repúblicas de coimbra

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FILOSOFICKÁ FAKULTA MASARYKOVY UNIVERZITY
ÚSTAV ROMANSKÝCH JAZYKŮ A LITERATUR
Portugalský jazyk a literatura
REPÚBLICAS DE COIMBRA
Bakalářská diplomová práce
Brno 2007
Vedoucí práce: Mgr. Maria de Fátima Néry-Plch
Vypracovala : Jana Vinterová
Prohlašuji, že jsem závěrečnou bakalářskou práci vypracovala samostatně za použití
uvedených pramenů a literatury. Děkuji Mgr. Marii de Fátimě Néry-Plch za trpělivost a cenné
rady a připomínky při psaní této práce.
2
ÍNDICE
I.
Introdução.................................................................................................................4
1.
O que são as Repúblicas..........................................................................................5
1.1
Definição das Repúblicas.................................................................................5
1.2 Nome República...............................................................................................5
2.
História das Repúblicas...........................................................................................7
2.1 Surgimento das primeiras casas comunitárias..................................................7
3.
2.2
Desenvolvimento das primeiras casas comunitárias até as Repúblicas...........8
2.3
O Conselho das Repúblicas...........................................................................10
A Década 50 e 60 do século XX.............................................................................12
3.1
Crise Académica de 1956...............................................................................12
3.2
Crise Académica de 1962...............................................................................14
3.3
Situação no campo académico coimbrão entre os anos 1962-1969...............15
3.4
Crise Académica de 1969..............................................................................17
3.5
Importância das Repúblicas durante crises académicas................................18
4. Repúblicas contemporâneas..................................................................................20
4.1
Repúblicas actuais.........................................................................................20
4.2
Extinção das Repúblicas...............................................................................20
4.3
Surgimento de novas Repúblicas...................................................................21
5. Vida nas Repúblicas...............................................................................................23
5.1
Vida na comunidade......................................................................................23
5.2
Acolhimento de novos repúblicos................................................................24
5.3
Edifícios.......................................................................................................25
5.4
Centenários...................................................................................................27
5.5
Relação de outros estudantes com as Repúblicas.........................................27
6. Relação das Repúblicas com a Praxe Académica................................................29
6.1
Código da Praxe...........................................................................................29
6.2
Práticas da Praxe nas Repúblicas................................................................30
6.3
Repúblics desobedientes..............................................................................31
6.4
Repúblicas antipraxistas..............................................................................31
II. Conclusão...............................................................................................................33
III. Bibliografia...........................................................................................................34
IV. Anexos – fotografías.......................................................................................35-37
3
I. INTRODUÇÃO
Como tema do trabalho de bacharelato escolheu-se “ Repúblicas “, as conhecidas
residências estudantis coimbrãs. Embora estes “edifícios sócio culturais” não sejam um
fenómeno de Coimbra 1 para muitas pessoas representam um dos sinais mais típicos
próprios desta cidade universitária e da sua sociedade tradicional académica.
Já desde a fundação do Estudo Geral em Coimbra, em 1309, era claro que a vida e o
espírito desta pequena cidade iriam ser marcados pelos estudantes universitários. Portanto
eles foram, são e sempre serão o coração desta pitoresca cidade arrogando populares e
orgulhosas frases coimbrãs como “ Eu sou estudante de Coimbra” e “Espírito de
Coimbra” que precisamente reflectem o seu amor e orgulho por esta cidade.
Este espírito e a riqueza cultural da cidade formam principalmente a Universidade de
Coimbra com a sua Associação Académica de Coimbra, tradições, festas académicas e
casas comunitárias Repúblicas.
Desde já é necessário mencionar que não é possível detalhamente expor neste trabalho
toda a existência das Repúblicas. Desde o seu aparecimento no século XIX até hoje todas
as Repúblicas, extintas ou existentes, têm uma história muito vasta e cheia de
acontecimentos importantes dos quais seria possível compor um grande número de
volumes duma enciclopédia dedicada a este fenómeno. 2 Porém, neste trabalho tenta-se
esboçar a vida destas residências desde o seu surgimento até hoje. No primeiro capítulo
tentamos fazer um levantamento das principais características das Repúblicas e expor a
base do funcionamento destas casas. No capítulo seguinte é esboçada a sua história desde
o surgimento das primeiras casas comunitárias e seu desenvolvimento até ao século XX.
O capítulo três é dedicado sobretudo à situação no meio académico de Coimbra e aos
acontecimentos em torno das conhecidas crises académicas nas décadas 50 e 60.
Os capítulos quatro e cinco são dedicados especialmente às Repúblicas actuais, às razões
da extinção de antigas Repúblicas e à descrição da sua atmosfera, vida e ambiente.
O último capítulo deste trabalho é dedicado à relação entre as Repúblicas e a tradição mais
típica de Coimbra, praxe académica.
1
No Porto, em 1985 existiam três Repúblicas com 27 estudantes e em 1989 surgiu a primeira República de
Lisboa com catorze estudantes.
2
e quase todas as repúblicas têm sua biblioteca superlotada da documentação referente à sua história.
4
1. O QUE SÃO AS REPÚBLICAS
1.1 Definição de Repúblicas
Quanto à definição de Repúblicas, não existe uma defininição concreta que defina
exactamente e concretamente a sua existência, porém as características seguintes são as que
podemos encontram em várias fontes relativas às Repúblicas tentando explicar o seu
essencial:
-
A República é o conjunto dos estudantes que vivem em comunidade doméstica,
variando o seu número, entre os seis e os doze indivíduos 3
-
A República é a comunidade de estudantes que vivem em regime autogestão e por
conta própria comungando da mesma casa, da mesma mesa, do mesmo espírito e
estilo de vida.... 4
-
A República, para além de designar a residência, indica também a unidade
constituída pelos jovens que a habitam 5
-
A República é constituída por um grupo de estudantes e uma ou duas criadas.
Instalam-se numa casa e, ao fim de cada mês, verificam quanto deve pagar cada um,
dividida a despesa entre todos. Todas as semanas, noutros casos todos os meses, o
“governo” muda de mãos; cada estudante é obrigado a assumir a chefia quando lhe
couber a sua vez 6
-
As Repúblicas têm sido sempre o modo mais tradicional da vida académica e o mais
seguro balurte das suas tradições... 7
A única definição codificada que existe, é a definição que se encontra no Código da Praxe 8.
1.2 Nome República
Quanto ao nome República, os motivos principais para esta designação, que tem origem no
século XIX, são vários, todavia os mais frequentes referem os três seguintes. O primeiro
motivo provém do facto que o governo das Repúblicas é semelhente ao dos estados
republicanos guiando-se pela sua definição que diz: “ Uma República é uma forma de
3
Ribeiro Artur, Repúblicas de Coimbra, Diário Coimbra, pág.20
4
Carreiro Teresa, Viver numa República de Estudantes de Coimbra, Campo das Letras, 2004, pág.45
5
Ribeiro Artur, Repúblicas de Coimbra, Diário Coimbra, pág 20
6
Lamy Alberto Sousa, A Academia de Coimbra 1537-1990. Reis dos Livros, pág 482
7
Ribeiro Artur, Repúblicas de Coimbra, Diário Coimbra, pág.21
8
Código da Praxe, ver capítulo 6.1
5
governo onde representante, normalmente chamado presidente, é escolhido pelo povo para
ser o chefe do estado, podendo ou não acumular com o poder executivo. A forma de eleição é
normalmente realizada por voto livre secreto, em intervalos regulares variando conforme o
país.” (...)a palavra república vem do latim Res publica e quer dizer coisa pública.” 9
Outra razão existente para esta designação República refere que este nome está inspirado pela
própria significação da locução nominal Rés Publica, ( que significa o que é de todos)
explicando a ideia principal das Repúblicas.
E a terceira teoria de razão desta denominação menciona os símbolos dos estados
republicanos - liberdade e igualidade que são também a base principal do espírito que rege
estas comunidades. 10
9
www.wikipedia.org/wiki/República
10
Comparar com Lamy Alberto Sousa, A Academia de Coimbra 1537-1990. Reis dos Livros, pág 483
6
2. HISTÓRIA DAS REPÚBLICAS
2.1 Surgimento de primeiras casas comunitárias
Alguns esboços de conjuntos de estudantes que comungavam a mesma mesa e tecto
remontam já ao tempo de rei D. Dinis. 11 “ As casas comunitárias de estudantes, ou melhor,
os conjuntos de escolares que vivem em comunidade, comungando de mesa e tecto, não se
apelidando embora de repúblicas, nesse tempos recuados, terão surgido embrionariamente
durante os primeiros tempos dos estudos Gerais em Coimbra.” 12
“ O surgimento destas casas comunitárias deve-se a dificuldades de alojamento para
estudantes com que se debatiam todas as cidades universitárias europeias durante a Idade
Média. “ 13 As razões principais da escassez de alojamento para estudantes, que Coimbra
sentia já desde o estabelecimento do Estudo Geral ( 1308) nesta cidade e que perdurou até ao
tempo de D. João III 14 devia-se ao facto de a cidade ser pequena, as casas para alugar serem
poucas e o bairro da Universidade estar cheio de casas em ruína.“ Para esta situação
contribuiram também os proprietários de casas que manifestavam grande repugnância em
alugar habitações a estudantes, considerados maus inquilinos pelos habitantes de Coimbra.
