SUMARIO Tomo I Editorial Mauro Gus .............................................................................................................................................. 9 Psicanálise e Cultura: uma breve apresentação Cláudio Laks Eizirik ............................................................................................................................... 13 Conferências Plenárias CASTRO, Álvaro Rey de - Sociedade Peruana de Psicanálise Una convivencia difícil: Psicoanálisis y cultura. En recuerdo de Franklin ...................................... 19 SCHAFER, Roy - Associação Psicanalítica Americana Um obstáculo às relações humanas harmoniosas: defesa contra a bondade............................... 33 TYSON, Phyllis - Associação Psicanalítica Americana Amor e ódio, mãe e filha, crescendo como mulher ........................................................................45 TYSON, Robert L. - Associação Psicanalítica Americana Helen Keller: um enigma psicanalítico........................................................................................... 57 WIDLÓCHER, Daniel -Associação Psicanalítica Francesa O lugar da sexualidade infantil na cultura contemporânea ............................................................73 XXIII Congresso Latino-Americano de Psicanálise BERENSTEIN, Isidoro - Asociación Psicoanalítica de Buenos Aires Entre Io íntimo y Io público ........................................................................................................... 87 BRAINSKY L, Simón - Sociedad Colombiana de Psicoanálisis Modernidade, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut ...................................................................................................................... 95 CAMPOS, Júlio Roesch de - Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre Sobre o como e o porquê da criatividade ................................................................................... 117 CARLISKY, Néstor; KATZ DE ESKENAZI, Célia -Asociación Psicoanalítica Argentina Psicoanálisis y cultura. Entre el diván y Ia comunidad ............................................................... 125 CASAS DE PEREDA, Myrta - Asociación Psicoanalítica del Uruguay Estructuración psíquica y el contexto social contemporáneo (Algunas reflexiones) .... 133 FONSECA, Paulo et al. - Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre Psicanálise e cultura: do diva à comunidade .............................................................................. 141 FRANCISCO, Bruno Salésio et al. - Sociedade Psicanalítica de Pelotas Psicanálise e cultura ................................................................................................................... 153 GALLI, Vicente - Grupo de Estudios Sociedad Argentina de Psicoanálisis Entre el diván y Ia comunidad: algunas problemáticas ............................................................... 167 HERRERA, Ana et al. - Sociedad Psicoanalítica de Caracas (Hasta donde alcanza Ia vinculación del Psicoanálisis y Ia comunidad?: Reflexiones desde nuestra experiencia ...................................................................................... 173 JIMÉNEZ, Juan Pablo - Asociación Psicoanalítica Chilena "No es el país que queremos". Modernización y malestar en Ia sociedad chilena: Una mirada psicanalítica ............................................................................................................. 179 LEÃO, Sônia Carneiro - Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro Desconstruindo o mal - do diva à comunidade ........................................................................... 211 PERESTRELLO, Marialzira - Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro A Psicanálise entre o diva e a comunidade ................................................................................. 217 SABEZ, Arturo - Sociedad Psicoanalítica de Mendoza Sistemas de salud - perversión. Reflexiones sobre contrato y encuadre ....................................225 SCHAFFA, Sandra Lorenzon; FARKAS, Melanie- Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo Psicanálise e cidadania ..............................................................................................................233 VIVES ROCABERT, Juan -Asociación Psicoanalítica Mexicana Perspectiva psicoanalítica de Ia transmisión cultural (Más allá de Ia ley del padre) ...................243 VI Simposio Internacional de Mitos AZOUBEL NETO, David - Grupo de Estudos de Psicanálise de Ribeirão Preto A antropofagia - uma questão psicanalítica em aberto ............................................................... 261 LAUZON, Julia - Asociación Psicoanalítica Chilena Los selknam. Mito y ceremonia de iniciación.............................................................................. 271 SANTAMARÍA FERNÁNDEZ, Antônio - Asociación Psicoanalítica Mexicana El mito como factor estructurante de Ia personalidad latinoamericana ...................................... 281 SMULEVER, Mario Alberto - Asociación Psicoanalítica Argentina Psicoanálisis y cultura. Mito y personalidad ............................................................................... 289 Editorial Editorial A Diretoria de Publicações da Fepal despede-se de suas atividades através deste Editorial. Cumpre-me a honrosa tarefa de agradecer aos Conselhos pela prontidão, disponibilidade e presteza, com as quais desenvolveram seus trabalhos de forma tão eficiente nestes dois anos que agora se completam. Tenho a convicção que nossos objetivos foram alcançados, graças à permanente e incansável presença dos colegas, que muito contribuíram com seus pareceres, opiniões, críticas e discussões, por vezes acirradas, conferindo vida e dinamismo às publicações neste período. O apoio da Diretoria merece ser ressaltado, bem como a colaboração de Monica Borges, nossa secretária executiva. Optamos por reuniões freqüentes, troca de idéias, circulação de informações entre as várias Instituições Latino-Americanas, homepage, boletins informativos, todos bilíngües. Encerrase um ciclo com nossa Diretoria. Abrese novo, com novas perspectivas e novo desenho. Esperamos alcançar sucesso com as mudanças. Acreditamos que, com capas exibindo grandes pintores brasileiros, a primeira com Tarsila do Amaral e esta com Di Cavalcanti, em obras consagradas no Brasil e no exterior, nossa Revista possa também ter inovado. Enriquecemos os Conselhos, incluindo representantes das Federadas, tendo seus trabalhos circulado por toda La Dirección de Publicaciones de la FEPAL se despide de sus actividades a través de esta Editorial. Tengo la honrosa tarea de agradecer a los Consejos por la rapidez, disponibilidad y prontitud, con las cuales desarrollaron sus trabajos de manera tan eficiente en estos dos años que ahora se completan. Tengo la convicción de que nuestros objetivos fueron alcanzados, gracias a la permanente e incansable presencia de los colegas, que mucho contribuyeron con sus ideas, opiniones, críticas y discusiones, a veces entusiastas, dando vida y dinamismo a las publicaciones en este período. El apoyo de la Dirección merece ser resaltado, así como la colaboración de Mônica Borges, nuestra secretaria ejecutiva. Optamos por reuniones frecuentes, intercambio de ideas, circulación de informaciones entre diversas Instituciones Latinoamericanas, homepages, boletines informativos, todos bilingües. Se cierra un ciclo con nuestro Directorio. Se abre uno nuevo, con nuevas perspectivas y nuevo diseño. Esperamos lo grar éxito con los cambios. Creemos que, con tapas exhibiendo grandes pintores brasileños, la primera con Tarsila de Amaral y esta con Di Cavalcanti, en obras consagradas en Brasil y en el exterior, nuestra Revista pueda haber también innovado. Enriquecemos los Consejos, incluyendo representantes de las Federadas, habiendo circulado sus trabajos por toda Amé Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ9 Mauro Gus América Latina, e contribuímos com textos que proporcionam uma idéia da consistente produção científica da psicanálise. Em momento de discussão sobre a vida ou morte de nossa Ciência, pretendemos, e parece-me que de algum modo conseguimos, fundamentar que, mais do que nunca, a psicanálise se mantém viva, em franco movimento, produzindo mudanças, estabelecendo relações com outras ciências e com a cultura de modo geral. Publicamos a produção técnica, clínica, metapsicológica, textos cujo eixo epistemológico nos leva a refletir, e divulgamos autores entre nossos países. Os boletins informativos traziam consigo trabalhos polêmicos sobre pesquisa, seus encartes sugeriam discussões e assuntos em aberto, colegas criativos colaboravam com idéias instigantes. Recebemos contestações, sugestões, estimulando nossas reuniões e contatos freqüentes com psicanalistas de nosso continente. As notícias eram veiculadas entre as Federadas, trazendo assim uma integração gratificante e fortalecedora para a Fepal. As publicações, portanto, representam elo da maior importância entre nós, psicanalistas, cuja atividade é fundamentalmente de consultório, fazendo-se necessário, além da atividade institucional, o trânsito permanente de nossa produção científica para vitalizar nossa Ciência. Assim, buscamos a interface com a cultura, ressaltada pelos textos e relatórios 10 rica Latina, y contribuimos con textos que proporcionan una idea de la consistente producción científica del psicoanálisis. En momento de discusión sobre la vida o muerte de nuestra Ciencia, pretendemos y me parece que de algún modo logramos, fundamentar que, más que nunca, el psicoanálisis se mantiene vivo, en franco movimiento, produciendo cambios, estableciendo relaciones con otras ciencias y con la cultura de modo general. Publicamos la producción técnica, clínica, metapsicológica, textos cuyo eje epistemológico nos lleva a reflexionar, y divulgamos autores entre nuestros países. Los boletines informativos traían consigo trabajos polémicos sobre investigación, sus encartes sugerían discusiones y asuntos en abierto, colegas creativos colaboraban con ideas instigantes. Recibimos réplicas, sugerencias, estimulando nuestras reuniones y contados frecuentes con psicoanalistas de nuestro continente. Las noticias eran transmitidas entre las Federadas, trayendo así una integración gratificante y fortalecedora para la FEPAL. Las publicaciones, por Io tanto, representan un nexo de máxima importancia entre nosotros como psicoanalistas, cuya actividad es fundamentalmente de consultorio, haciéndose necesario, además de la actividad institucional, el tránsito permanente de nuestra producción científica para vitalizar nuestra Ciencia. Así, buscamos la interface con la cultura, resaltada por los textos y trabajos constantes de esta edición, demos- Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Editorial constantes desta edição, demonstrando a capacidade que temos de integrar nossos conhecimentos com o acervo cultural de outras disciplinas. Esperamos ter correspondido à expectativa de nossos colegas latinoamericanos, bem como a confiança em nós depositada. Nossa produção está impressa e, como dizia nosso tão saudoso Cyro Martins, psicanalista e escritor, um dos fundadores da SPPA: "as letras ficam...". Destarte, deixamos registradas nossas melhores intenções nesses dois anos de trabalho e os agradecimentos à Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre, que tão gentilmente nos acolheu nesta gestão. trando la capacidad que tenemos de integrar nuestros conocimientos con el acerbo cultural de otras disciplinas. Esperamos haber correspondido a la expectativa de nuestros colegas latinoamericanos, así como la confianza en nosotros depositada. Nuestra producción está impresa y, como decía nuestro tan recordado Cyro Martins, psicoanalista y escritor, uno de los fundadores de la SPPA: "las letras quedan...". De esta forma, dejamos registradas nuestras mejores intenciones en estos dos anos de trabajo y los agradecimientos a la Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre, que tan gentilmente nos apoyó en esta gestión. Dr. Mauro Gus Editor e Diretor de Publicações da FEPAL Dr. Mauro Gus Editor y Director de Publicaciones de FEPAL Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 11 Conferências Plenárias Una convivencia difícil: Psicoanálisis y cultura En recuerdo de Franklin Alvaro Rey de Castro*, Lima, Perú * Membro da Sociedade Peruana de Psicanálise. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 19 Alvaro Rey de Castro Imposible en un trabajo de esta índole soslayar mis orígenes. Ejerzo el psicoanálisis en Lima, capital de un país con características muy particulares, que examinaremos más adelante. En lo personal, sin embargo, encuentro mis raíces en una educación europea (fruto del exilio que con tanta frecuencia constituye un avatar de la vida política latinoamericana), con padres de muy diversa procedencia cultural. Por el lado paterno provengo de una familia de la clase terrateniente provinciana de Arequipa, venida a menos por los importantes cambios sociales de las últimas décadas. Por el lado materno, mi abuelo fue obrero, líder sindical y fundador del Partido Socialista de Puerto Rico. Los pacientes con los cuales trabajo provienen, por lo general, de la alta burguesía o de la clase media. La cultura permea, en este sentido, todo mi ejercicio clínico, asunto que no tiene nada de sorprendente, pues sucede lo mismo con cualquier psicoanalista. Tomar distancia de los factores culturales ínsitos en mi práctica clínica para intentar su comprensión no constituye tarea fácil. Presupone un modo de observar nuestro oficio y a nosotros mismos desde otra perspectiva, que practicamos sólo en forma infrecuente. En lo que sigue trataré de ilustrar algunas de las dificultades que tal examen presupone. Imposible resumir en pocas líneas la compleja realidad cultural del Perú. Ésta ha sido marcada por dos eventos saltantes. Por un lado la ruptura que supuso la Conquista en el s. X VI descrita por Hernández como simultáneamente un trauma, un desgarro y una fundación1. Este evento suscitó un nuevo proyecto de nación, resultado de la inserción de un territorio "descubierto" en un mundo que se empezaba a universalizar. La secuela fue la creación de un país dividido entre conquistados y dominadores, sometido a un orden colonial, cuyas consecuencias se hacen sentir hasta hoy. El segundo, el fenómeno de la masiva migración andina a la capital a partir de los años '50, descrita por José Matos Mar (1985) como "el desborde popular". El país podría ser descrito como en proceso de disolución social. La descomposición del campesinado, la ruptura con sus raíces y la pérdida de sus vínculos con sus economías de origen, llevan a un panorama caracterizado por masas de población que no pueden encontrar su lugar en el espacio urbano y cuyas posibilidades de encontrar empleo son casi nulas. Lima es, entonces, el reflejo de un país desarticulado, con un Estado incapaz de mantener un orden social mínimo. Comprobamos que el país - y esto se refleja en su capital - está profundamente dividido. Por un lado tenemos una 1. Hernández, Max (1993). Memoria del bien perdido, Lima, lEP/Biblioteca Peruana de Psicoanálisis. "Una cultura milenaria y aislada sufrió los efectos de la irrupción violenta de occidente. Desgarro de lo autóctono e inserción en un proyecto universalista. Ocurrió algo sustantivo que sólo ahora se hace evidente: el trauma fundante de la nación peruana, la conquista española del Tawantinsuyo, no pudo ser asimilada históricamente": 19. ídem (con Moisés Lemlij) (1993) "Malaise dans la "périphérie de la civilisation", Paris, Revue francaise de Psychanalyse: 855-867 (escrito en el momento de mayor auge del terrorismo y con una consiguiente visión un tanto pesimista); ídem (2000) ¿Es otro el rostro del Perú? Identidad, diversidad y cambio, Lima, AGENDA: Perú. (Una aproximación desde una perspectiva psicoanalítica a la psicohistoria peruana). 20 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Una convivencia difícil: Psicoanálisis y cultura. En recuerdo de Franklin población marginal pauperizada, que busca desesperadamente medios de subsistencia, hacinada en los llamados "pueblos jóvenes" (eufemismo con el cual el gobierno militar de los años '60 y '70 pretendió maquillar las zonas de miseria de la capital) o en tugurios esparcidos por la ciudad. Por el otro tenemos una clase pudiente, con acceso a los avances tecnológicos más recientes, que procura mantener su situación de dominación. Esta población reside en verdaderos "ghettos" de abundancia y suele vivir como si la otra parte de la capital o del país no existiera. Si agregamos el evidente racismo de aquellos hacia los llamados "cholos"2, con frecuencia repetido en los diversos escalones del orden social, percibimos un panorama de inestabilidad y hostilidad cotidiana cuya constatación es ineludible. No todo, sin embargo remite, a la separación y a la yuxtaposición de culturas. Nos quedaríamos en una visión demasiado esquemática. La importación de negros, para la esclavitud, la posterior sustitución de éstos por "culíes" chinos para trabajar en las grandes haciendas y la migración de japoneses a comienzo de siglo refuerza el carácter pluricultural, aunque desintegrado de nuestra cultura. Hace su aparición el fenómeno de lo híbrido, lo mestizo y lo heterogéneo, al lado del desgarro que hemos descrito.3 Ya no es privilegio de las élites situadas en el la cúspide socio-económica de la sociedad, la reflexión sobre nuestra realidad. La diversidad constituye la posibilidad de un paradigma de identidad incluyente que tome en consideración y acepta las diferencias éticas, raciales y de género. Después de la violencia terrorista de comienzos de los años '80 hasta mediados de los '90, proyecto esencialmente opuesto a la modernidad, se produjo una reacción autoritaria del Estado que, si bien eliminó casi en su totalidad la violencia terrorista, impuso sin contemplaciones una política económica que nos ha llevado a la recesión y a un malestar creciente. Esta situación tiende a repetirse en varios países latinoamericanos. Tal es, pues, el ámbito en que los psicoanalistas de nuestro país ejercen su profesión. No olvidemos, además, que el psicoanálisis es, por excelencia, un oficio urbano (Gay, P, 1989). Constituye un contexto del que no nos podemos desligar. Una observación que me fue relatada hace muchos años por el etnohistoriador Franklin Pease - a cuya memoria quisiera dedicar este trabajo - señalaba la concepción espacial del tiempo propia del mundo andino. Para nosotros el futuro es aquello que se encuentra delante de nosotros; el pasado, en cambio, es lo ya transcurrido, que se encuentra a nuestras espaldas. En el mundo andino la 2. Término despectivo para referirse a una persona de ascendencia indígena. 3. García Carlini, Néstor (1988). "Comentario" En: Cultura transnacional y culturas populares, Lima, Instituto para América Latina. "Entre lo indígena y lo occidental, lo tradicional y lo moderno, entre lo indígena, argumenta Jesús Martín Barbero - siguiendo a Arguedas - la clave de la configuración cultural del subcontinente y cada nación es el mestizaje. La transnacionalízación no es simple abolición de las diferencias. Es también la creación de espacios híbridos en los que, al ritmo de los conflictos, tanto los sectores hegemónicos como los subalternos refuncionalizan los objetos y las prácticas dominantes. Por lo tanto la reconstrucción o la fundación de la teoría que necesitamos debe concretarse en ese territorio de mezclas, de "apropiaciones polimorfas", de contradicciones, en las que hoy se constituye lo popular urbano": 151. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "21 Alvaro Rey de Castro situación es exactamente a la inversa. Es decir, el futuro, lo por venir, se encuentra detrás de nosotros, es aquello que nos espera, a diferencia del pasado que ya ocurrió y que, por lo tanto está delante de nosotros, a nuestra vista. Esta concepción reviste una solidez lógica, que en nada desmerece aquella de la concepción occidental a la cual acudimos ordinariamente. Esta observación se complementa con la ya conocida visión del tiempo propia de sociedades no occidentales, frecuentemente descrita por los antropólogos y los historiadores de la religión (Elia-de, M., 1949). Estamos acostumbrados a una visión lineal del tiempo; las sociedades rurales andinas conciben el tiempo como cíclico, regulado por las estaciones, como sucede en culturas agrarias que dependen de la evolución de las estaciones. Estas consideraciones podrían aparecer distantes del modelo psicoanalítico y de la práctica clínica. Olvidamos, al pensar así, que aparte de sus importantes contribuciones a la teoría, Sigmund Freud fue también el descubridor de un método específico, que incorpora una serie de premisas culturales que solemos pasar por alto. Freud es, en efecto, el creador de un encuadre en el cual se desarrolla la situación psicoanalítica y tal propuesta constituye algo radicalmente nuevo en la historia de la cultura (Khan, M., 1963). Como ha señalado con acierto Alfred Lorenzer (1984), dicho encuadre incorpora simultáneamente una situación de intimidad y - a la vez - un intento objetivodistanciador propio de la actitud científica. No registramos suficientemente la radical novedad de esta concepción. Relación íntima ha existido desde el comienzo de los tiempos: la podemos encontrar en la relación entre amigos4, en el vínculo amoroso y, de algún modo, en la situación de confesionario. Asimismo podemos encontrar el modelo objetivo- distanciador en la práctica científica que procura explicar los fenómenos de la psicopatología. Lo novedoso en la construcción que nos presenta Freud, es la combinación de ambos elementos. En la situación analítica develamos nuestra intimidad como pacientes (y analistas), pero lo hacemos con el objetivo de comprender aquello que se despliega en ella (en forma privilegiada, la transferencia y la contransferencia). Quizás hoy, el modelo científico natural que Freud proponía como paradigma de su ciencia pueda ser cuestionado. Podemos preferir hablar de una relación que es intrapsíquica e intersubjetiva al mismo tiempo. Con esto, sin embargo, no cuestionamos en absoluto la radical novedad de esta propuesta. Ella simplemente no existía antes de los albores del s. XX. Freud - creo que no es exagerado describirlo así -la inventó. Meditemos por un momento acerca de los presupuestos culturales de esta propuesta. Las premisas de las que parte Freud para su concepción del encuadre 4. Un interesante examen de la amistad puede verse en el artículo de Khan, Masud (1963) "Montaigne, Rousseau and Freud": 99-111. En: Khan, Masud, op.cit. 22 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Una convivencia difícil: Psicoanálisis y cultura. En recuerdo de Franklin nacen en un contexto cultural muy específico: la Viena del s. XIX (Schorske, C, 1981). Suponen el establecimiento de un contrato personal entre psicoanalista y paciente que van a normar el tiempo (frecuencia y duración de las sesiones), el espacio (el análisis se produce en el consultorio del analista) y un contrato que estipula los honorarios y, por ende, la naturaleza profesional de la relación. A esto se agregan elementos de importancia que tienen que ver con las actividades que despliegan ambos participantes de esta relación. El paciente se compromete a "asociar libremente" (traducción consagrada, pero discutible de freie Einfälle, que remite, más bien a "ocurrencia libre"). El analista, por su lado, escucha de un modo peculiar, descrito como "atención libre flotante"; es decir que procura no estar capturado por el relato literal del paciente, sino que trata de conectarse con sus propias reacciones, recuerdos, fantasías, etc., para comprender la narración del paciente de otro modo: el de sintonizar con el contenido inconciente que subyace dicho relato. Hay que recalcar que también nuestra teorización es libre flotante: el concepto de Piera Aulagnier (1975) sobre la violencia de la interpretación puede dar lugar a interpretaciones que surgen de combinaciones híbridas de la teoría, en que lo cultural, por cierto, nunca está ausente. Apresurémonos en agregar que la situación descrita no es un ejercicio intelectual: está cargada de afectos, por parte de ambos participantes de la situación. A estas normas del encuadre, Freud agrega elementos que remiten a la actitud del analista: destacan la abstinencia y la neutralidad (término que nunca empleó y que traduce el Indifferenz, acaso más chocante, si se le entiende literalmente). Detengámonos aquí, para una reflexión acerca de los factores culturales implicados. Para comenzar, es necesario enfatizar que Freud no propuso un modelo canónico. Se encarga de recordar - en forma explícita - que es el modelo de trabajo mejor adaptado a él y a sus características personales.5 Se ha sugerido alguna vez que es un modelo en el cual están presentes elementos fóbicos de protección derivados acaso de su trabajo inicial preponderantemente con pacientes histéricas. Así, el encuadre resulta un escudo presumiblemente eficaz contra la seducción ejercida por este tipo de pacientes. Pero hay todavía más: la lectura de los casos de Freud, como ha señalado lúcidamente Lipton (1977), nos alerta a que existía en él una mayor flexibilidad en su práctica, de la que se supone ordinariamente. Lipton distingue el modelo clásico del psicoanálisis, en que el campo que abarca la técnica es más restringido, del modelo ortodoxo, que sería una creación de Kurt Eissler (1950, 1953), como reacción a los experimentos de Franz Alexander y Thomas French en la 5. Freud, Sigmund (1912). "Recommendations to Physicians Practising Psycho-Analysis" En: Freud, Sigmund (1958) The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, London, The Hogarth Press and the Institute of Psychoanalysis. " I must however make it clear that what I am asserting is that this technique is the only one suited to my individuality. I do not venture to deny that a physician quite differently constituted might find himself driven to adopt a different attitude to his patients and to the task before him": 111. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 23 Alvaro Rey de Castro década del '50 en el Instituto Psicoanalítico de Chicago, en el cual este campo se amplía desmesuradamente. Es preciso reconocer que Freud nunca fue enteramente consecuente en la práctica de su modelo. Los ejemplos abundan: Katharina - en los albores del psicoanálisis - es tratada al aire libre en un escenario alpino; en el tratamiento del hombre de las ratas, éste recibe un almuerzo traído de la cocina doméstica de Freud; el tratamiento del hombre de los lobos nos revela una suerte de adopción del paciente; Mahler es tratado en una caminata, sin mencionar el testimonio de Alix Strachey sobre su análisis. Todo indica, pues, que Freud no procuraba siempre adaptar al paciente a su método, sino que, por el contrario - al menos ocasionalmente buscaba que éste calzara con las características del paciente. Esta concepción ha sido subrayada en el texto de Hans Thomäe y Horst Kächele (1985,1989), sin que esto implique que suscribimos en su totalidad la concepción de psicoanálisis que propugnan. Pero volvamos a los presupuestos culturales que están implicados. Tanto Walter Benjamín (1971) como Michel Foucault (1984) han descrito el desarrollo histórico del concepto de "interioridad", como una progresiva subjetivización de hechos culturales. La noción de "interior" es, pues, relativamente reciente en la cultura occidental y es discutible si se ha producido del mismo modo en las culturas andinas (me limito a aquellas con la finalidad de hablar de lo que me resulta más familiar). Es un hecho conocido, por ejemplo, que los pacientes que provienen del mundo andino suelen quejarse de síntomas "exteriores", de índole predominantemente psicosomática: dolores de cabeza, malestares corporales, etc. Muchos de estos pacientes nos recuerdan la descripción de la "pensée operatoire" de Marty y M'Uzan (1963). Se trata de un pensamiento concreto, pero determinado culturalmente. Quizás con más exactitud se podría decir que su lógica simbólica es más presentativa que discursiva.6 Nuestra dificultad en comprenderlos partiría de nuestra propia tendencia logocéntrica. Tomemos como ejemplo una viñeta de Marga Stahr en el contexto de una investigación realizada en un barrio marginal del cono norte de Lima:7 Mi esposo está flaco, me preocupa. Es que no come y después los vecinos hablan y murmuran que no lo atiendo bien, que me las paso viendo televisión. Allá en la sierra había muchas enfermedades a causa del agua. Una vez casi me muero por el agua que tomaba. Cuando la gente pasa cerca de los "puquios"8 sale un mal y hasta pueden morir por eso. Mi hermano mellizo 6. Agradezco la observación a Patricia Checa. 7. Los importantes estudios de Rodríguez Rabanal y su equipo de colaboradores en poblaciones marginales de Lima están presentados en sus libros: Rodríguez Rabanal, César (1989J Cicatrices de la pobreza. Un estudio psicoanalítico, Caracas, Editorial Nueva Sociedad. ídem (1995) La violencia de las horas. Un estudio psicoanalítico sobre la violencia en el Perú, Caracas, Nueva Sociedad. 8. Puquio es un manantial de agua. 24 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Una convivencia difícil: Psicoanálisis y cultura. En recuerdo de Franklin murió así, salió una noche a orinar y algo le afectó. Los doctores no creen en el mal, yo se. Mi madre es curiosa,9 ella pasa el cuy por la barriga y ve lo que hay dentro. Me estoy acordando de la sierra, bastantes papas de cosecha, carne (...) Aquí es todo más difícil, no hay agua, pero ya me acostumbro también acá. Otros supuestos culturales también resultan evidentes. Es muy frecuente en nuestra cultura, y sospecho que en otras, que el concepto de contrato profesional sea visto con desconfianza y recelo. Con frecuencia no reviste las características de un pacto real. Por cierto que se podría interpretar esto sólo como un deseo de que la relación sea personal, de índole amical y más íntima. Sospecho que es esa la razón por la cual los caricaturistas se ceban en el apego de los analistas al dinero. Pero creo que, aparte de eso, también es verdad que para nuestra cultura la imagen del psicoanalista está aún ligada a una concepción religiosa: el psicoanalista debiese ser una suerte de confesor laico y resulta escandaloso que cobre por sus servicios. La noción misma de un profesional liberal que recibe honorarios por su actividad no resulta del todo evidente para muchos segmentos de nuestra cultura, en especial cuando no ofrece servicios "tangibles". Pacientes del mundo andino exigen que se les entregue "algo": una pastilla, una inyección, etc. Aquí confluyen de manera paradójica, los elementos más arcaicos de la cosmovisión andina, que presupone toda una concepción acerca de la etiología de las enfermedades y su tratamiento - que debemos cuidarnos mucho de despreciar - "el susto", "el mal de ojo", "el embrujamiento",10 con los rasgos culturales propios de la naciente cultura "yuppie", en que el paciente reclama que se alivien sus síntomas, preferentemente a base de una medicación efectiva, y busca una solución rápida y pragmática a sus problemas (Kristeva, J. 1993). Dos viñetas nos ilustran esto: 1. Una paciente, dentro del estudio de César Rodríguez ya mencionado tiene el siguiente intercambio con su terapeuta, Marga Stahr: P. Me había olvidado señorita que venía hoy día. Hace un rato estaba yendo a barrer atrás porque mucha basura botan todos y me entran moscas. Hemos parchado la pared al fondo porque peligroso es, se caen las criaturitas. Un día mi Eli se cayó, es alto. A la Yovi le gusta mirar por allí. Su papá le jala las orejas. Le dice ¿Qué estás "sapeando"11 allí? T. Me cuenta que la basura del fondo, de atrás le molesta. Me cuenta de acá de su casa, pero nos podemos imaginar que es como de usted misma. Cuando Ud. Me 9. Curiosa: persona entendida en cuestiones de brujería. 10. Seguín, Carlos Alberto, editor (1979). Psiquiatría Folklórica (con artículos de Mario Chíappe Costa, Marlene Dobkin de Ríos y Max Silva Tuesta), Lima, Ediciones Errmar: Veáse también Valdivia Ponce, Oscar (1975) Hampicamayoc. Medicina folklórica y su substrato aborigen en el Perú, Lima, Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Dirección de Biblioteca y Publicaciones. 11. "Sapear", mirar con curiosidad. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "25 Alvaro Rey de Castro recibe con todo limpio y barrido aquí adelante, donde nos encontramos, usted me muestra su casa sonriente. Pero adentro de usted , al fondo de sus pensamientos, en sus sentimientos, de repente siente como lo que hay atrás de su casa, algo sucio, molestias, tristezas, rabia. Pero creo que le da miedo que yo "sapee" dentro de usted. Y por eso se olvida que yo voy a venir. [Notemos el nulo efecto de tratar de interpretar en forma simbólica el relato de la paciente]: P. La Yovi esta leyendo atrás el libro "Coquito" de sus hermanas. Ha aprendido sólita "papá" y "mamá". Aparece Yovi trae el libro. Se sienta con las piernas cruzadas y lee. Nos reímos. T. La Yovi que viene de atrás, que debe estar tan atrás en sus pensamientos, también nos ocupa mucho la atención (...). P. (Seria) Qué será señorita (...) lo soñé que me tenía que casar con mi esposo, pero yo no aparecía>en la Iglesia. Me escapaba llevando a mi Yovi. Igualito lo ha soñado mi esposo. Me decía que en su sueño no tenía nada de plata, ni 5000 soles para invitar algo a la familia y que yo no aparecía en la Iglesia. T. ¿Usted es casada? P. No señorita. Mi esposo dice que es mucho problema tanto papel que se necesita. Yo me moriré sin casarme. Mis hijos, la Raquel, me piden que nos casemos porque para entrar al colegio de monjas piden partida de matrimonio. ¿Cómo será señorita? Uno nunca está libre, en cualquier momento puede morir. Yo sólo quiero vivir para ver a mis hijas profesionales. ¿Por qué será? Yo siempre desde chica quise eso. Mi papá no quería que vayamos al colegio, yo nunca fui. T. Ahora está viéndome a mí, una profesional. Sin embargo parece que Ud. Siente que eso no es suficiente mientras no haya papeles de por medio. Los papeles serían la garantía, la salvación de que a Ud. No le caiga la muerte en cualquier momento. [Nótese cómo la intervención de la terapeuta nuevamente le resulta ajena a la paciente]. P. (Llora) Sola ando, no sé qué hacer, las vecinas tampoco ayudan, ni un plato de comida serían capaces de alcanzar si uno necesita. De acá, al otro lado, la señora, madrina de la Yovi, le dio el "agua de socorro", mala es, me grita, me insulta. El otro día ha cortado pelo y me lo ha tirado acá adelante, pero allí estaba Dios mirándonos a las dos. 2. Un paciente mío, extranjero, alto ejecutivo de una empresa transnacional importante, y prototipo de los llamados "yuppies", da por terminada una sesión de su análisis en estos términos: No voy a seguir, me resulta imposible encontrarle valor agregado al análisis. Lo único que hago es examinar lo que me sucede, tratar de encontrar la relación entre mi vida familiar y la situación de elegir entre mi esposa y NN (su amante). ¿De qué me sirve eso? ¿Para qué quiero comprender lo que me pasa? Lo que yo quiero es que me diga si debo quedarme con mi esposa o iniciar una nueva vida con NN. Si voy a ser más feliz quedándome con mi esposa, que tiene tantas cualidades, ya que es guapa, inteligente y muy buena ejecutiva, o con NN con la cual puedo gozar sexualmente mucho más de lo que lo he hecho en toda mi vida. [Nótese el carácter "externo" de la intervención del paciente: no hay valor agregado, la esposa es descrita sólo en sus rasgos externos, igual que la 26 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Una convivencia difícil: Psicoanálisis y cultura. En recuerdo de Franklin amante, que se reduce a un objeto de placer]. En este último caso, como en el anterior, por motivos diferentes: (por deprivaciones económicas y sociales en el primero, y por una temporalidad ceñida a la eficiencia y prontitud en el segundo) se cuestiona una premisa fundamental del psicoanálisis. Como lo ha señalado Allen Wheelis (1958), para el psicoanalista, el "insight" (Einsicht) - y acaso la falta de un vocablo preciso para su traducción al español sea sintomática - es un valor fundante de nuestra ciencia. Nos acercamos, como Platón, a la idea de que una vida no examinada no vale la pena de ser vivida (Platón). Asumimos que el conocimiento de uno mismo constituye un valor en sí mismo. Queremos comprendernos, saber qué nos motiva, cómo somos, por qué sentimos lo que sentimos y qué nos impele a actuar como lo hacemos. Nos cuesta mucho entender que no se trata necesariamente de un valor para otros, que los demás puedan prescindir de él, considerarlo no esencial, que en suma no consideren que cuestionarse sea una necesidad. Es difícil para el psicoanalista resignarse a esta realidad. Sin embargo es necesario aceptar la posibilidad de situaciones en que la diferencia de valores referidos a este crucial aspecto, deben ser aceptados y que debemos considerar que, en algunos casos, el análisis no resulta posible precisamente porque estos valores no son compartidos. También nos cuesta aceptar que determinados valores propios de la transacción psicoanalítica, como el acceso a la intimidad y la contratación de un servicio profesional para su examen, puedan ser obstáculos culturales difíciles de superar. No me refiero solamente al caso de las culturas orientales (cuya presencia está tan enraizada en nuestro medio), sino al caso de premisas culturales que consideran que la apertura de la intimidad es contraria a su concepción, de lo que es socialmente adecuado o aceptable. Una reflexión de Emmanuel Levinas (1994) a propósito de la función social de la taberna (o el café), como contraposición a los valores del judaísmo en las reflexiones de Rabbi Eleazar vienen al caso. Al acudir a la taberna, uno accede a una "vida abierta" y de tal modo acude a ella huyendo de la incapacidad de estar solos en nuestro propio cuarto. Es decir, se acude a un lugar de relación social casual, sin responsabilidades mutuas. Se sienta uno, sin estar cansado, bebe sin tener sed. Para el Rabbi Eleazar, ésta es una fuente del mal. Este ejemplo - sin duda extremo - nos revela cuan diferentes pueden ser las concepciones de la cultura (¡Qué contraste con Viena, ciudad de los cafés por excelencia!). Todo paciente trae al análisis su propio "paquete" en la cabeza, es decir su lectura de lo que constituye la experiencia que lo espera en el análisis. El paciente viene con un narración sobre su vida y podemos comprobar cómo, por ejemplo, la expectativa del discurso clínico del paciente anticipa un paradigma de tipo teatral. Espera - como lo señala Franco Moretti (1987) - un "desenlace", un momento de resolución, tal como existe en este género literario Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 27 Alvaro Rey de Castro o en la novela policial. Existe, de este modo, no sólo una transferencia del paciente que está presente, sino además una transferencia que procede de la cultura misma. Una viñeta, de uno de mis pacientes, puede ilustrar este fenómeno de cotidiana ocurrencia: NN, profesor universitario, poeta y escritor, en la cincuentena temprana, asume que el análisis debe ser una reedición de sus lecturas de los surrealistas. Por consiguiente su interpretación de lo que constituye la asociación libre se fundamenta en la premisa de que su obligación es narrar literalmente, sin pausa, todo lo que asocia. Aquí no prima la "ocurrencia" sino la asociación en sentido estricto, al modo de las pruebas asociativas de Cari Gustav Jung. Hasta aquí no cabe la menor duda de que el psicoanálisis está determinado culturalmente y es preciso percatarse que esta determinación, como lo señala Cario Ginzburg (1984), es precisamente lo opuesto a la universalidad. Ésta aparece en lo contingente, en los detalles. Con esto no propugnamos un retorno a las tesis "culturalistas" tan en boga en los años '40 y '50. No se trata de revivir el debate - en el fondo estéril - acerca de la universalidad del complejo de Edipo, por ejemplo, sino de descubrir que la función estructurante de éste puede asumir formas diversas. La concepción de familia propia del mundo latino reviste características propias que es menester tomar en cuenta si se pretende una comprensión cabal de ciertos casos. Una viñeta, que agradezco a Max Hernández, lo ilustra: NN, por el lado paterno proviene de una familia de la aristocracia limeña. Su madre, en cambio, desciende de exitosos migrantes italianos. El paciente, graduado en una prestigiosa Facultad de Economía del extranjero, maneja su propio patrimonio en forma moderna. Es decir toma riesgos para obtener una mayor ganancia y especula con este dinero en la Bolsa de valores. En cambio el dinero materno es manejado del modo más conservador, colocado fundamentalmente en bienes raíces y, cuando se arriesga en la Bolsa de valores, lo maneja de modo anal-retentivo y pierde con frecuencia dinero por no vender a tiempo. Maneja, pues, el patrimonio materno con los criterios rentistas propios de su ascendencia paterna. Esto supone, en lo cultural, frecuentemente una revisión de la técnica. En nuestro método, la figura del paciente sui juris, en que es indeseable el contacto con la familia, frecuentemente plantea problemas cuya índole reposa no sólo en nuestra concepción técnica, sino también en lo cultural. No propugno que sea 28 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Una convivencia difícil: Psicoanálisis y cultura. En recuerdo de Franklin indeseable ver al paciente solo. Me limito a señalar que las entrevistas con familiares pueden resultar imprescindibles en ciertos tipos de organización cultural y que el evitarlas puede traer más perjuicios que beneficios. Sérvulo Figueira (1990) señala la existencia de grupos familiares que no han trascendido la lógica de la comunidad, como sucede en sociedades con un mundo reducido. Para él, el mismo psicoanálisis pese a los desmentidos de Freud - constituye una Wel-tanschauung. El tema de la familia migrante ha sido objeto de un interesante estudio de Alejandro Ferreyros y César Rodríguez Rabanal (1984). A los 100 años del nacimiento del psicoanálisis, existe también un consenso general acerca de cómo las formas mismas de la psicopatología han sido influidas por la cultura. Julia Kristeva (op.cit.) ha propuesto la tesis de que la cultura contemporánea occidental está huyendo de la intimidad. Nos encontraríamos así, en una nueva situación cultural. Las discusiones actuales versan acerca de un nuevo tipo de paciente. Son ahora los pacientes borderline y narcisistas los privilegiados en la discusión clínica. La mujer histérica, que nos mostraba sus problemas sexuales en el teatro de su cuerpo en lo que Emilse Dio de Bleichmar12 ha llamado su "feminismo espontáneo", ha devenido hoy en los cuadros de trastornos de la alimentación: anorexia y bulimia, en que ya no es tan evidente el carácter simbólico de la conversión. Sin duda podemos aproximarnos ahora a estos cuadros con un instrumental clínico derivado del pensamiento psicoanalítico post-freudiano. Resulta imposible, empero, ignorar los cambios culturales importantes que, a lo largo del siglo, han proporcionado un contexto a estas nuevas manifestaciones de la psicopatología. Es preciso examinar en detalle cómo, en alguna medida, el psicoanálisis latinoamericano ha sido relativamente incapaz de proporcionar una teorización propia, como lo señala Elias da Rocha Barrios (1995). Hemos sido - por lo menos en gran parte - importadores de teorías psicoanalíticas, a menudo desgajadas del mundo conceptual que les es propio. Finalmente, constatamos que el psicoanálisis ha creado su propia cultura, aquello que los franceses denominan "culture psi". Un examen detallado de este fenómeno lo podemos encontrar en el libro, hoy un tanto desactualizado, de Sherry Turkle (1983). No se trata aquí exclusivamente de un fenómeno positivo de aceptación de las ideas psicoanalíticas, sino que, por el contrario, uno con frecuencia ha llevado a la banalización de éstas, convirtiendo al psicoanálisis en una moda. El fenómeno no se restringe a Francia: ha sido muy frecuente precisamente en aquellos países en que el psicoanálisis ha pagado - paradójicamente -el precio de su propio éxito. Pocos pacientes son más difíciles de tratar, que aquellos que poseen una suerte de "semilengua" psicoanalítica, propensa a la intelectualización, con frecuencia irreductible al descubrimiento espontáneo y al "insight " verdadero. 12. Comunicación personal de Max Hernández. No he tenido acceso al texto personalmente. Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 29 Alvaro Rey de Castro Si el psicoanálisis ha de subsistir, tal como lo entendemos, es preciso que tome en cuenta los cambios culturales de las últimas décadas. Debe poder insertarse en el actual debate filosófico acerca de la postmodernidad y aprender a convivir con contextos culturales que han cambiado de modo radical en el último siglo (Eizirik, C.L., 1997); esto, sin ignorar las peculiaridades culturales que conforman el contexto latinoamericano en que ejercemos nuestro oficio. No olvidemos, como lo recuerda Yuri Lottman (1990), que finalmente el proceso cultural es la traducción de ciertos códigos de índole cultural a otros. Se trata de una tarea de la que no nos podemos eximir. Agradezco a Patricia Checa, Alejandro Ferreyros, Max Hernández, Mirko Lauer, Jorge Parodi y Marga Stahr por sus sugerencias en la redacción de este trabajo. Bibliografía AULAGNIER, P. (1975). La violence de l'interpretation. Du pictogramme a l'enoncé, París, Presses Universitaires de France. BENJAMÍN, W. (1971). París. Capital del siglo XIX, México, imprenta Madero Ver cap IV. Foucault, Michel (1984) Histoire de la sexualité, 3 Le souci de soi, Paris, Gallimard. DA ROCHA BARRIOS, E.M. (1995). "The Problem of Originality and Imitation in psychoanalytic Thought: A case study of Kleinian thinking in Latin America." International Journal of PsychoAnalysis, London, 76, Part 4. EISSLER, K. (1950). "The Chicago Institute of Psychoanalysis and the sixth period of the development of psychoanalytic technique", Journal of gen. Psychology, 42:103-157. ______ (1953). "The effect of the structure of the ego on psychoanalytic technique" En: Journal of the American Psychoanalytical Association, 1,104-143. ______ "Remarks on some variations in psychoanalytic technique", International Journal of Psycho-Analysis, 39: 222-229. EIZIRIK, C.L. (1997). "Psychoanalysis and Culture: Some Contemporary Challenges", International Journal of Psycho-Analysis, London, 78, Part 47, 789-800. ELIADE, M. (1949). Le mythe de l'éternel retour. Archetypes et répétition, Paris, Gallimard; Eranos Jahrbuch (1951) (Herausgegeben von Olga Fröbe-Kapteyn, Zürich, Rhein Verlag. FERREYROS, A. y RODRÍGUEZ RABANAL, C. (1984) "Algunas consideraciones sobre la familia en los pueblos jóvenes", Revista de la Universidad Católica, Lima, N° 15-16 FIGUEIRA, S. (1990). "Common (under)ground in Psychoanalysis: the question of a Weltanschauung revisited", London, International Journal of Psycho-Analysis, Vol 71, Part 1: 65-75. GAY, P. (1989). Freud. A Life for our Time, New York: Anchor Books. GINZBURG, C. (1984). "Morelli, Freud y Sherlock Holmes: indicios y método científico", En: Hueso Húmero, Lima, No 18. KHAN, M. (1963). "On Freud's provision of the therapeutic frame": 129-135 En: The Privacy of the Self, New York, International Universities Press. 30 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Una convivencia difícil: Psicoanálisis y cultura. En recuerdo de Franklin KRISTEVA, }. (1993). Les nouvelles maladies de l'ame, Paris, Librairie Arthéme Fayard. ______ op. cit. "A l'inverse l'expérience quotidienne semble démontrer une réduction spectaculaire de la vie intérieure": 19. LEVINAS, E. (1994). Nine Talmudic Readings (translated by Annette Aronowicz), Bloomington, Indiana University Press: 111. LIPTON, S. (1977). "The advantages of Freud's technique as shown in his analysis of the Rat Man", En: International Journal of Psycho-Analysis, London, Vol 58, Part 3. LORENZER, A. (1984). Intimität und soziales Leid. Archäologie der Psycloanalyse, Frankfurt am Main, S. Fischer Verlag. LOTTMAN, Y. (1990). Universa of the Mind. A semiotic theory of Culture, Bloomington and Indianápolis, Indiana University Press. MARTY, P. (1980). L'Ordre psychosomatique, Paris, Payot. MARTY, P. y M'UZAN, M. (1963). "La pensée operatoire" En: Revue francaise de psychanalyse, 27, 345-346. MATOS MAR, J. (1985). El desborde popular, Lima, Instituto de Estudios Peruanos. MORETTI, F. (1987). "El momento de la verdad", En: Hueso Húmero, Lima, N°22, 40-54. PLATÓN, The Dialogues of Plato, (The Apology), Vol I, (translated by Benjamin Jowett), London, Sphere Books, Limited: 59-84. SCHORSKE, C. (1981). Fin-de-siècle Vienna. Politics and Culture, Vintage Books, New York. Ver especialmente cap. IV Politics and Parricide in Freud's Interpretation of Dreams. THOMAE, H. y KACHELE, H. (1985, segunda edición, 1989). Lehrbuch der psychoanalytischen Therapie, Berlin-Heidelberg, Tomo 1 (Grundlagen), Springer Verlag. TURKLE, S. (1983). Jacques Lacan. La irrupción del psicoanálisis en Francia (trad. Alfredo Baez), Buenos Aires, Paidós. WHEELIS, A. (1958). The Quest for Identity, New York, W.W. Norton & Company: 225-231. © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 31 Um obstáculo às relações humanas harmoniosas: defesa contra a bondade Roy Schafer*, Nova Iorque, ESTADOS UNIDOS Resumo A experiência e a expressão da própria bondade apresentam-se como sendo, para muitas pessoas, um perigo contra o qual devem erguer defesas. Estas defesas desempenham um papel significativo na obstrução de relacionamentos harmoniosos com os outros. Sob este ponto de vista, estas defesas promovem desarmonia cultural e podem ser inseridas no contexto da destrutividade e da culpa que Freud enfatizou quando tratou de problemas culturais em "0 Mal-Estar na Cultura" (1930). Os analistas clínicos encontram estas defesas na transferência. Foram incluídos exemplos; um deles retratando a falsa bondade como uma forma especial de defesa. Em geral, então, esta foi uma tentativa de mostrar que, quando vista pelo ângulo certo, a psicanálise clínica não é apenas um método de tratamento, mas também uma forma de estudo cultural. Membro da Associação Psicanalítica Americana. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 33 Roy Schafer A Psicanálise como uma forma de estudo cultural A psicanálise clínica tem todo o direito de ser considerada uma forma de estudo cultural. O fato de diferir de outras formas de estudo cultural não deveria excluí-la deste grupo fazendo com que fosse vista, como freqüentemente o é, simplesmente como uma disciplina alheia sendo aplicada à análise cultural. Cada um dos tópicos específicos que são retratados no trabalho clínico, tais como transferência e contratransferência, repetição e regressão, tem um papel importante nos modos de vida que classificamos sob o título de cultura. O que distingue a psicanálise é o fato de que ela chega até a cultura pelo lado de dentro, isto é, a partir da interpretação de fantasias inconscientes altamente individualizadas, relativas às dores e aos prazeres de relações objetais. Em diferentes graus, estas fantasias tanto refletem seu cenário cultural quanto têm um papel naquilo que pode ser percebido em qualquer cenário cultural. Outras formas de estudar a cultura, tais como as científico-sociais e históricas diversas, são diferentes da psicanálise no fato de não trabalharem a partir do lado de dentro; são abordadas a partir do lado de fora como forma dada em registros públicos ou privados, observações formais e informais, entrevistas e questionários. Sob este aspecto das coisas, não hesito em dedicar meu ensaio a um aspecto da análise clínica. Ele diz respeito a uma importante fonte de perturbação e limitação nas relações harmoniosas entre os seres humanos. É um fator que pode ser localizado no território já demarcado por Freud, especialmente no seu ensaio "O Mal-Estar na Cultura" (1930). O fator a que me refiro é a defesa contra a bondade. Em breve apresentarei alguns exemplos clínicos resumidos da análise dessa defesa. Antes disso, contudo, quero fornecer um background geral para justificar mais a minha abordagem clínica individualizada em relação ao nosso tópico comum e, então, passar a algumas considerações que enfocam este fenômeno obstrutivo em si. Background Em "O Mal-Estar na Cultura", Freud incluiu este insight sombrio: "nunca estamos tão indefesos contra o sofrimento quanto quando amamos, nunca tão impotentemente infelizes como quando perdemos o nosso objeto amado ou o seu amor" (S.E. 21, p.88, 1930). Sabemos, a partir do que Freud já havia escrito em 1926, em "Inibição, Sintoma e Angústia", que implicitamente ele estava levando em conta o importante papel desempenhado pela defesa ao lidar com este potencial para o sofrimento. Ele verificou que o próprio fato de amar estabelece um conjunto de situações de perigo: perda de amor e perda do objeto amado. Os 34 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Um obstáculo às relações humanas harmoniosas: defesa contra a bondade analistas de hoje gastam grande parte do seu tempo de trabalho clínico diário nestes perigos e nas defesas as quais dão origem. Eles aprenderam que a individualidade da necessidade de cada paciente em relação a estas defesas, sua seleção de defesas, e o sutil e complexo desdobramento destas, apresentam alguns dos maiores obstáculos ao tratamento, assim como a relacionamentos satisfatórios em geral, e, ao mesmo tempo, fornecem alguns dos materiais mais ricos para a análise e, consequentemente, para a compreensão de problemas que caracterizam as relações sociais em geral. A partir deste aspecto do trabalho do analista, pode-se extrair algumas hipóteses gerais sobre desarmonia cultural. Em "O Mal-Estar na Cultura", Freud centrou suas hipóteses na destrutividade própria e do outro e na culpa. Acho que todos nós o acompanhamos até aqui. Porém, é possível ir além, e foi, acredito eu, Melanie Klein e aqueles que seguiram sua orientação que expandiram o raciocínio de maneira significativa. Tenho em mente, em particular, a definição de Klein em relação às duas posições psíquicas básicas - a posição esquizo-paranóide (1946) e a depressiva (1940) - e o seu reconhecimento do tormento associado à passagem do modo de existência esquizo-paranóide, que é relativamente primitivo, ao depressivo, pois é na posição depressiva que se vai decisivamente em direção ao amor maduro, interessado, com objetos-totais percebidos de forma realista, não mais onipotentemente controlados e, portanto, vulneráveis. Estes objetos amados e amantes podem ser destruídos ou senão perdidos, e agora devem ser restaurados ou reconquistados, seja na realidade ou na fantasia. Nos últimos anos, John Steiner desenvolveu o tema da progressão dolorosa e da perda de um modo particularmente útil (1993). Defesas contra a bondade Os psicanalistas estão em excelente posição para observar todos aqueles exemplos nos quais as pessoas temem sua própria bondade, erguem suas defesas contra ela e, desta forma, obstruem trocas e intercâmbios salutares. Muitos pacientes representam esta estratégia defensiva através de transgressões auto-prejudiciais, incompreensão e todas aquelas supostas reações terapêuticas negativas que são o lado oculto ou as conseqüências imediatas de sinais evidentes de "mudança para melhor". Ao mesmo tempo, elas tentam evocar expressões de contratransferências negativas, esperando, desta forma, bloquear tanto a percepção do seu analista em relação a sua bondade quanto sua própria percepção da bondade do analista. Neste contexto, a bondade não é um estandarte erguido pelo analista, nem é simplesmente um termo carregado de superego. Antes, a palavra captura um Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "35 Roy Schafer dos primeiros pontos de referência do analisado no que se refere à construção da experiência subjetiva e ao planejamento da ação no mundo. Por exemplo, sabe-se muito bem que a bondade e suas variantes são retratadas nas discussões kleinianas sobre a inveja. O discurso kleiniano também retrata a bondade em descrições sobre a difícil transição da posição imatura, narcisista, esquizo-paranóide para a posição depressiva relacionada ao objeto total, relativamente mais madura (Klein, 1940,1946; ver também Steiner, 1993). Dentro da posição depressiva, a bondade é intrínseca a um grande número de experiências e manifestações subjetivas. Estes incluem preocupação, gratidão, generosidade, paciência, assunção de responsabilidade, atuação sobre desejos reparativos, empatia e continência. A dificuldade de fazer esta transição em direção à posição depressiva é entendida como sendo uma função das relações maciças do analisado contra sentir, confiar, e abertamente evitar a bondade pessoal e a bondade dos seus objetos primários, uma vez que eles começam a ser entendidos como figuras completas, separadas. Inconscientemente, essa mudança acarreta perda de vínculo com objetos internos primitivamente concebidos, os quais foram cindidos em "bom" e "mau", renúncia do controle onipotente fantasioso, exposição a uma dolorosa culpa por sua destrutividade real e imaginária com relação as suas figuras completas recentemente estabelecidas, e uma grande quantidade de fardos semelhantes. Nesta base, a bondade torna-se uma questão importante na transferência, especificamente nas várias maneiras nas quais os pacientes bloqueiam qualquer experiência da bondade do seu analista - seu respeito, cuidado, dedicação e assim por diante. Indo mais além, elas minam e atacam a bondade do analista através de negação, cinismo e desconfiança, ou através de idealizações defensivas que obstruem o relacionamento de objetos totais realistas. Tudo isso para evitar, experimentar e expressar sua própria bondade. Desta forma, existem obstáculos que, repetidamente, são colocados no caminho de relações harmoniosas com o analista. As vinhetas clínicas e comentários que seguem irão ilustrar e esclarecer essas operações destrutivas. Exemplos clínicos Srta. B - Essa jovem mulher está contando como ficou impaciente e irritada com sua mãe com relação a esta agir de forma insegura, como no caso de, sem necessidade, pedir orientação e permissão para fazer várias coisas. Então, ela dissipa sua crítica com relação à mãe dizendo que tem se sentido intolerante para com todo mundo. Essa manobra defensiva não funciona, pois ela logo retorna para sua mãe, dizendo irritada: "Ela obriga-me a responder, perguntando se o que ela está fazendo está certo." Quando mostro interesse em ouvir mais sobre a 36 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Um obstáculo às relações humanas harmoniosas: defesa contra a bondade sua irritação, ela relata que, com respeito a isso, ela própria é como o seu intolerante pai. Então, ela admite espontaneamente que ela e sua mãe também obtêm prazer nas suas brigas. Neste momento, lembro a ela alguns aspectos relevantes do nosso prolongado trabalho anterior sobre a transferência. Aquele trabalho que nos ajudou a ver como ela havia pego muito do padrão sadomasoquista de interação que ocorre na sua família. Na sua tentativa bem-sucedida de chegar perto do seu pai, ela identificou-se com ele de várias maneiras, inclusive nas suas tendências sadomasoquistas. B começa a chorar e repreende a si mesma por ser "malvada" com sua mãe da mesma maneira que seu pai o é. Ela segue adiante dizendo: "Ele não deixa ninguém se aproximar dele; ou melhor, ele trata os outros como animais de estimação". Então, pesarosamente, ela acrescenta: "Na verdade, dos dois, é da minha mãe que posso aproximar-me". Saliento que ela teria medo da reação do seu pai se mostrasse, abertamente, bons sentimentos em relação a sua mãe; ela usa as brigas como uma forma disfarçada de chegar perto dela e com ela ter prazer. Não era hora de acrescentar que, com toda a certeza, elas brigavam com um excitamento homoerótico inconsciente, parcial. A repetição destes padrões dentro da transferência, e as interpretações deste efeito, já havia sido parte proeminente do contexto geral no qual esta sessão estava ocorrendo. Por exemplo, não muito tempo antes desta sessão, após o meu retorno de uma breve ausência por motivo de doença, havia surgido que ela tinha sufocado um impulso espontâneo de dizer que esperava que eu estivesse me sentido melhor. Ela havia ido adiante até reconhecer que tinha se preocupado comigo. Manifestamente, contudo, ela primeiro tentou manter total silêncio sobre minha doença. Mais tarde ela pode explicar que não queria ter sido "presunçosa" agindo de forma "íntima". Com base na identificação projetiva, ela havia suposto que "suas regras" proíbem e condenam qualquer espontaneidade descontraída que pudesse significar uma intimidade "presunçosa". Observei que ela teve até mesmo que impessoalizar essa projeção dizendo "suas regras" ao invés de usar o "você" mais direto. Embora fosse ela que se sentisse compelida a manter uma distância hostil, culpava a mim por agir desta maneira. Uma análise mais extensa da sua projeção de rigor levou-a a reconhecer o desejo de ser rancorosamente contida. Qualquer informalidade na sua conduta pode fazer com que eu me sinta satisfeito. Uma análise posterior desta defesa rancorosa contra a bondade também revelou sua postura defensiva de impedir qualquer comportamento que pudesse sugerir que estava sendo sexualmente sedutora em relação amim. Ela imaginava que qualquer tipo de sedução apenas estimularia interações traumáticas entre nós, do tipo masoquista, as quais ela costumava submeterse com os homens. Este material clínico liga a luta contra a bondade com os dilemas do triân- Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 37 Roy Schafer guio edipiano. Como mencionei, a bondade faz parte de uma mudança relativamente estável para a posição depressiva. Esta posição é caracterizada por um grau razoavelmente alto de diferenciação do self e dos objetos da pessoa, e dos objetos da pessoa entre si, e pelo desenvolvimento de uma capacidade de intimidade individualizada com cada um deles. Por sua vez, esse avanço leva diretamente à triangularidade da situação edipiana madura e aos medos das suas conseqüência bissexuais, hostis e punitivas. Neste contexto, uma ambivalência dolorosamente intensificada é inevitável. Portanto, as provações e adversidades de B. com sua mãe, como foi exemplificado acima, também mostram um aspecto importante da dolorosa ambivalência da menina edipiana com relação a sua mãe e do seu medo associado de tornar-se "muito íntima" de seu pai, mesmo quando tenta tornar-se sua preferida. Era este conjunto de problemas que necessitava das defesas de B. contra a bondade, tanto na sua transferência materna quanto paterna. Sr. D - E um analisado obsessivo que passa muito tempo duvidando dos seus sentimentos conjugais. Ele fica pensando que talvez pudesse ter encontrado alguém melhor, uma mulher ideal. Ele reprova a si mesmo por ser um marido medíocre. Neste ponto de sua análise, porém, ele consegue quase que prontamente, voltar à idéia de quanto prazer ele tem em estar com sua esposa, e faz isso agora. Ele prossegue dizendo: "Ela é boa para mim". Um pouco ambivalente, ele reconhece espontaneamente que dizer isso subentende uma expressão de necessidade em relação a ela, mas ainda mais importante que isso, ele percebe, subentende que tem necessidades próprias. Olhando esta sessão do ponto de vista da defesa contra a bondade, eu enfatizaria o seu ataque aos seus próprios bons sentimentos para com sua esposa, e implicitamente para comigo, através de dúvidas provocantemente sem fim. Com base em trabalho anterior, também é digno de nota o fato de como ele é defensivo com relação a sua culpa por emancipar-se do controle que seus pais têm sobre ele e, na sua percepção, do meu controle sobre ele também. Ele está a beira de reconhecer os problemas criados ou intensificados por ele ter se casado e pelo reconhecimento da bondade de sua esposa. Não muito tempo depois, D começa a sessão reclamando de estar sentido-se mais deprimido. Ele diz que, no caminho para a sua sessão, havia tido uma breve imagem de sua mãe sorrindo docemente; sempre que ela havia feito isso, mostrava algo de menina do qual ele gostava. Logo, menciono que parece-me que, imaginandoa desta maneira, quando ele vinha para a sua sessão comigo, estava desviando um sentimento daquele tipo tanto de mim quanto de sua esposa. Ignorando a ligação comigo, de modo que ele pudesse aumentar seu deslocamento, ele relata que sua esposa costumava reclamar sobre ele estar muito envolvido com o trabalho, de com ele gastar muito tempo. Quando ele se defende 38 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Um obstáculo às relações humanas harmoniosas: defesa contra a bondade apontando os exageros dela, ela volta atrás dizendo que ele significa muito para ela para continuar a fazer disso um problema crucial. Surpreendentemente, quando estava contando-me isso, torna-se visivelmente choroso. O choro é extremamente raro em seu caso. Ele reconhece que ficou muito tocado pelo fato de ela dar sinais de que precisa dele, e contrasta tudo isso com o seu sentimento de nunca ter sido necessário. Ele pensa particularmente na inexpressividade do seu pai e no seu próprio medo de ser desapontado; também pensa no fato de sua mãe ter tomado conta dele de um modo distraído e imprevisível, embora superficialmente ela tentasse ser conscienciosa. Gradativamente, relacionamos este conjunto de pensamentos e sentimentos ao seu sério problema em reconhecer que tem necessidades próprias. Ele luta tanto contra essas necessidades porque teme ser desapontado. Neste momento, ele mostra um pálido reconhecimento de que, por si só, um desapontamento não mina a continuidade de um relacionamento interessado ou amor. Continuamos trabalhando neste ponto por algum tempo, durante o qual enfatizo a dupla natureza da idéia implícita no modo como estava tocado pelo fato de sua esposa ter expressado que necessita dele: tem também o lado de reconhecer a sua necessidade de ser necessário. Sua disposição melhora visivelmente com o desenrolar da sessão. A esta altura do nosso trabalho, acredito que a bondade do objeto está começando a aparecer abertamente, assim como estão seus próprios bons sentimentos, ao mostrar sinais de prazer e de profunda receptividade; havia apenas a distância intelectualizada, oprimida pela dúvida. Mas neste ponto, perdi de vista os bons sentimentos implícitos de transferência, e realmente, mais problemas aparecem em breve. Chego quinze minutos atrasado para a próxima sessão; sua consulta é a primeira do meu dia, e eu estava inevitavelmente atrasado. Encontro-o sentado na sala de espera. D explica que encontrou a porta do conjunto aberta e simplesmente entrou. Observo para mim mesmo que essa foi uma liberdade que ele não costuma tomar, que sugere um intensificado sentimento de liberdade. Ele não diz nada sobre o meu atraso diretamente. Ao invés disso, começa a falar novamente sobre suas dificuldades com a esposa; que ela tem se sentido muito sobrecarregada no trabalho ultimamente e que, em uma expressão de consideração, ele havia se oferecido para passar todo o fim-desemana em casa com ela, ao invés de passar algum tempo no seu escritório trabalhando, como era seu costume. Então ele relata que, no exato momento que fez sua oferta a ela, começou a pensar de forma arrependida sobre o que estaria perdendo no trabalho. Reprova a si mesmo por esta mudança de atitude, achando que isto mostra como ele é completamente insensível na sua relação matrimonial. Mais uma vez, tem o sentimento de ser um marido medíocre. Logo começa a sentir-se bloqueado, e só então menciona o fato de eu ter me atrasado. Pergunta a si mesmo se tem algo Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "39 Roy Schafer em sua mente com relação a isso. Sua capacidade de levantar questões deste tipo sozinho se desenvolveu apenas após anos de incompreensão baseada nas defesas de isolamento de afeto e na negação de necessidades de dependência. Comento que também estava me questionando sobre isso. Então, D reconhece algumas coisas nas quais ele havia pensado enquanto estava esperando: havia algo de errado comigo? Ele havia se enganado com relação ao horário? Logo ele confessa que estava hesitando em mencionar que, por um breve segundo, havia se preocupado comigo. Em um tom de desconsideração, ele rapidamente acrescenta que, provavelmente, isto estava relacionado ao seu medo de ser dependente de alguém. Comento sobre o fato de ele ter achado difícil contar-me sobre aquela preocupação. Em resposta, desenvolve a idéia de que isso significaria mais envolvimento comigo como pessoa. Isto iria sugerir que ele estava gostando do nosso relacionamento, que estava "personalizando-o" e não limitando-o apenas ao nosso trabalho direcionado para as metas do tratamento. Como disse-me repetidas vezes, qualquer sentimento deste tipo iria deixá-lo extremamente inquieto. Reconheço que se sentiria incomodado por sentir consideração por mim em caráter pessoal, uma vez que isso pareceria nos envolver em um contato muito direto e bom. Ele rapidamente tenta escapar deste tema intelectualizando a natureza narcisista, tanto da sua necessidade de ser dependente como da sua defesa contra ela; ele também denegri os seus sentimentos de consideração, enfatizando que levou metade da consulta para até mesmo mencionar o meu atraso. Provavelmente, teria sido melhor apontar a ansiedade que mostrou por tentar outra vez escapar dos temas de proximidade em relação a mim e de consideração por mim. Neste ponto, porém, rendo-me a um desejo de contratransferência um tanto maníaco de renovar sua confiança, reconhecendo a sua abertura: digo que ele permitiu a si mesmo, sozinho, dar um jeito de mencionar sua preocupação e começar o assunto, e que, para mim, o fato de ter feito isso sugere que, com toda a sua ambivalência, ele não está totalmente isolado em relação a isso. Minha renovação de confiança irrefletida pode bem explicar porque, momentos após, ele muda do enfoque ele e eu para ele e sua mãe. Ele observa como tem voltado a trabalhar sua percepção da sua mãe, vendo-a agora como alguém que pensava nele em termos de cuidá-lo a fim de fazer a coisa certa, mas que, então, rapidamente voltava a sua atenção para coisas que interessavam mais a ela. Nesta mudança havia uma referência indireta ao meu deslize na contratransferência, bem como ao meu atraso. Contudo, ele está profundamente tocado enquanto fala sobre sua mãe, embora esta não seja a primeira vez que explicitamente faz esse comentário sobre ela. Expressa um sentimento intenso de privação em relação a ela. Observo para mi mesmo que esta é a primeira vez que demonstrou todo esse sentimento 40 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Um obstáculo às relações humanas harmoniosas: defesa contra a bondade em todos os anos de sua análise. Durante essa parte da sessão, enxuga os olhos com freqüência e, ao final, enfatiza que uma criança aprende a ser a partir do modo como seus pais são, ao que acrescento - não incorretamente, penso eu, mas ainda com ênfase indevida - que deve ter sido intolerável viver constantemente com os sentimentos de privação e raiva exatamente das pessoas das quais tinha que depender, sendo os seus pais os seus únicos recursos no momento; ele teria que ter desenvolvido algumas defesas fortes para poder fazer com que a vida fosse suportável. Na tentativa de recuperar, acrescentei, então, uma referência tardia sobre ele e eu; digo que temos trabalhado sobre estes mesmos problemas no nosso relacionamento. Nestas sessões, junto com a evidência de que ele abaixou suas defesas maciças contra sentir-se triste, necessitado e brabo, e contra enxergar a bondade do objeto, existem evidências de que está começando a abaixar suas defesas, igualmente maciças, contra sua própria bondade. Ele também mostrou um pouco do que temia que pudesse acontecer com esse abaixar de defesa: intimidade intolerável, tristeza, sentimentos de privação, e fúria. Com base neste temor, e também porque, encontrando-se em fase de transição, estava em fluxo constante e eu estava perdendo algumas deixas na transferência; foi apenas uma semana mais tarde que descobri que ele havia reprimido completamente o clímax emocional desta série de sessões: ele nem mesmo lembrava de termos tido estas discussões. De minha parte, decidi que sua repressão havia sido facilitada pelo fato de eu não ter efetivamente compreendido a relação deste material com o seu sentimento de que eu, como sua mãe, estava sendo atencioso com ele de uma forma superficial e na qual não se pode confiar e que, por atrasar-me, havia deixado que ele esperasse, se preocupasse e duvidasse de si mesmo. Sua raiva em relação a mim, e seu medo de demonstrá-la, deve ter intensificado seu sentimento de estar sob grande pressão. Acredito que tenha ficado tão absorvido pela reconstrução e pela renovação da sua confiança que, momentaneamente, ignorei a maior parte da transferência. O meu esquecimento, além do meu atraso, seria equivalente a esquecer-me dele pela segunda vez. Finalmente, ele atuou sua raiva esquecendo de tudo. Este tipo de apagamento é freqüentemente evidente quando a contratransferência leva à negligência da ansiedade e da defesa na transferência. Falsa bondade Uma forma especial de defesa contra a bondade é a adoção de uma falsa bondade. Refiro-me a quando o analista sente o paciente como se este estivesse fazendo shows transferenciais de bondade, os quais dão a impressão de serem Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "41 Roy Schafer pesados, intrusos e não convincentes. Estas demonstrações são produtos narcisistas, invejosos e onipotentes da posição esquizo-paranóide, ao invés de o serem daquela benevolência relativamente menos conflitante da posição depressiva. Além disso, a natureza invasiva e controladora da falsa bondade fica evidente na hipervigilância do analisado em relação aos sinais de desconforto ou aflição do analista, tais como uma tosse ocasional, um espirro, um bocejo ou um suspiro, inquietação motora ou traços de transtorno no consultório. Inconscientemente, é temido o fato de que abordagens onipotentes, invejosas, controladoras estejam superestressando, esgotando, castrando e, em última análise, destruindo o analista. Conscientemente, estes pacientes apresentam-se como preocupados com o fato de que não deveriam estar se alongando nas suas próprias considerações, porque agora tudo "não está bem" com os seus analistas. Neste contexto, contudo, não é a culpa ou o senso de responsabilidade da posição depressiva que estão sendo expressados; é o medo de que a investida implicitamente agressiva leve ao dano, à retaliação, ao abandono. O analisado não mostra nenhum desejo de entender o objeto de uma maneira redonda e não demonstra nenhum dos sentimentos que tipicamente envolvem uma consideração madura em relação aos outros. O fato de que os analisados falsamente bons são defensivamente ávidos por executarem uma missão particular, de certa forma hostil, torna-se evidente quando eles começam a ser reprovadores, inquietos e autocríticos se seus "oferecimentos" não são recebidos com gratidão. Para eles, a função defensiva da falsidade está provando ser ineficaz. Defensivamente, a falsa bondade envolve identificação projetiva de necessidade, fraqueza, sentimentos crônicos de receber cuidados insuficientes, e raiva. O paciente usa essa identificação projetiva para manter a fantasia da onipotência; a projeção garante que é sempre o outro que necessita de ajuda e é desenvolvida enquanto o self possui a atitude e os recursos mágicos, infalíveis para remediar todas as doenças, danos e incapacidades. Os medos de retaliação também envolvem projeção; neste caso, eles são baseados em projeções do ressentimento e da inveja do paciente em relação ao bem-estar e estabilidade do analista. Consequentemente, o paciente sente que o objeto deve ser cuidadosamente controlado de modo que esta complexa dramatização possa avançar com a menor aflição subjetiva possível. Nem sempre é fácil diferenciar a bondade genuína da falsa. Freqüentemente, observa-se uma mistura das duas naqueles pacientes que rapidamente trocam os níveis de função; isto é encontrado, particularmente, quando os pacientes estão em uma fase transicional de suas análises. O próximo exemplo clínico traz alguns deste problemas. Sra. E - É uma profissional jovem com filhos. A sessão ocorre durante a 42 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Um obstáculo às relações humanas harmoniosas: defesa contra a bondade semana anterior ao meu começo de férias. Imediatamente, ela avisa que faltara à última consulta da semana. Diz que está se sentindo culpada com relação a minha saúde, pensando que não estou bem porque, para ela, pareço um tanto confuso. Então, ela critica a si mesma por colocar-me na posição de um empregado, alguém usado, sem consideração, por todos os meus pacientes. Ela faz a comparação de ser um bebê que usa a mãe sempre que precisa dela. Continua criticando a si própria por outras formas de desatenção e auto-indulgência. Comento que sente-se mal em relação a deixar-me sozinho, negligenciando-me, aumentando a ausência das férias. Ela acha que é assim mesmo e então diz que talvez eu pudesse morrer neste intervalo. Fica apavorada com isso porque se dá conta que estaria pensando, em primeiro lugar, no fato de isso ser uma perda para ela. Neste momento, reconheço que está justamente questionando minha suposição de que está sentindo-se culpada em relação a mim; é mais provável que a verdade seja que está apenas buscando, defensivamente, as minhas boas graças, sendo, dessa forma, mais narcisistamente orientada do que eu imaginava. Ela prossegue criticando a si mesma por não me dar atenção suficiente: "Você deve ficar cheio disso, todos os seus pacientes lhe usando". Então, começa a pensar como eles usam-me projetando em mim todo o tipo de coisas; contudo, comete um lapso dizendo "produção" quando queria dizer "projeção". Suas associações com a palavra "produção" passam para criação e, então, para dar a luz a uma criança ou criar um trabalho de arte como uma pintura, mais especificamente, ter um filho. "Um bebê é algo que origina-se do seu corpo. Se eu produzo você, você vem de mim, e eu sou responsável pela sua existência ou pela falta dela se eu não for atenciosa o bastante". Como se estivesse retrocedendo na idéia de assassinar-me por negligência, de repente começa a sentir-se sonolenta e cansada, e desejosa que eu a fosse cobrir. Finalmente, consegue dar um jeito de dizer como está saturada de tomar conta das pessoas. Quando comento sobre o fato de ela ter problemas em aceitar o seu próprio desejo de ser cuidada, ela concorda, acrescentando que este desejo é completamente "desprezível". Nos meus próprios pensamentos, percebo-a indicando novamente que rivalidades onipotentes e auto-estima abalada são mais importantes agora do que sentimentos de responsabilidade. Ser nobre é sua grande aspiração narcisista. Encerro esta seqüência toda como tendo sido precipitada pelas minhas férias iminentes. A Sra. E luta para estar no papel de quem cuida, mesmo quando faz retaliação tirando o seu próprio dia de folga antes da minha partida. Assim, a atitude de interesse não pode ser sustentada, exatamente como ela mostra no seu lapso produzir ao invés de projetar - e nas mudanças sentindo-se forte e fraca durante a análise deste lapso. No final, ela falhou em ser "nobre". Este exemplo pode ser considerado, primeiramente, como uma manifestação de falsa bondade. O show da Sra. E de preocupação com o meu bem-estar Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 43 Roy Schafer parece estar funcionando, em grande parte, como uma expressão das suas fantasias onipotentes (criando-me) e uma defesa contra seus próprios sentimentos homicidas e seus sentimentos em relação a ter necessidades. Os sentimentos de ter necessidades parecem incorporados à fantasia não muito afastada a respeito dela como um bebê, meu bebê. Assim, não é uma bondade madura; ao contrário, é principalmente um show de bondade que ela faz para defender-se de partes dela mesma, as quais não consegue aceitar e integrar, e que teme que eu também não possa. Caracteristicamente, a Sra. £ tenta erguer a principal defesa de preocupar-se com os outros como um muro contra sentir-se necessitada. Quando sua defesa cede, ela é compelida a se desligar e a reclamar por ser sobrecarregada pelos outros, apesar de saber, racionalmente, que é ela quem impõe os fardos a si mesma. Tradução de Gisele Braga © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL 44 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Amor e ódio, mãe e filha, crescendo como mulher Phyllis Tyson*, La Jolla, ESTADOS UNIDOS Resumo Os conflitos entre mãe e filha são bem conhecidos. Também é bem sabido que muitas mulheres têm dificuldades em expressar a raiva ou outros afetos desagradáveis. E também são conhecidas as importantes diferenças entre homens e mulheres na expressão da agressividade. O que é menos claro é a compreensão psicodinâmica dessas questões. Em nome de um melhor entendimento, tentei trazer à baila a perspectiva do desenvolvimento. Sugeri que o domínio adaptativo dos conflitos de amor e ódio está relacionado ao desenvolvimento da função sinalizadora do afeto. Em condições ideais, a mãe favorece o desenvolvimento dessa função. A competência no uso dos afetos como sinais ajuda a mulher a encontrar soluções adaptativas para os conflitos e a resolvê-los. Ainda sugeri que a interação entre os anseios de uma intimidade fantasiada e idealizada com uma imagem de mãe ideal, os temores de perder o amor e a interface desses temas com a formação e funcionamento do superego explicam em parte as dificuldades de crianças pequenas e de mulheres para lidar com a agressão de uma maneira adaptativa. Ambivalência não resolvida com contínua projeção do introjeto materno sádico favorece a inibição da agressão e a falta de autoconfiança. Embora iniciem na primeira infância, os temas que esbocei transformam-se em batalhas de toda uma vida. Cada fase do desenvolvimento e cada nova ocorrência na vida representa um novo desafio em que conflitos antigos, modos anteriormente usados para resolver os conflitos ou antigos jeitos de se relacionar com os outros tendem a ressurgir. Mesmo que os modos previamente usados para a solução de conflitos persistam com uma tenacidade notável, cada nova vinda à tona oferece uma oportunidade para um refazer e para encontrar novas soluções. : Membro da Associação Psicanalítica Americana. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 45 Phyllis Tyson O mapeamento do Continente Obscuro do desenvolvimento psicológico da mulher, deixa os analistas perplexos e preocupados há três quartos de século. Como resultado, o Continente já não é mais tão escuro assim, mas ainda resta uma área que não é bem entendida. Esta área são as agressões e soluções desadaptadas que as meninas e suas mães muitas vezes usam quando tentam resolver conflitos. Proponho uma abordagem desse problema através do exame observando as maneiras como, às vezes, as intensas emoções de amor e ódio que surgem no contexto do conflito mãe filha estão relacionadas à tarefa da regulação dos afetos. Os compromissos formados poderão determinar se uma mulher é capaz ou não de ser adaptativamente positiva em sua formação adulta, com controle e poder sobre sua própria vida. Para tecer considerações acerca dessa tema, inicio com dois exemplos clínicos. Mônica, com cinco anos e meio de idade, entra em meu consultório, não estabelece nenhum contato através do olhar e agarra com as duas mãos o braço de sua mãe, atrás do qual esconde o rosto. Faço vim comentário a que ela não responde. Então, pergunto-lhe algo e ela olha para sua mãe. Trocam algumas palavras, em italiano, a língua materna de sua mãe, mesmo que ela fale um inglês fluente. E a mãe quem responde a pergunta por Mônica. A menina não consegue separar-se de sua mãe. Na escolinha é retraída, tem medo de tentar novas atividades e não interage com os outros. Mãe e filha tem uma relação de intimidade e de proximidade e Mônica sempre é uma boa menina! Aos cinco anos e meio Shelly é expulsa da escola porque a professora não consegue manejar o seu comportamento agressivo. Ela tem ataques de raiva sempre que não ganha o que quer. Sua mãe é bastante insegura, como por exemplo, em relação a sua capacidade de ser mãe, mas tenta não ser punitiva pois é assim que via a própria mãe. Como resultado, sempre bate em retirada ansiosamente sempre que Shelly está braba e cede quando ela protesta. Isso se repete até que perde a paciência e então quase que chega aos maus tratos físicos. Ficou cada vez mais precavida e cautelosa em relação a Shelly, sentindo-se algo maltratada e mantida sob regime de terror pela filha. Acha que tem pouco controle sobre ela. Não consegue fazer com que a menina a ouça ou abra mão de nenhuma de suas exigências. As vezes se pergunta se Shelly é uma "semente ruim". Encontrar maneiras adaptadas de lidar com a agressão foi uma tarefa com que essas duas meninas não souberam lidar bem. Goldings, 1974; Kaplan, 1976; Mahler, 1981; e Campbell, 1993 documentaram toda uma variedade de manifestações agressivas que observamos clinicamente em meninas e em mulheres. Embora algumas se sintam bem com uma imposição mais agressiva [assertive-ness] e conseguem expressar as emoções ligadas à raiva, a agressão de algumas mulheres pode ser cáustica, indireta, oculta, subserviente, manipuladora, vil, ferina e sádica. Algumas meninas têm medo de confrontar outra pessoa direta- 46 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Amor e ódio, mãe e filha, crescendo como mulher mente com a sua raiva, permanecendo agradáveis enquanto estão na companhia dessa pessoa, apenas para em seguida se queixar amargamente para outros. Isso é visto com grande freqüência no comportamento grupai de meninas no período de latência ou das adolescentes. Outras irrompem em pranto quando brabas, nem sempre se dando conta de que as lágrimas são sinal de raiva. O jeito de uma garota expressar sua agressão muitas vezes é muito diferente de um comportamento marcadamente desafiador [assertive] e competitivo, sendo que a expressão direta e aberta de emoções relacionadas à raiva são manifestadas com maior freqüência pelos meninos e pelos homens. Green (1972) especula acerca dessas diferenças. Enfocando a sexualidade, sugere que a expressão direta da agressão por parte dos meninos pode corresponder ao fato de que seus genitais são externos. A localização interna dos genitais femininos pode explicar a orientação interna da agressão tantas vezes encontradas nas mulheres. Será que essa sugestão nos levaria a concluir que a expressão aberta e direta da agressão é uma característica fálica, normal para os meninos mas anormal nas meninas? Muitas vezes nossas normas socioculturais reforçam essas caricaturas. As mães não se preocupam com as tentativas rudes e hostis, muitas vezes envolvendo agressão física, dos meninos que querem impor controle e domínio com o argumento de que "é coisa de menino". Mas assumem uma atitude crítica e de desaprovação quando suas filhas têm o mesmo comportamento, encorajando-as a serem 'boazinhas' (Nadelson et ai, 1982). Os relacionamentos apenas duram se a mulher inibir sua raiva e sua competitividade, sendo condescendente e submissa. A menininha mandona muitas vezes é considerada estranha. Uma menina que demonstra aberta e impetuosamente a sua brabeza é encarada como alguém que perdeu o autocontrole (Campbell, 1993). Um homem que confronta outro com veemência poderá ser respeitado por essa atitude assertiva, mas uma mulher com a mesma atitude deixa os demais em posição desconfortável; haverá resmungos e murmúrios do tipo: 'ela deveria saber como se controlar, como guardar suas opiniões". Esse tipo de mulher muitas vezes é visto como causadora de problemas. Temos poucos modelos ou histórias de meninas ou mulheres que são capazes de se defender sozinhas, sabendo lidar à vontade e de maneira adaptativas com a agressão. A polaridade entre amor e ódio é fundamental à condição humana. E apenas através da agressão e do afastar-se dela que a criança é capaz de encontrar uma sensação de individuação e de definição de si mesmo. E afastar-se da agressividade está inserido no contexto do desejo de amor e de intimidade. Embora em geral encarado como algo construtivo, era esse contexto de afastar-se da raiva e da separação que despertava os temores mais profundos de Mônica: o medo de perder o amor, de ser abandonada ou rejeitada. Os conflitos inconscientes Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 -47 Phyllis Tyson entre amor e ódio à mãe, medo da rejeição, da crítica e do abandono geraram tamanha ansiedade que ela inibiu a expressão de sentimentos de hostilidade. A luta travada por Shelly com a raiva que sentia de sua mãe e seu medo de ser abandonada revela-se através da tênue linha entre seus ataques furiosos de raiva e a vivência interna de uma enorme ansiedade, da sensação de desamparo e de desorganização. Ainda é complicado entender as dificuldades de meninas e mulheres para encontrar maneiras adaptativas de lidar com sua agressão, mesmo que as mensagens sociais contemporâneas lhes dêem permissão para serem batalhadoras. Proponho que nos aproximemos dessa questão complicada através do exame do desenvolvimento do ajuste afetivo no contexto da relação mãe - filha e do processo de separação e individuação. Então, estudo as diversas maneiras pelas quais esses primeiros conflitos se alojam no superego, onde poderão exercer uma influência permanente, por toda a vida, sobre os relacionamentos femininos com os outros. Finalmente, abordarei a progressão edípica. Regulação dos afetos E através de vários afetos - brabeza, raiva, ódio, aversão, ou contrariedade, irritabilidade, frustração, impaciência, insistência em um ponto-de-vista, competitividade e outros - que a agressão se expressa. Os afetos do bebê e da criança pequena são automáticos e peremptórios e facilmente desorganizam o funcionamento do ego, fazendo com se sintam desamparados e aflitos. Embora os afetos sempre estejam sujeitos a expressões regressivas, automáticas e obrigatórias em tempos de estresse, durante o seu desenvolvimento a criança é estimulada a obter um controle. Nesse processo os afetos podem assumir a função de sinal, podendo, então, ser usados para salvaguardar a adaptação e o ajuste ou regulação. Conhecemos as complexas vicissitudes do processo de separação e individuação. Os conflitos típicos do segundo e terceiro ano de idade representam uma tarefa especialmente difícil para a menina. Identidade de gênero, desenvolvimento do superego, equilíbrio da auto-estima e a capacidade de autocontrole, tudo isso emerge no contexto do processo de separação e individuação. Como sabemos, o relacionamento da menina com sua mãe pode ser bastante complicado. A partir da primeira infância ela busca sua mãe para manter a sensação de segurança, buscar conforto, amparo e amor. Desde a amamentação, ambas compartilham o desejo de fusão e dos prazeres de proximidade sensual. A identificação primária com a mãe forma a primeira idéia que a menina tem do que é ser mulher. Uma proximidade mãe - filha idealizada e a sensação de estar conectada constitui a base do ideal de ego e o estado de se//almejado. Seu orgu- 48 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Amor e ódio, mãe e filha, crescendo como mulher lho, prazer e confiança na feminilidade evoluem a partir dessas identificações com uma mãe vista como ideal. A busca da definição de si mesma e da autonomia está em conflito com o desejo de ter intimidade com a mãe. Mas a capacidade de funcionar independentemente da mãe exige que a menina a repila e obtenha uma noção de independência e de identidade pessoal. Poder e controle sobre o relacionamento muitas vezes tornam-se um tema central. Por exemplo, a menininha tenta adquirir a noção de que é dona do próprio corpo e que o administra de maneira independente. Isso se torna evidente quando quer comer ou vestir-se sozinha. Mesmo que no início essas tentativas sejam confusas e desajeitadas, a noção de competência acompanha os graduais sucessos no lidar do próprio corpo. Também aparecem esforços para expressar-se. De novo, no início as habilidades não estão muito desenvolvidas, sendo o repertório e a capacidade de modulação limitadas. As enérgicas tentativas de criancinhas bem pequenas de expressar a si mesmo muitas vezes são desajeitadas e por isso podem ser interpretadas como agressão. Em geral, é a resposta do ambiente que determina o que se segue. Não é raro que as mães se sintam provocadas para entrar numa guerra pelo controle. É que a mãe também pode querer prolongar a sensação de fusão, a intimidade idealizada e poderá interpretar a agressão da filhinha nas tentativas de controlar, de se separar e de encontrar a própria identidade especial como sinais de que não ama mais a sua mãe. Portanto, poderá resistir aos anseios de liberdade da menina. E as batalhas em relação ao controle e à imposição da vontade podem tornar-se intensas, acompanhadas de vários sentimentos dolorosos e estressantes. A criança fica confusa sobre o amor e o ódio. Ela deseja a fusão mas tem medo de ser tragada, subjugada. Surge a ansiedade com medos primitivos de ser abandonada, ficar desamparada, ser rejeitada ou criticada ou de perder o amor materno e até temor de sofrer algum dano físico. Igualmente estressante é a busca obstinada da gratificação. Ao responder às palavras, gestos ou comportamentos restritivos da mãe, a menininha pode irromper em uma resposta cheia de ódio. A raiva é facilmente projetada e enquanto está furiosa a criança pode achar que é a mãe que está braba. Em vez de ser uma fonte de conforto e de segurança, torna-se vim perseguidor temido. A criancinha facilmente sente-se desesperadamente desamparada, desamada e sufocada pela ansiedade. Os bem conhecidos ataques de raiva das crianças pequenas muitas vezes são um reflexo dessa situação de ansiedade e de desorganização que acompanham a raiva que a criança sente com a perda da conexão amorosa e segura com sua mãe. Essas lutas impõem grandes exigências às funções reguladoras do se//ainda incipientes. E a mãe também é muito exigida. Uma delas, ao descrever as solicitações e ataques de raiva de sua filha de três anos exclamou: "Sinto-me de novo como uma criança de três anos; tenho vontade de matá-la! Fico chocada e culpada por Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 49 Phyllis Tyson sentir tanta raiva! Às vezes é difícil manter minha perspectiva de adulta". Mesmo que em períodos de estresse a criança possa confundir sujeito e objeto, fazendo com que sua raiva projetada afete suas percepções da mãe, em condições ideais a mãe será capaz de fazer essa diferenciação. Nas condições ideais poderá resistir e não será tragada para dentro das projeções enraivecidas da criança, podendo resistir às provocações e responder adequada e gentilmente. Mesmo que a criança tenha fantasias assassinas e irrompa em manifestações de ódio, o papel da mãe é fornecer um equilíbrio regulador. Para fornecer esse equilíbrio, deverá intervir antes que a criança se desorganize e seja totalmente tomada por essa sensação, absorvendo algo da ambivalência e da raiva. Então poderá dar nome aos sentimentos. Ao fazê-lo, transmite a mensagem de que sentimentos de raiva são normais e que a grande tarefa é encontrar vias adaptativas para sua expressão. Além de intervenções adequadas no tempo, a mãe também terá de transmitir que não está assustada com a raiva da criança e que apesar de saber que a sensação é desagradável, espera algum respeito às normas (com exigências adequadas ao nível de desenvolvimento e de capacidades da criança). Assim poderá ajudar a criancinha a encontrar um jeito de formar um compromisso. Intervenções no momento certo asseguram que as tempestades afetivas não atingem proporções que prejudiquem a auto-regulagem e a autoconfiança. Firmeza na expectativa de adesão às normas comunica que a mãe é diferente das projeções da filha e que ela não é o temido monstro que ataca. Também transmite uma idéia de segurança: a de que a mãe está encarregada de um comando seguro. Ao sobreviver às projeções da criança, a mãe poderá ser "usada" (Winnicott, 1971), ou seja, a criança poderá buscá-la para que a ajude a encontrar modos cada vez melhores e mais adaptados de expressar a raiva, formando compromissos e retardando a gratificação. Se a mãe obtiver êxito ao ajudar a criancinha a negociar com esses conflitos típicos, os sentimentos amorosos equilibrarão os do ódio e a ambivalência poderá ser mais facilmente tolerada. E também a capacidade de tolerar a frustração começa a se desenvolver. Em termos ideais, a criança começa a preferir as recompensas agradáveis da relação recíproca e o sentimento de domínio que acompanha a formação de compromisso, preferindo-a ao estresse que acompanha a luta pelo controle. Surge uma sensação de segurança interna à medida que a mãe é sentida como uma presença interna duradoura, amorosa e que fornece apoio. A confiança no self também torna-se mais estável, acompanhando a idéia de que pode-se ser amado. A identificação com a mãe então também incluirá a identificação com restrições da expressão de pulsões, o reconhecimento de suas exigências reguladoras, reorganizadoras e adequadas no tempo aos sinais afetivos, bem como identificação com sua energia [assertiveness] e capacidades de encontrar uma maneira de formar compromissos. Os afetos podem ser identificados à medida que surgem, sinali- 50 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Amor e ódio, mãe e filha, crescendo como mulher zando uma necessidade de medidas defensivas ou de negociação. Essa função de sinalização facilitará à criança negociar os conflitos cada vez mais complicados associados aos desejos edipianos, relações de objeto triangulares e ao posterior desenvolvimento na adolescência e idade adulta. O superego Como sabemos, o superego, o mundo interno do permitido e do proibido, das representações de objeto e do se//idealizadas e interativas, é o herdeiro dos conflitos intersubjetivos da primeira infância. Chama a atenção que em uma idade muito tenra a menininha começa a ver sua mãe como um ideal e a perceber que ela tem uma imagem de filha 'ideal'. As lutas internas iniciam quando a menina tenta lidar com seus próprios desejos incompatíveis de ser a filha ideal e de encontrar a harmonia recíproca e mesmo assim afastar-se, encontrando seu próprio self e seu jeito de fazer as coisas. Ocorre um complicado entrelaçamento entre individuação, formação de superego, domínio da expressão da agressividade e do funcionamento independente com os desejos de fusão com uma imagem materna idealizada, havendo ainda o terror de ser engolida ou engolfada, associado a desejos de independência acompanhados de temores de rejeição ou de perda de amor. Para que a menina se torne independente, enérgica e assertiva de modo independente e capaz de expressar seus sentimentos de raiva, terá que ter alguma segurança interna de que não será abandonada ou rejeitada. Isso significa que o forte e poderoso vínculo com a mãe e a problemática de afastar-se dele são o tema central do desenvolvimento do superego de qualquer menina, a chave para o manejo de sua ansiedade e de sua agressão, além de ser o aspecto fundamental para sua progressão no desenvolvimento. Outro aspecto dessa grande e complicada luta é que a imagem da mãe está longe de ser integrada. Ao contrário, a mãe interna é uma mescla de percepção, projeção, fantasia e vivência real. As capacidades cognitivas limitadas da criança, as qualidades afetivas da relação mãe - filha inicial, as reações às restrições e a capacidade de tolerar frustrações, sua propensão à projeção, o que almeja como ideais, tudo isso se combina para determinar as qualidades da mãe interna. Quando há a prevalência da agressão, da tensão, angústia ou ansiedade ou quando a tolerância da criança às frustrações é baixa, sua percepção de qualquer um dos pais torna-se distorcida por suas próprias projeções raivosas e hostis. A representação materna resultante assumirá então, características distorcidas de intolerância, crueldade e de punição. Esse mundo interno tão desagradável vai causar a erosão da segurança interna da criança. Também interferirá com a formação de qualquer novas características amorosas do superego e com o desenvolvi- Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "51 Phyllis Tyson mento da função sinalizadora dos afetos e das capacidades de se auto regrar que mencionei antes. Ao contrário, prevalece o superego severo, hostil, sádico, não integrado cujas qualidades são facilmente projetadas. Aqui não consideramos apenas o desenvolvimento da filha, mas também o da mãe, pois todas as dificuldades encontradas no desenvolvimento da criança também ocorreram com a mãe. Seu próprio sucesso ou fracasso ao resolvê-las necessariamente refletem-se em suas reações aos desejos agressivos ou de independência da menina. As mães são especialmente vulneráveis às reações regressivas e irritadas da menina que quer assumir o controle, em parte devido a seus próprios desejos conscientes e inconscientes de uma unidade mãe - filha, já que houve conflitos semelhantes em sua própria história. Se conflitos não resolvidos da primeira infância interferiram com o estabelecimento da autoconfiança da mãe, ela poderá ter uma capacidade reduzida para lidar com as próprias ansiedades e com o ajuste da própria auto-estima. Isso poderia deixála vulnerável a temores de perda de amor e sua confiança em suas habilidades de maternagem poderão depender da resposta obtida de sua filha. É como se ela esperasse que sua filha lhe desse a sensação de ser amada e de poder ser amada. Essas mães são especialmente suscetíveis a sentir-se rejeitadas pelo bebê. Então, em vez de fornecer um equilíbrio entre amor e exigências, de que regras sejam cumpridas, poderá tender em direção à inconsistência. Isso é, o excesso de indulgência na tentativa de evitar os confrontos irados, enquanto mal e mal conseguem lidar com a própria ansiedade, faz com que facilmente se identifiquem com as projeções da criança, atacando com severidade punitiva ou com irritação sempre que provocadas, como descrito no caso de Shelly. Além disso, temos que levar em consideração como a mãe imagina a filha. A mãe começa construindo a imagem de sua filha a partir do momento em que ela é concebida e está continuamente construindo e reconstruindo essa imagem, à medida que a menina se desenvolve de bebê para criança e adolescente. E essa imagem não é apenas formada a partir da percepção de alguns aspectos da realidade mas também pelo colorido que suas próprias fantasias, desejos, conflitos e ideais conferem a essas percepções. Uma mãe insegura poderá borrar os limites entre ela própria e sua filha, usando os sucessos da filha para nutrir a própria auto-estima. Essa mãe facilmente desenvolve uma imagem pouco realista da filha ideal. Estabelecendo padrões que estão fora do alcance da criança, poderá tornar-se muito crítica, desaprovando tudo. E então nem a mãe nem a filha têm a vivência do sucesso ou da recompensa. A mãe estará cronicamente desapontada, já que a menina não corresponde à filha fantasiada e portanto terá pouco prazer na maternagem que é transformada em uma sobrecarga masoquista (Blum, 1976). A incipiente auto-representação da menininha passa a incorporar essas atitudes negativas e desvalorizadoras, passando a sentir-se não merecedora de amor, sem 52 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Amor e ódio, mãe e filha, crescendo como mulher valor e inadequada. Supervaloriza e idealiza os padrões parentais e forma introjeções perfeccionistas e críticas. Então, sentindo que não consegue corresponder aos padrões exigentes e difíceis de agradar de sua mãe interna ou externa, acha que é ela quem desaponta sua mãe, tornando-se cronicamente ansiosa com as críticas internas e externas. Dominar os sentimentos ambivalentes é uma tarefa de desenvolvimento importante e contínua. Muitas vezes esses conflitos ambivalentes entre amor e ódio espalham-se por tudo e durante toda a vida. E é no contexto desse tipo de ambivalência que surge o trânsito de duas mãos de ódio, inveja, sadismo, rejeição, agressão defensiva, idealização defensiva e de vínculos patológicos que encontramos com freqüência nas relações mãe - filha. O constante pavor de ser rejeitada ou abandonada interfere com qualquer expressão adaptativa de agressão e fornece uma motivação consistente para um comportamento submisso e masoquista de seguir as regras. A vigilância obrigatória da própria aceitação pode então assumir uma desconfiança do tipo paranóide que se torna generalizada e onipresente. Édipo e desenvolvimentos posteriores Estudos recentes estão demonstrando as importantes funções dadas pelas relações triangulares entre pai, mãe e criança, desde o nascimento. A maior excitação genital que acompanha o surgimento da fase genital na primeira infância faz com que as relações dentro do triângulo mudem e troquem de posição. Essas mudanças representam novas e complicadas tarefas para a menininha. O grau de sucesso que terá ao resolver essas dificuldades poderá depender de como resolveu os sentimentos conflitantes de amor e de ódio por sua mãe. Tendemos a usar a história de Édipo como metáfora universal para entender o desenvolvimento masculino mas não temos nenhuma história universal para as mulheres. Em vez disso há muitos mitos e lendas que descrevem o dilema e as possíveis conseqüências para a menina que atravessa as provas e atribulações do desenvolvimento. Ao discutir conflitos associados com as relações de objetos na tríade e com a fase genital da sexualidade infantil poderíamos pensar em histórias que sugerem o domínio ativo e outras que se referem à adaptação passiva. Se a menina foi capaz de desenvolver sua capacidade para usar a função sinalizadora dos afetos e encontra maneiras cada vez mais adaptativas, é capaz de lidar com uma situação de maneira ativa. Mesmo que persistam anseios por estar conectada com a mãe em um relacionamento íntimo, e mesmo que os temores de rejeição ou perda continuem (e eles existem durante todo o desenvolvi- Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "53 Phyllis Tyson mento), o desejo de receber a atenção do pai muda. A vontade de ser o objeto central do amor paterno desperta desejos conflitantes dirigidos a cada um dos pais. Se a mãe é percebida como uma presença interna que dá apoio, sentir raiva dela e competir com ela pela atenção exclusiva do pai poderá despertar ansiedade. Porém o uso da função sinalizadora assegura que a ansiedade permaneça em níveis manejáveis e torna-se possível formar compromissos que levam à adaptação. Um exemplo é Jamie que há pouco anunciou que era a garota do papai. Certa noite exigiu ficar acordada para ver só mais um programa de TV com seu pai. Sua mãe teve empatia com esse desejo e com seu desapontamento mas lembra que amanhã terá de ir à escola e, portanto, deve ir para a cama. Jamie, furiosa, diz: "Mamãe, eu te odeio tanto que vou te mandar para a prisão". Ao que a mãe pergunta: "E quem vai cuidar do papai então?" "Eu claro! E nem te preocupa, nunca mais vais vê-lo!" Depois de um tempinho para pensar, aparentemente confiante na tolerância de sua mãe com sua raiva, busca uma reaproximação e vislumbra um jeito de "ajudar mamãe". Esse tipo de domínio da situação edípica nem sempre é possível. Quando a ambivalência permanece não resolvida, as fantasias edípicas em relação ao pai despertam inveja e competição com a mãe. Ao projetar sua raiva e seus impulsos edipianos em sua mãe, a menininha passa a vê-la como invejosa, hostil e desconfiada, querendo destruir qualquer tipo de relacionamento especial que tenha ou deseje ter com seu pai. Vínculos patológicos tornam-se evidentes quando o introjeto materno pré-edípico sádico se reorganiza ao redor de uma fantasia de mãe - bruxa ciumenta, possessiva, invejosa e malignamente destrutiva (Dahl, 1989). Essa é a dinâmica central da história de Eletra. Eletra passa a vida fixada em seu pai e planejando vingar-se da mãe odiada. Nessas situações a menininha poderá alcançar um desenvolvimento pósedipiano mas isso se dará às custas de um ódio intenso e persistente de sua mãe. Mesmo se lidar com esses sentimentos através da formação reativa, eles continuam contribuindo para um superego severo, crítico e punitivo. A contínua associação com o terror de ser abandonada ou rejeitada é uma motivação perene a um comportamento masoquista e submisso, já que a agressão se dirige para dentro. Tendo que monitorar constantemente se é aceita pelos outros, evita que se torne mais enérgica, positiva e competente em suas interações pessoais. Uma interpretação possível da historia de Perséfone serve de exemplo. Vítima de um homem dominador, Perséfone é seqüestrada e violada por Hades, o deus do inferno. Sua mãe, Deméter ficou furiosa, entrando em sofrimento quanto ao bem-estar de sua filha e desesperadamente deprimida com ter que separar-se dela. Como sabemos, para se vingar evitou que a vida na terra prosperasse. Finalmente, Zeus ordenou que Perséfone voltasse. Contam que, quando viu sua mãe, ela saiu da carruagem de Hades e saltou para abraçá-la. Deméter saudou o 54 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Amor e ódio, mãe e filha, crescendo como mulher retorno da filha devolvendo a vida à terra. Mas Perséfone não podia ficar sempre com sua mãe porque, pouco antes de sair dos infernos, Hades a persuadira a comer um pedaço de romã. Por ter consumido as sementes, símbolo da consumação de sua relação sexual, era obrigada a voltar durante um terço do ano aos infernos, como noiva de Hades. Apesar de o mito retratar vivamente a sexualidade e a tentação de Perséfone, seu dilema e conflito de lealdades, a tônica da narrativa de Homero recai sobre Deméter, a mãe. A ansiedade de Deméter relaciona-se à segurança de sua filha e sua perda é um luto doloroso. É tão enérgica com os deuses e sua vingança é tão poderosa que devolvem-lhe a filha. E Perséfone consola a mãe enlutada. Mas as negociações bem sucedidas de Deméter estão longe de ser positivas para Perséfone que é obrigada a fazer constantes viagens, dividindo-se entre a mãe e o marido. Mesmo que apresentada à sexualidade adulta, não pode completar a transição, deixando de ser criança para assumir uma relação madura e ter um relacionamento de amor com seu marido, pois não pode comprometer-se com ele. Não consegue resistir energicamente aos vínculos que sua mãe lhe exige. Perséfone transmite a imagem de uma mulher incapaz de ser dona da própria sexualidade ou agressão, ou de assumir a responsabilidade por suas ações. Portanto, mantém uma relação infantil passiva com um homem que vê como abusivo e com uma mãe que é retratada como tendo inveja da sexualidade de sua filha e de sua relação com o companheiro. Perséfone permanece uma personagem nebulosa sem uma presença clara e sem uma identidade bem definida, sempre sendo passivamente manipulada pela mãe ou pelo marido. Referências bibliográficas BLUM, H. (1976). Changing use of dreams in analytic practice: dreams, free association... Int. ]. Psychoanal, 57:315-324. CAMPBELL, A. (1993). Men, Women, and Aggression. New York: Basic Books. DAHL, E.K. (1989). Daughters and mothers: oedipal aspects of the witch-mother. Psychoanal. Study Child, 44:267-280. FREUD, S. (1926). Inhibitions, symptoms and anxiety. S.E., 20:??-??. GOLDINGS, H.J. (1974). Jump-rope rhymes and rhythm of latency development in girls. Psychoanal. Study Child, 44:267-280. GREEN, A. (1972). Aggression, femininity, paranóia and reality. Int. ]. Psychoanal., 205-212. JACOBSON, E. (1964). The Sclf and the Object World. New York: Int. Univ. Press, pp. 96-100. KAPLAN, D.M. (1976). Manifestations of aggression in latency and prelatency girl. Psychoanal. Study Child, 31:63-78. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "55 Phyllis Tyson MAHLER, M. (1981). Aggression re: separation-individuation: mother daughter... Psychoanal. Q., 50:625-638. NADELSON, C.C.;NOTMAN, M.;MILLER, J.B. and ZILBACH, J. (1982). Aggression in Women: Conceptual issues and clinical implications. In: The Woman Patient, C. Nadelson and M. Notman, eds. New York: Plenum Press, pp.17-28. Tradução de Cristina Heuser © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL 56 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 7000 Helen Keller: um enigma psicanalítico Robert L Tyson*, La Jolla, ESTADOS UNIDOS * Membro da Associação Psicanalítica Americana. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 57 Robert L. Tyson A vida extraordinária de Helen Keller pode ser chamada de um sucesso do desenvolvimento. Criança esperta e viva, foi acometida de uma doença febril grave, provavelmente a escarlatina, quando tinha dezenove meses de idade. Helen recuperouse, mas, depois disso, ficou permanentemente sem visão e audição e logo perdeu o poder de comunicação oral. Por vários anos, foi muito difícil controlá-la, com acessos de raiva repletos de gritos e comportamento imprevisível. Quando tinha seis anos de idade, sua família contratou Annie Sullivan como professora. Muita coisa tem sido escrita para descrever as extraordinárias mudanças dessa criança essencialmente selvagem que, mais tarde, formou-se cum lande no Radcliffe College aos 24 anos, tendo adquirido, entre outras habilidades, conhecimentos de latin, grego, alemão e francês (com a presença quase que constante de Annie Sullivan até a morte desta, cinqüenta anos mais tarde, em 1936). Como podemos explicar essa transformação espantosa de uma criatura selvagem, surda, cega e muda em uma mulher bem articulada, amplamente publicada e sofisticada? Como psicanalistas, desenvolvemos uma expertise considerável em delinear explicações de doença e desvio. Exploramos supostas obras da natureza ou utilizamos o entendimento de Freud do impacto das deficiências congênitas, como com Richard III (Freud, 1916) para compreender várias formas de psicopatologia. Não procuramos, com igual rigor, compreender sucessos notáveis diante de sérias adversidades, talvez porque haja algo mais fascinante sobre a psicopatologia e, além do que, como psicanalistas, confrontamo-nos com a doença com mais freqüência. Resiliência é um termo aplicado com freqüência para aqueles que saem-se bem apesar da adversidade (Fonagy, Steele et al., 1994), sem contribuir, porém, com a nossa compreensão de como ou porque isso acontece. Contudo, acredito que existem algumas pistas na vida de Helen Keller que contribuem para a nossa compreensão das complexidades do desenvolvimento humano e talvez, também, para o nosso entendimento de algumas das fontes da sua resiliência. Minha hipótese, em resumo, é que a calamidade da doença de Helen Keller rompeu profundamente o vínculo mãecriança, afetando profundamente, deste modo, os dois lados, mas que os fragmentos da memória inicial de Helen que persistiram, possibilitaram que ilhas de afeto que sobreviveram formassem uma ponte com um novo relacionamento que começou mais de quatro anos depois. A construção desta ponte restabeleceu o vínculo anterior, e muitas das funções do relacionamento mãe-criança, com uma pessoa que Helen chamava de "Professora". E, juntamente com o que deve ter sido uma dotação intelectual natural significativa, este novo relacionamento levou a um florescimento extraordinário. Para começar do início, que significa antes do seu nascimento, Helen era filha única de pais de classe média-alta que moravam na pequena vila de Tus- 58 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Helen Keller: um enigma psicanalítico cumbia, Alabama. Seu avô materno, originário da Nova Inglaterra, era General-deBrigada do Exército Confederado, no qual o pai de Helen, um sulista dedicado, era Capitão. A mãe de Helen, Kate, era uma moça sulista muito bonita e alegre, de Memphis, que achava o cenário rural isolado de Tuscumbia inóspito. Em 1878, aos vinte e dois anos, casou-se com um homem de quarenta e dois anos, com dois filhos de sua esposa anterior, a qual havia morrido apenas um ano antes. Houve dificuldades no casamento, em parte produto dos problemas financeiros que afligiram o Sul por muitos anos após a Guerra Civil. Na época em que Helen nasceu, em 1880, seus pais raramente falavam um com o outro, mas sua mãe era amorosamente atenciosa com ela e encantada com sua inteligência precoce e sua rápida capacidade de resposta. De acordo com o médico local da família, a doença trágica de Helen foi diagnosticada como "congestão aguda do estômago e cérebro". Quando ela se recuperou, sua mãe descobriu que sua amada criança estava surda e cega. De acordo com a lembrança de Helen, sua visão bastante pálida rapidamente desapareceu. Suas tentativas de falar cessaram, e pode-se apenas conjeturar sobre o desespero e a depressão de sua mãe. Como um psicanalista hoje responderia ao pedido de ajuda de Kate Keller naquele momento? Avaliando a situação, saberíamos que a mãe de Helen havia decidido casar-se por afronta (JL, p.45)1 e levou um choque ao descobrir que a vida em uma plantação de algodão perto de uma vila com uma só rua era bastante diferente do que era em Memphis, uma das cidades principais do Sul Confederado. Mantinhamna muito ocupada fazendo comida para a família, cultivando legumes, verduras e frutas, criando gado (DH, p.8)1, e fazendo sua própria manteiga, presunto e banha. Mantinha sua filha perto - pode-se conjeturar que isto era alguma compensação para as decepções no casamento de Kate com um homem com quem compartilhava poucos interesses, ou talvez nenhum. Até sua doença, Helen vivia com uma ama-seca em um chalé de duas peças perto da casa principal. Havia empregados para ajudar, uma vez que muitos ex-escravos permaneceram depois da Guerra Civil para trabalhar para seus antigos donos. Antes da doença, o temperamento de Helen era descrito como vivo, genioso, teimoso, feliz e carinhoso (JL, p.46). Ela caminhara com um ano de idade e tinha várias palavras, tais como "chá" e "aga", para água. Também usava bastante os gestos e fazia sinais para várias coisas (DH, p.13). É claro que, se pudéssemos entrevistar os pais de Helen, como fazemos hoje com os pais das crianças que são nossos pacientes, saberíamos uma quantidade muito maior de informações úteis. O que temos, creio eu, garante a conjetura de que o vínculo de Helen com sua mãe deve ser classificado como "seguro", de acordo com o esquema descrito por 1. "JL" refere-se a J.P. Lash (1980) e "DH" refere-se a D. Herrmann (1998). Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 59 Robert L. Tyson Mary Main (1993, p.217). O ambiente de Helen encaixava-se na descrição de Mary Ainsworth (1971) de uma criança criada em casa sem nenhuma experiência de uma separação importante da mãe que era sensível e respondia aos sinais e comunicações da criança. Estas condições permitiram que Helen mantivesse o nível necessário de intimidade ou "proximidade". Porém, o vínculo seguro de Helen com sua mãe deve ter sido, com certeza, profundamente rompido pela privação repentina e permanente da visão e do som de sua mãe. Uma aproximação desta situação pode ser encontrada em pesquisas sobre vínculo, referente ao que acontece quando a mãe é incapaz de resolver uma perda ou experiência traumática dela própria. Tais circunstâncias levam ao que tem sido descrito como "desorganização e/ou desorientação" no vínculo da criança (Ainsworth e Eichberg, 1991). Na família Keller, a mãe sofreu uma perda traumática da filha que conhecia, e a pequena Helen sofreu uma perda traumática da mãe que conhecia. Contudo, ao contrário daquelas crianças na categoria "desorganização/desorientação", as quais tinham medo das suas mães e não da situação externa (Main, 1993, p.222), Helen apegou-se a sua mãe enquanto seu comportamento tornou-se, progressivamente, mais destrutivo e menos apropriado às circunstâncias. A teoria da separação-individuação (Mahler et al., 1975; Mahler, 1979) fornece uma estrutura útil dentro da qual podemos ver o significado do desenvolvimento da doença de Helen aos dezenove meses, colocando-a em algum lugar no meio da sua fase de reaproximação. Antes da sua doença, o desenvolvimento do instinto e das relações objetais de Helen podem bem ter incluído algum grau de controle de esfíncter e os inícios sólidos da constância objetai (Mahler et al., 1975; Mc Devitt, 1975;1979), as quais, sob circunstâncias normais, teriam sido cruciais para a regulação do afeto da criança (P. Tyson, 1996). Podemos acrescentar a isto importantes realizações cognitivas concomitantes, tais como inteligência representacional, fala e jogo simbólico. É importante observar que Helen tinha alcançado estes marcos de desenvolvimento cognitivo e emocional antes da sua doença. Assim, suas deficiências sensoriais foram adquiridas como conseqüência da sua doença, não eram congênitas, fator crucial no seu desenvolvimento subseqüente (Fraiberg, 1977, p.7; Keller, 1958, pp.74-76). A partir das biografias de Helen Keller, ficamos sabendo que tinha bonecas a sua disposição, mas não encontrei nenhuma informação sobre como brincava, se sabia ir ao banheiro, ou sobre o seu relacionamento com seu pai antes da doença. A mãe de Helen é descrita como uma pessoa exigente, então, compreensivelmente, Helen já sabia ir ao banheiro na época de sua doença, embora seja muito provável que tenha perdido esta conquista com o início da doença e também por algum tempo daí em diante. Se fôssemos corajosos o bastante para oferecer sugestões para ajudar a família de Helen neste momento, enfatizaríamos a importância do contato conti- 60 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Helen Keller: um enigma psicanalítico nuado com mãe, pai e tudo o mais que fosse familiar a ela. Este conselho seria contrário aquele oferecido por alguns membros da família, os quais emitiram firmemente a opinião de que Helen deveria ser colocada em uma instituição, uma vez que seu comportamento tornava-se mais indisciplinado e agressivo, embora se apegasse a sua mãe. Descobriríamos que nosso conselho não havia ajudado, uma vez que a devotada mãe e seus empregados tentavam, persistentemente, ajudar Helen com as frustrações que pareciam, cada vez mais, causar acessos de raiva. Não há relatos sobre comportamento do tipo "terríveis dois anos de idade" antes da doença de Helen, mas os cinco anos subseqüentes pareciam uma repetição interminável de acessos e ataques imprevisíveis. No século dezenove havia pouquíssimos casos de pessoas surdas-cegas (DH, p.ll) que perderam estes sentidos quando bebês ou nos primeiros anos de infância. Aquelas que foram descritas tinham a fama de ter acessos e dirigir gritos, chutes, beliscões, pancadas e mordidas às outras pessoas, e isto era exatamente o que Helen fazia. "Ninguém tinha coragem de castigá-la. Ela... tiranizava o lar. Ela estraçalhava pratos e abajures, afundava suas mãos nos pratos de outras pessoas. [Uma vez] ela entrou como um raio na sala de visitas... e a beliscou [avó materna], perseguindo-a até saírem da sala. Helen não podia ver nem ouvir as reações das outras pessoas e não fazia idéia da dor que infligia. As lágrimas e recriminações de seus pais não tinham efeito com ela" (DH, pp.11-12). Quando Helen tinha cinco anos, sua mãe teve uma segunda criança, uma menina chamada Mildred. Uma vez, Helen virou o berço; sua mãe pegou o bebê antes que caísse no chão, prevenindo um possível dano que colocasse sua vida em perigo. Este ato de Helen foi atribuído ao seu ciúme hostil. Contudo, parece improvável que sofresse uma emoção tão complexa, que exige a capacidade cognitiva de lembrar e fantasiar interações interpessoais, dado o que podemos inferir do estado mental de Helen e daquilo que ela mesma descreve (Keller, 1927, pp.19-21). No lado positivo, havia sinais de que Helen ainda mantinha algum tipo de contato com o mundo que a cercava e que usava uma forma primitiva de comunicação. "Ela... inventou sinais para muitas coisas - na verdade, eram em número de sessenta. Se queria pão e manteiga, imitava os movimentos de cortar pão e passar manteiga. Uma vontade de comer sorvete era demonstrada pelo movimento de contornar a geladeira e de um pequeno tremor. Colocar óculos significava o seu pai. Prender o cabelo atrás da sua cabeça (ou colocar a mão contra o rosto) simbolizava sua mãe. Uma tia era representada por um amarrar de cordões de touca sob o queixo, e sua irmãzinha, por chupar os dedos. Aprendeu a utilidade de uma chave e trancou sua mãe na despensa (JL, p.47). A mãe de Helen era uma grande leitora e, em 1887, deparou-se com o livro American Notes (1842) de Charles Dickens, no qual ele descrevia uma menina Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "61 Robert L. Tyson que era surda e cega desde os dois anos por causa da escarlatina. Laura Bridgman foi a primeira pessoa afligida desta forma a quem ensinaram a comunicar-se. Uma tentativa anterior com uma menina de dezoito anos havia falhado. A instrução de Laura começou aos sete anos, sob a direção do Dr. Samuel Gridley Howe, o primeiro diretor da primeira escola para cegos nos Estados Unidos, a Perkins Institution and Massachusetts Asylum for the Bend, em Boston. Em uma visita a França, Howe ficou sabendo sobre o Alfabeto Manual de Uma Mão desenvolvido, na época medieval, por monges travistas espanhóis que viviam sob voto de silêncio. Ele e outras pessoas sob sua supervisão utilizaram este método para ensinar Laura Bridgman. Seu sucesso foi atribuído, pelo menos em parte, ao fato de que a instrução de Laura começou em uma idade anterior aos dezoito anos. Porém, Howe morreu mais de dez antes da doença de Helen, e Boston era longe do Alabama. Mas os feitos de Laura Bridgman ficaram na mente de Kate durante as tentativas dos Keller de encontrar uma solução médica para os problemas de Helen. Um médico de Baltimore confirmou que Helen estava permanentemente cega, e surda, mas sugeriu que os Keller consultassem um especialista em problemas de crianças surdas - Alexander Grahan Bell - que estava em Washington. A mãe de Bell era surda; sua esposa perdeu a audição aos cinco anos por causa da escarlatina, e sua invenção do telefone, cerca de uma década antes, havia sido inspirada, em parte, pela esperança de que pudesse servir como um parelho de surdez (DH, p.24). Bell achou que os Keller poderiam tentar levar uma professora para morar com eles e sugeriu que contatassem Michael Anagnos, que havia se casado com a filha mais velha de Howe e que foi seu sucessor como diretor da Perkins. Esta correspondência resultou na recomendação de Annie Sullivan, então com 20 anos, sendo ela própria parcialmente cega devido a danos causados por tracoma quando tinha pouca idade. Sua visão havia melhorado com cirurgia, de modo que podia ler e escrever. Ela havia sido uma alunaestrela na Perkins, havia passado algum tempo com a envelhecida e solitária Laura Bridgman, e entendia bastante dos métodos que Howe utilizou para educar Laura. Por experiência pessoal, Anagnos sabia que Annie era "tempestuosa, apaixonada, idealista, controvertida e extravagante, bem como brilhante e perseverante" (DH, p.26). Estes adjetivos não serviriam para descrever a pessoa ideal que um analista recomendaria para essa tarefa, mesmo se a idéia de se ter um(a) professor(a) morando em casa tivesse ocorrido ao nosso consultor hipotético. O caso de Laura Bridgman foi a única experiência deste tipo conhecida no país e, talvez, em qualquer lugar. Não havia escolas para cegos, com exceção da Perkins em Boston, e a mãe de Helen estava decidida a mantê-la em casa. Também não havia nenhum professor em outro lugar nos Estados Unidos, então, trazer um(a) professor(a) para casa era a única possibilidade. Os Keller acharam que tiveram 62 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Helen Keller: um enigma psicanalítico sorte por existir alguém disponível que era mulher, jovem, inteligente e que conhecia Laura Bridgman e sabia como fora ensinada. Tendo tomado estas providências, suponhamos que os pais pedissem novamente o conselho do nosso consultor. Desta vez querem saber a probabilidade dessa tentativa ter algum sucesso, e como pode ser o resultado. Até agora, nosso consultor está impressionado com a persistência dos pais, mas cautelosamente ressalta que existe apenas o caso de Laura Bridgman para ser considerado. Portanto, pode-se dizer apenas que há uma boa possibilidade de que Helen possa ser ensinada a se comunicar de alguma forma. Suas conquistas serão, provavelmente, bastante limitadas, mas suficientes para permitir que cuide da maior parte de suas necessidades diárias. Porém, este trabalho provavelmente levará vários anos. Annie Sullivan aceitou a oferta do pai de Helen, que era de 25 dólares por mês mais casa, comida e roupa lavada. Helen e Annie conheceram-se quando Helen tinha seis anos e nove meses; ela estava cega, surda e muda havia 5 anos e dois meses. Annie Sullivan tinha 20 anos, e a mãe de Helen tinha 30. O quanto Helen Keller era "selvagem" naquela época exatamente? Claramente, ela era agressiva por ocasiões e, às vezes, tais rompantes podiam ser atribuídos à frustração. Porém, ela havia desenvolvido uma forma rudimentar de comunicação. Além dos sinais que já mencionei, movimentava a cabeça para cima e para baixo para dizer "sim" e a virava para um lado e para o outro para dizer "não". Aos cinco anos, podia separar e dobrar a roupa após ter sido passada, e podia distinguir suas próprias roupas das dos outros (DH, pp. 12-13). Embora a confiabilidade de sua memória posterior acerca destes primeiros acontecimentos tenha sido questionada, Helen Keller escreveu: "Às vezes, eu ficava parada entre duas pessoas que estavam conversando e tocava seus lábios. Eu não podia entender o que diziam e ficava irritada. Eu movimentava meus lábios e gesticulava freneticamente sem resultado. Isto às vezes deixava-me tão braba que esperneava e gritava até ficar exausta" (DH, p.13). Podemos julgar, a partir desta amostra, que o desenvolvimento cognitivo de Helen, pelo menos, havia progredido significativamente desde a época de sua doença, porém não a um nível apropriado à idade. Quando Annie Sullivan chegou, Helen já havia demonstrado a capacidade de aprender, de distinguir o se//do não self e diferenciar, até certo ponto, as pessoas do seu ambiente, tais como mãe, pai e irmã. Era evidente, pelo seu apego ocasional, que tinha um tipo de vínculo emocional, pelo menos com sua mãe. Porém, relatos sobre suas expressões faciais naquela época enfatizam uma falta de afeto aparente. Alexander Grahan Bell, por exemplo, registrou que seu rosto era "friamente vazio" (DH, p.25). Mas as lembranças da própria Helen sobre o seu encontro com Bell eram de um afeto terno por um homem grande que parecia compreensivo e responsi- Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 -63 Robert L. Tyson vo e que a fascinou por permitir que ela sentisse as vibrações do seu relógio de bolso enquanto este soava a hora (DH, p.24). Esta discrepância deve prevenir-nos contra assumir, automaticamente, que a expressão facial é um indicador infalível da experiência interna (Emde et al, 1976, Tomkins, 1981; Tyson & Tyson, 1990, p.150). A fim de compreender melhor o perfil de desenvolvimento de Helen Keller quando Annie Sullivan chegou em Tuscumbia, um exame da sua habilidade de experimentar autoconsciência é útil. A informação bibliográfica e sua próprias recordações deixam claro que a habilidade para distinguir o self do não self é significativamente diferente da capacidade de autoconsciência ou consciência do self Em uma discussão das capacidades cognitivas de Helen Keller, Dahl (1965) dá uma atenção considerável à descrição de Keller do advento da autoconsciência essencialmente no mesmo momento que experimentou o "insight" do processo secundário de que as palavras representavam as coisas no mundo externo. Como ele descreveu, aquelas memórias, que mais tarde tornaram-se organizadas em uma noção de self, são inicialmente estimuladas por fontes sobre as quais a pessoa não tem controle e que, portanto, ainda não são coesas. A conquista cognitiva de Helen, de um novo nível de pensamento abstrato - de que as palavras representam conceitos (objetos da percepção) e não apenas objetos particulares - trouxe com ela uma organização interna que forneceu uma nova habilidade para controlar e ordenar estímulos externos. Dahl refere-se à experiência pseudo-alucinatória do gosto, temperatura e textura do sorvete, descrita pela própria Helen, que a levou a fazer os sinais que indicavam seu desejo de comer sorvete. Porém, assim que aprendeu a palavra para sorvete, nunca mais teve aquelas experiências sensoriais. Dahl afirma: "É difícil deixar de imaginar que o passo crucial que levava às novas conexões exigia um monitoramento do pensamento interno, por mais breve que fosse" (p.544). Desta forma, todas aquelas experiências que fizeram parte do estabelecimento da distinção se//-objeto agora eram usadas em uma experiência do self e do outro enfatizada de forma nova, com uma concomitante e intensificada consciência de ambos - uma expansão significativa da realidade psíquica da criança. Esta transição excitante trouxe também mudanças significativas de comportamento, de atitude, e de relacionamento, as quais voltarei a mencionar. Como era a realidade psíquica para Helen Keller antes desta mudança significativa? Alguns trabalhos recentes (Fonagy e Target, 1996; Target e Fonagy, 1996) examinaram o que se quer dizer com realidade psíquica e como o termo é usado, começando com o uso coloquial que significa experiência subjetiva influenciada por processos inconscientes. Talvez, a melhor forma de estabelecer o cenário para este tópico seja ouvir a própria Helen Keller, que escreveu o seguinte aos vinte e poucos anos: "Antes de minha professora chegar até mim, eu não 64 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Helen Keller: um enigma psicanalítico sabia que eu era eu. Vivia em um mundo que era um não-mundo. Não posso ter a esperança de descrever adequadamente aquela época inconsciente, porém consciente, de nada. Eu não sabia que sabia algo, ou que eu vivia, agia ou desejava. Não tinha vontade ou intelecto. Era levada a objetos e ações por um certo ímpeto cego natural. Tinha uma mente que fazia com que sentisse raiva, satisfação, desejo. Estes dois fatos levavam aqueles que me cercavam a supor que eu tinha vontade e pensava. Posso lembrar de tudo isso, não porque sabia que era assim, mas porque tenho memória precisa. Ela me permite lembrar que nunca contraí minha testa no ato de pensar. Nunca via alguma coisa de antemão e a escolhia. Também lembro, tatilmente, do fato de que nunca senti que amava ou importava-me com alguma coisa através de um estremecimento do corpo ou de um bater do coração. Minha vida interior, então, era medíocre, sem passado, presente ou futuro, sem esperança ou expectativa, sem admiração, alegria ou fé" (1909). A partir de suas próprias palavras, podemos inferir que a autoconsciência era rudimentar, na melhor das hipóteses, e que, antes da influência da professora, o nível de pensamento de Helen havia progredido um pouco além daquele de 19 meses, atingindo o Estágio 4 de Edgcumbe da linha de desenvolvimento de aquisição da linguagem (Edgcumbe, 1981). Neste estágio, a compreensão da criança é consideravelmente maior do que a habilidade de usar palavras e frases - a linguagem receptiva é muito maior do que a linguagem expressiva. Por volta dos 15 meses, "não" é usado para parar as próprias ações da criança, embora, na maior parte das vezes, na presença de um adulto. Aos dezoito meses a criança repete palavras proeminentes, e, aos 24 meses, tem um vocabulário de 50 palavras e pode formar frases simples. Os gestos de Helen eram usados por ela como sinais para indicar suas vontades, seu desprazer ou satisfação, enquanto que sua raiva era expressa sob a forma mais rudimentar de tempestades de fúria destrutiva. Sua abrangência um tanto elaborada de sinais sugere que ela progrediu da equivalência simbólica para um nível primário de representação simbólica (Edgcumbe, 1984), uma capacidade que é necessária para a utilização de palavras na fala. Estes sinais foram criados por ela mesma em resposta à pressão das suas necessidades e em resposta a algum reconhecimento de que havia outros lá fora que podiam e respondiam com freqüência suficiente para reforçar sua linguagem de sinais. Ao mesmo tempo que Keller não aperfeiçoou sua habilidade de reconhecer e distinguir os outros no seu ambiente, há informações paralelas de que ela fez isso. O que podemos inferir que ela não podia fazer era ser auto-reflexiva, auto-observadora ou transmitir afetos através de sinais. Podemos conjeturar que ela não tinha alcançado um nível de constância objetai libidinal apropriado para a idade, embora não existam informações sobre suas reações em relação a separações. Considerando as circunstâncias, pode ter sido pelo fato de que sua mãe nunca esteve ausente e de que Helen sabia sempre onde e como Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 65 Robert L. Tyson encontrá-la. Contudo, Annie, na verdade, registrou uma reação de Helen a uma separação forçada de sua mãe quando ela e sua professora mudaram-se da casa principal para um chalé próximo. Annie insistiu que a família poderia visitá-las em silêncio todos os dias, desde que não desse indicação da sua presença. Annie também rearrumou toda a mobília a fim de dar a Helen a impressão de que estava em um ambiente totalmente novo. De outra forma, Helen rapidamente teria achado seu caminho de volta à casa principal e escapado da influência de Annie. Um certo dia, após a mudança para o chalé, Annie escreve: "Ela ficava indo até a porta, como se esperasse alguém, e, de vez em quando, tocava suas bochechas, que é o seu sinal para sua mãe, e sacudia a cabeça tristemente. Ela brincava com suas bonecas mais do que o normal, e não tinha nada para fazer comigo" (DH, p.44). Considerando a violência das reações que Helen normalmente apresentava frente à frustração, esta descrição sugere que Annie Sullivan já estava desempenhando muitas das funções que a mãe de Helen desempenhava para ela, e que estava gradativamente substituindo sua mãe na mente de Helen. Em termos de habilidades para brincar, no sentido de que as ações da criança denotam um modo de faz-de-conta de experiência, é tentador entender alguns gestos de Helen desta maneira. Por exemplo, o fato de fazer sinais para indicar pai, mãe ou irmãzinha poderia ser tomado como uma forma primitiva de brincadeira, embora possa ter sido uma forma primitiva de dar nomes, apenas uma etapa acima da ação de apontar de uma criança com visão. Aceita-se, normalmente, que a brincadeira é acompanhada por alguma forma de pensamento talvez simplificada para uma criança muito pequena, com cerca de dois anos, se algum adulto estiver presente para fornecer uma estrutura e proteção necessárias (Fonagy e Target, 1996, p.220). Para as crianças com visão, ou até mesmo para as crianças cegas mas que têm audição, a consciência da outra pessoa através da visão ou do som servirá, mas, no caso de Helen, provavelmente ela precisava do sentimento ou toque real de uma outra pessoa para saber que ele ou ela estava presente. A partir de descrições do comportamento de Helen e de suas próprias palavras, parece provável que ela não tenha atingido aquele ponto, no desenvolvimento da realidade psíquica, que é caracterizado pela consciência da existência de outras mentes, com outras intenções, ou mesmo de sua própria mente e intenções. Na verdade, pode bem ser que ela não tivesse verdadeiras intenções próprias no sentido de um desejo formado seguido por um comportamento organizado direcionado a um objetivo, exceto pela aproximação na forma do desejo imediato ocasional. No curso normal do desenvolvimento, Fonagy e Target (1996) e Gopnik (1993) sustentam que um modo reflexivo ou "de mentalização" de realidade psíquica é estabelecido aos quatro anos de idade. Qual é o ingrediente que está 66 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Helen Keller: um enigma psicanalítico faltando aqui? Uma criança com visão porém surda, ou uma criança surda mas com visão, atingirá estes marcos na brincadeira e na autoconsciência. O que é novamente conduzido por estes caminhos que não estava disponível para Helen Keller até Annie Sullivan assumir o comando de sua vida? Correndo o risco da super simplificação, sugiro que o que é crucial é aquilo a que Fonagy e Target se referem como "uma perspectiva dialética do autodesenvolvimento", uma experiência intersubjetiva que está em andamento, na qual "a internalização do self pensante [ocorre] a partir de dentro do objeto continente (1996, p.231). Sob esta perspectiva, Annie Sullivan tornou-se o "objeto continente" para Helen, que estava completamente pronta para esta próxima etapa. Em termos mais gerais, Annie Sullivan proporcionava o meio para o estabelecimento de um relacionamento objetai novo e diferente, dentro do qual laços afetivos antigos eram transferidos e, então, um vínculo libidinal-emocional novo e mais complexo e um progresso cognitivo novo surgiam. Ela também proporcionava, consistentemente, um clima típico dos pais adoção de significado, o qual fornece a base na qual a criança aprende o significado (R.L. Tyson, 1986). Target e Fonagy (1996) colocam desta forma: "Inconsciente e universalmente, aquele que prove cuidados imputa um estado mental à criança com o seu comportamento, isto é gradativa-mente internalizado pela criança, e constrói os alicerces de um sentido essencial de selfhood mental" (p.461). A evidência, embora escassa, sugere que há um período crítico para crianças como estas, e que a idade de 6 ou 7 anos está dentro desse período, mas que a de 17-18 já o ultrapassou. A chegada de Annie Sullivan à casa dos Keller foi descrita pela futura professora em termos que demonstram sua sensibilidade em relação ao estado da mente de Helen, do modo como estava, e dão algumas pistas sobre as semanas decisivas que se seguiram. Isto é melhor avaliado considerando-se algumas informações adicionais sobre a própria Annie Sullivan. Annie chegou a Perkins aos 14 anos, em 1880, no mesmo ano em que Helen Keller nasceu. Por alguns anos, ela esteve na Massachusetts Almshouse2 (Tewksbury), da qual livrou-se pelo fato de implorar que fosse mandada para a escola. Na Perkins, rapidamente tornou-se conhecida como Srta. Spitfire3 por causa da sua volubilidade e seu oposicionismo. Por exemplo, na aula de história, declarou que Thomas Jefferson era um hipócrita. Quando o professor, chocado, perguntou por que ela havia dito tal coisa, respondeu: "Porque ele escreveu a Declaração de Independência e manteve escravos (JL, p.28). Porém, alguns professores da Perkins reconheceram sua inteligência superior e, após alguns anos, ela até mesmo ajudava, ensinando, para alunos mais jovens, matérias como história grega através de maneiras que tornavam seus alunos interessados (JL, p.35). Veio 2. O termo "almshouse" significa "casa de caridade". (N. do T.) 3. O termo "spitfire" significa "pessoa irascível, de pavio curto". (N. do T.) Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 -67 Robert L. Tyson a conhecer Laura Bridgman, com seus cinqüenta e poucos anos na época, que vivia permanentemente na escola; Annie aprendeu o alfabeto manual e tornou-se uma das pessoas que podia se comunicar com Laura. Mas ela não queria lecionar (JL, p.39) e não conseguia se sustentar depois de formar-se na Perkins, até que Anagnos, respondendo ao pedido dos Keller, uniu-os a Annie. Annie estava interessada neste desafio, mas, antes de sentir que estava pronta, passou cerca de seis meses estudando o caso de Laura Bridgman, os métodos bem documentados através dos quais havia sido ensinada e o que era conhecido, na época, sobre desenvolvimento mental (JL, p.49). Helen e Annie encontraram-se pela primeira vez no momento em que Annie chegou à casa, em 3 de março de 1887. Menininhas civilizadas deveriam responder ao cumprimento de uma dama retribuindo um abraço e um beijo, mas Helen esforçou-se para soltar-se e, em vez disso, rapidamente apalpou todo o rosto e o vestido da recém chegada. Insistiu em abrir a bolsa de Annie imediatamente. Como Annie descreveu a cena em cartas a um professor na Perkins, Kate Keller tirou a bolsa de Helen, que começou a ter um acesso de raiva. Annie pegou a mão de Helen, colocou-a sobre seu relógio e mostrou-lhe que, apertando uma mola, o relógio abriria; o acesso parou imediatamente no momento em que o interesse de Helen foi estimulado. Helen seguiu Annie escada acima até seu quarto, onde explorou os conteúdos da bolsa de Annie, levando a mão à boca e sacudindo sua cabeça, uma vez que não encontrou nada interessante. Annie, então, levou Helen até um baú que havia no corredor e, usando os sinais de Helen, indicou que ela também tinha um baú com alguma coisa boa para comer dentro. Helen correu para sua mãe para repetir o que havia descoberto, utilizando os mesmos sinais (JL, pp.50-51). E, a partir daquela mesma tarde, Annie continuamente escrevia na palma da mão de Helen as letras de vários objetos, embora não houvesse resposta que indicasse que Helen estava ciente de uma conecção entre o escrito na palma e os objetos. Annie havia conhecido alguém tão cabeça dura quanto ela. Na manhã seguinte, elas entraram em um conflito que Annie descreveu como sendo necessária para estabelecer o que chamava de disciplina, controle e obediência razoável. A família, muito contrariada, deixou a sala de jantar a pedido de Annie, e então ela trancou a porta e continuou com seu próprio café da manhã enquanto Helen estava deitada no chão gritando e esperneando. Quando Helen, subseqüentemente, beliscou Annie, esta deu um tapa nela, "... e eu dava um tapa nela cada vez que ela fazia isso" (DH, p.43). Isto continuou por algumas horas, no final das quais Helen havia comido o seu desjejum com uma colher e dobrado seu guardanapo, e Annie estava exausta. Os constantes conflitos - dia e noite - aborreciam a família, que era motivada a interferir, um problema que foi resolvido, em sua maior parte, quando concordaram que Helen e Annie poderiam morar sozi- 68 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Helen Keller: um enigma psicanalítico nhas no chalé próximo. Elas dividiam a mesma cama - um grau de proximidade que Helen consentiu na primeira noite apenas após um conflito de duas horas (DH, p.43). A família podia visitá-la todos os dias, mas não podia deixar que Helen soubesse de sua presença (DH, p.43) Dez dias depois da chegada de Annie, Helen podia repetir a escrita de várias palavras, mas ainda não havia sinal de conexão na sua mente entre os escritos e os objetos que significavam. Em uma carta no décimo dia, Annie escreveu: "Helen adora demais brincar ao ar livre e ri e se diverte com os negrinhos como se tivesse todos os sentidos" (JL, p.52). Trinta e quatro dias após a chegada de Annie, em 5 de abril de 1887, ocorreu um momento dramático de "insight" celebrado em uma peça da Broadway e em um filme, The Miracle Worker4. Na bomba do poço entre a casa principal e o chalé, Annie aproveitou a oportunidade para esclarecer a confusão de Helen entre substantivos e verbos, entre "caneco", "leite" e "beber". O insight ocorreu quando Annie colocou a mão de Helen, que estava segurando um caneco, no fluxo de água e escreveu "água" em uma das suas mãos enquanto a água vertia sobre a outra. O espanto que isto causou em Helen foi seguido por sua corrida para lá e para cá a fim de dar nomes às coisas e às ações, e, em algumas horas, ela havia aprendido mais de trinta palavras novas. Aconteceu que Helen tinha uma memória prodigiosa e tornou-se muito ativa em "absorver" informações, em um ritmo muito alto (DH, pp.45-46). Em junho, a tensão da interação altamente pressionada e quase que contínua estava fatigando as duas. Annie descreveu que passava oito horas por dia com Helen, além das refeições. Se ela não "conversasse" com Helen como fazia quase que continuamente, Helen escrevia na própria mão mantendo conversas animadas consigo mesma (JL, p.58). A escrita que Annie fazia na palma de Helen não era uma palavra de cada vez, mas era um fluxo persistente de escrita de palavras em frases completas. Estava convencida de que Helen iria aprender a linguagem exatamente como uma criancinha faz, isto é, aprender a linguagem além das palavras apenas, estando exposta a frases completas o tempo todo, não apenas a palavras separadas, uma por vez. Através das intervenções de Annie Sullivan, Helen Keller alcançou a habilidade de entender e comunicar a linguagem, uma consciência de si mesma e dos seus próprios estados emocionais, e uma consciência da existência de outras mentes, com seus próprios desejos e sentimentos, distintos dos seus próprios. O contato persistente e consistente de Annie, momento a momento com Helen, à força, restabeleceu os elementos cruciais da estrutura mãe-criança rompidos pela doença de Helen aos dezenove meses. Mais uma vez, havia alguém lendo o estado mental de Helen consistente4. Filme que recebeu o Oscar em duas categorias na cerimônia de 1962/63 e foi exibido no Brasil com o título "0 Milagre de Annie Sullivan". (N. do T.) Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 69 Robert L. Tyson mente e, progressivamente, de forma mais precisa, respondendo apropriadamente. Aquilo que Annie descreveu como a "obediência" de Helen era, sem dúvida, sua resposta inicial à "trajetória" de Annie, que refletiu de volta no próprio estado da mente de Annie como a descrição de Winnicott (1956) do surgimento do sentido do se//da criança no relacionamento mãe-criança. Com estas conquistas, vieram ansiedades, bem como outros efeitos para os quais não havia evidência anterior. Para colocar isto de outra maneira, o desenvolvimento afetivo avançou do nível de poucos afetos rudimentares experimentados e expressos fisicamente (brincadeira com diversão, acessos de raiva, satisfação) para a diferenciação de muitos afetos, incluindo ansiedade, algumas vezes expressa fisicamente mas, aos poucos, mais verbal através do alfabeto manual. Este progresso pode ser conceituado, nos termos propostos por Fonagy et al. (1993), como uma mudança do se//pré-reflexivo ou físico ao se//reflexivo ou psicológico. O primeiro é baseado em características físicas e a categorização de outras pessoas é feita com base nas percepções concretas das suas ações. O último, um estado mais complexo e de evolução mais lenta, é baseado em interações complexas entre o self e o outro, constando também sentimentos, expressões e pensamentos reflexivos sobre elas. Em termos mahlerianos, seu começo é marcado por sinais iniciais da intenção de reaproximação. Ao encerrar, quero reconhecer que posso não ter respondido completamente a pergunta de como foi possível para essa menininha cega, surda e muda, mas não burra com certeza, tornar-se a mulher articulada e sofisticada que foi. Porém, realmente acho e espero que tenha indicado as áreas principais nas quais o entendimento psicanalítico pode contribuir para a solução, e que tenha delineado alguns dos seus segmentos nesta apresentação. Referências bibliográficas AINSWORTH, M.D.S., Bell, S.M. & Stayton, D. J. (1971). Individual differences in strange-situation behavior of one-year-olds. In: The Origins of Human Social Relations, ed. H.R. Schaffer. New York: Academic Press. AINSWORTH, M.D.S., & Eichberg, C. (1991). Effects on infant-mother attachment of mother's unresolved loss of an attachment figure, or other traumatic experience. In: Attachment Across the Life Cycle, eds. CM. Parkes, J. Stevenson-Hinde, and P. Marris. New York: Routledge, pp.160-183. DAHL, Hartvig (1965). Observations on a "natural experiment": Helen Keller. /. Amer. Psychoanal. Assn.,13:533-550. DICKENS, C. (1842). American Notes for General Circulation. London: Chapman and Hill, two volumes. Vol. I, pp.75-104. EDGCUMBE, R. M. (1981). Toward a developmental line for the acquisition of language. Psychoanal. Study Child, 36:71-103. 70 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Helen Keller: um enigma psicanalítico EDGCUMBE, R.M. (1984). The development of symbolization. Bull, Hampstead Clin., 7:105-126. EMDE, R.N., Gaensbauer, T, and Harmon, RJ. (1976). Emotional Expression in Infancy: A Biobehavioral Study. Psychological Issues, Monograph 37, New York: International Universities press. FONAGY, R; STEELE, M; STEELE, H.; HIGGITT, A.; TARGET, M. (1994). The theory and practice of resilence. /. Child Psychol. Psychiat., 35:231-257. FONAGY, P. & TARGET, M. (1996). Playing with reality: I. Theory of mind and the normal development of psychic reality. Int. ]. Psychoanal., 77:217-233. FRAIBERG, Selma (1977). [nsights From the Blind. New York: Basic Books. FREUD, S. (1916). Some character-types met with in psycho-analytic work. S.E. 14:311-315. GOPNIK, A. (1993). How we know our minds: the illusion of first person knowledge of intentionality. Behav. & Brain Sci., 16:1-14. HERRMANN, D. (1998). Helen Keller. New York: Knopf. KEELER, W. R. (1958). Autistic patterns and defective communication in blind children with retrolental fibroplasia. In: Psychopathology of Communication. New York: Grune and Stratton, pp.64-83. KELLER, H. (1909). The World I Live In, Ch. XI. New York: The Century Co., pp.113-121. KELLER, H. (1927). Light in My Darkness, rev. and ed. Ray Silverman. Westchester, PA: Chrysalis Books, 1994. LASH, J.P. (1980). Helen and Teacher. Reading, MA: addison-Wesley. MAHLER, M. S. (1979). The Selected Papers of Margaret S. Mahler, Vol. II. New York: Aronson. MAHLER, M.S.; PINE, F, and BERGMAN, A. (1975). The Psychological Birth of the Human Infant. New York: Basic Books. MAIN, Mary (1993). Discourse, prediction, and recent studies in attachment: Implications for psychoanalysis. /. Amer. Psychoanal. Assn., 41Suppl: 209-244. MCDEVITT, J. (1975) Separation-individuation and object constancy. /. Amer. Psychoanal. Assn., 23:713-742. MCDEVITT, J. (1979). The role of internalization in the development of object relations during the separation-individuation phase. J. Amer. Psychoanal. Assn., 27:327-343. TARGET, M. & Fonagy, P. (1996). Playing with reality: II. The development of psychic reality from a theoretical perspective. Int. }. Psychoanal., 77:459-479. TOMKINS, S. S. (1981). The quest for primary motives: Biography and autobiography of an idea. ]. Personal. Soc.. Psychol., 41:306-329. TYSON, P. (1996). Object relations, affect management, and psychic structure formation: The concept of object. Psychoanal. Study Child, 51:172-189. TYSON, P. & Tyson, R.L. (1990). Teorias Psicoanalíticas Del Desarrollo: Una Integración. Lima, Perú: Publicaciones Psicoanalíticas. TYSON, R. L. (1986). The roots of psychopathology and our theories of development. /. Amer. Acad. Child Psychiat., 25:12-22. Tradução de Gisele Braga © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 71 O lugar da sexualidade infantil na cultura contemporânea Daniel Widlõcher*, Paris, FRANÇA * Membro da Associação Psicanalítica Francesa. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 73 Daniel Widlöcher Todos conhecem a anedota que Freud relata nas primeiras páginas de Sobre a história do movimento psicanalítico (Zür Geschichte des Psychoanalytischen Bewegung-GW, X, p.44-113). Em Paris numa recepção noturna na casa de Charcot, ele se encontra perto do "venerado mestre" e ouve-o falar a respeito de um caso com seu colega Brouardel. A conversa capta sua atenção; Charcot a conclui com entusiasmo: "Mas em casos semelhantes é sempre a coisa genital, sempre...sempre...sempre". E ao dizer isso, acrescenta Freud, Charcot "cruzou as mãos sobre sua barriga, saltitando várias vezes com a vivacidade que lhe era peculiar", Freud cai numa surpresa quase paralisante e se diz: "Mas se ele o sabe porque não o diz jamais"? O que aconteceu ao papel da coisa genital depois de mais de um século de psicanálise? Ao longo de toda sua obra, Freud voltará sem cessar a respeito daquilo que ele considera ser uma das principais descobertas da psicanálise, a existência da sexualidade infantil, seu papel na sexualidade do adulto, na vida psíquica em geral e na cultura. Ao longo do seu trabalho, ele voltará também sobre a idéia de que esta descoberta é, juntamente àquela do inconsciente (as duas estando intimamente ligadas), uma das principais fontes da resistência à psicanálise. Desde 1905, na primeira edição dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud salienta, a respeito das aberrações sexuais, que a sexualidade permanece o ponto cego (der schwacher Punct), do desenvolvimento cultural humano (GW,V, p.48). Cada vez que as resistências opostas à psicanálise são mencionadas (e elas o são de uma maneira constante ao longo de toda sua obra), o papel da sexualidade é citado, e o que acontece mais seguidamente é a retomada da acusação de pansexualismo. Não se trata tão somente de críticas advindas do meio médico, nem mesmo mais amplamente do meio científico, mas da rejeição por parte da opinião pública em geral de elementos que mobilizam resistências distintas das puramente intelectuais. Tratam-se dos efeitos sobre as paixões dos homens e não somente sobre a opinião dos sábios, e, em primeiríssimo lugar, da importância atribuída às pulsões sexuais, que alimentam essas resistências. "A cultura humana se baseia em dois fundamentos", diz Freud em As resistências contra a psicanálise (GW, XIV, p.106), "uma é a dominação das forças da natureza, a outra, a limitação de nossas pulsões. Escravos acorrentados levam o trono da soberana. Entre os componentes pulsionais tornados, dessa forma, úteis, aqueles das pulsões sexuais - no sentido estrito - prevalecem pela força e pela selvageria. Que desgraça se elas fossem liberadas: o trono seria derrubado, a soberana desprezada. A sociedade sabe disso mas não quer que toquemos nesse assunto". Este tema reaparecerá em termos semelhantes, tanto nas Conferências quanto nas Novas Conferências, bem como em outros textos. Como se encontra hoje a questão? Há muito tempo que nossa sociedade relegou essas resistências às masmorras. A liberação dos costumes sexuais 74 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 O lugar da sexualidade infantil na cultura contemporânea terminou com os ataques puritanos contra a psicanálise. A idéia de que a sexualidade desempenha um papel determinante nas neuroses e na vida psíquica inconsciente não é mais uma novidade revoltante, ou no mínimo, surpreendente. A resistência não se procura mais aí. Ao contrário, trata-se, sobretudo, de uma teoria envelhecida. O pansexualismo de Freud? Há muito tempo que a sociedade contemporânea fez a triagem das coisas. O sexo, em toda parte, por que não? Mas o que Freud queria dizer, mais precisamente? A anedota do salão de Charcot, acima relatada, hoje faz rir. A cultura contemporânea nos mostra isso: a sexualidade se encontra em toda parte, ela mostra-se sem reservas. Mas, na verdade, que tinha de tão original a teoria de Freud? E se a repressão da sexualidade tivesse um papel na gênese das neuroses, que sobraria quando esta repressão desaparecesse? É verdade que as assertivas de Freud dão lugar a uma tal crítica. Ao denunciar o caráter repressivo da moral sexual, em geral, Freud corria o risco de tomar como resistência de fundo à psicanálise o que não passava de um fato social sob a dependência de uma história e de uma cultura dadas. Um outro ponto fraco da argumentação de Freud foi o de que ele sempre se referiu à sexualidade de uma maneira geral, cada vez que ele considerou seu efeito de resistência, sem fazer a distinção entre sexualidade infantil e adulta. Sua preocupação foi sempre a de reuni-las numa disposição instintual única, a primeira anunciando e preparando a outra, isto na dupla finalidade de marcar a influência de uma sobre a outra, e de sublinhar igualmente a natureza sexual da primeira. Podemo-nos hoje perguntar que lugar ocupa, na cultura contemporânea, a sexualidade infantil que, repetimos, é certamente o objeto de uma descoberta específica da psicanálise. Estaríamos tentados a responder a esta pergunta da mesma maneira que o fazemos quando se trata da sexualidade em geral. A idéia de uma sexualidade própria à infância, pré-sexual, como escreveu Freud, não levanta mais reservas. Todos estão de acordo para ver agora uma dimensão erótica na sucção ávida do seio, ou nos jogos da analidade. A sexualidade infantil pré-genital sob a forma de suas etapas sucessivas de desenvolvimento tornou-se uma realidade, da mesma forma que o desenvolvimento da linguagem. Divertimo-nos com essas condutas "eróticas" como uma tentativa prematura, uma sexualidade que não deveríamos levar a sério. A descrição canônica da fase fálica com a dualidade que instaura a diferença biológica dos sexos, a problemática fálica permitindo que se diferencie as posições feminina e masculina, parecem, seguramente, um modelo contestado, mas é para que se lhe substitua uma especificidade feminina mais acentuada. Isto não altera em nada a visão global de vim esboço das posições sexuais da idade adulta de cada um, hoje em dia, encontra-se aí no seu posicionamento de homem ou de mulher. Em suma, os Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "75 Daniel Widlõcher debates visam a simetria das posições próprias às moças e aos rapazes, mas não colocam em dúvida sua origem na infância. Em relação à triangulação edipiana, há muito tempo ela une-se à imagem de um mito, de uma comédia - quando não de uma tragédia- colocando em cena a criança e seus pais. A criança jogaria nos seus fantasmas, seus jogos e sua relação para com seus pais, um cenário de rivalidade amorosa que sancionaria a repressão vinda da interdição parental. Em resumo, o mito social tomou o lugar do vivido individual. Projeta-se sobre a subjetividade da criança o cenário de um teatro de variedades (vaudeville). Parece-me aqui importante sublinhar que a fantasmática infantil, retomada naquela do adulto, é aqui reduzida aos cenários interpessoais que vêm da fantasmática e do imaginário coletivos dos adultos. Não é mais a sexualidade infantil que traz uma nova luz à sexualidade dos adultos mas, é esta última que ilustra, através de suas dimensões perversas, a sexualidade infantil. Eu gostaria de propor aqui que nos desvencilhássemos deste "adultomorfismo" graças ao qual a cultura contemporânea acredita ter assimilado a teoria da sexualidade infantil, e mostrar como esta última deve ser apreendida na sua própria especificidade e não como uma imagem da prefiguração da sexualidade do adulto. A sexualidade infantil não é uma sexualidade prematura No artigo publicado em 1932 "Confusão de língua entre adultos e crianças", Ferenczi (1961) opõe a linguagem da ternura da criança àquela da paixão do adulto. É esta incompreensão mútua que, além de toda violência física, imprime uma dimensão traumática à provocação sexual do adulto. A criança não pode dar sentido à linguagem sexual deste último. Mas se a paixão implica uma conotação de violência, e a ternura uma idéia de inocência, isso seria ater-se a uma visão muito simplista do sentido comum, que é o de assimilar ternura à inocência. De que inocência se trataria quando a grande descoberta da psicanálise, aquela que permanece ainda hoje a fonte de todas as rejeições, é mesmo a da sexualidade infantil? "Um adulto e uma criança se amam" escreve Ferenczi (op. cit.); "a criança tem fantasmas lúdicos, ou seja, aquele de ocupar um papel maternal em relação ao adulto. Este jogo pode tomar uma forma erótica, mas ele permanece, no entanto, ao nível da ternura". É um fantasma que exprime uma identificação sexual à mãe que seria a fonte da sedução "inocente" exercida pela criança. O termo de ternura está aí para dar conta do fato de que a criança elabora uma fantasmática sexual ao identificar-se com o adulto. É através desse processo que ela 76 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 O lugar da sexualidade infantil na cultura contemporânea está apta a sentir uma forma de amor objetai. Cria-se uma verdadeira clivagem entre o fantasma sexual infantil e o amor terno que a criança sente por seus pais. É de uma maneira lúdica que a sexualidade infantil se inscreve na vida psíquica da criança. "É assim, acrescenta Ferenczi, que quase todas as crianças sonham em usurpar o lugar do pai/mãe do sexo oposto. Isto, vejamo-lo bem, somente enquanto imaginação; ao nível da realidade, eles não quereriam e não poderiam abrir mão da ternura, sobretudo da ternura materna". Na subjetividade da criança, a violência é o resultado da "autoridade esmagadora" do adulto. Os efeitos traumáticos agravar-se-ão na medida em que um processo de introjeção coloca o agressor, não mais na realidade exterior, mas no mundo intra-psíquico da criança. Se os adultos se entregam a comportamentos sexuais é na medida em que eles próprios se enganam e confundem o jogo clivado da sexualidade infantil com a sua própria sexualidade: "eles confundem os jogos das crianças com os desejos de uma pessoa tendo atingido uma maturidade sexual, e deixam-se levar a atos sexuais sem pensar nas conseqüências". Na criança imatura e inocente, existe então um "enxerto prematuro de um amor passional", entendamos aqui genital, mas este último é induzido pela incompreensão do adulto a respeito desta dimensão lúdica da sexualidade infantil, aquilo que Ferenczi chama num postscriptum "a ternura do erotismo infantil". Este desconhecimento da linguagem da sexualidade infantil no adulto não se aplica somente aos casos patológicos e aos sujeitos que têm essa predisposição. O adulto, pelo próprio fato de ser dotado de uma sexualidade genital, está numa posição difícil para representar-se aquilo que pode ser o erotismo infantil "puro". Freud, na sua dupla preocupação de mostrar a natureza sexual das manifestações auto-eróticas e seus efeitos sobre a vida sexual do adulto, sublinhou a continuidade entre as duas "sexualidades". É este princípio de continuidade que lhe inspira as mesmas explicações para descrever os mecanismos de excitação e de descarga. Mas está aí uma outra expressão da confusão das línguas, e este recurso à explicações análogas faz crer, de maneira equivocada, à existência de uma identidade de natureza. Como nasce a excitação sexual? Quais são as condições do gozo auto-erótico? A assimilação ao modelo do orgasmo genital arrisca endividar nossa compreensão desses processos. É isto que eu gostaria de mostrar ao retomar aqui o estudo do Vorlust. Em O chiste na sua relação com o inconsciente (1905 b), Freud introduz este conceito para mostrar que uma experiência prazerosa encontra-se reforçada ou facilitada por uma experiência de prazer de outra natureza. É a isto que ele chama de "Vorlustprinzip". A idéia exposta apoia-se no papel de reforço da técnica do 'chiste' sobre o prazer ligado à satisfação da tendência. O termo de antes-do-prazer (l'avantplaisir) parece-me apropriado para descrever este mecanismo que Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "77 Daniel Widlöcher assegura a satisfação da tendência através da economia psíquica devido à técnica. Aqui não há nenhuma idéia que seja de antecedência de uma em relação à outra. É do ponto de vista estritamente lógico que o prefixo Vor vem marcar a condição dada para que o prazer se constitua. Freud fala de uma recompensa de sedução e acrescenta: "Tenho boas razões para supor que este princípio vem de um mecanismo que se aplica ainda a muitos outros domínios da vida psíquica, domínios bastante estranhos uns aos outros". O antes-do-prazer serve para liberar um prazer maior. Pensa-se, na verdade, naquilo que foi desenvolvido na "Interpretação dos sonhos" (1900). No sonho, o resto diurno não encontraria a energia suficiente para ser revivido de maneira alucinatória no decorrer do sono, se ele não dispusesse de uma energia sempre latente, pronta para se descarregar, que vem precisamente dos desejos sexuais infantis. Daí vem a metáfora conhecida do empresário e do capitão. Salientemos aqui que é o desejo infantil que dispõe de recursos necessários, enquanto que no mecanismo do chiste, o poder econômico (desta vez num sentido que não tem mais nada de metafórico) estaria nas mãos, poder-se-ia dizer, da técnica ao serviço da tendência. Mas, ainda no capítulo IV de O Chiste e sua relação com o inconsciente, Freud para ilustrar esta generalidade do Vorlust printzip, refere-se ao Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. Ora, nesta obra, o Vorlust reveste um sentido diferente que leva em consideração a temporalidade dos acontecimentos. No adulto, a excitação das zonas erógenas que deram origem à sexualidade infantil serve de precursora ao prazer final. Ela cria uma experiência de prazer e, ao mesmo tempo, uma tensão que fornece uma parte da energia motriz (necessária à consumação do ato sexual). É, unicamente, o prazer produzido pela zona genital que cria, "esta vez pela via reflexa," a energia motriz que comanda a expulsão dos produtos genitais. A oposição dá-se então entre o Vorlust como prazer preliminar, no sentido de antecedente, e o prazer final {Endlust). Este último termo salienta bem a dimensão cronológica do mecanismo. Não se trata mais de um interessante mecanismo das operações mentais, mas de uma explicação fisiológica. São as zonas erógenas que contribuem para a organização do ato sexual, até a expulsão dos produtos sexuais. Aqui toda a demonstração refere-se à teoria do orgasmo genital. A sexualidade infantil é considerada como um esboço prematuro da sexualidade genital, e, a rigor, o que Freud nos propõe é uma explicação fisiológica daquilo que os etologistas chamaram de "conduta de corte", ou seja, a organização temporal dos comportamentos que, numa espécie dada, precedem à copulação e à fecundação. Uma compreensão temporal do Vorlust inscreve-se, portanto, numa perspectiva decididamente biológica da sexualidade, e, em particular, da sexualidade infantil como uma sexualidade inacabada. Nesta perspectiva, o adulto, que 78 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 O lugar da sexualidade infantil na cultura contemporânea acedeu à subjetividade da sexualidade genital, é dotado de um "saber" que a criança não possui. Esta é realmente um inocente cujos fantasmas não podem ser marcados a não ser por uma ignorância radical; ignorância devendo aqui ser tomada num sentido muito amplo, caracterizando a própria natureza do desejo. Desenvolvamos ao extremo este argumento: se, no adulto, o Vorlust descreve um fenômeno fisiológico, que relação então estabelecer com o mecanismo do prazer psíquico do sonho e do chiste? Se a sexualidade infantil nada mais fosse do que uma expressão prematura, se bem que geneticamente programada, do instinto sexual, não se entende porque ela continuaria a existir independentemente da sexualidade genital, não somente nos avatares patológicos da neurose, mas também nos sonhos e nas produções "normais" do inconsciente. A sexualidade infantil não persiste no adulto como um resíduo mal assimilado, mas como uma fonte de desejo e de atividades criadoras permanentes. A pulsão sexual infantil não é um instinto A sexualidade infantil não é a primeira etapa do instinto sexual. Nenhum argumento biológico vem apoiar esta hipótese (a menos que se estabeleça a diferença entre sexualidade infantil e apego, ponto que eu tratarei mais tarde). Repetindo: o destino da sexualidade infantil não se resolve naturalmente com a chegada da genitalidade biológica, mas ele mantém-se no sonho e no inconsciente. Não se pode encontrar para todas as expressões da sexualidade infantil a fonte corporal da pulsão, assim como não se pode encontrar a noção de apoio nas funções biológicas de sobrevivência, e, por outro lado, não se poderia confundir o objetivo procurado pela pulsão que se exprime como realizado no auto-erotismo psíquico, com a descarga física realizada de maneira acessória na excitação de uma zona física erógena. Tudo isto nos leva a considerar a sexualidade infantil como uma atividade criadora autoerótica, cuja origem permanece sem explicação. Contestar a origem biológica da pulsão não conduz necessariamente à sua "dessexualização". Esta é a falha que foi legitimamente apontada a Jung quanto a seu conceito de "Zurück Phantasieren", sexualização retroativa. É também a mesma falha que se pode apontar a Lacan que, com o mesmo uso reconstrutivo da posterioridade (après-coup), reduz a sexualidade infantil a figuras de uma falta simbólica originária. Como manter a natureza sexual, stricto sensu, da pulsão? É novamente a questão de sua origem que se encontra, dessa forma, colocada. Tenhamos pois como assente que a sexualidade infantil não é da mesma Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 79 Daniel Widlõcher natureza que a sexualidade genital. Somente esta última se inscreve na ordem de programas de comportamento filogeneticamente determinados. Convém ainda que se defina o mecanismo psíquico que preside à organização de um sexual não somente pré-sexual, mas que diga respeito a uma dinâmica distinta daquela das pulsões de origem biológica. O estatuto econômico próprio da sexualidade infantil As particularidades da temática própria aos fantasmas sexuais infantis não são suficientes para definir a sexualidade infantil. Estes, na verdade, se encontram na sexualidade genital. Eles vieram investir, na adolescência, a relação sexuada ao outro, organizando de acordo com modalidades variadas a subjetividade sexual do adulto. A grande descoberta da psicanálise é talvez menos a existência da sexualidade infantil e mais, sua presença ativa na vida psíquica inconsciente do adulto. É na neurose do adulto que Freud (1956 sic) a detecta. Como mostram suas célebres palavras, encontradas na carta dirigida a Fliess, com data de 15 de outubro de 1895: "Já te revelei oralmente ou por escrito o grande segredo clínico? A histeria é o resultado de um choque sexual pré-sexual, a neurose obsessiva de uma volúpia sexual pré-sexual... A expressão 'pré-sexual' significa 'anteriormente à puberdade', antes do aparecimento dos produtos sexuais". E isto ele afirmará, enfaticamente, alguns anos mais tarde quando, em A interpretação dos sonhos, ele escreve: "... o desejo representado no sonho é necessariamente infantil". Que então o inconsciente freudiano, o inconsciente no sentido tópico, o inconsciente do isso (ça) seja sexual e se inscreva no erotismo infantil, é bem do domínio propriamente dito da psicanálise. As cenas imaginárias que povoam este domínio são acessíveis para nós. Elas se revelam na descoberta do inconsciente e, à partir daí, aprendemos a vê-las nos jogos da criança, nos sonhos diurnos, no auto-erotismo psíquico do adolescente e do adulto, nos cenários perversos. Não é desse lado que se encontra a incompreensão. Parece-me que é sob o ponto de vista econômico que este equívoco tem a possibilidade de agir, ou seja, na compreensão que nós podemos ter dos processos que colocam em tensão o aparelho psíquico, bem como daqueles que asseguram a descarga desta tensão. A assimilação da sexualidade infantil à sexualidade genital do adulto leva-nos a uma compreensão equivocada de um distanciamento conceituai bastante radical entre uma perspectiva dita "desenvolvimentista" e a compreensão do seu papel no inconsciente, entre a idéia de uma sexualidade imperfeita da infância e o poder próprio dessa sexualidade inconsciente que age, criadora de fantasmas e de atividades de sublimação da idade adulta. Retomando a metáfora da 80 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 O lugar da sexualidade infantil na cultura contemporânea reserva dos selvagens utilizada por Freud nas Conferências introdutórias, trata-se aí de um lugar de criação, secretamente protegido. A produtividade do inconsciente é testemunha desta vitalidade da sexualidade infantil. Freud já dizia em A interpretação dos sonhos (op.cit., p.470) que os desejos inconscientes infantis têm o caráter de serem indestrutíveis: "Esses atos constituem vias facilitadas de uma vez por todas, jamais descartados, e que levam à excitação inconsciente cada vez que ela os reinveste. Usando uma comparação, não existe para eles outro aniquilamento a não ser o das sombras dos infernos na Odisséia, que acordam para uma nova vida tão logo tenham bebido sangue". A teoria biológica do apoio não permite explicar esta presença no inconsciente, a ligação estreita que ela estabelece com este último como estrutura desejante da psique. A sexualidade genital retoma o que lhe é próprio na adolescência, mas a sexualidade infantil conserva seu poder na dinâmica do inconsciente. A resistência ao auto-erotismo Quer me parecer que o que faz com que a resistência à teoria psicanalítica se mantenha, deve-se menos à sexualidade em geral do que à natureza da sexualidade infantil. Se a cultura contemporânea acomoda-se bem à descoberta freudiana de uma sexualidade infantil, é por considerá-la como uma expressão prematura, e, de certa maneira, abortada da sexualidade. O complexo de Édipo aparece aí no momento oportuno para banir esta sexualidade sem finalidade sexual para o campo das ilusões da infância. É verdade que esta resistência é alimentada por dificuldades que os próprios psicanalistas encontraram para integrar a sexualidade infantil à vida psíquica do adulto. O próprio Freud que afirmou veementemente em A interpretação dos sonhos que o desejo latente do sonho era sexual e infantil, não retomou de maneira tão explícita esta tese nos seus escritos ulteriores a respeito do sonho. Significaria isto dizer que ela foi afastada? Eu não acredito nisso. Freud, progressivamente, integrou-a numa perspectiva mais complexa à medida em que a teoria das pulsões levava em conta outras dimensões (o narcisismo, o dualismo eros-thanatos). Na literatura psicanalítica e nos vários grandes modelos que foram propostos em seguida, esta preocupação de integrar a sexualidade infantil numa perspectiva mais ampla, encontrou-se reforçada. Isto é claramente ilustrado tanto na corrente da psicologia do ego, quanto no pensamento kleiniano ou na teoria de Lacan. O que procurei mostrar é que esta preocupação de integração fez, em parte, perder de vista o essencial da teoria da sexualidade infantil, não os conteúdos Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 «81 Daniel Widlöcher (reencontrados tanto nas lembranças quanto nos sonhos e fantasmas do adulto), mas sob o ponto de vista econômico. Nós não devemos negligenciar aquilo que faz a especificidade da sexualidade infantil, ou seja, sua dimensão auto-erótica. É necessário que tenhamos em mente as condições de satisfação das pulsões sexuais infantis, evidentemente ligadas na infância à excitação das zonas físicas erógenas, mas, mais fundamentalmente, ao prazer psíquico que procura uma descarga, seja física, seja puramente psíquica. A sexualidade infantil não se deve a programas geneticamente determinados que organizam a ligação primária, ou seja, aos padrões relacionais que entram em interação com o meio social. Ela diz respeito à pura subjetividade que é própria à atividade fantasmática. Esta última trata tão somente na posterioridade as experiências vividas que acompanharam as condutas de apego. Ela retoma, segundo o modo imaginário, aquilo que dependeu dos padrões relacionais e das respostas do meio ambiente. Ela trata estas cenas de acordo com o modo da ilusão, experiência que toma um caráter propriamente alucinatório, quando a cena fantasmática se inscreve no registro inconsciente. Ela torna-se então uma verdadeira alucinação de ação (Wunstcherfüllung - realização do desejo). E quando esta representação se inscreve no registro do préconsciente, a ilusão inscreve-se nesta situação ambígua que constitui o devaneio diurno, ambigüidade caracterizada por um estado compósito, que participa, ao mesmo tempo, da crença e do desejo. Sublinhamos aqui uma diferença que é devida ao ponto de vista tópico. Quando um analisando nos revela que ele foi invadido pela idéia de que ele poderia ser o servidor submisso da mulher que ama, ele expressa o fantasma que alimentou seus devaneios da infância e da adolescência, e que subsiste na idade adulta. Mas quando, para um outro analisando, tudo leva a crer, a seu respeito, que ele sente um prazer em ser atormentado pela mulher que ele ama, e cujo ciúme ele alimenta, ele nos mostra que o mesmo fantasma age nele e o possui. Esta experiência, consciente ou inconsciente, é inventada pela criança na posterioridade da experiência inicial. Ela busca, assim, reproduzir esta última, transformando uma situação real numa situação imaginária desprovida de todo contexto e na qual ela se torna o sujeito, ao mesmo tempo, criador e ator. Uma cena da realidade torna-se assim um fantasma. Esta retomada no imaginário define a natureza "erótica" da experiência que encontra sua saída numa satisfação de natureza auto-erótica, seja esta materializada por uma excitação física ou expressa somente no registro do psíquico. Existe aqui um mecanismo de posterioridade, inscrito na cotidianidade da experiência subjetiva, e isto, desde a origem. Contrariamente à hipótese freudiana, a alucinação não é anterior à experiência real, ela se apoia sobre esta última, dando-lhe um novo sentido. Vemos que a teoria do apoio toma um novo sentido 82 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 O lugar da sexualidade infantil na cultura contemporânea ligado a esta reviravolta temporal. O tipo de escolha de objeto por apoio não resulta mais da apreensão pela sexualidade da experiência real, mas do seu traço mnemônico. De acordo com esta hipótese, o apoio inscreve-se na posterioridade. O auto-erotismo aparece então como um efeito do imaginário e não como sua causa. Certamente, à partir do momento onde se encontra, desse modo, fixado um traço mnemônico recomposto, este último vai fazer pressão para reproduzir-se no real. Ele se constitui numa fonte secundária de desejos que nós designaremos sob o termo de sexualidade infantil. O fantasma não é o produto da sexualidade infantil, ele a constrói. Aquilo que nós chamamos de relação de objeto, descreve a estrutura deste fantasma, ela cria bem mais do que expressa a sexualidade infantil. Vê-se então como o processo de apoio deve ser considerado sob outro ângulo. Não se trata mais de uma condensação, a respeito de um mesmo objeto e na direção de uma mesma finalidade, de duas pulsões distintas: uma sexual e a outra ligada aos instintos de conservação, mas sim de um processo em dois tempos. Num primeiro tempo, a relação de ligação exprime-se sozinha ou, eventualmente, associa-se à satisfação de uma necessidade fisiológica. Num segundo tempo, existe uma retomada alucinatória da experiência de satisfação. Este contraponto nós já o vemos em funcionamento no ato de mamar do bebê, e ele culmina nos fantasmas edipianos. Na verdade, estamos no direito de pensar que tudo é passível de ser erotizado, ou seja, que toda experiência real pode fornecer matéria para uma reconstrução auto-erótica. A sexualidade infantil, retomada alucinatória de uma experiência física e relacionai de satisfação de outra origem, não se realiza senão secundariamente na repetição dessa experiência. Ela é o resultado do tratamento psíquico que se inscreve entre os dois tempos. Concretamente, a criança, num estado específico de seu desenvolvimento, está numa relação (instintual) com o outro que se exprime num padrão comportamental e subjetivo dado (apaziguamento da fome pela sucção, fusão terna com a mãe, por exemplo). O reaparecimento alucinatório da experiência fez com que ela se inscrevesse no registro de um imaginário auto-construído, que a criança poderá recriar à vontade. Mas esta marca sexual infantil dará às novas experiências reais de satisfação uma mais-valia. A inscrição no registro da sexualidade infantil outorga à lembrança da experiência uma força econômica, um valor de capital, que dará esta mais-valia à repetição da ação real. A sexualidade infantil inscreve-se no auto-erotismo, não devido à falta de algo melhor ou por compensação, como sugere a tese da continuidade biológica entre sexualidades infantil e adulta, mas porque ela exprime uma relação imaginária ao objeto. A força desta experiência psíquica deve-se ao fato de que ela se Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 83 Daniel Widlõcher inscreve na realização alucinatória do fantasma inconsciente, ou seja, na realidade psíquica. Conclusão Uma das maiores contribuições da psicanálise é portanto o papel que têm os fantasmas oriundos da sexualidade infantil, não somente na vida sexual dos adultos e na gênese dos problemas mentais, mas na produtividade da psique. Esta última é confirmada nos sonhos, nas atividades lúdicas e na criatividade artística. Não são tão somente os conteúdos que podemos aí encontrar, mas os processos primários de pensamento que asseguram a descarga de prazer, expressão psíquica do auto-erotismo. Existe um paradoxo no fato de que se a cultura faz pouco caso desse ponto de vista econômico do auto-erotismo psíquico, ela é, no entanto, profundamente impregnada por ele. O auto-erotismo ligado às pulsões sexuais infantis está presente tanto na psique individual quanto na vida social. Encontramos aí uma forma derradeira da resistência da cultura à teoria psicanalítica da sexualidade. O paradoxo é aparente pois tanto a psique individual, quanto a cultura, devem permanecer no desconhecimento radical daquilo que constitui o segredo do prazer auto-erótico. Os psicanalistas, felizmente para eles, continuam a sonhar e a conhecer o prazer estético. A cultura é, sem dúvida, mais frágil do que o psicanalista. Para conservar o prazer do auto-erotismo psíquico oriundo das pulsões sexuais infantis, ela deve desconhecer a abordagem econômica do processo. Ela assegura, uma cisão, entre o conhecimento dos fantasmas sexuais advindos da infância e o segredo de seu modo de satisfação. Tradução de Maria Carolina Santos Rocha © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL 84 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 XXIII Congresso LatinoAmericano de Psicanálise Entre lo íntimo y lo público Isidoro Berenstein*, Buenos Aires, ARGENTINA Membro Efetivo da Asociación Psicoanalítica de Buenos Aires. Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Isidoro Berenstein 1. Veamos los términos que figuran en el nombre de este Congreso y como relacionarlos. Psicoanálisis. Podemos caracterizarlo como lo hizo clásicamente Freud y también como habita en nuestro espíritu. Psicoanálisis es (Freud. S., (1923(1922]) 1. el nombre de un procedimiento para indagar procesos anímicos no accesibles por otras vías; 2. un método de tratamiento de perturbaciones neuróticas basado en esa indagación y 3. un conjunto de intelecciones que fundaron una nueva disciplina. En su nota, el autor hizo un recorrido histórico del psicoanálisis. Había comenzado con la hipnosis y el método catártico para luego renunciar a estos procedimientos y pasar a la asociación libre, la regla técnica fundamental y al psicoanálisis como arte de interpretación. Estamos hablando de lo que fue una creación de Freud: la sesión analítica individual, con el paciente de preferencia acostado para conectarse con su interioridad y el analista fuera de su percepción visual, en posición de atención flotante, para registrar las producciones de aquél de la manera mas despejada posible de sus propias determinaciones que podrían obstaculizar tomar contacto con las determinaciones inconscientes del paciente. Eso que llamamos técnica es una práctica instituyente de un campo nuevo, para el cual fue necesario construir una manera de pensarlo y decirlo: la metapsicología. Préstese atención a que aquí la práctica instituyente de un campo nuevo y no una aplicación de un conocimiento previo. Se establece una doble novedad: la manera de hacerse y también la forma de ser pensada. Esta segunda puede luego intentar ser usada para otras prácticas, allí ya es aplicación y no fundación o institución de un nuevo campo. Psicoanálisis, en nuestro espíritu, refiere al método basado en la sesión individual que explora el mundo interno y su población de objetos internos o en términos distintos su naturaleza representacional y los intensos afectos que habitan en lo inconsciente. A ello se agrega que el mundo exterior no debiera ingresar en la sesión y si lo hace es registrado como un obstáculo para el analista porque interfiere en su tarea ya que no lo puede convertir en material, por lo tanto no lo puede interpretar salvo como estando al servicio de la resistencia. El obstáculo parece desaparecer interpretando su significación proveniente del mundo interno. Se observa que el analista para sí mismo decide acerca de la veracidad de lo que trae el paciente. Aplica el juicio de existencia, según su criterio propio. Se puede ejemplificar con un chiste rudimentario surgido en el Congreso de San Francisco comentado por un colega de su paciente que percibía y comentaba en una sesión acerca de un olor a humo proveniente de la sala de espera no percibido aun por el analista que analizaba persistentemente las significaciones infantiles y especialmente transferenciales. Ante la insistencia del paciente el analista siguió interpretando hasta que el mismo percibió el humo. 'Reconoció' la realidad exterior porque efectivamente algo se estaba quemando en la antesala y suspendió la sesión. Entonces dijo que el paciente tenía razón y él 88 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Entre lo íntimo y lo público un analista que reconocía el mundo exterior. Si no hubiera habido humo desde ya que no estaría en lo cierto y estaría cerca de la psicosis. Este es un sentido rudimentario de realidad exterior pero reúne los elementos de como los analistas la piensan: desde afuera se mete en el consultorio y perturba la tarea analítica, y el analista es el juez y decide que es exterior cuando él la percibe, entonces es la misma para el paciente y analista, pero allí el análisis se interrumpe. Desde ya esto puede ocurrir en el transcurso de la sesión sin fuego y sin interrupción formal. 1.2. Cultura. Podemos decir que es un territorio delimitado a través de reglas que ubica un conjunto de significaciones necesarias para lograr realizaciones ganadas a las fuerzas autónomas, desmesuradas y desordenadas de la naturaleza. Del lado de la cultura también están las producciones humanas regulando el mundo social con aquellos que son sus semejantes y aunque no está dicho, se observa que con exclusión de aquellos que son sus ajenos a los que suele ubicar como si pertenecieran a la naturaleza. A los efectos de ordenar el desorden de las relaciones entre los hombres circulan prohibiciones de no matar y no robar al prójimo y para el mundo del parentesco la prohibición del incesto: están interdictas las relaciones sexuales con los prójimos y están prescritas y son posibles con los ajenos. Está establecido que son posibles con los ajenos. Cuando estas relaciones se estabilizan pasan a la categoría de prójimos, como son los miembros de la pareja, ajenos primero, prójimos después de la alianza y ajenos otra vez cuando el vínculo se disuelve. Del lado de la naturaleza no están las reglas sociales. Los animales pueden matar a los fines de la subsistencia o del cuidado de su territorio y se dice que es por impulsos instintivos, poderosas fuerzas que siendo del cuerpo y propios de la especie empujan al animal singular. También los hombres pueden matar pero no es por subsistencia ni por cuidado del territorio sino por intolerancia a lo ajeno del otro (s) y para hacerlo deberán construir un producto del pensamiento que llamé 'convicciones' (Berenstein, 1986) que permitan poner en suspenso las prohibiciones instituyentes del mundo social acerca de no matar y no robar o no desbastar grandes áreas geográficas o no dañar el territorio como resultado de las guerras. Es una adquisición tardía de la cultura la noción de 'interioridad', lo oculto a la vista, separada de lo exterior visible. Después se relacionará, lo no accesible a la percepción visual, auditiva o táctil, con lo íntimo, que solo puede ser deducido a través de la imaginación, por lo tanto nunca cognoscible en totalidad. Lo íntimo se separa de lo privado cuyo modelo se da en el 'entre dos' donde la terceridad deviene en 'exclusión' del límite de pareja. Pero estos espacios son propios y no se derivan uno de otro. Dice Badiou (2000): "el -pensamiento de dos es a partir de si mismo, no es concebido ni desde el uno ni desde el tres". Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 89 Isidoro Berenstein Cuando el límite es desplazado al 'en familia' se puede decir con el dicho popular que 'los de afuera son de palo' para indicar que no tienen ni voz ni voto. Distinto es el espacio de lo público1, lo que es visible, propio de la comunidad, y pasa principalmente, en nuestra época, por la imagen. Habrá siempre una incertidumbre radical en la relación entre dos sujetos por la presencia de lo ajeno, aquello del otro que no puedo incorporar y hacer propio, quizá por eso la desconfianza se pone en suspenso cuando se incorpora al parentesco y se reanuda de inmediato, y a veces se incrementa, cuando el parentesco se quiebra como en la separación y/o divorcio de una pareja. El convertirnos en parientes supone ilusoriamente el borramiento de la ajenidad. Respecto de nuestro quehacer psicoanalítico el material proveniente de estos tres espacios se da de dos maneras; por un lado, en el material de la sesión surge como representaciones diferenciadas de la participación del yo en esas tres áreas. Por otro lado surgen en el propio quehacer del analista: en la sesión analítica con su estructura y clima de intimidad, en la privacidad del 'entre dos' de la supervisión donde quedan fuera los terceros que son el propio analista del supervisado o los otros colegas con otros criterios y el espacio público se despliega de la institución o de un congreso. Queda claro que a cada espacio corresponde o se genera un tipo de práctica que organiza un tipo de subjetividad y es fuente de confusión y ansiedad no diferenciarlos. El dolor psíquico puede ser la manera de responder al malestar proveniente de estos tres mundos y la observación psicoanalítica con su peculiar escucha podría diferenciar en la superficie psíquica las irregularidades de estos tres mundos donde se constituye y mora el sujeto. 2. Producción de subjetividad. Algo que nos atañe como psicoanalistas es la producción e investimiento del yo como sujeto y aquí hay posturas diversas. Desde Freud (1921) está establecido que se aspira a "configurar el yo propio a semejanza del otro tomado como "modelo", y toma como tales a los padres previa a la diferencia de sexos y con una ligadura propia y distinta al de la elección sexual de objeto. Esta identificación hunde sus raíces en lo temprano del surgimiento del sujeto. Pero no debiera confundirse temprano con único. El yo escindido se sostiene en el imaginario sentimiento de identidad que le permite defenderse de la escisión con la ilusión de ser uno en el espacio y en el tiempo. El sujeto se deviene 1. En castellano intimo se refiere a mas interior e intimidad a parte personalísima, comúnmente reservada, de los asuntos, designios o afecciones de un sujeto o de una familia. Privado es lo que se ejecuta a la vista de pocos, familiar y domésticamente, sin formalidad ni ceremonia alguna. Público es lo notorio, patente, manifiesto, visto o sabido por todos. También común a todo el pueblo. ( Diccionario de la lengua española (1956). Espasa Calpe. España.) 90 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Entre lo íntimo y lo público y sostiene acorde a la pertenencia dada en la relación con los otros. El vínculo con el otro en el marco de la pareja y del parentesco instituye al yo como sujeto del vínculo, sentimiento profundamente resistido porque obliga a un nuevo conocimiento del yo que deviene para sí mismo otro al que era antes del vínculo. Toda relación significativa con otro contiene una amenaza de desestructuración de un saber acerca de si mismo. El dicho narcisista y solipsista 'nadie se conoce mejor que uno mismo' debiera ser sustituido aquí por el intersubjetivo de 'nadie conoce mejor al yo que el otro' o quizá sea bueno restituir el 'verse con los ojos de los otros' para salir del punto ciego constitutivo del propio yo. No es todo, la relación con la cultura instituye un sujeto a través de los significantes sociales de pertenencia de clase social, económica, religiosa, educativa. Sin darnos cuenta hemos tomado de una manera un tanto diferente los tres sufrimientos mencionados por Freud (1930[1929]) : "Desde tres lados amenaza el sufrimiento; desde el propio cuerpo, que, destinado a la ruina y ala desolación, no puede prescindir del dolor y la angustia corno señales de alarma; desde el mundo exterior, que puede abatir sus furias sobre nosotros con fuerzas hiperpotentes, despiadadas, destructoras; por fin, desde los vínculos con otros seres humanos". Nada de esto es ajeno al analista salvo que razonable y repetidamente remite los significados casi exclusivamente a lo infantil, lo íntimo desechando los significados provenientes de los otros espacios. 3. El espacio "entre" el diván y la comunidad. Cabe preguntarse por ese lugar 'entre' que liga diván y comunidad en el título de este congreso. El analista está allí en el 'entre' y puede sentirse tentado a quejarse de la arbitrariedad, de lo inexorable o de la incomprensión de la comunidad respecto de nuestro quehacer con un fuerte componente de proyección de la incomprensión del psicoanalista respecto de ella, la comunidad, o a pensar que ésta es abarcada al "aplicar" la teoría que obtiene en el diván. La comunidad es un lugar donde ocurren los acontecimientos que acostumbramos a llamar "sociales". Dice Laing (1968) que una dificultad insuperable es la escasa visibilidad de los acontecimientos sociales. Más allá de la capacidad inmediata y directa de ver lo que está ocurriendo uno recurre a inferencias en base a lo oído, leído acerca de lo que otros seres humanos ven escasamente a su alrededor. Algo semejante ocurre con el tiempo en que se dan los acontecimientos sociales. "...un límite que, por desgracia, condena el aquí y ahora a la ininteligibiliRevista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "91 Isidoro Berenstein dad, si no se tiene información del allí y el entonces, la cual está sin embargo, fuera de nuestro alcance" (Laing, 1968, p.8). El contexto social ofrece un obstáculo semejante y a la vez diferente al de los hechos del pasado infantil: no son algo observable sino representado, pensado y vigente como significado a interpretar. El contexto social es algo cuya materia es escasamente observable, lo es por otros y para hacerlo creíble hemos de aplicar cierta benevolencia. Pero aquí se presenta un problema: el terapeuta que no era actor del pasado infantil del paciente salvo por transferencia, si lo es del contexto social, en parte el que rodea a su propio paciente por lo tanto pasible de transferencia y en parte recortado por su propia pertenencia, por lo tanto pasible de incidir en su contratransferencia y tiene una mínima porción de observación. Puede parecerle obvio al analista que su visión del contexto es la mas adecuada y pasarle por alto que lo obvio ...literalmente hablando es lo que se levanta en el camino de uno, enfrente de uno o en contra uno" (Laing, 1968). Lo obvio se constituye en la afirmación del borramiento de la ajenidad del otro. Es evidente la relación entre lo obvio y el narcisismo y la anulación de lo que es inteligible a partir del significado inconsciente2. Pero siendo el psicoanálisis un método de observación debería aplicarse a los significantes propios de cada uno de los espacios. El paciente y el analista se encuentran en la singularidad del encuentro analítico con lo infantil, los afectos primitivos y también con la pertenencia social, religiosa, económica, de status, la investidura por habitar la parte de la ciudad donde vive, que representaciones y emociones primitivas se relacionan con esos elementos. Como inciden en el funcionamiento mental en su relación con otros sectores de la mente constituyen un campo por explorar. Un obstáculo impide explorar el mundo social como proveedor de marcas y producción de significación. Si el pasado infantil y sus significaciones singulares atravesadas por el Edipo producen el aparato psíquico, en especial el yo y el superyó y el sentimiento de identidad, el contexto social tan temprano como el 2. Transcribo la siguiente cita de Vinar: "Señala con justeza el historiador J.R Barran que aunque los supuestos de una mentalidad colectiva jamás pueden definirse con precisión, el universo de creencias y valores de una época configura claves interpretativas que cada sujeto acepta como evidentes y obvias, como justas y verdaderas. Y lo obvio coloca a la realidad en el mismo lugar que el punto ciego. El tipo de percepciones que genera una cultura es el equipo o dispositivo que construye las actitudes colectivas frente a la vida, la muerte, el sexo, el bien y el mal, en fin la realidad toda" (Vinar, M.N., 1999). Psicoanálisis, Cultura, Interdisciplina. La realidad...Ya no es la de antes... (Un puñado de frases polémicas sobre temas complejos y difíciles) Encarte Informativo FEPAL. 2do. Semestre 1999. 92 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Entre lo íntimo y lo público pasado infantil y formando parte de él produce el primitivo sentimiento de pertenencia que hace al yo escindido adquirir una subjetividad propia de ese contexto al cual pertenece. La raíz inconsciente de la pertenencia hace que el sujeto la registre como 'lo dado', aparentemente desprovisto de significado profundo. Entre el diván y la comunidad está el analista cuya práctica casi exclusiva es el trabajo individual y su subjetividad como analista está determinada por esa práctica, desde su educación analítica, que lo instituyó para pensar la determinación como exclusivamente individual, interna, pulsional y su pertenencia a la institución como algo 'dado' que no requiere mas análisis que el que se deriva de considerar a los pares como derivados de los 'hermanos infantiles', a los que están por arriba, sean directivos o profesores, como 'padres'. Aquí 'determinación' es equivalente a origen anterior inevitablemente infantil, que por el tiempo transcurrido se ofrece para parecer como ya dado, y desde allí ha de desplegarse en el presente de la sesión y con la persona del analista. Esta es una de las concepciones, la mayoritaria, de la transferencia. La otra concepción de subjetividad que he esbozado mas arriba señala que la situación de la sesión y el tipo de sesión constituye una práctica, y este tipo de práctica genera un tipo de sujeto que contiene al sujeto anterior pero le da un nuevo sentido. 'Transferencia' es tanto el despliegue del pasado infantil como lo novedoso proveniente de los otros espacios que puede o no generarse en el vínculo entre esos dos sujetos que son el paciente y el analista, novedoso de sentido por lo tanto dando lugar a un sentido que no hubo previamente. Bibliografía BADIOU, A. (2000). El amor como escena de la diferencia. Conferencia. Asociación Argentina de Psicología y Psicoterapia de Grupo. Martes 25 de Abril de 2000. BERENSTEIN, I. (1986). Acerca de las convicciones. Actas del VIII Simposio y Congreso Interno. El diálogo analítico II. APDEBA. Buenos Aires. FREUD, S. (1921). Psicología de las masas y análisis del yo. O.C. XVIII. Buenos Aires: Amorrortu, 1976. ______ (1923 [1922]). Dos artículos de enciclopedia: "Psicoanálisis" y "Teoría de la libido". O.C. XVIII. ______ (1930 [1929]). El malestar en la cultura. O.C. XXI. LAING (1968). Lo obvio. En Cooper D (ed.) La dialéctica de la liberación. Siglo XXI Editores. 1970. México. REAL ACADEMIA ESPAÑOLA (1956). Diccionario de la lengua española. Espasa Calpe. España. 1956. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 93 Isidoro Berenstein VINAR, M.N. (1999). Psicoanálisis, Cultura, Interdisciplina. La realidad...Ya no es la de antes...(Un puñado de frases polémicas sobre temas complejos y difíciles) Encarte Informativo FEPAL. 2do. Semestre 1999. © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL 94 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut Simón Brainsky L. *, Bogotá, COLOMBIA Resumen El ser humano guarda una relación profunda con las pulsiones, que tal y como las describiera Freud, abarcan vicisitudes y vínculos de su teatro interno y del mundo que lo rodea y que a su vez construye. El objetivo del presente trabajo es hacer algunas consideraciones sobre el principio del placer - realidad y su interjuego con la compulsión a la repetición y la pulsión de muerte. Estos destinos pulsionales se entrecruzan, colisionan y actúan en conjunto, en una eterna danza de polaridades dialécticas. Se hacen algunas anotaciones sobre el impacto psicogenético que la Primera Guerra Mundial, la Gran Guerra, tuvo sobre la modernidad, sobre las personas y su visión del mundo y el destino de la gran ilusión, en relación con un progreso continuo y racional del ser humano y de su entorno. Se hacen consideraciones sobre el conflicto estético como lo plantea Donald Meltzer. Finalmente se hacen consideraciones psicoanalíticas sobre la película "Jules et Jim " de François Truffaut, la cual ejemplifica bellamente la amistad, el amor y la visión del mundo de los protagonistas, que plasma una manera específica de concebir la cultura en la Belle Epoque. Summary Human beings have a deep relationship with pulsions, which, as described by Freud, embrace vicissitudes and links of man's internal theater and of the world that surrounds persons and which at their turn they construct. The objectives of this paper are to make some considerations about the pleasure-reality principie and its interplay with the compulsion to repetition and thanatos. These instinctual destinies interweave, clash and act together. Considerations are made on the psychogenetic impact which First World War, the Great War, had on modernity, on people and the vision of the world they had, as well as on the fate of humanity's great illusion concerning a rational, continuous progress of human beings and their word. Some reflections are made on the aesthetic conflict as stated by Donald Meltzer. * Membro Efetivo da Sociedad Colombiana de Psicoanálisis. Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 95 Simón Brainsky L. Finally, some psychoanalytic thought are discussed about Francois Trufffaut's movie "Jules et Jim". This film beautifully exemplifies friendship, love and the vision of the world of the heroes, which condenses a specific way of understanding culture during the Belle Époque. Caray, eran todos tan simpáticos...! Georges Simenon Maigret Viaja Hay una sonrisa de amor y Hay una sonrisa traicionera y Hay una sonrisa de sonrisas En la que estas dos sonrisas se unen William Blake El ser humano tiene una relación profunda con las pulsiones que describiera Freud y que abarcan vicisitudes y vínculos de su teatro interno y del mundo que lo rodea y que a su vez y con dolor y alegría construye. En el presente trabajo me propongo hacer algunas consideraciones sobre el principio del placer-realidad y su complementación e interjuego con la compulsión a la repetición y la pulsión de muerte. Hago algunas anotaciones sobre el impacto psico-genético que la primera guerra mundial, la Gran Guerra, tuvo sobre las personas y su visión del mundo y comento, desde el psicoanálisis, la película Jules et Jim de François Truffaut. Freud planteó lo que denominó el principio del placer que gobierna, entre otras cosas, la vida de los niños, la infancia de los pueblos y el amor adolescente. Su base es la movilidad continua y la necesidad de la descarga perentoria y con frecuencia, ciega. A medida en que los bebés se crían, los adolescentes sientan cabeza, y, teóricamente al menos, la humanidad, comienza a crecer y a madurar, el principio del placer va complementándose con el principio de realidad, que ya tiene que ver con los procesos lógicos secundarios, que abre el paso hacia lo racional, hacia la acción reflexiva y a las posibilidades de simbolizar y tomar en cuenta existencia y la independencia del Otro. Esto supone una renuncia a la descarga inmediata, a la que con frecuencia el yo organiza y complementa y una capacidad para tolerar, sin expulsarlo inmediatamente, el dolor psíquico. El principio de realidad implica una cierta fijación de la llamada "energía psíquica", (afectos y pasiones) abriéndose el paso entonces la creación del pensa- 96 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut miento, la de los conceptos y la de la palabra. El principio del placer complementado por el de realidad, se incorpora a la nunca acabada tarea de la construcción del ser humano, apuntalada por la simbolización y la sublimación (Brainsky, 1998). Sucede, empero, que proveniente del interior de todos nosotros y proyectada con la virulencia felina de un predador - niño, surge también una tercera gran fuerza pasional: la compulsión a la repetición, que depende de la pulsión de muerte, que nos lleva a destruirnos, a repetir ciegamente lo ya llevado a cabo, y nos empuja hacia lo estático, hacia el no cambio, y al no reconocimiento del Otro. A la par, claro está, hay una pulsión que nos guía y empuja hacia delante, hacia la contradicción y la búsqueda de la síntesis y de la complejidad. La vida es el resultado del interjuego entre las pulsiones de vida y muerte. Así las cosas, se postula la existencia de dos grandes grupos de fuerzas en el ser humano y en el camino que recorre la humanidad misma: el principio del placer complementado por el principio de realidad, al servicio del eros y, en segundo término la compulsión-repetición, motor de lo destructivo, de la tendencia al estasis y de la muerte misma. (Freud, 1920) Por supuesto, las pulsiones de vida y muerte colisionan, luchan, se complementan y se encuentran, en una eterna danza de los contrarios, cuyo resultado depende de los predominios relativos de los principios en juego. Si la compulsión - repetición, aliada al tánatos, está subordinada al principio del placer complementado por el de realidad al servicio del eros, la vida, la civilización y la sublimación continuarán a veces con enormes dificultades, su marcha hacia adelante, en una secuencia que jamás es lineal. Si, por el contrario, la pulsión de muerte y la compulsión - repetición subyugan el cuadro vital, el resultado es, como lo sabemos dolorosamente, de un efecto individual y colectivo más bien letal. Esto último es, perennemente, el caso de la guerra. No siempre queda muy claro cómo se dan y cómo juegan las combinaciones así definidas, en el caso de los enredos amorosos. Donald Meltzer (1988), psicoanalista contemporáneo, que trabaja en la Gran Bretaña, postula lo que llama el "conflicto estético", que considera central en las vicisitudes de la relación bebé-madre-mundo, y en la captación de la belleza. El niño, confrontado con la belleza de la madre (y por extensión, el adulto frente a la del mundo), se ve abocado a una experiencia emocional intensa de la que emerge la pasión por lo hermoso. Pero el significado del comportamiento de su madre, de la aparición y desaparición del pecho, de la luz de sus ojos o de una cara por la cual pasan las emociones como "sombras de nubes sobre un paisaje" le son desconocidos. Ha llegado a un país extraño, cuyo idioma no conoce y cuyas claves y comunicaciones no verbales, le son desconocidas. La madre, afirma Meltzer, le es enigmática. Lleva su sonrisa de Gioconda, y las tonalidades de la música de su voz son fluctuantes. Eventualmente todos estamos confrontados Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 97 Simón Brainsky L. a partir de la infancia y a lo largo de la vida, a la misma problemática. El conflicto estético, en términos del impacto exterior de la madre "bella", captable por los sentidos, puede determinar fragilidad y corremos el riesgo de destruir esa delicada belleza si pretendemos capturar su sentido más profundo. Nos es menester, por tanto, intentar construir el interior misterioso de la madre-mujer, y con ello, el enigma de la vida, a través de la imaginación creativa y sus vicisitudes II Parecería importante recordar que el ser humano existe siempre e inevitablemente en el contexto de tres dimensiones inextricablemente imbricadas entre sí. Se trata de estructuras funcionales globales, configuradas por a - la biología del ser humano; b - la relación que se plantea con las personas (objetos) que existen por fuera y por dentro de él y c - los vínculos que establece con la sociedad que construye y que, a su vez, lo moldea (Brainsky, 1997). En el año de 1912, en el que se comienza a dar la acción de la película Jules et Jim, aún se vive en el período conocido como la Belle Epoque, que transcurre entre la finalización de la guerra franco-prusiana (1870) y el comienzo de la primera guerra mundial. La denominación Belle Epoque no quiere decir, por supuesto, que no hubiera guerras, masacres, injusticia o esclavitud. Como lo señala Bárbara Tuchman (1962), se trata de una edad de oro tan sólo para una clase privilegiada. No es una época en la que reine exclusivamente la confianza, la inocencia, la estabilidad, la seguridad o la paz, ni mucho menos. Estos factores, empero, están presentes en el imaginario de las gentes. Las personas, en ese momento histórico, confían más en los valores del iluminismo y tienen más fe en el desarrollo de la humanidad por la vía de la ciencia y la razón, lo que no quiere decir que no estén presentes el miedo, la injusticia, la protesta, la violencia y el odio. Sin embargo, no se había producido aún el Gran Oscurecimiento de 1914/ 19 y la civilización occidental conservaba aún gran parte de sus ilusiones y de su esperanza en las potencialidades del progreso intelectual y científico del hombre. La primera guerra mundial llamada por las gentes La Gran Guerra, puesto que no se había producido la segunda, supone una era de conflagración y de derrumbamiento masivos. Como lo señala Eric Hobsbawm (1994) la Gran Guerra fue el comienzo de la era más sanguinaria de la historia hasta ese momento. Se calcula que las muertes violentas entre 1914 y 1990 ascienden a 187 millones de seres humanos. Los sacrificios ilimitados que los gobiernos impusieron a sus propias tropas sientan el sangriento precedente de causar más muertes entre el enemigo, sin importar el precio. Se borra la distinción entre combatientes y no 98 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut combatientes y la población entera se convierte en protagonista. La escala del derrumbamiento social y político y las revoluciones y contrarrevoluciones sociales carecen de precedente alguno. En la película de François Truffaut, Jules, Jim y Catherine habitan un espacio y un tiempo ubicados entre el final de la Belle Epoque y el comienzo de la destrucción de la civilización occidental y de sus ilusiones. III - "Ella, Jules y Jim" de F. Truffaut Jules y Jim, protagonistas de la película de Truffaut, representan un mundo lleno de ilusiones, susceptible de ser explorado hasta sus límites por las posibilidades eróticas de la vida, siempre y cuando se halle presente la mujer, peligroso catalizador de la existencia y causa de todo. La película, basada en una novela de Henri-Pierre Roché, comienza con una puesta en escena en la que aparecen los personajes, en tanto que en el fondo suena uno de los temas musicales bandera, que a su vez captura el espíritu de los tiempos: se trata de variaciones sobre "Le Tourbillon", El Torbellino, canción escrita por Bassiak. Se oye también una polca tocada en una pianola y la suave y hermosa música de Georges Delerue, a veces alegre pero con más frecuencia nostálgica y melancólica. Mientras suena la música del carrillón se nos muestran cortes rápidos en los que se nos presentan los personajes y algunas de sus situaciones. Se escucha la voz de Jeanne Moreau, que declama sobre pantalla en negro " Tu me dijiste: te amo. Te dije: espera. Yo iba a decir: tómame. Tu me dijiste: vete" Eventualmente la voz del narrador en off, nos cuenta la historia de dos amigos: Jules, interpretado por Oscar Werner, es alemán y Jim, (Henri Serré), francés. Cada vez se conocen y se estiman más. Jules no conoce mujeres francesas y los intentos iniciales de Jim para presentárselas no son demasiado exitosos, con lo cual, y sin vergüenza, Jules acude a las profesionales. Se comunican a través de la poesía, la pintura y la música. El dinero no les importa. Conocen a Thérése, mariposa anarquista, quien, entre otras cosas escribe mensajes contra el establecimiento y quien ama a Jules una noche, lo abandona sin mayores contemplaciones y celebra sus propias gracias fumando al revés representando una locomotora, la que más o menos plasma el ritmo en el que se mueven todos. Jim conoce a Gilberte, bella y serena, que será el contrapunto de la mujer que está por irrumpir en sus vidas. Ella lo ama sin reservas y le proporciona una sensualidad estable, un polo a tierra y un orden, a partir de ese momento de su vida. Sin embargo Jim no está listo aún para un compromiso definitivo con Gilberte. Algo lo inquieta; algo le falta, como si necesitara un amor más perturba- Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 99 Simón Brainsky L. dor, que le proporcionara un sentido más fuerte de aventura a una existencia, en balance, plácida. Por su lado Jules quiere a Lucie en Austria, y volverá a ella en seis meses, pero, por otra parte, ama también a Helga y a Brigitte y también tal vez a Ulrike. Hace un dibujo de una de ellas en la mesa del café donde se encuentran y Jim, entusiasta e impetuoso, quiere comprar la mesa de inmediato puesto que valora todo lo de su amigo y desea conservar los momentos de su fraternidad para guardarlo él y para que no se pierda para la historia del arte. Los dos camaradas visitan a Albert, otro personaje multifacético, que conoce a todo el mundo; es amigo de Jules, músico, oportunista, pintor y escultor. Miran con él diapositivas incas y romanescas, con gusto y emoción. Después de una estatua decadente y en proceso de putrefacción, aparece otra que representa una mujer que los fascina y estremece. La sienten como si se tratara de la Madre Tierra. Sus ojos y sus labios son extremadamente bellos y provocadores. Jim pide verla de nuevo. La sonrisa de la estatua es enigmática y embrujadora. Saben que tienen que encontrarla a cualquier precio. Emprenden un viaje a una isla del Adriático en su busca. Los dos compañeros usan vestidos iguales y en muchos sentidos tienen identidades parecidas pero singularmente definidas. Se quedan una hora mirándola deslumbrados y cada cual la ve como el otro, pero también a partir del sí mismo (self) individual. Es como si fuera el arquetipo de la mujer que todo hombre quiere y necesita, como si fuera la alegoría de lo que Jung llama el ánima: la representación femenina inconsciente del hombre dentro de sí mismo y la mujer que busca en el afuera. Su sonrisa recuerda el poema de William Blake: "There is a smile of love and there is a smile of deceit and there is a smile of smiles in which these two smiles meet." Los amigos vuelven a París. Juegan y boxean en su gimnasio habitual. Jim comienza a escribir un libro autobiográfico en el que describe su amistad con Jules, a través de dos personajes a quienes llama Jacques y Julián. La narración es más bien ingenua. Jim le lee a Jules apartes en los que cuenta que los que los dos amigos eran inseparables, al punto que la gente los creía homosexuales pero no les importaba. Aquí surge el componente homoerótico que necesariamente tiene que haber en una amistad. La diferencia con la homosexualidad se relaciona con que en la amistad profunda, como en el caso de Jim y Jules, se conserva claramente la identidad de género. Eran como el Quijote y Sancho. Cada uno admira la obra del otro y la complementa. Jules quiere traducir de inmediato el libro al alemán, al igual que Jim quería comprar la mesa adornada por el dibujo de su 1 00 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut amigo. Se reconocen empáticamente y en cada uno se refleja la grandeza narcisística del otro y su aceptación. Se deslumbran mutuamente. Es una amistad sin condiciones y casi sin reservas. Llegan a París tres amigas de Jules, una francesa, una alemana y una holandesa. Jules las celebra con una comida. Sucede que Catherine, la francesa, es la representación viviente de la estatua. Todo comienza como en un sueño. En el fondo suena la música misteriosa de Georges Delerue. Llevan a cabo una ceremonia de brindis en la que establecen contacto, tocándose los pies bajo la mesa. Jules toca el de Catherine quien lo retira, sin demasiada convicción y después de que ha pasado un rato. Empieza el juego. Jules está englobado por el amor a todo y a todos. Sin embargo ya casi comienza a convertirse en vasallo eterno de Catherine De los tres es, posiblemente, el que más tiene capacidad de amar establemente y ésto, que lo hace frágil y vulnerable, lo convierte a su vez, en el más fuerte. Jules y Catherine comienzan a vivir juntos. Los amigos se encuentran ahora solamente en el gimnasio. Eventualmente Jules, que necesita compartir su felicidad con su amigo, le habla a ella de él y ella quiere conocerlo más. Jules sólo que sabe que su relación con Catherine es algo completamente diferente de lo que ha vivido hasta ahora y le advierte dulcemente a Jim que a ella no la podrán compartir como ha sucedido con tantas otras: "Pas celle la"; "ésta no Jim". Esta es quien dará sentido a mi vida. Catherine, pionera en todo y heraldo de todo, está profundamente convencida de que ella, como mujer, tiene derechos absolutamente iguales a los que se adjudican los hombres. Y tal cual otro más. Esta actitud militante que traduce el comienzo del movimiento de liberación de la mujer, que en otros espacios se plasma en la lucha por los derechos políticos, se refleja en los disfraces de hombre con los que asume la igualdad. Catherine es una "sufragette", una sufragista emocional y su batalla se libra en el campo de los sentimientos. Se disfraza de muchacho, se pinta un bigote, y al compás de una música juguetona, logra engañar a los peatones con quienes se cruzan en su paseo en lo que concierne a su condición femenina.. Catherine propone disputar una carrera en un puente. Los dos hombres aceptan alborozados. Ella hace trampa: sale antes de la señal de partida. La cámara se centra en su respiración agitada. Su metabolismo afectivo y existencial es siempre un poco más rápido que el de los demás seres humanos. En este juego vital, ella muestra que no acepta otras reglas que las suyas propias. Lo que le importa es obtener lo que desea, meterse en el mundo de los hombres y ganarles en su propio juego. En el transfondo está, por supuesto, su profunda vulnerabilidad emocional. Ordena y organiza imperiosamente las actividades del pequeño grupo: Al día siguiente, decreta, se irán al mar. Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 01 Simón Brainsky L. Jules le cuenta a su amigo que su amante es hija de un aristócrata francés y de una madre inglesa. Enseña inglés con particular interés en la obra de Shakespeare y además es campeona de natación. Catherine abarca siempre más de un mundo. Suena el clarinete, expresando todavía una visión lúdica de la existencia. El narrador omnisciente, presente en toda la película, que lee fragmentos de la novela de Henri-Pierre Roché, nos cuenta que Jim consideraba sin vacilaciones, que ella pertenecía a Jules. La sonrisa de Catherine, sin embargo, expresa claramente que ella no pertenece a nadie. Nadie es su dueño. Desde la aparición de la estatua hasta la descripción de Catherine mucho gira alrededor de su misteriosa sonrisa. En la sonrisa y en los ojos de Jeanne Moreau se detecta mucho de algo parecido a lo que estereotipadamente se llama "el eterno femenino" que el niño intenta captar por primera vez en el resplandor existente en la organización gestáltica ojos-sonrisa de la madre y sin que y como señala Meltzer, jamás poder capturarla del todo. Catherine - es también un poco madre, a la vez presente e inasible y plasma para Jules y Jim, el misterio primigenio de la existencia misma. De aquello que surge de la esencia de la mujer. En preparación para el paseo, Jim le lleva la bicicleta y la ayuda a empacar. Entretanto ella quema papeles donde ha escrito mentiras que se le podrían ocurrir o de las cuales podría ser víctima y por supuesto, produce un pequeño incendio. Siempre produce irremediablemente pequeños o grandes incendios sin que le importe mucho el riesgo de quemarse ella misma. Permanece tranquila frente a las llamas en tanto que él las apaga y limpia las cenizas. Se escucha en la música el tema propio de Catherine, romántico, nostálgico y más bien triste. Catherine planea llevar al paseo un frasco de vitriolo destinado a "ojos mentirosos". Jim la ayuda a cerrar los botones de la espalda de su vestido; observa por primera vez su nuca y en medio de la inocencia se empieza a presagiar un romance entre los dos. La escena se centra en el tren en el que viajan. Buscan y encuentran una casa grande. El narrador nos la describe. No tiene muebles y es muy espaciosa. Inferimos que la villa representa simbólicamente la vida concebida como una gran casa blanca, dotada de grandes espacios y que se puede habitar todavía con los propios sueños e ilusiones, aún no construidos del todo, y por tanto lejos de la posibilidad de ser implacablemente destruidos. Los tres cómplices caminan rumbo a la playa y la recorren. La música de Delerue expresa ahora la alegría de la fiesta y, suavemente, la inminencia de los negros nubarrones que se avecinan en el horizonte de ellos y en el del mundo entero. Buscan y recogen objetos en apariencia inútiles, tales como trozos de llantas, hojas, cigarrillos, un trozo de porcelana vieja. En realidad, están poblando el 1 02 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut escenario de su propio teatro. Las cosas representan aspectos de sí mismos, que comienzan a guardar como recuerdos de una despedida que inconscientemente ya anticipan. Jules y Jim, como se ha dicho, visten siempre de manera muy parecida; son hermanos en un contexto de fraternidad europea universal, sienten de modo muy semejante, pero cada cual tiene su identidad definida. Nunca podrían ser intercambiables. Catherine busca en ellos, a pesar de las apariencias, satisfacer necesidades proyectadas muy específicas. Jules le pregunta a su camarada si debe casarse con ella. Este le responde que no está seguro de que ella esté hecha para la estabilidad. Jules va siempre más allá de su propia necesidad porque capta más la diferencia y tiene más consideración por el otro; es más integrado y por tanto puede entregarse más que los otros dos. Los hombres tienen que alzarla y llevarla cuando se cansa en sus paseos. Lo hacen gustosos. Como siempre, admiten que haga trampa, que imponga y rompa las reglas del juego porque, al menos físicamente, es aparentemente más frágil. La fortaleza de ellos dos proviene de tres fuentes: la de cada uno como persona, la que viene su amistad, y la que nace de su relación con Catherine. Ella es el aglutinante que completa la síntesis del yo de los dos. Catherine habla seriamente sobre un libro que plantea que el cielo es una esfera vacía que contiene una burbuja contra la cual todos van a estrellarse. Ellos no le prestan demasiada atención, embebidos como están en un juego rudo de camaradería y ella, que se sabe el centro de todo, pero que necesita las evidencias, se ofende. Jules le propone matrimonio, más bien a sabiendas de la situación en la que se está metiendo. Espera su respuesta al día siguiente y le promete que, en caso de no obtenerla, repetirá su oferta en cada cumpleaños. Catherine duda. Le dice que él ha conocido pocas mujeres en tanto que ella ha confrontado y manejado muchos hombres. La cámara se desplaza al interior de la villa. Los dos hombres juegan dominó ligados por su muy fuerte relación masculina. En ocasiones Jules y Jim creen que se pueden dar el lujo de ignorarla. Ella jamás se puede dar el lujo de ser ignorada. Quien lo haga, lo hará a su propio riesgo. Les cuenta que soñó que se encontraba con Napoleón en un ascensor y que cuando aprendió el Padre Nuestro pensaba que era su propio padre, a quien veía pintar en el cielo un mundo construido para ella. Ellos no se ríen, concentrados en su actividad. Catherine insiste: ¿Quién le rasca la espalda? Jules le contesta con frivolidad que Dios rasca a quien se rasca. Ella le propina una sonora cachetada, bromeando tan sólo a medias. El se desconcierta inicialmente y luego decide reír, negando la amenaza real que conlleva su bofetón. Ella se une a la risa. Ellos le han enseñado a reír. Sucede empero, que la muchacha no tiene el sentido del humor de sus admira- Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 03 Simón Brainsky L. dores. Todo lo que tenga que ver con ella es serio siempre. A diferencia de ellos, Catherine nunca se puede reír de sí misma. En la cara de los tres comienza a esbozarse el límite entre la comedia y lo trágico, como si no se supiera bien hacia dónde se inclinan los acontecimientos. Jules y la mujer son cada vez más pareja, sin que Jim se sienta excluido. Llueve, por lo que Catherine decide que al día siguiente volverán a París. La cámara rápida y una música más movida, marcan el retorno a la ciudad y el paso del tiempo. Jim ha vendido su libro y trae regalos: un rascador de espalda para Catherine, un cuadro de Picasso y sombreros para todos. Además, tiquetes para el teatro. Jules pone el reloj de arena que mide su tiempo, para saber cuándo hay que alistarse para salir. El narrador omnisciente nos cuenta en off que Jim veía a sus amigos con frecuencia y que en este momento no hay envidia ni celos que opaquen la felicidad de los tres. Van al teatro; a ella le gusta la obra, porque la protagonista, con quien se identifica, quiere ser libre a toda costa. A ellos no les entusiasma. Jules se embarca con seriedad teutónica, en un discurso altisonante, más bien misógino. Cita a Baudelaire y sentencia que la mujer debe ser siempre e irremediablemente fiel en tanto que el hombre gozaría de mayores libertades. Jim se inquieta; no necesariamente comparte sus tesis. Catherine le dice entonces que proteste. Un poco casualmente y sin mucha fuerza, él dice: "protesto", frente a lo cual Catherine, como siempre, va mucho más allá y se lanza al río Sena. La mujer, y en esto reside gran parte de su fuerza, siempre, está dispuesta a ir más lejos. La protesta en el río, crea una nueva situación distintiva. En Jules aumenta el temor reverencial que siente frente a Catherine, en tanto que Jim la respeta más ahora, por la fuerza con la que defiende sus propias convicciones. Catherine concerta con Jim una cita en el café donde se reúnen habitual-mente, a una hora determinada. Por primera vez desde que se conocen, Jim la piensa profundamente, como si la descubriera nuevamente y medita con seriedad sobre el enigma femenino que la envuelve y que transmite. Jim la espera en tanto que reflexiona sobre ella. Casi una hora más tarde se va. Ella llega, elegante y segura: estaba en la peluquería. Se desilusiona. Por lo que parecería ser casualidad o azar, y que en realidad es una mezcla de ambas cosas, no se encuentran. Pero detrás de lo que el destino no quiso, siempre hay características que nos pierden o nos rescatan: el desencuentro entre Jim y Catherine tiene que ver con la "nonchalance" femenina de Catherine y con una cierta impaciencia y exasperación premonitoria por parte de Jim. En el interior del café donde están citados Jim y Catherine, Truffaut crea un ambiente especial en la que el director destaca como pequeñas joyas, escenas en las que cuenta rasgos dicientes de los personajes periféricos y de los centrales, 1 04 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut utilizando las conversaciones que hay a su alrededor. Con esto contribuye a plasmar la atmósfera de la cual surgen sus héroes protagonistas. Así, nos muestra un hombre que orgullosamente comunica al mundo circundante que carece de sentido del humor. Sabe que existe puesto que lo ve en su esposa y en los amigos de ella. Otro de estos personajes es Thérése, la muchacha locomotora que fumaba hacia fuera, y un borracho más bien simpático. Los carteles y afiches del café son de Toulouse Lautrec, y Picasso. El ambiente es alegre, optimista y vital. Jim dormita y fantasea, probablemente con Catherine. Suena el teléfono: es Jules. El y Catherine se marchan a Austria a casarse. La cámara nos muestra dos dimensiones simultáneas, que dividen la pantalla, en tanto que transcurre el diálogo telefónico. Sin embargo, y como siempre, el espacio que van a construir Jules y Catherine no deja por fuera al amigo, quien, a su vez, se entusiasma genuinamente con la noticia y comparte la alegría de Jules y la de su prometida. "Bravo!" les dice Jim. Hablan de la cita fallida y Jules observa, con cierta suave ironía que el tiempo de ella es optimista. Aparecen paralelamente planos alternados de los dos apartamentos. Uno se queda pensando si la cita, de haberse llevado a cabo, hubiera cambiado en algo, el equilibrio, el juego de fuerzas. Catherine pasa al teléfono y le dice que está muy contenta porque Jules le va a enseñar boxeo francés. Jim contesta, bromeando sin agresividad, que se trata de un boxeo francés con algo de acento austríaco. Jules, indignado jura en un francés más alemanizado que de costumbre, que carece completamente de acento. Su pronunciación, afirma, es excelente y para aclarar que jamás será extranjero en Francia, recita las palabras de la Marsellesa marcando el ritmo con sus brazos. Declama el himno, cada vez más fuerte y con acento más marcado. Su canto se va desvaneciendo a medida que emergen los noticieros documentales de la movilización general de 1914 e irrumpe la Gran Guerra, comienzo del fin de la civilización europea y de sus felices espejismos. Lo individual se va diluyendo en la tragedia colectiva que empieza para siempre. Cada uno es enrolado en su bando. Cuando se ven en el documental de guerra soldados alemanes matando y/o apresando poilus franceses, o a la inversa, uno piensa inevitablemente, que podrían ser Jules y Jim asesinándose. Tal preocupación será explicitada dolorosamente en la película por ambos protagonistas. La inquietud, basada en realidades externas, tiene sus fundamentos en la ambivalencia presente en toda relación humana. Las pequeñas rivalidades que se pueden presentar entre dos hombres amigos, particularmente si aman a la misma mujer, se agigantan como fantasmas que emergen del inconsciente. De allí que los temores de Jim y Jules, que se quieren como hermanos, correspondan también al horror frente a la posible realización de deseos prohibidos, reprimidos e inconscientes. La guerra, además de cualquier otra cosa que sea, es tam- Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 05 Simón Brainsky L. bien la emergencia y la actuación de pulsiones y fantasías de lo destructivo y tanático dentro de cada uno de nosotros. Poco a poco, en las trincheras se instala vina rutina y una semblanza de vida normal y algo parecido a una cotidianidad de lo espantoso. El ser humano, dice Dostoiesvsky, en "La casa de los Muertos", se caracteriza sobre todo, por su capacidad de acostumbrarse a cualquier cosa, por dramática que sea. De lo colectivo, de las trincheras, va surgiendo lo individual. El documental nos muestra distracciones en el frente: una obra de teatro/por ejemplo, o un zuavo bailando una danza que resulta siendo grotesca. Jim consigue finalmente un permiso para ir a París y pasa un tiempo con Gilberte, su amante. Le comenta su temor de matar a Jules y, por otra parte, manifiesta sus planes de casarse con Gilberte. Jim sí concibe un futuro sin Catherine Aparecen otros planos de guerra y de nuevo emerge, del otro lado, Jules escribiéndole a Catherine en alemán y contándole cuánto la echa de menos, sobre todo cuánto anhela su cuerpo. Ahora no piensa en su alma, puesto que ya no cree en el espíritu. Va a ser trasladado al frente ruso. Será duro, pero está contento y siente alivio por alejarse de Jim, pues también él teme matarlo. Continúa la guerra, y vemos la tierra violada y asolada. Hay un asalto francés, ya menos pleno de "élan vital" y probablemente destinado al fracaso sangriento, como tantos otros, vemos y escuchamos ataques con morteros, granadas y cañones que arrasan el paisaje. Se acaba la guerra y nuestros dos héroes sobreviven. La tierra fértil, húmeda que había dado origen a los personajes y a sus hermosas emociones y aspiraciones, es ahora un erial. La serpiente ha ingresado en el paraíso. De ahora en adelante nada será igual. La inocencia se ha perdido y una vez perdida nunca es recuperable, a pesar de que se intente reinvestirla con energía psíquica.1 La voz del narrador, en off, nos explícita que el país de Jules perdió la guerra en tanto que el de Jim la ganó. La verdadera derrota es que se ha estropeado algo de su decencia básica. La verdadera victoria es que ambos están vivos. Re-establecen su comunicación a través de un país neutral. Ahora Jules y Catherine tienen una hijita, Sabine y viven en un pequeño chalet cerca del Rin. Jim irá a visitarlos. 1. Desde el punto de vista de la metapsicología psicoanalítica, la inocencia o cualquier otro objeto o función se puede perder a nivel del sistema preconsciente-consciente.en cuyo caso se los puede recuperar parcialmente como sucede en las neurosis. Se pueden perder el objeto y la función en el plano topográfico imaginario de la representación inconsciente: lo que Freud llamó "la cosa" (Freud, 1915) que se acerca a la esencia verdadera del ser y de la representación inconsciente del Otro dentro de uno como pasa en el psicótico. Eventualmente el psicótico intenta recuperar el objeto perdido (en este caso la inocencia que supone un mínimo de fe en los demás), pero fracasa. Crea entonces a cambio de lo ¡do, producciones más regresivas y cargadas de odio. En la guerra se pierde algo medular que tiene que ver con lo civilizado y con el respeto por el prójimo. Después de la Primera Guerra Mundial en Europa, esta pérdida produjo como resultado regresivo, entre otros varios, la barbarie nazi. Es inevitable pensar que entre nosotros, Colombia 1999, una vez perdida por la guerra la representación inconsciente del respeto por la vida humana, el rescatarlo será una labor dura, difícil y que exigirá el trabajo de reconstrucción y de reparación de generaciones. 1 06 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut Catherine y su hija esperan a Jim en la estación de ferrocarril del pueblo. Catherine le dice que Jules lo espera, pero Jim siente que tan sólo ahora ha llegado a la cita que tenía con ella en el café de París, cinco años atrás. La música de Georges Delerue, se torna suave y a medida en que se va dando la acción, recapitula la dulzura de las vacaciones, el tono siniestro de la tormenta y el romanticismo amenazado que va emergiendo. Jules y Jim se encuentran en el chalet y se precipitan sin pudores, uno en brazos del otro, en un abrazo silencioso. Jules dice "Usted no ha cambiado Jim" y Jim replica "Usted no ha cambiado Jules". Catherine, por su parte, aferrada a la noción de que su mundo es inmutable, afirma que en realidad nadie ha cambiado, pero de hecho todos se han transformado debido al odio desatado que ahora anida en sus corazones y que intentan neutralizar con su inmensa reserva erótica. Reanudan una existencia conjunta, cotidiana y aparentemente doméstica; parecería que constituyen una familia extensa, una gestalt y Truffaut enfoca su cámara sobre cada uno de ellos y luego en el conjunto. No hay posibilidades de comprenderlos sino en función del todo y al todo sólo se lo puede entender en función de cada uno de ellos y de su vínculo. Como lo señala Abello (1998), en un hermoso poema, forman una unidad que la figura singular no puede separar. Los dos amigos toman cerveza juntos y comparten el silencio. Jules se dedica ahora, sobre la base de su profundo amor a todo lo vivo, a estudiar las plantas y los insectos, y por tanto, siempre consecuente, ha dejado de fumar. Ambos destacan la hora: la una y veinte. Siempre, comenta Catherine, a la cadencia de los veinte minutos antes o después de la hora, pasa un ángel. El ángel bien puede corresponder al destino incierto que les espera. "Así pues, crápula, dice Jules, ha ganado la guerra?" Jim le responde que hubiera preferido ganar la familia y la estabilidad. Cada cual es un poco el otro. La familia de Jules es, inevitablemente también la de Jim. El equilibrio aparente de Jules, su hija y su inmersión en el mundo de los insectos, le proporcionan un plan vital. Su amigo busca el suyo con cierta certidumbre tranquila: planea hacerse diplomático, tal vez y escribir. Para Catherine es distinto: hace todo lo que hay que hacer, pero no encuentra su camino; no se ha descubierto. Quizá la condición femenina de Catherine sea un no descubrirse bien sino a través de la mirada de los hombres que la aman y para quienes ella misma es luz, guía y musa. A su vez, la intensidad del amor de ellos la han condenado, quizá, a no poderse descubrir ella misma. La guerra ha dejado a los hombres fatigados y agobiados, pero ciertamente saben ya que hay un límite a las cosas: el ser humano no progresará linealmente y para siempre gracias a la ciencia y a la razón. Por mucho que se quieran, su amistad no conllevará la paz y la fraternidad por los siglos de los siglos amén. No todo es factible. La vida comienza y termina y es menester vivirla con una cierta distancia irónica. Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 1 07 Simón Brainsky L. Catherine no entiende ni acepta este tipo de constricciones. Lo quiere todo. Es apenas lo que le es debido. Tiene por su parte, otro tipo de sabiduría. Sabe que todo es esencialmente pasajero y que es imprescindible atraparlo, disfrutarlo y padecerlo mientras dure. Quiere un hijo de Jim para afianzar su unión, pero parece no registrar que Sabine, hija de Jules, no ha estabilizado realmente su relación con su marido. Catherine le enseña la casa a Jim. Ella y Jules no comparten la misma habitación. Tienen espacios separados, con lo cual la mujer ratifica su propia independencia y deja entrever su desasosiego. En lo exterior, todo parece proseguir en paz y como antes. Juegan juntos, miman a Sabine, quien se ha vuelto muy cómplice de Jim, se ríen, son la felicidad misma, en fin. En el transfondo, empero, el paisaje ensombrecido y la música interpretada por cuerdas y clarinete, anuncian, una vez más, como heraldos negros, que algo triste, quizás trágico, se cierne sobre ellos. El narrador omnisciente nos cuenta, en off, acompañado por la cámara, nos muestra cómo los dos amigos juegan dominó como de costumbre y hablan de nuevo sobre sus experiencias de la guerra. Reencuentran su intimidad. Mientras tanto Catherine cose y se ocupa de Sabine. Desde la mesa donde juegan, surge una panorámica que muestra a Catherine como si los dos hombres la miraran tal y como hubieran deseado verla. Un poco doméstica, un tanto más tranquila, mucho más aferrada a su vida con Jules y Sabine. Suena suavemente la música, mientras ella se retira y en el cuarto de Jules, que es un poco su propia guarida, Jim afirma que el matrimonio y la maternidad hacen a Catherine un poco menos formidable. Jules lo pone en guardia. Cuando todo está bien, algo carcome a Catherine y surge siempre lo inesperado; lo que derrumba las cosas. La culpa, que rara vez siente conscientemente, la destruye hacia el adentro, como consecuencia de la compulsión a la repetición tanática que proyecta en sus hombres. De la misma manera su enorme capacidad de goce erótico la rescata, los rescata a ellos y dota de un significado emocional más profundo a sus vidas y aún a su amistad misma. Ella siempre puede traicionar un poco, puesto que siempre ha pedido de antemano, perdón al buen Dios. En esto reside su mecanismo de anulación: a veces peca y expía y otras, expía con anticipación, para permitirse pecar. Jules previene a Jim: nos va a dejar, sin que se sepa bien si este "nos" se refiere a Jules y Sabine o a Jules y Jim, o a todos juntos. Pero esta es Catherine, la mujer de la estatua, la madre tierra de la cual emana un brillo que ilumina la vida misma. Está allí siempre, pero nunca está del todo, y si por algún motivo siente que se la toma da por sentado o si no encuentra en los ojos de los hombres su reflejo narcisístico grandioso, se marcha al interior de sí misma y funciona en los términos propios del proceso primario inconsciente, es decir, se mueve por des- 1 08 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut plazamientos y energía psíquica no ligada En ella siempre hay un componente de fuga y búsqueda que se opone a la estabilidad burguesa, a estar atada, a lo que siente como domesticación. Toma amantes cada vez que se siente herida (y se siente herida con frecuencia) a manera de venganza y como una especie de bofetón en el rostro de la autocomplacencia virtuosa de los hombres. Reaparece Albert, el cantante y poeta que había descubierto la estatua y quien se las dio a conocer a los amigos. Con su aparición hay un cambio de plano a exteriores y la luz que juega con el chalet en medio de la noche parece reflejar sentimientos y pensamientos más oscuros, relacionados con el abandono. Albert ha sido herido en la guerra y su reencuentro con Catherine parecería casi casual. Quiere casarse con ella y llevarse a Sabine. Aparece como una especie de cómplice de Catherine y como un antagonista. Jules y Jim no corresponden al esquema héroe-antagonista, puesto que se complementan todo el tiempo, sin odiarse y casi sin chocar. Catherine es más bien la antagonista de ambos y en ella se condensa la atracción de los opuestos. Ella sabe que es la poseedora del sentido de la vida y que al retirarse, al irse, se lleva la esperanza misma: el sentido emocional de las cosas. De allí que además del miedo primario al abandono, el terror de Jules y la aprensión de Jim tienen que ver con que de desparecer Catherine, perderían la dirección existencial que su universo conserva aún, a pesar de la guerra. Truffaut plasma esta introspección al mirarlos desde afuera en su intento de entender y explicar la condición humana a través del lenguaje del cine, pero sin alejarse excesivamente de los rasgos, fortalezas y debilidades de las personas que tan brillantemente captura. Albert ha compuesto una canción especial para Catherine y la acompaña con la guitarra mientras ella canta. La canción se llama "El Torbellino" y se vuelve el canto estandarte de lo que es y representa Catherine. El protagonista de la canción es un hombre que canta sobre una mujer adornada con anillos y brazaletes, dotada de una voz seductora que desde el comienzo lo confundió, de ojos de ópalo, en su rostro pálido de mujer fatal, que efectivamente le fue fatal. La vida los une y los separa una y otra vez. Ella siempre reaparece y en medio del remolino intoxica y arrastra al hombre con la promesa, no demasiado firme, de esta vez sí compartir su vida. Siempre está segura porque sabe que nadie más puede dar lo que ella proporciona. La voz en off nos cuenta que a pesar de su tristeza por Jules y de su solidaridad con él, Jim no puede juzgar a Catherine. No ignora que saltaría sobre los hombres, como se precipitó al río Sena cuando algo le pareció injusto. Aparece el interior de la cabaña y Jim y Catherine tienen finalmente un encuentro claramente amoroso. El narrador omnisciente nos cuenta que no se hablaron. No necesitaban las palabras. Se descubren lentamente y cuando hacen el amor, cuando los cuerpos se hacen uno, Catherine experimente plenamente Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 09 Simón Brainsky L. júbilo y curiosidad. Jim está encadenado. Las otras mujeres ya no existen para él. Entre tanto, en la terraza del chalet y en la mañana Jules y Sabine, en una especie de pareja contrapuesta desayunan y juegan dominó. Catherine informa a Jules que le ha pedido a Jim que venga a vivir con ellos en la casa. Jules, por supuesto, accede. Mucha agua ha pasado bajo los puentes desde que Jules advirtiera a Jim: "pas avec celle lá Jim...". Ahora sabe que la única esperanza de conservar de alguna forma a Catherine pasa a través de Jim, pero más aún comienza a temer por la vida misma de ella. Si muriera el universo perdería su significado. En una pequeña escena muy cargada simbólicamente, Catherine despide a Matilde su empleada. "Lo haré sola". Intentará manejar su mundo con Jim, por una parte y Jules y Sabine, por la otra. Catherine se da cuenta de que el arreglo mismo puede convertirse en una farsa, pero no encuentra otra manera de hacerlo. Mientras le muestra su cuarto, Jim que va atrás le dice una vez más., que ama su nuca, que se convierte para él en una especie de fetiche. Hay, sin embargo, una explicación. Es la única parte de ella que puede mirar sin ser visto. Puede observarla sin ser desarmado por la mirada implacable de Catherine (ce curieux sourire qui m' ávait tant plu) Es un poco, temporalmente, dueño de ella. En tanto comienza una especie de vida conyugal con Jim, éste le pregunta sobre el destino inmediato de Jules. Catherine responde lo que ella desearía que sucediera y lo que, en ocasiones y hasta cierto punto logra como realización de deseos, por su peculiar y fuerte manera de ser, de acuerdo con el principio del placer. Para ella desear es lograr. Nos ama a los dos, dice, no se sorprenderá, sufrirá menos así y nosotros lo amaremos y respetaremos. Las escenas siguientes parecerían plasmar esta realización de deseos: están sentados en la terraza de chalet, todos se aman, todos se respetan, todos son una familia, Sabine es hija de todos, y todos disfrutan sus monerías. En el pueblo, al fondo del valle, los llaman "los tres locos", pero los quieren bien. Catherine se mueve en la escalera que representa simbólicamente el devenir de su propia vida. Ama a Jim, quien parece proporcionarle un sentido nuevo de la vida, pero no ha dejado de querer a Jules, cuya presencia sólida y constante necesita. Para Catherine el amor no dura sino un momento, pero para ella ese momento vuelve una y otra vez en una especie de eterno retorno. La vida de nuestros héroes se convierte en una continua vacación; en una especie de eterna adolescencia que marca la película y a Truffaut mismo. Tanto la obra como su autor son adolescentes: en la adolescencia no importa mucho el pasado y el futuro casi ni se contempla, excepto como una especie de feliz extensión de lo que está sucediendo en el ahora. Cualquier reflexión demasiado profunda conllevaría ideas intrusas que traen consigo la tristeza, la depresión y el abandono. 110 Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut Por otra parte dice el narrador, (que corresponde a Truffaut y a Henri Pierre Roché), que la felicidad se cuenta mal y se usa sin percatarse de ella. En Truffaut, y en particular en "Jules et Jim" o en "Disparen sobre el pianista" esto se refleja en su modalidad de trabajo que constituye, siempre, una especie de comedia melancólica. La felicidad se experimenta pero se sabe que no durará y que tiene un fondo triste abriéndose paso a medida que la felicidad se desvanece y se transforma en un recuerdo dulce de aquello que pudo haber sido. De nuevo cambia el orden y el posicionamiento relativo de los jugadores en relación con el juego mismo, puesto que éste como tal, no se modifica. Ahora es Jim quien se balancea en una mecedora, en tanto que Catherine seduce de nuevo y sin demasiadas dificultades, a Jules. Lo quiere y necesita de nuevo ahora. Y ahora para ella es siempre, hasta que cese de serlo. Sin embargo los celos de Jim a pesar de que sabe que no tiene derecho a sentirlos, son diferentes a la aceptación incondicional de Jules y Catherine lo percibe. Pasean por los valles y las montañas en completa armonía. La música se alterna entre la poesía de las vacaciones y el tema de la Tormenta, interpretado por el clarinete. Juegan como niños, como hermanos. Lanzan piedrecillas al lago, aprenden a hacerlas saltar en el agua y parecería que el cielo se acerca al valle. Viene, sin embargo al caso la frase de Durell en Justine, "Me siento como si estuviera acostado entre el cielo y la tierra, mirando por el ojo de una aguja". Jim debe viajar a París. Lo hace sin alegría. Catherine y él temen que se rompa el delicado tejido urdido en el transcurso de las vacaciones. Hablan de casarse y de tener hijos. Jim le pide a Jules que cuide de Catherine. La escena se desplaza a París donde Jim y Gilberte su novia-amante conversan en un café mientras suena un fox trot en una pianola. Jim le cuenta a la muchacha que se casará con Catherine, que Jules está de acuerdo en concederle el divorcio y en ayudarle a conseguir un trabajo en Alemania. Gilberte se levanta y se va. Molesto, Jim intenta seguirla pero se topa con otro de los antiguos juguetes de su propio París adolescente: Thérése, antigua anarquista, cortesana ocasional, cuyo truco más llamativo es fumar al revés. Ella le cuenta las aventuras de sus quince días de vacaciones, en una especie de tiovivo que ha perdido el control. Tenía un novio a quien traicionó para comprarle una pipa, fue raptada por un enamorado, se escapó. Se marchó con otro y trabajó sin mayores problemas en una casa de lenocinio en Cairo, fue perseguida por la policía; la salvó un inglés. Volvió a su pueblo. Se casó, se divorció; volvió a casarse. Finalmente encontró al hombre que jamás puede traicionar porque no le deja ni el tiempo ni la fuerza. Ahora escribe sus memorias que son ampliamente publicadas y "respetadas". Se encuentran con viejos amigos, que por supuesto, le preguntan por Jules, sin que Thérése se inmute en lo más mínimo o interrumpa su relato. Thérese es una especie de caricatura de todos ellos y del París inocente y corrupto a la vez, que vivían Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Simón Brainsky L. 111 sin que fuera canallesco. Ahora Thérese se ha vuelto respetable. Otro amigo más le muestra su amiga bella y totalmente vacía. Nunca habla; es un bello objeto. Es el sexo puro. No despierta en Jim el menor interés. Jim, acostado con Gilberte, trata de explicarle a su amante, la esencia de Catherine. Ella tiene que hacerlo todo; jamás quiere hacer daño y si se equivoca Io asume: es su camino a la sabiduría. Gilberte, no particularmente impresionada, le dice, con cierto sarcasmo, que esto puede tomar un tiempo muy largo. Acepta sus celos y le ruega que no se vaya ese día. Jim cede. No puede dejar a Gilberte, así como Catherine no puede abandonar a Jules. Se restablece una especie de equilibrio. Catherine se desespera y duda a veces del amor de Jim. Este tiene que efectuar demasiadas despedidas y llevar a cabo demasiados protocolos, antes de precipitarse del todo en sus brazos. Jim vuelve y Jules Io espera. Un poco molesto le cuenta que Catherine no está contenta con sus cartas y sus adioses. No resiste las ausencias. El viaje de Jim ha sido largo y Catherine, frente a la duda, siempre va más allá: se ha marchado, sin explicación alguna. Estalla frente a la frustración y frente a la duda, impulsada por Io que Jules considera su inocencia. Un poco molesto Jim le dice que habla de ella como si fuera una reina y Jules le responde que por supuesto Io es. No es especialmente bella, ni inteligente, ni sincera. Pero es una verdadera mujer, la que todos amamos y deseamos, puesto que nos concede el regalo de su presencia; requiere la atención más absoluta, la debida a una reina. Jim está parcialmente de acuerdo pero tiene sus reservas y por sobre todo teme que el daño que la relación con Catherine pueda causar, estropee irremediablemente la amistad de ellos dos. A veces siente celos de Jules y rabia porque este no los experimenta. Jim decide marcharse, pero, por la ventana aparece el rostro enigmático de Catherine precedido de su misteriosa sonrisa, a la manera del gato de Cheshire. Vuelve. Siempre vuelve. No hace el amor con Jim, pero le recuerda que a cada pequeño asunto del hombre, ella responde con un pequeño asunto propio; que a cada pequeño adiós necesario para entrar al mundo de ella, ella contrapone pequeños adioses propios. De quedar embarazada ahora, no sabría si el niño es de Jim. Reclama para la mujer una libertad simétrica absoluta. Es la única manera de recomenzar, de reiniciar en ceros. Esperarán entonces ligados por su propia castidad, el momento preciso en que puedan concebir un hijo de los dos. Sin dudas. Sin reservas; sin trampa alguna. El ginecólogo les recomienda mucha paciencia pero la paciencia no es ciertamente una virtud de Catherine. En el fondo, sabe que nunca tendrá' un hijo de Jim. La cámara se aleja del chalet en un traveling inverso que muestra como se aleja para siempre la felicidad con la que sonaban. A la larga, Catherine abandona a Jim y todas las pequeñas diferencias entre 112 Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut ellos se agigantan como pesadillas proyectadas al futuro. Deciden separarse por tres meses pero saben que será definitivo. Jim sufre ahora y Catherine encuentra este sufrimiento razonable. A ella ya le llegará su turno después. Vuelve al cuarto de Jules y le explica que puesto que no está segura de que Jim la ama, tiene que vengarse. Teme el desprecio de Jules, pero se da cuenta una vez más de que el amor de Jules es incondicional, suceda Io que suceda, haga Io que haga. Frente a esto la muchacha le jura con convicción momentánea que serán felices, que quiere quedarse con él y con Sabine, y aún con los pequeños hijos que tendrá Sabine. Jules es dichoso de todas maneras, por el solo hecho de la existencia de ella que padece y goza plenamente. Esto nunca cambiará. Paradójicamente, es el más libre de los tres y tiene además a su hija. A la mañana siguiente Jim parte. Catherine Io acompaña hasta la estación. La niebla Io envuelve todo. Los horarios de los trenes han sido modificados por el otoño, la estación de las hojas muertas. Entran al cuarto de un hotel. Catherine odia los cuartos de hotel; ella no es especialmente moral, pero detesta lo clandestino. Frente a un espejo Catherine se quita el maquillaje mientras Jim la observa. Ella se quita la máscara; cambia de persona, en el sentido del teatro. Como Nora Elmer, en "Casa de Muñecas" de Ibsen, se quita el disfraz. En este cuarto de hotel, triste y frio, se aman una vez más, como poniendo un punto final; como enterrando su amor en un acto frio, tajante y definitivo. La despedida misma es seca y los sentimientos se reprimen. Parecería que todo se acaba. Jim está enfermo en Paris, acompañado de Gilberte, quien le entrega una carta de Catherine en que le cuenta que quizás está encinta y le pide que vaya. Pero Jim se niega; no cree que su última relación patética haya logrado Io que no pudo su más fiero amor. Jules y Catherine, a su vez, dudan que la enfermedad de Jim sea verdadera. Jules le escribe una carta diciéndole que los ojos de Catherine están cansados y que espera una carta de Jim, que escriba con letra grande para que ella pueda leer. La visión de Catherine, siempre precisa en Io que concierne a los sentimientos de sus hombres, se empieza a hacer borrosa. Entre tanto, Jim le pide a Gilberte, que sale a la calle, que le envíe una carta. Simultáneamente, ella le entrega una de Catherine en la que ella le cuenta en tono jubiloso que está embarazada, que está segura que el hijo es de él y le suplica que le crea y que le responda. Jim, empero, no alcanza a detener a Gilberte y la carta que ha enviado expresa todas sus dudas, sus vacilaciones y su propia fatiga con todo el asunto. Al recibirla, Catherine también se declara hastiada. Sucede Io que siempre ha sucedido desde la cita en el café, anos atrás: en los momentos claves hay un desencuentro. Jim recibe otra carta de Jules en la que le cuenta que Catherine perdió el niño y que ahora ella solo desea el silencio y la distancia entre ellos. Jules reflexi- Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 113 Simón Brainsky L. ona y dice lo que podría ser la frase más característica de la película: "jugamos con las leyes de la vida y perdimos". Un día Jules trae una invitación de Catherine para dar un paseo en auto; por cortesía, ha invitado también a Gilberte quien, por supuesto, no va. La excursión en Catherine representa siempre el viaje; la expedición; la búsqueda de praderas más verdes; el intento, a veces desesperado, de provocar un cambio a toda costa. Los amigos la encuentran de excelente humor y tratan de evitar hacer nada que la moleste. Para Jules ella debe manejarse siempre como entre algodones, lo que a la larga les resulta fatigante, a pesar de su amor incondicional. Catherine saluda a Jim con alegría cordial y un poco impersonal, como si fuera un conocido a quien aprecia. La heroína, de muy buen talante, arma su pequeño hatillo de vagabundo y termina visitando a Albert y anunciando a los dos amigos que pasará la noche con él. La historia se repite pero, al menos para Jim, es evidente su componente teatral. La filosofía de Catherine de que al menos uno de los dos miembros de la pareja debe ser fiel siempre (y por supuesto no se refiere a sí misma), lo cansa cada vez más. Se aleja del automóvil en el que venían y un poco de todo el enredo y le cuenta a Jules que se casa con Gilberte. Su compañero considera esto razonable. Cuando algo se acaba, acepta con tristeza, se acaba. Las cosas, sin embargo, no son tan fáciles con Catherine En la noche maneja su auto en la plazoleta donde viven Jim y Gilberte. Jim observa el carro y la voz del narrador nos cuenta que lo veía "como un caballo sin caballero","como un navío fantasma". Catherine llama a Jim por teléfono en las primeras horas de la madrugada. Su vida es un desierto ...se siente morir... debe ir a verla inmediatamente. El va pero condensa lo que siente en un discurso: ahora sí todo está en palabras. Todo se puede decir. El dolor de lo vivo-presente se convierte para Jim en el discurso melancólico y nostálgico de aquello que ya no es más. Destaca las bellas cualidades de carácter de Catherine, y lo impecable de sus amables intenciones, siempre tan honestas. Ella quería reinventar el amor sin hipocresías ni resignaciones falsas. Ahora no hay nada más: "les jeux sont faits". Al comienzo Catherine llora y se pregunta qué va a ser de ella, y los hijos de los dos: hubieran sido tan bellos! Rápidamente se enfurece y amenaza al hombre con un revolver, pero éste fría y calmadamente se lo quita y se marcha con la sana intención de no volver jamás. Al cabo de un tiempo los tres, inevitablemente, se encuentran en el cine. Pasa un noticiero en el que se proyecta, la quema de libros que gozosamente llevan a cabo los estudiantes nazis en el año del Señor 1933. Truffaut nos advierte sobre las sombras que se ciernen nuevamente, sobre Europa aún más amenazantes y definitivas que las anteriores. Probablemente no va a haber mucho campo para nuevos experimentos, ampliaciones y profundizaciones sobre el amor. Jim está feliz, tanto por encontrarse nuevamente con Jules, como al perca- 114 Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Modernidad, torbellino, amor y destrucción. En relación a "Jules et Jim" de François Truffaut tarse de que Catherine ya no lo impacta como antes. Jim no se da cuenta de que en el universo de ella, si él no la ama más, no tiene derecho a vivir. Mientras Jules y Jim comentan la quema de libros, que marca el final de todos los ideales en los que creyeron, Catherine comunica a Jim que tiene algo para decirle y le pide que la acompañe al auto para hacerlo. Le dice a Jules que los mire con atención. En el carro le sonríe con dulzura a Jim, tal y como si le sonriera a la muerte misma, con la que ha jugado siempre y continúa sonriendo en tanto conduce hasta precipitar el vehículo, a ella misma y a Jim, al agua. Ahora acaba todo de una buena vez. Jules acompaña a los encargados del cementerio a la cremación de los cuerpos de su amigo y de su amada. Está muy triste, pero por primera vez en mucho tiempo, tal vez desde el primer día en que conoció a Catherine no siente el terror al abandono o al engaño. Jules se aleja lentamente a medida en que va apareciendo la palabra FIN. Los protagonistas han jugado con la vida y han perdido. Han buscado una alternativa a la pareja y han fracasado. Han creído profundamente en la fraternidad y han encontrado la guerra. Han venerado la poesía y han hallado también la destrucción. Han buscado el amor para descubrir que éste se pierde siempre al encontrarlo. Su fracaso, empero, es más que honorable puesto que construyen un camino y tanto ellos como Truffaut nos enriquecen infinitamente, más allá de la equivocación, al permitirnos compartir su búsqueda. Bibliografía ABELLO, I. (1998). Inventos y Palabras Ediciones Fundación Morada al Sur, San Juan de Pasto, 1998. BRAINSKY, S. (1998). Destructividad, Luto y Sublimación. A propósito de Azul, de Krzysztof Kieslovski. Ensayo & Error Año 3 # 4 Bogotá, Abril 1998, pp.264-283. BRAINSKY, S. Psicoanálisis y Creatividad. Bogotá: Norma, 1997. FREUD, S. (1915). The Unconscious S.E. Vol.XIV. London: The Hogarth Press, 1955, pp.159-196 FREUD, S. (1920). Beyond the Pleasure Principle S.E. Vol.XVIII. London: The Hogarth Press, 1955, pp.7-64. HOBSBAUM, E. (1994). La Barbarie: Guía del Usuario en "Sobre la Historia" Grijalbo Mondadori, Barcelona, 1998, pp.253-265. MELTZER, D.; WILLIAMS, M.H., (1988). The Aprehensión of Beauty. The Clunie Press, The Roland Harris Library, Great Britain, 1988. TUCHMAN, B. (1962). The Proud Tower, MacMillan, New York, 1962. © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 115 Sobre o como e o porquê da criatividade Júlio Roesch de Campos*, Porto Alegre, BRASIL * Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 117 Júlio Roesch de Campos Estimulados pelas lacunas que constatamos existirem na literatura científica sobre o tema da criatividade no ser humano, buscamos, com um grupo de seis colegas1, nos últimos 7 anos, estudar biografias e obras de reconhecidos imortais. As considerações que seguem são alguns dos resultados desta investigação. Quando, entre os anos de 1874 e 1876, o médico, historiador e posteriormente senador italiano, Giovanni Morelli publicou seus primeiros trabalhos, onde propunha um novo método para descobrir atribuições de pinturas e esculturas dos antigos mestres, causou uma verdadeira revolução no mundo das artes. "Atribuir uma obra ou distinguir entre uma cópia e um original", raciocinava Morelli, "é uma tarefa árdua pois é comum que as pinturas não tenham assinatura, sejam realizadas por aprendizes, restauradas, repintadas ou até mesmo falsificadas".... "Para conseguir atribuir com precisão", preconizava, "é necessário abandonar as características mais óbvias das pinturas, como o sorriso das mulheres de Leonardo ou os olhos voltados para o céu dos personagens centrais de Perugino, já que estes detalhes mais evidentes são os primeiros a serem copiados. Deve-se atender aos detalhes pequenos ou mesmo ínfimos, que são realmente peculiares a cada autor". Assim Morelli se detinha na forma das mãos, dos pés, das orelhas. Seu método foi muito combatido, pois destruiu sonhos e até fortunas, ponto em risco a idoneidade de muitos acervos de museus famosos. Criticado de positivista e mecânico, foi obrigado a enfrentar detratores por muitos anos. Segundo o filólogo Cario Ginzburg, autor do trabalho "Morelli, Freud e Sherlock Holmes: indícios e método cientifico", Freud já havia entrado em contato com estes escritos quando comprou, em Milão, no dia 14 de setembro de 1898 o livro de Morelli. O ponto de partida para a investigação de Ginzburg foi um trecho do artigo "O Moisés de Michelangelo", onde Freud lhe dá credito na elaboração e no desenvolvimento do método psicanalítico. Diz Freud, em 1914 no artigo citado: "Muito antes de ter tido qualquer oportunidade de ouvir falar em psicanálise, soube que um conhecedor de arte ... provocara uma revolução nas galerias de arte da Europa colocando em dúvida a autoria de muitos quadros .... Parece-me que seu método de investigação tem estreita relação com a técnica da psicanálise que também está acostumada a adivinhar coisas secretas e ocultas a partir de aspectos menosprezados ou inobservados, do monte de lixo, por assim dizer, de nossas observações". Segundo Ginzburg demonstra através de exemplos, era a mesma fórmula que Arthur Conan Doyle providenciava para Sherlock Holmes. E agrega: "Para Freud estes detalhes eram sintomas, para Holmes eram pistas, indícios e para Morelli características pictóricas. Nos três casos, detalhes minús1. Adriana Teixeira, Denise Souza, Ivete Fadei, Magda Barbieri Walz, Maria da Graça Motta, Maurício Marx e Silva. 