Textos complementares de Linguagem Jornalística A cidade enjeitada Marcelo Canellas Km 3. Para mim, era uma placa. Duas letras e um número indicando a rota dos trens. Mas há vida para além da solidão inanimada dos dormentes e dos trilhos. Uma cidade que a cidade não vê. Criativa, teimosa e - contrariando as aparências - plena de esperança. Os barracos foram se esparramando aos poucos, espremidos entre a linha do trem e o leito assoreado do Vacacaí-Mirim. Em seis anos, a vila cresceu. Filhos do desprezo e da miséria, empurrados para a periferia contra a vontade, os moradores da invasão do Km 3 gostam de Santa Maria, cidade-mãe que os abandonou. - A gente é, tipo assim, uma cria enjeitada, entende? - brinca Paula, 53 anos, mulher de gestos largos e riso fácil. É ela quem me leva a caminhar por entre as vielas, pisando nos cacos de telha que o povo espalha no lodaçal para não se embarrar demais. Pangarés pastam entre montanhas de lixo, cachorros magros latem a nossa passagem. - Vem ver o Buraco do Amor - ela convida, apontando uma cratera entupida de lixo e esgoto, por onde passa a tubulação da água consumida aqui. - Ele já engoliu um carro e duas motos! - me conta. O Buraco do Amor foi assim chamado desde que um rapaz precipitou-se de bico na imundície dos dejetos, depois de um fora da namorada. Felizmente, tirante a dor-de-cotovelo, nada de grave aconteceu. O episódio demonstra uma virtude compartilhada pela gente do Km 3: apesar da escassez de motivos, eles riem de tudo. Quase todos estão desempregados ou trabalham como biscateiros, faxineiras e - a grande maioria catadores. Nos quintais dos barracos, em volta das latrinas, o lixo é separado. Garrafões de vinho, vidros de compota, garrafas de uísque, vasilhas. Há uma bicicleta ergométrica sem o guidom e uma balança de açougue enferrujada. Tudo tem serventia, com seu provável valor de troca. Adultos e crianças trabalham na separação. Atraído pelo movimento atípico, um carro da Delegacia de Furtos, Roubos, Entorpecentes e Capturas passa com o farol aceso. Os agentes Luiz Guterres e Raul Martins se identificam e me dizem para ter cuidado, que o local é barra-pesada. Estão atrás de quatro suspeitos; autoria comprovada de quatro roubos a lojas e residências do Centro. - Tem muita gente boa morando aqui. Mas os vagabundos aproveitam pra se esconder no mato e nesse charco em volta - me explica o agente Guterres. De fato, o vento espalha um hálito úmido e pestilento que vem do banhado onde perambulam, dizem, fantasmas de suicidas que se jogaram da Garganta do Diabo e animais peçonhentos colossais. Os moradores falam das peripécias de uma cruzeira de 3 metros e crânio do tamanho da cabeça de um gato que anda por lá devorando preás e assustando a gurizada. O Km 3 já tem seus próprios entes mitológicos, suas explicações para medos e dramas. Mas o território da pobreza, das assombrações, dos foragidos e da cobra grande é também a vitória da vida. Em frente ao barraco que ela construiu, Paula diz: - Eu conquistei a cidade! Paula da Linha Velha Para entender a bravata de Paula, é preciso voltar no tempo e acompanhá-la numa sucessão de tragédias. Em 26 de setembro de 2001, o marido morreu de enfarte. No dia seguinte, o barraco onde vivia desmanchou na chuva feito um torrão de açúcar. A enxurrada levou a frágil morada às margens do Cadena e, junto, o madeirame, as roupas e os pertences da viúva e dos filhos. Então alguém falou no Km 3. Paula dos Santos nem titubeou, deixou a Linha Velha, onde morava, e acampou com a prole no descampado ao lado das antigas oficinas da Rede. Decidiu que dali só sairia morta. - Me aquerenciei. Nem os antigos reveses, nem os novos (mês passado um filho morreu de Aids), são capazes de lhe arrancar a tenacidade. Desde que saiu de São Vicente do Sul e aportou em Santa Maria, há mais de 23 anos, Paula da Linha Velha, como toda gente a conhece, mantém a mesma pose. Vive de quê? - Changueio, sabe o que é? Serviços gerais! - gargalha da própria troça e do eufemismo maroto que significa faxinas ocasionais e pastéis vendidos de porta em porta. A changa rende os trocados que sustentam um filho, uma filha que é surda e muda, um genro e três netos. O netinho mais novo, aliás, completa hoje 17 dias. - Foi nascer logo no Dia do Trabalhador, o danado! - gaba-se, como se o neto tivesse sido premiado. Tem o nome de Joaquim. - Porque é o nome do avô de Jesus. E porque é o nome do Tiradentes. Joaquim dorme no colo da avó, que elucida o sentido da vida: - Viu só para quem eu conquistei a cidade? Estação dos Ventos Quando crescer um bocadinho, Joaquim vai, provavelmente, passar o dia dois quarteirões acima, em outra casa, tão pobre quanto a da sua avó, só que com um letreiro que a torna diferente: "Estação dos Ventos". A dona me recebe abrindo o cadeado do portão. - Pra bolar o nome, a gente juntou a estação do trem, que está ali atrás, com o vento forte que vem lá da serra e que sopra encanado aqui. Ficou bonito, né? Quando sorri, Fabiana Pereira Ribeiro aparenta menos do que os 33 anos que tem. E hoje ela tem 68 motivos para sorrir, número de crianças que embarcam na Estação dos Ventos para a jornada diária de lanche, almoço, jantar, brincadeiras e reforço escolar. Quem criou a creche não foi a prefeitura, foi a necessidade. Ela não tem registro na Assistência Social e nem no Conselho da Criança e do Adolescente, por isso, não recebe ajuda oficial. É de madeira, porque na vida provisória do Km 3, construções de alvenaria estão proibidas. Lá, tudo limpo e arrumado. - Vocês viram que a gente tem visita hoje? - pergunta Fabiana à gurizada. - Siiiim!! - gritam. - O que é que a creche tem de bom? - pergunto eu. - Papá!!!! - respondem em uníssono, esfregando as barriguinhas. E, para garantir o tesouro da creche, é preciso uma estratégia que lembra períodos de guerra. A refeição é adiantada no fogão a lenha e depois vai para o fogão a gás, que o preço do botijão está pela hora da morte. O que mantém a creche é a ajuda de empresas e a contribuição voluntária mensal de R$ 10 das mães que têm emprego. Para cuidar das crianças, Fabiana largou o emprego de camareira do hotel Itaimbé. Mas o apoio do marido ela tem, o leiturista do Expresso Sul, Jean Carlos Machado. O casal mudou-se para um cômodo apertado para ceder a casa e a garagem à Estação dos Ventos. A creche agora está em polvorosa. A criança de número 69, um bebê, está à porta com a mãe. Ninguém sabe como, mas o milagre de uma nova vaga terá de acontecer de novo. Garimpo da sucata Aos 9 anos, Valmir ainda tem idade para freqüentar a Estação dos Ventos, que recebe crianças até os 13. Mas ele prefere brincar nos arredores do banhado. Valmir acha "massa" o louro que conseguiu com água oxigenada. Foi barato, R$ 1 o frasco: - E ainda fiquei parecendo surfista. É ele quem me mostra o terreno entre a linha do trem e o imenso muro de concreto que mantém a atual fábrica de vagões isolada da comunidade do Km 3. Uma picada nos leva a um lugar que parece ter sido atingido por uma chuva de meteoros. Vi dezenas de crateras com água até as bordas. Valmir aponta para um dos buracos e abre os braços para mostrar o tamanho do trilho que o pai dele tirou lá. São as escavações. Durante décadas, o banhado recebeu o material rejeitado pela Rede. Toneladas de ferro misturaram-se ao charco. Valmir disse ter havido uma época em que mais de cem pessoas se engalfinhavam à procura do metal, feito famintos disputando migalhas. Hoje são poucos. Avistamos um detrás do macegal. Vilson Graciano da Silva, santa-mariense do Salgado Filho, 44 anos. Oleiro, está desempregado há seis: - Tinha muito trilho, roda de trem, viga e parafuso. Cheguei a arrancar 14 rodas num só dia! Mas caiu muito hoje. Vilson joga um pouco de terra dentro de um engradado vazio. Depois, mergulha o instrumento de trabalho na água do buraco e chacoalha. No fundo do engradado, depois da lavra, resta um montinho de pelotas disformes. Vilson encheu a mão como se apanhasse um punhado de diamantes. - São maravilhas. Ferro puro. Vê - disse, estendendo as mãos em concha na minha direção. Ele consegue até R$ 0,06 pelo quilo de maravalhas, que vende aos ferros-velhos. Mas é preciso descontar R$ 0,02 por quilo, pagos ao carroceiro que faz o frete. Com sorte, dá para conseguir até R$ 15 por dia: - É com isso que sustento minha mulher e meus três filhos. José Batista, 39 anos, aparece dando de rédeas em Bezorrinho, o matungo que puxa sua carroça. Acerta com Vilson o frete do dia seguinte. - Tem de ser às 5h, porque o Burunga também vai querer - exige Batista. Sem problemas. Vilson me explica que ele e Burunga são concorrentes, mas no Km 3 todo mundo se ajuda. Maria Teresa dos Santos, 64 anos, chega com o neto João Pedro e confirma a solidariedade no "garimpo". - Isso aí já garantiu o pão de muita gente, filho. Tá vendo aqueles galpões? Foram depenados pra garantir a sobrevivência de não sei quantas famílias - explica, referindo-se às ruínas dos pavilhões das antigas oficinas da Rede. - Este moleque - diz, apontando o neto - só comeu por causa do ferro. O trem do tempo Para o morador da única casa de alvenaria do Km 3, o que resta dos outrora imponentes pavilhões das oficinas é a prova de um imperdoável crime de lesa-memória. - É a mesma coisa que passar uma borracha naquela época boa que a gente viveu. Quem me diz isso, com a autoridade de seus 92 anos, é o ferroviário aposentado Euclides dos Santos, o primeiro morador do Km 3. Chegou aqui no dia 30 de setembro de 1955 para assumir o cargo de operador de máquinas da ferrovia. A casa construída pela companhia foi ocupada no mesmo dia. Euclides lembra que, enquanto ele e a mulher, Maria, 86 anos, descarregavam a mudança, os filhos tomavam banho e pescavam nas águas límpidas do Vacacaí-Mirim. - Pegaram 18 peixes de uma sentada! - conta, para depois cair num muxoxo ao apontar o leito atulhado de detritos do filete de rio. A filha Elizete, 47 anos, conta que há anos se arrasta na Justiça a queda de braço entre Euclides e os sucessores da extinta Rede no processo de usucapião da casa em que a família mora. - Chega a ser uma ironia - diz Elizete - o pessoal da invasão vai conseguir, mais cedo ou mais tarde, a posse dos terrenos. E meu pai, que vive aqui há quase 52 anos, até hoje não conseguiu. Mas o que às vezes o deixa triste é falar sobre o estado dos pavilhões da Rede, saqueados e depredados. - Dói ver assim o lugar onde trabalhei a vida inteira. Meu tempo se apagou. Santa Maria que eu conhecia se apagou. Minha cidade não existe mais. Agora, diante de mim, um homem de 92 anos chora feito uma criança. Ficamos em silêncio infinitos segundos. Mas, em seguida, ele enxuga os olhos e se recompõe. Euclides não se abala facilmente. Pergunto como é que se faz para manter o romantismo durante tanto tempo, como ele demostra a sua Maria. - Tempo, o que é tempo meu caro? Você acha que eu sou grande coisa porque tenho 92 anos, é? Tá vendo aquele cipreste ali? - pergunta, apontando para a árvore defronte a casa dele - Tem 180 anos! Perto dele, eu não sou nada... Abraçado a Maria, no parapeito da janela, Euclides tem o Km 3 diante de si. Ouvimos um apito ao longe. - É o trem! É o trem do nosso tempo. Jornalismo não se divide em Opinião e Informação Uma nova proposta para a questão dos gêneros (*) Na origem, o Daily Courant Em 11 de Maio de 1702, o jornal inglês The Daily Courant veio ao mundo para ser o primeiro diário de natureza política, na Europa. Só 75 anos depois surgiria o Journal de Paris, primeiro diário francês. Na América, o Pensylvania Packet apareceria ainda mais tarde, em 1784. No universo da língua portuguesa, o primeiro jornal diário foi o Diário Lisbonense, lançado em 1809. E no Brasil, a imprensa diária começou com o Diário do Rio de Janeiro, em 1821. A importância do Courant, porém, vai além das datas: ganhou fama e lugar na história da imprensa por causa de uma inovação criada por Samuel Buckley, seu diretor. Mesmo que sem tal intenção, Buckley introduziu no jornalismo o conceito da objetividade, tornando-se o primeiro jornalista a preocupar-se com o relato preciso dos fatos, tratando as notícias como notícias, sem comentários. Em meio à crise financeira que ameaçou o Courant logo nos seus primeiros tempos de existência, Elizabeth Mallet, fundadora do diário, chamou Buckley e lhe confiou a missão de salvar o jornal. É o que nos conta Kenneth Olson (ver:The histor ymakers,Louisiana, State Univerfsity Press, 1966). O novo diretor criou uma estratégia e um estilo que influenciariam todo o jornalismo mundial: separou as notícias dos artigos - news em um lado, preponderantes; comments em outro, para não "contaminar" as informações, porque "os leitores são capazes de refletir por eles próprios" - e cito, aqui, o historiador português José Tengarrinha, que considera o Daily Courant "o primeiro diário exclusivamente noticioso" (ver: História da Imprensa Periódica Portuguesa, Lisboa. Caminho, 1989) A decisão criativa de Buckley ocorreu numa época moralmente conturbada da monarquia britânica. Depois de ter reinado alguns anos sozinho, o viúvo Guilherme III abdicou quando corria o ano de 1702, e entregou o trono à cunhada Ana. Assim, no ano de nascimento do Courant, assumia o reino uma rainha de legitimidade duvidosa, que governou até 1714. No período seguinte, as coisas não melhoraram. Os Lordes e os Comuns daquele tempo preferiam não ter reis competentes. Por isso, para substituir Ana, foram buscar à Alemanha, em 1714, alguém com remoto direito ao trono, "o eleitor de Hanôver", e o fizeram rei, sob o nome de Jorge I (1714-27). Não falava inglês, só alemão. E de servidores alemães, e - diz a História - de "um enxame de mulheres alemãs" encheu a corte inglesa. Um período obscuro e de alheamento desceu sobre a vida intelectual e política do país, e disso se beneficiavam os grandes comerciantes e os senhores da terra, que sustentavam a situação. Ao mesmo tempo, porém, as teorias de John Locke, falecido em 1706, singravam nos movimentos revolucionários, em crescendo, espalhando as idéias liberais que haveriam de mudar o mundo. E nesse ambiente contraditório, a imprensa inglesa procurava caminhos de sobrevivência, no ciclo de crises em que se deu a transferência do controle dos jornais, dos impressores para os livreiros, processo do qual o Daily Courant não escapou. (ver: BOICE, George, CURRAN, James, e WINGATE, Pauline, Newspaper History - from the seventennth centuryto the present day, Londres, Sage Publications, 1978). Os problemas do Daily Courant eram diferentes dos de outros jornais, periódicos semanais ou de periodicidade mais dilatada. O Courant nasceu para noticiar as ocorrências do mundo político, entre as quais tinham relevância maior as notícias das chamadas "Guerras de Malborough". O duque de Malborough, general Juan Churchill (1650-1722), passou mais de vinte anos em guerras sucessivas, à frente das tropas inglesas, depois que, em 1690, foi encarregado por Guilherme III de submeter a rebelde Irlanda. As glórias militares fizeram dele o homem mais influente da Inglaterra durante o reinado de Ana, período em que o duque militar, em nome da rainha, declarou e aceitou guerras com diversos países europeus, entre eles a França, a Alemanha e os Países Baixos. As "guerras de Malbourogh" foram o grande assunto na Inglaterra entre 1702 e 1716, ano em que o duque caiu em desgraça. (Ver: Encyclopaedia Britannica, v.14, EUA. 1959). Por ter assumido o compromisso de relatar diariamente os fatos, em especial os das guerras, o Courant não poderia ser um jornal igual aos outros. E não há como negar a genialidade de Buckley ao pressupor que a lógica das interações com o leitor teria que ser outra. Mas, no entendimento de Smith um detalhe criava "enormes riscos": a estratégia noticiosa dava ao jornal uma "aparência prolífera", sem comentários, o que talvez não correspondesse às expectativas de leitores, altamente interessados nas preliminares e no desenvolvimento das guerras de Malborough. (Ver: SMITH, Antony, The long road to objectivity anda back again: the kinds of truth we get in journalism, in BOYCE. op. cit.) . Podemos supor que Samuel Buckley pretendia agregar ao seu jornal uma imagem de credibilidade e independência, como condição de sucesso. O que se sabe da experiência do Daily Courant permite admitir que os cuidados maiores eram com a apuração dos fatos, principalmente no que toca ao rigor na escolha das fontes. Ao comentar as virtudes do jornalismo do Courant, Smith usa a palavra acurácia (accuracy), termo que a cultura jornalística tomou emprestado da Matemática e da Física para definir a virtude vital da informação: exatidão garantida pelo rigor dos procedimentos de apuração e verificação. Smith cita depoimento de James Perry, um dos editores do jornal, que falava da sua preocupação com a credibilidade das fontes, para garantir substância ao relato dos fatos, "sem comentários ou conjecturas", na suposição de que o público leitor tem capacidade para "elaborar suas próprias reflexões". O Daily Courant pode não ter conseguido o sucesso pretendido por Buckley, numa época em que o Artigo iniciava um longo ápice, como classe de texto predominante na imprensa. Mas, no campo da linguagem, certamente ofereceu valiosa contribuição à evolução do jornalismo - não por causa da credibilidade resultante da impossível separação entre opinião e informação, mas devido à eficácia resultante do rigor dos conteúdos e da clareza pedagógica que acontece na organização de textos e espaços, quando se separam os artigos (comentários) das notícias (relatos). Ilusão da objetividade O Daily Courant desapareceu em 1735. Mas o modelo criado resistiu ao tempo. No campo da teoria, sobre a experiência criada por Buckley, a cultura jornalística criou o paradigma que até hoje divide o jornalismo em Opinião e Informação. A rigor, talvez não se trate de um paradigma, ao menos na significação científica do termo e no sentido que Kuhn lhe atribui, ao propor a teoria de revoluções científicas. Embora a dicotomia Opinião x Informação se tenha transformado, pela tradição, em espécie de matriz que há quase três séculos regula convicções conceituais que organizam e explicam o jornalismo, o modelo de Buckley, enquanto descoberta, nem pretensão científica teve. Já o contexto da justificação, engendrado pelos pensadores do jornalismo, acabou por criar uma "lei" que produziu especialistas, encheu livros e consolidou raízes, tanto nas redações quanto nos meios acadêmicos. Além do mais, o termo paradigma migrou da cultura científica para o espaço do senso comum, como sinônimo de modelo padrão. E isso também legitima o seu uso, aqui. Dogmatizado o paradigma, desenvolveram-se, como valores definitivos, conceitos que iludem os leitores, como esse de levá-los a acreditar que a paginação diferenciada e o afastamento dos artigos garante ao noticiário uma informação purificada, livre de pontos de vista e produzida pela devoção à objetividade. Como se tal fosse possível, e até desejável. Assim, o paradigma Opinião x Informação tem condicionado e balizado, há décadas, a discussão sobre gêneros jornalísticos, impondo-se como critério classificatório e modelo de análise para a maioria dos autores que tratam do assunto. A conservação dessa matriz reguladora esparrama efeitos que superficializam o ensino e a discussão do jornalismo e tornam cínica a sua prática profissional. Trata-se de um falso paradigma, uma fraude teórica, porque o jornalismo não se divide, mas se constrói com informações e opiniões. Além de falso, o paradigma está enrugado pela velhice de três séculos. Depois do Daily Courant e de Samuel Buckley, várias revoluções culturais, políticas e tecnológicas mudaram a sociedade e as interações humanas, impondo adequações aos saberes e fazeres jornalísticos. Nessa evolução, há mais de um século que o jornalismo deixou de se expressar apenas por notícias e artigos. Nos últimos cem anos, a reportagem, por exemplo, tornou-se a forma discursiva predominante em jornais e revistas. "A maioria do que se publica em um jornal é reportagem", diz Vivaldi (ver: VIVALDI, Martin, Géneros periodísticos - reportaje, crónica, artículo - Análisis diferencial, Madrid, Paraninfo, 1987)). As pesquisas realizadas realizadas para este projeto confirmam Vivaldi. Além disso, surgiram e desenvolveram-se a entrevista e o fotojornalismo, técnicas de relato cuja eficácia, tal como acontece na reportagem, está na aptidão de associar os fatos às idéias, os dados às emoções, os acontecimentos à reflexão, os sintomas ao diagnóstico, a observação à explicação, o pressuposto à observação. O próprio desenvolvimento da diagramação e da infografia, com a utilização dos modernos recursos eletrônicos de edição gráfica, cria e amplia campos de relação interativa, dialética, entre a informação e a opinião. E disso resultam ganhos significativos para a apreensão e/ou a atribuição de significados na realidade, entendida por Wittgenstein, na sua totalidade, como sinônimo de mundo, espaço do que existe e acontece, e do que falta e não acontece. Não há como ajustar as formas discursivas do jornalismo ao critério que divide os textos em informativos e opinativos - até por serem coisas de esferas diferentes: na teoria dos gêneros, a divisão dos textos em classes e tipos (artigo, notícia, reportagem, entrevista, crônica...) resulta da diversidade nas estrutura externas, identificando formas; já as propriedades informativas e opinativas das mensagens são como que substâncias na natureza do jornalismo, no sentido em que se constituem suportes que permanecem na totalidade da ação jornalística, quer se relate ou se comente a atualidade. A apuração e a depuração, indispensáveis ao bom relato, são intervenções valorativas, intencionadas por pressupostos, juízos, interesses e pontos de vista estabelecidos. Como noticiar ou deixar de noticiar algum fato sem o componente opinativo? Por outro lado, o comentário - explicativo ou crítico - será ineficaz se não partir de fatos e dados confiáveis, rigorosamente apurados. Não existem, pois, espaços exclusivos ou excludentes para a opinião e a informação, o que torna ingênuo e inútil o paradigma criado a partir das experiências de Buckley, como base classificatória para as classes e espécies de texto, no jornalismo. *** No plano do conhecimento, é a opinião que conserva ou destrói, que preserva ou transforma. A inserção da opinião no conhecimento, como parte contraditória, discute-se na Filosofia desde Sócrates, para quem as opiniões divorciadas do conhecimento eram coisas feias. No notável ensaio Formas de Atenção (Lisboa, Edições 7, 1991), desenvolvido no campo da teoria literária, Frank Kermode tentou desconstruir esse conjunto, analisando-o como paradoxo, para isolar oposições. Mas, ao final, reconhece que não é possível nem conveniente fazê-lo. Texto de Kermode: "O que importa é o fato de deverem continuar a existir maneiras de induzir estas formas de atenção, mesmo que no fim se encontrem todas na dependência da opinião. (...) Como acredito nisto, deduzir-se-á que não consegui distinguir o conhecimento da opinião, ou mesmo aquilo que se encontra estabelecido porque está certo, daquilo que está certo apenas porque estabelecido." Kermode deixa clara a atitude intelectual de rejeição a paradigmas racionalistas tendentes a isolar e a controlar a opinião. "O que é alguma coisa senão o valor que lhe atribuímos?" pergunta. E finca âncoras de argumentação num certo "anarquismo epistemológico", quando admite, por exemplo, "que toda a observação se encontra dependente do pressuposto teórico", e que "tal pressuposto deve variar de época para época, de uma comunidade de interpretação para outra, e mesmo de indivíduo para indivíduo". Significa isso admitir o que algumas correntes da filosofia da ciência sustentam: que até nas ciências naturais a verdade científica depende da teoria. O que é a teoria? Uma opinião. E se admitirmos - o raciocínio é de Kermote - que "as teorias são o que qualquer um pode ter", então, "a verdade científica é também uma questão de opinião". A opinião, parte menor mas indispensável do conhecimento, constrói memória e esquecimento, o lado privilegiado e o lado marginal dos processos da continuidade. "É a grande criadora de cânones", verdades e certezas expandidas pela repetição, até que a conversação dos intérpretes descubra "significados originais até ali ocultos". Mesmo os estóicos, como lembra Kermote, precisaram da opinião para setenciar que a opinião é sempre e inteiramente má. Frank Kermode estimula a convicção de que até o mito da objetividade, sendo uma opinião, produz subjetividades e delas se nutre. E se assim é na ciência, assim é no jornalismo. Escola espanhola A função qualitativa de maior relevância no jornalismo é a de atribuir valor às coisas. Sem intervenção valorativa não há ação jornalística, e isso aprende-se também com Martinez Albertos (ver: ALBERTOS, José Luiz Martinez, Curso de Redacción Periodística, Madrid, Paraninfo, 1991), quando define Notícia: "É um fato verdadeiro, inédito ou atual, de interesse geral, que se comunica a um público que pode ser considerado massivo, desde que haja sido colhido, interpretado e valorado (grifo nosso) pelos sujeitos promotores que controlam o meio utilizado para a difusão" - que vêm a ser os jornalistas. Ele chega a escrever que "a função valorativa é absolutamente própria e específica, em todos os níveis, do exercício do jornalismo: no plano do recolhimento das notícias (...), no plano da análise e organização das notícias (...) e no plano do ajuizamento e comentário dessas mesmas notícias". Deve-se atribuir a Albertos o mérito de ser, entre os estudiosos da disciplina de gêneros jornalísticos, quem de forma mais criativa lida com o paradigma anglo-saxônico. Quase o rejeita, com a sua proposta de inserir, com valorização acentuada, os gêneros interpretativos entre os informativos e os opinativos. Chega a escrever, sem ambigüidades, que a sua proposta de gêneros jornalísticos contém uma revisão questionadora da "doutrina tradicional, de inspiração anglo-saxônica, em cuja virtude as disposições admissíveis em todo o fazer jornalístico tinham uma destas finalidades: a transmissão de dados objetivos ou a emissão de juízos de valor acerca dos acontecimentos de atualidade. Os textos resultantes da primeira atitude se denominavam relatos (stories), enquanto os que respondiam ao segundo dos objetivos recebiam o nome de artigos de opinião (comments)". A revisão proposta por Albertos estabelece um nível interpretativo para o relato jornalístico, intermediário entre a informação e a opinião. E agrega complexidade à questão, ao caracterizar cada agrupamento por um modo próprio de escritura: a narração e a descrição para os fatos (informação); a exposição quando, para a análise, é preciso associar fatos e razões (interpretação); e a argumentação para quando, na persuasão, as razões devem produzir idéias (opinião). Outra inovação do seu esquema é a relação entre a atitude (que poderíamos entender por intenção) de quem escreve e a função do gênero. No seu esquema, ao mesmo tempo que cria um espaço de liberdade para as duas classes de texto interpretativo (Reportagem interpretativa e Crônica), Albertos isola com fronteiras rígidas, sem porosidades, a informação objetiva e a opinião. E em relação à opinião, a radicalidade se acentua: deve ser "confinada quase religiosamente na seção editorial". Podemos até relevar, como coisa menor, o paradoxo que cria a possibilidade de elaborar notícias sem juízos de valor (explícitos ou implícitos) numa cultura, a do jornalismo, caracterizada pela essencialidade da função valorativa. Mas não é possível aceitar que a interpretação possa constituir-se categoria independente no jornalismo, reduzida a dois gêneros que Albertos considera híbridos. Há, aí, uma agressão ao conceito. Interpretação é um processo complicado de atribuição de significados, e vai além do autor, porque aos leitores cabe dar sentido aos textos. Não há texto sem intenção nem leitura sem atribuição de sentidos. E nessa interação entre intenções de autoria e intenções de leitura, talvez até os principais intérpretes sejam os que lêem, não os que escrevem. Umberto Eco sugere que, entre a intenção do autor (que ele considera "freqüentemente irrelevante para a interpretação de um texto") e a intenção do intérprete (leitor), existe a intenção do texto.(Ver: ECO, Umberto, Interpretação e Superinterpretação, São Paulo, Martins Fontes, 1993) Talvez se possa dizer que essa terceira possibilidade é a que organiza e dinamiza o todo interpretativo do jornalismo, cujos textos relatam ou comentam uma realidade que é a dos leitores, mas reelaborada, por critérios jornalísticos, com dados, fatos, depoimentos e pontos de vista colhidos em fontes interessadas. As fontes também inserem, nessa macrointerlocução, pontos de vista e elementos interpretativos, que a mediação crítica organiza para a difusão social. E tudo isso interage, na construção de um fenômeno a que poderíamos chamar polissemia de conteúdos, do qual nem as notícias nem os artigos podem ser excluídos. A interpretação que Albertos nos propõe limita-se à construção literária, em dois tipos de texto, e à capacidade jornalística de compreender e explicar a atualidade. Fontes e leitores são agentes passivos, sujeitos esquecidos. Gomis (1991, 38), autor também importante da escola espanhola, entende a questão de maneira diferente. Para ele, o jornalismo, no seu todo, "é um método de interpretação sucessiva da realidade social". (Ver: GOMIS, Lorenzo, Teoría del Periodismo - ómo se forma el presente, Barcelona/Buenos Aires, Paidós, 1991) Gutierrez Palacio (Periodismo de Opinión, Madrid, Paraninfo, 1984) trabalha igualmente com o conceito de que o jornalismo é "um método de interpretação". E explica por quê: "Primeiro, porque escolhe entre tudo o que se passa aquilo que considera ‘interessante’. Segundo, porque traduz a uma linguagem inteligível cada unidade que decide isolar (notícia) e, além disso, distingue nela o que é mais interessante (...) e o que é menos interessante. Terceiro, porque, além de comunicar as informações assim elaboradas, trata também de situá-las e ambientá-las para que se compreendam (reportagem, crônica), e de explicá-las e julgá-las (editorial e, em geral, comentários)." E vale a pena retornar a Kermode, para sustentarmos o entendimento de que a opinião, conectada aos pressupostos do conhecimento ou da tradição, anima o contexto interpretativo do jornalismo: "Aqueles elos e cruzamentos infinitos de significados, aquelas condensações e deslocações a que a interpretação normativa dá importância, são tantos quantos os que se podem encontrar no mundo da criação (...). O mito que sustenta esta interminável conversação de intérpretes é, em síntese, o do significado ilimitável de um mundo de texto, um mundo de verdade a que a opinião aspira." O mundo de verdade que dá significação ao texto é um mundo de ajustamentos dinâmicos, em contextos reais, com múltiplos sujeitos (todos interessados) e muitas verdades verdades de quem escreve, de quem lê, de quem informa, de quem comenta, de quem fala, de quem ouve... Há uma estratégia dialética de interações, em que cada partícipe entra com as aspirações criadas pela respectiva opinião. E a interpretação dá-se por acordos e conflitos, por compreensão e incompreensão, por rejeições e aceitações, por desconfianças e crenças. É em sua totalidade interpretativa que o jornalismo se realiza como espaço e processo cultural. Proposta brasileira No ambiente da língua portuguesa, a obra mais importante sobre gêneros jornalísticos é de José Marques de Melo. Trata-se de estudo publicado em 1985 (reeditado duas vezes sem alterações substanciais), no qual o autor propõe uma classificação que reafirma o paradigma anglo-saxônico, dividindo os textos jornalísticos nas categorias Informação e Opinião. A relação de lógica classificatória, hierárquica, entre categoria e gênero, Melo a justifica pela evolução histórica do jornalismo, da qual resultou a "necessidade sociopolítica de distinguir os factos (news/stories) das suas versões (comments), ou seja, delimitar os textos que continham opiniões explícitas". (Ver: MELO, José Marques, A Opinião no Jornalismo Brasileiro, Petrópolis, Vozes,1985) A originalidade da proposta de Marques de Melo está nos critérios que usa para estabelecer sua proposta de classificação. Ele entende, preliminarmente, que um gênero jornalístico se caracteriza pela "conjunto das circunstâncias que determinam o relato que a instituição jornalística difunde", rejeitando critérios de autores (como Luiz Beltrão) que identificam gêneros com base nos códigos em que a mensagem se expressa. Para exemplificar, escreve Marques de Melo: "(...) a fotografia ou o desenho são perfeitamente identificáveis como notícias (quando apreendem a faceta privilegiada de um fato), como complemento de notícias (e aí a notícia é compreendida como uma estrutura