A falta de alojamento era tão grande que alguns estudantes desistiam de ir estudar para
lá.”15
Uma das primeiras medidas tentando solucionar estas dificuldades foram já tomadas sob o
governo do rei D. Dinis. Durante o seu governo o rei ordenou a construção de casas na zona
Almedina ( uma parte de Coimbra ) destinadas só para estudantes, e também a reconstrução
de casas em ruinas. Ainda foi estipulada uma comissão constituída por estudantes e por
representantes da cidade, que controlava o pagamento de aluguer. Quanto à protecção de
estudantes tinham ainda privilégio de não poderem ser despejados sem uma justificação
suficiente para isso.
11
O rei português que reinou entre 1279 e 1325. Sob o seu governo foi fundado Estudo Geral em Lisboa em
1290
12
Ribeiro Artur, Repúblicas de Coimbra, Diário Coimbra, pág 185
13
Ribeiro Artur, Repúblicas de Coimbra, Diário Coimbra, pág 185
14
O rei português que reinou entre os anos 1521 e 1557 e que definitivamente instalou a Universidade em
Coimbra em 1537
15
Ribeiro Artur, Repúblicas de Coimbra, Diário Coimbra, pág 187
7
Porém, apesar dessas reformas a situação da procura e da oferta do alojamento de então não
era favorável e não se melhorou nem sob os governos de D. Pedro 16 e D. Fernando 17, embora
estes tentassem através algumas reformas melhorá-la. 18
Portanto, quando João III transferiu definitivamenet a Universidade para Coimbra e encontrou
idênticas dificuldades de alojamentos para estudantes e mestres tomou todas as medidas
adequdas para as eliminar. A exemplo de D. Dinis, ordenou a construção de habitações
destinadas a serem habitadas só por estudantes chegados em grande número 19, ordenou aos
órgãos de Coimbra que não interviessem nos assuntos relativos ao aluguer das casas pelos
estudantes, e foram determinadas taxas de aluguer, para que nenhum proprietário pudesse
elevá-lo como quisesse. Os privilégios dos estudantes não se referiam só ao alojamento mas
também à manutenção. Por exemplo aos estudantes devia ser garantido não só um alojamento
mas também o fornecimento de mantenimentos bastantes, para que a sua vida decorresse sem
preocupações. 20
Provávelmente foi neste âmbito e período em que surgiram as primeiras casas comunitárias.
Motivos principais do surgimento deste alojamento comum era o facto de permitir aos
estudantes minimizar os seus encargos económicos, sendo muito mais económico alugar uma
casa ou um quarto com um grupo de amigos, partilhando o pagamento do aluguer e as
próprias provisões de refeições.
2.2 Desenvolvimento das primeiras casas comunitárias até às Repúblicas
Podemos dizer que a evolução destas primeiras casas comunitárias foi muito lenta e não
passava por mudanças de nenhum jeito considerável. 21
Quanto às residências comunitárias existentes nos séculos XVII e XVIII, estas habitações já
tinham alguns sinais, embora muito distantes, das Repúblicas surgidas no século seguinte.
Estudantes que comungavam o mesmo tecto e a mesma mesa tinham as suas próprias amas,
16
O rei português que reinou entre os anos 1357 e 1367
17
O rei português que reinou entre os ano 1367 e 1383
18
Segundo a ordenança de D. Pedro todos os donos das casas deviam arrendá-las aos estudantes e deslocação da
Universidade para a periferia da cidade, sob o governo de D. Fernando
19
Pelo menos até a metade do século XX, apenas trinta e cinco por cento dos estudantes provinham da região do
centro do país e só quinze por cento tinham origem da parte correspondente ao actual distrito de Coimbra (ver
Ribeiro Artur, Repúblicas de Coimbra, Díário Coimbra, pág. 18 )
20
Comparar com Ribeiro Artur, Repúblicas de Coimbra, Diário Coimbra, pág.193-195
21
Comparar com RibeiroArtur, Repúblicas de Coimbra, Diário Coimbra, cap. História das Repúblicas
8
que não eram mais do que criadas das Repúblicas contemporâneas, tinham cozinheiras,
serventes ou pajens se eram cavaleiros e nalgumas casas já havia o cargo do tesoureiro que
era rotativamente exercicido por todos os estudantes. “ Entre os membros destas casas
durante pouco tempo surgiu algo como interdependência que os conduzia à defesa comum
dos seus direitos e contra quaisquer elementos exteriores e adversos. “ 22
O fim do século XIX e início do século XX é já considerado como o período em que
surgiram as casas comunitárias já sob a designação de Repúblicas, apresentando quase todas
as carcterísticas que podemos encontrar nas actuais.
Os motivos principais dos estudantes que decidiam abrir uma República era sobretudo a falta
e necessidade de encontrar um alojamento adequado para a existência dum grupo de amigosestudantes que lhes dava possibilidade criar uma “uma família” dentro da sociedade
académica, no momento em que iniciavam uma nova etapa da vida. Outro motivo que levava
estudantes a encontrar uma República era o aspecto económico. A maioria dos estudantes
vivia à beira da pobreza e como já referido viver numa comunidade é mais económico. É
possível que este motivo fosse um dos mais importantes motivos para a escolha desta forma
de vida em Coimbra, mas não era o principal. 23 E segundo as palavras de um ex-repúblico
não era problema encontrar e abrir uma República: “Abrir uma República era nesses tempos
tarefa de certo modo fácil. A basezinha era, sem dúvida, encontrar um senhorio generoso e
compreensivo...” 24
Constituição destes grupos era muito variada e não existia nenhuma regra por quem uma
República devia ser habitada. Nalgumas casas habitavam repúblicos da mesma região, noutras
da mesma ideologia ou religião mas nalgumas esta homogenidade não existia. “ Em muitas
Repúblicas a heterogenidade era completa quanto sob o ponto de vista geográfico, ideológico
tanto sob o ponto de vista religioso, social ou económico, de manira que acontecia que sob
um tecto viviam repúblicos fossem eles monárquicos, comunistas, anarquistas ou sejam
socialistas, salazaristas, crentes ou ateus. “ 25
22
Comparar com RibeiroArtur, Repúblicas de Coimbra, Diário Coimbra, pág.115
23
Comparar com RibeiroArtur, Repúblicas de Coimbra, Diário Coimbra, pág. 115-117
24
25
Ribeiro Artur, Repúblicas de Coimbra, Diário Coimbra, pág.109
Comparar com Ribeiro Artur, Repúblicas de Coimbra, Diário Coimbra, pág. 117
9
2.3 O Conselho das Repúblicas
Na primeira metade do século XX as Repúblicas então existentes decidiram fundar um orgão
de união das Repúblicas chamado Conselho das Repúblicas (CR). Este Conselho das
Repúblicas que as representa surgiu como orgão independente e autónomo. Esta instituição
foi formalizada em 11 de Dezembro de 1948 com a assinatura do “Pacto de Amizade e
Aliança” que definia a existência e comportamento de todas as Repúblicas coimbrãs.
Os pontos mais importantes do pacto dizem:
- é criado Conselho das Repúblicas
- fazem parte dele em igualidade de direitos e deveres todas as Repúblicas oficializadas
- a presidência cabe à mais antiga República
- a representação das Repúblicas está feita através dos seus membros
- decissões do conselho são obrigatórios para todas as Repúblicas 26
Este pacto entrou em vigor no mesmo ano e foi assinado, na República mais antiga –
República dos Kágados, por seis repúblicas então existentes: Baco, Jastá, Kákados, Pagode
Chinês, Palácio de Loucura e Rás-te-Parta.
“As actividades principais do Conselho das Repúblicas eram várias assembleias com
competências de resolução de todos os assuntos de interesse exclusivo das casas, como eram
o reconhecimento de novas Repúblicas, aprovação das suas designações e emblemas,
avaliação da sua viabilidade de subsistência e sobretudo debates que se referiram à
demolição da Alta, onde se encontravam algumas Repúblicas (Durante o governo de Salazar
a arquitetura da cidade passou por mudanças. Foi destruída grande parte do Bairro Alto
com todas as antigas ruas e casas de valor histórico. Neste espaço varrido foram construídos
novas instalações universitárias como a Faculdade de Letras, Medicina, Biblioteca Geral).”27
Todas as assembleias e reuniões podiam ser convocadas por qualquer República e realizadas
em qualquer delas. Todas as decisões eram tomadas por maioria. As assembleias eram
constituidas exclusivamente por delegados de cada uma das Repúblicas e presididas por um
dos repúblicos daquela que convocava a reunião. Ao longe dos anos o Conselho das
Repúblicas tornou-se um orgão vivo e dinâmico, soberano e activo quanto à defesa dos
interesses das Repúblicas e de outros assuntos. Um dos resultados importantes foi o facto que
através de actividades o Conselho contribuiu de forma muito significativa para uma maior
26
Tirado de Carreiro Teresa, Viver numa República de Estudante de Coimbra, Campo das Letras, 2004, pág.150
27
Tirado de Carreiro Teresa, Viver numa República de Estudante de Coimbra, Campo das Letras, 2004, pág.151
10
união entre as Repúblicas no campo da organização de actvidades de lazer competições
desportivas, reuniões de convívio ou várias viagens a locais fora de Coimbra. 28
E no mesmo ano, em 1948, foi publicada a primeira publicação do seu jornal O Badalo que se
tornou um jornal muito importante durante contestações estudantis, e as crises académicas dos
anos 50 e 60 do século XX .
