Psicanálise e cultura: do diva à comunidade

Anuncio
SUMARIO
Tomo I
Editorial
Mauro Gus .............................................................................................................................................. 9
Psicanálise e Cultura: uma breve apresentação
Cláudio Laks Eizirik ............................................................................................................................... 13
Conferências Plenárias
CASTRO, Álvaro Rey de - Sociedade Peruana de Psicanálise
Una convivencia difícil: Psicoanálisis y cultura. En recuerdo de Franklin ...................................... 19
SCHAFER, Roy - Associação Psicanalítica Americana
Um obstáculo às relações humanas harmoniosas: defesa contra a bondade............................... 33
TYSON, Phyllis - Associação Psicanalítica Americana
Amor e ódio, mãe e filha, crescendo como mulher ........................................................................45
TYSON, Robert L. - Associação Psicanalítica Americana
Helen Keller: um enigma psicanalítico........................................................................................... 57
WIDLÓCHER, Daniel -Associação Psicanalítica Francesa
O lugar da sexualidade infantil na cultura contemporânea ............................................................73
XXIII Congresso Latino-Americano de Psicanálise
BERENSTEIN, Isidoro - Asociación Psicoanalítica de Buenos Aires
Entre Io íntimo y Io público ........................................................................................................... 87
BRAINSKY L, Simón - Sociedad Colombiana de Psicoanálisis
Modernidade, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim"
de François Truffaut ...................................................................................................................... 95
CAMPOS, Júlio Roesch de - Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre
Sobre o como e o porquê da criatividade ................................................................................... 117
CARLISKY, Néstor; KATZ DE ESKENAZI, Célia -Asociación Psicoanalítica Argentina
Psicoanálisis y cultura. Entre el diván y Ia comunidad ............................................................... 125
CASAS DE PEREDA, Myrta - Asociación Psicoanalítica del Uruguay
Estructuración psíquica y el contexto social contemporáneo (Algunas reflexiones) .... 133
FONSECA, Paulo et al. - Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre
Psicanálise e cultura: do diva à comunidade .............................................................................. 141
FRANCISCO, Bruno Salésio et al. - Sociedade Psicanalítica de Pelotas
Psicanálise e cultura ................................................................................................................... 153
GALLI, Vicente - Grupo de Estudios Sociedad Argentina de Psicoanálisis
Entre el diván y Ia comunidad: algunas problemáticas ............................................................... 167
HERRERA, Ana et al. - Sociedad Psicoanalítica de Caracas
(Hasta donde alcanza Ia vinculación del Psicoanálisis y Ia comunidad?:
Reflexiones desde nuestra experiencia ...................................................................................... 173
JIMÉNEZ, Juan Pablo - Asociación Psicoanalítica Chilena
"No es el país que queremos". Modernización y malestar en Ia sociedad chilena:
Una mirada psicanalítica ............................................................................................................. 179
LEÃO, Sônia Carneiro - Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro
Desconstruindo o mal - do diva à comunidade ........................................................................... 211
PERESTRELLO, Marialzira - Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro
A Psicanálise entre o diva e a comunidade ................................................................................. 217
SABEZ, Arturo - Sociedad Psicoanalítica de Mendoza
Sistemas de salud - perversión. Reflexiones sobre contrato y encuadre ....................................225
SCHAFFA, Sandra Lorenzon; FARKAS, Melanie- Sociedade Brasileira de Psicanálise
de São Paulo
Psicanálise e cidadania ..............................................................................................................233
VIVES ROCABERT, Juan -Asociación Psicoanalítica Mexicana
Perspectiva psicoanalítica de Ia transmisión cultural (Más allá de Ia ley del padre) ...................243
VI Simposio Internacional de Mitos
AZOUBEL NETO, David - Grupo de Estudos de Psicanálise de Ribeirão Preto
A antropofagia - uma questão psicanalítica em aberto ............................................................... 261
LAUZON, Julia - Asociación Psicoanalítica Chilena
Los selknam. Mito y ceremonia de iniciación.............................................................................. 271
SANTAMARÍA FERNÁNDEZ, Antônio - Asociación Psicoanalítica Mexicana
El mito como factor estructurante de Ia personalidad latinoamericana ...................................... 281
SMULEVER, Mario Alberto - Asociación Psicoanalítica Argentina
Psicoanálisis y cultura. Mito y personalidad ............................................................................... 289
Editorial
Editorial
A Diretoria de Publicações da
Fepal despede-se de suas atividades
através deste Editorial. Cumpre-me a
honrosa tarefa de agradecer aos Conselhos pela prontidão, disponibilidade e
presteza, com as quais desenvolveram
seus trabalhos de forma tão eficiente
nestes dois anos que agora se
completam. Tenho a convicção que
nossos objetivos foram alcançados,
graças à permanente e incansável presença dos colegas, que muito contribuíram com seus pareceres, opiniões,
críticas e discussões, por vezes acirradas, conferindo vida e dinamismo às
publicações neste período.
O apoio da Diretoria merece ser
ressaltado, bem como a colaboração de
Monica Borges, nossa secretária
executiva. Optamos por reuniões freqüentes, troca de idéias, circulação de
informações entre as várias Instituições
Latino-Americanas, homepage, boletins
informativos, todos bilíngües. Encerrase um ciclo com nossa Diretoria. Abrese novo, com novas perspectivas e novo
desenho. Esperamos alcançar sucesso
com as mudanças.
Acreditamos que, com capas exibindo grandes pintores brasileiros, a
primeira com Tarsila do Amaral e esta
com Di Cavalcanti, em obras consagradas no Brasil e no exterior, nossa
Revista possa também ter inovado.
Enriquecemos os Conselhos, incluindo
representantes das Federadas, tendo
seus trabalhos circulado por toda
La Dirección de Publicaciones de
la FEPAL se despide de sus actividades a
través de esta Editorial. Tengo la honrosa
tarea de agradecer a los Consejos por la
rapidez, disponibilidad y prontitud, con las
cuales desarrollaron sus trabajos de
manera tan eficiente en estos dos años que
ahora se completan. Tengo la convicción
de que nuestros objetivos fueron
alcanzados, gracias a la permanente e
incansable presencia de los colegas, que
mucho contribuyeron con sus ideas,
opiniones, críticas y discusiones, a veces
entusiastas, dando vida y dinamismo a las
publicaciones en este período.
El apoyo de la Dirección merece ser
resaltado, así como la colaboración de
Mônica Borges, nuestra secretaria
ejecutiva.
Optamos
por
reuniones
frecuentes,
intercambio
de
ideas,
circulación de informaciones entre
diversas Instituciones Latinoamericanas,
homepages, boletines informativos, todos
bilingües.
Se cierra un ciclo con nuestro
Directorio. Se abre uno nuevo, con nuevas
perspectivas y nuevo diseño. Esperamos lo
grar éxito con los cambios.
Creemos
que,
con
tapas
exhibiendo grandes pintores brasileños, la
primera con Tarsila de Amaral y esta con
Di Cavalcanti, en obras consagradas en
Brasil y en el exterior, nuestra Revista
pueda haber también innovado. Enriquecemos los Consejos, incluyendo
representantes de las Federadas, habiendo
circulado sus trabajos por toda Amé
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ9
Mauro Gus
América Latina, e contribuímos com
textos que proporcionam uma idéia da
consistente produção científica da
psicanálise.
Em momento de discussão sobre a
vida ou morte de nossa Ciência, pretendemos, e parece-me que de algum
modo conseguimos, fundamentar que,
mais do que nunca, a psicanálise se
mantém viva, em franco movimento,
produzindo mudanças, estabelecendo
relações com outras ciências e com a
cultura de modo geral.
Publicamos a produção técnica,
clínica, metapsicológica, textos cujo
eixo epistemológico nos leva a refletir, e
divulgamos autores entre nossos países.
Os boletins informativos traziam
consigo trabalhos polêmicos sobre
pesquisa, seus encartes sugeriam
discussões e assuntos em aberto, colegas
criativos colaboravam com idéias
instigantes. Recebemos contestações,
sugestões, estimulando nossas reuniões
e contatos freqüentes com psicanalistas
de nosso continente. As notícias eram
veiculadas entre as Federadas, trazendo
assim uma integração gratificante e
fortalecedora para a Fepal.
As publicações, portanto, representam elo da maior importância entre
nós, psicanalistas, cuja atividade é
fundamentalmente
de
consultório,
fazendo-se necessário, além da atividade institucional, o trânsito permanente
de nossa produção científica para
vitalizar
nossa
Ciência.
Assim,
buscamos a interface com a cultura,
ressaltada pelos textos e relatórios
10
rica Latina, y contribuimos con textos
que proporcionan una idea de la consistente producción científica del psicoanálisis.
En momento de discusión sobre la
vida o muerte de nuestra Ciencia, pretendemos y me parece que de algún
modo logramos, fundamentar que, más
que nunca, el psicoanálisis se mantiene
vivo, en franco movimiento, produciendo cambios, estableciendo relaciones con
otras ciencias y con la cultura de modo
general.
Publicamos la producción técnica,
clínica, metapsicológica, textos cuyo eje
epistemológico nos lleva a reflexionar, y
divulgamos autores entre nuestros
países. Los boletines informativos
traían consigo trabajos polémicos sobre
investigación, sus encartes sugerían
discusiones y asuntos en abierto,
colegas creativos colaboraban con
ideas instigantes. Recibimos réplicas,
sugerencias, estimulando nuestras
reuniones y contados frecuentes con
psicoanalistas de nuestro continente.
Las noticias eran transmitidas entre las
Federadas,
trayendo
así
una
integración gratificante y fortalecedora
para la FEPAL.
Las publicaciones, por Io tanto, representan un nexo de máxima
importancia entre nosotros como
psicoanalistas, cuya actividad es
fundamentalmente
de
consultorio,
haciéndose necesario, además de la
actividad institucional, el tránsito
permanente de nuestra producción
científica para vitalizar nuestra
Ciencia. Así, buscamos la interface con
la cultura, resaltada por los textos y trabajos constantes de esta edición, demos-
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Editorial
constantes desta edição, demonstrando a
capacidade que temos de integrar
nossos conhecimentos com o acervo
cultural de outras disciplinas.
Esperamos ter correspondido à
expectativa de nossos colegas latinoamericanos, bem como a confiança em
nós depositada. Nossa produção está
impressa e, como dizia nosso tão saudoso Cyro Martins, psicanalista e escritor, um dos fundadores da SPPA: "as
letras ficam...". Destarte, deixamos
registradas nossas melhores intenções
nesses dois anos de trabalho e os agradecimentos à Sociedade Psicanalítica de
Porto Alegre, que tão gentilmente nos
acolheu nesta gestão.
trando la capacidad que tenemos de integrar nuestros conocimientos con el
acerbo cultural de otras disciplinas.
Esperamos haber correspondido a
la expectativa de nuestros colegas latinoamericanos, así como la confianza en
nosotros
depositada.
Nuestra
producción está impresa y, como decía
nuestro tan recordado Cyro Martins,
psicoanalista y escritor, uno de los
fundadores de la SPPA: "las letras
quedan...". De esta forma, dejamos
registradas
nuestras
mejores
intenciones en estos dos anos de trabajo
y los agradecimientos a la Sociedade
Psicanalítica de Porto Alegre, que tan
gentilmente nos apoyó en esta gestión.
Dr. Mauro Gus
Editor e Diretor de
Publicações da FEPAL
Dr. Mauro Gus
Editor y Director de
Publicaciones de FEPAL
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
11
Conferências Plenárias
Una convivencia difícil:
Psicoanálisis y cultura En
recuerdo de Franklin
Alvaro Rey de Castro*, Lima, Perú
* Membro da Sociedade Peruana de Psicanálise.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
19
Alvaro Rey de Castro
Imposible en un trabajo de esta índole soslayar mis orígenes. Ejerzo el psicoanálisis en Lima, capital de un país con características muy particulares, que
examinaremos más adelante. En lo personal, sin embargo, encuentro mis raíces en una
educación europea (fruto del exilio que con tanta frecuencia constituye un avatar de la
vida política latinoamericana), con padres de muy diversa procedencia cultural. Por el
lado paterno provengo de una familia de la clase terrateniente provinciana de
Arequipa, venida a menos por los importantes cambios sociales de las últimas décadas.
Por el lado materno, mi abuelo fue obrero, líder sindical y fundador del Partido
Socialista de Puerto Rico. Los pacientes con los cuales trabajo provienen, por lo
general, de la alta burguesía o de la clase media. La cultura permea, en este sentido,
todo mi ejercicio clínico, asunto que no tiene nada de sorprendente, pues sucede lo
mismo con cualquier psicoanalista. Tomar distancia de los factores culturales ínsitos
en mi práctica clínica para intentar su comprensión no constituye tarea fácil.
Presupone un modo de observar nuestro oficio y a nosotros mismos desde otra
perspectiva, que practicamos sólo en forma infrecuente. En lo que sigue trataré de
ilustrar algunas de las dificultades que tal examen presupone.
Imposible resumir en pocas líneas la compleja realidad cultural del Perú. Ésta ha
sido marcada por dos eventos saltantes. Por un lado la ruptura que supuso la Conquista
en el s. X VI descrita por Hernández como simultáneamente un trauma, un desgarro y
una fundación1. Este evento suscitó un nuevo proyecto de nación, resultado de la
inserción de un territorio "descubierto" en un mundo que se empezaba a universalizar.
La secuela fue la creación de un país dividido entre conquistados y dominadores,
sometido a un orden colonial, cuyas consecuencias se hacen sentir hasta hoy. El
segundo, el fenómeno de la masiva migración andina a la capital a partir de los años
'50, descrita por José Matos Mar (1985) como "el desborde popular". El país podría ser
descrito como en proceso de disolución social. La descomposición del campesinado, la
ruptura con sus raíces y la pérdida de sus vínculos con sus economías de origen, llevan
a un panorama caracterizado por masas de población que no pueden encontrar su lugar
en el espacio urbano y cuyas posibilidades de encontrar empleo son casi nulas. Lima
es, entonces, el reflejo de un país desarticulado, con un Estado incapaz de mantener un
orden social mínimo. Comprobamos que el país - y esto se refleja en su capital - está
profundamente dividido. Por un lado tenemos una
1. Hernández, Max (1993). Memoria del bien perdido, Lima, lEP/Biblioteca Peruana de Psicoanálisis. "Una cultura
milenaria y aislada sufrió los efectos de la irrupción violenta de occidente. Desgarro de lo autóctono e inserción en un
proyecto universalista. Ocurrió algo sustantivo que sólo ahora se hace evidente: el trauma fundante de la nación
peruana, la conquista española del Tawantinsuyo, no pudo ser asimilada históricamente": 19. ídem (con Moisés Lemlij) (1993) "Malaise dans la "périphérie de la civilisation", Paris, Revue francaise de Psychanalyse: 855-867 (escrito en
el momento de mayor auge del terrorismo y con una consiguiente visión un tanto pesimista); ídem (2000) ¿Es otro el
rostro del Perú? Identidad, diversidad y cambio, Lima, AGENDA: Perú. (Una aproximación desde una perspectiva
psicoanalítica a la psicohistoria peruana).
20 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Una convivencia difícil: Psicoanálisis y cultura. En recuerdo de Franklin
población marginal pauperizada, que busca desesperadamente medios de subsistencia,
hacinada en los llamados "pueblos jóvenes" (eufemismo con el cual el gobierno militar
de los años '60 y '70 pretendió maquillar las zonas de miseria de la capital) o en
tugurios esparcidos por la ciudad. Por el otro tenemos una clase pudiente, con acceso a
los avances tecnológicos más recientes, que procura mantener su situación de
dominación. Esta población reside en verdaderos "ghettos" de abundancia y suele vivir
como si la otra parte de la capital o del país no existiera. Si agregamos el evidente
racismo de aquellos hacia los llamados "cholos"2, con frecuencia repetido en los
diversos escalones del orden social, percibimos un panorama de inestabilidad y
hostilidad cotidiana cuya constatación es ineludible. No todo, sin embargo remite, a la
separación y a la yuxtaposición de culturas. Nos quedaríamos en una visión demasiado
esquemática. La importación de negros, para la esclavitud, la posterior sustitución de
éstos por "culíes" chinos para trabajar en las grandes haciendas y la migración de
japoneses a comienzo de siglo refuerza el carácter pluricultural, aunque desintegrado
de nuestra cultura. Hace su aparición el fenómeno de lo híbrido, lo mestizo y lo heterogéneo, al lado del desgarro que hemos descrito.3 Ya no es privilegio de las élites
situadas en el la cúspide socio-económica de la sociedad, la reflexión sobre nuestra
realidad. La diversidad constituye la posibilidad de un paradigma de identidad
incluyente que tome en consideración y acepta las diferencias éticas, raciales y de
género. Después de la violencia terrorista de comienzos de los años '80 hasta mediados
de los '90, proyecto esencialmente opuesto a la modernidad, se produjo una reacción
autoritaria del Estado que, si bien eliminó casi en su totalidad la violencia terrorista,
impuso sin contemplaciones una política económica que nos ha llevado a la recesión y
a un malestar creciente. Esta situación tiende a repetirse en varios países
latinoamericanos. Tal es, pues, el ámbito en que los psicoanalistas de nuestro país
ejercen su profesión. No olvidemos, además, que el psicoanálisis es, por excelencia, un
oficio urbano (Gay, P, 1989). Constituye un contexto del que no nos podemos desligar.
Una observación que me fue relatada hace muchos años por el etnohistoriador
Franklin Pease - a cuya memoria quisiera dedicar este trabajo - señalaba la concepción
espacial del tiempo propia del mundo andino. Para nosotros el futuro es aquello que se
encuentra delante de nosotros; el pasado, en cambio, es lo ya transcurrido, que se
encuentra a nuestras espaldas. En el mundo andino la
2. Término despectivo para referirse a una persona de ascendencia indígena.
3. García Carlini, Néstor (1988). "Comentario" En: Cultura transnacional y culturas populares, Lima, Instituto para
América Latina. "Entre lo indígena y lo occidental, lo tradicional y lo moderno, entre lo indígena, argumenta Jesús
Martín Barbero - siguiendo a Arguedas - la clave de la configuración cultural del subcontinente y cada nación es el
mestizaje. La transnacionalízación no es simple abolición de las diferencias. Es también la creación de espacios híbridos en los que, al ritmo de los conflictos, tanto los sectores hegemónicos como los subalternos refuncionalizan los
objetos y las prácticas dominantes. Por lo tanto la reconstrucción o la fundación de la teoría que necesitamos debe
concretarse en ese territorio de mezclas, de "apropiaciones polimorfas", de contradicciones, en las que hoy se constituye lo popular urbano": 151.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"21
Alvaro Rey de Castro
situación es exactamente a la inversa. Es decir, el futuro, lo por venir, se encuentra
detrás de nosotros, es aquello que nos espera, a diferencia del pasado que ya ocurrió y
que, por lo tanto está delante de nosotros, a nuestra vista. Esta concepción reviste una
solidez lógica, que en nada desmerece aquella de la concepción occidental a la cual
acudimos ordinariamente. Esta observación se complementa con la ya conocida visión
del tiempo propia de sociedades no occidentales, frecuentemente descrita por los
antropólogos y los historiadores de la religión (Elia-de, M., 1949). Estamos
acostumbrados a una visión lineal del tiempo; las sociedades rurales andinas conciben
el tiempo como cíclico, regulado por las estaciones, como sucede en culturas agrarias
que dependen de la evolución de las estaciones.
Estas consideraciones podrían aparecer distantes del modelo psicoanalítico y de
la práctica clínica. Olvidamos, al pensar así, que aparte de sus importantes
contribuciones a la teoría, Sigmund Freud fue también el descubridor de un método
específico, que incorpora una serie de premisas culturales que solemos pasar por alto.
Freud es, en efecto, el creador de un encuadre en el cual se desarrolla la situación
psicoanalítica y tal propuesta constituye algo radicalmente nuevo en la historia de la
cultura (Khan, M., 1963).
Como ha señalado con acierto Alfred Lorenzer (1984), dicho encuadre incorpora simultáneamente una situación de intimidad y - a la vez - un intento objetivodistanciador propio de la actitud científica. No registramos suficientemente la radical
novedad de esta concepción. Relación íntima ha existido desde el comienzo de los
tiempos: la podemos encontrar en la relación entre amigos4, en el vínculo amoroso y,
de algún modo, en la situación de confesionario. Asimismo podemos encontrar el
modelo objetivo- distanciador en la práctica científica que procura explicar los
fenómenos de la psicopatología. Lo novedoso en la construcción que nos presenta
Freud, es la combinación de ambos elementos. En la situación analítica develamos
nuestra intimidad como pacientes (y analistas), pero lo hacemos con el objetivo de
comprender aquello que se despliega en ella (en forma privilegiada, la transferencia y
la contransferencia). Quizás hoy, el modelo científico natural que Freud proponía
como paradigma de su ciencia pueda ser cuestionado. Podemos preferir hablar de una
relación que es intrapsíquica e intersubjetiva al mismo tiempo. Con esto, sin embargo,
no cuestionamos en absoluto la radical novedad de esta propuesta. Ella simplemente
no existía antes de los albores del s. XX. Freud - creo que no es exagerado describirlo
así -la inventó.
Meditemos por un momento acerca de los presupuestos culturales de esta
propuesta. Las premisas de las que parte Freud para su concepción del encuadre
4. Un interesante examen de la amistad puede verse en el artículo de Khan, Masud (1963) "Montaigne, Rousseau and
Freud": 99-111. En: Khan, Masud, op.cit.
22 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Una convivencia difícil: Psicoanálisis y cultura. En recuerdo de Franklin
nacen en un contexto cultural muy específico: la Viena del s. XIX (Schorske, C, 1981).
Suponen el establecimiento de un contrato personal entre psicoanalista y paciente que
van a normar el tiempo (frecuencia y duración de las sesiones), el espacio (el análisis
se produce en el consultorio del analista) y un contrato que estipula los honorarios y,
por ende, la naturaleza profesional de la relación. A esto se agregan elementos de
importancia que tienen que ver con las actividades que despliegan ambos participantes
de esta relación. El paciente se compromete a "asociar libremente" (traducción
consagrada, pero discutible de freie Einfälle, que remite, más bien a "ocurrencia
libre"). El analista, por su lado, escucha de un modo peculiar, descrito como "atención
libre flotante"; es decir que procura no estar capturado por el relato literal del paciente,
sino que trata de conectarse con sus propias reacciones, recuerdos, fantasías, etc., para
comprender la narración del paciente de otro modo: el de sintonizar con el contenido
inconciente que subyace dicho relato. Hay que recalcar que también nuestra teorización
es libre flotante: el concepto de Piera Aulagnier (1975) sobre la violencia de la
interpretación puede dar lugar a interpretaciones que surgen de combinaciones híbridas
de la teoría, en que lo cultural, por cierto, nunca está ausente. Apresurémonos en
agregar que la situación descrita no es un ejercicio intelectual: está cargada de afectos,
por parte de ambos participantes de la situación. A estas normas del encuadre, Freud
agrega elementos que remiten a la actitud del analista: destacan la abstinencia y la
neutralidad (término que nunca empleó y que traduce el Indifferenz, acaso más
chocante, si se le entiende literalmente). Detengámonos aquí, para una reflexión acerca
de los factores culturales implicados.
Para comenzar, es necesario enfatizar que Freud no propuso un modelo
canónico. Se encarga de recordar - en forma explícita - que es el modelo de trabajo
mejor adaptado a él y a sus características personales.5 Se ha sugerido alguna vez que
es un modelo en el cual están presentes elementos fóbicos de protección derivados
acaso de su trabajo inicial preponderantemente con pacientes histéricas. Así, el
encuadre resulta un escudo presumiblemente eficaz contra la seducción ejercida por
este tipo de pacientes.
Pero hay todavía más: la lectura de los casos de Freud, como ha señalado
lúcidamente Lipton (1977), nos alerta a que existía en él una mayor flexibilidad en su
práctica, de la que se supone ordinariamente. Lipton distingue el modelo clásico del
psicoanálisis, en que el campo que abarca la técnica es más restringido, del modelo
ortodoxo, que sería una creación de Kurt Eissler (1950, 1953), como reacción a los
experimentos de Franz Alexander y Thomas French en la
5. Freud, Sigmund (1912). "Recommendations to Physicians Practising Psycho-Analysis" En: Freud, Sigmund (1958)
The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, London, The Hogarth Press and the
Institute of Psychoanalysis. " I must however make it clear that what I am asserting is that this technique is the only
one suited to my individuality. I do not venture to deny that a physician quite differently constituted might find himself
driven to adopt a different attitude to his patients and to the task before him": 111.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 23
Alvaro Rey de Castro
década del '50 en el Instituto Psicoanalítico de Chicago, en el cual este campo se
amplía desmesuradamente. Es preciso reconocer que Freud nunca fue enteramente
consecuente en la práctica de su modelo. Los ejemplos abundan: Katharina - en los
albores del psicoanálisis - es tratada al aire libre en un escenario alpino; en el
tratamiento del hombre de las ratas, éste recibe un almuerzo traído de la cocina
doméstica de Freud; el tratamiento del hombre de los lobos nos revela una suerte de
adopción del paciente; Mahler es tratado en una caminata, sin mencionar el testimonio
de Alix Strachey sobre su análisis. Todo indica, pues, que Freud no procuraba siempre
adaptar al paciente a su método, sino que, por el contrario - al menos ocasionalmente buscaba que éste calzara con las características del paciente. Esta concepción ha sido
subrayada en el texto de Hans Thomäe y Horst Kächele (1985,1989), sin que esto
implique que suscribimos en su totalidad la concepción de psicoanálisis que
propugnan.
Pero volvamos a los presupuestos culturales que están implicados. Tanto Walter
Benjamín (1971) como Michel Foucault (1984) han descrito el desarrollo histórico del
concepto de "interioridad", como una progresiva subjetivización de hechos culturales.
La noción de "interior" es, pues, relativamente reciente en la cultura occidental y es
discutible si se ha producido del mismo modo en las culturas andinas (me limito a
aquellas con la finalidad de hablar de lo que me resulta más familiar). Es un hecho
conocido, por ejemplo, que los pacientes que provienen del mundo andino suelen
quejarse de síntomas "exteriores", de índole predominantemente psicosomática:
dolores de cabeza, malestares corporales, etc. Muchos de estos pacientes nos
recuerdan la descripción de la "pensée operatoire" de Marty y M'Uzan (1963). Se trata
de un pensamiento concreto, pero determinado culturalmente. Quizás con más
exactitud se podría decir que su lógica simbólica es más presentativa que discursiva.6
Nuestra dificultad en comprenderlos partiría de nuestra propia tendencia logocéntrica.
Tomemos como ejemplo una viñeta de Marga Stahr en el contexto de una
investigación realizada en un barrio marginal del cono norte de Lima:7
Mi esposo está flaco, me preocupa. Es que no come y después los vecinos
hablan y murmuran que no lo atiendo bien, que me las paso viendo televisión.
Allá en la sierra había muchas enfermedades a causa del agua. Una vez casi me
muero por el agua que tomaba. Cuando la gente pasa cerca de los "puquios"8
sale un mal y hasta pueden morir por eso. Mi hermano mellizo
6. Agradezco la observación a Patricia Checa.
7. Los importantes estudios de Rodríguez Rabanal y su equipo de colaboradores en poblaciones marginales de Lima
están presentados en sus libros: Rodríguez Rabanal, César (1989J Cicatrices de la pobreza. Un estudio psicoanalítico,
Caracas, Editorial Nueva Sociedad. ídem (1995) La violencia de las horas. Un estudio psicoanalítico sobre la violencia
en el Perú, Caracas, Nueva Sociedad.
8. Puquio es un manantial de agua.
24 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Una convivencia difícil: Psicoanálisis y cultura. En recuerdo de Franklin
murió así, salió una noche a orinar y algo le afectó. Los doctores no creen en el
mal, yo se. Mi madre es curiosa,9 ella pasa el cuy por la barriga y ve lo que hay
dentro. Me estoy acordando de la sierra, bastantes papas de cosecha, carne (...)
Aquí es todo más difícil, no hay agua, pero ya me acostumbro también acá.
Otros supuestos culturales también resultan evidentes. Es muy frecuente en
nuestra cultura, y sospecho que en otras, que el concepto de contrato profesional sea
visto con desconfianza y recelo. Con frecuencia no reviste las características de un
pacto real. Por cierto que se podría interpretar esto sólo como un deseo de que la
relación sea personal, de índole amical y más íntima. Sospecho que es esa la razón por
la cual los caricaturistas se ceban en el apego de los analistas al dinero. Pero creo que,
aparte de eso, también es verdad que para nuestra cultura la imagen del psicoanalista
está aún ligada a una concepción religiosa: el psicoanalista debiese ser una suerte de
confesor laico y resulta escandaloso que cobre por sus servicios. La noción misma de
un profesional liberal que recibe honorarios por su actividad no resulta del todo
evidente para muchos segmentos de nuestra cultura, en especial cuando no ofrece
servicios "tangibles". Pacientes del mundo andino exigen que se les entregue "algo":
una pastilla, una inyección, etc. Aquí confluyen de manera paradójica, los elementos
más arcaicos de la cosmovisión andina, que presupone toda una concepción acerca de
la etiología de las enfermedades y su tratamiento - que debemos cuidarnos mucho de
despreciar - "el susto", "el mal de ojo", "el embrujamiento",10 con los rasgos culturales
propios de la naciente cultura "yuppie", en que el paciente reclama que se alivien sus
síntomas, preferentemente a base de una medicación efectiva, y busca una solución
rápida y pragmática a sus problemas (Kristeva, J. 1993). Dos viñetas nos ilustran esto:
1. Una paciente, dentro del estudio de César Rodríguez ya mencionado tiene el
siguiente intercambio con su terapeuta, Marga Stahr: P. Me había olvidado señorita
que venía hoy día. Hace un rato estaba yendo a barrer atrás porque mucha basura
botan todos y me entran moscas. Hemos parchado la pared al fondo porque peligroso
es, se caen las criaturitas. Un día mi Eli se cayó, es alto. A la Yovi le gusta mirar por
allí. Su papá le jala las orejas. Le dice ¿Qué estás "sapeando"11 allí? T. Me cuenta
que la basura del fondo, de atrás le molesta. Me cuenta de acá de su casa, pero nos
podemos imaginar que es como de usted misma. Cuando Ud. Me
9. Curiosa: persona entendida en cuestiones de brujería.
10. Seguín, Carlos Alberto, editor (1979). Psiquiatría Folklórica (con artículos de Mario Chíappe Costa, Marlene Dobkin
de Ríos y Max Silva Tuesta), Lima, Ediciones Errmar: Veáse también Valdivia Ponce, Oscar (1975) Hampicamayoc.
Medicina folklórica y su substrato aborigen en el Perú, Lima, Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Dirección de
Biblioteca y Publicaciones.
11. "Sapear", mirar con curiosidad.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"25
Alvaro Rey de Castro
recibe con todo limpio y barrido aquí adelante, donde nos encontramos, usted me
muestra su casa sonriente. Pero adentro de usted , al fondo de sus pensamientos, en
sus sentimientos, de repente siente como lo que hay atrás de su casa, algo sucio,
molestias, tristezas, rabia. Pero creo que le da miedo que yo "sapee" dentro de usted.
Y por eso se olvida que yo voy a venir. [Notemos el nulo efecto de tratar de interpretar
en forma simbólica el relato de la paciente]: P. La Yovi esta leyendo atrás el libro
"Coquito" de sus hermanas. Ha aprendido sólita "papá" y "mamá". Aparece Yovi trae
el libro. Se sienta con las piernas cruzadas y lee. Nos reímos. T. La Yovi que viene de
atrás, que debe estar tan atrás en sus pensamientos, también nos ocupa mucho la
atención (...). P. (Seria) Qué será señorita (...) lo soñé que me tenía que casar con mi
esposo, pero yo no aparecía>en la Iglesia. Me escapaba llevando a mi Yovi. Igualito
lo ha soñado mi esposo. Me decía que en su sueño no tenía nada de plata, ni 5000
soles para invitar algo a la familia y que yo no aparecía en la Iglesia. T. ¿Usted es
casada? P. No señorita. Mi esposo dice que es mucho problema tanto papel que se
necesita. Yo me moriré sin casarme. Mis hijos, la Raquel, me piden que nos casemos
porque para entrar al colegio de monjas piden partida de matrimonio. ¿Cómo será
señorita? Uno nunca está libre, en cualquier momento puede morir. Yo sólo quiero
vivir para ver a mis hijas profesionales. ¿Por qué será? Yo siempre desde chica quise
eso. Mi papá no quería que vayamos al colegio, yo nunca fui. T. Ahora está viéndome
a mí, una profesional. Sin embargo parece que Ud. Siente que eso no es suficiente
mientras no haya papeles de por medio. Los papeles serían la garantía, la salvación
de que a Ud. No le caiga la muerte en cualquier momento. [Nótese cómo la
intervención de la terapeuta nuevamente le resulta ajena a la paciente]. P. (Llora) Sola
ando, no sé qué hacer, las vecinas tampoco ayudan, ni un plato de comida serían
capaces de alcanzar si uno necesita. De acá, al otro lado, la señora, madrina de la
Yovi, le dio el "agua de socorro", mala es, me grita, me insulta. El otro día ha cortado
pelo y me lo ha tirado acá adelante, pero allí estaba Dios mirándonos a las dos.
2. Un paciente mío, extranjero, alto ejecutivo de una empresa transnacional
importante, y prototipo de los llamados "yuppies", da por terminada una sesión de su
análisis en estos términos: No voy a seguir, me resulta imposible encontrarle valor
agregado al análisis. Lo único que hago es examinar lo que me sucede, tratar de
encontrar la relación entre mi vida familiar y la situación de elegir entre mi esposa y
NN (su amante). ¿De qué me sirve eso? ¿Para qué quiero comprender lo que me
pasa? Lo que yo quiero es que me diga si debo quedarme con mi esposa o iniciar una
nueva vida con NN. Si voy a ser más feliz quedándome con mi esposa, que tiene tantas
cualidades, ya que es guapa, inteligente y muy buena ejecutiva, o con NN con la cual
puedo gozar sexualmente mucho más de lo que lo he hecho en toda mi vida. [Nótese el
carácter "externo" de la intervención del paciente: no hay valor agregado, la esposa es
descrita sólo en sus rasgos externos, igual que la
26 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Una convivencia difícil: Psicoanálisis y cultura. En recuerdo de Franklin
amante, que se reduce a un objeto de placer].
En este último caso, como en el anterior, por motivos diferentes: (por deprivaciones económicas y sociales en el primero, y por una temporalidad ceñida a la
eficiencia y prontitud en el segundo) se cuestiona una premisa fundamental del
psicoanálisis. Como lo ha señalado Allen Wheelis (1958), para el psicoanalista, el
"insight" (Einsicht) - y acaso la falta de un vocablo preciso para su traducción al
español sea sintomática - es un valor fundante de nuestra ciencia. Nos acercamos,
como Platón, a la idea de que una vida no examinada no vale la pena de ser vivida
(Platón). Asumimos que el conocimiento de uno mismo constituye un valor en sí
mismo. Queremos comprendernos, saber qué nos motiva, cómo somos, por qué
sentimos lo que sentimos y qué nos impele a actuar como lo hacemos. Nos cuesta
mucho entender que no se trata necesariamente de un valor para otros, que los demás
puedan prescindir de él, considerarlo no esencial, que en suma no consideren que
cuestionarse sea una necesidad.
Es difícil para el psicoanalista resignarse a esta realidad. Sin embargo es
necesario aceptar la posibilidad de situaciones en que la diferencia de valores referidos
a este crucial aspecto, deben ser aceptados y que debemos considerar que, en algunos
casos, el análisis no resulta posible precisamente porque estos valores no son
compartidos.
También nos cuesta aceptar que determinados valores propios de la transacción
psicoanalítica, como el acceso a la intimidad y la contratación de un servicio
profesional para su examen, puedan ser obstáculos culturales difíciles de superar. No
me refiero solamente al caso de las culturas orientales (cuya presencia está tan
enraizada en nuestro medio), sino al caso de premisas culturales que consideran que la
apertura de la intimidad es contraria a su concepción, de lo que es socialmente
adecuado o aceptable. Una reflexión de Emmanuel Levinas (1994) a propósito de la
función social de la taberna (o el café), como contraposición a los valores del judaísmo
en las reflexiones de Rabbi Eleazar vienen al caso. Al acudir a la taberna, uno accede a
una "vida abierta" y de tal modo acude a ella huyendo de la incapacidad de estar solos
en nuestro propio cuarto. Es decir, se acude a un lugar de relación social casual, sin
responsabilidades mutuas. Se sienta uno, sin estar cansado, bebe sin tener sed. Para el
Rabbi Eleazar, ésta es una fuente del mal. Este ejemplo - sin duda extremo - nos revela
cuan diferentes pueden ser las concepciones de la cultura (¡Qué contraste con Viena,
ciudad de los cafés por excelencia!). Todo paciente trae al análisis su propio "paquete"
en la cabeza, es decir su lectura de lo que constituye la experiencia que lo espera en el
análisis. El paciente viene con un narración sobre su vida y podemos comprobar cómo,
por ejemplo, la expectativa del discurso clínico del paciente anticipa un paradigma de
tipo teatral. Espera - como lo señala Franco Moretti (1987) - un "desenlace", un
momento de resolución, tal como existe en este género literario
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 27
Alvaro Rey de Castro
o en la novela policial. Existe, de este modo, no sólo una transferencia del paciente
que está presente, sino además una transferencia que procede de la cultura misma. Una
viñeta, de uno de mis pacientes, puede ilustrar este fenómeno de cotidiana ocurrencia:
NN, profesor universitario, poeta y escritor, en la cincuentena temprana, asume
que el análisis debe ser una reedición de sus lecturas de los surrealistas. Por
consiguiente su interpretación de lo que constituye la asociación libre se
fundamenta en la premisa de que su obligación es narrar literalmente, sin
pausa, todo lo que asocia. Aquí no prima la "ocurrencia" sino la asociación en
sentido estricto, al modo de las pruebas asociativas de Cari Gustav Jung.
Hasta aquí no cabe la menor duda de que el psicoanálisis está determinado
culturalmente y es preciso percatarse que esta determinación, como lo señala Cario
Ginzburg (1984), es precisamente lo opuesto a la universalidad. Ésta aparece en lo
contingente, en los detalles. Con esto no propugnamos un retorno a las tesis
"culturalistas" tan en boga en los años '40 y '50. No se trata de revivir el debate - en el
fondo estéril - acerca de la universalidad del complejo de Edipo, por ejemplo, sino de
descubrir que la función estructurante de éste puede asumir formas diversas. La
concepción de familia propia del mundo latino reviste características propias que es
menester tomar en cuenta si se pretende una comprensión cabal de ciertos casos. Una
viñeta, que agradezco a Max Hernández, lo ilustra:
NN, por el lado paterno proviene de una familia de la aristocracia limeña. Su
madre, en cambio, desciende de exitosos migrantes italianos. El paciente,
graduado en una prestigiosa Facultad de Economía del extranjero, maneja su
propio patrimonio en forma moderna. Es decir toma riesgos para obtener una
mayor ganancia y especula con este dinero en la Bolsa de valores. En cambio el
dinero materno es manejado del modo más conservador, colocado
fundamentalmente en bienes raíces y, cuando se arriesga en la Bolsa de valores,
lo maneja de modo anal-retentivo y pierde con frecuencia dinero por no vender
a tiempo. Maneja, pues, el patrimonio materno con los criterios rentistas
propios de su ascendencia paterna.
Esto supone, en lo cultural, frecuentemente una revisión de la técnica. En
nuestro método, la figura del paciente sui juris, en que es indeseable el contacto con la
familia, frecuentemente plantea problemas cuya índole reposa no sólo en nuestra
concepción técnica, sino también en lo cultural. No propugno que sea
28 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Una convivencia difícil: Psicoanálisis y cultura. En recuerdo de Franklin
indeseable ver al paciente solo. Me limito a señalar que las entrevistas con familiares
pueden resultar imprescindibles en ciertos tipos de organización cultural y que el
evitarlas puede traer más perjuicios que beneficios. Sérvulo Figueira (1990) señala la
existencia de grupos familiares que no han trascendido la lógica de la comunidad,
como sucede en sociedades con un mundo reducido. Para él, el mismo psicoanálisis pese a los desmentidos de Freud - constituye una Wel-tanschauung. El tema de la
familia migrante ha sido objeto de un interesante estudio de Alejandro Ferreyros y
César Rodríguez Rabanal (1984).
A los 100 años del nacimiento del psicoanálisis, existe también un consenso
general acerca de cómo las formas mismas de la psicopatología han sido influidas por
la cultura. Julia Kristeva (op.cit.) ha propuesto la tesis de que la cultura contemporánea
occidental está huyendo de la intimidad. Nos encontraríamos así, en una nueva
situación cultural. Las discusiones actuales versan acerca de un nuevo tipo de paciente.
Son ahora los pacientes borderline y narcisistas los privilegiados en la discusión
clínica. La mujer histérica, que nos mostraba sus problemas sexuales en el teatro de su
cuerpo en lo que Emilse Dio de Bleichmar12 ha llamado su "feminismo espontáneo",
ha devenido hoy en los cuadros de trastornos de la alimentación: anorexia y bulimia,
en que ya no es tan evidente el carácter simbólico de la conversión. Sin duda podemos
aproximarnos ahora a estos cuadros con un instrumental clínico derivado del
pensamiento psicoanalítico post-freudiano. Resulta imposible, empero, ignorar los
cambios culturales importantes que, a lo largo del siglo, han proporcionado un
contexto a estas nuevas manifestaciones de la psicopatología. Es preciso examinar en
detalle cómo, en alguna medida, el psicoanálisis latinoamericano ha sido relativamente
incapaz de proporcionar una teorización propia, como lo señala Elias da Rocha Barrios
(1995). Hemos sido - por lo menos en gran parte - importadores de teorías psicoanalíticas, a menudo desgajadas del mundo conceptual que les es propio.
Finalmente, constatamos que el psicoanálisis ha creado su propia cultura,
aquello que los franceses denominan "culture psi". Un examen detallado de este
fenómeno lo podemos encontrar en el libro, hoy un tanto desactualizado, de Sherry
Turkle (1983). No se trata aquí exclusivamente de un fenómeno positivo de aceptación
de las ideas psicoanalíticas, sino que, por el contrario, uno con frecuencia ha llevado a
la banalización de éstas, convirtiendo al psicoanálisis en una moda. El fenómeno no se
restringe a Francia: ha sido muy frecuente precisamente en aquellos países en que el
psicoanálisis ha pagado - paradójicamente -el precio de su propio éxito. Pocos
pacientes son más difíciles de tratar, que aquellos que poseen una suerte de "semilengua" psicoanalítica, propensa a la intelectualización, con frecuencia irreductible al
descubrimiento espontáneo y al "insight " verdadero.
12. Comunicación personal de Max Hernández. No he tenido acceso al texto personalmente.
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 29
Alvaro Rey de Castro
Si el psicoanálisis ha de subsistir, tal como lo entendemos, es preciso que tome
en cuenta los cambios culturales de las últimas décadas. Debe poder insertarse en el
actual debate filosófico acerca de la postmodernidad y aprender a convivir con
contextos culturales que han cambiado de modo radical en el último siglo (Eizirik,
C.L., 1997); esto, sin ignorar las peculiaridades culturales que conforman el contexto
latinoamericano en que ejercemos nuestro oficio. No olvidemos, como lo recuerda
Yuri Lottman (1990), que finalmente el proceso cultural es la traducción de ciertos
códigos de índole cultural a otros. Se trata de una tarea de la que no nos podemos
eximir.
Agradezco a Patricia Checa, Alejandro Ferreyros, Max Hernández, Mirko Lauer, Jorge Parodi y Marga Stahr por sus
sugerencias en la redacción de este trabajo.
Bibliografía
AULAGNIER, P. (1975). La violence de l'interpretation. Du pictogramme a l'enoncé, París, Presses
Universitaires de France.
BENJAMÍN, W. (1971). París. Capital del siglo XIX, México, imprenta Madero Ver cap IV. Foucault,
Michel (1984) Histoire de la sexualité, 3 Le souci de soi, Paris, Gallimard.
DA ROCHA BARRIOS, E.M. (1995). "The Problem of Originality and Imitation in psychoanalytic
Thought: A case study of Kleinian thinking in Latin America." International Journal of PsychoAnalysis, London, 76, Part 4.
EISSLER, K. (1950). "The Chicago Institute of Psychoanalysis and the sixth period of the development of psychoanalytic technique", Journal of gen. Psychology, 42:103-157.
______ (1953). "The effect of the structure of the ego on psychoanalytic technique" En: Journal
of the American Psychoanalytical Association, 1,104-143.
______ "Remarks on some variations in psychoanalytic technique", International Journal of
Psycho-Analysis, 39: 222-229.
EIZIRIK, C.L. (1997). "Psychoanalysis and Culture: Some Contemporary Challenges", International
Journal of Psycho-Analysis, London, 78, Part 47, 789-800.
ELIADE, M. (1949). Le mythe de l'éternel retour. Archetypes et répétition, Paris, Gallimard; Eranos
Jahrbuch (1951) (Herausgegeben von Olga Fröbe-Kapteyn, Zürich, Rhein Verlag.
FERREYROS, A. y RODRÍGUEZ RABANAL, C. (1984) "Algunas consideraciones sobre la familia
en los pueblos jóvenes", Revista de la Universidad Católica, Lima, N° 15-16
FIGUEIRA, S. (1990). "Common (under)ground in Psychoanalysis: the question of a Weltanschauung
revisited", London, International Journal of Psycho-Analysis, Vol 71, Part 1: 65-75.
GAY, P. (1989). Freud. A Life for our Time, New York: Anchor Books.
GINZBURG, C. (1984). "Morelli, Freud y Sherlock Holmes: indicios y método científico", En: Hueso
Húmero, Lima, No 18.
KHAN, M. (1963). "On Freud's provision of the therapeutic frame": 129-135 En: The Privacy of the
Self, New York, International Universities Press.
30 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Una convivencia difícil: Psicoanálisis y cultura. En recuerdo de Franklin
KRISTEVA, }. (1993). Les nouvelles maladies de l'ame, Paris, Librairie Arthéme Fayard.
______ op. cit. "A l'inverse l'expérience quotidienne semble démontrer une réduction spectaculaire de la vie intérieure":
19. LEVINAS, E. (1994). Nine Talmudic Readings (translated by Annette Aronowicz), Bloomington,
Indiana University Press: 111.
LIPTON, S. (1977). "The advantages of Freud's technique as shown in his analysis of the Rat
Man", En: International Journal of Psycho-Analysis, London, Vol 58, Part 3.
LORENZER, A. (1984). Intimität und soziales Leid. Archäologie der Psycloanalyse, Frankfurt am Main,
S. Fischer Verlag.
LOTTMAN, Y. (1990). Universa of the Mind. A semiotic theory of Culture, Bloomington and Indianápolis, Indiana University Press.
MARTY, P. (1980). L'Ordre psychosomatique, Paris, Payot.
MARTY, P. y M'UZAN, M. (1963). "La pensée operatoire" En: Revue francaise de psychanalyse,
27, 345-346.
MATOS MAR, J. (1985). El desborde popular, Lima, Instituto de Estudios Peruanos.
MORETTI, F. (1987). "El momento de la verdad", En: Hueso Húmero, Lima, N°22, 40-54.
PLATÓN, The Dialogues of Plato, (The Apology), Vol I, (translated by Benjamin Jowett), London,
Sphere Books, Limited: 59-84.
SCHORSKE, C. (1981). Fin-de-siècle Vienna. Politics and Culture, Vintage Books, New York. Ver
especialmente cap. IV Politics and Parricide in Freud's Interpretation of Dreams.
THOMAE, H. y KACHELE, H. (1985, segunda edición, 1989). Lehrbuch der psychoanalytischen
Therapie, Berlin-Heidelberg, Tomo 1 (Grundlagen), Springer Verlag.
TURKLE, S. (1983). Jacques Lacan. La irrupción del psicoanálisis en Francia (trad. Alfredo Baez),
Buenos Aires, Paidós.
WHEELIS, A. (1958). The Quest for Identity, New York, W.W. Norton & Company: 225-231.
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
31
Um obstáculo às relações humanas
harmoniosas: defesa contra a bondade
Roy Schafer*, Nova Iorque, ESTADOS UNIDOS
Resumo
A experiência e a expressão da própria bondade apresentam-se como sendo, para muitas
pessoas, um perigo contra o qual devem erguer defesas. Estas defesas desempenham um
papel significativo na obstrução de relacionamentos harmoniosos com os outros. Sob este
ponto de vista, estas defesas promovem desarmonia cultural e podem ser inseridas no contexto da destrutividade e da culpa que Freud enfatizou quando tratou de problemas culturais em
"0 Mal-Estar na Cultura" (1930). Os analistas clínicos encontram estas defesas na transferência. Foram incluídos exemplos; um deles retratando a falsa bondade como uma forma especial
de defesa. Em geral, então, esta foi uma tentativa de mostrar que, quando vista pelo ângulo
certo, a psicanálise clínica não é apenas um método de tratamento, mas também uma forma
de estudo cultural.
Membro da Associação Psicanalítica Americana.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 33
Roy Schafer
A Psicanálise como uma forma de estudo cultural
A psicanálise clínica tem todo o direito de ser considerada uma forma de estudo
cultural. O fato de diferir de outras formas de estudo cultural não deveria excluí-la
deste grupo fazendo com que fosse vista, como freqüentemente o é, simplesmente
como uma disciplina alheia sendo aplicada à análise cultural. Cada um dos tópicos
específicos que são retratados no trabalho clínico, tais como transferência e
contratransferência, repetição e regressão, tem um papel importante nos modos de vida
que classificamos sob o título de cultura. O que distingue a psicanálise é o fato de que
ela chega até a cultura pelo lado de dentro, isto é, a partir da interpretação de fantasias
inconscientes altamente individualizadas, relativas às dores e aos prazeres de relações
objetais. Em diferentes graus, estas fantasias tanto refletem seu cenário cultural quanto
têm um papel naquilo que pode ser percebido em qualquer cenário cultural. Outras
formas de estudar a cultura, tais como as científico-sociais e históricas diversas, são
diferentes da psicanálise no fato de não trabalharem a partir do lado de dentro; são
abordadas a partir do lado de fora como forma dada em registros públicos ou privados,
observações formais e informais, entrevistas e questionários.
Sob este aspecto das coisas, não hesito em dedicar meu ensaio a um aspecto da
análise clínica. Ele diz respeito a uma importante fonte de perturbação e limitação nas
relações harmoniosas entre os seres humanos. É um fator que pode ser localizado no
território já demarcado por Freud, especialmente no seu ensaio "O Mal-Estar na
Cultura" (1930). O fator a que me refiro é a defesa contra a bondade. Em breve
apresentarei alguns exemplos clínicos resumidos da análise dessa defesa. Antes disso,
contudo, quero fornecer um background geral para justificar mais a minha abordagem
clínica individualizada em relação ao nosso tópico comum e, então, passar a algumas
considerações que enfocam este fenômeno obstrutivo em si.
Background
Em "O Mal-Estar na Cultura", Freud incluiu este insight sombrio: "nunca
estamos tão indefesos contra o sofrimento quanto quando amamos, nunca tão
impotentemente infelizes como quando perdemos o nosso objeto amado ou o seu
amor" (S.E. 21, p.88, 1930). Sabemos, a partir do que Freud já havia escrito em 1926,
em "Inibição, Sintoma e Angústia", que implicitamente ele estava levando em conta o
importante papel desempenhado pela defesa ao lidar com este potencial para o
sofrimento. Ele verificou que o próprio fato de amar estabelece um conjunto de
situações de perigo: perda de amor e perda do objeto amado. Os
34 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Um obstáculo às relações humanas harmoniosas: defesa contra a bondade
analistas de hoje gastam grande parte do seu tempo de trabalho clínico diário nestes
perigos e nas defesas as quais dão origem. Eles aprenderam que a individualidade da
necessidade de cada paciente em relação a estas defesas, sua seleção de defesas, e o
sutil e complexo desdobramento destas, apresentam alguns dos maiores obstáculos ao
tratamento, assim como a relacionamentos satisfatórios em geral, e, ao mesmo tempo,
fornecem alguns dos materiais mais ricos para a análise e, consequentemente, para a
compreensão de problemas que caracterizam as relações sociais em geral.
A partir deste aspecto do trabalho do analista, pode-se extrair algumas hipóteses
gerais sobre desarmonia cultural. Em "O Mal-Estar na Cultura", Freud centrou suas
hipóteses na destrutividade própria e do outro e na culpa. Acho que todos nós o
acompanhamos até aqui. Porém, é possível ir além, e foi, acredito eu, Melanie Klein e
aqueles que seguiram sua orientação que expandiram o raciocínio de maneira
significativa. Tenho em mente, em particular, a definição de Klein em relação às duas
posições psíquicas básicas - a posição esquizo-paranóide (1946) e a depressiva (1940)
- e o seu reconhecimento do tormento associado à passagem do modo de existência
esquizo-paranóide, que é relativamente primitivo, ao depressivo, pois é na posição
depressiva que se vai decisivamente em direção ao amor maduro, interessado, com
objetos-totais percebidos de forma realista, não mais onipotentemente controlados e,
portanto, vulneráveis. Estes objetos amados e amantes podem ser destruídos ou senão
perdidos, e agora devem ser restaurados ou reconquistados, seja na realidade ou na
fantasia. Nos últimos anos, John Steiner desenvolveu o tema da progressão dolorosa e
da perda de um modo particularmente útil (1993).
Defesas contra a bondade
Os psicanalistas estão em excelente posição para observar todos aqueles
exemplos nos quais as pessoas temem sua própria bondade, erguem suas defesas
contra ela e, desta forma, obstruem trocas e intercâmbios salutares. Muitos pacientes
representam esta estratégia defensiva através de transgressões auto-prejudiciais,
incompreensão e todas aquelas supostas reações terapêuticas negativas que são o lado
oculto ou as conseqüências imediatas de sinais evidentes de "mudança para melhor".
Ao mesmo tempo, elas tentam evocar expressões de contratransferências negativas,
esperando, desta forma, bloquear tanto a percepção do seu analista em relação a sua
bondade quanto sua própria percepção da bondade do analista.
Neste contexto, a bondade não é um estandarte erguido pelo analista, nem é
simplesmente um termo carregado de superego. Antes, a palavra captura um
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"35
Roy Schafer
dos primeiros pontos de referência do analisado no que se refere à construção da
experiência subjetiva e ao planejamento da ação no mundo. Por exemplo, sabe-se
muito bem que a bondade e suas variantes são retratadas nas discussões kleinianas
sobre a inveja. O discurso kleiniano também retrata a bondade em descrições sobre a
difícil transição da posição imatura, narcisista, esquizo-paranóide para a posição
depressiva relacionada ao objeto total, relativamente mais madura (Klein, 1940,1946;
ver também Steiner, 1993). Dentro da posição depressiva, a bondade é intrínseca a um
grande número de experiências e manifestações subjetivas. Estes incluem
preocupação, gratidão, generosidade, paciência, assunção de responsabilidade, atuação
sobre desejos reparativos, empatia e continência. A dificuldade de fazer esta transição
em direção à posição depressiva é entendida como sendo uma função das relações
maciças do analisado contra sentir, confiar, e abertamente evitar a bondade pessoal e a
bondade dos seus objetos primários, uma vez que eles começam a ser entendidos como
figuras completas, separadas. Inconscientemente, essa mudança acarreta perda de
vínculo com objetos internos primitivamente concebidos, os quais foram cindidos em
"bom" e "mau", renúncia do controle onipotente fantasioso, exposição a uma dolorosa
culpa por sua destrutividade real e imaginária com relação as suas figuras completas
recentemente estabelecidas, e uma grande quantidade de fardos semelhantes.
Nesta base, a bondade torna-se uma questão importante na transferência,
especificamente nas várias maneiras nas quais os pacientes bloqueiam qualquer
experiência da bondade do seu analista - seu respeito, cuidado, dedicação e assim por
diante. Indo mais além, elas minam e atacam a bondade do analista através de
negação, cinismo e desconfiança, ou através de idealizações defensivas que obstruem
o relacionamento de objetos totais realistas. Tudo isso para evitar, experimentar e
expressar sua própria bondade. Desta forma, existem obstáculos que, repetidamente,
são colocados no caminho de relações harmoniosas com o analista. As vinhetas
clínicas e comentários que seguem irão ilustrar e esclarecer essas operações
destrutivas.
Exemplos clínicos
Srta. B - Essa jovem mulher está contando como ficou impaciente e irritada
com sua mãe com relação a esta agir de forma insegura, como no caso de, sem
necessidade, pedir orientação e permissão para fazer várias coisas. Então, ela dissipa
sua crítica com relação à mãe dizendo que tem se sentido intolerante para com todo
mundo. Essa manobra defensiva não funciona, pois ela logo retorna para sua mãe,
dizendo irritada: "Ela obriga-me a responder, perguntando se o que ela está fazendo
está certo." Quando mostro interesse em ouvir mais sobre a
36 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Um obstáculo às relações humanas harmoniosas: defesa contra a bondade
sua irritação, ela relata que, com respeito a isso, ela própria é como o seu intolerante
pai. Então, ela admite espontaneamente que ela e sua mãe também obtêm prazer nas
suas brigas.
Neste momento, lembro a ela alguns aspectos relevantes do nosso prolongado
trabalho anterior sobre a transferência. Aquele trabalho que nos ajudou a ver como ela
havia pego muito do padrão sadomasoquista de interação que ocorre na sua família.
Na sua tentativa bem-sucedida de chegar perto do seu pai, ela identificou-se com ele
de várias maneiras, inclusive nas suas tendências sadomasoquistas. B começa a chorar
e repreende a si mesma por ser "malvada" com sua mãe da mesma maneira que seu pai
o é. Ela segue adiante dizendo: "Ele não deixa ninguém se aproximar dele; ou melhor,
ele trata os outros como animais de estimação". Então, pesarosamente, ela acrescenta:
"Na verdade, dos dois, é da minha mãe que posso aproximar-me". Saliento que ela
teria medo da reação do seu pai se mostrasse, abertamente, bons sentimentos em
relação a sua mãe; ela usa as brigas como uma forma disfarçada de chegar perto dela e
com ela ter prazer. Não era hora de acrescentar que, com toda a certeza, elas brigavam
com um excitamento homoerótico inconsciente, parcial.
A repetição destes padrões dentro da transferência, e as interpretações deste
efeito, já havia sido parte proeminente do contexto geral no qual esta sessão estava
ocorrendo. Por exemplo, não muito tempo antes desta sessão, após o meu retorno de
uma breve ausência por motivo de doença, havia surgido que ela tinha sufocado um
impulso espontâneo de dizer que esperava que eu estivesse me sentido melhor. Ela
havia ido adiante até reconhecer que tinha se preocupado comigo. Manifestamente,
contudo, ela primeiro tentou manter total silêncio sobre minha doença. Mais tarde ela
pode explicar que não queria ter sido "presunçosa" agindo de forma "íntima". Com
base na identificação projetiva, ela havia suposto que "suas regras" proíbem e
condenam qualquer espontaneidade descontraída que pudesse significar uma
intimidade "presunçosa". Observei que ela teve até mesmo que impessoalizar essa
projeção dizendo "suas regras" ao invés de usar o "você" mais direto. Embora fosse ela
que se sentisse compelida a manter uma distância hostil, culpava a mim por agir desta
maneira.
Uma análise mais extensa da sua projeção de rigor levou-a a reconhecer o
desejo de ser rancorosamente contida. Qualquer informalidade na sua conduta pode
fazer com que eu me sinta satisfeito. Uma análise posterior desta defesa rancorosa
contra a bondade também revelou sua postura defensiva de impedir qualquer
comportamento que pudesse sugerir que estava sendo sexualmente sedutora em
relação amim. Ela imaginava que qualquer tipo de sedução apenas estimularia
interações traumáticas entre nós, do tipo masoquista, as quais ela costumava submeterse com os homens.
Este material clínico liga a luta contra a bondade com os dilemas do triân-
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 37
Roy Schafer
guio edipiano. Como mencionei, a bondade faz parte de uma mudança relativamente
estável para a posição depressiva. Esta posição é caracterizada por um grau
razoavelmente alto de diferenciação do self e dos objetos da pessoa, e dos objetos da
pessoa entre si, e pelo desenvolvimento de uma capacidade de intimidade
individualizada com cada um deles. Por sua vez, esse avanço leva diretamente à
triangularidade da situação edipiana madura e aos medos das suas conseqüência
bissexuais, hostis e punitivas. Neste contexto, uma ambivalência dolorosamente
intensificada é inevitável. Portanto, as provações e adversidades de B. com sua mãe,
como foi exemplificado acima, também mostram um aspecto importante da dolorosa
ambivalência da menina edipiana com relação a sua mãe e do seu medo associado de
tornar-se "muito íntima" de seu pai, mesmo quando tenta tornar-se sua preferida. Era
este conjunto de problemas que necessitava das defesas de B. contra a bondade, tanto
na sua transferência materna quanto paterna.
Sr. D - E um analisado obsessivo que passa muito tempo duvidando dos seus
sentimentos conjugais. Ele fica pensando que talvez pudesse ter encontrado alguém
melhor, uma mulher ideal. Ele reprova a si mesmo por ser um marido medíocre. Neste
ponto de sua análise, porém, ele consegue quase que prontamente, voltar à idéia de
quanto prazer ele tem em estar com sua esposa, e faz isso agora. Ele prossegue
dizendo: "Ela é boa para mim". Um pouco ambivalente, ele reconhece
espontaneamente que dizer isso subentende uma expressão de necessidade em relação
a ela, mas ainda mais importante que isso, ele percebe, subentende que tem
necessidades próprias.
Olhando esta sessão do ponto de vista da defesa contra a bondade, eu enfatizaria
o seu ataque aos seus próprios bons sentimentos para com sua esposa, e
implicitamente para comigo, através de dúvidas provocantemente sem fim. Com base
em trabalho anterior, também é digno de nota o fato de como ele é defensivo com
relação a sua culpa por emancipar-se do controle que seus pais têm sobre ele e, na sua
percepção, do meu controle sobre ele também. Ele está a beira de reconhecer os
problemas criados ou intensificados por ele ter se casado e pelo reconhecimento da
bondade de sua esposa.
Não muito tempo depois, D começa a sessão reclamando de estar sentido-se
mais deprimido. Ele diz que, no caminho para a sua sessão, havia tido uma breve
imagem de sua mãe sorrindo docemente; sempre que ela havia feito isso, mostrava
algo de menina do qual ele gostava. Logo, menciono que parece-me que, imaginandoa desta maneira, quando ele vinha para a sua sessão comigo, estava desviando um
sentimento daquele tipo tanto de mim quanto de sua esposa. Ignorando a ligação
comigo, de modo que ele pudesse aumentar seu deslocamento, ele relata que sua
esposa costumava reclamar sobre ele estar muito envolvido com o trabalho, de com
ele gastar muito tempo. Quando ele se defende
38 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Um obstáculo às relações humanas harmoniosas: defesa contra a bondade
apontando os exageros dela, ela volta atrás dizendo que ele significa muito para ela
para continuar a fazer disso um problema crucial. Surpreendentemente, quando estava
contando-me isso, torna-se visivelmente choroso. O choro é extremamente raro em seu
caso. Ele reconhece que ficou muito tocado pelo fato de ela dar sinais de que precisa
dele, e contrasta tudo isso com o seu sentimento de nunca ter sido necessário. Ele
pensa particularmente na inexpressividade do seu pai e no seu próprio medo de ser
desapontado; também pensa no fato de sua mãe ter tomado conta dele de um modo
distraído e imprevisível, embora superficialmente ela tentasse ser conscienciosa.
Gradativamente, relacionamos este conjunto de pensamentos e sentimentos ao seu
sério problema em reconhecer que tem necessidades próprias. Ele luta tanto contra
essas necessidades porque teme ser desapontado. Neste momento, ele mostra um
pálido reconhecimento de que, por si só, um desapontamento não mina a continuidade
de um relacionamento interessado ou amor. Continuamos trabalhando neste ponto por
algum tempo, durante o qual enfatizo a dupla natureza da idéia implícita no modo
como estava tocado pelo fato de sua esposa ter expressado que necessita dele: tem
também o lado de reconhecer a sua necessidade de ser necessário. Sua disposição
melhora visivelmente com o desenrolar da sessão.
A esta altura do nosso trabalho, acredito que a bondade do objeto está começando a aparecer abertamente, assim como estão seus próprios bons sentimentos,
ao mostrar sinais de prazer e de profunda receptividade; havia apenas a distância
intelectualizada, oprimida pela dúvida. Mas neste ponto, perdi de vista os bons
sentimentos implícitos de transferência, e realmente, mais problemas aparecem em
breve.
Chego quinze minutos atrasado para a próxima sessão; sua consulta é a primeira
do meu dia, e eu estava inevitavelmente atrasado. Encontro-o sentado na sala de
espera. D explica que encontrou a porta do conjunto aberta e simplesmente entrou.
Observo para mim mesmo que essa foi uma liberdade que ele não costuma tomar, que
sugere um intensificado sentimento de liberdade. Ele não diz nada sobre o meu atraso
diretamente. Ao invés disso, começa a falar novamente sobre suas dificuldades com a
esposa; que ela tem se sentido muito sobrecarregada no trabalho ultimamente e que,
em uma expressão de consideração, ele havia se oferecido para passar todo o fim-desemana em casa com ela, ao invés de passar algum tempo no seu escritório
trabalhando, como era seu costume. Então ele relata que, no exato momento que fez
sua oferta a ela, começou a pensar de forma arrependida sobre o que estaria perdendo
no trabalho. Reprova a si mesmo por esta mudança de atitude, achando que isto mostra
como ele é completamente insensível na sua relação matrimonial. Mais uma vez, tem
o sentimento de ser um marido medíocre. Logo começa a sentir-se bloqueado, e só
então menciona o fato de eu ter me atrasado. Pergunta a si mesmo se tem algo
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"39
Roy Schafer
em sua mente com relação a isso. Sua capacidade de levantar questões deste tipo
sozinho se desenvolveu apenas após anos de incompreensão baseada nas defesas de
isolamento de afeto e na negação de necessidades de dependência. Comento que
também estava me questionando sobre isso. Então, D reconhece algumas coisas nas
quais ele havia pensado enquanto estava esperando: havia algo de errado comigo? Ele
havia se enganado com relação ao horário? Logo ele confessa que estava hesitando em
mencionar que, por um breve segundo, havia se preocupado comigo. Em um tom de
desconsideração, ele rapidamente acrescenta que, provavelmente, isto estava
relacionado ao seu medo de ser dependente de alguém.
Comento sobre o fato de ele ter achado difícil contar-me sobre aquela preocupação. Em resposta, desenvolve a idéia de que isso significaria mais envolvimento
comigo como pessoa. Isto iria sugerir que ele estava gostando do nosso
relacionamento, que estava "personalizando-o" e não limitando-o apenas ao nosso
trabalho direcionado para as metas do tratamento. Como disse-me repetidas vezes,
qualquer sentimento deste tipo iria deixá-lo extremamente inquieto. Reconheço que se
sentiria incomodado por sentir consideração por mim em caráter pessoal, uma vez que
isso pareceria nos envolver em um contato muito direto e bom. Ele rapidamente tenta
escapar deste tema intelectualizando a natureza narcisista, tanto da sua necessidade de
ser dependente como da sua defesa contra ela; ele também denegri os seus sentimentos
de consideração, enfatizando que levou metade da consulta para até mesmo mencionar
o meu atraso.
Provavelmente, teria sido melhor apontar a ansiedade que mostrou por tentar
outra vez escapar dos temas de proximidade em relação a mim e de consideração por
mim. Neste ponto, porém, rendo-me a um desejo de contratransferência um tanto
maníaco de renovar sua confiança, reconhecendo a sua abertura: digo que ele permitiu
a si mesmo, sozinho, dar um jeito de mencionar sua preocupação e começar o assunto,
e que, para mim, o fato de ter feito isso sugere que, com toda a sua ambivalência, ele
não está totalmente isolado em relação a isso. Minha renovação de confiança
irrefletida pode bem explicar porque, momentos após, ele muda do enfoque ele e eu
para ele e sua mãe. Ele observa como tem voltado a trabalhar sua percepção da sua
mãe, vendo-a agora como alguém que pensava nele em termos de cuidá-lo a fim de
fazer a coisa certa, mas que, então, rapidamente voltava a sua atenção para coisas que
interessavam mais a ela. Nesta mudança havia uma referência indireta ao meu deslize
na contratransferência, bem como ao meu atraso.
Contudo, ele está profundamente tocado enquanto fala sobre sua mãe, embora
esta não seja a primeira vez que explicitamente faz esse comentário sobre ela.
Expressa um sentimento intenso de privação em relação a ela. Observo para mi
mesmo que esta é a primeira vez que demonstrou todo esse sentimento
40 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Um obstáculo às relações humanas harmoniosas: defesa contra a bondade
em todos os anos de sua análise. Durante essa parte da sessão, enxuga os olhos com
freqüência e, ao final, enfatiza que uma criança aprende a ser a partir do modo como
seus pais são, ao que acrescento - não incorretamente, penso eu, mas ainda com ênfase
indevida - que deve ter sido intolerável viver constantemente com os sentimentos de
privação e raiva exatamente das pessoas das quais tinha que depender, sendo os seus
pais os seus únicos recursos no momento; ele teria que ter desenvolvido algumas
defesas fortes para poder fazer com que a vida fosse suportável. Na tentativa de
recuperar, acrescentei, então, uma referência tardia sobre ele e eu; digo que temos
trabalhado sobre estes mesmos problemas no nosso relacionamento.
Nestas sessões, junto com a evidência de que ele abaixou suas defesas maciças
contra sentir-se triste, necessitado e brabo, e contra enxergar a bondade do objeto,
existem evidências de que está começando a abaixar suas defesas, igualmente maciças,
contra sua própria bondade. Ele também mostrou um pouco do que temia que pudesse
acontecer com esse abaixar de defesa: intimidade intolerável, tristeza, sentimentos de
privação, e fúria. Com base neste temor, e também porque, encontrando-se em fase de
transição, estava em fluxo constante e eu estava perdendo algumas deixas na
transferência; foi apenas uma semana mais tarde que descobri que ele havia reprimido
completamente o clímax emocional desta série de sessões: ele nem mesmo lembrava
de termos tido estas discussões.
De minha parte, decidi que sua repressão havia sido facilitada pelo fato de eu
não ter efetivamente compreendido a relação deste material com o seu sentimento de
que eu, como sua mãe, estava sendo atencioso com ele de uma forma superficial e na
qual não se pode confiar e que, por atrasar-me, havia deixado que ele esperasse, se
preocupasse e duvidasse de si mesmo. Sua raiva em relação a mim, e seu medo de
demonstrá-la, deve ter intensificado seu sentimento de estar sob grande pressão.
Acredito que tenha ficado tão absorvido pela reconstrução e pela renovação da sua
confiança que, momentaneamente, ignorei a maior parte da transferência. O meu
esquecimento, além do meu atraso, seria equivalente a esquecer-me dele pela segunda
vez. Finalmente, ele atuou sua raiva esquecendo de tudo. Este tipo de apagamento é
freqüentemente evidente quando a contratransferência leva à negligência da ansiedade
e da defesa na transferência.
Falsa bondade
Uma forma especial de defesa contra a bondade é a adoção de uma falsa
bondade. Refiro-me a quando o analista sente o paciente como se este estivesse
fazendo shows transferenciais de bondade, os quais dão a impressão de serem
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"41
Roy Schafer
pesados, intrusos e não convincentes. Estas demonstrações são produtos narcisistas,
invejosos e onipotentes da posição esquizo-paranóide, ao invés de o serem daquela
benevolência relativamente menos conflitante da posição depressiva. Além disso, a
natureza invasiva e controladora da falsa bondade fica evidente na hipervigilância do
analisado em relação aos sinais de desconforto ou aflição do analista, tais como uma
tosse ocasional, um espirro, um bocejo ou um suspiro, inquietação motora ou traços de
transtorno no consultório. Inconscientemente, é temido o fato de que abordagens
onipotentes, invejosas, controladoras estejam superestressando, esgotando, castrando
e, em última análise, destruindo o analista. Conscientemente, estes pacientes
apresentam-se como preocupados com o fato de que não deveriam estar se alongando
nas suas próprias considerações, porque agora tudo "não está bem" com os seus
analistas. Neste contexto, contudo, não é a culpa ou o senso de responsabilidade da
posição depressiva que estão sendo expressados; é o medo de que a investida
implicitamente agressiva leve ao dano, à retaliação, ao abandono.
O analisado não mostra nenhum desejo de entender o objeto de uma maneira
redonda e não demonstra nenhum dos sentimentos que tipicamente envolvem uma
consideração madura em relação aos outros. O fato de que os analisados falsamente
bons são defensivamente ávidos por executarem uma missão particular, de certa forma
hostil, torna-se evidente quando eles começam a ser reprovadores, inquietos e
autocríticos se seus "oferecimentos" não são recebidos com gratidão. Para eles, a
função defensiva da falsidade está provando ser ineficaz.
Defensivamente, a falsa bondade envolve identificação projetiva de necessidade, fraqueza, sentimentos crônicos de receber cuidados insuficientes, e raiva. O
paciente usa essa identificação projetiva para manter a fantasia da onipotência; a
projeção garante que é sempre o outro que necessita de ajuda e é desenvolvida
enquanto o self possui a atitude e os recursos mágicos, infalíveis para remediar todas
as doenças, danos e incapacidades. Os medos de retaliação também envolvem
projeção; neste caso, eles são baseados em projeções do ressentimento e da inveja do
paciente em relação ao bem-estar e estabilidade do analista. Consequentemente, o
paciente sente que o objeto deve ser cuidadosamente controlado de modo que esta
complexa dramatização possa avançar com a menor aflição subjetiva possível.
Nem sempre é fácil diferenciar a bondade genuína da falsa. Freqüentemente,
observa-se uma mistura das duas naqueles pacientes que rapidamente trocam os níveis
de função; isto é encontrado, particularmente, quando os pacientes estão em uma fase
transicional de suas análises. O próximo exemplo clínico traz alguns deste problemas.
Sra. E - É uma profissional jovem com filhos. A sessão ocorre durante a
42 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Um obstáculo às relações humanas harmoniosas: defesa contra a bondade
semana anterior ao meu começo de férias. Imediatamente, ela avisa que faltara à
última consulta da semana. Diz que está se sentindo culpada com relação a minha
saúde, pensando que não estou bem porque, para ela, pareço um tanto confuso. Então,
ela critica a si mesma por colocar-me na posição de um empregado, alguém usado,
sem consideração, por todos os meus pacientes. Ela faz a comparação de ser um bebê
que usa a mãe sempre que precisa dela. Continua criticando a si própria por outras
formas de desatenção e auto-indulgência. Comento que sente-se mal em relação a
deixar-me sozinho, negligenciando-me, aumentando a ausência das férias. Ela acha
que é assim mesmo e então diz que talvez eu pudesse morrer neste intervalo. Fica
apavorada com isso porque se dá conta que estaria pensando, em primeiro lugar, no
fato de isso ser uma perda para ela. Neste momento, reconheço que está justamente
questionando minha suposição de que está sentindo-se culpada em relação a mim; é
mais provável que a verdade seja que está apenas buscando, defensivamente, as
minhas boas graças, sendo, dessa forma, mais narcisistamente orientada do que eu
imaginava.
Ela prossegue criticando a si mesma por não me dar atenção suficiente: "Você
deve ficar cheio disso, todos os seus pacientes lhe usando". Então, começa a pensar
como eles usam-me projetando em mim todo o tipo de coisas; contudo, comete um
lapso dizendo "produção" quando queria dizer "projeção". Suas associações com a
palavra "produção" passam para criação e, então, para dar a luz a uma criança ou criar
um trabalho de arte como uma pintura, mais especificamente, ter um filho. "Um bebê é
algo que origina-se do seu corpo. Se eu produzo você, você vem de mim, e eu sou
responsável pela sua existência ou pela falta dela se eu não for atenciosa o bastante".
Como se estivesse retrocedendo na idéia de assassinar-me por negligência, de repente
começa a sentir-se sonolenta e cansada, e desejosa que eu a fosse cobrir. Finalmente,
consegue dar um jeito de dizer como está saturada de tomar conta das pessoas.
Quando comento sobre o fato de ela ter problemas em aceitar o seu próprio desejo de
ser cuidada, ela concorda, acrescentando que este desejo é completamente
"desprezível". Nos meus próprios pensamentos, percebo-a indicando novamente que
rivalidades onipotentes e auto-estima abalada são mais importantes agora do que
sentimentos de responsabilidade. Ser nobre é sua grande aspiração narcisista.
Encerro esta seqüência toda como tendo sido precipitada pelas minhas férias
iminentes. A Sra. E luta para estar no papel de quem cuida, mesmo quando faz
retaliação tirando o seu próprio dia de folga antes da minha partida. Assim, a atitude
de interesse não pode ser sustentada, exatamente como ela mostra no seu lapso produzir ao invés de projetar - e nas mudanças sentindo-se forte e fraca durante a
análise deste lapso. No final, ela falhou em ser "nobre".
Este exemplo pode ser considerado, primeiramente, como uma manifestação de
falsa bondade. O show da Sra. E de preocupação com o meu bem-estar
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 43
Roy Schafer
parece estar funcionando, em grande parte, como uma expressão das suas fantasias
onipotentes (criando-me) e uma defesa contra seus próprios sentimentos homicidas e
seus sentimentos em relação a ter necessidades. Os sentimentos de ter necessidades
parecem incorporados à fantasia não muito afastada a respeito dela como um bebê,
meu bebê. Assim, não é uma bondade madura; ao contrário, é principalmente um
show de bondade que ela faz para defender-se de partes dela mesma, as quais não
consegue aceitar e integrar, e que teme que eu também não possa. Caracteristicamente,
a Sra. £ tenta erguer a principal defesa de preocupar-se com os outros como um muro
contra sentir-se necessitada. Quando sua defesa cede, ela é compelida a se desligar e a
reclamar por ser sobrecarregada pelos outros, apesar de saber, racionalmente, que é ela
quem impõe os fardos a si mesma.
Tradução de Gisele Braga
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
44 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Amor e ódio, mãe e filha,
crescendo como mulher
Phyllis Tyson*, La Jolla, ESTADOS UNIDOS
Resumo
Os conflitos entre mãe e filha são bem conhecidos. Também é bem sabido que muitas mulheres têm
dificuldades em expressar a raiva ou outros afetos desagradáveis. E também são conhecidas as
importantes diferenças entre homens e mulheres na expressão da agressividade. O que é menos claro é
a compreensão psicodinâmica dessas questões. Em nome de um melhor entendimento, tentei trazer à
baila a perspectiva do desenvolvimento. Sugeri que o domínio adaptativo dos conflitos de amor e ódio
está relacionado ao desenvolvimento da função sinalizadora do afeto. Em condições ideais, a mãe
favorece o desenvolvimento dessa função. A competência no uso dos afetos como sinais ajuda a mulher
a encontrar soluções adaptativas para os conflitos e a resolvê-los. Ainda sugeri que a interação entre os
anseios de uma intimidade fantasiada e idealizada com uma imagem de mãe ideal, os temores de
perder o amor e a interface desses temas com a formação e funcionamento do superego explicam em
parte as dificuldades de crianças pequenas e de mulheres para lidar com a agressão de uma maneira
adaptativa. Ambivalência não resolvida com contínua projeção do introjeto materno sádico favorece a
inibição da agressão e a falta de autoconfiança. Embora iniciem na primeira infância, os temas que
esbocei transformam-se em batalhas de toda uma vida. Cada fase do desenvolvimento e cada nova
ocorrência na vida representa um novo desafio em que conflitos antigos, modos anteriormente usados
para resolver os conflitos ou antigos jeitos de se relacionar com os outros tendem a ressurgir. Mesmo
que os modos previamente usados para a solução de conflitos persistam com uma tenacidade notável,
cada nova vinda à tona oferece uma oportunidade para um refazer e para encontrar novas soluções.
:
Membro da Associação Psicanalítica Americana.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 45
Phyllis Tyson
O mapeamento do Continente Obscuro do desenvolvimento psicológico da
mulher, deixa os analistas perplexos e preocupados há três quartos de século. Como
resultado, o Continente já não é mais tão escuro assim, mas ainda resta uma área que
não é bem entendida. Esta área são as agressões e soluções desadaptadas que as
meninas e suas mães muitas vezes usam quando tentam resolver conflitos. Proponho
uma abordagem desse problema através do exame observando as maneiras como, às
vezes, as intensas emoções de amor e ódio que surgem no contexto do conflito mãe filha estão relacionadas à tarefa da regulação dos afetos. Os compromissos formados
poderão determinar se uma mulher é capaz ou não de ser adaptativamente positiva em
sua formação adulta, com controle e poder sobre sua própria vida. Para tecer
considerações acerca dessa tema, inicio com dois exemplos clínicos.
Mônica, com cinco anos e meio de idade, entra em meu consultório, não
estabelece nenhum contato através do olhar e agarra com as duas mãos o braço de sua
mãe, atrás do qual esconde o rosto. Faço vim comentário a que ela não responde.
Então, pergunto-lhe algo e ela olha para sua mãe. Trocam algumas palavras, em
italiano, a língua materna de sua mãe, mesmo que ela fale um inglês fluente. E a mãe
quem responde a pergunta por Mônica. A menina não consegue separar-se de sua mãe.
Na escolinha é retraída, tem medo de tentar novas atividades e não interage com os
outros. Mãe e filha tem uma relação de intimidade e de proximidade e Mônica sempre
é uma boa menina!
Aos cinco anos e meio Shelly é expulsa da escola porque a professora não
consegue manejar o seu comportamento agressivo. Ela tem ataques de raiva sempre
que não ganha o que quer. Sua mãe é bastante insegura, como por exemplo, em
relação a sua capacidade de ser mãe, mas tenta não ser punitiva pois é assim que via a
própria mãe. Como resultado, sempre bate em retirada ansiosamente sempre que
Shelly está braba e cede quando ela protesta. Isso se repete até que perde a paciência e
então quase que chega aos maus tratos físicos. Ficou cada vez mais precavida e
cautelosa em relação a Shelly, sentindo-se algo maltratada e mantida sob regime de
terror pela filha. Acha que tem pouco controle sobre ela. Não consegue fazer com que
a menina a ouça ou abra mão de nenhuma de suas exigências. As vezes se pergunta se
Shelly é uma "semente ruim".
Encontrar maneiras adaptadas de lidar com a agressão foi uma tarefa com que
essas duas meninas não souberam lidar bem. Goldings, 1974; Kaplan, 1976; Mahler,
1981; e Campbell, 1993 documentaram toda uma variedade de manifestações
agressivas que observamos clinicamente em meninas e em mulheres. Embora algumas
se sintam bem com uma imposição mais agressiva [assertive-ness] e conseguem
expressar as emoções ligadas à raiva, a agressão de algumas mulheres pode ser
cáustica, indireta, oculta, subserviente, manipuladora, vil, ferina e sádica. Algumas
meninas têm medo de confrontar outra pessoa direta-
46 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Amor e ódio, mãe e filha, crescendo como mulher
mente com a sua raiva, permanecendo agradáveis enquanto estão na companhia dessa
pessoa, apenas para em seguida se queixar amargamente para outros. Isso é visto com
grande freqüência no comportamento grupai de meninas no período de latência ou das
adolescentes. Outras irrompem em pranto quando brabas, nem sempre se dando conta
de que as lágrimas são sinal de raiva.
O jeito de uma garota expressar sua agressão muitas vezes é muito diferente de
um comportamento marcadamente desafiador [assertive] e competitivo, sendo que a
expressão direta e aberta de emoções relacionadas à raiva são manifestadas com maior
freqüência pelos meninos e pelos homens. Green (1972) especula acerca dessas
diferenças. Enfocando a sexualidade, sugere que a expressão direta da agressão por
parte dos meninos pode corresponder ao fato de que seus genitais são externos. A
localização interna dos genitais femininos pode explicar a orientação interna da
agressão tantas vezes encontradas nas mulheres. Será que essa sugestão nos levaria a
concluir que a expressão aberta e direta da agressão é uma característica fálica, normal
para os meninos mas anormal nas meninas?
Muitas vezes nossas normas socioculturais reforçam essas caricaturas. As mães
não se preocupam com as tentativas rudes e hostis, muitas vezes envolvendo agressão
física, dos meninos que querem impor controle e domínio com o argumento de que "é
coisa de menino". Mas assumem uma atitude crítica e de desaprovação quando suas
filhas têm o mesmo comportamento, encorajando-as a serem 'boazinhas' (Nadelson et
ai, 1982). Os relacionamentos apenas duram se a mulher inibir sua raiva e sua
competitividade, sendo condescendente e submissa. A menininha mandona muitas
vezes é considerada estranha. Uma menina que demonstra aberta e impetuosamente a
sua brabeza é encarada como alguém que perdeu o autocontrole (Campbell, 1993). Um
homem que confronta outro com veemência poderá ser respeitado por essa atitude
assertiva, mas uma mulher com a mesma atitude deixa os demais em posição
desconfortável; haverá resmungos e murmúrios do tipo: 'ela deveria saber como se
controlar, como guardar suas opiniões". Esse tipo de mulher muitas vezes é visto como
causadora de problemas. Temos poucos modelos ou histórias de meninas ou mulheres
que são capazes de se defender sozinhas, sabendo lidar à vontade e de maneira
adaptativas com a agressão.
A polaridade entre amor e ódio é fundamental à condição humana. E apenas
através da agressão e do afastar-se dela que a criança é capaz de encontrar uma
sensação de individuação e de definição de si mesmo. E afastar-se da agressividade
está inserido no contexto do desejo de amor e de intimidade. Embora em geral
encarado como algo construtivo, era esse contexto de afastar-se da raiva e da
separação que despertava os temores mais profundos de Mônica: o medo de perder o
amor, de ser abandonada ou rejeitada. Os conflitos inconscientes
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
-47
Phyllis Tyson
entre amor e ódio à mãe, medo da rejeição, da crítica e do abandono geraram tamanha
ansiedade que ela inibiu a expressão de sentimentos de hostilidade. A luta travada por
Shelly com a raiva que sentia de sua mãe e seu medo de ser abandonada revela-se
através da tênue linha entre seus ataques furiosos de raiva e a vivência interna de uma
enorme ansiedade, da sensação de desamparo e de desorganização.
