O capitalismo pode conhecer uma morte natural? Anotações sobre

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O capitalismo pode conhecer uma “morte natural”?
Anotações sobre um prognóstico marxista de crise final.
Prof. Valério Arcary
Resumo
Muitas análises econômicas catastrofistas já foram feitas sobre o destino do
capitalismo. Como se articulam as determinações que explicam a preservação tardia
do capitalismo? A longevidade do Capital é um tema espinhoso, mas inescapável.
Pioneira na identificação da natureza destrutiva do capitalismo em sua fase
imperialista, a obra de Rosa Luxemburgo permanece uma inspiração para os socialistas
do século XXI. Mas a hipótese da crise final não parece ter passado na prova da
história. Não porque tenham faltado crises do Capital, mas pela capacidade do Sistema
de superá-las, se não triunfa a mobilização revolucionária de massas.
Abstract
Many economic catastrophic analyses were already made on the destiny of capitalism.
How do they articulate the determinations that explain the late preservation of
capitalism? The longevity of Capital is a thorny theme, but a necessary one. Pioneer in
the definition of the destructive nature of the capitalism in its imperialistic phase, Rosa
Luxembourg's work stays an inspiration for the socialists of the century XXI. But the
hypothesis of the final crisis doesn't seem to have past in the proof of history. Not
because we have lacked Capital’s crises, but for the capacity of the System to
overcome them, if don't triumph the revolutionary mobilization of masses.
Palavras chaves: capitalismo, crise final do capital, Rosa Luxemburgo, Lênin.
Key words: capitalism, capitalism final crisis, Rosa Luxemburg, Lenin.
“Em agudas contradições, crises, convulsões, se evidencia a crescente inadequação do
desenvolvimento produtivo da sociedade às relações de produção em vigor. A violenta
aniquilação do capital (nas crises), não por circunstâncias alheias a ele, mas como condição de
sua auto-conservação, é a forma mais contundente de aviso para que ele desapareça e dê lugar a
um estágio superior de produção social(...) Estas contradições têm como resultado cataclismos,
crises, nos quais, a suspensão momentânea de trabalho e a destruição de grande parte do capital,
o fazem voltar violentamente ao ponto no qual é incapaz de empregar plenamente os seus
poderes produtivos sem cometer suicídio. No entanto, estas regulares e recorrentes catástrofes
têm como resultado a sua repetição em uma escala maior e , por último, à derrubada violenta do
Capital.”
Karl Marx, Grundrisse1
“Cristo está morto, Freud está morto, Marx está morto”.
1 MARX, Karl, Grundrisse, Elementos fundamentales para la Crítica de la Economia Política,
1857/58, México, Siglo XXI, Décima terceira edição, volume 2, páginas 282 e 284. Tradução nossa.
2
Eu também não estou me sentindo muito bem."
Pichação do Maio 1968 francês
Um prognóstico de tipo quase milenarista teve uma influência
decisiva na formação da visão de mundo de boa parte dos marxistas do século XX. 2
Várias gerações conceberam estratégias políticas que se apoiavam na perspectiva de
uma crise final do capitalismo. A idéia do desastre inexorável inspirou a esperança de
que a vitória do socialismo, apesar de toda as vicissitudes, seria certa. Admitia-se que
o caminho das lutas dos trabalhadores seria semeado por inúmeras derrotas parciais,
mas elas preparavam as condições da vitória final. O destino do capitalismo era o
desmoronamento em ruína.
Marx e Engels, no entanto, sempre foram hostis a esquemas
fatalistas. Eram sóbrios e econômicos em palavras e conceitos sobre a transição,
restringindo-se a uma elaboração em níveis de abstração muito elevados. É certo que
o Engels maduro deu uma crescente importância ao tema da necessidade histórica.
Mas sem concessões ao economicismo. Sobre a crise do capitalismo e os perigos de
uma regressão histórica, se não viesse a ocorrer uma superação revolucionária, é
interessante conferir as observações de Mandel:
“Marx e Engels(...) señalaron que el pasaje de un modo de producción a
outro dependía del desenlace de luchas de clase concretas, que podían
terminar com la victoria de la clase más progresista y revolucionaria o
bien con la destrucción mutua tanto de la clase dominante como de su
adversario revolucionario y una prolongada decadencia de la
sociedad”.(grifo nosso)3
Não podiam deixar de induzir ao catastrofismo as recorrentes
analogias históricas que evocavam o colapso de Roma no mundo antigo, desintegrado
pelo esgotamento do sistema escravista, para sugerir qual seria o futuro do
capitalismo. A perspectiva de uma calamidade econômica diminuía a especificidade do
lugar da transição ao socialismo como uma passagem histórica, necessariamente, mais
consciente do que a que deu lugar ao modo de capitalista de produção nos poros do
feudalismo europeu.
O “vigoroso otimismo” do marxismo influenciado por Kautsky
dependia menos da confiança na força social da mobilização dos trabalhadores, do que
2 Ao fazermos a metáfora com vaticínios de movimentos igualitaristas medievais, por milenarista deve-se
entender um critério teleológico que antecipa um possível desenvolvimento futuro da história como
inevitável.
3
de uma percepção finalista de uma derrocada que se esperava para um futuro incerto.
Simetricamente,
Rosa
Luxemburgo
depositava
suas
esperanças
na
disposição
revolucionária do proletariado, muito antes que o capitalismo tivesse mergulhado a
civilização no abismo. O marxismo de Rosa, inimigo do fatalismo, era máximo
ativismo.
“Na história, o socialismo é o primeiro movimento popular que se
fixa como fim(...) dar à ação social dos homens um sentido consciente,
de nela introduzir um pensamento metódico e, por isso, uma vontade
livre(...) A vitória do socialismo não cairá do céu como uma fatalidade,
esta vitória só pode ser alcançada graças a uma longa série de
enfrentamentos, entre as forças antigas e as forças novas,
afrontamentos durante os quais o proletariado internacional faz a sua
aprendizagem sob a direção da social-democracia e tenta encarregar-se
do seu próprio destino, apossar-se do leme da vida social”4
O triunfo final não seria inevitável. Mas a precipitação da crise
geral estava inscrita nas tendências mais profundas da evolução do capitalismo.
Recusando explicitamente qualquer conclusão teleológica, convocava à revolução.
Socialismo ou barbárie, além de um chamado à luta, apresentava-se como uma
disjuntiva histórica.
“Friedrieh Engels disse um dia: «A sociedade burguesa enfrenta um
dilema: ou passagem ao socialismo ou retorno à barbárie. Mas então
que significa um «retorno à barbárie do grau de civilização que conhecemos hoje na Europa? Até agora lemos essas palavras sem
refletirmos, e repetimo-las sem nelas pressentirmos a terrível
gravidade (...)Hoje estamos perante esta escolha: ou o triunfo do
imperialismo e a decadência de toda a civilização, com as consequências, como na antiga Roma, do despovoamento, da desolação. da
degenerescência, um grande cemitério; ou então, a vitória do
socialismo, isto é, da luta consciente do proletariado internacional
contra o imperialismo e contra o seu método de acção: a guerra. Aí está
um dilema da história do mundo, uma alternativa ainda indecisa, cujos
pratos oscilam diante da decisão do proletariado consciente..”(grifo
nosso) 5
A III Internacional reconheceu esse prognóstico, ainda que em uma
forma mais cuidadosa - o Capital é o limite do próprio Capital - como uma parte da
herança marxista. A defesa de limites históricos objetivos, fixos e invariáveis do
Capital se incorporou à ortodoxia revolucionária, e ficou como um legado para as
gerações educadas sob a influência de Outubro. Uma grande catástrofe era prevista e
aguardada, mais cedo ou mais tarde, como inexorável.
