do crime de homicídio: procedimento e questões

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS
CURSO DE DIREITO
DO CRIME DE HOMICÍDIO: PROCEDIMENTO E QUESTÕES
CONTROVERTIDAS
LEANDRO TEODORO NEPOMUCENO
Itajaí, novembro de 2.008
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS JURÍDICAS - CEJURPS
CURSO DE DIREITO
DO CRIME DE HOMICÍDIO: PROCEDIMENTO E QUESTÕES
CONTROVERTIDAS
LEANDRO TEODORO NEPOMUCENO
Monografia submetida à Universidade
do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de
Bacharel em Direito.
Orientador: Professor MSc. Rogério Ristow
Itajaí, novembro de 2.008
AGRADECIMENTO
Agradeço a todos os amigos que me apoiaram
durante essa fase da minha vida e a toda minha
família que sempre esteve ao meu lado, na hora
em que eu precisava.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus pais Luiz Wagner
Nepomuceno e a minha mãe Solange Teodoro
Nepomuceno, por terem me dado condições de
cursar a faculdade de Direito, que sempre sonhei
em fazê-la para poder seguir profissionalmente
nesta carreira tão bonita e querida por todos,
dedico também aos meus irmãos Sandro Luiz
Teodoro Nepomuceno e Laiane Teodoro
Nepomuceno, e por fim ao meu professor e
orientador Rogério Ristow pela atenção que tem
me dado durante o desenvolvimento deste
trabalho.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí, 21 de novembro de 2.008
Leandro Teodoro Nepomuceno
Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduando Leandro Teodoro Nepomuceno,
sob o título Do Crime de Homicídio: Procedimento e Questões Controvertidas, foi
submetida em 21 de novembro de 2.008 à banca examinadora composta pelos
seguintes professores: MSc Rogério Ristow (orientador) e MSc. Rodrigo Leal
(examinador), e aprovada com a nota ______ (_______________________).
Itajaí, 21 de novembro de 2.008
Professor MSc. Rogério Ristow
Orientador e Presidente da Banca
Professor MSc. Antônio Augusto Lapa
Coordenação da Monografia
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CP
Código Penal
CPP
Código de Processo Penal
CF/1988
Constituição Federal de 1988
ART.
Artigo
§
Parágrafo
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Homicídio
“É a morte de um homem provocada por outro homem. É a eliminação da vida de
uma pessoa praticada por outra. O homicídio é o crime por excelência”.1
Objeto Jurídico
Objeto jurídico do crime é o bem jurídico, isto é, o interesse protegido pela norma
penal.
Objeto Material
O objeto material do crime de homicídio é a pessoa sobre quem recai a ação ou
omissão.
Tribunal do Júri
Tem por finalidade a de ampliar o direito de defesa dos réus, funcionando como
uma garantia individual dos acusados pela prática de crimes dolosos contra a vida
e permitir que, em lugar do juiz togado, preso as regras jurídicas, sejam julgados
pelos seus pares.
Soberania dos Veredictos
Princípio que garante aos jurados decidirem de acordo com a sua consciência e
não seguindo a lei.
1
HUNGRIA, Nélson e FRAGOSO, Heleno, Comentários ao Código Penal, 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1979, v.V, p.25.
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................XI
INTRODUÇÃO .................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 ....................................................................................... 3
HOMICÍDIO ............................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
1.1 INTRODUÇAO....................................................... Erro! Indicador não definido.
1.2 CONCEITO ....................................................................................................... 3
1.3 OBJETO JURÍDICO ..........................................................................................4
1.4 OBJETO MATERIAL ........................................................................................4
1.5 SULEITO ATIVO................................................................................................4
1.6 SUJEITO PASSIVO ...........................................................................................5
1.7 MOMENTO CONSUMATIVO E PERÍCIA MÉDICO-LEAGL REALIZADA
PARA CONSTATAÇAO DA "CAUSA MORTIS"....................................................5
1.7.1 CRIME CONSUMADO .........................................................................................5
1.7.2 Perícias Médicos-Legais..............................................................................6
1.8 TENTATIVA.......................................................................................................8
1.9 MODALIDADES DE HOMICÍDIO......................................................................9
1.9.1 Homicídio Simples......................................................................................10
1.9.2 Homicídio Privilegiado...............................................................................10
1.9.2.1 Motivo de Relevante Valor Social ou Moral...........................................11
1.9.2.1.1 Domínio de Violenta Emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima..........................................................................................12
1.10.2 HOMICÍDIO QUALIFICADO.......................................................................17
1.10.2.1 Hipóteses previstas no art.121, §2°, I a V, do Código Penal..............18
1.10.2.2 Inciso I- Mediante paga ou promessa de recompensa, ou outro
motivo porte.........................................................................................................18
1.10.2.3 Inciso II- Motivo Fútil.............................................................................19
1.10.2.4 Inciso III- Emprego de veneno, fogo, explosivos, asfixia, tortura ou
outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum......19
1.10.2.5 Inciso IV- Traição, emboscada, ou mediante dissimulação ou outro
recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido....................23
1.10.2.6 Inciso V- Assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou
vantagem de outro crime....................................................................................25
1.10.2.7 Causa especial de aumento de pena. Homicídio doloso contra
menor de 14 anos ou maior de 60 anos (§4°)....................................................26
1.11.3 HOMICÍDIO CULPOSO (§3°).....................................................................27
1.11.3.1 Modalidade de Culpa.............................................................................28
1.11.3.2 Homicídio culposo. Causa especial de aumento de pena (§3°)........29
1.11.4 PERDÃO JUDUCIAL................................................................................. 30
CAPÍTULO 2 ..................................................................................... 32
ASPECTOS PROCEDIMENTAIS ...................................................... 32
2.1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 32
2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS RELEVANTES.....................................................32
2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO TRIBUNAL DO JÚRIERRO! INDICADOR
NÃO DEFINIDO.
2.3.1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................37
2.3.2 PLENIUDE DE DEFESA ........................................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
2.3.3 SIGILO DAS VOTAÇÕES ...................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
2.3.4 SOBERANIA DOS VEREDICTOS ............................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
2.3.4.1 COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA ....42
3 PROCEDIMENTO ESPECIAL TRIFÁSICO .......................................................45
3.1 VISÃO GERAL DAS TRÊS FASES .........................................................................45
3.2 Juízo de Formação de Culpa........................................................................ 47
3.2.1 DECISÃO JUDICIAL DE FINALIZAÇÃO ................................................................47
3.2.1.1 PRONÚNCIA.................................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
3.2.1.1.1 CONCEITO ................................................................................................48
3.2.1.1.2 Conteúdo...............................................................................................48
3.2.1.1.3 Fundamentação.....................................................................................50
3.2.1.2 IMPRONÚNCIA.........................................................................................50
3.2.1.2.1 Conceito.................................................................................................50
3.2.1.2.2 Conteúdo e Fundamentação................................................................52
3.2.1.3 DESCLASSIFICAÇÃO..............................................................................53
3.2.1.3.1 Conceito.................................................................................................53
3.2.1.3.1.2 Hipóteses Legais................................................................................54
3.2.1.4 Absolvição Sumária.................................................................................54
3.2.1.4.1 Conceito e Hipóteses Legais...............................................................54
3.2.2 JUÍZO DE PREPARAÇÃO DO PLENÁRIO.................................................55
3.2.3 JUÍZO DE MÉRITO.......................................................................................56
4.JULGAMENTO EM PLENÁRIO........................................................................ 56
4.1 Organização do Júri.......................................................................................56
4.2 Jurados...........................................................................................................57
4.3 Preparação da Sessão de Julgamento........................................................57
4.4 Partes em Plenário........................................................................................57
4.5 Procedimento em Plenário...........................................................................58
CAPÍTULO 3 ..................................................................................... 59
QUESTÕES CONTROVERTIDAS..................................................... 59
3.1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 59
3.2 QUESTÕES CONTROVERTIDAS NO HOMICÍDIO CULPOSO .................... 59
3.2.1 Culpa Consciente e Dolo Eventual ........................................................... 59
3.2.2 Previsibilidade do Evento.......................................................................... 60
3.2.3 Imperícia ou Erro Profissional .................................................................. 60
3.2.4 QUESTÕES CONTROVERTIDAS NO HOMICÍDIO PRIVILEGIADO ......... 61
3.2.5 QUESTÕES CONTROVERTIDAS NO CRIME DE TRÂNSITO................... 65
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................... 69
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................... 72
ANEXOS................................................................................................
RESUMO
A presente pesquisa tem o escopo de discorrer acerca do
Crime de Homicídio, suas formalidades, seus procedimentos, legislações
aplicáveis, enfim, considerar os pontos cruciais deste tema. Nota-se que este
instituto é muito abrangente, pois ele engloba diversos assuntos. No presente
trabalho foi abordado apenas sobre o homicídio sem relacionar ele com outros
assuntos, a não ser no caso do crime de homicídio culposo no trânsito, assunto
este tratado no capítulo terceiro. O referido tema está disposto no artigo 121 do
Código Penal. Verificou-se que na ocorrência deste crime o agente é submetido
ao Tribunal do Júri, mas para isso o crime tem que ser doloso contra a vida. Este
instituto foi criado em nosso país em 1822, por decreto do Príncipe Regente e
permanece até hoje em nossa Constituição expresso no artigo 5°, XXXVIII. Como
todo e qualquer instituto o Tribunal do Júri também possui princípios
constitucionais, tendo como principal a Soberania dos Veredictos, no qual cabe
aos jurados decidir o futuro do réu de acordo com a sua consciência. Por fim
foram levantas questões controvertidas acerca do homicídio. A mais discutida
dela diz respeito à possibilidade do homicídio privilegiado qualificado. Vários
doutrinadores trataram do assunto, e a conclusão a que chegaram foi a de ser
possível a coexistência do homicídio privilegiado qualificado desde que a
qualificadora seja objetiva para assim haver compatibilidade com a privilegiadora
subjetiva. No entanto esse instituto merece maior atenção não só dos acadêmicos
de Direito, mas como todos os cidadãos, pois, todos estão sujeitos a sofrer ou
cometer este delito, que é considerado inaceitável para a população.
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto tratar sobre o crime
de homicídio.
O seu objetivo é propiciar uma visão geral do crime de
homicídio, previsto no artigo 121 do Código Penal Brasileiro, ressaltando algumas
curiosidades e interpretações controvertidas, porém, sem qualquer pretensão de
esgotar o tema. A intenção é apenas relembrar alguns aspectos que foram
estudados durante a graduação e que devem ser considerados durante a
graduação.
Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando-se sobre a
forma básica do delito de homicídio discorrendo sobre o seu tema, conceito,
objeto jurídico, objeto material, sujeito ativo, sujeito passivo, bem como o
momento consumativo, do homicídio, e suas forma de tentativa. Tratou-se ainda
das modalidades de homicídio.
No Capítulo 2, tratou-se do procedimento no Tribunal do
Júri, constatou-se que esse instituto foi acrescentado em nossa Constituição no
ano de 1988, com o objetivo de julgar os crimes doloso contra a vida. Foi também
verificado que com a reforma trazida pela Lei 11.689/2008 o procedimento passou
a ter três fases com o intuito de tornar mais prático o seu procedimento.
No Capítulo 3, trata-se acerca das questões controvertidas,
trazendo opiniões diferentes de alguns doutrinadores acerca da tipificação no
caso do homicídio culposo, da coexistência ou não da qualificadora e da
privilegiadora.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações
Finais,
nas
destacados durante a pesquisa.
quais
são
apresentados
pontos
conclusivos
2
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
O crime de homicídio é considerado hediondo, desde que
praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que
executado por um só agente
O Tribunal do Júri tem competência para julgar somente os crimes
dolosos contra a vida
O crime de homicídio está tipificado no artigo 121 do Código Penal,
existe a possibilidade de aplicar a privilegiadora e a qualificadora
ao mesmo tempo
Diante desses tópicos, o presente trabalho vislumbrará de
forma simples, o Crime de Homicídio, apresentando entendimentos doutrinários e
jurisprudenciais, a fim de contribuir para o estudo deste tema no Direito Penal.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase
de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados
o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente
Monografia é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as
Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa
Bibliográfica.
CAPÍTULO 1
HOMICÍDIO
1.1 Introdução
O crime de homicídio, previsto normativamente na estrutura
penal, estabelece essencialmente a preservação da vida humana.
Com esta exposição, procura-se trazer este instituto, a fim
de que sejam delimitados os aspectos, características, qualificadoras e privilégios
existentes com relação ao crime de homicídio no ordenamento jurídico nacional.
1.2 Conceito
Homicídio é a morte de um homem provocada por outro
homem. É a eliminação da vida de uma pessoa praticada por outra. O homicídio é
o crime por excelência1.
Como dizia Impallomeni, todos os direitos partem do direito de
viver, pelo que, numa ordem lógica, o primeiro dos bens é o bem
vida. O homicídio tem a primazia entre os crimes mais graves,
pois é o atentado contra a fonte mesma da ordem e segurança
geral, sabendo-se que todos os bens públicos e privados, todas as
instituições se fundam sobre o respeito à existência dos indivíduos
que compõem o agregado social2.
Portanto o crime de homicídio viola o bem mais valioso do
homem que é a vida.
1
2
HUNGRIA, Nelson. FRAGOSO, Heleno, Comentários ao Código Penal, 5. ed., Rio de Janeiro:
Forense, 1979, v.V, p.25.
HUNGRIA, Nelson. FRAGOSO, Heleno, Comentários ao Código Penal, 5. ed., Rio de Janeiro,
Forense, 1979, v.V , p.26 e 27.
4
1.3. Objeto Jurídico
Objeto jurídico do crime é o bem jurídico, isto é, o interesse
protegido pela norma penal. A disposição dos títulos e capítulos da Parte
Especial do Código Penal obedece a um critério que leva em consideração o
objeto jurídico do crime, colocando-se em primeiro lugar os bens mais
importantes: vida, integridade corporal, honra, patrimônio etc. Desse modo, a
Parte Espacial do Código Penal é inaugurada com o delito de homicídio, que
tem por objeto jurídico a vida humana extra-uterina. O ataque à vida intrauterina é incriminado pelos tipos de aborto (arts.124 a 126). Discute-se acerca
do conceito de vida. É conhecido o aforismo de Galeno “viver é respirar” e por
extensão o de Casper “viver é respirar; não ter respirado é não ter vivido”3.
1.4. Objeto Material
Genericamente, objeto material de um crime é a pessoa ou
coisa sobre a qual recai a conduta. É o objeto da ação. Não se deve confundilo com o objeto jurídico, que é o interesse protegido pela lei penal. Assim, o
objeto material do homicídio é a pessoa sobre quem recai a ação ou omissão.
O objeto jurídico é o direito à vida.
1.5. Sujeito Ativo
“Sujeito ativo da conduta típica é o ser humano que pratica a
figura típica descrita na lei, isolada ou conjuntamente com outros autores”.4
Assim sendo, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, não
requerendo nenhuma condição particular. Ressalva-se que dever ser excluídos de
tal conceituação aqueles que atentam contra a própria vida, eis que se trata de
suicídio, o qual é considerado atípico.
3
NORONHA, E. Magalhães, Direito Penal; dos crimes contra a pessoa – dos crimes contra o
patrimônio, 26 ed., São Paulo, Saraiva, 1994, v.2, p.14.
4
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2 Saraiva, 2007, p.10.
5
O conceito abrange não só aquele que pratica o núcleo da
figura típica (quem mata), como também o partícipe, que é aquele que, sem
praticar o verbo (núcleo) do tipo, concorre de algum modo para a produção do
resultado; por exemplo: o agente que vigia o local para que os seus comparsas
tranqüilamente pratiquem o homicídio, nesse caso sem realizar a conduta
principal, ou seja, o verbo (núcleo) da figura típica – matar -, colaborou para que
os seus comparsas lograssem do resultado morte.
Trata-se de crime comum, que poder ser cometido por
qualquer pessoa. A lei não exige nenhum requisito especial. Não se trata de crime
próprio, que exige legitimidade ativa especial; nem mesmo reclama pluralidade de
agentes (não é crime plurissubjetivo). Porém, com a inovação da legislativa
trazida pela Lei n° 8.930/94, que alterou a redação do art.1° da Lei n° 8.072/90, o
homicídio será considerado crime hediondo quando praticado em atividade típica
de grupo de extermínio, ainda que executado por um só agente. Se for cometido
por intermédio de conduta omissiva, deve o sujeito ativo ter condições pessoais
que o fazem juridicamente obrigado a impedir o resultado, nos termos do art. 13,
§2°, do Código Penal.
1.6. Sujeito Passivo
“É o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado. Pode ser
direto ou imediato, quando for a pessoa que sofre diretamente a agressão (sujeito
passivo material), ou indireto ou mediato, pois o Estado (sujeito passivo formal) é
sempre atingido em seus interesses, qualquer que seja a infração praticada, visto
que a ordem pública e a paz social são violadas”5.
Portanto o sujeito passivo do crime de homicídio é qualquer
ser vivo, nascido da mulher.
1.7. Momento Consumativo e Perícias Médico- Legais Realizadas para
Constatação da “Causa Mortis”
1.7.1. Crime consumado
5
CAPEZ Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.10.
6
É aquele em que foram realizados todos os elementos
constantes de sua definição legal (CP, art.14, I). A consumação do delito nada
mais é que a última fase das várias pelas quais passa o crime (é o chamado iter
criminis). No caso dos crimes materiais, como o homicídio, a consumação se dá
com a produção do resultado naturalístico morte. Trata-se de crime instantâneo
de efeitos permanentes.