28
Tirado de Carreiro Teresa, Viver numa República de Estudante de Coimbra, Campo das Letras, 2004, pág.154
11
3. A DÉCADA 50 e 60 DO SÉCULO XX
A vida nas Repúblicas no fim dos anos cinquenta e no decorrer dos anos sessenta foi
sobretudo marcada por um série de eventos que culminaram em 1969 com a mais importante
crise académica.
3.1 Crise Académica de 1956
“ Com o advento do Estado Novo, em 1933, as Universidades de Portugal tornaram-se um
instrumento fundamental na construção de uma nova sociedade fundada nos valores e nos
princípios salazaristas e o Esatdo Novo revia-se nelas.” 29
A chegada deste novo regime levou à Universidade de Coimbra algumas novas “reformas”
que reduziam principalmente a autonomia dos órgãos autónomos da Universidade e que
começaram a vigorar imediatamente depois do estabelecimento do Estado Novo em
Portugal. 30
Porém, quanto às lutas e contestações estudantis no início do período do Estado Novo
podemos dizer que ainda não tinham qualquer importância.
Ainda durante os anos cinquenta do século XX os estudantes não se mostraram muito
dispostos a romper a situação dominante de então. A vida na Universidade era vivida em
ambiente de semi-latergia e como menciona Miguel Codinha:
“ Nos inícios dos anos cinquenta, a Universidade de Coimbra conservava ainda a imagem da
universidade por excelência, onde se realizava uma boa parte do esforço de formatação
ideológica do capital humano necessário à manutenação do regime.” 31
A situação finalmente começou a mudar-se a partir do ano de 1956 com o processo chamado
“luta contra o Decreto-Lei 40.900” ou também “a Crise de 56”. Este decreto-lei publicado
pelo Governo a 12 de Dezembro de 1956, que, finalmente, porém, não foi aprovado,
29
Codinha Miguel Gonçalo, A Politização do Meio Estudantil Coimbrão durante o Marcelismo,
Faculdade de Letras, Coimbra 2004, pág 14
30
Em 1934 foi criada legislação cerceradora das ideias democráticas que pudessem ameaçar acção do regime na
Universidade, extinguindo-se a Imprensa da Universidade. No ano seguinte foi publicado Decreto-Lei 25 317
que “ abreu as portas a grandes depurações políticas “ que conduziram à demissão de dois professores E
quanto à Associação Académica de Coimbra, em 1936 foi nomeada a primeira Comissão Administrativa,
constituída pelos membros da confiança do regime, para a dirigir cerceando direitos de estudantes ( ver
Codinha Miguel Gonçalo, Politização do Meio Estudantil Coimbrão durante o Marcelismo,
Faculdade de Letras, Coimbra 2004, pág 14
31
Codinha Miguel Gonçalo, A Politização do Meio Estudantil Coimbrão durante o Marcelismo,
Faculdade de Letras, Coimbra 2004, pág.16
12
estipulava a dependência das estruturas associativas face ao Ministério da Educação Nacional
e regulava as actividades de associações de estudantes em todo país. A publicação deste
decreto provocou uma reação imediata estudantil, organizando várias manifestações e
exigindo a revogação do decreto. Também o Reitor da Universidade, Maximo Correia se
colocou ao lado dos estudantes.
Durante estes protestos rapidamente cresceu a importância e influência do Conselho das
Repúblicas que activamente partecipou em todas as manifestações e demonstrações.
“ Uma das consequências das lutas contra o decreto foi sobretudo uma maior ligação e
coordenação das academias do país que começaram organizar várias reuniões e assembleias
e que deram o início a uma radicalização, politização e empenhamento dos estudantes e
repúblicos acabados a chegar a Coimbra.” 32
As Repúblicas toranavam-se nesta altura o ambiente ideal para organizar várias assembleias,
debates, trocar ideias e sobretudo tornaram-se locais de politização, como menciona um exrepúblico de Palácio Loucura: “ Nunca fui um activista antes de vir para Coimbra..,Antes de
entrar para a República não era politizado... Eles ( os repúblicos) abriram-me muito os
olhos....” 33
Esta nova politização e cimento ideológico de muitos repúblicos deve-se também à
candidatura presidencial de General Humberto Delgado em 1958. A sua visita a Coimbra, no
dia 31 de Maio de 1958, tornou-se uma grande manifestação de apoio e os estudantes, na sua
passagem por Coimbra, cobriram o General com uma capa, simbolizando este gesto uma
homenagem prestada pela Academia. 34
Um Repúblico que esteve presente no comício que decorreu no Teatro Avenida recorda :
“ A campanha de Humberto Delgado teve momentos de autência apoteose. Recordo-me da
viagem em tom de festa do Palácio para o Teatro Avenida. Jantámos e fomos todos em ar
festivo para o comício.” 35 (....) quando vi a população à volta dele, isso fez-me politizar. Só
não se politizou naquela altura quem não queria.” 36
Outro aspecto que suscitou aquele interesse pela política durante os anos cinquenta foi o
aumento da influência do Partido Comunista Português ( PCP) no espaço académico de
Coimbra.
32
Carreiro Teresa, Viver numa República de Estudantes de Coimbra, Campo das Letras,2004, pág. 200
33
Carreiro Teresa, Viver numa República de Estudantes de Coimbra, Campo das Letras,2004, pág.246
34
Ver CarreiroTeresa, Viver numa República de Estudantes de Coimbra, Campo das Letras, 2004, pág 247
35
Carreiro Terersa, Viver numa República de Estudantes de Coimbra, Campo das Letras, 2004, pág. 256
36
Carreiro Teresa, Viver numa República de Estudantes de Coimbra, Campo das Letras, 2004, pág. 257
13
No que diz rispeito à orientação política das Repúblicas a maioria delas eram de esquerda e
simpatizantes do PCP, mas isto não quer dizer que todos os repúblicos fossem membros do
partidos.
Por exemplo segundo lembranças dum antigo repúblico da República Prá-Kys-Tão 80%
membros da sua República eram partidários do PCP mas por outro lado os repúblicos da
República Palácio da Loucura eram quase todos desligados dele. 37
No entanto, nas Repúblicas não faltava vontade e acção oposicionistas e muitas delas tiravam
o jornal clandestino O Avante! com propagandas subversivas emanadas do PCP.
3.2 Crise académica de 1962
Porém, a situação no meio académico de Coimbra depois da Crise 56 não se acalmou e a
Universidade soufreu outra crise académica conhecida como Crise 62.
As circunstâncias que levaram à nova crise relacionavam-se com a detenção dalguns
estudantes durante um cortejo de protesto contra a Guerra Colonial que teve lugar em
Coimbra, em 25 Novembro de 1961 sob a lema queremos paz!,e também com manifestações
em torno da proibição da realização do Primeiro Encontro de Estudantes e do convívio no
dia dos estudantes marcado para 24 de Março de 1962. 38
“ Todas estas rebeliões de estudantes foram pagas pelos membros da direcção da Associação
Académica de Coimbra ( AAC ), contra os quais foram movidos processos disciplinares. A
resposta dos estudantes de Coimbra foi a greve às aulas. Depois destes acontecimentos o
Governo aprovou um decreto-lei que permitia ao Ministério da Educação proceder
disciplinarmente contra os estudantes. Aplicando estes novos poderes, os dirigentes
associativos foram suspensos e muitos estudantes presos. “ 39
37
Comparar com Carreiro Teresa, Viver numa República de Estudantes de Coimbra, Campo das Letras,
pág.261
38
Comparar com Carreiro Teresa, Viver numa República de Estudantes de Coimbra, Campo das Letras
pág.302
39
Comparar com Miguel Gonçalo Cardina, A Politização do Meio Estudantil Coimbrão durante o
Marcelismo, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2005, pág.34
14
3.3 Situação no campo académico coimbrão entre anos 1962-1969
Nos anos seguintes realizaram-se eleições para Direcção Geral da AAC da qual fazia parte o
Conselho das Repúblicas. Este orgão apresentou o seu programa eleitoral de inspiração
democrática conseguindo-o impor nas eleições nos anos 1962-63, 1963-64 e 1964-1965.
Como presidente da AAC foi eleito o representante do CR Francisco Leal Paiva. Estas
vitórias significaram principalmente a realização de diversas actividades no campo cultural e
desportivo e também o apoio a iniciativas de intercâmbio com outras organizações
académicas. Este conjunto de novas actividades no campo da AAC conduziu a uma maior
identificação da população estudantil com os seus dirigentes. E se na década anterior CR era
considerado um agrupamento boémio, no decorrer dos anos 60 tornou-se uma instituição
vigorosa no movimento estudantil, mostrando grande capacidade de liderança e de
intervenção, até se tornar um poderoso foco antiditatorial. E ainda é de referir que entre AAC
e CR surgiu uma colaboração muito estreita e intensa. Neste assunto fala-se de paralelismo
que significa a defesa do repúblico enquanto estudante, do estudante enquanto repúblico e do
académico de Coimbra em geral. 40
Esta hegemonia do CR foi, todavia, suspesa em 1965 quando as autoridades estabeleceram na
Universidade Comissão Administrativa. Este órgão impediu os estudantes de participar no
Senado e na Assembleia da Universidade de Coimbra, fechou instalações académicas e
expulsou dirigentes eleitos para presidir aos destinos da AAC.
