O Retrato de Dorian Gray.

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CINEMA e PSICANALISE, 27 de Abril.
FILME: “O Retrato de Dorian Gray.”
O filme “O Retrato de Dorian Gray, dirigido por Oliver Parker é a
adaptação do romance de Oscar Wilde, do mesmo nome. Este
romance já teve mais de uma adaptação para o cinema. A versão
de Parker traz algumas diferenças do filme de 1945,
apresentando mais o suspense, deixando de abordar tão
explicitamente questões relevantes apresentadas por Oscar
Wilde, como as ligadas ao existencialismo do ser humano,
estética e arte.
Mesmo assim encontramos neste filme algumas questões
importantes para discutirmos. Primeiro o autor sugere um pacto
demoníaco, como encontramos no romance “Fausto”, de
Goethe, ou também, questões ligadas ao narcisismo e ao
“duplo”. Vou retomar estes assuntos depois.
Antes de falarmos destas questões, vamos conversar sobre o
filme, que começa com o assassinato de Basil, praticado por
Dorian, que se livra do corpo jogando-o no rio. O filme se
desenrola até voltar a esta cena. Basil era o pintor do retrato de
Dorian, e homem apaixonado por ele.
Quando Dorian comete o assassinato, o filme mostra a
intensidade da raiva que ele sentiu, na maneira como ele
esfaqueava Basil. Aparecem também às cores fortes, isto chama
a atenção, como o cachecol amarelo de Basil, o vermelho de
sangue. Esta cena coloca bastante ênfase nisto. Em outro
momento mostram as flores, o fogo das velas, etc. Isto nos
remete a intensidade das paixões vividas.
Posteriormente, o filme mostra Dorian chegando a Londres.
Inicialmente, ele parecia um rapaz jovem bonito e ingênuo que
se vê encantado com a cidade e o mundo que ela oferece. Ele
chega à casa do seu avô, do qual ele era herdeiro. Como dito
anteriormente, ele é um jovem bonito e ingênuo, nos parecendo
até frágil. Logo, Dorian conhece Basil, que o leva a uma festa e o
apresenta a Henry, que se torna um grande amigo e
“conselheiro”. Basil tenta alertá-lo sobre Henry, em vão. Henry
apresenta o mundo a Dorian pela ótica do prazer e da
intensidade das paixões.
Assim, no desenrolar do filme, Basil pinta o retrato de Dorian
Gray. Quando estava pintando o retrato, tem um momento que
Dorian pergunta: “o que está olhando?”, e Basil responde:
“quanto mais eu olho, mais eu vejo”. O que será que ele estava
vendo? Será que ele já percebia algumas coisas? Será que era o
narcisismo de Dorian, e Basil encantado com a sua beleza?
Depois, Henry vai até eles e convida Dorian para conhecer o
mundo dos prazeres e das paixões, questionando com ele, o
mundo fora desta ótica. Assim Henry, leva Dorian a um clube.
Neste clube, Henry e Dorian dialogam coisas interessantes. Por
exemplo, Henry questiona o mundo a Dorian e coisas do tipo: “A
vida é só um momento. Você perde a vida por bom senso”, ou,
“O homem quer ser feliz, mas a sociedade quer que ele seja
bom”, e aqui ele ainda diz:” “Você quer ser bom?”A partir deste
momento, Dorian vira uma marionete de Henry. Enfim, vamos
ter vários momentos em que ele faz trocadilhos com as palavras.
Parece que de uma maneira a provocar Dorian, a tirá-lo do lugar.
Posteriormente, quando retornam a casa, todos se encantam, se
apaixonam pela beleza do retrato. Henry questiona com Dorian
se ele não faria um pacto para não envelhecer, e ele o faz. Dorian
também se apaixona pela sua imagem no retrato. O personagem
de Henry nos sugere uma figura diabólica, como Mefisto, do
romance “Fausto”. Com o pacto, ou a partir do pacto, a estória
do filme nos mostra que o rapaz ingênuo e frágil, foi
desaparecendo, dando lugar a arrogância e onipotência.
Quando estavam no Clube, Dorian conhece Sybil e se encanta
por ela. Inicialmente, parece mesmo que ele está apaixonado
pela moça. Depois ele a reencontra e dorme com ela. Alguma
coisa parece já ter se quebrado. Ele tem o sonho do quarto, onde
parece que ele tinha suas marcas, seus sofrimentos, mas quando
acorda assustado, pergunta para Sybil, que diz que ele é perfeito
e suas marcas (do corpo) tinham sumido. O que será que sumiu
com suas marcas? Pareceu-me, que a partir daí, seu amor por
Sybil não se sustenta. Ele se vê atraído pelo mundo de Henry,
dos prazeres imediatos e da superficialidade dos contatos.