É instantâneo porque a consumação se opera em um dado
momento, e de efeitos permanentes na medida em que, uma vez consumado, não
há como fazer desaparecer os seus efeitos. A morte é decorrente da cessação do
funcionamento cerebral, circulatório e respiratório. Distinguem-se a morte clínicaque ocorre com a paralisação da função cardíaca e da respiratória-, a morte
biológica- que ocorre com a paralisação das funções cerebrais.
A morte cerebral “na parada das funções neurológicas
segundo os critérios da inconsciência profunda sem reação a estímulo dolorosos,
ausência de respiração espontânea, pupilas rígidas, pronunciada hipotermia
espontânea (temperatura excessivamente baixa), e abolição de reflexos”6.
O critério legal proposto pela medicina é a chamada morte
encefálica, em razão da Lei nº 9.434/97, que regula a retirada e transplante de
tecidos,órgãos e partes do corpo humano, com o fins terapêuticos e científicos.
1.7.2 Perícias médicos-legais
As perícias médicas-legais no crime de homicídio são
utilizadas para saber a causa da morte do indivíduo.
Fernando Capez diz que:
6
Cf. Dicionário Médico Blakiston, São Paulo, Organização Andrei Editora Ltda., apud Francisco de
Assis Rego Monteiro Rocha, Rio de Janeiro, Forense, 1999, p.348.
7
exame necroscópico, trata-se de exame de corpo de delito direto,
realizado nas infrações penais que deixam vestígios. É o meio
pelo qual os peritos-médicos constam a realidade da morte e
buscam a sua causa (o CPP, em seu art.162, utiliza o termo
“autópsia”), cujas conclusões ficarão consubstanciadas no
chamado laudo de exame necroscópico. O art. 162 do Código de
Processo Penal fixa o prazo de seis horas do óbito para
possibilitar a realização desse exame7.
Enfim a perícia serve também como meio de prova feita pela
atuação de técnico, promovida pela autoridade policial ou judiciária, com a
finalidade de esclarecer à justiça sobre a natureza do crime.
Ocorre também em casos especiais a exumação.
Exumar significa desenterrar, no caso, o cadáver. O exame
cadavérico é realizado, após a morte da vítima e antes de seu
enterramento. Contudo, pode suceder que, uma vez sepultada a
vítima, haja dúvida acerca da causa de sua morte ou sobre a sua
identidade. Nesses casos procede-se a exumação8.
Melhor dizendo, em determinadas eventualidades, quando o
sepultamento se realizou sem prévia necropsia, ou quando esta foi levada a cabo
mas surgiram dúvidas posteriores, que reclamaram tal medida, mister se faz
proceder à exumação e à necropsia, ou à revisão duma necropsia anterior feita. É
requisito para a sua realização que a morte tenha resultado de uma ação
criminosa ou que haja indícios dessa circunstancia.
A exumação tem o seu disciplinamento previsto nos arts.
163 e seguintes do Código de Processo Penal. O diploma processual não faz
qualquer menção a autorização, o ato de exumar pode implicar a configuração
dos delitos previstos nos arts. 210 e 212 do CP (violação de sepultura e vilipêndio
de cadáver).
7
8
CAPEZ Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva, São Paulo, p.17.
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva, São Paulo,p.17.
8
1.8. Tentativa
Para que se configure a tentativa, exige-se o Código Penal,
o início da execução, distinguindo-se atos de execução dos atos preparatórios.
O Código Penal em seu artigo 14 inciso II traz a hipótese de
crime tentado. Reza o artigo: “diz-se o crime tentado, quando iniciada a execução,
não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”.
Tratando-se de crime material, o homicídio admite tentativa, que
ocorrerá quando, iniciada a execução do homicídio, este não se
consumar por circunstancias alheias à vontade do agente. Para a
tentativa, é necessário que o crime saia de sua preparatória e
comece a ser executado, pois somente quando se inicia a
execução é que haverá início de fato típico. O crime percorre
quatro etapas (iter criminis) até realizar-se integralmente: a)
cogitação- nessa fase o agente apenas mentaliza, idealiza,
planeja, representa mentalmente a prática do crime; b)
preparação- são os atos anteriores necessários ao início da
execução, mas que ainda não configuram início de ataque ao bem
jurídico, já que o agente ainda não começou a realizar o verbo
constante da definição legal (núcleo do tipo); c) execução- aqui o
bem jurídico começa a ser atacado. Nessa fase o agente inicia a
realização do verbo do tipo e o crime já se torna punível, ao
contrario das fases anteriores; d) consumação- todos os
elementos que se encontram descritos no tipo penal foram
realizados”9.
Como se pode verificar o crime possui o inter criminis,
composto pela cogitação, preparação, execução e consumação, das quais
apenas revela importância para o estudo da tentativa, a execução e a
consumação, quando a lei não define como criminoso os atos preparatórios.
Há quatro espécies de tentativa:
Tentativa imperfeita (ou propriamente dita): trata-se da hipótese
em que o processo executivo foi interrompido ao meio, sem que o
9
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.18.
9
agente pudesse esgotar suas potencialidades de hostilização,
como, por exemplo: após desferir um tiro no braço da vítima o
agente é surpreendido por terceiro, que retira a arma de suas
mãos impedindo-o deflagrar o restante das balas contra aquela e,
portanto, de realizar o intento homicida.
Tentativa perfeita ou acabada (também denominada crime falho):
assim será considerada quando o agente esgotar o processo de
execução do crime, fazendo tudo o que podia para
matar,exaurindo a sua capacidade de vulneração da vítima, que,
não obstante, é salva; por exemplo: embora o agente deflagre
todas as balas do revólver contra a vítima, esta sobrevive. A
dosagem da diminuição da pena pela tentativa levará em
consideração a distância que, a final, separou o agente da
consumação pretendida.
Tentativa branca (ou incruenta): é aquela que não resulta qualquer
ferimento na vitima. Ocorre na hipótese em que o agente, por
ausência de conhecimento no manuseio da arma, por exemplo,
desfere vários tiros contra a vítima, mas por erro de pontaria
atinge a parede da casa. É a chamada tentativa branca de
homicídio.
Tentativa cruenta: quando a vítima sofre ferimentos”10.
1.9. Modalidades de Homicídios
O Código Penal distingue várias modalidades de homicídio:
homicídio simples (art.121, caput), homicídio privilegiado (§1°), homicídio
qualificado (§2°) e homicídio culposo (§3°).
Homicídio simples doloso (caput): Constitui o tipo básico
fundamental, é o que contém os componentes essenciais do crime.
Homicídio privilegiado (§1°): Tendo em conta circunstancias
de caráter subjetivo, o legislador cuidou de dar tratamento diverso ao homicídio
cujos motivos determinantes conduziriam a uma menor reprovação moral do
10
CAPEZ Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.18.
10
agente. Para tanto, inseriu essa causa de diminuição de pena, que possui fator de
redução estabelecido em quantidade variável (1/6 a 1/3).
Homicídio
qualificado
(§2°):
Em
face
de
certas
circunstâncias agravantes que demonstram maior grau de criminalidade da
conduta do agente, o legislador criou o tipo qualificado, que nada mais é que um
tipo derivado do homicídio simples, como novos limites, mínimo e máximo, de
pena (reclusão, de 12 a 30 anos).
Homicídio culposo (§3°): Constitui a modalidade culposa do
delito de homicídio. Diz-se o crime culposo quando o agente deu causa ao
resultado pr imprudência, negligência e imperícia (CP, art. 18, II).
Causa de aumento de pena (§4°): O §4° contém causas de
aumento de pena aplicáveis respectivamente às modalidades culposa e dolosa do
delito de homicídio.
1.9.1. Homicídio simples
É a figura prevista no caput do art.121 do CP. Conforme já
dissemos acima, o homicídio simples constitui o tipo básico fundamental. Ele
contém os componentes essenciais do crime.
1.9.2. Homicídio Privilegiado
Natureza jurídica: O homicídio privilegiado está previsto no
art.121,§1° do CP e dá direito a um a redução de pena variável entre um sexto e
um terço. Trata-se de verdadeira causa especial de diminuição de pena, que
incide na terceira fase da sua aplicação (cf. art. 68, caput, do CP). Na realidade, o
homicídio privilegiado não deixa de ser o homicídio previsto no tipo básico (caput);
todavia, em virtude da presença de certas circunstâncias subjetivas que
11
conduzem a menor reprovação social da conduta homicida, o legislador prevê
uma causa especial de atenuação da pena.
Hipótese de homicídio privilegiado: a) motivo de relevante
valor moral; b) motivo de relevante valor social; e c) domínio de violenta emoção,
logo em seguida a injusta provocação da vítima.
Motivos determinantes do crime: Ensina Hungria que:
constituem, no direito penal moderno, a pedra de toque do crime.
Não há crimes gratuitos ou sem motivo e é no motivo que reside a
significação mesma do crime. O motivo é o ‘adjetivo’do elemento
moral do crime. É através do ‘porquê’do crime, principalmente que
se pode rastrear a personalidade do criminoso, e identificar a sua
maior ou menor anti-sociabilidade. Para regular e individualizar a
medida da pena, não basta averiguar o valor psicológico do réu, a
maior ou menor intensidade do dolo ou quantidade do dano ou
perigo de dano; é imprescindível ter-se em conta a qualidade dos
motivos impelentes11.
Conclui-se, portanto, que todo e qualquer crime tem um
móvel propulsor que pode ser socialmente adequado ou não. O legislador
considerando que certas motivações que impelem o agente à prática criminosa
estão de acordo com a moral média da sociedade, elevou à categoria de
homicídio privilegiado os crimes cometidos por motivo de relevante valor moral ou
relevante valor social. Diante da menor reprovação social da conduta, o legislador
bem cuidou de minorar a pena sempre que presentes tais motivações.
1.9.2.1 Motivo de relevante valor social ou moral
Motivo de relevante valor social, como o próprio nome já diz,
é aquele que corresponde ao interesse coletivo12. Nesta hipótese, o agente é
11
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.33, apud.,
HUNGRIA, Nelson, Comentários, cit., v.V, p.122-4.
12
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.33, apud.,
HUNGRIA, Nelson, cit., v.V, p.125.
12
impulsionado pela satisfação de um anseio social. Por exemplo, o agente, por
amor à pátria, elimina um traidor.
Naquele dado momento, a sociedade almejava a captura
deste e a sua eliminação. O agente nada mais fez do que satisfazer a vontade da
sociedade, por isso a sua conduta na esfera penal merece uma atenuação da
pena.
Motivo de relevante valor moral é aquele nobre, aprovado
pela moralidade média13. É o caso da eutanásia, em que o agente, por compaixão
ante o irremediável sofrimento da vítima, antecipa a sua morte. O motivo, porém,
há necessariamente de ser relevante. O valor social ou moral do motivo há que
ser analisado segundo critérios objetivos, ou seja, tendo em vista sempre o senso
comum e não segundo critérios pessoais do agente. Segundo Damásio E. de
Jesus, “se o sujeito, levado a erro por circunstância de fato supõe a existência do
motivo (que, na verdade, inexiste), aplica-se a teoria do erro de tipo (CP, art. 20),
não se afastando a redução da pena14” Observe-se que os motivos de relevante
valor moral ou social configuram circunstâncias legais especiais dos delitos
homicídio e lesão corporal, contudo tais motivos também constituem circunstância
atenuante prevista no art. 65, III, a do Código Penal. Em se tratando dos delitos
acima mencionados, tais motivos funcionarão somente como circunstância
especial de redução de pena.
1.9.2.1.1 Domínio de violenta emoçao, logo em seguida a injusta provocação
da vítima
Trata-se de outra modalidade de homicídio privilegiado.
Emoção, segundo Nélson Hungria,
é um estado de ânimo ou de consciência caracterizado por uma
viva excitação do sentimento. É uma forte e transitória
13
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.33, apud.,
HUNGRIA, Nélson, cit., v.V, p. 126.
14
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.34, apud.,
JESUS, Damásio. E. de, Direito Penal; parte especial, São Paulo, v,2,Saraiva, 1995, p.55.
13
perturbação da efetividade, a que estão ligadas certas variações
somáticas ou modificações particulares da função da vida
orgânica (pulsar precípete do coração, alterações térmicas,
aumento da irrigação cerebral, aceleração do rítimo respiratório,
alterações vasomotoras, intensa palidez ou intenso rubor,
tremores, fenômenos musculares, alterações das secreções, suor,
lágrimas etc.)”15.
A emoção nada mais é do que um sentimento passageiro,
onde o agente sofre determinadas variações em seu corpo devido a determinadas
circunstâncias. É um estado súbito e passageiro de instabilidade psíquica.
Difere a emoção da paixão, pois enquanto a primeira se resume a
uma transitória perturbação da efetividade, a paixão é a emoção
em estado crônico, ou seja, é o estado contínuo de perturbação
afetiva em torno de uma idéia fixa, de um pensamento obsidente.
A emoção se dá e passa; a paixão permanece, incubando-se. A
ira momentânea configura emoção. O ódio recalcado, o ciúme
deformado em possessão doentia e a inveja em estado crônico
retratam a paixão. A emoção é o vulcão que entra em erupção; a
paixão o sulco que vai sendo, paulatinamente, cavado na terra,
por força da água pluvial. A primeira é abrupta, súbita, repentina e
fugaz. A paixão é lenta, duradoura, vai se arraigando
progressivamente na alma humana, de modo a ficar impregnada
permanentemente. Segundo o art. 28, I, do Código Penal: “Não
excluem a imputabilidade penal a emoção ou paixão”. Não
obstante isso, a emoção pode funcionar como causa especial da
diminuição de pena no homicídio doloso ou como atenuante
genérica. A paixão não produz nenhum efeito, sendo irrelevante.
Em seu estágio doentio, pode excluir a imputabilidade, se
convolar-se em doença mental16.
Funcionará a emoção como circunstancia privilegiadora no
homicídio doloso sempre que presentes os seguintes requisitos:
O primeiro é a emoção violenta, refere-se à intensidade da
emoção. É aquele que se apresenta forte, provocando um verdadeiro choque
emocional. Somente se violenta autoriza o privilégio, de forma que, se o agente,
15
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.35, apud.,
HUNGRIA, Nélson, Comentários, cit, v.V, p.132.
16
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.35.
14
diante de uma injusta provocação, reage “a sangue friu”, não terá direito à
minorante. Para Nélson Hungria:
no texto do §1° do art.121, onde está escrito ‘emoção’, pode ler-se
‘cólera’ou ‘ira’, pois esta é a emoção especifica que em nós se
produz quando sofremos ou assistimos a uma injustiça. Emoção
estênica ou reacionária, por excelência, a ira, se não é contida a
tempo, pode conduzir aos maiores desatinos. Os antigos
chamavam-na furor brevis17.
O segundo requisito é a provocação injusta do ofendido,
segundo Júlio Fabbrini Mirabete: “por mais grave que seja a provocação e que
dela haja resultado violenta emoção, somente ocorrerá a causa minorante se for
aquela injusta, ou seja, antijurídica ou sem motivo razoável”18
. Trata-se de conceito relativo, cujo significado pode variar
de pessoa a pessoa, segundo critérios culturais de cada um. Deve-se procurar um
padrão objetivo de avaliação, fixado de acordo com o senso comum, embora,
acessoriamente, possa ser também levada em conta “a qualidade ou condições
das pessoas dos contendores, seu nível de educação, seus legítimos melindres.
Uma palavra que pode ofender a um homem de bem já não terá o mesmo efeito
quando dirigida a um desclassificado. Por outro lado, não justifica o estado de ira
a hiperestesia sentimental dos alfemis e minosos. Faltará a objetividade da
provocação, se esta não é suscetível de provocar a indignação de uma pessoa
normal e de boa-fé19. Somente a emoçao derivada de uma injustiça justifica a
reação do agente, não se podendo considerar privilegiado o homicídio cometido
por marido contra a esposa por esta se recusar à reconciliação, ainda que sem
razão a vítima na separação do casal. É também possível reconhecer a
provocação injusta em um fato culposo. Observa-se, ainda, que, se diante da
provocação injusta houver necessidade de o agente utilizar-se de defesa,
17
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.36, apud.,
HUNGRIA, Nélson, Comentários, cit., p.150.
18
MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal, Parte Especial, 10. ed. v.2, Atlas, 1996.
p.68.
19
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.37, apud.,
JESUS, Damásio. E. de, Código Penal Anotado, cit., p.389.
15
poderemos estar diante de uma hipótese de excludente de antijuridicidade,
consistente na legítima defesa, não respondendo o agente por crime algum.
Conforme Damásio E. de Jesus:
É necessário que a vítima somente tenha provocado o sujeito
ativo. Se a provocação tomar ares de agressão, estaremos em
face de legítima defesa, que exclui a antijuridicidade do fato do
homicídio, pelo que o sujeito não responde pelo crime.20
A ausência de provocação do ofendido descaracteriza o
privilégio. Assim, a ira que se desencadeia ante a simples visão do desafeto não
constitui causa de diminuição de pena. A injustiça não necessariamente precisa
ser dirigida contra aquele que reage,podendo ser dirigida contra terceira pessoa
ou animais. Na hipótese de aberratio ictus (desvio ou erro no golpe), que é uma
das modalidades de erro de tipo acidental, se o agente atura no provocador vindo
a atingir um terceiro (cf. CP, art.73), por erro na pontaria, o privilégio não
desaparecerá pois o crime contra a vítima virtual ou pretendida transporta-se para
o crime efetivamente cometido. A provocação também pode ser putativa (putativa
origina-se do latim putare, que significa errar, ou putativum; putativo é, portanto,
sinônimo de imaginário). Consiste na provocação erroneamente imaginada pelo
agente. Ela não existe na realidade, mas o agente pensa sim, porque está errado.
