científicos. 1.7.2 Perícias médicos-legais As perícias médicas-legais no crime de homicídio são utilizadas para saber a causa da morte do indivíduo. Fernando Capez diz que: 6 Cf. Dicionário Médico Blakiston, São Paulo, Organização Andrei Editora Ltda., apud Francisco de Assis Rego Monteiro Rocha, Rio de Janeiro, Forense, 1999, p.348. 7 exame necroscópico, trata-se de exame de corpo de delito direto, realizado nas infrações penais que deixam vestígios. É o meio pelo qual os peritos-médicos constam a realidade da morte e buscam a sua causa (o CPP, em seu art.162, utiliza o termo “autópsia”), cujas conclusões ficarão consubstanciadas no chamado laudo de exame necroscópico. O art. 162 do Código de Processo Penal fixa o prazo de seis horas do óbito para possibilitar a realização desse exame7. Enfim a perícia serve também como meio de prova feita pela atuação de técnico, promovida pela autoridade policial ou judiciária, com a finalidade de esclarecer à justiça sobre a natureza do crime. Ocorre também em casos especiais a exumação. Exumar significa desenterrar, no caso, o cadáver. O exame cadavérico é realizado, após a morte da vítima e antes de seu enterramento. Contudo, pode suceder que, uma vez sepultada a vítima, haja dúvida acerca da causa de sua morte ou sobre a sua identidade. Nesses casos procede-se a exumação8. Melhor dizendo, em determinadas eventualidades, quando o sepultamento se realizou sem prévia necropsia, ou quando esta foi levada a cabo mas surgiram dúvidas posteriores, que reclamaram tal medida, mister se faz proceder à exumação e à necropsia, ou à revisão duma necropsia anterior feita. É requisito para a sua realização que a morte tenha resultado de uma ação criminosa ou que haja indícios dessa circunstancia. A exumação tem o seu disciplinamento previsto nos arts. 163 e seguintes do Código de Processo Penal. O diploma processual não faz qualquer menção a autorização, o ato de exumar pode implicar a configuração dos delitos previstos nos arts. 210 e 212 do CP (violação de sepultura e vilipêndio de cadáver). 7 8 CAPEZ Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva, São Paulo, p.17. CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva, São Paulo,p.17. 8 1.8. Tentativa Para que se configure a tentativa, exige-se o Código Penal, o início da execução, distinguindo-se atos de execução dos atos preparatórios. O Código Penal em seu artigo 14 inciso II traz a hipótese de crime tentado. Reza o artigo: “diz-se o crime tentado, quando iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”. Tratando-se de crime material, o homicídio admite tentativa, que ocorrerá quando, iniciada a execução do homicídio, este não se consumar por circunstancias alheias à vontade do agente. Para a tentativa, é necessário que o crime saia de sua preparatória e comece a ser executado, pois somente quando se inicia a execução é que haverá início de fato típico. O crime percorre quatro etapas (iter criminis) até realizar-se integralmente: a) cogitação- nessa fase o agente apenas mentaliza, idealiza, planeja, representa mentalmente a prática do crime; b) preparação- são os atos anteriores necessários ao início da execução, mas que ainda não configuram início de ataque ao bem jurídico, já que o agente ainda não começou a realizar o verbo constante da definição legal (núcleo do tipo); c) execução- aqui o bem jurídico começa a ser atacado. Nessa fase o agente inicia a realização do verbo do tipo e o crime já se torna punível, ao contrario das fases anteriores; d) consumação- todos os elementos que se encontram descritos no tipo penal foram realizados”9. Como se pode verificar o crime possui o inter criminis, composto pela cogitação, preparação, execução e consumação, das quais apenas revela importância para o estudo da tentativa, a execução e a consumação, quando a lei não define como criminoso os atos preparatórios. Há quatro espécies de tentativa: Tentativa imperfeita (ou propriamente dita): trata-se da hipótese em que o processo executivo foi interrompido ao meio, sem que o 9 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.18. 9 agente pudesse esgotar suas potencialidades de hostilização, como, por exemplo: após desferir um tiro no braço da vítima o agente é surpreendido por terceiro, que retira a arma de suas mãos impedindo-o deflagrar o restante das balas contra aquela e, portanto, de realizar o intento homicida. Tentativa perfeita ou acabada (também denominada crime falho): assim será considerada quando o agente esgotar o processo de execução do crime, fazendo tudo o que podia para matar,exaurindo a sua capacidade de vulneração da vítima, que, não obstante, é salva; por exemplo: embora o agente deflagre todas as balas do revólver contra a vítima, esta sobrevive. A dosagem da diminuição da pena pela tentativa levará em consideração a distância que, a final, separou o agente da consumação pretendida. Tentativa branca (ou incruenta): é aquela que não resulta qualquer ferimento na vitima. Ocorre na hipótese em que o agente, por ausência de conhecimento no manuseio da arma, por exemplo, desfere vários tiros contra a vítima, mas por erro de pontaria atinge a parede da casa. É a chamada tentativa branca de homicídio. Tentativa cruenta: quando a vítima sofre ferimentos”10. 1.9. Modalidades de Homicídios O Código Penal distingue várias modalidades de homicídio: homicídio simples (art.121, caput), homicídio privilegiado (§1°), homicídio qualificado (§2°) e homicídio culposo (§3°). Homicídio simples doloso (caput): Constitui o tipo básico fundamental, é o que contém os componentes essenciais do crime. Homicídio privilegiado (§1°): Tendo em conta circunstancias de caráter subjetivo, o legislador cuidou de dar tratamento diverso ao homicídio cujos motivos determinantes conduziriam a uma menor reprovação moral do 10 CAPEZ Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.18. 10 agente. Para tanto, inseriu essa causa de diminuição de pena, que possui fator de redução estabelecido em quantidade variável (1/6 a 1/3). Homicídio qualificado (§2°): Em face de certas circunstâncias agravantes que demonstram maior grau de criminalidade da conduta do agente, o legislador criou o tipo qualificado, que nada mais é que um tipo derivado do homicídio simples, como novos limites, mínimo e máximo, de pena (reclusão, de 12 a 30 anos). Homicídio culposo (§3°): Constitui a modalidade culposa do delito de homicídio. Diz-se o crime culposo quando o agente deu causa ao resultado pr imprudência, negligência e imperícia (CP, art. 18, II). Causa de aumento de pena (§4°): O §4° contém causas de aumento de pena aplicáveis respectivamente às modalidades culposa e dolosa do delito de homicídio. 1.9.1. Homicídio simples É a figura prevista no caput do art.121 do CP. Conforme já dissemos acima, o homicídio simples constitui o tipo básico fundamental. Ele contém os componentes essenciais do crime. 1.9.2. Homicídio Privilegiado Natureza jurídica: O homicídio privilegiado está previsto no art.121,§1° do CP e dá direito a um a redução de pena variável entre um sexto e um terço. Trata-se de verdadeira causa especial de diminuição de pena, que incide na terceira fase da sua aplicação (cf. art. 68, caput, do CP). Na realidade, o homicídio privilegiado não deixa de ser o homicídio previsto no tipo básico (caput); todavia, em virtude da presença de certas circunstâncias subjetivas que 11 conduzem a menor reprovação social da conduta homicida, o legislador prevê uma causa especial de atenuação da pena. Hipótese de homicídio privilegiado: a) motivo de relevante valor moral; b) motivo de relevante valor social; e c) domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. Motivos determinantes do crime: Ensina Hungria que: constituem, no direito penal moderno, a pedra de toque do crime. Não há crimes gratuitos ou sem motivo e é no motivo que reside a significação mesma do crime. O motivo é o ‘adjetivo’do elemento moral do crime. É através do ‘porquê’do crime, principalmente que se pode rastrear a personalidade do criminoso, e identificar a sua maior ou menor anti-sociabilidade. Para regular e individualizar a medida da pena, não basta averiguar o valor psicológico do réu, a maior ou menor intensidade do dolo ou quantidade do dano ou perigo de dano; é imprescindível ter-se em conta a qualidade dos motivos impelentes11. Conclui-se, portanto, que todo e qualquer crime tem um móvel propulsor que pode ser socialmente adequado ou não. O legislador considerando que certas motivações que impelem o agente à prática criminosa estão de acordo com a moral média da sociedade, elevou à categoria de homicídio privilegiado os crimes cometidos por motivo de relevante valor moral ou relevante valor social. Diante da menor reprovação social da conduta, o legislador bem cuidou de minorar a pena sempre que presentes tais motivações. 1.9.2.1 Motivo de relevante valor social ou moral Motivo de relevante valor social, como o próprio nome já diz, é aquele que corresponde ao interesse coletivo12. Nesta hipótese, o agente é 11 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.33, apud., HUNGRIA, Nelson, Comentários, cit., v.V, p.122-4. 12 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.33, apud., HUNGRIA, Nelson, cit., v.V, p.125. 12 impulsionado pela satisfação de um anseio social. Por exemplo, o agente, por amor à pátria, elimina um traidor. Naquele dado momento, a sociedade almejava a captura deste e a sua eliminação. O agente nada mais fez do que satisfazer a vontade da sociedade, por isso a sua conduta na esfera penal merece uma atenuação da pena. Motivo de relevante valor moral é aquele nobre, aprovado pela moralidade média13. É o caso da eutanásia, em que o agente, por compaixão ante o irremediável sofrimento da vítima, antecipa a sua morte. O motivo, porém, há necessariamente de ser relevante. O valor social ou moral do motivo há que ser analisado segundo critérios objetivos, ou seja, tendo em vista sempre o senso comum e não segundo critérios pessoais do agente. Segundo Damásio E. de Jesus, “se o sujeito, levado a erro por circunstância de fato supõe a existência do motivo (que, na verdade, inexiste), aplica-se a teoria do erro de tipo (CP, art. 20), não se afastando a redução da pena14” Observe-se que os motivos de relevante valor moral ou social configuram circunstâncias legais especiais dos delitos homicídio e lesão corporal, contudo tais motivos também constituem circunstância atenuante prevista no art. 65, III, a do Código Penal. Em se tratando dos delitos acima mencionados, tais motivos funcionarão somente como circunstância especial de redução de pena. 1.9.2.1.1 Domínio de violenta emoçao, logo em seguida a injusta provocação da vítima Trata-se de outra modalidade de homicídio privilegiado. Emoção, segundo Nélson Hungria, é um estado de ânimo ou de consciência caracterizado por uma viva excitação do sentimento. É uma forte e transitória 13 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.33, apud., HUNGRIA, Nélson, cit., v.V, p. 126. 14 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.34, apud., JESUS, Damásio. E. de, Direito Penal; parte especial, São Paulo, v,2,Saraiva, 1995, p.55. 13 perturbação da efetividade, a que estão ligadas certas variações somáticas ou modificações particulares da função da vida orgânica (pulsar precípete do coração, alterações térmicas, aumento da irrigação cerebral, aceleração do rítimo respiratório, alterações vasomotoras, intensa palidez ou intenso rubor, tremores, fenômenos musculares, alterações das secreções, suor, lágrimas etc.)”15. A emoção nada mais é do que um sentimento passageiro, onde o agente sofre determinadas variações em seu corpo devido a determinadas circunstâncias. É um estado súbito e passageiro de instabilidade psíquica. Difere a emoção da paixão, pois enquanto a primeira se resume a uma transitória perturbação da efetividade, a paixão é a emoção em estado crônico, ou seja, é o estado contínuo de perturbação afetiva em torno de uma idéia fixa, de um pensamento obsidente. A emoção se dá e passa; a paixão permanece, incubando-se. A ira momentânea configura emoção. O ódio recalcado, o ciúme deformado em possessão doentia e a inveja em estado crônico retratam a paixão. A emoção é o vulcão que entra em erupção; a paixão o sulco que vai sendo, paulatinamente, cavado na terra, por força da água pluvial. A primeira é abrupta, súbita, repentina e fugaz. A paixão é lenta, duradoura, vai se arraigando progressivamente na alma humana, de modo a ficar impregnada permanentemente. Segundo o art. 28, I, do Código Penal: “Não excluem a imputabilidade penal a emoção ou paixão”. Não obstante isso, a emoção pode funcionar como causa especial da diminuição de pena no homicídio doloso ou como atenuante genérica. A paixão não produz nenhum efeito, sendo irrelevante. Em seu estágio doentio, pode excluir a imputabilidade, se convolar-se em doença mental16. Funcionará a emoção como circunstancia privilegiadora no homicídio doloso sempre que presentes os seguintes requisitos: O primeiro é a emoção violenta, refere-se à intensidade da emoção. É aquele que se apresenta forte, provocando um verdadeiro choque emocional. Somente se violenta autoriza o privilégio, de forma que, se o agente, 15 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.35, apud., HUNGRIA, Nélson, Comentários, cit, v.V, p.132. 16 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.35. 14 diante de uma injusta provocação, reage “a sangue friu”, não terá direito à minorante. Para Nélson Hungria: no texto do §1° do art.121, onde está escrito ‘emoção’, pode ler-se ‘cólera’ou ‘ira’, pois esta é a emoção especifica que em nós se produz quando sofremos ou assistimos a uma injustiça. Emoção estênica ou reacionária, por excelência, a ira, se não é contida a tempo, pode conduzir aos maiores desatinos. Os antigos chamavam-na furor brevis17. O segundo requisito é a provocação injusta do ofendido, segundo Júlio Fabbrini Mirabete: “por mais grave que seja a provocação e que dela haja resultado violenta emoção, somente ocorrerá a causa minorante se for aquela injusta, ou seja, antijurídica ou sem motivo razoável”18 . Trata-se de conceito relativo, cujo significado pode variar de pessoa a pessoa, segundo critérios culturais de cada um. Deve-se procurar um padrão objetivo de avaliação, fixado de acordo com o senso comum, embora, acessoriamente, possa ser também levada em conta “a qualidade ou condições das pessoas dos contendores, seu nível de educação, seus legítimos melindres. Uma palavra que pode ofender a um homem de bem já não terá o mesmo efeito quando dirigida a um desclassificado. Por outro lado, não justifica o estado de ira a hiperestesia sentimental dos alfemis e minosos. Faltará a objetividade da provocação, se esta não é suscetível de provocar a indignação de uma pessoa normal e de boa-fé19. Somente a emoçao derivada de uma injustiça justifica a reação do agente, não se podendo considerar privilegiado o homicídio cometido por marido contra a esposa por esta se recusar à reconciliação, ainda que sem razão a vítima na separação do casal. É também possível reconhecer a provocação injusta em um fato culposo. Observa-se, ainda, que, se diante da provocação injusta houver necessidade de o agente utilizar-se de defesa, 17 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.36, apud., HUNGRIA, Nélson, Comentários, cit., p.150. 