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Artigo de Revisão
Review Article
Artículo de Revisión
Morais FRC, Silva CMC, Ribeiro MCM, Pinto NRS, Santos I
A r t i g o s de
Revisão
RESGATANDO O CUIDADO DE ENFERMAGEM COMO PRÁTICA DE
MANUTENÇÃO DA VIDA: CONCEPÇÕES DE COLLIÈRE
RESTORING NURSING CARE AS THE PRACTICE OF MAINTAINING LIFE: COLLIÈRE
PLANNING
RESCATANDO EL CUIDADO DE ENFERMERÍA COMO PRÁCTICA DE MANTENIMIENTO
DE LA VIDA: CONCEPCIONES DE COLLIÈRE
Fernanda Rodrigues Chaves MoraisI
Carolina de Mendonça Coutinho e SilvaII
Monique Carvalho Marrafa RibeiroIII
Nádia Regina da Silva PintoIV
Iraci dos SantosV
RESUMO: Trata-se de um estudo descritivo, mediante revisão sistemática de comunicação cientifica, com o objetivo de
identificar práticas de enfermagem que refletem o modelo de cuidado que se propõe a assegurar a manutenção da vida
conforme proposto pela enfermeira Françoise Collière. As buscas ocorreram no mês de outubro de 2009, através de
pesquisa avançada na Biblioteca Virtual de Saúde, quando foram identificados 14 artigos, sendo nove na base de dados
LILACS e cinco na MEDLINE. A análise possibilitou a classificação dos resultados em duas categorias: Cuidados centrados
no modelo biomédico, tecnicista e Cuidados que transcendem a técnica. Entender o cuidado em sua totalidade torna-se
ainda mais difícil quando reduzido apenas à utilização de técnicas que visam somente cuidados biológicos, cuidados
curativos através de procedimentos de enfermagem. Muitas vezes, a enfermeira, por estar inserida no modelo biomédico
da assistência, acaba por negligenciar a arte do cuidado para o qual foi formada.
Palavras-chave: Enfermagem; cuidados de enfermagem; prática profissional; procedimentos de enfermagem.
ABSTRACT
ABSTRACT:: This descriptive study used systematic review of scientific communications to identify nursing practices
reflecting the model of care that aims to ensure the maintenance of life, as proposed by the nurse Françoise Collière.
Advanced search of Brazil’s Biblioteca Virtual de Saúde (virtual health library) in October 2009 identified 14 articles, 9 in
LILACS and 5 in MEDLINE. Analysis enabled the results to be classified into two categories: health focused on the technicist
biomedical model, and care that goes beyond technique. It becomes even more difficult to understanding care as a whole
when restricted to the use of techniques directed only to biological, curative care through nursing procedures. Often, nurses
immersed in the biomedical model of care come to neglect the art of care for which they were trained.
Keywords: Nursing; nursing care; professional practice; nursing procedures.
RESUMEN: Este es un estudio descriptivo, mediante revisión sistemática de la comunicación científica, a fin de identificar
las prácticas de enfermería que reflejan el modelo de cuidado que tiene por objeto garantizar el mantenimiento de la vida en
la forma propuesta por la enfermera Françoise Collière. Las búsquedas se llevaron a cabo en octubre de 2009, por medio de
investigación avanzada en la Biblioteca Virtual de Salud, cuando fueron identificados 14 artículos, siendo nueve en LILACS
y cinco en MEDLINE. El análisis permitió la clasificación de los resultados en dos categorías: cuidados centrados en el modelo
biomédico, tecnicista y cuidados que van más allá de la técnica. Entender el cuidado en su totalidad se vuelve aún más difícil
cuando sólo se limita a la utilización de técnicas destinadas a cuidados biológicos, cuidados curativos a través de procedimientos
de enfermería. A menudo, la enfermera, por estar inserta en el modelo biomédico de asistencia, pasa por alto el arte del
cuidado para lo cual fue formada.
Palabras clave: Enfermería; cuidados de enfermería; práctica profesional; procedimientos de enfermería.
Mestranda da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected].
Mestranda da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected].
III
Mestranda da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected].
IV
Mestranda da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected].
V
Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil. E-mail:
[email protected].
VI
Trabalho premiado no 4o Simpósio Nacional O Cuidar em Saúde e Enfermagem. 1o Lugar do Prêmio Rachel Haddock Lobo.