Só existe, portanto, na mente, na imaginação do sujeito. Aplicam-se aqui os
princípios relativos à legítima defesa putativa por erro de tipo ou de proibição. Se
o erro for de apreciação dos fatos (o sujeito vê uma realidade, mas enxerga
outra), aplica-se a regra do erro de tipo, excluindo-se o dolo e, se inevitável,
também a culpa. Poe exemplo: o sujeito ouve uma ofensa à mãe de um árbitro de
futebol e confunde a vítima com a sua genitora. Em contrapartida, quando o
agente tiver perfeita noção de tudo o que está ocorrendo, mas imaginar-se
autorizado a reagir, por uma equivocada apreciação dos limites da norma, o caso
será de erro de proibição. Assim, por exemplo, quando o proprietário acompanha
a execução de uma ordem legal de despejo, e o inquilino despejado, julgando-se
injustamente provocado, reage com violência. Trata-se de típico caso de erro de
proibição.
20
JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, Parte Especial, 25.ed. v.2, Saraiva, 2007, p.64.
16
O terceiro requisito é a reação imediata, o texto legal exige
que o impulso emocional e o ato dele resultante sigam-se imediatamente à
provocação da vítima, ou seja, tem de haver a imediatidade entre a provocação
injusta e a conduta do sujeito. Importante esclarecer o que significa a expressão
“logo em seguida”, prevista na lei, uma vez que a existência de grande lapso
temporal entre a provocação e o crime poderá afastar a incidência do privilégio,
tendo em conta que a perturbação emocional decorrente da injusta provocação
com o passar do tempo tende a cessar. Desse modo, não incidirá o privilégio na
hipótese de o fato criminoso ser produto de cólera que se recalca, transformada
em ódio, para uma vingança bem posterior; por isso que a premeditação é
incompatível com o privilégio, pois não há o impulso emocional e a reação
imediata. Da mesma forma, ficará afastado o privilégio se a reação ocorreu dias
ou horas após a provocação injusta. Contudo há decisão jurisprudencial no
sentido de que a lei exige não a atualidade da reação, mas uma seqüência
compatível com o estado emocional. Assim, o pequeno tempo decorrido entre a
provocação injusta da vitima e a agressão por parte do réu, despendido por este
para amar-se e voltar ao local do crime, não afasta a violenta emoção que o
dominará. Finalmente, avente-se a hipótese em que o indivíduo somente venha a
tomar conhecimento da injusta provocação momentos antes do homicídio. Nessa
hipótese, apesar de transcorrido grande lapso temporal entra a provocação e a
reação, estará caracterizado a circunstancia privilegiadora, pois só se pode exigir
a reação do agente no momento em que tiver ciência da provocação.
Por fim temos o domínio pela emoção, para a incidência do
privilegio exige-se a lei que o agente esteja sob o domínio de violenta emoção.
Distingue-se da atenuante genérica “influência de violenta emoção” prevista no
art. 65, III, c, in fine. Nesta última, o agente não se encontra dominado pela
emoção, mas apenas sob a sua influência, o que é um minus em relação ao
requisito da circunstancia privilegiadora. Para a incidência dessa atenuante
tampouco há necessidade de se verificar o requisito temporal “logo em seguida” a
17
injusta provocação da vítima. Assim, haverá hipóteses em que a circunstancia
privilegiadora poderá ser afastada pela ausência de imediatidade entre a
provocação e a reação, bem como pelo fato de o agente não estar sob o domínio
de violenta emoção, quando então poderá incidir a circunstancia atenuante, cujos
requisitos são mais brandos.
1.10.2 Homicídio qualificado
Natureza jurídica: o homicídio qualificado está previsto no
art.121, §2°, do Código Penal. Trata-se de causa especial de majoração da pena.
Certas circunstâncias agravantes previstas no art.61 do Código Penal vieram
incorporadas para constituir elementares do homicídio, nas suas formas
qualificadas, para efeito de majoração da pena. Dizem respeito aos motivos
determinantes do crime e aos meios e modo de execução, reveladores de maior
periculosidade ou extraordinário grau de perversidade do agente, conforme a
Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal. O meio é o instrumento
de que o agente se serve para perpetrar o homicídio (p. ex., veneno, explosivo,
fogo), enquanto o modo é a forma de conduta do agente (p. ex., agir à traição).
Quanto aos motivos determinantes do crime, é importante ressaltar que sempre
estão presentes no cometimento do delito, pois são eles que impulsionam o
agente à prática delitiva. Tais modificações, contudo, assumem um especial
relevo no delito de homicídio, configurando ora o privilégio, ora a qualificadora,
conforme sejam referidas motivações sociais ou anti-sociais. Na primeira
hipótese, elas constituem o privilégio no delito de homicídio (motivo de relevante
valor moral ou social, ou sob o domínio de violenta emoção em seguida à injusta
provocação da vítima), pois denotam menor lesividade social do agente, cuja
conseqüência é a atenuação da pena. Na segunda hipótese, as motivações
denotam o alto grau de lesividade social do agente, constituindo qualificadoras,
cuja conseqüência é o agravamento da pena.
18
Crime hediondo: “Tentado ou consumado, o homicídio
doloso qualificado é crime hediondo, nos termos do art.1°, I, com a redação
determinada pela Lei n° 8.930/94.”21
1.10.2.1 Hipóteses previstas no art.121, §2°, I a V, do Código Penal
1.10.2.2 Inciso I- Mediante paga ou promessa de recompensa, ou outro
motivo torpe
Trata-se de qualificadora subjetiva, pois diz respeito aos
motivos que levaram o agente à prática do crime.
Segundo Julio Fabbrini Mirabete, “torpe é o motivo
moralmente reprovável, abjeto, desprezível, vil, que demonstra a depravação
espiritual do sujeito e suscita aversão ou repugnância geral”22.
Quando
cometido
mediante
paga
ou
promessa
de
recompensa, o homicídio será chamado de mercenário. Na paga, o recebimento
do dinheiro antecede a prática do homicídio, o que não se dá na promessa de
recompensa, na qual basta um compromisso futuro de pagamento.
Tratando-se de circunstancia de caráter pessoal, não se comunica
ao partícipe, nos termos expressos do art.30. Exemplo: pai
desesperado, que deseja eliminar perigoso marginal que estuprou
a sua filha, contrata pistoleiro profissional, o qual comete o
homicídio sem saber dos motivos de seu contratante, apenas pela
promessa de paga. Evidentemente, não poderão responder pelo
mesmo crime, pois seus motivos são diversos e incomunicáveis.
O pai responderá por homicídio privilegiado (partícipe), e o
executor, por crime qualificado (autor). Essa posição não é
pacífica”23.
21
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.44.
MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal, Parte Especial, 10. ed. v.2, Atlas, 1995,
p.70.
23
CAPEZ Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.44.
22
19
Pode-se cogitar de qualquer outra espécie de paga ou
promessa de recompensa que não seja em pecúnia, desde que tenha valor
econômico. Desse entendimento compartilham Nélson Hungria e E. Magalhães
Noronha24. Para Damásio E. de Jesus, “no entanto, não é preciso que a paga ou
recompensa sejam em dinheiro, podendo ser promessa de casamento,
emprego”25. No tocante “outro motivo torpe”, conforme já visto, são assim
considerados aqueles que causam repulsa geral. Observe-se que o motivo torpe
não se confunde com o motivo fútil, que é a causa insignificante,desproporcional
para a prática da conduta delituosa.
1.10.2.3 Inciso II- Motivo Fútil
Também se trata de qualificadora subjetiva, pois diz respeito
aos motivos.
“Fútil é o motivo sem importância, frívolo, leviano, a ninharia
que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o
motivo e a extrema reação homicida”.26
O
motivo
é
considerado
fútil
quando
notadamente
desproporcionado ou inadequado, do ponto de vista do homo medius e em
relação ao crime de que se trata. Não obstante esse posicionamento, há decisão
judicial no sentido de que a motivação deve ser aferida segundo o ponto de vista
do réu, por tratar-se de elemento subjetivo.
1.10.2.4 Inciso III- Emprego de veneno, fogo, explosivos, asfixia, tortura ou
outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum
Trata-se de qualificadora objetiva, pois diz respeito aos
modos de execução do crime de homicídio, os quais demonstram certa
24
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.44, apud.,
HUNGRIA, Nélson, Comentários, cit., v.V, p.164, e NORONHA, E. Magalhães, Direito Penal,
cit.,v.2, p.248.
25
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.44, apud.,
JESUS, Damásio E. de, Código Penal Anotado, cit., p.392.
26
MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal, Parte Especial, 10. ed. v.2, Atlas, 1995,
p.70.
20
perversidade. Novamente aqui temos uma fórmula genérica (ou outro meio
insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum) logo após um
casuísmo (emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura). Os meios que qualificam
o crime devem ter a mesma natureza do conteúdo da parte exemplificativa.
Veneno é o primeiro meio insidioso a que a lei se refere.
Venefício é o homicídio praticado com o emprego de veneno. Não há uma
conceituação exata do que seja substâncias venenosas, na medida em que certas
substâncias, embora não consideradas veneno, tendo em vista a sua inocuidade,
são capazes de matar em virtude de certas condições da vítima.
Incluem-se, segundo Hungria, como veneno “as substâncias
inócuas que podem, por circunstâncias especiais, causar a morte da vítima : o
açúcar ao diabético”27.
O açúcar é uma substância inócua para qualquer pessoa
que não seja diabética; contudo, para as portadoras dessa doença ele se torna
um veneno letal. Nesse caso, se não se puder enquadrar a qualificadora do
emprego de veneno, poderá sê-lo a do emprego de “outro meio insidioso”.
Cumpre, assim, conceituar o termo “veneno” como qualquer substância que,
introduzida no organismo, seja capaz de colocar em perigo a vida ou saúde
humana através de ação química, bioquímica ou mecânica. O veneno pode ser
ministrado à vítima de diversas formas, desde que de maneira insidiosa ou
dissimulada, já que o que exaspera a sanção aqui é a incidência da vitima.
Exemplos: “colocar raticida no prato de sopa da vítima; trocar o medicamento da
vítima por substância venenosa; inocular, través de injeção, veneno na vítima em
vez de remédio”28. Observa-se que se houver utilização de violência, para o
ministramento da substância, que importe em grave sofrimento à vítima, poderá
caracterizar-se a qualificadora do meio cruel e não do envenenamento. Frise-se:
esta qualificadora não incidirá quando vítima tiver ciência do emprego do veneno
ou quando ele for ministrado por meio de violência. Finalmente, somente
mediante perícia médica e possível constatar a qualificadora do envenenamento.
27
MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal, Parte Especial, 10. ed. v.2, Atlas, 1996,
p.71.
28
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.47.
21
Fogo ou explosivo trata-se de meio cruel para a prática do
homicídio. Conforme as circunstâncias, o fogo poderá caracterizar o meio cruel ou
que resulte perigo comum.
Trata-se aqui apenas de meio cruel, pois não se resulta
qualquer perigo comum.
Menciona o inciso o emprego de explosivo. Segundo
Hungria “é qualquer corpo capaz de se transformar rapidamente e, gás à
temperatura elevada´29 . O meio utilizado é a dinamite ou substância de efeitos
análogos. É também meio que resulta em perigo comum.
Asfixia consiste na supressão da função respiratória através
de estrangulamento, enforcamento, esganadura, afogamento, soterramento ou
sufocação da vítima, causando a falta de oxigênio no sangue (anorexia).
Tais são as hipótese de asfixia mecânica. A asfixia pode
também ser tóxica, que é aquele produzida por gases asfixiantes, como, por
exemplo, o gás carbônico, ou produzida por confinamento, que consiste na
colocação da vítima em local fechado, sem que haja qualquer renovação do
oxigênio. A asfixia, a partir da Lei n° 7.209/84, que alterou o Código Penal, deixou
de ser prevista como circunstância agravante, permanecendo tão-somente como
circunstância qualificadora do homicídio.
Tortura é o suplício, ou tormento, que faz a vítima sofrer
desnecessariamente antes da morte. É o meio cruel por excelência. O agente, na
execução do delito, utiliza-se de requintes de crueldade como forma de exacerbar
o sofrimento da vítima, de fazê-la sentir mais intensa e demoradamente as dores.
A tortura geralmente é física, por exemplo: mutilar a vítima (decepar os dedos, as
mãos, as orelhas), vazar-lhe os olhos antes de matá-la, queimá-la aos poucos
utilizando-se de ferro em brasa; mas também pode ser moral, desde que
29
MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal, Parte Especial, 10. ed. v.2, Atlas, p.72.
22
exacerbe o sofrimento da vítima; por exemplo, eliminar pessoa cardíaca
provocando-lhe sucessivos traumas morais.
Meio insidioso é aquele dissimulado na sua eficiência
maléfica. Está presente no homicídio cometido por meio de estratagema, perfídia.
O agente se utiliza de mecanismo para a prática do crime sem que a vítima tenha
qualquer conhecimento. O meio, aliás, frise-se, somente será insidioso quando a
vítima não tiver qualquer conhecimento de seu emprego. É o que ocorre
geralmente nos crimes cometidos, por exemplo, mediante armadilha, sabotagem
de freio de veículos e envenenamento, que, conforme visto, é o meio insidioso por
excelência.
Meio cruel é o que causa sofrimento desnecessário à vítima
ou revela uma brutalidade incomum, em contraste como o mais elementar
sentimento de piedade humana. “O meio cruel, de que é o tipo a tortura, é o
preferido pelo sádico que se compraz mais com o sofrimento do que com a morte
da vitima”30.
“São meios cruéis: o pisoteamento da vítima, o desferimento
de pontapés, golpes de palmatória ou, conforme exemplo de Nélson Hungria, o
impedimento de sono, a privação de alimento ou água, o esfolamento”31. Os
tribunais têm decidido que a qualificadora do meio cruel somente pode ser
admitida na hipótese em que o agente age por puro sadismo, com o nítido de
prolongar o sofrimento da vítima.
Meio de que possa resultar perigo comum trata-se,
conforme visto, de fórmula genérica, sendo certo que os meios mencionados
genericamente devem seguir a mesma linha do que consta na parte
exemplificativa. Meio de que possa resultar perigo comum é aquele que pode
expor a perigo um número indeterminado de pessoas, fazendo periclitar a
incolumidade social.
30
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.53, apud.,
NORONHA, E. Magalhães, Direito Penal, cit., v.2, p.24.
31
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.53, apud.,
HUNGRIA, Nélson, Comentários, cit., v.V, p.167.
23
Se, no caso concreto, o agente, além de matar a vítima, expõe um
número indeterminado de pessoas a perigo comum (explosão,
incêndio, desabamento, epidemia, os desastres de meios de
transporte coletivo), entende-se que poderá o agente responder
em concurso formal pelos crime de perigo comum e de homicídio
qualificado32.
É importante fazer a distinção entre homicídio qualificado,
cujo meio para a sua prática é um crime de perigo comum, e o delito de crime de
perigo comum qualificado pelo evento morte. (CP, art. 258). A diferença reside no
elemento subjetivo. Com efeito, no homicídio qualificado o agente quer ou
assume o risco do resultado danoso, qual seja, a morte da vítima, de modo que o
meio empregado para alcançar esse resultado é um crime de perigo comum. No
entanto, se o dolo não era homicida, mas o de praticar o crime de perigo, e houve
morte decorrente, haverá “qualificação” do delito perigoso (pelo resultado morte
preterdolosa).
1.10.2.5 Inciso IV- Traição, emboscada, ou mediante dissimulação ou outro
recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido
Cuida-se de qualificadora objetiva, pois diz respeito ao modo
de execução do crime. Neste inciso temos recursos obstativos à defesa do sujeito
passivo, que comprometem total ou parcialmente o seu potencial defensivo. Tais
recursos devem revestir-se de características insidiosas.
Traição: Nélson Hungria define o homicídio à traição como
aquele “cometido mediante ataque súbito e sorrateiro, atingida a vítima,
descuidada ou confiante, antes de perceber o gesto criminoso”33.
Há segundo a doutrina, duas espécies de traição: a) a
traição material ou física, que é aquela informada pelo ataque brusco, de inopino,
32
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.54, apud.,
HUNGRIA, Nélson, Comentários, cit., v.V, p.167 e 168; JESUS, Damásio E, de., Código Penal
Anotado, cit., p.121.
33
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.55, apud.,
HUNGRIA, Nélson, Comentários, cit., v.V, p.168.
24
sem discussão, colhendo a vítima muitas vezes pelas costas; b) a traição moral,
em que existe quebra de confiança entre os sujeitos, como no caso do agente
que atrai a vítima a local onde existe um poço34.
Entende-se que a traição só pode configurar-se quando há
quebra de fidelidade e lealdade entre a vítima e o agente, constituindo
qualificadora de natureza subjetiva.
Assim, não basta tão-somente o ataque
brusco e inesperado, sendo necessário a existência de anterior vínculo subjetivo
entre o agente e a vítima.
Emboscada é a tocaia. O sujeito ativo aguarda ocultamente
a passagem ou chegada da vitima, que se encontra desprevenida, para o fim de
atacá-la. É inerente a esse recurso a premeditação.
Dissimulação na concepção de E. Magalhães Noronha, “é a
ocultação do próprio desígnio, o disfarce que esconde o propósito delituoso: a
fraude precede, então, à violência”35 ou, segundo Nélson Hungria, “é a ocultação
da intenção hostil, para acometer a vítima de surpresa. O criminoso age com
falsas mostras de amizade, ou de tal modo que a vítima, iludida, não tem motivo
para desconfiar do ataque e é apanhada desatenta e indefesa”36.