18 MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal, Parte Especial, 10. ed. v.2, Atlas, 1996. p.68. 19 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.37, apud., JESUS, Damásio. E. de, Código Penal Anotado, cit., p.389. 15 poderemos estar diante de uma hipótese de excludente de antijuridicidade, consistente na legítima defesa, não respondendo o agente por crime algum. Conforme Damásio E. de Jesus: É necessário que a vítima somente tenha provocado o sujeito ativo. Se a provocação tomar ares de agressão, estaremos em face de legítima defesa, que exclui a antijuridicidade do fato do homicídio, pelo que o sujeito não responde pelo crime.20 A ausência de provocação do ofendido descaracteriza o privilégio. Assim, a ira que se desencadeia ante a simples visão do desafeto não constitui causa de diminuição de pena. A injustiça não necessariamente precisa ser dirigida contra aquele que reage,podendo ser dirigida contra terceira pessoa ou animais. Na hipótese de aberratio ictus (desvio ou erro no golpe), que é uma das modalidades de erro de tipo acidental, se o agente atura no provocador vindo a atingir um terceiro (cf. CP, art.73), por erro na pontaria, o privilégio não desaparecerá pois o crime contra a vítima virtual ou pretendida transporta-se para o crime efetivamente cometido. A provocação também pode ser putativa (putativa origina-se do latim putare, que significa errar, ou putativum; putativo é, portanto, sinônimo de imaginário). Consiste na provocação erroneamente imaginada pelo agente. Ela não existe na realidade, mas o agente pensa sim, porque está errado. Só existe, portanto, na mente, na imaginação do sujeito. Aplicam-se aqui os princípios relativos à legítima defesa putativa por erro de tipo ou de proibição. Se o erro for de apreciação dos fatos (o sujeito vê uma realidade, mas enxerga outra), aplica-se a regra do erro de tipo, excluindo-se o dolo e, se inevitável, também a culpa. Poe exemplo: o sujeito ouve uma ofensa à mãe de um árbitro de futebol e confunde a vítima com a sua genitora. Em contrapartida, quando o agente tiver perfeita noção de tudo o que está ocorrendo, mas imaginar-se autorizado a reagir, por uma equivocada apreciação dos limites da norma, o caso será de erro de proibição. Assim, por exemplo, quando o proprietário acompanha a execução de uma ordem legal de despejo, e o inquilino despejado, julgando-se injustamente provocado, reage com violência. Trata-se de típico caso de erro de proibição. 20 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, Parte Especial, 25.ed. v.2, Saraiva, 2007, p.64. 16 O terceiro requisito é a reação imediata, o texto legal exige que o impulso emocional e o ato dele resultante sigam-se imediatamente à provocação da vítima, ou seja, tem de haver a imediatidade entre a provocação injusta e a conduta do sujeito. Importante esclarecer o que significa a expressão “logo em seguida”, prevista na lei, uma vez que a existência de grande lapso temporal entre a provocação e o crime poderá afastar a incidência do privilégio, tendo em conta que a perturbação emocional decorrente da injusta provocação com o passar do tempo tende a cessar. Desse modo, não incidirá o privilégio na hipótese de o fato criminoso ser produto de cólera que se recalca, transformada em ódio, para uma vingança bem posterior; por isso que a premeditação é incompatível com o privilégio, pois não há o impulso emocional e a reação imediata. Da mesma forma, ficará afastado o privilégio se a reação ocorreu dias ou horas após a provocação injusta. Contudo há decisão jurisprudencial no sentido de que a lei exige não a atualidade da reação, mas uma seqüência compatível com o estado emocional. Assim, o pequeno tempo decorrido entre a provocação injusta da vitima e a agressão por parte do réu, despendido por este para amar-se e voltar ao local do crime, não afasta a violenta emoção que o dominará. Finalmente, avente-se a hipótese em que o indivíduo somente venha a tomar conhecimento da injusta provocação momentos antes do homicídio. Nessa hipótese, apesar de transcorrido grande lapso temporal entra a provocação e a reação, estará caracterizado a circunstancia privilegiadora, pois só se pode exigir a reação do agente no momento em que tiver ciência da provocação. Por fim temos o domínio pela emoção, para a incidência do privilegio exige-se a lei que o agente esteja sob o domínio de violenta emoção. Distingue-se da atenuante genérica “influência de violenta emoção” prevista no art. 65, III, c, in fine. Nesta última, o agente não se encontra dominado pela emoção, mas apenas sob a sua influência, o que é um minus em relação ao requisito da circunstancia privilegiadora. Para a incidência dessa atenuante tampouco há necessidade de se verificar o requisito temporal “logo em seguida” a 17 injusta provocação da vítima. Assim, haverá hipóteses em que a circunstancia privilegiadora poderá ser afastada pela ausência de imediatidade entre a provocação e a reação, bem como pelo fato de o agente não estar sob o domínio de violenta emoção, quando então poderá incidir a circunstancia atenuante, cujos requisitos são mais brandos. 1.10.2 Homicídio qualificado Natureza jurídica: o homicídio qualificado está previsto no art.121, §2°, do Código Penal. Trata-se de causa especial de majoração da pena. Certas circunstâncias agravantes previstas no art.61 do Código Penal vieram incorporadas para constituir elementares do homicídio, nas suas formas qualificadas, para efeito de majoração da pena. Dizem respeito aos motivos determinantes do crime e aos meios e modo de execução, reveladores de maior periculosidade ou extraordinário grau de perversidade do agente, conforme a Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal. O meio é o instrumento de que o agente se serve para perpetrar o homicídio (p. ex., veneno, explosivo, fogo), enquanto o modo é a forma de conduta do agente (p. ex., agir à traição). Quanto aos motivos determinantes do crime, é importante ressaltar que sempre estão presentes no cometimento do delito, pois são eles que impulsionam o agente à prática delitiva. Tais modificações, contudo, assumem um especial relevo no delito de homicídio, configurando ora o privilégio, ora a qualificadora, conforme sejam referidas motivações sociais ou anti-sociais. Na primeira hipótese, elas constituem o privilégio no delito de homicídio (motivo de relevante valor moral ou social, ou sob o domínio de violenta emoção em seguida à injusta provocação da vítima), pois denotam menor lesividade social do agente, cuja conseqüência é a atenuação da pena. Na segunda hipótese, as motivações denotam o alto grau de lesividade social do agente, constituindo qualificadoras, cuja conseqüência é o agravamento da pena. 18 Crime hediondo: “Tentado ou consumado, o homicídio doloso qualificado é crime hediondo, nos termos do art.1°, I, com a redação determinada pela Lei n° 8.930/94.”21 1.10.2.1 Hipóteses previstas no art.121, §2°, I a V, do Código Penal 1.10.2.2 Inciso I- Mediante paga ou promessa de recompensa, ou outro motivo torpe Trata-se de qualificadora subjetiva, pois diz respeito aos motivos que levaram o agente à prática do crime. Segundo Julio Fabbrini Mirabete, “torpe é o motivo moralmente reprovável, abjeto, desprezível, vil, que demonstra a depravação espiritual do sujeito e suscita aversão ou repugnância geral”22. Quando cometido mediante paga ou promessa de recompensa, o homicídio será chamado de mercenário. Na paga, o recebimento do dinheiro antecede a prática do homicídio, o que não se dá na promessa de recompensa, na qual basta um compromisso futuro de pagamento. Tratando-se de circunstancia de caráter pessoal, não se comunica ao partícipe, nos termos expressos do art.30. Exemplo: pai desesperado, que deseja eliminar perigoso marginal que estuprou a sua filha, contrata pistoleiro profissional, o qual comete o homicídio sem saber dos motivos de seu contratante, apenas pela promessa de paga. Evidentemente, não poderão responder pelo mesmo crime, pois seus motivos são diversos e incomunicáveis. O pai responderá por homicídio privilegiado (partícipe), e o executor, por crime qualificado (autor). Essa posição não é pacífica”23. 21 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.44. MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal, Parte Especial, 10. ed. v.2, Atlas, 1995, p.70. 23 CAPEZ Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.44. 22 19 Pode-se cogitar de qualquer outra espécie de paga ou promessa de recompensa que não seja em pecúnia, desde que tenha valor econômico. Desse entendimento compartilham Nélson Hungria e E. Magalhães Noronha24. Para Damásio E. de Jesus, “no entanto, não é preciso que a paga ou recompensa sejam em dinheiro, podendo ser promessa de casamento, emprego”25. No tocante “outro motivo torpe”, conforme já visto, são assim considerados aqueles que causam repulsa geral. Observe-se que o motivo torpe não se confunde com o motivo fútil, que é a causa insignificante,desproporcional para a prática da conduta delituosa. 1.10.2.3 Inciso II- Motivo Fútil Também se trata de qualificadora subjetiva, pois diz respeito aos motivos. “Fútil é o motivo sem importância, frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reação homicida”.26 O motivo é considerado fútil quando notadamente desproporcionado ou inadequado, do ponto de vista do homo medius e em relação ao crime de que se trata. Não obstante esse posicionamento, há decisão judicial no sentido de que a motivação deve ser aferida segundo o ponto de vista do réu, por tratar-se de elemento subjetivo. 1.10.2.4 Inciso III- Emprego de veneno, fogo, explosivos, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum Trata-se de qualificadora objetiva, pois diz respeito aos modos de execução do crime de homicídio, os quais demonstram certa 24 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.44, apud., HUNGRIA, Nélson, Comentários, cit., v.V, p.164, e NORONHA, E. Magalhães, Direito Penal, cit.,v.2, p.248. 25 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.44, apud., JESUS, Damásio E. de, Código Penal Anotado, cit., p.392. 26 MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal, Parte Especial, 10. ed. v.2, Atlas, 1995, p.70. 20 perversidade. Novamente aqui temos uma fórmula genérica (ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum) logo após um casuísmo (emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura). Os meios que qualificam o crime devem ter a mesma natureza do conteúdo da parte exemplificativa. Veneno é o primeiro meio insidioso a que a lei se refere. Venefício é o homicídio praticado com o emprego de veneno. Não há uma conceituação exata do que seja substâncias venenosas, na medida em que certas substâncias, embora não consideradas veneno, tendo em vista a sua inocuidade, são capazes de matar em virtude de certas condições da vítima. Incluem-se, segundo Hungria, como veneno “as substâncias inócuas que podem, por circunstâncias especiais, causar a morte da vítima : o açúcar ao diabético”27. O açúcar é uma substância inócua para qualquer pessoa que não seja diabética; contudo, para as portadoras dessa doença ele se torna um veneno letal. Nesse caso, se não se puder enquadrar a qualificadora do emprego de veneno, poderá sê-lo a do emprego de “outro meio insidioso”. Cumpre, assim, conceituar o termo “veneno” como qualquer substância que, introduzida no organismo, seja capaz de colocar em perigo a vida ou saúde humana através de ação química, bioquímica ou mecânica. O veneno pode ser ministrado à vítima de diversas formas, desde que de maneira insidiosa ou dissimulada, já que o que exaspera a sanção aqui é a incidência da vitima. Exemplos: “colocar raticida no prato de sopa da vítima; trocar o medicamento da vítima por substância venenosa; inocular, través de injeção, veneno na vítima em vez de remédio”28. Observa-se que se houver utilização de violência, para o ministramento da substância, que importe em grave sofrimento à vítima, poderá caracterizar-se a qualificadora do meio cruel e não do envenenamento. Frise-se: esta qualificadora não incidirá quando vítima tiver ciência do emprego do veneno ou quando ele for ministrado por meio de violência. Finalmente, somente mediante perícia médica e possível constatar a qualificadora do envenenamento. 27 MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal, Parte Especial, 10. ed. v.2, Atlas, 1996, p.71. 28 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.47. 21 Fogo ou explosivo trata-se de meio cruel para a prática do homicídio. Conforme as circunstâncias, o fogo poderá caracterizar o meio cruel ou que resulte perigo comum. Trata-se aqui apenas de meio cruel, pois não se resulta qualquer perigo comum. Menciona o inciso o emprego de explosivo. Segundo Hungria “é qualquer corpo capaz de se transformar rapidamente e, gás à temperatura elevada´29 . O meio utilizado é a dinamite ou substância de efeitos análogos. É também meio que resulta em perigo comum. Asfixia consiste na supressão da função respiratória através de estrangulamento, enforcamento, esganadura, afogamento, soterramento ou sufocação da vítima, causando a falta de oxigênio no sangue (anorexia). Tais são as hipótese de asfixia mecânica. A asfixia pode também ser tóxica, que é aquele produzida por gases asfixiantes, como, por exemplo, o gás carbônico, ou produzida por confinamento, que consiste na colocação da vítima em local fechado, sem que haja qualquer renovação do oxigênio. A asfixia, a partir da Lei n° 7.209/84, que alterou o Código Penal, deixou de ser prevista como circunstância agravante, permanecendo tão-somente como circunstância qualificadora do homicídio. Tortura é o suplício, ou tormento, que faz a vítima sofrer desnecessariamente antes da morte. É o meio cruel por excelência. O agente, na execução do delito, utiliza-se de requintes de crueldade como forma de exacerbar o sofrimento da vítima, de fazê-la sentir mais intensa e demoradamente as dores. A tortura geralmente é física, por exemplo: mutilar a vítima (decepar os dedos, as mãos, as orelhas), vazar-lhe os olhos antes de matá-la, queimá-la aos poucos utilizando-se de ferro em brasa; mas também pode ser moral, desde que 29 MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal, Parte Especial, 10. ed. v.2, Atlas, p.72. 22 exacerbe o sofrimento da vítima; por exemplo, eliminar pessoa cardíaca provocando-lhe sucessivos traumas morais. Meio insidioso é aquele dissimulado na sua eficiência maléfica. Está presente no homicídio cometido por meio de estratagema, perfídia. O agente se utiliza de mecanismo para a prática do crime sem que a vítima tenha qualquer conhecimento. O meio, aliás, frise-se, somente será insidioso quando a vítima não tiver qualquer conhecimento de seu emprego. É o que ocorre geralmente nos crimes cometidos, por exemplo, mediante armadilha, sabotagem de freio de veículos e envenenamento, que, conforme visto, é o meio insidioso por excelência. Meio cruel é o que causa sofrimento desnecessário à vítima ou revela uma brutalidade incomum, em contraste como o mais elementar sentimento de piedade humana. “O meio cruel, de que é o tipo a tortura, é o preferido pelo sádico que se compraz mais com o sofrimento do que com a morte da vitima”30. “São meios cruéis: o pisoteamento da vítima, o desferimento de pontapés, golpes de palmatória ou, conforme exemplo de Nélson Hungria, o impedimento de sono, a privação de alimento ou água, o esfolamento”31. Os tribunais têm decidido que a qualificadora do meio cruel somente pode ser admitida na hipótese em que o agente age por puro sadismo, com o nítido de prolongar o sofrimento da vítima. Meio de que possa resultar perigo comum trata-se, conforme visto, de fórmula genérica, sendo certo que os meios mencionados genericamente devem seguir a mesma linha do que consta na parte exemplificativa. Meio de que possa resultar perigo comum é aquele que pode expor a perigo um número indeterminado de pessoas, fazendo periclitar a incolumidade social. 