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DIREITO PENAL II - 12.11.18

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DIREITO PENAL II – 12/11/2018
ESTADO DE NECESSIDADE
Art. 23 e 24 do CP – conceituação do estado de necessidade:
Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual,
que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo
sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
Percebem-se suas diferenças em relação à legítima defesa (art. 25).
ORIGEM
O estado de necessidade tem um “ancestral” no direito romano, não na forma como vemos hoje. Na
Idade Média, no Direito Canônico, vemos a elaboração do conceito (“A necessidade não tem lei”
Santo Agostinho). Também Goethe considera que a necessidade não tem lei, uma vez que gera suas
próprias leis. Fernando Mantovani, jurista italiano, sugere que o estado de necessidade é o instituto
de amoralidade (se não fosse regulado em estritos limites).
No decorrer do tempo, começa a ser aplicado aos casos de coação moral e à ponderação de bens.
Atualmente, identificamos a expansão do estado de necessidade sobre o furto famélico ou o furto
para roubar roupas em caso de frio intenso.
CONTEÚDO
Na doutrina, encontramos diversos fundamentos.
Os autores franceses se baseiam na teoria da indiferença (ou ausềncia de interesse do Estado): o
Estado, diante do conflito, se abstém, deixando que o conflito se regule pelas suas próprias forças.
A maioria dos autores se baseia no princípio da ponderação de bens (ou de interesse
preponderante): em uma situação conflitiva entre bens (ou deveres), você pode sacrificar um bem
de menor valor para salvaguardar um de maior valor.
Também se utiliza um fundamento complementar/adicional: princípio da solidariedade
intersubjetiva ou social. No estado de necessidade, geralmente se fere os bens de um terceiro
inocente; na legítima defesa, fere-se aquele que promove agressão injusta.
No direito civil, em casos de estado de necessidade em que o necessitado fere um bem de terceiro,
o terceiro pode exigir a responsabilização; há direito de regresso do necessitado ao gerador do
estado de necessidade.
NATUREZA JURÍDICA
Temos basicamente três teorias sobre a natureza jurídica do EN. Ocorre a exclusão da
culpabilidade: duas teorias unitárias ou monistas (a subjetiva e a objetiva) e uma teoria
diferenciadora (ou da diferenciação)
a) teoria da adequação (ou adequidade ou teoria unitária subjetiva): nos casos de EN, a pessoa
está sob coação psicológica que a leva a não cumprir a norma jurídica, tamanha é a sua perturbação.
Para ela, todas as possibilidades são excludentes da culpabilidade. (Immanuel Kant)
b) teoria monista objetiva: todos os casos de EN são casos de exclusão da ilicitude. (Georg
Hegel) O ordenamento jurídico dirá qual é o bem jurídico predominante, para permitir a distinção
nos casos quando o agente fere um bem jurídico menos predominante em nome do mais
predominante. É a corrente predominante, considerando-se que é a adotada pelo CPBR.
c) teoria da diferenciação: a coação moral irresistível está diferenciada do EN no CPBR. Há dois
tipos de EN: quando há bens desiguais, havendo sacrifício do bem de menor valor, ocorre exclusão
da ilicitude; em casos de bens jurídicos de igual valor (ex.: vida de X vs. vida de Y), o EN exclui
apenas a culpabilidade (isso se não for alegada a teoria da indiferença do Estado). O CP português
admite tal diferenciação. (James Goldschmidt e Edmund Mezger)
Ex.1: O furto famélico só é reconhecido em casos extremos. Ex.2: dois náufragos disputam um
pedaço de madeira que afundará se os dois se apoiarem; o que vencer estaria em EN, uma vez que,
para o Estado, não há diferenciação entre os bens iguais.
CONFLITO DE BENS E CONFLITOS DE DEVERES
Temos o EN por conflito ou colisão de bens, assim como uma subespécie chamada colisão ou
conflito de deveres. Dependendo da consideração acerca do conflito de bens, também a colisão de
deveres será excludente da ilicitude ou da culpabilidade.
Há um conflito de deveres de agir, obrigatórios, vinculantes e simultâneos, que devem ser
cumpridos e que envolve outra pessoa. Ex.1: em um acidente, o médico tem o dever de salvar 4
acidentados, feridos gravemente; esses deveres são conflitantes, porque ele não vai conseguir.
Nesse caso de EN, o crime cometido é considerado como justificável.
Na colisão de bens, a ação é facultável, e o EN é a ultima ratio; na colisão de deveres, a ação não é
facultável, e o EN é a prima ratio (porque a ação é obrigatória).
É possível ainda a colisão entre um dever de agir e um dever de se omitir; contudo, é considerado
dentro do EN geral.