A qualificadora pode ser material, quando há emprego de
aparato ou disfarce para a prática do crime; por exemplo, o agente se disfarça de
encanador e logra adentrar na residência da vítima para eliminá-la; pode também
ser moral, quando o agente ilude a vítima, dando-lhe mostras falsas de amizade,
de modo que consiga obter a sua confiança, propiciando com isso maior
facilidade para a concretização de sua intenção homicida.
Qualquer outro recurso que dificulte ou torne impossível a
defesa do ofendido trata-se de fórmula genérica do dispositivo, a qual só
compreende hipóteses assemelhadas aos casos anteriormente arrolados pelo
inciso IV (traição, emboscada ou dissimulação). A surpresa cabe na fórmula
34
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial ,v.2, Saraiva 2007 p.56, apud.,
JESUS, Damásio E. de, Código Penal Anotado, cit., p.395.
35
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.57, apud.,
NORONHA, E.Magalhães, Direito Penal, cit., v.2, p.24.
36
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.57, apud.,
HUNGRIA, Nélson, Comentários, cit., v.V, P.169.
25
genérica em estudo. Para tanto é necessário que a conduta criminosa seja
igualmente inesperada.
1.10.2.6 Inciso V-Assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou
vantagem de outro crime
Constituem qualificadora subjetivas, na medida em que
dizem respeito aos motivos determinantes do crime. Tara-se de motivações
torpes. Torpe é o motivo moralmente reprovável, abeto, desprezível, vil, que
demonstra a depravação espiritual do sujeito e suscita aversão ou repugnância
geral. Em tese, essas qualificadoras deveriam ser enquadradas no inciso relativo
ao motivo torpe, contudo preferiu o legislador enquadrá-la como conexão
teleológica ou conseqüêncial. Conexão é o liame objetivo ou subjetivo que liga
dois ou mais crime. Entende Fernando Capez que pode ser:
“Conexão teleológica: ocorre quando o homicídio é cometido a fim
de assegurar a execução de outro crime, por exemplo, matar o
marido para estuprar a mulher. O que agrava a pena, na
realidade, é o especial fim de assegurar a prática de outro crime.
Não é necessária a concretização do fim visado pelo agente.
Desse modo, a desistência da prática do outro crime, no caso o
estupro, não impede a qualificação do crime de homicídio. Se,
contudo, por exemplo, o agente pratica o homicídio e o estupro,
responderá por ambos os delitos em concurso material.
conexão conseqüêncial: dá-se quando o homicídio é praticado
com a finalidade de 1) Assegurar a “ocultação do crime”- o agente
procura evitar que se descubra o crime por ele cometido. Para
tanto, elimina a prova testemunhal do fato criminoso (p. ex.,
incendiário que mata a testemunha para que esta não veja o
delito). 2) Assegurar “a impunidade” do crime- nessa hipótese já
se sabe que um crime foi cometido, porém não se sabe quem o
praticou, e o agente, temendo que alguém o delate ou dele
levante suspeitas, acaba por eliminar-lhe a vida (p. ex., incendiário
que mata a testemunha para que esta não o denuncie como o
autor do delito). 3) Assegurar a “vantagem” de outro crimeprocura-se aqui a garantir a fruição da vantagem, econômica ou
não, advinda da prática de outro crime (p. ex., eliminar a vida do
26
co-autor do delito de furto anteriormente praticado, a fim de
apoderar-se da vantagem econômica indevidamente obtida).
Conexão ocasional: é importante para o presente estudo
definirmos a conexão ocasional, não obstante ela não configurar
qualificadora do homicídio. A conexão ocasional ocorre quando o
homicídio é cometido por ocasião da prática de um outro delito.
Exemplo: o sujeito está furtando e resolve matar a vítima por
vingança. Nessa hipótese, responde pelo delito de furto em
concurso material com o homicídio qualificado pela vingança. Na
realidade, o individuo, com desígnios autônomos, realizou duas
condutas: ele queria furtar o seu inimigo e, no momento em que
se realizava o furto, resolveu matá-lo por vingança. Responderá,
então, pelo concurso material de crimes”37.
1.10.2.7 Causa especial de aumento de pena. Homicídio doloso contra
menor de 14 anos ou maior de 60 anos (§4°)
Visando uma maior repressão de condutas criminosas
violadoras do direito à vida da criança e do adolescente, em consonância com o
disposto na Constituição Federal, que prevê que “a lei punirá severamente o
abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente” (art. 227,
§4°), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/90) determinou a
majoração da pena (agravamento de 1/3- do CP, art.121, §4°, 2° parte) nas
hipóteses de homicídio doloso praticado contra vítima menor de 14 anos. Trata-se
de causa de especial de aumento de pena porque está prevista em uma
determinada norma da Parte Especial do Código Penal. A sua natureza é objetiva,
pois leva em consideração a idade da vítima. Cuida-se de causa obrigatória de
aumento de pena, devendo o juiz agravá-la sempre que constatar que a vítima é
menor de 14 anos.
A pessoa completa 14 anos no primeiro minuto do dia do seu
aniversário. Assim, será menor de 14 anos até às 24 horas do dia
anterior ao dia do seu aniversário. Dessa forma, se o delito foi
cometido no dia em que o menor completou 14 anos, afastada
estará a incidência dessa causa especial de aumento de pena. De
acordo com o art.4° do Código Penal, a idade da vítima deve ser
37
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.59.
27
levada em consideração no momento da ação ou omissão, ou
seja, da conduta e não da efetiva produção do resultado38.
Assim, vindo a vítima a ser ferida antes de completar 14
anos de idade e falecendo depois de seu aniversário, incide a causa de aumento
de pena. Ocorrendo o delito na data em que o sujeito passivo completa a idade
questionada despreza-se o acréscimo penal.
A Lei n° 10.741/03 (Estatuto do Idoso), art.110, acrescentou
uma nova causa especial de aumento de pena ao §4° do art.121 do CP, qual seja,
a pena do homicídio doloso é aumentada de um terço se o crime for praticado
contra pessoa maior de 60 anos. Antes da vigência da referida lei, a circunstância
de o crime ser praticado contra pessoa idosa funcionava apenas como agravante
(CP, art. 61, II, h). Com a inovação legislativa, tal circunstancia agravante
genérica prevista no art. 61, II, h, do CP (delito cometido contra criança ou maior
de 60 anos), sob pena da ocorrência de bis in idem.
1.11.3 Homicídio culposo (§3°)
Segundo Magalhães Noronha:
Diz-se do crime culposo quando o agente, deixando de empregar
a atenção ou diligência de que era capaz, em face das
circunstâncias, não previu o caráter delituoso de sua ação ou o
resultado desta, ou, tendo-o previsto, supôs levianamente que não
se realizava39
Sabemos que o fato típico é constituído dos seguintes
elementos: conduta dolosa ou culposa; resultado; nexo causal; tipicidade. O dolo
e a culpa são os elementos subjetivos da conduta. Para o Direito Penal somente
importam as condutas humanas impulsionadas pela vontade, ou seja, as ações
dotadas de um fim. Na conduta dolosa, há uma ação ou omissão voluntária
dirigida a uma finalidade ilícita; nela o agente quer ou assume o risco da produção
38
39
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.64.
NORONHA, E. Magalhães, Direito Penal, 26.ed São Paulo: Saraiva, 1994, v.2, p.28.
28
do evento criminoso. Na conduta culposa, há uma ação voluntária dirigida a uma
finalidade lícita, mas, pela quebra do dever de cuidado a todos exigidos,
sobrevém um resultado ilícito não querido, cujo risco nem sequer foi assumido.
1.11.3.1 Modalidades de culpa:
O Código Penal não define a culpa, mas o art. 18, II, do
Codex nos traz as suas diversas modalidade, quais seja: a imprudência, a
negligência e a imperícia. O homicídio culposo deve ser analisado em
combinação com esse dispositivo legal. Estaremos então diante de um homicídio
culposo sempre que o evento morte decorrer da quebra do dever de cuidado por
parte do agente mediante uma conduta imperita, negligente ou imprudente, cujas
conseqüências do ato descuidado, que ram previsíveis, não foram previstas pelo
agente, ou, se foram, ele não assumiu o risco do resultado. Fernando Capez
define das seguintes formas as modalidades de culpa:
a) Imprudência: consiste na violação da regras de conduta
ensinadas pela excelência. É o atuar sem precaução, precipitado,
imponderado. Há sempre um comportamento positivo. É a
chamada culpa in faciendo. Uma característica fundamental
enquanto o agente pratica a conduta comissiva, vai ocorrendo
simultaneamente a imprudência. Exemplos: manejar arma
carregada, trafegar na contramão, realizar ultrapassagem proibida
com veículo automotor.
b) Negligência: é a culpa na sua forma omissiva. Implica, pois, a
abstenção de um comportamento que era devido. O negligente
deixa de tomar, antes de agir, as cautelas que deveria. Desse
modo,ao contrário da imprudência, que ocorre durante a ação, a
negligencia dá-se sempre antes do início da conduta; por
exemplo: age negligentemente a mãe que não retira da mesa, ao
redor da qual brincam crianças, veneno em dose letal, vindo uma
dela a ingeri-lo e falecer; igualmente age negligentemente quem
deixa arma ao alcance de criança vindo esta a morrer
posteriormente de intoxicação.
c) Imperícia: consiste na falta de conhecimentos técnicos ou
habilitação para o exercício de arte ou profissão. É a prática de
certa atividade, de modo omisso (negligente) ou insensato
29
(imprudente), por alguém incapacitado para tanto, quer pela
ausência de conhecimento, quer pela falta de prática. Por
exemplo: engenheiro que constrói um prédio cujo material é de
baixa qualidade, vindo este a desabar e a provocar a morte dos
moradores. Observa-se que se a imperícia advier de pessoa que
não exerce arte ou profissão, haverá imprudência ou negligencia.
Poe exemplo: atirador de elite que matava a vítima em vez do
criminoso. Há aqui uma conduta imperita, pos demonstra a falta
de aptidão para o exercício de uma profissão”40.
1.11.3.2 Homicídio culposo. Causa especial de aumento de pena (§4°)
A pena do homicídio culposo é aumentada de um terço se o
“evento resulta da inobservância de regra técnica de profissão, arte, ofício ou
atividade”, ou quando o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não
procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge, para evitar prisão em
flagrante”.
Com a instituição do Código de Trânsito Brasileiro, pela Lei
n° 9.503/97, o crime de homicídio culposo praticado na direção de veículo
automotor passou a ser por ele tipificado. Disso resulta que as causas especiais
de aumento pena relativas ao homicídio culposo aqui comentadas (§4°) não mais
se aplicam ao homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor, já
que este passou a integrar legislação específica. Desse modo, as disposições do
§4° restam aplicáveis a todas as outras formas de cometimento do homicídio
culposo, que não o praticado na direção de veículo automotor. Vejamos cada uma
delas:
a) Inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício: a
inobservância de regra técnica ocorre quando o sujeito tem
conhecimento dela pois é um profissional, mas a desconsidera.
Não se confunde inobservância de regra técnica com imperícia.
No caso do aumento de pena, o agente conhece a regra técnica,
porém deixa de observá-la; enquanto na imperícia, que pressupõe
40
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.67.
30
inabilidade ou insuficiência profissional, ele não a conhece, não
domina conhecimentos técnicos.
b) Se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima: significa
abandonar a vítima à própria sorte. O agente, após dar causa ao
evento ilícito de forma culposa, omite-se no socorro necessário a
evitar que a vítima continue a correr perigo de vida ou de saúde. O
agravamento da pena visa justamente repreender esse
comportamento desumano, egoísta, em suma, a total falta de
solidariedade que acaba por sujeitar a vítima a uma maior
situação de risco para sua vida e saúde41..
Importa notar que a omissão de socorro, como causa de
aumento de pena, distingue-se daquela prevista no art. 135 do CP (Capítulo III“Da periclitação da vida e da saúde”).
1.11.4 Perdão Judicial
Conceito: O perdão judicial está previsto no art.121, §5°, do
CP. Trata-se de causa de extinção da punibilidade aplicável à modalidade culposa
do delito de homicídio. Ocorre nas hipóteses de homicídio culposo em que as
conseqüências da infração atingiram o agente de forma tão grave que acaba por
tornar-se desnecessária a aplicação da pena42.
O perdão judicial tem por fim extinguir a punibilidade do
agente, desde que atinja o agente de forma grave extinguindo-se, assim, a
punibilidade.
Natureza jurídica do perdão judicial: “Cuida-se de causa
extintiva da punibilidade, de aplicação restrita aos casos expressamente previsto
na lei (CP, art. 107, IX). O juiz analisará discricionariamente se as circunstâncias
especiais estão presentes (se trata de homicídio culposo e se as conseqüências
41
42
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.71 e 72.
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.75.
31
da infração atingiram o agente de forma muito grave) e, caso entenda que sim, o
agente terá direito público subjetivo ao benefício legal”43.
Hipótese de cabimento: “O perdão judicial não deve jamais
ser utilizado de forma indiscriminada, tendo a sua aplicação sempre reduzida às
hipóteses de homicídio culposo em que as conseqüências da infração atingiram o
agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. É
necessário averiguar se realmente o agente padeceu de insuportável dor moral, e
para isso é necessário comprovar a existência de relacionamento afetivo entre
ambos”.44
Vistos as modalidades de crimes contra a vida, é importante
também entendermos como se procede esses crimes,ou seja, saber qual é o
órgão competente pra julgar os crimes contra a vida.
43
44
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p.75.
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva 2007, p. 75 e 76.
32
CAPÍTULO 2
ASPECTOS PROCEDIMENTAIS
2.1- Introdução
No
presente
capítulo
será
abordado
a
respeito
do
procedimento do homicídio, no qual este se realiza na segunda fase, ou seja, no
Tribunal do Júri.
Neste capítulo também será abordado os aspectos históricos
do Tribunal do Júri, princípios constitucionais, procedimento trifásico bem como o
julgamento em plenário.
2.2 Aspectos Históricos Relevantes
Pretende-se neste tópico propiciar ao indivíduo interessado
em conhecer melhor os aspectos históricos do Tribunal do Júri, podendo dessa
forma oferecer uma visão imparcial de como funciona a instituição e como se deu
o seu desenvolvimento.
O Tribunal do Júri, na sua feição atual, origina-se na Magna Carta,
da Inglaterra, de 1215. Sabe-se, por certo, que o mundo já
conhecia o júri antes disso. Na Palestina, havia o Tribunal dos
Vinte e Três nas vilas em que a população fosse superior a 120
famílias. Tais Cortes conheciam e julgavam processos criminais
relacionados a crimes puníveis com a pena de morte. Os
membros eram escolhidos dentre padres, levitas e principais
chefes de famílias de Israel45.
45
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.41.
33
Ainda na Inglaterra o Júri recebeu seus liames definitivos,
perdendo a aparência teocrática e tornado-se um ato realizado em nome do povo.
Foi tamanha importância dada por este povo à instituição, que a mesma se
espalhou pela Europa e América.
Após a Revolução Francesa, de 1789, tendo por finalidade o
combate às idéias e métodos esposados pelos magistrados do
regime monárquico, estabeleceu-se o júri na França. O objetivo
era substituir um Judiciário formado, predominantemente, por
magistrados vinculados à monarquia, por outro, constituído pelo
povo, envolto pelos novos ideais republicanos.46
Ainda neste ano, a Revolução Francesa, baseada em idéias
iluministas, refletiu também sobre a organização judiciária, tanto que pouco tempo
depois, foi baixado Decreto consagrando o Júri criminal como instituição judiciária.
Portanto, assim como a França havia assimilado o modelo
das colônias inglesas para a formulação da declaração dos direitos humano, da
mesma forma assimilou o Tribunal do Júri, concedendo-lhe, contudo, caráter
especialmente político.
A partir disso, espalhou-se pelo resto da Europa, como um ideal
de liberdade e democracia a ser perseguido, como se somente o
povo soubesse proferir julgamentos justos. Relembremos que o
Poder Judiciário não era independente, motivo pelo qual o
julgamento do júri apresentava-se como justo e imparcial, porque
produzido por pessoas do povo, sem a participação de magistrado
considerados corruptos e vinculados aos interesses do
soberano47.
Os votos do eleitor e do jurado eram os símbolos da
soberania exercidos pelos cidadãos franceses, sendo que o primeiro era um
direito, enquanto que o segundo constituía-se em obrigações.
Há de se considerar que o Brasil, às vésperas da independência,
começou a editar leis contrárias aos interesses da Coroa ou, ao
46
47
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.42.
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.42.
34
menos, dissonantes do ordenamento jurídico de Portugal. Por
isso, instala-se o júri em nosso País, antes mesmo que o
fenômeno atingisse a Pátria Colonizadora. Assim, em 18 de junho
de 1822, por decreto do Príncipe Regente, criou-se o Tribunal do
Júri no Brasil, atendendo-se ao fenômeno de propagação da
instituição corrente em toda a Europa48.
A criação do júri no Brasil ocorreu também com a finalidade
de atender aos casos de crime de imprensa, sendo que o mesmo era formado por
Juízes de Fato.
Em nosso País, o júri era composto por 24 cidadãos “bons,
honestos, inteligentes e patriotas”, prontos a julgar os delitos de abuso da
liberdade de imprensa, sendo suas decisões passíveis de revisão somente pelo
Príncipe Regente.
José Frederico Marques, quanto a este momento histórico,
acrescenta:
Coube ao Senado da Câmara do Rio de Janeiro, em vereação
extraordinária de 4 de fevereiro de 1822, dirigir-se a Sua Alteza, o
Príncipe Regente D. Pedro, solicitando a criação do juízo dos
Jurados, para execução da Lei de Liberdade da Imprensa no Rio
de Janeiro, aonde a criação do Juízo dos Jurados parece
exeqüível sem conveniente, atenta a muita população de que se
compõe, e as muitas luzes que já possui49.