articulada entre texto e imagem) ou como reportagem (quando as imagens são suficientes para narrar os acontecimentos)". Aceita como válida, porém, "a autonomia da opinião ilustrada (caricatura), por se tratar de uma forma de expressão que ficou reduzida à imagem no nosso jornalismo". Depois, para organizar sua classificação, Melo estabelece que as duas categorias em que agrupa os gêneros jornalísticos "correspondem à intencionalidade determinante dos relatos". E nesse sentido, o autor identifica duas vertentes: a vertente da "reprodução do real" (informação) e a vertente da "leitura do real" (opinião). Explicação: "Reproduzir o real significa descrevê-lo jornalisticamente a partir de dois parâmetros: o atual e o novo. Ler o real significa identificar o valor do atual e do novo na conjuntura que nutre e transforma os processos jornalísticos". No reforço da proposta, Marques de Melo defende a idéia de que o jornalismo articula-se em função de dois núcleos de interesse: a descrição e a versão dos fatos - "daí o relato jornalístico haver assumido duas modalidades: a descrição e a versão dos fatos". Com base nessa visão, Marques de Melo propõe e defende a bifurcação dos gêneros jornalísticos, agrupando-os nas categorias do Jornalismo Informativo e do Jornalismo Opinativo. Ressalve-se, entretanto, que o seu estudo se aplica particularmente ao jornalismo brasileiro. A divisão dos textos jornalísticos em duas categorias deriva da convicção (essa é a segunda linha de argumentação com que Marques de Melo sustenta a sua proposta) de que os gêneros jornalísticos identificam-se a partir da natureza estrutural dos relatos, observável nos processos jornalísticos. E explica assim seu ponto de vista: "Os gêneros que correspondem ao universo da informação estruturam-se a partir de um referencial exterior à instituição jornalística: sua expressão depende diretamente da eclosão e evolução dos acontecimentos e da relação que os mediadores profissionais (jornalistas) estabelecem em relação aos protagonistas (personalidades e organizações). Já no caso dos gêneros que se agrupam na área da opinião, a estrutura da mensagem é co-determinada por variáveis controladas pela instituição jornalística e que assumem duas feições: a autoria (quem emite a opinião) e a angulagem (perspectiva temporal ou espacial que dá sentido à opinião)". Com tais premissas, Marques de Melo propõe a seguinte classificação, com a listagem de 12 géneros: Jornalismo Informativo Nota Notícia Reportagem Entrevista Jornalismo Opinativo Editorial Comentário Artigo Resenha Coluna Crônica Caricatura Carta A quantidade de gêneros da grade classificatória torna inevitável a similaridade entre vários deles. Em alguns casos, as semelhanças são bem mais bem acentuadas do que as diferenças, o que, no mínimo, não se harmoniza com o entendimento predominante que a Filosofia e a Literatura têm do questão dos gêneros: eles se definem pelas diferenças formais entre si. Talvez por isso, quando caracteriza os gêneros incluídos na sua proposta, o autor recorre a critérios que nada têm a ver com a forma dos textos. Na categoria dos gêneros que reproduzem o real, para Marques de Melo, a diferença entre Nota, Notícia e Reportagem está "na progressão dos acontecimentos, sua captação pela instituição jornalística e a acessibilidade de que goza o público". Melo introduz, assim, no elenco das razões, um novo critério, o da temporalidade: a Nota faz "o relato de acontecimentos que estão em processo de configuração"; a Notícia, "o relato integral de um fato que já eclodiu no organismo social"; a Reportagem, "o relato ampliado de um acontecimento que já repercutiu no organismo social e produziu alterações que são percebidas pela instituição jornalística". Já a Entrevista, para o autor, é "um relato que privilegia um ou mais protagonistas do acontecer, possibilitando-lhe um contato direto com a coletividade". Na categoria dos gêneros opinativos, para diferenciar e caracterizar as classes de texto, Marques de Melo inclui na sua lógica, além da temporalidade, critérios de angularidade ("angulagem" é o termo usado porele) e autoria, criando uma variedade argumentativa que exige detalhamento nas explicações. Assim: - O Comentário, o Artigo e a Resenha pressupõem autoria definida e explicitada; o Editorial não tem autoria, por ser espaço da opinião da instituição jornalística. - O Comentário e o Editorial estruturam-se segundo uma "angulagem temporal" que exige continuidade e imediatismo, o que não acontece com a Resenha e o Artigo. Estes dois últimos géneros, para Marques de Melo, aproximam-se, também, pelo fato de serem classes de texto "cuja angulagem é determinada pelo critério de competência dos autores". - Em relação à Coluna, à Crônica e à Carta, um traço comum é a identificação da autoria. "Já as angulagens são diferentes. A Coluna e a Caricatura emitem opiniões temporalmente contínuas, sincronizadas com o emergir e o repercutir dos acontecimentos. A Crônica e a Carta estruturam-se de modo temporalmente mais defasado; vinculam-se diretamente aos fatos que estão acontecendo, mas seguem-lhe o rastro, ou melhor, não coincidem com o seu momento eclosivo". Pensamos que a temporalidade e a angularidade não são critérios adequados para conceituar e a caracterizar gêneros jornalísticos. Se deixarmos de considerar os fatos imprevisíveis e não programados, que ocupam cada vez menos espaço nas preocupações e nas páginas da imprensa diária, fácil é verificar que a temporalidade dos acontecimentos está vinculada a ações estratégicas de instituições e grupos, das quais o relato e a difusão jornalística fazem parte. As pautas jornalísticas são diariamente nutridas pela previsão de acontecimentos que irão desdobrar-se em vários momentos e estágios de eclosão, interdependentes e com relevância específica, para que o crescendo da ação conduza ao ápice em etapas progressivas, concretizadas nos momentos certos. Para que haja sincronismo entre a dimensão material e a dimensão comunicativa, o acontecimento articula-se e desenvolve-se em fatos sucessivos, aos quais os objetivos de sucesso impõem que se agreguem atributos que os tornem jornalisticamente interessantes. Nesse percurso ocorrem falas, eventos, decisões, conflitos, perguntas, respostas, ocorrências previstas ou inesperadas, com causas e efeitos que tanto podem justificar a notícia, quanto a reportagem, a entrevista ou o artigo - antes, durante ou depois da eclosão do acontecimento na sociedade. Quanto às angularidades, elas resultam da inspiração e da criatividade de quem escreve, no aproveitamento literário de detalhes, para seduzir leitores ou acentuar a atribuição de significados aos fatos. Em relação à evolução temporal dos acontecimentos, o que muda é a estratégia narrativa, não a "angulagem". Além disso, com exceção da crônica - texto de autor que exige liberdade plena para a rebeldia estilística, e que por isso não se acomoda em classificações - o texto jornalístico é sempre produto de múltiplas interações inteligentes e intencionadas, entre jornalistas e fontes que têm informações, ou saberes, ou emoções, ou pontos de vista que interessam aos conteúdos e ajudam a construí-los. Pergunte-se a qualquer bom colunista, articulista, editorialista ou repórter quantas horas por semana ocupa em conversas com pessoas qualificadas e confiáveis - o que em nada reduz, mas aumenta, o mérito do trabalho jornalístico. Revelações da práxis Investigações realizadas pelo autor deste texto, sobre a evolução dos gêneros jornalísticos na imprensa brasileira entre 1945 e 1995 produziram, entre outras, a evidência de que os conceitos "opinião" e "informação" perderam eficácia (se é que já a tiveram) como critérios para categorizar géneros jornalísticos. A leitura de uma quantidade significativa de textos jornalísticos (o equivalente a 6.600.000 cm2 de área impressa) demonstrou que o relato jornalístico acolhe cada vez mais a elucidação opinativa, e que o comentário da atualidade exige cada vez mais a sustentação de informações qualificadas. Surgiu daí a convicção de que seriam necessárias novas buscas, teóricas e de observação, para um novo entendimento da questão dos gêneros jornalísticos.(Ver: CHAPARRO, Manuel Carlos, Sotaques d'Aquém e d"Além Mar´- percursos e gêneros do jornalismo português e brasileiro, Santarém, Portugal, Jortejo, 1998, obra que contém uma nova proposta de entendimento er classificação dos gênros jornalísticos). Face à dinâmica e ao grau de complicação das interações que o jornalismo viabiliza no mundo atual, não é mais possível explicar e entender a ação discursiva do jornalismo pela dicotomia Opinião x Informação. Qualquer leitura de jornal ou revista de grande circulação deixa evidente que as fronteiras entre opinião e informação são destruídas pela inevitabilidade da valoração jornalística, por sua vez influenciada pela interferência interessada e legítima dos vários sujeitos do processo, tanto no relato quanto no comentário da atualidade. *** A cultura jornalística produziu, pois, um equívoco. Até a notícia dita objetiva, construída com informação "pura", hard, como se diz no jargão de inspiração americana, resulta de seleções e exclusões deliberadas, controladas pela competência opiniática do jornalista. É claramente inadequado usar o conceito artigo como equivalente a opinião. Opinião é ajuizamento, atribuição de valor a alguma coisa, ponto de vista, pressuposto, modo de ver, de pensar, de deliberar; artigo, no plano da linguagem, identifica um tipo de texto organizado em esquemas argumentativos, adequados para a estruturação de comentários. Ou seja: artigo está da dimensão da forma; opinião, na dimensão do conteúdo. O mesmo raciocínio se pode aplicar ao paralelismo entre informação e os diversos tipos de texto do relato jornalístico, organizados em esquemas narrativos, para que alcancem sucesso. Quando Samuel Buckey decidiu separar as notícias (news) dos comentários (comments) não levantou qualquer barreira entre opinião e informação, ainda que tivesse pensado fazêlo. O que ele separou foram dois tipos de texto, um com estrutura formal argumentativa, outro com estrutura formal narrativa. Nos conteúdos, porém, e nas intencionalidades, lá estão informação e opinião, substâncias que permanecem, interativas, na totalidade do jornalismo, para que nele se conserve a característica essencial, a de ser linguagem asseverativa. No "policiamento" da opinião, que os crentes da objetividade fazem, é claramente identificável um viés moralista, como se a opinião, só por si, tornasse suspeita a informação. E a questão não é moral nem ética, mas de estratégia interlocutória: para o relato dos acontecimentos, a narração é mais eficaz. Ao relatar-se, conta-se uma história, com suas complicações e seus sucessos, mas os juízos de valor lá estão, implícitos, nas intencionalidades das estratégias autorais, e explícitos, nas falas (escolhidas) dos personagens, às vezes até nos títulos. *** Como trabalhadores e artistas do jornalismo,tudo o que os jornalistas fazem é narrar e argumentar. Com informação e opinião, sempre, mas em combinações estratégicas, de tal forma que, na narração, as idéias sirvam para dar evidência e clareza à relevância dos fatos, enquanto na argumentação se utiliza a estratégia oposta: os fatos servem para dar sustentação, força, clareza e sentido às idéias. Ao jornalismo só interessa o que, sob certos critérios, possa ser considerado “o mais importante”. E definir o mais importante será, sempre, um exercício da capacidade opinativa do jornalista - no campo dos factos como no campo das idéias. Nas artes do pensar e do escrever, como nas artes da vida, opinião e informação andam sempre de mãos dadas. Há que dar início, portanto, a uma nova discussão sobre a teoria dos gêneros jornalísticos, ancorando-a nas ciências da linguagem. Porque gêneros são formas do discurso. Na visão pragmática, formas de dizer, para fazer - o que explica, no jornalismo, a importância da eficácia. ________________________________________ * Ensaio extraído do livro CHAPARRO, Manuel Carlos, Sotaques d'Aquém e d'Além Mar - Percursos e Gêneros do Jornalismo Português e Brasileiro, Jortejo Edições, Santarém (Portugal), 1998. O mito da objetividade Carlos Chaparro O XIS DA QUESTÃO – Jornalismo é um exercício mental inevitavelmente subjetivo. Não há como observar, apurar, depurar, para relatar ou comentar, sem a intervenção inteligente de ajuizamentos valorativos. Apesar disso, ainda há quem defenda a objetividade como virtude essencial do jornalismo. Fala-se em separação de opinião e informação como se a manchete não contivesse um ponto de vista, ou não fosse o resultado de uma intervenção opinativa provavelmente complexa. E como se a pedra angular da argumentação não estivesse nos fatos. 1. “Verdade” dogmática Ainda fico impressionado com a quantidade de gente que exige e espera do jornalismo o milagre da objetividade, como se isso fosse possível e desejável. Sei, até, de professores e pensadores do ramo que não se acanham de ensinar e espalhar por aí que a tal objetividade deveria ser a virtude essencial da linguagem jornalística. Na concepção deles, estaria aí a grande marca de caráter do jornalismo. Por essa maneira de olhar e entender as coisas, teríamos de atribuir à objetividade propriedades de valor ético. Dos que conheço, porém, nenhum dos pregadores da objetividade diz que bicho é esse. E porque nada explicam, transformam a objetividade em uma espécie de verdade dogmática, pairando acima de polêmicas e dúvidas. Por causa dessa proposta dogmática do conceito, chegam-me, por e-mail, freqüentes solicitações de entrevistas, em busca do que penso sobre o assunto. Na esperança de reduzir a demanda, e também para dar uma satisfação aos que, por alguma circunstância, ficaram sem resposta, resolvi tratar do assunto neste espaço que a generosidade do mundo me concede. Como jornalismo não é religião nem objeto de fé, há que pelo menos tentar explicar o que vem a ser esse “dogma” racionalista. Mesmo correndo o risco de uma explicação pobre, começo por dizer que objetividade, no jornalismo, seria a capacidade de olhar os fatos em sua realidade material, sem perspectivas individuais “deformadoras”. Os fatos teriam de ser olhados como “objetos reais” perceptíveis, mensuráveis, que valem e se esgotam em sua materialidade. Portanto, livres de componentes abstratos. O que significa dizer, descolados de qualquer dimensão valorativa. Por esse conceito, não haveria na notícia nem espaço nem função para leituras ou entendimentos da interpretação. E aí temos uma asserção incompatível com o jornalismo, linguagem que, por natureza e vocação, está culturalmente obrigada a atribuir valor às coisas que narra. Para a narração jornalística, as coisas (os fatos, as falas...) são o que valem, não o que são. 2. Objetividade X Precisão A notícia e a reportagem não são relatos frios, de coisas meramente materiais. Os fatos jornalísticos têm materialidade, sim. Mas têm, principalmente, causas, efeitos, contextos, significados. Valem pelas razões que os geraram, pela ação discursiva que contêm e pelas conseqüências que produzem ou podem produzir. Além disso, estão inseridos em cenários de conflito, onde sujeitos sociais agem e interagem no mundo pela notícia do que fazem e dizem. Isso obriga o jornalismo à ação de atribuir valor às coisas, para que o mais relevante se diferencie do secundário e com o secundário se relacione. E esse é um exercício mental inevitavelmente subjetivo. Como (por exemplo) assumir critérios éticos de observação e relato sem a intervenção subjetiva, criativa, do sujeito narrador? Decidir o que deve ser tratado como mais importante, para fazer um título ou uma abertura de matéria, é escolha impossível de realizar sem a utilização de critérios subjetivos de valoração dos fatos. Em resumo, a objetividade simplesmente não existe, no jornalismo. Porque a observação e o relato estão no espaço do individual. Têm perspectiva, pertencente ao sujeito observador. O que existe, e deve ser cultivado com crescente empenho e rigor, é a precisão, no recorte de dados, fatos e falas, para que o relato jornalístico tenha as indispensáveis virtudes da clareza e da veracidade. Há quem confunda objetividade com precisão. Pois são coisas diferentes. Objetividade pertence ao universo das atitudes mentais. É um conceito de “objeto real”, a ser visto pelo que é, não pelo que significa. Já a precisão é o resultado do uso competente de um conjunto de técnicas (de observação e captação) que servem aos fundamentos da linguagem jornalística, para que nela seja preservada a natureza da veracidade asseverativa, sua principal característica. Mas não há como observar, apurar, depurar e relatar ou comentar sem a intervenção inteligente de ajuizamentos valorativos. Que, por sua vez, dependem de critérios subjetivos qualquer que seja o texto, da simples notícia à mais complexa reportagem ou ao mais elaborado editorial. 