3 MANDEL, Ernest. El capital: cien años de controversias en torno a la obra de Karl Marx. Mexico,
Siglo XXI, 1985. pág. 232.
4 (LUXEMBURGO, Rosa, A Crise da Social-Democracia (Juniusbrochure), Lisboa, Presença, Coleção
Biblioteca de Ciências Humanas, 1974, p.22/3)
4. Ibidem.
4
O capitalismo iria, provavelmente, cair “de maduro”. Embora com
inúmeras mediações, que compreendiam a centralidade dos fatores subjetivos na luta
anticapitalista, ou seja, o lugar da auto-organização das massas e o papel da direção
política, o marxismo revolucionário não escapou a uma interpretação fatalista. Na
seqüência da I Grande Guerra e seus dez milhões de mortos, a vaga revolucionária
que triunfou no Outubro russo, foi derrotada em Berlim. A crise de 1929, no entanto,
foi um terremoto destrutivo de tal magnitude, que parecia confirmar a teoria do
desmoronamento.
0 prognóstico da “crise final” não passou na prova da história
Depois da Segunda Guerra Mundial, no entanto, estes vaticínios
foram colocados em cheque pelos trinta anos de crescimento sustentado. Algo
estranho e imprevisto ocorreu. O capitalismo nos países centrais voltou a ter um
desenvolvimento vigoroso. O período de disputa de hegemonia entre imperialismos
rivais se encerrou. As guerras passaram a ter como cenário o mundo ao sul do
Equador. As economias imperialistas passaram a ter grandes complementaridades, e a
Europa e o Japão aceitaram o papel dos EUA como liderança inconteste no sistema
Mundial de Estados.
Mesmo considerando-se que a reconstrução capitalista da Europa
e do Japão, e a prosperidade dos EUA, não poderiam ser explicados sem a valorização
do significado da derrota da revolução no Mediterrâneo, e da preservação da
exploração da periferia do Sistema, havia algo de inesperado e anômalo. O
crescimento econômico era vigoroso, as crises suaves, o pleno emprego uma tendência
forte o bastante para absorver milhões de imigrantes, e as concessões aos
trabalhadores significativas. Afinal, a contra-revolução também aprendeu com a
experiência das crises e revoluções.
Expliquemo-nos: o papel preventivo do Estado pôde neutralizar
a tendência a ajustes catastróficos, fosse pela ação política-econômica com os planos
de obras públicas, a seguridade social, a ampliação do lugar do crédito com estímulo
ao consumo, fosse pela ação política-institucional, a iniciativa de construção de blocos,
pactos, frentes, enfim o esforço consciente de integração à defesa do regime político o campo da república, ou da democracia, ou da nação, ou até somente do crescimento
econômico - das direções moderadas do movimento operário. O campismo tem sido,
invariavelmente, a forma ideológica da capitulação política.
5
Esse contexto não podia deixar de se traduzir em uma luta de
classes de menor intensidade. Depois de 45 só se precipitaram crises revolucionárias
nos países ibéricos, quando do colapso das ditaduras salazarista e franquista. Os
grandes batalhões proletários na Alemanha, Inglaterra e França, tão ativos nas
décadas anteriores, pareciam ter retrocedido ao patamar da resistência sindicalista e
do eleitoralismo reformista, resignados em aceitar o Sistema.
Os limites históricos do capital revelaram-se mais elásticos do
que o esperado. Hipóteses variadas surgiram para explicar a insólita recuperação do
Sistema.
Organizado,
financeiro,
tardio,
caduco.
O
capitalismo
nos
centros
imperialistas estendia o consumo de massas a amplas camadas das novas classes
médias e setores mais privilegiados da aristocracia operária. A longevidade do
capitalismo exigia uma explicação complexa.
A negociação em Yalta e Potsdam estabeleceu uma divisão de
áreas de influência entre os EUA e a URSS e a coexistência pacífica tranqüilizou o
imperialismo americano. As políticas de inspiração keynesiana, entre elas o acesso
alargado ao crédito em uma escala antes nunca experimentada, obtiveram inusitado
sucesso em garantir crescimento com baixas pressões inflacionárias. Já os pactos
sociais
construídos
com
a
colaboração
da
socialdemocracia
e
do
estalinismo
ofereceram um quadro de estabilidade para as democracias liberais, sobretudo no
Velho Continente. O eixo da revolução mundial se deslocou durante décadas para a
periferia.
A
ordem
econômica
construída
após
Bretton
Woods,
com
mecanismos de regulação estatal preventivos, não impediu, contudo, que o capitalismo
continuasse a mergulhar a sociedade em crises regulares. Mas as crises passaram a ter
novas formas. O cenário ficou mais claro depois de 1973/74, quando se abriu a grande
depressão do último quartel do século XX. A fase de crescimento se esgotou. Os EUA
desvincularam o dólar do ouro, e o fim da convertibilidade fixa abriu a etapa das
moedas que flutuam livremente. Os endividamentos públicos e privados alcançaram
patamares inéditos. As pressões inflacionárias voltaram. Uma vaga de mobilização
revolucionária sacudiu a região do Mediterrâneo após 68, e despertou um alarme
amarelo. A juventude e o proletariado europeu apenas se “espreguiçaram”, mas
fizeram tremer o mundo.
Ao final dos anos setenta, o neoliberalismo passou a ser o programa
reacionário das frações dirigentes da burguesia no centro do sistema. Reagan e
Thatcher chegaram ao poder para começar o desmonte das conquistas sociais dos
trabalhadores nos paises centrais. Essa obra ainda é perseguida com perseverança
6
pelos governos no poder em Paris e Berlim, que precisam destruir as redes de
segurança social para diminuir os custos do Estado, e permitir uma rentabilidade mais
alta do Capital e menos impostos.
No lugar de um novo 29 explosivo, uma crise crônica
A fase “gloriosa” dos trinta anos do pós-guerra acabou e deu lugar a
uma longa crise endêmica. A estagnação semi-permanente veio para ficar. As taxas de
crescimento dos ciclos caíram para a metade do que tinham sido na década de
cinqüenta e sessenta. Mas as crises passaram a ser, também, mais suaves, ainda que
muito mais longas, enquanto os ciclos se encurtavam. Mészaros nos sugere:
“É precisamente esta importante mudança na relação entre produção e
consumo que habilita o capital a se livrar, por enquanto, dos colapsos
espetaculares do passado, como a dramática queda de Wall Street em
1929. Por esta via, no entanto, as crises do capital não são
radicalmente superadas em nenhum sentido, mas meramente
"estendidas", tanto no sentido temporal como em sua localização
estrutural na ordenação geral. É preciso admitir que enquanto a relação
atual entre os interesses dominantes e o Estado capitalista prevalecer e
impuser com sucesso suas demandas à sociedade não haverá grandes
tempestades a intervalos razoavelmente distantes, mas precipitações
de freqüência e intensidade crescentes por todos os lugares”6
Destruição menos abrupta, recuperações menos vigorosas, uma longa
e quase ininterrupta depressão, mas sem formas catastróficas, ou seqüelas explosivas.