Mais tarde, na Constituição Política do Império, promulgada
em 25 de março de 1824, ficou estatuído o seguinte:
Artigo 151- O Poder judicial é independente e será composto de
juízes e jurados, os quais terão lugar assim no cível como no
crime, nos casos e pelo modo que os Códigos determinarem ;
48
49
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.43.
MARQUES, José Frederico, A Instituição do Júri. Campinas: Bookseller, 1997, p.37-38.
35
Artigo 152- Os jurados pronunciam sobre o fato e os juízes
aplicam a lei50.
Os jurados, à época, poderiam julgar causas cíveis e criminais,
conforme determinassem as leis, que, aliás, incluíram e excluíram espécies de delitos e
causas do júri, varias vezes.
Com a proclamação da Republica, manteve-se o júri no
Brasil, sendo criado, ainda, o júri federal, através do Decreto 848, de 1890.
Após várias discussões, quando da promulgação da
Constituição da República do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, foi aprovada a
emenda que dava ao art.72, § 31, o texto “é mantida a instituição do júri”51.
Esse resultado foi obtido em face da intransigente defesa do
Tribunal Popular feita por Rui Barbosa, seu admirador inconteste.
Importante inovação adveio da Constituição da República de
1934, com a retirada do antigo texto referente ao Júri das declarações de direitos
e garantias individuais, passando para a parte destinada ao Poder Judiciário, no
art.72 dizendo: “é mantida a instituição do Júri, com a organização e as
atribuições que lhe der a lei”.52
A Constituição de 1946 ressuscitou o Tribunal Popular no
seu texto, reinserindo-o no capítulo dos direitos e garantias individuais como se
fosse uma autêntica bandeira na luta contra o autoritarismo, embora as razões
desse retorno tivessem ocorrido53.
Com essa Constituição veio a restauração da soberania do
Júri, inspirada pela democracia exibida na participação do povo no processo
criminal. Surge, então, o art.141, §28, onde o termo soberania não deve ser
50
CAMPANHOLE, Adriano. CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 11. ed. São
Paulo: Atlas, 1994. p.773.
51
CAMPANHOLE, Adriano; CAMPONHOLE, Hilton Lobo, Constituições do Brasil, 11. ed. São
Paulo: Atlas, 1994, p. 746.
52
CAMPANHOLE, Adriano, CAMPANHOILE, Hilton Lobo, Constituições do Brasil, 11. ed. São
Paulo: Atlas, 1994, p.647.
53
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.43.
36
confundido com abuso de decidir contra a própria evidência dos autos,
condenando ou absolvendo arbitrariamente.
A Constituição de 1967 manteve a instituição no capítulo dos
direitos e garantias individuais (art.150, § 18), fazendo o mesmo a Emenda
Constitucional de 1969 (art.153, § 18)54.
Como se observou a Constituição de 1967 manteve o Júri no
capitulo dos direitos e garantias individuais, dispondo: “são mantidas a instituição
e a soberania do Júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos
contra a vida.
Da mesma forma, a Emenda Constitucional de 1969,
manteve o Júri, todavia, omitiu referência a sua soberania. O art.153, § 18, previa:
“é mantida a instituição do Júri, que terá competência no julgamento dos crimes
dolosos contra a vida”
Em 1988, visualizando-se o retorno da democracia no cenário
brasileiro, novamente previu-se o júri no capítulo dos direitos e
garantias individuais, trazendo de volta os princípios da Carta de
1946: soberania dos veredictos, sigilo das votações e plenitude de
defesa. A competência tornou-se mínima para os crimes dolosos
contra a vida55.
No Brasil, a referência ao Júri se faz presente desde a
primeira Constituição Política do Império, em 1824, quando ele apenas atuava
nos crimes de imprensa, seguindo durante toda nossa história constitucional até a
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, trazendo os princípios da
Carta de 1946.
Devemos,
no
entanto,
frisar
que
a
reinserção,
na
Constituição de 1988, dos mesmos princípios constitucionais (com algumas
poucas alterações) da Constituição de 1946, não foi fruto de um estudo
minucioso, nem mesmo de necessidade premente. A situação equipara-se ao
seguinte: se a democrática Constituição de 1946 assim
54
55
visualizava o Júri,
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais,2008. p.44.
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais,2008, p.44.
37
passada a época da ditadura militar (1964 a 1985), mais que natural seria a volta
do status quo ante.
Enfim o júri tem por finalidade
a de ampliar o direito de
defesa dos réus, funcionando como uma garantia individual dos acusados pela
prática de crimes dolosos contra a vida e permitir que, em lugar do juiz togado,
preso as regras jurídicas, sejam julgados pelos seus pares.
2.3 Princípios Constitucionais do Tribunal do Júri
2.3.1 Introdução
Princípio, em visão etimológica, tem variados significados.
Para tanto o nosso propósito, vale destacar o de ser um momento em que algo
tem origem; é a causa primária ou o elemento predominante na constituição de
um todo orgânico.
O princípio constitucional há de ser respeitado como o
elemento irradiador, que imanta todo o ordenamento jurídico. Além disso, é
fundamental considerar existirem os princípios concernentes a cada área do
Direito em particular. Por isso, há os princípios processuais penais, que
independem dos constitucionais. Eles produzem, na sua esfera de atuação, o
mesmo efeito irradiador de idéias e perspectivas gerais a serem perseguidos pelo
aplicador da norma processual penal.
É preciso ocorrer uma autêntica mudança de mentalidade,
adaptando-se o texto da lei ordinária ao que consta da Constituição Federal.
Somente assim estaremos no caminho em busca do Estado Democrático de
Direito, algo que, longe de ser utópico, depende do esforço de todos os
operadores do Direito.
38
2.3.2 Plenitude de Defesa
Inexiste autêntico devido processo legal (art.5°, LIV, da CF)
se não forem assegurados, aos acusados em geral, o contraditório e a ampla
defesa. No processo penal, particularmente, envolvendo um dos mais valiosos
bens jurídicos sob proteção constitucional, que é liberdade individual, há de se
exigir o fiel cumprimento de tais garantias.
Outro elemento a ressaltar é a previsão, realizada no mesmo
artigo 5° da Constituição Federal de duas garantias fundamentais (ampla defesa e
plenitude de defesa).
“Amplo é algo vasto, largo, copioso, enquanto pleno
equivale a completo, perfeito, absoluto. Somente por esse lado já se pode
visualizar a intencional diferenciação dos termos. E, ainda que não tenha sido
proposital, ao menos foi providencial”56.
O que se busca aos acusados em geral é a mais aberta
possibilidade de defesa, valendo-se dos instrumentos e recursos previstos em lei
e evitando-se qualquer forma de cerceamento. Aos réus, no Tribunal do Júri,
quer-se a defesa perfeita, dentro, obviamente, das limitações naturais dos seres
humanos.
A plenitude da defesa implica no exercício da defesa em um grau
ainda maior do que a ampla defesa. Defesa plena, sem dúvida, é
uma expressão mais intensa e mais abrangente do que defesa
ampla. Compreende dois aspectos: primeiro, o pleno exercício da
defesa técnica, por parte do profissional habilitado, o qual não
precisará restringir-se a uma atuação exclusivamente técnica,
podendo também servir-se de argumentação extrajurídica,
invocando razões de ordem social, emocional, de política criminal
etc.
Segundo, o exercício da autodefesa, por parte do próprio réu,
consistente no direito de apresentação de sua tese pessoal no
56
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais 2008, p.25.
39
momento do interrogatório, relatando ao juiz sua versão que
entender ser mais convincente e benéfica para sua defesa.57
Advogados que atuam no Tribunal do Júri devem ter tal
garantia em mente: a plenitude de defesa. Com isso, desenvolver suas teses
diante dos jurados exige preparo, talento e vocação. o preparo deve dar-se nos
campos jurídicos e psicológicos, pois se está lidando com pessoas leigas. O
talento para, naturalmente, exercer o poder de convencimento ou, pelo menos,
aprender a exercê-lo é essencial. A vocação, para enfrentar horas e horas de
julgamento com equilíbrio, prudência e respeito aos jurados e às partes emerge
como crucial.
Tal cenário constitui a plenitude de defesa, que, no processo
criminal comum, não é, obviamente, indispensável.
2.3.3 Sigilo das Votações
Um dos principais princípios constitucionais regentes do
Tribunal do Júri é o sigilo das votações. Estabelece o Código de Processo Penal
em seu art.485 caput:
Não havendo dúvida a esclarecer, o juiz presidente, os jurados, o
Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do
acusado, o escrivão e oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial
a fim de ser procedida a votação.
§1° “Na falta de sala especial, o juiz presidente determinará que o
público se retire, permanecendo somente as pessoas
mencionadas no caput deste artigo.58
O julgamento pelos jurados se dará em plenário do júri,
esvaziado, ou em sala especial, longe das vistas do público, que continuaria em
plenário.
Há na própria Constituição o disposto no art. 5°, XXXVIII,b,
assegurando o sigilo das votações. Não se fala em sigilo do voto, entendido como
57
58
CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal, Saraiva 2007, p.647 e 648.
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p. 29.
40
a cédula individual colocada pelo jurado, contendo “sim” ou “não”, dentro da urna,
mas em sigilo da votação, que é o ato de votar. Portanto, busca-se resguardar o
momento do jurado apor o voto na urna- que é votar-, razão pela qual a sala
especial é o lugar ideal para tanto.
Além disso, a reforma introduzida pela Lei 11.689/2008,
buscando consagrar, cada vez mais, o sigilo das votações, impôs a apuração dos
votos por maioria, sem a divulgação do quorum total.
2.3.4 Soberania dos Veredictos
A soberania dos veredictos é o princípio constitucional que
caracteriza o pilar mais vivo da instituição. Júri sem soberania não é júri, pois tem
poder pela metade, o que é antidemocrático e vem a contrariar texto expresso da
Constituição.
Por isso, torna-se, ao mesmo tempo, uma questão simples e
complexa analisar a soberania dos veredictos. É algo simples se
levarmos em conta o óbvio: o veredicto popular é a última palavra,
não podendo ser contestada, quanto ao mérito, por qualquer
tribunal togado. É, entretanto, complexo, na medida em que se vê
o desprezo à referida supremacia da vontade do povo em grande
segmento da prática forense59.
A soberania dos veredictos é a força do Júri, sendo a
quesitação a peça chave do exercício dessa soberania, pois é a forma de ser
conhecida a decisão. Em simples análise a soberania dos veredictos tem poder
supremo.
Neste instituto os jurados é quem tem o poder de decisão
diante da lei. Eles decidem de acordo com a sua consciência. Segundo Guilherme
de Souza Nucci:
Jurados decidem de acordo com a sua consciência e não
seguindo a lei. Aliás, esse é o juramento que fazem (art.472,
59
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais, 2008, p.31.
41
CPP), em que há a promessa de seguir a consciência e a justiça,
mas não as normas escritas e muito menos os julgados do País60.
A Constituição Federal de 1988, autenticada que fora pelo
espírito democrático, reafirmou a identidade constitucional do Júri, em seu art.5°,
inc. XXXVII, alíneas a, b, c, d. Por certo, a leitura constitucional do Tribunal do Júri
proclama a sua manutenção com a organização que lhe der Lei, contanto que
sejam assegurados a plenitude da defesa, o sigilo das votações, a soberania dos
veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Este é o lastro constitucional do Tribunal do Júri, que sabiamente foi inserido pelo
constituinte originário no Título que dispõe sobre os Direitos e Garantias
Fundamentais, da nossa Lei Maior.
Não é possível que, sob qualquer pretexto, cortes togadas
invadam o mérito do veredicto, substituindo-o. Quando - e se – houver erro
judiciário, basta remeter o caso a novo julgamento pelo Tribunal Popular. Porém,
em hipótese alguma, pode-se invalidar o veredicto, proferindo outro, quanto ao
mérito.
A propósito, pode ocorrer também que a decisão dos jurados
seja manifestamente contrária à provas dos autos.
Como se observa Julio Fabbrini Mirabete:
A soberania dos veredictos dos jurados, afirmada pela Carta
Política, não exclui a recorribilidade da revisão criminal do julgado
do Júri, a comutação de penas etc. Ainda que se altere a decisão
sobre o mérito da causa, é admissível que se faça em favor do
condenado, mesmo porque a soberania dos veredictos é uma
“garantia constitucional individual” e a reforma ou alteração da
decisão em benefício do condenado não lhe lesa qualquer direito,
ao contrário beneficia61.
60
61
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais, 2008, p.32.
MIRABETE, Julio Fabbrini, Processo Penal, 18° ed. São Paulo: Atlas. 2006, p.496.
42
Aos que defendem estar a liberdade do réu acima de
qualquer princípio regente da instituição do Júri, devemos responder que não se
trata de uma disputa, mas de um mecanismo constitucional, escolhido pelo Poder
Constituinte Originário, para atingir o veredicto justo. A Constituição Federal
outorgou ao Tribunal Popular a última decisão nos casos de crimes dolosos
contra a vida.
Na jurisprudência, vale ressaltar, desde logo, ser a
soberania dos veredictos um preceito constitucional fundamental. Nessa ótica:
STF:
Se o Tribunal popular, juiz natural da causa, com base no
depoimento de testemunhas ouvidas em juízo, entendeu que o réu
cometeu homicídio em sua forma privilegiada (após injusta
provocação), não cabe ao TJ-SP substituir esse entendimento, por
julgar, que há outras provas mais robustas no sentido contrário de
tese acolhida. (HC 85.904-SP,2° T., rel. Joaquim Barbosa,
13.02.2007, v.u.)62.
Os princípios que norteiam o processo penal são de extrema
relevância para aquele que sofre uma investigação, ou até mesmo quando
denunciado pelo órgão ministerial.
Em fim a soberania dos veredictos possibilita confiabilidade
nos casos apreciados e julgados pelos juízes leigos, pois mesmo decidindo
manifestamente contrariamente às provas dos autos poderá haver recurso por
ambas as partes, seja pela acusação ou pela defesa.
2.3.4.1 Competência para Julgamento dos Crimes Dolosos Contra a Vida
O art.5°, XXXVIII, d, da CF, assegura a competência do júri
para o julgamento dos delitos dolosos contra a vida.
62
BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus n°85.904, Rel. Joaquim Barbosa,
13.02.07.
43
A intenção do legislador foi a de proteger a bem jurídico
mais importante qual seja a vida.
Sobre o bem jurídico tutelado conclui Cezar Roberto
Bitencourt:
Dentre os bens jurídicos de que o indivíduo é titular e para cuja
proteção a ordem jurídica vai ao extremo de utilizar a própria
repressão penal, a vida destaca-se como o mais valioso. A
conservação da pessoa humana, que é a base de tudo, tem como
condição primeira a vida que, mais que um direito, é condição
básica de todo direito individual, porque sem ela não há
personalidade, e sem esta não há que se cogitar de direito
individual.63
Nota-se que o texto constitucional menciona ser assegurada
a competência para os delitos dolosos contra a vida e não somente para eles. O
intuito do constituinte foi bastante claro, visto que, sem a fixação da competência
mínima e deixando-se à lei ordinária a tarefa de estabelecê-la, seria bem provável
que a instituição, na prática, desaparecesse do Brasil.
A cláusula pétrea, no direito brasileiro, impossível de ser mudada
pelo Poder Constituinte Reformador (ou Derivado), não sofre
nenhum abalo caso a competência do júri seja ampliada, pois sua
missão é impedir justamente o seu esvaziamento64.
A cláusula pétrea não pode sofrer mudanças, mas nada
impede do legislador infraconstitucional atribuir outras competências.
Pertinente se faz, o comentário de Alexandre de Moraes
sobre o preceito constitucional:
Ressalta-se que o art.5°, XXXVII, da Constituição Federal, não
deve ser entendido de forma absoluta, uma vez que existirão
hipóteses, sempre excepcionais, em que os crimes doloso contra
a vida não serão julgados pelo Tribunal do Júri. Estas hipóteses
63
BITENCOURT, Cezar Roberto, Manual de Direito Penal, parte especial, v.2. São Paulo:
Editora Saraiva. 2001, p.27.
64
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais, 2008, p.35.
44
referem-se, basicamente,
prerrogativa de função. 65
às
competências
especiais
por
Além disso, demonstrando ser possível que o Tribunal
Popular julgue outros delitos, que não somente os dolosos contra a vida,
encontra-se o cenário dos crimes conexos. É possível que os jurados decidam
condenar ou absolver o autor de um estupro ou de ou roubo, por exemplo
bastando que o delito seja conexo ao crime doloso contra a vida. Por isso, se a
competência fosse exclusiva, tal situação, corriqueira nos julgamentos ocorridos
diariamente no Brasil, jamais se daria.
Outro ponto interessante diz respeito à opção pelos “crimes
doloso contra a vida” no contexto do júri. Não nos parece exista
explicação sistemática e muito menos psicológica ou ontológica.