3. Fraude secular A crença na objetividade é filha legítima do velho paradigma que propõe a divisão do jornalismo em classes de textos opinativos e informativos. E essa é uma fraude teórica surpreendentemente persistente, já secular. Com a conservação de tal matriz mentirosa, se esparramam efeitos que, além de empobrecer o ensino e a discussão do jornalismo, tornam cínicas as suas práticas profissionais. Fala-se em separação de opinião e informação como se a manchete não contivesse um ponto de vista, ou não fosse o resultado de uma intervenção opinativa provavelmente complexa. Se não é hipocrisia, é ingenuidade dizer, e tentar convencer os outras a acreditar, que onde se informa não se opina, como se isso fosse possível. Ainda por cima, ao se propor essa fronteira entre opinião e informação, os manuais de redação sugerem que a opinião pode contaminar perigosamente o noticiário. É uma abordagem moralista que ilude a opinião pública. Ora, o que qualquer bom jornalista procura fazer, em seu trabalho? Boas reportagens, boas entrevistas, boas notícias, bons editoriais, boas fotos. Narrando ou argumentando, entregam-se à arte de associar os fatos às idéias, o essencial ao secundário, a aparência à essência, o particular ao geral, os dados às emoções, os acontecimentos à reflexão, os sintomas ao diagnóstico, a observação à explicação, o pressuposto à aferição. A boa obra jornalística resulta, portanto, da relação interativa entre informação e opinião – uma relação dialética, estratégica, carregada de subjetividades. ****** O jornalismo não se divide em opinião e informação, mas se constrói com informação e opinião, tanto nos esquemas da narração (para relatar os fatos) quanto nos esquemas da argumentação (para comentar os fatos). O que existe, e se deveria estudar com seriedade, é a divisão entre esquemas narrativos e esquemas argumentativos – ambos com informação e opinião, em proporções e estratégias diferenciadas. "Que tipo de jornalista devemos formar? Carlos Chaparro No mundo globalizado, marcado pelos impactos das tecnologias de difusão universal de informações, o velho modelo americano de jornalismo está radicalmente superado por novos e velozes paradigmas. Diante das profundas mudanças ocorridas, cresce a importância da seguinte pergunta, que um pesquisador peruano trouxe ao recente congresso da Intercom, realizado no Rio de Janeiro: ‘Estamos ensinando aos estudantes de jornalismo a maneira adequada de se adaptarem aos novos cenários?’ 1. A falsa dicotomia Cinco meses atrás, Roberto Civita, diretor-presidente da Editora Abril, visitou a Escola de Comunicações e Artes, da USP, para uma conversa com professores. Foi para falar, principalmente, sobre o curso de jornalismo. Com ou sem razão, a visita não despertou grande interesse. Mas a conversa valeu a pena, se não pelo todo, ao menos pelo começo. O dono da Abril iniciou a sua fala com uma provocação - mais ou menos assim: ‘Os alunos que vocês nos mandam hoje não servem para a Editora Abril. Eles podem até ter bom domínio técnico das coisas do jornalismo. Mas nós estamos mais interessados em gente capaz de pensar.’ Provocações à parte, e talvez sem que essa tenha sido a intenção, Roberto Civita trouxe à baila a velha e sempre inacabada discussão sobre as relações entre teoria e prática, no ensino do jornalismo. Nas redações, continua forte a voz dos que reclamam dos cursos de jornalismo uma pedagogia que valorize a prática, voltada para o aprendizado das técnicas. Querem profissionais do ‘fazer’, e isso lhes basta. Reclamam que os recém-formados chegam ao mercado sem saber o que significam termos básicos do jargão profissional, ou tropeçando em coisas elementares como dar contundência e clareza a uma abertura de matéria, definir o verbo forte de um título ou construir fluências estilísticas em usos alternados do discurso direto e indireto. De outro lado, na academia, e em segmentos críticos do jornalismo, há clamores crescentes reivindicando cursos voltados para a formação humanística, multidisciplinar, dos futuros jornalistas. Por essa visão, o jornalista terá de ser um profissional intelectualmente capaz de entender e interpretar as complexidades do mundo cujos fatos e feitos deve relatar ou comentar. Argumentam essas correntes: De que servem as habilidades técnicas, se as mentes não estão preparadas para captar as cada vez mais complicadas subjetividades escondidas na materialidade dos fatos? No meio termo, surge e organiza-se uma proposta que defende uma formação prioritariamente técnica, mas agregando à proposta a sutileza semântica de atribuir à palavra ‘técnica’ o significado de fusão entre teoria e prática. Os jornalistas seriam, portanto, tecnólogos preparados para o sucesso profissional, capazes de ‘fazer’, mas sabendo, também, os ‘porquês’ e ‘para quês’ do fazer . Pelo que posso entender, no domínio dos ‘porquês’ e ‘para quês’ estaria a dimensão teórica do modelo. Como sustentação da proposta, um argumento com força dramática: ou se investe na formação técnica do jornalista, ou estaremos diplomando profissionais para o desemprego, não para o trabalho - e com a frase cito o professor Jorge Pedro Souza, da Universidade Fernando Pessoa (Porto, Portugal), defensor desse modelo. 2. Velho paradigma Claro que, sobre a questão, tenho pontos de vista próprios, elaborados ao longo escolhas e experiências pessoais, em quase cinqüenta anos de jornalismo, vividos nos arraiais da prática e do estudo. Mas não vem ao caso expor agora o que penso sobre o assunto. Porque considero mais importante abrir espaço para a discussão, a partir de uma reflexão que o pesquisador peruano Juan Gargurecich trouxe ao Congresso da Intercom, realizado no Rio de Janeiro entre os dias 6 e 9 deste mês. Gargurevich participou da mesa (da qual eu e o professor Pedro Jorge também fizemos parte) em que se discutiam, exatamente, os desafios pedagógicos em torno da velha e falsa dicotomia Teoria x Prática. Como base para a reflexão e a discussão sobre o assunto, o colega peruano propôs um lúcido entendimento da mudança de paradigmas no jornalismo. O paradigma do pós-guerra, inspirado no modelo norte-americano, fundamentou a concepção do jornalismo na América Latina. O paradigma assentava sobre um conjunto de ‘verdades’ que, por quase um século, organizou idéias e crenças no ensino, na pesquisa e na prática do jornalismo. Eis algumas dessas ‘verdades’: - A informação tem alto valor como mercadoria, o que significa admitir que quanto melhores as notícias, maiores serão as vendas; - A economia das empresas jornalísticas se baseia no êxito da circulação, na medida em que as tiragens condicionam a publicidade; - As fontes de informação se restringem aos jornalistas, sem os quais não há notícia; - Os modos formais e populares de a sociedade se informar são os jornais e os noticiários de rádio e televisão; - Os espaços dedicados à informação jornalística são limitados em números de páginas, minutos de rádio e televisão; - A informação chamada ‘alternativa’ está limitada a círculos especializados e tem pouca credibilidade; - Os jornalistas se reconhecem a si mesmos como atores sociais e, como tal, assumem a missão de vigiar e fiscalizar os governos; - Os meios massivos, cuja propriedade está reservada a grandes empresas multimediáticas, têm distribuição e alcance local; - O jornalismo sustenta que a liberdade de imprensa é pilar fundamental da democracia. Tudo isso mudou. 3. Novas ‘verdades’ No mundo atual, globalizado em redes informacionais, o ‘marco teórico’ do modelo americano de jornalismo foi radicalmente superado por novos paradigmas, que a nossa própria experiência de profissionais e cidadãos já pode claramente identificar. Juan Gargurecich listou algumas das mudanças mais importantes ocorridas: - A informação de qualquer país pode obter-se a custo mínimo e em tempo real; - Os espaços virtuais para a informação quase não têm limites; - As mini-empresas informativas podem ser tão eficazes quanto as grandes empresas de antigamente; - Os meios são internacionais e não reconhecem os velhos limites impostos pelos regulamentos das Nações Unidas; - Na maioria, as fontes governamentais estão abertas ao público em geral; - Os ‘weblogs’ tornam possível e popularizam o ‘cidadão jornalista’; - Os telefones móveis (celulares) avançam para converter-se em suportes inéditos de informação. Acrescento a essa listagem uma mudança profunda no plano ético: o direito à informação, prerrogativa do cidadão, superou, como valor e direito democrático, os limites do conceito de liberdade de imprensa, princípio liberal que legitimava, também, o poder de ‘não publicar’. Diante de tão profundas mudanças, Gargurevich provocou a platéia com uma pergunta tão simples quanto inquietante: Estamos nós ensinando aos estudantes de jornalismo a maneira adequada de adaptar-se aos novos cenários? A questão aí fica, para o debate." O que ler 1. Bel-Ami (Guy de Maupassant) 2. Ilusões Perdidas (Honoré de Balzac) 3. A Insustentável Leveza do Ser (Milan Kundera) 4. Os Sertões (Euclides da Cunha) 5. O Segredo de Joe Gould (Joseph Mitchell) 6. A Luta (Norman Mailer) 7. Corações Sujos (Fernando Morais) 8. Crime e Castigo (Fiodor Dostoievski) 9. Piratas no Fim do Mundo (Denis Burgierman) 10. A Sangue Frio (Truman Capote) 11. A Regra do Jogo (Cláudio Abramo) 12. Cem Quilos de Ouro (Fernando Morais) 13. Hamlet (W. Shakespeare) 14. Chatô, Rei do Brasil (Fernando Morais) 15. Estação Carandiru (Dráuzio Varela) 16. Perfis, como escrevê-los (Sergio Vilas Boas) 17. Olga (Fernando Morais) 18. Rota 66 (Caco Barcelos) 19. A Fogueira das Vaidades (Tom Wolfe) 20. Ayrton Senna - Guerreiro da Paz (Edvaldo Pereira Lima) 21. Tarass Bubba (Nicolai Gogol) 22. Kadji Murat (Leon Tolstoi) SUGESTÕES 2 1. A Ilha (Fernando Morais) 2. O Café dos Filósofos Mortos (Nora K. e Vittório Hösle) 3. Hiroshima (John Hersey) 4. Jornalismo, Magia e Cotidiano (Ana Thaís Martins Portanova Barros) 5. A Última Grande Lição (Mitch Albon) 6. Notícias do Planalto - A Imprensa e Fernando Collor (Mario Sergio Conti) 7. Germinal (Émile Zola) 8. O Homem Medíocre (José Ingenieros) 9. A Águia e a Galinha - Uma metáfora da condição humana (Leonardo Boff) 10. Os Lusíadas (Camões) 11. A Divina Comédia (Dante Alighieri) 12. Paraíso Perdido (John Milton) 13. A Teia da Vida -Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos (Fritjof Capra) 14. Pedagogia do Oprimido (Paulo Freire) 15. O Poder do Mito (Joseph Campbell) 16. Terra, Nave Mãe - Por um socialismo ecológico (José Pedro Soares Martins) 17. Econautas-Ecologia e Jornalismo Literário Avançado (Edvaldo Pereira Lima) 18. A Cabeça Bem Feita (Edgar Morin) 19. Elogio da Loucura (Erasmo de Rotterdam) 20. O Mal-Estar da Civilização (Sigmund Freud) 21. Os Sete Enforcados (Leônidas Andreiev) 22. O Livreiro de Cabul (Asne Seierstad) Textos complementares de Fotojornalismo e Laboratório de fotojornalismo Notícia Fotojornalismo: crise ou adaptação às novas tecnologias? Do site comunique-se (http://www.comunique-se.com.br) Diagramação dos jornais, redações cada vez mais enxutas, fotos – de alta resolução – tiradas de celulares sendo publicadas. Esses são alguns dos problemas apontados pelos repórteres fotográficos, desafios que encontram no trabalho. Recentemente, uma exposição ocorrida em São Paulo levantou um debate sobre uma possível crise no fotojornalismo. Mas o fotojornalismo está mesmo em crise ou apenas em fase de adaptação às novas tecnologias? Ou ainda, não será a mídia em geral que está passando por uma crise? A exposição “Fotojornalismo 2006 - Fatos e Histórias do Cotidiano” foi organizada pela Arfoc-SP (Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Estado de São Paulo) no Centro Cultural São Paulo, em janeiro deste ano. Foram cerca de 100 trabalhos de 83 repórteres fotográficos que reportavam a Copa do Mundo, os ataques do PCC, eleições, rebeliões, manifestações, conflitos no Iraque e no Haiti, dentre outras cenas do cotidiano. Crítica O jornalista Éder Chiodetto, colaborador da Folha de S. Paulo, onde foi repórter fotográfico por quatro anos e editor de fotografia por nove, publicou uma crítica afirmando que a exposição era sintomática de uma crise que prova que “é notória a busca desenfreada pelo impacto por meio de ângulos inusitados, planos distorcidos e uso de cores primárias”. Em entrevista ao Comunique-se, Chiodetto explica que, desde que as fotos do interior dos jornais passaram a ser coloridas (devido aos anunciantes exigirem as fotos de seus produtos em cores), os repórteres fotográficos têm procurado aproximar a qualidade de suas fotografias documentais às publicitárias. “A foto publicitária é feita da forma mais perfeita possível, dentro dos padrões máximos de qualidade. Aí, do lado, tem uma foto jornalística, feita em condições reais. Há um certo rigor na foto documental. A qualidade dela é isso. Ela não chega aos pés da publicitária e nem deve chegar. [É um mal] a estetização exagerada. Você deixa de relatar e passa a fantasiar a notícia”, afirma Chiodetto.Hélio Campos Mello, que também já foi repórter fotográfico e editor de fotografia e passou por veículos como Estadão, IstoÉ e Veja (atualmente está na Revista Brasileiros, em fase de projeto), não acha que haja uma “tendência à publicidade” no fotojornalismo. “O que há é uma busca de eficiência para agradar ao máximo ao cliente do jornal, o leitor. A função do fotojornalismo é olhar e reportar com eficiência o que está acontecendo e o fotojornalismo brasileiro cumpre isso bem”, declara o jornalista. O presidente da Arfoc, Rubens Chiri, publicou uma ‘réplica’ ao artigo de Éder Chiodetto na Folha e também textos no site da Associação. Para ele, é um equívoco dizer que o fotojornalismo se aproxima cada vez mais da publicidade. “Há sim imagens que contam os fatos e ainda assim têm impacto estético, e o mais importante, comprometidas com os princípios éticos que permeiam o jornalismo. Se essa imagem venderá mais jornal ou não, é conseqüência, e não objetivo primordial, ao menos para os repórteres fotográficos”. Fotojornalismo: crise ou adaptação às novas tecnologias? (II) Na primeira matéria sobre Fotojornalismo, publicada na quinta-feira (22/03), o Comuniquese conversou com alguns profissionais sobre os desafios que os repórteres fotográficos enfrentam hoje. Uma das causas apontadas por colegas são as fotos factuais que procuram se aproximar – e/ou concorrer – com as imagens publicitárias publicadas nos jornais. Outro tema que não falta em qualquer debate sobre fotorreportagem é a publicação de fotos registradas por amadores. Há três anos a Arfoc (Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Estado de São Paulo) promove um evento chamado Encontros. O deste ano ocorreu no dia 06/03 e teve o tema “Vamos sair da crise?!”