A resposta do CR foram sobretudo várias actividades para recuperar a sua hegemonia.
Em 1966 foi reactivado o seu jornal O Badalo que circulava como jornal clandestino e que era
distribuido de noite às Repúblicas, bares ou cafés. “ Este jornal desempenhava um papel
importante na propagação das ideias democráticas e foi um importantíssimo veículo da
propaganda académica, significante elo de ligação entre as massas estudantis e agrupamento
de todos os inímigos da Comissão Administrativa desejosos por uma urgente normalização
da vida académica passando pela realização de eleições que reconduzam à direcção da AAC
os verdadeiros representantes dos estudantes.”41
Os temas dos artigos do Badalo era possível dividir em dois grupos. O primeiro grupo era
constituído por artigos sobre a Universidade, a Academia e as Repúblicas com objectivo mais
imediato de corporizar uma atitude adversária que permitesse mudar a actual situação
40
Comparar com Codinha, Miguel Gonçalo Cardina, A Politização do Meio Estudantil Coimbrão durante o
Marcelismo, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2005, pág 45
41
Miguel Gonçalo Cardina Codinha, A Politização do Meio Estudantil Coimbrão durante o Marcelismo,
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2005, pág. 51
15
académica. O segundo grupo dos artígos era constituído dos artigos sobre a cultura mas
entendida como a forma da manifestação social. 42 O Badalo tornou-se objectivo das
frequentes rusgas da Polícia Internacional e de Defesa do Estado ( PIDE ) nas Repúblicas.
No decorrer destes anos a politização do estudante foi por várias causas acelerada em todo o
país. Os motivos principais do empenhamento estudantil foram sobretudo um crescente
descontentamento com a situação no país, crescente impopularidade da guerra colonial ou
encontro de estudantes durante as acções auxiliares às vítimas das inundações no sul de
Portugal em Novembro de 1967. 43 Este acontecimento deu aos estudantes possibilidade de
criticar a desorganização de organismos sociais e sanitários. Em Coimbra foi o próprio
Conselho das Repúblicas, com grande apoio dos organismos autónomos, que organizou uma
recolha de fundos. Nesta campanha de solidariedade foram incluidos também os estudantes de
Medicina a fim de colaborarem nas campanhas de vacinação. 44
Esta campanha foi naturalmente criticada pelo regime porque “ A lógica corporativa do
regime não podia tolerar que oraganizações não enquadradas oficialmente e com laivos de
hostilidade relativamente ao regime, desenvolvessem inicitivas que pudessem fragilizar ou
secundarizar o governo. “ 45 E logo depois as autoridades em Coimbra impediram um
peditório e uma festa Sarau de Beneficência organizada pelo CR.
O ano 1968 tornou-se ano da saída de Salazar da política e da chegada de Marcelo Caetano. 46
Este acontecimento deu novas esperanças aos estudantes desejosos por recuperar o seu direito
de eleger os membros da direcção da AAC. Portanto Conselho das Repúblicas com a ajuda de
42
Comparar com Codinha, Miguel Gonçalo Cardina, A Politização do Meio Estudantil Coimbrão durante o
Marcelismo, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2005, pág 52
43
A 25 e 26 de Novembro de 1967 graves inundações devastavam o sol do país provocando centenas dos
mortos. Os números oficiais indicavam 427. Portanto organizarm-se peditóries, espetáculos e subscrições
com o objectivo de recolher fundos para apoiar as vítimas. Para muitos a báse da catástrofe que provocou a
maioria dos mortes não foi a chuva mas a miséria do país. ( tirado de Codinha Miguel Gonçalo , A Politização
do Meio Estudantil Coimbrão durante o Marcelismo, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,
Coimbra 2005, pág 46 )
44
Comparar com Codinha Miguel Gonçalo , A Politização do Meio Estudantil Coimbrão durante o
Marcelismo, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra 2005, pág.46
45
Codinha Miguel Gonçalo, A Politização do Meio Estudantil Coimbrão durante o Marcelismo,
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra 2005, pág. 48
46
Marcello José das Neves Alves Caetano nasceu em 1906 e morreu em 1980, foi o último Presidente do
Conselho do Estado Novo e ficou conhecido por ser dos raros membros do Governo de Salazar a favor da
Liberdade de Expressão e pela introdução de ligeiras mudanças, sob uma política de abertura, após a saída de
Salazar ( tirado de http://pt.wikipedia.org/wiki/Marcello_Caetano )
16
órgãos autónomos pôs a circular um abaixo-assinado impetrando eleições imediatos para a
Direcção Geral da AAC que subscreveram cerca 25000 estudantes. As eleições finalmente
foram realizadas em Fevereiro de 1969 com a vitória do Condelho das Repúblicas com 75%
de votos o que representava 1595 de 2122 votos. Como director-adjunto foi eleito José
António Salvador, elemento do CR. 47
Porém, apesar dalgumas mudanças no campo académico, eventos que aconteceram em 1969
levaram a nova crise estudantil “ crise 69 ”.
3.4 Crise académica de 1969
Esta crise teve início em 17 de Abril de 1969 com a proibição do Presidente da AAC Alberto
Martins de ter uma alocução na ceremónia de inauguração do edifício das Matemáticas a que
presidiu Américo Tomás. 48 Este acontecimento suscitou fortes manifestações e
demonstrações de estudantes mas também a detenção do presidente da AAC Alberto Martins
e de outros estudantes pela PIDE. A resposta dos estudantes da este acontecimento foi
imediata, declarando Luto Académico o que correspondia na prática a uma greve às aulas, a
abstenção aos exames a que assistiram a maioria dos estudantes de Coimbra. 49
No mesmo ano foi também suspensa a Queima das Fitas e outras práticas da praxe. A
actividade estudantil desdobrou-se em cursos livres, colóquios, reuniões de estudo e debates.
Entre os organizadores principais destas manifestações encontravam-se sobretudo
representantes do CR.
Outras manifestações estudantis de 1969, que tiveram lugar em Coimbra foram as chamadas
Operação-Flor ( os estudantes desfilaram pela Baixa distribuindo flores a quem com eles se
cruzasse ) e Operação-Balão ( os estudantes deixarem voar no céu balões com reivindicações
dos estudantes como liberdade, abaixo a censura...).
Os protestos estudantis não ficaram só no campo universitário mas alargaram-se também ao
desporto. Conhecido é principalmente a final da Taça de Portugal em 22 de Junho de 1969
47
Ver Codinha Miguel Gonçalo, A Politização do Meio Estudantil Coimbrão durante o Marcelismo,
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra 2005, pág. 92
48
Américo de Deus Rodriguês Tomás, nasceu em 1894 e morreu em 1987, foi político e militar português,
último presidente do Estado Novo eleito por primeira vez em 1958 como adversário de General Humberto
Delgado, por segunda vez em 1965 e por terceira vez foi reeleito em 1972 até a Revolução de 1974 ( tirado de
http://pt.wikipedia.org/wiki/Am%C3%A9rico_Tom%C3%A1s )
49
Ver Codinha Miguel Gonçalo, A Politização do Meio Estudantil Coimbrão durante o Marcelismo,
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra 2005, pág. 100
17
entre equipas Académica de Coimbra e Benfica. Entre os muitos aficionados estavam
estudantes de Coimbra que sob a organização do Conselho das Repúblicas distribuiram vários
comunicados referentes ao Luto Académico. Estádio Nacional apareceu cheio de cartazes,
faixas e lemas como Universidade Livre, Melhor Ensino, Menos Polícia e outras slogans
antigovernamentais. Este encontro era mais do que um jogo de futebol um jogo político, por
exemplo jogadores de Académica entraram em campo com as capas nos ombros. Todavia a
dez minutos do fim um golo acabou por dar a vitória ao Benfica.
A luta dos estudantes de Coimbra conduziu à substituição do Ministro da Educação Nacional
( António José Saraiva foi substituído por Veiga Simão ) e do Reitor da Universidade
( Maximo Correia substituído por Gouveia Monteiro ).
Quanto ao Conselho das Repúblicas depois de se ter acalmado a situação no académico o
Conselho das Repúblicas entrou em desagregação completa a qual se prolongará até 1974
quando foi este órgão desactivado. 50
O Conselho das Repúblicas foi reactivado, porém, nos finais do ano 1986 aprovando os
estatutos desta instituição.
3.5 A importância das Repúblicas durante crises académicas
A importância destas casas comunitárias crescia sobretudo graças ao seu empenhamento na
cultura que se tornou durante estes anos cada vez mais intensa. Realizavam-se várias leituras
( quase cada República tinha a sua própria biblioteca ), conferências e outras actividades para
animação da cidade. As Repúblicas tornaram-se também centros da contestação estudantil e
principalmente pontos de encontro para muitos estudantes do mesmo pensamento e opiniões.