Foi uma opção de política legislativa. Um grupo qualquer de
crimes havia de ser o, eleito, como se disse, para garantir que o
Tribunal do Júri existisse, de fato, em nosso País. Buscou-se o
respaldo da Constituição de 1946, que inseriu os crimes doloso
contra a visa como da competência do júri. E, naquela ocasião,
como mencionado no capítulo referente à origem histórica do
Tribunal Popular, deveu-se à vontade dos coronéis do sertão, que,
mandando matar seus oponentes, desejavam o julgamento dos
seus mandatários no Tribunal do povo. Assim, ocorrendo, a
pressão pela absolvição seria intensa, atendendo aos anseios
políticos da época e da região.66
Poder-se-ia dizer que o grupo de delitos escolhidos (crimes
dolosos contra a vida) é o único cabível para o povo julgar. Há, no entanto, crimes
mais interessantes para o júri, como por exemplo, os que afetam os interesses
difusos e coletivos. Na emoção do discurso dos acusadores e defensores, que
atuam no Tribunal do Júri, ouvem-se variados argumentos, como, exemplificando,
ser o povo o colegiado ideal para analisar o homicídio, crime que qualquer um
pode cometer, pois insertos nas mais recônditas emoções e sentimentos do ser
humano. Ora, qualquer delito violento contra a pessoa humana é dramático e
envolve sentimentos variados.
65
66
MORAIS, Alexandre de, Direito Constitucional, 19. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2006, p.78.
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais, 2008, p.35.
45
São considerados crimes da competência do Tribunal do Júri
segundo os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci:
os crimes previstos no Capítulo I (Dos Crimes contra a vida), do
Título I (Dos crimes contra a pessoa). Da Parte Especial do
Código Penal. Incluem-se na competência do Tribunal Popular,
originariamente, os seguintes delitos: hoicídio simples (art.121,
caput); privilegiado (art. 121 §1°), qualificado (art. 121, §2°),
induzimento, instigação e auxílio ao suicídio (art.122), infanticídio
(art. 123) e as várias formas de aborto (arts. 124, 125, 126 e 127).
Além deles, naturalmente, vinculam-se os delitos conexos,
aqueles que, por força da atração exercida pelo júri (arts. 76, 77 e
78, I, CPP), devem ser julgados, também, pelo Tribunal Popular.67
Não ocorrendo nenhum dos crimes acima citado, não há em
que se falar de competência do Tribunal do Júri.
3 Procedimento Especial Trifásico
3.1 Visão Geral das Três Fases
Com o advento da lei 11.689/2008 o Tribunal do Júri passou
a apresentar três fases conhecido como sistema trifásico, não se aplicando mais
desta forma o sistema bifásico, antigo procedimento do Tribunal do Júri.
O procedimento do júri é trifásico e especial. No Código de
Processo Penal no Livro II, Título I, foi inserido, por equívoco,
como parte do “processo” comum. Possivelmente, sob o enfoque
anterior à Lei 11.689/2008, o início do procedimento tinha
aspectos do comum (arts.394 a 405, CPP) e, somente na
seqüência, alterava-se completamente, adquirindo uma estrutura
procedimental própria (arts.406 a 497, CPP), nitidamente especial.
Por outro lado, ‘há quem denomine tal procedimento de bifásico,
considerando apenas a parcela referente à formação da culpa (da
denúncia à pronúncia) e, posteriormente, do recebimento do libelo
à decisão em plenário do Júri.68
67
68
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais, 2008, p.36.
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.46.
46
Guilherme de Souza Nucci entende ser
equivocado não
considerar como autônomo a denominada fase de preparação do plenário, tão
importante quanto visível. Após a edição da Lei 11.689/2008, destinou-se a Seção
III, do Capítulo II (referente ao júri), como fase específica (Da Preparação do
Processo para o Julgamento em Plenário), confirmando-se, pois, a existência de
três estágios para atingir o julgamento de mérito.69
Reza o art.422 do Código de Processo Penal:
Ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará
a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no
caso de queixa, e do defensor, para no prazo de 5 (cinco) dias,
apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até
o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar
documentos e requerer diligências.
Nessa fase, ainda, as testemunhas que residirem fora da
Comarca serão ouvidas por precatória.
Vale ressaltar, desde logo, não existir óbice algum em
intimar a testemunha, assim desejando a parte, para que compareça à sessão de
julgamento e preste o seu depoimento diante dos jurados.
O preparo do processo poderá ser feito diretamente pelo juiz
presidente, que irá conduzir a sessão de julgamento no Tribunal do Júri, desde
que a Comarca tenha Vara privativa do Júri. Entretanto, se a lei de organização
judiciária local não atribuir ao presidente do júri a preparação do plenário, o
magistrado competente assim o fará, remetendo o feito pronto até cinco dias do
sorteio a que se refere o art.433 do CPP (art. 434, CPP).
O anterior procedimento incidental denominado justificação
foi absorvido, como regra, pela nova possibilidade de produção de provas na fase
de preparação do plenário. Porém, não pode ser descartado. Imagine-se que
essa fase já se encerrou e o processo aguarda o julgamento em plenário.
69
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.46.
47
Surgindo uma prova nova relevante, pode a parte ingressar, do mesmo modo,
com a justificação, que deverá ser devidamente processada”.70
Deste
modo
podemos
visualizar
as
três
fases
do
procedimento especial do Tribunal do Júri destacando desta forma a reforma
prevista pela Lei 11.689/2008.
3.2 Juízo de Formação de Culpa
É a primeira fase, em juízo. Recebida a denúncia ou queixa,
o réu será citado para apresentar a sua defesa prévia, por escrito, e não mais
para ser interrogado. O interrogatório deve realizar-se ao final da colheita de
prova.
Quanto às possibilidades de finalização desta fase, há,
basicamente, quatro: a) pronúncia (considera-se admissível a acusação e o
processo segue para a segunda fase); b) impronúncia (extingue-se o processo,
sem julgamento do mérito); c) desclassificação (remete-se o processo a outro
juízo, diante do reconhecimento da incompetência do Tribunal do Júri para o
caso); d) absolvição sumária (encerra-se o processo, com julgamento de mérito,
absolvendo-se o acusado).
3.2.1 Decisão Judicial de Finalização
3.2.1.1 Pronúncia
3.2.1.1.1 Conceito
Com a pronúncia temos a finalização da primeira fase do
processo, encaminhando-o ao juízo de preparação do plenário, considerado como
a fase intermediária entre a formação de culpa e o juízo de mérito, fase esta
introduzida com a Lei n° 11.689/2008.
Para Guilherme de Souza Nucci Pronúncia: “É a decisão
interlocutória mista, que julga admissível a acusação, remetendo o caso à
apreciação do Tribunal do Júri”.71
70
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dosTribunais 2008, p.47.
48
Fernando Capez conceitua pronúncia com sendo: “decisão
processual de conteúdo declaratório em que o juiz proclama admissível a
imputação, encaminhando-a para julgamento perante o Tribunal do Júri”.72
O juiz-presidente não tem competência constitucional para
julgamento dos crimes dolosos contra a vida, logo não pode absolver nem
condenar o réu, sob pena de afrontar o princípio da soberania dos veredictos. Na
pronúncia há um mero juízo de prelibação, pelo qual o juiz admite ou rejeita a
acusação, sem penetrar no exame do mérito.
Trata-se de decisão de natureza mista, pois encerra a fase
de formação da culpa, inaugurando a fase de preparação do plenário, que levará
ao julgamento de mérito. Embora se trate de decisão interlocutória, a pronúncia
mantém a estrutura de uma sentença, ou seja, deve conter o relatório, a
fundamentação e o dispositivo.
3.2.1.1.2 Conteúdo
Como já mencionamos no item anterior, a forma da
pronúncia obedece à estrutura da sentença comum. Deve conter o relatório
(exposição do que ocorreu no processo, a partir da denúncia até o aventado pelas
partes nas alegações finais), a fundamentação (razões pelas quais o magistrado
entende viável remeter o caso à apreciação do Tribunal do Júri) e o dispositivo
(declaração do artigo – ou dos artigos – no qual se encontra incurso o acusado).
A finalidade da existência de uma fase preparatória de
formação de culpa, antes que se remeta o caso à apreciação dos jurados,
pessoas leigas, recrutadas nos variados segmentos sociais, é evitar o erro
judiciário, seja para absolver, seja para condenar.
No caso de o juiz se convencer da existência do crime e de
indícios
suficientes
da
autoria,
deve
proferir
sentença
de
pronúncia,
fundamentando os motivos de seu convencimento. Não é necessário prova plena
71
72
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.61.
CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal, Saraiva 2007, p.652.
49
de autoria, bastando meros indícios, isto é, a probabilidade de que o réu tenha
sido o autor do crime.
O convencimento do magistrado não é, nem pode ser, puramente
subjetivo (“eu acho que houve um homicídio”, mas sem provas). É
viável valorar provas existentes (ex.: determinado testemunho foi
mais confiável que outro), mas não “supor”, imaginar” ou
“presumir” a existência de fatos. Por isso, demanda-se prova da
materialidade. O convencimento é objetivo (a materialidade resta
induvidosa). A valoração da prova é que pode ser subjetiva
(melhor são estas provas; piores são aquelas).73
A
única
vantajosa
alteração
na
redação
da
norma
processual penal diz respeito à inclusão do termo “fato” em lugar de “crime”.
Exige-se, pois, a prova da materialidade do fato e não do crime. Afinal, pode-se
evidenciar ter havido o fato homicídio, mas que não constitui, necessariamente,
um crime.
O outro fator liga-se à autoria. Nesse âmbito, a reforma
trouxe melhor redação ao art.413, caput, do CPP. Menciona-se a existência de
indícios suficientes de autoria ou de participação. É o correto, pois a suficiência
dos indícios torna-se elemento de segurança para que o processo seja levado a
julgamento pelo Tribunal do Júri, além de poder envolver tanto a autoria como a
participação, espécies diversas de concurso de pessoas.
Reiteremos que não bastam meros indícios, mas também que
sejam eles suficientes. O indício é uma prova indireta (art.239,
CPP). Para formar o raciocínio indutivo (aquele que amplia o
conhecimento de algo a partir de dados particulares, que por si só,
nada demonstram, mas, no conjunto, sim), reclamam-se indícios
variados.74
Enfim como dito antes, trata-se de decisão interlocutória
mista não terminativa, que encerra a primeira fase do procedimento escalonado.
A decisão é meramente processual, e não se admite que o juiz faça um exame
aprofundado do mérito, sob pena de se subtrair a competência do Júri.
73
74
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais 2008, p.62.
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.63.
50
3.2.1.1.3 Fundamentação
Todas as
decisões do
Poder Judiciário
devem
ser
fundamentadas (arts. 93, IX, CF). A pronúncia não foge, naturalmente, à regra.
Aliás, é de suma importância conhecer os motivos que levaram o magistrado a se
convencer de que o caso merece a apreciação do Tribunal Popular.
O magistrado precisa motivar sua decisão de pronúncia com
comedimento, mas necessita abordar todos os aspectos relativos
às questões levantadas pelas partes. Não será ignorando teses
que se conseguirá obter uma pronúncia equilibrada em termos e
expressões.
Aliás, pode o juiz abordar somente aspectos ligados à
materialidade do fato e aos indícios de autoria, porém de maneira
contundente, de modo a viciar a decisão do mesmo modo.
Não é simples, nem fácil proferir uma decisão de pronúncia isenta
e, realmente, imparcial. Torna-se, por vezes, tarefa mais
dificultosa do que emitir uma decisão condenatória. É um
momento reflexivo seu. Porém, na pronúncia, se houver uma
fundamentação exagerada, certamente, a conseqüência terá por
alvo o jurado.75
Portanto, a pronúncia não pode conter termos exagerados,
nem frases contundentes. Porém, não pode prescindir de motivação.
3.2.1.2 Impronúncia
3.2.1.2.1 Conceito
A impronúncia tem conteúdo terminativo, ou seja, encerra a
primeira fase do processo. Para a impronúncia é necessário que não haja prova
da materialidade ou indícios da autoria. Para Fernando Capez impronúncia é:
“uma decisão de rejeição da imputação para o julgamento perante o Tribunal do
75
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais, 2008, p.65.
51
Júri, porque o juiz não se convenceu da existência do fato ou de indícios da
autoria”.76
Já Guilherme de Souza Nucci conceitua impronúncia com
sendo: “a decisão interlocutória mista de conteúdo terminativo, que encerra a
primeira fase do processo (formação de culpa ou judicium acusationis), sem haver
juízo de mérito”.77
Assim, inexistindo prova da materialidade do crime ou não
havendo indícios suficientes de autoria, deve o magistrado impronunciar o réu,
significando julgar improcedente a denúncia ou queixa e não a pretensão punitiva
do Estado. Desse modo, se porventura, novas provas, advierem, outro processo
pode instaurar-se.
A lei 11.689/2008, alterando o disposto no art. 414 (anterior
art. 409), em relação à impronúncia, não trouxe nenhuma modificação
substancial, mas somente uma nova redação. A única inserção inédita coube ao
termo fundamentalmente, que, na essência, é despiciendo, pois todas as
decisões dever ser motivadas (art. 93,IX, CF).
Ponderando sobre a decisão de impronúncia, Paulo Rangel
escreve:
No Estado Democrático de Direito não se pode admitir que se
coloque o indivíduo no banco dos réus, não se encontre o menor
indício de que ele praticou o fato e mesmo assim fique sentado,
agora, no banco do reserva, aguardando ou novas provas ou a
extinção da punibilidade, como se ele é quem tivesse de provar
sua inocência, ou melhor, como se o tempo é que fosse lhe dar a
paz e tranqüilidade necessária. A decisão de impronúncia não é
nada. O indivíduo não está nem absolvido nem condenado, e pior:
nem vai a júri. Se solicitar sua folha de antecedentes, consta o
processo que está ´encerrado´ pela impronúncia, mas sem
julgamento de méritos. Se precisar de folha de antecedentes
criminais sem anotações, não o terá; não obstante o Estado dizer
76
77
CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal, ed.14°, Saraiva 2007, p.657.
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.85.
52
que não há os menores indícios de que ele seja o autor do fato,
mas não o absolveu.78
Afinal, não existe similar modalidade de decisão no
procedimento comum, alheio ao júri. Se as provas foram colhidas, respeitando o
devido processo legal, com seus corolários principais (ampla defesa e
contraditório), não se encontrando suficiência de elementos para encaminhar o
caso a julgamento de mérito pelo juízo natural da causa, o indiciário seria
absolvido. Perdeu-se a oportunidade de sanar esse estranho meio-termo, que
torna a impronúncia uma sentença provisória, algo inconciliável com o processo
penal democrático almejado pela Constituição Federal.
3.2.1.2.2 Conteúdo e Fundamentação
A Impronúncia demanda da prova da existência do crime e
indícios suficientes de quem seja o seu autor, diferentemente do que demanda na
pronúncia.
Se o juiz não vislumbrar prova segura da materialidade ou não
colher das provas existentes nos autos indícios seguros acerca da
autoria, outro caminho não deve haver senão impronunciar o
acusado. Extingue-se no processo, sem julgamento de mérito.79
Assim como na pronúncia, a fundamentação da impronúncia
também deve ser clara e detalhada.
O juiz ao se dirigir ao acusado deve usar termos que não lhe
ofenda, podendo neste caso o órgão acusatório recorrer e o Tribunal remeter o
caso à apreciação.
Se assim acontecer, a decisão de impronúncia, em termos
inadequados, poderá ser lida em plenário pela defesa, gerando,
em tese, influência negativa sobre os jurados. Lembremos que
não há proibição para a leitura de decisão de impronúncia (art.
478, I, CPP). Da mesma maneira que sustentamos a cautela no
processo de motivação da decisão de pronúncia, igual postura
78
RANGEL, Paulo, Tribunal do Júri – Visão lingüística, histórica, social e dogmática, Rio de
Janeiro, Lúmen Júris 2007, p.104-105.
79
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais, 2008, p.86.
53
aguarda-se do juiz de primeiro grau, que entende ser o caso de
impronúncia. Sua decisão pode ser revista e o caso, apresentado
aos jurados. Logo, a imparcialidade merece reger as linhas que
redige.80
Defendemos, por certo, tenha o acusado direito à plenitude
de defesa. Isso não quer dizer, no entanto, o direito ilimitado de fazer o que bem
quiser. A lei rege o processo para manter o equilíbrio entre acusação e defesa,
respeitados os princípios constitucionais. Por isso, somente quando for
indispensável à plena defesa do réu, pode-se romper essa igualdade, em favor do
acusado.
3.2.1.3 Desclassificação
3.2.1.3.1 Conceito
Assim como a pronúncia e a impronúncia a desclassificação
também é considerada como o fim da primeira fase do processo. Segundo
Fernando Capez: “a desclassificação ocorre quando o juiz se convencer da
existência de crime não doloso contra a vida, não podendo pronunciar o réu,
devendo desclassificar a infração para não dolosa contra a vida”. 81
Para Guilherme de Souza Nucci desclassificação: “é a
decisão interlocutória simples, modificadora da competência do juízo, não
adentrando o mérito, nem tampouco fazendo cessar o processo”.82
Ensina Tornagui que desclassificar é:
dar-lhe [ao crime] nova enquadração legal,se ocorrer
mudanças de fato, novos elementos de convicção ou melhor
apreciação dos mesmos fatos e elementos de prova.83
80
NUCCI, Guilherme de Souza, Revista dos Tribunais, 2008, p.86.
CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal, 14°ed. Saraiva 2007, p.655.
82
NUCCI,Guilherme de Souza,Tribunal do Júri,Revista dos Tribunais 2008, p.88.
83
TORNAGUI, Hélio, Compêndio de Processo Penal, t,I, Rio de Janeiro, José Konfino, 1967, p.
323.
81
54
3.2.1.3.1.2 Hipóteses Legais
O juiz somente desclassifica a infração penal, cuja denúncia
foi recebida como delito doloso contra a vida, em caso de cristalina certeza
quanto à ocorrência de crime diverso daqueles previstos no art. 74, §1°, do
Código de Processo Penal (homicídio doloso, simples ou qualificado; induzimento,
instigação ou auxílio a suicídio; infanticídio ou aborto).