30 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.53, apud., NORONHA, E. Magalhães, Direito Penal, cit., v.2, p.24. 31 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.53, apud., HUNGRIA, Nélson, Comentários, cit., v.V, p.167. 23 Se, no caso concreto, o agente, além de matar a vítima, expõe um número indeterminado de pessoas a perigo comum (explosão, incêndio, desabamento, epidemia, os desastres de meios de transporte coletivo), entende-se que poderá o agente responder em concurso formal pelos crime de perigo comum e de homicídio qualificado32. É importante fazer a distinção entre homicídio qualificado, cujo meio para a sua prática é um crime de perigo comum, e o delito de crime de perigo comum qualificado pelo evento morte. (CP, art. 258). A diferença reside no elemento subjetivo. Com efeito, no homicídio qualificado o agente quer ou assume o risco do resultado danoso, qual seja, a morte da vítima, de modo que o meio empregado para alcançar esse resultado é um crime de perigo comum. No entanto, se o dolo não era homicida, mas o de praticar o crime de perigo, e houve morte decorrente, haverá “qualificação” do delito perigoso (pelo resultado morte preterdolosa). 1.10.2.5 Inciso IV- Traição, emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido Cuida-se de qualificadora objetiva, pois diz respeito ao modo de execução do crime. Neste inciso temos recursos obstativos à defesa do sujeito passivo, que comprometem total ou parcialmente o seu potencial defensivo. Tais recursos devem revestir-se de características insidiosas. Traição: Nélson Hungria define o homicídio à traição como aquele “cometido mediante ataque súbito e sorrateiro, atingida a vítima, descuidada ou confiante, antes de perceber o gesto criminoso”33. Há segundo a doutrina, duas espécies de traição: a) a traição material ou física, que é aquela informada pelo ataque brusco, de inopino, 32 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.54, apud., HUNGRIA, Nélson, Comentários, cit., v.V, p.167 e 168; JESUS, Damásio E, de., Código Penal Anotado, cit., p.121. 33 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.55, apud., HUNGRIA, Nélson, Comentários, cit., v.V, p.168. 24 sem discussão, colhendo a vítima muitas vezes pelas costas; b) a traição moral, em que existe quebra de confiança entre os sujeitos, como no caso do agente que atrai a vítima a local onde existe um poço34. Entende-se que a traição só pode configurar-se quando há quebra de fidelidade e lealdade entre a vítima e o agente, constituindo qualificadora de natureza subjetiva. Assim, não basta tão-somente o ataque brusco e inesperado, sendo necessário a existência de anterior vínculo subjetivo entre o agente e a vítima. Emboscada é a tocaia. O sujeito ativo aguarda ocultamente a passagem ou chegada da vitima, que se encontra desprevenida, para o fim de atacá-la. É inerente a esse recurso a premeditação. Dissimulação na concepção de E. Magalhães Noronha, “é a ocultação do próprio desígnio, o disfarce que esconde o propósito delituoso: a fraude precede, então, à violência”35 ou, segundo Nélson Hungria, “é a ocultação da intenção hostil, para acometer a vítima de surpresa. O criminoso age com falsas mostras de amizade, ou de tal modo que a vítima, iludida, não tem motivo para desconfiar do ataque e é apanhada desatenta e indefesa”36. A qualificadora pode ser material, quando há emprego de aparato ou disfarce para a prática do crime; por exemplo, o agente se disfarça de encanador e logra adentrar na residência da vítima para eliminá-la; pode também ser moral, quando o agente ilude a vítima, dando-lhe mostras falsas de amizade, de modo que consiga obter a sua confiança, propiciando com isso maior facilidade para a concretização de sua intenção homicida. Qualquer outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido trata-se de fórmula genérica do dispositivo, a qual só compreende hipóteses assemelhadas aos casos anteriormente arrolados pelo inciso IV (traição, emboscada ou dissimulação). A surpresa cabe na fórmula 34 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial ,v.2, Saraiva 2007 p.56, apud., JESUS, Damásio E. de, Código Penal Anotado, cit., p.395. 35 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.57, apud., NORONHA, E.Magalhães, Direito Penal, cit., v.2, p.24. 36 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.57, apud., HUNGRIA, Nélson, Comentários, cit., v.V, P.169. 25 genérica em estudo. Para tanto é necessário que a conduta criminosa seja igualmente inesperada. 1.10.2.6 Inciso V-Assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime Constituem qualificadora subjetivas, na medida em que dizem respeito aos motivos determinantes do crime. Tara-se de motivações torpes. Torpe é o motivo moralmente reprovável, abeto, desprezível, vil, que demonstra a depravação espiritual do sujeito e suscita aversão ou repugnância geral. Em tese, essas qualificadoras deveriam ser enquadradas no inciso relativo ao motivo torpe, contudo preferiu o legislador enquadrá-la como conexão teleológica ou conseqüêncial. Conexão é o liame objetivo ou subjetivo que liga dois ou mais crime. Entende Fernando Capez que pode ser: “Conexão teleológica: ocorre quando o homicídio é cometido a fim de assegurar a execução de outro crime, por exemplo, matar o marido para estuprar a mulher. O que agrava a pena, na realidade, é o especial fim de assegurar a prática de outro crime. Não é necessária a concretização do fim visado pelo agente. Desse modo, a desistência da prática do outro crime, no caso o estupro, não impede a qualificação do crime de homicídio. Se, contudo, por exemplo, o agente pratica o homicídio e o estupro, responderá por ambos os delitos em concurso material. conexão conseqüêncial: dá-se quando o homicídio é praticado com a finalidade de 1) Assegurar a “ocultação do crime”- o agente procura evitar que se descubra o crime por ele cometido. Para tanto, elimina a prova testemunhal do fato criminoso (p. ex., incendiário que mata a testemunha para que esta não veja o delito). 2) Assegurar “a impunidade” do crime- nessa hipótese já se sabe que um crime foi cometido, porém não se sabe quem o praticou, e o agente, temendo que alguém o delate ou dele levante suspeitas, acaba por eliminar-lhe a vida (p. ex., incendiário que mata a testemunha para que esta não o denuncie como o autor do delito). 3) Assegurar a “vantagem” de outro crimeprocura-se aqui a garantir a fruição da vantagem, econômica ou não, advinda da prática de outro crime (p. ex., eliminar a vida do 26 co-autor do delito de furto anteriormente praticado, a fim de apoderar-se da vantagem econômica indevidamente obtida). Conexão ocasional: é importante para o presente estudo definirmos a conexão ocasional, não obstante ela não configurar qualificadora do homicídio. A conexão ocasional ocorre quando o homicídio é cometido por ocasião da prática de um outro delito. Exemplo: o sujeito está furtando e resolve matar a vítima por vingança. Nessa hipótese, responde pelo delito de furto em concurso material com o homicídio qualificado pela vingança. Na realidade, o individuo, com desígnios autônomos, realizou duas condutas: ele queria furtar o seu inimigo e, no momento em que se realizava o furto, resolveu matá-lo por vingança. Responderá, então, pelo concurso material de crimes”37. 1.10.2.7 Causa especial de aumento de pena. Homicídio doloso contra menor de 14 anos ou maior de 60 anos (§4°) Visando uma maior repressão de condutas criminosas violadoras do direito à vida da criança e do adolescente, em consonância com o disposto na Constituição Federal, que prevê que “a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente” (art. 227, §4°), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/90) determinou a majoração da pena (agravamento de 1/3- do CP, art.121, §4°, 2° parte) nas hipóteses de homicídio doloso praticado contra vítima menor de 14 anos. Trata-se de causa de especial de aumento de pena porque está prevista em uma determinada norma da Parte Especial do Código Penal. A sua natureza é objetiva, pois leva em consideração a idade da vítima. Cuida-se de causa obrigatória de aumento de pena, devendo o juiz agravá-la sempre que constatar que a vítima é menor de 14 anos. A pessoa completa 14 anos no primeiro minuto do dia do seu aniversário. Assim, será menor de 14 anos até às 24 horas do dia anterior ao dia do seu aniversário. Dessa forma, se o delito foi cometido no dia em que o menor completou 14 anos, afastada estará a incidência dessa causa especial de aumento de pena. De acordo com o art.4° do Código Penal, a idade da vítima deve ser 37 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.59. 27 levada em consideração no momento da ação ou omissão, ou seja, da conduta e não da efetiva produção do resultado38. Assim, vindo a vítima a ser ferida antes de completar 14 anos de idade e falecendo depois de seu aniversário, incide a causa de aumento de pena. Ocorrendo o delito na data em que o sujeito passivo completa a idade questionada despreza-se o acréscimo penal. A Lei n° 10.741/03 (Estatuto do Idoso), art.110, acrescentou uma nova causa especial de aumento de pena ao §4° do art.121 do CP, qual seja, a pena do homicídio doloso é aumentada de um terço se o crime for praticado contra pessoa maior de 60 anos. Antes da vigência da referida lei, a circunstância de o crime ser praticado contra pessoa idosa funcionava apenas como agravante (CP, art. 61, II, h). Com a inovação legislativa, tal circunstancia agravante genérica prevista no art. 61, II, h, do CP (delito cometido contra criança ou maior de 60 anos), sob pena da ocorrência de bis in idem. 1.11.3 Homicídio culposo (§3°) Segundo Magalhães Noronha: Diz-se do crime culposo quando o agente, deixando de empregar a atenção ou diligência de que era capaz, em face das circunstâncias, não previu o caráter delituoso de sua ação ou o resultado desta, ou, tendo-o previsto, supôs levianamente que não se realizava39 Sabemos que o fato típico é constituído dos seguintes elementos: conduta dolosa ou culposa; resultado; nexo causal; tipicidade. O dolo e a culpa são os elementos subjetivos da conduta. Para o Direito Penal somente importam as condutas humanas impulsionadas pela vontade, ou seja, as ações dotadas de um fim. Na conduta dolosa, há uma ação ou omissão voluntária dirigida a uma finalidade ilícita; nela o agente quer ou assume o risco da produção 38 39 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.64. NORONHA, E. Magalhães, Direito Penal, 26.ed São Paulo: Saraiva, 1994, v.2, p.28. 28 do evento criminoso. Na conduta culposa, há uma ação voluntária dirigida a uma finalidade lícita, mas, pela quebra do dever de cuidado a todos exigidos, sobrevém um resultado ilícito não querido, cujo risco nem sequer foi assumido. 1.11.3.1 Modalidades de culpa: O Código Penal não define a culpa, mas o art. 18, II, do Codex nos traz as suas diversas modalidade, quais seja: a imprudência, a negligência e a imperícia. O homicídio culposo deve ser analisado em combinação com esse dispositivo legal. Estaremos então diante de um homicídio culposo sempre que o evento morte decorrer da quebra do dever de cuidado por parte do agente mediante uma conduta imperita, negligente ou imprudente, cujas conseqüências do ato descuidado, que ram previsíveis, não foram previstas pelo agente, ou, se foram, ele não assumiu o risco do resultado. Fernando Capez define das seguintes formas as modalidades de culpa: a) Imprudência: consiste na violação da regras de conduta ensinadas pela excelência. É o atuar sem precaução, precipitado, imponderado. Há sempre um comportamento positivo. É a chamada culpa in faciendo. Uma característica fundamental enquanto o agente pratica a conduta comissiva, vai ocorrendo simultaneamente a imprudência. Exemplos: manejar arma carregada, trafegar na contramão, realizar ultrapassagem proibida com veículo automotor. b) Negligência: é a culpa na sua forma omissiva. Implica, pois, a abstenção de um comportamento que era devido. O negligente deixa de tomar, antes de agir, as cautelas que deveria. Desse modo,ao contrário da imprudência, que ocorre durante a ação, a negligencia dá-se sempre antes do início da conduta; por exemplo: age negligentemente a mãe que não retira da mesa, ao redor da qual brincam crianças, veneno em dose letal, vindo uma dela a ingeri-lo e falecer; igualmente age negligentemente quem deixa arma ao alcance de criança vindo esta a morrer posteriormente de intoxicação. c) Imperícia: consiste na falta de conhecimentos técnicos ou habilitação para o exercício de arte ou profissão. É a prática de certa atividade, de modo omisso (negligente) ou insensato 29 (imprudente), por alguém incapacitado para tanto, quer pela ausência de conhecimento, quer pela falta de prática. Por exemplo: engenheiro que constrói um prédio cujo material é de baixa qualidade, vindo este a desabar e a provocar a morte dos moradores. Observa-se que se a imperícia advier de pessoa que não exerce arte ou profissão, haverá imprudência ou negligencia. Poe exemplo: atirador de elite que matava a vítima em vez do criminoso. Há aqui uma conduta imperita, pos demonstra a falta de aptidão para o exercício de uma profissão”40. 1.11.3.2 Homicídio culposo. Causa especial de aumento de pena (§4°) A pena do homicídio culposo é aumentada de um terço se o “evento resulta da inobservância de regra técnica de profissão, arte, ofício ou atividade”, ou quando o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge, para evitar prisão em flagrante”. Com a instituição do Código de Trânsito Brasileiro, pela Lei n° 9.503/97, o crime de homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor passou a ser por ele tipificado. Disso resulta que as causas especiais de aumento pena relativas ao homicídio culposo aqui comentadas (§4°) não mais se aplicam ao homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor, já que este passou a integrar legislação específica. Desse modo, as disposições do §4° restam aplicáveis a todas as outras formas de cometimento do homicídio culposo, que não o praticado na direção de veículo automotor. Vejamos cada uma delas: a) Inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício: a inobservância de regra técnica ocorre quando o sujeito tem conhecimento dela pois é um profissional, mas a desconsidera. Não se confunde inobservância de regra técnica com imperícia. No caso do aumento de pena, o agente conhece a regra técnica, porém deixa de observá-la; enquanto na imperícia, que pressupõe 40 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.67. 