I
II
Recebido
– Aprovado
em: 05.02.2011
Recebidoem:
em:30.11.2010
10.05.2010
– Aprovado
em: 18.12.2010
Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2011 abr/jun; 19(2):305-10.
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Práticas de cuidado X manutenção da vida
INTRODUÇÃO
Este estudoVI tem como objeto a enfermagem e suas
práticas de cuidado no contexto das profissões da área
da saúde, cuja inspiração advém das reflexões sobre a
obra Promover a vida: da prática da mulher de virtude aos
cuidados de enfermagem1, um dos conteúdos da disciplina Fundamentos Teóricos do Cuidar em Saúde e Enfermagem, ministrada no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Enfermagem da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Nessa obra são encontradas as
atividades destinadas à sobrevivência da humanidade, nas
vertentes feminina e masculina, duas orientações que
norteiam a história dos cuidados: assegurar a manutenção, a continuidade da vida e fazer recuar a morte.
A aproximação com a temática surgiu a partir
de leituras e discussões, entre elas a forma de como
algumas profissões se apropriaram de práticas de cuidado para se estabelecerem. A enfermagem é uma
dessas que qualifica como cuidados a prestação de serviços que oferece aos seus clientes1.
Compreendendo que os cuidados aos seres humanos são necessários a fim de permitir a continuidade da vida das pessoas, dos grupos e das sociedades,
pressupõe-se que sua origem esteja relacionada a qualquer pessoa que ajude outra a ter garantida a manutenção da sua vida, e não a um ofício ou profissão1.
Assim, em seu sentido mais original, o cuidado não
tem nenhuma relação com profissão, é uma prática.
Já profissão entende-se como uma ocupação cujas
obrigações criam e utilizam de forma sistemática o
conhecimento geral acumulado na solução de problemas postulados por um cliente2.
Refletindo sobre tais considerações, lembra-se
que, na prática diária do enfermeiro, seu cliente necessita de cuidados fundamentados em conhecimentos específicos que determinam as intervenções de
enfermagem visando à resolução dos problemas encontrados, numa perspectiva profissional. Assim, a
principal característica da profissão enfermagem é a
prática de cuidados1,3.
Sabe-se que, sobrecarregado com as demandas
do mercado de trabalho e responsabilidades exigidas
do profissional enfermeiro, ele pode estar correndo o
risco de deixar de lado aquilo que tem sido o principal determinante para a identidade profissional: o
cuidado de enfermagem.
Tendo como base conceitual os cuidados como
práticas que assegurem a manutenção, a continuidade da vida, se questiona: quais são os cuidados que a
enfermagem exerce no seu cotidiano de trabalho?
Este estudo teve como objetivo identificar práticas
de enfermagem que refletem o modelo de cuidado que se
propõe a assegurar a manutenção da vida conforme proposto pela enfermeira Françoise Collière, analisando a
comunicação científica publicada nos últimos 15 anos.
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Justifica-se o desenvolvimento do presente tema
na crença de que a enfermagem tem como base os
cuidados, visando à proteção e promoção da saúde, os
quais são arcabouços para manutenção e continuidade da vida com qualidade. Além disso, estima-se ser a
prática de cuidados que marca sua trajetória como
profissão de saúde, necessária e indispensável às comunidades e sociedade.
Espera-se trazer à tona a discussão e a reflexão
sobre as práticas de cuidado que a enfermagem tem
exercido atualmente. É necessário, no âmbito de disciplinas de cursos de pós-graduação, estudar criticamente a implementação de práticas que encorajam e
fortalecem a centralidade das intervenções moldadas no modelo biomédico, hospitalocêntrico e medicalizante. Algumas dessas práticas consideradas como
de recuperação da saúde são até mesmo capazes de
colocar em risco a própria vida. Assim, possibilita
evidenciar contradições entre a proposta da profissão enfermagem e suas ações.
REFERENCIAL TEÓRICO
Historicamente as mulheres são os primeiros se-
res a praticar a medicina, no sentido de tratamento e
cura, em virtude das práticas de agricultura que lhes
conferiu a capacidade de tratar, medicar e cuidar. As
práticas domésticas determinadas pela divisão sexual
do trabalho, como a dedicação à casa, família, os cuidados aos idosos, entre outras, que têm por consequência
uma capacitação da mulher em garantir ou compensar
funções vitais desde o nascimento até a morte. São nas
atividades de cuidar do outro que as mulheres expressam uma forma de relação com o mundo4.