Ainda é complicado entender as dificuldades de meninas e mulheres para
encontrar maneiras adaptativas de lidar com sua agressão, mesmo que as mensagens
sociais contemporâneas lhes dêem permissão para serem batalhadoras. Proponho que
nos aproximemos dessa questão complicada através do exame do desenvolvimento do
ajuste afetivo no contexto da relação mãe - filha e do processo de separação e
individuação. Então, estudo as diversas maneiras pelas quais esses primeiros conflitos
se alojam no superego, onde poderão exercer uma influência permanente, por toda a
vida, sobre os relacionamentos femininos com os outros. Finalmente, abordarei a
progressão edípica.
Regulação dos afetos
E através de vários afetos - brabeza, raiva, ódio, aversão, ou contrariedade,
irritabilidade, frustração, impaciência, insistência em um ponto-de-vista, competitividade e outros - que a agressão se expressa. Os afetos do bebê e da criança
pequena são automáticos e peremptórios e facilmente desorganizam o funcionamento
do ego, fazendo com se sintam desamparados e aflitos. Embora os afetos sempre
estejam sujeitos a expressões regressivas, automáticas e obrigatórias em tempos de
estresse, durante o seu desenvolvimento a criança é estimulada a obter um controle.
Nesse processo os afetos podem assumir a função de sinal, podendo, então, ser usados
para salvaguardar a adaptação e o ajuste ou regulação.
Conhecemos as complexas vicissitudes do processo de separação e individuação. Os conflitos típicos do segundo e terceiro ano de idade representam uma
tarefa especialmente difícil para a menina. Identidade de gênero, desenvolvimento do
superego, equilíbrio da auto-estima e a capacidade de autocontrole, tudo isso emerge
no contexto do processo de separação e individuação.
Como sabemos, o relacionamento da menina com sua mãe pode ser bastante
complicado. A partir da primeira infância ela busca sua mãe para manter a sensação de
segurança, buscar conforto, amparo e amor. Desde a amamentação, ambas
compartilham o desejo de fusão e dos prazeres de proximidade sensual. A
identificação primária com a mãe forma a primeira idéia que a menina tem do que é
ser mulher. Uma proximidade mãe - filha idealizada e a sensação de estar conectada
constitui a base do ideal de ego e o estado de se//almejado. Seu orgu-
48 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Amor e ódio, mãe e filha, crescendo como mulher
lho, prazer e confiança na feminilidade evoluem a partir dessas identificações com
uma mãe vista como ideal.
A busca da definição de si mesma e da autonomia está em conflito com o desejo
de ter intimidade com a mãe. Mas a capacidade de funcionar independentemente da
mãe exige que a menina a repila e obtenha uma noção de independência e de
identidade pessoal. Poder e controle sobre o relacionamento muitas vezes tornam-se
um tema central. Por exemplo, a menininha tenta adquirir a noção de que é dona do
próprio corpo e que o administra de maneira independente. Isso se torna evidente
quando quer comer ou vestir-se sozinha. Mesmo que no início essas tentativas sejam
confusas e desajeitadas, a noção de competência acompanha os graduais sucessos no
lidar do próprio corpo. Também aparecem esforços para expressar-se. De novo, no
início as habilidades não estão muito desenvolvidas, sendo o repertório e a capacidade
de modulação limitadas. As enérgicas tentativas de criancinhas bem pequenas de
expressar a si mesmo muitas vezes são desajeitadas e por isso podem ser interpretadas
como agressão. Em geral, é a resposta do ambiente que determina o que se segue. Não
é raro que as mães se sintam provocadas para entrar numa guerra pelo controle. É que
a mãe também pode querer prolongar a sensação de fusão, a intimidade idealizada e
poderá interpretar a agressão da filhinha nas tentativas de controlar, de se separar e de
encontrar a própria identidade especial como sinais de que não ama mais a sua mãe.
Portanto, poderá resistir aos anseios de liberdade da menina. E as batalhas em relação
ao controle e à imposição da vontade podem tornar-se intensas, acompanhadas de
vários sentimentos dolorosos e estressantes. A criança fica confusa sobre o amor e o
ódio. Ela deseja a fusão mas tem medo de ser tragada, subjugada. Surge a ansiedade
com medos primitivos de ser abandonada, ficar desamparada, ser rejeitada ou criticada
ou de perder o amor materno e até temor de sofrer algum dano físico. Igualmente
estressante é a busca obstinada da gratificação. Ao responder às palavras, gestos ou
comportamentos restritivos da mãe, a menininha pode irromper em uma resposta cheia
de ódio. A raiva é facilmente projetada e enquanto está furiosa a criança pode achar
que é a mãe que está braba. Em vez de ser uma fonte de conforto e de segurança,
torna-se vim perseguidor temido. A criancinha facilmente sente-se desesperadamente
desamparada, desamada e sufocada pela ansiedade. Os bem conhecidos ataques de
raiva das crianças pequenas muitas vezes são um reflexo dessa situação de ansiedade e
de desorganização que acompanham a raiva que a criança sente com a perda da
conexão amorosa e segura com sua mãe. Essas lutas impõem grandes exigências às
funções reguladoras do se//ainda incipientes.
E a mãe também é muito exigida. Uma delas, ao descrever as solicitações e
ataques de raiva de sua filha de três anos exclamou: "Sinto-me de novo como uma
criança de três anos; tenho vontade de matá-la! Fico chocada e culpada por
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 49
Phyllis Tyson
sentir tanta raiva! Às vezes é difícil manter minha perspectiva de adulta".
Mesmo que em períodos de estresse a criança possa confundir sujeito e objeto,
fazendo com que sua raiva projetada afete suas percepções da mãe, em condições
ideais a mãe será capaz de fazer essa diferenciação. Nas condições ideais poderá
resistir e não será tragada para dentro das projeções enraivecidas da criança, podendo
resistir às provocações e responder adequada e gentilmente. Mesmo que a criança
tenha fantasias assassinas e irrompa em manifestações de ódio, o papel da mãe é
fornecer um equilíbrio regulador. Para fornecer esse equilíbrio, deverá intervir antes
que a criança se desorganize e seja totalmente tomada por essa sensação, absorvendo
algo da ambivalência e da raiva. Então poderá dar nome aos sentimentos. Ao fazê-lo,
transmite a mensagem de que sentimentos de raiva são normais e que a grande tarefa é
encontrar vias adaptativas para sua expressão. Além de intervenções adequadas no
tempo, a mãe também terá de transmitir que não está assustada com a raiva da criança
e que apesar de saber que a sensação é desagradável, espera algum respeito às normas
(com exigências adequadas ao nível de desenvolvimento e de capacidades da criança).
Assim poderá ajudar a criancinha a encontrar um jeito de formar um compromisso.
Intervenções no momento certo asseguram que as tempestades afetivas não atingem
proporções que prejudiquem a auto-regulagem e a autoconfiança. Firmeza na
expectativa de adesão às normas comunica que a mãe é diferente das projeções da filha
e que ela não é o temido monstro que ataca. Também transmite uma idéia de
segurança: a de que a mãe está encarregada de um comando seguro. Ao sobreviver às
projeções da criança, a mãe poderá ser "usada" (Winnicott, 1971), ou seja, a criança
poderá buscá-la para que a ajude a encontrar modos cada vez melhores e mais
adaptados de expressar a raiva, formando compromissos e retardando a gratificação.
Se a mãe obtiver êxito ao ajudar a criancinha a negociar com esses conflitos típicos, os
sentimentos amorosos equilibrarão os do ódio e a ambivalência poderá ser mais
facilmente tolerada. E também a capacidade de tolerar a frustração começa a se
desenvolver. Em termos ideais, a criança começa a preferir as recompensas agradáveis
da relação recíproca e o sentimento de domínio que acompanha a formação de
compromisso, preferindo-a ao estresse que acompanha a luta pelo controle. Surge uma
sensação de segurança interna à medida que a mãe é sentida como uma presença
interna duradoura, amorosa e que fornece apoio. A confiança no self também torna-se
mais estável, acompanhando a idéia de que pode-se ser amado. A identificação com a
mãe então também incluirá a identificação com restrições da expressão de pulsões, o
reconhecimento de suas exigências reguladoras, reorganizadoras e adequadas no
tempo aos sinais afetivos, bem como identificação com sua energia [assertiveness] e
capacidades de encontrar uma maneira de formar compromissos. Os afetos podem ser
identificados à medida que surgem, sinali-
50 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Amor e ódio, mãe e filha, crescendo como mulher
zando uma necessidade de medidas defensivas ou de negociação. Essa função de
sinalização facilitará à criança negociar os conflitos cada vez mais complicados
associados aos desejos edipianos, relações de objeto triangulares e ao posterior
desenvolvimento na adolescência e idade adulta.
O superego
Como sabemos, o superego, o mundo interno do permitido e do proibido, das
representações de objeto e do se//idealizadas e interativas, é o herdeiro dos conflitos
intersubjetivos da primeira infância. Chama a atenção que em uma idade muito tenra a
menininha começa a ver sua mãe como um ideal e a perceber que ela tem uma imagem
de filha 'ideal'. As lutas internas iniciam quando a menina tenta lidar com seus
próprios desejos incompatíveis de ser a filha ideal e de encontrar a harmonia recíproca
e mesmo assim afastar-se, encontrando seu próprio self e seu jeito de fazer as coisas.
Ocorre um complicado entrelaçamento entre individuação, formação de superego,
domínio da expressão da agressividade e do funcionamento independente com os
desejos de fusão com uma imagem materna idealizada, havendo ainda o terror de ser
engolida ou engolfada, associado a desejos de independência acompanhados de
temores de rejeição ou de perda de amor. Para que a menina se torne independente,
enérgica e assertiva de modo independente e capaz de expressar seus sentimentos de
raiva, terá que ter alguma segurança interna de que não será abandonada ou rejeitada.
Isso significa que o forte e poderoso vínculo com a mãe e a problemática de afastar-se
dele são o tema central do desenvolvimento do superego de qualquer menina, a chave
para o manejo de sua ansiedade e de sua agressão, além de ser o aspecto fundamental
para sua progressão no desenvolvimento.
Outro aspecto dessa grande e complicada luta é que a imagem da mãe está longe
de ser integrada. Ao contrário, a mãe interna é uma mescla de percepção, projeção,
fantasia e vivência real. As capacidades cognitivas limitadas da criança, as qualidades
afetivas da relação mãe - filha inicial, as reações às restrições e a capacidade de tolerar
frustrações, sua propensão à projeção, o que almeja como ideais, tudo isso se combina
para determinar as qualidades da mãe interna. Quando há a prevalência da agressão, da
tensão, angústia ou ansiedade ou quando a tolerância da criança às frustrações é baixa,
sua percepção de qualquer um dos pais torna-se distorcida por suas próprias projeções
raivosas e hostis. A representação materna resultante assumirá então, características
distorcidas de intolerância, crueldade e de punição. Esse mundo interno tão
desagradável vai causar a erosão da segurança interna da criança. Também interferirá
com a formação de qualquer novas características amorosas do superego e com o
desenvolvi-
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"51
Phyllis Tyson
mento da função sinalizadora dos afetos e das capacidades de se auto regrar que
mencionei antes. Ao contrário, prevalece o superego severo, hostil, sádico, não
integrado cujas qualidades são facilmente projetadas.
Aqui não consideramos apenas o desenvolvimento da filha, mas também o da
mãe, pois todas as dificuldades encontradas no desenvolvimento da criança também
ocorreram com a mãe. Seu próprio sucesso ou fracasso ao resolvê-las necessariamente
refletem-se em suas reações aos desejos agressivos ou de independência da menina.
As mães são especialmente vulneráveis às reações regressivas e irritadas da menina
que quer assumir o controle, em parte devido a seus próprios desejos conscientes e
inconscientes de uma unidade mãe - filha, já que houve conflitos semelhantes em sua
própria história.
Se conflitos não resolvidos da primeira infância interferiram com o estabelecimento da autoconfiança da mãe, ela poderá ter uma capacidade reduzida para lidar
com as próprias ansiedades e com o ajuste da própria auto-estima. Isso poderia deixála vulnerável a temores de perda de amor e sua confiança em suas habilidades de
maternagem poderão depender da resposta obtida de sua filha. É como se ela esperasse
que sua filha lhe desse a sensação de ser amada e de poder ser amada. Essas mães são
especialmente suscetíveis a sentir-se rejeitadas pelo bebê. Então, em vez de fornecer
um equilíbrio entre amor e exigências, de que regras sejam cumpridas, poderá tender
em direção à inconsistência. Isso é, o excesso de indulgência na tentativa de evitar os
confrontos irados, enquanto mal e mal conseguem lidar com a própria ansiedade, faz
com que facilmente se identifiquem com as projeções da criança, atacando com
severidade punitiva ou com irritação sempre que provocadas, como descrito no caso
de Shelly.
Além disso, temos que levar em consideração como a mãe imagina a filha. A
mãe começa construindo a imagem de sua filha a partir do momento em que ela é
concebida e está continuamente construindo e reconstruindo essa imagem, à medida
que a menina se desenvolve de bebê para criança e adolescente. E essa imagem não é
apenas formada a partir da percepção de alguns aspectos da realidade mas também
pelo colorido que suas próprias fantasias, desejos, conflitos e ideais conferem a essas
percepções. Uma mãe insegura poderá borrar os limites entre ela própria e sua filha,
usando os sucessos da filha para nutrir a própria auto-estima. Essa mãe facilmente
desenvolve uma imagem pouco realista da filha ideal. Estabelecendo padrões que
estão fora do alcance da criança, poderá tornar-se muito crítica, desaprovando tudo. E
então nem a mãe nem a filha têm a vivência do sucesso ou da recompensa. A mãe
estará cronicamente desapontada, já que a menina não corresponde à filha fantasiada e
portanto terá pouco prazer na maternagem que é transformada em uma sobrecarga
masoquista (Blum, 1976). A incipiente auto-representação da menininha passa a
incorporar essas atitudes negativas e desvalorizadoras, passando a sentir-se não
merecedora de amor, sem
52 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Amor e ódio, mãe e filha, crescendo como mulher
valor e inadequada. Supervaloriza e idealiza os padrões parentais e forma introjeções
perfeccionistas e críticas. Então, sentindo que não consegue corresponder aos padrões
exigentes e difíceis de agradar de sua mãe interna ou externa, acha que é ela quem
desaponta sua mãe, tornando-se cronicamente ansiosa com as críticas internas e
externas.
Dominar os sentimentos ambivalentes é uma tarefa de desenvolvimento
importante e contínua. Muitas vezes esses conflitos ambivalentes entre amor e ódio
espalham-se por tudo e durante toda a vida. E é no contexto desse tipo de
ambivalência que surge o trânsito de duas mãos de ódio, inveja, sadismo, rejeição,
agressão defensiva, idealização defensiva e de vínculos patológicos que encontramos
com freqüência nas relações mãe - filha. O constante pavor de ser rejeitada ou
abandonada interfere com qualquer expressão adaptativa de agressão e fornece uma
motivação consistente para um comportamento submisso e masoquista de seguir as
regras. A vigilância obrigatória da própria aceitação pode então assumir uma
desconfiança do tipo paranóide que se torna generalizada e onipresente.
Édipo e desenvolvimentos posteriores
Estudos recentes estão demonstrando as importantes funções dadas pelas
relações triangulares entre pai, mãe e criança, desde o nascimento. A maior excitação
genital que acompanha o surgimento da fase genital na primeira infância faz com que
as relações dentro do triângulo mudem e troquem de posição. Essas mudanças
representam novas e complicadas tarefas para a menininha. O grau de sucesso que terá
ao resolver essas dificuldades poderá depender de como resolveu os sentimentos
conflitantes de amor e de ódio por sua mãe.
Tendemos a usar a história de Édipo como metáfora universal para entender o
desenvolvimento masculino mas não temos nenhuma história universal para as
mulheres. Em vez disso há muitos mitos e lendas que descrevem o dilema e as
possíveis conseqüências para a menina que atravessa as provas e atribulações do
desenvolvimento. Ao discutir conflitos associados com as relações de objetos na tríade
e com a fase genital da sexualidade infantil poderíamos pensar em histórias que
sugerem o domínio ativo e outras que se referem à adaptação passiva.
Se a menina foi capaz de desenvolver sua capacidade para usar a função
sinalizadora dos afetos e encontra maneiras cada vez mais adaptativas, é capaz de lidar
com uma situação de maneira ativa. Mesmo que persistam anseios por estar conectada
com a mãe em um relacionamento íntimo, e mesmo que os temores de rejeição ou
perda continuem (e eles existem durante todo o desenvolvi-
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"53
Phyllis Tyson
mento), o desejo de receber a atenção do pai muda. A vontade de ser o objeto central
do amor paterno desperta desejos conflitantes dirigidos a cada um dos pais. Se a mãe é
percebida como uma presença interna que dá apoio, sentir raiva dela e competir com
ela pela atenção exclusiva do pai poderá despertar ansiedade. Porém o uso da função
sinalizadora assegura que a ansiedade permaneça em níveis manejáveis e torna-se
possível formar compromissos que levam à adaptação. Um exemplo é Jamie que há
pouco anunciou que era a garota do papai. Certa noite exigiu ficar acordada para ver
só mais um programa de TV com seu pai. Sua mãe teve empatia com esse desejo e
com seu desapontamento mas lembra que amanhã terá de ir à escola e, portanto, deve
ir para a cama. Jamie, furiosa, diz: "Mamãe, eu te odeio tanto que vou te mandar para
a prisão". Ao que a mãe pergunta: "E quem vai cuidar do papai então?" "Eu claro! E
nem te preocupa, nunca mais vais vê-lo!" Depois de um tempinho para pensar,
aparentemente confiante na tolerância de sua mãe com sua raiva, busca uma
reaproximação e vislumbra um jeito de "ajudar mamãe".
Esse tipo de domínio da situação edípica nem sempre é possível. Quando a
ambivalência permanece não resolvida, as fantasias edípicas em relação ao pai
despertam inveja e competição com a mãe. Ao projetar sua raiva e seus impulsos
edipianos em sua mãe, a menininha passa a vê-la como invejosa, hostil e desconfiada,
querendo destruir qualquer tipo de relacionamento especial que tenha ou deseje ter
com seu pai. Vínculos patológicos tornam-se evidentes quando o introjeto materno
pré-edípico sádico se reorganiza ao redor de uma fantasia de mãe - bruxa ciumenta,
possessiva, invejosa e malignamente destrutiva (Dahl, 1989). Essa é a dinâmica central
da história de Eletra. Eletra passa a vida fixada em seu pai e planejando vingar-se da
mãe odiada. Nessas situações a menininha poderá alcançar um desenvolvimento pósedipiano mas isso se dará às custas de um ódio intenso e persistente de sua mãe.
Mesmo se lidar com esses sentimentos através da formação reativa, eles continuam
contribuindo para um superego severo, crítico e punitivo. A contínua associação com o
terror de ser abandonada ou rejeitada é uma motivação perene a um comportamento
masoquista e submisso, já que a agressão se dirige para dentro. Tendo que monitorar
constantemente se é aceita pelos outros, evita que se torne mais enérgica, positiva e
competente em suas interações pessoais.
Uma interpretação possível da historia de Perséfone serve de exemplo. Vítima
de um homem dominador, Perséfone é seqüestrada e violada por Hades, o deus do
inferno. Sua mãe, Deméter ficou furiosa, entrando em sofrimento quanto ao bem-estar
de sua filha e desesperadamente deprimida com ter que separar-se dela. Como
sabemos, para se vingar evitou que a vida na terra prosperasse. Finalmente, Zeus
ordenou que Perséfone voltasse. Contam que, quando viu sua mãe, ela saiu da
carruagem de Hades e saltou para abraçá-la. Deméter saudou o
54 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Amor e ódio, mãe e filha, crescendo como mulher
retorno da filha devolvendo a vida à terra. Mas Perséfone não podia ficar sempre com
sua mãe porque, pouco antes de sair dos infernos, Hades a persuadira a comer um
pedaço de romã. Por ter consumido as sementes, símbolo da consumação de sua
relação sexual, era obrigada a voltar durante um terço do ano aos infernos, como noiva
de Hades.
Apesar de o mito retratar vivamente a sexualidade e a tentação de Perséfone, seu
dilema e conflito de lealdades, a tônica da narrativa de Homero recai sobre Deméter, a
mãe. A ansiedade de Deméter relaciona-se à segurança de sua filha e sua perda é um
luto doloroso. É tão enérgica com os deuses e sua vingança é tão poderosa que
devolvem-lhe a filha. E Perséfone consola a mãe enlutada. Mas as negociações bem
sucedidas de Deméter estão longe de ser positivas para Perséfone que é obrigada a
fazer constantes viagens, dividindo-se entre a mãe e o marido. Mesmo que apresentada
à sexualidade adulta, não pode completar a transição, deixando de ser criança para
assumir uma relação madura e ter um relacionamento de amor com seu marido, pois
não pode comprometer-se com ele. Não consegue resistir energicamente aos vínculos
que sua mãe lhe exige. Perséfone transmite a imagem de uma mulher incapaz de ser
dona da própria sexualidade ou agressão, ou de assumir a responsabilidade por suas
ações. Portanto, mantém uma relação infantil passiva com um homem que vê como
abusivo e com uma mãe que é retratada como tendo inveja da sexualidade de sua filha
e de sua relação com o companheiro. Perséfone permanece uma personagem nebulosa
sem uma presença clara e sem uma identidade bem definida, sempre sendo
passivamente manipulada pela mãe ou pelo marido.
Referências bibliográficas
BLUM, H. (1976). Changing use of dreams in analytic practice: dreams, free association... Int. ].
Psychoanal, 57:315-324.
CAMPBELL, A. (1993). Men, Women, and Aggression. New York: Basic Books.
DAHL, E.K. (1989). Daughters and mothers: oedipal aspects of the witch-mother. Psychoanal. Study
Child, 44:267-280.
FREUD, S. (1926). Inhibitions, symptoms and anxiety. S.E., 20:??-??.
GOLDINGS, H.J. (1974). Jump-rope rhymes and rhythm of latency development in girls. Psychoanal.
Study Child, 44:267-280.
GREEN, A. (1972). Aggression, femininity, paranóia and reality. Int. ]. Psychoanal., 205-212.
JACOBSON, E. (1964). The Sclf and the Object World. New York: Int. Univ. Press, pp. 96-100.
KAPLAN, D.M. (1976). Manifestations of aggression in latency and prelatency girl. Psychoanal. Study
Child, 31:63-78.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"55
Phyllis Tyson
MAHLER, M. (1981). Aggression re: separation-individuation: mother daughter... Psychoanal.
Q., 50:625-638.
NADELSON, C.C.;NOTMAN, M.;MILLER, J.B. and ZILBACH, J. (1982). Aggression in Women:
Conceptual issues and clinical implications. In: The Woman Patient, C. Nadelson and M.
Notman, eds. New York: Plenum Press, pp.17-28.
Tradução de Cristina Heuser
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
56 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 7000
Helen Keller: um enigma psicanalítico
Robert L Tyson*, La Jolla, ESTADOS UNIDOS
* Membro da Associação Psicanalítica Americana.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 57
Robert L. Tyson
A vida extraordinária de Helen Keller pode ser chamada de um sucesso do
desenvolvimento. Criança esperta e viva, foi acometida de uma doença febril grave,
provavelmente a escarlatina, quando tinha dezenove meses de idade. Helen recuperouse, mas, depois disso, ficou permanentemente sem visão e audição e logo perdeu o
poder de comunicação oral. Por vários anos, foi muito difícil controlá-la, com acessos
de raiva repletos de gritos e comportamento imprevisível. Quando tinha seis anos de
idade, sua família contratou Annie Sullivan como professora. Muita coisa tem sido
escrita para descrever as extraordinárias mudanças dessa criança essencialmente
selvagem que, mais tarde, formou-se cum lande no Radcliffe College aos 24 anos,
tendo adquirido, entre outras habilidades, conhecimentos de latin, grego, alemão e
francês (com a presença quase que constante de Annie Sullivan até a morte desta,
cinqüenta anos mais tarde, em 1936).
Como podemos explicar essa transformação espantosa de uma criatura
selvagem, surda, cega e muda em uma mulher bem articulada, amplamente publicada e
sofisticada? Como psicanalistas, desenvolvemos uma expertise considerável em
delinear explicações de doença e desvio. Exploramos supostas obras da natureza ou
utilizamos o entendimento de Freud do impacto das deficiências congênitas, como
com Richard III (Freud, 1916) para compreender várias formas de psicopatologia. Não
procuramos, com igual rigor, compreender sucessos notáveis diante de sérias
adversidades, talvez porque haja algo mais fascinante sobre a psicopatologia e, além
do que, como psicanalistas, confrontamo-nos com a doença com mais freqüência.
Resiliência é um termo aplicado com freqüência para aqueles que saem-se bem apesar
da adversidade (Fonagy, Steele et al., 1994), sem contribuir, porém, com a nossa
compreensão de como ou porque isso acontece. Contudo, acredito que existem
algumas pistas na vida de Helen Keller que contribuem para a nossa compreensão das
complexidades do desenvolvimento humano e talvez, também, para o nosso
entendimento de algumas das fontes da sua resiliência. Minha hipótese, em resumo, é
que a calamidade da doença de Helen Keller rompeu profundamente o vínculo mãecriança, afetando profundamente, deste modo, os dois lados, mas que os fragmentos da
memória inicial de Helen que persistiram, possibilitaram que ilhas de afeto que
sobreviveram formassem uma ponte com um novo relacionamento que começou mais
de quatro anos depois. A construção desta ponte restabeleceu o vínculo anterior, e
muitas das funções do relacionamento mãe-criança, com uma pessoa que Helen chamava de "Professora". E, juntamente com o que deve ter sido uma dotação intelectual
natural significativa, este novo relacionamento levou a um florescimento
extraordinário.
Para começar do início, que significa antes do seu nascimento, Helen era filha
única de pais de classe média-alta que moravam na pequena vila de Tus-
58 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Helen Keller: um enigma psicanalítico
cumbia, Alabama. Seu avô materno, originário da Nova Inglaterra, era General-deBrigada do Exército Confederado, no qual o pai de Helen, um sulista dedicado, era
Capitão. A mãe de Helen, Kate, era uma moça sulista muito bonita e alegre, de
Memphis, que achava o cenário rural isolado de Tuscumbia inóspito. Em 1878, aos
vinte e dois anos, casou-se com um homem de quarenta e dois anos, com dois filhos de
sua esposa anterior, a qual havia morrido apenas um ano antes. Houve dificuldades no
casamento, em parte produto dos problemas financeiros que afligiram o Sul por muitos
anos após a Guerra Civil. Na época em que Helen nasceu, em 1880, seus pais
raramente falavam um com o outro, mas sua mãe era amorosamente atenciosa com ela
e encantada com sua inteligência precoce e sua rápida capacidade de resposta.
De acordo com o médico local da família, a doença trágica de Helen foi
diagnosticada como "congestão aguda do estômago e cérebro". Quando ela se
recuperou, sua mãe descobriu que sua amada criança estava surda e cega. De acordo
com a lembrança de Helen, sua visão bastante pálida rapidamente desapareceu. Suas
tentativas de falar cessaram, e pode-se apenas conjeturar sobre o desespero e a
depressão de sua mãe.
Como um psicanalista hoje responderia ao pedido de ajuda de Kate Keller
naquele momento? Avaliando a situação, saberíamos que a mãe de Helen havia
decidido casar-se por afronta (JL, p.45)1 e levou um choque ao descobrir que a vida
em uma plantação de algodão perto de uma vila com uma só rua era bastante diferente
do que era em Memphis, uma das cidades principais do Sul Confederado. Mantinhamna muito ocupada fazendo comida para a família, cultivando legumes, verduras e
frutas, criando gado (DH, p.8)1, e fazendo sua própria manteiga, presunto e banha.
Mantinha sua filha perto - pode-se conjeturar que isto era alguma compensação para as
decepções no casamento de Kate com um homem com quem compartilhava poucos
interesses, ou talvez nenhum. Até sua doença, Helen vivia com uma ama-seca em um
chalé de duas peças perto da casa principal. Havia empregados para ajudar, uma vez
que muitos ex-escravos permaneceram depois da Guerra Civil para trabalhar para seus
antigos donos. Antes da doença, o temperamento de Helen era descrito como vivo,
genioso, teimoso, feliz e carinhoso (JL, p.46). Ela caminhara com um ano de idade e
tinha várias palavras, tais como "chá" e "aga", para água. Também usava bastante os
gestos e fazia sinais para várias coisas (DH, p.13). É claro que, se pudéssemos
entrevistar os pais de Helen, como fazemos hoje com os pais das crianças que são
nossos pacientes, saberíamos uma quantidade muito maior de informações úteis. O que
temos, creio eu, garante a conjetura de que o vínculo de Helen com sua mãe deve ser
classificado como "seguro", de acordo com o esquema descrito por
1. "JL" refere-se a J.P. Lash (1980) e "DH" refere-se a D. Herrmann (1998).
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 59
Robert L. Tyson
Mary Main (1993, p.217). O ambiente de Helen encaixava-se na descrição de Mary
Ainsworth (1971) de uma criança criada em casa sem nenhuma experiência de uma
separação importante da mãe que era sensível e respondia aos sinais e comunicações
da criança. Estas condições permitiram que Helen mantivesse o nível necessário de
intimidade ou "proximidade". Porém, o vínculo seguro de Helen com sua mãe deve ter
sido, com certeza, profundamente rompido pela privação repentina e permanente da
visão e do som de sua mãe. Uma aproximação desta situação pode ser encontrada em
pesquisas sobre vínculo, referente ao que acontece quando a mãe é incapaz de resolver
uma perda ou experiência traumática dela própria. Tais circunstâncias levam ao que
tem sido descrito como "desorganização e/ou desorientação" no vínculo da criança
(Ainsworth e Eichberg, 1991). Na família Keller, a mãe sofreu uma perda traumática
da filha que conhecia, e a pequena Helen sofreu uma perda traumática da mãe que
conhecia.
Contudo,
ao
contrário
daquelas
crianças
na
categoria
"desorganização/desorientação", as quais tinham medo das suas mães e não da
situação externa (Main, 1993, p.222), Helen apegou-se a sua mãe enquanto seu
comportamento tornou-se, progressivamente, mais destrutivo e menos apropriado às
circunstâncias.
A teoria da separação-individuação (Mahler et al., 1975; Mahler, 1979) fornece
uma estrutura útil dentro da qual podemos ver o significado do desenvolvimento da
doença de Helen aos dezenove meses, colocando-a em algum lugar no meio da sua
fase de reaproximação. Antes da sua doença, o desenvolvimento do instinto e das
relações objetais de Helen podem bem ter incluído algum grau de controle de esfíncter
e os inícios sólidos da constância objetai (Mahler et al., 1975; Mc Devitt, 1975;1979),
as quais, sob circunstâncias normais, teriam sido cruciais para a regulação do afeto da
criança (P. Tyson, 1996). Podemos acrescentar a isto importantes realizações
cognitivas concomitantes, tais como inteligência representacional, fala e jogo
simbólico. É importante observar que Helen tinha alcançado estes marcos de
desenvolvimento cognitivo e emocional antes da sua doença. Assim, suas deficiências
sensoriais foram adquiridas como conseqüência da sua doença, não eram congênitas,
fator crucial no seu desenvolvimento subseqüente (Fraiberg, 1977, p.7; Keller, 1958,
pp.74-76). A partir das biografias de Helen Keller, ficamos sabendo que tinha bonecas
a sua disposição, mas não encontrei nenhuma informação sobre como brincava, se
sabia ir ao banheiro, ou sobre o seu relacionamento com seu pai antes da doença. A
mãe de Helen é descrita como uma pessoa exigente, então, compreensivelmente, Helen
já sabia ir ao banheiro na época de sua doença, embora seja muito provável que tenha
perdido esta conquista com o início da doença e também por algum tempo daí em
diante.
Se fôssemos corajosos o bastante para oferecer sugestões para ajudar a família
de Helen neste momento, enfatizaríamos a importância do contato conti-
60 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Helen Keller: um enigma psicanalítico
nuado com mãe, pai e tudo o mais que fosse familiar a ela. Este conselho seria
contrário aquele oferecido por alguns membros da família, os quais emitiram
firmemente a opinião de que Helen deveria ser colocada em uma instituição, uma vez
que seu comportamento tornava-se mais indisciplinado e agressivo, embora se
apegasse a sua mãe. Descobriríamos que nosso conselho não havia ajudado, uma vez
que a devotada mãe e seus empregados tentavam, persistentemente, ajudar Helen com
as frustrações que pareciam, cada vez mais, causar acessos de raiva. Não há relatos
sobre comportamento do tipo "terríveis dois anos de idade" antes da doença de Helen,
mas os cinco anos subseqüentes pareciam uma repetição interminável de acessos e
ataques imprevisíveis. No século dezenove havia pouquíssimos casos de pessoas
surdas-cegas (DH, p.ll) que perderam estes sentidos quando bebês ou nos primeiros
anos de infância. Aquelas que foram descritas tinham a fama de ter acessos e dirigir
gritos, chutes, beliscões, pancadas e mordidas às outras pessoas, e isto era exatamente
o que Helen fazia. "Ninguém tinha coragem de castigá-la. Ela... tiranizava o lar. Ela
estraçalhava pratos e abajures, afundava suas mãos nos pratos de outras pessoas. [Uma
vez] ela entrou como um raio na sala de visitas... e a beliscou [avó materna],
perseguindo-a até saírem da sala. Helen não podia ver nem ouvir as reações das outras
pessoas e não fazia idéia da dor que infligia. As lágrimas e recriminações de seus pais
não tinham efeito com ela" (DH, pp.11-12).
Quando Helen tinha cinco anos, sua mãe teve uma segunda criança, uma menina
chamada Mildred. Uma vez, Helen virou o berço; sua mãe pegou o bebê antes que
caísse no chão, prevenindo um possível dano que colocasse sua vida em perigo. Este
ato de Helen foi atribuído ao seu ciúme hostil. Contudo, parece improvável que
sofresse uma emoção tão complexa, que exige a capacidade cognitiva de lembrar e
fantasiar interações interpessoais, dado o que podemos inferir do estado mental de
Helen e daquilo que ela mesma descreve (Keller, 1927, pp.19-21).
No lado positivo, havia sinais de que Helen ainda mantinha algum tipo de
contato com o mundo que a cercava e que usava uma forma primitiva de comunicação.
"Ela... inventou sinais para muitas coisas - na verdade, eram em número de sessenta.
Se queria pão e manteiga, imitava os movimentos de cortar pão e passar manteiga.
Uma vontade de comer sorvete era demonstrada pelo movimento de contornar a
geladeira e de um pequeno tremor. Colocar óculos significava o seu pai. Prender o
cabelo atrás da sua cabeça (ou colocar a mão contra o rosto) simbolizava sua mãe.
Uma tia era representada por um amarrar de cordões de touca sob o queixo, e sua
irmãzinha, por chupar os dedos. Aprendeu a utilidade de uma chave e trancou sua mãe
na despensa (JL, p.47).
A mãe de Helen era uma grande leitora e, em 1887, deparou-se com o livro
American Notes (1842) de Charles Dickens, no qual ele descrevia uma menina
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"61
Robert L. Tyson
que era surda e cega desde os dois anos por causa da escarlatina. Laura Bridgman foi a
primeira pessoa afligida desta forma a quem ensinaram a comunicar-se. Uma tentativa
anterior com uma menina de dezoito anos havia falhado. A instrução de Laura
começou aos sete anos, sob a direção do Dr. Samuel Gridley Howe, o primeiro diretor
da primeira escola para cegos nos Estados Unidos, a Perkins Institution and
Massachusetts Asylum for the Bend, em Boston. Em uma visita a França, Howe ficou
sabendo sobre o Alfabeto Manual de Uma Mão desenvolvido, na época medieval, por
monges travistas espanhóis que viviam sob voto de silêncio. Ele e outras pessoas sob
sua supervisão utilizaram este método para ensinar Laura Bridgman. Seu sucesso foi
atribuído, pelo menos em parte, ao fato de que a instrução de Laura começou em uma
idade anterior aos dezoito anos. Porém, Howe morreu mais de dez antes da doença de
Helen, e Boston era longe do Alabama. Mas os feitos de Laura Bridgman ficaram na
mente de Kate durante as tentativas dos Keller de encontrar uma solução médica para
os problemas de Helen.
Um médico de Baltimore confirmou que Helen estava permanentemente cega, e
surda, mas sugeriu que os Keller consultassem um especialista em problemas de
crianças surdas - Alexander Grahan Bell - que estava em Washington. A mãe de Bell
era surda; sua esposa perdeu a audição aos cinco anos por causa da escarlatina, e sua
invenção do telefone, cerca de uma década antes, havia sido inspirada, em parte, pela
esperança de que pudesse servir como um parelho de surdez (DH, p.24). Bell achou
que os Keller poderiam tentar levar uma professora para morar com eles e sugeriu que
contatassem Michael Anagnos, que havia se casado com a filha mais velha de Howe e
que foi seu sucessor como diretor da Perkins. Esta correspondência resultou na
recomendação de Annie Sullivan, então com 20 anos, sendo ela própria parcialmente
cega devido a danos causados por tracoma quando tinha pouca idade. Sua visão havia
melhorado com cirurgia, de modo que podia ler e escrever. Ela havia sido uma alunaestrela na Perkins, havia passado algum tempo com a envelhecida e solitária Laura
Bridgman, e entendia bastante dos métodos que Howe utilizou para educar Laura. Por
experiência pessoal, Anagnos sabia que Annie era "tempestuosa, apaixonada, idealista,
controvertida e extravagante, bem como brilhante e perseverante" (DH, p.26). Estes
adjetivos não serviriam para descrever a pessoa ideal que um analista recomendaria
para essa tarefa, mesmo se a idéia de se ter um(a) professor(a) morando em casa
tivesse ocorrido ao nosso consultor hipotético. O caso de Laura Bridgman foi a única
experiência deste tipo conhecida no país e, talvez, em qualquer lugar. Não havia
escolas para cegos, com exceção da Perkins em Boston, e a mãe de Helen estava
decidida a mantê-la em casa. Também não havia nenhum professor em outro lugar nos
Estados Unidos, então, trazer um(a) professor(a) para casa era a única possibilidade.
Os Keller acharam que tiveram
62 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Helen Keller: um enigma psicanalítico
sorte por existir alguém disponível que era mulher, jovem, inteligente e que conhecia
Laura Bridgman e sabia como fora ensinada.
Tendo tomado estas providências, suponhamos que os pais pedissem novamente
o conselho do nosso consultor. Desta vez querem saber a probabilidade dessa tentativa
ter algum sucesso, e como pode ser o resultado. Até agora, nosso consultor está
impressionado com a persistência dos pais, mas cautelosamente ressalta que existe
apenas o caso de Laura Bridgman para ser considerado. Portanto, pode-se dizer apenas
que há uma boa possibilidade de que Helen possa ser ensinada a se comunicar de
alguma forma. Suas conquistas serão, provavelmente, bastante limitadas, mas
suficientes para permitir que cuide da maior parte de suas necessidades diárias. Porém,
este trabalho provavelmente levará vários anos.
Annie Sullivan aceitou a oferta do pai de Helen, que era de 25 dólares por mês
mais casa, comida e roupa lavada. Helen e Annie conheceram-se quando Helen tinha
seis anos e nove meses; ela estava cega, surda e muda havia 5 anos e dois meses.
Annie Sullivan tinha 20 anos, e a mãe de Helen tinha 30.
O quanto Helen Keller era "selvagem" naquela época exatamente? Claramente,
ela era agressiva por ocasiões e, às vezes, tais rompantes podiam ser atribuídos à
frustração. Porém, ela havia desenvolvido uma forma rudimentar de comunicação.
Além dos sinais que já mencionei, movimentava a cabeça para cima e para baixo para
dizer "sim" e a virava para um lado e para o outro para dizer "não". Aos cinco anos,
podia separar e dobrar a roupa após ter sido passada, e podia distinguir suas próprias
roupas das dos outros (DH, pp. 12-13). Embora a confiabilidade de sua memória
posterior acerca destes primeiros acontecimentos tenha sido questionada, Helen Keller
escreveu: "Às vezes, eu ficava parada entre duas pessoas que estavam conversando e
tocava seus lábios. Eu não podia entender o que diziam e ficava irritada. Eu
movimentava meus lábios e gesticulava freneticamente sem resultado. Isto às vezes
deixava-me tão braba que esperneava e gritava até ficar exausta" (DH, p.13).
Podemos julgar, a partir desta amostra, que o desenvolvimento cognitivo de
Helen, pelo menos, havia progredido significativamente desde a época de sua doença,
porém não a um nível apropriado à idade. Quando Annie Sullivan chegou, Helen já
havia demonstrado a capacidade de aprender, de distinguir o se//do não self e
diferenciar, até certo ponto, as pessoas do seu ambiente, tais como mãe, pai e irmã.
Era evidente, pelo seu apego ocasional, que tinha um tipo de vínculo emocional, pelo
menos com sua mãe. Porém, relatos sobre suas expressões faciais naquela época
enfatizam uma falta de afeto aparente. Alexander Grahan Bell, por exemplo, registrou
que seu rosto era "friamente vazio" (DH, p.25). Mas as lembranças da própria Helen
sobre o seu encontro com Bell eram de um afeto terno por um homem grande que
parecia compreensivo e responsi-
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
-63
Robert L. Tyson
vo e que a fascinou por permitir que ela sentisse as vibrações do seu relógio de bolso
enquanto este soava a hora (DH, p.24). Esta discrepância deve prevenir-nos contra
assumir, automaticamente, que a expressão facial é um indicador infalível da
experiência interna (Emde et al, 1976, Tomkins, 1981; Tyson & Tyson, 1990, p.150).
A fim de compreender melhor o perfil de desenvolvimento de Helen Keller
quando Annie Sullivan chegou em Tuscumbia, um exame da sua habilidade de
experimentar autoconsciência é útil. A informação bibliográfica e sua próprias
recordações deixam claro que a habilidade para distinguir o self do não self é
significativamente diferente da capacidade de autoconsciência ou consciência do self
Em uma discussão das capacidades cognitivas de Helen Keller, Dahl (1965) dá uma
atenção considerável à descrição de Keller do advento da autoconsciência
essencialmente no mesmo momento que experimentou o "insight" do processo
secundário de que as palavras representavam as coisas no mundo externo. Como ele
descreveu, aquelas memórias, que mais tarde tornaram-se organizadas em uma noção
de self, são inicialmente estimuladas por fontes sobre as quais a pessoa não tem
controle e que, portanto, ainda não são coesas. A conquista cognitiva de Helen, de um
novo nível de pensamento abstrato - de que as palavras representam conceitos (objetos
da percepção) e não apenas objetos particulares - trouxe com ela uma organização
interna que forneceu uma nova habilidade para controlar e ordenar estímulos externos.
Dahl refere-se à experiência pseudo-alucinatória do gosto, temperatura e textura do
sorvete, descrita pela própria Helen, que a levou a fazer os sinais que indicavam seu
desejo de comer sorvete. Porém, assim que aprendeu a palavra para sorvete, nunca
mais teve aquelas experiências sensoriais. Dahl afirma: "É difícil deixar de imaginar
que o passo crucial que levava às novas conexões exigia um monitoramento do
pensamento interno, por mais breve que fosse" (p.544). Desta forma, todas aquelas
experiências que fizeram parte do estabelecimento da distinção se//-objeto agora eram
usadas em uma experiência do self e do outro enfatizada de forma nova, com uma
concomitante e intensificada consciência de ambos - uma expansão significativa da
realidade psíquica da criança. Esta transição excitante trouxe também mudanças
significativas de comportamento, de atitude, e de relacionamento, as quais voltarei a
mencionar.
Como era a realidade psíquica para Helen Keller antes desta mudança significativa? Alguns trabalhos recentes (Fonagy e Target, 1996; Target e Fonagy, 1996)
examinaram o que se quer dizer com realidade psíquica e como o termo é usado,
começando com o uso coloquial que significa experiência subjetiva influenciada por
processos inconscientes. Talvez, a melhor forma de estabelecer o cenário para este
tópico seja ouvir a própria Helen Keller, que escreveu o seguinte aos vinte e poucos
anos: "Antes de minha professora chegar até mim, eu não
64 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Helen Keller: um enigma psicanalítico
sabia que eu era eu. Vivia em um mundo que era um não-mundo. Não posso ter a
esperança de descrever adequadamente aquela época inconsciente, porém consciente,
de nada. Eu não sabia que sabia algo, ou que eu vivia, agia ou desejava. Não tinha
vontade ou intelecto. Era levada a objetos e ações por um certo ímpeto cego natural.
Tinha uma mente que fazia com que sentisse raiva, satisfação, desejo. Estes dois fatos
levavam aqueles que me cercavam a supor que eu tinha vontade e pensava. Posso
lembrar de tudo isso, não porque sabia que era assim, mas porque tenho memória
precisa. Ela me permite lembrar que nunca contraí minha testa no ato de pensar. Nunca
via alguma coisa de antemão e a escolhia. Também lembro, tatilmente, do fato de que
nunca senti que amava ou importava-me com alguma coisa através de um
estremecimento do corpo ou de um bater do coração. Minha vida interior, então, era
medíocre, sem passado, presente ou futuro, sem esperança ou expectativa, sem
admiração, alegria ou fé" (1909). A partir de suas próprias palavras, podemos inferir
que a autoconsciência era rudimentar, na melhor das hipóteses, e que, antes da
influência da professora, o nível de pensamento de Helen havia progredido um pouco
além daquele de 19 meses, atingindo o Estágio 4 de Edgcumbe da linha de
desenvolvimento de aquisição da linguagem (Edgcumbe, 1981). Neste estágio, a
compreensão da criança é consideravelmente maior do que a habilidade de usar
palavras e frases - a linguagem receptiva é muito maior do que a linguagem
expressiva. Por volta dos 15 meses, "não" é usado para parar as próprias ações da
criança, embora, na maior parte das vezes, na presença de um adulto. Aos dezoito
meses a criança repete palavras proeminentes, e, aos 24 meses, tem um vocabulário de
50 palavras e pode formar frases simples. Os gestos de Helen eram usados por ela
como sinais para indicar suas vontades, seu desprazer ou satisfação, enquanto que sua
raiva era expressa sob a forma mais rudimentar de tempestades de fúria destrutiva. Sua
abrangência um tanto elaborada de sinais sugere que ela progrediu da equivalência
simbólica para um nível primário de representação simbólica (Edgcumbe, 1984), uma
capacidade que é necessária para a utilização de palavras na fala. Estes sinais foram
criados por ela mesma em resposta à pressão das suas necessidades e em resposta a
algum reconhecimento de que havia outros lá fora que podiam e respondiam com
freqüência suficiente para reforçar sua linguagem de sinais. Ao mesmo tempo que
Keller não aperfeiçoou sua habilidade de reconhecer e distinguir os outros no seu
ambiente, há informações paralelas de que ela fez isso. O que podemos inferir que ela
não podia fazer era ser auto-reflexiva, auto-observadora ou transmitir afetos através de
sinais. Podemos conjeturar que ela não tinha alcançado um nível de constância objetai
libidinal apropriado para a idade, embora não existam informações sobre suas reações
em relação a separações. Considerando as circunstâncias, pode ter sido pelo fato de
que sua mãe nunca esteve ausente e de que Helen sabia sempre onde e como
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 65
Robert L. Tyson
encontrá-la. Contudo, Annie, na verdade, registrou uma reação de Helen a uma
separação forçada de sua mãe quando ela e sua professora mudaram-se da casa
principal para um chalé próximo. Annie insistiu que a família poderia visitá-las em
silêncio todos os dias, desde que não desse indicação da sua presença. Annie também
rearrumou toda a mobília a fim de dar a Helen a impressão de que estava em um
ambiente totalmente novo. De outra forma, Helen rapidamente teria achado seu
caminho de volta à casa principal e escapado da influência de Annie. Um certo dia,
após a mudança para o chalé, Annie escreve: "Ela ficava indo até a porta, como se
esperasse alguém, e, de vez em quando, tocava suas bochechas, que é o seu sinal para
sua mãe, e sacudia a cabeça tristemente. Ela brincava com suas bonecas mais do que o
normal, e não tinha nada para fazer comigo" (DH, p.44). Considerando a violência das
reações que Helen normalmente apresentava frente à frustração, esta descrição sugere
que Annie Sullivan já estava desempenhando muitas das funções que a mãe de Helen
desempenhava para ela, e que estava gradativamente substituindo sua mãe na mente de
Helen.
Em termos de habilidades para brincar, no sentido de que as ações da criança
denotam um modo de faz-de-conta de experiência, é tentador entender alguns gestos
de Helen desta maneira. Por exemplo, o fato de fazer sinais para indicar pai, mãe ou
irmãzinha poderia ser tomado como uma forma primitiva de brincadeira, embora possa
ter sido uma forma primitiva de dar nomes, apenas uma etapa acima da ação de
apontar de uma criança com visão. Aceita-se, normalmente, que a brincadeira é
acompanhada por alguma forma de pensamento talvez simplificada para uma criança
muito pequena, com cerca de dois anos, se algum adulto estiver presente para fornecer
uma estrutura e proteção necessárias (Fonagy e Target, 1996, p.220). Para as crianças
com visão, ou até mesmo para as crianças cegas mas que têm audição, a consciência
da outra pessoa através da visão ou do som servirá, mas, no caso de Helen,
provavelmente ela precisava do sentimento ou toque real de uma outra pessoa para
saber que ele ou ela estava presente. A partir de descrições do comportamento de
Helen e de suas próprias palavras, parece provável que ela não tenha atingido aquele
ponto, no desenvolvimento da realidade psíquica, que é caracterizado pela consciência
da existência de outras mentes, com outras intenções, ou mesmo de sua própria mente
e intenções. Na verdade, pode bem ser que ela não tivesse verdadeiras intenções
próprias no sentido de um desejo formado seguido por um comportamento organizado
direcionado a um objetivo, exceto pela aproximação na forma do desejo imediato
ocasional.
No curso normal do desenvolvimento, Fonagy e Target (1996) e Gopnik (1993)
sustentam que um modo reflexivo ou "de mentalização" de realidade psíquica é
estabelecido aos quatro anos de idade. Qual é o ingrediente que está
66 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Helen Keller: um enigma psicanalítico
faltando aqui? Uma criança com visão porém surda, ou uma criança surda mas com
visão, atingirá estes marcos na brincadeira e na autoconsciência. O que é novamente
conduzido por estes caminhos que não estava disponível para Helen Keller até Annie
Sullivan assumir o comando de sua vida? Correndo o risco da super simplificação,
sugiro que o que é crucial é aquilo a que Fonagy e Target se referem como "uma
perspectiva dialética do autodesenvolvimento", uma experiência intersubjetiva que está
em andamento, na qual "a internalização do self pensante [ocorre] a partir de dentro do
objeto continente (1996, p.231). Sob esta perspectiva, Annie Sullivan tornou-se o
"objeto continente" para Helen, que estava completamente pronta para esta próxima
etapa. Em termos mais gerais, Annie Sullivan proporcionava o meio para o
estabelecimento de um relacionamento objetai novo e diferente, dentro do qual laços
afetivos antigos eram transferidos e, então, um vínculo libidinal-emocional novo e
mais complexo e um progresso cognitivo novo surgiam. Ela também proporcionava,
consistentemente, um clima típico dos pais adoção de significado, o qual fornece a
base na qual a criança aprende o significado (R.L. Tyson, 1986). Target e Fonagy
(1996) colocam desta forma: "Inconsciente e universalmente, aquele que prove
cuidados imputa um estado mental à criança com o seu comportamento, isto é
gradativa-mente internalizado pela criança, e constrói os alicerces de um sentido
essencial de selfhood mental" (p.461). A evidência, embora escassa, sugere que há um
período crítico para crianças como estas, e que a idade de 6 ou 7 anos está dentro desse
período, mas que a de 17-18 já o ultrapassou.
A chegada de Annie Sullivan à casa dos Keller foi descrita pela futura professora em termos que demonstram sua sensibilidade em relação ao estado da mente
de Helen, do modo como estava, e dão algumas pistas sobre as semanas decisivas que
se seguiram. Isto é melhor avaliado considerando-se algumas informações adicionais
sobre a própria Annie Sullivan.
Annie chegou a Perkins aos 14 anos, em 1880, no mesmo ano em que Helen
Keller nasceu. Por alguns anos, ela esteve na Massachusetts Almshouse2 (Tewksbury), da qual livrou-se pelo fato de implorar que fosse mandada para a escola. Na
Perkins, rapidamente tornou-se conhecida como Srta. Spitfire3 por causa da sua
volubilidade e seu oposicionismo. Por exemplo, na aula de história, declarou que
Thomas Jefferson era um hipócrita. Quando o professor, chocado, perguntou por que
ela havia dito tal coisa, respondeu: "Porque ele escreveu a Declaração de
Independência e manteve escravos (JL, p.28). Porém, alguns professores da Perkins
reconheceram sua inteligência superior e, após alguns anos, ela até mesmo ajudava,
ensinando, para alunos mais jovens, matérias como história grega através de maneiras
que tornavam seus alunos interessados (JL, p.35). Veio
2. O termo "almshouse" significa "casa de caridade". (N. do T.)
3. O termo "spitfire" significa "pessoa irascível, de pavio curto". (N. do T.)
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
-67
Robert L. Tyson
a conhecer Laura Bridgman, com seus cinqüenta e poucos anos na época, que vivia
permanentemente na escola; Annie aprendeu o alfabeto manual e tornou-se uma das
pessoas que podia se comunicar com Laura. Mas ela não queria lecionar (JL, p.39) e
não conseguia se sustentar depois de formar-se na Perkins, até que Anagnos,
respondendo ao pedido dos Keller, uniu-os a Annie. Annie estava interessada neste
desafio, mas, antes de sentir que estava pronta, passou cerca de seis meses estudando o
caso de Laura Bridgman, os métodos bem documentados através dos quais havia sido
ensinada e o que era conhecido, na época, sobre desenvolvimento mental (JL, p.49).
Helen e Annie encontraram-se pela primeira vez no momento em que Annie
chegou à casa, em 3 de março de 1887. Menininhas civilizadas deveriam responder ao
cumprimento de uma dama retribuindo um abraço e um beijo, mas Helen esforçou-se
para soltar-se e, em vez disso, rapidamente apalpou todo o rosto e o vestido da recém
chegada. Insistiu em abrir a bolsa de Annie imediatamente. Como Annie descreveu a
cena em cartas a um professor na Perkins, Kate Keller tirou a bolsa de Helen, que
começou a ter um acesso de raiva. Annie pegou a mão de Helen, colocou-a sobre seu
relógio e mostrou-lhe que, apertando uma mola, o relógio abriria; o acesso parou
imediatamente no momento em que o interesse de Helen foi estimulado. Helen seguiu
Annie escada acima até seu quarto, onde explorou os conteúdos da bolsa de Annie,
levando a mão à boca e sacudindo sua cabeça, uma vez que não encontrou nada
interessante. Annie, então, levou Helen até um baú que havia no corredor e, usando os
sinais de Helen, indicou que ela também tinha um baú com alguma coisa boa para
comer dentro. Helen correu para sua mãe para repetir o que havia descoberto,
utilizando os mesmos sinais (JL, pp.50-51). E, a partir daquela mesma tarde, Annie
continuamente escrevia na palma da mão de Helen as letras de vários objetos, embora
não houvesse resposta que indicasse que Helen estava ciente de uma conecção entre o
escrito na palma e os objetos.
Annie havia conhecido alguém tão cabeça dura quanto ela. Na manhã seguinte,
elas entraram em um conflito que Annie descreveu como sendo necessária para
estabelecer o que chamava de disciplina, controle e obediência razoável. A família,
muito contrariada, deixou a sala de jantar a pedido de Annie, e então ela trancou a
porta e continuou com seu próprio café da manhã enquanto Helen estava deitada no
chão gritando e esperneando. Quando Helen, subseqüentemente, beliscou Annie, esta
deu um tapa nela, "... e eu dava um tapa nela cada vez que ela fazia isso" (DH, p.43).
Isto continuou por algumas horas, no final das quais Helen havia comido o seu
desjejum com uma colher e dobrado seu guardanapo, e Annie estava exausta. Os
constantes conflitos - dia e noite - aborreciam a família, que era motivada a interferir,
um problema que foi resolvido, em sua maior parte, quando concordaram que Helen e
Annie poderiam morar sozi-
68 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Helen Keller: um enigma psicanalítico
nhas no chalé próximo. Elas dividiam a mesma cama - um grau de proximidade que
Helen consentiu na primeira noite apenas após um conflito de duas horas (DH, p.43).
A família podia visitá-la todos os dias, mas não podia deixar que Helen soubesse de
sua presença (DH, p.43)
Dez dias depois da chegada de Annie, Helen podia repetir a escrita de várias
palavras, mas ainda não havia sinal de conexão na sua mente entre os escritos e os
objetos que significavam. Em uma carta no décimo dia, Annie escreveu: "Helen adora
demais brincar ao ar livre e ri e se diverte com os negrinhos como se tivesse todos os
sentidos" (JL, p.52).
Trinta e quatro dias após a chegada de Annie, em 5 de abril de 1887, ocorreu um
momento dramático de "insight" celebrado em uma peça da Broadway e em um filme,
The Miracle Worker4. Na bomba do poço entre a casa principal e o chalé, Annie
aproveitou a oportunidade para esclarecer a confusão de Helen entre substantivos e
verbos, entre "caneco", "leite" e "beber". O insight ocorreu quando Annie colocou a
mão de Helen, que estava segurando um caneco, no fluxo de água e escreveu "água"
em uma das suas mãos enquanto a água vertia sobre a outra. O espanto que isto causou
em Helen foi seguido por sua corrida para lá e para cá a fim de dar nomes às coisas e
às ações, e, em algumas horas, ela havia aprendido mais de trinta palavras novas.
Aconteceu que Helen tinha uma memória prodigiosa e tornou-se muito ativa em
"absorver" informações, em um ritmo muito alto (DH, pp.45-46).
Em junho, a tensão da interação altamente pressionada e quase que contínua
estava fatigando as duas. Annie descreveu que passava oito horas por dia com Helen,
além das refeições. Se ela não "conversasse" com Helen como fazia quase que
continuamente, Helen escrevia na própria mão mantendo conversas animadas consigo
mesma (JL, p.58). A escrita que Annie fazia na palma de Helen não era uma palavra
de cada vez, mas era um fluxo persistente de escrita de palavras em frases completas.
Estava convencida de que Helen iria aprender a linguagem exatamente como uma
criancinha faz, isto é, aprender a linguagem além das palavras apenas, estando exposta
a frases completas o tempo todo, não apenas a palavras separadas, uma por vez.
Através das intervenções de Annie Sullivan, Helen Keller alcançou a habilidade de
entender e comunicar a linguagem, uma consciência de si mesma e dos seus próprios
estados emocionais, e uma consciência da existência de outras mentes, com seus
próprios desejos e sentimentos, distintos dos seus próprios. O contato persistente e
consistente de Annie, momento a momento com Helen, à força, restabeleceu os
elementos cruciais da estrutura mãe-criança rompidos pela doença de Helen aos
dezenove meses. Mais uma vez, havia alguém lendo o estado mental de Helen
consistente4. Filme que recebeu o Oscar em duas categorias na cerimônia de 1962/63 e foi exibido no Brasil com o título "0
Milagre de Annie Sullivan". (N. do T.)
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 69
Robert L. Tyson
mente e, progressivamente, de forma mais precisa, respondendo apropriadamente.
Aquilo que Annie descreveu como a "obediência" de Helen era, sem dúvida, sua
resposta inicial à "trajetória" de Annie, que refletiu de volta no próprio estado da
mente de Annie como a descrição de Winnicott (1956) do surgimento do sentido do
se//da criança no relacionamento mãe-criança.
Com estas conquistas, vieram ansiedades, bem como outros efeitos para os quais
não havia evidência anterior. Para colocar isto de outra maneira, o desenvolvimento
afetivo avançou do nível de poucos afetos rudimentares experimentados e expressos
fisicamente (brincadeira com diversão, acessos de raiva, satisfação) para a
diferenciação de muitos afetos, incluindo ansiedade, algumas vezes expressa
fisicamente mas, aos poucos, mais verbal através do alfabeto manual. Este progresso
pode ser conceituado, nos termos propostos por Fonagy et al. (1993), como uma
mudança do se//pré-reflexivo ou físico ao se//reflexivo ou psicológico. O primeiro é
baseado em características físicas e a categorização de outras pessoas é feita com base
nas percepções concretas das suas ações. O último, um estado mais complexo e de
evolução mais lenta, é baseado em interações complexas entre o self e o outro,
constando também sentimentos, expressões e pensamentos reflexivos sobre elas. Em
termos mahlerianos, seu começo é marcado por sinais iniciais da intenção de
reaproximação.
Ao encerrar, quero reconhecer que posso não ter respondido completamente a
pergunta de como foi possível para essa menininha cega, surda e muda, mas não burra
com certeza, tornar-se a mulher articulada e sofisticada que foi. Porém, realmente
acho e espero que tenha indicado as áreas principais nas quais o entendimento
psicanalítico pode contribuir para a solução, e que tenha delineado alguns dos seus
segmentos nesta apresentação.
Referências bibliográficas
AINSWORTH, M.D.S., Bell, S.M. & Stayton, D. J. (1971). Individual differences in strange-situation behavior of one-year-olds. In: The Origins of Human Social Relations, ed. H.R. Schaffer.
New York: Academic Press.
AINSWORTH, M.D.S., & Eichberg, C. (1991). Effects on infant-mother attachment of mother's
unresolved loss of an attachment figure, or other traumatic experience. In: Attachment Across
the Life Cycle, eds. CM. Parkes, J. Stevenson-Hinde, and P. Marris. New York: Routledge,
pp.160-183.
DAHL, Hartvig (1965). Observations on a "natural experiment": Helen Keller. /. Amer. Psychoanal. Assn.,13:533-550.
DICKENS, C. (1842). American Notes for General Circulation. London: Chapman and Hill, two
volumes. Vol. I, pp.75-104.
EDGCUMBE, R. M. (1981). Toward a developmental line for the acquisition of language. Psychoanal. Study Child, 36:71-103.
70 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Helen Keller: um enigma psicanalítico
EDGCUMBE, R.M. (1984). The development of symbolization. Bull, Hampstead Clin., 7:105-126.
EMDE, R.N., Gaensbauer, T, and Harmon, RJ. (1976). Emotional Expression in Infancy: A Biobehavioral Study. Psychological Issues, Monograph 37, New York: International Universities press.
FONAGY, R; STEELE, M; STEELE, H.; HIGGITT, A.; TARGET, M. (1994). The theory and practice of resilence. /. Child Psychol. Psychiat., 35:231-257.
FONAGY, P. & TARGET, M. (1996). Playing with reality: I. Theory of mind and the normal development of psychic reality. Int. ]. Psychoanal., 77:217-233.
FRAIBERG, Selma (1977). [nsights From the Blind. New York: Basic Books.
FREUD, S. (1916). Some character-types met with in psycho-analytic work. S.E. 14:311-315.
GOPNIK, A. (1993). How we know our minds: the illusion of first person knowledge of intentionality. Behav. & Brain Sci., 16:1-14.
HERRMANN, D. (1998). Helen Keller. New York: Knopf.
KEELER, W. R. (1958). Autistic patterns and defective communication in blind children with retrolental fibroplasia. In: Psychopathology of Communication. New York: Grune and Stratton, pp.64-83.
KELLER, H. (1909). The World I Live In, Ch. XI. New York: The Century Co., pp.113-121.
KELLER, H. (1927). Light in My Darkness, rev. and ed. Ray Silverman. Westchester, PA: Chrysalis
Books, 1994. LASH, J.P. (1980). Helen and Teacher. Reading, MA:
addison-Wesley.
MAHLER, M. S. (1979). The Selected Papers of Margaret S. Mahler, Vol. II. New York: Aronson.
MAHLER, M.S.; PINE, F, and BERGMAN, A. (1975). The Psychological Birth of the Human Infant. New York: Basic Books. MAIN, Mary (1993). Discourse, prediction, and recent studies in
attachment: Implications for psychoanalysis. /. Amer. Psychoanal. Assn., 41Suppl: 209-244.
MCDEVITT, J. (1975) Separation-individuation and object constancy. /. Amer. Psychoanal. Assn.,
23:713-742.
MCDEVITT, J. (1979). The role of internalization in the development of object relations during
the separation-individuation phase. J. Amer. Psychoanal. Assn., 27:327-343.
TARGET, M. & Fonagy, P. (1996). Playing with reality: II. The development of psychic reality
from a theoretical perspective. Int. }. Psychoanal., 77:459-479. TOMKINS, S. S. (1981). The quest
for primary motives: Biography and autobiography of an idea.
]. Personal. Soc.. Psychol., 41:306-329.
TYSON, P. (1996). Object relations, affect management, and psychic structure formation: The concept of object. Psychoanal. Study Child, 51:172-189.
TYSON, P. & Tyson, R.L. (1990). Teorias Psicoanalíticas Del Desarrollo: Una Integración. Lima,
Perú: Publicaciones Psicoanalíticas.
TYSON, R. L. (1986). The roots of psychopathology and our theories of development. /. Amer.
Acad. Child Psychiat., 25:12-22.
Tradução de Gisele Braga
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
71
O lugar da sexualidade infantil
na cultura contemporânea
Daniel Widlõcher*, Paris, FRANÇA
* Membro da Associação Psicanalítica Francesa.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 73
Daniel Widlöcher
Todos conhecem a anedota que Freud relata nas primeiras páginas de Sobre a
história do movimento psicanalítico (Zür Geschichte des Psychoanalytischen
Bewegung-GW, X, p.44-113). Em Paris numa recepção noturna na casa de Charcot,
ele se encontra perto do "venerado mestre" e ouve-o falar a respeito de um caso com
seu colega Brouardel. A conversa capta sua atenção; Charcot a conclui com
entusiasmo: "Mas em casos semelhantes é sempre a coisa genital,
sempre...sempre...sempre". E ao dizer isso, acrescenta Freud, Charcot "cruzou as mãos
sobre sua barriga, saltitando várias vezes com a vivacidade que lhe era peculiar",
Freud cai numa surpresa quase paralisante e se diz: "Mas se ele o sabe porque não o
diz jamais"?
O que aconteceu ao papel da coisa genital depois de mais de um século de
psicanálise? Ao longo de toda sua obra, Freud voltará sem cessar a respeito daquilo
que ele considera ser uma das principais descobertas da psicanálise, a existência da
sexualidade infantil, seu papel na sexualidade do adulto, na vida psíquica em geral e na
cultura. Ao longo do seu trabalho, ele voltará também sobre a idéia de que esta
descoberta é, juntamente àquela do inconsciente (as duas estando intimamente
ligadas), uma das principais fontes da resistência à psicanálise. Desde 1905, na
primeira edição dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud salienta, a
respeito das aberrações sexuais, que a sexualidade permanece o ponto cego (der
schwacher Punct), do desenvolvimento cultural humano (GW,V, p.48). Cada vez que
as resistências opostas à psicanálise são mencionadas (e elas o são de uma maneira
constante ao longo de toda sua obra), o papel da sexualidade é citado, e o que acontece
mais seguidamente é a retomada da acusação de pansexualismo. Não se trata tão
somente de críticas advindas do meio médico, nem mesmo mais amplamente do meio
científico, mas da rejeição por parte da opinião pública em geral de elementos que
mobilizam resistências distintas das puramente intelectuais. Tratam-se dos efeitos
sobre as paixões dos homens e não somente sobre a opinião dos sábios, e, em
primeiríssimo lugar, da importância atribuída às pulsões sexuais, que alimentam essas
resistências. "A cultura humana se baseia em dois fundamentos", diz Freud em As
resistências contra a psicanálise (GW, XIV, p.106), "uma é a dominação das forças da
natureza, a outra, a limitação de nossas pulsões. Escravos acorrentados levam o trono
da soberana. Entre os componentes pulsionais tornados, dessa forma, úteis, aqueles das
pulsões sexuais - no sentido estrito - prevalecem pela força e pela selvageria. Que
desgraça se elas fossem liberadas: o trono seria derrubado, a soberana desprezada. A
sociedade sabe disso mas não quer que toquemos nesse assunto". Este tema
reaparecerá em termos semelhantes, tanto nas Conferências quanto nas Novas
Conferências, bem como em outros textos.
Como se encontra hoje a questão? Há muito tempo que nossa sociedade
relegou essas resistências às masmorras. A liberação dos costumes sexuais
74 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
O lugar da sexualidade infantil na cultura contemporânea
terminou com os ataques puritanos contra a psicanálise. A idéia de que a sexualidade
desempenha um papel determinante nas neuroses e na vida psíquica inconsciente não é
mais uma novidade revoltante, ou no mínimo, surpreendente. A resistência não se
procura mais aí. Ao contrário, trata-se, sobretudo, de uma teoria envelhecida. O
pansexualismo de Freud? Há muito tempo que a sociedade contemporânea fez a
triagem das coisas. O sexo, em toda parte, por que não? Mas o que Freud queria dizer,
mais precisamente? A anedota do salão de Charcot, acima relatada, hoje faz rir. A
cultura contemporânea nos mostra isso: a sexualidade se encontra em toda parte, ela
mostra-se sem reservas. Mas, na verdade, que tinha de tão original a teoria de Freud?
E se a repressão da sexualidade tivesse um papel na gênese das neuroses, que sobraria
quando esta repressão desaparecesse?
É verdade que as assertivas de Freud dão lugar a uma tal crítica. Ao denunciar o
caráter repressivo da moral sexual, em geral, Freud corria o risco de tomar como
resistência de fundo à psicanálise o que não passava de um fato social sob a
dependência de uma história e de uma cultura dadas.
Um outro ponto fraco da argumentação de Freud foi o de que ele sempre se
referiu à sexualidade de uma maneira geral, cada vez que ele considerou seu efeito de
resistência, sem fazer a distinção entre sexualidade infantil e adulta. Sua preocupação
foi sempre a de reuni-las numa disposição instintual única, a primeira anunciando e
preparando a outra, isto na dupla finalidade de marcar a influência de uma sobre a
outra, e de sublinhar igualmente a natureza sexual da primeira.
Podemo-nos hoje perguntar que lugar ocupa, na cultura contemporânea, a
sexualidade infantil que, repetimos, é certamente o objeto de uma descoberta
específica da psicanálise. Estaríamos tentados a responder a esta pergunta da mesma
maneira que o fazemos quando se trata da sexualidade em geral. A idéia de uma
sexualidade própria à infância, pré-sexual, como escreveu Freud, não levanta mais
reservas. Todos estão de acordo para ver agora uma dimensão erótica na sucção ávida
do seio, ou nos jogos da analidade. A sexualidade infantil pré-genital sob a forma de
suas etapas sucessivas de desenvolvimento tornou-se uma realidade, da mesma forma
que o desenvolvimento da linguagem. Divertimo-nos com essas condutas "eróticas"
como uma tentativa prematura, uma sexualidade que não deveríamos levar a sério. A
descrição canônica da fase fálica com a dualidade que instaura a diferença biológica
dos sexos, a problemática fálica permitindo que se diferencie as posições feminina e
masculina, parecem, seguramente, um modelo contestado, mas é para que se lhe
substitua uma especificidade feminina mais acentuada. Isto não altera em nada a visão
global de vim esboço das posições sexuais da idade adulta de cada um, hoje em dia,
encontra-se aí no seu posicionamento de homem ou de mulher. Em suma, os
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"75
Daniel Widlõcher
debates visam a simetria das posições próprias às moças e aos rapazes, mas não
colocam em dúvida sua origem na infância.
Em relação à triangulação edipiana, há muito tempo ela une-se à imagem de um
mito, de uma comédia - quando não de uma tragédia- colocando em cena a criança e
seus pais. A criança jogaria nos seus fantasmas, seus jogos e sua relação para com
seus pais, um cenário de rivalidade amorosa que sancionaria a repressão vinda da
interdição parental. Em resumo, o mito social tomou o lugar do vivido individual.
Projeta-se sobre a subjetividade da criança o cenário de um teatro de variedades
(vaudeville).
Parece-me aqui importante sublinhar que a fantasmática infantil, retomada
naquela do adulto, é aqui reduzida aos cenários interpessoais que vêm da fantasmática
e do imaginário coletivos dos adultos. Não é mais a sexualidade infantil que traz uma
nova luz à sexualidade dos adultos mas, é esta última que ilustra, através de suas
dimensões perversas, a sexualidade infantil.
Eu gostaria de propor aqui que nos desvencilhássemos deste "adultomorfismo"
graças ao qual a cultura contemporânea acredita ter assimilado a teoria da sexualidade
infantil, e mostrar como esta última deve ser apreendida na sua própria especificidade
e não como uma imagem da prefiguração da sexualidade do adulto.
A sexualidade infantil não é uma sexualidade prematura
No artigo publicado em 1932 "Confusão de língua entre adultos e crianças",
Ferenczi (1961) opõe a linguagem da ternura da criança àquela da paixão do adulto. É
esta incompreensão mútua que, além de toda violência física, imprime uma dimensão
traumática à provocação sexual do adulto. A criança não pode dar sentido à linguagem
sexual deste último. Mas se a paixão implica uma conotação de violência, e a ternura
uma idéia de inocência, isso seria ater-se a uma visão muito simplista do sentido
comum, que é o de assimilar ternura à inocência. De que inocência se trataria quando
a grande descoberta da psicanálise, aquela que permanece ainda hoje a fonte de todas
as rejeições, é mesmo a da sexualidade infantil?
"Um adulto e uma criança se amam" escreve Ferenczi (op. cit.); "a criança tem
fantasmas lúdicos, ou seja, aquele de ocupar um papel maternal em relação ao adulto.
Este jogo pode tomar uma forma erótica, mas ele permanece, no entanto, ao nível da
ternura". É um fantasma que exprime uma identificação sexual à mãe que seria a fonte
da sedução "inocente" exercida pela criança. O termo de ternura está aí para dar conta
do fato de que a criança elabora uma fantasmática sexual ao identificar-se com o
adulto. É através desse processo que ela
76 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
O lugar da sexualidade infantil na cultura contemporânea
está apta a sentir uma forma de amor objetai. Cria-se uma verdadeira clivagem entre o
fantasma sexual infantil e o amor terno que a criança sente por seus pais. É de uma
maneira lúdica que a sexualidade infantil se inscreve na vida psíquica da criança. "É
assim, acrescenta Ferenczi, que quase todas as crianças sonham em usurpar o lugar do
pai/mãe do sexo oposto. Isto, vejamo-lo bem, somente enquanto imaginação; ao nível
da realidade, eles não quereriam e não poderiam abrir mão da ternura, sobretudo da
ternura materna".
Na subjetividade da criança, a violência é o resultado da "autoridade esmagadora" do adulto. Os efeitos traumáticos agravar-se-ão na medida em que um
processo de introjeção coloca o agressor, não mais na realidade exterior, mas no
mundo intra-psíquico da criança. Se os adultos se entregam a comportamentos sexuais
é na medida em que eles próprios se enganam e confundem o jogo clivado da
sexualidade infantil com a sua própria sexualidade: "eles confundem os jogos das
crianças com os desejos de uma pessoa tendo atingido uma maturidade sexual, e
deixam-se levar a atos sexuais sem pensar nas conseqüências". Na criança imatura e
inocente, existe então um "enxerto prematuro de um amor passional", entendamos
aqui genital, mas este último é induzido pela incompreensão do adulto a respeito desta
dimensão lúdica da sexualidade infantil, aquilo que Ferenczi chama num postscriptum "a ternura do erotismo infantil".
Este desconhecimento da linguagem da sexualidade infantil no adulto não se
aplica somente aos casos patológicos e aos sujeitos que têm essa predisposição. O
adulto, pelo próprio fato de ser dotado de uma sexualidade genital, está numa posição
difícil para representar-se aquilo que pode ser o erotismo infantil "puro". Freud, na sua
dupla preocupação de mostrar a natureza sexual das manifestações auto-eróticas e seus
efeitos sobre a vida sexual do adulto, sublinhou a continuidade entre as duas
"sexualidades". É este princípio de continuidade que lhe inspira as mesmas
explicações para descrever os mecanismos de excitação e de descarga. Mas está aí
uma outra expressão da confusão das línguas, e este recurso à explicações análogas faz
crer, de maneira equivocada, à existência de uma identidade de natureza.
Como nasce a excitação sexual? Quais são as condições do gozo auto-erótico?
A assimilação ao modelo do orgasmo genital arrisca endividar nossa compreensão
desses processos. É isto que eu gostaria de mostrar ao retomar aqui o estudo do Vorlust.
Em O chiste na sua relação com o inconsciente (1905 b), Freud introduz este
conceito para mostrar que uma experiência prazerosa encontra-se reforçada ou
facilitada por uma experiência de prazer de outra natureza. É a isto que ele chama de
"Vorlustprinzip". A idéia exposta apoia-se no papel de reforço da técnica do 'chiste'
sobre o prazer ligado à satisfação da tendência. O termo de antes-do-prazer (l'avantplaisir) parece-me apropriado para descrever este mecanismo que
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"77
Daniel Widlöcher
assegura a satisfação da tendência através da economia psíquica devido à técnica.
Aqui não há nenhuma idéia que seja de antecedência de uma em relação à outra. É do
ponto de vista estritamente lógico que o prefixo Vor vem marcar a condição dada para
que o prazer se constitua. Freud fala de uma recompensa de sedução e acrescenta:
"Tenho boas razões para supor que este princípio vem de um mecanismo que se aplica
ainda a muitos outros domínios da vida psíquica, domínios bastante estranhos uns aos
outros". O antes-do-prazer serve para liberar um prazer maior.
Pensa-se, na verdade, naquilo que foi desenvolvido na "Interpretação dos
sonhos" (1900). No sonho, o resto diurno não encontraria a energia suficiente para ser
revivido de maneira alucinatória no decorrer do sono, se ele não dispusesse de uma
energia sempre latente, pronta para se descarregar, que vem precisamente dos desejos
sexuais infantis. Daí vem a metáfora conhecida do empresário e do capitão.
Salientemos aqui que é o desejo infantil que dispõe de recursos necessários, enquanto
que no mecanismo do chiste, o poder econômico (desta vez num sentido que não tem
mais nada de metafórico) estaria nas mãos, poder-se-ia dizer, da técnica ao serviço da
tendência.
Mas, ainda no capítulo IV de O Chiste e sua relação com o inconsciente, Freud
para ilustrar esta generalidade do Vorlust printzip, refere-se ao Três Ensaios sobre a
Teoria da Sexualidade. Ora, nesta obra, o Vorlust reveste um sentido diferente que
leva em consideração a temporalidade dos acontecimentos. No adulto, a excitação das
zonas erógenas que deram origem à sexualidade infantil serve de precursora ao prazer
final. Ela cria uma experiência de prazer e, ao mesmo tempo, uma tensão que fornece
uma parte da energia motriz (necessária à consumação do ato sexual). É, unicamente,
o prazer produzido pela zona genital que cria, "esta vez pela via reflexa," a energia
motriz que comanda a expulsão dos produtos genitais. A oposição dá-se então entre o
Vorlust como prazer preliminar, no sentido de antecedente, e o prazer final {Endlust).
Este último termo salienta bem a dimensão cronológica do mecanismo. Não se trata
mais de um interessante mecanismo das operações mentais, mas de uma explicação
fisiológica. São as zonas erógenas que contribuem para a organização do ato sexual,
até a expulsão dos produtos sexuais. Aqui toda a demonstração refere-se à teoria do
orgasmo genital. A sexualidade infantil é considerada como um esboço prematuro da
sexualidade genital, e, a rigor, o que Freud nos propõe é uma explicação fisiológica
daquilo que os etologistas chamaram de "conduta de corte", ou seja, a organização
temporal dos comportamentos que, numa espécie dada, precedem à copulação e à
fecundação.
Uma compreensão temporal do Vorlust inscreve-se, portanto, numa perspectiva
decididamente biológica da sexualidade, e, em particular, da sexualidade infantil como
uma sexualidade inacabada. Nesta perspectiva, o adulto, que
78 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
O lugar da sexualidade infantil na cultura contemporânea
acedeu à subjetividade da sexualidade genital, é dotado de um "saber" que a criança
não possui. Esta é realmente um inocente cujos fantasmas não podem ser marcados a
não ser por uma ignorância radical; ignorância devendo aqui ser tomada num sentido
muito amplo, caracterizando a própria natureza do desejo. Desenvolvamos ao extremo
este argumento: se, no adulto, o Vorlust descreve um fenômeno fisiológico, que
relação então estabelecer com o mecanismo do prazer psíquico do sonho e do chiste?
Se a sexualidade infantil nada mais fosse do que uma expressão prematura, se
bem que geneticamente programada, do instinto sexual, não se entende porque ela
continuaria a existir independentemente da sexualidade genital, não somente nos
avatares patológicos da neurose, mas também nos sonhos e nas produções "normais"
do inconsciente. A sexualidade infantil não persiste no adulto como um resíduo mal
assimilado, mas como uma fonte de desejo e de atividades criadoras permanentes.
A pulsão sexual infantil não é um instinto
A sexualidade infantil não é a primeira etapa do instinto sexual. Nenhum
argumento biológico vem apoiar esta hipótese (a menos que se estabeleça a diferença
entre sexualidade infantil e apego, ponto que eu tratarei mais tarde). Repetindo: o
destino da sexualidade infantil não se resolve naturalmente com a chegada da
genitalidade biológica, mas ele mantém-se no sonho e no inconsciente. Não se pode
encontrar para todas as expressões da sexualidade infantil a fonte corporal da pulsão,
assim como não se pode encontrar a noção de apoio nas funções biológicas de
sobrevivência, e, por outro lado, não se poderia confundir o objetivo procurado pela
pulsão que se exprime como realizado no auto-erotismo psíquico, com a descarga
física realizada de maneira acessória na excitação de uma zona física erógena. Tudo
isto nos leva a considerar a sexualidade infantil como uma atividade criadora autoerótica, cuja origem permanece sem explicação.
Contestar a origem biológica da pulsão não conduz necessariamente à sua
"dessexualização". Esta é a falha que foi legitimamente apontada a Jung quanto a seu
conceito de "Zurück Phantasieren", sexualização retroativa. É também a mesma falha
que se pode apontar a Lacan que, com o mesmo uso reconstrutivo da posterioridade
(après-coup), reduz a sexualidade infantil a figuras de uma falta simbólica originária.
Como manter a natureza sexual, stricto sensu, da pulsão? É novamente a questão de
sua origem que se encontra, dessa forma, colocada.
Tenhamos pois como assente que a sexualidade infantil não é da mesma
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 79
Daniel Widlõcher
natureza que a sexualidade genital. Somente esta última se inscreve na ordem de
programas de comportamento filogeneticamente determinados. Convém ainda que se
defina o mecanismo psíquico que preside à organização de um sexual não somente
pré-sexual, mas que diga respeito a uma dinâmica distinta daquela das pulsões de
origem biológica.
O estatuto econômico próprio da sexualidade infantil
As particularidades da temática própria aos fantasmas sexuais infantis não são
suficientes para definir a sexualidade infantil. Estes, na verdade, se encontram na
sexualidade genital. Eles vieram investir, na adolescência, a relação sexuada ao outro,
organizando de acordo com modalidades variadas a subjetividade sexual do adulto. A
grande descoberta da psicanálise é talvez menos a existência da sexualidade infantil e
mais, sua presença ativa na vida psíquica inconsciente do adulto. É na neurose do
adulto que Freud (1956 sic) a detecta. Como mostram suas célebres palavras,
encontradas na carta dirigida a Fliess, com data de 15 de outubro de 1895: "Já te
revelei oralmente ou por escrito o grande segredo clínico? A histeria é o resultado de
um choque sexual pré-sexual, a neurose obsessiva de uma volúpia sexual pré-sexual...
A expressão 'pré-sexual' significa 'anteriormente à puberdade', antes do aparecimento
dos produtos sexuais". E isto ele afirmará, enfaticamente, alguns anos mais tarde
quando, em A interpretação dos sonhos, ele escreve: "... o desejo representado no
sonho é necessariamente infantil". Que então o inconsciente freudiano, o inconsciente
no sentido tópico, o inconsciente do isso (ça) seja sexual e se inscreva no erotismo
infantil, é bem do domínio propriamente dito da psicanálise. As cenas imaginárias que
povoam este domínio são acessíveis para nós. Elas se revelam na descoberta do
inconsciente e, à partir daí, aprendemos a vê-las nos jogos da criança, nos sonhos
diurnos, no auto-erotismo psíquico do adolescente e do adulto, nos cenários perversos.
Não é desse lado que se encontra a incompreensão.
Parece-me que é sob o ponto de vista econômico que este equívoco tem a
possibilidade de agir, ou seja, na compreensão que nós podemos ter dos processos que
colocam em tensão o aparelho psíquico, bem como daqueles que asseguram a descarga
desta tensão.
A assimilação da sexualidade infantil à sexualidade genital do adulto leva-nos a
uma compreensão equivocada de um distanciamento conceituai bastante radical entre
uma perspectiva dita "desenvolvimentista" e a compreensão do seu papel no
inconsciente, entre a idéia de uma sexualidade imperfeita da infância e o poder próprio
dessa sexualidade inconsciente que age, criadora de fantasmas e de atividades de
sublimação da idade adulta. Retomando a metáfora da
80 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
O lugar da sexualidade infantil na cultura contemporânea
reserva dos selvagens utilizada por Freud nas Conferências introdutórias, trata-se aí
de um lugar de criação, secretamente protegido. A produtividade do inconsciente é
testemunha desta vitalidade da sexualidade infantil. Freud já dizia em A interpretação
dos sonhos (op.cit., p.470) que os desejos inconscientes infantis têm o caráter de serem
indestrutíveis: "Esses atos constituem vias facilitadas de uma vez por todas, jamais
descartados, e que levam à excitação inconsciente cada vez que ela os reinveste.