118 Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Sobre o como e o porque da criatividade culos proporcionam a clave para aceder a uma realidade mais profunda, inacessível por outros meios". Novamente cito Ginzburg: "O próprio Freud manifestou a um paciente (O Homem dos Lobos) quão interessado estava nas histórias de Sherlock Holmes e quando, na primavera de 1913, um colega seu (Teodor Reik) sugeriu um paralelismo entre o método psicanalítico e o método de Holmes, Freud replicou expressando sua admiração pela técnica de Morelli". No artigo de 1919, "Das Unheimliche", Freud nos oferece uma demonstração prática do seu procedimento. Sua intenção é comprovar como alguns escritores geniais tem a capacidade de levar o leitor, sutil, mas inexoravelmente, em direção a um final esperado-inesperado, cheio de conteúdos profundos e reveladores. Diz que, ao final da novela, quando o objetivo do artista é alcançado, o leitor tem uma sensação de "Unheimliche" (que, em alemão, significa, simultaneamente, algo estranho, extraordinário, sinistro, mas também familiar). Interessante sublinhar que o mesmo Teodor Reik ajudou a Freud na pesquisa bibliográfica que fundamenta esta obra e foi o responsável pelos desenvolvimentos posteriores do conceito, quando, na década de 30, escreveu seu artigo sobre a "surpresa". Sob a denominação de "sinistro" e de "surpresa", tentam descrever a sensação que se tem no encontro com o inconsciente. Mas, na nossa opinião, nem Morelli e nem Conan Doyle nem mesmo Freud ou Reik se deram conta que estavam produzindo uma teoria geral sobre a criatividade, conceitualizando as sensações que se tem com a culminação do ato criativo. Estavam todos tão ocupados em gerar apreensões da realidade que fossem corretas e profundas que não se detiveram a pensar de onde e como são geradas os reconhecimentos corretos e profundos. Por uma feliz coincidência no grupo de investigação estávamos estudando com muito empenho a Vincent van Gogh, por ocasião do Congresso de Amsterdã, de tal maneira que parte da excitação que sentia pelo meu primeiro congresso internacional se dirigia ao museu. Compreendi muito de sua vida durante as intensas horas que dediquei ao artista. Mas foi na sala do quadro "Os Comedores de Batatas" que tive minha eureca, meu momento de compreender o óbvio, meu "Unheimliche", minha surpresa. Entra-se em um grande espaço e se vê, na parede oposta, isolado em uma posição de muito destaque, o célebre quadro. Nas demais paredes estão expostas muitos dos esboços, desenhos e pinturas que culminaram com a sua execução, mas de uma forma inusitada para os museus, pois, normalmente o acervo do museu não comporta que a história da obra de arte seja apresentada. (O conhecido fato de que van Gogh ter vendido somente um quadro em toda sua vida auxiliou sobremaneira a cunhada e seu filho, que também se chamava Vincent van Gogh, na montagem desse acervo). Já sabia que Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 119 Júlio Roesch de Campos "Os Comedores de Batatas" não era um quadro, mas quatro, como também que van Gogh havia passado, por esta época, por um dos seus períodos de produção frenética, realizando centenas de esboços, desenhos e mais de 200 quadros a óleo num período de 6 meses. O que dá a estonteante marca de quase um quadro à óleo por dia. O que eu não sabia era que toda esta produção tinha somente um único tema central. O pintor dedica toda esta série a retratar o abandono e a pobreza, tanto física como espiritual, que consumiam os camponeses da Holanda. Com certeza uma auto-referência de sua própria situação vivencial. Seu invejoso pai, seu mais ardente e explícito opositor, foi acometido por um infarto e, no curto espaço de tempo até sua morte, não deixou de responsabilizá-lo, argumentando que sua doença, como também grande parte das dificuldades que a família enfrentava, eram decorrência das preocupações trazidas pelo filho 'desencaminhado', como também um castigo por seu ateísmo e por sua obstinada negativa de seguir-lhe a carreira de pastor em uma inexpressiva igreja de um lugarejo do interior. A visão das tentativas preliminares me ajudaram a compreender o processo interno que obrigatoriamente tem que transitar para que uma obra verdadeira veja a luz. Percebi, naquele momento, que eu pensava, ingenuamente, que a diferença entre um gênio das artes ou da ciência e uma pessoa medíocre residia na capacidade criadora instalada e que providenciavam a obra com a mesma rapidez com que Deus criou o mundo. Quero fazer e faço. Não é, por certo, a fórmula que usamos para compreender as vidas de nossos pacientes. Como todos sabem, nosso mais ilustre colega preconizava que somente através de uma atenção parelhamente flutuante, com uma suspensão tão completa quanto possível de críticas e de preconceitos de toda espécie, e sem prestar atenção a nada em particular do discurso ou da aparência do paciente, o analista chega a captar sua realidade. E depois de escutar muito. Compreendi que este método de deixar-se empapar pelas circunstâncias do objeto até captar a sua essência e depois reconstruí-la dentro de si, foi praticado pelos artistas desde sempre, incorporado por Morelli e utilizado por Sherlock Holmes. Esta noção de processo no ato de criar foi, para mim, uma revelação. E é o responsável pela grande densidade de informação que possui algo que chamamos "verdadeiro". Na minha opinião é esta característica de intensidade que faz a diferença de valor nas obras de arte, ou seja, o quadro "Os Comedores de Batatas" vale milhões, enquanto os estudos preparatórios valem muitas vezes menos. Por uma justiça histórica é necessário agregar que há poucos meses me inteiro que o célebre fisiologista Hermann von Helmholtz já tinha delimitado estes passos, no final do século passado, em fases denominadas por ele como impregnação, incubação e iluminação. Até aqui estivemos considerando o tema de como uma obra de arte, uma interpretação ou descobrimento científico se produz. Abordaremos agora a ques1 20 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Sobre o como e o porquê da criatividade tão do porquê. Certamente um tema complicadíssimo que admite uma série infindável de perguntas e respostas. O que fixaria, durante tantas horas, a Michelangelo, ao teto da Capela Sistina, na mesma posição, a ponto de não poder mover-se, quando quis descer e seus ajudantes virem-se obrigados a baixa-lo com cordas? É possível que seja a mesma razão que fez com que ele arriscasse seu pescoço quando contrariava o papa Leão X, aos gritos, pois se negava terminantemente a pintar Deus e Adão vestidos. Ou qual a motivação que levava Shakespeare a escrever? Quaisquer que sejam as respostas, estamos tratando com uma força muito poderosa pois conseguia, ao mesmo tempo, arrancar Dostoievsky das mesas de roleta e Sherlock Holmes dos braços da cocaína. Algo que tem o poder de tirar o sono de Freud, ajudando, ou - porque não dizer? -, obrigando-o, a entrar madrugadas a dentro escrevendo milhares de cartas e trabalhos científicos. Uma força capaz de fazer com que o arquiteto Antônio Gaudí dedicasse quase toda sua existência à construção de uma catedral ou que Raphael, já riquíssimo aos 30 e poucos anos, consumisse (literalmente) sua vida entre a pintura e a investigação arqueológica da Roma Imperial. Ou que levaria a Mareei Proust a viver em um apartamento de paredes totalmente recobertas por veludo, para que os sons e a luz provenientes da rua não interferisse em sua viajem as recordações da infância? A primeira resposta contundente tivemos com Johann Sebastian Bach. O famoso compositor provinha de uma numerosa família, muitos dos quais músicos. Aprendeu a tocar vários instrumentos e desde muito tenra idade, como também seus irmãos, participava dos saraus da casa. Todos os dias, depois do jantar, a família Bach se reunia em torno aos instrumentos e passava, segundo conta a história, momentos de grande congregação familiar. Quando os pais faleceram, aos 6 e 9 anos do músico, a forma que os filhos encontraram de tê-los sempre presentes, foi a de dar continuidade a esta tão bem encontrada maneira de terminar o dia. A partir deste conhecimento nunca mais me foi possível deixar de pensar que Bach, ao executar tão magistralmente sua música, ao compor com tamanha soltura, estava reencontrando-se com aquelas delicias de seus anos infantis. A infância de Salvador Dali teve, no grupo, um impacto semelhante. Além de ter um pai muito culto, que provia a casa dos principais títulos literários universais, era também um homem moderno se imaginamos que conseguia adquirir de Figueres, a 250 quilômetros de Barcelona, os filmes que Chaplin recém produzia nos Estados Unidos. Sua avó materna e sua mãe eram possuidoras de grande capacidade criadora e artística, dedicando horas inteiras ao prazer de brincar com o já reconhecido gênio precoce. A elas parecia gracioso que os filhos desenhassem pelas paredes da casa. Por uma amiga da mãe ficou conhecida uma frase que retrata sua aceitação tácita das "artes" do filho: "Se ele diz que é um pato, é um pato; se ele diz que é um cisne, é um cisne". Este padrão vemos repetir- Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 121 Júlio Roesch de Campos se na vida de muitos dos grandes criadores que investigamos e suspeitamos estar presente em todos. Ou sejam, mães internas (em alguns casos também o pai) que apoiam seu filho, produzindo-lhe a sensação de estar profundamente acompanhados no muitas vezes árduo e angustiante caminho das inovações e descobrimentos. Como diz Winnicott: "...o artista tem a habilidade e a coragem de estar em contato com os processos primitivos aos quais o neurótico não tolera chegar e que as pessoas sadias podem deixar passar para o seu próprio empobrecimento pessoal". Seria atrativo seguir pelo caminho de conjeturar sobre a constituição psíquica dos gênios, no que se refere a formação dos altos ideais, a configuração de um superego especial ou sobre a elevada auto-estima. Seria atrativo também enveredar por suas vidas sexuais e cotidianas ou traçar o que pensamos ser antinomias entre seus sintomas psíquicos e físicos e suas capacidades criativas. Certamente estaríamos dentro do tema que nos propusemos tratar, mas, pelo momento, me interessa mais buscar entrever sobre a consciência e suas sensações. Sobre as conseqüências do uso destas habilidades com coragem. Formularia da seguinte maneira: consideramos que a razão pela qual os grandes gênios da humanidade criam, a razão pela qual Sherlock Holmes investigava e a melhor das razões pelas quais somos psicanalistas, seja a mesma: o profundo e intenso prazer inerente ao processo criativo. Como disse Gilberto Freyre: "Produzir 'Casa Grande e Senzala' era uma necessidade e escrevê-la me produzia um prazer físico". Nossa tese é de que van Gogh empapara-se do tema porque sentia grande necessidade e muito prazer em poder exprimir seu mundo interno. O mesmo vale para Freud ou para Einstein, que passou toda sua vida tentando responder a pergunta que se fez aos 16 anos: "Como se comportaria a luz se eu viajasse a seu lado, na mesma velocidade?" Anossa criatividade, sendo um sucedâneo do brincar infantil, traz consigo as mesmas características hedonísticas. No dizer de Oliver Sacks, citando Aristóteles: " .... independente do grande prazer que os seres humanos auferem de propor e resolver problemas, o verdadeiro deleite da mente é a sua própria atividade". E considerando que um mesmo criador, como já foi aventado, tem obras maiores e menores, que um mesmo analista constitui interpretações mais superficiais e mais profundas, é mister considerar que existam no mínimo dois tipos de prazeres envolvidos no processo da criação: um durante a formatação da obra ou interpretação e outro que envolveria seu apogeu. Sugiro que os momentos preliminares de empapamento seja denominado como "prazeres de tramitação", (por sugestão de David Maldavsky), pois parece correto pensar que, para quem gosta de viajar, até os aborrecidos trâmites do passaporte, são um prazer. E para o momento apoteótico, que von Helmholtz chama de iluminação, sugiro que se use o termo "orgasmo epistemológico", pois daria à "eureca", ao "chie", ao "Unheimliche", a "surpresa", enfim ao insight, o seu justo 1 22 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Sobre o como e o porquê da criatividade status cultural. Esta denominação tem, ademais a vantagem de arrancar definitivamente a criatividade de sua equiparação com a psicopatologia, tão comum nos trabalhos científicos, inclusive psicanalíticos. Além do mais poderia trazer alguma luz para o enigma de porque algumas pessoas, como Dalí, Gaudí e Freud, inclusive, são tão dedicadas a sua vida de criação e apesar de grande intensidade em suas existências, abandonam a vida sexual genital precocemente. É pensando neste paralelo entre a vida sexual genital e a vida sexual criativa que poderíamos concluir que existem duas vias totalmente diferenciadas no ser humano para a satisfação sexual: a direta e a do processo criativo. Esses dois caminhos tem desenvolvimentos, características, prazeres preliminares e orgasmos finais que obedecem a certa paridade. Foi com surpresa que constatamos que uma expressiva parcela dos grandes criadores de todos os tempos, pelo menos dos estudados por nós, escolheram o segundo caminho com exclusão do primeiro. Ou seja dedicaram-se a produzir obras imortais, mas não filhos. Ou, em muitas oportunidades, quando produziram filhos, não cuidaram bem deles. Outro forte argumento para este paralelo encontramos ao considerar que são também os dois modos existentes para se alcançar a imortalidade. O sexual, a via corriqueira, é bastante conhecida na sua função de procriar, de conceber filhos de carne e osso, que farão com que nossas existências sejam perpetuadas, muitas vezes, ad infinitum. Mas existe a via indireta, muito mais moderna no sentido filogenético, de ser imortal: a criação de obras universais, a criação dos filhos do espírito, os filhos das idéias, onde estejam plasmadas as vivências e sentimentos prototípicos da humanidade. Em outras palavras, o orgasmo sexual busca a imortalidade do corpo enquanto o orgasmo epistemológico persegue a imortalidade da alma. Assim talvez nosso próximo e querido Sigmund Freud seja mais que um exemplo, pois teve o privilégio de trilhar os dois caminhos: vários filhos e muitas obras. Além disso recebeu das mãos dos homens, por seus prazeres de tramitação, o maior prêmio da Alemanha para literatos e foi agraciado pelos deuses, por sua capacidade de suportar profundos orgasmos epistemológicos, com a imortalidade. Ocorreu, nessa feliz circunstância, o que ele próprio indicou em "O Mal-estar na Civilização": "O destino, então, não pode muita coisa contra você". Referências bibliográficas BERGER, J. (1965). Êxito y fracasso de Picasso. Madrid: Debate, 1990. BION, W. (1965). As transformações. Rio de Janeiro: Imago, 1991. ECO, U.; SEBEOK, T. (1983). El signo de los tres. Barcelona: Lumen, 1989. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 23 Júlio Roesch de Campos FREUD, S. (1910). Leonardo da Vinci e uma Lembrança da sua Infância. E.S.B. (Edição Standard Brasileira), XI. _______(1919). O "estranho". E.S.B. (Edição Standard Brasileira), XVII. ______ (1929). O mal-estar na civilização. E.S.B. (Edição Standard Brasileira), XXI. ______ Carta a S. Zweig de 20 de julho de 1938. KAYSER, W. (1995). Maravilhosa Obra do Acaso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. REIK, T. (1949). The inner experience of a psychoanalyst. London: Ed.George Allen & Unwin. ______ (s.a.). Como se llega a ser psicólogo. Buenos Aires: Biblioteca de Psicoanalisis, 1945. RUBIN, W. (1996). Picasso and Portraiture. New York: MoMA, 1996. WINNICOTT, D. (1971). Realidad y juego. Barcelona: Ed. Gedisa, 1979. ______ (1958). O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982. © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL 1 24 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicoanálisis y cultura. Entre el diván y la comunidad Néstor Carlisky e Celia Katz de Eskenazi Néstor Carlisky e Celia Katz de Eskenazi Introducción El término comunidad, presente en la formulación del tema que nos convoca, es usado con frecuencia como sinónimo de sociedad por quienes estudian los fenómenos sociales. Desde el prisma psicoanalítico nos parece percibir, sin embargo, una connotación diferencial que aludiría a lo que tienen en común los componentes de un determinado grupo nacional, étnico, profesional, etc., y cabalgaría sobre oposiciones tales como: tolerancia versus intolerancia, personalización narcisista versus empatía y solidaridad, indiferencia tanática versus lazos eróticos con quienes compartimos un determinado grupo en la sociedad, etc. En ese sentido el rol de los psicoanalistas en la comunidad, a diferencia de nuestro lugar en la sociedad, se ocuparía no sólo de lo que podemos aportar en cuanto a la comprensión de los fenómenos sociales a partir de nuestro conocimiento del funcionamiento intrapsíquico, sino que pondría el acento en nuestro rol asistencial, en términos de prevención primaria, análisis de las instituciones, comprensión y abordaje de fenómenos tales como la violencia, la corrupción, etc. La presencia del psicoanálisis en la cultura y sus aportes en diversas áreas es indiscutible desde su creación (Freud, S., 1930). A la inversa es más difícil evaluar el impacto que los cambios sociales, políticos, económicos y científicos están produciendo en la teoría y en la práctica actual del mismo (Carlisky, N.; Eskenazi, C, 1998). Las consecuencias de ese impacto son lo que hoy nos conmueve generando desconcierto e incertidumbre y nos plantea interrogantes y desafíos como los que se enuncian en este congreso, al estudiar el tránsito entre el diván y la comunidad. Para recorrer el espacio que media entre ambos, los psicoanalistas debemos tener en cuenta elementos tales como el registro de los cambios de los paradigmas culturales y científicos actuales y la velocidad y aceleración con que estos se producen. Esto requiere un nivel de consistencia subjetiva y una capacidad de metabolización de los cambios que ocurren en nuestros pacientes y en nosotros mismos, lo cual depende de la existencia o no de esquemas organizativos adecuados para acoger las nuevas representaciones de origen fáctico o imaginario. Al hablar de consistencia subjetiva nos referimos al grado de velocidad y eficacia para crear entramados representativos que brinden un sentimiento de constancia evitando así caer en la sensación de caos catastrófico que caracteriza a las situaciones traumáticas carentes de representación. 126" Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicoanálisis y cultura. Entre el diván y la comunidad La realidad externa Frente a un acontecimiento traumático temprano que no ha dejado impronta representacional en el psiquismo del paciente, es la regresión operativa y el surgimiento de imágenes en el analista lo que permite vencer los obstáculos del impasse que lo no representable provoca en el desarrollo de la cura. La violencia, el desamparo, y la inseguridad, que ciertos hechos sociales generan, funcionan también como acontecimientos traumáticos provocando una falta de representación en la mente del paciente, una angustia automática, y conmueven asimismo al analista, acostumbrado a la neutralidad que lo protege de esa inquietante extrañeza, familiar y desconocida al mismo tiempo, que la realidad externa introduce en el trabajo analítico. Lo traumático sería la carencia de representaciones adecuadas a los nuevos estímulos. La sociedad actual posee no sólo objetos y estructuras diferentes sino también un magma de significaciones imaginarias distinto del que caracterizó a sociedades previas (Carlisky, N; Eskenazi, C, 1998). Estamos ante una triple revolución, tecnológica, económica y sociológica que ha modificado los paradigmas fundamentales sobre los que reposa el edificio socio político de los estados democráticos modernos, generando desigualdad y violencia en las relaciones sociales y por lo tanto en los intercambios intersubjetivos que moldean el psiquismo. Los cibermundos, la realidad virtual y las nuevas modalidades de comunicación generan una omnipotencia tecnológica que hace creer en la omnipotencia del deseo. La ciencia y la tecnología, sin embargo, sólo pueden intentar dar respuesta fallidamente a la demanda, no al deseo, y pueden ser usadas en ese sentido para ayudar a desmentir, ocultar, o -disimular la realidad de la finitud humana. En lo económico el fenómeno dominante es la globalización y el predominio de los mercados financieros que son quienes dictan las leyes aun por encima de los estados y los responsables políticos. La economía se impone a la política. En el campo de la sociología el concepto tradicional de poder está en crisis y al ser los mercados quienes gobiernan, el poder se desinteresa cada vez más de lo social generándose en consecuencia los males que conocemos, tales como la desocupación, la pauperización y las condiciones aptas para la corrupción y la violencia. Creemos, por lo tanto, necesario un cambio de abordaje metapsicológico, ya que ha surgido un nuevo paradigma cultural y un régimen de significación con objetos culturales que tienen relaciones específicas de producción, circulación y recepción (Lash, S., 1997). Entendemos que la comunidad tiene determi- Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 27 Néstor Carlisky e Celia Katz de Eskenazi nadas formas de relación con estos objetos culturales, siendo el psicoanálisis uno de ellos. El nuevo paradigma cultural, tiene, además, como núcleo, la cultura del antiinsigt (el deseo de no recordar, proyectar, pensar ni desear (Carlisky, N.; Eskenazi, C, 1998) con el propósito de evitar percibir la angustia de castración y en definitiva la angustia de muerte. La dimensión intra, ínter y transubjetiva del campo analítico En una sociedad pauperizada y violenta, el psicoanálisis como objeto cultural que se ha dirigido predominantemente hacia el espacio intrasubjetivo tiende a ser percibido como alienado de la misma. El recorrido entre el diván y la comunidad debería incluir, a nuestro entender, el tránsito no sólo por los espacios intra e intersubjetivos, sino también por el espacio transubjetivo ya que consideramos que los tres integran el campo analítico. Podemos adoptar innumerables formas de racionalización frente a cambios socio culturales cuya magnitud consideramos insuperables y continuar trabajando solamente sobre el espacio intrapsíquico, o aceptar el desafío y tratar de pensar con nuestros pacientes para ayudarlos a ligar las representaciones surgidas de sus experiencias con hechos traumáticos que la sociedad les impone, y enfrentar así los sentimientos o fantasías de caos catastrófico y aniquilación. Esto último no implica apartarnos de las conceptualizaciones clásicas freudianas ni dejar de lado el acceso transferencial al inconsciente. Nos parece asimismo conectado a la posibilidad de percibir el imaginario social de nuestra época para aceptarlo o rechazarlo total o parcialmente y evitar así que las decisiones queden en el Otro parental y social, presente en nuestro psiquismo como generador de variadas formas de alienación. Singularidad y transubjetividad: consideraciones metapsicológicas Freud (1933) planteó que "....las dos aspiraciones de dicha individual y de acoplamiento a la comunidad, tienen que luchar entre sí en cada individuo". La tarea psicoanalítica podría facilitar el establecimiento de puntos de contacto entre ambas. Kaes (1991) postula al respecto que "una de las tareas de la investigación psicoanalítica contemporánea es la de pensar en la posición del sujeto singular en los conjuntos transubjetivos, las formaciones y los procesos del inconsciente de donde procede su subjetividad". Entender la realidad psíquica mas allá de la singularidad, para incluir estos vínculos ínter y transubjetivos, implica una amplia- 1 28 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicoanálisis y cultura. Entre el diván y la comunidad ción paradigmática del psicoanálisis desde una teoría de las relaciones de objeto a una de relaciones de sujeto (Jiménez, J.P., 1995), que incluya y se incluya en el imaginario social de cada época. Otorgarle representación psíquica propia a los hechos sociales e incluirlos como elementos estructurales del aparato psíquico junto a la problemática edípica y a la influencia de los objetos primarios en la socialización del individuo implica un cambio metapsicológico importante para una práctica que puede aparentar alejarnos del diván, pero que no cuestiona los postulados básicos del psicoanálisis sino que los enriquece. El desarrollo de neurosis o psicosis surgiría del vinculo con los objetos familiares, es decir de una relación que se da, al igual que en el campo analítico, entre los espacios intra e intersubjetivos, mientras que la alienación sería lo específico de la relación del sujeto con la comunidad y ocurre en el espacio transubjetivo. La intersubjetividad surge a su vez, de operaciones tanto de alienación como de separación (Lacan, ]., 1981). Creemos que la relación sujeto comunidad estaría relacionada con una alternancia similar. Las relaciones de poder en los vínculos familiares y en el campo psicoanalítico se sustentarían en lo edípico y por ende en la sexualidad, mientras que el vínculo sujeto-comunidad, lo haría en el impulso de dominio y en la tendencia a matar. Es largo el camino por recorrer para investigar lo que ocurre en el espacio transubjetivo en términos de pactos inconscientes específicos, formas de inscripción para las representaciones sociales, relación con el magma de significaciones imaginarias, etc. Estudiar lo que media en el camino entre el diván y la comunidad pasa por la elucidación de estos puntos. Como psicoanalistas, podemos enfrentar los discursos cerrados, introducir cambios en nuestros esquemas referenciales técnicos y teóricos, incluir lo transubjetivo y una concepción transdisciplinaria de la violencia y de otros hechos sociales y producir de esa manera cambios en nosotros y facilitarlos en nuestros pacientes. Desde una perspectiva sociológica cabe pensar que el psicoanálisis funciona en la sociedad actual con relaciones de producción específicas, con condiciones de recepción determinadas por los procesos socioeconómicos, con un marco institucional que media entre recepción y producción, y con una forma particular de circulación del mismo como objeto. Creemos, sin embargo, que los psicoanalistas debemos reivindicar el lugar de nuestra ciencia más allá de su lugar como objeto cultural dependiente de las condiciones de producción y recepción e insistir en su papel transgresor, insoslayable para la comprensión de los fenómenos inconscientes que ocurren en los espacios intra, ínter y transubjetivos, revalorizando la interpretación como instrumento critico, como herramienta de puesta en crisis de las estructuras materiales y simbólicas de la sociedad. Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 29 Néstor Carlisky e Celia Katz de Eskenazi Institución imaginario y alienación Pensamos que para no alienarnos respecto a la comunidad y evitar que la misma perciba a la institución imaginaria psicoanalítica como alienada debemos sumergirnos en el magma de significaciones imaginarias de la misma. La alienación está pesadamente condicionada por las instituciones. Hechos reales como el ejercicio del psicoanálisis no son símbolos, pero son imposibles fuera de una red simbólica, presente en el lenguaje y en las instituciones, un poder instituido, y una concepción determinada del psiquismo. Los psicoanalistas de hoy en día funcionamos dentro de la sociedad con un imaginario profesional impregnado de los valores de la modernidad, es decir de aquellos que son propios de la sociedad en la que Freud creó el psicoanálisis. Habría una demora en nuestra mente respecto a la percepción, conscientización y elaboración de los nuevos valores del imaginario social de la sociedad actual (Carlisky, N.; Eskenazi, C, 1998). El espacio entre ambos imaginarios profesionales es percibido como una zona minada, un peligroso territorio de nadie. Ingresar a él nos provoca un sentimiento de perplejidad, y nos ocasiona intensas ansiedades paranoides relacionadas con el miedo a diluir el psicoanálisis y a perder nuestra identidad. La psique estaría siempre acechada por la situación traumática que el orden sociosimbólico le imprime. Esto daría lugar, sin embargo a un compromiso reflexivo con sí mismo y con los demás. La realidad no podría darse por supuesta solo por algo dado sino que está constituida por relaciones ideológicas de poder. El inconsciente primario, que funciona con condensación, desplazamiento, figurabilidad, y transferencia del afecto, implica un flujo incesante de representaciones, impulsos y afectos emergentes de una dimensión imaginaria de la subjetividad. La naturaleza imaginaria del inconsciente es al mismo tiempo base de renovación y de creación y origen de la ubicación del sujeto en la dominación del orden social. Conclusiones El psicoanálisis como práctica no es atemporal, a diferencia de lo que ocurre con el inconsciente, pero la indeterminación de este, su carácter inconcluso y atemporal, imprime al sujeto humano una capacidad de libertad y de independencia que debemos rescatar en nuestra labor terapéutica. La búsqueda que nos propone "entre el diván y la comunidad", es la de encontrar un recorrido entre la técnica ideal, la del oro puro del psicoanálisis y la 1 30 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicoanálisis y cultura. Entre el diván y la comunidad práctica real que nos cuestiona cada día; este sería también uno de los caminos posibles hacia el desarrollo de nuevas conceptualizaciones teóricas que surjan de la práctica. Los psicoanalistas estamos acostumbrados a enfrentarnos con el dolor y la angustia proveniente del interior del ser humano pero lo que trasciende esos limites, lo transubjetivo, nos deja inquietos o confundidos. Si la realidad externa irrumpe en la situación analítica y los traumas de orden social o económico impactan en la realidad psíquica, los referentes teóricos y prácticos de los que disponemos son menos seguros, nuestro encuadre tambalea, las asociaciones libres desaparecen, la neutralidad se hace difícil de mantener, las interpretaciones transferenciales no son suficientes y a veces utilizamos un clivaje que desmiente el efecto traumático que la realidad externa crea sobre el psiquismo y favorece mecanismos de escisión y desmentida o aun de pérdida psicótica del sentido de la realidad. Los hechos del mundo externo a veces adquieren categoría de hechos traumáticos graves (asaltos, muertes, violaciones, terrorismo de estado) y otras actúan en forma larvada y progresiva (desocupación, pobreza, corrupción) transformándose en hechos cotidianos y hasta banales. Reconocer la influencia de los hechos sociales en los avatares de la vida psíquica individual y grupal es ineludible ya que muchas veces nuestra propia inercia y ambigüedad frente a los mismos nos lleva a la indiferencia y al acostumbramiento aumentando el desamparo y el sufrimiento psíquico de nuestros pacientes. Esto nos plantea consideraciones éticas que van mas allá de la eficacia de nuestros tratamientos. Cuando nos amparamos en el sentimiento de omnipotencia, que los aspectos imaginarios del campo transferencial, favorece, intentamos evitar la impotencia que sentimos ante la imposibilidad de modificar las rígidas estructuras sociales. La indiferencia, nos parece no sólo éticamente repudiable, sino también inviable en la praxis psicoanalítica, mutilando así nuestra percepción de la realidad y la de nuestros pacientes, y limitando las posibilidades de la cura psicoanalítica. Bibliografía CARLISKY, N.; ESKENAZI, C; KIJAK, M. (1998). "Vivir sin proyecto". Buenos Aires: Lumen. CARLISKY, N.; ESKENAZI, C. (1998). Revista Latinoamericana de Psicoanálisis,.Vol.IL N° 1, pp. 69-74. CASTORIADIS, C. (1983). "La institución imaginaria de la sociedad"'. Buenos Aires, Tusquet. FREUD, S. (1930). "El malestar en la cultura", A.E., Vol.XXI, pp.57-140. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "131 Néstor Carlisky e Celia Katz de Eskenazi ______ (1933). "Nuevas conferencias de introducción al psicoanálisis", A.E. Tomo XXII. p.136. JIMÉNEZ, J.R (1995). "Mas allá de la neurosis: La teoría psicoanalítica (freudiana) del campo terapéutico a la luz de la Investigación moderna. Presentado en el panel 'Mas allá de las neurosis. Un desafío para la metapsicología'", XXIII Congreso interno y XXXIII Symposium "1895-1995" Metapsicología y clínica 100 años después. APA 1995. KAES, R. (1991). "Violencia de estado y psicoanálisis" cap.VIII, Rupturas catastróficas y trabajo de la memoria. Notas para una investigación. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina. LACAN, J. (1981). Seminario 20 "Aun" Buenos Aires: Paidos. LASH, S. (1997). "Sociología del posmodernismo". Buenos Aires: Amorrortu. PUGET, J. (1987). "En la búsqueda de una hipótesis. El contexto social". Rev. de Psicoanálisis, pp. 897-908. Tomo XLIV Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL 1 32 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Estructuración psíquica y el contexto social contemporáneo (Algunas reflexiones) Myrta Casas de Pereda*, Montevidéu, URUGUAI Resumen Inmersos en una época de cambios, el psicoanálisis, su teoría y praxis, reclama una mirada renovada para abarcar un inconciente en movimiento. La trama social decanta en la estructuración psíquica a través de registros diacrónicos y sincrónicos de la historización personal. Se enfatiza el que la trama de subjetivación reposa en la importancia de la operación alienaciónseparación, donde la pérdida baliza un "duelar de lo infantil (duelo estructural)". Concepto que intenta subrayar un avatar esencial en los procesos de simbolización. Esto abre a la doble vía de ser amado (registro imaginario del amor), deseado (registro simbólico del deseo inconciente parental), que puede desembocar a su vez en efectos de estructuración o del dominio del sujeto psíquico. Esto se reúne con la inquietud sobre qué elementos de la organización colectiva, familiar y social actual hacen ley, que permita el mencionado investimento libidinal o dejen al sujeto bajo el dominio del otro. La prohibición del incesto habilita el investimento pues separa al hijo de la parentalidad. Se formulan, entonces, una serie de interrogantes sobre efectos y funcionamientos relevantes de nuestra actualidad, donde uno de los interrogantes esenciales recae precisamente sobre el borramiento del valor fálico a favor del narcisismo. Membro Efetivo da Asociación Psicoanalítica del Uruguay. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 33 Myrta Casas de Pereda Esta no será una ponencia sistematizada en lo conceptual, sino una reflexión que me conduce a plantear preguntas para las que no tengo respuestas. En los desfiladeros que ellas abran surgirán más que articulaciones, algunos lazos que reúnen o disyuntan viejos - nuevos perfiles psicoanalíticos. Dada la diversidad de cambios sociales y culturales, e inmersos como estamos en ellos, necesitamos instrumentarnos renovadamente para abarcar la realidad de un inconciente en movimiento. Lo inconciente no es estático ni dado de una vez para siempre. Ello significa la imprescindible necesidad de reconocer los parámetros que enmarcan la vida del ser humano, y que son a la vez producidos por él en su historización. Surgen entonces conjeturas, hipótesis, que tratamos de integrar o más bien acercar a la trama estructural inconciente, (con la que no debemos confundir lo social), donde Freud ya nos permitiera reconocer las paradojas constitutivas, donde los conceptos psicoanalíticos, Grundbegriefe, son siempre descentrados, deconstruidos y construidos nuevamente a posteriori mediante. A la "opacidad sexual" que Lacan propusiera en 1976, no hay transparencia de conocimiento posible que pueda aprehenderla. (Gross, p.16-17). La sexualidad constitutiva de lo inconciente es una de las encrucijadas productora de enigmas más importantes que sigue reclamando nuestra atención. Más aún en el contexto de nuestra contemporaneidad, donde la impronta de uno de sus efectos, como es la genitalidad, se vuelve controversial y mueve, conmueve, saludablemente al psicoanálisis. De la innegable perspectiva diacrónica, tal vez genetista, del desarrollo infantil, vigente hace varias décadas, el psicoanálisis actual reconoce la pertinencia de una perspectiva sincrónica, donde lejos de desvalorizar los tiempos biológicos (donde sí podemos hablar de desarrollo) incorpora dimensiones semióticas para abarcar los espacios de simbolización psicoanalítica. Todo gesto o acto de lenguaje releva de los efectos de una simbolización primaria que implicó corte y pérdida. Por ello, debo señalar (una vez más) que la semiótica puede ingresar con sus aportes al psicoanálisis, pero no lo opuesto, que sería funesto. La simbolización psicoanalítica se constituye con un componente en lo observable, que ancla en lo vivencial y fantasmático, estrechamente ligada al avatar pulsional y sus destinos. Es decir, que de esas articulaciones que se producen desde lo simbólico (que implica la pulsión y al Otro), emerge el fantasma, conmoviendo en acto al cuerpo pulsional, dejando marcas, huellas, en la medida que las pérdidas habilitan símbolos o predicados. Por ello, son cruciales los modos en que dicha pérdida se dirime y que Lacan abarcaba en otro trípode conocido: castración, frustración y privación. Estas últimas sufren vicisitudes diversas según la maduración del cuerpo y los lugares diversos que ocupa el sujeto psíquico en el campo del Otro. A su vez, esto nos introduce en el singular lugar del objeto, su pérdida y sus funciones. 1 34 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Estructuración psíquica y el contexto social contemporáneo (Algunas reflexiones) Y en esta trama se abren las vías del deseo, ser deseado, amado, o ser dominado por ese Otro, que bascula entre el semejante auxiliador de los primeros acontecimientos psíquicos y el otro simbólico, unido indisolublemente al primero, pero ocupando espacios diversos y que decanta en la cultura. Y ello siempre es una peripecia singular para cada persona, para cada medio familiar, y para cada medio social. Es siempre a través de la operación de alienación - separación que se juegan los destinos identificatorios, las decantaciones de las marcas más o menos traumáticas que señalan a la identidad en ciernes, inmersa en el trabajoso periplo del duelar de infancia (duelo estructural). Con ello deseo subrayar que en el trabajo de simbolización, las pérdidas (que importan también en el sentido más abstracto de lo que nunca se tuvo), tienen que ganar un estatuto consistente que habilite el pensamiento, la fantasía, en fin, la estructuración psíquica. Momentos donde adquiere jerarquía el valor del fantasma. La sexualidad inconciente, inaugurada en todos los bordes relevantes como lo oral, lo anal, la mirada o la voz1 (que transmite la demanda) y que transitará por los derroteros edípicos, conduce el posicionamiento sexuado del sujeto psíquico (también anticipado en los deseos parentales) en ese ininterrumpida itinerancia pulsional, que se anuda indefectiblemente al otro y su respuesta. La desmentida estructural (Pereda, 1995), insistiendo en la presencia (del goce) desmintiendo la ausencia (como castración o muerte) juega un rol mayor en el espacio tiempo que prepara y posibilita la pérdida, inaugurando el fantasma. La resistencia de la desmentida estructural al pulsionar, que culmina en un despojamiento parcial y simbólico (pérdida o falta), constituye un ámbito fantasmático imprescindible de entrenamiento en la tensión ilusión - desilusión. Lo atestigua la reiteración de los juegos de Fort Da a lo largo de la infancia, o la fuerza del fantasma fálico que organiza las teorías sexuales infantiles. De allí que la indefensión inaugural y constitutiva del ser humano absorbe el contexto habitado por deseos, plasmando al sujeto psíquico en cada ida y vuelta mencionada hacia el objeto, nutriéndose o no de sus respuestas. Pensemos ahora en el problema esbozado al comienzo en torno a la interrogante sobre los cambios de paradigmas socioculturales, en su condición de agentes o de efectos. Y a su vez, si en esta dimensión, difícilmente abarcable, podemos repensar elementos metapsicológicos en un recorte indudablemente muy parcial del amplio campo que se abre a nuestra reflexión. Durante siglos los objetos, las palabras o las mujeres, han estado destinados a ser objetos de intercambio, a circular, como lo muestra la antropología (Levi-Strauss, Antropología estructural). Y todos ellos comparten el hecho de que por 1. Mirada y voz constituyen un aporte que Lacan realizara a la noción de objeto (parcial), especialmente conceptualizado en los Seminarios X {La angustia) y XI (Los cuatro conceptos fundamentales del psicoanálisis). Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "135 Myrta Casas de Pereda circular, precisamente, constituyen un signo de valor. El valor dado por el significante fálico del que lo enuncia, deja al objeto en el lugar paradojal que adquiere de ahí en más: se constituye en un objeto valorado y no valorado al mismo tiempo. Peculiaridad ésta última que obtiene su razón de ser en la cadena subjetiva, donde la condición clave será la de ser sustituible. Pero, a su vez, esta circulación obedece a leyes que son observadas indefectiblemente, como nos los recuerda Denise Lachaud: "La ley, que regula los intercambios en una sociedad, independientemente de los sistemas lineales dominantes - patrilinear, martilinear, o mixto -es el enunciado de una prohibición" (Lachaud, 1985). Y en este sentido mantenemos la noción de prohibición del incesto como clave nodal de la estructura. Sin embargo, debemos poner atención en aquello de la organización que hace ley, pues también está en juego en la prohibición la muerte como asesinato o como dominio o control absoluto del otro. Es decir, donde antes ubicáramos fundamentalmente el parricidio, estaríamos haciendo entrar en juego la muerte del sujeto también como efecto del dominio y del control absoluto por parte del otro. En este sentido, parece incontrovertible que el perfil hedonista que tiñe y penetra en los modelos prevalentes de relación, dibujan también modalidades defensivas que le son propias. Y así, las frustraciones como afrentas a este narcisismo incrementado produce efectos de angustia que permanecen desconocidos en sus causalidades, pero que dan lugar a la construcción de numerosas "verdades", que se instalan en el nivel social y cultural. Y de algún modo, esto incide o pesa en lo que de la organización social hace ley. Sabemos que lo extraño o lo extranjero, aquello de lo que no conocemos su causa, lo enigmático, es siempre inquietante y produce respuestas para tratar de abarcarlo. Ya Freud reconocía lo más familiar como aquello pasible de volverse Umheimliche; verdadera manifestación insensata del inconciente. Lo familiar es lo siniestro, porque es lo que no conocemos de nuestra propia estructura que se constituye con y desde el otro. Dentro de la perspectiva freudiana que privilegiamos para pensar la estructuración psíquica, la impronta de los fantasmas más arcaicos constituyen, precisamente, esas huellas atemporales plasmadas en las fantasías originarias. La castración, en sus polimorfas expresiones a lo largo del desarrollo del sujeto infantil (aquí, sujeto como persona), comanda los libretos de las diversas puestas en escena fantasmática, que incluyen, por ejemplo, dentro de la vuelta al seno materno, el ser devorado por ese otro primordial. Insisto en este aspecto, pues de él deriva la posibilidad de discriminar entre ser investido o ser dominado por el otro, dado que ambas vicisitudes están tan próximas que su inferencia sólo la conocemos por sus efectos en la clínica. En nuestro contexto social hay varios emergentes que ilustran, en parte, los dinamismos señalados: la mujer, el niño, el loco, el extraño, constituyen en nuestro 136" Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Estructuración psíquica y el contexto social contemporáneo (Algunas reflexiones) imaginario compartido ese ser diferente que provoca por no ser comprensible. Es habitual que en lo cultural las diferencias "suelen considerarse como una especie de exilio, la inclusión en un ghetto" (Rossi, 2000), o como señala Foucault, dando a su vez un giro causal a su propuesta, "lo que una cultura expulsa y que para ellas era lo exterior, a lo largo de su historia, ese hueco vacío, ese espacio en blanco que la delimita, va a designarla tanto como sus valores" (M. Foucault, apud Gross, 1999). Retomo ahora una preocupación expresada en un trabajo anterior, donde rescataba la importancia de la noción de contacto, como piedra fundamental en el edificio de la represión (Freud, 1913), y lo ponía en relación con los trastocamientos y aceleraciones propias del ritmo actual, y su incidencia en las funciones parentales. Siguiendo entonces un trecho más por estas sendas, podríamos plantear que las funciones parentales se constituyen en un contexto cambiante. Me refiero no a la idea de que los cambios afecten las funciones, sino que la función nace, se produce, en otras apoyaturas. Pensemos, por ejemplo, en la situación de la mujer, que se ha movido bastante de un lugar mantenido fijo durante largo tiempo. Sin poder detenerme ahora en esta rica y compleja peripecia (con una amplia bibliografía), debemos por lo menos señalar que necesitamos de una mirada psicoanalítica renovada para pensar, por ejemplo, la circulación del fantasma fálico y de qué forma se afecta. Podemos afirmar que la mujer ya no es ese sujeto con valor de intercambio, y se han establecido bases más sólidas de su inserción en la cultura. La casa, el hogar, ese ámbito otrora paradigmático de la función mujer, es ahora un lugar compartido con el compañero(a) que configuran lo familiar. El valor fálico otorgado por el hombre a la mujer, en el sentido señalado antes de objeto sustituible, se difumina, y la mujer, a su vez, pasa también a otorgar este valor que recae entonces sobre diversos objetos. Con ello deseo subrayar los cambios en relación a los valores2, que decantan, o no necesariamente, en el ámbito de lo compartido. De ese modo se producen modificaciones en lo organizativo que puede promover perfiles diferentes en la ley. Creo que este es el punto nodal por sus posibles derivaciones. Una de ellas, la llamada "enfermedad maternal primaria" conceptualizada por Winnicott, es un lugar que sufre modificaciones. Tal vez ahora más que nunca se necesita discriminar la función materna de la biología. La mujer requiere de su compañero compartir las vicisitudes de la maternidad en sus múltiples formas, y el hombre efectivamente se siente mucho más libre que décadas atrás para ejercer esa función compartida. El aspecto fantasmático de la ubicación del hijo como falo de la madre, 2. Podemos preguntarnos cuál es el meollo que reúne a la pareja, donde más allá del contexto finisecular y eclesiástico, de su reunión para la procreación, parece pendular hacia el lado más radicalmente opuesto de quedar centrada en una pareja erótica sin importar el género. Todo ello comporta una modificación sustancial en el concepto de familia. Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 37 Myrta Casas de Pereda como completud narcisista transitoria, no queda limitado a la madre real, sino que forma parte imaginaria de una función simbólica ejercida por la madre o por el padre. Mantiene todo su valor el investimento fálico del hijo, con su carácter precisamente de transitoriedad y sustituibilidad que señalaba la cadena metonímica freudiana, heces - pene - niño - regalo. Pero también abre otros cuestionamientos. No es nada novedoso que el padre sea el que asuma dicha función. Siempre ha ocurrido, y por diversas circunstancias; la diferencia radica en que se vuelve una prerrogativa propia para el hombre, unida a su vez a un imaginario cambiante en relación a cómo el hombre ubica a la mujer. Lo mismo ocurre desde la mujer, no en el contenido fantasmático pero sí en relación a su perspectiva de lo masculino. Los contenidos fantasmáticos, múltiples y variables, se mueven en torno a la fantasía de castración y en el posicionamiento de los lugares de agente o de objeto de la misma. Surgen entonces las preguntas sobre los lugares del padre simbólico, imaginario y real, sosteniendo la imprescindible función simbólica de la prohibición, en su doble faz, que se ejerce sobre el hijo (prohibición del incesto) y sobre la madre (no reintegrarás tu producto). La ampliación del posicionamiento paterno en la madre y en el padre, también requiere ser articulada. Sin duda es tarea a realizar, pues mucho de lo mencionado no deriva necesariamente en un debilitamiento de la ley. No olvidemos que el orden fálico ubica al hombre y la mujer en la admisión o reconocimiento de la falta. De allí que podemos preguntarnos si no acontece un cierto borramiento de lo fálico - significante a favor del narcisismo, que se "erige" en formas de poder y que en modo opuesto al significante fálico cuya negatividad es articuladora, el poder narcisista no ofrece ninguna negatividad que como la castración habilite articulaciones significantes y estructurantes. Reúno, entonces, una serie de inquietudes a través de una formulación interrogativa. ¿Los cambios en el posicionamiento paterno inciden en su función simbólica de sostenedor de la ley, de prohibidor de incesto? ¿El desenlace de estos desplazamientos de la función paterna es necesariamente la perversión o la psicosis? Ambos interrogantes son aspectos de otro más nodal: ¿hay un borramiento del valor fálico a favor del narcisismo coagulador de la estructura? Se necesita la función de la metáfora paterna (Lacan) para todo momento de inscripción psíquica, represión primaria y/o también secundaria. Este dinamismo se significa y resignifica en todo instante de estructuración psíquica, dando cuenta de la pérdida reiterada, reiterándose, del objeto, que señala a la simbolización psicoanalítica. Podemos plantearnos preguntas en torno a posibles obs- 1 38 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Estructuración psíquica y el contexto social contemporáneo (Algunas reflexiones) táculos o heridas en dicha simbolización, en la medida que la función de corte sostenida por el padre se enmascara o se diluye. Por otra parte, de no actualizarse cada vez el duelo por la pérdida que concierne específicamente a la Durchaibeitung, a la llamada "elaboración de la castración" que baliza el derrotero edípico con sus identificaciones, no hay constitución posible o delimitación de un real imprescindible. Lo real, como lo irrepresentable, tiene desde la perspectiva clínica, una doble faz: - lo irrepresentable se vuelve eventualmente lo traumático, - pero de no constituirse como real, como irrepresentable, no hay pregunta posible ni enigma, y sobre todo, no hay deseo (si falta la falta no hay posibilidad alguna para el sujeto psíquico de que el circuito de la pulsión agujeree el cuerpo propio y ajeno, y deje de ahí en más la cosa como perdida, al tiempo que emerge la disponibilidad de predicar) (Proyecto....). ¿El padre entra en la cadena metonímica materna, pero no la suplanta sino que también ejerce su función paterna? ¿Cómo transcurren estas vicisitudes en el número creciente de mujeres que deciden tener o adoptar hijos sin ninguna clase de pareja?; ¿cómo se dirimen los roles simbólicos en la pareja homosexual?; y ¿cómo todo ello, a su vez, modifica y produce un nuevo contexto imaginario en la pareja heterosexual? Creo que importa insistir en la pregunta acerca de qué tipo de organización hace ley, en un momento dado, ya que parece por ahora muy difícil soslayar la crucial importancia de la prohibición del incesto y del asesinato, definiendo la estructura humana. Ya mencionamos la importancia de la muerte psíquica relativa a ser dominado, absorbido por el otro; en diversos grados esta situación se recrea a nivel social, donde el carácter de "extranjero" que connota la sexualidad no habitual, se presta muchas veces para ser utilizada como agente de poder en la trama política y social de un medio determinado. Creo que el psicoanálisis debe alejarse lo más posible de verdades tomadas como absolutas o de normativizaciones moralizantes, y permitirse una mirada renovada y rigurosa sobre nuestro bagaje metapsicológico, que puede permitirnos disponer de nuevas perspectivas para nuestra escucha psicoanalítica. No me sumo a la desvalorización de la metapsicología, sino que abogo por su revitalización. Lo que siempre me ha parecido riesgoso para el psicoanálisis son las tomas de posición extremas, pendulares, entre deslizamientos conservaduristas o progresistas que, como señala con pertinencia M. Pasternac serían "criterios políticos propios del deslizamiento hacia una moralización del psicoanálisis, con pérdida de su especificidad". Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 39 Myrta Casas de Pereda Bibliografía FREUD, S. (1895). Proyecto de Psicología. Obras Completas. Buenos Aires, Amorrortu Editores, Tomo 1,1976. ______ (1913). Tótem y Tabú. Obras Completas. Buenos Aires, Amorrortu Editores, Tomo XIII, 1976. GROSS, F. Notas sobre la sexualidad en la obra de Michel Foucault. Revista Litoral, N°. 27,1999. Córdoba, Argentina, Ed. EDELP. LACAN, J. (1962-63). "La angustia. Seminario X". Material no editado, de circulación interna de la Escuela Freudiana de Buenos Aires, 1979. ______ "Los cuatro principios fundamentales del psicoanálisis. Seminario XI" (1964). España, Barral Editores, 1977. LACHAUD, D. La Langue maternelle, en "La psychanalyse de l'enfant", Revue de la Association Freudienne. Paris, Ed. Joseph Clims, 1985, p.129. LÉVI-STRAUSS, C. Antropología estructural. Buenos Aires, EUDEBA, 1968. PEREDA, M.C. "Del sujeto social y el sujeto de deseo. Nuestra contemporaneidad". Revista de la Sociedad Colombiana de Psicoanálisis, Vol. 23, N°.l, Año 1998, dedicado al XII Congreso de FEPAL, Cartagena, 1998. ______ "Entre la desmentida y la represión" en "En el camino de la Simbolización. Construcción del sujeto psíquico". Buenos Aires, Paidós, 1999. ROSSI, C.P. País Cultura!, N° 536, enero 2000. © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL 1 40 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicanálise e cultura: do diva à comunidade Paulo Fonseca*, Porto Alegre, BRASIL Juarez Guedes Cruz*, Porto Alegre, BRASIL Roberto Gomes*, Porto Alegre, BRASIL Luiz Ernesto C. Pellanda*, Porto Alegre, BRASIL Raul Hartke*, Porto Alegre, BRASIL José Carlos Calich**, Porto Alegre, BRASIL Membro Efetivo da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre. * Membro Associado da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 141 Paulo Fonseca et alii Considerações iniciais Vivemos em um momento cultural em que são evidentes as tensões entre o que chamamos de moderno e de pós-moderno e as possíveis distorções que podem conduzir ao oxímoro da "relativização absoluta" de conceitos, o que, por sua vez, autoriza que sejam tomadas atitudes destrutivas contra a própria cultura lato senso. Estabelecer as relações entre a psicanálise e a cultura exige uma abordagem dos contextos culturais de nosso momento que delineie sua interação com os movimentos internos da psicanálise, em sua teoria e prática, levando ainda em conta suas organizações institucionais. A amplitude do tema coloca o risco da superficialidade. Assim, de início, pensamos serem necessárias algumas indagações: psicanálise e cultura implica uma interação? Está sendo proposto que a psicanálise examine a cultura, ou se considera, desde logo, que a psicanálise dela faça parte? Deve-se examinar a influência da psicanálise na cultura, ou este é um tema que pode ser melhor estudado por outras áreas do conhecimento? E quando se fala em psicanálise, a que estamos nos referindo? A teoria psicanalítica enquanto ciência de investigação e entendimento do humano? Ou à técnica que se propõe tratar distúrbios psicológicos, ou mesmo se constituir em veículo de transformação de personalidade? Ou ainda, quando falamos em psicanálise, estaremos, de algum modo, nos referindo às instituições psicanalíticas? Ao se ler "do diva à comunidade", estaremos examinando essa passagem? Ou nos referindo às influências recíprocas? Ou está sendo apontada uma sinalização de mudanças, de adaptações, de ampliação de algo a dois para algo bem mais abrangente? No caso, haveria, então, uma alusão a uma psicanálise que passe de um atendimento individual para uma abordagem comunitária? Porventura está-se aludindo a transformações a serem implementadas, primordialmente, na prática analítica, em sua teoria e técnica? E isso o que está sendo proposto pelo termo "diva"? É isso tudo e muito mais. No texto que segue, privilegiaremos, evidentemente, apenas alguns destes aspectos. A Psicanálise na transição do moderno para o pós-moderno A psicanálise, criada em um período moderno da História, interagiu, em seus 100 anos de evolução, com uma sociedade em mudança. A maneira como as pessoas concebem a psicanálise está inequivocamente influenciada por tal mu- 1 42 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicanálise e cultura: do diva à comunidade dança. A estrutura ideológica moderna, dentro da qual surgiu a psicanálise, pode ser condensada em quatro pontos principais, que são questionados na pós-modernidade1: 1. A concepção de que deveria existir uma verdade comum a todos os homens e que tal verdade corresponderia a uma realidade em termos quase matemáticos e comprováveis pelas ciências experimentais. Tal concepção sofre uma crise, no sentido de que não existe mais uma verdade, mas verdades, dependendo do ponto de vista que se adote para se observar e argumentar. Passam a existir diferentes "leituras" de verdades possíveis. Segundo Leary, "De modo geral, o pós-modernismo baseia-se na afirmativa de que aquilo que os humanos chamam de conhecimento "objetivo" é produzido somente por acordos sociais delineados através da linguagem. Conseqüentemente, vivemos no interior de realidades que são constituídas pelas palavras que utilizamos para descrevê-los" (p.435). 2. Como conseqüência, passa a reforçar-se a tendência ao apagamento da clássica diferença entre sujeito e objeto. Surge a noção de que não existe observação isenta, já que o sujeito influi no que é observado e o que corresponde ao objeto reverbera em direção ao sujeito e o modifica. Com isso, começam a volatilizar-se as diferenças entre realidades factuais e realidades criadas pela imaginação. 3. As meta-narrativas, no sentido utilizado pelos autores pós-modernos, ou seja, extensos sistemas de idéias religiosas, filosóficas, históricas, políticas, econômicas, ou científicas (por exemplo, o kantismo, o marxismo, a psicanálise) procuravam verdades já existentes, na busca de uma compreensão global e de uma modificação do mundo, da sociedade e da vida. Mas agora, se a verdade é relativa, passa a existir uma crise no que se refere aos conceitos de realidade e de justiça, que sofrem igualmente uma relativização. Instala-se o ceticismo com relação à possibilidade da compreensão global. 4. A crença na exclusividade da razão, a aceitação das ideologias, deveria depender do íntimo do indivíduo, sem subordinação a qualquer autoridade humana. A valorização de diferentes realidades e verdades proporciona, por sua vez, o surgimento da reivindicação do direito de ser "diferente" e da politização, por exemplo, da sexualidade e dos modos de viver a vida. A não aceitação da autoridade absolutista dá origem a uma sensação de liberdade, de se reger seu próprio destino. O aumento das reivindicações de participação das minorias leva à existência de micropoderes dentro da sociedade que 1. Aqui vale um parênteses: nas palavras de Lyotard, "pós-moderno deve ser entendido segundo o paradoxo do futuro (pós) anterior (modo) "... a modernidade não é uma época, mas antes um modo no pensamento, na enunciação, na sensibilidade" (1986, p.26 e 38). Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 43 Paulo Fonseca et alii desafiam o poder centralizado. Os avanços da tecnologia (computadores, Internet) facilitam, por sua vez, a democratização da informação e do conhecimento. Uma noção distorcida de democracia transforma-a em uma pseudo-solução para todos os problemas do conhecimento humano. Dentro desse contexto de transformações, podem ser apontadas outras possíveis conseqüências, decorrentes essas de distorções de tais novos enfoques. Assim, a recém apontada relativização dos conceitos de verdade, realidade e justiça pode criar, no que diz respeito à ética, uma tendência a que se aceitem todas as posições. Como diz Roa, torna-se... "questão de mero agrado ou de liberalidade decidir-se -por isto ou aquilo... para as diferentes situações, só importa o que é mais cômodo [ e ] poder-se-ia falar em uma ética de bolso, destinada a resolver somente um dado caso individual" (1995, p.42). Estabelece-se uma relação pragmática com a realidade, um afastamento com relação à subjetividade e uma busca do prazer e da satisfação imediata dos desejos. Tudo isso, a seu turno, pode levar a uma certa superficialidade na percepção da realidade e ao desinteresse pela precisão. Desse modo, a aquisição do saber deixa de ser um bem em si e, em seu lugar, passa a haver o estímulo ao culto da imagem (registre-se aqui o problema de a imagem criar uma confusão constante entre a percepção do real, a representação e os chamados simulacros). Entendemos que, uma vez instituídas, tais condições favorecem a dominância de aspectos destrutivos, do narcisismo e da perversão. A cultura narcísica representa a "via curta" (ChasseguetSmirgel, 1986) da simplificação apressada que muito se aproxima da noção do "pênis fecal" (Chasseguet-Smirgel, 1986), em que a diferença das gerações, a necessidade do desenvolvimento e o longo trabalho do aprendizado são elididos e, em seu lugar, é favorecida uma cultura de valores anais não-procriativos, em que os aspectos criativos ficam excluídos. Para concluir a resumida apreciação deste tópico, assinalamos que esse contexto pós-moderno da hiper-racionalidade, rapidez tecnológica e favorecimento do narcisismo tem trazido inquietações em todas as áreas do conhecimento e, como não podia deixar de ser, tem afetado marcadamente a psicanálise, produzindo um malestar. Cresce entre os psicanalistas a consciência da necessidade de se evitar a sua exclusão dos meios culturais e científicos e de se empreender uma busca pelo se reconhecimento, procurando evitar o risco de a psicanálise vir a ser marginalizada culturalmente: "Quando drogas, psicoterapias breves e outros tratamentos alternativos são intensamente oferecidos e idealizados, a psicanálise pode parecer fora de moda" (Eizirik, 1997, p.16). Frente a esta situação, os psicanalistas sentem-se pressionados a efetuar uma adaptação rápida a esse ritmo de praticidade, com um afrouxamento dos critérios do que seja psicanálise e uma tendência a denominar "psicanálise" uma série de procedimentos que não fazem jus ao nome. Ou como sugere Laplanche (1997), "o nome (psicanálise) 1 44 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicanálise e cultura: do diva à comunidade provavelmente subsistirá, mas a coisa não. Ou seja, os verdadeiros psicanalistas terão de encontrar outro nome". Isso nos leva a algumas considerações esparsas, históricas algumas, que entendemos importantes. A psicanálise e o psicanalista na pós-modernidade É difícil ser psicanalista! Não é por acaso que a psicanálise está listada por Freud entre as profissões consideradas impossíveis. Entendemos que esta dificuldade se deve, em parte, à nem sempre reconhecida hostilidade, por parte do próprio psicanalista, à sua função analítica. E a existência de tais forças antianalíticas em cada um de nós, profissionais da área, constitui um fator de fragilização no contato com disciplinas e abordagens que, de alguma forma, se oponham à psicanálise. A psicanálise pode ser entendida como uma profissão de continuado e permanente abalo às ilusões narcisísticas de ambos, paciente e analista. No que se refere a este último, na prática clínica, o mais perturbador consiste em reconhecer que a valorização do analista, na verdade, é uma valorização transferenciai. Uma reedição de valores antigos, inconscientes, que dizem respeito às figuras parentais. Com esse entendimento, a figura real do analista assume a sua devida dimensão desinflada, no processo analítico. (A esse respeito, vale lembrar um pedido e um alerta, nas palavras do poeta Fernando Pessoa: "Dispenso-a de comparecer na minha idéia que tenho de si" [1999, p.319]). Foi dito um "alerta", porque é sabido que a valorização de aspectos da realidade externa, além de certos limites balizados pelos cuidados técnicos de neutralidade e abstinência, constitui-se em um desvio que pode levar, e freqüentemente o faz, a infrações éticas. O equívoco básico consistindo em desconsiderar que o tema de nosso estudo, o território de nossa ação é a realidade psíquica, o mundo interno, as fantasias inconscientes, o inconsciente, e não a realidade externa. Em geral, a desconsideração e o abandono do conceito do inconsciente sempre se constitui em um dos passos mais requisitados para tornar a psicanálise mais palatável e menos ameaçadora. Freud já previra que uma das formas de a sociedade se defender de tais ameaças seria pela banalização de seus ensinamentos, tornando-os corriqueiros e desimportantes. Outra forma consistiria em concordar com o acessório, mas descartar o essencial, peculiar e inovador nas proposições analíticas. Como já assinalado, principalmente reduzindo a importância e desvitalizando as noções de inconsciente e de transferência. A suposta posse de uma verdade explicativa dinâmica (e o monopólio de mercado, diga-se não de passagem) levou, por muito tempo, muitos analistas a, equivocadamente, se encastelarem, desfrutando das expectativas mágicas ini- Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 145 Paulo Fonseca et alii ciais de a psicanálise se constituir em uma panacéia. Nestas condições, o risco, contra o qual o próprio Freud alertara, constituir-se-ia no "furor curandis" - a análise se propondo alcançar objetivos além do possível. Uma forma de defesa ante a decepção decorrente da desidealização obrigatória implica no retorno saudosista a uma ortodoxia e a uma quase exclusiva valorização de conceitos muito iniciais, principalmente aqueles que propunham a psicanálise como uma ciência mensurável em termos quantitativos. Com a "democratização" e a conseqüente busca da comunidade e da popularização (no sentido de encontrar público), deparamo-nos com outra freqüente possibilidade defensiva igualmente equivocada: em um misto de procura sedutora e tentativa de manter o status privilegiado anterior, o analista passa a se apresentar em locais variados e em momentos vários, como possuidor de uma chave para o entendimento do mundo. É o "furor explicandi", nos termos de Renato Mesa (1985), que procura elucidar tudo de todos os fatos, sociológicos, políticos, econômicos, criminais, artísticos...em todas as oportunidades propostas pela mídia. E com a alegação de que tal é feito em nome da divulgação da psicanálise! É flagrante o contraste com a igualmente questionável postura anterior de "distanciamento", envolta em certo mistério instigante. Na verdade, disso decorre uma certa vulgarização expositiva que não teria maiores conseqüências se não favorecesse uma confusão que consideramos importante referir. Por exemplo, um psicanalista opina sobre um fato político. Ao invés de ser entendida essa opinião como tão somente a expressão de uma visão pessoal, e culturalmente condicionada, do profissional sobre um tema que lhe está sendo proposto, é interpretada, por vezes pelo próprio psicanalista, como uma visão da psicanálise sobre o assunto. Uma variação aparentada com isso consiste em o analista, por estar formalmente habilitado para exercer a psicanálise, considerar que todo tipo de atendimento que possa exercer, por ele ser um analista, passa ipsofacto a se constituir em psicanálise. A demanda "psicanalítica", por parte da comunidade, em doses psicoterápicas, tem levado psicanalistas a reavaliarem conceitos e se tranqüilizarem com tal compreensão. Nessas condições fica facilitada a redução do número de sessões semanais, por exemplo, mantendo-se a denominação de psicanálise, em uma contagem regressiva, acelerada e constrangedora: 4, 3, 2,1... (E, por vezes, fica configurado um concurso patético de quem fará mais concessões para ser considerado mais popular, mais "humano"... E isso logo passando para as instituições - qual será a mais liberal, a menos ortodoxa?). Possíveis mudanças no setting psicanalítico deveriam, a nosso ver, resultar de novos conhecimentos adquiridos na situação analítica e de nossas reflexões teóricas a partir dos mesmos, ao invés de traduzirem meras acomodações às 146 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicanálise e cultura: do diva à comunidade imposições mais imediatistas da comunidade. Qual o nosso papel, como analistas, e nossa responsabilidade? Existe algo a fazer? Aliás, quando se fala em "democratização" na psicanálise, nessa época pósmoderna, uma das perguntas mais freqüentes refere-se à questão do paciente que procura o analista exigindo uma rápida resolução de seus problemas. O que pensamos a respeito é que, caso um paciente estiver com pressa, a psicanálise não é indicada para ele. E se vim dia, em função das características desses tempos ditos pósmodernos, todos estiverem com pressa, não haverá então mais lugar para a psicanálise, e teremos que fazer outra coisa. Pensamos que é importante que não nos enganemos chamando essa outra coisa de psicanálise. Embora, lembrando Laplanche, justamente essa outra coisa possa vir a ser chamada de psicanálise. Se não houver mais lugar para o que entendemos como psicanálise, muito lamentaremos, mas não vamos travestí-la para nos acomodarmos às leis de mercado e à urgência dos tempos que vivemos. Nessas condições, o que poderíamos fazer seria guardá-la em nossa memória. E talvez um dia, numa era pós-pressa, pós-pósmoderna, a psicanálise possa ser redescoberta e alguém, lendo nossos trabalhos, possa repetir: "...é, toda novidade não é mais do que esquecimento" (Borges, 1999). Psicanálise e cultura: alguns cuidados A psicanálise nasceu em uma cultura e contra uma cultura. É clássica a frase de Freud, ao ser festejado em sua visita aos Estados Unidos: "Será que eles não sabem que trazemos a peste?". Inicialmente, as produções culturais eram referidas apenas como ilustrações das formulações psicanalíticas mas, em pouco tempo, a repercussão de tais formulações, com seu significado de desbravamentos, levou a psicanálise a fazer parte, ela própria, da cultura contemporânea. É reconhecido que, agindo sobre a cultura, ao questionar preconceitos e ao denunciar as marcas de hipocrisia presentes em muitos padrões aceitos sem crítica até então, a psicanálise contribuiu de forma decisiva para que ocorresse uma revolução de costumes no século XX. Muitas das mudanças ocorridas na cultura, por sua vez, retornaram à psicanálise, fazendo com que ela passasse a revisar posicionamentos anteriores e a reconhecer que algumas de suas noções estavam afetadas por influências culturais. O mais marcante exemplo dessa mutualidade constitui-se na reformulação da abordagem psicanalítica inicial da mulher e do feminino. De forma muito resumida, podemos assinalar que Freud, ao lado da causa biológica (da passagem à bipedestação), toma como fundamento da cultura, por ele entendida como sinônimo de civilização, a coerção das pulsões libidinais e Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL. v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 47 Paulo Fonseca et alii agressivas. E considera que essa coerção também se constitui em causa da hostilidade contra a cultura. E, em Totem e Tabu (Freud, 1913), apresenta sua conjectura histórico-psicológica do processo civilizatório: a morte do pai e a proibição do incesto. Mas a cultura se manifesta não somente como expressão das interdições pulsionais, mas como espaço que permite, dentro de certos limites, a expressão de tais pulsões. Como já foi referido, nessa época de pós-modernidade ocorre um fenômeno curioso - se a psicanálise, em seus primórdios, representava uma contestação a uma ideologia dominante, agora ela passou a ser vista como defensora de um conservadorismo retrógrado. Em outras palavras, foi destituída de seu conteúdo de impacto e passou a ser solicitada, pela cultura, para que venha fornecer explicações e fórmulas. Em uma época de elogios à globalização, a proposição mais atraente é a de que a anteriormente denominada "peste" pode agora vir a ser eliminada, de forma rápida (sempre a rapidez!) por alguma velha poção nova, agora novamente mágica, por um tempo. E, novamente, qual a participação de nós, psicanalistas, nesse estado de coisas? Alguns aspectos já foram citados: a psicanálise, que se encastelava por acreditar em certezas matemáticas, passa a sentir a desidealização como enfraquecimento e perda de "pureza"; a retração do mercado e perda do monopólio de ensino de psicanálise, concomitantemente com a pressão cultural por respostas e resultados rápidos, tem levado os psicanalistas a realizarem concessões em um ritmo, também ele, apressado. Tais concessões por sua vez, motivadas pelo temor à exclusão, podem levar à criação de um "falso self psicanalítico": o analista se afasta dos fundamentos de sua ciência e se apresenta com um perfil sob medida às demandas da comunidade, um psicanalista "prêt-à-porter". Dentro desta desvirtuada postura ética, os conceitos psicanalíticos passam a ser lidos de modo a justificar qualquer tipo de posicionamento técnico que, na realidade, objetiva a acomodação. Assim, muitos princípios teóricos e técnicos, até então considerados como bases, passam a ser taxados de ortodoxos ou ultrapassados. E este parece ser o ponto mais importante: as considerações feitas até o momento apontam para alguns riscos, presentes no relacionamento psicanálise e cultura. Mas o fato de reiterarmos este assinalamento não pressupõe uma apologia do retorno ao isolacionismo, aqui mesmo, muitas vezes criticado como "encastelamento". Reiteramos que não existe uma psicanálise "pura", no sentido de isenta de influências culturais. Mas o diálogo e a interação propostos pelo título "do diva à comunidade" exigem alguns cuidados, e sublinhamos isso por julgarmos que "esforços modernizadores" freqüentemente se constituem apenas em disfarces para concessões mutilantes, perdendo-se o essencial de nossa ciência. Nestes termos, enfaticamente destacamos como princípios teóricos básicos 1 48 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicanálise e cultura: do diva à comunidade precisamente aqueles que Freud considerava como constituindo as pedras angulares de sua descoberta, ou seja, a sexualidade e o complexo de Édipo, o inconsciente, a resistência e a repressão. E tais princípios, juntamente com as regras técnicas da neutralidade e abstinência, acompanhadas do reconhecimento do valor da transferência, da interpretação e da manutenção de um setting analítico, constituem-se as noções nucleares para a sobrevivência da psicanálise. Naturalmente, cada um desses conceitos necessita ser constantemente reexaminado à luz de novos desenvolvimento psicanalíticos. Assim como, por exemplo, nas palavras de A. Green (1988) "....A transferência não é mais um dos conceitos da Psicanálise a ser pensado como os outros, ela é a condição a partir da qual os outros podem ser pensados. E, da mesma maneira, a contratransferência não se limita mais a pesquisa dos conflitos não resolvidos - ou não analisados - do analista, capazes de falsear sua escuta; torna-se o correlato da transferencia, caminhando a seu lado, induzindo-a por vezes, e, para alguns, precedendo-a" (p.21-22). Considerações finais: frisando alguns pontos de vista Reiteramos o pressuposto de que as relações da psicanálise e dos psicanalistas com a comunidade e a cultura são inerentemente conflitantes. Isto se deve ao fato de que a psicanálise tem como objetivo, em seus propósitos terapêuticos, a investigação justamente daqueles aspectos do ser humano que a cultura necessita reprimir, a fim de poder instituir-se e se manter como tal - precipuamente a sexualidade e a agressão. Como conseqüência, julgamos existir uma ambivalência fundamental em relação ao analista, a qual se manifesta de distintas formas e com diferentes graus de intensidade em várias épocas e culturas. Assim, parece-nos que a profissão analítica está sempre acompanhada por um transfundo de solidão e de temor à exclusão. Ao mesmo tempo, todo ser humano busca o convívio bem como o reconhecimento de seus pares, com distintos graus de intensidade. Pensamos que tais necessidades de reconhecimento e temor à solidão constituem pontos críticos que podem resultar em desvios da psicanálise, em suas relações com a comunidade e a cultura. Absolutamente não descuidamos que isto também mobiliza o analista contra a possibilidade de refugiar-se num isolamento defensivo, incentivando-o, pelo contrário, a aprimorar cada vez mais seus instrumentos teóricos e técnicos como uma adequada resposta às pressões da realidade. O que desejamos, entretanto, circunscrever e examinar neste relatório são os riscos de o analista, em função destes pontos críticos, distorcer ou renunciar a princípios fundamentais da psicanálise, em nome de uma (aparente) maior aceitação e retorno por parte da comunidade. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 49 Paulo Fonseca et alii Estamos selecionando este aspecto das questões do relacionamento da psicanálise com a comunidade, porque consideramos que as pressões desta sobre aquela estão particularmente intensas e com características peculiares na atualidade. Acrescente-se a isto a também inevitável presença, dentro de cada um de nós, em maior ou menor grau, das já assinaladas resistências à aceitação do inconsciente e à sua investigação no setting analítico, que tendem a agir em sinergismo com os fatores externos. Em conseqüência, estamos às voltas com um pessimismo quanto à continuação de procura para tratamento analítico, quanto às nossas instituições psicanalíticas e, eventualmente, até mesmo quanto ao nosso paradigma teórico. Sob estas condições, nossas organizações psicanalíticas poderão cair sob o domínio de alguns dos chamados supostos básicos (Bion, 1968), com suas implicações inerentes de ausência de contato com a realidade, funcionamento onipotente, recusa ao aprender com a experiência e oposição a qualquer forma de desenvolvimento. Assim, dominados pelo suposto básico de luta-fuga, estaremos à procura de inimigos fora ou dentro de nossas instituições, vendo como alternativas tão somente atacá-los ou deles fugir. Encerrados na suposição básica de dependência, poderemos, por exemplo, agarrar-nos, sem qualquer possibilidade de questionamento, às idéias de nossos fundadores, transformando-as em verdades incontestes e vendo qualquer discordância a elas como "heresias". Ou então, como um grupo de acasalamento, ficaremos esperando, magicamente, por uma futura idéia ou autor messiânicos que nos salvarão do risco de fragmentação e desaparecimento. As idéias novas, que precisam ser conhecidas, avaliadas e confrontadas, uma vez sob o domínio destes supostos básicos, tendem a ser sumariamente renegadas e expelidas ou, então, pelo contrário, imediatamente idealizadas, conduzindo-nos, como diz Meltzer (1974), a uma confusão entre aquilo que verdadeiramente é novo e uma verdadeira adição a qualquer novidade. Não dispomos - e ninguém dispõe - de uma resposta à questão crucial de como poderemos enfrentar esta situação. Mas, ao nosso ver, o essencial é que nós, psicanalistas, sobrevivamos como tais. Isto implica mantermos nossos princípios básicos, modificando-os de acordo e tão somente com os conhecimentos adquiridos na situação analítica. "A análise - como diz Green (1990) - deve permanecer a análise. Não por motivos místicos, mas por questões extremamente simples: porque é na situação analítica que realizamos as melhores condições para o aprofundamento do conhecimento" (p.202). No entanto, não há só espinhos e não queremos terminar sem comentar o que a psicanálise tem aproveitado desse espírito pós-moderno. Por exemplo, questionados quanto à adoção de meta-narrativas, bem como quanto às noções determinísticas de causa-efeito, há uma tendência a não mais formularmos nos- 1 50 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicanálise e cultura: do diva à comunidade sas interpretações como afirmativas categóricas e com a pretensão mágica de provocarem mudanças imediatas e definitivas. Nesse sentido o próprio conceito de interpretação mutativa de Strachey tem sido questionado. Por outro lado, este mesmo autor, em seu clássico trabalho de 1934, faz um assinalamento que julgamos merecer uma detida consideração, quando se refere ao aparente paradoxo de que é necessário limitar a realidade externa para melhor alcançarmos a realidade. Utilizando essa noção, e voltando ao título do presente relatório, poderíamos, então, afirmar que, para mais atingirmos a comunidade, mais será necessário nos atermos ao diva. A prática clínica psicanalítica com menos concessões é a que pode vir a ser de melhor proveito para a comunidade, como um ponto de referência confiável para o entendimento dos fenômenos psicológicos vigentes na cultura e para um posicionamento ante tais fenômenos. Referências bibliográficas BION, W. (1968). Experiências com Grupos. Rio de Janeiro: Imago, 1975 Borges, J.L. O Imortal. In. _____________________________Obras Completas de Jorge Luís Borges. Volume I. São Paulo: Globo, 1999. CHASSEGUET-SMIRGEL, J. {1986). As Duas Árvores no Jardim. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988. FREUD, S. (1913). Totem e Tabu. In _____________________________________ ESB, Volume XIII. Rio de Janeiro: Imago, 1977. GREEN, A.. Conferências Brasileiras. Rio de Janeiro: Imago, 1990. LAPLANCHE, J. Entrevista. Revista de Psicanálise da SPPA. Abril 1997. Vol. IV, n° 1. LEARY, K. (1994). Psychoanalytic "problems" and post-modern "solutions". Psychoanalytic Quarterly 63:433-465. MELTZER, D. Los Estados Sexuales de Ia Mente. Buenos Aires: Kargieman, 1974. MEZAN, R. Freud, Pensador da Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985. PESSOA, F. O Livro do Desassossego. São Paulo: Cia. das Letras, 1999. ROA, A. (1995). Modernidad y Posmodernidad. Santiago - Chile: Editorial Andres Bello. STRACHEY, J. (1934). The nature of the therapeutic action of psychoanalysis. IJP. 15:127-159. © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 151 Psicanálise e cultura Bruno Salésio Francisco*, Pelotas, BRASIL José Luiz Meurer*, Pelotas, BRASIL Luiz Marcírio Machado**, Pelotas, BRASIL * Membro Efetivo da Sociedade Psicanalítica de Pelotas. ** Membro Associado da Sociedade Psicanalítica de Pelotas. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 53 Bruno Salésio Francisco et alii 1. Introdução Para nós psicanalistas uma (ou diversas) definições de Psicanálise, nos parece mais fácil, ou ao menos mais habitual, do que abranger o termo cultura, com suas várias acepções. Como nos parece impressindível que se comece com estas definições, para depois estabelecermos qualquer conexão entre os termos aqui propostos, escolhemos iniciar por uma demarcação do sentido que tomaremos para a palavra cultura. Em seu sentido mais amplo este termo abrange um espectro de fenômenos da vida natural que se tornam observáveis através de alguma forma de cultivo. Isto inclui formas vegetais, fungos, bactérias e formas ditas superiores de vida animal, entre as quais a própria espécie humana. Em termos genéricos tudo que possui vida neste planeta, tem sua forma própria de cultura. Nesta abrangência podemos conceber a cultura como aquilo que caracteriza as formas próprias de existência de qualquer espécie de vida, com seus modos de evolução e suas relações com o ambiente. Estamos assim, caracterizando o uso que passaremos a atribuir ao termo cultura, relacionado agora especificamente ao homem. Estaremos nos referindo a este significado amplo que inclui deste os costumes, formas de manifestação artística, mitos e crenças, modos de produção, enfim ao "modus vivendi" de grupos, etnias em épocas históricas delimitadas. Ao assemelharmos os termos cultura e "modus vivendi", trazemos à luz o conceito de ideologia também com sua mais genérica acepção. Apenas para nomear, há um outro sentido da palavra cultura que a restringe a uma condição artificial, já que designa um quantum de saber que um indivíduo adquire em sua formação intelectual. Segundo esta interpretação os homens podem ser separados entre cultos e ignorantes, como se estes não possuíssem também alguma forma de cultura. Esta utilização "leiga" da palavra cultura, mutila o seu sentido mais útil, da mesma forma como se faz com a palavra personalidade, quando se afirma que alguém, que não demonstra suficiente vontade própria, não tem personalidade. Ficaremos portanto com a interpretação mais ampla da palavra cultura, como forma de expressão de idiossincrasias de civilizações que historicamente, através de condutas, costumes e ideologias (que incluem o seu imaginário coletivo) chegam a construir sucessivas identidades grupais. Esta cultura produz um saber que, independentemente do quanto possa ficar apoderado por qualquer cabeça pensante, se espalha por vários campos do conhecimento de uma época e dedobra-se em protocolos artísticos, filosóficos ou 1 54 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicanálise e cultura científicos, nem sempre com tanta precisão quanto buscamos classificá-los. Este "espírito de uma época" esta sempre subjacente a qualquer conjunto de "verdades" sejam elas consideradas como segmentos de uma ciência, de uma mitologia ou de uma religião. Foi portanto no bojo de uma determinada cultura que brotou a nossa Psicanálise, e de outras culturas vem sendo nutrida, de tal sorte que se hoje, nos alvores do século XXI, nos perguntamos coisas tão dispares como "quantas psicanálises existem" ou mesmo se "continuará existindo uma psicanálise", isto se deve em grande medida à diversidade e à contínua complexização de nossa cultura. Entretanto, apesar desta constante e inexorável relação entre a cultura, a história e a produção de qualquer campo do conhecimento, nem sempre conservamos o seu devido lugar, nas nossas meta-produções. Por vezes procedemos como quem colhe as rosas de uma roseira e as transplanta para um vaso, esquecendo ato contínuo, que elas não nasceram ai. É nosso objetivo neste texto, revisarmos este espaço de trânsito entre as manifestações culturais dos séculos XIX e XX e uma de suas mais contundentes afirmações que foi a Psicanálise. O ideal, não sabemos se factível, seria podermos discriminar as duas rotas de influência: a cultura contemporânea de cujos princípios brotam os constructos psicanalíticos, com maior ou menor independência e, por outro lado, as transformações sociais e culturais advindas da difusão do ideário psicanalítico. E mais, como a psicanálise levou em conta o papel desta cultura que lhe propiciou tamanho viço neste século? Uma coisa nos parece bem evidente, estivemos desde Freud mais atentos às possíveis influências de nossa ciência sob as demais formas de conhecimento e práticas desta época, do que o seu inverso. Esta afirmação, se estivermos de acordo, não chega a constituir um grande equívoco, ou pelo menos não se trata de um modo solitário de produção de verdades científicas. É antes o método mais habitual usado por todas as demais ciências. Estamos mais propensos a expandir os conhecimentos estritos de nossas esferas de atuação para abranger e explicar os fenômenos que nos cercam e nos desafiam, do que o movimento inverso, qual seja o de identificarmos nos nossos próprios constructos, a influência "em status nascendi" de uma cultura com suas outras formas de saber. É certo que qualquer ciência não prescinde de um duplo movimento, um que parte de generalidades para o particular e outro que torna geral aquilo que é descoberto na expecificidade do encontro com o seu objeto. Contudo somos levados, por razões estratégicas (e entre estas as mais narcísicas) a adotar certas medidas protecionistas, à semelhança do que fazem os Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 -155 Bruno Salésio Francisco et alii países nas suas práticas de mercado internacional: supervalorizamos o nosso "produto de exportação" e tendemos a diminuir o valor dos que "importamos" ou os "sobretaxamos", o que para efeito de nossa metáfora, dá no mesmo. Quero dizer com isto que quando um conjunto de postulados que transita com certa desenvoltura por dentro de um determinado corpo teórico é "importado" por qualquer outro, há sempre o risco de que venha a sofrer algum recorte que o mutile, se não em seu próprio conteúdo, ao menos nas articulações que possuia com seu corpo originário. Com mais tempo poderíamos intentar um instigante inventário sobre os nossos modelos de trocas com a cultura e os seus modos de produção de verdades. Este exercício epistemológico é demasiado pretencioso para o tempo, o espaço e principalmente os conhecimentos que dispomos. Vamos portanto nos restringir ao tema "Psicanálise e Cultura" em linhas gerais, buscando estabelecer suas influências recíprocas mais evidentes. 