. Mas o presidente da Associação, Rubens Chiri, acha que o fotojornalismo não está em crise (por isso a brincadeira com o ponto de interrogação e exclamação). Segundo ele, o que está em crise é a mídia como um todo e citou a multiplicação de veículos que incentivam o envio de fotos pelos leitores. “A empresa, por incompetência de cobrir a cidade, passou a usufruir do cidadão. ‘Ah, meu amigo, mande foto para nós’. É bonito falar que tudo isso é liberdade de expressão, pois é assim só quando interessa ao patrão, afinal a foto vem de graça. E ainda engana a pessoa, dizendo que ela está sendo colocada na mesma condição que os profissionais. Concordo que a catástrofe sempre vai ser feita pelo amador, mas daí a institucionalizar isso eu sou totalmente contra”, declara Chiri. Juca Varella, editor de fotografia do Estadão, é o responsável pelo canal Foto Repórter, que existe há um ano e meio. “Quando começou, houve muitas manifestações e eu também tive minhas dúvidas. Mas eu vi que não era algo prejudicial, não está substituindo os profissionais nem em capacidade técnica, nem intelectual. Está apenas agregando informação”, explica Varella. Confiabilidade O presidente da Arfoc assinala também que é perigoso publicar fotos de alguém que não seja ligado ao veículo. “E se a foto tiver sido manipulada? Quais os interesses por trás dela? Com uma foto publicada, pode-se acabar com a vida de uma pessoa”. Quanto à confiabilidade de imagens enviadas por cidadãos comuns, Varella diz que o Estadão nunca teve nenhum processo contra alguém fotografado ou qualquer foto enviada pelo “Foto Repórter”. “Na dúvida, se houver qualquer suspeita, simplesmente não publicamos. Mas a prática é sempre confirmar a foto. O cidadão não é obrigado a conhecer o código de ética jornalística, mas nós que publicamos, sim”. Chiri completa que o profissional precisa ter prioridade na redação. “O repórter fotográfico tem que ter seu lugar, ter equipe, condições, carro à sua disposição, para poder cobrir os acontecimentos”, conclui. Ainda sobre o tema Fotojornalismo, o portal vai falar, numa próxima matéria, do espaço que os jornais disponibilizam para a divulgação do trabalho dos fotojornalistas. Fotojornalismo: crise ou adaptação às novas tecnologias? (III) Nesta terceira e última matéria sobre Fotojornalismo, o Comunique-se traz o debate sobre o espaço que o repórter fotográfico tem para divulgar seu trabalho. Sim, num jornal diário, raramente encontramos mais de uma ou duas fotos por reportagem. É possível fugir da fotografia como "mera ilustração do que está escrito" num diário, uma vez que a ilustração já foi feita por um taxista ou motoboy que passou primeiro no local? O jornalista Evandro Teixeira, editor de fotografia do Jornal do Brasil, diz que os jornais em geral dão pouca oportunidade para a divulgação dos excelentes trabalhos fotográficos. “Não há espaço e há um certo comodismo por parte dos editores dos jornais. Você precisa fazer uma série de pautas num dia e faz tudo correndo. O editor não te dá tempo para pensar em algo mais elaborado. Por isso vira uma ‘mesmice’", afirma Teixeira. Éder Chiodetto, que foi editor de fotografia da Folha por nove anos, afirma que não dá mais para “correr atrás de acidentes” ou tirar foto da chuva, do frio, do calor. “Vamos pensar numa pauta de profundidade em cima daquele tema. O amador não vai morar um mês no lixão ou passar uma noite no prédio que invadiram. Se fizermos uma exposição de fotos de amadores, elas vão ter mais apelo visual. Aos jornalistas resta pensar em reportagens de pesquisa, de fôlego, de profundidade”, determina Chiodetto. Agências Internacionais Rubens Chiri, presidente da Arfoc (Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Estado de São Paulo), indica outro problema recorrente nos jornais: a publicação das fotos enviadas por agências. “Não tem nada mais frustrante para o profissional do que cobrir um jogo no Pacaembu, durante duas horas, na chuva e no outro dia na capa do jornal ver uma foto de uma agência internacional. Há uma lei que impede que agência internacional produza conteúdo dentro do território nacional”, conta Chiri, que afirma ainda que muitas vezes essa decisão reflete uma “má vontade” de quem está na redação em esperar a foto ficar pronta. Da mesma opinião é o jornalista José Cordeiro, que foi mediador do 3° Encontro de repórteres fotográficos da Arfoc realizado em 06/03. “É um ciclo vicioso. Dentro da redação, o editor trabalha para fechar uma quantidade enorme de matérias e acaba optando pela opção mais simples, que é usar a primeira foto que aparece, muitas vezes a da agência. Talvez se houvesse uma pessoa ali que se concentrasse em trabalhos mais específicos, ao invés de ter que abraçar o mundo seria mais interessante”. Cordeiro acrescenta que hoje há a necessidade de “equipes maiores para fazer matérias melhores”. Livros e prêmios Seria uma saída publicar livros ou se inscrever em concursos para ter seu trabalho reconhecido? “Não é o ideal”, opina Rubens Chiri. “A idéia é que, com qualquer pauta, o fotojornalista tenha o reconhecimento de seu trabalho”. Mas é fato – e nisso os colegas entrevistados foram unânimes – que nunca profissionais ganharam tantos prêmios internacionais em fotojornalismo como hoje e que o problema não está de forma alguma na produção. Tem muito repórter fotográfico produzindo excelentes imagens. Artigo A decadência do fotojornalismo Nos anos 60 e início dos 70, a simples divulgação de fotografias teve o poder de mudar o curso da história. Em contraste com essa época de ouro, o jornalismo visual contemporâneo inunda o mundo com cartões-postais Edgar Roskis No final dos anos 60 e início dos anos 70, apenas algumas dezenas de repórteres fotográficos que trabalhavam nas agências Gamma, Magnum, UPI e Associated Press ou nas grandes revistas como Life e Paris Match eram responsáveis pela produção das imagens sobre a atualidade mundial. 1 Esta época é freqüentemente descrita como uma idade de ouro. Um pequeno grupo de operadores de prestígio e onipresentes, sendo que cada um se encontrava no lugar certo no momento certo ( “the right man, at the right time, at the right place”) , tiveram o poder de influenciar o curso da história pela simples divulgação de fotografias – ainda gravadas nas nossas memórias – cuja força e perfeição resultavam da concretização de duas regras quase científicas definindo um ideal espaço-temporal: “o instante decisivo”, teorizado por Henri Cartier-Bresson e o adágio de Robert Capa segundo o qual “se sua foto não é boa, é que você não estava suficientemente perto”2 É obvio que estes anos de opulência tomam tal dimensão pelo contraste com a miséria atual do foto-jornalismo. Existia, na realidade, correntes que preferiam a pose ao instantâneo, a estética ao documento, a comoção à narração, o arranjo sobre a história, mas estas correntes, que hoje dominam, eram então dominadas. A maioria das “grandes” fotografias de atualidades daquele período são puros instantâneos, sem concessões nem floreios, realizados por operadores excepcionalmente sóbrios e precisos. Realizada por Don McCullin, em 1969, a foto de uma criança albina de Biafra, mal se mantendo em pé sobre pernas filiformes com uma caixa de corned-beef entre suas mãos frágeis, mostrou à consciência do mundo o estado de fome ao qual estava reduzido um povo cuja própria existência era ignorada antes dessa reportagem. O combatente da Frente Nacional de Libertação (FNL) executado com uma bala na têmpora pelo chefe da polícia de Saigon e depois, quatro anos mais tarde, a menina correndo nua pela estrada depois de ter tirado as roupas queimadas pelo napalm, dois documentos publicados nas primeiras páginas de toda a imprensa internacional3, revoltaram a opinião contra a guerra do Vietnã. A de Larry Burrows, que apareceu em página dupla no Life , ao mostrar um fuzileiro ferido recebendo socorro de um dos seus camaradas no meio da lama no Extremo Oriente, termina, além das derrotas sofridas por seu exército, por convencer os próprios norte-americanos que daquela guerra eles só poderiam esperar perdas catastróficas e um afogamento total. Se por si só não mudaram a face do mundo, estas imagens e congêneres, pelo rigor de suas constatações, no mínimo desencadearam a resistência contra a ação dos poderosos. Até o niilismo dos anos oitenta, quando as sereias do liberalismo começaram a cantar nos ouvidos dos mais passíveis de se encaminharem por “desvios”, quando as classes médias aumentam de importância enquanto as classes inferiores eram abandonadas à sua sorte, quando só se espera a salvação individual, interessar-se pelos mais desfavorecidos equivalia a tomar partido em uma lógica claramente anti-capitalista. Enviados às frentes onde se afogavam os avanços e retrocessos do Progresso, derrotas e vitórias do Império, confrontados com os desequilíbrios do espetáculo assim oferecidos aos seus olhos, os jornalistas, quaisquer que fossem suas especialidades e seu grau de consciência política, se colocavam moralmente no campo antiimperialista pelo simples fato de se projetar fisicamente do lado dos sitiados. Eles aí descobriam não só a miséria quanto a injustiça. A partir daí tudo é confuso. A “ética” dos direitos do homem que substitui a análise política, ou simplesmente a observação honesta e completa, embaralha a visão dos operadores, sua percepção delineia as linhas de demarcação entre opressores e oprimidos, frustra sua atitude de localizar os eixos de responsabilidades. Eles se dizem sempre mais ou menos “de esquerda” 4, como demonstram regularmente as pesquisas sociológicas , mas são de esquerda como se é nos nossos dias, isto é, vagamente do lados das “vítimas”, sem saber muito bem o que eles são e principalmente do quê ou de quem elas são vítimas5. Com exceção de raros caçadores solitários6, os bravos infantes da reportagem atual se enredam em corpos expedicionários iconográficos, embarcam em grupos em um grande navio militar ou humanitário para margens de rios ou lagos cheios de desgraça, para uma travessia cheia de brumas onde transborda o humanismo e se afoga o discernimento. Uma vez desembarcados, precipitam-se em busca da Desgraça para que eles sintam o que Proust chamava “uma ternura de embriagado”, com esta lucidez particular que busca a intemperança7. O consenso sobre os modelos são a partir de agora tão amplos que de um mesmo evento diferentes operadores podem encaixar imagens absolutamente idênticas. É alucinante a cena registrada, em agosto de 1994, no campo de Kabday8 onde vemos mais de três operadores filmarem ao redor de um refugiado de Ruanda, faminto e possivelmente doente de cólera, obrigado a arrastar-se diante deles até que eles estejam satisfeitos com a sua composição. Mesma sessão de pose, dois meses mais tarde no Iraque: desta vez o sujeito rastejante é um marinheiro, exemplar único, lote de consolação oferecido pela assessoria de imprensa do exército americano aos fotógrafos e produtores de vídeo desesperados com a proibição que lhes é imposta negando a ida até o fronte da guerra do Golfo9. Afora qualquer julgamento moral, o que nos transmite este repórter fotográfico que, para conseguir seu objetivo, se apóia, aparentemente sem se dar conta, sobre o corpo morto ou moribundo de uma menina de Ruanda10, desqualificando-a, de uma certa forma, por uma segunda vez? Ao menos isto: que alguém pode se imergir em uma realidade sem, no entanto, ver nada. Na maioria dos casos, trata-se de conseguir, negligenciando-se tudo que poderia complicar as coisas, a oposição dual a mais limpa possível, o símbolo puro. Sem necessariamente utilizar formas tão caricaturais, o casting, o manequim reto e pouco natural, mais ou menos deliberado tornou-se a regra da “reportagem” visual contemporânea. Os indivíduos não são colocados mais no quadro de uma imagem pela sua singularidade ou simplesmente porque eles aí estão – eles e ninguém mais - , eles são escolhidos por sua representatividade estatística, sua conformidade com um modelo de alteridade aceitável – portanto, assimilável- pelos cânones da visão ocidental, publicitária, do mundo: bastante “outros” para serem exóticos , suficientemente “mesmos” para merecer nosso interesse e suscitar nossa compaixão11. Apesar do “ profissionalismo”, do qual se prevalecem os atores da cadeia gráfica para decidir as imagens a serem produzidas, difundidas e publicadas, ele consiste mais em determinar o que “passa” nos jornais impressos ou televisivos do que em saber e compreender o que “se passa” no mundo. O acordo, o consenso sobre os modelos (do que interessa, merece, emociona etc.) são a partir de agora tão amplos que de um mesmo evento diferentes operadores podem encaixar imagens absolutamente idênticas. Do aperto de mão trocado entre Rabin e Arafat, no dia 13 de setembro de 1993 em Washington, existem mais de duzentas versões do foto e do vídeo nos quais nada de substancial as diferencia, pura e simplesmente porque elas foram produzidas por mais de duzentos fotógrafos e produtores de vídeo que aceitaram serem acantonados numa mesma plataforma. Disso resulta a possibilidade de um só enfoque. É verdade que o constrangimento era imposto pelos serviços especiais da Casa Branca para os quais a representação não tem mais segredos, com a finalidade clara de fazer aparecer Clinton – isto é, a América – como Cristo12 pacificador. Mas estes serviços não fizeram nada mais que – de uma maneira coercitiva – integrar à sua própria cultura da comunicação princípios inicialmente praticados livremente em trabalhos pelos próprios fotógrafos, quando eles descobrem as virtudes maniqueístas da alegoria e do símbolo. É sem terem combinado e nem mesmo terem marcado encontro que Marc Riboud, da agência Magnum, e Bernie Boston, da revista Life, registraram manifestações pacifistas diante do Pentágono, em 1967, dois clichês semelhantes, com minúsculos detalhes estéticos próximos: lado pátio, os fuzis, lado jardim, as flores, e o assunto estava resolvido. É sem se perguntar sobre a questão da duplicidade que três fotógrafos e um produtor de vídeo, reunidos pelas circunstâncias – ou pelo espírito de corpo- , no dia 5 de junho de 1989, em um escritório que avança sobre a avenida que leva à praça Tinanmen, conseguiram e puseram em circulação estritamente a mesma imagem, super conhecida, de um chinês interrompendo a marcha de uma coluna de tanques.Nesta tarefa onde trata-se muito mais de pintar que descrever, o autor prima sobre o assunto, o estilo sobre o objeto, a composição sobre o documento. O caso do produtor de vídeo, que trabalhava para o canal de televisão britânica ITN é interessante pois neste caso o assunto não é tão simples: a seqüência que ele rodou dura muitos minutos. Aí vemos o homem se interpor enquanto a coluna se impacienta, subir no primeiro tanque procurando um meio de entrar nele. O veículo, que agora tem a via livre e poderia, portanto, avançar, permanece imóvel. A escotilha da torre se abre, um escudeiro sai mas o homem, que parece ter renunciado, recua, fica de costas para ele e não percebe a sua presença , o que torna a situação cômica. O escudeiro, armado, poderia interpelá-lo. Ele se abstém. O homem desce para o asfalto, um grupo de civis o afasta. A ITN só montou e difundiu os primeiros segundos desse plano seqüencial, reduzindo-o a um videograma praticamente idêntico à imagem fixa das quais seus três confrades são, de certa forma, os co-autores. Eliminando os rushes julgados impróprios ao consumo como tantas escórias que ameaçam poluir a nitidez da mensagem, o canal praticou o mesmo tipo de depuração em que se baseia a reportagem contemporânea, que atingiu seu paroxismo em Kosovo onde era preciso estabelecer definitivamente que os Sérvios eram certamente os únicos maus. Na maioria dos casos, trata-se de conseguir, negligenciando-se tudo que poderia complicar as coisas, a oposição dual a mais limpa possível, o símbolo puro como cristal, extraídas de contingências viscosas, brilhando tal qual a fonte de água clara, a única própria para estancar a sede, a estabelecer a luz, a suscitar adesão ; de um lado as baionetas, os fuzis, os tanques, os abutres, os terroristas, os islamitas; do outro lado os troncos nus, as flores, os olhares suplicantes, as populações excluídas, as vítimas aflitas, as distribuições de medicamentos e de comida. Ainda assim o uniforme tende a desaparecer atrás do véu da censura, pois hoje o soldado, humanitário, cirurgião, não mata mais: ele cura. Um exército de operadores trabalha cotidianamente na construção de tais alegorias, extraindo sua inspiração em uma tradição pictural herdada de Eugene W. Smith, inventor do “fotógrafo engajado” (concerned photographer”) , segundo a qual toda cena é destinada a se tornar um quadro, como seu afresco lírico sobre a poluição do vilarejo japonês de Minamata. Para eles o mundo é um gigantesco workshop, uma oficina planetária propícia ao exercício de sua arte, ao desenvolvimento de seus “ensaios”, estes “photographic essays” tão caro aos repórteres ao longo do tempo. Nesta tarefa onde trata-se muito mais de pintar que descrever, o autor prima sobre o assunto, o estilo sobre o objeto, a composição sobre o documento. “Nestas fotografias, não é tanto o mundo que aprendemos a conhecer mas o estilo dos autores que buscamos reconhecer”, escreve Gilles Saussier13. Superabundância de mensageiros, incontinência de signos, profusão de imagens, este novo estado da oferta visual tem muitas conseqüências irritantes. Primeiro a instauração de um regime deflacionista, característica de toda economia em superprodução: cada objeto produzido, no caso fotografias e reportagens visuais, nele perde em valor ( neste caso em utilidade, justeza, qualidade, em