30 inabilidade ou insuficiência profissional, ele não a conhece, não domina conhecimentos técnicos. b) Se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima: significa abandonar a vítima à própria sorte. O agente, após dar causa ao evento ilícito de forma culposa, omite-se no socorro necessário a evitar que a vítima continue a correr perigo de vida ou de saúde. O agravamento da pena visa justamente repreender esse comportamento desumano, egoísta, em suma, a total falta de solidariedade que acaba por sujeitar a vítima a uma maior situação de risco para sua vida e saúde41.. Importa notar que a omissão de socorro, como causa de aumento de pena, distingue-se daquela prevista no art. 135 do CP (Capítulo III“Da periclitação da vida e da saúde”). 1.11.4 Perdão Judicial Conceito: O perdão judicial está previsto no art.121, §5°, do CP. Trata-se de causa de extinção da punibilidade aplicável à modalidade culposa do delito de homicídio. Ocorre nas hipóteses de homicídio culposo em que as conseqüências da infração atingiram o agente de forma tão grave que acaba por tornar-se desnecessária a aplicação da pena42. O perdão judicial tem por fim extinguir a punibilidade do agente, desde que atinja o agente de forma grave extinguindo-se, assim, a punibilidade. Natureza jurídica do perdão judicial: “Cuida-se de causa extintiva da punibilidade, de aplicação restrita aos casos expressamente previsto na lei (CP, art. 107, IX). O juiz analisará discricionariamente se as circunstâncias especiais estão presentes (se trata de homicídio culposo e se as conseqüências 41 42 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.71 e 72. CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.75. 31 da infração atingiram o agente de forma muito grave) e, caso entenda que sim, o agente terá direito público subjetivo ao benefício legal”43. Hipótese de cabimento: “O perdão judicial não deve jamais ser utilizado de forma indiscriminada, tendo a sua aplicação sempre reduzida às hipóteses de homicídio culposo em que as conseqüências da infração atingiram o agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. É necessário averiguar se realmente o agente padeceu de insuportável dor moral, e para isso é necessário comprovar a existência de relacionamento afetivo entre ambos”.44 Vistos as modalidades de crimes contra a vida, é importante também entendermos como se procede esses crimes,ou seja, saber qual é o órgão competente pra julgar os crimes contra a vida. 43 44 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.75. CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p. 75 e 76. 32 CAPÍTULO 2 ASPECTOS PROCEDIMENTAIS 2.1- Introdução No presente capítulo será abordado a respeito do procedimento do homicídio, no qual este se realiza na segunda fase, ou seja, no Tribunal do Júri. Neste capítulo também será abordado os aspectos históricos do Tribunal do Júri, princípios constitucionais, procedimento trifásico bem como o julgamento em plenário. 2.2 Aspectos Históricos Relevantes Pretende-se neste tópico propiciar ao indivíduo interessado em conhecer melhor os aspectos históricos do Tribunal do Júri, podendo dessa forma oferecer uma visão imparcial de como funciona a instituição e como se deu o seu desenvolvimento. O Tribunal do Júri, na sua feição atual, origina-se na Magna Carta, da Inglaterra, de 1215. Sabe-se, por certo, que o mundo já conhecia o júri antes disso. Na Palestina, havia o Tribunal dos Vinte e Três nas vilas em que a população fosse superior a 120 famílias. Tais Cortes conheciam e julgavam processos criminais relacionados a crimes puníveis com a pena de morte. Os membros eram escolhidos dentre padres, levitas e principais chefes de famílias de Israel45. 45 NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.41. 33 Ainda na Inglaterra o Júri recebeu seus liames definitivos, perdendo a aparência teocrática e tornado-se um ato realizado em nome do povo. Foi tamanha importância dada por este povo à instituição, que a mesma se espalhou pela Europa e América. Após a Revolução Francesa, de 1789, tendo por finalidade o combate às idéias e métodos esposados pelos magistrados do regime monárquico, estabeleceu-se o júri na França. O objetivo era substituir um Judiciário formado, predominantemente, por magistrados vinculados à monarquia, por outro, constituído pelo povo, envolto pelos novos ideais republicanos.46 Ainda neste ano, a Revolução Francesa, baseada em idéias iluministas, refletiu também sobre a organização judiciária, tanto que pouco tempo depois, foi baixado Decreto consagrando o Júri criminal como instituição judiciária. Portanto, assim como a França havia assimilado o modelo das colônias inglesas para a formulação da declaração dos direitos humano, da mesma forma assimilou o Tribunal do Júri, concedendo-lhe, contudo, caráter especialmente político. A partir disso, espalhou-se pelo resto da Europa, como um ideal de liberdade e democracia a ser perseguido, como se somente o povo soubesse proferir julgamentos justos. Relembremos que o Poder Judiciário não era independente, motivo pelo qual o julgamento do júri apresentava-se como justo e imparcial, porque produzido por pessoas do povo, sem a participação de magistrado considerados corruptos e vinculados aos interesses do soberano47. Os votos do eleitor e do jurado eram os símbolos da soberania exercidos pelos cidadãos franceses, sendo que o primeiro era um direito, enquanto que o segundo constituía-se em obrigações. Há de se considerar que o Brasil, às vésperas da independência, começou a editar leis contrárias aos interesses da Coroa ou, ao 46 47 NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.42. NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.42. 34 menos, dissonantes do ordenamento jurídico de Portugal. Por isso, instala-se o júri em nosso País, antes mesmo que o fenômeno atingisse a Pátria Colonizadora. Assim, em 18 de junho de 1822, por decreto do Príncipe Regente, criou-se o Tribunal do Júri no Brasil, atendendo-se ao fenômeno de propagação da instituição corrente em toda a Europa48. A criação do júri no Brasil ocorreu também com a finalidade de atender aos casos de crime de imprensa, sendo que o mesmo era formado por Juízes de Fato. Em nosso País, o júri era composto por 24 cidadãos “bons, honestos, inteligentes e patriotas”, prontos a julgar os delitos de abuso da liberdade de imprensa, sendo suas decisões passíveis de revisão somente pelo Príncipe Regente. José Frederico Marques, quanto a este momento histórico, acrescenta: Coube ao Senado da Câmara do Rio de Janeiro, em vereação extraordinária de 4 de fevereiro de 1822, dirigir-se a Sua Alteza, o Príncipe Regente D. Pedro, solicitando a criação do juízo dos Jurados, para execução da Lei de Liberdade da Imprensa no Rio de Janeiro, aonde a criação do Juízo dos Jurados parece exeqüível sem conveniente, atenta a muita população de que se compõe, e as muitas luzes que já possui49. Mais tarde, na Constituição Política do Império, promulgada em 25 de março de 1824, ficou estatuído o seguinte: Artigo 151- O Poder judicial é independente e será composto de juízes e jurados, os quais terão lugar assim no cível como no crime, nos casos e pelo modo que os Códigos determinarem ; 48 49 NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.43. MARQUES, José Frederico, A Instituição do Júri. Campinas: Bookseller, 1997, p.37-38. 35 Artigo 152- Os jurados pronunciam sobre o fato e os juízes aplicam a lei50. Os jurados, à época, poderiam julgar causas cíveis e criminais, conforme determinassem as leis, que, aliás, incluíram e excluíram espécies de delitos e causas do júri, varias vezes. Com a proclamação da Republica, manteve-se o júri no Brasil, sendo criado, ainda, o júri federal, através do Decreto 848, de 1890. Após várias discussões, quando da promulgação da Constituição da República do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, foi aprovada a emenda que dava ao art.72, § 31, o texto “é mantida a instituição do júri”51. Esse resultado foi obtido em face da intransigente defesa do Tribunal Popular feita por Rui Barbosa, seu admirador inconteste. Importante inovação adveio da Constituição da República de 1934, com a retirada do antigo texto referente ao Júri das declarações de direitos e garantias individuais, passando para a parte destinada ao Poder Judiciário, no art.72 dizendo: “é mantida a instituição do Júri, com a organização e as atribuições que lhe der a lei”.52 A Constituição de 1946 ressuscitou o Tribunal Popular no seu texto, reinserindo-o no capítulo dos direitos e garantias individuais como se fosse uma autêntica bandeira na luta contra o autoritarismo, embora as razões desse retorno tivessem ocorrido53. Com essa Constituição veio a restauração da soberania do Júri, inspirada pela democracia exibida na participação do povo no processo criminal. Surge, então, o art.141, §28, onde o termo soberania não deve ser 50 CAMPANHOLE, Adriano. CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p.773. 51 CAMPANHOLE, Adriano; CAMPONHOLE, Hilton Lobo, Constituições do Brasil, 11. ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 746. 52 CAMPANHOLE, Adriano, CAMPANHOILE, Hilton Lobo, Constituições do Brasil, 11. ed. São Paulo: Atlas, 1994, p.647. 53 NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.43. 36 confundido com abuso de decidir contra a própria evidência dos autos, condenando ou absolvendo arbitrariamente. A Constituição de 1967 manteve a instituição no capítulo dos direitos e garantias individuais (art.150, § 18), fazendo o mesmo a Emenda Constitucional de 1969 (art.153, § 18)54. Como se observou a Constituição de 1967 manteve o Júri no capitulo dos direitos e garantias individuais, dispondo: “são mantidas a instituição e a soberania do Júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Da mesma forma, a Emenda Constitucional de 1969, manteve o Júri, todavia, omitiu referência a sua soberania. O art.153, § 18, previa: “é mantida a instituição do Júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida” Em 1988, visualizando-se o retorno da democracia no cenário brasileiro, novamente previu-se o júri no capítulo dos direitos e garantias individuais, trazendo de volta os princípios da Carta de 1946: soberania dos veredictos, sigilo das votações e plenitude de defesa. A competência tornou-se mínima para os crimes dolosos contra a vida55. No Brasil, a referência ao Júri se faz presente desde a primeira Constituição Política do Império, em 1824, quando ele apenas atuava nos crimes de imprensa, seguindo durante toda nossa história constitucional até a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, trazendo os princípios da Carta de 1946. Devemos, no entanto, frisar que a reinserção, na Constituição de 1988, dos mesmos princípios constitucionais (com algumas poucas alterações) da Constituição de 1946, não foi fruto de um estudo minucioso, nem mesmo de necessidade premente. A situação equipara-se ao seguinte: se a democrática Constituição de 1946 assim 54 55 visualizava o Júri, NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais,2008. p.44. NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais,2008, p.44. 37 passada a época da ditadura militar (1964 a 1985), mais que natural seria a volta do status quo ante. Enfim o júri tem por finalidade a de ampliar o direito de defesa dos réus, funcionando como uma garantia individual dos acusados pela prática de crimes dolosos contra a vida e permitir que, em lugar do juiz togado, preso as regras jurídicas, sejam julgados pelos seus pares. 2.3 Princípios Constitucionais do Tribunal do Júri 2.3.1 Introdução Princípio, em visão etimológica, tem variados significados. Para tanto o nosso propósito, vale destacar o de ser um momento em que algo tem origem; é a causa primária ou o elemento predominante na constituição de um todo orgânico. O princípio constitucional há de ser respeitado como o elemento irradiador, que imanta todo o ordenamento jurídico. Além disso, é fundamental considerar existirem os princípios concernentes a cada área do Direito em particular. Por isso, há os princípios processuais penais, que independem dos constitucionais. Eles produzem, na sua esfera de atuação, o mesmo efeito irradiador de idéias e perspectivas gerais a serem perseguidos pelo aplicador da norma processual penal. É preciso ocorrer uma autêntica mudança de mentalidade, adaptando-se o texto da lei ordinária ao que consta da Constituição Federal. Somente assim estaremos no caminho em busca do Estado Democrático de Direito, algo que, longe de ser utópico, depende do esforço de todos os operadores do Direito. 38 2.3.2 Plenitude de Defesa Inexiste autêntico devido processo legal (art.5°, LIV, da CF) se não forem assegurados, aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa. No processo penal, particularmente, envolvendo um dos mais valiosos bens jurídicos sob proteção constitucional, que é liberdade individual, há de se exigir o fiel cumprimento de tais garantias. Outro elemento a ressaltar é a previsão, realizada no mesmo artigo 5° da Constituição Federal de duas garantias fundamentais (ampla defesa e plenitude de defesa). “Amplo é algo vasto, largo, copioso, enquanto pleno equivale a completo, perfeito, absoluto. Somente por esse lado já se pode visualizar a intencional diferenciação dos termos. E, ainda que não tenha sido proposital, ao menos foi providencial”56. O que se busca aos acusados em geral é a mais aberta possibilidade de defesa, valendo-se dos instrumentos e recursos previstos em lei e evitando-se qualquer forma de cerceamento. Aos réus, no Tribunal do Júri, quer-se a defesa perfeita, dentro, obviamente, das limitações naturais dos seres humanos. A plenitude da defesa implica no exercício da defesa em um grau ainda maior do que a ampla defesa. Defesa plena, sem dúvida, é uma expressão mais intensa e mais abrangente do que defesa ampla. Compreende dois aspectos: primeiro, o pleno exercício da defesa técnica, por parte do profissional habilitado, o qual não precisará restringir-se a uma atuação exclusivamente técnica, podendo também servir-se de argumentação extrajurídica, invocando razões de ordem social, emocional, de política criminal etc. Segundo, o exercício da autodefesa, por parte do próprio réu, consistente no direito de apresentação de sua tese pessoal no 56 NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais 2008, p.25. 39 momento do interrogatório, relatando ao juiz sua versão que entender ser mais convincente e benéfica para sua defesa.57 Advogados que atuam no Tribunal do Júri devem ter tal garantia em mente: a plenitude de defesa. Com isso, desenvolver suas teses diante dos jurados exige preparo, talento e vocação. o preparo deve dar-se nos campos jurídicos e psicológicos, pois se está lidando com pessoas leigas. O talento para, naturalmente, exercer o poder de convencimento ou, pelo menos, aprender a exercê-lo é essencial. A vocação, para enfrentar horas e horas de julgamento com equilíbrio, prudência e respeito aos jurados e às partes emerge como crucial. Tal cenário constitui a plenitude de defesa, que, no processo criminal comum, não é, obviamente, indispensável. 2.3.3 Sigilo das Votações Um dos principais princípios constitucionais regentes do Tribunal do Júri é o sigilo das votações. Estabelece o Código de Processo Penal em seu art.485 caput: Não havendo dúvida a esclarecer, o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser procedida a votação. §1° “Na falta de sala especial, o juiz presidente determinará que o público se retire, permanecendo somente as pessoas mencionadas no caput deste artigo.58 O julgamento pelos jurados se dará em plenário do júri, esvaziado, ou em sala especial, longe das vistas do público, que continuaria em plenário. Há na própria Constituição o disposto no art. 5°, XXXVIII,b, assegurando o sigilo das votações. Não se fala em sigilo do voto, entendido como 57 58 CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal, Saraiva 2007, p.647 e 648. NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p. 29. 