2. Freud, um pensador da experiência burguesa Diz-nos Peter Gay que a Psicanálise somente poderia ter nascido no seio da experiência burguesa das sociedades européias do final do século XIX. Seria por demais extenso referir aqui todos os indicadores que levaram a este autor a fazer este veredito, mas algumas causas nos parece impressindível citar. A revolução industrial, junto com o estágio alcançado pelas ciências, pela tecnologia e pelos meio de comunicação e de transporte, trouxeram ao século XIX, uma diversificação de classes sociais e um nível de contrastes até então não evidenciáveis na história das civilizações. Nos poucos metros quadrados das ruas, quarteirões e praças, das então consideradas grandes cidades, entre elas Viena, conviveram de forma especialmente turbulenta, desde os suntuosos palácios de uma nobreza já enfraquecida, as não menos suntuosas mansões de comerciantes, banqueiros e outros burgueses bem sucedidos, as sólidas residências de médicos e outros profissionais liberais de uma recente classe média, os bairros operários pobres mas cada vez mais revindicadores, os atelieres de artistas, os bares noturnos onde se misturavam boêmios, dandis e "grisettes" e os prostíbulos, desde os mais elegantes aos mais populares. Nas malhas deste tecido social proliferarem tipos humanos que personificaram ideologias antagônicas que encontraram, de alguma forma, canais de expressão nas artes, nas revoluções sociais e no conservadorismo desta época. Além de Peter Gay outros historiadores consultados (Aries, P. e Duby, G.) 1 56 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicanálise e cultura também descrevem este século como um período de transformações rápidas e de grande confusão dos valores tradicionais, ainda que dominado pela ideologia burguesa que abrangia as genericamente denominadas classes médias. Descrita como a classe social que maiores benefícios angariou, com o progresso industrial, tecnológico, médico, bem como com a acumulação de capital, a burguesia solidificou os seus valores, tais como a inviolabilidade do espaço da família, a manutenção dos bens, do dinheiro e do seu patrimônio; enfim a privacidade em oposição à vida pública. Nenhuma classe social, em nenhum outro momento histórico, preservou com tamanho afinco a privacidade. Ao descrever os "ritos" da vida privada burguesa, diz-nos Anne Martin Furgier de uma forma muito sensível: "O cotidiano por essência banal, assume um valor positivo se as ninharias que o compõe são convertidas em ritos dotados de uma significação sentimental, é assim que a dona de casa, reunindo a família em volta da mesa, em horários determinados, é apontada como o melhor agente de felicidade. Ela rege o ritmo do tempo privado, imprime-lhe uma regularidade e preside a sua execução". 1 "No espaço burguês, a repetição não é rotina. Ela ritualiza, e o ritual dilata o momento: antes ele é aguardado e fazem-se os preparativos; depois ele é objeto de comentários e reflexões" (p.194). Assim é descrito, suscintamente, um modo de vida exclusivamente privado, em que o quadro ideal da felicidade é o círculo familiar e o meio para conquistar esta felicidade é a perfeita administração do tempo e do dinheiro. Ao marido naturalmente competia o contato cotidiano com a vida pública, nos seus ambientes de trabalho, na sua participação em sociedades e corporações laboriais, políticas, etc. Os papéis eram bem definidos, intransponíveis, complementados e sobre eles deveria se instalar a paz e as bênçãos do senhor. A família burguesa era sempre profundamente puritana, discreta e religiosa. Este quadro idílico, que com alguns reparos ainda hoje nos seduziria, não deve ser atacado pelas possíveis mentalidades progressistas, sem que lhe seja rendido ao menos uma homenagem. Foi no espaço privado burguês que homens e, por vezes também as reprimidas mulheres, encontraram tempo, este tempo "administrado", para debruçarem-se sobre si mesmo, sobre sua intimidade. O século da privacidade foi também o século do individualismo. Nele passou a fazer sentido a "consciência de si mesmo", a preocupação com o bem estar do "espírito" e do "corpo", não mais como categorias abstratas a serem pensadas por exêntricos filósofos, mas como algo inserido sub-repticiamente na própria cultura de massa. Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 57 Bruno Salésio Francisco et alii Não se está com isto dizendo que a classe operária, com sua jornada exaustiva de trabalho, pudesse dedicar qualquer tempo do seu dia para pensar no seu bem estar físico e psicológico. Tampouco no seio de uma vida burguesa, cujos críticos descreviam como monótona e, na sua média, avessa as novidades culturais, pudesse existir, como um valor consciente a preocupação com a busca ou o questionamento de sua própria identidade. O que encontramos descrito, nas fontes consultadas, são indicadores desta mudança, observáveis ao longo de todo o século XIX, mas principalmente nas últimas décadas, que vieram involuntariamente no bojo de novas visões médicas, higienistas, algumas das quais entraram necessariamente em colisão com aspectos moralistas que regiam os costumes da época. Neste sentido é esclarecedor citarmos um trecho de Alain Corbin (Corbin, A.): "Embora retendo vários elementos de uma concepção metafísica, cujas bases ele esquece deliberadamente, o século XIX erudito ira romper com o primado da alma. Os ideólogos, em especial Cabanis, abandonam a noção de alma-guia e do princípio vital...e tentam unificar os campos da medicina e da fisiologia...passam a dar maior atenção à relação entre o físico e o moral, ao vínculo existente entre a vida orgânica a vida social e a atividade mental" (p.438). Num texto intitulado "As mensagens da cenestesia", diz-nos este historiador (Corbin, A.) algo de fundamental importância para os nossos propósitos: "...A feminilidade não deriva mais de uma ontologia, mas de uma fisiologia e de uma sociologia. A velha noção herdada de Aristóteles,...denominada sucessivamente 'tato' ou 'tocar o interior' e mais tarde em fins do século XVIII, 'cenestesia', deve ser agora entendida como uma percepção interior do corpo, o conjunto das sensações orgânicas, cuja tradução no comportamento, segundo Cabanis, constitui os instintos". Acrescenta Corbin, no parágrafo seguinte: "Ao longo de todo o século os especialistas mostram-se convencidos da extrema influência de um inconsciente, percebido como obscuro rumor das funções viscerais, de onde emergem, intermitentemente, os atos da consciência... O gênio de Freud não estará absolutamente em descobrir que vastas zonas do sujeito escapam à consciência e contribuem para determinar a atividade mental, mas em arrebatar à vida orgânica o monopólio do inconsciente para instalá-lo no próprio aparelho psíquico" (p.439). Podemos discordar, em parte, desta instigante observação que afinal, expressa a opinião de um historiador. Podemos contrapor que o inconsciente que Freud descobriu, não difere apenas por se localizar no psiquismo, mas por toda uma natureza mais complexa que lhe atribui além do "obscuro rumor das funções viscerais", um conjunto de fantasias inconscientes, estas sim registros psíquicos das funções vitais. Contudo, para os objetivos deste texto, não podemos ignorar que Freud 1 58 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicanálise e cultura possa ter se valido dos princípios desta medicina fisiologista francesa do final do século XIX, da mesma forma que sabemos ter recebido a influência do Darwinismo inglês, tanto quanto da neurologia germânica. Mas se por um lado temos prestado mais atenção nas influências das raízes médicas na psicanálise, não temos nos debruçado com o mesmo interesse nas influências mediatizadas pela cultura de uma época, na forma de apreenção dos fenômenos descritos por este campo do saber. Voltamos portanto à caracterização da cultura burguesa, enfocando em especial as transformações nos hábitos de sua vida privada que como viemos caracterizando engendraram uma profunda contradição. De um lado uma progressiva identificação do sujeito com o corpo o que implicou em uma atenuação do velho desprezo pelo orgânico, pela animalidade, de outro uma severa repressão da sexualidade, especialmente da feminina. Diz-nos Philippe Perrot (Perrot, P.) que "jamais o corpo feminino foi tão escondido como entre 1830 e 1914" (p.447). Acrescenta uma lista de roupas íntimas que faziam parte da indumentária feminina, ostensivamente mais sofisticada que a masculina. "A combinação, o calção, o corpete, as rendas, lenços, colchetes e botões em profusão constituíram ao mesmo tempo, o sinal das proibições morais à sexualidade feminina e por outro lado, a progressiva fetichisação do imaginário erótico que traduzia, no seio da burguesia, a ânsia por cobrir-se...O desejo de conservação o cuidado em proteger-se, o medo da castração e a permanente lembrança da ameaça do desejo, realizaram aqui um neurótico encontro" (p.447). A mesma aparente contradição se evidenciava no incremento da vigilância sobre o onanismo, tanto masculino como o feminino, certamente que exacerbado pelos princípios higienistas daquele final de século. O banho que é a necessidade de aseio nas partes íntimas, preconizado pela "nova medicina fisiologista", também trazia um contato maior com as zonas erógenas do corpo. A mesma medicina que preconizava os hábitos de higiene mais freqüentes e demorados, tratava de reprimir este "indesejável sub-produto", a masturbação, reforçando a velha tese da "decadência física". A fraqueza, a palidez, a perda de peso, enfim os sinais de um corpo pouco saudável eram tidos como sintomas da "doença provocada pelo onanismo"! Enfim, foi dentro deste contexto de contradições e por vezes mesmo de hipocrisia, que vicejou o fenômeno psicopatológico, que pos em cheque a medicina tradicional e que abriu as portas para uma nova forma de entendimento e abordagem da própria mente humana. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 159 Bruno Salésio Francisco et alii A hipnose precursora da psicanálise foi o método escolhido para enfrentar a histeria que oscilava entre a simulação, a sugestão ou uma doença com "estatuto próprio". Novamente optaremos pelo enfoque que co-relaciona a Psicanálise diretamente com a cultura, já que sobre as idéias científicas de Charcot e Janet bem como sua influência sobre os alvores da Psicanálise, estamos mais habituados a tratar. Encontramos em nossas pesquisas baseadas nos escritos dos historiadores, verdadeiras jóias! 3. A marca histérica como um marco histórico Diz-nos Michelle Perrot (Perrot, M.) "De um interesse mais sutil é a noção de normalidade que opera nessas taxonomias das doenças mentais femininas...A desmedida nas coisas, o excesso e notadamente a paixão amorosa, sobretudo quando toma vias proibidas (o amor pelo pai, o amor lésbico ou até o amor por um homem mais novo, a pura e simples tomada de decisão pela mulher, ou ainda o clitorismo), constituem outros tantos desvios" (p.282). "Toda a mulher é feita para sentir e sentir é quase histeria" (Trélat escreve em "La folie Lucide"). Acrescenta Michelle Perrot que "a loucura é também uma saída para a infelicidade familiar real. Entre as loucas contam-se muitas amantes abandonadas, malcasadas, esposas enganadas, mães enlutadas pelos filhos. A demência masculina parece estar mais ligada aos percalços da vida pública ou profissional" (p.282). A autora citada localiza entre estas mulheres anônimas que acabaram suas vidas em sanatórios, algumas cuja a internação parece ter sido motivada por razões sociais, políticas ou financeiras. Entre estas tornaram-se notórias as internações do Camile Claudel e Adèle Hogo, "ao que parece para preservar o nome de um grande homem" (p.281). Tal é também o caso de Hersilie Rouy, "de quem o meio-irmão, a fim de receber uma herança, obtém um 'internamento voluntário' em 1854, a pretexto de que o estilo de vida excêntrico dessa artista solteira independente e solitária, deriva de uma 'monomania aguda', segundo o atestado do Dr. Pelletan, o que lhe valerá quatorze anos de asilo" (p. 282). Já Hubertine Auclert, fundadora do grupo "le droit des femmes" e do jornal "La Citoyenne" en 1881, e que preconizava que o "o direito político é para a mulher a chave que lhe dará todos os outros direitos", recebe este interessante diagnóstico: "Considera-se Hubertine Auclert acometida de loucura e histeria, doença que a faz ver os homens como seus iguais e procurar o contato com eles" (p.285). Estas informações que aqui reunimos e que evidentemente não substituem 1 60 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicanálise e cultura e nem invalidam a gama de conhecimentos psicanalíticos que posteriormente Freud aportou sobre a Histeria, buscam tão somente acrescentar uma realidade externa, que funcionava como substrato cultural destes achados. Podemos dizer que as mulheres burguesas, especialmente as mais sensíveis e cultas, agora com mais intimidade com seu corpo e o seus desejos, ao mesmo tempo que privadas de qualquer consciência disto, em virtude da intensa repressão social e individual, acabaram por exercer uma pressão por mudanças culturais e científicas. Voluntariamente através de um ativismo artístico ou político, ou involuntariamente pela sua insatisfação canalizada através de sintomas de patologias, bem ou mal diagnosticadas. Podemos corroborar esta idéia relembrando os termos em que Breuer descreveu a jovem Bertha Pappenheim ao seu entusiasta e jovem colega Freud, "numa sufocante noite de verão em 1883": Anna O., que contava com 21 anos, era uma moça de "cultura e dotes excepcionais, bondosa e filantrópica, dada o obras de caridade, ativa e as vezes obstinada...de excelente memória e de um dom assombrosamente agudo para associações..." (Gay, R, p.75). Chegamos a um enunciado, um ponto nodal na nossa linha de exposição, qual seja o de que a cultura da sociedade burguesa do final do século XIX, extensiva às primeiras décadas do século seguinte, aportava elementos que permitiram a vinculação da Histeria, e pelo mesmo caminho as demais Neuroses, com a conflitiva sexual, ainda que de um modo genérico e impreciso. Quando o renomado médico austríaco Joseph Breuer, relatou confidencialmente ao seu colega "algumas coisas" sobre a intimidade de sua paciente, recomendando-lhe pudicamente que este só deveria repeti-las à sua noiva Martha, alias amiga de Bertha, "quando estivesse casado", estava estimulando-o mais do que conscientemente desejava, a seguir uma linha de investigação que o levaria a descobrir os efeitos da repressão da sexualidade. Um dos grandes saltos do pensamento científico de Freud, ao qual iria se referir posteriormente, Gaston um Bachelar como um momento de "ruptura epistemológica", foi mudar radicalmente o acento, a tônica do enfoque cultural vigente, deslocando as causas das manifestações histéricas desde uma sexualidade anormal, adotada por pessoas que sofriam alguma degenerecência, para intensidade da repressão sobre quaisquer aspectos de uma sexualidade humana normal. Em outras palavras a doença não estava no quantum de libido, anormalmente aumentada em pessoas "mal-dotadas de um controle espiritual, ético e moral", mas sim no rigor artificialmente determinado pela moral da cultura vigente. A mais arrojada descoberta que logo se acrescentaria, a sexualidade infantil, perversa e polimorfa, transformaria todos os homens e as mulheres, de qual- Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 161 Bruno Salésio Francisco et alii quer classe social, em animais dotados de uma sexualidade e de uma destrutividade intrínsecas. A partir destas e outras descobertas, a psicanálise passará a se constituir num pensamento transformador, que entre outros, contribuirá para uma profunda mudança cultural ao longo do século XX. Vamos portanto dedicar algumas linhas para analisar agora a via inversa, qual seja a da influência de Freud e da psicanálise na cultura desse século. 4. Freud e o "mal-estar na cultura" Sempre que nos dispomos a examinar as questões referentes à cultura e à Psicanálise, necessariamente nos açode à lembrança o extraordinário e esclarecedor trabalho de Freud "Das Unbehagen in der Kultur" ("O Mal-Estar na Cultura" ou "Civilization and its Discontents"). Esse trabalho, escrito no ano 1930, quando o mundo civilizado estava prestes a chegar a uma de suas encruzilhadas históricas decisivas, nos traz ainda hoje reflexões profundas sobre a condição do homem diante do processo civilizatório; mostra a participação ou exclusão do homem, sua angústia e seu dilema e principalmente sua insatisfação (Unbehagen) e inconformidade diante de um processo que visa a torná-lo mais humano e ao mesmo tempo lhe diminui consideravelmente as possibilidades de ter prazer e ser feliz. Diz Freud que todo indivíduo, em princípio, busca alcançar a felicidade: satisfação de suas necessidades básicas e evitação do desprazer. Todo indivíduo procura atender às suas necessidades biológicas e psicológicas de sobrevivência, preservação individual - ao mesmo tempo que busca satisfazer à necessidade de perpetuar a espécie. O princípio do prazer, que inicialmente presidia soberanamente a vida mental, precisou gradualmente dar lugar ao princípio da realidade, que de fato nunca se estabeleceu por completo, porque a busca do prazer e a evitação do sofrimento são básicos ao funcionamento psíquico. Essa antinomia aparente, satisfação pessoal e atenção à realidade, torna-se, ao longo da vida, o eixo em torno do qual o indivíduo procura uma adaptação biopsicológica possível nas circunstâncias. Trata-se, em verdade, de uma conciliação inviável para grande parte dos indivíduos, surgindo então a neurose, entendida aqui no seu sentido amplo, como expressão de uma incompatibilidade inconciliável entre as demandas instintuais do indivíduo e as exigências da realidade. Do entrechoque dessas tendências conflitantes e de suas tentativas de solução surge a saúde ou a neurose, e surge a cultura, ou civilização. Freud nos mostra que o homem, na sua evolução individual, passa por um processo mais ou menos exitoso de parcial e progressiva renúncia de seus impulsos sexuais e destrutivos e uma gradual adaptação à realidade ambiente (a auto- 1 62 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicanálise e cultura ridade dos pais e as exigências da cultura). Nesse processo, o indivíduo obtém satisfação parcial de seus impulsos e sofre restrições à sua liberdade sexual; renuncia a determinados desejos e em troca obtém alguma segurança e a vivência de ser amado, protegido e valorizado. Alguns de seus impulsos instintuais são reprimidos, outros são sublimados, outros encontram saída no seu estado originário. Impulsos amorosos, eróticos, no seu sentido amplo, e impulsos destrutivos geralmente agem mesclados uns com os outros e determinam estados de saúde ou doença biopsicossocial. Assim como se observa com o indivíduo, o mesmo ocorre com o conjunto dos indivíduos (família, grupo, sociedade, nação). Para ingressar na cultura, gradativamente o indivíduo tem de renunciar parcialmente a seus interesses e impulsos individuais e participar do processo da civilização, auferindo desta certos benefícios e contribuindo para a construção e consolidação desse processo civilizatório. Esse é um processo que pode mostrar maior ou menor grau de higidez psicológica social. Vemos, ao longo da história, culturas com avançadas conquistas humanas, e outras com evidentes patologias no seu funcionamento. Embora aí se possa admitir o ponto de vista do relativismo das culturas, a psicanálise não pode deixar de considerar que, do ponto de vista do bem-estar psico-social dos indivíduos, houve em certas épocas da história e em determinadas culturas fatores psicopatológicos atuando como fonte de sofrimento e desagregação dos grupamentos humanos. Freud pensava que a civilização é na realidade um processo pelo qual a humanidade no seu conjunto vem passando desde épocas imemoriais, um processo evolutivo semelhante ao desenvolvimento psicossexual do indivíduo. Neste, um dos aspectos mais importantes, e necessários ao processo de sua inclusão na cultura, é a internalização do instinto destrutivo, e a restrição da vida sexual, por força da autoridade, internalizada a assimilada como instância que denominamos superego. Ocorre uma severa restrição dos impulsos agressivos, para que estes não atinjam cegamente os outros indivíduos, e ocorre uma considerável restrição sobre o funcionamento sexual, com a conseqüente revolta e ressentimento do indivíduo contra a autoridade e a cultura vigente, instituiu-se a consciência moral e o sentimento (inconsciente) de culpa. Estes elementos, que parecem estar no próprio núcleo da civilização ocidental, determinam um sentimento de quase ainda permanente, ainda que malpercebida, tensão entre o ego e o superego, com as conseqüências que percebemos na vida mental e nas relações entre os indivíduos. Essa insatisfação dentro de si mesmo, entre o indivíduo e a cultura, é uma das características de nossa civilização. Esse conflito inevitável pode ter suas conseqüências, mais ou menos visíveis, e por certo traz determinado grau de sofrimento - neurose - detectável em todo ser humano, em todo indivíduo que faz parte da civilização humana. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 63 Bruno Salésio Francisco et alii A Psicanálise ensina que sua função é a de examinar com interesse, e com a isenção científica possível, esse estado de coisas. Compete-lhe apontar os excessos e a patologia engendrada pelas restrições impostas por um superego excessivo, cruel, assim como também lhe compete indicar possibilidades de sadia satisfação de impulsos. No mundo atual, como nos tempos de Freud, tão cheio de perplexidades, a Psicanálise pode e deve participar do processo de humanização do indivíduo humano ajudando-o a tomar consciência critica de si mesmo e do mundo que o cerca, sua família, seu grupo social, e do papel que ele exerce nesse contexto. A Psicanálise pode e deve estudar os relacionamentos entre os indivíduos, as instituições, de modo que se construam instituições mais adequadas, onde os indivíduos funcionem com menos compulsões cegas e com mais entendimento das motivações de seus atos. Como Freud mostrou, uma parte considerável dos impulsos instintuais do homem (eróticos e agressivos) pode encontrar vias de satisfação substitutivas e derivadas, de grande importância para o equilíbrio psíquico dos indivíduos e da cultura em que vivem: os ideais, as artes, a religião, as criações do intelecto, as ciências, a tecnologia, as idéias políticas autenticamente democráticas (respeito ao indivíduo, como ser livre, capaz de pensar, decidir, escolher), o exercício da liberdade no seu sentido humanístico, a responsabilidade e a solidariedade, a repulsa a toda forma de coerção autoritária, o esclarecimento dos fatores que levam à compulsão. Freud apontou que, dentre as várias fontes de sofrimento e mal-estar do homem, é na área das relações interpessoais que encontramos grande quantidade de imperfeições em nossa cultura. No processo civilizatório, a regulação dos relacionamentos interpessoais ainda deixa muito a desejar. Nessa parte de nossas vidas com nossos semelhantes é que encontramos freqüentes motivos de mal-estar e insatisfação, ódios, rivalidades, injustiças, injúrias, cobiça, e outros males que envenenam as relações entre os indivíduos, podendo fazer com que estes passem a abominar o convívio com o conjunto do seu meio cultural, ou então se tornem inimigos dessa cultura, ou procurem usar defesas mais destrutivas, aparentemente justificadas nas circunstâncias. Se uma das funções do processo cultural é a produção e justa distribuição dos bens materiais e culturais que essa civilização pode proporcionar aos indivíduos, outra função não menos importante, e talvez a de mais difícil solução é a regulação das relações entre os indivíduos e entre os grupos humanos. Essa área das relações interpessoais tem sido e certamente continuará a ser um campo em que os desacertos e choques de interesses podem causar conflitos, tensões, manobras de dominação, guerras e sofrimentos. Hoje, uma conscientização maior por parte das elites dirigentes e um senso de responsabilidade social maior podem atenuar as desigualdades e melhorar a 1 64 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicanálise e cultura participação dos indivíduos na construção de uma grande família humana mais consciente dos fatores capazes de proporcionar bem-estar geral aos indivíduos. Na carta que enviou a Albert Einstein, em 1932, Sigmund Freud alertava para o perigo das tendências destrutivas do homem em relação ao próximo e à civilização. Mostrava que essas forças instintuais destrutivas que podem destruir o homem atuando dentro deste, podem destruir também os povos e as nações através das guerras. Uma das soluções que a Psicanálise então poderia propor, era a de combater a destrutividade mediante o auxílio das forças construtivas de Eros, que une e preserva, que reconhece o outro como semelhante, que tem interesses vitais comuns e com o qual se pode tentar conviver e trabalhar pelo bem comum da cultura. Educar as pessoas, aumentar a educação das elites e das lideranças, fortalecer os vínculos emocionais amorosos entre os indivíduos e fazer com que estes se identifiquem com os ideais do bem comum certamente são objetivos que poderiam parecer utópicos, mas indubitavelmente constituem um conjunto de condições com que a Psicanálise pode contribuir consideravelmente para o processo civilizatório a médio e a longo prazo. A Psicanálise considera, no dizer de Freud (1932), que o processo de civilização, pelos seus imperativos morais, éticos, estéticos e sociais, vem produzindo uma gradual mudança psíquica na humanidade, de que são características o progressivo deslocamento dos fins instintuais eróticos e agressivos, a sublimação, a restrição e a transformação desses impulsos, bem como o fortalecimento das atividades do intelecto a sua utilização a serviço da produção de bens culturais úteis ou estéticos, de importante valor na economia psíquica. Enfim, a civilização, ou cultura, é um produto da permanente luta entre Eros e destrutividade, entre a instintividade bruta e a razão. 5. Conclusão Havendo exposto algumas considerações sobre como entendemos o processo de evolução da cultura ou civilização, com base no pensamento de Freud, e sobre como vemos certas interrelações entre a cultura e o surgimento e evolução da Psicanálise, talvez seja útil mencionar algumas idéias sobre o papel que a Psicanálise poderá continuar desempenhando no processo civilizatório contemporâneo e no futuro. Neste fim de século e ao final de 100 anos de influências da Psicanálise, é evidente a marca positiva da Psicanálise na cultura contemporânea. Ela se incorpora crescentemente no acervo de idéias do homem culto; este assimila inúmeros conceitos originários do pensar psicanalítico e assim se amplia sua subjetividade, o conhecimento de si próprio. Se bem que nem todo esse conhecimento Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 165 Bruno Salésio Francisco et alii passe das idéias à prática dos homens, mesmo assim não podemos deixar de refletir que os conceitos e as propostas da Psicanálise vão gradualmente influenciando a forma de pensar de muitos, como um fenômeno que transforma, lenta e positivamente, o modo de pensar a condição humana. Assim, dela se beneficiam hoje áreas importantes, como a educação, a medicina, a filosofia, a psicologia, a pesquisa científica e as artes. Junto com outros fatores benéficos civilizatórios como a Arte, a Política, a Educação, a Ciência, certamente a Psicanálise também tem papel destacado porque ela é a ciência que se ocupa daquilo que é mais autenticamente humano, a alma do homem, sua história, seu aparelho mental e as condições em que este funciona. O estudo da psicologia dos relacionamentos entre indivíduos e destes com instituições do mundo civilizado bem como as possíveis intervenções da Psicanálise nessa área são apenas um exemplo do papel que ela pode desempenhar como fator de mudança de nossos padrões culturais. Referências bibliográficas ARIES, P. e DUBY, G. História da Vida Privada. Vol. IV. Companhia das Letras. CORBIN, A . História da Vida Privada. Vol. IV. Companhia das Letras. FREUD, S. (1930). "Civilization and its Discontents". SE 21. ______ (1933). "Why war?". SE 22. FURGIER, A.M. História da Vida Privada. Vol. IV Companhia das Letras. GAY, P. A Educação dos Sentidos. Companhia das Letras. ______ Freud - uma Vida para o nosso Tempo. Companhia das Letras. PERROT, M. História da Vida Privada. Vol IV. Companhia das Letras. PERROT, P. História da Vida Privada. Vol. IV. Companhia das Letras. © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL 1 66 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Entre el diván y la comunidad: algunas problemáticas Vicente A. Galli*, Buenos Aires, ARGENTINA * Membro Efetivo do Grupo de Estudios Sociedad Argentina de Psicoanálisis. Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 67 Vicente A. Galli Me propongo plantear escuetamente reflexiones sobre algunas "problemáticas" contenidas en el tema del Congreso. "Problemáticas", en el sentido de organización de problemas que exigen desarrollos conceptuales, tomas de posición y compromisos personales; que generan conflictos de poder con saberes hegemónicos y motivan en los que se los formulan reacciones afectivas y cuestionamientos de valores. 1. "Entre el diván y la comunidad" El espacio dinámico y conflictivo que abarca la denominación elegida, fue y es llenado de distintas maneras según tiempos históricos y lugares en los que se desarrolló el psicoanálisis; y aún con diferencias entre grupos con distintas posiciones coincidiendo en los mismos espacios geográficos. Que en estos tiempos algunos crean que los problemas sociales y la extensión imprescindible del campo de tareas de los psicoanalistas son temas que emergen por las crisis del psicoanálisis, en particular por la caída de la demanda tradicional y las exigencias del mercado, no debe ocultar el reconocimiento que desde los comienzos se hicieron importantes desarrollos en el traslado de lo aprendido en la intimidad de los consultorios con las concepciones psicoanalíticas hacia multiplicidad de extensiones posibles; al mismo tiempo que se importaban hacia el interior del psicoanálisis conocimientos y efectos de esas prácticas realizadas fuera del territorio. Lo que produjo: a) ampliaciones del propio campo teórico/técnico, para tratamientos de niños, de pacientes seriamente perturbados, de pacientes agrupados, de microgrupos familiares, miradas psicoanalíticas sobre problemas institucionales, etc. b) En las aperturas del propio campo hacia espacios de confluencia con otras producciones de la cultura, se produjeron los aportes que pueden hacer los psicoanalistas trabajando en conjuntos con otros integrantes del escenario social. 2. El escenario social y las instituciones Los escenarios sociales en los que fuimos constituidos y transcurren nuestras vidas de sujetos de la cultura, son escenarios complejos, signados por organizaciones institucionales que intentan dar coordenadas a las necesidades y dificultades de la convivencia cultural. La que entre sus múltiples componentes cuentan con los conflictos de poderes: Por la posesión de conocimientos posibles y/o mejores, por el manejo de todo tipo de recursos, por las maneras de tomar las decisiones, y, finalmente, sobre las maneras de evaluar sobre todo ello y a partir de allí decidir los proyectos inmediatos y definir horizontes posibles. Afirmación aplicable a todas las instituciones de la cultura - desde los microescena- 1 68 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Entre el diván y la comunidad: algunas problemáticas rios familiares hasta los problemas políticos/ organizacionales de los estados y sus relaciones y dependencias supranacionales - en donde hay que subrayar que en todos ellos se dan interacciones humanas con producción de experiencias integrativas libidinales junto con violencias y destrucciones, en los marcos referenciales que organizan a cada institución en general y cada una de sus partes en particular. 3. La vida mental En la trama de lo anotado en el párrafo anterior surgen encuentros vivificadores, encuentros excesivos o violentos, desencuentros, placeres y sufrimientos que van siendo los elementos que metaboliza idiosincráticamente cada cachorro humano en su hominización inicial,. Los que se continúan luego durante toda la vida en la interacción constante entre realidad y subjetividad, entre deseos, fantasías, satisfacciones y frustraciones. Si el psiquismo es historia hecha estructura pulsional y funcionante; si está en constante reproducción de sus condiciones de existencia, con compulsiones a revivir lo placentero y también lo insatisfactorio, dispone permanentemente de potencialidades de reprocesar historias pasadas y realidades presentes, albergando posibilidades de transformaciones creativas y de involuciones estereotipantes, en la trama de los mundos interno y externo que la constituyen. 4. Problemática epistemico-identitaria Para los psicoanalistas que buscan colaborar en la búsqueda de mejor cua lidad de vida mental para los que constituyen y son objeto de las organizaciones institucionales del escenario social (en derechos humanos, sistemas de salud, educación, justicia, problemas sociales, emprendimientos comunitarios, institu tos para marginales o excluidos de todo tipo, ................. ) una importante dificultad, que se puede denominar epistemico-identitaria, es la inadecuación de parte importante de sus instrumentos técnicos para desempeñarse en marcos de trabajo que no son los encuadres que habitualmente organizamos, los que son reconocibles como espacios microinstitucionales de la intimidad psicoanalítica: los tiempos y formas de la comunicación, la regla fundamental, las trasferencias/contra-transferencias elaboradas interpretativamente, los indicadores de proceso que entrelazan las evoluciones sintomales con los observables del propio campo, y, el ser casi permanentemente los poseedores de cierto poder en la asimetría de la situación en función de las necesidades de los otros y las facilitaciones regresivas. Cuando se sale de esos espacios se percibe los recursos técnicos habituales Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 69 Vicente A. Galli no son los utilizables para trabajar en espacios institucionales públicos, como agentes sociales altamente capacitados para participar activamente en la detección y movilización de potencialidades humanas, para ayudar a entender sentidos y buscar verdades, reconocer y procesar violencias latentes, destrabar circulaciones estereotipadas por reediciones históricas excluidas del relato, validar sentimientos y jerarquizar reflexiones incluyéndolos o partiendo de ellos. Lo que hace que los psicoanalistas sean buscados cuando todo eso es demostrado. Observando y reconsiderando múltiples experiencias con resultados variables, hay ejes que resaltan como significativos para reflexionar sobre el problema. Uno de ellos es la ecuación personal del psicoanalista que hace la tarea. Ecuación que incluye la historia personal en cuanto sujeto de la cultura; subrayando la historia ideológicoconceptual que arma su visión de lo humano y del mundo; la historia de sus identificaciones, transformaciones y desidentificaciones profesionales; con la de los contextos de sus primeras experiencias como terapeuta y sus modificaciones posteriores; tanto como con la historia de su relación con autores, problemas y conceptos. Multiplicidad de factores que no es menester analizar ahora, aunque hay un componente fundamental que es necesario subrayar: la manera de ubicarse como trabajador en la clínica psicoanalítica. Por resultados y por resonancia subjetiva, tienen mejores experiencias en tareas institucionales más allá de los encuadres psicoanalíticos o psicoterapéuticos específicos, los que en la clínica psicoanalítica entienden el psicoanálisis como una práctica específica sobre el psiquismo inconciente de individuos, que al mismo tiempo es elaboración de realidades sociales, actuales y pretéritas; con noción de seguir siendo trabajados por ellas. Con matices, diferencias y características particulares en cada tiempo y lugar. Son los que se entusiasman con que el proyecto terapéutico se desarrolla creativamente con un método en el que el psicoanalista se pone en juego, corre riesgos y se transforma. Profundos conocedores de teorías y concepciones etiopatogénicas de la disciplina, las toman como instrumentos ricos pero no sacralizados; creen que su utilidad en la clínica proviene de sus retoños transformados por la elaboración inconciente adecuada al método y al momento. Psicoanalistas que consideran que lograrse y mantenerse como tales es una aventura que se reconstruye, oscila, crece o retrocede en cada acto. Cuando psicoanalistas con predominancia de este perfil se desempeñan en espacios institucionales públicos, compartiendo espacio con otros muchos actores sociales con diferentes miradas y prácticas, no tendrá urgencias en teorizar ni en interpretar; luego descubrirá que no le hará falta hacerlo a la manera habitual. Se sabe instrumento de sus prácticas, y en esa que esta desarrollando en ese lugar buscará dejarse penetrar por lo que va acaeciendo y lo que va escuchando, entrará en diálogos, preguntará, opinará, cuestionará y se cuestionará. Muchas veces tendrá que asumir tareas concretas, adaptándose a referentes instituciona- 1 70 Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Entre el diván y la comunidad: algunas problemáticas les extraños a sus hábitos, en el objetivo de convertirse en socio e integrante del lugar cultural en el que está. En el otro polo, los psicoanalistas que tienen tendencias predominantes a sostenerse en modelos teóricos y rasgos de identidad idealizados, y que utilizan el campo clínico como lugar para su confirmación, no obtiene buenos resultados para los otros ni para ellos - ni para la imagen de los psicoanalistas - cuando intentan tareas por fuera de sus encuadres habituales de trabajo. 5. Problemáticas socio-sanitarias y de salud mental 5.1. Otro eje a considerar cuando se observan los resultados diferentes de experiencias distintas, es lo que tiene que ver con la conveniencia de disponer de algunas perspectivas socio-sanitarias. Trabajan con mayor respaldo valorativo los que se saben parte activa de una tendencia que pugna en el mundo occidental por conseguir mayor espacio y desarrollo: encarar discusiones y acciones sobre salud desde el paradigma de los sistemas complejos, integrando lo socio histórico con lo ecológico y lo biológico. Implica acentuar las observaciones y críticas sobre los sistemas asistenciales centralizadores, que suman las prácticas despersonalizadas de corte biologista e individual con la desatención de la naturaleza social y colectiva de su objeto de estudio. La tendencia que lucha para ganar espacio sobre la mencionada, es la que se origina en la mirada de la "medicina social" y busca crear mejores condiciones para que la defensa de la salud y el encarar las patologías se haga predominantemente en el tejido social mismo, en donde las personas habitan, trabajan, gozan y sufren. Para lo que se necesitan conocimientos de las llamadas ciencias naturales tanto como los de las ciencias que tratan los procesos sociales e históricos. Entre las que el psicoanálisis tiene su espacio. 5.2. Problemática conexa es la de las definiciones de salud en general, y de salud mental en particular. Trabajando fuera de los ámbitos estrictamente psicoanalíticos parece adecuado transitar sobre discusiones y contradicciones analizadas desde otras disciplinas. Sobre salud en general, se marca que es difícil encontrar en occidente definiciones de salud caracterizadas por rasgos positivos. Lo que impregna el imaginario social son las definiciones por la negativa: Salud como ausencia de enfermedad. Que históricamente se explica por las primitivas concepciones mágicoreligiosas sobre el enfermar y las asistencias caritativas realizadas por organizaciones religiosas; luego continuado por la organización secular para atender las enfermedades. Hecho desde el modelo militar que estructuró las primeras e imprescindibles organizaciones sanitarias para cuidar la fuerza de trabajo de guerra de los soldados, y asimiló la lucha contra las enfer- Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 171 Vicente A. Galli medades como la lucha contra los enemigos... que siempre pueden infiltrarse y reaparecer. En las últimas décadas se agregó otros elemento fundamental: la asistencia de las enfermedades ha entrado en los mecanismos de mercado, por lo que su regulación hace difícil que se jerarquicen las tareas preventivas o las curativas que no lleven valor agregado, con lo que se ha intensificado el asistencialismo fragmentador y despersonalizado. Para los que lo pueden pagar. La puja está mantenida en el otro polo por los que definen salud y enfermedad como producto de la interacción de sistemas. Salud como balance entre el hombre, los otros, su medio ambiente (natural y construido), la historia y el presente socioeconómico y cultural, los proyectos de futuro colectivos y particulares. Concepción que genera descentramientos en las problemáticas, cambios epistemológicos y transformación de roles profesionales. 5.3. Para Salud Mental, desde el punto de vista cualitativo, no se dispone de definiciones culturalmente compartidas. Una, que se viene probando en la zona del Río de la Plata, elude ser taxativa y enumera componentes e indicadores. Tiene la utilidad de poder utilizarse coloquialmente, sin conocimientos técnicos específicos en los interlocutores; manteniendo congruencia con criterios psicoanalíticos. a) Salud Mental, referida a un balance dinámico y en permanente interacción de cada persona consigo misma y con sus contextos, para la producción, reproducción y transformación de su existencia. b) Balance dinámico, que incluye nociones de equilibrios e integraciones móviles, de los elementos conflictivos que son constitutivos de los sujetos de la cultura. c) Por lo que son esperables contradicciones y crisis, reconocidas o no por los sujetos y los grupos. d) Indicador importante es la participación activa de los sujetos de la cultura en los cambios y conflictos propios y del contexto social. Lo que va unido al derecho a la memoria y al conocimiento histórico. e) Otro indicador: la posibilidad de aceptar el placer; buscado o sorpresivo. f) También es indicador positivo el poder incluir el sufrimiento como parte de la vida; buscando en él experiencias de desarrollo, de construcción de nuevos vínculos, de distintas opciones y de conocimientos. g) Otro indicador, es la existencia de proyectos de futuro.1 © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL 1. Los componentes e indicadores básicos parten de: GALLI, Vicente A. "Salud Mental, Definiciones y Problemas". Dirección Nacional de Salud Mental. Argentina, 1984 (Donde se aclara que se toma como referencia la de A. Querido, en "La Salud Mental en los Planes de Salud Publica". OPS Washington, 1963. Con varias modificaciones. 1 72 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 ¿Hasta donde alcanza la vinculación del Psicoanálisis y la comunidad?: Reflexiones desde nuestra experiencia Ana Herrera*, Caracas, VENEZUELA Ser pio Marcano*, Caracas, VENEZUELA Dolores Salas de Torres*, Caracas, VENEZUELA Carlos Valedón*, Caracas, VENEZUELA Teresa Machado**, Caracas, VENEZUELA Resumen La institución psicoanalítica no es un ente aislado de las otras instituciones sociales y por tanto se impone reflexionar acerca de las múltiples relaciones que existen entre ellas. Desde nuestra experiencia local hacemos un recorrido general por tres niveles de extensión e interacción con la comunidad: Uno es el terapéutico, con una oferta de psicoanálisis y aplicaciones del mismo para las clases socioeconómicas menos pudientes a través del Servicio de Atención Psicoanalítica. Tratamos de ver qué lo facilita, qué lo interfiere y cuáles transformaciones debemos procurar para que nuestra ciencia se actualice de acuerdo a las circunstancias cambiantes. Otro nivel es el de divulgación y difusión; abarca un amplio espectro social que va desde lo más general e informativo hasta los ámbitos más especializados. El tercer nivel planteado explora lo más específico de nuestra actividad profesional y sus vinculaciones con los círculos profesionales y científicos afines. * Membro Efetivo da Sociedad Psicoanalítica de Caracas. ** Membro Associado da Sociedad Psicoanalítica de Caracas. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 73 Ana Herrera et aliii Cuando nos proponemos explorar las relaciones posibles que transitan entre el diván y la comunidad surgen numerosas preguntas y reflexiones acerca de las mismas. Lo primero que nos viene a la mente es explorar, desde nuestras experiencias: ¿cuál es la relación entre la institución psicoanalítica y nuestra comunidad? ¿A cuáles sectores de la comunidad proyectamos nuestra actividad profesional, o hacia cuáles sectores desearíamos desplegar nuestros esfuerzos y de qué manera? Una situación reciente de desastre ambiental que impactó a nuestro país produjo en algunos de nuestros miembros la inquietud de desear colaborar, desde nuestro oficio, y ver cuáles actividades podíamos desarrollar que pudiesen ser de utilidad tanto a las personas como a las otras organizaciones sociales y profesionales. Una colaboración que algunos prestamos fue la intervención en crisis por la situación traumática. Pero también nos trajo la necesidad de reflexionar acerca de cuál es nuestro nivel de participación en la comunidad y hacia dónde apuntan nuestras actividades Hasta ahora nuestra extensión hacia la comunidad se ha desarrollado básicamente a tres niveles: 1) Uno es el terapéutico, a través del Servicio de Atención Psicoanalítica, el cual ofrece una gama de posibilidades terapéuticas a personas que solicitan sus servicios tanto a nivel individual como de parejas, familias y grupos. A nivel individual la oferta pretende ser lo más cercano al encuadre psicoanalítico clásico y está dirigida hacia un público que la más de las veces tiene alguna vinculación con el área de la Salud Mental, con honorarios que son aproximadamente la 5a parte de lo que suelen ser a nivel del consultorio privado de los analistas. Nos preguntamos también si es posible buscar promover una oferta psicoanalítica terapéutica a diferentes líderes de sectores sociales que tienen una función pública que requiere un nivel emocional suficientemente integrado, tales serían los bomberos, policías, maestros, etc. También nos interrogamos de qué depende esa posibilidad. Buscando respuestas nos paseamos por otras preguntas: ¿Está preparada la institución psicoanalítica para impulsar esta oferta? ¿Quiénes la sostendrían, los analistas de mayor experiencia, o los más jóvenes y los candidatos? ¿De qué depende nuestra participación, acaso de cuánto estemos ocupados en nuestros consultorios privados? La estabilidad del status quo tanto institucional como individual de los psicoanalistas se ve sacudida al aparecer día a día ofertas terapéuticas que prometen soluciones mágicas. Como psicoanalistas sabemos bien el peso que tiene en las mentes humanas el principio del placer-displacer. Contra él tenemos que luchar y competir no sólo en la vida psíquica, sino también en la realidad social. Es la batalla permanente y para darla debemos salir de nuestra comodidad con- 1 74 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 ¿Hasta donde alcanza la vinculación del Psicoanálisis y la comunidad?: Reflexiones desde nuestra experiencia servadora buscando salidas creativas que mantengan vivo al psicoanálisis como método revolucionario en tanto transformador. En esta cultura, donde la rapidez es un elemento omnipresente, tanto en las ofertas como en las demandas a todos los niveles, nos preguntamos si el psicoanálisis con su encuadre y su duración va a poder subsistir como hasta ahora, o tiene el reto de indagar las posibilidades de transformación, fundamentalmente en su técnica, que le faciliten o permitan evolucionar y transformarse de acuerdo con las modificaciones que van dándose en la cultura. Pero aquí surge la interrogante de si ello no implicaría un plegamiento del psicoanálisis a la fuerza avasallante de la cultura y sus modelos tecnológicos signados por la rapidez y la búsqueda de resultados prácticos. En este caso podríamos decir que esa fuerza compulsivamente avasallante correspondería a la presión que las pulsiones humanas ejercen sobre la cultura misma y sus instituciones para colocarlas al servicio de la gratificación, en donde lo pulsional encontraría aliados tecnológicos para intentar borrar las frustraciones y la espera que implica explorar las transformaciones posibles de la realidad, a fin de procurar una gratificación más duradera. La ilusión así creada es que los seres humanos "quedarían libres de toda discordia interior" (Freud, 1927). Sin embargo, estos aliados tecnológicos modernos son ejemplo de la capacidad del ser humano de gobernar las fuerzas de la naturaleza a fin de satisfacer sus deseos sin que obligatoriamente ello implique la negación de que algo va a faltar siempre. La aceptación de esa falta es lo que puede servir de estímulo permanente para la transformación y búsqueda de nuevas alternativas transformadoras de los modos y herramientas gratificado-ras a cualquier nivel de los instrumentos culturales y entre ellos el instrumento psicoanalítico junto con sus instituciones. En la medida que los psicoanalistas y sus instituciones podamos aceptar que nuestra ciencia, tanto en la teoría como en su práctica, no está completa, es que podremos tolerar salir de nuestras idealizaciones y procurar generar las modificaciones que se correspondan con las que se van dando en la cultura. Modificarnos no implica necesariamente una adaptación a las propuestas tanto individuales como colectivas que buscan salidas mágicas y omnipotentes para ocultar las carencias. No olvidemos que Freud nos decía en 1918, avizorando el futuro de nuestra ciencia, que "cuando el Estado se de cuenta de su obligación en cuanto a ofrecer la posibilidad de dar auxilio psicoterapéutico a los pobres, se nos planteará la labor de adaptar la técnica a las nuevas condiciones... Ello pasa por la búsqueda de la expresión más sencilla y comprensible de nuestras teorías" ¿Podremos los psicoanalistas tolerar estos cambios catastróficos, en el decir de Bion, y dar espacio para la creatividad, o viviremos los cambios como equivalentes a un desastre y caeremos en una repetición defensiva que nos llevará a la muerte del psicoanálisis? Los privilegios del psicoanálisis y de los psicoanalistas no son tales cuando hoy en día aparecen otras Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 175 Ana Herrera et aliii técnicas y otras disciplinas que ocupan nuestro lugar. Las llamadas psicoterapias de orientación psicoanalítica, limitadas tanto en los objetivos como en el tiempo, pueden ser un instrumento usado por los psicoanalistas, quienes propendemos, en general, a descalificar todo aquello que nos aleje del ideal y muchas veces idealizado psicoanálisis oro o psicoanálisis propiamente dicho, riguroso y libre de toda tendencia (Freud, op.cit). Los debates que se están llevando a cabo hoy día en el seno de la comunidad psicoanalítica internacional pueden, eventualmente, llevarnos a elaborar las ansiedades que las transformaciones y los cambios generarían, y si tenemos la tolerancia y la amplitud necesaria para incorporar esos cambios, la crisis que vive el psicoanálisis junto a sus instituciones podrá ser una crisis para el crecimiento y no para la destrucción. 2) Otro de los niveles de unión entre el psicoanálisis y la comunidad es el nivel de divulgación o difusión de los principios teóricos que han quedado establecidos en el tiempo de vida de nuestra ciencia y las elaboraciones que los analistas particulares hacemos de los mismos. En nuestra Sociedad Psicoanalítica transmitimos nuestro pensamiento teórico y clínico a través de la revista oficial, Trópicos, que aparece semestralmente, y, mediante una página Web, mantenemos una ventana permanentemente abierta a la comunidad. Pensamos que la difusión tiene un efecto transformador al llevar a los diferentes estratos sociales una herramienta que permite a los individuos pensarse e interrogarse al descubrirse reflejados en las descripciones de las múltiples alternativas de organización de la vida psíquica que resultan en estructuras caracterológicas o sintomáticas. Tales descripciones forman parte, hoy día, del lenguaje popular y en muchos individuos promueven la pregunta de cuál es la manera más idónea de conducir la educación de los hijos y de las nuevas generaciones. Aún persisten muchos tabúes acerca de descubrirse ante los otros como un ser con conflictos, pero cada vez son menores los juicios morales por asumirse en la demanda de ayuda profesional calificada. Dichos juicios morales, o prejuicios, provienen no sólo de los individuos dentro de la cultura, sino que también en los psicoanalistas descubrimos una serie de prejuicios dirigidos hacia la actividad divulgativa como si existiese el temor que se fuese a caer en una vulgarización degradante del Psicoanálisis en su status científico y que por lo tanto habría que mantenerlo en aislamiento tipo secta secreta, en las cuales los iniciados pasan a ser sacerdotes hebdomadarios que hablan y escriben un lenguaje que aparenta ser tanto más profundo en cuanto es más cifrado. Cuan distante está esta posición del ejemplo de Freud, que aunque profundo en sus teorías y creación de conceptos, escribía en un lenguaje claro y ameno sin que por ello fuese superficial. No en balde fue galardonado con el premio Goethe. Algunos autores psicoanalíticos parecen es- 1 76 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 ¿Hasta donde alcanza la vinculación del Psicoanálisis y la comunidad?: Reflexiones desde nuestra experiencia cribir con obscuridad para ser aplaudidos, según expresan Sokal y Bricmont (1999) en su libro "Imposturas Intelectuales". Algunos de nuestros miembros hemos trabajado en instituciones que tienen que ver con los diversos niveles de atención a la Salud Mental y hecho contribuciones programáticas para llevar la aplicación del psicoanálisis a la prevención y el tratamiento de los conflictos psíquicos, pero muchas veces nos hemos tropezado con los obstáculos inherentes a la burocratización y manipulaciones de los políticos de turno, que frustran los propósitos de realizar una experiencia sostenida en le tiempo. Un programa de Postgrado de Psiquiatría y Psicología con énfasis en lo social y comunitario propuesto por uno de nosotros fue abortado por las razones antes señaladas (Marcano, 1986). A los obstáculos antes señalados se agregaría el problema de recesión económica que afecta a nuestro país desde hace muchos años, a lo cual no escapan algunos otros países latinoamericanos y que nos ha obligado a buscar incrementar nuestras horas de trabajo para que nuestro nivel de vida no siga deteriorándose. La dolarización de la economía no se corresponde con los incrementos de los salarios públicos. La consecuencia es que no podemos mantenernos en tareas públicas que requieren muchas horas de ocupación debido a que, restadas a la actividad privada, no pueden ser compensadas, como se hacía años atrás, cuando se podían cobrar honorarios que permitían tener un nivel de vida digno. Pensamos que los analistas deberíamos poder movernos dentro de un espectro discursivo que pueda alcanzar desde los niveles socioculturales menos formados escolarmente hasta los profesionales de diversas disciplinas, en particular aquellos que tienen que ver con la conducta humana. Ese espectro va desde el nivel más simple e informativo hasta el nivel más complejo, reflexivo y crítico de los planteos que nos presentan los diversos esquemas conceptuales referenciales y operativos (E.C.R.O.) de las escuelas psicoanalíticas. Este espectro abarca desde las amas de casa, padres, maestros, escuelas para padres hasta los institutos psicoanalíticos. Hacerlo de esta manera nos permitirá, que como voceros del psicoanálisis, podamos lograr convocar a un público diverso y sostener una presencia. 3) Este nivel más complejo, reflexivo y crítico es el tercer nivel en que se ejerce nuestra extensión a la comunidad, varios de nosotros sostenemos una presencia permanente en las universidades, particularmente en la ciudad capital ya que no han emigrado muchos miembros de nuestra Sociedad hacia otras ciudades del país. Sin embargo, algunas incursiones, en forma de conferencias, se han realizado en alguna ciudad de la provincia. Nuestra presencia se sostiene en forma de seminarios, supervisiones clínicas de psicoterapia, discusiones de material clínico de casos hospitalizados tanto de pacientes neuróticos como psicóticos en los diferentes cursos de postgrado en Psiquiatría y Psicología Clínica, cur- Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 177 Ana Herrera et aliii sos acerca del desarrollo emocional y trastornos en dicho desarrollo para personas y profesionales que trabajan con niños y adolescentes en zonas marginales, con el fin de prevenir el maltrato y abuso infantil. Cursos acerca de los diferentes trastornos emocionales del los adultos para este mismo nivel de profesionales. En la sede de la Sociedad se realizan actividades para público general al que acuden también profesionales del área de la salud mental y educadores, tales como cineforos, conferencias, presentación de papeles psicoanalíticos en paneles de discusión. Anualmente realizamos un Encuentro de fin de semana con un tema central alrededor del cual se presentan conferencias en las que participan tanto miembros de la Sociedad como calificados invitados de otras disciplinas y eventualmente, en la medida de lo posible, psicoanalistas invitados, tanto nacionales como extranjeros. Además se discuten películas que tienen que ver con la temática central y siempre hay una sección para el trabajo sobre niños y adolescentes. Hemos fomentado el intercambio público con otras escuelas psicoanalíticas como son la corriente Jungiana y la Lacaniana, además de la participación de la otra institución local afiliada a la IPA como es la Asociación Venezolana de Psicoanálisis. Dicho intercambio ha sido bien acogido por la comunidad de profesionales afines a nuestra disciplina, además de los miembros de estas instituciones, por lo cual este esfuerzo común redundará en beneficio del psicoanálisis en la medida que sale de su enclaustramiento y del peligro que implica su mitificación. Bibliografía FREUD, S. (1928). "Nuevos caminos de la terapia psicoanalítica". Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu, 1979. ______ (1927). "El porvenir de una ilusión". Ob. Comp. Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1979. MARCANO, S. (1986). "Terrorismo de estado y violencia psíquica". Caracas: Fondo Editorial Tropikos, 1987. SOKAL, A. y BRICMONT, J. (1999). "Imposturas intelectuales". Buenos Aires: Paidos. © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL 178 Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica Juan Pablo Jiménez*, Santiago, CHILE Resumen Chile está en un proceso acelerado de modernización. Sin embargo, la percepción psicosocial cotidiana es que el país es más infeliz que nunca. Se revisan múltiples expresiones de malestar. Basándose en el modelo de análisis social inaugurado en El Malestar en la Cultura, de la "subjetividad profunda", el autor adelanta la tesis de que en la atmósfera social del país flotan intensas emociones de culpa y vergüenza que dificultan el desarrollo global hacia una sociedad más humana. Se relaciona la culpa y la vergüenza inconscientes con la elaboración inacabada del trauma histórico provocado por la dictadura militar y por la falta de reconocimiento de las raíces indígenas de la nacionalidad chilena. Se presenta al psicoanálisis, como ciencia de la subjetividad y como método clínico, como modelo para los procesos sociales de autorreflexión. ' Membro Efetivo da Asociación Psicoanalítica Chilena. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 179 Juan Pablo Jiménez "Todo se me evapora. Mi vida entera, mis recuerdos, mi imaginación y lo que contiene, mi personalidad, todo se me evapora. Continuamente siento que he sido otro, que he sentido otro, que he pensado otro. Aquello a lo que asisto es un espectáculo con otro escenario. Y aquello a lo que asisto soy yo". Fernando Pessoa. El libro del desasosiego. I. Introducción La realización del42''r Congreso Internacional de Psicoanálisis (julio de 1999), encontró a la Asociación Psicoanalítica Chilena en un proceso creciente de intercambio con la comunidad. En los años que precedieron a ese evento organizamos encuentros interdisciplinarios que cubrieron diversos temas de interés social. El simposium sobre psicoanálisis y religión fue seguido por uno sobre maltrato infantil y violencia intrafamiliar. En medio de la crisis asiática realizamos unas jornadas sobre psicoanálisis y crisis financieras donde, junto a economistas y sociólogos, discutimos las características psicosociales de las "burbujas" de negación que preceden a las crisis económicas. El año que precedió al congreso vio un exitoso ciclo de cine y psicoanálisis. Paralelamente, más y más colegas fueron - y siguen siendo - solicitados por los medios de comunicación para exponer puntos de vista psicoanalíticos sobre variados tópicos. En más de una ocasión, Otto Kernberg fue invitado por foros de empresarios y administradores a exponer sus ideas psicoanalíticas sobre grupos y organizaciones. Durante la semana del Congreso, organizamos un panel - muy concurrido -, en el que invitamos a psicoanalistas de distintas partes del mundo a discutir la presentación de un film documental, "Fernando ha vuelto a casa" (Caiozzi, 1998), sobre los "detenidos-desaparecidos" durante la dictadura de Pinochet. Quizás si el producto más acabado - aunque no por eso menos controversial -, de esta interacción novedosa entre psicoanálisis y sociedad en nuestro país lo haya constituido el libro de Ricardo Capponi "Chile: Un duelo pendiente" (1999), en que se analizan las condiciones de un diálogo social que lleve a la reconciliación nacional. Paralelamente, el 41er Congreso también nos enfrentó a la comunidad psicoanalítica internacional. A propósito de una crónica sobre nuestra historia reciente (Arrué, 1998), que en otras circunstancias podría haber pasado desapercibida, se suscitó una acida protesta por el juicio que los psicoanalistas chilenos se suponía hacíamos sobre el período que abarcó la dictadura militar y la posterior transición a la democracia. Por cierto, la dureza de los juicios ahí emitidos también tuvo que ver con el impacto internacional que produjo la detención del ex dictador en Londres en octubre de 1998. Como presidente de la Asociación Psicoanalítica Chilena por dos períodos 1 80 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica consecutivos (1994-1998) y co-chair del comité de organización del 41er Congreso de la IPA he sido actor y observador de este proceso de creciente y recíproco interés entre psicoanálisis y sociedad. El congreso realizado en Santiago profundizó nuestras relaciones con la comunidad y nos obligó a pensar sobre la imagen que proyectamos en el extranjero. Por cierto, todo esto hizo patente un déficit de reflexión en nuestro grupo sobre nuestra propia inserción histórica, lo cual me ha llevado a seguir reflexionando psicoanalíticamente sobre la sociedad chilena, reflexión que cristalizó en el presente trabajo. II. Psicoanálisis y Sociedad El tema de Psicoanálisis y Sociedad impone inmediatamente el referente obligado de los ensayos de Freud sobre la cultura. Sabemos que no menos del 40% de su obra está dedicada a reflexionar psicoanalíticamente sobre la sociedad. La articulación entre trabajo clínico y sociedad la estableció el mismo Freud en las Nuevas conferencias de introducción de 1933, cuando constata que el psicoanálisis ha crecido hasta ser mucho más que solamente un método de tratamiento, advirtiendo a la vez que "no por ello ha abandonado su suelo natal, y su desarrollo, tanto en amplitud como en profundidad, continúa ligado al tratamiento de enfermos" (1933a, p.3187). Es claro que no habría que representarse al psicoanálisis como una psicología del individuo tardíamente traspuesta a una sociología de la cultura pues basta un examen sumario de la bibliografía freudiana para darse cuenta de que los primeros textos sobre el arte, la moral, la sociedad y la religión, siguen de cerca a La interpretación de los sueños. Es en este libro donde se descubre la articulación de la teoría de la cultura con la del sueño y de la neurosis, y donde se esboza la aproximación con la mitología y la literatura. Según Ricoeur (1970), que el sueño sea la mitología privada del durmiente y el mito el sueño despierto de los pueblos, que al Edipo de Sófocles y al Hamlet de Shakespeare corresponda la misma interpretación que al sueño, constituye una de las tesis centrales de la Traumdeutung. Pero, el tema de mi ponencia es el malestar en la sociedad de mi país. ¿Qué relación existe entre cultura y sociedad? Freud no separa progreso civilizatorio de cultura. En El Porvenir de una Ilusión (1927c, pp.2961s), dice textualmente: "Por un lado, [cultura] comprende todo el saber y el poder conquistados por los seres humanos para llegar a dominar las fuerzas de la Naturaleza y extraer los bienes naturales con que satisfacer las necesidades humanas, y por otro, todas las instituciones necesarias para regular las relaciones de las personas entre sí y, muy especialmente, la distribución de los bienes naturales alcanzables". Entonces, no hay por un lado un intento utilitario de dominar las fuerzas de la natura- Revista Latino-Americana de Psicanálise-FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 81 Juan Pablo Jiménez leza, - progreso tecnológico y civilización (actualmente hablamos globalmente de desarrollo económico) - y, por otro, un registro simbólico - derecho, ciencia, arte, sociología, política y religión -, que representa la experiencia de las personas en las relaciones sociales y que es lo que habitualmente llamamos cultura. De este modo, la cultura es para Freud reflejo, norma y producto público de la experiencia intersubjetiva de los individuos viviendo en sociedad. El enfoque propiamente psicoanalítico aborda el tema de la cultura desde el punto de vista de la economía de las fuerzas impulsoras del alma, es decir, desde la perspectiva de la subjetividad profunda, de la acción de las pulsiones, los afectos y las fantasías, en definitiva, de las motivaciones inconscientes. A lo largo de diferentes trabajos dedicados a temas específicos, se observa el derrotero que va, por un lado, desde el síntoma neurótico al sueño nocturno y, por el otro, desde el sueño nocturno a la ensoñación diurna y la poesía, de ésta al juego y al humor, después al folklore y las leyendas para, pasando por la antropología, la sociología y la política, finalmente alcanzar las obras de arte. Con esta suerte de analogía gradual, Freud confirma que toda creación depende de la misma función pulsional, de la misma economía pulsional, que efectúa la misma sustitución de satisfacción que las formaciones del sueño y la neurosis. Una reflexión psicoanalítica sobre la sociedad debe considerar inevitablemente el ensayo El Malestar en la Cultura. En un trabajo anterior (Jiménez, 1998), propuse enmarcar esta obra dentro de tres contextos. El primero lo constituye el contexto más amplio del pensamiento moderno. En éste, Freud aparece, por una parte, como un pensador de la modernidad y, por otra, precisamente como uno de sus críticos más agudos. El segundo es el contexto de la época en la que Freud le tocó vivir y escribir. En especial, el período que va desde la Primera hasta la Segunda Guerra Mundial, la llamada Belle Epoque la que, después de la Gran Depresión, fue seguida en Europa por el triunfo de los totalitarismos fascistas y por la era estalinista en la Unión Soviética. Esos años constituyen lo que los teóricos sociales han llamado la primera gran crisis de la modernidad (Wagner, 1994). El tercer contexto que permite entender El Malestar en la Cultura es el contexto del desarrollo de la teoría psicoanalítica y la crisis vital por la que Freud atravesaba en ese momento, acosado por el cáncer y enfrentando su propia enfermedad y muerte. Después de introducir sumariamente la crítica freudiana a la modernidad, contenida en El Malestar en la Cultura, describiré el malestar en la sociedad chilena actual, según ha sido descrita por las ciencias sociales, y terminaré intentando algunas interpretaciones psicoanalíticas. 1 82 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica III. Modernidad, progreso y desilusión en El Malestar en la Cultura La modernidad es un fenómeno complejo que abarca dimensiones económicas, sociales, políticas e intelectuales. Pero, "moderna", también, y para un psicoanalista en primer lugar, es una forma de conciencia de sí, un modo específico de experimentar la vida. "La edad moderna se define a sí misma como el reino de la razón y de la racionalidad, que ha desplazado a la religión, a los prejuicios y supersticiones, a las costumbres tradicionales. De allí nace en ella un sentimiento poderoso de confianza en sí misma, de superioridad tanto con respecto al pasado como con respecto a otras sociedades donde todavía no ha llegado" (Larraín, 1996, p.19). Fue a fines del siglo XVIII, el siglo de la Ilustración, cuando Occidente tomó clara conciencia de estar atravesando por una época que formuló como moderna. El discurso ilustrado, expresión de la autoconciencia histórica, ella misma producto de la modernidad, destacó las ideas de ciencia, progreso y razón. En 1784, Kant definió la Ilustración escribiendo que "es la liberación del hombre de su culpable incapacidad. La incapacidad - agrega - significa la imposibilidad de servirse de la propia inteligencia sin la guía de otro. Esta incapacidad es culpable porque su causa no reside en la falta de inteligencia sino de decisión y valor para servirse por sí mismo de ella sin la tutela de otro. -Y termina con la exhortación ¡Sapere aude! ¡Ten el valor de servirte de tu propia razón!: He aquí el lema de la ilustración." (Kant, 1981 [1784], p.25). Comentando este texto, Foucault plantea que la modernidad es una actitud crítica que exige positivamente un "análisis de nosotros mismos como seres históricamente determinados", para superar "todo aquello que no es indispensable para la constitución de nosotros mismos como sujetos autónomos" (1993, pp.61-74). Freud representó esta actitud moderna hasta niveles que sus biógrafos no han trepidado en llamar heroicos. Peter Gay (1989, p.17) afirma que éste le habría manifestado una vez al novelista Stefan Zweig que la tarea fundamental del psicoanálisis consistía en "luchar en contra del demonio" de la irracionalidad de "manera serena". Pero que - habría agregado -, esa misma serenidad, que reduce ese demonio a "un comprensible objeto de la ciencia", sólo provoca que las ideas psicoanalíticas acerca de la naturaleza humana parezcan sumamente desalentadoras e inaceptables". Y en este punto se nos hace presente la paradoja que dice que Freud se constituye en pensador moderno precisamente a través de su crítica a la omnipotencia de la razón moderna. Si la modernidad implica una "actitud límite, es decir, un situarse en la frontera de la propia finitud pero no para quedarse en ella, sino para traspasarla dentro de lo posible" (Noemi, 1996, p.523), entonces Freud es uno de los pensadores más modernos. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 183 Juan Pablo Jiménez El Malestar en la Cultura es una enérgica denuncia de las promesas incumplidas de la modernidad; pues la modernidad es incumplidora: prometió que la razón ilustrada terminaría con las guerras y que llevaría al ser humano al reino de la felicidad. Kant, en su escrito, Si el género humano se halla en progreso constante hacia mejor (1981 [1798], p.116), plantea la firme convicción de que la guerra, principal obstáculo de lo moral, se irá haciendo cada vez más humana, luego menos frecuente y, por último, desaparecerá como guerra agresiva, para ser reemplazada por un orden constitucional basado en auténticos principios de derecho que permitirá un constante progreso hacia lo mejor. Pero, ¡Ay de las desgracias que trae la autosuficiencia humana, la confianza ilimitada en la omnipotencia de la razón! Precisamente ese mismo año Goya trabajaba en Los Caprichos, serie de grabados donde el N° 43 lleva el inquietante título "El sueño de la razón produce monstruos". La ilusión de Kant fue seguida por muchos a lo largo del siglo XIX. Marx prometió una sociedad sin clases, un reino de la libertad, con las necesidades satisfechas y sin guerras; Durkheim señaló que el nuevo orden moderno tiene la ventaja sobre el anterior de ser pacífico y no militar. Para instaurar el nuevo orden sólo bastaría dejar que ciencia y razón se desarrollasen de acuerdo a su propia lógica, sin la tutela de la religión. La extensión de la educación secularizada y autónoma, promotora de la ciencia, la moral y el arte, aseguraría el nacimiento y mantención de una sociedad pacífica. Por cierto, el siglo XX se encargó de demostrar el carácter ilusorio de tales proyectos. Europa y la humanidad entera pagaron caro la adhesión irreflexiva a los ideales modernos. Freud no fue una excepción. Formado como judío ilustrado y totalmente imbuido de los ideales de la burguesía liberal dominante en el Imperio Austro-Húngaro de la segunda mitad del siglo diecinueve (véase Ticho & Ticho, 1972), la Gran Guerra fue para Freud una de las mayores desilusiones de su vida. La desilusión de Freud fue triple. La primera fue su decepción con la escasa moralidad de los Estados nacionales que, interiormente y en tiempos de paz, se presentan como los guardianes de las normas morales y que durante la guerra las infringen con cálculo frío y sin misericordia. La segunda desilusión fue comprobar la brutalidad en la conducta de los individuos de los que no se había esperado tal cosa como copartícipes de la cultura europea, que se considerada a sí misma como la más elevada civilización humana. La tercera, y como intelectual quizás la más dolorosa, fue comprobar como "¡Hasta la ciencia misma perdió su imparcialidad desapasionada! Sus servidores, profundamente irritados, procuran extraer de ella armas con que contribuir a combatir al enemigo. El antropólogo declara inferior y degenerado al adversario y el psiquiatra proclama el diagnóstico de su perturbación psíquica o mental" (1915b, p.2101) Freud no podía creer lo que veía: La fiebre bélica patriótica atacaba a novelistas, historiado- 1 84 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica res, teólogos, poetas, compositores, en todos los bandos, pero tal vez con mayor fervor en Alemania y Austria-Hungría (Gay, 1989, p.394). Si bien El Malestar en la Cultura es un análisis de la incomodidad del hombre en la cultura moderna, también refleja el propio estado de ánimo de Freud. A los 73 años, y aquejado desde hacía seis por un doloroso cáncer en el paladar que lo acompañaría hasta su muerte, observaba el panorama político y social en Austria y en Alemania, que se debatía entre la demagogia política y la precariedad de la economía. Una semana antes de que Freud entregara a la imprenta el manuscrito del libro, el descontento alcanzó dimensiones mundiales: el 29 de octubre de 1929 - el "Martes Negro" -, la bolsa de Nueva York cayó en picada, inaugurándose la Gran Depresión que confirmó negativamente la globalización de la modernidad. Lo que vino después se conoce. La visión de las atrocidades vividas en Europa durante las dos décadas siguientes llevó al pintor vienés Oskar Kokoschka a escribir: "No quedará ningún retrato del hombre moderno porque éste ha perdido el rostro y está volviendo a la selva". La historia del siglo XX nos enseña que si bien la modernidad, entendida como horizonte normativo y proyecto, es la búsqueda de la paz social, igualdad y libertad mediante la emancipación de la subjetividad y mediante la liberación de la creatividad de los sistemas sociales, la modernización, como el modo histórico mediante el cual se instaura la modernidad en el plano de los sistemas e instituciones sociales, puede tener efectos catastróficos. Más aún, la tesis central de El Malestar en la Cultura es que en el fondo del proyecto moderno hay una meta utópica inmanente, inalcanzable, cual es el logro de la felicidad, lo que necesariamente lleva a la desilusión. "Este programa - dice Freud -, no es realizable, pues todo el orden del universo se le opone" y, agrega, "incluso estaríamos por afirmar que el plan de la "Creación" no incluye el propósito de que el hombre sea 'feliz'" (1930a, p.3025). Más adelante, continúa: "En el curso de las últimas generaciones, la Humanidad ha realizado extraordinarios progresos en las ciencias naturales y en su aplicación técnica, afianzando en medida, otrora inconcebible, su dominio sobre la naturaleza... El ser humano se enorgullece con razón de tales conquistas, pero comienza a sospechar que este recién adquirido dominio del espacio y del tiempo,... no ha elevado la satisfacción placentera que exige la vida, no le ha hecho, en su sentir, más feliz" (1930a, p.3032). Pero la crítica de Freud es radical, y apunta certeramente al corazón de la omnipotencia humana: "Todos estos bienes - dice -, el hombre puede considerarlos como conquistas de la cultura. Desde hace mucho tiempo se había forjado un ideal de omnipotencia y omnisapiencia que encarnó en sus dioses, atribuyéndoles cuanto parecía inaccesible a sus deseos o le estaba vedado, de modo que bien podemos considerar a estos dioses como ideales de la cultura. Ahora que se encuentra muy Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 85 Juan Pablo Jiménez cerca de alcanzar este ideal, casi ha llegado a convertirse él mismo en un dios, aunque por cierto sólo en la medida en que el común juicio humano estima factible un ideal: nunca por completo; en unas cosas para nada; en otras, sólo a medias. El hombre ha llegado a ser, por así decirlo, un dios con prótesis: bastante magnífico cuando se coloca todos sus artefactos, pero éstos no crecen en su cuerpo y a veces le procuran muchos sinsabores. Tiempos futuros traerán nuevos y quizás inconcebibles progresos en este terreno de la cultura, exaltando aún más la deificación del hombre. Pero no olvidemos, en interés de nuestro estudio, que tampoco el hombre de hoy se siente feliz en su semejanza con Dios" (1930a, p.3034). La crítica freudiana develó una contradicción intrínseca y fundamental a los procesos de modernización civilizadora. Posteriormente, representantes de la Escuela Crítica de Frankfurt profundizaron en esta contradicción afirmando que "todo éxito en la desmitologización del mundo se pagó con un nuevo tipo de sumisión a fuerzas impersonales, por la recreación de nuevos mitos. Este nuevo tipo de alienación fue llevado a cabo por la razón instrumental, que permeó la ciencia y redujo todo a la utilidad técnica y al autointerés. Así, la ciencia llega a ser, por encima de todo, un medio auxiliar de la producción económica y confina su actividad al campo de la manipulación y la reificación" (Larraín, 1994, p.54). La razón instrumental es la herramienta que permite controlar y dominar, el instrumento que permite la calculabilidad, anticipar el costo y el beneficio de cada acción. La razón instrumental tiende por lo tanto a reducir lo que es bueno para la humanidad a lo que incrementa la productividad (Larraín, 1996, p.40). A su vez, Giddens constata que "el proyecto de la Ilustración de substituir la tradición arbitraria y las pretensiones especulativas de conocimiento por la certeza de la razón acabó en un completo fracaso. La reflexividad de la modernidad no actúa en condiciones de certeza progresiva sino de duda metódica" (Giddens, 1995, p.109). Por su parte, para Ricoeur (1970, p.33), Freud retoma el problema de la duda cartesiana para llevarlo al corazón mismo de la fortaleza cartesiana. Ya no es la duda sobre la cosa, como en Descartes, sino la duda sobre la coincidencia entre sentido y conciencia del sentido lo que hace del método psicoanalítico su rasgo más moderno. Después de la duda sobre la cosa, con Freud entramos en la duda sobre la conciencia. La crítica de Freud a la modernidad, sin embargo, no lo convierte en un pensador antimoderno. Muy por el contrario, su crítica apunta más bien a una concepción ingenua y omnipotente de la capacidad liberadora de la razón, propia de los primeros pensadores modernos. Explícitamente, y en variadas oportunidades, Freud se refirió a que una de las principales metas de la cura psicoanalítica es, precisamente, aumentar y mantener la "libertad", la "autonomía" y la iniciativa de los pacientes; a que el psicoanálisis busca "liberar" a los pacientes 1 86 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica de las "cadenas" intrapsíquicas, buscando así aumentar su autocontrol y dar "al yo de los enfermos la libertad para decidir en uno u otro sentido" (1923b, 2722, n.l). Con la aparición en 1920 de la llamada "segunda tópica" o "teoría estructural", Freud se abocó a mostrar como el yo maduro adquiere un cierto nivel de autonomía sobre los dictados de los motivos inconscientes que surgen del ello. Las actividades del yo ya no los considera totalmente determinadas por el ello, pues el primero dispone de energía propia que le permite, ya sea decidir si va a satisfacer los deseos no sublimados del ello, postergar esa satisfacción hasta encontrar circunstancias exteriores más favorables o, simplemente, suprimir por completo sus excitaciones. La capacidad de sublimación de una persona madura consiste para Freud en el poder de reorientar los deseos inaceptables del ello hacia metas compatibles con el análisis racional y valórico del yo. Se trata así de un proceso de autorreflexión o de reflexión de segundo orden del yo. La autor reflexión personal es entonces el acto de juicio que permite ir más allá de la mera sensación subjetiva de libertad, pues supone un trabajo de pensamiento y de evaluación entre diferentes opciones, incluso hasta en contra de los deseos más acordes con uno mismo, cuya satisfacción refuerza el sentimiento subjetivo de actuar "con libertad". El proceso de autor reflexión - a través de hacer consciente lo que permanecía inconsciente -, ofrece así una segunda oportunidad para decidir, esta vez con mayor libertad, aceptar o condenar lo que previamente había sido repudiado de la conciencia (Jiménez, 1999). Con esta nueva vuelta de tuerca, que más bien amplía el ámbito de la libertad hasta incluir los aspectos profundos, inconscientes, de la subjetividad, Freud ofreció a la sociedad moderna un modelo de autor reflexión. Quizás sea más propio decir que Freud explícito una de las características centrales de la sociedad moderna, cual es la apropiación reflexiva del conocimiento. Larraín lo explica de este modo: "En las sociedades pre modernas la reflexividad se ejerce en relación con la tradición: toda acción debe situarse en continuidad con el pasado, con el modo tradicional de hacer las cosas... En la sociedad moderna [en cambio], la reflexividad se introduce en la base misma de reproducción del sistema y consiste en el hecho de que las prácticas sociales son examinadas y reformadas de continuo a la luz de información nueva acerca de esas mismas prácticas, alterando así constitutivamente su carácter. Pensamiento y acción están siempre referidos uno al otro. Esta es una de las razones por las que la sociedad moderna no deja de cambiar: las prácticas sociales se revisan sistemáticamente a la luz de nuevos conocimientos sobre esas prácticas" (Larraín, 1996, p.2). La modernidad se constituye así a través de conocimiento aplicado de manera reflexiva, en un proceso de autor reflexión continua. Desde luego, implícito en esta concepción está la idea de que la propia Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 87 Juan Pablo Jiménez identidad - como conciencia de sí - está en un proceso de constante modificación reflexiva. Las maneras como individuos y sociedad se perciben y sienten a sí mismos que es lo que llamamos identidad -, es función entonces de los procesos de autorreflexión personal y social, respectivamente. Para el sociólogo Giddens la relación entre autorreflexión, psicoanálisis y sociedad moderna es explícita: "[El psicoanálisis] - escribe - es un sistema experto profundamente implicado en el proyecto reflejo del yo; un fenómeno de reflexividad de la modernidad... La terapia debiera entenderse y valorarse esencialmente como una metodología de la planificación de la vida... La psicoterapia no es un mero mecanismo de ajuste. En cuanto expresión de reflexividad generalizada muestra plenamente las dislocaciones e incertidumbres que surgen de la modernidad. Al mismo tiempo, participa en esa combinación de oportunidad y riesgo característica del orden de la modernidad tardía" (Giddens, 1995, pp.228s). Pero, todo proceso de reflexión sobre sí mismo empieza por un movimiento de autoobservación. Pasemos ahora a considerar los síntomas de malestar en la sociedad chilena. IV. El malestar en la sociedad chilena actual: "Las paradojas de la modernización" La crisis asiática, - expresión reciente del acelerado proceso de globalización de la economía -, que significó en 1999 una disminución de poco más del 1% del PIB después de más de 15 años de crecimiento sostenido, así como las vicisitudes del affaire Pinochet, han producido un fuerte impacto en Chile, dejando al descubierto problemas graves en nuestro desarrollo y haciendo evidente un malestar y una crisis de identidad nacional que hasta 1998 no eran reconocidos públicamente. En 1997, un conocido intelectual de izquierda publicó un libro con el sugestivo título de "Chile Actual: Anatomía de un Mito" (Moulián, 1997), el que, a pesar de sostener tesis que la mayoría consideró exageradas, tuvo un gran éxito editorial, siendo leído profusamente por moros y cristianos. Durante algún tiempo, otro grupo de intelectuales mantuvo un programa televisivo semanal - por cierto de rating más que limitado -, llamado "la hora de los perplejos", durante el cual compartían con el público sus dificultades para entender la reciente transformación en la percepción de nosotros mismos. En 1998, El Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD), publicó su informe de Desarrollo Humano en Chile, con el subtítulo: "Las paradojas de la modernización". Este informe se basó en el análisis de información estadística existente sobre desarrollo económico y social, y en el resultado de encuestas representativas y entrevistas selectivas que buscaron captar las per- 1 88 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica cepciones psicosociales en torno al eje seguridad-inseguridad. La presentación de este informe introdujo una cuestión que cada día parece atraer más la atención de los chilenos, pues es ya claro que los éxitos de la modernización emprendida corren en paralelo con una sensación latente de malestar. El cambio que genera el proceso modernizador está afectando la vida cotidiana de la gente y parece suscitar un desasosiego que surge de un sentimiento de incertidumbre e inseguridad. Más aún, las personas están dando signos de desconexión entre su vida cotidiana y los éxitos del modelo de desarrollo y el funcionamiento de la democracia. Se observa una creciente brecha entre logros y percepciones de la gente que da cuenta de la existencia de un fenómeno que invita a una reflexión seria sobre la sociedad chilena actual. En este sentido, el psicoanálisis como ciencia y disciplina de la subjetividad puede contribuir a, y servir como modelo de, un tal proceso de autorreflexión. Desde un punto de vista general, en la última década ha tenido lugar en Chile una impresionante modernización de la vida social. En resumen, hasta 1998 se había mantenido una alta tasa de crecimiento económico del 7% anual en promedio, habían aumentado los salarios reales y bajado la inflación y el desempleo a niveles nunca vistos en los últimos 60 años. También había aumentado, de manera impresionante, el monto, la variedad y los destinatarios de las exportaciones. En suma, hasta 1998 Chile había, en una década, más que duplicado su nivel de ingresos per cápita. Junto a ello, la pobreza disminuyó constantemente a la vez que crecieron los índices de Desarrollo Humano. Así, se incrementó el gasto social al doble en educación, salud y vivienda. Se impulsó la descentralización territorial y se priorizó a las personas en la formulación de políticas públicas. Por su parte, los subsidios monetarios cumplieron un importante papel en la mejoría de la distribución de oportunidades. En efecto, vista según quintiles de ingreso, la diferencia entre ricos y pobres, era de 14,4 veces antes de las transferencias hechas por el Fisco; luego de ellas, la distancia se acortó a sólo 8,6 veces. Adicionalmente, el gobierno central ha ido planteando nuevos proyectos - algunos en proceso de convertirse en leyes -, tendientes a mejorar los mecanismos de Seguridad Humana (seguros de desempleo, normas de negociación colectiva, leyes del consumidor, etc.). Sin embargo, los datos macroeconómicos y macrosociales contrastan con los grados significativos de desconfianza que manifiestan los individuos y las familias encuestadas, tanto en las relaciones interpersonales como en las relaciones de los sujetos con los sistemas sociales de seguridad ciudadana, salud, previsión, educación y trabajo. La percepción de lo realizado es tan negativa que llegó a convertirse en hecho político durante la campaña presidencial de 1999. El candidato de oposición fue capaz de transformar el malestar en slogan, "viva el cambio", sustentado en la idea, - que no por absurda resultó ser menos potenRevista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 89 Juan Pablo Jiménez te -, de que "en estos 10 años de gobierno de centro izquierda no se ha hecho nada". El éxito alcanzado por el candidato opositor, que casi lo lleva al triunfo, dice relación con la percepción que la población tiene de los logros económicos y sociales. En efecto, el Informe del PNUD (1998, pp.49ss) muestra que más del 40% de los encuestados piensa que los pobres viven igual que antes, el 78% opina que el crecimiento económico beneficia sólo a una minoría, siete de cada diez chilenos afirman que no hay igualdad ante la ley en Chile. Más del 90% de los habitantes de las grandes ciudades estima que no se puede confiar en la mayoría de las personas. Los chilenos están convencidos de que la sociedad se ha vuelto más agresiva, insegura y egoísta. El análisis de distintas encuestas permite afirmar la existencia de una actitud extremada ambivalente frente a los logros de la modernización: No se está dispuesto a renunciar a ellos y, no obstante, se resienten fuertemente sus efectos. Con todo, en el plano donde más claras se expresan las paradojas es en el de la participación política. El país ha logrado, con grandes dificultades y altibajos, una transición pacífica y ordenada de la dictadura al régimen democrático. Sin embargo, es notorio y preocupante el desinterés por la participación en política. La abstención en las elecciones es ahora mucho mayor que la histórica y existe actualmente un millón de jóvenes - piénsese que la población total del país es alrededor de 15 millones de habitantes - que no se han inscrito en los registros electorales, esto es, que deciden marginarse de los mecanismos de elección de autoridades. Más allá de los datos empíricos recogidos por encuestas y los análisis cuantitativos de estadísticas, el estudio del PNUD nos entrega, además, un acercamiento a la subjetividad nacional que puede ser el punto de partida de un trabajo interpretativo propiamente psicoanalítico. Usando una técnica de conversación se convocaron 18 grupos de discusión de distintos estratos, edades y sexos, representativos nacionalmente. En esta técnica el moderador estimula el diálogo entre los participantes mediante la introducción de algunos temas y elementos visuales. La discusión ulterior se conduce de modo de permitir la expresión de los significados que subyacen a las conversaciones y detectar puntos de acuerdo y desacuerdo. El análisis de las transcripciones arrojó una descripción de las tendencias centrales y consensuales de la experiencia de inseguridad en Chile actual (PNUD, 1998, p.238ss). En primer lugar, destacó el hecho de que el tema de la inseguridad está instalado en las conversaciones cotidianas: "No es necesario explicar lo que significa 'inseguridad' o 'incertidumbre' para iniciar una conversación sobre ellas. Todos saben de que se trata... Al hablar de inseguridad las conversaciones se dirigen inmediatamente a lo que toca a todos, a la situación actual del país... Todos lo hacen en primera persona, todos tienen una experiencia personal que 1 90 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica contar. La referencia a la inseguridad pone, como el desborde de un río, a la propia subjetividad en el centro del debate... En las conversaciones las personas pronuncian un juicio de realidad, hacen un diagnóstico de la ausencia de seguridad en las prácticas cotidianas, buscando síntomas, causas, explicaciones... A través del temor, la angustia, el miedo, la intranquilidad, se da cuenta en el nivel emocional de un sentimiento de desprotección. Las conversaciones sobre inseguridad transitan permanentemente entre esos dos niveles: lo reflexivo y lo expresivo... Pocos describen los rasgos de un mundo seguro, ese que no se tiene pero se ansia. Es que, como lo dicen los mismos entrevistados, uno no sabe lo que es la seguridad hasta que la ha perdido. Entonces, lo que queda es más bien la sensación de un vacío. El discurso tiene, en general, un carácter negativo y crítico; es la expresión del malestar que resulta de la desprotección... Para las personas la inseguridad tiene un significado primordialmente social. No son las amenazas bélicas, epidemiológicas o ecológicas las que aparecen como su causa... Las personas hablan de 'nuestra sociedad' cuando se refieren a sus inseguridades y allí buscan sus síntomas y sus raíces. Esto tiene dos significados para la gente: la sociedad chilena actual produce las inseguridades y al mismo tiempo se la percibe como denegando la protección necesaria para paliar sus efectos" (PNUD, 1998, p.ll6ss). La inseguridad subjetiva en las conversaciones cotidianas de los chilenos transita por distintos temas: El temor a la omnipresencia del delito y del delincuente lleva a preguntarse si tiene sentido vivir permanentemente alarmado, desconfiado y paralizado. Así se revela que la delincuencia, aun cuando es un fundamento concreto del temor, es sobre todo una imagen catalizadora que hace posible una primera representación y discusión del problema de la integración y del vínculo social. En este contexto surge la imagen del vecino marcada por el desconocimiento y la desconfianza. Junto al consenso de que la inseguridad se funda en la falta de un lazo sólido y confiable con los otros, se revela una desconfianza en las medidas de protección que despliegan las autoridades. Se piensa que la seguridad se ha convertido en un negocio rentable y paradójico, que se reproduce a sí mismo; mientras más alarmas hay, más alarmada está la gente y más alarmas compra. La industria de la seguridad se revela como productora de inseguridad ciudadana y, a su vez, segmenta y consolida las fronteras entre iguales y extraños. La inseguridad ciudadana da paso a la conversación sobre los temores que provienen del mundo del trabajo. Aquí, la imagen predominante es que en Chile se ha perdido la seguridad laboral. Para la gente se ha ido instaurando inexorablemente una lógica económica que debilita los vínculos socioeconómicos que hacen posible el ascenso social a través de la institucionalidad laboral. La amenaza de marginalización y exclusión reconoce tres fuentes: la creciente selectividad del mercado laboral, la presión por el rendimiento y la inestabili- Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 191 Juan Pablo Jiménez dad como norma permanente. Un tercer gran tema se desarrolla en torno a la crisis de sentido en la sociedad actual y sobre las incertidumbres del futuro. En ella se despliega la imagen de desorden social, temor y ansiedad por las fallas de control y las tendencias a la desorganización, tanto a nivel de las instituciones como de las personas. Como un fenómeno propio de la ciudad de Santiago, pero que inexorablemente alcanzará otras ciudades del país, se perciben niveles crecientes de caos cotidiano, atochamiento vehicular, contaminación acústica, ambiental, ansiedad, irritabilidad y agresividad en los intercambios urbanos diarios. Existe desesperanza y pesimismo en torno a la posibilidad de que las autoridades puedan controlar el caos urbano creciente. Junto a esto, la expansión del consumo de drogas asume el carácter de una amenaza en aumento. Nadie parece estar a salvo. El estilo de vida actual se caracteriza por un ritmo vertiginoso, por lo superficial, lo vacío y por la persecución de imposibles, donde el consumo de drogas aparece como un escape y una búsqueda ilusoria de equilibrios perdidos. En definitiva, la sociedad chilena actual parece estar dominada por tres temores básicos: el temor al otro, el temor a la exclusión social y el temor al sin sentido, temores que, a su vez, refieren a las coordenadas básicas del hecho social: la confianza en los otros, el sentido de pertenencia y las certidumbres que ordenan la vida cotidiana. Un informe reciente del Ministerio de Salud, "Las Enfermedades Mentales en Chile, Magnitud y Consecuencias" (1999), es compatible con los resultados de la investigación del PNUD. Este estudio revela que "de cada 10 personas con las que nos relacionamos, probablemente cuatro presenten un trastorno mental a lo largo de la vida y tres de ellas lo han presentado en los últimos seis meses. Todo indica, además, que esta prevalencia es creciente" (p.137). Estos hallazgos se encuentran en el rango más alto de lo encontrado en otros países con metodologías similares. El informe hace especial mención a la ciudad de Iquique, donde se encontraron las mayores prevalencias globales de los principales trastornos mentales, con mayor patología psiquiátrica en adolescentes y adultos jóvenes. Iquique - dice el informe -, "podría representar la ciudad del futuro de Chile, con un pujante desarrollo económico y un acelerado aumento del bienestar material, pero con un debilitamiento de las redes de apoyo social que protegen el equilibrio emocional y un aumento de los factores de riesgo para la salud mental asociados al abuso de drogas y aumento de la delincuencia" (p.31). Una fórmula simple, pero que refleja en una frase la situación de la sociedad chilena actual, podría ser la siguiente: Chile es un país con un notable desarrollo económico pero donde la gente no se siente feliz. Si bien el 53,6% de los encuestados afirmó que el país está económicamente mejor, el 82,8% declaró sentirse menos feliz que antes (PNUD, 1998, p.53). 