O processo histórico dos cuidados coincidiu com a
origem das espécies vivas. Homens e mulheres lutavam
com a finalidade de assegurar a continuidade da vida utilizando-se da proteção reflexa e instintiva, o que fez o
cuidado se tornar inicialmente objeto do xamã ou feiticeiro, depois do sacerdote e, mais tarde, do médico5.
Originalmente a prática dos cuidados pode estar
relacionada a qualquer pessoa que ajude outra a ter
garantida a manutenção da sua vida, e não a um ofício
ou profissão. Entretanto através de modificações históricas da humanidade, a prática dos cuidados trouxe
influências para a gênese de diversas profissões1.
O cuidar foi concebido como o tratar da doença
e o indivíduo objeto dos cuidados foi isolado, reduzido a parcelas e excluído das dimensões sociais e coletivas, trazendo os diversos especialistas que sozinhos
não conseguiam tratar os doentes. Foi neste contexto de necessidade de redistribuir as numerosas atividades paralelas ao trabalho de investigação e de tratamento das doenças que Collière entende marcar a
influência definitiva na prática de enfermagem e que
contribuiu para dificultar a identificação dos cuida-
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dos pertinentes a esta profissão5. Percebe-se tal situação no cotidiano das práticas da enfermeira, em que
ela herda uma série de atividades que não são provenientes da natureza de sua profissão.
A enfermagem recebe uma herança da formação
médica que é fortemente marcada pela influência hospitalar, local este que apresenta características que deixam as pessoas vulneráveis. Por sua vez, as pessoas enfermas são submetidas a procedimentos, exames, manipulações que desgastam a si próprias, familiares, amigos
e até a equipe que presta os cuidados, principalmente a
equipe de enfermagem, que é diretamente responsável
pelos cuidados desses seres6,7. Na medicina de base
lesional, e, sobretudo, na medicina dos especialistas, há
um juízo de valor sobre as várias doenças, e em vez de
raciocinar sobre as probabilidades de um determinado
perfil clínico apresentado pelo paciente, essa dinâmica
do especialista faz um raciocínio de checagem, verificando se determinadas doenças estão presentes ou não6,8.
Cuidar pode ser definido como manter a vida
garantindo a satisfação de um conjunto de necessidades indispensáveis à vida, mas que são diversificadas
na sua manifestação, podendo manifestar-se por desvelo, responsabilidade, atenção, cautela entre outros
atributos do cuidado humano9. Considera-se que as
práticas de cuidado estabelecidas por Collière, embora
ainda aquém da realidade, devem ser norteadoras das
ações individuais e coletivas da enfermagem, para favorecer o crescimento e aprimoramento da profissão.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo, realizado em outubro de 2009, no Rio de Janeiro, mediante a
técnica de revisão sistemática em publicações virtuais do
período compreendido entre 1998 a 2009. Sua finalidade
foi reunir e sintetizar resultados de pesquisas, buscando
identificar as práticas de cuidado voltadas para a continuidade da vida de maneira sistemática, contribuindo para o
aprofundamento do conhecimento do tema proposto1,10.
Desenvolveram-se cinco etapas, descritas a seguir.
Na primeira, foram identificados o tema e a questão norteadora, já apresentados na introdução; estabelecimento de critérios de inclusão/exclusão de estudos, mediante o recurso de pesquisa avançada da
Biblioteca Virtual de Saúde, selecionando os limites:
pesquisa realizada por enfermeiro e cuidado; campo
de busca: palavras do título; aspectos: enfermagem;
idioma: português; tipo de publicação: artigo de revista, somente textos completos.
Foram identificados 17 artigos publicados dentro da especificação selecionada, sendo 12 nas bases
de dados Latino-Americana e do Caribe em Ciências
da Saúde (LILACS) e cinco na Literatura Internacional em Ciências da Saúde (MEDLINE); destaca-se
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que três textos foram encontrados simultaneamente
em ambas as bases, tendo sido eliminados, o que reduziu a amostra para 14 obras. O critério de inclusão
foi expor o objeto de estudo ou temática relacionada
aos cuidados de enfermagem e suas práticas, sendo
que os 14 artigos foram incluídos.