ESTADO DE NECESSIDADE LEGAL OU TIPIFICADO
EN geral – art. 24, CP
EN legal: situações específicas em que o EN só vale para o caso; estão previstos em alguns crimes
no CP e em legislação extravagante.
Ex.1: aborto necessário/terapêutico/profilático (sacrifício do feto para a salvaguarda da vida da
gestante); aborto humanitário/ético/piedoso (art. 128, II; em caso de concepção resultada de um
estupro); invasão de domicílio em caso de crime; médico que viola por justa causa o sigilo
excepcional (art. 154; para comunicar uma doença contagiosa; para comunicar um crime);
intervenção médica ou cirúrgica sem o conhecimento do paciente (art. 146, §3º, I); coação exercida
para impedir suicídio (art. 146, II); abate de animal para saciara fome (Lei Ambiental – art. 37?).
RELAÇÃO ENTRE EN E LEGÍTIMA DEFESA
são dois institutos com propósitos diferentes para casos diferentes.
Na LD, trata-se de uma agressão injusta feita por pessoa humana. No EN, pode ser diante de perigo
atual causado por animal, força da natureza.
O EN é muito mais restritivo; os requisitos são mais exíguos. A LD tem maior amplitude, já que a
agressão respondida pelo defensor é injusta, sem a proteção do Direito.
O EN geralmente atinge os bens de um terceiro inocente. A LD geralmente atinge os bens do
agressor.
REQUISITOS DO EN
a) situação de necessidade ou de perigo: é uma situação em que o sujeito se vê precisando
praticar o fato a fim de proteger o bem jurídico, seu ou de terceiro; a ideia de perigo amplia a
possibilidade de alegação da EN, podendo ser força da natureza, ataque de animal, perigo
decorrente de objetos em movimento ou até mesmo de pessoas. Em casos de exclusão da ação, não
se admite LD, mas sim EN (coação física irresistível, estado de inconsciência e ato reflexo);
também em caso de prática ilícita, como um incêndio começado; também em casos sociais e
econômicos, mas, na maioria das vezes, o EN não será acolhido, pois quase sempre é possível
recorrer a meios menos lesivos – fome famélica. O perigo deve ser real, existente, e não
imaginário ou mutativo; também deve ser perigo de dano grave, e não de lesão insignificante;
o perigo também deve ser atual, e não passado, remoto, futuro ou iminente (a LD admite
defesa contra perigo iminente), sendo necessário distinguir o momento da situação de perigo, nem
sempre coincidindo com o momento do dano (diferenciando, assim, o perigo iminente e o dano
iminente – o caso de uma mulher grávida que deve abortar o quanto antes, pois o estado de sua
gravidez vai lhe causar danos em breve; é perigo atual, mas dano iminente).
Quanto aos casos em que a mulher mata o marido que pratica violência doméstica, discute-se se é
LD, EN ou excludente de culpabilidade. Avalia-se que as previsões da Lei Maria da Penha são o
meio menos lesivo para evitar o perigo, o que não representaria o EN.
O perigo não deve ser provocado por sua vontade; o EN cabe para crimes culposos; exclui-se EN se
o próprio agente provoca o perigo a fim de gerar lesão a um bem jurídico; também é possível a
criação de perigo dolosamente, mas que acarreta a lesão culposa (não excluindo o caso de
necessidade).
b) fato necessitado (ação lesiva, ação de proteção, ação de salvaguarda, ação de salvamento, fato
lesivo):
b.1) agente: qualquer pessoa humana, independentemente de imputabilidade; não pode ser pessoa
jurídica ou o Estado.
b.2) fato típico: se não for típico, a ação deve ter relevância penal.
b.3) necessidade da ação: diferentemente da LD, deve ser uma ação necessitada muito mais
rigorosamente exigível.
b.4) inevitabilidade do perigo: o EN
c) bens jurídicos protegidos: próprios ou alheios, protegidos pelo Direito Penal, pela CF ou por
outro setor do ordenamento jurídico. Comparando com a LD, admite-se qualquer bem jurídico,
assim como os bens da comunidade e do Estado (a LD só se aplica aos bens próprios do particular).
E o direito à habitação? É um direito reconhecido constitucionalmente; seria EN? A jurisprudência
italiana interpretou que há realmente esse direito, mas só seria possível o EN em caráter eventual ou
transitório, e não como solução definitiva para habitação.
Órgãos públicos/autoridades públicas podem usar poderes coercitivos de força; poderia ser EN se a
polícia usa determinados mecanismos (como num caso de tortura de uma pessoa para extrair
informações)? Não, a CF proíbe tratamento degradante, exigindo a preservação da dignidade
humana, assim como conforme tratados internacionais.