A partir do momento em que o juiz togado invadir seara
alheia, ingressando no mérito do elemento subjetivo do agente, para afirmar ter
ele agido com animus necandi (vontade de matar) ou não, necessitará ter lastros
suficiente para não subtrair, indevidamente, do Tribunal Popular a competência
constitucional que lhe foi assegurada. É soberano, nessa matéria, o povo para
julgar seu semelhante, razão pela qual o juízo de desclassificação merece
sucumbir a qualquer sinal de dolo, direto ou indireto ou eventual, voltado à
extirpação da vida humana.
3.2.1.4 Absolvição Sumária
3.2.1.4.1 Conceito e Hipóteses Legais
Em fim a absolvição sumária é a última das hipóteses de
encerramento da primeira fase. Segundo Fernando Capez, absolvição sumária: “é
a absolvição do réu pelo juiz togado, em razão de estar comprovada a existência
de causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade”.84
“É a decisão de mérito, que coloca fim ao processo, julgando
improcedente a pretensão punitiva do Estado”.85
Ocorre quando o magistrado reconhece: a) estar provada a
inexistência do fato; b) estar provado não ter sido o réu o autor ou partícipe do
fato; c) que o fato não constitui infração penal; d) estar demonstrada excludente
de ilicitude (causa de exclusão do crime) ou de culpabilidade (causa de isenção
de pena).
84
85
CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal, 14° Ed, Saraiva 2007, p.657.
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revista dos Tribunais 2008, p.94.
55
Conforme a Lei 11.689/2008, outras hipóteses foram
surgidas possibilitando a absolvição sumária.
O juiz pode reconhecer, havendo certeza, lastreado nas
provas dos autos, que o fato objeto da imputação inexistiu (art. 415, I, do CPP).
É também possível ter havido homicídio, mas as provas dos
autos indiquem, com clareza, ter sido outro o autor do delito (art. 415, II, CPP).
Logo, deve o réu ser absolvido sumariamente.
Outra possibilidade, mais ampla, é a evidência de que o fato
ocorreu, podendo até o réu ser o seu autor, mas não constitui infração penal. Em
outros termos, cuida-se de fato atípico.
Somente comporta absolvição sumária a situação envolta
por qualquer das alternativas e excludentes supra referidas
quando nitidamente demonstradas pela prova colhida.
Havendo dúvida razoável, torna-se mais indicada a
pronúncia, pois o júri é o juízo competente para deliberar
sobre o tema.86
As excludentes de ilicitude são: a) estado de necessidade; b)
legítima defesa; c) exercício regular de direito; d) estrito cumprimento do dever
legal.
3.2.2 Juízo de Preparação do Plenário
“É a fase intermediária, entre a formação da culpa e o juízo
de mérito”.87
Antes da Lei 11.689/2008, o ponto central dessa fase
consistia na apresentação do libelo pelo órgão acusatório, especificando, em
formato de artigos o teor da imputação. Após, a defesa oferecia a contrariedade
ao libelo.
86
87
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.95.
NUCCI, Guilherme de Souza, Tribunal do Júri, Revistas dos Tribunais 2008, p.99.
56
Nesta fase houve outras modificações como por exemplo: a)
a correlação entre a pronúncia e o questionário; b) o juiz passa a fazer relatório
sucinto do processo, por escrito, incluindo-o no na pauta de julgamento da sessão
do Júri, possibilitando o acesso aos jurados antes da instrução em plenário entre
outras modificações.
3.2.3 juízo de Mérito
O juízo de apreciação do mérito da causa constitui a terceira
e última fase do procedimento do júri, até que se atinja um veredicto, dado pelos
jurados, pela procedência (condenação) ou improcedência (absolvição) da ação
penal.
Esse juízo final é formado por uma série de atos formais,
efetivados em plenário do Tribunal do Júri.
4 Julgamento em Plenário
4.1 Organização do Júri
O Tribunal do Júri é composto por um juiz de direito, que é o
seu presidente, por vinte e cinco jurados, sorteados dentre os alistados (art. 447,
CPPC). Portanto, cuida-se de um órgão colegiado formado, como regra, por vinte
e seis pessoas.
Para cada sessão de julgamento, dos vinte e cinco
sorteados, sete jurados são escolhidos, igualmente por sorteio, para compor o
Conselho de Sentença, com a participação da acusação e da defesa.
A Lei 11.689/2008, no art. 425 do CPP, pouca modificação
trouxe ao quadro de deficiência de jurados, embora tenha aberto a possibilidade
de elevar o número dos alistados (art. 425, §1°, CPP). Embora devesse, não
mencionou o instrumento pelo qual seria viabilizado o aumento do numero de
jurados.
A lista de jurados suplentes também se fazia necessária na
maioria das Comarcas (antigo art.441, CPP).
57
Com a reforma, não mais existe a lista de suplentes.
Convocam-se os 25 titulares. Se não houver o quorum mínimo (15), na abertura
dos trabalhos, o juiz presidente sorteará tantos suplentes quantos forem
necessários, designando nova data para julgamento (art. 464, CPP).
4.2 Jurados
Os jurados serão selecionados dentre cidadãos de notória
idoneidade, com mais de 18 anos, isentos os maiores de 70 anos, que requeiram
sua dispensa (art. 436, IX, CPP).
A recusa injustificada ao serviço do júri acarretará multa de
um a dez salários mínimos. Além disso, se a
referida recusa fundar-se em
motivação religiosa, filosófica ou política poderá implicar em perda ou suspensão
dos direitos políticos. Tal perda ou suspensão somente ocorrerá se o jurado não
prestar serviço alternativo, consistente em atividades de caráter administrativo,
assistencial, filantrópico ou produtivo no Poder Judiciário, na Defensoria Pública,
no Ministério Público ou em entidade conveniada para tal fim.
4.3 Preparo da Sessão de Julgamento
Após o trânsito em julgado da decisão de pronúncia,
ingressa-se na fase de preparação do plenário.
É importante frisar que nesta fase o número se sessões de
instrução e julgamento pelo Tribunal do Júri passa a obedecer ao disposto pela lei
local de organização judiciária, não havendo mais um número pré-estabelecido
pelo Código de Processo Penal, válido pára todo o Brasil, o que é medida correta.
4.4 As Partes em Plenário
O tribunal do júri, como já visto, é um órgão colegiado,
integrante do Poder Judiciário, composto por 26 juízes. Convocam-se 25 jurados
para a sessão de julgamento, além de ser o condutor dos trabalhos o juiz
presidente. Após a instalação da sessão, com a presença mínima se 15 jurados,
58
promovem-se a composição do Conselho de Sentença. A Turma Julgadora é
constituída por 7 integrantes.
Resumidamente fazem parte do plenário o Juiz presidente,
Ministério Público, Assistente de Acusação, Acusado e Defesa.
4.5 Procedimento em Plenário
Nesta fase será realizada a solenidade inicial do Tribunal do
Júri, a verificação da presença das partes e formação do Conselho de Sentença,
a produção de provas, o debate em plenário e a finalização em plenário.
O juiz ao ingressar no plenário, deve certificar-se de estarem
presentes o representante do MP, o assistente de acusação (se houver), o réu e
seu defensor.
Como se verifica, a lei buscou cumprir os objetivos de
modernização, simplificação e eficácia, tornando o procedimento do júri mais
eficaz e ágil. Assim observou-se algumas alterações importantíssima para
ordenamento jurídico brasileiro. Buscamos agora por fim ver alguns aspectos
controvertidos relacionados ao crime de homicídio.
59
CAPÍTULO 3
QUESTÕES CONTROVERTIDAS
3.1 Introdução
Após estudarmos os tipos de homicídio e a forma pela qual
ocorre o seu procedimento passamos agora discutir algumas questões
controvertidas no homicídio e no crime de trânsito.
3.2 Questões controvertidas no homicídio culposo
3.2.1 Culpa consciente e dolo eventual
Consignada a tênue diferença entre uma e outro, a doutrina
e a jurisprudência não são unânimes sobre o assunto, principalmente no que se
refere ao homicídio ocorrido no trânsito crime este que vai ser analisado mais
adiante ou decorrente do uso de arma de fogo. A divergência é perfeitamente
aceitável, porque a caracterização do crime por culpa consciente ou dolo eventual
depende de análise minuciosa do caso concreto e das circunstancias específicas
que o envolveram.
As conseqüências da tipificação, porém, são díspares. No
primeiro caso, segue-se, normalmente, o rito ordinário; a pena mínima é de 1
(uma) ano, ensejando aplicação da Lei n.9.099/95, ou seja, existe, para uma
corrente, a possibilidade de suspensão condicional do processo. A pena é de
detenção, podendo, in concreto, ser substituída pelas alternativas. Na segunda
hipótese, o sujeito pode ser pronunciado e submetido a julgamento pelo Tribunal
do Júri, parte-se da pena-base do homicídio simples cuja pena de reclusão é de 6
(seis) a 20 (vinte) anos. Há denúncias, especificamente em homicídio decorrente
de acidente de trânsito, no sentido de o qualificarem, quando ocorrem rachas,
aliados ao álcool. Isso já transmuda o delito culposo em crime hediondo, com
60
todos os seus efeitos neste caso responde ao processo preso, a pena-base é de
12 (doze) anos.
Nesse sentido, já se manifestou o Supremo Tribunal
Federal
"A conduta social desajustada daquele que, agindo com intensa
reprovabilidade ético-jurídica, participa, com o seu veículo
automotor, de inaceitável disputa automobilística realizada em
plena via pública, nesta desenvolvendo velocidade exagerada além de ensejar a possibilidade de reconhecimento do dolo
eventual inerente a esse comportamento do agente -, justifica a
especial exasperação da pena, motivada pela necessidade de o
Estado responder, grave e energicamente, à atitude de quem, em
assim agindo, comete os delitos de homicídio doloso e de lesões
corporais". (Habeas Corpus nº 71800-1/RS, STF, Rel. Min. Celso
de Mello, j. 20.06.95, un., DJU 03.05.96, p. 13.899).88
3.2.2 Previsibilidade do evento
Há divergência, também, de decisão sobre previsibilidade
ou não do evento para configuração da culpa. Isso porque trata-se de uma
verificação subjetiva e, redundantemente, depende do caso concreto. Nos direitos
culposos, sempre deverá ser feita, pelo juiz, uma adequação da situação ao
dispositivo legal, por se estar lidando com tipos abertos.
3.2.3 Imperícia ou erro profissional
Há discussões, primeiramente, na conceituação de que seja
imperícia. Assunto este tratado no primeiro capítulo. Para alguns autores, é a falta
de habilitação ou a falta de conhecimento para exercício da profissão ou da arte.
Para outros, pode ser imperito inclusive o profissional habilitado. Seria, nessa
hipótese, uma incongruência dizer-se que um médico, que cursou a faculdade, fez
residência aprimorou-se é imperito em sua profissão.
88
BRASIL, Supremo Tribunal Federa, Hábeas Corpus nº 71800, Rel. Min. Celso de Mello, j.
20.06.95, un., DJU 03.05.96, p. 13.899.
61
Portanto é importante destacar que estes dois institutos não
se confundem. Vejamos a diferença:
Imperícia é a falta de capacidade, de despreparo ou insuficiência
de conhecimentos técnicos para o exercício de arte, profissão ou
ofício. A inabilidade desempenho de determinada atividade fora do
campo profissional ou técnico tem sido considerada na
modalidade de culpa imprudente ou negligente, conforme o caso.
O erro profissional é um acidente escusável, justificável e, de
regra, imprevisível, que não depende do uso correto e oportuno
dos conhecimentos e recursos da ciência. Esse tipo de acidente
não decorre da má aplicação de regras e princípios
recomendados pela ciência. Deve-se à imperfeição e
precariedade dos conhecimentos humanos, operando, portanto,
no campo do imprevisto e transpondo os limites da prudência e da
atenção humana. No entanto, embora não tenha carta branca, não
pode, ao mesmo tempo, ficar limitado por dogmas inalteráveis.
Tendo agido racionalmente, segundo os preceitos fundamentais
artis, ou, quando deles se afastar, o fizer por motivos justificáveis,
não terá de prestar conta à justiça penal, por eventual resultado
fático.89
Portanto, enquanto a imperícia é um erro grosseiro, que a
média dos profissionais de determinada área não cometeria, em circunstâncias
normais profissional faz parte da precariedade dos conhecimentos humanos, pois
nem todos possuem o mesmo talento, a mesma cultura e idêntica habilidade
quando houver erro, resolve-se na esfera civil.
Ainda, é importante a distinção, porque há especial causa de
aumento de pena, quando não é observada regra técnica de profissão, arte ou
ofício.
3.2.4 Questões controvertidas no homicídio privilegiado
Como visto anteriormente, o homicídio privilegiado dá direito
a uma redução de pena variável entre um sexto e um terço.
89
SCHIAPPACASSA, Luciano Vieira, Imperícia e erro profissional são sinônimos? Disponível
em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080708094321818> acesso em
08/11/08.
62
Esta redução causa bastante controversa entre doutrinas e
jurisprudência. Pois a redução da pena é obrigação ou faculdade do juiz, tendo
em vista que a lei afirma que o juiz “pode” reduzir a pena?
Para E. Magalhães Noronha, “a oração do artigo não admite
dúvidas: poder não é dever”
90
. Em face da redação do artigo, outra interpretação
na parece possível.
Este também é o entender de Nélson Hungria, que, ao se
referir ao homicídio emocional, por mais de uma vez diz que este autoriza
redução da pena, e que, “tratando-se de homicídio ou de lesões corporais, se a
reação emocional é exercida sine intervallo, constitui causa de facultatividade
diminuição especial da pena” 91.
Argumenta-se que, se ela é facultativa, não devia ser fixado
limite mínimo ao juiz. Tal orientação visa, entretanto, obstar que este faça
reduções tais que importem a impunidade.
O verbo poder não indica outra coisa senão permissão,
autorização, faculdade, etc. Do mesmo modo se comporta a lei no art.26,
parágrafo único, que trata de estados afins ou vizinhos da emoção ou paixão, e
onde surge também redução facultativa, como frisa José Frederico Marques: “O
juiz, ao graduar a pena, não é obrigado a diminuí-la, pois a redução é
facultativa”92 .
Ao contrário do que alguns pretendem, a faculdade
concedida ao juiz não fere a soberania do Júri, porque não entra nas atribuições
deste a fixação da pena. Portanto para E. Magalhães Noronha, Nélson Hungria e
Frederico Marques, a redução da pena é facultativa. Divide o mesmo
entendimento Julio Fabbrini Mirabete.
90
NORONHA, E. Magalhães, Dos Crimes Contra a Pessoa, 33. ed, São Paulo, Saraiva, 2003,
v.2, p.28.
91
HUNGRIA, Nélson, Comentários ao Código Penal, 1942, v.5, p.125.
92
MARQUES, José Frederico, Curso de Direito Penal, v.2, p.197.
63
Ao contrário destes doutrinadores, há quem diga que a
redução da pena é obrigatória, pois trata-se de um direito do réu. Desse
entendimento compartilha Damásio E. de Jesus, para quem:
A diminuição da pena, presentes seus requisitos, é obrigação do
juiz, não obstante o emprego pelo Código Penal da expressão
‘pode’ e o disposto no art.492, §1°, do Código de Processo Penal,
que fala em ‘faculdade’. Reconhecido privilégio pelos jurados, não
fica ao arbítrio do julgador diminuir ou não a pena93.
No mesmo sentido leciona Celso Delmanto:
Em favor da não-obrigatoriedade da redução argumenta-se com o
atr.492, §1°, do CPP, que consigna: ´Ao juiz ficará reservado o
uso dessa faculdade’. Cabe assimilar porém, que a indagação do
homicídio privilegiado é ‘quesito de defesa’. De acordo com a
jurisprudência da Suprema Corte, se essa indagação não precede
os quesitos de qualificação do homicídio, há nulidade absoluta do
julgamento. Ora, se a indagação do homicídio privilegiado é tão
importante que a sua mera posição torna nulo o julgamento do
júri, seria sumariamente incoerente impor sua formulação, mas
deixar ao puro arbítrio do juiz a aplicação ou não de redução de
pena decidida pelos jurados. Por isso, em respeito à tradicional
soberania do júri, hoje constitucional (CR/88, art.5°, XXXVIII, c,
entendemos que, quando for reconhecido pelos jurados o
homicídio privilegiado, o juiz-presidente não deve deixar de reduzir
a pena, dentro dos limites de um sexto a um terço. A quantidade
da redução prevista no §1°, do art.121 ficará, esta sim, reservada
ao fundamentado critério do magistrado”94.
Se o privilégio tiver sido reconhecido pelo júri popular, o juiz
está obrigado a respeitar a soberania do veredicto, não havendo que se falar em
faculdade. Nos demais crimes, de competência do juízo monocrático, quem
decide é o juiz, podendo considerar ou não a emoção, de acordo com as
peculiaridades do caso concreto. Nesta hipótese, estaremos diante não de uma
causa especial de diminuição de pena (privilégio), mas de uma circunstância
atenuante genérica (CP, art. 65, III, c).
93
94
JESUS, Damásio E. de, Código Penal Anotado, 10. ed, São Paulo, Saraiva, 2000, p.387.
DELMANTO, Celso e outros, Código Penal comentado, São Pulo, Renovar, 2000, p.231.
64
Outra
questão
bastante
controvertida
no
homicídio
privilegiado diz respeito a aplicação simultânea da qualificadora e privilegiadora.
Pode um homicídio ser, ao mesmo tempo, qualificado e privilegiado?