impacto), e inclusive – os fotógrafos e os produtores de vídeo se ressentem em primeiro lugar – em valor de mercado. O consumidor (leitor, telespectador, cidadão) exprime esta perda quando evoca “tudo o que se passa”, sugerindo que imagens e acontecimentos se perdem no meio da massa. Ele sente uma indiferença cada vez maior que é o contrário do objetivo fixado. Continuar a “vender” nestas condições necessita a criação de um valor agregado: é o papel do “estilo”- a exemplo do design quando ele reveste mecanismos de qualidade medíocre -, a pior das soluções em matéria de jornalismo é quando o estilo se exerce em detrimento de uma informação completa e comprovada. O consumidor (leitor, telespectador, cidadão) quando sente uma indiferença cada vez maior que é o contrário do objetivo fixado, A segunda conseqüência é uma constatação: as dezenas de milhares de imagens produzidas a cada dia no mundo se agregam às dezenas de milhões de imagens conservadas nos estoques de arquivos para fins de reciclagem. A esperança de realizar fotos singulares se reduz, portanto, com o decorrer do tempo. Recorrendo-se a um sistema esgotado de modelos narrativos, de composições, enquadramentos, uso de efeitos, as reportagens tendem a se assemelhar, a se referir umas às outras muito mais que ao seu objeto, em um jogo de espelho iconográfico onde o desafio não é mais a realidade, a narração da história ou ao menos a história, mas o jogo em si mesmo. Finalmente, o mais grave é a primazia da forma, do ritual assim instituído, como escreve Gilles Saussier, “conduzir diretamente ao revisionismo e à falsificação da história” 14. Saussier conta como o fotógrafo David Turnley ganhou o prêmio da World Press, uma das mais altas distinções da corporação, com um clichê “mostrando um soldado americano chorando a morte de um de seus camaradas vítima de um friendly fire, isto é, morto por engano de seu próprio campo”. “Graças a ele, escreve, um fato totalmente marginal tinha sido transformado em uma imagem símbolo, resumindo e mascarando um conflito que principalmente custo a vida de milhares de pobres diabos iraquianos.”Por ocasião do último conflito afegão, como também no Iraque, os jornalistas não estiveram à altura de fotografar ou filmar em nenhum momento soldados americanos em ação. Na falta de imagens da verdadeira guerra, leitores e telespectadores tiveram direito durante meses a uma distribuição de verdadeiros cartões postais: graciosas danças de cargueiros militar humanitários , mulheres liberadas de seu véu e livres para fazer fila diante da fachada azul vivo do World Food Programme (WFP) da ONU, paraquedismo de víveres condicionados em lindos sacos amarelos que normalmente servem para embalar minas anti-pessoas, “bons” milicianos afegães atravessando as dunas sob o sol que se recolhia, o raspar tranqüilizante de barbas muçulmanas, finalmente, em julho de 2002, visita amigável do secretário adjunto da defesa americana Paul Wolfowirz e formação sob a bandeira cheia de estrelas de um exército afegão “nacional”. Ninguém duvida que os estados maiores ainda comprarão, a partir da próxima ocasião, prospectos publicitários tão gentilmente confeccionados. (Original pulblicado no Le Monde Diplomatique Trad.: Celeste Marcondes) 1 - Resultado de uma intervenção no encontro organizado em Perpignan, em setembro de 2002, durante o Festival “Visa para a imagem”, esse artigo se restringe a seu tema inicial : a degradação do fotojornalismo. Entretanto, a análise concerne também às reportagens dos noticiários tal como são feitas pelas televisões. 2 - Robert Capa seguia seriamente esse princípio e por ele morreu: no dia 25 de maio de 1954, na estrada de Thai-Binh (no Vietnã do Norte) pisou numa mina ao saltar uma trincheira. 3 - Fotos feitas respectivamente em 1968 e 1972 por Eddie Adams e Nick Ut, os dois fotógrafos da Associated Press e ganhadores do prêmio Pulitzer. 4 - Sem entrar no debate sobre o quê significa exatamente « esquerda », ver por exemplo a pesquisa publicada na revista Marianne, de 23 de abril de 2001, segundo a qual apenas “6% dos jornalistas pensam em votar na direita”. Tratando-se especialmente dos reporteres fotógraficos, fundadores da agência Gamma ou da Viva, citando apenas essas duas agências, eles eram bastante comprometidos com as vanguardas progressistas dos anos 60 e 70. 5 - Sobre as devastações modernas da ideologia do sacrifício pelas vítimas e da ética dos direitos humanos, ler Alain Badiou, “L ‘ éthique, essai sur la consciência du Mal” , Hatier, Paris, outubro 1993. 6 - Entre eles James Nachtwey que expõe vinte anos de suas fotografias de guerra na Biblioteca Nacional da França até março de 2003. A obra de Nachtwey cujo a motivação explícita é a « compaixão », parece combinar a tradição do documentário e a estética da « vítima ». 7 - Sobre o efeito « caridade » e a pervesidade da promiscuidade entre fotógrafos e ação humanitária, leia, sobre Ruanda “Brancos filmam Negros”, Le Monde Diplomatique, 1994. 8 - Feita por S. Peterson (Gamma/ Liaison). 9 - Foto de Laurent Rebours ( AP) publicada no jornal Libération de 14 de outubro de 1994. 10 - Esta cena, porque depois de várias outras semelhantes ela provocara sua cólera, foi fotografada em agosto de 1994 entre Goma e Katalé por Jean Michel Turpin ( Gamma) e publicada no Le Monde Diplomatique de novembro de 1994 acompanhada do artigo citado. 11 - Aquilo que Alain Radiou expressa : “Na verdade, esse famoso “outro” só é apresentável se ele é um bom outro, isto quer dizer que, a não ser o mesmo que nós ?” (obra citada) 12 - Ver “O aperto de mão ou a atualidade programada”, jornal Libération , de 24 de outubro de 1993. 13 - Em “Situations du reportage, actualité d’une alternative documentaire”, Comunications. número 71, 2001, uma das análises mais perfeitas resultantes da fotojornalismo, cujo autor é um fotógrafo de agência. 14 - Idém Técnicas fotográficas Foco A imagem que vemos pode estar em variados planos. Um objeto pode estar a alguns metros e outro a dezenas. A composição da imagem passa pela escolha dos planos envolvidos na imagem, bem como da definição do foco de cada um. A maioria das câmeras possui foco automático. Isso é bom pela praticidade, mas ruim pois limita o raio de intervenção da fotografia. É possível obter imagens excelentes com focos em planos não usuais. Privilegiando o primeiro plano, isto é, o mais próximo, o fundo da imagem se desfocará. Se focarmos planos mais longínquos, perdemos o objeto do primeiro plano, que se desfoca. Cada imagem possui possibilidades distintas de interpretação de qual ângulo pode dar uma imagem melhor. Enquadramento O enquadramento é a escolha da porção do mundo que se deseja mostrar, de que ângulo, privilegiando quais objetos. Embora em todas as etapas exista a intervenção e as decisões da fotografia, talvez esse seja o momento mais explícito. No enquadramento, cortamos objetos, destacamos outros, posicionamos os elementos do mundo em um nível de zoom que dê conta da melhor composição possível. O enquadramento expressa as intenções de quem tirou a imagem, embora isso não seja algo puramente objetivo. Utilizar lentes com zoom variável possibilita diversas experimentações. Lembre-se que você pode re-enquadrar a imagem na manipulação final - seja em um editor de imagens ou na ampliação em papel. Lentes / Diafragma Diagrama de abertura: Cada lente possui um nível de sensibilidade, em que 1 é o olho humano. Câmeras comuns costumam ter sensividade entre 2.8 e 4.5 (quanto mais alto, menos sensível). Esse número indica a abertura do diafragma. As lentes podem ter abertura do diafragma fixa ou podem permitir o controle de abertura (ex: de 1.8 - mais sensível - a 22 - menos sensível). No entanto, uma lente mais aberta resulta em uma foto com menor profundidade de campo (menor área focada). A abertura influencia na profundidade de campo. Quanto maior for, menor a área focada: Profundidade de campo diminuída, usando abertura f5: Profundidade de campo aumentada, usando abertura f32: Tempo de exposição É o tempo durante o qual o filme será atingido pela imagem, vinda da lente. É medido em frações de segundo. Ex: 1/60 ou 1/125 são velocidades comumente usadas em câmeras automáticas. Em algumas câmeras, é possível controlar o tempo em função do tipo de foto que se deseja tirar. Uma foto de um objeto em movimento deve ser tirada com uma velocidade alta: (ex: 1/125 no mínimo, de preferência 1/250, 1/500, 1/1000). No entanto, menos tempo de exposição significa menor quantidade de luz atingindo o filme, exigindo uma abertura maior do diafragma. Abaixo de 1/30 é grande a possibilidade de o objeto fotografado se mover e manchar a imagem. Isso pode gerar imagens muito bonitas ou desfigurar cenários, conforme a situação. Geralmente nossa mão nos dá firmeza até 1/30. Abaixo disso (1/15, 1/8 etc) é muito difícil não tremer - abaixo de 1/4 é humanamente impossível. Por isso, aproveite-se de qualquer apoio disponível - que podem ser tripés, paredes, postes etc. Se a imagem não tiver muito movimento, é possível obter fotos interessantes com exposições mais longas. Se o objeto fotografado for inerte, não há problemas em expor a imagem por alguns segundos, no caso de ausência de luz. Note que de acordo com o filme, efeitos muito interessantes podem surgir com a exposição prolongada , tais como cores distorcidas e estouradas. Diferenças utilizando tempos distintos de exposição: Sensibilidade do filme É indicado pelo o ISO / ASA. São comuns filmes de película ASA 100, 200 e 400. Quanto maior o número, mais sensível é o filme (e menor a quantidade de luz necessária para sensibilizar o dispositivo). No caso de filmes, no entanto, quanto maior a sensibilidade, maiores serão os grãos de brometo - resultando numa foto mais granulada. Um filme de ASA baixa (50, 25) tem uma definição maior, podendo ser ampliadas sem perda de nitidez. No caso de fotografia digital, a ASA é uma emulação do sensor, que resulta num resultado próximo, mas não idêntico, ao processo analógico. Deve-se escolher a ASA do filme de acordo com o objeto escolhido. Alguns exemplos: * Fotojornalismo: dê preferência a ASA alta, em geral acima de 400, pois geralmente são imagens que envolvem movimento. Logo, é necessário expor por menos tempo e com abertura maior. Um filme mais sensível auxilia na conta. * Foto noturna: suas fotos dificilmente sairão utilizando ASA menor que 800, a não ser que utilize flash. Nesse caso, não é necessário um filme super sensível - quando ASA 100 é adequado * Foto de detalhes / precisão: para fotografar com grande nível de detalhes - permitindo grandes ampliações com garantia de foco - use ASA baixa: 100, 50, 25 etc. Fotometria Fotometria é a medição da quantidade de luz existente no ambiente, que será base para regulagem do tempo de exposição e da abertura do diafragma. A maior parte das câmeras possui regulagem automática de fotometria. Em determinadas câmeras, é possível medir a luz manualmente. No caso de uma situação com iluminação desigual, muitas vezes a regulagem automática poderá não medir a luz corretamente para nenhuma das áreas. Com a medição manual, é possível escolher uma área e privilegiar a fotometria - a outra parte ficará subexposta ou hiperesposta. Equilíbrio de acordo com o tema Basicamente, uma boa fotografia parte de um objetivo, que necessitará de uma combinação adequada entre: Foco e Enquadramento, Tempo de exposição, Abertura, Sensibilidade e Fotometria Exemplos: No caso de ausência de luz: deve-se utilizar sensibilidade alta. Não sendo possível, é preciso aumentar o tempo de exposição e/ou abertura. Num dia de sol, em ambiente aberto: pode-se tanto tirar fotos de velocidade congelando o objeto - como utilizar uma abertura bem pequena - que resulta em maior profundidade de campo, traduzido em uma imagem nítida e focada. Aqui não é necessário filme / sensor de alta sensibilidade. Situação com não muita luz e movimento: há pouca luz, portanto você vai ter que sacrificar alguma coisa. Geralmente se sacrifica a abertura e em seguida o tempo de exposição, mas isso é uma questão de gosto pessoal. Às vezes, se sacrifica a nitidez da imagem em função do movimento que ela traz, de sua expressividade. O efeito gerado pela não-nitidez às vezes constitui na grande beleza de uma imagem. Note que muitas vezes fotos maravilhosas são feitas nas tentativas de levar uma situação ao extremo, forçando a quantidade de luz ou então afixando a câmera a algum ponto fixo e usando de baixa velocidade. Às vezes a força de uma imagem não está necessariamente em grande definição / foco, mas na força da expressão da imagem. Outras vezes, o objetivo é justamente uma grande definição. Ou mesmo, fotos podem ser muito bonitas quando borradas / mexidas, conforme a situação escolhida. Cabe à pessoa que for realizar a fotografia equilibrar esses pontos, valendo-se sempre da experimentação. LIVRO OS PIONEIROS História da fotorreportagem no Brasil: a fotografia na imprensa do Rio de Janeiro de 1839 a 1900 Autor: Joaquim Marçal Ferreira de Andrade Copyright 2003, Elsevier Editora/Campus, 304 páginas, R$ 49 www.campus.com.br O livro mostra a explosão da fotografia no País, só que no século 19: História da fotorreportagem no Brasil, da Editora Campus. De autoria do pesquisador e professor Joaquim Marçal Ferreira de Andrade, da Biblioteca Nacional e da PUC/RJ, a obra traça a evolução do fotojornalismo na imprensa do Rio de Janeiro, de 1839 até 1900. Longe de ser algo muito árido e específico, conhecemos de forma agradável os primórdios da fotografia no Brasil e seus primeiros praticantes, como o francês radicado no Brasil Hercules Florence, que descobriu um processo fotográfico em 1833, seis anos antes, portanto, da descoberta do daguerreótipo, equipamento oficialmente reconhecido como o primeiro tipo de câmera fotográfica. A paixão que a fotografia imediatamente despertou no então jovem D. Pedro II, futuro imperador, foi uma das molas propulsoras de sua divulgação no País. O governante foi o primeiro cidadão brasileiro a fotografar, em 1840, e chegou a criar a distinção "Fotógrafo da Casa Imperial", ao qual vários pioneiros no uso da fotografia fizeram jus. Os do ateliê Buvelot & Prat, sediados na cidade do Rio de Janeiro, foram os primeiros a recebê-la, dois anos antes de a rainha Vitória, da Inglaterra, conceder pela primeira vez honraria semelhante a um fotógrafo, Antoine Claudet, agraciado como "Photographer in-the-ordinary to the Queen". Várias viagens do imperador pelo Brasil foram fotografadas, como a realizada ao Recife em 1859 e documentada pelo alemão Augusto Stahl, que chegou a fazer uma seqüência batizada como "Desembarque de Suas Magestades em Recife". Os registros aconteceram cinco minutos antes, no momento e cinco minutos depois. Ela é considerada pelos historiadores como a primeira reportagem fotográfica de nossa história. A vocação documental e jornalística da fotografia brasileira logo se revelaria. A guerra do Paraguai, ocorrida entre 1865 e 1870, foi o primeiro conflito armado captado pelos fotógrafos nacionais, entre eles Luiz Terragno e e Frederico Trebi, pouco depois de o americano Mathew Brady ficar famoso pelas suas fotos da Guerra da Secessão, nos Estados Unidos. Nessa época também desponta a obra do grande Marc Ferrez, filho de artistas franceses, nascido no Rio, reconhecido como o grande fotógrafo brasileiro do século 19. Único a receber o título de "Fotógrafo da Marinha Imperial", outorgado pelo imperador D. Pedro II, suas paisagens e retratos são de extremo valor para a história do Brasil. Os jornais, que então começavam a utilizar ilustrações e gravuras em suas reportagens, logo perceberam o valor dessa nova técnica. Em 1901, um profético Olavo Bilac dizia: "Nós, os rabiscadores de artigos e notícias, já sentimos que nos falta o solo debaixo dos pés... Um exército rival vem solapando os alicerces em que até agora assentava a nossa supremacia: é o exército dos desenhistas, dos caricaturistas e dos ilustradores. (...) Já ninguém mais lê os artigos. Todos os jornais abrem espaço a ilustrações copiosas, que [entram] pelos olhos da gente com uma insistência assombrosa." Uma foto começava a valer mais do que mil palavras. http://www.terra.com.br/istoedinheiro/reportagens/olhar_eletronico.htm# EL MEJOR OFICIO DEL MUNDO Palabras pronunciadas por el periodista y escritor colombiano Gabriel García Márquez, Premio Nobel de Literatura y presidente de la Fundación para un Nuevo Periodismo