Como se lembram os repúblicos da República dos Inkas:
“ Frequentavam os Inkas, entre muitos outros, o Zeca Alfonso e o Adriano, os seus feitos e
desventuras. Criavam-se cooperativas, lia-se, faziam-se e desfaziam-se movimentos
estudantis e sonhava-se neles. Propaga-se abertamente contra-cultura, escutava-se música,
Beatles, Doors...” 51.
Nas Repúblicas organizaram-se também várias reuniões e assembleias clandestinas dos
repúblicos e de várias organizações esquerdistas. Durante a Crise Académica de 1969 haviam
três linhas esquerdistas. A primeira e maioritária era a do Conselho das Repúblicas enraizada
50
Comparar com Carreiro Teresa, Viver numa República de Estudantes de Coimbra, Campo das Letras,
2004, pág. 80
51
http://www.uc.pt/inkas/historia%20da%20casa.htm
18
nas Repúblicas, a segunda era IBM – Inteligente Barros Moura, encabeçada por Barros
Moura que representava a linha afecta ao PCP. 52 E ainda existia uma organização semiclandestina chamada Conge na qual eram efectuadas várias discussões e reuniões e dela
faziam parte elementos de variadas tendências, preponderando os da linha do CR. As reuniões
desta organização tinham lugar nas Repúblicas durante as noites.
Porém, Repúblicas não eram “microcosmos isolados”, como podia parecer, muitos repúblicos
participavam em numerosas actividades da comunidade académica, em teatros, encontros
desportivos, concertos etc. 53
Podemos dizer que nas décadas seguintes as Repúblicas jamais consiguiram recuperar a sua
importância dos anos 60 assim como ser centro de actividades académicas.
52
53
Lamy Alberto Sousa, A Academia de Coimbra 1537-1990. Reis dos Livros, pág. 415
É de referir que neste ponto, as forças autoritárias do regime estavam atentas, por exemplo dois repúblicos do
Palácio Loucura, eleitos para cargos diretivos de Tuna e de Círculo de Iniciação Teatral da Academia de
Coimbra não foram homologados, o que quer dizer que as forças autoritárias encaravam as movimentações
que implicavam os repúblicos ( ver Comparar com Carreiro Teresa, Viver numa República de Estudantes de
Coimbra, Campo das Letras, 2004, pág. 112 )
19
4. REPÚBLICAS CONTEMPORÂNEAS
4.1 Repúblicas actuais
Nesta parte sería inútil mencionar todas as Repúblicas existentes porque são muitas, quase
todas têm uma história e vida muito parecida e por isso nesta parte se mencionam só algumas
Repúblicas interessantes.
A República mais antiga é a República dos Kágados surgida em 1933 no edifício no qual
desde 1911 até 1926 se encontrava a já extinta República Porvir . Foi nesta República na qual
seis Repúblicas existentes em 1948 assinaram o já referido “ Pacto da Amizade e Aliança”.
A República Bota-Abaixo cujo nome se deve à demolição da Alta, surgiu provavemente em
1949. Os próprios simbolos dela são um grito contra Camartelo e uma homenagem à Velha
Alta.Esta República foi durante os anos sessenta uma das Repúblicas mais frequentada por
José Alfonso e Adriano Correia de Oliveira. 54
A República Prá-Kys-Tão, fundada em 1951, é conhecida graças à forma da sua casa que se
chama Casa Nau ou também Navio Cruzador pela sua forma dum navio. República das Inkas
onde não existe uma distribuição rígida dos cargos. Cada um dos seus membros age de acordo
com as sua capacidades segundo o critério liberdade-responsabilidade.
As fontes na internet e também Artur Ribeiro mencionam a existência de vinte e sete
Repúblicas, contudo é dificíl obter o número preciso delas. Estamos numa época muito rápida
e dinâmica e é possível que tenham surgido novas Repúblicas sobre os quais ainda não há
nenhumas informações ou ao contrário algumas Repúblicas mencionadas como existentes já
se podem ter extingido.
Quanto ao Conselho das Repúblicas, esta instituição preocupa-se, actualmente, sobretudo por
actividades relaciondas com o 25 de Abril como são filmes, espetáculos de rua, concertos ou
conferências referentes ao tema da Revolução de 1974.
4.2 Extinção das Repúblicas
É natural que nem todas as Repúblicas que surgiram nos séculos XIX e XX conseguiram
perdurar até hoje, estas Repúblicas chamam-se Repúblicas extintas. Motivos de extinções
delas foram vários, mas os mais frequentes era que os repúblicos acabavam os seus estudos e
já não encontravam sucessores, ou tinham problemas económicos que os obrigavam a
54
Cantores, compositores e interpretes do fado de Coimbra associados sobretudo com a música de intervenção
20
abandonar as casas ( nalgumas Repúblicas as dificuldades chegaram até a expulsão por
mandato judiciário ), ou foram desalojados por qualquer outro motivo.
Porém, às vezes aconteceu que uma República extinta concedeu o próprio lugar a outra
República com novos habitantes, a uma nova geração de estudantes.
Ao referirmos-nos às Repúblicas não temos em mente os edifícios nos quais estão instaladas
mas os seus residentes com o seu espírito, portanto se alguns novos repúblicos “receberam de
herança” um edifício duma República já extinta ocupavam só a mesma casa com o novo
nome, emblema e hino e tendo novas regras e rituais. As únicas sucessões que eram
respeitadas eram aquelas que eram relacionadas com a ocupação do mesmo edifício. Isso quer
dizer que na maioria dos casos novos habitantes não eram considerados como sucessores da
República extinta. 55
Nem sempre o abandono do edifício significava a sua própria extinção porque haviam
algumas Repúblicas que só precisavam de mudar de casa. Por exemplo a República Palácio
Loucura antigamente situada na rua das Flores depois de ter esgotado todos os recursos de
crédito ( e foram muitos os credores incluindo o senhorio ), os repúblicos resolveram o
problema desfazendo e abandonando o “ lar”.”E uma manhã, quem passasse pela rua das
Flores, na Alta, poderia ler na fachada dum prédio a seguinte legenda: Nunca tão poucos,
deveram tanto a tantos.” 56 Esta República não se extingiu e encontrou uma nova morada na
rua Antero de Quental onde hoje se encontra.
Outro exemplo conhecido referente à mudança de casa é a mudança das Repúblicas que se
transferiram por causa da demolição da Alta, onde foi construída a cidade universitária.
Neste momento há materiais sobre 135 Repúblicas extintas mas é possível que este número
não seja completo porque sabe-se que surgiram e existiram algumas Repúblicas sobre as quais
não existem quaisquer referências.
4.3 Surgimento de novas Repúblicas
Quanto ao surgimento de novas Repúblicas podemos dizer “a época do ouro “ do fim do
século XIX e do início do século XX já passou e não tende a voltar e é de supor que a situação
vá piorando. Novos estudantes já não querem viver nelas, talvez tenham medo e prefiram uma
vida tranquila. Muitos estudantes indagados confirmaram não viver numa República porque
não aguentariam viver sem nenhuma privacidade e intimidade e muitos estudantes querem só
55
Ver Ribeiro Artur, Repúblicas de Coimbra, Diário de Coimbra, pág 90
56
Ribeiro Artur, Repúblicas de Coimbra, Diário de Coimbra, pág.110
21
tirar o seu curso mais rápidamente possível sem nenhuma partecipação na vida académica de
Coimbra e sem nenhum interesse pela política, problemas da sociedade, pela vida alternativa e
por outro modo de pensar. Viver numa República significa ser pelo menos um pouco
empenhado.
Contudo há Repúblicas que com certeza conseguirão sobreviver ( sobretudo aquelas mais
conhecidas como Prá-Kys-Tão, Boa-Bay-Ela, Bota-Abaixo, dos Kákados etc.) mas é de
esperar que no futuro ouviremos mai sobre Repúblicas extintas do que sobre novas
Repúblicas surgidas.
22
5. VIDA NAS REPÚBLICAS
5.1 Vida na Comunidade
O funcionamento das Repúblicas e a vida nelas não se mudou muito desde o seu
aparecimento. Coimbra é a cidade onde as tradições são respeitadas e passadas de geração
para geração e as Repúblicas não são excepção. Quase todas as Repúblicas tentam observar
regras e rituais que se herdam de antigos repúblicos para que seja possível conservar o espírito
da própria República.
Não é possível generalizar a ordem e o funcionamento interno delas porque cada República
era e é diferente, possuindo as suas regras, rituais originais e espírito que de certa maneira as
individualiza.
Todavia, todas as Repúblicas funcionam na base de plena autonomia e auto-gestão. E o que
significa em prática? Todas as casas têm um governo, escolhido pelo “Presidente da
República” e constituído por estudantes chamados “Ministros” ( Ministro da limpeza,
Ministro de negócios exteriores, relações, cultura...) e um estudante que recolhe dos colegas a
respectiva mensalidade administrando contas do mercado e da mercearia.57 Os cargos de
Ministros mudam-se habitualmente no fim ou no início de cada mês, portanto durante o ano
escolar todos os repúblicos têm de desempanhar todos os cargos da sua República.
Quanto ao ministro de negócios exteriores antigamente era sempre melhor ou até necessário
escolher um repúblico com o talento diplomático que tivesse a trilogia famosa lábia, lata e
linha porque era este cargo que devia solucionar dificuldades com todos os créditos junto aos
fornecedores e providenciar tudo necessário para a sobrevivência dos seus colegas de casa.