E uma introdução mais acelerada de novas tecnologias, diminuindo o tempo de vida
útil das máquinas, pela substituição dos equipamentos obsoletos, reduzindo a média
decenal dos ciclos. Parecia que o Capital tinha encontrado um movimento de rotação
mais rápido, mas ao mesmo tempo menos intenso, para o seu metabolismo. Um
estágio de crise crônica. Uma valorização de capitais sem nenhuma correspondência
com a capacidade de realização de lucros no mundo material de venda de bens e
serviços. Uma especulação febril com expectativas de ampliações de mercados que
não poderá se verificar, em suma, uma sobreacumulação de capitais de tal dimensão,
que seria inevitável a queda da taxa média de lucro.
A solução teórico-política encontrada foi projetar para um futuro
indeterminado a nova grande crise. Alguns esperavam uma nova crise explosiva, um
mega 1929, que colocaria em movimento as camadas mais adormecidas do
proletariado, e abriria uma crise revolucionária mundial. Não podemos, evidentemente,
descartar que uma nova crise como a de 29 possa vir a ocorrer, embora o
6 MÉSZAROS, Istvan, Para Além do Capital, são Paulo, Boitempo Editorial, 2002, pág.697.
7
imperialismo tenha aprendido a lição histórica. Vem se prevenindo com muita
prudência e cautela para evitá-la. Mas podemos concluir que, mesmo que venha a se
dar uma nova crise em formas explosivas e intensas, não há nenhuma evidência de
que ela coincidirá com o desmoronamento.
Nesse sentido, a discussão sobre o novo lugar do Estado está
longe de ser secundária. Os instrumentos à disposição dos governos para tentar
minimizar os riscos político-sociais de uma depressão são incomparavelmente mais
poderosos que em 29. As classes dominantes aprendem com o processo histórico. As
bolsas interrompem os seus pregões, preventivamente, quando as desvalorizações são
muito intensas, os bancos centrais instituem depósitos compulsórios junto aos bancos
privados, oferecem-se mutuamente empréstimos pontes, o Federal Reserve americano
opera como uma instituição de reserva do entesouramento mundial, e o BIS em
Basiléia funciona como uma rede de segurança do próprio FED.
Ela corresponde à complexidade nova de um sistema que
elaborou malhas de segurança em diferentes níveis para minimizar e diminuir as
seqüelas de uma explosão que possa vir a despertar o pânico nos investidores, diante
da ameaça de uma maciça destruição de capitais que uma explosão necessariamente
acarreta. De novo, Mészaros:
“De resto, os picos das históricas e bem conhecidas crises periódicas do
capital podem ser - em princípio - completamente substituídos por um padrão
linear de movimento. Seria, contudo, um grande erro interpretar a ausência de
flutuações extremas ou de tempestades de súbita irrupção como evidência de um
desenvolvimento saudável e sustentado, em vez da representação de um
continuum depressivo, que exibe as características de uma crise cumulativa,
endêmica, mais ou menos permanente e crônica, com a perspectiva última de
uma crise estrutural cada vez mais profunda e acentuada.”
Apesar de todas essas novas medidas de segurança, uma explosão
poderia, finalmente, ocorrer. Essas gigantescas massas de capital teriam pouca
interferência na esfera da produção, mas o crescimento da usura, estaria por trás da
falência dos estados nacionais mais frágeis, do perigo iminente da desvalorização de
moedas mais instáveis, das ameaças à desvalorização dos títulos públicos que exigem,
incondicionalmente, os ajustes fiscais e o afastamento de qualquer risco de moratórias.
Em síntese, estaríamos diante do paradoxo do “bombeiro louco”, ou seja, aquele que
desesperado com o incêndio, e acossado pela escassez de água, decide apagá-lo com
gasolina: redução de despesas estatais de um lado, e redução de custos em geral, e de
salários em particular, não poderiam ter outro efeito senão o agravamento do
subconsumo, logo a elevação da temperatura da crise para graus ainda mais altos.
8
Já sabemos, todavia, que a elaboração sobre a crise final
demonstrou-se inadequada e inexata. Esse vaticínio catastrófico tem uma história de
debates e ela merece a nossa atenção.
Não há evidência histórica de crises econômicas sem saída para o
imperialismo
O marxismo se transformou na corrente ideológica mais influente
entre os socialistas, somente no final do século XIX. Essas foram décadas de
crescimento econômico, em que o salário médio subiu, e as conquistas trabalhistas
foram ampliadas. Simultaneamente ao fortalecimento do SPD alemão, partidos
operários igualitaristas começavam a conquistar influência de massas entre os
trabalhadores em quase todos os países industrializados, como por exemplo, o Labour
Party na Grã-Bretanha. Ao mesmo tempo em que o prestígio da ciência se elevava na
sociedade, a autoridade do marxismo crescia nos sindicatos e entre os trabalhadores
avançados, e os partidos aumentavam as suas votações e bancadas parlamentares.
Mas o marxismo nunca foi imune à influência de idéias hostis.
Nenhuma ideologia, nem a mais revolucionária é invulnerável à pressão das idéias
dominantes do seu tempo. Não nos deve surpreender se os critérios cientificistas e
objetivistas tenham tido conseqüências tão grandes sobre o movimento socialista. O
positivismo alimentava então, como hoje, a ingênua ilusão em um saber econômico
técnico, acima dos conflitos de interesses na sociedade.
Nos círculos da II Internacional predominava um critério de
interpretação d’O Capital que previa uma crise final do capitalismo, em algum
momento futuro. Embora ninguém se atrevesse a fixar uma data para a catástrofe
econômica do sistema, estava implícito nas análises que o capitalismo tinha limites
históricos objetivos. Defendido por Rosa Luxemburgo, e compartilhado por muitos
dirigentes, inclusive da embrionária ala esquerda, podemos encontrar o prognóstico de
que, na fase do imperialismo, o regime capitalista mergulharia a sociedade em crises
cada vez mais dolorosas e recorrentes. Crises sem saída, com estagnação econômica
crônica, miséria crescente em escala global, inclusive nos países centrais, e um estado
permanente de guerras nas relações internacionais. O armagedom dos marxistas era
um fatalismo laico. Acompanhemos a análise de Coletti;
“Suponiendo que una "teoría del derrumbe" es una teoría que quiere
demostrar cíentífícamente las razones por las cuales el sistema está
ineluctablemente -vale decir por causas bien determinadas y ciertas-
9
destinado a terminar, se plantea esta pregunta: en Marx, ¿hay o no hay
una teoría del derrumbe? El lector advertirá que todas las cuestiones
que dividen a los autores marxistas (...)van a parar a este punto. Para
algunos, negar que la obra de Marx contiene una "teoría del derrumbe"
significa traicionar su pensamiento, edulcorarlo, privarlo de todo nervio;
para otros es una traición de los intérpretes -aunque se la perpetre de
buena fe- atribuirle una. En la incertidumbre de ambas alternativas,
sería una gran cosa (por lo menos a los fines de una primera
orientación) que se pudiese hacer corresponder una caracterización
política con una u otra de esas posiciones. Pero otra complicación que
gravita sobre el problema de la teoría del derrumbe es que ésta divide a
los intérpretes pasando ya sea a la "derecha" o bien a la "izquierda".
Tanto Bernstein, el padre del "revisionismo", como Rosa Luxemburg, su
más feroz e intransigente adversaria, están en favor de que se atribuya
a Marx una "teoría del derrumbe". Por el contrario, ya sea Kautsky o
bien Lenin, y tanto el socialdemócrata Hilferding como el entonces
bolchevique de izquierda Bujarin, se oponen a esa atribución.”7(grifo
nosso)
Colletti tem razão, não existe qualquer coincidência entre as
posições políticas dos marxistas do início do século, em relação à estratégia, que
encontre correspondência com o debate sobre a teoria do colapso. Os alinhamentos
são, aparentemente, desconcertantes. Na raiz deste paradoxo estava (e continua
colocado)
uma
profunda
questão metodológica:
a influência predominante no
marxismo da Segunda Internacional de uma concepção objetivista do marxismo, que
se expressou no debate da teoria do desmoronamento, isto é, na identificação de um
limite intransponível para a acumulação de Capital, sem considerar como determinação
fundamental, as lutas de classes, os acordos e rupturas que as classes fazem entre si
para a luta em defesa dos seus interesses.