40 a cédula individual colocada pelo jurado, contendo “sim” ou “não”, dentro da urna, mas em sigilo da votação, que é o ato de votar. Portanto, busca-se resguardar o momento do jurado apor o voto na urna- que é votar-, razão pela qual a sala especial é o lugar ideal para tanto. Além disso, a reforma introduzida pela Lei 11.689/2008, buscando consagrar, cada vez mais, o sigilo das votações, impôs a apuração dos votos por maioria, sem a divulgação do quorum total. 2.3.4 Soberania dos Veredictos A soberania dos veredictos é o princípio constitucional que caracteriza o pilar mais vivo da instituição. Júri sem soberania não é júri, pois tem poder pela metade, o que é antidemocrático e vem a contrariar texto expresso da Constituição. Por isso, torna-se, ao mesmo tempo, uma questão simples e complexa analisar a soberania dos veredictos. É algo simples se levarmos em conta o óbvio: o veredicto popular é a última palavra, não podendo ser contestada, quanto ao mérito, por qualquer tribunal togado. É, entretanto, complexo, na medida em que se vê o desprezo à referida supremacia da vontade do povo em grande segmento da prática forense59. A soberania dos veredictos é a força do Júri, sendo a quesitação a peça chave do exercício dessa soberania, pois é a forma de ser conhecida a decisão. Em simples análise a soberania dos veredictos tem poder supremo. Neste instituto os jurados é quem tem o poder de decisão diante da lei. Eles decidem de acordo com a sua consciência. Segundo Guilherme de Souza Nucci: Jurados decidem de acordo com a sua consciência e não seguindo a lei. Aliás, esse é o juramento que fazem (art.472, 59 NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais, 2008, p.31. 41 CPP), em que há a promessa de seguir a consciência e a justiça, mas não as normas escritas e muito menos os julgados do País60. A Constituição Federal de 1988, autenticada que fora pelo espírito democrático, reafirmou a identidade constitucional do Júri, em seu art.5°, inc. XXXVII, alíneas a, b, c, d. Por certo, a leitura constitucional do Tribunal do Júri proclama a sua manutenção com a organização que lhe der Lei, contanto que sejam assegurados a plenitude da defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Este é o lastro constitucional do Tribunal do Júri, que sabiamente foi inserido pelo constituinte originário no Título que dispõe sobre os Direitos e Garantias Fundamentais, da nossa Lei Maior. Não é possível que, sob qualquer pretexto, cortes togadas invadam o mérito do veredicto, substituindo-o. Quando - e se – houver erro judiciário, basta remeter o caso a novo julgamento pelo Tribunal Popular. Porém, em hipótese alguma, pode-se invalidar o veredicto, proferindo outro, quanto ao mérito. A propósito, pode ocorrer também que a decisão dos jurados seja manifestamente contrária à provas dos autos. Como se observa Julio Fabbrini Mirabete: A soberania dos veredictos dos jurados, afirmada pela Carta Política, não exclui a recorribilidade da revisão criminal do julgado do Júri, a comutação de penas etc. Ainda que se altere a decisão sobre o mérito da causa, é admissível que se faça em favor do condenado, mesmo porque a soberania dos veredictos é uma “garantia constitucional individual” e a reforma ou alteração da decisão em benefício do condenado não lhe lesa qualquer direito, ao contrário beneficia61. 60 61 NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais, 2008, p.32. MIRABETE, Julio Fabbrini, Processo Penal, 18° ed. São Paulo: Atlas. 2006, p.496. 42 Aos que defendem estar a liberdade do réu acima de qualquer princípio regente da instituição do Júri, devemos responder que não se trata de uma disputa, mas de um mecanismo constitucional, escolhido pelo Poder Constituinte Originário, para atingir o veredicto justo. A Constituição Federal outorgou ao Tribunal Popular a última decisão nos casos de crimes dolosos contra a vida. Na jurisprudência, vale ressaltar, desde logo, ser a soberania dos veredictos um preceito constitucional fundamental. Nessa ótica: STF: Se o Tribunal popular, juiz natural da causa, com base no depoimento de testemunhas ouvidas em juízo, entendeu que o réu cometeu homicídio em sua forma privilegiada (após injusta provocação), não cabe ao TJ-SP substituir esse entendimento, por julgar, que há outras provas mais robustas no sentido contrário de tese acolhida. (HC 85.904-SP,2° T., rel. Joaquim Barbosa, 13.02.2007, v.u.)62. Os princípios que norteiam o processo penal são de extrema relevância para aquele que sofre uma investigação, ou até mesmo quando denunciado pelo órgão ministerial. Em fim a soberania dos veredictos possibilita confiabilidade nos casos apreciados e julgados pelos juízes leigos, pois mesmo decidindo manifestamente contrariamente às provas dos autos poderá haver recurso por ambas as partes, seja pela acusação ou pela defesa. 2.3.4.1 Competência para Julgamento dos Crimes Dolosos Contra a Vida O art.5°, XXXVIII, d, da CF, assegura a competência do júri para o julgamento dos delitos dolosos contra a vida. 62 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus n°85.904, Rel. Joaquim Barbosa, 13.02.07. 43 A intenção do legislador foi a de proteger a bem jurídico mais importante qual seja a vida. Sobre o bem jurídico tutelado conclui Cezar Roberto Bitencourt: Dentre os bens jurídicos de que o indivíduo é titular e para cuja proteção a ordem jurídica vai ao extremo de utilizar a própria repressão penal, a vida destaca-se como o mais valioso. A conservação da pessoa humana, que é a base de tudo, tem como condição primeira a vida que, mais que um direito, é condição básica de todo direito individual, porque sem ela não há personalidade, e sem esta não há que se cogitar de direito individual.63 Nota-se que o texto constitucional menciona ser assegurada a competência para os delitos dolosos contra a vida e não somente para eles. O intuito do constituinte foi bastante claro, visto que, sem a fixação da competência mínima e deixando-se à lei ordinária a tarefa de estabelecê-la, seria bem provável que a instituição, na prática, desaparecesse do Brasil. A cláusula pétrea, no direito brasileiro, impossível de ser mudada pelo Poder Constituinte Reformador (ou Derivado), não sofre nenhum abalo caso a competência do júri seja ampliada, pois sua missão é impedir justamente o seu esvaziamento64. A cláusula pétrea não pode sofrer mudanças, mas nada impede do legislador infraconstitucional atribuir outras competências. Pertinente se faz, o comentário de Alexandre de Moraes sobre o preceito constitucional: Ressalta-se que o art.5°, XXXVII, da Constituição Federal, não deve ser entendido de forma absoluta, uma vez que existirão hipóteses, sempre excepcionais, em que os crimes doloso contra a vida não serão julgados pelo Tribunal do Júri. Estas hipóteses 63 BITENCOURT, Cezar Roberto, Manual de Direito Penal, parte especial, v.2. São Paulo: Editora Saraiva. 2001, p.27. 64 NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais, 2008, p.35. 44 referem-se, basicamente, prerrogativa de função. 65 às competências especiais por Além disso, demonstrando ser possível que o Tribunal Popular julgue outros delitos, que não somente os dolosos contra a vida, encontra-se o cenário dos crimes conexos. É possível que os jurados decidam condenar ou absolver o autor de um estupro ou de ou roubo, por exemplo bastando que o delito seja conexo ao crime doloso contra a vida. Por isso, se a competência fosse exclusiva, tal situação, corriqueira nos julgamentos ocorridos diariamente no Brasil, jamais se daria. Outro ponto interessante diz respeito à opção pelos “crimes doloso contra a vida” no contexto do júri. Não nos parece exista explicação sistemática e muito menos psicológica ou ontológica. Foi uma opção de política legislativa. Um grupo qualquer de crimes havia de ser o, eleito, como se disse, para garantir que o Tribunal do Júri existisse, de fato, em nosso País. Buscou-se o respaldo da Constituição de 1946, que inseriu os crimes doloso contra a visa como da competência do júri. E, naquela ocasião, como mencionado no capítulo referente à origem histórica do Tribunal Popular, deveu-se à vontade dos coronéis do sertão, que, mandando matar seus oponentes, desejavam o julgamento dos seus mandatários no Tribunal do povo. Assim, ocorrendo, a pressão pela absolvição seria intensa, atendendo aos anseios políticos da época e da região.66 Poder-se-ia dizer que o grupo de delitos escolhidos (crimes dolosos contra a vida) é o único cabível para o povo julgar. Há, no entanto, crimes mais interessantes para o júri, como por exemplo, os que afetam os interesses difusos e coletivos. Na emoção do discurso dos acusadores e defensores, que atuam no Tribunal do Júri, ouvem-se variados argumentos, como, exemplificando, ser o povo o colegiado ideal para analisar o homicídio, crime que qualquer um pode cometer, pois insertos nas mais recônditas emoções e sentimentos do ser humano. Ora, qualquer delito violento contra a pessoa humana é dramático e envolve sentimentos variados. 65 66 MORAIS, Alexandre de, Direito Constitucional, 19. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2006, p.78. NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais, 2008, p.35. 45 São considerados crimes da competência do Tribunal do Júri segundo os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci: os crimes previstos no Capítulo I (Dos Crimes contra a vida), do Título I (Dos crimes contra a pessoa). Da Parte Especial do Código Penal. Incluem-se na competência do Tribunal Popular, originariamente, os seguintes delitos: hoicídio simples (art.121, caput); privilegiado (art. 121 §1°), qualificado (art. 121, §2°), induzimento, instigação e auxílio ao suicídio (art.122), infanticídio (art. 123) e as várias formas de aborto (arts. 124, 125, 126 e 127). Além deles, naturalmente, vinculam-se os delitos conexos, aqueles que, por força da atração exercida pelo júri (arts. 76, 77 e 78, I, CPP), devem ser julgados, também, pelo Tribunal Popular.67 Não ocorrendo nenhum dos crimes acima citado, não há em que se falar de competência do Tribunal do Júri. 3 Procedimento Especial Trifásico 3.1 Visão Geral das Três Fases Com o advento da lei 11.689/2008 o Tribunal do Júri passou a apresentar três fases conhecido como sistema trifásico, não se aplicando mais desta forma o sistema bifásico, antigo procedimento do Tribunal do Júri. O procedimento do júri é trifásico e especial. No Código de Processo Penal no Livro II, Título I, foi inserido, por equívoco, como parte do “processo” comum. Possivelmente, sob o enfoque anterior à Lei 11.689/2008, o início do procedimento tinha aspectos do comum (arts.394 a 405, CPP) e, somente na seqüência, alterava-se completamente, adquirindo uma estrutura procedimental própria (arts.406 a 497, CPP), nitidamente especial. Por outro lado, ‘há quem denomine tal procedimento de bifásico, considerando apenas a parcela referente à formação da culpa (da denúncia à pronúncia) e, posteriormente, do recebimento do libelo à decisão em plenário do Júri.68 67 68 NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais, 2008, p.36. NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.46. 46 Guilherme de Souza Nucci entende ser equivocado não considerar como autônomo a denominada fase de preparação do plenário, tão importante quanto visível. Após a edição da Lei 11.689/2008, destinou-se a Seção III, do Capítulo II (referente ao júri), como fase específica (Da Preparação do Processo para o Julgamento em Plenário), confirmando-se, pois, a existência de três estágios para atingir o julgamento de mérito.69 Reza o art.422 do Código de Processo Penal: Ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligências. Nessa fase, ainda, as testemunhas que residirem fora da Comarca serão ouvidas por precatória. Vale ressaltar, desde logo, não existir óbice algum em intimar a testemunha, assim desejando a parte, para que compareça à sessão de julgamento e preste o seu depoimento diante dos jurados. O preparo do processo poderá ser feito diretamente pelo juiz presidente, que irá conduzir a sessão de julgamento no Tribunal do Júri, desde que a Comarca tenha Vara privativa do Júri. Entretanto, se a lei de organização judiciária local não atribuir ao presidente do júri a preparação do plenário, o magistrado competente assim o fará, remetendo o feito pronto até cinco dias do sorteio a que se refere o art.433 do CPP (art. 434, CPP). O anterior procedimento incidental denominado justificação foi absorvido, como regra, pela nova possibilidade de produção de provas na fase de preparação do plenário. Porém, não pode ser descartado. Imagine-se que essa fase já se encerrou e o processo aguarda o julgamento em plenário. 69 NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.46. 47 Surgindo uma prova nova relevante, pode a parte ingressar, do mesmo modo, com a justificação, que deverá ser devidamente processada”.70 Deste modo podemos visualizar as três fases do procedimento especial do Tribunal do Júri destacando desta forma a reforma prevista pela Lei 11.689/2008. 3.2 Juízo de Formação de Culpa É a primeira fase, em juízo. Recebida a denúncia ou queixa, o réu será citado para apresentar a sua defesa prévia, por escrito, e não mais para ser interrogado. O interrogatório deve realizar-se ao final da colheita de prova. Quanto às possibilidades de finalização desta fase, há, basicamente, quatro: a) pronúncia (considera-se admissível a acusação e o processo segue para a segunda fase); b) impronúncia (extingue-se o processo, sem julgamento do mérito); c) desclassificação (remete-se o processo a outro juízo, diante do reconhecimento da incompetência do Tribunal do Júri para o caso); d) absolvição sumária (encerra-se o processo, com julgamento de mérito, absolvendo-se o acusado). 3.2.1 Decisão Judicial de Finalização 3.2.1.1 Pronúncia 3.2.1.1.1 Conceito Com a pronúncia temos a finalização da primeira fase do processo, encaminhando-o ao juízo de preparação do plenário, considerado como a fase intermediária entre a formação de culpa e o juízo de mérito, fase esta introduzida com a Lei n° 11.689/2008. Para Guilherme de Souza Nucci Pronúncia: “É a decisão interlocutória mista, que julga admissível a acusação, remetendo o caso à apreciação do Tribunal do Júri”.71 70 NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dosTribunais 2008, p.47. 48 Fernando Capez conceitua pronúncia com sendo: “decisão processual de conteúdo declaratório em que o juiz proclama admissível a imputação, encaminhando-a para julgamento perante o Tribunal do Júri”.72 O juiz-presidente não tem competência constitucional para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, logo não pode absolver nem condenar o réu, sob pena de afrontar o princípio da soberania dos veredictos. Na pronúncia há um mero juízo de prelibação, pelo qual o juiz admite ou rejeita a acusação, sem penetrar no exame do mérito. Trata-se de decisão de natureza mista, pois encerra a fase de formação da culpa, inaugurando a fase de preparação do plenário, que levará ao julgamento de mérito. Embora se trate de decisão interlocutória, a pronúncia mantém a estrutura de uma sentença, ou seja, deve conter o relatório, a fundamentação e o dispositivo. 