Referente aos cargos como eram cozinha, limpeza e lavagem de roupa antigamente todas as
Repúblicas tinham um ou mais “serventes” que arrumavam quartos, limpavam a casa e
preparavam o almoço, entretanto hoje há muitas Repúblicas que dividem trabalhos caseiros
entre si. Todavia, se uma República emprega uma criada é sempre uma mulher amada e
adorada. Este facto argumenta a historieta que circula sobre a servente da República dos
Kágados.
57
Todas estas “residências estudantis” estão apoidas pela Universidade que lhes possibilita abastacerem-se de
alimentos no mesmo armazén que as cantinas universitárias, o que é naturalmente mais económico do que os
comprar nas lojas habituais como outros estudantes. Portanto é muito vantajoso hoje viver numa República.
23
“A República dos Kágados teve como servente durante trinta e quatro anos a “Lili” talvez a
melhor amiga de todos quantos por ela foram servidos. Quando, aos 75, deixou de poder
trabalhar, institui-se a Fundação Lili, com fundos destinados a pagar-lhe a sua reforma. Foi
depois hospitalizada e, quando faleceu, teve honras académicas e o acompanhamento de
muitas gerações dos “seus meninos”, e membros das outras Repúblicas e da Académia em
geral.” 58
No que diz respeito às refeições na maioria das Repúblicas respeita-se a regra de almoços e
jantares em conjunto com todos os repúblicos, sempre à mesma hora. Mas é de referir que
estas quotidianas “reuniões” servem principalmente de encontro de todos os colegas da casa
que durante este ritual têm possibilidade solucionar vários problemas, sejam eles qual forem,
os de casa, pessoais, familiares ou escolares. Não é nada de extraodinário que estas reuniões
se prolongam até de madrugada. Podemos dizer que incessentes debates e soluções de
problemas são uma das principais bases destas comunidades.
No entanto, esta vida na comunidade diferencia-se duma República para outra e cada uma
delas tem as suas próprias regras. Por exemplo presentemente existem Repúblicas nas quais a
vida comunitária é verdadeiramente exagerada regrando-se pela ideia do comunismo - tudo é
de todos. Os repúblicos não têm os seu próprios quartos, cada repúblico pode vestir a roupa de
qualquer outro repúblico, ou é proibido fechar porta não só do edifício mas também de
quartos e até da casa de banho! Nestas Repúblicas as regras e rituais são cumpridas muito
rigorosamente e há poucas pessoas que suportariam viver nelas.
5.2 Acolhimento de novos repúblicos
Quanto ao acolhimento de novos elementos, os repúblicos de todas as Repúblicas dirigem- se
sempre segundo a frase popular “para elas só vai quem eles querem e não quem quer”. As
Repúblicas têm este direito de escolher novos membros porque nem todas as pessoas possuem
qualidades que os repúblicos exigem. Rituais de exames e admissões diferenciam-se duma
República para outra, os mais frequentes são discursos detalhados durante jantares ou festas
“pondo o seu espírito à prova”. Este período de experiência, no qual um futuro colega tem que
viver a vida da República, respeitar todos rituais e regras pode durar algumas vezes até um
ano. Depois deste período de experiência não só os repúblicos decidem sobre a entrada do
novo membro mas também o novato deve decidir se quer habitar lá.
58
Ribeiro Artur, Repúblicas de Coimbra, Diário Coimbra, pág.163
24
Por exemplo na República 1000-Y-Onários um elemento eventual era avaliado de três em três
meses, se resistia a três votações, era já considerado repúblico. 59 É bom este período de
experiência porque serve para conhecer muito pormenorizadamente toda a República e evitar
várias dificuldades e desentendimentos no futuro. E graças a este período de conhecimento
nas Repúblicas vivem estudantes que se entendem absolutamente e têm entre si confiança,
amizade e uma dependência enorme. Por isso para todos os repúblicos é sempre muito triste
se um deles acaba o curso e abandona a sua República, a sua “família” coimbrã.
E quais são as qualidades mais exigidas? Sobretudo humor, competência verbal, saber viver
numa comunidade ( é muito importante mas também muito difícil), capacidade de
descontracção, interesse pela política e problemas da sociedade, espírito crítico, espírito de
adaptação, resistir à chacota e ao gozo colectivo, ter cuidado com a manutenação da casa entre
os demais.... Todavia nem sempre um novo colega permanece nas Repúblicas até ao fim dos
seus estudos 60, alguns repúblicos as abandonam voluntariamente outros são expulsos por
qualquer motivo. Porém, o acolhimento de novos repúblicos é o garante da continuidade das
Repúblicas.
5.3 Edifícios
Todas as Repúblicas têm nomes que as caracterizam ou pelo menos exprimem alguma
especificação sobre os elementos delas e que são colocados bem à vista na fachada das casas e
a maioria deles estão escritos a cor branca numa tábua preta de madeira.
Cada República tem o seu próprio emblema que representa sobretudo pipas e garrafas de
vinho, figuras femininas, instrumentos musicais ou também elementos praxistas
( tesoura, moca e colher de pau ). Têm ainda o próprio hino ou pelo menos um alarido que
esalta e caracteriza qualidades da própria República ou que de qualquer outra maneira está
com ela relacionada.
Referente ao interno das casas, que dispunham de mais de um andar, todas têm uma
cozinheira e uma grande sala de jantar ou outro grande espaço para reuniões, festas e outras
assembleias. As casas são equipadas de certa forma modestamente mas toda a riqueza das
Repúblicas se encontra nas paredes internas. Todas as paredes, consideradas “património
59
Comparar com Carreiro Teresa, Viver numa República de Estudantes de Coimbra, Campo das Letras,
2004, pág. 69
60
O tempo que os repúblicos passam nas Repúblicas é na médiada quatro ou cinco anos mas às vezes acontece
que repúblicos continuam a habitar lá apesar de já terem acabado os seus cursos continuando trabalhar
em Coimbra, mas isso acontece-se só em casos excepcionais.
25
histórico” estão cheias de pinturas, cartazes, caricaturas e frases políticas, praxistas ou
referentes às festas. Paredes internas e as fachadas representam sempre um símbolo duma
cultura que os repúblicos e os seu amigos produziram, são espelhos do pensamento e do estilo
de vida quotidiana das Repúblicas.
Referente a fachadas exteriores destes edifícios, diferenciam-se muito do resto das casas
coimbrãs, algumas das suas paredes estão pinturadas com “graffits”, janelas com bonecos
enforcados em traje académico 61 , ou com vários lemas ou mensagens antiamericanas ou
contra a política e sociedade actual. Por exemplo:
Entra amigo, entra em PAZ,
Se trazes presunto ou vinho,
Mas se é conta que trazes,
Saímos há bocadinho. 62
ANÍBAL: PORTUGAL PRECISA DE SÍ, LONGE DAQUI 63
RÉS PÚBLICAS POR OUTRO ABRIL 64
É, portanto, muito fácil, passando por Coimbra, reconhecer os edifícios das Repúblicas.
Outra especificação que as caracteriza é a regra que as Repúblicas tradicionalmente não
“fecham” as suas portas. Esta regra significa que as Repúblicas não são só dos repúblicos que
lá moram, dizendo somos Rés publica, somos de todos a toda a hora, basta só entrar e
encontrar os amigos, discutir, jantar ou festejar connosco. Mas é verdade que esta regra não se
observa tão rigorosamente como no passado, talvez as Repúblicas recearem assaltos ou já não
quererem ser casas para todos da rua, porém, para quem entrar sempre vale “ a minha casa é
também tua.”
61
Este boneco enforcado em traje académico demonstra a atitude antipraxista da República
62
A mensagem aos visitantes da República Rás-Te-Parta na rua da Matemática
63
Esta mensagem destinada ao presidente actual Aníbal Cavaco Silva encontra-se nas fachadas das várias
Repúblicas
64
O lema que tinham todas as Repúblicas nos seus edifícios por ocasião da comemoração da Revolução de Abril
26
5.4 Centenários
As Repúblicas são lugares onde incessantemente se encontram muitas pessoas e cujos espaços
internos são ideais para várias assembleias e festas, portanto a vida festiva é uma componente
inseparável de todas as Repúblicas. A festa maior e mais popular é o aniversiário conhecido
por Centenário. Esta designação provavelmente exprime o valor da vida na República.
Segundo os repúblicos um ano na República corresponde a cem anos de vida exterior, cem
anos de aprendizagem da vida, cem anos da vida intenssísima. Ou também o nome pode ser
inspirado pela paródia Centenário da Sebenta que teve lugar em Coimbra no fim do século
XIX criticando comemorações centenárias. 65 Pela ocasião organizaram-se várias
actividades como um banquete de bacalhãou com batatas ou um cortejo alegórico.
Porém, embora se diferenciem Centenários de República para República há alguns aspectos
que têm todos os Centenários em comum. São por exemplo a presença de ex-repúblicos
chamados Antigos, de membros das outras Repúblicas, dalguns professores ou representantes
da AAC. Serve se principalmente feijoada ou outros pratos típicos e nunca pode faltar a pipa
de vinho ou de cerveja. Os Centenários duram habitualmente até de madrugada
acompanhados por música e grande divertimento. Nesses dias de festa, mais do que nunca,
vale que para as Repúblicas pode entrar quem quiser para comer, beber e festejar. Centenários
que se comemoram de dez em dez anos chamavam-se Milenários.