Estes prognósticos se demonstraram, essencialmente, errados.
Não faltaram, por certo, tragédias econômico-sociais nos últimos cem anos. Tampouco
é provável que sejamos poupados, no futuro, a flagelos e horrores semelhantes, senão
piores. O mundo não parece evoluir de forma muito animadora. Veremos mais guerras
e, certamente, mais revoluções. As necessidades de recuperação da taxa média de
lucro têm exigido crises regulares de terrível destruição. O movimento de rotação do
capital continua assumindo a forma de ciclos alternados de recuperação e recessão.
Mas não temos indicação histórica de que venhamos a assistir a uma crise final. Não
merece ser considerado um prognóstico econômico que se revelou insustentável e
finalista. O século XX não passou em vão. Não vingando uma alternativa histórica, o
capitalismo sempre encontrou uma saída para as suas crises, mesmo se ao custo de
terríveis sofrimentos.
A história das revoluções do século XX revela que a crise definitiva
de uma forma de organização social depende, fundamentalmente, das disputas entre
7.
COLLETTI, Lucio. El marxismo y el derrumbe del capitalismo. Mexico, SigloXXI. p.35-6.
10
os sujeitos sociais, as classes em luta e a sua capacidade de construir mobilizações e
alianças para os seus objetivos. As dores de parto de uma nova ordem econômica são
resolvidas na arena dos conflitos políticos e das lutas sociais, fermentados pela crise
econômica e, portanto, pelos sacrifícios materiais que são impostos às massas pela
preservação tardia do Capital. Mas não há evidência de limites intransponíveis, em si,
à reprodução ampliada do capitalismo. A transição histórica depende da derrota do
imperialismo, e só pode ser construída por uma mobilização revolucionária.
Os auto-enganos dos que defendem um projeto que tem pressa
A crítica dos clássicos não é um procedimento simples. Mas quando
necessário é inescapável. Os erros de prognósticos não são incomuns. Marx, por
exemplo, previu que a revolução começaria nos países mais industrializados e se
equivocou. A história seguiu um caminho atípico. Resumindo, nunca existiram os
dirigentes infalíveis. Os erros dos que nos antecederam, não os diminuem diante das
suas gigantescas realizações. Entre marxistas não deveriam existir temas tabus. A
causa da liberdade e da igualdade não precisa do culto à personalidade de ninguém.
Nos apoiamos nos seus ombros, e nas lições que a história nos legou e, por isso,
podemos e devemos fazer correções e revisões.
Os revolucionários socialistas, sem exceção, abraçaram um projeto
que tem pressa. Não será surpresa se foram impacientes e vítimas de auto-engano.
Não parece muito grave, se acreditaram que o fim do capitalismo estava mais próximo
do que aquilo que depois se demonstrou possível. O mundo em que nos tocou viver é
demasiado terrível para que aceitemos que a ordem mundial capitalista poderá se
perpetuar ainda por muito mais tempo. É razoável que a ansiedade da revolta nos faça
querer abreviar o intervalo da transição. Mas não nos iludamos, o capitalismo não vai
morrer de morte natural.
Uma antiga e exaustiva e, sobretudo, inconclusiva polêmica procurou
esclarecer se existiria ou não, em Marx, uma interpretação do capitalismo que poderia
sugerir uma teoria do colapso. São inúmeros os autores que, ao longo dos anos,
retomaram o fio de Ariadne para tentar sair deste labirinto. O assunto é hemorrágico
no marxismo, se considerarmos a quantidade de estudos. Rosdolsky, por exemplo, que
se localiza entre os comentaristas que atribuem a Marx um prognóstico favorável á
crise final, destaca, também, as mediações feitas pelo próprio Marx:
“Todavia - e dentro de determinados limites - o
capital pode compensar a queda da taxa de lucro mediante o aumento
da massa de lucro. Sobre isso, lemos nos Grundrisse: "Na média, a
11
massa de lucro - ou seja, a mais-valia considerada à margem de sua
relação formal, não como proporção, mas sim como simples magnitude
de valor, sem relação com nenhuma outra magnitude - crescerá não
conforme a taxa de lucro, mas sim conforme o volume do capital. A taxa
de lucro evolui em relação inversa ao valor do capital, mas o lucro total
evolui em relação direta com ele.”8
O próprio Marx insistiu, mais de uma vez, em destacar que a
operação da lei da queda da taxa média de lucro só operava como tendência, ou seja,
submetida à pressão de contra-tendências. Vejamos, de novo, a interpretação de
Rosdolsky:
“Na realidade, porém, a queda da taxa de lucro "é apenas uma
tendência, como ocorre com todas as leis econômicas", sendo inibida
por numerosas influências que atuam em sentido contrário". Lemos nos
Grundrisse: "No ciclo do capital desenvolvido, existem fatores que
retardam esse movimento [ou seja, a queda da taxa de lucro], além das
crises; por exemplo, a contínua desvalorização de uma parte do capital
existente; a transformação de grande parte do capital em capital fixo
que não presta serviços como agente da produção direta; o gasto
improdutivo de grande parte do capital etc. [...] A queda [da taxa de
lucro] é retardada também pela criação de novos setores produtivos,
nos quais se exige mais trabalho imediato em proporção ao capital, ou
nos quais a força produtiva do trabalho ainda não está desenvolvida.
[...] (Há também os monopólios.)[...] Além disso, pode-se retardar a
queda na taxa de lucro pela supressão de fatores que são subtraídos ao
lucro, como por exemplo a diminuição de impostos e da renda da terra
etc” 9
A história não se faz a si mesma. A pressão da necessidade
histórica estabelece os limites e condições das escolhas que as classes terão que fazer.
Mas são os sujeitos sociais que transformam o mundo. Enquanto os trabalhadores não
se mobilizarem e organizarem, em especial nos países centrais, para derrotá-lo, o
Capital permanecerá, não importa quantos abalos e turbulências econômicas. Mesmo
nas mais difíceis situações, sempre houve uma saída econômica para as classes
proprietárias. Mesmo que o custo destrutivo ameace os alicerces do que entendemos
como civilização.
Não será uma nova crise explosiva que resolverá, por si só, os
problemas ainda hoje pendentes no movimento socialista. Uma nova mega-crise é não
só possível, mas até provável, mas não será suficiente para abrir o caminho de uma
transição socialista consciente. As dificuldades políticas e teóricas do desafio
revolucionário não são menores que no passado.
A
fulminante restauração
capitalista
na
ex-URSS, no
Leste
Europeu, e o processo semelhante, mas mais controlado, na China, defendido pela
8 ROSDOLSKY,Roman, Gênese e Estrutura de O Capital de Karl Marx, Rio de Janeiro, Contraponto, ,
2001, pág. 318.