CLASSES DE EN
a) EN agressivo: é o normal, acontece em quase todos os casos; atinge-se o bem de um terceiro por
ação lesiva (solidariedade intersubjetiva – a pessoa cujo bem for lesionado deveria corresponder
com o comportamento do agressor).
b) EN defensivo: quando X dirige a ação lesiva contra o titular do criador do perigo; é uma
“pequena legítima defesa”.
c) EN próprio:
d) EN de terceiro (ou auxílio necessário): submete-se aos mesmos requisitos do EN próprio; aplicase a mesma regra sobre bens disponíveis e indisponíveis quanto ao consentimento do terceiro sobre
o auxílio.
- meio alternativo menos lesivo: só pode ser ilícito quando não havia outra forma de resolver o
problema
- o fato necessitado deve ser proporcional ao perigo (a LD admite que haja desproporção no caso de
não haver outra alternativa menos lesiva; os poderes do EN obedecem a uma proporção muito mais
rígida).
- limites à ponderação de valores quanto à dignidade da pessoa humana, nem quantitativamente,
nem qualitativamente. Ex.: roubar um rim para salvar a vida de alguém sem rim.
DEVER LEGAL DE ENFRENTAR O PERIGO
Não pode alegar EN quem tem o dever legal de enfrentar o perigo (médico, policial, comandante de
navio…). A doutrina sugere que, mesmo diante desse dever imperativo, em alguns casos, isso não
seria justo; seria possível abrir exceções:
a) Admite-se EN quando o caso de perigo está fora do seu dever.
b) Admite-se EN quando o caso de perigo está
c) Comportamentos que apenas um mártir teria.
ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL
Previsto no art. 23, III. Deve ser na forma estrita, com devido critério, sendo causa de exclusão da
ilicitude. Contudo, há alguns autores que sugerem a antinormatividade do fato, que levaria à
atipicidade.
Ex.1: policial cumpre ordem judicial de prisão; para pessoas recalcitrante, o policial pode chegar a
usar armas ou a violência para forçar a prisão, podendo levar à lesão do bem jurídico. Tudo isso
caracteriza excludente de ilicitude.
Ex.2: policial, em cumprimento de mandado ou para prisão em flagrante, invade um domicílio.
O estrito cumprimento do dever legal tem um critério de proporcionalidade, evitando-se o abuso de
autoridade, o constrangimento indevido, em caso de excesso.
Ex.3: o funcionário público que presta informação verdadeira para processo administrativo sobre
seu colega.
Ex.4: o agente infiltrado no crime organizado (previsto na Lei Antidrogas) é permitido com
autorização judicial sob sigilo; para eventualmente convencer os criminosos de sua confiabilidade,
ele pode ser levado a cometer algum fato típico (L13441/17 – criação do agente infiltrado na
internet).
FUNDAMENTOS
Princípio da não contradição (ou da unidade do ordenamento jurídico): não teria sentido o
ordenamento jurídico mandar uma pessoa que cumpra um dever para, em seguida, puni-la por
cumpri-lo.
Princípio do interesse predominante diante de uma colisão de deveres: colisão entre, por ex., não
impedir a locomoção da pessoa (individual) e prendê-la (público).
REQUISITOS E LIMITES
DEVER LEGAL E DEVER PARTICULAR
dever legal, genérico e expresso, provindo de uma determinada fonte normativa – aplica-se a
excludente de ilicitude
ou dever particular, individualizado, a ser cumprido por mando de uma autoridade – aplica-se a
excludente de culpabilidade.
AGENTES DESTINATÁRIOS DA NORMA
Agentes destinatários da norma: agentes públicos, no exercício da função ou cargo. Algumas
pessoas exercem funções públicas em caráter transitório (ex.: mesário em eleições; jurado; perito;
advogado como testemunha, cumprindo dever de sigilo; testemunha cumprindo dever legal de dizer
a verdade).
DEVER LEGAL
As fontes do dever legal podem ser uma lei penal ou uma lei extrapenal (tributária, civil, etc.).
Alguns acreditam que só a norma do processo legislativo previsto constitucionalmente serve de
fonte para o dever legal (interpretação restritiva). Outros incluem ainda decretos, portarias e outras
normas infralegais como fontes de dever legal.
Esse dever deve ser legal, e não moral, religioso ou de outra ordem. Ex.1: o padre que sugere que
“ninguém deve morrer sem a extrema unção” profere dever religioso. Ex.2: o Estatuto do Idoso e da
Pessoa com Deficiência gerariam, segundo Odone, dever legal de impedir que pessoa não idosa ou
sem deficiência sentasse em assentos reservados, podendo ocasionar o pedido para um segurança
retirar o sujeito do assento.
O dever estrito é aquele direcionado à função em específico desempenhada pelo agente público,
dentro de seu regulamento.
O abuso de direito transforma o ato inicialmente lícito em ilícito.
PRÓX. AULA: EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO
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