Usando uma comparação, não existe para eles outro aniquilamento a não ser o das
sombras dos infernos na Odisséia, que acordam para uma nova vida tão logo tenham
bebido sangue".
A teoria biológica do apoio não permite explicar esta presença no inconsciente,
a ligação estreita que ela estabelece com este último como estrutura desejante da
psique. A sexualidade genital retoma o que lhe é próprio na adolescência, mas a
sexualidade infantil conserva seu poder na dinâmica do inconsciente.
A resistência ao auto-erotismo
Quer me parecer que o que faz com que a resistência à teoria psicanalítica se
mantenha, deve-se menos à sexualidade em geral do que à natureza da sexualidade
infantil. Se a cultura contemporânea acomoda-se bem à descoberta freudiana de uma
sexualidade infantil, é por considerá-la como uma expressão prematura, e, de certa
maneira, abortada da sexualidade. O complexo de Édipo aparece aí no momento
oportuno para banir esta sexualidade sem finalidade sexual para o campo das ilusões
da infância.
É verdade que esta resistência é alimentada por dificuldades que os próprios
psicanalistas encontraram para integrar a sexualidade infantil à vida psíquica do
adulto. O próprio Freud que afirmou veementemente em A interpretação dos sonhos
que o desejo latente do sonho era sexual e infantil, não retomou de maneira tão
explícita esta tese nos seus escritos ulteriores a respeito do sonho. Significaria isto
dizer que ela foi afastada? Eu não acredito nisso. Freud, progressivamente, integrou-a
numa perspectiva mais complexa à medida em que a teoria das pulsões levava em
conta outras dimensões (o narcisismo, o dualismo eros-thanatos).
Na literatura psicanalítica e nos vários grandes modelos que foram propostos em
seguida, esta preocupação de integrar a sexualidade infantil numa perspectiva mais
ampla, encontrou-se reforçada. Isto é claramente ilustrado tanto na corrente da
psicologia do ego, quanto no pensamento kleiniano ou na teoria de Lacan.
O que procurei mostrar é que esta preocupação de integração fez, em parte,
perder de vista o essencial da teoria da sexualidade infantil, não os conteúdos
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
«81
Daniel Widlöcher
(reencontrados tanto nas lembranças quanto nos sonhos e fantasmas do adulto), mas
sob o ponto de vista econômico. Nós não devemos negligenciar aquilo que faz a
especificidade da sexualidade infantil, ou seja, sua dimensão auto-erótica. É
necessário que tenhamos em mente as condições de satisfação das pulsões sexuais
infantis, evidentemente ligadas na infância à excitação das zonas físicas erógenas,
mas, mais fundamentalmente, ao prazer psíquico que procura uma descarga, seja
física, seja puramente psíquica.
A sexualidade infantil não se deve a programas geneticamente determinados que
organizam a ligação primária, ou seja, aos padrões relacionais que entram em interação
com o meio social. Ela diz respeito à pura subjetividade que é própria à atividade
fantasmática. Esta última trata tão somente na posterioridade as experiências vividas
que acompanharam as condutas de apego. Ela retoma, segundo o modo imaginário,
aquilo que dependeu dos padrões relacionais e das respostas do meio ambiente. Ela
trata estas cenas de acordo com o modo da ilusão, experiência que toma um caráter
propriamente alucinatório, quando a cena fantasmática se inscreve no registro
inconsciente. Ela torna-se então uma verdadeira alucinação de ação (Wunstcherfüllung
- realização do desejo). E quando esta representação se inscreve no registro do préconsciente, a ilusão inscreve-se nesta situação ambígua que constitui o devaneio
diurno, ambigüidade caracterizada por um estado compósito, que participa, ao mesmo
tempo, da crença e do desejo. Sublinhamos aqui uma diferença que é devida ao ponto
de vista tópico. Quando um analisando nos revela que ele foi invadido pela idéia de
que ele poderia ser o servidor submisso da mulher que ama, ele expressa o fantasma
que alimentou seus devaneios da infância e da adolescência, e que subsiste na idade
adulta. Mas quando, para um outro analisando, tudo leva a crer, a seu respeito, que ele
sente um prazer em ser atormentado pela mulher que ele ama, e cujo ciúme ele
alimenta, ele nos mostra que o mesmo fantasma age nele e o possui.
Esta experiência, consciente ou inconsciente, é inventada pela criança na
posterioridade da experiência inicial. Ela busca, assim, reproduzir esta última,
transformando uma situação real numa situação imaginária desprovida de todo
contexto e na qual ela se torna o sujeito, ao mesmo tempo, criador e ator. Uma cena da
realidade torna-se assim um fantasma.
Esta retomada no imaginário define a natureza "erótica" da experiência que
encontra sua saída numa satisfação de natureza auto-erótica, seja esta materializada
por uma excitação física ou expressa somente no registro do psíquico. Existe aqui um
mecanismo de posterioridade, inscrito na cotidianidade da experiência subjetiva, e
isto, desde a origem. Contrariamente à hipótese freudiana, a alucinação não é anterior
à experiência real, ela se apoia sobre esta última, dando-lhe um novo sentido. Vemos
que a teoria do apoio toma um novo sentido
82 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
O lugar da sexualidade infantil na cultura contemporânea
ligado a esta reviravolta temporal. O tipo de escolha de objeto por apoio não resulta
mais da apreensão pela sexualidade da experiência real, mas do seu traço mnemônico.
De acordo com esta hipótese, o apoio inscreve-se na posterioridade.
O auto-erotismo aparece então como um efeito do imaginário e não como sua
causa. Certamente, à partir do momento onde se encontra, desse modo, fixado um
traço mnemônico recomposto, este último vai fazer pressão para reproduzir-se no real.
Ele se constitui numa fonte secundária de desejos que nós designaremos sob o termo
de sexualidade infantil. O fantasma não é o produto da sexualidade infantil, ele a
constrói. Aquilo que nós chamamos de relação de objeto, descreve a estrutura deste
fantasma, ela cria bem mais do que expressa a sexualidade infantil.
Vê-se então como o processo de apoio deve ser considerado sob outro ângulo.
Não se trata mais de uma condensação, a respeito de um mesmo objeto e na direção de
uma mesma finalidade, de duas pulsões distintas: uma sexual e a outra ligada aos
instintos de conservação, mas sim de um processo em dois tempos. Num primeiro
tempo, a relação de ligação exprime-se sozinha ou, eventualmente, associa-se à
satisfação de uma necessidade fisiológica. Num segundo tempo, existe uma retomada
alucinatória da experiência de satisfação. Este contraponto nós já o vemos em
funcionamento no ato de mamar do bebê, e ele culmina nos fantasmas edipianos. Na
verdade, estamos no direito de pensar que tudo é passível de ser erotizado, ou seja, que
toda experiência real pode fornecer matéria para uma reconstrução auto-erótica.
A sexualidade infantil, retomada alucinatória de uma experiência física e
relacionai de satisfação de outra origem, não se realiza senão secundariamente na
repetição dessa experiência. Ela é o resultado do tratamento psíquico que se inscreve
entre os dois tempos. Concretamente, a criança, num estado específico de seu
desenvolvimento, está numa relação (instintual) com o outro que se exprime num
padrão comportamental e subjetivo dado (apaziguamento da fome pela sucção, fusão
terna com a mãe, por exemplo). O reaparecimento alucinatório da experiência fez com
que ela se inscrevesse no registro de um imaginário auto-construído, que a criança
poderá recriar à vontade. Mas esta marca sexual infantil dará às novas experiências
reais de satisfação uma mais-valia. A inscrição no registro da sexualidade infantil
outorga à lembrança da experiência uma força econômica, um valor de capital, que
dará esta mais-valia à repetição da ação real.
A sexualidade infantil inscreve-se no auto-erotismo, não devido à falta de algo
melhor ou por compensação, como sugere a tese da continuidade biológica entre
sexualidades infantil e adulta, mas porque ela exprime uma relação imaginária ao
objeto. A força desta experiência psíquica deve-se ao fato de que ela se
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 83
Daniel Widlõcher
inscreve na realização alucinatória do fantasma inconsciente, ou seja, na realidade
psíquica.
Conclusão
Uma das maiores contribuições da psicanálise é portanto o papel que têm os
fantasmas oriundos da sexualidade infantil, não somente na vida sexual dos adultos e
na gênese dos problemas mentais, mas na produtividade da psique. Esta última é
confirmada nos sonhos, nas atividades lúdicas e na criatividade artística. Não são tão
somente os conteúdos que podemos aí encontrar, mas os processos primários de
pensamento que asseguram a descarga de prazer, expressão psíquica do auto-erotismo.
Existe um paradoxo no fato de que se a cultura faz pouco caso desse ponto de
vista econômico do auto-erotismo psíquico, ela é, no entanto, profundamente
impregnada por ele. O auto-erotismo ligado às pulsões sexuais infantis está presente
tanto na psique individual quanto na vida social.
Encontramos aí uma forma derradeira da resistência da cultura à teoria
psicanalítica da sexualidade. O paradoxo é aparente pois tanto a psique individual,
quanto a cultura, devem permanecer no desconhecimento radical daquilo que constitui
o segredo do prazer auto-erótico. Os psicanalistas, felizmente para eles, continuam a
sonhar e a conhecer o prazer estético. A cultura é, sem dúvida, mais frágil do que o
psicanalista. Para conservar o prazer do auto-erotismo psíquico oriundo das pulsões
sexuais infantis, ela deve desconhecer a abordagem econômica do processo. Ela
assegura, uma cisão, entre o conhecimento dos fantasmas sexuais advindos da infância
e o segredo de seu modo de satisfação.
Tradução de Maria Carolina Santos Rocha
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
84 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
XXIII Congresso LatinoAmericano de Psicanálise
Entre lo íntimo y lo público
Isidoro Berenstein*, Buenos Aires, ARGENTINA
Membro Efetivo da Asociación Psicoanalítica de Buenos Aires.
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Isidoro Berenstein
1. Veamos los términos que figuran en el nombre de este Congreso y como
relacionarlos. Psicoanálisis. Podemos caracterizarlo como lo hizo clásicamente Freud
y también como habita en nuestro espíritu. Psicoanálisis es (Freud. S., (1923(1922]) 1.
el nombre de un procedimiento para indagar procesos anímicos no accesibles por otras
vías; 2. un método de tratamiento de perturbaciones neuróticas basado en esa
indagación y 3. un conjunto de intelecciones que fundaron una nueva disciplina. En su
nota, el autor hizo un recorrido histórico del psicoanálisis. Había comenzado con la
hipnosis y el método catártico para luego renunciar a estos procedimientos y pasar a la
asociación libre, la regla técnica fundamental y al psicoanálisis como arte de
interpretación. Estamos hablando de lo que fue una creación de Freud: la sesión
analítica individual, con el paciente de preferencia acostado para conectarse con su
interioridad y el analista fuera de su percepción visual, en posición de atención
flotante, para registrar las producciones de aquél de la manera mas despejada posible
de sus propias determinaciones que podrían obstaculizar tomar contacto con las
determinaciones inconscientes del paciente. Eso que llamamos técnica es una práctica
instituyente de un campo nuevo, para el cual fue necesario construir una manera de
pensarlo y decirlo: la metapsicología. Préstese atención a que aquí la práctica
instituyente de un campo nuevo y no una aplicación de un conocimiento previo. Se
establece una doble novedad: la manera de hacerse y también la forma de ser pensada.
Esta segunda puede luego intentar ser usada para otras prácticas, allí ya es aplicación y
no fundación o institución de un nuevo campo.
Psicoanálisis, en nuestro espíritu, refiere al método basado en la sesión individual que explora el mundo interno y su población de objetos internos o en
términos distintos su naturaleza representacional y los intensos afectos que habitan en
lo inconsciente. A ello se agrega que el mundo exterior no debiera ingresar en la
sesión y si lo hace es registrado como un obstáculo para el analista porque interfiere en
su tarea ya que no lo puede convertir en material, por lo tanto no lo puede interpretar
salvo como estando al servicio de la resistencia. El obstáculo parece desaparecer
interpretando su significación proveniente del mundo interno. Se observa que el
analista para sí mismo decide acerca de la veracidad de lo que trae el paciente. Aplica
el juicio de existencia, según su criterio propio. Se puede ejemplificar con un chiste
rudimentario surgido en el Congreso de San Francisco comentado por un colega de su
paciente que percibía y comentaba en una sesión acerca de un olor a humo proveniente
de la sala de espera no percibido aun por el analista que analizaba persistentemente las
significaciones infantiles y especialmente transferenciales. Ante la insistencia del paciente el analista siguió interpretando hasta que el mismo percibió el humo. 'Reconoció' la realidad exterior porque efectivamente algo se estaba quemando en la
antesala y suspendió la sesión. Entonces dijo que el paciente tenía razón y él
88 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Entre lo íntimo y lo público
un analista que reconocía el mundo exterior. Si no hubiera habido humo desde ya que
no estaría en lo cierto y estaría cerca de la psicosis. Este es un sentido rudimentario de
realidad exterior pero reúne los elementos de como los analistas la piensan: desde
afuera se mete en el consultorio y perturba la tarea analítica, y el analista es el juez y
decide que es exterior cuando él la percibe, entonces es la misma para el paciente y
analista, pero allí el análisis se interrumpe. Desde ya esto puede ocurrir en el
transcurso de la sesión sin fuego y sin interrupción formal.
1.2. Cultura. Podemos decir que es un territorio delimitado a través de reglas
que ubica un conjunto de significaciones necesarias para lograr realizaciones ganadas a
las fuerzas autónomas, desmesuradas y desordenadas de la naturaleza. Del lado de la
cultura también están las producciones humanas regulando el mundo social con
aquellos que son sus semejantes y aunque no está dicho, se observa que con exclusión
de aquellos que son sus ajenos a los que suele ubicar como si pertenecieran a la
naturaleza. A los efectos de ordenar el desorden de las relaciones entre los hombres
circulan prohibiciones de no matar y no robar al prójimo y para el mundo del
parentesco la prohibición del incesto: están interdictas las relaciones sexuales con los
prójimos y están prescritas y son posibles con los ajenos. Está establecido que son
posibles con los ajenos. Cuando estas relaciones se estabilizan pasan a la categoría de
prójimos, como son los miembros de la pareja, ajenos primero, prójimos después de la
alianza y ajenos otra vez cuando el vínculo se disuelve. Del lado de la naturaleza no
están las reglas sociales. Los animales pueden matar a los fines de la subsistencia o del
cuidado de su territorio y se dice que es por impulsos instintivos, poderosas fuerzas
que siendo del cuerpo y propios de la especie empujan al animal singular. También los
hombres pueden matar pero no es por subsistencia ni por cuidado del territorio sino por
intolerancia a lo ajeno del otro (s) y para hacerlo deberán construir un producto del
pensamiento que llamé 'convicciones' (Berenstein, 1986) que permitan poner en
suspenso las prohibiciones instituyentes del mundo social acerca de no matar y no
robar o no desbastar grandes áreas geográficas o no dañar el territorio como resultado
de las guerras. Es una adquisición tardía de la cultura la noción de 'interioridad', lo
oculto a la vista, separada de lo exterior visible. Después se relacionará, lo no accesible
a la percepción visual, auditiva o táctil, con lo íntimo, que solo puede ser deducido a
través de la imaginación, por lo tanto nunca cognoscible en totalidad. Lo íntimo se
separa de lo privado cuyo modelo se da en el 'entre dos' donde la terceridad deviene en
'exclusión' del límite de pareja. Pero estos espacios son propios y no se derivan uno de
otro. Dice Badiou (2000):
"el -pensamiento de dos es a partir de si mismo, no es concebido ni desde el
uno ni desde el tres".
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 89
Isidoro Berenstein
Cuando el límite es desplazado al 'en familia' se puede decir con el dicho
popular que 'los de afuera son de palo' para indicar que no tienen ni voz ni voto.
Distinto es el espacio de lo público1, lo que es visible, propio de la comunidad, y pasa
principalmente, en nuestra época, por la imagen. Habrá siempre una incertidumbre
radical en la relación entre dos sujetos por la presencia de lo ajeno, aquello del otro
que no puedo incorporar y hacer propio, quizá por eso la desconfianza se pone en
suspenso cuando se incorpora al parentesco y se reanuda de inmediato, y a veces se
incrementa, cuando el parentesco se quiebra como en la separación y/o divorcio de
una pareja. El convertirnos en parientes supone ilusoriamente el borramiento de la
ajenidad.
Respecto de nuestro quehacer psicoanalítico el material proveniente de estos
tres espacios se da de dos maneras; por un lado, en el material de la sesión surge como
representaciones diferenciadas de la participación del yo en esas tres áreas. Por otro
lado surgen en el propio quehacer del analista: en la sesión analítica con su estructura
y clima de intimidad, en la privacidad del 'entre dos' de la supervisión donde quedan
fuera los terceros que son el propio analista del supervisado o los otros colegas con
otros criterios y el espacio público se despliega de la institución o de un congreso.
Queda claro que a cada espacio corresponde o se genera un tipo de práctica que
organiza un tipo de subjetividad y es fuente de confusión y ansiedad no diferenciarlos.
El dolor psíquico puede ser la manera de responder al malestar proveniente de
estos tres mundos y la observación psicoanalítica con su peculiar escucha podría
diferenciar en la superficie psíquica las irregularidades de estos tres mundos donde se
constituye y mora el sujeto.
2. Producción de subjetividad. Algo que nos atañe como psicoanalistas es la
producción e investimiento del yo como sujeto y aquí hay posturas diversas. Desde
Freud (1921) está establecido que se aspira a "configurar el yo propio a semejanza del
otro tomado como "modelo", y toma como tales a los padres previa a la diferencia de
sexos y con una ligadura propia y distinta al de la elección sexual de objeto. Esta
identificación hunde sus raíces en lo temprano del surgimiento del sujeto.
Pero no debiera confundirse temprano con único. El yo escindido se sostiene en
el imaginario sentimiento de identidad que le permite defenderse de la escisión con la
ilusión de ser uno en el espacio y en el tiempo. El sujeto se deviene
1. En castellano intimo se refiere a mas interior e intimidad a parte personalísima, comúnmente reservada, de los
asuntos, designios o afecciones de un sujeto o de una familia. Privado es lo que se ejecuta a la vista de pocos, familiar
y domésticamente, sin formalidad ni ceremonia alguna. Público es lo notorio, patente, manifiesto, visto o sabido por
todos. También común a todo el pueblo. ( Diccionario de la lengua española (1956). Espasa Calpe. España.)
90 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Entre lo íntimo y lo público
y sostiene acorde a la pertenencia dada en la relación con los otros. El vínculo con el
otro en el marco de la pareja y del parentesco instituye al yo como sujeto del vínculo,
sentimiento profundamente resistido porque obliga a un nuevo conocimiento del yo
que deviene para sí mismo otro al que era antes del vínculo. Toda relación
significativa con otro contiene una amenaza de desestructuración de un saber acerca de
si mismo. El dicho narcisista y solipsista 'nadie se conoce mejor que uno mismo'
debiera ser sustituido aquí por el intersubjetivo de 'nadie conoce mejor al yo que el
otro' o quizá sea bueno restituir el 'verse con los ojos de los otros' para salir del punto
ciego constitutivo del propio yo. No es todo, la relación con la cultura instituye un
sujeto a través de los significantes sociales de pertenencia de clase social, económica,
religiosa, educativa. Sin darnos cuenta hemos tomado de una manera un tanto
diferente los tres sufrimientos mencionados por Freud (1930[1929]) :
"Desde tres lados amenaza el sufrimiento; desde el propio cuerpo, que, destinado a la ruina y ala desolación, no puede prescindir del dolor y la angustia
corno señales de alarma; desde el mundo exterior, que puede abatir sus furias
sobre nosotros con fuerzas hiperpotentes, despiadadas, destructoras; por fin,
desde los vínculos con otros seres humanos".
Nada de esto es ajeno al analista salvo que razonable y repetidamente remite los
significados casi exclusivamente a lo infantil, lo íntimo desechando los significados
provenientes de los otros espacios.
3. El espacio "entre" el diván y la comunidad. Cabe preguntarse por ese lugar
'entre' que liga diván y comunidad en el título de este congreso. El analista está allí en
el 'entre' y puede sentirse tentado a quejarse de la arbitrariedad, de lo inexorable o de
la incomprensión de la comunidad respecto de nuestro quehacer con un fuerte
componente de proyección de la incomprensión del psicoanalista respecto de ella, la
comunidad, o a pensar que ésta es abarcada al "aplicar" la teoría que obtiene en el
diván.
La comunidad es un lugar donde ocurren los acontecimientos que acostumbramos a llamar "sociales". Dice Laing (1968) que una dificultad insuperable es la
escasa visibilidad de los acontecimientos sociales. Más allá de la capacidad inmediata
y directa de ver lo que está ocurriendo uno recurre a inferencias en base a lo oído,
leído acerca de lo que otros seres humanos ven escasamente a su alrededor. Algo
semejante ocurre con el tiempo en que se dan los acontecimientos sociales.
"...un límite que, por desgracia, condena el aquí y ahora a la ininteligibiliRevista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"91
Isidoro Berenstein
dad, si no se tiene información del allí y el entonces, la cual está sin embargo,
fuera de nuestro alcance" (Laing, 1968, p.8).
El contexto social ofrece un obstáculo semejante y a la vez diferente al de los
hechos del pasado infantil: no son algo observable sino representado, pensado y
vigente como significado a interpretar. El contexto social es algo cuya materia es
escasamente observable, lo es por otros y para hacerlo creíble hemos de aplicar cierta
benevolencia. Pero aquí se presenta un problema: el terapeuta que no era actor del
pasado infantil del paciente salvo por transferencia, si lo es del contexto social, en
parte el que rodea a su propio paciente por lo tanto pasible de transferencia y en parte
recortado por su propia pertenencia, por lo tanto pasible de incidir en su
contratransferencia y tiene una mínima porción de observación. Puede parecerle obvio
al analista que su visión del contexto es la mas adecuada y pasarle por alto que lo
obvio
...literalmente hablando es lo que se levanta en el camino de uno, enfrente de
uno o en contra uno" (Laing, 1968).
Lo obvio se constituye en la afirmación del borramiento de la ajenidad del otro.
Es evidente la relación entre lo obvio y el narcisismo y la anulación de lo que es
inteligible a partir del significado inconsciente2.
Pero siendo el psicoanálisis un método de observación debería aplicarse a los
significantes propios de cada uno de los espacios. El paciente y el analista se
encuentran en la singularidad del encuentro analítico con lo infantil, los afectos
primitivos y también con la pertenencia social, religiosa, económica, de status, la
investidura por habitar la parte de la ciudad donde vive, que representaciones y
emociones primitivas se relacionan con esos elementos. Como inciden en el funcionamiento mental en su relación con otros sectores de la mente constituyen un
campo por explorar.
Un obstáculo impide explorar el mundo social como proveedor de marcas y
producción de significación. Si el pasado infantil y sus significaciones singulares
atravesadas por el Edipo producen el aparato psíquico, en especial el yo y el superyó y
el sentimiento de identidad, el contexto social tan temprano como el
2. Transcribo la siguiente cita de Vinar:
"Señala con justeza el historiador J.R Barran que aunque los supuestos de una mentalidad colectiva jamás pueden
definirse con precisión, el universo de creencias y valores de una época configura claves interpretativas que cada
sujeto acepta como evidentes y obvias, como justas y verdaderas. Y lo obvio coloca a la realidad en el mismo lugar que
el punto ciego. El tipo de percepciones que genera una cultura es el equipo o dispositivo que construye las actitudes
colectivas frente a la vida, la muerte, el sexo, el bien y el mal, en fin la realidad toda" (Vinar, M.N., 1999). Psicoanálisis,
Cultura, Interdisciplina. La realidad...Ya no es la de antes... (Un puñado de frases polémicas sobre temas complejos y
difíciles) Encarte Informativo FEPAL. 2do. Semestre 1999.
92 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Entre lo íntimo y lo público
pasado infantil y formando parte de él produce el primitivo sentimiento de pertenencia
que hace al yo escindido adquirir una subjetividad propia de ese contexto al cual
pertenece. La raíz inconsciente de la pertenencia hace que el sujeto la registre como 'lo
dado', aparentemente desprovisto de significado profundo.
Entre el diván y la comunidad está el analista cuya práctica casi exclusiva es el
trabajo individual y su subjetividad como analista está determinada por esa práctica,
desde su educación analítica, que lo instituyó para pensar la determinación como
exclusivamente individual, interna, pulsional y su pertenencia a la institución como
algo 'dado' que no requiere mas análisis que el que se deriva de considerar a los pares
como derivados de los 'hermanos infantiles', a los que están por arriba, sean directivos
o profesores, como 'padres'.
Aquí 'determinación' es equivalente a origen anterior inevitablemente infantil,
que por el tiempo transcurrido se ofrece para parecer como ya dado, y desde allí ha de
desplegarse en el presente de la sesión y con la persona del analista. Esta es una de las
concepciones, la mayoritaria, de la transferencia. La otra concepción de subjetividad
que he esbozado mas arriba señala que la situación de la sesión y el tipo de sesión
constituye una práctica, y este tipo de práctica genera un tipo de sujeto que contiene al
sujeto anterior pero le da un nuevo sentido. 'Transferencia' es tanto el despliegue del
pasado infantil como lo novedoso proveniente de los otros espacios que puede o no
generarse en el vínculo entre esos dos sujetos que son el paciente y el analista,
novedoso de sentido por lo tanto dando lugar a un sentido que no hubo previamente.
Bibliografía
BADIOU, A. (2000). El amor como escena de la diferencia. Conferencia. Asociación Argentina de
Psicología y Psicoterapia de Grupo. Martes 25 de Abril de 2000. BERENSTEIN, I. (1986). Acerca
de las convicciones. Actas del VIII Simposio y Congreso Interno.
El diálogo analítico II. APDEBA. Buenos Aires. FREUD, S. (1921). Psicología de las masas y
análisis del yo. O.C. XVIII. Buenos Aires: Amorrortu,
1976.
______ (1923 [1922]). Dos artículos de enciclopedia: "Psicoanálisis" y "Teoría de la libido". O.C.
XVIII.
______ (1930 [1929]). El malestar en la cultura. O.C. XXI.
LAING (1968). Lo obvio. En Cooper D (ed.) La dialéctica de la liberación. Siglo XXI Editores.
1970. México. REAL ACADEMIA ESPAÑOLA (1956). Diccionario de la lengua española.
Espasa Calpe. España.
1956.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 93
Isidoro Berenstein
VINAR, M.N. (1999). Psicoanálisis, Cultura, Interdisciplina. La realidad...Ya no es la de antes...(Un
puñado de frases polémicas sobre temas complejos y difíciles) Encarte Informativo FEPAL. 2do.
Semestre 1999.
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
94 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Modernidad, torbellino, amor y
destrucción. En relación a "Jules et Jim" de
François Truffaut
Simón Brainsky L. *, Bogotá, COLOMBIA
Resumen
El ser humano guarda una relación profunda con las pulsiones, que tal y como las describiera Freud,
abarcan vicisitudes y vínculos de su teatro interno y del mundo que lo rodea y que a su vez construye.
El objetivo del presente trabajo es hacer algunas consideraciones sobre el principio del placer - realidad
y su interjuego con la compulsión a la repetición y la pulsión de muerte. Estos destinos pulsionales se
entrecruzan, colisionan y actúan en conjunto, en una eterna danza de polaridades dialécticas.
Se hacen algunas anotaciones sobre el impacto psicogenético que la Primera Guerra Mundial, la Gran
Guerra, tuvo sobre la modernidad, sobre las personas y su visión del mundo y el destino de la gran
ilusión, en relación con un progreso continuo y racional del ser humano y de su entorno. Se hacen
consideraciones sobre el conflicto estético como lo plantea Donald Meltzer. Finalmente se hacen
consideraciones psicoanalíticas sobre la película "Jules et Jim " de François Truffaut, la cual ejemplifica
bellamente la amistad, el amor y la visión del mundo de los protagonistas, que plasma una manera
específica de concebir la cultura en la Belle Epoque.
Summary
Human beings have a deep relationship with pulsions, which, as described by Freud, embrace
vicissitudes and links of man's internal theater and of the world that surrounds persons and which at their
turn they construct.
The objectives of this paper are to make some considerations about the pleasure-reality principie and its
interplay with the compulsion to repetition and thanatos. These instinctual destinies interweave, clash
and act together.
Considerations are made on the psychogenetic impact which First World War, the Great War, had on
modernity, on people and the vision of the world they had, as well as on the fate of humanity's great
illusion concerning a rational, continuous progress of human beings and their word. Some reflections are
made on the aesthetic conflict as stated by Donald Meltzer.
* Membro Efetivo da Sociedad Colombiana de Psicoanálisis.
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 95
Simón Brainsky L.
Finally, some psychoanalytic thought are discussed about Francois Trufffaut's movie "Jules et
Jim". This film beautifully exemplifies friendship, love and the vision of the world of the heroes,
which condenses a specific way of understanding culture during the Belle Époque.
Caray, eran todos tan simpáticos...!
Georges Simenon Maigret Viaja
Hay una sonrisa de amor y
Hay una sonrisa traicionera y
Hay una sonrisa de sonrisas
En la que estas dos sonrisas se unen
William Blake
El ser humano tiene una relación profunda con las pulsiones que describiera
Freud y que abarcan vicisitudes y vínculos de su teatro interno y del mundo que lo
rodea y que a su vez y con dolor y alegría construye. En el presente trabajo me
propongo hacer algunas consideraciones sobre el principio del placer-realidad y su
complementación e interjuego con la compulsión a la repetición y la pulsión de
muerte. Hago algunas anotaciones sobre el impacto psico-genético que la primera
guerra mundial, la Gran Guerra, tuvo sobre las personas y su visión del mundo y
comento, desde el psicoanálisis, la película Jules et Jim de François Truffaut.
Freud planteó lo que denominó el principio del placer que gobierna, entre otras
cosas, la vida de los niños, la infancia de los pueblos y el amor adolescente. Su base es
la movilidad continua y la necesidad de la descarga perentoria y con frecuencia, ciega.
A medida en que los bebés se crían, los adolescentes sientan cabeza, y, teóricamente al
menos, la humanidad, comienza a crecer y a madurar, el principio del placer va
complementándose con el principio de realidad, que ya tiene que ver con los procesos
lógicos secundarios, que abre el paso hacia lo racional, hacia la acción reflexiva y a las
posibilidades de simbolizar y tomar en cuenta existencia y la independencia del Otro.
Esto supone una renuncia a la descarga inmediata, a la que con frecuencia el yo
organiza y complementa y una capacidad para tolerar, sin expulsarlo inmediatamente,
el dolor psíquico.
El principio de realidad implica una cierta fijación de la llamada "energía
psíquica", (afectos y pasiones) abriéndose el paso entonces la creación del pensa-
96 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut
miento, la de los conceptos y la de la palabra. El principio del placer complementado
por el de realidad, se incorpora a la nunca acabada tarea de la construcción del ser
humano, apuntalada por la simbolización y la sublimación (Brainsky, 1998).
Sucede, empero, que proveniente del interior de todos nosotros y proyectada con
la virulencia felina de un predador - niño, surge también una tercera gran fuerza
pasional: la compulsión a la repetición, que depende de la pulsión de muerte, que nos
lleva a destruirnos, a repetir ciegamente lo ya llevado a cabo, y nos empuja hacia lo
estático, hacia el no cambio, y al no reconocimiento del Otro. A la par, claro está, hay
una pulsión que nos guía y empuja hacia delante, hacia la contradicción y la búsqueda
de la síntesis y de la complejidad. La vida es el resultado del interjuego entre las
pulsiones de vida y muerte.
Así las cosas, se postula la existencia de dos grandes grupos de fuerzas en el ser
humano y en el camino que recorre la humanidad misma: el principio del placer
complementado por el principio de realidad, al servicio del eros y, en segundo término
la compulsión-repetición, motor de lo destructivo, de la tendencia al estasis y de la
muerte misma. (Freud, 1920) Por supuesto, las pulsiones de vida y muerte colisionan,
luchan, se complementan y se encuentran, en una eterna danza de los contrarios, cuyo
resultado depende de los predominios relativos de los principios en juego. Si la
compulsión - repetición, aliada al tánatos, está subordinada al principio del placer
complementado por el de realidad al servicio del eros, la vida, la civilización y la
sublimación continuarán a veces con enormes dificultades, su marcha hacia adelante,
en una secuencia que jamás es lineal. Si, por el contrario, la pulsión de muerte y la
compulsión - repetición subyugan el cuadro vital, el resultado es, como lo sabemos
dolorosamente, de un efecto individual y colectivo más bien letal. Esto último es,
perennemente, el caso de la guerra. No siempre queda muy claro cómo se dan y cómo
juegan las combinaciones así definidas, en el caso de los enredos amorosos.
Donald Meltzer (1988), psicoanalista contemporáneo, que trabaja en la Gran
Bretaña, postula lo que llama el "conflicto estético", que considera central en las
vicisitudes de la relación bebé-madre-mundo, y en la captación de la belleza. El niño,
confrontado con la belleza de la madre (y por extensión, el adulto frente a la del
mundo), se ve abocado a una experiencia emocional intensa de la que emerge la pasión
por lo hermoso. Pero el significado del comportamiento de su madre, de la aparición y
desaparición del pecho, de la luz de sus ojos o de una cara por la cual pasan las
emociones como "sombras de nubes sobre un paisaje" le son desconocidos. Ha llegado
a un país extraño, cuyo idioma no conoce y cuyas claves y comunicaciones no
verbales, le son desconocidas. La madre, afirma Meltzer, le es enigmática. Lleva su
sonrisa de Gioconda, y las tonalidades de la música de su voz son fluctuantes.
Eventualmente todos estamos confrontados
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 97
Simón Brainsky L.
a partir de la infancia y a lo largo de la vida, a la misma problemática. El conflicto
estético, en términos del impacto exterior de la madre "bella", captable por los
sentidos, puede determinar fragilidad y corremos el riesgo de destruir esa delicada
belleza si pretendemos capturar su sentido más profundo. Nos es menester, por tanto,
intentar construir el interior misterioso de la madre-mujer, y con ello, el enigma de la
vida, a través de la imaginación creativa y sus vicisitudes
II
Parecería importante recordar que el ser humano existe siempre e inevitablemente en el contexto de tres dimensiones inextricablemente imbricadas entre sí. Se
trata de estructuras funcionales globales, configuradas por a - la biología del ser
humano; b - la relación que se plantea con las personas (objetos) que existen por fuera
y por dentro de él y c - los vínculos que establece con la sociedad que construye y que,
a su vez, lo moldea (Brainsky, 1997).
En el año de 1912, en el que se comienza a dar la acción de la película Jules et
Jim, aún se vive en el período conocido como la Belle Epoque, que transcurre entre la
finalización de la guerra franco-prusiana (1870) y el comienzo de la primera guerra
mundial. La denominación Belle Epoque no quiere decir, por supuesto, que no hubiera
guerras, masacres, injusticia o esclavitud. Como lo señala Bárbara Tuchman (1962), se
trata de una edad de oro tan sólo para una clase privilegiada. No es una época en la que
reine exclusivamente la confianza, la inocencia, la estabilidad, la seguridad o la paz, ni
mucho menos. Estos factores, empero, están presentes en el imaginario de las gentes.
Las personas, en ese momento histórico, confían más en los valores del iluminismo y
tienen más fe en el desarrollo de la humanidad por la vía de la ciencia y la razón, lo
que no quiere decir que no estén presentes el miedo, la injusticia, la protesta, la
violencia y el odio. Sin embargo, no se había producido aún el Gran Oscurecimiento
de 1914/ 19 y la civilización occidental conservaba aún gran parte de sus ilusiones y
de su esperanza en las potencialidades del progreso intelectual y científico del hombre.
La primera guerra mundial llamada por las gentes La Gran Guerra, puesto que
no se había producido la segunda, supone una era de conflagración y de
derrumbamiento masivos. Como lo señala Eric Hobsbawm (1994) la Gran Guerra fue
el comienzo de la era más sanguinaria de la historia hasta ese momento. Se calcula que
las muertes violentas entre 1914 y 1990 ascienden a 187 millones de seres humanos.
Los sacrificios ilimitados que los gobiernos impusieron a sus propias tropas sientan el
sangriento precedente de causar más muertes entre el enemigo, sin importar el precio.
Se borra la distinción entre combatientes y no
98 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut
combatientes y la población entera se convierte en protagonista. La escala del
derrumbamiento social y político y las revoluciones y contrarrevoluciones sociales
carecen de precedente alguno.
En la película de François Truffaut, Jules, Jim y Catherine habitan un espacio y
un tiempo ubicados entre el final de la Belle Epoque y el comienzo de la destrucción
de la civilización occidental y de sus ilusiones.
III - "Ella, Jules y Jim" de F. Truffaut
Jules y Jim, protagonistas de la película de Truffaut, representan un mundo lleno
de ilusiones, susceptible de ser explorado hasta sus límites por las posibilidades
eróticas de la vida, siempre y cuando se halle presente la mujer, peligroso catalizador
de la existencia y causa de todo.
La película, basada en una novela de Henri-Pierre Roché, comienza con una
puesta en escena en la que aparecen los personajes, en tanto que en el fondo suena uno
de los temas musicales bandera, que a su vez captura el espíritu de los tiempos: se trata
de variaciones sobre "Le Tourbillon", El Torbellino, canción escrita por Bassiak. Se
oye también una polca tocada en una pianola y la suave y hermosa música de Georges
Delerue, a veces alegre pero con más frecuencia nostálgica y melancólica.
Mientras suena la música del carrillón se nos muestran cortes rápidos en los que
se nos presentan los personajes y algunas de sus situaciones. Se escucha la voz de
Jeanne Moreau, que declama sobre pantalla en negro " Tu me dijiste: te amo. Te dije:
espera. Yo iba a decir: tómame. Tu me dijiste: vete" Eventualmente la voz del narrador
en off, nos cuenta la historia de dos amigos: Jules, interpretado por Oscar Werner, es
alemán y Jim, (Henri Serré), francés. Cada vez se conocen y se estiman más. Jules no
conoce mujeres francesas y los intentos iniciales de Jim para presentárselas no son
demasiado exitosos, con lo cual, y sin vergüenza, Jules acude a las profesionales. Se
comunican a través de la poesía, la pintura y la música. El dinero no les importa.
Conocen a Thérése, mariposa anarquista, quien, entre otras cosas escribe mensajes
contra el establecimiento y quien ama a Jules una noche, lo abandona sin mayores
contemplaciones y celebra sus propias gracias fumando al revés representando una
locomotora, la que más o menos plasma el ritmo en el que se mueven todos.
Jim conoce a Gilberte, bella y serena, que será el contrapunto de la mujer que
está por irrumpir en sus vidas. Ella lo ama sin reservas y le proporciona una
sensualidad estable, un polo a tierra y un orden, a partir de ese momento de su vida.
Sin embargo Jim no está listo aún para un compromiso definitivo con Gilberte. Algo
lo inquieta; algo le falta, como si necesitara un amor más perturba-
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 99
Simón Brainsky L.
dor, que le proporcionara un sentido más fuerte de aventura a una existencia, en
balance, plácida.
Por su lado Jules quiere a Lucie en Austria, y volverá a ella en seis meses, pero,
por otra parte, ama también a Helga y a Brigitte y también tal vez a Ulrike. Hace un
dibujo de una de ellas en la mesa del café donde se encuentran y Jim, entusiasta e
impetuoso, quiere comprar la mesa de inmediato puesto que valora todo lo de su
amigo y desea conservar los momentos de su fraternidad para guardarlo él y para que
no se pierda para la historia del arte.
Los dos camaradas visitan a Albert, otro personaje multifacético, que conoce a
todo el mundo; es amigo de Jules, músico, oportunista, pintor y escultor. Miran con él
diapositivas incas y romanescas, con gusto y emoción. Después de una estatua
decadente y en proceso de putrefacción, aparece otra que representa una mujer que los
fascina y estremece. La sienten como si se tratara de la Madre Tierra. Sus ojos y sus
labios son extremadamente bellos y provocadores. Jim pide verla de nuevo. La sonrisa
de la estatua es enigmática y embrujadora. Saben que tienen que encontrarla a
cualquier precio. Emprenden un viaje a una isla del Adriático en su busca. Los dos
compañeros usan vestidos iguales y en muchos sentidos tienen identidades parecidas
pero singularmente definidas. Se quedan una hora mirándola deslumbrados y cada cual
la ve como el otro, pero también a partir del sí mismo (self) individual. Es como si
fuera el arquetipo de la mujer que todo hombre quiere y necesita, como si fuera la
alegoría de lo que Jung llama el ánima: la representación femenina inconsciente del
hombre dentro de sí mismo y la mujer que busca en el afuera. Su sonrisa recuerda el
poema de William Blake:
"There is a smile of love
and there is a smile of deceit
and there is a smile of smiles
in which these two smiles meet."
Los amigos vuelven a París. Juegan y boxean en su gimnasio habitual. Jim
comienza a escribir un libro autobiográfico en el que describe su amistad con Jules, a
través de dos personajes a quienes llama Jacques y Julián. La narración es más bien
ingenua. Jim le lee a Jules apartes en los que cuenta que los que los dos amigos eran
inseparables, al punto que la gente los creía homosexuales pero no les importaba. Aquí
surge el componente homoerótico que necesariamente tiene que haber en una amistad.
La diferencia con la homosexualidad se relaciona con que en la amistad profunda,
como en el caso de Jim y Jules, se conserva claramente la identidad de género. Eran
como el Quijote y Sancho. Cada uno admira la obra del otro y la complementa. Jules
quiere traducir de inmediato el libro al alemán, al igual que Jim quería comprar la
mesa adornada por el dibujo de su
1 00 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut
amigo. Se reconocen empáticamente y en cada uno se refleja la grandeza narcisística
del otro y su aceptación. Se deslumbran mutuamente. Es una amistad sin condiciones
y casi sin reservas.
Llegan a París tres amigas de Jules, una francesa, una alemana y una holandesa.
Jules las celebra con una comida. Sucede que Catherine, la francesa, es la
representación viviente de la estatua. Todo comienza como en un sueño. En el fondo
suena la música misteriosa de Georges Delerue. Llevan a cabo una ceremonia de
brindis en la que establecen contacto, tocándose los pies bajo la mesa. Jules toca el de
Catherine quien lo retira, sin demasiada convicción y después de que ha pasado un
rato. Empieza el juego. Jules está englobado por el amor a todo y a todos. Sin embargo
ya casi comienza a convertirse en vasallo eterno de Catherine De los tres es,
posiblemente, el que más tiene capacidad de amar establemente y ésto, que lo hace
frágil y vulnerable, lo convierte a su vez, en el más fuerte.
Jules y Catherine comienzan a vivir juntos. Los amigos se encuentran ahora
solamente en el gimnasio. Eventualmente Jules, que necesita compartir su felicidad
con su amigo, le habla a ella de él y ella quiere conocerlo más. Jules sólo que sabe que
su relación con Catherine es algo completamente diferente de lo que ha vivido hasta
ahora y le advierte dulcemente a Jim que a ella no la podrán compartir como ha
sucedido con tantas otras: "Pas celle la"; "ésta no Jim". Esta es quien dará sentido a mi
vida.
Catherine, pionera en todo y heraldo de todo, está profundamente convencida de
que ella, como mujer, tiene derechos absolutamente iguales a los que se adjudican los
hombres. Y tal cual otro más. Esta actitud militante que traduce el comienzo del
movimiento de liberación de la mujer, que en otros espacios se plasma en la lucha por
los derechos políticos, se refleja en los disfraces de hombre con los que asume la
igualdad. Catherine es una "sufragette", una sufragista emocional y su batalla se libra
en el campo de los sentimientos. Se disfraza de muchacho, se pinta un bigote, y al
compás de una música juguetona, logra engañar a los peatones con quienes se cruzan
en su paseo en lo que concierne a su condición femenina..
Catherine propone disputar una carrera en un puente. Los dos hombres aceptan
alborozados. Ella hace trampa: sale antes de la señal de partida. La cámara se centra en
su respiración agitada. Su metabolismo afectivo y existencial es siempre un poco más
rápido que el de los demás seres humanos. En este juego vital, ella muestra que no
acepta otras reglas que las suyas propias. Lo que le importa es obtener lo que desea,
meterse en el mundo de los hombres y ganarles en su propio juego. En el transfondo
está, por supuesto, su profunda vulnerabilidad emocional. Ordena y organiza
imperiosamente las actividades del pequeño grupo: Al día siguiente, decreta, se irán al
mar.
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 01
Simón Brainsky L.
Jules le cuenta a su amigo que su amante es hija de un aristócrata francés y de
una madre inglesa. Enseña inglés con particular interés en la obra de Shakespeare y
además es campeona de natación. Catherine abarca siempre más de un mundo. Suena
el clarinete, expresando todavía una visión lúdica de la existencia.
El narrador omnisciente, presente en toda la película, que lee fragmentos de la
novela de Henri-Pierre Roché, nos cuenta que Jim consideraba sin vacilaciones, que
ella pertenecía a Jules. La sonrisa de Catherine, sin embargo, expresa claramente que
ella no pertenece a nadie. Nadie es su dueño.
Desde la aparición de la estatua hasta la descripción de Catherine mucho gira
alrededor de su misteriosa sonrisa. En la sonrisa y en los ojos de Jeanne Moreau se
detecta mucho de algo parecido a lo que estereotipadamente se llama "el eterno
femenino" que el niño intenta captar por primera vez en el resplandor existente en la
organización gestáltica ojos-sonrisa de la madre y sin que y como señala Meltzer,
jamás poder capturarla del todo. Catherine - es también un poco madre, a la vez
presente e inasible y plasma para Jules y Jim, el misterio primigenio de la existencia
misma. De aquello que surge de la esencia de la mujer.
En preparación para el paseo, Jim le lleva la bicicleta y la ayuda a empacar.
Entretanto ella quema papeles donde ha escrito mentiras que se le podrían ocurrir o de
las cuales podría ser víctima y por supuesto, produce un pequeño incendio. Siempre
produce irremediablemente pequeños o grandes incendios sin que le importe mucho el
riesgo de quemarse ella misma. Permanece tranquila frente a las llamas en tanto que él
las apaga y limpia las cenizas. Se escucha en la música el tema propio de Catherine,
romántico, nostálgico y más bien triste. Catherine planea llevar al paseo un frasco de
vitriolo destinado a "ojos mentirosos". Jim la ayuda a cerrar los botones de la espalda
de su vestido; observa por primera vez su nuca y en medio de la inocencia se empieza
a presagiar un romance entre los dos.
La escena se centra en el tren en el que viajan. Buscan y encuentran una casa
grande. El narrador nos la describe. No tiene muebles y es muy espaciosa. Inferimos
que la villa representa simbólicamente la vida concebida como una gran casa blanca,
dotada de grandes espacios y que se puede habitar todavía con los propios sueños e
ilusiones, aún no construidos del todo, y por tanto lejos de la posibilidad de ser
implacablemente destruidos.
Los tres cómplices caminan rumbo a la playa y la recorren. La música de
Delerue expresa ahora la alegría de la fiesta y, suavemente, la inminencia de los
negros nubarrones que se avecinan en el horizonte de ellos y en el del mundo entero.
Buscan y recogen objetos en apariencia inútiles, tales como trozos de llantas,
hojas, cigarrillos, un trozo de porcelana vieja. En realidad, están poblando el
1 02 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut
escenario de su propio teatro. Las cosas representan aspectos de sí mismos, que
comienzan a guardar como recuerdos de una despedida que inconscientemente ya
anticipan. Jules y Jim, como se ha dicho, visten siempre de manera muy parecida; son
hermanos en un contexto de fraternidad europea universal, sienten de modo muy
semejante, pero cada cual tiene su identidad definida. Nunca podrían ser
intercambiables. Catherine busca en ellos, a pesar de las apariencias, satisfacer
necesidades proyectadas muy específicas.
Jules le pregunta a su camarada si debe casarse con ella. Este le responde que no
está seguro de que ella esté hecha para la estabilidad. Jules va siempre más allá de su
propia necesidad porque capta más la diferencia y tiene más consideración por el otro;
es más integrado y por tanto puede entregarse más que los otros dos.
Los hombres tienen que alzarla y llevarla cuando se cansa en sus paseos. Lo
hacen gustosos. Como siempre, admiten que haga trampa, que imponga y rompa las
reglas del juego porque, al menos físicamente, es aparentemente más frágil. La
fortaleza de ellos dos proviene de tres fuentes: la de cada uno como persona, la que
viene su amistad, y la que nace de su relación con Catherine. Ella es el aglutinante que
completa la síntesis del yo de los dos.
Catherine habla seriamente sobre un libro que plantea que el cielo es una esfera
vacía que contiene una burbuja contra la cual todos van a estrellarse. Ellos no le
prestan demasiada atención, embebidos como están en un juego rudo de camaradería y
ella, que se sabe el centro de todo, pero que necesita las evidencias, se ofende.
Jules le propone matrimonio, más bien a sabiendas de la situación en la que se
está metiendo. Espera su respuesta al día siguiente y le promete que, en caso de no
obtenerla, repetirá su oferta en cada cumpleaños. Catherine duda. Le dice que él ha
conocido pocas mujeres en tanto que ella ha confrontado y manejado muchos
hombres.
La cámara se desplaza al interior de la villa. Los dos hombres juegan dominó
ligados por su muy fuerte relación masculina. En ocasiones Jules y Jim creen que se
pueden dar el lujo de ignorarla. Ella jamás se puede dar el lujo de ser ignorada. Quien
lo haga, lo hará a su propio riesgo. Les cuenta que soñó que se encontraba con
Napoleón en un ascensor y que cuando aprendió el Padre Nuestro pensaba que era su
propio padre, a quien veía pintar en el cielo un mundo construido para ella. Ellos no se
ríen, concentrados en su actividad. Catherine insiste: ¿Quién le rasca la espalda? Jules
le contesta con frivolidad que Dios rasca a quien se rasca. Ella le propina una sonora
cachetada, bromeando tan sólo a medias. El se desconcierta inicialmente y luego
decide reír, negando la amenaza real que conlleva su bofetón. Ella se une a la risa.
Ellos le han enseñado a reír. Sucede empero, que la muchacha no tiene el sentido del
humor de sus admira-
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 03
Simón Brainsky L.
dores. Todo lo que tenga que ver con ella es serio siempre. A diferencia de ellos,
Catherine nunca se puede reír de sí misma.
En la cara de los tres comienza a esbozarse el límite entre la comedia y lo
trágico, como si no se supiera bien hacia dónde se inclinan los acontecimientos. Jules
y la mujer son cada vez más pareja, sin que Jim se sienta excluido. Llueve, por lo que
Catherine decide que al día siguiente volverán a París.
La cámara rápida y una música más movida, marcan el retorno a la ciudad y el
paso del tiempo. Jim ha vendido su libro y trae regalos: un rascador de espalda para
Catherine, un cuadro de Picasso y sombreros para todos. Además, tiquetes para el
teatro. Jules pone el reloj de arena que mide su tiempo, para saber cuándo hay que
alistarse para salir. El narrador omnisciente nos cuenta en off que Jim veía a sus
amigos con frecuencia y que en este momento no hay envidia ni celos que opaquen la
felicidad de los tres. Van al teatro; a ella le gusta la obra, porque la protagonista, con
quien se identifica, quiere ser libre a toda costa. A ellos no les entusiasma. Jules se
embarca con seriedad teutónica, en un discurso altisonante, más bien misógino. Cita a
Baudelaire y sentencia que la mujer debe ser siempre e irremediablemente fiel en tanto
que el hombre gozaría de mayores libertades. Jim se inquieta; no necesariamente
comparte sus tesis. Catherine le dice entonces que proteste. Un poco casualmente y sin
mucha fuerza, él dice: "protesto", frente a lo cual Catherine, como siempre, va mucho
más allá y se lanza al río Sena.
La mujer, y en esto reside gran parte de su fuerza, siempre, está dispuesta a ir
más lejos.
La protesta en el río, crea una nueva situación distintiva. En Jules aumenta el
temor reverencial que siente frente a Catherine, en tanto que Jim la respeta más ahora,
por la fuerza con la que defiende sus propias convicciones.
Catherine concerta con Jim una cita en el café donde se reúnen habitual-mente, a
una hora determinada. Por primera vez desde que se conocen, Jim la piensa
profundamente, como si la descubriera nuevamente y medita con seriedad sobre el
enigma femenino que la envuelve y que transmite. Jim la espera en tanto que
reflexiona sobre ella. Casi una hora más tarde se va. Ella llega, elegante y segura:
estaba en la peluquería. Se desilusiona. Por lo que parecería ser casualidad o azar, y
que en realidad es una mezcla de ambas cosas, no se encuentran. Pero detrás de lo que
el destino no quiso, siempre hay características que nos pierden o nos rescatan: el
desencuentro entre Jim y Catherine tiene que ver con la "nonchalance" femenina de
Catherine y con una cierta impaciencia y exasperación premonitoria por parte de Jim.
En el interior del café donde están citados Jim y Catherine, Truffaut crea un
ambiente especial en la que el director destaca como pequeñas joyas, escenas en las
que cuenta rasgos dicientes de los personajes periféricos y de los centrales,
1 04 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut
utilizando las conversaciones que hay a su alrededor. Con esto contribuye a plasmar la
atmósfera de la cual surgen sus héroes protagonistas. Así, nos muestra un hombre que
orgullosamente comunica al mundo circundante que carece de sentido del humor. Sabe
que existe puesto que lo ve en su esposa y en los amigos de ella. Otro de estos
personajes es Thérése, la muchacha locomotora que fumaba hacia fuera, y un borracho
más bien simpático. Los carteles y afiches del café son de Toulouse Lautrec, y
Picasso. El ambiente es alegre, optimista y vital.
Jim dormita y fantasea, probablemente con Catherine. Suena el teléfono: es
Jules. El y Catherine se marchan a Austria a casarse. La cámara nos muestra dos
dimensiones simultáneas, que dividen la pantalla, en tanto que transcurre el diálogo
telefónico. Sin embargo, y como siempre, el espacio que van a construir Jules y
Catherine no deja por fuera al amigo, quien, a su vez, se entusiasma genuinamente con
la noticia y comparte la alegría de Jules y la de su prometida. "Bravo!" les dice Jim.
Hablan de la cita fallida y Jules observa, con cierta suave ironía que el tiempo de ella
es optimista.
Aparecen paralelamente planos alternados de los dos apartamentos. Uno se
queda pensando si la cita, de haberse llevado a cabo, hubiera cambiado en algo, el
equilibrio, el juego de fuerzas. Catherine pasa al teléfono y le dice que está muy
contenta porque Jules le va a enseñar boxeo francés. Jim contesta, bromeando sin
agresividad, que se trata de un boxeo francés con algo de acento austríaco. Jules,
indignado jura en un francés más alemanizado que de costumbre, que carece
completamente de acento. Su pronunciación, afirma, es excelente y para aclarar que
jamás será extranjero en Francia, recita las palabras de la Marsellesa marcando el
ritmo con sus brazos. Declama el himno, cada vez más fuerte y con acento más
marcado. Su canto se va desvaneciendo a medida que emergen los noticieros
documentales de la movilización general de 1914 e irrumpe la Gran Guerra, comienzo
del fin de la civilización europea y de sus felices espejismos. Lo individual se va
diluyendo en la tragedia colectiva que empieza para siempre.
Cada uno es enrolado en su bando. Cuando se ven en el documental de guerra
soldados alemanes matando y/o apresando poilus franceses, o a la inversa, uno piensa
inevitablemente, que podrían ser Jules y Jim asesinándose. Tal preocupación será
explicitada dolorosamente en la película por ambos protagonistas. La inquietud,
basada en realidades externas, tiene sus fundamentos en la ambivalencia presente en
toda relación humana. Las pequeñas rivalidades que se pueden presentar entre dos
hombres amigos, particularmente si aman a la misma mujer, se agigantan como
fantasmas que emergen del inconsciente. De allí que los temores de Jim y Jules, que se
quieren como hermanos, correspondan también al horror frente a la posible realización
de deseos prohibidos, reprimidos e inconscientes. La guerra, además de cualquier otra
cosa que sea, es tam-
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 05
Simón Brainsky L.
bien la emergencia y la actuación de pulsiones y fantasías de lo destructivo y tanático
dentro de cada uno de nosotros.
Poco a poco, en las trincheras se instala vina rutina y una semblanza de vida
normal y algo parecido a una cotidianidad de lo espantoso. El ser humano, dice
Dostoiesvsky, en "La casa de los Muertos", se caracteriza sobre todo, por su capacidad
de acostumbrarse a cualquier cosa, por dramática que sea. De lo colectivo, de las
trincheras, va surgiendo lo individual. El documental nos muestra distracciones en el
frente: una obra de teatro/por ejemplo, o un zuavo bailando una danza que resulta
siendo grotesca. Jim consigue finalmente un permiso para ir a París y pasa un tiempo
con Gilberte, su amante. Le comenta su temor de matar a Jules y, por otra parte,
manifiesta sus planes de casarse con Gilberte. Jim sí concibe un futuro sin Catherine
Aparecen otros planos de guerra y de nuevo emerge, del otro lado, Jules
escribiéndole a Catherine en alemán y contándole cuánto la echa de menos, sobre todo
cuánto anhela su cuerpo. Ahora no piensa en su alma, puesto que ya no cree en el
espíritu. Va a ser trasladado al frente ruso. Será duro, pero está contento y siente alivio
por alejarse de Jim, pues también él teme matarlo.
Continúa la guerra, y vemos la tierra violada y asolada. Hay un asalto francés,
ya menos pleno de "élan vital" y probablemente destinado al fracaso sangriento, como
tantos otros, vemos y escuchamos ataques con morteros, granadas y cañones que
arrasan el paisaje.
Se acaba la guerra y nuestros dos héroes sobreviven. La tierra fértil, húmeda que
había dado origen a los personajes y a sus hermosas emociones y aspiraciones, es
ahora un erial. La serpiente ha ingresado en el paraíso. De ahora en adelante nada será
igual. La inocencia se ha perdido y una vez perdida nunca es recuperable, a pesar de
que se intente reinvestirla con energía psíquica.1
La voz del narrador, en off, nos explícita que el país de Jules perdió la guerra en
tanto que el de Jim la ganó. La verdadera derrota es que se ha estropeado algo de su
decencia básica. La verdadera victoria es que ambos están vivos. Re-establecen su
comunicación a través de un país neutral. Ahora Jules y Catherine tienen una hijita,
Sabine y viven en un pequeño chalet cerca del Rin. Jim irá a visitarlos.
1. Desde el punto de vista de la metapsicología psicoanalítica, la inocencia o cualquier otro objeto o función se puede perder a nivel
del sistema preconsciente-consciente.en cuyo caso se los puede recuperar parcialmente como sucede en las neurosis. Se pueden
perder el objeto y la función en el plano topográfico imaginario de la representación inconsciente: lo que Freud llamó "la cosa" (Freud,
1915) que se acerca a la esencia verdadera del ser y de la representación inconsciente del Otro dentro de uno como pasa en el
psicótico. Eventualmente el psicótico intenta recuperar el objeto perdido (en este caso la inocencia que supone un mínimo de fe en los
demás), pero fracasa. Crea entonces a cambio de lo ¡do, producciones más regresivas y cargadas de odio. En la guerra se pierde
algo medular que tiene que ver con lo civilizado y con el respeto por el prójimo. Después de la Primera Guerra Mundial en Europa,
esta pérdida produjo como resultado regresivo, entre otros varios, la barbarie nazi. Es inevitable pensar que entre nosotros, Colombia
1999, una vez perdida por la guerra la representación inconsciente del respeto por la vida humana, el rescatarlo será una labor dura,
difícil y que exigirá el trabajo de reconstrucción y de reparación de generaciones.
1 06 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut
Catherine y su hija esperan a Jim en la estación de ferrocarril del pueblo.
Catherine le dice que Jules lo espera, pero Jim siente que tan sólo ahora ha llegado a la
cita que tenía con ella en el café de París, cinco años atrás. La música de Georges
Delerue, se torna suave y a medida en que se va dando la acción, recapitula la dulzura
de las vacaciones, el tono siniestro de la tormenta y el romanticismo amenazado que
va emergiendo.
Jules y Jim se encuentran en el chalet y se precipitan sin pudores, uno en brazos
del otro, en un abrazo silencioso. Jules dice "Usted no ha cambiado Jim" y Jim replica
"Usted no ha cambiado Jules". Catherine, por su parte, aferrada a la noción de que su
mundo es inmutable, afirma que en realidad nadie ha cambiado, pero de hecho todos
se han transformado debido al odio desatado que ahora anida en sus corazones y que
intentan neutralizar con su inmensa reserva erótica.
Reanudan una existencia conjunta, cotidiana y aparentemente doméstica;
parecería que constituyen una familia extensa, una gestalt y Truffaut enfoca su cámara
sobre cada uno de ellos y luego en el conjunto. No hay posibilidades de comprenderlos
sino en función del todo y al todo sólo se lo puede entender en función de cada uno de
ellos y de su vínculo. Como lo señala Abello (1998), en un hermoso poema, forman
una unidad que la figura singular no puede separar.
Los dos amigos toman cerveza juntos y comparten el silencio. Jules se dedica
ahora, sobre la base de su profundo amor a todo lo vivo, a estudiar las plantas y los
insectos, y por tanto, siempre consecuente, ha dejado de fumar. Ambos destacan la
hora: la una y veinte. Siempre, comenta Catherine, a la cadencia de los veinte minutos
antes o después de la hora, pasa un ángel. El ángel bien puede corresponder al destino
incierto que les espera. "Así pues, crápula, dice Jules, ha ganado la guerra?" Jim le
responde que hubiera preferido ganar la familia y la estabilidad. Cada cual es un poco
el otro. La familia de Jules es, inevitablemente también la de Jim. El equilibrio
aparente de Jules, su hija y su inmersión en el mundo de los insectos, le proporcionan
un plan vital. Su amigo busca el suyo con cierta certidumbre tranquila: planea hacerse
diplomático, tal vez y escribir. Para Catherine es distinto: hace todo lo que hay que
hacer, pero no encuentra su camino; no se ha descubierto. Quizá la condición
femenina de Catherine sea un no descubrirse bien sino a través de la mirada de los
hombres que la aman y para quienes ella misma es luz, guía y musa. A su vez, la
intensidad del amor de ellos la han condenado, quizá, a no poderse descubrir ella
misma.
La guerra ha dejado a los hombres fatigados y agobiados, pero ciertamente
saben ya que hay un límite a las cosas: el ser humano no progresará linealmente y para
siempre gracias a la ciencia y a la razón. Por mucho que se quieran, su amistad no
conllevará la paz y la fraternidad por los siglos de los siglos amén. No todo es factible.
La vida comienza y termina y es menester vivirla con una cierta distancia irónica.
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
1 07
Simón Brainsky L.
Catherine no entiende ni acepta este tipo de constricciones. Lo quiere todo. Es
apenas lo que le es debido. Tiene por su parte, otro tipo de sabiduría. Sabe que todo es
esencialmente pasajero y que es imprescindible atraparlo, disfrutarlo y padecerlo
mientras dure. Quiere un hijo de Jim para afianzar su unión, pero parece no registrar
que Sabine, hija de Jules, no ha estabilizado realmente su relación con su marido.
Catherine le enseña la casa a Jim. Ella y Jules no comparten la misma habitación. Tienen espacios separados, con lo cual la mujer ratifica su propia independencia y deja entrever su desasosiego. En lo exterior, todo parece proseguir en paz
y como antes. Juegan juntos, miman a Sabine, quien se ha vuelto muy cómplice de
Jim, se ríen, son la felicidad misma, en fin. En el transfondo, empero, el paisaje
ensombrecido y la música interpretada por cuerdas y clarinete, anuncian, una vez más,
como heraldos negros, que algo triste, quizás trágico, se cierne sobre ellos.
El narrador omnisciente nos cuenta, en off, acompañado por la cámara, nos
muestra cómo los dos amigos juegan dominó como de costumbre y hablan de nuevo
sobre sus experiencias de la guerra. Reencuentran su intimidad. Mientras tanto
Catherine cose y se ocupa de Sabine. Desde la mesa donde juegan, surge una
panorámica que muestra a Catherine como si los dos hombres la miraran tal y como
hubieran deseado verla. Un poco doméstica, un tanto más tranquila, mucho más
aferrada a su vida con Jules y Sabine.
Suena suavemente la música, mientras ella se retira y en el cuarto de Jules, que
es un poco su propia guarida, Jim afirma que el matrimonio y la maternidad hacen a
Catherine un poco menos formidable. Jules lo pone en guardia. Cuando todo está bien,
algo carcome a Catherine y surge siempre lo inesperado; lo que derrumba las cosas. La
culpa, que rara vez siente conscientemente, la destruye hacia el adentro, como
consecuencia de la compulsión a la repetición tanática que proyecta en sus hombres.
De la misma manera su enorme capacidad de goce erótico la rescata, los rescata a ellos
y dota de un significado emocional más profundo a sus vidas y aún a su amistad
misma. Ella siempre puede traicionar un poco, puesto que siempre ha pedido de
antemano, perdón al buen Dios. En esto reside su mecanismo de anulación: a veces
peca y expía y otras, expía con anticipación, para permitirse pecar.
Jules previene a Jim: nos va a dejar, sin que se sepa bien si este "nos" se refiere
a Jules y Sabine o a Jules y Jim, o a todos juntos. Pero esta es Catherine, la mujer de la
estatua, la madre tierra de la cual emana un brillo que ilumina la vida misma. Está allí
siempre, pero nunca está del todo, y si por algún motivo siente que se la toma da por
sentado o si no encuentra en los ojos de los hombres su reflejo narcisístico grandioso,
se marcha al interior de sí misma y funciona en los términos propios del proceso
primario inconsciente, es decir, se mueve por des-
1 08 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut
plazamientos y energía psíquica no ligada En ella siempre hay un componente de fuga
y búsqueda que se opone a la estabilidad burguesa, a estar atada, a lo que siente como
domesticación. Toma amantes cada vez que se siente herida (y se siente herida con
frecuencia) a manera de venganza y como una especie de bofetón en el rostro de la
autocomplacencia virtuosa de los hombres.
Reaparece Albert, el cantante y poeta que había descubierto la estatua y quien se
las dio a conocer a los amigos. Con su aparición hay un cambio de plano a exteriores y
la luz que juega con el chalet en medio de la noche parece reflejar sentimientos y
pensamientos más oscuros, relacionados con el abandono.
Albert ha sido herido en la guerra y su reencuentro con Catherine parecería casi
casual. Quiere casarse con ella y llevarse a Sabine. Aparece como una especie de
cómplice de Catherine y como un antagonista. Jules y Jim no corresponden al esquema
héroe-antagonista, puesto que se complementan todo el tiempo, sin odiarse y casi sin
chocar. Catherine es más bien la antagonista de ambos y en ella se condensa la
atracción de los opuestos. Ella sabe que es la poseedora del sentido de la vida y que al
retirarse, al irse, se lleva la esperanza misma: el sentido emocional de las cosas. De allí
que además del miedo primario al abandono, el terror de Jules y la aprensión de Jim
tienen que ver con que de desparecer Catherine, perderían la dirección existencial que
su universo conserva aún, a pesar de la guerra. Truffaut plasma esta introspección al
mirarlos desde afuera en su intento de entender y explicar la condición humana a
través del lenguaje del cine, pero sin alejarse excesivamente de los rasgos, fortalezas y
debilidades de las personas que tan brillantemente captura.
Albert ha compuesto una canción especial para Catherine y la acompaña con la
guitarra mientras ella canta. La canción se llama "El Torbellino" y se vuelve el canto
estandarte de lo que es y representa Catherine. El protagonista de la canción es un
hombre que canta sobre una mujer adornada con anillos y brazaletes, dotada de una
voz seductora que desde el comienzo lo confundió, de ojos de ópalo, en su rostro
pálido de mujer fatal, que efectivamente le fue fatal. La vida los une y los separa una y
otra vez. Ella siempre reaparece y en medio del remolino intoxica y arrastra al hombre
con la promesa, no demasiado firme, de esta vez sí compartir su vida. Siempre está
segura porque sabe que nadie más puede dar lo que ella proporciona.
La voz en off nos cuenta que a pesar de su tristeza por Jules y de su solidaridad
con él, Jim no puede juzgar a Catherine. No ignora que saltaría sobre los hombres,
como se precipitó al río Sena cuando algo le pareció injusto.
Aparece el interior de la cabaña y Jim y Catherine tienen finalmente un
encuentro claramente amoroso. El narrador omnisciente nos cuenta que no se
hablaron. No necesitaban las palabras. Se descubren lentamente y cuando hacen el
amor, cuando los cuerpos se hacen uno, Catherine experimente plenamente
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 09
Simón Brainsky L.
júbilo y curiosidad. Jim está encadenado. Las otras mujeres ya no existen para él.
Entre tanto, en la terraza del chalet y en la mañana Jules y Sabine, en una especie de
pareja contrapuesta desayunan y juegan dominó. Catherine informa a Jules que le ha
pedido a Jim que venga a vivir con ellos en la casa. Jules, por supuesto, accede.
Mucha agua ha pasado bajo los puentes desde que Jules advirtiera a Jim: "pas avec
celle lá Jim...". Ahora sabe que la única esperanza de conservar de alguna forma a
Catherine pasa a través de Jim, pero más aún comienza a temer por la vida misma de
ella. Si muriera el universo perdería su significado.
En una pequeña escena muy cargada simbólicamente, Catherine despide a
Matilde su empleada. "Lo haré sola". Intentará manejar su mundo con Jim, por una
parte y Jules y Sabine, por la otra. Catherine se da cuenta de que el arreglo mismo
puede convertirse en una farsa, pero no encuentra otra manera de hacerlo. Mientras le
muestra su cuarto, Jim que va atrás le dice una vez más., que ama su nuca, que se
convierte para él en una especie de fetiche. Hay, sin embargo, una explicación. Es la
única parte de ella que puede mirar sin ser visto. Puede observarla sin ser desarmado
por la mirada implacable de Catherine (ce curieux sourire qui m' ávait tant plu) Es un
poco, temporalmente, dueño de ella.
En tanto comienza una especie de vida conyugal con Jim, éste le pregunta sobre
el destino inmediato de Jules. Catherine responde lo que ella desearía que sucediera y
lo que, en ocasiones y hasta cierto punto logra como realización de deseos, por su
peculiar y fuerte manera de ser, de acuerdo con el principio del placer. Para ella desear
es lograr. Nos ama a los dos, dice, no se sorprenderá, sufrirá menos así y nosotros lo
amaremos y respetaremos.
Las escenas siguientes parecerían plasmar esta realización de deseos: están
sentados en la terraza de chalet, todos se aman, todos se respetan, todos son una
familia, Sabine es hija de todos, y todos disfrutan sus monerías. En el pueblo, al fondo
del valle, los llaman "los tres locos", pero los quieren bien.
Catherine se mueve en la escalera que representa simbólicamente el devenir de
su propia vida. Ama a Jim, quien parece proporcionarle un sentido nuevo de la vida,
pero no ha dejado de querer a Jules, cuya presencia sólida y constante necesita. Para
Catherine el amor no dura sino un momento, pero para ella ese momento vuelve una y
otra vez en una especie de eterno retorno.
La vida de nuestros héroes se convierte en una continua vacación; en una
especie de eterna adolescencia que marca la película y a Truffaut mismo. Tanto la
obra como su autor son adolescentes: en la adolescencia no importa mucho el pasado
y el futuro casi ni se contempla, excepto como una especie de feliz extensión de lo que
está sucediendo en el ahora. Cualquier reflexión demasiado profunda conllevaría ideas
intrusas que traen consigo la tristeza, la depresión y el abandono.
110
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut
Por otra parte dice el narrador, (que corresponde a Truffaut y a Henri Pierre
Roché), que la felicidad se cuenta mal y se usa sin percatarse de ella. En Truffaut, y en
particular en "Jules et Jim" o en "Disparen sobre el pianista" esto se refleja en su
modalidad de trabajo que constituye, siempre, una especie de comedia melancólica. La
felicidad se experimenta pero se sabe que no durará y que tiene un fondo triste
abriéndose paso a medida que la felicidad se desvanece y se transforma en un recuerdo
dulce de aquello que pudo haber sido.
De nuevo cambia el orden y el posicionamiento relativo de los jugadores en
relación con el juego mismo, puesto que éste como tal, no se modifica. Ahora es Jim
quien se balancea en una mecedora, en tanto que Catherine seduce de nuevo y sin
demasiadas dificultades, a Jules. Lo quiere y necesita de nuevo ahora. Y ahora para ella
es siempre, hasta que cese de serlo. Sin embargo los celos de Jim a pesar de que sabe
que no tiene derecho a sentirlos, son diferentes a la aceptación incondicional de Jules y
Catherine lo percibe.
Pasean por los valles y las montañas en completa armonía. La música se alterna
entre la poesía de las vacaciones y el tema de la Tormenta, interpretado por el clarinete.
Juegan como niños, como hermanos. Lanzan piedrecillas al lago, aprenden a hacerlas
saltar en el agua y parecería que el cielo se acerca al valle. Viene, sin embargo al caso la
frase de Durell en Justine, "Me siento como si estuviera acostado entre el cielo y la
tierra, mirando por el ojo de una aguja".
Jim debe viajar a París. Lo hace sin alegría. Catherine y él temen que se rompa el
delicado tejido urdido en el transcurso de las vacaciones. Hablan de casarse y de tener
hijos. Jim le pide a Jules que cuide de Catherine. La escena se desplaza a París donde
Jim y Gilberte su novia-amante conversan en un café mientras suena un fox trot en una
pianola. Jim le cuenta a la muchacha que se casará con Catherine, que Jules está de
acuerdo en concederle el divorcio y en ayudarle a conseguir un trabajo en Alemania.
Gilberte se levanta y se va. Molesto, Jim intenta seguirla pero se topa con otro de los
antiguos juguetes de su propio París adolescente: Thérése, antigua anarquista, cortesana
ocasional, cuyo truco más llamativo es fumar al revés. Ella le cuenta las aventuras de sus
quince días de vacaciones, en una especie de tiovivo que ha perdido el control. Tenía un
novio a quien traicionó para comprarle una pipa, fue raptada por un enamorado, se
escapó. Se marchó con otro y trabajó sin mayores problemas en una casa de lenocinio en
Cairo, fue perseguida por la policía; la salvó un inglés. Volvió a su pueblo. Se casó, se
divorció; volvió a casarse. Finalmente encontró al hombre que jamás puede traicionar
porque no le deja ni el tiempo ni la fuerza. Ahora escribe sus memorias que son
ampliamente publicadas y "respetadas". Se encuentran con viejos amigos, que por
supuesto, le preguntan por Jules, sin que Thérése se inmute en lo más mínimo o
interrumpa su relato. Thérese es una especie de caricatura de todos ellos y del París
inocente y corrupto a la vez, que vivían
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Simón Brainsky L.
111
sin que fuera canallesco. Ahora Thérese se ha vuelto respetable. Otro amigo más
le muestra su amiga bella y totalmente vacía. Nunca habla; es un bello objeto. Es
el sexo puro. No despierta en Jim el menor interés.
Jim, acostado con Gilberte, trata de explicarle a su amante, la esencia de
Catherine. Ella tiene que hacerlo todo; jamás quiere hacer daño y si se equivoca
Io asume: es su camino a la sabiduría. Gilberte, no particularmente impresionada, le dice, con cierto sarcasmo, que esto puede tomar un tiempo muy largo.
Acepta sus celos y le ruega que no se vaya ese día. Jim cede. No puede dejar a
Gilberte, así como Catherine no puede abandonar a Jules. Se restablece una
especie de equilibrio.
Catherine se desespera y duda a veces del amor de Jim. Este tiene que
efectuar demasiadas despedidas y llevar a cabo demasiados protocolos, antes de
precipitarse del todo en sus brazos.
Jim vuelve y Jules Io espera. Un poco molesto le cuenta que Catherine no
está contenta con sus cartas y sus adioses. No resiste las ausencias. El viaje de Jim
ha sido largo y Catherine, frente a la duda, siempre va más allá: se ha marchado,
sin explicación alguna. Estalla frente a la frustración y frente a la duda, impulsada
por Io que Jules considera su inocencia. Un poco molesto Jim le dice que habla de
ella como si fuera una reina y Jules le responde que por supuesto Io es. No es
especialmente bella, ni inteligente, ni sincera. Pero es una verdadera mujer, la
que todos amamos y deseamos, puesto que nos concede el regalo de su presencia;
requiere la atención más absoluta, la debida a una reina. Jim está parcialmente de
acuerdo pero tiene sus reservas y por sobre todo teme que el daño que la relación
con Catherine pueda causar, estropee irremediablemente la amistad de ellos dos.
A veces siente celos de Jules y rabia porque este no los experimenta. Jim decide
marcharse, pero, por la ventana aparece el rostro enigmático de Catherine
precedido de su misteriosa sonrisa, a la manera del gato de Cheshire. Vuelve.
Siempre vuelve.
No hace el amor con Jim, pero le recuerda que a cada pequeño asunto del
hombre, ella responde con un pequeño asunto propio; que a cada pequeño adiós
necesario para entrar al mundo de ella, ella contrapone pequeños adioses propios. De quedar embarazada ahora, no sabría si el niño es de Jim. Reclama para la
mujer una libertad simétrica absoluta. Es la única manera de recomenzar, de
reiniciar en ceros. Esperarán entonces ligados por su propia castidad, el momento
preciso en que puedan concebir un hijo de los dos. Sin dudas. Sin reservas; sin
trampa alguna. El ginecólogo les recomienda mucha paciencia pero la paciencia
no es ciertamente una virtud de Catherine. En el fondo, sabe que nunca tendrá' un
hijo de Jim. La cámara se aleja del chalet en un traveling inverso que muestra
como se aleja para siempre la felicidad con la que sonaban.
A la larga, Catherine abandona a Jim y todas las pequeñas diferencias entre
112
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut
ellos se agigantan como pesadillas proyectadas al futuro. Deciden separarse por
tres meses pero saben que será definitivo. Jim sufre ahora y Catherine encuentra
este sufrimiento razonable. A ella ya le llegará su turno después. Vuelve al cuarto
de Jules y le explica que puesto que no está segura de que Jim la ama, tiene que
vengarse. Teme el desprecio de Jules, pero se da cuenta una vez más de que el
amor de Jules es incondicional, suceda Io que suceda, haga Io que haga. Frente a
esto la muchacha le jura con convicción momentánea que serán felices, que quiere quedarse con él y con Sabine, y aún con los pequeños hijos que tendrá Sabine. Jules es dichoso de todas maneras, por el solo hecho de la existencia de ella
que padece y goza plenamente. Esto nunca cambiará. Paradójicamente, es el más
libre de los tres y tiene además a su hija.
A la mañana siguiente Jim parte. Catherine Io acompaña hasta la estación. La
niebla Io envuelve todo. Los horarios de los trenes han sido modificados por el
otoño, la estación de las hojas muertas. Entran al cuarto de un hotel. Catherine
odia los cuartos de hotel; ella no es especialmente moral, pero detesta lo
clandestino. Frente a un espejo Catherine se quita el maquillaje mientras Jim la
observa. Ella se quita la máscara; cambia de persona, en el sentido del teatro.
Como Nora Elmer, en "Casa de Muñecas" de Ibsen, se quita el disfraz. En este
cuarto de hotel, triste y frio, se aman una vez más, como poniendo un punto final;
como enterrando su amor en un acto frio, tajante y definitivo. La despedida
misma es seca y los sentimientos se reprimen. Parecería que todo se acaba.
Jim está enfermo en Paris, acompañado de Gilberte, quien le entrega una
carta de Catherine en que le cuenta que quizás está encinta y le pide que vaya.
Pero Jim se niega; no cree que su última relación patética haya logrado Io que
no pudo su más fiero amor.
Jules y Catherine, a su vez, dudan que la enfermedad de Jim sea
verdadera. Jules le escribe una carta diciéndole que los ojos de Catherine están
cansados y que espera una carta de Jim, que escriba con letra grande para que
ella pueda leer. La visión de Catherine, siempre precisa en Io que concierne a
los sentimientos de sus hombres, se empieza a hacer borrosa. Entre tanto, Jim
le pide a Gilberte, que sale a la calle, que le envíe una carta. Simultáneamente,
ella le entrega una de Catherine en la que ella le cuenta en tono jubiloso que
está embarazada, que está segura que el hijo es de él y le suplica que le crea y
que le responda. Jim, empero, no alcanza a detener a Gilberte y la carta que ha
enviado expresa todas sus dudas, sus vacilaciones y su propia fatiga con todo el
asunto. Al recibirla, Catherine también se declara hastiada. Sucede Io que
siempre ha sucedido desde la cita en el café, anos atrás: en los momentos
claves hay un desencuentro.
Jim recibe otra carta de Jules en la que le cuenta que Catherine perdió el
niño y que ahora ella solo desea el silencio y la distancia entre ellos. Jules
reflexi-
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
113
Simón Brainsky L.
ona y dice lo que podría ser la frase más característica de la película: "jugamos con las
leyes de la vida y perdimos".
Un día Jules trae una invitación de Catherine para dar un paseo en auto; por
cortesía, ha invitado también a Gilberte quien, por supuesto, no va. La excursión en
Catherine representa siempre el viaje; la expedición; la búsqueda de praderas más
verdes; el intento, a veces desesperado, de provocar un cambio a toda costa. Los
amigos la encuentran de excelente humor y tratan de evitar hacer nada que la moleste.
Para Jules ella debe manejarse siempre como entre algodones, lo que a la larga les
resulta fatigante, a pesar de su amor incondicional. Catherine saluda a Jim con alegría
cordial y un poco impersonal, como si fuera un conocido a quien aprecia. La heroína,
de muy buen talante, arma su pequeño hatillo de vagabundo y termina visitando a
Albert y anunciando a los dos amigos que pasará la noche con él. La historia se repite
pero, al menos para Jim, es evidente su componente teatral. La filosofía de Catherine
de que al menos uno de los dos miembros de la pareja debe ser fiel siempre (y por
supuesto no se refiere a sí misma), lo cansa cada vez más. Se aleja del automóvil en el
que venían y un poco de todo el enredo y le cuenta a Jules que se casa con Gilberte. Su
compañero considera esto razonable. Cuando algo se acaba, acepta con tristeza, se
acaba. Las cosas, sin embargo, no son tan fáciles con Catherine En la noche maneja su
auto en la plazoleta donde viven Jim y Gilberte. Jim observa el carro y la voz del
narrador nos cuenta que lo veía "como un caballo sin caballero","como un navío
fantasma".
Catherine llama a Jim por teléfono en las primeras horas de la madrugada. Su
vida es un desierto ...se siente morir... debe ir a verla inmediatamente. El va pero
condensa lo que siente en un discurso: ahora sí todo está en palabras. Todo se puede
decir. El dolor de lo vivo-presente se convierte para Jim en el discurso melancólico y
nostálgico de aquello que ya no es más. Destaca las bellas cualidades de carácter de
Catherine, y lo impecable de sus amables intenciones, siempre tan honestas. Ella
quería reinventar el amor sin hipocresías ni resignaciones falsas. Ahora no hay nada
más: "les jeux sont faits". Al comienzo Catherine llora y se pregunta qué va a ser de
ella, y los hijos de los dos: hubieran sido tan bellos! Rápidamente se enfurece y
amenaza al hombre con un revolver, pero éste fría y calmadamente se lo quita y se
marcha con la sana intención de no volver jamás.
Al cabo de un tiempo los tres, inevitablemente, se encuentran en el cine. Pasa un
noticiero en el que se proyecta, la quema de libros que gozosamente llevan a cabo los
estudiantes nazis en el año del Señor 1933. Truffaut nos advierte sobre las sombras
que se ciernen nuevamente, sobre Europa aún más amenazantes y definitivas que las
anteriores. Probablemente no va a haber mucho campo para nuevos experimentos,
ampliaciones y profundizaciones sobre el amor.
Jim está feliz, tanto por encontrarse nuevamente con Jules, como al perca-
114
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut
tarse de que Catherine ya no lo impacta como antes. Jim no se da cuenta de que en el
universo de ella, si él no la ama más, no tiene derecho a vivir. Mientras Jules y Jim
comentan la quema de libros, que marca el final de todos los ideales en los que
creyeron, Catherine comunica a Jim que tiene algo para decirle y le pide que la
acompañe al auto para hacerlo. Le dice a Jules que los mire con atención. En el carro
le sonríe con dulzura a Jim, tal y como si le sonriera a la muerte misma, con la que ha
jugado siempre y continúa sonriendo en tanto conduce hasta precipitar el vehículo, a
ella misma y a Jim, al agua. Ahora acaba todo de una buena vez.
Jules acompaña a los encargados del cementerio a la cremación de los cuerpos
de su amigo y de su amada. Está muy triste, pero por primera vez en mucho tiempo,
tal vez desde el primer día en que conoció a Catherine no siente el terror al abandono
o al engaño. Jules se aleja lentamente a medida en que va apareciendo la palabra FIN.
Los protagonistas han jugado con la vida y han perdido. Han buscado una
alternativa a la pareja y han fracasado. Han creído profundamente en la fraternidad y
han encontrado la guerra. Han venerado la poesía y han hallado también la
destrucción. Han buscado el amor para descubrir que éste se pierde siempre al
encontrarlo. Su fracaso, empero, es más que honorable puesto que construyen un
camino y tanto ellos como Truffaut nos enriquecen infinitamente, más allá de la
equivocación, al permitirnos compartir su búsqueda.
Bibliografía
ABELLO, I. (1998). Inventos y Palabras Ediciones Fundación Morada al Sur, San Juan de Pasto,
1998.
BRAINSKY, S. (1998). Destructividad, Luto y Sublimación. A propósito de Azul, de Krzysztof
Kieslovski. Ensayo & Error Año 3 # 4 Bogotá, Abril 1998, pp.264-283.
BRAINSKY, S. Psicoanálisis y Creatividad. Bogotá: Norma, 1997.
FREUD, S. (1915). The Unconscious S.E. Vol.XIV. London: The Hogarth Press, 1955, pp.159-196
FREUD, S. (1920). Beyond the Pleasure Principle S.E. Vol.XVIII. London: The Hogarth Press,
1955, pp.7-64.