192 Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica ¿Cómo entender esta situación? ¿Cómo hemos llegado a ella? A comienzos de los años 70 la sociedad chilena alcanzó un grado de diferenciación social y funcional que desbordó la capacidad del Estado y de la política de articular el desarrollo de los sujetos a las exigencias de los sistemas sociales. El desarrollo histórico y las estrategias de modernización de la sociedad condujeron a un distanciamiento crítico entre subjetividad y modernización que desestabilizó el orden sociopolítico existente. En la segunda mitad de los años sesenta surgieron en el Cono Sur latinoamericano movimientos sociales y políticos de ideología revolucionaria que crearon una intensa efervescencia y polarización social y política. Estas ideologías utópicas se presentaron como esperanza de solución frente a la imposibilidad del sistema de satisfacer la "revolución de las expectativas" (Eduardo Frei Montalva), producto inmanente del desarrollo social. Frente a la creciente actividad política de carácter revolucionario, las instituciones de las Fuerzas Armadas y grupos políticos extremos diseñaron estrategias y métodos de "guerra sucia" para combatir la insurrección creciente. En Chile, el sistema político vigente permitía la interacción de una amplia gama de opciones políticas y no existía una opresión tiránica que pudiera justificar la rebelión y la insurgencia militar. De hecho, en Chile las opciones de cambio tenían a su cargo el gobierno constitucional del país. Sin embargo, la acción del gobierno de izquierda y sobre todo de los partidos políticos revolucionarios de la época contribuyó a crear un ambiente de desestabilización y convulsión en el que sectores significativos de la población se sintieron gravemente amenazados, todo lo cual fomentó condiciones psicosociales y políticas favorables a la intervención militar. Con todo, la reacción contrarrevolucionaria chilena no se deja explicar totalmente por las acciones emprendidas desde el gobierno de la época, desde el momento en que procesos semejantes ocurrían en la misma época en los países vecinos que no estaban regidos por gobiernos de izquierda. La toma del poder por los militares se entiende mejor como una operación que rebasó las fronteras nacionales, dirigida desde la concepción de que las polarizaciones políticas locales eran un reflejo, a nivel regional, del conflicto político Este-Oeste. Como lo demuestran los documentos secretos de la CÍA, desclasificados últimamente, en este contexto de "Guerra Fría" el gobierno de los Estados Unidos y sus instituciones militares promovieron los movimientos castrenses sudamericanos y alentaron a sectores políticos ultranacionalistas de derecha; los movimientos revolucionarios latinoamericanos fueron catalogados como amenazas a la seguridad nacional de los Estados Unidos. Con este apoyo, los gobiernos militares del Cono Sur latinoamericano sintieron que se les había encomendado la misión suprema de salvar la vida de sus respectivas naciones y de intervenir para extirpar la amenaza comunista y construir un sistema que evitara la reaparición de este Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 93 Juan Pablo Jiménez peligro. Así, estos gobiernos tuvieron una inspiración fundacional. La política represiva que orientó el terrorismo de estado imperante en Chile en aquellos años, debe entenderse como la versión perversa, el lado oscuro, de la refundación política, social y económica. Identificando las expresiones subjetivas con el desorden, el régimen militar actualizó la dicotomía que los historiadores caracterizan como originaria de nuestra nacionalidad, orden versus caos, donde ahora la amenaza se atribuyó a los sujetos. Restablecer el orden significó entonces restringir la expresión de la subjetividad, cancelando la autodeterminación democrática, y entregar la modernización a los equilibrios automáticos del mercado. La pretensión de reemplazar al Estado por el mercado caracterizó el neoliberalismo que acompañó al régimen militar. El proyecto, representado por una generación de economistas formados en Chicago, se ofreció como una respuesta a las fallas del Estado; puesto que la acción estatal se habría demostrado incapaz de asegurar la complementariedad entre los sujetos y los sistemas sociales, propuso realizar una desconexión completa. La despolitización impuesta apuntó a la escisión de la subjetividad y la razón instrumental como ámbitos separados, donde la primera fue reprimida con todos los medios físicos y psicosociales disponibles. La propuesta neoliberal, basada en la absolutización del mercado, pretendió así limpiar los procesos de modernización de toda consideración ajena a la racionalidad funcional. Vistos así, las pasiones políticas, las identidades colectivas ajenas a la identidad oficial impuesta desde arriba y, hasta los mismos derechos humanos elementales, aparecieron como disfuncionales. En realidad, la represión brutal de la subjetividad liberó efectivamente la dinámica del mercado y aceleró así una racionalización instrumental, no solamente de los distintos sistemas funcionales, sino incluso de las relaciones intersubjetivas. El resultado fue una complementariedad trunca entre ambos ámbitos. En la medida en que la desregulación eliminó las ataduras políticas y, por otra parte, el mercado no contó con "frenos" intrínsecos, se desató una modernización acelerada que se desplegó sin consideración de los sujetos, inaugurándose un período de "capitalismo salvaje". Por paradójico que parezca, la modernización impuesta por la fuerza se presentó como una promesa de libertad y bienestar la que, no obstante, fue resentida por los chilenos en su diario vivir. Las mejoras no lograron acallar la subjetividad. Las contradicciones se hicieron cada vez más agudas. Resultaba paradójico que una liberalización radical de todos los intercambios, que abría el país al mundo, fuera acompañada de una defensa acérrima de los valores tradicionales. Se hizo cada vez más insostenible el que un modelo que hace de la libertad individual su máxima moral, obstaculice, precisamente, esa libertad y el 1 94 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica despliegue de la subjetividad en la realidad cotidiana. Por su parte, la brutalidad de la represión tuvo por efecto que la sociedad se organizara, con creciente eficacia, para resistir, social, política y militarmente, al gobierno. A su vez, el cuerpo social, encabezado por organizaciones religiosas, reaccionó creando redes de reflexión y de ayuda que dieron un fuerte sentido de amparo y solidaridad a los sectores más marginados y reprimidos de la población. Se llegó así a una situación en que se recrearon condiciones sociopolíticas de guerra civil, cuya evitación había sido precisamente el pretexto de la intervención militar de 1973. El régimen militar llegó a un callejón sin salida y - después de perder el plebiscito que se había autoimpuesto -, su fracaso político lo obligó a negociar una salida con la creciente oposición civil. La salida de la dictadura fue precedida por una difícil negociación entre las fuerzas armadas y los sectores políticos que las apoyaron, por un lado, y el amplio sector civil que durante estos años ha demostrado representar a la mayoría de la población, por el otro. Junto al proceso de modernización "exitoso" que hemos descrito, el período llamado de transición a la democracia, que ya dura 10 años, ha sido atravesado por fuertes tensiones psicosociales y políticas, que se pueden caracterizar dentro de los ejes semánticos de orden versus caos, seguridad versus inseguridad. El informe del PNUD (1998, p.73) lo caracteriza así: "Por una parte, [este último período] se alimenta de la memoria soterrada de otros miedos, muchos miedos anteriores acumulados en la memoria de los chilenos. Luego, el miedo a la política, esa amenaza de cataclismo que destruye en un instante los sacrificios de años. Todo esto, y mucho más, difícil de indagar, converge en la memoria oculta del 'reventón de septiembre' [de 1973]. La memoria de un pasado presente se entreteje con la nostalgia de un pasado lejano. Las inseguridades de ahora animan el recuerdo de un 'antes' [idealizado]: imágenes de Chile como un país hospitalario, donde la ley se respetaba y todos se saludaban, gente pobre pero honesta, orgullosa de su himno patrio, de su democracia, de sus vinos, del Estado Docente. Un país que, nos guste o no, se fue. Han cambiado el contexto mundial y, por sobre todo, la propia sociedad chilena. No solamente el pasado, también el futuro echa sombras. Hay el deseo de volver a reír y cantar, pero también miedo a perder lo adquirido, al retorno de los conflictos y la violencia, en fin, al castigo... Los miedos recomiendan cautela, la necesidad de no agitar las oscuras aguas de la subjetividad. Ésta, sin embargo, no se deja disciplinar por la 'lógica del sistema'. La lógica es irresistible, reconocía Kafka, pero nada puede contra las ganas de vivir" (PNUD, 1998, p.73). A este anhelo respondió el slogan, "la alegría ya viene", de la campaña de Patricio Aylwin, el primer presidente democráticamente elegido después de Pinochet. Las paradojas del proceso de modernización en curso, que he descrito, se condensan en la siguiente pregunta, cuya respuesta está pendiente: ¿Por qué los Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 95 Juan Pablo Jiménez chilenos y las chilenas se sienten inseguros e infelices cuando aumentan las oportunidades y el bienestar material? Inevitablemente, resuena en nuestros oídos la afirmación de Freud en El Malestar en la Cultura: "Parece indudable, pues, que no nos sentimos cómodos en nuestra cultura actual" (1930a, p.3032). Si el malestar es un síntoma de modernidad, podemos decir entonces que nuestro país ha entrado de lleno en ella. V. Culpa, vergüenza e identidad en la sociedad chilena Frente a la pregunta planteada han surgido variados intentos de respuesta. La verdad es que en Latinoamérica se ha dado una discusión secular en torno a la relación entre modernidad e identidad cultural, que parte del consenso básico en torno al carácter problemático de tal relación. Carlos Fuentes, por ejemplo, se lo plantea así: ¿podemos crear modelos de desarrollo más consonantes con nuestra experiencia, con nuestro ser...?" (citado por Larraín, 1996, p.226). Sin embargo, no es el caso de resumir aquí ni el contenido ni los alcances de tal polémica (véase Larraín, 1996). Para efectos de nuestra ponencia, interesa más bien destacar un par de respuestas que flotan en el ambiente cultural reciente de nuestro país. La primera pone el énfasis en el ritmo del cambio y la asincronía, y plantea que el malestar que se percibe en la sociedad se debe a un retraso en la elaboración y asimilación de los procesos de modernización dentro del ámbito de la experiencia cotidiana de los sujetos. En la medida en que los individuos aprendan a manejarse en su relación con las innovaciones que impactan la cotidianidad desaparecerá la inseguridad. El malestar sería entonces sólo un efecto de la transición, un problema de tiempo. De esta respuesta conservamos la constatación de que, por cierto, frente a procesos tan innovadores e insólitos (por ejemplo, la revolución de la informática y de las comunicaciones), las experiencias pasadas tienen poco o nada que decir. La segunda respuesta privilegia el proceso de subjetivación y asume el punto de vista de una subjetividad agredida por las estrategias de modernización. El cambio se ha producido sin tomar para nada en cuenta a las personas. Esta respuesta es coherente con la impresión de la gente, consignada por los estudios de opinión, de no ser considerada por los agentes de cambio. Quienes sustentan este tipo de explicación suelen idealizar un pasado en el que habría reinado la consideración por las personas. De más está decir que estas maneras de explicar el malestar social atraviesan la división tradicional entre izquierdas y derechas. Existen derechistas e izquierdistas nostálgicos. Por su parte, también dentro de la izquierda se hacen cada vez más notar aquellos que creen que la modernización traerá automáticamente la tranquilidad y la paz social. 1 96 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica El informe del PNUD se juega por la tesis de la falta de complementariedad entre modernización y subjetivación planteando que ésta es "la principal razón de la inseguridad objetiva y subjetiva en Chile" (p.220). En primer lugar, es cierto que la modernización, por su dinámica propia, atenta en contra de los valores tradicionales que sustentan la identidad y, con ello, erosiona los sentidos sociales vinculantes capaces de despertar el reconocimiento y la adhesión de los sujetos al sistema. La modernización, por sí sola, no es capaz de generar sentido. La simple pregunta por el por qué de tanto afán, por el hacia dónde nos conduce el desarrollo, no puede ser contestada por la economía ni por la administración de los sistemas sociales, pues pertenece al ámbito de la reflexión subjetiva, al ámbito de la ética social. Por lo demás, un proceso modernizador que desprecia la percepción subjetiva de los sujetos que involucra, corre el riesgo de perder su fiabilidad durante las crisis y favorecer la aparición de populismos de distinto cariz. Pero, hay aún más. La transformación de los sistemas sociales de acuerdo con las leyes de la racionalización mercantil parece hacerse a costa de la autonomía de los sujetos. Por la acción de los medios de comunicación, por el impacto del mercadeo y la propaganda, los sujetos son tratados de hecho sólo como consumidores potenciales y así se les va expropiando y secuestrando progresivamente ámbitos de experiencia subjetiva. Las experiencias que no alcanzan a ser recicladas por los sistemas sociales y el mercado, que no alcanzan un "rating" aceptable, que no "venden", quedan al margen de la vida útil. De este modo, las emociones y sentimientos de inseguridad e incertidumbre que no encuentran código de expresión quedan relegados al fuero íntimo de los individuos. Los psicoanalistas sabemos lo que pasa en tales circunstancias: toda emoción silenciada está destinada a sufrir el proceso que desde Freud se llama "la vuelta de lo reprimido" haciéndose nuevamente presente bajo la forma - sintomática - de desasosiego, malestar y rechazo. El silencio así impuesto se expresa en la vida diaria e impregna las relaciones interpersonales en ámbitos cada vez más amplios y se disemina una sensación de incertidumbre, inseguridad y sin sentido. Es aquí donde se abre la posibilidad de profundizar en el malestar en la sociedad chilena desde un punto de vista propiamente psicoanalítico, más allá de la visión sociológica. En lo que sigue desarrollaré la tesis de que en nuestro país el malestar, además de las razones antes descritas, se debe a intensos sentimientos de culpa y de vergüenza que pertenecen al ámbito de "lo no dicho" o "lo no decible" y cuya publicitación y elaboración por el conjunto de la sociedad son un requisito para lograr un diálogo social y político que permita la creación de instituciones y estructuras sociales y económicas capaces de adecuar los procesos de modernización a las necesidades psicológicas de los sujetos en ellos involucrados. Tal proceso ciertamente contribuirá a la construcción de una identidad Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 97 Juan Pablo Jiménez nacional más abarcativa y plural y, por lo tanto, más firme y estable. Con El Malestar en la Cultura, Freud inauguró un tipo de análisis social que podríamos llamar de la "subjetividad profunda". Los procesos de civilización que alejan al ser humano de las formas de vida primitiva implican un orden progresivo con niveles de creciente complejidad en la vida social. El precio que necesariamente se paga con tal complejización es la represión de la sexualidad y, sobre todo, de la destructividad inherente al ser humano. La naturaleza humana encierra una ambivalencia radical entre impulsos amorosos, que llevan la convivencia a grados crecientes de sociabilidad, e impulsos destructivos, que hacen del hombre un lobo para el hombre, homo homini lupus. Así, los "logros culturales superiores" que sustentan la vida civilizada implican una represión progresiva. Ala mayor seguridad que conlleva la vida civilizada se contrapone una sexualidad que debe canalizarse en la monogamia y una agresividad que deberá regirse por las costumbres morales y las normas del derecho. La agresividad reprimida por la cultura, unida a los impulsos eróticos, es remitida al yo en forma de conciencia moral severa. Es este superyó exigente e intolerante el que provoca el sentimiento de culpa que en la conciencia y en la cultura se expresa como malestar. El superyó es el representante interno e inconsciente de la cultura y forma una unidad con ella: "La cultura - dice Freud -, domina el peligroso apetito de agresión del individuo, debilitándolo, desarmándolo y haciéndolo vigilar por mediación de una instancia en él instaurada, a manera de una guarnición colocada dentro de una ciudad ya conquistada" (1930a, p.3053). Los progresos culturales están así indisolublemente ligados "con una exaltación del sentimiento de culpabilidad, que plantea Freud - quizás llegue a alcanzar un grado difícilmente soportable para el individuo" (1930a, p.3059). Se concluye entonces que la culpa es el problema más importante del progreso civilizador y que el precio que pagamos por él es la pérdida de la felicidad, por la intensificación del sentimiento de culpa inconsciente. En su crítica a El Malestar en la Cultura, Giddens (1997) hace notar que esta interpretación parece bastante apropiada para entender el primer período de la modernidad, aquel en el que, según Max Weber, se asocian el puritanismo y el surgimiento del capitalismo. Es la conciencia puritana de renuncia a las gratificaciones que puede proporcionar la riqueza acumulada, la que habría hecho posible el desarrollo emergente del capitalismo. La evolución posterior de la sociedad moderna, sin embargo, ha contradicho el pronóstico de El Malestar en la Cultura, pues ha ido predominando más bien una relajación moral, tanto en las expresiones sexuales como agresivas del comportamiento humano. En este punto, Giddens plantea que si bien los mecanismos de culpa siguen siendo importantes en la modernidad reciente, "a medida en que la modernización fue rompiendo las trabas de la tradición y comenzó a evidenciarse el proyecto reflejo del 1 98 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica yo, el centro del escenario pasó a estar ocupado más por la dinámica de la vergüenza que por la de la culpa" (Giddens, 1997, p.198). Si la culpa es angustia provocada por la transgresión, cuando los pensamientos o acciones propios no están a la altura de la expectativas de carácter normativo, la vergüenza es la angustia referida a la adecuación de la crónica interior, de la propia narrativa por la que el individuo mantiene una biografía coherente. Así, la culpa ataca la identidad más externamente que la vergüenza. La dinámica de la culpa ha sido mucho más estudiada en psicoanálisis que la de la vergüenza. Es sólo a partir de los años cincuenta, cuando se hacen prevalentes patologías que se entienden como perturbaciones narcisistas y del sentido de identidad, que los psicoanalistas han puesto la atención en el estudio de la vergüenza. Erikson observa que "hoy en día el paciente sufre sobre todo por el problema de no saber en qué debería creer y quien debería - o, en realidad, querría -, ser o llegar a ser; en cambio, el paciente del psicoanálisis temprano sufría sobre todo por las inhibiciones que le impedían ser lo que, o quien, creía saber que era" (cit. por Giddens, 1997, p.92). La vergüenza es una emoción básica de carácter más público que la culpa, me avergüenzo por algo ante alguien; se la ha entendido como un importante regulador de las relaciones en los grupos pequeños. Por supuesto que también podemos sentirnos avergonzados estando completamente solos, y la vergüenza puede llegar a ser un sentimiento profundo y persistente capaz de motivar comportamientos fóbicos y de expresarse en nuestro rostro como rubor. La vergüenza depende de sentimientos de insuficiencia personal muy tempranos que participan en los procesos de integración del yo y del sí mismo. Pero, para el objeto de nuestro estudio interesa destacar especialmente la relación entre vergüenza y culpa. Desde luego, existe una vergüenza que se refiere a los sentimientos que experimenta una persona cuando es humillada en presencia de otros. Pero también está la vergüenza como correlato de la culpa no reconocida: se trata de una vergüenza que nace de las angustias inconscientes relativas a las ineptitudes del yo: consiste en un miedo reprimido a que la crónica de la propia identidad no pueda resistir las presiones abrumadoras que pesan sobre su coherencia o aceptabilidad social. Esta vergüenza corroe los fundamentos de la confianza básica de manera más corrosiva que la mera culpa, pues está en directa relación con el miedo infantil a ser abandonado. El correlato positivo de la vergüenza es el sentimiento de orgullo y de autoestima, que por cierto ensancha la sensación de confianza en el mundo y los demás. La defensa patológica en contra de la vergüenza es la arrogancia, la soberbia y el narcisismo. Pienso que en la sociedad chilena flotan en la atmósfera nacional abrumadores sentimientos de vergüenza y culpa no suficientemente reconocidos como tales. Me centraré en dos áreas de conflicto social, en cuya raíz pienso se encuen- Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 1 99 Juan Pablo Jiménez tran sentimientos intensos de vergüenza y culpa, y cuya desmentida está afectando el sentimiento de identidad nacional y contribuyendo al malestar en la cultura descrito más arriba. Estas son la cuestión de la justicia y la verdad en relación con los crímenes de la dictadura militar y el problema indígena, que últimamente ha llegado a constituir un motivo de preocupación nacional. Si bien es cierto que un sector significativo de la opinión pública de nuestro país sigue opinando que habían suficientes motivos para justificar el golpe militar, de ningún modo la conciencia psicosocial dominante permite legitimar crímenes como el asesinato político, las "desapariciones", las detenciones arbitrarias masivas o la tortura. Hasta hace poco, y en vista de la "transición pactada", el solo hecho de mencionar estas atrocidades constituía una trasgresión. El tabú y la negación masiva se ha visto reforzada por la reticencia de las instituciones militares de aceptar oficialmente la existencia de una política sistemática de violación de los derechos humanos, financiada por el presupuesto de la nación. En un tipo de negación cada vez más insostenible por la magnitud de las evidencias que afirman lo contrario, los mandos militares insisten en hablar de excesos cometidos por personas particulares que habrían actuado al margen de las órdenes jerárquicas. A raíz de las querellas interpuestas en los tribunales chilenos en contra de Pinochet por las víctimas de la represión, algunos antiguos jefes del ejército han denunciado la existencia de un pacto entre militares y políticos para no juzgar en democracia al dictador y sus altos mandos. Este pacto - se dice -, es el que finalmente habría hecho posible el abandono del poder por Pinochet y la vuelta a la democracia. Si bien éste ha sido sistemáticamente desmentido - y su existencia sea muy improbable -, creo que tal pacto sí existió en la mente de muchos de nosotros. Pocas semanas antes de emprender la vuelta a Chile, después de varios años de residir en Alemania, tuve el siguiente sueño: "Estaba en medio de una gran fiesta familiar, probablemente de bienvenida; a lo lejos veo a Pinochet sentado en una mesa y rodeado por miembros de mi familia. El me sonríe afectuoso y me pide que me acerque. Yo, reticente y desconfiado, voy hacia él y, con gran emoción le declaro que vuelvo a Chile pero que, esta vez, estoy dispuesto a negociar hasta donde sea necesario para evitar la ruptura que nos trajo tanto sufrimiento". Este sueño, creo podría haber sido soñado por muchos de los miembros de mi generación, en especial por aquellos que participaron activamente en los movimientos de izquierda de finales de los sesenta y principios de los setenta y que después han tenido una actuación protagónica durante los gobiernos democráticos. Desde luego, este sueño muestra que el dictador ineludiblemente forma parte de nuestro mundo interno, parte de nosotros mismos. En muchos de mis pacientes pude observar que, en las representaciones inconscientes, Pinochet pasaba a ocupar el lugar de un padre tiránico (véase Jiménez 1989). Traba- 200 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica jando como psicoanalista en Alemania, me llamaba la atención la dificultad de muchos colegas para interpretar la destructividad en la transferencia. Después de algún tiempo entendí que, al hacerlo, es fácil descubrir que en fondo del imaginario colectivo alemán sigue estando la figura de Hitler y del Holocausto: se hace difícil identificarse con ese pasado y aceptar tal proyección. En una ocasión, me encontré diciendo a un paciente que "para un alemán, seguro que no era fácil hablar de sus fantasías racistas, pues rápidamente se convertían en fantasías de exterminio" (Jiménez, 1992, p.306). Recuerdo a un lúcido político que, poco después de la salida de Pinochet del gobierno, planteó que la sociedad chilena debía enfrentarse, desde ese momento en adelante, con la tarea de interiorizar la agresión - que hasta ahora había sido actuada brutalmente de acuerdo con la lógica de amigos y enemigos -, como requisito para el funcionamiento democrático. A lo largo de los 10 años de transición a la democracia ha quedado claro que enfrentar el legado de represión del pasado no es tarea fácil y que en ello no se trata sólo de exigencias éticas, sino también de viabilidad política. Las autoridades democráticas, y la sociedad que las eligió, se han visto frente a un dilema entre el mandato ético - de establecer la verdad y hacer justicia -, por una parte, y la exigencia política - de asegurar niveles aceptables de gobernabilidad -, por la otra. Creo que tal ajuste con el pasado ha sido, además, dificultado por un tipo de identificación inconsciente, no suficientemente elaborada, con Pinochet y los militares. Si bien la sociedad chilena en su conjunto - y no sólo los victimarios, las víctimas y sus familiares -, se sabe ahora, y de manera creciente, involucrada en el complejo proceso psicosocial y político de elaboración y tramitación del trauma histórico, es difícil hacerse cargo de los crímenes cometidos. Es probable que en muchos exista el temor de que reconocer públicamente que las Fuerzas Armadas organizaron una maquinaria criminal financiada por todos los chilenos conduzca a la destrucción de esas instituciones, que parecen formar parte esencial de la identidad nacional. Por cierto, tal reconocimiento público sumiría a muchos militares en profundas vergüenzas, pues contradiría todo lo que de niños aprendemos en las escuelas sobre las gestas gloriosas de la Patria, y pondría en evidencia la falsedad de la crónica institucional que afianza la adhesión a los mandos. Por otra parte, sólo así se entiende la irritante arrogancia que las instituciones armadas suelen mostrar frente a la sociedad civil. Para cualquier observador de la historia nacional reciente es evidente que, tanto a nivel individual como social, nos movemos en el interior de nuestro país entre el reconocimiento de la verdad y la asunción de sus consecuencias, por un lado, y los mecanismos de defensa en contra de tal reconocimiento, por el otro. Estos mecanismos son la amnesia - que dice que aquello no sucedió o que lo que sucedió no es importante -, la convulsión alucinatoria - que sigue considerando Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 201 Juan Pablo Jiménez lo sucedido como presente traumático, impidiendo así que el pasado se constituya como tal -, y el acostumbramiento - que conduce a la trivialización y a la anestesia. Durante estos años, la fuerza de estas distintas soluciones sintomáticas pareciera variar en intensidad: hay períodos en que prima la amnesia, otros en que el terror a la repetición actúa como amenaza paralizante y aún otros en que la conciencia psicosocial, alimentada por el consumismo y la euforia de políticas económicas exitosas, se adormece en la ilusión de que el tiempo irá borrando las huellas atroces y mitigando el dolor de las víctimas. Es claro que esto último no sucede, en especial en el caso de las "desapariciones", que han dejado una huella de angustia que no se acaba, de insepultos que deambulan como muertos vivos por las calles de nuestras ciudades interiores. De hecho, a pesar de una ley de amnistía que ha pretendido dar vuelta la página de la historia, la agenda política y judicial sigue teniendo como uno de sus principales tareas inconclusas el asunto de los derechos humanos, especialmente la aclaración de lo realmente sucedido con los miles de detenidos-desaparecidos durante los años setenta. Que los psicoanalistas y sus organizaciones también estamos envueltos en esta lucha entre el reconocimiento y la negación lo demostró la aguda reacción de la comunidad psicoanalítica internacional a la crónica de nuestra historia reciente escrita por uno de nuestros colegas (Arrué, 1998) algún tiempo antes del 41ºr Congreso Internacional de Psicoanálisis realizado en 1999 en Santiago. La airada reacción de algunos psicoanalistas, en especial de colegas latinoamericanos que han emigrado, nos produjo rabia y humillación. Como muestra una frase: "Es una vergüenza que el congreso psicoanalítico que tendrá lugar en Chile comience con una narración oficial y falsa de los últimos 30 años de ese país" (Gampel, 1998, p.4; énfasis mío). Bruscamente nos vimos identificados con la dictadura, convertidos, si no en cómplices, al menos en encubridores de asesinatos, torturas, desapariciones forzadas, etc. Naturalmente, en aquel momento pensamos que desde lejos se pierden los matices, se hace más difícil la discriminación, y es más fácil proyectar aspectos propios indeseables. Con todo, creo que la vergüenza que sentimos se produjo al sentirnos desnudos frente a nuestros pares del mundo, al descubierto con nuestras identificaciones contradictorias y nuestras culpas históricas. Sin querer dramatizar, se sabe que a los sobrevivientes de catástrofes sociales no les es fácil tramitar lo sucedido: el miedo a la repetición, pero sobre todo la culpa y la vergüenza, hacen que los procesos de elaboración se prolonguen por años, a veces por generaciones. En nuestra respuesta a las protestas (Infante, Jiménez & Jordán 1998), planteamos que "lo que hemos ganado durante los últimos años de democracia es demasiado precioso como para desperdiciarlo y obviamente deseamos protegerlo. A veces esto puede ser interpretado como concesiones excesivas a quienes nos oprimieron en el pasa- 202 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica do" (p.17). De este incidente rescato, eso sí, el que nos haya obligado a un trabajo de reflexión institucional sobre nuestro lugar en la historia reciente del país. Así fue como la asamblea de miembros de la Asociación Psicoanalítica Chilena se reunió a hablar sobre temas que hasta ese momento eran tabú, por ejemplo, sobre las condiciones en las que había desaparecido un colega egresado de nuestro instituto en los comienzos de la dictadura. A raíz de la detención de Pinochet en Londres, el proceso que vivimos en nuestra institución se reprodujo en el país en su conjunto. La detención del "senador" Pinochet desató intensas emociones de vergüenza en los chilenos, aunque por razones diferentes. En los partidarios de Pinochet y, probablemente en él mismo, la detención constituyó una enorme humillación, sólo comparable con la magnitud de la negación que lo llevó imprudentemente a viajar a Europa. En varias ocasiones Pinochet declaró que Inglaterra era el país más civilizado del mundo y que ahí le gustaría vivir. Después de su detención, ¡sus partidarios se convirtieron de la noche a la mañana en los anticolonialistas más vociferantes! Eran evidentes la rabia, la humillación y la vergüenza. Al resto del país, en cambio, nos cogió una sorpresa que rápidamente se convirtió en alivio y alegría, sentimientos que se transformaron en incomodidad y vergüenza cuando vimos que el Gobierno hacía causa común con la defensa del dictador. ¡Los mismos que éste había perseguido pasaban ahora a ser sus aliados objetivos! Nos vimos atrapados en la "transición pactada": por efectos de los arreglos constitucionales, Pinochet, convertido en senador, debía ser defendido por todo el país. De pronto nos vimos desnudos frente al mundo, no pudiendo ocultar nuestro "pacto" con el dictador. La explicación de que se trataba de defender nuestra soberanía, que no se estaba defendiendo a una persona sino a principios, no alcanzó a tranquilizarnos. Sin embargo, a la luz de lo que ha pasado posteriormente al arribo del dictador a Chile, la estrategia de traerlo de vuelta se ha revelado como favorable a la elaboración del trauma histórico. Cada día son menos quienes se oponen a que Pinochet y sus altos mandos sean sometidos a proceso por los tribunales ordinarios de este país. Con ello se espera ejercer la presión suficiente para que hablen quienes ocultan la verdad sobre lo acontecido con los desaparecidos durante los 17 años de dictadura. Con todo, y sin querer minimizar la importancia de los efectos actuales de la situación de violación sistemática de los derechos humanos durante la dictadura, en nuestro país existe otro foco de culpa y vergüenza - tan antiguo como nuestra nacionalidad - que, de no ser enfrentado oportuna y adecuadamente, amenaza con producir conflictos y rupturas importantes en nuestra convivencia. Me refiero a la cuestión indígena. En mayo de 1999, el Presidente de la República designó la Comisión Asesora en Temas de Desarrollo Indígena, integrada por destacadas personalidades, Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 203 Juan Pablo Jiménez para que trabajara en el "diseño de propuestas tendientes a elevar la calidad de vida de las personas pertenecientes a las etnias nacionales". El informe evacuado por esa comisión muestra la magnitud del etnocidio llevado a cabo, primero por los colonizadores europeos y después por los mismos chilenos en contra de los habitantes originarios de nuestra tierra. El caso extremo es el "de los pueblos australes o fueguinos, [que] representa en forma dramática el fenómeno del etnocidio. En los territorios de la Patagonia los indígenas 'fueron barridos' por la colonización de esa región, en las últimas décadas del siglo pasado y en las primeras del presente". El censo de 1992 - que arrojó una población total para Chile de 13 millones de habitantes -, encontró un millón de indígenas puros pertenecientes a las tres etnias principales (mapuches, aymarás y rapanui), de las cuales el 80% habita en las ciudades. La mayoría corresponde a la etnia mapuche. Los más altos porcentajes de población indígena urbana - y también rural -, coinciden con las comunas de mayor pobreza y marginalidad. De este modo, en Chile la cuestión indígena se confunde con la cuestión social. A los problemas propios de la migración a las ciudades, como falta de viviendas y desadaptación, la población indígena debe sobreponerse a la discriminación y a la falta de especialización en materia laboral. El informe muestra que la peor inserción en el mercado laboral chileno está actualmente dada por "la situación de pobreza, la condición de indígena y la condición de género [femenino]". En su diálogo con las organizaciones indígenas, el grupo asesor recogió la demanda "que aparece en cada una de las reuniones y en cada documento presentado a la Comisión", de una "reforma constitucional de reconocimiento de pueblos indígenas..." Se trata pues del reconocimiento de la dignidad y orgullo de pueblos originarios y de culturas particulares que, se tiene la convicción, han sido sistemáticamente ignorados por la cultura oficial que dicta los contenidos públicos de la identidad nacional. Esta situación histórica contrasta con la percepción que la sociedad chilena y los mismos indígenas tienen sobre el problema. Durante 1999 se realizó el primer Estudio Sobre los Mapuches (CERC, 1999) cuyo objetivo fue "analizar las causas y las características del problema mapuche y las opiniones de los chilenos hacia éste" (p.6). En la introducción del informe sobre los resultados de la encuesta nacional representativa, se destaca que "es indispensable conocer los fundamentos más profundos del malestar de las comunidades mapuches" (p.6; énfasis mío). Los resultados de este estudio seguramente sorprenderán a quienes aún piensan que "los chilenos somos los ingleses de Sudamérica", o que "Chile es el más europeo de los países latinoamericanos". Según la encuesta, el 52% de la población del país opina que todos o casi todos los chilenos tienen sangre mapu- 204 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica che, siendo este porcentaje bastante superior entre los mapuches (70%). La influencia de la sangre mapuche se confirma en la percepción mayoritaria en la población del país de que el pueblo chileno, según su historia y su cultura, es mayoritariamente de mestizos. Apenas el 18% piensa que Chile es un pueblo mayoritariamente de blancos. Dos tercios de los chilenos opinan que la cultura mapuche es la base de la nación chilena y se piensa (69%) que ellos son iguales a todos los chilenos. El 30% de la población declaró pertenecer a la cultura mapuche, porcentaje que se eleva al 91% si los encuestados son mapuches, lo que da cuenta de una sólida identidad cultural. La coincidencia entre la cuestión indígena y la cuestión social se ve corroborada por los resultados del estudio. La población mapuche tiene condiciones socioeconómicas más difíciles que el resto del país y, cuando se sienten discriminados, lo serían más por pobres que por indígenas. Igualmente, la población mapuche acusa una débil integración a los sistemas sociales, equivalente a la que afecta a los sectores más pobres. Con todo, prácticamente la unanimidad de los chilenos opina que los mapuches han sido históricamente discriminados (87%, que sube al 92% en la población de Santiago), similar a la percepción que tienen los mapuches de ellos mismos. Este resultado permite explicar el alto grado de simpatía de la población chilena hacia el pueblo mapuche. El estudio concluye que el país se siente en deuda (culpa) con los mapuches: "hay en la percepción ciudadana la imagen que se ha cometido una injusticia con ellos, que es necesario reparar con acciones precisas" (p.52). Si en las clases dirigentes ha habido un ocultamiento histórico sistemático de nuestra sangre indígena, el estudio genealógico realizado por Retamal y cois. (1992) echa por tierra cualquier pretensión europeizante. Estos autores han demostrado que las familias fundadoras de Chile, iniciadoras de la aristocracia nacional, descienden en grados variables de habitantes indígenas. Durante los primeros años de la conquista de Chile por España (segunda mitad del siglo XVI), desde la península llegaron principalmente hombres, quienes tomaron mujeres de entre la población nativa. En general, estas familias se fueron "blanqueando" a lo largo de los siglos - incorporando nuevas oleadas de inmigrantes europeos -, pero su mestizaje original es innegable. Casi no hay personaje destacado de nuestra historia que no descienda de esas primeras familias. Una mujer cercana a los 50 años, me consultó por sentirse acosada por su situación de vida. Acariciaba la idea de abandonar a su esposo y a sus siete hijos para irse a vivir a otro país, donde no conociera a nadie y nadie la conociera a ella. Todo esto la tenía sumida en un estado depresivo, con fuertes sentimientos de culpa. Se sentía crecientemente abrumada por la presión de tener que cumplir con las formalidades del ambiente social en que se desenvolvía. De aspecto caucásico, hasta nórdico, era muy consciente de su pertenencia a la aristocracia, y se Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 205 Juan Pablo Jiménez sentía orgullosa por la sangre británica que corría por sus venas. Muy rápidamente noté que debía ser muy cauteloso en mi trabajo interpretativo, pues la confrontación con contenidos inconscientes, especialmente sexuales, rápidamente suscitaba en ella intensos sentimientos de vergüenza. A los pocos meses de análisis trajo el siguiente sueño: "Estoy desnuda a orillas de un lago, rodeado de bosque nativo, en algún lugar del sur de Chile [territorio mapuche originario]. En mi pecho, entre ambos senos, crece una protuberancia, como un absceso, que me produce mucho dolor. El absceso se revienta y sale abundante pus y sangre pero, al final, y para mi sorpresa, empiezan a emerger hermosas joyas de plata, son joyas mapuches". El análisis de ese sueño nos tomó varias semanas. Fueron esos unos meses en que el conflicto entre comunidades mapuches y empresas forestales tuvo una amplia cobertura en los medios. Por razones profesionales, la paciente tenía conocimiento y contacto con nuestras raíces indígenas. Finalmente, el análisis del sueño dejó en claro que ella se sentía interiormente aprisionada por toda una vida de sujeción a normas familiares que no habían permitido la expresión de los aspectos más genuinos y propios de ella misma. Éstos estaban presionando por expresarse y eran responsables del enorme malestar que la aquejaba en los últimos años. Eran aspectos marginados y ocultados sistemáticamente, sobre ellos no se podía hablar, pertenecían al ámbito de lo "no decible". En sus asociaciones, los identificó con el pueblo y la cultura mapuche que en ella, al igual que en Chile, habían sido aplastados por las tendencias europeizantes. Su amplia cultura europea le había permitido ocultar su personalidad pulsional profunda detrás de fantasías sublimes y autoidealizaciones que también aparecían en sueños y asociaciones. Los autores del estudio citado sobre las familias fundadoras de Chile concluyen haciendo la reflexión de que cabe tener presente "el alto grado de consanguinidad en la población chilena en los momentos de grandes crisis y polarizaciones de la nación. El saber que entre los miembros de todos los grupos en tensión o enfrentamiento hay relaciones de familia - por tenues que sean - podrá tal vez ayudar a mantener la calma y la serenidad en el país. No surgirá de esto necesariamente un espíritu de fraternidad o perdón entre los chilenos, pero sí, al menos, la conciencia de que los opositores no son extraños ni ajenos a nuestra realidad y a nuestra herencia idiosincrática. No son enemigos sino ocasionales, pero, en cambio, son parientes para siempre" (p.761). La reflexión de esos autores tiene pertinencia histórica pues no son pocos quienes sobrevivieron a la catástrofe sociopolítica de los años setenta gracias a los lazos familiares. Es cierto que el recurso a la familia está lleno de las ambigüedades y contradicciones que Isabel Allende describió bien en su novela "La Casa de los Espíritus". Sin embargo, no por eso deja de ser verdadero que la tolerancia frente a la ambigüedad es un logro de la madurez. 206 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica VI. Comentario final El sentido de identidad, como conciencia de si mismo, es una cualidad emergente de los procesos de aurorreflexión de la mente. Tomamos contacto con la verdad de nosotros mismos cuando logramos vernos, sentirnos y pensarnos en nuestra relación con el mundo y los demás. De este modo, la propia identidad está en transformación constante, es el flujo mismo de la vida que se representa en la intimidad de nuestro ser. La vergüenza y la culpa excesivas, especialmente cuando son inconscientes, interfieren con los procesos de autorreflexión y, por lo tanto perturban el sentido de identidad. Las defensas erigidas en contra de la toma de conciencia de vergüenza y culpa pueden rigidizar la propia identidad alejándola del curso inmediato de la vida o, por el contrario, hacerla tan frágil, que pequeños conflictos se vivan con características de catástrofe. En Chile estamos asistiendo a una crisis de identidad nacional, en gran medida producto de los acelerados procesos de modernización que hemos descrito. Pero, el "duelo pendiente" (Capponi) y la cuestión indígena son asuntos que están intrínsecamente unidos a la crisis de modernización; su resolución es por lo tanto una tarea que la crisis nos pone por delante. Como toda crisis, ésta también tiene una dinámica inherente; en general, las crisis entran en su fase resolutiva cuando se toma cabal conciencia de ellas. Hay variados indicios de que nuestro país está entrando en una fase de madurez. La última campaña presidencial (1999) aceleró la creación de ámbitos de autorreflexión; proliferan las mesas de diálogo y se ve una mejor disposición en los actores sociales, incluidas las Fuerzas Armadas, para romper los tabúes que la transición impuso. En esta toma de conciencia hemos detectado importantes sentimientos de culpa y de vergüenza que interfieren el desarrollo de una identidad integrada. Se impone entonces acrecentar los procesos de autorreflexión al interior de la sociedad, en todos sus niveles. Para esto, el Estado debe fomentar la apertura de espacios culturales que sirvan el interés comunicativo y de reflexión sobre nosotros mismos, preservándolos de la instrumentalización mercantil. Si tomamos la sesión de psicoanálisis como modelo de espacio de autorreflexión, constatamos que el primer obstáculo existente hoy día en la comunicación social lo constituye el alto grado de censura. En la sesión de análisis se busca poner la censura entre paréntesis para así crear condiciones de libertad en las que el analizando despliegue su vida mental y se permita el proceso de "hacer consciente lo inconsciente". A nivel social, el ámbito propiamente cultural - arte, escuelas y universidades, actividades científicas, medios de comunicación, etc.-, es el ámbito propio de reflexión de la sociedad sobre sí misma. Si logramos crear una atmósfera social, protegida en lo posible de la intrusión de la racionalidad instrumental y donde prime la confianza y no el miedo, será posible ventilar nuestras vergüenzas y nuestras culpas históricas Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 207 Juan Pablo Jiménez - recuperanto, de paso, ámbitos de experiencia subjetiva expopiados por el mercado - y seremos capaces de tomar decisiones políticas e institucionales que permitan el surgimiento de la verdad, la justicia, el reconocimiento y la reparación histórica, es decir, que hagan posible la integración de aspectos de nuestra identidad que hasta ahora han permanecido en el terreno escindido y proyectado de lo "no pensable" y lo "no decible". Es todo aquello que, por rechazado se niega y por negado se olvida, lo que una y otra vez vuelve a hacerse presente en nuestra vida diaria, infiltrando la atmósfera de la convivencia como inquietud, malestar y desasosiego. En este proceso de toma de conciencia, el psicoanálisis, en su doble carácter de ciencia de la subjetividad y método clínico, tiene una importante contribución que hacer. Bibliografía ARRUÉ, O. (1998). Brief note on the history of Chile in the last thirty years. International Psycho-analisis IPA Newsletter. Vol 7 issue 1. CAPPONI, R. (1999) Chile: un duelo pendiente. Perdón, reconciliación, acuerdo social. Santiago: Andrés Bello. CORPORACIÓN CERC - Centro de Estudios de la Realidad Contemporánea. (1999) Estudio Sobre los Mapuches. Santiago: Manuscrito. FOUCAULT, M. (1993). Qu'est-ce que les Lumiéres? En: Magazine Littéraire N° 4309, avril 1993, pp.61-74. FREUD, S. (1923b). El yo y el ello. BN vol. VIII. ______ (1927c). El Porvenir de una Ilusión. BN vol. VIII. ______ (1930a). El Malestar en la Cultura. BN vol VIII. ______ (1933a). Nuevas conferencias de introducción al psicoanálisis. BN vol. VIII. GAMPEL, Y. (1998). Cartas al editor. ¿Historia de Chile? International Psychoanalisis IPA News-letter Vol. 7 N° 2. GAY, P. (1989). Freud. Una vida de nuestro tiempo. Buenos Aires: Paidós. GIDDENS, A. (1997). Modernidad e Identidad del Yo. El Yo y la Sociedad en la Época Contemporánea. Barcelona: Península. En inglés: Modernity and Self-identity. Self and Society in the Late Modern Age. London: Polity Press & Basil Blackwell. INFANTE, J.A.; JIMÉNEZ, J.P; JORDÁN, J.F. (1998). Carta a nuestros colegas psicoanalistas. International Psychoanalisis IPA Newsletter Vol. 7 N° 2. JIMÉNEZ, J.P. (1989). Some reflections on the practice of psychoanalysis in Chile today (From the point of view of the relationship between Psychoanalysis and Society). Int. Rev. Psycho-Anal. 16: 493-504. ______ (1992). Der Beitrag des Analytikers zu den Prozessen der projektiven Identifizierung. Forum Psychoanal 8:295-310. (1998). Freud y la modernidad: Razón, felicidad y progreso en "El malestar en la cultu ra". Revista Chilena de Psicoanálisis. 15 (l):27-40. ______ (1999). Determinismo, libertad y responsabilidad en Freud (otro ejercicio de diálogo entre psicoanálisis y teología). Teología y Vida XL: 5-24. 208 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 "No es el país que queremos". Modernización y malestar en la sociedad chilena: Una mirada psicoanalítica KANT, E. (1784). ¿Qué es la Ilustración? En: Filosofía de la Historia. México: Fondo de Cultura Económica, 1981, p.25. ______ (1798). Si el género humano se halla en progreso constante hacia mejor. En: Filosofía de la Historia. México: Fondo de Cultura Económica, 1981, p.116. LARRAÍN, J. (1994). Ideology & Cultural Identity. Modernity and the Third World Presence. Cambridge: Polity Press. LARRAÍN, J. (1996). Modernidad Razón e Identidad en América Latina. Santiago: Andrés Bello. MINISTERIO DE PLANIFICACIÓN Y COOPERACIÓN - MIDEPLAN (1999). Informe de la Comisión Asesora en Temas de Desarrollo Indígena. Santiago: Mideplán. MINISTERIO DE SALUD (1999). Las enfermedades mentales en Chile. Magnitud y consecuencias. Santiago: Minsal. MOULIÁN, T. (1997). Chile actual: Anatomía de un mito. Santiago: LOM-ARCIS. NOEMI, J. (1996). El Mundo, creación y promesa de Dios. Santiago: San Pablo. PROGRAMA DE LAS NACIONES UNIDAS PARA EL DESARROLLO - PNUD (1998). Desarrollo Humano en Chile 1998. Santiago: PNUD. RETAMAL, F.J.; CELIS, A.C.; MUÑOZ, C.J.M. (1992). Familias fundadoras de Chile 1540-1600. Santiago: Editorial Zig-Zag. RICOEUR, P (1970). Freud: Lina interpretación de la cultura. México: Siglo XXI. TICHO, E. & TICHO, G. (1972). Freud and the Viennese. Int. /. Psycho-Anal. 53:301-306. WAGNER, P. (1994). A Sociology of Modernity. Liberty and Discipline. Londres: Routledge. © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 209 Desconstruindo o mal -do diva à comunidade Sônia Carneiro Leão*, Rio de Janeiro, BRASIL * Membro Efetivo da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 211 Sônia Leão Carneiro O tema deste Congresso, Entre o Diva e a Comunidade, devota-se à reflexão do lugar analítico, um entre dois pólos, onde aspectos, muitas vezes imperceptíveis na comunicação cotidiana, tomam proporções reveladoras, lugar onde o absurdo pode ser inserido gentilmente, estabelecendo seu próprio discurso, onde sonhos e angústias, as mais inimagináveis, podem ser compartilhadas. Este é o Espaço Potencial que costumeiramente freqüenta os settings analíticos, espaço entre dois sujeitos dispostos a freqüentar os paradoxos do ser. A palavra Comunidade nos traz a idéia de corpo social, sociedade, grupos de pessoas submetidas a uma mesma ideologia, modo de pensar ou comportar-se. Não é possível ao ser humano situar-se fora de uma comunidade, qualquer que seja sua finalidade. Quando nascemos, já encontramos uma família à nossa espera que projeta em nós sonhos, realizações, expectativas, que nos batiza e nos introduz no campo do simbólico, de onde não podemos mais sair. A entrada na "Comunidade Humana" é o momento do grande trauma do sujeito, seja do ponto de vista de Otto Rank em seu conceito de "Trauma do Nascimento", seja no conceito lacaniano de metáfora paterna como o acolhimento pelo sujeito da entrada e do vigor do simbólico, coincidente com o momento da vivência de castração. A Comunidade humana é sempre simbólica, por isso traumática, na medida em que o indivíduo perde sua "animalidade", o Real de seu corpo, e entra no campo da palavra. Essa passagem implica a perda de sua onipotência, de suas insígnias fálicas, seu narcisismo primário e o reconhecimento de limites e da imposição da realidade. É a passagem da ilusão à desilusão, do eu ideal ao ideal do eu, da conscientização da perda, da impotência. Como cada sujeito se organizou a partir desse momento depende muito do que ele pôde ter vivenciado através das trocas e interações que fez com o "meio ambiente materno". No espaço analítico muitas dessas vivências primitivas vão ser re-atualizadas, entendidas e simbolizadas. Spinoza em sua Ética nos ensinou que o Bem é aquilo que favorece a nossa natureza. Quanto mais cada qual se esforça por procurar o que lhe é útil, por conservar o seu ser, tanto mais é dotado de virtude. Quanto mais é negligente na conservação do seu ser, é impotente. Spinoza enfatiza que "ninguém, senão vencido por causas externas e contrárias à sua natureza é negligente em procurar o que lhe é útil ou conservar o seu ser." "Não é nunca", ele diz, "por uma necessidade da própria natureza, mas forçado, sempre, por causas externas, que alguém repele os alimentos ou se mata. São causas exteriores ignoradas que dispõem o corpo, de tal maneira, que sua natureza é substituída por uma nova natureza contrária e, cuja idéia, não pode existir na alma." Spinoza, aí, já nos aponta para uma força estranha que está a serviço da morte e da desintegração do ser. Lacan nos diz que essa força estranha é causada pela entrada no simbólico. 212 Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Desconstruindo o mal - do diva à comunidade Outros psicanalistas, que ela já está inscrita geneticamente nas células, e outros que discordam totalmente do conceito de pulsão de morte. Mas, afinal, o que é contrário à natureza humana? O que, em nós, trabalha contra nós? Parece, então, que, na Comunidade Humana, a natureza humana torna-se questão. E, quando dizemos "a natureza humana", o que, na verdade, estamos querendo identificar? É claro que a natureza humana difere, radicalmente da natureza dos leões, zebras e tubarões. Os golfinhos, os macacos, os elefantes, às vezes, conseguem tocar um certo ponto em comum com a natureza humana. Por exemplo, os elefantes costumam reverenciar os seus mortos. Os golfinhos possuem "sentimentos de gratidão". Alguns biólogos já disseram que esses animais parecem "gente". Entretanto, quantas vezes, ao nos referirmos a uma pessoa de nosso conhecimento, dizemos algo assim "Esse cara é mesmo um animal"? Lacan disse que "o lobo humano habita dentro do rebanho". A natureza humana, realmente, é muito complicada. Há alguns milênios estamos tentando dar conta dela, o que não é nada simples. Mas que força é essa, desintegradora, que habita no humano? A angústia é uma força propulsora que, latente ou manifestamente, está sempre presente na vida humana. Freud nos ensinou muito sobre a angústia da castração, Winnicott sobre as angústias inimagináveis e Lacan dedicou todo um seminário sobre o tema da Angústia. A angústia é esse medo do desconhecido, medo de perder o amor de alguém, de perder as insígnias fálicas. É um afeto reativo a uma ameaça. Qual ameaça? A tudo que possa levar à perda do sentimento de continuidade do ser. A angústia talvez seja o afeto que mais caracterize a natureza humana, e ela aparece como reação à perda da continuidade do ser. Freud ao falar sobre as pulsões considerou, de início, duas forças pulsionais em permanente atividade no ser vivo: as pulsões de auto conservação (pulsões do ego) e as pulsões sexuais (que levam o sujeito a buscar seus objetos, a expandir-se). Posteriormente, preferiu introduzir os conceitos de pulsão de vida e pulsão de morte, mas mantendo uma correlação entre pulsão de vida e pulsões sexuais e pulsão de morte e de auto conservação. A pulsão de morte, assim, estaria por conta de um ego, um ego que não quer ser morto, mas quer morrer do seu próprio modo. As pulsões de morte estão sempre co-relacionadas às estruturas onde o narcisismo primário não cedeu espaço a sentimentos de castração e de perda. Esse é o ego a ser "salvo" pela pulsão de morte, o ego da onipotência, o ego incompatível com a natureza humana, tão inexoravelmente frágil. É claro que um indivíduo que funcione psiquicamente sob o regime da pulsão de morte não vai reconhecer a natureza humana no outro indivíduo e vai atuar de acordo com os exemplos abaixo citados, retirados de situações clínicas: Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 213 Sônia Leão Carneiro 1. "Eu estava com febre. Sentia dores. Meu pai não disse nada, foi dormir. De madrugada, já não suportando mais as dores, levantei-me e fui ao quarto dele dizendo que eu ia ao hospital. Ele abriu, preguiçosamente, os olhos e me disse: 'cuidado, vai direitinho'. Ele nem se abalou. Eu quis morrer." 2. "Minha vida é uma merda. Meu pai está sempre lendo jornal ou assistindo TV. Quando eu chego do colégio ele só sabe dizer assim: 'Oi, filhão!' Eu fico doente de raiva." 3. "Já são 23h. A festinha de aniversário terminou às 19h. Mas o pai de Lucinha não foi buscá-la. E sempre assim. Ele sempre/ura. Lucinha está nervosa, inquieta e pergunta para a dona da casa 'Eu sou bonita? Eu sou feia?' E, olhando pela janela, diz 'Eu vou me atirar do oitavo andar'." Existem infinitos exemplos que dizem bem desses sentimentos que abrem a uma desintegração do ser, a uma angústia impensável, a uma vontade de matar ou de morrer. As personalidades narcísicas são espelhos que não refletem. A pulsão fica sem retorno. O sujeito, então, se petrifica, se congela, restando a ele como último recurso a passagem ao ato. Volto aí a lembrar Spinoza quando diz que é sempre forçado por causas estranhas, contrárias à sua natureza, que o sujeito é negligente em procurar o que lhe é útil. Uma Lei importante da natureza humana é a Lei do Reconhecimento. A ameaça de desintegração, a quebra da continuidade do ser, advêm quando não houve o cumprimento dessa Lei. Admiro a saudação reverenciai que os japoneses fazem sempre que se encontram com uma pessoa. Esse cumprimento, que se manifesta nas mais diversas culturas, tem como finalidade reconhecer o humano que se oculta por trás dos indivíduos. O polido "muito obrigado" é uma forma de retirar o outro de um aprisionamento servil, já que o ser humano não se totaliza apenas no serviço que ele presta. Ele transcende a isto e o "muito obrigado" é o reconhecimento desse para além do que lhe é devido. Winnicott nos fala em um "nada" acontecendo - quando algo deveria acontecer como causa de desintegração. O que é este nada acontecendo? É quando o outro é tratado como algo sem valor, como um objeto de uso e gozo, com frieza ou arrogância. Esses tratamentos promovem a ruptura da continuidade do ser, gerando angústia, destruição, depressão ou desespero. E esse tipo de relação que recebeu o nome de relação em branco, a "relação" estabelecida a partir da prevalência da pulsão de morte na estrutura do sujeito. Na relação em branco, falta a percepção da equivalência entre dois sujeitos que só o são porque estão ligados pela coisa mais universal que têm em comum: a falta. Paradoxalmente é a falta que estrutura o humano, é a falta que lhe dá consistência. A rejeição é tão temida porque é sentida como não reconhecimento. A se- 214 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Desconstruindo o mal - do diva à comunidade dução é tão maligna porque nela o sujeito desaparece face a um outro que o devora. O orgulho é o pecado mais odiado por Deus, porque nele o indivíduo presume-se melhor do que Aquele que o criou. O orgulhoso precisa humilhar, ou seja, não reconhecer, para manter seu orgulho em alto nível. Acho que bastaria um único mandamento: "Reconhecerás o outro como sujeito", já que toda a série dos dez mandamentos aponta nesta direção - não mataras, não roubarás, não desejarás a mulher do outro, e assim por diante. O Mal está no mundo desde a sua origem, não há como contestar esta verdade. O Mal é essa força que advém da percepção da desintegração do ser. Essa força é a grande predadora de almas. O vazio aberto pela relação em branco primária se transforma nesta força insaciável que vai arrastando consigo toda manifestação de vida, toda manifestação do Espírito. O buraco negro da inveja procura destruir a criatividade alheia, que é a maior manifestação do Espírito. Dessa forma não basta falarmos em Comunidade Humana sem que nela esteja implícito o Espírito Comunitário, esta percepção que nos chega quando sentimos que não estamos separados, apesar da multiplicidade de culturas, das diversidades das espécies e seus indivíduos. Quando admitimos que somos interdependentes e, por isso, responsáveis por nossa vida e a de todo o planeta, estaremos, sem dúvida, desconstruindo o Mal. Muitas vezes esta desconstrução pode começar a ocorrer no espaço entre o diva e a comunidade... © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL Revista Latino-Americana de Psicanálise-fEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 215 A Psicanálise entre o diva e a comunidade Marialzira Perestrello*, Rio de Janeiro, BRASIL * Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 217 Marialzira Perestrello A princípio entendi que o tema indicado seria "A Psicanálise: do diva para a comunidade". Frizaria, então, a importância do diva em que, nos deitamos, e, posteriormente, do diva que utilizaríamos com nossos vários pacientes. Ciente do título exato ainda dou importância aos divas que nos prepararam para uma atividade na e com a comunidade. Interessada pela história da Psicanálise: pelos primórdios e prioridades do pensamento, das atividades e dos escritos psicanalíticos, poderia estender-me sobre os inícios da psicanálise, aqueles que primeiramente a praticaram e sobre os inúmeros trabalhos de aplicação. Entretanto, ao invés de historiar prefiro e ouso trazer Reflexões: mais expor idéias do que descrever o que se fez e se está fazendo. A- Sobre os termos do título: A Psicanálise entre o diva e a comunidade I - A Psicanálise Para qualquer exposição, argumentação ou polêmica sobre o assunto psicanálise é indispensável que explicitemos o aspecto que temos em vista. Sabemos desde Freud que a Psicanálise é: a) um conjunto de teorias sobre a estrutura e funcionamento do psiquismo do ser humano; b) um método de observação e de investigação; c) um método de tratamento. Conforme o campo comunitário em questão, um desses aspectos será o aplicado. O termo psicanálise aplicada é geralmente usado1 para a aplicação dos conhecimentos e métodos psicanalíticos fora da situação analítica. É à psicanálise aplicada à comunidade que me referirei. Um estudo completo abarcaria as questões: onde, quando, como e por quem a psicanálise foi e é aplicada. II - Entre Em diversos idiomas2 o termo entre possui inúmeros significados, melhor: é utilizado de vários modos, indicarei alguns. A preposição entre indica relações de duas ou mais pessoas ou coisas. Relação de lugar: espaço intermediário; de situação, indicando laços de união, ligação, conexão; de comparação, meio termo, mas também de separação e divergência; de dúvida na escolha de um dos termos etc. Mesmo considerando o entre com a idéia de união, de continuidade 1. Acompanhada por vários analistas penso que o termo psicanálise aplicada é mal empregado, pois lato sensu, a própria terapêutica analítica seria também uma aplicação da teoria psicanalítica. 2. Compulsei os importantes Randon House Dictionnary of English Language, o Larousse du XX siècle e alguns antigos e mais recentes dicionários de nossa língua. 218 Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 A Psicanálise entre o diva e a comunidade não há uniformidade de pensamento entre os psicanalistas quanto à utilização da psicanálise na comunidade. Voltaremos a este tema. III - O diva Diva: símbolo plástico -já popular - do trabalho analítico como terapêutica. Sendo Psicanálise e Cultura o tema oficial do Congresso é esperado que o interesse se volte predominantemente para o trabalho fora do diva. IV - E a comunidade Diversos campos ou aspectos podem ser considerados na Comunidade: o social, o político, o religioso, o cultural, o acadêmico, (universitário), o econômico, o profissional, o assistencial. Apesar de ser o cultural, aquele no qual mais participo e colaboro, ater-me-ei a dois aspectos: o assistencial e o universitário. B - A aplicação da Psicanálise à comunidade Ainda com o prurido de historiadora-amadora vejo-me inclinada a comentar, primeiramente, o que Freud e seus contemporâneos fizeram(ou pensaram fazer) a fim de levar os conhecimentos psicanalíticos para a comunidade. De Freud, pinçarei algo de três trabalhos: Line on advances in psychoanalytic therapy (1918), Psychoanalysis in the University (1918) e do The claims of Psychoanalysis to scientific interest3 (1913). No primeiro, (uma conferência no Congresso de Budapest) é evidente o interesse de Freud pela finalidade assistencial. Lamentava ele o fato de a psicanálise atingir somente um número limitado de pessoas com possibilidade de arcar financeiramente com o tratamento. Mostrava suas idéias sobre a necessidade da classe pobre ter tanto direito a uma assistência para a mente como tinha para as cirurgias e a tuberculose. "Quando no futuro isto acontecer, analistas treinados seriam indicados para o tratamento gratuito de pessoas pobres necessitadas. "Tempo ainda correrá até que o Estado veja que estes deveres são urgentes". No final Freud assim se expressa: "Provavelmente a terapia aplicada em larga escala nos obrigará a livremente combinar o puro ouro da análise com o cobre da sugestão direta. Porém, seus mais importantes ingredientes permanecerão sempre aqueles emprestados da psicanálise". Sobre o trabalho em relação a levar a psicanálise à Universidade falaremos mais adiante. No 3o artigo, escrito para a revista italiana Scientia, Freud teve como finalidade esclarecer sobre as muitas esferas de conhecimento nos quais a psicanálise é de interesse e os numerosos elos que se iniciavam entre elas. 3. Em alemão apenas: Das Interesse an der Psychoanalyse. Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 219 Marialzira Perestrello Lembro que nos primeiros tempos, a psicanálise foi largamente aplicada às Artes e Literatura: nas "Reuniões da 4as feiras" era grande o número de participantes não-médicos e de contribuições culturais não clínicas. O aspecto assistencial Muito cedo, os primeiros analistas foram se conscientizando que - além da análise individual de crianças e adolescentes - seria de grande utilidade um trabalho com profissionais que lidam com esses menores. Tentei lembrar-me do que - desde os tempos de Freud - fora feito para levar diretamente a experiência e os conhecimentos psicanalíticos para a mãe grávida, o parto, o cuidado do bebê, a educação da criança pequena em seu ambiente familiar, e na escola, e para aplicá-los às crianças hospitalizadas ou internadas em instituições, aos adolescentes afastados de suas famílias com finalidade de re-educação ou de punição, presidiários etc. Vieram-me os nomes de Margareth Ribble, Anna Freud, Melanie Klein, Susan Isacs, Alicia Balint, August Aichorn e Vera Schmidt. Atualmente a utilização da ultra-sonografia, nos permite um estudo mais profundo dos comportamentos do feto sugerindo a existência de um psiquismo pré-natal. Várias "hipóteses da psicanálise" estão sendo hoje comprovadas. Muito foi tentado e efetivado neste quase um século. Mesmo abarcando a última década, foi-me impossível pormenorizar todos os esforços tentados e resultados obtidos no Setor-comunidade das diversas Sociedades psicanalíticas brasileiras e em outras instituições eficientes tais como o Centro Cultural Freud (do Rio). Assim, seleciono apenas um exemplo de algo já publicado: o trabalho de Melanie Farkas e membros da Comissão de Comunidade da SBPSR A equipe resolveu criar um espaço de interlocutores, realizando "uma escuta psicológica em que os outros pudessem se expressar"e não apenas aquilo mais comum do psicanalista "ensinando" e o participante "aprendendo". (Um critério de escuta bilateral empregado por Perestrello com colegas clínicos). Da observação, escuta e reflexão nas reuniões surgiram muitas vezes, sugestões e orientações. Aprovo com entusiasmo o trabalho de Melanie Farkas (1996) e de sua equipe pois o analista ao colaborar em uma instituição necessita saber: o que está ocorrendo nela, como o problema se expressa e desde quando. Se possível assistir, testemunhar algumas atividades. Penso que assim como somente devemos interpretar um sonho após as associações do paciente - sejam elas conscientes, pré-conscientes ou completamente inconscientes - assim também antes de querermos compreender e nos manifestar com explicações, conselhos, interpretações deveremos ver e escutar aqueles que trabalham na instituição. (E quem sabe? aqueles que ali são assistidos). Se na situação analítica no diva - a relação é dual, o paciente sendo o objeto de observação, estudo, compreensão, cuidado; o analista empaticamente 220 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 A Psicanálise entre o diva e a comunidade privilegiando em cada paciente e em cada momento um, ou mais, desses aspectos, ao trabalhar para a comunidade, a relação deverá ser sempre multi-focalizada. A Psicanálise na Universidade Em artigo, de início publicado em húngaro com o título de Pode a psicanálise ser ensinada nas Universidades? (mais tarde traduzido como Sobre o ensino nas Universidades) Freud com seu peculiar didatismo, ao falar para um público de nãoanalistas, refere-se ao possível interesse desse ensino sob o ponto de vista da psicanálise e o da Universidade. As duas nada teriam a perder. Muito já caminhamos após o exposto por Freud, há mais de oito décadas, assim trago apenas o que ainda é atual em sua clarividente conclusão: "o estudante de medicina nunca aprenderá propriamente psicanálise. Isto é verdade, se tivermos em mente a verdadeira prática da psicanálise. Mas para os propósitos em vista será suficiente aprender algo sobre psicanálise e da psicanálise". Alem das conhecidas explicações (sociológica e psicológica) para um duradouro afastamento entre a Universidade e a Psicanálise, Heinz Kohut (1975) sugere como responsáveis o orgulho e a idealização do instrumento e do método existentes entre diferentes campos científicos e também um certo desprezo pelos não-iniciados. Em Faculdades não-médicas não é necessário nos aprofundarmos em metodologia, sociologia, antropologia, filosofia, mas teremos de modestamente aceitar que os especialistas nesses campos podem nos ensinar algo, completar e até esclarecer certos setores de nossos conhecimentos (ou desconhecimentos...). O convívio interdisciplinar será, então, de enriquecimento mútuo, pois (de outro lado) nós poderemos perceber aspectos psicológicos, por vezes, não captados por outros especialistas. C - Certa polêmica quanto à aplicação da Psicanálise à comunidade a) Se o fato de levar a psicanálise do diva para a comunidade é considerado algo positivo por inúmeros analistas, ele também foi e é criticado por outros. Épocas existiram em que alguns psicanalistas pensavam que "o bom e verdadeiro analista" devia restringir seu trabalho ao consultório e não se dedicar a qualquer outra atividade profissional. Tenho uma experiência pessoal: o psicanalista Danilo Perestrello (meu marido) docente livre de Psiquiatria, na época da pré-fundação da SBPRJ, foi muito censurado pelo fato de dar cursos na Faculdade de Medicina, quando "deveria ater-se às horas de análise". Mais tarde, ao fundar o Serviço de Psicossomática na Ia Cadeira de Clínica Médica da UFRJ não mais tão criticado por seus pares, ainda era aconselhado a não gastar tanta energia no Hospital da Santa Casa e sim empregá-la "sendo apenas analista". Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 221 Marialzira Perestrello A meu ver, o "verdadeiro analista" poderá e deverá conservar sua identidade em qualquer lugar, assim como um matemático, um sociólogo, um economista possuem e conservam a deles. Continuar a "ser analista" não quer dizer exercer o trabalho analítico, fora da sala de análise. Encontrei no discurso presidencial de Maxwell Gitelson (1963) - para o XXIII Congresso Internacional de Psicanálise - uma posição equilibrada. Não sendo ele contra a extensão de nossa especialidade, de modo sincero e objetivo nos alerta: "Tais atividades de melhoramento social, com indubitável atrativo ético, não são psicanálise". Refere-se ao nosso trabalho ser muito solitário e mostra que além dos vários motivos para se desejar a interdisciplinaridade há, também, um desejo inconsciente de sair da vida de isolamento, buscando um contato com os outros e uma participação ativa no mundo externo. b) Perigos da aplicação. Para Gitelson a incursão dentro de outras ciências e a colaboração com elas pode, por vezes, significar uma fuga intelectual do inconsciente e mobilizar uma intelectualização como defesa. Também Harold Leupold Lowental, sem uniteralidade, alerta para o fato dos psicanalistas, ao penetrarem em outros campos, se esqueceram de que, lá, são amateurs. E lembra "como psicanalistas temos de aprender que nossa ciência, em outras especialidades, tem caráter de uma ciência auxiliar". A interpretação psicanalítica não é obrigatória para todas as disciplinas. Um outro perigo é apontado por Karl Purzner: observou que em seminário de transmissão de conhecimentos analíticos para assistentes sociais, professores de creche etc, os participantes se tornavam "outros analistas"ou "pacientes" do psicanalista encarregado do grupo. Tal mudança de papéis criava novas tensões, pois, afinal, as instituições necessitavam de assistentes sociais, psicólogos, professores, etc, e não de pseudo-analistas. A finalidade seria melhorar a competência daqueles profissionais. Outro perigo é a distorção de conteúdos teóricos. 3-Conclusões Na atividade assistencial, a meu ver, será mais útil e operativo: 1) levar nossa experiência, compreensão e formulações psicanalíticas de modo vivenciado, mais do que puramente intelectualizado; 2) tentar, quando possível, dialogar com os participantes numa atitude de colaborar, ajudar, cuidar mais do que de "analisar". No trabalho com a comunidade Cultural e Universitária, uma certa modéstia e atitude empática são aconselhadas por Gitelson e Kohut. Em minhas conferências costumo indicar uma posição não-superegoica, mais de parceria 222 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 A Psicanálise entre o diva e a comunidade que de autoridade: um encontro de dois ou vários campos, onde cada um possa aproveitar "outros saberes", sem o psicanalista tomar uma atitude de magister dixit. No filme de Chaplin O grande ditador, Carlitos no final do discurso exclama: "O conhecimento nos fez cínicos. A inteligência: duros e maus. Pensamos devidamente e sentimos muito pouco. Necessitamos mais de humanidade do que de máquinas, mais de bondade e ternura que de inteligência". Estamos de acordo com Carlitos: hoje não é somente perigoso transformarmonos em máquinas mas também - como frizo - intelectualizarmos em vez de vivenciarmos. Bergson já enfatisava a importância da intuição sobre a inteligência. Nós analistas, como seres humanos, humanizados, não poderemos perder nossas utopias e idéias de solidariedade empática; de prestígio da alteridade e não de individualismo. Numa psicanálise entre o diva e a comunidade, Eros deveria vencer. © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 223 Sistemas de salud - perversión Reflexiones sobre contrato y encuadre Arturo Sabez*, Mendoza, ARGENTINA Resumen La actual presentación intenta mostrar la situación actual en los Servicios de Salud y de Previsión, como así también una mención a la mala praxis como amenaza al libre ejercicio profesional, donde se ha sustituido el código asistencial por el económico pervirtiendo así la situación de paciente por consumidor. Esto nos lleva a poder conectarlo con las violaciones a las que están sometidas nuestras herramientas básicas: contrato y encuadre, y propongo la necesidad de refortalecerlos. Cuando el marco o la regla es subsumido por el juego, el mismo pasa a ser proceso y la consecuencia es la incertidumbre, la confusión y la pérdida de identidad psicoanalítica. Miembro de la Sociedad Psicoanalítica de Mendoza, Argentina. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 225 Arturo Sabez En mayo del 98, en el III Congreso Argentino de Psicoanálisis efectuado en Córdoba, tuve la oportunidad de desarrollar algunas ideas sobre cómo la salud se ha convertido en un negocio altamente redituable, para algunos grupos. El mismo, para mi perspectiva, se sostiene en una propuesta perversa que en la línea de D. Meltzer (1967) se enunciaría cómo observar lo malo como bueno y viceversa . En 1996 el Presidente para Latinoamérica de la National Benefit Resources (NBR) decía: " con la desregulación de las obras sociales se producirá una verdadera revolución en el área..." "Cuando ello suceda, todos los proveedores de cuidados de salud necesitarán ser más eficientes y brindar mejor calidad de servicios" Repito lo que presenté entonces. En 1997, La Nación, más precisamente el 5 de Octubre planteaba: ..." Los médicos deben adaptarse a las reglas el mercado que fijan nuevas normas de contratación y pago"... Esto significó el deterioro de las condiciones de trabajo para la mayoría. Es de resaltar que el código expresado ha hecho un giro, entonces ya se había sustituido el "mejor servicio" por las "reglas del mercado". Este último se transformó en el meridiano 0 (cero) en torno al cual girarían todos los participantes. El objetivo de una buena atención de los afiliados, potencialmente pacientes, tanto más en cuanto aumenta su edad cronológica, fue desplazado por el de buena inversión. Deseo resaltar este punto que me parece nodal: Atención es reemplazado por Inversión, esto llevó a otra sustitución. Paciente pasó a ser Consumidor. Por mediación de una sutil y ladina desviación, el Código Médico fue sustituido por el Económico. El doliente, el sufriente necesitado de ayuda dejó de ser valorado como tal y se convirtió en un "beneficiario" de los "excelsos" servicios ofrecidos por los prestadores a los que presuntamente se les debe estar agradecidos por los "cuidados y atenciones" que nos proporcionan. Lo cierto es que en todas las especialidades se ha ido estrechando el canal de ofrecimientos y los afiliados tienen una empobrecida oferta de servicios. En nuestro campo algunas prepagas ofrecían hace dos años entre 20 y 30 servicios por año, actualmente fue acotado al mismo número, pero por vida. En el 41° Congreso Internacional de Psicoanálisis en Julio de 1999, efectuado en Chile, se presentó por el Comité de Investigación de Alemania el siguiente comentario: "Las compañías de seguro evitan en lo posible las internaciones y la cantidad de consultas médicas". Es de destacar esta observación, ya que ese país era hasta hace unos pocos años, el que contaba con una situación excepcional al contemplar tratamientos 226 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Sistemas de salud - perversión. Reflexiones sobre contrato y encuadre analíticos, en algunos casos hasta por dos años; admitidos por los Servicios de Salud. Las citas son incontables y supongo, que por Uds. conocidas. En otro orden de cosas, en Clarín del 11 de Enero de este año, en Cartas al País, el Presidente de la Asociación Argentina de Neurocirugía, Dr. Horacio M. Plot decía: "Estamos indignados como médicos en general y como neurocirujanos en particular. De aquella sensación, que consagramos nuestras vidas a una dificilísima práctica, hemos pasado a una de terror, pues con cada acto médico pesa sobre nuestra cabeza la espada de Damocles del juicio de mala praxis": "Se castiga no solo la negligencia, impericia o imprudencia, sino también la falta de éxito." Resulta desgarrante el dolor frente a la impotencia que provoca el sistema que valora lo que no se logró, pero que no justiprecia la dedicación, el esfuerzo y la emocionalidad que juega diariamente en los consultorios de la mayoría de los profesionales que funcionan dignamente. Lo que debería ser un medio de protección del ciudadano frente a los malos usos, se ha transformado en una suerte de servicio persecutorio que ataca la sana disposición de ayudar con el temor de ser enjuiciado. Se va construyendo una imagen de: "¡Cuídese de quien lo debe curar!". Los profesionales se transforman en peligrosos y los "servicios de salud nos protegen". La desconfianza se va consolidando. Las ansiedades paranoides dominan en exceso las depresivas. En términos Kleinianos podemos pensar en un franco predominio de la posición esquizo-paranoide culturalizada y socializada. Para concluir con este muestreo de paradigmas, un tercer territorio se agrega al de los servicios de salud y a los juicios de mala praxis, donde se presenta con franca claridad la desviación aludida. En "Le Monde Diplomatique" de diciembre de 1999, en tapa, se ofreció un artículo: "El saqueo de las jubilaciones", son autores los Dres. Jorge Beinstein y Mario D. Lorenzo, transcribo algunos párrafos porque me parece que muestran con datos numéricos pasibles de confrontación, en el campo de las AFJP, lo que advertíamos en el 97 con las prepagas de la salud. Lo que se presentó como un beneficio de aseguramiento de los haberes jubilatorios se ha convertido en una exacción que sólo promete inseguridad y frustración. Dicen en la primera página: "...Cada asociado, según hubiese cotizado regularmente desde el inicio del sistema (1994) dispondría de sólo $ 85,00 por cada 100 aportados. Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 227 Arturo Sabez Si el mismo trabajador hubiera optado por poner su dinero en una cuenta bancaria de ahorro tendría ahora $ 118,00". Como las comisiones que cobran son del orden del 30%, convirtiéndose así en las mas altas del mundo, se produce una distancia abismal entre lo que queda para los aportantes y lo que obtienen las AFJP. Continúa el citado artículo: "...En agosto de 1999 el valor total de los fondos depositados en la AFJP desde 1994 (aportes, menos comisiones más capitalizaciones) llegaban a U$S 14.500 millones, cifra claramente inferior a los U$S 17.000 millones en aportes efectuados por los trabajadores en igual periodo. Un nuevo milagro liberal se ha concretado: los ahorristas forzados del sistema privado perdieron unos U$S 2.500 millones: "Mientras las AFJP se apropiaron de "comisiones" por unos U$S 5.000 millones.... créase o no se invirtieron U$S 1.500 millones en "marketing" y U$S 1.000 millones en "gastos administrativos". "El ente estatal ANSES para administrar 3.200.000 jubilaciones en igual período tuvo un gasto de U$S 1.400" (contra 100.000 aportantes del sector privado). Como se desprende de la copiosa información publicitada, los datos son inagotables, el que esté interesado puede recurrir a la Superintendencia de Administradora de Fondos de Jubilaciones y Pensiones (SAFJP), que proporciona todos los datos que se requieran (www.safjp.gov.ar). Pensé en tomar panorámicamente estas tres variables: Salud-Mala praxisJubilaciones como una introducción al tema que nos ocupa y preocupa. ¿Cómo se inserta nuestra disciplina psicoanalítica en este marco social? La fórmula que Bion (1927) nos ofrecía de estupidez + arrogancia como principal atacante del vínculo K: pareciera que ha girado en el ámbito social a perversión del pensamiento + psicopatía en el discurso = ataque a la organización de pensamientos libres. Las sociedades han vivido en el campo de la Economía una transformación que de agraria pasó a industrial y de ésta a la cibernética actual. ¿Qué sucedió en ese lapso en la mente?, tomando como punto de observación la influencia que tuvieron estas modificaciones sociales: la noción de tiempo y espacio fue alterada, la relación causal fue embestida y la incertidumbre y el caos pasaron a ser predominantes. El indeterminismo cobró una jerarquía de igual altura que el determinismo, puede consultarse a I. Prigogine (1996) entre otros. __ La consecuencia es la confusión, la inseguridad y en no pocos casos, el estupor. ¿Qué opciones se le ofrecen a la mente para no caer en la dispersión?. Pareciera que sobresalen dos: a) Paralizarse, es decir estancarse y acantonarse en un estado de oposición a incorporar algo nuevo. 228 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Sistemas de salud - perversión. Reflexiones sobre contrato y encuadre b) Un movimiento hacia estados regresivos que en algún momento del desarrollo permitieron capear fuerzas desenfrenadas sin marco de continencia. Se vuelve así a momentos adolescenciales o más arcaicos aún, como a vivencias del destete. Cuando esto ocurre, la búsqueda de placeres se enseñorea. Las fuerzas pulsionales irrumpen como réplica y así los códigos morales o éticos son arrasados. En algunos casos esto se hace por medio de la reaparición de "ideologías". Aquí nos reencontramos con las propuestas del comienzo en cuanto a salud y previsión. Pero volvamos al campo psicoanalítico, y observemos como ha repercutido todo esto. Transparencia es un concepto de plena vigencia que indica poder ver lo que no se ve. Esto es, lo oculto en las propuestas de las prepagas o en otras formas de prestaciones de salud. En nuestro ámbito ¿qué es lo que no se ve? Me parece que un tema central de que debemos ocuparnos son nuestros conceptos de Contrato y Encuadre. El contrato deja de ser así bipersonal, para ser tri o multipersonal. Se normatiza la cantidad de sesiones, los honorarios, las formas de pago, el tiempo, los requisitos para ser aceptados, se deben llenar los formularios que deben ser aceptados por los auditores de las organizaciones "proveedoras" de servicios, que en la gran mayoría no son personas idóneas para calificar lo que ofrecemos. Ellos pueden suspender una terapia, indicar los terapeutas y amenazar con juicios en casos por ellos evaluados de mala praxis. Hay algunas de estas instituciones que han organizado un sistema de evaluación hasta de los consultorios, para ello envían observadores que deben dar su visto bueno para que el profesional pueda ser aceptado. Mientras esta Inquisición se perfecciona y los Torquemadas se multiplican, tanto afiliados como analistas van sumergiéndose en un proceso de sumisión acrecentado por el temor a la desocupación o a la falta de pacientes. Como si esto fuera poco esta especie de globalización, ataca las diferencias de formación de post grado y se cae en un nuevo dilema, vale más un "master" de 1 ó 2 años, hecho por instituciones no especializadas que la formación impartida por los Institutos. No es de desdeñar que también nosotros estamos comprometidos, en tanto contribuimos en muchos casos a esas formaciones extra institucionales. La transparencia debe ser para todos y no para los que presentan como tal su falacia. Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 229 Arturo Sabez Como lo plantea H. Etchegoyen (1986, p.17), al referirse al convenio o contrato, este es un elemento estratégico básico que da marco a los malentendidos que naturalmente surgen en un tratamiento. D. Meltzer (5) hasta propone replantearlos si son necesarios en los primeros tiempos. W. Bion (1965) los ofrece como componentes invariantes. En nuestro trabajo son de inexcusable ayuda técnica. Nos permiten detectar, entre otras, las múltiples formas de acting. Pero, qué ocurre si esto es manejado por un "outsider". Este ordena el contrato y el encuadre?. Aquí nos encontramos con el primer magno escollo: Para el proveedor ganancia tiene como objetivo lo económico. Para los psicoanalistas (prestadores) el objetivo es el cambio interno, a nivel profundo en la mente y objetividad del paciente. Valor intangible. Estas dos variables no son compatibles entre sí, ocurre entonces que si la que predomina es la primera, la segunda pierde identidad. En mi valoración no ocurre lo mismo si es al revés. Si se preserva el tratamiento, el aspecto económico se puede ajustar. Así ha ocurrido en épocas de inflación o de otras crisis. Entiendo entonces que lo que debe custodiarse es el objetivo terapéutico, flexibilizador de redes internas y de interrelación entre objetos internos y externos. Me parece que es en estos momentos cuanto más se requiere que esto sea nuestra invariante, estas limitaciones en lenguaje matemático se definen como restricciones. Entendiendo las mismas como reglas del juego. En nuestro código, contrato y encuadre. En Teoría de juegos se denominan "estrategias" y corresponde a "una regla predeterminada" que especifica por completo cómo se intenta responder a cada circunstancia posible en cada etapa del juego. Esto es lo que se está descomponiendo en nuestros acuerdos terapéuticos. Tiempo de las sesiones, cantidad, interrupciones, vacaciones, honorarios, formas de pago, etc. son nuestras invariantes y si no las mantenemos como un modelo operatorio imprescindible en nuestra tarea y las dejamos al libre fluir de las reglas externas , estamos violando los marcos conceptuales de nuestro quehacer. Ahora más que nunca debemos intentar esclarecernos y definir nuestra identidad psicoanalítica, este es nuestro "petitio principi". Lo contrario es caer en lo que Teoría de la comunicación se convierte en el más importante enunciado de puntuación: la profecía autocumplidora. Por ejemplo, si partimos de la premisa: ¡esto no podemos manejarlo nosotros!, quedamos expuestos a que las reglas las fijen los otros y así pierden su calidad de marco referencial. Lo digital, es decir el contenido es sustituido por lo 230 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Sistemas de salud - perversión. Reflexiones sobre contrato y encuadre analógico, lo relacional "Report" (informe) o referencial, es sojuzgado por "Command", instrucción o conativo (Jackson, D., 1962). Y aquí debemos preguntarnos si en la interacción humana tanto influye A en B, como viceversa, ¿cuánto dejamos de conceptualizar nosotros?. Así lo conativo lo impone el sistema de salud o la institución que lo represente. La regla pasa a ser parte del juego y la consecuencia es el caos y la confusión. Gear y Liendo (1977) plantean "como un problema fundamental de la epistemología, o, al menos, del contexto de justificación, el saber si son verdaderas o falsas", más adelante expresa que: "... el olvido de las reglas de correspondencia constituye un pecado metodológico". No la hay entre economía y salud. Liberman, D. (1970) cita a Prieto, L. (1969) quien se refiere al campo de la decodificación "campo noético" de un código . El campo semántico es el que se refiere a todas las señales que muestran al mismo, si una señal no es miembro del campo semántico del código respectivo más aumenta la incertidumbre. Sin duda nos enfrentamos en el presente con dos campos semióticos de significados francamente discrepantes entre sí. El motivo principal de esta presentación es intentar una apelación a nosotros, psicoanalistas, para que vigoricemos nuestro propio terreno de significados semióticos, me parece que esta es nuestra herramienta irremplazable e insustituible. Es la que fija nuestra identidad y es la base de toda experiencia psicoanalítica. Si el encuadre se modifica pasa a ser proceso, decía J. Bleger (11). Para concluir: pareciera que es oportuno volver al Freud de 1910, en ese momento él consideraba que el progreso del psicoanálisis se derivaría de tres factores: 1) Progreso interno 2) Un aumento de autoridad 3) El efecto universal de nuestro trabajo En el primer punto señala el empobrecimiento del yo por el gran gasto de represión que la cultura exige de todo individuo, p.138 y, a continuación: "...La sociedad no se apresurará a concedernos autoridad. No puede menos que ofrecernos resistencia, pues nuestra conducta es crítica hacia ella; le demostramos que contribuye en mucho a la causación de la neurosis." Esto es lo que vivimos reactualizado, 90 años después. Bibliografía MELTZER, D. (1967). "Los estados sexuales de la mente". Buenos Aires: Ed. Kargiema. 1) SUPERINTENDENCIA DE ADMINISTRADORAS DE FONDOS DE JUBILACIONES, http/ / //www.safjp.gov.ar/docs/estad.htm. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 231 Psicanálise e cidadania Sandra Lorenzon Schaffa*, São Paulo, BRASIL Melanie Farkas**, São Paulo, BRASIL * Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. ** Membro Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 233 Sandra Lorenzon Schaffa e Melanie Farkas Melanie: As motivações deste Congresso refletem o interesse dos psicanalistas em formas novas de trabalhar e de repensar o que já estão fazendo, assim como, a especificidade do trabalho do analista em pensar em soluções a partir da sua escuta, da sua compreensão analítica. E possível considerar níveis distintos de intervenções do analista: de um lado, um trabalho em funcionamento com uma equipe que o está desenvolvendo tendo o analista a função de dialogar o que lhe permite melhorar seu desempenho. Esta função é mais ou menos clara, corresponde ao que é específico da função analítica: captar o que não está explicitado, facilitar a visão e a ação. É , em suma, o que chamamos de supervisão. Exemplos do que foi dito acima podem ser percebidos em minha participação num workshop com dirigentes de entidades que trabalham com e como voluntários onde está em jogo desde fazer um roteiro do que observar - a finalidade desse workshop era aprender com as entidades mais experientes - até fazer uma cartilha para outras com menos experiência. O discurso explícito sobre o que era a instituição definia-se pela idéia: "deve-se fazer o bem". Quando o discurso aprofunda-se, revela que a satisfação pessoal, que era muito importante, tinha que ser negada, desvalorizada em nome da idéia de uma "missão". A legitimidade do prazer próprio, assim como o encontro de frustração, decepção, que eram aspectos "maus" num trabalho considerado beneficente - que tinha que ser bom, dar resultados, ser reconhecido -, não encontravam lugar no discurso manifesto, e assim a sua experiência não podia se legitimar. Ao ir além do explicitado, saímos da órbita do sentido de caridade e passamos a tratar do problema da cidadania. Pensei que esse poderia ser o título deste trabalho, porque vejo aí um eixo de reflexão que reúne outras experiências. Um outro exemplo de intervenção passa-se num Centro de Referência de Aids da Prefeitura de São Paulo com os problemas que aí ocorrem: uma situação nova configurou-se desde que as pessoas que foram trabalhar lá não sabiam o que fazer: nem os atendentes, nem os pacientes, nem os médicos. Os objetivos do Centro eram atender os pacientes, distribuir os remédios e garantir a adesão ao tratamento. A demanda de uma intervenção, nesse caso, não era dos pacientes, era da equipe. Quais são as áreas em que caberia intervir nesse mar de angústias: do governo, da equipe médica, dos psicólogos, dos pacientes, além da angústia geral relativa à contaminação? A falta de experiência nesse tipo de atendimento, agravada pela situação dessa clientela, aliada ao não se saber como lidar com a questão do "aidético", palavra proibida substituída pelo eufemismo: "portador do vírus HIV", criava vários problemas. Um ponto crucial era de que para aderir ao programa era pre- 234 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicanálise e cidadania ciso acreditar no tratamento sem que se tivesse certeza do seu efeito terapêutico. Algo bastante diferente do espírito de uma vacinação contra raiva, onde a eficácia é algo assegurado a priori. Uma dificuldade adicional advinha de que a cada situação de abandono de tratamento, o paciente teria que voltar à fila de espera até poder receber atendimento de novo, o que angustiava ainda mais os profissionais. A angústia e a dificuldade de enfrentar o problema nesse caso envolvia situações verdadeiramente paradoxais: se o paciente revelasse sua situação em seu trabalho ficaria protegido juridicamente de ser despedido, mas poderia virar um pária dentro do ambiente de trabalho. A medicação, por outro lado, traz muitos efeitos colaterais, as pessoas ficam muito mal, às vezes aqueles que não tinham sintomas trocam seu bem-estar momentâneo por uma piora sintomática com vistas a uma melhora a longo prazo, não garantida. É evidente a ansiedade por parte dos atendentes em impor o tratamento e trabalhar as resistências muito justificadas. Cabe, antes de mais nada, uma compreensão da situação do médico. Trabalhamos nesse caso com o binômio: possibilidades (médicos)/limitações (pacientes), permitindo uma ruptura dessa polarização defensiva dos dois lados. O papel do analista é essencial no enfrentamento das angústias envolvidas no processo de elaboração do conflito que se concentra em torno desse binômio, favorecendo a abertura para uma nova condição de tolerância, de algo entre a onipotência e a impotência, estimulando as possibilidades (potência). Da mesma maneira, quando a equipe trabalha com a questão da contaminação alguns dados podem ser utilizados (sem aterrorizar o paciente) como mostrar que ele também pode vir a ser recontaminado. Aparte sadia que existe em cada um é considerada - o sujeito deixa de se definir a partir da doença. É tanto sadio para o médico reconhecer a limitação, aceitar uma certeza relativa da eficácia do tratamento, como, para o paciente, reconhecer que está doente para poder se tratar e viver a sua identidade "sadia". A intervenção pode estender-se por muitos níveis. O trabalho deles com a família defronta-se com problemas complexos. Por exemplo, situações onde parentes ficam com a pessoa "doente" porque ela tem uma aposentadoria, ficam, não cuidam, e até perturbam a relação que se estabelece. O que cabe discutir aqui também é a dimensão multiplicadora da intervenção analítica nesse nível. A função terapêutica é multiplicada através de agentes como ocorre no caso de supervisão, nas ações de planejamento, na reflexão sobre as condições básicas da saúde mental. Temos, pois, algo distinto do consultório, em que o indivíduo singular é o objeto primeiro e último do nosso esforço (se bem que também aí a multiplicação se dá). O papel multiplicador da intervenção do psicanalista também pode ser observado numa escola. O orientador, que encaminha casos para atendimento Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 235 Sandra Lorenzon Schaffa e Melanie Farkas psicoterápico, pode beneficiar-se de uma escuta apropriada, no sentido de tornar-se um agente capacitado para atuar num nível preventivo. O único papel do psicanalista não é aquele de receber o paciente em seu consultório, mas, através de sua intervenção num nível anterior, capacitar o agente para aceitar a demanda e até prescindir do atendimento. (Até parece incongruente, tirando seu próprio mercado!). O trabalho nas escolas também poderá ser desenvolvido com um programa de sensibilização e cidadania onde o psicanalista colabora em projetos que serão desenvolvidos pelos alunos, futuros dirigentes da sociedade. Esse nível de atuação já está difundido entre pessoas analistas, mas não tanto na instituição psicanalítica, na ordem de uma reflexão dos psicanalistas sobre a sua posição diante de situações graves, por ex., o problema da marginalidade. Nesse sentido, uma intervenção com agentes de saúde do poder público pode vir até a oferecer elementos importantes às políticas de saúde e políticas sociais em geral. Para possibilitá-lo é preciso saber quem são os agentes, como é a comunidade, é preciso conhecer os códigos locais: o que significa, por ex., para uma mãe que tem um filho doente, receber uma pessoa que não foi solicitada, que está impondo a sua ajuda - "eu sei o que você precisa". A partir dessas considerações, temas como a marginalidade, a violência, a desagregação do ser humano, a cidadania, deveriam ser objeto das preocupações do psicanalista que, a partir do instrumental que já possui, poderá repensá-lo. O que o trabalho em nível comunitário pode testemunhar é de que o impasse entre os caminhos que percorrem os planos individual ou social não são contraditórios, cada um desses níveis abre caminho para o outro nível, reciprocamente. É preciso que se reconheça na escuta do indivíduo o envolvimento da dimensão social. Por exemplo, quando um menino de instituição, como a Febem, descreve sua participação numa situação de agressão (é assim que a equipe percebe) - isso poderia ser apreendido, dentro de uma perspectiva psicanalítica estrita, ignorando-se toda a dimensão de alteridade que estrutura o sujeito. O analista para isso deveria formar-se nessa direção que resgata a dimensão social e histórica do psiquismo. Outra ênfase cabe ao psicanalista como ser humano, desmistificando o protótipo do analista-tela, mas se colocando como um ser humano capaz de utilizar seus recursos pessoais, a bagagem de seu senso comum. Quando um paciente com Aids rejeita a medicação, não se trata necessariamente de rebeldia (nem de resistência!), é preciso escutá-lo. Ao lado disso, através dos modelos que conhecemos bem, assim como o que se passa dentro de uma família, ou seu substituto, ou sua caricatura, há verdadeiros impasses com que nos defrontamos. Uma dessas situações que vejo nesse momento como um verdadeiro desafio colocou-se a partir de meu contato com o coordenador do projeto Axé preocupado com os meninos que saem do atendimento pelo Projeto. A experiência de reconduzi-los ou ocupar-se da famí- 236 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicanálise e cidadania lia própria ou substituta fracassa - seja por que eles irão encontrar condições de muita violência ou regras das quais já se afastaram. "Será que caberia buscar uma solução pela Internet?"- ironizava ele. Como criar uma situação equivalente quando essa estrutura não existe concretamente? Chamo de familiagem uma função correspondente àquela que uma família desempenha inerentemente. A possibilidade de desenvolver um modelo que exerça essa função deveria atender as condições básicas para o desenvolvimento do ser humano. O psicanalista tem um acervo que o capacitaria a fornecer elementos para essa reflexão. Essa é uma questão que proponho para meus colegas: será que há e se há como conseguir uma "solução" para aqueles que por variadas razões da sociedade e da contemporaneidade são privados temporária ou permanentemente dessa "família": crianças de populações deslocadas, vítimas da violência, crianças de mães "solteiras", bebês de proveta e outras situações extremas? Pensar em soluções em vigor como institucionalização podem ser melhoradas com uma atenção e compreensão maior das necessidades e possibilidades dessas crianças: garantir a maternagem com a continuidade da equipe e capacitação da mesma e estabelecer limites necessários, para a integração e o desenvolvimento da auto-estima, da cidadania e aquisição de valores. Uma solução que contemple essas possibilidades e possibilite um modelo de inspiração utilizando as "ferramentas" essenciais dos atendidos e dos psicanalistas seria uma grande contribuição para os que se vêem diante de questões de criar um mundo melhor. Sandra: Se o que é próprio do diálogo analítico é essa insistência de um questionamento1 - o analista intervém -per via de levare -, esse esforço de conduzir a fala a superar suas resistências - em dizer - colocando-a a serviço de uma desalienação do sujeito, o que nos apresenta Melanie atesta que essa eficácia da escuta não é exclusiva da condição que se preserva entre as paredes de nossos consultórios. Convidada a intervir num workshop, oferece ao grupo a sua escuta. Tratava-se de um grupo de dirigentes de entidades beneficentes que tinham como objetivo produzir uma cartilha para os menos experientes. O que apreende a escuta da analista, reunindo os sentidos marginais, que se enunciam nesse propósito dirigido aos iniciantes pelos mais experimentados de que lessem segundo uma mesma cartilha? A atenção da analista atém-se nesse ponto onde não lhe escaparão sentidos implícitos ao discurso manifesto do grupo em que procuram a solução nessa cartilha unificadora. Ler por uma mesma cartilha poderia ser, não apenas 1. A expressão é de Pierre Fedida. Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 237 Sandra Lorenzorr Schaffa e Melanie Farkas oferecer um método de alfabetização/ instrução, mas também, a imposição do compromisso com essa convicção unificadora, de soletrar uma definição identitária (tal o sentido dominante da palavra "beneficente" no discurso grupai) segundo o padrão de um desapego próprio da caridade - no qual a satisfação pessoal tinha de ser excluída. O padrão relacionai da caridade, restritivo, impunha contradições mutiladoras às partes relacionadas. O diálogo que se estabelece junto da analista permitirá abertura do horizonte das identificações grupais favorecendo a reintegração de aspectos excluídos (no caso, a satisfação pessoal e suas vicissitudes). As observações de Melanie desenvolvem-se a partir da distinção entre relação de caridade e relação de cidadania referidas a ordens distintas. Esta será a linha principal destas considerações. É possível considerar uma continuidade metodológica entre a psicanálise clínica e a modalidade de intervenção descrita por Melanie. A consideração pela escuta das condições subjacentes e organizadoras do discurso manifesto é capaz de produzir efeitos terapêuticos mesmo sem se tratar de algum tipo de psicoterapia de grupo. A permanência temporal que serve ao tempo elaborativo individual, necessário no enquadre clássico, dá lugar a um processo multiplicador que transcende o plano da subjetividade individual, efetuando-se no nível comunitário. Ressalta da experiência do psicanalista que deixa seu diva a importância de uma problematização das condições de especificidade da ação analítica que nos parece servir não apenas a uma ampliação do horizonte técnico, mas de um aprofundamento teórico2. Um eixo teórico que se fortalece particularmente no seio dessas considerações é o de uma concepção da psique indissociavelmente individual e social, fiel à herança freudiana . Fidelidade que não se teria rigorosamente mantido com o desenrolar do movimento psicanalítico, tal como apontou A. Green3. O exemplo evocado por Melanie do menino da Febem serve à sensibilização contra o risco de aprisionamento da escuta a um plano imaginário, compreendida numa órbita exclusiva dos processos projetivos - e introjetivos, sem referência à dimensão de alteridade como constitutiva do sujeito. Somos confrontados com a necessidade de problematizar as concepções sobre a transferência que sustentam as nossas intervenções. Melanie ao relatar-nos sua experiência mostra-nos que o analista leva consigo para situações bastante diversas daquelas que procedem do enquadre clínico uma escuta que conserva a sua natureza essencial derivada do aparelho metodológico e operatório do tratamento. Convida-nos, ainda, a ultrapassar esse plano de considerações, propondo uma reflexão que não diga respeito exclusivamente à essa dimensão crucial da nossa prática, a escuta, mas ao dizer. O que nos 2. "Psicanálise sem diva", vol. 30, 1977, nº.55/56 do Jornal de Psicanálise, focalizou criticamente essa problemática. 3. Causalité psychique. Entre nature et culture. 238 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicanálise e cidadania caberia dizer diante das situações graves que marcam brutalmente o nosso cotidiano, pergunta. Qual o alcance concreto daquilo que descobriu a psicanálise, daquilo que elaborou em termos abstratos, para que o psicanalista se possa pronunciar diante do problema da marginalidade, da desagregação do ser humano, da cidadania? O Folhetim de 11 de setembro de 1983 publica "Pacto edípico, pacto social. Da gramática do desejo à sem-vergonhice brasílica" onde um psicanalista conjuga a gramática da psicanálise tomando de nosso acervo teórico elementos fundamentais como "chave psicanalítica para compreensão do surto crescente de violência e delinqüência que dilacera o tecido social brasileiro nas grandes cidades". Hélio Pellegrino explicita os fundamentos teóricos que permitiriam ao sujeito humano constituir-se psiquicamente a partir de um a pacto primordial capaz de sustentar o pacto edípico. "A ruptura com o pacto social, em virtude de sociopatia grave - como é o caso brasileiro -, pode implicar ruptura ao nível inconsciente com o pacto edípico. Não nos esqueçamos que o pai é o primeiro e fundamental representante junto a criança da lei da cultura. Se ocorre por retro-ação, uma tal ruptura, fica destruído no mundo interno, o significante paterno, o Nome-do-Pai e, em conseqüência o lugar da Lei. Um tal desastre psíquico vai implicar o rompimento da barreira que impedia em nome da lei - a emergência dos impulsos delinqüenciais pré-edípicos predatórios, parricidas, homicidas e incestuosos. Assistimos a uma verdadeira volta do recalcado". Mais!, 12 de dezembo de 1999, Contardo Calligaris escreve "Do homem cordial ao homem vulgar", retornando à questão aberta por Pellegrino, retomando o tema da "sem-vergonhice brasílica" (melhor, da obscenidade) a que aludia Pellegrino para focalizá-lo como mola principal do mal-estar (da enfermidade) que nos atinge hoje. A análise de Calligaris encontra no sentimento da vergonha o lastro último de nossa humanidade. O objeto da análise deste autor encontra-se num estado mais avançado de degradação do que o que se desvelara através da análise de Pellegrino ao investigar a constituição psíquica da nossa sociedade. Calligaris parte em sua investigação desse traço identificatório finamente apreendido por Sérgio Buarque, a cordialidade, como essa maneira de se relacionar em oposição às relações abstratas que a partir do século 18 caracterizariam o mundo moderno. "No Brasil, somos cordiais, lemos e praticamos os vínculos jurídicos como laços afetivos", resume. O Brasil não se inclui no caso das sociedades onde a ostentação, típica da sociedade regulada por uma economia moderna, pode ser organizadora de uma alta mobilidade social enquanto fator produtivo de competição entre as elites modernas desenrolandose acidentalmente "sob os olhos de um povo miserável, arcaico, excluído do torneio". O que não escapa à visada psicanalítica de Calligaris é essa ausência de embaraço que acompanha o gozo de nossas elites a dirigir sua ostentação a quem não possui nenhu- Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 239 Sandra Lorenzon Schaffa e Melanie Farkas ma condição de competir. Vê aí a degradação da cordialidade, que outrora tivera seu charme, a descambar hoje num gozo em consternar. A realidade psicopatológica que se constrói nesse regime excessivo de violência, em que se degenera o tecido social, complementa-se nessa outra modalidade de gozo, que lhe é recíproco, o gozo em violentar corpos que se efetua através da crescente criminalidade brasileira. O que se desvela nessa análise é a dimensão de arcaísmo dessa parceria onde elite e marginalidade protagonizam a concretização da ruptura do pacto social. A familiaridade, que no homem cordial substituía compromissos fundados em sistemas abstratos por compromissos afetivos, oculta (mal) hoje uma divisão inconciliável. A escrita analítica quando emerge significativamente desse emaranhado vivo, mar de angústias na expressão de Melanie, do mundo em que vivemos e se tece com a força de uma interpretação que, dando voz ao nosso emudecimento cotidiano, realiza um trabalho que não é, aliás, exclusivo do psicanalista, pertence de direito aos artistas, aos escritores, aqueles que, renunciando ao sentido restritivo da própria subjetividade enunciam a verdade do mundo que habitam. Uma aranha faz-se teia, como figurou F. Herrmann, ao analisar agudamente esse processo.4 Aranha e teia, na imagem forte de Herrmann, traduzem essa ligação do sujeito à trama do mundo. Alcançar uma interpretação - artística, literária, ou psicanalítica (como a que realizou Freud) da condição de ser no mundo não é algo que se possa dar a partir de uma posição de exterioridade do sujeito do conhecimento diante do mundo, mas a partir do reconhecimento a que o indivíduo pode aceder - a partir das entranhas de sua humanidade - dessa sua outra face que se lhe apresenta externamente - o mundo em que vive. Na expressão de Herrmann, "O sujeito humano, indivíduo e sociedade, está impregnado até a medula desse real psíquico originário, e só mercê de sua capacidade de representá-lo consegue manter sua diferenciação".5 A intervenção analítica - seja ela dentro ou fora dos muros - norteia-se por essa consideração de uma mesma origem individual e social da psique. A capacitação de que se beneficia o paciente ou a comunidade a partir do que podemos chamar genericamente de um efeito analítico é da ordem da representação: ganho psíquico de maior mobilidade em representar a sua participação no mundo. A expressão freudiana de Kulturarbeit traduz o movimento das transformações psíquicas impostas à história da humanidade e a história singular de cada um pelo fato das dependências constitutivas mútuas - divergentes e convergentes, solidárias e incompatíveis - entre o indivíduo e a espécie afiançando o narcisismo individual, numa função de identificação originária que antecede a 4. "O Homem Psicanalítico. Identidade e Crença". Rev. br de psicanál. 1983. 5. Para um aprofundamento dessa perspectiva, ver Psicanálise do Cotidiano, Artes Médicas, 1997. 240 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicanálise e cidadania experiência objetai.6 É esse processo psíquico que começa na aurora da vida psíquica da humanidade e de cada indivíduo tecendo entre o único e o impessoal a caução narcísica mínima de nossa condição humana. A atividade inconsciente repousa sobre essa certeza mínima de uma referência certa ao semelhante. A noção freudiana de desamparo, Hilflosigkeit, poderia ser um ponto de partida para discutir a noção de familiagem proposta por Melanie. O estatuto metapsicológico dessa noção em Freud permite fazê-la percorrer os diferentes níveis dos problemas sobre os quais nos interpela o relato de Melanie: o desamparo como fato socialmente dado, o desamparo do menor abandonado pela família e pela sociedade, assim como aquele que corresponde estruturalmente ao estágio inicial do ser humano, fundamento a partir do qual se edificará o desenvolvimento ulterior de sua estrutura subjetiva. No artigo de 1938 sobre a família, Lacan considera esse estado de deficiência inicial da criança como o de uma dependência crucial na relação da criança com seus pais, inscrevendo no seio familiar o processo de humanização. Essa miséria fisiológica, com a dramática condição de dependência que implica, importa não tanto como realidade psicológica, mas como significante que se inscreve na história dos eventos psíquicos do sujeito. A psicanálise coloca-nos diante dessa questão de que a consistência do eu forma-se a partir dessa relação de total dependência primordial. O desamparo humano não se refere às forças da natureza mas do desejo do outro de quem ela precisa ser preservada é no drama do desejo do sujeito subordinado ao desejo do outro, propõe Lacan - que se constitui uma estrutura essencial, não apenas da neurose, mas de toda estrutura analíticamente definida. O desamparo é uma condição estrutural em face da qual o indivíduo deve se situar. Este face a face com o desamparo, em relação ao qual o sujeito teria de se situar, constitui, para esse autor, o ponto crucial do tratamento analítico. A psicanálise contribui à consideração dos problemas referentes à saúde mental através da descoberta da importância das relações objetais na sustentação da integridade narcísica do indivíduo, de sua coesão mental a partir de um assentimento dado a criança pela função materna, como um fato de estrutura. O interesse precoce pela presença humana - como indica a reação precoce de interesse que manifesta o recém nascido pelo rosto humano, assim como o valor que toma a máscara humana nos conteúdos das psicoses -, evidencia um papel de traumatismo causai associado a substituições da presença, como mostra Lacan. É, contudo, num nível anterior ao da relação de objeto, no nível de um assentimento simbólico (poderíamos designá-lo como função paterna para alcançar, 6. "A referencia inconsciente de que cada vida representa de modo impessoal a vida humana, a condição humana, em seu conjunto uma referência de inclusão indestrutível do indivíduo no devir humano". "Faire une analyse et guérir: de quoi?", Topique, 1993, Nathalie Zaltzman" desenvolve magistralmente essa questão. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 241 Sandra Lorenzon Schaffa e Melanie Farkas assim, a idéia de familiagem proposta por Melanie) que se funda essa certeza inconsciente de que o homem existe para seu semelhante. As perguntas finais de Melanie e as condições analisadas por Pellegrino e Calligaris referem-se a um estado onde o outro passa a ser isso que não tem importância e que poderia ser deixado a mercê de uma indiferença mortífera. O vínculo constitutivo da humanidade do homem, no fundamento de todo desenvolvimento psíquico, encontra seu último avatar nessa condição de degeneração que se faz sinalizar pelo sentimento de vergonha como atestaram Pellegrino e Calligaris. A vergonha seria a "dor da destruição da figura humana, esse escárnio das referências narcísicas, esse estatuto de matéria impunemente degradável designado ao humano", propõe Nathalie Zalzman em "Perdre Ia face"7. A vergonha envergonha-se da constatação desse modo de ferocidade indiferente que marca a história de cada um. A vergonha designa a dor de cada um quando perde o seu rosto já que o conjunto humano perdeu seu rosto humanizador. A vergonha, em nosso caso, talvez contenha a esperança de não sermos incuráveis - atesta que conservamos em germe o móbil da desalienação - mesmo que tenhamos ultrapassado de modo alarmante a condição de mal estar denunciada por Freud. Abordar de um ponto de vista psicanalítico a questão da cidadania obriga-nos a considerar esse pertencer à espécie humana num nível primordial que foi designado por Freud, em 1923, como "a primeira e a mais importante identificação efetuada pelo indivíduo: aquela com o pai de sua pré-história pessoal. Essa identificação, originária, não é, portanto, conseqüente a concentração sobre um objeto: ela é direta, imediata à concentração sobre qualquer objeto"8. Esse pensamento legado por Freud de que a história individual vincula-se intrinsecamente à história da humanidade - a realidade psíquica, tal como a compreende psicanálise inscreve-se dentro da realidade humana leva-nos a considerar a questão da cidadania como intrínseca à própria lógica psicanalítica. © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL 7. In "De Ia guéríson analytique", PUF, 1998. 8. "O Ego e o Id", 1923. 242 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Perspectiva psicoanalítica de la transmisión cultural (Más allá de la ley del padre) Juan Vives Rocabert*, México, MÉXICO Resumen Tradicionalmente el pensamiento psicoanalítico ha hecho derivar la transmisión de los elementos culturales casi exclusivamente alrededor de la figura del padre. A partir de Tótem y tabú (1912-13), Freud establece la hipótesis de una transmisión filogenética de elementos culturales que sirven de base de sustentación a las diversas formas de sociedad y de religiones. El posterior concepto estructural de Superyó, heredero del complejo de Edipo, vendrá a ser la internalización de la ley del padre, piedra basal en la transmisión de las pautas normativas. En virtud de que el deseo es indestructible, la necesidad de que los individuos incorporen una prohibición formal del incesto es el origen de ese tabú universal. A partir de estas formulaciones iniciales, Freud llega al concepto de "fantasías primordiales" cuya transmisión es hereditaria, incluyendo su contenido ideacional. Esta "ficción" filogenética de Freud y su discusión interminable ha provocado que permanezca en un segundo plano el problema mismo de la transmisión. En este trabajo se postula la existencia de más de un mecanismo de transmisión de los valores y normas culturales. En primer término, se establece la centralidad de la madre como la primera y muy importante transmisora de los valores culturales, importancia que deriva del hecho de que se trata de una modalidad preverbal, como la comunicación que luego ocurre en la transferencia durante el tratamiento psicoanalítico: lo que Freud calificaba de comunicación de inconsciente a inconsciente. En ella, si bien es cierto que el padre está presente a través de la figura materna, la forma de transmisión es distinta de la que luego transmite el padre desde un pensamiento simbólico sustentado en la palabra. * Membro Efetivo da Sociedad Psicoanalítica Mexicana. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 243 Juan Vives Rocabert Introducción El grupo familiar precede a la constitución del sujeto y es la célula social encargada de la transmisión de la cultura en la que está inmerso dentro de un espacio y un tiempo determinados. Lo que cada familia transmite a sus nuevos miembros son las pautas culturales vigentes en su particular grupo social - o pautas excéntricas al mismo - así como las formas de gratificar o reprimir las pulsiones, la modulación en la expresión de los afectos y las formas y oportunidades para su exteriorización, así como las prohibiciones formales. Hay que destacar el hecho de que, en términos generales, en nuestras sociedades latinoamericanas sigue siendo vigente el ordenamiento de tipo patriarcal (descrito por Max Weber) en el que sigue privando la desigualdad social y de género. El problema de la transmisión de la cultura en la obra de Freud1 siempre tropezó con su empeño de conceptualizarla como una forma de herencia que había incorporado elementos externos de la vida del hombre, repetidos durante multitud de generaciones, herencia que intentaba basar en un fundamento biológico: de ahí su adhesión a la teoría lamarkiana de la evolución que postulaba la transmisión genética de los caracteres adquiridos.2 A partir de estos conceptos, Freud también establece la hipótesis de una transmisión filogenética de elementos culturales que son la base de sustentación de las diversas formas de sociedad así como de los diversos tipos de religión en el mundo occidental. Más adelante, a partir de la teoría estructural desarrollada en El Yo y el Ello (1923), el concepto de Superyó, heredero del complejo de Edipo (así como el de Ideal del Yo, heredero del Edipo negativo y depositario del narcisismo), vendrán a ser, gracias al proceso de identificación, una forma de internalización de la ley del padre, piedra basal en la transmisión de las pautas normativas. En este sentido, no ha sido indiferente que Freud fuese judío ya que esta pertenencia ha marcado el desarrollo de algunas características del psicoanálisis. A pesar de que la pertenencia al grupo judío está fuertemente marcada por una transmisión matrilineal, se trata de una tradición cultural en la que el papel del hombre en general y la figura del padre en particular son de una relevancia primordial. Como ha puntualizado Blanck-Cereijido, "podemos suponer que el papel que Freud asigna a la figura paterna en la formación del sujeto y en el 1. Situación que podemos rastrear en los escritos freudianos desde la temprana época de la correspondencia con Fliess, donde en el Manuscrito N (del 31 de mayo de 1897), luego de haber relatado el sueño "Hella" en el que Freud aparece como el seductor de su hija Matilde, le explica a su amigo que el incesto deriva de la cohesión duradera que ocurre durante la infancia por lo que hay una tendencia a no relacionarse con extraños: "la cultura -escribe Freudconsiste en esa renuncia progresiva" (Freud, 1897, p. 270); en sus desarrollos intermedios, como es Tótem y tabú (1912-13); hasta sus últimas obras como El porvenir de una ilusión (1927), El malestar en la cultura (1930) y Moisés y la religión monoteísta: tres ensayos (1939). 2. Esta tesis es la base de sustentación de temas tan importantes como los abordados en Tótem y tabú (Freud, 1912-3), así como de su concepción de las fantasías primordiales, que pretendía tuviesen una base biológica heredita ria. 244 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Perspectiva psicoanalítica de la transmisión cultural (Más allá de la ley del padre) desarrollo de la civilización ha de estar fuertemente influido por el que desempeñó en su vida Jacob Freud, su propio padre" (Blanck-Cereijido, 1994, p.281). De hecho, el propio Freud es un buen ejemplo de la transmisión cultural de su grupo de procedencia, nacido dentro de una cultura judía librepensadora y un tanto alejada de los aspectos tradicionales del judaísmo ortodoxo, gracias a lo cual pudo ir más allá de las determinaciones sociales en las que había crecido y sido educado en forma semejante a como Nietzsche pudo también trascender las pautas culturales dentro de las que había sido educado. El problema de la transmisión de la cultura, tributario de esta "ficción" filogenética de Freud - a la que se aferró a lo largo de su vida pese a haber sido un pensador profundamente marcado por el darwinismo - y su discusión interminable ha provocado que permanezca en un segundo plano el problema mismo de la transmisión y sus mecanismos. Para Freud, la primera identificación es con la figura del padre, y la ley que de éste emana es el mecanismo central gracias al cual la cultura se transmite a través de la cadena de las generaciones. En este trabajo se postula la tesis alternativa de que existe más de un mecanismo de transmisión transgeneracional de los valores y normas culturales. En este sentido, estamos de acuerdo con Käes (1993a) quien ha puntualizado que la herencia social es impartida de diversas maneras, proponiendo una forma de acción a través del apuntalamiento, y otra gracias al mecanismo de identificación e incorporación - lo que, por cierto, ya había sido adelantado por el propio Freud. La hipótesis que sustento es que la madre es la primera transmisora de la cultura y la que más peso tiene en la transmisión de los usos y las costumbres así como de las reglas y normatividades que nos rigen a través de la regulación en la expresión pulsional de un bebé, de los derivados de pulsión - los afectos - y la comunicación de representaciones cosa, es decir, de fantasías inconscientes y conceptos-imagen. En esta forma la madre transmite su propio mundo inconsciente, su historia y las vicisitudes de su desarrollo libidinal, incluyendo la estructura edípica y las regulaciones (reales o fantaseadas) que determinan sus relaciones con el padre de su bebé. En virtud de lo anterior, la transmisión del inconsciente reprimido materno incluye todas las regulaciones culturales contenidas en él, mecanismo que asegura la perpetuación y transmisión de esa herencia social que es la cultura. El papel del padre, en un segundo tiempo, tiene la virtud de formalizar simbólicamente lo anteriormente comunicado por la madre que, de esta forma, es resignificado desde los parámetros de la ley paterna. Este trabajo elaborativo, desde la ley del padre, tiene que ver con la multicitada frase de Goethe: "lo que has heredado de tus padres, adquiérelo para poseerlo", tan gustosamente repetida por Freud. Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 245 Juan Vives Rocabert Al mismo tiempo enfatizaremos que los mecanismos de transmisión materna tienen que ver con modos sumamente arcaicos de funcionamiento psíquico, propios de la etapa diádica, en los que hay una "transfusión" - para usar el término propuesto por Rouchy (cit. por Käes, 1993b) - de contenidos mentales entre los dos protagonistas de la simbiosis, gracias a la preeminencia de mecanismos del tipo de la identificación introyectiva e identificación proyectiva, que es una forma de hacer referencia a lo que se juega en una fase en la que hay una comunicación afectiva y de conceptos-imagen (Cabrera, 1999). Por el contrario, la transmisión de la ley del padre transita, íntegramente, por los mecanismos de lo simbólico - inseparables de la representación palabra y del pensamiento abstracto. Como podemos ver, la identificación con el padre es una modalidad ulterior de este mecanismo, aquella que hace posible la versión casi definitiva del Superyó como heredero del Edipo positivo. La cultura En este momento, debemos hacer referencia a lo que entendemos por cultura. Recordemos, aunque sea brevemente que la cultura puede ser definida, justamente, como una forma de herencia social, es decir, como la transmisión de sus normas y reglas de funcionamiento. Para Freud, "el término 'cultura' designa la suma de las producciones e instituciones que distancian nuestra vida de la de nuestros antecesores animales y que sirven a dos fines: proteger al hombre contra la Naturaleza y regular las relaciones de los hombres entre sí" (Freud, 1930, p.3033). Este último punto se conquista cuando se logra sustituir el poder individual por el de la comunidad, lo que para Freud constituye el paso cultural decisivo para la instauración del concepto de justicia. En otros términos, la cultura está sustentada sobre la renuncia de las satisfacciones pulsionales, en la insatisfacción de estas fuerzas que constituyen el elemento energético del psiquismo humano, tema al que Kolteniuk le ha dedicado un detenido y profundo estudio desde la perspectiva del análisis filosófico (1986). Por su parte, Ralph Linton ha dejado asentado: "En los mamíferos la conducta total del individuo está integrada por tres elementos, a saber: la conducta instintiva, la conducta resultante de la experiencia individual, y la conducta aprendida de otros individuos" (Linton, 1936, p.87)3. Este último punto, enfatizado especialmente por Freud como "edu3. Esta capacidad para transmitir de una generación a la otra la conducta aprendida es lo que dio a los mamíferos una definitiva ventaja en la lucha por la sobrevivencia, ya que les permitió desarrollar y transmitir una serie de patrones de conducta que, basados en los instintos, eran susceptibles de una modificación mucho más rápida. El conducto primordial para la transmisión de estas pautas es de padres a hijos y, en los humanos, gracias al empleo del lenguaje, promueve un enriquecimiento progresivo de las nuevas generaciones. Son estos elementos culturales los que se transmiten en los seres humanos gracias a la larga etapa de indefensión con la que nace el homo sapiens. Lo que pierde en desvalimiento original lo gana en herencia cultural transmitida a través de la familia - primero por vía de la madre y luego del padre y otros miembros significativos de la estructura familiar. Esta característica hace que Linton hable de 246 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Perspectiva psicoanalítica de la transmisión cultural (Más allá de la ley del padre) cación pulsional", es el que define la transmisión de la experiencia y las leyes con las que dicho grupo social se rige. Independientemente de cuál haya sido el origen de un grupo social, todos comparten ciertos rasgos comunes: el primero tiene que ver con el hecho de que no es el individuo sino la sociedad la que constituye la unidad más importante en la lucha por la existencia; el segundo, es que las sociedades tienen una duración mucho mayor de la de los individuos que las componen; en tercer término, las sociedades son unidades que funcionan como conjuntos cuyos intereses son más importantes que los de los sujetos que las componen; finalmente, toda sociedad funciona gracias a una división de actividades que se reparten entre sus miembros, de ahí la necesidad de patrones y códigos culturales comunes a todos ellos (Linton, 1945). Los contenidos culturales pueden distinguirse en cuatro categorías: en primer término, están los llamados factores universales, conformados por las ideas, hábitos y reacciones emocionales condicionadas que son comunes a todos los miembros adultos normales de una sociedad dada; en segundo lugar, las denominadas especialidades, que son aquellos elementos culturales que comparten individuos pertenecientes a ciertas categorías sociales, pero no por la totalidad de la población (las normatividades en relación al género pertenecen a esta categoría4); en tercer término, las características alternativas, que sólo comparten cierto número de individuos de la sociedad, y que representan diferentes reacciones frente a las mismas situaciones o diferentes técnicas para alcanzar los mismos fines; y, finalmente, las llamadas peculiaridades individuales, aunque su singularidad hace que Linton (1936) no las considere como clasificables dentro de los elementos culturales - pese a lo cual, como podemos ver ya en el terreno de la psicopatología, son transmisibles de una generación a otra, tal como Freud lo estableció en La herencia y la etiología de las neurosis (1896a) y en La etiología de la histeria (1896b), cuando argumentaba en contra de la teoría de la degeneración hereditaria.5 que es "la sociedad, más que el individuo, la que se ha convertido en la unidad primaria en la lucha por la existencia. Los hombres se enfrentan a la naturaleza no como unidades independientes, sino como miembros de grupos organizados en forma cooperativa" (Linton, 1936, p. 97). Este tipo de herencia social -la cultura- contribuye "a facilitar el trato social, pero impone al individuo una pesada carga, tanto por el trabajo de aprendizaje que suponen como por la constante atención que exigen y la frecuente frustración que producen de las inclinaciones personales" (Op.cit., p.100). Para este autor, los elementos culturales muestran una tendencia hacia una complejización innecesaria, como es el caso de las religiones. 4. Los sistemas sexo/género se definen como "los conjuntos de prácticas, símbolos, representaciones, normas y valores sociales que las sociedades elaboran a partir de la diferencia sexual anatomo-fisiológica y que dan sentido a la satisfacción de los impulsos sexuales, a la reproducción de la especie humana y en general al relacionamiento entre las personas" (De Barbieri, 1992, p.151). El estudio de estos sistemas es una forma de dar cuenta de la subordinación femenina y dominación masculina. 5. Sabemos que son las necesidades del individuo las que ofrecen "los estímulos que regulan su conducta, y a través de ésta, son la causa del funcionamiento tanto de la sociedad como de la cultura" (Linton, 1945, p. 21). Más allá de las necesidades fisiológicas como alimentarse, dormir, la satisfacción sexual y el evitar el dolor, en el hombre encontramos una serie de necesidades psicológicas. Para Linton la más notable de ellas es la necesidad de respuesta emotiva de los demás, el deseo de aprobación del grupo en el que vive. En segundo término, está la necesidad de seguridad de largo plazo; finalmente, la necesidad de experimentar cosas nuevas. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 247 Juan Vives Rocabert Por su parte, Paul Ricoeur nos ha enseñado que la relación con el otro no se da simplemente "como un objeto psicofísico, situado en la naturaleza; es también un sujeto de experiencia con el mismo título que yo (...) sobre la base de esta intersubjetividad se constituyen una naturaleza y un mundo cultural comunes" (Ricoeur, 1974, p.46). Pero este otro capaz de transmitir y de ser receptor de elementos culturales no está supeditado al uso exclusivo del lenguaje hablado. De hecho, este autor distingue, en la comunicación dialogal entre relaciones intersubjetivas cortas y largas, y distingue a estas últimas como sostenidas por "una transmisión, una tradición histórica, de la que el diálogo constituye sólo un segmento" (Op.cit., p.31). Transmisión materna Como podemos ver, el lenguaje está reputado (y con cierta razón) como la vía regia para la transmisión de los valores culturales. Sin embargo, creo que es importante dejar establecido que estos valores incorporados en el aparato psíquico van a caer sobre un sustrato previo, de tipo preverbal, derivado de la relación con la madre. El problema de la transmisión está íntimamente relacionado con el primer objeto de identificación. Freud menciona, sin mayor explicación, que se trata del padre; sin embargo, esta afirmación es altamente cuestionable y sólo puede sustentarse en la negación de la relación diádica. No se puede llevar lo falocéntrico hasta tan lejos. Es obvio que el primerísimo objeto con el que se relaciona el bebé es su madre, la que constituye también su primer objeto de identificación. Es con ella con quién el bebé tiene las primeras interacciones. El objeto externo madre es el que interactúa con el mundo pulsional del bebé dando como resultado la estructuración del psiquismo de este último; pero, además, es la primera interacción que sirve de pauta para modular las reacciones emocionales. Si bien es cierto que la pulsión es el motor del aparato psíquico, la que aporta el elemento energético del mismo, también tenemos que asumir que el objeto externo madre es con quien aprende el bebé a modular, tamizar y darle variedad y riqueza a una serie de afectos derivados de dichas mociones pulsionales. André Green (1995) es uno de los que más ha insistido en la dialéctica existente entre la pulsión y el objeto; de hecho, nos habla de una función objetalizante de la pulsión. Ya en otros lugares (Vives, 1988,1997,1998) he mostrado como la madre es el primer objeto de relación del bebé, pero al mismo tiempo el primer objeto de identificación - tanto para los hombres como para las mujeres. Como Freud dejó anotado, la identificación es, al mismo tiempo, la primera forma de relación con el otro (Freud, 1921). Lo importante es que la relación diádica es una primera 248 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Perspectiva psicoanalítica de la transmisión cultural (Más allá de la ley del padre) forma de relación intensamente intersubjetiva - en el sentido de Berenstein (1991) mucho tiempo antes de que pueda ser una relación interpersonal. Esto quiere decir que existe una constante y profusa comunicación entre la madre y su bebé, pese al hecho de que se trata, en sus inicios, de una comunicación preverbal. El hecho de que la fase oral coloree buena parte de la relación diádica, explica la modalidad con que se llevan a cabo los procesos de incorporación psíquica - que es la forma más primitiva de relación con el otro. Es importante establecer esta peculiar modalidad de transmisión cuando estamos hablando de la fase simbiótica, en términos de M. Mahler (1968), ya que nos ayuda a entender que este tipo de proceso está facilitado en virtud de la indistinción entre el adentro y el afuera; de ahí la importancia de los mecanismos de identificación proyectiva e identificación introyectiva antes mencionados. De hecho, madre y bebé funcionan a la manera de vasos comunicantes, donde el contenido mental de uno puede ser "trasvasado" al otro en función de la simbiosis psicológica en la que están inmersos y los mecanismos que en ella operan. De ahí que los contenidos de la madre pasen al psiquismo de su bebé sin mediar la palabra, desde una comunicación que va desde un inconsciente al otro, comunicación particularmente efectiva si tenemos en cuenta que está vehiculizada básicamente por los componentes afectivos, emocionales, que circulan durante esta relación diádica. Aunque la madre le habla todo el tiempo a su bebé, lo que le transmite circula por los elementos emocionales que tienen que ver con la música de su voz, mucho antes de que la palabra comience a tener un significado en cuanto tal. Lo que la madre transmite son afectos, es decir, derivados de pulsión. Si tenemos en cuenta de que la pulsión es lo heredado y se caracteriza por un fluir constante, mientras que los afectos son lo aprendido desde la intersubjetividad con la madre que es con la que el bebé empieza a modular sus pulsiones, entendemos que este tipo de interacción diádica es lo que se registra como modelos de funcionamiento mental. Hora bien, en este tipo de transmisión el bebé no es un receptor meramente pasivo de lo transmitido, sino que es capaz de regularlo desde su incipiente psiquismo, de esta manera tamiza la transmisión de formas de relaciones objétales, de identificaciones o de escenas fantasmáticas (Käes, 1993b). Freud, en Tótem y tabú (1912-13) puntualiza que las prohibiciones del tabú son indispensables en virtud de que "ciertas personas y ciertas cosas poseen una fuerza peligrosa que se transmite por contacto, como un contagio"; en otras palabras, podemos inferir que el tabú es como un preventivo de lo que la madre, por medios preverbales y a través del contacto corporal, transmite: el erotismo, la sexualidad y la seducción, por lo que es la que introduce el tema del deseo incestuoso que, simultáneamente, es prohibido por ella misma. Doble mensaje fundante del conflicto interno constitutivo del psiquismo en formación y primer Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 249 Juan Vives Rocabert tiempo de un Edipo aún por venir - anuncio de un Edipo en el porvenir. Se trata de mecanismos de transmisión propios del proceso primario, es decir, del inconsciente materno al inconsciente del bebé; de ahí que el mismo Freud establezca las equivalencias ente transmisión, desplazamiento y contagiosidad. El deseo incestuoso, por obra de ese tabú inicial que se transmite junto con el erotismo, tendrá que ser constantemente desplazado hacia otras representaciones secundarias, subsidiarias. El objeto del deseo se pierde, pero se conserva lo transmitido: el deseo incestuoso y la prohibición del mismo. En forma semejante, los impulsos agresivos son tamizados en la relación con la madre: es la primera moduladora de su expresión o bloqueo. Es la madre la primera transmisora de las normas que regulan la agresión con el otro: cuando prohíbe a su bebé morder el pezón, está estableciendo la base de una norma fundamental para la convivencia social. De ahí en adelante, los seres humanos sabemos establecer pactos de no agresión con los demás en beneficio de la formación de grupos sociales. Como Freud lo señaló en su oportunidad, las fuerzas que cohesionan a los grupos son un sentimiento fraterno de igualdad ante el afecto del padre y un pacto de no agresión entre los hermanos (Freud, 1921). Cuando la madre prohíbe la agresión oral a su bebé, ¿desde dónde impone esta norma de relación con el otro - en este caso, con ella misma? Aquí la madre actúa desde enseñanzas transmitidas transgeneracionalmente por la cadena de los ancestros, enseñanza que permanece depositada en su inconsciente. Lo cuestionable es la afirmación reduccionista que advierte que es sólo la ley del padre lo que habla desde el inconsciente materno ya que, de hecho, lo que se transmite tiene que ver con su inconsciente ancestral gracias al cual transfunde a su bebé la historia toda de la humanidad. Este es el sentido de lo que Freud trataba de decir con su "ficción" lamarckiana: la existencia de una transmisión psíquica de la cultura desde los estratos más profundos y reprimidos del inconsciente. Freud, en su afán de inscribir al psicoanálisis dentro de las ciencias de la naturaleza, imaginó una forma genética, biológica, de transmisión: de ahí su necesidad de recurrir a Lamarck - pese a su darwinismo. Como dice Käes, "Freud propone de este modo distinguir dos vías de la transmisión: una pasa por la cultura y por la tradición, y su soporte es el aparato cultural y social que asegura la continuidad de generación en generación; la otra está constituida por esa parte 'orgánica' de la vida psíquica de las generaciones ulteriores" (Käes, 1993b, pp.55-56); dicho en otros términos, la primera sería la típica transmisión por vía del padre, mientras que la segunda es la modalidad materna. "De este modo dice Käes - quedan precisadas dos cosas: la transmisión directa por la tradición no aporta una respuesta satisfactoria a la cuestión de la continuidad de la vida psíquica. Para llegar a ser eficaces, las disposiciones psíquicas heredadas deben ser estimuladas por ciertos sucesos de la vida indivi- 250 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Perspectiva psicoanalítica de la transmisión cultural (Más allá de la ley del padre) dual. Vemos aparecer aquí una idea moderna: la de la epigénesis, que propone que el recién nacido llega al mundo con funcionamientos y estructuras potenciales que la interacción intersubjetiva con el entorno actualiza" (Käes, 1993b, p.59). Se trata de que los valores transubjetivos se transmiten por vía intersubjetiva; de ahí se metabolizan y resignifican intrasubjetivamente, ya que la herencia no es un proceso pasivo: el sujeto debe hacerla suya, apropiársela. Por esto la herencia social y/o cultural no es una fatalidad: todo sujeto tiene que reinventarla una y otra vez, por lo que lo transmitido tiene el estatuto de algo viejo y nuevo al mismo tiempo. ¿Cómo se lleva a cabo la transmisión de inconsciente a inconsciente, de madre a bebé? Sabemos, desde Darwin, que los seres humanos poseemos de manera innata la capacidad para leer - correctamente - los mensajes emocionales emanados por el inconsciente del otro, lo que de alguna manera atenúa el problema de la indefensión originaria con la que nacemos. Cuando esto no ocurre así, cuando la madre no es capaz de entender los mensajes corporales y gestuales de su bebé, estamos ante una diada que posee altas potencialidades patogénicas, ya que ese bebé estará destinado a no ser capaz de modular sus afectos en la forma habitual dentro del grupo social en el que crece y en el que vivirá el resto de su vida. Hablar de transmisión es dar por sentado que existe una distinción entre el transmisor y el que recibe lo transmitido; en otras palabras, parecería necesitarse un sujeto de la transmisión claramente singularizado de su madre transmisora. Si bien esta característica es indispensable cuando hablamos de la transmisión simbólica, resulta sin embargo, irrelevante en la modalidad diádica de transmisión. En esta última, lo que distingue este tipo de transmisión preverbal es que podemos entenderla más en términos de "transfusión" de ciertos contenidos de la madre a su bebé, dado el sistema de "vasos comunicantes" existente entre el bebé y su madre. H.S. Sullivan (1946-47) hablaba de una "transmisión empática de la angustia" para explicar el proceso mediante el cual un estado emocional de la madre - en este caso, la angustia era transmitida a su bebé sin mediar ningún tipo de comunicación verbal. Por lo tanto hay una transmisión que podríamos llamar como diádica, ya que en ella intervienen primordialmente - y muchas veces de manera exclusiva - la madre y su bebé. El que esta comunicación sea de cuerpo a cuerpo y se transmita mediante un sistema de indistinción entre un inconsciente y el otro inconsciente es entendible en función de que se trata de una comunicación privativa de la etapa simbiótica donde no hay distinción entre la madre y su bebé, y por lo tanto los contenidos representacionales (de cosa) pasan directamente de un sujeto al otro. En este sentido, estamos de acuerdo con René Käes (1993a) cuando considera al sujeto del inconsciente como sujeto de la herencia. Para este Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 251 Juan Vives Rocabert autor, este tipo de comunicación lo lleva a suponer "que una parte de la función represora sobre ciertas modalidades de la transmisión psíquica, por ejemplo, según las modalidades fijadas por las alianzas, los pactos y contratos inconscientes" (p.16), es de donde derivan las características neuróticas, borderline o psicóticas de los sujetos, así como la formación del Superyó y del Ideal del Yo. Se trata de una auténtica comunicación intersubjetiva en el más estricto sentido del término, ya que es de una subjetividad a otra. En esta fase, la transmisión no pasa por la mediación de la comprensión de la palabra materna y de ahí su importancia en la constitución de las primeras representaciones psíquicas. Como se mencionó son representaciones de cosa pertenecientes al sistema del inconsciente que la madre transmite a su bebé. Aunque es la madre la que enseña el lenguaje a sus hijos (por eso se habla de lengua materna), este primer tipo de intercambios están sustentados en el intercambio emocional. Un aspecto distinto es tratar de determinar lo que el bebé transmite a su madre, ya que los vasos comunicantes simbióticos son caminos muy primitivos de dos vías: de la madre al bebé, pero también del bebé a su madre. Gracias a la regresión y a la parte que se identifica con su bebé, la madre "suficientemente buena" es capaz de "entender" los estados afectivos de su bebé. Por eso hemos insistido en que una parte fundamental de este tipo de comunicación mutua tiene que ver con la expresión de los afectos. Sabemos que los afectos son derivados pulsionales que pasan a la conciencia sin que sea necesario que se les adicione ninguna representación de palabra: su paso es directo. De ahí su característica de innombrables. Se trata del lenguaje privativo del inconsciente en el sentido que le daba Freud cuando comentaba el lenguaje primordial de Schreber, que tiene que ver con el lenguaje del proceso primario; de ahí que este sea también el lenguaje de los sueños. Este lenguaje olvidado - por reprimido - es el del mundo relacional con la madre durante las primeras etapas simbióticas, lenguaje de los afectos primarios - antes de que el bebé haya aprendido a modularlos, ya que ésta es una función que se va adquiriendo en la primerísima relación con la madre. Este tipo de transmisión diádica queda profundamente reprimida por su cercana relación con una de las fantasías prototípicas de la fase en la que ocurre; me refiero a la fantasía de devorar y/o ser devorado, origen del canibalismo del hombre prehistórico (Ziaurriz de Jacoby, 1995). Freud dejó anotado en el capítulo VII de Psicología de las masas y análisis del Yo (1921), que la incorporación oral canibalista promueve la identificación primaria, pero lejos de que ésta sea con el padre, para nosotros es claro que se trata de un mecanismo, una identificación (y relación objetal) con la madre. De hecho, la succión del pecho materno puede ser vista como el prototipo fantasmático del canibalismo, ya que es un acto alimentario en el que el bebé ingiere (incorpora) y se construye gracias a la devoración de un producto - la leche que, en estricto sentido, es una parte del otro. 252 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Perspectiva psicoanalítica de la transmisión cultural (Más allá de la ley del padre) Este es el lenguaje primordial en el que transmiten los primeros valores de la cultura, entre otros las leyes que regulan las relaciones de género y las jerarquías de poder entre hombres y mujeres - primera marca de la diferencia de los sexos, mucho tiempo antes de que cualquier consideración relativa a las dualidades activo/pasivo, fálico/castrado y masculino/femenino intervengan en el horizonte conceptual del niño o niña. También es en el que se regulan las primeras nociones de raza y de clase. Es la madre quien imparte la primerísima distinción entre las personas de la familia y los extraños; a partir de entonces, los extranjeros son vistos como potencialmente peligrosos. Se trata de mensajes transmitidos a través de modulaciones afectivas que dan forma y consistencia a viejos engramas heredados desde la filogenia y que sirven como mecanismos de gran poder adaptativo al servicio de la supervivencia y preservación de las especies. Estos códigos genéticos innatos son trabajados psíquicamente cuando entran en relación con los mensajes maternos preverbales gracias a los cuales adquieren singularidad, y son rectificados o ratificados ulteriormente en términos de lo simbólico. Esta es la fuente originaria de la dinámica del prejuicio que se gesta desde la primera relación, visceral, con la madre; de ahí que la palabra y la razón no puedan dar cuenta de su motivación. El lenguaje simbólico posterior solo ofrecerá una pálida aproximación que racionaliza siempre su contenido ideacional. Transmisión paterna En un segundo momento evolutivo interviene el padre, tanto como elemento partero que viene a posibilitar la separación del bebé y su madre, así como a establecer la triangulación estructurante de un psiquismo en el que ya interviene el espacio que organiza y el tiempo que permite la historización. El padre es quien aporta y sistematiza el elemento simbólico gracias al cual se instaura el proceso secundario que da acceso a las representaciones de palabra y por ende, al proceso del pensamiento abstracto. La etapa edípica y su función estructurante con el advenimiento del padre es la que da conformación definitiva al aparato psíquico, la que deja al Superyó y al Ideal del Yo como herederos del Edipo positivo y negativo respectivamente; por lo tanto, es la que viene a establecer de manera casi definitiva la internalización de las normas, reglamentaciones y leyes con las que el sujeto se regirá para el resto de su vida. Sin embargo, tenemos que asumir que se trata de un proceso de intensa resignificación de todo aquello que estaba incorporado desde la relación con la madre. Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 253 Juan Vives Rocabert Discusión Luego del camino recorrido podemos advertir que, desde los heroicos comienzos del psicoanálisis con un Freud aislado y luchando contra todas las resistencias que la sociedad de su tiempo oponía a sus descubrimientos, nuestra doctrina ha estado atravesada por el falocentrismo. El controvertido tema de la psicología de la mujer es sólo uno de los sitios donde esto puede verse con particular claridad, pero ni mucho menos el único. Tótem y tabú, Psicología de las masas y análisis del Yo, El malestar en la cultura, son obras ejemplares de este punto de vista. En ellas, la ley del padre ha venido a imponerse como un concepto que ha desplazado, desde Freud, nuestra comprensión del papel de la madre en la transmisión de la cultura y los valores con los que esta se rige. Melanie Klein, primero, y D. Winnicott, después, vinieron que revolucionar nuestros conocimientos con la aportación de conceptos como los de pecho bueno y malo, así como con hipótesis que nos ayudaron a comprender los pasos sucesivos en la estructuración del objeto interno, primero en forma disociada para luego integrarse en objetos totales. Hemos ido entendiendo que no existe el bebé aislado y que tiene que interactuar con una madre suficientemente buena - y su precursor inanimado: el objeto transicional - para que el aparato psíquico se desarrolle de manera más o menos armónica. No sólo estamos en presencia de factores estructurantes y por lo tanto plásticos, también estamos hablando de procesos ideacionales a través de los cuales dichas estructuras psíquicas se van formando y conformando. En esta forma, cuando M. Klein hablaba de los precursores del Superyó en las primerísimas relaciones del bebé con su madre, así como en su insistencia en los conceptos de Edipo temprano y de angustias de castración referidas a la madre cuya metáfora de la vagina dentada no necesita mayor elucidación, nos estaba mostrando pruebas evidentes de una transmisión materna de la cultura, originaria y fundante, incorporada por el bebé desde sus primeras interacciones con ella. Es cierta la afirmación de que la cultura la transmite el padre, siempre y cuando nos estemos refiriendo a sus aspectos formales y secundarizados, vehiculizados todos ellos por el lenguaje simbólico. No tomar en cuenta las primeras transmisiones madrebebé, diádicas, simbióticas; no tomar en cuenta todo aquello que se juega en la fase oral-canibalista y sus prototipos fisiológicos que en el tragar o escupir nos ofrecen las primeras nociones de los procesos psíquicos como los de introyección e incorporación, por un lado; así como los de proyección y externalización, por el otro, mecanismos que se esgrimen como prototipos de lo que luego se considera como bueno (en lo que se incorpora y guarda en el adentro) y como malo (en lo que se escupe y deposita en el afuera); no tener en cuenta 254 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Perspectiva psicoanalítica de la transmisión cultural (Más allá de la ley del padre) lo anterior, ¿no es una manera de reduccionismo falocentrista al servicio de la amnesia de la primera infancia? Bueno y malo, útil e inútil, alimenticio y dañino, ¿no son nociones valorativas que sólo se adquieren en la relación con la madre desde mucho antes de que el bebé entienda lo que ésta le dice verbalmente? La reglamentación de los esfínteres y el aprendizaje de las excreciones (lo que sale del cuerpo) desde un sistema valorativo que las califica de malas, malolientes, desagradables, innobles y repugnantes, ¿no ocurre dentro de la fase anal, es decir, en una fase diádica tardía? Lo anterior nos confronta con la existencia de más de un lenguaje en la comunicación humana. Lejos de existir sólo su modalidad verbal - en el lenguaje hablado - tenemos que incluir el lenguaje del cuerpo (tanto en su simbolismo específico, lo cual explica muchos de los fenómenos de la histeria conversiva, como en sus expresiones autóctonas, independientes de toda elaboración psíquica, como ocurre en los problemas psicosomáticos y en una cantidad nada despreciable de enfermedades orgánicas) y la expresión facial de las emociones (Darwin, 1872). Las modulaciones y el tono de la voz también son una forma de comunicación que puede estar o no sintonizada afectivamente con el contenido que la palabra transmite; así como vina serie de experiencias - lenguaje interaccional - que son las que van estructurando el mundo representacional en el psiquismo del bebé. Un ejemplo de lo anterior tiene que ver con la transmisión de las fantasías y de conceptos-imagen, como podemos ver en un recuerdo del propio Freud quien, siendo niño, quedó profundamente impactado ante la explicación ofrecida por su madre cuando, más allá de las palabras, le mostró convincentemente la verdad del viejo dicho de "polvo eres y en polvo te convertirás" al frotarse las manos ante el niño y mostrarle el barro del que el ser humano está construido. Se trata de una forma de aprendizaje emocional que dejó un profundo impacto en el niño - impresión imperecedera - cuya significación caló mucho más allá de lo dicho verbalmente por la madre. Lo transmitido fue, nada más y nada menos, la tesis sustentada en Más allá del principio de placer (Freud, 1920), donde finalmente pudo ponerle palabras a su vivencia de "polvo eres y a lo inorgánico regresarás". El término concepto-imagen va más allá de la conocida representación de cosa ya que hace referencia al mundo de la fantasía inconsciente y, luego, al de la ensoñación diurna. En otras palabras, no se trata sólo de una representación, con todo lo que esta tiene de rastro y de huella mnémica, sino de una dimensión emocional del pensamiento privativo del proceso primario, pensamiento visual por excelencia, en el que el deseo se expresa con generosidad. Por ello se trata de un pensamiento emocional que impacta y tiene su propia lógica - la del inconsciente. La fantasía inconsciente es el vehículo gracias al cual se transmiten de Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 255 Juan Vives Rocabert una generación a otra estos contenidos que simultáneamente son ideacionales y afectivos. Para terminar, deseo enfatizar la necesidad de tomar en cuenta el problema del tiempo en el aparato psíquico. Sabemos que el desarrollo no es lineal, que existen fases críticas en las que la evolución del crecimiento se da en forma acelerada y otras etapas de moratoria - como pensaba Freud que ocurre con la fase de latencia. Pero por encima de todo esto, está el problema de entender la acción constante de la resignificación: cualquier evento temprano puede ser significado o resignificado a posteriori y, de esta forma, adquirir un sentido y un peso del que carecía en el momento de su ocurrencia. De esta manera, las experiencias preverbales con la madre, la transmisión que esta hace de los elementos normativos de la cultura son resignificados en etapas posteriores. De hecho, parece que Freud sólo tuvo en cuenta lo resignificado desde el mundo simbólico en la transmisión de la cultura, sin advertir que en esta etapa el pensamiento y el lenguaje estaban al servicio de la elaboración de un mundo transmitido desde lo preverbal y diádico, es decir, el correspondiente a la relación con la madre. No quisiera concluir sin antes dejar asentado que existe una fase del desarrollo en la que dicho proceso de resignificación puede verse en toda la magnitud e importancia que tiene, es en la adolescencia. La adolescencia es la etapa del desarrollo en la que, en virtud de los vaivenes regresivo-progresivos que son prototípicos de esta etapa, el adolescente tiene la oportunidad de establecer sus propios principios éticos y culturales que serán el basamento primordial con el que se regirá en el resto de su vida. La adolescencia es la edad en la que se establecen los parámetros culturales más importantes en materia de normas sociales y morales; de las leyes de convivencia con el otro y consigo mismo; de los estándares ideológicos y político-económicos, así como los criterios estéticos; es la etapa en la que se establece una cosmovisión más o menos estable que le sitúa en el universo y es coherente con la vivencia interna de un sentido inmanente o, por el contrario, con una falta de sentido de la existencia, lo que arroja al sujeto a la búsqueda y decisión acerca del proyecto de vida que desea para sí mismo. O por el contrario, en otros casos, es también en la adolescencia cuando se decide la adopción de esa "complejización innecesaria" de la que hablaba Linton, al establecerse una visión del mundo regulada por una fuerza trascendente y la adopción de una religión como praxis cultural y como forma de pensamiento orientado hacia la comunicación con una divinidad. Bibliografía BERENSTEIN, I. (1991). Reconsideración del concepto de vínculo, Psicoanálisis (ApdeBA), XIII (2): 219-235. 256 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Perspectiva psicoanalítica de la transmisión cultural (Más allá de la ley del padre) BLANCK-CEREIJIDO, F. (1994). Freud, su padre y la Biblia, Cuadernos de Psicoanálisis, XVII (3-4): 281-298. BONDI, O. (1997). Vejez y transmisión. Reflexiones psicoanalíticas, Rev. de Psicoanálisis, LIV (3): 609-626. BREUER, J. y FREUD, S. (1893-5). Estudios sobre la histeria, en Freud, S.: Obras completas, trad. de Luis López-Ballesteros. Madrid: Biblioteca Nueva, 3a ed., Vol. I: 39-168. CABRERA, J. (1999). Cine:100 años de filosofía. Barcelona: Ed. Gedisa. DARWIN, C. (1872). La expresión de las emociones en los animales y en el hombre, trad. de T. R. Fernández. México: Alianza Editorial, 1988. DE BARBIERI, T. (1992). Sobre la categoría género. Una introducción teórica-metodológica, Rev. Internacional de Sociología, Segunda Época, VI (2-3): 147-178. FREUD, S. (1896a). La herencia y la etiología de las neurosis, en: Op.cit., Vol. I: 277-285. ______ (1896b). La etiología de la histeria, en: Op.cit., Vol. I: 299-316. ______ (1900). La interpretación de los sueños, en: Op.cit., Vol. I: 343-720. ______ (1905). Tres ensayos para una teoría sexual, en: Op.cit., Vol. II: 1169-1237. ______ (1912-3). Tótem y tabú, en: Op.cit., Vol. II: 1745-1850. ______ (1920). Más allá del principio del placer, Op.cit., Vol. III: 2507-2541. ______ (1921). Psicología de las masas y análisis del Yo, en: Op.cit., Vol. III: 2563-2610. ______ (1923). El Yo y el Ello, en: Op.cit., Vol. III: 2701-2728. ______ (1930). El malestar en la cultura, en: Op.cit., Vol. III: 3017-3067. GREEN, A. (1995). La metapsicología revisitada, trad. de Irene Ago. Buenos Aires: EUDEBA, 1996 KAES, R. (1993a). Introducción: el sujeto de la herencia, en KAES, R.; FAIMBERG, H.; ENRÍQUEZ, M. y BARANES, J.-J.: Trasmisión de la vida psíquica entre generaciones, trad. de Mirta Segoviano. Buenos Aires: Amorrortu ed., pp.13-29. ______ (1993b). Introducción al concepto de trasmisión psíquica en el pensamiento de Freud, en: Op.cit., pp. 31-74. KOLTENIUK, M. (1986). Cultura e individuo. México: Ed. Grijalbo. LINTON, R. (1936). Estudio del hombre, trad. de Daniel F. Rubín. México: Fondo de Cultura Económica. 