9 ROSDOLSKY,Roman, Ibidem, pág.317.
12
gerontocracia de Pequim como uma NEP de cem anos, permanecem tendo efeitos
devastadores. O paradoxo do modelo de uma “economia socialista de mercado”, que
preserva a defesa do regime político de uma ditadura de partido único, mas aceita os
investimentos estrangeiros, e as doenças do enriquecimento rápido como um mal
necessário para o crescimento econômico, é pouco atraente. Ainda encontramos,
todavia, marxistas honestos dispostos a justificar a necessidade de décadas de mais
desigualdade para se poder, em um futuro longínquo, mas luminoso, iniciar uma
transição a uma sociedade mais igualitária.
De qualquer forma, não há como negar que o marxismo dos anos
noventa parecia uma zona de guerra: mortos, feridos e mutantes por todos os lados.
Surgiram, também, nesse contexto, novas avaliações que, contra a corrente,
anunciaram a senilidade do capitalismo. Cem anos atrás, hipóteses aparentadas
tinham estruturado uma estratégia política baseada na teoria do “desmoronamento”,
conhecida como a “zuzammenbruchtheorie”. Vejamos os argumentos.
A hipótese de Rosa Luxemburgo: “quando o último camponês, do último país
agrário...”
Marx previu no Prefácio da Crítica da Economia Política a
abertura de uma época de revolução social, talvez o mais controverso de todos os seus
prognósticos. Mas, na aurora do século XXI, o capitalismo continua de pé. Cambaleia,
contudo, continua de pé. Mais de uma vez, no entanto, ao longo dos últimos cem anos,
seu desmoronamento pareceu uma questão de tempo. Esta surpreendente longevidade
não poderia deixar de ser um dos temas mais perturbadores do marxismo
contemporâneo.
A elaboração pioneira mais completa sobre o tema do destino
e limites históricos do capitalismo foi feita por Rosa Luxemburgo. As concepções
expostas por Rosa em A Acumulação do Capital foram objecto de grandes críticas. A
mais severa tem como argumento que, na Acumulação, Rosa teria revisitado as
idéias sobre o inexorável colapso do capitalismo, e retomado uma perspectiva
economicista sobre o seu destino. Uma embriaguês determinista a teria levado a
considerar provável um desastre iminente, diminuindo a importância do papel das
massas em luta, e, portanto, anulando o lugar do fator subjetivo, a construção da
consciência de classe (e a sua forma objetivada, as organizações dos trabalhadores).
13
Rosa teve que responder às amargas críticas que o seu livro
recebeu no Vörwarts, uma publicação do SPD alemão, e como que por antecipação
metodológica, recolocou o debate sobre a natureza do imperialismo. Colocou os pingos
nos is nos seguintes termos:
“Si la producción capitalista constituye un mercado
suficiente para sí misma, la acumulación capitalista (considerada objetivamente)
es un proceso ilimitado. Si la producción puede subsistir, seguir
aumentando sin trabas, esto es, si puede desarrollar ilimitadamente las
fuerzas productivas,(...) se derrumba uno de los pilares más firmes del
socialismo de Marx. Para éste, la rebelión de los obreros, su lucha de clases es
-y en ello se encuentra justamente la garantía de su fuerza victoriosa- mero
reflejo ideológico de la necesidad histórica objetiva del socialismo, que resulta
de la imposibilidad económica objetiva del capitalismo al llegar a una
cierta altura de su desarrollo. (grifo nosso)10
Para Rosa o capitalismo tinha um limite histórico inflexível: o
sistema só poderia continuar garantindo a sua reprodução, enquanto conseguisse
ampliar a sua penetração em mercados pré-capitalistas. Os termos da polêmica eram
claros: tratava-se de estabelecer se a perspectiva do capitalismo, na época do
imperialismo, seria no sentido de mais ou menos crises, mais ou menos lutas de
classes, mais ou menos guerras. Rosa conclui:
" La tendencia objetiva de la evolución capitalista hacia tal desenlace es
suficiente para producir mucho antes una tal agudización social y
política de las fuerzas opuestas, que tenga que poner término al
sistema dominante (...) Si, por el contrario, aceptarnos con los
"expertos" la ilimitación económica de la acumulación capitalista, se le
hunde al socialismo el suelo granítico de la necesidad histórica
objetiva. Nos perdemos en las nebulosidades de los sistemas y escuelas
premarxistas. que querían deducir el socialismo únicamente de la
injusticia y perversidad del mundo actual, y de la decisión
revolucionaria de las clases trabajadoras” (grifo nosso) 11
A linha de argumentação que interpreta o subconsumo como o
fator que provoca a tendência à crise se desdobrará na fórmula que prevê a crise
geral, ou seja, um limite histórico objetivo de desenvolvimento para o imperialismo.
Um limite constante e inamovível se esboça: quando não mais for possível ao capital a
extensão de sua base de dominação sobre os mercados não capitalistas. A crise final
se precipitará quando o último camponês, do último país colonial estiver integrado ao
mercado mundial, e absorvido pelo trabalho assalariado.
Poder-se-ia é certo condenar como temerária, a tentativa de
estabelecer, a priori, um limite irredutível para a acumulação do capital, a partir de
10(LUXEMBURGO, Rosa, “El Problema en discusión” in La acumulacion de Capital, México, Cuadernos
de pasado y Presente 51, 1980, p.31) Este ensaio é também conhecido como a Anticrítica.
11 Ibidem.
14
causalidades estritamente econômicas. Não parece plausível prever que existam
limites econômicos fixos e invariáveis que possam ser pré-determinados para a
expansão do Capital. Lênin alertou para este problema metodológico:
“Certamente, a tese fundamental da dialéctica marxista é que todos
os limites na natureza e na sociedade são convencionais e móveis, que
não há qualquer fenómeno que não possa em certas condiçoes,
transformar-se no seu contrário”12
Mas tampouco parece sustentável uma desvinculação dos limites
sociais
-
estes
revolucionárias
incontroversos,
neste
século
-
se
considerarmos
de
preservação
a
de
freqüência
uma
de
ordem
situações
política,
da
insustentabilidade de situações econômicas convulsionadas por crises recorrentes.
A paixão revolucionária empurrou Rosa na busca de uma
demonstração econômico-histórica da crise final. O solo granítico da necessidade
histórica. Estamos diante de um ex-abrupto polêmico? Rosa estava convencida que a
fundamentação “científica” da necessidade do socialismo dependia da demonstração de
crises
recorrentes,
e
cada
vez
mais
graves.
Admitamos
os
exageros.
Mas
acompanhemos, também, a clarividência de suas análises.
Um capitalismo que só pode se manter pelo crescimento das forças
destrutivas
Inspirada
em
algumas
das
pistas
deixadas
por
Marx,
desenvolveu a idéia da centralidade do consumo improdutivo no novo período
histórico, como condição da reprodução ampliada e da realização de mais valia,
destacando o novo lugar do consumo estatal de armamentos, isto é, do crescimento
das forças destrutivas. A seguir, um balanço deste aporte teórico de Rosa, pelas
palavras de José Martins:
“Rosa é pioneira na abordagem do papel crucial do consumo
improdutivo no desenvolvimento da acumulação e crises do capital.