HOBSBAUM, E. (1994). La Barbarie: Guía del Usuario en "Sobre la Historia" Grijalbo Mondadori, Barcelona, 1998, pp.253-265.
MELTZER, D.; WILLIAMS, M.H., (1988). The Aprehensión of Beauty. The Clunie Press, The Roland Harris Library, Great Britain, 1988.
TUCHMAN, B. (1962). The Proud Tower, MacMillan, New York, 1962.
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
115
Sobre o como e o porquê da criatividade
Júlio Roesch de Campos*, Porto Alegre, BRASIL
* Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
117
Júlio Roesch de Campos
Estimulados pelas lacunas que constatamos existirem na literatura científica sobre o
tema da criatividade no ser humano, buscamos, com um grupo de seis colegas1, nos
últimos 7 anos, estudar biografias e obras de reconhecidos imortais. As considerações
que seguem são alguns dos resultados desta investigação. Quando, entre os anos de 1874
e 1876, o médico, historiador e posteriormente senador italiano, Giovanni Morelli
publicou seus primeiros trabalhos, onde propunha um novo método para descobrir
atribuições de pinturas e esculturas dos antigos mestres, causou uma verdadeira
revolução no mundo das artes. "Atribuir uma obra ou distinguir entre uma cópia e um
original", raciocinava Morelli, "é uma tarefa árdua pois é comum que as pinturas não
tenham assinatura, sejam realizadas por aprendizes, restauradas, repintadas ou até
mesmo falsificadas".... "Para conseguir atribuir com precisão", preconizava, "é
necessário abandonar as características mais óbvias das pinturas, como o sorriso das
mulheres de Leonardo ou os olhos voltados para o céu dos personagens centrais de
Perugino, já que estes detalhes mais evidentes são os primeiros a serem copiados.
Deve-se atender aos detalhes pequenos ou mesmo ínfimos, que são realmente peculiares
a cada autor". Assim Morelli se detinha na forma das mãos, dos pés, das orelhas. Seu
método foi muito combatido, pois destruiu sonhos e até fortunas, ponto em risco a idoneidade de muitos acervos de museus famosos. Criticado de positivista e mecânico, foi
obrigado a enfrentar detratores por muitos anos.
Segundo o filólogo Cario Ginzburg, autor do trabalho "Morelli, Freud e Sherlock
Holmes: indícios e método cientifico", Freud já havia entrado em contato com estes
escritos quando comprou, em Milão, no dia 14 de setembro de 1898 o livro de Morelli.
O ponto de partida para a investigação de Ginzburg foi um trecho do artigo "O Moisés
de Michelangelo", onde Freud lhe dá credito na elaboração e no desenvolvimento do
método psicanalítico. Diz Freud, em 1914 no artigo citado: "Muito antes de ter tido
qualquer oportunidade de ouvir falar em psicanálise, soube que um conhecedor de arte
... provocara uma revolução nas galerias de arte da Europa colocando em dúvida a
autoria de muitos quadros .... Parece-me que seu método de investigação tem estreita
relação com a técnica da psicanálise que também está acostumada a adivinhar coisas
secretas e ocultas a partir de aspectos menosprezados ou inobservados, do monte de
lixo, por assim dizer, de nossas observações". Segundo Ginzburg demonstra através de
exemplos, era a mesma fórmula que Arthur Conan Doyle providenciava para Sherlock
Holmes. E agrega:
"Para Freud estes detalhes eram sintomas, para Holmes eram pistas, indícios e
para Morelli características pictóricas. Nos três casos, detalhes minús1. Adriana Teixeira, Denise Souza, Ivete Fadei, Magda Barbieri Walz, Maria da Graça Motta, Maurício Marx e Silva.
118
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Sobre o como e o porque da criatividade
culos proporcionam a clave para aceder a uma realidade mais profunda, inacessível por outros meios".
Novamente cito Ginzburg: "O próprio Freud manifestou a um paciente (O
Homem dos Lobos) quão interessado estava nas histórias de Sherlock Holmes e
quando, na primavera de 1913, um colega seu (Teodor Reik) sugeriu um paralelismo
entre o método psicanalítico e o método de Holmes, Freud replicou expressando sua
admiração pela técnica de Morelli".
No artigo de 1919, "Das Unheimliche", Freud nos oferece uma demonstração
prática do seu procedimento. Sua intenção é comprovar como alguns escritores geniais
tem a capacidade de levar o leitor, sutil, mas inexoravelmente, em direção a um final
esperado-inesperado, cheio de conteúdos profundos e reveladores. Diz que, ao final da
novela, quando o objetivo do artista é alcançado, o leitor tem uma sensação de
"Unheimliche" (que, em alemão, significa, simultaneamente, algo estranho,
extraordinário, sinistro, mas também familiar). Interessante sublinhar que o mesmo
Teodor Reik ajudou a Freud na pesquisa bibliográfica que fundamenta esta obra e foi o
responsável pelos desenvolvimentos posteriores do conceito, quando, na década de 30,
escreveu seu artigo sobre a "surpresa". Sob a denominação de "sinistro" e de
"surpresa", tentam descrever a sensação que se tem no encontro com o inconsciente.
Mas, na nossa opinião, nem Morelli e nem Conan Doyle nem mesmo Freud ou Reik se
deram conta que estavam produzindo uma teoria geral sobre a criatividade,
conceitualizando as sensações que se tem com a culminação do ato criativo. Estavam
todos tão ocupados em gerar apreensões da realidade que fossem corretas e profundas
que não se detiveram a pensar de onde e como são geradas os reconhecimentos corretos
e profundos.
Por uma feliz coincidência no grupo de investigação estávamos estudando com
muito empenho a Vincent van Gogh, por ocasião do Congresso de Amsterdã, de tal
maneira que parte da excitação que sentia pelo meu primeiro congresso internacional se
dirigia ao museu. Compreendi muito de sua vida durante as intensas horas que dediquei
ao artista. Mas foi na sala do quadro "Os Comedores de Batatas" que tive minha eureca,
meu momento de compreender o óbvio, meu "Unheimliche", minha surpresa. Entra-se
em um grande espaço e se vê, na parede oposta, isolado em uma posição de muito
destaque, o célebre quadro. Nas demais paredes estão expostas muitos dos esboços,
desenhos e pinturas que culminaram com a sua execução, mas de uma forma inusitada
para os museus, pois, normalmente o acervo do museu não comporta que a história da
obra de arte seja apresentada. (O conhecido fato de que van Gogh ter vendido somente
um quadro em toda sua vida auxiliou sobremaneira a cunhada e seu filho, que também
se chamava Vincent van Gogh, na montagem desse acervo). Já sabia que
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
119
Júlio Roesch de Campos
"Os Comedores de Batatas" não era um quadro, mas quatro, como também que
van Gogh havia passado, por esta época, por um dos seus períodos de produção
frenética, realizando centenas de esboços, desenhos e mais de 200 quadros a óleo
num período de 6 meses. O que dá a estonteante marca de quase um quadro à
óleo por dia. O que eu não sabia era que toda esta produção tinha somente um
único tema central. O pintor dedica toda esta série a retratar o abandono e a
pobreza, tanto física como espiritual, que consumiam os camponeses da Holanda.
Com certeza uma auto-referência de sua própria situação vivencial. Seu invejoso
pai, seu mais ardente e explícito opositor, foi acometido por um infarto e, no
curto espaço de tempo até sua morte, não deixou de responsabilizá-lo, argumentando que sua doença, como também grande parte das dificuldades que a
família enfrentava, eram decorrência das preocupações trazidas pelo filho
'desencaminhado', como também um castigo por seu ateísmo e por sua obstinada
negativa de seguir-lhe a carreira de pastor em uma inexpressiva igreja de um
lugarejo do interior.
A visão das tentativas preliminares me ajudaram a compreender o processo
interno que obrigatoriamente tem que transitar para que uma obra verdadeira veja
a luz. Percebi, naquele momento, que eu pensava, ingenuamente, que a diferença
entre um gênio das artes ou da ciência e uma pessoa medíocre residia na
capacidade criadora instalada e que providenciavam a obra com a mesma rapidez
com que Deus criou o mundo. Quero fazer e faço. Não é, por certo, a fórmula que
usamos para compreender as vidas de nossos pacientes. Como todos sabem,
nosso mais ilustre colega preconizava que somente através de uma atenção
parelhamente flutuante, com uma suspensão tão completa quanto possível de
críticas e de preconceitos de toda espécie, e sem prestar atenção a nada em
particular do discurso ou da aparência do paciente, o analista chega a captar sua
realidade. E depois de escutar muito. Compreendi que este método de deixar-se
empapar pelas circunstâncias do objeto até captar a sua essência e depois
reconstruí-la dentro de si, foi praticado pelos artistas desde sempre, incorporado
por Morelli e utilizado por Sherlock Holmes. Esta noção de processo no ato de
criar foi, para mim, uma revelação. E é o responsável pela grande densidade de
informação que possui algo que chamamos "verdadeiro". Na minha opinião é
esta característica de intensidade que faz a diferença de valor nas obras de arte,
ou seja, o quadro "Os Comedores de Batatas" vale milhões, enquanto os estudos
preparatórios valem muitas vezes menos. Por uma justiça histórica é necessário
agregar que há poucos meses me inteiro que o célebre fisiologista Hermann von
Helmholtz já tinha delimitado estes passos, no final do século passado, em fases
denominadas por ele como impregnação, incubação e iluminação.
Até aqui estivemos considerando o tema de como uma obra de arte, uma
interpretação ou descobrimento científico se produz. Abordaremos agora a ques1 20 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Sobre o como e o porquê da criatividade
tão do porquê. Certamente um tema complicadíssimo que admite uma série infindável
de perguntas e respostas. O que fixaria, durante tantas horas, a Michelangelo, ao teto da
Capela Sistina, na mesma posição, a ponto de não poder mover-se, quando quis descer
e seus ajudantes virem-se obrigados a baixa-lo com cordas? É possível que seja a
mesma razão que fez com que ele arriscasse seu pescoço quando contrariava o papa
Leão X, aos gritos, pois se negava terminantemente a pintar Deus e Adão vestidos. Ou
qual a motivação que levava Shakespeare a escrever? Quaisquer que sejam as respostas,
estamos tratando com uma força muito poderosa pois conseguia, ao mesmo tempo,
arrancar Dostoievsky das mesas de roleta e Sherlock Holmes dos braços da cocaína.
Algo que tem o poder de tirar o sono de Freud, ajudando, ou - porque não dizer? -,
obrigando-o, a entrar madrugadas a dentro escrevendo milhares de cartas e trabalhos
científicos. Uma força capaz de fazer com que o arquiteto Antônio Gaudí dedicasse
quase toda sua existência à construção de uma catedral ou que Raphael, já riquíssimo
aos 30 e poucos anos, consumisse (literalmente) sua vida entre a pintura e a
investigação arqueológica da Roma Imperial. Ou que levaria a Mareei Proust a viver
em um apartamento de paredes totalmente recobertas por veludo, para que os sons e a
luz provenientes da rua não interferisse em sua viajem as recordações da infância?
A primeira resposta contundente tivemos com Johann Sebastian Bach. O famoso
compositor provinha de uma numerosa família, muitos dos quais músicos. Aprendeu a
tocar vários instrumentos e desde muito tenra idade, como também seus irmãos,
participava dos saraus da casa. Todos os dias, depois do jantar, a família Bach se reunia
em torno aos instrumentos e passava, segundo conta a história, momentos de grande
congregação familiar. Quando os pais faleceram, aos 6 e 9 anos do músico, a forma que
os filhos encontraram de tê-los sempre presentes, foi a de dar continuidade a esta tão
bem encontrada maneira de terminar o dia. A partir deste conhecimento nunca mais me
foi possível deixar de pensar que Bach, ao executar tão magistralmente sua música, ao
compor com tamanha soltura, estava reencontrando-se com aquelas delicias de seus anos
infantis. A infância de Salvador Dali teve, no grupo, um impacto semelhante. Além de
ter um pai muito culto, que provia a casa dos principais títulos literários universais, era
também um homem moderno se imaginamos que conseguia adquirir de Figueres, a 250
quilômetros de Barcelona, os filmes que Chaplin recém produzia nos Estados Unidos.
Sua avó materna e sua mãe eram possuidoras de grande capacidade criadora e artística,
dedicando horas inteiras ao prazer de brincar com o já reconhecido gênio precoce. A elas
parecia gracioso que os filhos desenhassem pelas paredes da casa. Por uma amiga da
mãe ficou conhecida uma frase que retrata sua aceitação tácita das "artes" do filho: "Se
ele diz que é um pato, é um pato; se ele diz que é um cisne, é um cisne". Este padrão
vemos repetir-
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
121
Júlio Roesch de Campos
se na vida de muitos dos grandes criadores que investigamos e suspeitamos estar
presente em todos. Ou sejam, mães internas (em alguns casos também o pai) que
apoiam seu filho, produzindo-lhe a sensação de estar profundamente acompanhados no muitas vezes árduo e angustiante caminho das inovações e descobrimentos. Como diz Winnicott: "...o artista tem a habilidade e a coragem de estar
em contato com os processos primitivos aos quais o neurótico não tolera chegar e
que as pessoas sadias podem deixar passar para o seu próprio empobrecimento
pessoal".
Seria atrativo seguir pelo caminho de conjeturar sobre a constituição psíquica dos gênios, no que se refere a formação dos altos ideais, a configuração de
um superego especial ou sobre a elevada auto-estima. Seria atrativo também
enveredar por suas vidas sexuais e cotidianas ou traçar o que pensamos ser antinomias entre seus sintomas psíquicos e físicos e suas capacidades criativas. Certamente estaríamos dentro do tema que nos propusemos tratar, mas, pelo momento, me interessa mais buscar entrever sobre a consciência e suas sensações.
Sobre as conseqüências do uso destas habilidades com coragem. Formularia da
seguinte maneira: consideramos que a razão pela qual os grandes gênios da humanidade criam, a razão pela qual Sherlock Holmes investigava e a melhor das
razões pelas quais somos psicanalistas, seja a mesma: o profundo e intenso prazer
inerente ao processo criativo. Como disse Gilberto Freyre: "Produzir 'Casa
Grande e Senzala' era uma necessidade e escrevê-la me produzia um prazer físico".
Nossa tese é de que van Gogh empapara-se do tema porque sentia grande necessidade e muito prazer em poder exprimir seu mundo interno. O mesmo vale para
Freud ou para Einstein, que passou toda sua vida tentando responder a pergunta
que se fez aos 16 anos: "Como se comportaria a luz se eu viajasse a seu lado, na
mesma velocidade?" Anossa criatividade, sendo um sucedâneo do brincar infantil,
traz consigo as mesmas características hedonísticas. No dizer de Oliver Sacks,
citando Aristóteles: " .... independente do grande prazer que os seres humanos
auferem de propor e resolver problemas, o verdadeiro deleite da mente é a sua
própria atividade". E considerando que um mesmo criador, como já foi aventado,
tem obras maiores e menores, que um mesmo analista constitui interpretações
mais superficiais e mais profundas, é mister considerar que existam no mínimo
dois tipos de prazeres envolvidos no processo da criação: um durante a
formatação da obra ou interpretação e outro que envolveria seu apogeu. Sugiro
que os momentos preliminares de empapamento seja denominado como "prazeres
de tramitação", (por sugestão de David Maldavsky), pois parece correto pensar
que, para quem gosta de viajar, até os aborrecidos trâmites do passaporte, são um
prazer. E para o momento apoteótico, que von Helmholtz chama de iluminação,
sugiro que se use o termo "orgasmo epistemológico", pois daria à "eureca", ao
"chie", ao "Unheimliche", a "surpresa", enfim ao insight, o seu justo
1 22 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Sobre o como e o porquê da criatividade
status cultural. Esta denominação tem, ademais a vantagem de arrancar definitivamente
a criatividade de sua equiparação com a psicopatologia, tão comum nos trabalhos
científicos, inclusive psicanalíticos. Além do mais poderia trazer alguma luz para o
enigma de porque algumas pessoas, como Dalí, Gaudí e Freud, inclusive, são tão
dedicadas a sua vida de criação e apesar de grande intensidade em suas existências,
abandonam a vida sexual genital precocemente.
É pensando neste paralelo entre a vida sexual genital e a vida sexual criativa que
poderíamos concluir que existem duas vias totalmente diferenciadas no ser humano
para a satisfação sexual: a direta e a do processo criativo. Esses dois caminhos tem
desenvolvimentos, características, prazeres preliminares e orgasmos finais que
obedecem a certa paridade. Foi com surpresa que constatamos que uma expressiva
parcela dos grandes criadores de todos os tempos, pelo menos dos estudados por nós,
escolheram o segundo caminho com exclusão do primeiro. Ou seja dedicaram-se a
produzir obras imortais, mas não filhos. Ou, em muitas oportunidades, quando
produziram filhos, não cuidaram bem deles. Outro forte argumento para este paralelo
encontramos ao considerar que são também os dois modos existentes para se alcançar a
imortalidade. O sexual, a via corriqueira, é bastante conhecida na sua função de
procriar, de conceber filhos de carne e osso, que farão com que nossas existências
sejam perpetuadas, muitas vezes, ad infinitum. Mas existe a via indireta, muito mais
moderna no sentido filogenético, de ser imortal: a criação de obras universais, a criação
dos filhos do espírito, os filhos das idéias, onde estejam plasmadas as vivências e
sentimentos prototípicos da humanidade. Em outras palavras, o orgasmo sexual busca a
imortalidade do corpo enquanto o orgasmo epistemológico persegue a imortalidade da
alma.
Assim talvez nosso próximo e querido Sigmund Freud seja mais que um
exemplo, pois teve o privilégio de trilhar os dois caminhos: vários filhos e muitas
obras. Além disso recebeu das mãos dos homens, por seus prazeres de tramitação, o
maior prêmio da Alemanha para literatos e foi agraciado pelos deuses, por sua
capacidade de suportar profundos orgasmos epistemológicos, com a imortalidade.
Ocorreu, nessa feliz circunstância, o que ele próprio indicou em "O Mal-estar na
Civilização": "O destino, então, não pode muita coisa contra você".
Referências bibliográficas
BERGER, J. (1965). Êxito y fracasso de Picasso. Madrid: Debate, 1990.
BION, W. (1965). As transformações. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
ECO, U.; SEBEOK, T. (1983). El signo de los tres. Barcelona: Lumen, 1989.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 23
Júlio Roesch de Campos
FREUD, S. (1910). Leonardo da Vinci e uma Lembrança da sua Infância. E.S.B. (Edição Standard
Brasileira), XI.
_______(1919). O "estranho". E.S.B. (Edição Standard Brasileira), XVII.
______ (1929). O mal-estar na civilização. E.S.B. (Edição Standard Brasileira), XXI.
______ Carta a S. Zweig de 20 de julho de 1938.
KAYSER, W. (1995). Maravilhosa Obra do Acaso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. REIK, T.
(1949). The inner experience of a psychoanalyst. London: Ed.George Allen & Unwin.
______ (s.a.). Como se llega a ser psicólogo. Buenos Aires: Biblioteca de Psicoanalisis, 1945.
RUBIN, W. (1996). Picasso and Portraiture. New York: MoMA, 1996.
WINNICOTT, D. (1971). Realidad y juego. Barcelona: Ed. Gedisa, 1979.
______ (1958). O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982.
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
1 24 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicoanálisis y cultura. Entre el
diván y la comunidad
Néstor Carlisky e Celia Katz de Eskenazi
Néstor Carlisky e Celia Katz de Eskenazi
Introducción
El término comunidad, presente en la formulación del tema que nos convoca, es
usado con frecuencia como sinónimo de sociedad por quienes estudian los fenómenos
sociales. Desde el prisma psicoanalítico nos parece percibir, sin embargo, una
connotación diferencial que aludiría a lo que tienen en común los componentes de un
determinado grupo nacional, étnico, profesional, etc., y cabalgaría sobre oposiciones
tales como: tolerancia versus intolerancia, personalización narcisista versus empatía y
solidaridad, indiferencia tanática versus lazos eróticos con quienes compartimos un
determinado grupo en la sociedad, etc. En ese sentido el rol de los psicoanalistas en la
comunidad, a diferencia de nuestro lugar en la sociedad, se ocuparía no sólo de lo que
podemos aportar en cuanto a la comprensión de los fenómenos sociales a partir de
nuestro conocimiento del funcionamiento intrapsíquico, sino que pondría el acento en
nuestro rol asistencial, en términos de prevención primaria, análisis de las
instituciones, comprensión y abordaje de fenómenos tales como la violencia, la
corrupción, etc.
La presencia del psicoanálisis en la cultura y sus aportes en diversas áreas es
indiscutible desde su creación (Freud, S., 1930). A la inversa es más difícil evaluar el
impacto que los cambios sociales, políticos, económicos y científicos están
produciendo en la teoría y en la práctica actual del mismo (Carlisky, N.; Eskenazi, C,
1998).
Las consecuencias de ese impacto son lo que hoy nos conmueve generando
desconcierto e incertidumbre y nos plantea interrogantes y desafíos como los que se
enuncian en este congreso, al estudiar el tránsito entre el diván y la comunidad.
Para recorrer el espacio que media entre ambos, los psicoanalistas debemos
tener en cuenta elementos tales como el registro de los cambios de los paradigmas
culturales y científicos actuales y la velocidad y aceleración con que estos se
producen. Esto requiere un nivel de consistencia subjetiva y una capacidad de
metabolización de los cambios que ocurren en nuestros pacientes y en nosotros
mismos, lo cual depende de la existencia o no de esquemas organizativos adecuados
para acoger las nuevas representaciones de origen fáctico o imaginario. Al hablar de
consistencia subjetiva nos referimos al grado de velocidad y eficacia para crear
entramados representativos que brinden un sentimiento de constancia evitando así caer
en la sensación de caos catastrófico que caracteriza a las situaciones traumáticas
carentes de representación.
126"
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicoanálisis y cultura. Entre el diván y la comunidad
La realidad externa
Frente a un acontecimiento traumático temprano que no ha dejado impronta
representacional en el psiquismo del paciente, es la regresión operativa y el surgimiento de imágenes en el analista lo que permite vencer los obstáculos del impasse
que lo no representable provoca en el desarrollo de la cura.
La violencia, el desamparo, y la inseguridad, que ciertos hechos sociales
generan, funcionan también como acontecimientos traumáticos provocando una falta
de representación en la mente del paciente, una angustia automática, y conmueven
asimismo al analista, acostumbrado a la neutralidad que lo protege de esa inquietante
extrañeza, familiar y desconocida al mismo tiempo, que la realidad externa introduce
en el trabajo analítico.
Lo traumático sería la carencia de representaciones adecuadas a los nuevos
estímulos.
La sociedad actual posee no sólo objetos y estructuras diferentes sino también
un magma de significaciones imaginarias distinto del que caracterizó a sociedades
previas (Carlisky, N; Eskenazi, C, 1998).
Estamos ante una triple revolución, tecnológica, económica y sociológica que ha
modificado los paradigmas fundamentales sobre los que reposa el edificio socio
político de los estados democráticos modernos, generando desigualdad y violencia en
las relaciones sociales y por lo tanto en los intercambios intersubjetivos que moldean
el psiquismo.
Los cibermundos, la realidad virtual y las nuevas modalidades de comunicación
generan una omnipotencia tecnológica que hace creer en la omnipotencia del deseo.
La ciencia y la tecnología, sin embargo, sólo pueden intentar dar respuesta
fallidamente a la demanda, no al deseo, y pueden ser usadas en ese sentido para ayudar
a desmentir, ocultar, o -disimular la realidad de la finitud humana. En lo económico el
fenómeno dominante es la globalización y el predominio de los mercados financieros
que son quienes dictan las leyes aun por encima de los estados y los responsables
políticos. La economía se impone a la política. En el campo de la sociología el
concepto tradicional de poder está en crisis y al ser los mercados quienes gobiernan, el
poder se desinteresa cada vez más de lo social generándose en consecuencia los males
que conocemos, tales como la desocupación, la pauperización y las condiciones aptas
para la corrupción y la violencia.
Creemos, por lo tanto, necesario un cambio de abordaje metapsicológico, ya que
ha surgido un nuevo paradigma cultural y un régimen de significación con objetos
culturales que tienen relaciones específicas de producción, circulación y recepción
(Lash, S., 1997). Entendemos que la comunidad tiene determi-
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 27
Néstor Carlisky e Celia Katz de Eskenazi
nadas formas de relación con estos objetos culturales, siendo el psicoanálisis uno de
ellos.
El nuevo paradigma cultural, tiene, además, como núcleo, la cultura del antiinsigt (el deseo de no recordar, proyectar, pensar ni desear (Carlisky, N.; Eskenazi, C,
1998) con el propósito de evitar percibir la angustia de castración y en definitiva la
angustia de muerte.
La dimensión intra, ínter y transubjetiva del campo analítico
En una sociedad pauperizada y violenta, el psicoanálisis como objeto cultural
que se ha dirigido predominantemente hacia el espacio intrasubjetivo tiende a ser
percibido como alienado de la misma. El recorrido entre el diván y la comunidad
debería incluir, a nuestro entender, el tránsito no sólo por los espacios intra e
intersubjetivos, sino también por el espacio transubjetivo ya que consideramos que los
tres integran el campo analítico.
Podemos adoptar innumerables formas de racionalización frente a cambios
socio culturales cuya magnitud consideramos insuperables y continuar trabajando
solamente sobre el espacio intrapsíquico, o aceptar el desafío y tratar de pensar con
nuestros pacientes para ayudarlos a ligar las representaciones surgidas de sus
experiencias con hechos traumáticos que la sociedad les impone, y enfrentar así los
sentimientos o fantasías de caos catastrófico y aniquilación. Esto último no implica
apartarnos de las conceptualizaciones clásicas freudianas ni dejar de lado el acceso
transferencial al inconsciente. Nos parece asimismo conectado a la posibilidad de
percibir el imaginario social de nuestra época para aceptarlo o rechazarlo total o
parcialmente y evitar así que las decisiones queden en el Otro parental y social,
presente en nuestro psiquismo como generador de variadas formas de alienación.
Singularidad y transubjetividad: consideraciones metapsicológicas
Freud (1933) planteó que "....las dos aspiraciones de dicha individual y de
acoplamiento a la comunidad, tienen que luchar entre sí en cada individuo". La tarea
psicoanalítica podría facilitar el establecimiento de puntos de contacto entre ambas.
Kaes (1991) postula al respecto que "una de las tareas de la investigación
psicoanalítica contemporánea es la de pensar en la posición del sujeto singular en los
conjuntos transubjetivos, las formaciones y los procesos del inconsciente de donde
procede su subjetividad". Entender la realidad psíquica mas allá de la singularidad,
para incluir estos vínculos ínter y transubjetivos, implica una amplia-
1 28 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicoanálisis y cultura. Entre el diván y la comunidad
ción paradigmática del psicoanálisis desde una teoría de las relaciones de objeto a una
de relaciones de sujeto (Jiménez, J.P., 1995), que incluya y se incluya en el imaginario
social de cada época. Otorgarle representación psíquica propia a los hechos sociales e
incluirlos como elementos estructurales del aparato psíquico junto a la problemática
edípica y a la influencia de los objetos primarios en la socialización del individuo
implica un cambio metapsicológico importante para una práctica que puede aparentar
alejarnos del diván, pero que no cuestiona los postulados básicos del psicoanálisis sino
que los enriquece.
El desarrollo de neurosis o psicosis surgiría del vinculo con los objetos familiares, es decir de una relación que se da, al igual que en el campo analítico, entre
los espacios intra e intersubjetivos, mientras que la alienación sería lo específico de la
relación del sujeto con la comunidad y ocurre en el espacio transubjetivo. La
intersubjetividad surge a su vez, de operaciones tanto de alienación como de
separación (Lacan, ]., 1981). Creemos que la relación sujeto comunidad estaría
relacionada con una alternancia similar. Las relaciones de poder en los vínculos
familiares y en el campo psicoanalítico se sustentarían en lo edípico y por ende en la
sexualidad, mientras que el vínculo sujeto-comunidad, lo haría en el impulso de
dominio y en la tendencia a matar. Es largo el camino por recorrer para investigar lo
que ocurre en el espacio transubjetivo en términos de pactos inconscientes específicos,
formas de inscripción para las representaciones sociales, relación con el magma de
significaciones imaginarias, etc. Estudiar lo que media en el camino entre el diván y la
comunidad pasa por la elucidación de estos puntos.
Como psicoanalistas, podemos enfrentar los discursos cerrados, introducir
cambios en nuestros esquemas referenciales técnicos y teóricos, incluir lo transubjetivo y una concepción transdisciplinaria de la violencia y de otros hechos sociales
y producir de esa manera cambios en nosotros y facilitarlos en nuestros pacientes.
Desde una perspectiva sociológica cabe pensar que el psicoanálisis funciona en
la sociedad actual con relaciones de producción específicas, con condiciones de
recepción determinadas por los procesos socioeconómicos, con un marco institucional
que media entre recepción y producción, y con una forma particular de circulación del
mismo como objeto.
Creemos, sin embargo, que los psicoanalistas debemos reivindicar el lugar de
nuestra ciencia más allá de su lugar como objeto cultural dependiente de las
condiciones de producción y recepción e insistir en su papel transgresor, insoslayable
para la comprensión de los fenómenos inconscientes que ocurren en los espacios intra,
ínter y transubjetivos, revalorizando la interpretación como instrumento critico, como
herramienta de puesta en crisis de las estructuras materiales y simbólicas de la
sociedad.
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 29
Néstor Carlisky e Celia Katz de Eskenazi
Institución imaginario y alienación
Pensamos que para no alienarnos respecto a la comunidad y evitar que la misma
perciba a la institución imaginaria psicoanalítica como alienada debemos sumergirnos
en el magma de significaciones imaginarias de la misma.
La alienación está pesadamente condicionada por las instituciones.
Hechos reales como el ejercicio del psicoanálisis no son símbolos, pero son
imposibles fuera de una red simbólica, presente en el lenguaje y en las instituciones,
un poder instituido, y una concepción determinada del psiquismo.
Los psicoanalistas de hoy en día funcionamos dentro de la sociedad con un
imaginario profesional impregnado de los valores de la modernidad, es decir de
aquellos que son propios de la sociedad en la que Freud creó el psicoanálisis. Habría
una demora en nuestra mente respecto a la percepción, conscientización y elaboración
de los nuevos valores del imaginario social de la sociedad actual (Carlisky, N.;
Eskenazi, C, 1998). El espacio entre ambos imaginarios profesionales es percibido
como una zona minada, un peligroso territorio de nadie. Ingresar a él nos provoca un
sentimiento de perplejidad, y nos ocasiona intensas ansiedades paranoides
relacionadas con el miedo a diluir el psicoanálisis y a perder nuestra identidad.
La psique estaría siempre acechada por la situación traumática que el orden
sociosimbólico le imprime. Esto daría lugar, sin embargo a un compromiso reflexivo
con sí mismo y con los demás. La realidad no podría darse por supuesta solo por algo
dado sino que está constituida por relaciones ideológicas de poder. El inconsciente
primario, que funciona con condensación, desplazamiento, figurabilidad, y
transferencia del afecto, implica un flujo incesante de representaciones, impulsos y
afectos emergentes de una dimensión imaginaria de la subjetividad.
La naturaleza imaginaria del inconsciente es al mismo tiempo base de renovación y de creación y origen de la ubicación del sujeto en la dominación del orden
social.
Conclusiones
El psicoanálisis como práctica no es atemporal, a diferencia de lo que ocurre
con el inconsciente, pero la indeterminación de este, su carácter inconcluso y
atemporal, imprime al sujeto humano una capacidad de libertad y de independencia
que debemos rescatar en nuestra labor terapéutica.
La búsqueda que nos propone "entre el diván y la comunidad", es la de
encontrar un recorrido entre la técnica ideal, la del oro puro del psicoanálisis y la
1 30 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicoanálisis y cultura. Entre el diván y la comunidad
práctica real que nos cuestiona cada día; este sería también uno de los caminos
posibles hacia el desarrollo de nuevas conceptualizaciones teóricas que surjan de la
práctica.
Los psicoanalistas estamos acostumbrados a enfrentarnos con el dolor y la
angustia proveniente del interior del ser humano pero lo que trasciende esos limites, lo
transubjetivo, nos deja inquietos o confundidos.
Si la realidad externa irrumpe en la situación analítica y los traumas de orden
social o económico impactan en la realidad psíquica, los referentes teóricos y prácticos
de los que disponemos son menos seguros, nuestro encuadre tambalea, las
asociaciones libres desaparecen, la neutralidad se hace difícil de mantener, las
interpretaciones transferenciales no son suficientes y a veces utilizamos un clivaje que
desmiente el efecto traumático que la realidad externa crea sobre el psiquismo y
favorece mecanismos de escisión y desmentida o aun de pérdida psicótica del sentido
de la realidad.
Los hechos del mundo externo a veces adquieren categoría de hechos traumáticos graves (asaltos, muertes, violaciones, terrorismo de estado) y otras actúan en
forma larvada y progresiva (desocupación, pobreza, corrupción) transformándose en
hechos cotidianos y hasta banales. Reconocer la influencia de los hechos sociales en
los avatares de la vida psíquica individual y grupal es ineludible ya que muchas veces
nuestra propia inercia y ambigüedad frente a los mismos nos lleva a la indiferencia y
al acostumbramiento aumentando el desamparo y el sufrimiento psíquico de nuestros
pacientes. Esto nos plantea consideraciones éticas que van mas allá de la eficacia de
nuestros tratamientos.
Cuando nos amparamos en el sentimiento de omnipotencia, que los aspectos
imaginarios del campo transferencial, favorece, intentamos evitar la impotencia que
sentimos ante la imposibilidad de modificar las rígidas estructuras sociales.
La indiferencia, nos parece no sólo éticamente repudiable, sino también inviable
en la praxis psicoanalítica, mutilando así nuestra percepción de la realidad y la de
nuestros pacientes, y limitando las posibilidades de la cura psicoanalítica.
Bibliografía
CARLISKY, N.; ESKENAZI, C; KIJAK, M. (1998). "Vivir sin proyecto". Buenos Aires: Lumen.
CARLISKY, N.; ESKENAZI, C. (1998). Revista Latinoamericana de Psicoanálisis,.Vol.IL N° 1, pp.
69-74.
CASTORIADIS, C. (1983). "La institución imaginaria de la sociedad"'. Buenos Aires, Tusquet.
FREUD, S. (1930). "El malestar en la cultura", A.E., Vol.XXI, pp.57-140.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"131
Néstor Carlisky e Celia Katz de Eskenazi
______ (1933). "Nuevas conferencias de introducción al psicoanálisis", A.E. Tomo XXII. p.136.
JIMÉNEZ, J.R (1995). "Mas allá de la neurosis: La teoría psicoanalítica (freudiana) del campo
terapéutico a la luz de la Investigación moderna. Presentado en el panel 'Mas allá de las neurosis.
Un desafío para la metapsicología'", XXIII Congreso interno y XXXIII Symposium "1895-1995"
Metapsicología y clínica 100 años después. APA 1995.
KAES, R. (1991). "Violencia de estado y psicoanálisis" cap.VIII, Rupturas catastróficas y trabajo de la
memoria. Notas para una investigación. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina.
LACAN, J. (1981). Seminario 20 "Aun" Buenos Aires: Paidos.
LASH, S. (1997). "Sociología del posmodernismo". Buenos Aires: Amorrortu.
PUGET, J. (1987). "En la búsqueda de una hipótesis. El contexto social". Rev. de Psicoanálisis, pp.
897-908. Tomo XLIV
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
1 32 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Estructuración psíquica y el
contexto social contemporáneo
(Algunas reflexiones)
Myrta Casas de Pereda*, Montevidéu, URUGUAI
Resumen
Inmersos en una época de cambios, el psicoanálisis, su teoría y praxis, reclama una mirada
renovada para abarcar un inconciente en movimiento. La trama social decanta en la estructuración psíquica a través de registros diacrónicos y sincrónicos de la historización personal. Se
enfatiza el que la trama de subjetivación reposa en la importancia de la operación alienaciónseparación, donde la pérdida baliza un "duelar de lo infantil (duelo estructural)". Concepto que
intenta subrayar un avatar esencial en los procesos de simbolización. Esto abre a la doble vía
de ser amado (registro imaginario del amor), deseado (registro simbólico del deseo
inconciente parental), que puede desembocar a su vez en efectos de estructuración o del
dominio del sujeto psíquico.
Esto se reúne con la inquietud sobre qué elementos de la organización colectiva, familiar y
social actual hacen ley, que permita el mencionado investimento libidinal o dejen al sujeto bajo
el dominio del otro. La prohibición del incesto habilita el investimento pues separa al hijo de la
parentalidad. Se formulan, entonces, una serie de interrogantes sobre efectos y funcionamientos relevantes de nuestra actualidad, donde uno de los interrogantes esenciales recae precisamente sobre el borramiento del valor fálico a favor del narcisismo.
Membro Efetivo da Asociación Psicoanalítica del Uruguay.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 33
Myrta Casas de Pereda
Esta no será una ponencia sistematizada en lo conceptual, sino una reflexión que
me conduce a plantear preguntas para las que no tengo respuestas. En los desfiladeros
que ellas abran surgirán más que articulaciones, algunos lazos que reúnen o disyuntan
viejos - nuevos perfiles psicoanalíticos.
Dada la diversidad de cambios sociales y culturales, e inmersos como estamos
en ellos, necesitamos instrumentarnos renovadamente para abarcar la realidad de un
inconciente en movimiento. Lo inconciente no es estático ni dado de una vez para
siempre. Ello significa la imprescindible necesidad de reconocer los parámetros que
enmarcan la vida del ser humano, y que son a la vez producidos por él en su
historización. Surgen entonces conjeturas, hipótesis, que tratamos de integrar o más
bien acercar a la trama estructural inconciente, (con la que no debemos confundir lo
social), donde Freud ya nos permitiera reconocer las paradojas constitutivas, donde los
conceptos psicoanalíticos, Grundbegriefe, son siempre descentrados, deconstruidos y
construidos nuevamente a posteriori mediante.
A la "opacidad sexual" que Lacan propusiera en 1976, no hay transparencia de
conocimiento posible que pueda aprehenderla. (Gross, p.16-17). La sexualidad
constitutiva de lo inconciente es una de las encrucijadas productora de enigmas más
importantes que sigue reclamando nuestra atención. Más aún en el contexto de nuestra
contemporaneidad, donde la impronta de uno de sus efectos, como es la genitalidad, se
vuelve controversial y mueve, conmueve, saludablemente al psicoanálisis.
De la innegable perspectiva diacrónica, tal vez genetista, del desarrollo infantil,
vigente hace varias décadas, el psicoanálisis actual reconoce la pertinencia de una
perspectiva sincrónica, donde lejos de desvalorizar los tiempos biológicos (donde sí
podemos hablar de desarrollo) incorpora dimensiones semióticas para abarcar los
espacios de simbolización psicoanalítica. Todo gesto o acto de lenguaje releva de los
efectos de una simbolización primaria que implicó corte y pérdida. Por ello, debo
señalar (una vez más) que la semiótica puede ingresar con sus aportes al psicoanálisis,
pero no lo opuesto, que sería funesto. La simbolización psicoanalítica se constituye
con un componente en lo observable, que ancla en lo vivencial y fantasmático,
estrechamente ligada al avatar pulsional y sus destinos. Es decir, que de esas
articulaciones que se producen desde lo simbólico (que implica la pulsión y al Otro),
emerge el fantasma, conmoviendo en acto al cuerpo pulsional, dejando marcas,
huellas, en la medida que las pérdidas habilitan símbolos o predicados. Por ello, son
cruciales los modos en que dicha pérdida se dirime y que Lacan abarcaba en otro
trípode conocido: castración, frustración y privación. Estas últimas sufren vicisitudes
diversas según la maduración del cuerpo y los lugares diversos que ocupa el sujeto
psíquico en el campo del Otro. A su vez, esto nos introduce en el singular lugar del
objeto, su pérdida y sus funciones.
1 34 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Estructuración psíquica y el contexto social contemporáneo (Algunas reflexiones)
Y en esta trama se abren las vías del deseo, ser deseado, amado, o ser dominado
por ese Otro, que bascula entre el semejante auxiliador de los primeros
acontecimientos psíquicos y el otro simbólico, unido indisolublemente al primero,
pero ocupando espacios diversos y que decanta en la cultura. Y ello siempre es una
peripecia singular para cada persona, para cada medio familiar, y para cada medio
social.
Es siempre a través de la operación de alienación - separación que se juegan los
destinos identificatorios, las decantaciones de las marcas más o menos traumáticas que
señalan a la identidad en ciernes, inmersa en el trabajoso periplo del duelar de infancia
(duelo estructural). Con ello deseo subrayar que en el trabajo de simbolización, las
pérdidas (que importan también en el sentido más abstracto de lo que nunca se tuvo),
tienen que ganar un estatuto consistente que habilite el pensamiento, la fantasía, en fin,
la estructuración psíquica.
Momentos donde adquiere jerarquía el valor del fantasma. La sexualidad
inconciente, inaugurada en todos los bordes relevantes como lo oral, lo anal, la mirada
o la voz1 (que transmite la demanda) y que transitará por los derroteros edípicos,
conduce el posicionamiento sexuado del sujeto psíquico (también anticipado en los
deseos parentales) en ese ininterrumpida itinerancia pulsional, que se anuda
indefectiblemente al otro y su respuesta.
La desmentida estructural (Pereda, 1995), insistiendo en la presencia (del goce)
desmintiendo la ausencia (como castración o muerte) juega un rol mayor en el espacio
tiempo que prepara y posibilita la pérdida, inaugurando el fantasma. La resistencia de
la desmentida estructural al pulsionar, que culmina en un despojamiento parcial y
simbólico (pérdida o falta), constituye un ámbito fantasmático imprescindible de
entrenamiento en la tensión ilusión - desilusión. Lo atestigua la reiteración de los
juegos de Fort Da a lo largo de la infancia, o la fuerza del fantasma fálico que
organiza las teorías sexuales infantiles. De allí que la indefensión inaugural y
constitutiva del ser humano absorbe el contexto habitado por deseos, plasmando al
sujeto psíquico en cada ida y vuelta mencionada hacia el objeto, nutriéndose o no de
sus respuestas.
Pensemos ahora en el problema esbozado al comienzo en torno a la interrogante
sobre los cambios de paradigmas socioculturales, en su condición de agentes o de
efectos. Y a su vez, si en esta dimensión, difícilmente abarcable, podemos repensar
elementos metapsicológicos en un recorte indudablemente muy parcial del amplio
campo que se abre a nuestra reflexión.
Durante siglos los objetos, las palabras o las mujeres, han estado destinados a
ser objetos de intercambio, a circular, como lo muestra la antropología (Levi-Strauss,
Antropología estructural). Y todos ellos comparten el hecho de que por
1. Mirada y voz constituyen un aporte que Lacan realizara a la noción de objeto (parcial), especialmente conceptualizado en los Seminarios X {La angustia) y XI (Los cuatro conceptos fundamentales del psicoanálisis).
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"135
Myrta Casas de Pereda
circular, precisamente, constituyen un signo de valor. El valor dado por el significante
fálico del que lo enuncia, deja al objeto en el lugar paradojal que adquiere de ahí en
más: se constituye en un objeto valorado y no valorado al mismo tiempo. Peculiaridad
ésta última que obtiene su razón de ser en la cadena subjetiva, donde la condición
clave será la de ser sustituible. Pero, a su vez, esta circulación obedece a leyes que son
observadas indefectiblemente, como nos los recuerda Denise Lachaud: "La ley, que
regula los intercambios en una sociedad, independientemente de los sistemas lineales
dominantes - patrilinear, martilinear, o mixto -es el enunciado de una prohibición"
(Lachaud, 1985).
Y en este sentido mantenemos la noción de prohibición del incesto como clave
nodal de la estructura. Sin embargo, debemos poner atención en aquello de la
organización que hace ley, pues también está en juego en la prohibición la muerte
como asesinato o como dominio o control absoluto del otro. Es decir, donde antes
ubicáramos fundamentalmente el parricidio, estaríamos haciendo entrar en juego la
muerte del sujeto también como efecto del dominio y del control absoluto por parte
del otro.
En este sentido, parece incontrovertible que el perfil hedonista que tiñe y
penetra en los modelos prevalentes de relación, dibujan también modalidades
defensivas que le son propias. Y así, las frustraciones como afrentas a este narcisismo
incrementado produce efectos de angustia que permanecen desconocidos en sus
causalidades, pero que dan lugar a la construcción de numerosas "verdades", que se
instalan en el nivel social y cultural. Y de algún modo, esto incide o pesa en lo que de
la organización social hace ley. Sabemos que lo extraño o lo extranjero, aquello de lo
que no conocemos su causa, lo enigmático, es siempre inquietante y produce
respuestas para tratar de abarcarlo. Ya Freud reconocía lo más familiar como aquello
pasible de volverse Umheimliche; verdadera manifestación insensata del inconciente.
Lo familiar es lo siniestro, porque es lo que no conocemos de nuestra propia estructura
que se constituye con y desde el otro.
Dentro de la perspectiva freudiana que privilegiamos para pensar la estructuración psíquica, la impronta de los fantasmas más arcaicos constituyen,
precisamente, esas huellas atemporales plasmadas en las fantasías originarias. La
castración, en sus polimorfas expresiones a lo largo del desarrollo del sujeto infantil
(aquí, sujeto como persona), comanda los libretos de las diversas puestas en escena
fantasmática, que incluyen, por ejemplo, dentro de la vuelta al seno materno, el ser
devorado por ese otro primordial.
Insisto en este aspecto, pues de él deriva la posibilidad de discriminar entre ser
investido o ser dominado por el otro, dado que ambas vicisitudes están tan próximas
que su inferencia sólo la conocemos por sus efectos en la clínica. En nuestro contexto
social hay varios emergentes que ilustran, en parte, los dinamismos señalados: la
mujer, el niño, el loco, el extraño, constituyen en nuestro
136"
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Estructuración psíquica y el contexto social contemporáneo (Algunas reflexiones)
imaginario compartido ese ser diferente que provoca por no ser comprensible. Es
habitual que en lo cultural las diferencias "suelen considerarse como una especie de
exilio, la inclusión en un ghetto" (Rossi, 2000), o como señala Foucault, dando a su
vez un giro causal a su propuesta, "lo que una cultura expulsa y que para ellas era lo
exterior, a lo largo de su historia, ese hueco vacío, ese espacio en blanco que la
delimita, va a designarla tanto como sus valores" (M. Foucault, apud Gross, 1999).
Retomo ahora una preocupación expresada en un trabajo anterior, donde
rescataba la importancia de la noción de contacto, como piedra fundamental en el
edificio de la represión (Freud, 1913), y lo ponía en relación con los trastocamientos y
aceleraciones propias del ritmo actual, y su incidencia en las funciones parentales.
Siguiendo entonces un trecho más por estas sendas, podríamos plantear que las
funciones parentales se constituyen en un contexto cambiante. Me refiero no a la idea
de que los cambios afecten las funciones, sino que la función nace, se produce, en otras
apoyaturas. Pensemos, por ejemplo, en la situación de la mujer, que se ha movido
bastante de un lugar mantenido fijo durante largo tiempo. Sin poder detenerme ahora
en esta rica y compleja peripecia (con una amplia bibliografía), debemos por lo menos
señalar que necesitamos de una mirada psicoanalítica renovada para pensar, por
ejemplo, la circulación del fantasma fálico y de qué forma se afecta. Podemos afirmar
que la mujer ya no es ese sujeto con valor de intercambio, y se han establecido bases
más sólidas de su inserción en la cultura. La casa, el hogar, ese ámbito otrora
paradigmático de la función mujer, es ahora un lugar compartido con el compañero(a)
que configuran lo familiar. El valor fálico otorgado por el hombre a la mujer, en el
sentido señalado antes de objeto sustituible, se difumina, y la mujer, a su vez, pasa
también a otorgar este valor que recae entonces sobre diversos objetos. Con ello deseo
subrayar los cambios en relación a los valores2, que decantan, o no necesariamente, en
el ámbito de lo compartido. De ese modo se producen modificaciones en lo
organizativo que puede promover perfiles diferentes en la ley. Creo que este es el
punto nodal por sus posibles derivaciones. Una de ellas, la llamada "enfermedad
maternal primaria" conceptualizada por Winnicott, es un lugar que sufre
modificaciones. Tal vez ahora más que nunca se necesita discriminar la función
materna de la biología. La mujer requiere de su compañero compartir las vicisitudes de
la maternidad en sus múltiples formas, y el hombre efectivamente se siente mucho más
libre que décadas atrás para ejercer esa función compartida.
El aspecto fantasmático de la ubicación del hijo como falo de la madre,
2. Podemos preguntarnos cuál es el meollo que reúne a la pareja, donde más allá del contexto finisecular y eclesiástico,
de su reunión para la procreación, parece pendular hacia el lado más radicalmente opuesto de quedar centrada en una
pareja erótica sin importar el género. Todo ello comporta una modificación sustancial en el concepto de familia.
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 37
Myrta Casas de Pereda
como completud narcisista transitoria, no queda limitado a la madre real, sino que
forma parte imaginaria de una función simbólica ejercida por la madre o por el padre.
Mantiene todo su valor el investimento fálico del hijo, con su carácter precisamente de transitoriedad y sustituibilidad que señalaba la cadena metonímica
freudiana, heces - pene - niño - regalo. Pero también abre otros cuestionamientos. No
es nada novedoso que el padre sea el que asuma dicha función. Siempre ha ocurrido, y
por diversas circunstancias; la diferencia radica en que se vuelve una prerrogativa
propia para el hombre, unida a su vez a un imaginario cambiante en relación a cómo el
hombre ubica a la mujer. Lo mismo ocurre desde la mujer, no en el contenido
fantasmático pero sí en relación a su perspectiva de lo masculino. Los contenidos
fantasmáticos, múltiples y variables, se mueven en torno a la fantasía de castración y
en el posicionamiento de los lugares de agente o de objeto de la misma. Surgen
entonces las preguntas sobre los lugares del padre simbólico, imaginario y real,
sosteniendo la imprescindible función simbólica de la prohibición, en su doble faz, que
se ejerce sobre el hijo (prohibición del incesto) y sobre la madre (no reintegrarás tu
producto). La ampliación del posicionamiento paterno en la madre y en el padre,
también requiere ser articulada. Sin duda es tarea a realizar, pues mucho de lo
mencionado no deriva necesariamente en un debilitamiento de la ley.
No olvidemos que el orden fálico ubica al hombre y la mujer en la admisión o
reconocimiento de la falta. De allí que podemos preguntarnos si no acontece un cierto
borramiento de lo fálico - significante a favor del narcisismo, que se "erige" en formas
de poder y que en modo opuesto al significante fálico cuya negatividad es
articuladora, el poder narcisista no ofrece ninguna negatividad que como la castración
habilite articulaciones significantes y estructurantes.
Reúno, entonces, una serie de inquietudes a través de una formulación interrogativa.
¿Los cambios en el posicionamiento paterno inciden en su función simbólica de
sostenedor de la ley, de prohibidor de incesto?
¿El desenlace de estos desplazamientos de la función paterna es necesariamente
la perversión o la psicosis?
Ambos interrogantes son aspectos de otro más nodal: ¿hay un borramiento del
valor fálico a favor del narcisismo coagulador de la estructura?
Se necesita la función de la metáfora paterna (Lacan) para todo momento de
inscripción psíquica, represión primaria y/o también secundaria. Este dinamismo se
significa y resignifica en todo instante de estructuración psíquica, dando cuenta de la
pérdida reiterada, reiterándose, del objeto, que señala a la simbolización
psicoanalítica. Podemos plantearnos preguntas en torno a posibles obs-
1 38 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Estructuración psíquica y el contexto social contemporáneo (Algunas reflexiones)
táculos o heridas en dicha simbolización, en la medida que la función de corte
sostenida por el padre se enmascara o se diluye.
Por otra parte, de no actualizarse cada vez el duelo por la pérdida que concierne
específicamente a la Durchaibeitung, a la llamada "elaboración de la castración" que
baliza el derrotero edípico con sus identificaciones, no hay constitución posible o
delimitación de un real imprescindible. Lo real, como lo irrepresentable, tiene desde la
perspectiva clínica, una doble faz:
- lo irrepresentable se vuelve eventualmente lo traumático,
- pero de no constituirse como real, como irrepresentable, no hay pregunta
posible ni enigma, y sobre todo, no hay deseo (si falta la falta no hay posibilidad
alguna para el sujeto psíquico de que el circuito de la pulsión agujeree el cuerpo
propio y ajeno, y deje de ahí en más la cosa como perdida, al tiempo que emerge la
disponibilidad de predicar) (Proyecto....).
¿El padre entra en la cadena metonímica materna, pero no la suplanta sino que
también ejerce su función paterna?
¿Cómo transcurren estas vicisitudes en el número creciente de mujeres que
deciden tener o adoptar hijos sin ninguna clase de pareja?; ¿cómo se dirimen los roles
simbólicos en la pareja homosexual?; y ¿cómo todo ello, a su vez, modifica y produce
un nuevo contexto imaginario en la pareja heterosexual?
Creo que importa insistir en la pregunta acerca de qué tipo de organización
hace ley, en un momento dado, ya que parece por ahora muy difícil soslayar la crucial
importancia de la prohibición del incesto y del asesinato, definiendo la estructura
humana.
Ya mencionamos la importancia de la muerte psíquica relativa a ser dominado,
absorbido por el otro; en diversos grados esta situación se recrea a nivel social, donde
el carácter de "extranjero" que connota la sexualidad no habitual, se presta muchas
veces para ser utilizada como agente de poder en la trama política y social de un
medio determinado.
Creo que el psicoanálisis debe alejarse lo más posible de verdades tomadas
como absolutas o de normativizaciones moralizantes, y permitirse una mirada
renovada y rigurosa sobre nuestro bagaje metapsicológico, que puede permitirnos
disponer de nuevas perspectivas para nuestra escucha psicoanalítica. No me sumo a la
desvalorización de la metapsicología, sino que abogo por su revitalización. Lo que
siempre me ha parecido riesgoso para el psicoanálisis son las tomas de posición
extremas, pendulares, entre deslizamientos conservaduristas o progresistas que, como
señala con pertinencia M. Pasternac serían "criterios políticos propios del
deslizamiento hacia una moralización del psicoanálisis, con pérdida de su
especificidad".
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 39
Myrta Casas de Pereda
Bibliografía
FREUD, S. (1895). Proyecto de Psicología. Obras Completas. Buenos Aires, Amorrortu Editores,
Tomo 1,1976.
______ (1913). Tótem y Tabú. Obras Completas. Buenos Aires, Amorrortu Editores, Tomo XIII,
1976.
GROSS, F. Notas sobre la sexualidad en la obra de Michel Foucault. Revista Litoral, N°. 27,1999.
Córdoba, Argentina, Ed. EDELP.
LACAN, J. (1962-63). "La angustia. Seminario X". Material no editado, de circulación interna de
la Escuela Freudiana de Buenos Aires, 1979.
______ "Los cuatro principios fundamentales del psicoanálisis. Seminario XI" (1964). España,
Barral Editores, 1977.
LACHAUD, D. La Langue maternelle, en "La psychanalyse de l'enfant", Revue de la Association
Freudienne. Paris, Ed. Joseph Clims, 1985, p.129.
LÉVI-STRAUSS, C. Antropología estructural. Buenos Aires, EUDEBA, 1968.
PEREDA, M.C. "Del sujeto social y el sujeto de deseo. Nuestra contemporaneidad". Revista de la
Sociedad Colombiana de Psicoanálisis, Vol. 23, N°.l, Año 1998, dedicado al XII Congreso de
FEPAL, Cartagena, 1998.
______ "Entre la desmentida y la represión" en "En el camino de la Simbolización. Construcción
del sujeto psíquico". Buenos Aires, Paidós, 1999.
ROSSI, C.P. País Cultura!, N° 536, enero 2000.
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
1 40 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicanálise e cultura: do
diva à comunidade
Paulo Fonseca*, Porto Alegre, BRASIL
Juarez Guedes Cruz*, Porto Alegre, BRASIL
Roberto Gomes*, Porto Alegre, BRASIL
Luiz Ernesto C. Pellanda*, Porto Alegre, BRASIL
Raul Hartke*, Porto Alegre, BRASIL
José Carlos Calich**, Porto Alegre, BRASIL
Membro Efetivo da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre. *
Membro Associado da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
141
Paulo Fonseca et alii
Considerações iniciais
Vivemos em um momento cultural em que são evidentes as tensões entre o que
chamamos de moderno e de pós-moderno e as possíveis distorções que podem
conduzir ao oxímoro da "relativização absoluta" de conceitos, o que, por sua vez,
autoriza que sejam tomadas atitudes destrutivas contra a própria cultura lato senso.
Estabelecer as relações entre a psicanálise e a cultura exige uma abordagem dos
contextos culturais de nosso momento que delineie sua interação com os movimentos
internos da psicanálise, em sua teoria e prática, levando ainda em conta suas
organizações institucionais.
A amplitude do tema coloca o risco da superficialidade. Assim, de início,
pensamos serem necessárias algumas indagações: psicanálise e cultura implica uma
interação? Está sendo proposto que a psicanálise examine a cultura, ou se considera,
desde logo, que a psicanálise dela faça parte? Deve-se examinar a influência da
psicanálise na cultura, ou este é um tema que pode ser melhor estudado por outras
áreas do conhecimento? E quando se fala em psicanálise, a que estamos nos referindo?
A teoria psicanalítica enquanto ciência de investigação e entendimento do humano?
Ou à técnica que se propõe tratar distúrbios psicológicos, ou mesmo se constituir em
veículo de transformação de personalidade? Ou ainda, quando falamos em psicanálise,
estaremos, de algum modo, nos referindo às instituições psicanalíticas?
Ao se ler "do diva à comunidade", estaremos examinando essa passagem? Ou
nos referindo às influências recíprocas? Ou está sendo apontada uma sinalização de
mudanças, de adaptações, de ampliação de algo a dois para algo bem mais
abrangente? No caso, haveria, então, uma alusão a uma psicanálise que passe de um
atendimento individual para uma abordagem comunitária? Porventura está-se aludindo
a transformações a serem implementadas, primordialmente, na prática analítica, em
sua teoria e técnica? E isso o que está sendo proposto pelo termo "diva"?
É isso tudo e muito mais.
No texto que segue, privilegiaremos, evidentemente, apenas alguns destes
aspectos.
A Psicanálise na transição do moderno para o pós-moderno
A psicanálise, criada em um período moderno da História, interagiu, em seus
100 anos de evolução, com uma sociedade em mudança. A maneira como as pessoas
concebem a psicanálise está inequivocamente influenciada por tal mu-
1 42 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicanálise e cultura: do diva à comunidade
dança. A estrutura ideológica moderna, dentro da qual surgiu a psicanálise, pode ser
condensada em quatro pontos principais, que são questionados na pós-modernidade1:
1. A concepção de que deveria existir uma verdade comum a todos os homens e
que tal verdade corresponderia a uma realidade em termos quase matemáticos e
comprováveis pelas ciências experimentais. Tal concepção sofre uma crise, no sentido
de que não existe mais uma verdade, mas verdades, dependendo do ponto de vista que
se adote para se observar e argumentar. Passam a existir diferentes "leituras" de
verdades possíveis. Segundo Leary, "De modo geral, o pós-modernismo baseia-se na
afirmativa de que aquilo que os humanos chamam de conhecimento "objetivo" é
produzido somente por acordos sociais delineados através da linguagem.
Conseqüentemente, vivemos no interior de realidades que são constituídas pelas
palavras que utilizamos para descrevê-los" (p.435).
2. Como conseqüência, passa a reforçar-se a tendência ao apagamento da
clássica diferença entre sujeito e objeto. Surge a noção de que não existe observação
isenta, já que o sujeito influi no que é observado e o que corresponde ao objeto
reverbera em direção ao sujeito e o modifica. Com isso, começam a volatilizar-se as
diferenças entre realidades factuais e realidades criadas pela imaginação.
3. As meta-narrativas, no sentido utilizado pelos autores pós-modernos, ou seja,
extensos sistemas de idéias religiosas, filosóficas, históricas, políticas, econômicas, ou
científicas (por exemplo, o kantismo, o marxismo, a psicanálise) procuravam verdades
já existentes, na busca de uma compreensão global e de uma modificação do mundo,
da sociedade e da vida. Mas agora, se a verdade é relativa, passa a existir uma crise no
que se refere aos conceitos de realidade e de justiça, que sofrem igualmente uma
relativização. Instala-se o ceticismo com relação à possibilidade da compreensão
global.
4. A crença na exclusividade da razão, a aceitação das ideologias, deveria
depender do íntimo do indivíduo, sem subordinação a qualquer autoridade humana. A
valorização de diferentes realidades e verdades proporciona, por sua vez, o surgimento
da reivindicação do direito de ser "diferente" e da politização, por exemplo, da
sexualidade e dos modos de viver a vida.
A não aceitação da autoridade absolutista dá origem a uma sensação de
liberdade, de se reger seu próprio destino. O aumento das reivindicações de participação das minorias leva à existência de micropoderes dentro da sociedade que
1. Aqui vale um parênteses: nas palavras de Lyotard, "pós-moderno deve ser entendido segundo o paradoxo do futuro
(pós) anterior (modo) "... a modernidade não é uma época, mas antes um modo no pensamento, na enunciação, na
sensibilidade" (1986, p.26 e 38).
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 43
Paulo Fonseca et alii
desafiam o poder centralizado. Os avanços da tecnologia (computadores, Internet)
facilitam, por sua vez, a democratização da informação e do conhecimento. Uma
noção distorcida de democracia transforma-a em uma pseudo-solução para todos os
problemas do conhecimento humano.
Dentro desse contexto de transformações, podem ser apontadas outras possíveis
conseqüências, decorrentes essas de distorções de tais novos enfoques. Assim, a recém
apontada relativização dos conceitos de verdade, realidade e justiça pode criar, no que
diz respeito à ética, uma tendência a que se aceitem todas as posições. Como diz Roa,
torna-se... "questão de mero agrado ou de liberalidade decidir-se -por isto ou aquilo...
para as diferentes situações, só importa o que é mais cômodo [ e ] poder-se-ia falar
em uma ética de bolso, destinada a resolver somente um dado caso individual" (1995,
p.42). Estabelece-se uma relação pragmática com a realidade, um afastamento com
relação à subjetividade e uma busca do prazer e da satisfação imediata dos desejos.
Tudo isso, a seu turno, pode levar a uma certa superficialidade na percepção da
realidade e ao desinteresse pela precisão. Desse modo, a aquisição do saber deixa de
ser um bem em si e, em seu lugar, passa a haver o estímulo ao culto da imagem
(registre-se aqui o problema de a imagem criar uma confusão constante entre a
percepção do real, a representação e os chamados simulacros). Entendemos que, uma
vez instituídas, tais condições favorecem a dominância de aspectos destrutivos, do
narcisismo e da perversão. A cultura narcísica representa a "via curta" (ChasseguetSmirgel, 1986) da simplificação apressada que muito se aproxima da noção do "pênis
fecal" (Chasseguet-Smirgel, 1986), em que a diferença das gerações, a necessidade do
desenvolvimento e o longo trabalho do aprendizado são elididos e, em seu lugar, é
favorecida uma cultura de valores anais não-procriativos, em que os aspectos criativos
ficam excluídos.
Para concluir a resumida apreciação deste tópico, assinalamos que esse contexto
pós-moderno da hiper-racionalidade, rapidez tecnológica e favorecimento do
narcisismo tem trazido inquietações em todas as áreas do conhecimento e, como não
podia deixar de ser, tem afetado marcadamente a psicanálise, produzindo um malestar. Cresce entre os psicanalistas a consciência da necessidade de se evitar a sua
exclusão dos meios culturais e científicos e de se empreender uma busca pelo se
reconhecimento, procurando evitar o risco de a psicanálise vir a ser marginalizada
culturalmente: "Quando drogas, psicoterapias breves e outros tratamentos
alternativos são intensamente oferecidos e idealizados, a psicanálise pode parecer
fora de moda" (Eizirik, 1997, p.16). Frente a esta situação, os psicanalistas sentem-se
pressionados a efetuar uma adaptação rápida a esse ritmo de praticidade, com um
afrouxamento dos critérios do que seja psicanálise e uma tendência a denominar
"psicanálise" uma série de procedimentos que não fazem jus ao nome. Ou como sugere
Laplanche (1997), "o nome (psicanálise)
1 44 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicanálise e cultura: do diva à comunidade
provavelmente subsistirá, mas a coisa não. Ou seja, os verdadeiros psicanalistas
terão de encontrar outro nome".
Isso nos leva a algumas considerações esparsas, históricas algumas, que
entendemos importantes.
A psicanálise e o psicanalista na pós-modernidade
É difícil ser psicanalista! Não é por acaso que a psicanálise está listada por
Freud entre as profissões consideradas impossíveis. Entendemos que esta dificuldade
se deve, em parte, à nem sempre reconhecida hostilidade, por parte do próprio
psicanalista, à sua função analítica. E a existência de tais forças antianalíticas em cada
um de nós, profissionais da área, constitui um fator de fragilização no contato com
disciplinas e abordagens que, de alguma forma, se oponham à psicanálise. A
psicanálise pode ser entendida como uma profissão de continuado e permanente abalo
às ilusões narcisísticas de ambos, paciente e analista. No que se refere a este último, na
prática clínica, o mais perturbador consiste em reconhecer que a valorização do
analista, na verdade, é uma valorização transferenciai. Uma reedição de valores
antigos, inconscientes, que dizem respeito às figuras parentais. Com esse
entendimento, a figura real do analista assume a sua devida dimensão desinflada, no
processo analítico. (A esse respeito, vale lembrar um pedido e um alerta, nas palavras
do poeta Fernando Pessoa: "Dispenso-a de comparecer na minha idéia que tenho de
si" [1999, p.319]). Foi dito um "alerta", porque é sabido que a valorização de aspectos
da realidade externa, além de certos limites balizados pelos cuidados técnicos de
neutralidade e abstinência, constitui-se em um desvio que pode levar, e
freqüentemente o faz, a infrações éticas. O equívoco básico consistindo em
desconsiderar que o tema de nosso estudo, o território de nossa ação é a realidade
psíquica, o mundo interno, as fantasias inconscientes, o inconsciente, e não a realidade
externa.
Em geral, a desconsideração e o abandono do conceito do inconsciente sempre
se constitui em um dos passos mais requisitados para tornar a psicanálise mais
palatável e menos ameaçadora. Freud já previra que uma das formas de a sociedade se
defender de tais ameaças seria pela banalização de seus ensinamentos, tornando-os
corriqueiros e desimportantes. Outra forma consistiria em concordar com o acessório,
mas descartar o essencial, peculiar e inovador nas proposições analíticas. Como já
assinalado, principalmente reduzindo a importância e desvitalizando as noções de
inconsciente e de transferência.
A suposta posse de uma verdade explicativa dinâmica (e o monopólio de
mercado, diga-se não de passagem) levou, por muito tempo, muitos analistas a,
equivocadamente, se encastelarem, desfrutando das expectativas mágicas ini-
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
145
Paulo Fonseca et alii
ciais de a psicanálise se constituir em uma panacéia. Nestas condições, o risco, contra
o qual o próprio Freud alertara, constituir-se-ia no "furor curandis" - a análise se
propondo alcançar objetivos além do possível. Uma forma de defesa ante a decepção
decorrente da desidealização obrigatória implica no retorno saudosista a uma
ortodoxia e a uma quase exclusiva valorização de conceitos muito iniciais,
principalmente aqueles que propunham a psicanálise como uma ciência mensurável
em termos quantitativos.
Com a "democratização" e a conseqüente busca da comunidade e da popularização (no sentido de encontrar público), deparamo-nos com outra freqüente
possibilidade defensiva igualmente equivocada: em um misto de procura sedutora e
tentativa de manter o status privilegiado anterior, o analista passa a se apresentar em
locais variados e em momentos vários, como possuidor de uma chave para o
entendimento do mundo. É o "furor explicandi", nos termos de Renato Mesa (1985),
que procura elucidar tudo de todos os fatos, sociológicos, políticos, econômicos,
criminais, artísticos...em todas as oportunidades propostas pela mídia. E com a
alegação de que tal é feito em nome da divulgação da psicanálise!
É flagrante o contraste com a igualmente questionável postura anterior de
"distanciamento", envolta em certo mistério instigante. Na verdade, disso decorre uma
certa vulgarização expositiva que não teria maiores conseqüências se não favorecesse
uma confusão que consideramos importante referir. Por exemplo, um psicanalista
opina sobre um fato político. Ao invés de ser entendida essa opinião como tão
somente a expressão de uma visão pessoal, e culturalmente condicionada, do
profissional sobre um tema que lhe está sendo proposto, é interpretada, por vezes pelo
próprio psicanalista, como uma visão da psicanálise sobre o assunto.
Uma variação aparentada com isso consiste em o analista, por estar formalmente habilitado para exercer a psicanálise, considerar que todo tipo de atendimento que possa exercer, por ele ser um analista, passa ipsofacto a se constituir em
psicanálise. A demanda "psicanalítica", por parte da comunidade, em doses
psicoterápicas, tem levado psicanalistas a reavaliarem conceitos e se tranqüilizarem
com tal compreensão. Nessas condições fica facilitada a redução do número de
sessões semanais, por exemplo, mantendo-se a denominação de psicanálise, em uma
contagem regressiva, acelerada e constrangedora: 4, 3, 2,1... (E, por vezes, fica
configurado um concurso patético de quem fará mais concessões para ser considerado
mais popular, mais "humano"... E isso logo passando para as instituições - qual será a
mais liberal, a menos ortodoxa?).
Possíveis mudanças no setting psicanalítico deveriam, a nosso ver, resultar de
novos conhecimentos adquiridos na situação analítica e de nossas reflexões teóricas a
partir dos mesmos, ao invés de traduzirem meras acomodações às
146 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicanálise e cultura: do diva à comunidade
imposições mais imediatistas da comunidade.
Qual o nosso papel, como analistas, e nossa responsabilidade? Existe algo a
fazer? Aliás, quando se fala em "democratização" na psicanálise, nessa época pósmoderna, uma das perguntas mais freqüentes refere-se à questão do paciente que
procura o analista exigindo uma rápida resolução de seus problemas. O que pensamos
a respeito é que, caso um paciente estiver com pressa, a psicanálise não é indicada
para ele. E se vim dia, em função das características desses tempos ditos pósmodernos, todos estiverem com pressa, não haverá então mais lugar para a psicanálise,
e teremos que fazer outra coisa. Pensamos que é importante que não nos enganemos
chamando essa outra coisa de psicanálise. Embora, lembrando Laplanche, justamente
essa outra coisa possa vir a ser chamada de psicanálise. Se não houver mais lugar para
o que entendemos como psicanálise, muito lamentaremos, mas não vamos travestí-la
para nos acomodarmos às leis de mercado e à urgência dos tempos que vivemos.
Nessas condições, o que poderíamos fazer seria guardá-la em nossa memória. E talvez
um dia, numa era pós-pressa, pós-pósmoderna, a psicanálise possa ser redescoberta e
alguém, lendo nossos trabalhos, possa repetir: "...é, toda novidade não é mais do que
esquecimento" (Borges, 1999).
Psicanálise e cultura: alguns cuidados
A psicanálise nasceu em uma cultura e contra uma cultura. É clássica a frase de
Freud, ao ser festejado em sua visita aos Estados Unidos: "Será que eles não sabem
que trazemos a peste?".
Inicialmente, as produções culturais eram referidas apenas como ilustrações das
formulações psicanalíticas mas, em pouco tempo, a repercussão de tais formulações,
com seu significado de desbravamentos, levou a psicanálise a fazer parte, ela própria,
da cultura contemporânea. É reconhecido que, agindo sobre a cultura, ao questionar
preconceitos e ao denunciar as marcas de hipocrisia presentes em muitos padrões
aceitos sem crítica até então, a psicanálise contribuiu de forma decisiva para que
ocorresse uma revolução de costumes no século XX.
Muitas das mudanças ocorridas na cultura, por sua vez, retornaram à psicanálise, fazendo com que ela passasse a revisar posicionamentos anteriores e a
reconhecer que algumas de suas noções estavam afetadas por influências culturais. O
mais marcante exemplo dessa mutualidade constitui-se na reformulação da abordagem
psicanalítica inicial da mulher e do feminino.
De forma muito resumida, podemos assinalar que Freud, ao lado da causa
biológica (da passagem à bipedestação), toma como fundamento da cultura, por ele
entendida como sinônimo de civilização, a coerção das pulsões libidinais e
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL. v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 47
Paulo Fonseca et alii
agressivas. E considera que essa coerção também se constitui em causa da hostilidade
contra a cultura. E, em Totem e Tabu (Freud, 1913), apresenta sua conjectura
histórico-psicológica do processo civilizatório: a morte do pai e a proibição do incesto.
Mas a cultura se manifesta não somente como expressão das interdições
pulsionais, mas como espaço que permite, dentro de certos limites, a expressão de tais
pulsões. Como já foi referido, nessa época de pós-modernidade ocorre um fenômeno
curioso - se a psicanálise, em seus primórdios, representava uma contestação a uma
ideologia dominante, agora ela passou a ser vista como defensora de um
conservadorismo retrógrado. Em outras palavras, foi destituída de seu conteúdo de
impacto e passou a ser solicitada, pela cultura, para que venha fornecer explicações e
fórmulas.
Em uma época de elogios à globalização, a proposição mais atraente é a de que
a anteriormente denominada "peste" pode agora vir a ser eliminada, de forma rápida
(sempre a rapidez!) por alguma velha poção nova, agora novamente mágica, por um
tempo.
E, novamente, qual a participação de nós, psicanalistas, nesse estado de coisas?
Alguns aspectos já foram citados: a psicanálise, que se encastelava por acreditar em
certezas matemáticas, passa a sentir a desidealização como enfraquecimento e perda
de "pureza"; a retração do mercado e perda do monopólio de ensino de psicanálise,
concomitantemente com a pressão cultural por respostas e resultados rápidos, tem
levado os psicanalistas a realizarem concessões em um ritmo, também ele, apressado.
Tais concessões por sua vez, motivadas pelo temor à exclusão, podem levar à criação
de um "falso self psicanalítico": o analista se afasta dos fundamentos de sua ciência e
se apresenta com um perfil sob medida às demandas da comunidade, um psicanalista
"prêt-à-porter". Dentro desta desvirtuada postura ética, os conceitos psicanalíticos
passam a ser lidos de modo a justificar qualquer tipo de posicionamento técnico que,
na realidade, objetiva a acomodação. Assim, muitos princípios teóricos e técnicos, até
então considerados como bases, passam a ser taxados de ortodoxos ou ultrapassados.
E este parece ser o ponto mais importante: as considerações feitas até o
momento apontam para alguns riscos, presentes no relacionamento psicanálise e
cultura. Mas o fato de reiterarmos este assinalamento não pressupõe uma apologia do
retorno ao isolacionismo, aqui mesmo, muitas vezes criticado como "encastelamento". Reiteramos que não existe uma psicanálise "pura", no sentido de isenta
de influências culturais. Mas o diálogo e a interação propostos pelo título "do diva à
comunidade" exigem alguns cuidados, e sublinhamos isso por julgarmos que "esforços
modernizadores" freqüentemente se constituem apenas em disfarces para concessões
mutilantes, perdendo-se o essencial de nossa ciência.
Nestes termos, enfaticamente destacamos como princípios teóricos básicos
1 48 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicanálise e cultura: do diva à comunidade
precisamente aqueles que Freud considerava como constituindo as pedras angulares de
sua descoberta, ou seja, a sexualidade e o complexo de Édipo, o inconsciente, a
resistência e a repressão. E tais princípios, juntamente com as regras técnicas da
neutralidade e abstinência, acompanhadas do reconhecimento do valor da
transferência, da interpretação e da manutenção de um setting analítico, constituem-se
as noções nucleares para a sobrevivência da psicanálise. Naturalmente, cada um desses
conceitos necessita ser constantemente reexaminado à luz de novos desenvolvimento
psicanalíticos. Assim como, por exemplo, nas palavras de A. Green (1988) "....A
transferência não é mais um dos conceitos da Psicanálise a ser pensado como os
outros, ela é a condição a partir da qual os outros podem ser pensados. E, da mesma
maneira, a contratransferência não se limita mais a pesquisa dos conflitos não
resolvidos - ou não analisados - do analista, capazes de falsear sua escuta; torna-se o
correlato da transferencia, caminhando a seu lado, induzindo-a por vezes, e, para
alguns, precedendo-a" (p.21-22).
Considerações finais: frisando alguns pontos de vista
Reiteramos o pressuposto de que as relações da psicanálise e dos psicanalistas
com a comunidade e a cultura são inerentemente conflitantes. Isto se deve ao fato de
que a psicanálise tem como objetivo, em seus propósitos terapêuticos, a investigação
justamente daqueles aspectos do ser humano que a cultura necessita reprimir, a fim de
poder instituir-se e se manter como tal - precipuamente a sexualidade e a agressão.
Como conseqüência, julgamos existir uma ambivalência fundamental em relação ao
analista, a qual se manifesta de distintas formas e com diferentes graus de intensidade
em várias épocas e culturas. Assim, parece-nos que a profissão analítica está sempre
acompanhada por um transfundo de solidão e de temor à exclusão. Ao mesmo tempo,
todo ser humano busca o convívio bem como o reconhecimento de seus pares, com
distintos graus de intensidade. Pensamos que tais necessidades de reconhecimento e
temor à solidão constituem pontos críticos que podem resultar em desvios da
psicanálise, em suas relações com a comunidade e a cultura.
Absolutamente não descuidamos que isto também mobiliza o analista contra a
possibilidade de refugiar-se num isolamento defensivo, incentivando-o, pelo contrário,
a aprimorar cada vez mais seus instrumentos teóricos e técnicos como uma adequada
resposta às pressões da realidade. O que desejamos, entretanto, circunscrever e
examinar neste relatório são os riscos de o analista, em função destes pontos críticos,
distorcer ou renunciar a princípios fundamentais da psicanálise, em nome de uma
(aparente) maior aceitação e retorno por parte da comunidade.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 49
Paulo Fonseca et alii
Estamos selecionando este aspecto das questões do relacionamento da psicanálise com a comunidade, porque consideramos que as pressões desta sobre aquela
estão particularmente intensas e com características peculiares na atualidade.
Acrescente-se a isto a também inevitável presença, dentro de cada um de nós, em
maior ou menor grau, das já assinaladas resistências à aceitação do inconsciente e à
sua investigação no setting analítico, que tendem a agir em sinergismo com os fatores
externos. Em conseqüência, estamos às voltas com um pessimismo quanto à
continuação de procura para tratamento analítico, quanto às nossas instituições
psicanalíticas e, eventualmente, até mesmo quanto ao nosso paradigma teórico.
Sob estas condições, nossas organizações psicanalíticas poderão cair sob o
domínio de alguns dos chamados supostos básicos (Bion, 1968), com suas implicações
inerentes de ausência de contato com a realidade, funcionamento onipotente, recusa ao
aprender com a experiência e oposição a qualquer forma de desenvolvimento. Assim,
dominados pelo suposto básico de luta-fuga, estaremos à procura de inimigos fora ou
dentro de nossas instituições, vendo como alternativas tão somente atacá-los ou deles
fugir. Encerrados na suposição básica de dependência, poderemos, por exemplo,
agarrar-nos, sem qualquer possibilidade de questionamento, às idéias de nossos
fundadores, transformando-as em verdades incontestes e vendo qualquer discordância
a elas como "heresias". Ou então, como um grupo de acasalamento, ficaremos
esperando, magicamente, por uma futura idéia ou autor messiânicos que nos salvarão
do risco de fragmentação e desaparecimento.
As idéias novas, que precisam ser conhecidas, avaliadas e confrontadas, uma
vez sob o domínio destes supostos básicos, tendem a ser sumariamente renegadas e
expelidas ou, então, pelo contrário, imediatamente idealizadas, conduzindo-nos, como
diz Meltzer (1974), a uma confusão entre aquilo que verdadeiramente é novo e uma
verdadeira adição a qualquer novidade.
Não dispomos - e ninguém dispõe - de uma resposta à questão crucial de como
poderemos enfrentar esta situação. Mas, ao nosso ver, o essencial é que nós,
psicanalistas, sobrevivamos como tais. Isto implica mantermos nossos princípios
básicos, modificando-os de acordo e tão somente com os conhecimentos adquiridos na
situação analítica. "A análise - como diz Green (1990) - deve permanecer a análise.
Não por motivos místicos, mas por questões extremamente simples: porque é na
situação analítica que realizamos as melhores condições para o aprofundamento do
conhecimento" (p.202).
No entanto, não há só espinhos e não queremos terminar sem comentar o que a
psicanálise tem aproveitado desse espírito pós-moderno. Por exemplo, questionados
quanto à adoção de meta-narrativas, bem como quanto às noções determinísticas de
causa-efeito, há uma tendência a não mais formularmos nos-
1 50 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicanálise e cultura: do diva à comunidade
sas interpretações como afirmativas categóricas e com a pretensão mágica de
provocarem mudanças imediatas e definitivas. Nesse sentido o próprio conceito de
interpretação mutativa de Strachey tem sido questionado.
Por outro lado, este mesmo autor, em seu clássico trabalho de 1934, faz um
assinalamento que julgamos merecer uma detida consideração, quando se refere ao
aparente paradoxo de que é necessário limitar a realidade externa para melhor
alcançarmos a realidade. Utilizando essa noção, e voltando ao título do presente
relatório, poderíamos, então, afirmar que, para mais atingirmos a comunidade, mais
será necessário nos atermos ao diva. A prática clínica psicanalítica com menos
concessões é a que pode vir a ser de melhor proveito para a comunidade, como um
ponto de referência confiável para o entendimento dos fenômenos psicológicos
vigentes na cultura e para um posicionamento ante tais fenômenos.
Referências bibliográficas
BION, W. (1968). Experiências com Grupos. Rio de Janeiro: Imago, 1975
Borges, J.L. O Imortal. In.
_____________________________Obras Completas de Jorge Luís Borges. Volume I. São Paulo:
Globo, 1999.
CHASSEGUET-SMIRGEL, J. {1986). As Duas Árvores no Jardim. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.
FREUD, S. (1913). Totem e Tabu. In
_____________________________________ ESB, Volume XIII. Rio de Janeiro: Imago, 1977.
GREEN, A.. Conferências Brasileiras. Rio de Janeiro: Imago, 1990.
LAPLANCHE, J. Entrevista. Revista de Psicanálise da SPPA. Abril 1997. Vol. IV, n° 1.
LEARY, K. (1994). Psychoanalytic "problems" and post-modern "solutions". Psychoanalytic Quarterly 63:433-465.
MELTZER, D. Los Estados Sexuales de Ia Mente. Buenos Aires: Kargieman, 1974.
MEZAN, R. Freud, Pensador da Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985.
PESSOA, F. O Livro do Desassossego. São Paulo: Cia. das Letras, 1999. ROA, A. (1995). Modernidad
y Posmodernidad. Santiago - Chile: Editorial Andres Bello.
STRACHEY, J. (1934). The nature of the therapeutic action of psychoanalysis. IJP. 15:127-159.
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
151
Psicanálise e cultura
Bruno Salésio Francisco*, Pelotas, BRASIL
José Luiz Meurer*, Pelotas, BRASIL
Luiz Marcírio Machado**, Pelotas, BRASIL
* Membro Efetivo da Sociedade Psicanalítica de Pelotas. **
Membro Associado da Sociedade Psicanalítica de Pelotas.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 53
Bruno Salésio Francisco et alii
1. Introdução
Para nós psicanalistas uma (ou diversas) definições de Psicanálise, nos parece
mais fácil, ou ao menos mais habitual, do que abranger o termo cultura, com suas
várias acepções.
Como nos parece impressindível que se comece com estas definições, para
depois estabelecermos qualquer conexão entre os termos aqui propostos, escolhemos
iniciar por uma demarcação do sentido que tomaremos para a palavra cultura.
Em seu sentido mais amplo este termo abrange um espectro de fenômenos da
vida natural que se tornam observáveis através de alguma forma de cultivo. Isto inclui
formas vegetais, fungos, bactérias e formas ditas superiores de vida animal, entre as
quais a própria espécie humana.
Em termos genéricos tudo que possui vida neste planeta, tem sua forma própria
de cultura. Nesta abrangência podemos conceber a cultura como aquilo que
caracteriza as formas próprias de existência de qualquer espécie de vida, com seus
modos de evolução e suas relações com o ambiente.
Estamos assim, caracterizando o uso que passaremos a atribuir ao termo cultura,
relacionado agora especificamente ao homem.
Estaremos nos referindo a este significado amplo que inclui deste os costumes,
formas de manifestação artística, mitos e crenças, modos de produção, enfim ao
"modus vivendi" de grupos, etnias em épocas históricas delimitadas. Ao
assemelharmos os termos cultura e "modus vivendi", trazemos à luz o conceito de
ideologia também com sua mais genérica acepção.
Apenas para nomear, há um outro sentido da palavra cultura que a restringe a
uma condição artificial, já que designa um quantum de saber que um indivíduo
adquire em sua formação intelectual. Segundo esta interpretação os homens podem ser
separados entre cultos e ignorantes, como se estes não possuíssem também alguma
forma de cultura.
Esta utilização "leiga" da palavra cultura, mutila o seu sentido mais útil, da
mesma forma como se faz com a palavra personalidade, quando se afirma que alguém,
que não demonstra suficiente vontade própria, não tem personalidade.
Ficaremos portanto com a interpretação mais ampla da palavra cultura, como
forma de expressão de idiossincrasias de civilizações que historicamente, através de
condutas, costumes e ideologias (que incluem o seu imaginário coletivo) chegam a
construir sucessivas identidades grupais.
Esta cultura produz um saber que, independentemente do quanto possa ficar
apoderado por qualquer cabeça pensante, se espalha por vários campos do
conhecimento de uma época e dedobra-se em protocolos artísticos, filosóficos ou
1 54 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicanálise e cultura
científicos, nem sempre com tanta precisão quanto buscamos classificá-los.
Este "espírito de uma época" esta sempre subjacente a qualquer conjunto de
"verdades" sejam elas consideradas como segmentos de uma ciência, de uma
mitologia ou de uma religião.