Além dos Centenários e outras festas cada República tem o seu bar preferido para onde os
repúblicos costumam sair, passar noites ou só beber um cafezinho depois de jantar.
Proprietários destes bares e cafés são convidados para festas e jantares da República tornandose grandes amigos de repúblicos.
5.5 Relação de outros estudantes às Repúblicas
Podemos afirmar que a atitude em geral dos habitantes de Coimbra para com as Repúblicas
não mudou muito ao longo dos anos.
Se dividissemos todos os estudantes de Coimbra segundo a sua atitude para com as
Repúblicas surgiriam três grandes grupos - grupo dos repúblicos, grupo de seus simpatizantes
e grupo de adversários.
65
1880 morte de Luís de Camões, 1882 morte de Marquês de Pombal, 1894 nascimento de D. A.Henriquês
1899 nascimento de Almeida Garret
27
No primeiro grupo esta palavra suscita pensamentos e lembranças de anos de vida muito
intensiva, de liberdade, de amizade enorme, de novos encontros, de maturidade mas também
anos de cansaço e ressacas incessantes. No segundo grupo esta palavra suscita pensamentos
em casas cheias de amigos, em casas de boas festas, mas nas quais nunca podiam viver não
querendo comungar a mesma cama com “toda Coimbra”, no terceiro grupo esta palavra
suscita pensamentos em casas, ou melhor “antros” nos quais a única filosofia é “sagração da
festa até de madrugada e boémia sem limites”, refutar as tradições e diferenciar-se por
qualquer meio.
E não só estudantes tinham medo delas, acontecia que também os familiares tinham a mesma
ideia, temendo que os seus filhos entrassem para lá ou até proibindo os seus filhos a viver
nelas. Estas opiniões “estranhas” de familiares sobre as Repúblicas perduraram até hoje.
Muitos não são capazes de compreender esta dependência entre os membros das Repúblicas.
Talvez por causa de ciúme porque as Repúblicas são para muitos repúblicos consideradas
novas famílias.
Durante a evolução das Repúblicas houve algumas tentativas para mudar esta opinião
sobretudo com várias actividades culturais e desportivas mas nem sempre estas actividades
tiveram algum sentido. Por exemplo em 1964, numa reunião do Conselho das Repúblicas
nasceu uma ideia absurda de propagar as Repúblicas no Turismo com o objectivo de melhorar
a opinião pública não só dos habitantes de Coimbra mas também de pessoas de fora da cidade.
Entre os críticos desta ideia estranha circulava uma frase curiosa: “ Ver o estudante de
Coimbra no seu habit, como um panda na montanha, entre bambus...”. 66 E para dizer a
verdade os repúblicos não gostavam de mostrar-se como animais num jardim zoológico e
arranjar almoços e jantares para turistas.
Por outro lado nem sempre o olhar para o universo das Repúblicas foi negativo. Sobretudo
vários representantes de AAC, prestigiadas figuras nacionais e estrangeiras, como doutores e
professores, que as visitavam, elogiavam a honoração das tradições e a grande hospitalidade
das Repúblicas em muitos casos aproveitada até pela Reitora. 67
Todavia, se sobre as Repúblicas circula uma fama negativa, não se trata de um mero acaso
mas é resultado de experiências vividas ao longo dos muitos anos da sua existência em
Coimbra.
66
Carreiro Teresa, Viver numa República de Estudantes de Coimbra, Campo das Letras, 2004, pág 90
67
Carreiro Teresa, Viver numa República de Estudantes de Coimbra, Campo das Letras, 2004, pág 93
28
6. RELAÇÃO DAS REPÚBLICAS COM A PRAXE ACADÉMICA
6.1 Código da Praxe Académica
Podemos dizer que a relação entre estas casas comunitárias e esta tradição era no passado
muito mais estreita do que actualmente. A praxe já não pertence entre os elementos mais
importantes da vida das Repúblicas e se antigamente eram estes dois termos quase
inseparáveis hoje é tudo ao contrário.
Para definir e compreender esta tradição académica servem várias definições. Uma deles diz :
“ Praxe é conjunto dos costumes universitários cuja história remonta ao tempo muito remoto
e imemorável, é um modo de estar do estudante universitário.” 68 Esta tradição foi codificada
em 1 de Março de 1957 com a publicação do Código da Praxe.
Este documento serve de guia para todos os estudantes esponteamente sujeitos à praxe. Define
sobretudo direitos e deveres praxista. Quanto às Repúblicas codifica e define o seu
funcionamento oficial e comportamento praxista com todas as regras, e direitos. A definição
das Repúblicas segundo este código encontra-se no Título IV do Livro IV e diz :
Artigo 200 – República é o conjunto de estudantes vivendo em comunidade doméstica e pode
ser de dois tipos : oficializada e não oficializada.
Artigo 201 – Só as Repúblicas oficializadas têm a existência reconhecida pela PRAXE, sendo
mesmo vedada às não oficializadas usarem o nome de REPÚBLICA
Artigo 202 – Constitui República oficializada a que reunir os requisitos seguintes:
-
estar instalada em casa cuja administração compita exclusivamente aos repúblicos
-
ter cozinha própria
-
ter um nome e um emblema aprovado pelo Conselho de Repúblicas
-
ter uma placa com o nome e o emblema da república na fachada do edificio onde
estiver instalada
-
ter bandeira com o nome e o emblema da República
-
ter sido inaugurada com a presença de todos os repúblicos e um representante de todas
as outras Repúblicas oficializadas já existentes
-
68
ter um presidente ou um mor
Lamy Alberto Sousa, A Academia de Coimbra 1537-1990. Reis dos Livros, pág 369
29
6.2 Práticas da Praxe Académica nas Repúblicas
Desde o momento em que foi publicado o Código da Praxe as Repúblicas começaram a ser
consideradas como “guardiãs” das exigêncis da praxe e os seus principais garantes, sendo
nelas, salvo excepções, observada com todos os rigores. 69 Mas o que significava em prática
este “direito” que às Repúblicas atribuiu o Código da Praxe? Sobretudo definia que só nas
Repúblicas se podiam realizar julgamentos dos caloiros 70 desobedientes aos seus deveres.
Este processo servia um Tribunal presidido por três Juízes, com um advogado de acusação e
com um advogado de defesa para o caloiro. O roteiro era sempre igual: fechavam-se portas e
janelas de um quarto e toda luz existente provinha de uma vela que ardia dentro de uma
caveira colocada sobre a mesa dos juízes porque a sala onde o julgamento se realizava devia
estar privada da luz natural. Todos tinham de estar vestidos rigorosamente no traje
académico com a capa traçada pela altura do nariz. 71
Depois também definia que só os repúblicos podiam mobilizar um caloiro 72 o que em prática
significava sobretudo limpeza de quartos, lavagem de loiça ou fazer guarda à porta da casa
com uma vassoura em mão gritando “às armas” sempre quando uma rapariga por ali passava.
As mobilizações para as Repúblicas tinham lugar sobretudo por ocasião das várias
manifestações e festas, sobretudo quando uma República celebrava o próprio Centenário. 73
Outro dever dos caloiros nas Repúblicas mencionava a pasta estudantil 74 porque nas
Repúblicas era proibido aos caloiros pegarem na sua pasta e também definia Trupes de
República 75 que segundo o Código eram constituídas por todos os componentes duma
República oficializada, incluindo os caloiros, se os houvesse. E as trupes do Conselho das
69
70
Ribeiro Artur, Repúblicas de Coimbra, Diário Coimbra, pág. 185
A hierarquia foi sempre um dos elemntos caracterizados da sociedade tradicional de Coimbra por tanto os
estudantes universitários dispõem-se em grupos que levam os nomes próprios segundo a hiearquia da Praxe.
Caloiros ou novativos são os estudantes de cursos de licenciatura que na Universidade de Coimbra etejam
matriculados pela primeira vez e sem que antes se tenham matriculado em qualquer estabelecimento do
ensino superior, português ou estrangeiro
71
Lamy Alberto Sousa, A Academia de Coimbra 1537-1990. Reis dos Livros, pág. 441
72
Mobilizar um caloiro era chamá-lo e obrigá-lo a obedecer às ordens que lhe fossem dadas
73
Lamy Alberto Sousa, A Academia de Coimbra 1537-1990. Reis dos Livros, pág. 443
74
Objecto de estudante muito importante, a sua utilização é também sujeita às regras da praxe
75
Para o controlo das ruas da cidade e para punir os desobedientes funcionava “a polícia da praxe” chamada
Trupe ou Troupe
30
Repúblicas eram constituídas por todos os componentes que assistiram a uma reuinião do
Conselho das Repúblicas.