8a ed., 1965. LINTON, R. (1945). Cultura y personalidad, trad. de Javier Romaero. México: Fondo de Cultura Económica, 5° ed., 1965. MAHLER, M.S. (1968). Simbiosis humana: las vicisitudes de la individuación. I. Psicosis infantil, trad. de Raquel Taylor y Ramón Parres. México: Ed. Joaquín Mortiz, 1972. RICOEUR, P. (1974). Fenomenología y hermenéutica, en Aranzueque, G. (ed.): Horizontes del relato, trad. de Gabriel Aranzueque. Madrid: Cuaderno Gris, 1997, pp.25-48. SULLIVAN, H.S. (1946-1947). Teoría interpersonal de la psiquiatría, trad. de Federico López Cruz. Buenos Aires: Ed. Psique, 1964. VIVES, J. (1988). Dora... la búsqueda de la identidad femenina, Cuadernos de psicoanálisis, XXI (1-2): 1-22. ______ (1997). Objetos de identificación, elección de objeto e identidad de género, Cuadernos de Psicoanálisis, XXX (1-2): 109-117. ______ (1998). Revisión contemporánea de las fases psicosexuales del desarrollo, Cuadernos de Psicoanálisis, XXXI (1-2): 13-22. ZIAURRIZ DE JACOBY, L. (1995). Contexto mítico fundacional de la cultura. Prohibiciones fundantes. El canibalismo, Rev. de Psicoanálisis, LII (4): 1201-1216. © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 257 VI Simpósio Internacional de Mitos A antropofagia - uma questão psicanalítica em aberto David Azoubel Neto*, Ribeirão Preto, BRASIL * Membro Associado do Grupo de Estudos de Psicanálise de Ribeirão Preto e Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 261 David Azoubel Neto Nos seus primeiros cem anos de existência a psicanálise, praticamente, ficou confinada entre quatro paredes. O desafio para o próximo século é muito claro: o que foi que os psicanalistas aprenderam durante esse confinamento e de que modo eles irão poder aplicar mais amplamente os conhecimentos adquiridos? O que se chama atualmente de "crise da psicanálise" tem a ver, direta e indiretamente, com uma demanda maior da sociedade em relação à psicanálise e aos psicanalistas. A questão é premente. Novas relações serão necessárias e é preciso encontrar, urgentemente, os caminhos para que possam ser processadas. As possibilidades e as frentes de trabalho são inúmeras e muitas delas já foram iniciadas, pelo menos, esboçadas. Penso que a parceria da psicanálise com a antropologia, particularmente em nosso país, é muito promissora. Possuímos um acervo indígena invejável, o que nos autoriza a falar de uma mitologia autenticamente brasileira. Um número cada vez maior de pesquisadores tem levantado os mitos e as lendas dos nossos índios, proporcionando-nos um rico material de estudo dos costumes desses povos e de flagrantes dos seus aspectos primitivos. Seria um desperdício até certo ponto irresponsável os psicanalistas não atentarem para este ponto. A propósito, num trabalho escrito em 1913 ("Totem e Tabu"), no começo do século passado, Freud já havia chamado a atenção dos psicanalistas para essa relação entre o primitivo e o atual. No Capítulo terceiro desse ensaio, ele se dedicou ao estudo da evolução do pensamento, demonstrando categoricamente que não existe, durante essa evolução, um abandono completo de uma etapa quando uma fase de maior desenvolvimento e complexidade sucede à anterior. No entanto, já em 1905, num outro escrito memorável (Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade), ele também havia chamado a nossa atenção para a necessidade de se distinguir psicanaliticamente os conceitos de sexualidade e de genitalidade, enfatizando nesse trabalho a sexualidade como um conceito mais amplo e rastreando a sua evolução, tanto no indivíduo como na espécie. Demonstrou de forma contundente que existia uma sexualidade infantil, o que provocou uma considerável resistência nos meios científicos da época. Depois da descoberta do inconsciente, talvez tenha sido essa a descoberta mais impactante da psicanálise. A noção de que a sexualidade humana, antes de se tornar essencialmente genital, passava por estágios de desenvolvimento preliminares e que se caracterizavam pelo aparecimento de zonas erógenas específicas, distribuídas por diferentes partes do corpo, causou a necessidade de uma reestruturação de todas as teorias anteriormente conhecidas a este respeito. É verdade que a existência da sexualidade infantil foi deduzida a partir do estudo pregresso da sexualidade nos pacientes adultos neuróticos. Contudo, o próprio Freud teve oportunidade de confirmar os seus achados ao analisar o comportamento e a história 262 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 A antropofagia - uma questão psicanalítica em aberto de vida de pacientes infantis (na análise de um caso de fobia num menino de cinco anos - "O Pequeno Hans", 1909). Por exemplo: num período inicial, já no bebê, a boca e as mucosas do aparelho digestivo desempenham um papel primordial como órgãos de relação. O bebê contata a mãe, nesse período da vida, com a boca e esta exerce uma função significativa, não somente para a alimentação e sobrevivência física, como psíquica. O que acontece é que além das funções de alimentação, esses órgãos (a boca e as mucosas) têm um atributo relacionado com o prazer e o desprazer. Isso corresponde ao início de um desenvolvimento cuja complexidade tende a crescer ou permanecer entravada, na dependência das dificuldades e obstáculos que vão sendo ou não superados. Freud descobriu também que se estabelece, nesse momento, uma importante relação entre o corpo e a mente e que era em base a essa relação que as zonas erógenas iriam realizar esse desenvolvimento, caminhando na direção de uma sexualidade genital, o que só iria acontecer bem mais tarde. Em resumo, a erotização de determinadas partes do corpo estaria em consonância, de uma forma bem sucedida, com esse entrosamento do corpo com a mente. Cada zona erógena teria, assim, na mente, os seus correspondentes anímicos (proto-conceitos), que iriam ajudar a formar os significados próprios e peculiares a cada sujeito, ou seja, formar um aparelho psíquico onde o pensar estaria sendo originário de um sentir que, no começo, parece mesmo ter sido essencialmente corporal. Em outras palavras, convém enfatizar, Freud já estava falando, por essa época (em 1905), da participação das pulsões instintivas na formação de um aparelho psíquico. Tentando um esclarecimento maior, pode-se dizer que a capacidade de relacionamento de um bebê com a sua mãe através da boca, não se limitaria, desde o começo, ao contato desta com o bico do seio para a finalidade exclusiva de obter a amamentação. Por suposto, não existe ainda, para esse bebê, a noção discriminada de um alimento (o leite materno); o que provavelmente existe, é um conceito em formação, o qual vem do fato real e concreto de que ele está, nesse momento, literalmente, alimentando-se da mãe. Essa concepção se expande e, na medida em que a boca vai se transformando, cada vez mais, num órgão de relação é que ela vai adquirindo novos sentidos e ampliando os seus significados. É como se o bebê pensasse, originariamente, através da boca: usa-a para examinar as pessoas e os objetos - levando a boca a estes, ou levando estes à boca. Esse período é conhecido como uma etapa de hegemonia da fase oral. É nele que ocorre a descoberta do próprio corpo através da boca. Chupar o dedo é uma expressão dessa descoberta. Não podendo ter o seio da mãe a toda hora, o bebê lança mão do dedo e de objetos substitutivos, o que significa, por um lado, Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 263 David Azoubel Neto um primeiro passo no sentido da percepção da dolorosa realidade de uma separação, enquanto que por outro, a possibilidade do aumento da capacidade de relação. Chupar seu próprio dedo ou algum objeto transitório dá uma satisfação ilusória, traz-lhe a fantasia fugaz de que está sendo alimentado. Investe então nessa nova descoberta que, não obstante, garantir-lhe uma certa quantidade de satisfação, um prazer auto-erótico, mas está fadada a provocar uma nova frustração. Seu dedo, por mais que ele tente acreditá-lo (na verdade, idealizá-lo), não possui os atributos essenciais do seio. Mas, essa prática auto-erótica irá desempenhar um papel modelador no desenvolvimento dos estados narcísicos subseqüentes. A necessidade de se alimentar é primordial. Entretanto, a busca do prazer também é essencial para a formação do aparelho mental e faz parte dessa busca a evitação do desprazer. Esta equação - relação alimentar + busca de prazer e evitação do desprazer, irá comandar a construção e a organização do aparelho mental, irá definir sobre a capacidade de sentir e de pensar, dependendo da capacidade de tolerância à frustração. Quaisquer que sejam os resultados, o aparelho mental estará lidando com a elaboração das exigências instintivas. Ao nível dos sentimentos, essas manifestações se expressam por meio de sentimentos de amor e ódio. Não exclusivamente como aspectos divergentes e antagônicos; é que na intimidade da estrutura mental eles são propiciados pelos instintos de vida e de morte. Tudo aquilo que converge para o prazer pretende estar em relação com os instintos de vida; a menos que esse prazer resulte de uma reversão e seja colocado a serviço do instinto de morte; tudo aquilo que favorece o desprazer, a dor e o desconforto, levando à frustração, estaria a serviço dos instintos de morte. Essa ambivalência permite a conclusão de que não se trata, em todo o caso, de uma relação harmoniosa e simples. Fusões, defusões e confusões são freqüentes e complicadoras; aumentam a complexidade da trama. E ainda que a frustração possa significar a dor e o seu parentesco com o instinto de morte seja legítimo, isto não quer dizer que ela não possa também ser usada a serviço do instinto de vida. Não existem ganhos sem perdas. É nesse ponto que a capacidade inata do bebê para resistir às frustrações irá desempenhar o seu papel primordial no processo de desenvolvimento. Mas é preciso não esquecer que a oralidade não se limita, exclusivamente, à boca. O aparelho auditivo, os olhos, a pele, todos os órgãos receptivos do corpo, participam de suas funções. A questão básica sugerida pela teoria das zonas erógenas de Freud é a de como irão se formar, ao longo do desenvolvimento, as conexões do corpo com a mente; é a partir desse ponto que irão ser processados os padrões básicos de relacionamento do sujeito com ele mesmo, do sujeito com os seus objetos internos e externos. 264 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 A antropofagia - uma questão psicanalítica em aberto Resumidamente, todas as partes do corpo estariam em busca dos seus significados mentais. O uso mais intenso de um órgão ou de qualquer parte do corpo determinaria, na dependência de suas catexias instintivas predominantes em ação, o caráter e o grau do seu desenvolvimento ou inibição. Tudo estaria na dependência da quantidade e da qualidade de amor e de ódio investidos pela libido. Com o aparecimento dos dentes, as funções da oralidade são acrescidas de um poder ainda maior: o da capacidade de morder, que leva ao mastigar (cortar, triturar, fazer em pedaços, amassar). Esse ganho permite não somente a ampliação do tipo de alimento, como também e conseqüentemente, uma considerável ampliação do relacionamento com o mundo externo. Estas considerações levaram Karl Abraham a dividir a fase oral em duas etapas: uma preliminar (conforme Freud já havia descrito) e outra mais tardia, que ele chamou de fase oral sádica (Abraham, 1970). O aparecimento dos dentes na criança costuma ser saudado com manifestações de alegria e de júbilo pelos adultos ao seu redor. O dente adquire assim, em estado nascente, um significado que a criança ainda não conhece e levará por certo algum tempo para compreender e realizar os seus sentidos. Quando aprender a usá-los, irá descobrir fatalmente que o homem é um animal carnívoro. Essa euforia será repetida com um pouco mais de ênfase por ocasião da troca dos dentes de leite pela dentadura definitiva. Mas o aparecimento dos dentes irá trazer a perda da amamentação, precipitando uma nova separação da mãe, dessa vez um pouco maior. Essa transição dificilmente será tranqüila, sugerindo uma oportunidade de exercício e adestramento para as pulsões agressivas. Convém deixar claro, na medida do possível, o seguinte: o ato de alimentar-se de sua própria mãe, desde o início, contém, supostamente, os elementos físicos e psíquicos essenciais ao desenvolvimento. Todas as teorias psicanalíticas parecem concordar com este ponto. Estabelece-se uma equação na qual, de um lado, a mãe pode ou não conter o seu bebê e, do outro lado, o bebê pode ou não aceitar o tipo de contenção da mãe. Os alimentos são deglutidos e submetidos a um processo de metabolização, o que torna também a função alimentar, nesse momento, um modelo importante para a formação no Ego, através dos mecanismos de incorporação, de introjeção e de identificação. Este fator precisa ser considerado no estudo psicanalítico da antropofagia. A incorporação constitui, primitivamente, a primeira etapa do processo de identificação. Ela se baseia num desejo de posse, de ter os valores, propriedades e atributos do objeto necessário desejado, invejado. Voltemos então aos nossos índios. Betty Mindlin nos oferece, em seu livro "Moqueca de Maridos" (Mindlin, 1997), um rico acervo de material antropológi- Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 265 David Azoubel Neto co a respeito dos costumes antropofágicos em algumas tribos brasileiras por ela estudadas. Este fenômeno aparece em várias narrativas dos contos e lendas desses povos selvagens. A antropofagia surge nesse estudo como uma forma muito primitiva de relacionamento humano. Os relatos sobre a prática da antropofagia (ritual e alimentar) nas culturas indígenas brasileiras podem ser encontrados na literatura desde os primórdios do descobrimento (ver Hans Staden, 1555, o episódio dos índios Caetés, em 1556, às costas de Alagoas, Florestan Fernanades - 1948, etc). Nas tribos aculturadas ou em processo de aculturamento, no entanto, os resquícios dessa prática podem ainda ser encontrados nas narrativas das lendas desses povos. Todavia, do ponto de vista da psicanálise, a literatura a respeito não tem sido muito pródiga. Neste trabalho tive apenas a intenção de fazer um confronto entre os remanescentes antropofágicos de uma tribo brasileira, os índios Tupari e os remanescentes antropofágicos que ainda podem ser encontrados em nossa cultura. O objetivo deste confronto é tão somente o de chamar a atenção para o interesse psicanalítico do estudo da antropofagia como um fenômeno clínico e cultural. Piripidipti, a donzela devorada pelos homens. (Lenda narrada em português por Naoretá Marlene Tupari) O que apresento a seguir é um resumo, da narrativa contida no livro de Betty Mindlin. Relata que Piripidipti, uma bela jovem Tupari deveria casar-se com um guerreiro de nome Moroiá, mas não gostava do noivo escolhido pela família, seu pretendente. Tratava de evitá-lo e recusava-se a atender os seus pedidos. Não escondia a sua raiva e desprezo pelo noivo. Irritado com essa situação, Moroiá decidiu vingar-se da moça. Convidou os amigos para armarem uma tocaia contra ela. Aproveitou-se de uma madrugada em que a jovem tinha ido tomar banho no rio e, quando ela saiu da água, indo aquecer-se perto de uma fogueira, os homens a cercaram, empunhando seus arcos com as flechas prontas para serem disparadas. Piripidipti conseguiu escapar num esforço sobre-humano. Na fuga tropeçou e caiu, sendo atingida nas costas por uma flecha. Aproveitando-se da situação, o noivo rejeitado ordenou aos companheiros que a matassem com golpes na cabeça, deixando-lhe o corpo intacto. Uma vez abatida, a linda jovem foi preparada para ser assada: tiraram-lhe as tripas e puseram o corpo para moquear, enquanto os rapazes dançavam ao seu redor, cantando músicas que expressavam a sua ferocidade. O espírito dela apareceu, cantando e chorando a sua dor, lamentando a vida perdida e ameaçando vingar-se. 266 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 A antropofagia - uma questão psicanalítica em aberto Pronto o assado, Moroiá retalhou o corpo da noiva orgulhosa e os pedaços de carne foram distribuídos entre os índios de sua tribo e de outras aldeias vizinhas. Mesmo alguns que nunca tinham comido carne humana comeram e gostaram, comparando o seu sabor com o de caça fresca e tenra. E depois adquiriram o hábito de matar gente para comer. Algumas reflexões Admitamos que, em princípio, não seria nenhum exagero pensar que na nossa cultura as coisas se passam de um modo mais ou menos semelhante. Moroiá representa a tradição, o estabelecido. Piripidipti, por sua vez, tenta, inconseqüentemente, mudar os costumes, romper o equilíbrio de um sistema primitivo. Desperta, com a sua recusa, sentimentos violentos que se expressam através do desejo de matá-la e devorá-la, incorporando-a de uma forma portanto, igualmente primitiva. Uma das principais diferenças entre o homem primitivo que existe no selvagem e o homem primitivo que ainda habita na nossa mente, consiste no esforço que fazemos para escapar à concretude da realização dos nossos desejos; tentamos ultrapassar as nossas barreiras instintivas, até conseguirmos atingir um plano de abstração onde a nossa capacidade de simbolizar nos permita formas diferentes e sublimadas (mais aceitáveis) de expressão. Gostaria, contudo, de destacar os seguintes pontos: 1. Os hábitos alimentares se formam, em cada um de nós, desde a mais tenra infância. A educação do paladar, ou seja, o gosto pelos alimentos, estará portanto fortemente ligado às nossas raízes infantis. O sabor e os odores da cozinha da nossa infância impregna todo o restante da vida adulta, determinando as tendências gustativas e as preferências culinárias de uma pessoa, em qualquer cultura. Mas um fator preponderante nesse período é a relação do sujeito com aqueles que o cercam, direta ou indiretamente responsáveis pela sua alimentação, com aqueles que irão nos ensinam a gostar das comidas, temperando-as com amor, com carinho e com ternura, além dos temperos comuns. E serão por certo esses ingredientes que irão dar aos alimentos o sabor dessas pessoas, um sabor que transcende à percepção das papilas gustativas e vai se fixar na memória dos afetos, nas recordações mais agradáveis da nossa infância. São estes os componentes essenciais para a formação dos nossos conceitos gustativos. E é essa a confusão que nos permite misturar as comidas com as pessoas. Quero dizer que, desse modo, estabelece-se, desde muito cedo, no ser humano, um sentido antropofágico silencioso, emocional, eficiente e inolvidável. 2. Essa relação entre o alimento e o sujeito adquire, por sua vez, um signifi- Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 267 David Azoubel Neto cado em relação com a sexualidade. E é daí que provém (direta ou indiretamente), uma influência de natureza lingüística. "Gostar" de uma pessoa passa a corresponder a uma expressão de amor e de carinho, na qual a linguagem desempenha um papel relevante. Esse papel não tem sido muito considerado pelos psicanalistas em geral, com exceção dos lacanianos, como é do nosso conhecimento. Ademais, a língua permaneceu na marginalidade e na penumbra de sua própria importância. Em todo o caso, os estudos sobre a antropofagia poderiam tenta resgatar o seu papel. Ela tem, inicialmente, uma dupla função: como um órgão anatômico, com a função de ajudar na mastigação e a degustação dos alimentos e como o órgão principal da fala e da linguagem oral. No entretanto, os estudos sobre o desenvolvimento da libido nos levaram a reconsiderar uma terceira função importante para esse órgão: uma função sexual. Neste sentido ela também está relacionada ao prazer e participa da sexualidade de uma forma mais direta, como um órgão sexual ativo e que às vezes substitui o pênis. Mas o seu papel sexual na linguagem também permanece assegurado. Por exemplo, dizer que uma mulher é "gostosa", não constitui uma forma rara de linguagem; usar expressões alimentares para se referir a pessoas, tais como - "pão", "uva", "morango", "chuchu", etc. Constitui igualmente uma evidência neste sentido designar pratos apetitosos nos cardápios dos restaurantes com o nome de pessoas, seja porque elas o criaram, seja com o intuito de homenageá-las. O sentido antropofágico de todas estas expressões é por demais evidente. 3. No que pese o esforço para a sublimação desses impulsos primitivos (antropofágicos), eles seguem presentes na mente do homem civilizado, através dos seus remanescentes, buscando formas de expressão e representação. Em Março de 1998 um grupo de artistas de Moscow preparou uma festa em praça pública na qual foi servido um gigantesco bolo feito de massa, creme e biscoitos. O objetivo da festa era a comemoração de uma data importante para a revolução russa e o mais curioso é que o referido bolo tinha a forma do corpo de Lenine deitado. As pessoas o fatiavam e cada uma retirava um pedaço do bolo para comer. (Folha de S. Paulo, 31 de Março de 1998). Fui informado, durante uma viagem à Ilha da Madeira, em 1982, que os nativos tinham por hábito, durante as festas de casamento, servir doces em forma de pequenos bonecos, representando o noivo e a noiva (Anotações de viagem, Dan - 1982). São apenas algumas ilustrações, porém o estudo desses hábitos pode fornecer um rico material para esta pesquisa. 4. Um dos rituais mais comuns e expressivos na religião católica é o da Comunhão, que consiste em oferecer aos fiéis a Hóstia Consagrada, que outra coisa não é (simbolicamente) que o próprio corpo de Cristo. O vinho é significado como sendo o seu sangue. Parece-me interessante que se dê a esse ritual antropofágico de origem tão primitiva, o nome de Sagrada Comunhão. E de acor- 268 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 A antropofagia - uma questão psicanalítica em aberto do com o Novo Testamento, o ritual teria sido sugerido pelo próprio Cristo, na última ceia, antes de sua morte, junto aos apóstolos. Em nada difere, na sua essência, da cerimônia dos índios Tupinambá quando escolhiam para as suas comemorações de passagem, um guerreiro valente, aprisionado durante um combate, para ser sacrificado, servindo a sua carne como repasto antropofágico para toda a tribo (menos para aquele que o aprisionou e o sacrificou). (Fernandes, 1948). A comunhão com Cristo implica no desejo idealizado por parte dos fiéis de incorporar os valores do Mestre. O índio Tupinambá, ao devorar um guerreiro valoroso, aprisionado na guerra contra os seus vizinhos e que demonstrou ser possuidor de qualidades excepcionais, não estaria fazendo também uma espécie de comunhão? Ele jamais comeria um prisioneiro covarde. 5. Um episódio ocorrido na história do Brasil em 1530 (?), o naufrágio de uma nau portuguesa que estava voltando para o seu país, às costas do nordeste brasileiro, teve conseqüências dramáticas. Os náufragos conseguiram chegar ao litoral nadando, porém foram aprisionados pelos índios Caetés que os mataram e os devoraram. Entre estes estava um personagem importante, o bispo Don Pero Fernandes Sardinha. Esse fato foi evocado mais tarde, muitos anos depois (em 1922), quando uma plêiade de escritores famosos, poetas, pintores, críticos literários, artistas em geral, se reuniu para fundar o chamado "Movimento Antropofágico", inspirando-se no gesto dos índios Caetés que haviam imposto aos portugueses, àquela época, um costume tipicamente brasileiro. 6. Uma outra questão que se levanta é a da etimologia da palavra "canibal". Em seu livro - "O Canibal - Grandeza e Decadência" - Frank Lestringant (1997) examina a origem da palavra, atribuída a Colombo. Ela é de procedência caraíba (canibal em caraíba significa corajoso). Colombo a usou pela primeira vez para referir-se aos ferozes índios das Antilhas, talvez assustado com a informação de que eles tinham o hábito de devorar seres humanos. Posteriormente a designação foi extendida aos índios dos Brasis. A imagem de homens com cabeça de cachorro (cinocéfalus) foi também incluída nessa denominação. O fato é que o vocábulo chegou aos nossos dias carregados de conteúdos fantásticos, sendo atualmente usado como sinônimo de antropófago (Cunha, Dicionário Etimológica Nova Fronteira da Língua Portuguesa., 1982). Essa associação feita por Colombo, expandiu-se pela Europa da Idade Média. Ao que parece, o genovês juntou a palavra caraíba "cambai" com o étimo latino "canis" para criar o neologismo. Suponho que os pontos aqui destacados fortalecem a hipótese de que a antropofagia segue sendo um costume tipicamente brasileiro, às vezes disfarçada, outras vezes sublimada, mais raramente escancarada. Afinal de contas, a prática do beijo deve ter evoluído muito desde a dentada, até chegar a ser, nos nossos dias, um ato de carinho e de amor, geralmente inofensivo. Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 269 David Azoubel Neto Referências bibliográficas ABRAHAM, K. Teoria psicanalítica da libido: sobre o caráter e o desenvolvimento da libido. Rio de Janeiro: Imago, 1970. CUNHA, A.G. da. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Edit. Nova Fronteira, 1982. FERNANDES, F. (1948). A Organização Social dos Tupinambá. São Paulo: Edit. Hucitec Ltda., 1989. FREUD, S. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Ed. Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969. ______ (1909). Análise de uma fobia num menino de cinco anos. Ed. Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969. ______ (1913). Totem e tabu. Ed. Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sig mund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969. LESTRINGANT, F. O Canibal - Grandeza c decadência. Brasília: Edit. da UnB., 1997. MINDLIN, B. & Narradores Indígenas. Moqueca de maridos (Mitos eróticos). 2*'. edição. Rio de janeiro: Edit. Rosa dos Tempos, 1997. STADEN, H. (1555). Duas viagens ao Brasil. Trad. de Guiomar de C. Franco. São Paulo: Edit. Itatiaia, S. Paulo & Edit. da Universidade de S. Paulo, 1974. © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL 270 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Los selknam. Mito y ceremonia de iniciación Julia Lauzon*, Santiago, CHILE Resumen Los mitos chilenos están signados por el predominio de la imagen paterna distante y de la madre idealizada. Algunos muestran cambios evolutivos, procesos de transculturación sin adecuada simbolización. Ingresan en una repetición expresada como estancamiento y búsqueda de soluciones mesiánicas que inundan de ideologías los fracasos en el terreno socio- político- cultural. Los Selknam (Onas) de Tierra del Fuego no titulaban sus mitos. Se describe la ceremonia iniciatica del Hain, la narrativa informa como antecedentes el mito del matriarcado, la masacre de las mujeres y el ingreso al Hain masculino con sabios fundamentos dirigidos a los jóvenes iniciados: los kloketén. Esta ceremonia vincula la sociedad Selknam con sus antepasados mitológicos y con los espíritus representados por ellos mismos. En un despliegue creativo de máscaras y pinturas corporales recreaban escenas y personajes que provocaban gran turbulencia emocional. Son examinadas desde los códigos simbólicos sagrado y profano con reflexiones sobre las ansiedades y duelos que configuran tendencias a conspirar, mantener secretos y un terror especial hacia los muertos. Cuando a la persecución se agrega la confusión, aumenta la tendencia a la actuación elaborada en la teatralización de ritos y ceremonias que incluyen la creatividad lúdica agresiva y placentera, en los intentos de reparación de los objetos en las fantasías inconscientes. ' Membro Efetivo da Asociación Psicoanalítica Chilena. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 271 Julia Lauzon Introducción El método de ubicar el mito en su contexto sociocultural, en cuyo seno vivimos, tiene implicancias afectivas: una de ellas es el examen de las raíces de nuestra identidad latinoamericana. La mitopoyesis es una función primordial de la condición humana, no desaparece nunca y es fundante de la estructura del sujeto, de la familia y de la comunidad. El mito se origina en las fantasías inconscientes y se va organizando y cristalizando en permanente interacción con las experiencias vitales. Su contenido siempre dramático, es símbolo, mensaje críptico y forma de comunicación con lo divino, la naturaleza y lo humano. Los mitos chilenos están signados por el predominio de la imagen paterna distante, ambivalente o disociada y de la madre primitiva e idealizada, además del conflicto entre hermanos común al resto de nuestro continente latinoamericano, en el que coexisten culturas diversas. En Chile no es diferente. Los mitos muestran cambios evolutivos, procesos de transculturación, degradaciones. Estos cambios han quedado cristalizados por falta de una adecuada simbolización. La negación y el repudio, operando para sostener ciertos sistemas de valores son los mecanismos más observados. Los conflictos no simbolizados ingresan en una repetición compulsiva expresada como estancamiento y búsqueda de soluciones mesiánicas que inundan de ideologías los fracasos en el terreno socio- político-cultural. En la historia aborigen de Chile austral desde hace 12.000 años, los cazadores terrestres eran grupos nómades que con el paso de los siglos históricos constituyeron dos etnias, la Tehuelche, aonikenk y los Onas o selknam que poblaron estepas y bosques de Tierra del Fuego. A fines del siglo XIX los "grupos de cazadores de indios" que organizaron expediciones de exterminio, las matanzas descarnadas, las deportaciones masivas, las enfermedades infecto-contagiosas y el alcoholismo, introducidas por el hombre blanco, sumadas a las luchas internas, diezmaron la resistencia física y moral de los selknam desencadenando directa o indirectamente un rápido proceso de extinción. De tales raíces se eleva una estructura narrativa en la que lo mítico parece transmutarse en una historia tradicionalista de los festejos de la ceremonia del Hain. La brecha catastrófica que produjo la invasión española hizo desaparecer lo histórico. Vuelta al suelo mítico alcanza los estratos más arcaicos por la reactivación ritual que va a hundirse más allá del relato sobre los orígenes. (Hernández, M; Lemlij, M, y otros, 1987). 272 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Los selknam. Mito y ceremonia de iniciación El primer Hain de los hombres. El origen del Kloketen Los selknam no titulaban sus mitos. En la época de los hoowin, seres del tiempo mítico, las mujeres gobernaban sin piedad a los hombres. Los obligaban a cazar, proveer lo necesario para la vida, ocuparse de los niños y también de las tareas domésticas (Gusinde, 1982, II, p840). Los hombres vivían sometidos por Luna (Kreeh) chaman, esposa de Sol (Krren) y aterrados ante Xalpen, temible espíritu femenino. En un verdadero régimen de terror explotaban sus creencias con las "apariciones" de los espíritus, que no eran más que las mujeres disfrazadas, protegidas con el más riguroso secreto, revelado a las jóvenes en la ceremonia del Hain en la Gran Choza. Este "Matriarcado" fue destruido por una rebelión organizada por la conspiración de lo hombres. Todas las mujeres ancianas, jóvenes y niñas fueron abatidas. Entonces los hombres, niños y niñas "inocentes" emprendieron una larga marcha en busca de los límites del universo. Todo ese tiempo guardaron duelo por la muerte de sus mujeres. ¿Cómo harían para conservar la superioridad que habían conseguido, antes que crecieran las niñas?. Formaron una sociedad secreta, proscribieron para siempre de la Choza del Hain a las mujeres y el más distinguido de ellos iba a dirigir el Hain. Pese a la simplicidad de su tecnología, estos cazadores poseían un mundo de creencias de gran riqueza que expresaban a través de sus mitos, ceremonias sociales y leyendas. La principal ceremonia era el Hain o Kloketen. Reunión secreta organizada por los hombres, destinada a la iniciación de los adolescentes masculinos, quienes pasarían a formar parte de los cazadores adultos una vez superadas múltiples pruebas. Duraban dos o tres meses. No sólo era un rito, sino una prolongada experiencia educativa y la ocasión de reafirmar el rol dominante del hombre en la sociedad. Este complejo evento constituía en su conjunto, el eje cultural y psicológico de la comunidad selknam. (No será revisado en cada uno de sus aspectos). Kloketen era un novicio, que entre los 17 y 20 años podía repetir el rito de iniciación dos o tres veces si los mayores no estaban satisfechos con el cumplimiento de las pruebas. Tomando en cuenta su capacidad para guardar el secreto, demostraban su valentía con pruebas vinculadas a la caza y obtención de alimentos. Solos en el bosque, no podían disparar a un espíritu que los mataría de inmediato. A cada uno se le asignaba un supervisor escogido por los consejeros del Hain. De regreso contaban sus experiencias con espíritus que los amedrentaban o golpeaban y los hombres mayores fingían horrorizarse aumentando el miedo de los jóvenes. El Rito de Paso, se refiere al momento de separación de sus madres. Conducidos hacia la Choza del Hain donde los hombres habían formado un círculo Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 273 Julia Lauzon cerrado, era Shoort, quien agazapado, saltaba sobre el desnudo Kloketen e intentaba voltearlo atrapando sus piernas. Bruscamente comprimía los genitales del joven, quien soportaba el dolor con las manos enlazadas sobre su cabeza, sostenido firmemente por el supervisor. Finalmente, tiraba de ellos con violencia. El joven conmocionado por el suplicio estaba aterrorizado por lo que pudiera seguir. Era derribado. Todos gritaban que se defendiera y comenzaba la lucha. El Kloketen furioso por la tortura se abalanzaba sobre Shoort. El consejero detenía la lucha y el Kloketen se acercaba con cautela para comprobar que no era un espíritu de roca. Era de carne y hueso y podía ser identificado. Sorteada la crisis y la indignación, tomaba la máscara y saltaba de alegría. Ante la toma de conocimiento, ya no temía e ingresaba en el secreto. Los espíritus del Hain Eran representados por los hombres físicamente más adecuados en un despliegue creativo de máscaras y cuerpos desnudos pintados. Shoort es el espíritu más dinámico y activo del Hain. El más temido por madres y niños, el que torturaba a los Kloketen durante el rito de iniciación. Vive bajo tierra con la espantosa Xalpen, representa al Sol y el complejo simbolismo del Hain. Controla el poder femenino nocturno de Luna que amenaza con reinstalar el matriarcado. Shoort simboliza a ambos en pareja, cuando pertenecían a los seres míticos que poblaron los cielos. Es una figura combinada. El que dirigió la gran rebelión durante la cual las mujeres fueron masacradas, quien instauró el Hain masculino y fundó la sociedad patriarcal. Sus sirvientes mostraban actividades lúdicas cargadas de burlas, alusiones eróticas que podemos vincular con funcionamientos perversos polimorfos, a veces llevaba un Kloketen al inframundo para complacer a Xalpen, su mujer. En estas ocasiones las madres temían no volver a verlos. Kosmenk: su color básico es el rojo con anchas bandas verticales blancas y una máscara cónica. Representa al hombre engañado por su mujer infiel, este espíritu busca con frenesí a su infiel compañera y sus actuaciones causan hilaridad entre las mujeres. Tanu: hermana de Xalpen. Su figura es impresionante, tiene el vientre abultado, es apacible e inofensiva. Toda la riqueza y la creatividad de la fantasía selknam se manifiesta en este espíritu que fue presentado en el primer Hain masculino, después de la masacre de las mujeres. Tanu es testigo de lo que ocurre en el escenario. Es de noche, arde una fogata y los Kloketen se pintan de rojo. El que va a encabezar la danza se agrega una banda blanca desde el cuello a los genitales. Todos se punzan la nariz hasta que la sangre les moje el pecho. Si no es suficiente se ponen sangre de guanaco. 274 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Los selknam. Mito y ceremonia de iniciación Cada una de las niñas lleva consigo un trozo de piel de guanaco con el que trata de limpiar la sangre del rostro o del pecho de su hombre favorito, alguien con el que puede casarse, según las reglas de parentesco. El hombre elegido responde empujándola con los codos, jugueteando. Xataix, Ulen y Keternen, se relacionan con mitos de nacimiento y muerte (Chapman, A., p.259). Xalpen por sus relaciones con los Kloketen, se embaraza, con los dolores de parto arroja un arco en señal ominosa que anticipa la muerte. Usando su larga y filosa uña destripa a los Kloketen. Una terrible mujer fálica. Keternen, el bebé, será llevado con ella a ultratumba. Aparece el amado Ulen, el pequeño recreador de vida permitirá que los Kloketen regresen mientras el chamán anuncia la llegada de Keternen, adornado con hileras paralelas de plumón y pintura roja, negra o multicolor, colocada en filas verticales, produce un efecto resplandeciente. Kataix, panzón, de largos cuernos (corresponden a un pececillo de un antepasado mítico metamorfoseado), es el único que puede dominar los accesos de ira de Xalpen. Muestra su poder, enviando a los Kloketen sin máscaras para que sean vistos por las jóvenes, desafiando a Xalpen, celosa de sus amantes. Es la única vez en toda la ceremonia que están a rostro descubierto, ante el embeleso de sus madres. Los documentos Salesianos y las comunicaciones de los informantes selknam sobrevivientes, lo ubican como un espíritu asociado con la tierra. Observaciones y reflexiones La relación madre-hijo, es de supremo significado en la ceremonia Hain. Entre sus múltiples manifestaciones se destaca una, jubilosa y tierna, sintetizada en la palabra hané: persona buena. Entre los "juegos de las mujeres solas" en el primer día, cuando los iniciados son sometidos a las torturas del Rito de Paso, hané se refiere a la madre que imita a su hijo al ser iniciado. Llamativamente también hacen el papel del padre, a quien cariñosamente le piden permiso para ir a "jugar", aunque esté ausente. La ceremonia tenía sabios fundamentos dirigidos a los comportamientos con las mujeres: no despertar celos; no casarse con su hermana manteniendo la línea patrilineal con excepción de que fuera la hija de un Che, (término generacional, aplicado a todos los tíos matrilaterales, significa "gente", yo-soy); respetar a todas las mujeres por ser madres, especialmente a las ancianas, madres de todos; controlar alimentos para no ser obesos y privilegiaban: el trabajo, el valor, la generosidad y no perdonar ofensas. Debían vengarse siempre, aún de los parientes. Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 275 Julia Lauzon La enorme riqueza de ésta ceremonia desalienta cualquier pretensión de un análisis global. Se la puede examinar utilizando dos códigos simbólicos o sistemas semánticos, el sagrado y el profano. El sagrado vincula la ceremonia y la sociedad con los antepasados mitológicos y con los poderes que emanan del universo a través del concepto metafísico de los cielos (Lauzon, 1996). Representan a los espíritus y a sus antepasados míticos. Se aplica a Shoort y al Mito del Matriarcado. Las mujeres no eran acusadas de fabulación o de inventar a los espíritus, sino de encarnarlos con engaños. Xalpen, se ubica en un polo sagrado y ritual, sin referencia a un antepasado mítico es el único espíritu presentado como una efigie no antropomórfica. Se creaba entre Luna y Xalpen la imagen monstruosa que permitía personificar y controlar a una terrible divinidad femenina análoga a la luna de los eclipses. Los atributos de estos dos personajes sobrenaturales, complementarios y constantes logran dotar al símbolo femenino monstruoso de más fuerza y mayor credibilidad. Los rituales dedicados a Xalpen y Luna tenían un objetivo dialéctico: presentar el poder femenino como peligro inminente de aniquilación total y así unir la comunidad en su propia defensa. Los hombres no temían representar a Xalpen. En esas escenas rescataban el erotismo polimorfo sexual infantil y el goce lúdico, sin transgresión incestuosa. El código profano sirve a los fines pragmáticos: iniciar a los jóvenes, disciplinar a las mujeres, recrearse e intensificar el placer y la alegría de reunirse. La escena de Ulen es un ejemplo. Los espíritus serios, peligrosos y provocativos, en algunas escenas; burlones, seductores o alegres en otras, provocaban intensa turbulencia emocional. Los ataques por voracidad y envidia de los hombres proyectados en Xalpen, son esencialmente morder, rasgar y vaciar como ataques primitivos sádico orales y anales, al objeto parcial pecho con intención de despojarlo de su capacidad. Posteriormente, al hacerse extensiva a las madres, en tanto objeto total al entregar sus hijos, le será sustraído también la belleza de sus logros. Las escisiones son frecuentes. De los objetos buenos dañados en la masacre del matriarcado, deriva la persecución. Los objetos malos producían frustración y depravación, como en las situaciones edípicas tempranas. Hallamos el objeto paranoide configurado por la identificación proyectiva de una parte criminosa del Self, en los objetos buenos, especialmente el pecho. Está relacionado con la desconfianza que sienten hacia sí mismos, la falta de confianza en su propia capacidad de amar y su tendencia a mantener secretos y conspirar, manteniendo un terror especial hacia los objetos muertos, en los seres de ultra tumba. Se hace evidente la incertidumbre frente a la idea de que los que han muerto, pueden volver a la vida. Cuando a la persecución se agrega la confusión, aumenta la tendencia a la 276 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Los selknam. Mito y ceremonia de iniciación actuación, elaborada en la teatralización de ritos y ceremonias que incluyen la creatividad imaginativa y los intentos de reparación de los objetos en las fantasías inconscientes, a veces en forma omnipotente. Las pseudo reparaciones se observan en los torbellinos maníacos de algunas escenas. El padecimiento del profundo duelo, por la masacre de sus mujeres, antes del primer Hain masculino, creo que introduce situaciones reparatorias mas estables. Un nuevo sentido a la escena primaria, no solo se puede elegir pareja y disfrutarla, sino que aparece el fruto creativo, el bebé. No hay duda que la mujer fálica, el objeto combinado están presentes en las imágenes desde esta perspectiva teórica, sino también la amenaza de castración, la homosexualidad y la muerte, en la compulsión a la repetición. La creatividad lúdica, agresiva y placentera de los mitos de este pueblo apuesto y vigoroso, constituido por guerreros, chamanes, fabricantes de canastas y soberbios arcos y flechas, aflora es sus mimos y payasos, bailarines y cantantes, y se hunde con su desaparición. Bibliografía AGUILERA, S.; SLACHEVSKY, P. Y PÉREZ, C. (1992). Tierra de Humo. Imágenes fotog.1882/ 1950. Museo de Arte Precolombino, LOM Ed. CIAZZI, A. (1914). Los Indios del Archipiélago Fueguino, Editorial Atelí, Punta Arenas, Chile, 1997. CHAPMAN, A. (1982). Los Selknam. La vida de los Onas, Cambridge University. Traduc. Esp. Buenos Aires: Emecé Editores S.A., 1986. CONGREGACIÓN SALESIANA (1987). Hombres del Sur, Museo Chileno de Arte Precolombino, Stgo. HERNÁNDEZ, M.; LEMLIJ, M.; MILLONES, L.; PÉNDLA, A.; (1987): Entre el Mito y la Historia. Lima: Edic. Psicoanalíticas Imago S.R.L. GUSINDE, M. (1982). Los Indios de Tierra del Fuego, Vol I, Los Selknam, 2 tomos, Centro Arg. de Etnología Americana, Buenos Aires. KENBERG, O. (1995). Love Relations. Normality and Pathology. Yale University Press. New Heaven London. Trad. Esp. Edit. Paidós, 1995. LAUZON, J. (1994). Las Cordilleras Invisibles del Infinito. Los Selknam. III Simp. FEPAL, Rio de Janeiro. ______ (1996). Mitos y Antropología. IV Simp. ínter. APA. Buenos Aires. (1998). Los Selknam. La Instauración de la Muerte. Congreso FEPAL, Cong. Mitos, Car tagena de Indias. ROSENTHAL, G.; YAMPEY, N.; SMULEVAR, M. (1992). En torno a la metodología de la Investigación sobre los Mitos. Simp. sobre Mitos. Su Interpretación Psicoan. 500 años del Descubrimiento de América. Buenos Aires: GEPMAL. © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 277 Julia Lauzon ANEXO: Fotografias 278 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Los selknam. Mito y ceremonia de iniciación .***" Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 279 Julia Lauzon 280 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 El mito como factor estructurante de la personalidad latinoamericana Antonio Santamaría Fernández*, México, MÉXICO Resumen En tres aportados el autor sostiene la tesis de que el mito estructura la personalidad y que en Latinoamérica los mitos básicamente estructurantes son los mitos autóctonos que interactúan con los mitos de la colonización y los mitos contemporáneos. Para el efecto el autor explica la vía de internalización mediante la cual se introducen los mitos del entorno social durante el desarrollo individual y durante el proceso psicoanalítico, a fin de estructurar el mito personal que autodefine al latinoamericano. Los mitos latinoamericanos publicados, la teoría del desarrollo y el proceso psicoanalítico sirven de base para avalar las ideas del autor. * Membro Efetivo da Asociación Psicoanalítica Mexicana. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 281 Antonio Santamaría Fernández Otto Kernberg es el primer Presidente de la IPA que ha tenido el valor de expresar sus ideas, comentarios críticos y sugerencias creativas, en relación con temas latinoamericanos políticos, sociales y de desarrollo, en el pleno contexto de los hechos de los actores. De menos yo así lo atestigüe en Chile, Cartagena y México. Es dicha vocación de Kernberg por nuestra América Latina lo que me inspira a escribir las suscritas líneas, sin dejar de reconocer que en ellas va mi propia subjetividad con mi pensamiento emotivo. Las preguntas que me he formulado al respecto son las siguientes: ¿Acaso los mitos estructuran la personalidad? ¿de qué manera? ¿Y porqué especificar la personalidad latinoamericana? Desde luego que en mi opinión los mitos sí estructuran la psique humana y lo hacen a través del mito personal. Y en cuanto a nuestras personalidades latinoamericanas como objetivo, creo que no obedece más que al deseo de querer mostrar lo nuestro, lo especifico de nuestra selfidad, identidad y desarrollo, ya que pienso también que la estructuración mítica personal es universal. Ahora bien, para fundamentar mis hipótesis especulativas voy a referirme a 1) El mito personal como estructurante de la psique 2) La internalización mítica como la base de mitopoyesis del individuo durante su desarrollo y 3) Los mitos latinoamericanos (autóctonos, coloniales y modernos) cual suministros del mito personal latinoamericano. I - El mito personal En nuestro XXI Congreso Latinoamericano de Psicoanálisis en Monterrey, me referí (Santamaría, 1996) al "mito personal" que Kriss (1956) presentó a su vez en el Primer Simposio Psicoanalítico de Delfos (1986). Nada mas que en tanto Kriss se refirió al mito personal transferencial (del paciente) yo aludí al mito contratransferencial (del analista) y, aquí por ahora, sostengo que ambos mitos personales (el del paciente y el del analista) contribuyen a la re-estructuración mítica de ambos participantes. ¿Y qué es entonces el mito personal?. Kriss lo explicó como la imagen autobiográfica que cada quien defiende férreamente como su propia verdad. Wolf (1991), desde la psicología del self, puntualizó en Delfos que el susodicho mito personal es la expresión de la realidad psíquica del self nuclear, tan valiosa como la realidad externa. Y que por supuesto es ese el mito que está presto a desplegarse en la transferencia y en la contratransferencia a fin de ser analizado. En ese sentido considero que cada quien actúa y se autodefine mediante su propio mito personal sélfico. Desde luego que de esto los psicoanalistas somos testigos participantes en la situación psicoanalítica. Freud hizo su propio mito personal para trabajar clínicamente, para investigar, escribir, funcionar en familia y hasta para crear al psicoanálisis. El mito que hizo de si mismo 282- Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 El mito como factor estructurante de la personalidad latinoamericana fue el mito de Edipo. Freud se autodefinió como Edipo. Reisnet (1999) nos dice que los primeros discípulos de Freud adivinando la visión auto mitológica de él (Freud), lo honraron con un medallón que lo representaba como un moderno Edipo y que tenía por inscripción la siguiente cita de Sófocles: "A quien adivinó el enigma de la esfinge y que fue el hombre más poderoso". Freud, al recibir dicho obsequio fantaseó que un día en la Universidad de Viena le erigirían un busto con la referida inscripción. Y la fantasía la llevó acabo años después Jones (1955), tal como Freud lo deseaba. Y así por el estilo puedo conjeturar que cada uno de nosotros los psicoanalistas trabaja y funciona en general conforme al mito personal propio. Lo que aquí trataré es de identificar las cualidades que dicho mito ostenta en la comunidad latinoamericana y en lo particular los psicoanalistas. Ahora bien ¿de doñee procede y como se forma y se estructura la dimensión mítica de la psique humana? Lo abordaré enseguida. II - La estructuración del mito personal Según Stolorow y cols. (1987), es a partir de principios organizadores inconscientes que se ordenan las experiencias psicológicas a fin de edificar las estructuras psíquicas. Es así como se forma el self, el yo, el superyó, etc. La vía es la internalización transformacional de las experiencias selfobject empáticas. Dichas experiencias (vivencias) internalizables incluyen los mitos de los padres, de la familia y de la cultura. Y es a partir de estas transmitificaciones que se construye el mito personal, como expresión del self. Así ocurre durante el desarrollo ontogenético como durante el proceso psicoanalítico; así es como se erige y se define el sentido de selfidad, que es el más profundo y, el sentido de identidad, que es auto-representación psicosocial en el yo. De lo anterior también hablan Rosenthal (1995) y Azoubel. Rosenthal escribe (p.12) que "la mitopoyesis es una función primordial de la condición humana; ella no desaparece nunca y es fundante de la estructura del sujeto, de la familia y de la comunidad" Y Azoubel aclara en la primera página que "todavía vive mucha gente en el fondo del río"; él (Azoubel) sintió que al estar en contacto con ese hombre estaba "en contacto con lo sagrado... que aquel hombre había sido por un instante el propio mito" (p.10). III - Los mitos latinoamericanos en nuestra personalidad Bueno ¿Y cual ha sido la función de los mitos latinoamericanos durante este proceso de mitopoyesis personal, familiar y social? ¿ cuales mitos hemos Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 283 Antonio Santamaría Fernández internalizado en América Latina? ¿los griegos? ¿los anglosajones? ¿los indígenas?. ¿Todos hemos internalizado los mismos o parecidos mitos? Y que hemos hecho con ellos al internalizarlos? ¿Están fielmente inscritos, reprimidos y/o escindidos en nuestra psique? ¿los hemos ya elaborado y transformado en rasgos de carácter o en psicopatología propia? ¿O los hemos elaborado tan completamente que nos resultan ya extraños en nuestro funcionamiento psíquico creativo?. Son aquí también muchas las preguntas y pocas las respuestas. La revisión de los mitos latinoamericanos que hemos discutido y publicado a raíz de nuestras cinco simposia internacionales realizados en estas tierras latinas; así como los publicados por otras vías, nos son por ahora útiles para excerptar algunas ideas que sustenten nuestras respuestas. Unos son mitos prehispánicos, otros coloniales y los terceros son los mitos modernos. Dentro de los prehispánicos figuran mitos transcontinentales como el Mito de los gemelos y el del Dorado (Nasim, 1985) y otros están co-autoreados también por Nasim en colaboración con Susana Ferrer (La "Lechuza, 1995) y con Elianne Mirilli (Kuripi ó Kuripeira, 1995). Otros mitos al respecto son: Cuauhtémoc, psicodinamia de un héroe mexicano (Santamaría, 1989), Las "cinco naneas" (Lemlig y cols., 1989); el mito de Qoa (Kumffman Dol, 1989); el de la "Couvade" (Azoubel, 1993); la mujer colombo-mexicana en el mito (Santamaría y Santamaría, 1998). Estos mitos entre otros nos expresan que a través de nuestro continente, con distintos nombres y con variaciones escénicas, hemos internalizado con fines de estructuración psíquica los mismos ó muy parecidos temas míticos a saber: 1) El anhelo de un padre idealizable (admirable), que se ausenta físicamente o por su insignificancia, y que un día vuelve o volverá amoroso y victorioso. 2) La presencia (o sobre presencia) de una madre omnipotente, controladora y sobreprotectora, poco ó nada empática en cuanto al desarrollo individualizado y autodireferenciado de los hijos, a cuyo abandono somos tan especialmente lastimables y, que si se va, vuelve un día plena de culpa, en forma de diosa o de bruja. 3) Y es a consecuencia de tanta identificación / internalización materno/femenina, que se incrementa el consecuente sentimiento de omnipotencia narcisista arcaica no elaborada (Kohut, 1971), el mismo que nos estanca en la ilusión de inmortalidad y de invulnerabilidad. La invasión europea que empezó con Cristóbal Colón y con sus huestes, hasta clavarse aquí España, Portugal y otros países de aquellos tiempos; trataron todos aquellos de aniquilar nuestros mitos, infructuosamente. Los invasores se apoyaron en nuestra ilusión del padre que había prometido regresar, como lo prometió Quetzacoatl en México. Mas lo que hicieron fue apoderarse de nuestras mujeres (ellos no las traían) y no solo para dominar militarmente sino también para tratar de destruir lo interno nuestro, las fantasías, ilusiones, ideas y 284 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 El mito como factor estructurante de la personalidad latinoamericana valores (religión y lenguaje) no en forma de selfobjetos idealizables y admirables (Kohut, 1982) cuya creatividad hubiéramos internalizado constructivamente, sino, en violencia sádico/destructiva (salvo algunos misioneros); y por supuesto que no lo lograron del todo. Surgieron nuevos mitos y persistieron y persisten muchos de los autóctonos. Recientemente Azoubel (2000) nos dice "poseemos un acervo indígena envidiable, lo que nos autoriza a hablar de una mitología auténticamente brasileira". Los demás mitos de aquel entonces fueron los mitos mestizos y los criollos. En ellos se revela la lucha interna entre lo indígena/europeo, con algunas síntesis adaptativas. Así tenemos por ejemplo la figura mítica de Cristóbal Colon (Nasim y cols., 1995). El mito de Odiseo Telémaco (Santamaría, 1996). El taller de Mitos e identidad nacional (Jones 1996) De entre los mitos contemporáneos, R. S. Y (1995) nos ofrecen "El Héroe Mítico del Adolescente de hoy" y Rosenthal y Jáuregui (1995) el mito "La bisexualidad y el Género Femenino-Masculino" La susodicha revisión de los mitos coloniales y modernos nos demuestran que de menos en algunos sectores de nuestra América Latina la transmitificación, entre otros factores, ha contribuido a la síntesis entre lo indígena y lo europeo, lo anglosajón, negro, etc. Lo indígena es la parte básica y materna; lo extranjero era, pero ha venido dejando de ser, lo paterno; y lo occidental corresponde a nuestros talentos, habilidades y técnicas de producción y adaptación. La técnica de producción y adaptación. La emoción materna, el ideal paterno y la habilidad teórica, al sintetizarse entre sí cooperativamente, están siendo cada día más la fuente del nuevo y vigoroso personaje latinoamericano, del paisano que se desarrolla en base a sus propios talentos creativos, ambiciones realistas e ideales humanistas. Conclusión La personalidad de las /os latinoamericanos está estructurada básicamente en torno a nuestros mitos autóctonos. De ahí nuestra auténtica identidad /selfidad latinoamericana. Los mitos europeos y de otras partes que nos trajeron los conquistadores constituyen la superficie de nuestro verdadero mito personal. Por ejemplo, el mito que ha sido el " shibolett-" del psicoanálisis, el mito de Edipo, el que se trabaja terapéuticamente con los neuróticos durante la situación psicoanalítica sólo es la envoltura psicológica de algo más profundo, lo pre-edípico, lo mítico /indígena, latente y vivo; mito que se elabora y que se exterioriza a distintos niveles de conducta, pensamiento y sentimiento. Pero ¿porqué es entonces que lo autóctono a veces y/o, a algunos, les parecen tan extraños y tan ajenos e incluso avergonzantes? Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 285 Antonio Santamaría Fernández ¿Por qué se quiere que resalte más lo europeo puro o lo anglosajón? ¿Por qué tememos tanto lo auténtico nuestro? Lo mítico esta mas vivo y mas ligado a nuestra originalidad y creatividad. Y ciertamente y por lo general tememos más lo vivo y lo propio caótico que lo estructurado y ordenado, cercano a la rigidez; lo inerte y casi lo muerto. En base a nuestra verdadera selfidad mítica es que somos de personalidad mas espontánea, abierta, ilusoria y creativa. Más que de carácter predeterminista, programático y mecanicista. Lo latino se emparenta más con lo natural, lo vivo; con el misterio, el sueño y lo fantasioso; la creatividad y la incertidumbre, más que con lo convencional y osificante. Es por esto que cierro esta introducción al tema, invitando cordialmente a ustedes a explorar con mucho ahínco los tesoros de nuestros mitos latinoamericanos; y no nadamas para conocerlos y analizarlos, sino mas bien para integrarlos a nuestra vida psíquica, personal y social, con orgullo y con alegría de identidad. Bibliografía AZOUBEL, N.D. (1993). Mito e Psicoanalise. Brasil. Papirus (p.9-10; 95-115). ______ (1999). A Antropofagia. Aléu Da Ficcao e Da Nao Faccao, Urna Questao Psicoanalítica,. Ponencia ante el VI Simposio Internacional de Mitos, Gramado-Brasil, 2000. DUPETTIT y YAMPEY (1995). El mito de Evita. En: Mitos. Interpretación psicoanalítica. Argentina: GEPMAL. FERRER LUSTIG de, S. (1995). La lechuza. En: Mitos: Interpretación Psicoanalítica (supra). KAUFFMAN, Doi (1989). El Mito de Qoa y la divinidad universal andina. En: Mitos universales, americanos y contemporáneos. Vol. I, Perú. Sociedad Peruana de Psicoanálisis. KOHUT, H. (1971). El Análisis del Self. Buenos Aires: Amorrortu (p.266-294). ______ Introspection, Empathy and the semi-circle of Mental Health. Int. /. Psychoanalysis, Vol. 63, p.395. KRISS (1956). The personal myth. /. of the Amer. Psychoanal. Ass. 4: 653-681. MIRILLL G y N. YAMPEY (1995). El mito de Kurupí ó Curupira. En: Mitos: Interpretación Psicoanalitica. (supra). REISNET, S. (1999). Freud and Psychoanalysis: Into the 21st Century. /. of the Amer. Psychoanal. Ass., Vol. 47 No. 4. ROSENTHAL G. y E. JÁUREGUI (1995). La Bisexualidad y el Género Femenino-Masculino. En: Mitos. Interpretación Psicoanalítica. (supra). ROSENTHAL, G. y cois. (1995). La figura mítica de Cristóbal Colón. En: Mitos. Interpretación psicoanalítica. (supra). ______ (1995). Mitos. Interpretación Psicoanalítica (supra) p.12. SANTAMARÍA (1989). Cuauhtémoc C. Psicodinamia de un héroe mexicano. Mitos Universales, americanos y contemporáneos. Perú: Sociedad Peruana de Psicoanálisis. SANTAMARÍA, A. y SANTAMARÍA, O. (1998). La mujer colombo mexicana en el mito. Dialogo psicoanalítico con un mexicano. Revista de la Sociedad Colombiana de Psicoanálisis, VOL. 23, No. 2. 286 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 El mito como factor estructurante de la personalidad latinoamericana SANTAMARÍA, A. (1996). El Mito de Odiseo/Telémaco como un nuevo complejo en la Teoría Psicoanalítica. Memorias del IV Simposio Internacional de Mitos, Buenos Aires: Gepmal y APA. (1996). El mito personal en la contratransferencia. Memorias del XXI Congreso Latinoame ricano de Psicoanálisis, Monterrey N.L. México. SMULEVER y N. YAMPEY (1995). El Mito del Toro Candil ó Bumba- Mei-Boi. En: Mitos: Interpretación Psicoanalítica (supra). STOLOROW, Brandchaft y ATWOOD (1987). Psychoanalytic tratment. An intersubjetive Approach. USA: The Analytic Press. WOLT, S.E. (1991). The Personal Myth and the History of the Self. In: The Personal Myth in Psychoanalytic Theory, edited by Hartocollis and Grahan. EEUU. Int. University Press. YAMPEY, N. (1995). El Mito del Dorado. En: Mitos: Interpretación Psicoanalítica. Argentina: GEPMAL. ______ (1981). El mito de los gemelos en la cultura indoamericana. Psicoanálisis de la cultura. BuenosAires: Paidos. JONES (1996). Taller de Mitos e Identidad Nacional. Memorias del IV Simposio Internacional de Mitos. Buenos Aires: APA. © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 287 Psicoanálisis y cultura Mito y personalidad Mario Alberto Smulever*, Buenos Aires, ARGENTINA * Membro Efetivo da Asociación Psicoanalítica Argentina. Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 289 Mario Alberto Smulever Introducción Esta presentación consta de una parte general, referida a la problemática de los mitos; y una especial dirigida a la comprensión psicoanalítica de algunos mitos latinoamericanos. Antes que esclarecer el mito, el intelectualismo y el pensamiento racional lo han descalificado en forma sistemática considerándolo una completa ilusión, explotada por el fraude y alimentada por la necedad. Con este rechazo, desacreditaban el sentido existencial pleno, la afectividad y los valores, en una palabra el mundo vivido, y dejaban insatisfechas esenciales exigencias del ser humano. La mentalidad mítica es un estado de nuestra mente y está presente en todas las culturas. El sujeto individual, con su personalidad, es una realidad que no se comprende en su aislamiento, sino con referencia concreta a un contexto social determinado. Por otro lado, la sociedad resulta incomprensible si no la consideramos constituida por individuos, históricamente ubicados. S. Freud (1921), al postular que la psicología individual es al mismo tiempo y desde un principio psicología social- puesto que el "otro" aparece siempre integrado como un modelo, objeto, auxiliar o adversario-, describió los mecanismos que operan en la estructuración de las organizaciones comunitarias y de la cultura. Comparó (1908) los mitos con los sueños legendarios de la humanidad y sostuvo que "los mitos son residuos deformados de las fantasías desiderativas de naciones enteras, verdaderos sueños seculares de la joven Humanidad". El mito ha cobrado interés como objeto de indagación en la época moderna por la necesidad que tenemos de cuestionar nuestra cultura y por la añoranza de una unidad originaria del ser humano consigo mismo, el mundo y los dioses. Periódicamente, y casi como una invocación, volvemos a diversas definiciones del mito y al examen de mitos particulares, con la idea de ir profundizando en su conocimiento. Nos interesa sobre todo como un aspecto básico del análisis de la cultura y de la culturización del sujeto humano. Mithos, en griego, denota "palabra" en sentido de un enunciado decisivo y también mirar la realidad con los ojos entrecerrados; difiere de Logos, "razón", la palabra cuya validez o verdad puede ser argüida y demostrada. El mito no es necesariamente contrario a la razón, mas - por presentar sucesos extraordinarios sin tratar de justificarlos - suele tomárselo como historia falsa o mera fábula. Para los fenomenólogos de la cultura - por el contrario - el mito es "siempre verdadero", entendiendo por tal "creído verdadero por los que lo comparten", vivido como la única respuesta posible. Detrás del contenido variado de los mitos, existe un valor de "verdad" que no es de origen lógico, sino de orden sagrado, mágico, religioso. Por lo tanto, el mito es un modo de ver y de concebir el mundo, una interpretación primaria, activa, no crítica, de la vida y la naturaleza. El mito habla siempre de una creación: la creación del Cosmos o de un 290 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicoanálisis y cultura. Mito y personalidad fragmento del mismo (una planta, una institución, un rasgo humano). El pensamiento mítico construye, a partir de estructuras dadas, relatos dramáticos a los que adjudica el origen de esas estructuras. Por un activo trabajo de recomposición de elementos, crea un universo coherente en sí mismo, que todo lo explica y lo "determina". Los mitos relatan sucesos y circunstancias que sobrepasan el mundo ordinario; su tiempo y espacio son diferentes de la experiencia humana común y sus actores son dioses o seres extraordinarios. Otras formas de la literatura participan de una o más características del mito, sin volverse por ello míticas. Hay que distinguir entonces los mitos en sentido estricto, de los cuentos, fábulas, cuentos de hadas, sagas, epopeyas v leyendas. Sin embargo, cabe señalar que hechos y personajes históricos pueden mitificarse, y aún la Ciencia, la Razón, el Poder, la Libertad, o la Muerte de la Historia, pueden considerarse "mitos de nuestro tiempo", en tanto nos exigen una creencia o una conducta; en tanto nos interpelan como valor y como misión, movilizan y dominan nuestra afectividad y voluntad. Entonces se los consagra como paradigmas o prototipos. Por ejemplo, en la historia argentina encontramos figuras locales que, por haber alcanzado el nivel proyectivo del símbolo, ponen en actividad la conciencia mítica; personajes como San Martín, Carlos Gardel, Eva Perón... han acicateado la conciencia mítica colectiva para urdir el mito de la heroicidad, del amor, de la santidad. Las sociedades están fundadas sobre un sistema de mitos: un complejo constituido por las formas de pensamientos e ideas cargadas de juicio de valor que determinan y sostienen sus actividades, y donde cada individuo teje sus variantes en la gran tela que comprende a todo el grupo. Los mitos provienen del elemento sagrado en torno al cual se constituyó el grupo social, y - como dice G. Gusdorf (1953) - los mitos son la introducción a una cultura dirigida al conocimiento del hombre concreto aún no "desencarnado" en los esquemas intelectuales de la filosofía y de la ciencia. "Por el mismo hecho de relatar el mito la gesta de los seres sobrenaturales y la manifestación de sus poderes sagrados, se convierte en el paradigma de todas las actividades humanas" (Eliade, M., 1973). "Conocer" el mito como una realidad que se vive, es - por esta vivencia - ejercer un dominio sagrado, mágico, sobre los objetos, los elementos o las circunstancias aludidas por el mito. El pensamiento mítico concibe la realidad por analogía. El pensamiento analógico gobierna la edificación de los mitos en las culturas o en la mente individual, y el animismo asociado fundamenta una práctica: ritual, mágica, ética individual y social, utilizadas para controlar y transformar el mundo. El ser de la existencia mítica constituye una dimensión estructural del hombre. Y es una constante de la humanidad, no como una supervivencia de etapas perimidas, sino como una estructura fundante del hombre. El mito estatuye las Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 291 Mario Alberto Smulever demás estructuras de una cultura; sostiene no sólo el rito y el culto, sino todo el sistema de valores imperantes en ella. "La sociedad procede de la representación mítica", afirma M. Leenhardt (1947). El mito es símbolo, un tipo de comunicación simbólico. Es un relato de lo indecible que participa directamente de la naturaleza del símbolo, porque sobrepasa las explicaciones filosóficas y artísticas; porque remite en cada uno de sus momentos al carácter unitario, polisémico y sustancialmente analógico del símbolo (F. García Bazán, 1979). El mito es básicamente una forma de conocimiento, que difiere de la ciencia y la filosofía por manejarse con elementos del símbolo, de la imagen y de la emoción; pero - igual que aquéllas - determina una cosmovisión, y posee un repertorio de respuestas a las "cuestiones últimas" de la vida: el sentido de la existencia, el origen, las funciones y el destino humano. El mito es producto de la imaginación creadora, una facultad que actúa de modo intuitivo y sintético en la conciencia humana antes que se subdivida en diversas facultades (intelectivas, afectivas, volitivas). La imaginación creadora se da en toda su espontánea e incontrolada plenitud en la infancia; es menester estudiarla en sus etapas iniciales para facilitar su comprensión en la mucho más compleja y menos libre imaginación mítica y artística en general. Las emociones psíquicas de los años de la infancia, conscientemente recordadas - dice O. Rank (1914) - suministran el factor que permiten la interpretación del mito. Este autor destaca las tendencias coincidentes entre las novelas familiares y los mitos heroicos. Mas, una cosa es vivir el mito, transitar lo sagrado, inconsciente e inefable, y otra cosa es discurrir y especular sobre su estructura. La conciencia mítica se revela concretamente en hechos, entes y acciones. La actuación no implica necesariamente la conciencia de una teoría de este actuar. En el ser de la existencia mítica, pensamiento y vida se dan en un sólo acto: se piensa actuando. Cuando surge la conciencia racional, se da otra forma de pensar y actuar. La conciencia mítica traza una historia cerrada, repetitiva y toda acción se refiere a un modelo ejemplar. El mundo es siempre el mismo; si aparece alguna inquietud, es también cerrada. En otro trabajo, hemos resumido las principales corrientes de investigación contemporáneas sobre el mito, destacando: (a) el enfoque fenomenológico (Eliade, Jung, Malinowski); (b) el enfoque estructuralista (especialmente Lévi-Strauss); (c) el enfoque filosófico (Nicol, Ricoeur); y (d) el enfoque psicoanalítico (Freud y otros), (GEPMAL, 1990). A través de las expresiones y manifestaciones del ser de la existencia mítica, tratamos de comprenderlo merced al método de la interpretación psicoanalítica. ¿Por qué la necesidad del hombre de edificar mitos, de construir una visión del mundo de un modo total y unificador? El dominio de los seres humanos 292 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicoanálisis y cultura. Mito y personalidad sobre la naturaleza es muy limitado, por lo cual ella se presenta a su conciencia como "fuerzas superiores" al hombre. Este necesita representarse, explicar y manejarla de alguna manera. La orfandad y pequeñez ante el universo desconocido y descontrolado, le lleva a crear representaciones que adjudica a los dioses que tienen el conocimiento y control del universo. Psicoanálisis de los mitos Al intentar vincular los dos términos de esta presentación, mito y personalidad, encontré que hacen referencia a estructuras manifiestas. Esto significa elementos del orden de las apariencias. Tanto los mitos como las llamadas estructuras de personalidad describen, los primeros a la manera de un relato y las segundas como características individuales, una serie de fenómenos observables pasibles de ser interpretados psicoanalíticamente. Teniendo en cuenta la dialéctica entre mito y personalidad y la dificultad en vincularlos de acuerdo a una cierta etiología, podemos considerar a ambas estructuras como expresión secundaria, defensiva, fenoménica; de otras estructuras, primarias, esenciales del hombre y de la cultura. Utilizando analogías, única manera de poder acceder a la posibilidad de pensar lógicamente, diremos que tanto los mitos como las manifestaciones de la personalidad son como el contenido manifiesto de los sueños. Todos sabemos que el interés mayor para el psicoanálisis son los contenidos latentes. Ahora bien, si queremos sostener nuestro interés en el psicoanálisis de los mitos debemos adentrarnos en el conocimiento de dichos contenidos latentes. La polisemia del termino mito surge justamente al referir tanto el contenido manifiesto: relato, narración, leyenda, etc. como los contenidos latentes, inconscientes con el mismo término: mito. Aquí se instala también la confusión de considerar a los mitos como mera ficción, mentira, etc. Si hacemos referencia sólo a esos contenidos manifiestos por supuesto es difícil otorgarles verosimilitud. Pero si consideramos a los contenidos latentes, como en el sueño, lo mítico verdadero, nos encontramos en el terreno de las fantasías inconscientes, de las angustias primordiales que acompañan a la indefección humana. Vivimos sumergidos en los mitos. Esta expresión nos vincula directamente con el concepto freudiano «untergang» con el cual hace referencia a la culminación del Complejo de Edipo. Este mito fundante de la cultura, con sus prohibiciones especificas permanece como complejo, «hundido» en el inconsciente y manifestándose permanentemente en toda producción humana. El psicoanálisis ha investigado las motivaciones básicas para la edificación del pensamiento mítico Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 293 Mario Alberto Smulever inconsciente y las encuentra en la desvalidez y completa dependencia del niño, en la inadecuación de su pensamiento y sus actos para operar racional y eficientemente sobre la realidad. El psicoanálisis ha puesto de relieve el hecho crucial que, para acceder a la cultura y el desarrollo, los seres humanos han de atravesar el llamado complejo de Edipo. El acceso a la formación mítica exige el retroceso a la fuente última, a la facultad individual de la imaginación y el fantaseo. Esta labor actualiza las vivencias tempranas de envidia, celos y rivalidad en las relaciones parentales infantiles. El mito individual contiene las fantasías inconscientes fundamentales de un sujeto particular, mito que dicha persona fue plasmando con los elementos básicos de sus procesos primarios en interacción con su ambiente inmediato. Desde el principio inconscientes o vueltos inconscientes por la represión, las diversas experiencias del mito personal cristalizan en configuraciones que suelen ponerse fuera de todo cuestionamiento. Son sagrados para él y motivan la cosmovisión y el comportamiento propios de ese individuo. Constituye una estructuración específica, resultante de la elaboración primaria de los traumas y conflictos psicológicos. Representa el contenido latente de la urdimbre relacional más profunda y estereotipada de la persona. Lo que es característicamente propio de uno y que lo distingue del prójimo, siendo la base de su idiosincrasia, su-ser-distinto de los demás. Refleja una estructura arcaica que la interpretación psicoanalítica puede arrancar de su contexto inconsciente e inefable. Este mito privado presenta conexiones intrínsecas con los mitos familiares y nexos más o menos congruentes con los mitos de la comunidad. Los personajes están representados por las imagos parentales y las del propio self, y dramatizan diversas escenas de la constelación mítica que, merced al análisis, cobran sentido y significados manifiestos y pueden ser reintegrados en nuevas perspectivas. La actividad mitopoyética es una función primaria de los procesos mentales del sujeto humano; las fantasías inconscientes son expresiones psíquicas originales que se movilizan en respuestas a las necesidades instintivas y a los estímulos del mundo exterior del sujeto. En el curso del desarrollo mental, estas creaciones siempre movidas por el anhelo de disminuir la tensión de necesidad, sirven a variados propósitos. Las fantasías se desarrollan en interacción con las experiencia cotidianas; con ello se van consolidando y enriqueciendo la estructura mítica individual, familiar y comunitaria. El mito individual nace y se desarrolla en una situación psicológica que implica reciprocidad; se forma dentro de una estructura preexistente constituida por el grupo familiar. Aunque enfocable desde el ángulo individual, por su índole, la estructura mítica es colectiva, relacional e intercomunicante. Lo relacional se refiere en este caso a un vínculo vital con lo humano, lo natural y lo divino. El individuo constituye un centro móvil de relaciones que irradian de él o se dirigen hacia él, En este núcleo se estatuye el mito privado que busca afirmar la 294 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicoanálisis y cultura. Mito y personalidad propia identidad en función de la cultura nativa. En la configuración mítica late el afán de explorar, de conocer y de manejar las ansiedades emergentes de los conflictos y enigmas del vivir humano. Las identificaciones que conforman la identidad mítica del sujeto, se realizan sobre la internalización de personajes en situación, merced a movimientos activos del Yo receptor, efector, creador y organizador del psiquismo. S. Freud (1914-1921) ha mostrado cómo la estructura individual se articula con la estructura colectiva. "Lo inconsciente es lo psíquico verdaderamente real; su naturaleza interna nos es tan desconocida como la realidad del mundo exterior y nos es dado por el testimonio de nuestra conciencia tan incompletamente como el mundo exterior por nuestros órganos sensoriales". Nosotros queremos completar esta afirmación diciendo que la realidad mítica es el verdadero objetivo del psicoanálisis: descubrir, interpretar e integrar el mito subyacente en la cultura, en la familia y en el individuo, a partir de las realidades fácticas y más o menos evidentes en todas las áreas de sus manifestaciones, es lo que permite superar la radical escisión de la condición humana. Podemos afirmar que, en términos generales, el psicoanálisis ha descubierto la condición esencialmente escindida, limitada e insuficiente del sujeto humano, el cual, en nombre de la razón, reniega de su ser mítico. El mito expresa una realidad fundante de la que habitualmente no se habla, una realidad de deseos interdictos, la trama latente de situaciones vitales, que determinan la estructura secreta u oculta del individuo, la familia y la cultura. El mito aparece en estructuras inconscientes como en los Sueños, los síntomas y las parapraxias. Y en un nivel consciente, como expresión de roles, funciones e identidades, que dan cuenta de la personalidad de un sujeto, y como imagos que corresponden a las fantasías que son los elementos estructurales inconscientes de los mitos. El mito surge cabalgando entre la "realidad" y la "historia", sabiendo a priori que dichos términos están cargados de máxima ambigüedad. El posicionarse el mito en una zona intermedia permite la emergencia de fantasías que, tomando elementos de una y otra, van creando situaciones nuevas. En cualquier relación se llega a crear un mito por el hecho de que en toda relación queda un margen de ambigüedad, de inexpresado en el que los huecos de la información en el proceso de construcción del vínculo y del conocimiento mutuo son llenados mediante la formación de estereotipos que intentan inducir a los participantes a comportamientos específicos. El estudio de los mitos familiares debe cumplir con la metodología que llevamos a cabo en nuestro grupo de investigación (Rosenthal, G.; Smulever, M. y Yampey, N): primero deben tratar de obtenerse las distintas versiones del mito que sustentan los distintos miembros de la familia. Luego, y sin tratar de darle privilegio a ninguna, intentar interpretar psicoanalíticamente. Para esto es útil discriminar el valor actual que Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 295 Mario Alberto Smulever tiene el mito para esta familia y también el valor transgeneracional. Las manifestaciones míticas alcanzan su plenitud dentro de la comunidad. En el grupo social se desarrollan, se modelan y logran eficacia. Los mitos constituyen el basamento de la identidad colectiva por ser formas simbólicas que ayudan a la sociedad a enfrentarse con las realidades, a adaptarse a ellas, y a responder a las dolorosas angustias derivadas de la conciencia de finitud. Los mitos son más que simples sueños de la humanidad; productos de la fantasía e imaginación, poseen su lógica particular y contienen un universo primario, una cosmología elemental, una protofilosofia irreductible a ninguna otra. En el campo psicoanalítico, se consideran los mitos como el pensamiento onírico de las comunidades. Según O. Rank (1909), el mito es "un sueño de las masas del pueblo", y K. Abraham (1909) en su "Sueños y Mitos", afirma que el mito es "un fragmento que se ha conservado de la vida psíquica infantil de la raza, y los sueños son los mitos del individuo". S. Freud, ya lo anticipa en "La Interpretación de los sueños" (1900); en su artículo "Acerca de los sueños" (1901), escribe; "El simbolismo onírico se extiende mucho más allá de los sueños: no es privativo de ellos, sino que ejerce un influjo igualmente dominante en las representaciones que aparecen en los cuentos de hadas, en los mitos y leyendas, en los chistes y en el folclore. Nos capacita para trazar las conexiones últimas que mantienen los sueños y las mencionadas producciones". En 1908, Freud dice: "parece muy probable que los mitos sean las reliquias deformadas de las fantasías del deseo de naciones enteras, de los sueños seculares de la juventud de la humanidad". También Freud (1915) habla de "protofantasías", estructuras de fantasías típicas que organizan la vida de fantasía, cualesquiera que fuesen las experiencias personales del sujeto; su universalidad se explicaría, según Freud, por el hecho de constituir un patrimonio transmitido filogenéticamente.Y dice "...el hombre feliz jamás fantasea, y sí tan sólo el insatisfecho". Los instintos insatisfechos son las fuerzas impulsoras de la fantasía, y cada fantasía es una satisfacción de deseos, una rectificación de la realidad insatisfactoria. Sin embargo, para Freud la represión de las ensoñaciones no era la única causa de las fantasías inconscientes, y buscó otras formas de explicarlas. Abandonó la búsqueda de un trauma externo para explicar la neurosis, pero siguió buscando una etiología definitiva. Al percatarse de que algunas fantasías eran ubicuas, llegó a creer que la fantasía constituía el fenómeno base, en el corazón de la neurosis, y a contemplar la idea de que la fantasía inconsciente, en forma de mito, fuera esencialmente la memoria de la especie y no la del individuo (idea parecida a la que sugiere en El poeta y los sueños diurnos). En este contexto, pensó en la posibilidad de lo que llamó Urphantasien, a las que consideraba Fantasías Primordiales o Fantasías Originarias. 296 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4. n. 1, setembro 2000 Psicoanálisis y cultura. Mito y personalidad Freud persistió en su intento de encontrar la verdadera naturaleza y estructura del inconsciente, considerando primero una teoría y después otra. No obstante, siempre creyó que el inconsciente era accesible al análisis científico porque lo entendía como «un campo estructural, que puede ser reconstruido, puesto que maneja, descompone y recompone sus elementos según ciertas leyes». Con el tiempo, pareció abandonar la filogénesis (la teoría de la herencia de los recuerdos a nivel de especie y en forma de mitos), para decidirse por la teoría de que el desarrollo de la sexualidad endógena y de los deseos y fantasías que engendra el instinto sexual, en especial los relacionados con el complejo de Edipo, eran los verdaderos organizadores de la vida de la fantasía inconsciente. Así, llegó a considerar a los deseos sexuales como la fuerza motriz detrás de los sueños diurnos y de su capacidad de satisfacer los deseos (y, más tarde añadió, los deseos agresivos y las situaciones traumáticas). En un principio, entonces, el término fantasía inconsciente era, en lo esencial, sinónimo de la representación mental de un deseo instintivo. Sin embargo, con el cambio de la teoría topográfica a la teoría estructural, se modificó la comprensión de lo que constituía la fantasía inconsciente. La nueva concepción sugiere que la fantasía no sólo engloba al deseo original, sino también a las defensas que se erigen contra éste. Las ediciones finales de la fantasía son fundamentales para el sentido de identidad del individuo. Mitos Latinoamericanos Nuestro continente se halla envuelto en un mundo de mitos entroncados con factores psíquicos profundos, con dogmas religiosos, con las luces tempranas de las utopías y con las visiones de algunos iluminados. Los europeos traían, al mismo tiempo que su afán de conquista, sus mitos medievales y hasta la supervivencia de los cultos paganos y el folclore. Por su parte, los indígenas estaban inmersos en sus mitos mayores y menores. Y no fue pobre la mitología variada que trajeron los africanos. Así se han formado sincretismos, simbiosis y yuxtaposiciones, en los cuales, al sentido mágico y mítico, se añadían (en acción asimiladora y dogmatizadora) las ideologías y los prejuicios de una sociedad dividida aun entre las contradicciones medievales y las promesas del racionalismo. Por tales razones, el latino americano tiene problemas de identidad y se pregunta sobre su cultura, su originalidad o su dependencia. La yuxtaposición de lo europeo de la conquista, de lo indígena, de lo africano y de las corrientes migratorias europeas posteriores, en una fusión cultural todavía no lograda, otorga el carácter de un mestizaje inconcluso a nuestras realidades. Los mitos son expresión cabal de esta fusión y algunos novelistas contemporáneos han logra-Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Ŷ 297 Mario Alberto Smulever do elaborar y expresar con elocuencia la vigencia de los conflictos en el terreno de la personalidad latinoamericana y de su inserción comunitaria. Asimismo muchos psicoanalistas han realizado esclarecedoras interpretaciones de los mitos de nuestra región, pero queda mucho por investigar. El intenso proceso transcultural que experimentan nuestros pueblos pone de relieve una pluralidad de culturas y permite ver las vicisitudes de algunos mitos. Permite estudiar los temas prevalecientes, su adopción o degradación, posibilita compararlos y observar sus aspectos comunes y sus aspectos diferentes. Por ejemplo ¿qué significa la frecuente existencia de hermanos entre los personajes míticos de América?, ¿y el culto a la Difunta Correa en Cuyo y a María Lioza en Venezuela?, ¿y el Señor de la Muerte, de gran difusión en la zona guaranítica argentina, como se vincula con el Seor de Bonfim del Nordeste brasileño?. Nuestras poblaciones rurales influidas por las culturas indígenas muestran una concepción mágica, teñida de prefiguraciones de la muerte y signada por la culpa y el duelo. Sería interesante investigar como se expresan estos mitos en las poblaciones urbanas y en nuestros pacientes en situación analítica. Como ya señalamos, pensamos que el mito se estructura y elabora a partir de una fantasía inconsciente. Su contenido es siempre dramático porque expresa y oculta graves situaciones conflictivas referentes a los orígenes, la estructura y el destino del hombre. En él se manifiesta el intento de vivir o de sobrevivir manejando ansiedades de aniquilación y caos, de ataques y de pérdidas, las cuales están motivadas por los deseos edípicos y narcisísticos, por impulsos hostiles y criminosos y por sentimientos de culpa y reparación. El mito es atemporal en cuanto estructura inconsciente, aunque emerge condicionado por la historia en cuanto relato. Constituye una de las formas de aprehensión de la realidad y tiene su sentido propio, sus leyes y su técnica, como tienen los suyos el arte y la ciencia. Para analizarlo y comprenderlo se lo debe colocar en el contexto sociocultural correspondiente. Los mitos sociopolíticos perduran en nuestra época. Existen siempre como un profundo fenómeno psíquico colectivo, un componente necesario de la dialéctica social. El mito brinda su fuerza dinámica y sus valores a los proyectos sociopolíticos. En circunstancias críticas, irrumpe e impera sobre las actitudes y formas racionales. La mitopoyesis tiene lugar, ya en niveles ingenuos o espontáneos, ya en niveles conscientes y racionalizados. La función mítica en las sociedades consiste en mantener y conservar la cultura contra la amenaza de su desintegración; sirve para sostenerla frente a la derrota, la frustración y la decepción. Sirve para conservar las instituciones y el proceso institucional. Para mantener la esperanza ante la destrucción del status social existente, y para movilizar las fuerzas necesarias a tal fin. La función históricosocial del mito es mantener los sistemas o promover los movimientos sociopolíticos. En los tiempos no- 298 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Psicoanálisis y cultura. Mito y personalidad dernos, se utilizan técnicas del mito con fines interesados o concretos; así se reproducen, en imágenes y símbolos nuevos, arquetipos míticos originarios repetidos a lo largo de la historia. En nuestra América Latina encontramos variaciones de la estructura básica del edipo, la problemática de la lucha fraterna y el filicidio primordial nos permite estudiar algunos mitos que dan cuenta de las características especificas de la personalidad latinoamericana. Describiendo aquello que consideramos paradigma mítico latinoamericano, el mesianismo de nuestros pueblos, queremos sólo puntuar un aspecto de una realidad muy compleja: Durante cinco siglos en América latina se desarrollo un proceso de transculturación cuya meta final no se vislumbra aun con nitidez. Las crisis estructurales de hoy están signadas por la violencia, y a ellas subyacen problemas de identidad y de desarrollo. Los movimientos agresivos y hostiles de nuestro tiempo deben entenderse, no solo como impulsos a destruir, sino también como movimientos de autoafirmación y de búsqueda de soluciones propias. Las condiciones de penuria y opresión existencial han incrementado las ansiedades de muerte que otrora fueron controladas por la creencia en otra vida después de la muerte. En ese Mas Allá que proporcionaría al sujeto todo aquello de que careció en esta existencia, siempre y cuando cumpliera con ciertos preceptos y rituales. El anhelo de pervivir, de progresar y de trascender, exacerbado en nuestras culturas por las crisis socioculturales, han recibido como respuesta, ya la rebeldía armada y la actuación destructiva, ya la depresión ética y la apatía, ya el esfuerzo racional y organizado, o ya la apelación al liderazgo mesiánico. S. Freud (1914 y 1921) explico como el fenómeno esencialmente individual del narcisismo se extendía en el campo de la comunidad. Mostró que la instancia que llamamos Ideal del Yo (y la estructura subyacente Yo-ideal) puede transformarse en el ideal común de una familia, de una clase, de una nación: los miembros de un grupo proyectan su Ideal del Yo en la figura de un líder y se identifican entre sí por el vinculo común con el líder o el concepto ideológico que lo reemplaza. En este enfoque, el líder mesiánico corresponde a objetos superyoicos idealizados con toda la carga ambivalente en juego. La existencia de mitos mesiánicos en América, previos a la llegada de los europeos permitió su fácil conquista. Su persistencia actual permite comprender la problemática situación que viven sus pueblos. La mitopoyesis del caudillismo mesiánico, en términos generales, trata de las relaciones entre una comunidad en crisis y sus dioses, a través y por mediación del héroe salvador. La notoria crisis actual en todos los órdenes de nuestra cultura revela las falencias de nuestra cohesión e identidad como país o región y destaca nuestras dificultades para encarar las cuestiones fundamentales con cierto realismo, comprensión y esfuerzo organizado e institucionalizado. Se mantiene Revista Latino-Americana de Psicanálise- FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000 Mario Alberto Smulever Ŷ 299 un círculo vicioso de resentimiento, desprecio y escepticismo, porque no hemos logrado superar el trauma del mestizaje y la mentalidad de explotados como fuerza de trabajo y objeto sexual sin amor. Esta crónica situación ambivalente implica, por un lado el conflicto con la cultura "paterna", europeizante, y por otro lado, el conflicto con la cultura "materna", indigenista. Por todo esto alimentamos todavía la ilusión y búsqueda de "salvación" o solución de nuestros problemas merced a movimientos mesiánicos con caudillos autocráticos y rituales populistas, expresando la fragilidad de las instituciones que no logran consolidarse y brindar el soporte necesario a las angustias primordiales del hombre latinoamericano. Es a partir del estudio psicoanalítico de los mitos como podemos acercar la comprensión necesaria a esta problemática e intentar encontrar el camino para evitar repeticiones tanto a nivel personal como comunitario. Bibliografía ANDOLFI, M. (1989). Tiempo y Mito en La Psicoterapia Familiar. Buenos Aires: Piidos. CAMPBELL, J. (1959). Las máscaras de Dios: Mitología primitiva. Madrid: Alianza, 1991. ELIADE, M. (1949). El mito del eterno retorno. Barcelona: Planeta, 1984. ______ (1963). Mito y realidad. Madrid: Guadarrama. FERREIRA, A. (1970). En Interacción Familiar. Buenos Aires: Tiempo Contemporáneo. FREUD, S. (1900). La interpretación de los sueños. S.E.A/5. ______ (1901). Sobre los sueños. S.E. 5, 633. ______ (1908). La creación poética y la fantasía. S.E. 9,141. GEPMAL. (1990). Mitos: Interpretación psicoanalítica de Mitos Latinoamericanos. Montevechio, B.; Rosenthal, G.; Smulever, M.; Yampey, N. GUSDORF, G (1953). Mito y Metafísica. Buenos Aires: Nova, 1960 LEENHARDT, M. (1947). Do Kamo. Buenos Aires: Eudeba, 1961. © Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL 3 00 Ŷ Revista Latino-Americana de Psicanálise - FEPAL, v. 4, n. 1, setembro 2000