Foi portanto no bojo de uma determinada cultura que brotou a nossa Psicanálise,
e de outras culturas vem sendo nutrida, de tal sorte que se hoje, nos alvores do século
XXI, nos perguntamos coisas tão dispares como "quantas psicanálises existem" ou
mesmo se "continuará existindo uma psicanálise", isto se deve em grande medida à
diversidade e à contínua complexização de nossa cultura.
Entretanto, apesar desta constante e inexorável relação entre a cultura, a história
e a produção de qualquer campo do conhecimento, nem sempre conservamos o seu
devido lugar, nas nossas meta-produções.
Por vezes procedemos como quem colhe as rosas de uma roseira e as transplanta para um vaso, esquecendo ato contínuo, que elas não nasceram ai.
É nosso objetivo neste texto, revisarmos este espaço de trânsito entre as
manifestações culturais dos séculos XIX e XX e uma de suas mais contundentes
afirmações que foi a Psicanálise.
O ideal, não sabemos se factível, seria podermos discriminar as duas rotas de
influência: a cultura contemporânea de cujos princípios brotam os constructos
psicanalíticos, com maior ou menor independência e, por outro lado, as transformações sociais e culturais advindas da difusão do ideário psicanalítico. E mais,
como a psicanálise levou em conta o papel desta cultura que lhe propiciou tamanho
viço neste século?
Uma coisa nos parece bem evidente, estivemos desde Freud mais atentos às
possíveis influências de nossa ciência sob as demais formas de conhecimento e
práticas desta época, do que o seu inverso.
Esta afirmação, se estivermos de acordo, não chega a constituir um grande
equívoco, ou pelo menos não se trata de um modo solitário de produção de verdades
científicas. É antes o método mais habitual usado por todas as demais ciências.
Estamos mais propensos a expandir os conhecimentos estritos de nossas esferas de
atuação para abranger e explicar os fenômenos que nos cercam e nos desafiam, do que
o movimento inverso, qual seja o de identificarmos nos nossos próprios constructos, a
influência "em status nascendi" de uma cultura com suas outras formas de saber.
É certo que qualquer ciência não prescinde de um duplo movimento, um que
parte de generalidades para o particular e outro que torna geral aquilo que é
descoberto na expecificidade do encontro com o seu objeto.
Contudo somos levados, por razões estratégicas (e entre estas as mais narcísicas) a adotar certas medidas protecionistas, à semelhança do que fazem os
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
-155
Bruno Salésio Francisco et alii
países nas suas práticas de mercado internacional: supervalorizamos o nosso "produto
de exportação" e tendemos a diminuir o valor dos que "importamos" ou os
"sobretaxamos", o que para efeito de nossa metáfora, dá no mesmo.
Quero dizer com isto que quando um conjunto de postulados que transita com
certa desenvoltura por dentro de um determinado corpo teórico é "importado" por
qualquer outro, há sempre o risco de que venha a sofrer algum recorte que o mutile, se
não em seu próprio conteúdo, ao menos nas articulações que possuia com seu corpo
originário.
Com mais tempo poderíamos intentar um instigante inventário sobre os nossos
modelos de trocas com a cultura e os seus modos de produção de verdades. Este
exercício epistemológico é demasiado pretencioso para o tempo, o espaço e
principalmente os conhecimentos que dispomos.
Vamos portanto nos restringir ao tema "Psicanálise e Cultura" em linhas gerais,
buscando estabelecer suas influências recíprocas mais evidentes.
2. Freud, um pensador da experiência burguesa
Diz-nos Peter Gay que a Psicanálise somente poderia ter nascido no seio da
experiência burguesa das sociedades européias do final do século XIX.
Seria por demais extenso referir aqui todos os indicadores que levaram a este
autor a fazer este veredito, mas algumas causas nos parece impressindível citar.
A revolução industrial, junto com o estágio alcançado pelas ciências, pela
tecnologia e pelos meio de comunicação e de transporte, trouxeram ao século XIX,
uma diversificação de classes sociais e um nível de contrastes até então não
evidenciáveis na história das civilizações.
Nos poucos metros quadrados das ruas, quarteirões e praças, das então
consideradas grandes cidades, entre elas Viena, conviveram de forma especialmente
turbulenta, desde os suntuosos palácios de uma nobreza já enfraquecida, as não menos
suntuosas mansões de comerciantes, banqueiros e outros burgueses bem sucedidos, as
sólidas residências de médicos e outros profissionais liberais de uma recente classe
média, os bairros operários pobres mas cada vez mais revindicadores, os atelieres de
artistas, os bares noturnos onde se misturavam boêmios, dandis e "grisettes" e os
prostíbulos, desde os mais elegantes aos mais populares.
Nas malhas deste tecido social proliferarem tipos humanos que personificaram
ideologias antagônicas que encontraram, de alguma forma, canais de expressão nas
artes, nas revoluções sociais e no conservadorismo desta época.
Além de Peter Gay outros historiadores consultados (Aries, P. e Duby, G.)
1 56 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicanálise e cultura
também descrevem este século como um período de transformações rápidas e de
grande confusão dos valores tradicionais, ainda que dominado pela ideologia burguesa
que abrangia as genericamente denominadas classes médias.
Descrita como a classe social que maiores benefícios angariou, com o progresso
industrial, tecnológico, médico, bem como com a acumulação de capital, a burguesia
solidificou os seus valores, tais como a inviolabilidade do espaço da família, a
manutenção dos bens, do dinheiro e do seu patrimônio; enfim a privacidade em
oposição à vida pública.
Nenhuma classe social, em nenhum outro momento histórico, preservou com
tamanho afinco a privacidade.
Ao descrever os "ritos" da vida privada burguesa, diz-nos Anne Martin Furgier
de uma forma muito sensível:
"O cotidiano por essência banal, assume um valor positivo se as ninharias que o compõe são convertidas em ritos dotados de uma significação
sentimental, é assim que a dona de casa, reunindo a família em volta da mesa,
em horários determinados, é apontada como o melhor agente de felicidade. Ela
rege o ritmo do tempo privado, imprime-lhe uma regularidade e preside a sua
execução".
1
"No espaço burguês, a repetição não é rotina. Ela ritualiza, e o ritual
dilata o momento: antes ele é aguardado e fazem-se os preparativos; depois ele
é objeto de comentários e reflexões" (p.194).
Assim é descrito, suscintamente, um modo de vida exclusivamente privado, em
que o quadro ideal da felicidade é o círculo familiar e o meio para conquistar esta
felicidade é a perfeita administração do tempo e do dinheiro.
Ao marido naturalmente competia o contato cotidiano com a vida pública, nos
seus ambientes de trabalho, na sua participação em sociedades e corporações laboriais,
políticas, etc. Os papéis eram bem definidos, intransponíveis, complementados e sobre
eles deveria se instalar a paz e as bênçãos do senhor. A família burguesa era sempre
profundamente puritana, discreta e religiosa.
Este quadro idílico, que com alguns reparos ainda hoje nos seduziria, não deve
ser atacado pelas possíveis mentalidades progressistas, sem que lhe seja rendido ao
menos uma homenagem. Foi no espaço privado burguês que homens e, por vezes
também as reprimidas mulheres, encontraram tempo, este tempo "administrado", para
debruçarem-se sobre si mesmo, sobre sua intimidade. O século da privacidade foi
também o século do individualismo. Nele passou a fazer sentido a "consciência de si
mesmo", a preocupação com o bem estar do "espírito" e do "corpo", não mais como
categorias abstratas a serem pensadas por exêntricos filósofos, mas como algo inserido
sub-repticiamente na própria cultura de massa.
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 57
Bruno Salésio Francisco et alii
Não se está com isto dizendo que a classe operária, com sua jornada exaustiva
de trabalho, pudesse dedicar qualquer tempo do seu dia para pensar no seu bem estar
físico e psicológico. Tampouco no seio de uma vida burguesa, cujos críticos
descreviam como monótona e, na sua média, avessa as novidades culturais, pudesse
existir, como um valor consciente a preocupação com a busca ou o questionamento de
sua própria identidade. O que encontramos descrito, nas fontes consultadas, são
indicadores desta mudança, observáveis ao longo de todo o século XIX, mas
principalmente nas últimas décadas, que vieram involuntariamente no bojo de novas
visões médicas, higienistas, algumas das quais entraram necessariamente em colisão
com aspectos moralistas que regiam os costumes da época.
Neste sentido é esclarecedor citarmos um trecho de Alain Corbin (Corbin, A.):
"Embora retendo vários elementos de uma concepção metafísica, cujas bases ele
esquece deliberadamente, o século XIX erudito ira romper com o primado da alma.
Os ideólogos, em especial Cabanis, abandonam a noção de alma-guia e do princípio
vital...e tentam unificar os campos da medicina e da fisiologia...passam a dar maior
atenção à relação entre o físico e o moral, ao vínculo existente entre a vida orgânica
a vida social e a atividade mental" (p.438).
Num texto intitulado "As mensagens da cenestesia", diz-nos este historiador
(Corbin, A.) algo de fundamental importância para os nossos propósitos: "...A
feminilidade não deriva mais de uma ontologia, mas de uma fisiologia e de uma
sociologia. A velha noção herdada de Aristóteles,...denominada sucessivamente 'tato'
ou 'tocar o interior' e mais tarde em fins do século XVIII, 'cenestesia', deve ser agora
entendida como uma percepção interior do corpo, o conjunto das sensações
orgânicas, cuja tradução no comportamento, segundo Cabanis, constitui os instintos".
Acrescenta Corbin, no parágrafo seguinte: "Ao longo de todo o século os
especialistas mostram-se convencidos da extrema influência de um inconsciente,
percebido como obscuro rumor das funções viscerais, de onde emergem, intermitentemente, os atos da consciência... O gênio de Freud não estará absolutamente em
descobrir que vastas zonas do sujeito escapam à consciência e contribuem para
determinar a atividade mental, mas em arrebatar à vida orgânica o monopólio do
inconsciente para instalá-lo no próprio aparelho psíquico" (p.439).
Podemos discordar, em parte, desta instigante observação que afinal, expressa a
opinião de um historiador. Podemos contrapor que o inconsciente que Freud
descobriu, não difere apenas por se localizar no psiquismo, mas por toda uma natureza
mais complexa que lhe atribui além do "obscuro rumor das funções viscerais", um
conjunto de fantasias inconscientes, estas sim registros psíquicos das funções vitais.
Contudo, para os objetivos deste texto, não podemos ignorar que Freud
1 58 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicanálise e cultura
possa ter se valido dos princípios desta medicina fisiologista francesa do final do
século XIX, da mesma forma que sabemos ter recebido a influência do Darwinismo
inglês, tanto quanto da neurologia germânica.
Mas se por um lado temos prestado mais atenção nas influências das raízes
médicas na psicanálise, não temos nos debruçado com o mesmo interesse nas
influências mediatizadas pela cultura de uma época, na forma de apreenção dos
fenômenos descritos por este campo do saber.
Voltamos portanto à caracterização da cultura burguesa, enfocando em especial
as transformações nos hábitos de sua vida privada que como viemos caracterizando
engendraram uma profunda contradição. De um lado uma progressiva identificação do
sujeito com o corpo o que implicou em uma atenuação do velho desprezo pelo
orgânico, pela animalidade, de outro uma severa repressão da sexualidade,
especialmente da feminina.
Diz-nos Philippe Perrot (Perrot, P.) que "jamais o corpo feminino foi tão
escondido como entre 1830 e 1914" (p.447).
Acrescenta uma lista de roupas íntimas que faziam parte da indumentária
feminina, ostensivamente mais sofisticada que a masculina.
"A combinação, o calção, o corpete, as rendas, lenços, colchetes e botões
em profusão constituíram ao mesmo tempo, o sinal das proibições morais à
sexualidade feminina e por outro lado, a progressiva fetichisação do imaginário erótico que traduzia, no seio da burguesia, a ânsia por cobrir-se...O
desejo de conservação o cuidado em proteger-se, o medo da castração e a
permanente lembrança da ameaça do desejo, realizaram aqui um neurótico
encontro" (p.447).
A mesma aparente contradição se evidenciava no incremento da vigilância sobre
o onanismo, tanto masculino como o feminino, certamente que exacerbado pelos
princípios higienistas daquele final de século. O banho que é a necessidade de aseio
nas partes íntimas, preconizado pela "nova medicina fisiologista", também trazia um
contato maior com as zonas erógenas do corpo. A mesma medicina que preconizava
os hábitos de higiene mais freqüentes e demorados, tratava de reprimir este
"indesejável sub-produto", a masturbação, reforçando a velha tese da "decadência
física". A fraqueza, a palidez, a perda de peso, enfim os sinais de um corpo pouco
saudável eram tidos como sintomas da "doença provocada pelo onanismo"!
Enfim, foi dentro deste contexto de contradições e por vezes mesmo de
hipocrisia, que vicejou o fenômeno psicopatológico, que pos em cheque a medicina
tradicional e que abriu as portas para uma nova forma de entendimento e abordagem
da própria mente humana.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
159
Bruno Salésio Francisco et alii
A hipnose precursora da psicanálise foi o método escolhido para enfrentar a
histeria que oscilava entre a simulação, a sugestão ou uma doença com "estatuto
próprio".
Novamente optaremos pelo enfoque que co-relaciona a Psicanálise diretamente
com a cultura, já que sobre as idéias científicas de Charcot e Janet bem como sua
influência sobre os alvores da Psicanálise, estamos mais habituados a tratar.
Encontramos em nossas pesquisas baseadas nos escritos dos historiadores, verdadeiras
jóias!
3. A marca histérica como um marco histórico
Diz-nos Michelle Perrot (Perrot, M.) "De um interesse mais sutil é a noção de
normalidade que opera nessas taxonomias das doenças mentais femininas...A
desmedida nas coisas, o excesso e notadamente a paixão amorosa, sobretudo quando
toma vias proibidas (o amor pelo pai, o amor lésbico ou até o amor por um homem
mais novo, a pura e simples tomada de decisão pela mulher, ou ainda o clitorismo),
constituem outros tantos desvios" (p.282). "Toda a mulher é feita para sentir e sentir é
quase histeria" (Trélat escreve em "La folie Lucide").
Acrescenta Michelle Perrot que "a loucura é também uma saída para a infelicidade familiar real. Entre as loucas contam-se muitas amantes abandonadas, malcasadas, esposas enganadas, mães enlutadas pelos filhos. A demência masculina
parece estar mais ligada aos percalços da vida pública ou profissional" (p.282).
A autora citada localiza entre estas mulheres anônimas que acabaram suas vidas
em sanatórios, algumas cuja a internação parece ter sido motivada por razões sociais,
políticas ou financeiras. Entre estas tornaram-se notórias as internações do Camile
Claudel e Adèle Hogo, "ao que parece para preservar o nome de um grande homem"
(p.281).
Tal é também o caso de Hersilie Rouy, "de quem o meio-irmão, a fim de receber
uma herança, obtém um 'internamento voluntário' em 1854, a pretexto de que o estilo
de vida excêntrico dessa artista solteira independente e solitária, deriva de uma
'monomania aguda', segundo o atestado do Dr. Pelletan, o que lhe valerá quatorze
anos de asilo" (p. 282).
Já Hubertine Auclert, fundadora do grupo "le droit des femmes" e do jornal "La
Citoyenne" en 1881, e que preconizava que o "o direito político é para a mulher a
chave que lhe dará todos os outros direitos", recebe este interessante diagnóstico:
"Considera-se Hubertine Auclert acometida de loucura e histeria, doença que a faz
ver os homens como seus iguais e procurar o contato com eles" (p.285).
Estas informações que aqui reunimos e que evidentemente não substituem
1 60 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicanálise e cultura
e nem invalidam a gama de conhecimentos psicanalíticos que posteriormente Freud
aportou sobre a Histeria, buscam tão somente acrescentar uma realidade externa, que
funcionava como substrato cultural destes achados.
Podemos dizer que as mulheres burguesas, especialmente as mais sensíveis e
cultas, agora com mais intimidade com seu corpo e o seus desejos, ao mesmo tempo
que privadas de qualquer consciência disto, em virtude da intensa repressão social e
individual, acabaram por exercer uma pressão por mudanças culturais e científicas.
Voluntariamente através de um ativismo artístico ou político, ou involuntariamente
pela sua insatisfação canalizada através de sintomas de patologias, bem ou mal
diagnosticadas.
Podemos corroborar esta idéia relembrando os termos em que Breuer descreveu
a jovem Bertha Pappenheim ao seu entusiasta e jovem colega Freud, "numa sufocante
noite de verão em 1883": Anna O., que contava com 21 anos, era uma moça de
"cultura e dotes excepcionais, bondosa e filantrópica, dada o obras de caridade, ativa
e as vezes obstinada...de excelente memória e de um dom assombrosamente agudo
para associações..." (Gay, R, p.75).
Chegamos a um enunciado, um ponto nodal na nossa linha de exposição, qual
seja o de que a cultura da sociedade burguesa do final do século XIX, extensiva às
primeiras décadas do século seguinte, aportava elementos que permitiram a vinculação
da Histeria, e pelo mesmo caminho as demais Neuroses, com a conflitiva sexual, ainda
que de um modo genérico e impreciso.
Quando o renomado médico austríaco Joseph Breuer, relatou confidencialmente ao seu colega "algumas coisas" sobre a intimidade de sua paciente, recomendando-lhe pudicamente que este só deveria repeti-las à sua noiva Martha, alias
amiga de Bertha, "quando estivesse casado", estava estimulando-o mais do que
conscientemente desejava, a seguir uma linha de investigação que o levaria a descobrir
os efeitos da repressão da sexualidade.
Um dos grandes saltos do pensamento científico de Freud, ao qual iria se referir
posteriormente, Gaston um Bachelar como um momento de "ruptura epistemológica",
foi mudar radicalmente o acento, a tônica do enfoque cultural vigente, deslocando as
causas das manifestações histéricas desde uma sexualidade anormal, adotada por
pessoas que sofriam alguma degenerecência, para intensidade da repressão sobre
quaisquer aspectos de uma sexualidade humana normal.
Em outras palavras a doença não estava no quantum de libido, anormalmente
aumentada em pessoas "mal-dotadas de um controle espiritual, ético e moral", mas
sim no rigor artificialmente determinado pela moral da cultura vigente.
A mais arrojada descoberta que logo se acrescentaria, a sexualidade infantil,
perversa e polimorfa, transformaria todos os homens e as mulheres, de qual-
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
161
Bruno Salésio Francisco et alii
quer classe social, em animais dotados de uma sexualidade e de uma destrutividade
intrínsecas.
A partir destas e outras descobertas, a psicanálise passará a se constituir num
pensamento transformador, que entre outros, contribuirá para uma profunda mudança
cultural ao longo do século XX.
Vamos portanto dedicar algumas linhas para analisar agora a via inversa, qual
seja a da influência de Freud e da psicanálise na cultura desse século.
4. Freud e o "mal-estar na cultura"
Sempre que nos dispomos a examinar as questões referentes à cultura e à
Psicanálise, necessariamente nos açode à lembrança o extraordinário e esclarecedor
trabalho de Freud "Das Unbehagen in der Kultur" ("O Mal-Estar na Cultura" ou
"Civilization and its Discontents"). Esse trabalho, escrito no ano 1930, quando o
mundo civilizado estava prestes a chegar a uma de suas encruzilhadas históricas
decisivas, nos traz ainda hoje reflexões profundas sobre a condição do homem diante
do processo civilizatório; mostra a participação ou exclusão do homem, sua angústia e
seu dilema e principalmente sua insatisfação (Unbehagen) e inconformidade diante de
um processo que visa a torná-lo mais humano e ao mesmo tempo lhe diminui
consideravelmente as possibilidades de ter prazer e ser feliz.
Diz Freud que todo indivíduo, em princípio, busca alcançar a felicidade:
satisfação de suas necessidades básicas e evitação do desprazer. Todo indivíduo
procura atender às suas necessidades biológicas e psicológicas de sobrevivência,
preservação individual - ao mesmo tempo que busca satisfazer à necessidade de
perpetuar a espécie. O princípio do prazer, que inicialmente presidia soberanamente a
vida mental, precisou gradualmente dar lugar ao princípio da realidade, que de fato
nunca se estabeleceu por completo, porque a busca do prazer e a evitação do
sofrimento são básicos ao funcionamento psíquico. Essa antinomia aparente,
satisfação pessoal e atenção à realidade, torna-se, ao longo da vida, o eixo em torno do
qual o indivíduo procura uma adaptação biopsicológica possível nas circunstâncias.
Trata-se, em verdade, de uma conciliação inviável para grande parte dos indivíduos,
surgindo então a neurose, entendida aqui no seu sentido amplo, como expressão de
uma incompatibilidade inconciliável entre as demandas instintuais do indivíduo e as
exigências da realidade. Do entrechoque dessas tendências conflitantes e de suas
tentativas de solução surge a saúde ou a neurose, e surge a cultura, ou civilização.
Freud nos mostra que o homem, na sua evolução individual, passa por um
processo mais ou menos exitoso de parcial e progressiva renúncia de seus impulsos
sexuais e destrutivos e uma gradual adaptação à realidade ambiente (a auto-
1 62 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicanálise e cultura
ridade dos pais e as exigências da cultura). Nesse processo, o indivíduo obtém
satisfação parcial de seus impulsos e sofre restrições à sua liberdade sexual; renuncia a
determinados desejos e em troca obtém alguma segurança e a vivência de ser amado,
protegido e valorizado. Alguns de seus impulsos instintuais são reprimidos, outros são
sublimados, outros encontram saída no seu estado originário. Impulsos amorosos,
eróticos, no seu sentido amplo, e impulsos destrutivos geralmente agem mesclados uns
com os outros e determinam estados de saúde ou doença biopsicossocial.
Assim como se observa com o indivíduo, o mesmo ocorre com o conjunto dos
indivíduos (família, grupo, sociedade, nação). Para ingressar na cultura, gradativamente o indivíduo tem de renunciar parcialmente a seus interesses e impulsos
individuais e participar do processo da civilização, auferindo desta certos benefícios e
contribuindo para a construção e consolidação desse processo civilizatório. Esse é um
processo que pode mostrar maior ou menor grau de higidez psicológica social. Vemos,
ao longo da história, culturas com avançadas conquistas humanas, e outras com
evidentes patologias no seu funcionamento. Embora aí se possa admitir o ponto de
vista do relativismo das culturas, a psicanálise não pode deixar de considerar que, do
ponto de vista do bem-estar psico-social dos indivíduos, houve em certas épocas da
história e em determinadas culturas fatores psicopatológicos atuando como fonte de
sofrimento e desagregação dos grupamentos humanos.
Freud pensava que a civilização é na realidade um processo pelo qual a
humanidade no seu conjunto vem passando desde épocas imemoriais, um processo
evolutivo semelhante ao desenvolvimento psicossexual do indivíduo. Neste, um dos
aspectos mais importantes, e necessários ao processo de sua inclusão na cultura, é a
internalização do instinto destrutivo, e a restrição da vida sexual, por força da
autoridade, internalizada a assimilada como instância que denominamos superego.
Ocorre uma severa restrição dos impulsos agressivos, para que estes não atinjam
cegamente os outros indivíduos, e ocorre uma considerável restrição sobre o
funcionamento sexual, com a conseqüente revolta e ressentimento do indivíduo contra
a autoridade e a cultura vigente, instituiu-se a consciência moral e o sentimento
(inconsciente) de culpa. Estes elementos, que parecem estar no próprio núcleo da
civilização ocidental, determinam um sentimento de quase ainda permanente, ainda
que malpercebida, tensão entre o ego e o superego, com as conseqüências que
percebemos na vida mental e nas relações entre os indivíduos. Essa insatisfação dentro
de si mesmo, entre o indivíduo e a cultura, é uma das características de nossa
civilização. Esse conflito inevitável pode ter suas conseqüências, mais ou menos
visíveis, e por certo traz determinado grau de sofrimento - neurose - detectável em
todo ser humano, em todo indivíduo que faz parte da civilização humana.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 63
Bruno Salésio Francisco et alii
A Psicanálise ensina que sua função é a de examinar com interesse, e com a
isenção científica possível, esse estado de coisas. Compete-lhe apontar os excessos e a
patologia engendrada pelas restrições impostas por um superego excessivo, cruel,
assim como também lhe compete indicar possibilidades de sadia satisfação de
impulsos. No mundo atual, como nos tempos de Freud, tão cheio de perplexidades, a
Psicanálise pode e deve participar do processo de humanização do indivíduo humano
ajudando-o a tomar consciência critica de si mesmo e do mundo que o cerca, sua
família, seu grupo social, e do papel que ele exerce nesse contexto.
A Psicanálise pode e deve estudar os relacionamentos entre os indivíduos, as
instituições, de modo que se construam instituições mais adequadas, onde os
indivíduos funcionem com menos compulsões cegas e com mais entendimento das
motivações de seus atos. Como Freud mostrou, uma parte considerável dos impulsos
instintuais do homem (eróticos e agressivos) pode encontrar vias de satisfação
substitutivas e derivadas, de grande importância para o equilíbrio psíquico dos
indivíduos e da cultura em que vivem: os ideais, as artes, a religião, as criações do
intelecto, as ciências, a tecnologia, as idéias políticas autenticamente democráticas
(respeito ao indivíduo, como ser livre, capaz de pensar, decidir, escolher), o exercício
da liberdade no seu sentido humanístico, a responsabilidade e a solidariedade, a
repulsa a toda forma de coerção autoritária, o esclarecimento dos fatores que levam à
compulsão.
Freud apontou que, dentre as várias fontes de sofrimento e mal-estar do homem,
é na área das relações interpessoais que encontramos grande quantidade de
imperfeições em nossa cultura. No processo civilizatório, a regulação dos
relacionamentos interpessoais ainda deixa muito a desejar. Nessa parte de nossas vidas
com nossos semelhantes é que encontramos freqüentes motivos de mal-estar e
insatisfação, ódios, rivalidades, injustiças, injúrias, cobiça, e outros males que
envenenam as relações entre os indivíduos, podendo fazer com que estes passem a
abominar o convívio com o conjunto do seu meio cultural, ou então se tornem
inimigos dessa cultura, ou procurem usar defesas mais destrutivas, aparentemente
justificadas nas circunstâncias.
Se uma das funções do processo cultural é a produção e justa distribuição dos
bens materiais e culturais que essa civilização pode proporcionar aos indivíduos, outra
função não menos importante, e talvez a de mais difícil solução é a regulação das
relações entre os indivíduos e entre os grupos humanos. Essa área das relações
interpessoais tem sido e certamente continuará a ser um campo em que os desacertos e
choques de interesses podem causar conflitos, tensões, manobras de dominação,
guerras e sofrimentos.
Hoje, uma conscientização maior por parte das elites dirigentes e um senso de
responsabilidade social maior podem atenuar as desigualdades e melhorar a
1 64 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicanálise e cultura
participação dos indivíduos na construção de uma grande família humana mais
consciente dos fatores capazes de proporcionar bem-estar geral aos indivíduos. Na
carta que enviou a Albert Einstein, em 1932, Sigmund Freud alertava para o perigo das
tendências destrutivas do homem em relação ao próximo e à civilização. Mostrava que
essas forças instintuais destrutivas que podem destruir o homem atuando dentro deste,
podem destruir também os povos e as nações através das guerras. Uma das soluções
que a Psicanálise então poderia propor, era a de combater a destrutividade mediante o
auxílio das forças construtivas de Eros, que une e preserva, que reconhece o outro
como semelhante, que tem interesses vitais comuns e com o qual se pode tentar
conviver e trabalhar pelo bem comum da cultura. Educar as pessoas, aumentar a
educação das elites e das lideranças, fortalecer os vínculos emocionais amorosos entre
os indivíduos e fazer com que estes se identifiquem com os ideais do bem comum
certamente são objetivos que poderiam parecer utópicos, mas indubitavelmente
constituem um conjunto de condições com que a Psicanálise pode contribuir
consideravelmente para o processo civilizatório a médio e a longo prazo.
A Psicanálise considera, no dizer de Freud (1932), que o processo de civilização, pelos seus imperativos morais, éticos, estéticos e sociais, vem produzindo uma
gradual mudança psíquica na humanidade, de que são características o progressivo
deslocamento dos fins instintuais eróticos e agressivos, a sublimação, a restrição e a
transformação desses impulsos, bem como o fortalecimento das atividades do intelecto
a sua utilização a serviço da produção de bens culturais úteis ou estéticos, de
importante valor na economia psíquica. Enfim, a civilização, ou cultura, é um produto
da permanente luta entre Eros e destrutividade, entre a instintividade bruta e a razão.
5. Conclusão
Havendo exposto algumas considerações sobre como entendemos o processo de
evolução da cultura ou civilização, com base no pensamento de Freud, e sobre como
vemos certas interrelações entre a cultura e o surgimento e evolução da Psicanálise,
talvez seja útil mencionar algumas idéias sobre o papel que a Psicanálise poderá
continuar desempenhando no processo civilizatório contemporâneo e no futuro.
Neste fim de século e ao final de 100 anos de influências da Psicanálise, é
evidente a marca positiva da Psicanálise na cultura contemporânea. Ela se incorpora
crescentemente no acervo de idéias do homem culto; este assimila inúmeros conceitos
originários do pensar psicanalítico e assim se amplia sua subjetividade, o
conhecimento de si próprio. Se bem que nem todo esse conhecimento
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
165
Bruno Salésio Francisco et alii
passe das idéias à prática dos homens, mesmo assim não podemos deixar de refletir
que os conceitos e as propostas da Psicanálise vão gradualmente influenciando a
forma de pensar de muitos, como um fenômeno que transforma, lenta e positivamente,
o modo de pensar a condição humana. Assim, dela se beneficiam hoje áreas
importantes, como a educação, a medicina, a filosofia, a psicologia, a pesquisa
científica e as artes. Junto com outros fatores benéficos civilizatórios como a Arte, a
Política, a Educação, a Ciência, certamente a Psicanálise também tem papel destacado
porque ela é a ciência que se ocupa daquilo que é mais autenticamente humano, a alma
do homem, sua história, seu aparelho mental e as condições em que este funciona. O
estudo da psicologia dos relacionamentos entre indivíduos e destes com instituições do
mundo civilizado bem como as possíveis intervenções da Psicanálise nessa área são
apenas um exemplo do papel que ela pode desempenhar como fator de mudança de
nossos padrões culturais.
Referências bibliográficas
ARIES, P. e DUBY, G. História da Vida Privada. Vol. IV. Companhia das Letras.
CORBIN, A . História da Vida Privada. Vol. IV. Companhia das Letras.
FREUD, S. (1930). "Civilization and its Discontents". SE 21.
______ (1933). "Why war?". SE 22.
FURGIER, A.M. História da Vida Privada. Vol. IV Companhia das Letras.
GAY, P. A Educação dos Sentidos. Companhia das Letras.
______ Freud - uma Vida para o nosso Tempo. Companhia das Letras.
PERROT, M. História da Vida Privada. Vol IV. Companhia das Letras.
PERROT, P. História da Vida Privada. Vol. IV. Companhia das Letras.
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
1 66 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Entre el diván y la comunidad:
algunas problemáticas
Vicente A. Galli*, Buenos Aires, ARGENTINA
* Membro Efetivo do Grupo de Estudios Sociedad Argentina de Psicoanálisis.
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 67
Vicente A. Galli
Me propongo plantear escuetamente reflexiones sobre algunas "problemáticas"
contenidas en el tema del Congreso. "Problemáticas", en el sentido de organización de
problemas que exigen desarrollos conceptuales, tomas de posición y compromisos
personales; que generan conflictos de poder con saberes hegemónicos y motivan en los
que se los formulan reacciones afectivas y cuestionamientos de valores.
1. "Entre el diván y la comunidad"
El espacio dinámico y conflictivo que abarca la denominación elegida, fue y es
llenado de distintas maneras según tiempos históricos y lugares en los que se
desarrolló el psicoanálisis; y aún con diferencias entre grupos con distintas posiciones
coincidiendo en los mismos espacios geográficos. Que en estos tiempos algunos crean
que los problemas sociales y la extensión imprescindible del campo de tareas de los
psicoanalistas son temas que emergen por las crisis del psicoanálisis, en particular por
la caída de la demanda tradicional y las exigencias del mercado, no debe ocultar el
reconocimiento que desde los comienzos se hicieron importantes desarrollos en el
traslado de lo aprendido en la intimidad de los consultorios con las concepciones
psicoanalíticas hacia multiplicidad de extensiones posibles; al mismo tiempo que se
importaban hacia el interior del psicoanálisis conocimientos y efectos de esas prácticas
realizadas fuera del territorio. Lo que produjo: a) ampliaciones del propio campo
teórico/técnico, para tratamientos de niños, de pacientes seriamente perturbados, de
pacientes agrupados, de microgrupos familiares, miradas psicoanalíticas sobre
problemas institucionales, etc. b) En las aperturas del propio campo hacia espacios de
confluencia con otras producciones de la cultura, se produjeron los aportes que pueden
hacer los psicoanalistas trabajando en conjuntos con otros integrantes del escenario
social.
2. El escenario social y las instituciones
Los escenarios sociales en los que fuimos constituidos y transcurren nuestras
vidas de sujetos de la cultura, son escenarios complejos, signados por organizaciones
institucionales que intentan dar coordenadas a las necesidades y dificultades de la
convivencia cultural. La que entre sus múltiples componentes cuentan con los
conflictos de poderes: Por la posesión de conocimientos posibles y/o mejores, por el
manejo de todo tipo de recursos, por las maneras de tomar las decisiones, y,
finalmente, sobre las maneras de evaluar sobre todo ello y a partir de allí decidir los
proyectos inmediatos y definir horizontes posibles. Afirmación aplicable a todas las
instituciones de la cultura - desde los microescena-
1 68 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Entre el diván y la comunidad: algunas problemáticas
rios familiares hasta los problemas políticos/ organizacionales de los estados y sus
relaciones y dependencias supranacionales - en donde hay que subrayar que en todos
ellos se dan interacciones humanas con producción de experiencias integrativas
libidinales junto con violencias y destrucciones, en los marcos referenciales que
organizan a cada institución en general y cada una de sus partes en particular.
3. La vida mental
En la trama de lo anotado en el párrafo anterior surgen encuentros vivificadores,
encuentros excesivos o violentos, desencuentros, placeres y sufrimientos que van
siendo los elementos que metaboliza idiosincráticamente cada cachorro humano en su
hominización inicial,. Los que se continúan luego durante toda la vida en la
interacción constante entre realidad y subjetividad, entre deseos, fantasías,
satisfacciones y frustraciones. Si el psiquismo es historia hecha estructura pulsional y
funcionante; si está en constante reproducción de sus condiciones de existencia, con
compulsiones a revivir lo placentero y también lo insatisfactorio, dispone
permanentemente de potencialidades de reprocesar historias pasadas y realidades
presentes, albergando posibilidades de transformaciones creativas y de involuciones
estereotipantes, en la trama de los mundos interno y externo que la constituyen.
4. Problemática epistemico-identitaria
Para los psicoanalistas que buscan colaborar en la búsqueda de mejor cua
lidad de vida mental para los que constituyen y son objeto de las organizaciones
institucionales del escenario social (en derechos humanos, sistemas de salud,
educación, justicia, problemas sociales, emprendimientos comunitarios, institu
tos para marginales o excluidos de todo tipo, ................. ) una importante dificultad,
que se puede denominar epistemico-identitaria, es la inadecuación de parte importante
de sus instrumentos técnicos para desempeñarse en marcos de trabajo que no son los
encuadres que habitualmente organizamos, los que son reconocibles como espacios
microinstitucionales de la intimidad psicoanalítica: los tiempos y formas de la
comunicación, la regla fundamental, las trasferencias/contra-transferencias elaboradas
interpretativamente, los indicadores de proceso que entrelazan las evoluciones
sintomales con los observables del propio campo, y, el ser casi permanentemente los
poseedores de cierto poder en la asimetría de la situación en función de las
necesidades de los otros y las facilitaciones regresivas. Cuando se sale de esos
espacios se percibe los recursos técnicos habituales
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 69
Vicente A. Galli
no son los utilizables para trabajar en espacios institucionales públicos, como agentes
sociales altamente capacitados para participar activamente en la detección y
movilización de potencialidades humanas, para ayudar a entender sentidos y buscar
verdades, reconocer y procesar violencias latentes, destrabar circulaciones
estereotipadas por reediciones históricas excluidas del relato, validar sentimientos y
jerarquizar reflexiones incluyéndolos o partiendo de ellos. Lo que hace que los
psicoanalistas sean buscados cuando todo eso es demostrado.
Observando y reconsiderando múltiples experiencias con resultados variables,
hay ejes que resaltan como significativos para reflexionar sobre el problema. Uno de
ellos es la ecuación personal del psicoanalista que hace la tarea. Ecuación que incluye
la historia personal en cuanto sujeto de la cultura; subrayando la historia ideológicoconceptual que arma su visión de lo humano y del mundo; la historia de sus
identificaciones, transformaciones y desidentificaciones profesionales; con la de los
contextos de sus primeras experiencias como terapeuta y sus modificaciones
posteriores; tanto como con la historia de su relación con autores, problemas y
conceptos. Multiplicidad de factores que no es menester analizar ahora, aunque hay un
componente fundamental que es necesario subrayar: la manera de ubicarse como
trabajador en la clínica psicoanalítica. Por resultados y por resonancia subjetiva, tienen
mejores experiencias en tareas institucionales más allá de los encuadres psicoanalíticos
o psicoterapéuticos específicos, los que en la clínica psicoanalítica entienden el
psicoanálisis como una práctica específica sobre el psiquismo inconciente de
individuos, que al mismo tiempo es elaboración de realidades sociales, actuales y
pretéritas; con noción de seguir siendo trabajados por ellas. Con matices, diferencias y
características particulares en cada tiempo y lugar. Son los que se entusiasman con que
el proyecto terapéutico se desarrolla creativamente con un método en el que el psicoanalista se pone en juego, corre riesgos y se transforma. Profundos conocedores de
teorías y concepciones etiopatogénicas de la disciplina, las toman como instrumentos
ricos pero no sacralizados; creen que su utilidad en la clínica proviene de sus retoños
transformados por la elaboración inconciente adecuada al método y al momento.
Psicoanalistas que consideran que lograrse y mantenerse como tales es una aventura
que se reconstruye, oscila, crece o retrocede en cada acto. Cuando psicoanalistas con
predominancia de este perfil se desempeñan en espacios institucionales públicos,
compartiendo espacio con otros muchos actores sociales con diferentes miradas y
prácticas, no tendrá urgencias en teorizar ni en interpretar; luego descubrirá que no le
hará falta hacerlo a la manera habitual. Se sabe instrumento de sus prácticas, y en esa
que esta desarrollando en ese lugar buscará dejarse penetrar por lo que va acaeciendo y
lo que va escuchando, entrará en diálogos, preguntará, opinará, cuestionará y se
cuestionará. Muchas veces tendrá que asumir tareas concretas, adaptándose a
referentes instituciona-
1 70
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Entre el diván y la comunidad: algunas problemáticas
les extraños a sus hábitos, en el objetivo de convertirse en socio e integrante del lugar
cultural en el que está.
En el otro polo, los psicoanalistas que tienen tendencias predominantes a
sostenerse en modelos teóricos y rasgos de identidad idealizados, y que utilizan el
campo clínico como lugar para su confirmación, no obtiene buenos resultados para los
otros ni para ellos - ni para la imagen de los psicoanalistas - cuando intentan tareas por
fuera de sus encuadres habituales de trabajo.
5. Problemáticas socio-sanitarias y de salud mental
5.1. Otro eje a considerar cuando se observan los resultados diferentes de
experiencias distintas, es lo que tiene que ver con la conveniencia de disponer de
algunas perspectivas socio-sanitarias. Trabajan con mayor respaldo valorativo los que
se saben parte activa de una tendencia que pugna en el mundo occidental por conseguir
mayor espacio y desarrollo: encarar discusiones y acciones sobre salud desde el
paradigma de los sistemas complejos, integrando lo socio histórico con lo ecológico y
lo biológico. Implica acentuar las observaciones y críticas sobre los sistemas
asistenciales centralizadores, que suman las prácticas despersonalizadas de corte
biologista e individual con la desatención de la naturaleza social y colectiva de su
objeto de estudio. La tendencia que lucha para ganar espacio sobre la mencionada, es
la que se origina en la mirada de la "medicina social" y busca crear mejores
condiciones para que la defensa de la salud y el encarar las patologías se haga
predominantemente en el tejido social mismo, en donde las personas habitan, trabajan,
gozan y sufren. Para lo que se necesitan conocimientos de las llamadas ciencias
naturales tanto como los de las ciencias que tratan los procesos sociales e históricos.
Entre las que el psicoanálisis tiene su espacio.
5.2. Problemática conexa es la de las definiciones de salud en general, y de
salud mental en particular. Trabajando fuera de los ámbitos estrictamente psicoanalíticos parece adecuado transitar sobre discusiones y contradicciones analizadas
desde otras disciplinas. Sobre salud en general, se marca que es difícil encontrar en
occidente definiciones de salud caracterizadas por rasgos positivos. Lo que impregna
el imaginario social son las definiciones por la negativa: Salud como ausencia de
enfermedad. Que históricamente se explica por las primitivas concepciones mágicoreligiosas sobre el enfermar y las asistencias caritativas realizadas por organizaciones
religiosas; luego continuado por la organización secular para atender las
enfermedades. Hecho desde el modelo militar que estructuró las primeras e
imprescindibles organizaciones sanitarias para cuidar la fuerza de trabajo de guerra de
los soldados, y asimiló la lucha contra las enfer-
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
171
Vicente A. Galli
medades como la lucha contra los enemigos... que siempre pueden infiltrarse y
reaparecer. En las últimas décadas se agregó otros elemento fundamental: la asistencia
de las enfermedades ha entrado en los mecanismos de mercado, por lo que su
regulación hace difícil que se jerarquicen las tareas preventivas o las curativas que no
lleven valor agregado, con lo que se ha intensificado el asistencialismo fragmentador y
despersonalizado. Para los que lo pueden pagar.
La puja está mantenida en el otro polo por los que definen salud y enfermedad
como producto de la interacción de sistemas. Salud como balance entre el hombre, los
otros, su medio ambiente (natural y construido), la historia y el presente
socioeconómico y cultural, los proyectos de futuro colectivos y particulares.
Concepción que genera descentramientos en las problemáticas, cambios epistemológicos y transformación de roles profesionales.
5.3. Para Salud Mental, desde el punto de vista cualitativo, no se dispone de
definiciones culturalmente compartidas. Una, que se viene probando en la zona del
Río de la Plata, elude ser taxativa y enumera componentes e indicadores. Tiene la
utilidad de poder utilizarse coloquialmente, sin conocimientos técnicos específicos en
los interlocutores; manteniendo congruencia con criterios psicoanalíticos.
a) Salud Mental, referida a un balance dinámico y en permanente interacción de
cada persona consigo misma y con sus contextos, para la producción, reproducción y
transformación de su existencia.
b) Balance dinámico, que incluye nociones de equilibrios e integraciones
móviles, de los elementos conflictivos que son constitutivos de los sujetos de la
cultura.
c) Por lo que son esperables contradicciones y crisis, reconocidas o no por los
sujetos y los grupos.
d) Indicador importante es la participación activa de los sujetos de la cultura en
los cambios y conflictos propios y del contexto social. Lo que va unido al derecho a la
memoria y al conocimiento histórico.
e) Otro indicador: la posibilidad de aceptar el placer; buscado o sorpresivo.
f) También es indicador positivo el poder incluir el sufrimiento como parte de la
vida; buscando en él experiencias de desarrollo, de construcción de nuevos vínculos,
de distintas opciones y de conocimientos.
g) Otro indicador, es la existencia de proyectos de futuro.1
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
1. Los componentes e indicadores básicos parten de: GALLI, Vicente A. "Salud Mental, Definiciones y Problemas".
Dirección Nacional de Salud Mental. Argentina, 1984 (Donde se aclara que se toma como referencia la de A. Querido,
en "La Salud Mental en los Planes de Salud Publica". OPS Washington, 1963. Con varias modificaciones.
1 72 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
¿Hasta donde alcanza la vinculación del
Psicoanálisis y la comunidad?: Reflexiones
desde nuestra experiencia
Ana Herrera*, Caracas, VENEZUELA
Ser pio Marcano*, Caracas, VENEZUELA
Dolores Salas de Torres*, Caracas, VENEZUELA
Carlos Valedón*, Caracas, VENEZUELA
Teresa Machado**, Caracas, VENEZUELA
Resumen
La institución psicoanalítica no es un ente aislado de las otras instituciones sociales y por tanto
se impone reflexionar acerca de las múltiples relaciones que existen entre ellas. Desde nuestra
experiencia local hacemos un recorrido general por tres niveles de extensión e interacción con
la comunidad: Uno es el terapéutico, con una oferta de psicoanálisis y aplicaciones del mismo
para las clases socioeconómicas menos pudientes a través del Servicio de Atención
Psicoanalítica. Tratamos de ver qué lo facilita, qué lo interfiere y cuáles transformaciones
debemos procurar para que nuestra ciencia se actualice de acuerdo a las circunstancias
cambiantes. Otro nivel es el de divulgación y difusión; abarca un amplio espectro social que va
desde lo más general e informativo hasta los ámbitos más especializados. El tercer nivel planteado explora lo más específico de nuestra actividad profesional y sus vinculaciones con los
círculos profesionales y científicos afines.
* Membro Efetivo da Sociedad Psicoanalítica de Caracas. **
Membro Associado da Sociedad Psicoanalítica de Caracas.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 73
Ana Herrera et aliii
Cuando nos proponemos explorar las relaciones posibles que transitan entre el
diván y la comunidad surgen numerosas preguntas y reflexiones acerca de las mismas.
Lo primero que nos viene a la mente es explorar, desde nuestras experiencias:
¿cuál es la relación entre la institución psicoanalítica y nuestra comunidad? ¿A cuáles
sectores de la comunidad proyectamos nuestra actividad profesional, o hacia cuáles
sectores desearíamos desplegar nuestros esfuerzos y de qué manera?
Una situación reciente de desastre ambiental que impactó a nuestro país produjo
en algunos de nuestros miembros la inquietud de desear colaborar, desde nuestro
oficio, y ver cuáles actividades podíamos desarrollar que pudiesen ser de utilidad tanto
a las personas como a las otras organizaciones sociales y profesionales. Una
colaboración que algunos prestamos fue la intervención en crisis por la situación
traumática. Pero también nos trajo la necesidad de reflexionar acerca de cuál es
nuestro nivel de participación en la comunidad y hacia dónde apuntan nuestras
actividades
Hasta ahora nuestra extensión hacia la comunidad se ha desarrollado básicamente a tres niveles:
1) Uno es el terapéutico, a través del Servicio de Atención Psicoanalítica, el cual
ofrece una gama de posibilidades terapéuticas a personas que solicitan sus servicios
tanto a nivel individual como de parejas, familias y grupos. A nivel individual la oferta
pretende ser lo más cercano al encuadre psicoanalítico clásico y está dirigida hacia un
público que la más de las veces tiene alguna vinculación con el área de la Salud
Mental, con honorarios que son aproximadamente la 5a parte de lo que suelen ser a
nivel del consultorio privado de los analistas. Nos preguntamos también si es posible
buscar promover una oferta psicoanalítica terapéutica a diferentes líderes de sectores
sociales que tienen una función pública que requiere un nivel emocional
suficientemente integrado, tales serían los bomberos, policías, maestros, etc.
También nos interrogamos de qué depende esa posibilidad. Buscando respuestas
nos paseamos por otras preguntas: ¿Está preparada la institución psicoanalítica para
impulsar esta oferta? ¿Quiénes la sostendrían, los analistas de mayor experiencia, o los
más jóvenes y los candidatos? ¿De qué depende nuestra participación, acaso de cuánto
estemos ocupados en nuestros consultorios privados?
La estabilidad del status quo tanto institucional como individual de los
psicoanalistas se ve sacudida al aparecer día a día ofertas terapéuticas que prometen
soluciones mágicas. Como psicoanalistas sabemos bien el peso que tiene en las mentes
humanas el principio del placer-displacer. Contra él tenemos que luchar y competir no
sólo en la vida psíquica, sino también en la realidad social. Es la batalla permanente y
para darla debemos salir de nuestra comodidad con-
1 74 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
¿Hasta donde alcanza la vinculación del Psicoanálisis y la comunidad?: Reflexiones desde nuestra experiencia
servadora buscando salidas creativas que mantengan vivo al psicoanálisis como
método revolucionario en tanto transformador.
En esta cultura, donde la rapidez es un elemento omnipresente, tanto en las
ofertas como en las demandas a todos los niveles, nos preguntamos si el psicoanálisis
con su encuadre y su duración va a poder subsistir como hasta ahora, o tiene el reto de
indagar las posibilidades de transformación, fundamentalmente en su técnica, que le
faciliten o permitan evolucionar y transformarse de acuerdo con las modificaciones
que van dándose en la cultura. Pero aquí surge la interrogante de si ello no implicaría
un plegamiento del psicoanálisis a la fuerza avasallante de la cultura y sus modelos
tecnológicos signados por la rapidez y la búsqueda de resultados prácticos. En este
caso podríamos decir que esa fuerza compulsivamente avasallante correspondería a la
presión que las pulsiones humanas ejercen sobre la cultura misma y sus instituciones
para colocarlas al servicio de la gratificación, en donde lo pulsional encontraría aliados
tecnológicos para intentar borrar las frustraciones y la espera que implica explorar las
transformaciones posibles de la realidad, a fin de procurar una gratificación más duradera. La ilusión así creada es que los seres humanos "quedarían libres de toda
discordia interior" (Freud, 1927). Sin embargo, estos aliados tecnológicos modernos
son ejemplo de la capacidad del ser humano de gobernar las fuerzas de la naturaleza a
fin de satisfacer sus deseos sin que obligatoriamente ello implique la negación de que
algo va a faltar siempre. La aceptación de esa falta es lo que puede servir de estímulo
permanente para la transformación y búsqueda de nuevas alternativas transformadoras
de los modos y herramientas gratificado-ras a cualquier nivel de los instrumentos
culturales y entre ellos el instrumento psicoanalítico junto con sus instituciones. En la
medida que los psicoanalistas y sus instituciones podamos aceptar que nuestra ciencia,
tanto en la teoría como en su práctica, no está completa, es que podremos tolerar salir
de nuestras idealizaciones y procurar generar las modificaciones que se correspondan
con las que se van dando en la cultura. Modificarnos no implica necesariamente una
adaptación a las propuestas tanto individuales como colectivas que buscan salidas
mágicas y omnipotentes para ocultar las carencias. No olvidemos que Freud nos decía
en 1918, avizorando el futuro de nuestra ciencia, que "cuando el Estado se de cuenta de
su obligación en cuanto a ofrecer la posibilidad de dar auxilio psicoterapéutico a los
pobres, se nos planteará la labor de adaptar la técnica a las nuevas condiciones... Ello
pasa por la búsqueda de la expresión más sencilla y comprensible de nuestras teorías"
¿Podremos los psicoanalistas tolerar estos cambios catastróficos, en el decir de Bion, y
dar espacio para la creatividad, o viviremos los cambios como equivalentes a un
desastre y caeremos en una repetición defensiva que nos llevará a la muerte del
psicoanálisis? Los privilegios del psicoanálisis y de los psicoanalistas no son tales
cuando hoy en día aparecen otras
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
175
Ana Herrera et aliii
técnicas y otras disciplinas que ocupan nuestro lugar. Las llamadas psicoterapias de
orientación psicoanalítica, limitadas tanto en los objetivos como en el tiempo, pueden
ser un instrumento usado por los psicoanalistas, quienes propendemos, en general, a
descalificar todo aquello que nos aleje del ideal y muchas veces idealizado
psicoanálisis oro o psicoanálisis propiamente dicho, riguroso y libre de toda tendencia
(Freud, op.cit).
Los debates que se están llevando a cabo hoy día en el seno de la comunidad
psicoanalítica internacional pueden, eventualmente, llevarnos a elaborar las ansiedades
que las transformaciones y los cambios generarían, y si tenemos la tolerancia y la
amplitud necesaria para incorporar esos cambios, la crisis que vive el psicoanálisis
junto a sus instituciones podrá ser una crisis para el crecimiento y no para la
destrucción.
2) Otro de los niveles de unión entre el psicoanálisis y la comunidad es el nivel
de divulgación o difusión de los principios teóricos que han quedado establecidos en el
tiempo de vida de nuestra ciencia y las elaboraciones que los analistas particulares
hacemos de los mismos. En nuestra Sociedad Psicoanalítica transmitimos nuestro
pensamiento teórico y clínico a través de la revista oficial, Trópicos, que aparece
semestralmente, y, mediante una página Web, mantenemos una ventana
permanentemente abierta a la comunidad. Pensamos que la difusión tiene un efecto
transformador al llevar a los diferentes estratos sociales una herramienta que permite a
los individuos pensarse e interrogarse al descubrirse reflejados en las descripciones de
las múltiples alternativas de organización de la vida psíquica que resultan en
estructuras caracterológicas o sintomáticas. Tales descripciones forman parte, hoy día,
del lenguaje popular y en muchos individuos promueven la pregunta de cuál es la
manera más idónea de conducir la educación de los hijos y de las nuevas generaciones.
Aún persisten muchos tabúes acerca de descubrirse ante los otros como un ser con
conflictos, pero cada vez son menores los juicios morales por asumirse en la demanda
de ayuda profesional calificada. Dichos juicios morales, o prejuicios, provienen no
sólo de los individuos dentro de la cultura, sino que también en los psicoanalistas
descubrimos una serie de prejuicios dirigidos hacia la actividad divulgativa como si
existiese el temor que se fuese a caer en una vulgarización degradante del Psicoanálisis
en su status científico y que por lo tanto habría que mantenerlo en aislamiento tipo
secta secreta, en las cuales los iniciados pasan a ser sacerdotes hebdomadarios que
hablan y escriben un lenguaje que aparenta ser tanto más profundo en cuanto es más
cifrado. Cuan distante está esta posición del ejemplo de Freud, que aunque profundo
en sus teorías y creación de conceptos, escribía en un lenguaje claro y ameno sin que
por ello fuese superficial. No en balde fue galardonado con el premio Goethe. Algunos
autores psicoanalíticos parecen es-
1 76 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
¿Hasta donde alcanza la vinculación del Psicoanálisis y la comunidad?: Reflexiones desde nuestra experiencia
cribir con obscuridad para ser aplaudidos, según expresan Sokal y Bricmont (1999) en
su libro "Imposturas Intelectuales".
Algunos de nuestros miembros hemos trabajado en instituciones que tienen que
ver con los diversos niveles de atención a la Salud Mental y hecho contribuciones
programáticas para llevar la aplicación del psicoanálisis a la prevención y el
tratamiento de los conflictos psíquicos, pero muchas veces nos hemos tropezado con
los obstáculos inherentes a la burocratización y manipulaciones de los políticos de
turno, que frustran los propósitos de realizar una experiencia sostenida en le tiempo.
Un programa de Postgrado de Psiquiatría y Psicología con énfasis en lo social y
comunitario propuesto por uno de nosotros fue abortado por las razones antes
señaladas (Marcano, 1986).
A los obstáculos antes señalados se agregaría el problema de recesión económica que afecta a nuestro país desde hace muchos años, a lo cual no escapan
algunos otros países latinoamericanos y que nos ha obligado a buscar incrementar
nuestras horas de trabajo para que nuestro nivel de vida no siga deteriorándose. La
dolarización de la economía no se corresponde con los incrementos de los salarios
públicos. La consecuencia es que no podemos mantenernos en tareas públicas que
requieren muchas horas de ocupación debido a que, restadas a la actividad privada, no
pueden ser compensadas, como se hacía años atrás, cuando se podían cobrar
honorarios que permitían tener un nivel de vida digno.
Pensamos que los analistas deberíamos poder movernos dentro de un espectro
discursivo que pueda alcanzar desde los niveles socioculturales menos formados
escolarmente hasta los profesionales de diversas disciplinas, en particular aquellos que
tienen que ver con la conducta humana. Ese espectro va desde el nivel más simple e
informativo hasta el nivel más complejo, reflexivo y crítico de los planteos que nos
presentan los diversos esquemas conceptuales referenciales y operativos (E.C.R.O.) de
las escuelas psicoanalíticas. Este espectro abarca desde las amas de casa, padres,
maestros, escuelas para padres hasta los institutos psicoanalíticos. Hacerlo de esta
manera nos permitirá, que como voceros del psicoanálisis, podamos lograr convocar a
un público diverso y sostener una presencia.
3) Este nivel más complejo, reflexivo y crítico es el tercer nivel en que se ejerce
nuestra extensión a la comunidad, varios de nosotros sostenemos una presencia
permanente en las universidades, particularmente en la ciudad capital ya que no han
emigrado muchos miembros de nuestra Sociedad hacia otras ciudades del país. Sin
embargo, algunas incursiones, en forma de conferencias, se han realizado en alguna
ciudad de la provincia. Nuestra presencia se sostiene en forma de seminarios,
supervisiones clínicas de psicoterapia, discusiones de material clínico de casos
hospitalizados tanto de pacientes neuróticos como psicóticos en los diferentes cursos
de postgrado en Psiquiatría y Psicología Clínica, cur-
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
177
Ana Herrera et aliii
sos acerca del desarrollo emocional y trastornos en dicho desarrollo para personas y
profesionales que trabajan con niños y adolescentes en zonas marginales, con el fin de
prevenir el maltrato y abuso infantil. Cursos acerca de los diferentes trastornos
emocionales del los adultos para este mismo nivel de profesionales.
En la sede de la Sociedad se realizan actividades para público general al que
acuden también profesionales del área de la salud mental y educadores, tales como
cineforos, conferencias, presentación de papeles psicoanalíticos en paneles de
discusión. Anualmente realizamos un Encuentro de fin de semana con un tema central
alrededor del cual se presentan conferencias en las que participan tanto miembros de
la Sociedad como calificados invitados de otras disciplinas y eventualmente, en la
medida de lo posible, psicoanalistas invitados, tanto nacionales como extranjeros.
Además se discuten películas que tienen que ver con la temática central y siempre hay
una sección para el trabajo sobre niños y adolescentes.
Hemos fomentado el intercambio público con otras escuelas psicoanalíticas
como son la corriente Jungiana y la Lacaniana, además de la participación de la otra
institución local afiliada a la IPA como es la Asociación Venezolana de Psicoanálisis.
Dicho intercambio ha sido bien acogido por la comunidad de profesionales afines a
nuestra disciplina, además de los miembros de estas instituciones, por lo cual este
esfuerzo común redundará en beneficio del psicoanálisis en la medida que sale de su
enclaustramiento y del peligro que implica su mitificación.
Bibliografía
FREUD, S. (1928). "Nuevos caminos de la terapia psicoanalítica". Obras Completas. Buenos Aires:
Amorrortu, 1979.
______ (1927). "El porvenir de una ilusión". Ob. Comp. Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1979.
MARCANO, S. (1986). "Terrorismo de estado y violencia psíquica". Caracas: Fondo Editorial Tropikos, 1987.
SOKAL, A. y BRICMONT, J. (1999). "Imposturas intelectuales". Buenos Aires: Paidos.
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
178
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"No es el país que queremos".
Modernización y malestar en la sociedad
chilena: Una mirada psicoanalítica
Juan Pablo Jiménez*, Santiago, CHILE
Resumen
Chile está en un proceso acelerado de modernización. Sin embargo, la percepción psicosocial
cotidiana es que el país es más infeliz que nunca. Se revisan múltiples expresiones de malestar.
Basándose en el modelo de análisis social inaugurado en El Malestar en la Cultura, de la "subjetividad profunda", el autor adelanta la tesis de que en la atmósfera social del país flotan
intensas emociones de culpa y vergüenza que dificultan el desarrollo global hacia una sociedad más humana. Se relaciona la culpa y la vergüenza inconscientes con la elaboración inacabada del trauma histórico provocado por la dictadura militar y por la falta de reconocimiento
de las raíces indígenas de la nacionalidad chilena. Se presenta al psicoanálisis, como ciencia de
la subjetividad y como método clínico, como modelo para los procesos sociales de autorreflexión.
' Membro Efetivo da Asociación Psicoanalítica Chilena.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
179
Juan Pablo Jiménez
"Todo se me evapora. Mi vida entera, mis recuerdos, mi imaginación y lo
que contiene, mi personalidad, todo se me evapora. Continuamente siento que
he sido otro, que he sentido otro, que he pensado otro. Aquello a lo que asisto
es un espectáculo con otro escenario. Y aquello a lo que asisto soy yo".
Fernando Pessoa. El libro del desasosiego.
I. Introducción
La realización del42''r Congreso Internacional de Psicoanálisis (julio de 1999),
encontró a la Asociación Psicoanalítica Chilena en un proceso creciente de intercambio con la comunidad. En los años que precedieron a ese evento organizamos
encuentros interdisciplinarios que cubrieron diversos temas de interés social. El
simposium sobre psicoanálisis y religión fue seguido por uno sobre maltrato infantil y
violencia intrafamiliar. En medio de la crisis asiática realizamos unas jornadas sobre
psicoanálisis y crisis financieras donde, junto a economistas y sociólogos, discutimos
las características psicosociales de las "burbujas" de negación que preceden a las crisis
económicas. El año que precedió al congreso vio un exitoso ciclo de cine y
psicoanálisis. Paralelamente, más y más colegas fueron - y siguen siendo - solicitados
por los medios de comunicación para exponer puntos de vista psicoanalíticos sobre
variados tópicos. En más de una ocasión, Otto Kernberg fue invitado por foros de
empresarios y administradores a exponer sus ideas psicoanalíticas sobre grupos y
organizaciones. Durante la semana del Congreso, organizamos un panel - muy
concurrido -, en el que invitamos a psicoanalistas de distintas partes del mundo a
discutir la presentación de un film documental, "Fernando ha vuelto a casa" (Caiozzi,
1998), sobre los "detenidos-desaparecidos" durante la dictadura de Pinochet. Quizás si
el producto más acabado - aunque no por eso menos controversial -, de esta
interacción novedosa entre psicoanálisis y sociedad en nuestro país lo haya constituido
el libro de Ricardo Capponi "Chile: Un duelo pendiente" (1999), en que se analizan las
condiciones de un diálogo social que lleve a la reconciliación nacional. Paralelamente,
el 41er Congreso también nos enfrentó a la comunidad psicoanalítica internacional. A
propósito de una crónica sobre nuestra historia reciente (Arrué, 1998), que en otras
circunstancias podría haber pasado desapercibida, se suscitó una acida protesta por el
juicio que los psicoanalistas chilenos se suponía hacíamos sobre el período que abarcó
la dictadura militar y la posterior transición a la democracia. Por cierto, la dureza de
los juicios ahí emitidos también tuvo que ver con el impacto internacional que produjo
la detención del ex dictador en Londres en octubre de 1998.
Como presidente de la Asociación Psicoanalítica Chilena por dos períodos
1 80 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica
consecutivos (1994-1998) y co-chair del comité de organización del 41er Congreso de
la IPA he sido actor y observador de este proceso de creciente y recíproco interés entre
psicoanálisis y sociedad. El congreso realizado en Santiago profundizó nuestras
relaciones con la comunidad y nos obligó a pensar sobre la imagen que proyectamos
en el extranjero. Por cierto, todo esto hizo patente un déficit de reflexión en nuestro
grupo sobre nuestra propia inserción histórica, lo cual me ha llevado a seguir
reflexionando psicoanalíticamente sobre la sociedad chilena, reflexión que cristalizó
en el presente trabajo.
II. Psicoanálisis y Sociedad
El tema de Psicoanálisis y Sociedad impone inmediatamente el referente
obligado de los ensayos de Freud sobre la cultura. Sabemos que no menos del 40% de
su obra está dedicada a reflexionar psicoanalíticamente sobre la sociedad. La
articulación entre trabajo clínico y sociedad la estableció el mismo Freud en las
Nuevas conferencias de introducción de 1933, cuando constata que el psicoanálisis ha
crecido hasta ser mucho más que solamente un método de tratamiento, advirtiendo a la
vez que "no por ello ha abandonado su suelo natal, y su desarrollo, tanto en amplitud
como en profundidad, continúa ligado al tratamiento de enfermos" (1933a, p.3187). Es
claro que no habría que representarse al psicoanálisis como una psicología del
individuo tardíamente traspuesta a una sociología de la cultura pues basta un examen
sumario de la bibliografía freudiana para darse cuenta de que los primeros textos sobre
el arte, la moral, la sociedad y la religión, siguen de cerca a La interpretación de los
sueños. Es en este libro donde se descubre la articulación de la teoría de la cultura con
la del sueño y de la neurosis, y donde se esboza la aproximación con la mitología y la
literatura. Según Ricoeur (1970), que el sueño sea la mitología privada del durmiente y
el mito el sueño despierto de los pueblos, que al Edipo de Sófocles y al Hamlet de
Shakespeare corresponda la misma interpretación que al sueño, constituye una de las
tesis centrales de la Traumdeutung.
Pero, el tema de mi ponencia es el malestar en la sociedad de mi país. ¿Qué
relación existe entre cultura y sociedad? Freud no separa progreso civilizatorio de
cultura. En El Porvenir de una Ilusión (1927c, pp.2961s), dice textualmente: "Por un
lado, [cultura] comprende todo el saber y el poder conquistados por los seres humanos
para llegar a dominar las fuerzas de la Naturaleza y extraer los bienes naturales con
que satisfacer las necesidades humanas, y por otro, todas las instituciones necesarias
para regular las relaciones de las personas entre sí y, muy especialmente, la
distribución de los bienes naturales alcanzables". Entonces, no hay por un lado un
intento utilitario de dominar las fuerzas de la natura-
Revista Latino-Americana de Psicanálise-FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 81
Juan Pablo Jiménez
leza, - progreso tecnológico y civilización (actualmente hablamos globalmente de
desarrollo económico) - y, por otro, un registro simbólico - derecho, ciencia, arte,
sociología, política y religión -, que representa la experiencia de las personas en las
relaciones sociales y que es lo que habitualmente llamamos cultura. De este modo, la
cultura es para Freud reflejo, norma y producto público de la experiencia intersubjetiva
de los individuos viviendo en sociedad. El enfoque propiamente psicoanalítico aborda
el tema de la cultura desde el punto de vista de la economía de las fuerzas impulsoras
del alma, es decir, desde la perspectiva de la subjetividad profunda, de la acción de las
pulsiones, los afectos y las fantasías, en definitiva, de las motivaciones inconscientes.
A lo largo de diferentes trabajos dedicados a temas específicos, se observa el derrotero
que va, por un lado, desde el síntoma neurótico al sueño nocturno y, por el otro, desde
el sueño nocturno a la ensoñación diurna y la poesía, de ésta al juego y al humor,
después al folklore y las leyendas para, pasando por la antropología, la sociología y la
política, finalmente alcanzar las obras de arte. Con esta suerte de analogía gradual,
Freud confirma que toda creación depende de la misma función pulsional, de la misma
economía pulsional, que efectúa la misma sustitución de satisfacción que las formaciones del sueño y la neurosis.
Una reflexión psicoanalítica sobre la sociedad debe considerar inevitablemente
el ensayo El Malestar en la Cultura. En un trabajo anterior (Jiménez, 1998), propuse
enmarcar esta obra dentro de tres contextos. El primero lo constituye el contexto más
amplio del pensamiento moderno. En éste, Freud aparece, por una parte, como un
pensador de la modernidad y, por otra, precisamente como uno de sus críticos más
agudos. El segundo es el contexto de la época en la que Freud le tocó vivir y escribir.
En especial, el período que va desde la Primera hasta la Segunda Guerra Mundial, la
llamada Belle Epoque la que, después de la Gran Depresión, fue seguida en Europa
por el triunfo de los totalitarismos fascistas y por la era estalinista en la Unión
Soviética. Esos años constituyen lo que los teóricos sociales han llamado la primera
gran crisis de la modernidad (Wagner, 1994). El tercer contexto que permite entender
El Malestar en la Cultura es el contexto del desarrollo de la teoría psicoanalítica y la
crisis vital por la que Freud atravesaba en ese momento, acosado por el cáncer y
enfrentando su propia enfermedad y muerte.
Después de introducir sumariamente la crítica freudiana a la modernidad,
contenida en El Malestar en la Cultura, describiré el malestar en la sociedad chilena
actual, según ha sido descrita por las ciencias sociales, y terminaré intentando algunas
interpretaciones psicoanalíticas.
1 82 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica
III. Modernidad, progreso y desilusión en El Malestar en la Cultura
La modernidad es un fenómeno complejo que abarca dimensiones económicas,
sociales, políticas e intelectuales. Pero, "moderna", también, y para un psicoanalista en
primer lugar, es una forma de conciencia de sí, un modo específico de experimentar la
vida. "La edad moderna se define a sí misma como el reino de la razón y de la
racionalidad, que ha desplazado a la religión, a los prejuicios y supersticiones, a las
costumbres tradicionales. De allí nace en ella un sentimiento poderoso de confianza en
sí misma, de superioridad tanto con respecto al pasado como con respecto a otras
sociedades donde todavía no ha llegado" (Larraín, 1996, p.19).
Fue a fines del siglo XVIII, el siglo de la Ilustración, cuando Occidente tomó
clara conciencia de estar atravesando por una época que formuló como moderna. El
discurso ilustrado, expresión de la autoconciencia histórica, ella misma producto de la
modernidad, destacó las ideas de ciencia, progreso y razón.
En 1784, Kant definió la Ilustración escribiendo que "es la liberación del
hombre de su culpable incapacidad. La incapacidad - agrega - significa la imposibilidad de servirse de la propia inteligencia sin la guía de otro. Esta incapacidad es
culpable porque su causa no reside en la falta de inteligencia sino de decisión y valor
para servirse por sí mismo de ella sin la tutela de otro. -Y termina con la exhortación ¡Sapere aude! ¡Ten el valor de servirte de tu propia razón!: He aquí el lema de la
ilustración." (Kant, 1981 [1784], p.25).
Comentando este texto, Foucault plantea que la modernidad es una actitud
crítica que exige positivamente un "análisis de nosotros mismos como seres
históricamente determinados", para superar "todo aquello que no es indispensable para
la constitución de nosotros mismos como sujetos autónomos" (1993, pp.61-74).
Freud representó esta actitud moderna hasta niveles que sus biógrafos no han
trepidado en llamar heroicos. Peter Gay (1989, p.17) afirma que éste le habría
manifestado una vez al novelista Stefan Zweig que la tarea fundamental del
psicoanálisis consistía en "luchar en contra del demonio" de la irracionalidad de
"manera serena". Pero que - habría agregado -, esa misma serenidad, que reduce ese
demonio a "un comprensible objeto de la ciencia", sólo provoca que las ideas
psicoanalíticas acerca de la naturaleza humana parezcan sumamente desalentadoras e
inaceptables". Y en este punto se nos hace presente la paradoja que dice que Freud se
constituye en pensador moderno precisamente a través de su crítica a la omnipotencia
de la razón moderna. Si la modernidad implica una "actitud límite, es decir, un situarse
en la frontera de la propia finitud pero no para quedarse en ella, sino para traspasarla
dentro de lo posible" (Noemi, 1996, p.523), entonces Freud es uno de los pensadores
más modernos.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
183
Juan Pablo Jiménez
El Malestar en la Cultura es una enérgica denuncia de las promesas incumplidas de la modernidad; pues la modernidad es incumplidora: prometió que la
razón ilustrada terminaría con las guerras y que llevaría al ser humano al reino de la
felicidad.
Kant, en su escrito, Si el género humano se halla en progreso constante hacia
mejor (1981 [1798], p.116), plantea la firme convicción de que la guerra, principal
obstáculo de lo moral, se irá haciendo cada vez más humana, luego menos frecuente y,
por último, desaparecerá como guerra agresiva, para ser reemplazada por un orden
constitucional basado en auténticos principios de derecho que permitirá un constante
progreso hacia lo mejor. Pero, ¡Ay de las desgracias que trae la autosuficiencia
humana, la confianza ilimitada en la omnipotencia de la razón! Precisamente ese
mismo año Goya trabajaba en Los Caprichos, serie de grabados donde el N° 43 lleva
el inquietante título "El sueño de la razón produce monstruos". La ilusión de Kant fue
seguida por muchos a lo largo del siglo XIX. Marx prometió una sociedad sin clases,
un reino de la libertad, con las necesidades satisfechas y sin guerras; Durkheim señaló
que el nuevo orden moderno tiene la ventaja sobre el anterior de ser pacífico y no
militar. Para instaurar el nuevo orden sólo bastaría dejar que ciencia y razón se
desarrollasen de acuerdo a su propia lógica, sin la tutela de la religión. La extensión de
la educación secularizada y autónoma, promotora de la ciencia, la moral y el arte,
aseguraría el nacimiento y mantención de una sociedad pacífica. Por cierto, el siglo
XX se encargó de demostrar el carácter ilusorio de tales proyectos. Europa y la
humanidad entera pagaron caro la adhesión irreflexiva a los ideales modernos. Freud
no fue una excepción. Formado como judío ilustrado y totalmente imbuido de los
ideales de la burguesía liberal dominante en el Imperio Austro-Húngaro de la segunda
mitad del siglo diecinueve (véase Ticho & Ticho, 1972), la Gran Guerra fue para
Freud una de las mayores desilusiones de su vida.
La desilusión de Freud fue triple. La primera fue su decepción con la escasa
moralidad de los Estados nacionales que, interiormente y en tiempos de paz, se
presentan como los guardianes de las normas morales y que durante la guerra las
infringen con cálculo frío y sin misericordia. La segunda desilusión fue comprobar la
brutalidad en la conducta de los individuos de los que no se había esperado tal cosa
como copartícipes de la cultura europea, que se considerada a sí misma como la más
elevada civilización humana. La tercera, y como intelectual quizás la más dolorosa,
fue comprobar como "¡Hasta la ciencia misma perdió su imparcialidad desapasionada!
Sus servidores, profundamente irritados, procuran extraer de ella armas con que
contribuir a combatir al enemigo. El antropólogo declara inferior y degenerado al
adversario y el psiquiatra proclama el diagnóstico de su perturbación psíquica o
mental" (1915b, p.2101) Freud no podía creer lo que veía: La fiebre bélica patriótica
atacaba a novelistas, historiado-
1 84 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica
res, teólogos, poetas, compositores, en todos los bandos, pero tal vez con mayor fervor
en Alemania y Austria-Hungría (Gay, 1989, p.394).
Si bien El Malestar en la Cultura es un análisis de la incomodidad del hombre
en la cultura moderna, también refleja el propio estado de ánimo de Freud. A los 73
años, y aquejado desde hacía seis por un doloroso cáncer en el paladar que lo
acompañaría hasta su muerte, observaba el panorama político y social en Austria y en
Alemania, que se debatía entre la demagogia política y la precariedad de la economía.
Una semana antes de que Freud entregara a la imprenta el manuscrito del libro, el
descontento alcanzó dimensiones mundiales: el 29 de octubre de 1929 - el "Martes
Negro" -, la bolsa de Nueva York cayó en picada, inaugurándose la Gran Depresión
que confirmó negativamente la globalización de la modernidad. Lo que vino después
se conoce. La visión de las atrocidades vividas en Europa durante las dos décadas
siguientes llevó al pintor vienés Oskar Kokoschka a escribir: "No quedará ningún
retrato del hombre moderno porque éste ha perdido el rostro y está volviendo a la
selva".
La historia del siglo XX nos enseña que si bien la modernidad, entendida como
horizonte normativo y proyecto, es la búsqueda de la paz social, igualdad y libertad
mediante la emancipación de la subjetividad y mediante la liberación de la creatividad
de los sistemas sociales, la modernización, como el modo histórico mediante el cual se
instaura la modernidad en el plano de los sistemas e instituciones sociales, puede tener
efectos catastróficos. Más aún, la tesis central de El Malestar en la Cultura es que en
el fondo del proyecto moderno hay una meta utópica inmanente, inalcanzable, cual es
el logro de la felicidad, lo que necesariamente lleva a la desilusión.
"Este programa - dice Freud -, no es realizable, pues todo el orden del universo
se le opone" y, agrega, "incluso estaríamos por afirmar que el plan de la "Creación" no
incluye el propósito de que el hombre sea 'feliz'" (1930a, p.3025). Más adelante,
continúa: "En el curso de las últimas generaciones, la Humanidad ha realizado
extraordinarios progresos en las ciencias naturales y en su aplicación técnica,
afianzando en medida, otrora inconcebible, su dominio sobre la naturaleza... El ser
humano se enorgullece con razón de tales conquistas, pero comienza a sospechar que
este recién adquirido dominio del espacio y del tiempo,... no ha elevado la satisfacción
placentera que exige la vida, no le ha hecho, en su sentir, más feliz" (1930a, p.3032).
Pero la crítica de Freud es radical, y apunta certeramente al corazón de la
omnipotencia humana:
"Todos estos bienes - dice -, el hombre puede considerarlos como conquistas de
la cultura. Desde hace mucho tiempo se había forjado un ideal de omnipotencia y
omnisapiencia que encarnó en sus dioses, atribuyéndoles cuanto parecía inaccesible a
sus deseos o le estaba vedado, de modo que bien podemos considerar a estos dioses
como ideales de la cultura. Ahora que se encuentra muy
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 85
Juan Pablo Jiménez
cerca de alcanzar este ideal, casi ha llegado a convertirse él mismo en un dios, aunque
por cierto sólo en la medida en que el común juicio humano estima factible un ideal:
nunca por completo; en unas cosas para nada; en otras, sólo a medias. El hombre ha
llegado a ser, por así decirlo, un dios con prótesis: bastante magnífico cuando se
coloca todos sus artefactos, pero éstos no crecen en su cuerpo y a veces le procuran
muchos sinsabores. Tiempos futuros traerán nuevos y quizás inconcebibles progresos
en este terreno de la cultura, exaltando aún más la deificación del hombre. Pero no
olvidemos, en interés de nuestro estudio, que tampoco el hombre de hoy se siente feliz
en su semejanza con Dios" (1930a, p.3034).
La crítica freudiana develó una contradicción intrínseca y fundamental a los
procesos de modernización civilizadora. Posteriormente, representantes de la Escuela
Crítica de Frankfurt profundizaron en esta contradicción afirmando que "todo éxito en
la desmitologización del mundo se pagó con un nuevo tipo de sumisión a fuerzas
impersonales, por la recreación de nuevos mitos. Este nuevo tipo de alienación fue
llevado a cabo por la razón instrumental, que permeó la ciencia y redujo todo a la
utilidad técnica y al autointerés. Así, la ciencia llega a ser, por encima de todo, un
medio auxiliar de la producción económica y confina su actividad al campo de la
manipulación y la reificación" (Larraín, 1994, p.54). La razón instrumental es la
herramienta que permite controlar y dominar, el instrumento que permite la
calculabilidad, anticipar el costo y el beneficio de cada acción. La razón instrumental
tiende por lo tanto a reducir lo que es bueno para la humanidad a lo que incrementa la
productividad (Larraín, 1996, p.40).
A su vez, Giddens constata que "el proyecto de la Ilustración de substituir la
tradición arbitraria y las pretensiones especulativas de conocimiento por la certeza de
la razón acabó en un completo fracaso. La reflexividad de la modernidad no actúa en
condiciones de certeza progresiva sino de duda metódica" (Giddens, 1995, p.109). Por
su parte, para Ricoeur (1970, p.33), Freud retoma el problema de la duda cartesiana
para llevarlo al corazón mismo de la fortaleza cartesiana. Ya no es la duda sobre la
cosa, como en Descartes, sino la duda sobre la coincidencia entre sentido y conciencia
del sentido lo que hace del método psicoanalítico su rasgo más moderno. Después de
la duda sobre la cosa, con Freud entramos en la duda sobre la conciencia.
La crítica de Freud a la modernidad, sin embargo, no lo convierte en un
pensador antimoderno. Muy por el contrario, su crítica apunta más bien a una
concepción ingenua y omnipotente de la capacidad liberadora de la razón, propia de
los primeros pensadores modernos. Explícitamente, y en variadas oportunidades,
Freud se refirió a que una de las principales metas de la cura psicoanalítica es,
precisamente, aumentar y mantener la "libertad", la "autonomía" y la iniciativa de los
pacientes; a que el psicoanálisis busca "liberar" a los pacientes
1 86 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica
de las "cadenas" intrapsíquicas, buscando así aumentar su autocontrol y dar "al yo de
los enfermos la libertad para decidir en uno u otro sentido" (1923b, 2722, n.l).
Con la aparición en 1920 de la llamada "segunda tópica" o "teoría estructural",
Freud se abocó a mostrar como el yo maduro adquiere un cierto nivel de autonomía
sobre los dictados de los motivos inconscientes que surgen del ello. Las actividades
del yo ya no los considera totalmente determinadas por el ello, pues el primero
dispone de energía propia que le permite, ya sea decidir si va a satisfacer los deseos no
sublimados del ello, postergar esa satisfacción hasta encontrar circunstancias
exteriores más favorables o, simplemente, suprimir por completo sus excitaciones. La
capacidad de sublimación de una persona madura consiste para Freud en el poder de
reorientar los deseos inaceptables del ello hacia metas compatibles con el análisis
racional y valórico del yo. Se trata así de un proceso de autorreflexión o de reflexión
de segundo orden del yo. La autor reflexión personal es entonces el acto de juicio que
permite ir más allá de la mera sensación subjetiva de libertad, pues supone un trabajo
de pensamiento y de evaluación entre diferentes opciones, incluso hasta en contra de
los deseos más acordes con uno mismo, cuya satisfacción refuerza el sentimiento
subjetivo de actuar "con libertad". El proceso de autor reflexión - a través de hacer
consciente lo que permanecía inconsciente -, ofrece así una segunda oportunidad para
decidir, esta vez con mayor libertad, aceptar o condenar lo que previamente había sido
repudiado de la conciencia (Jiménez, 1999).
Con esta nueva vuelta de tuerca, que más bien amplía el ámbito de la libertad
hasta incluir los aspectos profundos, inconscientes, de la subjetividad, Freud ofreció a
la sociedad moderna un modelo de autor reflexión. Quizás sea más propio decir que
Freud explícito una de las características centrales de la sociedad moderna, cual es la
apropiación reflexiva del conocimiento. Larraín lo explica de este modo: "En las
sociedades pre modernas la reflexividad se ejerce en relación con la tradición: toda
acción debe situarse en continuidad con el pasado, con el modo tradicional de hacer
las cosas... En la sociedad moderna [en cambio], la reflexividad se introduce en la base
misma de reproducción del sistema y consiste en el hecho de que las prácticas sociales
son examinadas y reformadas de continuo a la luz de información nueva acerca de
esas mismas prácticas, alterando así constitutivamente su carácter. Pensamiento y
acción están siempre referidos uno al otro. Esta es una de las razones por las que la
sociedad moderna no deja de cambiar: las prácticas sociales se revisan
sistemáticamente a la luz de nuevos conocimientos sobre esas prácticas" (Larraín,
1996, p.2). La modernidad se constituye así a través de conocimiento aplicado de
manera reflexiva, en un proceso de autor reflexión continua.
Desde luego, implícito en esta concepción está la idea de que la propia
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 87
Juan Pablo Jiménez
identidad - como conciencia de sí - está en un proceso de constante modificación
reflexiva. Las maneras como individuos y sociedad se perciben y sienten a sí mismos que es lo que llamamos identidad -, es función entonces de los procesos de
autorreflexión personal y social, respectivamente.
Para el sociólogo Giddens la relación entre autorreflexión, psicoanálisis y
sociedad moderna es explícita: "[El psicoanálisis] - escribe - es un sistema experto
profundamente implicado en el proyecto reflejo del yo; un fenómeno de reflexividad
de la modernidad... La terapia debiera entenderse y valorarse esencialmente como una
metodología de la planificación de la vida... La psicoterapia no es un mero mecanismo
de ajuste. En cuanto expresión de reflexividad generalizada muestra plenamente las
dislocaciones e incertidumbres que surgen de la modernidad. Al mismo tiempo,
participa en esa combinación de oportunidad y riesgo característica del orden de la
modernidad tardía" (Giddens, 1995, pp.228s).
Pero, todo proceso de reflexión sobre sí mismo empieza por un movimiento de
autoobservación. Pasemos ahora a considerar los síntomas de malestar en la sociedad
chilena.
IV. El malestar en la sociedad chilena actual: "Las
paradojas de la modernización"
La crisis asiática, - expresión reciente del acelerado proceso de globalización de
la economía -, que significó en 1999 una disminución de poco más del 1% del PIB
después de más de 15 años de crecimiento sostenido, así como las vicisitudes del
affaire Pinochet, han producido un fuerte impacto en Chile, dejando al descubierto
problemas graves en nuestro desarrollo y haciendo evidente un malestar y una crisis de
identidad nacional que hasta 1998 no eran reconocidos públicamente. En 1997, un
conocido intelectual de izquierda publicó un libro con el sugestivo título de "Chile
Actual: Anatomía de un Mito" (Moulián, 1997), el que, a pesar de sostener tesis que la
mayoría consideró exageradas, tuvo un gran éxito editorial, siendo leído profusamente
por moros y cristianos. Durante algún tiempo, otro grupo de intelectuales mantuvo un
programa televisivo semanal - por cierto de rating más que limitado -, llamado "la
hora de los perplejos", durante el cual compartían con el público sus dificultades para
entender la reciente transformación en la percepción de nosotros mismos.
En 1998, El Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD),
publicó su informe de Desarrollo Humano en Chile, con el subtítulo: "Las paradojas
de la modernización". Este informe se basó en el análisis de información estadística
existente sobre desarrollo económico y social, y en el resultado de encuestas
representativas y entrevistas selectivas que buscaron captar las per-
1 88 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica
cepciones psicosociales en torno al eje seguridad-inseguridad.
La presentación de este informe introdujo una cuestión que cada día parece
atraer más la atención de los chilenos, pues es ya claro que los éxitos de la
modernización emprendida corren en paralelo con una sensación latente de malestar.
El cambio que genera el proceso modernizador está afectando la vida cotidiana de la
gente y parece suscitar un desasosiego que surge de un sentimiento de incertidumbre e
inseguridad. Más aún, las personas están dando signos de desconexión entre su vida
cotidiana y los éxitos del modelo de desarrollo y el funcionamiento de la democracia.