3.2.1.1.2 Conteúdo Como já mencionamos no item anterior, a forma da pronúncia obedece à estrutura da sentença comum. Deve conter o relatório (exposição do que ocorreu no processo, a partir da denúncia até o aventado pelas partes nas alegações finais), a fundamentação (razões pelas quais o magistrado entende viável remeter o caso à apreciação do Tribunal do Júri) e o dispositivo (declaração do artigo – ou dos artigos – no qual se encontra incurso o acusado). A finalidade da existência de uma fase preparatória de formação de culpa, antes que se remeta o caso à apreciação dos jurados, pessoas leigas, recrutadas nos variados segmentos sociais, é evitar o erro judiciário, seja para absolver, seja para condenar. No caso de o juiz se convencer da existência do crime e de indícios suficientes da autoria, deve proferir sentença de pronúncia, fundamentando os motivos de seu convencimento. Não é necessário prova plena 71 72 NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.61. CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal, Saraiva 2007, p.652. 49 de autoria, bastando meros indícios, isto é, a probabilidade de que o réu tenha sido o autor do crime. O convencimento do magistrado não é, nem pode ser, puramente subjetivo (“eu acho que houve um homicídio”, mas sem provas). É viável valorar provas existentes (ex.: determinado testemunho foi mais confiável que outro), mas não “supor”, imaginar” ou “presumir” a existência de fatos. Por isso, demanda-se prova da materialidade. O convencimento é objetivo (a materialidade resta induvidosa). A valoração da prova é que pode ser subjetiva (melhor são estas provas; piores são aquelas).73 A única vantajosa alteração na redação da norma processual penal diz respeito à inclusão do termo “fato” em lugar de “crime”. Exige-se, pois, a prova da materialidade do fato e não do crime. Afinal, pode-se evidenciar ter havido o fato homicídio, mas que não constitui, necessariamente, um crime. O outro fator liga-se à autoria. Nesse âmbito, a reforma trouxe melhor redação ao art.413, caput, do CPP. Menciona-se a existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. É o correto, pois a suficiência dos indícios torna-se elemento de segurança para que o processo seja levado a julgamento pelo Tribunal do Júri, além de poder envolver tanto a autoria como a participação, espécies diversas de concurso de pessoas. Reiteremos que não bastam meros indícios, mas também que sejam eles suficientes. O indício é uma prova indireta (art.239, CPP). Para formar o raciocínio indutivo (aquele que amplia o conhecimento de algo a partir de dados particulares, que por si só, nada demonstram, mas, no conjunto, sim), reclamam-se indícios variados.74 Enfim como dito antes, trata-se de decisão interlocutória mista não terminativa, que encerra a primeira fase do procedimento escalonado. A decisão é meramente processual, e não se admite que o juiz faça um exame aprofundado do mérito, sob pena de se subtrair a competência do Júri. 73 74 NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais 2008, p.62. NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.63. 50 3.2.1.1.3 Fundamentação Todas as decisões do Poder Judiciário devem ser fundamentadas (arts. 93, IX, CF). A pronúncia não foge, naturalmente, à regra. Aliás, é de suma importância conhecer os motivos que levaram o magistrado a se convencer de que o caso merece a apreciação do Tribunal Popular. O magistrado precisa motivar sua decisão de pronúncia com comedimento, mas necessita abordar todos os aspectos relativos às questões levantadas pelas partes. Não será ignorando teses que se conseguirá obter uma pronúncia equilibrada em termos e expressões. Aliás, pode o juiz abordar somente aspectos ligados à materialidade do fato e aos indícios de autoria, porém de maneira contundente, de modo a viciar a decisão do mesmo modo. Não é simples, nem fácil proferir uma decisão de pronúncia isenta e, realmente, imparcial. Torna-se, por vezes, tarefa mais dificultosa do que emitir uma decisão condenatória. É um momento reflexivo seu. Porém, na pronúncia, se houver uma fundamentação exagerada, certamente, a conseqüência terá por alvo o jurado.75 Portanto, a pronúncia não pode conter termos exagerados, nem frases contundentes. Porém, não pode prescindir de motivação. 3.2.1.2 Impronúncia 3.2.1.2.1 Conceito A impronúncia tem conteúdo terminativo, ou seja, encerra a primeira fase do processo. Para a impronúncia é necessário que não haja prova da materialidade ou indícios da autoria. Para Fernando Capez impronúncia é: “uma decisão de rejeição da imputação para o julgamento perante o Tribunal do 75 NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais, 2008, p.65. 51 Júri, porque o juiz não se convenceu da existência do fato ou de indícios da autoria”.76 Já Guilherme de Souza Nucci conceitua impronúncia com sendo: “a decisão interlocutória mista de conteúdo terminativo, que encerra a primeira fase do processo (formação de culpa ou judicium acusationis), sem haver juízo de mérito”.77 Assim, inexistindo prova da materialidade do crime ou não havendo indícios suficientes de autoria, deve o magistrado impronunciar o réu, significando julgar improcedente a denúncia ou queixa e não a pretensão punitiva do Estado. Desse modo, se porventura, novas provas, advierem, outro processo pode instaurar-se. A lei 11.689/2008, alterando o disposto no art. 414 (anterior art. 409), em relação à impronúncia, não trouxe nenhuma modificação substancial, mas somente uma nova redação. A única inserção inédita coube ao termo fundamentalmente, que, na essência, é despiciendo, pois todas as decisões dever ser motivadas (art. 93,IX, CF). Ponderando sobre a decisão de impronúncia, Paulo Rangel escreve: No Estado Democrático de Direito não se pode admitir que se coloque o indivíduo no banco dos réus, não se encontre o menor indício de que ele praticou o fato e mesmo assim fique sentado, agora, no banco do reserva, aguardando ou novas provas ou a extinção da punibilidade, como se ele é quem tivesse de provar sua inocência, ou melhor, como se o tempo é que fosse lhe dar a paz e tranqüilidade necessária. A decisão de impronúncia não é nada. O indivíduo não está nem absolvido nem condenado, e pior: nem vai a júri. Se solicitar sua folha de antecedentes, consta o processo que está ´encerrado´ pela impronúncia, mas sem julgamento de méritos. Se precisar de folha de antecedentes criminais sem anotações, não o terá; não obstante o Estado dizer 76 77 CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal, ed.14°, Saraiva 2007, p.657. NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.85. 52 que não há os menores indícios de que ele seja o autor do fato, mas não o absolveu.78 Afinal, não existe similar modalidade de decisão no procedimento comum, alheio ao júri. Se as provas foram colhidas, respeitando o devido processo legal, com seus corolários principais (ampla defesa e contraditório), não se encontrando suficiência de elementos para encaminhar o caso a julgamento de mérito pelo juízo natural da causa, o indiciário seria absolvido. Perdeu-se a oportunidade de sanar esse estranho meio-termo, que torna a impronúncia uma sentença provisória, algo inconciliável com o processo penal democrático almejado pela Constituição Federal. 3.2.1.2.2 Conteúdo e Fundamentação A Impronúncia demanda da prova da existência do crime e indícios suficientes de quem seja o seu autor, diferentemente do que demanda na pronúncia. Se o juiz não vislumbrar prova segura da materialidade ou não colher das provas existentes nos autos indícios seguros acerca da autoria, outro caminho não deve haver senão impronunciar o acusado. Extingue-se no processo, sem julgamento de mérito.79 Assim como na pronúncia, a fundamentação da impronúncia também deve ser clara e detalhada. O juiz ao se dirigir ao acusado deve usar termos que não lhe ofenda, podendo neste caso o órgão acusatório recorrer e o Tribunal remeter o caso à apreciação. Se assim acontecer, a decisão de impronúncia, em termos inadequados, poderá ser lida em plenário pela defesa, gerando, em tese, influência negativa sobre os jurados. Lembremos que não há proibição para a leitura de decisão de impronúncia (art. 478, I, CPP). Da mesma maneira que sustentamos a cautela no processo de motivação da decisão de pronúncia, igual postura 78 RANGEL, Paulo, Tribunal do Júri – Visão lingüística, histórica, social e dogmática, Rio de Janeiro, Lúmen Júris 2007, p.104-105. 79 NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais, 2008, p.86. 53 aguarda-se do juiz de primeiro grau, que entende ser o caso de impronúncia. Sua decisão pode ser revista e o caso, apresentado aos jurados. Logo, a imparcialidade merece reger as linhas que redige.80 Defendemos, por certo, tenha o acusado direito à plenitude de defesa. Isso não quer dizer, no entanto, o direito ilimitado de fazer o que bem quiser. A lei rege o processo para manter o equilíbrio entre acusação e defesa, respeitados os princípios constitucionais. Por isso, somente quando for indispensável à plena defesa do réu, pode-se romper essa igualdade, em favor do acusado. 3.2.1.3 Desclassificação 3.2.1.3.1 Conceito Assim como a pronúncia e a impronúncia a desclassificação também é considerada como o fim da primeira fase do processo. Segundo Fernando Capez: “a desclassificação ocorre quando o juiz se convencer da existência de crime não doloso contra a vida, não podendo pronunciar o réu, devendo desclassificar a infração para não dolosa contra a vida”. 81 Para Guilherme de Souza Nucci desclassificação: “é a decisão interlocutória simples, modificadora da competência do juízo, não adentrando o mérito, nem tampouco fazendo cessar o processo”.82 Ensina Tornagui que desclassificar é: dar-lhe [ao crime] nova enquadração legal,se ocorrer mudanças de fato, novos elementos de convicção ou melhor apreciação dos mesmos fatos e elementos de prova.83 80 NUCCI, Guilherme de Souza, Revista dos Tribunais, 2008, p.86. CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal, 14°ed. Saraiva 2007, p.655. 82 NUCCI,Guilherme de Souza,Tribunal do Júri,Revista dos Tribunais 2008, p.88. 83 TORNAGUI, Hélio, Compêndio de Processo Penal, t,I, Rio de Janeiro, José Konfino, 1967, p. 323. 81 54 3.2.1.3.1.2 Hipóteses Legais O juiz somente desclassifica a infração penal, cuja denúncia foi recebida como delito doloso contra a vida, em caso de cristalina certeza quanto à ocorrência de crime diverso daqueles previstos no art. 74, §1°, do Código de Processo Penal (homicídio doloso, simples ou qualificado; induzimento, instigação ou auxílio a suicídio; infanticídio ou aborto). A partir do momento em que o juiz togado invadir seara alheia, ingressando no mérito do elemento subjetivo do agente, para afirmar ter ele agido com animus necandi (vontade de matar) ou não, necessitará ter lastros suficiente para não subtrair, indevidamente, do Tribunal Popular a competência constitucional que lhe foi assegurada. É soberano, nessa matéria, o povo para julgar seu semelhante, razão pela qual o juízo de desclassificação merece sucumbir a qualquer sinal de dolo, direto ou indireto ou eventual, voltado à extirpação da vida humana. 3.2.1.4 Absolvição Sumária 3.2.1.4.1 Conceito e Hipóteses Legais Em fim a absolvição sumária é a última das hipóteses de encerramento da primeira fase. Segundo Fernando Capez, absolvição sumária: “é a absolvição do réu pelo juiz togado, em razão de estar comprovada a existência de causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade”.84 “É a decisão de mérito, que coloca fim ao processo, julgando improcedente a pretensão punitiva do Estado”.85 Ocorre quando o magistrado reconhece: a) estar provada a inexistência do fato; b) estar provado não ter sido o réu o autor ou partícipe do fato; c) que o fato não constitui infração penal; d) estar demonstrada excludente de ilicitude (causa de exclusão do crime) ou de culpabilidade (causa de isenção de pena). 84 85 CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal, 14° Ed, Saraiva 2007, p.657. NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais 2008, p.94. 55 Conforme a Lei 11.689/2008, outras hipóteses foram surgidas possibilitando a absolvição sumária. O juiz pode reconhecer, havendo certeza, lastreado nas provas dos autos, que o fato objeto da imputação inexistiu (art. 415, I, do CPP). É também possível ter havido homicídio, mas as provas dos autos indiquem, com clareza, ter sido outro o autor do delito (art. 415, II, CPP). Logo, deve o réu ser absolvido sumariamente. Outra possibilidade, mais ampla, é a evidência de que o fato ocorreu, podendo até o réu ser o seu autor, mas não constitui infração penal. Em outros termos, cuida-se de fato atípico. Somente comporta absolvição sumária a situação envolta por qualquer das alternativas e excludentes supra referidas quando nitidamente demonstradas pela prova colhida. Havendo dúvida razoável, torna-se mais indicada a pronúncia, pois o júri é o juízo competente para deliberar sobre o tema.86 As excludentes de ilicitude são: a) estado de necessidade; b) legítima defesa; c) exercício regular de direito; d) estrito cumprimento do dever legal. 3.2.2 Juízo de Preparação do Plenário “É a fase intermediária, entre a formação da culpa e o juízo de mérito”.87 Antes da Lei 11.689/2008, o ponto central dessa fase consistia na apresentação do libelo pelo órgão acusatório, especificando, em formato de artigos o teor da imputação. Após, a defesa oferecia a contrariedade ao libelo. 86 87 NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.95. NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.99. 56 Nesta fase houve outras modificações como por exemplo: a) a correlação entre a pronúncia e o questionário; b) o juiz passa a fazer relatório sucinto do processo, por escrito, incluindo-o no na pauta de julgamento da sessão do Júri, possibilitando o acesso aos jurados antes da instrução em plenário entre outras modificações. 3.2.3 juízo de Mérito O juízo de apreciação do mérito da causa constitui a terceira e última fase do procedimento do júri, até que se atinja um veredicto, dado pelos jurados, pela procedência (condenação) ou improcedência (absolvição) da ação penal. Esse juízo final é formado por uma série de atos formais, efetivados em plenário do Tribunal do Júri. 4 Julgamento em Plenário 4.1 Organização do Júri O Tribunal do Júri é composto por um juiz de direito, que é o seu presidente, por vinte e cinco jurados, sorteados dentre os alistados (art. 447, CPPC). Portanto, cuida-se de um órgão colegiado formado, como regra, por vinte e seis pessoas. Para cada sessão de julgamento, dos vinte e cinco sorteados, sete jurados são escolhidos, igualmente por sorteio, para compor o Conselho de Sentença, com a participação da acusação e da defesa. A Lei 11.689/2008, no art. 425 do CPP, pouca modificação trouxe ao quadro de deficiência de jurados, embora tenha aberto a possibilidade de elevar o número dos alistados (art. 425, §1°, CPP). Embora devesse, não mencionou o instrumento pelo qual seria viabilizado o aumento do numero de jurados. A lista de jurados suplentes também se fazia necessária na maioria das Comarcas (antigo art.441, CPP). 57 Com a reforma, não mais existe a lista de suplentes. Convocam-se os 25 titulares. Se não houver o quorum mínimo (15), na abertura dos trabalhos, o juiz presidente sorteará tantos suplentes quantos forem necessários, designando nova data para julgamento (art. 464, CPP). 