Quando Sybil morre, Dorian dá esboços de sofrimento, mas
Henry lhe apresenta outro mundo, tentando o livrar da culpa e
vai se tornando cada vez mais insensível. Até antes de ela
morrer, quando eles vão a um “bordel”, Henry conversa com ele
e tem uns diálogos interessantes; Henry diz: “consciência ou
covardia”, “Procure sempre novas sensações”. Eu acredito que
com essas frases Henry convidava Dorian a viver uma
onipotência. Bem, eu considero essas frases bem atuais. Parece
que no mundo de hoje encontramos várias pessoas que ainda
acreditam que estas novas sensações são o sentido da vida.
O Filme também apresenta a peça “Ophélia”, de Hamlet, quando
Dorian conhece Sybil. Aqui, o autor nos apresenta a peça,
provavelmente fazendo referência às paixões, inclusive ao
abandono que a moça sofre e a leva ao suicídio.
Encontramos também questões ligadas ao narcisismo,
começando com a paixão de Gray pela sua imagem e depois o
não querer envelhecer. Existe um momento que Dorian olha
para o seu retrato, nos sugerindo uma paixão como a de Narciso,
quando olha sua imagem no lago e se apaixona por ela. Esta
estória nos apresenta algumas semelhanças com este mito. Nele,
além da paixão de Narciso pela própria imagem, as pessoas
também se encantam pela figura de Narciso, e ele, com sua
arrogância era indiferente a todas elas. Com Dorian, algo
semelhante ocorre, assistimos no filme também as pessoas
encantadas por ele. As mulheres apaixonadas, e ele indiferente a
tudo isso, agindo de um modo frio e algumas vezes, manipulador
e arrogante.
Freud, ao falar de narcisismo nos diz que a criança, primeiro
toma a si mesmo como objeto de amor e centro do mundo,
antes de se dirigir aos objetos externos. Algumas pessoas ficam
fixadas a esta fase do desenvolvimento, não conseguindo se ligar
a outras. O narcisismo é uma fase inicial do desenvolvimento,
que depois pode levar ao ego-ideal, mas, alguns indivíduos não
chegam a essa fase. Observamos isto em Dorian, quando ele não
se liga aos outros,ficando preso à própria imagem.
Encontramos aqui também, para conversarmos, uma das
maiores dores humanas: a da finitude da vida, do tempo e
precariedade. De uma forma ou de outra, estas questões da vida
nos levam a lidar com nosso narcisismo.
Alguns autores em psicanálise dizem que para viver bem a vida
temos que ter um tripé que nos oriente: “Somos finitos,
precários e mortais.” Dorian com o seu pacto estava tentando se
livrar destas questões, não querer envelhecer e também não
lidar com suas precariedades e dores; suas dores e precariedades
estavam escondidas no quarto e no retrato. Assim, ele deseja
uma onipotência e também não se relaciona afetivamente com
ninguém, negando a necessidade que temos do outro nas nossas
vidas.
Dorian teve dois amores, mas no primeiro, ele mostrou que era
mais apaixonado por ele e pela sua vida, do que pela mulher
amada. Ou seja, seu narcisismo, sua arrogância e onipotência
foram aparecendo a ponto de não o deixar se ligar
verdadeiramente à mulher amada.
Com tudo isso que Dorian vive, é o retrato que sofre as dores e
mudanças, começando com os bichos saindo do quadro, dos
olhos, penso o que de tão podre ele não podia ver, e terminando
com o quadro envelhecendo, ficando horroroso monstruoso e
terrorífico. Assim, isso ele esconde o quadro, sugerindo que ele
não poderia lidar com estas situações e elas ficariam no retrato.
Podemos pensar também que o quadro é um duplo, que vive as
questões que Dorian não pode assumir que sente. As partes
sombrias de Dorian eram colocadas no retrato. Tem uma cena
em que ele fica olhando para o quadro e parece que o quadro o
está vendo. Ele olha para dentro do quadro e o quadro para ele.
O retrato parece que tem vida própria e o observa. Aqui me
parece, que já existe o duplo. Em outra cena, a ferida na mão fica
no quadro. Os bichos cada vez mais saem de lá. Quanto mais isto
vai acontecendo, parece que mais insensível ele vai ficando. Os
seus sofrimentos e marcas da vida ficam no quadro, no seu
duplo.