Na segunda etapa, foram definidas as informações a serem extraídas dos estudos selecionados/categorização dos estudos: os dados foram coletados em
cada estudo mediante um instrumento próprio, para
garantir o desenvolvimento da revisão com rigor
metodológico, utilizando-se um critério específico para
análise de comunicações científicas11. As variáveis
adotadas foram: período de publicação, tipo de estudo,
regiões de coleta de dados, tipo de metodologia utilizada, sujeitos de estudo, temáticas abordadas.
Na terceira, ocorreu a avaliação dos estudos incluídos, os quais foram submetidos à análise de conteúdo definida por Bardin12,13, obtendo-se unidades
de registro, que delimitaram a posteriori duas categorias temáticas. Os resultados foram discutidos com
base na literatura científica sobre as práticas de saúde
e cuidado de enfermagem.
A quarta etapa compreendeu a interpretação
dos resultados: foram realizadas a discussão dos achados e sua comparação com o conhecimento teórico
acerca da temática cuidados de enfermagem destinados
à manutenção da vida. Tal procedimento levou à
identificação de fatores que influenciam a prática
dos cuidados de enfermagem e, ainda, de lacunas que
possibilitam o apontamento de sugestões pelos autores10.
Na quinta, foi apresentada a revisão/síntese do
conhecimento: reunião sintética da descrição das
etapas percorridas e os principais resultados evidenciados na análise dos estudos revisados10.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram analisados 14 artigos, observando a técnica já referida. Em relação ao ano de publicação dos
textos, foi obtida a distribuição indicada na Tabela 1.
Percebemos que o maior volume de publicações ocorreu a partir de 2004, somando 79% das publicações
apenas nos últimos seis anos. Esse quantitativo crescente demonstra a ascensão do interesse em se discutir as práticas do cuidado de enfermagem.
Com relação à metodologia utilizada, a maioria
(78,5%) foi qualitativa14,15, modalidade de pesquisa
que se aplica ao estudo das relações, das crenças, das
percepções e das opiniões e interpretações de como
os seres humanos vivem, pensam e sentem. Dos nove
artigos de pesquisa empírica, apenas três não continham a região procedente do país. Dos demais, a maioria se concentrou nas Regiões Sul e Sudeste do Brasil.
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Práticas de cuidado X manutenção da vida
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TABELA 1
1: Distribuição dos artigos examinados por período
de publicação. Rio de Janeiro, 2009.
Período
1998 - 2000
2001 - 2003
2004 - 2006
2007 - 2009
TO T
AL
TA
f
2
1
4
7
14
%
14
7
28
51
100
Referente ao campo de estudo, 12 pesquisas foram
realizadas em ambiente hospitalar. Uma possível explicação para este fato é a associação de cuidado de
enfermagem a tratamentos intensivos e complexos.
A análise do conteúdo dos textos apontou para
duas categorias: Cuidados centrados no modelo biomédico,
tecnicista e Cuidados que transcendem a técnica.
Categoria 1: cuidados centrados no modelo
biomédico, tecnicista
A análise evidenciou a tendência de considerar
o cuidado um sinônimo de competência técnica, realização de procedimentos e protocolos hospitalares
e desempenho de atividades burocráticas e de gerência. Tal fenômeno decorre da imersão em uma racionalidade científica que determina um modelo de
atenção à saúde centrado na fragmentação do ser cuidado em partes doentes e na cura do corpo físico, sem
todavia atender à integralidade do ser16. Tal lógica
tecnoburocrática das instituições hospitalares,
centrada no modelo biomédico vigente, engessa o cuidado intervencionista pautado, predominantemente, em técnicas que isolam o cliente de forma passiva
no leito, tratando-o como receptor de protocolos e
procedimentos técnicos invasivos e não invasivos.
Entre os artigos examinados, 12 tiveram os seguintes cuidados predominantemente enfatizados: aspiração traqueal, registros em prontuário das atividades
desempenhadas com o cliente grave, prevenção de lesões, prevenção e detecção precoce de complicações,
atuação do enfermeiro no pré, intra e pós-operatório,
capacidade de avaliação da dor, criação de protocolo de
cuidados, realização de curativos, conhecimento de farmacologia e resultados de exames, capacidade de exercer técnicas complexas, realização de prescrição de enfermagem e alguns outros. Lembra-se que um dos critérios de busca pautou-se em artigos que tivessem no título as palavras; cuidado e enfermagem. Assim, os cuidados citados anteriormente foram os que motivaram o
desenvolvimento e publicação da maioria dos textos.