4.2 Jurados Os jurados serão selecionados dentre cidadãos de notória idoneidade, com mais de 18 anos, isentos os maiores de 70 anos, que requeiram sua dispensa (art. 436, IX, CPP). A recusa injustificada ao serviço do júri acarretará multa de um a dez salários mínimos. Além disso, se a referida recusa fundar-se em motivação religiosa, filosófica ou política poderá implicar em perda ou suspensão dos direitos políticos. Tal perda ou suspensão somente ocorrerá se o jurado não prestar serviço alternativo, consistente em atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou produtivo no Poder Judiciário, na Defensoria Pública, no Ministério Público ou em entidade conveniada para tal fim. 4.3 Preparo da Sessão de Julgamento Após o trânsito em julgado da decisão de pronúncia, ingressa-se na fase de preparação do plenário. É importante frisar que nesta fase o número se sessões de instrução e julgamento pelo Tribunal do Júri passa a obedecer ao disposto pela lei local de organização judiciária, não havendo mais um número pré-estabelecido pelo Código de Processo Penal, válido pára todo o Brasil, o que é medida correta. 4.4 As Partes em Plenário O tribunal do júri, como já visto, é um órgão colegiado, integrante do Poder Judiciário, composto por 26 juízes. Convocam-se 25 jurados para a sessão de julgamento, além de ser o condutor dos trabalhos o juiz presidente. Após a instalação da sessão, com a presença mínima se 15 jurados, 58 promovem-se a composição do Conselho de Sentença. A Turma Julgadora é constituída por 7 integrantes. Resumidamente fazem parte do plenário o Juiz presidente, Ministério Público, Assistente de Acusação, Acusado e Defesa. 4.5 Procedimento em Plenário Nesta fase será realizada a solenidade inicial do Tribunal do Júri, a verificação da presença das partes e formação do Conselho de Sentença, a produção de provas, o debate em plenário e a finalização em plenário. O juiz ao ingressar no plenário, deve certificar-se de estarem presentes o representante do MP, o assistente de acusação (se houver), o réu e seu defensor. Como se verifica, a lei buscou cumprir os objetivos de modernização, simplificação e eficácia, tornando o procedimento do júri mais eficaz e ágil. Assim observou-se algumas alterações importantíssima para ordenamento jurídico brasileiro. Buscamos agora por fim ver alguns aspectos controvertidos relacionados ao crime de homicídio. 59 CAPÍTULO 3 QUESTÕES CONTROVERTIDAS 3.1 Introdução Após estudarmos os tipos de homicídio e a forma pela qual ocorre o seu procedimento passamos agora discutir algumas questões controvertidas no homicídio e no crime de trânsito. 3.2 Questões controvertidas no homicídio culposo 3.2.1 Culpa consciente e dolo eventual Consignada a tênue diferença entre uma e outro, a doutrina e a jurisprudência não são unânimes sobre o assunto, principalmente no que se refere ao homicídio ocorrido no trânsito crime este que vai ser analisado mais adiante ou decorrente do uso de arma de fogo. A divergência é perfeitamente aceitável, porque a caracterização do crime por culpa consciente ou dolo eventual depende de análise minuciosa do caso concreto e das circunstancias específicas que o envolveram. As conseqüências da tipificação, porém, são díspares. No primeiro caso, segue-se, normalmente, o rito ordinário; a pena mínima é de 1 (uma) ano, ensejando aplicação da Lei n.9.099/95, ou seja, existe, para uma corrente, a possibilidade de suspensão condicional do processo. A pena é de detenção, podendo, in concreto, ser substituída pelas alternativas. Na segunda hipótese, o sujeito pode ser pronunciado e submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, parte-se da pena-base do homicídio simples cuja pena de reclusão é de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Há denúncias, especificamente em homicídio decorrente de acidente de trânsito, no sentido de o qualificarem, quando ocorrem rachas, aliados ao álcool. Isso já transmuda o delito culposo em crime hediondo, com 60 todos os seus efeitos neste caso responde ao processo preso, a pena-base é de 12 (doze) anos. Nesse sentido, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal "A conduta social desajustada daquele que, agindo com intensa reprovabilidade ético-jurídica, participa, com o seu veículo automotor, de inaceitável disputa automobilística realizada em plena via pública, nesta desenvolvendo velocidade exagerada além de ensejar a possibilidade de reconhecimento do dolo eventual inerente a esse comportamento do agente -, justifica a especial exasperação da pena, motivada pela necessidade de o Estado responder, grave e energicamente, à atitude de quem, em assim agindo, comete os delitos de homicídio doloso e de lesões corporais". (Habeas Corpus nº 71800-1/RS, STF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 20.06.95, un., DJU 03.05.96, p. 13.899).88 3.2.2 Previsibilidade do evento Há divergência, também, de decisão sobre previsibilidade ou não do evento para configuração da culpa. Isso porque trata-se de uma verificação subjetiva e, redundantemente, depende do caso concreto. Nos direitos culposos, sempre deverá ser feita, pelo juiz, uma adequação da situação ao dispositivo legal, por se estar lidando com tipos abertos. 3.2.3 Imperícia ou erro profissional Há discussões, primeiramente, na conceituação de que seja imperícia. Assunto este tratado no primeiro capítulo. Para alguns autores, é a falta de habilitação ou a falta de conhecimento para exercício da profissão ou da arte. Para outros, pode ser imperito inclusive o profissional habilitado. Seria, nessa hipótese, uma incongruência dizer-se que um médico, que cursou a faculdade, fez residência aprimorou-se é imperito em sua profissão. 88 BRASIL, Supremo Tribunal Federa, Hábeas Corpus nº 71800, Rel. Min. Celso de Mello, j. 20.06.95, un., DJU 03.05.96, p. 13.899. 61 Portanto é importante destacar que estes dois institutos não se confundem. Vejamos a diferença: Imperícia é a falta de capacidade, de despreparo ou insuficiência de conhecimentos técnicos para o exercício de arte, profissão ou ofício. A inabilidade desempenho de determinada atividade fora do campo profissional ou técnico tem sido considerada na modalidade de culpa imprudente ou negligente, conforme o caso. O erro profissional é um acidente escusável, justificável e, de regra, imprevisível, que não depende do uso correto e oportuno dos conhecimentos e recursos da ciência. Esse tipo de acidente não decorre da má aplicação de regras e princípios recomendados pela ciência. Deve-se à imperfeição e precariedade dos conhecimentos humanos, operando, portanto, no campo do imprevisto e transpondo os limites da prudência e da atenção humana. No entanto, embora não tenha carta branca, não pode, ao mesmo tempo, ficar limitado por dogmas inalteráveis. Tendo agido racionalmente, segundo os preceitos fundamentais artis, ou, quando deles se afastar, o fizer por motivos justificáveis, não terá de prestar conta à justiça penal, por eventual resultado fático.89 Portanto, enquanto a imperícia é um erro grosseiro, que a média dos profissionais de determinada área não cometeria, em circunstâncias normais profissional faz parte da precariedade dos conhecimentos humanos, pois nem todos possuem o mesmo talento, a mesma cultura e idêntica habilidade quando houver erro, resolve-se na esfera civil. Ainda, é importante a distinção, porque há especial causa de aumento de pena, quando não é observada regra técnica de profissão, arte ou ofício. 3.2.4 Questões controvertidas no homicídio privilegiado Como visto anteriormente, o homicídio privilegiado dá direito a uma redução de pena variável entre um sexto e um terço. 89 SCHIAPPACASSA, Luciano Vieira, Imperícia e erro profissional são sinônimos? Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080708094321818> acesso em 08/11/08. 62 Esta redução causa bastante controversa entre doutrinas e jurisprudência. Pois a redução da pena é obrigação ou faculdade do juiz, tendo em vista que a lei afirma que o juiz “pode” reduzir a pena? Para E. Magalhães Noronha, “a oração do artigo não admite dúvidas: poder não é dever” 90 . Em face da redação do artigo, outra interpretação na parece possível. Este também é o entender de Nélson Hungria, que, ao se referir ao homicídio emocional, por mais de uma vez diz que este autoriza redução da pena, e que, “tratando-se de homicídio ou de lesões corporais, se a reação emocional é exercida sine intervallo, constitui causa de facultatividade diminuição especial da pena” 91. Argumenta-se que, se ela é facultativa, não devia ser fixado limite mínimo ao juiz. Tal orientação visa, entretanto, obstar que este faça reduções tais que importem a impunidade. O verbo poder não indica outra coisa senão permissão, autorização, faculdade, etc. Do mesmo modo se comporta a lei no art.26, parágrafo único, que trata de estados afins ou vizinhos da emoção ou paixão, e onde surge também redução facultativa, como frisa José Frederico Marques: “O juiz, ao graduar a pena, não é obrigado a diminuí-la, pois a redução é facultativa”92 . Ao contrário do que alguns pretendem, a faculdade concedida ao juiz não fere a soberania do Júri, porque não entra nas atribuições deste a fixação da pena. Portanto para E. Magalhães Noronha, Nélson Hungria e Frederico Marques, a redução da pena é facultativa. Divide o mesmo entendimento Julio Fabbrini Mirabete. 90 NORONHA, E. Magalhães, Dos Crimes Contra a Pessoa, 33. ed, São Paulo, Saraiva, 2003, v.2, p.28. 91 HUNGRIA, Nélson, Comentários ao Código Penal, 1942, v.5, p.125. 92 MARQUES, José Frederico, Curso de Direito Penal, v.2, p.197. 63 Ao contrário destes doutrinadores, há quem diga que a redução da pena é obrigatória, pois trata-se de um direito do réu. Desse entendimento compartilha Damásio E. de Jesus, para quem: A diminuição da pena, presentes seus requisitos, é obrigação do juiz, não obstante o emprego pelo Código Penal da expressão ‘pode’ e o disposto no art.492, §1°, do Código de Processo Penal, que fala em ‘faculdade’. Reconhecido privilégio pelos jurados, não fica ao arbítrio do julgador diminuir ou não a pena93. No mesmo sentido leciona Celso Delmanto: Em favor da não-obrigatoriedade da redução argumenta-se com o atr.492, §1°, do CPP, que consigna: ´Ao juiz ficará reservado o uso dessa faculdade’. Cabe assimilar porém, que a indagação do homicídio privilegiado é ‘quesito de defesa’. De acordo com a jurisprudência da Suprema Corte, se essa indagação não precede os quesitos de qualificação do homicídio, há nulidade absoluta do julgamento. Ora, se a indagação do homicídio privilegiado é tão importante que a sua mera posição torna nulo o julgamento do júri, seria sumariamente incoerente impor sua formulação, mas deixar ao puro arbítrio do juiz a aplicação ou não de redução de pena decidida pelos jurados. Por isso, em respeito à tradicional soberania do júri, hoje constitucional (CR/88, art.5°, XXXVIII, c, entendemos que, quando for reconhecido pelos jurados o homicídio privilegiado, o juiz-presidente não deve deixar de reduzir a pena, dentro dos limites de um sexto a um terço. A quantidade da redução prevista no §1°, do art.121 ficará, esta sim, reservada ao fundamentado critério do magistrado”94. Se o privilégio tiver sido reconhecido pelo júri popular, o juiz está obrigado a respeitar a soberania do veredicto, não havendo que se falar em faculdade. Nos demais crimes, de competência do juízo monocrático, quem decide é o juiz, podendo considerar ou não a emoção, de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Nesta hipótese, estaremos diante não de uma causa especial de diminuição de pena (privilégio), mas de uma circunstância atenuante genérica (CP, art. 65, III, c). 93 94 JESUS, Damásio E. de, Código Penal Anotado, 10. ed, São Paulo, Saraiva, 2000, p.387. DELMANTO, Celso e outros, Código Penal comentado, São Pulo, Renovar, 2000, p.231. 64 Outra questão bastante controvertida no homicídio privilegiado diz respeito a aplicação simultânea da qualificadora e privilegiadora. Pode um homicídio ser, ao mesmo tempo, qualificado e privilegiado? Conforme Valentim Alves da Silva: Embora difícil, pode uma qualificadora coexistir com circunstância do §1º, o caso do sertanejo, v.g., que mata de tocaia o sedutor ou estuprador de sua filha: emboscada e motivo moral. Será esta, entretanto, a opinião do Código? A interpretação dos Tribunais é válida: ora decidem pela negativa, ora se pronuncia pela admissibilidade.95 Não nos parece que aqui a vontade da lei seja diversa. Veja-se primeiramente a disposição técnica do Código. Depois de definir o homicídio simples, no artigo 121, passa no §1º- a que ele denomina caso de diminuição de pena - a tratar de mitigação penal. Qual será então a pena? Evidentemente a cominada antes, ou seja, a do artigo, ou do homicídio simples. Elementar conhecimento de técnica legislativa levaria o legislador, se quisesse entender o privilégio ao homicídio qualificado, a definir este em primeiro lugar, isto é, indicaria que a pena era tanto a de um como a de outro. Observa-se que este conflito ocorre entre circunstâncias legais especiais. Segundo Damásio de Jesus: As circunstâncias legais contidas na figura típica do homicídio privilegiado são de natureza subjetiva. Na do homicídio qualificado, algumas são objetivas (§2º, III e IV, salvo a crueldade), outras, subjetivas, (inc. I, II e IV). De acordo com nossa posição o privilégio não pode concorrer com as qualificadoras de natureza subjetiva. Não se compreende homicídio cometido por motivo fútil e, ao mesmo tempo, de relevante valor moral. Os motivos subjetivos determinantes são antagônicos. O privilégio, porém, pode coexistir com as qualificadoras objetivas. Admite-se homicídio eutanásico cometido 95 SILVA, Valentim Alves da, Repertório de Jurisprudência do Código Penal, v.2, n.1.822, 1.831 e 1.839. 65 mediante veneno. A circunstância do relevante valor moral (subjetiva) não repele o elemento exasperador objetivo. O mesmo se diga do fato de alguém matar de emboscada e impelido por esse motivo. Ainda discutindo sobre a coexistência das circunstâncias qualificadora há duas interpretações contrárias à coexistência. Segundo E.Magalhães Noronha: Uma delas leva em conta a disposição topográfica da norma penal. Veja-se que primeiramente a norma penal prevê o homicídio simples (caput), seguido da figura privilegiada (§1º) e da qualificadora (§2º). Tal disposição técnica deixaria claro que o legislador não quis estender o privilégio ao homicídio qualificado; se o quisesse, teria previsto a figura privilegiadora após a qualificadora. Assim, a figura privilegiadora, segundo a técnica legislativa, seria aplicável somente ao homicídio na modalidade simples 96. A outra corrente é defendida por Fernando Capez: Argumenta sobre a incompatibilidade da coexistência das circunstâncias privilegiadoras e qualificadoras, inclusive as de cunho objetivo (meio e modo de execução), por entender que a qualificadora sempre repele o privilégio e vice-versa, pois não se poderia reconhecer situações que amenizem e agravem a pena ao mesmo tempo 97. Heleno Fragoso vai ainda mais longe, dando uma terceira posição, em que: Admite-se o concurso de circunstâncias qualificadoras objetivas e das quais autorizam a diminuição da pena (são todas de caráter pessoal) tem-se afirmado que prevalecem estas últimas, por serem preponderantes nos termos do art.67 do Código Penal 98. 