Iberoamericano, ante la 52a. asamblea de la Sociedad Interamericana de Prensa, SIP, en Los Angeles, U.S.A., octubre 7 de 1996. A una universidad colombiana se le preguntó cuáles son las pruebas de aptitud y vocación que se hacen a quienes desean estudiar periodismo y la respuesta fue terminante: “Los periodistas no son artistas”. Estas reflexiones, por el contrario, se fundan precisamente en la certidumbre de que el periodismo escrito es un género literario. Hace unos cincuenta años no estaban de moda las escuelas de periodismo. Se aprendía en las salas de redacción, en los talleres de imprenta, en el cafetín de enfrente, en las parrandas de los viernes. Todo el periódico era una fábrica que formaba e informaba sin equívocos, y generaba opinión dentro de un ambiente de participación que mantenía la moral en su puesto. Pues los periodistas andábamos siempre juntos, hacíamos vida común, y éramos tan fanáticos del oficio que no hablábamos de nada distinto que del oficio mismo. El trabajo llevaba consigo una amistad de grupo que inclusive dejaba poco margen para la vida privada. No existían las juntas de redacción institucionales, pero a las cinco de la tarde, sin convocatoria oficial, todo el personal de planta hacía una pausa de respiro en las tensiones del día y confluía a tomar el café en cualquier lugar de la redacción. Era una tertulia abierta donde se discutían en caliente los temas de cada sección y se le daban los toques finales a la edición de mañana. Los que no aprendían en aquellas cátedras ambulatorias y apasionadas de veinticuatro horas diarias, o los que se aburrían de tanto hablar de los mismo, era porque querían o creían ser periodistas, pero en realidad no lo eran. El periódico cabía entonces en tres grandes secciones: noticias, crónicas y reportajes, y notas editoriales. La sección más delicada y de gran prestigio era la editorial. El cargo más desvalido era el de reportero, que tenía al mismo tiempo la connotación de aprendiz y cargaladrillos. El tiempo y el mismo oficio han demostrado que el sistema nervioso del periodismo circula en realidad en sentido contrario. Doy fe: a los diecinueve años - siendo el peor estudiante de derecho - empecé mi carrera como redactor de notas editoriales y fui subiendo poco a poco y con mucho trabajo por las escaleras de las diferentes secciones, hasta el máximo nivel de reportero raso. La misma práctica del oficio imponía la necesidad de formarse una base cultural, y el mismo ambiente de trabajo se encargaba de fomentarla. La lectura era una adicción laboral. Los autodidactas suelen ser ávidos y rápidos, y los de aquellos tiempos lo fuimos de sobra para seguir abriéndole paso en la vida al mejor oficio del mundo - como nosotros mismos lo llamábamos. Alberto Lleras Camargo, que fue periodista siempre y dos veces presidente de Colombia, no era ni siquiera bachiller. La creación posterior de las escuelas de periodismo fue una reacción escolástica contra el hecho cumplido de que el oficio carecía de respaldo académico. Ahora ya no son sólo para la prensa escrita sino para todos los medios inventados y por inventar. Pero en su expansión se llevaron de calle hasta el nombre humilde que tuvo el oficio desde sus orígenes en el siglo XV, y ahora no se llama periodismo sino Ciencias de la Comunicación o Comunicación Social. El resultado, en general, no es alentador. Los muchachos que salen ilusionados de las academias, con la vida por delante, parecen desvinculados de la realidad y de sus problemas vitales, y prima un afán de protagonismo sobre la vocación y las aptitudes congénitas. Y en especial sobre las dos condiciones más importantes: la creatividad y la práctica. La mayoría de los graduados llegan con deficiencias flagrantes, tienen graves problemas de gramática y ortografía, y dificultades para una comprensión reflexiva de textos. Algunos se precian de que pueden leer al revés un documento secreto sobre el escritorio de un ministro, de grabar diálogos casuales sin prevenir al interlocutor, o de usar como noticia una conversación convenida de antemano como confidencial. Lo más grave es que estos atentados éticos obedecen a una noción intrépida del oficio, asumida a conciencia y fundada con orgullo en la sacralización de la primicia a cualquier precio y por encima de todo. No los conmueve el fundamento de que la mejor noticia no es siempre la que se da primero sino muchas veces la que se da mejor. Algunos, conscientes de sus deficiencias, se sienten defraudados por la escuela y no les tiembla la voz para culpar a sus maestros de no haberles inculcado las virtudes que ahora les reclaman, y en especial la curiosidad por la vida. Es cierto que estas críticas valen para la educación general, pervertida por la masificación de escuelas que siguen la línea viciada de lo informativo en vez de lo formativo. Pero en el caso específico del periodismo parece ser, además, que el oficio no logró evolucionar a la misma velocidad que sus instrumentos, y los periodistas se extraviaron en el laberinto de una tecnología disparada sin control hacia el futuro. Es decir, las empresas se han empeñado a fondo en la competencia feroz de la modernización material y han dejado para después la formación de su infantería y los mecanismos de participación que fortalecían el espíritu profesional en el pasado. Las salas de redacción son laboratorios asépticos para navegantes solitarios, donde parece más fácil comunicarse con los fenómenos siderales que con el corazón de los lectores. La deshumanización es galopante. No es fácil entender que el esplendor tecnológico y el vértigo de las comunicaciones, que tanto deseábamos en nuestros tiempos, hayan servido para anticipar y agravar la agonía cotidiana de la hora del cierre. Los principiantes se quejan de que los editores les conceden tres horas para una tarea que en el momento de la verdad es imposible en menos de seis, que les ordenan material para dos columnas y a la hora de la verdad sólo les asignan media, y en el pánico del cierre nadie tiene tiempo ni humor para explicarles por qué, y menos para darles una palabra de consuelo. “Ni siquiera nos regañan”, dice un reportero novato ansioso de comunicación directa con sus jefes. Nada: el editor que antes era un papá sabio y compasivo, apenas si tiene fuerzas y tiempo para sobrevivir él mismo a las galeras de la tecnología. Creo que es la prisa y la restricción del espacio lo que ha minimizado el reportaje, que siempre tuvimos como el género estrella, pero que es también el que requiere más tiempo, más investigación, más reflexión, y un dominio certero del arte de escribir. Es en realidad la reconstitución minuciosa y verídica del hecho. Es decir: la noticia completa, tal como sucedió en la realidad, para que el lector la conozca como si hubiera estado en el lugar de los hechos. Antes que se inventaran el teletipo y el télex, un operador de radio con vocación de mártir capturaba al vuelo las noticias del mundo entre silbidos siderales, y un redactor erudito las elaboraba completas con pormenores y antecedentes, como se reconstruye el esqueleto entero de un dinosaurio a partir de una vértebra. Sólo la interpretación estaba vedada, porque era un dominio sagrado del director, cuyos editoriales se presumían escritos por él, aunque no lo fueran, y casi siempre con caligrafías célebres por lo enmarañadas. Directores históricos tenían linotipistas personales para descifrarlas. Un avance importante en este medio siglo es que ahora se comenta y se opina en la noticia y en el reportaje, y se enriquece el editorial con datos informativos. Sin embargo, los resultados no parecen ser los mejores, pues nunca como ahora ha sido tan peligroso este oficio. El empleo desaforado de comillas en declaraciones falsas o ciertas permite equívocos inocentes o deliberados, manipulaciones malignas y tergiversaciones venenosas que le dan a la noticia la magnitud de un arma mortal. Las citas de fuentes que merecen entero crédito, de personas generalmente bien informadas o de altos funcionarios que pidieron no revelar su nombre, o de observadores que todo lo saben y que nadie ve, amparan toda clase de agravios impunes. Pero el culpable se atrinchera en su derecho de no revelar la fuente, sin preguntarse si él mismo no es un instrumento fácil de esa fuente que le transmitió la información como quiso y arreglada como más le convino. Yo creo que sí: el mal periodista piensa que su fuente es su vida misma - sobre todo si es oficial- y por eso la sacraliza, la consiente, la protege, y termina por establecer con ella una peligrosa relación de complicidad, que lo lleva inclusive a menospreciar la decencia de la segunda fuente. ser demasiado anecdótico, creo que hay otro gran culpable en este drama: la grabadora. Antes de que ésta se inventara, el oficio se hacía bien con tres recursos de trabajo que en realidad eran uno sólo: la libreta de notas, una ética a toda prueba, y un par de oídos que los reporteros usábamos todavía para oír lo que nos decían. El manejo profesional y ético de la grabadora está por inventar. Alguien tendría que enseñarles a los colegas jóvenes que la casete no es un sustituto de la memoria, sino una evolución de la humilde libreta de apuntes que tan buenos servicios prestó en los orígenes del oficio. La grabadora oye pero no escucha, repite - como un loro digital - pero no piensa, es fiel pero no tiene corazón, y a fin de cuentas su versión literal no será tan confiable como la de quien pone atención a las palabras vivas del interlocutor, las valora con su inteligencia y las califica con su moral. Para la radio tiene la enorme ventaja de la literalidad y la inmediatez, pero muchos entrevistadores no escuchan las respuestas por pensar en la pregunta siguiente. La grabadora es la culpable de la magnificación viciosa de la entrevista. La radio y la televisión, por su naturaleza misma, la convirtieron en el género supremo, pero también la prensa escrita parece compartir la idea equivocada de que la voz de la verdad no es tanto la del periodista que vio como la del entrevistado que declaró. Para muchos redactores de periódicos la transcripción es la prueba de fuego: confunden el sonido de las palabras, tropiezan con la semántica, naufragan en la ortografía y mueren por el infarto de la sintaxis. Tal vez la solución sea que se vuelva a la pobre libretita de notas para que el periodista vaya editando con su inteligencia a medida que escucha, y le deje a la grabadora su verdadera categoría de testigo invaluable. De todos modos, es un consuelo suponer que muchas de las transgresiones éticas, y otras tantas que envilecen y avergüenzan al periodismo de hoy, no son siempre por inmoralidad, sino también por falta de dominio profesional. Tal vez el infortunio de las facultades de Comunicación Social es que enseñan muchas cosas útiles para el oficio, pero muy poco del oficio mismo. Claro que deben persistir en sus programas humanísticos, aunque menos ambiciosos y perentorios, para contribuir a la base cultural que los alumnos no llevan del bachillerato. Pero toda la formación debe estar sustentada en tres pilares maestros: la prioridad de las aptitudes y las vocaciones, la certidumbre de que la investigación no es una especialidad del oficio sino que todo el periodismo debe ser investigativo por definición, y la conciencia de que la ética no es una condición ocasional, sino que debe acompañar siempre al periodismo como el zumbido al moscardón. El objetivo final debería ser el retorno al sistema primario de enseñanza mediante talleres prácticos en pequeños grupos, con un aprovechamiento crítico de las experiencias históricas, y en su marco original de servicio público. Es decir: rescatar para el aprendizaje el espíritu de la tertulia de las cinco de la tarde. Un grupo de periodistas independientes estamos tratando de hacerlo para toda la América Latina desde Cartagena de Indias, con un sistema de talleres experimentales e itinerantes que lleva el nombre nada modesto de Fundación para un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Es una experiencia piloto con periodistas nuevos para trabajar sobre una especialidad específica - reportaje, edición, entrevistas de radio y televisión, y tantas otras - bajo la dirección de un veterano del oficio. En respuesta a una convocatoria pública de la Fundación, los candidatos son propuestos por el medio en que trabajan, el cual corre con los gastos del viaje, la estancia y la matrícula. Deben ser menores de treinta años, tener una experiencia mínima de tres, y acreditar su aptitud y el grado de dominio de su especialidad con muestras de las que ellos mismos consideren sus mejores y sus peores obras. La duración de cada taller depende de la disponibilidad del maestro invitado - que escasas veces puede ser de más de una semana -, y éste no pretende ilustrar a sus talleristas con dogmas teóricos y prejuicios académicos, sino foguearlos en mesa redonda con ejercicios prácticos, para tratar de transmitirles sus experiencias en la carpintería del oficio. Pues el propósito no es enseñar a ser periodistas, sino mejorar con la práctica a los que ya lo son. No se hacen exámenes ni evaluaciones finales, ni se expiden diplomas ni certificados de ninguna clase: la vida se encargará de decidir quién sirve y quién no sirve. Trescientos veinte periodistas jóvenes de once países han participado en veintisiete talleres en sólo año y medio de vida de la Fundación, conducidos por veteranos de diez nacionalidades. Los inauguró Alma Guillermoprieto con dos talleres de crónica y reportaje. Terry Anderson dirigió otro sobre información en situaciones de peligro, con la colaboración de un general de las Fuerzas Armadas que señalo muy bien los límites entre el heroísmo y el suicidio. Tomas Eloy Martínez, nuestro cómplice más fiel y encarnizado, hizo un taller de edición y más tarde otro de periodismo en tiempos de crisis. Phil Bennet hizo el suyo sobre las tendencias de la prensa en los Estados Unidos y Stephen Ferry lo hizo sobre fotografía. El magnifico Horacio Bervitsky y el acucioso Tim Golden exploraron distintas áreas del periodismo investigativo, y el español Miguel Angel Bastenier dirigió un seminario de periodismo internacional y fascinó a sus talleristas con un análisis crítico y brillante de la prensa europea. Uno de gerentes frente a redactores tuvo resultados muy positivos, y soñamos con convocar el año entrante un intercambio masivo de experiencias en ediciones dominicales entre editores de medio mundo. Yo mismo he incurrido varias veces en la tentación de convencer a los talleristas de que un reportaje magistral puede ennoblecer a la prensa con los gérmenes diáfanos de la poesía. Los beneficios cosechados hasta ahora no son fáciles de evaluar desde un punto de vista pedagógico, pero consideramos como síntomas alentadores el entusiasmo creciente de los talleristas, que son ya un fermento multiplicador del inconformismo y la subversión creativa dentro de sus medios, compartido en muchos casos por sus directivas. El solo hecho de lograr que veinte periodistas de distintos países se reúnan a conversar cinco días sobre el oficio ya es un logro para ellos y para el periodismo. Pues al fin y al cabo no estamos proponiendo un nuevo modo de enseñarlo, sino tratando de inventar otra vez el viejo modo de aprenderlo. Los medios harían bien en apoyar esta operación de rescate. Ya sea en sus salas de redacción, o con escenarios construidos a propósito, como los simuladores aéreos que reproducen todos los incidentes del vuelo para que los estudiantes aprendan a sortear los desastres antes de que se los encuentren de verdad atravesados en la vida. Pues el periodismo es una pasión insaciable que sólo puede digerirse y humanizarse por su confrontación descarnada con la realidad. Nadie que no la haya padecido puede imaginarse esa servidumbre que se alimenta de las imprevisiones de la vida. Nadie que no lo haya vivido puede concebir siquiera lo que es el pálpito sobrenatural de la noticia, el orgasmo de la primicia, la demolición moral del fracaso. Nadie que no haya nacido para eso y esté dispuesto a vivir sólo para eso podría persistir en un oficio tan incomprensible y voraz, cuya obra se acaba después de cada noticia, como si fuera para siempre, pero que no concede un instante de paz mientras no vuelve a empezar con más ardor que nunca en el minuto siguiente. A melhor profissão do mundo Palabras pronunciadas por el periodista y escritor colombiano Gabriel García