Parte destes artigos trazia, timidamente, a associação de outras formas de cuidar, como proporcionar
apoio objetivando ajuda, conversas informais, apoio
emocional e familiar, conforto e orientação, mesmo
quando os cuidados centrados na dimensão biológica
configuravam o foco central de discussão. Ocorreu uma
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tentativa de abranger uma gama maior de cuidados
oferecidos. Porém, a proporção menor com que tais
cuidados foram relatados conduz à lógica de que estes
merecem menor destaque do que os demais.
Não se pode negligenciar a importância das técnicas hospitalares e extra-hospitalares que são indispensáveis para a manutenção da vida, para favorecer o
restabelecimento do físico. Entretanto, as políticas de
saúde no Brasil têm privilegiado a assistência curativa,
que é cara e não resolve as causas dos problemas de
saúde, em que a maioria das patologias cirúrgicas poderia ser evitada ou controlada com mudanças estruturais no país, priorizando-se melhorias das condições
de vida das pessoas, a fim de diminuir a necessidade de
cirurgias ou mesmo de internações17.
Os enfermeiros se responsabilizam por suas atividades e também por atividades de outros profissionais envolvidos na assistência. Além disso, há uma
supervalorização da técnica, o que acaba minimizando
a importância da participação em discussões
multidisciplinares sobre a evolução clínica dos clientes ou até da atuação do enfermeiro no confortar, conversar e ouvir seus clientes. Porém, estes últimos não
são considerados cuidados ou, quando são realizados,
não merecem registro por não serem valorizados.
Além disso, a somatória de leitos ocupados é
desproporcional ao quantitativo de enfermeiros disponíveis que, na maioria das vezes, se encontra longe
do ideal de cálculo de dimensionamento de pessoal
preconizado na literatura. O excesso de atribuições
burocráticas determina ao enfermeiro uma sobrecarga e superposição de outras funções, acabando por
deixar esquecida a sua essência: o cuidado.
É necessário construir práticas pedagógicas para a
saúde que permitam a compreensão da integralidade
como um pressuposto que precisa ser construído durante toda a formação profissional. Para tanto, a educação
precisa ser também integral e interdisciplinar, permitindo a aquisição de habilidades que assegurem um agir
voltado para o ser humano na sua subjetividade16,18.
As inúmeras atividades técnicas e burocráticas dificultam muitas vezes a aproximação a uma dimensão
do cuidado que favoreça o maior vínculo e inte-gração
com o cliente, bem como a sua abordagem quando ele
requerer conforto e acolhimento a sua hospitalização
e fragilidade física e emocional. Tais colocações são
reforçadas a partir da análise dos artigos revisados, em
que se percebeu a valorização do objeto de pesquisa
focado majoritariamente nos cuidados do corpo, reforçando a lógica tecnocrática de agir.
Categoria 2: cuidados que transcendem a técnica
Embora encontrado em número relativamente
menor, percebe-se uma preocupação da enfermagem em
oferecer um cuidado holístico, na tentativa da superação de um cuidado baseado na separação de corpo/mente. Não se deve anular os conhecimentos científicos
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provenientes desse modelo, mas comple-mentá-lo através de uma visão mais ampliada e considerar o sujeito
como um ser completo, composto de corpo, mente, cultura e que influencia e sofre influência do meio. Ou seja,
vê-lo como um ser integral e não fragmentado4.
De acordo com os artigos, o cuidado técnico pode
ser desenvolvido também direcionando suas práticas para
questões subjetivas. Após análise da literatura estudada,
vê-se que o cuidado ideal seria aquele em que há uma
perfeita articulação entre o conhecimento científico e as
dimensões individuais, sociais, psicológicas, interacionais
cuidados/cliente e até mesmo organizacional, se referindo à acessibilidade aos serviços16,17, transformando o cuidar em um mix entre arte e ciência.