Conforme Valentim Alves da Silva:
Embora difícil, pode uma qualificadora coexistir com circunstância
do §1º, o caso do sertanejo, v.g., que mata de tocaia o sedutor ou
estuprador de sua filha: emboscada e motivo moral. Será esta,
entretanto, a opinião do Código? A interpretação dos Tribunais é
válida: ora decidem pela negativa, ora se pronuncia pela
admissibilidade.95
Não nos parece que aqui a vontade da lei seja diversa.
Veja-se primeiramente a disposição técnica do Código. Depois de definir o
homicídio simples, no artigo 121, passa no §1º- a que ele denomina caso de
diminuição de pena - a tratar de mitigação penal. Qual será então a pena?
Evidentemente a cominada antes, ou seja, a do artigo, ou do homicídio simples.
Elementar conhecimento de técnica legislativa levaria o legislador, se quisesse
entender o privilégio ao homicídio qualificado, a definir este em primeiro lugar, isto
é, indicaria que a pena era tanto a de um como a de outro.
Observa-se que este conflito ocorre entre circunstâncias
legais especiais.
Segundo Damásio de Jesus:
As circunstâncias legais contidas na figura típica do homicídio
privilegiado são de natureza subjetiva. Na do homicídio
qualificado, algumas são objetivas (§2º, III e IV, salvo a
crueldade), outras, subjetivas, (inc. I, II e IV). De acordo com
nossa posição o privilégio não pode concorrer com as
qualificadoras de natureza subjetiva. Não se compreende
homicídio cometido por motivo fútil e, ao mesmo tempo, de
relevante valor moral. Os motivos subjetivos determinantes são
antagônicos. O privilégio, porém, pode coexistir com as
qualificadoras objetivas. Admite-se homicídio eutanásico cometido
95
SILVA, Valentim Alves da, Repertório de Jurisprudência do Código Penal, v.2, n.1.822, 1.831
e 1.839.
65
mediante veneno. A circunstância do relevante valor moral
(subjetiva) não repele o elemento exasperador objetivo. O mesmo
se diga do fato de alguém matar de emboscada e impelido por
esse motivo.
Ainda discutindo sobre a coexistência das circunstâncias
qualificadora há duas interpretações contrárias à coexistência.
Segundo E.Magalhães Noronha:
Uma delas leva em conta a disposição topográfica da norma
penal. Veja-se que primeiramente a norma penal prevê o
homicídio simples (caput), seguido da figura privilegiada (§1º) e da
qualificadora (§2º). Tal disposição técnica deixaria claro que o
legislador não quis estender o privilégio ao homicídio qualificado;
se o quisesse, teria previsto a figura privilegiadora após a
qualificadora. Assim, a figura privilegiadora, segundo a técnica
legislativa, seria aplicável somente ao homicídio na modalidade
simples 96.
A outra corrente é defendida por Fernando Capez:
Argumenta sobre a incompatibilidade da coexistência das
circunstâncias privilegiadoras e qualificadoras, inclusive as de
cunho objetivo (meio e modo de execução), por entender que a
qualificadora sempre repele o privilégio e vice-versa, pois não se
poderia reconhecer situações que amenizem e agravem a pena
ao mesmo tempo 97.
Heleno Fragoso vai ainda mais longe, dando uma terceira
posição, em que:
Admite-se o concurso de circunstâncias qualificadoras objetivas e
das quais autorizam a diminuição da pena (são todas de caráter
pessoal) tem-se afirmado que prevalecem estas últimas, por
serem preponderantes nos termos do art.67 do Código Penal 98.
96
NORONHA, E,Magalhães, Direito Penal, dos crimes contra a pessoa. 26. ed. São Paulo,
Saraiva, 1994, v.2, p.26.
97
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, 7º. ed. Saraiva, 2007, v.2, p.41.
98
FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de direito penal: parte especial. 3. ed. São Paulo, v.1,
p.59.
66
Levando-se, contudo, em consideração que a disposição
topográfica é secundária, devendo a norma penal ser interpretada de forma
harmônica, de modo a se admitir a coexistência do privilégio e da qualificadora, e
de que as circunstâncias qualificadoras objetivas (meio e modo de execução) são
compatíveis com privilégio, que é sempre uma circunstância subjetiva, a
jurisprudência tem aceito a coexistência de circunstância subjetiva que constitua o
privilégio com circunstância objetiva (meio e modo de execução) que constitua a
qualificadora.
Desse modo, é possível que o agente tenha agido sob o
domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima
(circunstância privilegiadora), e que tenha empregado um meio que impediu ou
impossibilitou a sua defesa (circunstância qualificadora objetiva). Inadmite-se,
contudo, a coexistência de circunstâncias subjetivas.
Segundo Fernando Capez, para aqueles que entendem que
o privilégio pode coexistir com a circunstância qualificadora objetiva, a aplicação
da pena será feita da seguinte forma:
1º Fase: no momento da aplicação da pena (art.68 do CP), se foi
reconhecida a existência da qualificadora, a pena-base será fixada
entre o limite de doze a trinta anos de reclusão;
2º Fase: na segunda fase, analisam-se as circunstâncias
agravantes e atenuantes;
3º Fase: nessa fase, aplicam-se as causas de diminuição do §1º
do art.121, cabendo a redução de um sexto a um terço da pena
somente para quem entende que as qualificadoras de natureza
objetiva podem coexistir com o privilégio. Nesse a redução varia
conforme a relevância do motivo de valor moral ou social, ou a
intensidade da emoção do agente e o grau de provocação do
ofendido.99
Como já visto as privilegiadoras são todas subjetivas, posto
que se relacionam com o motivo do crime ou com o estado anímico do agente.
99
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2, Saraiva, 2007, p.42.
67
No entanto, as qualificadoras podem ser subjetivas ou
objetivas. Para que se possa falar em homicídio qualificado privilegiado, como se
vê, é necessário que a qualificadora seja objetiva, para assim, haver
compatibilidade com a privilegiadora subjetiva.
Vejamos:
Artigo 121, do Código Penal:
§1º: Privilegiadas:
-motivo de relevante valor social ou moral;
-domínio de violenta emoção
§2º: Qualificadoras:
-motivo torpe (subjetiva);
-motivo fútil (subjetiva);
-meio cruel (objetiva);
-meio insidioso (objetiva);
-conexão (subjetiva).
Analisando as informações supracitadas, há de se notar que
é possível falar em homicídio qualificado privilegiado em duas situações
específicas, quais sejam, homicídio qualificado por motivo cruel e insidioso.
3.2.5 Questões controvertidas no crime de trânsito
O objetivo original do legislador era reprimir com rigor as
infrações de trânsito no sentido de garantir à coletividade maior segurança no
tráfego de veículos automotores. Aliás, essa preocupação já advém de tempos
remotos, pois Viveiros de Castro, no ano de 1990, já dizia que “os acidentes
68
automobilísticos são verdadeira epidemia, tão mortífera como a febre amarela”
100
. Entretanto, em que pese a boa intenção do legislador pátrio, alguns
dispositivos dos crimes de trânsito são confusos e, em certos aspectos, padecem
do mais grave dos vícios, que é a inconstitucionalidade. Por isso o CTB nunca
alcançará seu objetivo.
O novo Código de Trânsito Brasileiro trouxe importantes
inovações legislativas, na medida em que passou a tipificar os crimes de
homicídio e lesões corporais, na modalidade culposa, praticados na direção de
veículo automotor. Trata-se, portanto, de tipo específico.
“A doutrina tradicional classifica os crimes de trânsito em
crimes de dano (homicídio culposo e lesão culposa) e de perigo (abstrato ou
presumido e concreto)” 101.
A doutrina de Damásio E. de Jesus defende que “os crimes
de trânsito são de lesão e de mera conduta, demonstrando ser inadequada a
classificação tradicional”
102
. Conforme leciona o autor, a partir do momento em
que alguém pratica um crime de trânsito irá reduzir substancialmente o nível de
segurança desejado pelo interesse coletivo.
O homicídio culposo de trânsito está previsto no art.302 do
CTB. O grave problema apontado inicialmente pela doutrina é com relação ao tipo
penal do homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor. Este fere
de morte o princípio de direito penal da taxatividade, corolário lógico do princípio
constitucional da legalidade. Melhor seria se o Poder Judiciário brasileiro fosse
duro com o legislador simbólico, declarando a inconstitucionalidade dos tipos
penais que ferem princípios do moderno direito penal.
Ao majorar a pena de homicídio culposo de trânsito, em
comparação com as demais condutas previstas no Código Penal em seu art.121,
§3º, atribuiu-se um desvalor objetivo que é tido por muitos como inconstitucional.
100
ROESLER, Átila da Rold, Novas (e velhas) polêmicas sobre o crime de trânsito, disponível
em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4949> acesso em: 09/11/08.
101
ROESLER, Átila da Rold, Novas (e velhas) polêmicas sobre o crime de trânsito, disponível
em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4949> acesso em: 09/11/08.
102
JESUS, Damásio E. de. Crimes de Trânsito, São Paulo, Saraiva, 2002, p.18.
69
Entretanto, o legislador pretendeu que o condutor de veículo automotor agisse
com maior cuidado objetivo no trânsito do que em outros atos da vida diária.
Com a nova norma penal incriminadora, criou-se uma
situação verdadeiramente estranha. Segundo João Leal:
A partir da vigência do CTB, estamos convivendo com uma
conduta delituosa do mesmo tipo objetivo (causar a morte de
alguém, culposamente), que possui um mesmo objeto jurídico e
material (a vida humana), mas que se formaliza mediante duas
categorias típicas diferenciadas. A primeira é a do homicídio
culposo comum, que se mantém como tipo penal de execução
aberta, ou seja, infração com forma livre de realização do tipo
objetivo.
A outra é a do homicídio culposo de trânsito, considerada mais
grave e, em conseqüência, marcada por uma maior carga
punitiva. Nos termos do art.302, do CTB, esta figura típica é
descrita com forma fechada ou específica de realização (na
direção de veículo automotor). Só haverá homicídio culposo de
trânsito, se a morte da vítima for causada na direção de veículo
automotor103.
Acabou o legislador fazendo com que houvesse duas
medidas punitivas diferente para um mesmo tipo de conduta culposa.
Situação ingrata é diferenciar homicídio culposo de trânsito
de homicídio doloso do Código Penal quando da ocorrência de dolo eventual ou
culpa consciente. Até hoje a mais avalizada doutrina encontra dificuldades em
diferenciá-los e a questão fica relegada ao entendimento do juiz.
No ensinamento clássico de Damásio E. de Jesus:
No dolo eventual, o agente tolera a produção do resultado, o
evento lhe é indiferente, tanto faz que ocorra ou não. Ele assume
o risco de produzi-lo (CP, art.18, I, parte final). Na culpa
consciente, ao contrário, o agente não quer o resultado, não
103
LEAL, João, Homicídio culposo de trânsito: a impropriedade de duas normas incriminadoras
para uma mesma conduta típica, disponível em:
<http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/44/1944/> , acesso em: 13/11/08.
70
assume o risco nem ele lhe é tolerável ou indiferente. O evento lhe
é representado (previsto), mas confia em sua não-produção 104.
A dificuldade do operador do direito será de penetrar na
mente do sujeito a fim de verificar se este assumiu o risco ou se apenas confiou
em sua não ocorrência. Cabe dizer que o homicídio culposo absorve todos os
demais delitos de trânsito, em face do princípio da consunção lembrando que
esse princípio ocorre:
Quando uma ou mais infrações penais figuram unicamente como
meios ou fases necessárias para a consecução do crime-fim, ou
quando simplesmente se resumem a condutas, anteriores
(antefactum) ou posteriores (postfactum), do crime-fim, estando,
porém, insitamente interligados a este, sem qualquer autonomia
portanto (pois o contrário daria margem ao concurso real de
crimes), ou quando ocorre a chamada progressão criminosa
(mudança de finalidade ilícita pelo agente), o agente só terá
incorrido no tipo penal mais grave.
É o que determina o princípio da consunção, para o qual em
face a um ou mais ilícitos penais denominados consuntos, que
funcionam apenas como fases de preparação ou de execução de
um outro, mais grave que o(s) primeiro(s), chamado consuntivo,
ou tão-somente como condutas, anteriores ou posteriores, mas
sempre intimamente interligado ou inerente, dependentemente,
deste último, o sujeito ativo só deverá ser responsabilizado pelo
ilícito mais grave 105.
Havendo duas ou mais vítimas, aplica-se a regra do
concurso formal de crimes (art.70, do CP). Por fim, a questão da co-autoria nos
crimes de trânsito é tormentosa, principalmente em matéria de homicídio culposo.
Fazendo menção ao aspecto processual, é importante
lembrar aos operadores do direito que não se imporá prisão em flagrante ao
condutor do veículo que, mesmo após ter praticado homicídio culposo, tentar
minimizar o ato prestando pronto e integral socorro à vítima (art.301). Se essa
104
JESUS, Damásio E. de, Crimes de Trânsito, São Paulo, Saraiva, 2002, p.83.
RAMOS, Guilherme da Rosa, Princípio da consunção: o problema conceitual do crime
progressivo e da progressão criminosa, disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=996, acesso em: 09/11/08.
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situação não ocorrer e desde que presente as hipóteses taxativas do art.302 do
estatuto processual penal, caberá à autoridade policial a lavratura do auto de
prisão em flagrante e posterior fixação de fiança ao condutor, nos termos do artigo
322, já que o crime é punido com detenção. Dessa forma, a não ser que haja dolo
eventual e não ocorrendo as hipóteses dos arts.323 e 324 do CPP que vedam a
concessão da fiança, o motorista que praticou homicídio culposo na direção e de
veículo automotor deverá ser solto pelo delegado de polícia após a lavratura da
peça coercitiva e prestação de fiança.
Por fim resta destacar a alteração trazida pela Lei n°
11.705/2008, na qual instituiu entre nós a “tolerância zero” de álcool para os
condutores de veículo automotores. No que diz respeito ao homicídio culposo e
lesão corporal culposa na direção de veículo automotor a referida lei retirou as
causas de aumento decorrente da embriaguez nesses crimes, revogando desta
forma o inciso V, parágrafo único do artigo 302 do CTB.
Enfim, os aspectos criminais do Código de Trânsito
Brasileiro continuam a suscitar polêmicas nos tribunais do país. Questões
controvertidas ainda não foram completamente pacificadas. Resta aos operadores
do Direito apelar para verdadeiros malabarismos a fim de poder aplicar as novas
normas jurídicas que brotam do nada, dia após dia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente Monografia teve como objeto tratar sobre o
Crime de Homicídio: procedimento e questões controvertidas.
O seu objetivo foi o de propiciar uma visão geral do crime de
homicídio.
Para tanto, no Capítulo 1, discorreu sobre a forma básica do
delito de homicídio discorrendo sobre o seu conceito, objeto jurídico, objeto
material, sujeito ativo, sujeito passivo, bem como o momento consumativo do
homicídio, e suas formas de tentativa. Tratou-se ainda das modalidades de
homicídio.
No Capítulo 2, tratou-se do procedimento no Tribunal do
Júri, trazendo sua história, princípios relevantes instituto, bem como seu
funcionamento.
No
Capítulo
3,
delineou-se
acerca
das
questões
controvertidas, sem qualquer pretensão de esgotar o tema.
A presente monografia foi desenvolvida com base em três
hipóteses que foram confirmadas, ao longo deste trabalho, conforme segue.
A primeira hipótese restou comprovada, pois, a Lei
n°8.930/94 alterou a redação do art.1°, I, da Lei 8.072/90 considerando o crime de
homicídio, hediondo quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio,
ainda que executado por um só agente e também na sua forma qualificada.
A segunda hipótese não restou comprovada, pois o texto
constitucional do art.5°, XXXVIII, d, menciona ser assegurada a competência para
os crimes dolosos contra a vida e não somente para eles. Uma vez que o art, 78,
I, do CPP admite a competência do Tribunal do Júri nos crimes conexos.
A terceira hipótese foi comprovada, pois no terceiro Capítulo
ao analisar as questões controvertidas acerca do homicídio privilegiado
73
constatou-se a possibilidade da coexistência da privilegiadora e da qualificadora
desde que a qualificadora seja objetiva para assim, haver compatibilidade com a
privilegiadora subjetiva.
Desta forma, observou-se que a estrutura normativa tem o
intuito de estabelecer limites ao cidadão para o convívio em sociedade. No âmbito
da estrutura penal brasileira, as interpretações doutrinárias e jurisprudenciais,
determinam os elementos fáticos e materiais a serem observados pelo aplicador
do Direito, para a definição do crime de homicídio e sua punição dentro da
sociedade.
Assim sendo, constata-se que o homicídio é um crime
praticado contra a vida humana, podendo englobar diversas peculiaridades, as
quais
irão
influir
diretamente
na
condenação
do
agente
delituoso.
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
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Paulo: Editora Saraiva. 2001,
BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus n°85.904, Rel. Joaquim
Barbosa, 13.02.07
BRASIL, Supremo Tribunal Federa, Hábeas Corpus nº 71800, Rel. Min. Celso de
Mello, j. 20.06.95, un., DJU 03.05.96, p. 13.899.
DELMANTO, Celso, Código Penal Comentado, São Paulo, Renovar, 2000.
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Especial, v.2 Saraiva, 2007.
CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal, Saraiva 2007.
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HUNGRIA, Nelson. FRAGOSO, Heleno, Comentários ao Código Penal, 5. ed.
v.V Rio de Janeiro: Forense, 1979.
JESUS, Damásio E. de, Crimes de Trânsito, São Paulo, Saraiva, 2002.
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incriminadoras
para
uma
mesma
conduta
típica,
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MARQUES, José Frederico, A Instituição do Júri. Campinas: Bookseller, 1997.
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progressão
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