6.3 Repúblicas desobedientes
Porém, mesmo que o Código da Praxe defina as Repúblicas e o exercício da praxe nelas, nem
todas as Repúblicas eram obedecientes ao seu cumprimento e exerciam “a gramática
praxística” com o mesmo nível de exigência. Não que essas Repúblicas não fossem
antipraxistas mas só recusaram nelas praticar todos os exercícios violentos inventando o
próprio modo de práticas como eram brincadeiras, danças, teatros e canções com a falta dos
julgamentos e outros tipos de humilhação dos caloiros. E não era nada de extraordinário se
um repúblico, por causa da violência, trocou uma República na qual a praxe era praticada
muito rigorosamente por outra mais livre e amistosa. Como menciona um antigo repúblico :
“ Eu fui primeiro para Galifões, onde havia genet que eu conhecia. No ano a seguir mudei, e
o VC também, para o Palácio. Bem melhor! Nos Galifões eu chateei-me com os doutores por
causa da praxe, eram muito praxistas,ui, terrivelmemte praxistas...” 76
6.4 Repúblicos antipraxistas
Quanto aos protestos dos repúblicas e dos movimentos antipraxistas é de mencionar o ano
1928 no qual um grupo dos estudantes antipraxistas lançaram um manifesto atacando a tirania
da praxe académica, sobretudo agressão sistemática ao novato, julgamento dos novatos nas
Repúblicas e condenação das práticas degradantes da dignidade humana. A praxe com a
tesoura, moca e colher de pau significava para os antipraxistas só violência e agressão.
Porém, a base destas contradições do início do século XX entre antipraxistas e praxistas não
era só a moral e dignidade do exercício da praxe mas também a política, sobretudo debates
entre republicanos e integralistas. Como menciona Joaquim Namorado
77
“ A oposição dos
estudantes de esquerda estendia-se naturalmente aos costumes académicos, onde imperava
uma praxe que eles consideravam medieval e reaccionária e que tradicionalistas defendiam
como um privilégio dos veteranos e suporte do verdadeiro espírito académico. Os confrontos
entre praxistas e antipraxistas assumiu não poucas vezes a forma de confronto político.” 78
76
Carreiro Teresa, Viver numa República de Estudantes de Coimbra, Campo das Letras, 2004, pág 199
77
Poeta neo-realista português, na Universidade de Coimbra licenciou-se em Ciências Matemáticas
78
Lamy Alberto Sousa, A Academia de Coimbra 1537-1990. Reis dos Livros, pág 412
31
Quanto às décadas seguintes do século XX houve umas tentativas de abolir completamente a
praxe mas foram sem sucesso e embora houvessem algumas alterações, Coimbra sempre
continuava a cultivar as fromas tradicionais incluindo as serenatas, cortejos e rituais festejos
das Repúblicas. 79
Podemos dizer que até à abolição da praxe em 1969 os repúblicos não tiveram o papel de
nenhum jeito importante referente aos movimentos antipraxistas porque sempre continuavam
a ser consideradas “guardiãs” da Praxe e também, até à abolição da praxe, ligada à crise
académica, não houve tentativas nem políticas nem apolíticas que quisessem abolir esta
tradição.
Depois da recuperação da praxe nos anos oitenta a maioria dos repúblicos tornaram-se
antipraxistas. As razões principais desta atitude e deste divórcio para com a praxe são
atribuídas pelo sociólogo português, Elísio Estanque, “...à necessidade dos repúblicos iram,
por qualquer meio, contra a massa dos estudantes, assumir o próprio “modus vivendi” que
não tem quase nada em comum com o estilo da vida da maioria dos estudantes e que se funda
na igualidade de todos o que se contradiz com a hiearquia da praxe. “ 80
Presentamente continuam a existir Repúblicas com a atitude intransigentemente antipraxista
com todas as suas festas e manifestações. Esta atitude em regra é defandida pelas Repúblicas
de orientação política de esquerda até “anárquica”. Estas Repúblicas é possível reconhecer
segundo, já referido boneco enforcado em traje académico ou segundo vários lemas nas
fachadas dos seus edifícios. Algumas destas Repúblicas encontram-se em redor da Rua da
Matemática no Bairro Alto onde era tradicionalmente proibido não só praticar praxe mas
também entrar no traje académico. E ainda hoje é difícil encontrar nesta rua algum estudante
no traje porque todos sabem que esta parte da cidade, é a parte onde se reuniam os
antipraxistas.
Embora existiam Repúblicas antipraxistas e antitradicionalistas é necessario acrescentar que
sem as tradições coimbrãs as Repúblicas não seríam Repúblicas e como menciona Elísio
Estanque “....anti-praxistas que vivem nas Repúblicas – elas próprias património da Praxe
Coimbrã – e que se arrogam, incoerentemente, aos direitos que a mesma Praxe lhes confere
por serem Repúblicos.” 81
79
80
Carreiro Teresa, Viver numa República de Estudantes de Coimbra, Campo das Letras, 2004, pág 205
Elísio Estanque, as Repúblicas de Coimbra, entre o passado e o presente http://www.ces.uc.pt/opiniao/ee/
81
Elísio Estanque, as Repúblicas de Coimbra, entre o passado e o presente http://www.ces.uc.pt/opiniao/ee/
32
II. CONLUSÃO
Quando cheguei a Coimbra fiquei muito fascinada pela vida e espírito daquelas comunidades
de estudantes nos quais se vive uma vida alternativa e insólita e que já desde os séculos
formaram uma “ subcultura “ muito importatnte no meio académico de Coimbra esforçandose por se destacar da vida estudantil média.
Porém, depois de ter voltado de Coimbra compreendi que “ nem tudo que luz é oiro” e que
hoje há muitas Repúblicas que parecem como se tivessem perdido a sua ideia original.
Muitas Repúblicas já perderam o seu empenhamento e interesse em perguntas sociais e
políticas mas também culturais e estudantis. Para muitas Repúblicas é indiferente o que
acontece na Associação Académica, geralmente no ensino ou fora das suas casas. Portanto é
de referir que próprio hoje a sua existência suscita muitas dúvidas sobre a sua importância e
para muitas pessoas é muito difícil compreender o sentido da existência deste“ produto de
marca ” coimbrão.
Por outro lado é de referir que não é possível generalizar funcionamento e comportamento de
todas as Repúblicas porque cada República é individual e original com os seus próprios
interesse e actividades. Não se devem esquecer numerosos actividades do Conselho das
Repúblicas que se referem às comemorações da Revolução de Abril ou várias manifestações
contra a situação actual no mundo, por exemplo contra a guerra no Iraque.
Todavia o objectivo principal deste trabalho não era reflexão sobre a importância e sentido da
existência das Repúblicas contemporâneas porque para cada um este fenómeno terá um
significado diferente. E também é necessário mencionar que hoje vivemos noutra época, tudo
se desenvolve a um ritmo acelerado portanto sería inútil comparar o sentido das Repúblicas
no passado com as actuais.
Mas apesar de todas as dúvidas, para mim as Repúblicas sempre ficarão como as casas onde é
possível encontrar um incomparável e fascinante modo de vida sem as quais esta cidade
perderia o seu espírito de Coimbra e que é necessário conservar para gerações vindouras de
estudantes sobretudo para conservar esta tradição coimbrão das comunidades que oferecem
uma vida alternativa no meio estudantil de Coimbra.
33
III. BIBLIOGRAFIA:
RIBEIRO, Artur – Repúblicas de Coimbra. COIMBRA, DIÁRIO COIMBRA
CARREIRO, Teresa – Viver numa República de Estudantes de Coimbra- Real República
Palácio da Loucura 1960-70. PORTO, CAMPO DAS LETRAS, 2004
CODINHA, Gonçalo Cardina Miguel – A Politização do Meio Estudanti Coimbrão durante o Marcelismo.
COIMBRA, FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, 2005
LAMY, Alberto Sousa - A Academia de Coimbra, 1537-1990: história, praxe, boémia e estudo, partidas e
piadas, organismos académicos. LISBOA, REI DOS LIVROS, 1990
FIGUEIREDO, Borges A.C. – Coimbra Antiga e Moderna, COIMBRA, ALMEDINA, 1996
FERNANDES, Isabel Alexandra – Reis e Rainhas de Portugal, LISBOA, TEXTO EDITORES, 2005
SARAIVA, José António – O Crepúsculo da Idade Média em Portugal, LISBOA, GRADIVA, 1995
BINKOVÁ, Simona – Stručná historie států- Portugalsko, PRAHA, LIBRI, 2004
BURIAN, Jan – Výlet do Portugalska aneb poetický průvodce na cestu tam a zpátky, PRIMUS, 2005
HAMPLOVÁ, Sylva, JINDROVÁ, Jaroslava – Česko-portugalský slovník, LEDA, 1997
JINDROVÁ, Jaroslava, PASIENKA, Antonín – Potugalsko-český slovník, LEDA, 2005
FONTES DE INTERNET:
http://www.uc.pt/inkas/historia%20da%20casa.htm
www.wikipedia.org/wiki/República
http://www.ces.uc.pt/opiniao/ee/ (Elísio Estanque, as Repúblicas de Coimbra, entre o passado e o presente )
http://pt.wikipedia.org/wiki/Marcello_Caetano
http://pt.wikipedia.org/wiki/Am%C3%A9rico_Tom%C3%A1s
http://cjuvenis.ces.uc.pt/detalhesDocEstudos.aspx?id=92 ( Codinha, Gonçalo Cardina Miguel Dinâmicas da
intervenção política estudantil no declínio do Estado Novo )
http://aderitov.no.sapo.pt/Codigo%20da%20Praxe%20de%20Coimbra.pdf (Código da Praxe de Coimbra)
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IV. Fotografías das Repúblicas
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