Encontramos na psicanálise e na literatura, alguns lugares que
nos falam do duplo. No romance “Fausto”, de Goethe, o
personagem Mefisto é inteligente e sedutor, cuja essência
maligna está na sua capacidade de corromper Fausto por meio
do desejo e de poder. Mefisto se transforma em espelho para o
lado obscuro de Fausto. Existem vários outros romances, que nos
falam do duplo, “O duplo”, de Dostoievsky, “O Homem
duplicado”, de José Saramago. Vemos aí o quanto essas questões
interessam a nós e estão presentes na vida psíquica do ser
humano; como é difícil assumirmos o nosso lado sombrio, ou
coisas que não podemos admitir que temos. Então, colocamos
como estes romances nos sugerem, no nosso duplo.
Freud nos fala de uma parte de nossa mente, que guarda tudo
que é estranho à nossa consciência. Ele ainda diz que são
aspectos muito primitivos de nossa mente, que lidamos com um
estado de estranheza. Este lado nosso seria o “duplo”, que é
fruto também de algo reprimido e deslocado para fora, fruto da
onipotência para a realização de desejos e também à
onipotência de pensamentos. Ou seja, o duplo surge quando não
conseguimos dar conta de nós por inteiro, com nossas
limitações, imperfeições e até aspectos que não aprovamos
muito em nós. O duplo surge também, quando não toleramos
alguma realidade psíquica interna, sentimos que algo esta fora
de controle. A duplicidade de Gray denunciaria sua imperfeição,
ou até sua farsa. Vamos imaginar que se as pessoas
descobrissem este lado de Dorian (o que acontece) no final, a
perfeição de Dorian seria desmascarada, sua falsidade viria à
tona.
Outro aspecto que gostaria de colocar é que Dorian busca uma
satisfação imediata dos prazeres, muitas vezes fazemos isto
buscando dar sentido na vida, preenchendo assim a vida de
satisfações imediatas para não vivermos dores e sentimentos de
vazio, em um momento do filme Henry conversou isto com
Dorian.
No filme, vemos também cenas de sexo em grupo, nos
mostrando uma liberação total de prazer, em uma Inglaterra
aristocrática e hedonista do século XIX. O jeito de pensar, ou
viver a vida mostrada pelo personagem “Henry”, e depois por
Dorian, era reforçado pela Inglaterra daquela época.
No final da história quando Dorian retorna da viagem que fez,
após ter cometido o assassinato de Basil, todos os personagens
envelhecem, menos ele, e parece que ele não se abala com isso.
Todos ficam hipnotizados pela sua imagem, e isso parece não
perturbá-lo. Aqui fica claro o seu sentimento de superioridade
em relação aos demais. Já Henry, que de inicio se encantou, no
final parece perceber e se assustar com o que criou, penso que
aqui a criatura ficou pior do que o que o seu criador. Henry fica
preocupado quando vê que sua filha se apaixona por Dorian.
Dorian parece estar envolvido amorosamente, mas não podia ter
uma intimidade total, porque uma parte sua estava no quadro e
ele não queria que ela descobrisse; ela por sua vez, sabia que
tinha algo diferente. É neste momento que tudo se rompe. O
amor quebra o pacto.
O filme apresenta também, o quarto com seus fantasmas, os
fantasmas de Dorian, suas dores e marcas, que com seu pacto
demoníaco desaparecem; apenas o quadro fica no quarto junto
com seus fantasmas. Até as cicatrizes do seu corpo
desaparecem, é como se ele perdesse sua natureza humana.
Podemos pensar que com o seu narcisismo, Dorian Gray não
acessa suas dores, sua condição humana; ou que seu duplo passa
a viver o que ele deixou de viver.
Enfim, observamos que Dorian vivia a onipotência da
imortalidade, que nada poderia abalar sua vida. Ele não
envelheceria, não sofreria, e para que isso acontecesse, tudo de
ruim estaria no quadro. As conseqüências de suas atitudes
estariam no quadro.
Para concluir, o filme nos comunica que Dorian conseguiu viver
este duplo com o pacto demoníaco. Mas, podemos observar que
este lado narcísico, obscuro e sombrio que nós não gostamos de
olhar, se encontram em diversos graus em nós mesmos, ou em
outras pessoas.
Este filme nos apresentou questões importantes para
pensarmos. Como nos percebermos e aceitarmos a nós como
somos por inteiro? Acredito que somente nos sentindo por
inteiro podemos nos sentir vivos psiquicamente. Para isso,
precisamos encontrar uma condição mental que possa nos
ajudar a pensarmos pensamentos antes impensáveis e lidarmos
com emoções que nos pareçam insuportáveis, mas que fazem
parte da nossa condição humana.
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