Se observa una creciente brecha entre logros y percepciones de la gente que da cuenta
de la existencia de un fenómeno que invita a una reflexión seria sobre la sociedad
chilena actual. En este sentido, el psicoanálisis como ciencia y disciplina de la
subjetividad puede contribuir a, y servir como modelo de, un tal proceso de
autorreflexión.
Desde un punto de vista general, en la última década ha tenido lugar en Chile
una impresionante modernización de la vida social. En resumen, hasta 1998 se había
mantenido una alta tasa de crecimiento económico del 7% anual en promedio, habían
aumentado los salarios reales y bajado la inflación y el desempleo a niveles nunca
vistos en los últimos 60 años. También había aumentado, de manera impresionante, el
monto, la variedad y los destinatarios de las exportaciones. En suma, hasta 1998 Chile
había, en una década, más que duplicado su nivel de ingresos per cápita. Junto a ello,
la pobreza disminuyó constantemente a la vez que crecieron los índices de Desarrollo
Humano. Así, se incrementó el gasto social al doble en educación, salud y vivienda. Se
impulsó la descentralización territorial y se priorizó a las personas en la formulación
de políticas públicas. Por su parte, los subsidios monetarios cumplieron un importante
papel en la mejoría de la distribución de oportunidades. En efecto, vista según
quintiles de ingreso, la diferencia entre ricos y pobres, era de 14,4 veces antes de las
transferencias hechas por el Fisco; luego de ellas, la distancia se acortó a sólo 8,6
veces. Adicionalmente, el gobierno central ha ido planteando nuevos proyectos - algunos en proceso de convertirse en leyes -, tendientes a mejorar los mecanismos de
Seguridad Humana (seguros de desempleo, normas de negociación colectiva, leyes del
consumidor, etc.).
Sin embargo, los datos macroeconómicos y macrosociales contrastan con los
grados significativos de desconfianza que manifiestan los individuos y las familias
encuestadas, tanto en las relaciones interpersonales como en las relaciones de los
sujetos con los sistemas sociales de seguridad ciudadana, salud, previsión, educación y
trabajo. La percepción de lo realizado es tan negativa que llegó a convertirse en hecho
político durante la campaña presidencial de 1999. El candidato de oposición fue capaz
de transformar el malestar en slogan, "viva el cambio", sustentado en la idea, - que no
por absurda resultó ser menos potenRevista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 89
Juan Pablo Jiménez
te -, de que "en estos 10 años de gobierno de centro izquierda no se ha hecho nada".
El éxito alcanzado por el candidato opositor, que casi lo lleva al triunfo, dice
relación con la percepción que la población tiene de los logros económicos y sociales.
En efecto, el Informe del PNUD (1998, pp.49ss) muestra que más del 40% de los
encuestados piensa que los pobres viven igual que antes, el 78% opina que el
crecimiento económico beneficia sólo a una minoría, siete de cada diez chilenos
afirman que no hay igualdad ante la ley en Chile. Más del 90% de los habitantes de las
grandes ciudades estima que no se puede confiar en la mayoría de las personas. Los
chilenos están convencidos de que la sociedad se ha vuelto más agresiva, insegura y
egoísta. El análisis de distintas encuestas permite afirmar la existencia de una actitud
extremada ambivalente frente a los logros de la modernización: No se está dispuesto a
renunciar a ellos y, no obstante, se resienten fuertemente sus efectos. Con todo, en el
plano donde más claras se expresan las paradojas es en el de la participación política.
El país ha logrado, con grandes dificultades y altibajos, una transición pacífica y
ordenada de la dictadura al régimen democrático. Sin embargo, es notorio y
preocupante el desinterés por la participación en política. La abstención en las
elecciones es ahora mucho mayor que la histórica y existe actualmente un millón de
jóvenes - piénsese que la población total del país es alrededor de 15 millones de
habitantes - que no se han inscrito en los registros electorales, esto es, que deciden
marginarse de los mecanismos de elección de autoridades.
Más allá de los datos empíricos recogidos por encuestas y los análisis cuantitativos de estadísticas, el estudio del PNUD nos entrega, además, un acercamiento
a la subjetividad nacional que puede ser el punto de partida de un trabajo interpretativo
propiamente psicoanalítico. Usando una técnica de conversación se convocaron 18
grupos de discusión de distintos estratos, edades y sexos, representativos
nacionalmente. En esta técnica el moderador estimula el diálogo entre los participantes
mediante la introducción de algunos temas y elementos visuales. La discusión ulterior
se conduce de modo de permitir la expresión de los significados que subyacen a las
conversaciones y detectar puntos de acuerdo y desacuerdo. El análisis de las
transcripciones arrojó una descripción de las tendencias centrales y consensuales de la
experiencia de inseguridad en Chile actual (PNUD, 1998, p.238ss).
En primer lugar, destacó el hecho de que el tema de la inseguridad está instalado
en las conversaciones cotidianas: "No es necesario explicar lo que significa
'inseguridad' o 'incertidumbre' para iniciar una conversación sobre ellas. Todos saben
de que se trata... Al hablar de inseguridad las conversaciones se dirigen
inmediatamente a lo que toca a todos, a la situación actual del país... Todos lo hacen
en primera persona, todos tienen una experiencia personal que
1 90 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica
contar. La referencia a la inseguridad pone, como el desborde de un río, a la propia
subjetividad en el centro del debate... En las conversaciones las personas pronuncian
un juicio de realidad, hacen un diagnóstico de la ausencia de seguridad en las prácticas
cotidianas, buscando síntomas, causas, explicaciones... A través del temor, la angustia,
el miedo, la intranquilidad, se da cuenta en el nivel emocional de un sentimiento de
desprotección. Las conversaciones sobre inseguridad transitan permanentemente entre
esos dos niveles: lo reflexivo y lo expresivo... Pocos describen los rasgos de un mundo
seguro, ese que no se tiene pero se ansia. Es que, como lo dicen los mismos
entrevistados, uno no sabe lo que es la seguridad hasta que la ha perdido. Entonces, lo
que queda es más bien la sensación de un vacío. El discurso tiene, en general, un
carácter negativo y crítico; es la expresión del malestar que resulta de la
desprotección... Para las personas la inseguridad tiene un significado primordialmente
social. No son las amenazas bélicas, epidemiológicas o ecológicas las que aparecen
como su causa... Las personas hablan de 'nuestra sociedad' cuando se refieren a sus
inseguridades y allí buscan sus síntomas y sus raíces. Esto tiene dos significados para
la gente: la sociedad chilena actual produce las inseguridades y al mismo tiempo se la
percibe como denegando la protección necesaria para paliar sus efectos" (PNUD,
1998, p.ll6ss).
La inseguridad subjetiva en las conversaciones cotidianas de los chilenos
transita por distintos temas: El temor a la omnipresencia del delito y del delincuente
lleva a preguntarse si tiene sentido vivir permanentemente alarmado, desconfiado y
paralizado. Así se revela que la delincuencia, aun cuando es un fundamento concreto
del temor, es sobre todo una imagen catalizadora que hace posible una primera
representación y discusión del problema de la integración y del vínculo social. En este
contexto surge la imagen del vecino marcada por el desconocimiento y la
desconfianza. Junto al consenso de que la inseguridad se funda en la falta de un lazo
sólido y confiable con los otros, se revela una desconfianza en las medidas de
protección que despliegan las autoridades. Se piensa que la seguridad se ha convertido
en un negocio rentable y paradójico, que se reproduce a sí mismo; mientras más
alarmas hay, más alarmada está la gente y más alarmas compra. La industria de la
seguridad se revela como productora de inseguridad ciudadana y, a su vez, segmenta y
consolida las fronteras entre iguales y extraños. La inseguridad ciudadana da paso a la
conversación sobre los temores que provienen del mundo del trabajo. Aquí, la imagen
predominante es que en Chile se ha perdido la seguridad laboral. Para la gente se ha
ido instaurando inexorablemente una lógica económica que debilita los vínculos
socioeconómicos que hacen posible el ascenso social a través de la institucionalidad
laboral. La amenaza de marginalización y exclusión reconoce tres fuentes: la creciente
selectividad del mercado laboral, la presión por el rendimiento y la inestabili-
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
191
Juan Pablo Jiménez
dad como norma permanente. Un tercer gran tema se desarrolla en torno a la crisis de
sentido en la sociedad actual y sobre las incertidumbres del futuro. En ella se despliega
la imagen de desorden social, temor y ansiedad por las fallas de control y las
tendencias a la desorganización, tanto a nivel de las instituciones como de las
personas. Como un fenómeno propio de la ciudad de Santiago, pero que
inexorablemente alcanzará otras ciudades del país, se perciben niveles crecientes de
caos cotidiano, atochamiento vehicular, contaminación acústica, ambiental, ansiedad,
irritabilidad y agresividad en los intercambios urbanos diarios. Existe desesperanza y
pesimismo en torno a la posibilidad de que las autoridades puedan controlar el caos
urbano creciente. Junto a esto, la expansión del consumo de drogas asume el carácter
de una amenaza en aumento. Nadie parece estar a salvo. El estilo de vida actual se
caracteriza por un ritmo vertiginoso, por lo superficial, lo vacío y por la persecución
de imposibles, donde el consumo de drogas aparece como un escape y una búsqueda
ilusoria de equilibrios perdidos. En definitiva, la sociedad chilena actual parece estar
dominada por tres temores básicos: el temor al otro, el temor a la exclusión social y el
temor al sin sentido, temores que, a su vez, refieren a las coordenadas básicas del
hecho social: la confianza en los otros, el sentido de pertenencia y las certidumbres
que ordenan la vida cotidiana.
Un informe reciente del Ministerio de Salud, "Las Enfermedades Mentales en
Chile, Magnitud y Consecuencias" (1999), es compatible con los resultados de la
investigación del PNUD. Este estudio revela que "de cada 10 personas con las que nos
relacionamos, probablemente cuatro presenten un trastorno mental a lo largo de la vida
y tres de ellas lo han presentado en los últimos seis meses. Todo indica, además, que
esta prevalencia es creciente" (p.137). Estos hallazgos se encuentran en el rango más
alto de lo encontrado en otros países con metodologías similares. El informe hace
especial mención a la ciudad de Iquique, donde se encontraron las mayores
prevalencias globales de los principales trastornos mentales, con mayor patología
psiquiátrica en adolescentes y adultos jóvenes. Iquique - dice el informe -, "podría
representar la ciudad del futuro de Chile, con un pujante desarrollo económico y un
acelerado aumento del bienestar material, pero con un debilitamiento de las redes de
apoyo social que protegen el equilibrio emocional y un aumento de los factores de
riesgo para la salud mental asociados al abuso de drogas y aumento de la
delincuencia" (p.31).
Una fórmula simple, pero que refleja en una frase la situación de la sociedad
chilena actual, podría ser la siguiente: Chile es un país con un notable desarrollo
económico pero donde la gente no se siente feliz. Si bien el 53,6% de los encuestados
afirmó que el país está económicamente mejor, el 82,8% declaró sentirse menos feliz
que antes (PNUD, 1998, p.53).
192
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica
¿Cómo entender esta situación? ¿Cómo hemos llegado a ella?
A comienzos de los años 70 la sociedad chilena alcanzó un grado de diferenciación social y funcional que desbordó la capacidad del Estado y de la política de
articular el desarrollo de los sujetos a las exigencias de los sistemas sociales. El
desarrollo histórico y las estrategias de modernización de la sociedad condujeron a un
distanciamiento crítico entre subjetividad y modernización que desestabilizó el orden
sociopolítico existente. En la segunda mitad de los años sesenta surgieron en el Cono
Sur latinoamericano movimientos sociales y políticos de ideología revolucionaria que
crearon una intensa efervescencia y polarización social y política. Estas ideologías
utópicas se presentaron como esperanza de solución frente a la imposibilidad del
sistema de satisfacer la "revolución de las expectativas" (Eduardo Frei Montalva),
producto inmanente del desarrollo social. Frente a la creciente actividad política de
carácter revolucionario, las instituciones de las Fuerzas Armadas y grupos políticos
extremos diseñaron estrategias y métodos de "guerra sucia" para combatir la
insurrección creciente. En Chile, el sistema político vigente permitía la interacción de
una amplia gama de opciones políticas y no existía una opresión tiránica que pudiera
justificar la rebelión y la insurgencia militar. De hecho, en Chile las opciones de
cambio tenían a su cargo el gobierno constitucional del país. Sin embargo, la acción
del gobierno de izquierda y sobre todo de los partidos políticos revolucionarios de la
época contribuyó a crear un ambiente de desestabilización y convulsión en el que
sectores significativos de la población se sintieron gravemente amenazados, todo lo
cual fomentó condiciones psicosociales y políticas favorables a la intervención militar.
Con todo, la reacción contrarrevolucionaria chilena no se deja explicar totalmente por
las acciones emprendidas desde el gobierno de la época, desde el momento en que
procesos semejantes ocurrían en la misma época en los países vecinos que no estaban
regidos por gobiernos de izquierda. La toma del poder por los militares se entiende
mejor como una operación que rebasó las fronteras nacionales, dirigida desde la
concepción de que las polarizaciones políticas locales eran un reflejo, a nivel regional,
del conflicto político Este-Oeste. Como lo demuestran los documentos secretos de la
CÍA, desclasificados últimamente, en este contexto de "Guerra Fría" el gobierno de los
Estados Unidos y sus instituciones militares promovieron los movimientos castrenses
sudamericanos y alentaron a sectores políticos ultranacionalistas de derecha; los
movimientos revolucionarios latinoamericanos fueron catalogados como amenazas a la
seguridad nacional de los Estados Unidos. Con este apoyo, los gobiernos militares del
Cono Sur latinoamericano sintieron que se les había encomendado la misión suprema
de salvar la vida de sus respectivas naciones y de intervenir para extirpar la amenaza
comunista y construir un sistema que evitara la reaparición de este
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 93
Juan Pablo Jiménez
peligro. Así, estos gobiernos tuvieron una inspiración fundacional. La política
represiva que orientó el terrorismo de estado imperante en Chile en aquellos años,
debe entenderse como la versión perversa, el lado oscuro, de la refundación política,
social y económica.
Identificando las expresiones subjetivas con el desorden, el régimen militar
actualizó la dicotomía que los historiadores caracterizan como originaria de nuestra
nacionalidad, orden versus caos, donde ahora la amenaza se atribuyó a los sujetos.
Restablecer el orden significó entonces restringir la expresión de la subjetividad,
cancelando la autodeterminación democrática, y entregar la modernización a los
equilibrios automáticos del mercado. La pretensión de reemplazar al Estado por el
mercado caracterizó el neoliberalismo que acompañó al régimen militar. El proyecto,
representado por una generación de economistas formados en Chicago, se ofreció
como una respuesta a las fallas del Estado; puesto que la acción estatal se habría
demostrado incapaz de asegurar la complementariedad entre los sujetos y los sistemas
sociales, propuso realizar una desconexión completa. La despolitización impuesta
apuntó a la escisión de la subjetividad y la razón instrumental como ámbitos
separados, donde la primera fue reprimida con todos los medios físicos y psicosociales
disponibles. La propuesta neoliberal, basada en la absolutización del mercado,
pretendió así limpiar los procesos de modernización de toda consideración ajena a la
racionalidad funcional. Vistos así, las pasiones políticas, las identidades colectivas
ajenas a la identidad oficial impuesta desde arriba y, hasta los mismos derechos
humanos elementales, aparecieron como disfuncionales.
En realidad, la represión brutal de la subjetividad liberó efectivamente la
dinámica del mercado y aceleró así una racionalización instrumental, no solamente de
los distintos sistemas funcionales, sino incluso de las relaciones intersubjetivas. El
resultado fue una complementariedad trunca entre ambos ámbitos. En la medida en
que la desregulación eliminó las ataduras políticas y, por otra parte, el mercado no
contó con "frenos" intrínsecos, se desató una modernización acelerada que se desplegó
sin consideración de los sujetos, inaugurándose un período de "capitalismo salvaje".
Por paradójico que parezca, la modernización impuesta por la fuerza se presentó
como una promesa de libertad y bienestar la que, no obstante, fue resentida por los
chilenos en su diario vivir. Las mejoras no lograron acallar la subjetividad. Las
contradicciones se hicieron cada vez más agudas. Resultaba paradójico que una
liberalización radical de todos los intercambios, que abría el país al mundo, fuera
acompañada de una defensa acérrima de los valores tradicionales. Se hizo cada vez
más insostenible el que un modelo que hace de la libertad individual su máxima
moral, obstaculice, precisamente, esa libertad y el
1 94 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica
despliegue de la subjetividad en la realidad cotidiana. Por su parte, la brutalidad de la
represión tuvo por efecto que la sociedad se organizara, con creciente eficacia, para
resistir, social, política y militarmente, al gobierno. A su vez, el cuerpo social,
encabezado por organizaciones religiosas, reaccionó creando redes de reflexión y de
ayuda que dieron un fuerte sentido de amparo y solidaridad a los sectores más
marginados y reprimidos de la población. Se llegó así a una situación en que se
recrearon condiciones sociopolíticas de guerra civil, cuya evitación había sido
precisamente el pretexto de la intervención militar de 1973. El régimen militar llegó a
un callejón sin salida y - después de perder el plebiscito que se había autoimpuesto -,
su fracaso político lo obligó a negociar una salida con la creciente oposición civil.
La salida de la dictadura fue precedida por una difícil negociación entre las
fuerzas armadas y los sectores políticos que las apoyaron, por un lado, y el amplio
sector civil que durante estos años ha demostrado representar a la mayoría de la
población, por el otro. Junto al proceso de modernización "exitoso" que hemos
descrito, el período llamado de transición a la democracia, que ya dura 10 años, ha
sido atravesado por fuertes tensiones psicosociales y políticas, que se pueden
caracterizar dentro de los ejes semánticos de orden versus caos, seguridad versus
inseguridad. El informe del PNUD (1998, p.73) lo caracteriza así: "Por una parte, [este
último período] se alimenta de la memoria soterrada de otros miedos, muchos miedos
anteriores acumulados en la memoria de los chilenos. Luego, el miedo a la política, esa
amenaza de cataclismo que destruye en un instante los sacrificios de años. Todo esto, y
mucho más, difícil de indagar, converge en la memoria oculta del 'reventón de
septiembre' [de 1973]. La memoria de un pasado presente se entreteje con la nostalgia
de un pasado lejano. Las inseguridades de ahora animan el recuerdo de un 'antes'
[idealizado]: imágenes de Chile como un país hospitalario, donde la ley se respetaba y
todos se saludaban, gente pobre pero honesta, orgullosa de su himno patrio, de su
democracia, de sus vinos, del Estado Docente. Un país que, nos guste o no, se fue. Han
cambiado el contexto mundial y, por sobre todo, la propia sociedad chilena. No solamente el pasado, también el futuro echa sombras. Hay el deseo de volver a reír y
cantar, pero también miedo a perder lo adquirido, al retorno de los conflictos y la
violencia, en fin, al castigo... Los miedos recomiendan cautela, la necesidad de no
agitar las oscuras aguas de la subjetividad. Ésta, sin embargo, no se deja disciplinar
por la 'lógica del sistema'. La lógica es irresistible, reconocía Kafka, pero nada puede
contra las ganas de vivir" (PNUD, 1998, p.73). A este anhelo respondió el slogan, "la
alegría ya viene", de la campaña de Patricio Aylwin, el primer presidente
democráticamente elegido después de Pinochet.
Las paradojas del proceso de modernización en curso, que he descrito, se
condensan en la siguiente pregunta, cuya respuesta está pendiente: ¿Por qué los
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 95
Juan Pablo Jiménez
chilenos y las chilenas se sienten inseguros e infelices cuando aumentan las oportunidades y el bienestar material? Inevitablemente, resuena en nuestros oídos la
afirmación de Freud en El Malestar en la Cultura: "Parece indudable, pues, que no
nos sentimos cómodos en nuestra cultura actual" (1930a, p.3032). Si el malestar es un
síntoma de modernidad, podemos decir entonces que nuestro país ha entrado de lleno
en ella.
V. Culpa, vergüenza e identidad en la sociedad chilena
Frente a la pregunta planteada han surgido variados intentos de respuesta. La
verdad es que en Latinoamérica se ha dado una discusión secular en torno a la relación
entre modernidad e identidad cultural, que parte del consenso básico en torno al
carácter problemático de tal relación. Carlos Fuentes, por ejemplo, se lo plantea así:
¿podemos crear modelos de desarrollo más consonantes con nuestra experiencia, con
nuestro ser...?" (citado por Larraín, 1996, p.226). Sin embargo, no es el caso de
resumir aquí ni el contenido ni los alcances de tal polémica (véase Larraín, 1996). Para
efectos de nuestra ponencia, interesa más bien destacar un par de respuestas que flotan
en el ambiente cultural reciente de nuestro país. La primera pone el énfasis en el ritmo
del cambio y la asincronía, y plantea que el malestar que se percibe en la sociedad se
debe a un retraso en la elaboración y asimilación de los procesos de modernización
dentro del ámbito de la experiencia cotidiana de los sujetos. En la medida en que los
individuos aprendan a manejarse en su relación con las innovaciones que impactan la
cotidianidad desaparecerá la inseguridad. El malestar sería entonces sólo un efecto de
la transición, un problema de tiempo. De esta respuesta conservamos la constatación
de que, por cierto, frente a procesos tan innovadores e insólitos (por ejemplo, la
revolución de la informática y de las comunicaciones), las experiencias pasadas tienen
poco o nada que decir. La segunda respuesta privilegia el proceso de subjetivación y
asume el punto de vista de una subjetividad agredida por las estrategias de
modernización. El cambio se ha producido sin tomar para nada en cuenta a las
personas. Esta respuesta es coherente con la impresión de la gente, consignada por los
estudios de opinión, de no ser considerada por los agentes de cambio. Quienes
sustentan este tipo de explicación suelen idealizar un pasado en el que habría reinado
la consideración por las personas. De más está decir que estas maneras de explicar el
malestar social atraviesan la división tradicional entre izquierdas y derechas. Existen
derechistas e izquierdistas nostálgicos. Por su parte, también dentro de la izquierda se
hacen cada vez más notar aquellos que creen que la modernización traerá
automáticamente la tranquilidad y la paz social.
1 96 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica
El informe del PNUD se juega por la tesis de la falta de complementariedad
entre modernización y subjetivación planteando que ésta es "la principal razón de la
inseguridad objetiva y subjetiva en Chile" (p.220). En primer lugar, es cierto que la
modernización, por su dinámica propia, atenta en contra de los valores tradicionales
que sustentan la identidad y, con ello, erosiona los sentidos sociales vinculantes
capaces de despertar el reconocimiento y la adhesión de los sujetos al sistema. La
modernización, por sí sola, no es capaz de generar sentido. La simple pregunta por el
por qué de tanto afán, por el hacia dónde nos conduce el desarrollo, no puede ser
contestada por la economía ni por la administración de los sistemas sociales, pues
pertenece al ámbito de la reflexión subjetiva, al ámbito de la ética social. Por lo demás,
un proceso modernizador que desprecia la percepción subjetiva de los sujetos que
involucra, corre el riesgo de perder su fiabilidad durante las crisis y favorecer la
aparición de populismos de distinto cariz.
Pero, hay aún más. La transformación de los sistemas sociales de acuerdo con
las leyes de la racionalización mercantil parece hacerse a costa de la autonomía de los
sujetos. Por la acción de los medios de comunicación, por el impacto del mercadeo y
la propaganda, los sujetos son tratados de hecho sólo como consumidores potenciales
y así se les va expropiando y secuestrando progresivamente ámbitos de experiencia
subjetiva. Las experiencias que no alcanzan a ser recicladas por los sistemas sociales y
el mercado, que no alcanzan un "rating" aceptable, que no "venden", quedan al margen
de la vida útil. De este modo, las emociones y sentimientos de inseguridad e
incertidumbre que no encuentran código de expresión quedan relegados al fuero
íntimo de los individuos. Los psicoanalistas sabemos lo que pasa en tales
circunstancias: toda emoción silenciada está destinada a sufrir el proceso que desde
Freud se llama "la vuelta de lo reprimido" haciéndose nuevamente presente bajo la
forma - sintomática - de desasosiego, malestar y rechazo. El silencio así impuesto se
expresa en la vida diaria e impregna las relaciones interpersonales en ámbitos cada vez
más amplios y se disemina una sensación de incertidumbre, inseguridad y sin sentido.
Es aquí donde se abre la posibilidad de profundizar en el malestar en la sociedad
chilena desde un punto de vista propiamente psicoanalítico, más allá de la visión
sociológica. En lo que sigue desarrollaré la tesis de que en nuestro país el malestar,
además de las razones antes descritas, se debe a intensos sentimientos de culpa y de
vergüenza que pertenecen al ámbito de "lo no dicho" o "lo no decible" y cuya
publicitación y elaboración por el conjunto de la sociedad son un requisito para lograr
un diálogo social y político que permita la creación de instituciones y estructuras
sociales y económicas capaces de adecuar los procesos de modernización a las
necesidades psicológicas de los sujetos en ellos involucrados. Tal proceso ciertamente
contribuirá a la construcción de una identidad
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 97
Juan Pablo Jiménez
nacional más abarcativa y plural y, por lo tanto, más firme y estable.
Con El Malestar en la Cultura, Freud inauguró un tipo de análisis social que
podríamos llamar de la "subjetividad profunda". Los procesos de civilización que
alejan al ser humano de las formas de vida primitiva implican un orden progresivo con
niveles de creciente complejidad en la vida social. El precio que necesariamente se
paga con tal complejización es la represión de la sexualidad y, sobre todo, de la
destructividad inherente al ser humano. La naturaleza humana encierra una
ambivalencia radical entre impulsos amorosos, que llevan la convivencia a grados
crecientes de sociabilidad, e impulsos destructivos, que hacen del hombre un lobo para
el hombre, homo homini lupus. Así, los "logros culturales superiores" que sustentan la
vida civilizada implican una represión progresiva. Ala mayor seguridad que conlleva la
vida civilizada se contrapone una sexualidad que debe canalizarse en la monogamia y
una agresividad que deberá regirse por las costumbres morales y las normas del
derecho. La agresividad reprimida por la cultura, unida a los impulsos eróticos, es
remitida al yo en forma de conciencia moral severa. Es este superyó exigente e
intolerante el que provoca el sentimiento de culpa que en la conciencia y en la cultura
se expresa como malestar. El superyó es el representante interno e inconsciente de la
cultura y forma una unidad con ella: "La cultura - dice Freud -, domina el peligroso
apetito de agresión del individuo, debilitándolo, desarmándolo y haciéndolo vigilar por
mediación de una instancia en él instaurada, a manera de una guarnición colocada
dentro de una ciudad ya conquistada" (1930a, p.3053). Los progresos culturales están
así indisolublemente ligados "con una exaltación del sentimiento de culpabilidad, que plantea Freud - quizás llegue a alcanzar un grado difícilmente soportable para el
individuo" (1930a, p.3059). Se concluye entonces que la culpa es el problema más
importante del progreso civilizador y que el precio que pagamos por él es la pérdida de
la felicidad, por la intensificación del sentimiento de culpa inconsciente.
En su crítica a El Malestar en la Cultura, Giddens (1997) hace notar que esta
interpretación parece bastante apropiada para entender el primer período de la
modernidad, aquel en el que, según Max Weber, se asocian el puritanismo y el
surgimiento del capitalismo. Es la conciencia puritana de renuncia a las gratificaciones
que puede proporcionar la riqueza acumulada, la que habría hecho posible el
desarrollo emergente del capitalismo. La evolución posterior de la sociedad moderna,
sin embargo, ha contradicho el pronóstico de El Malestar en la Cultura, pues ha ido
predominando más bien una relajación moral, tanto en las expresiones sexuales como
agresivas del comportamiento humano. En este punto, Giddens plantea que si bien los
mecanismos de culpa siguen siendo importantes en la modernidad reciente, "a medida
en que la modernización fue rompiendo las trabas de la tradición y comenzó a
evidenciarse el proyecto reflejo del
1 98 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica
yo, el centro del escenario pasó a estar ocupado más por la dinámica de la vergüenza
que por la de la culpa" (Giddens, 1997, p.198).
Si la culpa es angustia provocada por la transgresión, cuando los pensamientos o
acciones propios no están a la altura de la expectativas de carácter normativo, la
vergüenza es la angustia referida a la adecuación de la crónica interior, de la propia
narrativa por la que el individuo mantiene una biografía coherente. Así, la culpa ataca
la identidad más externamente que la vergüenza. La dinámica de la culpa ha sido
mucho más estudiada en psicoanálisis que la de la vergüenza. Es sólo a partir de los
años cincuenta, cuando se hacen prevalentes patologías que se entienden como
perturbaciones narcisistas y del sentido de identidad, que los psicoanalistas han puesto
la atención en el estudio de la vergüenza. Erikson observa que "hoy en día el paciente
sufre sobre todo por el problema de no saber en qué debería creer y quien debería - o,
en realidad, querría -, ser o llegar a ser; en cambio, el paciente del psicoanálisis
temprano sufría sobre todo por las inhibiciones que le impedían ser lo que, o quien,
creía saber que era" (cit. por Giddens, 1997, p.92). La vergüenza es una emoción
básica de carácter más público que la culpa, me avergüenzo por algo ante alguien; se
la ha entendido como un importante regulador de las relaciones en los grupos
pequeños. Por supuesto que también podemos sentirnos avergonzados estando
completamente solos, y la vergüenza puede llegar a ser un sentimiento profundo y
persistente capaz de motivar comportamientos fóbicos y de expresarse en nuestro rostro como rubor. La vergüenza depende de sentimientos de insuficiencia personal muy
tempranos que participan en los procesos de integración del yo y del sí mismo.
Pero, para el objeto de nuestro estudio interesa destacar especialmente la
relación entre vergüenza y culpa. Desde luego, existe una vergüenza que se refiere a
los sentimientos que experimenta una persona cuando es humillada en presencia de
otros. Pero también está la vergüenza como correlato de la culpa no reconocida: se
trata de una vergüenza que nace de las angustias inconscientes relativas a las
ineptitudes del yo: consiste en un miedo reprimido a que la crónica de la propia
identidad no pueda resistir las presiones abrumadoras que pesan sobre su coherencia o
aceptabilidad social. Esta vergüenza corroe los fundamentos de la confianza básica de
manera más corrosiva que la mera culpa, pues está en directa relación con el miedo
infantil a ser abandonado. El correlato positivo de la vergüenza es el sentimiento de
orgullo y de autoestima, que por cierto ensancha la sensación de confianza en el
mundo y los demás. La defensa patológica en contra de la vergüenza es la arrogancia,
la soberbia y el narcisismo. Pienso que en la sociedad chilena flotan en la atmósfera
nacional abrumadores sentimientos de vergüenza y culpa no suficientemente
reconocidos como tales.
Me centraré en dos áreas de conflicto social, en cuya raíz pienso se encuen-
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 1 99
Juan Pablo Jiménez
tran sentimientos intensos de vergüenza y culpa, y cuya desmentida está afectando el
sentimiento de identidad nacional y contribuyendo al malestar en la cultura descrito
más arriba. Estas son la cuestión de la justicia y la verdad en relación con los crímenes
de la dictadura militar y el problema indígena, que últimamente ha llegado a constituir
un motivo de preocupación nacional.
Si bien es cierto que un sector significativo de la opinión pública de nuestro país
sigue opinando que habían suficientes motivos para justificar el golpe militar, de
ningún modo la conciencia psicosocial dominante permite legitimar crímenes como el
asesinato político, las "desapariciones", las detenciones arbitrarias masivas o la tortura.
Hasta hace poco, y en vista de la "transición pactada", el solo hecho de mencionar
estas atrocidades constituía una trasgresión. El tabú y la negación masiva se ha visto
reforzada por la reticencia de las instituciones militares de aceptar oficialmente la
existencia de una política sistemática de violación de los derechos humanos,
financiada por el presupuesto de la nación. En un tipo de negación cada vez más
insostenible por la magnitud de las evidencias que afirman lo contrario, los mandos
militares insisten en hablar de excesos cometidos por personas particulares que habrían
actuado al margen de las órdenes jerárquicas.
A raíz de las querellas interpuestas en los tribunales chilenos en contra de
Pinochet por las víctimas de la represión, algunos antiguos jefes del ejército han
denunciado la existencia de un pacto entre militares y políticos para no juzgar en
democracia al dictador y sus altos mandos. Este pacto - se dice -, es el que finalmente
habría hecho posible el abandono del poder por Pinochet y la vuelta a la democracia.
Si bien éste ha sido sistemáticamente desmentido - y su existencia sea muy improbable
-, creo que tal pacto sí existió en la mente de muchos de nosotros. Pocas semanas antes
de emprender la vuelta a Chile, después de varios años de residir en Alemania, tuve el
siguiente sueño: "Estaba en medio de una gran fiesta familiar, probablemente de
bienvenida; a lo lejos veo a Pinochet sentado en una mesa y rodeado por miembros de
mi familia. El me sonríe afectuoso y me pide que me acerque. Yo, reticente y
desconfiado, voy hacia él y, con gran emoción le declaro que vuelvo a Chile pero que,
esta vez, estoy dispuesto a negociar hasta donde sea necesario para evitar la ruptura
que nos trajo tanto sufrimiento". Este sueño, creo podría haber sido soñado por
muchos de los miembros de mi generación, en especial por aquellos que participaron
activamente en los movimientos de izquierda de finales de los sesenta y principios de
los setenta y que después han tenido una actuación protagónica durante los gobiernos
democráticos. Desde luego, este sueño muestra que el dictador ineludiblemente forma
parte de nuestro mundo interno, parte de nosotros mismos. En muchos de mis
pacientes pude observar que, en las representaciones inconscientes, Pinochet pasaba a
ocupar el lugar de un padre tiránico (véase Jiménez 1989). Traba-
200 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica
jando como psicoanalista en Alemania, me llamaba la atención la dificultad de muchos
colegas para interpretar la destructividad en la transferencia. Después de algún tiempo
entendí que, al hacerlo, es fácil descubrir que en fondo del imaginario colectivo
alemán sigue estando la figura de Hitler y del Holocausto: se hace difícil identificarse
con ese pasado y aceptar tal proyección. En una ocasión, me encontré diciendo a un
paciente que "para un alemán, seguro que no era fácil hablar de sus fantasías racistas,
pues rápidamente se convertían en fantasías de exterminio" (Jiménez, 1992, p.306).
Recuerdo a un lúcido político que, poco después de la salida de Pinochet del
gobierno, planteó que la sociedad chilena debía enfrentarse, desde ese momento en
adelante, con la tarea de interiorizar la agresión - que hasta ahora había sido actuada
brutalmente de acuerdo con la lógica de amigos y enemigos -, como requisito para el
funcionamiento democrático.
A lo largo de los 10 años de transición a la democracia ha quedado claro que
enfrentar el legado de represión del pasado no es tarea fácil y que en ello no se trata
sólo de exigencias éticas, sino también de viabilidad política. Las autoridades
democráticas, y la sociedad que las eligió, se han visto frente a un dilema entre el
mandato ético - de establecer la verdad y hacer justicia -, por una parte, y la exigencia
política - de asegurar niveles aceptables de gobernabilidad -, por la otra. Creo que tal
ajuste con el pasado ha sido, además, dificultado por un tipo de identificación
inconsciente, no suficientemente elaborada, con Pinochet y los militares. Si bien la
sociedad chilena en su conjunto - y no sólo los victimarios, las víctimas y sus
familiares -, se sabe ahora, y de manera creciente, involucrada en el complejo proceso
psicosocial y político de elaboración y tramitación del trauma histórico, es difícil
hacerse cargo de los crímenes cometidos. Es probable que en muchos exista el temor
de que reconocer públicamente que las Fuerzas Armadas organizaron una maquinaria
criminal financiada por todos los chilenos conduzca a la destrucción de esas
instituciones, que parecen formar parte esencial de la identidad nacional. Por cierto, tal
reconocimiento público sumiría a muchos militares en profundas vergüenzas, pues
contradiría todo lo que de niños aprendemos en las escuelas sobre las gestas gloriosas
de la Patria, y pondría en evidencia la falsedad de la crónica institucional que afianza
la adhesión a los mandos. Por otra parte, sólo así se entiende la irritante arrogancia que
las instituciones armadas suelen mostrar frente a la sociedad civil.
Para cualquier observador de la historia nacional reciente es evidente que, tanto
a nivel individual como social, nos movemos en el interior de nuestro país entre el
reconocimiento de la verdad y la asunción de sus consecuencias, por un lado, y los
mecanismos de defensa en contra de tal reconocimiento, por el otro. Estos
mecanismos son la amnesia - que dice que aquello no sucedió o que lo que sucedió no
es importante -, la convulsión alucinatoria - que sigue considerando
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
201
Juan Pablo Jiménez
lo sucedido como presente traumático, impidiendo así que el pasado se constituya
como tal -, y el acostumbramiento - que conduce a la trivialización y a la anestesia.
Durante estos años, la fuerza de estas distintas soluciones sintomáticas pareciera variar
en intensidad: hay períodos en que prima la amnesia, otros en que el terror a la
repetición actúa como amenaza paralizante y aún otros en que la conciencia
psicosocial, alimentada por el consumismo y la euforia de políticas económicas
exitosas, se adormece en la ilusión de que el tiempo irá borrando las huellas atroces y
mitigando el dolor de las víctimas. Es claro que esto último no sucede, en especial en
el caso de las "desapariciones", que han dejado una huella de angustia que no se acaba,
de insepultos que deambulan como muertos vivos por las calles de nuestras ciudades
interiores. De hecho, a pesar de una ley de amnistía que ha pretendido dar vuelta la
página de la historia, la agenda política y judicial sigue teniendo como uno de sus
principales tareas inconclusas el asunto de los derechos humanos, especialmente la
aclaración de lo realmente sucedido con los miles de detenidos-desaparecidos durante
los años setenta.
Que los psicoanalistas y sus organizaciones también estamos envueltos en esta
lucha entre el reconocimiento y la negación lo demostró la aguda reacción de la
comunidad psicoanalítica internacional a la crónica de nuestra historia reciente escrita
por uno de nuestros colegas (Arrué, 1998) algún tiempo antes del 41ºr Congreso
Internacional de Psicoanálisis realizado en 1999 en Santiago. La airada reacción de
algunos psicoanalistas, en especial de colegas latinoamericanos que han emigrado, nos
produjo rabia y humillación. Como muestra una frase: "Es una vergüenza que el
congreso psicoanalítico que tendrá lugar en Chile comience con una narración oficial y
falsa de los últimos 30 años de ese país" (Gampel, 1998, p.4; énfasis mío).
Bruscamente nos vimos identificados con la dictadura, convertidos, si no en
cómplices, al menos en encubridores de asesinatos, torturas, desapariciones forzadas,
etc. Naturalmente, en aquel momento pensamos que desde lejos se pierden los matices,
se hace más difícil la discriminación, y es más fácil proyectar aspectos propios
indeseables. Con todo, creo que la vergüenza que sentimos se produjo al sentirnos
desnudos frente a nuestros pares del mundo, al descubierto con nuestras
identificaciones contradictorias y nuestras culpas históricas. Sin querer dramatizar, se
sabe que a los sobrevivientes de catástrofes sociales no les es fácil tramitar lo
sucedido: el miedo a la repetición, pero sobre todo la culpa y la vergüenza, hacen que
los procesos de elaboración se prolonguen por años, a veces por generaciones. En
nuestra respuesta a las protestas (Infante, Jiménez & Jordán 1998), planteamos que "lo
que hemos ganado durante los últimos años de democracia es demasiado precioso
como para desperdiciarlo y obviamente deseamos protegerlo. A veces esto puede ser
interpretado como concesiones excesivas a quienes nos oprimieron en el pasa-
202 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica
do" (p.17). De este incidente rescato, eso sí, el que nos haya obligado a un trabajo de
reflexión institucional sobre nuestro lugar en la historia reciente del país. Así fue como
la asamblea de miembros de la Asociación Psicoanalítica Chilena se reunió a hablar
sobre temas que hasta ese momento eran tabú, por ejemplo, sobre las condiciones en
las que había desaparecido un colega egresado de nuestro instituto en los comienzos
de la dictadura. A raíz de la detención de Pinochet en Londres, el proceso que vivimos
en nuestra institución se reprodujo en el país en su conjunto.
La detención del "senador" Pinochet desató intensas emociones de vergüenza en
los chilenos, aunque por razones diferentes. En los partidarios de Pinochet y,
probablemente en él mismo, la detención constituyó una enorme humillación, sólo
comparable con la magnitud de la negación que lo llevó imprudentemente a viajar a
Europa. En varias ocasiones Pinochet declaró que Inglaterra era el país más civilizado
del mundo y que ahí le gustaría vivir. Después de su detención, ¡sus partidarios se
convirtieron de la noche a la mañana en los anticolonialistas más vociferantes! Eran
evidentes la rabia, la humillación y la vergüenza. Al resto del país, en cambio, nos
cogió una sorpresa que rápidamente se convirtió en alivio y alegría, sentimientos que
se transformaron en incomodidad y vergüenza cuando vimos que el Gobierno hacía
causa común con la defensa del dictador. ¡Los mismos que éste había perseguido
pasaban ahora a ser sus aliados objetivos! Nos vimos atrapados en la "transición
pactada": por efectos de los arreglos constitucionales, Pinochet, convertido en senador,
debía ser defendido por todo el país. De pronto nos vimos desnudos frente al mundo,
no pudiendo ocultar nuestro "pacto" con el dictador. La explicación de que se trataba
de defender nuestra soberanía, que no se estaba defendiendo a una persona sino a
principios, no alcanzó a tranquilizarnos. Sin embargo, a la luz de lo que ha pasado
posteriormente al arribo del dictador a Chile, la estrategia de traerlo de vuelta se ha
revelado como favorable a la elaboración del trauma histórico. Cada día son menos
quienes se oponen a que Pinochet y sus altos mandos sean sometidos a proceso por los
tribunales ordinarios de este país. Con ello se espera ejercer la presión suficiente para
que hablen quienes ocultan la verdad sobre lo acontecido con los desaparecidos
durante los 17 años de dictadura.
Con todo, y sin querer minimizar la importancia de los efectos actuales de la
situación de violación sistemática de los derechos humanos durante la dictadura, en
nuestro país existe otro foco de culpa y vergüenza - tan antiguo como nuestra
nacionalidad - que, de no ser enfrentado oportuna y adecuadamente, amenaza con
producir conflictos y rupturas importantes en nuestra convivencia. Me refiero a la
cuestión indígena.
En mayo de 1999, el Presidente de la República designó la Comisión Asesora en
Temas de Desarrollo Indígena, integrada por destacadas personalidades,
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
203
Juan Pablo Jiménez
para que trabajara en el "diseño de propuestas tendientes a elevar la calidad de vida de
las personas pertenecientes a las etnias nacionales". El informe evacuado por esa
comisión muestra la magnitud del etnocidio llevado a cabo, primero por los
colonizadores europeos y después por los mismos chilenos en contra de los habitantes
originarios de nuestra tierra. El caso extremo es el "de los pueblos australes o
fueguinos, [que] representa en forma dramática el fenómeno del etnocidio. En los
territorios de la Patagonia los indígenas 'fueron barridos' por la colonización de esa
región, en las últimas décadas del siglo pasado y en las primeras del presente".
El censo de 1992 - que arrojó una población total para Chile de 13 millones de
habitantes -, encontró un millón de indígenas puros pertenecientes a las tres etnias
principales (mapuches, aymarás y rapanui), de las cuales el 80% habita en las
ciudades. La mayoría corresponde a la etnia mapuche. Los más altos porcentajes de
población indígena urbana - y también rural -, coinciden con las comunas de mayor
pobreza y marginalidad. De este modo, en Chile la cuestión indígena se confunde con
la cuestión social. A los problemas propios de la migración a las ciudades, como falta
de viviendas y desadaptación, la población indígena debe sobreponerse a la
discriminación y a la falta de especialización en materia laboral. El informe muestra
que la peor inserción en el mercado laboral chileno está actualmente dada por "la
situación de pobreza, la condición de indígena y la condición de género [femenino]".
En su diálogo con las organizaciones indígenas, el grupo asesor recogió la
demanda "que aparece en cada una de las reuniones y en cada documento presentado a
la Comisión", de una "reforma constitucional de reconocimiento de pueblos
indígenas..." Se trata pues del reconocimiento de la dignidad y orgullo de pueblos
originarios y de culturas particulares que, se tiene la convicción, han sido
sistemáticamente ignorados por la cultura oficial que dicta los contenidos públicos de
la identidad nacional.
Esta situación histórica contrasta con la percepción que la sociedad chilena y los
mismos indígenas tienen sobre el problema. Durante 1999 se realizó el primer Estudio
Sobre los Mapuches (CERC, 1999) cuyo objetivo fue "analizar las causas y las
características del problema mapuche y las opiniones de los chilenos hacia éste" (p.6).
En la introducción del informe sobre los resultados de la encuesta nacional
representativa, se destaca que "es indispensable conocer los fundamentos más
profundos del malestar de las comunidades mapuches" (p.6; énfasis mío).
Los resultados de este estudio seguramente sorprenderán a quienes aún piensan
que "los chilenos somos los ingleses de Sudamérica", o que "Chile es el más europeo
de los países latinoamericanos". Según la encuesta, el 52% de la población del país
opina que todos o casi todos los chilenos tienen sangre mapu-
204 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica
che, siendo este porcentaje bastante superior entre los mapuches (70%). La influencia
de la sangre mapuche se confirma en la percepción mayoritaria en la población del
país de que el pueblo chileno, según su historia y su cultura, es mayoritariamente de
mestizos. Apenas el 18% piensa que Chile es un pueblo mayoritariamente de blancos.
Dos tercios de los chilenos opinan que la cultura mapuche es la base de la nación
chilena y se piensa (69%) que ellos son iguales a todos los chilenos. El 30% de la
población declaró pertenecer a la cultura mapuche, porcentaje que se eleva al 91% si
los encuestados son mapuches, lo que da cuenta de una sólida identidad cultural.
La coincidencia entre la cuestión indígena y la cuestión social se ve corroborada
por los resultados del estudio. La población mapuche tiene condiciones
socioeconómicas más difíciles que el resto del país y, cuando se sienten discriminados,
lo serían más por pobres que por indígenas. Igualmente, la población mapuche acusa
una débil integración a los sistemas sociales, equivalente a la que afecta a los sectores
más pobres. Con todo, prácticamente la unanimidad de los chilenos opina que los
mapuches han sido históricamente discriminados (87%, que sube al 92% en la
población de Santiago), similar a la percepción que tienen los mapuches de ellos
mismos. Este resultado permite explicar el alto grado de simpatía de la población
chilena hacia el pueblo mapuche. El estudio concluye que el país se siente en deuda
(culpa) con los mapuches: "hay en la percepción ciudadana la imagen que se ha
cometido una injusticia con ellos, que es necesario reparar con acciones precisas"
(p.52).
Si en las clases dirigentes ha habido un ocultamiento histórico sistemático de
nuestra sangre indígena, el estudio genealógico realizado por Retamal y cois. (1992)
echa por tierra cualquier pretensión europeizante. Estos autores han demostrado que
las familias fundadoras de Chile, iniciadoras de la aristocracia nacional, descienden en
grados variables de habitantes indígenas. Durante los primeros años de la conquista de
Chile por España (segunda mitad del siglo XVI), desde la península llegaron
principalmente hombres, quienes tomaron mujeres de entre la población nativa. En
general, estas familias se fueron "blanqueando" a lo largo de los siglos - incorporando
nuevas oleadas de inmigrantes europeos -, pero su mestizaje original es innegable.
Casi no hay personaje destacado de nuestra historia que no descienda de esas primeras
familias.
Una mujer cercana a los 50 años, me consultó por sentirse acosada por su
situación de vida. Acariciaba la idea de abandonar a su esposo y a sus siete hijos para
irse a vivir a otro país, donde no conociera a nadie y nadie la conociera a ella. Todo
esto la tenía sumida en un estado depresivo, con fuertes sentimientos de culpa. Se
sentía crecientemente abrumada por la presión de tener que cumplir con las
formalidades del ambiente social en que se desenvolvía. De aspecto caucásico, hasta
nórdico, era muy consciente de su pertenencia a la aristocracia, y se
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 205
Juan Pablo Jiménez
sentía orgullosa por la sangre británica que corría por sus venas. Muy rápidamente
noté que debía ser muy cauteloso en mi trabajo interpretativo, pues la confrontación
con contenidos inconscientes, especialmente sexuales, rápidamente suscitaba en ella
intensos sentimientos de vergüenza. A los pocos meses de análisis trajo el siguiente
sueño: "Estoy desnuda a orillas de un lago, rodeado de bosque nativo, en algún lugar
del sur de Chile [territorio mapuche originario]. En mi pecho, entre ambos senos, crece
una protuberancia, como un absceso, que me produce mucho dolor. El absceso se
revienta y sale abundante pus y sangre pero, al final, y para mi sorpresa, empiezan a
emerger hermosas joyas de plata, son joyas mapuches". El análisis de ese sueño nos
tomó varias semanas. Fueron esos unos meses en que el conflicto entre comunidades
mapuches y empresas forestales tuvo una amplia cobertura en los medios. Por razones
profesionales, la paciente tenía conocimiento y contacto con nuestras raíces indígenas.
Finalmente, el análisis del sueño dejó en claro que ella se sentía interiormente aprisionada por toda una vida de sujeción a normas familiares que no habían permitido la
expresión de los aspectos más genuinos y propios de ella misma. Éstos estaban
presionando por expresarse y eran responsables del enorme malestar que la aquejaba
en los últimos años. Eran aspectos marginados y ocultados sistemáticamente, sobre
ellos no se podía hablar, pertenecían al ámbito de lo "no decible". En sus asociaciones,
los identificó con el pueblo y la cultura mapuche que en ella, al igual que en Chile,
habían sido aplastados por las tendencias europeizantes. Su amplia cultura europea le
había permitido ocultar su personalidad pulsional profunda detrás de fantasías
sublimes y autoidealizaciones que también aparecían en sueños y asociaciones.
Los autores del estudio citado sobre las familias fundadoras de Chile concluyen
haciendo la reflexión de que cabe tener presente "el alto grado de consanguinidad en
la población chilena en los momentos de grandes crisis y polarizaciones de la nación.
El saber que entre los miembros de todos los grupos en tensión o enfrentamiento hay
relaciones de familia - por tenues que sean - podrá tal vez ayudar a mantener la calma
y la serenidad en el país. No surgirá de esto necesariamente un espíritu de fraternidad
o perdón entre los chilenos, pero sí, al menos, la conciencia de que los opositores no
son extraños ni ajenos a nuestra realidad y a nuestra herencia idiosincrática. No son
enemigos sino ocasionales, pero, en cambio, son parientes para siempre" (p.761). La
reflexión de esos autores tiene pertinencia histórica pues no son pocos quienes
sobrevivieron a la catástrofe sociopolítica de los años setenta gracias a los lazos
familiares. Es cierto que el recurso a la familia está lleno de las ambigüedades y
contradicciones que Isabel Allende describió bien en su novela "La Casa de los
Espíritus". Sin embargo, no por eso deja de ser verdadero que la tolerancia frente a la
ambigüedad es un logro de la madurez.
206 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica
VI. Comentario final
El sentido de identidad, como conciencia de si mismo, es una cualidad
emergente de los procesos de aurorreflexión de la mente. Tomamos contacto con la
verdad de nosotros mismos cuando logramos vernos, sentirnos y pensarnos en nuestra
relación con el mundo y los demás. De este modo, la propia identidad está en
transformación constante, es el flujo mismo de la vida que se representa en la
intimidad de nuestro ser. La vergüenza y la culpa excesivas, especialmente cuando son
inconscientes, interfieren con los procesos de autorreflexión y, por lo tanto perturban el
sentido de identidad. Las defensas erigidas en contra de la toma de conciencia de
vergüenza y culpa pueden rigidizar la propia identidad alejándola del curso inmediato
de la vida o, por el contrario, hacerla tan frágil, que pequeños conflictos se vivan con
características de catástrofe. En Chile estamos asistiendo a una crisis de identidad
nacional, en gran medida producto de los acelerados procesos de modernización que
hemos descrito. Pero, el "duelo pendiente" (Capponi) y la cuestión indígena son
asuntos que están intrínsecamente unidos a la crisis de modernización; su resolución es
por lo tanto una tarea que la crisis nos pone por delante. Como toda crisis, ésta también
tiene una dinámica inherente; en general, las crisis entran en su fase resolutiva cuando
se toma cabal conciencia de ellas. Hay variados indicios de que nuestro país está
entrando en una fase de madurez. La última campaña presidencial (1999) aceleró la
creación de ámbitos de autorreflexión; proliferan las mesas de diálogo y se ve una
mejor disposición en los actores sociales, incluidas las Fuerzas Armadas, para romper
los tabúes que la transición impuso. En esta toma de conciencia hemos detectado
importantes sentimientos de culpa y de vergüenza que interfieren el desarrollo de una
identidad integrada. Se impone entonces acrecentar los procesos de autorreflexión al
interior de la sociedad, en todos sus niveles. Para esto, el Estado debe fomentar la
apertura de espacios culturales que sirvan el interés comunicativo y de reflexión sobre
nosotros mismos, preservándolos de la instrumentalización mercantil. Si tomamos la
sesión de psicoanálisis como modelo de espacio de autorreflexión, constatamos que el
primer obstáculo existente hoy día en la comunicación social lo constituye el alto
grado de censura. En la sesión de análisis se busca poner la censura entre paréntesis
para así crear condiciones de libertad en las que el analizando despliegue su vida
mental y se permita el proceso de "hacer consciente lo inconsciente". A nivel social, el
ámbito propiamente cultural - arte, escuelas y universidades, actividades científicas,
medios de comunicación, etc.-, es el ámbito propio de reflexión de la sociedad sobre sí
misma. Si logramos crear una atmósfera social, protegida en lo posible de la intrusión
de la racionalidad instrumental y donde prime la confianza y no el miedo, será posible
ventilar nuestras vergüenzas y nuestras culpas históricas
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 207
Juan Pablo Jiménez
- recuperanto, de paso, ámbitos de experiencia subjetiva expopiados por el
mercado - y seremos capaces de tomar decisiones políticas e institucionales
que permitan el surgimiento de la verdad, la justicia, el reconocimiento y la
reparación histórica, es decir, que hagan posible la integración de aspectos de
nuestra identidad que hasta ahora han permanecido en el terreno escindido y
proyectado de lo "no pensable" y lo "no decible". Es todo aquello que, por
rechazado se niega y por negado se olvida, lo que una y otra vez vuelve a
hacerse presente en nuestra vida diaria, infiltrando la atmósfera de la
convivencia como inquietud, malestar y desasosiego. En este proceso de toma
de conciencia, el psicoanálisis, en su doble carácter de ciencia de la
subjetividad y método clínico, tiene una importante contribución que hacer.
Bibliografía
ARRUÉ, O. (1998). Brief note on the history of Chile in the last thirty years. International
Psycho-analisis IPA Newsletter. Vol 7 issue 1.
CAPPONI, R. (1999) Chile: un duelo pendiente. Perdón, reconciliación, acuerdo social.
Santiago: Andrés Bello.
CORPORACIÓN CERC - Centro de Estudios de la Realidad Contemporánea. (1999) Estudio
Sobre los Mapuches. Santiago: Manuscrito.
FOUCAULT, M. (1993). Qu'est-ce que les Lumiéres? En: Magazine Littéraire N° 4309, avril
1993, pp.61-74.
FREUD, S. (1923b). El yo y el ello. BN vol. VIII.
______ (1927c). El Porvenir de una Ilusión. BN vol. VIII.
______ (1930a). El Malestar en la Cultura. BN vol VIII.
______ (1933a). Nuevas conferencias de introducción al psicoanálisis. BN vol. VIII.
GAMPEL, Y. (1998). Cartas al editor. ¿Historia de Chile? International Psychoanalisis IPA
News-letter Vol. 7 N° 2.
GAY, P. (1989). Freud. Una vida de nuestro tiempo. Buenos Aires: Paidós.
GIDDENS, A. (1997). Modernidad e Identidad del Yo. El Yo y la Sociedad en la Época
Contemporánea. Barcelona: Península. En inglés: Modernity and Self-identity. Self and
Society in the Late Modern Age. London: Polity Press & Basil Blackwell.
INFANTE, J.A.; JIMÉNEZ, J.P; JORDÁN, J.F. (1998). Carta a nuestros colegas
psicoanalistas. International Psychoanalisis IPA Newsletter Vol. 7 N° 2.
JIMÉNEZ, J.P. (1989). Some reflections on the practice of psychoanalysis in Chile today
(From the point of view of the relationship between Psychoanalysis and Society). Int.
Rev. Psycho-Anal. 16: 493-504.
______ (1992). Der Beitrag des Analytikers zu den Prozessen der projektiven Identifizierung.
Forum Psychoanal 8:295-310.
(1998). Freud y la modernidad: Razón, felicidad y progreso en "El malestar en la cultu
ra". Revista Chilena de Psicoanálisis. 15 (l):27-40.
______ (1999). Determinismo, libertad y responsabilidad en Freud (otro ejercicio de diálogo
entre psicoanálisis y teología). Teología y Vida XL: 5-24.
208 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
"No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica
KANT, E. (1784). ¿Qué es la Ilustración? En: Filosofía de la Historia. México: Fondo de Cultura
Económica, 1981, p.25.
______ (1798). Si el género humano se halla en progreso constante hacia mejor. En: Filosofía de la
Historia. México: Fondo de Cultura Económica, 1981, p.116.
LARRAÍN, J. (1994). Ideology & Cultural Identity. Modernity and the Third World Presence. Cambridge: Polity Press.
LARRAÍN, J. (1996). Modernidad Razón e Identidad en América Latina. Santiago: Andrés Bello.
MINISTERIO DE PLANIFICACIÓN Y COOPERACIÓN - MIDEPLAN (1999). Informe de la Comisión Asesora en Temas de Desarrollo Indígena. Santiago: Mideplán.
MINISTERIO DE SALUD (1999). Las enfermedades mentales en Chile. Magnitud y consecuencias.
Santiago: Minsal.
MOULIÁN, T. (1997). Chile actual: Anatomía de un mito. Santiago: LOM-ARCIS.
NOEMI, J. (1996). El Mundo, creación y promesa de Dios. Santiago: San Pablo.
PROGRAMA DE LAS NACIONES UNIDAS PARA EL DESARROLLO - PNUD (1998). Desarrollo
Humano en Chile 1998. Santiago: PNUD.
RETAMAL, F.J.; CELIS, A.C.; MUÑOZ, C.J.M. (1992). Familias fundadoras de Chile 1540-1600.
Santiago: Editorial Zig-Zag.
RICOEUR, P (1970). Freud: Lina interpretación de la cultura. México: Siglo XXI.
TICHO, E. & TICHO, G. (1972). Freud and the Viennese. Int. /. Psycho-Anal. 53:301-306.
WAGNER, P. (1994). A Sociology of Modernity. Liberty and Discipline. Londres: Routledge.
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 209
Desconstruindo o mal -do
diva à comunidade
Sônia Carneiro Leão*, Rio de Janeiro, BRASIL
* Membro Efetivo da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
211
Sônia Leão Carneiro
O tema deste Congresso, Entre o Diva e a Comunidade, devota-se à reflexão do
lugar analítico, um entre dois pólos, onde aspectos, muitas vezes imperceptíveis na
comunicação cotidiana, tomam proporções reveladoras, lugar onde o absurdo pode ser
inserido gentilmente, estabelecendo seu próprio discurso, onde sonhos e angústias, as
mais inimagináveis, podem ser compartilhadas. Este é o Espaço Potencial que
costumeiramente freqüenta os settings analíticos, espaço entre dois sujeitos dispostos
a freqüentar os paradoxos do ser.
A palavra Comunidade nos traz a idéia de corpo social, sociedade, grupos de
pessoas submetidas a uma mesma ideologia, modo de pensar ou comportar-se. Não é
possível ao ser humano situar-se fora de uma comunidade, qualquer que seja sua
finalidade. Quando nascemos, já encontramos uma família à nossa espera que projeta
em nós sonhos, realizações, expectativas, que nos batiza e nos introduz no campo do
simbólico, de onde não podemos mais sair. A entrada na "Comunidade Humana" é o
momento do grande trauma do sujeito, seja do ponto de vista de Otto Rank em seu
conceito de "Trauma do Nascimento", seja no conceito lacaniano de metáfora paterna
como o acolhimento pelo sujeito da entrada e do vigor do simbólico, coincidente com
o momento da vivência de castração. A Comunidade humana é sempre simbólica, por
isso traumática, na medida em que o indivíduo perde sua "animalidade", o Real de seu
corpo, e entra no campo da palavra. Essa passagem implica a perda de sua
onipotência, de suas insígnias fálicas, seu narcisismo primário e o reconhecimento de
limites e da imposição da realidade. É a passagem da ilusão à desilusão, do eu ideal ao
ideal do eu, da conscientização da perda, da impotência. Como cada sujeito se
organizou a partir desse momento depende muito do que ele pôde ter vivenciado
através das trocas e interações que fez com o "meio ambiente materno". No espaço
analítico muitas dessas vivências primitivas vão ser re-atualizadas, entendidas e
simbolizadas.
Spinoza em sua Ética nos ensinou que o Bem é aquilo que favorece a nossa
natureza. Quanto mais cada qual se esforça por procurar o que lhe é útil, por conservar
o seu ser, tanto mais é dotado de virtude. Quanto mais é negligente na conservação do
seu ser, é impotente. Spinoza enfatiza que "ninguém, senão vencido por causas
externas e contrárias à sua natureza é negligente em procurar o que lhe é útil ou
conservar o seu ser." "Não é nunca", ele diz, "por uma necessidade da própria
natureza, mas forçado, sempre, por causas externas, que alguém repele os alimentos
ou se mata. São causas exteriores ignoradas que dispõem o corpo, de tal maneira, que
sua natureza é substituída por uma nova natureza contrária e, cuja idéia, não pode
existir na alma."
Spinoza, aí, já nos aponta para uma força estranha que está a serviço da morte e
da desintegração do ser.
Lacan nos diz que essa força estranha é causada pela entrada no simbólico.
212
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Desconstruindo o mal - do diva à comunidade
Outros psicanalistas, que ela já está inscrita geneticamente nas células, e outros que
discordam totalmente do conceito de pulsão de morte.
Mas, afinal, o que é contrário à natureza humana? O que, em nós, trabalha
contra nós? Parece, então, que, na Comunidade Humana, a natureza humana torna-se
questão. E, quando dizemos "a natureza humana", o que, na verdade, estamos
querendo identificar? É claro que a natureza humana difere, radicalmente da natureza
dos leões, zebras e tubarões. Os golfinhos, os macacos, os elefantes, às vezes,
conseguem tocar um certo ponto em comum com a natureza humana. Por exemplo, os
elefantes costumam reverenciar os seus mortos. Os golfinhos possuem "sentimentos
de gratidão". Alguns biólogos já disseram que esses animais parecem "gente".
Entretanto, quantas vezes, ao nos referirmos a uma pessoa de nosso conhecimento,
dizemos algo assim "Esse cara é mesmo um animal"? Lacan disse que "o lobo
humano habita dentro do rebanho". A natureza humana, realmente, é muito
complicada. Há alguns milênios estamos tentando dar conta dela, o que não é nada
simples.
Mas que força é essa, desintegradora, que habita no humano? A angústia é uma
força propulsora que, latente ou manifestamente, está sempre presente na vida
humana. Freud nos ensinou muito sobre a angústia da castração, Winnicott sobre as
angústias inimagináveis e Lacan dedicou todo um seminário sobre o tema da
Angústia. A angústia é esse medo do desconhecido, medo de perder o amor de
alguém, de perder as insígnias fálicas. É um afeto reativo a uma ameaça. Qual
ameaça? A tudo que possa levar à perda do sentimento de continuidade do ser. A
angústia talvez seja o afeto que mais caracterize a natureza humana, e ela aparece
como reação à perda da continuidade do ser.
Freud ao falar sobre as pulsões considerou, de início, duas forças pulsionais em
permanente atividade no ser vivo: as pulsões de auto conservação (pulsões do ego) e
as pulsões sexuais (que levam o sujeito a buscar seus objetos, a expandir-se).
Posteriormente, preferiu introduzir os conceitos de pulsão de vida e pulsão de morte,
mas mantendo uma correlação entre pulsão de vida e pulsões sexuais e pulsão de
morte e de auto conservação. A pulsão de morte, assim, estaria por conta de um ego,
um ego que não quer ser morto, mas quer morrer do seu próprio modo.
As pulsões de morte estão sempre co-relacionadas às estruturas onde o
narcisismo primário não cedeu espaço a sentimentos de castração e de perda. Esse é o
ego a ser "salvo" pela pulsão de morte, o ego da onipotência, o ego incompatível com
a natureza humana, tão inexoravelmente frágil.
É claro que um indivíduo que funcione psiquicamente sob o regime da pulsão
de morte não vai reconhecer a natureza humana no outro indivíduo e vai atuar de
acordo com os exemplos abaixo citados, retirados de situações clínicas:
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
213
Sônia Leão Carneiro
1. "Eu estava com febre. Sentia dores. Meu pai não disse nada, foi dormir. De
madrugada, já não suportando mais as dores, levantei-me e fui ao quarto dele dizendo
que eu ia ao hospital. Ele abriu, preguiçosamente, os olhos e me disse: 'cuidado, vai
direitinho'. Ele nem se abalou. Eu quis morrer."
2. "Minha vida é uma merda. Meu pai está sempre lendo jornal ou assistindo
TV. Quando eu chego do colégio ele só sabe dizer assim: 'Oi, filhão!' Eu fico doente
de raiva."
3. "Já são 23h. A festinha de aniversário terminou às 19h. Mas o pai de Lucinha
não foi buscá-la. E sempre assim. Ele sempre/ura. Lucinha está nervosa, inquieta e
pergunta para a dona da casa 'Eu sou bonita? Eu sou feia?' E, olhando pela janela, diz
'Eu vou me atirar do oitavo andar'."
Existem infinitos exemplos que dizem bem desses sentimentos que abrem a
uma desintegração do ser, a uma angústia impensável, a uma vontade de matar ou de
morrer.
As personalidades narcísicas são espelhos que não refletem. A pulsão fica sem
retorno. O sujeito, então, se petrifica, se congela, restando a ele como último recurso a
passagem ao ato. Volto aí a lembrar Spinoza quando diz que é sempre forçado por
causas estranhas, contrárias à sua natureza, que o sujeito é negligente em procurar o
que lhe é útil.
Uma Lei importante da natureza humana é a Lei do Reconhecimento. A ameaça
de desintegração, a quebra da continuidade do ser, advêm quando não houve o
cumprimento dessa Lei. Admiro a saudação reverenciai que os japoneses fazem
sempre que se encontram com uma pessoa. Esse cumprimento, que se manifesta nas
mais diversas culturas, tem como finalidade reconhecer o humano que se oculta por
trás dos indivíduos. O polido "muito obrigado" é uma forma de retirar o outro de um
aprisionamento servil, já que o ser humano não se totaliza apenas no serviço que ele
presta. Ele transcende a isto e o "muito obrigado" é o reconhecimento desse para além
do que lhe é devido.
Winnicott nos fala em um "nada" acontecendo - quando algo deveria acontecer como causa de desintegração. O que é este nada acontecendo? É quando o outro é
tratado como algo sem valor, como um objeto de uso e gozo, com frieza ou
arrogância. Esses tratamentos promovem a ruptura da continuidade do ser, gerando
angústia, destruição, depressão ou desespero. E esse tipo de relação que recebeu o
nome de relação em branco, a "relação" estabelecida a partir da prevalência da pulsão
de morte na estrutura do sujeito. Na relação em branco, falta a percepção da
equivalência entre dois sujeitos que só o são porque estão ligados pela coisa mais
universal que têm em comum: a falta. Paradoxalmente é a falta que estrutura o
humano, é a falta que lhe dá consistência.
A rejeição é tão temida porque é sentida como não reconhecimento. A se-
214 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Desconstruindo o mal - do diva à comunidade
dução é tão maligna porque nela o sujeito desaparece face a um outro que o devora. O
orgulho é o pecado mais odiado por Deus, porque nele o indivíduo presume-se melhor
do que Aquele que o criou. O orgulhoso precisa humilhar, ou seja, não reconhecer,
para manter seu orgulho em alto nível.
Acho que bastaria um único mandamento: "Reconhecerás o outro como sujeito", já que toda a série dos dez mandamentos aponta nesta direção - não mataras,
não roubarás, não desejarás a mulher do outro, e assim por diante.
O Mal está no mundo desde a sua origem, não há como contestar esta verdade.
O Mal é essa força que advém da percepção da desintegração do ser. Essa força é a
grande predadora de almas. O vazio aberto pela relação em branco primária se
transforma nesta força insaciável que vai arrastando consigo toda manifestação de
vida, toda manifestação do Espírito. O buraco negro da inveja procura destruir a
criatividade alheia, que é a maior manifestação do Espírito.
Dessa forma não basta falarmos em Comunidade Humana sem que nela esteja
implícito o Espírito Comunitário, esta percepção que nos chega quando sentimos que
não estamos separados, apesar da multiplicidade de culturas, das diversidades das
espécies e seus indivíduos. Quando admitimos que somos interdependentes e, por
isso, responsáveis por nossa vida e a de todo o planeta, estaremos, sem dúvida,
desconstruindo o Mal. Muitas vezes esta desconstrução pode começar a ocorrer no
espaço entre o diva e a comunidade...
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
Revista Latino-Americana de Psicanálise-fEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
215
A Psicanálise entre o diva e a comunidade
Marialzira Perestrello*, Rio de Janeiro, BRASIL
* Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
217
Marialzira Perestrello
A princípio entendi que o tema indicado seria "A Psicanálise: do diva para a
comunidade". Frizaria, então, a importância do diva em que, nos deitamos, e,
posteriormente, do diva que utilizaríamos com nossos vários pacientes. Ciente do
título exato ainda dou importância aos divas que nos prepararam para uma atividade
na e com a comunidade.
Interessada pela história da Psicanálise: pelos primórdios e prioridades do
pensamento, das atividades e dos escritos psicanalíticos, poderia estender-me sobre os
inícios da psicanálise, aqueles que primeiramente a praticaram e sobre os inúmeros
trabalhos de aplicação. Entretanto, ao invés de historiar prefiro e ouso trazer
Reflexões: mais expor idéias do que descrever o que se fez e se está fazendo.
A- Sobre os termos do título: A Psicanálise entre
o diva e a comunidade
I - A Psicanálise
Para qualquer exposição, argumentação ou polêmica sobre o assunto psicanálise
é indispensável que explicitemos o aspecto que temos em vista. Sabemos desde Freud
que a Psicanálise é: a) um conjunto de teorias sobre a estrutura e funcionamento do
psiquismo do ser humano; b) um método de observação e de investigação; c) um
método de tratamento.
Conforme o campo comunitário em questão, um desses aspectos será o aplicado.
O termo psicanálise aplicada é geralmente usado1 para a aplicação dos conhecimentos e métodos psicanalíticos fora da situação analítica. É à psicanálise
aplicada à comunidade que me referirei. Um estudo completo abarcaria as questões:
onde, quando, como e por quem a psicanálise foi e é aplicada.
II - Entre
Em diversos idiomas2 o termo entre possui inúmeros significados, melhor: é
utilizado de vários modos, indicarei alguns. A preposição entre indica relações de
duas ou mais pessoas ou coisas. Relação de lugar: espaço intermediário; de situação,
indicando laços de união, ligação, conexão; de comparação, meio termo, mas também
de separação e divergência; de dúvida na escolha de um dos termos etc. Mesmo
considerando o entre com a idéia de união, de continuidade
1. Acompanhada por vários analistas penso que o termo psicanálise aplicada é mal empregado, pois lato sensu, a
própria terapêutica analítica seria também uma aplicação da teoria psicanalítica.
2. Compulsei os importantes Randon House Dictionnary of English Language, o Larousse du XX siècle e alguns
antigos e mais recentes dicionários de nossa língua.
218
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
A Psicanálise entre o diva e a comunidade
não há uniformidade de pensamento entre os psicanalistas quanto à utilização da
psicanálise na comunidade. Voltaremos a este tema.
III - O diva
Diva: símbolo plástico -já popular - do trabalho analítico como terapêutica. Sendo
Psicanálise e Cultura o tema oficial do Congresso é esperado que o interesse se volte
predominantemente para o trabalho fora do diva.
IV - E a comunidade
Diversos campos ou aspectos podem ser considerados na Comunidade: o social,
o político, o religioso, o cultural, o acadêmico, (universitário), o econômico, o
profissional, o assistencial. Apesar de ser o cultural, aquele no qual mais participo e
colaboro, ater-me-ei a dois aspectos: o assistencial e o universitário.
B - A aplicação da Psicanálise à comunidade
Ainda com o prurido de historiadora-amadora vejo-me inclinada a comentar,
primeiramente, o que Freud e seus contemporâneos fizeram(ou pensaram fazer) a fim
de levar os conhecimentos psicanalíticos para a comunidade. De Freud, pinçarei algo
de três trabalhos: Line on advances in psychoanalytic therapy (1918), Psychoanalysis
in the University (1918) e do The claims of Psychoanalysis to scientific interest3
(1913). No primeiro, (uma conferência no Congresso de Budapest) é evidente o
interesse de Freud pela finalidade assistencial. Lamentava ele o fato de a psicanálise
atingir somente um número limitado de pessoas com possibilidade de arcar
financeiramente com o tratamento. Mostrava suas idéias sobre a necessidade da classe
pobre ter tanto direito a uma assistência para a mente como tinha para as cirurgias e a
tuberculose. "Quando no futuro isto acontecer, analistas treinados seriam indicados
para o tratamento gratuito de pessoas pobres necessitadas. "Tempo ainda correrá até
que o Estado veja que estes deveres são urgentes". No final Freud assim se expressa:
"Provavelmente a terapia aplicada em larga escala nos obrigará a livremente combinar
o puro ouro da análise com o cobre da sugestão direta. Porém, seus mais importantes
ingredientes permanecerão sempre aqueles emprestados da psicanálise".
Sobre o trabalho em relação a levar a psicanálise à Universidade falaremos mais
adiante.
No 3o artigo, escrito para a revista italiana Scientia, Freud teve como finalidade
esclarecer sobre as muitas esferas de conhecimento nos quais a psicanálise é de
interesse e os numerosos elos que se iniciavam entre elas.
3. Em alemão apenas: Das Interesse an der Psychoanalyse.
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
219
Marialzira Perestrello
Lembro que nos primeiros tempos, a psicanálise foi largamente aplicada às
Artes e Literatura: nas "Reuniões da 4as feiras" era grande o número de participantes
não-médicos e de contribuições culturais não clínicas.
O aspecto assistencial
Muito cedo, os primeiros analistas foram se conscientizando que - além da
análise individual de crianças e adolescentes - seria de grande utilidade um trabalho
com profissionais que lidam com esses menores. Tentei lembrar-me do que - desde os
tempos de Freud - fora feito para levar diretamente a experiência e os conhecimentos
psicanalíticos para a mãe grávida, o parto, o cuidado do bebê, a educação da criança
pequena em seu ambiente familiar, e na escola, e para aplicá-los às crianças
hospitalizadas ou internadas em instituições, aos adolescentes afastados de suas
famílias com finalidade de re-educação ou de punição, presidiários etc. Vieram-me os
nomes de Margareth Ribble, Anna Freud, Melanie Klein, Susan Isacs, Alicia Balint,
August Aichorn e Vera Schmidt. Atualmente a utilização da ultra-sonografia, nos
permite um estudo mais profundo dos comportamentos do feto sugerindo a existência
de um psiquismo pré-natal. Várias "hipóteses da psicanálise" estão sendo hoje
comprovadas.
Muito foi tentado e efetivado neste quase um século. Mesmo abarcando a última
década, foi-me impossível pormenorizar todos os esforços tentados e resultados
obtidos no Setor-comunidade das diversas Sociedades psicanalíticas brasileiras e em
outras instituições eficientes tais como o Centro Cultural Freud (do Rio). Assim,
seleciono apenas um exemplo de algo já publicado: o trabalho de Melanie Farkas e
membros da Comissão de Comunidade da SBPSR A equipe resolveu criar um espaço
de interlocutores, realizando "uma escuta psicológica em que os outros pudessem se
expressar"e não apenas aquilo mais comum do psicanalista "ensinando" e o
participante "aprendendo". (Um critério de escuta bilateral empregado por Perestrello
com colegas clínicos). Da observação, escuta e reflexão nas reuniões surgiram muitas
vezes, sugestões e orientações. Aprovo com entusiasmo o trabalho de Melanie Farkas
(1996) e de sua equipe pois o analista ao colaborar em uma instituição necessita saber:
o que está ocorrendo nela, como o problema se expressa e desde quando. Se possível
assistir, testemunhar algumas atividades.
Penso que assim como somente devemos interpretar um sonho após as
associações do paciente - sejam elas conscientes, pré-conscientes ou completamente
inconscientes - assim também antes de querermos compreender e nos manifestar com
explicações, conselhos, interpretações deveremos ver e escutar aqueles que trabalham
na instituição. (E quem sabe? aqueles que ali são assistidos). Se na situação analítica no diva - a relação é dual, o paciente sendo o objeto de observação, estudo,
compreensão, cuidado; o analista empaticamente
220 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
A Psicanálise entre o diva e a comunidade
privilegiando em cada paciente e em cada momento um, ou mais, desses aspectos, ao
trabalhar para a comunidade, a relação deverá ser sempre multi-focalizada.
A Psicanálise na Universidade
Em artigo, de início publicado em húngaro com o título de Pode a psicanálise
ser ensinada nas Universidades? (mais tarde traduzido como Sobre o ensino nas
Universidades) Freud com seu peculiar didatismo, ao falar para um público de nãoanalistas, refere-se ao possível interesse desse ensino sob o ponto de vista da
psicanálise e o da Universidade. As duas nada teriam a perder.
Muito já caminhamos após o exposto por Freud, há mais de oito décadas, assim
trago apenas o que ainda é atual em sua clarividente conclusão: "o estudante de
medicina nunca aprenderá propriamente psicanálise. Isto é verdade, se tivermos em
mente a verdadeira prática da psicanálise. Mas para os propósitos em vista será
suficiente aprender algo sobre psicanálise e da psicanálise".
Alem das conhecidas explicações (sociológica e psicológica) para um duradouro afastamento entre a Universidade e a Psicanálise, Heinz Kohut (1975) sugere
como responsáveis o orgulho e a idealização do instrumento e do método existentes
entre diferentes campos científicos e também um certo desprezo pelos não-iniciados.
Em Faculdades não-médicas não é necessário nos aprofundarmos em metodologia, sociologia, antropologia, filosofia, mas teremos de modestamente aceitar
que os especialistas nesses campos podem nos ensinar algo, completar e até esclarecer
certos setores de nossos conhecimentos (ou desconhecimentos...). O convívio
interdisciplinar será, então, de enriquecimento mútuo, pois (de outro lado) nós
poderemos perceber aspectos psicológicos, por vezes, não captados por outros
especialistas.
C - Certa polêmica quanto à aplicação da Psicanálise à comunidade
a) Se o fato de levar a psicanálise do diva para a comunidade é considerado
algo positivo por inúmeros analistas, ele também foi e é criticado por outros. Épocas
existiram em que alguns psicanalistas pensavam que "o bom e verdadeiro analista"
devia restringir seu trabalho ao consultório e não se dedicar a qualquer outra atividade
profissional. Tenho uma experiência pessoal: o psicanalista Danilo Perestrello (meu
marido) docente livre de Psiquiatria, na época da pré-fundação da SBPRJ, foi muito
censurado pelo fato de dar cursos na Faculdade de Medicina, quando "deveria ater-se
às horas de análise". Mais tarde, ao fundar o Serviço de Psicossomática na Ia Cadeira
de Clínica Médica da UFRJ não mais tão criticado por seus pares, ainda era
aconselhado a não gastar tanta energia no Hospital da Santa Casa e sim empregá-la
"sendo apenas analista".
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
221
Marialzira Perestrello
A meu ver, o "verdadeiro analista" poderá e deverá conservar sua identidade em
qualquer lugar, assim como um matemático, um sociólogo, um economista possuem e
conservam a deles. Continuar a "ser analista" não quer dizer exercer o trabalho
analítico, fora da sala de análise.
Encontrei no discurso presidencial de Maxwell Gitelson (1963) - para o XXIII
Congresso Internacional de Psicanálise - uma posição equilibrada. Não sendo ele
contra a extensão de nossa especialidade, de modo sincero e objetivo nos alerta: "Tais
atividades de melhoramento social, com indubitável atrativo ético, não são
psicanálise". Refere-se ao nosso trabalho ser muito solitário e mostra que além dos
vários motivos para se desejar a interdisciplinaridade há, também, um desejo
inconsciente de sair da vida de isolamento, buscando um contato com os outros e uma
participação ativa no mundo externo.
b) Perigos da aplicação. Para Gitelson a incursão dentro de outras ciências e a
colaboração com elas pode, por vezes, significar uma fuga intelectual do inconsciente
e mobilizar uma intelectualização como defesa.
Também Harold Leupold Lowental, sem uniteralidade, alerta para o fato dos
psicanalistas, ao penetrarem em outros campos, se esqueceram de que, lá, são
amateurs. E lembra "como psicanalistas temos de aprender que nossa ciência, em
outras especialidades, tem caráter de uma ciência auxiliar". A interpretação
psicanalítica não é obrigatória para todas as disciplinas.
Um outro perigo é apontado por Karl Purzner: observou que em seminário de
transmissão de conhecimentos analíticos para assistentes sociais, professores de
creche etc, os participantes se tornavam "outros analistas"ou "pacientes" do
psicanalista encarregado do grupo. Tal mudança de papéis criava novas tensões, pois,
afinal, as instituições necessitavam de assistentes sociais, psicólogos, professores, etc,
e não de pseudo-analistas. A finalidade seria melhorar a competência daqueles
profissionais. Outro perigo é a distorção de conteúdos teóricos.
3-Conclusões
Na atividade assistencial, a meu ver, será mais útil e operativo: 1) levar nossa
experiência, compreensão e formulações psicanalíticas de modo vivenciado, mais do
que puramente intelectualizado; 2) tentar, quando possível, dialogar com os
participantes numa atitude de colaborar, ajudar, cuidar mais do que de "analisar".
No trabalho com a comunidade Cultural e Universitária, uma certa modéstia e
atitude empática são aconselhadas por Gitelson e Kohut. Em minhas conferências
costumo indicar uma posição não-superegoica, mais de parceria
222 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
A Psicanálise entre o diva e a comunidade
que de autoridade: um encontro de dois ou vários campos, onde cada um possa
aproveitar "outros saberes", sem o psicanalista tomar uma atitude de magister dixit.
No filme de Chaplin O grande ditador, Carlitos no final do discurso exclama:
"O conhecimento nos fez cínicos. A inteligência: duros e maus. Pensamos
devidamente e sentimos muito pouco. Necessitamos mais de humanidade do que de
máquinas, mais de bondade e ternura que de inteligência".
Estamos de acordo com Carlitos: hoje não é somente perigoso transformarmonos em máquinas mas também - como frizo - intelectualizarmos em vez de
vivenciarmos. Bergson já enfatisava a importância da intuição sobre a inteligência.
Nós analistas, como seres humanos, humanizados, não poderemos perder nossas
utopias e idéias de solidariedade empática; de prestígio da alteridade e não de
individualismo. Numa psicanálise entre o diva e a comunidade, Eros deveria vencer.
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
223
Sistemas de salud - perversión Reflexiones
sobre contrato y encuadre
Arturo Sabez*, Mendoza, ARGENTINA
Resumen
La actual presentación intenta mostrar la situación actual en los Servicios de Salud y de Previsión, como así también una mención a la mala praxis como amenaza al libre ejercicio profesional, donde se ha sustituido el código asistencial por el económico pervirtiendo así la situación
de paciente por consumidor.
Esto nos lleva a poder conectarlo con las violaciones a las que están sometidas nuestras herramientas básicas: contrato y encuadre, y propongo la necesidad de refortalecerlos. Cuando el
marco o la regla es subsumido por el juego, el mismo pasa a ser proceso y la consecuencia
es la incertidumbre, la confusión y la pérdida de identidad psicoanalítica.
Miembro de la Sociedad Psicoanalítica de Mendoza, Argentina.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 225
Arturo Sabez
En mayo del 98, en el III Congreso Argentino de Psicoanálisis efectuado en
Córdoba, tuve la oportunidad de desarrollar algunas ideas sobre cómo la salud se ha
convertido en un negocio altamente redituable, para algunos grupos.
El mismo, para mi perspectiva, se sostiene en una propuesta perversa que en la
línea de D. Meltzer (1967) se enunciaría cómo observar lo malo como bueno y
viceversa .
En 1996 el Presidente para Latinoamérica de la National Benefit Resources
(NBR) decía: " con la desregulación de las obras sociales se producirá una verdadera
revolución en el área..." "Cuando ello suceda, todos los proveedores de cuidados de
salud necesitarán ser más eficientes y brindar mejor calidad de servicios"
Repito lo que presenté entonces. En 1997, La Nación, más precisamente el 5 de
Octubre planteaba: ..." Los médicos deben adaptarse a las reglas el mercado que fijan
nuevas normas de contratación y pago"...
Esto significó el deterioro de las condiciones de trabajo para la mayoría. Es de
resaltar que el código expresado ha hecho un giro, entonces ya se había sustituido el
"mejor servicio" por las "reglas del mercado". Este último se transformó en el
meridiano 0 (cero) en torno al cual girarían todos los participantes.
El objetivo de una buena atención de los afiliados, potencialmente pacientes,
tanto más en cuanto aumenta su edad cronológica, fue desplazado por el de buena
inversión.
Deseo resaltar este punto que me parece nodal: Atención es reemplazado por
Inversión, esto llevó a otra sustitución. Paciente pasó a ser Consumidor.
Por mediación de una sutil y ladina desviación, el Código Médico fue sustituido
por el Económico.