O cuidado requer o zelo além do momento da
realização de uma técnica ou procedimento, pois o
comprometimento e a atenção dispensada pelo profissional de saúde favorecem a participação do sujeito
atendido4, que deve ser compreendido no seu contexto e inserido na dinâmica do seu tratamento, levando em conta seus valores culturais, sociais, morais,
éticos, religiosos, entre outros.
O acolhimento, em um sentido mais amplo,
consiste em uma ferramenta que permite o acesso
universal aos serviços, tornando-os humanizados,
integrais, com resolutividade e qualidade, fazendo com
que os problemas de saúde dos clientes se tornem
responsabilidade dos profissionais1. O significado do
cuidar deve estar orientado dentro de uma concepção humanística2,4, sendo um cotidiano vivido pela
enfermagem, e o enfermeiro um ser singular que considera o modo como o cliente vive o seu mundo.
Numa tentativa de mudanças substanciais na vigente modelagem médico hegemônica, introduz-se a
ideia de reestruturação produtiva, trazendo a importância das tecnologias e não equipamentos para o setor saúde. Essa necessidade surgiu do reconhecimento das singularidades dos processos produtivos da saúde, as quais
o modelo médico hegemônico não tem dado conta de
suas particularidades Enfatiza-se ainda que essa
reestruturação deva ocorrer no espaço das tecnologias e
não – equipamentos, sendo campo das tecnologias leves
e leve-duras, que se expressam na sua capacidade de
gerar novas modalidades de produção de cuidado19.
Mesmo numa proporção menor, foi encontrada
nos artigos uma preocupação em valorizar igualmente todas as formas de cuidar, seja através das habilidades e técnicas aprendidas ou de uma escuta sensível,
um abraço, um toque, um sorriso, um encorajamento,
o proporcionar um conforto a mais, enfim, tudo que
deixe seu cliente envolvido pela sensação de bemestar. O enfermeiro deve ser aquele que sabe oferecer
ao seu cliente o que ele necessita naquele momento;
que está disponível para o compartilhar do conhecimento, consciente que o cuidar é também uma troca.
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CONCLUSÃO
A importância dos trabalhos da enfermeira fran-
cesa Françoise Collière sobre a origem dos cuidados até
a sua consolidação como objeto da profissão enfermagem ressalta o cuidado no ciclo vital, que envolve o
processo saúde e doença, desde seus primórdios, como a
origem da vida, na perspectiva de mantê-la.
Após a análise da literatura sobre as práticas do
cuidado de enfermagem, foi observado o quão vasto e
complexo é identificar as práticas que refletem o modelo de cuidado que asseguram a manutenção da vida.
Entender o cuidado em sua totalidade torna-se ainda
mais difícil quando reduzido apenas à utilização de técnicas que visam somente cuidados biológicos, cuidados
curativos através de procedimentos de enfermagem.
O cuidado envolve não somente a cura, mas também os hábitos de vida, crenças e valores que cercam o
sujeito, estejam doentes ou não. Há cuidados de enfermagem preventivos, de educação sanitária e cuidados
para a manutenção da vida, que não são menos importantes por não serem curativos. Cabe aos profissionais
de enfermagem fazerem jus ao verdadeiro valor destes
cuidados que transcendem os procedimentos técnicos a
partir da releitura do papel de suas práticas, para se desvencilhar daquelas baseadas em cuidados centrados no
modelo biomédico hegemônico, que exaltam cuidados
curativos e subestimam as outras formas de cuidar.
Diante da avalanche de atividades e funções sob
responsabilidade do enfermeiro, este muitas vezes acaba por se deter nos cuidados técnicos, proce-dimentais,
relegando ao segundo plano cuidados que privilegiam a
subjetividade humana. Assim, foi alcançado o objetivo
do estudo, identificando na produção examinada que as
ações praticadas pelos profissionais de saúde contradizem a proposta da nossa profissão. Em tais ações há pouco envolvimento, preocupação e comprometimento
num cuidar, que requer maior responsabilização na busca pela manutenção da vida, mirando o sujeito que recebe o cuidado como protagonista da relação, respeitando-o na sua subjetividade.
Com isso, os enfermeiros se afastam cada vez
mais da essência da profissão, que seria estar próximo
do cliente, favorecendo seu bem-estar, integrado no
âmbito mente e corpo e, dessa forma, marcando a sua
identidade profissional.
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