Assim, além das seções produtivas de meios de produção (seção I), dos meios
de consumo assalariado (seção II a) e da seção improdutiva de bens de luxo
(seção II b), todas já presentes nos esquemas de reprodução do chamado 'livro
2" de O Capital, de Marx, ela acrescenta, para facilidade analítica, a seção
de "meios de destruição", quer dizer, a produção de armamentos e o
consumo deste tipo particular de mercadoria.(...) A crescente produção
e consumo de mercadorias de luxo e de armamentos é muito
importante para se entender o papel do Estado e do imperialismo na
regulação das crises globais do capitalismo moderno. Para Rosa, essas
despesas improdutivas –centralizadas e organizadas, através dos impostos, na
administração monetária dos Bancos Centrais (taxa de juros) e em outras
formas de regulação estatal – destinam-se à realização de uma parte
12 (LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov, A propósito da brochura de Junius in LUXEMBURG, Rosa, A crise da
Social-Democracia (a brochura Junius), Lisboa, Presnça, 1974, p.192/3/4)
15
importante da mais-valia produzida socialmente.(grifo nosso)13
O lugar das guerras e da economia de guerras aparece em uma
nova dimensão. O mercado de armas, em sua exigência macabra de permanente
reposição material é um mercado ilimitado. Mas uma economia que depende, cada vez
mais, do consumo improdutivo não oferece senão decadência como futuro.
"O verdadeiro problema é que o regime capitalista tem que
desenvolver a produção de algum tipo de valor de uso cujo consumo
impeça o seu retorno para a esfera produtiva, cujo consumo faça com
que ele desapareça na própria circulação do capital. Esses antibióticos
contra a superprodução são justamente aquelas mercadorias que não
podem ser consumidas nem como meios de produção, nem como meios
de reprodução da força de trabalho. Deve-se lembrar que a produção
dessas mercadorias é capaz de elevar a taxa geral de lucro sem alterar
a produtividade da força de trabalho, quer dizer, a taxa de mais valia.
As modernas formas de consumo improdutivo, sejam aquelas
individuais (de bens de luxo) sejam aquelas estatais (de armamentos)
mostraram-se, historicamente, as mais adequadas para cumprir esse
papel.”
A hipótese de Rosa Luxemburgo passou na prova da história?
Recordemos os últimos anos. Iraque, Bósnia, Iugoslávia, Afganistão, de novo o Iraque.
Guerras justificadas pela necessidade de controle estratégico de petróleo. Guerras pelo
domínio da liderança no Sistema Mundial de Estados. Guerras pelo controle geopolíticos de continentes. Ao destacar que, na fase do imperalismo, o capitalismo
bloqueava as forças produtivas enquanto estimulava o crescimento das destrutivas,
Rosa fez a defesa de uma compreensão dialética dos tempos políticos da transição
pós-capitalista como um processo histórico, um tempo de revolução e contrarevolução,
um
período
indefinido,
mas
provavelmente
longo,
dominado
por
extraordinárias possibilidades, mas também perigos imensuráveis.
Importante notar que a discussão não era de nuances ou de
tom. A polêmica sobre o destino do imperialismo, já em 1910, era sobre a natureza da
época. Mais paz e prosperidade ou mais crises e guerras? Mais concessões reformistas
ou mais ataques contrarevolucionários? Não foi uma querela de matizes. Era uma
caracterização vital para o futuro do movimento socialista o que estava em disputa na
direção do partido alemão. Era toda uma perspectiva geral que se desenhava. A época
do imperialismo, portanto, coincidia, para Rosa, com o período da atualidade da
revolução proletária.
13 (MARTINS,José, “As Armas da Globalização (breves considerações teóricas)” in Crítica Semanal da
Economia, 13 de Maio, Núcleo de Educação Popular, Ano 13, Primeira Quinzena de Outubro de 1999,
home page: www.analiseconomica.com)
16
O Capital e a sua crise de destino: devorar a Periferia do Sistema e canibalizar
as classes trabalhadoras do Centro
Este tema do economicismo ou em decorrência, do fatalismo, na
obra de Luxemburgo foi sempre muito controverso. Mandel sintetiza, nos termos que
poderão ser conferidos a seguir, os limites metodológicos da crítica que, de tão
freqüente, se tornou quase um “lugar comum”. A questão teórica, como é óbvio, é
decisiva, no seu sentido mais grave. Em que medida operam as tendências objetivas,
estritamente econômicas, à crise, como um dos fatores estruturais do atual período
histórico?
“Rosa Luxemburg fue la primera en tratar de elaborar sobre una base
estrictamente científica una teoría del inevitable derrumbe dcl modo capitalista
dc producción. En su libro La acumulación del capital intentó demonstrar que
la reproducción ampliada(…) era imposible en el capitalismo 'puro'. Ese
modo de producción, por lo tanto, tenía una tendencia inherente a
expandirse en un medio no capitalista, es decir, a devorar grandes
áreas de pequeña producción de mercancías que aún sobreviven dentro de la metrópoli capitalista y a expandirse continuamente hacia la
periferia no capitalista es decir los paises coloniales y semicoloniaIes.
(grifo nosso)14
A exposição de Mandel faz justiça à hipótese de Rosa. A história
não lhe deu razão? O encolhimento dos espaços não capitalistas é quase completo. As
relações de trocas impostas pelo imperialismo no mercado mundial reduziram o
comércio exterior da periferia a um processo de transferência brutal de riqueza para o
centro. Os endividamentos externos sacrificam qualquer possibilidade de crescimento
ao Sul do Equador. A regressão econômica e social atinge graus impensáveis há
poucas décadas. Um subcontinente inteiro, a África subsaariana está ameaçado. As
commodities baratas garantem a queda dos salários médios dos trabalhadores do
centro, sem que a paz social seja gravemente ameaçada. Se guerras foram
necessárias para garantir a libertação das colônias depois de 1945, a violenta invasão
de capitais da recente globalização provocou, e continuará provocando resistências à
recolonização. Mandel argumenta:
“Esa expansion -incluyendo sus formas más radicales, el colonialismo y
las destructivas guerras coloniales de la epoca contemporánea; el
imperialismo y las guerras imperialistas- era indispensable para la
14 MANDEL, Ernest, El Capital, Cien Años de Controvérsias en torno a la obra de Karl Marx, México,
SigloXXI, 1985, p.233
17
supervivencia del sistema(...) Pero Luxcmbourg dejaba claro que,
mucho antes dc ese momento final las simples consecuencias de esas
formas de expansión cada vez mas violentas, así como las
consequencias del gradual encogimiento del medio no capitalista,
agudizarían las contradicciones internas del sistema hasta tal punto de
explosión, preparando así su derrocamiento revolucionário” (grifo
nosso)15
E, no entanto, o problema teórico de fundo permanece intacto e
perturbador. O Sistema se mantém de pé. Não parece ser suficiente a madurez das
condições objetivas. Poderíamos até arriscar e dizer que elas apodrecem. À luz da
história da segunda metade do século XX, um intervalo expressivo para permitir a
avaliação de tendências de médio prazo, não parece razoável continuar alimentando a
expectativa de que o desmoronamento do capitalismo possa ocorrer por “morte
natural”. Não faltaram crises econômicas regulares, mas o sistema encontrou novos
mecanismos de regulação, tanto econômicos, como a constituição das instituições de
Bretton Woods, como políticos, a cooptação em escala mundial das direções
burocratizadas dos movimentos de trabalhadores. Vejamos como Mandel defende a
hipótese de Rosa:
“Aquí quiero tratar solamente una objeción metodológica que se ha hecho a la
teoría del derrumbe de Rosa Luxcmburg -y posteriormente a una serie de
teorías similares. Algunos críticos han sostenido que, al basar la
perspectiva del inevitable derrambe del modo capitalista de producción
exclusivamente en las leyes de movirmiento del sistema, Luxemburg
retrocedía hacía el 'economicismo’; que eso era una regresión del modo
como los propios Marx y Engels y sus primeros discípulos integraban siempre
los movimientos y leyes económicos con la lucha de clases, a fin de llegar a
proyecciones y perspectivas históricas generales. Sin embargo esa objeción
es injustificada. Si bien es cierto que la historia contemporánea del
capitalismo, y en realidad la historia de cualquier modo de producción en
cualquier época, no se puede explicar satisfactoriamente sin tratar la lucha de
clases (y especialmente su desenlace después de ciertas batallas decisivas)
como factor parcialmente autónomo, también es cierto que toda la
significación del marxismo desaparece si esa autonomia parcial se
transforma en autonomia absoluta.” (grifo nosso)16
A política poderia sobredeterminar a Economia? Mandel observa,
corajosamente, o problema teórico, porque percebe a gravidade das conclusões, mas,
na hora de dar o último passo, hesita e recua. A esfera da luta de classes demonstrou,
no entanto, possuir a capacidade de provocar uma inversão das relações de
causalidade estabelecidas pelo marxismo clássico. Fatores como o atraso da entrada
em cena dos trabalhadores em países chaves, ou o atraso na construção de novas
direções independentes, classistas e revolucionárias, deveriam ganhar uma nova
15
IBIDEM, p.234.