Márquez, Premio Nobel de Literatura y presidente de la Fundación para un Nuevo Periodismo Iberoamericano, ante la 52a. asamblea de la Sociedad Interamericana de Prensa, SIP, en Los Angeles, U.S.A., octubre 7 de 1996. A una universidad colombiana se le preguntó cuáles son las pruebas de aptitud y vocación que se hacen a quienes desean estudiar periodismo y la respuesta fue terminante: “Los periodistas no son artistas”. Estas reflexiones, por el contrario, se fundan precisamente en la certidumbre de que el periodismo escrito es un género literario. Hace unos cincuenta años no estaban de moda las escuelas de periodismo. Se aprendía en las salas de redacción, en los talleres de imprenta, en el cafetín de enfrente, en las parrandas de los viernes. Todo el periódico era una fábrica que formaba e informaba sin equívocos, y generaba opinión dentro de un ambiente de participación que mantenía la moral en su puesto. Pues los periodistas andábamos siempre juntos, hacíamos vida común, y éramos tan fanáticos del oficio que no hablábamos de nada distinto que del oficio mismo. El trabajo llevaba consigo una amistad de grupo que inclusive dejaba poco margen para la vida privada. No existían las juntas de redacción institucionales, pero a las cinco de la tarde, sin convocatoria oficial, todo el personal de planta hacía una pausa de respiro en las tensiones del día y confluía a tomar el café en cualquier lugar de la redacción. Era una tertulia abierta donde se discutían en caliente los temas de cada sección y se le daban los toques finales a la edición de mañana. Los que no aprendían en aquellas cátedras ambulatorias y apasionadas de veinticuatro horas diarias, o los que se aburrían de tanto hablar de los mismo, era porque querían o creían ser periodistas, pero en realidad no lo eran. El periódico cabía entonces en tres grandes secciones: noticias, crónicas y reportajes, y notas editoriales. La sección más delicada y de gran prestigio era la editorial. El cargo más desvalido era el de reportero, que tenía al mismo tiempo la connotación de aprendiz y cargaladrillos. El tiempo y el mismo oficio han demostrado que el sistema nervioso del periodismo circula en realidad en sentido contrario. Doy fe: a los diecinueve años - siendo el peor estudiante de derecho - empecé mi carrera como redactor de notas editoriales y fui subiendo poco a poco y con mucho trabajo por las escaleras de las diferentes secciones, hasta el máximo nivel de reportero raso. La misma práctica del oficio imponía la necesidad de formarse una base cultural, y el mismo ambiente de trabajo se encargaba de fomentarla. La lectura era una adicción laboral. Los autodidactas suelen ser ávidos y rápidos, y los de aquellos tiempos lo fuimos de sobra para seguir abriéndole paso en la vida al mejor oficio del mundo - como nosotros mismos lo llamábamos. Alberto Lleras Camargo, que fue periodista siempre y dos veces presidente de Colombia, no era ni siquiera bachiller. La creación posterior de las escuelas de periodismo fue una reacción escolástica contra el hecho cumplido de que el oficio carecía de respaldo académico. Ahora ya no son sólo para la prensa escrita sino para todos los medios inventados y por inventar. Pero en su expansión se llevaron de calle hasta el nombre humilde que tuvo el oficio desde sus orígenes en el siglo XV, y ahora no se llama periodismo sino Ciencias de la Comunicación o Comunicación Social. El resultado, en general, no es alentador. Los muchachos que salen ilusionados de las academias, con la vida por delante, parecen desvinculados de la realidad y de sus problemas vitales, y prima un afán de protagonismo sobre la vocación y las aptitudes congénitas. Y en especial sobre las dos condiciones más importantes: la creatividad y la práctica. La mayoría de los graduados llegan con deficiencias flagrantes, tienen graves problemas de gramática y ortografía, y dificultades para una comprensión reflexiva de textos. Algunos se precian de que pueden leer al revés un documento secreto sobre el escritorio de un ministro, de grabar diálogos casuales sin prevenir al interlocutor, o de usar como noticia una conversación convenida de antemano como confidencial. Lo más grave es que estos atentados éticos obedecen a una noción intrépida del oficio, asumida a conciencia y fundada con orgullo en la sacralización de la primicia a cualquier precio y por encima de todo. No los conmueve el fundamento de que la mejor noticia no es siempre la que se da primero sino muchas veces la que se da mejor. Algunos, conscientes de sus deficiencias, se sienten defraudados por la escuela y no les tiembla la voz para culpar a sus maestros de no haberles inculcado las virtudes que ahora les reclaman, y en especial la curiosidad por la vida. Es cierto que estas críticas valen para la educación general, pervertida por la masificación de escuelas que siguen la línea viciada de lo informativo en vez de lo formativo. Pero en el caso específico del periodismo parece ser, además, que el oficio no logró evolucionar a la misma velocidad que sus instrumentos, y los periodistas se extraviaron en el laberinto de una tecnología disparada sin control hacia el futuro. Es decir, las empresas se han empeñado a fondo en la competencia feroz de la modernización material y han dejado para después la formación de su infantería y los mecanismos de participación que fortalecían el espíritu profesional en el pasado. Las salas de redacción son laboratorios asépticos para navegantes solitarios, donde parece más fácil comunicarse con los fenómenos siderales que con el corazón de los lectores. La deshumanización es galopante. No es fácil entender que el esplendor tecnológico y el vértigo de las comunicaciones, que tanto deseábamos en nuestros tiempos, hayan servido para anticipar y agravar la agonía cotidiana de la hora del cierre. Los principiantes se quejan de que los editores les conceden tres horas para una tarea que en el momento de la verdad es imposible en menos de seis, que les ordenan material para dos columnas y a la hora de la verdad sólo les asignan media, y en el pánico del cierre nadie tiene tiempo ni humor para explicarles por qué, y menos para darles una palabra de consuelo. “Ni siquiera nos regañan”, dice un reportero novato ansioso de comunicación directa con sus jefes. Nada: el editor que antes era un papá sabio y compasivo, apenas si tiene fuerzas y tiempo para sobrevivir él mismo a las galeras de la tecnología. Creo que es la prisa y la restricción del espacio lo que ha minimizado el reportaje, que siempre tuvimos como el género estrella, pero que es también el que requiere más tiempo, más investigación, más reflexión, y un dominio certero del arte de escribir. Es en realidad la reconstitución minuciosa y verídica del hecho. Es decir: la noticia completa, tal como sucedió en la realidad, para que el lector la conozca como si hubiera estado en el lugar de los hechos. Antes que se inventaran el teletipo y el télex, un operador de radio con vocación de mártir capturaba al vuelo las noticias del mundo entre silbidos siderales, y un redactor erudito las elaboraba completas con pormenores y antecedentes, como se reconstruye el esqueleto entero de un dinosaurio a partir de una vértebra. Sólo la interpretación estaba vedada, porque era un dominio sagrado del director, cuyos editoriales se presumían escritos por él, aunque no lo fueran, y casi siempre con caligrafías célebres por lo enmarañadas. Directores históricos tenían linotipistas personales para descifrarlas. Un avance importante en este medio siglo es que ahora se comenta y se opina en la noticia y en el reportaje, y se enriquece el editorial con datos informativos. Sin embargo, los resultados no parecen ser los mejores, pues nunca como ahora ha sido tan peligroso este oficio. El empleo desaforado de comillas en declaraciones falsas o ciertas permite equívocos inocentes o deliberados, manipulaciones malignas y tergiversaciones venenosas que le dan a la noticia la magnitud de un arma mortal. Las citas de fuentes que merecen entero crédito, de personas generalmente bien informadas o de altos funcionarios que pidieron no revelar su nombre, o de observadores que todo lo saben y que nadie ve, amparan toda clase de agravios impunes. Pero el culpable se atrinchera en su derecho de no revelar la fuente, sin preguntarse si él mismo no es un instrumento fácil de esa fuente que le transmitió la información como quiso y arreglada como más le convino. Yo creo que sí: el mal periodista piensa que su fuente es su vida misma - sobre todo si es oficial- y por eso la sacraliza, la consiente, la protege, y termina por establecer con ella una peligrosa relación de complicidad, que lo lleva inclusive a menospreciar la decencia de la segunda fuente. ser demasiado anecdótico, creo que hay otro gran culpable en este drama: la grabadora. Antes de que ésta se inventara, el oficio se hacía bien con tres recursos de trabajo que en realidad eran uno sólo: la libreta de notas, una ética a toda prueba, y un par de oídos que los reporteros usábamos todavía para oír lo que nos decían. El manejo profesional y ético de la grabadora está por inventar. Alguien tendría que enseñarles a los colegas jóvenes que la casete no es un sustituto de la memoria, sino una evolución de la humilde libreta de apuntes que tan buenos servicios prestó en los orígenes del oficio. La grabadora oye pero no escucha, repite - como un loro digital - pero no piensa, es fiel pero no tiene corazón, y a fin de cuentas su versión literal no será tan confiable como la de quien pone atención a las palabras vivas del interlocutor, las valora con su inteligencia y las califica con su moral. Para la radio tiene la enorme ventaja de la literalidad y la inmediatez, pero muchos entrevistadores no escuchan las respuestas por pensar en la pregunta siguiente. La grabadora es la culpable de la magnificación viciosa de la entrevista. La radio y la televisión, por su naturaleza misma, la convirtieron en el género supremo, pero también la prensa escrita parece compartir la idea equivocada de que la voz de la verdad no es tanto la del periodista que vio como la del entrevistado que declaró. Para muchos redactores de periódicos la transcripción es la prueba de fuego: confunden el sonido de las palabras, tropiezan con la semántica, naufragan en la ortografía y mueren por el infarto de la sintaxis. Tal vez la solución sea que se vuelva a la pobre libretita de notas para que el periodista vaya editando con su inteligencia a medida que escucha, y le deje a la grabadora su verdadera categoría de testigo invaluable. De todos modos, es un consuelo suponer que muchas de las transgresiones éticas, y otras tantas que envilecen y avergüenzan al periodismo de hoy, no son siempre por inmoralidad, sino también por falta de dominio profesional. Tal vez el infortunio de las facultades de Comunicación Social es que enseñan muchas cosas útiles para el oficio, pero muy poco del oficio mismo. Claro que deben persistir en sus programas humanísticos, aunque menos ambiciosos y perentorios, para contribuir a la base cultural que los alumnos no llevan del bachillerato. Pero toda la formación debe estar sustentada en tres pilares maestros: la prioridad de las aptitudes y las vocaciones, la certidumbre de que la investigación no es una especialidad del oficio sino que todo el periodismo debe ser investigativo por definición, y la conciencia de que la ética no es una condición ocasional, sino que debe acompañar siempre al periodismo como el zumbido al moscardón. El objetivo final debería ser el retorno al sistema primario de enseñanza mediante talleres prácticos en pequeños grupos, con un aprovechamiento crítico de las experiencias históricas, y en su marco original de servicio público. Es decir: rescatar para el aprendizaje el espíritu de la tertulia de las cinco de la tarde. Un grupo de periodistas independientes estamos tratando de hacerlo para toda la América Latina desde Cartagena de Indias, con un sistema de talleres experimentales e itinerantes que lleva el nombre nada modesto de Fundación para un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Es una experiencia piloto con periodistas nuevos para trabajar sobre una especialidad específica - reportaje, edición, entrevistas de radio y televisión, y tantas otras - bajo la dirección de un veterano del oficio. En respuesta a una convocatoria pública de la Fundación, los candidatos son propuestos por el medio en que trabajan, el cual corre con los gastos del viaje, la estancia y la matrícula. Deben ser menores de treinta años, tener una experiencia mínima de tres, y acreditar su aptitud y el grado de dominio de su especialidad con muestras de las que ellos mismos consideren sus mejores y sus peores obras. La duración de cada taller depende de la disponibilidad del maestro invitado - que escasas veces puede ser de más de una semana -, y éste no pretende ilustrar a sus talleristas con dogmas teóricos y prejuicios académicos, sino foguearlos en mesa redonda con ejercicios prácticos, para tratar de transmitirles sus experiencias en la carpintería del oficio. Pues el propósito no es enseñar a ser periodistas, sino mejorar con la práctica a los que ya lo son. No se hacen exámenes ni evaluaciones finales, ni se expiden diplomas ni certificados de ninguna clase: la vida se encargará de decidir quién sirve y quién no sirve. Trescientos veinte periodistas jóvenes de once países han participado en veintisiete talleres en sólo año y medio de vida de la Fundación, conducidos por veteranos de diez nacionalidades. Los inauguró Alma Guillermoprieto con dos talleres de crónica y reportaje. Terry Anderson dirigió otro sobre información en situaciones de peligro, con la colaboración de un general de las Fuerzas Armadas que señalo muy bien los límites entre el heroísmo y el suicidio. Tomas Eloy Martínez, nuestro cómplice más fiel y encarnizado, hizo un taller de edición y más tarde otro de periodismo en tiempos de crisis. Phil Bennet hizo el suyo sobre las tendencias de la prensa en los Estados Unidos y Stephen Ferry lo hizo sobre fotografía. El magnifico Horacio Bervitsky y el acucioso Tim Golden exploraron distintas áreas del periodismo investigativo, y el español Miguel Angel Bastenier dirigió un seminario de periodismo internacional y fascinó a sus talleristas con un análisis crítico y brillante de la prensa europea. Uno de gerentes frente a redactores tuvo resultados muy positivos, y soñamos con convocar el año entrante un intercambio masivo de experiencias en ediciones dominicales entre editores de medio mundo. Yo mismo he incurrido varias veces en la tentación de convencer a los talleristas de que un reportaje magistral puede ennoblecer a la prensa con los gérmenes diáfanos de la poesía. Los beneficios cosechados hasta ahora no son fáciles de evaluar desde un punto de vista pedagógico, pero consideramos como síntomas alentadores el entusiasmo creciente de los talleristas, que son ya un fermento multiplicador del inconformismo y la subversión creativa dentro de sus medios, compartido en muchos casos por sus directivas. El solo hecho de lograr que veinte periodistas de distintos países se reúnan a conversar cinco días sobre el oficio ya es un logro para ellos y para el periodismo. Pues al fin y al cabo no estamos proponiendo un nuevo modo de enseñarlo, sino tratando de inventar otra vez el viejo modo de aprenderlo. Los medios harían bien en apoyar esta operación de rescate. Ya sea en sus salas de redacción, o con escenarios construidos a propósito, como los simuladores aéreos que reproducen todos los incidentes del vuelo para que los estudiantes aprendan a sortear los desastres antes de que se los encuentren de verdad atravesados en la vida. Pues el periodismo es una pasión insaciable que sólo puede digerirse y humanizarse por su confrontación descarnada con la realidad. Nadie que no la haya padecido puede imaginarse esa servidumbre que se alimenta de las imprevisiones de la vida. Nadie que no lo haya vivido puede concebir siquiera lo que es el pálpito sobrenatural de la noticia, el orgasmo de la primicia, la demolición moral del fracaso. Nadie que no haya nacido para eso y esté dispuesto a vivir sólo para eso podría persistir en un oficio tan incomprensible y voraz, cuya obra se acaba después de cada noticia, como si fuera para siempre, pero que no concede un instante de paz mientras no vuelve a empezar con más ardor que nunca en el minuto siguiente.