El doliente, el sufriente necesitado de ayuda dejó de ser valorado como tal y se
convirtió en un "beneficiario" de los "excelsos" servicios ofrecidos por los prestadores
a los que presuntamente se les debe estar agradecidos por los "cuidados y atenciones"
que nos proporcionan.
Lo cierto es que en todas las especialidades se ha ido estrechando el canal de
ofrecimientos y los afiliados tienen una empobrecida oferta de servicios.
En nuestro campo algunas prepagas ofrecían hace dos años entre 20 y 30
servicios por año, actualmente fue acotado al mismo número, pero por vida.
En el 41° Congreso Internacional de Psicoanálisis en Julio de 1999, efectuado
en Chile, se presentó por el Comité de Investigación de Alemania el siguiente
comentario: "Las compañías de seguro evitan en lo posible las internaciones y la
cantidad de consultas médicas".
Es de destacar esta observación, ya que ese país era hasta hace unos pocos años,
el que contaba con una situación excepcional al contemplar tratamientos
226 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Sistemas de salud - perversión. Reflexiones sobre contrato y encuadre
analíticos, en algunos casos hasta por dos años; admitidos por los Servicios de Salud.
Las citas son incontables y supongo, que por Uds. conocidas. En otro orden de
cosas, en Clarín del 11 de Enero de este año, en Cartas al País, el Presidente de la
Asociación Argentina de Neurocirugía, Dr. Horacio M. Plot decía: "Estamos
indignados como médicos en general y como neurocirujanos en particular. De aquella
sensación, que consagramos nuestras vidas a una dificilísima práctica, hemos pasado a
una de terror, pues con cada acto médico pesa sobre nuestra cabeza la espada de
Damocles del juicio de mala praxis":
"Se castiga no solo la negligencia, impericia o imprudencia, sino también
la falta de éxito."
Resulta desgarrante el dolor frente a la impotencia que provoca el sistema que
valora lo que no se logró, pero que no justiprecia la dedicación, el esfuerzo y la
emocionalidad que juega diariamente en los consultorios de la mayoría de los
profesionales que funcionan dignamente. Lo que debería ser un medio de protección
del ciudadano frente a los malos usos, se ha transformado en una suerte de servicio
persecutorio que ataca la sana disposición de ayudar con el temor de ser enjuiciado. Se
va construyendo una imagen de: "¡Cuídese de quien lo debe curar!". Los profesionales
se transforman en peligrosos y los "servicios de salud nos protegen".
La desconfianza se va consolidando. Las ansiedades paranoides dominan en
exceso las depresivas.
En términos Kleinianos podemos pensar en un franco predominio de la posición
esquizo-paranoide culturalizada y socializada.
Para concluir con este muestreo de paradigmas, un tercer territorio se agrega al
de los servicios de salud y a los juicios de mala praxis, donde se presenta con franca
claridad la desviación aludida.
En "Le Monde Diplomatique" de diciembre de 1999, en tapa, se ofreció un
artículo: "El saqueo de las jubilaciones", son autores los Dres. Jorge Beinstein y Mario
D. Lorenzo, transcribo algunos párrafos porque me parece que muestran con datos
numéricos pasibles de confrontación, en el campo de las AFJP, lo que advertíamos en
el 97 con las prepagas de la salud.
Lo que se presentó como un beneficio de aseguramiento de los haberes
jubilatorios se ha convertido en una exacción que sólo promete inseguridad y
frustración.
Dicen en la primera página: "...Cada asociado, según hubiese cotizado regularmente desde el inicio del sistema (1994) dispondría de sólo $ 85,00 por cada 100
aportados.
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 227
Arturo Sabez
Si el mismo trabajador hubiera optado por poner su dinero en una cuenta
bancaria de ahorro tendría ahora $ 118,00".
Como las comisiones que cobran son del orden del 30%, convirtiéndose así en
las mas altas del mundo, se produce una distancia abismal entre lo que queda para los
aportantes y lo que obtienen las AFJP.
Continúa el citado artículo: "...En agosto de 1999 el valor total de los fondos
depositados en la AFJP desde 1994 (aportes, menos comisiones más capitalizaciones)
llegaban a U$S 14.500 millones, cifra claramente inferior a los U$S 17.000 millones
en aportes efectuados por los trabajadores en igual periodo. Un nuevo milagro liberal
se ha concretado: los ahorristas forzados del sistema privado perdieron unos U$S
2.500 millones: "Mientras las AFJP se apropiaron de "comisiones" por unos U$S
5.000 millones.... créase o no se invirtieron U$S 1.500 millones en "marketing" y U$S
1.000 millones en "gastos administrativos".
"El ente estatal ANSES para administrar 3.200.000 jubilaciones en igual
período tuvo un gasto de U$S 1.400" (contra 100.000 aportantes del sector privado).
Como se desprende de la copiosa información publicitada, los datos son
inagotables, el que esté interesado puede recurrir a la Superintendencia de Administradora de Fondos de Jubilaciones y Pensiones (SAFJP), que proporciona todos
los datos que se requieran (www.safjp.gov.ar).
Pensé en tomar panorámicamente estas tres variables: Salud-Mala praxisJubilaciones como una introducción al tema que nos ocupa y preocupa.
¿Cómo se inserta nuestra disciplina psicoanalítica en este marco social?
La fórmula que Bion (1927) nos ofrecía de estupidez + arrogancia como
principal atacante del vínculo K: pareciera que ha girado en el ámbito social a
perversión del pensamiento + psicopatía en el discurso = ataque a la organización de
pensamientos libres.
Las sociedades han vivido en el campo de la Economía una transformación que
de agraria pasó a industrial y de ésta a la cibernética actual.
¿Qué sucedió en ese lapso en la mente?, tomando como punto de observación la
influencia que tuvieron estas modificaciones sociales: la noción de tiempo y espacio
fue alterada, la relación causal fue embestida y la incertidumbre y el caos pasaron a ser
predominantes.
El indeterminismo cobró una jerarquía de igual altura que el determinismo, puede consultarse a I. Prigogine (1996) entre otros.
__
La consecuencia es la confusión, la inseguridad y en no pocos casos, el estupor.
¿Qué opciones se le ofrecen a la mente para no caer en la dispersión?. Pareciera
que sobresalen dos: a) Paralizarse, es decir estancarse y acantonarse en un estado de
oposición a incorporar algo nuevo.
228 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Sistemas de salud - perversión. Reflexiones sobre contrato y encuadre
b) Un movimiento hacia estados regresivos que en algún momento del
desarrollo permitieron capear fuerzas desenfrenadas sin marco de continencia.
Se vuelve así a momentos adolescenciales o más arcaicos aún, como a vivencias
del destete.
Cuando esto ocurre, la búsqueda de placeres se enseñorea. Las fuerzas
pulsionales irrumpen como réplica y así los códigos morales o éticos son arrasados.
En algunos casos esto se hace por medio de la reaparición de "ideologías". Aquí
nos reencontramos con las propuestas del comienzo en cuanto a salud y previsión.
Pero volvamos al campo psicoanalítico, y observemos como ha repercutido todo
esto.
Transparencia es un concepto de plena vigencia que indica poder ver lo que no
se ve. Esto es, lo oculto en las propuestas de las prepagas o en otras formas de
prestaciones de salud.
En nuestro ámbito ¿qué es lo que no se ve?
Me parece que un tema central de que debemos ocuparnos son nuestros
conceptos de Contrato y Encuadre.
El contrato deja de ser así bipersonal, para ser tri o multipersonal.
Se normatiza la cantidad de sesiones, los honorarios, las formas de pago, el
tiempo, los requisitos para ser aceptados, se deben llenar los formularios que deben ser
aceptados por los auditores de las organizaciones "proveedoras" de servicios, que en la
gran mayoría no son personas idóneas para calificar lo que ofrecemos.
Ellos pueden suspender una terapia, indicar los terapeutas y amenazar con
juicios en casos por ellos evaluados de mala praxis. Hay algunas de estas instituciones
que han organizado un sistema de evaluación hasta de los consultorios, para ello
envían observadores que deben dar su visto bueno para que el profesional pueda ser
aceptado.
Mientras esta Inquisición se perfecciona y los Torquemadas se multiplican,
tanto afiliados como analistas van sumergiéndose en un proceso de sumisión
acrecentado por el temor a la desocupación o a la falta de pacientes.
Como si esto fuera poco esta especie de globalización, ataca las diferencias de
formación de post grado y se cae en un nuevo dilema, vale más un "master" de 1 ó 2
años, hecho por instituciones no especializadas que la formación impartida por los
Institutos.
No es de desdeñar que también nosotros estamos comprometidos, en tanto
contribuimos en muchos casos a esas formaciones extra institucionales.
La transparencia debe ser para todos y no para los que presentan como tal su
falacia.
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
229
Arturo Sabez
Como lo plantea H. Etchegoyen (1986, p.17), al referirse al convenio o contrato,
este es un elemento estratégico básico que da marco a los malentendidos que
naturalmente surgen en un tratamiento. D. Meltzer (5) hasta propone replantearlos si
son necesarios en los primeros tiempos.
W. Bion (1965) los ofrece como componentes invariantes.
En nuestro trabajo son de inexcusable ayuda técnica. Nos permiten detectar,
entre otras, las múltiples formas de acting.
Pero, qué ocurre si esto es manejado por un "outsider". Este ordena el contrato y
el encuadre?.
Aquí nos encontramos con el primer magno escollo: Para el proveedor ganancia
tiene como objetivo lo económico.
Para los psicoanalistas (prestadores) el objetivo es el cambio interno, a nivel
profundo en la mente y objetividad del paciente. Valor intangible.
Estas dos variables no son compatibles entre sí, ocurre entonces que si la que
predomina es la primera, la segunda pierde identidad. En mi valoración no ocurre lo
mismo si es al revés.
Si se preserva el tratamiento, el aspecto económico se puede ajustar. Así ha
ocurrido en épocas de inflación o de otras crisis.
Entiendo entonces que lo que debe custodiarse es el objetivo terapéutico,
flexibilizador de redes internas y de interrelación entre objetos internos y externos.
Me parece que es en estos momentos cuanto más se requiere que esto sea
nuestra invariante, estas limitaciones en lenguaje matemático se definen como
restricciones. Entendiendo las mismas como reglas del juego. En nuestro código,
contrato y encuadre.
En Teoría de juegos se denominan "estrategias" y corresponde a "una regla
predeterminada" que especifica por completo cómo se intenta responder a cada
circunstancia posible en cada etapa del juego. Esto es lo que se está descomponiendo
en nuestros acuerdos terapéuticos.
Tiempo de las sesiones, cantidad, interrupciones, vacaciones, honorarios,
formas de pago, etc. son nuestras invariantes y si no las mantenemos como un modelo
operatorio imprescindible en nuestra tarea y las dejamos al libre fluir de las reglas
externas , estamos violando los marcos conceptuales de nuestro quehacer.
Ahora más que nunca debemos intentar esclarecernos y definir nuestra identidad
psicoanalítica, este es nuestro "petitio principi".
Lo contrario es caer en lo que Teoría de la comunicación se convierte en el más
importante enunciado de puntuación: la profecía autocumplidora.
Por ejemplo, si partimos de la premisa: ¡esto no podemos manejarlo nosotros!,
quedamos expuestos a que las reglas las fijen los otros y así pierden su calidad de
marco referencial. Lo digital, es decir el contenido es sustituido por lo
230 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Sistemas de salud - perversión. Reflexiones sobre contrato y encuadre
analógico, lo relacional "Report" (informe) o referencial, es sojuzgado por "Command", instrucción o conativo (Jackson, D., 1962).
Y aquí debemos preguntarnos si en la interacción humana tanto influye A en B,
como viceversa, ¿cuánto dejamos de conceptualizar nosotros?. Así lo conativo lo
impone el sistema de salud o la institución que lo represente.
La regla pasa a ser parte del juego y la consecuencia es el caos y la confusión.
Gear y Liendo (1977) plantean "como un problema fundamental de la epistemología,
o, al menos, del contexto de justificación, el saber si son verdaderas o falsas", más
adelante expresa que: "... el olvido de las reglas de correspondencia constituye un
pecado metodológico". No la hay entre economía y salud.
Liberman, D. (1970) cita a Prieto, L. (1969) quien se refiere al campo de la
decodificación "campo noético" de un código . El campo semántico es el que se
refiere a todas las señales que muestran al mismo, si una señal no es miembro del
campo semántico del código respectivo más aumenta la incertidumbre.
Sin duda nos enfrentamos en el presente con dos campos semióticos de
significados francamente discrepantes entre sí.
El motivo principal de esta presentación es intentar una apelación a nosotros,
psicoanalistas, para que vigoricemos nuestro propio terreno de significados
semióticos, me parece que esta es nuestra herramienta irremplazable e insustituible. Es
la que fija nuestra identidad y es la base de toda experiencia psicoanalítica.
Si el encuadre se modifica pasa a ser proceso, decía J. Bleger (11).
Para concluir: pareciera que es oportuno volver al Freud de 1910, en ese
momento él consideraba que el progreso del psicoanálisis se derivaría de tres factores:
1) Progreso interno
2) Un aumento de autoridad
3) El efecto universal de nuestro trabajo
En el primer punto señala el empobrecimiento del yo por el gran gasto de
represión que la cultura exige de todo individuo, p.138 y, a continuación: "...La
sociedad no se apresurará a concedernos autoridad. No puede menos que ofrecernos
resistencia, pues nuestra conducta es crítica hacia ella; le demostramos que contribuye
en mucho a la causación de la neurosis."
Esto es lo que vivimos reactualizado, 90 años después.
Bibliografía
MELTZER, D. (1967). "Los estados sexuales de la mente". Buenos Aires: Ed. Kargiema.
1) SUPERINTENDENCIA DE ADMINISTRADORAS DE FONDOS DE JUBILACIONES, http/ /
//www.safjp.gov.ar/docs/estad.htm.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 231
Psicanálise e cidadania
Sandra Lorenzon Schaffa*, São Paulo, BRASIL
Melanie Farkas**, São Paulo, BRASIL
* Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. **
Membro Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 233
Sandra Lorenzon Schaffa e Melanie Farkas
Melanie:
As motivações deste Congresso refletem o interesse dos psicanalistas em formas
novas de trabalhar e de repensar o que já estão fazendo, assim como, a especificidade
do trabalho do analista em pensar em soluções a partir da sua escuta, da sua
compreensão analítica.
E possível considerar níveis distintos de intervenções do analista: de um lado,
um trabalho em funcionamento com uma equipe que o está desenvolvendo tendo o
analista a função de dialogar o que lhe permite melhorar seu desempenho. Esta função
é mais ou menos clara, corresponde ao que é específico da função analítica: captar o
que não está explicitado, facilitar a visão e a ação. É , em suma, o que chamamos de
supervisão.
Exemplos do que foi dito acima podem ser percebidos em minha participação
num workshop com dirigentes de entidades que trabalham com e como voluntários
onde está em jogo desde fazer um roteiro do que observar - a finalidade desse
workshop era aprender com as entidades mais experientes - até fazer uma cartilha para
outras com menos experiência. O discurso explícito sobre o que era a instituição
definia-se pela idéia: "deve-se fazer o bem". Quando o discurso aprofunda-se, revela
que a satisfação pessoal, que era muito importante, tinha que ser negada, desvalorizada
em nome da idéia de uma "missão". A legitimidade do prazer próprio, assim como o
encontro de frustração, decepção, que eram aspectos "maus" num trabalho considerado
beneficente - que tinha que ser bom, dar resultados, ser reconhecido -, não
encontravam lugar no discurso manifesto, e assim a sua experiência não podia se
legitimar. Ao ir além do explicitado, saímos da órbita do sentido de caridade e
passamos a tratar do problema da cidadania. Pensei que esse poderia ser o título deste
trabalho, porque vejo aí um eixo de reflexão que reúne outras experiências.
Um outro exemplo de intervenção passa-se num Centro de Referência de Aids
da Prefeitura de São Paulo com os problemas que aí ocorrem: uma situação nova
configurou-se desde que as pessoas que foram trabalhar lá não sabiam o que fazer:
nem os atendentes, nem os pacientes, nem os médicos. Os objetivos do Centro eram
atender os pacientes, distribuir os remédios e garantir a adesão ao tratamento. A
demanda de uma intervenção, nesse caso, não era dos pacientes, era da equipe. Quais
são as áreas em que caberia intervir nesse mar de angústias: do governo, da equipe
médica, dos psicólogos, dos pacientes, além da angústia geral relativa à
contaminação?
A falta de experiência nesse tipo de atendimento, agravada pela situação dessa
clientela, aliada ao não se saber como lidar com a questão do "aidético", palavra
proibida substituída pelo eufemismo: "portador do vírus HIV", criava vários
problemas. Um ponto crucial era de que para aderir ao programa era pre-
234 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicanálise e cidadania
ciso acreditar no tratamento sem que se tivesse certeza do seu efeito terapêutico. Algo
bastante diferente do espírito de uma vacinação contra raiva, onde a eficácia é algo
assegurado a priori. Uma dificuldade adicional advinha de que a cada situação de
abandono de tratamento, o paciente teria que voltar à fila de espera até poder receber
atendimento de novo, o que angustiava ainda mais os profissionais.
A angústia e a dificuldade de enfrentar o problema nesse caso envolvia
situações verdadeiramente paradoxais: se o paciente revelasse sua situação em seu
trabalho ficaria protegido juridicamente de ser despedido, mas poderia virar um pária
dentro do ambiente de trabalho. A medicação, por outro lado, traz muitos efeitos
colaterais, as pessoas ficam muito mal, às vezes aqueles que não tinham sintomas
trocam seu bem-estar momentâneo por uma piora sintomática com vistas a uma
melhora a longo prazo, não garantida. É evidente a ansiedade por parte dos atendentes
em impor o tratamento e trabalhar as resistências muito justificadas. Cabe, antes de
mais nada, uma compreensão da situação do médico. Trabalhamos nesse caso com o
binômio: possibilidades (médicos)/limitações (pacientes), permitindo uma ruptura
dessa polarização defensiva dos dois lados. O papel do analista é essencial no
enfrentamento das angústias envolvidas no processo de elaboração do conflito que se
concentra em torno desse binômio, favorecendo a abertura para uma nova condição de
tolerância, de algo entre a onipotência e a impotência, estimulando as possibilidades
(potência).
Da mesma maneira, quando a equipe trabalha com a questão da contaminação
alguns dados podem ser utilizados (sem aterrorizar o paciente) como mostrar que ele
também pode vir a ser recontaminado. Aparte sadia que existe em cada um é
considerada - o sujeito deixa de se definir a partir da doença. É tanto sadio para o
médico reconhecer a limitação, aceitar uma certeza relativa da eficácia do tratamento,
como, para o paciente, reconhecer que está doente para poder se tratar e viver a sua
identidade "sadia". A intervenção pode estender-se por muitos níveis. O trabalho deles
com a família defronta-se com problemas complexos. Por exemplo, situações onde
parentes ficam com a pessoa "doente" porque ela tem uma aposentadoria, ficam, não
cuidam, e até perturbam a relação que se estabelece.
O que cabe discutir aqui também é a dimensão multiplicadora da intervenção
analítica nesse nível. A função terapêutica é multiplicada através de agentes como
ocorre no caso de supervisão, nas ações de planejamento, na reflexão sobre as
condições básicas da saúde mental. Temos, pois, algo distinto do consultório, em que
o indivíduo singular é o objeto primeiro e último do nosso esforço (se bem que
também aí a multiplicação se dá).
O papel multiplicador da intervenção do psicanalista também pode ser
observado numa escola. O orientador, que encaminha casos para atendimento
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
235
Sandra Lorenzon Schaffa e Melanie Farkas
psicoterápico, pode beneficiar-se de uma escuta apropriada, no sentido de tornar-se
um agente capacitado para atuar num nível preventivo. O único papel do psicanalista
não é aquele de receber o paciente em seu consultório, mas, através de sua intervenção
num nível anterior, capacitar o agente para aceitar a demanda e até prescindir do
atendimento. (Até parece incongruente, tirando seu próprio mercado!). O trabalho nas
escolas também poderá ser desenvolvido com um programa de sensibilização e
cidadania onde o psicanalista colabora em projetos que serão desenvolvidos pelos
alunos, futuros dirigentes da sociedade.
Esse nível de atuação já está difundido entre pessoas analistas, mas não tanto na
instituição psicanalítica, na ordem de uma reflexão dos psicanalistas sobre a sua
posição diante de situações graves, por ex., o problema da marginalidade. Nesse
sentido, uma intervenção com agentes de saúde do poder público pode vir até a
oferecer elementos importantes às políticas de saúde e políticas sociais em geral. Para
possibilitá-lo é preciso saber quem são os agentes, como é a comunidade, é preciso
conhecer os códigos locais: o que significa, por ex., para uma mãe que tem um filho
doente, receber uma pessoa que não foi solicitada, que está impondo a sua ajuda - "eu
sei o que você precisa".
A partir dessas considerações, temas como a marginalidade, a violência, a
desagregação do ser humano, a cidadania, deveriam ser objeto das preocupações do
psicanalista que, a partir do instrumental que já possui, poderá repensá-lo. O que o
trabalho em nível comunitário pode testemunhar é de que o impasse entre os caminhos
que percorrem os planos individual ou social não são contraditórios, cada um desses
níveis abre caminho para o outro nível, reciprocamente. É preciso que se reconheça na
escuta do indivíduo o envolvimento da dimensão social. Por exemplo, quando um
menino de instituição, como a Febem, descreve sua participação numa situação de
agressão (é assim que a equipe percebe) - isso poderia ser apreendido, dentro de uma
perspectiva psicanalítica estrita, ignorando-se toda a dimensão de alteridade que
estrutura o sujeito. O analista para isso deveria formar-se nessa direção que resgata a
dimensão social e histórica do psiquismo. Outra ênfase cabe ao psicanalista como ser
humano, desmistificando o protótipo do analista-tela, mas se colocando como um ser
humano capaz de utilizar seus recursos pessoais, a bagagem de seu senso comum.
Quando um paciente com Aids rejeita a medicação, não se trata necessariamente de
rebeldia (nem de resistência!), é preciso escutá-lo.
Ao lado disso, através dos modelos que conhecemos bem, assim como o que se
passa dentro de uma família, ou seu substituto, ou sua caricatura, há verdadeiros
impasses com que nos defrontamos. Uma dessas situações que vejo nesse momento
como um verdadeiro desafio colocou-se a partir de meu contato com o coordenador do
projeto Axé preocupado com os meninos que saem do atendimento pelo Projeto. A
experiência de reconduzi-los ou ocupar-se da famí-
236 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicanálise e cidadania
lia própria ou substituta fracassa - seja por que eles irão encontrar condições de muita
violência ou regras das quais já se afastaram. "Será que caberia buscar uma solução
pela Internet?"- ironizava ele. Como criar uma situação equivalente quando essa
estrutura não existe concretamente? Chamo de familiagem uma função correspondente
àquela que uma família desempenha inerentemente.
A possibilidade de desenvolver um modelo que exerça essa função deveria
atender as condições básicas para o desenvolvimento do ser humano. O psicanalista
tem um acervo que o capacitaria a fornecer elementos para essa reflexão. Essa é uma
questão que proponho para meus colegas: será que há e se há como conseguir uma
"solução" para aqueles que por variadas razões da sociedade e da contemporaneidade
são privados temporária ou permanentemente dessa "família": crianças de populações
deslocadas, vítimas da violência, crianças de mães "solteiras", bebês de proveta e
outras situações extremas? Pensar em soluções em vigor como institucionalização
podem ser melhoradas com uma atenção e compreensão maior das necessidades e
possibilidades dessas crianças: garantir a maternagem com a continuidade da equipe e
capacitação da mesma e estabelecer limites necessários, para a integração e o
desenvolvimento da auto-estima, da cidadania e aquisição de valores. Uma solução
que contemple essas possibilidades e possibilite um modelo de inspiração utilizando as
"ferramentas" essenciais dos atendidos e dos psicanalistas seria uma grande
contribuição para os que se vêem diante de questões de criar um mundo melhor.
Sandra:
Se o que é próprio do diálogo analítico é essa insistência de um questionamento1
- o analista intervém -per via de levare -, esse esforço de conduzir a fala a superar suas
resistências - em dizer - colocando-a a serviço de uma desalienação do sujeito, o que
nos apresenta Melanie atesta que essa eficácia da escuta não é exclusiva da condição
que se preserva entre as paredes de nossos consultórios. Convidada a intervir num
workshop, oferece ao grupo a sua escuta. Tratava-se de um grupo de dirigentes de
entidades beneficentes que tinham como objetivo produzir uma cartilha para os menos
experientes. O que apreende a escuta da analista, reunindo os sentidos marginais, que
se enunciam nesse propósito dirigido aos iniciantes pelos mais experimentados de que
lessem segundo uma mesma cartilha? A atenção da analista atém-se nesse ponto onde
não lhe escaparão sentidos implícitos ao discurso manifesto do grupo em que
procuram a solução nessa cartilha unificadora. Ler por uma mesma cartilha poderia
ser, não apenas
1. A expressão é de Pierre Fedida.
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
237
Sandra Lorenzorr Schaffa e Melanie Farkas
oferecer um método de alfabetização/ instrução, mas também, a imposição do
compromisso com essa convicção unificadora, de soletrar uma definição identitária
(tal o sentido dominante da palavra "beneficente" no discurso grupai) segundo o
padrão de um desapego próprio da caridade - no qual a satisfação pessoal tinha de ser
excluída. O padrão relacionai da caridade, restritivo, impunha contradições
mutiladoras às partes relacionadas. O diálogo que se estabelece junto da analista
permitirá abertura do horizonte das identificações grupais favorecendo a reintegração
de aspectos excluídos (no caso, a satisfação pessoal e suas vicissitudes). As
observações de Melanie desenvolvem-se a partir da distinção entre relação de
caridade e relação de cidadania referidas a ordens distintas. Esta será a linha principal
destas considerações.
É possível considerar uma continuidade metodológica entre a psicanálise clínica
e a modalidade de intervenção descrita por Melanie. A consideração pela escuta das
condições subjacentes e organizadoras do discurso manifesto é capaz de produzir
efeitos terapêuticos mesmo sem se tratar de algum tipo de psicoterapia de grupo. A
permanência temporal que serve ao tempo elaborativo individual, necessário no
enquadre clássico, dá lugar a um processo multiplicador que transcende o plano da
subjetividade individual, efetuando-se no nível comunitário.
Ressalta da experiência do psicanalista que deixa seu diva a importância de uma
problematização das condições de especificidade da ação analítica que nos parece
servir não apenas a uma ampliação do horizonte técnico, mas de um aprofundamento
teórico2. Um eixo teórico que se fortalece particularmente no seio dessas
considerações é o de uma concepção da psique indissociavelmente individual e social,
fiel à herança freudiana . Fidelidade que não se teria rigorosamente mantido com o
desenrolar do movimento psicanalítico, tal como apontou A. Green3. O exemplo
evocado por Melanie do menino da Febem serve à sensibilização contra o risco de
aprisionamento da escuta a um plano imaginário, compreendida numa órbita exclusiva
dos processos projetivos - e introjetivos, sem referência à dimensão de alteridade
como constitutiva do sujeito. Somos confrontados com a necessidade de problematizar
as concepções sobre a transferência que sustentam as nossas intervenções.
Melanie ao relatar-nos sua experiência mostra-nos que o analista leva consigo
para situações bastante diversas daquelas que procedem do enquadre clínico uma
escuta que conserva a sua natureza essencial derivada do aparelho metodológico e
operatório do tratamento. Convida-nos, ainda, a ultrapassar esse plano de
considerações, propondo uma reflexão que não diga respeito exclusivamente à essa
dimensão crucial da nossa prática, a escuta, mas ao dizer. O que nos
2. "Psicanálise sem diva", vol. 30, 1977, nº.55/56 do Jornal de Psicanálise, focalizou criticamente essa problemática.
3. Causalité psychique. Entre nature et culture.
238 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicanálise e cidadania
caberia dizer diante das situações graves que marcam brutalmente o nosso cotidiano,
pergunta. Qual o alcance concreto daquilo que descobriu a psicanálise, daquilo que
elaborou em termos abstratos, para que o psicanalista se possa pronunciar diante do
problema da marginalidade, da desagregação do ser humano, da cidadania?
O Folhetim de 11 de setembro de 1983 publica "Pacto edípico, pacto social. Da
gramática do desejo à sem-vergonhice brasílica" onde um psicanalista conjuga a
gramática da psicanálise tomando de nosso acervo teórico elementos fundamentais
como "chave psicanalítica para compreensão do surto crescente de violência e
delinqüência que dilacera o tecido social brasileiro nas grandes cidades". Hélio
Pellegrino explicita os fundamentos teóricos que permitiriam ao sujeito humano
constituir-se psiquicamente a partir de um a pacto primordial capaz de sustentar o
pacto edípico. "A ruptura com o pacto social, em virtude de sociopatia grave - como é
o caso brasileiro -, pode implicar ruptura ao nível inconsciente com o pacto edípico.
Não nos esqueçamos que o pai é o primeiro e fundamental representante junto a
criança da lei da cultura. Se ocorre por retro-ação, uma tal ruptura, fica destruído no
mundo interno, o significante paterno, o Nome-do-Pai e, em conseqüência o lugar da
Lei. Um tal desastre psíquico vai implicar o rompimento da barreira que impedia em
nome da lei - a emergência dos impulsos delinqüenciais pré-edípicos predatórios,
parricidas, homicidas e incestuosos. Assistimos a uma verdadeira volta do recalcado".
Mais!, 12 de dezembo de 1999, Contardo Calligaris escreve "Do homem
cordial ao homem vulgar", retornando à questão aberta por Pellegrino, retomando o
tema da "sem-vergonhice brasílica" (melhor, da obscenidade) a que aludia Pellegrino
para focalizá-lo como mola principal do mal-estar (da enfermidade) que nos atinge
hoje. A análise de Calligaris encontra no sentimento da vergonha o lastro último de
nossa humanidade. O objeto da análise deste autor encontra-se num estado mais
avançado de degradação do que o que se desvelara através da análise de Pellegrino ao
investigar a constituição psíquica da nossa sociedade. Calligaris parte em sua
investigação desse traço identificatório finamente apreendido por Sérgio Buarque, a
cordialidade, como essa maneira de se relacionar em oposição às relações abstratas
que a partir do século 18 caracterizariam o mundo moderno. "No Brasil, somos
cordiais, lemos e praticamos os vínculos jurídicos como laços afetivos", resume. O
Brasil não se inclui no caso das sociedades onde a ostentação, típica da sociedade
regulada por uma economia moderna, pode ser organizadora de uma alta mobilidade
social enquanto fator produtivo de competição entre as elites modernas desenrolandose acidentalmente "sob os olhos de um povo miserável, arcaico, excluído do torneio".
O que não escapa à visada psicanalítica de Calligaris é essa ausência de embaraço que
acompanha o gozo de nossas elites a dirigir sua ostentação a quem não possui nenhu-
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
239
Sandra Lorenzon Schaffa e Melanie Farkas
ma condição de competir. Vê aí a degradação da cordialidade, que outrora tivera seu
charme, a descambar hoje num gozo em consternar. A realidade psicopatológica que
se constrói nesse regime excessivo de violência, em que se degenera o tecido social,
complementa-se nessa outra modalidade de gozo, que lhe é recíproco, o gozo em
violentar corpos que se efetua através da crescente criminalidade brasileira. O que se
desvela nessa análise é a dimensão de arcaísmo dessa parceria onde elite e
marginalidade protagonizam a concretização da ruptura do pacto social. A
familiaridade, que no homem cordial substituía compromissos fundados em sistemas
abstratos por compromissos afetivos, oculta (mal) hoje uma divisão inconciliável.
A escrita analítica quando emerge significativamente desse emaranhado vivo,
mar de angústias na expressão de Melanie, do mundo em que vivemos e se tece com a
força de uma interpretação que, dando voz ao nosso emudecimento cotidiano, realiza
um trabalho que não é, aliás, exclusivo do psicanalista, pertence de direito aos artistas,
aos escritores, aqueles que, renunciando ao sentido restritivo da própria subjetividade
enunciam a verdade do mundo que habitam. Uma aranha faz-se teia, como figurou F.
Herrmann, ao analisar agudamente esse processo.4 Aranha e teia, na imagem forte de
Herrmann, traduzem essa ligação do sujeito à trama do mundo. Alcançar uma
interpretação - artística, literária, ou psicanalítica (como a que realizou Freud) da
condição de ser no mundo não é algo que se possa dar a partir de uma posição de
exterioridade do sujeito do conhecimento diante do mundo, mas a partir do
reconhecimento a que o indivíduo pode aceder - a partir das entranhas de sua
humanidade - dessa sua outra face que se lhe apresenta externamente - o mundo em
que vive. Na expressão de Herrmann, "O sujeito humano, indivíduo e sociedade, está
impregnado até a medula desse real psíquico originário, e só mercê de sua capacidade
de representá-lo consegue manter sua diferenciação".5 A intervenção analítica - seja
ela dentro ou fora dos muros - norteia-se por essa consideração de uma mesma origem
individual e social da psique. A capacitação de que se beneficia o paciente ou a
comunidade a partir do que podemos chamar genericamente de um efeito analítico é da
ordem da representação: ganho psíquico de maior mobilidade em representar a sua
participação no mundo.
A expressão freudiana de Kulturarbeit traduz o movimento das transformações
psíquicas impostas à história da humanidade e a história singular de cada um pelo fato
das dependências constitutivas mútuas - divergentes e convergentes, solidárias e
incompatíveis - entre o indivíduo e a espécie afiançando o narcisismo individual,
numa função de identificação originária que antecede a
4. "O Homem Psicanalítico. Identidade e Crença". Rev. br de psicanál. 1983.
5. Para um aprofundamento dessa perspectiva, ver Psicanálise do Cotidiano, Artes Médicas, 1997.
240 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicanálise e cidadania
experiência objetai.6 É esse processo psíquico que começa na aurora da vida psíquica
da humanidade e de cada indivíduo tecendo entre o único e o impessoal a caução
narcísica mínima de nossa condição humana. A atividade inconsciente repousa sobre
essa certeza mínima de uma referência certa ao semelhante.
A noção freudiana de desamparo, Hilflosigkeit, poderia ser um ponto de partida
para discutir a noção de familiagem proposta por Melanie. O estatuto metapsicológico
dessa noção em Freud permite fazê-la percorrer os diferentes níveis dos problemas
sobre os quais nos interpela o relato de Melanie: o desamparo como fato socialmente
dado, o desamparo do menor abandonado pela família e pela sociedade, assim como
aquele que corresponde estruturalmente ao estágio inicial do ser humano, fundamento
a partir do qual se edificará o desenvolvimento ulterior de sua estrutura subjetiva.
No artigo de 1938 sobre a família, Lacan considera esse estado de deficiência
inicial da criança como o de uma dependência crucial na relação da criança com seus
pais, inscrevendo no seio familiar o processo de humanização. Essa miséria
fisiológica, com a dramática condição de dependência que implica, importa não tanto
como realidade psicológica, mas como significante que se inscreve na história dos
eventos psíquicos do sujeito.
A psicanálise coloca-nos diante dessa questão de que a consistência do eu
forma-se a partir dessa relação de total dependência primordial. O desamparo humano
não se refere às forças da natureza mas do desejo do outro de quem ela precisa ser
preservada é no drama do desejo do sujeito subordinado ao desejo do outro, propõe
Lacan - que se constitui uma estrutura essencial, não apenas da neurose, mas de toda
estrutura analíticamente definida. O desamparo é uma condição estrutural em face da
qual o indivíduo deve se situar. Este face a face com o desamparo, em relação ao qual
o sujeito teria de se situar, constitui, para esse autor, o ponto crucial do tratamento
analítico.
A psicanálise contribui à consideração dos problemas referentes à saúde mental
através da descoberta da importância das relações objetais na sustentação da
integridade narcísica do indivíduo, de sua coesão mental a partir de um assentimento
dado a criança pela função materna, como um fato de estrutura. O interesse precoce
pela presença humana - como indica a reação precoce de interesse que manifesta o
recém nascido pelo rosto humano, assim como o valor que toma a máscara humana
nos conteúdos das psicoses -, evidencia um papel de traumatismo causai associado a
substituições da presença, como mostra Lacan. É, contudo, num nível anterior ao da
relação de objeto, no nível de um assentimento simbólico (poderíamos designá-lo
como função paterna para alcançar,
6. "A referencia inconsciente de que cada vida representa de modo impessoal a vida humana, a condição humana, em
seu conjunto uma referência de inclusão indestrutível do indivíduo no devir humano". "Faire une analyse et guérir: de
quoi?", Topique, 1993, Nathalie Zaltzman" desenvolve magistralmente essa questão.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
241
Sandra Lorenzon Schaffa e Melanie Farkas
assim, a idéia de familiagem proposta por Melanie) que se funda essa certeza
inconsciente de que o homem existe para seu semelhante. As perguntas finais de
Melanie e as condições analisadas por Pellegrino e Calligaris referem-se a um estado
onde o outro passa a ser isso que não tem importância e que poderia ser deixado a
mercê de uma indiferença mortífera. O vínculo constitutivo da humanidade do
homem, no fundamento de todo desenvolvimento psíquico, encontra seu último avatar
nessa condição de degeneração que se faz sinalizar pelo sentimento de vergonha como
atestaram Pellegrino e Calligaris.
A vergonha seria a "dor da destruição da figura humana, esse escárnio das
referências narcísicas, esse estatuto de matéria impunemente degradável designado ao
humano", propõe Nathalie Zalzman em "Perdre Ia face"7. A vergonha envergonha-se
da constatação desse modo de ferocidade indiferente que marca a história de cada um.
A vergonha designa a dor de cada um quando perde o seu rosto já que o conjunto
humano perdeu seu rosto humanizador. A vergonha, em nosso caso, talvez contenha a
esperança de não sermos incuráveis - atesta que conservamos em germe o móbil da
desalienação - mesmo que tenhamos ultrapassado de modo alarmante a condição de
mal estar denunciada por Freud.
Abordar de um ponto de vista psicanalítico a questão da cidadania obriga-nos a
considerar esse pertencer à espécie humana num nível primordial que foi designado
por Freud, em 1923, como "a primeira e a mais importante identificação efetuada pelo
indivíduo: aquela com o pai de sua pré-história pessoal. Essa identificação, originária,
não é, portanto, conseqüente a concentração sobre um objeto: ela é direta, imediata à
concentração sobre qualquer objeto"8. Esse pensamento legado por Freud de que a
história individual vincula-se intrinsecamente à história da humanidade - a realidade
psíquica, tal como a compreende psicanálise inscreve-se dentro da realidade humana leva-nos a considerar a questão da cidadania como intrínseca à própria lógica
psicanalítica.
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
7. In "De Ia guéríson analytique", PUF, 1998.
8. "O Ego e o Id", 1923.
242 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Perspectiva psicoanalítica
de la transmisión cultural
(Más allá de la ley del padre)
Juan Vives Rocabert*, México, MÉXICO
Resumen
Tradicionalmente el pensamiento psicoanalítico ha hecho derivar la transmisión de los elementos culturales casi exclusivamente alrededor de la figura del padre. A partir de Tótem y tabú
(1912-13), Freud establece la hipótesis de una transmisión filogenética de elementos culturales que sirven de base de sustentación a las diversas formas de sociedad y de religiones. El
posterior concepto estructural de Superyó, heredero del complejo de Edipo, vendrá a ser la
internalización de la ley del padre, piedra basal en la transmisión de las pautas normativas. En
virtud de que el deseo es indestructible, la necesidad de que los individuos incorporen una
prohibición formal del incesto es el origen de ese tabú universal. A partir de estas formulaciones iniciales, Freud llega al concepto de "fantasías primordiales" cuya transmisión es hereditaria, incluyendo su contenido ideacional.
Esta "ficción" filogenética de Freud y su discusión interminable ha provocado que permanezca
en un segundo plano el problema mismo de la transmisión. En este trabajo se postula la
existencia de más de un mecanismo de transmisión de los valores y normas culturales. En
primer término, se establece la centralidad de la madre como la primera y muy importante
transmisora de los valores culturales, importancia que deriva del hecho de que se trata de una
modalidad preverbal, como la comunicación que luego ocurre en la transferencia durante el
tratamiento psicoanalítico: lo que Freud calificaba de comunicación de inconsciente a inconsciente. En ella, si bien es cierto que el padre está presente a través de la figura materna, la
forma de transmisión es distinta de la que luego transmite el padre desde un pensamiento
simbólico sustentado en la palabra.
* Membro Efetivo da Sociedad Psicoanalítica Mexicana.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 243
Juan Vives Rocabert
Introducción
El grupo familiar precede a la constitución del sujeto y es la célula social
encargada de la transmisión de la cultura en la que está inmerso dentro de un espacio y
un tiempo determinados. Lo que cada familia transmite a sus nuevos miembros son las
pautas culturales vigentes en su particular grupo social - o pautas excéntricas al mismo
- así como las formas de gratificar o reprimir las pulsiones, la modulación en la
expresión de los afectos y las formas y oportunidades para su exteriorización, así
como las prohibiciones formales. Hay que destacar el hecho de que, en términos
generales, en nuestras sociedades latinoamericanas sigue siendo vigente el
ordenamiento de tipo patriarcal (descrito por Max Weber) en el que sigue privando la
desigualdad social y de género.
El problema de la transmisión de la cultura en la obra de Freud1 siempre tropezó
con su empeño de conceptualizarla como una forma de herencia que había
incorporado elementos externos de la vida del hombre, repetidos durante multitud de
generaciones, herencia que intentaba basar en un fundamento biológico: de ahí su
adhesión a la teoría lamarkiana de la evolución que postulaba la transmisión genética
de los caracteres adquiridos.2
A partir de estos conceptos, Freud también establece la hipótesis de una
transmisión filogenética de elementos culturales que son la base de sustentación de las
diversas formas de sociedad así como de los diversos tipos de religión en el mundo
occidental. Más adelante, a partir de la teoría estructural desarrollada en El Yo y el Ello
(1923), el concepto de Superyó, heredero del complejo de Edipo (así como el de Ideal
del Yo, heredero del Edipo negativo y depositario del narcisismo), vendrán a ser,
gracias al proceso de identificación, una forma de internalización de la ley del padre,
piedra basal en la transmisión de las pautas normativas. En este sentido, no ha sido
indiferente que Freud fuese judío ya que esta pertenencia ha marcado el desarrollo de
algunas características del psicoanálisis. A pesar de que la pertenencia al grupo judío
está fuertemente marcada por una transmisión matrilineal, se trata de una tradición
cultural en la que el papel del hombre en general y la figura del padre en particular son
de una relevancia primordial. Como ha puntualizado Blanck-Cereijido, "podemos
suponer que el papel que Freud asigna a la figura paterna en la formación del sujeto y
en el
1. Situación que podemos rastrear en los escritos freudianos desde la temprana época de la correspondencia con
Fliess, donde en el Manuscrito N (del 31 de mayo de 1897), luego de haber relatado el sueño "Hella" en el que Freud
aparece como el seductor de su hija Matilde, le explica a su amigo que el incesto deriva de la cohesión duradera que
ocurre durante la infancia por lo que hay una tendencia a no relacionarse con extraños: "la cultura -escribe Freudconsiste en esa renuncia progresiva" (Freud, 1897, p. 270); en sus desarrollos intermedios, como es Tótem y tabú
(1912-13); hasta sus últimas obras como El porvenir de una ilusión (1927), El malestar en la cultura (1930) y Moisés y
la religión monoteísta: tres ensayos (1939).
2. Esta tesis es la base de sustentación de temas tan importantes como los abordados en Tótem y tabú (Freud,
1912-3), así como de su concepción de las fantasías primordiales, que pretendía tuviesen una base biológica heredita
ria.
244 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Perspectiva psicoanalítica de la transmisión cultural (Más allá de la ley del padre)
desarrollo de la civilización ha de estar fuertemente influido por el que desempeñó en
su vida Jacob Freud, su propio padre" (Blanck-Cereijido, 1994, p.281). De hecho, el
propio Freud es un buen ejemplo de la transmisión cultural de su grupo de
procedencia, nacido dentro de una cultura judía librepensadora y un tanto alejada de
los aspectos tradicionales del judaísmo ortodoxo, gracias a lo cual pudo ir más allá de
las determinaciones sociales en las que había crecido y sido educado en forma
semejante a como Nietzsche pudo también trascender las pautas culturales dentro de
las que había sido educado.
El problema de la transmisión de la cultura, tributario de esta "ficción"
filogenética de Freud - a la que se aferró a lo largo de su vida pese a haber sido un
pensador profundamente marcado por el darwinismo - y su discusión interminable ha
provocado que permanezca en un segundo plano el problema mismo de la transmisión
y sus mecanismos. Para Freud, la primera identificación es con la figura del padre, y la
ley que de éste emana es el mecanismo central gracias al cual la cultura se transmite a
través de la cadena de las generaciones.
En este trabajo se postula la tesis alternativa de que existe más de un mecanismo
de transmisión transgeneracional de los valores y normas culturales. En este sentido,
estamos de acuerdo con Käes (1993a) quien ha puntualizado que la herencia social es
impartida de diversas maneras, proponiendo una forma de acción a través del
apuntalamiento, y otra gracias al mecanismo de identificación e incorporación - lo que,
por cierto, ya había sido adelantado por el propio Freud.
La hipótesis que sustento es que la madre es la primera transmisora de la cultura
y la que más peso tiene en la transmisión de los usos y las costumbres así como de las
reglas y normatividades que nos rigen a través de la regulación en la expresión
pulsional de un bebé, de los derivados de pulsión - los afectos - y la comunicación de
representaciones cosa, es decir, de fantasías inconscientes y conceptos-imagen. En esta
forma la madre transmite su propio mundo inconsciente, su historia y las vicisitudes
de su desarrollo libidinal, incluyendo la estructura edípica y las regulaciones (reales o
fantaseadas) que determinan sus relaciones con el padre de su bebé. En virtud de lo
anterior, la transmisión del inconsciente reprimido materno incluye todas las
regulaciones culturales contenidas en él, mecanismo que asegura la perpetuación y
transmisión de esa herencia social que es la cultura.
El papel del padre, en un segundo tiempo, tiene la virtud de formalizar
simbólicamente lo anteriormente comunicado por la madre que, de esta forma, es
resignificado desde los parámetros de la ley paterna. Este trabajo elaborativo, desde la
ley del padre, tiene que ver con la multicitada frase de Goethe: "lo que has heredado
de tus padres, adquiérelo para poseerlo", tan gustosamente repetida por Freud.
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 245
Juan Vives Rocabert
Al mismo tiempo enfatizaremos que los mecanismos de transmisión materna
tienen que ver con modos sumamente arcaicos de funcionamiento psíquico, propios de
la etapa diádica, en los que hay una "transfusión" - para usar el término propuesto por
Rouchy (cit. por Käes, 1993b) - de contenidos mentales entre los dos protagonistas de
la simbiosis, gracias a la preeminencia de mecanismos del tipo de la identificación
introyectiva e identificación proyectiva, que es una forma de hacer referencia a lo que
se juega en una fase en la que hay una comunicación afectiva y de conceptos-imagen
(Cabrera, 1999).
Por el contrario, la transmisión de la ley del padre transita, íntegramente, por los
mecanismos de lo simbólico - inseparables de la representación palabra y del
pensamiento abstracto. Como podemos ver, la identificación con el padre es una
modalidad ulterior de este mecanismo, aquella que hace posible la versión casi
definitiva del Superyó como heredero del Edipo positivo.
La cultura
En este momento, debemos hacer referencia a lo que entendemos por cultura.
Recordemos, aunque sea brevemente que la cultura puede ser definida, justamente,
como una forma de herencia social, es decir, como la transmisión de sus normas y
reglas de funcionamiento. Para Freud, "el término 'cultura' designa la suma de las
producciones e instituciones que distancian nuestra vida de la de nuestros antecesores
animales y que sirven a dos fines: proteger al hombre contra la Naturaleza y regular
las relaciones de los hombres entre sí" (Freud, 1930, p.3033). Este último punto se
conquista cuando se logra sustituir el poder individual por el de la comunidad, lo que
para Freud constituye el paso cultural decisivo para la instauración del concepto de
justicia. En otros términos, la cultura está sustentada sobre la renuncia de las
satisfacciones pulsionales, en la insatisfacción de estas fuerzas que constituyen el
elemento energético del psiquismo humano, tema al que Kolteniuk le ha dedicado un
detenido y profundo estudio desde la perspectiva del análisis filosófico (1986). Por su
parte, Ralph Linton ha dejado asentado: "En los mamíferos la conducta total del
individuo está integrada por tres elementos, a saber: la conducta instintiva, la conducta
resultante de la experiencia individual, y la conducta aprendida de otros individuos"
(Linton, 1936, p.87)3. Este último punto, enfatizado especialmente por Freud como
"edu3. Esta capacidad para transmitir de una generación a la otra la conducta aprendida es lo que dio a los mamíferos una
definitiva ventaja en la lucha por la sobrevivencia, ya que les permitió desarrollar y transmitir una serie de patrones de
conducta que, basados en los instintos, eran susceptibles de una modificación mucho más rápida. El conducto primordial para la transmisión de estas pautas es de padres a hijos y, en los humanos, gracias al empleo del lenguaje,
promueve un enriquecimiento progresivo de las nuevas generaciones. Son estos elementos culturales los que se transmiten en los seres humanos gracias a la larga etapa de indefensión con la que nace el homo sapiens. Lo que pierde en
desvalimiento original lo gana en herencia cultural transmitida a través de la familia - primero por vía de la madre y
luego del padre y otros miembros significativos de la estructura familiar. Esta característica hace que Linton hable de
246 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Perspectiva psicoanalítica de la transmisión cultural (Más allá de la ley del padre)
cación pulsional", es el que define la transmisión de la experiencia y las leyes con las
que dicho grupo social se rige. Independientemente de cuál haya sido el origen de un
grupo social, todos comparten ciertos rasgos comunes: el primero tiene que ver con el
hecho de que no es el individuo sino la sociedad la que constituye la unidad más
importante en la lucha por la existencia; el segundo, es que las sociedades tienen una
duración mucho mayor de la de los individuos que las componen; en tercer término,
las sociedades son unidades que funcionan como conjuntos cuyos intereses son más
importantes que los de los sujetos que las componen; finalmente, toda sociedad
funciona gracias a una división de actividades que se reparten entre sus miembros, de
ahí la necesidad de patrones y códigos culturales comunes a todos ellos (Linton,
1945).
Los contenidos culturales pueden distinguirse en cuatro categorías: en primer
término, están los llamados factores universales, conformados por las ideas, hábitos y
reacciones emocionales condicionadas que son comunes a todos los miembros adultos
normales de una sociedad dada; en segundo lugar, las denominadas especialidades,
que son aquellos elementos culturales que comparten individuos pertenecientes a
ciertas categorías sociales, pero no por la totalidad de la población (las normatividades
en relación al género pertenecen a esta categoría4); en tercer término, las
características alternativas, que sólo comparten cierto número de individuos de la
sociedad, y que representan diferentes reacciones frente a las mismas situaciones o
diferentes técnicas para alcanzar los mismos fines; y, finalmente, las llamadas
peculiaridades individuales, aunque su singularidad hace que Linton (1936) no las
considere como clasificables dentro de los elementos culturales - pese a lo cual, como
podemos ver ya en el terreno de la psicopatología, son transmisibles de una generación
a otra, tal como Freud lo estableció en La herencia y la etiología de las neurosis
(1896a) y en La etiología de la histeria (1896b), cuando argumentaba en contra de la
teoría de la degeneración hereditaria.5
que es "la sociedad, más que el individuo, la que se ha convertido en la unidad primaria en la lucha por la existencia.
Los hombres se enfrentan a la naturaleza no como unidades independientes, sino como miembros de grupos organizados en forma cooperativa" (Linton, 1936, p. 97). Este tipo de herencia social -la cultura- contribuye "a facilitar el
trato social, pero impone al individuo una pesada carga, tanto por el trabajo de aprendizaje que suponen como por la
constante atención que exigen y la frecuente frustración que producen de las inclinaciones personales" (Op.cit., p.100).
Para este autor, los elementos culturales muestran una tendencia hacia una complejización innecesaria, como es el
caso de las religiones.
4. Los sistemas sexo/género se definen como "los conjuntos de prácticas, símbolos, representaciones, normas y valores
sociales que las sociedades elaboran a partir de la diferencia sexual anatomo-fisiológica y que dan sentido a la satisfacción de los impulsos sexuales, a la reproducción de la especie humana y en general al relacionamiento entre las
personas" (De Barbieri, 1992, p.151). El estudio de estos sistemas es una forma de dar cuenta de la subordinación
femenina y dominación masculina.
5. Sabemos que son las necesidades del individuo las que ofrecen "los estímulos que regulan su conducta, y a través
de ésta, son la causa del funcionamiento tanto de la sociedad como de la cultura" (Linton, 1945, p. 21). Más allá de las
necesidades fisiológicas como alimentarse, dormir, la satisfacción sexual y el evitar el dolor, en el hombre encontramos
una serie de necesidades psicológicas. Para Linton la más notable de ellas es la necesidad de respuesta emotiva de los
demás, el deseo de aprobación del grupo en el que vive. En segundo término, está la necesidad de seguridad de largo
plazo; finalmente, la necesidad de experimentar cosas nuevas.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 247
Juan Vives Rocabert
Por su parte, Paul Ricoeur nos ha enseñado que la relación con el otro no se da
simplemente "como un objeto psicofísico, situado en la naturaleza; es también un
sujeto de experiencia con el mismo título que yo (...) sobre la base de esta
intersubjetividad se constituyen una naturaleza y un mundo cultural comunes"
(Ricoeur, 1974, p.46). Pero este otro capaz de transmitir y de ser receptor de elementos culturales no está supeditado al uso exclusivo del lenguaje hablado. De hecho,
este autor distingue, en la comunicación dialogal entre relaciones intersubjetivas cortas
y largas, y distingue a estas últimas como sostenidas por "una transmisión, una
tradición histórica, de la que el diálogo constituye sólo un segmento" (Op.cit., p.31).
Transmisión materna
Como podemos ver, el lenguaje está reputado (y con cierta razón) como la vía
regia para la transmisión de los valores culturales. Sin embargo, creo que es
importante dejar establecido que estos valores incorporados en el aparato psíquico van
a caer sobre un sustrato previo, de tipo preverbal, derivado de la relación con la
madre.
El problema de la transmisión está íntimamente relacionado con el primer
objeto de identificación. Freud menciona, sin mayor explicación, que se trata del
padre; sin embargo, esta afirmación es altamente cuestionable y sólo puede sustentarse
en la negación de la relación diádica. No se puede llevar lo falocéntrico hasta tan lejos.
Es obvio que el primerísimo objeto con el que se relaciona el bebé es su madre, la que
constituye también su primer objeto de identificación. Es con ella con quién el bebé
tiene las primeras interacciones. El objeto externo madre es el que interactúa con el
mundo pulsional del bebé dando como resultado la estructuración del psiquismo de
este último; pero, además, es la primera interacción que sirve de pauta para modular
las reacciones emocionales. Si bien es cierto que la pulsión es el motor del aparato
psíquico, la que aporta el elemento energético del mismo, también tenemos que asumir
que el objeto externo madre es con quien aprende el bebé a modular, tamizar y darle
variedad y riqueza a una serie de afectos derivados de dichas mociones pulsionales.
André Green (1995) es uno de los que más ha insistido en la dialéctica existente entre
la pulsión y el objeto; de hecho, nos habla de una función objetalizante de la pulsión.
Ya en otros lugares (Vives, 1988,1997,1998) he mostrado como la madre es el
primer objeto de relación del bebé, pero al mismo tiempo el primer objeto de
identificación - tanto para los hombres como para las mujeres. Como Freud dejó
anotado, la identificación es, al mismo tiempo, la primera forma de relación con el
otro (Freud, 1921). Lo importante es que la relación diádica es una primera
248 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Perspectiva psicoanalítica de la transmisión cultural (Más allá de la ley del padre)
forma de relación intensamente intersubjetiva - en el sentido de Berenstein (1991) mucho tiempo antes de que pueda ser una relación interpersonal. Esto quiere decir que
existe una constante y profusa comunicación entre la madre y su bebé, pese al hecho
de que se trata, en sus inicios, de una comunicación preverbal.
El hecho de que la fase oral coloree buena parte de la relación diádica, explica la
modalidad con que se llevan a cabo los procesos de incorporación psíquica - que es la
forma más primitiva de relación con el otro. Es importante establecer esta peculiar
modalidad de transmisión cuando estamos hablando de la fase simbiótica, en términos
de M. Mahler (1968), ya que nos ayuda a entender que este tipo de proceso está
facilitado en virtud de la indistinción entre el adentro y el afuera; de ahí la importancia
de los mecanismos de identificación proyectiva e identificación introyectiva antes
mencionados. De hecho, madre y bebé funcionan a la manera de vasos comunicantes,
donde el contenido mental de uno puede ser "trasvasado" al otro en función de la
simbiosis psicológica en la que están inmersos y los mecanismos que en ella operan.
De ahí que los contenidos de la madre pasen al psiquismo de su bebé sin mediar la
palabra, desde una comunicación que va desde un inconsciente al otro, comunicación
particularmente efectiva si tenemos en cuenta que está vehiculizada básicamente por
los componentes afectivos, emocionales, que circulan durante esta relación diádica.
Aunque la madre le habla todo el tiempo a su bebé, lo que le transmite circula por los
elementos emocionales que tienen que ver con la música de su voz, mucho antes de
que la palabra comience a tener un significado en cuanto tal.
Lo que la madre transmite son afectos, es decir, derivados de pulsión. Si
tenemos en cuenta de que la pulsión es lo heredado y se caracteriza por un fluir
constante, mientras que los afectos son lo aprendido desde la intersubjetividad con la
madre que es con la que el bebé empieza a modular sus pulsiones, entendemos que
este tipo de interacción diádica es lo que se registra como modelos de funcionamiento
mental. Hora bien, en este tipo de transmisión el bebé no es un receptor meramente
pasivo de lo transmitido, sino que es capaz de regularlo desde su incipiente psiquismo,
de esta manera tamiza la transmisión de formas de relaciones objétales, de
identificaciones o de escenas fantasmáticas (Käes, 1993b).
Freud, en Tótem y tabú (1912-13) puntualiza que las prohibiciones del tabú son
indispensables en virtud de que "ciertas personas y ciertas cosas poseen una fuerza
peligrosa que se transmite por contacto, como un contagio"; en otras palabras,
podemos inferir que el tabú es como un preventivo de lo que la madre, por medios
preverbales y a través del contacto corporal, transmite: el erotismo, la sexualidad y la
seducción, por lo que es la que introduce el tema del deseo incestuoso que,
simultáneamente, es prohibido por ella misma. Doble mensaje fundante del conflicto
interno constitutivo del psiquismo en formación y primer
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 249
Juan Vives Rocabert
tiempo de un Edipo aún por venir - anuncio de un Edipo en el porvenir. Se trata de
mecanismos de transmisión propios del proceso primario, es decir, del inconsciente
materno al inconsciente del bebé; de ahí que el mismo Freud establezca las
equivalencias ente transmisión, desplazamiento y contagiosidad. El deseo incestuoso,
por obra de ese tabú inicial que se transmite junto con el erotismo, tendrá que ser
constantemente desplazado hacia otras representaciones secundarias, subsidiarias. El
objeto del deseo se pierde, pero se conserva lo transmitido: el deseo incestuoso y la
prohibición del mismo. En forma semejante, los impulsos agresivos son tamizados en
la relación con la madre: es la primera moduladora de su expresión o bloqueo. Es la
madre la primera transmisora de las normas que regulan la agresión con el otro:
cuando prohíbe a su bebé morder el pezón, está estableciendo la base de una norma
fundamental para la convivencia social. De ahí en adelante, los seres humanos
sabemos establecer pactos de no agresión con los demás en beneficio de la formación
de grupos sociales. Como Freud lo señaló en su oportunidad, las fuerzas que
cohesionan a los grupos son un sentimiento fraterno de igualdad ante el afecto del
padre y un pacto de no agresión entre los hermanos (Freud, 1921).
Cuando la madre prohíbe la agresión oral a su bebé, ¿desde dónde impone esta
norma de relación con el otro - en este caso, con ella misma? Aquí la madre actúa
desde enseñanzas transmitidas transgeneracionalmente por la cadena de los ancestros,
enseñanza que permanece depositada en su inconsciente. Lo cuestionable es la
afirmación reduccionista que advierte que es sólo la ley del padre lo que habla desde el
inconsciente materno ya que, de hecho, lo que se transmite tiene que ver con su
inconsciente ancestral gracias al cual transfunde a su bebé la historia toda de la
humanidad. Este es el sentido de lo que Freud trataba de decir con su "ficción"
lamarckiana: la existencia de una transmisión psíquica de la cultura desde los estratos
más profundos y reprimidos del inconsciente. Freud, en su afán de inscribir al
psicoanálisis dentro de las ciencias de la naturaleza, imaginó una forma genética,
biológica, de transmisión: de ahí su necesidad de recurrir a Lamarck - pese a su
darwinismo.
Como dice Käes, "Freud propone de este modo distinguir dos vías de la
transmisión: una pasa por la cultura y por la tradición, y su soporte es el aparato
cultural y social que asegura la continuidad de generación en generación; la otra está
constituida por esa parte 'orgánica' de la vida psíquica de las generaciones ulteriores"
(Käes, 1993b, pp.55-56); dicho en otros términos, la primera sería la típica transmisión
por vía del padre, mientras que la segunda es la modalidad materna. "De este modo dice Käes - quedan precisadas dos cosas: la transmisión directa por la tradición no
aporta una respuesta satisfactoria a la cuestión de la continuidad de la vida psíquica.
Para llegar a ser eficaces, las disposiciones psíquicas heredadas deben ser estimuladas
por ciertos sucesos de la vida indivi-
250 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Perspectiva psicoanalítica de la transmisión cultural (Más allá de la ley del padre)
dual. Vemos aparecer aquí una idea moderna: la de la epigénesis, que propone que el
recién nacido llega al mundo con funcionamientos y estructuras potenciales que la
interacción intersubjetiva con el entorno actualiza" (Käes, 1993b, p.59). Se trata de
que los valores transubjetivos se transmiten por vía intersubjetiva; de ahí se
metabolizan y resignifican intrasubjetivamente, ya que la herencia no es un proceso
pasivo: el sujeto debe hacerla suya, apropiársela. Por esto la herencia social y/o
cultural no es una fatalidad: todo sujeto tiene que reinventarla una y otra vez, por lo
que lo transmitido tiene el estatuto de algo viejo y nuevo al mismo tiempo.
¿Cómo se lleva a cabo la transmisión de inconsciente a inconsciente, de madre a
bebé? Sabemos, desde Darwin, que los seres humanos poseemos de manera innata la
capacidad para leer - correctamente - los mensajes emocionales emanados por el
inconsciente del otro, lo que de alguna manera atenúa el problema de la indefensión
originaria con la que nacemos. Cuando esto no ocurre así, cuando la madre no es
capaz de entender los mensajes corporales y gestuales de su bebé, estamos ante una
diada que posee altas potencialidades patogénicas, ya que ese bebé estará destinado a
no ser capaz de modular sus afectos en la forma habitual dentro del grupo social en el
que crece y en el que vivirá el resto de su vida.
Hablar de transmisión es dar por sentado que existe una distinción entre el
transmisor y el que recibe lo transmitido; en otras palabras, parecería necesitarse un
sujeto de la transmisión claramente singularizado de su madre transmisora. Si bien
esta característica es indispensable cuando hablamos de la transmisión simbólica,
resulta sin embargo, irrelevante en la modalidad diádica de transmisión. En esta
última, lo que distingue este tipo de transmisión preverbal es que podemos entenderla
más en términos de "transfusión" de ciertos contenidos de la madre a su bebé, dado el
sistema de "vasos comunicantes" existente entre el bebé y su madre. H.S. Sullivan
(1946-47) hablaba de una "transmisión empática de la angustia" para explicar el
proceso mediante el cual un estado emocional de la madre - en este caso, la angustia era transmitida a su bebé sin mediar ningún tipo de comunicación verbal.
Por lo tanto hay una transmisión que podríamos llamar como diádica, ya que en
ella intervienen primordialmente - y muchas veces de manera exclusiva - la madre y
su bebé. El que esta comunicación sea de cuerpo a cuerpo y se transmita mediante un
sistema de indistinción entre un inconsciente y el otro inconsciente es entendible en
función de que se trata de una comunicación privativa de la etapa simbiótica donde no
hay distinción entre la madre y su bebé, y por lo tanto los contenidos
representacionales (de cosa) pasan directamente de un sujeto al otro. En este sentido,
estamos de acuerdo con René Käes (1993a) cuando considera al sujeto del
inconsciente como sujeto de la herencia. Para este
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
251
Juan Vives Rocabert
autor, este tipo de comunicación lo lleva a suponer "que una parte de la función
represora sobre ciertas modalidades de la transmisión psíquica, por ejemplo, según las
modalidades fijadas por las alianzas, los pactos y contratos inconscientes" (p.16), es de
donde derivan las características neuróticas, borderline o psicóticas de los sujetos, así
como la formación del Superyó y del Ideal del Yo. Se trata de una auténtica
comunicación intersubjetiva en el más estricto sentido del término, ya que es de una
subjetividad a otra. En esta fase, la transmisión no pasa por la mediación de la
comprensión de la palabra materna y de ahí su importancia en la constitución de las
primeras representaciones psíquicas. Como se mencionó son representaciones de cosa
pertenecientes al sistema del inconsciente que la madre transmite a su bebé. Aunque es
la madre la que enseña el lenguaje a sus hijos (por eso se habla de lengua materna),
este primer tipo de intercambios están sustentados en el intercambio emocional.
Un aspecto distinto es tratar de determinar lo que el bebé transmite a su madre,
ya que los vasos comunicantes simbióticos son caminos muy primitivos de dos vías:
de la madre al bebé, pero también del bebé a su madre. Gracias a la regresión y a la
parte que se identifica con su bebé, la madre "suficientemente buena" es capaz de
"entender" los estados afectivos de su bebé. Por eso hemos insistido en que una parte
fundamental de este tipo de comunicación mutua tiene que ver con la expresión de los
afectos. Sabemos que los afectos son derivados pulsionales que pasan a la conciencia
sin que sea necesario que se les adicione ninguna representación de palabra: su paso es
directo. De ahí su característica de innombrables. Se trata del lenguaje privativo del
inconsciente en el sentido que le daba Freud cuando comentaba el lenguaje primordial
de Schreber, que tiene que ver con el lenguaje del proceso primario; de ahí que este
sea también el lenguaje de los sueños. Este lenguaje olvidado - por reprimido - es el
del mundo relacional con la madre durante las primeras etapas simbióticas, lenguaje
de los afectos primarios - antes de que el bebé haya aprendido a modularlos, ya que
ésta es una función que se va adquiriendo en la primerísima relación con la madre.
Este tipo de transmisión diádica queda profundamente reprimida por su cercana
relación con una de las fantasías prototípicas de la fase en la que ocurre; me refiero a
la fantasía de devorar y/o ser devorado, origen del canibalismo del hombre
prehistórico (Ziaurriz de Jacoby, 1995). Freud dejó anotado en el capítulo VII de
Psicología de las masas y análisis del Yo (1921), que la incorporación oral canibalista
promueve la identificación primaria, pero lejos de que ésta sea con el padre, para
nosotros es claro que se trata de un mecanismo, una identificación (y relación objetal)
con la madre. De hecho, la succión del pecho materno puede ser vista como el
prototipo fantasmático del canibalismo, ya que es un acto alimentario en el que el bebé
ingiere (incorpora) y se construye gracias a la devoración de un producto - la leche que, en estricto sentido, es una parte del otro.
252 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Perspectiva psicoanalítica de la transmisión cultural (Más allá de la ley del padre)
Este es el lenguaje primordial en el que transmiten los primeros valores de la
cultura, entre otros las leyes que regulan las relaciones de género y las jerarquías de
poder entre hombres y mujeres - primera marca de la diferencia de los sexos, mucho
tiempo antes de que cualquier consideración relativa a las dualidades activo/pasivo,
fálico/castrado y masculino/femenino intervengan en el horizonte conceptual del niño
o niña. También es en el que se regulan las primeras nociones de raza y de clase. Es la
madre quien imparte la primerísima distinción entre las personas de la familia y los
extraños; a partir de entonces, los extranjeros son vistos como potencialmente
peligrosos. Se trata de mensajes transmitidos a través de modulaciones afectivas que
dan forma y consistencia a viejos engramas heredados desde la filogenia y que sirven
como mecanismos de gran poder adaptativo al servicio de la supervivencia y
preservación de las especies. Estos códigos genéticos innatos son trabajados
psíquicamente cuando entran en relación con los mensajes maternos preverbales
gracias a los cuales adquieren singularidad, y son rectificados o ratificados
ulteriormente en términos de lo simbólico. Esta es la fuente originaria de la dinámica
del prejuicio que se gesta desde la primera relación, visceral, con la madre; de ahí que
la palabra y la razón no puedan dar cuenta de su motivación. El lenguaje simbólico
posterior solo ofrecerá una pálida aproximación que racionaliza siempre su contenido
ideacional.
Transmisión paterna
En un segundo momento evolutivo interviene el padre, tanto como elemento
partero que viene a posibilitar la separación del bebé y su madre, así como a establecer
la triangulación estructurante de un psiquismo en el que ya interviene el espacio que
organiza y el tiempo que permite la historización. El padre es quien aporta y
sistematiza el elemento simbólico gracias al cual se instaura el proceso secundario que
da acceso a las representaciones de palabra y por ende, al proceso del pensamiento
abstracto. La etapa edípica y su función estructurante con el advenimiento del padre es
la que da conformación definitiva al aparato psíquico, la que deja al Superyó y al Ideal
del Yo como herederos del Edipo positivo y negativo respectivamente; por lo tanto, es
la que viene a establecer de manera casi definitiva la internalización de las normas,
reglamentaciones y leyes con las que el sujeto se regirá para el resto de su vida. Sin
embargo, tenemos que asumir que se trata de un proceso de intensa resignificación de
todo aquello que estaba incorporado desde la relación con la madre.
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
253
Juan Vives Rocabert
Discusión
Luego del camino recorrido podemos advertir que, desde los heroicos comienzos del psicoanálisis con un Freud aislado y luchando contra todas las resistencias que la sociedad de su tiempo oponía a sus descubrimientos, nuestra doctrina ha
estado atravesada por el falocentrismo. El controvertido tema de la psicología de la
mujer es sólo uno de los sitios donde esto puede verse con particular claridad, pero ni
mucho menos el único. Tótem y tabú, Psicología de las masas y análisis del Yo, El
malestar en la cultura, son obras ejemplares de este punto de vista. En ellas, la ley del
padre ha venido a imponerse como un concepto que ha desplazado, desde Freud,
nuestra comprensión del papel de la madre en la transmisión de la cultura y los valores
con los que esta se rige. Melanie Klein, primero, y D. Winnicott, después, vinieron
que revolucionar nuestros conocimientos con la aportación de conceptos como los de
pecho bueno y malo, así como con hipótesis que nos ayudaron a comprender los pasos
sucesivos en la estructuración del objeto interno, primero en forma disociada para
luego integrarse en objetos totales. Hemos ido entendiendo que no existe el bebé
aislado y que tiene que interactuar con una madre suficientemente buena - y su
precursor inanimado: el objeto transicional - para que el aparato psíquico se desarrolle
de manera más o menos armónica. No sólo estamos en presencia de factores
estructurantes y por lo tanto plásticos, también estamos hablando de procesos
ideacionales a través de los cuales dichas estructuras psíquicas se van formando y
conformando. En esta forma, cuando M. Klein hablaba de los precursores del Superyó
en las primerísimas relaciones del bebé con su madre, así como en su insistencia en
los conceptos de Edipo temprano y de angustias de castración referidas a la madre
cuya metáfora de la vagina dentada no necesita mayor elucidación, nos estaba
mostrando pruebas evidentes de una transmisión materna de la cultura, originaria y
fundante, incorporada por el bebé desde sus primeras interacciones con ella.
Es cierta la afirmación de que la cultura la transmite el padre, siempre y cuando
nos estemos refiriendo a sus aspectos formales y secundarizados, vehiculizados todos
ellos por el lenguaje simbólico. No tomar en cuenta las primeras transmisiones madrebebé, diádicas, simbióticas; no tomar en cuenta todo aquello que se juega en la fase
oral-canibalista y sus prototipos fisiológicos que en el tragar o escupir nos ofrecen las
primeras nociones de los procesos psíquicos como los de introyección e
incorporación, por un lado; así como los de proyección y externalización, por el otro,
mecanismos que se esgrimen como prototipos de lo que luego se considera como
bueno (en lo que se incorpora y guarda en el adentro) y como malo (en lo que se
escupe y deposita en el afuera); no tener en cuenta
254 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Perspectiva psicoanalítica de la transmisión cultural (Más allá de la ley del padre)
lo anterior, ¿no es una manera de reduccionismo falocentrista al servicio de la amnesia
de la primera infancia?
Bueno y malo, útil e inútil, alimenticio y dañino, ¿no son nociones valorativas
que sólo se adquieren en la relación con la madre desde mucho antes de que el bebé
entienda lo que ésta le dice verbalmente? La reglamentación de los esfínteres y el
aprendizaje de las excreciones (lo que sale del cuerpo) desde un sistema valorativo
que las califica de malas, malolientes, desagradables, innobles y repugnantes, ¿no
ocurre dentro de la fase anal, es decir, en una fase diádica tardía?
Lo anterior nos confronta con la existencia de más de un lenguaje en la
comunicación humana. Lejos de existir sólo su modalidad verbal - en el lenguaje
hablado - tenemos que incluir el lenguaje del cuerpo (tanto en su simbolismo
específico, lo cual explica muchos de los fenómenos de la histeria conversiva, como
en sus expresiones autóctonas, independientes de toda elaboración psíquica, como
ocurre en los problemas psicosomáticos y en una cantidad nada despreciable de
enfermedades orgánicas) y la expresión facial de las emociones (Darwin, 1872). Las
modulaciones y el tono de la voz también son una forma de comunicación que puede
estar o no sintonizada afectivamente con el contenido que la palabra transmite; así
como vina serie de experiencias - lenguaje interaccional - que son las que van
estructurando el mundo representacional en el psiquismo del bebé. Un ejemplo de lo
anterior tiene que ver con la transmisión de las fantasías y de conceptos-imagen, como
podemos ver en un recuerdo del propio Freud quien, siendo niño, quedó
profundamente impactado ante la explicación ofrecida por su madre cuando, más allá
de las palabras, le mostró convincentemente la verdad del viejo dicho de "polvo eres y
en polvo te convertirás" al frotarse las manos ante el niño y mostrarle el barro del que
el ser humano está construido. Se trata de una forma de aprendizaje emocional que
dejó un profundo impacto en el niño - impresión imperecedera - cuya significación
caló mucho más allá de lo dicho verbalmente por la madre. Lo transmitido fue, nada
más y nada menos, la tesis sustentada en Más allá del principio de placer (Freud,
1920), donde finalmente pudo ponerle palabras a su vivencia de "polvo eres y a lo
inorgánico regresarás".
El término concepto-imagen va más allá de la conocida representación de cosa
ya que hace referencia al mundo de la fantasía inconsciente y, luego, al de la
ensoñación diurna. En otras palabras, no se trata sólo de una representación, con todo
lo que esta tiene de rastro y de huella mnémica, sino de una dimensión emocional del
pensamiento privativo del proceso primario, pensamiento visual por excelencia, en el
que el deseo se expresa con generosidad. Por ello se trata de un pensamiento
emocional que impacta y tiene su propia lógica - la del inconsciente. La fantasía
inconsciente es el vehículo gracias al cual se transmiten de
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 255
Juan Vives Rocabert
una generación a otra estos contenidos que simultáneamente son ideacionales y
afectivos.
Para terminar, deseo enfatizar la necesidad de tomar en cuenta el problema del
tiempo en el aparato psíquico. Sabemos que el desarrollo no es lineal, que existen
fases críticas en las que la evolución del crecimiento se da en forma acelerada y otras
etapas de moratoria - como pensaba Freud que ocurre con la fase de latencia. Pero por
encima de todo esto, está el problema de entender la acción constante de la
resignificación: cualquier evento temprano puede ser significado o resignificado a
posteriori y, de esta forma, adquirir un sentido y un peso del que carecía en el
momento de su ocurrencia. De esta manera, las experiencias preverbales con la madre,
la transmisión que esta hace de los elementos normativos de la cultura son
resignificados en etapas posteriores. De hecho, parece que Freud sólo tuvo en cuenta
lo resignificado desde el mundo simbólico en la transmisión de la cultura, sin advertir
que en esta etapa el pensamiento y el lenguaje estaban al servicio de la elaboración de
un mundo transmitido desde lo preverbal y diádico, es decir, el correspondiente a la
relación con la madre.
No quisiera concluir sin antes dejar asentado que existe una fase del desarrollo
en la que dicho proceso de resignificación puede verse en toda la magnitud e
importancia que tiene, es en la adolescencia. La adolescencia es la etapa del desarrollo
en la que, en virtud de los vaivenes regresivo-progresivos que son prototípicos de esta
etapa, el adolescente tiene la oportunidad de establecer sus propios principios éticos y
culturales que serán el basamento primordial con el que se regirá en el resto de su
vida. La adolescencia es la edad en la que se establecen los parámetros culturales más
importantes en materia de normas sociales y morales; de las leyes de convivencia con
el otro y consigo mismo; de los estándares ideológicos y político-económicos, así
como los criterios estéticos; es la etapa en la que se establece una cosmovisión más o
menos estable que le sitúa en el universo y es coherente con la vivencia interna de un
sentido inmanente o, por el contrario, con una falta de sentido de la existencia, lo que
arroja al sujeto a la búsqueda y decisión acerca del proyecto de vida que desea para sí
mismo. O por el contrario, en otros casos, es también en la adolescencia cuando se
decide la adopción de esa "complejización innecesaria" de la que hablaba Linton, al
establecerse una visión del mundo regulada por una fuerza trascendente y la adopción
de una religión como praxis cultural y como forma de pensamiento orientado hacia la
comunicación con una divinidad.
Bibliografía
BERENSTEIN, I. (1991). Reconsideración del concepto de vínculo, Psicoanálisis (ApdeBA), XIII (2):
219-235.
256 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Perspectiva psicoanalítica de la transmisión cultural (Más allá de la ley del padre)
BLANCK-CEREIJIDO, F. (1994). Freud, su padre y la Biblia, Cuadernos de Psicoanálisis, XVII
(3-4): 281-298.
BONDI, O. (1997). Vejez y transmisión. Reflexiones psicoanalíticas, Rev. de Psicoanálisis, LIV (3):
609-626.
BREUER, J. y FREUD, S. (1893-5). Estudios sobre la histeria, en Freud, S.: Obras completas, trad.
de Luis López-Ballesteros. Madrid: Biblioteca Nueva, 3a ed., Vol. I: 39-168.
CABRERA, J. (1999). Cine:100 años de filosofía. Barcelona: Ed. Gedisa.
DARWIN, C. (1872). La expresión de las emociones en los animales y en el hombre, trad. de T. R.
Fernández. México: Alianza Editorial, 1988.
DE BARBIERI, T. (1992). Sobre la categoría género. Una introducción teórica-metodológica, Rev.
Internacional de Sociología, Segunda Época, VI (2-3): 147-178.
FREUD, S. (1896a). La herencia y la etiología de las neurosis, en: Op.cit., Vol. I: 277-285.
______ (1896b). La etiología de la histeria, en: Op.cit., Vol. I: 299-316.
______ (1900). La interpretación de los sueños, en: Op.cit., Vol. I: 343-720.
______ (1905). Tres ensayos para una teoría sexual, en: Op.cit., Vol. II: 1169-1237.
______ (1912-3). Tótem y tabú, en: Op.cit., Vol. II: 1745-1850.
______ (1920). Más allá del principio del placer, Op.cit., Vol. III: 2507-2541.
______ (1921). Psicología de las masas y análisis del Yo, en: Op.cit., Vol. III: 2563-2610.
______ (1923). El Yo y el Ello, en: Op.cit., Vol. III: 2701-2728.
______ (1930). El malestar en la cultura, en: Op.cit., Vol. III: 3017-3067.
GREEN, A. (1995). La metapsicología revisitada, trad. de Irene Ago. Buenos Aires: EUDEBA, 1996
KAES, R. (1993a). Introducción: el sujeto de la herencia, en KAES, R.; FAIMBERG, H.; ENRÍQUEZ, M. y BARANES, J.-J.: Trasmisión de la vida psíquica entre generaciones, trad. de
Mirta Segoviano. Buenos Aires: Amorrortu ed., pp.13-29.
______ (1993b). Introducción al concepto de trasmisión psíquica en el pensamiento de Freud,
en: Op.cit., pp. 31-74.
KOLTENIUK, M. (1986). Cultura e individuo. México: Ed. Grijalbo.
LINTON, R. (1936). Estudio del hombre, trad. de Daniel F. Rubín. México: Fondo de Cultura Económica. 8a ed., 1965.
LINTON, R. (1945). Cultura y personalidad, trad. de Javier Romaero. México: Fondo de Cultura
Económica, 5° ed., 1965.
MAHLER, M.S. (1968). Simbiosis humana: las vicisitudes de la individuación. I. Psicosis infantil,
trad. de Raquel Taylor y Ramón Parres. México: Ed. Joaquín Mortiz, 1972.
RICOEUR, P. (1974). Fenomenología y hermenéutica, en Aranzueque, G. (ed.): Horizontes del
relato, trad. de Gabriel Aranzueque. Madrid: Cuaderno Gris, 1997, pp.25-48.
SULLIVAN, H.S. (1946-1947). Teoría interpersonal de la psiquiatría, trad. de Federico López Cruz.
Buenos Aires: Ed. Psique, 1964.
VIVES, J. (1988). Dora... la búsqueda de la identidad femenina, Cuadernos de psicoanálisis, XXI
(1-2): 1-22.
______ (1997). Objetos de identificación, elección de objeto e identidad de género, Cuadernos de
Psicoanálisis, XXX (1-2): 109-117.
______ (1998). Revisión contemporánea de las fases psicosexuales del desarrollo, Cuadernos de
Psicoanálisis, XXXI (1-2): 13-22.
ZIAURRIZ DE JACOBY, L. (1995). Contexto mítico fundacional de la cultura. Prohibiciones fundantes. El canibalismo, Rev. de Psicoanálisis, LII (4): 1201-1216.
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
257
VI Simpósio Internacional
de Mitos
A antropofagia - uma questão
psicanalítica em aberto
David Azoubel Neto*, Ribeirão Preto, BRASIL
* Membro Associado do Grupo de Estudos de Psicanálise de Ribeirão Preto e Membro Efetivo da Sociedade Brasileira
de Psicanálise de São Paulo.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
261
David Azoubel Neto
Nos seus primeiros cem anos de existência a psicanálise, praticamente, ficou
confinada entre quatro paredes. O desafio para o próximo século é muito claro: o que
foi que os psicanalistas aprenderam durante esse confinamento e de que modo eles
irão poder aplicar mais amplamente os conhecimentos adquiridos? O que se chama
atualmente de "crise da psicanálise" tem a ver, direta e indiretamente, com uma
demanda maior da sociedade em relação à psicanálise e aos psicanalistas. A questão é
premente. Novas relações serão necessárias e é preciso encontrar, urgentemente, os
caminhos para que possam ser processadas. As possibilidades e as frentes de trabalho
são inúmeras e muitas delas já foram iniciadas, pelo menos, esboçadas. Penso que a
parceria da psicanálise com a antropologia, particularmente em nosso país, é muito
promissora. Possuímos um acervo indígena invejável, o que nos autoriza a falar de
uma mitologia autenticamente brasileira. Um número cada vez maior de pesquisadores
tem levantado os mitos e as lendas dos nossos índios, proporcionando-nos um rico
material de estudo dos costumes desses povos e de flagrantes dos seus aspectos
primitivos. Seria um desperdício até certo ponto irresponsável os psicanalistas não
atentarem para este ponto.
A propósito, num trabalho escrito em 1913 ("Totem e Tabu"), no começo do
século passado, Freud já havia chamado a atenção dos psicanalistas para essa relação
entre o primitivo e o atual. No Capítulo terceiro desse ensaio, ele se dedicou ao estudo
da evolução do pensamento, demonstrando categoricamente que não existe, durante
essa evolução, um abandono completo de uma etapa quando uma fase de maior
desenvolvimento e complexidade sucede à anterior.
No entanto, já em 1905, num outro escrito memorável (Três Ensaios sobre a
Teoria da Sexualidade), ele também havia chamado a nossa atenção para a necessidade de se distinguir psicanaliticamente os conceitos de sexualidade e de
genitalidade, enfatizando nesse trabalho a sexualidade como um conceito mais amplo
e rastreando a sua evolução, tanto no indivíduo como na espécie. Demonstrou de
forma contundente que existia uma sexualidade infantil, o que provocou uma
considerável resistência nos meios científicos da época. Depois da descoberta do
inconsciente, talvez tenha sido essa a descoberta mais impactante da psicanálise. A
noção de que a sexualidade humana, antes de se tornar essencialmente genital, passava
por estágios de desenvolvimento preliminares e que se caracterizavam pelo
aparecimento de zonas erógenas específicas, distribuídas por diferentes partes do
corpo, causou a necessidade de uma reestruturação de todas as teorias anteriormente
conhecidas a este respeito. É verdade que a existência da sexualidade infantil foi
deduzida a partir do estudo pregresso da sexualidade nos pacientes adultos neuróticos.
Contudo, o próprio Freud teve oportunidade de confirmar os seus achados ao analisar
o comportamento e a história
262 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
A antropofagia - uma questão psicanalítica em aberto
de vida de pacientes infantis (na análise de um caso de fobia num menino de cinco
anos - "O Pequeno Hans", 1909).
Por exemplo: num período inicial, já no bebê, a boca e as mucosas do aparelho
digestivo desempenham um papel primordial como órgãos de relação. O bebê contata
a mãe, nesse período da vida, com a boca e esta exerce uma função significativa, não
somente para a alimentação e sobrevivência física, como psíquica. O que acontece é
que além das funções de alimentação, esses órgãos (a boca e as mucosas) têm um
atributo relacionado com o prazer e o desprazer. Isso corresponde ao início de um
desenvolvimento cuja complexidade tende a crescer ou permanecer entravada, na
dependência das dificuldades e obstáculos que vão sendo ou não superados.