16 (MANDEL, Ernest, El Capital, Cien Años de Controvérsias en torno a la obra de Karl Marx, México,
Siglo XXI, 1985, p.233)
18
dimensão na análise da longevidade do capitalismo.
Seriam essas conclusões incompatíveis com um quadro de análise
marxista? Não parece ser tão simples. Sem negar a atualidade das conclusões sobre o
movimento do Capital, reveladas por Marx (e referendando, portanto o sentido
necessário em direção a novas e mais trágicas crises de ajuste), seria
necessário
acrescentar que a esfera de autonomia crescente da Política na definição dos
desenlaces na luta de classes, tem permitido, e poderá permitir, o adiamento de crises
catastróficas. O que não anula, strictu sensu, a defesa metodológica que Mandel faz de
Rosa, mas recoloca o problema de forma mais complexa, para além de uma resposta
binária, “ou ela estava essencialmente certa ou essencialmente errada”.
“Es justamente el mérito de Rosa Luxernburg, así como de sus varios
antagonistas subsiguientes en la 'polémica del derrumbe", el haber relacionado
los altibajos de la lucha de clases com las leyes internas de movímiento del
sistema. Si supusiéramos que o bien la infinita adaptabilidad del sistena
capitalista, o la astucia política de la burguesia, o la incapacidad del
proletariado de elevar su conciencia a nivel suficiente (por no hablar de
la supuesta creciente "integración" de la clase trabajadora a la
sociedad burguesa), pueden, a largo plazo y por tiempo indefinido,
neutralizar o invertir las leyes internas del movimiento y las
contradicciones intrínsecas del sistema, es. decir, impedirles afirmarse,
entonces la única conclusión cientificamente correcta seria que esas
leyes(...) no corresponden a la esencia del sistema: en otras palabras
que Marx estaba básicamente equivocado al pensar que había
descubierto esa esencia”(grifo nosso)17
Eis-nos diante do perigoso dilema que encerra o raciocínio de
Mandel em defesa de Rosa. Se admitíssemos que as tendências objetivas não
operaram tal como tinha sido previsto, e algo de “anômalo” ocorreu porque, apesar de
todas as crises, o sistema permanece hegemônico, então, estaríamos em face de três
hipóteses coerentes.
A primeira possibilidade é a eterna coqueluche teórica de todos os
reformistas havidos e por haver: as tendências à crise geral não operaram como se
previa, ou melhor, a sua ação foi neutralizada, porque as possibilidades de expansão
não se esgotaram. O marxismo não foi questionado, enquanto teoria. Simplesmente,
uma época revolucionária não se abriu. É certo que ocorreu uma crise como 1929 e
duas guerras mundiais. A humanidade sofreu os horrores do nazi-fascismo. Mas o que
aconteceu
foi
que
os socialistas exageraram, ou
andaram
distraídos,
e não
compreenderam que as forças produtivas ainda estavam crescendo durante o século
XX. O capitalismo, apesar de todas as enfermidades sociais que lhe são próprias, ainda
representaria progresso histórico. Em uma palavra: as condições objetivas não
estavam maduras para uma transição histórica, e todas as revoluções que tentaram ir
17
IBIDEM, p-.234
19
além do capitalismo foram uma aventura voluntarista. Estavam condenadas, desde o
início, ao fracasso. Esta linha de análise não se sustenta, porque reduz a história do
século XX a um mal entendido. Não importa qual balanço se queira fazer das
revoluções do século XX. Se ocorreram revoluções, é porque foram necessárias, e a
possibilidade de que elas tenham triunfado repousa na existência de uma crise do
sistema capitalista.
Segunda possibilidade: teríamos que concluir que o marxismo se
equivocou na análise das contradições fundamentais que movem o modo de produção.
Não parece razoável. Última hipótese: somos forçados a reconhecer que pode ocorrer
uma inversão das forças de pressão entre Política e Economia. Sem disposição
revolucionária de luta das massas exploradas e oprimidas pelo Capital, o imperialismo
sempre encontrará uma saída para as suas crises. E enquanto não se resolver a crise
de representação política dos trabalhadores, dificilmente veremos lutas de massas
vitoriosas.
Não há capitalismo sem uma crescente dominação imperialista:
O significado econômico-histórico da recolonização
Outra
questão
é
saber
em
que
medida
o
esforço
de
fundamentação econômica da crise do capitalismo feito por Rosa Luxemburgo foi ou
não bem sucedido. As críticas, por este ângulo, tiveram como pano de fundo o que
seriam, segundo seus críticos, a unilateralidade da compreensão da crise do Capital
apoiada em uma absolutização do subconsumo como fator determinante. Os defensores
desta interpretação d’O Capital afirmam que a contradição principal que explica as crises se
estabelece entre a tendencia ao desenvolvimento ilimitado da produção e a tendencia à
contracção do consumo,
o que se manifesta em crises de realização de mais-valia. Mandel
merece atenção:
“Rosa Luxenburgo eleva, sin embargo, el debate a un nivel más digno
de interés al preguntarse sobre los orígenes dc la acumulación, de la
reproducción ampliada. La reproducción ampliada significa, en efecto,
que los capitalistas retiran de la circulación de las mercancías, al final
de un ciclo de rotación del capital, más valor que el que hicieron entrar
en la producción. Este excedente es, precisarnente1 la plusvalía
realizada. Ahora bien, continúa Rosa Luxemburgo, tanto tos salarios de
los obreros (capital variable) corno el valor de sustitución de las
maquinas y de las materias primas utilizadas en la producción (capital
constante) han sido adelantados por los capitalistas. En cuanto al
consumo ímproductivo de éstos (la parte no acumulada de la plusvalía),
también ha sido pagado por ellos. Por tanto, el hecho de que obreros y
capitalistas compraran el conjunto de la producción, significaría
simplemente que estos últimas recuperararían los fondos que habian
lanzado a la circulación y se comprarían mutuamente sus sobreproductos.(...) Rosa Luxemburgo concluye, pues, que la realización de la
plusvalía solo es posible en la medida en que se abren al modo de
20
producción capitalista mercados no capitalistas.(grifo nosso)18.