96 NORONHA, E,Magalhães, Direito Penal, dos crimes contra a pessoa. 26. ed. São Paulo, Saraiva, 1994, v.2, p.26. 97 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, 7º. ed. Saraiva, 2007, v.2, p.41. 98 FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de direito penal: parte especial. 3. ed. São Paulo, v.1, p.59. 66 Levando-se, contudo, em consideração que a disposição topográfica é secundária, devendo a norma penal ser interpretada de forma harmônica, de modo a se admitir a coexistência do privilégio e da qualificadora, e de que as circunstâncias qualificadoras objetivas (meio e modo de execução) são compatíveis com privilégio, que é sempre uma circunstância subjetiva, a jurisprudência tem aceito a coexistência de circunstância subjetiva que constitua o privilégio com circunstância objetiva (meio e modo de execução) que constitua a qualificadora. Desse modo, é possível que o agente tenha agido sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima (circunstância privilegiadora), e que tenha empregado um meio que impediu ou impossibilitou a sua defesa (circunstância qualificadora objetiva). Inadmite-se, contudo, a coexistência de circunstâncias subjetivas. Segundo Fernando Capez, para aqueles que entendem que o privilégio pode coexistir com a circunstância qualificadora objetiva, a aplicação da pena será feita da seguinte forma: 1º Fase: no momento da aplicação da pena (art.68 do CP), se foi reconhecida a existência da qualificadora, a pena-base será fixada entre o limite de doze a trinta anos de reclusão; 2º Fase: na segunda fase, analisam-se as circunstâncias agravantes e atenuantes; 3º Fase: nessa fase, aplicam-se as causas de diminuição do §1º do art.121, cabendo a redução de um sexto a um terço da pena somente para quem entende que as qualificadoras de natureza objetiva podem coexistir com o privilégio. Nesse a redução varia conforme a relevância do motivo de valor moral ou social, ou a intensidade da emoção do agente e o grau de provocação do ofendido.99 Como já visto as privilegiadoras são todas subjetivas, posto que se relacionam com o motivo do crime ou com o estado anímico do agente. 99 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva, 2007, p.42. 67 No entanto, as qualificadoras podem ser subjetivas ou objetivas. Para que se possa falar em homicídio qualificado privilegiado, como se vê, é necessário que a qualificadora seja objetiva, para assim, haver compatibilidade com a privilegiadora subjetiva. Vejamos: Artigo 121, do Código Penal: §1º: Privilegiadas: -motivo de relevante valor social ou moral; -domínio de violenta emoção §2º: Qualificadoras: -motivo torpe (subjetiva); -motivo fútil (subjetiva); -meio cruel (objetiva); -meio insidioso (objetiva); -conexão (subjetiva). Analisando as informações supracitadas, há de se notar que é possível falar em homicídio qualificado privilegiado em duas situações específicas, quais sejam, homicídio qualificado por motivo cruel e insidioso. 3.2.5 Questões controvertidas no crime de trânsito O objetivo original do legislador era reprimir com rigor as infrações de trânsito no sentido de garantir à coletividade maior segurança no tráfego de veículos automotores. Aliás, essa preocupação já advém de tempos remotos, pois Viveiros de Castro, no ano de 1990, já dizia que “os acidentes 68 automobilísticos são verdadeira epidemia, tão mortífera como a febre amarela” 100 . Entretanto, em que pese a boa intenção do legislador pátrio, alguns dispositivos dos crimes de trânsito são confusos e, em certos aspectos, padecem do mais grave dos vícios, que é a inconstitucionalidade. Por isso o CTB nunca alcançará seu objetivo. O novo Código de Trânsito Brasileiro trouxe importantes inovações legislativas, na medida em que passou a tipificar os crimes de homicídio e lesões corporais, na modalidade culposa, praticados na direção de veículo automotor. Trata-se, portanto, de tipo específico. “A doutrina tradicional classifica os crimes de trânsito em crimes de dano (homicídio culposo e lesão culposa) e de perigo (abstrato ou presumido e concreto)” 101. A doutrina de Damásio E. de Jesus defende que “os crimes de trânsito são de lesão e de mera conduta, demonstrando ser inadequada a classificação tradicional” 102 . Conforme leciona o autor, a partir do momento em que alguém pratica um crime de trânsito irá reduzir substancialmente o nível de segurança desejado pelo interesse coletivo. O homicídio culposo de trânsito está previsto no art.302 do CTB. O grave problema apontado inicialmente pela doutrina é com relação ao tipo penal do homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor. Este fere de morte o princípio de direito penal da taxatividade, corolário lógico do princípio constitucional da legalidade. Melhor seria se o Poder Judiciário brasileiro fosse duro com o legislador simbólico, declarando a inconstitucionalidade dos tipos penais que ferem princípios do moderno direito penal. Ao majorar a pena de homicídio culposo de trânsito, em comparação com as demais condutas previstas no Código Penal em seu art.121, §3º, atribuiu-se um desvalor objetivo que é tido por muitos como inconstitucional. 100 ROESLER, Átila da Rold, Novas (e velhas) polêmicas sobre o crime de trânsito, disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4949> acesso em: 09/11/08. 101 ROESLER, Átila da Rold, Novas (e velhas) polêmicas sobre o crime de trânsito, disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4949> acesso em: 09/11/08. 102 JESUS, Damásio E. de. Crimes de Trânsito, São Paulo, Saraiva, 2002, p.18. 69 Entretanto, o legislador pretendeu que o condutor de veículo automotor agisse com maior cuidado objetivo no trânsito do que em outros atos da vida diária. Com a nova norma penal incriminadora, criou-se uma situação verdadeiramente estranha. Segundo João Leal: A partir da vigência do CTB, estamos convivendo com uma conduta delituosa do mesmo tipo objetivo (causar a morte de alguém, culposamente), que possui um mesmo objeto jurídico e material (a vida humana), mas que se formaliza mediante duas categorias típicas diferenciadas. A primeira é a do homicídio culposo comum, que se mantém como tipo penal de execução aberta, ou seja, infração com forma livre de realização do tipo objetivo. A outra é a do homicídio culposo de trânsito, considerada mais grave e, em conseqüência, marcada por uma maior carga punitiva. Nos termos do art.302, do CTB, esta figura típica é descrita com forma fechada ou específica de realização (na direção de veículo automotor). Só haverá homicídio culposo de trânsito, se a morte da vítima for causada na direção de veículo automotor103. Acabou o legislador fazendo com que houvesse duas medidas punitivas diferente para um mesmo tipo de conduta culposa. Situação ingrata é diferenciar homicídio culposo de trânsito de homicídio doloso do Código Penal quando da ocorrência de dolo eventual ou culpa consciente. Até hoje a mais avalizada doutrina encontra dificuldades em diferenciá-los e a questão fica relegada ao entendimento do juiz. No ensinamento clássico de Damásio E. de Jesus: No dolo eventual, o agente tolera a produção do resultado, o evento lhe é indiferente, tanto faz que ocorra ou não. Ele assume o risco de produzi-lo (CP, art.18, I, parte final). Na culpa consciente, ao contrário, o agente não quer o resultado, não 103 LEAL, João, Homicídio culposo de trânsito: a impropriedade de duas normas incriminadoras para uma mesma conduta típica, disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/44/1944/> , acesso em: 13/11/08. 70 assume o risco nem ele lhe é tolerável ou indiferente. O evento lhe é representado (previsto), mas confia em sua não-produção 104. A dificuldade do operador do direito será de penetrar na mente do sujeito a fim de verificar se este assumiu o risco ou se apenas confiou em sua não ocorrência. Cabe dizer que o homicídio culposo absorve todos os demais delitos de trânsito, em face do princípio da consunção lembrando que esse princípio ocorre: Quando uma ou mais infrações penais figuram unicamente como meios ou fases necessárias para a consecução do crime-fim, ou quando simplesmente se resumem a condutas, anteriores (antefactum) ou posteriores (postfactum), do crime-fim, estando, porém, insitamente interligados a este, sem qualquer autonomia portanto (pois o contrário daria margem ao concurso real de crimes), ou quando ocorre a chamada progressão criminosa (mudança de finalidade ilícita pelo agente), o agente só terá incorrido no tipo penal mais grave. É o que determina o princípio da consunção, para o qual em face a um ou mais ilícitos penais denominados consuntos, que funcionam apenas como fases de preparação ou de execução de um outro, mais grave que o(s) primeiro(s), chamado consuntivo, ou tão-somente como condutas, anteriores ou posteriores, mas sempre intimamente interligado ou inerente, dependentemente, deste último, o sujeito ativo só deverá ser responsabilizado pelo ilícito mais grave 105. Havendo duas ou mais vítimas, aplica-se a regra do concurso formal de crimes (art.70, do CP). Por fim, a questão da co-autoria nos crimes de trânsito é tormentosa, principalmente em matéria de homicídio culposo. Fazendo menção ao aspecto processual, é importante lembrar aos operadores do direito que não se imporá prisão em flagrante ao condutor do veículo que, mesmo após ter praticado homicídio culposo, tentar minimizar o ato prestando pronto e integral socorro à vítima (art.301). Se essa 104 JESUS, Damásio E. de, Crimes de Trânsito, São Paulo, Saraiva, 2002, p.83. RAMOS, Guilherme da Rosa, Princípio da consunção: o problema conceitual do crime progressivo e da progressão criminosa, disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=996, acesso em: 09/11/08. 105 71 situação não ocorrer e desde que presente as hipóteses taxativas do art.302 do estatuto processual penal, caberá à autoridade policial a lavratura do auto de prisão em flagrante e posterior fixação de fiança ao condutor, nos termos do artigo 322, já que o crime é punido com detenção. Dessa forma, a não ser que haja dolo eventual e não ocorrendo as hipóteses dos arts.323 e 324 do CPP que vedam a concessão da fiança, o motorista que praticou homicídio culposo na direção e de veículo automotor deverá ser solto pelo delegado de polícia após a lavratura da peça coercitiva e prestação de fiança. Por fim resta destacar a alteração trazida pela Lei n° 11.705/2008, na qual instituiu entre nós a “tolerância zero” de álcool para os condutores de veículo automotores. No que diz respeito ao homicídio culposo e lesão corporal culposa na direção de veículo automotor a referida lei retirou as causas de aumento decorrente da embriaguez nesses crimes, revogando desta forma o inciso V, parágrafo único do artigo 302 do CTB. Enfim, os aspectos criminais do Código de Trânsito Brasileiro continuam a suscitar polêmicas nos tribunais do país. Questões controvertidas ainda não foram completamente pacificadas. Resta aos operadores do Direito apelar para verdadeiros malabarismos a fim de poder aplicar as novas normas jurídicas que brotam do nada, dia após dia. CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente Monografia teve como objeto tratar sobre o Crime de Homicídio: procedimento e questões controvertidas. O seu objetivo foi o de propiciar uma visão geral do crime de homicídio. Para tanto, no Capítulo 1, discorreu sobre a forma básica do delito de homicídio discorrendo sobre o seu conceito, objeto jurídico, objeto material, sujeito ativo, sujeito passivo, bem como o momento consumativo do homicídio, e suas formas de tentativa. Tratou-se ainda das modalidades de homicídio. No Capítulo 2, tratou-se do procedimento no Tribunal do Júri, trazendo sua história, princípios relevantes instituto, bem como seu funcionamento. No Capítulo 3, delineou-se acerca das questões controvertidas, sem qualquer pretensão de esgotar o tema. A presente monografia foi desenvolvida com base em três hipóteses que foram confirmadas, ao longo deste trabalho, conforme segue. A primeira hipótese restou comprovada, pois, a Lei n°8.930/94 alterou a redação do art.1°, I, da Lei 8.072/90 considerando o crime de homicídio, hediondo quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que executado por um só agente e também na sua forma qualificada. A segunda hipótese não restou comprovada, pois o texto constitucional do art.5°, XXXVIII, d, menciona ser assegurada a competência para os crimes dolosos contra a vida e não somente para eles. Uma vez que o art, 78, I, do CPP admite a competência do Tribunal do Júri nos crimes conexos. A terceira hipótese foi comprovada, pois no terceiro Capítulo ao analisar as questões controvertidas acerca do homicídio privilegiado 73 constatou-se a possibilidade da coexistência da privilegiadora e da qualificadora desde que a qualificadora seja objetiva para assim, haver compatibilidade com a privilegiadora subjetiva. Desta forma, observou-se que a estrutura normativa tem o intuito de estabelecer limites ao cidadão para o convívio em sociedade. No âmbito da estrutura penal brasileira, as interpretações doutrinárias e jurisprudenciais, determinam os elementos fáticos e materiais a serem observados pelo aplicador do Direito, para a definição do crime de homicídio e sua punição dentro da sociedade. Assim sendo, constata-se que o homicídio é um crime praticado contra a vida humana, podendo englobar diversas peculiaridades, as quais irão influir diretamente na condenação do agente delituoso. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS BITENCOURT, Cezar Roberto, Manual de Direito Penal, parte especial, v.2. São Paulo: Editora Saraiva. 2001, BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus n°85.904, Rel. Joaquim Barbosa, 13.02.07 BRASIL, Supremo Tribunal Federa, Hábeas Corpus nº 71800, Rel. Min. Celso de Mello, j. 20.06.95, un., DJU 03.05.96, p. 13.899. DELMANTO, Celso, Código Penal Comentado, São Paulo, Renovar, 2000. CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2 Saraiva, 2007. CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal, Saraiva 2007. CAMPANHOLE, Adriano. CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 1994. FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de direito penal: parte especial. 3. ed. São Paulo, v.1. HUNGRIA, Nelson. FRAGOSO, Heleno, Comentários ao Código Penal, 5. ed. v.V Rio de Janeiro: Forense, 1979. JESUS, Damásio E. de, Crimes de Trânsito, São Paulo, Saraiva, 2002. LEAL, João, Homicídio culposo de trânsito: a impropriedade de duas normas incriminadoras para uma mesma conduta típica, disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/44/1944/, acesso em: 13 de nov. de 2008. MARQUES, José Frederico, A Instituição do Júri. Campinas: Bookseller, 1997. MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal, Parte Especial, 10. ed. v.2, Atlas, 1995. MIRABETE, Julio Fabbrini, Processo Penal, 18° ed. São Paulo: Atlas. 2006. MORAIS, Alexandre de, Direito Constitucional, 19. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2006. NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais, 2008. 75 RAMOS, Guilherme da Rosa, Princípio da consunção: o problema conceitual do crime progressivo e da progressão criminosa, disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=996, acesso em: 09 de nov. 2008. 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