Freud descobriu também que se estabelece, nesse momento, uma importante
relação entre o corpo e a mente e que era em base a essa relação que as zonas erógenas
iriam realizar esse desenvolvimento, caminhando na direção de uma sexualidade
genital, o que só iria acontecer bem mais tarde. Em resumo, a erotização de
determinadas partes do corpo estaria em consonância, de uma forma bem sucedida,
com esse entrosamento do corpo com a mente. Cada zona erógena teria, assim, na
mente, os seus correspondentes anímicos (proto-conceitos), que iriam ajudar a formar
os significados próprios e peculiares a cada sujeito, ou seja, formar um aparelho
psíquico onde o pensar estaria sendo originário de um sentir que, no começo, parece
mesmo ter sido essencialmente corporal. Em outras palavras, convém enfatizar, Freud
já estava falando, por essa época (em 1905), da participação das pulsões instintivas na
formação de um aparelho psíquico.
Tentando um esclarecimento maior, pode-se dizer que a capacidade de relacionamento de um bebê com a sua mãe através da boca, não se limitaria, desde o
começo, ao contato desta com o bico do seio para a finalidade exclusiva de obter a
amamentação. Por suposto, não existe ainda, para esse bebê, a noção discriminada de
um alimento (o leite materno); o que provavelmente existe, é um conceito em
formação, o qual vem do fato real e concreto de que ele está, nesse momento,
literalmente, alimentando-se da mãe. Essa concepção se expande e, na medida em que
a boca vai se transformando, cada vez mais, num órgão de relação é que ela vai
adquirindo novos sentidos e ampliando os seus significados. É como se o bebê
pensasse, originariamente, através da boca: usa-a para examinar as pessoas e os
objetos - levando a boca a estes, ou levando estes à boca.
Esse período é conhecido como uma etapa de hegemonia da fase oral. É nele
que ocorre a descoberta do próprio corpo através da boca. Chupar o dedo é uma
expressão dessa descoberta. Não podendo ter o seio da mãe a toda hora, o bebê lança
mão do dedo e de objetos substitutivos, o que significa, por um lado,
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 263
David Azoubel Neto
um primeiro passo no sentido da percepção da dolorosa realidade de uma separação,
enquanto que por outro, a possibilidade do aumento da capacidade de relação. Chupar
seu próprio dedo ou algum objeto transitório dá uma satisfação ilusória, traz-lhe a
fantasia fugaz de que está sendo alimentado. Investe então nessa nova descoberta que,
não obstante, garantir-lhe uma certa quantidade de satisfação, um prazer auto-erótico,
mas está fadada a provocar uma nova frustração. Seu dedo, por mais que ele tente
acreditá-lo (na verdade, idealizá-lo), não possui os atributos essenciais do seio. Mas,
essa prática auto-erótica irá desempenhar um papel modelador no desenvolvimento
dos estados narcísicos subseqüentes.
A necessidade de se alimentar é primordial. Entretanto, a busca do prazer
também é essencial para a formação do aparelho mental e faz parte dessa busca a
evitação do desprazer.
Esta equação - relação alimentar + busca de prazer e evitação do desprazer, irá
comandar a construção e a organização do aparelho mental, irá definir sobre a
capacidade de sentir e de pensar, dependendo da capacidade de tolerância à frustração.
Quaisquer que sejam os resultados, o aparelho mental estará lidando com a elaboração
das exigências instintivas. Ao nível dos sentimentos, essas manifestações se
expressam por meio de sentimentos de amor e ódio. Não exclusivamente como
aspectos divergentes e antagônicos; é que na intimidade da estrutura mental eles são
propiciados pelos instintos de vida e de morte. Tudo aquilo que converge para o prazer
pretende estar em relação com os instintos de vida; a menos que esse prazer resulte de
uma reversão e seja colocado a serviço do instinto de morte; tudo aquilo que favorece
o desprazer, a dor e o desconforto, levando à frustração, estaria a serviço dos instintos
de morte. Essa ambivalência permite a conclusão de que não se trata, em todo o caso,
de uma relação harmoniosa e simples. Fusões, defusões e confusões são freqüentes e
complicadoras; aumentam a complexidade da trama. E ainda que a frustração possa
significar a dor e o seu parentesco com o instinto de morte seja legítimo, isto não quer
dizer que ela não possa também ser usada a serviço do instinto de vida. Não existem
ganhos sem perdas. É nesse ponto que a capacidade inata do bebê para resistir às
frustrações irá desempenhar o seu papel primordial no processo de desenvolvimento.
Mas é preciso não esquecer que a oralidade não se limita, exclusivamente, à
boca. O aparelho auditivo, os olhos, a pele, todos os órgãos receptivos do corpo,
participam de suas funções. A questão básica sugerida pela teoria das zonas erógenas
de Freud é a de como irão se formar, ao longo do desenvolvimento, as conexões do
corpo com a mente; é a partir desse ponto que irão ser processados os padrões básicos
de relacionamento do sujeito com ele mesmo, do sujeito com os seus objetos internos
e externos.
264 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
A antropofagia - uma questão psicanalítica em aberto
Resumidamente, todas as partes do corpo estariam em busca dos seus significados mentais. O uso mais intenso de um órgão ou de qualquer parte do corpo
determinaria, na dependência de suas catexias instintivas predominantes em ação, o
caráter e o grau do seu desenvolvimento ou inibição. Tudo estaria na dependência da
quantidade e da qualidade de amor e de ódio investidos pela libido.
Com o aparecimento dos dentes, as funções da oralidade são acrescidas de um
poder ainda maior: o da capacidade de morder, que leva ao mastigar (cortar, triturar,
fazer em pedaços, amassar). Esse ganho permite não somente a ampliação do tipo de
alimento, como também e conseqüentemente, uma considerável ampliação do
relacionamento com o mundo externo. Estas considerações levaram Karl Abraham a
dividir a fase oral em duas etapas: uma preliminar (conforme Freud já havia descrito)
e outra mais tardia, que ele chamou de fase oral sádica (Abraham, 1970).
O aparecimento dos dentes na criança costuma ser saudado com manifestações
de alegria e de júbilo pelos adultos ao seu redor. O dente adquire assim, em estado
nascente, um significado que a criança ainda não conhece e levará por certo algum
tempo para compreender e realizar os seus sentidos. Quando aprender a usá-los, irá
descobrir fatalmente que o homem é um animal carnívoro. Essa euforia será repetida
com um pouco mais de ênfase por ocasião da troca dos dentes de leite pela dentadura
definitiva.
Mas o aparecimento dos dentes irá trazer a perda da amamentação, precipitando
uma nova separação da mãe, dessa vez um pouco maior. Essa transição dificilmente
será tranqüila, sugerindo uma oportunidade de exercício e adestramento para as
pulsões agressivas.
Convém deixar claro, na medida do possível, o seguinte: o ato de alimentar-se
de sua própria mãe, desde o início, contém, supostamente, os elementos físicos e
psíquicos essenciais ao desenvolvimento. Todas as teorias psicanalíticas parecem
concordar com este ponto. Estabelece-se uma equação na qual, de um lado, a mãe
pode ou não conter o seu bebê e, do outro lado, o bebê pode ou não aceitar o tipo de
contenção da mãe.
Os alimentos são deglutidos e submetidos a um processo de metabolização, o
que torna também a função alimentar, nesse momento, um modelo importante para a
formação no Ego, através dos mecanismos de incorporação, de introjeção e de
identificação. Este fator precisa ser considerado no estudo psicanalítico da
antropofagia. A incorporação constitui, primitivamente, a primeira etapa do processo
de identificação. Ela se baseia num desejo de posse, de ter os valores, propriedades e
atributos do objeto necessário desejado, invejado.
Voltemos então aos nossos índios. Betty Mindlin nos oferece, em seu livro
"Moqueca de Maridos" (Mindlin, 1997), um rico acervo de material antropológi-
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
265
David Azoubel Neto
co a respeito dos costumes antropofágicos em algumas tribos brasileiras por ela
estudadas. Este fenômeno aparece em várias narrativas dos contos e lendas desses
povos selvagens. A antropofagia surge nesse estudo como uma forma muito primitiva
de relacionamento humano.
Os relatos sobre a prática da antropofagia (ritual e alimentar) nas culturas
indígenas brasileiras podem ser encontrados na literatura desde os primórdios do
descobrimento (ver Hans Staden, 1555, o episódio dos índios Caetés, em 1556, às
costas de Alagoas, Florestan Fernanades - 1948, etc). Nas tribos aculturadas ou em
processo de aculturamento, no entanto, os resquícios dessa prática podem ainda ser
encontrados nas narrativas das lendas desses povos.
Todavia, do ponto de vista da psicanálise, a literatura a respeito não tem sido
muito pródiga.
Neste trabalho tive apenas a intenção de fazer um confronto entre os remanescentes antropofágicos de uma tribo brasileira, os índios Tupari e os remanescentes
antropofágicos que ainda podem ser encontrados em nossa cultura. O objetivo deste
confronto é tão somente o de chamar a atenção para o interesse psicanalítico do estudo
da antropofagia como um fenômeno clínico e cultural.
Piripidipti, a donzela devorada pelos homens.
(Lenda narrada em português por Naoretá Marlene Tupari)
O que apresento a seguir é um resumo, da narrativa contida no livro de Betty
Mindlin.
Relata que Piripidipti, uma bela jovem Tupari deveria casar-se com um
guerreiro de nome Moroiá, mas não gostava do noivo escolhido pela família, seu
pretendente. Tratava de evitá-lo e recusava-se a atender os seus pedidos. Não escondia
a sua raiva e desprezo pelo noivo. Irritado com essa situação, Moroiá decidiu vingar-se
da moça. Convidou os amigos para armarem uma tocaia contra ela. Aproveitou-se de
uma madrugada em que a jovem tinha ido tomar banho no rio e, quando ela saiu da
água, indo aquecer-se perto de uma fogueira, os homens a cercaram, empunhando seus
arcos com as flechas prontas para serem disparadas. Piripidipti conseguiu escapar num
esforço sobre-humano. Na fuga tropeçou e caiu, sendo atingida nas costas por uma
flecha. Aproveitando-se da situação, o noivo rejeitado ordenou aos companheiros que
a matassem com golpes na cabeça, deixando-lhe o corpo intacto. Uma vez abatida, a
linda jovem foi preparada para ser assada: tiraram-lhe as tripas e puseram o corpo para
moquear, enquanto os rapazes dançavam ao seu redor, cantando músicas que expressavam a sua ferocidade. O espírito dela apareceu, cantando e chorando a sua dor,
lamentando a vida perdida e ameaçando vingar-se.
266 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
A antropofagia - uma questão psicanalítica em aberto
Pronto o assado, Moroiá retalhou o corpo da noiva orgulhosa e os pedaços de
carne foram distribuídos entre os índios de sua tribo e de outras aldeias vizinhas.
Mesmo alguns que nunca tinham comido carne humana comeram e gostaram,
comparando o seu sabor com o de caça fresca e tenra. E depois adquiriram o hábito de
matar gente para comer.
Algumas reflexões
Admitamos que, em princípio, não seria nenhum exagero pensar que na nossa
cultura as coisas se passam de um modo mais ou menos semelhante. Moroiá
representa a tradição, o estabelecido. Piripidipti, por sua vez, tenta, inconseqüentemente, mudar os costumes, romper o equilíbrio de um sistema primitivo.
Desperta, com a sua recusa, sentimentos violentos que se expressam através do desejo
de matá-la e devorá-la, incorporando-a de uma forma portanto, igualmente primitiva.
Uma das principais diferenças entre o homem primitivo que existe no selvagem
e o homem primitivo que ainda habita na nossa mente, consiste no esforço que
fazemos para escapar à concretude da realização dos nossos desejos; tentamos
ultrapassar as nossas barreiras instintivas, até conseguirmos atingir um plano de
abstração onde a nossa capacidade de simbolizar nos permita formas diferentes e
sublimadas (mais aceitáveis) de expressão.
Gostaria, contudo, de destacar os seguintes pontos:
1. Os hábitos alimentares se formam, em cada um de nós, desde a mais tenra
infância. A educação do paladar, ou seja, o gosto pelos alimentos, estará portanto
fortemente ligado às nossas raízes infantis. O sabor e os odores da cozinha da nossa
infância impregna todo o restante da vida adulta, determinando as tendências
gustativas e as preferências culinárias de uma pessoa, em qualquer cultura. Mas um
fator preponderante nesse período é a relação do sujeito com aqueles que o cercam,
direta ou indiretamente responsáveis pela sua alimentação, com aqueles que irão nos
ensinam a gostar das comidas, temperando-as com amor, com carinho e com ternura,
além dos temperos comuns. E serão por certo esses ingredientes que irão dar aos
alimentos o sabor dessas pessoas, um sabor que transcende à percepção das papilas
gustativas e vai se fixar na memória dos afetos, nas recordações mais agradáveis da
nossa infância. São estes os componentes essenciais para a formação dos nossos
conceitos gustativos. E é essa a confusão que nos permite misturar as comidas com as
pessoas. Quero dizer que, desse modo, estabelece-se, desde muito cedo, no ser
humano, um sentido antropofágico silencioso, emocional, eficiente e inolvidável.
2. Essa relação entre o alimento e o sujeito adquire, por sua vez, um signifi-
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 267
David Azoubel Neto
cado em relação com a sexualidade. E é daí que provém (direta ou indiretamente), uma
influência de natureza lingüística. "Gostar" de uma pessoa passa a corresponder a uma
expressão de amor e de carinho, na qual a linguagem desempenha um papel relevante.
Esse papel não tem sido muito considerado pelos psicanalistas em geral, com exceção
dos lacanianos, como é do nosso conhecimento. Ademais, a língua permaneceu na
marginalidade e na penumbra de sua própria importância. Em todo o caso, os estudos
sobre a antropofagia poderiam tenta resgatar o seu papel. Ela tem, inicialmente, uma
dupla função: como um órgão anatômico, com a função de ajudar na mastigação e a
degustação dos alimentos e como o órgão principal da fala e da linguagem oral. No
entretanto, os estudos sobre o desenvolvimento da libido nos levaram a reconsiderar
uma terceira função importante para esse órgão: uma função sexual. Neste sentido ela
também está relacionada ao prazer e participa da sexualidade de uma forma mais
direta, como um órgão sexual ativo e que às vezes substitui o pênis. Mas o seu papel
sexual na linguagem também permanece assegurado. Por exemplo, dizer que uma
mulher é "gostosa", não constitui uma forma rara de linguagem; usar expressões
alimentares para se referir a pessoas, tais como - "pão", "uva", "morango", "chuchu",
etc. Constitui igualmente uma evidência neste sentido designar pratos apetitosos nos
cardápios dos restaurantes com o nome de pessoas, seja porque elas o criaram, seja
com o intuito de homenageá-las. O sentido antropofágico de todas estas expressões é
por demais evidente.
3. No que pese o esforço para a sublimação desses impulsos primitivos
(antropofágicos), eles seguem presentes na mente do homem civilizado, através dos
seus remanescentes, buscando formas de expressão e representação. Em Março de
1998 um grupo de artistas de Moscow preparou uma festa em praça pública na qual foi
servido um gigantesco bolo feito de massa, creme e biscoitos. O objetivo da festa era a
comemoração de uma data importante para a revolução russa e o mais curioso é que o
referido bolo tinha a forma do corpo de Lenine deitado. As pessoas o fatiavam e cada
uma retirava um pedaço do bolo para comer. (Folha de S. Paulo, 31 de Março de
1998). Fui informado, durante uma viagem à Ilha da Madeira, em 1982, que os nativos
tinham por hábito, durante as festas de casamento, servir doces em forma de pequenos
bonecos, representando o noivo e a noiva (Anotações de viagem, Dan - 1982). São
apenas algumas ilustrações, porém o estudo desses hábitos pode fornecer um rico
material para esta pesquisa.
4. Um dos rituais mais comuns e expressivos na religião católica é o da
Comunhão, que consiste em oferecer aos fiéis a Hóstia Consagrada, que outra coisa
não é (simbolicamente) que o próprio corpo de Cristo. O vinho é significado como
sendo o seu sangue. Parece-me interessante que se dê a esse ritual antropofágico de
origem tão primitiva, o nome de Sagrada Comunhão. E de acor-
268 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
A antropofagia - uma questão psicanalítica em aberto
do com o Novo Testamento, o ritual teria sido sugerido pelo próprio Cristo, na última
ceia, antes de sua morte, junto aos apóstolos. Em nada difere, na sua essência, da
cerimônia dos índios Tupinambá quando escolhiam para as suas comemorações de
passagem, um guerreiro valente, aprisionado durante um combate, para ser sacrificado,
servindo a sua carne como repasto antropofágico para toda a tribo (menos para aquele
que o aprisionou e o sacrificou). (Fernandes, 1948). A comunhão com Cristo implica
no desejo idealizado por parte dos fiéis de incorporar os valores do Mestre. O índio
Tupinambá, ao devorar um guerreiro valoroso, aprisionado na guerra contra os seus
vizinhos e que demonstrou ser possuidor de qualidades excepcionais, não estaria
fazendo também uma espécie de comunhão? Ele jamais comeria um prisioneiro
covarde.
5. Um episódio ocorrido na história do Brasil em 1530 (?), o naufrágio de uma
nau portuguesa que estava voltando para o seu país, às costas do nordeste brasileiro,
teve conseqüências dramáticas. Os náufragos conseguiram chegar ao litoral nadando,
porém foram aprisionados pelos índios Caetés que os mataram e os devoraram. Entre
estes estava um personagem importante, o bispo Don Pero Fernandes Sardinha. Esse
fato foi evocado mais tarde, muitos anos depois (em 1922), quando uma plêiade de
escritores famosos, poetas, pintores, críticos literários, artistas em geral, se reuniu para
fundar o chamado "Movimento Antropofágico", inspirando-se no gesto dos índios
Caetés que haviam imposto aos portugueses, àquela época, um costume tipicamente
brasileiro.
6. Uma outra questão que se levanta é a da etimologia da palavra "canibal". Em
seu livro - "O Canibal - Grandeza e Decadência" - Frank Lestringant (1997) examina a
origem da palavra, atribuída a Colombo. Ela é de procedência caraíba (canibal em
caraíba significa corajoso). Colombo a usou pela primeira vez para referir-se aos
ferozes índios das Antilhas, talvez assustado com a informação de que eles tinham o
hábito de devorar seres humanos. Posteriormente a designação foi extendida aos
índios dos Brasis. A imagem de homens com cabeça de cachorro (cinocéfalus) foi
também incluída nessa denominação. O fato é que o vocábulo chegou aos nossos dias
carregados de conteúdos fantásticos, sendo atualmente usado como sinônimo de
antropófago (Cunha, Dicionário Etimológica Nova Fronteira da Língua Portuguesa.,
1982). Essa associação feita por Colombo, expandiu-se pela Europa da Idade Média.
Ao que parece, o genovês juntou a palavra caraíba "cambai" com o étimo latino
"canis" para criar o neologismo.
Suponho que os pontos aqui destacados fortalecem a hipótese de que a
antropofagia segue sendo um costume tipicamente brasileiro, às vezes disfarçada,
outras vezes sublimada, mais raramente escancarada. Afinal de contas, a prática do
beijo deve ter evoluído muito desde a dentada, até chegar a ser, nos nossos dias, um
ato de carinho e de amor, geralmente inofensivo.
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 269
David Azoubel Neto
Referências bibliográficas
ABRAHAM, K. Teoria psicanalítica da libido: sobre o caráter e o desenvolvimento da libido. Rio de
Janeiro: Imago, 1970.
CUNHA, A.G. da. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Edit. Nova Fronteira, 1982.
FERNANDES, F. (1948). A Organização Social dos Tupinambá. São Paulo: Edit. Hucitec Ltda.,
1989.
FREUD, S. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Ed. Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
______ (1909). Análise de uma fobia num menino de cinco anos. Ed. Standard Brasileira das
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
______ (1913). Totem e tabu. Ed. Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sig
mund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
LESTRINGANT, F. O Canibal - Grandeza c decadência. Brasília: Edit. da UnB., 1997.
MINDLIN, B. & Narradores Indígenas. Moqueca de maridos (Mitos eróticos). 2*'. edição. Rio de
janeiro: Edit. Rosa dos Tempos, 1997.
STADEN, H. (1555). Duas viagens ao Brasil. Trad. de Guiomar de C. Franco. São Paulo: Edit.
Itatiaia, S. Paulo & Edit. da Universidade de S. Paulo, 1974.
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
270 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Los selknam.
Mito y ceremonia de iniciación
Julia Lauzon*, Santiago, CHILE
Resumen
Los mitos chilenos están signados por el predominio de la imagen paterna distante y de la madre
idealizada. Algunos muestran cambios evolutivos, procesos de transculturación sin adecuada
simbolización.
Ingresan en una repetición expresada como estancamiento y búsqueda de soluciones mesiánicas que
inundan de ideologías los fracasos en el terreno socio- político- cultural. Los Selknam (Onas) de Tierra
del Fuego no titulaban sus mitos. Se describe la ceremonia iniciatica del Hain, la narrativa informa como
antecedentes el mito del matriarcado, la masacre de las mujeres y el ingreso al Hain masculino con
sabios fundamentos dirigidos a los jóvenes iniciados: los kloketén.
Esta ceremonia vincula la sociedad Selknam con sus antepasados mitológicos y con los espíritus
representados por ellos mismos. En un despliegue creativo de máscaras y pinturas corporales
recreaban escenas y personajes que provocaban gran turbulencia emocional. Son examinadas desde
los códigos simbólicos sagrado y profano con reflexiones sobre las ansiedades y duelos que configuran
tendencias a conspirar, mantener secretos y un terror especial hacia los muertos.
Cuando a la persecución se agrega la confusión, aumenta la tendencia a la actuación elaborada en la
teatralización de ritos y ceremonias que incluyen la creatividad lúdica agresiva y placentera, en los
intentos de reparación de los objetos en las fantasías inconscientes.
' Membro Efetivo da Asociación Psicoanalítica Chilena.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
271
Julia Lauzon
Introducción
El método de ubicar el mito en su contexto sociocultural, en cuyo seno vivimos,
tiene implicancias afectivas: una de ellas es el examen de las raíces de nuestra
identidad latinoamericana.
La mitopoyesis es una función primordial de la condición humana, no desaparece nunca y es fundante de la estructura del sujeto, de la familia y de la
comunidad. El mito se origina en las fantasías inconscientes y se va organizando y
cristalizando en permanente interacción con las experiencias vitales. Su contenido
siempre dramático, es símbolo, mensaje críptico y forma de comunicación con lo
divino, la naturaleza y lo humano.
Los mitos chilenos están signados por el predominio de la imagen paterna
distante, ambivalente o disociada y de la madre primitiva e idealizada, además del
conflicto entre hermanos común al resto de nuestro continente latinoamericano, en el
que coexisten culturas diversas. En Chile no es diferente. Los mitos muestran cambios
evolutivos, procesos de transculturación, degradaciones. Estos cambios han quedado
cristalizados por falta de una adecuada simbolización. La negación y el repudio,
operando para sostener ciertos sistemas de valores son los mecanismos más
observados. Los conflictos no simbolizados ingresan en una repetición compulsiva
expresada como estancamiento y búsqueda de soluciones mesiánicas que inundan de
ideologías los fracasos en el terreno socio- político-cultural.
En la historia aborigen de Chile austral desde hace 12.000 años, los cazadores
terrestres eran grupos nómades que con el paso de los siglos históricos constituyeron
dos etnias, la Tehuelche, aonikenk y los Onas o selknam que poblaron estepas y
bosques de Tierra del Fuego.
A fines del siglo XIX los "grupos de cazadores de indios" que organizaron
expediciones de exterminio, las matanzas descarnadas, las deportaciones masivas, las
enfermedades infecto-contagiosas y el alcoholismo, introducidas por el hombre
blanco, sumadas a las luchas internas, diezmaron la resistencia física y moral de los
selknam desencadenando directa o indirectamente un rápido proceso de extinción. De
tales raíces se eleva una estructura narrativa en la que lo mítico parece transmutarse en
una historia tradicionalista de los festejos de la ceremonia del Hain. La brecha
catastrófica que produjo la invasión española hizo desaparecer lo histórico. Vuelta al
suelo mítico alcanza los estratos más arcaicos por la reactivación ritual que va a
hundirse más allá del relato sobre los orígenes. (Hernández, M; Lemlij, M, y otros,
1987).
272 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Los selknam. Mito y ceremonia de iniciación
El primer Hain de los hombres. El origen del Kloketen
Los selknam no titulaban sus mitos. En la época de los hoowin, seres del tiempo
mítico, las mujeres gobernaban sin piedad a los hombres. Los obligaban a cazar,
proveer lo necesario para la vida, ocuparse de los niños y también de las tareas
domésticas (Gusinde, 1982, II, p840). Los hombres vivían sometidos por Luna (Kreeh)
chaman, esposa de Sol (Krren) y aterrados ante Xalpen, temible espíritu femenino. En
un verdadero régimen de terror explotaban sus creencias con las "apariciones" de los
espíritus, que no eran más que las mujeres disfrazadas, protegidas con el más riguroso
secreto, revelado a las jóvenes en la ceremonia del Hain en la Gran Choza. Este
"Matriarcado" fue destruido por una rebelión organizada por la conspiración de lo
hombres. Todas las mujeres ancianas, jóvenes y niñas fueron abatidas.
Entonces los hombres, niños y niñas "inocentes" emprendieron una larga
marcha en busca de los límites del universo. Todo ese tiempo guardaron duelo por la
muerte de sus mujeres. ¿Cómo harían para conservar la superioridad que habían
conseguido, antes que crecieran las niñas?. Formaron una sociedad secreta,
proscribieron para siempre de la Choza del Hain a las mujeres y el más distinguido de
ellos iba a dirigir el Hain.
Pese a la simplicidad de su tecnología, estos cazadores poseían un mundo de
creencias de gran riqueza que expresaban a través de sus mitos, ceremonias sociales y
leyendas.
La principal ceremonia era el Hain o Kloketen. Reunión secreta organizada por
los hombres, destinada a la iniciación de los adolescentes masculinos, quienes
pasarían a formar parte de los cazadores adultos una vez superadas múltiples pruebas.
Duraban dos o tres meses. No sólo era un rito, sino una prolongada experiencia
educativa y la ocasión de reafirmar el rol dominante del hombre en la sociedad.
Este complejo evento constituía en su conjunto, el eje cultural y psicológico de
la comunidad selknam. (No será revisado en cada uno de sus aspectos). Kloketen era
un novicio, que entre los 17 y 20 años podía repetir el rito de iniciación dos o tres
veces si los mayores no estaban satisfechos con el cumplimiento de las pruebas.
Tomando en cuenta su capacidad para guardar el secreto, demostraban su valentía con
pruebas vinculadas a la caza y obtención de alimentos. Solos en el bosque, no podían
disparar a un espíritu que los mataría de inmediato. A cada uno se le asignaba un
supervisor escogido por los consejeros del Hain. De regreso contaban sus experiencias
con espíritus que los amedrentaban o golpeaban y los hombres mayores fingían
horrorizarse aumentando el miedo de los jóvenes.
El Rito de Paso, se refiere al momento de separación de sus madres. Conducidos hacia la Choza del Hain donde los hombres habían formado un círculo
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
273
Julia Lauzon
cerrado, era Shoort, quien agazapado, saltaba sobre el desnudo Kloketen e intentaba
voltearlo atrapando sus piernas. Bruscamente comprimía los genitales del joven, quien
soportaba el dolor con las manos enlazadas sobre su cabeza, sostenido firmemente por
el supervisor. Finalmente, tiraba de ellos con violencia. El joven conmocionado por el
suplicio estaba aterrorizado por lo que pudiera seguir. Era derribado. Todos gritaban
que se defendiera y comenzaba la lucha. El Kloketen furioso por la tortura se
abalanzaba sobre Shoort. El consejero detenía la lucha y el Kloketen se acercaba con
cautela para comprobar que no era un espíritu de roca. Era de carne y hueso y podía
ser identificado. Sorteada la crisis y la indignación, tomaba la máscara y saltaba de
alegría. Ante la toma de conocimiento, ya no temía e ingresaba en el secreto.
Los espíritus del Hain
Eran representados por los hombres físicamente más adecuados en un despliegue creativo de máscaras y cuerpos desnudos pintados.
Shoort es el espíritu más dinámico y activo del Hain. El más temido por madres
y niños, el que torturaba a los Kloketen durante el rito de iniciación.
Vive bajo tierra con la espantosa Xalpen, representa al Sol y el complejo
simbolismo del Hain. Controla el poder femenino nocturno de Luna que amenaza con
reinstalar el matriarcado.
Shoort simboliza a ambos en pareja, cuando pertenecían a los seres míticos que
poblaron los cielos. Es una figura combinada. El que dirigió la gran rebelión durante
la cual las mujeres fueron masacradas, quien instauró el Hain masculino y fundó la
sociedad patriarcal. Sus sirvientes mostraban actividades lúdicas cargadas de burlas,
alusiones eróticas que podemos vincular con funcionamientos perversos polimorfos, a
veces llevaba un Kloketen al inframundo para complacer a Xalpen, su mujer. En estas
ocasiones las madres temían no volver a verlos.
Kosmenk: su color básico es el rojo con anchas bandas verticales blancas y una
máscara cónica. Representa al hombre engañado por su mujer infiel, este espíritu
busca con frenesí a su infiel compañera y sus actuaciones causan hilaridad entre las
mujeres.
Tanu: hermana de Xalpen. Su figura es impresionante, tiene el vientre abultado,
es apacible e inofensiva. Toda la riqueza y la creatividad de la fantasía selknam se
manifiesta en este espíritu que fue presentado en el primer Hain masculino, después de
la masacre de las mujeres. Tanu es testigo de lo que ocurre en el escenario. Es de
noche, arde una fogata y los Kloketen se pintan de rojo. El que va a encabezar la
danza se agrega una banda blanca desde el cuello a los genitales. Todos se punzan la
nariz hasta que la sangre les moje el pecho. Si no es suficiente se ponen sangre de
guanaco.
274 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Los selknam. Mito y ceremonia de iniciación
Cada una de las niñas lleva consigo un trozo de piel de guanaco con el que trata
de limpiar la sangre del rostro o del pecho de su hombre favorito, alguien con el que
puede casarse, según las reglas de parentesco. El hombre elegido responde
empujándola con los codos, jugueteando.
Xataix, Ulen y Keternen, se relacionan con mitos de nacimiento y muerte
(Chapman, A., p.259). Xalpen por sus relaciones con los Kloketen, se embaraza, con
los dolores de parto arroja un arco en señal ominosa que anticipa la muerte. Usando su
larga y filosa uña destripa a los Kloketen. Una terrible mujer fálica.
Keternen, el bebé, será llevado con ella a ultratumba. Aparece el amado Ulen, el
pequeño recreador de vida permitirá que los Kloketen regresen mientras el chamán
anuncia la llegada de Keternen, adornado con hileras paralelas de plumón y pintura
roja, negra o multicolor, colocada en filas verticales, produce un efecto
resplandeciente.
Kataix, panzón, de largos cuernos (corresponden a un pececillo de un antepasado mítico metamorfoseado), es el único que puede dominar los accesos de ira de
Xalpen. Muestra su poder, enviando a los Kloketen sin máscaras para que sean vistos
por las jóvenes, desafiando a Xalpen, celosa de sus amantes. Es la única vez en toda la
ceremonia que están a rostro descubierto, ante el embeleso de sus madres.
Los documentos Salesianos y las comunicaciones de los informantes selknam
sobrevivientes, lo ubican como un espíritu asociado con la tierra.
Observaciones y reflexiones
La relación madre-hijo, es de supremo significado en la ceremonia Hain. Entre
sus múltiples manifestaciones se destaca una, jubilosa y tierna, sintetizada en la
palabra hané: persona buena. Entre los "juegos de las mujeres solas" en el primer día,
cuando los iniciados son sometidos a las torturas del Rito de Paso, hané se refiere a la
madre que imita a su hijo al ser iniciado. Llamativamente también hacen el papel del
padre, a quien cariñosamente le piden permiso para ir a "jugar", aunque esté ausente.
La ceremonia tenía sabios fundamentos dirigidos a los comportamientos con las
mujeres: no despertar celos; no casarse con su hermana manteniendo la línea
patrilineal con excepción de que fuera la hija de un Che, (término generacional,
aplicado a todos los tíos matrilaterales, significa "gente", yo-soy); respetar a todas las
mujeres por ser madres, especialmente a las ancianas, madres de todos; controlar
alimentos para no ser obesos y privilegiaban: el trabajo, el valor, la generosidad y no
perdonar ofensas. Debían vengarse siempre, aún de los parientes.
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 275
Julia Lauzon
La enorme riqueza de ésta ceremonia desalienta cualquier pretensión de un
análisis global. Se la puede examinar utilizando dos códigos simbólicos o sistemas
semánticos, el sagrado y el profano. El sagrado vincula la ceremonia y la sociedad con
los antepasados mitológicos y con los poderes que emanan del universo a través del
concepto metafísico de los cielos (Lauzon, 1996). Representan a los espíritus y a sus
antepasados míticos. Se aplica a Shoort y al Mito del Matriarcado. Las mujeres no
eran acusadas de fabulación o de inventar a los espíritus, sino de encarnarlos con
engaños.
Xalpen, se ubica en un polo sagrado y ritual, sin referencia a un antepasado
mítico es el único espíritu presentado como una efigie no antropomórfica. Se creaba
entre Luna y Xalpen la imagen monstruosa que permitía personificar y controlar a una
terrible divinidad femenina análoga a la luna de los eclipses. Los atributos de estos dos
personajes sobrenaturales, complementarios y constantes logran dotar al símbolo
femenino monstruoso de más fuerza y mayor credibilidad. Los rituales dedicados a
Xalpen y Luna tenían un objetivo dialéctico: presentar el poder femenino como
peligro inminente de aniquilación total y así unir la comunidad en su propia defensa.
Los hombres no temían representar a Xalpen. En esas escenas rescataban el
erotismo polimorfo sexual infantil y el goce lúdico, sin transgresión incestuosa.
El código profano sirve a los fines pragmáticos: iniciar a los jóvenes, disciplinar
a las mujeres, recrearse e intensificar el placer y la alegría de reunirse. La escena de
Ulen es un ejemplo.
Los espíritus serios, peligrosos y provocativos, en algunas escenas; burlones,
seductores o alegres en otras, provocaban intensa turbulencia emocional.
Los ataques por voracidad y envidia de los hombres proyectados en Xalpen, son
esencialmente morder, rasgar y vaciar como ataques primitivos sádico orales y anales,
al objeto parcial pecho con intención de despojarlo de su capacidad. Posteriormente, al
hacerse extensiva a las madres, en tanto objeto total al entregar sus hijos, le será
sustraído también la belleza de sus logros.
Las escisiones son frecuentes. De los objetos buenos dañados en la masacre del
matriarcado, deriva la persecución. Los objetos malos producían frustración y
depravación, como en las situaciones edípicas tempranas.
Hallamos el objeto paranoide configurado por la identificación proyectiva de
una parte criminosa del Self, en los objetos buenos, especialmente el pecho. Está
relacionado con la desconfianza que sienten hacia sí mismos, la falta de confianza en
su propia capacidad de amar y su tendencia a mantener secretos y conspirar,
manteniendo un terror especial hacia los objetos muertos, en los seres de ultra tumba.
Se hace evidente la incertidumbre frente a la idea de que los que han muerto, pueden
volver a la vida.
Cuando a la persecución se agrega la confusión, aumenta la tendencia a la
276 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Los selknam. Mito y ceremonia de iniciación
actuación, elaborada en la teatralización de ritos y ceremonias que incluyen la
creatividad imaginativa y los intentos de reparación de los objetos en las fantasías
inconscientes, a veces en forma omnipotente. Las pseudo reparaciones se observan en
los torbellinos maníacos de algunas escenas.
El padecimiento del profundo duelo, por la masacre de sus mujeres, antes del
primer Hain masculino, creo que introduce situaciones reparatorias mas estables. Un
nuevo sentido a la escena primaria, no solo se puede elegir pareja y disfrutarla, sino
que aparece el fruto creativo, el bebé. No hay duda que la mujer fálica, el objeto
combinado están presentes en las imágenes desde esta perspectiva teórica, sino
también la amenaza de castración, la homosexualidad y la muerte, en la compulsión a
la repetición.
La creatividad lúdica, agresiva y placentera de los mitos de este pueblo apuesto
y vigoroso, constituido por guerreros, chamanes, fabricantes de canastas y soberbios
arcos y flechas, aflora es sus mimos y payasos, bailarines y cantantes, y se hunde con
su desaparición.
Bibliografía
AGUILERA, S.; SLACHEVSKY, P. Y PÉREZ, C. (1992). Tierra de Humo. Imágenes fotog.1882/
1950. Museo de Arte Precolombino, LOM Ed.
CIAZZI, A. (1914). Los Indios del Archipiélago Fueguino, Editorial Atelí, Punta Arenas, Chile, 1997.
CHAPMAN, A. (1982). Los Selknam. La vida de los Onas, Cambridge University. Traduc. Esp.
Buenos Aires: Emecé Editores S.A., 1986.
CONGREGACIÓN SALESIANA (1987). Hombres del Sur, Museo Chileno de Arte Precolombino,
Stgo.
HERNÁNDEZ, M.; LEMLIJ, M.; MILLONES, L.; PÉNDLA, A.; (1987): Entre el Mito y la Historia.
Lima: Edic. Psicoanalíticas Imago S.R.L.
GUSINDE, M. (1982). Los Indios de Tierra del Fuego, Vol I, Los Selknam, 2 tomos, Centro Arg. de
Etnología Americana, Buenos Aires.
KENBERG, O. (1995). Love Relations. Normality and Pathology. Yale University Press. New Heaven
London. Trad. Esp. Edit. Paidós, 1995.
LAUZON, J. (1994). Las Cordilleras Invisibles del Infinito. Los Selknam. III Simp. FEPAL, Rio de
Janeiro.
______ (1996). Mitos y Antropología. IV Simp. ínter. APA. Buenos Aires.
(1998). Los Selknam. La Instauración de la Muerte. Congreso FEPAL, Cong. Mitos, Car
tagena de Indias.
ROSENTHAL, G.; YAMPEY, N.; SMULEVAR, M. (1992). En torno a la metodología de la Investigación sobre los Mitos. Simp. sobre Mitos. Su Interpretación Psicoan. 500 años del Descubrimiento de América. Buenos Aires: GEPMAL.
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 277
Julia Lauzon
ANEXO: Fotografias
278 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Los selknam. Mito y ceremonia de iniciación
.***"
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 279
Julia Lauzon
280 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
El mito como factor estructurante de
la personalidad latinoamericana
Antonio Santamaría Fernández*, México, MÉXICO
Resumen
En tres aportados el autor sostiene la tesis de que el mito estructura la personalidad y que en
Latinoamérica los mitos básicamente estructurantes son los mitos autóctonos que interactúan
con los mitos de la colonización y los mitos contemporáneos. Para el efecto el autor explica la
vía de internalización mediante la cual se introducen los mitos del entorno social durante el
desarrollo individual y durante el proceso psicoanalítico, a fin de estructurar el mito personal
que autodefine al latinoamericano. Los mitos latinoamericanos publicados, la teoría del
desarrollo y el proceso psicoanalítico sirven de base para avalar las ideas del autor.
* Membro Efetivo da Asociación Psicoanalítica Mexicana.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 281
Antonio Santamaría Fernández
Otto Kernberg es el primer Presidente de la IPA que ha tenido el valor de
expresar sus ideas, comentarios críticos y sugerencias creativas, en relación con temas
latinoamericanos políticos, sociales y de desarrollo, en el pleno contexto de los hechos
de los actores. De menos yo así lo atestigüe en Chile, Cartagena y México. Es dicha
vocación de Kernberg por nuestra América Latina lo que me inspira a escribir las
suscritas líneas, sin dejar de reconocer que en ellas va mi propia subjetividad con mi
pensamiento emotivo.
Las preguntas que me he formulado al respecto son las siguientes: ¿Acaso los
mitos estructuran la personalidad? ¿de qué manera? ¿Y porqué especificar la
personalidad latinoamericana? Desde luego que en mi opinión los mitos sí estructuran
la psique humana y lo hacen a través del mito personal. Y en cuanto a nuestras
personalidades latinoamericanas como objetivo, creo que no obedece más que al deseo
de querer mostrar lo nuestro, lo especifico de nuestra selfidad, identidad y desarrollo,
ya que pienso también que la estructuración mítica personal es universal. Ahora bien,
para fundamentar mis hipótesis especulativas voy a referirme a 1) El mito personal
como estructurante de la psique 2) La internalización mítica como la base de
mitopoyesis del individuo durante su desarrollo y 3) Los mitos latinoamericanos
(autóctonos, coloniales y modernos) cual suministros del mito personal
latinoamericano.
I - El mito personal
En nuestro XXI Congreso Latinoamericano de Psicoanálisis en Monterrey, me
referí (Santamaría, 1996) al "mito personal" que Kriss (1956) presentó a su vez en el
Primer Simposio Psicoanalítico de Delfos (1986). Nada mas que en tanto Kriss se
refirió al mito personal transferencial (del paciente) yo aludí al mito
contratransferencial (del analista) y, aquí por ahora, sostengo que ambos mitos
personales (el del paciente y el del analista) contribuyen a la re-estructuración mítica
de ambos participantes. ¿Y qué es entonces el mito personal?. Kriss lo explicó como la
imagen autobiográfica que cada quien defiende férreamente como su propia verdad.
Wolf (1991), desde la psicología del self, puntualizó en Delfos que el susodicho mito
personal es la expresión de la realidad psíquica del self nuclear, tan valiosa como la
realidad externa. Y que por supuesto es ese el mito que está presto a desplegarse en la
transferencia y en la contratransferencia a fin de ser analizado. En ese sentido
considero que cada quien actúa y se autodefine mediante su propio mito personal
sélfico. Desde luego que de esto los psicoanalistas somos testigos participantes en la
situación psicoanalítica. Freud hizo su propio mito personal para trabajar clínicamente,
para investigar, escribir, funcionar en familia y hasta para crear al psicoanálisis. El
mito que hizo de si mismo
282-
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
El mito como factor estructurante de la personalidad latinoamericana
fue el mito de Edipo. Freud se autodefinió como Edipo. Reisnet (1999) nos dice que
los primeros discípulos de Freud adivinando la visión auto mitológica de él (Freud), lo
honraron con un medallón que lo representaba como un moderno Edipo y que tenía
por inscripción la siguiente cita de Sófocles: "A quien adivinó el enigma de la esfinge
y que fue el hombre más poderoso". Freud, al recibir dicho obsequio fantaseó que un
día en la Universidad de Viena le erigirían un busto con la referida inscripción. Y la
fantasía la llevó acabo años después Jones (1955), tal como Freud lo deseaba.
Y así por el estilo puedo conjeturar que cada uno de nosotros los psicoanalistas
trabaja y funciona en general conforme al mito personal propio. Lo que aquí trataré es
de identificar las cualidades que dicho mito ostenta en la comunidad latinoamericana y
en lo particular los psicoanalistas. Ahora bien ¿de doñee procede y como se forma y se
estructura la dimensión mítica de la psique humana? Lo abordaré enseguida.
II - La estructuración del mito personal
Según Stolorow y cols. (1987), es a partir de principios organizadores inconscientes que se ordenan las experiencias psicológicas a fin de edificar las estructuras psíquicas. Es así como se forma el self, el yo, el superyó, etc. La vía es la
internalización transformacional de las experiencias selfobject empáticas. Dichas
experiencias (vivencias) internalizables incluyen los mitos de los padres, de la familia
y de la cultura. Y es a partir de estas transmitificaciones que se construye el mito
personal, como expresión del self. Así ocurre durante el desarrollo ontogenético como
durante el proceso psicoanalítico; así es como se erige y se define el sentido de
selfidad, que es el más profundo y, el sentido de identidad, que es auto-representación
psicosocial en el yo.
De lo anterior también hablan Rosenthal (1995) y Azoubel. Rosenthal escribe
(p.12) que "la mitopoyesis es una función primordial de la condición humana; ella no
desaparece nunca y es fundante de la estructura del sujeto, de la familia y de la
comunidad" Y Azoubel aclara en la primera página que "todavía vive mucha gente en
el fondo del río"; él (Azoubel) sintió que al estar en contacto con ese hombre estaba
"en contacto con lo sagrado... que aquel hombre había sido por un instante el propio
mito" (p.10).
III - Los mitos latinoamericanos en nuestra personalidad
Bueno ¿Y cual ha sido la función de los mitos latinoamericanos durante este
proceso de mitopoyesis personal, familiar y social? ¿ cuales mitos hemos
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 283
Antonio Santamaría Fernández
internalizado en América Latina? ¿los griegos? ¿los anglosajones? ¿los indígenas?.
¿Todos hemos internalizado los mismos o parecidos mitos? Y que hemos hecho con
ellos al internalizarlos? ¿Están fielmente inscritos, reprimidos y/o escindidos en
nuestra psique? ¿los hemos ya elaborado y transformado en rasgos de carácter o en
psicopatología propia? ¿O los hemos elaborado tan completamente que nos resultan ya
extraños en nuestro funcionamiento psíquico creativo?.
Son aquí también muchas las preguntas y pocas las respuestas. La revisión de
los mitos latinoamericanos que hemos discutido y publicado a raíz de nuestras cinco
simposia internacionales realizados en estas tierras latinas; así como los publicados por
otras vías, nos son por ahora útiles para excerptar algunas ideas que sustenten nuestras
respuestas. Unos son mitos prehispánicos, otros coloniales y los terceros son los mitos
modernos. Dentro de los prehispánicos figuran mitos transcontinentales como el Mito
de los gemelos y el del Dorado (Nasim, 1985) y otros están co-autoreados también por
Nasim en colaboración con Susana Ferrer (La "Lechuza, 1995) y con Elianne Mirilli
(Kuripi ó Kuripeira, 1995). Otros mitos al respecto son: Cuauhtémoc, psicodinamia de
un héroe mexicano (Santamaría, 1989), Las "cinco naneas" (Lemlig y cols., 1989); el
mito de Qoa (Kumffman Dol, 1989); el de la "Couvade" (Azoubel, 1993); la mujer
colombo-mexicana en el mito (Santamaría y Santamaría, 1998). Estos mitos entre
otros nos expresan que a través de nuestro continente, con distintos nombres y con
variaciones escénicas, hemos internalizado con fines de estructuración psíquica los
mismos ó muy parecidos temas míticos a saber:
1) El anhelo de un padre idealizable (admirable), que se ausenta físicamente o
por su insignificancia, y que un día vuelve o volverá amoroso y victorioso. 2) La
presencia (o sobre presencia) de una madre omnipotente, controladora y sobreprotectora, poco ó nada empática en cuanto al desarrollo individualizado y
autodireferenciado de los hijos, a cuyo abandono somos tan especialmente lastimables y, que si se va, vuelve un día plena de culpa, en forma de diosa o de bruja. 3)
Y es a consecuencia de tanta identificación / internalización materno/femenina, que se
incrementa el consecuente sentimiento de omnipotencia narcisista arcaica no
elaborada (Kohut, 1971), el mismo que nos estanca en la ilusión de inmortalidad y de
invulnerabilidad.
La invasión europea que empezó con Cristóbal Colón y con sus huestes, hasta
clavarse aquí España, Portugal y otros países de aquellos tiempos; trataron todos
aquellos de aniquilar nuestros mitos, infructuosamente. Los invasores se apoyaron en
nuestra ilusión del padre que había prometido regresar, como lo prometió Quetzacoatl
en México. Mas lo que hicieron fue apoderarse de nuestras mujeres (ellos no las
traían) y no solo para dominar militarmente sino también para tratar de destruir lo
interno nuestro, las fantasías, ilusiones, ideas y
284 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
El mito como factor estructurante de la personalidad latinoamericana
valores (religión y lenguaje) no en forma de selfobjetos idealizables y admirables
(Kohut, 1982) cuya creatividad hubiéramos internalizado constructivamente, sino, en
violencia sádico/destructiva (salvo algunos misioneros); y por supuesto que no lo
lograron del todo. Surgieron nuevos mitos y persistieron y persisten muchos de los
autóctonos. Recientemente Azoubel (2000) nos dice "poseemos un acervo indígena
envidiable, lo que nos autoriza a hablar de una mitología auténticamente brasileira".
Los demás mitos de aquel entonces fueron los mitos mestizos y los criollos. En ellos
se revela la lucha interna entre lo indígena/europeo, con algunas síntesis adaptativas.
Así tenemos por ejemplo la figura mítica de Cristóbal Colon (Nasim y cols., 1995). El
mito de Odiseo Telémaco (Santamaría, 1996). El taller de Mitos e identidad nacional
(Jones 1996)
De entre los mitos contemporáneos, R. S. Y (1995) nos ofrecen "El Héroe
Mítico del Adolescente de hoy" y Rosenthal y Jáuregui (1995) el mito "La bisexualidad y el Género Femenino-Masculino"
La susodicha revisión de los mitos coloniales y modernos nos demuestran que
de menos en algunos sectores de nuestra América Latina la transmitificación, entre
otros factores, ha contribuido a la síntesis entre lo indígena y lo europeo, lo
anglosajón, negro, etc. Lo indígena es la parte básica y materna; lo extranjero era, pero
ha venido dejando de ser, lo paterno; y lo occidental corresponde a nuestros talentos,
habilidades y técnicas de producción y adaptación. La técnica de producción y
adaptación. La emoción materna, el ideal paterno y la habilidad teórica, al sintetizarse
entre sí cooperativamente, están siendo cada día más la fuente del nuevo y vigoroso
personaje latinoamericano, del paisano que se desarrolla en base a sus propios talentos
creativos, ambiciones realistas e ideales humanistas.
Conclusión
La personalidad de las /os latinoamericanos está estructurada básicamente en
torno a nuestros mitos autóctonos.
De ahí nuestra auténtica identidad /selfidad latinoamericana. Los mitos europeos
y de otras partes que nos trajeron los conquistadores constituyen la superficie de
nuestro verdadero mito personal. Por ejemplo, el mito que ha sido el " shibolett-" del
psicoanálisis, el mito de Edipo, el que se trabaja terapéuticamente con los neuróticos
durante la situación psicoanalítica sólo es la envoltura psicológica de algo más
profundo, lo pre-edípico, lo mítico /indígena, latente y vivo; mito que se elabora y que
se exterioriza a distintos niveles de conducta, pensamiento y sentimiento. Pero
¿porqué es entonces que lo autóctono a veces y/o, a algunos, les parecen tan extraños y
tan ajenos e incluso avergonzantes?
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 285
Antonio Santamaría Fernández
¿Por qué se quiere que resalte más lo europeo puro o lo anglosajón? ¿Por qué
tememos tanto lo auténtico nuestro? Lo mítico esta mas vivo y mas ligado a nuestra
originalidad y creatividad.
Y ciertamente y por lo general tememos más lo vivo y lo propio caótico que lo
estructurado y ordenado, cercano a la rigidez; lo inerte y casi lo muerto. En base a
nuestra verdadera selfidad mítica es que somos de personalidad mas espontánea,
abierta, ilusoria y creativa. Más que de carácter predeterminista, programático y
mecanicista. Lo latino se emparenta más con lo natural, lo vivo; con el misterio, el
sueño y lo fantasioso; la creatividad y la incertidumbre, más que con lo convencional y
osificante. Es por esto que cierro esta introducción al tema, invitando cordialmente a
ustedes a explorar con mucho ahínco los tesoros de nuestros mitos latinoamericanos; y
no nadamas para conocerlos y analizarlos, sino mas bien para integrarlos a nuestra
vida psíquica, personal y social, con orgullo y con alegría de identidad.
Bibliografía
AZOUBEL, N.D. (1993). Mito e Psicoanalise. Brasil. Papirus (p.9-10; 95-115).
______ (1999). A Antropofagia. Aléu Da Ficcao e Da Nao Faccao, Urna Questao Psicoanalítica,.
Ponencia ante el VI Simposio Internacional de Mitos, Gramado-Brasil, 2000. DUPETTIT y
YAMPEY (1995). El mito de Evita. En: Mitos. Interpretación psicoanalítica. Argentina:
GEPMAL. FERRER LUSTIG de, S. (1995). La lechuza. En: Mitos: Interpretación Psicoanalítica
(supra). KAUFFMAN, Doi (1989). El Mito de Qoa y la divinidad universal andina. En: Mitos
universales,
americanos y contemporáneos. Vol. I, Perú. Sociedad Peruana de Psicoanálisis.
KOHUT, H. (1971). El Análisis del Self. Buenos Aires: Amorrortu (p.266-294).
______ Introspection, Empathy and the semi-circle of Mental Health. Int. /. Psychoanalysis, Vol.
63, p.395. KRISS (1956). The personal myth. /. of the Amer. Psychoanal. Ass. 4: 653-681.
MIRILLL G y N. YAMPEY (1995). El mito de Kurupí ó Curupira. En: Mitos: Interpretación Psicoanalitica. (supra). REISNET, S. (1999). Freud and Psychoanalysis: Into the 21st Century. /. of the
Amer. Psychoanal.
Ass., Vol. 47 No. 4. ROSENTHAL G. y E. JÁUREGUI (1995). La Bisexualidad y el Género
Femenino-Masculino. En:
Mitos. Interpretación Psicoanalítica. (supra). ROSENTHAL, G. y cois. (1995). La figura mítica de
Cristóbal Colón. En: Mitos. Interpretación
psicoanalítica. (supra).
______ (1995). Mitos. Interpretación Psicoanalítica (supra) p.12.
SANTAMARÍA (1989). Cuauhtémoc C. Psicodinamia de un héroe mexicano. Mitos Universales,
americanos y contemporáneos. Perú: Sociedad Peruana de Psicoanálisis. SANTAMARÍA, A. y
SANTAMARÍA, O. (1998). La mujer colombo mexicana en el mito. Dialogo
psicoanalítico con un mexicano. Revista de la Sociedad Colombiana de Psicoanálisis, VOL. 23,
No. 2.
286 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
El mito como factor estructurante de la personalidad latinoamericana
SANTAMARÍA, A. (1996). El Mito de Odiseo/Telémaco como un nuevo complejo en la Teoría
Psicoanalítica. Memorias del IV Simposio Internacional de Mitos, Buenos Aires: Gepmal y APA.
(1996). El mito personal en la contratransferencia. Memorias del XXI Congreso Latinoame
ricano de Psicoanálisis, Monterrey N.L. México.
SMULEVER y N. YAMPEY (1995). El Mito del Toro Candil ó Bumba- Mei-Boi. En: Mitos: Interpretación Psicoanalítica (supra).
STOLOROW, Brandchaft y ATWOOD (1987). Psychoanalytic tratment. An intersubjetive Approach.
USA: The Analytic Press.
WOLT, S.E. (1991). The Personal Myth and the History of the Self. In: The Personal Myth in Psychoanalytic Theory, edited by Hartocollis and Grahan. EEUU. Int. University Press.
YAMPEY, N. (1995). El Mito del Dorado. En: Mitos: Interpretación Psicoanalítica. Argentina: GEPMAL.
______ (1981). El mito de los gemelos en la cultura indoamericana. Psicoanálisis de la cultura.
BuenosAires: Paidos.
JONES (1996). Taller de Mitos e Identidad Nacional. Memorias del IV Simposio Internacional de
Mitos. Buenos Aires: APA.
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
287
Psicoanálisis y cultura Mito
y personalidad
Mario Alberto Smulever*, Buenos Aires, ARGENTINA
* Membro Efetivo da Asociación Psicoanalítica Argentina.
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 289
Mario Alberto Smulever
Introducción
Esta presentación consta de una parte general, referida a la problemática de los
mitos; y una especial dirigida a la comprensión psicoanalítica de algunos mitos
latinoamericanos. Antes que esclarecer el mito, el intelectualismo y el pensamiento
racional lo han descalificado en forma sistemática considerándolo una completa
ilusión, explotada por el fraude y alimentada por la necedad. Con este rechazo,
desacreditaban el sentido existencial pleno, la afectividad y los valores, en una palabra
el mundo vivido, y dejaban insatisfechas esenciales exigencias del ser humano. La
mentalidad mítica es un estado de nuestra mente y está presente en todas las culturas.
El sujeto individual, con su personalidad, es una realidad que no se comprende en su
aislamiento, sino con referencia concreta a un contexto social determinado. Por otro
lado, la sociedad resulta incomprensible si no la consideramos constituida por
individuos, históricamente ubicados. S. Freud (1921), al postular que la psicología
individual es al mismo tiempo y desde un principio psicología social- puesto que el
"otro" aparece siempre integrado como un modelo, objeto, auxiliar o adversario-,
describió los mecanismos que operan en la estructuración de las organizaciones
comunitarias y de la cultura. Comparó (1908) los mitos con los sueños legendarios de
la humanidad y sostuvo que "los mitos son residuos deformados de las fantasías
desiderativas de naciones enteras, verdaderos sueños seculares de la joven
Humanidad".
El mito ha cobrado interés como objeto de indagación en la época moderna por
la necesidad que tenemos de cuestionar nuestra cultura y por la añoranza de una
unidad originaria del ser humano consigo mismo, el mundo y los dioses.
Periódicamente, y casi como una invocación, volvemos a diversas definiciones del
mito y al examen de mitos particulares, con la idea de ir profundizando en su
conocimiento. Nos interesa sobre todo como un aspecto básico del análisis de la
cultura y de la culturización del sujeto humano.
Mithos, en griego, denota "palabra" en sentido de un enunciado decisivo y
también mirar la realidad con los ojos entrecerrados; difiere de Logos, "razón", la
palabra cuya validez o verdad puede ser argüida y demostrada. El mito no es
necesariamente contrario a la razón, mas - por presentar sucesos extraordinarios sin
tratar de justificarlos - suele tomárselo como historia falsa o mera fábula. Para los
fenomenólogos de la cultura - por el contrario - el mito es "siempre verdadero",
entendiendo por tal "creído verdadero por los que lo comparten", vivido como la única
respuesta posible. Detrás del contenido variado de los mitos, existe un valor de
"verdad" que no es de origen lógico, sino de orden sagrado, mágico, religioso. Por lo
tanto, el mito es un modo de ver y de concebir el mundo, una interpretación primaria,
activa, no crítica, de la vida y la naturaleza.
El mito habla siempre de una creación: la creación del Cosmos o de un
290 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicoanálisis y cultura. Mito y personalidad
fragmento del mismo (una planta, una institución, un rasgo humano). El pensamiento
mítico construye, a partir de estructuras dadas, relatos dramáticos a los que adjudica el
origen de esas estructuras. Por un activo trabajo de recomposición de elementos, crea
un universo coherente en sí mismo, que todo lo explica y lo "determina".
Los mitos relatan sucesos y circunstancias que sobrepasan el mundo ordinario;
su tiempo y espacio son diferentes de la experiencia humana común y sus actores son
dioses o seres extraordinarios. Otras formas de la literatura participan de una o más
características del mito, sin volverse por ello míticas. Hay que distinguir entonces los
mitos en sentido estricto, de los cuentos, fábulas, cuentos de hadas, sagas, epopeyas v
leyendas. Sin embargo, cabe señalar que hechos y personajes históricos pueden
mitificarse, y aún la Ciencia, la Razón, el Poder, la Libertad, o la Muerte de la
Historia, pueden considerarse "mitos de nuestro tiempo", en tanto nos exigen una
creencia o una conducta; en tanto nos interpelan como valor y como misión, movilizan
y dominan nuestra afectividad y voluntad. Entonces se los consagra como paradigmas
o prototipos. Por ejemplo, en la historia argentina encontramos figuras locales que, por
haber alcanzado el nivel proyectivo del símbolo, ponen en actividad la conciencia
mítica; personajes como San Martín, Carlos Gardel, Eva Perón... han acicateado la
conciencia mítica colectiva para urdir el mito de la heroicidad, del amor, de la
santidad.
Las sociedades están fundadas sobre un sistema de mitos: un complejo constituido por las formas de pensamientos e ideas cargadas de juicio de valor que
determinan y sostienen sus actividades, y donde cada individuo teje sus variantes en la
gran tela que comprende a todo el grupo.
Los mitos provienen del elemento sagrado en torno al cual se constituyó el
grupo social, y - como dice G. Gusdorf (1953) - los mitos son la introducción a una
cultura dirigida al conocimiento del hombre concreto aún no "desencarnado" en los
esquemas intelectuales de la filosofía y de la ciencia.
"Por el mismo hecho de relatar el mito la gesta de los seres sobrenaturales y la
manifestación de sus poderes sagrados, se convierte en el paradigma de todas las
actividades humanas" (Eliade, M., 1973). "Conocer" el mito como una realidad que se
vive, es - por esta vivencia - ejercer un dominio sagrado, mágico, sobre los objetos, los
elementos o las circunstancias aludidas por el mito.
El pensamiento mítico concibe la realidad por analogía. El pensamiento
analógico gobierna la edificación de los mitos en las culturas o en la mente individual,
y el animismo asociado fundamenta una práctica: ritual, mágica, ética individual y
social, utilizadas para controlar y transformar el mundo.
El ser de la existencia mítica constituye una dimensión estructural del hombre.
Y es una constante de la humanidad, no como una supervivencia de etapas perimidas,
sino como una estructura fundante del hombre. El mito estatuye las
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 291
Mario Alberto Smulever
demás estructuras de una cultura; sostiene no sólo el rito y el culto, sino todo el
sistema de valores imperantes en ella. "La sociedad procede de la representación
mítica", afirma M. Leenhardt (1947).
El mito es símbolo, un tipo de comunicación simbólico. Es un relato de lo
indecible que participa directamente de la naturaleza del símbolo, porque sobrepasa las
explicaciones filosóficas y artísticas; porque remite en cada uno de sus momentos al
carácter unitario, polisémico y sustancialmente analógico del símbolo (F. García
Bazán, 1979).
El mito es básicamente una forma de conocimiento, que difiere de la ciencia y la
filosofía por manejarse con elementos del símbolo, de la imagen y de la emoción; pero
- igual que aquéllas - determina una cosmovisión, y posee un repertorio de respuestas a
las "cuestiones últimas" de la vida: el sentido de la existencia, el origen, las funciones
y el destino humano.
El mito es producto de la imaginación creadora, una facultad que actúa de
modo intuitivo y sintético en la conciencia humana antes que se subdivida en diversas
facultades (intelectivas, afectivas, volitivas). La imaginación creadora se da en toda su
espontánea e incontrolada plenitud en la infancia; es menester estudiarla en sus etapas
iniciales para facilitar su comprensión en la mucho más compleja y menos libre
imaginación mítica y artística en general. Las emociones psíquicas de los años de la
infancia, conscientemente recordadas - dice O. Rank (1914) - suministran el factor que
permiten la interpretación del mito. Este autor destaca las tendencias coincidentes
entre las novelas familiares y los mitos heroicos.
Mas, una cosa es vivir el mito, transitar lo sagrado, inconsciente e inefable, y
otra cosa es discurrir y especular sobre su estructura. La conciencia mítica se revela
concretamente en hechos, entes y acciones. La actuación no implica necesariamente la
conciencia de una teoría de este actuar. En el ser de la existencia mítica, pensamiento y
vida se dan en un sólo acto: se piensa actuando. Cuando surge la conciencia racional,
se da otra forma de pensar y actuar. La conciencia mítica traza una historia cerrada,
repetitiva y toda acción se refiere a un modelo ejemplar. El mundo es siempre el
mismo; si aparece alguna inquietud, es también cerrada. En otro trabajo, hemos
resumido las principales corrientes de investigación contemporáneas sobre el mito,
destacando: (a) el enfoque fenomenológico (Eliade, Jung, Malinowski); (b) el enfoque
estructuralista (especialmente Lévi-Strauss); (c) el enfoque filosófico (Nicol, Ricoeur);
y (d) el enfoque psicoanalítico (Freud y otros), (GEPMAL, 1990). A través de las
expresiones y manifestaciones del ser de la existencia mítica, tratamos de
comprenderlo merced al método de la interpretación psicoanalítica.
¿Por qué la necesidad del hombre de edificar mitos, de construir una visión del
mundo de un modo total y unificador? El dominio de los seres humanos
292 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicoanálisis y cultura. Mito y personalidad
sobre la naturaleza es muy limitado, por lo cual ella se presenta a su conciencia como
"fuerzas superiores" al hombre. Este necesita representarse, explicar y manejarla de
alguna manera. La orfandad y pequeñez ante el universo desconocido y descontrolado,
le lleva a crear representaciones que adjudica a los dioses que tienen el conocimiento y
control del universo.
Psicoanálisis de los mitos
Al intentar vincular los dos términos de esta presentación, mito y personalidad,
encontré que hacen referencia a estructuras manifiestas. Esto significa elementos del
orden de las apariencias. Tanto los mitos como las llamadas estructuras de
personalidad describen, los primeros a la manera de un relato y las segundas como
características individuales, una serie de fenómenos observables pasibles de ser
interpretados psicoanalíticamente.
Teniendo en cuenta la dialéctica entre mito y personalidad y la dificultad en
vincularlos de acuerdo a una cierta etiología, podemos considerar a ambas estructuras
como expresión secundaria, defensiva, fenoménica; de otras estructuras, primarias,
esenciales del hombre y de la cultura.
Utilizando analogías, única manera de poder acceder a la posibilidad de pensar
lógicamente, diremos que tanto los mitos como las manifestaciones de la personalidad
son como el contenido manifiesto de los sueños. Todos sabemos que el interés mayor
para el psicoanálisis son los contenidos latentes. Ahora bien, si queremos sostener
nuestro interés en el psicoanálisis de los mitos debemos adentrarnos en el
conocimiento de dichos contenidos latentes.
La polisemia del termino mito surge justamente al referir tanto el contenido
manifiesto: relato, narración, leyenda, etc. como los contenidos latentes, inconscientes
con el mismo término: mito.
Aquí se instala también la confusión de considerar a los mitos como mera
ficción, mentira, etc. Si hacemos referencia sólo a esos contenidos manifiestos por
supuesto es difícil otorgarles verosimilitud. Pero si consideramos a los contenidos
latentes, como en el sueño, lo mítico verdadero, nos encontramos en el terreno de las
fantasías inconscientes, de las angustias primordiales que acompañan a la indefección
humana.
Vivimos sumergidos en los mitos. Esta expresión nos vincula directamente con
el concepto freudiano «untergang» con el cual hace referencia a la culminación del
Complejo de Edipo. Este mito fundante de la cultura, con sus prohibiciones
especificas permanece como complejo, «hundido» en el inconsciente y manifestándose
permanentemente en toda producción humana. El psicoanálisis ha investigado las
motivaciones básicas para la edificación del pensamiento mítico
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
293
Mario Alberto Smulever
inconsciente y las encuentra en la desvalidez y completa dependencia del niño, en la
inadecuación de su pensamiento y sus actos para operar racional y eficientemente
sobre la realidad. El psicoanálisis ha puesto de relieve el hecho crucial que, para
acceder a la cultura y el desarrollo, los seres humanos han de atravesar el llamado
complejo de Edipo. El acceso a la formación mítica exige el retroceso a la fuente
última, a la facultad individual de la imaginación y el fantaseo. Esta labor actualiza las
vivencias tempranas de envidia, celos y rivalidad en las relaciones parentales
infantiles. El mito individual contiene las fantasías inconscientes fundamentales de un
sujeto particular, mito que dicha persona fue plasmando con los elementos básicos de
sus procesos primarios en interacción con su ambiente inmediato. Desde el principio
inconscientes o vueltos inconscientes por la represión, las diversas experiencias del
mito personal cristalizan en configuraciones que suelen ponerse fuera de todo
cuestionamiento. Son sagrados para él y motivan la cosmovisión y el comportamiento
propios de ese individuo. Constituye una estructuración específica, resultante de la
elaboración primaria de los traumas y conflictos psicológicos. Representa el contenido
latente de la urdimbre relacional más profunda y estereotipada de la persona. Lo que es
característicamente propio de uno y que lo distingue del prójimo, siendo la base de su
idiosincrasia, su-ser-distinto de los demás. Refleja una estructura arcaica que la
interpretación psicoanalítica puede arrancar de su contexto inconsciente e inefable.
Este mito privado presenta conexiones intrínsecas con los mitos familiares y nexos
más o menos congruentes con los mitos de la comunidad. Los personajes están
representados por las imagos parentales y las del propio self, y dramatizan diversas
escenas de la constelación mítica que, merced al análisis, cobran sentido y significados
manifiestos y pueden ser reintegrados en nuevas perspectivas.
La actividad mitopoyética es una función primaria de los procesos mentales del
sujeto humano; las fantasías inconscientes son expresiones psíquicas originales que se
movilizan en respuestas a las necesidades instintivas y a los estímulos del mundo
exterior del sujeto. En el curso del desarrollo mental, estas creaciones siempre
movidas por el anhelo de disminuir la tensión de necesidad, sirven a variados
propósitos. Las fantasías se desarrollan en interacción con las experiencia cotidianas;
con ello se van consolidando y enriqueciendo la estructura mítica individual, familiar
y comunitaria.
El mito individual nace y se desarrolla en una situación psicológica que implica
reciprocidad; se forma dentro de una estructura preexistente constituida por el grupo
familiar. Aunque enfocable desde el ángulo individual, por su índole, la estructura
mítica es colectiva, relacional e intercomunicante. Lo relacional se refiere en este caso
a un vínculo vital con lo humano, lo natural y lo divino. El individuo constituye un
centro móvil de relaciones que irradian de él o se dirigen hacia él, En este núcleo se
estatuye el mito privado que busca afirmar la
294 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicoanálisis y cultura. Mito y personalidad
propia identidad en función de la cultura nativa. En la configuración mítica late el afán
de explorar, de conocer y de manejar las ansiedades emergentes de los conflictos y
enigmas del vivir humano.
Las identificaciones que conforman la identidad mítica del sujeto, se realizan
sobre la internalización de personajes en situación, merced a movimientos activos del
Yo receptor, efector, creador y organizador del psiquismo. S. Freud (1914-1921) ha
mostrado cómo la estructura individual se articula con la estructura colectiva. "Lo
inconsciente es lo psíquico verdaderamente real; su naturaleza interna nos es tan
desconocida como la realidad del mundo exterior y nos es dado por el testimonio de
nuestra conciencia tan incompletamente como el mundo exterior por nuestros órganos
sensoriales". Nosotros queremos completar esta afirmación diciendo que la realidad
mítica es el verdadero objetivo del psicoanálisis: descubrir, interpretar e integrar el
mito subyacente en la cultura, en la familia y en el individuo, a partir de las realidades
fácticas y más o menos evidentes en todas las áreas de sus manifestaciones, es lo que
permite superar la radical escisión de la condición humana.
Podemos afirmar que, en términos generales, el psicoanálisis ha descubierto la
condición esencialmente escindida, limitada e insuficiente del sujeto humano, el cual,
en nombre de la razón, reniega de su ser mítico. El mito expresa una realidad fundante
de la que habitualmente no se habla, una realidad de deseos interdictos, la trama
latente de situaciones vitales, que determinan la estructura secreta u oculta del
individuo, la familia y la cultura.
El mito aparece en estructuras inconscientes como en los Sueños, los síntomas y
las parapraxias. Y en un nivel consciente, como expresión de roles, funciones e
identidades, que dan cuenta de la personalidad de un sujeto, y como imagos que
corresponden a las fantasías que son los elementos estructurales inconscientes de los
mitos. El mito surge cabalgando entre la "realidad" y la "historia", sabiendo a priori
que dichos términos están cargados de máxima ambigüedad. El posicionarse el mito
en una zona intermedia permite la emergencia de fantasías que, tomando elementos de
una y otra, van creando situaciones nuevas.
En cualquier relación se llega a crear un mito por el hecho de que en toda
relación queda un margen de ambigüedad, de inexpresado en el que los huecos de la
información en el proceso de construcción del vínculo y del conocimiento mutuo son
llenados mediante la formación de estereotipos que intentan inducir a los participantes
a comportamientos específicos. El estudio de los mitos familiares debe cumplir con la
metodología que llevamos a cabo en nuestro grupo de investigación (Rosenthal, G.;
Smulever, M. y Yampey, N): primero deben tratar de obtenerse las distintas versiones
del mito que sustentan los distintos miembros de la familia. Luego, y sin tratar de darle
privilegio a ninguna, intentar interpretar psicoanalíticamente. Para esto es útil
discriminar el valor actual que
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Ŷ 295
Mario Alberto Smulever
tiene el mito para esta familia y también el valor transgeneracional. Las manifestaciones míticas alcanzan su plenitud dentro de la comunidad. En el grupo social se
desarrollan, se modelan y logran eficacia. Los mitos constituyen el basamento de la
identidad colectiva por ser formas simbólicas que ayudan a la sociedad a enfrentarse
con las realidades, a adaptarse a ellas, y a responder a las dolorosas angustias
derivadas de la conciencia de finitud. Los mitos son más que simples sueños de la
humanidad; productos de la fantasía e imaginación, poseen su lógica particular y
contienen un universo primario, una cosmología elemental, una protofilosofia
irreductible a ninguna otra.
En el campo psicoanalítico, se consideran los mitos como el pensamiento
onírico de las comunidades. Según O. Rank (1909), el mito es "un sueño de las masas
del pueblo", y K. Abraham (1909) en su "Sueños y Mitos", afirma que el mito es "un
fragmento que se ha conservado de la vida psíquica infantil de la raza, y los sueños son
los mitos del individuo". S. Freud, ya lo anticipa en "La Interpretación de los sueños"
(1900); en su artículo "Acerca de los sueños" (1901), escribe; "El simbolismo onírico
se extiende mucho más allá de los sueños: no es privativo de ellos, sino que ejerce un
influjo igualmente dominante en las representaciones que aparecen en los cuentos de
hadas, en los mitos y leyendas, en los chistes y en el folclore. Nos capacita para trazar
las conexiones últimas que mantienen los sueños y las mencionadas producciones". En
1908, Freud dice: "parece muy probable que los mitos sean las reliquias deformadas de
las fantasías del deseo de naciones enteras, de los sueños seculares de la juventud de la
humanidad".
También Freud (1915) habla de "protofantasías", estructuras de fantasías típicas
que organizan la vida de fantasía, cualesquiera que fuesen las experiencias personales
del sujeto; su universalidad se explicaría, según Freud, por el hecho de constituir un
patrimonio transmitido filogenéticamente.Y dice "...el hombre feliz jamás fantasea, y
sí tan sólo el insatisfecho". Los instintos insatisfechos son las fuerzas impulsoras de la
fantasía, y cada fantasía es una satisfacción de deseos, una rectificación de la realidad
insatisfactoria.
Sin embargo, para Freud la represión de las ensoñaciones no era la única causa
de las fantasías inconscientes, y buscó otras formas de explicarlas. Abandonó la
búsqueda de un trauma externo para explicar la neurosis, pero siguió buscando una
etiología definitiva. Al percatarse de que algunas fantasías eran ubicuas, llegó a creer
que la fantasía constituía el fenómeno base, en el corazón de la neurosis, y a
contemplar la idea de que la fantasía inconsciente, en forma de mito, fuera
esencialmente la memoria de la especie y no la del individuo (idea parecida a la que
sugiere en El poeta y los sueños diurnos). En este contexto, pensó en la posibilidad de
lo que llamó Urphantasien, a las que consideraba Fantasías Primordiales o Fantasías
Originarias.
296 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4. n. 1, setembro 2000
Psicoanálisis y cultura. Mito y personalidad
Freud persistió en su intento de encontrar la verdadera naturaleza y estructura
del inconsciente, considerando primero una teoría y después otra. No obstante, siempre
creyó que el inconsciente era accesible al análisis científico porque lo entendía como
«un campo estructural, que puede ser reconstruido, puesto que maneja, descompone y
recompone sus elementos según ciertas leyes». Con el tiempo, pareció abandonar la
filogénesis (la teoría de la herencia de los recuerdos a nivel de especie y en forma de
mitos), para decidirse por la teoría de que el desarrollo de la sexualidad endógena y de
los deseos y fantasías que engendra el instinto sexual, en especial los relacionados con
el complejo de Edipo, eran los verdaderos organizadores de la vida de la fantasía
inconsciente. Así, llegó a considerar a los deseos sexuales como la fuerza motriz detrás
de los sueños diurnos y de su capacidad de satisfacer los deseos (y, más tarde añadió,
los deseos agresivos y las situaciones traumáticas). En un principio, entonces, el término fantasía inconsciente era, en lo esencial, sinónimo de la representación mental de
un deseo instintivo. Sin embargo, con el cambio de la teoría topográfica a la teoría
estructural, se modificó la comprensión de lo que constituía la fantasía inconsciente.
La nueva concepción sugiere que la fantasía no sólo engloba al deseo original, sino
también a las defensas que se erigen contra éste. Las ediciones finales de la fantasía
son fundamentales para el sentido de identidad del individuo.
Mitos Latinoamericanos
Nuestro continente se halla envuelto en un mundo de mitos entroncados con factores
psíquicos profundos, con dogmas religiosos, con las luces tempranas de las utopías y
con las visiones de algunos iluminados. Los europeos traían, al mismo tiempo que su
afán de conquista, sus mitos medievales y hasta la supervivencia de los cultos paganos
y el folclore. Por su parte, los indígenas estaban inmersos en sus mitos mayores y
menores. Y no fue pobre la mitología variada que trajeron los africanos. Así se han
formado sincretismos, simbiosis y yuxtaposiciones, en los cuales, al sentido mágico y
mítico, se añadían (en acción asimiladora y dogmatizadora) las ideologías y los
prejuicios de una sociedad dividida aun entre las contradicciones medievales y las
promesas del racionalismo. Por tales razones, el latino americano tiene problemas de
identidad y se pregunta sobre su cultura, su originalidad o su dependencia. La
yuxtaposición de lo europeo de la conquista, de lo indígena, de lo africano y de las
corrientes migratorias europeas posteriores, en una fusión cultural todavía no lograda,
otorga el carácter de un mestizaje inconcluso a nuestras realidades. Los mitos son
expresión cabal de esta fusión y algunos novelistas contemporáneos han logra-Revista
Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 297
Mario Alberto Smulever
do elaborar y expresar con elocuencia la vigencia de los conflictos en el terreno de la
personalidad latinoamericana y de su inserción comunitaria. Asimismo muchos
psicoanalistas han realizado esclarecedoras interpretaciones de los mitos de nuestra
región, pero queda mucho por investigar.
El intenso proceso transcultural que experimentan nuestros pueblos pone de
relieve una pluralidad de culturas y permite ver las vicisitudes de algunos mitos.
Permite estudiar los temas prevalecientes, su adopción o degradación, posibilita
compararlos y observar sus aspectos comunes y sus aspectos diferentes. Por ejemplo
¿qué significa la frecuente existencia de hermanos entre los personajes míticos de
América?, ¿y el culto a la Difunta Correa en Cuyo y a María Lioza en Venezuela?, ¿y
el Señor de la Muerte, de gran difusión en la zona guaranítica argentina, como se
vincula con el Seor de Bonfim del Nordeste brasileño?. Nuestras poblaciones rurales
influidas por las culturas indígenas muestran una concepción mágica, teñida de
prefiguraciones de la muerte y signada por la culpa y el duelo.
Sería interesante investigar como se expresan estos mitos en las poblaciones
urbanas y en nuestros pacientes en situación analítica. Como ya señalamos, pensamos
que el mito se estructura y elabora a partir de una fantasía inconsciente. Su contenido
es siempre dramático porque expresa y oculta graves situaciones conflictivas
referentes a los orígenes, la estructura y el destino del hombre. En él se manifiesta el
intento de vivir o de sobrevivir manejando ansiedades de aniquilación y caos, de
ataques y de pérdidas, las cuales están motivadas por los deseos edípicos y
narcisísticos, por impulsos hostiles y criminosos y por sentimientos de culpa y
reparación. El mito es atemporal en cuanto estructura inconsciente, aunque emerge
condicionado por la historia en cuanto relato. Constituye una de las formas de
aprehensión de la realidad y tiene su sentido propio, sus leyes y su técnica, como
tienen los suyos el arte y la ciencia. Para analizarlo y comprenderlo se lo debe colocar
en el contexto sociocultural correspondiente.
Los mitos sociopolíticos perduran en nuestra época. Existen siempre como un
profundo fenómeno psíquico colectivo, un componente necesario de la dialéctica
social. El mito brinda su fuerza dinámica y sus valores a los proyectos sociopolíticos.
En circunstancias críticas, irrumpe e impera sobre las actitudes y formas racionales. La
mitopoyesis tiene lugar, ya en niveles ingenuos o espontáneos, ya en niveles
conscientes y racionalizados. La función mítica en las sociedades consiste en mantener
y conservar la cultura contra la amenaza de su desintegración; sirve para sostenerla
frente a la derrota, la frustración y la decepción. Sirve para conservar las instituciones
y el proceso institucional. Para mantener la esperanza ante la destrucción del status
social existente, y para movilizar las fuerzas necesarias a tal fin. La función históricosocial del mito es mantener los sistemas o promover los movimientos sociopolíticos.
En los tiempos no-
298 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Psicoanálisis y cultura. Mito y personalidad
dernos, se utilizan técnicas del mito con fines interesados o concretos; así se reproducen, en imágenes y símbolos nuevos, arquetipos míticos originarios repetidos a
lo largo de la historia.
En nuestra América Latina encontramos variaciones de la estructura básica del
edipo, la problemática de la lucha fraterna y el filicidio primordial nos permite
estudiar algunos mitos que dan cuenta de las características especificas de la
personalidad latinoamericana.
Describiendo aquello que consideramos paradigma mítico latinoamericano, el
mesianismo de nuestros pueblos, queremos sólo puntuar un aspecto de una realidad
muy compleja:
Durante cinco siglos en América latina se desarrollo un proceso de transculturación cuya meta final no se vislumbra aun con nitidez. Las crisis estructurales de
hoy están signadas por la violencia, y a ellas subyacen problemas de identidad y de
desarrollo. Los movimientos agresivos y hostiles de nuestro tiempo deben entenderse,
no solo como impulsos a destruir, sino también como movimientos de autoafirmación
y de búsqueda de soluciones propias. Las condiciones de penuria y opresión
existencial han incrementado las ansiedades de muerte que otrora fueron controladas
por la creencia en otra vida después de la muerte. En ese Mas Allá que proporcionaría
al sujeto todo aquello de que careció en esta existencia, siempre y cuando cumpliera
con ciertos preceptos y rituales.
El anhelo de pervivir, de progresar y de trascender, exacerbado en nuestras
culturas por las crisis socioculturales, han recibido como respuesta, ya la rebeldía
armada y la actuación destructiva, ya la depresión ética y la apatía, ya el esfuerzo
racional y organizado, o ya la apelación al liderazgo mesiánico. S. Freud (1914 y
1921) explico como el fenómeno esencialmente individual del narcisismo se extendía
en el campo de la comunidad. Mostró que la instancia que llamamos Ideal del Yo (y la
estructura subyacente Yo-ideal) puede transformarse en el ideal común de una familia,
de una clase, de una nación: los miembros de un grupo proyectan su Ideal del Yo en la
figura de un líder y se identifican entre sí por el vinculo común con el líder o el
concepto ideológico que lo reemplaza. En este enfoque, el líder mesiánico corresponde
a objetos superyoicos idealizados con toda la carga ambivalente en juego. La
existencia de mitos mesiánicos en América, previos a la llegada de los europeos
permitió su fácil conquista. Su persistencia actual permite comprender la problemática
situación que viven sus pueblos. La mitopoyesis del caudillismo mesiánico, en
términos generales, trata de las relaciones entre una comunidad en crisis y sus dioses, a
través y por mediación del héroe salvador. La notoria crisis actual en todos los órdenes
de nuestra cultura revela las falencias de nuestra cohesión e identidad como país o
región y destaca nuestras dificultades para encarar las cuestiones fundamentales con
cierto realismo, comprensión y esfuerzo organizado e institucionalizado. Se mantiene
Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Mario Alberto Smulever
Ŷ 299
un círculo vicioso de resentimiento, desprecio y escepticismo, porque no hemos
logrado superar el trauma del mestizaje y la mentalidad de explotados como fuerza de
trabajo y objeto sexual sin amor. Esta crónica situación ambivalente implica, por un
lado el conflicto con la cultura "paterna", europeizante, y por otro lado, el conflicto
con la cultura "materna", indigenista. Por todo esto alimentamos todavía la ilusión y
búsqueda de "salvación" o solución de nuestros problemas merced a movimientos
mesiánicos con caudillos autocráticos y rituales populistas, expresando la fragilidad de
las instituciones que no logran consolidarse y brindar el soporte necesario a las
angustias primordiales del hombre latinoamericano.
Es a partir del estudio psicoanalítico de los mitos como podemos acercar la
comprensión necesaria a esta problemática e intentar encontrar el camino para evitar
repeticiones tanto a nivel personal como comunitario.
Bibliografía
ANDOLFI, M. (1989). Tiempo y Mito en La Psicoterapia Familiar. Buenos Aires: Piidos.
CAMPBELL, J. (1959). Las máscaras de Dios: Mitología primitiva. Madrid: Alianza, 1991.
ELIADE, M. (1949). El mito del eterno retorno. Barcelona: Planeta, 1984.
______ (1963). Mito y realidad. Madrid: Guadarrama.
FERREIRA, A. (1970). En Interacción Familiar. Buenos Aires: Tiempo Contemporáneo. FREUD,
S. (1900). La interpretación de los sueños. S.E.A/5.
______ (1901). Sobre los sueños. S.E. 5, 633.
______ (1908). La creación poética y la fantasía. S.E. 9,141.
GEPMAL. (1990). Mitos: Interpretación psicoanalítica de Mitos Latinoamericanos. Montevechio,
B.; Rosenthal, G.; Smulever, M.; Yampey, N.
GUSDORF, G (1953). Mito y Metafísica. Buenos Aires: Nova, 1960
LEENHARDT, M. (1947). Do Kamo. Buenos Aires: Eudeba, 1961.
© Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL
3 00 Ŷ
Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000
Descargar