Considerando-se que o livro de Rosa é anterior à maioria dos
trabalhos marxistas sobre a questão do Imperialismo, a ênfase estava dirigida a
demonstrar que a luta pelo controle do mercado mundial estava na raiz da necessidade
do crescente militarismo e, nesse sentido, a época do apogeu do sistema seria também
a época de sua agonia, logo, de uma encruzilhada histórica decisiva. Vejamos a crítica
de Mandel:
“El error de Rosa Luxemburgo consiste en tratar a la clase capitalista
mundial como un todo, es decir, abstraer el hecho de la
competencia(...) La desígualdad del ritmo de desarrollo entre diferentes
países, diferentes sectores y diferentes empresas es lo que constituye
el motor de la expansión de los mercados capitalistas, sin que sea
preciso recurrir a las clases no capitalistas. Es esta desigualdad lo que
explica cómo la reproducción ampliada puede continuar, incluso con
exclusión de todo medio no capitalista, como se efectúa en essas
condiciones la realización de la plusvalía por una acentuación
pronunciada de la concentración del CapitaL En la práctica, los
intercambios con medios no capitalistas sólo son un aspecto del
desarrollo desigual del capitalismo.”19
Esta passagem de Mandel é elucidativa sobre o tema das teorias
da crise, em especial sobre a questão metodológica polêmica das hipóteses
monocausais, em alternativa à sua solução pluri-causal.
Não há limites econômicos fixos e invariáveis, mas há limites sociais
insustentáveis
Ocorre que a preocupação de Rosa era indiscutivelmente mais
ampla do que uma exposição teórica, strictu sensu: era consciente de que a
apresentação do tema dos limites históricos do capitalismo sugeria implicações
políticas de primeira magnitude. A seguir uma transcrição de Paul Sweezy em sua
defesa:
“Mientras más violentamente el capital, empleando métodos militares en
el mundo exterior y también en el país suprime los elementos no capitalistas y
empeora las condiciones de vida de todo el pueblo trabajador, más
completamente la historia cotidiana de la acumulación del capital se transforma,
en la escena mundial, en una cadena continua de catástrofes y convulsiones
políticas y sociales que, unidas a catastrofes económicas periódicas, en forma
de crisis, harán imposible la continuación de la acumulación y necesaria
la rebelión de la clase obrera internacional contra el dominio dcl capital,
aun antes de que éste se haga pedazos contra sus propias barreras
económicas, que se han creado a sí mismas (...).” (grifo nosso)20
18 (MANDEL, Ernest, Tratado de Economía Marxista, México, Ediciones Era, 1978, p.147/149)
19 IBIDEM, p. 150/1
20 (SWEEZY, Paul, La controversia sobre el derrumbe y Rosa Luxemburgo in LUXEMBURGO, Rosa, La
21
O esforço de Rosa é engenhoso, mas insuficiente. A extração de
mais valia da periferia do sistema para o centro foi e continua sendo importante para
garantir a recuperação da taxa média de lucro. Não há capitalismo possível em nossa
época sem impiedosa espoliação imperialista, isto é, sem a ofensiva re-colonizadora
que se traduz em domínio direto de mercados, por acordos como a ALCA, e imposição
do princípio jurídico da extraterritorialidade. As transferências feitas das economias
semicoloniais e dependentes são significativas, e garantem o barateamento dos custos
produtivos nos países centrais. Impedem, em especial, a elevação dos salários médios,
pela diminuição constante dos preços dos alimentos e produtos de primeira
necessidade. A imigração semicontrolada, semitolerada, pressiona, também, para
baixo os salários. Mas seria inadequado concluir que a inserção dos países agrários no
mercado mundial e a crescente urbanização da periferia possam, por si mesmas,
precipitar uma crise sem saída do sistema. As contradições se agudizam, mas não se
interrompe o processo de acumulação. Vejamos as conclusões de Sweezy:
“la reacción de los voceros oficiales dc la socialdemocracia ante el libro
de Rosa Luxemburgo no incluyó ninguna aportación teórica importante, y su
interés consiste principalmente en el estado de ánimo que revelaba. En el
movimiento alemán, el miedo a la revolución se había hecho para
entonces tan característico del ortodoxo como del revisionista. Aun era
de buen tono hablar de la revolución que tendría lugar algún día en un futuro
indefinido. Con ese fin, harto paradójicamente, se necesitaba una teoría que
pudiese garantizar la capacidad de subsistencia del capitalismo. Por
conseguinte, era preciso combatir todas tas teorías del derrumbe y
sostener la expansibilidad indefinida del capitalismo”. (Grifo nosso)21
As observações de Sweezy, que transcrevemos, sobre as
repercussões políticas do livro de Rosa vão ao fundo da questão. A discussão sobre a
natureza de época estava muito além de uma discussão teórica relativamente
abstracta ou até mesmo um pouco anódina, porque necessariamente envolvia
conclusões inescapáveis sobre a impossibilidade de uma expansão capitalista ilimitada,
ou seja, sobre a perspectiva histórica de uma longa época progressiva de crescimento
sustentado, paz duradoura e concessões permanentes, uma música que a maioria dos
dirigentes sindicais alemães, e também uma maioria dos dirigentes do SPD não queria
ouvir.
Por outro lado, a interpretação de Sweezy parece ser mais justa
com Rosa, nesta questão, do que a de Nettl, que insiste em diferenciar as conclusões
de Rosa das de Lenin: porque este previa a abertura de uma situação revolucionária na
acumulación del capital, México, Siglo XXI, Cuadernos de pasado y presente 51, 1980, p. 218/9)
21.IBIDEM
22
Europa a partir do colapso do sistema inter-Estados, logo a guerra como ante-sala da
revolução, enquanto Rosa deixava a perspectiva da iminência de uma situação
revolucionária dependente de uma crise econômica de natureza explosiva, como
finalmente veio a ocorrer com a grande crise de 29.
A diferença de enfoque existiu de fato entre os dois neste
tema? Provavelmente sim, mas sem que as elaborações em paralelo fossem
incompatíveis, e sem que se possa com facilidade afirmar que uma teria confirmado
superioridade em relação à outra. A “russificação” do marxismo revolucionário, em
função da posterior vitória da revolução russa, e o conseqüente agigantamento da
autoridade de Lenin, com as agravantes seqüelas do culto à personalidade das longas
décadas do estalinismo, obscureceram o papel de outros grandes marxistas, como
Rosa e o lugar de sua contribuição fundamental.
Primeiro, é importante recordar que Lenin escreve o seu
trabalho sobre o imperialismo e sobre a falência da Segunda Internacional anos depois
de Rosa (o ensaio de Lenin O Imperialismo, o estágio superior do Capitalismo, foi
elaborado na primavera de 16, em grande parte apoiado nos estudos prévios de
Hilferding, para as caracterizações econômicas) o que lhe permite, ao mesmo tempo
em que analisa o imperialismo como fenômeno econômico, e como nova época
histórica, retirar, simultaneamente, conclusões políticas sobre a perspectiva de
situações revolucionárias provocadas pela guerra, que não eram possíveis para Rosa,
que elabora o seu A Acumulação de Capital (com o subtítulo esclarecedor de Uma
contribuição à clarificação econômica do imperialismo) em 1911, como parte
dos seus estudos d’O Capital para os cursos de economia política na Escola do SPD.
Depois podemos nos perguntar, se a História não deu razão a
ambos, por caminhos talvez inesperados, na medida em que a crise de 29 demonstrou
de forma inequívoca os limites de uma expansão capitalista sem mecanismos de
regulação outros que não os ajustes cegos e devastadores do mercado, tal como
previra Rosa. Afinal, das quatro grande vagas de situações revolucionárias que
atingiram os países centrais neste século, duas se seguiram ao desmoronamento do
sistema inter-Estados ao final das duas Guerras Mundiais (17/23 e 43/48), de acordo
com as previsões de Lenin, e as outras duas foram precedidas por graves crises
econômicas (29/36 e 67/77), tal como Rosa tinha antecipado.
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